Revista Penalux, nº 2 | Maio de 2019

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REVISTA PENALUX

N. 2 | MAIO | 2019

ENTREVISTA

Ricardo Ramos Filho e o livro de crônicas Conversa comigo

PROSA&VERSO

Romance Memórias da infância em que eu morri, de Hugo Pascottini Pernet Poemas de Neurivan Sousa

RESENHAS

O Berro do Bode, de Verena Cavalcante Garrafas ao mar, de Adriane Garcia Corações ruidosos em queda livre, de Alex Sens Confissões de Afrodite, de Rita Queiroz

ENSAIO

Narrar e se deslocar, de Marcos Vinicius Almeida

E MAIS

Vitrine de lançamentos e cliques de leitores 1

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REVISTA PENALUX

N. 2 | MAIO | 2019

expediente EDIÇÃO Wilson Gorj | Tonho França CONTEÚDO VISUAL, CONCEPÇÃO E ORGANIZAÇÃO Equipe Penalux: Yanara de Oliveira | Rayane Paz | Dáblio Jotta | Carlos Saldanha Mancur REVISÃO Marcos Vinícius Almeida PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Rafael Voigt CAPA

Foto editada, sem autoria: https://bit.ly/2WJ7ucL

COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Alexandre Kovacs Eudes Cruz Marcelo Frota Marcos Vinícius Almeida Sérgio Tavares

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Rua Marechal Floriano, 39 - Centro Guaratinguetá, SP | CEP: 125000-260 penalux@editorapenalux.com.br www.editorapenalux.com.br

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cartas à redação Uma beleza esta revista da Penalux. A começar por um Editorial claro, sucinto e propositivo nas ideias e no projeto que expõe, ou seja, o da Revista. Interessante a apresentação de vários livros através da foto da capa e resenha concisa, e ainda links. Capa cativante e colaboradores de peso tais como o Krishnamurti, ótimo e destacado crítico literário, bem como a Alexandra Vieira. O lançamento desta revista servirá como um instrumento de divulgação da editora, seus autores e seus livros; aliada a uma bela e leve diagramação. Leveza com clareza e beleza. Convidativa. Muito bom o conto “Ícaro”, de Patrícia Porto. Nos destaques, aqueles livros que ganharam projeção em prêmios literários nacionais e colocaram a Penalux e seus autores em evidência no cenário literário. Entre eles, o ótimo livro, a começar pela belíssima capa: Diário da casa arruinada, de Tiago Feijó. Parabéns pela iniciativa aos editores Tonho França e Wilson Gorj. Milton Rezende, poeta

A Revista Penalux ficou bacanérrima! Muito boa, mesmo, considerando uma primeira edição; o formato e as disposições dos conteúdos estão perfeitos, a simultaneidade entre textos e promoção de livros está finamente organizada; a capa ficou muito leve e interessantíssima e ao mesmo tempo fugiu da ideia de capa de livro, o que me parece ser uma ideia sensacional para outra chave de leitura e promoção de conteúdos. [...] Tenho certeza de que as próximas edições serão cada vez melhores, com outros novos formatos e disposições de conteúdos. Pontuar que se trata de uma revista para conteúdos, textos e notícias exclusivamente de/sobre a Editora Penalux e seus livros e autores e suas ações é extremamente importante, pois já tem revista demais por aí aberta a novos textos, autores e outros conteúdos etc. O leitor não pode ficar confuso quanto aos conteúdos e proposta da revista-catálogo. [...] Uma última coisa também extremamente importante: em todas as ações relacionadas à revista é imprescindível a marca e a poderosa assinatura da Editora Penalux – uma editora que se reinventa a cada dia. Grande sucesso desde já e vida longa para Revista Penalux. Tim-tim! Saúde! Marcos Torres, escritor

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editorial

Caros amigos, A revista da Penalux chega a seu segundo número, com o ânimo de seus colaboradores fortalecido pela excelente recepção à sua edição de estreia. Foi um sucesso: mais de 1.500 visualizações e de 700 downloads durante o primeiro mês de sua publicação. Avançamos, portanto, rumo ao objetivo de levar nosso conteúdo ao maior número de pessoas possível. Claro, o número de leitores poderia – e precisa – ser ainda maior. Por isso, prosseguimos empenhados. As parcerias com veículos literários (sites, blogues, perfis no Instagran e canais no Youtube) continuam também nos auxiliando na divulgação de nossos livros e autores. Nesta nova edição, ampliamos a quantidade de resenhas, para que a revista comporte mais fortuna crítica do nosso catálogo e dê mais espaço a resenhistas e colaboradores. A despeito do caráter específico deste periódico bimestral, cujo foco principal está em nossos livros e autores, acreditamos que a Revista Penalux tem oferecido material relevante e de interesse para leitores dos mais variados gêneros. Por fim, esperamos que este número seja acolhido com o mesmo entusiasmo e carinho. Que a leitura destas páginas traga a você, leitor, o mesmo prazer que nós, editores e colaboradores, tivemos ao concebê-las e editá-las. Os editores

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entrevista

Ricardo Ramos Filho foto: arquivo pessoal (reprodução)

Neto de Graciliano e filho de Ricardo Ramos, com várias obras escritas para o público infanto-juvenil, acaba de lançar o livro de crônicas Conversa comigo

O meu cotidiano, embora exista sempre uma boa dose de ficção nas crônicas que escrevo, está muito presente em Conversa comigo. Minhas preocupações e a maneira como enxergo o mundo também. Assim, a afirmação de que a crônica reflete a contemporaneidade do escritor é bastante verdadeira no meu caso.

