A preguiça começa a ser entendida

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• Novidades na área de pesquisa, ciência e tecnologia • Entrevista com pesquisadores, fatos científicos da semana • Notas sobre estudos recentes e o quadro Memória, relembrando momentos históricos da ciência • E o que não poderia faltar: sua participação na seção Pesquisa Responde, por meio do site www.radioeldoradoam.com.br

Apresentação Tatiana Ferraz Comentários Mariluce Moura Diretora de redação de Pesquisa

FAPESP

Sábados, às 12h30 Reprise aos sábados às 19h30 e aos domingos às 2oh30

PeiqeT~nüisa FAPESP

L.IDERANDO TENctNCIAS


A IMAGEM

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ENFIM, O VERÃO As águas do estreito de McMurdo, na Antártida, permaneceram congeladas por mais tempo nesse verão, graças a um gigantesco iceberg de 3 mil quilômetros quadrados que bloqueou ventos e correntes e evitou o derretimento. Só em janeiro, com dois meses de atraso, o calor venceu e a crosta começou a quebrar. No detalhe da foto, ainda se vê o iceberg diante do gelo em pedaços.

PESQUISA FAPESP 108 • FEVEREIRO DE 2005 • 3


Peiq,r,cniiisa

www.revistapesquisa.fapesp.br

FAPESP

10

ENTREVISTA Diógenes de Almeida Campos traça um panorama da paleontologia

nacional

e diz que o Brasil poderia ser tão importante

32

quanto a China

22

Protocolo de Kyoto

CAPA As estratégias

AMBIENTE entra em vigor com

para preservar

a delicada diversidade

oito anos de atraso

genética

das preguiças brasileiras

REPORTAGENS POLíTICA CIENTíFICA E TECNOLÓGICA

24

CI~NCIA

38

FINANCIAMENTO

de sal, que pode afetar a tireóide

ao criar cátedras bancadas por empresários

42

ECOLOGIA Botânicas de Pernambuco revelam as peculiaridades

MEDICINA

da polinização na Caatinga

Estudo em oito estados detecta consumo exagerado Impa amplia seus quadros

26

52 56

GEOFíSICA

BIOQuíMICA Açúcar obtido do capim-favorito

EMPREENDEDORISMO

facilita absorção de glicose e pode ajudar a controlar o diabetes

50

GENÉTICA Um terço dos infectados com o HIVem

Vinte empresas do programa PIPE preparam-se para levar

São Paulo apresenta alguma resistência

Energia liberada pelo terremoto na Ásia pode precipitar outros tremores

seus projetos ao mercado

a drogas anti-Aids

fortes pelo planeta

4 • FEVEREIRO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 108


Q

r

46

ASTROFíSICA Imagens de Saturno sugerem a existência de mais uma lua e confirmam

82

modelo que

explica falhas dos anéis

74

GEOLOGIA Estudo sobre variação da temperatura

LITERATURA O Brasil teve um mercado editorial amplo, com livros populares que vendiam aos milhares, revela tese

da superfície terrestre ajuda a descobrir minérios

TECNOLOGIA

66

A IMAGEM DO MÊS

3

Novo sistema de informações vai prever chuvas com

CARTAS

6

três horas de antecedência

CARTA DO EDITOR

7

MEMÓRIA

8

METEOROLOGIA

INOVAÇÃO Empresas que desenvolvem tecnologia

78

SEÇÕES

ESTRATÉGIAS

exportam mais

.................•....

Livro mostra

16 28

que indústria cinematográfica

LABORATÓRIO

GEOCRONOLOGIA

brasileira sempre

SCIELO NOTíciAS

Laboratórios vão impulsionar estudos do potencial

esteve a reboque da estrangeira

LINHA DE PRODUÇÃO

.........•.........

60 62

de campos de petróleo

80

FONOAUDIOLOGIA

90

LlVROS···························94

HISTÓRIA

Sistema é mais eficaz na calibração de aparelho

Obra aponta as semelhanças e diferenças que construíram a rivalidade entre Brasil

usado em exame auditivo

e Argentina

FICÇÃO···························96 Capa e ilustração:

Hélio de Almeida

Foto: Nadia Moraes-Barros

PESQUISA FAPESP 108 • FEVEREIRO DE 2005 • 5


CARTAS cartas@fapesp.br

Saúde mental Gostaria de agradecer a reportagem de capa "Fragilidades expostas" (edição nO107) e falar um pouco da minha própria saúde mental. Faço tratamento psiquiátrico. Tenho bulimia nervosa. Comecei a fazer terapia, mas o EMPRESA que eu sempre A PESQUISA procurei foi uma abordagem mais direta e menos óbvia. Eu sei que a bulimia pode levar à falência alguns órgãos e matar. Mas, até agora, as respostas que tive são as mesmas que encontro em minhas pesquisas pela internet. As mesmas. Por que a saúde mental é vista com tanto preconceito? Por que não se fala em bulimia? Por que não existe uma campanha para que façam as pessoas e as confecções perceberem que o mundo não é feito de anoréxicas e que não é pecado não ser um galão de silicone ambulante?

processamento, multiagentes e simulação no desenvolvimento de um sistema inteligente para dar apoio ao processo de tomada de decisão no que diz respeito à tarefa de alocação de recursos da polícia. Para tal, o sistema busca identificar o fluxo criminal em áreas urbanas.

Ioss QUE APóiA BRASILEIRA

CLÁUDIA

São Paulo, SP

Mapa dos assaltos Li a nota "Mapa dos futuros assaltos" (edição n= 106) sobre mapeamento criminal e gostaria de informar que temos projeto semelhante no Brasil. Há dois anos temos uma célula de pesquisa aqui em Fortaleza trabalhando no projeto ExperCop. A pesquisa agrega as econologias de geo6 • FEVEREI RO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 108

Fortaleza, CE

Correções

NOVARTIS

BOTELHO

EURICO

Inadvertidamente, o texto sobre a morte de Celso Furtado, "Fantasia desfeita" (edição n= 106), saiu sem a assinatura do autor Carlos Haag.

o livro Por que ler o romanTroplNet.org ce brasileiro, de Marisa Lajolo, tema da reportagem "Companheiro de viagem" (edição n= 105), foi editado pela editora Objetiva, e não pela Ática. O diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo é Giovanni Guido Cerri, e não Jorge Kalil, como foi publicado na edição nv 107. A informatização da gestão de programas e processos vem sendo conduzida pela FAPESP desde 2003, e não desde 1993, como foi publicado na reportagem "Processos eletrônicos" (edição 107).

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-rnail cartas@fapesp.br.

pelo fax (11)3838'4181

ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468'901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.


CARTA DO EDITOR

Pesquisa CARLOS VOGT PRESIDENTE

Processos evolutivos

MARCOS MACARI VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU, CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CARLOS VOGT, CELSO LAFER, HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, JOSÉ ARANA VARELA, MARCOS MACARI, NILSON DIAS VIEIRA JÚNIOR, RICARDO RENZO BRENTANI, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO RICARDO RENZO BRENTANI DIRETOR PRESIDENTE JOAQUIM J- DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO PESQUISA FAPESP CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADORCIENTÍFICO). EDGAR DUTRA ZANOTTO, FRANCISCO ANTÔNIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM f. DE CAMARGO ENGLER, JOSÉ FERNANDO PEREZ, LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO, PAULA MONTERO, WALTER COLÜ DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS DIRETOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA). CARLOS HAAG (HUMANIDADES), CLAUOIAIZIQUE (POLÍTICACM), HEITOR SHIMIZU (VEBSÃOOH-UNE), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) EDITORES ESPECIAIS FABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA EDITORES ASSISTENTES DINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO CHEFE DEARTE TÂNIA MARIA DOS SANTOS DIAGRAMAÇÂO JOSÉ ROBERTO MEDDA, MAYUMI OKUYAMA FOTÓGRAFOS EDUARDO CÉSAR, MIGUEL BOYAYAN COLABORADORES ANA LIMA, ALESSANDRA PEREIRA, ANDRÉ SERRADAS, BRÃZ, CAROL LEFÈVRE, DAN1ELA MACIEL PINTO, EDUARDO GERAQUE (ONLINE), ELISA ALMEIDA FRANCA, JORGE ROCHA, LAURABEATRIZ, MARCELO HONÓRIO (ON-LINE), MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO, SAMUEL ANTENOR, THIAGO ROMERO (ON-LINE), VERÔNICA FALCÃO, YURI VASCONCELOS ASSINATURAS TELETARGET TEL. (11) 3038-1434 - FAX: (n) 3038-1418 e-mail: fapesp@teletarget.com.br APOIO DE MARKETING SINGULAR ARQUITETURA DE MÍDIA s i n gu í a r@s i ng.com. br PUBLICIDADE TEL: (11) 3838-4008 e-mail; publicidade@fapesp.br (PAULA ILIADIS) PRÉ-tMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRÁFICA TIRAGEM: 44-000 EXEMPLARES DISTRIBUIÇÃO DINAP CIRCULAÇÃO E ATENDIMENTO AO JORNALEIRO LMX (ALESSANDRA MACHADO) TEL: (11) 3865-4949 atendimento@lmx.com.br GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP FAPESP RUA PIO XI, N* 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA-SÃO PAULO -SP TEL (11) 3838-4000 - FAX: (11) 3838-4181

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Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO SECRETARIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TURISMO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Espécies ameaçadas de extinção são freqüentes nas listas de organizações ambientalistas. Tão corriqueiras como elas são as críticas à ação do homem, que ocupa e devasta sem cerimônia hábitats de animais que deveriam ser preservados. A reportagem de capa desta edição {página 32), assinada pelo editor especial Marcos Pivetta, mostra que o homem contribui, de fato, para extinção, mas não pode ser responsabilizado por todas as mazelas da natureza. O texto em questão trata das preguiças, simpáticos e lerdos animais encontrados apenas nas Américas. Por meio da análise do DNA (ácido desoxiribonucleico), pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) descobriram que a diversidade genética desses bichos é muito baixa. Ou seja, há indivíduos com DNA quase igual no interior de cada população e, ao mesmo tempo, muito diferentes do DNA de membros de agrupamentos distantes. Os especialistas afirmam que o processo evolutivo pode ter levado cada região a dar origem a preguiças de linhagens genéticas específicas. Trocando em miúdos, a baixa variabilidade genética significa uma ameaça a mais para quem tem de fugir de predadores naturais, da caça ilegal e da diminuição de seu território. Na Mata Atlântica, por exemplo, um dos espaços do país habitados pelas preguiças, resta apenas 7% da cobertura original. A advertência que sai das análises dos pesquisadores indica perigo: a consangüinidade em populações pequenas de regiões diferentes pode inviabilizar uma espécie, provocando doenças recessivas e infertilidade. Os estudos não afirmam expressamente que os animais se extinguirão em decorrência dessa peculiaridade. Apenas somam ao colocar mais um elemento a ser considerado quando se for estudar estratégias de preservação. Desta vez, a ação humana não é a única responsável pela situação. Outras ações nos levaram mais longe - mais precisamente para Saturno. O editor assistente de Ciência, Ricardo

Zorzetto, nos conta detalhes ainda pouco conhecidos da missão das naves Cassini e Huygens (página 46). Zorzetto explica como o trabalho cooperativo entre uma física brasileira e um astrônomo irlandês foi o primeiro a indicar modificações importantes no anel F do planeta, confirmadas pela Cassini. Esse anel é o que mais intriga os especialistas, que agora têm a chance não apenas de confirmar velhas e novas teorias como podem ver imagens de Titã, a maior das luas de Saturno. A Huygens mandou fotos que sugerem a existência de nuvens e rios de metano. O interesse por esse satélite ocorre pelo fato de ele reunir, teoricamente, condições semelhantes às que podem ter dado origem à vida na Terra, há bilhões de anos. Um outro trabalho, que também monitora os céus, não é tão ambicioso como a missão Cassini-Huygens, mas pode salvar vidas. No verão de 2006 os moradores da Grande São Paulo deverão contar com um eficiente sistema de previsão de chuvas que ajudará a evitar enchentes e mortes como as que aconteceram no mês passado {página 66). O editor de Tecnologia, Marcos de Oliveira, autor da reportagem, explica que o objetivo é identificar e analisar a formação e a movimentação de nuvens na região, prever a intensidade das chuvas e emitir alertas com até três horas de antecedência para a Defesa Civil e toda a população pelos meios de comunicação. O Sistema Integrado de Hidrometeorologia do Estado de São Paulo é parte de um programa de ciência e inovação tecnológica financiado pela FAPESP em parceria com o Conselho de Hidrometeorologia da Secretaria de Ciência e Tecnologia. Por fim, o editor de Humanidades, Carlos Haag, nos conta do tempo em que alguns livros do século 19 vendiam dezenas de milhares de exemplares no Rio de Janeiro, na época com grande população de analfabetos {página 82). Vale a pena ler esse pouco conhecido capítulo da história da cultura brasileira. NELDSON MARCOLIN

- EDITOR CHEFE

PESQUISA FAPESP 108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 7


Primeira escola de agronomia da América Latina deve se transformar em universidade NELDSON MARCOLIN

Sala de leitura da biblioteca (final do século 19): necessidade de mão-de-obra especializada

Vida nova no Recôncavo epois de 130 anos, a Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), a primeira a ensinar ciências agrárias na América Latina, deve mudar de status. A velha escola de Cruz das Almas está a um passo de se transformar na Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), uma antiga reivindicação do estado. O Recôncavo é a região do entorno da baía de Todos os Santos, que inclui Salvador e a ilha de Itaparica. O projeto é ambicioso. "Para os próximos dez anos, a meta é que a UFRB tenha 30 cursos de graduação, 1.200 funcionários e 10 mil alunos" conta Áureo Oliveira, coordenador do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Ciências 8 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

Agrárias da Escola de Agronomia da UFBA e do projeto Memorial do Ensino Agrícola Superior da Bahia, este financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Hoje a escola tem apenas o curso de engenharia agronômica, mas abrigará já neste ano os de engenharia de pesca, engenharia florestal e zootecnia, ainda dentro da estrutura da UFBA. A novidade ajudará a movimentar a região. "Estes novos cursos foram criados em função da identificação de demandas no Estado da Bahia", afirma Oliveira. Algo semelhante ocorreu quando foi fundada a então Imperial Escola Agrícola da Bahia, em 1875, em conseqüência de política iniciada em 1859 pelo imperador d. Pedro II, que ordenou a criação de institutos de agricultura pelo país. O Imperial Instituto Baiano de Agricultura foi o primeiro. Depois vieram os de Pernambuco, Sergipe, Rio de laneiro e Rio Grande do Sul. A intenção


Laboratório de química: trabalhos sobre análise da terra, das rochas, e dos vegetais da região

Laboratório de zoologia {ao lado e abaixo): salas para experimentos bem montadas já no século 19

era tentar resolver problemas como falta de mão-de-obra capacitada, de capital e atraso tecnológico da produção agrícola. Mas havia outras razões: as notícias sobre a evolução da ciência agronômica na Europa chegavam ao Brasil. Justus Liebig instituiu na Alemanha, na Universidade de Giessen, o ensino e a pesquisa em química agrícola. Na mesma época surgiam os estudos sobre a ação fixadora de nitrogênio no solo pelas bactérias e o uso do calcário para correção da acidez da terra, entre outras pesquisas que viriam a ter grande importância para o setor. A primeira sede do Imperial Instituto foi em São Bento das Lages, no Recôncavo. Nos seus primeiros 50 anos, foram realizadas pesquisas e experimentos que contribuíram para a expansão e consolidação das lavouras de cana-de-açúcar. Foi o instituto que possibilitou o surgimento da Imperial Escola de Agricultura com o objetivo de formar agrônomos, silvicultores, veterinários e técnicos. A escola começou bem, mas com o tempo diminuíram o interesse e a verba do Império. Em 1889, com a proclamação da República, houve um esvaziamento de recursos e alunos. Entre 1902 e 1919, por duas vezes crises sucessivas levaram ao fechamento e a reabertura da escola e do instituto. A Escola Agrícola da Bahia, com novo nome, só adquiriu estabilidade na década de 1930. Nesse ano foi transferida para Salvador e, em 1943, para Cruz das Almas. A partir de 1970 houve a vinculação à UFBA. A exceção do período em que ficou fechada, a escola produziu bom ensino (seus quadros serviram aos outros cursos de agronomia nascentes) e pesquisa de qualidade para o estado baiano. Agora, mais de um século depois, está prestes a ganhar reconhecimento nacional. PESQUISA FAPESP108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 9


ENTREVISTA: DIÓGENES DE ALMEIDA CAMPOS

Pedras e ossos do ofício Paleontólogo afirma que o Brasil poderia sertão importante quanto a China e critica o contrabando de fósseis MARCOS PIVETTA

Baiano de Irará que fez carreira no Rio de Janeiro desde fins dos anos 1960, Diógenes de Almeida Campos é um dos pilares da paleontologia nacional. Está à frente do Museu de Ciências da Terra do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), que fica num belo e antigo prédio na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, mas curte mesmo é ir a campo para procurar fósseis de dinossauros, pterossauros e outros vertebrados. Aos 61 anos, muito ativo, publica com freqüência trabalhos sobre répteis do período Cretáceo, que viveram entre 144 milhões e 65 milhões de anos atrás, muitos deles oriundos da Chapada do Araripe, situada entre os estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. Campos gosta de dar nomes brasileiríssimos, de origem indígena, às novas espécies que descobre, como os pterossauros Tapejara imperator e Anhangüera blittersdorff, ambos descritos a quatro mãos com um ex-aluno de doutorado, Alexander Kellner, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que se tornou um de seus mais próximos parceiros de trabalho. Nesta entrevista Campos analisa a pa10 ■ FEVEREIRO DE 2005 • PESQUISA FAPESP108

leontologia nacional, comenta as semelhanças entre as paisagens geológicas do Nordeste brasileiro e da China e alerta para o contrabando de fósseis. "O problema é real, em especial no Araripe, e a gente tem de enfrentá-lo", reconhece. Ele revela também seus planos para a rede nacional de paleontologia, anunciada no fim do ano passado. ■ Há poucos fósseis no Brasil ou pouca gente fazendo pesquisa? — Alguns paleontólogos gostam de dizer que o Brasil tem poucos fósseis. Dizem isso comparando com Mongólia, Argentina, Estados Unidos, áreas que têm desertos e onde a preservação dos fósseis é melhor. Num país tropical os fósseis se estragam, intemperizam. Mas diria que no Brasil há muitos fósseis, só dá mais trabalho achá-los. Olhando um mapa geológico da América do Sul, vê-se que na Argentina e nos Andes há terrenos muito novos, fossilíferos. Mas mesmo assim se encontra muita coisa em rochas antigas. O Brasil está cheio de fósseis na bacia do Paraná, no Maranhão, no Piauí e em boa parte do Nordeste. E na Amazônia, naturalmente. Em alguns lugares do país tem menos. Precisamos de mais projetos que envolvam coletas de fósseis. Há muito projeto estudando fósseis já en-


gavetados. Isso é importante. Mas é preciso também coletar, uma tarefa muito complicada e que envolve uma ética. Não se pode coletar por coletar, indiscriminadamente. Deve haver critério. Às vezes, a coleta é uma operação de salvamento. Alguém vai construir uma represa num lugar e a gente faz uma coleta no local para salvar o que existe de fósseis ali. ■ Então os paleontólogos ficam torcendo para que haja muitas obras para eles terem onde coletar? — É preciso acompanhar a construção de tudo, de estádios, poços, estradas, ferrovias e coletar o que for possível. Se deixarmos o tempo passar, começa o intemperismo e a vegetação cobre os afloramentos e os fósseis desaparecem. Pela sua dimensão, o Brasil ainda vai dar muito fóssil. Em Sergipe, por exemplo, encontram-se fósseis na abertura de qualquer estrada nova na parte da praia, próxima ao litoral. Saíram fósseis da grande construção de todas aquelas estradas no oeste de São Paulo.

■ Por que as pessoas se interessam tanto por história natural, em especial fósseis de animais? — Há uma curiosidade muito grande por essas exposições. Talvez porque haja uma participação de outras áreas do conhecimento, até artísticas, ao lado do trabalho paleontológico. Para fazer uma reconstituição de um dinossauro ou de um peixe fóssil, entra um pouco de... fingimento, de representação. ■ A representação artística de um bicho do passado é uma recriação, não quer dizer que ele era realmente assim. — O paleontólogo pode ficar satisfeitíssimo com a reconstituição. Ele orientou a confecção daquele bicho, que foi feito com todo o rigor científico, com uma verossimilhança perfeita. Mas, na verdade, não é bem assim. Se pedirmos para outro paleontólogo orientar a feitura de uma reconstituição, ele vai mudar uma cor aqui, outra ali. Mas sou a favor do uso dos fósseis como um item de educação para a ciência e difusão do conhecimento em espaços informais,

como museus. Esse é um filão a ser explorado. ■ Por que os dinossauros se tornaram um ícone da paleontologia, ofuscando os fósseis de outros animais e das plantas? — O interesse mais recente por esses animais começou a partir de um livro do paleontólogo americano Robert Bakker Heresias sobre dinossauros (publicado pela primeira vez nos anos 1960). Antes disso não havia tanta ênfase nos dinossauros, que eram animais grandes, lerdos e completamente desprezados. Achava-se até que alguns dinossauros precisavam de dois cérebros, um para mover a parte anterior do corpo e outro para mover a cauda. Depois de Bakker, uma série de pesquisadores nos Estados Unidos continuaram a coletar fósseis e aceitar alunos para estudá-los. O lançamento de filmes como Parque dos dinossauros também aumentou muito o interesse por esses bichos. Mas o pioneiro mesmo em destacar os dinossauros foi o autor de Sherlock Holmes, Arthur Conan Doyle. Em um de PESQUISA FAPESP108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 11


seus livros há um conto - O mundo perdido — sobre um vale na Amazônia e pterossauros voando pelo Atlântico. ■ O Brasil tem uma contribuição a dar à paleontologia mundial, ou sua relevância é mais local ou regional? — A contribuição é grande. A gente contribui com informações para a parte de Gondwana e temos dados que muitas vezes são endêmicos, próprios da América do Sul. Há também esse ponto sensacional que são os pterossauros que eu e o Alex Kellner descrevemos da Chapada do Araripe e demos nomes brasileiros, o Anhangüera e o Tapejara. O mais interessante é que esses pterossauros foram agora encontrados na China. Em maio, quando estive lá para ver esse material, constatei que são os mesmos pterossauros, não da mesma espécie, mas do mesmo gênero. Existe assim um ponto de contato entre o Araripe e a China. ■ Como assim?

— Os chineses têm um depósito na província de Liaoning, a antiga Mandchúria. É um lugar sensacional, com sedimentos muito parecidos com os do Nordeste do Brasil. Há fossas profundas, como a bacia do Recôncavo, com quase 5 quilômetros de profundidade, cheias de sedimentos e ricas em fósseis. Quando voltei da China, no avião, disse a Kellner: "Andei tanto pela Bahia e quebrei tão pouca pedra. Preciso voltar lá para quebrar mais pedra". A gente tem que encontrar o que os chineses encontraram. Na China, eles têm peixes; nós também. Temos ostracóide (espécie de crustáceo), eles também. Temos os insetos, eles também. Temos os pterossauros, eles têm. Eles têm muitos dinossauros, a gente tem três ou quatro. Eles têm dinossauros normais e os dinossauros com penas. E eles têm aves e mamíferos. No Araripe ainda não achamos mamíferos. É possível que apareça um mamífero ali a qualquer momento. Não é incompatível com a região: a gente está na passagem do Cretáceo Inferior para o Superior. Pode aparecer um bichinho de pêlo ali a qualquer momento, e me sinto na obrigação de procurar. Na China eu me sentia como na Bahia. "Estou na Bahia, essa camada, esse basalto, já vi antes." 12 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

■ Lá na China o senhor dizia isso? — Na China, na Mandchúria. Há muitos fósseis ali e ainda vai aparecer muita coisa interessante, sem mencionar o que existe na Mongólia interior, nos desertos do oeste do país. Em 1996, da vez anterior em que eu estive lá, o pessoal do instituto de paleontologia de vertebrados e paleoantropologia da Academia Chinesa de Ciências estava ganhando US$ 200 por mês. Havia pouca gente e muitas dificuldades. Mas, de lá para cá, eles cresceram muito na área. Mandaram muitos pesquisadores para a Europa, Estados Unidos, e aumentaram o intercâmbio com o exterior. Agora mesmo estão mandando dois pesquisadores para cá e nós acabamos de ir para lá. Acho que até duplicaram o salário dos pesquisadores. Para nós, o salário é baixo, mas lá eles têm casa e comida. E têm dinheiro para pesquisa. E todos eles estão com computador de último tipo na frente deles, com scanner e boas máquinas digitais. Todos estão trabalhando muito e publicando no exterior. As revistas estão correndo atrás deles. ■ Nós não poderíamos imitar os chineses? — Não sei qual é o fascínio que a China tem. Nunca um editor da Nature ou da Science veio para cá pedir para a gente fazer artigo para eles. Isso eu vi lá na China. Assisti a uma palestra de um editor, cuja base é nas Filipinas, em que ele dizia o seguinte: "Preparem os artigos que temos interesse em publicar". Para mim, a China - é uma opinião puramente minha - já deu um passo na frente da gente em ciência. Vai ser difícil alcançá-los. A gente pensava em surgir como parceiro da China, mas vai ser difícil. Eles já estão um pouco na frente. A massa crítica da pesquisa lá é enorme. ■ Qual o impacto do contrabando na paleontologia nacional? — O problema é real, em especial no Araripe, e temos de enfrentá-lo. A legislação brasileira não permite a comercialização de fósseis. Para fazer uma escavação, se você não pertence a uma instituição de pesquisa, é preciso uma autorização do DNPM. Eu, de certa forma, influencio a política interna do órgão. E a política nossa é a seguinte: não damos a autorização para ninguém que tenha fins comerciais.

■ Quem sustenta o contrabando de fósseis, os colecionadores ou os museus de universidades do exterior? — São as coleções de particulares. Hoje está na moda comprar os fósseis de insetos. Os museus sérios não compram, respeitam os acordos com o Brasil. Mas essa nem sempre é a posição dos Estados Unidos e da Inglaterra. O que me consola um pouco é que, mais cedo ou mais tarde, o material contrabandeado, se for realmente importante, vai ser descrito por um pesquisador. Lamento muito que isso acabe ocorrendo lá fora. Mas uma coisa ficou clara para mim nesses anos todos: quando há competência brasileira na área da paleontologia, dificilmente se perde um fóssil importante para o exterior. Veja o caso do Alex Kellner com os pterossauros: ele é muito ativo, corre atrás, dificilmente alguém vai fazer qualquer coisa lá fora com material do Araripe. Os chineses sofrem com o mesmo tipo de problema. Mesmo lá, com todo o regime chinês, eles não conseguem controlar a saída de material. ■ Mas o Kellner e o senhor mesmo tiveram problema, há alguns anos, com um pesquisador inglês, David Martill, da Universidade de Portsmouth, que publicou um artigo sobre um fóssil de dinossauro do Araripe contrabandeado que era igual ou semelhante a um que vocês estavam estudando. Na época houve a suspeita de que o fóssil do inglês era um pedaço da peça estudada por vocês. — A mesma peça não era. Era outra provavelmente contrabandeada. O que se pode fazer nesses casos? Temos de educar as populações locais para fazer concorrência ao contrabando. Temos de usar a Universidade Regional do Cariri como um pólo de atração; fizemos diferentes audiências públicas com a procuradoria de meio ambiente, para conscientizar autoridades, população e tudo mais. E também promover ações da Polícia Federal. Mas essas ações, para mim, são as que resolvem menos. Termina chamando mais a atenção sobre o assunto do que resolvendo o problema. ■ Mas a prisão de algumas pessoas por contrabando não mostra que a lei está sendo cumprida? — Claro, prisões como a do contrabandista alemão Michel Schuwickert no Ceará em 2002 são ações importantes.


Mas prender o lavrador do campo porque ganha algum dinheiro com o comércio de fósseis não tem sentido. Na época de seca, muitas vezes, o fóssil é uma garantia de ter 1 quilo de feijão ou de arroz na mesa do lavrador. ■ Qual é a sua posição pessoal sobre a venda de fósseis? — Nunca comprei nada. Nem estimulo ninguém a comprar. Mas acho que o lavrador poderia ser alvo de uma troca, de um trabalho de convencimento por parte das universidades. Sempre procurei trabalhar a educação dessas pessoas. Elas poderiam receber livros, palestras. Também é preciso fazer museus nos locais onde ocorrem os fósseis. Assim, o morador pode ter ali, exposta, a peça coletada por ele, com o nome dele. Isso conta muito nas comunidades. Enfim, há uma série de coisas que podem ser feitas. Simplesmente prender o lavrador não resolve. Se não se fizer isso, o cara esconde os fósseis da gente e, depois, troca, vende, faz qualquer negócio com o primeiro paulista que aparecer. ■ Só os paulistas compram os fósseis? — Não precisa ser paulista. No Nordeste, na Amazônia, qualquer pessoa que venha do sul é paulista para eles. O contrabando é um assunto extremamente desagradável para mim. Mas, hoje, há no máximo um ou dois exemplares de fósseis de interesse para a ciência fora de museus, ainda que no exterior. Depois de algum tempo, o colecionador particular acaba passando a peça para o museu. Alguns pesquisadores da Alemanha e do Japão estão tentando fazer um acordo com a gente para que pesquisadores brasileiros es-

tudem junto fósseis que foram contrabandeados para lá. mMas, em 1998, um pesquisador japonês publicou na Nature um artigo sobre um fóssil de tartaruga marinha de 110 milhões de anos, que seria a mais antiga do planeta. Era um exemplar do Araripe. Era contrabando? — Sem dúvida. Quando o pesquisador não fala como conseguiu o fóssil, é porque ele não tem como dizer que comprou de uma forma ilegal. Existem quatro tartarugas do Araripe descritas, três delas envolvem pesquisadores brasileiros. Só essa que não. Eu conversei com o japonês tempos depois e ele não sabia de nada. ■ Como o senhor reage diante de um artigo escrito por estrangeiros a partir de um fóssil brasileiro contrabandeado? — É a coisa mais frustrante que existe. Apesar dos esforços, a gente não consegue cobrir tudo. Esse alemão (do contrabando), por exemplo, eu queria metê-lo na cadeia e jogar a chave fora. Ele argumenta que nunca pegou num fóssil. "As pessoas coletam uma peça para mim, me dão de presente e eu aceito", ele costuma dizer. ■ Para os fósseis saírem do Brasil não é preciso um esquema que corrompa um certo de número de pessoas? — Se as peças justificam o investimento de um estrangeiro se deslocar para cá, eles fazem de tudo. Dão gorjetas, propinas, pagam pelo trabalho de um lavrador para procurar fósseis. E dão mais propina pelos exemplares encontrados. Essas atividades se passam até nos aeroportos, embora haja ação permanente da Polícia Federal.

■ Quanto pode valer lá fora um fóssil de uma espécie rara ou nova para a ciência? — Falam em milhares dólares, dependendo da peça. Mas isso é uma exceção. Há muita venda de lotes de fósseis para ornamentação, de grandes quantidades de bichos e insetos. Como não custou quase nada obter os fósseis, qualquer valor para essas peças ornamentais é lucro. Esse comércio, embora envolva peças sem novidades, é muito prejudicial para a ciência, principalmente na área dos insetos, em que há muita coisa interessante no Araripe. Não gosto de dar valor monetário para os fósseis porque qualquer valor que eu dê passa a servir de referência. Nos lugares em que escavo no Araripe não sobra resto algum de fósseis no dia seguinte. O que tinha sobrado, mesmo sem importância, alguém pega. Eles acham que, se dr. Diógenes coletou fóssil ali, então o lugar é bom. ■ O Araripe é realmente importante para a paleontologia mundial? — Ali é tudo da fase final do Cretáceo Inferior. Além de ter uma grande fauna de vertebrados, o Araripe tem uma flora muito importante, provavelmente com as primeiras plantas com flores do planeta. Mary Elizabeth Bernardes de Oliveira, da Universidade de São Paulo, está estudando essa questão. Ali houve as primeiras florestas com flores, que vão mais tarde abrigar os mamíferos e as aves. É essa floresta que vai moldar toda a vida humana na Terra durante os últimos 65 milhões de anos e que vai permitir o aparecimento dos primatas e, conseqüentemente, do homem. São as plantas que preparam o ambiente para depois surPESQUISA FAPESP108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 13


girem os animais que vão estar adaptados a ele. ■ Voltando um pouco no tempo, quando começa a paleontologia no Brasil? — Foi preciso encontrar fósseis para haver uma paleontologia brasileira. A data mais antiga é algo em torno do final do século 17, princípio do 18, quando teriam sido encontrados ossos de mamíferos em cacimbas na Bahia, como se encontra ainda hoje no estado. O primeiro encontro de fósseis comprovado é o material citado pelo barão de Eschewege, um coronel do Exército português que veio com d. João VI para cá e encontrou o material em Minas Gerais. Eram mamíferos fósseis do Pleistoceno (entre 1,8 milhão e 11 mil anos atrás), como os da Bahia. Mas o verdadeiro achado que a gente toma sempre como o início da paleontologia nacional é o desenho da cabeça de um peixe da Chapada do Araripe, junto com ossos de mamíferos da Bahia, que saiu nos livros publicados pelo zoólogo [Johann Baptiste von] Spix e pelo botânico [Carl Friedrich Phillipp von] Martius entre 1823 e 1831. Spix e Martius eram dois naturalistas viajantes, que vieram da Bavária e realizaram uma longa viagem pelo Brasil de 1817 a 1820. Não passaram exatamente pela Chapada, mas receberam esses fósseis de presente em Oeiras, Piauí. Foi a primeira ilustração de um fóssil brasileiro divulgada para o mundo. Era realmente um material fóssil de primeira. O ponto importante da descoberta é que, quando o desenho foi publicado, o Brasil já era Brasil. ■ No Império, d. Pedro II estimulou a pesquisa geológica? 14 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

— D. Pedro II se interessava por essa área e criou a Comissão Geológica do Império (em 1875). Antes disso houve as expedições Thayer (1865) e Morgan (1870). Essa última foi financiada pelo JP Morgan, estudou o litoral nordeste do Brasil e fora liderada por Charles Frederic Hartt, canadense que era professor de geologia na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. Já havia também a influência do Museu Nacional, que ainda não tinha sido transferido para a Quinta da Boa Vista, mas já tinha um papel importante, com um corpo de estudiosos, coleções, e era aberto a visitantes. Hartt trouxe Orville Derby, um geólogo americano, e os dois juntos produziram uma obra bastante expressiva. Posteriormente Derby trabalhou em São Paulo, na Comissão Geológica e Geográfica do Estado de São Paulo, e iniciou o mapeamento topográfico de São Paulo, porque não entendia como se podia fazer geologia sem fazer topografia. Isso foi demorado, gastava dinheiro, e ele foi bastante criticado. Hartt e Derby eram coletores de fósseis. Fizeram um trabalho excepcional. Viajavam, coletavam e mandavam os fósseis lá para fora. ■ A proclamação da República mudou muito esse quadro? — Em 1905 o Brasil começou a enfrentar o problema energético. E o problema energético tinha de ser resolvido com o carvão brasileiro. Mas o carvão brasileiro, cujas jazidas ficavam no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, tinha alto teor de cinza, às vezes chegava a 23%, e alto teor de enxofre, o que atrapalhava a sua queima. Na verdade, não era um carvão muito bom. E havia outro agravante: as máquinas da estra-

da de ferro e outras que vinham para cá eram feitas na Inglaterra para queimar carvão Cardiff, muito bom. Essas máquinas não se adaptaram com o carvão de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Para resolver o problema, optou-se pela maneira mais simples: tentar encontrar no Brasil carvão de melhor qualidade. Os ingleses tinham feito isso na África do Sul. Foi isso que fez aparecer os fósseis no Brasil. O estudo de fósseis ligados ao carvão, principalmente os vinculados à botânica, começou a se desenvolver. E mais: o estudo dessas minas de carvão, que teve início em Alagoas, na Bahia e terminou no Sul, promoveu um levantamento geológico do Brasil todo e foi motivo de um relatório chamado Relatório da Comissão das Minas do Carvão, publicado em 1905 por um geólogo chamado Israel C. White. Esse é o Relatório White do Carvão, que obrigou o governo federal a criar um órgão que se preocupasse com as minas do Brasil; não no sentido de dar concessão, como até hoje se faz, a concessão era feita, então um órgão qualquer, uma secretaria qualquer do ministério dava essa concessão. Mas para que estudasse, selecionasse as áreas para ajudar os mineradores a encontrar carvão e outros minerais. Então foi criado o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, em 1907. E Derby é convidado para ser o primeiro diretor. Ele foi diretor de 1907 a 1915, imprimiu essa idéia de que era preciso fazer pesquisa científica para achar minério. Até então, a tendência original, a técnica portuguesa, era muito empírica, baseada na maneira prática, e sempre esteve muito dissociada do que se fazia na academia.


