APRECIE OS MESTRES QUE INFLUENCIARAM E INFLUENCIAM A NOSSA MÚSICA. COLEÇÃO FOLHA AíZES DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA. COLECÃ
FOLHA
RA'z-eS
DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
Coleção Folha Raízes da Música Popular Brasileira. São 25 Iivros-COs com os mestres que influenciaram e influenciam muita gente. Cada volume traz a biografia e um COcom os maiores sucessos de Noel Rosa, Pixinguinha, Cartola e grandes nomes na voz de seus melhores intérpretes: .Maria Bethânia, Gal Costa, Beth Carvalho, Arnaldo Antunes, Toquinho, Oaniela Mercury, entre outros. Assinante Folha tem condições especiais de pagamento. Ligue (11) 3224 3090 (Grande São Paulo), 0800 775 8080 (outras localidades) ou acesse www.folha.com.br/raizesmpb
imagem do mês
Água
Gabriel Pérez, Instituto de Astrofisica de Canarias
no espaço O asteroide 24 Themis, recriado na concepção artística ao fundo, está coberto por uma camada de gelo e tem sinais de moléculas orgânicas. É a primeira vez que água congelada é detectada num asteroide, um tipo de corpo celeste considerado extremamente seco. A descoberta, publicada na revista Nature, é de duas equipes internacionais, uma delas com participação da astrofísica Thais Mothé Diniz, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e reforça a teoria de que a água dos oceanos e o carbono da Terra, pré-requisitos para a geração da vida, podem ter vindo de cometas ou asteroides que se chocaram com o nosso planeta na formação do sistema solar. “24 Themis mantém essa capa de gelo provavelmente desde que a Terra se formou”, diz Thais. O asteroide fica a meio caminho entre Marte e Júpiter. PESQUISA FAPESP 1XX
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nonono DE 2010
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3
l7l
I
MAIO 2010
SEÇÕES 3 IMAGEM 6 CARTAS
DO MÊS
7 CARTA DA EDITORA
8 MEMÓRIA 22 ESTRATÉGIAS 42 LABORATÓRIO 62 SCIELO NOTíCIAS 64 LINHA DE PRODUÇÃO 94 RESENHA 95 LIVROS 96 FiCÇÃO
98
CLASSIFICADOS
28 WWW.REVISTAPESOUISA.FAPESP.BR
POLíTICA
I
CAPA
28 PLANEJAMENTO
16 Estudo indica os pontos mais vulneráveis
CIENTíFICA
da
Conferência
de C&T&I
reúne comunidade
CIÊNCIA
E TECNOLÓGICA 38 BIODIVERSIDADE
46 NEUROFISIOLOGIA
O biólogo Thomas
Temores provocados
Lovejoy diz que é
por razões distintas
Região Metropolitana
acadêmica paulista para
preciso restaurar
de São Paulo e mostra
discutir os desafios nos
da Amazônia desmatada
a necessidade de um
próximos 15 anos
para salvar a floresta
novo modelo de ocupação e mobilidade
ENTREVISTA 10 O geógrafo Carlos
Pesquisadores
41 HOMENAGEM do
Instituto Microsoft Research-FAPESP
Monteiro, um dos
apresentam
pioneiros da climatologia
projetos nos EUA
espaço e as estruturas sociais por meio das obras de Guimarães Rosa e Shakespeare CAPA LAURA DAVINA FOTO TUCA VIEIRA!FOLHAPRESS ENCHENTE NO BAIRRO JARDIM JUSSARA. ZONA OESTE DE SÃO PAULO, 2005
acionam regiões diferentes no cérebro
5E
50 BIOLOGIA CELULAR 36 CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO
Augusto de Figueiredo
no Brasil, analisa o
parte
seus
Células-tronco
adultas
Daniel Hogan, morto
estimulam
formação
aos 67 anos, alertou sobre os impactos das
vasos sanguíneos no
mudanças climáticas nos centros urbanos
músculo cardíaco
de
coração, mas não geram
52 ECOLOGIA Abelhas ganham valor na produção agrícola
56 COMPORTAMENTO ANIMAL Fêmeas de aracnídeo com organização social
58 OCEANOGRAFIA Canal aberto em 1855 facilito~ espalhamento de metais pesados no litoral sul de São Paulo
TECNOLOGIA
HUMANIDADES
68 NOVOS MATERIAIS
80 HISTÓRIA
Resíduos da queima do bagaço de cana-de-açúcar podem substituir parte da areia usada na construção
civil
60 FíSICA Estudo explica por
Estudos sobre o arquivo Deops-SP revelam como funcionava a lógica da repressão nos tempos da ditadura
72 NANOTECNOLOGIA
complexa se deixam
que ocorrem descargas
Unesp desenvolve
devorar pela prole
elétricas em nuvens de areia ou de
material que gera energia elétrica
cinzas vulcânicas
quando pressionado
86 ARQUEOLOGIA Pesquisadores do Labeca dão significado mais amplo ao conceito de pólis grega
76 ENGENHARIA ELÉTRICA Polímeros luminescentes
90 LITERATURA Mais do que a poesia são
cotados para substituir telas de LCD
ou a prosa, foi o teatro a grande influência de Machado de Assis, indicam novos estudos
CARTAS FUNDAÇÃODE AMPARO À PESQUISADO ESTADODE SÃO PAULO
cartas@fapesp.br
CELSO LAFER PRESIDENTE
.rost
ARANA VARELA VICE·PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR
CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAFER PIVA, HERMAN JACOBUS CORNElIS VOORWALD, JOst ARA NA VARELA, JOst DE SOUZA MARTlNS, JOSt TADEU JORGE. LUIZ GONZAGA BELLUZZO, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO
que mais me tocou na escritora norteamericana foi o esforço em interpretar nosso país e nossa cultura.
--..-. ..••. ...•
CONSELHO TtCNICO'ADMINISTRATIVO RICARDO RENZO BRENTANI DIRETOR PRESIDENTE
FRANCISCO J.B. SÁ
..
CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ DIRETOR CIENTfrlCO JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO
Salvador, BA
Entre HOMEM
,--MULHER
CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENT{FICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CYLON GONÇALVES DA SILVA, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTlNHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, JOÃO fURTADO, JOSÉ ROBERTO PARRA, Luís AUGUSTO BARBOSA CORTEZ, LUiS FERNANDES LOPEZ, MARIE ANNE VAN SLUYS, MÁRIO JOSt ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, SÉRGIO QUE1ROZ, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLlI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA
Ambiguidade
sexual
EDITOR CHEFE NELDSON MARCOllN EDITORES EXECUTIVOS CARLOS HAAG (HUMANIDADES), FABRfClO MARQUES (POLfTlCA), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CiêNCIA) EDITORES ESPECIAIS CARLOS flORAVANTI, MARCOS PIVETTA (EDiÇÃO ON-LlN[) EDITORAS ASSISTENTES DlNORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES REVISÃO MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGO NEGRO EDITORA DE ARTE LAURA DAVINA E MAYUMI OKUYAMA (COORDENAÇÃO) ARTE MARIA CECILIA FELU E JÚLlA CHEREM RODRIGUES FOTÓGRAFO EDUARDO CESAR WEBMASTER SOLON MACEDONIA SOARES SECRETARIA DA REDAÇÃO ANDRESSA MATIAS COLABORADORES ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), DANILQ ZAMBONI, EVANILDO DA SILVEIRA, FRANCISCO BICUDO. JOSElIA AGUIAR, JÚNIOR SUC!, LAURABEATRIZ, VANESSA BARBARA E YURI VASCONCELOS OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP
Parabéns à Pesquisa FAPESP. São muitas reportagens interessantes que enriquecem o nosso conhecimento e aguçam a curiosidade. "Limites incertos" (capa da edição 170) é uma prova disso. Ela é fantástica e mostra que temos muitos pesquisadores em busca de respostas para o que encontramos no dia a dia. Como consequência, pode ajudar a tratar mais gente com problemas. Continuem assim.
Se, como afirmado no subtítulo "Problemas pontuais no trabalho do IPCC alimentam campanha contra o painel" (da reportagem "Cientistas sob ataque': edição 170), os críticos (cientistas de fato) fazem "campanha contra", não seria possível também que o painel esteja simplesmente a serviço de organizações financeiras e mercantilistas (já que a maioria dos integrantes do painel são economistas ou beneficiários da Unesco), que têm como atividade fim o comércio de carbono ou carbonegócio, com operações no mercado financeiro? Nossa FAPESP não merece notícias tipo "Datena', pois cremos que ela nos represente. URIEL DUARTE
Instituto de Geociências/USP São Paulo, SP
MOLINE SEVERINO LEMOS
Universidade Federal de Uberlândia Uberlândia, MG
Seringueira
t
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INSTITUTO
VERlrtCADOR
DE CIRCULAÇÃO
6 • MAIO DE 2010 • PESQUISA F'APESP 171
ao IPCC
Cientistas se equivocam, como mostra o caso do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Foi uma felicidade que "as robustas conclusões dos relatórios continuam válidas e não foram arranhadas nem pelos equívocos nem pelos ataques dos grupos ligados a interesses econômicos", como disse o cientista brasileiro Carlos Nobre na reportagem "Cientistas sob ataque" (edição 170). De agora em diante será necessário um monitoramento mais sério e responsável dos relatórios para que não surjam versões fantasiosas sobre o clima e seus efeitos em diversos países do mundo. Sobre a reportagem "Nem tão longe de Nova York" (edição 169), relativa à obra de Elizabeth Bishop, o
Parabéns pela reportagem "Madeira de borracha" (edição 170) sobre a seringueira. Aproveito para sugerir também uma matéria sobre o bambu, sob o ponto de vista da sua industrialização. Atualmente o CNPq financia 12 grupos de pesquisa sobre o bambu no Brasil; haverá, inclusive, um encontro nacional em agosto, no Acre. Também já recebi apoio da FAPESP para a pesquisa sobre a preservação química do bambu. ANTONIO L. BERALDO
Faculdade de Engenharia Agrícola/Unicamp Campinas, SP
Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br ou para a rua Joaquim Antunes, 727 - 10° andar - CEP 05415-001 . Pinheiros São Paulo, SP.As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.