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As crônicas de Conversa comigo captam desde situações corriqueiras vivenciadas em uma grande metrópole como São Paulo, passando por reflexões sobre a vida de escritor, até memórias pessoais. Como surgiram as crônicas do livro? Eu gosto muito do gênero, leio crônicas, acho que é uma oportunidade bacana de conversar com o leitor. Comecei escrevendo para alguns blogs e revistas esporadicamente, acabei fazendo isso com mais assiduidade, quando vi tinha um volume suficiente de material para publicar em livro. Quanto aos assuntos, acho que o fato de andar pelas ruas muito atento ao meu entorno ajudou a construir os textos. Sou um curioso da cidade grande, apaixonado por ela. Minhas memórias interferem o tempo todo. Acabo revivendo muita coisa quando escrevo.

afinidade com a sua experiência de escrever para crianças e jovens? Não tinha pensado nisso. Talvez sim. Quando escrevemos, e no meu caso isto é sempre bem presente, de certa forma falamos com o leitor. Acostumei-me, sim, a usar uma linguagem mais leve, afinal sempre conversei com o público leitor iniciante. Quem sabe minha linguagem não continue impregnada por tal hábito? Pode ser...

Ricardo, impossível não lembrar que você vem de uma linhagem importante de escritores: seu avô, Graciliano, e seu pai, Ricardo Ramos. De que modo essa genealogia influência sua escrita, incluindo, é claro, este trabalho como cronista? De maneira indireta (Graciliano) e direta (Ricardo, pai) eles sempre influenciaram. Meu pai orientou minhas leituras, leu meus primeiros textos, da mesma forma que meu avô fez com ele. Há, Por natureza, a portanto, alguns ecos que crônica é um gênero permanecem na escrita literário híbrido, mas de todos. O texto curto, a que deve refletir, de necessidade de enxugar as alguma maneira, a frases, a busca pela melhor contemporaneidade palavra. Sempre ouvi do escritor. Como que tinha de ser assim, escritor e leitor, qual precisava, era a forma sua relação com esse mais correta de se escrever. gênero literário? Conversa comigo carrega um pouco dos conselhos Como disse, costumo ler crônicas, considero tão familiares para mim. um gênero em que o autor pode se expressar de maneira mais espontânea, reproduzindo os Das 44 crônicas de Conversa comigo, seria sentimentos e as visões de forma mais direta. O possível indicar para o leitor da revista meu cotidiano, embora exista sempre uma boa penalux algumas que, em sua opinião, dose de ficção nas crônicas que escrevo, está representam uma síntese do cronista Ricardo muito presente em Conversa comigo. Minhas Ramos Filho? preocupações e a maneira como enxergo o Eu considero demais o leitor para fazer isso. Sei mundo também. Assim, a afirmação de que a que se enumerar as minhas preferidas, de certa crônica reflete a contemporaneidade do escritor é forma, estarei influenciando a leitura dos textos, bastante verdadeira no meu caso. já que a opinião do escritor pesa demais. Gosto de pensar que entre as 44 crônicas, uma que não me Sua produção literária está bastante vinculada à fale tanto ao coração, pode ser a eleita por alguém literatura infanto-juvenil. A leveza da linguagem como sua preferida. de suas crônicas em Conversa comigo guarda 7

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livros são fotogênicos cliques de leitores

livro: A lua é um grande queijo suspenso no céu, romance, Cláudio Parreira (2018) foto: Andri Carvão

livro: Amores de vento, poesia, Edson Henrique (2018) foto: arquivo pessoal/autor

livro: Malditos, romance, Anderson Pires da Silva (2018) foto: Jéssica Amaral

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livro: TW: para ler com a cabeça entre o poste e a calçada, prosa/ficção, Camila Passatuto (2017) foto: Tati Shimokawa

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vitrine Ramon Ronchi. Forte apache poesia | 14x21 | 108 p. | 2019

Prepara-se para sofrer um grande abalo: este livro de estreia de Ramon Ronchi faz questão de trabalhar com difíceis temas – como depressão, alcoolismo, bulimia, assassinato, etc. – ainda que os apresente através das sombras. Entretanto, essas sombras se apresentam não como fruto de um medo do autor de deixar tudo muito explícito, e sim como uma crítica à névoa que a própria sociedade aplica a tais assuntos. Ronchi, com seus poemas pequenos e versos livres, expõe suas ideias sem delongas, apenas com poucas pinceladas, de forma bastante objetiva sobre o que veio a dizer. Além de trazer questões sobretudo íntimas, não foge de seu preciso olhar problemas políticos e sociais. editorapenalux.com.br/loja/forte-apache

Roseana Murray e William Amorim. Gatos poesia | ilustrações | 18x18 | 72 p. | 2019

