Ciência e Tecnologia
Junho 2005' N° 112
e no Brasil
FAPESP
SÃO FRANCIS~O, UM MAR DE DUVIDAS VINHO E LONGEVIDADE JUROS ALTOS: PARA QUÊ?
o homem A vida num sambaqui há 10 mil anos
I
Sua iniciativa' social pode ganhar um prêmio. E o Brasil inteiro, uma solução,
Prêmio U)
8
Fundação Banco· do Brasil de Tecnologia Social N
Tecnologia Social
Soluções efetivas e reaplicáveis nos temas referentes. a alimentação, educação, energia, . habitação, meio ambiente, recursos hídricos, renda e saúde concorrem a prêmios de R$ 50 mil, . totalizando R$ 400 mil. Serão. concedidos: um prêmio para empresas, cinco para instituições sem fins lucrativos e dois. prêmios especiais voltados aos direitos da criança e do adolescente e à qestão de recursos hídricos.
Inscrições:
de 14 de abril a 30 de junho de 2005
Consulte o regulamento e inscreva-se: www.fundacaobancodobrasil.org.br
Apoio Institucional:
----"------
Realização:
-----.,.-----------;---
~
UnESCO -
pmCEWA7fRHOusE(mPERS
S
I PETROBRAS
o MELHOR
DO BRASIL
É O BRASILEIRO
I~
FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL
"O melhor do Brasil é o brasileiro" provém de obra de Câmara Cascudo.
A IMAGEM
o ROSTO
DO MÊS
DO JOVEM FARAÓ
Três equipes de especialistas em reconstrução facial apresentaram suas versões para a fisionomia do faraó adolescente Tutancamon, com base em imagens de tomografia de sua múmia. As imagens coincidiram nas linhas gerais: o monarca tinha o queixo retraído e o crânio alongado para trás. A mais rica em detalhes (acima) foi feita por uma equipe de pesquisadores franceses, liderada pelo antropólogo forense lean-Noél Vignal, do (entre Technique de Ia Gendarmerie Nationale. Tutancamon morreu há 3.3 mil anos.
PESQUISA FAPESP 112 • JUNHO DE 2005 • 3
Pesqerecnüisa
www.revistapesquisa.fapesp.br
FAPESP
8
o o
~ o o
12 m
Si
«
o
~ o
o
~
12
ENTREVISTA Carlos Henrique de Brito Cruz, novo diretor científico da FAPESP,analisa a política de ciência e tecnologia
38
do Estado de São Paulo
CAPA Crânio encontrado
em sambaqui
26
ENGENHARIA Transposição do rio São Francisco divide
de rio do Vale do Ribeira revela
das mudanças
opiniões e instiga
a cultura mais antiga de São Paulo
que pretende promover
polêmica entre governo e pesquisadores
REPORTAGENS POLfTICA ClENTfFICA E TECNOLÓGICA
30
e o papel da Fundação dentro dela. E dá indicações
CI~NClA
48
54
FíSICA
ECOLOGIA Aquecimento das águas do Pacífico coloca em
MEDICINA NUCLEAR
situação crítica as populações de lobos-marinhos do litoral do Peru
52
Grupos de Minas e São Paulo
BIOLOGIA
solucionam
Descobertas no litoral paulista sugerem
e transmissão de dados em computadores quânticos
ampla distribuição de inverte brados que habitam os sedimentos no fundo do mar
falhas
e aprimoram manipulação
TECNOLOGIA
68
RECICLAGEM
Governo quer criar empresa de radiofármacos para
Novos processos simplificam
ampliar o uso do diagnóstico
de garrafas plásticas
por imagem
descartáveis
4 ' lU NHO DE 2005 ' PESQUISA FAPESP 112
limpeza e recuperação
44
64
MEDICINA Estudos sugerem
ENGENHARIA QUíMICA Material vítreo
que compostos
poderá armazenar
do vinho tinto
dados digitais em três dimensões
aumentam
80
a longevidade
ECONOMIA Projeto discute a delicada relação entre a autoridade do Banco Central e a política
72
RESTAURAÇÃO Técnicas de análise revelam escritos de papiros e antigos documentos
74
deteriorados
HUMANIDADES
86
SEÇÕES
CARTAS .............•......•......
3 6
CARTA DO EDITOR
9
A IMAGEM DO MÊS ........•.........
CULTURA Pesquisadora
mostra o projeto
civilizado r de Manuel Araújo Porto-Alegre,
ENERGIA
90
artista do Império
ESTRATÉGIAS ....•......•.........
10 20
LABORATÓRIO
34
MEMÓRIA
ARQUITETURA
..........•.............
58 60
SCIELO NOTíCIAS .........•........ LINHA DE PRODUÇÃO RESENHA························94 Equipamento
feito de material
LlVRoS··························95
cerâmica transforma hidrogênio
78
6
em eletricidade
FICÇÃO··························9 CLASSIFICADOS
ENGENHARIA MECÂNICA Software ensina alunos
Livro dimensiona
a planejar a fabricação
da Escola Politécnica na São
de peças industriais
Paulo do começo do século 20
a importância
98
Capa: Hélio de Almeida Foto: Marcello Casal Jr./ ABR Tratamento de imagem: José Roberto Medda
PESQUISA FAPESP 112 • JUNHODE 2005 • 5
CARTAS cartas@fapesp.br
Parasita no cérebro
~
Quero parabenizar Pesquisa FAPESP e, sobretudo, o editor especial Fabrício Marques pela reportagem "Parasita dissimulado" (edição 111). A clareza na escrita e o excelente trabalho de pesquisa proporcionaram uma idéia clara sobre o problema da neurocisticercose, mesmo para um leigo no assunto como eu. CHARLES OZANICK
Instituto de Biologia/UFRJ Rio de Janeiro, RJ
Parabéns pela reportagem e pelo destaque à neurocisticercose (edição 111). Eu diria que "a neurocisticercose, moléstia escamoteada pelo descaso e pela falta de diagnóstico" não apenas agora começa a mostrar sua real dimensão. Publicações e eventos científicos, que, respectivamente, poucos lêem e assistem, há muito tempo tentam amenizar esse descaso - ou seria desdém? É uma patologia que incomoda muito, quando se pensa no seu diagnóstico, por tratar-se de uma verminose que fere os brios socioculturais. Nem corpo um diagnóstico diferencial obrigatório por ser endêmica ela é lembrada. Sua importância possui destaque flutuante no decorrer do tempo, mas, afortunadamente, costuma deixar alguma nova contribuição para sua melhor e maior compreensão. O problema é que a comunidade médica, ou não, insiste em pouco se lembrar desta neuroparasitose. E o que mais se pode dizer se a própria saúde pública, dentro ou fora das universidades, considera-a mais uma entre outras tantas verminoses que, segundo explicam, por já estar inserida em programas de saúde relacionados às verminoses, não merece destaque especial.
Gás Excelente a reportagem "Corpo com mais gás" (edição 111). Além do título sugestivo, o texto traz entrevistas e esclarecimentos dos professores Douglas Franco e Elia Tfouni. Meus sinceros cumprimentos aos dois pesquisadores e a toda sua equipe pelo trabalho que vem sendo realizado. Os dois pesquisadores prestam, ainda, um ótimo trabalho de divulgação da química entre nossos jovens. Os cumprimentos são extensivos ao jornalista Carlos Fioravanti, responsável pela reportagem. ANTONIO
CARLOS MASSABNI
Instituto de Química/Unesp
Araraquara, SP
Lobby O tema abordado na reportagem "O lobby sobe a rampa" (edição 111) é bastante oportuno nestes tempos de abertura de "caixas pretas". Todavia parece um brutal contra-senso a conclusão apresentada de que o lobby da indústria vem tendo sucesso desde os anos 1990, sabendo-se que a maior carga tributária do planeta foi se construindo exatamente nesse período!
SVETLANA AGAPEJEV
Faculdade de Medicina/Unesp Botucatu, SP
6 • JUNHO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 112
JOSÉ EUAS LAIER São
Carlos,
SP
Reforma universitária A edição 110 traz uma matéria importante na página 36 sobre a reforma universitária proposta pelo Ministério da Educação. O assunto foi bem abordado pela revista, contemplando opiniões de docentes, pesquisadores e reitores. Ao que parece, a reforma sinaliza mais para uma discussão das estruturas burocráticas que propriamente para a melhoria da qualidade do ensino e da pesquisa. Muitas universidades, privadas e até públicas, ainda apresentam problemas sérios sem perspectivas de solução mesmo em longo prazo, que afetam diretamente seu desempenho, como docentes desatualizados, com pouca produção científica e ainda sem titulação de doutor. Por outro lado, o Brasil tem despejado anualmente no mercado interno, cada vez em maior número, recém-doutores de perfil totalmente oposto. Praticamente inexiste no Brasil um plano sólido e eficaz de absorção dessa mão-de-obra. Será que essa reforma universitária também busca equalizar esse antagonismo? Há mecanismos para atender à renovação do corpo docente, praticamente assegurado pela estabilidade profissional e protecionismo interno das instituições? Não se discute aqui preenchimento de vagas ociosas, como a abertura das 6.500 vagas nas instituições federais, mas sim muitas vagas mal ocupadas, por vezes ratificadas até por alunos de graduação! Até quando esse paternalismo tomará lugar das oportunidades de trabalho dos recém-doutores, que têm cada vez mais se agarrado a bolsas de pós-doutorado ou outras poucas equivalentes como forma derradeira de sobrevida? Para aqueles cujas pretensões sustentam-se na carreira acadêmica, após anos de investimento intelectual em prol de si mesmos e do país, o que fazer depois? O futuro dos doutores forma-
dos no Brasil foi considerado na reforma universitária proposta pelo governo? Sem dúvida, ele também ditará o que se espera da universidade no futuro. ANA PAULA COELHO
São Paulo, SP
Células-tronco Gostei do exemplar que ~ala sobre células-tronco e transgênicos (edição 110). Isso mostra que o brasileiro tem talento para escrever assuntos que mexem com o cotidiano das pessoas de forma séria e competente. As pessoas por aqui desconhecem a importância de Pesquisa FAPESP. Seria bom se a revista pudesse divulgar que 46 alunos do curso de licenciatura plena e específica em biologia da Universidade Estadual Vale do Acaraú - Instituto Dom José de Educação e Cultura desejam intercâmbio com outras faculdades para trocar informações e receber revistas na área de biologia e outros subsídios que nos auxiliem na iniciação da pesquisa científica. B. VIEIRA [uazeiro do Norte, CE
ANTONIO LUIZ
Quadrinhos Parabéns pela bela reportagem "A nona arte" (edição 110). É isso aí: quadrinho também é cultura! Eu, como "gibizeiro" inveterado há mais de 40 anos, com mais de 8 mil revistas em quadrinhos, adorei o artigo. Cheguei ao Brasil 50 anos atrás, com 10 anos de idade, vindo de Portugal. Nessa época, a campanha contra os quadrinhos era terrível. Pais, professores, padres, imprensa, todos unidos contra esse "terrível mal", como eram vistas as revistas em quadrinhos. Só melhorou um pouco quando a Ebal - com seu diretor Adolfo Aizen - lançou as ditas revistas educativas, como Ciência em quadrinhos, Epopéia, Série sagrada, Grandes figuras em quadrinhos, e os clássicos nacionais na revista Edição maravilhosa. Foi nos quadrinhos (e não na escola) que conheci Bernardo Guimarães, Machado de Assis, José de Alencar, José Lins do Rego e tantos outros mestres brasileiros. É com pena que vejo nas bancas apenas quadrinhos norte-americanos com os super-heróis ianques imperando absolutos, acabando com os quadrinhos nacionais. Nossas crianças estão tão viciadas nos quadrinhos importados que os com temas brasileiros não têm aceitação! Para não ser injusto, o meu consolo é o Maurício de Sousa, que tem uma grande tiragem com os seus personagens infantis, tanto no Brasil como em Portugal. ANTONIO ARMANDO AMARO,
São Paulo, SP
Conselho de Cultura Temos a honra de comunicar o registro feito pelo conselheiro Luís Henrique Dias Tavares, na última sessão plenária deste colegiado, dia 18 de abril em curso, inserido na ata de seus trabalhos e aprovado por unanimidade: "Registro o n= 110, PESQUISA FAPESP 112 • JUNHO DE 2005 • 7
CARTAS abril, da melhor revista de informação científica do Brasil, Pesquisa FAPESP, publicada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Este número da revista publica uma entrevista com a cientista brasileira Mayana Zatz. Ela fala de sua vida de cientista, das conquistas da pesquisa genética e do seu engajamento na campanha das células-tronco. Acredito que os esclarecimentos da professora Zatz são claros e permitem que se conheça e compreenda a importância da pesquisa genética. A seção Memória é dedica da ao físico brasileiro César Lattes, a quem a física deve a determinação da partícula méson pio É igualmente de grande interesse o que se lê nas outras seções de Pesquisa FAPESP, como 'Células-tronco', página 28, "Transgênicos, página 34, 'Assinatura molecular', página 56, 'As belas e as feras', página 58, e 'O frio e o calor que vêm dos ímãs', página 62". EUSTORGIO LIMA CAVALCANTI
Diretor do Conselho Estadual de Cultura da Secretaria da Cultura e Turismo da Bahia Salvador, BA
lambari Li uma nota na edição llO sobre a nova espécie de lambari (Astyanax biotae) e minhas lembranças vieram à tona. Sempre gostei de pescar e quando garoto, nos finais de semana, pescava no ribeirão denominado de Engenho Velho, afluente do rio Capivari (SP). Freqüentemente pegava alguns exemplares semelhantes ao da foto ilustrativa da nota. Na época as margens do ribeirão eram cobertas de mata nativa, ele apresen8 • JUNHO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 112
tava um bom volume de água, sem poluentes, cristalina. Lamentavelmente, hoje está assoreado, com algumas poças d'água até a metade do seu leito, pois quando chega a Capivari já começa a receber esgotos domésticos. Parabéns pelas reportagens
rico-científicos da comunicação social têm muito a contribuir para as ciências sociais brasileiras e para a comunidade científica em geral. CAROLINA TERRA
São Paulo, SP
Correções O nome correto do pesquisador que integra o projeto temático Missionários cristãos na Amazônia brasileira: um estudo de mediação cultural, tema da reportagem "Em nome de Deus" (edição 111), é Marcos Pereira Rufino.
EMPRESA QUE APÓIA A PESQU ISA BRASILEIRA
lJ)
N OVARTI
S
TroplNet.org
exibidas em todas as revistas, contribuindo para aumentar o conhecimento dos leitores. ANTONIO
PEDRO RlCOMINI
A foto no alto da página da reportagem "Entre as estrelas" (edição llO) é de abril de 1972 e a pessoa que nela aparece não é Cesar Lattes, mas sim o físico Armando Turtelli, também da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em uma de suas viagens ao laboratório montado no monte Chacaltaya. O original encontra-se no arquivo pessoal do físico.
Rafard, SP
Comunicação Leitora assídua da revista Pesquisa FAPESP, sou da área de humanas, mais especificamente de comunicação social, e sinto imensa falta de reportagens relacionadas à comunicação. Sabemos que a comunicação permeia as relações sociais e que a própria revista é um veículo de comunicação e de divulgação de informações. Nesse sentido, será que poderíamos ter mais matérias sobre comunicação na revista? Creio que os aspectos teó-
A foto na página 39 do teste de PCR na reportagem "O parasita dissimulado" (edição 110) foi publicada de cabeça para baixo.
Cartas para esta revista devem ser enviadas para ° e-mall cartas@fapesp.br,
pelo fax (1~ 3838'4181
ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468'9°1. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.
Pesquisa CARLOS VOGT PRESIDENTE MARCOS MACARI VICE-PRESIDENTE
CARTA DO EDITOR
De travessias e transposições
CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU, CARLOS VOGT, CELSO LAFER, HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, HUGO AGUIRRE ARMELIN, IOSÉARANAVARELA. MARCOS MACARI, NILSON DIAS VIEIRA JÚNIOR, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO RICARDO REN20BRENTANI DIRETOR PRESIDENTE IOAQUIM |. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO CARLOS HENRIQUE DE 8RITO CRUZ DIRETOR CIENTÍFICO PESQUISA FAPESP CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADORCIENTÍFICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTÔNIO BEZERRA COUTINHO, IOAQUIM I. DE CAMARGO ENGLER, LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, WALTER COLU DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS DIRETOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA), CARLOS HAAG (HUMANIDADES), CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA C&T), HEITOR SHIMIZU(VERSÃOON-UNE), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) EDITORES ESPECIAIS FABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA EDITORES ASSISTENTES DINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO CHEFE PE ARTE TÂNIA MARIA DOS SANTOS DIAGRAMACÃO JOSÉ ROBERTO MEDDA, MAYUMI OKUYAMA FOTÓGRAFOS EDUARDO CÉSAR, MIGUEL BOYAYAN COLABORADORES ALESSANDRA PEREIRA, ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), DANIELA MACIEL PINTO, EDUARDO GERAQUE (ON-LINE). GONÇALO JÚNIOR, LAURABEATRIZ, MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO, PEDRO PUNTONI, RENATA SARAIVA, RODRIGO GURGEL, SÉRGIO L. OLIVEIRA, SÍRIO ]. B. CANÇADO, THIAGO ROMERO (ON-LINE) E YURI VASCONCELOS ASSINATURAS TELETARGET TEL (u) 3038-1434 - FAX: (11) 3038-1418 e-mail: fapesp@teletarget.com.br APOIO DE MARKETING SINGULAR ARQUITETURA DE MÍDIA singular@sing.com.br PUBLICIDADE TEL: (11) 3838-4008 e-mail: publicidade@fapesp.br (PAULA ILIADIS) IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRÁFICA TIRAGEM: 44-000 EXEMPLARES DISTRIBUIÇÃO CIRCULAÇÃO E ATENDIMENTO AO IORNALEIR0 LMX (ALESSANORA MACHADO) TEL: (11) 3865-4949 atendimento@lmx.com.br GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP FAPESP RUA PIO XI, N*1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP TEL (11) 3838-4000 - FAX: (11) 3838-4181
http://www.revtstapesquisa.fapesp.br cartas@fapesp.br NÚMEROS ATRASADOS TEL. (li) 3038-1438
Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP t PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO
FUNDAÇÃO DE AMPARO A PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO SECRETARIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TURISMO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Tudo indica que os primeiros habitantes do atual Estado de São Paulo já se encontravam aqui há 10 mil anos, um ou dois mil anos antes do que até então se imaginava. Difícil decidir, por ora, se eram homens do mar ou do mato, porque se seus traços físicos lembram os de outros habitantes pré-históricos do interior do Brasil, alguma coisa em seu comportamento traz evidências de uma vida social própria dos moradores primitivos do litoral. Por exemplo: embora vivendo distantes do mar alguns quilômetros, esses personagens intrigantes, ao enterrar seus mortos, os cobriam com uma grossa camada de conchas, providência típica das populações da costa que foi, aliás, exatamente o que permitiu a travessia até nós dos vestígios arqueológicos desses túmulos, os chamados sambaquis. A reportagem de capa desta edição trata justamente dessa descoberta fascinante de uma equipe de pesquisadores de São Paulo, relatada a partir da página 38 pelo editor especial Marcos Pivetta. É o próprio Pivetta o autor de outra reportagem de destaque nesta edição e que, com certeza, vai encher de alegria quem gosta de extrair da vida e do cotidiano a maior dose de prazer possível, sem os riscos que às vezes a ele estão associados. É que, conforme se pode verificar a partir da página 44, novos estudos sugerem que compostos do vinho tinto aumentam a longevidade. Mas não é recomendável concluir que quanto mais copos de vinho ingeridos, tanto mais anos garantidos à frente, porque as coisas não funcionam assim. A recomendação, para se beneficiar bastante dos poderes terapêuticos da mais saborosa das bebidas, continua a ser de bebê-la com moderação - se possível, celebrando sempre a vida. Do vinho para a água: o debate sobre a transposição do rio São Francisco, ainda que tomado só do ponto de
vista técnico - embate de interesses políticos aqui um tanto à parte, na medida do possível -, parece um saco sem fundo, porque há argumentos que soam plausíveis tanto do lado daqueles que defendem vigorosamente o projeto quanto entre os que a ele se opõem de modo ferrenho. A reportagem da editora de política, Claudia Izique, a esse respeito, a partir da página 26, joga um pouco mais de luz sobre a natureza da polêmica que coloca em campos opostos governo e pesquisadores. Dá para imaginar memória armazenada em vidro? Não, nada a ver com manuscritos bem guardados em velhas garrafas atiradas ao mar. O caso aqui é a inserção de dados digitais em larga escala e em três dimensões num novo tipo de material vítreo, produzido com alta concentração de oxido de tungstênio. Se a equipe de pesquisadores responsável pelo projeto for bem-sucedida em seus próximos passos, a informática e a indústria eletroeletrônica, entre outros setores, como relata o repórter Yuri Vasconcelos a partir da página 64, terão muito a ganhar. No campo das humanidades, esta edição embrenha-se por um tema que, embora esteja há muito enfiado no cotidiano dos brasileiros, provoca sempre polêmicas terríveis, produz quilômetros de discussões e discursos ácidos, cria irritação indisfarçável e um mau humor sem fim. Deste tema central para a atual democracia brasileira, que é a questão da autoridade monetária como uma modalidade específica de autoridade política nacional, trata a reportagem do editor de humanidades, Carlos Haag, a partir da página 80. Sim, Banco Central, inflação, juros, está tudo ali submetido à investigação impiedosa de respeitados pesquisadores. Vale a pena. MARILUCE MOURA
-
DIRETORA DE REDAçãO
PESQUISA FAPESP 112 -JUNHO DE 2005 -9
%
MEMóRIA
Ávida nos trilhos Estação Central do Brasil começou a ser construída há 150 anos NELDSON MARCOLIN
10 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP112
Primeiro, o cônego Chaves abençoou as três locomotivas da Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro de Petrópolis, no então município de Estrela, atual Magé (RJ). Depois, a comitiva imperial embarcou no trem para a viagem de 14,5 quilômetros até o vilarejo de Fragoso, próximo à raiz da serra de Petrópolis. Para assombro dos presentes, o trajeto foi realizado em pouco mais de 20 minutos, na então impressionante velocidade de 36 km/h. Essa foi a primeira viagem de trem ocorrida no Brasil, em 30 de abril de 1854, na pequena ferrovia construída por Irineu Evangelista de Souza, o "empresário do Império" - a primeira ferrovia pública com tração a motor havia sido construída na Inglaterra, em 1825. Ocorre que essa estrada de ferro, a E.F. Mauá, trazia poucos benefícios econômicos
Trem sobre o canal do Mangue e av. Francisco
Vista da Central do Brasil por volta de 1960 (esq.) e estação da Quinta Imperial (acima), construída para uso do imperador
Bicalho, em 1907
Cobertura das plataformas da estação Central no início do século 20
por não atingir a região produtora de café no Vale do Paraíba e sua estação inicial não chegava na capital do país. Com o transporte de cargas feito por tropas de mulas, o governo decidiu construir uma linha que atendesse os cafeicultores do interior e criou a Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II em maio de 1855. A ferrovia teria dois ramais: um até o povoado de Cachoeira, em São Paulo, e outro para Porto Novo do Cunha, em Minas Gerais. As obras começaram há 150 anos, em Io de junho do mesmo ano. O terminal ficaria na Prainha (praça Mauá), onde havia
embarcadouro e depósitos para carga. Mas logo se reconheceu a conveniência de construir a estação terminal a partir do Campo de Santana, em razão da proximidade do centro do Rio. "A estação Central da E.F. D. Pedro II, que depois da Proclamação da República virou E.F. Central do Brasil, foi o maior desenvolvimento tecnológico daquele período e o principal fator de movimentação da riqueza do país na época", afirma Hélio Suêvo Rodriguez, engenheiro ferroviário da Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística (Central), pesquisador
da memória das estradas de ferro brasileiras e autor do recém-lançado A formação das estradas de ferro no Rio de Janeiro O resgate de sua memória (Memória do Trem, 192 páginas). A igreja de Sant'Ana, de 1735, foi demolida para dar lugar ao primeiro edifício, inaugurado em 1858. Nas décadas seguintes o prédio da estação Central sofreu reformas e ampliações. A estrutura atual começou a ser erguida em 1935, com um corpo principal, de sete pavimentos, uma torre com 28 andares, 134 metros de altura e plataformas de trem. O relógio, de quatro faces, só perde em tamanho
para o londrino Big Ben. No entorno foram criados terminais para ônibus e metrô integrados à ferrovia. O local é um dos mais movimentados do Brasil - diariamente passam por lá cerca de 600 mil pessoas da própria capital fluminense, dos subúrbios do Rio e de todo o país. O hábito de chamar a ferroviária de Central não mudou após a criação da Rede Ferroviária Federal S.A., em 1957. "Ir à estação da Central, andar nos trens da Central ou trabalhar na Central são expressões que pertencem ao inconsciente coletivo e afetivo do carioca", diz Rodriguez.
PESQUISA FAPESP 112 ■ IUNHODE2005 ■ 11
ENTREVISTA: CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ
Um otimista^
-
com método
MARILUCE MOURA
az já algum tempo desde que o físico Carlos Henrique de Brito Cruz, nascido no Rio de Janeiro em julho de 1956, mas paulista por adoção desde os 4 anos, revelou-se um analista atento como poucos das políticas contemporâneas de ciência e tecnologia e de seus indicadores de crescimento, nacionais e internacionais. Mais ainda: há cerca de 15 anos ele ultrapassou a categoria de espectador engajado para meter as mãos diretamente nos desafios da gestão da ciência e da educação. Desde então ocupou, entre outras, as posições de diretor do Instituto de Física Gleb Wataghin, por duas vezes (1991-1994 e 1998-2002), e reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de 2002 a 2005. Foi o mais jovem presidente da FAPESP até hoje - tinha 40 anos ao tomar posse em setembro de 1996 -, e duas reconduções sucessivas ao cargo, num momento fervilhante da vida da instituição, marcado por profunda transformação e crescimento jamais visto, parecem ser um claro reconhecimento a sua competência. No final de abril último, Brito Cruz retornou à FAPESP, desta vez nomeado diretor científico, em substituição ao também físico José Fernando Perez, que ocupou o cargo durante 11 anos. A diretoria científica da Fundação é uma 12 ■ JUNHO DE2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
das posições de liderança mais exigentes no sistema paulista de ciência e tecnologia e, possivelmente, também uma das mais gratificantes, porque nela pode-se fazer muito pelo estado e - por que não? - pelo país. Brito Cruz promete trabalhar com método científico neste novo posto de sua carreira. O que agora será difícil para este engenheiro eletrônico formado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em 1978, mestre (1980) e doutor (1983) em física pela Unicamp, é conceder uma atenção mais que marginal à pesquisa de fenômenos ultra-rápidos aplicada ao estudo de materiais, para a qual se voltou desde 1980. Vale o mesmo para seu trabalho como professor no Instituto de Física da Unicamp, onde está desde 1982. As duas atividades lhe agradam muito. Mas, como diz, há que se fazer escolhas. Nesta entrevista Brito Cruz mostra sobretudo sua visão - otimista - sobre o desenvolvimento da ciência e da tecnologia no Brasil e dá indicações claras de como pretende conduzir seu trabalho à frente da diretoria científica da FAPESP. ■ Qual a sua visão sobre o papel da FAPESP no sistema de ciência e tecnologia de São Paulo? — O sistema precisa de três pilares para sua sustentação adequada e para que possa contribuir para o desenvolvimen-
to econômico e social do estado. Um dos pilares é a formação de recursos humanos, importante para que se tenham as pessoas necessárias para fundamentar a capacidade tecnológica no próprio estado. O segundo pilar é o da pesquisa acadêmica, em geral feita em instituições universitárias, às vezes em institutos de pesquisa, que é muito importante para fazer avançar o conhecimento humano e para formar os recursos humanos. O primeiro e o segundo pilares conectam-se por causa da pósgraduação, especialmente, mas também por causa da graduação. E o terceiro pilar é a pesquisa e desenvolvimento no mundo industrial - na verdade, o mais certo hoje seria falar no mundo empresarial, porque inclui a indústria e os serviços. Em todas as nações do mundo os dois primeiros pilares são de responsabilidade principalmente do Estado, do ponto de vista do financiamento. E a pesquisa e desenvolvimento no mundo empresarial é parcialmente da responsabilidade do Estado. A razão - tem aí uma razão conceituai importante - é a seguinte: os resultados da formação de recursos humanos e da pesquisa acadêmica são de difícil apropriação privada. Quando um pesquisador na universidade faz uma descoberta ou publica um artigo científico revolucionário, raramente consegue se apropriar em termos exclusivos daquele resultado, até porque, em geral, para
PESQUISA FAPESP 112 -JUNHO DE 2005 -13
que a pesquisa acadêmica avance, precisa não ter dono, ou melhor, precisa ter muitos donos, porque é uma atividade social, não individual. Essa dificuldade de apropriação faz com que o investimento privado nessas atividades seja reduzido e, portanto, o Estado precisa suprir este financiamento. Já os resultados do investimento em pesquisa e desenvolvimento no mundo empresarial são apropriáveis privadamente, portanto faz sentido que aqueles que vão se apropriar do resultado façam a maior parte do investimento. ■ Epor que o Estado ainda teria que bancar uma parte disso? — Porque é parte intrínseca da atividade de pesquisa e desenvolvimento um nível de risco que freqüentemente é alto demais para que o setor privado consiga bancá-lo. Assim, é comum, em todos os países do mundo, que o Estado subsidie de alguma forma essa atividade para reduzir um pouco seu risco. Quando falo dos três pilares, estou também falando da minha visão sobre a FAPESP, que tem um compromisso primordial e inabalável com eles. Os dois primeiros são mais específicos e mais até da tradição da Fundação, que precisa manter seu compromisso com essas atividades, até porque, como disse antes, elas não têm alternativas de financiamento e, além disso, são fundamentais para que haja uma base no Estado de São Paulo capaz de trabalhar com o conhecimento para transformá-lo em riqueza. ■ Na verdade, em termos históricos, sempre houve total clareza da ação da FAPESP nesse sentido. — Exatamente. E, na parte da pesquisa empresarial, a FAPESP tem também um papel a cumprir e uma contribuição a dar, que é a de ser um dos agentes estatais que podem estimular a intensificação dessa atividade. Um dos agentes, enfatizo, porque há vários outros relevantes, e eu listaria pelo menos a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que têm capacidade de financiamento bem maior do que a FAPESP. Acho que a atividade dos agentes estatais tornou-se mais relevante, mesmo que não tenha se tornado quantitativamente maior, nos últimos anos. 14 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
■ Uns dez anos, por aí? — É, uns dez anos. Quer dizer, tem dois pontos de virada nesse sentido. Tem um primeiro, de natureza mais orgânica, que foi a abertura da economia brasileira, no início da década de 1990. Essa abertura, mesmo com todas as críticas que possamos fazer a ela — e há mesmo muitas críticas a serem feitas, pela maneira descontrolada, pouco planejada, com que foi feita —, trouxe como resultado a exposição da indústria brasileira ao mundo. Com isso, dois temas tornaram-se essenciais no debate sobre o futuro da indústria brasileira: qualidade e tecnologia. O desafio da qualidade, a indústria brasileira atacou com muita efetividade já no começo dos anos 1990. A estratégia de abertura do governo brasileiro naquela época, por razões que eu não saberia explicar, incluiu cuidar da qualidade, mas não incluiu cuidar da tecnologia. ■ Isso ficou bem representado naquele momento, por exemplo, pela corrida das empresas rumo à certificação ISO 9000. — Isso. Teve vários movimentos, o Estado brasileiro apoiou e financiou as empresas para que fizessem ações para ter qualidade certificada internacionalmente em seus processos e produtos, e ISO 9000 virou uma paixão nacional. De tal modo que hoje a indústria paulista é reconhecida internacionalmente como uma das que apresentam um dos maiores índices de qualidade em seus processos e em seus produtos. Muito competitiva. O segundo desafio, o da tecnologia - de forma simplificada, podemos dizer que o desafio da qualidade refere-se ao como produzir e o da tecnologia ao que produzir -, demorou um pouco mais para ser percebido. O professor [José] Goldemberg, que foi ministro da Ciência e Tecnologia naquela época, falava da importância de levar a atividade de pesquisa para dentro das empresas. Só que ele não conseguiu organizar as maneiras de fazer isso. ■ O discurso não repercutia no interior da empresa, não é? — Demorou um pouco para repercutir. Uma das razões foi que, enquanto o desafio da qualidade pegou, envolveu as empresas e as fez se empenharem, no assunto tecnologia, até 1999, o Brasil foi presa de uma grande ilusão da política
de ciência e tecnologia: a de que a tecnologia de que as empresas precisam seria feita em universidades e em institutos de pesquisa. Isso é um equívoco que não tem respaldo em nenhum momento da história da tecnologia. Nunca nenhuma nação do mundo tornou sua indústria tecnologicamente capaz e competitiva com base exclusivamente, ou mesmo majoritariamente, em interação de universidade com empresa. ■ Na verdade, quando em 1997 a FAPESP instituiu o Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas, o PIPE, ela já estava olhando a empresa como o locus privilegiado de pesquisa e desenvolvimento no âmbito empresarial. — Sim, a FAPESP estava já percebendo isso. Eu era então presidente da Fundação e me lembro muito bem de que discutia muito isso com a diretoria científica, quando ela estava estruturando o PIPE. Esse programa foi, aliás, a primeira ação de Estado no Brasil que, explicitamente, estabeleceu: a pesquisa precisa ir para dentro das empresas. Mas até 1999 a política de ciência e tecnologia brasileira era presa da ilusão de que falei, desse erro. Houve o PIPE, mas em termos nacionais só no segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso foi que começou a reversão dessa política. ■ Por conta das mudanças no CNPq, no Ministério da Ciência e Tecnologia, em alguns outros organismos-chave... — Isso. As mudanças que aconteceram no Ministério da Ciência e Tecnologia foram importantes. O ministro [Ronaldo] Sardenberg, o secretário-executivo [Carlos Américo] Pacheco foram fundamentais nessa história, a Finep foi muito importante... Porque aí a política de ciência e tecnologia no Brasil começou progressivamente a incluir o tema "pesquisa dentro da empresa" e isso foi avançando. Outro marco importante foi a Segunda Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, em 2001, na qual, não por coincidência, as propostas levadas do Estado de São Paulo apontavam justamente para essa necessidade de se ter a empresa como o ambiente próprio da pesquisa tecnológica, a partir da experiência do PIPE, dos debates da Conferência Regional, das discussões entre a FAPESP e a Fiesp sobre esse assunto...