■ Derby enterrou o legado português? — Ele tentou romper com a forma empírica de achar minérios. Queria acabar com aquela história de usar uma varinha que vibra para achar água, como se faz até hoje no Nordeste. Tentou impor um método científico. Não teve muito sucesso, mas foi o início de tudo. O mérito dele é esse. Ele se suicidou em 1915 e o Serviço Geológico passou a ter um novo diretor, Euzébio Paulo de Oliveira. Esse conseguiu impor o método científico. Para fazer isso, teve de fazer um mapa geológico do país. O mapa tem informação da rocha, mas para obter uma indicação da sua idade é preciso dos fósseis. Assim, os fósseis passaram a ser um item fundamental dentro do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil. Na década de 1930 estávamos tentando resolver problemas geológicos. Esses terrenos são do Cretáceo ou do Terciário? Têm fósseis? Tinham. Mas ninguém sabia identificá-los. A maioria dos livros sobre paleontologia era escrita por franceses, ingleses, alemães, norte-americanos. E tratavam de faunas e floras do hemisfério Norte. Não era possível identificar os fósseis daqui, salvo algumas coisas. Era preciso criar uma ciência paleontológica. A solução foi pegar os lotes de fósseis e mandar para um especialista no assunto do exterior. E se pagava pela identificação do material. Essa foi a primeira solução para os fósseis brasileiros. Esse esquema continuou assim até mais ou menos o fim da década de 1930. Em 1937 houve a expedição da Universidade Harvard para a América do Sul, na qual os pesquisadores entram no Brasil para coletar fósseis. Dessa expedição faziam parte o Theodor White e Llewellyn Ivor Price, um gaúcho nascido há exatos 100 anos em Santa Maria, mas que estudou e pesquisava nos Estados Unidos. ■ Como foi essa expedição? Foi nela que Price encontrou no sul do país um dos mais antigos dinossauros do mundo, de cerca de 230 milhões de anos? — Eles acharam esse dinossauro, o Staurikosaurus pricei, e deram o nome da espécie em homenagem ao Price. Foi uma expedição para estudo do período Triássico, que no Brasil só existe no Rio Grande do Sul. Mas, naquela época, os pesquisadores não se preocupavam

muito com dinossauros. O maior interesse era por vertebrados, de preferência os répteis, que são parecidos com os mamíferos. A preocupação era tentar resolver o problema da origem do homem. Tentar descobrir esse grupo de répteis, os sinapsídeos, que hoje são quase colocados como uma classe à parte. A expedição teve alguns aspectos notáveis. Já era, por exemplo, preciso pedir licença ao Estado para fazer uma expedição. Isso foi feito e a documentação está guardada, toda, no arquivo do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) que está no Museu de Astronomia e Ciências Afins, no Rio de Janeiro. ■ Seja era preciso a autorização, por que o Staurikosaurus foi para Harvard? — Esse exemplar saiu daqui com todas as autorizações. A política de mandar fósseis para fora estava no fim, mas ainda não tinha acabado. A essa altura, a Universidade de São Paulo (USP), que é de 1934, já estava preocupada em formar paleontólogos. Havia o Josué Camargo Mendes, que escreveu livros didáticos sobre paleontologia. Ele tinha feito estágio no DNPM, veio para cá várias vezes. Nesse meio tempo, o DNPM constituiu uma seção de paleontologia. Quando Price voltou em definitivo para o Brasil, além do grupo da USP, já havia um núcleo de paleontologia incipiente no Museu Nacional. E ele chegou e começou a formar o pessoal daqui. O passo seguinte, importante, foi a necessidade de encontrar petróleo no Brasil. Mais uma vez um problema energético, agora o petróleo em vez do carvão, provoca e estimula a paleontologia. Daí a necessidade de ter cursos de geologia, dos quais a paleontologia é uma das cadeiras. A partir de 1960 surgem as escolas de geologia, todas com um departamento de' estratigrafia e paleontologia. Quando entrei aqui no DNPM, em 1968, ele tinha 13 paleontólogos. Desses, cinco eram pesquisadores conferencistas, o título na época mais alto do CNPq, e todos eram da Academia Brasileira de Ciências. Nessa época havia paleontólogos também no Rio Grande do Sul, em Minas e um grupo pequeno em Recife. Na Bahia, minha alma mater, não tinha paleontologia, salvo na Petrobras. Tinha que aprender tudo sozinho.

■ Em dezembro, o ministro da Ciência e Tecnologia lançou em Uberaba o projeto de uma rede nacional de pesquisas em paleontologia, com orçamento previsto de cerca de R$ 6 milhões. Mas parece que poucos paleontólogos nacionais tinham conhecimento da iniciativa. É verdade que o senhor está à frente da rede? — Estou numa situação pouco confortável. Foi feito um grande projeto em cima de um projeto meu, que tinha um determinado objetivo e era bem menor. De repente, me jogaram R$ 6 milhões em cima da mesa. No meu projeto original, queria fazer uma brinquedoteca, uma biblioteca, uma oficina dos dinossauros, um espaço lúdico, ao lado do museu de paleontologia que já existe em Peirópolis, no município de Uberaba. Mas lideranças políticas devem ter achado que era pouco e o meu projeto voltou ampliado, com uma rede por cima. Vamos ter de fazer correções nisso. Todos os pesquisadores vão ser ouvidos. Eu já disse isso para eles. O pessoal do Rio Grande do Sul, que foi excluído da rede, vai ser incluído novamente. Se não for assim, caio fora. ■ Saiu num jornal de São Paulo que um deputado havia conseguido o dinheiro para a rede para Minas? — É verdade. Foi o deputado Nárcio Rodrigues, do PSDB de Minas Gerais. Mas quero que seja constituído um conselho científico para a rede e esse conselho vai decidir quem vai receber dinheiro para pesquisa. Ninguém vai dar dinheiro para ninguém sem haver julgamento entre os pares, sem ter projeto científico. Não abro mão disso. ■ Mas quem coordena a rede? — Quem está coordenando a parte financeira da rede é a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais. E eles me pediram para coordenar a parte científica da rede. Vou dar continuidade ao trabalho iniciado em 1986, de parceria do DNPM e a Prefeitura Municipal de Uberaba. Vou trabalhar com Beethoven Teixeira para que venhamos a ter em Peirópolis um centro de referência para dinossauros, em particular, e para fósseis brasileiros, no geral. Em Minas não há massa crítica de paleontólogos para tocar a rede. Gente de outros estados têm de entrar na rede. • PESQUISA FAPESP108 ■ FEVEREIRO DE 2005 • 15


PESQUISA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Ciência contra o subdesenvolvimento

■ O mundo em dimensões inéditas Acaba de ficar pronto o mais abrangente retrato da topografia da Terra, graças ao projeto Shuttle Radar Topography Mission. Em fevereiro de 2000, o ônibus espacial Endeavour passou 11 dias em órbita rastreando 80% da superfície terrestre (ou 95% da área habitada). A técnica utilizada foi interferometria, que reúne dados obtidos de localizações ligeiramente diferentes. Uma antena no Endeavour enviou ondas de radar para a Terra e outras duas antenas captaram as ondas refletidas. A comparação dos dois sinais produziu modelos de elevação. O método funciona na escuridão e penetra nuvens, por isso mapeou áreas jamais alcançadas por fotos de satélite tradicionais. Nos últimos cin-

co anos, os responsáveis pelo levantamento - as agências espaciais norte-americana, italiana e alemã e a Agência de Inteligência Geoespacial dos Estados Unidos - trabalharam sobre os dados e obtiveram uma gigantesca coleção de imagens. O último lote delas acaba de ser divulgado e mostra detalhes da Austrália e a Nova Zelândia. O principal usuário será o Exército norte-americano, mas as imagens prometem ser úteis no estudo de erosões e dos efeitos das mudanças climáticas. Alguns exemplos estão disponíveis no site http://srtm. usgs.gov. (Nature.com, 10 de janeiro) •

■ Fim da censura aos "inimigos" O governo dos Estados Unidos decidiu autorizar, sem restrições, a publicação em seu território de livros e artigos acadêmicos produzidos em países aos quais impôs sanções econômicas, como Cuba, Irã e Sudão. O fim da censura foi decidido depois que um grupo de editores e autores foi à Justiça contra a proibição, classificando-a de inconstitucional. O embargo fora decidido em setembro de 2003 pelo OFAC, sigla em inglês para Escritório de Controle de Bens Estrangeiros do Departamento do Tesouro,

num pacote de medidas contra países que, alegadamente, representam ameaça à segurança interna. Os artigos e livros só poderiam ser divulgados com autorização do OFAC. Editoras que quebrassem o embargo seriam multadas em até US$ 1 milhão e os responsáveis estariam sujeitos a penas de até dez anos de prisão. Enquanto vigorou, a proibição levou ao cancelamento de projetos editoriais, como o de uma enciclopédia de música cubana, e de artigos acadêmicos - um deles sobre prevenção de terremotos, assinado por um iraniano. (SciDev.Net, 30 de dezembro) •

0 parque do Kilimanjaro, na Tanzânia, em imagem construída a partir de dados obtidos pelo ônibus espacial Endeavour 16 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108


As soluções para combater a pobreza oferecidas pela ciência e a tecnologia são freqüentemente subutilizadas pelos governos dos países em desenvolvimento, advertem os 27 conselheiros das Nações Unidas que compõem a força-tarefa do Projeto Millennium, incumbido de apontar saídas para reduzir a miséria e melhorar a qualidade de vida no planeta nos próximos dez anos. Num relatório apresentado ao secretáriogeral da ONU, Kofi Annan, os conselheiros propuseram que cientistas ganhem o mesmo espaço de economistas e burocratas na formulação de políticas públicas nos países pobres. Caso contrário, não serão atingidas as metas es-

tabelecidas pelo Projeto Millennium. "Competências técnicas e científicas determinam a capacidade de cada nação de fornecer água limpa, boa assistência médica, infra-estrutura adequada e segurança alimentar", diz Calestous Juma, da Universidade Harvard, coordenador do relatório. "A tragédia causada pelo tsunami na Ásia é emblemática. O quanto se investiu na tecnologia existente para prevenir uma catástrofe dessa magnitude? Os países desenvolvidos, que agora destinam milhões de dólares na ajuda às nações afetadas, também deveriam refletir sobre isso." O relatório aponta a tecnologia de informação, a biotecnologia,

a nanotecnologia e a engenharia de materiais como os campos do conhecimento especialmente vitais para a transformação econômica sustentável. "Como as universidades têm um papel vital a desempenhar nesse processo, também é preciso encontrar meios de reduzir o êxodo de seus pesquisadores mais talentosos para as nações ricas, como acontece hoje", diz Juma. Entre os bons exemplos citados pelo relatório está um sistema de tratamento de água de baixíssimo custo, desenvolvido no Uruguai para seus soldados em missões de paz na África na década de 1990. Mais de 120 sistemas foram instalados no próprio Uru-

■ Prestígio para a pesquisa básica

Biosfera 2: gigante de aço e vidro à venda

■ Arca de Noé à deriva O Biosfera 2, laboratório de vidro e aço erguido numa área de 12 mil metros quadrados em Tucson, Arizona, abrigou entre 1991 e 1993 oito pessoas em total isolamento. A idéia era simular a vida numa colônia espacial, em que os moradores sobrevivessem reciclando água e ar e produzindo o próprio alimento. Centenas de espécies

animais e vegetais tinham espaço lá dentro. Em janeiro, a redoma, abandonada, foi posta à venda por seu dono, o milionário Ed Bass. A experiência naufragou em custos altos e problemas técnicos. Uma parceria com a Universidade de Colúmbia manteve o laboratório aberto até setembro de 2003, com outras finalidades. Depois disso ainda se tentou transformá-la em destino turístico, em vão. (CNN, 10 de janeiro) •

Nos próximos dez anos, a China promete aumentar de 9% para 20% a proporção dos gastos com pesquisa básica em seu orçamento de ciência e tecnologia. A decisão revela uma mudança de estratégia. Embora o financiamento privado na ciência chinesa seja grande - cerca de 35% do total -, praticamente toda a pesquisa básica é patrocinada pelo governo ou instituições ligadas a ele. Entre 1991 e 2002 os gastos em pesquisa e desenvolvimento aumentaram 16,2% ao ano. Mas a maior parte desse dinheiro foi aplicada no setor industrial, que apresenta resultados de curto prazo. De acordo com o Bureau Nacional de Estatísticas da China, em 2003 o país gastou US$ 1,1 bilhão em pesquisa básica, o equivalente a 9% dos investimentos em ciência e tecnolo-

guai, ajudando a reduzir a incidência de doenças como a cólera. Também ganhou elogios a Universidade Virtual da África, que a partir deste ano usará a internet para treinamento a distância de professores em 17 países do continente. Baseada em Nairóbi, no Quênia, a universidade existe desde 1997 e já deu treinamento a 23 mil pessoas nas áreas de jornalismo, negócios, ciências da computação, entre outras. Por fim, o documento sugere mudanças na própria ONU: a nomeação de um conselheiro científico do secretário-geral seria um ótimo exemplo, propõe a força-tarefa. (BBC, 6 de ja neiro) <

gia. Chen Jia'er, ex-reitor da Universidade Pequim, é um entusiasta da estratégia. "Engana-se quem pensa que a China continuará a crescer apenas reproduzindo tecnologias com custos mais baixos", disse (SciDev. Net, 10 de janeiro) •

PESQUISA FAPESP108 • FEVEREIRO DE 2005 ■ 17


ESTRATéGIAS

MUNDO

Pagou, viajou

O astronauta norte-americano Leroy Chiao, o último a viajar de graça na nave russa

A Agência Espacial Russa anunciou que vai parar de levar de graça ao espaço astronautas norte-americanos. Desde a tragédia do ônibus espacial Columbia, há dois anos, a Rússia assumiu sozinha a tarefa de conduzir as tripulações da Estação Espacial Internacional, laboratório orbital mantido por um consórcio internacional e liderado pela Nasa. Só no ano passado a Rússia enviou duas naves tripuladas e cinco não tripuladas. "De 2006 em diante só levaremos os norte-americanos em bases comerciais", disse o chefe da agência, Anatoly Perminov. A idéia não é pedir dinheiro vivo. Como a Rússia não repassou todos os recursos que prometera para construir a estação, uma possibilidade é abater parte da dívida cobrando pela carona. Para reduzir seus problemas de caixa, a agência russa planeja mandar ao espaço mais dois turistas em 2006, repetindo o feito de 2001 e 2002, quando dois milionários pa-

garam US$ 20 milhões cada um por transporte e dez dias de estadia na estação. (BBC, 29 de dezembro) •

■ Parceria entre velhos adversários Rivais nucleares que se estranham há mais de meio século, a índia e o Paquistão prometem tornar-se parceiros científicos. Pesquisadores dos dois países devem reunir-se oficialmente em abril para discutir problemas comuns e planejar colaborações. O anúncio foi feito no final de dezembro num congresso científico em Ahmedabad, na índia, que pela primeira vez contou com pesquisadores paquistaneses. A aproximação é o resultado prático de uma reunião entre os ministros da Ciência dos dois países, ocorrida há um ano, que traçou as áreas de colaboração prioritárias, como biotecnologia, bioinformática e ciências farmacêuticas. (SciDev. Net, 11 de janeiro) •

18 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

http://geocities.yahoo.com.br/cienciasecognicao A publicação traz artigos e material de divulgação no campo das ciências cognitivas, com abordagem direcionada a professores e alunos de graduação.

Chemical Bond

http://osulibrary.orst.edu/specialcollections/coll/pauling/ bond/index.html A página refaz a trajetória de Linus Pauling (1901-1994), um dos maiores químicos de todos os tempos.


ESTRATéGIAS

BRASIL

Experiências sob controle

O Ministério da Saúde vai investir R$ 8 milhões ainda neste ano na construção de quatro centros de pesquisa clínica, destinados a testar a eficácia e a segurança de novos remédios, tratamentos e métodos de diagnóstico. Oficialmente a intenção é ga-

■ A construção daFAPESP A história das primeiras quatro décadas da FAPESP é resgatada num livro de 550 páginas organizado por Amélia Império Hamburger, professora e pesquisadora do Instituto de Física da USP. A obra FAPESP 40 anos abrindo fronteiras conta a trajetória da instituição entre 1962 e 2002 por meio de 24 entrevistas com seus principais articuladores. Traz depoimentos de pioneiros, como o zoólogo Paulo Vanzolini, que ajudou a fazer os estatutos da instituição; de personagens que ajudaram a consolidar a FAPESP, como Alberto Carvalho da Silva, diretor científico de 1968 a 1969 e diretor presi-

rantir espaço para pesquisas que dêem prioridade às necessidades do Sistema Único de Saúde. Na prática, o programa quer tornar mais transparente a relação entre financiadores, em geral laboratórios farmacêuticos, e pesquisadores. Hoje, boa

dente de 1984 a 1993, e Oscar Sala, diretor científico de 1969 a 1975 e presidente do Conselho Superior de 1985 a 1993; e também de vozes do presente, como José Fernan-

0 livro traz depoimentos de dirigentes da FAPESP ao longo de 40 anos de história

parte das experiências envolve parcerias entre fabricantes de remédios e os responsáveis pelos estudos. Os centros buscam garantir que os recursos sejam integralmente gastos com a pesquisa e criar um "distanciamento ético" entre cientistas e pa-

do Perez, diretor científico de 1993 a 2005, e Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico nomeado. O presidente da FAPESP, Carlos Vogt, assina um texto introdutório. "É

trocinadores, embora os estudos já passem pelo crivo da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. O programa prevê a construção, até 2007, de 12 centros vinculados a universidades. A localização será definida em março. •

interessante notar a coerência ao longo de todas as fases da FAPESP com os princípios expostos nos primeiros anos", observa Amélia Hamburger, na introdução do livro. "Uma das razões dessa coerência é, certamente, a manutenção de princípios estatutários que se esclarecem e se fortalecem à medida que são cumpridos: a FAPESP apoia a pesquisa básica e tecnológica; não se gastam mais que 5% em despesas administrativas; não se favorece área de pesquisa em detrimento de outras; as responsabilidades são claramente determinadas; a instituição está sempre em dia com o Tribunal de Contas." Editado pela Edusp e pela FAPESP, o livro está à venda por R$ 55,00. •

PESQUISA FAPESP 108 • FEVEREIRO DE 2005 ■ 19


A Embrapa vai à África

■ Inquietação em Sergipe A extinção da Fundação de Amparo à Pesquisa de Sergipe (FAP/SE) deixou apreensiva a comunidade acadêmica do estado nordestino. Como efeito de uma reforma administrativa aprovada no final de dezembro, a FAP/SE foi incorporada pelo Instituto de Tecnologia e Pesquisa de Sergipe (ITPS). Embora o governo estadual garanta que o volume de recursos para a pesquisa não será reduzido pela mudança, a instituição perderá a independência pois abandonará o caráter de fundação para tornar-se o braço de uma autarquia. A FAP sergipana era uma das mais jovens da rede de fundações estaduais de amparo à pesquisa. Começou a funcionar em fevereiro de 2000. A alegação do governo para incorporar a FAP à estrutura do ITPS foi a redução de gastos. •

Agricultura africana: tecnologia brasileira vai ajudar na modernização A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) vai abrir um escritório em Maputo, capital de Moçambique, que no futuro servirá de plataforma para transferir tecnologia agrícola para diversos países africanos. A iniciativa segue a diretriz do governo federal de aproximação com a África. Mas, num primeiro momento, o escritório servirá mesmo é

■ Prêmio a pesquisas sobre quilombos Estão abertas até o dia 15 de março as inscrições para um prêmio destinado a distinguir as melhores pesquisas sobre quilombos. Promovido pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), o prêmio

20 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

de base para os pesquisadores da Embrapa incumbidos de traçar um plano de desenvolvimento agrícola para a região do vale do rio Zambezi, cujas minas de carvão serão exploradas pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Ao vencer a licitação, a CVRD comprometeu-se em investir em ações sociais em Moçambique, e uma de suas tarefas é promover o de-

vai oferecer R$ 30 mil aos vencedores em duas categorias, apoio à pesquisa e ensaio inédito. Os trabalhos enviados devem tratar de regularização fundiária, movimentos sociais, gênero e economia e etnodesenvolvimento. Na categoria apoio à pesquisa serão selecionadas as melhores teses e

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senvolvimento sustentável da agricultura familiar. Pa ra tanto, contratou os serviços da Embrapa. Nos primeiros dois anos serão investidos US$ 650 mil em ações de planejamento. Nos dez anos seguintes estão previstos gastos de US$ 2,7 milhões, aplicados no desenvolvimento de um cinturão verde, em irrigação e num sistema de produção local de sementes. •

dissertações de antropólogos e alunos de pós-graduação. Já na categoria ensaio inédito serão escolhidos os cinco melhores textos de antropólogos associados à ABA. Mais informações sobre o prêmio estão disponíveis no endereço www. abant.org.br/conteudo.php?exibir=251. •


■ Anéis que irradiam informação

■ Tira-dúvidas de empreendedores

O embrião de uma rede óptica de alta velocidade que busca integrar os estados da região amazônica começa a funcionar ainda no primeiro semestre, interligando instituições acadêmicas da Região Metropolitana de Belém. O chamado Anel de Belém vai unir oito instituições públicas da capital paraense, como o Museu Emílio Goeldi, a Universidade Federal do Pará e o Instituto Evandro Chagas, entre outros, que estarão interligados com velocidades até 1 gigabit por segundo. Os acervos de informação e de imagens mantidos em Belém se tornarão disponíveis para pesquisadores e educadores distantes. A interligação será estendida às capitais da Amazônia, com exceção de Macapá (que não dispõe de cabos ópticos), e, numa fase posterior, ao Brasil inteiro. "Nossa ambição é, num fu-

dições anteriores. A primeira, realizada em setembro de 2004, durou 18 dias e concentrou-se em uma área próxima à confluência dos rios Anacuí e Amapari, nos municípios de Serra do Navio e Pedra Bran-

O Ministério da Ciência e Tecnologia investiu R$ 2 milhões na criação de um serviço gratuito de apoio tecnológico a empreendedores. O Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas (SBRT) propõe-se a tirar as dúvidas ou apontar as soluções inovadoras para problemas de desenvolvimento tecnológico de empresas num prazo de apenas oito dias. As questões são avaliadas por especialistas de instituições ligadas ao serviço e, uma vez respondidas, serão publicadas na internet para servir de referência a outros empresários. Fazem parte do serviço a Universidade de São Paulo (Disque Tecnologia), a Universi-

ca do Amapari. Foram catalogadas 25 espécies de lagartos, 150 de aves, 35 de mamíferos e 29 de morcegos. A segunda expedição, realizada no mês passado, estudou uma das regiões mais remotas da unidade, próxima à fronteira entre Brasil, Suriname e Guiana Francesa. Como o acesso à área só é possível por avião, a base aérea de Missão Tiriyós, a 600 quilômetros de Macapá, serviu de ponto de apoio. •

dade de Brasília (UnB), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial do Rio Grande do Sul (Senai-RS), o Instituto de Tecnologia do Paraná, entre outros. É possível utilizar o serviço por meio da internet, no site www.sbrt.ibict.br, por telefone ou em postos espalhados por várias cidades brasileiras. O serviço é vinculado ao Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict). •

Ave do parque: maior reserva em floresta tropical turo próximo, ver anéis de alta velocidade interligando todas as grandes cidades brasileiras", afirmou Avílio Antônio Franco, subsecretário de Coordenação das Unidades de Pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia. •

■ A descoberta do Tumucumaque Até o final de 2005 um grupo de ecologistas fará três expedições ao Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, no Amapá. Vão estudar a diversidade biológica da maior reserva em floresta tropical do planeta, com 3,8 milhões de hectares. O objetivo é observar e catalogar animais e plantas e colocar à prova a suspeita de que a região é a mais rica em biodiversidade do mundo. As expedições reúnem três dezenas de pesquisadores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da organização não-governamental Conservação Internacional (CI-Brasil), do Instituto de Pesquisas Científicas do Amapá (Iepa) e da Secretaria de Estado do Meio Ambiente. As viagens vão complementar estudos feitos em duas expe-

PESQUISA FAPESP108 ■ FEVEREIRO DE 2005 -21


POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA .MBIENTE

Clima de incerteza Protocolo de Kyoto entra em vigor com oito anos de atraso [ZIQUE

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FEVEREIRO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 108

o dia 16 de fevereiro entra em vigor o Protocolo de Kyoto. Mas antes mesmo do início da vigência desse acordo, que prevê medidas globais para redução de emissões de gases de efeito estufa, os países signatários já começaram a analisar meios e modos de enfrentar as adversidades das mudanças climáticas. A adaptação a um provável cenário de aquecimento global foi o principal tema em pauta na 10a Conferência das Partes (COP) da Convenção de Mudanças Climáticas, em Buenos Aires, em dezembro do ano passado. Ainda não existe "certeza científica" de que fenômenos como o ciclone tropical Catarina, que castigou o Sul do Brasil no ano passado, ou o inverno rigoroso e inundações que, neste ano, assolam países do hemisfério Norte, já resultem do aquecimento do planeta, sublinha Newton Paciornik, assessor da Coordenação Geral de Mudanças Globais do ("lima, da Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). "Mas, no encontro em Buenos Aires, foi arquitetado um plano de trabalho que tem como objetivo avaliar vulnerabilidades e definir estratégias de adaptação", ele afirmou, (veja propostas no endereço: www.unfccc.int) O grau de vulnerabilidade às situações climáticas extremas, no entanto, só pode ser avaliado por meio da construção de modelos climáticos que permitam observar mudanças realmente significativas. E esse é um instrumento que os países da América do Sul ainda nao têm. "Vamos preencher esta lacuna", adianta Paciorni. No ano passado, o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (Cptec), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), comprou um "supercomputador" com capacidade de fa-


zer não só previsão do tempo, mas também construir cenários de mudanças climáticas. "Com ele será possível fazer simulações para cem anos" diz José Marengo, responsável pela previsão climática do Cptec. A expectativa é que neste ano já esteja concluído um modelo de clima brasileiro. "Precisamos avaliar o impacto das mudanças climáticas sobre a biodiversidade, geração de energia elétrica, entre outros", explica Marengo. Impacto das mudanças - Alguns especialistas consideram prematura a excessiva preocupação com a adaptação às mudanças, já que se antecipa à vigência das medidas mitigadoras contra os gases de efeito estufa previstas no Protocolo de Kyoto. "É prematuro jogar a toalha antes de colocar em prática um esforço de redução das emissões, já que esta é a única solução real a muito longo prazo", afirma Carlos Nobre, pesquisador titular do Inpe. Já Luiz Pinguelli Rosa, secretário do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, pondera que "é preciso andar com as duas pernas" e considerar medidas de precaução ao mesmo tempo que são colocadas em curso ações mitigadoras. Mas, na avaliação de Roberto Kishinami, consultor de meio ambiente e energia, a adaptação tem que estar em pauta, porque no período em que foi concebida a Convenção do Clima, entre 1988 e 1992 - que resultou no Protocolo de Kyoto -/'ninguém imaginava que o impacto das mudanças climáticas acontecesse de forma tão injusta, castigando vimento". Tanto Kishinami como Pinguelli Rosa citam o exemplo do tsunami provocado por um terremoto no oceano Índico, que, apesar de não ter nenhuma relação com mudanças climáticas, expôs a fragilidade da população costeira dos países asiáticos. Se fosse no Pacífico, o número de vítimas teria sido muito menor (veja página 56). A adaptação a um planeta mais aquecido, lembra Kishinami, poderá implicar, por exemplo, o deslocamento de população de áreas em que faltará água ou que se tornarão impróprias para a agricultura. "Não será preciso perder sempre: a Holanda, por exemplo, há anos briga com o mar. Mas lá existe um plano diretor elaborado em

modelagem de clima. Na Alemanha várias regiões, como a Bavária, também já fazem isso. Na Europa como um todo usa-se a modelagem climática para definir usos e ocupações do solo." Pós-Kyoto - O atraso na implantação do Protocolo de Kyoto provoca outra polêmica. Pelo cronograma original, os países signatários deveriam, em 2005, avaliar os resultados das medidas adotadas e iniciar os debates para definição de estratégias para depois de 2012. Apesar de não existirem ainda medidas a serem avaliadas, os países desenvolvidos inauguraram os debates para o período que está sendo chamado de pós-Kyoto. O Protocolo de Kyoto prevê redução de 5,2% das emissões globais de gases de efeito estufa até 2012. As 38 nações industrializadas são as principais responsáveis pelo cumprimento dessa meta por meio de ações em seu próprio território - como a substituição de combustíveis fósseis por energia limpa, por exemplo - ou por meio do patrocínio de medidas compensatórias em países em desenvolvimento - consolidando o ainda incipiente mercado de crédito de carbono, por exemplo. Mas a partir de 2012 as nações industrializadas querem um novo acordo que atribua maior responsabilidade de países em desenvolvimento, como a índia, China e Brasil, que nos últimos anos registram taxas altas de crescimento e, no caso dos dois primeiros, também aumento no consumo de energia, afirma Francisco Maciel, diretor de energia e meio ambiente da TCBR, uma empresa de consultoria ligada ao grupo francês Altran. Na Cop-10, em Buenos Aires, os países emergentes deixaram claro que não têm intenção de assumir compromissos para não comprometer o desenvolvimento e o combate à exclusão social. Mas neste embate com as nações industrializadas a posição do Brasil, na avaliação de Maciel, é extremamente vulnerável: o país está entre os maiores emissores de gases de efeito estufa, sendo que pelo menos 70% das emissões estão relacionadas ao desmatamento. "Não dá para defender um padrão de desenvolvimento que nenhum país deveria desejar", diz. "O desmatamento depende de política de governo", comenta Carlos No-

bre. Mas existe ainda um outro fator que contribui para que o Brasil encabece a lista dos grandes poluidores: a eructaçâo, isto é, o arroto do gado. Neste caso, a solução está no desenvolvimento de novo padrão de manejo de um rebanho de quase 200 milhões de cabeças, o segundo maior do mundo. "É uma operação gigantesca", diz Nobre. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) pesquisa, desde 1999, a emissão de gás metano pela eruetação bovina, a pedido do MCT e com o apoio da FAPESP. A quantidade de metano na eruetação do boi está relacionada ao manejo nutricional dos rebanhos. No período da seca, por exemplo, o gado não se alimenta direito, perde energia por deficiência nutricional, o que provoca maior emissão de gás metano, afirma Odo Primavesi, da Embrapa Pecuária Sudeste. O capim tropical, com mais fibra e menos proteína bruta, também ajuda a aumentar a eruetação. Utilizando uma canga equipada com um medidor, os pesquisadores constataram que as vacas holandesas em lactação, por exemplo, produziam 147 quilos de gás metano por cabeça, por ano, no verão, e 139 quilos, no inverno, bem acima dos padrões europeu e norte-americano. As pesquisas, até agora circunscritas a uma parcela do rebanho paulista, têm revelado que o uso adequado do capim e uma ração combinada de cana e grãos reduz o consumo de energia do gado, que ganha peso e diminui o volume de emissão de metano por quilo de carne. Tecnologias disponíveis - Está agendado para maio, em Bonn, na Alemanha, um encontro informal no qual se pretende fazer um balanço sobre a contribuição dos diversos países na luta contra a mudança climática. Espera-se a presença dos Estados Unidos, país responsável por um quarto das emissões globais, que se mantêm fora do Protocolo de Kyoto. Antes disso, especialistas de todo o mundo tinham um encontro no Reino Unido, entre os dias Io e 3 de fevereiro, a convite do primeiro-ministro Tony Blair. A reunião tem como objetivo dar respostas a questões relacionadas ao impacto das mudanças climáticas no planeta, níveis de emissões de gases de estufa e tecnologias disponíveis para reduzir o aquecimento global. • PESQUISA FAPESP 108 • FEVEREIRO DE 2005 ■ 23


I POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

FINANCIAMENTO

Patrocínio à excelência Impa amplia seus quadros ao criar cátedras bancadas por empresários

FABRíCIO MARQUES

O Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), do Rio de Janeiro, lançou mão de um recurso trivial em universidades norte-americanas, mas raramente utilizado no Brasil, para ampliar e oxigenar seu quadro de pesquisadores. Obteve o patrocínio de empresários para financiar duas cátedras de ensino e pesquisa e, com isso, pôde contratar por quatro anos dois jovens matemáticos. O carioca Henrique Bursztvn, de 31 anos, pesquisador em geometria diferencial, vai voltar ao Brasil em julho, depois de temporadas em Berkeley, Califórnia, onde fez doutorado e pós-doutorado, na Universidade Livre de Bruxelas, onde foi pesquisador visitante, e na Universidade de Toronto, onde trabalha há dois anos e meio. Bursztvn vai ocupar a cátedra Armínio Fraga, bancada pelo ex-presidente do Banco Central (BC), que hoje é dono de uma corretora de investimentos. "Eu tinha planos de voltar ao Brasil, mas só recebia convites para continuar no exterior. A oportunidade foi muito melhor do que eu poderia esperar", afirma Bursztyn. Uma segunda cátedra, financiada por outro empresário do ramo financeiro que prefere não se identificar, foi ocupada por Jorge Vitorio Pereira, especializado em sistemas dinâmicos, que se doutorou no próprio Impa em 2001. "Consegui24 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

mos trazer de volta do Canadá um matemático brilhante e mantivemos outro no Brasil. O Jorge Vitorio estudava propostas para trabalhar no exterior e provavelmente iria embora", diz César Camacho, diretor-geral do Impa. O Impa é o instituto de matemática de maior prestígio da América Latina, cujo padrão científico e o ambiente intelectual se comparam aos das melhores instituições do mundo. Seus programas de pós-graduação receberam avaliação máxima da Capes. Fundado há mais de meio século, tem o status jurídico de organização social e recebe recursos do Ministério da Ciência e Tecnologia. A idéia de criar as cátedras começou a tomar corpo no final de 2003, na formatura de uma turma de mestrado em Finanças, cujo patrono era Armínio Fraga. Numa conversa com Fraga, César Camacho expôs-lhe os projetos do instituto, relatou a dificuldade em contratar jovens pesquisadores e falou sobre o sonho de criar cátedras com patrocínio privado. O ex-presidente do Banco Central prontificou-se a ajudar. Num encontro posterior, o diretor do Impa apresentou o plano. Queria criar seis cátedras, que seriam ocupadas durante quatro anos por pesquisadores com salário de R$ 6 mil mensais. Fraga incumbiu-se de bancar uma das cátedras e ainda convenceu um empresário a bancar a segunda. "Eu já tinha uma grande admiração pelo Impa, uma instituição de primeiríssima linha", afirma Fraga. "O instituto manteve sua excelência com


Arquimedes {287 a 212 a.C), o matemático grego que legou grandes contribuições à geometria e à física

recursos do governo, mas queria abrir espaço para jovens pesquisadores. Vi que podia ajudar e essa ajuda poderia aperfeiçoar a excelência. Espero que o exemplo inspire outros patrocínios", diz o ex-presidente do BC. Cartas de avaliação - O passo seguinte foi preparar o processo seletivo, que ocorreu no segundo semestre de 2004. Puderam concorrer matemáticos entre dois e 12 anos de doutorado e vida acadêmica orientada à pesquisa. Surgiram 12 candidaturas. A seleção foi feita por meio de consultas confidenciais a cinco iminentes matemáticos vinculados às áreas de cada candidato. Como eram 12, a consulta envolveu cartas de avaliação de 60 pesquisadores. A escolha recaiu sobre Bursztyn e Pereira. Os selecionados, na prática, terão as mesmas obrigações dos demais 32 pesquisadores do Impa e a instituição espera contratá-los após os quatro anos da cátedra. Deve-

rão ministrar dois cursos por ano em nível de pós-graduação e participar da vida científica e acadêmica do instituto. O patrocínio privado para a criação de cátedras e de bolsas de estudo é uma tradição nos Estados Unidos. Ex-alunos que ficaram ricos costumam fazer doações às universidades em que se formaram. Um exemplo recente: em abril de 2003, Robert Hill doou US$ 1 milhão à Universidade Clarkson, em Postdam, Nova York, que criou a cátedra Robert Hill em engenharia mecânica. Graduado na turma de 1948 de Clarkson, Hill tornou-se um executivo de grandes corporações e, na velhice, resolveu doar parte de seu patrimônio à instituição. Também ocorre de milionários legarem heranças a instituições acadêmicas e serem homenageados com cátedras. Ao morrer aos 91 anos, em 1999, o bilionário Paul Mellon deixou US$ 15 milhões à Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e US$ 90 milhões à Universidade Yale,

nos Estados Unidos. Colecionador de arte e criador de cavalos de corrida, Mellon tinha antiga relação com as instituições acadêmicas. Em Cambridge, seu nome batizou uma cátedra de história americana e uma sala de livros raros. "Na França há prefeituras que patrocinam cátedras", diz César Camacho. No Brasil, o governo sempre teve papel preponderante no financiamento à pesquisa e à pós-graduação, embora existam experiências isoladas de patrocínio privado a cátedras. A Fundação Getúlio Vargas, por exemplo, tem o projeto Cadeira Patrocinada, pelo qual empresas bancam a vinda de um professor estrangeiro ou o trabalho de um professor brasileiro. A direção do Impa aposta que é possível semear aqui o modelo norte-americano. O processo de escolha dos pesquisadores, na verdade, chegou a selecionar seis nomes para as cátedras. O instituto planeja contratá-los tão logo consiga patrocinadores. • PESQUISA FAPESP108 • FEVEREIRO DE 2005 ■ 25


I POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

EMPREENDEDORISMO

Capital inicial Vinte empresas do PI PE preparam-se para levar projetos ao mercado

inte empresas que concluíram as fases I e II do Programa Inovação Tecnológicas em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, contarão como o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para levar ao mercado os resultados dos seus projetos de pesquisa (ver quadro na página ao lado). Cada uma delas receberá R$ 500 mil do Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), para investir ao longo de dois

anos na engenharia de produção e colocar em curso seus planos de negócio. A contrapartida da FAPESP, prevista nó acordo com a Finep, são os recursos investidos pela Fundação nas duas primeiras fases do PIPE, período em que os pesquisadores desen^ volvem o projeto, realizam a pesquisa e elaboram o plano de negócios, "O dinheiro do Pappe será capital-semente para a fase III do PIPE", resume José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP.


