Café sai da crise

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4 Brasil Econômico Quinta-feira, 30 de setembro, 2010

DESTAQUE PRODUÇÃO AGRÍCOLA

Cafeicultura sai da crise e retoma investimentos Alta na cotação e produção perto do recorde recuperam bolso do produtor e ciclo de investimentos, com foco na qualidade Felipe Peroni e Luiz Silveira, de São Paulo e Guaxupé (MG)* redacao@brasileconomico.com.br

Duas semanas depois de encerrar a colheita em seus 100 hectares de café, o produtor mineiro Hugo Villas Boas já tomou a decisão: vai investir R$ 100 mil em um sistema de despolpa para agregar valor a seus grãos. “O resultado desta safra compensatória me deu coragem de investir”, diz o cafeicultor, que tem propriedade entre Guaxupé e Guaranésia, principal região produtora do país. O investimento de Villas Boas encontra eco entre os vizinhos e faz todo o sentido dentro do atual mercado mundial de café. A alta de preços na Bolsa de Nova York já beira os 50% sobre setembro de 2009, e foi puxada principalmente por quebras de produção na América Central e, em especial, na Colômbia. São países que exportam cafés de alta qualidade, e por isso são os grãos de maior valor que estão fazendo mais falta no mercado. É o caso do café do tipo cereja descascado, que Villas Boas vai passar a produzir com o novo investimento. A saca desse café vale cerca de R$ 370 em Guaxupé, bem mais do que o café comum, chamado de bica corrida, que é vendido por R$ 312. A conjunção de preços bons com a segunda maior safra da história do país, de 47,2 milhões de sacas, está funcionando não só como um sopro de esperança para a cafeicultura brasileira, mas como uma oportunidade de investimento no ganho de qualidade. Fornecedor da torrefação italiana Illy, o cafeicultor Galdino Norberto de Paula, de Campo Verde (MG) decidiu investir na área de terreiro e secagem do grão, além do tratamento da água utilizada no descascador — equipamento necessário para a produção do cereja descascado. “O foco dos nossos investimentos é sempre melhorar a qualidade”, disse o cafeicultor na sexta-feira dia 24, durante a última edição de 2010 do programa BM&FBovespa Vai ao Campo, em Guaxupé.

O preço em Nova York está quase 50% acima daquele de setembro de 2009 por conta da redução da produção em países conhecidos pela alta qualidade dos grãos exportados, como a Colômbia

Essa recuperação da cafeicultura deve muito ao clima, uma vez que que em 2009 as chuvas no final do ano facilitaram a florada dos cafezais. Já o tempo seco deste ano colaborou com o processo de secagem de grãos. O resultado é uma produção próxima do recorde, e com alta qualidade. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra de café beneficiado deve atingir 47,2 milhões de sacas, quase 20% acima do ano passado. Não se pode esquecer que 2010 é um ano de “safra cheia”, já que o café sempre oscila organicamente entre um ano de alta e outro de baixa produtividade. Mas a previsão da Conab chega perto do recorde de 48,5 milhões de sacas colhidas em 2003. Sustentação

A colheita é quase recorde e está praticamente concluída, mas nem com os armazéns cheios os preços dão sinal de ceder. “A colheita está maior do que no ano passado, mas não há disponibilidade para atender toda a necessidade do mercado”, afirma o superintendente da Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé (Cooxupé), Lúcio Araújo Dias. Assim como Villas Boas, outros cafeicultores ficaram desestimulados de investir nos últimos anos. “Os preços de café ficaram baixos durante tanto tempo que agora devem subir”, afirma Dias. Soma-se a isso a quebra de um quarto da safra colombiana por conta das chuvas (cerca de 3 milhões de toneladas a menos) e está explicada a alta. “O mundo vem produzindo, de 2005 pra cá, abaixo do que o mercado precisa”, explica o analista da Safras e Mercado, Gil Barabach. O efeito começa a ser sentido no mercado de mudas de café, diz de Paula. “Já há uma movimentação de procura por mudas”, afirma ele, Neste ano, de Paula chegou a vender café gourmet por R$ 460. ■ Luiz Silveira viajou a convite da BM&FBovespa

■ PREÇO

Alta do café em Nova York desde setembro de 2009

47,8

%

■ PRODUÇÃO

Safra brasileira chega perto do recorde, em sacas

47,2

milhões Luiz Silveira

A FRASE

“O resultado dessa safra compensatória me deu coragem para investir” Hugo Villas Boas, cafeicultor em Guaxupé (MG)


Quinta-feira, 30 de setembro, 2010 Brasil Econômico 5

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Quebra dos estoques mundiais de café e fenômenos climáticos no mundo todo devem segurar os preços da commodity por mais um ano.

