SOCIEDADE
AMBIENTE
O ouro das Berlengas A 80 euros o quilo, os percebes da costa de Peniche são cobiçados por todos – e continuam a ser apanhados à margem da lei POR PEDRO SANTOS
ele dizem ter o sabor do mar – e que na Reserva Natural das Berlengas cresce o melhor do mundo. Por essa razão, o percebe, espécie sujeita a regras próprias de apanha, anda a ser colhido sem o necessário controlo. O maior problema nem são os abusos dos apanhadores licenciados mas as intervenções dos que o não são. «É capaz de haver cerca de cem a apanhar sem licença ou em barcos com matrícula de recreio», diz, desiludido, Emanuel Henriques, 32 anos, apanhador de percebe. «Capturam durante a noite, com botija e lanterna. Arrancam tudo, sem olharem ao tamanho», refere. Estes crustáceos valem entre 15 e 30 euros o quilo mas, se forem de grande qualidade e tamanho, podem chegar aos 80 euros, sobretudo em Espanha, mercado que os cobiça. «Estive num restaurante, em Santiago de
D
Compostela, onde os vendiam a 186 euros o quilo», diz David Jacinto, 29 anos, biólogo. Durante dois anos, este investigador da Universidade de Évora acompanhou a apanha e entrevistou 38 dos 45 pescadores licenciados entre 2005 e 2006. «Não se respeitam períodos de apanha, tamanhos mínimos ou quantidades e não é por falta de conhecimento das regras», assegura David Jacinto, um dos participantes no estudo Exploração e Gestão do Percebe na Reserva Natural das Berlengas: Padrões e Impactes. «Eles [percebeiros autorizados a apanhar nas Berlengas] conhecem todos o regulamento e têm consciência de que, muitas vezes, não o cumprem.»
FISCALIZAÇÃO INEFICAZ Para vigiar uma reserva com quase 10 mil hectares – mas que inclui apenas a Berlenga e os ilhéus dos Farilhões e das Estelas – exis-
tem quatro vigilantes e uma embarcação. A responsabilidade do patrulhamento é partilhada com a Polícia Marítima mas, no Continente, é a Inspecção-Geral das Pescas que assume a fiscalização – embora as capturas de percebes não passem pela lota. «A única forma de conferir as quantidades apanhadas é através de um manifesto de captura, enviado de 15 em 15 dias à Docapesca», afirma Emanuel Henriques. Assim, facilmente um pescador declara valores de apanha muito aquém da realidade. «Apenas 30% dos valores declarados nos manifestos de captura correspondem à verdade», assegura o estudo realizado pela equipa da Universidade de Évora. Como a facturação mínima para manter a licença de captura da espécie está fixada em 2 mil euros, os percebeiros podem facilmente subestimar as suas receitas sem correr o risco de perder o direito de
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v 10 DE ABRIL DE 2008
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FOTOS: ANTÓNIO XAVIER E PEDRO MONTEIRO
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captura. «No último ano, facturei perto de 12 mil euros», garante Emanuel Henriques. «Tenho de apanhar antes do outro para ser meu. É assim que pensam muitos pescadores e, à vez, vão todos saqueando o recurso», critica António Teixeira, 54 anos, biólogo do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), entidade responsável pela reserva das Berlengas, e, entre 1996 e 2006, director desta área protegida. «Os apanhadores são os principais inimigos uns dos outros», remata Emanuel Henriques.
SALVE-SE QUEM PUDER Dos 39 percebeiros, 28 reconhecem pescar entre Agosto e Setembro (meses proibidos), 22 admitem fazê-lo fora dos dias permitidos (entre terça e quinta-feira) e 33 não cumprem os tamanhos mínimos e as zonas
de captura definidas, asseguram os autores do estudo. Face à inércia das autoridades, «é o mar que, durante parte do ano, defende os percebes», observa António Teixeira. São, aliás, as condições marítimas – mar agitado, profundo e rico em nutrientes – as responsáveis pelo rápido crescimento da espécie. «Não tem havido cuidado em assegurar os stocks, mas, mesmo assim, todos os anos há muito percebe», nota David Jacinto que, durante o seu trabalho de campo, acompanhou vários percebeiros na sua lide. «Uma vez, nas Estelas, vimos um barco a fazer apanha ilegal. Tentámos contactar o vigilante de serviço na Berlenga, mas este tinha o rádio desligado. No dia seguinte denunciámos o nome e o número do barco à direcção da reserva, mas nunca se sabe bem que tipo de seguimento levam as queixas», conta o biólogo. Segundo o ICNB, de 2000 a 2007 foram levantados 13 autos de notícia. De acordo com a capitania do Porto de Peniche, nesse período houve a instrução de dez processos que resultaram na condenação de 31 infractores.
EMANUEL HENRIQUES «Os apanhadores [de percebes] são os principais inimigos uns dos outros»