No âmbito do acordo com a Finep, a FAPESP ficou responsável pela seleção dos projetos. Como às pesquisas já estavam concluídas, a escolha levou em conta a engenharia do produto e o plano de negócios. "Decidimos inovar no sistema de avaliação", conta Perez. A Fundação então firmou parceria com o Instituto Empreender Endeavor, que indicou 27 avaliadores de seu corpo de executivos voluntários - entre eles diretores da IBM, Avon, Rio Bravo, Braskem e professores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) - para analisar as propostas. A expectativa era de que os projetos aprovados demonstrassem potencial para atingir uma taxa mínima de crescimento de dois dígitos e taxa de retorno superior aos Certificados de Depósito Interbancário (CDI), um indicador de desempenho de negócios, nos próximos cinco anos.

do em parceria pelo Empreender Endeavor, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-SP) e FAPESP, no ano passado. O programa é constituído por uma série de atividades, entre elas um curso de capacitação gerencial e de inserção no mercado, conduzido pelo W. Institute, com duração de um semestre, com o objetivo de preparar empreendedores para a gestão de negócios. O PIPE Empreendedor foi orçado em R$ 808,4 mil. O Sebrae-SP financiou 49% do custo total do projeto e o Endeavor e a FAPESP, juntos, fizeram contrapartidas financeiras correspondentes a 16,91% dú orçamento. As empresas participantes também contribuíram com o custeio do programa. "Criamos uma sinergia completa", comemora Perez. O Pappe foi criado pelo governo federal em 2003 para apoiar a inovação em empresas de base tecnológica. "Foi idealizado visando a integração do sistema nacional de inovação e concatenando ações estaduais e federais", ex-

Traquejo para negócios - Definido o critério de aprovação, cada um dos empreendedores foi entrevistado por três avaliadores que observaram o seu traquejo para negócios, capacidade de realização e visão de futuro do Empresas do Pappe - PIPE III negócio. Analisaram também a vantagem competitiva e o ■ AdEspec Adesivos Especiais Ind. e Com. Import. e Export. potencial de mercado defini« Atonus Engenharia de Sistemas ttda. dos no plano de negócios, a estratégia de marketing e de • Biofarm Química e Farmacêutica Ltda. comercialização do produto, ■ Brasil Ostrtch - Comi. Imp. e Exp. Ltda. a viabilidade financeira e a • Brats Indústria e Comércio Ltda. qualificação da equipe responsável pelo projeto. A cada » Compsis Computadores e Sistemas Indústria e Comércio Ltda um desses quesitos os avalia• CP2 Ltda-ME (Bug Agentes Biológicos Ltda.) dores atribuíram notas entre ■ Electrocêll Ind. e Com. Ltda. um e quatro e ainda fizeram uma "recomendação qualita• Femto indústria Comércio Instrumentos Ltda. tiva", como diz Perez, a favor ■ Geodados Mapeamento e Pesquisa Ltda. ou contra ã aprovação do ■ Lasertools Tecnologia Ltda. projeto. "Selecionamos as propostas que tiveram três pare« Mextra Engenharia Extrativa de Metais Ltda. ceres favoráveis e, em seguida, ■ MRA Indústria de. Equipamentos Eletrônicos Ltda. as que tiveram dois pareceres • Navcon - Navegação e Controle Indústria e Comércio Ltda favoráveis até o limite dos recursos disponíveis", afirma ■ Omnisys Engenharia Ltda. Perez. A FAPESP também se»Optolink Indústrias e Comércio Ltda. rá responsável pelo acompa■ PHB Industrial S.A. nhamento dos projetos. A grande maioria dos em• Pro-Clone Biotecnologia Ltda. preendedores cujos projetos ■ Proqualit Montagem e Comércio Ltda. foram aprovados tinha par• Unitech Ltda. ticipado do programa PIPE Empreendedor, implementa-

plica Odilon Marcuzzo do Canto, diretor de desenvolvimento científico e tecnológico da Finep. Na época, a Lei de Inovação - promulgada em. dezembro do ano passado - ainda tramitava no Congresso Nacional e a Finep não tinha como investir recursos, a fundo perdido, nas empresas de base tecnológica. "O Pappe então foi desenhado para apoiar pesquisadores dentro das empresas", justificou. Modelo complementar - O programa conta com recursos dos fundos setoriais e é implementado nos estados em parceria com ás Fundações de Amparo à Pesquisa (Faps) e secretarias estaduais de Ciência e Tecnologia. Em 2004, primeiro ano de operação do programa, õ Pappe investiu R$ 151,8 milhões em projetos de inovação em 19 estados. Em 2005, de acordo com Canto, esses recursos somarão algo em torno de R$ 60 milhões. O modelo de investimento e de financiamento adotado pelo Pappe, é semelhante ao do PIPE, implementado pela FAPESP em 1997 e, pof isso, o programa em São Paulo foi adaptado para complementar o PIPE. Um acordo firmado entre a Fundação e a Finep permitiu a fusão dos dois programas no Pappe PIPE III e canalização dos recursos federais para as empresas até então apoiadas pela FAPESP. "Esperamos que esse programa se traduza numa rubrica permanente e se estabilize com novos editais", afirma Perez. A parceria entre a FAPESP e a Finep, que permitiu a implantação do programa, estava prevista desde o lançamento do PIPE, em 1997. Só tomou forma no ano passado por "um ato de sabedoria da Finep", que entendeu que, em São Paulo, o Pappe teria que ser diferente, sublinha Perez. A associação com o SebraeSP e o Empreender Endeavor, prevista desde o início do PIPE, também só deu certo sete anos depois, como PIPE Empreendedor e, agora, com o início da terceira fase do programa. • PESQUISA FAPESP 108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 27


CIÊNCIA

As civilizações mais antigas das Américas

■ Corrigindo a data da origem da vida Os mais antigos sinais de vida na Terra, que estavam na casa dos 3,8 bilhões de anos, retornam para a faixa dos 3,5 bilhões. Havia evidências convincentes datadas de 3,5 bilhões, mas em 1996 o geoquímico Gustaf Arrhenius, da Universidade da Califórnia, fez essa data retroceder 300 milhões de anos. Arrhenius apresentou cristais de carbono orgânico, supostamente produzidos por organismos vivos, em rochas de 3,8 bilhões de anos encontradas na Groenlândia. Em janeiro, Arrhenius fez um mea-culpa ao assinar na Geology um estudo coordenado por Aivo Lepland, do Serviço Geológico da Noruega: os tais cristais de carbono nunca estiveram naquelas rochas. Sem equipamento, Arrhenius havia mandado um aluno analisar as rochas em outro laboratório, e não houve uma rigorosa supervisão do trabalho. Acredita-se que a vida tenha surgido há cerca de 4 bilhões de anos, mas ainda é difícil provar. • 28 > FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

No Peru, entre os Andes e o Pacífico: civilização contemporânea dos faraós

Não foram os astecas e maias da América Central nem os incas no Peru, de quase 3 mil anos atrás. As primeiras sociedades complexas das Américas são bem mais antigas: surgiram na América do Sul na mesma época do nascimento da civilização egípcia, no norte da África, e a mesopotâmica, no Oriente Médio, de acordo com dois estudos publicados em dezembro na Nature. Há cerca de 5.100 anos, no norte do Peru, em uma paisagem árida conhecida como Norte Chico ou Norte Pequeno, viveram os primeiros habitantes do continente que trocaram a caça, a pesca e a coleta de alimentos pela agricultura irrigada. Habitavam ao menos 20 núcleos residenciais monumentais, com praças circulares e pirâmides de até 26 metros de altura, ês arqueólogos, Jonathan

Haas, do Field Museum, dos Estados Unidos, sua mulher, Winifred Creamer, e o peruano Álvaro Ruiz confirmaram o desenvolvimento de um complexo cultural nessa região entre 3.000 a.C. e 1.800 a.C. por meio de datações com carbono radiativo. Intrigou o fato de esse povo não ter produzido artefatos de cerâmica nem plantado cereais, em geral a principal produção agrícola das primeiras sociedades complexas, mas apenas algodão, abobrinha, pimenta, feijão, abacate, goiaba e cana. Essa descoberta desafia a teoria de que as sociedades andinas complexas teriam evoluído principalmente pela exploração de recursos marítimos e, segundo Álvaro Ruiz, sugere que é preciso repensar o início do desenvolvimento econômico, social e cultura do início da civilização peruana e de

toda a América do Sul. Tornando essa revisão ainda mais necessária, a equipe de José Iriarte, do Instituto de Pesquisa Tropical Smithsonian, no Panamá, revelou sociedades complexas antigas onde não se imaginava que pudessem existir: na região de Los Ajos, uma área de campos alagáveis no sudeste do Uruguai. Ali, ao redor de praças, sobre montes de até 2 metros de altura, dispostos em forma de círculo ou ferradura, os habitantes erguiam suas habitações entre 4.800 e 4.200 anos atrás. Há indícios de que essa sociedade, anterior às que surgiram na Amazônia, plantava grãos como milho e já havia abandonado a caça e a coleta de alimentos. Antes se pensava que grupos com tal nível de organização só existissem nos Andes e na planície amazônica.


Planeta à vista Já haviam sido encontrados cerca de 130 planetas extra-solares, mas este ao lado (ponto rosa) é provavelmente o primeiro observado de modo direto: por meio de uma câmera de infravermelho do Hubble. Com uma órbita de 2.500 anos e uma massa cinco vezes maior que a de Júpiter, ele gira ao redor de uma anã-marrom objeto astronômico relativamente opaco, com uma massa intermediária entre um planeta e uma estrela. A anã-marrom {cruz) e o planeta estão separados por 7,5 bilhões de quilômetros. •

■ O poderoso coração das mulheres Surgiu uma resposta para a antiga pergunta de por que as mulheres vivem mais que os homens: o coração feminino envelhece de modo diferente do dos homens e não perde a capacidade de bombear sangue à medida que elas envelhecem. Após acompanhar durante dois anos 250 homens e mulheres saudáveis, David Goldspink, da Univer-

sidade John Moores (LJMU), em Liverpool, Inglaterra, verificou que o poder de bombeamento do coração dos homens cai de 20% a 25% entre os 18 e os 70 anos de idade, enquanto o das mulheres se mantém. Mas os homens podem fortalecer o coração fazendo exercícios físicos: o coração de atletas veteranos, com 50 a 70 anos, se mostraram tão potentes quanto os de estudantes sedentários de 20 anos. •

■ Parceria visceral com as bactérias Elas formam o segundo maior órgão metabólico do corpo e são importantes - tanto quanto fatores genéticos e ambientais - para evitar ou agravar as doenças. No intestino de um adulto pode viver até 1 quilograma de bactérias, que contêm mais genes que o

A geologia da cerveja Quem entende assegura que o segredo de uma boa cerveja está na água. Está certo. Mas como explicar as diferenças entre um tipo e outro de cerveja? A leveza de uma Pilsener e o tom escuro de uma irlandesa resultam de sutis contribuições das rochas à água, de acordo com uma apresentação feita por Alex Maltman, da Universidade da Califórnia, em um encontro de geologia realizado no final de

2004 nos Estados Unidos (New York Times). A água para as cervejarias da cidade inglesa de Burton-onTrent provém de terrenos arenosos, ricos em minerais, que ajudam a dar sabor à cerveja, e em sulfatos, que agem como conservantes. Já a água da Pilsener deve ser retirada de poços escavados em rochas metamórficas, quase impermeáveis: delas praticamente não saem minerais. É também

a composição da água que faz com que um tipo de cerveja peruana, a chicha, seja frágil: para tormento dos connaisseurs, tem de ser tomada logo, já que estraga em poucas semanas. •

próprio hospedeiro. Agindo em conjunto, os genes desses microorganismos e os do corpo humano formam um superorganismo, capaz de reger respostas fisiológicas e metabólicas, de acordo com um estudo de pesquisadores do Imperial College de Londres e da Astra Zeneca (Nature Biotechnology). O conceito de superorganismo pode ajudar a entender melhor os mecanismos de desenvolvimento das doenças, incluindo aqueles relacionados à resistência à insulina, a problemas cardíacos, a alguns tipos de câncer e mesmo algumas doenças neurológicas, segundo o coordenador desse trabalho, Jeremy Nicholson, do Imperial College London. Para Ian Wilson, da Astra Zeneca, essa interação pode ajudar na pesquisa de fármacos e explicar por que alguns medicamentos funcionam em algumas pessoas e em outras não. Já se verificou que as bactérias alteram a basicidade (pH) do intestino e a resposta imune do organismo, das quais depende a eficácia dos medicamentos. •

PESQUISA FAPESP108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 29


Os belos e perigosos seres do mar Moréias lembram

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é que têm visão ruim e podem confundir o dedo dos banhistas em férias com comida e morder com força. As esponjas-do-mar são belíssimas, mas aprecie a distância: quando tocadas, causam irritação na pele e dor que podem durar dias. Como na praia ou no mar nem sempre o que é belo é inofensivo, uma equipe de pesquisadores começou neste mês a distribuir o folheto Animais marinhos - prevenção de acidentes e primeiros cuidados, com descrições e sugestões de procedimentos para os amantes

do mar saírem dos imprevistos: se, por exemplo, um polvo agarrá-lo um dia, mantenha a calma e aperte a cabeça do animal, que assim soltará os tentáculos. Em praias roo melhor é caminhar com algum tipo de calçado: nas roostras, cujas bordas afiadas ções, quando abrigam bactérias e fungos. O folheto é assinado por Álvaro Esteves Migotto, do Centro de Biologia Marinha (CEBIMar) da Universidade de São Paulo (USP), Shirley Pacheco de Souza, do Instituto Terra & Mar, e Vidal Haddad Júnior,

da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Pode ser complementado com os detalhes sobre identificação e tratamento de acidentes encontrados no endereço eletrônico www.dangerousaquaticanimals.com.br, criado por Haddad Júnior. Ele próprio, em um estudo publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, anãos principais causadores de acidentes provocados por animais marinhos: das 236 ocorrências que ele observou em 2003, metade era causada por ouriços-do-mar e 25% pelos cnidários como medusas e caravela.

Ouriço-do-mar: espinhos podem causar infecção

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Man gangas (acima e abaixo): em águas rasas, com espinhos nas nadadeiras

Caranguejos: as garras cortam


Novo arbusto da Amazônia Em uma área de difícil acesso às margens do igarapé Infiry e do rio Mapuera, noroeste do Pará, foram colhidos em 1910 e depois em 1980 os frutos, os ramos e as folhas de uma árvore que parecia representar uma espécie nova. Esse material ficou envolvido por folhas de jornal em um dos armários do herbário do Museu Paraense Emílio Goeldi à espera de quem o analisasse. Só em 2002 é que o próprio curador do herbário, o botânico Ricardo Secco, o identificou. Ele tirou a poeira e descobriu que se tratava, sim, de uma nova espécie. É a Croton faroensis, como foi chamada: um arbusto de 3 metros de altura, ramos cor cie ferrugem dotados de pelos curtos, com folhas com uma consistência semelhante à do papel e 5 a 12 centímetros de comprimento. Descrita por Secco na Revista Brasileira de Botânica, esse arbusto é encontrado em trechos da Amazônia com vegetação baixa - as campinas ou campinaranas - e apresenta uma peculiaridade: é monóica, assim chamada por apresentai" flores masculinas e femininas reunidas na mesma planta.

"O fato de essa espécie ter sido coletada em 1910, recoletada 70 anos depois e só agora estar sendo descrita como espécie nova", diz Secco, "demonstra o quanto ainda precisamos estudar a flora amazônica". •

Identificado vírus da varíola bovina O vírus causador do surto de varíola bovina que entre 2001 e 2003 atingiu mais de 1.500 cabeças de gado e cerca de cem trabalhadores rurais no Vale do Paraíba, interior paulista, pertence à variedade vaccinia, uma forma menos agressiva utilizada nas vacinas contra a varíola, e não à cowpox, como havia inicialmente se pensado. Uma equipe do Instituto Adolfo Lutz coordenada por lonas Kisielius e Marli Ueda Ito chegou a essa conclusão por meio do seqüenciamento dução de uma proteína que permite ao vírus infectar as células humanas. Como a

culação no país desde o início da década de 1980, quando cessou a vacinação contra a varíola humana, era grande a probabilidade de o vírus do Vale do Paraíba pertencer à variedade cowpox, causadora da varíola bovina verdadeira, que reduz a produção de leite por infectar o úbere das vacas e jamais foi detectada nas Américas. A cepa vaccinia causa apenas pequenas feridas nas mãos, além de febre e indisposição moderadas. Há até um benefício: quem foi recentemente contaminado pelo vaccinia está protegido contra a varíola, provocada por uma variedade muito mais agressiva do vírus, a smallpox. Mas o fato de o vaccinia ainda circular muito após o fim da vacinação contra a varíola, há cerca de 20 anos, levanta uma dúvida: como essa cepa permaneceu tanto tempo na natureza? "Provavelmente", diz Marli, "o vírus vaccinia conservouse em roedores". •

Outro ouriço: fique longe

Moréia: quando morde, não solta logo Ferrão serrilhado da raia-pintada: dor intensa e prolongada

Os custos da tuberculose Cada caso novo de tuberculose, a mais comum das doenças infecciosas, com 83 mil notificações por ano no Brasil, custa R$ 186 para o serviço público de saúde. Já o tratamento da tuberculose multirresistente é 27 vezes mais alto. Ainda que considerados elevados, esses valores não são percebidos devido à fragmentação do atendimento entre os órgãos de saúde estaduais de controle dos gastos, de acordo com um estudo feito por equipes da Universidade Federal da Bahia, da Universidade de Londres e do Instituto Tropical da Suíça {Revista de Saúde Pública). Foram acompanhados 146 pacientes que receberam o diagnóstico de tuberculose pela primeira vez, 33 pacientes hospitalizados e 39 com tuberculose multirresistente atendidos em dez centros de saúde de Salvador.


CAPA BIOLOGIA

Encruzilhada genética ^ - •

Baixa diversidade no DNA desafia a preservação das preguiças, que já vivem isoladas em pequenos trechos de mata

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entas acrobatas das árvo- v ** res, as simpá. ticas preguiças têm baixa diversidade genética. Estudos recentes, feitos por equipes independentes de universidades de São Paulo e de Minas Gerais, chegaram a essa conclusão. Embora possa ser uma característica natural desses mamíferos, a reduzida variabilidade no DNA pode também ser uma ameaça a mais para os animais, que têm de fugir de seus predadores naturais, da caça ilegal e do encolhimento de seu hábitat. Em linhas gerais, os trabalhos indicam que o isolamento prolongado de grupos desses bichos em pequenas e descontínuas áreas de floresta, em especial na picotada Mata Atlântica, da qual só restam 7% da cobertura original, produziu indivíduos com DNA quase igual no interior de cada população e, ao mesmo tempo, demasiadamente diferente do DNA de membros de agrupamentos distantes. O processo evolutivo fez cada região (ou estado) dar origem a bichos de linhagens genéticas específicas e únicas. "Na Mata Atlântica, por exemplo, há uma clara diferencia-


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Preguiça-de-coleira: exclusiva da Mata Atlântica e ameaçada

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áLTw! re animais i provavelmente por distint cas; e no aambiente ocorridas

....a a variabilidade molecular de preguiças do gênero Bradypus, de três dedos, num projeto financiado pela FAPESP. Dentro de uma população de preguiças deve haver muitos relacionamentos entre animais aparentados, talvez pelo fato de o agrupamento ser, aparentemente, muito reduzido e sem comunicação com indivíduos de outras regiões. Em exagero, a consangüinidade em populações de tamanho reduzido pode inviabilizar uma espécie, gerando doenças recessivas e infertilidade. Cada preguiça no seu galho - Para preservar todas as linhagens genéticas de preguiça, que representam uma potencial vantagem adaptativa diante de novas c eventuais alterações ambientais, os pesquisadores não aconselham misturar animais oriundos de diferentes regiões, ainda que sejam da mesma espécie. Eles acreditam que a recomendação deve ser levada em conta pelos programas de preservação desses mamíferos arborí-

colas. Se possível, cada preguiça deveria ficar no seu galho. "O ideal era que houvesse centros regionais dedicados a cuidar especificamente dos bichos daquele lugar", diz a bióloga colombiana Paula Lara-Ruiz, que analisou o comportamento, os traços físicos e sobretudo a genética da preguiça-de-coleira (Bradypus torquatus), espécie encontrada apenas no Brasil e ameaçada de extinção, para sua dissertação de mestrado na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). "Cruzar bichos geneticamente muito distintos também pode resultar em filhotes com vários problemas, como de adaptação ao ambiente ou malformações", comenta o geneticista Fabrício Santos, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que orientou as análises genéticas no trabalho de Paula. Os estudos da equipe de Minas contam com recursos da PUC/MG, National Geographic Society, Flora & Fauna International e da Aracruz Celulose. socorro das preguiças no país, o Centro de Reabilitação Reserva Zoobotânica, em Ilhéus, no sul da Bahia, no meio de uma área de Mata Atlântica. Ligado à Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), órgão do Ministério da AgriPESQUISA FAPESP 108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 33


cultura, o centro é tocado desde 1992 pela bióloga Vera Lúcia de Oliveira, que já ganhou prêmios nacionais e internacionais pelo bom trabalho com as preguiças. Em 13 anos de atividade, cerca de 250 animais, 80% da espécie B. torquatus, foram encaminhados às mãos de Vera. Pelo menos 70 já chegaram ali mortos, em razão de ferimentos e desnutrição, ou não resistiram, apesar dos cuidados dispensados aos bichos. Os demais foram tratados, readaptados à vida selvagem e soltos em reservas da Ceplac. Alguns exemplares que não se mostraram aptos a retornar às matas são mantidos no próprio centro, onde se obteve até a reprodução em semi-cativeiro da preguiça-de-coleira. A bióloga do Ceplac não acredita que misturar espécimes de diferentes estados possa produzir algum efeito negativo, afirmação polêmica que não é aceita por muitos cientistas. "Mas nunca recebi preguiças-de-coleira de outros estados, no máximo preguiças-comuns", explica Vera, recém-nomeada secretária do Meio Ambiente de Ilhéus, que cuida dos bichos como filhos, carregando-os no colo. Profissional de campo, ela dedica a vida a esses simpáticos mamíferos e tem uma relação amistosa, embora às vezes difícil, com os biólogos das universidades, que estudam com mais distanciamento os animais.

Preguiça-comum: populações com linhagens genéticas distintas

As preguiças pertencem a um antigo grupo de mamíferos com placenta encontrado apenas nas Américas, em especial nas do Sul e Central, a ordem dos Xenarthra, que também inclui os tatus e os tamanduás. Entre os Xenarthra, surgidos há aproximadamente 80 milhões de anos, as preguiças foram os animais com maior diversidade de formas. Quase cem gêneros chegaram a ser descritos. Há cerca de 10 mil anos, no final do Pleistoceno, houve uma extinção em massa da fauna nas Américas, causada provavelmente por mudanças climáticas. Entre as perdas, desapareceram quase todos os tipos de preguiças, inclusive as gigantes, que viviam em solo firme. Sobraram apenas exemplares adaptados à vida na copa das árvores, hoje subdivididos em dois gêneros: o Bradypus, as preguiças de três dedos, com quatro espécies, e o Choloepus, as preguiças de dois dedos, com duas espécies. Se existe um país com bichos solitários, que pouco se locomovem e passam até uma semana sem pôr o pé no chão, esse lugar é o Brasil. Das seis espécies vivas e conhecidas, somente uma não pode ser vista comendo folhas dependurada, muitas vezes de cabeça para baixo, em galhos das florestas nacionais, a pequenina Bradypus pygmaeus, cuja presença se restringe a uma ilha do Panamá.

Os estudos foram feitos com o DNA mitocondrial dos animais. Usinas de energia, as mitocôndrias têm um genoma próprio, diverso do existente no núcleo das células. O DNA mitocondrial é transmitido exclusivamente da mãe para o filho, sem sofrer recombinação, e constitui uma ferramenta usada pela biologia molecular para contar a história evolutiva das espécies. Como as mutações nesse tipo de material genético de linhagem materna ocorrem num ritmo rápido e mais ou menos constante, modelos matemáticos foram criados para tentar estabelecer, de forma aproximada, quando duas espécies distintas, ou populações diferentes de uma mesma espécie, tiveram um ancestral comum. Num artigo de 2003 na revista científica Genetics and Molecular Biology, a partir da análise do genoma mitocondrial, pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) estimaram que a preguiça-decoleira se separou da comum e da preguiça-de-bentinho (Bradypus tridactylus) há 7,7 milhões de anos. O DNA mitocondrial também pode ser empregado para medir o grau de variabilidade genética entre os membros de uma população e, mais recentemente, até como forma de ajudar os taxonomistas a identificar espécies. Ponte de mão dupla - O material genético mostrou claramente a separação molecular das populações de preguiças de três dedos. Num artigo aceito para publicação na revista científica holandesa Genética, Nadia e seus colegas do Laboratório de Biologia Evolutiva e Conservação de Vertebrados da USP compararam um segmento do DNA mitocondrial obtido a partir de amostras de sangue ou tecido de duas espécies encontradas na Mata Atlântica, a preguiça-de-coleira, exclusiva da floresta litorânea, e a preguiça-comum, o popular bicho-preguiça, cujo nome científico é Bradypus variegatus, também presente em outros ecossistemas, como a Amazônia. A amostra era composta de 19 exemplares da primeira espécie, oriundos de duas regiões distantes (sudeste da Bahia e Espírito Santo), de 47 da segundo espécie, provenientes de três áreas distintas (sudeste da Bahia, norte de Mi-


nas Gerais e São Paulo). Grosso modo, o resultado foi sempre o mesmo: tanto a preguiça-de-coleira como a comum apresentam linhagens genéticas distintas, específicas de cada estado. "Inferimos que existem dois grupos filogeográficos principais que representam uma divergência norte e sul", afirma João Stenghel Morgante, do IB/USP, coordenador do projeto. Na preguiçade-coleira, o grupo setentrional abarca os exemplares da Bahia e o meridional, os espécimes capixabas. Na preguiçacomum, a divergência norte engloba as amostras da Bahia e Minas e a sul, a do território paulista. "Em São Paulo, apenas um dos 20 exemplares de Bradypus variegatus tinha seqüências de DNA diferentes dos demais. A dos outros eram iguais", diz Nadia. Em outro estudo, ainda não publicado em revistas científicas, a equipe do IB/USP comparou a diversidade no DNA mitocondrial de preguiças-comuns de três áreas da Mata Atlântica e quatro da Amazônia. Mais uma vez os exemplares de cada região filiaram-se a grupos genéticos bem distintos. As Bradypus variegatus de uma zona geográfica em particular chamaram a atenção dos cientistas. "As diferenças no DNA mitocondrial das preguiças ao longo do norte do rio Tocantins, próximo a Santarém, no Pará, são muito grandes quando comparadas às preguiças-comuns das demais regiões", afirma Nadia. Essa população muito divergente geneticamente pode pertencer, na verdade, a uma outra espécie conhecida do animal, a popular preguiça-de-bentinho {Bradypus tridactylus), que ocorre somente numa porção da Região Norte. Ou até a uma espécie ainda desconhecida de preguiça. Também foram levantadas evidências genéticas de que o Nordeste funciona como uma ponte de mão dupla entre os grupos genéticos de preguiças-comuns da Mata Atlântica e da Amazônia, permitindo a passagem de indivíduos de uma zona para outra. Os pesquisadores mineiros, num trabalho independente do realizado pelos colegas da USP, que em breve será submetido a uma revista internacional, chegaram a resultados semelhantes com populações apenas de preguiçade-coleira. Eles analisaram três trechos do DNA mitocondrial de uma grande amostra de Bradypus torquatus: 44

Pêlos escuros em torno do pescoço inspiraram o nome popular da preguiça-de-coleira


exemplares, três do Rio de Janeiro, seis da Bahia e 35 do Espírito Santo. "As populações de preguiça de um estado estão isoladas das de outro", afirma Paula. "Não há troca de genes entre elas há muito tempo." De novo, os cientistas constataram que o DNA de, por exemplo, um espécime da Bahia é quase igual ao de outro exemplar desse estado, mas bastante distinto do de indivíduos do Espírito Santo e Rio de Janeiro. A baixa diversidade genética é uma situação preocupante, mas não chega a ser uma total surpresa no caso da preguiça-de-coleira, cuja marca registrada é uma faixa de pêlos escuros em torno do pescoço. Afinal trata-se de um animal presumivelmente raro, talvez com poucos indivíduos vivos, embora ninguém saiba ao certo quantos, que vive praticamente camuflado na copa de árvores, a 20 ou 30 metros do solo, de uma região bastante delimitada da Mata Atlântica, entre o sul de Sergipe e o norte do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Talvez seja ainda mais chocante descobrir que a preguiça-comum, relativamente abundante e mais fácil de ser encontrada, enfrenta o mesmo gargalo genético. As populações de B. variegatus, com suas típicas manchas escuras em torno dos olhos que lembram óculos, estão presentes numa faixa de terra muito maior do que a ocupada pela seletiva B. torquatus. No continente, seu vasto hábitat se estende de Honduras, na América Central, até o norte

Em São Paulo, o DNA de todas as preguiças-comuns é quase igual

da Argentina. Em território nacional, a preguiça-comum pode ser achada de norte a sul, em quase todos os estados. Até parques urbanos de cidades possuem preguiças-comuns. Seria simplista e alarmista demais comparar a pequena diversidade genética das preguiças comum e de-coleira a uma bomba-relógio programada pela biologia para - mais dia, menos dia eliminá-las da face da Terra. Pouca variabilidade nas seqüências que compõem o DNA de uma espécie não quer dizer, necessariamente, poucos anos de vida. Às vezes, a baixa disparidade genética é uma evidência de que um grupo de animais passou ou está no meio de um processo evolutivo denominado gargalo populacional ou efeito fundador. Devido a alguma mudança ambiental, como o aquecimento excessivo do clima ou a redução de seu hábitat natural, ocorre uma drástica redução no número original de membros de uma popu-

lação. Nesse caso, perde-se uma parte da diversidade genética total da espécie. Se não houver, em pouco tempo, outra grande mudança ambiental, esses remanescentes, apesar de poucos e, às vezes, com reduzida diversidade genética, podem ter sucesso em restabelecer as populações da espécie. Num cenário otimista, o número de indivíduos dessa população volta aos poucos a crescer e possivelmente a sua variabilidade genética também. Esse é um final feliz para um bicho que, num dado momento de sua história, deparou com um gargalo populacional. "Não descartamos a hipótese de que o efeito fundador tenha ocorrido nas populações de preguiça-de-coleira de cada estado, mas precisamos de mais estudos para confirmar ou descartar essa idéia", explica Fabrício. Uma questão de fundo que os estudos com a B. torquatus e com a B. variegatus ainda não conseguem responder com certeza é se a baixa variabilidade genética é produto apenas do modo de vida e hábitos das preguiças, com raízes históricas, ou se também derivam de pressões mais recentes. A ação humana, ao cortar a vegetação nativa, em especial a Mata Atlântica, é maléfica para as preguiças. Esses animais, que costumam se locomover por uma área de 5 hectares, têm cada vez menos porções de floresta à sua disposição. O problema é que ainda não há marcadores moleculares capazes de medir o impacto recente da civilização

OS PROJETOS Variabilidade genética, padrões evolutivos, filogeograpa e conservação de vertebrados neotropicais MODALIDADE Linha Regular de Auxílio à Pesquisa

Translocação como uma ferramenta para a conservação de preguiça-de-coleira, Bradypus torquatus.

