SEMIÁRIDO PIAUIENSE: EDUCAÇÃO E CONTEXTO
Organizadores: Conceição de Maria de Sousa e Silva - Elmo de Souza Lima Maria Luíza de Cantalice - Maria Tereza de Alencar Waldirene Alves Lopes da Silva
SEMIÁRIDO PIAUIENSE: EDUCAÇÃO E CONTEXTO 1ª Edição
Campina Grande Triunfal Gráfica e Editora 2010
Presidência da República Luis Inácio Lula da Silva
APRESENTAÇÃO
Ministério da Ciência e Tecnologia Sergio Machado Rezende Subsecretaria de Coordenação das Unidades de Pesquisa José Edil Benedito Instituto Nacional do Semiárido Roberto Germano Costa Governo do Estado do Piauí José Wellington Barroso de Araújo Dias Rede de Educação no Semiárido Brasileiro - Piauí Cáritas Brasileira – Regional do Piauí Coordenadoria de Convivência com o Semiárido do Piauí Cooperativa de Técnicos Agrícolas do Piauí e Associados - COOTAPI Fundação Dom Edilberto - FUNDED Secretaria Estadual de Educação do Piauí - SEDUC Universidade Estadual do Piauí - UESPI Conselho Editorial do INSA Albericio Pereira de Andrade (Presidente) – INSA Adelaide Pereira da Silva – CPT/Sertão/PB Conceição de Maria de Sousa e Silva – SEDUC/PI Edmerson dos Santos Reis – UNEB José de Sousa Silva – EMBRAPA/Algodão José Moacir dos Santos – IRPAA Manoel Abílio de Queiroz – UNEB Pedro Dantas Fernandes – INSA Sílvio José Rossi – UFPB Revisão Geral: Luciana Nóbrega e Sílvio José Rossi Revisão Gramatical: Elenice Nery Diagramação: Luciene Cantalice Capa: Jonathans Teixeira Impressão: Triunfal Gráfica e Editora
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto / (Orgs) Conceição de Maria de Sousa e Silva; Elmo de Souza Lima; Maria Luíza de Cantalice; Maria Tereza de Alencar; Waldirene Alves Lopes da Silva. INSA. Campina Grande: 2010. 236p ISBN: 978-85-61175-05-4 I. Título. CDD - 370.71 Instituto Nacional do Semiárido – INSA Av. Floriano Peixoto, nº. 715, 2º andar, Centro CEP 58.400-165 – Campina Grande/PB Fone: (55) 83 2101-6400 insa@insa.gov.br www.insa.gov.br
Rede de Educação no Semiárido Brasileiro – RESAB Rua Cícero Feitosa, 309 – B 1° andar, Centro CEP 48.904-350 – Juazeiro/BA Fone: (74) 3216-8488 seloeditorialresab@yahoo.com.br
O Plano Diretor 2008-2011 do Instituto Nacional do Semiárido (INSA) estabelece, dentre suas ações estratégicas, prioritárias para o período, realizar articulações com atores sociais e institucionais – locais, estaduais ou nacionais –, voltadas à ampliação das oportunidades educacionais no Semiárido brasileiro (SAB), em todos os níveis. Para a consecução de tal compromisso, busca-se, ao longo desse processo, a promoção de diálogos que conduzam a mudanças de paradigmas e ao desnudamento de estereótipos construídos para a região, ao longo de séculos no País, a assumir a filosofia da semiaridez como vantagem e a prática da convivência harmônica e sustentável nos diversos ecossistemas onde vivem milhões de brasileiros. Como estratégia para se atingir os objetivos inerentes a tal compromisso, têm sido de fundamental importância as articulações e parcerias firmadas entre o INSA e a Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB), em razão da convergência de princípios norteadores dessas entidades no que concerne a questões educacionais, no enfoque da contextualização do conhecimento regional. Ambas vêm envidando esforços no sentido de promover a aproximação e o diálogo entre Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação, por compreenderem que são espaços indissociáveis e privilegiados de construção de conhecimento significativo, de relevância para o desenvolvimento sustentável da região. Busca-se, com isso, contribuir para a conquista do empoderamento social e institucional no SAB, para a transformação de sua realidade, a promoção da Vida dos habitantes dessa região e de seus ecossistemas, oportunizando-se às comunidades locais o protagonismo na construção de tal desenvolvimento. Nesse contexto, Semiárido Piauiense: Educação e Contexto, resultado de uma dessas parceiras, é uma contribuição para a formação continuada de profissionais da educação na visão da educação contextualizada como fonte inspiradora da transformação do SAB em uma região cheia de oportunidades e realizações, com uma sociedade mais justa, com qualidade de vida e respeito ao meio ambiente. Instituto Nacional do Semiárido, agosto de 2010.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................... 09 PARTE I - O AMBIENTE SEMIÁRIDO E SEUS ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS E GEOGRÁFICOS Caracterização da macrorregião do semiárido piauiense .......... 15 Maria Tereza de Alencar
Considerações sobre a formação, organização do território e da sociedade piauiense ................................................................. 35 Maria Tereza de Alencar
Concepções de desenvolvimento: convivência e sustentabilidade no semiárido brasileiro ................................................................ 63 Roberto Marinho Alves da Silva
Tecnologias para o semiárido ...................................................... 83 José Moacir dos Santos
PARTE II - A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: DIÁLOGOS INTERCULTURAIS Educação para a convivência com o semiárido: desafios e possibilidades ...............................................................................109 Edmerson dos Santos Reis
Educação e diversidade cultural no sertão ..................................131 Josemar da Silva Martins (Pinzoh)
O currículo como espaço de diálogo entre as diversidades socioculturais do semiárido ..........................................................151 Elmo de Souza Lima
As contribuições da pesquisa em educação para a produção de conhecimentos no semiárido ...................................................... 173
INTRODUÇÃO
Elmo de Souza Lima e Adelson Dias de Oliveira
A educação ambiental no contexto piauiense ............................. 191 Waldirene Alves Lopes da Silva
A relação entre texto e contexto na perspectiva da educação para convivência com o semiárido .............................................. 215 Conceição de Maria de Sousa e Silva e João Paulo de Oliveira e Silva
Rede de Educação do Semiário Brasileiro: contexto e organização ................................................................................. 229 Adelson Dias de Oliveira
Sobre os Autores ............................................................................ 233
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Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
Nos últimos anos, vários educadores e pesquisadores vêm se dedicando aos estudos sobre o Semiárido Brasileiro, de forma a produzir novos conhecimentos acerca dessa região, abordando os aspectos sóciopolítico, econômico, cultural e ambiental, bem como, os aspectos relacionados com as políticas educacionais. São trabalhos que buscam construir uma nova visão sobre a região, evidenciando seus problemas, mas, acima de tudo, suas potencialidades e riquezas. Embora constatemos avanços na produção de novos conhecimentos sobre a região, ainda convivemos, no semiárido piauiense, com pouca divulgação desses trabalhos entre os profissionais da educação. Desse modo, a idéia de construir esse livro surgiu da necessidade de ampliar a discussão sobre o ambiente Semiárido, suas características e potencialidades, bem como as políticas e práticas educativas desenvolvidas nas escolas da região durante o Curso de Especialização em Educação Contextualizada no Semiárido (2009-2010). Esse curso de especialização é uma proposta da Rede de Educação no Semiárido Brasileiro (RESAB) e está sendo desenvolvido em parceria com a Universidade Estadual do Piauí, a Secretaria Estadual de Educação do Piauí organizações nãogovernamentais e Secretarias Municipais de Educação do Território Serra da Capivara. O propósito deste livro é subsidiar os processos formativos desenvolvidos pela RESAB e instituições parceiras, tanto durante o supra referido Curso de Especialização quanto nos eventos de formação desenvolvidos nos vários municípios do semiárido piauiense. Os trabalhos a serem publicados foram produzidos pelos professores do curso de especialização e estão organizados em duas partes. Na primeira, constam os artigos que discutem sobre o Ambiente Semiárido e seus aspectos sócio-históricos e geográficos e, na segunda parte, estão agrupados os trabalhos que versam sobre as temáticas relacionadas à educação no contexto do Semiárido e seus diálogos com os contextos socioculturais. Introdução
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Dessa forma, os trabalhos reunidos nessa coletânea abordam, inicialmente, reflexões desenvolvidas por Maria Tereza de Alencar, a caracterização do ambiente semiárido do Piauí, destacando suas potencialidades e limitações socioambientais e econômicas, bem como o processo de formação e organização do território e da sociedade piauiense, evidenciando as possibilidades de construção de novas relações de convivência com a natureza que possibilitem o desenvolvimento de tecnologias apropriadas voltadas para o fomento de novas atividades econômicas, no intuito de melhorar a qualidade de vida das populações dessa região. Nessa perspectiva, o trabalho de Roberto Marinho Alves da Silva faz uma discussão sobre as concepções de desenvolvimento predominantes na região semiárida brasileira, demonstrando as transformações ocorridas nos últimos anos, com o surgimento do paradigma da Convivência com o Semiárido que se fundamenta nos princípios da sustentabilidade e propõe a construção de políticas públicas que atendam aos interesses das populações locais, adequando-as às potencialidades da região. Como demonstrado no texto de José Moacir dos Santos, as políticas de desenvolvimento sustentáveis voltadas para a Convivência com o Semiárido devem incentivar a produção e a difusão de novas tecnologias adaptadas ao contexto dessa região, de forma que possam auxiliar os agricultores familiares na construção de alternativas de produção que aproveitem melhor as riquezas naturais do Semiárido, adaptando-as as suas condições geoambientais. No entanto, a implementação dessa nova concepção de desenvolvimento sustentável articulada com os princípios da Convivência com o Semiárido exige que se ressignifiquem as práticas educativas e culturais disseminadas na região a fim de construir uma nova cultura socioeducativa que prime pelo cuidado com a natureza, pelo respeito aos saberes locais, pela construção coletiva do conhecimento e pela gestão democrática da sociedade. Neste sentido, o texto de Edmerson dos Santos Reis é bastante pertinente por discutir os princípios da Educação para a Convivência com o semiárido, destacando os desafios e as possibilidades
que precisam ser enfrentados no sentido da construção de novos projetos educativos que contribuam para a implementação de alternativas de desenvolvimento sustentável do Semiárido. A região semiárida é constituída por uma diversidade de povos, culturas, saberes e ambientes que precisam ser reconhecidos e valorizados como forma de garantir a consolidação de políticas educativas que contribuam na formação de sujeitos críticos e autônomos. Sendo assim, como é demonstrado nos trabalhos de Josemar da Silva Martins, sobre educação e diversidade cultural e de Elmo de Souza Lima, sobre o currículo como espaço de diálogo entre as diversidades, reconhecer a importância da diversidade cultural do contexto das práticas educativas e criar espaços nos currículos das escolas do Semiárido para discutir e problematizar sobre essas diferenças são questões imprescindíveis para a democratização da sociedade e a consolidação de uma educação inclusiva. No contexto das diversidades, é necessário ampliarmos os estudos e as pesquisas sobre os saberes e práticas desenvolvidas, tanto nas escolas quanto no contexto das práticas sociais das comunidades do Semiárido. O trabalho produzido por Elmo de Souza Lima e Adelson Dias de Oliveira demonstra que é necessário compreendermos, de forma mais aprofundada, os saberes e valores construídos pelas populações sertanejas, bem como pelos profissionais da educação, a fim de contribuirmos para a geração de novos conhecimentos científicos que auxiliem na elaboração de projetos educativos e sociais voltados para a consolidação das políticas de Convivência com o Semiárido. No processo de produção de conhecimento sobre o semiárido, é necessário que se aprenda a conviver com os vários ambientes que compõem essa região, já que o conhecimento das potencialidades locais, em si, não assegura a promoção do desenvolvimento sustentável nela desejável. Assim sendo, torna-se significativo o desenvolvimento de práticas educativas voltadas para o cuidado com o meio ambiente – como é demonstrado no artigo de Waldirene Alves Lopes da Silva – que conscientize os atores sociais quanto à necessidade de se estabelecerem posturas e atitudes responsáveis pela preservação ambiental.
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Introdução
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Diante desse contexto, é importante destacar que algumas experiências estão sendo desenvolvidas no estado do Piauí, tanto no âmbito da sociedade civil quanto no âmbito das organizações governamentais, no sentido de consolidar projetos educativos voltados para a convivência com o semiárido piauiense. O trabalho de Conceição de Maria de Sousa e Silva e João Paulo de Oliveira e Silva apresenta uma síntese das principais experiências desenvolvidas na área da educação contextualizada que apontam novos caminhos para o desenvolvimento de práticas educativas voltadas para a convivência com o ambiente semiárido. Diante desses vários olhares, esperamos que esse livro fomente novos processos formativos, tanto nos espaços das escolas quanto no âmbito das práticas de educação popular desenvolvidas pelas organizações e movimentos sociais, no sentido de contribuir para o desenvolvimento de uma nova cultura voltada para a convivência com o Semiárido. Cabe agradecer ao Instituto Nacional do Semiárido (INSA), vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, pelo decisivo apoio e colaboração dispensados no processo de construção e disseminação de novos conhecimentos sobre o Semiárido Brasileiro. Maria Luiza de Cantalice Waldirene Alves Lopes da Silva
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PARTE I O AMBIENTE SEMIÁRIDO E ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS E GEOGRÁFICOS
CARACTERIZAÇÃO DA MACRORREGIÃO DO SEMIÁRIDO PIAUIENSE Maria Tereza de Alencar1 Semiárido brasileiro: caracterização O Semiárido brasileiro teve, ao longo de sua história, outras denominações, tais como Sertão e o Nordeste das secas. Oficialmente, a primeira delimitação da região foi estabelecida em 1936, com o Polígono das Secas (SILVA, 2006). O prolongamento do período seco anual eleva a temperatura local, caracterizando a aridez sazonal. De acordo com essa definição, o índice de aridez de uma região depende da quantidade de água proveniente da chuva (precipitação) e da temperatura que influencia a perda de água por meio da evapotranspiração potencial. A definição de aridez foi estabelecida em 1977 pelo Plano de Ação de Combate à Desertificação das Nações Unidas (SILVA, 2007). A área de domínio do semiárido no Brasil é, segundo Ab’Sáber (1996; 2003), a mais homogênea em relação a outras áreas da América do Sul, do ponto de vista fisiográfico, ecológico e social. No entanto, esta é uma realidade complexa tanto no que se refere aos aspectos geofísicos, quanto ao processo de ocupação humana. Ab’Sáber (2003) destaca a existência de faixas regionais no interior do Semiárido brasileiro: 1) as faixas semiáridas rústicas ou semiáridas típicas (os “altos sertões”); 2) as faixas semimoderadas (caatingas agrestadas); e 3) as subáreas de transição ou faixas subúmidas (os agrestes). Essa diversidade de ambientes edafoclimáticos traz vantagens comparativas para
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Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
Professora Assistente dos Cursos de Geografia da UESPI e do CESC/UEMA. Doutora em Geografia pela UFS. Coordenadora do Núcleo de Estudos, Projetos e Pesquisas sobre o Semiárido Piauiense - NUEPPS. E-mail: <mtalencar@hotmail.com>. 15
a região, mas o seu aproveitamento exige novas formas de intervenção. A região é caracterizada pela insuficiência e irregularidade de chuvas, com médias anuais que variam entre 268 e 800 mm, com altas temperaturas e elevadas taxas de evapotranspiração que se refletem na elaboração da paisagem. São características hidrológicas relacionadas ao clima semiárido regional, “[...] muito quente e sazonalmente seco, que projeta derivadas radicais para o mundo das águas, o mundo orgânico das caatingas e o mundo socieconômico dos viventes dos sertões” (AB’SÁBER, 2003, p.85). A hidrologia é totalmente dependente do ritmo climático e as secas são caracterizadas pela ausência e escassez quanto pela alta variação espacial e temporal das chuvas. A limitação hídrica anual se verifica em função do longo período seco que leva a não perenização dos rios e riachos endógenos. A reduzida capacidade de absorção de água da chuva no solo é dificultada pelas alterações do relevo e os solos rasos e pedregosos. A presença de solos cristalinos na maior parte da área do semiárido limita o acesso à água existente nos aquíferos subterrâneos. A água acumulada nesses aquíferos por meio de poços com baixa profundidade é de baixa qualidade para o consumo humano, animal e para irrigação das lavouras devido à elevada concentração de sais minerais, ou seja, é salobra, originada das fissuras das rochas. Uma das características marcantes da paisagem do Semiárido brasileiro é a vegetação de caatinga, bioma2 com grande biodiversidade, no qual se destaca a formação vegetal xerófila (cactáceas, espécies arbóreas, herbáceas e arbustivas). A Caatinga é hoje um dos biomas brasileiros mais ameaçados pelo uso inadequado de seus recursos, com processo de desertificação e perda gradual da fertilidade biológica do solo. Isso é o resultado da combinação do cultivo inadequado da terra, associado às variações climáticas e às características do solo pedregoso
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É definido como um conjunto de múltiplos ecossistemas agrupados em um espaço geográfico contínuo, com um certo grau de homogeneidade em torno de sua vegetação e fauna.
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ou impermeável. O conceito técnico de semiárido foi estabelecido a partir de uma norma da Constituição Brasileira de 1988, que, no seu art. 159, institui o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE). A norma constitucional manda aplicar no Semiárido brasileiro 50% dos recursos destinados ao Fundo. A Lei 7.827, de 27 de setembro de 1989, regulamentando a Constituição Federal, define como Semiárido a região inserida na área de atuação da SUDENE, com precipitação pluviométrica média anual igual ou inferior a 800 mm (SILVA, 2006). Em 2005, o Ministério da Integração Nacional realizou uma atualização na área de abrangência oficial do Semiárido brasileiro, de acordo com a Portaria Ministerial nº 89. Para a nova delimitação, foram considerados três critérios técnicos: a precipitação pluviométrica média inferior a 800 mm; o índice de aridez de até 0,5, no período entre 1961 e 1990, calculado pelo balanço hídrico que relaciona as precipitações e a evapotranspiração potencial; e o risco de seca maior que 60% no período entre 1970 e 1990 (SILVA, 2006). De acordo com a delimitação atual, o Semiárido brasileiro abrange 1.133 municípios com uma área de 969.589,4 km², correspondente a quase 90% da Região Nordeste (nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia); e mais as região norte de Minas Gerais e Espírito Santo. Com uma população de 21 milhões de pessoas, o Semiárido brasileiro é um espaço cada vez mais urbano. Entre 1991 e 2000, a população total cresceu 8,62% mas o crescimento urbano chegou a 26%, enquanto a população rural decresceu 8,16%. Verifica-se atualmente uma concentração da população nos espaços urbanos, principalmente nas periferias das cidades. O abandono das áreas rurais está relacionado às atividades econômicas nelas desenvolvidas, além da concentração fundiária e falta de apoio aos agricultores familiares. Mesmo com esses problemas, a ocupação principal da força de trabalho na maioria dos municípios do Semiárido provém da agropecuária. Caracterização da Macrorregião do Semiárido Piauiense
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A região é marcada pelo grande número de minifúndios (90% das propriedades) possuindo uma área inferior a 100 hectares e detendo apenas 27% da área total dos estabelecimentos agrícolas (BRASIL, 2005b). Os incentivos fiscais e o processo de modernização econômica valorizaram e incentivaram a agroindústria, que detém maior porte de investimentos, maior possibilidade de inserir inovações tecnológicas e gerenciais, além da capacidade de inserção no mercado. O Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Semiárido brasileiro em 2002 era de R$ 2.541,27, bem abaixo do valor médio da região Nordeste (R$ 3.694,34) e menos da metade da média nacional de R$ 7.630,93 (PIAUÍ, 2003). A maioria dos municípios depende cada vez mais da transferência de recursos dos níveis federal e estadual, do repasse do Fundo de Participação dos Municípios e de outras verbas federais e estaduais para manter os serviços oferecidos à população. De acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil – 2000, em 47,5% dos municípios do Semiárido brasileiro, um terço da população tem mais da metade de sua renda proveniente de transferências do governo, principalmente dos benefícios previdenciários, tanto no espaço urbano como no espaço rural. A transferência de renda por meio de benefícios (bolsa família, auxílio maternidade, fome zero) não tem sido suficiente para melhorar os indicadores sociais da educação, saúde, habitação, trabalho, mortalidade infantil, elevada concentração de renda e baixo IDH. (SILVA, 2006) Segundo Silva (2006), verifica-se que estão sendo formuladas três propostas ou alternativas para a realidade do Semiárido brasileiro: combater as secas e os seus efeitos; aumentar a produção e a produtividade econômica na região, sobretudo com base na irrigação; e convivência, combinando a produção apropriada3 com a qualidade de vida da população local.
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É a organização da produção considerando o contexto econômico, social, ambiental e a adequação das atividades para a convivência da população com o semiárido, aproveitando os recursos existentes na região de forma equilibrada.
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Em relação à primeira alternativa, verifica-se que atualmente quase não há a defesa do combate à seca e seus efeitos como orientação das políticas públicas. Com relação à segunda concepção, verifica-se que planejadores, governantes, empresários e estudiosos da região apostam, sobretudo, na continuidade dos investimentos para ampliar o processo de modernização nos espaços mais dinâmicos (agronegócio), ficando isso bem claro nos documentos preliminares do Plano Nacional de Desenvolvimento Regional – PNDR, do Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste – PNDE e do Plano de Desenvolvimento do Semiárido – PDSA. Em comum, as duas primeiras propostas foram historicamente assumidas pelas políticas governamentais no Semiárido brasileiro, combinando as seguintes características: 1. Finalidade da exploração econômica como elemento definidor da ocupação e uso do espaço; 2. Visão fragmentada e tecnicista da realidade local, das potencialidades, problemáticas e das alternativas de superação das secas e de suas consequências; 3. Permanência de políticas públicas compensatórias; 4. Proveito político dos elementos anteriores em benefício da elite política e econômica que exerce a dominação local; 5. Dependência de atores internacionais, tais como: Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Fundo Monetário Internacional, Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, Agência Interamericana para a Cooperação e Desenvolvimento dentre outros. Por outro lado, novos atores sociais e políticos entram em cena, apresentando um discurso renovador e comprovado, com seus experimentos a possibilidade de um desenvolvimento sustentável com base no princípio da convivência com o Semiárido, mediante a implantação da educação contextualizada para a convivência, defendido pela Rede de Educação do Semiárido Brasileiro – RESAB, Articulação do Semiárido – ASA, Cáritas, diversas ONGs e a sociedade civil organizada. Caracterização da Macrorregião do Semiárido Piauiense
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Semiárido piauiense: caracterização da Macrorregião e dos Territórios de Desenvolvimento Sustentável
As características geoambientais do Semiárido piauiense são apresentadas no Quadro 01.
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A hidrografia da região caracteriza-se por seus rios intermitentes. Os principais rios da Macrorregião são: Piauí e São Lourenço, na área da Serra da Capivara; Canindé, Itaim, Guaribas e Riachão, no Território do Rio Guaribas; Canindé, Salinas e Itaim, no Canindé e Sambito; Poti e São Nicolau, no Território do Sambito. Reservatórios principais: Petrônio Portela (município de São Raimundo Nonato), Jenipapo (São João do Piauí), Poço do Marruá, Pedra Redonda, Bocaina (em Bocaina) e Barreiros (em Fronteiras). Principais rios e reservatórios
Caracterização da Macrorregião do Semiárido Piauiense
A precipitação é muito baixa, com média anual abaixo de 600 mm. As médias anuais são de 600 mm a 900 mm no Vale do Sambito, de 500 mm a 800 mm no Vale do Guaribas; de 600 mm na Serra da Capivara; e entre 600 mm e 1.200 mm no Vale do Rio Canindé. Temperatura média anual de cerca de 24ºC e máxima anual de 33ºC.Amínima anual é de até 18ºC na região serrana do Sambito.
Precipitação Temperatura
A água subterrânea é de suma importância na macrorregião do Semiárido piauiense em função de os rios serem intermitentes. O Vale do Sambito é privilegiado pela presença dos principais aquíferos da bacia, como os de Serra Grande, Cabeças e Poti-Piauí, todos com água de boa qualidade química e potencial hídrico de médio a alto. Na região do Vale do Guaribas, o aquífero Serra Grande ainda se faz presente, porém, com potencial fraco para o artesianismo quando na área do embasamento cristalino. No Território do Canindé, os aquíferos Longá, Cabeças, Serra Grande e Pimenteiras são os principais, todos, porém, com potencial fraco a muito fraco. Na região da Serra da Capivara, há apenas áreas dispersas da formação Cabeças.
Fonte: CODEVASF/PLANAP, v. 13, 2006.
Água subterrânea
O clima é predominantemente semiárido quente, segundo a classificação de Koeppen, com 6 a 8 meses secos no ano.
Área de Proteção Ambiental da Lagoa de Nazaré (municípios de Nazaré do Piauí e São Francisco do Piauí); APA da Chapada do Araripe; Parque Nacional da Serra da Capivara; Parque Nacional da Serra das Confusões e corredor ecológico entre estes dois parques. Unidades de Conservação
Clima
Ao sudeste e ao sul, na maior área da macrorregião, predomina o bioma caatinga, com os tipos arbórea e arbustiva. Ao norte, predomina o campo cerrado, com ocorrências de cerradão e caatinga de tipos variados. Vegetação
Há maior presença de solos do tipo latossolos, neossolos e argiossolos.
Presença do grupo Canindé, principalmente com as formações cabeças, Longá e Pimenteiras. Destaque para o grupo Serra Grande e o embasamento Cristalino, no extremo sudeste-leste. Geologia
Solos
Apresenta chapadões, depressão e residuais do Meio-Norte, depressões com residuais do Nordeste, depressões com residuais do São Francisco, Chapada do Meio-Norte e Planalto da Ibiapaba.As formações elevadas principais são a Serra Grande e a Chapada doAraripe, ambas no limite leste da bacia, e a Serra da Capivara, ao sul. As altitudes variam desde 100 a 200 metros no Vales do Poti e do Canindé a cerca de 800 metros nas serras limites da bacia, a leste e ao sul. Relevo
Quadro 01 - Características Geoambientais: Macrorregião do semiárido piauiense
A região passa a ser concebida enquanto um espaço no qual é possível construir ou resgatar relações de convivência entre a sociedade e a natureza, com base na sustentabilidade ambiental, combinando a qualidade de vida das famílias do sertão com o incentivo às atividades econômicas, experimentando novas tecnologias apropriadas ao local, produtivas, hídricas e educativas, orientadas pela expectativa de convivência com o Semiárido. Essas mudanças já estão presentes em projetos de coleta e armazenamento de água, tais como: construção de cisternas de placas, bomba d’água manual, gestão e tratamento de água para o consumo humano, programa de construção de 1 milhão de cisternas, construção de barragens subterrâneas, construção de barragens sucessivas, construção de barreiro de trincheira e barreiro de salvação e, ainda, a inserção da Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido (ECSA) em escolas públicas da região, tanto no espaço rural e quanto no urbano. No entanto, ainda existem muitas dificuldades e problemas a ser minimizados. O insuficiente conhecimento, ainda, sobre o Semiárido brasileiro e a ocupação desordenada desse espaço levaram à introdução de diversas atividades produtivas que não respeitaram as características da região, a sua vulnerabilidade climática, as particularidades dos solos dos recursos hídricos. A ocupação da área vem tornando os ecossistemas mais frágeis, pondo em risco a sobrevivência humana com o uso intempestivo dos recursos naturais. Além disso, a construção de grandes barragens para abastecimento da população urbana vem provocando significativos impactos socioambientais à população rural, mantendo-a marginalizada do acesso a água encanada, mesmo que a adutora construída para abastecimento urbana atravesse suas propriedades.
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Sabe-se que os problemas sociais da população do Semiárido brasileiro não são consequências do clima ou da ausência de chuvas. Devese considerar que a economia piauiense e sua organização espacial desenvolveram-se a partir da pecuária extensiva implantada pela colonização portuguesa na segunda metade do século XVII. As fazendas piauienses eram unidades produtivas autossuficientes, localizadas em extensos latifúndios, em que, além da pecuária, praticava-se uma agricultura de subsistência, contribuindo para concentração fundiária e pobreza da população rural e urbana (ARAÚJO, 2006). Pela regionalização do Estado para fins do Planejamento Participativo Territorial para o Desenvolvimento Sustentável do Estado do Piauí, a Macrorregião do Semiárido piauiense foi dividida em quatro Territórios de Desenvolvimento: Território de Desenvolvimento Vale do Rio Guaribas, Território de Desenvolvimento Vale do Rio Canindé, Território de Desenvolvimento Vale do Rio Sambito e Território Serra da Capivara, conforme mostrado na Figura 01. Segundo o PLANAP, os Territórios são campos geográficos construídos socialmente, marcados por traços culturais e quase sempre articulados política e institucionalmente. A vida cultural das comunidades humanas, rurais ou urbanas, tem existência territorializada. O Território incorpora a totalidade do processo de modificação do mundo cultural, revelando identidades específicas que proporcionam o princípio de integração social. De alguma forma, os Territórios configuram o ser coletivo, o caráter das comunidades e desenham tipos diferenciados de sociabilidade (CODEVASF/PLANAP, 2006, vol. 08).
Figura 1 – Mapa dos Territórios da Macrorregião do Semiárido piauiense Fonte: CODEVASF/PLANAP – Síntese Executiva Uso da Terra, v. 13, 2006. 22
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
Caracterização da Macrorregião do Semiárido Piauiense
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A seguir, apresenta-se o processo de configuração dos Territórios que compõem a Macrorregião do Semiárido piauiense: A formação histórica do Território Vale do Rio Canindé está estreitamente ligada ao município de Oeiras, que remete sua história ao século XVIII, ponto de partida para o povoamento do Estado e de outras cidades e municípios piauienses, sendo Oeiras a cidade mais antiga e primeira capital do Estado. O mesmo é formado por dois Aglomerados de municípios, o AG 16 e o AG 17 (CODEVASF/PLANAP, v. 7, 2006). Dentre os fatores que contribuíram para a formação das cidades e municípios desse Território, o econômico foi o mais relevante, tendo como atividades produtivas na época: a exploração da carnaúba para fabricação de cera, a extração e comercialização da borracha de maniçoba e a pecuária bovina como a mais importante. O fator religioso também contribuiu, pois os povoados, cidades e municípios foram surgindo em torno de capelas e igrejas com a devoção dos fiéis aos santos e padroeiros. Segundo dados do IBGE 2000, a população total do Território é de 123.537 habitantes, predominando a população rural, com 54,9%, em um total de 67.875 habitantes, contra 55.662 na zona urbana. As atividades produtivas predominantes no Território são a criação de pequenos animais e a agricultura de sequeiro, praticada pelos agricultores familiares para subsistência. O agronegócio apresenta-se como uma atividade que vem merecendo destaque com o aproveitamento do potencial apícola para a produção de mel, comercializado no mercado nacional e com algumas entradas internacionais nos mercados dos EUA e da Europa. Outras atividades de destaque são ainda: a cajucultura e o artesanato em cerâmica. A taxa de analfabetos chega a 38,6%; o IDH menor é 0,512 e o maior é 0,670; e a taxa de urbanização é 45,1%. As atividades econômicas em expansão na atualidade são: ovinocaprinocultura, apicultura e cajucultura e com tendências à implantação de novas atividades, o PLANAP (2006) aponta: mamona, ovinocaprinocultura, apicultura, cajucultura e extrativismo mineral. O Território do Vale do Sambito é formado por municípios de
dois Aglomerados, AG 10 e AG 11, quase todos desmembrados do município de Valença do Piauí, originário de numa aldeia de índios Aroazes. Os jesuítas chegaram ao local no início do século XVIII, onde levantaram um enorme templo de pedras próximo à nascente do rio Tábua. Em 1740, foi criada a freguesia de Nossa Senhora da Conceição, no povoado de Aroazes. Em 1761, o povoado foi elevado à categoria de vila com o nome de Valença. Com a Proclamação da República, passou à categoria de município. Em 1954, iniciou-se a divisão do município com o desmembramento para criação de novos municípios (CODEVASF/ PLANAP, v. 6, 2006). A economia do Território é baseada na agropecuária em expansão, contrastando com a inexistência de saneamento ambiental que permita a salubridade do meio físico, saúde e bem-estar da população. A taxa de urbanização do Território é 56%; a taxa de analfabetos é 59,9% e o IDH é 0,597. As atividades produtivas estagnadas são: bovinocultura de corte, extrativismo da carnaúba, cultivo do milho e da cana de açúcar. Como atividades consolidadas têm-se a criação de ovinos e caprinos e o cultivo da mandioca. As atividades em expansão são: apicultura, bovinocultura de leite, turismo, piscicultura, cajucultura, artesanato, horticultura, agroindústria, fruticultura e a criação de galinha caipira. O Território da Serra da Capivara é composto por três Aglomerados: AG 18, AG 19 e AG 20. Da população total do Território, 63% moram na zona rural, possuem um baixo nível de desenvolvimento humano e têm como limitações a inexistência de saneamento ambiental para provimento de condições de salubridade do meio físico, de saúde e de bem-estar da população (CODEVASF/PLANAP, v. 8, 2006). Neste Território estão localizados dois Parques Nacionais (Serra da Capivara e Serra das Confusões) que pertencem ao grupo de Unidades de Conservação de proteção integral e destinam-se á preservação integral de áreas naturais com características de grande relevância sob os aspectos ecológicos, científico, beleza cênica, sítios arqueológicos em cavernas e grutas, com litogravuras de valor histórico, cultural, educativo e recreativo,
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Caracterização da Macrorregião do Semiárido Piauiense
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
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vedadas as modificações ambientais e a interferência humana direta (CODEVASF/PLANAP, v. 8, 2006). São atividades econômicas estagnadas no Território: avicultura, criação de bovinos para leite, ovinocaprinocultura e fruticultura. As atividades em expansão são: apicultura, cajucultura, plantação da mamona e feijão, turismo ecológico e cultural e beneficiamento do umbu; a produção artesanal artística, lúdica, utilitária e de alimentos que utilizam como matériaprima fibras, fios (algodão), argila, palha, frutos exóticos, sementes, plantas medicinais, madeira, farinha de mandioca, mel, plantas ornamentais e tantas outras se apresentam como alternativas (idem). O Território de Desenvolvimento do Vale do Rio Guaribas está dividido em quatro Aglomerados de Municípios: AG 12, AG 13, AG 14 e AG 26, que, por sua vez, agrupam 39 municípios, todos no estado do Piauí, equivalente a 16,1% do total dos municípios piauienses. O Território ocupa uma área de 22.059 km², equivalente a 6,7% da área territorial da Bacia do Rio Parnaíba. A população residente no Território totaliza 302.203 habitantes, o que equivale a 7,5% da população da bacia e uma densidade demográfica média de 13,7 hab./km² (CODEVASF/PLANAP, v. 6, 2006). Os principais rios do Território são: Canindé, Itaim, Guaribas e Riachão, todos temporários; a água nos seus leitos só permanece durante o período chuvoso. O aproveitamento socioeconômico desses rios ocorre ainda de forma muito tímida, por meio da cultura de vazantes, irrigação para culturas como feijão, milho, algumas hortaliças e alho, que já está em decadência há alguns anos. Na realidade, existe um subaproveitamento dos recursos hídricos da região, tanto dos rios como das barragens e da água subterrânea. No setor de barragens, destaca-se o açude Bocaina, no município de Bocaina, com 106 milhões de m³, que, muito timidamente, vem sendo aproveitado para piscicultura, irrigação e abastecimento da população de alguns municípios vizinhos. Outros grandes açudes estão em construção no Estado, como é o caso do açude Piaus que, segundo o governo, é destinado ao abastecimento de água à população das cidades sedes dos
municípios, por meio de adutoras, deixando a população rural sem acesso à água encanada. De acordo com dados do IBGE de 2002, é esta a utilização das terras no Território: 22% com lavouras permanentes e temporárias; 21% com pastagens naturais e artificiais; 38% com matas naturais e plantadas; 11% com lavouras em descanso e produtivas não-utilizadas e 8% com terras improdutivas. Cerca de 50% das terras já sofreram ocupação humana, mas as lavouras permanentes, temporárias e as pastagens têm maior destaque. A agropecuária ocupa 26,9% das terras; as áreas urbanizadas, 0,11%; solo exposto, 0,01%; vegetação de mata ciliar 0,66%; vegetação de caatinga, 66,6%, vegetação de cerrado, 5,35%; e corpos d’água, 0,30%. Constata-se claramente a degradação da mata ciliar, ao longo das margens dos rios temporários, e o predomínio da atividade agropecuária em todo o Território. Sobre a condição de ocupação, 58% são proprietários; 1%, arrendatários; 10%, parceiros e 31%, ocupantes. Percebe-se o expressivo percentual de ocupantes no Território, pessoas que têm a posse da terra, mas a mesma não está regularizada. A maioria do Território é constituída por pequenos municípios. Do total de 39 municípios, 29 (81%) possuem população de até 10 mil habitantes e 14 (36%) possuem população inferior a cinco mil habitantes. Além do mais, percebe-se o declínio e estagnação de atividades econômicas tradicionais e essenciais à sobrevivência dos agricultores familiares, tais como: a cultura do algodão, da mandioca, do milho e a criação de suínos. Por outro lado, atividades e produtos extremamente valorizados nos mercados interno e externo e na agroindústria estão em processo de expansão e consolidação com o discurso de sustentabilidade, desenvolvimento local e geração de emprego e renda, que recebem inclusive maiores incentivos governamentais através das políticas públicas. Pode-se citar o caso do cultivo da mamona para produção do biodiesel, da expansão da apicultura, cajucultura, fruticultura e do artesanato voltados especialmente para o mercado externo. Como ponto positivo, pode-se apontar a criação de pequenos animais (ovinos, caprinos e galinha
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Caracterização da Macrorregião do Semiárido Piauiense
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
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caipira), que são mais adaptados à convivência com o Semiárido, além de contribuir para melhorar a alimentação da família, gerando renda em momentos de dificuldades financeiras da família. Em virtude das condições de pobreza do Estado, o governo federal, a partir de 2008, inseriu oito territórios de desenvolvimento no programa dos Territórios da Cidadania, como se pode verificar na Tabela 1. Tabela 1. Aspectos gerais dos Territórios Rurais do Piauí Variável Número de Ter ritórios
8
Território -
Participação (%) -
223
169
75,78
252.805,60
165.316,70
65,39
População
2.843.278
2.280.137
80,19
População Rural
1.054.688
831.867
78,87
190.737
156.983
82,30
26.578
18.880
71,04
Municípios Área
Agricultores Familiares Famílias Assentadas
Estado
Demanda Social
222.332
180.076
80,99
Bolsa Família
655.577
533.698
81,41
33
33
100,00
Quilombolas Terras Indígenas Pescadores Número de Municípios
0
0
0,00
10.923
4.691
42,95
0
0
0,00
31
29
93,55
133
100
75,19
58
39
67,24
Alta Renda (*) Número de Municípios Baixa Renda(*) Número de Municípios Dinâmicos (*) Número de Municípios Estagnados (*)
Fonte: Sistema de Informações Territoriais, Territórios Rurais, Caderno do Estado do Piauí, 2009, v. 3. 28
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
São 169 municípios do Estado que estão inseridos nos territórios da cidadania, correspondendo a 75,8% do total dos municípios. A população dos territórios corresponde a 80,2% da população do Estado; a 78,9% da população rural do Estado e a 80,2% da população do Estado estão concentradas nos territórios, onde o número de agricultores familiares corresponde a 82,3% do total do Estado; 71,0% das famílias assentadas; uma demanda social de 81,0%; 81,4% de pessoas que recebem o BolsaFamília; concentra 93,6% dos municípios de baixa renda; 75,2% de municípios dinâmicos e 67,2% de municípios estagnados. Esses dados confirmam a situação de pobreza da maior parte da população do Estado. Dos 11 territórios de desenvolvimento, somente três ainda estão fora dos Territórios da Cidadania. Observando-se a Tabela 2, contata-se que os Territórios que fazem parte da macrorregião do Semiárido piauiense – Canindé, Capivara, Guaribas e Sambito – possuem 89 municípios, o menor número de famílias assentadas e acampadas em relação aos outros Territórios e o número de agricultores familiares, 79.995, superior ao dos outros Territórios do Estado, mostrando o predomínio na macrorregião da agricultura familiar e a necessidade de recursos do PRONAF, além da realização da reforma agrária. No entanto se percebe o declínio e estagnação de atividades econômicas tradicionais e essenciais para sobrevivência dos agricultores familiares, tais como: a cultura do algodão, da mandioca, do milho e a criação de suínos. Por outro lado, atividades e produtos extremamente valorizados no mercado interno, externo, na agroindústria estão em processo de expansão e consolidação com a perspectiva da sustentabilidade, desenvolvimento local e geração de emprego e renda, recebendo inclusive maiores incentivos governamentais. Constata-se que, apesar nas “novas denominações”, as práticas continuam antigas, pois as políticas públicas são ainda de cunho setorial, tentando uma separação entre as diversas atividades econômicas, seja no espaço rural, seja no espaço urbano, apesar do discurso oficial da abordagem territorial. Caracterização da Macrorregião do Semiárido Piauiense
29
65,39 80,21 80,99 71,04 83,97
Fonte: Sistema de Informações Territoriais, Territórios Rurais, Caderno do Estado do Piauí, 2009, v. 3.