A relação entre humanos e gatos é milenar, a ponto desses animais serem referenciados em muitas culturas, como a do antigo Egito. Hoje, os gatos continuam por toda parte: nas nossas casas, nos vídeos da internet, nos nossos corações e, claro, nas artes – afinal de contas, um dos espetáculos mais famosos da Broadway é justamente Cat’s. Numa brincadeira entre dois poetas, Roseana Murray e William Amorim, em que um terminava o poema do outro – quase como uma cama de gato poética –, o livro Gatos foi surgindo, quase que por mágica. São poemas leves, mas de muita qualidade, divertidos, e para toda família, sobre esse curioso e amado animal que, não importa sua reputação, está sempre conosco. editorapenalux.com.br/loja/gatos

Diego Mendes Sousa. Tinteiros da casa e do coração desertos poesia | 14x21 | 100 p. | 2019

O tema-chave de Tinteiros da casa e do coração desertos é o tempo. Sobre a tinta fresca ou a tinta seca, Diego Mendes Sousa pinta sobre seus versos a passagem dos anos pela eternidade – com todas suas angústias, alegrias e saudades. Cada parede desta grande casa da poesia tem sua tinta especial, de cor e textura única, e a arte dos tinteiros da vida é impecável, emocionante e exata. O autor mistura a exuberância com a contenção de forma magnífica, traçando um quadro real da vida humana, com o de mais belo que a nossa língua pode oferecer. editorapenalux.com.br/loja/tinteiros-da-casa-e-do-coracao-desertos

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resenha O mais alto grau da distopia humana

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publicação de O berro do bode, segunda coletânea de contos de Verena Cavalcante, retoma a motivação da autora paulista de construir narrativas a partir de um conceito que poderia ser rotulado de distopia humana. Ao contrário da ideia de utopia, em que se vislumbra um estado ideal, de plena harmonia, a distopia se caracteriza pela realidade dura, pela deformidade. Verena situa esse entendimento num universo significado pela infância. Seus personagens são crianças ou indivíduos que carregam pesado essa fase de descobertas severamente fraturada por atos de corrupção que advêm da maldade de uma figura adulta, da violência social e/ou familiar, da perversão, da loucura. De modo que não há outra possibilidade de existência, senão se deteriorar física e moralmente. A sacada de Verena é nunca melodramatizar as histórias com o pendor do vitimismo. O leitor pode até se condoer a esses relatos penetrantes, mas acaba por ficar decerto confuso por conta do estranhamento que expressam e conduzem essas vozes. É uma dicção pueril, ora um tatibitate ora um testemunho de timbre quebradiço, que trata de coisas absurdas com uma ingenuidade apavorante. Tudo se converte, assim, para uma circunstância de delírio, de uma fantasia fabricada para filtrar um horror que a leitura vai revelando mansamente. A diferença de O berro do bode para o livro anterior é a influência patente de um sentido de bestialidade. Os animais frequentam os contos tanto de revista penalux | maio 2019

forma presencial quanto simbólica, ganhando o protagonismo ou aparecendo na condição de coadjuvantes. No excelente “A tempestade”, uma menina decide ser um cão e tal escolha, aparentemente ilustrativa, vai lhe neutralizar o comportamento humano, exilando-a num submundo urbano relegado aos bichos vadios, até seu próprio corpo manifestar características licantrópicas. O caráter alegórico do texto se dispersa num brutalismo que não encontra impacto na secura devido ao estilo adotado pela autora. Verena dá forma às suas narrativas através de frases longas e compassadas, pródigas em imagens, com a intenção de armar uma atmosfera meio de fábula, meio de pesadelo, como eram, em outros séculos, as histórias infantis. A linguagem flerta com o erudito, ressoando inevitavelmente um lirismo impróprio aos assuntos eleitos. Faz lembrar, inclusive, os versos mortiços de Augusto dos Anjos: “Vês! Ninguém assistiu ao formidável/ Enterro de tua última quimera./ Somente a Ingratidão – esta pantera”. Essa cornucópia de cenas bizarras e sensações desvairadas seguem pelos contos “Um pardal pousa na janela” e “Bonecas” (esse, brutesco), escalonando ao topo em “Porquizôme”, um surto narrativo que entrelaça fios de momentos, de modo a criar uma malha de som e fúria, um tecido de plasticidade rubra. O intrigante é que, mesmo em meio à torrente, os textos preservam algo secreto, como uma informação insidiosa contida entre frestas, no claro-escuro. É um efeito provocante de leitura, que 10


serve também para dar intensidade à visão de mundo constituída pelos olhos da criança; aquela que passa por situações de abuso sem conseguir ter a dimensão clara e real do que está ocorrendo. O conto-título articula muito bem tal subentendimento, por meio de um fundo metafórico. O berro do bode, portanto, com seus textos de mesmo caráter narrativo e apropriação de

certas circunstâncias recorrentes, consagra Verena Cavalcante como uma autora que cria um conceito para, a partir de sua aplicação, impor à sua literatura um inconfundível senso de identidade. Sérgio Tavares é jornalista e escritor. Autor de Queda da própria altura, finalista do Prêmio Brasília de Literatura, e Cavala, vencedor do Prêmio Sesc de Literatura.