COORDENADORES

COORDENADOR ADRIANO CHIARELLO

Diversidade genética e filogeograpa da preguiçade-coleira, Bradypus torquatus (Xenarthra, Bradypodidae)

- PUC/MG

FABRíCIO

COORDENADOR JOãO STENGHEL MORGANTE

- IB/USP

INVESTIMENTO R$ 552,504,74 (FAPESP)

36 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 108

INVESTIMENTO US$ 8.680,00 (National Geographic Society e Flora & Fauna International)

- PUC-Minas R. DOS SANTOS - UFMG

ADRIANO CHIARELLO

INVESTIMENTO R$ 17.000,00 (Fundo de Incentivo à Pesquisa da PUC-Minas)


Exemplar da Amazônia: zona de contato com animais do Nordeste

sobre os bichos. Recolher mais amostras de DNA de preguiças, de mais espécies e de locais variados, e estudar outros trechos do genoma desses bichos pode ajudar a esclarecer essa questão. Também é indispensável aprofundar os estudos sobre os hábitos e as características físicas das cinco espécies de preguiça existentes no Brasil. Não há, por exemplo, nenhuma informação sobre o tamanho das populações desses bichos. A preguiça-de-coleira, que em sua fase adulta mede e pesa um pouco mais (de 60 a 80 centímetros e de 5 a 7 quilos) do que a preguiça-comum, só é considerada em extinção devido à exigüidade e à fragmentação de sua área de ocorrência na Mata Atlântica. "É muito difícil encontrar essa espécie", diz Paula Lara, que, persistente, conseguiu capturar quatro dezenas de B. torquatus. Até mesmo a noção de uma população de preguiça é algo difuso. Quantos indivíduos formam uma população desses bichos? Dez? Cem? Ninguém sabe ao certo. A preguiça é um animal solitário, de atividade noturna e diurna, que dorme metade do dia. Desce da árvore basicamente para defecar e urinar, uma vez por semana em média. O macho anda sempre desacompanhado e a mãe carrega o filhote até os 6 ou 8 meses de idade. Depois solta-o no seu território. Felizmente, alguns trabalhos pioneiros, como o de Adriano Chiarello, da PUC/MG e orientador de Paula, que desde 1994 observa com o auxílio de radiotransmissores os movimentos de exemplares de preguiça-de-coleira numa reserva do Espírito Santo, produziram novas informações sobre a conservação desses mamíferos das árvores. "Um animal reabilitado e reintroduzido nas matas deve ser monitorado por, no mínimo, 12 meses depois de solto", diz o ecólogo. "Só depois desse tempo podemos afirmar que seu processo de adaptação ao novo local foi bem-sucedido." • PESQUISA FAPESP108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 37


CIÊNCIA

MEDICINA

Sal em excesso O bócio acabou. Agora o problema é o consumo exagerado de iodo

38 ■ FEVEREIRO DE 2005 • PESQUISA FAPESP108


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m 1910 o médico mineiro Carlos Chagas viajou pelo Brasil para conhecer as condições de vida das populações ribeirinhas e sertanejas. Em uma das expedições encontrou no norte de MiJ nas Gerais muitas pessoas com bócio, o popu(L_i^——g^ lar papo, que resulta do crescimento anormal da glândula tireóide. Quase um século depois, em 2000, quatro pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) repetiram o trajeto de Chagas e, durante dois meses, percorreram 12 mil quilômetros nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, a bordo de uma van com ultra-som, computador e refrigerador. Em lugares tão diferentes como Zé Doca, no Maranhão, e Cachoeira de Itapemirim, no Espírito Santo, e Nova Roma, em Goiás, queriam verificar a quantidade consumida de iodo - tanto o excesso quanto a falta prejudicam o funcionamento da tireóide - e investigar se ainda havia brasileiros com bócio, causado pela carência crônica de iodo. Ao examinar o volume da tireóide de 2.013 estudantes em 21 cidades nos estados do Pará, Maranhão, Tocantins, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Espírito Santo, nos mesmos locais onde fora detectada deficiência de iodo, os médicos da USP concluíram que não havia mais casos de bócio nesses vilarejos, graças à obrigatoriedade da adição de iodato de potássio ao sal de cozinha em todo o país. No entanto, o exame de amostras de urina das crianças e dos jovens com idade de 6 a 14 anos levou a outra conclusão: em cidades do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste a população ingeria uma quantidade elevada

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São Francisco, Minas, começo do século passado: Carlos Chagas descobre muitos casos de bócio endêmico

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de sal iodado, superior aos 10 gramas diários por pessoa recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Nesse estudo, que é parte do projeto Thyromobil - coordenado pelo Conselho Internacional para o Controle de Doenças Associadas à Deficiência de Iodo (ICCIDD) e financiado pelo laboratório Merck -, os pesquisadores constataram ainda que quase nove em cada dez estudantes apresentavam níveis de iodo na urina superiores ao valor considerado normal: até 300 microgramas de iodo por litro. É uma das mais altas taxas registradas entre os 15 países da América Latina e da África percorridos entre 1998 e 2001 pelo projeto Thyromobil. Outro país com uma das mais altas taxas é o Chile, no qual a urina de 69,5% dos estudantes continha mais de 300 microgramas e 39% mais de 500. A Bolívia, com 10% das amostras acima de 300 microgramas, está entre os países com as menores taxas. "As populações que vivem em lugares com clima quente e úmido têm o hábito de consumir comidas mais salgadas do que os moradores das regiões Sudeste e Sul", diz o médico endocrinologista Geraldo Medeiros, coordenador da Unidade de Tireóide da Faculdade de Medicina da USP. "É que o calor excessivo faz com que o corpo transpire muito e perca sal." Como os sintomas tardam a aparecer, quem deve sentir de fato as conseqüências do consumo excessivo de iodo - encontrado nos alimentos, nos compostos polivitamínicos e em alguns medicamentos - não são as crianças, e sim os adultos e idosos. De acordo com a OMS, a ingestão de iodo em excesso durante um período prolongado - três a quatro anos - pode provocar entre os adultos jovens, principalmente entre as mulheres com alguma predisposição genética, o aumento das doenças autoimunes da tireóide, que surgem quando o próprio organismo passa a fabricar anticorpos que destroem a glândula. Por razões ainda não completamente elucidadas, essa enfermidade chamada de tireoidite crônica é sete vezes mais comum entre as mulheres do que entre os homens. Atinge no Brasil de 3% a 7% das pessoas de 19 a 45 anos e é mais elevada no grupo de mulheres na menopausa - em torno de 13%. A tireoidite - ou inflamação crônica da tireóide - pode levar a glândula a produzir hormônios 40 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 108

em quantidade insuficiente - o hipotiroidismo, que, estima-se, afeta cerca de 6% da população. Entre as pessoas com mais de 60 anos, o nível exagerado de iodo no corpo aumenta - e muito - a ocorrência de um outro tipo de problema: o hipertiroidismo, como é chamada a produção excessiva dos hormônios T3 (triiodotironina) e T4 (tiroxina) da tireóide, glândula situada na parte da frente do pescoço, que normalmente pesa de 10 a 16 gramas e produz hormônios que controlam o consumo de oxigênio das células e o nível de colesterol no sangue. Após os 60 anos, o hipertiroidismo, que atinge menos de 1% dos brasileiros, agrava os já elevados riscos de problemas cardiovasculares. É que a produção desses hormônios em taxas superiores às normais leva à aceleração dos batimentos do coração ou à irregularidade no ritmo cardíaco, entre outros sintomas, colocando em risco a vida da pessoa. Na etapa brasileira do projeto Thyromobil, além das crianças e jovens, foram examinadas amostras do sal de cozinha utilizado nas casas. Metade delas continha mais de 60 miligramas de iodo por quilo de sal, mas dentro da faixa considerada aceitável na época: de 1999 até o início de 2003 a concentração perO PROJETO Avaliação da excreção urinaria de iodo e grau de iodatação do sal consumido no Estado de São Paulo e tratamento ambulatorial com radioiodo em pacientes portadores de bócio multinodular, precedido por estímulo por hormônio tireotrófico humano recombinante MODALIDADE

Linha Regular de Auxílio a Pesquisa COORDENADOR GERALDO ANTôNIO DE MEDEIROS NETO-USP

INVESTIMENTO

R$ 26.997,79 e R$ 62.382,50 (FAPESP)

mitida no Brasil variava de 40 a 100 miligramas. Com base nessa pesquisa e em recomendações de técnicos do Ministério da Saúde, em março de 2003 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão do ministério encarregado do controle de remédios e alimentos, passou a considerar próprio para consumo humano somente o sal com teor igual ou superior a 20 miligramas até o limite máximo de 60 miligramas de iodo por quilo do produto.

uatro anos depois da viagem pelo interior do Brasil, os pesquisadores dedicaram-se a outra jornada, dessa vez no próprio Estado de São Paulo. Há dois anos, a equipe de Medeiros examinou 844 alunos com 6 a 14 anos de idade nos municípios de Araçatuba, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Taubaté e Cananéia. Assim como as crianças e os adolescentes da primeira viagem, os alunos de São Paulo foram submetidos a exames de ultra-som da tireóide e entregaram amostras de urina e do sal de cozinha usado em suas casas. A pesquisa apresentou resultados semelhantes aos da anterior: não há casos de bócio nas regiões visitadas e o volume da tireóide está normal em 98% dos estudantes. De modo geral, o problema consiste novamente na ingestão exagerada de iodo. Segundo Eduardo Tomimori, da equipe da USP, a substância é consumida em excesso nas seis cidades. Metade dos alunos tinha no organismo iodo em quantidade acima do normal e um terço deles, mais que o dobro da quantidade aceitável. "Como a taxa de iodo das amostras de sal analisadas estava dentro do padrão (de 20 a 60 miligramas por quilo de sal), concluímos que a população de São Paulo está ingerindo muito sal", diz Medeiros. Mas há exceções, que também podem ser danosas, ressalta Tomimori. Nas fazendas do interior do estado muitas pessoas consomem o mesmo sal que é dado para o gado. Como esse produto é pobre em iodo, essa população corre o risco de de-


Exames de rotina de tireóide (napinça): em busca de alterações mais graves

senvolver problemas associados à carência crônica de iodo - por exemplo, bócio, retardo mental e surdez. Numa segunda etapa do projeto, a equipe pretende revisitar as seis cidades paulistas e a prevalência de alterações na tireóide nos familiares dos estudantes. De acordo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, cerca de 10% das mulheres acima de 40 anos e 20% das que têm mais de 60 anos manifestam algum problema na tireóide. Uma em cada cinco mulheres que procuram o ginecologista para iniciar a terapia de reposição de estrogênio apresenta, na verdade, problemas no funcionamento dessa glândula. Quando não estão na estrada, os pesquisadores da Unidade de Tireóide, instalada no Hospital das Clínicas, em São Paulo, estudam as alterações mais graves da glândula, como os casos crônicos de bócio e de hipertiroidismo, que afetam em especial os idosos. Com uma medida relativamente simples, as equipes da Unidade de Tireóide e do Centro de Medicina Nuclear, também da USP, conseguiram aumentar em 50% a eficiência da terapia à base de iodo radiativo, que destrói as células da tireóide que se multiplicaram de forma exagerada. Descrita em um artigo publicado em março deste ano na Clinicai Endocrinology, a inovação consiste em induzir o funcio-

namento da glândula com doses do hormônio estimulante da tireóide (TSH) um dia antes do tratamento com radiação. Há uma lógica. Nos casos de bócio e hipertiroidismo crônico, normalmente a glândula absorve pouco iodo radiativo porque já está saturada com esse elemento químico, consumido em sal de cozinha ou em medicamentos que contêm iodo. A injeção de TSH torna a captação de iodo radiativo mais eficaz. Nesse estudo, realizado entre 1998 e 2002, a equipe de Medeiros avaliou o novo tratamento em 34 pacientes, com idade média de 63 anos e bócio bastante desenvolvido - tireóide com massa de 140 a 728 gramas -, que em alguns casos comprimia a traquéia e até o coração. Essas pessoas foram separadas em dois grupos de 17 pacientes: o primeiro foi tratado somente com a dose de iodo radiativo, enquanto o segundo recebeu uma injeção do hormônio TSH sintético 24 horas antes da terapia com iodo radiativo. Em um ano, 57,8% das pessoas tratadas com a combinação apresentaram redução do volume da tireóide, ante 39,7% do grupo medicado apenas com o iodo radiativo. Novas mutações - No Laboratório Molecular de Tireóide os médicos procuram mutações genéticas que provocam o hipotiroidismo congênito, doença que

afeta um cada em 4 mil recém-nascidos no Brasil 1.500 por ano. É uma das causas de retardo mental permanente que podem ser evitadas se a criança for tratada nos primeiros 40 dias de vida. Atualmente, os genes defeituosos só são conhecidos em 20% dos casos de hipotiroidismo congênito. Em conjunto com o Serviço de Referência em Triagem Neonatal de Minas Gerais, a equipe da USP conseguiu identificar nove novas mutações genéticas. Minas foi o estado escolhido por causa do elevado número de crianças com doenças genéticas da tireóide, em torno de 27%. Em outras regiões esse índice é muito menor: no Paraná, varia de 10% a 12%. Segundo Medeiros, a razão para a alta prevalência seria a baixa miscigenação da população. "Em estados como Paraná e Santa Catarina houve uma intensa imigração e integração de italianos, portugueses, japoneses, espanhóis, ucranianos e croatas", diz ele. "Já em Minas Gerais a miscigOenação foi quase nula, e a população atual descende dos primeiros colonizadores, que chegaram no século 18, favorecendo a consangüinidade." Os estudos em andamento estão confirmando essa hipótese. Ao examinar crianças com hipotiroidismo congênito, provenientes de famílias aparentemente sem nenhuma relação de parentesco, os pesquisadores identificaram a mesma mutação em um gene em cinco de oito recém-nascidos de cinco famílias aparentemente não relacionadas entre si. Essa alteração genética induz à produção de uma versão defeituosa da proteína tireoglobulina, responsável pelo armazenamento dos hormônios da tireóide. "O fato de termos encontrado essa mutação nessas famílias sugere que elas teriam ancestrais comuns, um fenômeno conhecido como efeito fundador", comenta o pesquisador da USP. O teste de DNA, que buscou genes em comum até a sétima geração, confirmou que as cinco famüias tinham os mesmos ascendentes. Eram parentes e não sabiam. Cada família transportou o gene defeituoso por muitas gerações. • PESQUISA FAPESP108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 41


■ CIÊNCIA BIOQUÍMICA

Açúcar para diabéticos Componente da parede celular de gramíneas facilita a absorção de glicose

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aiu um dogma. Não se pode mais dizer que os diabéticos devem ficar longe de qualquer tipo de açúcar. Devem, sim, ficar longe dos açúcares que atravessam rapidamente as paredes do intestino e se acumulam no sangue como a glicose, molécula essencial para qualquer organismo produzir a energia necessária para se manter. Pesquisadores do Instituto de Botânica de São Paulo e da Universidade Federal de Lavras (UFLA) extraíram do capim-favorito - uma gramínea qüe cresce à beira de estradas - um tipo específico de açúcar chamado betaglucano, que pode ter um efeito benéfico: diminuir a quantidade de glicose da corrente sangüínea, como demonstraram experimentos realizados com ratos. O excesso de glicose no sangue, uma característica do diabetes, pode levar à dificuldade de cicatrização, à cegueira ou mesmo a problemas cardíacos que, se não detidos, conduzem ao infarto. Estudos feitos no Canadá, Suíça, França, Suécia e Japão com grupos de voluntários humanos consideram esse açúcar como um recurso a mais para tratar um problema que atinge 150 milhões de pessoas no mundo inteiro, 10 milhões só no Brasil. Uma equipe de suí-


ços já havia comprovado que o betaglucano, mesmo em concentrações baixas, reduz até 50% a taxa de glicose no sangue, a chamada glicemia. Além disso, bastariam 3 gramas diários desse açúcar para derrubar também o colesterol ligado a lipoproteínas de baixa densidade (LDL), uma espécie de gordura que promove a formação de placas nas paredes dos vasos e dificulta a circulação do sangue. Na França, um estudo recente confirmou esses ganhos com 13 portadores de diabetes do tipo 2, quando o organismo

Já o arabinoxilano é um tipo de açúcar mais abundante, variando de 20% a 30%. Os pesquisadores brasileiros entraquando Rita de Cássia Leone Figueiredo Ribeiro, do Instituto de Botânica, pediu a ajuda de Marcos Buckeridge, do mesmo laboratório, para entender os resultados do doutorado de Ana Cardoso de Paula, que ela estava orientando. Ana Cardoso havia constatado o efeito antidiabético do chá feito com as folhas do capim-favorito (Rynchelytrum repens), gramínea de ori-

produz, enquanto noCanadí

o. Com até 30 centímetros de

(dez homens e seis mulheres) evidenciou o valor de uma dieta rica em cereais como forma de reduzir a glicemia - provavelmente porque os cereais contêm betaglucano. Normalmente os diabéticos controlam o teor de açúcar no sangue por meio insulina, hormônio que facilita a captura de glicose por se associar a um receptor específico das células musculares. "O valor de nossa descoberta está no fato de termos estudado uma espécie vegetal ainda desconhecida", diz Marcos Buckeridge, pesquisador do Instituto de Botânica e um dos coordenadores desse estudo, a ser publicado no Bruzilian Journal of Medicai and Biological Research. "Notamos lambem a possibilidade de que a interação do betaglucano com outro açúcar

À beira de estradas, o capim de flores púrpura: fonte de betaelucano

possa ser mais potente do que o betaglucano sozinho." Segundo ele, ao comermos cereais, estamos ingerindo betaglucanos em interação com arabinoxilanos, "o que poderia potencializar a ação de reter a glicose já durante a dieta, se nossos resultados vierem a se confirmar". O betaglucano participa da composição de fibras como capins, cana, arroz, trigo e milho ou nos cereais, a exemplo da aveia, da cevada e do

tão sob o sol contínuo, ou verdes como as da cana-de-açúcar, mais largas e longas, se crescem à sombra. Glicoses repetidas - Como o eleito de redução de glicose se devia ao uso do precipitado do chá - o material insolúvel que se deposita no fundo da xícara -, Rita e Ana Cardoso suspeitaram que poderiam estar diante do betaglucano, um açúcar insolúvel com o qual Buckeridge trabalhava havia pelo menos cinco anos {veja Pesquisa FAPESP 69). Em 2001, numa edição especial da revista Genetics and Molecular Biology dedicada aos resultados do projeto Genoma Cana, ele havia comentado sobre os genes da cana-de-açúcar responsáveis pela produção desse açúcar. O betaglucano forma a estrutura de revestimento externo das células vegetais - a parede celular -, participa do crescimento celular e deve constituir uma reserva de energia para a germinação de semen-

assinado por Buckeridge e Nicholas Carpila, da Universidade Purdue, listados Unidos, com quem tem trabalhado desde 1998. Quimicamente, o betaglucano é uma molécula longa - um polímero - formado PESQUISA FAPESP 108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 43


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por unidades que repetem cerca de 1.400 vezes, no caso, a glicose ou glicopiranose, uma estrutura fechada ou anel, diriam os especialistas, com seis carbonos. Quando isolado, é um açúcar solúvel em água quente, formando uma solução transparente; em interação com outras moléculas, o betaglucano forma partículas em suspensão. No sangue - "Suspeitamos que um polímero é que estivesse formando as partículas em suspensão", conta Buckeridge. Mais seis meses de trabalho e conseguiram purificar as frações de betaglucano, cujo efeito se tornou evidente em um experimento com quatro grupos de ratos mantidos no laboratório de Raimundo Souza, da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lavras, Minas Gerais. O primeiro grupo era formado por animais normais (sem diabetes), nos quais os pesquisadores injetaram soro fisiológico - uma solução com 0,9% de cloreto de sódio, o sal de cozinha - usado como placebo. No outro grupo, constituído por ratos com diabetes induzido por um composto químico chamado estreptozotocina, também deram uma injeção de água com sal. Os outros dois conjuntos de animais - ambos com diabetes induzido - receberam injeção de betaglucano de duas fontes distintas, um extraído do capim-favorito e outro puro, produzido industrialmente a partir de cevada. Os ratos diabéticos do terceiro grupo foram os que mais se beneficiaram: o efeito do açúcar extraído do capimfavorito prolongou-se por 24 horas, cerca de seis vezes mais tempo que o da forma pura. Como explicar? "Minha hipótese é que o betaglucano demorou mais para desaparecer na corrente sangüínea porque deve ter permanecido ligado, ainda que parcialmente, ao arabinoxilano, outro polímero de açúcar da parede celular", comenta Buckeridge. 44 ■ FEVEREIRO DE 2005 • PESQUISA FAPESP108

Betaglucano: polímero formado por unidades que se repetem {acima) acumula-se nas paredes das células vegetais (pontos pretos, ao lado)

Outra idéia, igualmente sujeita a confirmação, é que esse açúcar consiga agir de modo indireto, ativando a produção de insulina ou mesmo as moléculas desse hormônio que já circulam no sangue.

"Se essa idéia estiver correta, poderíamos fazer artificialmente essas ligações com os arabinoxilanos, que podem ser extraídos em grandes quantidades de plantas como o milho e a cana, e prolongar o efeito dos betaglucanos." Para ele, esses resultados sugerem também que os betaglucanos ou alguns de seus fragmentos, chamados oligossacarídeos, atravessem as paredes do intestino e sejam absorvidos durante a digestão de gramíneas e cereais, controlando dessa forma a quantidade de glicose que chega ao organismo após a comilança de pão, bolo ou chocolate. O PROJETO Conservação e utilização sustentável da biodiversidade vegetal do Cerrado e Mata Atlântica: os carboidratos de reserva e seu papel no estabelecimento e manutenção das plantas em seu ambiente natural MODALIDADE

Projeto Temático COORDENADOR MARCOS SILVEIRA BUCKERIDGE

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Instituto de Botânica INVESTIMENTO R$ 309.845,00 e US$ 378.726,00

Gosto suave - No laboratório de Buckeridge o trabalho avança com rapidez. Uma de suas alunas, Ana Maria Silva, encontrou betaglucano em todas as partes da cana-de-açúcar e em outros capins como a braquiária, também muito comum no Brasil. E aconteceu algo inesperado. Há quatro anos, a jardineira Helena Leite Cirilo, que acompanhava passo a passo o doutorado de Ana Cardoso, resolveu experimentar o chá de capim-favorito e, diante dos resultados, adotou-o para controlar seu diabetes. "Eu tomava insulina, mas a taxa de glicose não baixava tanto", diz Helena, 53 anos, diabética desde os 40, hoje com a taxa de glicose estabilizada em 134 miligramas por decilitro (eram quase 400, bem acima da faixa considerada normal, de 70 a 110 miligramas). "Não recomendo esse uso e explico que ainda não há estudos suficientes para provar a segurança do chá", diz Buckeridge. Sua curiosidade científica ainda não o motivou a experimentar o chá de gosto suave, usado às vezes em estudos com animais. "Pode ser perigoso", ele alerta. Outro dia, outra freqüentadora do laboratório - que não tem diabetes - resolveu arriscar. Ficou zonza durante dois dias, imaginando que a pressão arterial é que tinha caído, mas provavelmente com o teor de açúcar no sangue lá embaixo. •


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■ CIÊNCIA

As jóias de Saturno Imagens da sonda Cassini sugerem a existência de quatro novas luas e confirmam modelo teórico que explica falhas dos anéis RICARDO ZORZETTO

eus da agricultura e senhor do temto. Revoltou-se contra o pai opressor, castrou-o e reinou sobre seus irmãos e outros deuses até ser destronado por seu próprio filho, Júpiter, o deus dos deuses do Olimpo. Era lembrado todos os anos pelos na, as Saturnálias. Já como nome de planeta - o sexto a partir do Sol e o único com um vasto conjunto de anéis -, Saturno ressurge soberano no céu à medida que se tornam públicos os primeiros dados da missão espacial formada pelas sondas Cassini e Huygens, lançadas há quase oito anos rumo a esse planeta amarelo. A Cassini-Huygens é a mais bem aparelhada missão já enviada a Saturno, ainda que de custo considerado baixo: US$ 3,3 bilhões. Resultado de uma cooperação entre as agências espaciais norte-americana, européia e italiana, enviará informações por mais quatro anos pelo menos sobre esse planeta generoso em luas e anéis, considerado um modelo vivo sobre a formação do sistema solar e mesmo sobre a origem da vida na Terra bilhões de anos atrás. Em janeiro, a sonda Huygens se separou da Cassini e pousou em Titã, a maior das luas de Saturno e a única do sistema solar a preservar uma atmosfera densa e rica em nitrogênio e compostos de carbono, semelhante à da Terra. As primeiras imagens da superfície de Titã sugerem a existência de nuvens e rios de metano, composto orgânico formado por carbono e hidrogênio - talvez o mesmo que tenha favorecido o surgimento da vida em nosso próprio plane46 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

ta. Indicam também que Titã apresentou atividade vulcânica no passado e que atualmente pode existir gelo em sua superfície. Outras boas surpresas já haviam surgido em julho de 2004, quando chegaram as primeiras imagens que a Cassini fez dos sete principais anéis de Saturno durante a aproximação do planeta. Divulgadas em setembro, as análises dessas fotos revelam a possível existência de quatro novas luas - que, se confirmadas, elevarão o total para 37 -, além de um provável novo anel. Uma das fotos em especial - capturada em 21 de junho, antes de as duas sondas entrarem na órbita de Saturno - foi motivo de comemoração para a física brasileira Silvia Giuliatti Winter, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Guaratinguetá, e o astrofísico irlandês Carl Murray, membro da equipe de análise das imagens da missão Cassini-Huygens. À sombra de F - Essa imagem em preto-e-branco sugere que uma das novas luas, com menos de 10 quilômetros de diâmetro, situa-se bem próxima a um dos anéis mais externos de Saturno, o F (os anéis principais são identificados por letras, de A a G). "Percebi esse objeto quase indetectável próximo à parte externa do anel F" disse Murray, da Queen Mary College, da Universidade de Londres, em comunicado do Conselho de Pesquisa em Física de Partículas e Astronomia do Reino Unido. "Foi um privilégio inacreditável ser o primeiro a identificá-lo." É um achado com importância bem maior do revista científica Icarus, Murray, Silvia e Mitchell Gordon, da Universidade da Virgínia, Estados Unidos, afirmavam que alterações típicas do anel F só se justificariam pela existência de quatro pequenas luas ainda não-identificadas perto do anel. Essa previsão, confirmada em parte pelas imagens de Cassini, nas-


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O gigante amarelo entre seis de suas 33 luas: a maior, em primeiro plano, ĂŠ TitĂŁ


Sob o olhar de Cassini

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Chegando a Saturno, a sonda fotografa os anéis...

... aproxima-se do F, um dos mais externos...

ceu de um modelo matemático desenvolvido por eles com base em imagens do anel F captadas em 1980 e em 1981, durante a passagem das sondas Voyager 1 e Voyager 2 por Saturno. Perto demais - O modelo detalhado no artigo da Icarus descreve com precisão a estrutura e as deformações desse anel - o quarto mais externo e um dos mais tênues dos sete anéis que circundam o planeta. Ainda em 1997, o grupo previu em outro estudo, publicado apenas em 2000, que Prometeu causaria deformações no anel ao se aproximar dele. "Em julho do ano passado, antes de um congresso em Paris, Murray me falou que as imagens da Cassini correspondiam às previsões do nosso modelo", diz Silvia. "Não esperava que essa sonda fosse detectar as perturbações de Prometeu sobre a estrutura múltipla do anel F nem essa nova lua por ali." Um quarto de século após sua descoberta pela sonda Pioneer 11, em 1979, o anel F é ainda hoje o que mais intriga físicos e astrônomos. Ele é formado por quatro faixas distintas de partículas situadas no mesmo plano, em uma órbita elíptica distante cerca de 48 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

140 mil quilômetros do centro de Saturno, como detalharam Silvia, Murray e Gordon. Com larguras que vão de 48 a 55 quilômetros, essas quatro faixas estendem-se por um oitavo da extensão do anel - nos outros sete oitavos a estrutura pode variar. Em certos pontos essas faixas apresentam alterações curiosas e quase sempre temporárias. Distantes em média 20 quilômetros uma da outra, as faixas ora estão entrelaçadas como uma trança de cabelo, ora formam suaves ondulações. Ou, de repente, desaparecem por um trecho para ressurgirem mais adiante, como uma estrada interrompida pela queda de uma ponte. Há oito anos, Silvia, Murray e Gordon explicaram as surpreendentes modificações nas faixas do anel F pela interação gravitacional com as duas luas de órbita mais próxima, Prometeu e Pandora. Prometeu tem 100 quilômetros de diâmetro e se move em uma órbita elíptica interna ao anel, a 139 mil quilômetros de Saturno. Pandora é menor: tem 84 quilômetros de diâmetro, com uma órbita externa ao anel F, a 142 mil quilômetros do segundo maior planeta do sistema solar, com dez vezes o diâmetro da Terra, menor apenas que Júpiter.

Por ser maior, Prometeu causa as perturbações mais intensas na estrutura do anel, em especial quando essa lua se encontra no ponto de aproximação máxima de F, fenômeno observado a cada 19 anos, de acordo com a previsão de Silvia e Murray. É que nesse período a atração gravitacional da lua sobre as partículas do anel se torna mais intensa. "Essa aproximação máxima é maior em algumas regiões porque a órbita tanto das luas como dos anéis são elípticas", explica Silvia. Trancas e ondas - Em artigo publicado em 2000 na Planetary and Space Science, Silvia, Murray e Gordon usaram os dados da aproximação máxima de Prometeu para simular os efeitos sobre as quatro faixas de F - quando a distância da lua chega a meros 2 quilômetros da faixa mais interna do anel e a 280 quilômetros da mais externa. Quase nada, diante da largura dos anéis somados, que eqüivale à distância da Terra à Lua. Ao se afastar do anel, Prometeu arrasta consigo uma nuvem de partículas da porção mais interna de F, que aparece interrompida, lançando-as em di-


reção a Saturno - algo que não havia sido detectado pelas missões Voyager e foi observado agora pela Cassini. Nas quatro faixas surgem ondulações bastante pronunciadas. Quando é Pandora que se aproxima de F, suas faixas não chegam a se romper, mas são formadas ondulações menos intensas, conforme a equipe de Silvia demonstrou em uma simulação mais recente. Com cerca de um décimo do diâmetro de Prometeu e Pandora, luas menores com órbita coincidente com a do anel provocariam os entrela-

çamentos e o adensamento das faixas. Em uma simulação realizada no semestre passado, com base nas informações fornecidas pela Cassini, Silvia confirmou a eficácia desse modelo. Desde sua descoberta em 1610 pelo astrônomo italiano Galileu Galilei, Saturno chama a atenção nem tanto por seu porte imponente e suas luas, mas pelos seus anéis. Com um telescópio construído por ele mesmo, Galileu não discernia os anéis e acreditava que houvesse dois imensos satélites quase colados ao planeta. Em 1656, o astrônomo

holandês Christiaan Huygens - descobridor de Titã - propôs que esses satélites seriam na verdade um único gigantesco anel rígido ao redor do planeta. Mas foi outro italiano, Giovanni Cassini, quem sugeriu em 1675 que esse anel não seria rígido nem único. Somente o envio das sondas espaciais revelou os detalhes e as nuanças desses anéis, os mais brilhantes, extensos e bem-preservados do sistema solar, formados por partículas de poeira e gelo. Outros três planetas, Júpiter, Urano e Netuno, têm anéis, mas são menos visíveis. • PESQUISA FAPESP 108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 49


CIÊNCIA

Dados preliminares de um estudo com 460 pessoas do Estado de São Paulo infectadas pelo vírus HIV, causador da AIDS, indicam que 37% dos pacientes apresentam resistência total ou parcial à ação de ao menos um dos remédios do coquetel químico contra a doença. É um índice um pouco superior ao encontrado em outros trabalhos feitos no estado ou no país, mas, de certa forma, esperado. Desde meados da década de 1990, o Brasil adota a política de distribuição gratuita de medicamentos contra a Aids para doentes infectados com HIV. O problema é que o emprego continuado de remédios contra a doença pode, a longo prazo, diminuir a eficácia de certas drogas em algumas pessoas. Quando isso ocorre, trocam-se um ou mais medicamentos do coquetel, composto em geral de três anti-retrovirais: um inibidor da transcriptase reversa nucleosídeo, um inibidor da transcriptase reversa não-nucleosídeo e um inibidor da protease. Os pesquisadores acreditam que, na maioria dos casos, a diminuição dos efeitos das drogas deriva da exposição prolongada ao tratamento químico. A idéia faz sentido: entre os pacientes com perda de efeito de algum anti-retroviral, 92% usavam ou já tinham usado drogas anti-HIV. "Os restantes 8% nunca haviam tomado nenhum remédio contra a doença", diz o virologista Paolo Zanotto, do Instituto de Ciências Bio-

GENÉTICA

Tolerância ao coquetel

Um terço dos infectados com o HIV em São Paulo apresenta alguma resistência a drogas anti-Aids