A conferência marcou talvez o turning point dessa história, o momento em que o Brasil entendeu que uma política para ciência e tecnologia tem que ter ações importantes para o lado acadêmico, mas também tem que ter ações importantes para o lado industrial. ■ É esse o momento também em que se formula toda a idéia dos fundos setoriais. — Sim, tudo aconteceu de maneira conjugada. A atenção da política de ciência e tecnologia para o mundo empresarial foi consolidada na conferência e se tornou uma figura mais definitiva com a Lei da Inovação, que começou a ser discutida em 2002 e veio finalmente a ser aprovada no final de 2004. E isso sinalizou também algo muito importante: o fato de que a política nacional para ciência e tecnologia está virando uma política de Estado, em vez de ser uma política de governo. De 2002 para 2003 houve uma mudança importante no sistema federal, uma troca do governo por um outro que era oposição àquele, mas esse novo governo, no âmbito de ciência e tecnologia, adotou e deu continuidade a essa estratégia de uma política que fala ao mundo acadêmico, mas fala ao mesmo tempo ao mundo empresarial. Essas mudanças foram fazendo com que o mundo empresarial no Brasil, movido, digamos, por uma necessidade orgânica - estabelecida pela abertura do mercado -, passasse a se preocupar com o assunto tecnologia e, ao mesmo tempo, o governo brasileiro foi atinando para isso e oferecendo respostas. ■ A sua sensação é de que essa percepção do mundo empresarial já está espalhada no país? — Naturalmente ela é mais intensa nas regiões do Brasil mais expostas ao mundo: São Paulo, que é o grande exportador do Brasil, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, um pouco em Minas Gerais... Mas quero chamar a atenção para o fato de a FAPESP ter um papel especialmente relevante nessa questão das empresas em relação ao desenvolvimento tecnológico. ■ E que forma esse papel toma hoje? — Este: a FAPESP é um dos agentes estatais que, no Brasil, tem não só a capacidade mas a obrigação de apoiar certas
semana desde 1998 -, o PITE [Parceria para Inovação Tecnológica, iniciado em 1994) tem cem projetos. Mas existe, sim, um caminho para ampliar as iniciativas. Existe aí sempre um aprendizado dinâmico. Começamos com parceria para inovação tecnológica, depois chegou-se ao PIPE, depois descobrese que, se nesse programa há uma terceira fase que a Fundação por lei não pode financiar, que é a da produção daquilo resultante da inovação, consegue no entanto mobilizar parceiros nesse sentido. Assim, o Pappe (Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas), estabelecido em parceria com a Finep, já é um adensamento, e haverá outros. Acho que, tanto neste assunto como nos assuntos relativos aos outros dois pilares, a grande chave para se conseguir fazer boas coisas está na palavra comunicação. Está em a FAPESP ter mecanismos eficazes de comunicação com a comunidade de pesquisa do Estado de São Paulo. Veja que antigamente falávamos em comunicação com a comunidade acadêmica e isso cobria tudo. Agora estou falando em comunidade de pesquisa, porque já existe uma comunidade de pesquisa que não é acadêmica. atividades de pesquisa dentro das empresas, e de contribuir para formar recursos humanos que serão absorvidos em parte por empresas para gerar desenvolvimento e riqueza para o Estado de São Paulo. É preciso explicar - e demonstrar - ao contribuinte por que é tão importante aplicar um terço dos recursos da Fundação em bolsas de estudo para formar recursos humanos, dos quais uma parte, a maioria certamente, vai se dirigir para atividades acadêmicas, mas outra parte, bem maior que aquela que se observa hoje, irá encontrar oportunidades no mundo empresarial. A Fundação precisa desempenhar seu papel com a clareza de que não pode ter como objetivo substituir nem a iniciativa empresarial nem a iniciativa de outras agências nacionais. Ela é um ator desse jogo. ■ Mesmo sendo um ator entre outros no jogo, é possível à FAPESP adensar de algum modo suas iniciativas relativas ao financiamento da inovação tecnológica? — O PIPE já tem uma carteira de 450 projetos financiados - mais de um por
■ Que está nas empresas. — Exatamente. Na verdade, se você for ver, todas as boas coisas que a FAPESP fez resultaram da comunicação com a comunidade de pesquisa. Foi por ouvir sugestões, críticas, demandas e proposições que as fez. ■ E como reforçar essa ponte hoje? — Através de alguns canais. Por exemplo: a diretoria científica tem um conjunto de coordenações de áreas que envolvem perto de 60 pessoas da comunidade de pesquisa no Estado de São Paulo. São pessoas que ajudam a diretoria científica a selecionar os projetos que vai apoiar, e eu gostaria que, ao mesmo tempo, elas também nos ajudassem a colher idéias e a comunicá-las. ■ Ou seja, as coordenações devem funcionar efetivamente como canais de saída e entrada de informações fundamentais. — Sim, funcionar para dois lados, quer dizer, vai daqui para lá, informando sobre critérios e procedimentos, e vem de lá para cá, dizendo "precisa mudar isso, PESQUISA FAPESP 112 ■ )UNH0 DE 2005 ■ 15
fazer aquilo etc". É um conjunto grande de pessoas que até pretendo ampliar um pouco, porque o tamanho da comunidade acadêmica e o número de projetos com que a FAPESP lida hoje são muito maiores do que há dez, 11 anos. Existem também os coordenadores-adjuntos da diretoria científica, que estão mais proximamente ligados a ela e às coordenações, e que são pessoas que têm esse papel de comunicação. A FAPESP faz essa comunicação ainda por meio dos membros de seu conselho superior, onde há pessoas das universidades e das empresas, que ali debatem e trazem muitas considerações importantes. Além disso, a Fundação algumas vezes realizou reuniões com pesquisadores, líderes de projeto etc, e eu pretendo fazer isso mais sistematicamente. Acho essas reuniões muito importantes para que possamos ouvir mais livremente as considerações da comunidade. Como eu dizia, as boas coisas que a FAPESP fez sempre foram trazidas pela comunidade de pesquisa do Estado de São Paulo e não consigo pensar um exemplo de algo inventado aqui dentro. Quando a FAPESP fez, nos anos 1960, um programa chamado Bioq-FAPESP, para desenvolver a atividade de bioquímica e química do Estado de São Paulo, quem trouxe isso foi a comunidade da USP, principalmente, que falou "olha, precisa desenvolver essa área". Foi feito. Quando fez nos anos 1970 um programa sobre equipamentos para laboratório de pesquisa científica nas universidades, o pessoal da Unicamp trouxe isso, porque ela estava nascendo naquela época e tinha essas demandas. Fez sentido. Não foi um programa para a Unicamp, foi um programa que nasceu de uma necessidade demonstrada pela Unicamp e atendeu ao estado, assim como o Bioq nasceu da USP, mas atendeu a outras organizações. Depois, quando a FAPESP fez o programa de infra-estrutura, no começo dos anos 1990, a comunidade de pesquisa trouxe essa demanda em seguidas reuniões. Eu me lembro de que estava numa reunião de líderes de projeto temático em 1992 ou 1993, em que se abordou o assunto, "olha, a infra-estrutura de pesquisa está ruim, as universidades não estão dando conta de mantê-la, seria importante se a FAPESP pudesse fazer...". A FAPESP às vezes de16 • JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
mora um pouco para responder a uma proposta porque quer ter certeza de que a idéia faz sentido, não vai transformá-la em programa no dia seguinte. Vai averiguar, vai aprender mais sobre o assunto e, com muita freqüência, acho que em todos os casos ela ouve uma demanda e responde com outra coisa, um pouco diferente, porque cria, melhora, discute mais sobre o assunto. Assim a Fundação fez os programas de Infra-estrutura, Parceria para Inovação Tecnológica, Genoma, Biota, Fap-Livros, tudo isso ouvindo a comunidade. Quer dizer, é assim que funciona, ela tem que ouvir, tem que fazer um esforço para prestar atenção, para entender o que a comunidade de pesquisa em São Paulo está dizendo. A comunidade sabe identificar onde o sapato aperta. ■ Sua experiência como reitor da Unicamp certamente propiciou uma proximidade maior para ouvir mais a comunidade, e isso deve ter intensificado a sua preocupação aqui na FAPESP de ouvir essa comunidade. — É, de certo modo, sim. Embora, já antes, a minha experiência como presidente da FAPESP tenha mostrado que as boas idéias vinham da comunidade. Mas é verdade, a minha experiência como reitor me ajudou a valorizar muito a idéia de que as pessoas na comunidade de pesquisa têm idéias boas e, quanto mais pessoas se ouvir, maior será o número de idéias muito boas. O que é preciso é ouvi-las e tentar entendê-las. E quem consegue ser uma "esponja" de idéias consegue fazer mais coisa boa. ■ Como se fará a ampliação do grupo de assessores e adjuntos da diretoria científica? — Precisamos de duas coisas: de uma certa quantidade de pessoas e de sua renovação periódica. Esta é uma das maneiras de ter mais pessoas diferentes freqüentando a Fundação. Acho importante termos um sistema organizado e mais formal de indicação dessas coordenações, tempo de duração e assim por diante. Por exemplo, acho muito importante que a comunidade de pesquisa de São Paulo conheça mais quem são esses coordenadores: quando eles começaram, quando terminam,
quando um é substituído, quer dizer, é preciso que isso seja mais explicitado, porque quanto mais visibilidade tiver o sistema de funcionamento da FAPESP, melhor será. Ao mesmo tempo a Fundação valoriza muito seu sistema de assessores ad hoc, mas isso não significa que ela tem uma crença cega em sua infalibilidade, e até por isso é que incentivamos os pesquisadores que se sentirem prejudicados, mal compreendidos ou injustiçados pelos pareceres a apresentarem argumentos defendendo seus projetos. Isso não é de maneira nenhuma mal visto pela Fundação, pelo contrário, é por ela considerado como um resultado natural do sistema de avaliação pelos pares. Digamos assim, o amor da FAPESP pelo sistema de avaliação pelos pares vem não de uma crença em sua infalibilidade, mas de uma convicção de que assim se minimizam os erros. ■ Qual é a sua visão sobre o apoio da FAPESP às diferentes áreas do conhecimento? — A missão da FAPESP é apoiar todas as áreas do conhecimento humano, trabalhando dentro das regras do método científico. Isso inclui as ciências humanas, as ciências sociais aplicadas, as exatas, as engenharias, as ciências da saúde, a biologia, a filosofia, enfim, todas as áreas. Aliás, dentre as agências do país e talvez do mundo que atuam em muitas áreas, acho que a FAPESP é uma das que mais têm financiamentos para a área de ciências humanas. Dentro de sua carteira de projetos, essa é a quarta área mais financiada, depois de saúde, biologia e engenharia. Acho importantíssimo para o Estado de São Paulo termos uma sólida atividade de pesquisa na área de humanas, como também acho fundamental termos uma sólida atividade de pesquisa em filosofia. Isso é essencial para que o ambiente acadêmico de pesquisa no estado seja saudável, seja suficientemente abrangente para criar, digamos, um modo de vida, uma ambientação adequada à formação de nossos estudantes, que é tão importante quanto a própria formação dos recursos humanos. Nos tempos atuais é fundamental ter atenção para evitar os perigos do utilitarismo, de uma certa visão de curto prazo sobre a atividade de pesquisa, muito popular em certos círculos, mas muito errada, errada em
sa, a formação de recursos humanos, a pesquisa acadêmica e a pesquisa empresarial nesta área, que outros programas pode fazer em outras áreas que tenham o mesmo ou similar efeito? Quais são os outros "genomas" que ainda não criamos, em outras áreas, com outros temas e que podem nos levar a resultados desse tipo? Quais são os programas desse tipo na área de ciências humanas? Ou na área de ciência e engenharia da computação, que é uma área também importantíssima, cuja comunidade em São Paulo é ainda muito pequena? O que podemos fazer por essas áreas que lhes permita dar um salto à frente? proporções oceânicas. Quanto ao volume de financiamento, ele depende principalmente de duas coisas: do tamanho da comunidade de pesquisa de cada área e de características específicas da área sobre o custo de sua atividade de pesquisa. ■ Mas, apesar do apoio sem discriminações na FAPESP, há áreas do conhecimento que permanecem hem menos visíveis. Como é a sua percepção disso? — Depende de como se olha. Temos que tomar cuidado ao analisar os resultados de pesquisa para não ficarmos sujeitos a uma métrica distorsiva. Porque quando se fala em publicações científicas em revistas internacionais, aí, sim, aparece muito a área de física, a área de saúde, de biologia, um pouco menos de engenharia, certo? Há áreas em que a circulação do conhecimento se dá de outra forma, e então, se a métrica for número de livros publicados, a visibilidade da área de física, de química, de saúde, é pequeníssima, enquanto é grande a da área de ciências humanas. Portanto, se quisermos fazer um quadro sobre a atividade de pesquisa em São Paulo, precisamos usar várias métricas diferentes, adequadas a cada uma das áreas do conhecimento. Mesmo quando olhamos, por exemplo, para as ciências exatas, vemos que na física importante é publicar o paper, mas na ciência da computação, às vezes, é mais importante apresentar o trabalho numa conferência. ■ Mas esse parece um problema real na pesquisa acadêmica. Avalia-se a produção de cada pesquisador pela quantidade
de papers publicados e, provavelmente, comete-se assim muita injustiça sobre sua produção real. — Se cometerá se a avaliação for feita exclusivamente por essa numerologia de papers. A FAPESP usa um sistema de avaliação que envolve a comunidade de pesquisa do Estado de São Paulo - é mais uma das instâncias da comunicação de que falamos -, ou seja, pesquisadores de determinada área — os pares analisam o conteúdo da proposta apresentada, não somente a quantidade dos artigos publicados. O sistema é muito sofisticado, especialmente quando consideramos a quantidade de projetos com que lidamos, cerca de 15 mil por ano, e todos dependendo de um parecer de um assessor pelo menos - é algo muito notável. Não sei de outra agência no Brasil que dê conta de fazer isso desse jeito. Isso é muito importante, porque permite que cada setor ou cada subárea do conhecimento seja julgado conforme sua própria métrica, que não é estabelecida pela FAPESP, mas pelos próprios pesquisadores daquele setor do conhecimento. Mas há algo que falamos de passagem que não devemos deixar perdido: é interesse da FAPESP receber da comunidade de pesquisa do Estado de São Paulo proposições que nos ajudem a desenvolver de maneira mais intensa certas áreas do conhecimento, nas quais podemos fazer isso, ou percebemos a necessidade de fazer isso, ou as duas coisas. Se a FAPESP fez o Programa Genoma, que teve um sucesso importante, visibilidade internacional, destacou a pesquisa feita no Estado de São Paulo perante o mundo e, além disso, fez avançar a capacidade de pesqui-
■ Com seu trabalho na diretoria científica da FAPESP, como ficam agora suas atividades de professor e pesquisador da área de física? — Ficam prejudicadas, como já estavam, aliás. Quando escolhi dedicar a maior parte do meu tempo a atividades relacionadas com a gestão da ciência ou da educação, também escolhi diminuir meu envolvimento com a atividade, digamos, científica direta. Mas gosto muito desta atividade e, na medida da minha capacidade, continuo fazendo isso um pouco, supervisionando alguns excelentes estudantes que tenho e que acabam exigindo de mim uma dedicação de alguma fração do meu tempo. Mas temos que fazer escolhas, não é? ■ Seu caminhar para essa área de gestão da política científica e tecnológica responde mais a uma questão de gosto, de prazer, ou a um sentimento de necessidade? — Todas essas coisas somadas. Você vai começando a fazer e vai se interessando. Eu gosto de fazer, gosto de entender, gosto principalmente de sempre tentar aplicar o método científico aos problemas que tenho na gestão da ciência, o que é perfeitamente possível. ■ Em sua visão, como deve ser a articulação da FAPESP com as outras agências de fomento? É útil também uma boa articulação com as outras FAPs (Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa)? — É essencial ter articulação com as agências federais. Por mais que hoje mais da metade - na verdade 60% - do financiamento da pesquisa em São Paulo seja feito com dinheiro estadual, os 40% PESQUISA FAPESP 112 -JUNHO DE 2005 -17
federais são essenciais. Sem as agências federais não existiria ciência em São Paulo. Aliás, esse predomínio do financiamento feito pela FAPESP começou a acontecer, eu diria, a partir de 1997 ou 1998. Com as agências estaduais é muito importante também, mas aí é uma importância um pouco mais difusa. Ela está mais na possibilidade de a FAPESP contribuir para que essas agências estaduais sejam mais prestigiadas pelos seus respectivos governos estaduais. E aí a grande contribuição da FAPESP vem se dando pelo exemplo. É muito prejudicial para o desenvolvimento de ciência e tecnologia no Brasil que praticamente 24 estados brasileiros tenham FAPs organizadas e legisladas na forma da FAPESP, mas que somente um, São Paulo, cumpra a legislação. É uma tragédia. ■ Por uma falta de sensibilidade política ou por uma falta de força da comunidade científica dos estados? — Não sei avaliar. Acho que as duas coisas se somam. Há uma dificuldade nas finanças estaduais, mas essa dificuldade existe em São Paulo também, que no entanto faz religiosamente o repasse de 1% de suas receitas tributárias para a FAPESP. Talvez haja mais uma limitada percepção sobre os benefícios que podem advir para aquela região de um financiamento continuado em atividades de pesquisa. Mesmo que esse financiamento aconteça principalmente no mundo acadêmico. Quer dizer, não é por coincidência que São Paulo tem indústria automobilística, tem a Embraer, tem o parque industrial mais poderoso do Brasil, tem o centro mais importante na área de software, tem as empresas de genômica etc. São resultados de décadas de esforço do Estado de São Paulo em ter boas universidades públicas e em ter a FAPESP. É uma coisa que, mais do que se somando, vai multiplicando a quantidade de resultados. Tem que se fazer por muito tempo. Não é no quinto ano de investimento que vem a maior parte do resultado, mas depois de 40, 50 anos. É um processo demorado. Acho que o experimento - para falar numa linguagem do método científico - mais controlado que temos nesse campo é do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) e da Embraer. Foi uma coisa feita numa região do Brasil onde ninguém falava antes a 18 ■ JUNHO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 112
palavra avião, o território estava livre, não tinha "contaminações" anteriores. Numa região razoavelmente delimitada, criou-se um centro de pesquisa e uma boa escola de engenharia. Quanto tempo demorou para isso resultar na terceira maior fábrica de aviões do mundo? Cinqüenta anos, essa é a medida desse tipo de esforço. No Brasil, às vezes temos dificuldade para entender isso porque não percebemos, quando olhamos para os Estados Unidos ou para a Europa, que a vitalidade que a gente vê ali é uma vitalidade que fala de nascimentos e de mortes, empresas que nascem e empresas que desaparecem. Só que isso acontece sobre um pano de fundo de 150 ou 200 anos de investimentos assim, enquanto nós estamos fazendo isso há 40. Quando nosso acúmulo for de 150 anos, investindo de maneira contínua, vamos ver esse fundo de muito resultado e alguns picos aparecendo ali. ■ Sua visão, então, na verdade, é otimista em relação a esse panorama da inovação, do desenvolvimento científico nacional. — Sim, e justificadamente, pelo seguinte: porque é uma visão baseada em certas medidas sobre o desempenho do Brasil na atividade de ciência e na atividade de tecnologia, que, se por um lado nos ajudam a identificar dificuldades, por outro lado nos ajudam a verificar que a capacidade que se tem construído no Brasil para atividades relacionadas com o conhecimento é muito competitiva internacionalmente. Em meados de maio foi destacado na imprensa que a produção científica brasileira de circulação internacional, que, como disse, não é a única importante, mas é uma das mais importantes, tem crescido numa taxa que é muitas vezes superior à taxa da média mundial. Quer dizer, o Brasil está ganhando produção. Há muitos outros países do mundo que estão perdendo produção. A taxa de crescimento da capacidade do Brasil de formar doutores, mestres, pessoal muito bem qualificado para lidar com conhecimento também é muito superior à taxa mundial. Tanto que num artigo da Science, de 13 de maio, três países são citados como os que mais estão crescendo em produção científica na área de saúde: Brasil, China e Coréia. Então é justificadamente otimista minha vi-
são. Claro que não é um otimismo de Poliana. E, como se diz, o preço da liberdade é a eterna vigilância. ■ Para finalizar: os 9 mil, quase 10 mil doutores que estão se formando por ano no Brasil provavelmente se tornarão um fator fortíssimo depressão sobre a demanda de recursos para pesquisa, na academia ou na empresa. E aí o orçamento da FAPESP não corre o risco de ficar pequeno demais em relação às necessidades de financiamento da pesquisa em São Paulo e sepultar de vez aquela afirmação de que não há demanda reprimida de recursos para a pesquisa de qualidade no estado7. — Esse risco na verdade já foi corrido e já foi perdido, pelo menos por enquanto. O orçamento da FAPESP já é insuficiente para atender à demanda da pesquisa em São Paulo, embora não seja propriamente pequeno. Hoje a FAPESP faz 60% do investimento em pesquisa em São Paulo, enquanto há dez anos fazia 40%. A taxa de crescimento da comunidade de pesquisa no Estado de São Paulo tem sido bem superior à taxa de crescimento da economia, que é o que determina o tamanho do financiamento da FAPESP. Até porque o Brasil, depois de 1980, nunca mais conseguiu achar um jeito de fazer a economia crescer. Então já há um descompasso, certamente que há. Basta ver a pressão que nós temos aqui na Fundação no sistema de bolsas, que já foi, 15 anos atrás, um sistema que podia praticamente financiar todas as bolsas que quisesse. Hoje não é mais. A competição é elevadíssima, chegando ao ponto em que somente os candidatos considerados excelentes conseguem receber uma bolsa. Então nós já estamos vivendo essa dificuldade. ■ Isso não é preocupante? — É. Certamente que é preocupante, tanto quanto a preocupação que todos nós temos com a capacidade do Brasil de fazer o sistema público de saúde atender direito a população, ou o sistema público de educação ou as estradas estarem cuidadas... Porque são doenças de um país no qual a população cresce, o tamanho das demandas cresce e a economia para atendê-las não cresce na mesma velocidade. Esse descompasso já está machucando muito a pesquisa, no Brasil inteiro. •
I POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA
ESTRATéGIAS
MUNDO
A batalha dos gorilas A África do Sul e a República de Camarões travam uma guerra diplomática pela posse de quatro gorilas capturados nas florestas camaronenses em 2001. Os primatas, da subespécie de gorilas que habita as planícies africanas, foram levados ainda bebês para a vizinha Nigéria e depois vendidos para a Malásia. Esse tipo de comércio é proibido pela Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e da Fauna Selvagens (Cites), mas contrabandistas forjaram documentos para dar lastro à transação. Quando a fraude foi descoberta, a Malásia concordou em mandar os gorilas para onde a Cites determinasse. Decidiu-se que eles iriam para o zoológico de Pretória, na África do Sul, que os reivindicava. A justificativa é que os ani-
mais não estariam seguros em seu hábitat natural, onde são vítimas do desmatamento, do comércio de carne de gorila e dos surtos do vírus ebola. O governo camaronense garante que eles ficariam a salvo num santuário de primatas. E acusa a África do Sul de aproveitar-se da situação para obter animais cobiçadíssimos por zoológicos. Em abril, quarenta primatologistas, liderados pela célebre pesquisadora Jane Goodall, divulgaram um documento afirmando que o santuário em Camarões é o destino ideal. Enquanto isso, as autoridades sul-africanas vão ganhando tempo. Já disseram que a devolução seria coordenada por uma comissão de especialistas, que jamais foi formada.
■ No rastro da epidemia Em Angola, técnicos da Organização Mundial da Saúde (OMS) rastreiam focos dos surtos do letal vírus marburg orientados por mapas de alta resolução produzidos pela Agência Espacial Européia (ESA). A moléstia produz hemorragias internas em humanos semelhantes às do vírus ebola, com um período de incubação de cinco a nove dias. Um dos últimos surtos eclodiu na capital Luanda no começo de abril. Acabou con-
Cabinda, em Angola: imagem ajuda a enfrentar o vírus
20 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
0 destino dos primatas é alvo de disputa entre África do Sul e Camarões
trolado, mas custou a vida de mais de 255 pessoas, muitas delas crianças. Os mapas, que mostram as cidades de Uige, Luanda e Cabinda, foram feitos com o cruzamento de fotos colhidas pelos satélites Spot 5 e Ikonos. Resultam de dois programas que existem na ESA. Um deles busca abastecer epidemiologistas com dados capazes de estabelecer ligações entre ambiente e doenças. O segundo é um consórcio dedicado a fornecer dados georreferenciados a organizações humanitárias. (Esa News, 10 de maio) •
■ As razões do salto espanhol Na década de 1960 a Espanha contava com apenas quatro pesquisadores na área de astronomia. Hoje o país congrega 400 cientistas e é referência internacional neste campo do conhecimento. O salto espanhol foi articulado por um homem, o astrônomo Francisco Sánchez, diretor do Instituto de Astrofísica das Canárias, função que ocupa desde 1975. Coube a ele estabelecer as regras que franquearam a outros países sítios para a construção de telescópios no pico vulcânico de Roque de Los Muchachos, em La Palma, uma das ilhas Canárias, lugar privilegiado para observações a 2,4 mil metros de altitude. Hoje já se contam 14 telescópios nas montanhas, domos cintilantes de onde, freqüentemente,
mal se enxerga o oceano Atlântico - as nuvens se formam 1 quilômetro abaixo, formando um cobertor branco perturbado apenas pelos outros picos vulcânicos da vi-
zinhança. Pelas regras arquitetadas por Sánchez, 20% do tempo de observação foi reservado para astrônomos espanhóis, assim como os 19 países que ergueram os teles-
cópios são obrigados a bancar a formação no exterior de pós-doutores espanhóis. Isso foi crucial para ajudar a astronomia espanhola a crescer tão rapidamente. Agora a Espanha prepara um novo salto. Está construindo na região o Gran Telescópio Canárias (GTC), o maior telescópio óptico do mundo que, espera-se, terá grande impacto na produção científica do país. Com espelho de 10,4 metros de diâmetro, vai tomar a liderança dos dois telescópios Keck, no Havaí, cujos espelhos têm 10 metros de diâmetro. Assim como os Keck, o GTC usará técnicas ópticas adaptativas para compensar a turbulência do ar. Os espanhóis terão direito a 90% do tempo de observação do GTC. O telescópio deve ficar pronto ainda neste ano e começará a operar até o final de 2006. {Nature, 12 de maio) •
A longa jornada européia O astronauta alemão Thomas Reiter, de 46 anos, será o primeiro europeu a participar de uma missão de longa duração na Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), laboratório instalado numa órbita a 400 quilômetros da Terra. Ele deverá chegar à ISS em julho e retornar apenas em fevereiro de 2006. Um astronauta russo e outro norte-americano também comporão a tripulação. Até hoje a participação da Agência Espacial Européia (ESA) no projeto da ISS havia rendido apenas visitas rápidas de seus astronautas à estação, como a do italiano Roberto Vittori,
Reiter: experiência
Vittori: vôo rápido
que passou dez dias no espaço em abril. Reiter foi o escolhido porque tinha mais experiência. Uma década atrás passou 179 dias em órbita, a bordo da hoje extin-
ta estação russa MIR, quando teve a chance de realizar 40 experiências científicas encomendadas pela ESA e fazer dois passeios no espaço. A escalação de Reiter
coincide com o aumento da participação da ESA na estação. Em 2006 partirão da agência européia duas grandes contribuições para o projeto: os lançamentos do laboratório de experiências científicas Columbus, que vai acoplar-se à ISS, e o vôo inaugural da Jules Verne, nave não tripulada que levará suprimentos à estação. "É natural que os europeus assumam mais responsabilidades operacionais do programa e, assim, ganhem mais experiência", disse Reiter. O francês Léopold Eyharts está escalado para substituir Reiter se algum imprevisto ocorrer. (BBC, 28 de abril) •
PESQUISA FAPESP 112 -JUNHO DE 2005 -21
ESTRATéGIAS
MUNDO
O novo fôlego da poliomielite Dezesseis países considerados livres da poliomielite, a maioria no mundo muçulmano, voltaram a registrar casos da doença nos últimos dois anos. Atribui-se a culpa ao boicote à vacina promovido por razões religiosas na Nigéria, em 2003. Clérigos islâmicos do país sustentam que as campanhas de vacinação fazem parte de um plano norte-americano para tornar os nigerianos inférteis ou contaminarem-nos com o vírus HIV. O surto mais recente foi registrado no Iêmen, que não via casos da moléstia desde 1999. Mais de 80 casos foram diagnosticados. As crianças iemenitas haviam sido vacinadas, mas não repetiram a dose o número de vezes necessário. Avalia-se que o vírus possa ter sido trazido por peregrinos que estiveram em Meca - a Arábia Saudita ainda não conseguiu controlar a
Criança com pólio: uma cena que volta a aparecer
doença. A situação é mais preocupante na Nigéria (54 casos nos últimos doze meses), no Sudão (24 casos) e no Paquistão (8 casos). A Indonésia, que ficou dez anos livre da doença, também voltou a registrar um caso, da mesma cepa do vírus da Arábia Saudita. A Organização Mundial da Saúde tenta reagir com programas de vacinação em massa. (BBC, 18 de maio) •
■ Adiáspora argentina A Argentina é o país latinoamericano que ostenta a maior proporção de cientistas que migram para os Estados Unidos, segundo estudo da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal). A cada mil argentinos que se mudam para os Estados Unidos, 191 são profissionais qua-
lificados, cientistas ou técnicos. "Os números fazem parte de um estudo sobre a mobilidade internacional de talentos. Queremos estudar o movimento dos trabalhadores qualificados em torno dos distintos países do mundo, sejam cientistas, técnicos, executivos de empresas ou artistas", disse Andrés Solimano, economista da Cepal. Ele adverte que os países da América Latina gastam muito para capacitar os cientistas, mas a falta de dinheiro e de estímulo à pesquisa afugenta os melhores talentos e põe o investimento a perder. Há dois anos, o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação da Argentina lançou o Programa Raízes para se aproximar de pesquisadores argentinos que trabalham no exterior. O Centro de Estudantes e Graduados Argentinos nos Estados Unidos também deu início ao Projeto Diáspora com o mesmo objetivo. (SciDev.Net, 10 de maio) •
ia na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br
flMfc
ittp://fapesp.bvs.br/ A Biblioteca Virtual do Centro de Documentação e Informação da FAPESP reúne fontes sobre ciência e tecnologi
22 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
http: / / www.africancrops.net/ 0 site, mantido pela Fundação Rockefeller, reúne dados acerca dos desafios da jra e na biotecnologia
http://elibrary.unm.edu/sora/index.php A biblioteca virtual compila mais de cem anos de edições de slicações na área de ornitologia.
ESTRATéGIAS
BRASIL
A batalha que não terminou A aprovação da Lei de Biossegurança, três meses atrás, não arrefeceu os ânimos entre vencedores e derrotados na batalha dos transgênicos. O Ministério do Meio Ambiente e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) contestaram a decisão do presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio),
■ Parceria contra pragas virtuais O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e a Hauri, empresa sul-coreana especializada no desenvolvimento de softwares de segurança, firmaram uma parceria com o objetivo de combater as ameaças de pragas virtuais. O principal fruto do acordo será a inauguração, prevista para julho, de um grande laboratório. Funcionará no campus da Universidade de São Paulo e será destinado à criação de mecanismos de defesa e soluções antivírus. Um dos objetivos do centro é criar competência brasileira na prestação de serviços contra pragas de computador. Hoje os países latino-ameri-
Jorge Almeida Guimarães, de permitir a importação de seis variedades de milho transgênico para ração animal. A liberação não inclui as variedades resistentes a insetos da Syngenta e da Monsanto, além de milho tolerante a herbicida da Bayer, principais alvos de críticas de ambientalistas. Para a CTNBio, órgão técnico que
canos representam apenas 5% do faturamento mundial desse mercado. O laboratório em São Paulo será responsável pela identificação das novas ameaças e análise do mecanismo de atuação do vírus. As informações apuradas pelo IPT serão encaminhadas à equipe de desenvolvimento da Hauri, na Coréia do Sul, que irá formular as vacinas para cada caso em particular. O centro irá funcionar com oito computadores em rede destinados a analisar arquivos suspeitos, enviados por usuários domésticos e empresas. Segundo dados da Hauri, os hackers já criaram cerca de 85 mil vírus diferentes. Só em 2004 foram registradas cerca de 400 mil invasões em todo o mundo, 36% a mais do que
recuperou poderes com a nova lei, não há indicação de que os grãos liberados tenham efeitos deletérios quando usados em ração animal. Mas, em todo caso, foram determinados cuidados no desembarque, transporte, processamento e descarte dos grãos. Para o ministério e a Anvisa, faltam análises de risco ambiental e não foram
tomados cuidados suficientes para evitar a contaminação de alimentos para consumo humano. O veredicto final caberá ao Conselho Nacional de Biossegurança, criado pela nova lei, cuja composição é política. Presidido pelo chefe da Casa Civil, José Dirceu, o conselho tem a participação de 11 ministros. •
no ano anterior. No Brasil ocorrem 2 mil ataques a sites e servidores todos os meses. •
■ Produção com mais visibilidade A Biblioteca Virtual em Saúde - Psicologia e a Associação Brasileira de Editores Científicos em Psicologia lançaram no dia 22 de abril, durante o I Congresso Latino-americano de Psicologia, o portal de Periódicos Eletrônicos em Psicologia (Pepsic). A iniciativa busca ampliar a visibilidade da produção científica em psicologia e áreas afins através da publicação de revistas científicas em formato eletrônico e sua disponibilização gratuita na internet. O Pepsic tem cinco títulos, mas até o final do ano este número deverá ser triplicado. Pode ser acessado no endereço www.bvs-psi.org.br. •
PESQUISA FAPESP 112 -JUNHO DE 2005 • 23
ESTRATéGIAS ■ Reflexões do encontro em Vitória O Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação (Consecti) e o Fórum Nacional de Fundações de Amparo à Pesquisa Professor Francisco Romeu Landi divulgaram a Carta de Vitória, endereçada ao ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos. O texto com as conclusões da reunião das duas entidades, realizada na capital capixaba, reconheceu o esforço do MCT na construção de parcerias com os estados e destacou a proposta dos estados de adoção do chamado Modelo Sistêmico de Gestão de Ciência e Tecnologia, em busca de maior articulação das três esferas de governo em ações conjuntas e ajustadas às diferentes realidades econômicas e sociais do Brasil. Os secretários estaduais e os dirigentes das FAPs também reivindicaram a criação da segunda edição do Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe), com um aporte de recursos da or-
BRASIL dem de R$ 500 milhões para 2006-2007; e a estadualização de parcela dos recursos destinados à infra-estrutura em pesquisa, por meio do Fundo Setorial CT-Infra, da ordem de R$ 80 milhões entre 2006 e 2007. •
■ Subsídios para a visão de governo O Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (NAE), ligado à Secretaria de Comunicação de Governo (Secom), lançou novos Cadernos NAE. O volume 2, Biocombustíveis, apresenta uma análise de dois estudos abrangentes sobre a produção e o uso do biodiesel
junto com uma avaliação da expansão da produção do etanol no Brasil. A análise partiu de uma consulta a pesquisadores de diversas instituições e especialistas da área empresarial e governamental. O volume 3 integra a série Mudança do clima dos Cadernos NAE e apresenta estudos de 27 autores que oferecem uma análise sobre a situação das mudanças climáticas no planeta e suas implicações no Brasil. Os trabalhos têm o objetivo de contribuir para a formação de uma visão governamental sobre questões vitais para o país. A coordenação dos consultores coube ao Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). •
Os volumes da série: combustíveis e clima
24 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
■ Pássaros formosos O Museu de Zoologia da USP inaugura um novo módulo permanente com a exposição A evolução do vôo, que conta a origem do vôo e como ele surgiu, de forma independente, em quatro ocasiões na história da evolução biológica. Primeiro, pelos insetos, muito tempo depois, pelos dinossauros, a seguir pelas aves e, mais recentemente, pelos morcegos. Já no hall de entrada há um esqueleto de carnotauro, de 4 metros de altura e 7 de comprimento, da linhagem de dinossauros que deu origem às aves. O velocirraptor, retratado no filme O parque dos dinossauros, apresenta-se em versão real, com a metade do tamanho dos exemplares cinematográficos e com parte do corpo coberta de penas. A nova ala faz parte do processo de modernização que busca desenvolver a vocação do museu para a divulgação científica, além da pesquisa. Mais informações no site www.mz.usp.br. •
I -n
■ 0 avanço do software livre
No bonde da história A Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) lançou a quarta edição do Rio de Janeiro em mapas, um projeto cujo objetivo é divulgar construções, lugares e instituições fluminenses sob o ponto de vista histórico, cultural e arquitetônico. Dessa vez o trabalho retrata o tradicional bairro carioca de Santa Teresa, reunindo um mapa ilustrado e um catálogo com informações históricas sobre a região. Para recriar construções como a que abriga o Centro Educacional Anísio Teixeira, o Museu da Chácara do Céu, a Igreja e o Convento de Santa Teresa, além do famoso bondinho que percorre suas ruas, a ilustradora Ana Maria Moura, moradora do bairro, utilizou como base um estudo do arquiteto Kleris Albernaz. A pesquisa histórica, feita por Marcos Luiz Bretas, resultou num catálogo que, além da história dos prédios, apresenta um amplo serviço sobre as entidades de pesquisa, igrejas, solares, museus, centros culturais do bairro. •
A primeira grande pesquisa brasileira sobre o uso de software livre, aquele que pode ser copiado e modificado sem restrições, mostra que o novo modelo começa a mudar padrões de propriedade intelectual e de aprendizagem tecnológica. Intitulado Impacto do software livre e de código aberto na indústria de software do Brasil, o estudo mostra que a adesão é significativa entre grandes companhias: 64% das empresas usuárias têm faturamento superior a R$ 1 milhão por ano, com destaque para os segmentos de comunicação, comércio, educação, governo e tecnologias da informação. As principais motivações dos empresários são econômicas (redução de custos). Empresas como Carrefour, Embrapa, Itaú, Petrobras, Pão de Açúcar e Wall Mart estão entre os casos bem-sucedidos de utilização. O avanço se concentra nas regiões Sul e Sudeste: 81% das empresas desenvolvedoras e 85% das
empresas usuárias ficam nessas regiões. Rio Grande do Sul e São Paulo são os dois principais focos de desenvolvimento e uso de software livre. O estudo foi realizado pela Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro (Softex) e pelo Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Há boas perspectivas de crescimento nos próximos anos, sobretudo na prestação de serviços, hoje liderada pelo sistema Linux, que respondeu em 2003 por 9% do mercado mundial de sistemas operacionais. A estimativa é que, em 2007, alcance 18% desse mercado. •
PESQUISA FAPESP 112 ■ JUNHO DE 2005 ■ 25
POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA ENGENHARIA
vão rolar Transposição do rio São Francisco divide opiniões e instiga polêmica entre governo e pesquisadores CLAUDIA IZIQUE
Desde a época do Império o Brasil busca uma solução para minimizar os efeitos da seca no semi-árido nordestino. Em 1847, d. Pedro II se dispôs até a vender as jóias da Coroa para levar as águas do rio São Francisco à região. A sua intenção não se consumou e as jóias foram preservadas. No século 20, a transposição das águas do rio foi cogitada outras três vezes, nos anos 1980,1990 e 2000. A falta de recursos e de consenso, no entanto, inviabilizou todos os projetos. A primeira proposta deste século - e não menos polêmica - é o Projeto de integração do rio São Francisco com as bacias hidrográficas do Nordeste Setentrional, do Ministério da Integração Nacional. O objetivo do projeto é assegurar a oferta de água de múltiplos usos para 12 milhões de pessoas. Prevê a construção de dois canais revestidos de concreto, com 720 quilômetros de extensão, 25 metros de largura e 5 metros de profundidade, por meio dos quais serão captados, de forma contínua, 26 metros cúbicos por segundo das águas do rio São Francisco e transportados até a região da seca. Quando a barragem de Sobradinho estiver cheia, o volume de captação poderá chegar a 114 metros cúbicos. A vazão média será de 63,5 metros cúbicos por segundo e a capacidade total de transporte da obra será de 127 metros cúbicos por segundo. 26 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
Rio São Francisco, na divisa de Minas Gerais com a Bahia, em dezembro de 1976
Ao longo de todo o percurso serão construídas nove estações de bombeamento para superar desníveis de até 160 metros de altitude, além de 27 aquedutos, 8 túneis e 35 reservatórios de pequeno porte. O primeiro trecho dessa obra monumental que o governo federal quer iniciar ainda este ano está orçado em R$ 4,5 bilhões. "A área do projeto atinge 37% da população do polígono da seca", justifica João Urbano Cagnin, coordenador técnico do projeto no Ministério da Integração Nacional. "Chover no molhado" - O projeto começou a ser arquitetado em 2003 e, desde então, avançou mais do que qualquer outro nos últimos 150 anos: os editais de licitação do primeiro trecho da obra foram publicados no dia 13 de maio e as mais de 30 empreiteiras interessadas têm prazo até o dia 28 de junho para apresentar suas propostas. Mas a idéia de que a transposição reduzirá efetivamente os efeitos da seca no semi-árido nordestino
está longe de ser consenso político ou técnico. A oposição ao projeto une desde governadores de estados "doadores" e "receptores" de água - já que a eles caberá a conta das obras de ligação dos canais às redes de saneamento - até cientistas e ambientalistas, passando por organizações não-governamentais. É particularmente forte entre os membros do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF). Há perspectivas de que a licença prévia ambiental concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), no início de maio, e o processo de licitação em curso sejam contestados na Justiça, por meio de ações civis. Disputas políticas à parte, os críticos consideram o projeto economicamen-
te inviável e socialmente injusto. Argumentam que não existe déficit hídrico no Nordeste Setentrional que justifique um projeto dessa magnitude. "O Nordeste tem água. São 70 mil açudes com algo em torno de 37 bilhões de metros cúbicos de água. É o maior volume de água represada em todo o mundo", diz João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco. Metade dessa água, ele afirma, está no açude de Castanhão, no Ceará, que atende a demanda de Fortaleza e da população do baixo Jaguaribe, que será abastecido com águas captadas em Cabrobó (PE) e transportadas pelo eixo norte do projeto até o Ceará. "Para que levar ainda mais água para esse açude?", indaga. Na sua avaliação, o que falta é uma política para o uso da água.