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prosa&verso Trecho do livro Memórias da infância em que eu morri, de Hugo Pascottini Pernet (Penalux, 2018)

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spero deitado, os olhos e ouvidos ansiosos, os pensamentos aéreos, como gaivotas, somente um livro na frente do rosto, os versos que tapam toda minha visão do quarto, da realidade em volta, finjo que estou lendo, a palavra corpo, que poderia ser casa, a palavra caroço que poderia ser doença, e não alteraria em nada o sentido da frase. E de repente você abre a porta vestindo um pijama qualquer, todo azul, ou todo rosa, todos tão simples, a pantufa de leão nos pés, levanto e você deita no meu lugar, você pergunta, Qual é o heterônimo de hoje? São tantos, finjo que não sei, olho a prateleira cheia de Fernando Pessoa, livros de todas as cores, eu escolho um e digo que estou na dúvida mas já me decidi. Sento na cadeira em frente à escrivaninha, começo a ler, pensando um pouco na mentira, porque passei a tarde toda escolhendo, cheguei da escola e passei a tarde pensando em qual heterônimo de Fernando Pessoa íamos ler, passava os olhos pelos livros bem organizados por mim nas prateleiras, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro, Bernardo Soares. Às vezes eu até dizia ao meu irmão que talvez não desse pra brincar naquela tarde porque eu precisava ler o prefácio dos livros de Fernando Pessoa e conhecer um pouco mais sobre a vida dos heterônimos. Mas nossos encontros literários foram abolidos da sua agenda desde aquele maldito dia em que o papai chegou em casa pálido, como se tivesse visto o Gasparzinho, com a pasta do exame do laboratório médico. Desde aquele dia você me transformou num poema sem rima, sem ritmo, sem harmonia, sem estrofe, sem pontuação, abandonado, sem título que anuncie esse grande vazio arquivado na sua gaveta.

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ESTAMPA I A melancolia cravou Seus olhos de corvo Sobre meus girassóis A sós eu me vesti De espantalho de mim. * HORIZONTE CINZA Os muros mudos Deste mundo sórdido Crescem como relva E silenciam as vozes Dos que não têm asas Pedra, cimento, ferro… Por que o homem cisma Em construir abismos Se amurar o horizonte É acender seu holocausto?

Poemas do livro Minha estampa é da cor do tempo, de Neurivan Sousa (Penalux, 2017).

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vitrine Rogério Bernardes. Cinza de fazer fênix poesia | 14x21 | 110 p. | 2019

Cinzas de Fazer Fênix fecha a chamada Trilogia Alada de Rogério Bernardes, dentro da qual também se encontram os livros Olhar de Andorinha e Cantigas de Ninar Dragões. A Fênix no último volume, como há de ser, aparece para apresentar não um final, mas sim um recomeço. Esse livro sensível é um aprendizado sobre os ciclos da vida e a necessidade da presença do fogo, da cinza, do voo e, sobretudo, do renascer em nossas jornadas. editorapenalux.com.br/loja/cinzas-de-fazer-fenix

Isabela Sancho. A depressão tem sete andares e um elevador poesia | 12x26 | 116 p. | 2019

A autora, através de um grande e sensível poema, tenta destrinchar a experiência da depressão – não enquanto diagnóstico propriamente dito, mas enquanto uma condição física. Ao mesmo estilo de forte condensação metafórica e ricamente confessional de Sylvia Plath, Isabela Sancho descreve sua vivência como uma vida subterrânea a sete – este número cabalístico – andares da superfície, no qual funciona apenas um elevador. A obra não é fácil, e exige muita garra do leitor pelo peso do tema; entretanto, a esperança corre pelas entrelinhas deste subsolo de horror. Um livro que prova que a poesia pode ser instigante, que a dor pode ser fatal, mas que há sempre um novo caminho para se percorrer. www.editorapenalux.com.br/loja/a-depressao-tem-sete-andares-e-um-elevado

Nic Cardeal. Sede de céu poesia | 14x21 | 180 p. | 2019

Não há quem não se encante com os poemas deste livro. São de arrebatar a alma. Poesia pura são os versos de Nic Cardeal. E certamente é muito por isso que seus escritos têm feito tanto sucesso nas redes sociais. Ao ler esse livro você irá encontrar poemas que traduzem um mundo ou que contam nossos sentimentos como se nós os tivéssemos escrito. www.editorapenalux.com.br/loja/sede-de-ceu

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livros são fotogênicos cliques de leitores

livro: O relógio e o violino, romance, Marcio Leite (2017). foto: Camila Justi

livro: Olhar de cão, ficção, Francisco José Ramires (2018) foto: Mirelle Almeida

livro: A fábrica das desfeituras, poesia, Gilvair Messias (2019) foto: Sander Brown

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resenha Espanto provocado pelas metáforas

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este seu quarto livro, a mineira Adriane Garcia trabalha com o espanto provocado pelas metáforas no curto espaço de manobra de seus poemas. Ela consegue encontrar a palavra desconcertante e exata, chegando até a essência da ideia, tateando imagens e sensações na imprecisa região do inconsciente. A linguagem é sempre coloquial e direta em Garrafas ao Mar, me fazendo lembrar da citação de um grande poeta brasileiro, Ferreira Gullar, que afirmava: “O poema tem que ser um relâmpago. Ele tem que iluminar a tua cara, bater na tua cara como uma coisa vital”. A poesia de Adriane é isso, um relâmpago, mas também um pedido de socorro, como são as garrafas lançadas ao mar em busca de uma improvável salvação. O poeta aqui é visto como náufrago que ainda tem esperança, um “cavalo perdedor” que fala sobre a vida nas grandes metrópoles, muitas vezes violenta, vazia e triste, mas que pode se transformar em luz ofuscante no encantamento de um poema, afinal “As estrelas brilham é no breu” ou ainda, como também nos ensina a autora, “Quem aposta em cavalos vencedores / Não aposta nada”.