Territórios/Estado
Participação (%)
75,78
82,30
252.805,60 3.020.646 222.332 26.578 5.017 Total Estado
223
190.737
165.316,70 2.422.905 180.076 18.880 4.213 Total Territórios
169
156.983
13.749,30 112.042 14.549 595 75 Vale do Sambito
15
13.879
22.822,40 331.395 40.143 781 336 Vale do Guaribas
39
39.026
13.876,60 118.945 12.427 399 87 Vale do Canindé
17
11.941
33.083,80 78.057 5.952 1.596 0 Parnaíba
Tabuleiros do Alto
12
4.356
24.415,80 138.679 17.649 1.937 563 Serra da Capivara
18
15.149
19.952,00 1.112.090 36.262 5.616 2.256 Entre Rios
30
28.390
17.780,40 363.840 35.713 5.423 877 Cocais
22
29.413
19.636,40 167.857 17.381 2.533 19 Carnaubais
16
14.829
Área (km²) Residente Social Assentadas Acampadas Familiares Municípios
População Demanda Famílias Famílias Agricultores Número de Território
Tabela 2. Demanda social dos Territórios/Estado do Piauí 30
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
Apesar das singularidades de cada Território da Macrorregião do Semiárido piauiense, encontram-se algumas atividades e problemas em comum a todos. Como problemas, podem-se apontar o baixo índice de desenvolvimento humano, as dificuldades de acesso a água pelas populações mais pobres, a preponderância da agricultura familiar de subsistência com dependência do período chuvoso, as dificuldades de acesso a terra, a serviços de educação, saúde, saneamento básico e infraestrutura básica para atender as condições mínimas de sobrevivência da população. Referências ABREU, Irlane Gonçalves de et al. Semi-árido piauiense: delimitação e regionalização. In: Carta CEPRO, Teresina, Piauí, Vol. 18, N. 1, p. 162-183, jan/jun. 2000. AB’SÁBER, Aziz Nacib. Sertões e sertanejos: uma geografia humana sofrida. In: Revista Estudos Avançados. Dossiê Nordeste Seco. Nº13 (36), São Paulo, 1996. AB’SÁBER. Os Domínios da natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. ARAÚJO, José Luís Lopes (Coord.). Atlas Geo-histórico e cultural do Piauí. João Pessoa (PB): Editora Grafset, 2006. BRASIL. MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL. Relatório Final – Grupo de Trabalho Interministerial para Redelimitação do SemiÁrido Nordestino e do Polígono das Secas. Brasília, janeiro de 2005. BRASIL. SECRETARIA DE POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL. Nova Delimitação do Semi-Árido Brasileiro. Brasília, 2005. Caracterização da Macrorregião do Semiárido Piauiense
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Caracterização da Macrorregião do Semiárido Piauiense
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
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SILVA, Roberto Marinho da. Entre o Combate à Seca e a Convivência com o Semi-Árido. Transições paradigmáticas e sustentabilidade do desenvolvimento. Fortaleza, Série BNB Tese e Dissertações Nº 12, 2008.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO E DA SOCIEDADE PIAUIENSE Maria Tereza de Alencar1 Organização do território e da sociedade O Piauí ficou relegado a um esquecimento de quase dois séculos após o descobrimento do Brasil e só foi ocupado na segunda metade do Século XVII, quando bandeirantes baianos, paulistas e pernambucanos chegaram ao imenso espaço habitado por inúmeras nações indígenas. A expansão do território, segundo a maioria dos autores, deu-se do interior para o litoral, principalmente em função das grandes fazendas de gado, que deram origem às primeiras povoações, muitas delas, posteriormente, chegando à condição de vilas e cidades. A exemplo do que ocorreu no Brasil, o Piauí herdou do período colonial um legado de exclusão social no qual o extermínio da população nativa e a escravidão são as raízes mais fortes. Com a agravante, a base econômica de constituição da sociedade – a pecuária extensiva – coloca o latifúndio como condição imprescindível ao funcionamento do sistema que, sem ampliar os níveis de produção e de produtividade, condena o Estado a altos níveis de pobreza relativa e absoluta. O atual espaço piauiense teve sua organização a partir do processo de colonização portuguesa, em que o governo de Portugal doou grandes extensões de terras (sesmarias) a muitos fazendeiros que tinham o poder absoluto em suas propriedades. A maior parte dos moradores das fazendas
1
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Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
Professora Assistente dos Cursos de Geografia da UESPI e do CESC/UEMA. Doutora em Geografia pela UFS. Coordenadora do Núcleo de Estudos, Projetos e Pesquisas sobre o Semiárido Piauiense - NUEPPS. E-mail: <mtalencar@hotmail.com>. 35
eram escravos, mas nelas viviam também pessoas livres: vaqueiros, rendeiros, posseiros e religiosos. Ao longo do tempo, o poder quase absoluto dos fazendeiros começou a ser contestado pelos moradores livres que tiveram o apoio dos religiosos e das autoridades do Maranhão. Por iniciativa do bispo de Olinda e do governador do Maranhão, foi realizado um comunicado sobre a situação dos moradores do Piauí. Como resultado dessas correspondências, em 1701 foi realizada a anexação do Piauí ao Maranhão, que passou a administrar o espaço piauiense. Outra mudança foi a criação da vila de Mocha, no Piauí, em 1712. Com a instalação da vila da Mocha em 1717, teve início o processo de organização político-administrativa do espaço piauiense, além de trazer autoridades representantes do governo português que começaram a administrar esse espaço, diminuindo o poder dos fazendeiros. Em 1718, o Piauí foi elevado à condição de capitania independente, no entanto, foi somente em 1759 que tomou posse o primeiro governador, o português João Pereira Caldas. A instalação do governo trouxe mudanças importantes à sociedade piauiense, dentre as quais se destacam: a reorganização político-administrativa com a criação de seis novos municípios e o início do processo de divisão político-administrativa do espaço piauiense. O governador à época elevou a vila de Mocha à categoria de cidade e capital da Capitania e modificou seu nome para Oeiras do Piahuy. Durante todo o período colonial, não houve qualquer mudança na divisão político-administrativa da Capitania. Com a proclamação da independência do Brasil, as capitanias passaram a ser denominadas de províncias e os governadores, de presidentes. Mesmo com essa mudança, a sociedade piauiense quase não participava da vida política da província, pois as leis da época só permitiam a participação dos ricos, tanto para votar como para ser votado. Durante o período imperial, os grupos políticos locais começaram a se manifestar no sentido de dividir os municípios já existentes com a finalidade do exercício do poder, o que resultou na criação de 22 novos municípios, modificando a então configuração espacial da Província.
Foi a partir do Brasil República que houve uma intensa modificação no processo de divisão político-administrativa do Estado, com exceção dos períodos da ditadura, em especial na Era Vargas (1930-1945). Durante a fase republicana, o extrativismo vegetal e a navegação pelo rio Parnaíba tornaram-se intensos, possibilitando o desenvolvimento do comércio no Estado e levando progresso às cidades e povoados localizados às margens do rio. (ARAÚJO, 2006) A promulgação da Constituição de 1946 dotou os municípios de autonomia política, administrativa, financeira, e, em consequência, a sociedade passou a ter maior participação no processo político, apesar da restrição de voto aos analfabetos. Essa autonomia promoveu o aceleramento do processo de reorganização político-administrativa do espaço, com a instalação de 50 novos municípios. Durante o governo militar (1964-1985), foi instalado somente 1 município no Estado. No entanto, com a abertura política (restabelecimento do voto direto e secreto, voto dos analfabetos, dos maiores de 16 anos e pluripartidarismo), houve uma explosão na criação de novos municípios no País. No período de 1985 a 2005, foram instalados, no Piauí, 108 novos municípios, desmembrados dos já existentes, utilizando-se de critérios políticos eleitoreiros. Durante os séculos XVII, XVIII e XIX, a pecuária extensiva e a agricultura de subsistência foram a base da economia piauiense. Enquanto os produtos da pecuária (boi vivo e couro) eram comercializados para outras Províncias ou para o exterior, a agricultura destinava-se a produzir alimentos (arroz, feijão, milho e mandioca) para a população local. As técnicas utilizadas eram e ainda são de baixa produtividade em várias áreas do Estado. No Século XVIII, foram inseridos os cultivos do algodão (mercado externo) e da cana de açúcar (produção de açúcar). Os fatos citados deixaram marcas profundas na sociedade piauiense, resultado da elevada concentração fundiária, da exploração do trabalho familiar e da dificuldade de acesso à terra por parte dos camponeses posseiros, parceiros, meeiros e rendeiros. O processo de modernização tecnológica da agropecuária piauiense, iniciado na primeira
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Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
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metade do século XX, gerou o trabalho assalariado e, consequentemente, a permanência de uma estrutura fundiária altamente concentrada. Nos anos 50 do Século XX, o Piauí começou a sofrer uma integração passiva à economia brasileira, vendo desarticularem-se suas indústrias voltadas para produção de bens de consumo e matérias primas. A partir da década de 70, com os maciços investimentos federais em obras de infraestrutura, empreendidas no objetivo de integração nacional, completou-se a inserção do Estado à economia nacional, consolidandose a dependência dos recursos transferidos pela União. A partir desse período, o Estado se insere no contexto da urbanização e modernização do País, intensificando seu processo de urbanização, em especial pelo crescimento do comércio e dos serviços que foram difundidos pelas cidades (sedes dos municípios), modificando hábitos e costumes da sociedade piauiense ao longo da segunda metade do século XX. A maioria das cidades piauienses apresenta deficiências na oferta de atividades essencialmente urbanas para as populações do campo e da cidade. O processo de modernização da rede viária do Estado facilitou a circulação de pessoas, mercadorias e informações, favorecendo o desenvolvimento dos centros urbanos e dos aglomerados rurais localizados às margens das estradas. Estes últimos vão se transformando, passando a apresentar comércio e serviços que são específicos das cidades. Já os municípios que apresentam taxas de urbanização mais elevadas situam-se ao longo dos principais eixos rodoviários federais e estaduais (ARAÚJO, 2006). Espacialização atual O Piauí é um dos estados mais pobres do Nordeste e do Brasil, fato comprovado a partir de indicadores socioecômicos levantados pelo IBGE, PNAD e por órgãos do próprio governo estadual, como será exposto a seguir. No período 1991-2000, o índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) do Piauí cresceu 15,9%, passando de 0,566 em 1991 para 0,656 em 2000. A dimensão que mais contribuiu para este crescimento foi a educação, com 53,9% seguida pela renda, com 24,5% e pela 38
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
longevidade, com 21,6%. Nesse período, a distância entre o IDH do Estado e o limite máximo do IDH foi reduzido em 20,7%. Entre os Estados do Brasil, o Piauí apresentava, ao final daquele período, uma situação ruim, ocupando a 25ª posição. Em 2005, o índice subiu para 0,730, constatou-se variação positiva de 24,2% entre 1991 e 2007 e de 7,16% entre 2000 e 2005. O IDH do Piauí em 2008 foi de 0,703, 25º lugar em relação aos demais estados do País, acima da média nacional (0,699) e da região Nordeste (0,610). Houve um crescimento em relação a 2001, e os fatores que, no Estado, contribuíram para esse aumento foram a educação e a presença de políticas sociais como o Bolsa-Família do governo federal e a aposentadoria rural. O IDH de longevidade em 2005 foi de 0,723, 24º lugar em relação aos demais estados brasileiros. O IDH educação passou para 0,779 em 2005, mas, apesar do crescimento em relação a 2000 (0,730), ainda representava uma posição desfavorável em relação aos demais estados brasileiros. O IDH renda passou de 0,583 em 2000 para 0,608 em 2005, índice ainda considerado baixo em relação aos demais estados brasileiros. Por macrorregiões do estado do Piauí, em 2000, conforme mostrado na Tabela 1, o IDH refletia o elevado nível de pobreza da população local no período, principalmente ao se particularizar o indicador renda. Tabela 1. IDH das macrorregiões do estado do Piauí, 20001
Macrorregião Litoral
IDH 0,542
IDH Renda 0,464
Meio -Norte
0,655
0,548
Semi -Árido
0,581
0,488
Cerrados
0,610
0,490
1
IDH calculado pela média dos IDHs dos municípios de cada macrorregião Fonte: IBGE, 2005. CODEVASF/PLANAP, 2006. v.14.
Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense
39
A macrorregião de menor IDH e de IDH renda é a do Litoral, seguida da macrorregião do Semiárido, mostrando que a pobreza do Estado não é exclusividade do Semiárido e tampouco tenha a questão climática como fator determinante. Por situação de domicílio, em 1991, a população urbana do Piauí correspondia a 1.367.184 habitantes (taxa de urbanização de 53,0%) e, em 2000, a 1.788.590 habitantes (taxa de urbanização de 62,9%). Naquele mesmo período, a população rural passou de 1.214.953 para 1.054.680 habitantes, o que demonstra uma diminuição da população rural e um significativo aumento da população urbana. Na Tabela 2, podese verificar o constante aumento da população urbana e a diminuição da população rural do Estado. Tabela 2. Distribuição da população por situação de domicílio – 1991/ 2008
Piauí
População 1991
2004
2007
Total
2.582.137
2.982.725
3.032.421
Urbana
1.367.184
1.861.501
1.944.840
Rural
1.214.953
1.121.224
1.087.581
52,95
62,41
64,13
Taxa de Urbanização
população de até 20.000 habitantes e apenas 44,8% da população do Estado residem nesses municípios, contrastando com a concentração nos municípios com população acima de 20.000 mil habitantes. Tabela 3. Número de municípios por tamanho da população residente estimada: Piauí – 2005
Classes de Tamanho da População (Habitantes)
Número de Municípios Quantidade
População Residente Estimada %
Total
%
Piauí
223
100,0
3.006.885
100,0
Até 5.000
90
40,36
339.465
11,29
De 5.001 até 10.000
78
34,98
536.025
17,83
De 10.001 até 20.000
33
14,80
470.578
15,65
De 20.001 até 50.000
17
7,62
540.589
17,9
De 50.001 até 100.000
3
1,34
189.516
6,30
De 100.001 até 500.000
1
0,45
141.939
4,72
Mais de 500.000
1
0,45
788.773
26,23
Nordeste
1.793
-
51.019.091
-
Brasil
5.564
-
184.184.264
-
Fonte: IBGE/Censo Demográfico-1991/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD- 2004-2008.
Fonte: IBGE/Estimativas das Populações Residentes em 01/07/2005.
Existe uma discrepância muito grande com relação à população residente nos municípios piauienses – na realidade, uma macrocefalia, na concepção de Santos (1994) –, em que somente um município, Teresina, apresenta, atualmente, uma população de quase 800 mil habitantes, como pode se verificar nas estimativas da população residente, realizadas pelo IBGE e mostradas na Tabela 3. Ou seja, 90,1% dos municípios possuem
No período de 1991 a 2000, a taxa de mortalidade infantil no Estado diminuiu 27,0%, passando de 64,7 (por mil nascidos vivos) em 1991 para 47,3 (por mil nascidos vivos) em 2000, e, em 2004, foi de 31,6. A esperança de vida ao nascer cresceu 3,5 anos, passando de 60,7 anos em 1991 para 64,2 anos em 2000. Em 2004, passou para 67,8 anos. Na Tabela 4 verifica-se a evolução dos indicadores demográficos
40
Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
41
do Estado no período de 1999 a 2007.
em 2000 correspondia a 61,8 %, índice muito elevado, conforme mostrado na Tabela 5.
Tabela 4. Indicadores Demográficos: Piauí – 1999/2007 Piauí
Nordeste
Brasil
Tabela 5. Domicílios particulares permanentes por situação de domicílio, segundo as classes de rendimento mensal no Piauí
Discriminação 1999 2004 2007 1999 2004 2007 1999 2004 2007 Taxa de Fecundidade Total
2,5 2,4 2,1 2,6 2,3 2,3 2,3 2,3 1,7
Taxa Bruta de Natalidade
24,2 22,6 20,9 24,3 20,6 19,7 21,2 21,5 16,7
Taxa Bruta de Mortalidade
7,4 6,7 6,4 7,7 6,3 6,6 6,9 6,9 6,2
Esperança de Vida ao Nascer
65,3 67,8 68,9 65,5 71,7 69,7 68,4 68,6 72,7
Razão de Dependência
66,7 57,6 53,4 65,4 51 54,7 55,4 57,3 48,6 Fonte: IBGE/Síntese dos indicadores sociais – 1999 e 2007.
A renda per capita média do Estado cresceu 48,1%, passando de R$ 87,12 em 1991 para R$ 129,02 em 2000. A pobreza (medida pela proporção de pessoas com renda domiciliar per capita inferior a R$ 75,50, equivalente à metade do salário mínimo vigente em agosto de 2000), diminuiu 17,0%, passando de 74,5% em 1991 para 61,8% em 2000. Segundo os resultados da PNAD 2008, o Piauí apresenta o nível de salário mais baixo do País. A desigualdade cresceu: o Índice de Gini passou de 0,6 em 1991 para 0,7 em 2000 (ARAÚJO, 2006). A proporção de pobres
42
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
Classe de Rendimento Mensal
Domicílios Particulares
Domiciliar (Salário Mínimo)*
Total
Urbana
Rural
Total
750.786
483.269
267.517
Até 1
199.581
89.862
109.719
1a2
218.917
137.411
81.506
2a3
135.326
88.820
46.506
3a5
89.343
72.622
16.721
5 a 10
64.784
56.945
7.839
10 a 20
18.282
16.191
2.091
20 e mais
16.197
15.674
523
Sem Rendimento**
4.700
2.088
2.612
Sem Declaração
3.356
3.656
-
Fonte: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD- 2004. (*) Exclusive os rendimentos dos moradores cuja condição no domicilio era de pensionista, empregado doméstico ou parente do empregado doméstico. (**) inclusive os domicílios cujos moradores recebiam somente benefícios.
Apesar de a maioria dos municípios piauienses possuírem suas economias baseadas na agropecuária, percebe-se claramente na comparação dos dados do Censo Agropecuário de 1995-1996 com os resultados preliminares do Censo Agropecuário de 2006 – Tabelas 6 e 7 – que não houve avanços nas atividades relacionadas, com exceção da Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense
43
área (hectares) ocupada pela lavoura e do aumento de trabalhadores contratados sem vínculo empregatício com o produtor.
concentração de grande quantidade de terra nas mãos de uma minoria privilegiada de grandes agricultores.
Tabela 6. População ocupada segundo a atividade: Piauí, Nordeste, Brasil – 2004
Tabela 8. Número de estabelecimentos e área total, segundo grupos de área – Piauí: 2001
Discriminação
Piauí
Nordeste
Brasil
1.580.988
22.413.607
84.596.294
Agrícola
769.606
8.111.827
17.733.835
Não-agrícola
811.382
14.301.780
66.862.459
Grupos de Área (ha)
Total
Fonte: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD – 2004.
Tabela 7. População ocupada segundo a atividade: Piauí, Nordeste, Brasil – 2008
Estabelecimentos
Área Total
(nº)
(%)
(ha)
(%)
Total
107.754
100,00
11.611878,8
100,00
Até 5
11.240
10,43
31.333,8
0,27
Mais de 5 até 10
10.361
9,61
80.488,6
0,69
Mais de 10 até 50
46.488
43,14
1.300.338,7
11,20
Piauí
Nordeste
Brasil
Mais de 50 até 100
18.954
17,59
1.389.609,5
11,97
1.677.000
23.940.000
89.899.000
Mais de 100 até 500
17.077
15,85
3.529.850,8
30,40
Agrícola
748.483
7.769.000
16.536.000
Mais de 500 até 1000
2.107
1,96
1.489.344,8
12,83
Não-agrícola
928.517
16.171.000
73.363.000
Mais de 1000 até 5000
1.397
1,30
2.777.981,8
23,92
Mais de 5000 até 10000
119
0,11
849.985,3
7,32
Mais de 10000 até 50000
11
0,01
162.945,5
1,40
Discriminação Total
Fonte: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD – 2008.
A estrutura fundiária no Estado, segundo dados de 2001 (Tabela 8), continua altamente concentrada, pois 75,9% da área total do Estado é ocupada por propriedades de mais de 100 hectares, das quais 7,3% estão na faixa de 5.000 até 10.000 hectares; e 1,4% acima de 10.000 hectares, chegando até 50.000 hectares. Quando se confronta a área ocupada com o número de estabelecimentos, verifica-se que 80,8% dos estabelecimentos ocupam 23,4% da área com até 100 hectares. Já 19,2% dos estabelecimentos ocupam uma área de 75,9%, definindo claramente a 44
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
Fonte: INCRA/SNCR – Sistema Nacional de Cadastro Rural. Nota: Dados referentes a 02.03.2001.
A partir do Censo Agropecuário 2006, quando se analisa o Índice de Gini, utilizado para medir os contrastes na distribuição do uso da terra, percebe-se que, no período intercencitário 1996-1996 a 2006, o Brasil ainda apresentava alto grau de concentração, expresso por 0,856, em 1995, e 0,872, em 2006. Nesse período, o Estado do Piauí apresentou Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense
45
uma evolução do Índice de Gini de 0,896 (1985), 0,873 (1995) e 0,855 (2006), demonstrando ainda uma elevada concentração de terras. Na composição do PIB do Piauí (Tabela 9), dentre os três grandes setores da economia, historicamente é o setor terciário que detém a maior representação (74,2% em 2009), seguido dos setores secundário e primário com, respectivamente 18,2% e 7,6%. A indústria se destaca com um crescimento de 6,1% em 2007 com relação ao ano de 2002, com destaque para a construção civil. A taxa de crescimento para o setor de serviços foi de 2,4%, influenciada pela participação do comércio. Já o setor agropecuário ficou com taxa negativa de 10,4% no período entre 2002 e 2007 (ROCHA FILHO, 2008). Tabela 9. Composição do PIB do Piauí Setores da Economia
Ano
Ano
Ano
Ano
Ano
Ano
1998
2003
2004
2007
2008
2009
Primário
8,4
12,1
12,6
8,22
7,98
7,6
Secundário
27,5
27,4
27,2
16,94 18,11 18,21
Terciário
64,1
60,5
60,2
74,84 73,91 74,18
Total
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Regionais. In: PPA 2008/2009.
pode ser constatado mediante análise das principais receitas municipais (ISS e o IPTU) que, em 2004, correspondiam a menos de 4% da receita total dos municípios; os quase 96% restantes são oriundos das transferências governamentais (FPM, 51,1%; FUNDEF, 32,6%; e ICMS,11,9%) (CODEVASF/PLANAP, v.14, 2006). Outro fator que comprova a pobreza no Estado é representado pelo volume de transferência de renda do governo federal para o Estado em 2008, como pode ser constatado nas informações da Tabela 10. Somando-se os aportes provenientes dos Programas de Transferência de Renda, Assistência Social e Segurança Alimentar naquele ano, a estimativa de pessoas beneficiadas foi de 2,4 milhões, e o volume de recursos, estimado em 740 milhões de reais, mostrando a expressiva dependência do Estado dos recursos repassados pelo Governo Federal (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2008). Tabela 10. Programas de transferência de renda do governo federal para o estado do Piauí em 2008 Programa
Nº Famílias
Valores (R$)
Bolsa Família
366,8 mil
33,1 milhões
Auxílio Gás
9,6 m il
144, 6 m il
3.766,4 mil
33,2 milhões
Total Fonte: BRASIL/MDS, 2009.
Estes dados não significam que o setor terciário seja o mais dinâmico e moderno do Estado. Aí está concentrada a maioria dos trabalhadores informais da capital e das médias e pequenas cidades do Estado, bem como os trabalhadores do setor público, demonstrando o restrito crescimento dos setores primário e secundário para absorção de mão de obra e geração de trabalho e renda. O grau de pobreza econômica e social dos municípios piauienses
46
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
O PIB e o PIB per capita no Piauí em 2005 apresentaram uma grande disparidade entre as macrorregiões, conforme mostrado na Tabela 11, evidenciando a concentração econômica na capital do Estado, Teresina.
Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense
47
Tabela 11. Piauí: PIB e PIB per capita das Macrorregiões em 2005 Espaço
PIB R$
%
População
%
PIB per capita R$
Litoral
538.304.000
6,6
382.525
8,9
1.407,00
Meio-Norte
5.603.401.000
68,0
2.632.389
61,6
2.129,00
Semi-Árido
1.040.452.000
12,6
676.716
15,8
1.538,00
Cerrados
1.055.443.000
12,8
583.729
13,7
1.808,00
Fonte: IBGE, 2005. In: CODEVASV/PLANAP, v.14, 2006.
Localizado na parte oeste do Nordeste brasileiro, entre o MeioNorte úmido e o Nordeste semiárido, o Piauí ocupa uma área de 251.311,5 km², representando 16,2% da área da região Nordeste, e em 2004, tinha uma população de 2,8 milhões de habitantes, distribuída em 223 municípios, porém concentrada na capital e na macrorregião Centro-Norte piauiense (IBGE, 2000). Em virtude das transformações na organização do espaço, o Estado foi dividido pelo IBGE (1960) em 11 microrregiões homogêneas. Para realizar essa divisão, utilizou-se como base a organização da produção da agricultura e da indústria. Na década de 70 do Século XX as microrregiões piauienses foram agrupadas por suas semelhanças, formando, então, três mesorregiões. Na década de 80, com o processo de desenvolvimento econômico e a criação de novos estados e municípios, houve uma alteração na organização do espaço brasileiro, levando o IBGE a atualizar as divisões em meso e microrregiões do País. Os critérios utilizados foram: o processo social, o quadro natural e a articulação do espaço (ARAÚJO, 2006). Em razão disso, o Piauí foi dividido em 15 microrregiões, agrupadas em quatro mesorregiões. Essa divisão foi aprovada em 1989 e somente adotada em 01 de janeiro de 1990. A partir desse ano, a criação de novos municípios no Estado modificou a composição das microrregiões no território
48
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
piauiense, como mostrado nas Figuras 1 e 2. A partir de 2003, em virtude das modificações nas estratégias de planejamento e implantação de políticas públicas no âmbito federal (PNDR, PNDE, PDSA) e da necessidade de um plano de ordenamento territorial convergente com o processo de globalização, o Estado do Piauí apresenta sua proposta de regionalização, com a elaboração do projeto Cenários Regionais do Piauí e consiste em uma estratégia de desenvolvimento e planejamento de médio e longo prazo. Nesse projeto, a ênfase foi na atuação dos planos local e regional, privilegiando como instrumentos a consulta e a participação efetiva dos municípios e comunidades nas quais pretendem atuar. Trata-se, portanto, da implantação de políticas públicas, por meio de uma ação integrada de planejamento que envolve todos os órgãos, programas e projetos do governo do Estado, as organizações da sociedade civil e empresas privadas mediante um conjunto de atividades regionais capazes de estimular a participação e o engajamento cooperativo das diversas instituições para promoção do desenvolvimento sustentável (PIAUÍ, 2003).
Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense
49
50
Figura 1. Mapa do Piauí: Microrregiões
Figura 2. Mapa do Piauí: Mesorregiões
Elaboração: Geógrafo Msc. Francisco de Assis Araújo – CESC/UEMA.
Elaboração: Geógrafo Msc. Francisco de Assis Araújo – CESC/UEMA.
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense
51
A partir do Projeto Cenários Regionais, o Poder Legislativo decreta e o Governador sanciona a Lei Complementar Nº 87, de 22 de agosto de 2007, que estabelece o Planejamento Participativo Territorial para o Desenvolvimento Sustentável do Estado do Piauí e cria, para fins de planejamento governamental, 28 Aglomerados e 11 Territórios de Desenvolvimento, agrupados em quatro Macrorregiões. A partir do cruzamento das variáveis ambientais, sociais, econômicas e políticoinstitucionais, foi estabelecida a divisão em macrorregiões com base nas características físicas, nas potencialidades de produção e na dinâmica de desenvolvimento, como mostrado na Figura 3. Como essa divisão ainda estava muito abrangente para a elaboração de uma proposta de desenvolvimento que agregasse elementos de abordagem participativa, optou-se pela divisão das macrorregiões em Territórios de Desenvolvimento. Considerando o estudo das vocações produtivas e as dinâmicas de desenvolvimento das regiões, foi estabelecida uma divisão da Bacia do Parnaíba em 11 Territórios de Desenvolvimento, como indicado na Figura 4. O estudo foi adequado aos estudos da SEPLAN-PI que já haviam sido iniciados (BRASIL, 2006).
Figura 3. Mapa das Macrorregiões do Estado do Piauí Fonte: ATLAS DA BACIA DO PARNAÍBA, CODEVASF/ PLANAP, 2006. 52
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense
53
Os Territórios de Desenvolvimento foram divididos em Aglomerados de municípios. Os critérios para a configuração dos Aglomerados foram: - Proximidade geográfica entre os municípios, correspondente a um raio de 50 km; - Estabelecimento de alguma forma de transação comercial, utilização do sistema de saúde, educação, feira, municípios desmembrados com os municípios já estabelecidos; - Proximidade com as cidades de referências dos territórios de desenvolvimento; - Existência de malha viária que facilite o deslocamento da população entre os municípios. Os Aglomerados são formados por municípios que mantêm relações socioeconômicas e de proximidade entre si e alguns podem ser considerados como cidades locais e estariam mais próximos de formarem microrregiões mais inter-relacionadas às cidades polos (Figura 5).
Figura 4. Mapa dos Territórios de Desenvolvimento do Estado do Piauí Fonte: ATLAS DA BACIA DO PARNAÍBA, CODEVASF/PLANAP, 2006. 54
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense
55
Figura 5. Mapa dos Aglomerados de Municípios do Estado do Piauí
Os Territórios de Desenvolvimento Sustentável constituem as unidades de planejamento da ação governamental, visando à promoção do desenvolvimento sustentável do Estado, à redução das desigualdades e à melhoria da qualidade de vida da população piauiense através da democratização dos programas e ações e da regionalização do orçamento. (PIAUÍ, 2007c) A ação governamental será efetivada mediante a formulação do Plano Plurianual de Governo, das Diretrizes Orçamentárias, do Orçamento Anual, dos Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios e do Plano de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Piauí. O Plano Plurianual 2008-2011 foi elaborado tendo como referência a visão territorial do Estado do Piauí a partir de uma estratégia de planejamento de médio e longo prazo, com ênfase na atuação dos planos local e regional, privilegiando como instrumentos a consulta e a participação efetiva da sociedade. No Plano, a compreensão de territorialidade toma como base o conjunto das relações simbólicas que se estabelecem entre as pessoas que ocupam determinada região e mantêm suas tradições, em um campo de forças e de relações de poder econômico, político e cultural. Isto é a sobreposição do elemento humano ao espaço físico. E, a partir da visão territorial, dá-se o estabelecimento de políticas que contemplam as particularidades, problemas e potencialidades de cada território (PIAUÍ, 2007a). Fazendo uma análise da proposta de regionalização do Estado a partir dos Cenários Regionais e buscando compreender a concepção de território utilizada, percebe-se que este é delimitado a partir de uma base física, que são as bacias e sub-bacias hidrográficas do Estado, que dão nome aos Territórios. Subentende-se que esses territórios funcionam mais como sub-regiões dentro de várias macrorregiões, interligados aos municípios polos do Estado, cumprindo somente mais uma exigência do planejamento e das políticas públicas instituídos em nível federal. No entanto, a regionalização já vem sendo utilizada em todos os projetos dos governos estadual e federal, inclusive no PPA 2008-2011 do Estado.
Fonte: ATLAS DA BACIA DO PARNAÍBA, CODEVASF/PLANAP, 2006. 56
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
Considerações Sobre a Formação, Organização do Território e da Sociedade Piauiense
57
Referências ARAÚJO, José Luís Lopes (Coord.). Atlas Geo-histórico e cultural do Piauí. João Pessoa: Grafset, 2006. BRASIL. COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DO VALE DO RIO SÃO FRANCISCO E DO PARNAÍBA. Plano de Ação para o Desenvolvimento Integrado da bacia do Rio Parnaíba. Síntese Executiva: Território Vale do Sambito. Brasília (DF): TODA Desenho & Artes, 2006. v. 05. ______. COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DO VALE DO RIO SÃO FRANCISCO E DO PARNAÍBA. Plano de Ação para o Desenvolvimento Integrado da bacia do Rio Parnaíba. Síntese Executiva: Território Vale do Rio Guaribas. Brasília (DF): TODA Desenho & Artes, 2006. v. 06. ______. COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DO VALE DO RIO SÃO FRANCISCO E DO PARNAÍBA. Plano de Ação para o Desenvolvimento Integrado da bacia do Rio Parnaíba. Síntese Executiva: Território Vale do Rio Canindé. Brasília (DF): TODA Desenho & Artes, 2006. v. 07. ______. COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DO VALE DO RIO SÃO FRANCISCO E DO PARNAÍBA. Plano de Ação para o Desenvolvimento Integrado da bacia do Rio Parnaíba. Síntese Executiva: Território Serra da Capivara. Brasília (DF): TODA Desenho & Artes, 2006. v. 08. ______. COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DO VALE DO RIO SÃO FRANCISCO E DO PARNAÍBA. Plano de Ação para o Desenvolvimento Integrado da bacia do Rio Parnaíba. Síntese Executiva: Uso da terra e do cerrado. Brasília (DF): TODA Desenho & Artes, 2006. v. 13. 58
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
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CONCEPÇÕES DE DESENVOLVIMENTO: CONVIVÊNCIA E SUSTENTABILIDADE NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO Roberto Marinho Alves da Silva1
A questão do desenvolvimento tem sido uma das principais preocupações das sociedades humanas. Sob diversos enfoques e concepções, o desenvolvimento sempre foi interpretado e almejado como uma promessa do futuro, como uma situação de conforto pela satisfação das necessidades, ampliando as capacidades e a liberdade humana. Com o advento da modernidade, o progresso passou a ser a expressão da capacidade racional, cujas finalidades são a ampliação das riquezas materiais e a geração de bem-estar. No entanto, essa concepção moderna de desenvolvimento encontra-se em crise. A promessa de futuro foi concretizada em alguns países e para apenas uma parte da humanidade. A degradação do meio ambiente e o agravamento das desigualdades sociais, frutos desse modelo, colocam em risco as gerações presentes e futuras. Conquistar novas estratégias e objetivos de um desenvolvimento sustentável são desafios que se colocam para a humanidade. Esse desafio também está colocado para o semiárido, um espaço do território brasileiro marcado pelas contradições do desenvolvimento. Apesar do recente processo de modernização econômica na região, com a incorporação de novas áreas e setores dinâmicos, em sua maior parte, constata-se a estagnação ou a lentidão econômica e a permanência de
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Professor Adjunto do Departamento de Serviço Social da UFRN. Diretor do Departamento de Estudos e Divulgação da Secretaria Nacional de Economia Solidária no Ministério do Trabalho e Emprego. Contato: <rmas2007@gmail.com>.
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indicadores sociais abaixo das médias nacional e regional. A situação estrutural de pobreza ainda se transforma em calamidade nos períodos prolongados de seca na região. Essa situação é constatada e debatida há muito tempo. Na maioria das vezes, porém, os diagnósticos e proposições referem-se ao semiárido como um espaço-problema, terra das secas, explicação do atraso econômico regional. Será, então, possível modificar, substancialmente, essa realidade, superando problemáticas socioeconômicas e ambientais? Desde a primeira metade do século XX, constrói-se um “pensamento crítico” sobre as concepções e práticas de “combate à seca e aos seus efeitos” e de “modernização econômica conservadora”. A partir da década de 80, novos atores sociais2 resgatam e desenvolvem propostas e práticas orientadas pelo desenvolvimento sustentável que possibilite a harmonização entre a justiça social, a prudência ecológica, a eficiência econômica e a cidadania política. O presente artigo busca explicitar os significados e sentidos da sustentabilidade na perspectiva da “convivência”, enquanto síntese de um conjunto de práticas socioeconômicas alternativas e de diretrizes culturais e políticas para o desenvolvimento do semiárido brasileiro3.
No Semiárido, um conjunto significativo de organizações, como as ONG’s, pastorais populares da Igreja Católica, movimentos sociais do campo, centros de pesquisa e universidades, passaram a valorizar os processos de sensibilização, de valorização de saberes locais, de diálogo e de participação sócia visando à mobilização e à cooperação ativa e consciente da população, na busca de solução para suas problemáticas. 3 Trata-se de Tese de Doutorado elaborada pelo autor, sob o título: “Entre o Combate à Seca e a Convivência com o Semiárido: transições paradigmáticas e sustentabilidade do desenvolvimento”. A Tese foi publicada pelo Banco do Nordeste, em 2008.
ideia de progresso tem suas raízes no século XVIII, no período de ascensão da filosofia iluminista que proclamou a idade da razão e propôs a evolução cultural da humanidade, como a conquista da sabedoria, enfatizando a superioridade da ciência e da tecnologia. Essa concepção de racionalização das instituições e das atividades humanas convergiu com a ideologia do capitalismo nascente sobre a eficiência produtiva, como a possibilidade de ampliação acelerada das riquezas e da conquista do bem-estar. A atual concepção hegemônica do desenvolvimento deriva desse paradigma do progresso. A industrialização possibilitou a produção em massa de bens de consumo cada vez mais sofisticados. A sociedade contemporânea passou a se mover em torno de uma “[...] visão otimista da história e da capacidade infinita de inovação tecnológica que permitiria uma dinâmica sem limites do processo de transformação da natureza em bens e serviços” (BUARQUE, 1990, p. 132). No entanto, contraditoriamente, o padrão de desenvolvimento capitalista também limita a satisfação do consumo ao gerar as desigualdades sociais. A promessa histórica do progresso técnico e do crescimento econômico constante se realiza apenas para uma parte da sociedade. Em alguns casos, ao contrário da promessa, promove a máxima exploração dos recursos naturais e introduz técnicas sofisticadas que substituem o trabalho humano, levando a uma degradação das condições de vida de maioria da população. Esse misto de realização e frustração constitui uma crise civilizatória. Manifestações críticas sobre o modelo hegemônico de crescimento econômico vêm se formulando desde o emergir da Revolução Industrial. Essas críticas constituem a base de um novo paradigma de desenvolvimento. Ainda na primeira metade do século XX, Josué de Castro, ao trazer o tema da fome e do subdesenvolvimento para o centro dos debates, ressaltava a importância do desenvolvimento dos povos, promovendo mudanças estruturais, sociais, nas condições sanitárias e alimentares como forma de superar as desigualdades sociais. Seria necessária uma reconversão do tipo de desenvolvimento que conduzisse a uma “ascensão humana” por meio de mudanças sociais sucessivas e profundas: “Só há um tipo de verdadeiro desenvolvimento: o
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O Paradigma da Sustentabilidade do Desenvolvimento A capacidade criativa e criadora dos seres humanos possibilita o desenvolvimento de alternativas para a satisfação das necessidades básicas de sobrevivência e a busca permanente do conforto e da felicidade. A
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desenvolvimento do homem. O homem, fator de desenvolvimento, o homem beneficiário do desenvolvimento” (CASTRO, 2003, p. 105). A crítica ao “mito do crescimento econômico”, formulada no início da década de setenta, não resulta, necessariamente, numa postura de negação radical do desenvolvimento. Celso Furtado (1974; 1980), por exemplo, propõe que o desenvolvimento deveria ser concebido como um “projeto social”, como uma orientação política e social que possibilitasse a transformação global da sociedade. O crescimento econômico seria um instrumento a serviço dessa transformação, combinando a produção das riquezas necessárias à satisfação das necessidades de toda a população, com a incorporação de direitos (humanos, civis, culturais, sociais e econômicos), preservando o equilíbrio ecológico. É essa a base do pensamento sobre o desenvolvimento sustentável. Nas últimas décadas, foi agregado um novo componente no debate sobre os significados do desenvolvimento: a questão ambiental. Esta é uma conquista recente da humanidade, como reação crítica às práticas predatórias dos recursos naturais. Os grandes desastres ambientais e os riscos futuros para a humanidade provocaram, a partir da década de sessenta, o surgimento do movimento ambientalista, colocando em debate a questão dos limites do crescimento econômico, sob a ótica da escassez dos recursos naturais e das capacidades de suporte do planeta Terra. Os alertas e críticas tiveram repercussões éticas e epistemológicas de alcance mais profundo, influenciando o pensamento sobre o desenvolvimento, reconciliando ser humano e natureza. O debate ambiental passou também a dar ênfase às relações entre a questão ambiental e as condições sociais. A relação entre a questão ecológica e as condições sociais de pobreza tornou-se uma preocupação recorrente, enfatizando a necessidade de um desenvolvimento com “[...] distribuição mais justa da renda, a conservação dos recursos e enfatizando técnicas limpas de produção” (SACHS, 1993, p. 21). No entanto, mais uma vez havia a tendência de a economia ser sobreposta às outras dimensões do desenvolvimento, apropriando-se, ao seu modo, do conceito de sustentabilidade. Interpretado sob o predomínio
da lógica econômica, o significado do desenvolvimento sustentável foi reduzido ao de um “desenvolvimento que perdura no tempo”, como um desenvolvimento duradouro que leva em consideração o bem-estar humano e o respeito pelos sistemas naturais de que depende. A reação de parte do movimento ambientalista e de teóricos do desenvolvimento sustentável articulava argumentos éticos e políticos na crítica aos desvios dessas concepções mecanicistas de sustentabilidade que atendiam aos interesses de legitimidade do processo econômico. A crítica ambiental ao economicismo desenvolvimentista mostrava que a sustentabilidade do desenvolvimento não seria possível com a manutenção de um modo de produção que transforma tudo em mercadoria – inclusive a vida dos diversos seres – e depende da ampliação constante do consumo para sua expansão. Apesar de permanecerem, até hoje, as divergências sobre os conteúdos e significados da sustentabilidade do desenvolvimento do ponto de vista conceitual e político, existem avanços significativos na formulação de princípios, critérios e estratégias para promoção da sustentabilidade do desenvolvimento, tendo por base a transformação das relações entre as pessoas e a natureza: “[...] baseada na consciência da fragilidade e finitude da terra [...] e na autocompreensão radical do vínculo de pertinência do homem à natureza” (BARTHOLO JÚNIOR, 1984, p. 80). O desenvolvimento sustentável expressa, portanto, uma ação cultural; é a construção de uma nova racionalidade contextualizada do desenvolvimento, ou seja, deve considerar as diferentes realidades socioambientais, valorizando a diversidade cultural dos povos. No entanto, as mudanças culturais, enquanto transições paradigmáticas, envolvem disputas que somente são resolvidas em longo prazo (SANTOS, 2001). Nesse sentido, deve-se reconhecer a importância dos processos culturais de resgate e construção de novos referenciais de pensamento (consciência) e do agir (comportamento). É essa a orientação construída para o desenvolvimento sustentável no semiárido brasileiro com base na perspectiva da “convivência”.
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Convivência: A Sustentabilidade no Semiárido Brasileiro
O sentido ambiental da convivência
Está em construção uma proposta alternativa de enfrentamento e superação das problemáticas sociais, econômicas e ecológicas no semiárido brasileiro. Ela se formula ao longo da história das crises regionais, como uma crítica ao pensamento e à política de combate à seca e aos seus efeitos, e ainda ao modelo de modernização econômica conservadora. No período mais recente, essa construção recebeu influências do debate sobre o desenvolvimento sustentável que se constitui em um novo paradigma civilizatório. Tanto o pensamento crítico quanto as novas contribuições da sustentabilidade são constitutivos da proposta de “Convivência com o semiárido”. No entanto, essa proposta se há interpretado de forma variada, gerando questionamentos diversos. Em alguns casos, é vista como uma proposta de acomodação ou de passividade diante dos fenômenos e condições naturais. Em outros, é vista como simples apelo à conformidade das tecnologias e práticas produtivas da semiaridez. Essas interpretações descaracterizam a complexidade da convivência. Daí a necessidade de resgatar os seus vários sentidos e significados. Deve-se considerar que a convivência expressa uma mudança na percepção da complexidade territorial e possibilita construir ou resgatar relações de convivência entre os seres humanos e a natureza. Nesse sentido, a convivência é uma proposta cultural que visa contextualizar saberes e práticas (tecnológicas, econômicas e políticas) apropriados à semiaridez, considerando também as compreensões imaginárias da população local sobre esse espaço, suas problemáticas e potencialidades. Conviver é dotar de um sentido todas essas práticas e concepções inovadoras, ampliando a adesão significativa dos sujeitos às mesmas. Para isso, é preciso superar o “monopólio do sentido” que está sempre presente, de forma explícita ou velada, nas proposições e projetos descontextualizados (pacotes tecnológicos, produtivos e socioculturais).