O projeto de transposição "chove no molhado", na avaliação de João Abner, professor da área de recursos hídricos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRGN). Ele usa o exemplo de dois estados do Nordeste Setentrional para contestar a tese do déficit hídrico. O Ceará tem 7,5 milhões de habitantes, 35 megaaçudes e uma oferta potencial de 215 metros cúbicos por segundo de água para um consumo atual de 54 metros cúbicos por segundo. O sonho de d. Pedro já se concretizou no Ceará com a construção do açude de Castanhão", diz. O Rio Grande do Norte, com uma população de 2,7 milhões de pessoas, dispõe de uma vazão garantida de 70 metros cúbicos por segundo para atender uma demanda de 33 metros cúbicos PESQUISA FAPESP 112 ■ JUNHO DE 2005 ■ 27
por segundo. "Até mesmo a Paraíba, o estado menos dotado de recursos hídricos da região, apresenta um superávit significativo: 32 metros cúbicos por segundo para uma demanda de 21 metros cúbicos por segundo", afirma Abner. Na sua avaliação, o que falta para o Nordeste Setentrional é uma política de alocação de água através de adutoras, como a realizada no Rio Grande do Norte. O estado utilizou os recursos da privatização da sua companhia de energia elétrica para investir R$ 250 milhões em mais de mil quilômetros de adutoras que abastecem metade da população. "Elas levam as águas do litoral e da barragem Armando Ribeiro Gonçalves, no rio Piranha-Açu, para a região semi-árida", conta. O coordenador técnico do projeto rebate as críticas sobre a disponibilidade hídrica no Nordeste. "Dos 70 mil açudes, só cem valem a pena. Os demais são grandes evaporadores de água", garante. "E os grandes açudes não podem ser utilizados porque é preciso guardar água para o futuro, e estão comprometidos: perdem 2 metros de água por ano, por evaporação", argumenta Cagnin. Dos 18 bilhões de metros cúbicos de água disponíveis no Ceará, por exemplo, só 20% podem ser utilizados. "Ou seja, tem açude mas não tem água." Os açudes do Nordeste Setentrional acumulam o máximo de água no período de chuvas, durante três ou quatro meses por ano. Mesmo quando cheios, o uso da água é controlado de forma a garantir abastecimento em caso de seca prolongada. A integração desses açudes com uma fonte de água permanente e de grande volume - com a que será transposta - permitirá que a água armazenada nos açudes seja liberada em maior proporção para as atividades produtivas. A garantia de abastecimento atrairá investimentos, gerará mais emprego e aumentará a renda da população. "Se quisermos dar nova oportunidade para o Nordeste, temos que garantir água." A água acumulada nos reservatórios e açudes terá múltiplos usos, inclusive econômico. Ao longo dos dois canais, 28 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
o projeto prevê a instalação de pontos de captação de água e chafarizes para atender a demanda da população das áreas próximas, viabilizar a agricultura irrigada de pequenos produtores.
as o foco principal do projeto é estimular o desenvolvimento urbano. "Não é só água para beber, é água para viver. O projeto vai colocar água nos açudes e fornecer para as cidades", enfatiza o coordenador técnico do projeto. "Não é água para a população difusa", insiste. Para essa população o governo está implementando a construção de 1 milhão de cisternas, um projeto de R$ 1,5 bilhão, um quarto do valor previsto na transposição. "A cisterna produz 1 metro cúbico de água por segundo e a transposição, quase 70 metros cúbicos por segundo", compara. O uso econômico da água é fortemente contestado. "O governo quer água para o agronegócio", resume Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco. "É água para o agronegócio", repete Abner, da UFRGN. "O deslocamento das águas vai chegar ao produtor?", indaga Luciano Pagnucci Queiroz, pesquisador do Instituto Nacional do Semi-Árido. Tratar a água como um "bem econômico acarreta a exclusão de grande parte da população", adverte o manifesto Riscos previsíveis, conseqüências incalculáveis, assinado no final do ano passado por 250 associações, entidades de classe e organizações não-governamentais e divulgado com a intenção de barrar a aprovação do projeto. Essa, aliás, foi uma das razões pelas quais o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco rejeitou o projeto de transposição. Depois de cinco consultas públicas em cidades da região, o comitê aprovou o uso externo das águas do rio "apenas para abastecimento humano e dessedentação animal" e em situações de comprovada escassez, de acordo com Geraldo José dos Santos, assessor técnico do comitê.
No caso do eixo leste do projeto que sai da barragem de Itaparica, na divisa entre Pernambuco e Bahia, próximo a Nova Petrolândia, e segue até o rio Paraíba -, a água será transportada para o agreste e poderá ser utilizada para subsistência. "Mas no eixo norte do projeto o uso da água terá caráter essencialmente econômico. Uma pequena parcela dessa água, em valor inferior a 26 metros cúbicos por segundo, será destinada ao consumo humano e animal", prevê Souza. Para Cagnin, a polêmica em torno do uso da água do São Francisco é resultado de uma visão antiga do Nordeste, de uma economia "feita na pata do boi e que foi responsável pelo povoamento esparso". Hoje, ele continua, o Brasil tem o semi-árido mais populoso do mundo, modernizou-se, ficou mais urbano, "saiu da cultura rural". Por isso precisa de mais água. Energia para o futuro - Os críticos também temem que a transposição comprometa a demanda futura de energia elétrica, calculada em cerca de 6% ao ano para um crescimento de 4% do Produto Interno Bruto (PIB). O rio São Francisco é responsável pela geração de mais de 95% da energia elétrica do Nordeste, quase totalmente produzida pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). O Relatório de Impacto Ambiental (Rima) estima que o uso das águas do rio, nos volumes estimados pelo projeto, deverá acarretar perda de 137 MWh/h de energia para as usinas, ou seja, 2,4% da energia média gerada pela Chesf, a partir de 2025. Essa perda, ainda segundo o Rima, poderá ser compensada com a produção gerada pelas usinas termelétricas que estão sendo instaladas na região ou por usinas hidrelétricas localizadas em outras bacias, por meio do Sistema Interligado Nacional. "A Chesf gera 5.600 MW em média por ano e o projeto vai consumir 1% dessa energia e a médio prazo", diz Cagnin. Lembra ainda que o sistema elétrico no Brasil é interligado e que o Nordeste já recebe 20% de energia gerada na hidrelétrica de Tucuruí. "No futuro, daqui a 15 anos, mais da metade da energia virá de fora do São Francisco." Entre os críticos e defensores do projeto há também, aparentemente, al-
gumas divergências de cálculo. O ministro Ciro Gomes tem afirmado que a transposição utilizará apenas 1% do volume desaguado no mar. Mas o Comitê da Bacia do São Francisco contesta. O cálculo de 1% é inadequado, pois toma como base a vazão média histórica do rio, sem considerar que parte dessa água não está mais disponibilizada. Em nota oficial, o comitê lembra que, para garantir as condições mínimas do rio, na foz, o Plano de Recursos Hídricos fixou uma vazão máxima de 360 metros cúbicos por segundo, dos quais restam apenas 269 metros cúbicos por segundo. Calculada sobre esse saldo, a transposição retiraria, de fato, entre 24% das águas do rio, na vazão média, e 47% na vazão máxima. O custo da água transportada, estimado em R$ 0,11, também gera polêmica. Hoje, na área rural, não se cobra pela água bruta. Os usuários pagam apenas o custo do bombeamento desde a fonte de suprimento até a área agrícola. "Com a transposição vai se pagar
muito caro pelo uso da água, cinco a seis vezes mais do que os valores praticados na região", calcula Abner. Cagnin esclarece que esse não será o preço da água utilizada para a irrigação ou nas áreas rurais. Ele lembra que a água tem uso múltiplo e que esse valor, de R$ 0,11, será pago pelo consumidor urbano e industrial, em troca da garantia de abastecimento, o que representaria um aumento de 10% na tarifa atual. Fora das áreas urbanas, o preço será calculado por compensação, com base em subsídio cruzado. As preocupações não param por aí. Queiroz, do Instituto Nacional do Semi-Árido, por exemplo, teme que se a obra não for bem executada, além da água, os canais farão transposição também do biota (conjunto de formas de vida de um determinado ambiente. Este risco está entre os 22 impactos negativos apontados pelo Rima). Para minimizá-lo, está previsto o monitoramento da mistura dos biotas das bacias doadoras e receptoras, a instalação de
filtros nas tomadas de água no rio São Francisco e a execução de subprogramas de monitoramento dos peixes, da qualidade da água e de estudos geológicos nos dois canais. Consulta pública - O Ministério da Integração Nacional quer alocar R$ 2 bilhões para o projeto em 2006. Além de tentar impedir o início das obras nos tribunais - e de prometer obstruir a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), caso o governo não recue na previsão de gastos -, os oposicionistas querem deixar para a população brasileira a última palavra sobre o projeto. O deputado Luiz Carreira (PFL/BA) apresentou à mesa da Câmara um decreto legislativo propondo um plebiscito sobre a transposição do rio São Francisco para o primeiro domingo de outubro de 2006. A proposta tramita na Comissão de Meio Ambiente. "Não se trata de uma obra de engenharia qualquer. É um projeto de desenvolvimento econômico", argumenta o deputado. • PESQUISA FAPESP 112 -JUNHO DE 2005 -29
POLÍTICA CIENTIFICA E TECNOLÓGICA MEDICINA NUCLEAR
Diagnóstico de ponta em todos os cantos Governo deve criar empresa para ampliar produção nacional de radiofármacos
inda este ano, o governo federal deve criar a Empresa Brasileira de Radiofármacos (EBR) para a produção de compostos radioativos utilizados no diagnóstico e em terapias de várias doenças. A nova empresa que será estatal, já que a União detém o monopólio da exploração, produção e comercialização de minérios nucleares e seus derivados - vai incorporar as plantas de radiofármacos do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo, e do Instituto de Energia Nuclear (IEN), no Rio de Janeiro, ambos geridos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. "A empresa terá mais agilidade e flexibilidade para abastecer o mercado do que uma autarquia", explica Odair Dias Gonçalves, presidente da CNEN. O governo federal tem pressa e analisa a possibilidade de constituir a EBR por meio de medida provisória. Mas não está totalmente descartada a hipótese de transformar a proposta em projeto de lei, o que, no entanto, resultará 30 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
numa longa e imprecisa tramitação no Congresso Nacional. "Já estamos prontos para iniciar a transição. Só falta acertar o modelo de trabalho com os servidores", diz Dias Gonçalves. A empresa começará em São Paulo, com a incorporação das atividades do Ipen. O instituto produz cerca de 30 radiofármacos para atender a demanda de cerca de 2 milhões de pacientes em 300 hospitais e clínicas especializadas em medicina nuclear em todo o país. A produção do Ipen representa 98% do mercado nacional de radiofármacos, estimado em US$ 15 milhões. Além do Ipen, a EBR vai abranger, posteriormente, a produção do IEN, no Rio de Janeiro, e a do Centro Regional de Ciências Nucleares (CRCN), no Recife, que já iniciou o processo de licitação internacional para a compra de um acelerador de partículas (cíclotron) dedicado ao desenvolvimento de radiofármacos. Há planos para a instalação de um cíclotron também no Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear, em Belo Horizonte. O primeiro radiofármaco a ser produzido no Centro Regional de Ciências Nucleares, no Recife, será o FDG (Flúor
Deoxi Glicose), ou flúor 18, um radioisótopo utilizado em 95% das tomografias por emissão de pósitrons (Pet). A Pet revolucionou o diagnóstico por imagens em todo o mundo. Utiliza radioisótopos emissores de pósitrons, partículas com massa igual à dos elétrons - como o flúor 18, o nitrogênio 13 e o oxigênio 15 - que funcionam como marcadores de moléculas orgânicas. Essa tecnologia permite estudos diretos das funções metabólicas e da bioquímica celular que precedem as alterações estruturais e anatômicas dos tecidos e órgãos, possibilitando assim o diagnóstico precoce de doenças cardíacas, neurológicas e de tumores. O Ipen iniciou a produção do flúor 18 há cerca de três anos. "É a tecnologia mais recente, com diagnósticos mais precisos para a detecção precoce de tumores", sublinha Cláudio Rodrigues, superintendente do instituto. A segurança do fornecimento do radioisótopo para o exame estimulou quatro hospitais e um laboratório da capital paulista a investirem na compra de tomógrafos Pet, cotados em US$ 2 milhões. O flúor 18, no entanto, é um radioisótopo de meia-vida curta e tem sua
í
i
m
íPMK
* ! Sr
*i
atividade radioativa reduzida num período entre duas e quatro horas. No Ipen, por exemplo, o flúor 18 é produzido todos os dias, diferentemente dos demais radiofármacos. Por essa razão, o flúor 18 só pode ser distribuído entre hospitais e clínicas instalados num raio de 200 quilômetros da cidade de São Paulo. Por ausência do insumo, não existem tomógrafos Pet em Brasília, em Minas Gerais ou no Rio Grande do Sul, por exemplo. A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aliás, já encaminhou à CNEN pedido de autorização para a instalação de um cíclotron para a produção do flúor 18. A expectativa é que a garantia de fornecimento estimule os hospitais a se unirem para adquirir uma Pet. Em Pernambuco, por exemplo, a primeira Pet só passará a operar depois que for instalado o cíclotron no Centro Regional de Ciências Nucleares. O Ipen busca recursos para comprar um outro acelerador de partículas dedicado exclusivamente à produção do flúor 18, de acordo com Rodrigues. O aumento da produção deverá estimular outros hospitais a adquirirem
novos tomógrafos Pet. "A instalação de um novo cíclotron exige investimentos de US$ 3 milhões, além do treinamento de pessoal", calcula o superintendente do Ipen. Paralelamente às gestões do governo federal para a criação da EBR, a Câmara dos Deputados se prepara para votar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 199/03, que modifica, por regime de permissão, o monopólio da União para a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida curta, de até duas horas, como o flúor 18. Monopólio da União - A PEC foi apresentada pelo senador Jorge Bornhausen (PFL/SC), que, em 2003, teve que recorrer à clínica norte-americana para fazer um exame de localização de tumor em sua esposa, já que não existiam ainda equipamentos Pet disponíveis no Brasil. "A emenda tem como objetivo beneficiar toda a população brasileira", afirma o senador. A proposta já foi aprovada em duas votações no Senado e começa a ser analisada por uma comissão especial da Câmara dos Deputados, criada no ano
passado, mas só instalada no dia 18 de maio. "Se as empresas privadas puderem comprar o cíclotron para produzir radioisótopos utilizados na Pet, a população dos demais estados do país poderão contar com esse exame", diz a deputada federal Kátia Abreu (PFL/TO), relatora da PEC na Câmara. O aumento do número de aparelhos cíclotrons pela futura estatal e, se aprovada a PEC, também pelas empresas privadas e a multiplicação das Pet em todas as regiões do país devem permitir o acesso de um número maior de brasileiros à tecnologia de ponta para o diagnóstico precoce de doenças como o câncer. A tomografia por emissão de pósitron, no entanto, ainda não integra a tabela do Sistema Único de Saúde (SUS) e, portanto, o exame não tem cobertura dos planos de saúde. "Aprovada a proposta, partiremos para a segunda briga, que é incluir o exame no SUS e garantir a cobertura dos planos de saúde", promete o senador Bornhausen. "Quando ampliar o leque de aparelhos, com a privatização, o SUS vai se interessar", prevê a deputada Kátia Abreu. • CLAUDIA IZIQUE PESQUISA FAPESP 112 ■ JUNHO DE 2005 ■ 31
Rádio Eldorado AM Sintonize
700
kHz Toda semana, em meia hora, você tem: • Novidades de ciência e tecnologia • Entrevistas com pesquisadores • Profissão Pesquisa • Memória dos grandes momentos da ciência
E o que não poderia faltar: sua participação nas seções • Pesquisa Responde • Promoção da Semana Apresentação Tatiana Ferraz Comentários Mariluce Moura Diretora de redação de Pesquisa FAPESP
Sábados, às 12h30 Reprise aos sábados às 19h30 e aos domingos às 2oh30
Pesqe-üisa 'APESP
www.revistapesquisa.fapesp.br
www.radioeldoradoam.com.br
I
PESQUISA RESPONDE 07·05·2005
mais ampla, toda a ciência brasileira é importante
~ "'
para o país. No meu entender, o Brasil ainda não
da Terra Brasilis sentirá tesão
s
tem uma cultura científi-
de ser brasileiro.
~
• Pedro Renato Moretti - O asteróide batizado como
z
MN4 estará a uma distância de cerca de 17 mil qui-
2004
lômetros da Terra em
2012.
• Jefferson Souza
:.:
(ouvinte) -
Pela primeira vez o homem
ca. Diferentemente do Primeiro Mundo, a ciência
E-MAIL DE OUVINTE
começou aqui no princí-
Se
a distância Terra-Lua é da or-
pio do século passado, enquanto na Inglaterra,
23·05·2005
dem de 300 mil quilômetros, haverá chance de co/isâo?
ou nos Estados Unidos, teve início no século 18 ou
• Antônio Padilha
17. Cultura científica é o
• Enos Picazzio, astrônomo da USP -
significado que a ciência e Uma colisão inevitável?
seus resultados têm para a população em geral. A
Esses objetos que passam
- Com muito prazer, sou ouvinte constante de seu programa Pesquisa Brasil, na Rádio Eldorado, sempre com assuntos interessantes e bem atuais, dos quais gosto muito. Só te-
próximos da Terra são moni-
Para melhor divulgar a ciência,
torados
ele já fez filmes, animações, pe-
mente. Até pouco tempo atrás,
nho um pequeno comentário
ças de teatro ...
gravidez podia ser um proble-
a fazer sobre o programa des-
freqüentemente
determinação
e a
precisa de sua
sociedade muda muito rapida-
órbita depende sempre de mui-
Há pouco mais de três anos,
ma muito angustiante. Até que
ta semana: nós infelizmente não
tas observações. Esses dados são corrigidos periodicamen-
numa entrevista para Pesquisa FAPESp, Leopoldo de Meis
a pílula anticoncepcional,
estamos livres da ocorrência
produto da ciência, da pesqui-
te e se tornam mais precisos à
de uma erupção vulcânica ca-
sa, provocou a revolução sexual. Precisamos desenvolver
tastrófica só porque estatisti-
medida que o número de ob-
disse uma frase fantástica, para mim, inesquecível. É a seguin-
servações aumenta. A maior
te: "Como seria bom se fosse
o nosso saber de tal maneira a
uma vez a cada 100 mil anos.
aproximação desse asteróide
permitido a cada especialista
está prevista para 13 de abril
trabalhar também na clarida-
ficarmos mais independentes. Precisamos também vender no-
sa haver uma a qualquer mo-
de 2029. Nessa data, a chance de colisão é de 1 em 26 mil.
de dos demais!" Bonito, não?
vos produtos para balancear-
mento. Elas não têm data mar-
mos o nosso orçamento.
Ou seja, é improvável. Na es-
cada para vir. É claro que nós
• Leopoldo de Meis
cala de risco de Torino, o aste-
- Sou professor titular de bio-
ma, obedientemente,
róide 2004 MN4 se encaixa na faixa de risco verde, onde a
química médica da Universida-
teça daqui a 100 mil anos, mas
probabilidade
Minha pesquisa científica está
de colisão
é
relacionada
um pouco de atenção e vamos
obesidade, alterações na fun-
acompanhar a sua evolução.
ção tireoidiana e, no momen-
PROFISSÃO PESQUISA
camente elas têm acontecido Isso não garante que não pos-
todos esperamos que a próxi-
PROMOÇÃO DA SEMANA
de Federal do Rio de Janeiro.
quase nula. Mas ele merece
um
só acon-
não é possível fazer nenhuma previsão confiável.
a doenças como
• Produção
to, também à contração mus-
-
cular. Essaé a sua importância.
num similar do Viagra desen-
Se olharmos de uma maneira
volvido no Brasil?
Você vê alguma vantagem
21.05·2005
11.05·2005
• luçara Amaral -
Acho uma delícia ouvir as
matérias e entrevistas que vocês veiculam. Sou superfã da
• Comentarista:
programação
- Leopoldo de Meis, 66 anos,
Gostaria de sugerir que vocês fizessem contato com o nú-
médico formado pela Univer-
da Eldorado.
cleo Arteciência
sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRj), professor titular
de Teatro.
Eles têm várias peças ence-
de bioquímica no Instituto de
nadas com temas que reme-
Ciências Biomédicas da mes-
tem à Teoria da Relatividade
ma universidade, é uma figura
e procuram,
com pesquisas
de fato extraordinária. Porque se trata não apenas de um cien-
constantes,
criar uma ponte
tista respeitado, premiado, mas
co e o teatro. Eles já encena-
entre o conhecimento científi-
também de um homem extre-
ram Einstein, Kopenhagen per-
mamente preocupado com a
dida, uma comédia quântica etc. Um dos endereços deles
divulgação da ciência sob várias formas: educação, arte etc.
Livres de uma erupção vulcânica catastrófica?
é sena@arteciencia.com
CIÊNCIA
LABORATóRIO
MUNDO
Células-tronco embrionárias personalizadas A pesquisa com célulastronco embrionárias humanas avança rápido. Cientistas sul-coreanos criaram, pela primeira vez na história, linhagens de célulastronco embrionárias que carregam a assinatura genética de pessoas com doenças ou problemas físicos. Eles usaram a chamada clonagem terapêutica, tecnicamente denominada transferência nuclear de célula somática, para atingir o feito. Retiraram o DNA contido em óvulos frescos doados por mulheres jovens e o substituíram pelo material genético dos pacientes, obtido a partir de células da pele. Em seguida, deixaram os embriões clonados crescerem por seis dias e deles extraíram as células-tron-
■ Os pais e a TV dos filhos Pais e mães sabem que a televisão não é a melhor babá do mundo e que os programas para crianças não são lá essas coisas, mas raramente limitam o tempo e o conteúdo do que os filhos veêm. Uma equipe de pediatras do Centro Médico da Universidade Batista Wake Forest chegou a essa conclusão após entrevistar 1.800 pais com crianças de 2 a 11 anos nos Estados Unidos, no Canadá e em Porto Rico. A maioria (59%) contou que adotava uma estratégia eclética, às vezes restringindo o que os filhos viam
|
m ■
'•
•
•
#
Pioneiras: seqüência de células de duas das 11 linhagens produzidas pelos pesquisadores sut-coreanos
na mídia eletrônica - TV, videogames ou jogos de computador -, outras vezes questionando o teor dos programas ou mesmo deixando as crianças verem ou fazerem o que quisessem. Os outros pais adotavam apenas uma dessas abordagens: 23% deles só restringiam o que os filhos viam, 11% se valiam de estilos instrutivos, recomendando programas melhores, e 7% não limitavam a liberdade de escolha dos pimpolhos. Esse estudo também mostrou que 72% dos pais se preocupam com o uso da mídia eletrônica e confirmaram que quanto mais atentos aos efeitos negativos da mídia mais motiva-
34 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
co com o DNA personalizado dos doentes. Foram geradas onze linhagens dessas células: nove de pessoas com idade entre 10 e 56 anos que haviam sofrido traumas na medula espinhal, uma de um menino de 2 anos com uma doença auto-imune e outra de um paciente de 6 anos com diabetes do tipo 1. Liderada pelo veterinário Woo Suk Hwang e pelo ginecologista Shin Yong Moon, ambos da Universidade Nacional de Seul, a equipe oriental é a mesma que há um ano clonou pela primeira vez um embrião humano e dele retirou células-tronco. No experimento recente, a técnica foi aperfeiçoada: os pesquisadores conseguiram extrair uma linhagem de células-
dos se sentem para limitar ou discutir o conteúdo dos programas de TV com os filhos. O número de pais em casa também determina o enfoque a ser adotado: o acesso ilimitado à TV ou ao videogame mostrou-se mais comum nas casas em que havia apenas o pai ou a mãe. "Os pediatras deveriam orientar os pais para se envolverem mais no modo como suas crianças usam a mídia eletrônica", comentou Shari Barkin, coordenadora do estudo. Os programas de TV e os jogos eletrônicos foram associados a agressão, medo, distúrbios de sono, obesidade e perda de concentração. •
tronco a cada 20 tentativas, eficiência dez vezes maior que a anterior. Em artigo publicado na Science de 20 de maio, a equipe coreana credita essa maior eficácia ao uso de óvulos não-congelados e à baixa idade das doadoras. No curto prazo, os pesquisadores não pretendem cultivar esse tipo de célula para injetar nos pacientes, algo temerário e improdutivo, uma vez que as linhagens produzidas carregam os defeitos genéticos associados às doenças. A idéia é usar células-tronco embrionárias personalizadas para criar modelos in vitro das patologias. Estudar o crescimento dessas linhagens pode revelar os mecanismos de surgimento das doenças. •
■ Cérebro se altera no ciclo menstrual Surgiu uma hipótese que talvez explique por que muitas vezes as mulheres ficam com a sensibilidade à flor da pele em algumas fases do ciclo menstrual. Quando o nível do hormônio progesterona está baixo, os neurônios do hipocampo - uma região do cérebro associada às emoções produzem mais receptores de um tipo de neurotransmissor de inibição chamado Gaba (ácido gama-aminobutírico). Em conseqüência, há uma dramática redução da comunicação entre os neurônios, aumenta a sensibilidade, a an-
siedade ou os ataques epilépticos, de acordo com experimentos em camundongos feitos por uma equipe da Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla), Estados Unidos, e publicados na Nature Neuroscience. Se há mais progesterona, há menos receptores de Gaba e a comunicação entre os neurônios do cérebro manterá o equilíbrio emocional. As descobertas podem levar a novas terapias para a tensão pré-menstrual, para a depressão pós-parto ou para as oscilações de humor durante a gravidez. •
■ Nem sempre teste de PSAé o suficiente Só a dosagem de PSA, o antígeno específico da próstata, pode não ser suficiente para detectar o câncer de próstata. Homens com casos na família e considerados de alto risco deveriam submeter-se à outra forma de diagnóstico, o toque retal. É a recomendação que emerge de um estudo do Fox Chase Câncer Center, Estados Unidos, com 520 homens com alto risco de desenvolverem câncer de próstata: a doença foi diagnosticada em 25% deles, mesmo com baixos níveis de PSA. Nesse estudo, homens que apresentaram alguma anormalidade no exame retal e um nível de PSA entre 2 e 4 nanogramas por mililitro passaram por uma biópsia. Enquanto o exame retal poderia alertar sobre a possibilidade de um câncer na próstata, o baixo nível de PSA afastaria as suspeitas. As diretrizes adotadas no ano passado por instituições médicas dos Estados Unidos sugerem a realização de biópsia quando o nível de PSA ultrapassa 2,5 nanogramas por mililitro. •
■ Nas crateras do lado escuro da Lua A sonda Lunar Prospector levantou a possibilidade de haver bolsões de água congelada nas permanentemente escuras crateras dos pólos lunares, após detectar sinais de hidrogênio. Esses reservatórios seriam valiosos para abastecer os próximos astronautas que lá descerem novamente. Só falta confirmar essa possibilidade: a Nasa, a agência espacial norte-americana, pretende lançar em 2008 uma nova sonda, a Lunar Reconnaissance Orbiter, com equipamentos capazes de detectar a água no único satélite natural da Terra {foto ao lado). Cogita-se que a Lua, como a Terra, tenha ganho sua porção de água - ou de seus elementos químicos - há 3,9 bilhões de anos, mas sua tênue gravidade a teria deixado escapar. Mas, antes que seja vista como um lugar para visitar, há um problema sério a resolver: a poeira lunar. Similar à poeira de sílica, está por toda parte e pode se tornar danosa aos pulmões se inalada. A imagem acima é uma representação da composição do solo da superfície lunar: o vermelho representa os terrenos mais altos e as áreas que vão do azul ao laranja, depósitos antigos de lava vulcânica. • PESQUISA FAPESP112 -JUNHO DE 2005 ■ 35
LABORATóRIO
BRASIL
500 mil árvores abatidas Em cinco séculos, portugueses, franceses, holandeses, espanhóis, ingleses e brasileiros extraíram 527.182 árvores de pau-brasil (ao lado). A exploração mais intensa ocorreu no século 18, quando foram cortadas 322.260 árvores. Yuri Tavares Rocha, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), chegou a esses números após consultar quase mil livros e documentos no Brasil e em Portugal. Depois rodou 10 mil quilômetros em São Paulo e no Nordeste para conhecer a situação atual da Caesalpinia echinata, ainda em risco de extinção. Encontrou centenas de árvores em 19 unidades de conservação nos oito estados de ocorrência natural do pau-brasil, mas no Espírito Santo e em Sergipe não há mais examplares nativos dessa espécie. Em maio, Rocha descobriu uma população nativa pau-brasil em uma usina de cana-de-açúcar em Mamanguape, na Paraíba. •
■ 0 inexplicável calor das mulheres
■ Devastação a passos largos
Não foi desta vez que se chegou à origem das súbitas ondas de calor que inquietam as mulheres no climatério, o fim da idade reprodutiva. Por meio de entrevistas com 456 mulheres de 45 a 60 anos, uma equipe da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) investigou a influência de 22 fatores - como idade, número de filhos, índice de massa corporal, uso de pílula anticoncepcional e tabagismo - sobre essas ondas de calores ou fogachos, que em geral começam no peito e sobem até o rosto, queimando feito fogo. Segundo o estudo de Danielle Santos-Sá, nenhuma dessas variáveis se mostrou associada aos fogachos. "Uma segunda parte desse trabalho sugere apenas que os fogachos atingem um pico de intensidade por volta de 48 meses após a menopausa", diz Aarão Mendes Pinto Neto, coordenador do estudo. •
Dois estudos divulgados em maio mostraram que a degradação ambiental no Brasil segue acelerada. As queimadas ocorrem em todas as regiões e não só nas fronteiras agrícolas, há rios poluídos em 38% das cidades e estão surgindo duas novas áreas de desmatamento - no norte do Pará e no oeste da Bahia -, de acordo com o levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentado no dia 13. Cinco dias depois o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) comunicou que uma área de 26.130 quilômetros quadrados foi desmatada na Amazônia de 2003 a 2004, com um crescimento de 6,23% em relação ao período anterior. É a segunda maior área desmatada, menor apenas que a do período 19941995, quando a Floresta Amazônica perdeu 29 mil quilômetros quadrados. •
36 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
Observe os três lotes desta foto aérea de 2001: o do meio...