50 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 108

médicas da Universidade de São Paulo (ICB/USP), um dos coordenadores do estudo, feito no âmbito da Rede de Diversidade Genética de Vírus (VGDN), um programa financiado pela FAPESP. De 1980 até o final de 2004, o Brasil contabilizava cerca de 360 mil casos notificados de Aids, dos quais quase 40% haviam sido detectados entre a população paulista. Os indivíduos da amostra inicial do estudo provêm, em número mais ou menos igual, de quatro municípios paulistas: São Paulo, Ribeirão Preto, São Vicente e Araçatuba (em breve, mais dados dessas quatro cidades e de mais 600 doentes de outras quatro localidades do estado serão acrescentados ao estudo). "Não selecionamos um perfil específico de paciente para entrar no trabalho", diz a médica Leda Jamal, do Centro de Referência e Treinamento em Doenças Sexualmente Transmissíveis/Aids, vinculado à Secretaria de Estado da Saúde, que coordenou a parte de campo da pesquisa. "Foi tudo aleatório." Compuseram a amostra portadores do vírus, com ou sem sintomas da doença, tendo já tomado remédios do coquetel ou não, que procuraram unidades dos CRT/Aids instaladas nas quatro cidades. Para as análises clínicas, que determinaram a presença de resistência a remédios do coquetel, a forma e carga do vírus circulante em seu organismo, os participantes do estudo cederam 10 mililitros de sangue. A partir desse material, os pesquisadores da área de biologia molecular fizeram cópias do vírus encontrado nos pacientes e seqüenciaram regiões do genoma do patógeno que permitem determinar seu subtipo e encontrar mutações que criam resistência a remédios do coquetel. De acordo com o trabalho, 83,3% dos pacientes analisados carregavam em seu organismo vírus da Aids do subtipo B, o mais comum no Ocidente e também no Brasil. Apenas 2,6% tinham o subtipo F, relativamente raro, e 1,5%, o C, mais comum na parte leste da África, na índia e no Nepal. Pouco mais de 12% apresentavam cepas recombinantes de HIV, formas híbridas, compostas por partes de dois ou mais subtipos de vírus. A mais comum delas foi o recombinante BF, presente em 9,2% dos que participaram do estudo. Em seguida, apareceram as cepas recombinantes BD (3,3%) e BA (0,2%). Mais de 70% dos portadores do híbrido BD apresentavam resistência a algum medicamento do coquetel anti-Aids, de longe o índice mais alto entre todos os subtipos identificados no estudo. "Os subtipos BF e BD são comumente encontrados em zonas portuárias, onde existe grande diversidade de vírus circulante", explica Zanotto. Tal particularidade explica a discrepância flagrante entre o dado dos pacientes de São Vicente, onde há múltiplas formas circulantes do vírus, e o dos doentes das outras três cidades. No município litorâneo, 28% das amostras continham subtipos recombinantes de HIV. Em Araçatuba, esse índice era


menos de 4%; na capital paulista, cerca de 7%; e em Ribeirão Preto, pouco mais de 11%. Aids na prisão - Os pesquisadores da VGDN também verificaram a existência de uma grande variedade de subtipos de HIV entre 167 presos do sexo masculino com Aids que se tratam no hospital da Penitenciária do Estado, situado na cidade de São Paulo. "Na prisão, a diversidade de vírus da doença era muito alta, comparável à de São Vicente", afirma o epidemiologista Eduardo Massad, da Faculdade de Medicina da USP, que está à frente dos estudos com detentos. Por acolher pessoas de várias regiões do estado e do país, os cárceres são depositários das mais diversas formas de HIV e de outros vírus. Se a miríade de subtipos de HIV presente nos presos paulistas é um dado preocupante, a constatação de que a prevalência da Aids diminui na população carcerária masculina do estado serve de contraponto positivo. Em 2001 os epidemiologistas da USP fizeram exames em 1.022 detentos do hoje demolido Carandiru e viram que apenas 4,9% dos indivíduos tinham o HIV Em 2003 realizaram estudo semelhante, com 1.023 presos do Centro de Detenção Provisória de Osasco, na Grande São Paulo. O resultado foi ainda menor: 2,1% carregavam o vírus da Aids. Segundo Massad, menos presos estão hoje infectados do que nos anos 1980/1990, quando alguns estudos apontavam prevalência de até 15% da infecção por HIV entre os detentos. A queda no número de infectados provavelmente se deve ao abandono de um vício que era o principal vetor da epidemia entre a população prisional: o compartilhamento de seringas para uso de drogas injetáveis. "Agora é o crack a droga mais usada pelos presos", diz Massad. Por ser fumado, o crack não transmite Aids. Entre as mulheres presas, no entanto, os níveis de infecção por HIV continuam altos. Um trabalho da equipe da USP registrou prevalência de 14% do vírus entre 267 detentas da Penitenciária do Estado de São Paulo. "Elas pegam a doença dos parceiros, ao fazer sexo sem proteção, e não pelo uso de drogas injetáveis", afirma Massad. • O PROJETO Rede de Diversidade Genética de Vírus (VGDN) MODALIDADE Programas Especiais COORDENADORES EDUARDO MASSAD - Faculdade de Medicina da USP - e EDISON DURIGON e PAOLO ZANOTTO - ICB da USP

INVESTIMENTO R$ 6.687.937,23 e US$ 1.674.373,74 (FAPESP)


CIÊNCIA

A noite no sertão Botânicas de Pernambuco jogam luz sobre as peculiaridades da polinização na Caatinga VHRôNIC

uando a noite cai, os morcegos tomam conta dos céus da Caatinga. Não em busca de sangue, até porque são minoria as espécies hematófagas entre esses mamíferos, mas à procura de néctar - especialmente o das flores dos cactos que desabrocham no crepúsculo, brancas ou esverdeadas, destacando-se na escuridão. Menos numerosos entre os polinizadores cie outros ecossistemas brasileiros, os morcegos correspondem a 13% dos animais que, transportando o pólen, garantem a reprodução de plantas do Semi-árido brasileiro. Perdem apenas para abelhas e beija-flores, segundo um estudo realizado por uma equipe da Universidade Federal de Pernambuco a freqüência da polinização em 147 espécies vegetais da Caatinga - de arvores a plantas rasteiras. No ("errado, em restingas e em florestas úmidas, os morcelisla de polinizadores, com um percentual até dez vezes menor, atrás ainda de vespas, besouros, mariposas, borboletas e moscas. Atraídos pr<

52 • FEVEREIRO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 108

ÃO, DE RFXIFE

ses animais impressionantes assumem o papel de angelical cupido em meio à flora do sertão. Nesse caso, a flecha é um prolongado tocinho e o alvo, o estigma - a estrutura da flor que recebe o pólen, pó fino formado pelas células reprodutoras masculinas, liberado por hastes chamadas anteras. É que, em busca de néctar, líquido rico em açúcares que lhes serve de alimento, os morcegos nectarívoros esticam a língua estreita, cilíndrica e avermelhada, em cuja ponta há tufos de pêlos curtos chamados papilas, e acabam encostando o focinho ou outras partes do corpo no pólen. Aderido á pele do morcego, o pólen é assim transportado até o órgão reprodutivo feminino das flores. Quase sempre o pólen depende de um agente externo - vento, animal ou água - para alcançar o estigma da mesma ou de outra flor: é quando as células masculinas e femininas se encontram e ocorre a fertilização. K dessa forma que o morcego entra no ciclo de vida dos cactos, que perten-

num intrincado quebra-cabeça evolutivo. As flores de muitas espécies de cactos são noturnas, assim como os morcegos, e as suas cores claras, já que no escuro o vermelho e o laranja fariam

mais abundantes da Caatinga, com 41 espécies endêmicas ou restritas a este ecossistema, o único exclusivamente brasileiro, espalhado por 800 mil qui-

Medo e frio os morcegos l< de fogo para Isabel, que não esconde o medo que âs vezes sentia deles: "Tinha hora que, de tão próximos, pensava que iam esbarrarem mim". Outros momen-

gião Nordeste. Tudo entre os dois

enxergam mal. O cheiro, esse sim, é um grande atrativo. "O olfato dos morcegos é mais desenvolvido que a visão, por isso o odor forte e adocicado das flores dos cactos, bem enjoativo para nós, faz mais diferença que as cores", diz a bióloga Isabel Cristina Machado, coordenadora do estudo feito em conjunto com Ariadna Lopes, também da UFPE, e publicado na revista britânica Amnils of Botany. Esses mamíferos voadores têm ainda os dentes incisivos atrofiados, o que facilita a passagem da extensa língua com que coletam o doce néctar. Ê o caso do Glossophaga soricina, um morcego pequeno - pesa cerca de 10 gramas - de pêlo marrom-escuro e cerca de 20 centímetros de envergadura. Parece um rato com asas.


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O morcego Glossophaga soricina visita o cacto Pilosocereus catinguicola: ganhos recíprocos


ram as horas seguidas de observação, à noite, quando faz frio no sertão. "Ficávamos com torcicolo de tanto mirar a flor atentamente para não perder a foto no caso de uma visita, que dura apenas frações de segundo", diz Isabel. Ela e Ariadna confirmaram os processos de polinização de 99 espécies de plantas em três áreas de Caatinga em Pernambuco: os arredores do município de Alagoinha, a 200 quilômetros do litoral; o Parque Nacional do Vale do Catimbau, em Buíque, a 285 quilômetros da costa; e uma reserva da estação experimental da Empresa Pernambucana de Pesquisa Agropecuária em Serra Talhada, a 700 quilômetros de Recife. Uma única flor de xiquexique {Pilosocereus gounellei) ou do facheiro (Pilosocereus pentaedrophorus), espécies exclusivas da Caatinga, ou de qualquer outro cacto quiropterófilo - polinizado por morcegos -, produz até 200 microlitros de néctar por dia, um volume 50 a mais de 100 vezes maior que o liberado por outras plantas, que, mais parcimoniosas, oferecem a seus polinizadores apenas de 3 a 5 microlitros do doce alimento. "Essa quantidade de néctar das flores de cactos é uma recompensa à visita do morcego, um polinizador que é bem maior e precisa de mais alimento que uma abelha", exemplifica Isabel. O guloso morcego só é páreo para o beija-flor, outro polinizador da flora do Semi-árido, que repõe o esforço de vôo ingerindo bastante néctar. É o caso do beija-flor conhecido como rabo-branco-de-cauda-larga (Phaethornis gounellei), uma espécie de bico longo e curvo, endêmica do Nordeste, encontrada em trechos de Caatinga do Piauí à Bahia, que costuma visitar bromélias durante o dia. Com os beija-flores, a relação é diferente: no lugar do cheiro, como acontece com os morcegos, o que atrai essas aves é a cor das flores. O vermelho é a cor preferida não só de beija-flores, mas das aves em geral. Já as abelhas parecem menos exigentes: visitam flores lilases, azuis, amarelas, violeta e laranja. Mas as duas botânicas de Pernambuco alertam que não é possível deduzir qual é o polinizador apenas pela cor da flor. As análises mais detalhadas levam em conta uma série de outras características das flores, como a forma, o cheiro, o tamanho, o momento do dia 54 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

Encontros sob o sol: acima, a Angelonia pubescensà espera da abelha polinizadora; ao lado, o beija-flor macho Chlorostilbon aureoventris e o cacto Opuntia palmadora; e o direita, a Ruellia asperula e uma abelha pilhando néctar em que desabrocham e as recompensas que oferecem aos animais que transportam o pólen ao estigma - algumas oferecem também óleos florais, além de néctar. "Uma variável pode excluir a outra", diz Isabel. "A flor vermelha de uma bromélia ou de um cacto, geralmente sem cheiro, está associada à polinização por beija-flores e por outras aves, que não têm olfato desenvolvido. As abelhas, por sua vez, não enxergam bem o vermelho, mas sentem o odor." Com as pernas - As abelhas de médio e grande portes, com 1,2 a 3 centímetros de comprimento, são as líderes de polinização na Caatinga, onde ajudam na fertilização de 30% das plantas. São o principal grupo de polinizadores também no Cerrado (65%), nas restingas (41%) e nas florestas úmidas, como a

Amazônica ou a Mata Atlântica (25%). É também o animal que mais utiliza os recursos oferecidos pelas flores do interior da Região Nordeste. Há abelhas que coletam de tudo: néctar, um alimento calórico; pólen, rico em proteínas; óleos florais, alimento para as larvas; e resinas, usadas na construção de ninhos. Mesmo assim há particularidades. "Nem morcego, nem beija-flor, nem mosca, nenhum outro polinizador coleta óleos florais", diz Isabel. Se uma planta oferece só óleos, pode-se concluir que se trata de uma planta cuja polinização está restrita às abelhas. Mesmo assim, não é qualquer uma: só as abelhas de determinadas famílias, como a Anthophoridae, com espécies marrons e outras quase pretas, cujas pernas anteriores e medianas possuem cerdas rígidas que formam uma espé-


cie de pente e facilita a coleta dos óleos produzidos pelas flores. Depois de dezenas de observações de mais de quatro horas seguidas, que resultaram em muitas picadas de insetos, Isabel pôde descobrir que as abelhas que pousavam sobre as flores lilases, azuladas ou mesmo roxas de um pequeno arbusto chamado Angelonia pubescens realizavam a polinização da planta enquanto coletavam óleos da flor em duas bolsas localizadas nas pétalas. "O néctar, as abelhas recolhem com a língua, mas os óleos têm de ser com as pernas", observa a pesquisadora de Pernambuco. "Em ambas situações, a coleta do pólen em flores é passiva, não intencional." A abelha Centris hyptides literalmente se encaixa na flor ao recolher o néctar. Marrom, com cerca de 1,5 centímetro, essa espécie única do sertão nordestino pousa na flor ao apanhar o óleo, que está nas pétalas inferiores. É como se agarrasse a flor com as pernas. O dorso do inseto roça o estame - a estrutura masculina da flor - e conduz o pólen para o estigma. Essa espécie tem as pernas anteriores alongadas, uma peculiaridade que lhe confere mais eficiência na coleta de óleos das flores de Angelonia. O mais comum é que, das três pernas que as abelhas têm de cada lado do corpo, as mais longas sejam as do meio. Outra abelha exclusiva da Caatinga adaptada para a polinização de uma pequena planta herbácea é a Tapinotas-

pis nordestina, de quase 1 centímetro e, esta sim, com as pernas medianas mais alongadas. Essa espécie foi registrada pelo grupo de Isabel em 2002, a partir dos exemplares coletados em Buíque. Não foi a única. Nesses dois últimos anos, especialistas em classificação de abelhas deram nomes a outras quatro espécies até então desconhecidas, com base em exemplares que Isabel e seu grupo coletaram na Caatinga. É a Tapinotaspis nordestina que garante a polinização de Angelonia cornigera, uma das plantas rasteiras estudadas, ao pousar na flor na hora de coletar óleos, numa espécie de abraço. É com esse óleo, rico em lipídeos (gorduras), que esses insetos alimentam suas OS PROJETOS Síndromes de polinização, sistemas sexuais e recursos florais de espécies de Caatinga em Pernambuco e Sistemas de polinização de espécies ocorrentes em vegetação de Caatinga: ornitofilia e quiropteroplia MODALIDADE

Auxílio à Pesquisa (Facepe) e Bolsa de Produtividade em Pesquisa/CNPq COORDENADORA ISABEL CRISTINA MACHADO

INVESTIMENTO R$ 11.023,00 (Facepe) e R$24.000,00 (CNPq)

- UFPE

larvas. Por causa de situações como essa, diz Isabel, a polinização muitas vezes não assegura a reprodução apenas das plantas, mas também dos próprios polinizadores. Essa dependência de uma determinada flor em relação a uma espécie de animal e vice-versa, no entanto, é mais exceção do que regra. O que predomina é uma relação generalista. Ou seja, uma planta é ornitófila (polinizada por aves), mas suas flores não são visitadas apenas por uma única espécie de ave. "Na maioria das vezes", explica a pesquisadora, "a dependência não vai ser de um pra um, mas de um grupo de animais para uma planta ou grupo de plantas. Beija-flores, por exemplo, geralmente não são polinizadores de uma única espécie, mas de várias". Muitas vezes, a própria estrutura de reprodução das plantas, especialmente quando as flores são mais abertas, permite a polinização por mais de um grupo de animais. Trata-se de uma estratégia de sobrevivência, porque, quanto mais específico for o polinizador, menos chances a planta terá de se reproduzir se ele for extinto. As orquídeas são uma exceção, por serem polinizadas por grupos específicos de abelhas e manterem as flores abertas por até um mês, quando o habitual é as flores durarem uma manhã ou uma noite. Numa coisa, entretanto, as orquídeas são iguaizinhas às quase mil espécies de plantas já conhecidas da Caatinga, às dos outros ecossistemas e às dos nossos jardins: depois de receber a visita do polinizador, murcham e deixam cair as pétalas. Manter uma flor aberta e atrativa por dias e noites seguidos requer muita energia. Se essa dose extra de energia já exige muito das plantas nos ambientes úmidos, imagine na Caatinga, onde chove de 500 a 900 milímetros por ano, menos da metade do que cai de água anualmente na Mata Atlântica. Durante a seca, que se estende por cerca de seis meses, de julho a dezembro, muitas plantas perdem as folhas como forma de reduzir a transpiração e resistir à falta d'água. Mas é justamente nessa época que a floração pode ser mais exuberante. O resultado é um espetáculo de pontos vermelhos, amarelos e lilases em meio ao cinza dos galhos e troncos secos das árvores. • PESQUISA FAPESP 108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 55


CIÊNCIA GEOFÍSICA

Efeito a distância Energia liberada pelo terremoto da Ásia pode precipitar outros tremores fortes pelo planeta

CARLOS FIORAVANTI


I

terra tremeu, o mar se revoltou e em minutos formaram-se ondas pequenas que corriam à velocidade de aviões. Próximo à praia, encrespavam-se, chegando a 20 metros de altura, e ganhavam força a ponto de avançar 5 quilômetros sobre o litoral de 11 países do sul da Ásia e na costa leste da África na manhã seguinte ao Natal do ano passado. Até o final de janeiro haviam morrido mais de 230 mil pessoas, principalmente na Indonésia, no Sri Lanka, na índia e na Tailândia, e havia milhões de feridos e desabrigados, além de cidades destruídas, sem água, energia elétrica e estradas. Passado o impacto inicial da catástrofe que devastou de modo talvez irreparável a vida de moradores de regiões já pobres, os geofísicos ficaram intrigados com as peculiaridades e os possíveis desdobramentos do maior terremoto ocorrido nos últimos 40 anos - e o quarto maior registrado desde que surgiram os primeiros sismógrafos, em 1900. É a primeira vez que se registra um tremor tão forte - de magnitude 9 - fora do chamado Cinturão Sísmico do Pacífico, a faixa sinuosa que acompanha o litoral dos países da Oceania, do leste da Ásia e da costa oeste das Américas do Norte e do Sul, na qual se concentram 80% dos terremotos do planeta. PESQUISA FAPESP108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 57


Dois dias depois A energia liberada pelo devastador terremoto de 26 de dezembro, equivalente a 30 mil bombas atômicas como a que destruiu a cidade japonesa de Hiroshima em 1945, somada às vibrações que persistem na região, ainda pode causar mais estragos. "Teoricamente", diz Marcelo Assumpção, geofisico da Universidade de São Paulo (USP), "grandes terremotos podem afetar a distribuição das tensões em todas as outras placas tectônicas que formam a crosta terrestre e precipitar tremores igualmente fortes em outras regiões". Vasile Marza, geofisico da Universidade de Brasília (UnB), acredita que esse terremoto possa representar o início de outro ciclo de tremores muito intensos. Desde 1900, quando começou a se medir a magnitude dos terremotos, também chamados de sismos, houve apenas cinco episódios com magnitude igual ou superior a 9. Excluindo o de 2004, os outros quatro concentraramse em 12 anos, entre 1952 e 1964: houve um na Rússia, dois no Alasca e outro no Chile. Mesmo antes desse abalo na Ásia, com base em estatísticas, os especialistas já aguardavam outro sismo de magnitude 9 na região ao norte do Chile e ao sul do Peru, por se tratar de uma das áreas geologicamente instáveis do planeta. Em 1960, foi no sul do Chile que se deu o maior terremoto do século 20, com magnitude 9,5, ao qual se seguiram ondas gigantescas - ou tsunamis - que chegaram ao Havaí, às Filipinas e mesmo ao Japão, devastando tudo o que encontravam pelo caminho. "Em qualquer lugar onde houve um terremoto", diz Marza, "é muito provável que surjam outros, os chamados pós-abalos ou réplicas". É praticamente impossível calcular o efeito dos supertremores sobre regiões instáveis distantes: as vibrações que ecoam pelo planeta podem funcionar como uma gota d'água em um copo prestes a transbordar. Portanto, não se sabe o que vai acontecer, mas é pouco provável que algo tão destruidor se repita tão cedo no sul da Ásia, já que o terremoto que gerou os tsunamis aliviou as tensões acumuladas sob o assoalho marinho daquela área. Talvez por lá um episódio dessa dimensão demore pelo 58 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

0 terremoto no oceano Índico provoca ondas (em rosa) que chegam ao litoral do Pacífico e do Atlântico

menos 200 anos, já que um similar ocorreu no sul da Ásia em 1833, numa indicação, para o pesquisador da UnB, de que o ciclo de repetição poderia ser de aproximadamente dois séculos. "Quanto maior a área e o tempo de acumulação das pressões internas do planeta, maior a energia liberada", diz ele.

chance de o litoral brasileiro também ser devastado por tsunamis é extremamente remota - talvez um caso a cada mil anos - e nem há registros históricos de nenhum acontecimento anterior. Os terremotos que ocorrem no Brasil são relativamente pequenos, nem causam tsunamis, já que o país se assenta sobre uma região relativamente estável, no centro da placa Sulamericana. Por aqui, o tremor de terra mais forte nasceu nas profundezas da serra do Tombador, em Mato Grosso,

há exatos 50 anos, no dia 31 de janeiro de 1955, e atingiu magnitude 6,2, um valor modesto comparado com os de outras partes do mundo. Mesmo assim, não estamos inteiramente livres. Ainda que mais freqüentes no oceano Pacífico, os tsunamis às vezes se formam no Atlântico: a destruição da cidade de Lisboa há 250 anos, em novembro de 1755, é um incontestável e triste exemplo dessa rara possibilidade. O noticiário das últimas semanas, por meio do qual se pôde ter uma noção do drama das famílias atingidas, apresentou alguns efeitos imediatos desse terremoto sobre o próprio planeta. O mergulho da placa Indo-australianá sob a microplaca de Burma, que originou o tremor e as ondas gigantes, deixou uma cicatriz de cerca de 1.200 quilômetros no assoalho oceânico. Até esse momento, por quase 200 anos, a placa indiana tinha sido pressionada de modo bastante lento contra o outro fragmento da crosta, que carrega Sumatra e outras ilhas da Indonésia, a uma taxa de cerca de 6 centímetros por ano, uma velocidade próxima da que cresce a unha dos dedos. A energia foi


se acumulando até ser finalmente liberada, às 7h59 do último domingo do ano passado (em Brasília, faltava um minuto para 11 da noite do sábado), e registrada, em maior ou menor intensidade, pelos sismógrafos de todo o mundo: os da UnB detectaram o abalo 19 minutos depois de ter iniciado. Seus efeitos podem estar associados a uma incomum elevação do nível do mar na baía de Guanabara, registrada por engenheiros da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) um dia depois, ou à erupção de um vulcão em uma das ilhas do sul da Ásia, detectada dois dias após a catástrofe pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos. O movimento das duas placas tectônicas redesenhou o mapa do sul da Ásia. A placa indica deslocou-se cerca de 20 metros em direção à Indonésia, elevando algumas ilhas e rebaixando outras: acredita-se que ilhas como Andaman e Nicobar, na Indonésia, estejam agora alguns metros a mais acima do nível do mar, enquanto a superfície da cidade indonésia de Banda Aceh parece estar mais baixa. O devastador terremoto deve ter também feito o eixo

terrestre inclinar-se mais 2,5 centímetros e encurtado o período de rotação em cerca de 3 milionésimos de segundo. Foram mudanças causadas pelo deslocamento de massa em direção ao centro do planeta, já que uma das pesadas placas afundou sob a outra, fazendo com que a Terra girasse mais rápido. O dia mais curto - Ainda que impressionantes, esses efeitos «não mudam em nada a vida de quem sobreviveu à tormenta. "Essas pequenas variações estão dentro da oscilação normal", diz Marza, "e têm mais importância teórica do que prática". O eixo de rotação e a duração do dia alteram-se normalmente como resultado da passagem de um cometa perto da Terra, pela ação da Lua ou mesmo de tremores como o de 1960 no Chile, quando a placa de Nazca mergulhou sob a placa Sul-americana, criando um desnível de alguns metros com uma extensão de mil quilômetros ao longo da costa. Segundo o pesquisador da UnB, pode-se perceber agora que houve sinais precursores do terremoto do sul da Ásia. "Desde 1995", diz ele, "a taxa anual de

sismos com magnitude acima de 7 diminuiu gradualmente, numa indicação de que havia se acumulado energia". Além disso, no ano passado houve apenas 13 tremores com magnitude superior a 7 em todo o mundo - a média anual é de 20. Doze desses 13 sismos ocorreram na porção oeste do Cinturão Sísmico do Pacífico e no Cinturão Sísmico Mediterrâneo-Himalaias, já no sul da Ásia, "sugerindo", segundo Marza, "uma concentração do esforço tectônico nas respectivas bordas de placas". Examinando o mapa de terremotos do ano passado, o geofísico de Brasília verificou também que houve dois grandes terremotos que podem ser considerados precursores do ocorrido no oceano Indico: um deles, de novembro de 2002, surgiu na mesma área do de dezembro e atingiu magnitude 7,4, enquanto o outro, de julho do ano passado, com magnitude 7,3, surgiu mais ao sul de Sumatra. Por fim, três dias antes, em 23 de dezembro, houve um forte tremor - de magnitude 8,1 - no sudoeste da Austrália, em outra indicação de que a placa Indo-australiana apresentava-se em estado crítico de instabilidade. "Esse comportamento faz parte do processo preparatório do megaterremoto de dezembro", diz ele. Mesmo assim, as estatísticas de ocorrência de terremotos ajudam pouco, porque os tremores de terra são fenômenos naturais aleatórios - os que aparentemente estão faltando em um ano podem não aparecer no seguinte, mas só dois ou três depois. No final de janeiro, um dos temas previstos da Conferência Mundial de Redução de Desastres, em Kobe, no Japão, era a instalação de um sistema de alerta de tsunamis no oceano Indico. Seria um aparato semelhante ao do oceano Pacífico que poderia entrar em operação em menos de um ano - se bem utilizado e com boa dose de sorte, permitiria à população das áreas de risco procurar abrigos mais seguros antes da chegada das ondas gigantescas. Em 1975, ao prever um tremor que teria magnitude 7,3, a China conseguiu evitar a morte de 200 mil pessoas, mas o sistema de alerta deixou de funcionar e no ano seguinte um terremoto ainda mais intenso destruiu quase inteiramente a cidade de Tangsham. Morreu cerca de 1 milhão de pessoas. • PESQUISA FAPESP108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 59


Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org

O SciELO Brasil tem aumentado seu acervo on-line constantemente, desde que entrou em operação, em 1997. Conheça alguns dados referentes ao período entre 1997 a 2005: • títulos de revistas disponíveis na SciELO Brasil: 131 • fascículos disponíveis na coleção: 2.652 • artigos em texto completo: 38.820 • citações concedidas pelas revistas SciELO (referências bibliográficas): 96.1781 • citações recebidas (as revistas da coleção SciELO citando outras revistas da coleção SciELO): 50.286 • média de artigos por fascículo: 14,57

■ Tecnologia

■ Política

Reciclagem industrial

Reflexões sobre a saúde

Verificar a capacidade de recuperação dos metais cromo e níquel, contidos em resíduos gerados no processo de fabricação de aço inoxidável, utilizando-se altas temperaturas, foi a motivação principal do trabalho "Reciclagem da poeira e lama geradas na fabricação de aço inoxidável", de Pedro José Nolasco Sobrinho e Jorge Alberto Soares Tenório, pesquisadores do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica (Poli), da Universidade de São Paulo (USP). Aços inoxidáveis são ligas, ou combinação de dois ou mais elementos químicos, contendo ferro, carbono em baixos teores, cromo e níquel. O aço pode conter ainda outros elementos como o molibdênio, nióbio, titânio e nitrogênio. "A produção nacional de aço inoxidável atualmente é de cerca de 350 mil toneladas", calculam os autores do artigo. "Sendo que a cada ano milhares de toneladas de poeira com alto teor de cromo são geradas pelas empresas brasileiras produtoras de aço inoxidável. Gera-se também uma grande quantidade de lama com elevados teores de ferro, cromo e níquel." O trabalho, que analisou dois tipos de resíduo com alto teor de cromo, poeira (RESA) e lama (RESB), incluiu técnicas de análise química, distribuição granulométrica, difração de raios X, microscopia eletrônica de varredura e análise de microrregiões. Feitos os testes, os pesquisadores chegaram à conclusão de que é possível recuperar os metais contidos nos resíduos, pois eles conseguiram gerar uma liga à base de ferro, cromo e níquel. "Altos valores de recuperação de metais dos resíduos foram atingidos", disseram os pesquisadores. Segundo o artigo, para o níquel, a recuperação foi total.

O artigo "Avaliação de política nacional de promoção da saúde" tem o objetivo de discutir algumas técnicas de promoção da saúde como uma estratégia importante para os problemas sanitários contemporâneos e a melhoria da qualidade de vida da população brasileira. Os responsáveis pelo texto Gastão Campos, Regina Barros e Adriana de Castro, profissionais do Ministério da Saúde, em Brasília, refletem ainda sobre a política nacional de promoção da saúde que vem sendo construída pelo ministério. "Falar de promoção da saúde no Brasil é lembrarmos e exercitarmos nossa postura antropofágica", dizem os autores no artigo. "É perguntar como pensamos 'promoção da saúde' e no que ela pode nos auxiliar na geração de outros modos de gestão da saúde, de criação do viver e de outras realidades." Os pesquisadores defendem a tese de que, para falar em promoção da saúde no Brasil, é preciso refletir também sobre a melhoria do Sistema Ünico de Saúde. Para eles, a política nacional de promoção da saúde deve ser transversal e operar articulando as áreas técnicas especializadas, os níveis de complexidade e todas as políticas específicas de saúde. "Uma política nacional terá maior eficácia à medida que se construam ações que apostem na capacidade de auto-regulação dos sujeitos sem que isso signifique a retirada das responsabilidades do Estado", afirmam. Por conta disso, segundo o artigo, os desafios colocados para a saúde pública no Brasil, como por exemplo a violência, as doenças crônicas não-transmissíveis, as doenças infecto-contagiosas e o envelhecimento da população, enfatizam a necessidade de pensarmos modos de gestão e de construção das políticas públicas que envolvam outros atores. "Entretanto lembramos do cuidado que precisamos ter quando construímos caminhos para não os considerar soluções acabadas e definitivas", alertam os autores do estudo.

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CIêNCIA & SAúDE COLETIVA - VOL. 9 - N° 3 Rio DE JANEIRO - JUL./SET. 2004

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=So370-

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=Si4i3-

44672004 ooo20ooo9&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

81232004 ooo300025&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

- VOL. 57 - ABRIL/JUN. 2004

REVISTA ESCOLA DE MINAS OURO PRETO

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■ Produção

Coqueiros do Centro-Oeste O cultivo do coqueiro na Região Centro-Oeste pode tornar-se uma importante opção devido à crescente demanda por água-de-coco e à necessidade de os produtores diversificarem as atividades e melhorarem a renda. Com base nesse contexto, o artigo "Comportamento de cultivares de coqueiros-anões e híbridos no Distrito Federal", assinado pelos pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Cerrados), avaliou os diferentes cultivares de coqueiro em relação ao crescimento vegetativo, visando indicar as espécies que podem oferecer mais rentabilidade se plantadas na região do Distrito Federal. O estudo foi desenvolvido em parceria com a Embrapa Tabuleiros Costeiros. Devido às baixas temperaturas durante determinados períodos do ano, além das elevadas taxas de evapotranspiração associadas à irregularidade na distribuição das chuvas, a Região Centro-Oeste registra déficits hídricos, fator limitante da produtividade dos coqueiros. Por causa disso, a demanda do CentroOeste é até hoje atendida pela oferta de frutos de outros estados do Brasil. "Apesar da importância econômica, a produtividade nacional de coqueiros-anões e híbridos é baixa também pelo uso de genótipos não selecionados e pouca informação a respeito das práticas culturais", disseram os pesquisadores. De todos os cultivares analisados, o anão-verde-de-jiqui se destacou no crescimento e na circunferência da porção intermediária entre o caule e a raiz. REVISTA BRASILEIRA DE FRUTICULTURA - VOL. JABOTICABAL - AGO. 2004

26 - N° 2 -

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=Soioo-294520o4 ooo200045&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Psicologia

Os efeitos do estresse Identificar, segundo o gênero, os índices de saúde mental e os fatores psicossociais de risco em trabalhadores de uma universidade pública brasileira é o objetivo do artigo "Gênero e estresse em trabalhadores de uma universidade pública do Estado de São Paulo", escrito por Maria Areias e Liliana Guimarães, do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "A realização desta pesquisa, feita a partir de uma amostra composta de homens e mulheres pertencentes a estratos ocupacionais similares, possibilitou aferir diferenças significativas relativas às

repercussões do estresse", justificam as autores do estudo. A pesquisa envolveu uma amostra composta por 400 trabalhadores, 253 do sexo feminino e 147 do masculino. Na amostra em questão as mulheres apresentaram um maior nível de estresse pessoal. "As participantes do gênero feminino possuem mais fatores psicossociais de risco, estresse no trabalho, estresse social e pior saúde mental do que os do gênero masculino, com maior risco de adoecimento físico ou mental", revelou o estudo. O artigo mostra que este fato se justificaria, de acordo com pesquisas realizadas anteriormente, pelo fato de as mulheres apresentarem mais estressores externos do que os homens, fazendo com que elas estejam mais expostas ao estresse. PSICOLOGIA EM ESTUDO MAIO/AGO. 2004

- VOL. 9 - N° 2

MARINGá

www.scielo.br/scieto.php?script=sci_arttext&pid=Si4i3737220040002ooon&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Neurologia

Abuso de drogas Embora o uso de cocaína seja um problema significativo de saúde pública, existe uma relativa escassez de dados científicos sobre as conseqüências neurocognitivas decorrentes da exposição à droga. Estima-se que 14 milhões de pessoas, em todo o mundo, façam o uso abusivo da cocaína. O artigo "Alterações neuropsicológicas em dependentes de cocaína/crack internados: dados preliminares" verificou a associação entre dependência de cocaína e crack com o desempenho cognitivo de 15 usuários de droga. O objetivo foi avaliar as funções neuropsicológicas dos indivíduos durante a segunda semana de abstinência. Os dependentes químicos, em regime de internação, foram submetidos a uma ampla bateria de testes. O estudo foi desenvolvido por Paulo Cunha, Luciana Gomes, Renata Moino, Marco Peluso e Sérgio Nicastri, pesquisadores do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Os resultados da investigação mostraram sérios prejuízos neurocognitivos em dependentes de cocaína e crack quando comparados a indivíduos normais. "Foram encontradas alterações em testes de atenção, fluência verbal, memória visual, memória verbal, capacidade de aprendizagem e funções executivas", alertam os pesquisadores. Segundo eles, os dados coletados foram suficientes para mostrar evidências de que o consumo de droga está associado a déficits neuropsicológicos significativos, semelhantes aos que ocorrem em transtornos cognitivos, possivelmente relacionados a problemas em regiões cerebrais pré-frontais e temporais. REVISTA BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA SãO PAULO - JUN. 2004

- VOL. 26 - N° 2 -

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=Si5i6-44462004 ooo20ooo7&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

PESQUISA FAPESP108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 61


I TECNOLOGIA

LINHA DE PRODUçãO

MUNDO

Avanço genômico no estudo do câncer Uma modificação na tecnologia de microarrays, também chamados de chips de DNA, vai permitir um avanço nos estudos genômicos comparativos do câncer. A nova plataforma, chamada de hibridização genômica comparativa baseada em array ou CGH, do inglês Comparative Genomic Hybridization, foi desenvolvida em parceria entre o Instituto Nacional de Pesquis do Genoma Humano, d~ Estados Unidos, e a emp sa norte-americana Agilent Technologies, de Paio Alto, na Califórnia. A técnica que pesquisa as alteraçõei dos cromossomos em células cancerosas, possibilita que os pesquisadores identifiquem falhas em uma única cópia cromossòmica, mais

■ Casca de laranja é base de plástico Uma mistura inusitada, composta por casca de laranja e dióxido de carbono, resultou em um novo tipo de plástico que apresenta muitas das propriedades encontradas no poliestireno, extraído do petróleo e utilizado como matéria-prima para vários produtos existentes no mercado. A descoberta foi feita por um grupo de pesquisadores da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, coordenados por Geoffrey Coates, professor de química e biologia química. Os pesquisadores descobriram um caminho para

Chips de DNA : dentificam falhas cromossômicas

difíceis de serem identificadas. Conforme se multiplicam, as células cancerosas sofrem grandes alterações. Compreender essas modificações é fundamental para entender a progressão do câncer e também desenvol-

fazer o novo polímero usando oxido limoneno e dióxido de carbono, com a ajuda de uma nova "molécula salvadora" - um catalisador desen-