A convivência com o meio ambiente é um imperativo fundamental para o manejo e uso sustentável dos recursos naturais num ecossistema sem inviabilizar a sua reprodução. Implica uma nova orientação para as atividades humanas, buscando conciliar os limites naturais à intervenção humana. É importante aprender a viver em harmonia com o código da natureza, buscando a adaptação ao seu habitat, e não a partir de uma relação de estranhamento, de destruição ou de combate. O sentido da imperiosa convivência com o semiárido foi formulado por Guimarães Duque (1996, p. 9): “Outrora o conceito de seca era aquele de modificar o ambiente para o homem nele viver melhor. A ecologia está nos ensinando que nós devemos preparar a população para viver com a semi-aridez, tirar dela as vantagens”. Os avanços da ecologia permitiram esse reconhecimento da reciprocidade entre os diversos seres vivos como condição de equilíbrio do espaço comum vivido. Daí o significado da convivência como coabitação num mesmo espaço ou a interdependência entre os diversos seres vivos. A coabitação requer a constituição de novas formas de pensar, de sentir e de agir de acordo com o ambiente no qual se está inserido. Convivência é “viver com”, estar junto com outros. Significa a possibilidade de interação e coexistência dentro de uma lógica de reciprocidade, “[...] da aceitação e do cuidado com o outro reconhecido em sua legitimidade enquanto outro da partilha, aquele com quem cada uma das partes da convivência estabelece laços de complementaridade e interdependência” (PIMENTEL, 2002, p. 193). Atenção especial deve ser dada às fragilidades hídricas, ao manejo sustentável dos mananciais e à valorização da captação, armazenamento e gestão da água de chuva. Hoje, são perceptíveis os avanços relacionados às tecnologias hídricas apropriadas ao semiárido. Um dos fundamentos desse processo é o reconhecimento das múltiplas necessidades de abastecimento hídrico: captação e distribuição de água para consumo, com a construção e manutenção de pequenas barragens e outros
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equipamentos de uso familiar e comunitário; uso das áreas úmidas para produção de alimentos, visando à segurança alimentar e nutricional; produção de mudas para recuperação da mata ciliar; formação para o manejo de recursos hídricos e do solo, evitando o desperdício e a poluição, além da gestão comunitária para garantir o uso sustentável da água da chuva. A sustentabilidade ambiental implica a recuperação e conservação de recursos naturais dos ecossistemas no semiárido. As tecnologias e práticas de manejo devem ser apropriadas, considerando as potencialidades e fragilidades ambientais. Os sistemas de policultura são preferíveis às práticas monocultoras, pois a combinação de cultivos é um dos segredos da convivência, incluindo o replantio de árvores resistentes à seca, o aproveitamento das forrageiras rasteiras, as lavouras de chuva, a irrigação apropriada e o extrativismo sustentável. O manejo sustentado da vegetação nativa exige mudanças na matriz energética e nas práticas agrícolas irrigadas e de “sequeiro”, reduzindo o desmatamento, principalmente nas regiões que estão sofrendo processos de desertificação. Em síntese, na perspectiva da convivência, a gestão ambiental prioriza a busca de soluções locais apropriadas, tendo por base a sensibilização e a participação consciente das populações, para que modifiquem suas percepções e comportamentos em relação à natureza. Esses são princípios pedagógicos fundamentais da educação contextualizada para a convivência com o semiárido. Além disso, inspiram a busca de uma economia da convivência que combine o equilíbrio ecológico com a melhoria das condições de vida da população com base em práticas produtivas apropriadas.
Um dos grandes desafios atuais no semiárido brasileiro é a combinação dos princípios e valores da convivência com a viabilização das atividades econômicas necessárias ao seu desenvolvimento sustentável. A convivência é a capacidade de aproveitamento sustentável das
potencialidades naturais e culturais em atividades produtivas apropriadas ao meio ambiente. Nesse caso, não é o ambiente que tem de ser modificado ou adaptado às atividades produtivas. Na perspectiva da convivência, ao contrário, são as práticas e métodos produtivos que devem ser apropriados aos ambientes. Trata-se de uma perspectiva orientadora de uma produção apropriada, “[...] transformado a economia sertaneja, adaptando-a às exigências do meio natural, sobretudo às contingências climáticas, a fim de permitir que a população disponha, nos períodos de secas, dos recursos necessários a eximi-la de se sujeitar ao flagelo que a mesma acarreta” (ANDRADE, 1973, p. 132). A perspectiva da convivência possibilita inverter as explicações sobre a baixa produtividade e os baixos rendimentos nas atividades econômicas no semiárido. Enquanto as interpretações dominantes colocam a culpa do atraso na natureza, na escassez hídrica e na baixa capacidade produtiva dos solos, há uma nova interpretação exatamente ao contrário: foi a falta de uma adequada compreensão sobre os limites e potencialidades dessa realidade que conduziu à introdução de atividades econômicas não apropriadas que terminaram por agravar ainda mais os problemas ambientais, quebrando o equilíbrio biológico existente e empobrecendo mais ainda as famílias sertanejas. Em muitos casos, os fracassos econômicos e o agravamento das condições naturais, tais como os processos de desertificação no semiárido, são consequências também do processo de modernização, implantado sem o necessário conhecimento da região, por meio da transposição de experiências exógenas. Daí a importância da convivência, como uma imperiosa necessidade de adaptar a economia à realidade semiárida, seja na adoção de atividades produtivas apropriadas que usem tecnologias contextualizadas, seja no que se refere à modificação na estrutura socioeconômica, promovendo a justiça social no acesso aos recursos naturais do semiárido, principalmente à terra e à água, na adoção de iniciativas capazes de contribuir para a transformação e fortalecimento da economia do semiárido.
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A economia da convivência
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Disso resulta a necessidade de promoção de um tipo de desenvolvimento econômico orientado prioritariamente para a geração de trabalho e renda por meio de alternativas de produção, apropriadas às condições edafoclimáticas do semiárido. Além de sustentáveis, as iniciativas de produção e distribuição das riquezas devem ser includentes, com a democratização do acesso aos meios necessários à produção (terra, água, crédito, tecnologias apropriadas, assistência técnica e organizativa). Com essa intenção, um conjunto de Organizações Não Governamentais e algumas instituições públicas de pesquisa e extensão rural, como a Embrapa, passaram a desenvolver propostas e a experimentar tecnologias produtivas, alternativas e apropriadas à realidade ambiental, cultural e socioeconômica do semiárido, contribuindo para o desenvolvimento da perspectiva atual da “economia da convivência”. Uma produção apropriada no semiárido requer a combinação de diferentes atividades em sistemas múltiplos que viabilizem a diversificação das fontes de obtenção de renda, evitando a dependência em relação à regularidade das chuvas na região. Ou seja, a convivência com o semiárido requer outros valores e outros padrões de produção como as alternativas baseadas na agroecologia, no manejo sustentável da Caatinga, na criação de pequenos animais e nos projetos associativos e cooperativos de economia solidária. No entanto, uma economia da convivência com o semiárido requer bem mais do que modificações nos sistemas produtivos. O fortalecimento da agricultura familiar, como eixo central de uma estratégia de desenvolvimento sustentável, requer um conjunto de políticas que considere as demandas locais, fornecendo as orientações e insumos necessários aos processos produtivos e de comercialização. Por isso, os movimentos sociais no semiárido brasileiro reafirmam a urgência da realização de uma reforma agrária democrática e sustentável. O acesso às tecnologias apropriadas e a realização de processos educativos, participativos e sistemáticos são fundamentais para o fortalecimento dessas iniciativas econômico solidárias no semiárido.
É necessário investir na gestão de processos de beneficiamento dos produtos, principalmente nas agroindústrias comunitárias, combinando os esforços da agricultura familiar com processos tecnológicos que agreguem valor aos produtos, tais como: laticínios, polpas de frutas, compotas, produtos apícolas, beneficiamento de fibras etc. Nesses casos, o incentivo e o apoio às iniciativas econômico solidárias com base no associativismo e no cooperativismo autêntico é também uma forma de promover a convivência. As diversas formas de cooperação e associação são fundamentais para ampliar e melhorar os resultados da produção apropriada, reduzindo os efeitos dos intermediários comerciais e financeiros sobre os pequenos produtores. O fortalecimento da produção regional apropriada, com base na valorização dos produtos locais, enfatizando suas características e identidade territorial, é um dos sentidos da convivência. Trata-se do reconhecimento de que a diversidade ambiental e a riqueza cultural podem ser elementos impulsionadores de uma nova dinâmica de desenvolvimento, dotada de sustentabilidade, orientada pela inclusão social.
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A convivência como qualidade de vida A convivência com o semiárido significa uma nova perspectiva do desenvolvimento que visualize a satisfação das necessidades fundamentais como condição para expansão das capacidades humanas e da melhoria da qualidade de vida, concebida como redução das desigualdades, da pobreza e da miséria. O caráter includente do desenvolvimento sustentável é um pressuposto fundamental para viabilizar as alternativas econômicas apropriadas que possibilitam o aumento da produção e a distribuição da renda. Nesse sentido, a convivência com o semiárido não é uma proposta de passividade e acomodação diante da pobreza existente na região, principalmente nos períodos de seca: “Mesmo perfeitamente adaptados à convivência com a rusticidade permanente do clima, os trabalhadores das caatingas não podem conviver com a miséria, o desemprego aviltante, a ronda da fome e o drama familiar profundo criado pelas secas prolongadas” (AB’SÁBER, 2003, p. 85). 73
A convivência exige a melhoria da qualidade de vida das populações do semiárido, inclusive, como condição para estabelecer uma nova relação com o meio ambiente. A construção de novas perspectivas sobre meioambiente, junto a populações marcadas pela condição de pobreza, exige a capacidade de articulação das iniciativas de gestão ambiental sustentável com as iniciativas socioeconômicas orientadas para a melhoria da qualidade de vida da população local. Caso contrário, o discurso da convivência torna-se vazio, sem dar respostas às problemáticas locais. O desafio é garantir a convivência com um ecossistema frágil e, ao mesmo tempo, garantir a melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes. A base da superação da pobreza é o acesso a bens e serviços públicos fundamentais, como educação, saúde, moradia, saneamento, assistência social e previdenciária, com qualidade e em quantidade suficiente para atender às demandas locais, como direitos de cidadania. Melhorias na educação, na saúde, na alimentação, nas condições habitacionais e, principalmente, no abastecimento hídrico, podem fazer significativa diferença na melhoria dos indicadores sociais do semiárido brasileiro. O acesso à água de qualidade para o consumo humano, por exemplo, pode repercutir significativamente na redução de doenças, diminuindo, inclusive, a mortalidade infantil na região. A elevação da escolaridade, com base numa educação contextualizada, também poderia ter conseqüências significativas nas demais áreas sociais e produtivas, fortalecendo a consciência ambiental sobre as potencialidades e fragilidades dos ecossistemas e do aprendizado e desenvolvimento de práticas apropriadas. Além do acesso aos serviços sociais básicos de qualidade, a convivência implica realizar mudanças nas atuais relações sociais de dominação (de classe, étnicas, de gênero e de geração), fortemente enraizadas no semiárido. Isso porque a construção da igualdade nas relações sociais, respeitando as diferenças, é também uma forma de convivência.
A cultura da convivência
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Os saberes e as práticas são ações culturais relacionadas à forma de conceber, compreender, difundir e intervir numa dada realidade socioambiental. A convivência com o semiárido requer a valorização e a reconstrução dos saberes da população sobre o meio em que vive, sobre as suas especificidades, fragilidades e potencialidades. A contextualização dos processos de aprendizagem à realidade local é apresentada como uma estratégia de sensibilização, mobilização e organização da população sertaneja, para identificar as problemáticas e construir soluções apropriadas que visem a melhoria das condições de vida. Para isso, os processos formativos não podem se resumir à ampliação de conhecimentos e habilidades, como prevalece no ensino formal; nem deve ser limitada ao ensino de novas tecnologias de produção, como tem sido a tônica dos processos de assistência técnica e extensão rural. A formação contextualizada deve servir de instrumento de mudanças de atitudes e valores, a partir de um conhecimento aprofundado da realidade local, induzindo ou fortalecendo as alternativas de convivência. O conhecimento adequado e aprofundado do meio ambiente é fundamental para preservar a vegetação que resta na Caatinga, para a fertilidade do solo e o manejo adequado da água, evitando os processos de desertificação. Ignacy Sachs (2000), por exemplo, chama a atenção para a necessidade e possibilidade de convivência com os ecossistemas frágeis, a partir de processos participativos de resgate e de construção cultural de alternativas apropriadas. Esses processos requerem uma abordagem negociada e contratual de identificação de necessidades, de capacidades locais e do aproveitamento dos recursos potenciais para a melhoria das condições de vida. Não se trata, no entanto, de um processo exógeno, protagonizado exclusivamente por algumas pessoas e organizações que se propõem a ensinar as famílias residentes no semiárido a conviver com a seca, tendo conhecimentos acumulados sobre o tema, mas com visões de mundo em desacordo com a visão dos que convivem com essa realidade. A 75
convivência é fruto da sensibilidade e não apenas da racionalidade. É nesse sentido que Ab’Sáber (2003) assinala ser pura falácia afirmar que é necessário ensinar o nordestino a conviver com a seca, porque os sertanejos conhecem os desafios e as potencialidades produtivas dos sertões secos. Da mesma forma, Carvalho e Egler (2003) afirmam que, como princípio, a convivência com a semiaridez é um processo permanente de aprendizagem que vem desde os tempos da colonização, cujo principal ator é a própria população sertaneja. Com essa perspectiva, é possível conceber e desenvolver uma “pedagogia da convivência”, constituída por um conjunto de princípios, diretrizes e de métodos vivenciais, tendo como ponto de partida as práticas, os saberes e as experiências dos participantes e que são confrontados e enriquecidos com o saber sistematizado. A educação contextualizada é hoje uma das principais propostas defendidas pelos movimentos sociais que atuam no semiárido, incentivando novas práticas educativas nos espaços formais de educação e na formação de lideranças comunitárias. A educação contextualizada é concebida como um processo dinâmico de construção de conhecimentos e atitudes dos seres humanos, considerando o ambiente no qual está inserido. Sem desconhecer os problemas estruturais do sistema educacional brasileiro, sobretudo no semiárido, a educação contextualizada se contrapõe aos processos de destruição e desvalorização das culturas pela imposição de modelos exógenos de modos de vida e de pensamentos sobre a realidade. Trata-se de uma estratégia fundamental de construção de uma cultura da convivência, dos seus sentidos e significados que estão subjacentes nas diversas práticas produtivas apropriadas e nas tecnologias alternativas. A conquista política da convivência A convivência com o semiárido é também uma proposta política de mobilização para a implementação de políticas públicas apropriadas ao desenvolvimento sustentável na região. Enquanto projeto, a convivência deverá ser uma conquista política dos diversos sujeitos que se comprometem com as transformações socioeconômicas necessárias à 76
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garantia da dignidade da maioria da população sertaneja. Isso requer a conquista de políticas públicas permanentes e apropriadas a partir da superação das estruturas geradoras da desigualdade, como a concentração da terra, da água, do poder e do acesso aos serviços sociais básicos. Esse processo é fruto de mobilização que vem ocorrendo com maior intensidade nos últimos anos, e atesta que um conjunto de organizações da sociedade civil e movimentos sociais estão disputando a hegemonia, no sentido gramsciano de conquista da direção ética e política da sociedade4, em relação às alternativas para o semiárido brasileiro. No entanto, há uma forte resistência das práticas políticas autoritárias, culturalmente enraizadas nos principais espaços decisórios, dificultado os avanços no processo participativo na definição de alternativas de desenvolvimento na região. São comuns os casos de manipulação dos espaços de participação direta, retirando as capacidades decisórias, na tentativa de manter o monopólio da política na região, de base clientelista e patrimonialista. Apesar de alguns avanços, as esferas de poder continuam restritas, principalmente nas grandes decisões sobre a região, sendo uma das principais limitações para a conquista política da convivência. A convivência requer, portanto, o fortalecimento organizativo da sociedade civil e a ampliação dos mecanismos e espaços institucionalizados e alternativos de participação cidadã: “Urge despertar as energias coletivas e provocar uma reação de baixo para cima” (DUQUE, 2001, p. 250). É exatamente nesse aspecto que se tenta inovar na constituição de novos espaços de articulação política, a exemplo da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), cuja trajetória histórica expressa um processo de construção de um novo sujeito social, dotado de “vontade política”5 efetiva na transformação dessa realidade.
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GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984. Uma “consciência atuante da necessidade histórica” (GRAMSCI, 1984, p. 17); ou seja, um critério que diferencia as ações movidas por um projeto político transformador das ações motivadas pela coerção e paixão.
Concepções de Desenvolvimento: Convivência e Sustentabilidade no Semiárido Brasileiro
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Considerações finais A sustentabilidade do desenvolvimento exige que as concepções e as práticas sejam contextualizadas diante da realidade onde incidirá o processo de desenvolvimento, considerando-se as suas várias dimensões (ambiental, econômica, política, social e cultural). A contextualização da sustentabilidade requer a observação do ambiente para redescobrir, compreender e seguir a lógica da natureza. A dimensão ambiental é uma referência para a leitura crítica sobre as tecnologias descontextualizadas, sobre a produção não apropriada ao ambiente e sobre o uso político do fenômeno natural para justificar o subdesenvolvimento. A visão sistêmica da complexidade e a valorização da diversidade dos ambientes ou ecossistemas, evitando a visão fragmentada e reducionista da realidade, são princípios fundamentais do desenvolvimento sustentável. A “convivência com o semiárido” reinterpreta os significados da sustentabilidade a partir de visão multidisciplinar sobre uma realidade concreta marcada pela complexidade. Nesse sentido, não nega as possibilidades do desenvolvimento e não expressa uma renúncia ao ideal humanitário da satisfação das necessidades e da melhoria das condições de vida das pessoas. Ao contrário, significa uma nova orientação estratégica para intervenção nessa realidade, enquanto processo em construção e de experimento de alternativas apropriadas, buscando aprender a conviver com as suas especificidades ambientais e formulando proposições que visam à promoção e ao alcance do desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, pode-se definir a “convivência com o semiárido” como sendo uma perspectiva cultural orientadora da promoção do desenvolvimento sustentável, cuja finalidade é a melhoria das condições de vida e a promoção da cidadania, por meio de iniciativas socioeconômicas e tecnológicas apropriadas, compatíveis com a preservação e renovação dos recursos naturais. Considera-se que é essa a orientação de um novo paradigma civilizatório para a humanidade: satisfação das necessidades e expansão de suas capacidades, em comunhão com a natureza. 78
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No campo da disputa política, grandes desafios se apresentam nesse momento histórico para os movimentos que defendem a convivência como sendo o sentido e o significado da sustentabilidade do desenvolvimento no semiárido. Os avanços nessa perspectiva serão frutos de processos de disputa e negociação, pois ainda permanecem ativos e intimamente articulados os dois projetos políticos – o de combater a seca e o de modernizar a economia – até o momento, funcionando como paradigmas da intervenção governamental na região. A alternativa é a combinação entre a cultura e a política; entre a mudança nos pensamentos, como construção de uma nova racionalidade para a sustentabilidade do desenvolvimento e os avanços na ampliação da cidadania, em termos de participação ativa e consciente na formulação e implementação de um novo projeto político no semiárido brasileiro. Referências AB’SÁBER, Aziz. Os Domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. ANDRADE, Manuel Correia. Paisagens e problemas do Brasil: aspectos da vida rural brasileira frente à industrialização e ao crescimento econômico. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1973. BARTHOLO JÚNIOR, Roberto S. A Crise do Industrialismo: genealogia, riscos e oportunidades. In: BURSZTIN, Marcel; LEITÃO, Pedro e CHAIN, Arnaldo (Org.). Que Crise é esta? São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 69-101. BUARQUE, Cristovam. A Desordem do progresso: o fim da era dos economistas e a construção do futuro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
Concepções de Desenvolvimento: Convivência e Sustentabilidade no Semiárido Brasileiro
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TECNOLOGIAS PARA O SEMIÁRIDO José Moacir dos Santos1 Introdução Desde o princípio da humanidade, o ser humano tem desenvolvido tecnologias com o objetivo de melhorar sua vida. A pedra lascada, usada como ferramenta e como arma, foi uma das primeiras tecnologias que permitiram ao ser humano se diferenciar dos outros animais. A tecnologia amplia nossa força física, permitindo-nos alcançar resultados significativos. Com o passar do tempo, a tecnologia passou a ser referência de poder. Quem tem maior desenvolvimento tecnológico detém o poder sobre as outras pessoas e sobre outras nações. No Semiárido brasileiro, a população foi dominada não pelo emprego da tecnologia, mas pelo não uso de tecnologias apropriadas à região e pela proibição do desenvolvimento dessas tecnologias. Sem esses recursos, a população passa a sofrer todos os condicionantes impostos pela natureza do clima semiárido, buscando alento nos rituais místicos e se submetendo aos desmandos de uma pequena elite de fazendeiros e políticos, que tem no atraso e na miséria sua base de sustentação. Desenvolver tecnologias apropriadas ao clima semiárido possibilitará uma mudança de grandes proporções na qualidade de vida de sua população, na proteção do meio ambiente e nas relações sociais, especialmente nas relações de poder.
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Técnico agrícola, graduando em pedagogia, coordenador geral do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA). E-mail: <moacir@irpaa.org>.
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O surgimento das tecnologias: um breve histórico Há mais de 10.000 anos, com o desenvolvimento das técnicas de domesticação de plantas e animais e o surgimento da agricultura e pecuária, a humanidade mudou radicalmente seu modo de vida. A agropecuária permitiu ao ser humano se estabelecer em um local fixo deixando de ser nômade, permitiu também maior segurança e redução da fome e das doenças, reduzindo a mortalidade. Surgiram também as cidades, territórios, nações e impérios. A necessidade de mais desenvolvimento levava à busca de mais tecnologias e para isso era preciso criar novas profissões. No Brasil, antes da chegada dos portugueses, os nativos viviam em um sistema nômade, com princípios de agricultura rudimentar, e a pecuária não existia. Já tinham desenvolvido a indústria de alimentos (casa de farinha), dominavam o fogo e a olaria, além de armas para caça e guerra, não sendo diferente no Semiárido. Essa tecnologia permitia um sistema de vida em sociedade bem distinto da vida em sociedade dos portugueses. Os nativos tinham uma cultura tecnológica apropriada ao ambiente natural onde viviam. A tecnologia bélica (a pólvora) e a estratégia dos portugueses fizeram com que um pequeno número de homens derrotasse milhares de outros, e assim Portugal conquistou e dizimou centenas de povos em um curto espaço de tempo. Desde então, o controle da tecnologia e dos meios de produção (terra e água) passou a ser usado como forma de dominação das nações subjugadas. Os grandes impérios europeus, os Estados Unidos e até os coronéis locais passaram a coibir a iniciativa para o desenvolvimento de tecnologias nas colônias e nações recém independentes. As pessoas e as instituições locais passaram a receber pacotes de subsídios, equipamentos e técnicos das nações dominantes que, com isso, atrasaram e diminuíram a capacidade dessas nações, tornando-as sempre dependentes tecnicamente. As colônias passaram a ter importante papel de fornecedoras de matéria prima para as nações dominantes e consumidoras de tecnologias ultrapassadas e fora do contexto local, fechando o ciclo de dependência.
Ao longo do tempo, cada povo foi desenvolvendo técnicas e tecnologias de cultivo, domesticação de animais, captação, armazenamento e gestão das águas, moradia, educação, tudo para melhor se adaptar às condições climáticas locais. No Semiárido brasileiro, perdemos esse momento histórico de desenvolvimento de tecnologias localmente apropriadas. A população, depois da colonização, foi violentamente proibida de dar continuidade ao modo de vida dos nativos e de produzir novas tecnologias. A não posse da terra e da água foi a principal estratégia usada pelos colonizadores para coibir esse desenvolvimento. “Ninguém faz benfeitoria em casa alugada” foi a resposta dada por um camponês do Semiárido quando questionado sobre o porquê de não termos infraestrutura de convivência com a região. As famílias não têm a posse da terra, estão sempre na posição de agregados ou arrendatários. Nesta situação, a pessoa não pode fazer grandes investimentos na terra. Outro camponês nos falou sobre o “bem de raiz”, termo usado na região norte da Bahia para dizer se a propriedade é dotada de infraestrutura, ou não. Uma família vivendo como agregada em uma fazenda e depois de 50 anos é intimada a deixar a área, essa família questiona a ordem alegando que já está na terra há muito tempo e que por isso tem direitos. O caso vai à justiça e o juiz decide a favor de quem realizou benfeitorias na área. Como a família foi proibida de fazer aguadas, pastagem, abrigo para os animais e até casa de alvenaria, logo, não realizando benfeitoria alguma para provar o uso da terra, o fazendeiro ganha a causa. É uma regra geral: arrendatário e agregado não podem fazer benfeitorias na terra, para não criar “bens de raiz”. Com isso, para a pessoa ficar na terra, ela tem de abrir mão de toda a sua criatividade inventiva, já que não pode colocá-la em prática e desenvolver uma técnica de sobrevivência, que consiste em derrubar a vegetação, plantar milho, feijão e capim e no próximo ano repetir tudo novamente. Depois disso, ainda pode vender sua força de trabalho a preço muito baixo e, quando isso não é suficiente, recebe ajuda oficial de programas de distribuição de comida e água, geralmente atrelada a um político local. Ao contrário do resto do mundo, o povo do Semiárido brasileiro teve de regredir no
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desenvolvimento de tecnologias apropriadas e desenvolver apenas uma técnica de sobrevivência. O desenvolvimento e a aceitação de tecnologias estão diretamente ligados à relação da família com a posse da terra. Oficialmente, o governo resolveu esse problema. Em vez de promover a reforma agrária e o reordenamento das terras públicas, adotou como política a exportação de pessoas como mão de obra barata para a construção e a indústria do sudeste do país. Com a exceção de políticas públicas e ações governamentais somente mais recentemente aplicadas à região2, as poucas investidas oficiais foram e são ainda focadas na grande propriedade para a produção de matéria prima, sendo o povo, novamente, simples mão de obra, que pode migrar de um polo para outro, pois cada polo de desenvolvimento tem uma vida útil muito curta, como foram o ciclo do gado, do algodão, da irrigação, dentre outros. Como perdemos o momento histórico do desenvolvimento local de tecnologias sustentáveis, nos resta agora reconhecer esse grande prejuízo e minimizar seus efeitos. Para isso, precisamos do tripé de sustentação – terra, água e conhecimento – para produzir novas técnicas e tecnologias de convivência com o Semiárido, conhecer as já existentes e adaptá-las à nossa realidade. Tecnologias de convivência com o semiárido: adaptar as existentes e produzir novas Com base na história e toda a sua constituição, é possível que possamos adaptar as técnicas existentes à realidade em que vivemos, para que elas possam, de fato, produzir efeitos que atendam as necessidades do mundo atual. O primeiro passo é conhecer como se comporta o nosso clima e como as plantas e animais se adaptaram a esse comportamento climático.
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Programas dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário, Desenvolvimento Social, Meio Ambiente e, no caso do Ministério da Ciência e Tecnologia, a criação, em 2005, do Instituto Nacional do Semiárido (INSA).
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O maior exemplo para compreender esse passo está na forma como a natureza se relaciona com o ambiente em que está inserida, podendo-se perceber claramente as estratégias que foram criadas para manter o equilíbrio necessário ao meio ambiente, tornando-o mais harmonioso, respeitando cada categoria presente na natureza. Observando a distribuição das chuvas em nossa região, podemos chegar à conclusão de que a região tem maior aptidão para a pecuária e para o extrativismo do que para a agricultura, revolucionando toda a nossa forma de organização fundiária, pois, para criar animais e fazer o extrativismo, a família precisará de muito mais terra do que se fosse fazer agricultura. O camponês do Semiárido identifica-se mais como pastor do que como agricultor. Aagricultura é atividade de altíssimo risco em uma região semiárida. Por exemplo, o Semiárido mais famoso é o do oriente médio, tratado na Bíblia como “A terra prometida”, onde todos os personagens de maior destaque foram também chamados de pastores, pois sua principal atividade era a criação de animais: Abraão, Isaac, Jacó, Moisés, Davi e Jesus, todos foram criadores de cabras e ovelhas. Na zona semiárida da Austrália, a principal atividade é a criação de animais. No Semiárido brasileiro, quase não se tem registro de fazendeiro que tenha se tornado poderoso plantando milho e feijão. Todos tinham o domínio da terra, da água e criavam gado. Outro ponto importante é sair do papel de fornecedor de matéria prima e passar a ser fornecedor de produtos acabados. A industrialização, iniciada pelos nativos e pelos agregados e desarticulada pelos coronéis do gado, precisa ser retomada para a produção e armazenamento de alimentos, bens para o uso interno e para a exportação. Essa industrialização deve começar no campo, de forma descentralizada até chegar às cidades sem causar o seu inchaço, pois grande parte da população continuará no campo desenvolvendo atividades agropecuárias e não agropecuárias em condições dignas de trabalho e de vida. Tendo garantido o direito a terra, água e educação, as pessoas vão fazer desabrochar todo o seu potencial inventivo, fazendo do Semiárido uma região próspera e sustentável, com desenvolvimento humano. Vale ressaltar, nesse caso, que uma característica das regiões semiáridas é a irregularidade das chuvas no tempo e no espaço. Não se pode prever Tecnologias para o Semiárido
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quando começa o período das chuvas nem quanto vai chover, inviabilizando o cultivo da maior parte das plantas já domesticadas. Outra característica da região é o subsolo cristalino (cerca de 80% do Semiárido brasileiro assenta-se sobr_e este tipo de solo), sem possibilidade de armazenamento de água, sem lençol freático ou bacia sedimentar, com a pouca água existente localizada em fendas, geralmente apresentando altos teores de sais. Não se pode pensar em resolver o problema do abastecimento de água na região a partir a perfuração de poços. O grande potencial hídrico do Semiárido brasileiro é a água das chuvas. Quando fazemos a equação da necessidade de água e da água potencialmente disponível, percebemos que o fator limitante não é a quantidade desse recurso natural e sim os meios adequados para armazená-lo. Sendo a precipitação média de 700 mm de chuva por ano nos 900.000 km2 do Semiárido brasileiro, temos 630 bilhões de m³ de água por ano. Desse total, 87% evaporam e 4% infiltram no subsolo. Restam 9% (56,7 bilhões de m³, cuja quantidade, dividida pela população, resultará em 3.780 m3 por pessoa/ano), que escorrem e podem ser armazenados. A ONU diz que se pode falar da existência de stress hídrico em regiões com menos de 1.700 m³ de água/pessoa/ano e de escassez em regiões com menos de 1.000 m³ de água/pessoa/ano. Com base nos dados apresentados, é possível criar, como estratégia de convivência com o Semiárido brasileiro, diversas possibilidades que facilitem a vida das pessoas que vivem nessa região. A proposta de Convivência com o Semiárido Brasileiro (CSA) traz uma série de tecnologias voltadas para a captação de água para o consumo humano e animal e para a produção, organizadas de maneira que possam existir em formas e ambientes diversificados e que garantam a qualidade de vida para todos os que vivem na região. A política de recursos hídricos precisa ser constantemente revisada e reconstruída; para tanto, vale observar as linhas de lutas pela água apresentadas nas discussões sobre CSA, local, regional e nacionalmente. Há pouco tempo, ainda se acreditava que a única forma de ter água potável seria por meio da água encanada, que na realidade das
comunidades rurais isso seria impossível, pois na área rural as casas estão difusas, sem uma organização linear e distantes umas das outras. Essa organização é importante para garantir às pessoas maior aproximação com a roça e com os animais e manter a boa vizinhança, sem tirar o sossego dos vizinhos. Daí a importância de se pensar em outras formas de abastecimento para o consumo humano e animal e outros usos. Com a utilização de tecnologias de captação de água de maneira a aproveitar todo o ambiente, emerge outra preocupação: a qualidade da água captada, em especial para o consumo humano; por decorrência, também se discutem maneiras de tratá-la, sem custos e com qualidade, podendo assim torná-la acessível a todas as pessoas, principalmente à população rural. Para o tratamento da água potável, o mais eficiente sistema é o filtro de areia e carvão, de fácil construção e manutenção. Existem ainda muitas outras possibilidades de aproveitamento racional da água de subsolo, disponível nas regiões de arenito e também nas fendas do granito nas regiões de subsolo cristalino (mesmo que em menor quantidade). Uma técnica antiga que está sendo resgatada é a hidroestesia ou o “dom de adivinhar água”. Com essa técnica, é possível indicar, com exatidão, local para se construir o poço, seja ele profundo ou raso.
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Exemplos de tecnologias desenvolvidas e difundidas no Semiárido brasileiro Cisterna para consumo humano Técnica milenar de armazenar água destinada ao consumo humano e ao preparo de alimentos, consiste de um tanque impermeabilizado que armazena a água captada do telhado da casa, através de calhas e bicas. A cisterna pode ser subterrânea ou de superfície. Pode ser feita de pedra e cal, de tijolo e cal ou cimento, de placas pré-moldadas, de ferro, de anéis de cimento e muito outros materiais. A cisterna (Figura 1) deve ser redonda e impermeabilizada. Para uma família de cinco pessoas, recomenda-se, no mínimo, uma cisterna de 16.000 litros de água. 89
Figura 1. Casa com duas cisternas para consumo humano Fonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.
Figura 2. Filtro de Areia e Carvão Fonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.
Barreiro de salvação Filtro caseiro Consiste em um pote (Figura 2) com seixos, carvão vegetal em pó, areia fina e areia grossa. A água contaminada passa pela areia grossa onde ficam retidas as impurezas orgânicas, depois a água passa pela areia fina que retém os ovos de bactérias, em seguida a água passa pelo carvão, que retém as bactérias e, por último, a água fica armazenada nos seixos, no fundo do pote, de onde é retirada por um dreno; está pronta pra ser consumida. O material filtrante deve ser trocado a cada seis meses.
Uma das principais dificuldades na produção de agricultura de sequeiro é a irregularidade das chuvas. Para a lavoura se desenvolver bem e produzir satisfatoriamente, a família precisa dispor de um bom solo e chuvas regulares durante os três meses do ciclo vegetativo da planta (germinação, desenvolvimento e frutificação). Por conta das chuvas irregulares no Semiárido brasileiro, é muito comum na região a lavoura se desenvolver bem e, na época da floração e frutificação, faltar chuva, abortando todas as flores. No mês seguinte, a chuva volta, a planta continua verde, mas sem frutos. O barreiro de salvação (Figura 3) tem como objetivo
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suprir a carência de água nesse mês em que não choveu. É um tanque feito de terra que armazena água suficiente para realizar uma ou duas irrigações de uma determinada área de plantio. O barreiro de salvação é composto por uma área de captação de água, um tanque de armazenamento e uma área de plantio. A água vai do tanque para a área de plantio, por gravidade; através de um cano, é distribuída por sulcos feitos em curva de nível. Um tanque com capacidade de armazenamento de 3.000 m³ de água pode irrigar uma área de dois hectares.
Barragem subterrânea Como o nome já diz, é uma barragem que armazena água no interior do solo (Figura 4) – é uma vazante artificial. A barragem subterrânea é composta de uma área de captação de água, uma de armazenamento – que também é a área de plantio – e uma parede impermeabilizada que vai da superfície até a parte impermeável do solo. Na época da chuva, a água escorre pela área de captação e fica presa na área de plantio. O excesso da água da superfície escorre pelo dreno e a água que infiltra no solo é retida pela parede impermeabilizada. O plantio é feito na área de captação de água. Na parte mais próxima da parede são plantadas as culturas anuais e nas extremidades, as fruteiras. As barragens subterrâneas têm área de plantio que varia de ½ (meio) a 1 (um) hectare.
Figura 4. Esquema da Barragem Subterrânea Fonte: EMBRAPA Semiárido.
Figura 3. Esquema do Barreiro de Salvação
Cisterna para produção
Fonte: EMBRAPA Semiárido.
Consiste em captar água de um calçadão de 200 m² ou de uma caminho d´água e armazená-la em uma cisterna de 50 m³. A cisterna (Figura 5) é totalmente subterrânea. A água armazenada é usada para irrigar 20 m² de horta e uma dezena de fruteiras. O objetivo é produzir frutas e verduras para a alimentação da família. 92
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Figura 5. Esquema de uma cisterna de produção Fonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.
Bomba d´água popular - BAP
É uma bomba de água, composta de um pistão para sucção da água e uma roda de 1 metro de raio, que faz movimentar o pistão. Por conta da grande roda, é possível retirar água de poço a grandes profundidades com pouco esforço físico. A BAP (Figura 6) é instalada nos chamados “poços secos”, aqueles que têm vazão menor que 2.000 litros de água por hora. Uma BAP pode oferecer água para dessedentação de animais e para uma pequena horta e ainda para uso doméstico de uma comunidade de 30 famílias.
Figura 6. Comunidade usando a BAP para irrigar uma horta
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Fonte: IRPAA.
Barreiro trincheira ou caxio Consiste de um tanque comprido, estreito e profundo, escavado em solo rochoso (Figura 7). Esse formato diminui a lâmina de água exposta ao sol e ao vento, diminuindo a evaporação; pelo solo rochoso ocorre menor perda d´água por infiltração. O barreiro trincheira é dividido em reservatórios, de forma que é possível usar primeiro a água de um dos reservatórios e neste fazer a limpeza ou aprofundar ainda mais, e assim sucessivamente. A área de captação é uma vereda ou o caminho natural da enxurrada. A água do barreiro trincheira é destinada principalmente à dessedentação dos animais e ao uso doméstico. 95
Figura 8. Plantio com captação de água in situ versus plantio tradicional Fonte: EMBRAPA Semiárido.
Domesticação de plantas nativas
Figura 7. Esquema do Barreiro Trincheira ou Caxio Fonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.
Captação de água de chuva in situ In situ significa no lugar, ou seja, captar o máximo de água que puder, no lugar onde a planta está. O sistema de captação in situ consiste em fazer sulcos profundos e camalhões largos em curva de nível (Figura 8). A água da chuva é captada dos camalhões e fica armazenada nos sulcos, e a planta fica localizada na base dos camalhões. A maior parte da água, que, no sistema tradicional, escorreria pela superfície, fica armazenada no solo, infiltrando aos poucos. O objetivo é aumentar ao máximo a quantidade de água no solo, sem causar encharcamento, possibilitando à planta esperar a próxima chuva por um tempo mais longo.
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O Semiárido brasileiro é um dos poucos do mundo que não domesticou nenhuma planta de valor econômico. Todas as plantas cultivadas são importadas de outras regiões do planeta, muitas sem aptidão ao clima, como é o caso do milho. Nos últimos anos, a Embrapa Semiárido vem estudando o potencial econômico de várias plantas da caatinga, como caroá, maracujá do mato, mamãozinho de veado, maniçoba e umbu. Dentre todas, o umbu e o maracujá já estão sendo cultivados a título de experimento e mostram bons resultados. Um umbu responde bem a enxertia, técnica que permite reduzir o tempo de produção de 15 para 5 anos e ainda a possibilidade de se escolher as melhores variedades. O maracujá do mato também tem respondido muito bem ao cultivo em espaldeiras; o desafio é ter na área de plantio a presença do besouro mangangá, responsável pela polinização das flores. Esse problema está sendo resolvido com a colocação de estacas de umburana na área de plantio, pois o besouro usa troncos secos de umburana para fazer sua morada. Como planta ornamental, o caroá temse mostrado com grande potencial. Tecnologias para o Semiárido
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Figura 9. Mulher colhendo frutos na caatinga Fonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.
Beneficiamento e comercialização de frutas nativas
O aproveitamento das frutas nativas é outro grande potencial local que precisa ser desenvolvido. Colher e vender, por exemplo, o fruto do umbu ou do maracujá in natura é um grande prejuízo para as famílias coletoras. A grande vantagem está na industrialização desses frutos (Figura 10). Tradicionalmente, as famílias já transformavam frutas nativas e cultivadas em doces, geleias e sucos para o consumo doméstico e um pouco para vender nas feiras livres. Um saco dessas frutas, vendido a R$ 10,00, quando industrializado, rende R$ 130,00 para a família – 13 vezes superior ao montante arrecadado com venda do fruto fresco. Além de agregar valor à produção, o beneficiamento possibilita armazenar alimentos para os meses de entressafra, contribuindo para a segurança alimentar das famílias. A construção de mini fábricas para produção de polpa de frutas, frutas desidratadas e muitos outros produtos nas comunidades permite a criação de empregos não agrícolas na zona rural, reduzindo a necessidade de migração em massa dos jovens para a cidade em busca de emprego. 98
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Figura 10. Doces, geléias, compotas e sucos de frutas da Caatinga Fonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.
A comercialização, que sempre foi um obstáculo para o desenvolvimento das iniciativas comerciais das comunidades, é vista de outra ótica que não a capitalista. A economia solidária, na qual os grupos cooperam entre si e não competem, tem possibilitado o desenvolvimento do empreendedorismo sustentável dessas comunidades. Cresce, a cada dia, o número de consumidores preocupados em fazer um consumo consciente, e os produtos do extrativismo vêm ao encontro dessa necessidade do mercado, por serem de boa qualidade e produzidos de forma sustentável. Recaatingamento Consiste em repovoar a caatinga degradada com plantas arbóreas que quase já não existem mais. Com o recaatingamento é possível conciliar a regeneração da caatinga com o seu aproveitamento econômico, Tecnologias para o Semiárido
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replantando espécies com valor comercial (Figura 11), tais como o umbuzeiro e o angico. O desafio do recaatingamento está em conciliar a regeneração da caatinga com o pastejo de animais na mesma área, já que a tradição local é não usar cercas e os animais pastarem livremente.
O grande desafio hoje é garantir o tempo necessário para a recuperação dessas áreas, inclusive a germinação e o desenvolvimento de novas plantas arbóreas e arbustivas. Isso se consegue com a elaboração de um calendário de pastagem que defina a época do ano em que os animais podem permanecer na área e qual a época em que os animais não podem pastar na área. Para isso, a família terá de ter uma boa quantidade de feno armazenado para fornecer aos animais na época em que não podem pastar na caatinga. Essa prática muda o modo cultural de criar os animais, saindo do sistema extensivo para um sistema semiextensivo de criação. Nesse sistema, um hectare de caatinga tem capacidade de alimentar em média uma cabra e suas crias durante o ano e os animais atingem o peso ideal de abate a partir dos dez meses de idade. Essa prática permite ainda que a caatinga seja enriquecida com plantas nativas para produção de forragem, frutas e fibras e também com plantas exóticas, principalmente gramíneas para o pastejo direto e para a produção de feno.
Figura 11. Homem fazendo enriquecimento da caatinga com plantas nativas Fonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.