carta da editora
De tragédias, medos e riso Mariluce Moura - Diretora de Redação
P
arte nada desprezível das piores imagens de dor e desespero que transbordaram da mídia na sequência das chuvas intensas que caíram sobre São Paulo, Rio de Janeiro e tantas outras cidades brasileiras nestes primeiros meses do ano está inapelavelmente ligada – e cansados estamos todos de sabê-lo – à precariedade material da vida de vastas parcelas da população urbana no país. Aos riscos extremos, se preferirmos, inerentes aos modos como se inserem no tecido urbano, chamem-se os aglomerados de suas moradias favelas, invasões, cortiços ou outra denominação qualquer. São todas formas frágeis de habitação a clamar há décadas por políticas públicas eficientes e que se estendem por gigantescas áreas vulneráveis a qualquer evento meteorológico ou climático um tanto mais forte. Outra parte das cenas pós-chuvas que se reproduziram à náusea nestes meses para a opinião pública brasileira pode estar relacionada ao excesso de concreto, à falta de áreas verdes, às dificuldades de circulação de ar em cidades como São Paulo, por exemplo, provocadas pela implantação de prédios muito altos e muito próximos uns dos outros – a uma mudança climática, enfim, não necessariamente produzida pelo aquecimento global, mas gerada por um fenômeno local. Importante, entretanto, é enfatizar que os chamados eventos extremos de curta duração – dos quais as citadas chuvas são um exemplo – devem se intensificar nos próximos anos, segundo os estudiosos do tema. E muitos deles estão empenhados não apenas em compreender melhor tais fenômenos, como em oferecer sólidas ferramentas científicas para embasar políticas públicas capazes de enfrentá-los num novo patamar. Nesse quadro é que se insere o projeto “Identificação das vulnerabilidades das megacidades brasileiras às mudanças climáticas”, objeto da bela reportagem de capa desta edição, a partir da página 16, assinada pela editora assistente de tecnologia Dinorah Ereno. Trata-se de um amplo estudo articulado com o programa internacional Megacidades, realizado no âmbito da Rede Brasileira de Pesquisas em Mudanças Climáticas e do Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia para Mudanças Climáticas sob a coordenação do climatologista Carlos Nobre e, até recentemente, também do demógrafo Daniel Joseph Hogan, falecido precocemente no último dia 27 de abril. O primeiro fruto do projeto é o mapa de vulnerabilidades da Região Metropolitana de São Paulo, a ser apresentado em breve às autoridades governamentais, que, entre outras indicações, mostra as áreas de maior risco de deslizamento de encostas e inundações hoje e sua projeção para 2030, se nada se fizer em relação ao modelo até aqui adotado de expansão urbana em São Paulo, com a ocupação desordenada de áreas periféricas, entre outros problemas. Gostaria de destacar ainda brevemente nesta edição, primeiro, a reportagem de abertura da seção de ciência, elaborada pelo editor Ricardo Zorzetto, na qual ele trata de um estudo que propõe, com base em experiências com modelos animais, que o caminho percorrido pelo medo no cérebro não é único e que, a depender da situação que gera esse sentimento primário, diferentes circuitos celulares são acionados (página 46); também a reportagem de abertura das humanidades, na qual o editor Carlos Haag trata de novos estudos que vão trazendo à luz a lógica da repressão da ditadura brasileira de 1964 a 1985, por meio dos documentos dos próprios arquivos policiais da repressão, como os relatórios elaborados por agentes responsáveis por prisões e torturas (página 80); e por fim, na seção de política científica e tecnológica, a reportagem do editor Fabrício Marques que dá uma visão extremamente fiel da Conferência Paulista de Ciência, Tecnologia e Inovação, uma preparação das mais importantes para a Conferência Nacional que acontecerá em Brasília de 26 a 28 deste mês de maio. Depois de tantos temas densos, às vezes graves, permito-me sugerir aos leitores que concluam a leitura da revista pelo conto de Vanessa Barbara, na página 96. Além de muito bom, é hilariante, tanto que me peguei, ao lê-lo, rindo quase tanto quanto o faço a cada vez que revejo Peter Sellers, impagável, em Um convidado bem trapalhão. PESQUISA FAPESP 171
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memória
A ciência no Brasil Colônia Corte portuguesa contratou há 214 anos naturalistas para conhecer melhor as riquezas naturais do país
Museu Paulista/USP
Neldson Marcolin
A
contratação de cientistas pelo Estado para realizar estudos sobre a natureza e aprimorar tecnologias está longe de ser uma iniciativa recente no Brasil. No final do século XVIII a Corte portuguesa determinou expressamente aos governadores das capitanias brasileiras a admissão de naturalistas com o objetivo de fazer mapas do território, realizar prospecção mineral e desenvolver e disseminar técnicas agrícolas mais eficientes. Tudo para tentar gerar mais divisas e ajudar a equilibrar as periclitantes contas do reino de Portugal. A ordem para buscar os homens de ciência capazes de pesquisar a natureza brasileira partiu de dom Rodrigo de Sousa Coutinho ao assumir a Secretaria de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinhos, em 1796, e formular uma nova política para a administração do Império colonial português. Para ele, era urgente conhecer a utilidade econômica das espécies nativas e investigar o verdadeiro potencial mineral das terras de além-mar. Aos governadores de cada capitania
Interior de São Paulo no século XIX retratado no quadro Pirapora do Curuçá (hoje Tietê), 1826, de Zilda Pereira 8
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Reprodução
cabia acompanhar os trabalhos e relatar à Corte os progressos em curso. Foram contratados naturalistas em Minas Gerais, em Pernambuco, na Bahia e no Ceará. Em São Paulo, o governador Antônio Manuel de Melo Castro e Mendonça admitiu João Manso Pereira, um químico autodidata, versado em idiomas como grego, hebraico e francês e professor de gramática, envolvido em ampla gama de atividades. “Manso é um caso notável de autodidatismo que, sem nunca ter saído do Brasil, procurava estar atualizado com as novidades científicas que circulavam no exterior”, diz o historiador Alex Gonçalves Varela, pesquisador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) e autor do livro Atividades científicas na “Bela e Bárbara” capitania de São Paulo (1796-1823)
Reprodução
Resultado de estudo de João Manso (esq.) e retrato de Martim Francisco: homens ilustrados
(Editora Annablume, 2009). O químico era inventor e publicou diversas memórias científicas, da reforma de alambiques e transporte de aguardente à construção de nitreiras para produzir salitre. Mas fracassou no projeto de instalação de uma fábrica de ferro. “Foi quando seu didatismo mostrou ter limites.” Em 1803 foi nomeado para seu lugar Martim Francisco Ribeiro de Andrada e Silva pelo governador Antônio José de Franca e Horta. Irmão de José Bonifácio – que viria a ter papel relevante na história da Independência –, Martim era diferente de João Manso. Tinha uma formação acadêmica sólida,
andou pela Europa e estudou na Universidade de Coimbra. Tradutor de obras científicas, fez numerosas viagens pelo território paulista e foi um difusor das ciências mineralógicas na época. “Ele seguia o conjunto de práticas científicas do período, ou seja, descrição, identificação e classificação dos minerais em seu local de ocorrência”, conta Varela. Anos mais tarde, Martim e Bonifácio realizaram juntos uma conhecida exploração pelo interior paulista (ver Pesquisa FAPESP edição 96). João Manso, Martim e Bonifácio tinham em comum o conhecimento enciclopédico e uma forte ligação com a política do
período. Martim chegou a ministro da Fazenda e participou do que ficou conhecido como “gabinete dos Andradas”, convidado pelo irmão, em 1822. De acordo com Varela, o trabalho científico dos três naturalistas foi de extrema relevância para ajudar o governo luso a conhecer de forma detalhada a capitania paulista e seus recursos naturais. “A ciência e a técnica brasileira não é algo tão recente como se afirmava até meados dos anos 1980 e não passou a ser praticada aqui apenas depois que surgiram os institutos biomédicos no final do século XIX e começo do século XX”, afirma o historiador. “Há numerosos exemplos de homens ilustrados investigando a natureza, trabalhando com uma ciência utilitarista e produzindo conhecimento no período do Brasil Colônia.” Por fim, uma curiosidade: os termos naturalista e filósofo natural ainda são usados pelos historiadores para se referir aos homens de ciência da época porque a palavra cientista não existia até 1833. Naquele ano, ela foi utilizada pela primeira vez pelo polímata William Whewell, que criou o neologismo para se referir às pessoas presentes em uma reunião da Associação Britânica para o Avanço da Ciência.
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entrevista
Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro
O geógrafo literário Um dos pioneiros da climatologia no Brasil analisa o espaço e as estruturas sociais por meio das obras de Guimarães Rosa e Shakespeare Carlos Fioravanti
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eses atrás, o geógrafo Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro festejou a chegada da obra completa do poeta norte-americano Wallace Stevens, que recebera dos Estados Unidos. Os livros foram arrumados ao lado dos de Jorge Luis Borges, Guimarães Rosa, Shakespeare, James Joyce e Euclides da Cunha que reinam na estante de sua sala de trabalho, misturados com objetos que trouxe do Nepal, da Índia e de Minas Gerais, ao lado da boneca Betty Boop. Aos 86 anos, o geógrafo que ajudou a criar as bases da climatologia no Brasil lê e escreve sobre literatura todos os dias. Tão logo se aposentou da Universidade de São Paulo (USP), em 1987, Monteiro passou a limpo 40 anos de trabalhos pioneiros em climatologia, realizados no Rio de Janeiro, Santa Catarina, Brasília e São Paulo. Seus estudos levaram a novas abordagens para a análise do clima urbano, detalhadas em 1974 no livro Clima urbano, e ganharam uma síntese em Clima e excep cionalismo, de 1991. Só então se entregou a outras duas paixões, a literatura e a filosofia, e escreveu mais um livro, O mapa e a trama, em que analisa a obra de escritores como Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e Graça Aranha do ponto de vista da geografia e das estruturas sociais. Antes de começar a conversa em seu apartamento, em Campinas, Monteiro põe na mesa livros que escreveu, desenhos que fez (alguns reproduzidos nas páginas seguintes) e fotos de Teresina (PI), de onde partiu aos 18 anos e sobre a qual já escreveu cinco volumes, usando a história da família como pretexto para tratar das transformações da cidade, da sociedade e do mundo. O geógrafo raramente concede entrevistas, mas decidiu conversar sobre geografia, literatura e, claro, seu passado como pesquisador.