... desapareceu, de acordo com esta imagem do CBERS de 2004
■ Mapas orientam decisões em SP
■ Uma dependência atrai outra
Apresentado em sua versão impressa no final de maio, o Inventário florestal da vegetação natural do Estado de São Paulo já mostrou que pode ser útil. A pedido da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, a equipe do Instituto Florestal responsável por esse levantamento comparou as áreas ocupadas por vegetação natural em 1988 e em 2000 às margens de um dos principais rios paulistas, o Mogi-Guaçu. Uma análise de 12 trechos do rio indicou que a área com mata é 60% inferior ao mínimo exigido por lei. "O Inventário é um instrumento para análise e tomada de decisões para a conservação da vegetação natural", diz Francisco Kronka, pesquisador do Florestal e coordenador do projeto. Centenas de mapas e tabelas evidenciam: apesar de um acréscimo em relação ao levantamento anterior, a área coberta por vegetação natural é pequena eqüivale a 13,9% da superfície do estado - e está muito fragmentada. Os rios paulistas em geral perderam boa parte das matas ciliares e correm risco de assoreamento, elevando o risco de faltar água nas cidades e no campo. O In-
ventário ajudou a identificar as áreas de reabastecimento do aqüífero Guarani que estão recebendo fertilizantes agrícolas ou com mata escassa no município de Ribeirão Preto. "É muito importante evitar que essas áreas de captação de água sejam ocupadas desordenadamente", diz João Régis Guillaumon, pesquisador do Instituto Florestal e um dos autores das propostas de proteção às áreas de reabastecimento do aqüífero. Valendo-se de fotografias aéreas de 2001 e imagens do satélite CBERS de 2004, Marco Aurélio Nalon, integrante da equipe do instituto, descobriu que nesse período havia desaparecido um trecho de 1 hectare (10 mil metros quadrados) antes coberto por Mata Atlântica em Bertioga, no litoral paulista. •
Quem é dependente de bebidas alcoólicas ou de drogas corre o risco de tornar-se também dependente de jogos de azar, como loterias, bingos ou jogos eletrônicos. Na população em geral, a prevalência de jogadores patológicos aqueles que perderam o domínio sobre o tempo e o dinheiro gastos em jogos de azar - varia de 1% a 4%. Mas mostrou-se bem mais alta (18,9%) em um grupo de 74 pessoas com dependência de álcool, cocaína ou crack e maconha em tratamento em serviços públicos de saúde, segundo estudo de pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade de São Paulo (USP). Outros 10,8% enqua-
dram-se numa categoria intermediária, de jogador-problema. A maioria (70,3%) integra uma categoria mais amena, de jogadores sociais, para os quais o jogo não compromete a vida: apostam pouco e não se importam em perder, pois só visam a diversão. A comorbidade - ocorrência de dois distúrbios de saúde ao mesmo tempo no mesmo indivíduo - pode ser vista como manifestações de comportamentos impulsivos e incontroláveis, em que se busca o prazer por meio de gratificações temporárias. Pode ocorrer uma troca de dependência: a pessoa se afasta da bebida ou da droga mas se atem ao jogo ou começa a comer ou comprar compulsivamente; só muda o objeto de desejo, não o comportamento impulsivo, observa Maria Paula Tavares de Oliveira, pesquisadora da USP e uma das autoras desse estudo, publicado na Revista de Saúde Pública. Diz ela: "Quem trabalha na prevenção ou no tratamento da dependência de álcool ou de drogas poderia ficar atento para detectar e tratar também o jogo patológico, que em geral acomete homens e mulheres com mais de 40 anos e causa sérios problemas sociais, familiares, econômicos e de saúde". •
PESQUISA FAPESP 112 -JUNHO DE 2005 ■ 37
CAPA ARQUEOLOGIA
Eu nasci
dez mil anos atrás Crânio encontrado em sambaqui de rio no Vale do Ribeira revela a cultura mais antiga de São Paulo MARCOS PIVETTA
Os primeiros habitantes pré-históricos da região hoje conhecida como o Estado de São Paulo estavam aqui um ou dois milhares de anos antes do que se imaginava - aproximadamente dez mil anos atrás, sem paródia à música de Raul Seixas — e eram um povo singular, com uma identidade ainda em construção. Estavam a meio caminho entre o homem do mar e o homem do mato. A rigor, não eram uma coisa nem outra, provavelmente um híbrido dos dois. Sua vida social emulava certos comportamentos de moradores do litoral, mas seus traços físicos lembravam, em alguns casos, os de habitantes do interior do Brasil. Eram talvez um reflexo da geografia que os abrigou: viviam geralmente próximos às margens dos cursos de água de uma zona de transição ambiental entre o planalto e a costa, o vale do rio Ribeira do Iguape, no sul do Estado de São Paulo, perto do Paraná. Os membros dessa cultura, que estavam distantes do mar algumas dezenas de quilômetros, enterravam seus mortos e os cobriam com uma grossa camada de conchas, legando para a posteridade um tipo de vestígio arqueológico conhecido como sambaqui, típico das populações da costa. Ao longo de todo o litoral brasileiro, em especial em Santa Catarina, há grandes sambaquis costeiros, que, às vezes, despontam terra afora como colinas de até 30 metros de altura formadas a partir do acúmulo de mariscos, ostras e berbigões. Apenas no Vale do Ribeira existe uma quantidade significativa de sambaquis fluviais, embora em menor número e de 38 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
Fêmures de habitante da pré-história e de humano moderno: sambaquieiros eram menores
dimensões bem mais modestas que os da beira-mar. A altura dos concheiros de rios fica entre 80 centímetros e 1 metro e meio. Um novo olhar sobre o povo que construiu esses sambaquis fluviais começa a ganhar forma com os estudos feitos nos últimos anos por arqueólogos, geofísicos e biólogos da Universidade de São Paulo (USP), que participam de um projeto temático financiado pela FAPESP. O dado mais espetacular do trabalho, que usou até técnicas geofísicas para localizar e caracterizar as concentrações de caramujos no interior dos sítios arqueológicos (veja quadro na página 42), foi a descoberta do mais antigo crânio humano encontrado até agora em São Paulo, com idade de aproximadamente 9 mil anos, talvez até um pouco mais, de acordo com a datação pelo método do carbono 14. "A ossada estava
PESQUISA FAPESP112 ■ JUNHO DE 2005 ■ 39
num sepultamento situado numa camada geológica bem superficial", lembra o arqueólogo Levy Figuti, do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP, coordenador do projeto. "Não pensávamos que ela fosse tão antiga." Conchas próximas ao crânio sepultado também foram datadas e deram idade semelhante à da ossada. Achado há cerca de seis anos num sítio arqueológico denominado Capelinha I, na bacia do rio Jacupiranga, o crânio masculino foi alvo de um artigo científico publicado em abril deste ano na revista norte-americana Journal of Human Evolution. Os restos do habitante préhistórico do sambaqui fluvial, provavelmente um caçador e coletor de caramujos, são importantes por dois motivos: a idade avançada e os traços anatômicos particulares. Antes da descoberta do novo crânio, o mais antigo registro da presença humana no Vale do Ribeira (e no estado) remontava a 8 mil anos, na forma de esqueletos e outros registros arqueológicos encontrados nos numerosos sambaquis costeiros da região, tidos como mais velhos que os concheiros fluviais. Muito bem preservado, o esqueleto de Capelinha mudou, por ora, esse cenário. Então se pode afirmar que os sambaquis fluviais são mais antigos que os da costa e, conseqüentemente, seus habitantes vieram do interior, se estabeleceram primeiro nos arredores dos rios e só mais tarde ao longo do litoral? Ainda não, respondem os pesquisadores. "Há cerca de 10 mil anos, a planície costeira era maior e o mar estava alguns quilômetros mais longe do que se encontra hoje", pondera Figuti. "Desde então, a maré vem subindo e é possível que os sambaquis costeiros mais antigos tenham sido submersos pelo oceano." Se a hipótese estiver correta, nunca se saberá com certeza se eles eram mais velhos que os sambaquis fluviais. Fora sua inesperada idade avançada, o homem de Capelinha revelou mais surpresas. O crânio pertenceu a um indivíduo de uns 30 anos, com cerca de 1,60 metro, que, ao contrário dos sambaquieiros típicos do litoral e da maioria dos habitantes da pré-história nacional, não tinha traços mongolóides (orientais)."Era um indivíduo grácil, 40 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
pequeno", comenta a bióloga Sabine Eggers, do Instituto de Biociências da USP, outra pesquisadora da equipe.
s medidas e o formato de seu crânio exibiam características negróides, similares às encontradas nos atuais aborígines australianos e africanos - e em Luzia, o famoso crânio de uma jovem que viveu há 11 mil anos na região de Lagoa Santa, nos arredores de Belo Horizonte, considerado o mais antigo fragmento de esqueleto humano do Brasil. O homem de Capelinha apresentava craniossinostose, uma malformação genética caracterizada pelo fechamento precoce das suturas do crânio. O problema, no entanto, não alterou forma e tamanho dos ossos. Tinha ainda lesões no fêmur e na clavícula, decorrentes provavelmente de grandes esforços físicos. "As marcas na clavícula sugerem a execução de movimentos repetitivos, como o nado ou o ato de remar", salienta Sabine. Seja originário do litoral ou do planalto, ele parecia adaptado ao meio aquático. Se era parecido com Luzia, o homem de Capelinha só pode ter vindo do interior do país, e não do litoral, certo? É provável que sim. Mas os pesquisadores não sabem até que ponto o crânio de Capelinha é representativo dos primeiros habitantes dos sambaquis de O PROJETO Investigações arqueológicas e geofísicas dos sambaquis fluviais no Vale do Ribeira do Iguape, Estado de São Paulo MODALIDADE Projeto Temático COORDENADOR LEVY FIGUTI - MAE-USP INVESTIMENTO R$ 254.359,74
rio de todo o Vale do Ribeira. O fragmento de esqueleto pode ser a exceção, e não a regra na região. A equipe da USP encontrou restos de cerca de 60 indivíduos em sambaquis fluviais. Apenas um sexto deles foi datado por carbono 14, e todos eram mais novos que o homem de Capelinha, com idades entre 1.200 e 6 mil anos. A aparência do homem de Capelinha apresenta aspectos contraditórios. A primeira vista, o crânio se mostra bastante diferente das ossadas retiradas do sítio préhistórico do Moraes, na bacia do rio luquiá, outro trecho do médio Vale do Ribeira. Com idade em torno dos 5 mil anos, os esqueletos de Moraes, o concheiro fluvial de onde saíram fragmentos de 40 indivíduos, eram parecidos com os das típicas populações mongolóides que viveram no mesmo período nos sambaquis costeiros da Baixada Santista. Entretanto, análises mais detalhadas sugerem que as diferenças físicas entre os restos humanos de Capelinha e Moraes não são tão grandes. Ou seja, há mais dúvidas que certezas. "Com nossos trabalhos abrimos o leque de problemas sobre a ocupação da região", afirma o arqueólogo Paulo De Blasis, do MAE/USP. Zona de contato - Os sambaquis fluviais no sul de São Paulo são conhecidos desde o início do século 20, mas começaram a ser estudados de forma mais sistemática apenas nos anos 1970 e 1980. Rica em grutas, como a famosa Caverna do Diabo, no município de Eldorado, a região atrai levas de espeleólogos, amadores e profissionais. Para os arqueólogos, o Vale do Ribeira, em especial sua porção média, representa uma oportunidade de conhecer e estudar os povos pré-históricos que se estabeleceram numa área considerada como ligação entre o litoral e o planalto, no andar de cima da serra do Mar. Uma zona onde diferentes culturas entraram em contato e deixaram possivelmente tipos variados de vestígios arqueológicos. "A região também pode ter sido área de refugio para grupos sob pressão demográfica", diz Figuti. O médio Vale do Ribeira era um ponto de encontro devido à sua particular geografia. Ao contrário dos demais rios paulistas que nascem no planalto e correm para oeste, o Ribeira do Iguape flui para leste, a
PESQUISA FAPESP 112 -JUNHO DE 2005 -41
Á
')
U ^|
rs^
w T i
L 1 fe
r^ HH
1
o
w*'*
1 ,
1
Adorno de canino de quati
á£j 1
M
A
■ ^V
,-^ÊÊ^ t
■« 1
■B
I
i
1
.
"-\ fe
M
i.aau'»
^^^
- m
caminho do mar. Em sua jornada rumo ao Atlântico, cruza serras e corta pequenos vales, formando microambientes diversificados que funcionam como pontes naturais entre o litoral, quente, e o planalto, mais frio. No lugar das escarpas abruptas da serra do Mar, que mais separam do que ligam a costa ao planalto, a região do Ribeira apresenta um relevo mais suave que integra a zona litorânea à montanhosa. Os pesquisadores da USP estudaram 29 sambaquis fluviais do Vale do
^B ^B
W? Jm
.
Ossos de mamíferos, cortados e polidos
Ribeira. A maioria dos sítios arqueológicos tem forma circular, se estende por uma área de 500 a 1.900 metros quadrados e é conhecida pela população local devido aos seus típicos montículos de caramujos terrestres, conchas do gênero Megalobulimus. Os concheiros são mais freqüentes em alguns trechos do vale, sobretudo na bacia do rio Jacupiranga e no município de Itaoca, e em menor escala na bacia do rio Ju-
Conchas da espécie marinha Lucina pectinatus, do caramujo terrestre Megalobulimus e de marisco de água doce
1 w
V
quiá. A cronologia exibida por esse conjunto de sítios pré-históricos levou os pesquisadores a especular que a préhistória dos sambaquis fluviais pode ser provisoriamente dividida em três períodos. A primeira fase abarcaria dois sítios da bacia do Jacupiranga, entre os quais o de Capelinha I, com idades en-
Raios gama na arqueologia Por serem pequenos e menos visíveis que os sambaquis litorâneos, os concheiros fluviais podem ser de difícil localização e delimitação. Para minorar esse problema, os pesquisadores do projeto temático testaram a eficiência de medições geofísicas, normalmente usadas para encontrar minérios, como ferramenta no trabalho de prospecção arqueológica. Uma das técnicas postas à prova, a gamaespectrometria, se mostrou útil para descobrir os montículos de conchas que caracterizam os sambaquis. Por esse método, um sensor registra durante um minu-
42 ■ JUNHO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 112
to a radiação gama naturalmente emitida pelas camadas geológicas do solo. "Na mineração, esse tipo de medida é usada para procurar depósitos de urânio e tório", afirma Carlos Alberto Mendonça, do Instituto Astronômico e Geofísico (IAG) da USP, que coordenou essa parte dos estudos. Locais com maior radiação podem indicar a presença de minerais com esses elementos. Com os sambaquis ocorre o contrário. Lugares com menor radiação
tendem a ser ricos em calcário, uma pista de que ali deve haver um sambaqui. Afinal, a concha do molusco é feita basicamente de carbonato de cálcio. A adoção da gamaespectrometria deu tão certo que levou à descoberta de um segundo concheiro, menor do que o sambaqui principal, no sítio arqueológico de Capelinha. Os pesquisadores ainda testaram outras técnicas para
tre 8.500 e 9.200 anos. A segunda comportaria nove sítios, dispersos pelos três trechos com maior concentração de concheiros. Esses sambaquis têm idade entre 7 mil e 3.500 anos. A terceira etapa juntaria sete sítios, todos da região de Itaoca. Nesses lugares há indícios de que a cultura dos últimos sambaquiei-
Sondagem arqueológica no Vale do Ribeira e conchas encontradas na região: locais com menor radiação podem abrigar sambaquis
achar vestígios arqueológicos, como a medição do magnetismo do solo, que poderia indicar a existência de fogueiras pré-históricas. Mas os resultados não foram tão animadores.
ros dos rios esteve presente por somente meio século, entre 1.700 e 1.200 anos atrás. Há dois intervalos de tempo em que não há registros de sambaquis fluviais, entre 8.500 e 7 mil anos e entre 3.500 e 1.700 anos. Isso não quer dizer que não existiam habitantes na região nessas épocas. Segundo os pesquisadores, novas escavações podem reduzir as lacunas de informação. A presença de conchas nos sambaquis fluviais induz a pensar que a dieta dos habitantes pré-históricos do médio Ribeira era à base de moluscos e peixes de rio. A impressão pode ser falsa. Não há registros de cozimento dos moluscos nem de quebra no seu ápice para retirar a carne. Os caramujos podem ter sido coletados prioritariamente para a construção dos montículos funerários. "O sambaqui do Moraes pode ter sido um sítio usado somente para realizar sepultamentos, como um cemitério, e não como lugar de moradia", comenta a arqueóloga Claudia Regina Plens, que faz doutorado no MAE/USR "Em alguns casos descobrimos como os sambaquieiros fluviais morriam, e não como eles viviam", explica Figuti. Vestígios de vários mamíferos, como porcos-do-mato, veados, bugios, pacas e tatus, sugerem que a caça pode ter sido uma fonte de comida mais importante que a pesca ou a coleta de moluscos.
A chamada cultura material dos povos pré-históricos do médio Vale do Ribeira espelha a influência tanto do planalto como do litoral na construção de utensílios, ferramentas e armas. Um adorno típico era o colar feito com dezenas de dentes caninos de bugio perfurados, encontrado às vezes em torno do pescoço de corpos sepultados. Pelo jeito, eles aproveitavam quase tudo desses macacos. Versões marinhas do enfeite, com dentes de tubarão, também aparecem em alguns sítios. Pontas de flechas feitas de sílex, quartzo e outros materiais mostram que caçar era preciso. Dentes de mamíferos e, com menor freqüência, de peixes marinhos e arraias eram usados como perfuradores ou pontas cortantes. Ossos de animais terrestres eram polidos e viravam objetos que lembram uma flauta, embora sua utilidade, desconhecida, possa não ter sido das mais musicais. Três anzóis de uns 5 centímetros de comprimento, feitos com ossos de animais, foram talvez os artefatos mais inusitados resgatados nos sambaquis fluviais. "Não costumamos achar anzóis nem nos sambaquis litorâneos", explica Figuti. "Que peixe de rio eles poderiam pegar com isso?" Os antigos habitantes do médio Vale do Ribeira, talvez os primeiros paulistas da pré-história, eram diferentes, um povo nem tanto ao mar nem tanto à terra. • PESQUISA FAPESP 112 ■ JUNHO DE 2005 • 43
CIÊNCIA
MEDICINA
receita do doutor
aco
Estudos sugerem que compostos do vinho tinto aumentam a longevidade
MARCOS PIVETTA
ientistas deveriam evitar usar palavras como "miraculoso". Mas, se houver porventura uma razão para abrir uma exceção, ela é o resveratrol. Essa pequena molécula não-tóxica encontrada em ervas medicinais da Ásia e no vinho tinto está sendo testada clinicamente em humanos para tratar câncer de cólon e herpes oral; em roedores, protege contra desordens inflamatórias, derrame, infarto do miocárdio, traumas na medula espinhal e doenças cardíacas e é um dos mais eficazes agentes químicos preventivos contra o câncer que se conhece. Ninguém sabe realmente como o resveratrol produz esses feitos, mas há pouca dúvida de que esse conhecimento poderia abrir novas avenidas para o desenvolvimento de drogas realmente revolucionárias. O texto acima, nada comedido, foi literalmente extraído do parágrafo de abertura de um artigo publicado em abril por David Sinclair, patologista de 36 anos da Escola Médica de Harvard, na Nature Genetics, uma das revistas científicas de maior impacto. Sinclair é o chefe de uma equipe de pesquisadores que, há dois anos, aumentou em 70% o tempo de vida da levedura Saccharomyces cerevisiae administrando ao fermento apenas o resveratrol. Essa substância pertence à categoria dos flavonóides - compostos que aportam cor, sabores e sensações como amargor e adstringência aos vinhos -, aos quais se atribuem propriedades vasodilatadoras e antioxidantes. A exemplo do levedo, outros organismos, como o verme Caenorhabditis elegans, atestam os efeitos positivos do resveratrol como candidato à molécula da longevidade em experimentos feitos em diversos laboratórios do mundo. Inclusive no Brasil. O geneticista Gilson Cunha, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), verificou que doses ínfimas da substância aumentam em 30% a longevidade da Drosophila melanogaster, a popular mosca-da-fruta. "Estudos com invertebrados, mamíferos e em cultura de tecidos sugerem que o resveratrol poderia, até certo ponto, imitar alguns efeitos benéficos de uma dieta com restrição de calorias, um procedimento que induz ao prolongamento da vida", diz Cunha, que no início de junho participaria do Simpósio Internacional Vinho e Saúde, em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, evento promovido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Uva e Vinho e o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin). Os mesmos circuitos biológicos ativados pelo hábito diário de ingerir alimentos em quantidade moderada, uma família de genes denominada sirtuínas, seriam ligados pelo consumo parcimonioso de derivados da uva. "Em última análise, o que esse grupo de genes faz é controlar a atividade de funções vitais para a manutenção da sobrevivência das células", explica Cunha. Dois copos - Por ora, e provavelmente para todo o sempre, a forma mais agradável de tomar uma dose diária de resveratrol é desarrolhar um bom tinto, a primeira bebida alcoólica inventada pelo homem, há 9 mil anos. E de preferência vinho à base de Pinot Noir ou Merlot, duas variedades de uva que costumam produzir o composto em maior quantidade, e beber moderadamente. Algo como dois ou três copos, não mais do que uns 300 mililitros para os homens e um pouco menos para as mulheres. Vários estudos epidemiológicos sugerem que o risco
44 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
A SAUDC Ci€
ADRIANO RAMOS
)UWgl Um dos compostos do vinho tinto, o resveratrol, parece ser bom para o coração
de morte por problemas cardíacos e até câncer é menor entre as pessoas que ingerem baixas quantidades de álcool, sobretudo vinho tinto, do que entre os abstêmios. "Em relação às doenças cardiovasculares, as evidências parecem mais convincentes. Quanto ao câncer, é preciso cuidado na interpretação dos estudos", afirma o oncologista Gilberto Schwartsmann, da Faculdade de Medicina de Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mais no Merlot nacional - O álcool tem sabidamente efeito cancerígeno em animais e seu consumo abusivo favorece o aparecimento de vários tipos de câncer no homem. "Contudo, alguns trabalhos sugerem que o vinho tinto, em doses baixas, pode atenuar, em parte, esse risco, provavelmente por conter quantidades significativas de substâncias com efeito potencialmente protetor", pondera Schwartsmann. Embora não haja consenso, alguns estudos indicam que o suco de uva teria efeitos quase iguais aos do vinho, sendo uma alternativa para quem não quer ou não pode tomar álcool. Se os efeitos do resveratrol forem parecidos com as hipóteses levantadas pelos cientistas, há motivos de sobra para se fazer um brinde. E nem é preciso recorrer ao produto importado. Um trabalho feito pelo químico André Souto, da Faculdade de Química da PUC-
RS, indica que a concentração de resveratrol nos vinhos tintos brasileiros pode ser uma das mais altas do mundo. O pesquisador analisou as concentrações de transresveratrol, uma forma da molécula, em 36 amostras de vinhos tintos nacionais, e chegou a uma taxa média de 2,57 miligramas do composto por litro da bebida. "Só tenho conhecimento de concentrações médias mais elevadas em vinhos franceses", diz Souto, que publicou o estudo em 2001 no Journal of Food Composition and Analysis. Os níveis mais elevados do composto foram encontrados em produtos feitos com a uva Merlot. Uma explicação para a grande presença do resveratrol no vinho tinto brasileiro seria o clima da Serra Gaúcha, onde se produz cerca de 90% da bebida nacional. A região é úmida e as videiras estão mais sujeitas a ataques de fungos e microorganismos. Sob perigo, a planta aumenta a produção do resveratrol, que a protege da ação dos patógenos. O processo de produção dos vinhos tintos faz com que eles tenham mais flavonóides que os brancos. Para reduzir a diferença, experimentos da Embrapa tentam aumentar os níveis de resveratrol e outros compostos no vinho branco {veja quadro abaixo).
rovavelmente, a maior parte dos estudos atuais sobre os possíveis efeitos benéficos do vinho tinto ou de derivados da uva está na área de cardiologia. No Brasil não é diferente. O farmacologista Roberto Soares de Moura, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), em artigo publicado em 2002 no Journal of Pharmacy and Pharmacology, sugeriu, como haviam feito outros autores, que o consumo moderado de vinho tinto pode estimular a dilatação dos vasos sangüíneos e reduzir os níveis de pressão arterial. Durante 30 dias, o pesquisador deu para ratos com hipertensão induzida um extrato não-alcoólico obtido da casca da uva Isabel, variedade usada para produzir vinhos comuns. "A redução na pressão foi significativa", afirma Moura. Antes desse trabalho, ele obtivera resultados semelhantes num experimento com extrato não-alcoólico da casca da uva Cabernet Sauvignon, variedade nobre. Em ambos os casos, o etanol foi retirado do preparado administrado nos animais para que não houvesse dúvida de que os efeitos positivos derivavam de sua parte não-alcoólica. "Já temos a
Branco com efeitos de tinto Se prosperarem as pesquisas do . enólogo Mauro Celso Zanus, da Embrapa Uva e Vinho, de Bento Gonçalves, os brasileiros terão em breve vinho branco nacional rico em flavonóides, entre os quais o tão badalado resveratrol. Devido ao seu processo tradicional de produção, esse tipo de bebida apresenta geralmente apenas 10% dos compostos aparentemente benéficos à saúde contidos no vinho tinto. "Queremos fazer um vinho branco com cerca de 40% dos flavonóides da Cabernet Sauvignon e estamos quase chegando lá", afirma Zanus, que desenvolve seus trabalhos com a BRS Lorena, cultivar de uva
46 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
branca e aromática lançada pela Embrapa há quatro anos. Para atingir o objetivo, o pesquisador introduz a maceração, um procedimento adotado normalmente na fabricação de vinhos tintos, no processo de produção da bebida feita com Lorena. A maceração consiste em deixar por alguns dias o suco de uva recémfermentado em contato com as cascas. Seu objetivo é extrair uma série de compostos fenólicos presentes nessa parte do fruto, como matéria corante e flavonóides. Não se pode, no entanto, errar a mão na maceração, sob pena de descaracterizar completamente o produto final ou agredir o
paladar de consumidores mais exigentes. A bebida pode ficar muito amargo. "Algumas experiências no exterior com a Chardonnay (uva branca) resultaram em vinhos não atraentes", pondera o enólogo. Como a Embrapa vai requerer a patente sobre a receita para a produção de vinhos brancos com mais flavonóides, alguns detalhes do experimento não podem ser divulgados. Mas o tempo ideal de maceração para a Lorena não deve exceder 15 dias. Em 2006 os testes deverão estar terminados e, no ano seguinte, se as pesquisas não azedarem, um produto comercial será lançado pela Embrapa.
Vinho na alimentação: desde os primórdios da medicina
patente sobre o método de obtenção do extrato e a idéia é produzirmos um fármaco com efeitos semelhantes aos do vinho tinto", diz Moura. Sem etanol, o extrato poderia ser indicado para pessoas que precisam reduzir a pressão arterial e não podem tomar bebidas alcoólicas. Mulheres grávidas que sofrem de eclampsia (um tipo de hipertensão que coloca em risco a vida da gestante e do bebê) poderiam ser usuárias do produto, segundo o farmacologista da Uerj. Antes dos anos 1990 as pesquisas na área de saúde com o vinho e seus compostos, dos quais o resveratrol é hoje a maior vedete, eram vistas com certo desdém pela comunidade científica. Essa visão era compreensível e justificável. Entre o fim do século 19 e o início do 20 a ciência médica começou a associar claramente uma série de problemas de saúde à ingestão excessiva de álcool. Hoje mais de 60 doenças exibem o álcool como fator de risco e a Organização Mundial da Saúde estima que 4% das mortes decorrem de problemas de saúde relacionados ao consumo sem controle do álcool. Ainda assim, historicamente não se pode negar que entre a Antigüidade e o século 18 o vinho teve
um papel central na medicina. Quase cinco séculos antes de Cristo, o grego Hipócrates, o chamado "pai da medicina", dava vários usos para o vinho, como desinfetante, remédio para várias condições clínicas, veículo para outras drogas e parte de uma dieta saudável. Até o final do século 19, diluída, a bebida chegou a ser usada para desinfetar a água a ser tomada. Sem negar os óbvios malefícios do álcool em excesso, os trabalhos contemporâneos sobre os possíveis benefícios à saúde do consumo parcimonioso do vinho tinto resgatam, sem o caráter místico e os exageros de outrora, a adoção controlada da bebida como um componente de uma dieta saudável. A descoberta do chamado paradoxo francês foi fundamental para a mudança de atitude. Estilo de vida - Era o ano de 1992 e um estudo mostrou que os franceses, apesar de consumirem alimentos ricos em gordura saturada, tinham um baixo índice de problemas cardiovasculares quando comparados aos habitantes de outros países com dietas semelhantes. Serge Renaud, o principal autor do trabalho, atribuiu a pouco incidência de
infartos ao consumo de vinho, hábito arraigado na terra de Napoleão. "Era um trabalho epidemiológico, que não estabelecia relação de causa e efeito entre bebidas alcoólicas e doenças cardiovasculares", comenta o cardiologista Protásio Lemos da Luz, do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que estuda a ação benéfica de componentes do vinho e do suco de uva na dilatação das artérias e veias e na redução da formação de placas de gordura nos vasos sangüíneos (veja reportagem na edição n° 109 de Pesquisa FAPESP). "Outros componentes da dieta, o hábito de fumar, fatores genéticos, o estresse e a prática de exercícios poderiam desempenhar um papel no paradoxo." É verdade. Não há dúvida de que a biologia e o estilo de vida das pessoas, que transcende em muito o hábito de tomar ou não vinho, são determinantes na gênese dos males do coração, câncer e outras doenças. Agora, a julgar pelas evidências científicas que se avolumam, a bebida primordial da humanidade, abençoada pela Igreja Católica com metáforas divinas, se consumida com moderação, pode ser benéfica. • PESQUISA FAPESP 112 -JUNHO DE 2005 -47
CIÊNCIA ECOLOGIA
Sobreviventes do El Nino Aquecimento das águas do Pacífico coloca em situação crítica as populações de lobos-marinhos do litoral do Peru ALESSANDRA PEREIRA FOTOS LARISSA DE OLIVEIRA
1* comum associar o desaparecimento de plantas e animais à ação humana. iMas ao menos dessa vez a morte em massa dos lobos-marinhos do litoral do Peru e do norte do Chile parece estar relacionada a um fenômeno natural, o F.l Nino, a elevação da temperatura das águas superficiais do oceano Pacífico em até 1 l°C. Fm 1997 e 1998, o mais intenso Fl Nino do século passado levou à morte cerca de 70% dos lobos-marinhos do Peru: dos 24.481 lobos-marinhos que viviam por ali, restaram cerca de 8.200. F, desses, apenas 2.153 eram adultos e capazes de gerar descendentes para a próxima geração - um filhote macho pode levar de seis a oito anos para começar a se reproduzir. Os especialistas consideram 7 mil animais em idade reprodutiva como o número mínimo que uma população de vertebrados deve ter a fim de garantir a perpetuação da espécie por 40 gerações. O alerta foi feito por uma equipe de pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto do Mar do Peru (Imarpe). "A população reduzida de lo-
conservação", afirma o biólogo João Morgante, chefe do Laboratório de Biologia Evolutiva e Conservação de Vertebrados (Labec) do Instituto de Biociências da USP e coordenador de uma série de estudos populacionais sobre vertebrados neotropicais. 'lambem não se imaginava que os lobos-marinhos do Peru e do norte do Chile, habitantes das águas do Pacífico, fossem diferentes dos animais de outras regiões sul-americanas. Fm 2004, durante seu doutorado, a bióloga gaúcha Larissa de Oliveira, vinculada ao Labec e ao (irupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul (Gemars), constatou que se tratava de uma nova espécie, exclusiva dessas áreas e distinta da encontrada no litoral do Uruguai e da Argentina, no oceano
Lobos-marinhos machos do Peru: população volta a crescer à medida que os peixes retornam
Atlântico. Essa descoberta aumenta a preocupação com o risco de extinção desses gordões peludos que sentam sobre as patas traseiras, diferentemente das focas, e cujo focinho pontiagudo lembra o lobo terrestre. Larissa propõe que a espécie de lobos-marinhos chamada de Arctocephalus australis seja considerada apenas para os lobos-marinhos da costa Atlântica (Uruguai, Ilhas Falkland ou Malvinas e Argentina), enquanto os animais da costa Pacífica da América do Sul (litoral do Peru e norte do Chile) poderiam ser vistos como de outra espécie, chamada provisoriamente de Arctocephalus sp. A. Crânios e DNA - Trabalhando sob a orientação de Morgante e de Erika Hingst-Zaher, do Laboratório de Morfometria do Museu de Zoologia da USP, Larissa chegou a essas conclusões após examinar 594 crânios de machos adultos do Uruguai, da Argentina, do Chile, das Ilhas Malvinas e do Peru, mantidos em museus da América e da Europa. Ela utilizou uma série de medidas por meio das quais se analisam as variações do tamanho e do formato do crânio, valendo-se de um método ainda pouco difundido, a morfometria geométrica. Os 594 crânios dos lobos-marinhos foram fotografados em vários ângulos e transformados em 1.027 imagens digitais, que receberam 62 pontos de referência. A análise da variação da posição desses 63.674 pontos mostrou claramente as diferenças na forma e no tamanho dos crânios de cada população de lobos-marinhos da América do Sul. A bióloga gaúcha então cruzou os dados obtidos com os resultantes da análise de fragmentos de DNA chamados microssatélites de 226 lobos-marinhos do Uruguai e do Peru, que reforçaram as diferenças entre essas populações. Além das diferenças nas medidas do crânio e no DNA, há variações físicas e de comportamento entre os lobos-marinhos dos dois oceanos que banham a América do Sul, especialmente entre as populações do Uruguai e do Peru. Os animais que habitam o Pacífico possuem o crânio maior, são mais pesados, longilíneos e têm o focinho mais estreito que os do Atlântico. As fêmeas no Peru podem pesar até 58 quilogramas (kg), enquanto no Uruguai pesam em torno de 41 kg. 50 • JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
Diferenças de I peso: um macho como este, do Peru, é maior e mais pesado, com o crânio menos robusto e o focinho mais estreito...