62 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

volvido no laboratório. O limoneno, produzido por mais de 300 espécies de plantas cítricas, é utilizado na indústria para várias finalidades, entre

ver tratamentos e equipamentos para diagnóstico. Outros microarrays disponíveis no mercado exigem que os pesquisadores reduzam a complexidade de suas amostras genômicas, geralmente pela amplificação de uma região específica do DNA, para tornar possível o estudo. Além da nova tecnologia, a Agilent anunciou a aquisição da empresa Computacional Biology Corporation, fundada por dois professores do Instituto de Tecnologia de Massachusets (MIT), que desenvolveram a técnica chip-on-chip utilizada para análise da interação das proteínas e o genoma de células vivas. A intenção é usar a nova técnica para o desenvolvimento de novos fármacos. •

as quais a de aromatizante em perfumes. Na laranja está presente em cerca de 95% do óleo encontrado na casca. •

■ Fibra óptica na garganta A empresa norte-americana OmniGuide, fabricante de fibras ópticas, anunciou em dezembro o sucesso da primeira cirurgia minimamente invasiva para retirada de lesões de papilomatose respiratória recorrente (semelhantes a verrugas) na laringe e na traquéia por meio de laser. Os papilomas, originários de um vírus de mesmo nome, podem obstruir totalmente a


BRASIL Nanorrobôs para combater doenças Fotônica: guia o laser para eliminar lesões de papiloma garganta. A novidade é que a fibra óptica utilizada é do tipo fotônica, tecnologia desenvolvida nos anos 1990 (veja Pesquisa FAPESP n° 106). Pelas suas características técnicas, ela é mais fina e consegue guiar o laser e transmitir a imagem com melhor qualidade. Ela evita também a necessidade de anestesia geral e o uso de sala de operação, exigências dos procedimentos tradicionais, mesmo com laser. O paciente pode ser operado no próprio consultório médico e ir para casa logo em seguida. A primeira cirurgia, ainda em fase experimental, foi realizada pela médica Jamie Koufman, diretora do Centro para Voz e Doenças da Garganta da Universidade Wake Forest, do Estado da Carolina do Norte. A OmniGuide espera neste ano a aprovação do procedimento pela Food and Drug Administration (FDA), a agência do governo norte-americano responsável pela liberação de novos alimentos e medicamentos. •

■ Corrida para estocar hidrogênio A busca por soluções que facilitem o uso do hidrogênio como fonte energética comum e disseminada provoca uma corrida tecnológica em vários centros de pesquisa em todo o mundo. Um dos pontos mais estudados é a estocagem do hidrogênio para uso

nas células a combustível, equipamento que gera energia elétrica por meio desse gás, tanto em veículos como em geradores estacionários. Na Inglaterra, uma equipe de pesquisadores das universidades de Newcastle e Liverpool anunciou ter desenvolvido uma forma mais segura de estocar hidrogênio injetando esse gás em materiais que possuem nanoporosos (da orNanorrobôs em atividade no ambiente virtual criado pelo software de simulação

dem de nanômetros). Nos Estados Unidos, duas grandes instituições, a General Motors e o Laboratório Nacional Sandia, uniram-se para desenvolver e testar novos sistemas de estocagem de hidrogênio baseados em hidretos (compostos formados por ligas metálicas e hidrogênio). Quando submetidos ao calor, os hidretos liberam o gás. O programa vai durar quatro anos e está orçado em US$ 10 milhões. (London Press) •

Microscópicos robôs movimentando-se dentro do corpo humano para aplicações na medicina, por enquanto, não passam de objeto de desejo de pesquisadores. Mas as condições para que isso ocorra já estão sendo testadas em duas frentes de pesquisa conduzidas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Uma delas resultou em um software, chamado de Nanorobot Control Design (NCD), desenvolvido por Adriano Ca-

valcanti, aluno de doutorado da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação (Feec). "Entre outras funções, o NCD simula aspectos físicos do corpo humano, ambiente onde os nanorrobôs irão operar quando forem construídos", diz Cavalcanti. A outra frente de pesquisa da Unicamp, coordenada pelo professor Luiz Carlos Krefly, também da Feec, estuda a tecnologia mais apropriada para a construção de nanorrobôs. "A modelagem inclui propulsão, aerodinâmica adequada, comunicação com outros robôs ou central de controle externa ao corpo e sistemas de navegação para ele se localizar e se locomover", diz Kretly. Ele acredita que dentro de cinco a sete anos os primeiros equipamentos microscópicos estarão prontos para combater doenças em estágio inicial. •

PESQUISA FAPESP 108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 63


LINHA DE PRODUçãO

DRASIL

Mais resistente e nutritiva Uma mandioca mais resistente a doenças e com três vezes mais quantidade de proteínas do que a encontrada nos exemplares existentes no mercado foi obtida por meio de cruzamento genético realizado pelo professor Nagib Nassar, da Universidade de Brasília (UnB). "O cruzamento entre espécies silvestres e a mandioca cultivada resultou em um produto híbrido, geneticamente melhorado em comparação com a planta nativa", diz o pesquisador, que conseguiu, por meio de duplicação cromossômica, chegar a uma variedade com 5,5% de proteínas, enquanto a mandioca comum tem 1,5%. A nova variedade pode ser utilizada para substituir parcialmente o trigo usado na panificação, porque a quantidade de proteí-

■ Detergente biológico remove petróleo Um detergente biológico produzido pela bactéria Pseudomonas aeruginosa poderá ser utilizado para recuperar solos contaminados por vazamento de petróleo. A substância, desenvolvida no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro, conseguiu remover o óleo negro de amostras de areia. Também conhecido como biossurfactante, o detergente biológico é um composto biodegradável e não-tóxico, enquanto os detergentes utili-

Mandioca híbrida: três vezes mais proteína que a comum nas do cereal, em torno de 7%, e a do tubérculo se eqüivalem. Os estudos realizados por Nassar foram iniciados na década de 1970, quando estava na Universidade do Cairo, no Egito, e integrava um grupo de pesquisas que procurava uma maneira de contribuir para combater a fome no continente africano. "A mandioca

zados comercialmente são obtidos por síntese química. Para produzi-lo, são empregados resíduos de indústrias de óleos vegetais, como de soja,

foi apontada como uma das culturas mais eficientes para ser produzida nas condições climáticas severas do continente", diz Nassar. Em 1974, por conta de um acordo de intercâmbio de pesquisa entre Brasil e Egito, Nassar veio para cá, onde começou a se dedicar a estudos de melhoramento genético da planta. "Qual-

milho, palma, babaçu e algodão, como meio de cultivo. "Dessa forma é possível reduzir em até 40% o preço do produto final", diz o professor Jo-

Atividade do biossurfactante testada em várias substâncias

64 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

quer melhoramento da mandioca tem que passar pelo Brasil, local de origem da planta", explica o pesquisador, que iniciou seus estudos em 1975 com a coleta de mandioca silvestre do Nordeste brasileiro. Depois de trabalhar em híbridos da mandioca, enviou exemplares ao Instituto Internacional de Agricultura Tropical, entidade que trata da questão dos alimentos no mundo, para que fossem selecionados. "Passados alguns anos, os híbridos que mostraram alta superioridade foram distribuídos aos agricultores africanos e hoje são cultivados em 2 milhões de hectares na Nigéria", conta. As pesquisas do professor resultaram em cinco indicações ao Prêmio Mundial para a Alimentação (World Food Prize). •

nas Contiero, coordenador da pesquisa. "Estima-se que cerca de 2% a 3% do total de óleo produzido é descartado na forma de borra oleosa. Esse resíduo, no entanto, ainda contém quantidades suficientes de óleo, aproveitado como nutriente para o microorganismo sintetizar o biossurfactante", relata a pesquisadora Márcia Nitschke, que participa do projeto. Com isso, a sobra descartável transforma-se em um produto nobre. Os biossurfactantes também podem ser utilizados na recuperação do óleo bruto que adere às rochas durante a extração. •


■ Pó de serra ganha novas aplicações O pó de serra, resíduo do corte da madeira descartado em grande quantidade no Brasil, ganhou novas aplicações. Um novo composto, constituído por 55% de pó de serra, 35% de polipropileno (resina plástica) e 6% de aditivos diversos, foi desenvolvido na Faculdade de Engenharia Mecânica da Fundação Educacional Inaciana (FEI), de São Bernardo do Campo. O produto pode substituir a madeira em diversas aplicações, principalmente em locais expostos à ação do sol e da chuva, como

zeram adaptações nas máquinas extrusoras de plástico existentes no mercado para viabilizar o processo de obtenção do novo produto. "Projetamos um novo tipo de resfriador, que funciona a seco, porque a madeira absorve água", conta Franco. •

■ Máquina para lapidar gemas A lapidação de pedras preciosas no Brasil vai ganhar um equipamento desenvolvido com tecnologia brasileira que permitirá às pequenas empresas agregar valor às gemas produzidas. A primeira má-

Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br

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Máscaras holográficas recobertas com filmes de DLC

Filmes de carbono na produção de chips

janelas, portas, andaimes e pisos utilizados em volta das piscinas. A resistência e a composição ideal do material foram testadas em parceria com a empresa Polibrasil, de São Paulo, maior fabricante brasileira de polipropileno. "Fizemos um estudo estatístico, que levou em conta as propriedades mecânicas e o custo, para obter a melhor formulação para o nosso produto", relata Antônio Franco, que participou do projeto coordenado pelo professor Arthur Tamasauskas. Além da formulação ideal, durante a pesquisa os participantes também fi-

quina facetada automatizada de lapidação está sendo construída com recursos liberados em janeiro pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. A pesquisa e o desenvolvimento do projeto ficaram a cargo do Centro Universitário Univates, do Rio Grande do Sul, em parceria com a RW - Empresa de Equipamentos para Lapidação. A Finep, por meio do Fundo Setorial Mineral (CT-Mineral), investirá R$ 300 mil e caberá à RW uma contrapartida financeira de R$ 60 mil. •

Novo processo de obtenção de filmes de carbono do tipo diamante, conhecido pela sigla em inglês DLC, de Diamond Like Carbon, desenvolvido pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com a Escola de Engenharia de São Carlos da mesma instituição, promete facilitar a fabricação de microdispositivos eletrônicos. O filme de carbono é fabricado em condições mais favoráveis, no âmbito técnico e econômico, de temperatura, de potência e de vácuo que os processos mais antigos. São filmes usados atualmente em revestimentos de várias peças metálicas e plásticas que ficam assim mais duráveis e protegidas de qualquer ação externa, química ou física. Eles também protegem vidros e lentes contra riscos. Outra recém-aplicação para

os filmes de carbono produzidos com essa nova técnica é a incorporação de filmes de DLC em máscaras holográficas para a fabricação de dispositivos microeletrônicos à base de silício (chips). Com isso é possível melhorar a produção dessas peças porque essa máscara controla totalmente a luz, deixando passar o feixe de luz ultra-violeta somente nas regiões em que se deseja esculpir as estruturas do dispositivo e melhorando o controle da micro e nanousinagem. Título: Filmes de carbono tipo diamante (DLCDiamond Like Carbon) para aplicações ópticas, aeronáuticas e mecânicas Inventores: Ronaldo Domingues Mansano, Luiz Gonçalves Neto, Patrick Verdonck, Giuseppe Cirino e Luiz Zambom Titularidade: FAPESP/USP

PESQUISA FAPESP 108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 65


TECNOLOGIA METEOROLOGIA

Por ripritro

das nuvens Novo sistema hidrometeorológico vai fazer previsões de chuva com três horas de antecedência MARCOS DE OLIVEIRA

o próximo verão, se tudo correr bem. os moradores da Região engloba 39 municípios, terão à disposição um serviço de informações sobre chuvas que poderá evitar muitos prejuízos e até salvar vidas. Tempestades como aquelas que alagaram, no início de janeiro, ruas em São Paulo, São Caetano do Sul e São Bernardo do Campo, onde deslizamentos mataram nove pessoas, poderão ter a previsão antecipada com a implantação de um novo sistema meteorológico que irá identificar e analisar a formação e a movimentação de nuvens na região. A idéia é prever os perigos das fortes chuvas e emitir alertas de curtíssimo prazo fcom até três horas de antecedência) para a Defesa Civil, órgãos governamentais e também para toda a população pelos meios de comunicação. O projeto faz parte de um amplo programa de ciência e inovação tecnológica financiado pela FAPESP, numa parceria com o Conselho de Hidrometeorologia da Secretaria de Ciência e Tecnologia do estado, que começa a ser implantado e leva o nome de Sistema Integrado de Hidrometeorologia do Estado de São Paulo (Sihesp). A primeira fase do programa foi implementada em dezembro de 2004 e é composta por quatro projetos aprovados por uma equipe de especialistas 66 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 108

do país. (-orl^H[custo de RS 4 milhões, pa é dedicada |3mplantação de uma rede de equipamentos que inclui a instalação de estações meteorológicas de superfície e a construção de um radar móvel, seguido da modernização de dois outros já existentes nas cidades de Bauru e Presidente Prudente, que servem, principalmente, à agricultura na previsão de chuvas. Com novos sensores e novos softwares, eles serão de importância fundamental para as previsões de tempo que identificam e quantificam a chuva nas nuvens. Além da prestação de serviços à sociedade, o Sihesp vai proporcionar um avanço no conhecimento científico da meteorologia do Estado de São Paulo e incentivar o desenvolvimento tecnológico do país nessa área. "O programa é paradigmático por conjugar atividade de pesquisa científica de grande atualidade, permitir a geração de informação de relevância socioeconómica e, com estratégias de financiamento, contribuir para a inovação tecnológica em instrumentos de precisão", diz José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP. "Com os radares e a rede de estações meteorológicas, que estão sendo implantados, vamos ampliar nossa capacidade de observação e diagnóstico dos processos físicos e dinâmicos da formação de nuvens e de tempestades, além de prover dados de melhor qualidade que serão in-


do tempo, do clima e dos modelos hidrológicos (análise da quantidade de água da chuva que vai para o solo c para os rios)", explica Oswaldo Massambani, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IACí) da Universidade de Uma ferramenta inédita para os pesquisadores é a aquisição de um novo radar, que vai atuar em conjunto com o existente na barragem de Ponte Nova, no município de Biritiba Mirim (região leste da Grande São Paulo) e será instalado de na detecção de chuvas, inclusive no litoral. Ele será produzido por uma pequena empresa paulistana, a Almos, única brasileira que apresentou propostas com outras quatro estrangeiras. Embora prometessem critérios de preço (até 30% mais baratos) e mais rapidez na entrega, as empresas estrangeiras ficaram de fora porque a FAPHSP, em acordo com os pesquisadores, resolveu investir na capacitação brasileira de fabricação de radares meteorológicos. "Usamos o nosso poder de compra para estimular o desenvolvimento tecnológico nessa área no país", diz Perez. "Mostramos que critérios como rapidez e preço, nesse caso, não são os únicos e nem os mais adequados na capacitação de empresas brasileiras." No acordo entre a empresa, a FAPESP e os pesquisadores

responsáveis pelos radares do IAG e do Instituto de Pesquisas Meteorológicas (IPMet) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de São Paulo ficou estabelecido que a Atmos, para atender às especificações formuladas pelos pesquisadores ainda não dominadas pela empresa, vai importar alguns pacotes tecnológicos para deixar os equipamentos prontos para o verão de 2006. A tecnologia do novo radar se baseia na banda X, uma freqüência eletromagnética que funciona em 9,5 gigahertz, enquanto a chamada banda S, usada nos radares do IPMet (Bauru e Presidente Prudente) e de Ponte Nova, mantido ca (FCTH), opera na freqüência de 2,8 gigahertz. A diferença é que o banda S tem um raio de mais de 200 quilômetros (km) e o banda-X, de até 100 km. "Mas o X, além de ser Doppler (procedimento eletrônico que mede a velocidade de deslocamento do eco - reflexão das ondas eletromagnéticas - oriundo das nuvens em relação ao radar), terá capacidade de detectar as nuvens com maior resolução e precisão", diz o engenheiro Fábio Haruo Fukuda, responsável pelos projetos da Atmos. "Vamos fazer os projetos dos conjuntos eletrônicos e mecânicos do radar e importar o software e alguns módulos eletrônicos, mas toda a engenharia de integração será realizada em São Paulo." A empresa PESQUISA FAPESP 108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 67

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também cuidará do projeto do pedestal de controle da antena do radar, que possui movimento de rotação e de azimute (ângulo de direção em relação ao solo). Todos os equipamentos serão instalados num caminhão que será adquirido no projeto e adaptado para o funcionamento do radar. "Teríamos condições de desenvolver aqui a maioria dos módulos que iremos comprar lá fora, mas isso implicaria um maior prazo de entrega, o que não é viável neste projeto", diz o engenheiro Paulo Eduardo Martins, da Atmos.

undada em julho de 2004, a Atmos é uma empresa formada na incubadora de inovação da Fundação Aplicações de Tecnologias Críticas, que possui o nome comercial de Atech, uma organização de direito privado e sem fins lucrativos criada em 1997 para integrar o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), implementado pela Aeronáutica, o principal cliente da empresa. A Atech, que elabora e presta assessoria em sistemas de tráfego aéreo, processamento de imagens de radares e de satélites para as Forças Armadas e para empresas, fechou em outubro de 2004 um contrato de US$ 1 milhão com o governo da Venezuela para prestar consultoria e participar do processo de transferência e absorção de tecnologia do Programa Modernização do Sistema de Prognóstico Hidrometeorológico daquele país. A Atmos foi montada também com a participação da Omnisys, empresa também criada em 1997 para desenvolver sistemas de aplicações aeronáuticas, navais, meteorológicas e de telecomunicações. Para solidificar o conhecimento em radares, a Atech, e depois a Atmos, desenvolveu um radar meteorológico banda S que está instalado no município de Mogi das Cruzes. "Com a experiência que adquirimos no projeto Sivam, nós projetamos todo o equipamento em banda S, inclusive o software de controle do radar, e o instalamos em 68 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 108

Mogi. Agora estamos na fase de testes, utilizando um software meteorológico alemão", conta Fukuda. "No futuro, pretendemos também desenvolver esse tipo de software, que é a única parte do equipamento produzida fora do país." No lado científico, o meteorologista Augusto José Pereira Filho, do IAG, que coordena o projeto de desenvolvimento do novo radar, diz que o banda X como está no projeto aprovado atende às reivindicações técnicas dos pesquisadores. "Ele vai permitir analisar o momento da formação do sistema (nuvens) e verificar se ele é candidato a tempestades", diz Pereira Filho, que estuda a previsão de enchentes desde 1986. Há quatro anos ele analisa os dados coletados pelo radar de Ponte Nova e as enchentes. "Pela imprensa comparo as conseqüências das chuvas que vejo no radar. Nesse período, incluindo as do início de janeiro deste ano em São Bernardo, as vítimas já passam de 30 pessoas mortas, sendo a maior parte crianças." "Em 70% dos casos, as fortes chuvas, que atingem até mais de 100 milímetros (mm) de água em apenas três horas, acontecem devido a formações locais com ar de circulação gerado por superaquecimento da região metropolitana", diz Pereira Filho. "Como nessa grande área existe muito concreto e asfalto, no verão acontece um aquecimento que se transforma em ar quente que sobe em direção à atmosfera. Quando essa bolha de ar se encontra com a brisa que vem do litoral ocorre uma mistura de ar quente com ar frio e mais umidade. Em geral, os ventos mudam de noroeste para sudeste e fazem o ar subir (além de 12 quilômetros é possível encontrar temperaturas de O PROJETO Implantação de plataformas observacionais (4 projetos) MODALIDADE Sistema Integrado de Hidrometeorologia do Estado de São Paulo (Sihesp) COORDENADOR OSWALDO MASSAMBANI

INVESTIMENTO R$ 4 milhões (FAPESP)

- IAG-USP

-60°C), se expandir e resfriar, tendo como conseqüência a transformação do vapor de água e a formação de gotas e de granizo." Tudo isso acontece de forma muito rápida. Da formação das nuvens até o final da tempestade, podem-se passar apenas três horas. "O grande objetivo do radar de banda X será detectar a formação da chuva ainda em desenvolvimento no estágio de nuvens. Ele vai funcionar como um complemento do radar de Ponte Nova, que detecta a chuva quando ela já está caindo." Visão do litoral - No verão, o radar móvel poderá ser posicionado para monitorar as nuvens no topo da serra do Mar (que separa o planalto onde está a cidade de São Paulo e a região da Baixada Santista). Assim os pesquisadores montarão um sistema de previsão imediata de no máximo três horas com resolução da ordem de 200 metros no solo. "Não dá para evitar a tempestade, mas é possível antecipar a formação do sistema e onde ele vai ser mais forte. Com isso poderemos alertar a Defesa Civil e entidades governamentais e não-governamentais, para que retirem as pessoas de encostas antes dos deslizamentos, por exemplo, e até fechar túneis e avenidas, ou seja, tirar as pessoas do caminho da chuva." A comunicação entre o radar móvel, IAG e Ponte Nova será feita por rádio ou telefonia celular. O trabalho de Augusto e mais 13 pesquisadores inclui também o acompanhamento da vazão dos rios que circundam a região metropolitana e fazem parte da bacia do alto Tietê. "Vamos analisar a quantidade de chuva que escoa pelo rio e o quanto fica na bacia. Em alguns casos, já tivemos medições que mostraram a vazão do rio Tietê subir de 100 metros cúbicos por segundo (m/s) de água para 600 m/s em menos de três horas, situação que também contribui para as enchentes." Para processar todas as informações envolvidas nas previsões de chuvas e outros prognósticos, os pesquisadores vão contar também com uma rede de estações meteorológicas de superfície. Serão adquiridas inicialmente dez novas estações automatizadas (medem e enviam as informações via telefone, celular e internet) na região metropolitana que vão medir temperatura, ventos,


Em 11 de janeiro deste ano, tempestade sobre o ABC paulista, detectada pelo radar meteorológico de Ponte Nova, provoca enchentes em São Caetano. Na imagem, as cores indicam o total de chuvas. Em rosa-escuro, elas são mais fortes

umidade relativa e quantidade de chuva. "Elas vão estar interligadas a uma rede já existente de 80 estações espalhadas pelo estado mantidas pela Secretaria da Agricultura e Abastecimento do estado e adquiridas pelo Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro)", diz Orivaldo Brunini, pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), que coordena a rede das estações meteorológicas de superfície no Sihesp. "Essas 80 também vão ser modernizadas", avisa Brunini. Para ele, a implantação do Sihesp é de extrema importância não só para evitar enchentes mas também para a agricultura. "A previsão do tempo e os sistemas de alerta podem ajudar o agricultor na escolha da hora certa para a colheita, plantio e, principalmente, no manejo de agroquímicos,

porque é possível evitar uma pulverização, por exemplo, antes de uma chuva. Se chover, depois dà pulverização, perde-se o serviço." Os benefícios para a agricultura também são previstos por Lourival Mônaco, secretário executivo de Ciência e Tecnologia do governo paulista. Para ele, se a eficiência do Sihesp ficar em 40%, os agricultores do estado poderão economizar US$ 160 milhões por ano com a pulverização de herbicidas e inseticidas. Na cana-de-açúcar, se 40% dos plantadores utilizarem a previsão do tempo para pulverizar e 30% tiverem êxito, a economia será de US$ 42 milhões. "Além disso, a previsão do tempo permite um melhor desenvolvimento das políticas agrícolas", diz Mônaco.

A agricultura também será beneficiada com a modernização dos radares de Bauru e Presidente Prudente a ser feita pela Atmos. "Na primeira fase serão modernizados o sistema de recepção e o processamento do sinal", diz Fukuda, da Atmos. Nesse caso, os equipamentos e o software virão dos Estados Unidos. A empresa brasileira vai gerenciar as modificações e realizar a adaptação dos circuitos do radar para a instalação dos novos equipamentos. Depois ela ficará encarregada da manutenção. "Com hardware e software novos teremos mais parâmetros e esperamos fazer previsões mais rápidas", diz Gerhard Held, coordenador do projeto dentro do Sihesp. A modernização dos radares vai beneficiar também o monitoramento e um sistema de alerta a enchentes na área urbana de Bauru, por exemplo, além da identificação de outros eventos atmosféricos severos como tornados, vendavais e tempestades de granizo. Tanto as informações dos radares como das estações meteorológicas vão interagir com o quarto e último projeto aprovado no Sihesp nessa fase, sob a coordenação de Tércio Ambrizzi, do IAG. Será a formação de uma rede de computadores que vai hospedar um modelo climático para o estado. Para isso, o projeto está montando uma rede com 16 computadores que trabalharão em paralelo para gerar cerca de 140 bilhões de informações por segundo. "Esse projeto tem o objetivo de fazer simulações climáticas usando novos modelos matemáticos para a previsão e para os estudos de variabilidade climática do estado. Nosso interesse é fornecer informações para uma melhor previsão climática sazonal nesta região", explica Massambani. Para ele, os dados obtidos em tempo real pelas redes de plataformas observacionais e os produtos de previsão de curtíssimo prazo, de curto prazo e climáticas, são de fundamental importância na diminuição dos impactos de eventos extremos no Estado de São Paulo, como tempestades severas, inundações, ventos intensos, secas severas e geadas. • PESQUISA FAPESP108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 69


I TECNOLOGIA

INOVAÇÃO

Esforço recompensado Empresas que inovam e diferenciam produtos exportam mais e com preço maior que concorrentes DlNORAH ERENO

m amplo estudo iniciado há cerca de oito meses pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indicou que as empresas brasileiras investem, em média, 45% a mais em pesquisa e desenvolvimento que as subsidiárias de multinacionais no Brasil. Até agora, as pesquisas comparavam as empresas sem levar em conta o tamanho, setor e outras informações. O estudo do Ipea utiliza dados de 72 mil empresas e lança mão de instrumentos estatísticos para isolar o efeito do esforço inovativo em relação à origem do capital, controlando 200 variáveis, como faturamento, setor, coeficiente de exportação, número de trabalhadores e outras. É como se comparasse duas empresas que fazem o mesmo produto, com o mesmo faturamento, na mesma rua, com o mesmo número de trabalhadores, sendo que uma é de capital nacional e outra estrangeiro. "A pesquisa também mostra que as empresas inovadoras lucram e exportam mais", diz o presidente do Ipea, Glauco Antônio Truzzi Arbix. Aquelas que desenvolvem tecnologia têm 16% mais chances de exportar em relação às que não fazem inovações. "Nós não temos ainda o perfil exato desses empresários, mas avaliamos que eles são de uma geração fruto do reordenamento industrial dos anos 1990, das mudanças profundas que vêm atingindo o país nos últimos 15 anos." São empresários que não se contentam em apenas comprar tec70 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

nologias e técnicas para reproduzir no mercado interno o que é feito lá fora. Esse restrito grupo, composto por 1.500 empresas, tem em comum três requisitos: inova, diferencia produto e exporta com um preço 30% maior que seus concorrentes. Por isso foi classificado no estudo como pertencente à categoria A. Só em pesquisa e desenvolvimento, essas empresas gastaram, no total, R$ 1,9 bilhão por ano. Na categoria seguinte, a B, estão 15.311 empresas que têm como principal estratégia a especialização em produtos padronizados. Elas podem ser inovadoras em processos produtivos, mas não em produtos. Por ano investem cerca de R$ 1,6 bilhão com pesquisa e desenvolvimento. No grupo C, onde se encontram 55.400 empresas, os produtos não são diferenciados e a produtividade é menor. Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento não passam de R$ 200 milhões ao ano. O estudo tem como objetivo fazer um mapeamento da indústria brasileira a partir de suas estratégias competitivas. Para tanto, integra informações das mais importantes bases de dados brasileiras sobre o tema: Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec), de 2000, e Pesquisa Industrial Anual (PIA), entre 1996 e 2001, ambas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O mapeamento tornou-se uma espécie de censo da produção industrial e da exportação brasileira ao agregar outras bases de dados, como a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego, e informações da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, e do Banco Central. Para reunir, cruzar e compatibilizar todas essas informações, foi montada uma verdadeira ope-


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Filmes de resinas termoplásticas em rolos de diferentes espessuras

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ração estratégica, que conta com a participação de pesquisadores do IBGE, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade de Brasüia (UnB) e da Universidade de São Paulo (USP).

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Salários maiores - Os dados apurados também mostram que a remuneração média da mão-de-obra nas empresas do grupo A é de R$ 1.254,00, enquanto no B é de R$ 749,00. Já naquelas com menor produtividade o salário médio é de apenas R$ 431,00. Outro dado interessante é que o tempo médio de permanência no emprego é 53% maior nas empresas inovadoras do que nas do grupo C. O Ipea apurou ainda que as empresas que inovam e diferenciam produto tendem a pagar salários 23% maiores do que as empresas que não diferenciam e têm produtividade menor. Entre as inovadoras e as especializadas em produtos padronizados a diferença salarial é de 11%. Luís Fernando Cassinelli, diretor de Inovação e tecnologia da Braskem, empresa petroquímica controlada pelo Grupo Odebrecht, concorda que o nível de motivação é muito mais alto nas empresas inovadoras. "Como somos desafiados diariamente, a equipe se mantém motivada." Com 13 fábricas e 118 pedidos de patentes, a empresa produz petroquímicos básicos e resinas termoplásticas. "A Braskem tem como principal estratégia buscar os produtos mais PESQUISA FAPESP 108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 71


inovadores lançados no mercado internacional e adaptá-los para o nacional, de forma que sejam competitivos", diz Cassinelli. Ele cita como exemplos o copo de requeijão de plástico e duas famílias de resinas lançadas recentemente para substituir produtos importados. No ano passado, a empresa investiu US$ 10 milhões em pesquisa, valor que anualmente fica entre 0,5% e 1,2% do seu faturamento bruto. Em 2003, a Braskem faturou R$ 11,3 bilhões. O levantamento do Ipea também mostrou que a escolaridade média dos funcionários do grupo A é de 9,1 anos, do B, 7,6 e do C, 6,8. Além disso, na média, um ano na escolaridade do pessoal ocupado aumentaria em US$ 60,7 mil as exportações das empresas que já fazem esse tipo de comércio e em US$ 269 mil nas não-exportadoras, desde que passem a enviar seus produtos para o exterior. A integração entre universidades e empresas é apontada como fundamental para que estas últimas obtenham melhores resultados. Diferencial tecnológico - A transformação do conhecimento em tecnologia e produtos se dá de forma mais efetiva em parcerias como as realizadas pela Embraco, com sede em Joinvile, Santa Catarina, líder mundial na fabricação de compressores herméticos para refrigeração doméstica, com 25% do mercado. A empresa investe em pesquisa desde 1982, quando firmou convênio com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Nos anos seguintes, muitas outras foram firmadas, com instituições do Brasil e do exterior. A Embraco iniciou suas atividades em 1974, produzindo compressores com tecnologia importada. Somente em 1987 lançou o primeiro compressor com tecnologia própria. Mas, de lá para cá, não pára de colecionar números superlativos. Hoje a empresa tem 37 laboratórios com equipamentos de última geração, dos quais 13 no Brasil, oito na Itália, nove na Eslováquia e seis na China, países onde possui fábricas, e um laboratório na unidade de negócios localizada nos Estados Unidos. São mais de 400 profissionais dedicados a pesquisa e desenvolvimento no mundo, dentre os mais de 10 mil funcionários. Anualmente investe até 3% do faturamento líquido em pesquisa e desenvolvimento, o que corresponde, em 72 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

Produção de peças para compressores da Embraco (acima), broca odontológica da Clorovale, (ao lado) e linha de gravação de logomarca da Lasertools (na outra página)

média, a US$ 20 milhões e a 352 patentes concedidas em âmbito mundial. Em 2003 faturou US$ 686,7 milhões, vendendo principalmente para os Estados Unidos e países europeus. "A Embraco acreditou na inovação como fator de competitividade e o diferencial tecnológico de seus produtos é um dos responsáveis pela conquista da liderança mundial em seu segmento", diz Roberto Campos, gestor de recursos de engenharia. Uma das inovações lançadas pela empresa, em 1992, foi a linha de compressores compatíveis com gases refrigerantes que não agridem a camada de ozônio. "Em 1998 inovou mais uma vez, com o lançamento do compressor de velocidade variável", relata Campos. Esse aparelho utiliza um controle eletrônico que monitora a variação de temperatura e reduz o consumo de energia. Foi também a transformação do conhecimento obtido em uma área de

ponta, a da tecnologia espacial, que levou pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a desenvolver um produto inovador para a área odontológica, que está prestes a ganhar o mercado internacional. São brocas odontológicas de diamante sintético acopladas a aparelhos de ultrasom em substituição às tradicionais de rotação. "Conseguimos a tecnologia que obtém um filme de diamante que adere completamente à superfície da haste", diz Vladimir Trava Airoldi, pesquisador do Inpe e sócio fundador da Clorovale. "O tratamento é feito com o mínimo ruído possível, sem o barulho da alta rotação. Fundada em 1997, a empresa conta com apenas seis funcionários e oito sócios. Mas tem como foco investir em produtos inovadores, como a aplicação do diamante sintético na área de limpeza de águas, inclusive para filtros caseiros e lubrificantes sóli-


dos. A pesquisa que colocou a empresa na rota da inovação teve início em 1998 e recebeu o apoio da FAPESP dentro do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). O lançamento da broca odontológica no mercado ocorreu em 2003. No final do ano passado, a Clorovale recebeu aporte de capital de uma empresa gaúcha, a Atende Bem, que está ajudando a montar uma estrutura de distribuição e venda do produto. Antes de iniciar as vendas no mercado externo, a Clorovale está testando a aceitação do produto em Israel. Nos Estados Unidos, Itália e França, o produto já está sendo avaliado por professores de odontologia. Alta precisão - Outra empresa que utilizou o conhecimento obtido na universidade para inovar, e obteve sucesso, é a LaserTools, que desenvolveu técnicas a laser para gravações superficiais e profundas de alta precisão para metais e ligas (gravação de logomarcas e tridimensionais). Fundada em 1999 por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), a empresa começou abrigada no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec) na Cidade Universitária. Para conseguir desenvolver a pesquisa com laser, também recebeu auxílio do PIPE. Hoje tem 30 funcionários e, no ano passado, faturou R$ 1,2 milhão. "Utilizamos tecnologia para tratar peças industriais com laser", diz Spero Penha Morato, um dos sócios da empre-

| sa. A LaserTools agreis ga valor a produtos de 1 terceiros para serem exportados. Em dezembro de 2004 foi uma das 20 escolhidas, em São Paulo, para integrar o Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe), do Ministério da Ciência e Tecnologia (veja matéria na página 26). Tanto a Clorovale como a LaserTools estão instaladas em uma região que os pesquisadores do Ipea chamam de manchas industriais, porque estão à frente nos processos de inovação tecnológica. "A Região Metropolitana de São Paulo ampliada, abarcando de São José dos Campos a Santos, passando por Piracicaba, Campinas e São Carlos, é onde se concentra a maioria das empresas classificadas como A no estudo", diz Mário Sérgio Salerno, diretor de Estudos setoriais do Ipea. Essa constatação comprova que as empresas mais inovadoras estão instaladas em regiões com melhor desempenho industrial. O estudo do Ipea, que tem como objetivo dar subsídios para a política industrial do governo, já foi apresentado a vários ministérios, mas ainda não tomou a forma de relatório, com recomendações, o que deve ocorrer em maio. "O trabalho valida a idéia de que a estratégia de inovar pode ser um bom caminho para o Brasil diferenciar produtos no mercado internacional", diz Salerno. A questão cent/al é como o país deve e precisa incentivar a inovação. "Temos de discutir estruturas que não existem no Brasil. Pensar em política industrial sem essas novas estruturas é repetir velhas fórmulas, como isenção de impostos", diz Arbix. Ele defende que a única forma de expandir a participação brasileira no mercado internacional é com produtos de conteúdo tecnológico. "A inovação é um elemento-chave para ampliar a exportação e diminuir a enorme dívida externa a que estamos submetidos, que nos sufoca e está na raiz dos juros altos e de uma série de constrangimentos." •