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■■Como era a Teresina de 1945, quando o se nhor saiu de lá? ——Teresina na época tinha uns 40 mil habitantes. Foi a primeira cidade do Brasil construída para ser capital; o pessoal pensa que foi Belo Horizonte, mas Belo Horizonte tem um século, que completou em 1997. Teresina foi a primeira a ser construída como um tabuleiro de xadrez, a segunda foi Aracaju. Saí de lá com 18 anos e fui para o Rio de Janeiro. Nos dois primeiros anos não pude estudar. Precisava trabalhar. ■■O que o senhor fazia? ——Passei dois anos fazendo de tudo: cobrança, batendo perna pelo Rio de Janeiro, e depois em um trabalho de extranumerário no Ministério de Educação e Saúde, no morro da Viúva. Em 1947 comecei o curso na Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil. Entrei por história e acabei me desviando para geografia – era mais dinâmico, tinha trabalho de campo, e minha meta sempre foi pesquisar. Quando eu estava no primeiro ano do curso o professor Francis Ruellan, que era consultor do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], convidou os alunos para se juntar à equipe do Conselho Nacional de Geografia e participar de um dos levantamentos da nova capital do Brasil no Planalto Central. Foi meu batismo de campo. Era para passar o mês de julho, mas ficamos julho e agosto.
eduardo cesar
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Quando voltei, tinha perdido o emprego porque tinha levado mais de 30 dias. Os colegas do conselho ficaram com pena e perguntaram a Fábio [de Macedo Soa res] Guimarães, diretor do conselho, se eu não poderia ser incluído entre os geógrafos auxiliares. Ele me contratou e tive a oportunidade maravilhosa de fazer o curso da faculdade, vendo a teoria ao mesmo tempo que fazia pesquisa no IBGE. Tinha aula de manhã, às vezes à tarde, e trabalhava até a noite. ■■Como era a geografia dessa época? ——A geografia tinha uma visão muito otimista porque estávamos vivendo uma nova fase. Antes de 1935 já havia geógrafos sem formação acadêmica, eram autodidatas que trabalhavam nos institutos históricos e geográficos, formados em engenharia, direito, medicina, como Raja Gabaglia, que era professor do Colégio Pedro II, e Delgado de Carvalho. Somos da geração que pegou a Faculdade de Filosofia no curso de geografia e história, que só foram separadas em 1957. Nossa geração se achava revolucionária. Fizemos a geografia moderna, típica, que não só descrevia, mas explicava as coisas. ■■De linha francesa? ——De linha francesa e tutelada pela França. Os primeiros professores de geografia, história, sociologia da Faculdade de Filosofia vieram todos da França. Em 1956 o Brasil sediou o Congresso Internacional de Geografia, que mostrou a nova geração de geógrafos brasileiros, do IBGE, da universidade e da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB). Nossos geógrafos foram os guias de cinco excursões, uma para cada região do país, e organizavam para os geógrafos de mais categoria serem recebidos nas casas de grandes famílias do Rio, como as de Marcos Carneiro de Mendonça e de Anna Amélia Carneiro de Mendonça. Terminei o curso em 1950. Em 1951, no Dia de Finados, fui para a França, com uma bolsa de estudos, e passei lá dois anos. Por causa do Ruellan, fui mais para o lado da natureza. Também por um lado de timidez, porque eu, para sair e ver o relevo, tinha que observar ou fazer poucas perguntas: Que profundidade se encontra água nesse poço? Quais são os meses de chuva? Na 12
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Eu queria fazer uma climatologia em que a atmosfera fosse vista dentro de uma perspectiva relacionada com a atividade humana geografia humana você vai perguntar sobre a produção, as pessoas pensam que é o governo cobrando imposto e eu sempre ficava meio constrangido. ■■Por que escolheu climatologia? ——Era a área mais carente. Em geomorfologia havia o Aziz Ab’Saber, [João José] Bigarella no Paraná, Gilberto Osório [de Oliveira Andrade] em Pernambuco, muita gente boa. Eu tinha tido um curso ruim de meteorologia, tanto aqui quanto na França. Achava que aquilo não era a climatologia de que a geografia precisava, principalmente para relacionar com o lado humanístico da geografia. Eu queria fazer uma coisa em que a atmosfera fosse vista dentro daquela perspectiva, relacionada com o homem. Mas era preciso mudar o paradigma dado pela meteorologia, o “estado médio dos elementos da atmosfera sobre um determinado lugar”. O clima ainda era uma coisa muito estática; se dizia que pela média você chegava à conclusão. Se você aplicasse a classificação de Köppen [Köppen-Geiger], ia concluir que Belém do Pará tinha o mesmo clima de Santos, o que é um absurdo, porque Belém nunca teve uma onda de frio e Santos, no inverno, está sujeita a dias de passagem frontal que baixa a temperatura e ninguém tem coragem de ir à praia, algo difícil de acontecer em Belém...
■■Como foi sua volta? ——Voltei da França e o IBGE estava meio atrapalhado, não se fazia muito trabalho de campo. Contei a uma amiga, Maria Conceição Vicente de Carvalho, filha do poeta e primeira doutora em geografia no Brasil. Ela encontrou o professor João Dias da Silveira, que estava organizando um departamento de geografia numa faculdade catarinense de filosofia. Mas aí veio Jânio Quadros e disse que não queria mais ninguém de São Paulo à disposição dos outros estados. Silveira teve de voltar, mas me recomendou. Não precisei sair do IBGE para ir à universidade porque Santa Catarina era um dos raros estados que tinham serviço de geografia e cartografia. Principiei por onde os outros terminam – era chefe do departamento e membro do conselho técnico. Nunca mais na minha vida quis ser chefe de departamento, tenho horror à administração. Trabalhava à tarde e à noite lá e de manhã no departamento estadual de geografia e cartografia. ■■Quantos anos ficou lá? ——De 1955 a 1959. Em 1960 fui para Rio Claro. Carvalho Pinto [governador de São Paulo] estava criando os Institutos Isolados de Ensino Superior, espalhados por São Paulo, que depois se juntaram na Unesp [Universidade Estadual Paulista] atual. Em Santa Catarina comecei a mudar meu paradigma do clima. Foi lá que publiquei os primeiros artigos criticando essa história de “o clima é um estado médio” e que “o clima devia ser uma visão dinâmica”. Isso não nasceu da minha cabeça, mas da crítica de um grande geógrafo francês, Maximilian Sorre. Ele era da geografia humana e dizia que o estudo do clima baseado em média de um lugar não acertava bem para a atividade humana. De 1955 a 1960 publiquei vários artigos, baseados em meteorologistas brasileiros, Adalberto Serra e Leandro Ratisbonna – esses caras eram politécnicos, formados em engenharia, e começaram a meteorologia no Brasil. Em 1963 saiu o estudo Geografia regional do Brasil, do IBGE. No capítulo que escrevi, sobre o clima da Região Sul, peguei o que tinha aprendido com Adalberto Serra e fiz uma coisa mais acessível, porque ele era muito confuso. Mostrei que todo o tempo no Brasil vem do Sul para o
Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro
Norte, a frente polar, procurando dar um aspecto mais didático a conceitos como o de onda de frio. Em 1942 Serra e Ratisbonna haviam publicado um trabalho clássico, “Ondas de frio na bacia amazônica”, dizendo que quando havia friagem no Acre e na Amazônia ocidental era o degelo das cordilheiras dos Andes, o que é uma estupidez, porque uma coisa que descesse não era para resfriar, era para aquecer. Em Rio Claro fiz minha primeira pesquisa de vulto, que me agradou muito, porque foi um trabalho feito com os alunos. Precisávamos demonstrar esse paradigma, o clima como dinâmica. Depois essa pesquisa se transformou no livro A dinâmica climática e as chuvas no estado de São Paulo. Nesse trabalho tomei todos os cuidados de corrigir as coisas. Por exemplo, o meteorologista considera que um lugar tem dados bons para tirar médias quando tem 30 anos de observações, coisa que aqui no Brasil é difícil de achar. Você acha uma estação que tem 30 anos, mas outras com 10 ou 3, e o pessoal faz o absurdo de comparar postos com médias tão diferentes. Nesse trabalho selecionamos estações com o mesmo período de observações. Se esse período de três anos coincidiu com um período de seca ou um período chuvoso, e sempre acontece esse zigue-zague, você perde a confiabilidade. Outra preocupação foi ver o tipo de tempo e o ritmo de sucessão, escolher alguns anos típicos: um ano muito chuvoso, um ano seco e um ano que fosse entre um e outro, que chamei de ano padrão. Ratisbonna dizia que não podia fazer um estudo só com 17 anos, mas 17 anos era o máximo que consegui de observações com o mesmo período. Tirei a média para ver se dentro desses 17 anos houve ano de muita ou de pouca chuva, peguei os extremos e comparei – um ano muito chuvoso, um ano muito frio. Um francês, Pierre [George], adotou esse mesmo conceito, mas substituiu a média pela totalidade de tipos de tempo, como se você tivesse uma gaveta, descobrisse os tipos de tempo e botasse cada um separado numa gaveta. Eu achava que não era preciso levantar todos os tipos de tempo, o importante era ver como os tipos de tempo se encadeavam uns nos outros, a cadeia de tipos de tempo é que determina a coisa. Por exemplo, se
vem um aquecimento frontal, você não vê aqueles dias em que sopra um vento noroeste, está um calor insuportável e de repente chega a frente, desaba aquele temporal, aí a frente passa e a temperatura baixa. Esse encadear é que é importante para ver, e não dizer que existe o tempo pré-frontal ou o tipo frontal. Fazíamos com dado horário, usávamos metros de papel, mas à medida que construíamos o gráfico já percebíamos o jogo das relações; essa foi a novidade. Essa pesquisa terminei em 1964 e só foi publicada em 1973, 10 anos depois, quando eu já estava na USP e o Aziz Ab’Saber arranjou um restinho de verba daqui e dali e publicou. ■■E a timidez, como a venceu? ——Na universidade fui para o lado físico para não bisbilhotar a vida alheia como na geografia humana! Do outro lado da AGB o pessoal apresentava trabalhos, que eram julgados se mereciam ou não ser publicados; nunca tive coragem de apresentar um trabalho na AGB. Mas como eu tinha artigos e capítulos publicados, fui eleito sócio efetivo na assembleia de Londrina, em 1961. Meu batismo se deu com Manoel Correia, pernambucano, que naquele ano foi eleito presidente da AGB. Ele se empenhou para organizar a assembleia na gestão dele e escolheu Penedo, em Alagoas. Ele queria estudar o problema no baixo São Francisco, que naquela época era caracterizado pela cultura de arroz. Aquela paisagem contrastava com uma miséria muito grande por causa de relações de produção entre os
donos da terra e os operários. Manoel Correia convenceu Caio Prado Jr. a ir a uma região que tinha um problema que interessava muito à esquerda. O estudo sobre a cidade de Penedo foi feito pela Lísia Bernardes; o do problema do arroz era coordenado por mim; o de Itabaiana, uma cidade de Sergipe, famosa do ponto de vista de geomorfologia porque tem um domo, uma estrutura enorme, além do problema humano, por Milton Santos. Trabalhamos quatro dias andando de canoa, de lancha, de estrada, desde Propriá até a foz do São Francisco, uma loucura. No final, reuni as unidades morfológicas, o tipo de vegetação, o tipo de ocupação e o tipo de problema num quadro que desenhei em papel kraft com pincel mágico. Lísia dizia que eu estava numa enrascada, porque era todo mundo comunista, e eu teria de expor as conclusões na frente dos fazendeiros e dizer que eles exploravam os coitados. ■■Como é que o senhor fez? ——Eu disse: “A natureza oferece as condições, mas as relações de produção...”. Porque era uma relação de verdadeira escravidão, o coitado trabalhava no arroz para o dono da terra, que lhe pagava um preço miserável, e às vezes, escondido, de noite, ele botava uma saca e saía para vender a um outro, para obter um preço melhor. Um fazendeiro numa hora protestou: “Mas não é bem assim...”. ■■E depois de Rio Claro? ——Houve um interregno em que saí de Rio Claro e voltei para o IBGE. Passei PESQUISA FAPESP 171
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1965, 1966 e 1967 entre o IBGE e a Universidade de Brasília. Não queria substituir os professores que tinham sido expulsos pela ditadura, só fui porque estavam criando o curso de geografia. Eu continuava não gostando do IBGE. Tem uma coisa que foi bem importante, porque antigamente a divisão regional do Brasil era feita pelos geógrafos, Fábio Guimarães fez uma de 1941, porque o IBGE foi criação do Getúlio Vargas; o Brasil era um dos raros países que tinham a geografia como elemento de suporte das políticas públicas. A divisão regional era feita pelo IBGE e o IBGE era ligado à Presidência da República; depois é que virou fundação. A geografia é importante até 1968, quando os geógrafos do IBGE fazem uma série de mapas, de geologia etc. e escrevem “subsídios à regionalização”. É a passagem do declínio do geógrafo, que perde prestígio, e a ascensão do economista, porque aqueles subsídios à regionalização eram um monte de mapas feitos para análise dos economistas; o economista é que se tornou importante e que fez a divisão em microrregiões homogêneas e as teorias de setoridade, centro-periferia, aquela coisa toda, e 1968 é justamente o ano de minha entrada na USP e do Ato Institucional nº 5.