As diferenças se manifestam também entre machos e fêmeas de uma mesma região - e parece ser mais intensa entre lobos-marinhos do Uruguai do que no Peru. Os lobos uruguaios apresentam diferenças tanto na forma quanto no tamanho do crânio; já no Peru se notam diferenças apenas no tamanho do crânio de machos e fêmeas. "Essas diferenças podem ser atribuídas a variações do sistema reprodutivo adotado em cada população", diz ela. No Atlântico, um macho pode manter literalmente um harém com até 14 fêmeas durante toda temporada reprodutiva - são três meses, no verão. Já no Pacífico, em especial no Peru, os lobosmarinhos são mais sortudos: cada macho escolhe uma pedra na praia e se exibe para a fêmea. Como elas precisam passar pelo território deles no momento de ir ao mar para se refrescar e buscar alimento, o macho cobra uma espécie de pedágio. A fêmea escolhe o território que vai atravessar e, conseqüentemente, o macho com quem vai copular. "O sistema de harém, que predomina no oceano Atlântico (Uruguai), exige com-
bates freqüentes e intensos entre os machos e poderia ter levado ao desenvolvimento mais acentuado de estruturas vantajosas para combate", diz Larissa. "Já no litoral do Pacífico os combates são pouco freqüentes e as diferenças físicas entre machos e fêmeas são menos acentuadas." Os pinípedes - o grupo ao qual pertencem os lobos-marinhos e inclui as focas, as morsas e os elefantes-marinhos - surgiram há 22 milhões de anos na costa Oeste dos Estados Unidos. Cerca de 3 milhões de anos atrás desceram pela América Central e colonizaram a América do Sul. Estima-se que existam hoje dez espécies diferentes de lobo-marinho espalhadas ao longo da América, África e Antártica. Por aqui não há registro de colônias reprodutivas de nenhuma espécie de pinípede e os lobos-marinhos vindos do Uruguai só dão o ar da graça durante o outono e a primavera para descansar em praias tupiniquins. Uma curiosidade a respeito desses bichos capazes de atingir quase 2 metros e pesar 159 kg: há pelo menos 300
Um novo El Nino seria capaz de dizimar todos os lobos-marinhos do Peru? "É imprevisível", avalia Larissa. "Como as populações de peixes e lobos-marinhos voltaram a se reproduzir depois do El Nino de 1982, um dos mais intensos da história e responsável por alta mortalidade de espécies, a tendência é que os lobos-marinhos consigam se recuperar, se não houver outro fenômeno tão severo num curto espaço de tempo."
... que os exemplares como este, da costa Atlântica, que na época de reprodução pode manter um harém com até 14 fêmeas
anos a espécie de lobos-marinhos estudados por Larissa não habita a região central do Chile, uma área de cerca de 2.200 quilômetros entre Mejillones e a Ilha Chiloé, possivelmente pela ausência de ilhas, o hábitat preferido na época de reprodução e de amamentação dos filhotes. Mar incerto - Nos últimos 400 anos, o aquecimento cíclico do mar tem feito os peixes desaparecerem da costa peruana em busca de águas mais frias durante os El Ninos. Nas épocas normais, as fêmeas dos lobos-marinhos permanecem até três dias no mar atrás de alimento; em anos do fenômeno chegam a passar dez dias, deixando na praia os filhotes que acabam morrendo de inanição já que as mães custam a voltar. Sem comida, a população de lobos-marinhos diminui sensivelmente, mas volta a crescer à medida que os peixes retornam. Em 1997, por pouco os lobos-marinhos não foram extintos: "O governo achava que a solução para manter a atividade pesqueira era abater os lobos-marinhos, pois animais e pescadores disputavam
os peixes disponíveis. Felizmente perceberam que não era necessário", conta a bióloga, que nesse mesmo ano passou 45 dias na reserva ambiental peruana Punta San Juan monitorando a oscilação da temperatura da água, o número de cópulas e de nascimentos, além de coletar amostras da pele dos filhotes para análises genéticas, sob protestos ensurdecedores das fêmeas. O PROJETO Variação geográfica em lobo-marinho sul-americano Arctocephalus australis MODALIDADE
Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa e Bolsa de Doutorado COORDENADOR
JOãO STENGHELMORGANTE-IB/USP
INVESTIMENTO R$ 13.808,37 e R$ 105.144,00 (FAPESP) e US$ 1.000,00 (Society for Marine Mammalogy)
O exemplo das lontras - Os lobos-marinhos, classificados como predadores de topo de cadeia alimentar no ecossistema marinho, comem peixes, que devoram invertebrados marinhos, que por sua vez se alimentam de fitoplâncton, responsável pela fotossíntese no ambiente aquático. A extinção de qualquer membro dessa cadeia ocasionaria um desequilíbrio no ambiente onde a espécie vive. Um exemplo clássico foi a diminuição das lontras no Alasca devido ao vazamento de óleo do navio Exxon Valdés em 1989. A mortalidade de milhares de lontras na região por contaminação de metais pesados causou um crescimento desenfreado de ouriços, seu alimento favorito. Esses ouriços comeram as grandes florestas de sargaços, tipo de alga gigante, e deixaram o fundo do mar parecido com o deserto. As algas realizam fotossíntese no ambiente marinho e com sua ausência nenhum tipo de vida se mantém na região. Depois de alguns anos, com a recuperação da população das lontras, o equilíbrio no ecossistema local foi restabelecido. Embora o cenário possa parecer obscuro, há alternativas para preservar os animais do oceano Pacífico que pareciam fadados à extinção. Em 1884, a caça indiscriminada quase provocou a extinção dos elefantes-marinhos do norte, restando menos de 20 exemplares na Ilha de Guadalupe, na Baixa Califórnia. Os governos dos Estados Unidos e do México adotaram uma rigorosa política de conservação ambiental e proibiram a caça desses bichos. Hoje, mais de um século depois, a espécie se recuperou e está estimada em cerca de 175 mil. Ao que tudo indica, esse deve ser também o caminho para a preservação dos lobos-marinhos que habitam os mares do Peru e do Chile. • PESQUISA FAPESP 112 -JUNHO DE 2005 -51
CIÊNCIA BIOLOGIA
Habitantes dos grãos de areia
bióloga marinha Judith Winston, pesquisadora do Museu de História Natural de Virgínia, nos Estados Unidos, descobriu há 20 anos dezenas de espécies de animais invertebrados vivendo na superfície e no interior de grãos de areia retirados do fundo do mar próximo ao litoral da Flórida. Pensou que existissem apenas por ali, na costa sul dos Estados Unidos, e que jamais os encontraria novamente. Mas em novembro de 2002, participando de uma expedição de coleta com biólogos paulistas, Judith pediu que lhe separassem o sedimento retirado do assoalho oceânico nas proximidades de São Sebastião, litoral norte de São Paulo. E lá estavam eles. Havia até mesmo algumas espécies novas, diferentes das identificadas na Flórida, e muitas outras espécies interessantes, todas com menos de 1 milímetro. Podem ser encontradas, ainda que mortas, apenas com o esqueleto externo, soltas ou incrustadas na areia da praia.
"Nunca se imaginou que houvesse uma fauna tão rica que vive incrustada em grãos de areia e fragmentos de conchas", exulta Álvaro Esteves Migotto, pesquisador do Centro de Biologia Marinha, ligado à Universidade de São Paulo (USP). Migotto assina com Judith Winston um estudo recém-publicado na revista Invertebrate Biology relatando as descobertas do litoral de São Sebastião, um dos pontos de estudo de um amplo levantamento sobre a diversidade marinha do litoral paulista. Dali, de profundidades que variavam de 9 a 45 metros, emergiram 13 espécies de invertebrados que habitavam a superfície e os poros de fragmentos de conchas, o cascalho e os grãos da areia mais grossa (o diâmetro de um grão de areia, formada normalmente de quartzo, pode variar de 0,05 milímetro - aquele tipo de areia que massageia os pés na praia e escapa rapidamente das mãos - a 2,0 milímetros). Os organismos mais abundantes e diversificados eram os briozoários, minúsculos invertebrados que formam colônias espalhadas ou eretas, em forma de galhos, com milhares de indivíduos.
f1
No fundo do mar
Colônia de Reptadeonella tubulifera 52 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
Microgastrópodo do gênero Caecum
Colônia jovem de Discoporella umbellata
Biólogos descobrem 13 espécies de invertebrados que vivem em sedimentos marinhos
Havia também hidrozoários, cnidários e vermes conhecidos como poliquetas. Desse total, quatro espécies não foram encontradas em nenhum outro ambiente marinho e parecem ser exclusivas desses mundos esféricos feitos de quartzo. Já no estudo da Flórida, específico para esse grupo de animais, foram registradas 33 espécies, das quais 9 exclusivas dos grãos de areia. "Deve haver muito mais", diz Migotto. Os oceanos, convém lembrar, cobrem três quartos da superfície do planeta. Segundo ele, o fato de esses animais terem sido encontrados em abundância em dois pontos a milhares de quilômetros de distância sugere que possam viver também em outros lugares, ao longo das plataformas continentais. Eles podem também ter uma importância biológica maior do que se poderia supor, participando de cadeias alimentares ora como predadores, ora como o
CARLOS FIORAVANTI
próprio alimento. Mesmo os sedimentos do fundo marinho ganham valor, por poderem transportar as comunidades de invertebrados de um lado a outro no assoalho oceânico, facilitando a conquista de novos territórios. Jovens reprodutores - Os biólogos que estudam os bentos - os animais que vivem sob ou no fundo do mar - normalmente peneiram a areia ou a lama, separam os exemplares que vivem soltos nesses sedimentos, e descartam esse material. Não imaginam que outros organismos bentônicos podem viver e se reproduzir sobre ou mesmo dentro dos grãos de quartzo ou nos fragmentos de conchas. "Talvez os sedimentos do fundo do mar deixem de ser vistos como um deserto para muitos organismos sésseis (que vivem fixos sobre uma superfície)", comenta Migotto. "Muitos invertebrados encontram nos grãos de
areia um espaço adequado em que se fixam, vivem e se reproduzem. Eles não estão restritos apenas a rochas ou fragmentos de rochas e conchas de tamanho relativamente grande como se pensava." Os habitantes das areias do fundo do mar parecem ser mais ligeiros na tentativa de perpetuar a espécie do que os equivalentes que vivem sobre rochas. As larvas dos briozoários se fixam sobre a superfície dos grãos de areia e se reproduzem inicialmente de modo assexuado. Formam colônias que começam a se reproduzir de modo sexuado quando ainda são jovens e abrigam poucos indivíduos, diferentemente das colônias de briozoários que vivem sobre rochas ou algas. "Como os grãos de areia são um ambiente extremamente instável e sua superfície é pequena", diz Migotto, "esses organismos não têm espaço para crescer muito". •
Outro micrograstrópodo milimétrico Floridiana (em amarelo) em um grão
Espécie nova de briozoário Trypostega PESQUISA FAPESP112 ■ JUNHO DE 2005 ■ 53
CIÊNCIA
A
I
Três passos adiante Físicos de Minas e São Paulo aprimoram manipulação e transmissão de dados em computadores quânticos
RICARDO ZORZETTO
m três estudos recentes, pesquisadores de Minas Gecas e experimentais que devem ajudar no desenvolvimento de um tipo especial de computador que povoa a mente dos físicos há três décadas, desde que o químico Charles Bennett, da gigante da informática IBM, demonstrou que era possível usar características das partículas atômicas para processar informações. É o computador quântico, assim chamado por funcionar segundo as leis da mecânica quântica, área da física que investiga os fenômenos do mundo dos átomos e das moléculas. O resultado de aplicação prática mais imediata surge do trabalho do físico José Maria Villas-Bôas, ex-aluno de Nelson Studart na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior de São Paulo, que atualmente realiza suas pesquisas de pós-doutorado na Universidade de Ohio, Estados Unidos. Villas-Bôas descobriu uma solução simples para falhas em um dos sistemas nanoscópicos, de milionésimos de milímetro, mais cotados para integrar o processador desses computadores do futuro: os pontos quânticos, pirâmides sobre materiais semicondutores. Ainda não se sabe qual será a aparência dos computadores quânticos, mas os físicos acreditam que a principal mudança ocorrerá na estrutura do processador e na forma de lidar com as unidades de informação, os bits. Nos uma moeda, com até 400 milhões de transistores. Quando o processador executa um comando, o transistor permite ou bloqueia a passagem de eletricidade e a informação é codificada em um sistema de dois números, zero ou 1. Fm substituição aos transistores, os computadores quânticos deverão usar dezenas ou centenas de pontos quânticos, átomos ou corpúsculos de luz (fótons). E com vantagens. Enquanto o transistor lida com uma informação por vez, em uma relação de exclusão, o processador quântico trabalha simultaneamente com inúmeros estados físicos simbolizados por infinitas combinações JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
w
Rastros de luz: quando o caminho é a informação
da probabilidade de ser zero ou 1: por exemplo, 99% de chance de ser zero e 1% de ser 1 ou 42% de ser zero e 58% de ser 1. Eis a unidade de informação quântica: o bit quântico ou qubit. Para realizar cálculos, os físicos atribuem valores arbitrários às propriedades das partículas atômicas, como o plano de vibração do campo elétrico dos fótons em um laser. Um exemplo ajuda a compreender. Pode-se determinar que o campo elétrico dos fótons oscilando no plano vertical, do mesmo modo que uma corda agitada por crianças, corresponde ao estado zero e a vibração na horizontal, ao 1. Segundo uma propriedade do mundo das partículas chamada superposição de estados quânticos, os fótons podem vibrar em infinitas direções ao mesmo tempo. Essa propriedade garante ao processador quântico uma agilidade inigualável para lidar com diferentes informações ao mesmo tempo e, em tese, elevar ao infinito a capacidade de processamento de um punhado de átomos. Atualmente há ao menos duas propostas de utilização dos pontos quânticos para realizar operações lógicas. Na primeira, aprisiona-se uma única partícula de carga elétrica negativa (elétron) no interior dessas estruturas nanoscópicas e, em seguida, tenta-se controlar o sentido de rotação desse elétron com o auxílio de campos eletromagnéticos. Mas a alternativa aparentemente mais viável é bombardear o ponto quântico com pulsos rápidos de um laser cujos fótons vibram com mais energia que o elétron. Nessa interação, o laser transfere energia ao elétron, que salta da região em que se encontra para outra mais energética no interior do ponto quântico, estruturas com 2 a 50 nanômetros. Como conseqüência, a região antes ocupada pelo elétron fica vazia e com carga positiva - a combinação estável do elétron excitado com a região vazia (buraco) compõe um estado que os físicos chamam de éxciton. Se desta vez o laser atingir o elétron excitado, a partícula de carga elétrica negativa retorna para a região de menor energia 56 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
do ponto quântico e o conjunto volta a seu estado original ou fundamental. Foi essa possibilidade de criar esses estados distintos - um fundamental e outro excitado - que levou os físicos a proporem os pontos quânticos como alternativa de processador. Mas há dificuldades. Como a intensidade da corrente elétrica gerada por um único elétron é baixa, é preciso repetir várias vezes o bombardeamento com laser até se produzir uma corrente mensurável. É nessa fase que surgem os problemas. Artur Zrenner, da Universidade de Paderborn, na Alemanha, constatou que esse bombardeamento repetitivo produz uma interferência que impede a leitura precisa da informação codificada no estado de energia do ponto quântico e descreveu esse entrave em 2002 em um artigo na Nature. Em uma comparação com o mundo macroscópico, é como se fosse preciso olhar muitas vezes para uma pessoa a fim de saber se ela está de chapéu, mas a cada olhar se formasse uma nuvem de fumaça diante dos olhos, impedindo-nos de ver com clareza.
iante desse resultado, Villas-Bôas e os físicos Sérgio Ulloa e Alexander Govorov, ambos da Universidade de Ohio, iniciaram a busca de explicações para essa interferência indesejável, semelhante à chiadeira que surge na recepção de uma rádio FM quando se atravessa uma região da cidade repleta de emissoras. E a encontraram na origem dos pontos quânticos: na finíssima camada sobre a qual se formam essas estruturas. Composta pelo mesmo material semicondutor do ponto quântico - uma mistura de arseneto de gálio e arseneto de índio -, essa camada apresenta regiões nas quais podem surgir elétrons excitados com mais energia que no interior do ponto quântico, afetando a intensidade da corrente elétrica produzida, como descreveram VillasBôas, Ulloa e Govorov na Physical Review Letters de 11 de fevereiro.
Como contornar o problema? Simples: é só bombardear o ponto quântico com pulsos de laser menos intensos e mais prolongados, propõem os pesquisadores. É que o uso de pulsos menos intensos reduz a probabilidade de gerar elétrons excitados de energia mais alta na camada abaixo do ponto quântico. E parece que funciona. "No ano passado, Artur Zrenner conversou comigo depois que apresentei esse trabalho na conferência Quantum Dot, no Canadá", conta Villas-Bôas. "Mesmo sem conhecer meu estudo, ele refez os experimentos com pulsos de laser mais longos e obteve resultados melhores, mas não sabia explicar o porquê." Caminhos simétricos - Em paralelo ao progresso com os protótipos de processador quântico, físicos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) apresentaram dois outros avanços relevantes: encontraram formas de aumentar a capacidade de processamento e de transmissão de informação de um computador quântico. Na UFMG, Sebastião Pádua, Leonardo Neves, Gustavo Lima e Carlos Monken desenvolveram e testaram uma estratégia engenhosa que permite aumentar a quantidade de informação associada a cada bit quântico. Em colaboração com José Aguirre e Carlos Saavedra, da Universidad de Concepción, no Chile, a equipe de Pádua associou a informação a outra propriedade inerente aos fótons: o caminho percorrido por esses corpúsculos de luz. Não há mágica. E algum esforço de imaginação ajuda a entender a proposta mineira. Ao atravessar um cristal especial, o feixe de laser é transformado em dois feixes de fótons gêmeos, que se propagam em sentidos diferentes, com ângulos simétricos em relação à trajetória inicial. Uma propriedade intrigante da física quântica chamada entrelaçamento quântico garante que duas partículas distintas e separadas - ou mesmo dois conjuntos de partículas, caso dos feixes-irmãos - reagirão de uma maneira predeterminada quando uma delas recebe um estímulo. A equipe de Pádua direcionou cada um dos feixes-irmãos para um anteparo diferente, a 20 centímetros do cristal, e com quatro fendas muito estreitas, de
0,09 milímetro. Ao produzir os feixes de fótons gêmeos, os físicos os programaram para cumprir a seguinte exigência: ao sair do cristal, os corpúsculos de luz passariam por fendas simetricamente opostas. Assim, se o fóton da direita atravessasse a mais elevada das quatro fendas, o da esquerda obrigatoriamente cruzaria a mais inferior do anteparo esquerdo. Além da informação codificada no plano de polarização, agora é possível somar outras quatro informações, vinculadas aos caminhos que os fótons podem percorrer. E quanto maior o número de fendas, mais informação será atrelada aos feixes-irmãos. Experimentos com anteparos de 4 e 8 fendas, descritos pela equipe mineira e chilena na Physical Review Letters de 18 de março, mostraram que a estratégia é viável e o índice de acerto, elevado: ao menos 96%. Os cálculos indicam que é possível obter bons resultados com até 10 fendas. Pode-se argumentar que anteparos com fendas não são o melhor material para integrar um processador quântico. Mas o que interessa é o princípio de funcionamento. "Imagine que, no lugar
das fendas, temos fibras ópticas", propõe Pádua. "Essa simples substituição permitiria transportar mais informação usando menos pulsos de luz." Pacote único - O autor da terceira contribuição é o físico Gustavo Rigolin, da Unicamp. Valendo-se de particularidades do entrelaçamento quântico, ele propôs uma saída a um dos gargalos da computação quântica: a transmissão de informações. De nada adianta um processador supereficiente, capaz de realizar em segundos cálculos que levariam bilhões de anos em um computador clássico, se os resultados tiverem de ser transferidos um a um até o local em que serão armazenados. Quase 20 anos depois de revelar a possibilidade de usar partículas atômicas para realizar cálculos, Charles Bennett identificou em 1993 uma surpreendente propriedade da física quântica: o teletransporte, capacidade de transmitir características de uma partícula atômica a outra distante. Até recentemente a eficiência do teletransporte era baixa, porque só se conseguia transmitir as características de uma única par-
tícula por vez. Em um artigo na Physical Review A, Rigolin propõe procedimentos que permitem enviar simultaneamente inúmeros estados quânticos de um grupo de partículas para outro. Imagine que se queira transferir as informações de uma centena de elétrons colocados na Catedral da Sé, no centro de São Paulo, para outra centena de elétrons na Candelária, região central do Rio. Rigolin descobriu que só consegue transmitir as características das partículas paulistanas para as cariocas se tiver à disposição outra centena de elétrons intermediários. Ao entrelaçar as partículas intermediárias com as paulistanas, ambas passam a compartilhar as mesmas características. Em seguida, as partículas intermediárias funcionam como uma ponte quântica ou canal quântico e transferem suas propriedades aos elétrons cariocas. Além de aumentar a capacidade de transmitir informações simultaneamente, esse modelo permite corrigir eventuais erros na informação transmitida e criar códigos de segurança mais eficazes, que denunciariam qualquer tentativa de interceptar a informação. • PESQUISA FAPESP 112 ■ JUNHO DE 2005 ■ 57
Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org
A Online Computer Library Center (OCLC) citou em seu boletim o serviço prestado pela SciELO ressaltando o acesso gratuito aos textos completos das 134 revistas que compõem a biblioteca virtual brasileira. A OCLC é uma base de dados que reúne coleções de bibliotecas do mundo todo e produz um catálogo chamado WorldCat, onde os periódicos da SciELO estão indexados. Adisponibilização das revistas da Scielo no OCLC contribuirá para o aumento da visibilidade dos periódicos científicos
da coleção.
■ Sociologia
Política criminal Com base em indicadores que permitem avaliar o grau de democratização do sistema de Justiça Penal no continente latino-americano, o artigo "Criminalidade e Justiça Penal na América Latina" aponta a defasagem existente nas várias instâncias que compõem o sistema de Justiça, desde a legislação penal até o sistema penitenciário. O estudo, de Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, professor do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), analisou especificamente a situação no Brasil e na Argentina. Azevedo apontou as deficiências no funcionamento das instituições responsáveis pelo controle do crime nesses dois países, além de comprovar que o aumento das taxas de criminalidade é um fator que resulta em uma crescente perda de legitimidade do sistema. "A análise das reformas do sistema de Justiça Penal brasileiro e argentino na última década aponta para o fato de que, tendo por justificativa dar uma maior eficácia aos processos, na prática esse objetivo ainda não foi alcançado e, ao contrário, ampliou-se a defasagem entre o formal e o real", acredita Azevedo. "Uma das tendências mais evidentes é a da hipertrofia ou inflação de normas penais, que invadem campos da vida social que anteriormente não estavam regulados por sanções penais", justifica. "O remédio penal é utilizado pelas instâncias de poder político como resposta para quase todos os tipos de conflitos e problemas sociais", lamenta o pesquisador. Diante desse quadro, Azevedo se propõe a apresentar algumas alternativas para o aperfeiçoamento institucional, entre as quais a atuação dos cientistas sociais na produção de pesquisas e análises sobre o assunto. "Isso se coloca como um elemento central para ampliar a capacidade institucional de lidar com a conflitualidade social contemporânea em bases democráticas", concluiu o professor da UFRGS. SOCIOLOGIAS- N° 2005
58 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP112
■ Alimentos
13 - PORTO ALEGRE - JAN./JUN.
Lingüiça de marisco Estudar as condições de processamento e a aceitabilidade da lingüiça de marisco vôngole (Anomalocardia brasiliana) foram os principais objetivos do artigo "Aproveitamento industrial de marisco na produção de lingüiça". Isso porque Eliete da Silva Bispo, Rosemary Duarte Sales Carvalho, Graciele Andrade, Clicia Capibaribe Leite, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e Ligia Regina Radomille de Santana, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), autoras do estudo, acreditam que o uso do vôngole na forma de lingüiça pode tornar esse marisco mais seguro ao consumo humano. "O método melhora a capacidade de conservação do marisco, ampliando sua rentabilidade por utilizar tecnologia de baixo custo, além de agregar valor econômico ao produto final", dizem. As pesquisadoras avaliaram a estabilidade do produto congelado, que tem uma formulação de 48% de marisco vôngole e 25% de gordura suína. As amostras de vôngole congeladas foram obtidas na baía de Todos os Santos, em Salinas das Margaridas (BA). "Os resultados da avaliação indicaram que o produto manteve-se estável durante 90 dias de armazenamento, à temperatura de -18°C." O alimento passou também por uma série de testes de degustação, por meio de 30 provadores, em que foram considerados fatores como aparência, aroma, sabor e textura. De acordo com o artigo das pesquisadoras, a lingüiça de vôngole teve um índice de aceitabilidade entre 78% e 87% para todos os atributos avaliados, especialmente com relação ao sabor e textura. CIêNCIA E TECNOLOGIA DE ALIMENTOS - VOL N° 4 - CAMPINAS - NOV./DEZ. 2004
.24 -
www.sdelo.br/sdelo.php7scri pt=sd_arttext&pid 615174522
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=Soi
20050ooioooc>9&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
Oi-2o6i200400040oo3i&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
■ Morango
Alternativa in vitro A produção mundial de morango é de 3,1 milhões de toneladas por ano. Estados Unidos, Espanha, Polônia e Japão são os maiores produtores do mundo. No Brasil, a produção anual é de 40 mil toneladas, com destaque para os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) mostram que a quantidade de matrizes geradas no país é de aproximadamente 760 mil por ano, um número insuficiente para atender à demanda. Por conta disso, os pesquisadores Rafael Ucker Brahm, da Universidade Católica de Pelotas, e Roberto Pedroso de Oliveira, da Embrapa-Clima Temperado, resolveram verificar o potencial de multiplicação in vitro de dez cultivares de morangueiro. São elas: Aromas, Bürkley, Camarosa, Campinas, Dover, Milsei-Tudla, Oso Grande, Santa Clara, Sweet Charlie e Vila Nova. "Embora a metodologia de micropropagação de cultivares de morangueiro seja bastante conhecida, pouco se conhece sobre o potencial de multiplicação in vitro de cultivares, o que é importante para o planejamento da produção de matrizes em laboratório", justificam os autores do artigo "Potencial de multiplicação in vitro de cultivares de morangueiro". Os pesquisadores ressaltam que as dez cultivares de morangueiro apresentaram elevada variabilidade genética. REVISTA BRASILEIRA DE FRUTICULTURA JABOTICABAL - DEZ. 2004
- VOL. 26 - N° 3 -
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=Soioo2945 2004ooo300032&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
■ Saúde
Sedentarismo acentuado O objetivo do estudo "Prevalência e fatores associados ao sedentarismo no lazer em adultos" foi quantificar a falta de exercícios em indivíduos com mais de 20 anos, residentes em Salvador, na Bahia. Os pesquisadores Francisco Pitanga e Ines Lessa, ambos da Universidade Federal da Bahia (UFBA), fizeram o levantamento com base em uma amostra de 2.292 adultos, sendo 55% do sexo feminino. "Sedentários foram aqueles que informaram não participar de atividades físicas nos momentos de lazer em uma semana habitual", explicam. Os autores alertam que com o processo da industrialização existe um crescente número de pessoas que se tornam sedentárias com poucas oportunidades de praticar atividades físicas. "E diversos autores têm demonstrado associação entre sedenta-
rismo e agravos cardiovasculares, câncer, diabetes e saúde mental." Inicialmente, o estudo calculou a prevalência do sedentarismo no lazer por variáveis associadas ao sexo da população estudada. Em seguida calculou-se a prevalência entre sedentarismo no lazer, grau de escolaridade e estado civil. O instrumento utilizado foi o Questionário Internacional de Atividade Física (Qiaf), que contempla as diversas facetas desse problema de saúde pública: atividades domésticas, atividades no trabalho, atividades no lazer e deslocamentos. "A prevalência do sedentarismo no lazer foi de 72,5%, sendo mais freqüente em mulheres entre 40 e 59 anos e homens maiores de 60 anos, em pessoas com baixo nível de escolaridade e entre os casados, separados ou viúvos", concluem os pesquisadores. CADERNOS DE SAüDE PUBLICA JANEIRO - MAIO/IUN. 2005
- VOL. 21 - N° 3 - Rio DE
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=Soio23iiX2oo50oo3ooo2i&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
■ Demografia
População x doenças "A melhora das condições de vida do homem durante o século 20 contribuiu para transformações da estrutura demográfica e para mudanças dos padrões de morbi-mortalidade." Com o objetivo de discutir essas mudanças, o artigo "A mortalidade por doenças infecciosas no início e no final do século 20 no município de São Paulo" comparou os dados de mortalidade da cidade em 1901,1960 e 2000. O estudo é de autoria de Cássia Buchalla, Eliseu Waldman e Ruy Laurenti, pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). As informações sobre a população da cidade, como nascidos vivos, coeficientes de mortalidade geral e infantil, foram obtidas do CD-ROM 500 anos de divisão territorial e 100 anos de estatísticas demográficas municipais, produzido pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade). Segundo o estudo, do início até o final do século 20 a população da capital paulista aumentou 36 vezes, sendo que o número de nascimentos aumentou cerca de 24 vezes e o número de óbitos 13,6 vezes. No entanto, as taxas de mortalidade diminuíram, pois a mortalidade geral foi 2,6 vezes menor no ano 2000. Além disso, a proporção de óbitos por doenças infecciosas declinou de 45,7% do total de óbitos em 1901 para 9,7% em 2000. Em 1901, entre as dez principais causas de morte no município, cinco eram por doenças infecciosas. Em 1960 apareciam nesta lista apenas três doenças infecciosas e em 2000 só a pneumonia constava entre as principais causas de morte. REVISTA BRASILEIRA DE EPIDEMIOLOGIA SãO PAULO - DEZ. 2003
- VOL. 6 - N° 4 -
http://www.scielo.br/sc ieto.php?script»sci_arttext&pid=Si4i579oX20030004000o8&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
PESQUISA FAPESP112 -JUNHO DE 2005 ■ 59
I TECNOLOGIA
LINHA DE PRODUçãO
MUNDO
Energia das ondas do mar na motores e acumuladores que produzem eletricidade. A energia, por meio de cabos, é levada ao fundo do mar onde outros cabos estão conectados com a costa e, conseqüentemente, à rede elétrica local. O projeto e o protótipo, que já possui proporções comerciais, são da empresa escocesa Ocean Power Delivery (OPD). Chamado de Pelamis, o sis-
Parecem pequenos submarinos vermelhos semi-submersos, mas na verdade são um conjunto de quatro cilindros articulados que produzem energia elétrica com o movimento das ondas. Ele mede 120 metros de comprimento com 3,5 metros de diâmetro e possui um sistema hidráulico no interior que se movimenta com o balanço das ondas e acio-
■ Diamante sintético mais valioso Diamantes de crescimento rápido, com até 10 quilates e cerca de 1 centímetro e meio de diâmetro, foram produzidos por pesquisadores do Instituto Carnegie, de Washington, nos Estados Unidos, usando o processo de deposição química na fase vapor (CVD). As dimensões são cerca de cinco vezes maiores do que a dos diamantes sintéticos que se encontram no mercado, feitos pelo método
que alia alta pressão à alta temperatura e outras técnicas CVD. "Cristais de alta qualidade acima de 3 quilates são difíceis de produzir usando os métodos convencionais", disse o coordenador da pesquisa, Russell Hemley. Os pesquisadores também conseguiram criar pedras incolores. Atualmente, a maioria dos diamantes sintéticos produzidos com alta pressão são amarelos e os fabricados por CVD ficam com uma tonalidade marrom, o que limita suas aplicações ópticas. •
60 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
tema está instalado na ilha de West Mainland, no arquipélago de Orkney, situado no extremo norte da Grã-Bretanha. O experimento é realizado sob a inspeção do Centro Europeu de Energia Marítima (Emec, na sigla em inglês), que fornece toda a infra-estrutura para os testes. O protótipo tem potência de 750 quilowatts (kW), suficiente para
500 residências. O Pelamis conta com financiamento do Ministério do Comércio e da Indústria britânico e de um grupo de investidores privados. Em maio, a OPD assinou um contrato com um consórcio de empresas portuguesas para a instalação de um sistema de 2,25 megawatts (MW) na costa portuguesa, no valor de € 8 milhões. •
Na costa da Grã-Bretanha, o gerador flutuante Pelamis gera eletricidade com o balanço das ondas
BRASIL Testes em campo avaliam cana resistente a vírus
■ Zircônio dá pistas sobre Terra antiga Um termômetro feito de zircônio desenvolvido por pesquisadores do Instituto Politécnico Rensselaer, de Nova York, serviu para que eles encontrassem evidências de que as condições ambientais da Terra antiga, a 200 milhões de anos da formação do sistema solar, caracterizavam-se por oceanos e crosta continental similares aos encontrados hoje. A descoberta foi publicada na edição de 6 de maio da revista Science. "Nossos dados apoiam a teoria de que a Terra começou um padrão de formação da crosta, erosão e reciclagem de sedimentos já em sua evolução há 4,35 bilhões de anos, o que contrasta com o ambiente quente e violento imaginado pela maioria dos pesquisadores e abre a possibilidade de a vida ter começado antes", disse Bruce Watson, um dos pesquisadores. A pesquisa foi feita em parceria com Mark Harrison, filiado à Universidade Nacional Australiana e à Universidade da Califórnia. O novo termômetro mede o conteúdo de titânio de cristais de zircônio que determinam a temperatura de cristalização.
Zircônios são pequenos cristais incrustados na rocha e os mais velhos materiais conhecidos na Terra. Esses cristais dão aos pesquisadores uma janela para entender a história primitiva do planeta. •
■ Hemodiálise com máquina portátil Uma máquina portátil para hemodiálise está em fase final de testes com pacientes nos Estados Unidos. Novos materiais permitiram a construção de filtros menores, muito mais compactos do que os utilizados nos equipamentos hospitalares. Batizado de NxStage System One, o equipamento, que pesa 30 quilos, pode ser usado tanto na casa do paciente como durante viagens, eliminando as idas freqüentes ao hospital para sessões que duram, em média, de três a quatro horas para filtragem do sangue. A sessão com a nova máquina demora cerca de duas horas e meia. A empresa NxStage, responsável pelo desenvolvimento, pretende colocar o produto no mercado em 2006, se até lá tiver sido liberado pela Food and Drug Administration (FDA), a agência norte-americana para medicamentos e alimentos. •
A primeira cana transgênica da Alellyx e da Canavialis, empresas de biotecnologia da Votorantim Novos Negócios, já está plantada em estações experimentais no interior paranaense. Os testes em campo irão determinar se a variedade transgênica se mantém resistente ao vírus do mosaico, como verificado em laboratório. A planta recebeu um gene retirado do próprio vírus causador da doença, responsável pela queda de produtividade nas lavouras. A variedade utilizada no projeto, a Co740, importada da índia, foi bastante cultivada em solos férteis, principalmente no Paraná, nas décadas de 1960 e 70. "Era uma variedade de alta produtividade e excelente qualidade de caldo, mas deixou de ser cultivada por ser muito suscetível ao vírus do mosaico da cana", relata Sizuo Matsuo-
ka, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Canavialis. Para eliminar o vírus, as duas empresas de biotecnologia começaram a trabalhar no projeto em setembro de 2003. A Alellyx construiu o gene que confere resistência e o introduziu na variedade indicada pela Canavialis. O projeto, que tem custo de R$ 1 milhão, deve ficar dois anos em campo fazendo testes em áreas próximas às regiões onde a variedade indiana foi cultivada décadas atrás. "Só depois deve-se pensar em um pedido de liberação comercial, que é uma nova etapa", diz Matsuoka. As plantas resistentes ao vírus do mosaico que mantenham as características da planta original são consideradas uma boa opção, no meio e fim de colheita, para os produtores que trabalham com colheita mecanizada em áreas de solos férteis. •
Cana: transformação genética para combater o mosaico PESQUISA FAPESP112 -JUNHO DE 2005 -61
BRASIL Testes em campo avaliam cana resistente a vírus
■ Zircônio dá pistas sobre Terra antiga Um termômetro feito de zircônio desenvolvido por pesquisadores do Instituto Politécnico Rensselaer, de Nova York, serviu para que eles encontrassem evidências de que as condições ambientais da Terra antiga, a 200 milhões de anos da formação do sistema solar, caracterizavam-se por oceanos e crosta continental similares aos encontrados hoje. A descoberta foi publicada na edição de 6 de maio da revista Science. "Nossos dados apoiam a teoria de que a Terra começou um padrão de formação da crosta, erosão e reciclagem de sedimentos já em sua evolução há 4,35 bilhões de anos, o que contrasta com o ambiente quente e violento imaginado pela maioria dos pesquisadores e abre a possibilidade de a vida ter começado antes", disse Bruce Watson, um dos pesquisadores. A pesquisa foi feita em parceria com Mark Harrison, filiado à Universidade Nacional Australiana e à Universidade da Califórnia. O novo termômetro mede o conteúdo de titânio de cristais de zircônio que determinam a temperatura de cristalização.