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I TECNOLOGIA

GEOLOGIA

Retrato do passado Estudos sobre a antiga temperatura da superfície terrestre auxiliam na descoberta de minérios YURI VASCONCELOS

m grupo de pesquisadores brasileiros está empenhado no estudo da variação da temperatura da crosta terrestre ao longo de milhões de anos. Além de contribuírem para o conhecimento da história térmica do continente, eles desenvolveram aplicações econômicas relevantes para a identificação e a caracterização de minérios. "Usamos uma técnica de datação que está auxiliando na descoberta de jazidas de petróleo, gás, diamante, minério de ferro e bauxita, entre outras, porque, na medida em que nos ajuda a compreender o processo de erosão e deposição de sedimentos ocorridos há milhões de anos, nos dá pistas dos minerais existentes debaixo da Terra", diz o geólogo Peter Christian Hackspacher, do Departamento de Petrologia e Metalogenia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Rio Claro. "Desde que começamos os nossos estudos já contribuímos para a vinculação entre a ocorrência de bauxita e a temperatura das rochas no passado em uma jazida em Poços de Caldas, Minas Gerais, exploradas pelas empresas Alcoa e Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) entre outras", conta Hackspacher, coordenador de um Projeto Temático financiado pela FAPESP sobre o tema. A idade da formação de jazidas como essa ou de petróleo gira em torno de 30 milhões de anos e depende de vários fatores geológicos. No caso da bauxita, o aumento da temperatura na crosta em determinada época, como em Poços de Caldas, influencia o soerguimento das rochas de uma área, permitindo um processo de lixiviação (retirada seletiva de íons, com perda ou ganho de elétrons) de sílica e conseqüente enriquecimento de alumínio (esse elemento químico aparece na 74 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 108

natureza normalmente junto ao silício) que está agregado ao minério. No caso do petróleo a situação é diferente. Uma região aquecida por vários fatores geológicos, entre outros processos tectônicos (estudo dos campos de esforços que atuam na crosta terrestre provocando movimentos na superfície), será favorável à geração de petróleo. É o chamado fenômeno da maturação, quando a matéria orgânica encontrada nos sedimentos depositados em bacias sedimentares - a exemplo da bacia de Santos ou de Campos - atinge o intervalo de temperatura entre 60 e 120°C. Com isso, essa matéria orgânica se transforma em hidrocarboneto (petróleo e gás). O método também poderá ser empregado para avaliação de aqüíferos e suas respectivas zonas de recarga, as regiões por onde o lençol de água é reabastecido. Em outro projeto, o grupo que também inclui pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) trabalha em parceria com a Petrobras e em projetos financiados pelo Fundo Setorial do Petróleo e Gás Natural (CT-Petro), do Ministério da Ciência e Tecnologia, em conjunto com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). "Nosso objetivo é melhorar o conhecimento sobre campos petrolíferos em diferentes regiões do país, que vão do Rio Grande do Sul ao Espírito Santo, fazendo a termocronologia (estudo da temperatura das rochas ao longo do tempo) do relevo brasileiro", diz o Hachspacher. "A qualidade dos dados gerados no Projeto Temático, que pela sua Amostras de apatita, abordagem multidiscino alto e à direita, plinar teve repercussão encontradas em maior nacional e internacional concentração no granito, nessa área de estudos, ao lado. No centro, chamou a atenção de batela separa minérios


PESQUISA FAPESP108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 75


empresas privadas e da Petrobras. A estatal concordou em entrar como parceira nos projetos do CT-Petro que ainda não possuem resultados consolidados." Em relação ao projeto temático, um dos desdobramentos foi a criação da NuclearGeo, em novembro de 2003, uma empresa abrigada na Incubadora de Base Tecnológica da Unesp de Rio Claro (Incunesp). O objetivo da NuclearGeo, que foi montada por ex-alunos e docentes da Unesp, da UFRGS e da Unicamp, é usar as técnicas e os conhecimentos desenvolvidos durante a execução do Projeto Temático na exploração mineral e na identificação de aqüíferos e suas propriedades. Temperatura de superfície - Para atingir os resultados que já extrapolaram o âmbito acadêmico, o grupo do professor Hackspacher concentrou seus estudos em torno da identificação da temperatura da superfície e da sub-superfície em determinadas épocas da história do planeta. Isso permite modelar a evolução de serras, planícies e outras paisagens, além de determinar os processos de soerguimento e erosão da superfície terrestre em eras geológicas distantes. Um exemplo desse cenário é a serra da Mantiqueira, maciço montanhoso localizado na Região Sudeste, que já foi bem mais imponente. Há 120 milhões de anos, quando estava em curso a separação da Pangéia, massa continental única que formava o nosso planeta, colocando em lados opostos do Atlântico os continentes sul-americano e africano, a Mantiqueira passava por um gradual processo de soerguimento (movimento de subida) e atingia uma altura de cerca de 4 mil metros superior à atual. Tempos depois, o maciço foi progressivamente erodindo até chegar à altura máxima de 2.800 metros. Os sedimentos resultantes desse desgaste foram depositados na plataforma continental brasileira, na área que compreende as atuais bacias de Campos, no Rio de Janeiro, e de Santos, em São Paulo. O estudo da relação direta entre a temperatura das rochas e a conformação da paisagem de uma região funciona da seguinte forma: quanto mais quente era uma determinada rocha no passado, mais profunda ela se encontrava. E, quanto mais fria, maior a sua proximidade da superfície. Tudo isso 76 ■ FEVEREIRO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 108

tem a ver com a apatita, um mineral incolor composto por fosfato de cálcio e usado na fabricação de fertilizantes e inseticidas, entre outros produtos, que é o principal objeto de estudo de datação do grupo. Esse mineral é uma espécie de testemunha da temperatura da crosta terrestre em diferentes épocas. A apatita contém urânio em seu interior e pode se fissionar (quebrar o núcleo do átomo de urânio em duas metades) de forma espontânea produzindo danos em seu interior - os traços de fissão que são analisados em um microscópio óptico após tratamento químico. O início dos estudos de termocronologia com traços de fissão no mundo aconteceu por meio de métodos desenvolvidos principalmente por pesquisadores australianos a partir dos anos 1980. A técnica de datação e termocronologia usada no projeto temático é um aprimoramento desses estudos e foi desenvolvida no Instituto de Física (IF) da Unicamp. O princípio do método é a análise do tamanho dos traços que dá pistas da temperatura do mineral no passado. "A apatita é muito sensível à temperatura. Sabemos que seus traços de fissão têm o comprimento reduzido quanto mais elevada e duradoura for a temperatura à qual o mineral estava submetido", explica o físico Júlio César Hadler Neto, professor do IF da Unicamp que participa do Projeto Temático como responsável pela área de traços de fissão. Ao estudar os grãos de apatita, os pesquisadores conseguem fazer um mapa do relevo de uma determinada região no passado. Se a idade estiver próxima a 30 milhões de anos, O PROJETO História de exumação da plataforma sul-americana a exemplo da Região Sudeste brasileira: termocronologia por traços de fissão e sistemáticas ar/ar e sm/nd MODALIDADE

Projeto Temático COORDENADOR PETER CHRISTIAN HACKSPACHER

Unesp-Rio Claro INVESTIMENTO

R$ 1.305.047,28 (FAPESP)

por exemplo, a chance da existência de minerais como bauxita é grande. Simulações também são feitas para jazidas de minérios de ferro e de diamante. "Com os nossos estudos, estamos resgatando o soerguimento e o afundamento da Região Sudeste do Brasil, entre o norte do Estado de São Paulo e o sul de Minas Gerais, nos últimos 250 milhões de anos. Pesquisamos rochas e minerais que possam fornecer informações sobre as histórias térmica, tectônica, estratigráfica (estudo das rochas sedimentares), geomorfológica (processo de formação da superfície) e da evolução da paisagem", afirma Hackspacher. Existem cerca de 20 grupos no mundo que trabalham com traços de fissão, metodologia do início dos anos 1960, mas são poucos os que empregam todas as ferramentas utilizadas pelos cientistas brasileiros. "Com as nossas pesquisas, criamos critérios adequados à nossa latitude e substituímos modelos importados de regiões de evolução geológica e climática distintas às nossas." Segundo Hackspacher, as pesquisas realizadas e coordenadas com os professores Hadler, da Unicamp, Antônio Saad do Laboratório de Geociências da Universidade de Guarulhos (UnG), e Iandara Mendes, do Departamento de Planejamento Territorial do Instituto de Geociências da Unesp, permitiram o desenvolvimento de novas tecnologias, como um software para modelagem da história térmica a partir da apatita e novas técnicas para separação e concentração desse mineral. Coleta de amostras - O primeiro desafio para os pesquisadores que trabalham com a apatita é encontrá-la. Para isso, os geólogos vão a campo, munidos de seus martelinhos, para colher pedras que podem conter o mineral - até o momento, a equipe já coletou amostras de 540 diferentes locais. "Pela gênese e propriedades mineralógicas das rochas, sabemos quais são as que têm maior concentração de apatita e as coletamos. O granito, o xisto e o gnaisse são algumas delas", diz Hackspacher. Como a apatita está presente nas rochas em tamanho microscópico - grãos de cerca de 50 micra (1 centímetro dividido 200 vezes) -, é preciso moer e peneirar as amostras coletadas para localizar o mineral. A amostra pulverizada passa em seguida por um pro-


<toN

Carmo do Rio Claro Esperaria Campo do Meio Monte Santo de Minas

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e parte da ;ste há 90 milhões de anos. Jazidas possíveis em áreas com menos de 6o°C

* Guaxupé

Alfenas

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4 t Mocóca S. tose do Rio Preto

T Varginha

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Botelhos * Machado

Sta. Rita do Passa Quatro

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7600

> f Pto. Ferreira

^ Três Corações

Poços de Caldas

Vargem Grande do Sul S. Gonçalo do Sapucaí

Águas da Prata

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«

S. Lourenço ourenço

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Pouso Alegre

J Ouro Fino \ Mogi-Guaçu

^ Araras Rio Claro

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CRUZEIRO

ljf Limeira

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7500 v

-$ Amparo

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Guaratinguetá

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Pindamonhangaba _ Bragança J Paulista

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7450 V. S.f. dos Campos

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Mogi das ruzes

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Oceano Atlântico 250

300

25

cesso de bateamento (circular a água com o minério dentro de uma espécie de prato côncavo), que pode ser manual e lembra o trabalho dos garimpeiros. O concentrado obtido, composto pela apatita e por minerais pesados como zircão, sulfetos e óxidos, é colocado em um separador isodinâmico, aparelho que isola os metais magnéticos dos menos ou não-magnéticos. A apatita enquadra-se nesse último grupo.

400

350

35

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105

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T (°C)

Feixe de Irradiação - Depois de um minucioso processo de separação, os cristais de apatita são imobilizados em pequenos cubos de resina epóxi, de menos de 1 centímetro quadrado - cada cubo contém pelo menos 40 cristais do mineral -, que então são fatiados para redução de sua espessura. As lâminas de epóxi são polidas e sofrem um ataque químico com solução de ácido nítrico. O banho revela os traços de fissão da apatita, que, a partir desse momento, está quase pronta para ser estudada. A última etapa consiste na irradiação da apatita por um feixe de nêutrons no reator nuclear do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) em São Paulo. "A apatita original contém os traços herdados da sua história geológica. Quando o mineral é irradiado, o urânio presente na apatita sensibiliza uma placa de mica (malacaxeta) que foi fixada a ela. Essa placa passa a ter uma certa quantidade de traços induzidos. A razão entre os traços fósseis, presentes originalmente no cristal de apatita, e os induzidos pelo processo de reação nuclear será usada no cálculo da idade por traço de fissão", explica Hadler Neto. As descobertas feitas pelos pesquisadores brasileiros conferiram prestígio internacional ao grupo. Atualmente a equipe, de perfil multidisciplinar, é formada por cerca de 45 profissionais de diferentes instituições do Brasil e do exterior. Além das universidades brasileiras, existem parcerias com as universidades de Pisa, na Itália, Kansas, nos Estados Unidos, Heildelberg e Freiberg, na Alemanha, e do Porto, em Portugal. • PESQUISA FAPESP 108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 77


I TECNOLOGIA

GEOCRONOLOGIA

As idades da terra Rede vai impulsionar estudo de datação de rochas e do potencial de campos petrolíferos FABRíCIO MARQUES

Universidade de São Paulo (USP) ganhará, a partir de 2006, um laboratório com fôlego para transformar o panorama da pesquisa em geologia no país. Com financiamento da Petrobras e da FAPESP, o Instituto de Geociências da USP encomendou à Austrália uma microssonda iônica de alta resolução, equipamento capaz de fazer datações pontuais em um único cristal de minerais, além de determinar a idade de processos geológicos de forma mais rápida e precisa do que a tecnologia disponível. Conhecida como Shrimp (abreviatura de Sensitive High Resolution Ion Micro Probe), a microssonda será instalada num laboratório de 800 metros quadrados no campus da USP. Hoje as pesquisas no país em geocronologia (estudo da idade de rochas e eventos geológicos) e geologia de isótopos (estudo da composição do material para determinar sua origem) dependem de processos demorados em laboratórios superlimpos, onde são feitas a dissolução química de grãos de minerais, rochas ou de material sedimentar e a conseqüente análise da composição de isótopos. E o que se obtém, em alguns casos, é uma média de idade do mate78 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 108

rial, composto ao longo de eventos que demoraram milênios para acontecer. Quando se pretende fazer datações de fases individuais de crescimento dos cristais, a opção é mandar o material para análise em outros países - estimase que US$ 200 mil por ano sejam gastos com o uso de microssondas desse tipo no exterior. Só existem dez desses equipamentos no mundo. O da USP será o primeiro na América Latina. A aquisição terá um impacto ainda maior porque a Petrobras, em parceria O PROJETO Laboratório de geocronologia com microssonda Iônica de alta resolução: suporte para o desenvolvimento de Projetos de Alta Tecnologia em Exploração de Petróleo MODALIDADE

Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) COORDENADOR COLOMBO CELSO GAETA TASSINARI

Instituto de Geociências da USP INVESTIMENTO US$ í.ooo.ooo.oo (FAPESP) US$ 1.500.000,00 (Petrobras)

-

com os ministérios de Minas e Energia, Ciência e Tecnologia e o Serviço Geológico Nacional, decidiu aproveitar a iniciativa e ampliar investimentos na pesquisa de datações geológicas e de análises isotópicas. Está comprando outros três equipamentos, com tecnologia diferente do Shrimp (usa raios laser em vez de feixe de oxigênio). Eles permitirão análises de um espectro maior de materiais, embora não produzam resultados precisos como a microssonda. Conhecidos como ICP/MS (espectrômetros de massa com fonte de plasma e sistemas de multicoletores e de ablação a laser), serão doados às universidades de Brasília, Federal do Rio Grande do Sul e Federal do Pará. Bombardeio - Com a sonda da USP, comporão uma rede de pesquisas, batizada de GeoChronos (rede nacional e estudos geocronológicos, geodinâmicos e ambientais), com a participação da Petrobras e do Serviço Geológico do Brasil. Um comitê vai definir os projetos a serem realizados. "Os laboratórios serão compartilhados em nível nacional e também por pesquisadores de outros países, sobretudo da América Latina, através de convênios científicos específicos", diz o geólogo Ciro Jorge Appi, gerente executivo da GeoChro-


diz Colombo Celso Gaeta Tassinari, professor titular do Centro de Pesquisas Geocronológicas do Instituto de Geociências da USP, que articulou a compra do laboratório. O projeto começou a tomar forma há dois anos, quando o grupo da USP, liderado por Tassinari e por Umberto Cordani, professor do Departamento de Geologia, procurou a FAPESP em busca de financiamento para a compra da microssonda. Não era um pedido simples. O equipamento, fabricado pela companhia Australian Scientific Instruments, custa US$ 2,5 milhões. "A FAPESP prontificou-se a ajudar com uma parte e recomendou que procurássemos um parceiro", lembra Tassinari, que foi à Petrobras. O interesse da estatal foi instantâneo. Em 2000 a empresa já fora procurada pela Universidade de Brasília, que pleiteava no governo federal verba para comprar um Shrimp. A participação da Petrobras se restringiria à construção de um prédio. A idéia não vingou porque a verba principal não saiu.

Cristais de zircão em três momentos: vistos à lupa, suas fases de crescimento formadas em várias épocas e depois do bombardeio com feixes de oxigênio

nos. "Isso é importante tanto para a Petrobras quanto para o Serviço Geológico Nacional, que aprimorarão o conhecimento das potencialidades de todo o continente sul-americano. Hoje laboratórios estrangeiros onde encomendamos estudos dessa natureza desfrutam mais rapidamente das informações sobre nosso continente." A microssonda Shrimp da USP dispensa a dissolução química e submete os grãos a um bombardeio de um feixe de íons de oxigênio. O feixe é posicionado para atingir pontos específicos e minúsculos do grão rochoso e determinar a idade de cada um deles. O bombardeio provoca a fusão dos pontos desejados e libera íons de urânio e chumbo. O material passa por um espectrômetro de massa de alta resolução, capaz de separar até mesmo isótopos com massas muito próximas, e de alta sensibilidade, capaz de medir quantidades muito pequenas de elementos. Células detectoras de íons recebem os isótopos separados e forne-

cem os dados necessários para o cálculo das idades de formação de cada um dos pontos, revelando a história do processo geológico daquele grão. A tecnologia consegue analisar uma grande quantidade de zircões, cristais depositados em bacias sedimentares de campos com potencial patrolífero e, assim, saber a história de sua formação e suas características. Isso auxilia na avaliação do potencial das reservas. Também tem aplicação em datações de todo tipo de rochas, o que permitirá a elaboração de mapas geológicos mais precisos e em menor tempo. Será útil para as mineradoras, pois pode agilizar a descoberta de novos depósitos. "Com a microssonda será possível dar um salto de qualidade e aumentar o número de artigos brasileiros em revistas internacionais",

Cronograma - A compra do Shrimp, projeto aprovado na FAPESP no âmbito do programa de Inovação Tecnológica, prevê a divisão das despesas, US$ 1,5 milhão para a Petrobras e US$ 1 milhão para a FAPESP. A primeira parcela está em via de ser liberada e definirá o cronograma de entrega. Cada microssonda demora 18 meses para ser construída - por isso o equipamento será instalado o mais tardar no segundo semestre de 2006. Mas há um Shrimp em construção há seis meses - disputado por vários países. Se o dinheiro brasileiro chegar primeiro, a microssonda virá mais cedo. Será dividido por dois o tempo de uso do laboratório. Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) terão acesso ao equipamento e, junto com os da USP, poderão usá-lo por 50% do tempo. A outra metade caberá à Petrobras, com envolvimento de pesquisadores de várias instituições do país. • PESQUISA FAPESP 108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 79


■ TECNOLOGIA

FONOAUDIOLOGIA

Precisão

auditiva Equipamentos para testes de audição ganham sistema mais eficaz de calibração

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icar parado em uma sala à prova de ruídos ouvindo sons emitidos por caixas acústicas ou fones de ouvido é a rotina de quem passa pelos testes de audiome__^B__ tria, que medem a capacidade de audição de uma pessoa e são solicitados por médicos e fonoaudiólogos. Os sons, em variados níveis de volume e intensidade, são gerados por um equipamento chamado audiômetro que precisa ser aferido todos os anos na medida padrão. Para esse procedimento, o aparelho acaba de ganhar uma nova metodologia, que é mais precisa e funciona por meio de minicâmeras. A empresa responsável pela inovação é a paulistana Inter-Metro, com o apoio do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP. Especializada em medições acústicas industriais, a empresa desenvolveu o novo sistema após constatar a ocorrência de desvios na calibração dos audiômetros de clínicas, hospitais e consultórios. O problema foi detectado a partir de análises de métodos de calibração realizadas sob orientação do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), órgão federal responsável por atestar a qualidade desse tipo de equipamento com base em normas internacionais. Nos resultados apurados, o diretor da Inter-Metro, o físico Oswaldo Rossi Júnior, deparou com uma grande oferta de serviços de audiometria no mercado, mas de qualidade questionável, inclusive com empresas fazendo calibrações com equipamentos inadequados ou até de forma errada. "O que buscamos é fazer a calibração de acordo com as normas estabelecidas pelo Inmetro, com um equipamento de bom nível e uma inovação na logística que é levar a minicâmera para 80 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 108

testes até os clientes, e não o contrário, como acontece agora", diz Rossi Júnior. Para sanar as deficiências de calibração dos audiômetros que emitem freqüências entre 125 hertz e 8 mil hertz, a empresa lançou mão de alguns procedimentos tecnológicos para a criação de um ambiente sem ecos e outras interferências externas. Assim, foi confeccionada a minicâmera semi-anecóica, medindo 70 centímetros de altura por 80 centímetros de largura e de profundidade. Menor que as câmaras convencionais, a minicâmera é construída em madeira e seu interior é revestido por camadas de vários materiais, incluindo verniz especial, alumínio, espumas de alta e média densidade, películas de chumbo e um absorvedor de espuma especial, com curvatura específica para absorção de som, o que impede sua propagação, além de eliminar os ruídos externos. Dentro da minicâmera são instalados ou um ouvido artificial, aparelho que simula o tímpano humano (membrana fina localizada na entrada do ouvido que conduz o som via ar), ou um mastóide artificial, simulando o condutor ósseo localizado na parte detrás da orelha (recebe sinais acústicos via óssea e o retransmite para o nervo auditivo). No caso do ouvido artificial, um microfone interno reproduz a capaci-


Dentro da minicâmera, testes de calibração mais rápidos e seguros que os convencionais

ter-Metro também evita que os audiômetros sofram danos durante o transporte ou por manuseio inadequado. "Isso melhora todo o aparato envolvido, porque o conjunto de vários audiômetros a serem calibrados em um determinado local justifica levar o sistema a regiões mais distantes", diz o diretor.

dade auditiva do ouvido humano. Assim, qualquer freqüência de som emitida pelo audiômetro dentro da minicâmera é captada pelo microfone do ouvido artificial que fica conectado a um analisador de espectro sonoro, examinando o nível de som, em cada freqüência, e mostrando eletronicamente tudo o que é emitido pelo aparelho. O mesmo acontece quando é utilizado um mastóide artificial, imitando a vibração via óssea. De acordo com Rossi Júnior, além do apuro técnico, o sistema, que só existe de forma semelhante na Dinamarca, também representa um avanço na calibração de audiômetros, porque todos os elementos que o compõem são portáteis. "Desenvolvemos um sistema composto de um medidor de ruídos sonoros e um analisador de espectros que podem ser transportados para re-

giões distantes, onde as possibilidades de calibração são menores", diz Rossi Júnior. Com a possibilidade de ser enviado a localidades onde a prática de calibração é deficiente, o sistema da In0 PROJETO Estabelecimento de um padrão metrológico para sistema audiométrico com parametrização das respectivas funções de calibração e confiabilização MODALIDADE Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADOR 0SWALD0 ROSSI JÚNIOR- Inter-Metro INVESTIMENTO

R$ 82.980,00 (FAPESP)

Menos tempo - Para atingir os bons níveis de calibração, Rossi Júnior fez testes e medidas no laboratório da empresa. Os resultados foram considerados satisfatórios, porque estão dentro de padrões determinados pelo Inmetro. Ele constatou também que o tempo de calibração completa de audiômetros com a minicâmera diminuiu, em média, para duas horas, inferior às três horas gastas no processo tradicional. A partir do protótipo desenvolvido pela Inter-Metro, Rossi Júnior pretende construir outras seis minicâmeras até o final de 2005 para serem enviadas, inicialmente, a várias cidades do interior de São Paulo. Para isso, serão estabelecidas parcerias diretamente com clínicas e consultórios que receberão os equipamentos. Os resultados serão enviados para o laboratório da Inter-Metro em São Paulo, onde serão analisados. A empresa começou a operar em 1997 com apoio da Associação Brasileira de Ensaios Não Destrutivos (Abende). Em 1999 iniciou sua atuação comercial na área de calibração de equipamentos. Atualmente realiza cerca de 60 tipos de testes de metrologia, entre eles as calibrações em decibilímetros (intensidade de som nas indústrias, por exemplo) e dosímetros sonoros (mede a intensidade do som que uma pessoa recebeu durante um dia, por exemplo). O projeto que culminou no novo sistema consumiu cerca de dois anos em pesquisas. De acordo com uma norma do Inmetro, o sistema é aprovado somente para medições durante a calibração, sendo vetado qualquer ajuste no aparelho. Caso exista a necessidade de ajuste, ele deverá ser feito em outro local e depois voltar para a calibração, quando será atestada a sua eficiência. • PESQUISA FAPESP 108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 81


HUMANIDADES

LITERATURA

Ler era uma sensação Brasil já teve mercado editorial amplo, com livros populares que vendiam milhares de cópias CARLOS HAAG

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lzira amava Amâncio, mas seus pais a queriam casada com o rico dr. Siqueira. Tudo em vão. A moça, tísica, fingia tomar os remédios apenas para, às escondidas, encher lenços e lenços com sangue. No fim, a morte diante do amado, chamado enfim para sua casa, e um pedido de pureza final à irmã: "Quando eu morrer... não deixe... ninguém lavar-me, nem ver meu corpo... você mesma... lava-mo, sim?" Dessa forma terminava a trágica história de Elzira, a morta virgem, livro de 1883 que ven deu milhares de exemplares e foi reeditado até 1924. Na mesma época, O aborto, cuja protagonista, Maricota, seduzia o primo, engravidava e morria ao tomar um abortivo, vendeu em 15 dias 5 mil

exemplares. "O meu Policarpo, do qual tirei 2 mil exemplares, há dois anos, está longe de esgotar-se", queixava-se, na mesma época, Lima Barreto em carta a Monteiro Lobato. Hoje, Elzira e Maricota estão esquecidas, mas resistem como provas de que o Brasil já foi um país efetivamente feito de homens e livros, para parodiar o dito esperançoso de Lobato. "Havia um mercado editorial em constante desenvolvimento, que procurava atender a uma massa de consumidores assalariada que crescia a cada dia. Foi surpreendente para mim descobrir que alguns romances de finais do século 19 chegavam a vender algumas dezenas de milhares de exemplares", conta Alessandra El


PESQUISA FAPESP 108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 83


Far, autora de Páginas de sensação: literatura popular e pornográfica no Rio de Janeiro (1870-1924), tese de doutorado que teve apoio do lançamento da FAPESP, agora transformada em livro pela Companhia das Letras. "A idéia do livro popular no Brasil não é algo novo. Hoje em dia encontramos nas estações de metrô máquinas que vendem livros a R$ 3, mas apenas alguns títulos. A grande maioria dos livros custa caro", avalia. "Mas no Rio antigo a leitura era o principal veículo de entretenimento com romances populares e baratos que dialogavam de modo bastante estreito com os problemas, dilemas anseios da sociedade brasileira daquela época." Os livreiros de então faziam edições baratíssimas com listas imensas de autores e obras que cobriam todas as áreas do conhecimento. "O que se desejava era fazer com que o livro deixasse de ser um produto caro, restrito apenas aos círculos das elites letradas, para estender seu consumo a uma massa ilimitada de leitores", conta Alessandra. Espectros - A competição era acirrada. "Todos sabem: vivos, mortos, espectros, que só na Livraria do Povo se encontram livros baratíssimos. Até cadáveres se levantam para aproveitar as nossas pechinchas", jurava um anúncio da época. "Não vale hoje a desculpa de que não se pode ler porque o livro é caro", avisava a vetusta editora Laemmert ao lançar sua coleção Econômica. Quem via capa não via conteúdo: em vez das capas luxuosas, edições com capa brochada, papel de baixa qualidade, tiragem elevada e muitos desenhos. Vale lembrar: a expressão "livro popular" não se ligava ao seu conteúdo, mas ao seu formato, barato e acessível. Mas haveria público para tanto num país que, no final do século 19, tinha 80% de analfabetos? A exceção, honrosa e que deu fôlego à essa indústria da leitura, era a capital federal, o Rio, que tinha mais da metade da sua população alfabetizada e, logo, pronta a consumir. 84 ■ FEVEREIRO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 108

Uma obra tinha a tiragem inicial de mil exemplares, mas muitas, com seu apelo direto ao público, chegaram a superar em cinco vezes esse montante. "A instrução difundiu-se até nas mais obscuras camadas. O livro espalhou-se; deixou de ser objeto raro para chegar até o O PROJETO Aventura, sensacionaiismo e pornografia: os best-sellers de finais do XIX e início do XX MODALIDADE Bolsa de Doutorado ORIENTADORA LILIA KATRI MORITZ SCHWARCZ

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FFLCH/USP BOLSISTA ALESSANDRA EL FAR

- FFLCH/USP

povo", escreveu um cronista do Jornal do Brasil em 1900. Efetivamente, na década de 1880, o preço de um livro em formato brochura era baixo, variando de 100 a mil-réis. Na mesma época, uma dúzia de retratos custava 5 mil-réis, um jantar barato ficava em cerca de 3 mil-réis e um chapéu podia custar até 16 mil-réis. Além do preço, o acesso era facilitado com a venda por mercadores ambulantes pelo centro da cidade. A popularização chegou a um tal ponto que mesmo um outsider como loão do Rio criticava as histórias populares, relacionando os efeitos perniciosos de sua leitura. "Contam na penitenciária que Carlito da Saúde, preso por desordem, mergulhou na leitura de Carlos Magno. Sobreveiolhe uma agitação violenta. Ao terminar a leitura anunciou que mataria um homem ao deixar a delegacia. E, no dia da


gem, não apenas narrava desgraças com "sensação", mas dramatizava o conflito por que muitas famílias da época passavam com o declínio do paternalismo, em que os filhos queriam fazer suas escolhas. "Romances que desafiavam, ao seu modo, a integridade de uma sociedade ansiosa pelo estatuto de uma nação civilizada", analisa Alessandra. Mas para cada morta virgem havia uma plêiade de outras pouco dispostas a guardar sua pureza e que faziam de tudo para agradar aos leitores dos chamados "romances de homens", com suas narrativas pornográficas com títulos como Os serões do convento, que esteve à venda por mais de 40 anos, ou Memórias de frei Saturnino ou Amar, gozar, morrer. "O caráter picante de uma história, em vez de estar vinculado somente ao número de relações sexuais descritas, encontrava-se ligado também à capacidade da narrativa de dialogar com as preocupações, desejos e conflitos daquela época", analisa a pesquisadora. "Num mundo cujas regras morais eram conhecidas por todos, os heróis e heroínas desses 'romances para homens' mostravam uma enorme disposição para burlar convenções e ignorar os agentes repressores, para desfrutar o que sabiam ser repudiado pela moral da época."

saída, esfaqueou um tipo desconhecido. Só esse livro tem causado mais mortes do que um batalhão em guerra", avisava João do Rio. Mas o importante era vender e os editores corriam atrás de textos que pudessem satisfazer a curiosidade de seus leitores. Em geral conseguiam. "Olavo Bilac dizia que se um forasteiro aqui passasse com certeza ficaria espantado com a publicação de quase uma dezena de jornais diários e com a nossa espantosa produção literária", diz a pesquisadora. Seja ela composta de poemas delicados e parnasianos, sejam títulos como O trágico fim da desgraçada Sofia, A flor do martírio ou A desgraça chorando por mais ou, ainda, As desgraças de Emílio, que servirão de lição às almas virtuosas e sensíveis. "Muitos desses romances partiam de uma realidade permeada de valores morais, compartilhados por todas as

personagens para depois mergulharem em situações de completa anomalia, por essa razão, propícias à exacerbação de sentimentos e ao desenrolar de ações repudiadas no dia-a-dia das convenções sociais", observa a autora. Tudo era válido para provocar "sensações" nos leitores. Mesmo que desagradáveis e próximas às suas realidades. "Embora as histórias reafirmem repetidas vezes a importância de valores como o casamento, a virgindade e a família, o ápice da narrativa consistia no momento em que todos os preceitos perdiam a eficácia e viravam pelo avesso", observa Alessandra. "Nesse momento de transgressão de regras, usurpação dos bons costumes e rompimento com a vida em sociedade, esses romances chegavam ao auge de suas emoções e exploravam ao máximo os dissabores dos personagens." Assim, a história de Elzira, a morta vir-

Tônico - Se os "romances de sensação" tinham uma moral central em que as regras sociais eram postas em xeque, nos "romances para homens" os bons costumes eram esquecidos de todo. Assim, a coleção de Fogo oferecia "quarenta posições diversas com as respectivas explicações, constituindo-se no mais prodigioso tônico para levantar organismos depauperados", como explicava o seu editor. O ápice do gênero foi Mademoiselle Cinema, de Benjamin Costallat, que chegou a vender, em três edições, cerca de 25 mil exemplares. "Sejam os 'romances de sensação', sejam os 'romances para homens', o segredo do sucesso estava em vender a um preço acessível livros cujos temas dialogavam com padrões sociais e culturais da época, colocando em pauta as expectativas, temores e ansiedades de uma parcela representativa da sociedade carioca", avalia Alessandra. Para tanto, valia a pena morrer virgem. • PESQUISA FAPESP108 • FEVEREIRO DE 2005 -85


■ HUMANIDADES

CINEMA

Filmagem de Barcarola, no Arpoador, Rio: produção nacional teve vida curta

No escurinho do cinematógrafo Indústria brasileira de filmes sempre esteve a reboque do estrangeiro

preciso ir aos cinematógrafos. Nada mais agradável. Uma fita, outra fita, mais outra. Não nos agradou a primeira? Passemos à segunda. Pode deixar em meio uma delas sem receio, tendo a excelente qualidade de não obrigar a pensar, senão quando o cavalheiro teima mesmo em ter idéias. Dizem que é a sua melhor qualidade essa." Era assim, sem grandes predicados artísticos, que o cinema era visto em 1909 (num artigo da Gazeta de Notícias), 13 anos após a sua estréia brasileira, em julho de 1896, no Rio de Janeiro, ocorrida, aliás, apenas seis meses após a premiére mundial do novo meio na Fran86 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

ça. Naqueles tempos não se falava em sétima arte. "O cinema no Brasil, até a Primeira Guerra Mundial, é uma experiência cultural fechada nela mesma, num cruzamento de práticas do século 19 com outras do 20", explica José Inácio de Melo Souza, autor de Imagens do passado: São Paulo e Rio de Janeiro nos primórdios do cinema, livro editado agora pelo Senac e fruto de um projeto que contou com o apoio da FAPESP. As condições iniciais eram mesmo paupérrimas. "Não me lembro, pois era muito pequeno, onde estava instalado o local de projeção. Havia no fundo um

retângulo de uns 3 metros por 2 de pano branco, o qual foi cuidadosamente molhado antes da exibição {para tranqüilizar os espectadores, que temiam incêndios). Uma mulher gorda, sentada numa cadeira junto do pano, de voz cantada, ia explicando as cenas que se refratavam na tela", anotou Menotti dei Picchia, descrevendo uma das primeiras sessões do que então era chamado de "omniographo". Ao contrário dos públicos europeu e norte-americano, que fugiam apavorados diante das imagens de A chegada do trem à estação, dos irmãos Lumiére, as platéias nacionais viam tudo com elegante nonchalance, nem que


fosse para mostrar que já conheciam a novidade francesa e não eram "caipiras" culturais. O que assustava o público nacional não eram trens, mas "os gatunos, pois, na escuridão negra em que fica a sala durante a visão, é muito fácil aos amigos do alheio o seu trabalho de recolher o que não lhes pertence", advertia um jornal da época. Ou os avanços eróticos dos "bolinas", que se aproveitavam do escurinho para roçar nas moçoilas entretidas com a ação das telas. "É na recepção, blasé, que nos mostramos diferentes, espectadores mais 'porosos' ao que vem do exterior e, embora a narrativa do cinema norte-americano seja hoje dominante, o mercado brasileiro recebe bem imagens de outros países. Somos mais abertos ao exterior do que os norte-americanos, o que nos faz, contraditoriamente, mais cosmopolitas do que eles, que são os donos do mundo", avalia Melo Souza. Não sem razão, pois o cinema, no Brasil, surgiu como desdobramento natural da modernização do país. "O seu aparecimento por aqui não foi um resultado mecânico, mas derivou da lenta construção de um espaço público. A cidade modernizada estimulou a família a usufruir desse espaço, tornando-a mais consciente de seus direitos de circular na rua com segurança para aproveitar suas horas de lazer", lembra o pesquisador. "Para se formar, o cinema dos primórdios foi construído para uma elite

de espectadores e, hoje, só sobrevive graças a ela. A conseqüência disso é clara: a nação era importadora e a idéia de que cinema só podia ser estrangeiro, adotada pelas classes dirigentes, se espraiava por amplos setores da opinião pública, permanecendo entre nós como o mais tenaz resquício da mentalidade que emanava do país subdesenvolvido", observa o autor. Segundo ele, éramos subdesenvolvidos porque o mercado cinematográfico tinha sido criado pelo e para o filme estrangeiro. A nonchalance com a chegada do cinema refletia um descaso perigoso com o que era nacional. "A película estrangeira continuava a ser o alimento do imaginário do espectador brasileiro, enquanto a fita nacional era a reprodução degradada para consumo interno." Onde havia mercado aberto, havia mercadores e eles se chamavam, de início, Pathé, Nordisk, Vitagraph, Biograph e, mais tarde, com a invasão hollywoodiana, Paramount, Warner, Columbia, entre outros. Afinal, o país se civilizava e civilização era sinônimo de estrangeiro. Daí também a concentração inicial do novo meio nas metrópoles incipientes urbanas, em especial São Paulo e Rio. No começo, as exibições não tinham local fixo para acontecer, bem nos moldes do que ocorria na França. Mas em 1897 um imigrante italiano, Paschoal Segreto, criou a primeira sala de projeção cinematográfica, o Salão das Novidades

VSS. NAO PREFEREM OS REPUXOS LUMINOSOS, AO CINEMA FALADO?