■■Por exemplo? ——Uma prova com um caderno com 27 questões e dizer para o aluno que se ele não quisesse desenvolver nenhuma das 27 questões que ele propusesse uma para fazer. Ou o aluno me fazer a prova em desenho ou em verso e tirar 10. A outra coisa foram as minhas viagens para o exterior. Em 1976 houve um Congresso Internacional da Geografia em Moscou e eu fiz um sacrifício, peguei minhas economias, escrevi, preparei trabalhos e me mandei para lá. Nunca nenhum governo brasileiro pagou passagem para mim para canto nenhum, viajei durante 12 anos às minhas custas. ■■Por que o senhor mesmo pagava suas viagens? ——Pedir dinheiro para viajar é um direito do pesquisador, mas neste país de exceções, em que as crianças estão morrendo de fome e cheirando cola, me considero um privilegiado e pago a minha curiosidade, não vou tirar do contribuinte.
Nesse ano, em Moscou, entrei para a comissão de problemas ambientais, o presidente era o Innokenty Gerasimov, um cientista de prestígio naquela academia. Foram 12 anos em que eu viajei na comissão. Em 1976 foi em Moscou, 1977 em Praga, 1978 na Nigéria, em Lagos, em 1979 na Rússia de novo. Depois, em 1980, no Japão, 1981, no México, 1982 em São Paulo, organizado por mim. Em vez de ficar preso numa cidade vendo paper, organizei uma excursão de quatro dias; o primeiro dia a gente foi em direção a Piracicaba, almoçou na beira do rio, que já estava poluído. Depois a gente continuou em direção a São Carlos, onde dormimos; o dia seguinte apresentamos os papers – a gente viajava um dia e trabalhava no outro. Você vem da Rússia, da Índia e tem de ficar trancado numa sala vendo papel que você pode ler depois? É uma pena, não é? Depois de São Carlos fomos para a zona cafeeira da Mantiqueira, descemos o Vale do Paraíba para ver a industrialização do litoral e entramos no Rio de Janeiro pela Rio-Santos, para evitar a avenida Brasil e aquela esculhambação. Chegamos lá e deixamos o pessoal no Hotel Glória. O Gerasimov adorou, disse que tinha sido uma reunião circulante. ■■Quando o senhor mergulhou na li teratura? ——Me aposentei aos 60 anos, a briga entre geografia física e geografia humana estava no auge; o pessoal queria arrancar as coisas da física e aumentar as coisas da humana, era aquela confusão, e eu detesto confusão e briga. Saiu no Diário Oficial do dia 22 de março, na véspera do meu aniversário. A primeira coisa que quis fazer depois de me aposentar foi um balanço do que eu
Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro
■■O senhor chegou a São Paulo num ano terrível... ——No primeiro dia de aula, entrei na sala, os alunos levantaram e fizeram um comício por causa do Ato Institucional e da política que estava fervendo. Os estudantes viviam reclamando da ditadura. Eles entraram, fizeram o comício, fiquei escutando e depois fui embora. Não foi hostilidade a mim, era um protesto geral.
■■Como era trabalhar na USP? ——Em matéria de recursos era uma pobreza, o prédio era uma porcaria, não tinha nada. O ônibus de excursão já estava nas últimas, não era muito fácil a gente sair... A maior dificuldade do mundo era você fazer uma projeção, porque quando tudo funcionava não havia fio para ligar na tomada. Hoje em dia os professores fazem trabalho de campo, vão a Campos do Jordão quantas vezes quiserem, têm anos para fazer doutorado no exterior, depois têm pós-doutorado, bolsa-sanduíche... Nunca tive nada disso. Na USP tem duas coisas que gosto de ressaltar. A primeira é a liberdade de criar. Há 20 anos eu fazia coisas que hoje não fazem.
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tinha feito em climatologia e ver qual a tendência nova, em toda essa coisa dos moventes, termodinâmica etc. Estudei muito e escrevi Clima e excepcionalis mo. Depois peguei todos os livros de climatologia e de meio ambiente e dei para a Universidade Federal de Santa Catarina [UFSC], os de geomorfologia mandei para o laboratório de geomorfologia da USP, os didáticos e os mapas para a sala de Aroldo de Azevedo de auxílio ao professor de ensino médio. Como não queria parar, pensei em pesquisar algo que fosse factível para mim. “Vou fazer uma geografia mais maneira, que não precise de verba.” Sempre gostei de literatura, já tinha visto nas viagens, na Inglaterra, que havia uma linha de pesquisa de geografia e literatura, mais um livro do [filósofo Karl] Popper, fui me abastecendo. Por que não fazer o mesmo sobre o Brasil? É uma coisa que posso fazer sem precisar de verba, tenho os livros, vou analisar. Aí fiz O mapa e a trama, uma coletânea publicada pela UFSC que começa e termina com Guimarães Rosa, mas tem Graciliano Ramos, com Vidas secas, Graça Aranha, com Canaã, um livro maravilhoso que pouca gente conhece. Tento ver o conteúdo geográfico dentro dessas obras, porque todas se passam num lugar e têm uma trama. Um capítulo que deu trabalho, mas acho que ficou bom, foi sobre Machado de Assis, em Memórias póstumas de Brás Cubas, junto com Marques Rebelo, primeiro pelo contraste entre os dois, porque Machado foi um mulato que deu certo, tanto que no atestado de óbito está com cor branca. O outro, Marques Rebelo, coitado, foi perseguido, não conseguiu terminar o curso de engenharia porque o professor de mecânica celeste tomou implicância com ele. Publicaram os livros dele com o maior sacrifício, em Lisboa. Sofreu horrores, mas era um geógrafo nato. ■■O senhor não vê só o espaço... ——Não, porque tem também a parte social. Guimarães Rosa diz que ele não se preocupa nem com a sociologia nem com a história, mas você vê nos trabalhos dele que ele faz a relação completa da estrutura social: tem o fazendeiro cercado de jagunços, o administrador, o meeiro, vai descendo até o enxadeiro mais pobrezinho.
A geografia não é para estar se fragmentando e se especializando mais e mais... É importante preparar os outros para ter liberdade quando criticar
em 1948, com Bretton Woods. Claro que a economia é importante. Instalar uma fábrica é um ato econômico, mas desde que a fábrica se transforme em uma entidade física, que vai expelir gases, ganha uma materialidade e se encaixa no meio natural. Não pode separar e eliminar as consequências. A geografia humana considera só o coletivo, só o social; nisso, a economia assume uma importância além do necessário. As pessoas exageram muito em fazer do coletivo o principal; tudo que é humano é visto pelo coletivo. As partes se completam, não se pode ignorar o coletivo, mas também não se pode ignorar a parte interior do homem. Temos o direito de desenvolver uma percepção crítica, é importante preparar os outros para ter liberdade quando criticar e não seguir o rebanho fazendo tudo o que os outros fazem.