Zircônios são pequenos cristais incrustados na rocha e os mais velhos materiais conhecidos na Terra. Esses cristais dão aos pesquisadores uma janela para entender a história primitiva do planeta. •
■ Hemodiálise com máquina portátil Uma máquina portátil para hemodiálise está em fase final de testes com pacientes nos Estados Unidos. Novos materiais permitiram a construção de filtros menores, muito mais compactos do que os utilizados nos equipamentos hospitalares. Batizado de NxStage System One, o equipamento, que pesa 30 quilos, pode ser usado tanto na casa do paciente como durante viagens, eliminando as idas freqüentes ao hospital para sessões que duram, em média, de três a quatro horas para filtragem do sangue. A sessão com a nova máquina demora cerca de duas horas e meia. A empresa NxStage, responsável pelo desenvolvimento, pretende colocar o produto no mercado em 2006, se até lá tiver sido liberado pela Food and Drug Administration (FDA), a agência norte-americana para medicamentos e alimentos. •
A primeira cana transgênica da Alellyx e da Canavialis, empresas de biotecnologia da Votorantim Novos Negócios, já está plantada em estações experimentais no interior paranaense. Os testes em campo irão determinar se a variedade transgênica se mantém resistente ao vírus do mosaico, como verificado em laboratório. A planta recebeu um gene retirado do próprio vírus causador da doença, responsável pela queda de produtividade nas lavouras. A variedade utilizada no projeto, a Co740, importada da índia, foi bastante cultivada em solos férteis, principalmente no Paraná, nas décadas de 1960 e 70. "Era uma variedade de alta produtividade e excelente qualidade de caldo, mas deixou de ser cultivada por ser muito suscetível ao vírus do mosaico da cana", relata Sizuo Matsuo-
ka, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Canavialis. Para eliminar o vírus, as duas empresas de biotecnologia começaram a trabalhar no projeto em setembro de 2003. A Alellyx construiu o gene que confere resistência e o introduziu na variedade indicada pela Canavialis. O projeto, que tem custo de R$ 1 milhão, deve ficar dois anos em campo fazendo testes em áreas próximas às regiões onde a variedade indiana foi cultivada décadas atrás. "Só depois deve-se pensar em um pedido de liberação comercial, que é uma nova etapa", diz Matsuoka. As plantas resistentes ao vírus do mosaico que mantenham as características da planta original são consideradas uma boa opção, no meio e fim de colheita, para os produtores que trabalham com colheita mecanizada em áreas de solos férteis. •
Cana: transformação genética para combater o mosaico PESQUISA FAPESP112 -JUNHO DE 2005 -61
Landsat: Cratera de vulcão extinto em Barra de São João, no litoral do Rio de Janeiro
■ Peças brasileiras para a Nasa
Paulo. Acordo de cooperação técnica assinado em abril entre a instituição e a Agência Espacial Brasileira (AEB), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, prevê o prazo de 12 meses para a fabricação, o controle e a montagem de protótipos das placas adaptadoras
Protótipos de peças para a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) estão sendo desenvolvidos pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de São
denominadas FSEs, ou equipamentos de suporte ao vôo (Flight Support Equipment). Os FSEs ajudam a transportar e a acomodar os equipamentos na estação construída pela Nasa. Os protótipos serão modelo para um primeiro lote de 32 peças a serem fa-
bricadas no país ou no exterior. Em troca do fornecimento, o Brasil obtém espaço na estação para experimentos. A ISS é um empreendimento liderado pelos Estados Unidos, em parceria com a Europa e o Japão, formando um conglomerado de 16 países. •
Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br
Perspectiva de vacinas Um conjunto de seis genes seqüenciados e isolados do verme Schistosoma mansoni, que têm potencial para uso em futuras vacinas contra a esquistossomose, foi alvo de depósito de patente no Brasil e nos Estados Unidos. O potencial desses genes e o uso de suas respectivas proteínas como antígenos vaci-
62 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
Schistosoma adulto
nais estão sendo investigados no Instituto Butantan. Esses genes foram identificados no Projeto Genoma do Schistosoma, que envolveu 37 pesquisadores e estudantes da Universidade de São Paulo, do Instituto Butantan e do Instituto Adolfo Lutz. Foram descritas 30 mil seqüências gênicas, de onde foram selecionados 30 genes para avaliação e dos quais seis demonstraram potencial.
Título: Uso de genes encontrados no Projeto Genoma do Schistosoma (diagnóstico ou desenvolvimento de vacina). Inventores: Sérgio VerjovskiAlmeida, Luciana Cerqueira Leite, Leonardo Farias, Patrícia Miyasato, Toshie Kawano, Ricardo DeMarco, julio César Garcia, Elizabeth Martins, Paulo Ho, Ana Nascimento, Emmanuel Dias-Neto, João Setúbal, Carlos Menck, Alda Madeira, Vanderlei Rodrigues e Cybele Gargioni
Relevo bate recorde
Imagem do mesmo vulcão gerada pelo ônibus espacial que privilegia o relevo
■ Identificação de gasolina adulterada Um método desenvolvido no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) detecta quase instantaneamente adulterações na gasolina, pela adição de solventes ou querosene. Para fazer o teste, são necessários apenas poucos microlitros de água adicionada à gasolina para detectar a presença de solventes, ainda que em quantidades mínimas. A técnica utilizada para identificar as substâncias químicas é a espectrometria de massas. Compostos químicos existentes na gasolina, que são marcadores
naturais, são identificados pelo equipamento e registrados em um gráfico no computador. Da mesma forma, os solventes possuem compostos que são seus marcadores naturais. Nos casos de adulteração, sinais adicionais aparecem no gráfico. •
■ Trator testa biodiesel Testes realizados durante mil horas de operações agrícolas com tratores de 100 cavalos apontaram que o consumo do motor se mantém inalterado até a mistura de 50% de biodiesel e 50% de diesel. Para a avaliação, foram em-
pregados cinco tipos de misturas dos dois combustíveis em diferentes proporções. Agora os participantes do projeto, entre os quais a Universidade Estadual Paulista (Unesp), a Cooperativa dos Citricultores de Bebedouro, a FAPESP e o Laboratório de Desenvolvimento de Tecnologias Limpas (Ladetel), da Universidade de São Paulo (USP), vão iniciar testes com um motor mais potente, de 180 cavalos. O objetivo é conseguir os dados necessários para a validação e a homologação do uso do biodiesel em tratores que deverão ser adotados pela Agência Nacional de Petróleo (ANP). •
Três impactos de meteoritos no solo e três crateras de vulcões extintos são alguns dos destaques do projeto Brasil em Relevo apresentado no site da unidade de Monitoramento por Satélite da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desde abril. Além das curiosidades, o relevo brasileiro é visto em todos os detalhes com imagens captadas pelo ônibus espacial Endeavour (veja Pesquisa FAPESP n°. 110). A divulgação nos meios de comunicação gerou recordes de acesso no site (www.cnpm.embrapa.br) quando o Brasil em Relevo foi lançado no dia 26 de abril. Naquele dia, foram 1,2 milhão de acessos e 0,5 terabyte em downloads. No dia 29, o número de acessos atingiu 1,4 milhão. A média diária do site gira em torno dos 250 mil acessos diários. "A comunidade acadêmica, científica e a educacional foi a que mais acessou", diz Evaristo Eduardo de Miranda, coordenador do projeto. Quem acessar o relevo também tem fácil acesso às imagens do satélite Landsat que mostram mapas do solo com outros detalhes, mas sem relevo. •
PESQUISA FAPESP 112 -JUNHO DE 2005 -63
TECNOLOGIA ENGENHARIA QUÍMICA
Memória no vidro Material inovador poderá armazenar dados digitais em três dimensões
YURI VASCONCELOS
rmazenar grandes quantidades de dados digitais em um pequeno pedaço de vidro é a nova possibilidade que se abre com as pesquisas do Grupo de Materiais Fotônicos do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Araraquara. Os pesquisadores conseguiram desenvolver um tipo de material vítreo, produzido com alta concentração de oxido de tungstênio, que poderá receber gravações em três dimensões, abrangendo a altura, o comprimento e a largura. Isso representa um avanço em relação aos principais meios eletrônicos que armazenam memória óptica em duas dimensões, como os CDs e os DVDs, capazes de acumular dados apenas na superfície do material. Com a capacidade de armazenamento tridimensional do vidro de tungstênio, as aplicações podem avançar por vários campos da informática e da indústria eletroeletrônica, na fabricação de chips e memórias para computadores e na produção de dispositivos de gravação audiovisual. Tudo isso, é claro, se as pesquisas ainda em andamento comprovarem a eficácia do novo material e as suas possibilidades de interação com os equipamentos eletrônicos. "Nos últimos três anos surgiram muitas pesquisas no mundo inteiro relacionadas a materiais com capacidade de gravação tridimensional, mas, até onde sabemos, nenhum outro grupo nacional ou estrangeiro chegou ao estágio em que nos encontramos", diz o químico Younès Messaddeq, coordenador do Grupo de Materiais Fotônicos da Unesp. 64 ■ JUNHO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 112
A grande vantagem do novo material, que tem uma coloração amarelada em razão da presença de tungstênio em sua composição, é que ele poderá ultrapassar, de maneira significativa, a capacidade atual de armazenamento dos meios utilizados como memórias ópticas digitais. Um CD comum, por exemplo, pode armazenar 700 megabytes de informação, quantidade suficiente para uma hora e quinze minutos de música de alta qualidade ou mais de 300 mil páginas de um texto escrito em espaço duplo. Os DVDs mais avançados, por sua vez, contam com 20 gigabytes de memória e são capazes de armazenar filmes de longa metragem. "O vidro poderá ser usado como dispositivo para gravação ou transformado em um filme fino, com alguns nanômetros de espessura, similar às películas existentes hoje em CDs e DVDs", diz o químico Gaêl Poirier, aluno de pós-doutorado e um dos inventores do novo material. Esses discos compactos possuem um filme de polímero, de espessura também nanométrica, depositado sobre um vidro polido, onde as informações são gravadas. É uma camada fina de resina fotossensível (por exemplo, policarbonato ou poliéster) produzida a partir da evaporação de vidros ou polímeros especiais. "Vamos testar a gravação diretamente no vidro de tungstênio e no filme fino com o mesmo material para ver qual dos dois é mais eficiente" diz o pesquisador. Os pesquisadores da Unesp garantem que a capacidade de armazenamento do vidro à base de oxido de tungstênio será infinitamente maior que os disquinhos atuais, embora, por enquanto, não consigam precisar o tamanho dessa memória. "Ain-
Vidro de tungstênio: gravação tridimensional na Unesp de Araraquara
da não fizemos as medidas necessárias, mas o limite teórico de armazenamento é de 1,6 terabyte (1.600 gigabytes) por centímetro cúbico", diz Poirier. Essa capacidade, segundo Messaddeq, será fundamental para a projeção do sucesso comercial do novo vidro, que já precisa ser superior a 200 gigabytes porque esse é o volume de informações da memória eletrônica mais ampla do mercado, prevista para ser lançada este ano pela empresa americana InPhase Technologies, uma spin-off (pequena empresa de tecnologia) originária da gigante das teleco municações Lucent Technologies, especializada em armazenamento holográfico, uma técnica que também permite guardar dados em três dimensões. "A diferença fundamental entre nosso vidro e os materiais holográficos que gravam em três dimensões é que esses últimos são polímeros ou vidros porosos contendo polímeros. Eles gravam em três dimensões, mas o processo não é reversível", conta Messaddeq. Com o material vítreo da Unesp é diferente. Ele poderá se contrapor aos materiais utilizados hoje, experimentalmente, para gravação em três dimensões que possuem como grande limitação o fato de não serem reversíveis. "A não regravação é uma grave limitação no campo de aplicação de armazenamento de dados, porque esses materiais somente poderão ser utilizados como memórias 'definitivas'", diz Messaddeq. As gravações feitas no vidro sintetizado nos laboratórios da Unesp podem ser apagadas por tratamento térmico ou quando expostas a lasers apropriados. Isso faz com que o material possa ser usado como suporte regravável ou memória de alta capacidade. Além disso, o novo vidro de tungstênio tem um custo de preparação bem inferior ao de outros materiais vítreos especiais usados como memórias ópticas, como os chamados vidros calcogenetos, que embora permitam a ampliação da memória gravam em duas dimensões e não são tridimensionais. Messaddeq também possui projetos com o vidro calcogeneto (veja Pesquisa FAPESP n° 86). Em 2002, a empresa japonesa Panasonic apresentou um DVD com fil66 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
me à base de calcogeneto e alta capacidade de gravação (9,4 gigabytes) com recurso de regravação. Esse material é produzido com selênio, enxofre e telúrio, elementos da tabela periódica chamados de calcogênios. "O nosso vidro de tungstênio é cem vezes mais barato em relação aos outros materiais que estão em pesquisa e serão usados, no futuro, para armazenamento de dados."
facilidade de produção do vidro de oxido fotossensível de tungstênio é outra grande vantagem desse material. Ele é preparado a partir de um processo clássico de fabricação de vidros, baseado na mistura de componentes de partida, nome dado aos reagentes químicos constituintes do vidro - oxido de tungstênio (W03), polifosfato de sódio (NaP03) e fluoreto de bário (BaF2). Eles são homogeneizados e colocados em um cadinho, recipientes cerâmicos que suportam altas temperaturas, que é levado ao forno para fusão. Em seguida, o líquido fundido é vertido, com o auxílio de uma pinça de inox com pontas de platina, em um molde metálico apropriado e com a geometria desejada. O cadinho utilizado (de oxido de alumínio ou platina), bem como a temperatura OS PROJETOS 1. Desenvolvimento de vidros contendo oxido de tungstênio para aplicação em óptica 2. Fotossensibilidade reversível no ultravioleta e visível de vidros à base de WO3 MODALIDADE 1. Linha Regular de Auxílio à Pesquisa 2. Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPI) COORDENADOR YOUNèS MESSADDEQ-
Unesp
INVESTIMENTO 1. R$ 53.750,00 (FAPESP) 2. R$ 6.000,00 (FAPESP)
de fusão, depende da composição inicial do material, variando de 1.000 a 1.600°C. Depois da sintetização do vidro, a amostra é submetida a um recozimento durante quatro horas e, em seguida, é resfriada gradualmente até chegar à temperatura ambiente. A fase final do processo de fabricação é o polimento na superfície, um ponto importante para melhorar a qualidade óptica do material. Para confirmar o estado vítreo da amostra, o material é submetido a técnicas de caracterização, como difração de raios X, análise térmica e observação visual. "O segredo do nosso vidro não está nos materiais utilizados, mas na sua composição química", diz Messaddeq. Por acaso - Como algumas das mais importantes descobertas da história da humanidade, esse novo material surgiu quase por acaso, quando Poirier fazia experimentos durante o seu doutorado. "Há dois anos, eu estava estudando certas propriedades ópticas do vidro com oxido de tungstênio e, por acaso, testei sua fotossensibilidade usando um laser visível azul. Isso permitiu verificar que o vidro era fotossensível no volume e podia receber gravações em três dimensões", conta Poirier. Para demonstrar esta nova propriedade do material (a gravação tridimensional), os pesquisadores fizeram uma parceria com o Instituto de Estudos Avançados do Centro Técnico Aeroespacial (IEAv/ CTA), em São José dos Campos, que gravou com laser, em três dimensões, a famosa face do físico Albert Einstein numa amostra do vidro que mede 1 centímetro de largura por 3 centímetros de altura. Para armazenar dados no vidro de tungstênio podem ser usados lasers ultra-violeta (no caso de gravações superficiais, em duas dimensões) ou lasers visíveis, com comprimento de onda de 488 nanômetros (nm) ou 514 nm. Esse último laser foi usado para gravação do rosto de Albert Einstein na forma tridimensional. Também são utilizados lasers infravermelhos pulsados para gravação de dados em três dimensões. Neste caso, os lasers possuem uma potência de pico muito alta, de alguns megawatts ou gigawatts, num tempo de irradiação muito curto (da ordem de nanossegundos, a bilionésima parte do
Armazenamento no vidro é feito por feixes de laser. Ao lado, a imagem de Albert Einstein gravada em uma amostra
rea—^P
segundo, ou femtossegundos, ou a quatrilionésima parte, o que corresponde, respectivamente, a IO"9 e IO"12 segundos) para induzir processos ópticos e o efeito fotossensível. O ineditismo da descoberta fez com que os pesquisadores decidissem entrar com um pedido de patente do vidro de tungstênio no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) com o apoio do Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. "Essa patente, intitulada Materiais Fotossensíveis Tridimensionais para Armazenamento de Dados Tridimensionais e Holografia, só vale para o Brasil, mas dentro de um ano, como permitem os acordos internacionais, faremos a proteção de nossa descoberta em outros países: Estados Unidos, Japão, Inglaterra, França, Alemanha, Suécia, Itália, Austrália e China", afirma Messaddeq. Com o depósito da patente, o novo material sin-
tetizado pelo Grupo de Materiais Fotônicos da Unesp de Araraquara começará a ser mostrado em congressos e eventos da área. Até o momento, a única apresentação no exterior ocorreu durante um workshop sobre materiais avançados realizado, em junho do ano passado, na Universidade de Münster, na Alemanha. "Mostrei apenas um slide da amostra de vidro com o rosto de Albert Einstein e todos ficaram impressionados", diz Messaddeq. Parceiro nacional - O próximo passo dos pesquisadores é fazer a caracterização do material para determinar sua capacidade de memória. "Esses estudos vão apontar se precisamos aperfeiçoar o vidro de tungstênio, melhorando sua composição, ou se ele já está pronto para ser produzido em escala piloto", diz o coordenador do grupo. Para realizar esse trabalho, os cientistas estão buscando um parceiro nacional. "Não
sabemos se algum grupo de pesquisa no Brasil dispõe de tecnologia para fazer essas medidas. Se percebermos que não existe, vamos tentar encontrar um parceiro no exterior", diz Messaddeq, que espera concluir essa etapa do trabalho até o fim deste ano. Paralelamente à caracterização, o grupo está pesquisando formas de produzir filmes finos a partir desse vidro. O desenvolvimento da tecnologia adequada e o controle dos parâmetros para preservar as propriedades dos fenômenos observados no material vítreo estão sendo realizados pela mestranda Bianca Montanari. "Como o tungstênio apresenta diferentes estados de oxidação, as condições de preparação foram a chave da pesquisa de Bianca", diz Messaddeq. "No primeiro ano de estudos, ela conseguiu explorar as condições para obtenção de filmes homogêneos de boa qualidade óptica, mas ainda é preciso confirmar várias outras propriedades existentes no vidro." O Laboratório de Materiais Fotônicos do Instituto de Química da Unesp de Araraquara, coordenado pelos professores Messaddeq e Sidney José Lima Ribeiro, é formado por cerca de 40 profissionais e estudantes, sendo oito pesquisadores com pós-doutorado, dez alunos de doutorado, sete de mestrado e dois pesquisadores visitantes. Anualmente a equipe publica cerca de 20 artigos em revistas científicas internacionais indexadas, como Journal of Chemical Physics, Journal ofPhysics and Chemistry of Solids e Applied Physics Letters. • PESQUISA FAPESP 112 • JUNHO DE 2005 ■ 67
I TECNOLOGIA
RECICLAGEM
De volta às origens Novos processos simplificam a limpeza e a recuperação de garrafas plásticas descartáveis DlNORAH ERENO
antas tecidas em tear manual, calças jeans, bandejas de frutas, couro artificial e até mesmo garrafas para produtos não-alimentícios têm em comum a mesma origem. São produtos obtidos principalmente de embalagens plásticas, conhecidas como PET, de refrigerantes, água, óleo de cozinha e produtos domésticos de limpeza, descartadas após o consumo e recicladas. Para que elas passem a ser reutilizadas, porém, é necessário passar por um processo que começa com a recuperação do material até chegar à etapa de transformação no produto final. Nos casos em que as garrafas são reprocessadas em novas embalagens para acondicionar alimentos, além da etapa de limpeza convencional, elas precisam passar por um processo de descontaminação para remoção de substâncias perigosas que são absorvidas pelo PET - como a resina Poli (tereftalato de etileno) é mais conhecida -, causa de danos à saúde humana quando ingeridas acima de determinados limites. Essas substâncias geralmente são provenientes da reutilização de vasilhames pelo consumidor para acondicionar combustíveis, pesticidas, produtos químicos e de limpeza. Uma nova técnica, mais simples e econômica que os métodos utilizados atualmente para esse fim, foi desenvolvida e patenteada por pesquisadores do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMa), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Eles também desenvolveram um novo processo de recuperação molecular do PET que muito vai ajudar no uso do material reciclado para fabricar novas garrafas para água e refrigerante, por exemplo, situação hoje inviável no Brasil. 68 ■ JUNHO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 112
No caso da descontaminação, os processos usados pelas empresas recicladoras utilizam atualmente altíssimo vácuo industrial durante várias horas ou substâncias alcalinas, como soda cáustica, para raspar as camadas mais superficiais do plástico onde estão depositados os contaminantes. O novo processo é muito mais simples: necessita apenas de um fluxo de ar seco quente por cerca de 15 minutos, em uma faixa de temperatura que vai de 130°C a 220°C. "O oxigênio contido no ar atmosférico apresenta interação com o PET e, ao mesmo tempo, alto poder de difusão, facilitando a remoção dos contaminantes do vasilhame em curto espaço de tempo", diz a professora Sati Manrich, coordenadora do projeto, financiado pela FAPESP. A simplicidade do novo método atraiu a atenção de cinco empresas brasileiras e estrangeiras, sendo que uma delas avançou bastante nas negociações. Três das interessadas já trabalham com processos de limpeza superclean, como são chamados os métodos empregados na descontaminação de embalagens plásticas pós-consumo. "Essas empresas podem incorporar a tecnologia que desenvolvemos para melhorar o processo usado atualmente, que ficará bem mais econômico", diz Sati. Outra vantagem dessa tecnologia é que ela pode ser utilizada por empresas de qualquer tamanho, inclusive micros e pequenas. Por enquanto, no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não permite que plásticos reciclados entrem em contato com alimentos, como refrigerantes, chás, sucos, óleos de cozinha e outros produtos similares. As garrafas plásticas recicladas podem se transformar novamente em uma garrafa, desde que seja para acondicionar produtos de limpeza, químicos, pesticidas e outros. "Existem pelo me-
nos três empresas brasileiras que dispõem de tecnologia para produzir a resina reciclada que poderia transformarse novamente em garrafa para abrigar alimentos", diz Hermes Contesini, diretor de comunicação da Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet), entidade que congrega os fabricantes da resina, de embalagens e os recicladores de embalagens. A tecnologia disponível nas indústrias brasileiras, por enquanto, é importada. Mas pode ganhar o reforço do processo desenvolvido na UFSCar. Pureza apropriada - Nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e na Europa o PET reciclado também é utilizado em garrafas de refrigerante, produzidas com porcentagens variadas da resina plástica. A Food and Drug Administration (FDA), a agência norte-americana reguladora de medicamentos e alimentos, e o International Life Sciences Institute (ILSI), da União Européia, exigem que o material reciclado tenha uma pureza apropriada, medida por parâmetros específicos e rigorosos. "Testes realizados com a resina moída em forma de flocos, previamente contaminada com tolueno, um solvente encontrado em produtos de limpeza e materiais de construção, e outros produtos químicos mostraram que a nossa tecnologia reduz a concentração dos contaminantes a níveis mínimos e se enquadra
Flocos de PET reciclados e prontos para aplicações variadas
nas exigências de órgãos reguladores internacionais", diz Sati. O fato de a legislação brasileira proibir o retorno da garrafa para acondicionar alimentos não é obstáculo para o crescimento do setor de reciclagem. "No momento temos outras demandas que consomem todo o PET reciclado no Brasil", diz Contesini. Segundo a Abipet, em 2004 foram recicladas 173 mil toneladas de embalagens plásticas, quase 50% das 360 mil produzi-
das no ano. Em 2003 foram recicladas 141.500 toneladas das 330 mil toneladas produzidas, o que indica um índice de reaproveitamento de 43% do material descartado. O índice de reciclagem poderia atingir números ainda maiores se a Política Nacional de Resíduos Sólidos, um projeto de lei que está desde 1997 tramitando no Congresso Nacional, já tivesse sido aprovada. Por ora, cabe a cada município estabelecer sua própria política de gestão de resíduos domésti-
Polímero versátil O PET foi desenvolvido em 1941 por dois químicos ingleses, Rex Whinfield e Dickson, do Laboratório IO, que iniciou a produção de fibras a partir de 1950 na Inglaterra. Na mesma época, a produção nos Estados Unidos começava com a Du Pont, mas as garrafas produzidas com esse polímero derivado do petróleo só começaram a ser fabricadas na década de 1970. A reciclagem começou dez anos depois, quando os Estados Unidos e o Canadá iniciaram a coleta das garrafas, que se transformavam em enchimento de almofadas. A qualidade do PET foi melhorando e, com isso, novas aplicações surgiram,
70 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
como tecidos e garrafas para produtos não-alimentícios. Apenas na década de 1990, o governo norte-americano liberou o uso do material reciclado em embalagens de alimentos. No Brasil, o polímero começou a ser utilizado em 1988, inicialmente na indústria têxtil. Somente em 1993 começou a ser usado no mercado de embalagens de forma significativa, principalmente em refrigerantes. Os números de 2003 traduzem bem esse quadro. Das 330 mil toneladas produzidas naquele ano, 227 mil tiveram como destino a indústria de refrigerantes, 65 mil a de água mineral e 38 mil a de óleo comestível. A reciclagem do
PET, além de tirar o lixo plástico dos aterros, utiliza apenas 0,3% da energia total necessária para a produção da resina virgem. Além disso, o Pet tem a vantagem de poder ser reciclado várias vezes, para a fabricação de diferentes produtos de alta qualidade. As fibras são usadas para enchimento de colchões e travesseiros, confecção de edredons e mantas, tecidos e malhas, e os filamentos para a fabricação de cordas, cerdas de vassouras e escovas. Parte dessa resina é utilizada como matéria-prima também na indústria de tintas, tubos hidráulicos, peças injetadas, filmes para termoformagem, entre outras aplicações.
Grânulos descontaminados com nova técnica: de volta para a garrafa
cos e industriais. "Todos os materiais de embalagem teriam melhores índices de reciclagem se a coleta seletiva fosse obrigatória", diz Contesini. Hoje a maioria das embalagens sai das mãos dos consumidores diretamente para o lixo doméstico, sem prévia separação. Pesquisa feita em 2004 pelo Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), uma associação mantida por empresas privadas de diversos setores, indica que os programas oficiais de coleta seletiva, em funcionamento em 237 cidades do país, concentradas nas regiões Sudeste e Sul, recuperam cerca de mil toneladas por ano. Isso é muito pouco. "De modo geral, grande parte dos municípios não tem nenhum sistema de coleta de lixo, quanto mais seletiva", diz Contesini. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 30% dos mais de 5 mil municípios brasileiros não têm esse serviço de recolhimento de lixo. O sistema de coleta seletiva que tem como destino a reciclagem é feito ainda principalmente pelos catadores, pessoas que de modo informal coletam material reciclável como meio de sobrevivência. Depois de entregue às cooperativas, é encaminhado para a indústria recicladora. O processo de reciclagem de frascos PET descartados começa com a separação das embalagens por cor. Em seguida elas são prensadas, moídas em
flocos e, depois de passar por uma máquina de extrusão, transformadas em grânulos, também chamados de pellets. Quando os flocos estão limpos, é aplicado o processo de descontaminação desenvolvido na UFSCar. Circuito fechado - O mesmo projeto contemplou ainda outro aspecto relacionado à recuperação das propriedades físicas do PET reciclado e resultou em mais um pedido de patente. No processo de reciclagem mecânica das garrafas, que envolve lavagem, cristalização, secagem e granulação, por conta OS PROJETOS í. Estudos em reciclagem de PET pós-consumo para aplicações em embalagens alimentos 2. Processo de descontaminação e aumento de massa molar de PET reciclado MODALIDADES
i. Linha Regular de Auxílio à Pesquisa 2. Programa de Apoio à Propriedade Intelectual COORDENADORA SATI MANRICH-
UFSCar
INVESTIMENTO i. R$ 43-318,00 (FAPESP) 2. R$ 6.000,00 (FAPESP)
do aquecimento o material perde algumas características físicas, dentre elas a relacionada à massa molar - ou tamanho das moléculas -, o que impede sua utilização em alguns tipos de produtos que exigem resistência, como uma nova garrafa. "Quanto maior a massa molar, maior a resistência mecânica, química e térmica do material", diz Sati. No processo desenvolvido na universidade, a recuperação da massa molar é feita em uma única etapa de cristalização, secagem e polimerização no estado sólido do PET na forma de flocos, dispensando uma etapa adicional de granulação, necessária para a produção de novas garrafas. Por esse método, os flocos são submetidos a uma reação de polimerização no estado sólido, na qual um fluxo de gás inerte como o nitrogênio ou vácuo é aplicado a uma temperatura abaixo do ponto de fusão do polímero. As principais vantagens do novo processo é que o tempo de recuperação de massa molar é reduzido e ele é feito em um equipamento compacto, usando um fluxo de gás inerte que pode ser reutilizado sem nenhum tratamento, uma vez que o circuito é fechado. Como é um processo econômico e que não exige muito investimento, é recomendado para micros e pequenas empresas. Já os processos utilizados atualmente pelas grandes indústrias necessitam de uma grande quantidade de gás, que precisa passar por um tratamento de purificação em outros equipamentos antes de ser reutilizado. O processo de recuperação de massa molar deve ser realizado logo após a descontaminação do PET, já que as duas etapas são feitas no mesmo equipamento. Terminado esse processo, os flocos passam por uma máquina extrusora, onde são produzidos grânulos apropriados para moldar garrafas ou fios de reforço de pneus. O sistema compacto pode ser usado por empresas ligadas à reciclagem de PET, fabricantes de fios têxteis e embalagens. Por enquanto ainda não apareceram interessados. Mas o crescimento do setor de reciclagem no Brasil mostra que investir tanto na descontaminação da resina plástica como na recuperação das suas propriedades físicas podem ser alternativas viáveis para os pequenos empresários e também para livrar dos aterros sanitários as garrafas plásticas. • PESQUISA FAPESP 112 ■ JUNHO DE 2005 • 71
I TECNOLOGIA
RESTAURAÇÃO
Luzes sobre o passado Sofisticadas técnicas de análise revelam escritos de papiros e documentos deteriorados
Imagens em ultravioleta ou infravermelho jogam luz sobre trechos ininteligíveis de papiros egípcios de mais de 2 mil anos e trazem à tona obras perdidas de grandes autores clássicos, como Sófocles, Eurípedes e Hesíodo. Raios X permitem conhecer melhor as teorias matemáticas de Arquimedes contidas em cópias obscuras e de difícil compreensão, feitas no século 10, de partes de seus escritos originais. Análises químicas e de espectroscopia revelam a composição dos pigmentos usados no século 15 por Johannes Gutenberg para ilustrar o primeiro livro feito com tipos móveis, a Bíblia. Como se vê, as mais variadas tecnologias estão hoje a serviço do estudo de textos antigos, preenchendo lacunas de informação até então inacessíveis aos mais argutos exegetas. Na Universidade de Oxford, pesquisadores britânicos usam um método criado pela Nasa para uso em seus satélites na visualização de planetas e objetos celestes, o imageamento multiespectral, como aliado no trabalho de estudo dos textos do projeto Oxyrhynchus. Trata-se de uma coleção de 400 mil fragmentos de manuscritos redigidos por autores clássicos da Grécia e Roma encontrados no final do século 19 nos despojos da antiga cidade egípcia de Oxyrhynchus. Os papiros, que, segundo alguns estudiosos, podem ampliar em 20% a quantidade de textos clássicos, ficaram muito tempo em contato com o solo, em meio a lixos de toda espécie, em especial o vidro, e se tornaram escuros e ilegíveis em alguns trechos. Perdeu-se o contraste entre o pigmento usado na escrita e o fundo dos papiros, que se enegreceu demais. O imageamento multiespectral consiste em produzir uma sucessão de imagens em diferentes comprimentos de onda do objeto em estudo. Dessa forma, uma das imagens, ou a justaposição 72 • JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
C«trtA«t£*jef ffhb«$itGtlvqíiçua»<6._.. ipto nrduittauniuQuitffl* ra.ítrta Etuttttimntnanntr _ n tniriirt ttani Tuo íJaí abiSt | tt Spinnie mi; Frrraamt uifitr aquaG. I iManp tmi9.|iat iu)r.£r£adaritir. I Cr mtjti htmtiucuiq>rfTrrtionj:n I tmiifir liirrraiirmifcno-iiiprlliiiiin!; I Uirtrabimifi mutuo iiQrtrni.fjdü Iqjr9irrf{imina!ittj!tsi]iuie.f;tíir ; I qtitmiDtuo. fimfinnammriimtnr ' I Dia aquaru: rt DmiEataquao aüa 1 quiQ.frírtirDruflfiímamtt«ü:Diiii < rirtr; amiao qut tratir fub firmaram - roabbrjequf rrant fiiprrnrraarmuI rurari tBÉum d> ira. (jorauirq; tnm I famanam atu: í fadum tft urfpm Inrannt toro rmiiiDim.fcmt oro Dt I uB.íongagnmir aqnrqur fuU «Io I fum in iuram onü cr agarrar flnjjj. I ir farto!» rftira.íiuaraiiitnnroan I Daiiintrdin:ro{|TOrariQnffq;aquí!il I au»rt!aiiit mana. írmDn Ódio rprf ICrrbnml-rrinr.ímuin(rrnrabrttj,i I mmrmti rr ranrnrt.u Cmim: n Ít{Rní 1 poinüoü fatimo frurrum mita gtaur I fuú: niiiiefrmriinifrinrnpo üifuprt tam. ír fartura rft tra. tfr jJtoruhr ra nrrbain uimimn rr faomirm fr it me-íi tptbis ruú:honüq4 Eatime tú rt hsbfa uiiüqSqi fctnmrt fcQni ; fyfúifu.i L: utbu Drua q> ttTntoitá: " tuâ.fft :G t orTprtrrr mant Ciro rrttnie. IvbMIi . vaãi Bruo. fiflüt luntmana Ifiímtrjai n aniianitro rHi ■ i aiuiDát Birni ar i nonourttmfir^iaitrptnra-Tinra-t I oniios: miurrát ui ftnuairttrs nu rr ' ifomim&mtàíirarrútftita.fíortn nnio Duo Imuí iitia ma mia:liimínrr mata» ut pttTn um ti turaiart mm" . iKptffrtnairnMaoiínriiirMam " Tonfiutturrmufupmw:Er
■ (jrffmt binar iiottí:ibniibroriumii a t rmrtrtao. fr mbu tt? q> rtltt tDiiú: rrrartü f uríjmr tr manr mn quan?. fíiiir mam Dnm. proOitraut aqur trpolr aiumr uturrmB rr uoiãntf fug itttam: fub urtiiarraro rdi.£namtqi OruQKi£m-.intJia-rromiiíaiim!ãui imimii mf. uimaijilrm quâ nra&utc • rant aqur 111 Epcnra &JUB:I onmr u D ■ laalí fmmiJíi çraue fuii, íi oibtt üt< us tp tfftr bonu: bftufttBtrç n OinnB. Citfntr n nmltiiiliídivmii-rt rrjilrtt a quão mano: auffrj- mulnpiinnrur luprt mtam.tr fadü! ürfpni raaur CvroqiiíruQ. í)miqtioqi6rtia.pnj biitat rma anima oiurarnu in miirrrrtioriiinimraitTpnlia-íbtmaflrrt, n &cuuoürpnrofuaB.íflrríJÍita.ft frnr Drue brtn ,ie mrt uitra [prata fii* a8:himmta i omnt rtpalf ttnrin gt' utttftio.ÉroiJjitDfifoqtríFrrboiul: rt fiit. fanam^rjJnHni ao Piuar^nt i fiftnitUnt noftrã-i ptir pirnbB.man»i uolfln!ib>rrlM hfliiB oniíiltrp rmt: míiiqi ripnli rtü moutf í tnta. Jft rrra^ uir CruBtiQHiint aDnnafjmtftfirat' liiuQiiif Giam: ao niiatpurm fn aca> lunllfiimafrulütrfrtimtãtrtauirroG. fHiiraioiT): lilio Drue - rr nir. trcfarr rt nmlnptiranimi t irplrrt irttaiu ■ rt fubrorr ram:i Dmtmiaimnt prfnuue tUiinfi-'u30ÍLinÍilHiriCrii:-ii)miirtfm ariiraãtibuo qm ramirmurruptttrã. £>itirtp íiruB. Ccrr Drai uabm omnr brrtmm jnnnimii fnuni Tua taramnrmiÚfdiEtjtiaqitftabR ífníirnpis frmttfrjniraeruiiuiutiruoüiBÍritiirúrriaatanribiiorrnTamiqtualura rtli') umurtfio q rnoutrar m mtii-tt i quihiotainma mure: Lu bateír ao urftmbti. ir tartti rft ita, VtDstp 0U8 runrlütnjrriaiqtirrftíitoaJtjrbona.