Manejo da caatinga Após séculos de muita depredação no Semiárido brasileiro, chegou-se à conclusão que as plantas nativas (Figura 12) têm maior valor alimentar que quase todas as plantas exóticas que aqui se implantaram com a promessa de alimentar os animais. A Embrapa Semiárido está pesquisando o valor nutricional de muitas plantas da caatinga e como manejá-las para que produzam alimento durante todo o ano ou que sejam armazenadas em forma de feno. 100
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
Figura 12. Pasto nativo manejado Fonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.
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Fenação
Melhoramento genético
Trata-se de uma técnica milenar destinada a armazenar comida para os animais. Consiste em cortar e desidratar, ao sol, gramíneas, leguminosas, raízes ou cascas e depois armazená-las em fardos, sacos ou a granel. O feno (Figura 13), quando bem armazenado, pode durar mais de um ano. Na desidratação, o alimento perde o excesso de água e mantém seu valor nutricional. Feno não é o mesmo que folhas secas, quando a planta seca no campo e ali permanece até sua coleta, perdendo, junto com a água, seu valor nutritivo, diferentemente de quando é utilizada no processo de fenação, quando ela perde água e mantém todo seu valor nutricional.
Durante muito tempo, gastou-se muito dinheiro tentando introduzir raças melhoradas de cabras e ovelhas com o objetivo de aperfeiçoar a qualidade do rebanho do Semiárido. Hoje se chegou à conclusão que a forma mais indicada de melhorar o rebanho é através da realização de um manejo adequado, principalmente melhorando a alimentação na época mais seca do ano, controlando os vermes e fornecendo sal mineral (Figura 14). Com essas ações, pode-se reduzir a mortalidade infantil dos cabritos e borregos, que hoje chega a 70%, para 30%. Somente após terem sido resolvidas as questões referentes à alimentação e ao manejo é que se deve pensar em introduzir novas raças na região.
Figura 13. Família colhendo, desidratando e confeccionando fardos de feno
Figura 14. Animais em sistema semi-intensivo recebendo comida e sal mineral em chiqueiro adequado
Fonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.
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Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
Fonte: IRPAA / Ivomá Pereira de Sá.
Tecnologias para o Semiárido
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Planejamento da propriedade O planejamento da propriedade ainda é uma ação praticada por poucas famílias do Semiárido brasileiro. Por conta da insegurança da permanência na terra, as famílias estão em eterno estado de emergência, tentando viver o dia de hoje. Quando conhecemos melhor o clima semiárido, facilmente chegamos à conclusão que as principais atividades econômicas a ser desenvolvidas na região são a criação de animais de médio e pequeno porte e o extrativismo. A agricultura, por ser de alto risco, é atividade secundária, mas não descartada. Com as tecnologias de captação e armazenamento de água para produção, é possível ter uma pequena e bem cuidada área de produção agrícola para a alimentação da família e para o mercado. É preciso planejar a propriedade de forma que a família tenha, no mínimo, quatro atividades econômicas diferentes na propriedade, por exemplo: criação de animais, plantio de fruteiras e plantas perenes, beneficiamento da produção e roça para produção doméstica. Assim, quando uma atividade não alcançar a produção esperada, a família dispõe ainda de outras três possibilidades de ter comida e renda.
garantia do acesso à terra, à água e ao conhecimento contextualizado. Tendo terra, água e conhecimentos, a população, rapidamente, se apropria das tecnologias existentes e desenvolve muitas outras que possibilitarão o desenvolvimento sustentável da região. Referências CHACON, Suely Salgueiro. O sertanejo e o caminho das águas: políticas, modernidade e sustentabilidade no semi-árido. Tese de Doutorado. Brasília: UNB, 2005. DUARTE, Renato Santos. O estado da arte das tecnologias para a convivência com as secas no Nordeste. Recife: Fundação Joaquim Nabuco. Fortaleza: BNB, 2005. IRPAA. A busca da água no sertão. 4 ed. ampliada e revisada, JuazeiroBA, 2001. IRPAA. Cabras e ovelhas: criação do sertão. 4 ed. ampliada e revisada, Juazeiro-BA, 2001.
Considerações finais IRPAA. A roça no sertão. 4 ed. ampliada e revisada, Juazeiro-BA, 2001. Para a maioria dos leitores, essas tecnologias são totalmente desconhecidas, porém, todas são milenares; apenas o Semiárido brasileiro não as conhece ou não as utiliza plenamente – é como se estivéssemos em uma bolha de ignorância. Hoje, o maior desafio é tornar senso comum todas essas e muitas outras tecnologias. A tecnologia deve se ajustar às condições climáticas e naturais da região, mas nunca às condições sociais e políticas quando essas condições são baseadas na exploração e manutenção da dominação de um pequeno grupo sobre uma maioria. A tecnologia e o conhecimento científico devem contribuir para a libertação intelectual das pessoas, desmistificando aspectos culturais e sociais tidos como naturais ou divinos. A base para isso é a 104
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SANTOS, Cícero Felix, SCHISTEK, Harald & OBERHOFER, Maria. No semiárido, viver é aprender a conviver. Articulação Popular São Francisco. Juazeiro Bahia, 2008. SCHISTECK, Harald & MARTINS, Lucineide. A convivência com o semi-árido no município de Curaçá. Juazeiro-BA, 2001.
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PARTE II A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: DIÁLOGOS INTERCULTURAIS
EDUCAÇÃO PARA A CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES Edmerson dos Santos Reis1 Introdução Quanto mais nós saímos do litoral brasileiro e adentramos as regiões interioranas, mais os indicadores sociais, que avaliam a educação, a saúde, a expectativa de vida ao nascer, entre tantos outros, vão se tornando aberrantes, e absurdos. Esses mesmos indicadores vão piorando ainda mais quando a avaliação atinge o campo, denunciando assim vulnerabilidade dos direitos de gerações diversas que habitam nossos municípios, onde a renda que assegura as famílias, muitas vezes, não chega a um salário mínimo, pessoas que no seu dia a dia não têm direito de se alimentar três vezes ao dia, situação bem comum no Semiárido brasileiro (SAB). O Semiárido abrange 11 estados brasileiros, estando presente nos 09 estados do Nordeste. No Sudeste, estende-se pelo Vale do Jequitinhonha e o norte de Minas de Minas Gerais, alongando-se até o norte do Espírito Santo. A inclusão desses dois estados do Sudeste diz respeito à área de atuação da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB), do UNICEF, do Instituto Nacional do Semiárido (INSA), do Banco do Nordeste e da antiga SUDENE, pela similaridade climática da região norte dos mesmos.
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Professor do Departamento de Ciências Humanas – Campus III da Universidade do Estado da Bahia, Pedagogo, Mestre em Educação, Especialista em Desenvolvimento Local, Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia – UFBA e Membro da RESAB e da Comissão Nacional de Educação do Campo. e-mail: <edmerson@oi.com.br>.
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É dessa região, compreendida como Semiárido brasileiro, que iremos discorrer neste trabalho, destacando os desafios e possibilidades de se construir outro projeto de desenvolvimento, no qual a educação exerce um papel ímpar. Sendo assim, todas as vezes que eu me referir à educação contextualizada, no caso específico deste artigo, estarei fazendo alusão à educação baseada nos princípios da Convivência com o Semiárido e da Educação do Campo, até porque a maioria dos nossos municípios apresenta características rurais. Só para se ter uma ideia, se fôssemos classificar os municípios brasileiros a partir dos critérios defendidos por José Eli da Veiga (2003), teríamos que refazer uma nova demarcação, uma nova compreensão do campo brasileiro, pois, nesta nova perspectiva, a maioria dos nossos municípios seria classificada como rural. No entanto, por uma estatística e um critério adotados pelo IBGE, herança do período Varguista, a maioria dos municípios é considerada urbana, existindo por aí municípios que têm apenas uma rua calçada, e os demais serviços básicos de atendimento à população são considerados de péssima qualidade. Sendo assim, quando nos referirmos ao nosso contexto, estamos falando do Semiárido brasileiro. É desse espaço que iremos discorrer neste artigo e da Educação insurgente que vem propondo outro modelo de desenvolvimento para esta região: a Educação para a Convivência com o Semiárido. O contexto do Semiárido como fundamento para se pensar outro projeto de desenvolvimento regional Entendemos que o contexto do Semiárido, assim como o que se fez nele historicamente, é uma construção humana, passível, portanto, de ser revertida, a depender apenas da nossa vontade política de modificar as coisas. Na compreensão de Albuquerque Jr. (1999), a idealização e a delimitação geográfica do Nordeste brasileiro trazem a marca de um ranço negativo, criado pela elite nordestina, com vistas a atender apenas os seus 110
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interesses, e que vai fundamentar a criação dessa região. Para esse autor, foi esse ranço da elite nordestina que forjou a criação do Nordeste, na contramão da história, sendo suportado, inclusive, na ideia de calamidade originada no clima e, principalmente, na manifestação do fenômeno da seca. Foi a utilização desse fator climático que permitiu criar-se a visão de calamidade pública que até hoje vigora na ideia e no imaginário social da população do Nordeste e do Brasil, levando-se, equivocadamente, a compreender o Semiárido brasileiro apenas pela representação idealizada da fome e da miséria. Na verdade, existem muitas outras coisas nessa região que precisariam de maior visibilidade, as quais, muitas vezes, a imprensa não se preocupa em mostrar, pois, quando se fala em seca, a imprensa nacional fala exatamente das regiões do agreste, onde, muitas vezes, se cria o gado e logo na primeira falta de chuva, se os criadores não possuírem reservatórios ou outras fontes de água, o gado morre. Então, a caveira do gado que aparece na imprensa nacional não é a do bode, que está sobrevivendo, resistindo às intempéries do clima e segurando as famílias no Semiárido, mas sim do bovino, que, inapropriado para a região, continua sendo criado sem se levar em consideração as condições climáticas e a adaptabilidade desses animais às especificidades da semiaridez. É essa a imagem que foi criada para favorecer uma elite brasileira, sendo preciso envidar esforços na tentativa de romper com esse cenário da artificialidade. Essa é uma das construções humanas que precisa ser desconstruída, pois esse ranço cultural reacionário contribui para a fabricação de “uma identidade de inclinação despótica”. O que se desdobrou desta matriz regionalista foi a proliferação de “obras” que retrataram a imagem de penúria ligada às secas e às calamidades, produzindo uma cultura do coitado, que deve ser merecedor da pena e da ajuda das outras regiões do país. Mas nada mais se fez em termos de tematizações sérias em nome deste vasto e rico ecossistema, de seus biomas, de suas potencialidades humanas. Apenas muito recentemente estamos conhecendo estudos, especialmente desenvolvidos pela Educação para a Convivência com o Semiárido: Desafios e Possibilidades
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EMBRAPA, que tem protagonizado tal reflexão. (MARTINS, 2004, p.50).
Conforme as problematizações realizadas nos espaços de discussão e nas publicações da RESAB, outro elemento desse contexto é a estereotipação da região e dos que nela vivem. Ou seja, é uma região que é vista por uma caricatura que criaram da gente. A imprensa nacional e os que escreveram sobre esta região, tendo como parâmetros apenas uma época do ano, ou apenas um ângulo da região, não perceberam a sua complexidade do Semiárido Brasileiro. Os livros didáticos que circulam na nossa região reforçam essa imagem negativa da região, do sujeito que vive no Semiárido, que é visto como “matuto” ou como um “sujeito sem saber”. É essa a negatividade que se criou do Semiárido Brasileiro e que ainda está presente entre nós e que terminamos por assumi-la e proliferá-la. Ao absorvermos esse imaginário, não falamos de nós por aquilo que somos, por aquilo que vivemos, por aquilo que sentimos, mas por aquilo que nos ajudaram a inculcar o que nós somos. Ou seja, cria-se e introjeta no sujeito a impossibilidade de solução dos problemas, porque produzem o sentimento de impotência de um sujeito que não tem a condição de superar-se a si mesmo e nem de superar as condições e vulnerabilidades do meio em que vive. Essa manifestação está presente e sendo reafirmada pela própria maneira reacionária de se fazer política nessa região. Conhecer com orgulho o extraordinário privilégio da responsabilidade, ter consciência dessa liberdade rara, desse poder sobre si e sobre seu destino, aí está quem penetrou até as profundezas últimas de sua pessoa e que se tornou instinto, instinto dominante – que nome lhe dará a esse instinto dominante, supondo que sinta a necessidade de conferir-lhe um nome? Isso não oferece dúvida alguma: o homem soberano o chamará de sua consciência... (NIETZSCHE, 2007, p.58).
isso, destacando-se, dentre eles, aqueles desenvolvidos na EMBRAPA Semiárido (CPATSA), em Petrolina - PE, e, mais recentemente, no INSA2, que também pode ser outro espaço fundamental para se pensar o desenvolvimento sustentável dessa região. Ou seja, mais uma força para – através do apoio à pesquisa, à ciência e à tecnologia – desvendarmos essa complexidade que é o semiárido, com a sua riqueza, potencialidades e possibilidades. O Semiárido brasileiro não possui um único ecossistema; para se ter uma ideia, existem mais de 170 microclimas nesse mesmo espaço, cada qual com a sua especificidade, com sua complexidade. No entanto, nada disso é considerado, principalmente quando se fala de educação, de políticas de desenvolvimento, pois as políticas são sempre generalizantes e universais, não consideram as diferenças, as particularidades, as singularidades dos fazeres e saberes que se encontram em cada um dos lugares dessa região. Outro elemento que trago sobre esse contexto do Semiárido brasileiro é o descaso histórico, resultante, em grande medida, do modus operandi da política tradicional, que precisa ser revertido com relação à atuação nesta região, condenando-a ao abandono. Não deixamos de reconhecer que, nos últimos governos, muitas ações já foram desenvolvidas a partir de outra concepção de desenvolvimento, que leva em consideração a ideia de convivência, principalmente no governo Lula. São muitas as ações que vêm sendo desenvolvidas e voltadas para o Semiárido. Parece que é a construção de um novo pensar-fazer na/sobre a região, com a devolução de uma dívida histórica gerada por um modelo de desenvolvimento que foi centrado no eixo Sul e Sudeste do país, que sempre abandonou as regiões menos favorecidas social e economicamente, resultando, assim, em um país com tantas desigualdades, onde o
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O Semiárido brasileiro é um território complexo e rico sobre o qual pouco ainda conhecemos. Existem inúmeros estudos que vão confirmar 112
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
É um Instituto criado em 2005 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, estabelecido em Campina Grande – PB, que construiu o seu Plano Diretor 2008-2011 a partir de ampla consulta pública, para pensar as áreas estratégicas de sua atuação <www.insa.gov.br>.
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desequilíbrio no desenvolvimento regional se faz tão claramente. É importante ver e ressaltar que essas ações, desenvolvidas pelo poder público, são uma tentativa de reverter o quadro de vulnerabilidade dos direitos que ainda se faz presente no Semiárido brasileiro. No entanto, não podemos deixar de trazer para a reflexão um elemento fundante, que é a necessidade da articulação das políticas públicas propostas e/ou em implementação. Seria interessante centralizar os recursos públicos e as ações, pois, às vezes, em um mesmo município, existem três ou quatro voltadas para o mesmo objetivo e elas não dialogam entre si na implementação localmente e nem lá em Brasília, onde são pensados e construídos os programas e projetos diversos. Nessa perspectiva, então, é preciso potencializar a articulação das políticas para que elas sejam mais efetivas, eficazes e, de fato, relevantes para os sujeitos aos quais se destinam. Com isso, poderemos potencializar os recursos ao invés de pulverizá-los, e buscar as reais saídas para os complexos e terríveis problemas que atingem o Semiárido brasileiro, investindo melhor os recursos financeiros, para que resultem em melhorias concretas nas condições de vida da população regional, com sustentabilidade. Somos uma região promissora, atestado, por exemplo, pelo polo Juazeiro – BA e Petrolina – PE, que desponta com a vocação para a vinicultura, para a ovinocaprinocultura e para a fruticultura irrigada. Ou seja, um novo roteiro turístico e de produção de divisas e geração de emprego e renda vai surgindo – e isso é apenas uma das inúmeras potencialidades da região. Em vários estados do Semiárido brasileiro, o turismo tem crescido, e outras potencialidades, ainda não descobertas, precisam ser reveladas, para que possam ser incentivadas pelas políticas públicas com vistas à promoção de um projeto de desenvolvimento justo, inclusivo e sustentável para a região, criando oportunidades de geração de emprego e renda para as pessoas das comunidades locais, valorizando assim as potencialidades humanas.
A Educação para convivência como aliada do desenvolvimento regional
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Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
Quando nos referimos à Educação, perguntamos: qual a relação entre educação e desenvolvimento regional sustentável? Quais respostas são dadas a este questionamento? É preciso que a educação trate dessas questões, pois as políticas públicas precisam ser articuladas no seu conjunto. Do que é que a educação vem tratando no sentido de ajudar as pessoas a “saírem do seu lugar”? E não é sair do seu lugar por meio da migração, é sair do seu lugar no que se refere à construção de um conhecimento que lhes permita intervir no mundo em que se vivem, por meio da compreensão e da articulação dos conhecimentos e saberes diversos na concepção do mundo. Ou seja, é um deslocamento no campo do alargamento das ideias, da maneira de ser e estar no seu mundo. É essa condição que a educação precisa criar. Em desenvolvimento e em educação, os principais recursos são, obviamente, as pessoas. Onde há pessoas, a ação educativa é possível e a compreensão e transformação da realidade social podem tornar-se obra coletiva, baseada nos princípios da endogeneidade, da globalidade e da participação. (CANÁRIO, 1997, p.18)
O Semiárido brasileiro é uma região promissora, de um povo trabalhador, mas que, pela desigualdade construída no processo de desenvolvimento predatório implantado no Brasil, tem servido para figurar com os piores indicadores de desenvolvimento humano nesse país, igualando-se, em alguns casos, com países mais pobres da África. Ainda sobre o contexto do qual falamos, frisaria que reportamonos mais a esse Semiárido tido como urbano. Imaginemos, pois, como isso se faz no campo, naqueles lugares em que, para encontrar uma casa, há que andar três, cinco, dez quilômetros; onde muitas vezes nos perguntamos como as pessoas conseguem viver em um lugar tão distante 115
e carente. Muitas vezes, esses sujeitos não são considerados nos indicadores que aqui estamos trazendo para reflexão. As estatísticas disponíveis não dão conta da complexa realidade existente no Brasil, pois elas trabalham em uma perspectiva por amostragem, apresentando, portanto, como resultados apenas uma aproximação de tal realidade. Mesmo com toda essa problemática, trata-se de uma região cujo povo, a partir da organização de diversos atores sociais e institucionais – dentre os quais se encontra a RESAB –, vem construindo outras possibilidades e projetando novas estratégias de desenvolvimento que precisam ser consideradas em um projeto de nação. Por outro lado, refletir sobre o campo brasileiro num projeto de nação é definir com clareza de que lado estamos. No âmbito do Governo Federal, há dois ministérios, um que discute a agricultura e pecuária, na perspectiva do agronegócio, e outro que discute o desenvolvimento agrário, dedicado, principalmente, aos mais carentes que vivem no campo. Então, que projeto de país, de nação estamos construindo? A favor de quem e de qual lado nos colocamos? Para se pensar um projeto de nação é preciso considerar também aquilo que vem sendo construído a partir das organizações, dos diversos atores existentes na sociedade. No Semiárido brasileiro, estão presentes, por exemplo, a Articulação do Semiárido (ASA), a RESAB, organizações não governamentais, além de várias iniciativas do poder público que também precisam ser potencializadas, mas que, muitas vezes, no conjunto da construção das políticas públicas, essas experiências não são levadas em consideração. Quando o são, tenta-se replicá-las indistintamente, sem considerar exatamente o elemento do contexto. As metodologias e as referências podem ser repensadas, mas não podem ser replicadas indistintamente, pois precisam ser reconstruídas a partir de cada contexto. Como nos lembra Paulo Freire, O que quero dizer é que uma mesma compreensão da prática educativa e uma mesma metodologia de trabalho não operam necessariamente de forma idêntica em contextos diferentes. A intervenção é histórica, é cultural, é política. É por isso que insisto tanto em que
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as experiências não podem ser transplantadas mas reinventadas. Em outras palavras, devo descobrir, em função do meu conhecimento tão rigoroso quanto possível da realidade, como aplicar de forma diferente um mesmo princípio válido, do ponto de vista de minha opção política. (FREIRE, 2001, p.28)
O Semiárido brasileiro é um espaço onde a insurgência de inúmeras iniciativas, a exemplo da RESAB, da ASA, do Pacto dos Governadores – um mundo para a criança e o adolescente do Semiárido, tem conduzido a interessantes processos de construção coletiva de buscas e soluções, embora seja ainda necessário avançar muito naquilo que os governadores assumem, transformando em ações concretas os itens que são pactuados. Há um rol de compromissos pensados e pactuados, mas que ainda não foram efetivados, e a cada vez que se avalia o processo, novos elementos vão sendo propostos. São essas iniciativas (ASA, RESAB, Pacto dos Governadores, Selo-Unicef Município Aprovado, Rede Abelha, Rede Semente, ações nas universidades, nas ONG’s entre outras) que vêm demonstrando a possibilidade da construção de outra realidade na região, mas que é preciso determinação e vontade política para que estas adentrem, como diria o companheiro Antonio Munarin3, a “corrente sanguínea” do estado. Não se pode mais admitir que essas experiências venham sendo premiadas anualmente pelas mais variadas organizações, inclusive por aqueles que comandam o poder público, mas que não lhes ajudem a pensar as próprias políticas do estado. É preciso que aprendamos com aquilo que temos ajudado a construir, por dentro ou por fora do estado, servindo, inclusive, de parâmetro para ressignificar as nossas ações. Pensemos, por exemplo, na universidade. Trata-se de uma instituição que precisa abrir espaço para essa discussão; ela precisa, verdadeiramente, constituir-se num espaço de socialização e construção
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Ex-Coordenador Nacional de Educação do Campo da SECAD/MEC e Professorda UFSC.
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de novos conhecimentos e saberes. Muitas vezes, a universidade vai à comunidade, à ONG, ajuda a construir um projeto excelente em uma determinada realidade, mas ela não consegue apreender as aprendizagens desse processo e, a partir da própria experiência que ela ajudou a construir, transformar-se por dentro. Precisamos aprender a exercitar essa dialética da superação de si, nas nossas próprias práticas. Isso tem sido evidente no campo das políticas públicas. Ou seja, o Semiárido brasileiro precisa ser pensado a partir de uma estratégia articulada entre governo e sociedade civil, tendo como inspiração as diversas iniciativas bem sucedidas que já existem e o forjar da inovação de outras tantas quantas forem necessárias. Não é mais possível ficarmos presos apenas a conceitos. A clareza destes é importante, no entanto, é necessário que a implementação de ações a eles associadas avance no campo das políticas públicas brasileiras; e, neste sentido, mesmo que lentamente, avanços têm havido no país e na região. Ainda assim, não podemos nos prender aos avanços e imaginar que já resolvemos tudo; devemos, também, considerar a existência de inúmeros espaços coletivos de proposição e avaliação das políticas públicas, nos quais estão presentes diversos atores da Sociedade Civil. Como exemplo, podemos citar a Comissão Nacional de Educação do Campo (CONEC), da qual a RESAB faz parte, que se constitui em um coletivo estratégico de construção de políticas públicas, mas que, mesmo assim, percebemos a necessidade de que se avance ainda mais, no sentido de tornar realidade os desejos e vontades dos povos que estão no campo. Nesse sentido, o contexto do qual falamos também é um espaço político, social, cultural, econômico, ambiental, que ainda nos exige firmeza política para a problematização de questões cruciais e fundamentais para o reordenamento de atitudes e ações voltadas ao desenvolvimento humano e sustentável da região. Não é mais possível refletirmos sobre o desenvolvimento no Semiárido brasileiro sem nos reportarmos à questão do acesso a água, a terra, assim como aos latifúndios que ainda vigoram nessa região. Não é mais possível pensarmos em desenvolvimento humano nessa região se
não tocarmos na questão do financiamento das pequenas empresas, dos pequenos produtores, dos agricultores; em um desenvolvimento que não compreenda o papel da educação nesse processo; construir o desenvolvimento sem que ele seja participativo, que não contemple a inclusão dessas questões no processo de reflexão coletiva. Se assim não for, continuaremos a fazer a política de desenvolvimento no papel, que não se efetiva na prática. Um processo inovador e inclusivo precisa trazer soluções inovadoras e contextualizadas, que ajudem o agricultor a sair da situação viciosa, todo ano dependente do ciclo da safra e/ou do seguro para sobreviver. De outra forma, o sujeito não será emancipado, nós não conseguiremos criar condições concretas de superação da pobreza e ficaremos o tempo todo repetindo o mesmo assunto enquanto a pobreza continua. É preciso que avancemos nessa perspectiva – de tocar naquilo que é essencial – e, assim, realizarmos, de fato, uma educação contextualizada, comprometida com o processo de emancipação humana. Afinal, não é mais possível se pensar em tudo isso se não tratamos desses elementos na escola. Diariamente, milhões de crianças, jovens e adultos vão às escolas, e aí lhes perguntamos: em que a escola lhes ajuda na reflexão sobre outras formas de pensar o mundo, a sociedade, o lugar onde se vive, o desenvolvimento sustentável, as relações de gênero, a cultura, a moralização da política entre outras questões não menos importantes? A educação, enquanto direito subjetivo definido pela Constituição Federal (BRASIL, 1998), é algo básico e essencial na vida das pessoas, na qual, para a consecução dos objetivos aqui propugnados, uma ampla reforma se faz necessária. Para tanto, devemos considerar o contexto do Semiárido brasileiro que aqui nos detivemos a explicitar – desse lugar real, concreto, cultural, social e político –, mas é também, neles inseridos, que precisamos questionar sobre qual proposta de educação nos ajuda a consolidar as intenções do que até então vimos tematizando. Já que temos afirmado o compromisso com as necessidades e
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potencialidades que envolvem os povos do Semiárido brasileiro, que tipo de Educação estamos nos propondo a defender enquanto RESAB, Comitês, Fóruns Estaduais de Educação do Campo, Poderes Públicos, Organizações não governamentais e Universidades? Enquanto rede, defendemos uma educação que se opõe a todo e qualquer processo pedagógico de descontextualização, que não respeita a condição de vida concreta das pessoas, que não respeita as condições materiais em que elas vivem, pois não é mais possível pensar a educação como algo distante, algo que está marcado pela descontextualização dos conhecimentos e dos saberes. Ao estudarem, por exemplo, as dinâmicas migratórias que constituíram a própria cidade onde vivem, as crianças tendem a encontrar cada uma a sua origem, segmentos de sua identidade, e passam a ver a ciência como instrumento de compreensão da sua própria vida, da vida da sua família. A ciência passa a ser apropriada, e não mais apenas uma obrigação escolar. (DOWBOR, 2006, p.02)
Os meninos e as meninas não aprendem as coisas e não veem sentido naquilo que aprendem, pois a falência do atual modelo de escola a entrincheira contra si mesma, não se preocupando com a aprendizagem e com o avanço dos conhecimentos dos seus alunos. Defendemos uma Educação que compreende que o Semiárido constitui em si uma realidade particular, com suas problemáticas e potencialidades, que merece e deve ser tematizada na escola, espaço este privilegiado para a ampliação e socialização dos conhecimentos e saberes diversos. Uma educação que valorize, efetivamente, o seu quadro de profissionais, pois são eles que, na prática, efetivam as políticas públicas educacionais, a política e a proposta pedagógicas da escola. Temos constatado, em processos avaliativos de inúmeras iniciativas bem sucedidas, que de nada adianta a existência da melhor das propostas pedagógicas se os educadores que a implementarão a ela se opuserem, se eles não são valorizados para fazê-la acontecer. Nestas circunstâncias,
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o educador não ensinará nada além daquilo que ele já sabe, razão pela qual é preciso investir na sua formação, intentando a ampliar mais ainda o seu universo intelectual. Exemplificando: recentemente, em 2008, foi realizada uma prova nos municípios brasileiros, equivalente aos conhecimentos dos anos iniciais do ensino fundamental para os meninos e meninas dessa fase. Em um determinado município, que, por questões éticas, seu nome aqui não será revelado, a mesma prova foi aplicada para alunos e professores. No resultado, os alunos tiveram notas melhores que as dos professores. O que, a princípio, poderia ter sido considerado por todos um absurdo – e o foi –, refletiu, na verdade, a realidade do que e de como se pode ensinar nas escolas. A formação continuada não existe em muitos dos nossos municípios. Os estados, no geral, possuem uma política mais concreta para a formação dos seus educadores, mas, em muitos municípios, as jornadas pedagógicas, quando existem, resumem-se a um planejamento realizado por assessorias externas que chegam à escola com tudo pronto, reúnem o professorado uma vez no início do semestre, passam a receita e vão embora, não demonstrando qualquer compromisso com a mudança da educação. Com essa “política de formação”, os nossos educadores não evoluem, não conseguem ultrapassar o limite do conhecimento que possuem. Convencer-me e fazer-me vibrar com um indicador de quatro e meio do atual Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), numa escala que vai de zero a dez, eu não consigo. Na minha concepção, temos que evoluir muito, nesse sentido também. Se estamos na defesa de uma educação que valorize seu quadro de funcionários e que investe dignamente os recursos desse setor na melhoria e superação dos indicadores negativos, não é mais possível pensar a educação sem metas, sem plano estratégico daquilo que se pretende alcançar, com vistas à qualidade, à relevância do ensino e à aprendizagem dos alunos. Defendemos, assim como bem o faz Martins (2004), uma educação que traz, nas suas práticas educativas, o desafio de exercitar a contextualização e a interdisciplinaridade como estratégia para contraporEducação para a Convivência com o Semiárido: Desafios e Possibilidades
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se aos males da pedagogia moderna que se pauta pelos princípios da neutralidade, da formalidade abstrata e da universalidade dos saberes e das práticas. Foi assim que sempre se fez nesse país e no mundo: uma educação pautada em princípios europeus – levando-nos, frequentemente, a questionar as razões de estudarmos isso ou aquilo –, ou seja, uma educação universalista que precisava chegar a todos os lugares do mesmo jeito como se as pessoas fossem exatamente da mesma forma. Assim sendo, não é mais possível pensar e defender um modelo de educação que se paute pela formalidade abstrata, em uma única perspectiva, universalizante. A universalidade não considera o contexto, a particularidade, não dialoga com os atores locais e com os seus saberes, porque estes são considerados menores e não devem entrar na escola. Defendemos uma educação que compreende que “todo saber é singularizado em cada sujeito a partir de suas referências e que, portanto, todo saber é local” (RESAB, 2009, p.04). Os sujeitos constroem os seus conhecimentos a partir da rede que eles vão tecendo no dia a dia, em cujas redes, de trocas, nesses encontros, os saberes e os conhecimentos são tecidos e reconstruídos. Isso precisa ser considerado pela escola. É no contexto dessa escola, e com essa perspectiva de educação, que a RESAB e todos aqueles que têm compromisso com uma educação emancipadora se colocam, cuja perspectiva vem sendo construída com muitos embates, principalmente no âmbito dos movimentos de sociais. Não é mais possível pensar uma educação que desconsidera a questão agrária, que se torna “neutra” diante dos conflitos sociais e que não traz isso para tematização na escola. Fazemos opção por uma educação que se fundamenta no contexto, como ponto de partida e de chegada dos conhecimentos e saberes diversos, mas que, no entanto, não o isola ao próprio local. E aí há algo importante, pois,quando advogamos por uma educação que tem no contexto o ponto de partida e de chegada dos conhecimentos, não estamos dizendo que este é o lugar da cerca que se cria em torno do sujeito e que o aprisiona juntamente com o conhecimento, mas falamos de uma educação que busca
a extrapolação do conhecimento. Optamos por atuar em uma perspectiva de educação insurgente, que compreende o contexto implicado em uma teia mais ampla de referências, fluxos, conexões e sentidos que extrapolam o recorte espacial de um território local, que compreende que os conhecimentos não são isoláveis e nem isolados na/da realidade, mas que os sujeitos precisam ampliar, cada vez mais, a dimensão daquilo que já conhecem. Uma educação que precisa fazer sentido na realidade vivida pelas pessoas, no lugar onde elas vivem, pois, se a educação não está a favor de um modelo de desenvolvimento sustentável e integrado, ela desconsidera todas as particularidades locais. Mas, se ela está a favor desse modelo de desenvolvimento, ela tem de tornar-se uma ferramenta fundamental para que as pessoas se libertem, se emancipem, que, a partir do local, elas saibam atuar melhor sobre o meio em que vivem e possam, assim, viver mais felizes. É essa educação que vem sendo gestada pelos movimentos sociais, pela sociedade civil e por algumas iniciativas governamentais que também precisam ser consideradas como prioritárias em um projeto de nação, em outro projeto de desenvolvimento humano, sustentável e integrado, para o Semiárido brasileiro. São inúmeras as experiências que já mostram boas saídas aos problemas presentes na escola tradicional. Porém, mais uma vez, questiono: o que essas iniciativas têm ensinado? O que temos aprendido com elas para que possamos rever as nossas políticas e práticas educacionais? Nós não podemos nos dar ao luxo de continuar tendo ilhas de prosperidades para alguns, enquanto a maioria das nossas crianças e adolescentes está em escolas sem as mínimas condições, inclusive de acesso a água. Em muitas escolas do Semiárido brasileiro, as crianças têm acesso apenas à água que nem a animal se deveria servir. Então, é preciso que revolucionemos inúmeros elementos da realidade escolar, bem como comunitária, que ainda se mantém por aí. Vamos defender também uma educação onde o campo não seja compreendido como uma continuidade do urbano, nem compreendido
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como um recurso a ser explorado, mas como possibilidade de respeito e valorização dos sujeitos que lá vivem, que seja instrumento de qualificação para a vida e fundamento de outro projeto de desenvolvimento sustentável do campo brasileiro. Lembramos que existem tantos campos quanto são as singularidades dos mesmos. O campo do Semiárido brasileiro é um, o do Litoral é outro, o das pessoas que vivem nas ilhas é outro, o dos pescadores é outro, mas, ainda assim, com toda essa diversidade, estão unidos pelo mesmo interesse, qual seja, da valorização dos seus espaços, das suas singularidades, razão pela qual devem estar incluídos em um projeto de nação para o campo brasileiro. Nesse sentido, é preciso levar em consideração essas questões, bem como a compreensão da educação enquanto elemento de qualificação dessas pessoas para que elas, a partir do acesso ao conhecimento e bens e serviços a que têm direito, melhorem cada vez mais as suas condições de vida. Uma educação nessa perspectiva, em que o contexto seja o ponto de partida e de chegada, tanto no espaço da escola rural ou urbana, ou, mais especificamente, na educação do campo e na educação do Semiárido brasileiro, não é tão fácil de ser concretizada, pois urge o desprendimento de várias questões e signos que estão arraigados nos sistemas e nos educadores. Às vezes, falamos sobre educação do campo dando a entender que a educação da cidade vai às mil maravilhas, e não é bem assim. Os meninos e as meninas da cidade visitam iniciativas inovadoras de educação do campo e saem de lá dizendo: como eu gostaria de estudar em uma escola dessas! Minha escola não me ensina a pensar sobre o mundo em que vivo! Isso é um desafio, porque, para se pensar uma educação no contexto do Semiárido, no contexto do campo brasileiro, é preciso que passemos a assumir, no movimento, as dificuldades presentes na gestão do sistema educacional público, o que, frequentemente, torna muito lentos os processos, podendo, muitas vezes, inviabilizar sua implementação. Exemplificando: as Escolas das Famílias Agrícolas, que realizam uma
educação não estatal, têm mais de quarenta anos no Brasil, no entanto, existe um empecilho legal que impede o governo de apoiar essa importante iniciativa. Esse, assim como outros, é um problema próprio da gestão educacional pública, sobre o qual precisamos repensar, para a busca de soluções, desde que estas não conduzam a situações em que muitos, descompromissados com o público ao qual efetivamente deveriam servir, possam delas se beneficiar, ao arrepio da lei e da ética. Precisamos assumir aquilo que vem sendo constituído tensitivamente pelos movimentos sociais para qualificar a gestão do sistema público, aquilo que vem sendo produzido na construção coletiva, no apoio da gestão compartilhada da educação no Semiárido brasileiro. Mas, como isso pode ser assumido pelo estado no sentido de melhor qualificar, permanentemente, nosso sistema público, principalmente nos municípios onde as ações podem estar sujeitas a não ser implementadas? Outro exemplo vem de um município que conhecemos, cujo nome, também por razões éticas, aqui não será revelado. Nesse município, a professora se achou no direito de fazer das suas práticas e ações aquilo que ela bem entendesse. Como não há monitoramento das práticas, pois o sistema não consegue dar conta de saber quem está em cada sala de aula e o que cada professor vem fazendo, as coisas acontecem a la vonté. Em uma dessas situações, a professora, porque tinha apenas vinte alunos na sala de aula, e desses, dez estavam bem à frente dos demais nos conhecimentos, a mesma se achou no direito de liberá-los para irem para casa. Ou seja, a velha ideia do mais forte e do mais fraco. Se o educador não tem a capacidade para dar conta de uma sala com essa diversidade, o sistema tem a obrigação de criar as condições para que ele seja capaz disso, pois não tem o direito de negar os dias letivos e de aprendizagem a todos os seus alunos. Constata-se, aí, um vício de um sistema que não está bem organizado, permitindo que essas aberrações aconteçam. Não se trata de culpar o professor, pois este é um agente fundamental no processo, mas que, muitas vezes, se o sistema permite, ele vai se acomodando. É preciso, portanto, que o sistema seja mais efetivo, acompanhe as práticas que vêm
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sendo implementadas e consiga mapear as suas competências para cumprir melhor com as suas atribuições, a fim de não transformar a educação em faz-de-conta. Forjar uma educação de qualidade é também investir na construção de um currículo descolonizado e contextualizado. Descolonizar o currículo passa por romper com o seu caráter preconceituoso, que desconsidera o negro, que apresenta o índio como símbolo da preguiça, que fundamenta os livros didáticos em produto do mercado e não de facilitador da aprendizagem e de acesso ao conhecimento. Sendo assim, é preciso descolonizar essas ideias e essas imagens que fazem parte do contexto da produção do livro didático. A efetividade do direito à formação inicial e continuada dos nossos educadores também faz parte dessa opção de educação, o que se constitui em outro grande desafio, pois esse é um direito que vem sendo historicamente negligenciado, levando-os, muitas vezes, a utilizar seus próprios recursos financeiros, geralmente minguados, para custear sua formação, já que o sistema não lhes tem garantido essa possibilidade. O que geralmente lhes é oferecido são cursos de finais de semana, ofertados por universidades particulares ou por empresas de eventos, que, muitas vezes, não dispõem das mesmas condições de formação dos cursos regulares. Mudar, para melhor, a educação exige grandes investimentos nisso, também. Democratizar a gestão e os espaços da educação é algo inadiável, pois a escola não pode ser um espaço do diretor; precisa ser um espaço da comunidade educativa, ser um espaço do qual os pais e alunos sintamse partes integrantes, partícipes do processo, caso contrário, a escola passa a figurar apenas como um prédio, que nada de relevante o seja para aquela comunidade. Faz-se necessário investir em materiais didáticos e paradidáticos autóctones para a região, que tragam as suas trajetórias históricas, as suas formações culturais, as suas possibilidades, as suas gentes. A RESAB teve uma experiência com o livro didático Conhecendo e Semiárido volumes I e II; o Piauí construiu recentemente um material próprio,
intitulado Conhecendo o Semiárido Piauiense, atualmente sendo utilizado por seus educadores; o Ministério da Educação vem apoiando iniciativas nesse sentido. No entanto, é preciso que sejamos mais propositivos e tenhamos mais capacidades instaladas, o que é outro grande desafio aos municípios, principalmente quando se trata da proposição de políticas públicas educacionais. Outro elemento a destacar é que, mesmo quando há compromisso político para se repensar a educação, se não temos nos municípios a capacidade instalada, as políticas não acontecem. Um exemplo disso tem sido a dificuldade e burocracia para se elaborar um projeto para o MEC. Essa dificuldade contribui para que, a cada ano, os recursos que são destinados para apoio a projetos retornem ou sejam remanejados, porque os projetos não chegam ao Ministério, e, quando chegam, muitos deles não conseguem sequer receber a denominação de projetos, pois não atendem às exigências. No âmbito da maioria dos municípios da região, elaborar um projeto educacional para quaisquer dos ministérios é um problema enorme, é um deus-nos-acuda, sem se levar em conta que muitos desses municípios desconhecem estas outras fontes e caminhos de financiamento, pois dispõem apenas das transferências constitucionais. Ao se discutir uma política para as classes multisseriadas, os especialistas de gabinete acham-na a melhor proposta do mundo, mas, ao ser questionado, o professor que efetivamente atua em sala multisseriada apresenta sérias restrições a esse formato de organização do espaço e do tempo da sua turma. Eu, particularmente, nunca encontrei, dentre aqueles aos quais fiz esse questionamento, um que fosse favorável. Mas, se é uma realidade, uma problemática, temos de buscar as melhores saídas. Temos, assim, mais uma ilustração de como são pensadas as políticas que não tocam no Contexto, razão pela qual, insistimos, precisam dialogar com aqueles que vivem e fazem a educação.
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O saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna. Não está, como o conhecimento científico, fora de nós, mas somente tem sentido no modo como configura 127
uma personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de estar no mundo que é por sua vez uma ética (um modo de conduzir-se) e uma estética (um estilo). Por isso também o saber da experiência não pode beneficiar-se de qualquer alforria, quer dizer, ninguém pode aprender da experiência de outro a menos que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria. (BONDIA, 2002, p. 03)
Não é mais possível replicar as experiências se não reconstruirmos o caminho por onde um novo processo educacional, contextualizado, deverá estar caminhando, que considere e valorize as próprias dinâmicas locais. Sem isso, reproduziremos, simplesmente, tudo novamente, conduziremos a educação a um neo-colonialismo.
exclusão, só que, agora, a partir do contexto. É esta a concepção de educação que vem sendo materializada em inúmeras práticas educativas realizadas pelos movimentos sociais, pelas ONG´s, pelas pastorais, pela RESAB, pelo poder público e por muitos educadores que se encontram espalhados pelo Semiárido Brasileiro. Portanto, não somente nessa região, mas em todo o Brasil, a educação somente será um direito subjetivo efetivo, quando cada um de nós, no lugar onde nos encontramos, puder contribuir com a nossa parte nessa caminhada em direção à transformação das pessoas para que elas possam mudar o atual estado das coisas. Referências ALBUQUERQUE Jr., Durval Muniz de. A invenção do nordeste e outras artes. Recife: FJN; Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 1999.