■■Em um de seus trabalhos, o senhor escreveu que a geografia humana tinha esquecido o espaço. ——É. Porque a gente trabalhava com o espaço euclidiano, da natureza; agora o pessoal da economia vai para o espaço relativo, de geometrias relacionais. Não suporto esse negócio de dividir geografia física e geografia humana. Ciência exata a geografia não é, queira ou não, porque tem o rabo preso com a filosofia. Esse é o problema. Por que é que não se estuda sociologia nem geologia na escola primária, mas se estuda geografia? Porque você está apresentando o mundo às crianças e aos adolescentes. Ensina acidentes geográficos, divisão política, clima, relevo, essas coisas básicas. A geografia não é para estar se fragmentando, se especializando mais... A filosofia, para mim, está num plano superior, não é a história da filosofia, é filosofia pensar, criticar. A geografia está embaixo, num plano mais modesto, mas conjunto, unitário. Uma colega de Brasília escreveu que a natureza já se encontra conhecida e suficientemente sob controle, agora a geografia deve passar para o social. Ora, São Paulo não resolve nem o escoamento das águas pluviais no verão, a cidade vive inundada! Havia o determinismo ambiental, mas daí passamos para o determinismo econômico,
■■Como o senhor vê os debates sobre mudanças climáticas? ——Há um exagero, porque as pessoas têm deficiência da noção de escala. Uma coisa é uma tendência, outra é a realidade, porque a atmosfera é destrambelhada, um ano é frio, outro é quente. A tendência geral pode, sim, aumentar, mas temos de considerar mais sobre o Sol, nossa fonte de energia e ainda um desconhecido, porque aquelas manchas variam, ora aumentam, ora diminuem. Quando vêm as manchas solares com mais ou menos energia, aquece ou resfria o Pacífico equatorial e vêm daí o aquecimento e o resfriamento no Pacífico, que dá o El Niño e La Niña. Outra coisa é a presença do homem na Terra, que é recentíssima, e mesmo assim encontramos registros históricos [de alterações climáticas marcantes]. E tem mais terras no hemisfério Norte do que no Sul, economicamente os dois hemisférios também são diferentes. Se a temperatura aumentar, países como Rússia e Canadá, de invernos rigorosíssimos, onde plantar tomate é a maior dificuldade, vão lucrar com o aumento de temperatura. Quem vai se danar é o hemisfério Sul, os pobres miseráveis da beira do Saara. Mas as pessoas não consideram o todo, as escalas temporal e espacial, e vem daí o catastrofismo. Tem também o lado benéfico, o catastrofismo deixa as pessoas com medo e as incentiva a mudarem de atitude. n PESQUISA FAPESP 171
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capa
Para evitar novos flagelos Estudo indica os pontos mais vulneráveis da Região Metropolitana de São Paulo e mostra a necessidade de um novo modelo de ocupação e mobilidade Dinorah Ereno
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s eventos extremos de curta duração, a exemplo das chuvas intensas que caíram sobre São Paulo, Rio de Janeiro, Angra dos Reis e outras cidades brasileiras com suas trágicas consequências, vão se intensificar com as mudanças climáticas em curso há algumas décadas. Os problemas vão continuar pelos próximos anos, como mostra um amplo estudo realizado dentro da Rede Brasileira de Pesquisas em Mudanças Climáticas (Rede Clima) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas, na temática de cidades, sob coordenação de Carlos Nobre, do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e até recentemente de Daniel Joseph Hogan, do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Universidade Estadual de Campinas, falecido em 27 de abril (ver página 41). “Na década de 1930 e, se formos um pouco mais atrás no tempo, no século XIX, não ocorriam tantos eventos extre-
Ricardo Nogueira/Folha Imagem/Folhapress
mos de chuva como acontecem hoje na cidade de São Paulo”, diz Carlos Nobre. “Isso é mudança climática, não necessariamente provocada pelo aquecimento global”, ressalta. O mais provável é que a maior parte dessa mudança climática tenha origem na própria Região Metropolitana de São Paulo, um efeito chamado pelos especialistas de “ilha urbana de calor”. Excesso de concreto, falta de áreas verdes e dificuldade de ventilação por causa do grande número de prédios altos e próximos uns dos outros são as causas da concentração de calor nessas ilhas existentes em várias cidades. “Na média do ano a cidade de São Paulo já está 2,5 graus Celsius mais quente do que há 70 anos. Na comparação com um dia mais
Moradores ilhados no Jardim Romano, na Zona Leste de São Paulo
quente de primavera, sem nuvens, esse número passa dos 6 graus”, diz Carlos Nobre, também coordenador do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais. Um primeiro resultado desse trabalho iniciado há um ano e meio, chamado “Identificação das vulnerabilidades das megacidades brasileiras às mudanças climáticas”, será apresentado em breve ao prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, apontando, por exemplo, as áreas com maior risco de deslizamento de encos-
tas e inundações no cenário atual e uma projeção para o ano 2030 se nada for feito em relação ao modelo adotado até agora para a expansão urbana da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), com a ocupação desordenada de áreas periféricas. “A mancha urbana que as imagens do satélite Landsat revelam para a Região Metropolitana de São Paulo é surpreendente, pois ela se estende por mais de 80 quilômetros no sentido leste-oeste e em torno de 40 quilômetros de norte a sul, sendo que 20 dos 39 municípios que compõem a RMSP têm suas áreas urbanas conurbadas, ou seja, constituem um continuum urbano quase totalmente impermeabilizado na bacia do rio Tietê e de seus maiores pESQUISA FAPESP 171
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Processado por Young et al. (2010) com base em imagens de satélite Landsat ETM+ 2001/2008
afluentes de alto curso, os rios Pinheiros e Tamanduateí”, diz Andréa Young, pesquisadora da área de população e ambiente do Nepo, arquiteta especializada na área de geoprocessamento e sensoriamento remoto e em gestão ambiental. Em um dos mapas, a pesquisadora analisou a extensão da mancha urbana comparando os anos de 2001 e 2008. “A região onde essas alterações se fazem sentir mais intensamente, com índice de ocupação urbana superior a 80%, corresponde ao trecho da bacia do rio Tietê e Pinheiros”, diz Andréa. Ela ressalta que o processo de urbanização já está desfigurando também o restante da bacia, avançando pelos tributários e ocupando suas vertentes e cabeceiras.
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s cenários de risco presentes hoje serviram como balizadores para gerar um modelo de expansão urbana para a Região Metropolitana em 2030. “Pela simulação, feita por meio do modelo Métrica de Expansão Periférica, podemos observar que a ocupação se intensificará na periferia da RMSP, seguindo o padrão atual, exercendo forte pressão sobre os recursos naturais existentes”, diz Andréa. Se esse processo de fato se concretizar, novas áreas de risco surgirão e a vulnerabili-
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Pontos de alagamento (em laranja) nas marginais dos rios Pinheiros e Tietê, em São Paulo
dade se intensificará tanto em relação às inundações como aos deslizamentos, até porque os episódios de chuvas intensas que os deflagram estão se tornando mais frequentes devido às mudanças climáticas de origem local e global. Na área da saúde pública, um estudo feito na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) indicou que, para cada 10 milímetros de chuva, o risco de internações por leptospirose aumenta cerca de 12% após duas semanas. “Quando se combinam alterações de clima, poluição do ar e aumento de umidade, é possível fazer um modelo que consegue prever 70% da variabilidade de doenças respiratórias infecciosas”, diz Paulo Saldiva, professor da FMUSP. Quando se junta uma condição de frio e alta umidade, o chamado frio úmido, com os gases poluentes dióxido de enxofre (SO2) e monóxido de carbono (CO), aumen-
tam os casos de doenças do trato respiratório superior. Nas internações por doenças do trato inferior, como asma e bronquite, a principal causa foi o frio úmido associado com o ozônio (O3) e as partículas inaláveis com diâmetro inferior a 10 mícrons. Os veículos automotores respondem por 40% da emissão de particulados e 31% do SO2, enquanto as indústrias são responsáveis por 10% do material particulado e 67% do SO2 transportado para a atmosfera, segundo dados do relatório. Apenas na Região Metropolitana de São Paulo são feitos, diariamente, mais de 30,5 milhões de viagens, dos quais 12 milhões referem-se a transportes coletivos e 8,1 milhões individuais. “Como o solo é negociado como mercadoria, algumas regiões passam a valer muito e as pessoas de menor renda são empurradas para as periferias”, diz Saldiva. Isso significa que as pessoas têm que se deslocar por grandes distâncias para ir de casa ao trabalho, o que representa um alto consumo de energia dos veículos e muita poluição na atmosfera. Os mapas que avaliam os riscos de inundações e de deslizamentos de terra na Região Metropolitana de São Paulo – uma área com 8.051 quilômetros qua-
Transeuntes enfrentam enchente no Rio de Janeiro
Chuvas
intensas com
altos volumes passarão a
ocorrer ainda
mais no futuro
com a mudança climática
firme da Amazônia e depois estendido para outras aplicações. “O modelo Hand mostra com grande precisão os contrastes do terreno em termos fisiográficos, ressaltando para o usuário as diferenças do meio físico”, diz o pesquisador Agostinho Ogura, da área de Gestão de Riscos e Desastres Naturais do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), que contribuiu na calibração das declividades para a Região Metropolitana de São Paulo. E revela quando a declividade de uma encosta, associada com chuvas, passa a ser considerada de
risco, usando três categorias de classificação. Com mais de 30 graus a condição é crítica para deslizamentos, de 15 a 30 graus é de alta suscetibilidade e de 5 a 15 graus a suscetibilidade relativa a processos de instabilização de encostas é menor. “A desestabilização das encostas com escorregamentos está correlacionada a episódios de chuvas de alta intensidade e volume, geralmente deflagrados por eventos pluviométricos com totais superiores a 100 milímetros”, diz Ogura. “Chuvas intensas com esses altos volumes não ocorriam sobre a cidade há 100 anos, já se verificam agora e passarão a acontecer ainda mais no futuro com a mudança climática”, diz Carlos Nobre. As áreas do terreno suscetíveis a enchentes e inundações, identificadas quantitativamente pela primeira vez pela aplicação do método Hand, foram sobrepostas à mancha urbana, tornando possível a visualização das áreas de ocupações mais vulneráveis. Nas planícies e nos fundos de vale é onde se acumula o excesso de água que escoa devido à remoção da cobertura vegetal natural em toda a bacia de captação. Em um dos mapas, com o Hand, é possível identificar claramente onde se concentram os mais de 400 pontos de inundação identificados pelo Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) municipal, que levam o caos à cidade de São Paulo nos dias de chuva intensa e concentrada. Alguns pontos são previsíveis, porque Rafael Andrade/Folha Imagem/Folhapress