Bíblia de Gutenberg: origem das cores determinada
de algumas delas, pode fazer saltar aos olhos trechos até então invisíveis do material analisado. "Em geral não há um comprimento de onda mágico, que faça todos os escritos antigos aparecerem", diz o engenheiro Gregory Bearman, do Jet Propulsion Lab, da Nasa, que no início dos anos 1990 teve a idéia de empregar a técnica em estudos de arqueologia. "Tudo depende do estado do documento e do que aconteceu com ele ao longo do tempo." Trechos dos "Manuscritos do Mar Morto", um conjunto de 850 textos de cerca de 2 mil anos encontrados em cavernas de Israel entre 1947 e 1956, foram os primeiros textos antigos em que o imageamento multiespectral foi empregado com sucesso. Em seguida, o método foi testado em textos de Pompéia que foram soterrados e chamuscados pela erupção do vulcão Vesúvio em 79 d.C. Material carbonizado, como o de Pompéia, e escritos não-carbonizados, como os do projeto Oxyrhynchus, costumam revelar detalhes ocultos quando
a última agressão sofrida pelos documentos, já no século 20, quando escritos modernos foram acrescentados ao topo de algumas páginas, ocultando partes dos textos antigos. A geração de imagens por raios X superou esse derradeiro obstáculo. Isso porque a exposição à radiação ressaltou os pigmentos ferrosos dos manuscritos originais em detrimento da tinta moderna usada para alterar os pergaminhos, segundo reportagem de meados de abril do serviço noticioso da revista Nature. Por falar em tintas, um grupo de pesquisadores europeus e norte-americanos determinou pela primeira vez os principais tipos de pigmento usados para desenhar as figuras que adornam sete das chamadas Bíblias de Gutenberg, publicadas no século 15. Além de recorrer a análises químicas, eles usaram em seu trabalho de detetive a espectroscopia Raman, um método não-invasivo no qual um laser iluminou as páginas do livro Papiro de Oxyrhynchus: passado desvendado e um sensor especial leu o com imagens em ultravioleta e infravermelho padrão de luz gerado. A origem de sete cores foi determinada com precisão e de submetidos a diferentes comprimentos de onda. duas de forma aproximada. Segundo Dirk Obbink, especialista em papiros O vermelho-claro deriva do cinabre (minério e literatura grega de Oxford, alguns trechos dos do mercúrio). O amarelo vem de compostos com documentos resgatados na antiga cidade do Egichumbo e estanho. O preto se origina do carboto tornaram-se legíveis depois de terem sido geno e o branco, do carbonato de cálcio. O azul deradas imagens em ultravioleta. Em outros, o incorre do emprego de azurita, um tipo de carbofravermelho obteve melhores resultados. nato de cobre. O verde-oliva, da malaquita, outro carbonato de cobre. O verde-escuro, do etanoa0 xis da questão - Para decifrar uma transcrição to de cobre (verdete). De origem incerta, os tons da Idade Média dos trabalhos originais de Arquidourados parecem vir do próprio ouro e os vermedes (287 a.C-212 a.C), trechos inéditos da obra melhos de pigmentos extraídos de plantas ou inseMétodo dos teoremas mecânicos, que foram alvo tos. "O estudo das tintas representa um primeiro de diferentes tipos de danos e adulterações ao e importante passo de uma estratégia apropriada longo do último milênio, físicos da universidade de conservação e preservação de antigas obras norte-americana de Stanford, na Califórnia, conde arte", afirma um dos autores do estudo, Gretaram com o auxílio de imagens geradas pelos gory D. Smith, do Buffalo State College, nos Estaraios X. Grande parte das alterações indevidas sodos Unidos. Divulgado para o grande público em fridas pelos pergaminhos, como a sua raspagem e abril, o estudo completo dos pigmentos das Bíreuso como suporte para o texto de um livro reliblias gutenberguianas será publicado na edição gioso no século 13, já havia sido superada com a de Io de junho da revista norte-americana Analyadoção de outras técnicas. Mas faltava contornar tical Chemistry. . PESQUISA FAPESP112 • JUNHO DE 2005 ■ 73
No Ipen, interior da célula a combustível de oxido sólido: alta temperatura
TECNOLOGIA
Combustível na cerâmica Pesquisadores do Ipen desenvolvem equipamento transformador de hidrogênio em eletricidade Ol.lVIÜRA
conhecimento sobre as técnicas de produzir energia elétrica por meio do hidrogênio avança em todo o mundo. No Brasil, o último resultado nessa área aconteceu no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), onde um grupo de pesquisadores conseguiu montar um protótipo de um novo tipo de célula a combustível no país. Eles produziram um condutor de eletricidade chamado elctrólito - uma peça fundamental para esses equipamentos que transformam hidrogênio e oxigênio em energia elétrica - a partir de material cerâmico composto de oxido de zircônio e oxido de ítrio, duas matérias-primas encontradas em abundância em jazidas minerais brasileiras. O oxido de zircônio é extraído do mineral badeleíta e o de ítrio da areia monazítica. Os dois materiais purificados são produzidos no próprio Ipen. A cerâmica é uma opção ao tipo de célula mais difundida atualmente, que é a formada por eletró-
litos feitos de polímero e chamada de PEM fda sigla em inglês Proton Exchange Membrane ou Membrana de Troca de Prótons), já desenvolvida também no Ipen e produzida de forma experimental por duas empresas brasileiras, a Electrocell e a UniTech (veja Pesquisa FAPESP n"s. 92 e 103). "Os eletrólitos de polímero precisam ser importados enquanto o que usamos pode ser sintetizado totalmente no Brasil", diz o físico Reginaldo Muccillo, coordenador da pesquisa no Ipen. Ele e seu grupo fazem parte do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMQ, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CepidJ da EAPESP, que tem a coordenação do professor Elson Eongo, da Universidade Eederal de São Carlos (UESCarj. Chamadas de células a combustível de oxido sólido, ou Sofc (da sigla em inglês de Solid Oxide Euel Cell), elas se diferenciam das células PEM, principalmente, na forma de operação. As PEM trabalham com temperaturas ao redor dos 100°C, enquanto as de cerâmica, como essa do Ipen, trabalham de 800 a 1.000°C. Essa característica elimiPESQUISA FAPESP 112 ■ JUNHO DE 2005
na a possibilidade de fornecer energia para movimentar automóveis e outros tipos de veículo, uma função que a indústria automobilística reserva para a célula PEM. Mas as altas temperaturas proporcionam às células de oxido sólido a capacidade de co-geração de eletricidade e calor para movimentar turbinas industriais, sistemas de calefação e para esquentar, por exemplo, caldeiras industriais e caseiras, os boilers, que levam água quente ao chuveiro e às torneiras. Além desse atributo, a energia gerada cumpre as funções normais de uma célula a combustível, como fazer funcionar aparelhos eletrônicos e acender lâmpadas.
s células de oxido sólido podem ser construídas para altas potências, no âmbito dos megawatts, inclusive para ajustar o desnível provocado por grandes indústrias nas horas de pico de demanda de energia elétrica, impedindo a variação brusca que acontece principalmente no final da tarde, quando o uso é maior. A própria indústria automobilística estuda a utilização desse tipo de célula para ocupar o lugar das baterias e para suprir de energia os equipamentos de ar-condicionado. "As células a combustível funcionam como uma bateria, mas a diferença é que as células não param de funcionar enquanto existir o suprimento de combustível", explica Muccillo. "Nós conseguimos chegar ao funcionamento da célula na vigésima segunda tentativa. Houve uma euforia dos pesquisadores que estavam testando o equipamento", lembra Mucillo. O trabalho foi realizado entre novembro de 2004 e março de 2005, embora o pesquisador trabalhe na área de eletrocerâmicas para sensores e células a combustível desde 1992. A pesquisa que resultou na composição cerâmica para a célula a combustível começou com um projeto temático da FAPESP e com financiamento dos Centros de Pesquisa, Inova76 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
No forno, preparo de eletrólitos de cerâmica em forma de pastilhas
ção e Difusão (Cepid), além de projetos recentes dos fundos setoriais de energia (CTEnerg) e do petróleo (CTPetro). "O projeto temático serviu para avançarmos no conhecimento básico sobre os fenômenos intergranulares das cerâmicas e o Cepid nos trouxe a perspectiva de inovação. No final conseguimos produzir um material igual ou superior aos usados em células de oxido sólido no exterior", diz Muccillo. Eles prepararam todos os componentes no próprio Ipen em prensas e fornos que funcionam em altas temperaturas e analisaram a microestrutura e o comportamento elétrico dos materiais. Também produziram duas peças essenciais que são semelhantes às placas que servem de lados positivo e negativo nas baterias e pilhas comuns. Essas placas, que levam o nome de anodo e catodo e também são produzidas com cerâmica, formam um sanduíche com o eletrólito no meio. Nas células de oxido sólido, esse conjunto é redondo, e não retangular como na PEM. Para os testes eletroquímicos que determinam a potência da nova célula, Muccillo convidou pesquisadores do
Departamento de Materiais do Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento (Lactec), do Paraná, grupo que também é parceiro em projetos do CTEnerg e CTPetro. Eles mediram a potência da célula e concluíram que ela possui 20 miliwatts. Esse valor é o de uma única célula e pode ser aumentado em muitas vezes com modificações no projeto, que já está em curso. Para chegar à necessidade de 5 quilowatts de uma casa de classe média será preciso fazer vários outros dispositivos iguais e juntá-los de forma que atinjam tal potência. "As próximas etapas vão servir para aprimorar a montagem da célula e dominar a tecnologia de sua fabricação", diz Muccillo Evolução dos materiais - Esse tipo de equipamento já havia sido projetado e montado nos Estados Unidos há 30 anos. "O problema é que era muito caro e não chegou a ser comercializado." Recentemente, com a evolução dos materiais, a empresa alemã Siemens voltou a pensar nas células a combustível de oxido sólido junto com outros centros de pesquisa no mundo. Um exemplo
Célula redonda: o eletrólito é a camada branca, entre o catodo {cinza) e o anodo (verde)
OS PROJETOS Estudo de fenômenos intergranulares em óxidos cerâmicos MODALIDADE Projeto Temático COORDENADOR REGINALDO MUCCILLO
- Ipen
INVESTIMENTO R$ 328.610,97 e US$ 217.952,29 (FAPESP) Cerâmicas para células a combustível Sofc MODALIDADE Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) COORDENADOR - Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos ELSON LONGO
INVESTIMENTO R$ 1.200.000,00 anual para todo o Cepid
do crescimento do interesse na pesquisa e no desenvolvimento desse equipamento foi demonstrado no IX Simpósio Internacional de Sofc realizado entre 15 e 20 de maio, em Quebec, no Canadá. Cerca de 400 pessoas participaram de cem palestras e na apresentação de centenas de trabalhos de pesquisadores de empresas, universidades e centros de pesquisa, sob o patrocínio da Sociedade de Eletroquímica, dos Estados Unidos, e da Sociedade Sofc do Japão. Muccillo e seu grupo do Centro de Ciência e Tecnologia de Materiais (CCTM) do Ipen estiveram presentes apresentando projetos realizados no instituto, além de outro trabalho em parceria com pesquisadores da Universidade de Roma, na Itália, que desenvolveram uma técnica química de síntese de materiais cerâmicos para catodo de Sofc. "Eles desenvolvem os componentes e nos enviam para testarmos aqui. Mas nós não usamos esse material na célula do Ipen ainda." Caminho do oxigênio - Uma das vantagens do novo eletrólito cerâmico desenvolvido pelos pesquisadores do Ipen
é sua capacidade de suportar altas temperaturas durante longo tempo sem perder as propriedades. É um material que precisa ter uma interação direta com o oxigênio (Oz) aplicado sobre ele porque é na superfície dessa cerâmica que a molécula do gás se quebra. "O oxido de zircônio deixa passar o íon (02-) impedindo a passagem da totalidade do gás." Os elétrons, de carga negativa, existentes no catodo geram eletricidade junto com os elétrons do hidrogênio injetado e quebrado no lado anodo. Os prótons (H+), de carga positiva, que sobram no anodo recebem os íons do oxigênio que atravessam o eletrólito, para formar água (H20). A água é produzida porque os íons do oxigênio, quando atravessam a cerâmica condutora, no interior da célula, encontram o hidrogênio do outro lado. Esse caminho que leva a essas reações acontece de forma inversa nas células PEM. No caso da membrana polimérica são os prótons de hidrogênio que atravessam a membrana para o outro lado no encontro do oxigênio e a conseqüente formação de água. A célula de oxido sólido, da mesma forma que outros tipos, também pode retirar o hidrogênio de combustíveis como metanol e gás natural, num processo chamado de reforma. O hidrogênio, normalmente, é obtido por hidrólise da água, um processo ainda caro. "A reforma é uma de nossas preocupações. Queremos utilizar um reformador de etanol (o álcool que no Brasil é extraído da cana-de-açúcar). A alta temperatura facilita o uso desse processo, que pode ser acionado pelo próprio calor gerado na célula." Os pesquisadores do Ipen não patentearam a célula de oxido sólido. "Esses materiais que usamos para sintetizar a cerâmica estão disponíveis no mercado. O que nos interessa é adquirir competência em desenvolver esse tipo de célula." A síntese das cerâmicas já rendeu três teses de doutorado, cinco dissertações de mestrado e mais de 20 trabalhos publicados em revistas científicas nos últimos anos. "Nosso objetivo agora é tornar essa célula competitiva e mais potente, melhorar o desenvolvimento no laboratório. Se uma indústria nacional quiser desenvolver a nossa célula não vai ter que pagar royalties para fora nem importar eletrólitos." • PESQUISA FAPESP 112 -JUNHO DE 2005 -77
I TECNOLOGIA ENGENHARIA MECÂNICA
Programa escolar Software ensina alunos a planejar a fabricação de peças industriais
m um passado não tão distante fabricar uma peça metálica dependia dos conhecimentos e da precisão do operador. Hoje máquinas como tornos e fresadoras, que moldam desde um parafuso a uma roda de liga de alumínio, possuem acoplado a elas um equipamento eletrônico chamado de CNC, sigla de controle numérico computadorizado. O CNC recebe informações de como a máquina vai realizar uma operação e faz o repasse ao sistema por meio de sinais elétricos, responsáveis pelo acionamento dos motores. Dessa forma a máquina realiza todos os movimentos para a produção de uma peça desejada, na seqüência programada e sem a intervenção do operador. Um processo que precisa ser entendido por todo aluno de curso profissionalizante na área de mecânica e por futuros engenheiros. Com o objetivo de facilitar esse aprendizado, um aluno e um professor do Departamento de Mecatrônica e Sistemas Mecânicos da Escola 78 • JUNHO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 112
Politécnica da Universidade de São Paulo (PoliUSP) desenvolveram um software batizado de CNC Programmer, que simula um ambiente industrial e atua como se fosse efetivamente um planejador, analisando todos os parâmetros envolvidos na tarefa proposta. "O software ajuda a entender a execução do processo, porque ele programa o tempo de fabricação da peça e simula todos os desdobramentos necessários para executar a produção de uma peça", diz o professor Marco Stipkovic Filho, coordenador do projeto na empresa Adiante Informática, formada por ele e pelo ex-aluno Sérgio Luís Rabelo de Almeida, que hoje dá aulas na Universidade Mackenzie e no Instituto Mauá de Tecnologia. Com financiamento do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP, o software está pronto e já foi vendido para o Serviço Nacional da Indústria (Senai), que o instalou em 14 unidades espalhadas pelo Brasil. Também a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) adquiriu o programa para o curso de engenharia mecânica.
Torno produz peça cilíndrica sob o comando do CNC Programmer
A linguagem CNC baseia-se em sentenças alfanuméricas que podem ser programadas pelo aluno ou importadas de programas já existentes. Tudo em português, para facilitar o aprendizado. O PROJETO Desenvolvimento de ferramentas computacionais para ensino e aprendizagem de processos de usinagem a CNC MODALIDADE
Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADOR MARCO STIPKOVIC FILHO
- USP/Adiante
Informática INVESTIMENTO R$ 26.520,00 e US$ 15.039,00
(FAPESP)
Se um parâmetro for digitado incorretamente, o erro é apontado com uma mensagem de alerta. "Os recursos foram implementados para que o aluno possa efetivamente aprender", diz Almeida. Proteção e orçamento - O CNC Programmer foi desenvolvido com arquitetura aberta, o que permite modificações no seu uso, sob a supervisão da empresa, conforme a máquina e a necessidade do cliente. Para proteger o programa de cópias piratas, uma pequena peça foi desenvolvida pelos pesquisadores para ser colocada na parte de trás do computador. O sistema só funciona se tiver essa peça, que faz parte do pacote do software. Entre as funções do programa estão selecionar as ferramentas adequadas, estabelecer as condições de usinagem, além de calcular quanto a máquina consome de energia elétrica para fabricar as peças. As ferramentas e as máquinas
são escolhidas de acordo com a geometria das peças. As cilíndricas são trabalhadas em tornos. Já as prismáticas - em formato de prismas retangulares - são feitas em fresadoras. Além disso, o software escolhe a máquina que tem a potência adequada para executar a tarefa programada, simula o tempo de fabricação e gera o orçamento com precisão, sem necessidade de fazer uma peça piloto. "O software possibilita ver as peças em formato tridimensional, permitindo ao aluno olhá-las por vários ângulos antes de ser fabricada", diz Stipkovic. Os outros softwares existentes no mercado destinam-se apenas a profissionais que já trabalham na produção industrial. "A maioria é em inglês e tem preços proibitivos para as escolas", diz Almeida. O CNC Programmer, vendido a R$ 2.000,00, é compatível com as principais máquinas do mercado. • DlNORAH ERENO PESQUISA FAPESP 112 - JUNHO DE 2005 ■ 79
HUMANIDADES ECONOMIA
A moeda autoritária Projeto discute a delicada relação entre a autoridade do Banco Central e a política CARLOS HAAG
Os políticos devem suspirar, nostálgicos, pelos tempos em que, como dizia Washington Luiz, "governar é construir estradas". "Uma das rupturas de época mais significativas na América Latina diz respeito aos novos critérios de legitimação, pelos quais categorias 'econômicas' foram convertidas em valores sociais e em critérios de desempenho político por meio dos quais a sociedade julga seus governantes", analisa a cientista política Lourdes Sola. "Objetivos antes percebidos como 'econômicos', tais como estabilidade e disciplina monetária, tornaram-se inteligíveis para a população e para os formadores de opinião, passando a fazer parte de suas aspirações e expectativas, a ponto de adquirir o estatuto de 'bens públicos'", observa a pesquisadora, coordenadora do Projeto Temático Construção da autoridade monetária e democracia: a experiência brasileira no contexto da integração econômica em escala global, realizado com apoio da FAPESP. Hoje, nota a professora, da capacidade de se obter uma hipoteca para uma nova casa até a taxa geral de inflação da economia, tudo é, de alguma forma, determinado pela política monetária e financeira do governo. "Logo, é preciso um foco mais amplo, que aborde a autoridade monetária como modalidade específica de autoridade política." Lourdes nota que, com a democratização, a estabilidade macroeconômica passou a funcionar como ativo eleitoral importante, já que a massa 80 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
do eleitorado estava cansada das antigas políticas econômicas baseadas em choques e num crescimento movido à hiperinflação. "Daí decorre um desafio para os governos das novas democracias: eles dependem, em grande parte, do acesso aos mercados internacionais de capital para manter a estabilidade econômica; a qual, por sua vez, é necessária para responder a outras demandas que o eleitorado de massa associa à democracia, ou seja, desenvolvimento econômico e maior bemestar material." Credibilidade - Um dilema político mais do que hamletiano, pois significa agradar ao mesmo tempo os interesses, no geral díspares, de investidores estrangeiros e do eleitorado interno. "O acesso aos capitais internacionais está condicionado à obtenção de credibilidade financeira, cuja conquista passa pela desregulamentação dos mercados domésticos e pelo livre fluxo de capitais como principais mecanismos de ajustamento." Essa forma de integração, no entanto, leva a uma crescente exposição a choques exógenos. "Isso ocorre num contexto de democratização que introduziu na cena política um eleitorado de massa que se caracteriza pela baixa tolerância à instabilidade e às trajetórias recessivas da economia, provocadas pelo alto grau de exposição a 'choques externos'", avalia. "Tudo ficou evidente na última eleição, quando, do lado da classe política, uma vez constatado que o grosso da população era favorável à estabilidade, os candidatos de oposição a reivindicaram como um valor, ou seja, se
/JSÊkv
r1
YOf
i .
1 *<L
ÍIL
apresentaram como parcialmente continuístas. O PT e Lula, aliás, mais do que qualquer outro, como se lê na 'Carta aos brasileiros'", lembra a autora. Daí, se a reestruturação da autoridade monetária está no topo da lista das reformas institucionais, no cume dessa nova estrutura está a delicada questão da autonomia do Banco Central (BC). Louco - "A consolidação de um novo desenho institucional, com a autonomia do BC, ainda depende de maior aprofundamento das discussões e de seu entendimento pela sociedade", afirma o ministro da Fazenda, Antônio Palocci. "Se em algum momento eu entender que a autonomia do BC poderá baixar os juros, serei louco se não o fizer" afirmou o presidente Lula em sua primeira coletiva. "No entanto, o que parecia provável, o projeto de autonomia funcional do BC em 2003, frustrou-se, embora se tratasse de uma decisão em via de ser concretizada, pois, naquele ano, foi viabilizada a reforma constitucional (o artigo 192, da Constituição de 1988, que redefinia as atribuições e a estrutura da instituição), um passo adiante em direção à autonomia. Aprovada, aliás, no Congresso, no governo Lula, com apoio da oposição, do PT e da base aliada." A grande disponibilidade de recursos no mercado financeiro internacional, a chamada liquidez, deu ao governo brasileiro a oportunidade de adiar o projeto de autonomia. Muito dinheiro em oferta diminuiu a preocupação com o risco e isso fez baixar a pressão internacional pela reestruturação do BC. "Mas, cedo ou tarde, o mercado vai ficar menos ativo e a pressão retornará, trazendo de volta o projeto, um estímulo importante para recuperar a confiança dos mercados", avalia a pesquisadora. Na base de tudo está o medo constante dos investidores estrangeiros nas mudanças ocorridas no calor das disputas eleitorais, que fazem do Brasil um mar de incertezas, palavra odiada pelo mercado financeiro. Daí o desejo de um BC "livre de pressões políticas". 82 • JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
as livre de quem? O próprio presidente Lula, em entrevista, declarou que, em seu governo, o BC já tinha autonomia, incluindo-se aí um presidente "blindado" com o status de ministro de Estado. "É uma autonomia de fato, mas parcial", diz a autora. O preço da liberdade é a eterna vigilância: o chavão da Guerra Fria também se poderia aplicar ao projeto do BC: quem será o guardião do guardião? "As questões a serem discutidas são a natureza e os limites da autonomia, bem como os procedimentos pelos quais devem ser fixadas as metas de inflação, cabendo ao Executivo/Congresso fixá-las e cabendo a um BC dotado de autonomia ope-
racional cumpri-las", avalia. "Um segundo aspecto é trazer para o debate público o desenho institucional de um BC autônomo, respeitadas as características do contexto brasileiro. A ilusão dos que defendem o modelo ortodoxo (antidemocrático a meu ver) é pressupor que só existe um modelo de autonomia, quando, na verdade, apesar de serem autônomos, os BCs dos Estados Unidos, Japão, Alemanha e França são muito distintos", lembra a pesquisadora. Vale lembrar que o Banco da Inglaterra adquiriu sua autonomia em 1997, num governo do Partido Trabalhista. O Banco Central do Brasil foi criado em 31 de dezembro de 1964. Antes dele, a autoridade monetária era exercida pela Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), pelo Banco do Brasil e pelo Tesouro Nacional. "O BC nasce num regime autoritário e tem um caráter tardio em relação aos BCs dos demais países latino-americanos. Mais: a centralização dos instrumentos mo-
netários na instituição também se deu de forma atrasada. De 1965 a 1985, o BC compartilhou controles sobre a oferta monetária do país com o Banco do Brasil", observa Lourdes. Curiosamente, em 1964, havia intenções sérias de fazer da instituição um instrumento autônomo em relação à política, uma proposta que foi derrotada, três anos depois, na Presidência de Costa e Silva, por causa do expansionismo econômico do então ministro Delfim Netto. "A história da autoridade monetária no Brasil do pós-guerra, porém, tem menos a ver com a natureza do regime político do que com o compromisso prioritário com o crescimento acelerado e a industrialização substitutiva." Centralismo - Após anos de centralismo político, a Constituição de 1988, ressalta a autora, trouxe "a devolução dos poderes econômicos e decisórios às instâncias estaduais, antes da liberalização política na órbita federal, o que ajuda a
explicar as dificuldades enfrentadas pelo Executivo, mais tarde, sempre que se tratava de estabelecer uma autoridade coordenada e de implementar uma estratégia acordada que implicasse o apoio dos governadores". Os estados passaram a agir como forças centrífugas para a descentralização monetária, em especial ao usar seus bancos estaduais para emitir dinheiro (Banespa, Banerj, entre outros), uma espécie de rebelião contra a autoridade constitucional do BC. Além disso, com a inflação em alta, os grandes ganhadores eram os bancos, incluindo-se os bancos públicos: a cada ano, entre 1990 e 1993, o setor bancário gerava receita inflacionária na base de 4% do PIB, com os bancos públicos se apropriando de dois terços do total. O fim da hiperinflação, a partir de 1994, virou o jogo para o BC. "A capacidade da instituição para disciplinar os bancos estaduais deve ser vista como um processo gradativo que começa no princípio de 1980 e que foi imposto pe-
las crises sucessivas vividas por esses bancos." Mais uma vez o dilema era político: a conciliação entre realidade democrática descentralizada, o federalismo brasileiro e a necessidade de uma centralização monetária no BC, a fim de instaurar a desejada estabilidade econômica. "O modelo de federalismo adotado gradativamente ao longo do processo de democratização influenciou a ordem monetária ao gerar uma multiplicidade de centros de poder rivais do governo federal", diz a autora. "Assim, enquanto a autonomia estatutária do BC não estiver assegurada por um ato de delegação da classe política e, portanto, do Legislativo, a atual autonomia da instituição continua a depender do fíat do presidente, ou seja, de uma decisão política, e não de uma restrição institucional", avisa Lourdes. "Mas o Legislativo não parece interessado no assunto. A agenda é pobre e não inclui a autonomia do BC, porque não é um objetivo relevante em termos eleitorais." • PESQUISA FAPESP 112 -JUNHO DE 2005 -83
Tamanho é documento Pesquisa afirma que altas taxas de juro só beneficiam o sistema financeiro
Irritação, mau humor, tristeza, choro e ranger de dentes: todo mês a mesma coisa. É a reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC, anunciando mais um aumento da taxa Selic (taxa básica de juros), que define a remuneração dada pelo governo a quem compra títulos públicos. "O aumento dos juros é, à luz da experiência internacional e brasileira, a melhor maneira de combater a inflação, uma ameaça a ser enfrentada prioritariamente", afirma o presidente do BC, Henrique Meirelles. "O Brasil é um país com uma economia anômala: temos a maior taxa básica real de juros do mundo e o menor volume de crédito sobre o PIB do mundo. O que a política econômica está fazendo com este país há duas décadas é um crime", rebate o professor Alberto Borges Matias, da FEA-RP/USP, autor da pesquisa Estudo técnico sobre as taxas de juro vigentes no Brasil, em que, com base em dados empíricos, refuta as justificativas correntes para taxas altas: controlar a inflação, gerar estabilidade cambial, vender títulos públicos.
"A correlação estatística observada nos últimos 15 anos entre taxa de juros e inflação é praticamente zero. A inflação é, em grande parte, contratada, fruto dos contratos de privatização de serviços públicos que indexaram os reajustes ao IGPM. Aliás, quando se aumenta a taxa Selic, a inflação sobe junto, numa correlação positiva de 15%", explica. A relação entre juros e o dólar, após a liberação cambial, indica uma correlação insignificante, de -8%. Tampouco os índices elevados servem para evitar, segundo o pesquisador, a evasão de capital. "Nosso rating-país é elevado em grande parte por causa das altas taxas. Somos motivo de chacota velada internacional. Ninguém acredita que consigamos sobreviver com esses juros, que ao mesmo tempo inviabilizam o investimento industrial. A nossa indústria está sucateada e desnacionalizada", avisa Matias. Mas se engana quem acha que esse é um engano recente. "Os governos de há duas décadas, incluindo-se o atual, não sabem como sair da ratoeira armada pelos juros: a pressão política é forte, pois grandes industriais, empresas comerciais, par-
tidos políticos, exportadores e até bancos públicos federais são dependentes dos juros elevados", diz. Segundo Matias, o BC deu ao governo a maçã do "pecado" dos juros em 1994, no início do Plano Real. Antes, apesar da alta inflação, houve casos de juros negativos. O sistema financeiro nacional, ineficiente e com custos elevados de manutenção, se mantinha com os ganhos do chamado floating, os recursos provenientes de depósitos à vista de clientes, de cobranças e recursos de terceiros, que ficavam temporariamente nas instituições financeiras. Entre 1994 e 1995 os ganhos de floating caíram de R$ 9,3 bilhões para R$ 1 bilhão. Para Matias, em três anos após o início do Real, o sistema financeiro entraria em colapso. Para evitar a quebradeira, o governo reestruturou, afirma o autor, sua política monetária. "O Plano Real alterou a forma de financiamento do déficit público: em vez de financiá-lo via emissão de moeda, passou a fazê-lo pela emissão de dívida, ou melhor, de títulos públicos", explica o pesquisador, lá em 1995 o governo pôde devolver, na forma de juros altos, o
O PROJETO Construção da autoridade monetária e democracia MODALIDADE
Projeto Temático COORDENADORA
LOURDES SOLA/USP
INVESTIMENTO R$ 476.600,00
que os bancos haviam perdido com os ganhos de floating: exatos R$ 8 bilhões. "A política monetária centrada nas taxas elevadas de juro acabou se perpetuando, pois o bancos se tornaram importantes financiadores de campanhas eleitorais e, assim, interferem diretamente na política econômica", diz. A receita das instituições financeiras, desde 1994, triplicou por causa dos títulos da dívida. E sempre que a taxa Selic sobe esses títulos se valorizam mais. "Quase a metade da receita dos bancos vem atualmente de investimentos nesses títulos, o que mostra como, em parte, os juros são mantidos altos para que os bancos continuem vivos", assegura o pesquisador. O lucro "fácil" vicia: é muito mais atrativo para os bancos alocar recursos para títulos da dívida, com boa rentabilidade e baixo risco, do que direcioná-los para crédito ao setor privado. "O governo pagou cerca de R$ 40 bilhões de juros no ano passado. A manutenção dessa política monetária pode levar o país a um caos inflacionário", avisa Matias. O volume total de crédito do sistema financeiro nacional corresponde a apenas 24% do PIB (a
demanda é por 100%), enquanto na Alemanha ele é de 164%. Como romper essa delicada relação entre credor (bancos) e devedor (Tesouro)? O Estado está com os cofres tão comprometidos com a dívida interna, cada vez maior por culpa dos juros, que não lhe sobra dinheiro para investir mesmo nas áreas sociais. "Esse modelo vai conduzir os próprios bancos à insolvência de longo prazo, por não possuírem volume de crédito para operar e seus custos estruturais serem os maiores do mundo, o que torna a manutenção do modelo
arriscada e com tendência a criar dependência", observa o autor. Segundo Matias, é preciso que haja uma política expansionista do crédito, com a redução dos compulsórios (dinheiro que os bancos são obrigados a estocar no BC) do setor bancário, lenta e gradual, até porque não seria possível corrigir em curto prazo uma anomalia de duas décadas. "Com a expansão do crédito, os juros caem, os spreads (a diferença entre o que o banco paga ao aplicador para captar um recurso e o quanto o banco cobrará para emprestar esse mesmo dinheiro) caem, há um ajuste na rentabilidade bancária, o setor produtivo tem expansão por demanda interna, aumentam as importações, há uma desvalorização da moeda, crescem as exportações, aumenta o emprego e a renda melhora sua distribuição", explica. "O Brasil está amarrado nos juros." Mas há luz no fim do túnel. "Historicamente, os governos aumentam a Selic fora de período eleitoral e a diminuem em véspera de eleição. Podemos aguardar uma redução a partir do Natal", avisa. • CARLOS HAAG
"ÜBLICAFl
.NO
I HUMANIDADES
Esboço de decoração de varanda para a coroação de d. Pedro II (1840)
CULTURA
Odosbelo trópicos O esforço de Manuel Araújo Porto-Alegre para civilizar a nação com cultura RENATA SARAIVA
ü
intor, arquiteto, escultor, urbanista, pensador da cultura, dramaturgo, jornalista, crítico e historiador da arte. Cada uma das muitas facetas da intensa produção de Manuel de Araújo Porto_^H__ Alegre (1806-1879), figura central do Império brasileiro, já foi abordada em trabalhos específicos desenvolvidos por diferentes pesquisadores. Uma nova pesquisa pretende demonstrar como, por meio do levantamento da extensa documentação deixada por Porto-Alegre nessas áreas, é possível encontrar, nessa miríade de interesses, uma visão coesa da atuação desse artista romântico, que acreditava em um projeto civilizador para o Brasil por meio das artes, sobretudo das artes visuais. A tese, defendida por Letícia Squeff no Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, sai agora em livro, O Brasil nas letras de um pintor, da Editora da Unicamp (277 páginas, R$ 39,50), com auxílio-publicação da FAPESP. "Além de apresentar uma visão não segmentada sobre a produção de Porto-Alegre, eu quis mostrar justamente que, por ter atuado em tão diferentes áreas, ele conseguiu espraiar seu projeto de nação nesses campos", explica Letícia. Para dar conta da extensa atividade do artista, a pesquisadora trabalhou sobre documentos encontrados em importantes arquivos do Rio de Janeiro, como o Arquivo Histórico Nacional, os arquivos do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), o Arquivo D. João VI, da Escola Nacional de Belas Artes, e o Arquivo do Museu Imperial, de Petrópolis. Nesse último, encontrou alguns documentos pouco conhecidos, como o álbum de memórias que per-
Alegorias clássicas, parte da decoração de varanda para a coroação do imperador
tenceu à esposa de Porto-Alegre, dona Paulina Delamare Porto-Alegre, a baronesa de Santo Ângelo. Como era costume às senhoras das personalidades proeminentes do Império, a baronesa colecionou cartas, desenhos, pinturas e documentos que mostravam a importância de Porto-Alegre para a sociedade imperial desde o seu casamento (1838) até sua morte (1883). Entre os documentos, registros de exercícios de caligrafia do imperador e suas irmãs, versos de Gonçalves Dias e Gonçalves de Magalhães, cartas de Debret, d. João VI e outros. Membro da chamada primeira geração romântica, da qual fizeram parte também seus grandes amigos Sales Torres Homem e Domingos José Gonçalves Magalhães, Porto-Alegre apostava na cultura e na arte como formas de caracterizar o país que acabara de nascer com a independência, em 1822. Para ele, as atividades artísticas, assim como a cultura e a ilustração, produziriam efeitos fundamentais para a sociedade imperial, descolando-a de vez PESQUISAFAPESP112 -JUNHODE2005 -87
Paisagem ideal (1850), aquarela sobre papel
de um certo obscurantismo do passado colonial. "Não restam dúvidas de que esse era um projeto consciente, que Porto-Alegre quis colocar em prática em toda a sua produção literária e artística", comenta a pesquisadora. O trio romântico fundou importantes publicações que serviram de veículos para essas idéias, por meio de artigos científicos, filosóficos, históricos e sobre as artes. Foram os casos de Nitheroy: Revista Brasiliense de Ciências, Letras e Artes (1836), Minerva Brasiliense: Jornal de Ciências, Letras e Artes (1843-1845) e, finalmente, Guanabara: Revista Mensal Artística, Científica e Literária (1849-1856), que se tornou uma espécie de "diário oficial do Romantismo". Além da atividade jornalística, PortoAlegre produziu literatura e dramaturgia, tendo algumas de suas peças, como Os lavemos (1863), sido responsáveis por críticas ferinas à sociedade imperial. Nessa, por exemplo, abordava temas como o casamento por dinheiro, a cobiça pelo luxo e outros. O fato revela uma aparente contradição, pois, em diversos campos e momentos, Porto-Alegre exaltou o Império, tendo feito parte até de um grupo de áulicos em torno de 88 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
Pedro II - para este, entre outras coisas, projetou, como arquiteto e artista, a varanda e as roupas usadas pelo monarca durante a cerimônia de sagração do jovem imperador. "Essa é apenas uma das contradições que acompanharam a vida de Porto-Alegre", afirma Letícia. "Toda a geração dele viveu essas contradições, pois eles foram à Europa buscar referências culturais e tiveram de relacionar tudo isso com o que estava do outro lado do Atlântico: uma nação criada há pouco tempo, uma monarquia encravada nos trópicos." Contradições - A autora destaca a criatividade com que Araújo Porto-Alegre incorporou os valores europeus ao passado colonial brasileiro. "Ele foi o primeiro a indicar a importância dos escravos para a compreensão da cultura brasileira, expediente tão útil aos modernistas posteriormente", comenta. Outras contradições de Porto-Alegre foram o tom marcadamente realista de suas peças - sendo ele um romântico -, assim como o humor que emprestou a publicações como Lanterna Mágica: Periódico Plástico Filosófico (1845) consta que Porto-Alegre era um sujeito
sério, até sisudo. Discípulo de JeanBaptiste Debret, com quem viajou à Europa pela primeira vez em 1831, Porto-Alegre chegou ao Rio de Janeiro ainda no Primeiro Reinado, vindo da Província do Rio Grande do Sul. Formado na primeira turma da Academia Imperial de Belas Artes (Aiba) - que dirigiu anos mais tarde -, fixou-se no Império, como pintor, embora desde cedo tenha participado de reuniões que discutiam política e funcionavam também como verdadeiros saraus literários. Além da forte amizade, há indícios de que Porto-Alegre e Debret tenham desenvolvido uma relação de filiação, tendo o primeiro perdido o pai e, o segundo, o filho. "Em Paris, vendo as dificuldades financeiras de Porto-Alegre, Debret conseguiu fazer com que o jovem estudasse com seu irmão arquiteto gratuitamente", conta Letícia. Tendo retratado o imperador d. Pedro I em 1830, Porto-Alegre foi nomeado, em 1840, logo após a maioridade de d. Pedro II, pintor da Imperial Câmara. Nos movimentados anos que se seguiram à proclamação da maioridade, marcados por grandes reformas, festas e pela fundação de diversas instituições, ele
y* fef
jfe>_,n^
^ 1&-4Ê.