Tive que Chegar na frente Quem aposta em cavalos vencedores Não aposta nada.

É irresistível a comparação do ato de lançar garrafas ao mar com a navegação virtual que vivenciamos hoje nas redes sociais, ferramentas que foram criadas pretensamente com o objetivo de aproximar as pessoas e atingem resultado oposto na prática. O poeta sabe que a solidão pode matar. Neste livro, até o desespero de um voo suicida se transforma em poema. Voo do décimo oitavo andar A mulher que pulou do Prédio Nunca mais morreu Se não tomo os remédios Penso na mulher do prédio Se tomo os remédios Penso na mulher do prédio Vida é coisa difícil De carregar sem voar Dentro.

Foi bom ter recolhido essa garrafa do mar agitado e em dia chuvoso. Nesta época tão difícil em que vivemos, coitado de quem já não entende a poesia e não tem mais esperança de ser feliz. É preciso continuar sentindo a Inadequação de “Saber que há flores / Estando onde só há / Deserto.” E, no final, descobrir a mensagem mais importante, viver é o que realmente importa: “E que importa o verso / Quando todas as luzes giram / Um carrossel dentro da gente?”.

Carrossel Eu aposto em cavalos perdedores Porque muitos só Vencem Depois de uma aposta Eu sou um cavalo perdedor E por isso Muita vezes revista penalux | maio 2019

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Garrafas ao mar Pedi socorro por tantos dias quantos foram Os de minha vida Também encontrei garrafas Às quais não abri

O livro traz prefácio de Alberto Bresciani e arte de capa de Micaelle Britto. Alexandre Kovacs é um engenheiro

No fim, soube que o mar morria E que encontraram baleias mortas Abarrotadas de mensagens no estômago Talvez, algumas delas fossem minhas

que adora ler e acumular livros.

Sim, eu tive baleias na infância.

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ensaio

Narrar e se deslocar Amparados na tradição literária, livros sobre viagem revelam jornada interior

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m seu famoso em ensaio O narrador, Walter Benjamin identifica dois tipos de contadores de histórias: o camponês sedentário, guardião da memória de um lugar, portador de narrativas que se deslocam através do tempo, e o navegador comerciante, o viajante que viu e escutou muitas coisas, e tem experiências para contar. São duas autoridades naquilo que falam. Se no primeiro caso as histórias se deslocam no tempo, no segundo, as histórias se constroem e se deslocam no espaço. É assim que Odisseu, na corte do rei Alcino, relata sua errância pelo mar das sereias e a fascinante descida ao reino dos mortos. Real,

imaginária ou mitológica a viagem tem uma profícua ligação com a Literatura. Aquele que se desloca tem muitas experiências para contar, compartilhar e repassar. O que são os profetas bíblicos senão andarilhos que contam histórias? Andar e contar Séculos mais tarde, encontramos o engenhoso fidalgo D. Quixote, um viajanteaventureiro, embriagado pelas histórias de capa e espada. Ou o corajoso Gulliver, e seus naufrágios e viagens, que retorna para contar seus prodígios em Lilliput, na terra dos gigantes e na Ilha Voadora. Ou entusiasmado

cena do filme On the road (2011), baseado na obra de Jack Kerouac. revista penalux | maio 2019

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professor Aronnax, tripulante do Nautilus, em sua jornada pelo mundo subaquático e também pela curiosa filosofia de vida do excêntrico capitão Nemo. Robson Crusoé, em sua ilha exótica, ou o jovem Ismael, resgatado pelo navio Raquel ao final de Moby Dick, apenas para reportar sua aventura ao lado do obcecado capitão Ahab. No campo da não-ficção, o relato de viagem tornou-se ele próprio um gênero literário poderoso. Pensemos, por exemplo, no Livro das maravilhas do mundo, escrito pelo italiano Rusticiano de Pisa, depois de ouvir as incríveis histórias do aventureiro-explorador Marco Polo. Para se ter uma ideia do impacto desse relato, Cristóvão Colombo, que depois escreveu seu próprio livro de memóriasviajantes, teve o relato de Marco Polo como livro de cabeceira. Os livros de viagem, pelo menos nesse caso, não apenas alimentam outros livros, mas abrem os horizontes da própria realidade.