drados em que vivem mais de 19 milhões de habitantes, pelas estimativas da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) para o ano de 2008 – foram feitos empregando um inovador modelo computacional de mapeamento de terrenos, que mostra com precisão as áreas baixas próximas aos rios e riachos, mesmo em diferentes altitudes no relevo, sujeitas a inundações e os locais com inclinações nas encostas sujeitos a desbarrancamentos. Denominado Hand (sigla em inglês que significa altura acima da drenagem mais próxima), o modelo, criado pelo pesquisador Antonio Donato Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e sua equipe no Centro para Ciência do Sistema Terrestre do Inpe, nivela todos os cursos d’água do terreno para o nível zero e remapeia todos os demais pontos da topografia de acordo com a distância vertical relativa ao nível onde ocorre a água superficial mais próxima. Ou seja, é como se o mapa digital da paisagem seguisse o percurso da água que corre pela rua de acordo com a topografia do terreno até chegar ao lugar onde ela descarrega no rio. Inicialmente o modelo foi desenvolvido para avaliação dos solos e do sistema hidrológico na terra
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estão exatamente nas regiões que formavam as várzeas do rio Pinheiros e do rio Tietê, inicialmente sinuosas, posteriormente retificadas para a abertura das vias marginais e aproveitamento de áreas para construção. O projeto Megacidades, financiado pelo Global Opportunities Fund Climate Change and Energy Programme, do Reino Unido, pela Rede Clima e pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas, com apoio do Programa FAPESP de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas, abarca um amplo levantamento do clima, poluição, relevo, hidrografia, uso e ocupação da terra, saúde, características sociodemográficas da população e outras informações, com projeções de cenários futuros para os dois maiores complexos urbanos no Brasil com populações acima de 10 milhões de pessoas, as Regiões Metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro. “Nossa pes-
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m segundo mapa, o da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, está sendo feito pelo mesmo grupo de pesquisa, em colaboração com pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com entrega prevista para julho. Mas antes de chegar ao relatório final, no caso de São Paulo, várias etapas foram cumpridas. Um painel internacional de especialistas, realizado com o objetivo de diagnosticar preliminarmente cada Região Metropolitana com base no conhecimento já produzido acerca das alterações climáticas e das questões que têm se mostrado fundamentais para o enfrentamento das mudanças, foi realizado em duas etapas no mês de julho de 2009, um no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, e o outro no auditório da FAPESP, em São Paulo. Pesquisadores do Brasil, Estados Unidos, Reino Uni-
do e Argentina apresentaram estudos e as experiências desenvolvidas em Nova York, Londres e Buenos Aires. A ênfase na vulnerabilidade e nas ações de adaptação às mudanças climáticas consiste no ponto central do relatório e reflete o trabalho dos painéis. “É necessário partir de uma compreensão histórica, geográfica e social do meio urbano em termos locais e regionais, para entender como certos impactos e perigos atingirão localidades específicas”, diz Carlos Nobre. Nesse contexto, a adaptação envolve o conjunto de ações que as cidades e instituições terão que enfrentar em busca de soluções para os impactos e perigos que sofrerão. O documento propõe que as políticas e estratégias necessárias para levar em conta as ameaças climáticas globais deverão ser complementares, com enfoque em mecanismos de desenvolvimento limpo, remoção de resíduos tóxicos e recomposição do ambiente. “É preciso pensar em outro tipo de modelo urbano, baseado no planejamento e controle do uso do solo”, diz Ogura. A cidade de São Paulo tem uma política de uso do solo por conta de um acordo feito com o Ministério Público para desenvolver projetos habitacionais de reurbanização em áreas de risco. Os moradores da Rafael Andrade/Folha Imagem/Folhapress
Chuvas provocaram deslizamento atrás do prédio do MAC, em Niterói (RJ)
quisa tem como objetivo fazer uma síntese do trabalho de muitos especialistas que estão lidando cotidianamente com esses problemas”, diz Hogan. “Queremos um produto que seja acessível não só para os pesquisadores, mas também para os responsáveis pelas políticas públicas e para a população em geral.”
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mapas Processados por Young et al. (2010) com base em imagens de satélite Landsat ETM+ 2001/2008
Um olhar sobre a Região Metropolitana
Área impermeabilizada 2001
SP
Projeção da mancha urbana em 2030 - RMSP
Área de expansão 2008
antiga favela do Gato, por exemplo, na marginal Tietê bem em frente ao complexo do Anhembi, viviam em barracos precários em uma área sujeita a inundações às margens do rio Tamanduateí. Hoje estão instalados em um conjunto de prédios ao lado do antigo local. “O processo de melhorar as condições de qualidade habitacional das pessoas que moram em áreas de risco vai ter que continuar, porque nossos estudos indicam que haverá um aumento na severidade e frequência dos eventos pluviométricos por conta das mudanças climáticas”, diz Ogura. Se nada for feito, o desmatamento vai prosseguir nas regiões onde hoje existe uma melhor condição de vegetação, já que as pessoas, forçadas pela pressão imobiliária, acabam sendo empurradas para áreas afastadas da região central. Com isso o efeito ilha de calor vai piorar. “O aumento do cinturão de pobreza vai se concentrar nas periferias das cidades, com todas as doenças associadas à vulnerabilidade, como piora da qualidade da água, aumento de diarreias, novos focos de dengue e violência urbana”, ressalta Saldiva. Uma das propostas do relatório é quantificar os benefícios decorrentes das medidas de adaptação às mudanças climáticas para subsidiar a tomada de
decisões. Como exemplo, os pesquisadores citam uma experiência realizada pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee) do estado de São Paulo, que quantificou os benefícios decorrentes da implantação de obras de drenagem urbana.
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m áreas de grande circulação de veículos foram considerados os custos de interrupção ou atraso no tráfego causado pelas inundações. Devido à redução na velocidade média, em geral, triplicam-se os custos normais de operação dos veículos. Para os particulares os valores variam de R$ 0,26 a R$ 0,78 por quilômetro. No caso de caminhões vão de R$ 1,50 a R$ 3,00 por quilômetro. O tempo médio perdido durante interrupções de tráfego causadas pelas inundações chega a três horas e estima-se que corresponda a R$ 6,00 a hora por passageiro, no caso de veículos particulares, e R$ 2,00 a hora por passageiro de ônibus e caminhões. “É possível, por exemplo, mostrar quanto custa recuperar uma área de risco sujeita a deslizamentos, com remoções, projetos habitacionais e reurbanização de áreas”, diz Ogura. Além disso, também é possível tentar agir preventivamente, removendo pessoas de
situações de risco, utilizando os sistemas de monitoramento e informação em tempo real que permitem acompanhar as chuvas e condições meteorológicas adversas, casados com o mapeamento refinado das áreas mais vulneráveis. O documento incorpora no final os princípios que devem orientar a discussão da política de uso do solo, de reocupação do espaço e da mobilidade e também propõe parcerias. “A ciência não pode ser o único fator de formulação de políticas públicas, mas tem que ser levada em conta”, diz Saldiva. Além disso, indica que se não forem implementadas ações políticas o crescimento da mancha urbana vai pressionar ainda mais os reservatórios de água. A experiência adquirida nos estudos para São Paulo e Rio de Janei ro poderá ser replicada para várias outras grandes cidades brasileiras e um novo estudo para Belém, Recife, Belo Horizonte e Curitiba, financiado pelo Ministério do Meio Ambiente, deve se iniciar no segundo semestre. ‘‘Em poucos anos, teremos um primeiro mapeamento das principais vulnerabili dades das grandes cidades brasileiras às mudanças climáticas para guiar as políticas públicas de redução dessas vulnerabilidades”, diz Carlos Nobre. n pESQUISA FAPESP 171
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ESTRATÉGIAS
MUNDO
MUDANÇA TAMBÉM NO PENT ÁGONO o
Departamento
de Defesa dos Estados
Unidos está promovendo orçamento
mudanças em seu
de pesquisa, reduzindo a ênfase
no desenvolvimento
de armas e investindo
mais em biologia, ciência da computação
e
,
ciências sociais. Zachary Lemnios, diretor de pesquisa do departamento,
disse à revista
Nature que a nova abordagem
terá reper-
cussão também fora dos limites do Pentágono, pois universidades
norte-americanas
receberão mais da metade do US$1,8 bilhão investido
em pesquisa básica no atual ano
fiscal. Entre as novas áreas prioritárias
Instituições filantrópicas norte-americanas mais do que triplicaram o apoio a causas e pesquisas relacionadas às mudanças climáticas em 2008. As doações saltaram de US$ 240 milhões em 2007 para US$ 897 milhões em 2008, de acordo com relatório do Foundation .Center, de Nova York. O financiamento beneficiou várias atividades, incluindo esforços para a redução das emissões de gases estufa e a preparação das cidades para temperaturas mais altas e níveis do mar mais elevados, e também apoiou projetos de pesquisa. Em 2008, por exemplo, a Fundação Rockefeller em Nova York concedeu uma dotação para a Universidade Stanford, na Califórnia, para estudos sobre
adaptação da agricultura. Mas o aumento de 2008 deveu-se principalmente à William and Flora Hewlett Foundation, também da Califórnia, que destinou US$ 549 milhões. O montante incluiu uma contribuição de US$ 500 milhões para a ClimateWorks, fundação que busca ajudar países a limitar as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera a menos de 450 partes por milhão. Uma mudança geracional explicaria a generosidade. Rachel Leon, diretora da Environmental Grantmakers Association, em Nova York, disse à revista Nature que os chamados baby boomers, norte-americanos nascidos após a Segunda Guerra Mundial, estão criando suas próprias fundações e exibem uma preocupação maior com as mudanças climáticas do que gerações anteriores.
SI
que busca criar formas
P
de vida artificial para desempenhar funções específicas. Lemnios disse que o objetivo
d
22 • MAIO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 171
é ajudar pesquisadores capazes de monitorar
u
e armas
II
suas habili-
também
o e o d
nas ciências sociais. Para comba-
P'
"sentinelas
a presença de explosivos
dades em atacar redes de computadores,
a cibersegurança
é outra prioridade. As guerras pouco convencionais reforçaram
norte-americanos o interesse
ter a insurgência
estão envolvidos
no Afeganistão,
o Pentágono
em que
investe na
compreensão da dinâmica cultural do país. Está financiando o Laboratório
a]
vivas",
a desenvolver
químicas. Como inimigos estão aperfeiçoando
os militares
rr
estão
a biologia sintética,
0 CLIMA E OS 1 BABY BOOMERS
E cl
Nacional Los Alamos para a criação de um
modelo capaz de simular o comércio de ópio no Afeganistão e analisar a eficácia das estratégias para combatê-to.