Do namorico dos pés {acima) às multidões enlouquecidas para entrar no cinema (abaixo), o novo meio criou modas no Rio e em SP

Paris, no Rio. Em pouco tempo, o cinema virou mania: em 1907, apenas na capital federal, entre agosto e dezembro, surgiram 22 novas salas. Esse pipocar de espaços animou ainda mais a importação de filmes estrangeiros, mas, por um período curto de quatro anos, entre 1907 e 1911, houve espaço para o surgimento de uma produção cinematográfica nacional, a chamada Bela Época do cinema brasileiro. Os temas não eram, entretanto, os mais nobres, variando entre atualidades e os filmes que mostravam crimes, como Os estranguladores, de Antônio Leal, que com quase 40 minutos de projeção foi exibido mais de 800 vezes. Igualmente atraíam multidões os filmes pornográficos exibidos por Segreto que eram anunciados com a ressalva de se tratar de "espetáculo completo no qual não podem intervir senhoritas nem menores", como advertia o jornal O País. Também eram inspiração para o cinema local a espetacularização das vidas carioca e 88 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

paulista. "Vários remadores escrevemnos solicitando que os cinematógrafos Pathé, Rio Branco e Cinema Palace mandem tirar fitas nas próximas regatas de domingo", pedia o colunista de O Binóculo, que reconhecia serem "as fitas nacionais as que o público mais aprecia". Até mesmo batalhas de confete na avenida Botafogo podiam ser tema de mais uma nova película brasileira. Filme viigem - A Bela Época durou pouco. A produção nacional declinou rapidamente e o tiro de misericórdia foi dado em 1914, com a Primeira Guerra Mundial, que faz desaparecer do mercado o filme virgem. "A produção do período estava vinculada à sala exibidora e, dentro desse sistema, o interesse do maior exibidor, Francisco Serrador, em São Paulo, voltava-se para a importação/distribuição, o coração que movimentava o mercado cinematográfico", diz o autor. "A produção sempre foi um negócio marginal ao foco principal, já que havia

uma oferta mundial abundante e de baixo preço." O público blasé recebia bem qualquer coisa. De qualquer lugar. Assim, se entre 1910el914os franceses dominavam 43% do mercado, em pouco tempo os jornais elogiavam o cinema norte-americano. "Ele tem uma compreensão mais humana do frisson da emoção do que qualquer outro povo. As fábricas européias, quando querem sacudir os nervos das platéias ingênuas que lhes vão assistir às fitas, agarram-se aos, já hoje célebres, dramas sociais. O norte-americano faz a coisa com mais inteligência, porque procura emprestar um aspecto de possibilidade e desenvolve-a dentro dos limites de uma realidade perfeitamente aceitável. A emoção é gradual, sem saltos, sem imprevistos, e o espectador inteligente começa a senti-la como uma verdade justa e verossímil." Entre as duas grandes guerras mundiais (quando a indústria cinematográfica européia entrou em crise), Hollywood dominará o mercado brasileiro,


ma. O único setor que continuou patinando, sem encontrar seu caminho ou um discurso coerente, foi o dos produtores brasileiros de filmes", completa. A tal ponto que em 1932 o governo Vargas editou o decreto 21.240 de nacionalização da censura, impondo a exibição de um complemento nacional, a primeira medida legal de reserva de mercado para o filme brasileiro.

Chaplin e Buster Keaton, no traço de J. Carlos: filmes franceses perdem para os norte-americanos

dificultando ainda mais a sobrevivência do cinema nacional. Os ianques não entraram no Brasil para brincar. Ao contrário dos europeus, que obrigavam os exibidores a comprar seus filmes, os norte-americanos abriram a oportunidade de locação das películas, fazendo com que o produtor perca de vez o interesse na participação da produção de filmes feitos no país. Em 1921, dos 1.295 filmes censurados no Rio de Janeiro, 923 eram produtos made in USA, fazendo com que o Brasil se transformasse no quarto maior importador de filmes norte-americanos. Enquanto isso, entre 1912 e 1922, alguns minguados espectadores brasileiros só tinham a chance de ver seis filmes made in Brazil por ano. "Com a supremacia das distribuidoras americanas, após a Primeira Guerra Mundial, os importadores/exibidores da primeira década recolheram-se a uma posição subalterna", conta o pesquisador. "A polifonia de vozes e imagens vigentes até 1916 foi substituída

pelo discurso monocórdico da mercadoria americana. Se isso deu uma certa tranqüilidade à exibição, cujos projetos de maturação mais longos dependiam da oferta abundante de filmes, tiroulhe a audácia que os motivara nos dez anos anteriores", afirma. "Ela se aburguesou, vivendo da renda garantida por um produto colocado na porta do cine0 PROJETO Cultura e mercado nas primeiras décadas do cinema no Brasil: (1896-1916) MODALIDADE Bolsa de Pós-doutorado (FAPESP) COORDENADOR JOSé MáRIO ORTIZ RAMOS

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IFCH/Unicamp BOLSISTA JOSé INáCIO DE MELO SOUZA-

Drama - Nem tudo, porém, eram mazelas nesses primórdios do cinema no Brasil. O preço dos ingressos caiu e o meio se popularizou, abrindo espaço para uma relativa democratização cultural, trazendo para perto do drama e da comédia o "zé povinho" que não tinha como freqüentar os teatros. "E o cinematógrafo assim tão modesto, tão cômodo, vai cada vez mais assumindo as proporções de um vício que não é prejudicial nem às famílias, nem ao Serrador", afirmava um artigo da revista Cri-cri. "Para nós, o melhor da festa é a espera... do avança, da luta tremenda, titânica com que a multidão se espreme pelas três portas do salão para despojar-se pelas filas de cadeiras com a mesma fúria com que o faria se o cobrador anunciasse nada menos do que a novidade de um incêndio ou o de um desabamento de teto." Outro ponto positivo foi a fuga dos exibidores ambulantes do Rio e São Paulo diante da vitória dos cinemas fixos. Obrigados a circular pelo país, levaram o cinema de Manaus até Porto Alegre. O cinema deixava de ser um apanágio dos grandes centros urbanos, uma de suas provas de civilização. Mas não era só isso. Os médicos que por anos travaram uma batalha contra a "cegueira do cinema", supostamente provocada pelos problemas com a fixação da imagem ("As cenas da vida humana aparecem deformadas pelo tremor convulsivo da fita, como que atacadas de delirium tremens, numa trepidação epilética", nas palavras de Olavo Bilac), em 1909, para felicidade geral dos espectadores, afirmaram, na Gazeta Clínica, que "o cinema não era causador de lesões oculares, embora provoque outros danos, como fotofobia, lacrimejamento e, nos casos mais graves, conjuntivite". Agora se podia efetivamente ver o filme e relaxar, sem pensar nada. •

IFCH/Unicamp CARLOS HAAG PESQUISA FAPESP 108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 89


I HUMANIDADES HISTORIA

Vizinhança incômoda Estudo compara as histórias e rivalidades de Brasil e Argentina

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Vargas, nas lentes de Manzon: afável com as elites políticas e industriais e um populista moderno

e a rivalidade entre Brasil e Argentina é bilateral, o conhecimento que um país possui do outro é unilateral e baseado em preconceitos. O que nos separa nos estádios nos reúne na ignorância mútua: a história. "A aproximação entre Brasil e Argentina é muito desejável, não só no plano econômico como no da cultura. Uma das principais vias para chegar a esse objetivo consiste em conhecer-se melhor não só para marcar semelhanças, mas também para marcar diferenças", escreve Boris Fausto, autor, ao lado de Fernando Devoto, de Brasil e Argentina: um ensaio de história comparada (Editora 34). "A agenda atual entre os dois países não pode ignorar a História, mas não pode tomá-la como um elemento inibidor." E não faltam motivos para tanto. Na corrida pela soberania sul-americana, a Argentina, em meados do século 19, saiu na frente apenas para empacar: foi república antes do Brasil, mas as lutas constantes entre os caudilhos portenhos e as outras províncias impediram a formação de uma nação unificada. O Império brasileiro, conservador e escravista, garantiu um sistema político estável e uma identidade que os argentinos careciam, com um Estado que nem sequer podia emitir sua moeda. Gol nosso. Entretanto, entre os anos de 1900 e 1937, nossos vizinhos avançam, graças às exportações diversificadas (ao contrário da monocultura cafeeira) de trigo e gado e a chegada de levas de imigrantes, tomando a dianteira com um


PIB per capita que superava o do Brasil, Espanha, Itália e Suíça, sendo comparável ao alemão. Gol deles. Mas um passe "errado" marcaria o destino argentino: a aposta na ligação estreita com a Inglaterra. Segundo os autores, seja na exportação (os ingleses, entre 1927 e 1929, absorviam quase 30% do total dela) ou no aporte de capitais estrangeiros (67% do dinheiro que entrou na Argentina vinha da Inglaterra), a Argentina desprezou o nascente poderio norte-americano para ficar ao sabor da City. O Brasil, monárquico e republicano (esse, em especial), preferiu abrir os braços ao irmão ianque e, apesar de um país agrário e dependente, conseguiu, no longo prazo, mostrar que fizera a escolha econômica correta. Quando a Segunda Guerra Mundial eclodiu, até mesmo o germanófilo Getúlio Vargas percebeu que era melhor alinhar-se com os aliados. A Inglaterra preferiu que os argentinos se mantivessem neutros, garantindo o abastecimento da ilha. Quando o conflito acabou, a Argentina foi batizada, pelos Estados Unidos, de "o pior aluno da turma" e excluída do grupo de nações exportadoras que foram beneficiadas pelo Plano Marshall, contam Fausto e Davoto. Em 1949, o valor total das exportações caiu pela metade e as importações foram reduzidas, impedindo a necessária entrada de bens de capital e matérias-primas que sustentariam o crescimento industrial. "O diferente posicionamento internacional da Argentina e do Brasil durante a guerra seria lembrado por muito tempo pelas elites argentinas como um grave erro, que permitira ao vizinho ganhar vantagens na consolidação da aliança com os Estados Unidos", observam os autores. "Essa confrontação argentina com o poderoso país do Norte vinha de uma tradição mais antiga, que sempre embasara a política internacional dos conservadores (e que seria herdada por Péron), possível graças à forte aliança com a Grã-Bretanha." Isso ecoaria, no futuro, no discurso do ex-presidente Carlos Menem, que via o progresso brasileiro superior como fruto desse erro passado, e atitude recente de Kirchner, que refuta o Mercosul, de cunho regional, em prol da Alça, a liga preconizada pelos Estados Unidos. Essa "pisada na bola" explicaria boa parte do despeito portenho pelo crescimento brasileiro, apesar das muitas conquistas dos argentinos ao longo de sua história. Depois dos Estados Unidos, a Argentina foi o país que mais atraiu imigrantes para as Américas. Enquanto o Brasil foi, por muito tempo, um país rural, com população dispersa, constituída por exescravos, o Estado argentino, desde o século 19, fez uma cruzada educativa para erradicar o analfabetismo, urbanizou-se velozmente e fez de seus habitantes cidadãos com maior grau de participação política. O sucesso era inevitável. Mas não foi. Em boa dose, além do engano na escolha do parceiro, uma faceta característica dos ar-

Perón: ex-coronel, rejeitado pelas elites, arregimentou as massas e desafiou os Estados Unidos


Avenida Paulista, em São Paulo {ao lado), e Buenos Aires: crescimento brasileiro preocupa Argentina

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gentinos foi determinante no malogro do crescimento dos nossos vizinhos. Um amor pelo passado fazia com que eles vivessem "em meio a um crescente sentimento nacional de que o futuro da Argentina estava no passado; no Brasil, ao contrário, o futuro parecia estar no futuro", notam os autores. Assim, o nacionalismo autoritário brasileiro, em especial durante a era Vargas, foi essencialmente laico e mais pragmático que o argentino, que dava relevo às Forças Armadas, vistas como a única instituição capaz de pôr fim ao liberalismo "caótico" e impor a ordem no país. Isso se refletiu mesmo durante os dois movimentos revolucionários dos anos 1930. O nacional dividiu-se entre liberais paulistas que queriam uma "república nova" e os militares, que desejavam um Brasil forte. Na Argentina, a corrente era única e corria no sentido de um retorno ao passado, a volta a uma mítica "idade de ouro". Vargas - O governo Vargas, ao contrário dos seus colegas argentinos (mais antiquados), se dava bem com os grupos industriais e com a elite política, o que facilitou o processo de substituição de importações ocorrido nos anos 1930 e provocou uma intensa expansão na atividade industrial nacional. Os vizinhos mantiveram-se presos às oportunidades do setor agroexportador, cujos dias estavam contados. Além disso, "a Argentina era uma sociedade dividida, sobretudo no campo político e militar. Ao contrário do Brasil, o poder estava se fragmentando e não se concentran92 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

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do", notam os pesquisadores. Como na dualidade inicial entre Império e República, o "atraso" brasileiro funcionava melhor do que o "progresso" portenho. A ascensão de Péron ao poder trouxe ainda mais dificuldades. Rejeitado pelas elites, o ex-coronel voltou-se para as massas e implementou um governo populista que deu aos sindicatos um poder sem precedentes e levantou como bandeira uma relação de tensões e competição com os Estados Unidos, nos moldes dos conservadores dos anos 1930. O país isolou-se num capitalismo de Estado, enquanto no Brasil o governo Dutra optava por um desenvolvimento baseado na liberdade de mercado, na abertura da economia e na

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drástica redução da ação estatal. "Ambos os países tiveram dificuldades em muitos pontos semelhantes e um desenvolvimento marcado pelo 'stop and go'. Os dois alternaram períodos de crescimento e de crise, políticas expansionistas e de ajuste, com o Estado desempenhando importante papel em sua reorientação", avaliam os autores. Só que, nas fases expansivas, a Argentina deu prioridade ao consumo sobre o investimento, enquanto o Brasil fez o oposto. Gol nosso. Curiosamente, durante os anos 1950 os dois países chegam a um empate técnico. Do lado brasileiro, Juscelino Kubitschek consolidava a democracia nacional e planejava o desenvolvimento


Sao Paulo {ao lado) e o Congresso argentino (abaixo): democracia portenha demorou a se consolidar

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levava a alentar rupturas institucionais", dizem os pesquisadores. "As Forças Armadas, embora às vezes tenham agido por conta própria, em muitos casos tenderam a ser porta-voz ou instrumento das elites. A democracia nunca foi, nesse período, um valor incorporado pelos grupos de poder." Gol contra para os dois competidores.

industrial movido a capital estrangeiro. No campo argentino, o presidente Frondizi preconizava o mesmo, mas o poder civil não ganhou força com a queda de Perón e a democracia de nossos vizinhos continuou sendo arbitrada pelos militares. A habilidade de JK em driblar o conservadorismo nacional e implementar suas metas era digna de um craque, já que não mexia em fontes ideológicas. Frondizi enfrentou, sem retroceder, a hostilidade dos militares e suas medidas provocaram um pesado descontentamento social e um debate ideológico-político de uma sociedade mobilizada, com operariado reticente a abrir mão de suas conquistas com Perón. E qualquer tentativa de impor o

Estado como guia da economia trazia à lembrança o passado peronista, o que horrorizava as elites. Dessa maneira, a industrialização argentina ocorreu num clima de improviso, com baixo preparo técnico. O resultado foi uma industrialização caótica, com muitas fábricas disputando um mercado muito restrito, o que gerava limitação nos ganhos com escala e aumentava custos. Tanto lá como aqui, no entanto, o vento político começava a soprar em outra direção e ambos os presidentes desenvolvimentistas abriram caminho para ditaduras militares. "As elites econômicas e sociais dos dois países mostravam uma clara e crescente tendência ao inconformismo, que as

Ditadura - Apesar de igualmente danosas, há que se convir que a ditadura nacional foi menos repressiva e estável do que a similar portenha, "o que tem a ver com o amplo acirramento dos embates sociais, a amplitude das ações da guerrilha urbana e a maior fragilidade institucional do regime militar argentino". Mais: ao contrário dos militares brasileiros, os argentinos não tentaram modernizar o Estado e melhorar a economia. A sua brutalidade só foi interrompida pelo desastre das Malvinas, que determinou uma transição brusca para a democracia, com a realização, em 1983, de eleições gerais. Nesse meio tempo, os dois países sofreram "o fracasso dos planos econômicos, o que gerou uma sensação de desalento ou, no caso argentino, de desespero, em anos mais recentes". Mas, hoje, "há no imaginário argentino a idéia de que os brasileiros ficaram grandes demais, que têm pretensões hegemônicas na América do Sul", disse Boris Fausto em entrevista. Era bom quando só nos desentendíamos sobre quem era melhor: Pele ou Maradona. A partida continua. • CARLOS HAAG PESQUISA FAPESP108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 93


LIVROS

As diferentes tonalidades do desejo Este é um estudo corajoso que desafia a leitura feita por gerações de notáveis perscrutadores do Brasil sobre a complexa trama que norteia as relações entre raça e sexo no Brasil. Para tanto, a autora, em sua dissertação de doutorado para o Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coloca no centro da sua discussão o modo como os relacionamentos afetivossexuais-inter-raciais se estruturam e são pensados em diversas sociedades, como bem observa o professor Sérgio Carrara em sua apresentação feita para o livro de Laura Moutinho. "O trabalho parte da idéia

Moutinho recorreu a um inteligente expediente, fazendo comparações entre as sociedades semelhantes e, ao mesmo tempo, tão diversificadas do Brasil Razão, "cor" e desejo e da África do Sul. SegunLaura Moutinho do a autora, embora as coEditora Unesp lonizações européias sem452 páginas/ R$48,00 pre tendam a sexualizar o colonizado, a política africana foi criada tendo como base o ideal do "perigo" representado pelo negro e de que as representações sociais e seus excessos de sexualidade. Já o os valores eróticos atribuídos a caBrasil adotou um modelo assimilada raça e ao contato entre elas decionista em que se erotizou a muvem ser compreendidos no âmbito lher negra, até por razões econômidas políticas sexuais adotadas em cas, mas afastou a mulher branca distintos contextos nacionais", asdo negro. severa Carrara. Para dar uma noEditora da Unesp (11) 3242-7171 va dimensão ao seu estudo, Laura www.editoraunesp.com.br

A velhice em nova perspectiva O país do futuro não pensou que, um dia, ia se tornar uma nação de velhos, mas, como mostram os artigos reunidos neste livro, a população brasileira envelhece rapidamente, fazendo dos idosos um dos maiores dilemas para o século 21. O eixo central do estudo é buscar uma avaliação crítica da relação entre envelhecimento e dependência, o que obriga ao entendimento da complexidade e da heterogeneidade do chamado grupo social dos idosos. Os dados dos pesquisadores dão o que pensar: 87,1% dos idosos do sexo masculino chefiam famílias, 72,6% trabalham 40 horas ou mais por semana e apenas 12,7% têm um ren94 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108

tores se questionam se não existe "um conflito de gerações nas políticas públicas". Os novos idosos Tem-se como premissa bábrasileiros: muito sica que uma política para além dos 60? a população idosa deve ser Ana Amélia Camarano parte de uma política nacional de desenvolvimento (organizadora) sustentável, objetivando Ipea aumentar o bem-estar da 594 páginas / R$ 40,00 população como um todo. De acordo com os estudos do livro, o idoso participa do mercado de trabalho até dimento inferior a um salário míniem idades avançadas mesmo na mo por mês ou não têm renda. No condição de aposentado. A atuação caso das mulheres, os números muno mercado de trabalho é uma espedam radicalmente: quase 20% delas cificidade brasileira, que permite a vivem em casa de parentes, 18,5% não sua volta à atividade econômica sem têm renda e 17,1% não têm autonoperder a renda da aposentadoria. mia para lidar com atividades do coIpea (21) 3804-8118 tidiano. Diante desse quadro, os aueditrj@ipea.gov.br


LIVROS

A música popular brasileira na vitrola de Mário de Andrade

Literaturas Estrangeira .• o Brasil: Diálogos

Laura Zuntini de Izarra (organizadora) Associação Editorial Humanitas / FAPESP 268 páginas / R$ 25,00

Flávia Camargo Toni SESC / SENAC 324 páginas / R$ 8o,oo

Um trabalho fascinante que recupera a intimidade intelectual de Mário de Andrade ao catalogar todas as observações escritas pelo modernista na capa de seus discos. Mário era um ouvinte aficionado por música e adorava ouvi-los enquanto se barbeava. A atitude prosaica rendeu anotações preciosas sobre gravações de música popular e folclórica, escritas com esmero em capas de papelão que fazia para, depois, abrigar os discos originais. Editora Senac São Paulo (11) 3284-4322 www.editorasenacsp.com.br / eds@sp.senac.br

Uma leitura interessante, sob ^^^^^^*^W o ponto de vista de vários autores, sobre como se dá e se deu a intersecção entre a nossa literatura e as literaturas estrangeiras. Entre os vários textos: "Machado de Assis e Goethe", de Eloá Heise; "Leitura paralela de Clarice Lispector e Amália Kahana-Carmon", de Nancy Rozenchan; "Eluard e os trópicos", de Betina Rodrigues da Cunha; "Ungaretti tradutor de Joyce e a questão da omissão das fontes", de Lúcia Wataghin, entre outros. Associação Editorial Humanitas (11) 3091-2920 www.fflch.usp.br/humanitas / editorahumanitas@usp.br

450 anos de história da medicina paulistana

A constituição da tradição clássica

Gilberto Natalini e José Luiz Gomes do Amaral (organizadores) Imprensa Oficial / APM 370 páginas / R$ 150,00

Das práticas médicas dos indígenas até o estado da saúde atual, o livro traça um painel da história da medicina paulistana, com textos, fotos e documentos. Especialistas analisaram cada etapa da evolução da prática na cidade de São Paulo, incluindo-se a formação das primeiras escolas, os centros de pesquisas pioneiros, a participação dos médicos nas revoluções, o Sistema Único de Saúde etc. www.imprensaoficial.com.br/lojavirtual

UÇM llllKllíU II

Laços financeiros na luta contra a pobreza Ricardo Abramovay (organizador) Annablume / FAPESP 248 páginas / R$ 15,00

Literaturas estrangeiras e o Brasil: diálogos

Luiz Marques (organizador) Editora Hedra 328 páginas / R$ 48,00

Reunião de vários artigos em português, espanhol e italiano, esse livro traz os primeiros resultados do Projeto Temático financiado pela FAPESP, que pretende trazer ao leitor um amplo painel sobre as formas como o legado dos antigos gregos e romanos foi interpretado entre a Idade Média e o século 20. Editora Hedra (11) 3097-8304 www.hedra.com.br

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IV Centenário da Cidade de São Paulo uma cidade entre o passado e o futuro

IV centenário da cidade de São Paulo: uma cidade entre o passado e o futuro Silvio Luiz Lofego Annablume 208 páginas / R$ 30,00

Este livro reúne artigos de Rodrigo Gravina Prates Junqueira, Júlio César Lima Dias, Mônica Schrõder, Bonnie Brusky, entre outros, todos revelando as dificuldades financeiras das famílias pobres, encobertas pelo sistema financeiro tradicional. Alijados dos processos de crédito normais, agricultores familiares e pequenos empreendedores urbanos encontraram alternativas para redução da pobreza sem ajuda do Estado.

Em 1954, apesar do seu crescimento algo lento em relação ao Rio, São Paulo decidiu mostrar no seu IV centenário que era a metrópole mais importante. Este livro (cuja pesquisa teve apoio da FAPESP) mostra como se organizaram eventos culturais, comerciais e industriais que puseram em curso a nova ideologia de dominância da cidade.

Annablume Editora (11) 3812-6764 www.annablume.com.br

Annablume Editora (11) 3812-6764 www.annablume.com.br PESQUISA FAPESP 108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 95


Porque tudo é dor., meu chapa JORGE ROCHA

Benzina, aguarrás e fiiego na buemba. É desse material que os sonhos são feitos. Pelo menos os meus, nos últimos nove ou oito meses. Tudo piorou nesse meio tempo. Meus limites foram transpostos com fúria crescente. Os índices estavam caindo e minha personalidade, descompensando. Precisava de um estímulo para manter o equilíbrio e, por não poder parar, a melhor solução foi recorrer aos avanços da ciência para metabolizar angústia e stress. Foi daí que resolvi responder o anúncio daquela empresa. Um nome sugestivo: Zen Delivery. O serviço anunciado: no interior da mente, yin e yang controlados por aditivos. Havia uma quantia a ser paga para quem se deixasse submeter aos tratamentos químicos que expandiriam a mente, consciência e humor. Eu havia visto o comercial da empresa num catálogo de auto-ajuda para empresários de sucesso. Um futuro melhor para meus impulsos naturais: eram o que anunciavam. Para ser sucesso, eu havia desenvolvido uma necessidade orgânica de estar aditivado. Foi por isso que me ofereci para estas experiências. Há oito meses. Acabei de receber um demonstrativo completo da empresa, junto com meu histórico e fichário da polícia, me colocando limpo outra vez. Pagam bem, me mantêm acordado e tinindo quando é necessário e um pouco além. Me fizeram novamente um homem completo - feio, forte e formal. E faz bem estar novamente com ficha limpa. Ah, sim. Esse é o pequeno contratempo, o preço a pagar pelo mundo maravilhoso. Eu havia sido preso, há três semanas, por espancamento. Esqueci um detalhe que os homens de branco daquela empresa adoraram: estávamos falando em potencialidades estimuladas, não somente de prazer e alívio. O tratamento da Zen Delivery, vez ou outra, mandava prós picos minha agressividade natural, aquela resultante de comandos e estímulos que colocam o homem na linha instintiva do animal. Daí, era somente selvageria. Numa dessas que acabei preso. Estava num bar, pronto pra exercitar minha confiança e auto-estima, olhando de vez em quando para uma garota que conversava, sem muito interesse, com dois babacas. Enjoado da lerdeza daquele jogo que parecia não render nada, resolvi ir ao banheiro. Estava me sacudindo quando os dois apareceram, querendo tirar satisfação. Esquivei do primeiro soco e fui revidar. Apaguei. Somente voltei a mim quando era agarrado por cinco pessoas e tirado, à força, do banheiro. Disseram que eu cheguei a ser requintado. Que eu havia quebrado os braços dos dois. Que o menos ferido teve a mandíbula e todas as costelas quebradas, à base de socos e chutes. Com essa composição química correndo em minhas veias, por mais que eu possa aparentar serenidade, há um mar de lava fazendo 100 km em 2 segundos aqui dentro. Melhor não mexer comigo. É vitamina e faz bem prós dentes - principalmente dos outros. Mas o que importa é que estou solto de novo nas ruas. Talvez faça parte da continuidade de uma das tais experiências em que andei me metendo. Os homens de branco avisaram que poderiam acompanhar de perto o "desenvolvimento dos efeitos dos medicamentos estimulados por situações cotidianas em campo aberto". Voyeurismo: talvez alguém esteja me observando nesse exato momento. Me sinto pronto pra atacar, como se fosse compelido a isso. Um desejo que surge no estômago, vai se alimentando das excrescências que vejo, 96 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP108


ouço, cheiro e tateio ao redor, sobe até a garganta e se espalha pelo corpo, como um câncer que quer ser expelido. Bem na hora do almoço. Resolvo tirar o dia de folga em um parque próximo. Não posso deixar de acompanhar o bate-boca de duas pessoas perto de mim. O casal não pára de discutir, bem à minha esquerda. Eu não consigo sair do lugar. As vozes vão ganhando corpo na minha cabeça, indo em direção contrária à torcida organizada na minha adrenalina. Campainha de Pavlov. Me contraio por inteiro. E na seqüência, apago. Quando dou por mim novamente, embaixo do meu braço direito, há um rosto. Ou melhor, algo que um dia foi um rosto de um homem. Agora era uma massa roxa e inchada. Batem uns flashes. Estou empurrando a mulher, que grita como se cantasse uma ópera, e soco a boca do estômago do homem. Ele se curva e meto uma cotovelada na nuca, soco na boca e chute no joelho. Ele cai, a mulher berra e tenta avançar pra cima de mim, mas ganha uma cotovelada no estômago e um chute na cara. O cara tenta se levantar e é aí que vôo por cima dele, prendendo os braços com meus joelhos e travando seu pescoço com o braço direito. A canhota vai e volta na cara dele umas quinze vezes, em golpes secos e rápidos. E daí que eu volto à sintonia. A mulher soluça, mas me olha cúmplice. É impressão minha ou está tudo ficando quente? Melhor não esperar uma resposta. Fugir. Sim, sim, solução acertada. Correr pra longe e deixar tudo voltar a fluir - dá pra sentir a química se ajeitando. À medida que corro, vou derrubando, empurrando e me jogando nas pessoas que estão no caminho. Um mendigo, um grupo de adolescentes espinhentos, padres, cafetões em trânsito, meninas com aparelhos nos dentes e beatas que quase se oferecem para sessões de tortura. O que interessa é ir pra bem longe daquele casal. Métodos seculares de suplantação mostram que somente com tensão extrema nos pólos é que se tem o equilíbrio. E esse lado aqui esteve parado demais. Faltava alimento. Palavra mágica, porque minhas energias in the box parecem que estão se esgotando. Um padre se benze e eu tento saltar um muro, mas meu estômago dói e eu só tenho forças pra gritar. Fome. Minha fome. De volta, socando meu corpo inteiro, de dentro pra fora. Eu estou à procura de salvação. Tudo o que eu queria. Nada mais. Será que os jornais de amanhã irão me demonizar ? Mea culpa, mea culpa e... Uma visão ! No burburinho que vai diminuindo na minha cabeça, no fogo que começa a queimar minha carne, fui distinguir o que estava procurando. Agora eu vi. Ele está ali - reconheço porque está usando a mesma roupa que os homens de branco usam. Ele está aqui, dá a impressão de que sempre esteve, e se destaca pra mim - só pra mim, eu sei - no meio daquele bolo de carne. Dá pra definir seu rosto, sentir seu cheiro asséptico e, com o que resta de visão, ler seus lábios murmurando - pra quem ? - meu veredicto. Combustão espontânea. Fim da experiência. Buscar novo espécime.

nasceu em Campos, RJ, e mora em Belo Horizonte, MG. Jornalista e professor universitário, é editor do site Patife (www.patife.art.br).

JORGE ROCHA

PESQUISA FAPESP108 ■ FEVEREIRO DE 2005 ■ 97


MUNDO

ESPORTE CIÊNCIA

BRASIL

ILUSTRADA

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céleres nacional sole terminou um pedido iresentes parino iraquiano com os iscando que

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j 'política'absorvia ttedavidadoschezmílias (...). ConsImente em rivalips, com apelo corta, entre famílias e lias locais", tnua: "Esse mundo [i que poder e arbiIvam sempre mais brados, compunha ia circundante um [nioso. O clima da namente peculiar i quantidade re\ande (para uma rida) e em época

Itaca c: te o (líti>PT íenfez bção jãoe licos Szer enas

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as pessoas percebem qui pouquinho de reservas querem estourar". Defen ponsabilidade fiscal: "O E pode contrair as dívidas Estado, tiver condições de Lula, que estuda altera sua equipe com uma refo nisterial que vai aumentai cipação do PMDB e do PI que o seu governo está de abertas, receptivo à convi das forças democráticas sadas em construir -.^fe próspera e justa". Críticas Ao fazer a defesa da ge locei, não faltaram crítira vernos passados. "Em n-rc cruciais, em que o goverr ria tomar decisões muiti duras, vacilou. Ou porqu velmente tivesse uma elei< xima, ou porque a seus t rios não interessava do i vistajaÈàíb^ompletQ


argo, as exportavina para a RúsVo entre janeiro e paração ao mes303. Segundo reItonfederação da ruária do Brasil), está afetando os lária. n puxando o re>elo setor, que já : bilhões em propara o exterior jitia é 69% supenercializado nos sesde2003. não afetou a co) país, pelo coi> > maior CQSíÊ

da— evocade sofrim bs públicos Estaencontrar I no Espírito Santo sas elites; ao Justiça cinco cota ampla e í i da Polícia Militar diam o conjuntt io de verbas fedezar os poderêí pe recursos. O didesassombroià ser usado Para Seria cômodolo^oM^Furtado era wi de mProbldade "poeta", uma j| Ao contrário, a a racionalida* econômicos e s

complicar , Alexander^"20^^ deres da «0 de algumas tánopafe- nestes dias ções saniie Celso Furtabrouo.pé*/, Fernando A restei Antônio Paoamem só faitou 0 ^•^e ser que eu reflexo do,,.-,* deaftosa,flíe"faa , . co da do/?ue ° Pr°P™ Pará, em fem2003,nuta a pasts sua homenaperdem ^desigualdades nos leite, ele consta^ outros pag5(/?c nhosn^ Om tabilidadt] ter ao pa

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