Jornada interior Do século vinte em diante o gênero termina por se especificar em várias frentes. Desde a grande reportagem jornalística, com o repórter imerso na narrativa, aos exploradores de montanhas, velejadores, turistas blogueiros, passando pela viagem no tempo e grandes jornadas pelo espaço, até os roads movies, extremamente populares em nessa época. Nesse último caso, o paradigma talvez seja justamente a obra-prima de Jack Kerouac, On the road, em que a errância de Sal Paradise e Dean Moriarty pelas desertas estradas norteamericanas torna-se não apenas uma jornada geográfica, mas uma jornada pelo interior da alma da juventude, uma constante busca por si mesmo. A viagem como mote para uma profunda busca pessoal e a descoberta de si é o grande tema de O livro do insólito viajante e sua extraordinária jornada, de André Taka, da

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Penalux. Partindo da premissa de que a vida é uma grande busca, uma jornada pessoal, esse primeiro livro do escritor santista se insere em uma longa tradição. O enredo tem como protagonista Roberto, um jovem da periferia de Salvador. Ao descobrir que o irmão roubou a mochila de um viajante que veio de Santos até a capital baiana, Roberto resolve devolvê-la. Sem saber muito bem quem é o mochileiro, Roberto resolve refazer a viagem, em sentido inverso: partindo de Salvador até Santos. No caminho, como é tradição no gênero, Roberto se depara com personagens e paisagens que, mais que relevar um exuberante exterior geográfico, afetam seu próprio interior. Criticando o materialismo de nossos dias, e a necessidade de se entregar ao fluxo da vida sem medo, O livro do insólito viajante é uma leitura que, na transformação Sobre poeira e sol e uma certa calça de seu protagonista, transforma também seus floral, embora seja uma continuação do leitores. livro anterior, funciona muito bem como narrativa independente. O leitor não Viver na pele precisa necessariamente ter lido o livro A jornalista Catarina Guedes resolveu viver anterior para poder compreender esse. Os na pele a experiência da estrada para poder carismáticos personagens do primeiro livro compor seus personagens e dar mais realismo reaparecem nesse, ganhando mais espaço e ao seu livro. Foram mais de 1000 km, entre se desenvolvimento melhor, como o piloto ônibus e caminhões, vivenciando a realidade de rally Piotr. A linguagem ágil e as ironias, da rodovia. Seu trabalho mais recente, com rastros patentes da literatura de Catarina o poderoso título de Sobre poeira e sol e uma Guedes, também marcam presença. E fazem certa calça floral, lançado pela Penalux, é a da leitura uma deliciosa viagem para o leitor. Ler e viajar, andar e contar histórias continuação de seu romance anterior Isadora, sua Camisola La Perla e a BR. No primeiro são experiências intimamente ligadas, livro uma bem-sucedida mulher de 38 anos, fundamentalmente humanas. Ao se entregar a com um coração partido, ultrapassa os limites esses livros, o leitor terá uma jornada única. da cidade e começa a viajar pela estrada Uma boa leitura, claro, mas, também, uma federal, rumo ao interior – interior geográfico, boa viagem. claro, mas principalmente a interior da alma, Marcos Vinícius Almeida, escritor e jornalista com seus conflitos e revelações.

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vitrine Caio César. O lado certo da vida certa poesia | 14x21 | 104 p. | 2019

Caio César segue o fluxo de novos poetas da atualidade: poemas pequenos, sucintos, de linguagem límpida e leve, tratando de assuntos profundos, como amor, saudade e tristeza. Reflexo da vida moderna, a poesia precisa caber no bolso, como todos os outros itens cotidianos. A poesia dessa coletânea é acessível e bela, tocando os corações de todos os tipos: homens e mulheres, velhos e jovens, das mais diversas classes sociais. Lado Certo da Vida Certa é um tocante fruto da modernidade, muito bem-sucedido em sua pureza. editorapenalux.com.br/loja/o-lado-certo-da-vida-certa

Igor Fagundes. Pensamento dança poesia | 16x23 | 194 p. | 2018

Com luxuosa edição em capa dura, este novo livro do poeta e ensaísta Igor Fagundes traz 99 poemas, que estão divididos em três seções: uma introdução em prosa poética (“Ensaio”) em que o autor teoriza a sua forma de escrever e pensar a dança; uma segunda parte (“Estreia”) com 72 poemas inéditos em torno da temática do dançar, seja no linóleo da estrutura perfeita, seja nos precipícios da liberdade poética; e finalmente, uma terceira parte (“Reestreia”), em que 27 poemas colhidos de livros anteriores (Sete mil tijolos e uma parede inacabada, Por uma gênese do horizonte e Zero ponto zero) são retomados e, com ligeiras alterações, remontados para evidenciar a dança da palavra presente no conjunto de sua obra. editorapenalux.com.br/loja/pensamento-danca

Goimar. Aquele mês de abril romance | 14x21 | 164 p. | 2019

O triângulo amoroso, tema clássico da literatura universal, é revisitado nessa história sob ótica inusitada. Embora ambientado nos dias atuais, na cidade de São Paulo, o romance é alinhavado por cinco telas do pintor José Ferraz de Almeida Júnior, ícone das artes plásticas do século 19 e objeto de estudo de uma das protagonistas. Com o avançar do enredo, fica claro que a figura emblemática do pintor vai se impondo nas linhas e entrelinhas da história de maneira cada vez mais intensa, pulsante e, por fim, assustadora. editorapenalux.com.br/loja/aquele-mes-de-abril

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resenha Três tramas em torno de um mesmo mote

