A história nunca contada de 'Mandela', o cão (1)

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SOCIEDADE

JUSTIÇA

A história nunca contada de ‘Mandela’, o cão O País conheceu-o como Zico – e a campanha em defesa da sua vida atingiu uma dimensão sem paralelo. Dinis Janeiro, o bebé de 18 meses que terá sido atacado pelo pit bull da família, morreu há um ano. A VISÃO revela o que se passou, desde então POR PEDRO MIGUEL SANTOS

Má sorte Há uma ferradura presa no aro da porta de entrada, no terceiro andar deste prédio, no «Bairro do Texas», como é conhecida esta zona dos subúrbios de Beja. Há outra por cima do acesso à cozinha. Mas nem estes amuletos têm afastado a tragédia da casa de Jacinto Pinto, 55 anos, avô de Dinis Janeiro, um bebé de 18 meses que morreu em terríveis circunstâncias. Eram 18 e 30 de domingo, 6 de janeiro de 2013. Tinha escurecido. «O miúdo veio para a cozinha e o cão saltou, o miúdo caiu-lhe em cima e ele agarrou-o», contou, na altura. A mãe, Vanessa das Neves, pegou em Dinis e levou-o, em braços, até ao Hospital José Joaquim Fernandes, a 600 metros de casa. Ali, deu entrada com ferimentos muitos graves, já em coma, devido a «lesão por mordedura de cão», como consta do relatório 64 v 16 DE JANEIRO DE 2014

hospitalar. A urgência era tal que, de imediato, o estabelecimento de saúde requisitou um helicóptero e transferiu-o para a Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Ainda foi operado, mas não resistiu. O óbito foi declarado às 23 e 20, no dia 7 de janeiro. No relatório da autópsia, pode ler-se que a causa da morte, classificada como «violenta», terão sido «lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas». Descreve-se, ali, que «estas denotam terem sido produzidas por ação de natureza perfurocontudente, ou atuando como tal, como o que pode ter sido a mordedura de um cão». Não é uma afirmação, é uma hipótese. Caberá ao tribunal judicial de Beja apurar o que realmente se passou naquele dia. Mas o processo criminal ainda está longe da conclusão.

Ter coração A ordem natural seria que Jacinto Pinto e a esposa, Maria Antónia, juntos há 40 anos, nunca tivessem vivido esta tragédia. Estes avós viram morrer um neto e, anos antes, já tinham perdido um filho. Como pode uma pessoa suportar uma dor deste tipo não se sabe, mas Jacinto sabe de cor a manhas do sofrimento. Pelo menos o físico. O pai dele foi forcado, ele forcado foi. Nasceu e cresceu no meio de pegas e lides, da brutalidade de enfrentar bestas com centenas de quilos. Fez parte dos grupos de Beja, de Évora, dos Lusitanos. Foi a França, a Espanha, à Venezuela, ao México. Durante 23 anos, partiu-se

‘Zico’/’Mandela’ Ainda que não seja puro, o cão é considerado de raça potencialmente perigosa. Em 9 anos com a família, nunca terá sido agressivo

todo. Tantas vezes, que tem a pele cravada de cicatrizes e os ossos moídos das cornadas. Não o mataram, mas moeram-no. O corpo, se dava para os touros, não aguentava a profissão de bate-chapas, que Jacinto não exerce há 20 anos, por incapacidade. Vive de uma pensão de invalidez. Passa os dias em casa. Lava, passa a ferro, cozinha, esfrega, limpa.

FERNANDO NEGREIRA

Q

uem olhar para este cão e não souber da polémica em que esteve envolvido, dificilmente o achará perigoso. Depois de ser fotografado nos estúdios da VISÃO, onde chegou abanando a cauda a desconhecidos, passou todo o tempo a dormir e a ressonar, deitado ao colo da treinadora e da sua detentora legal. No final de setembro, Zico foi entregue a Rita Silva, 33 anos, presidente da associação Animal, que vive com ele no santuário de quatro hectares pertencente ao coletivo e onde residem, também, outros cães. Todos os animais ocupam parques individuais, com espaço para correr e brincar. Não há celas de cimento, não estão fechados e comem apenas ração vegana (sem nenhum produto de origem animal). O bicho passou por um processo de recuperação e foi rebatizado – hoje, responde pelo nome Mandela. Mas já lá vamos. Para melhor compreender esta história, teremos de viajar primeiro até ao Alentejo.


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