A fabricante de defensivos agrícolas e sementes Syngenta criou um programa de produção e exportação de cafés especiais que neste ano vai comercializar 200 mil sacas.

A BM&FBovespa elevou o padrão de qualidade do café negociado em contratos futuros. A medida ajusta a bolsa às necessidades dos exportadores.

Paulo Fridman/Bloomberg

Custos Preço e safra em alta reduzem os custos de produção

Neste ano devem ser colhidas 47,2 milhões de sacas, pouco abaixo do recorde histórico de 48,5 milhões registrado na safra 2002/2003

Além dos efeitos mais óbvios no bolso do agricultor, o resultado benéfico da dupla safra boa/preços altos é amplificado pela diluição dos custos de produção. No ano passado, o cafeicultor Hugo Villas Boas colheu 1.529 sacas, a um custo de R$ 338 cada. O melhor preço atingido no ano em sua região, Guaxupé (MG), foi de R$ 280. Neste ano, sua colheita foi muito maior, de 4.800 sacas. Por isso, o custo por saca caiu para R$ 198. Com um preço de mais de R$ 300 a saca na região de Guaxupé, fica fácil entender a animação do cafeicultor para voltar a investir. Villas Boas ainda acertou na estratégia de comercialização, quando decidiu não vender nada de sua produção no ano passado. “Fiquei pagando juros ao banco esperando preços melhores, mas essa foi uma decisão minha e não é todo mundo que tem crédito”, diz. Agora, na soma das duas safras de custos e preços tão distintos, ele conseguiu ficar no azul, pagar os bancos e ainda deixar uma parte da safra guardada na cooperativa. “É como um seguro para o ano que vem, porque se a seca for brava como está parecendo, a safra será pequena e terei café guardado para compensar.”

Cooxupé bate recorde de vendas A maior cooperativa de café do mundo negocia mais de 10% da safra brasileira e fatura R$ 1,8 bi

O aumento de preços e a safra cheia farão a Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé (Cooxupé) bater todos os seus recordes comerciais em 2010. Maior cooperativa de café do mundo, a Cooxupé deve faturar neste ano R$ 1,8 bilhão, cerca de 15% acima do R$ 1,56 bilhão registrado no ano passado, segundo o presidente Carlos Alberto Paulino da Costa. Cerca de 75% da receita da Cooxupé vem da comercialização do café verde (cru). A venda de insumos

responde por 20% e outras atividades somam 5%. Embora pareça um crescimento pequeno, considerando que a safra cresceu quase 20% e o preço do café subiu outros 50%, os números da Cooxupé mostram que os produtores estão conseguindo guardar parte da safra para vender no ano que vem, quando a produção tende a ser menor por conta da bianualidade da produção. A Cooxupé deve concluir a safra com um recebimento de 5 milhões de sacas de 60 quilos em seus armazéns, mas apenas 4,5 milhões de sacas devem ser comercializadas. No ano passa-

Ricardo Dias

Carlos Paulino Presidente da Cooxupé

“A cooperativa é intermediária e mantém margem mesmo quando os preços estão ruins. O que quebra as cooperativas são os cooperados, que não pagam suas dívidas com ela. Mas nós temos uma política de crédito rigorosa”

do, apesar de a produção nacional ter sido 20% menor, a cooperativa vendeu quase o mesmo volume, 4,2 milhões de sacas. Isso porque os preços bons estimulam o produtor a segurar seu café no momento de grande oferta como o atual, com a colheita praticamente concluída. Estratégia

Apesar da crise do setor cafeeiro dos últimos anos, a Cooxupé conseguiu resistir com margens positivas ano após ano. Paulino diz que, como uma intermediária do mercado, a empresa sempre consegue garantir margens positivas, independente dos

preços praticados. “Quem quebra as cooperativas são os cooperados, quando não pagam suas dívidas com elas. Mas nós temos uma política rigorosa de crédito”, explica. Para acelerar o processamento do café, reduzir custos e permitir uma armazenagem maior, a Cooxupé deve concluir até março de 2011 um novo complexo em Guaxupé, com capacidade para armazenar 1,1 milhão de sacas e processar 10 mil sacas por dia, dobrando o volume diário atual. “Já investimos R$ 31 milhões e faltam R$ 20 milhões até a conclusão da obra”, diz Paulino. ■ L.S.


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