#
T
"*"
^^B
tariv
èêBK^^S!^^^'
flí* #
^'JPHMMV ut ^jg^y^Ãa^^l
jí^
ÀÊãkâl WEmwm
Interior de floresta (1850), aquarela sobre papel
praticamente dominou, sozinho, todas as iniciativas que incluíam, para sua execução, as chamadas "belas-artes". Fez a decoração das núpcias imperiais, em 1843, além de ter recebido a encomenda de cuidar da decoração interna do palácio de Petrópolis. Também se preocupou com a cidade do Rio de Janeiro, que, acreditava, devia servir de cenário à nova sociedade que se consolidava. Tal era a confiança do imperador em Porto-Alegre que quando este se tornou diretor da Aiba, em 1854, o monarca lhe deu apoio político e financeiro incondicional para que ele implementasse a mais importante reforma vivida pela academia no período monárquico. Com os 5 contos de réis anuais disponíveis para reestruturá-la, Porto-Alegre reformou o edifício internamente, acrescentando o segundo andar e construindo instalações para a pinacoteca e para a biblioteca especializada. Também elaborou para a instituição novos estatutos, que abordavam minuciosamente uma ampla gama de aspectos: o conteúdo das disciplinas; as atribuições de todos os profissionais da instituição, desde o diretor, passando pelos professores e pelo conservador da pinacoteca,
até o porteiro e o guarda; os dias letivos e a quantidade de feriados; as exposições públicas, as premiações e o pensionato na Europa; a freqüência dos alunos e a punição por indisciplina. Desenho - As novas regras aperfeiçoaram algumas disciplinas da Aiba, que até então estavam mal estruturadas. Além das cadeiras já existentes - arquitetura, escultura, pintura, gravura, desenho, paisagem e anatomia -, foram criadas aulas de desenho geométrico, desenho de ornatos, matemáticas aplicadas e história das belas-artes. Nesse último campo também Porto-Alegre desempenhou papel fundamental. Por causa de seus escritos para o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e de críticas escritas para os periódicos cariocas, é considerado o fundador da história e da crítica de arte nacionais. "Porto-Alegre foi o primeiro a introduzir no Brasil a noção romântica de artista. Até então, os que produziam as artes visuais não eram considerados em sua individualidade", explica Letícia. Embora não fosse um pintor exímio - há consenso sobre a superioridade de seus desenhos -, Porto-Alegre defendia
que as artes visuais podiam legitimar os interesses do Império. "Ele insistia no apoio do imperador aos pintores, pois eles eram capazes de sintetizar, plasticamente, o Império. A importância de Porto-Alegre na cultura brasileira do século 19 é exatamente essa: ele destacou o significado de uma cultura figurativa para a consolidação do Estado monárquico e seus valores mais caros", enfatiza Letícia. Também pesava a influência do mestre Debret nas preferências pelos valores clássicos. "Porto-Alegre deixou para seus contemporâneos e para a posteridade a noção de monumento nacional", complementa a pesquisadora. "Foi ele quem encaminhou ao governo a primeira proposta de realização da estátua de d. Pedro I, que resultaria na enorme escultura Estátua eqüestre de d. Pedro I (1862)." Daí a hipótese de ter sido grande a influência de Porto-Alegre sobre seu genro, Pedro Américo, que produziu a imensa e famosa tela Independência ou morte. Monumentalidade que não se refletiu na vida de Porto-Alegre. Os títulos que as boas relações com o Imperador lhe renderam não se traduziram em recursos e ele morreu pobre, sem deixar haveres para a família. • PESQUISA FAPESP112 ■ JUNHO DE 2005 ■ 89
90 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP112
HUMANIDADES
ARQUITETURA
A escola que fez a cidade Livro dimensiona importância da Politécnica na São Paulo do começo do século 20 GONçALO JúNIOR
O
411 !!!!
nu nu
que aconteceu com São Paulo na virada do século 20 foi, certamente, um fenômeno único na história do Brasil. Nunca uma cidade cresceu, industrializou e se modernizou em tão pouco tempo. Para ter uma idéia, entre 1895 e 1900, sua população quase dobrou. Passou de 130 mil habitantes (71 mil estrangeiros) para precisos 239.820. Nesse período, os bondes se ramificaram para integrar os bairros com o Centro e foram erguidos os reservatórios de água e instalada a iluminação a gás - novidades que acompanharam o estabelecimentode grandes indústrias. No rápido processo de urbanização, Brás e Lapa se tornaram bairros operários e a região do Bexiga foi ocupada por imigrantes italianos. Surgiram, então, as duas mais importantes realizações urbanísticas do final do século: a abertura da avenida Paulista (1891) e a construção do Viaduto do Chá (1892). A primeira fez nascer áreas arborizadas, elevadas e arejadas pelos palacetes dos grandes cafeicultores. A outra, mediante pagamento de pedágio, ligava o "centro velho" à "cidade nova", formada pela rua Barão de Itapetininga, 7 de Abril e redondezas. Em 1901 começou a funcionar a nova estação da São Paulo Railway, mais conhecida por Estação da Luz. Trens, eletricidade, telefone e automóvel estabeleceram necessidades numa cidade que se agigantava. Foram precisos, portanto, melhoramentos urbanos, como calçamento, praças, viadutos, parques e os primeiros arranha-céus, que dividiram espaço com escritórios e lojas sofisticadas. Com tanta efervescência, fica difícil imaginar como seria a capital paulista se não tivesse surgido o curso de engenheiro-arquiteto da Escola de Engenharia Politécnica em 1894. Criada para se tornar uma excelência, com vagas cobiçadas pelos filhos das famílias mais ricas da cidade, a Poli estabeleceu um modelo de arPESQUISAFAPESP112 -JUNHO DE 2005 -91
quitetura racionalista, focada na excelência da construção e na preocupação com a qualidade. Não seria exagero afirmar que escola e cidade nasceram praticamente juntas. A Poli se tornou pioneira no ensino de resistência de materiais e sempre esteve atenta aos mais modernos movimentos da arquitetura mundial. De seus quadros se destacaram nomes que hoje batizam ruas, praças e avenidas bem conhecidas: Francisco de Paula Ramos de Azevedo (lecionou de 1894 a 1928), Victor Dubugras (1894 a 1927), Alexandre Albuquerque (1917 a 1940), João Batista Vilanova Artigas (1940 a 1954), Luiz Ignácio de Anhaia Mello (1918 a 1954) e Francisco Prestes Maia (1924 a 1938), entre outros. Transformações - Toda essa rica e importante história e as biografias de mais de uma centena de seus ilustres mestres e formados são contadas num livro fundamental não apenas para estudantes, pesquisadores e professores de arquitetura, engenharia e urbanismo. Os arquitetos da Poli - ensino e profissão em São Paulo, de Sylvia Ficher, que acaba de sair numa edição luxuosa e fartamente ilustrada pela Edusp, é um rico e fascinante painel da vida social, cultural e econômica da capital paulista a partir da história da Poli. A autora resgata a formação do ensino de uma outra arquitetura, combinada com engenharia, no sentido tradicional, dos tempos da eletrônica e da mecânica, bem distante das transformações. Arquitetura, então, era a construção de casas e prédios; engenharia civil, saneamento e pavimentação. Formada arquiteta pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, mestre pela Universidade de Columbia (Nova York) e doutora pelo Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, atualmente Sylvia é professora da Universidade de Brasília. "Não estava interessada em estudar obras como edifícios e prédios públicos, mas em saber como era o ensino nas primeiras décadas do século 20, o que pensavam seus mestres e os profissionais que formou. Resgatei nomes importantes esquecidos." Como o ex-prefeito Prestes Maia, que governou a cidade por duas vezes nas décadas de 1940 e 1950. Conhecido como urbanista, ele estudou arquitetura e Sylvia acredita que isso foi fundamental para a execução de seu plano para remodelar a cidade. Ela 92 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP112
descobriu que não havia um único es tudo acadêmico sobre o ex-prefeito. Com preciosismo, a autora esmiuçou 50 anos de educação, ao mesmo tempo que investigou a carreira, as peculiaridades e a relevância de 129 profissionais que participaram ativamente da construção de São Paulo. O livro ajuda a compreender como arquitetura, engenharia e urbanismo contribuíram para fazer da capital paulista uma metrópole e o mais importante centro industrial do país. Sylvia conta que, com o crescimento de São Paulo como pólo agrícola exportador, surgiu o "negócio da construção". Foram construídas estradas de ferro e de rodagem, iluminação e pavimentação urbanas, obras de saneamento e construção de redes de água e esgoto, edifícios públicos, além da demanda constante de edificações particulares. Um processo implacável "da força que ergue e destrói coisas belas", como descreveu Caetano Veloso. Na busca pelo moderno e pela suntuosidade, obras foram demolidas e reerguidas muitas vezes na primeira metade do século.
Poli foi fundamental num período em que o crescimento econômico do estado refletiu especialmente na capital. A expansão física ganhou importância para acompanhar a modernização das instâncias administrativas e dos equipamentos urbanos impostos pela industrialização. Um nível de complexidade espetacular. Para acompanhar os novos tempos e formar profissionais à altura, a escola procurou se consolidar com freqüentes e importantes mudanças em seu regulamento de ensino. Segunda escola de formação superior paulista, a instituição nasceu da contribuição financeira da elite paulista como exemplo de sua autonomia diante do governo federal. Tanto que, diz a autora, havia em si um propósito de preservar e ampliar a hegemonia política e econômica do estado, a formação de uma intelectualidade orgânica e a reno-
vação de seus quadros para negócios públicos e privados. Tornou-se um produto e um agente do desenvolvimento. Em suas salas passaram notáveis que construíram obras importantes, como o Teatro Municipal, a Catedral de São Paulo, o Liceu de Artes e Ofícios (atual Pinacoteca), a Companhia Docas de Santos, o Palácio da Justiça, entre muitas outras. Para a autora, a Poli começou da mesma forma que permanece até hoje: uma instituição de elite, principalmente pela excelência e qualidade de seu ensino. Nesse sentido destacou-se a figura de seu fundador, Paula Souza, hábil em conseguir recursos públicos para consolidar a instituição. Logo se encaixou numa tendência européia de ensino, de forte influência germânica. Sua tradição sofisticada, ao mesmo tempo, apoiou-se numa base filosófica em certo sentido positivista. Sylvia também resgatou a história do curso de engenheiro-arquiteto da Escola de Engenharia Mackenzie, oferecido de 1917 a 1946, e o curso de arquiteto da Escola de Belas Artes de São Paulo, criado por volta de 1928 e existindo até 1934. • PESQUISA FAPESP 112 ■ JUNHO DE 2005 ■ 93
RESENHA
Um tour de force erudito Clássico sobre jesuítas está de volta PEDRO PUNTONI
Por 18 anos, entre 1932 e 1950, o padre Serafim Leite (1890-1969) escreveu sua História da Companhia de Jesus no Brasil. Nascido em Portugal, o historiador veio para o Brasil ainda rapaz, aos 15 anos, onde entrou para a Companhia. Por indicação do provincial, envolveu-se na escrita da sua história. Em dez volumes, mais de 5 mil páginas, desfia-se a crônica da presença dos jesuítas no Brasil, desde a chegada de Manuel da Nóbrega, nas naus que trouxeram o primeiro governadorgeral, Tome de Souza, em 1549, até o ano de 1759, data da expulsão definitiva da ordem das colônias portuguesas na América. Apesar de fundamentada em rigorosa pesquisa documental e em impressionante erudição, muito tem se alertado para as limitações resultantes na obra em razão do engajamento evidente de seu autor. A História da Companhia de Jesus no Brasil foi escrita tendo por base quase que apenas os documentos da própria ordem religiosa, o que lhe limita o alcance interpretativo. Mais ainda, em razão da posição de seu autor, mantém um formidável e confesso sentido apologético. Ao longo destes dez volumes, Serafim Leite aborda a história da Companhia nas suas mais diversas dimensões, sempre para louvar e escusar seus colegas jesuítas. Os tomos I e II nos contam o estabelecimento da ordem e sua obra no século 16. Do tomo III ao VI, relata a catequese, a atividade nos aldeamentos, as realizações intelectuais dos missionários durante os séculos 17 e 18. O recorte é espacial, sendo cada capitania tratada em capítulos específicos. O tomo VII trata de alguns aspectos mais gerais dos governos da província e do magistério nestes dois séculos. Por fim, os tomos VIII e IX trazem, em "suplemento biobibliográfico", um levantamento minucioso dos escritores jesuítas do Brasil, com informações sobre suas vidas e indicações exaustivas de seus textos, impressos ou não. O último tomo traz os índices e sumários, exaustivos e muito eficientes. Como se vê, obra de uma vida. 94 ■ JUNHO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP112
Foram precisos mais de meio século para que alguém se interessasse na reedição desta obra fundamental. Com efeito, por Pe. Serafim Leite, SJ iniciativa da própria ComEditora Loyola panhia, sua História sai ago2.212 páginas, quatro ra, revisada e ampliada, em volumes / R$ 1.400,00 quatro volumes, num total de 2.212 páginas, acompaPatrocínio: Petrobras nhada de um CD-ROM que inclui os mapas, desenhos, cartas e plantas da primeira edição. O coordenador da reedição é o Pe. César Augusto dos Santos, vice-postulador da causa de canonização de Anchieta (aquele que foi autor do hoje esquecido poema indianista De Gestis Mendi de Sa). Como na primeira, esta sai com o apoio do governo, ou melhor, da Petrobras. Pelo que consta, foi ampliada em mais de 140 fotografias, resultado da pesquisa laboriosa do fotógrafo e artista plástico David Dalmau. Para além do que cabe ao interesse da própria Companhia, é fato que o apoio é mais que justificado, uma vez que esta reedição é sem dúvida um grande serviço aos estudos históricos. A História de Serafim Leite é um esforço ímpar de erudição, uma fonte de informações, algumas delas ainda exclusivas aos membros da ordem que puderam ter acesso aos documentos de forma integral. Não obstante seu tom apologético, muito há nessas imensas páginas que nos permite melhor compreender a sociedade, a cultura, a vida, enfim, do Brasil nos tempos da colonização. O que significa, porém, uma edição "ampliada e revista"? Cabe o julgamento a quem pôde folhear um exemplar. O que não foi o meu caso e me coloca na bizarra situação de resenhar uma obra sem poder vê-la. Triste é notar que, como a primeira edição, o livro continuará tão raro e de tão difícil acesso. Para o nosso espanto, apesar do apoio financeiro, o preço desta edição ficou um pouco salgado, para não dizer impeditivo: R$ 1.400,00. Bem, espero que, ao menos, alguns exemplares acabem nas bibliotecas públicas (Dos 1300 exemplares da edição, 750 serão doados, principalmente para bibliotecas públicas e universitárias). A História da Companhia de Jesus no Brasil
é professor de história do Brasil da USP e pesquisador do Cebrap. PEDRO PUNTONI
LIVROS
Ser nobre na colônia Maria Beatriz Nizza da Silva Editora Unesp 344 páginas, R$ 54,00
Não faltam estudos sobre a divisão entre senhores e escravos, mas esta obra traz a novidade de oferecer uma visão mais ampla do tecido social do Brasil Colônia ao mostrar como era a vida dos "nobres". Assim, além da classe dos escravos, somos apresentados ao extrato dos "mecânicos" (trabalhos manuais) em oposição aos nobres, às diferenças entre ser um nobre brasileiro (havia maior mobilidade na colônia) e um emigrado da metrópole, com menores chances de ascensão. Editora Unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br
w
I 0 design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960 Rafael Cardoso (org.) Cosac Naify 360 páginas, R$ 59,00
Primeiro volume que pretende preencher uma lacuna séria na historiografia do design nacional, este volume dá conta da produção do design visual em seus primórdios, entre 1870 e 1960, dos rótulos e propagandas do século 19 até das capas e projetos de revistas e discos. São nove ensaios que mostram como se desenvolveram os produtos, as técnicas e os profissionais do período. Cosac Naify (11) 3218-1444 www.cosanaify.com.br
0 jogo do belo e do feio Escrituras da imagem Sylvia Caiuby Novaes (org.) Edusp/FAPESP 224 páginas, R$ 32,00
José Arthur Giannotti Companhia das Letras 200 páginas, R$ 39,00
Uma importante coletânea de artigos que mostram a importância da imagem nas ciências sociais, em geral associada apenas à palavra escrita. O que os autores propõem é uma espécie de mergulho etnográfico nas imagens, mostrando o quanto se pode descobrir de novo em tudo o que nos cerca de forma familiar. São artigos sobre cinema, ensaios sobre fotografia que dialogam com as imagens e, por fim, artigos de pesquisadores sobre a produção visual.
Após décadas de renome como um estudioso e crítico do pensamento marxista, o filósofo da USP muda radicalmente de tema para atacar, com a mesma paixão de suas leituras anteriores, a pintura e, logo, as belas-artes. Reunindo filosofia, em especial Wittgenstein (de onde traz as noções de jogo de linguagem e linguagem não-verbal), Giannotti discute obras de Picasso, Rembrandt, Magritte, apresentando uma nova visão da linguagem pictórica e de suas chances de autonomia.
Edusp (11) 3091-4006 www.edusp.com.br
Companhia das Letras (11) 3707-3500 www.companhiadasletras.com.br
Simplesmente Einstein
Símbolo e alegoria
Richard Wolfson Editora Globo 328 páginas, R$ 45,00
Anna Hartmann Cavalcanti Annablume/FAPESP 310 páginas, R$ 45,00
SímboloeAlegoria nietzsche
No centenário da publicação de suas teses mais importantes, Einstein ganha um estudo sério e, ao mesmo tempo, acessível, mostrando, como o próprio cientista gostava de dizer, que a relatividade está calcada em poucas idéias simples, que nos fascinam exatamente por ferir o nosso senso comum. Wolfson usa experiências cotidianas do leitor para levá-lo a uma viagem aprofundada pelo pensamento einsteniano ao longo de 16 capítulos que põem nossos conceitos em xeque.
Fruto de um trabalho minucioso de pesquisa, apoiado pela FAPESP, Anna Hartmann analisa a concepção Oi «. JU de linguagem elaborada pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche nos seus primeiros anos de trabalho. Ao dissecar os conceitos elaborados por Nietzsche, em especial os conceitos de símbolo e alegoria, a autora mostra como esses estudos pioneiros foram fundamentais para que o filósofo engendrasse a sua obra mais importante, O nascimento da tragédia.
Editora Globo (11) 3767-7400 www.globolivros.com.br
Editora Annablume (11) 3031-9777 www.annablume.com.br PESQUISA FAPESP 112 -JUNHO DE 2005 -95
Um herdeiro de Gobineau nos trópicos RODRIGO GURGEL
Nota: O texto abaixo, sem assinatura, encontrei-o em uma página arrancada, provavelmente, de um diário. O autor possuía - ou ainda possui - uma caligrafia miúda, feminina, com o "a" final das palavras terminando em certa linha que se alonga e, pouco antes do fim, desenha uma curva suave. A tinta azul da caneta cria um contraste antigo com o amarelecido do papel sem pauta. A folha estava dobrada ao meio, de comprido, marcando o capítulo de uma obra, editada no alfabeto gótico alemão, do filósofo Alfred Rosenberg. Descobri o livro em uma das pilhas de alfarrábios espalhadas pelo sebo do velho Gazzeau, que fechou suas portas há muitos anos. Furtivamente, escondi a folha no bolso do paletó e joguei o volume a um canto. E, desde então, tenho refletido sobre o seu conteúdo.
Repito hoje, passados três dias, o hábito de todas as noites: sento-me à mesa de trabalho em minha biblioteca e abro este caderno. A noite silenciosa parece ainda mais espessa. E o silêncio que circunda a casa, sempre tão acolhedor, me restringe, me fere. Todos os esforços que empreendi nos últimos meses resultaram inúteis, e mesmo as duas entrevistas com o reitor não surtiram qualquer efeito, o que significa que meu projeto está arquivado. Na verdade, nada tenho a reclamar. Depois que, há dois anos, fui preterido para ocupar a cátedra de Antropologia Social, esse tipo de reação não deveria me surpreender. A minha frente, no nicho entre as estantes, um pequeno foco de luz ilumina o retrato do cardeal Ippolito de Mediei, pintado por Tiziano Vecellio. Ippolito... Lembro-me da primeira vez em que o vi. Estávamos no palácio Pitti, em Florença, e meu pai segurava minha mão, dando-me aulas de história com a voz tonitruante que sempre me assustou. Lá estava o retrato, ao lado de um outro, talvez de Felipe II. Mas Ippolito, robusto, a composição sólida, o fundo escuro que faz a figura emergir do breu como se escapasse do torpor da morte, e suas mãos segurando firmemente o pique e a espada, e seu olhar, soberbo e altivo, desdenhoso e arrogante, seu olhar que me fascina, sobranceando o belo nariz levemente aquilino, e a barba, negra e aparada, a ressaltar o rosto agressivo, tudo nele me abalou de tal maneira que, naquela noite, para desespero de minha mãe, fui devorado pela febre, enquanto sonhava que Ippolito vinha ficar ao meu lado, na cama, tocando-me com seus dedos grossos, semelhantes aos de meu pai. Ele não sorria, devorando-me com o olhar enigmático, mantendo a sobrancelha esquerda erguida. Quantos anos eu teria? Treze? Catorze? Implorei para que retornássemos ao museu, cheguei mesmo a chorar, mas minhas súplicas não foram ouvidas. Logo a seguir viajamos para Roma, e com o final das férias obrigaramme a retornar ao colégio interno na Suíça. Antes, contudo, pedi a mamãe que me comprasse um lindo volume sobre Tiziano, no qual eu reencontrara Ippolito ocupando uma página inteira. Os anos passaram e, sempre que posso, retorno ao Pitti. Mas desde que me estabeleci no Brasil, nesta propriedade que pertence à minha família há gerações, encomendei a um famoso falsificador londrino esta cópia que vela por mim enquanto escrevo, leio ou preparo minhas aulas. No entanto, depois do que aconteceu esta semana, não sei por quanto tempo continuarei aceitando humilhações na universidade. Quando defendi o doutorado, parte da banca repudiou minha tese, classificando-a como "retrógrada", enquanto, à boca pequena, chamavam-me de "racista". Foi o preço que paguei por minha lucidez e por tentar reviver Gobineau... Ignorantes! Acham que conhecem tudo apenas por terem lido meia dúzia de panfletos esquerdistas! Mas se esquecem que a Antropologia deve ser uma ciência viva, dedicada a estudar 96 ■ JUNHO DE2005 ■ PESQUISA FAPESP 112
o homem em seus diferentes hábitats e, principalmente, mostrar aos que se distanciaram da barbárie o que os aguarda se, movidos por seus erros, involuírem. Já lhes repeti centenas de vezes: é urgente redimensionar o conceito de raça, adaptá-lo a uma concepção realista de mundo, despojada de todo idealismo, e aceitar a hierarquia dos grupos sociais. É impossível escamotear a realidade! Mas não desistirei. Não me concedem o terreno no campus7. Engavetam meu projeto?! Pois ele nascerá aqui mesmo, nesta propriedade! Todos saberão, na prática, como o Essai sur 1'inegalité des races humaines ainda é uma obra capaz de abrir os olhos da humanidade. E o que a academia me nega, dar nova vida aos projetos de Geoffroy de Saint-Hilaire, farei em proporções jamais imaginadas! Reviverei as antigas exposições etnográficas, apresentando os grupos sociais exóticos em ambientes reconstituídos meticulosamente, permitindo que os espécimens copulem e procriem. Aqui, as crianças e os jovens aprenderão as razões de muitos animais humanos continuarem acorrentados a um mundo primitivo. E quando o projeto estiver em funcionamento, com centenas de visitantes diários, convencerei o governo da necessidade de realizarmos a segunda etapa: de um lado, aperfeiçoarmos as qualidades hereditárias, e, de outro, fazermos os espécimens abandonarem suas culturas obsoletas. Não, não será um "zoológico humano", como me disse hoje, com cinismo, o reitor, mas uma convocação ao novo mundo, à nova era, à purificação da espécie! Meu jovem criado palestino acaba de trazer o chá. Ele tem os olhos belos e resignados, é adoravelmente servil, e agradece-me todos os dias por tê-lo trazido de minha última viagem ao Oriente Médio. Estranhou um pouco a família de hutus que tenho treinado para os serviços pesados na propriedade, mas, apesar de não conseguirem conversar, estabeleceram uma relação amistosa, o que me alegra. Ah, Ippolito, um dia meu esquife também será carregado por homens que se lamentam nas mais diferentes línguas, chorando aos seus deuses pela minha alma incompreendida. Não, não serão arqueiros tártaros ou mergulhadores indianos, mas talvez guerreiros maoris, cujos rostos tatuados expressem a dor de perder aquele que os salvou da ignorância. Ou, quem sabe, cavaleiros da estepe mongol vestidos de azul e dourado. Qual deles você preferiria?... Ah!, Ippolito!, meu corpo treme, minhas mãos suam! O meu sonho, confesso, é um jovem sambia, adoravelmente molestado pelos ritos de passagem daquele povo da Nova Guiné. Mas enquanto esse troféu não chega, fico com esta criança, sentada no chão, com a cabeça recostada em meu joelho. Para comprá-la, tive de subornar quatro funcionários da Funai. Mas se você estivesse aqui para vê-la! Que pureza de olhar! Que fragilidade de gestos! Ela chegou com as mãos ainda machucadas pelas formigas tucandeiras. Segundo um dos funcionários, coronel aposentado do Exército, este menino não suportou o rito de passagem de sua tribo, os Saterés-Maués, e seria relegado à condição de meio homem. Ora... Se deve ser assim, Ippolito, que ele seja, então, quase uma fêmea, mas aqui, sob os nossos cuidados, conhecendo o carinho que só homens civilizados podem demonstrar... é escritor e editor efoi um dos dez ganhadores do Concurso de Contos "450 anos de São Paulo", promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo em 2004.
RODRIGO GURGEL
PESQUISA FAPESP 112 -JUNHO DE 2005 -97
PeiqeTeCniiisa
CLASSIFICADOS
• Anuncie você também: tel. (11) 3838-4008 www.revistapesquisaJapesp.br
FAPESP
~.,.
~~
~.,.
~~
UNICAMP
UNICAMP
Concurso para professor titular
Vaga para professor titular
Faculdade de Odontologia de Piracicaba
Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, Departamento de Comunicações
Departamento de Diagnoóstico Oral Área: Cirurgia bucomaxilofacial
Área: Área de Telecomunicações
Inscrições: Até 11 de julho Disciplinas: Pré-Clínica IV, Pré-Clínica IX, Pré-Clínica VI, Pré-Clínica X
Inscrições: Até 1 de agosto Disciplinas: Sistemas de Comunicações
e Telemática
0
Cargo: Professor titular Informações: Patrícia Aparecida Tomaz: atu@fop.unicamp.br e (19) 3412-5204
Cargo: Professor titular Mais informações: Ademilde Felix: atu@fee.unicamp.br e (19) 3788-3865
Departamento Odonto-restauradora Área: Dentística Inscrições: Até 11 de julho Disciplinas: Clínica Odontológica Integrada I, Clínica Odontológica Integrada II, Clínica Odontológica Integrada III, Clínica Odontológica Integrada IV, Pré-Clínica II, Pré-Clínica VI, Pré-Clínica VII, Pré-Clínica X
BOLSAS NA UEPB
Cargo: Professor titular
A Universidade Estadual da Paraíba dispõe de bolsas do CNPq para doutores na área de epidemiologia para atuar no mestrado em saúde coletiva. O candidato receberá recursos para desenvolver seu projeto de pesquisa. Havendo interesse, a instituição abrirá concurso para fixação do bolsista na instituição.
Informações: Patrícia Aparecida Tomaz: atu@fop.unicamp.br e (19) 3412-5204
Informações: Maria Cardoso: maria.card@uol.com.br e (83) 8831-5422 e (83) 3252-2254
o coração
em boas mãos Tratado de Cardiologia SOCESP. U ma obra de referência para os médicos cardiologistas. Com 1.850 páginas, 156 capítulos escritos por 320 especialistas, o livro abrange de forma profunda e atualizada todos os aspectos de interesse do cardiologista. Anexo, acompanha um CO-ROM com di retrizes sobre os assuntos tratados.
rJt
Um lançamento da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) e da Editora Manole.
Manole
98 • JUNHO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 112
www.manole.com.br info@manole.com.br
Papo cabeça à venda COLEÇÃO
Pe5qlJj,a
Humanidades
1
\
Pablo Rubén Mariconda Leopoldo De Meis Muniz Sodré Leandro Konder Alfredo Bosi José Arthur Giannotti Ismail Xavier Otavio Frias Filho Roberto Schwarz
As entrevistas de Pesquisa FAPESP
1 ORGANIZADO
MARILUCE
MOURA
.3APfSII
J
Ciências biológicas
POR
Craig Venter Bob Waterston José Fernando Perez Andrew Simpson André Goffeau Warwick Estevam Kerr Walter Gilbert Carlos Alfredo Iolv e Vanderlei Perez Canhos Chana Malogolowkin João Carlos Setúbal Carmen Martin Iván Izquierdo Fernando Reinach
Ü'NiEMP
Conheça o que pensam alguns dos melhores pesquisadores e intelectuais brasileiros (e, de quebra, alguns cientistas do exterior) em textos reunidos em um único livro, Prazer em conhecer. A obra traz 26 grandes entrevistas, originalmente publicadas em edições de Pesquisa FAPESP, que compõem uma amostra do conhecimento e das contribuições dadas à ciência e à cultura por eminentes professores e cientistas.
Física José Leite Lopes Luiz Davidovich Marcello Damy Roberto Salmeron
Ciênciae Tecnologia. no Brasil
Pesqu Isa
www.revistapesquisaJapesp.br
FAPESP
Informações sobre onde encontrar o livro
(11) 3875-0154
pesquisa o Brasil
~~
.~
TroplNet.org
A conexão entre as doenças tropicais e seus pesquisadores. Se você faz parte da comunidade médica e científica e tem interesse em compartilhar experiências e informações sobre as doenças tropicais, já existe um espaço virtual que pode transformar esta conexão em mais um passo para solucionar o problema. TropiNet™ é uma rede que pode conectar pesquisadores de todo Brasil envolvidos com o tema. Uma proposta de responsabilidade social da Novartis que valoriza o trabalho de profissionais como você. Acesse o site www.tropinet.org
tl) NOVARTIS ___
-..AO·