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Ficha técnica: Conto Popular
Autor: Desconhecido (transmissăo oral) Ilustraçăo e Composiçăo Gráfica de:
Adriano Guerreiro, António Peleja, Manuel Ribeiro 4
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Certo dia estava um rapaz a observar o seu cão, deitado ao sol a brincar ou a fazer absolutamente nada e pensou para ele o quanto era injusto ele ter de trabalhar e o cão
nada fazer durante todo o dia. Vai daí decide falar com o pai. “Pai, não é justo que o cão
possa passar o dia sem fazer
nada, a espreguiçar-se ao sol, e
ainda tenha direito a uma casa, co-
mida e andar por onde quer quando quer.”
O pai, que já conhecia o rapaz de ginjeira e
estava a perceber para onde o rapaz queria levar a conversa, pergunta:
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“Achas que sim filho? Então para sermos mais justos o que devemos fazer? Achas que abandone o cão aí em qualquer lado de maneira a não voltar para casa ou
que o dê a alguém que não se importe de o alimentar mesmo que ele passe o tempo deitado?”
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O filho, armado em esperto, tenta beneficiar da situação e responde: “Não, o que era justo era eu poder ter a mesma vida do cão, pois sou o teu filho e tenho mais direitos do que ele.” O pai, como já estava à espera do que ali vinha, com uma voz calma, responde: “Tens razão meu filho, pois a partir de amanhã vais passar a ter a vida do cão, com tudo o que ele tem direito.” O rapaz faz um sorriso
rasgado, e fica felicíssimo da vida por achar que tinha conseguido o que queria. 8
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- Mas pai, ontem
Na manhã seguinte, estava o rapaz descansado a dormir quando o pai entra no
quarto para o acordar, ainda mal o sol tinha nascido.
“Vamos a levantar filho, já está na hora de ir trabalhar.”
O rapaz ainda muito ensonado exclama:
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disse que ia poder ter uma vida do cão.
- “Mas é por isso mesmo
que te venho acordar filho. O cão já
está levantado a correr de um lado para o outro, à espera de ir comigo para o trabalho, por isso vamos a levantar.”
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Contrariado, o rapaz levanta-se,
pensando que este serรก um mal menor e que poderรก beneficiar do resto.
Depois de ir lavar-se, o rapaz ainda meio ensonado e sem von-
tade nenhuma de ir trabalhar, dirige-se para a cozinha para tomar o pequeno-almoรงo.
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- “Então meu filho, tens a certeza que queres prosseguir com a vida do cão?” -
que
“É
claro
achas
que
que
quero
não
iria
pai,
por-
querer?”
- “Bem, pois então não te sentas à mesa, terás de comer no chão, como o cão.”
O rapaz fica calado, sem saber o que dizer perante a afirmação do pai, mas mais uma
vez
pensa
que
será
um
mal
menor e também desde que possa comer dentro do prato, não será nada demais.
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Quando se preparam para ir para o trabalho, o pai interrompe o filho antes deste subir para a carroça.
- “Então filho, já alguma vez viste o cão subir para a carroça?”
- “Ele não é capaz de subir!”
- “Pois não sei filho, eu também nunca deixei, por isso se queres continuar com isto tens de fazer como ele.”
O rapaz não fica nada contente e não está a achar graça nenhuma à brincadeira, mas não é agora que vai desistir.
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Já no local de trabalho, o rapaz, cansado
deita-se debaixo de uma árvore e ali fica a manhã inteira a dormir, sem que o
pai nada lhe diga, até à hora do almoço. Quando acorda, todo satisfeito por ter
descansado a manhã inteira diz ao pai:
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- “Afinal
parece que valeu a pena ter vindo a pĂŠ.
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Se quiseres podes desistir
agora, mas vais ter de me ajudar a tarde toda.
Então pai, o que há para comer?”
O pai senta-se então para almoçar e diz ao filho.
- “Por acaso já viste o cão a comer comigo à hora do almoço?”
Pois então tal como o cão vais comer o que sobrar.” - “Mas pai, eu sou o teu filho.” 22
- Não senhor, venha de lá
o que sobrar, mas pelo menos não faço nada durante a tarde.
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O rapaz, como estava
habituado a comer bem,
depois de dividir o que sobrou com o cĂŁo, passou
toda a tarde com alguma fome e, ainda teve de fa-
zer o caminho de regresso para
casa
da
mesma
forma que o cĂŁo, a pĂŠ.
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Ao chegarem a casa, cansados e com fome, o pai pergunta novamente ao filho:
- “Então, o que achaste da vida de cão até agora, ainda queres continuar com isto?”
O rapaz, aborrecido por as coisas não terem sido como tinha pensado, responde:
- “É claro que quero. Agora que vem o melhor e posso fazer o que me apetecer é
que ia desistir? Nem pensar, só preciso de um banho e comer qualquer coisa nem que seja no chão, para poder ir dar uma volta.” - “Pois sim meu filho. Então vai lá tomar
um banhito ali no tanque, porque o cão não
entra em casa para tomar banho. O melhor que posso fazer é trazer-te uma roupita só para não ires despido…” 26
- “… e já vais com sorte, porque o cão não usa roupas… e depois de comeres os restos do almoço que a tua mãe guardou para vocês dois e de ires dar a tua voltinha, podes dormir com o cão aí na casota dele. Até já temos ali uma mantinha para ti.” - “Mas pai…”
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Com isto o homem entra em casa calmamente, aguarda um pouco e então olha pela janela e vê o seu filho abraçado ao cão a pedir-lhe desculpa, apesar de ele próprio saber que o animal só entenderia o abraço como uma forma de amizade e carinho.
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O rapaz entra em casa de cabeça baixa
em sinal de vergonha e vai ter com o pai. - “Então filho, já tomaste banho, tão rápido?”
- “Desculpe pai, eu percebi a mensagem e
prometo que não vou mais querer uma vida que não seja a minha.
Nunca olhei com atenção para o nosso cão e só pensava na boa vida que tinha quando olhava para ele deitado sem fazer nada.”
O seu pai coloca-lhe a mão no ombro e diz com voz calma.
- “Vai lá tomar banho para podermos ir jantar
que a mãe está a acabar de fazer o jantar.”
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O rapaz, sem dizer mais nada, vai tomar banho e depois junta-se ao seu pai na mesa de jantar e riem
juntos do dia de cão que o rapaz tivera, que, ao contrário do que ele pensava, até não é fácil, mas,
mesmo assim nunca reclama do que tem e vive feliz. E o rapaz promete a si próprio que nunca mais vai querer viver uma vida que não seja a dele. 32
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APM - Artes Plásticas e Multimédia Unidade Curricular - Laboratório Multimédia Adriano Gurreiro - 9955 António Peleja - 9964
Manuel Ribeiro - 9886