Considerações finais A Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro não pode ser entendida como o espaço do aprisionamento do conhecimento e do saber, ou, ainda, na perspectiva de uma educação localista, mas como aquela que se constrói no cruzamento cultura – escola – sociedade – mundo. A contextualização, neste sentido, não pode ser entendida como a inversão de uma lógica curricular construtora e produtora de novas excludências. Com isso, não se está propondo apenas trocar a uva pela maçã ou a caixa d’água pela cisterna ou pelo o que quer que seja. É o sentido e a significação daquilo que está colocado nos livros didáticos. Não é, simplesmente, trocar a pera pelo umbu, não é isso! Mas é o sentido e o significado que o umbu tem na vida das pessoas, na relação daquele fruto com o meio ambiente, daquela árvore no ecossistema e na cadeia produtiva local, e muito mais. Isso é construção do conhecimento e não somente substituição de imagens e ou textos, porque, se assim fosse, estaríamos investindo na mesma perspectiva, construindo o mesmo processo de
BONDIA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. In: Revista Brasileira de Educação. Jan/Fev/Mar/Abr 2002 Nº 19, São Paulo: ANPEd, 2002.
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BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília: Câmara dos Deputados, 1988. CANÁRIO, Rui. Educação e perspectivas de desenvolvimento do Interior. Palestra apresentada no Colóquio Jornada da Interioridade, realizado a 13 de Junho de 1997 em Idanha-a-Nova. 1997. Disponível em: <http://jorgesampaio.arquivo.presidencia.pt/pt/biblioteca/outros/ interioridade/1_3.html/dowbor.org/06edulocal.doc>. DOWBOR, Ladislau. Educação e desenvolvimento local. Disponível em: <http://dowbor.org/06edulocal.doc>. Acesso em 3 de abril de 2006.
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FREIRE, Paulo. Política e educação. 5ª. ed. (Coleção Questões de Nossa Época, v.23). São Paulo: Cortez, 2001. MARTINS, Josemar da Silva. Anotações em torno do conceito de educação para a convivência com o semiárido. In: RESAB. Educação para a Convivência com o Semiárido Brasileiro - reflexões teórico-práticas da RESAB. Juazeiro – BA: Secretaria Executiva da RESAB, 2004.
EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL NO SERTÃO1 Josemar da Silva Martins (Pinzoh)2 Palavras Luminosas Minha memória encontra apenas pontos borrados, com espaços iluminados aqui e ali, de todo modo descontínuos e borrados. Sei apenas que houve um dia, quando estávamos na roça – provavelmente a roçar com foices o muçambê preto que havia virado praga – quando os nossos primos, filhos de tio Ioiô e tia Carminha, Gigi, Dinô, Mazim – exceto Viva e Xanda, que já eram mais crescidos para irem à escola – e, além daqueles, Jorge, filho de Paulino e Guiomar, mas criado pelo velho Petú, pai de Ioiô e quase meu avô, passavam lá no alto da encosta, indo para a escola. A algazarra, que a gente nomeava simplesmente como zuada, era grande, típica de um bando de meninos indo para a escola juntos, quando se aproveita o percurso para fazer estripulias inconfessáveis, principalmente se vai junto alguma menina, e ia, a filha de Tonhazão, e outra prima dos primos, sobrinha de tia Carmina, que viera passar uns dias com ela para estudar. Iam para a escola e aquilo me despertava curiosidade; uma curiosidade
NIETZSCHE, Friedrich. A genealogia da moral. 2ª ed. (Tradução de Antonio Carlos Braga). São Paulo: Editora Escala, 2007. REIS, Edmerson dos Santos. Educação do campo e desenvolvimento rural sustentável: avaliação de uma prática educativa. Juazeiro: BA: Gráfica e Editora Franciscana, 2004. RESAB. Educação para a convivência com o semiárido brasileiro reflexões teórico-práticas. Juazeiro – BA: Secretaria Executiva da RESAB, 2004. ______. Apresentando a rede de educação do semiárido brasileiro. Juazeiro: Bahia, RESAB (Apresentação power point), 2009. VEIGA, José Eli. Cidades imaginárias. O Brasil é menos urbano do que se calcula.2ª ed. São Paulo: Campinas: Autores Associados, 2003.
Este texto procura sintetizar as questões abordadas na disciplina Educação e Diversidade Cultural, ministrada pelo seu autor no Curso de Pós-Graduação em Educação Contextualizada para o Semiárido¸ realizado na Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Campus de São Raimundo Nonato, em agosto de 2009. 2 Professor Adjunto do Departamento de Ciências Humanas III (DCH III), da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em Juazeiro/BA. Doutor em Educação pela Faculdade de Educação (FACED) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: <pinzoh@uol.com.br>. 1
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misturada à vontade de me ver livre daquela foice e daquele muçambê preto, de flor branca e caule grudento, de cheiro forte e infestado de abelhas e besouros. Nossa vida ali dividia-se entre o tempo molhado e o tempo seco – três meses de fartura de verde, cheiro, sapo, água, leite, lama e outras muitas molenguices...; o resto do ano era escavando o chão para arrancar de suas entranhas alguma gota de água. O início das aulas coincidia com esse momento de festejo pela exuberância que rapidamente vinha e ia, e de trabalho intenso, para preparar a terra e aproveitar alguma molhação. Aquele muçambê preto, de flor branca e caule grudento, de cheiro forte e infestado de abelhas e besouros era a pura expressão de que aquele tempo era o da fartura e da esperança, e nos impunha pressa em tirar a prova. Escola era para depois. A palavra escola eu já conhecia e já sabia que a ela iase para aprender a ler e a escrever, afinal, naqueles tempos, “aprendeu, não leu, o pau comeu”. Não por este mote, mas, pelo puro acontecimento de ir à escola, já aí residia um bocado de fascínio, diferente do que nos motivava a enfrentar aquela praga de muçambês. Meu pai havia prometido nos colocar na escola. Mas foi naquele contexto de foices, muçambês e besouros que ouvi outra palavra que a mim me apareceu suficientemente luminosa para que dela eu jamais esquecesse: aluno. Meu pai disse distraidamente: “Eita! Os alunos de Baiana vão ali numa zuada!” Aluno ligava-se, em minha cabeça, à palavra alumínio, que eu conhecia não apenas dos caldeirões, tachos e panelas que havia em casa, mas de uma memória mais reluzente ainda, a das bolas prateadas – dizíamos niqueladas – que encimavam as antenas que ladeavam da boleia do caminhão de Antônio Roquete, que nos aparecia ali, todos os anos, agredindo os marmeleiros das estradas estreitas, para garimpar sacas de algodão ou alguma de feijão ou milho, 132
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que porventura tivesse sobrado das reservas de cada casa, dedicadas à alimentação da família ou ao plantio no ano seguinte. Imaginava-se que aquelas bolas niqueladas do caminhão de Antonio Roquete eram de alumínio. Mas a palavra aluno, por via de sua conexão com a palavra alumínio e por via da conexão desta com as bolas niqueladas das antenas do Caminhão de Antonio Roquete ainda ligava-se a outra palavra: buzina. A primeira buzina que ouvi – um tanto assustado e ainda sem saber nomeá-la – não foi nem daquele caminhão, que com o tempo foi se tornando muito familiar, mas foi de algum carro atolado lá na Lagoa ou na passagem do riacho, perto de Samuel. Quem caísse naquele atoleiro buzinava para que os homens da redondeza se compadecessem e aparecessem por lá para empurrá-lo e livrá-lo do atoleiro. A meninada corria junto, quase sempre à frente, de pés descalços a bater na bunda, para chegar primeiro. Era um acontecimento que se aparentava ao inusitado. A primeira buzina que ouvi, como uma espécie de apito estranho e potente, que ecoava nas encostas e o nos baixios, era algo que meus ouvidos não tinham ainda experimentado e para o qual eu ainda não tinha uma palavra. Saía, provavelmente, de alguma rural ou jipe, pois lembro apenas que os para-choques e as maçanetas das portas do tal carro eram todos prateados, niquelados. A palavra buzina, quando enfim a ouvi, se ligava, em minha cabeça, a outra palavra que ouvi de conversas distraídas dos adultos, mas que havia se reforçado no dia em que meu pai chegou-nos com carros de plásticos – dizíamos “de mangaba” – e afirmava que aqueles carros eram “feitos de fábrica”, e junto à palavra fábrica soltou outra, não sei em que contexto: usina. Escola, aluno, alumínio, buzina, usina... O meu mundo começava a se povoar de palavras estranhas que me traziam um mundo de todo modo reluzente, como aquelas bolas que Educação e Diversidade Cultural no Sertão
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encimavam as antenas que ladeavam a boleia do caminhão de Antonio Roquete. Enxada, foice, facão, faca, caldeirão, tacho, frigideira, caneco, também reluziam, pois eram de aço, folha de flandres ou de alumínio. Panela não, que ainda usávamos de barro, assim como os aribés, feitos pelo louceiro Mané Sebão. Mas, aluno, alumínio, buzina, usina eram para mim “palavras parentes”, vindas provavelmente de um mesmo outro mundo, diferente do meu, e que me sugeriam algo muito mais reluzente, fosse pelas suas luminosidades verdadeiras, fosse apenas pela luminosidade que uma palavra empresta à outra quando as colocamos lado a lado. Eu sabia que essas palavras não diziam a mesma coisa, mas elas se aparentavam. Aluno mesmo eu não sabia o que era: sabia apenas que essa palavra me remetia a algumas imagens brilhantes. Aluno e escola eram, ao seu modo, palavras que me remetiam a um mundo que eu apenas começava a desejar pelo mistério que a ele se associava – e, como sabemos, há sempre algo brilhante no núcleo turvo dos mistérios. Tais sonoridades sugeriam que havia mundos diferentes do que eu vivia ali, e que estes mundos se tocavam em suas bordas, sem de todo se misturarem, mas havia alguma passagem de um a outro, talvez através daquele caminhão de boleia, antenas e bolas niqueladas; talvez através daquela rural ou jipe no meio do atoleiro; talvez através da escola e seus alunos – palavra que até então eu não sabia exatamente o que era, mas sabia que era algo que brilhava.
Preferi começar este texto trazendo um fragmento biográfico. O quase-conto “Palavras Luminosas” dá notícia do fascínio que a nomeação do mundo exerce sobre nós. Mas ele fala de um fascínio exercido por
palavras que não são “naturalizadas” na linguagem ordinária de uma comunidade rural, o tempo todo sacudida por estas estranhezas que vêm de “outro mundo”. Este conto fala de “educação e de diversidade cultural”, de um modo bem particular. Gostaria de utilizá-lo como chave para abordar tais temas. A ementa da disciplina “Educação e Diversidade Cultural” contém temas como os seguintes: “a escola, o projeto político pedagógico e a diversidade de contextos no Brasil; a relação currículo, cultura e Identidade; as tendências em práticas pedagógicas contextualizadas: a interface Educação do Campo e Educação Contextualizada para a convivência com o Semiárido”. Parece muito – e é! – para uma disciplina de apenas 30 horas. Mas são assuntos relacionados, com os quais estamos envolvidos desde algum tempo, especialmente quando nos colocamos na experiência de organização da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB), e desde antes, quando entrei na Universidade, como professor, e propus, em 1995, o meu primeiro projeto de pesquisa na UNEB, campus de Juazeiro/BA, que se chamou Capacitação e Acompanhamento de Professoras Rurais da Área de Conservação da Ararinha Azul. Foi, de certo modo, este projeto que me levou, posteriormente, ao meu curso de Mestrado, quando então pude retornar à comunidade rural onde nasci – e onde tais “palavras luminosas” me sacudiam na minha infância – para reencontrá-lo mudados, ambos, ele e eu. Foi em tais processos de trabalho, de pesquisa e de engajamento, que fui, aos poucos, re-elaborando minha forma de ver o mundo e de vê-lo através dos modos como o nomeamos. Esta é uma primeira educação. Uma educação que se dá no seio da cultura e dos fluxos comunicativos diversos que a constituem. Esta seria uma primeira relação, espontânea e inevitável, entre educação, cultura e diversidade cultural. Aqui não estamos falando de escola ainda, como espaço formal da educação; tampouco estamos formalizando educação ou cultura em um campo específico do trabalho humano. Aqui estamos situados no domínio da informalidade absoluta, sem fronteira ou então no espaço de uma “fronteira cega”, onde o que
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Educações
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educa não foi deliberadamente elaborado para este fim, ou foi, mas não diz. É a produção da vida que educa, sem que o trabalho produtivo, a elaboração simbólica, a linguagem, a fé, a festa, a moralidade ordinária, estejam em campos separados. Podemos nomear este primeiro núcleo semântico do termo educação como educação informal, sendo esta transversal a qualquer outra aplicação do termo educação. Sempre haverá este domínio não controlável e não programável da educação, misturada à vida e a seus processos, incluindo outros diversos processos educativos formalizados. Disso podem nos falar com mais detalhe Brandão (1982) e Carrano (2003). Mas aqui eu acrescento que todos os fluxos e estímulos que constituem um meio social, sem que se separem educação, comunicação e cultura, são típicos deste primeiro entendimento do termo educação. Educamonos aprendendo a pronunciar o mundo, a nomeá-lo. Aprendemos pelas cores e pelas formas, pelas texturas, pelos cheiros e sabores, pela rudez de certas palavras, pelo afago de outras; pelas estórias que os adultos contam, para ninar ou para assombrar. Educam-nos as primeiras narrativas, contadas no terreiro, na calçada ou ao pé da cama, sussurradas ao pé do ouvido, com todos os bafos do afeto. Educam-nos as notícias, os acontecimentos – nos quais as palavras, os gestos, os olhares, os sentimentos, as feições de reação, vão produzindo um entendimento tão minucioso, que um olhar ou uma sobrancelha arqueada, por exemplo, sem que se explique nada antes, pode conter um discurso inteiro, que por inteiro entendemos. Uma conversa distraída, um adjunto festivo, um modo de fazer alguma coisa viram aprendizado porque são registrados e singularizados em nossa existência, em nossa subjetividade. Viram o que Edgar Morin (1991; 2000) chama de impressões matriciais. Talvez outra imagem disso seja a de que a formação de nossa subjetividade se faz pelo sistema “muro branco-buraco negro” do qual nos falam Deleuze e Guattari (1996), em que a nossa “rostidade” (a formação daquilo que chamamos “a cara” da pessoa) é resultado de todo tipo de inscrição no “muro branco” e de remessa ao “buraco negro”. A produção do sentido do mundo e suas
significâncias não existem sem um muro branco sobre o qual se inscrevem os signos e as redundâncias. “A subjetivação não existe sem um buraco negro onde aloja sua consciência, sua paixão, suas redundâncias” (DELEUZE & GUATTARI, 1996, p. 31). Pequenas coisas e até sutilezas que jamais nomearíamos, porque são da ordem do imperceptível, do corpo sem órgão, das forças sem lei que não têm lugar na lucidez da razão, e ainda as alegrias, as dores, os odores... estão incluídas no universo dos fluxos que perfazem a produção da vida e que se registram em nossos corpos. Esta é não apenas a primeira educação e a mais constante e efetiva, mas também a mais diversa. Mas será sempre uma diversidade duplamente singularizada. Em primeiro lugar, singularizada no espaço social, onde se cruzam e se territorializam os fluxos do mundo, dali e de longe. Escola, aluno, alumínio, buzina, usina serão palavras cujos sentidos serão sempre singularizados pelo contexto de vida dos ouvintes-falantes. E, depois disso, há uma singularização mais radical que é aquela que ocorre em cada sujeito, diz respeito ao modo como esses fluxos vão compor inscrições singulares no “muro branco” e fazer remessas inimagináveis ao “buraco negro” de cada um. Todos nós temos histórias e estórias das mais fantásticas em relação às nossas vidas. E todas elas falam de nossa relação com o mundo, com aprendizados que tivemos, mesmo quando apenas brincávamos. As ideias, as fantasias, os credos, os medos, os pecados, os preconceitos, as demarcações territoriais, os parentescos, o trabalho, o dinheiro, o amor, o sexo, o tabu, o crime, a honra. Tudo isso perfaz um contexto de vida, uma noosfera, nos termos de Edgar Morin (1991; 2000), constituída por todos os signos, ideias, palavras com seus sentidos, que organizam e possibilitam o nosso viver. Outro sentido que atribuímos ao termo educação é geralmente nomeado como não formal. Aqui se situam processos de aprendizados organizados para este fim, mas que não ocorrem numa escola, dentro de sua carga horária “regular”. Tratar-se-iam de processos de formação organizados, por exemplo, por um sindicato, por uma empresa, com
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finalidades diversas e específicas – podendo, inclusive, acontecer dentro de uma escola, mas não fazendo parte das regulamentações que definem o que é uma escola e quais as suas funções e finalidades. Evidentemente que, também aqui, as circunstâncias de uma dimensão informal da educação não têm como ficar totalmente de fora, pela sua ubiquidade (posto que está em toda parte); mas a dimensão não formal, ao contrário, destina-se a objetivos bem precisados. Um terceiro sentido do termo educação é o que conhecemos como educação formal. A isso corresponde a escola, com seus aparatos, estruturas, regulamentos, currículo, funções e finalidades, rituais etc. Há sempre uma tendência de reduzirmos o termo educação a esta sua dimensão formal e escolar. Seria um erro e desserviço. No entanto, a educação formal, a escola, é algo extremamente amplo e complexo. A escola tem, evidentemente, pelo menos na experiência ocidental, um formato inconfundível. É difícil não reconhecer uma escola, onde quer que a encontremos. A sua universalização não apenas foi um dos pilares que sustentaram a ideia de Modernidade – pois dominar a leitura, a escrita e o caçulo constitui-se em uma das principais reivindicações modernas – mas também o que se universalizou foi um formato mais ou menos igual. Todas as variações de países, culturas, línguas etc. não foram suficientes para produzir formatos diferenciados. Exatamente porque a mesma modernidade que a expande, expande uma determinada mentalidade que lhe é inerente, não interessada em dialogar com a diversidade do mundo, nem sequer “servir a” esta ou dela “se servir”. Ao contrário, a diversidade foi tomada como o grande empecilho, o grande entulho, contra o qual a própria escola e toda a ideia de escolarização se colocavam contra. Uma perspectiva higiênica, profundamente vinculada à ideia de racionalidade e de ordem, tornou-se instrumento de aniquilamento e de silenciamento de toda diversidade. A escola foi, inicialmente, esta empresa da homogeneização. Talvez por isso também, em minha cabeça de menino da época dos muçambês, a relação entre escola, aluno, alumínio, buzina, usina fosse mais do que uma relação de parentesco, ligada a um mundo da técnica e da racionalidade.
Mas, evidentemente, este projeto homogeneizador não se realizou como deveria. No meio rural, onde estudei, numa escola unidocente e multisseriada, a escola era feita de sobras. Ela própria era uma imagem incongruente com o próprio ímpeto modernizador. Então, íamos à escola com nossos calções com presilha na frente e nossos cheiros de galinha depenada. Sentávamos um do lado do outro com nossos repertórios e narrativas em parte compartilhados, em parte totalmente distintos, com nossa gramática cheia de saberes implicados na vida que se produzia ali, cruzada de horizontalidades mutuárias, parentais, e de verticalidades de “outro mundo”. Mas isso oficialmente não importava para a escola. O mundo que a erigia e a justificava era outro, de longe, e seu trabalho era apagar o que éramos para supostamente nos produzir “outros”, estranhos de nós mesmos. É importante frisar que tendo eu nascido no meio rural – num determinado meio rural –, a minha relação com a palavra campo, por exemplo, é bem particular. No lugar onde nasci, num povoado chamado São Bento, interior do município de Curaçá/BA, o meio rural é simplesmente nomeado como “as caatingas” e a cidade, “a rua”. E como a cidade fica na margem do Rio São Francisco – diz-se “bêra do rio” –, o meio rural ou “as caatingas” formam a “área de sequeiro”. Campo era ali uma palavra rara, com a qual só nos relacionávamos por via da linguagem urbana: era de lá que vinha a pronúncia “homem do campo”. Um dia, próximo ao final do ano, meu pai trouxe para casa uma “folhinha” – que era como chamávamos os calendários dados como brindes pelas lojas, e como forma de fazer certo tipo de publicidade – e, nesta “folhinha” havia diversas pinturas, uma imagem para cada um dos 12 meses do ano; uma dessas pinturas era uma mulher jovem e loira, com lábios rosados, bem vestida num vestido colorido, longo e cheio de babados brancos na altura dos seios, ao estilo europeu medieval, com chapéu de abas longas e uma cesta de frutas que eu ainda não conhecia, como uvas, maçãs, peras etc. Esta imagem era a reprodução de algum quadro de algum artista famoso, provavelmente europeu, que não lembro o nome, cujo título da imagem, me lembro bem, era “A Camponesa”.
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Atrás dela, compondo o cenário, um campo verde, com árvores robustas, flores e borboletas multicoloridas. A gente ficava de boca aberta contemplando aquele paraíso. Achando que Deus tinha sido ingrato demais conosco, que passávamos três meses do ano nos safando do aguaceiro que caía, e os outros nove meses, cavando fundo de riacho para arrancar de lá alguma gota de água para nós e para os animais, que eram todos parte da família. Mas a escola não tratava disso! Silenciava! Por isso mesmo acho que a palavra campo ainda soa estranha para muitos de nós, para os quais a imagem daquela camponesa ainda remete a outro lugar. Lá no mato onde vivi até os 13 anos de idade, campo mesmo era onde os homens iam campear. Era a extensão das caatingas, de mato fechado, onde alguma vaca parida ou novilho por vezes se embrenhava e tinha que ser buscado, perseguido, laçado, derrubado, peado, encaretado e trazido de volta ao curral. Mas a escola passava longe disso, a não ser pela presença de nossos pés rachados e mal lavados no chão da sala. Diversidade Cultural Meu pai era agricultor e sapateiro. Sustentava-nos em parte do que tirava da roça – feijão de corda, abóbora, jerimum e melancia, quando ainda o verde verdejava, e feijão de arranca e milho, depois quando esturricava, guardados em potes de barro ou garrafas de vidro, lacrados com cera de abelha, para não dar o gorgulho. Mas dava! Outra parte do sustento vinha do que ganhava fazendo e consertando calçados. Vinha gente de muito longe para fazer encomendas e muitas pessoas esqueciam de vir buscar o que encomendavam. Nossa casa era de barro, de taipa, feita em mutirão pelos vizinhos e parentes, assim que meu pai resolveu casar-se com minha mãe. Tinha uma cozinha com fogão a lenha, dois quartos, duas salas, uma dispensa, duas portas, uma na frente e outra atrás, três janelas e mais uma banda da 140
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porta da frente, que podia ser aberta em forma de janela, na parte de cima. Um dos quartinhos era para empilhar os sapatos e todo tipo de calçado que eram enviados ao meu pai e, consertados ou não, ficavam esperando um dono que se demorava sempre em vir buscá-los. Não havia luz elétrica, nem água encanada. Quando crianças, nem sabíamos o que era isso. Mas meu pai havia estudado uns 30 dias e aprendido a ler e a escrever, já que os tempos eram de menos verborreia e mais praticidade. Ele comprava querosene para os candeeiros, óleo de soja para as frituras, farinha, rapadura, café cru, em caroço, tudo numa bodega que o velho Jovino Pereira tinha em sua propriedade, com casa grande, de tijolo e caiada. Nós é que éramos da “periferia rural”, mas lixo ali não havia, que não tinha o que jogar fora. As latas de querosene de 18 litros eram utilizadas pelas mulheres para carregarem água na cabeça, de lá da fonte do riacho até a casa. As latas de óleo, feitas de flandres, viravam medidas, candeeiros ou canecos para encher as latas maiores. Comprava-se pouco, a maior parte fiada, para pagar na época das safras no tempo da invernada. Um dia, papai avisou que ia à feira. Palavra nova! Explicou que uns comerciantes da cidade tinham montado barracas no domingo passado ao lado do prédio da escola de Baiana. Neste domingo teria feira novamente! E teve! Mas Zé de Souza, dono da propriedade e pai de Baiana, havia terminado a feira antes do fim e expulsado os feirantes. Na semana seguinte haveria muitas barracas do outro lado do riacho do Jaquinicó, em frente à casa grande de Né Pereira, embaixo de dois pés de tamarindo, com muitos jumentos amarrados nas catingueiras e alguns carros vindos da cidade. Barulho, fumaça, cheiro e chiado de frituras, fedores do cocô das montarias. Fez-se a feira do São Bento! E dela fez-se o povoado! E ali os fluxos se cruzaram cada vez mais com mais Educação e Diversidade Cultural no Sertão
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velocidade. Manoelzinho Sergipano trazia farinha em seu caminhão e dava carona para meio mundo de gente – promessa! Vinham uns vendedores de banha de todo tipo, com cascos enormes de tartaruga, cobras gigantes dentro de caixas, canetas-cinema para os mais adultos verem imagens de mulheres nuas, e um microfone grande preso ao pescoço, tipo Sílvio Santos, que eles usavam para enganar os bestas. A feira era então a grande novidade das nossas vidas. Ali na feira tudo se parecia com uma imagem que só conheci depois: a do Coronel Aureliano Buendía, diante do pelotão de fuzilamento, lembrando de quando foi com o pai, conhecer o gelo. Lembrando dos ciganos, acampados perto de Macondo – uma pequena aldeia de vinte casas de barro e taquara – em grande alvoroço de apitos e tambores, dando a conhecer os novos inventos do Velho Mundo. Primeiro o imã, que o cigano Melquíades chamava de a oitava maravilha dos sábios alquimistas de Macedônia e que, em demonstração pública, arrastando lingotes metálicos pela pequena aldeia, exerceu um imenso espanto nos habitantes dali, já que os caldeirões, os tachos, as tenazes e os fogareiros caíam do lugar, e as madeiras estalavam com o desespero dos pregos e dos parafusos tentando se desencravar, e até os objetos perdidos há muito tempo apareciam onde mais tinham sido procurados, e se arrastavam todos em debandada turbulenta atrás dos ferros mágicos de Melquíades.
energia solar, já havia chegado a televisão. Agora parece uma cidade: tem energia elétrica, carros, motos, geladeiras, fogões a gás, antenas parabólicas, bolsas-família, bares, blusas de malha escritas em inglês e muitos nomes internacionais para os meninos, tais como Jeffersonn, Michael, Obama, Zydanne, Karollaine, Wesdley, Ewellynn, Sheristone, Dionny, Uólace, Rhondinelly – sempre com H, K, Y, W – e, mais especialmente, com dois F, dois L, dois N, dois T etc. Não apenas os nomes dos meninos estão repletos dessas marcas estrangeiras, mas o lixo, que se produz cada vez mais ali, pelo volume de coisas feitas especificamente para serem jogadas fora, é muito internacional: suas colunas de rebotalhos, onde o plástico predomina, trazem marcas de empresas made in China, Índia, Estados Unidos, Europa. No geral, estamos bem de cultura... e de lixo – que é sempre mais globalizado e mais cosmopolita do que nós! Aos poucos, as procissões para roubar santo e forçar a piedade Do Pai para fazer chover foram sendo atravessadas por essa necessidade de espetáculo, típica de nossa época. As brincadeiras com osso e chifre de bicho morto foram sendo deslocadas pelas narrativas que a televisão distribui; os jumentos foram sendo liberados do sofrimento físico, para dar lugar ao barulho das motos tangendo bode. Mochila de milho foi dando lugar aos mililitros de gasolina. Agora já podemos perfilar os índices de IDH, para os quais dinheiro é peça fundamental, sem, contanto, explicar a qualidade de vida que temos agora e suas novas dependências, já que estamos todos modernos – com todas as complicações que o termo congrega!
Estes são trechos do livro “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez (1995), que me remetem à imagem da feira e de todos os cruzamentos que ela possibilitava; todas as aberturas e ambivalências. Depois que a feira virou povoado, ninguém queria saber de ficar enfiado nos matos; queria vir para a vila, jogar, beber, brigar e reivindicar água encanada e luz elétrica, que, afinal, agora chegou. Mas, desde que o povoado ganhou um gerador de energia, e depois algumas placas de
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A palavra cultura é cheia de armadilhas. Em geral a tomamos como algo dado, que nomeia alguma coisa digna. Temos na cultura um ideal de pureza, e quando a vida mistura os signos, nós aventamos que “a cultura está se perdendo” e é preciso resgatá-la, como um bicho que se afogou no riacho e é preciso recuperar sua carcaça. No entanto, a cultura 143
é dinâmica e não exige nenhuma essencialidade. Desde as bordas do Mediterrâneo, e mesmo antes, somos destituídos de qualquer pureza. Mas dizer isso não é afirmar nada de bom ou de ruim! Em geral, a cultura pode ser entendida como algo que, como quase tudo, pode ser dividida em três perspectivas, como o fizeram Félix Guattari e Suely Rolnik (1996): cultura valor, cultura alma coletiva e cultura mercadoria. A primeira perspectiva diz respeito àquilo que conhecemos como alta cultura, circundada por uma aura valorativa que é sustentada menos pelos artistas e mais pelos curadores, críticos de arte, marchands, empresários, produtores, jornalistas, colecionadores, etc. Um tipo de cultura cujos signos principais encontram-se nas belas artes, nas artes plásticas, na dança, na música, que se produzem em círculos fechados e servem a um mercado de consumo bem especializado, sofisticado, refinado. Evidentemente, depois dos ready mades3 de Marcel Duchamp e dos dadaístas, esta aura já foi diversas vezes deslocada, desconstruída, destituída, passando à esfera do puro conceito. Restam apenas os simulacros do que um dia fora! A segunda perspectiva diz respeito às “tradições populares”, uma cultura democrática, posto que todo mundo possui uma, e é onde se instala a questão da chamada “identidade cultural” de pessoas e lugares. Aqui é onde se poderia falar em “cultura nacional”, em “cultura regional” ou ainda em “cultura local”, onde certas configurações de expressão estética ou ritualística popular acabam sendo arroladas como “a verdadeira cultura”, cultura de raiz etc. Não deixa de apresentar problemas, exatamente porque a fronteira onde isso se separa das outras coisas é inexistente.
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O termo ready made foi utilizado por Marcel Duchamp, no início do século XX, para nomear o deslocamento que este fazia de objetos da vida cotidiana, objetos prontos, industrializados, a princípio não reconhecidos como “artísticos”, para o campo das artes, a exemplo da “Roda de bicicleta” (1913), “Porta-garrafas” (1914), “Fonte” – que na verdade era um penico de luxo da época (1917) e outros.
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A terceira perspectiva diz respeito à cultura como mercadoria, corresponde, evidentemente, à cultura de massa. Corresponde não apenas ao mercado de bens culturais, mas ao mercado de bens de consumo, de um modo geral. Aí, já não há julgamento de valor, como na primeira perspectiva, da cultura valor, nem territórios coletivos da cultura, como no segundo conceito, da cultura como alma coletiva, mas, tampouco essas são coisas separadas, uma vez que, depois da chamada indústria cultural, a mercadoria passa a definir todos esses outros âmbitos da cultura. Uma obra original de Picasso é uma mercadoria como qualquer outra. A única diferença é que ela é destinada a um público específico, circula em um determinado setor sofisticado e específico do mercado de bens culturais e pode até contar com uma “bolsa de valores” específica. Um samba de roda, por sua vez, como expressão da “alma coletiva” de uma comunidade, também pode se constituir em mercadoria, na medida em que vire produto de consumo, gravado em disco e disposto num mercado geral de bens culturais. Fora de um âmbito específico, a cultura também pode ser qualquer coisa que consumimos e que, de todo modo, nos subjetiva, como CocaCola, cigarros, carros, celulares, formatos de festas de aniversário, formatura ou de casamento, modos de entretenimento, ou qualquer outra coisa. Um fogão a gás ou uma moto, não sendo coisa tipicamente cultural, impacta definitivamente no seio da cultura. Todas essas coisas, portanto, se amparam na cultura e formam a cultura, e todas aquelas mercadorias mais específicas da cultura formam o que conhecemos como indústria cultural, onde os objetos da cultura são transformados em mercadoria que servem também para amparar a venda de estilos de vida, de status social. Tais mercadorias encarnam o que Guattari e Rolnik (1996) chamaram de “modos de semiotização dominante”, ou seja, por meio da compra dos produtos culturais, nós também consumimos visões de mundo e objetos de distinção social dominantes, integradas à lógica do “Capitalismo Mundial Integrado” (CMI). Ultimamente, a questão tem se deslocado para a qualidade das mercadorias culturais, cada vez mais destinadas a achatar os modos de percepção, ou seja, os “modos de semiotização dominantes” parecem concorrer para a produção de uma Educação e Diversidade Cultural no Sertão
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sociedade um tanto dopada. Somente assim a máquina do consumo alienado continua a fazer girar a roda das fortunas.
Discutir educação e diversidade cultural é entrar nesses territórios contestados, onde nenhuma relação é natural ou gratuita. No entanto, é preciso destacar que essa relação hoje não pode se constituir sem os cruzamentos aqui apontados. Além disso, a educação que outrora filiavase a uma grande narrativa hegemonicamente homogeneizante, disposta ao apagamento dos “Outros” em função da produção de um “Mesmo”, branco, macho, cristão e europeu, agora está sendo forçada a dar-se como espaço de expressão de todas as vozes que foram silenciadas no processo histórico. E agora, que já não há mais uma narrativa grande, totalizante e colonizadora, a dizer o que é certo ou errado, nós somos todos os órfãos que tentamos desenhar nossos próprios caminhos. A escola que se esboça hoje não deixa de ser conflituosa e paradoxal, exatamente pelo fato de que ela tende a ser de todos, pelo menos formalmente, que portam o direito subjetivo a ela. Este é um princípio de igualdade! No entanto, estes “todos” não podem ser pensados a priori, a não ser em situações concretas de acontecimento, onde uma diversidade de sujeitos leva ao espaço escolar suas demandas por “educações” diferenciadas, que começa pelo reconhecimento do Diverso. Entre nós, este dilema apresenta-se conforme formulou Boaventura de Souza Santos (2002, p. 75): “Temos direito à igualdade sempre que a diferença nos inferioriza. Temos direito à diferença sempre que a igualdade nos descaracteriza”. Na escola, o mesmo jogo dialético se coloca na relação entre IDENTIDADE e DIFERENÇA. Na maior parte das vezes, as lutas identitárias nutrem-se da busca pela reconstituição e reconhecimento de uma diferença, embora haja abordagens que separam esses termos de modo até ortodoxo. O fato é que nosso desafio do presente é fazer a educação dialogar com as diferenças, com as micronarrativas, com a
reconstituição e re-elaboração da memória soterrada por longos processos de exclusão. Aquilo que hoje conhecemos como inclusão não pode se realizar se for apenas de modo formal ou quantitativo. Inclusão é a inclusão do Outro, dos sujeitos em suas DIFERENÇAS: cultura, visões de mundo, pertencimentos, escolhas pessoais. Temos hoje uma enorme quantidade de Diretrizes Operacionais emanadas do Conselho Nacional de Educação (CNE) e do Ministério da Educação (MEC). Temos ainda um número vasto de ações governamentais no campo da Cultura, abrindo espaços para experimentos de re-elaboração cultural a partir daquilo que foi por muito tempo excluído, silenciado. Todas estas perspectivas que se abrem são perfeitamente conciliáveis com a ideia de contextualização, que temos adotado no campo educacional. Mas aqui é importante destacar que contexto é constituído tanto de elementos materiais quanto imateriais, em ligação complexa com o mundo. É preciso produzir posturas críticas tanto em relação ao que chega de fora e se instala vorazmente pela força do capital, quanto em relação ao que se fecha no localismo bairrista. Os sujeitos têm direito a “sua” cultura, e têm direito a todas as outras. A escola deveria ser esse lugar de conexões, de aberturas, de pesquisa, de constituição de novas narrativas, a partir da riqueza dos sujeitos e suas histórias. A Educação do Campo é hoje um “campo” formidável para pensar esses paradoxos e essas possibilidades que se abrem. Deveríamos apenas abandonar o saudosismo de um campo bucólico que nunca houve e encarar os apetrechos tecnológicos que se esparramam pelos territórios rurais como novas complicações e como novas oportunidades. A questão que deveria nortear nossos trabalhos deveria ser: “como é que faz para andar na frente?”. Isso significa que temos de ser melhores no que fazemos, porque já não há mais o “Grande Outro” pelo qual esperar ou para culpálo pelas nossas mazelas. Se já estamos no poder, façamos acontecer de um jeito novo e justo! E, neste caso, se antes o casamento entre educação e cultura tomava a cultura dos sujeitos como o primeiro obstáculo a ser enfrentado e vencido, removido para dar passagem à carruagem do
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desenvolvimento, agora são os sujeitos e suas culturas o mais rico manancial de produção do conhecimento pertinente. Nas aulas em São Raimundo Nonato, experimentamos a composição de relatos de infância, todos eles muito ricos. Todos eles excelentes literaturas. Mas deveríamos nos capacitar a tirar proveito disso. Deveríamos aprender a pesquisar melhor isso e a escrever livros, bons, bonitos, bem elaborados, para dispor nas escolas, nas bibliotecas, para não ficarmos presos à condição de leitores colonizados, que, para pensar, esperam sempre uma autorização vinda de fora; ou então que esperam que algum agente de fora diga que o que somos e o que temos tem algum valor – no geral, este valor é expropriado dos sujeitos para gerar divisas para outrem. Então, como é que faz para andar na frente? Acho que nossas oportunidades agora são muitas!
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2a. ed. – São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2000. SANTOS, Boaventura de Souza. A globalização e as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 2002.
Referências BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação? São Paulo: Brasiliense, 1982. CARRANO, Paulo César Rodrigues. Juventudes e cidades educadoras. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. Mil platôs - capitalismo e esquizofrenia. Vol. 3 - Rio de Janeiro: Editora 34, 1996. GUATTARI, Félix & ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo – 4ª ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. MÁRQUEZ, Gabriel García. Cem anos de solidão. Rio de Janeiro; São Paulo: Record/Altaya, 1995. MORIN, Edgar. O método IV: as idéias, a sua natureza, vida, habitat e organização. Portugal: Edições Seuil: Biblioteca Universitária: Publicações Europa-América, 1991. 148
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O CURRÍCULO COMO ESPAÇO DE DIÁLOGO ENTRE AS DIVERSIDADES SOCIOCULTURAIS DO SEMIÁRIDO Elmo de Souza Lima1 Introdução Observamos que poucas são as discussões desenvolvidas nas escolas do Semiárido acerca do tipo de sujeito que se deseja formar e qual o tipo de sociedade precisamos construir para atender aos anseios e as necessidades dos sujeitos que vivem nessa região. Menor ainda é a preocupação das instituições de ensino em articular seus projetos educativos com um projeto de desenvolvimento sustentável. Constatado isso, verificamos que, nas escolas espalhadas pelo sertão nordestino, poucos são os debates desenvolvidos pelos profissionais da educação acerca das práticas curriculares, bem como os conteúdos culturais, políticos e sociais que são veiculados de forma explícita e/ou oculta através das práticas pedagógicas dos professores. Diante desse contexto, realizamos uma pesquisa em duas escolas do Município de Pimenteiras, no Semiárido piauiense, com o intuito de analisar os processos de construção do currículo, seus enfoques políticometodológicos e os desafios que precisam ser superados no sentido de construir uma política curricular que valorize a cultura, os saberes e os valores locais, possibilitando a formação de sujeitos críticos e autônomos. No processo de coleta de dados, realizamos entrevistas semiestruturadas com professores, alunos e coordenadores pedagógicos na perspectiva de identificarmos se o currículo escolar favorecia a valorização e o diálogo
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Pedagogo, Mestre em Educação e Professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Email: <elmolima@gmail.com>.
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com a cultura local. Desse modo, este texto traz as principais ideias e reflexões colhidas nesse processo de pesquisa. No primeiro momento, fizemos uma breve caracterização do Semiárido, destacando seus limites e potencialidades. Em seguida, destacamos os desafios que estão colocados para os profissionais da educação com relação à construção de currículos escolares que dialoguem com as diversidades socioculturais e ambientais dessa região, a fim de construir novos projetos educativos voltados para a formação crítica dos jovens e, consequentemente, a transformação das condições de vida das pessoas que vivem no Semiárido.
O Semiárido piauiense abrange uma área de 125.692 km², correspondendo a 57% da área total do Estado e 14% da área do semiárido brasileiro. É uma região de clima meio árido, marcada por irregularidades de chuvas, que varia entre 500 a 700mm anuais, tendo como vegetação predominante a caatinga. Envolve 151 municípios (70% dos municípios piauienses) e uma população de, aproximadamente, 1 milhão de pessoas (PIAUÍ, 2005). Nesta região, é possível identificar os mais variados problemas enfrentados pela população empobrecida: a dificuldade de acesso a água e alimentos em quantidade e com boa qualidade para o consumo humano, principalmente, nos períodos de estiagem prolongada; os elevados índices de analfabetismos etc. Esses problemas são frutos da estrutura excludente que predomina na área, baseada na concentração de terra e de água, além da dificuldade de acesso da agricultura familiar aos meios e recursos necessários à produção agrícola e pecuária. Apesar de ser conhecida, pela maioria das pessoas, devido ao alto índice de pobreza, o Semiárido brasileiro tem grandes potencialidades tanto na área turística como na área da produção de alimentos, tais como o mel, o caju, a cabra e tantas outras atividades que se adaptam às características geoambientais da região.
Os principais problemas dessa região não são decorrentes somente das questões climáticas e ambientais, mas dos problemas sociais e políticos vivenciados historicamente. Desde a colonização, o sertão nordestino vem sofrendo com a má utilização do seu ecossistema, que passou a ser devastado para criação de gado, provocando um desequilíbrio ambiental; e a grande concentração da terra e da água, que consolidou o processo de dominação política pautado no autoritarismo e no abuso de poder dos “coronéis”, contribuindo definitivamente para a implementação de uma cultura política baseada na submissão, no comodismo, no paternalismo e no clientelismo. Se não bastassem todas essas questões, as oligarquias do Nordeste criaram, no final do século XIX e início do século XX, uma nova estratégia política voltada para disseminação de uma imagem negativa sobre o sertão, associado-o à pobreza, à miséria e à fome, com o intuito de captar recursos junto ao governo federal. Entretanto, verificamos que esses discursos construídos sobre o semiárido, enquanto espaço de pobreza e miséria, também foram incorporados nas narrativas educacionais, construindo no imaginário da sociedade brasileira uma verdade sobre o Semiárido que nem sempre condizia com a realidade vivenciada pelas pessoas. Segundo Mattos e Kuster (2004), a educação desenvolvida no Semiárido é construída sobre valores e concepções equivocadas sobre a realidade da região. Uma educação que reproduz em seu currículo uma ideologia carregada de preconceitos e estereótipos que reforçam a representação do Semiárido como espaço de pobreza, miséria e improdutividade, negando todo o potencial dessa região e do seu povo. O fato de as escolas incorporarem em seu currículo representações que caracterizam as pessoas dessa região como “coitadinhas”, “pobrezinhas”, “incultas”, construindo caricaturas e estereótipos de sertanejo carregados de preconceito, merece uma análise cuidadosa. Essa pode ser uma estratégia de neutralização das pessoas pela inferiorização de sua cultura. De acordo com Foucault (apud COSTA, 2002), as relações de poder são estabelecidas principalmente no campo da cultura e da
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O Currículo como Espaço de Diálogo entre as Diversidades Socioculturais do Semiárido
Um olhar sobre a educação no Semiárido piauiense
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subjetividade. Nesse caso, ao inferiorizar a cultura do outro e desvalorizar os seus saberes, se estabelece uma relação de controle e de poder, onde, por meio do currículo, torna-se possível construir e/ou fabricar um modelo de identidade padrão para homens e mulheres. Nos últimos anos, com o crescimento das discussões em torno dos Estudos Culturais, observamos que se ampliaram as preocupações com relação às narrativas que são produzidas e disseminadas pelos currículos escolares, principalmente, sobre os grupos marginalizados. Para muitos pesquisadores do campo do currículo, a maioria dos discursos e das narrativas propagadas através das escolas traz em sua essência a construção de novas relações de dominação e controle, em que os grupos marginalizados são considerados como grupos inferiores que precisam passar por um processo de reeducação para poder incorporar novos valores aceitos pelo pensamento hegemônico construído pela elite econômica. De acordo com Silva (1999, p. 136), [...] os estudos culturais permitem-nos perceber o currículo como um campo de luta em torno da significação e da identidade. A partir dos estudos culturais podemos ver o conhecimento e o currículo como campos culturais, como campos sujeitos à disputa e à interpretação, nos quais os diferentes grupos tentam estabelecer sua hegemonia.