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m um ônibus, todos têm muito para ver dentro de si. É em cada um dos personagens que aparecem na trama que o leitor vai conhecendo pessoas que têm saudades, desejos, lembranças e que remoem sentimentos dos mais diversos. As pessoas e seus pensamentos. Esse é o cerne da trama da primeira história do livro. Em vez de nos colocar num ambiente em que a paisagem lá fora seria o grande atrativo para aqueles passageiros, nós somos colocados no ônibus, com eles, para sentir e ver as suas impressões. Mais do que isso, para que sejamos tocados pelos seus sentimentos. Corações Ruidosos é um texto em prosa, mas carregado de lirismo. É uma narrativa caudalosa que se lança em parágrafos grandes e num texto que, ainda assim, flui, tal qual nossos pensamentos. A história se consolida e aparece a quem lê. Um texto que, sem dúvida, encanta. Nos faz pensar em quantos são os anônimos que estão ao nosso redor e que carregam suas dores e dissabores. Alguns transparecem na fisionomia chorosa, outros ganham uma história imaginada por quem o vê simplesmente pela vestimenta que usa, outros estão ali – aparentemente despercebidos –, mas cheios de vivência. Somos nós e os personagens um amontoado de pequenas histórias e de infinitos sentimentos. A segunda história do livro é Em queda. Você imagina um lugar em que o espetáculo são pessoas cometendo suicídios? Um estabelecimento oferece a morte das pessoas como espetáculo e a história trata do fascínio que o humano tem pela morte, a curiosidade mórbida de ver alguém tirando a própria vida, em queda. Lucas é o protagonista e o texto intercala narração em terceira pessoa e anotações de Lucas feitas em primeira pessoa num diário. A forma como o autor narra a trama também tem doses de poesia e metáforas que podem ser revista penalux | maio 2019

interpretadas pelo leitor de diferentes maneiras. O conto seria uma representação da sociedade que vê na morte um espetáculo digno de aplausos? Ou o conto versa sobre as dores dos personagens que veem na morte o fim de agonias e insatisfações que não são explicitadas? O final da história surpreende. Livre é a história que fecha o livro. Em formato epistolar, Leonor, a protagonista, deixa registrado o seu desabafo contundente para muitas pessoas que a cercavam. Com câncer e esperando a morte, ela tem uma ação inesperada. Leonor é uma escritora de livros infantis que não tem na expressão oral a sua maior virtude, mas que se expressa muito bem por meio da palavra escrita. Os personagens a quem ela endereça suas cartas são expostos por ela. As coisas que eles fizeram a ela, os segredos que guardavam, tudo é contado sem cerimônias. As cartas expõem o que Leonor sabe e o que ela acha sobre eles. Escreve com a vontade de quem fala o que deseja falar diretamente para eles. Ela não os poupa de comentários mordazes e observações intrigantes. Algumas passagens são bem humoradas, possivelmente pelo excesso de sinceridade de Leonor. Ela flutua entre a personalidade agressiva, violenta, direta e vai construindo uma imagem de tensão que se revela, sobretudo, na última carta. Corações Ruidosos Em Queda Livre, de Alex Sens, foi publicado no final do ano passado. O livro reúne três textos do autor que, de modo diferente, mexem com o leitor. São histórias que têm uma marca que as une, apesar de serem independentes: a morte. Sim, nelas o mote comum é o fim da vida, ainda que haja em cada uma das histórias subcamadas. Veja-se o que acontece na primeira história. Os personagens, solitários naquela viagem, carregam seus anseios, medos, dúvidas e lembranças. A eles não importa a possibilidade da paisagem 22


externa. Estão ligados entre si, em suas histórias que parecem tão singulares, mas ao mesmo tempo tão comuns. Na segunda há a provocação sobre a espetacularização que a sociedade faz sobre a morte, principalmente com o suicídio. A história provoca o leitor a refletir sobre o tema. As pessoas tem um olhar de voyeur, algo quase fetichista, em relação à morte do outro. E na última história de Alex Sens temos a angústia da mulher que não quer deixar de expor seus sentimentos, tal qual havia sido orientada por sua terapeuta. A forma que ela tem de expressar-se é pela escrita, então que as cartas sirvam de terapia, sem filtro. As três histórias são igualmente boas, mas destaco a terceira pelo clima de tensão que paira no ar e que provoca o leitor em imaginar o que

acontecerá no final. A primeira das histórias é a mais lírica, aquela em que a prosa flerta mais de perto com a poesia. Carregados de sentimentos e visões humanas, o autor nos dá um belo texto. Já o segundo texto é o mais provocativo em chamar a atenção do leitor para uma metáfora de como a sociedade vê a morte, sem deixar algo de sombrio e inquietante pairando no ar. Corações Ruidosos Em Queda Livre é um ótimo livro, daqueles que prendem a atenção e que revelam um autor com um texto primoroso. Eudes Cruz, paulistano de nascença e residência, é gestor de processos e apaixonado por livros desde a infância. Em suas leituras aventura-se por todos os gêneros literários. Administra o blog Tomo Literário.