II
. fé
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s
Também apoia um projeto da Universidade de Chicago para
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modelar e prever potenciais conflitos
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no país.
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((
OPERAÇÃO RESGATE O terremoto de 8,8 graus na escala Richter que sacudiu o Chile no dia 27 de fevereiro destruiu laboratórios, incendiou um destacado centro de pesquisa em química e afundou uma importante estação oceanográfica, o que pode atrasar o progresso científico do país em vários anos. O prejuízo do sismo e do tsunami que se seguiu a ele foi avaliado em US$ 200 milhões, de acordo com o grupo Cientistas Unidos pela Reconstrução do Chile, criado logo após o desastre. Dois meses após a tragédia, a comunidade científica do país se articula para recuperar as instalações perdidas e controlar o sistema de alerta de tsunamis no país.
tados m seu nfase tindo ção
e
tor de evista eper-
I
CAÇADORES DE RECOMPENSAS
entácanas bilhão ai ano ) estão ormas nções jetivo ivas", armas habilirança mque mbém ombaste na ciando de um ganisatê-Io. o para
Em 2008, seis crianças chinesas morreram e 300 mil foram atingidas pelo surto de uma doença renal provocada por contaminação do leite. Uma investigação apontou o responsávelum produto químico industrial usado para elevar o teor de proteína do leite e suscitou um debate sobre o sistema agressivo de recompensas para pesquisadores que produzem inovações. Ocorre que a fórmula do leite hoje condenado, criada pelo grupo empresarial Sanlu, havia conquistado um prêmio nacional de inovação pouco antes de ser comercializada. O incidente evidencia problemas que a pesquisa tecnológica enfrenta na China, disse Tang Iin Ling, pesquisador da Universidade de Hong Kong. Em carta ao Canadian Medical Association [ournal, Tang disse que a comunidade científica chinesa é obcecada por prêmios. Alertou que "é difícil avaliar a importância e a confiabilidade de uma pesquisa logo após a sua conclusão" e acrescentou
que "oferecer prêmios rapidamente pode resultar em erros". Wang Zhao, médico da Universidade Tsinghua, disse que os métodos de avaliação acadêmica não são suficientemente rigorosos na China. "Uma regulação mais efetiva é necessária", disse Wang, segundo a agência SciDev.Net.
TOLERÂNCIA Após
ÀS RESTRiÇÕES
mais de uma década
defensores desenhou
dos direitos
dos animais,
do grandes
entre
pesquisadores
a Uniãó Europeia
legal para regular
e
finalmente
o uso de animais
a ser votado em julho. Uma série de novas restrições
será imposta.
Ficam banidas,
primatas
por exemplo,
ou que causem
Mas há salvaguardas mo a possibilidade comitê,
de embates
um novo arcabouço
em pesquisa,
O grupo vai enviar ao governo um elenco de recomendações que considera necessárias para recolocar nos trilhos a ciência no país. A lista inclui uma linha de crédito de US$ 90 milhões para pesquisadores substituírem equipamentos danificados. "Perdemos instrumentos caros que só estão disponíveis para comprar nos Estados Unidos, na Europa e no Japão", disse à revista Science Alfonso Droguett, porta-voz da Universidade do Chile. Os cientistas também querem que o governo crie um centro civil de pesquisas em sismologia, incumbido de assumir o monitoramento de tsunamis no lugar da Marinha, cujas falhas ao alertar para o tsunami de fevereiro amplificaram as mortes e os prejuízos.
previstas,
de apelação
coa um
pesquisas
dor prolongada
envolvenaos bichos.
Protesto a favor da pesquisa com animais
que poderá abrir brechas em
caso de "urgência das restrições,
clínica".
o texto
com alívio pela comunida.de ca. Ocorre que rascunhos inspirados
Apesar
foi recebido científi-
anteriores,
pelo fobby dos defensores
dos animais, eram muito mais draconianos,
proibindo
até mesmo
o uso
de ovos de galinha, insumo essencial para a fabricação
de vacinas.
ser bem pior. Podemos isso", disse Treue, diretor Primatas,
à
revista
"Podia
conviver
com
Nature Stefan
do Centro
Alemão
de
em Gõttingen.
PESQUISA FAPESP 171 • MAIO DE 2010 • 23
:
MÉXICO CRIA AGÊNCIA ESPACIAL Após cinco anos de debates, a Câmara dos Deputados do México aprovou no dia 20 de abril a criação da Agência Espacial Mexicana (Aexa). "Estamos entrando tarde na indústria espacial", admitiu Fernando de Ia Pena, coordenador da agência, segundo a SciDev.Net. "Mas o objetivo é recuperar o tempo perdido." A agência nasce com um orçamento simbólico, de cerca de US$ 800 mil, para criar sua estrutura administrativa e coordenará os acordos de colaboração que o México já mantém com a Nasa e as agências espaciais da Europa, da
Rússia e do Brasil. "Temos cartas de intenção firmadas com outros 32 países para apoiar a Aexa", disse Pena. A ideia agora é criar redes envolvendo as principais instituições científicas do país e também as indústrias, para impulsionar o desenvolvimento e a comercialização de tecnologias em áreas como sensoriamento remoto, telecomunicações e defesa. "Mais de 5% de nosso PIB é gasto em importação de tecnologia", disse Pena. "Mas se gerarmos tecnologia própria, a cada dólar investido poderemos recuperar pelo menos US$ 10 na comercialização de tecnologia", afirmou.
COLABORAÇÃOSU~SUL Cinco agrônomos
e 10 técnicos do Vietnã vão passar dois
anos no Chade para trabalhar
junto a fazendeiros
do país
africano e transferir tecnologia em irrigação, cultivo de arroz, pesca tradicional
e apicultura.
A colaboração entre os dois
países é coordenada pela FAO, o braço das Nações Unidas
I
para alimentação e agricultura, no âmbito de seu programa Iniciativa de Cooperação Sul-Sul, criado
•••••_-.::: __
I
-...1 Soja transgênica:
VANTAGENS DA TRANSGENIA
Culturas geneticamente modificadas oferecem vantagens econômicas e ambientais em relação a variedades convencionais, de acordo com relatório publicado no dia 13 de abril pelo Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos. Introduzidos em 1996, os transgênicos respondem hoje por mais de 80% da soja, milho e algodão dos Estados Unidos e por cerca da metade da área agriculturável do país. De acordo com o relatório, fazendeiros que plantam culturas com a tecnologia Bt,
80% do cultivo
nos EUA
criada para dar resistência a pragas, usam menos inseticidas. E o uso crescente de plantas tolerantes a herbicidas também reduziu a necessidade de agrotóxicos que contaminam a água e o solo, enquanto cresce o emprego do glifosato, menos perigoso ao ambiente. Agricultores que adotam culturas transgênicas também seguem com mais frequência práticas de conservação que reduzem a erosão do solo. Mas o relatório alerta que os riscos da transgenia podem crescer à medida que a tecnologia se expande para outras culturas e sugere novos investimentos em pesquisa.
em 1996. "Trata-se de um forte programa de capacitação que envolve transterência de tecnologia entre países em desenvolvimento",
disse à agência SciDev.Net
Abdul Kobakiwal, da FAO. "Colaborações semelhantes mostram que os agricultores apreciam a ajuda, pois os vietnamitas passaram por estágios semelhantes desenvolvimento
no
agrícola e têm muito a
ensinar:' Os especialistas foram seleclonados pela FAO e pelo Chade entre uma lista de nomes fornecida pelo Ministério da Agricultura
do Vietnã. O Chade está
financiando o projeto como parte de um programa nacional de segurança alimentar que irá investir US$ 200 milhões em cinco anos. O Vietnã mantém colaborações semelhantes com fazendeiros Madagascar e do Senegal.
24 • MAIO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 171
de
Cultivo de arroz no Vietnã: transferência de tecnologia
-
ESTRATÉGIAS
BRASIL
MODELAGEM BRASILEIRA 10S
EUA
o Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais
(lnpe) concluiu o processo de licitação pa-
:ência >s rescente a eduziu otóxicos gua
ra a compra de um novo supercomputador que será usado em previsões meteorológicas e estudos sobre mudanças climáticas. A empresa norte-americana
Cray ganhou
a concorrência, com um supercomputador com 1.272 nós, cada um deles com dois processadores de 2 GHz. O desempenho efetivo do supercomputador será de 15,8 teraflops
resce
(trilhões de operações matemáticas)
ito, mbiente. .tam
Cray, a japonesa NEC apresentou proposta. O valor total do
por segundo. Além da
até o fim do ano o sistema esteja funcionando no Centro de
re
Previsão de Tempo e Estudos Climáticos
uzem
choeira Paulista, no Vale do Paraíba. Parte do tempo de uso
(CPTEC), em Ca-
so
do supercomputador será reservada para as redes de pesqui-
riscos crescer ilogia 'as
sadores de várias áreas vinculados ao Programa FAPESP de
IS I
BRASILEIRO NA REVISÃO DO IPCC
investimento é de R$ 50 milhões, sendo que o Ministério da Ciência e Tecnologia vai entrar com R$ 35 milhões e R$ 15 milhões serão provenientes da FAPESP. A previsão é de que
n mais
I
Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais. O computador também será uma peça fundamental programa, que é o desenvolvimento
para outro objetivo do no Brasil de um modelo
10S
climático global, um software capaz de fazer simulações so-
squisa.
fisticadas sobre fenômenos do clima.
Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP e reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) entre 2002 e 2005, foi designado para participar do comitê de 12 membros que fará uma revisão dos procedimentos e processos do Painel Intergqvernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). O presidente do comitê será Harold Shapiro, economista e ex-presidente das universidades Princeton e de Michigan, nos Estados Unidos. A revisão independente foi requeri da em março pela Organização das Nações Unidas, a que o IPCC é vinculado, após a descoberta de erros pontuais nos relatórios do painel divulgados em 2007. A tarefa foi encomendada ao InterAcademy Council (IAC), que reúne as principais academias de ciências do mundo e montou o comitê. Entre os tópicos a serem analisados
figuram o controle de qualidade dos dados, o tipo de literatura que deve ser citado em relatórios do IPCC e os mecanismos capazes de garantir que todos os pontos de vista científicos sejam considerados. Shapiro terá como vice-presidente Roseanne Diab, professora da Universidade de KwaZulu-Natal, África do Sul. Os demais membros são o laureado com o Nobel de Química Mario Molina, da Universidade da Califórnia, San Diego; Maureen Cropper, da Universidade de Maryland; [ingyun Fang, da Universidade de Pequim; Louise Fresco, da Universidade de Amsterdã; Syukuro Manabe, da Universidade de Tóquio; Goverdhan Mehta, do Instituto Indiano de Ciência; Peter Williams, chanceler da Universidade de Leicester, Inglaterra; Ernst -Ludwig Winnacker, secretário-geral do Conselho de Pesquisa da Europa entre 2007 e 2009; e Abdul Hamid Zakri, conselheiro do governo da Malásia.