Diante dessas releituras desenvolvidas sobre o currículo com base nos Estudos Culturais, passamos a olhar e a analisar a educação desenvolvida no Semiárido brasileiro a partir de novos parâmetros políticos e pedagógicos, distanciando-se de um conjunto de “verdades” que nos fizeram acreditar historicamente. Para Martins (2004, p. 34), [...] a educação escolar que se dirige aos vários pontos da imensidão do território brasileiro é uma educação descontextualizada e, por sê-lo, é também colonizadora, ou seja, ela se dirige hegemonicamente de uma determinada realidade – atualmente majoritariamente esta realidade é a do sudeste urbano do Brasil. 154
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Diante disso, Martins e Lima (2001) propõem que seja desenvolvido um trabalho de descolonização da educação por meio da construção de uma educação contextualizada que favoreça um diálogo permanente entre o conhecimento científico e o saber popular, entre o que se aprende na escola e a possibilidade concreta do desenvolvimento humano sustentável. O processo de (des)construção do currículo nas escolas do Semiárido O processo de construção do currículo nas escolas do Semiárido brasileiro precisa ser compreendido como um momento importante na definição do rumo da educação que será desenvolvida pelas escolas da região. É por meio do currículo que se define o modelo de sociedade e o perfil de sujeito que se quer formar para atuar numa determinada sociedade. De acordo com Moreira e Silva (1994, p. 08), [...] o currículo não é um elemento inocento e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares.
Diante do levantamento que fizemos junto a professores do Semiárido brasileiro, percebemos que a concepção de currículo que prevalece em muitas escolas ainda está limitada à compreensão de currículo enquanto atividade técnica e organizacional dos conteúdos. Por isto, os professores compreendem que o processo de construção curricular limitase à escolha do livro didático e à seleção dos conteúdos a serem trabalhados durante o ano letivo. Essa interpretação torna-se evidente quando analisamos os depoimentos dos professores com relação ao processo de construção do currículo, em que a maioria respondeu explicando como ocorre o processo O Currículo como Espaço de Diálogo entre as Diversidades Socioculturais do Semiárido
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de seleção dos conteúdos. São selecionados aqueles conteúdos que a gente vê que é mais importante para o aluno. Por que não dá para vê a unidade toda, então são selecionados aqueles conteúdos mais importantes, tendo como referência o livro didático (Diretora). Eu discordo da maneira como são definidos os conteúdos, pois eles impõem e a gente só recebe (Professora 02).
Esse tipo de compreensão demonstra que as escolas não têm referenciais consistentes que orientem a construção do currículo e, consequentemente, o processo de seleção dos conteúdos. As informações fornecidas pelos professores indicam que a construção do currículo não parte de uma reflexão sobre as demandas sociais apresentadas pela comunidade. Selecionam-se os conteúdos a partir de percepções e interesses dos professores, sem uma análise coletiva cuidadosa sobre o que realmente deve ser trabalhado em sala de aula e qual a verdadeira intenção ao se trabalhar tais questões. São, portanto, currículos que reproduzem um conjunto de valores e interesses impostos pelos grupos hegemônicos enquanto que os saberes e as diversidades culturais dos povos do Semiárido são negados e/ou silenciados no contexto das práticas educativas. A falta de um referencial mais consistente que auxilie os professores no processo de construção do currículo das escolas faz com que estes se voltem, quase que exclusivamente, para o livro didático para selecionar os conhecimentos e valores a serem trabalhados em sala de aula, conforme expressou o coordenador pedagógico: Mais uma vez, infelizmente, ainda é o livro didático quem está determinando o conteúdo a ser trabalhado, a ser estudado e explorado na escola. [...] o livro ainda está em primeiro lugar na seleção dos conteúdos. (Coordenador pedagógico).
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A atitude dos professores de limitar a concepção de currículo ao simples processo de seleção dos conteúdos, sem fazer uma ampla reflexão sobre os aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais das comunidades e sem refletir sobre o tipo de sociedade que se quer construir e o perfil de sujeito necessário para atuar nesta sociedade, demonstra o desconhecimento que muitos profissionais da educação têm quanto à importância do currículo na definição da identidade dos sujeitos sociais e na afirmação do modelo de sociedade que será construído através da ação da escola. Nessa direção, Silva (1999, p. 15) afirma que [...] nas discussões cotidianas, quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade.
Essa compreensão do currículo, alimentada por muitos professores, fundamentada nos princípios tradicionais, reduz o universo da prática pedagógica ao debate em torno dos conhecimentos considerados verdadeiros, pelos livros didáticos, negando a diversidade de saberes construídos pelos alunos no meio social. Os professores devem compreender que o processo de seleção dos conteúdos para compor o currículo não é algo meramente técnico, mas uma ação carregada de intenções políticas. Tendo em vista que: Selecionar é uma operação de poder. Privilegiar um tipo de conhecimento é uma operação de poder. Destacar, entre as múltiplas possibilidades, uma identidade ou subjetividade como sendo a ideal é uma operação de poder (SILVA, 1999, p. 16).
Neste caso, todo ato pedagógico está envolvido numa relação de poder, num campo de disputa que nem sempre os professores têm
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consciência deste fato e participam deste processo. Na maioria das vezes, professores e alunos são envolvidos neste jogo de poder como peças de xadrez que vão sendo manipuladas de acordo com os interesses dos grupos que detêm o poder de controlar o sistema educacional. Entretanto, percebemos também que os professores já demonstram uma preocupação com relação aos conteúdos trabalhados em sala de aula. Quando questionamos se os conteúdos abordados nas escolas do Semiárido atendem às necessidades dos alunos, os professores afirmam que os conteúdos estão distantes da realidade dos jovens:
O depoimento confirma que a descontextualização da educação oferecida no Semiárido piauiense não se refere somente às questões pedagógicas, mas também no campo da gestão e da administração escolar, já que os horários de funcionamento das aulas não levam em consideração as necessidades dos jovens e a dinâmica de vida de suas famílias. No Semiárido, a maioria das famílias vive da agricultura e no período de colheita elas se envolvem com essas atividades, por isto, os alunos são obrigados a ausentarem-se das aulas e acabam sendo prejudicados, já que as escolas muitas vezes não estão sensíveis a essa problemática. Verificamos, portanto, um distanciamento entre a vida escolar e a vida dos alunos. A escola cria sua dinâmica própria de funcionamento e, de certa forma, quer obrigar a comunidade a adequar-se às suas normas como se a escola fosse algo externo à comunidade e estivesse chegando com o poder de determinar a dinâmica de funcionamento dos grupos
sociais. Nesse caso, a instituição de ensino chega imbuída do espírito colonizador de tal forma que, além de assustar as pessoas, transforma a relação com a comunidade num processo de submissão, no qual as suas determinações passam a ser incorporadas como norma essencial para a construção do desenvolvimento local. Essa postura de distanciamento da escola com relação à comunidade reflete, de certa forma, a visão de desprezo e desvalorização que ela tem quanto aos saberes e a cultura das comunidades. Com essa visão imbuída de preconceitos com relação aos saberes populares, a escola se coloca na condição de instituição responsável pela disseminação de uma “cultura culta” que vai elevar o padrão de vida das pessoas das classes populares, tendo como referência o modelo estabelecido pelas classes dominantes. Desconstruir essa compreensão acerca do papel da escola, que foi incorporada pela maioria dos professores, vai exigir muito esforço dos gestores da educação e dos projetos de formação de professores, pois requer não só uma mudança metodológica, mas também um envolvimento e um comprometimento político dos professores com os processos de transformação das práticas pedagógicas e, consequentemente, com a transformação de um conjunto de valores disseminados na sociedade. Esse processo de sensibilização dos profissionais da educação para o exercício de uma prática pedagógica democrática e comprometida com a transformação social torna-se um dos grandes desafios a serem superados pelos sujeitos que atuam na escola e lutam pela construção de uma educação que possibilite mudanças sociais no sertão (LIMA, 2008). A construção de projetos educativos comprometidos com a transformação das práticas pedagógicas e curriculares implementadas nas escolas do Semiárido passa pela construção de estratégias que ampliem a relação entre as escolas e as comunidades, possibilitando um diálogo maior entre aquilo que se aprende na unidade de ensino com os saberes socioculturais construídos pelos alunos no meio social. Essa preocupação com relação à valorização dos saberes e das vivências das comunidades também é compartilhada por Resende (1998,
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Atende em parte, [...] é porque hoje você não tem que trabalhar só conteúdo e sim a questão de formação de cidadãos críticos e participativos. Que essa é uma nova perspectiva. No novo planejamento já se vê isso. Mas eu acho que não atende não, tem muita coisa que precisa ser modificada ainda. [...] os conteúdos não têm uma relação direta com a vida dos alunos. O que tem é muito pouco [...]. Nós temos alunos que estão na escola e se ausentam uma semana porque têm que ir para a roça ajudar os pais. (Professora 01)
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p.37), quando afirma que: [...] professores e comunidade escolar trazem embutidos em seu pensar e em seu fazer o princípio de que só existe uma história, a que é escrita, restrita e padronizada no livro didático, quando nós somos, como a África, um continente permeado pela diversidade e pela oralidade de regiões tão fortes em seus valores, dogmas, costumes e princípios.
Neste contexto, o processo de construção do currículo precisa ser compreendido como um ato de grande responsabilidade política, pois envolve uma complexidade de elementos que vão influenciar diretamente na vida das pessoas e da comunidade. Por isto, deve ser construído, por meio de um processo participativo e democrático, envolvendo os grupos sociais que estão diretamente envolvidos com a ação da escola. Quanto à construção do currículo contextualizado no Semiárido, avaliamos que esse trabalho só terá êxito se for planejado de forma participativa, envolvendo as organizações sociais e instituições que atuam nas comunidades, com o intuito de garantir que as pessoas das comunidades consigam ver seus anseios e desejos contemplados nos debates de sala de aula, através de uma prática pedagógica que seja capaz de romper os muros das escolas e interagir com as atividades comunitárias e os projetos socais desenvolvidos pelas organizações sociais. Para a efetivação de uma proposta de educação contextualizada no Semiárido, torna-se necessário rediscutir o modelo de gestão das escolas, construindo uma proposta baseada no princípio da autonomia e da gestão democrática, onde a participação dos alunos, dos pais e dos professores seja real e não simbólica. Uma participação que seja efetiva e processual, em que esses sujeitos tenham uma atuação significativa na construção das diretrizes políticas e pedagógicas que nortearão as ações da escola, e não uma participação pontual e esporádica como vem acontecendo atualmente (GADOTTI, 1997). A proposta de Educação Contextualizada no Semiárido não pode 160
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limitar-se somente aos aspectos didático-pedagógicos, precisa assumir um caráter político-pedagógico de transformação. Não pode ser um processo educativo desenvolvido de forma mecânica e dentro de quatro paredes sem considerar e envolver os elementos sociais e culturais que tanto influenciam a vida dos sujeitos sociais. Deve ser uma educação construída e discutida no contexto histórico dos sujeitos sociais envolvidos com a proposta pedagógica, pois não se pode trabalhar uma educação sem vida, sem sentimento, sem politicidade, pois a educação está em constante movimento e, como afirma Freire (1987), não pode ser desenvolvida sem ser concebida como um ato político, com grande poder de transformação social. O espaço da cultura popular no currículo escolar A educação contextualizada no Semiárido brasileiro precisa valorizar a cultura popular 2 das comunidades como forma de reconhecimento da história sociocultural das pessoas e reafirmação de suas identidades, buscando fortalecê-los enquanto sujeitos sociais capazes de reconstruírem suas histórias e suas vidas. No entanto, percebemos que a educação, atualmente, oferecida no Semiárido pouco tem valorizado essa cultura. Na maioria das vezes, essa cultura popular vem sendo negada e silenciada tanto pelos livros didáticos quanto pelos professores, que desconhecem sua importância para a formação crítica dos alunos. Analisando os depoimentos dos professores, percebemos que seus discursos tanto reafirmam a ideia de que as escolas não trabalham com a
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A expressão cultura popular será utilizada neste texto a partir do conceito utilizado por Giroux e Simon (1994, p. 109) que a definem como um conjunto experiências e saberes que se constituem em símbolos e significados que dão sentido à vida das pessoas. São práticas que refletem a capacidade criativa e inovadora das pessoas, que transcendem o conhecimento e as tradições recebidas. Os autores também alertam para o risco de não se confundir a cultura popular com a cultura de massa que é produzida mecanicamente e distribuída como produto cultural e/ou mercadoria.
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cultura popular, como demonstram que muitos docentes desconhecem o que realmente vem a ser a cultura popular. Quando questionamos se as práticas pedagógicas desenvolvidas pela escola dialogavam com a cultura popular do município, assim expressaram: Não. Está começando. Porque em Pimenteiras nós temos a questão do reisado, as quadrinhas, tem a questão das lendas. Pimenteiras tem a lenda do fogo encantado que talvez se você falar para alguns alunos aqui eles não saibam. Aqui tem um fogo, chamado até fogo da veia toca, que diz que a noite você vê o fogo, mas quando você chega lá não tem. Tem também a questão das inscrições rupestres que tem em alguns lugares aqui, mas eu nunca vi não. Mas existem essas inscrições. Os alunos sabem, mas até eu vim tomar conhecimento há uns três anos. (Professora 01) Muito pouco, até mesmo porque nossos professores são muitos bitolados nos livros e nosso livro não é um livro local e aí precisa ser trabalhada a questão da cultura local. Nós temos uma cultura que está praticamente morrendo, temos uma cultura rica, nosso município é rico na cultura, mas está praticamente morrendo por falta de incentivo e nossa escola não está cultivando, não está incentivando o desenvolvimento da cultural local. (Coordenador pedagógico)
As dificuldades enfrentadas pelos professores quanto à construção de alternativas que possibilitem a inserção da cultura popular como conteúdo de debate na sala de aula, demonstra que o sistema educacional foi arquitetado a partir de objetivos e metodologias que não permitissem o diálogo com a diversidade cultural. Neste sentido, o livro didático tornouse um instrumento de grande importância para disseminação da cultura dos grupos sociais dominantes, como “verdades únicas” e “absolutas”, que acabaram sendo incorporadas pelos professores, fossem através dos cursos de formação de professores, fossem por meio dos próprios rituais didático-pedagógicos desenvolvidos nas escolas (SANTOMÉ, 1998). Nesta perspectiva, as escolas enaltecem e reproduzem em seus currículos as culturas dos grupos dominantes e ignoram, discriminam, negam, silenciam ou trabalham de forma pontual e superficial as culturas dos grupos populares. Como é narrado pelos alunos e professores: Porque aqui a gente trabalha com festividades. Nestas festividades da escola são envolvidas essas culturas, mas na prática do dia a dia isto é mais devagar. (Diretora) Sim, a gente sempre coloca a vaquejada, o folclore, quadrilha, no tempo das festas juninas, nas datas comemorativas. (Professor 02) Era trabalhado nas festas juninas, que é muito importante aqui na escola, aliás, no município, porque São João Batista é o padroeiro da cidade. Então no mês de junho. É algo importante que foi trabalhado na escola. Agora tem outras partes da cultura como o reisado, o São Gonçalo, isto também faz parte da cultura de Pimenteiras e isso não foi trabalhado na escola. (Aluna 01)
Verificamos que os interlocutores da pesquisa reconhecem o potencial da cultural popular e até destacam sua importância para o desenvolvimento do município, mas não conseguem transportar essa riqueza cultural e pedagógica para a sala de aula. Os professores até demonstram uma inquietação quanto à importância de se trabalhar mais com os elementos da cultura popular, no entanto, não se sentem preparados para desenvolver essas atividades, devido às limitações em sua formação e à escassez de materiais didáticos, já que os livros didáticos ignoram a cultura do sertão.
Notamos que muitas escolas, além de não incorporarem os elementos da cultura do Semiárido em seus currículos, discutem um conceito
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de cultura popular bastante limitado, compreendendo-a como manifestações culturais, desconsiderando um conjunto de elementos sociais, místicos e religiosos que fazem parte da vida das pessoas e têm um grande valor simbólico para as comunidades. Compartilhando dessa ideia, Araújo (2007, p. 92) afirma que:
Para Santomé (1998), essa forma de trabalhar a cultura popular narrada pelos professores é muito perigosa, pois acaba criando a ideia de um “currículo turístico”, composto de ações isoladas que pouco contribuem para recuperar o conjunto de valores e saberes historicamente negados pelo currículo oficial. Por isso, ele acrescenta: “não podemos cair no equívoco de dedicar um dia por ano à luta contra os preconceitos racistas ou a refletir sobre as formas adotadas pela opressão das mulheres e da infância” (p. 172). Essa forma de trabalhar a cultura popular de maneira festiva acaba criando uma relação de distanciamento entre a escola e a cultura. A cultura popular passa a fazer parte do ambiente escolar, de forma momentânea, como algo exótico que precisa ser apreciado e conhecido pelos alunos, sem a menor preocupação em construir uma reflexão mais ampla sobre o papel e o significado daquela cultura para vida e a história das pessoas. Portanto, a cultura popular vem para dentro da escola para ser apreciada, sem nenhum sentimento de pertença e sem valor sócio-histórico para as pessoas, pois é compreendida como coisa do passado, sem muito valor para os “tempos modernos”. Diante desse contexto, observamos que as escolas, no momento em que não valorizam a cultura do Semiárido, acabam negando a história
de vida das pessoas, sua riqueza cultural, seus saberes milenares, em favor de um saber que vem de fora, muitas vezes, com pouco sentido para os alunos por serem descontextualizados e fragmentados. Sendo assim, a escola atua ideologicamente através do currículo, referendando a cultura das classes dominantes e discriminando a cultura das classes populares. Segundo Giroux e Simon (1994), a cultura popular sempre foi considerada pela elite como uma cultura banal, pobre, sem valor intelectual e, por isso, indigna de legitimação acadêmica ou prestígio social para ser utilizada pelas escolas. No entanto, os autores afirmam que “[...] a cultura popular representa não só um contraditório terreno de resistência, mas também um importante espaço pedagógico onde são levantadas relevantes questões sobre elementos que organizam a base subjetiva e das experiências dos alunos” (p. 96). Diante dessas reflexões, verificamos que, apesar das tentativas de negação e silenciamento da cultura popular, através dos processos de imposição cultural desenvolvidos nos centros acadêmicos e nas escolas, as populações sertanejas vêm conseguindo manter viva a sua cultura como forma de manter vivas as suas histórias e as suas tradições. O trabalho de resgate e valorização da cultura popular como instrumento de afirmação da identidade e da autonomia dos grupos sociais precisa ser incorporado às atividades das escolas como forma de construir processos de resistências e de construção de novos projetos políticos voltados para o desenvolvimento sustentável do Semiárido, contrapondose aos projetos neoliberais, globalizantes, voltados para a competição e a exclusão social. A proposta de educação contextualizada, por ser construída a partir dos princípios da educação progressista e transformadora, deve resgatar e fortalecer os valores culturais do Semiárido, como forma de garantir a autonomia e a independência das comunidades. Além disso, torna-se necessário construirmos processos pedagógicos que ajudem os jovens a valorizarem sua cultura, por considerar que esta atividade tem um papel significativo no processo de formação de sujeitos críticos e autônomos, capazes de construir uma sociedade mais justa e solidária
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[...] os acervos das tradições culturais do Semi-árido se constituem como fontes primordiais que devem inspirar e dar cromaticidade às ações do educar nesses rincões sertânicos realçando nos indivíduos o senso de pertencimento a um grupo, a uma comunidade, na contextualidade das manifestações que perfazem o cotidiano desses povos.
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(LIMA, 2008). Desse modo, a educação contextualizada no Semiárido precisa criar mecanismo que valorize e revitalize a diversidade cultural que, durante muito tempo, foi negada pelos currículos das escolas. Ou seja, torna-se necessário criarmos espaço nos currículos escolares para o diálogo entre as pessoas e os grupos diferentes. Para Santomé (1998, p.165), é necessário construir um novo modelo de currículo, um currículo antimarginalização, “em que todos os dias do ano letivo, em todas as tarefas acadêmicas e em todos os recursos didáticos estão presentes as culturas silenciadas”. Uma educação que desconhece e desconsidera os saberes e os valores vivenciados e produzidos pelas comunidades, não pode contribuir na formação de cidadãos críticos e ativos, pois o exercício da cidadania se traduz pela compreensão do mundo em que se vive e pela tomada de consciência dos valores que norteiam a vida em comunidade. A formação crítica passa pelo processo político-pedagógico de leitura crítica da realidade sociocultural do espaço em que as pessoas estão inseridas, para que elas possam, a partir daí, construir uma visão ampla sobre o seu espaço local e sobre o mundo. O currículo como espaço de diálogo entre as diversidades culturais
da construção de uma sociedade mais justa e democrática, assim como, de conscientizar os jovens acerca dos processos sócio-históricos vivenciados pelos sertanejos. Ou seja, o trabalho de resgate e valorização da cultura do Semiárido é necessário para que os alunos conscientizemse da trajetória histórica que resultou na formação do modelo de sociedade que se tem na atualidade. Diante desse contexto, os currículos das escolas devem ser compreendidos como espaços estratégicos para a construção de diálogos entre os saberes diferentes, ou seja, os currículos precisam abrir-se para acolher as diversidades culturais trazidas pelos alunos como forma de consolidar o processo de democratização da escola e da comunidade. Só teremos uma sociedade efetivamente democrática quando os vários grupos sociais forem reconhecidos enquanto produtores de saberes e tiverem espaços para apresentarem os seus saberes e tê-los reconhecidos e incorporados no contexto das práticas pedagógicas das escolas. Então, como defende Freire (1996), precisamos compreender, cada vez mais, a importância do diálogo entre as diferentes culturas como forma de tornar as práticas formativas mais ricas com relação à formação humana e crítica, transformando-as em espaços de possibilidade para a construção de sociedades democráticas, igualitárias e justas. Compreendemos também que a construção dessas relações dialógicas entre os diferentes sujeitos nem sempre ocorre de forma pacífica, pois,
Uma das principais características das comunidades do Semiárido é a sua diversidade sociocultural, tendo em vista que sua população é constituída pela miscigenação cultural que traz traços da cultura indígena, negra e europeia. No entanto, a partir da vivência nesse espaço singular que é o sertão nordestino, os grupos sociais recriaram esses elementos culturais, produzindo um jeito especial de ser sertanejo, que, apesar das influências dos meios de comunicação, resiste em manter essas tradições como forma de ampliar os laços de solidariedade e de fraternidade entre as pessoas. Desse modo, os projetos educativos desenvolvidos nessa região devem valorizar essa diversidade cultural como forma de manter viva a história desse povo, de resgatar as lutas históricas construídas em favor
para Freire (1992, p. 156), esse diálogo:
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[...] não se constitui na justaposição de culturas, muito menos no poder exacerbado de uma sobre as outras, mas na liberdade conquistada, no direito assegurado de mover-se cada cultura no respeito uma da outra, correndo risco livremente de ser diferente, sem medo de ser diferente, de ser cada uma “para si”, somente como se faz possível crescerem juntas e não experiência da tensão permanente, provocada pelo todo-poderosismo de uma sobre as demais, proibidas de ser.
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Observamos, portanto, que a construção dessas práticas formativas, fundadas no princípio da dialogicidade, exige que os docentes estejam preparados, tanto no campo teórico, quanto metodológico para mediarem os conflitos e os embates que surgirão desses diálogos interculturais, possibilitando não a unificação das culturas e, muito menos, a negação de sua diversidade, mas a reafirmação de suas diferenças e a compreensão da importância dessa diversidade para a constituição de uma sociedade democrática. Através do diálogo podemos reconhecer os diferentes numa perspectiva positiva na medida em que descobrimos que as diferenças não tornam as pessoas melhores ou piores do que outras. O reconhecimento das diferenças nos coloca na condição de seres incompletos e inacabados que podem, na convivência com o outro, aperfeiçoar os seus conhecimentos, tornando-se melhores tanto quanto seres humanos como também profissionais. Ou seja, precisamos do outro, com suas habilidades e competências diferentes, para avançarmos na construção de uma sociedade justa e democrática. Uma das alternativas para se construírem práticas formativas multiculturais está associada à capacidade das instituições de ensino de aproximar, cada vez mais, suas ações dos contextos socioculturais das comunidades, com o intuito de levar os alunos a conhecerem e refletirem sobre as práticas socioculturais, compreendendo-as numa perspectiva crítica que os ajudem a superar os preconceitos e estereótipos. Nessa perspectiva, o currículo deve ser construído de forma contextualizada a partir das necessidades sociopolíticas e culturais da sociedade, visando a uma formação humana plena. Para tanto, os conhecimentos científicos serão abordados numa dimensão de totalidade, associada ao processo de compreensão dos problemas socioculturais enfrentados no cotidiano dos grupos sociais, colocando-se a serviço dos processos de transformação social. Os currículos escolares necessitam ser construídos a partir de novos enfoques teórico-metodológicos no sentido de garantir que esses conteúdos culturais possam ser abordados durante os processos educativos,
possibilitando que os alunos não só compreendam os seus significados, mas os transformem em instrumentos pedagógicos essenciais para a formação crítica e autônoma dos jovens. Esse trabalho de reconstrução do currículo das escolas do Semiárido brasileiro passa, prioritariamente, pela revisão das políticas de formação docente, a fim de possibilitar que os professores desenvolvam práticas críticas e reflexivas que “legitimem os discursos e as vozes daqueles cujos padrões culturais não correspondem aos dominantes” (CANEN, 2001, p. 212), Diante dessa nova demanda, os cursos de formação docente devem ser desenvolvidos numa perspectiva multicultural, associada “à possibilidade de reconhecer as diferenças e de integrá-las em unidades que não as anulem, mas que ativem o potencial criativo e vital da conexão entre diferentes agentes e entre seus respectivos contextos” (PADILHA, 2004, p. 16).
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Considerações finais Os caminhos percorridos durante este trabalho foram importantes para compreendermos como são construídos os currículos das escolas do Semiárido piauiense, assim como percebermos como os professores estão distantes desse processo de definição dos componentes curriculares que são trabalhos em sala de aula. Relatamos que a ausência de um processo de formação de professores construído em sintonia com as reais necessidades políticas e pedagógicas das escolas torna-se um dos obstáculos para a construção de novas práticas pedagógicas, contextualizada no Semiárido brasileiro, que favoreça a formação de sujeitos críticos e autônomos. Verificamos também que muitos professores demonstram interesse em construir alternativas pedagógicas que proporcionem uma educação mais envolvente e significativa para os alunos. No entanto, sua formação não possibilitou o desenvolvimento de saberes teórico-metodológicos que contribuíssem na construção da autonomia pedagógica necessária para a implementação de projetos educativos que dialoguem com o contexto sócio-histórico do sertão.
Neste caso, precisamos construir processos formativos que possibilitem aos docentes a ampliação da concepção da educação para além dos referenciais técnico-pedagógicos, despertando nesses profissionais uma sensibilidade pedagógica que propicie a construção de práticas curriculares que articulem os conhecimentos escolares com a cotidianidade dos alunos. Por fim, constatamos que o processo de construção do currículo contextualizado no Semiárido está associado tanto ao trabalho de repensar os cursos de formação docente quanto ao processo de construção de novos modelos de gestão escolar comprometidos com a democratização das práticas pedagógicas e a valorização e o respeito à diversidade cultural. Uma gestão que crie novos canais de diálogo entre os profissionais da educação e as pessoas das comunidades, considerando-as como sujeito que tem uma história, uma cultura e um conjunto de saberes que não pode ser negado no contexto das práticas educativas.
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Introdução Discutir sobre a pesquisa em educação como alternativa para a produção de conhecimento no Semiárido brasileiro configura-se como um desafio devido aos processos sócio-históricos e culturais que marcaram a região e à ausência de políticas públicas que fomentem o desenvolvimento de pesquisas educacionais. Nos últimos anos, são evidentes os avanços que houve no Semiárido piauiense, na área da formação dos profissionais da educação, com a implantação e reestruturação das unidades do ensino superior vinculadas à Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e à Universidade Federal do Piauí (UFPI), mas, quanto ao fomento à pesquisa e à extensão, muitos são os desafios que ainda precisam ser superados. Dentre tais desafios, podemos destacar os limites técnicofinanceiros, a ausência de projetos de qualificação de pesquisadores, bem como o problema quanto ao foco de análise dessas pesquisas, tendo em vista que poucas se voltam para o estudo das potencialidades da região no sentido de viabilizar projetos coletivos que contribuam para a
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Pedagogo, Mestre em Educação e Professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Email: <elmolima@gmail.com>. 2 Pedagogo pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) – CE. Pós-graduando em Educação, Cultura e Contextualidade pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Email: <adelsonjovem@gmail.com>.
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implementação de políticas de desenvolvimento sustentável. É necessário se construírem processos formativos que auxiliem na definição, priorização e implementação de pesquisas que fomentem o desenvolvimento de projetos educativos contextualizados no ambiente Semiárido. Pesquisas que se utilizem de referenciais teórico-metodológicos que contribuam na produção de conhecimentos necessários para o desenvolvimento de novas práticas educativas e culturais voltadas para a convivência com o Semiárido. As pesquisas educacionais devem ajudar os docentes na compreensão crítica dos aspectos sócio-históricos, políticos, culturais e ambientais do sertão como forma de criar alternativas que viabilizem o seu desenvolvimento, mediante a utilização de conhecimentos e tecnologias adaptadas às necessidades do Semiárido. Diante desse contexto, este trabalho tem o objetivo de discutir sobre a importância da pesquisa em educação para a produção de conhecimentos acerca da realidade sociocultural, política e educacional do Semiárido, que fomente o desenvolvimento de projetos educativos comprometidos com a formação de jovens que tenham a capacidade de pensar novas alternativas de desenvolvimento para a região, aproveitando suas potencialidades socioambientais, culturais e econômicas. Para tanto, fizemos um resgate da trajetória histórica da pesquisa em educação no Brasil, destacando os principais avanços ocorridos ao longo dos anos, bem como as principais características da pesquisa educacional e sua importância para construção de uma educação de qualidade para todos. Em seguida, destacamos os principais desafios e as possibilidades para o fortalecimento da pesquisa em educação no Semiárido como forma de consolidar os projetos educativos voltados para a formação crítica e cidadã, articulada com o trabalho de convivência com o ambiente da região.
A produção da pesquisa científica em educação no Brasil é uma atividade recente e ainda pouco difundida em algumas regiões do país. A
grande parte das pesquisas desenvolvidas na área da educação, com apoio financeiro das Instituições de Amparo à Pesquisa, está centralizada nas regiões Sul e Sudeste do País. Enquanto isso, nas regiões Norte e Nordeste, os pesquisadores em educação desafiam a falta de estrutura tecnológica e científica, assim como a financeira, para garantir suas pesquisas a fim de contribuir para a produção de conhecimentos que ajudem no desenvolvimento de novos projetos educativos. De acordo com os estudos de André (2006), a pesquisa educacional teve início, no Brasil, nos anos 30, com a criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP), vinculado ao Ministério da Educação. As pesquisas desenvolvidas naquela época eram estritamente instrumentais, voltadas para a avaliação das políticas oficiais e o levantamento de dados estatísticos que subsidiassem o MEC na elaboração das políticas de educação. Em 1956, com a criação do Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional, passou-se a investir na formação de pesquisadores em educação com o intuito de ampliar as pesquisas nas áreas e fornecer elementos para ampliar a qualidade do ensino. A partir desse período, os trabalhos científicos em educação voltaram-se para o mapeamento da sociedade brasileira no sentido de fornecer dados que alavancassem as políticas de educação e o progresso econômico do país (GOUVEIA, 1971). André (2006) destaca que, somente a partir da década de 70, com a criação dos cursos de pós-graduações em educação, houve uma ampliação na produção das pesquisas em educação no país, assim como, os pesquisadores conquistaram maior independência política tanto da definição dos temas de pesquisas quanto na escolha dos referenciais teóricos e metodológicos utilizados durante o trabalho. Enquanto nas décadas de 50 e 60 predominavam os métodos quantitativos, a partir dos anos 70 e 80 foram incorporados referenciais teóricos e metodológicos associados às abordagens qualitativas e críticas, com destaque para as metodologias de pesquisa-ação, teoria do conflito, etnografias, pesquisas participantes, dentre outras. Essas novas abordagens
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Uma análise sobre a trajetória da pesquisa em educação no Brasil
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metodológicas também contribuíram para o desenvolvimento de novos olhares acerca dos problemas da educação. Ou seja, Constata-se que para compreender e interpretar grande parte das questões e problemas da área de educação é preciso recorrer a enfoques multi/inter/transdisciplinares e a tratamentos multidimensionais. Pode-se afirmar que há um consenso sobre os limites que uma única perspectiva ou área de conhecimento apresentam para a devida exploração e para um conhecimento satisfatório dos problemas educacionais (ANDRE, 2001, p. 53).
conhecimento na região. No estado do Piauí, por exemplo, temos, até o presente, apenas o Curso de Mestrado em Educação ofertado pela Universidade Federal do Piauí, que se dedica à formação de professores pesquisadores na área da educação. E, mesmo assim, em seus 18 anos de funcionamento e mais de 200 trabalhos de pesquisas defendidos, somente um voltou-se para o estudo de temas relacionados à Educação no Semiárido. As principais características da pesquisa em educação
Nesse contexto de mudança no campo da pesquisa em educação, outros dois aspectos merecem destaque: a diversificação dos temas de pesquisas e a redefinição do papel do pesquisador. Com relação aos temas de estudos, destacaram-se aqueles relacionados ao cotidiano escolar, à organização do currículo, à formação de professores, às formas de organização do trabalho pedagógico, às interações sociais na escola, às relações de sala de aula, a disciplina, a avaliação e, mais recente, às questões relacionadas às diversidades culturais, ao multiculturalismo etc. Quanto à redefinição do papel do pesquisador, observamos que houve uma mudança significativa, pois, se anteriormente o pesquisador era um sujeito de “fora”, nos últimos anos tem havido uma grande valorização do olhar “de dentro”, “fazendo surgir muitos trabalhos em que se analisa a experiência do próprio pesquisador ou em que o pesquisador desenvolve a pesquisa em colaboração com os participantes” (ANDRE, 2001, p. 54). Desse modo, verificamos que, a partir dos esforços de vários professores pesquisadores, conquistamos avanços importantes no campo da pesquisa em educação no Brasil. No entanto, ainda temos o desafio de democratizar a política de financiamento, garantindo que os pesquisadores do Semiárido tenham acesso aos financiamentos de suas pesquisas; bem como, precisamos também ampliar o acesso aos cursos de mestrado e doutorado como forma de qualificar e fortalecer a produção de
A pesquisa em educação está associada ao processo de inquietação e busca de respostas acerca dos problemas vivenciados pelos profissionais da educação no contexto das práticas educativas, diante dos aspectos sociopolíticos, econômicos e culturais que influenciam na definição/construção das políticas e das práticas educacionais. De acordo com as análises de Gil (2002), a pesquisa pode ser compreendida como procedimentos sistemáticos de investigação e análise de determinada realidade com o objetivo de encontrar respostas para os problemas que são propostos. Tem o papel de fornecer conhecimentos acerca dos fenômenos que envolvem a realidade pesquisada, seus significados e processos sócio-históricos. Contribuindo com essas reflexões, Kourganoff (1990) argumenta que a pesquisa constitui-se de um conjunto de investigações, operações e trabalhos intelectuais ou práticos que tenham como objetivo a descoberta de novos conhecimentos, a invenção de novas técnicas e a exploração ou a criação de novas realidades. Ou seja, “É pelo processo investigativo que podemos elaborar a síntese do conhecimento das coisas e nela formar uma imagem mental dos objetos que nos permitem transitar e transpor o conhecimento de uma realidade para o início da compreensão de outra” (GHEDIN; ALMEIDA, 2008, p. 04). Nesse caso, pesquisamos, em educação, formas de desvendar os problemas que perpassam pelo contexto das práticas educativas e apontar novos caminhos e alternativas para a construção de políticas e práticas
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educacionais comprometidas com a formação crítica cidadã e com a transformação social. Sendo assim, concordamos com Demo (2003, p. 40) quando afirma que “[...] pesquisar coincide com a vontade de viver, de sobreviver, de mudar, de transformar, de recomeçar. Pesquisar é demonstrar que não se perdeu o senso pela alternativa, que a esperança é sempre maior que qualquer fracasso, que é sempre possível reiniciar”. Ou seja, pesquisamos porque acreditamos que é possível produzir projetos educativos capazes de contribuir com a formação de jovens críticos e autônomos, capazes de construir uma sociedade justa e democrática. Pesquisamos, também, porque Pesquisar é, assim, a arte de deixar-se surpreender, de conservar a capacidade de assombro, de tolerar a frustração causada pelas dúvidas e incertezas, e, ao mesmo tempo, de assumir-se como herdeiros de construtores do saber da humanidade. É um ato de reencontro com as primeiras indagações da vida particular e coletiva, de pensamento e reflexão sobre os caminhos percorridos pelos logos e pela razão. É um ato de compromisso com a história (CENDALES; MARINO, 2005, p. 24).
É por isso que precisamos ousar mais no campo da pesquisa em educação com o intuito de promover mudanças no cotidiano das escolas, tornando-as mais questionadoras, dinâmicas e envolventes. Transformar as escolas em espaços de produção de conhecimentos, através do questionamento da realidade e da inquietação dos nossos jovens, tornase um dos grandes desafios dos professores pesquisadores em educação. A pesquisa como instrumentos de produção de conhecimento no Semiárido As práticas educativas desenvolvidas nas escolas da Educação Básica do Semiárido brasileiro são, na grande maioria, ações fragmentadas e descontextualizadas voltadas para a reprodução de conhecimentos e 178
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saberes impostos, por meio de livros didáticos inadequados, como verdades absolutas “consumidas” pelos alunos sem qualquer processo de reflexão crítica acerca dos significados e valores do que lhes é imposto para as suas vidas. Segundo Mattos e Kuster (2004), a educação desenvolvida no Semiárido brasileiro é construída com base em valores e concepções equivocadas sobre a realidade da região, reproduzindo no currículo uma ideologia carregada de preconceitos e estereótipos que reforça a representação negativa do sertão, omitindo todo seu potencial e a criatividade do seu povo. Lima (2008, p. 94) acrescenta ainda que “a educação em desenvolvimento no Semi-árido, além de pouco contribuir na construção de alternativas de desenvolvimento sustentável, ignora a diversidade cultural que envolve a região e nega seu potencial humano e natural”. Nesse caso, é preciso desenvolver um trabalho de descolonização da educação mediante a implementação de práticas educativas que se utilizem dos fundamentos da pesquisa para a construção de novos olhares acerca da realidade da região. Diante desse contexto, torna-se necessário o desenvolvimento de projetos educativos que promovam processos de problematização e questionamentos acerca da realidade sociopolítica, econômica e cultural do Semiárido com o intuito de possibilitar que os jovens possam construir novos olhares críticos sobre os limites e as possibilidades de desenvolvimento da região. De acordo com Freire (1996, p. 80), Quanto mais se problematiza os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao desafio. Desafiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-lo. [...] Porque captam o desafio como um problema em suas conexões com outros, a compreensão dos resultados tende a torna-se crescentemente crítica.
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Sendo assim, os docentes necessitam ser capacitados para o desenvolvimento de processos educativos que tenham a problematização, a reflexão crítica e a investigação como eixos político-pedagógicos norteadores de sua ação educativa. Os processos de investigação devem ser construídos de forma que os alunos possam coletivamente discutir sobre os aspectos sociais, políticos e econômicos que perpassam sua vida. No entanto, para isso, os docentes devem ser desafiados a pensar em metodologia de pesquisa que os auxiliem no desenvolvimento de suas práticas pedagógicas, tendo em vista que, no trabalho de investigação acerca da realidade, torna-se necessário a utilização de instrumentos pedagógicos que auxiliem tanto os alunos quantos os professores no processo de construção de novos conhecimentos. Nessa perspectiva, observamos que
Neste caso, observamos que a educação e a pesquisa são dimensões essenciais para a emancipação social do indivíduo em que a pesquisa deve ser o princípio educativo que sustenta uma proposta emancipatória, pois, tal como afirma Demo (2003), um professor que tem a pesquisa como norte de suas práticas docentes não forma discípulos, mas sim novos mestres. O trabalho educativo, quando desenvolvido, tendo a pesquisa como eixo norteador da ação pedagógica, além de possibilitar uma maior apropriação dos saberes curriculares, faz com que os alunos construam uma visão mais ampla sobre o seu espaço social. Ou seja, a escola possibilita que os jovens compreendam a realidade da sua comunidade a partir de novas perspectivas e com outros olhares. Os processos de investigação desenvolvidos por alunos e
professores contribuem para a desconstrução de muitas verdades propagadas sobre a região semiárida, tendo como foco o estereótipo de espaço de fome e miséria. Neste caso, esses processos de investigação crítica também têm sido importantes para a reconstrução da história do semiárido, possibilitado a releitura de valores e a redescoberta de riquezas culturais e socioambientais historicamente negadas e/ou ignoradas nas narrativas difundidas sobre a região. Sendo assim, notamos que a pesquisa contribui, significativamente, para a construção de projetos educativos contextualizados no Semiárido e, acima de tudo, comprometidos com a formação de sujeitos críticos e autônomos que busquem compreender a realidade a partir de novas interpretações sobre aquele lugar. Trata-se de uma educação que tenta levar os alunos a perceberem que as interpretações e as narrativas construídas sobre um determinado espaço estão envolvidas por um conjunto de interesses sociais e políticos. Ou seja, as narrativas e os discursos construídos sobre determinados fatos ou realidade não são neutros, pois estão em sintonia com as crenças e os valores defendidos pelo sujeito que os constrói e, portanto, são carregados de intenções e interesses sociais, políticos e, muitas vezes, econômicos. As práticas da investigação pedagógica ou das pesquisas educativas também contribuem para que os alunos possam perceber que a realidade é composta de uma grande diversidade cultural que precisa ser compreendida em sua complexidade e singularidade, evitando a construção de leituras preconceituosas que reforcem os processos de negação e/ou discriminação de determinados grupos sociais. Os projetos didáticos apresentam-se como uma boa alternativa para a implementação de práticas educativas associadas à pesquisa da realidade, tendo em vista que eles favorecem a criação de estratégias de organização dos conhecimentos escolares, facilitando a relação entre os diferentes conteúdos com os conhecimentos adquiridos pelos alunos na interação com a comunidade e na resolução dos problemas sociais abordados pelos projetos (HERNANDEZ, 1998). As pesquisas realizadas nas escolas possibilitam que os alunos
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[...] a pesquisa apresenta a possibilidade de um diálogo com a comunidade, no sentido de uma troca de saberes entre os dois tipos de curiosidades, ou de saberes: o saber científico parte do saber do cotidiano e não volta ao cotidiano para dominá-lo, mas para possibilitar sua superação. (MOREIRA, 2005, p. 30).