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resenha O Erotismo e a Sensualidade de Confissões de Afrodite

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mais fina arte é aquela que segue em frente, que está em constante movimento. Ela é como o tempo, que se esvai ora lento, ora ligeiro, nos ponteiros do relógio. Arte é revolução, mas também evolução, e talvez a arte mais rica seja aquela que nos faça vislumbrar o futuro, mantendo o saudosismo do passado, sendo o insumo do que foi semeado outrora para florescer agora, ou daqui a alguns anos. A arte é movimento, mas também referencias, é um amálgama de tempo e espaço, um paradoxo indefinido. O nascer de um filho profano. A poesia é a arte de contar a vida em versos, os sentimentos em rimas, o cotidiano em estrofes curtas. Seja ela odes a um amor idealizado, uma prece antes do suicídio, uma forma de expressar sentimentos correspondidos ou conflitantes. A poesia faz parte da vida do homem, seja ela vinda de mestres como Fernando Pessoa ou do jovem que transforma sua dor e seu amor em versos anônimos. A poesia é o diálogo do ser humano com seu íntimo, é, dentre as artes, a arte que nos faz humanos. É o ser e o ter em comunhão na mesma página. Para Rita Queiroz, poetisa baiana com o sol em Leão, a arte está no toque, nos cheiros, nos sabores e no gozo. Está na carne que queima entre as idas e vindas dos corpos que se abrasam em rítmico frenesi. Está em transformar toques em palavras, para dessas palavras despidas de roupas, nuas em pudores tecer versos que formam poesias que elevam o espírito, ardem na carne febril e águam o corpo. Espíritos livres que dançam a dança do desejo, marcham, nas sombras do amor. A ambiguidade dos versos de Rita Queiroz traz à tona a dúvida do quanto é preciso amar para desejar. Traz o questionamento do amor ligado ao desejo. Traz à tona Dona Flor e seus Dois Maridos, onde Flor amava e desejava Vadinho de forma tão revista penalux | maio 2019

intensa que nem a morte os separou. Traz também à tona Gabriela Cravo e Canela, onde Gabriela ama e deseja Nacib e ainda assim se entrega a outro homem. Rita Queiroz e Jorge Amado, coincidentemente baianos, nos trazem o amor e o erotismo de forma elegante, cada um de a seu modo, cada um com sua intenção. Ambos imprimindo sua verdade em prosa e verso, suas declarações de amor carnal aos homens e as mulheres que ousarem se despir dos moralismos, das convenções sociais, da culpa católica e adentrar os prazeres da carne, da fina luxúria, do gozo supremo que buscam aqueles despidos de pudores. A vivacidade dos versos se faz presente em cada poema, e ouso destacar aqueles que ficaram impressos na memória e fizeram com que as palavras se transformassem em imagens, e dessas imagens, veio o tesão: Trecho de Aroma de Maça Teus lábios exalam mirra Incensa meus sentidos Perfuma nossos sexos Corpos habitando labirintos Suspensos nas voltagens dos batimentos de alta rotação E os desejos? Levitam nas penumbras…

Dessa matéria chamada desejo, chamada tesão é formada a volúpia de Confissões de Afrodite, novo livro da poetisa Rita Queiroz (Penalux, 2019). Ao evocar a deusa do sexo, da beleza e do amor, tanto na capa como no título da obra, Rita Queiroz nos remete a figura de Afrodite, ligando sua obra a um passado mitológico em contraponto a contemporaneidade de seus versos. As Afrodites de Queiroz são as mulheres de hoje: mães, empresarias, donas de casa, compositoras, esposas, mulheres que desejam prazer físico acima do amor, acima do afeto. 24


Rita Queiroz busca no passado as referencias para as mulheres de agora, e através do sexo, transa descaradamente, impiedosamente com seus leitores, realizando através das palavras desejos muitas vezes mascarados pelo bom mocismo, pelo politicamente correto. Um dos pontos a destacar é o elegante despudor dos versos de Queiroz. Ao contrario do Marquês de Sade, que compunha sua prosa de forma explícita, Rita Queiroz usa a sutileza das palavras para provocar a mesma excitação que Sade buscava despertar. A diferença entre Sade e Queiroz é a forma como o sexo é abordado, embora o resultado seja o mesmo, seja a busca pelo prazer acima das convenções. A poesia de Rita Queiroz é desafiadora em tempos de falso moralismo, onde Deus está na

boca de falsos cristãos e falsos messias. Em uma época em que a hipocrisia reina, a elegância e a delicadeza dos versos dessa poetisa baiana são um grito de liberdade para mulheres que buscam mais que o “arroz e feijão” do dia a dia. São o grito da não rendição, da não submissão. E para os homens que se aventurarem pelos labirintos de Confissões de Afrodite, um aviso: preparem-se para se perder entre a seda do prazer, entre paredes de úmido enlace e não se assustem se adormecerem e então despertarem em um céu de girassóis.

Marcelo Frota é professor e tradutor. Transita entre as críticas literária e cinematográfica.

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livros são fotogênicos cliques de leitores

livro: Ethan Frome, romance, Edith Wharton (2017). foto: Sandrielle Souza

livro: Ao tempo poemas, poesia, Cristina Macena (2018) foto: João Victor

livro: Revol-tril, prosa poética, José Hermano Falcone (2018) foto: Letícia Palmeira

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