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possam construir novos conhecimentos sobre a realidade onde vivem como também criem as condições para a conquista de sua autonomia, tendo em vista que eles participam de todo o processo de construção das etapas das pesquisas: a) trazem os temas e/ou questões problemas identificados na comunidade; b) elaboram os objetivos a serem alcançados; c) identificam as pessoas que serão consultadas e/ou entrevistas, para colher as informações necessárias para a compreensão do problema; d) elaboram os questionários que serão aplicados na comunidade e as questões que serão utilizados nas entrevistas, e ainda constroem a agenda de ação. Esse processo de articulação entre educação e pesquisa não favorece apenas a construção de conhecimentos científicos que serão incorporados ao currículo escolar, já que esses conhecimentos e saberes também poderão contribuir para a mudança das práticas sociais da comunidade, possibilitando a implementação de novas políticas de desenvolvimento sustentável. Os alunos e professores, enquanto pesquisadores, aprendem tanto os conhecimentos científicos exigidos pelo currículo escolar quanto a conviver, a negociar, a se posicionar, a buscar e selecionar informações, a considerar situações e tomar decisões, além de utilizar todas essas habilidades para a construção de novas formas de ver e fazer novas leituras sobre a realidade onde vivem. Ou seja, essa nova forma de fazer educação tem possibilitado a construção coletiva do conhecimento, em que alunos e professores tornam-se sujeitos ativos do processo ensino aprendizagem. Entretanto, para isso, é necessário que as atividades de pesquisa desloquem-se dos espaços acadêmicos e adentrem o cotidiano das escolas, envolvendo os profissionais da educação básica como pesquisadores de suas próprias práticas e projetos educativos. Assim, como defendem Ghedin e Almeida (2008, p. 06), “É necessário desmistificar a pesquisa, trazê-la para o cotidiano escolar desde o ensino básico até a universidade fazendo-a presente na formação do professor para que ela aja como uma entidade emancipadora que promova a autonomia e criticidade do indivíduo”.
Os desafios na formação do professor pesquisador no Semiárido
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Os novos contextos sociopolítico, econômico e cultural, oriundos do processo de globalização e do aumento significativo no volume de informação, trouxeram novos desafios para os profissionais docentes. Os professores estão sendo obrigados a desenvolver novas leituras críticas sobre a realidade sociopolítica e cultural no sentido de compreendê-la de forma crítica para poder construir estratégias de formação voltadas para formação de cidadãos críticos e autônomos. Esse cenário vem exigindo mudanças nos projetos de formação docente na perspectiva de possibilitar a construção de práticas formativas voltadas para a reflexão coletiva das práticas docentes e das condições de trabalho que são oferecidas para o desenvolvimento dos projetos político-pedagógicos das escolas. Surge então a preocupação com a formação de professores críticos e reflexivos que tenham a capacidade de refletir criticamente sobre sua prática, proporcionando aos alunos a oportunidade de construir novos olhares sobre o contexto sócio-histórico em que ambos estão inseridos. Diante desse quadro, as instituições de formação de professores se veem obrigadas a repensar seus programas de formação e os currículos desses cursos com o intuito de superar os tradicionais modelos, focados na transmissão de conhecimento. Assim, essas instituições estão adotando novos referenciais teórico-metodológicos que tenham a reflexão crítica e a pesquisa sobre as práticas e sobre os saberes docentes como um caminho para a construção de uma sólida formação teórico-prática. Ou seja, partese do princípio de que os eventos de formação precisam despertar nos professores a curiosidade epistemológica que os tornem professorespesquisadores de suas próprias ações e dos contextos socioeducacionais nos quais estão atuando. Embora as discussões sobre a formação de professorespesquisadores tenham se expandido, recentemente, no Brasil, algumas experiências estão sendo desenvolvidas nesse sentido. São processos formativos construídos com o propósito de possibilitar aos professores
tornarem-se pesquisadores de suas próprias práticas. Trata-se de dinâmicas formativas centradas na reflexão crítica das práticas pedagógicas dos docentes. Isto possibilita a construção de novos conhecimentos e saberes pedagógicos por meio do confronto estabelecido entre as reflexões realizadas acerca das práticas docentes e das análises que se fazem sobre as teorias que fundamentam as concepções pedagógicas voltadas para a construção de uma educação emancipadora. No contexto do Semiárido, a partir das discussões desenvolvidas pela Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB), várias experiências estão sendo desenvolvidas na perspectiva de formar professores que sejam capazes de refletir criticamente sobre a realidade do sertão, ampliando sua visão sobre a região e sobre o papel social que deve ser assumido pela escola. Nesses projetos, os eventos formativos transformam-se em importantes espaços de socialização das experiências pedagógicas e dos saberes docentes construídos pelos/as educadores/as a partir da vivência cotidiana em sala de aula. Percebemos que, nesses espaços, há um rico processo de problematização das práticas pedagógicas, a fim de possibilitar a contextualização dos processos de formação dos professores com as necessidades político-pedagógicas vivenciadas em sala de aula e com os valores da cultura local. São projetos de formação que desafiam os professores a refletir e a pesquisar constantemente sobre a própria prática, como forma de acompanhar o seu desenvolvimento profissional, a evolução do seu trabalho pedagógico e o crescimento pessoal e intelectual dos alunos. De acordo com André (2006, p. 221),
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docente e a identificação de caminhos para a superação de suas dificuldades, o professor se sentirá menos dependente do poder sócio-político e econômico e mais livre para tomar suas próprias decisões.
A pesquisa pode tornar o sujeito-professor capaz de refletir sobre a sua prática profissional e buscar formas (conhecimentos, habilidades, atitudes e relações) que ajudem aperfeiçoar cada vez mais seu trabalho docente, de modo que posso participar efetivamente do processo de emancipação das pessoas. Ao utilizar ferramentas que lhe possibilitem uma leitura crítica da prática
Nesta perspectiva, verificamos que a metodologia utilizada nos processos de formação vem sendo construída com base na reflexão crítica da prática docente visto que o processo educativo e as dinâmicas de reflexão sobre a realidade são processos dialéticos e contraditórios, portanto, fecundos para a construção de novos conhecimentos, tendo em vista que esses conhecimentos são oriundos de momentos de contradições e conflitos de ideias. Para Fiorentini (2006), o processo de reconstrução das práticas pedagógicas e dos saberes docentes não é promovido apenas com discussões e reflexões sobre os aspectos gerais das práticas educativas. Ele afirma que, “[...] é preciso mergulhar fundo nas práticas cotidianas para perceber nelas (ou extrair delas) o diferente, a possibilidade de ruptura com o estabelecido, com as verdades cristalizadas pela tradição pedagógica ou com o que a comunidade pensa” (p. 135). Com base nessa compreensão, os eventos de formação precisam criar espaços em que os professores sejam provocados a desenvolver novas análises e reflexões críticas sobre as práticas pedagógicas. Isto deve ocorrer tanto nas escolas quanto nos eventos de formação, no intuito de buscar compreender os vários incidentes ocorridos durante as atividades educativas, tentando transformá-los em momentos oportunos para a construção e reconstrução coletiva de saberes pedagógicos, possibilitando a produção do novo na escola. Verificamos que o desenvolvimento de processos formativos voltados para a reflexão crítica das práticas docentes apresenta-se como um desafio para os cursos de formação desenvolvidos, tanto pelas organizações governamentais quanto pelas secretarias de educação e as universidades, devido à complexidade desse processo e a ausência de formadores-pesquisadores capacitados para desenvolver esse tipo de
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atividade, assim como, a ausência de políticas institucionais que ofereça as condições de trabalho para os professores-formadores desenvolverem suas atividades nas escolas de educação básica de forma sistemática. Segundo Brzezinski e Garrido (2001), as experiências desenvolvidas na perspectiva da formação de professores-pesquisadores, com resultados satisfatórios, são construídas numa parceria entre as universidades e as instituições de ensino, adotando-se a metodologia da pesquisa-ação3, na qual os pesquisadores desenvolvem os processos de formação por meio de ações que permitam a reflexão coletiva das práticas dos professores, a construção de novos saberes docentes, a partir das análises e reflexões coletivas, e o desenvolvimento conjunto de alternativas/ projetos implementados na escola como forma de superação de limites/ desafios, desencadeando na implementação de novas práticas educativas emancipadoras. Para essas autoras, as práticas formativas desenvolvidas por intermédio da pesquisa-ação possibilitam uma interação constante entre sujeitos formadores e formandos. Dessa forma, ambos aprendem com os desafios impostos pelo contexto socioeducativo, visto que os dois colocam-se na condição de pesquisadores, portanto, construtores de novos olhares críticos sobre o fazer-docente. Neste caso, a metodologia do trabalho, fundamentada na pesquisa-ação, permite que a ação docente se transforme em “objeto sistemático da análise dos professores, pois as práticas pedagógicas foram continuamente observadas, pensadas, avaliadas e transformadas” (BRZEZINSKI; GARRIDO, 2001, p. 88). Verificamos que, mediante a adoção desses processos formativos, os professores desenvolvem seu papel de pesquisador na medida em que buscam o entrelaçamento entre o saber científico e o saber sociocultural
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Para Soares (2000, p.46), “a pesquisa-ação é uma metodologia apropriada à pesquisa social com base empírica, que deve ser concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo, no qual os/as pesquisadores/as e os participantes estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo”.
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vivenciado no contexto da escola, por meio de discussões críticas que permitam que os alunos partam do nível de conhecimento empírico ao nível de conhecimento mais elaborado, denominado de conhecimento crítico. A inserção dos processos de investigação nos espaços educativos, principalmente no ambiente Semiárido brasileiro, requer do educador um adequado preparo político e metodológico, bem como o domínio acerca dos conhecimentos sócio-históricos e culturais que envolvem a realidade dessa região. Somente com uma boa preparação teórico-metodológica, os docentes poderão desenvolver as estratégias pedagógicas necessárias para a implementação dos processos investigativos sobre o Semiárido brasileiro. O trabalho de investigação mediante adoção de práticas educativas desenvolvidas no Semiárido brasileiro requer uma maior aproximação do ambiente escolar com a realidade vivida pelos educandos. No entanto, deve ser uma aproximação constituída de espírito investigativo que levem os alunos a analisar e perceber aspectos daquela realidade de forma diferenciada, possibilitando a construção de novos conhecimentos sobre aquele contexto ainda pouco compreendido. O desenvolvimento de projetos educativos, associados à prática da pesquisa, faz com que os docentes possam reorientar sua prática de ensino com o intuito de superar a fragmentação do currículo, levando os alunos a ter uma visão ampla e global da realidade. Ou seja, por meio da pesquisa, as escolas podem implementar práticas educativas interdisciplinares, mediante as quais os alunos poderão compreender as articulações complexas da realidade com maior facilidade e criticidade. Considerações finais O campo da pesquisa em educação vem apresentando resultados importantes na produção de novos conhecimentos teórico-metodológicos que irão auxiliar na construção de políticas educacionais e práticas educativas voltadas para as necessidades das comunidades e dos profissionais dessa área da atividade humana, de fundamental importância As Contribuições da Pesquisa em Educação para a Produção de Conhecimentos no Semiárido 187
para o desenvolvimento sustentável de uma região, de uma nação. No entanto, o seu desenvolvimento ainda continua centralizado nas regiões Sul e Sudeste do País, enquanto territórios como o Semiárido brasileiro continuam sem apoio para implementação de pesquisas que ajudem na produção de conhecimento acerca das práticas educativas e curriculares contextualizadas, que valorizem, dialoguem e potencializem a diversidade sociocultural e ambiental da região. As experiências de formação de professores desenvolvidas por meio da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro têm fomentando a produção de metodologias e estratégias que buscam articular a prática de ensino à pesquisa como forma de ampliar a produção de conhecimento sobre o Semiárido, tanto pelos alunos quanto pelos professores, através de projetos investigativos desenvolvidos coletivamente pela escola e a comunidade. As instituições de ensino superior que atuam no Semiárido brasileiro precisam ampliar suas práticas de pesquisa em educação, no sentido de produzir novos conhecimentos políticos e pedagógicos que ajudem os docentes e os futuros profissionais da educação no desenvolvimento de projetos educativos voltados para o atendimento das necessidades da população sertaneja. Além disso, devem redefinir suas estratégias de formação a fim de garantir que, por meio de seus cursos de formação docente, seja ampliado o debate sobre a formação de professores-pesquisadores que possam transformar as escolas do Semiárido brasileiro em espaço de produção de conhecimento e de formação de cidadãos críticos. Referências ANDRE, Marli. Pesquisa em Educação: buscando rigor e qualidade. Cadernos de pesquisa. n. 113, jun. 2001. ______. Ensinar a pesquisar... como e para quê? In: Encontro de Nacional de Didática e Prática de Ensino. Educação formal e não formal, processos formativos e saberes pedagógicos: desafios para a inclusão social. Recife: ENDIPE, 2006. p. 221-234. 188
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A discussão da temática da Educação Ambiental no contexto piauiense remete-nos a contextualizar as categorias institucionais envolvidas na mesma, sejam elas da esfera Nacional ou Estadual, pois, estas irão instrumentalizar os municípios, as comunidades e os grupos sociais inseridos nestes espaços. Assim, entendemos necessário o conhecimento quanto ao papel que as instituições têm desempenhado na construção da Educação Ambiental no Piauí. Nossas reflexões partem do princípio de que nossa relação individual com o meio natural é inerente à nossa existência e que nossa condição de vida em sociedade é, também, condição de vida no ambiente. Movimento Ecológico: Aspectos Históricos no Mundo Ao discutir os aspectos históricos sobre o movimento ecológico, Gonçalves (2002) nos explica como se configura o panorama que converge para a reflexão sobre as questões ambientais de forma mais popular, ao apresentar a conjuntura que se forma no mundo a partir dos anos de 1960 com o movimento “hippie” nos Estados Unidos da América do Norte e, para além dos debates acadêmico e político, difunde o movimento ambientalista no âmbito da sociedade civil. Torna-se difícil, mas, ao mesmo tempo, inevitável, começar esta discussão lembrando que a sociedade define natureza por aquilo que se 1
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Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
Graduada em Geografia pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Especialista em Ciências Ambientais e Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Atuou como técnica na Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí, além de prestar consultorias na área de Meio Ambiente em projetos de Educação Ambiental. Atualmente, é professora lotada no curso de Geografia da UESPI, Campus de São Raimundo Nonato-Piauí. 191
opõe à cultura. Gonçalves (2002) nos traz esta reflexão. Com o advento da Revolução Neolítica, a passagem de uma condição nômade para uma condição sedentária permitiu ao ser humano instalar-se sobre um território, e a agricultura que, em consequência, começou a ser praticada, tornou-o independente da oferta natural da coleta e da caça. A partir daí, as civilizações surgiriam e dominariam a natureza, por conseguinte, dominariam o imprevisível. O primitivo representa os instintos, a natureza enquanto a civilização encarna a ordem e a lei. Logo, são primitivos aqueles que não possuem Estado, pois o sentido de dominar a natureza vem do entendimento de que o homem não é natureza. Entretanto, nem todos os homens se apropriam efetivamente da natureza como retrata o já citado autor ao contextualizar as bases do movimento ambientalista. Para isso, é importante lembrar o papel do movimento operário ao contestar o capitalismo e a ordem instituída, desenvolvendo no seu interior uma cultura própria. Suas conquistas repercutem na vida da sociedade do século XX. A década de 1960 detém forte efervescência de movimentos sociais autônomos também de questionamento à ordem instituída, porém, com uma postura de crítica ao modo de produção e, também, ao modo de vida. Dessa forma, o cotidiano passa a se mostrar enquanto causa política com a busca por mudanças na condição concreta de vida dos jovens, de mulheres, das minorias étnicas etc. Isto acaba por desencadear uma verdadeira revolução cultural. “O movimento ecológico tem estas raízes histórico-culturais.” (GONÇALVES, 2002. p. 12). O movimento ecológico abrange praticamente todos os setores da humanidade. Desencadeiam-se, sob esta bandeira, lutas envolvendo as mais diversificadas questões: desmatamento, uso de agrotóxicos, urbanização, erosão de solos, corrida armamentista, dentre outras. Esta diversidade faz com que se envolvam nessas questões pessoas nem sempre motivadas pela causa ambiental mas sim, pela defesa dos próprios modos de vida e acesso aos recursos naturais de que necessitam, o que imprime neste movimento diversidade política e ideológica, bem como, a existência
de contradições internas. Se, em nível mundial, o debate ambiental eclode na década de 1960, no Brasil é a década de 1970 que abriga as primeiras discussões sobre a temática quando a ditadura militar combate os movimentos sindical e estudantil (representantes da esquerda nacional). O embate entre uma perspectiva de gestão pautada nas condições sociais, defendida pela esquerda e o plano técnico-econômico-desenvolvimentista, imposto pelos militares, caracteriza este cenário. As elites dominantes que atuavam com a indústria e os grandes latifundiários apoiados pelo capital estrangeiro não apresentavam qualquer respeito pela natureza, pois, a indústria necessitava cada vez mais de matéria prima e os gêneros produzidos pelo grande latifúndio demandavam no mínimo desmatamento para expansão de áreas para cultivo e pasto gerando, ainda, a expropriação do camponês. Mas, a nível mundial, o movimento em prol do meio ambiente ganha espaço e organizações mundiais como Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento passam a pressionar os países a atender novas exigências, tais como demarcação de terras indígenas e relatórios de impacto ambiental. Esta foi uma das motivações que geraram, no Brasil, a criação de instituições (Secretarias Especiais) para gerenciar o meio ambiente e, assim, garantir os recursos necessários ao processo produtivo industrial. Ao final da década de 1970, a anistia permitiu que exilados políticos pudessem retornar ao Brasil (boa parte deles iria para o Rio de Janeiro) trazendo consigo a vivência dessas discussões de forma bem mais amadurecida. Somando-se a isto, surge, posteriormente, no Rio Grande do Sul, a Associação Gaúcha de Preservação Ambiental, representando a organização civil neste movimento. Assim, o Brasil tem, como vertentes do movimento ecológico: o Estado, os exilados políticos e os movimentos sociais gaúcho e fluminense (GONÇALVES, 2002). Este cenário levaria, posteriormente, ao contexto de configuração da Educação Ambiental no país.
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Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
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Considerações Gerais Sobre a Educação Ambiental A Educação Ambiental é tratada por Sorrentino (1995, apud LEONARDI, 1997) fazendo referência a quatro correntes que a classificam. A primeira, denominada Conservacionista, está ligada à Biologia e atua com as causas e consequências da degradação ambiental. A segunda abrange antigos naturalistas e os grupos ou indivíduos envolvidos com escotismo, espeleologia, montanhismo, dentre outras modalidades de lazer e ecoturismo, denominando-se Educação ao Ar Livre. A terceira, diante de sua marcada característica política, envolve os movimentos sociais ao intervirem na forma de gerir o meio ambiente, sendo denominada Gestão Ambiental. A quarta, identificada como Economia Ecológica, é oriunda dos debates sobre desenvolvimento econômico e meio ambiente, congregando organizações governamentais e não governamentais. Com isso, são diversas as concepções de Educação Ambiental, as quais estão relacionadas às formas de fazê-la, que se agrupam em quatro grandes conjuntos de objetos: 1) biológicos ( proteger, conservar e preservar espécies etc.); 2) espirituais/culturais ( promoção do autoconhecimento e conhecimento do universo segundo uma nova ética ); 3) políticos ( desenvolvimento da democracia, cidadania, participação popular, diálogo e autogestão ); e 4) econômicos ( defesa da geração de empregos em atividades ambientais não alimentares e não exploradoras, autogestão e participação de grupos e indivíduos nas decisões políticas). Observando estas perspectivas, Leonardi (1997, p. 396) considera que a Educação Ambiental tem como objetivo “contribuir para a conservação da biodiversidade, para auto realização individual e comunitária e para autogestão política e econômica, mediante processos educativos que promovam a melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida”, estabelecendo-se de três modalidades: 1) Formal, exercida em atividades escolares em todos os seus níveis (possui metodologia e meios de avaliação claramente definidos e planejados); 2) Não formal, que acontece em variados espaços da vida social (sua realização fora do espaço escolar envolve outros atores em espaços públicos e privados ) e que,
apesar de ser menos estruturada também apresenta objetivos, metodologias e periodicidades definidas, sendo rica em parcerias ( Parques, áreas verdes, cursos, seminários etc. ); e 3) Informal, que acontece em outros e variados espaços da vida social, mas sem o compromisso da continuidade, possuindo forma de ação, metodologia e avaliação sem definição clara. Guimarães (1998) ressalta a importância do papel participativo do educador e do educando na construção do processo de Educação Ambiental, lembrando sempre que a realização desta se dá de forma diferenciada em cada meio, sem que se perca de vista a dinâmica global, as relações políticas e econômicas que constituem a globalidade de cada local, lançando a ideia de uma nova ética nas relações sociais e entre as diferentes sociedades na relação com a natureza, centrando seu enfoque no equilíbrio dinâmico do meio ambiente (seres humanos e demais seres atuando em parceria). Guimarães (1998) destaca ainda um fator basilar referente às questões ambientais, que é a diferenciação entre ser humano e natureza tendo se dado de forma paulatina e acompanhado o processo evolutivo biológico e cognitivo. Aponta assim, os humanos “ancestrais” completamente integrados ao funcionamento da natureza, bem como, as populações tradicionais (silvícolas, indígenas) baseando-se na capacidade de suporte dos recursos naturais. Com isso, a afirmação da consciência individual tem favorecido as ações desarmônicas da humanidade em relação ao meio ambiente, ações estas refletidas claramente na produção humana e no conhecimento produzido por tal modelo (individualista) de sociedade resultando em uma postura antropocêntrica dominadora. Esta postura, aperfeiçoada a cada nova geração e em cada grupo social, expandiu-se progressivamente, resultando, em uma sociedade consumista de recursos, capitais e bens. Carvalho (2000) destaca o fato de que o surgimento das práticas sociais e pedagógicas em referência à questão ambiental no âmbito público, tem uma construção histórica recente. Mas ressalta, ainda, o contexto da Revolução Industrial, bem como de seus desdobramentos (pobreza, epidemias, migração campo-cidade, violência social e degradação
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ambiental), como desencadeador de uma nostalgia da natureza intocada registrada na literatura e pintura dos séculos XVIII e XIX, mostrando a natureza como um ideal estético e moral na visão burguesa de bem estar. Delineia-se uma base burguesa capitalista de entendimento da natureza como algo venerável, intocável no sentido de fornecer, além da matéria-prima para as atividades capitalistas, o ambiente agradável a ser desfrutado por esta classe em ascensão na esfera público-administrativa de então. As situações sociais que viriam a se formar a partir daí (luta de classes e formação de grupos contra a opressão das classes dominadas) vêm encontrar o pensamento de Rodrigues (2000). Este autor apresenta o movimento germinativo da sociedade civil organizada denunciando a tendência que a sociedade tem de transformar-se em seu contrário, como afirmado por Almeida (2002), já que a ordem nacional acaba sendo gestada enquanto sistema paralelo ao Estado instituído. Enquanto o Estado reprime e pune autoritariamente (mais especificamente, na primeira metade da década de 60 do século XX), a sociedade cria e fortalece seus mecanismos de resistência (associações, grupos, organizações etc.) para romper a centralização administrativa deste. O Estado compõe-se, então, de uma estrutura política e econômica e outra, militar e ideológica (instituições culturais, de comunicação, partidos políticos etc.) Diante da conjuntura supracitada, o Estado que surge no Brasil absorve e dissolve as diferenças de interesse de grupos. A administração passa a se manifestar como vontade de todos já que as iniciativas são, agora, tomadas com base na competência técnica excluindo a participação dos segmentos sociais de onde a forte centralização propiciou o crescimento da resistência popular em função de sua exclusão nos processos decisórios. As divergências entre prioridades da política do Estado (desenvolvimento nacional, produto interno bruto, política monetária) e da população (alimentação, saúde, educação etc.) levaram ao crescimento de organizações de setores marginalizados, buscando soluções aos problemas existenciais ou políticos vivenciados, tornando-se instrumentos de negociação política, renovando a sociedade brasileira e reorientando a
política pública com a inserção do poder local, dando abertura à política social enquanto prioritária. Com isso, Rodrigues (2000) afirma que as populações passam a assumir a direção das políticas públicas. Os setores marginais são agora parceiros na elaboração e condução das decisões políticas. Assim, desde a década de 1980, as prioridades à modernização da economia cedem espaço às políticas de atendimento às necessidades da população. O papel do Estado é, então, coordenar, atender e procurar alternativas para a solução dos problemas básicos com a organização da sociedade em torno da educação. Nesta conjuntura exercerão um papel relevante as organizações Sociais e Não Governamentais.
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A Educação Ambiental no Contexto Piauiense
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
O papel das Organizações Não Governamentais no Debate Ambiental Diante da amplitude de abrangência da questão ambiental, Warren (2001) destaca que a abertura do espaço da atuação civil se dá neste cenário, como nos mostra a ampla difusão do termo ONGs (Organizações Não Governamentais) em decorrência da conotação assumida com a Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio 92 (espaço de participação da sociedade civil organizada, permitindo incluir associações de natureza e fins diversos, tendo como características em comum serem não governamentais e sem fins lucrativos). As ONGs brasileiras têm se mostrado como entidades de assessoria, apoio, promoção, educação e defesa de direitos humanos e ambientalistas, visando transformar aspectos negativos da realidade social, buscando a defesa da cidadania, evidenciando temáticas tais como violência, carências coletivas etc. Atuam ainda como mediadoras não partidárias em caráter educacional, informacional e político. Mas, as ONGs latino-americanas têm visões de mundo e valores que sugerem alguns desencontros políticos interinstitucionais com as ONGs do Norte. Partindo da ideia de que a cooperação internacional tem mantido as infraestruturas de boa parte das ONGs do Sul, estabelecem-se alguns tipos que indicam 197
ainda uma cronologia de surgimento, ainda segundo Warren (2001). Da reorientação do trabalho das Igrejas Cristãs, que constituem o apoio financeiro das ONGs do Norte aos pobres em geral, surgem as entidades assistencialistas. Para as organizações desenvolvimentistas a redução das desigualdades no Terceiro Mundo depende do processo educacional e da inserção de tecnologias apropriadas, com apoio de agências captadoras de recursos financeiros. Tais entidades democratizantes surgem em oposição ao crescente autoritarismo na América Latina, com desrespeito aos direitos humanos e civis (questões de gênero, étnicas, saúde e meio ambiente e etc.). Têm-se, ainda, as organizações neoliberais, em um momento em que se delineia a necessidade de políticas de ajuste estrutural em função do aumento da miséria e degradação em países do Hemisfério Sul. A questão ambiental é entendida em interação com as questões sociais, crescimento e institucionalização das agências de apoio e surgimento de novos agentes de cooperação internacional de esferas governamentais, disponibilização de recursos para setores organizados da sociedade civil visando seu fortalecimento. Assim, as ONGs, em suas ações, não podem perder de vista a ligação da educação com os sistemas econômicos principalmente a partir da Revolução Industrial, pois, segundo Carlos (2001, p. 24), “a acumulação de capital e a Revolução Industrial são dois momentos fundamentais da história da humanidade” que culminarão com o aparecimento e resolução de contradições decorrentes da ação dialética entre o homem e a natureza: …A especialização das ciências se impõe e permite um aprofundamento entre ciência e prática. O conhecimento passa a ser entendido como domínio da natureza e o esforço inventivo dirige-se, num primeiro momento, principalmente ao domínio das forças externas da natureza (CARLOS, 2001, p. 28).
A tendência da escola poderá ser a de formar pessoas que não pensam criticamente preparando-as apenas para dominar ou obedecer a 198
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
ordens. Com isso, Nascimento (2001) nos chama a atenção para a necessidade de se estabelecerem as bases conceituais dos termos Educação e Desenvolvimento enquanto processos sociais que remetem um ao outro sendo oriundos da sociedade moderna sem perderem sua identidade já que, comumente, se coloca a Educação como pilar básico ao desenvolvimento. Este autor afirma ainda que a educação seja um espaço generalizado de socialização e transmissão de conhecimento, separado da produção e que o direito da escolaridade para todos deu-se pautado em três argumentos: o econômico, político e nacional. A escola nasce da sociedade moderna ao mesmo tempo em que a constrói, sendo instrumento de mobilidade social, condição do crescimento econômico e dever do cidadão. Assim, questiona: Por que não se dá a devida importância à educação como fator de mudança e mobilidade social, de integração nacional, de democratização da sociedade e de melhoria da qualidade de vida geral? (NASCIMENTO, 2001, p. 108).
Para responder a seu questionamento, ele próprio aponta os caminhos: vontade política, prioridade do bem estar e formação da população. Nesta ótica, Morin (2002), partindo da ideia de “Era planetária”, destaca para a Educação a missão de favorecer o uso dos conhecimentos existentes ao mesmo tempo superando os paradoxos dos conhecimentos especializados, mostrando e ilustrando o destino multifacetado do humano que é social e histórico de forma entrelaçada e inseparável. Consequentemente, mostra-se a necessidade de situar tudo no complexo planetário e no contexto que é multidimensional, articulando e organizando as informações sobre o mundo, o que demanda uma reforma no pensamento. Leff (2002) chama a atenção à necessidade da construção de uma racionalidade ambiental, a qual demanda a formação de um novo saber e a integração interdisciplinar do conhecimento a fim de explicar o A Educação Ambiental no Contexto Piauiense
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comportamento de sistemas socioambientais complexos mediante problematização do conhecimento fragmentado em disciplinas e, ainda, a administração setorial do desenvolvimento visando à constituição de um campo de conhecimentos teóricos e práticos orientados para a rearticulação das relações sociedade-natureza abrindo-se ao campo dos valores éticos, conhecimentos práticos e saberes tradicionais. Evidencia, ainda, a necessidade de enfoques integradores do conhecimento para a compreensão das causas e dinâmica de processos socioambientais, o que exige uma recomposição holística, sistêmica e interdisciplinar. Este autor aponta, ainda, que estratégias acadêmicas, políticas educativas, métodos pedagógicos, produção de conhecimentos científicos e tecnológicos e formação de capacidades se entrelaçam com as condições políticas, econômicas e culturais de cada região e de cada nação para a construção do saber e racionalidades ambientais que orientam processos de reapropriação da natureza e as práticas do desenvolvimento sustentável. A perspectiva de desenvolvimento sustentável apresenta-se heterogênea devido aos diversos interesses ambientais de setores e atores sociais. Nesta perspectiva, Loureiro (2002, p. 69) delimita Educação Ambiental como uma práxis educativa e social que “tem por finalidade a construção de valores, conceitos, habilidades e atitudes que possibilitem o entendimento da realidade de vida e a atuação lúcida e responsável de atores sociais individuais e coletivos no ambiente”. Para este autor, …o conhecimento transmitido e assimilado e aspectos técnicos desenvolvidos fazem parte de um contexto social e político definido. (…) As relações sociais estabelecidas na escola, família, trabalho ou comunidade possibilitam a compreensão crítica e o entendimento da posição e inserção social e a construção da base de respeitabilidade para com o próximo. (LOUREIRO, 2002, p. 71)
Assim, as relações no campo educativo constituem espaços pedagógicos de exercícios de cidadania em uma compreensão política da educação, o que não se pode perder de vista quando da tentativa de implementação de um padrão societário e civilizacional embasado em uma 200
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
nova ética da relação sociedade-natureza. As concepções e práticas estão subordinadas a um contexto histórico condicionador de seu caráter e direção pedagógica e política, pois o processo educativo não é neutro, objetivo, destituído de valores, interesses e ideologias; ao contrário, é uma construção social estratégica. O entendimento supracitado é validado pelas considerações de Neves (2002) quando situa a educação como política social do Estado capitalista, a qual responde especificamente às necessidades de valorização do capital. O ritmo e a direção do desenvolvimento das políticas educacionais em uma dada formação social capitalista se relacionam com os níveis de participação popular alcançados e com o nível de desenvolvimento das forças produtivas e relações de produção. Os sistemas educacionais na atualidade, tanto quantitativa como qualitativamente, têm como determinantes essenciais as novas relações ciência / trabalho e ciência / vida condição esta complexa, real e decisiva, uma vez que Viezzer e Ovalles (1995, apud JESUS & MARTINS, 2002) apontam em suas colocações que os sistemas educativos dos mais variados países têm servido para consolidar modelos baseados no crescimento econômico e em padrões de consumo favoráveis ao aumento das desigualdades sociais e problemas ambientais. A busca pela implantação de políticas que compatibilizem desenvolvimento comercial, manutenção da qualidade ambiental e produtividade dos recursos naturais tem crescido nas últimas décadas o que demanda conhecimento, consciência, valores e atitudes. Assim, a educação para o ambiente deve estar vinculada à educação para a cidadania. A Educação Ambiental tem assim o papel de fomentar a percepção da integração do ser humano com o meio ambiente de forma harmoniosa, consciente do equilíbrio dinâmico da natureza, possibilitando ao cidadão, com o uso de novos conhecimentos, atingir valores e atitudes para o processo de transformação da situação vigente do planeta. Para tanto, deve-se sempre destacar sua natureza interdisciplinar orientada para resolução de problemas locais. O trabalho de Educação Ambiental é de compreensão, A Educação Ambiental no Contexto Piauiense
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sensibilização e ação, para possibilitar o questionamento elaborado de valores, construção do conhecimento e crítica aos valores partindo da realidade, do contexto, uma vez que os padrões dominantes da sociedade contrapõem-se aos alternativos. Assim, a Educação Ambiental surge contrapondo-se à departamentalização da Educação e evidenciando valores de conservação, cooperação, qualidade e associação. Entretanto, em se tratando da normatização que versa sobre a Educação Ambiental, seus objetivos não são mostrados claramente. Sua natureza mostra-se complexa e transformadora da concepção de Educação uma vez que busca, além da utilização racional dos recursos naturais, a participação dos cidadãos nas discussões e decisões em geral. A interdisciplinaridade, à mesma inerente, tem aparecido sob a forma do trabalho de conteúdos desvinculados da realidade do aluno em uma ou duas disciplinas e com metodologias descontextualizadas ou fora das condições estruturais concretas (VIEZZER, 1996, apud JESUS & MARTINS, 2002). Diante deste painel, em suas discussões, esses autores retratam a Educação à luz das transformações ocorridas no mundo, de onde se destaca o seu papel perante a sociedade invariavelmente favorável às classes dominantes e sendo envolvida por questões econômicas, políticas e sociais. Ao mesmo tempo, as envolve e alicerça em um movimento permanente e cíclico. Este movimento não deve ser entendido como algo nocivo. Suas características e fundamentos, porém, têm indicado a necessidade de revisão. As considerações aqui colocadas vêm de diferentes ramos do conhecimento (direito, economia, sociologia, pedagogia, dentre outros), entretanto, apontam para uma mesma constatação, como destacado por Almeida (2002), quando indica que, além de preparar para o trabalho, a escola passa a acumular mais demandas sociais no sentido de busca pela estabilidade das condições de vida e convívio social. A sociedade contemporânea supervalorizou a Escola, deu a esta um lugar de destaque devido ao processo de formação da vida social enquanto, paradoxalmente, está desamparando-a estruturalmente por priorizar os interesses de mercado em relação aos referentes à formação,
ou seja, o ensino-aprendizagem. Aqui aparece a interface com a Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido. Neste sentido, Braga (2004) destaca um acúmulo de experiências político-pedagógicas conduzidas por ONGs atuantes no Semiárido brasileiro. Essas organizações vêm lutando por uma Educação contextualizada no Semiárido Brasileiro pautada na realidade e práticas dos povos sertanejos com metodologias, conteúdos, currículos, didáticas e estruturas que considerem as potencialidades socioculturais, econômicas e ambientais da região. No entanto, não se pode considerar o Semiárido Brasileiro como região homogênea. Dessa forma, a Educação pressupõe três dimensões: a do estar junto construindo a identidade, a do viver comum aceitando os seres vivos como um outro legítimo e a da contestação e luta, indo da dialética da existência à afirmação da diferença (BRAGA, 2004, p. 35).
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A Educação Ambiental no Contexto Piauiense
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
Aspectos normativos da Educação Ambiental no Brasil e no Piauí O processo de estruturação da Educação Ambiental demanda ações que partem dos mais variados segmentos. Diante de tamanha diversidade, a normatização da mesma tornou-se premissa para organização de sua realização. Quando utilizamos aqui o termo “base normativa”, este se refere não só à legislação, mas também às diretrizes gerais ligadas a este processo nas esferas nacional e estadual, elegendo aquelas que, em nosso entendimento, mostram-se mais representativas nos cenários citados tendo em vista que as deliberações e ações neste âmbito, no País, se precedem e se embasam. Podemos dizer que as manifestações em relação ao Meio Ambiente no Brasil ocorrem desde a sua descoberta. A exuberância da natureza já se impôs nos primeiros relatos sobre esta terra, porém, esta mesma condição instigou o seu consumo desmedido por longos cinco séculos. Apesar de haver registros de normatização visando sua proteção desde o século XVI (DIAS, 1998), é apenas no século XX que isto se transportará 203
de maneira mais efetiva às camadas populares e, inclusive, na forma de normatizações dispensadas à Conservação e Educação Ambiental, das quais destacamos, no quadro a seguir, algumas das mais representativas: Quadro 1. Aspectos Normativos Nacionais da Educação Ambiental BASE NORMATIVA
ANO
- Constituição da República Federativa do Brasil(Cap. VI, Art. 225, Inciso VI, § 1º)
1988
- Promoção da Educação Ambiental em todos os níveis de ensino; - Conscientização pública.
1989
- Cria o Fundo Nacional de Meio Ambiente; - Estabelece a Educação Ambiental como prioridade.
- Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA)
1994
- Aprofundamen to e sistematização da Educação Ambiental (sistema escolar como instrumento); - Produção de informação e formação da consciência pública.
- Lei Nº 9.394 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
1996
- Foco da aprendizagem em linguagens, competências e habilidades; - Ensino interdisciplinar.
- Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
1998
- Referências nacionais; - Especificidades regionais; - Temas transversais.
1999
- Princípios básicos: humanista, holístico, democrático e participativo; - Linhas de ação: capacitação de recursos humanos, desenvolvimento de estudos, pesquisas e experimentações; - Produção e divulgação de material educativo, acompanhamento e avaliação.
- Lei Nº 7.797 (Art. 5, Inciso III)
- Lei Nº 9.795 – Política Nacional de Educação Ambiental
- Parâmetros Curriculares Nacionais de Meio Ambiente na Escola
2001
OBJETIVOS
- Capacitação de professores.
O Piauí, enquanto área ecotonal, ou seja, de transição entre ecossistemas e, consequentemente, de grande diversidade e variedade de ambientes (cerrado, matas e semiárido), também tem sofrido com o uso irracional de seus recursos desde os primórdios da ocupação de seu território. Como tal, desperta para a defesa do Meio Ambiente sob as deliberações oriundas das discussões nacionais tomando por referência as normativas nacionais. Conscientizar a população é imprescindível, e a difusão da Educação Ambiental é aqui apoiada pela seguinte base normativa: Quadro 2. Aspectos Normativos Estaduais da Educação Ambiental BASE NORMATIVA
ANO
OBJETIVOS - Estabelece a Política Ambiental do Estado do Piauí;
- Lei Nº 4.854
1996
- Promoção da Educação Ambiental formal e não-formal para atuação da comunidade na defesa do Meio Ambiente. - Plano Estadual deEducação Ambiental;
- Lei Nº 4.940– Lei de Educação Ambiental do estado do Piauí
1997
- Lei Nº 5.101
1999
- Programa Estadual de Educação Ambiental
2000
- Criação da comissão Especial da Educação Ambiental; - Atuação obrigatória da Secretaria Estadual de Educação. - Dispõe sobre o Sistema Educacional do Piauí; - Obrigatoriedade do Ensino do tema Meio Ambiente nas escolas públicas e particulares. - Ações para a sistematização e evolução da Educação Ambiental no Estado; - Criação da Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental
Fonte: Silva, 2004.
Fonte: Silva, 2004. 204
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
A Educação Ambiental no Contexto Piauiense
205
Faz-se importante destacar, dentre as estratégias operacionais oriundas da construção normativa piauiense, a instituição de uma Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental para coordenar o planejamento, acompanhamento e a avaliação das ações de Educação Ambiental; a articulação intra e interinstitucional (parcerias); a descentralização de ações (núcleos ou câmaras setoriais); e a elaboração de planos de trabalho em Educação Ambiental com periodicidade anual. Tal Comissão foi instituída no Estado pelo Decreto Estadual Nº 10.399 (2000) como resposta a uma necessidade de se atender às solicitações do Ministério do Meio Ambiente/MMA, tendo representantes das seguintes instituições: Secretaria Estadual do Meio Ambiente, Secretaria Estadual de Educação e Cultura/SEDUC, Secretaria Estadual de Saúde, Secretaria Estadual de Agricultura, Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Teresina, Universidades Estadual e Federal do Piauí (UESPI e UFPI, respectivamente), Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis/IBAMA, Empresa de Turismo do Piauí, Associação Piauiense de Prefeitos Municipais/APPM, Fundação Rio Parnaíba/ FURPA, Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Piauí/ SEBRAE e Banco do Nordeste/BNB. Este momento representa um marco para a implementação da Educação Ambiental piauiense, porém, percebem-se claramente as limitações de atuação desta comissão diante do cenário político no Estado e ao observarem-se a desarticulação e o paralelismo de ações e eventos de cunho ambiental tanto de natureza formal quanto informal. Ao nos basearmos nas atribuições, modalidades, ações e limitações apresentadas, resumidamente, nos Quadros 3 e 4 , é possível constatar que as estruturas institucionais citadas acabam tendo atribuições bastante semelhantes (apoio, divulgação, articulação e pesquisa de modo geral), porém, algumas peculiaridades devem ser também destacadas.
Quadro 3. Resumo de ações desenvolvidas no Estado do Piauí por Instituições Governamentais e Não Governamentais
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A Educação Ambiental no Contexto Piauiense
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
INSTITUIÇÃO ATRIBUIÇÕES MODALIDADE
AÇÕES
LIMITAÇÕES
Apoio a programas e ações educativas; divulgação; articulação
Formal; Não formal
SEMAR
Pesquisa e fomento à Educação Ambiental em articulação com a SEDUC
Formal; Não formal; Institucional
Coordenar a Comissão Interinstitucional do Conselho de Meio Ambiente.
Recursos financeiros
Centro de Educação Ambiental do Piauí/CEA -PI
Coordenar atividades propostas pelo DMA
Não f ormal
Palestras; cursos; seminários; barco-escola .
Recursos financeiros
FURPA
Promover desenvolviment o econômico, social e cultural em harmonia com o meio ambiente
Não formal
Capacitações; cursos; consultorias; fiscalização.
Recursos financeiros
IBAMA/ Núcleo de Educação Ambiental
Seminários; Palestras; Cursos; Oficinas
Recursos financeiros
Fonte: Adaptado de Silva, 2004.
As ações são caracteristicamente seminários, palestras, cursos, oficinas, realização e participação em eventos, normalmente atrelados a datas comemorativas, ou seja, uma Educação Ambiental formal viabilizada por modalidades educacionais não formais, nas esferas federal, estadual e não governamental.
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Quadro 4. Resumo de ações no ensino estadual do Piauí SECRETARIA ESTADUAL DA EDUCAÇÃO E CULTURA SETOR
ATRIBUIÇÕES
- Propor diretrizes curriculares do Ensino Funda mental Unidade de e Infantil; Ensino Fundamen- - Planejar, tal e Infantil coordenar, orientar e supervisionar a – UEFEI execução da politica estadual da área.
Unidade de Ensino Médio – UEM
- Propor a política de diretrizes do Ensino Médio; - Planejar, coordenar, orientar e supervisionar a execução da política estadual da área; - Articular- se com instituições públicas e privadas.
Gerência de Formação e Aperfeiçoamento de Profissio nais da Educação – GEFAPE
- Estabelecer as diretrizes de formação inicial e continuada para o Estado do Piauí; - Coordenar a execução de todas as ações de formação e aperfeiçoamento dos profissionais da Educação; - Monitorar os programas / projetos de formação e aperfeiçoamento.
AÇÕES
OBJETIVOS
RESUL TA DOS
- PCNs em Ação de Meio Ambiente na Escola; - Protetores da vida.
- Capacita ção; - Formação continuada; - Estabelecimento de uma rede de multiplica dores.
- Participação de cinco técnicos.
- PCNs em Ação de Meio Ambiente na Escola; - Protetores da vida; - Criação de uma Supervisão de Educação Ambiental.
Não desenvolve.
- Capacitação; - Formação continuada; - Absorver a referida demanda no seu segmento.
- Formulação das diretrizes; - Acompanhamento, apoio e par ticipação.
- Participa ção de um técnico; - Participa ção de técnicos; - Participa ção nos eventos referentes à temática.
Não apresenta.
Fonte: Silva, 2004. 208
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
Em nível de sistema, a SEDUC conta com três setores atuando nesta área, com suas atribuições direcionadas à viabilização da educação mediante seus níveis e sob a égide das diretrizes federais, especificamente a LDB e os PCNs. No Piauí, a Educação Ambiental é contemplada com ações federais, tais como o PCN em Ação de Meio Ambiente na Escola – Protetores da Vida, um programa do Ministério do Meio Ambiente (MMA) voltado à sensibilização de atores educacionais do Estado por meio de sua participação em oficinas de trabalho, tendo como resultados a capacitação de técnicos e professores para efeito de uma multiplicação que, não tem se efetivado na prática por falta de materiais e recursos financeiros. Outra forma de atuarem é com a análise de projetos, por meio da recém-criada Supervisão de Educação Ambiental no âmbito da Unidade de Ensino Médio/UEM, sem que isso signifique, necessariamente, sua operacionalização. A Gerência de Formação e Aperfeiçoamento de Profissionais detém em seus objetivos a formulação de diretrizes estaduais de Educação Ambiental, mas ainda não apresenta qualquer movimentação neste sentido. O que é comum a estes setores é a atribuição dos escassos recursos financeiros como a principal dificuldade de implementação de suas ações, o que também se repetirá nas escolas que iniciam ações sob a forma de projetos, os quais permanecem até onde seus idealizadores conseguem mantê-los. Diante disso, as escolas se restringem a realizar ações de Educação Ambiental não formal somente por meio de projetos, mas com recursos próprios, geralmente com caráter efêmero e atreladas a datas comemorativas específicas. Diante do contexto até aqui percorrido, entendemos esta como sendo uma trajetória, no mínimo, dispersa da implementação de Educação Ambiental no Piauí, pois os mecanismos existentes que atuam sobre a mesma, tanto nas modalidades formal e não formal, atuam apenas de maneira bastante superficial, seja em nível federal, estadual e/ou não governamental. Desta forma, tal situação aponta a necessidade da construção de um planejamento de ações articuladas no Estado do Piauí, pautado na A Educação Ambiental no Contexto Piauiense
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capacitação e multiplicação de atores educacionais, além da produção e divulgação de um conhecimento interdisciplinar para a formação de uma consciência ambiental, a qual tem se configurado bastante frágil, e onde os mecanismos normativos apresentem-se consonantes em suas redações e em sua aplicação.
Referências
Considerações finais
BRAGA, Osmar Rufino. Educação e convivência com o semiárido: introdução aos fundamentos do trabalho político-educativo no Semiárido brasileiro. In: KUSTER, Ângela e MATTOS (orgs.). Educação no contexto do semiárido brasileiro. Juazeiro-BA: Konrad Adenauer/ RESAB, 2004. (p. 27-46).
Pelo exposto, as instituições do Piauí responsáveis pela condução do processo de implementação da Educação Ambiental no estado mostram claramente que as ações de natureza formal nessa área são operacionalizadas por meio de práticas de Educação Ambiental não formal conduzidas por alguma instituição governamental ou não. Desta forma, parece-nos óbvio declarar a Educação Ambiental formal como uma ação limitada e pouco eficiente se comparada à Educação Ambiental não formal e/ou informal praticada no Piauí, uma vez que a informalidade admite uma amplitude de aplicação bem maior por atingir, ao mesmo tempo, um público diversificado e não depender, necessariamente, de sequencialidade posterior de ações. Porém, algo imprescindível tem sido esquecido nessa discussão: além do conceito, devemos atentar para a missão inerente a cada uma dessas modalidades, ou seja, a de sensibilização, associada à Educação Ambiental não formal e informal, e a de sistematização, associada à Educação Ambiental formal. Ambas se complementam, já que a segunda oferece subsídios teóricos à realização da primeira, a qual, por sua vez, oferece elementos para a consolidação da segunda, fora do âmbito institucional em que se conforma. Partindo-se das discussões aqui expostas, pretendemos que nossa contribuição se dê no sentido de propor uma reflexão e acompanhamento mais próximos da realidade do desenvolvimento da Educação Ambiental pelas instituições/entidades Governamentais e Não Governamentais piauienses, com maior participação da comunidade, considerando suas experiências, seu contexto. 210
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A RELAÇÃO ENTRE TEXTO E CONTEXTO NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO PARA CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO Conceição de Maria de Sousa e Silva1 João Paulo de Oliveira e Silva2 Introdução O presente artigo encontra-se estruturado em duas partes: na primeira, faremos uma exposição genérica sobre a concepção de Educação Contextualizada, apresentando o itinerário do seu surgimento e os fundamentos teórico-metodológicos que embasam esta concepção, destacando o pensamento de autores, como Paulo Freire, que deram suas contribuições em vista de uma abordagem educativa e libertadora. Na segunda parte, retrataremos algumas experiências vivenciadas por professores e instituições de ensino através da realização de oficinas pedagógicas, com a introdução de conteúdos sobre a região semiárida no currículo das escolas do Semiárido piauiense, produção e utilização de materiais didático-pedagógicos com a abordagem do conhecimento a partir da realidade local, envolvendo alunos e professores. Contextualizando a educação no semiárido A contextualização da educação é componente fundamental para a compreensão dos educadores sobre os processos de produção de
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Professora de História e Sociologia, Coordenadora de Educação Para Convivência com o Semiárido e membro da Executiva da RESAB. E-mail: <ceicaorquidea@hotmail.com>. 2 Professor da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Campus de São Raimundo Nonato, membro da RESAB. E-mail: <joao.paulo10@yahoo.com.br>.
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saberes elaborados pelos alunos. É função primordial da escola propiciar que os mesmos se desenvolvam dentro de uma visão humanística e cidadã, que os tornem protagonistas e produtores de conhecimentos. O processo educacional torna-se desafiador quando se fala em educar na contemporaneidade, visto que é preciso trabalhar a educação de maneira diferenciada e que atenda as diversidades presentes no campo social e no cotidiano da escola. Transformar o contexto em um elemento desencadeador da aprendizagem e do entendimento da complexidade humana é função da Educação Contextualizada. Educação e conhecimento fazem parte do mesmo processo de ensino-aprendizagem. Ambas as dimensões devem estar interrelacionadas e atentas aos acontecimentos do mundo e aos desafios que o mesmo apresenta; devem dar respostas aos fatos que acontecem dentro e fora dos muros da escola. Questões ligadas à justiça social, aos direitos fundamentais da pessoa humana, à diversidade étnico-cultural, aos direitos da infância e da juventude, à produção sustentável e os cuidados com o planeta devem perpassar o currículo das escolas. Os temas transversais, mesmo que despercebidos dos alunos e professores, fazem parte do seu cotidiano, por isso a escola não pode isentar-se do debate, devendo inserir-se nessas temáticas. O processo educacional, seja ele formal ou informal, tem de levar em conta o fazer a história, o cotidiano das pessoas envolvidas nesse processo; deve enraizar-se na vida das pessoas, conhecendo o seu contexto. Dessa forma, a exigência que se apresenta é que toda educação tenha como pré-requisito a contextualização da vida, dos sentimentos, das emoções e do fazer histórico das pessoas. Entendemos a educação como componente indispensável para o desenvolvimento integral de um povo, de uma nação e para o desenvolvimento de uma região. Reconhecemos a existência de uma dívida social histórica com a região semiárida brasileira, sob vários aspectos, remontando aos tempos de colônia e império, perpassando para a nossa atual república. Essa dívida diz respeito à ausência de serviços públicos que não foram ofertados nas áreas de saúde, transporte, produção e, sobretudo, na educação. Como
consequência, herdamos um modelo educacional, no aspecto geral, de má qualidade, conforme evidenciado pelos baixos indicadores do IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Sabemos, no entanto, que o Semiárido brasileiro é uma região riquíssima em potenciais naturais e humanos e que tem uma grande sede de desenvolvimento e uma forte vontade de reescrever sua história de forma sustentável. Contudo, necessita de investimentos em políticas públicas, incentivos para a produção e políticas interventivas que integrem o desenvolvimento com a sustentabilidade da vida nessa região. Infelizmente, o que ainda temos visto, ao longo dos anos, é o predomínio de um modelo de educação quantitativa em detrimento de uma educação que preze pela qualidade. Percebe-se que ainda predomina uma educação deslocada das vivências das pessoas, da diversidade cultural própria do nosso imenso país. O Estado tem o papel constitucional de implementar políticas eficazes de educação para zerar um déficit histórico de negação de direitos às populações que residem na região semiárida e no campo. Muitos programas educacionais foram criados pelos governos, ao longo dos anos, sem ao menos observar as necessidades básicas dos alunos, sem critérios e sem bases sólidas, com a justificativa de evitar a evasão e a repetência dos mesmos. Muitos desses programas, por desconhecerem a realidade do educando e por seu teor assistencialista, principalmente no que se refere à população do campo, com dificuldade de acesso à escola, faliram logo no seu nascedouro. Nesse contexto, a Educação Contextualizada surge como uma proposta metodológica para os educadores avançarem na busca da promoção da vida na região e por uma educação em que a cultura seja um instrumento primordial no processo educacional para se entender as relações entre as pessoas. A Educação para Convivência com o Semiárido Brasileiro, foco e razão da apresentação deste artigo, é uma proposta que deseja conduzir para os processos formais e informais uma prática educativa fecunda, valorizando os costumes, as ideias e sentimentos, embasados na realidade
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A Relação entre Texto e Contexto na Perspectiva da Educação para Convivência com o Semiárido 217
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
do educando, objetivados por meio da pluralidade e das manifestações culturais que constituem a essência do povo do semiárido. Apresenta-se, no contexto de uma nova abordagem educacional, inserida numa pedagogia participativa e interrelacional, a ser trabalhada pelos educadores, que ultrapassa as fronteiras da escola. O sistema educacional tem de operar mudanças na forma de se conceber a educação, apresentando respostas efetivas relacionadas às exigências que o contexto atual apresenta. Fundamentos da Educação Contextualizada A Educação Contextualizada surge em um ambiente fértil de reflexões sobre o papel da escola e a falência dos métodos aplicados pelo sistema educacional tradicional. A Escola é vista, muitas vezes, apenas como reprodutora do conhecimento formal e previamente elaborado, como laboratório para, tão somente, classificar e promover os alunos sem, contudo, levar em consideração o seu aprendizado. Para se contrapor a essa concepção, a Educação Contextualizada emerge como uma porta aberta, para o advento da utopia, passando desta para a transformação efetiva da realidade do educando. “A Educação Contextualizada opta por partir dos contextos, como universos de sentido, para tematizá-los e reconstruí-los dentro do processo educacional” (MARTINS, 2009). As contribuições de estudiosos e especialistas da educação, como Paulo Freire, Demerval Saviani, Morin, Miguel Arroyo, dentre outros, foram fundamentais para o surgimento de uma nova concepção de educação, a partir de um paradigma de valorização daqueles que sempre estiveram à margem do conhecimento formal hegemônico. O pensamento de Paulo Freire tem por base a pedagogia críticoeducativa, tendo, como eixo principal, o homem como sujeito inacabado e produtor de conhecimento. Sua pedagogia se expressa numa concepção de educação militante, na qual os setores populares e os marginalizados da sociedade capitalista são postos numa perspectiva de protagonistas de 218
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uma educação libertadora. Essa prática, crítico-libertadora, tem servido como importante instrumento de emancipação humana diante da opressão, pois ela aponta para a intervenção prática no ambiente do cotidiano escolar de cada educando. Segundo Freire (1987), a escola tem de abrir-se às novas concepções de educação. Não há mais lugar para as formas tradicionais, onde o professor é o depositante do saber e os alunos, os depositários. A visão de uma educação bancária, centralizada na pessoa do educador, não tem mais sentido de ser; esta deve dar lugar a uma educação participativa e libertadora. A proposta educacional de Paulo Freire considera as experiências que cada educando traz de seu ambiente extra-escolar utilizando-a, dessa forma, para a elaboração e reelaboração de novos saberes. Provoca uma mudança na forma de conceber a educação e na relação professor/aluno. A concretização dessa nova abordagem educacional tem exigido dos profissionais da educação uma mudança de postura e um maior comprometimento no processo educacional, levando-os à intervenção efetiva no ambiente escolar e no mundo em que vivemos. Neste sentido, é a partir dessa concepção que a Educação para a Convivência emerge como uma porta aberta, para o advento da utopia, passando desta para a transformação da realidade educacional. Hoje, as grandes transformações ocorridas no cenário das políticas educacionais são frutos dessas contribuições, que levam, inevitavelmente, a uma mudança de perfil de “uma escola que temos para a escola que queremos”. A escola, como instituição social, deve se transformar num ambiente de produção e socialização de saberes; deve ser um espaço prazeroso de ações pedagógicas significativas, adequando-se, dessa forma, às novas demandas que a sociedade apresenta. O educador faz “depósito” de conteúdos que devem ser arquivados pelos educandos. Desta maneira, a educação se torna tão somente um ato de “depositar” em que os educandos são os depositários e o educador, o depositante. Nessa visão, o educador será tanto melhor educador quanto mais conseguir
A Relação entre Texto e Contexto na Perspectiva da Educação para Convivência com o Semiárido 219
“depositar’ nos educandos(. Os educandos, por sua vez, serão tanto melhores educados quanto mais conseguirem arquivar os depósitos feitos (FREIRE, 1987, p.66).
Entoando com o pensamento de Paulo Freire, Josemar da Silva Martins (Pinzoh), no livro Educação para Convivência com o Semiárido: Reflexões Teórico-Práticas, apresentou um texto, intitulado Anotações em torno do conceito de Educação para a Convivência com o Semiárido, no qual reafirma a importância da contextualização da educação feita pela escola, como condição para a construção de novos conhecimentos, a partir da realidade mais próxima do aluno – “O chão da Escola” – como instrumento de transformação, onde chama a atenção para o significado da prática pedagógica contextualizada, no caso, do semiárido, advertindo para a problematização do semiárido brasileiro, no sentido de se estabelecerem formas de convivência com a região, na produção de sua existência concreta. A Escola, em sua função primordial de socialização e ressocialização, deve descer ao nível mais próximo das pessoas, pensando e valorizando a produção de conhecimentos e dos saberes locais. Assim, estará contribuindo com o desenvolvimento da Educação Contextualizada, podendo conviver com a nossa cultura, nossas tradições, nosso clima e nossas potencialidades econômicas e culturais. Ainda segundo Martins, a escola vem sendo transformada, e os melhores exemplos de sua transformação são as experiências cujos itinerários pedagógicos encaram a realidade local como foco das tematizações e que transitam entre a escola e seu entorno (seu contexto), permitindo que novos conhecimentos sejam viabilizados a partir da escola. Construir uma educação contextualizada que possibilite ao educando ver, nos textos que estuda, o seu próprio contexto, diante de uma realidade na qual a educação ainda não é o foco central das políticas públicas governamentais, não é fácil. Lutar contra uma cultura secular da não leitura que perdura no Brasil é, sem sombra de dúvidas, o maior desafio para construirmos, neste País, uma educação comprometida.
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Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
Todavia, não podemos perder de vista o nosso objetivo de construir um país melhor, tendo como base uma educação vivenciada no contexto histórico do aluno. Embora as organizações da sociedade civil do país venham, há algum tempo, discutindo um processo educacional no qual o aluno se encontre no centro desse processo, ainda é muito tímida a participação do poder público nessa discussão. Mesmo reconhecendo que os governos venham demonstrando compromisso com essa prática educativa, com o investimento maior no setor da educação por meio de iniciativas socais e educativas, há muito ainda que se conquistar; afinal, não é tarefa fácil o educando e o professor transportarem para sua vida prática os conteúdos trabalhados nos livros. Criar condições para que o aluno possa fazer uma leitura crítica dos conteúdos expostos nos livros – a maioria dos quais, vale ressaltar, focada numa visão de mundo descontextualizada, onde os elementos descritos não condizem com sua realidade – é um grande desafio, considerando, ainda, que os materiais pedagógicos utilizados e discutidos em sala de aula levam os alunos a terem conhecimento de sua realidade a partir de uma visão distorcida – exógena, discriminatória, preconceituosa, distante e dissociada da sua vida concreta. Devemos considerar, não obstante, a participação qualificada dos educadores para a consecução deste projeto. Para isto, torna-se fundamental o investimento na formação inicial e continuada dos professores garantida pelos sistemas, como incentivo à melhoria do processo educativo, possibilitando assim que estes possam desenvolver as suas habilidades no desempenho diário em sala de aula, munindo-se de instrumentais apropriados para que o ensino-aprendizagem entre os alunos, de fato, aconteça. Para isso, é condição sine qua non a mudança no currículo das escolas, maior investimento na formação dos professores, introdução de práticas democráticas na gestão educacional e a produção de materiais pedagógicos apropriados à região, na busca da coexistência das discussões éticas e educacionais para a totalidade da existência no despertar de uma consciência de cidadania universal. Para que isto aconteça de fato, não podemos deixar de lutar contra A Relação entre Texto e Contexto na Perspectiva da Educação para Convivência com o Semiárido 221
os filhos da tradição3 que continuam querendo o povo sem seus direitos reconhecidos, não investindo na educação o necessário para o Brasil progredir de forma sustentável e para todos. Precisamos criar e aprovar leis que garantam um melhor investimento na educação e um envolvimento maior por parte de pessoas que ainda sabem sonhar e sabem lutar. Construir uma sociedade justa e igualitária passa primeiramente pela construção de conhecimentos da realidade política, religiosa, econômica, social e cultural. Sem ter esses conhecimentos como base para a educação, é praticamente impossível transformar o meio em que se vive. Experiências de Educação para Convivência com o Semiárido desenvolvidas no Piauí É preciso considerar os passos que estão sendo traçados em nível de Estado, em vista de uma educação contextualizada, especificamente para o Semiárido piauiense. A criação de estruturas como a Coordenadoria de Convivência com o Semiárido, no âmbito do Governo do Estado, e da Coordenação de Educação para Convivência com o Semiárido, vinculada à Secretaria de Educação, aliadas a parcerias com poderes públicos municipais e organizações não governamentais, tem contribuído para a introdução de novas práticas educacionais nas escolas da região. Sabemos, porém, que precisamos desencadear um processo que leve, de fato, à transformação da realidade educacional no Semiárido, propiciando, dessa forma, melhoria na qualidade de vida das pessoas. Assim como aconteceu na Bahia e em outros estados, no Piauí as primeiras experiências de convivência com o semiárido surgem como forma de desafiar os governos e outras instituições a não apenas se envolverem, mas se comprometerem com o projeto de uma educação voltada para a realidade concreta dos alunos, numa interrelação construída entre a escola 3
A expressão os filhos da tradição deve ser entendida como referência aos que detêm o poder, a oligarquia.
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e a identidade dos alunos, evidenciando a necessidade da valorização do local, sem, contudo, desconsiderar o saber universal. Os debates e as discussões sobre Educação para a Convivência com o Semiárido no Piauí tomaram força a partir do envolvimento de entidades da sociedade civil que começaram a vivenciar um intenso processo de mobilização, especificamente, no final da década de 90, mediante formulação de propostas e exigências de implementação de políticas públicas educacionais e contextualizadas por parte dos órgãos governamentais. No ano de 1998, em Juazeiro da Bahia, reuniram-se diversas instituições num Simpósio intitulado Escola e Convivência com a Seca, apoiado pelo Projeto Nordeste, UNDIME e UNICEF. Dois anos depois, também em Juazeiro (BA), foi realizado o primeiro seminário de educação no contexto do Semiárido brasileiro. Desse seminário resultou uma carta de compromisso, visando à ampliação das discussões e das formas de ação e estratégias conjuntas e articuladas, com o propósito de implementar políticas públicas educacionais e pela qualidade do ensino e dos sistemas educacionais do Semiárido brasileiro. A partir daí, os estados da região começaram a se mobilizar para garantir que os termos dessa carta de compromisso fossem assumidos de fato pelos governos. O surgimento da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB) se deu neste contexto; nasceu como resultado desta conjuntura de discussões e da necessidade de implementação de uma educação comprometida com a vida das populações do semiárido. A RESAB, por meio de seus membros, nas suas instituições, tem contribuído eficazmente na formulação de propostas e na elaboração de materiais pedagógicos apropriados à região. As primeiras experiências de Educação Contextualizada no Piauí tiveram início com o trabalho desenvolvido pela Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), constituída por instituições do poder público e da sociedade civil, por meio da implementação de ações efetivas de convivência propostas pela Cáritas Regional, com a participação e contribuição de instituições como o Instituto Regional da Pequena A Relação entre Texto e Contexto na Perspectiva da Educação para Convivência com o Semiárido 223
Agropecuária Apropriada (IRPAA) e da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB). No município piauiense de Coronel José Dias, foi implementado o Projeto Fecundação, que tem suas bases fincadas na consecução de projetos de convivência com o Semiárido e na formação de professores, na perspectiva de implantação da Educação Contextualizada nas escolas do Semiárido. Coronel José Dias, localizado no extremo sul do Piauí, no Território Serra da Capivara4, em pleno sertão, é a porta de entrada para a Serra da Capivara, local onde foram encontrados registros históricos dos primeiros habitantes da região. A exemplo de Canudos, Curaçá e Uauá na Bahia, este município introduzira uma nova prática educacional e se tornou referência para o Estado na elaboração e implementação de políticas públicas apropriadas e de convivência com o Semiárido. Houve, inicialmente, um processo de mobilização e sensibilização da população do município, envolvendo diretamente a gestão municipal, a escola e a comunidade. Logo em seguida, realização de oficinas pedagógicas, com o objetivo de capacitar os professores, para que estes introduzissem os conteúdos sobre o Semiárido nas aulas e nos currículos das escolas municipais, e elaboração do Plano Municipal de Educação. Constatam-se ainda em outros municípios do Piauí vários projetos implementados na perspectiva de uma educação na qual texto e contexto estão interligados, tais como: o Projeto Baú de Leituras, biblioteca itinerante que leva conhecimento às crianças do Semiárido, e a experiência das EFA´s (Escolas Famílias Agrícolas), na região de Oeiras e Pedro II, que preparam alunos para compreenderem e conviverem com os problemas e as adversidades próprias da região.
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Os Territórios do Desenvolvimento constituem as unidades de planejamento da ação governamental, visando à promoção do desenvolvimento sustentável no Estado. O Piauí foi dividido em 11 Territórios. A Serra da Capivara abrange 18 municípios: São Raimundo Nonato, Campo Alegre do Fidalgo, São João do Piauí, João Costa, Coronel José Dias, Dom Inocêncio, São Lourenço do Piauí, Dirceu Arcoverde, Capitão Gervásio Oliveira, Lagoa do Barro, Fartura do Piauí, Várzea Branca, Bonfim do Piauí, São Braz do Piauí, Anísio de Abreu, Jurema, Caracol e Guaribas.
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A atuação do Centro Educacional São Francisco de Assis (CEFAS) e das Escolas Famílias Agrícolas (EFA´s), pioneiras nessa pedagogia da alternância, tem estimulado os jovens estudantes a se envolverem cada vez mais no conhecimento do seu ambiente e na utilização de práticas educativas e produtivas adaptadas ao ambiente Semiárido, trazendo viabilidade desenvolvimentista de forma sustentável para a região. Projetos de pequeno porte, porém significativos, têm sido desenvolvidos nessa região por instituições que pensam o desenvolvimento, mas de forma sustentável, sem criar impactos negativos para as pessoas que moram nesse espaço geográfico. A Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato, em parceria com o Projeto Dom Helder Câmara, tem desenvolvido, em algumas comunidades, o Projeto Cidadania no Mundo das Letras, que, a partir da formação de professores, procura inserir no currículo escolar a Educação Contextualizada. O mesmo está acontecendo na comunidade Quilombola Lagoa das Emas e no Assentamento Novo Zabelê. O Projeto Cidadania no Mundo das Letras trabalha diretamente com as crianças e procura situá-las, de forma dinâmica e lúdica, no próprio contexto onde elas estão inseridas. No ano de 2009, o projeto já se dirigiu a outras comunidades, no intuito de levar a proposta de uma educação cidadã às demais escolas do município de São Raimundo Nonato. Embora ainda seja pequeno o seu foco de atuação, já é um indicativo de luzes para posteriores ações na perspectiva da Educação Contextualizada. Uma experiência singular, que tem sido foco de interesse dos poderes públicos e das instituições da sociedade civil, tem sido a produção de materiais didáticos voltados para a realidade do Semiárido; e, aqui, vale destacar, dentre várias publicações, a produção e adoção do livro: O Semiárido Piauiense: Vamos conhecê-lo?5. Trata-se de uma “produção
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O livro O Semiárido Piauiense: Vamos conhecê-lo? foi produzido em Teresina (20062007) por Iracilde M. de Moura Fé Lima e Irlane Gonçalves de Abreu, que contaram com a contribuição de várias instituições de governo e não governamentais (Governo do Estado do Piauí: Programa Semiárido, Secretaria de Educação e Cultura, Secretaria de Meio
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tecida por várias mãos”, com a participação de professores especialistas e comunidades, que vem sendo utilizado como instrumento pedagógico e de pesquisa nas escolas do Semiárido do Estado. Outro ponto que converge para a incorporação da Educação Contextualizada em nossas escolas é a promoção e realização de oficinas de formação de professores organizadas por instituições da sociedade civil (CÁRITAS, Escola de Formação Paulo de Tarso, COOTAPI, Fundação Dom Edilberto) e pelo Governo do Estado, por meio da Secretaria de Educação e Cultura e Coordenadoria do Semiárido, cujos conteúdos versam em torno dos conhecimentos históricos, culturais e climáticos do Semiárido e de conhecimento de tecnologias apropriadas à região. A experiência das oficinas de formação para professores, amplamente discutidas, em princípio teve como foco os dez municípios do Projeto Viva o Semiárido, escolhidos pelo governo do Estado para realização de experiências pilotos de políticas de convivência com o Semiárido. Atualmente, este trabalho ampliou-se para mais de 60 municípios da região. No Estado do Piauí, implementou-se, em 2009, por meio de ação da RESAB com a Universidade Estadual do Piauí (UESPI), o primeiro curso de especialização sobre Educação para Convivência com o Semiárido, contando com a participação de professores, representantes da sociedade civil e do poder público, com intuito de preparar professores para atuação efetiva nas escolas. A Secretaria Estadual de Educação do Piauí, numa parceria com o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Fundação Dom Edilberto Dinkelborg (FUNDED), EMBRAPA e Serviço de Cooperação Técnica Alemão – Deustsche Gesellschaftfur Tecchnische Zusammenarbeit (GTZ)
Ambiente, Secretaria de Desenvolvimento Rural e Fundação Cultural do Estado; Universidade Federal do Piauí, Instituto Nacional do Semiárido, Rede de Educação do Semiárido Brasileiro, COOTAPI e Associados, Escola de Formação Paulo de Tarso, CENPEC, UNICEF, Projeto Dom Helder Câmara, Instituto da Pequena Agropecuária Apropriada. 226
Semiárido Piauiense: Educação e Contexto
e Deutsche Entwicklungsdienst (DED), com aporte de recursos do Ministério do Meio Ambiente, implementou um trabalho de formação, associando educação com produção apropriada e segurança alimentar em 47 municípios e em 94 escolas do Território Vale do Rio Guaribas e Serra da Capivara, com a implantação do Sistema Pais (hortas escolares), envolvendo também o poder público municipal, escolas e sociedade civil. Uma luta histórica que se tem travado em comunidades piauienses, em geral, é difundir a importância do processo organizativo nessas comunidades, enfatizando, com isso, que somente através do trabalho em conjunto é que o sertanejo será capaz de superar as dificuldades econômicas e sociais, visando a uma melhor qualidade de vida para as famílias do campo. Os projetos produtivos têm ajudado muito algumas famílias a saírem de uma situação de pobreza e miséria, para terem uma melhor qualidade de vida. Mas, a educação ainda é um grande entrave para essas famílias, pois recebem os projetos produtivos, cursos de artes manuais com possibilidades de melhorar a renda familiar, mas a maioria não consegue levar em frente a produção e a comercialização devido à falta de escolarização. A ausência de uma Educação Contextualizada faz com que as pessoas não se reconheçam dentro do seu ambiente. Assim, muitas vezes, se acomodam esperando ajudas externas. Muitos acham que as causas da pobreza são da vontade divina e, sendo assim, devem aceitar seu destino, criando, com isso, um verdadeiro problema de geração, pois não conseguem associar que o drama da pobreza e da miséria é fruto da apropriação indevida dos bens da natureza por parte de poucos, de grupos oligárquicos que sempre ditaram as regras e as leis deste País ao longo de sua história. A educação oferecida para as populações do Semiárido ainda tem sido de baixa qualidade, impedindo-as de saírem da sua condição de dependência histórica e de buscarem a conquista de novos espaços na sociedade. Uma educação que ainda hoje se propõe a ensinar a ler, mas não ensina a fazer a leitura de mundo, não desenvolve o senso crítico das A Relação entre Texto e Contexto na Perspectiva da Educação para Convivência com o Semiárido 227
REDE DE EDUCAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO: CONTEXTO E ORGANIZAÇÃO
pessoas, não ensina a pensar; muito menos leva os cidadãos e cidadãs a conhecerem os seus direitos para, assim, transformarem a sua realidade, o mundo em que vivem. Este é um grande desafio a ser enfrentado.
Adelson Dias de Oliveira 1
Referências FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. MARTINS, Josemar da Silva Martins. Anotações em torno do conceito de educação para convivência com o semiárido. In: Caderno multidisciplinar: Educação para a convivência com o Semiárido: reflexões teórico-práticas. Juazeiro/BA: RESAB, 2004, p. 29-52. MARTINS, Josemar da Silva Martins. Contextualizando o contexto. In: Cadernos multidisciplinares – Educação e contexto do Semiárido Brasileiro, ano 04, Nº 04, junho de 2009. RESAB, Secretaria Executiva da. Educação para a convivência com o semiárido: reflexões teórico-práticas. Juazeiro/BA: RESAB, 2004.
A construção do trabalho em rede perpassa por articulações diversas de situações e organizações em torno de objetivos comuns. A perspectiva da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB) é de ser um espaço de reunião e integração de educadores e educadoras de organizações governamentais e não governamentais que atuam na região semiárida brasileira, para fins de articulação política regional da sociedade civil organizada em torno de questões de natureza educacional. O propósito central é formar um grupo articulado que pensa e elabora estratégias que estejam voltadas para a melhoria da qualidade da educação na região, com a inserção de todos, indistintamente. A RESAB está organizada em torno de experiências voltadas para mudanças teóricas e metodológicas de inferências diretas em propostas curriculares e pedagógicas desenvolvidas pelas instituições com a qual estejam envolvidas. A Rede não constitui pessoa jurídica – é um espaço de articulação de atores sociais e institucionais –, razão pela qual contribui para a construção coletiva de proposições e provocações validadas pela prática dos que compõem seu coletivo. Esta organização permite que a escola do Semiárido brasileiro possa vincular ao seu cotidiano elementos voltados a formas de vida e a problemáticas existentes no espaço em discussão. Dessa forma, é possível potencializar as diversas características inerentes ao local, na perspectiva de construir um conhecimento fundamentado em eixos presentes no cotidiano dos envolvidos no processo
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Pedagogo pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) – CE. Pós-graduando em Educação, Cultura e Contextualidade pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Email: <adelsonjovem@gmail.com>.
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de aprendizagem e ensino, tanto no campo quanto na cidade, ou seja, uma educação voltada para o contexto onde está inserida. Impulsionada a ser constituída em 1998 por instituições que desenvolvem ações educacionais nessa perspectiva, reunidas no Simpósio Escola e Convivência com a Seca, realizado na cidade de Juazeiro/BA, e, posteriormente, de 04 a 06 de setembro do ano 2000, no Seminário de Educação no contexto do Semiárido brasileiro, realizado no Centro de Cultura João Gilberto, também em Juazeiro, a RESAB então começa a tomar corpo e, a partir daí, seguem acontecendo reuniões interinstitucionais – locais, estaduais e regionais – que ajudam a construir e consolidar um sólido espaço de debates, de maneira coletiva e articulada. Em consequência, realizam-se construções e apresentam-se recomendações pedagógico-metodológicas voltadas para discussões com ênfase em Educação para a Convivência com o Semiárido Brasileiro, bem como para a implementação de ações daí decorrentes. Na construção em Rede e como forma de organização regional, agregam-se forças para, de fato, instituir corpo às proposições, os estados da Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Maranhão, Minas Gerais, Espírito Santo, Sergipe e Piauí. A organização e funcionalidade da RESAB passam pela composição de um Grupo Executivo2 em nível regional, com representatividade nacional, e de grupos executivos nos estados componentes da Rede. Ainda em termos de organização para praticidade, melhor aplicabilidade e monitoramento das proposições e direcionamentos pedagógicos, são constituídos grupos gestores e grupos de formadores em cada instância estadual. Mesmo sendo um corpo único, cada estado tem autonomia na sua organização e atuação, seguindo a lógica comum definida a partir de diretrizes gerais.
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A articulação da RESAB atuante no Estado do Piauí, denominada RESAB/PI, seguindo a lógica construída em todo o processo coletivo desenvolvido ao longo dos últimos anos, vem propondo momentos formativos para os educadores de municípios do Semiárido piauiense, com especificidade para os que estão voltados para as regiões Sul e Sudeste do Estado. Como ação mais recente, está desenvolvendo processo de formação para educadores em nível de pós-graduação, com o intuito de formar pesquisadores e multiplicadores em Educação para a Convivência com o Semiárido, em parceria com organismos públicos (Prefeituras Municipais, Secretaria de Educação Estadual, Universidade Estadual do Piauí) e organizações não governamentais (Cáritas Brasileira – Regional PI e Diocesana de São Raimundo Nonato, FUNCED, SEMEAR, COOTAPI, entre outras). O propósito é adentrar os mais variados espaços formativos, a começar pelo ambiente de formação em nível superior, proporcionando, assim, maior qualidade ao ensino básico da região. A realização dessas ações conduz-nos à proposição de políticas públicas que garantam continuidade e qualidade ao ensino, na dimensão de sua contextualização. Desta forma, a RESAB/PI está propondo uma nova forma de educar, discutida em conjunto com a sociedade civil organizada, na perspectiva de uma nova intencionalidade, com projetos políticopedagógicos, no geral, e componentes curriculares, em particular, que, de fato, confiram significado e relevância à aprendizagem dos alunos e alunas do Semiárido brasileiro, com o recorte específico para o Piauí, e, a partir daí, possibilitar-lhes conhecer os diversos ambientes em que estão inseridos, com visão crítica e reflexiva, ampliando-se-lhes as oportunidades para contribuirem com o desenvolvimento sustentável da região.
O Grupo Executivo tem periodicidade de encontros e reuniões tanto em nível nacional quanto estadual. As reuniões são organizadas a partir de um encontro nacional e encontros do Grupo Executivo a cada dois meses e de um encontro em nível estadual. No Piauí, os encontros bimestrais vêm acontecendo de forma descentralizada, um em cada região do Semiárido piauiense, dentre as que compõem a Rede no Estado.
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SOBRE OS AUTORES Adelson Dias de Oliveira Licenciado em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (2005) e Especialista em Educação, Cultura e Contextualidade pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Enquanto pesquisador, tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Popular, Educação Contextualizada e do Campo, Juventudes e Identidades (recorte para Juventude Rural). E-mail: <adelsonjovem@gmail.com>. Conceição de Maria de Sousa e Silva Licenciada em História e Bacharel em Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), professora das redes pública e privada do Piauí. Membro do Conselho Editorial do Instituto Nacional do Semiárido (INSA) para publicações sobre Educação Contextualizada e da Secretaria Executiva da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB) e coordenadora de Educação para Convivência com o Semiárido, da Secretaria de Educação do Estado do Piauí. E-mail: <ceicaorquidea@hotmail.com>. Edmerson dos Santos Reis Graduado em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Juazeiro, Mestre em Educação pela Université du Québec à Chicoutimi (Canadá) e Doutor em Educação pela UFBA. Membro da Secretaria Executiva da RESAB. Professor Assistente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e coordenador do Conselho Editorial do Caderno Multidisciplinar - Educação e Contexto do Semiárido Brasileiro. Desenvolve estudos na área de Educação, Desenvolvimento Sustentável, Educação do Campo, Formação de Professores, Convivência com o Semiárido e Reorientação Curricular. E-mail: <edmerson@uol.com.br>. 232
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Elmo de Souza Lima
José Moacir dos Santos
Licenciado em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia, Especialista em Docência do Ensino Superior e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). É professor da UFPI e desenvolve estudos no campo da Formação Continuada, Educação do Campo e Educação Contextualizada no Semiárido. Além disso, promove discussões na área de Currículo, Diversidade Cultural e Multiculturalismo. E-mail: <elmolima@gmail.com>.
É técnico agrícola e graduando em Pedagogia, com várias experiências na área da Formação de Agricultores Familiares e Professores da Educação Básica, com ênfase na Convivência com o Semiárido e no estudo das Características Sócio-históricas do Semiárido. Atualmente, exerce o cargo de Diretor do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA). E-mail: <moacir@irpaa.org>. Maria Tereza de Alencar
João Paulo de Oliveira e Silva Bacharel em Filosofia pelo Seminário Maior de Teresina, Graduado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras na Paraíba, cursando a Especialização de Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido pela UESPI no Campus de São Raimundo Nonato-PI. Desenvolve trabalhos de organização, gestão, elaboração de projetos e implantação, discussão de Políticas Públicas e Cidadania e Educação Contextualizada. Professor da UESPI - Campus de São Raimundo Nonato e Membro da RESAB-PI. E-mail: <joao.paulo10@yahoo.com.br>.
Especialista em Geografia Humana pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), Mestre em Ciências da Educação pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e Doutora em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). É Professora Assistente dos cursos de Geografia da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e da UEMA. É também coordenadora do Núcleo de Estudos, Projetos e Pesquisas sobre o Semiárido Piauiense (NUEPPS) e atua nas linhas de pesquisa: Políticas Públicas, Semiárido, Espaço Rural e Urbano. E-mail: <mtalencar@hotmail.com>.
Josemar da Silva Martins (Pinzoh) Graduado em Pedagogia, com habilitação em Educação de Adultos, pela UNEB (FFCLJ), Especialista em Gestão de Sistemas Educacionais pela PUC-MG, Mestre em Educação pela Université du Québec à Chicoutimi (Canadá), Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da UFBA e Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Seus estudos e pesquisas localizam-se na interconexão entre Educação, Comunicação e Cultura. De modo mais específico, atua em Educação do Campo e Educação Contextualizada e atualmente coordena, em Juazeiro/BA, a pesquisa “Laboratório de Práticas Pedagógicas na Educação Básica”. E-mail: <pinzoh@uol.com.br>.
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Roberto Marinho Alves da Silva Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente, exerce o cargo de Diretor do Departamento de Estudos e Divulgação da Secretaria Nacional de Economia Solidária no Ministério do Trabalho e Emprego. Desenvolve estudos e pesquisas sobre o Desenvolvimento e Sustentabilidade no Semiárido Brasileiro. E-mail: <rmas2007@gmail.com>.
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Waldirene Alves Lopes da Silva Graduada em Geografia pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Especialista em Ciências Ambientais e Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Atuou como técnica na Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí, além de prestar consultorias na área de Meio Ambiente em projetos de Educação Ambiental. Atualmente, é professora lotada no curso de Geografia da UESPI, Campus de São Raimundo Nonato-Piauí. E-mail: <cosmografiaw@hotmail.com>.
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