PESQUISA FAPESP 171 • MAIO DE 2010 • 25
=
CONTROLE DA FAUNA SILVESTRE A gestão da fauna silvestre do estado de São Paulo, atualmente bilidade do Instituto
sob a responsa-
Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Re-
E
nováveis (Ibama), passará para o Cen-
r
tro de Fauna Silvestre da Secretaria do
e
Meio Ambiente (SMA) do Estado de São
t
Paulo. A transferência será executada gradualmente com a participação de
(
técnicos dos dois órgãos. Para isso, os
(
E
profissionais estão alinhando o Sistema Integrado de Gestão Ambiental (Sigam)
a r
da SMA ao Sistema Nacional de Gestão da Fauna (Sisfauna), operado pelo Iba-
a o
ma. Atualmente o Ibama controla todos os empreendimentos que usam e mane-
t
I c
jam animais silvestres no estado de São Paulo. A proposta é que zoológicos, cria-
(
douros comerciais e científicos, criadores de pássaros utilizados em torneios, centros de triagem e reabilitação, entre outros, passem a se cadastrar no Sigam para que o Centro de Fauna Silvestre da SMA seja a instância responsável pelo manejo dos recursos. O cadastro servirá como banco de dados de estabelecimentos
que utilizam
animais da fauna silvestre nativa ou exótica, assim como seus produtos e subprodutos. A ideia é que o Sigam facilite a gestão da fauna e agilize o atendimento ao usuário.
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I
______
BIBLIOTECA VIRTUAL
Quantas pessoas estão pesquisando neste momento-ou pesquisaram, nos últimos anos - sobre diabetes, toxina botulínica, a do botox, peixes ou vidros em São Paulo? Dá para saber em instantes a resposta a essa e outras perguntas semelhantes entrando na Biblioteca Virtual do Centro de Documentação e Informação da FAPESP (www.bv.fapesp.br).Criada em maio de 2005, a BV completa cinco anos de ..•.•.....,.;;., ~ utilidade crescente: de 2005
26 • MAIO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 171
a 2009, o número de visitantes únicos passou de 20 mil para 744 mil e o de visitas, de 41 mil para 925 mil. Enquanto outras bases de dados apresentam apenas os resultados das pesquisas, a BV mostra a ciência sendo feita. "A biblioteca permite aos usuários conhecer as pesquisas e os produtos que geraram", diz a coordenadora da biblioteca, Rosaly Favero Krzyzanowski. Reúne os resumos de 16.524 projetos regulares de pesquisa, 1.360 temáticos, 972 da modalidade Jovens Pesquisadores, 377 de Políticas Públicas e 929 de Pesquisa para Inovação Tecnológica, apoiados pela Fundação. Lá estão também 1.629 referências sobre teses e dissertações, 4.305 artigos científicos e trabalhos apresentados em encontros e 162 solicitações de patentes, além de 1.258 registros de trabalhos de divulgação científica e 131 de publicações da FAPESP.
I
SISTEMA DE PARQUES CRESCE
r TI
o Parque
Tecnológico do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD) passou a integrar o Sistema Paulista de Parques Tecnológicos (SPTec). Trata-se da segunda iniciativa credenciada em Campinas, que já conta com o Polo de Pesquisa e Inovação da Unicamp. O CPqD foi criado há 33 anos como unidade de pesquisa do Sistema Telebrás e desde 1998 atua de forma independente. Além dos polos de Campinas, o SPTec já credenciou provisoriamente iniciativas em Barretos, Botucatu, Ilha Solteira, Barueri-Santana do Parnaíba (Mackenzie Tamboré), Piracicaba, Santo André, Santos, São José dos Campos, São Paulo (Jaguaré e Zona Leste), Sorocaba, São Carlos (ParqTec e Parque EcoTecnológico) e São José do Rio Preto.
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1
li o-
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INOVAÇÃO PARA O AGRONEGÓCIO
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A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a multinacional Syngenta assinaram um contrato de cooperação que estabelece uma parceria em pesquisa, desenvolvimento e transferência de tecnologia. O acordo vai explorar oportunidades de cooperação nas culturas de soja, milho e algodão. Na área de soja, o objetivo das duas empresas é, num primeiro momento, aperfeiçoar sua capacidade de identificação e tratamento das doenças. Para a cultura de milho, o acordo prevê a realização de estudos na Embrapa de tecnologias desenvolvidas pela Syngenta, com a meta de disponibilizá-las aos agricultores brasileiros. No caso do algodão, já estão sendo realizados ensaios com o plantio de novas variedades. Também há negociações
OS VE~CEDORES FCW
I DO PREMIO
Parceria:
novas variedades
para que a cana-de-açúcar seja a próxima cultura contemplada na parceria. "Trata-se de uma cooperação técnica e científica de duas empresas líderes, que investem em inovação e buscam soluções para o agronegócio. Essa parceria resultará em novas alternativas e ofertas comerciais para os agricultores brasileiros", afirma o diretor-geral da Syngenta Proteção de Cultivos, Laércio Giampani.
A Fundação Conrado Wessel (FCW) divulgou os vencedores da oitava edição do Prêmio FCW de Ciência e Cultura. Os escolhidos foram Ierson Lima Silva, professor do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (categoria Ciência Geral); João Fernando Gomes de Oliveira, diretor presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo - IPT (Ciência Aplicada); Ricardo Pasquini, professor da Universidade Federal do Paraná e
pioneiro nos transplantes de medula óssea (Medicina); e o crítico e músico Antônio Nóbrega (Cultura). Cada um receberá um prêmio de R$ 200 mil em cerimônia no dia 14 de junho. Os júris das quatro categorias são compostos por especialistas indicados pelas parceiras da FCW, como a FAPESP, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa, Academia Brasileira de Letras e Academia Brasileira de Ciências.
ARTE E TECNOLOGIA Seis instalações interativas
de arte cibernética
ficarão ex-
postas até o dia 23 de maio em estações de metrô da capital paulista. As obras pertencem à Fundação Itaú Cultural, que dispõe de um acervo que explora a relação entre tecnologia e arte e realizou eventos como a Bienal lnternaclonal de Arte e Tecnologia de São Paulo. Na
riativa nas,
Estação Brás, por onde circulam 102 mil pessoas por dia, a obra Descendo a escada, de Regina Silveira, dá aos visitantes a ilusão de uma descida virtual. Na Estação República, centenas de linhas verticais luminosas criadas pelas artistas
brasileiras
Daniela Kutschat e Rejane Can-
mas,
toni produzem luz e som quando tocadas pelos usuários. As esta-
vas Ilha a lanto dos .uaré
ções Paraíso e Sé ganharão jardins virtuais. A primeira terá um espaço com sementes de flores de dentes-de-Ieão, que poderão ser assopradas virtualmente. A duração do sopro do visitante dá o movimento
às flores. Na
segunda, a obra Ultra-nature, de Miguel Chevalier, permite aos espectadores controlar o crescimento de flores com as mãos.
PESQUISA FAPESP 171 • MAIO DE 2010 • 27
política científica e tecnológica
[ Planejamento ]
A contribuição
A
Conferência Paulista de Ciência, Tecnologia e Inovação, que reuniu 400 pesquisadores na FAPESP entre os dias 12 e 13 de abril, traçou um elenco de metas e propostas para desenvolver os sistemas de ciência e tecnologia de São Paulo e do Brasil num horizonte de 15 a 20 anos. As iniciativas sugeridas nas cinco mesas-redondas do encontro destacaram a necessidade de restaurar o apoio federal à pesquisa em São Paulo a níveis compatíveis com os resultados com os quais o estado contribui para o Brasil, de ampliar o número de doutores formados no estado e de melhorar a qualidade e a visibilidade da produção científica paulista, ao lado de uma definição de regras e incentivos para parcerias entre universidades e empresas e a escolha de áreas que serão a chave para o desenvolvimento, como a nanobiotecnologia, a oceanografia e a ecologia urbana. A necessidade de garantir qualidade ao ensino básico e médio e de reformar a estrutura das universidades e do sistema de pós-graduação também foi destacada pelos participantes de várias mesas. “O que me chamou a atenção de maneira positiva foi o fato de algumas das ideias terem sido muito recorrentes. Há uma convergência entre as várias propostas apresentadas. E as intervenções foram bastante otimistas, mostrando que há um progresso em curso nos sistemas paulista e brasileiro de C&T&I”, disse o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, no encerramento do encontro. O evento foi uma reunião preparatória para a 4a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que será realizada em
Conferência reúne pesquisadores paulistas para discutir os desafios da ciência, da tecnologia e da inovação nos próximos 15 anos Fabrício Marques
Brasília entre 26 e 28 de maio. Seu objetivo foi oferecer à discussão nacional a contribuição de São Paulo, estado que forma 48% dos doutores brasileiros e produz 50% dos artigos científicos publicados em revistas indexadas. Calculado como porcentagem do PIB (Produto Interno Bruto), o investimento do estado de São Paulo em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) supera o de gigantes emergentes, como a China, a Índia e o próprio Brasil. E também fica à frente daquele de nações como a Itália e a Espanha, e de todos os países da América Latina. O dispêndio total paulista em P&D alcançou, em 2008, 1,52% do PIB estadual, perfazendo aproximadamente R$ 15,5 bilhões. “Fiquei muito satisfeito que São Paulo, estado que concentra uma parte significativa da produção científica nacional, tenha promovido essa discussão”, disse o ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, que prestigiou a conferência.
PESQUISA FAPESP 171
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n
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Mais pesquisadores, ciência com mais impacto
30
n
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n
PESQUISA FAPESP 171
Cresce o número de cientistas
Evolução do número de pesquisadores em São Paulo e onde eles trabalham* 60.000
50.000
40.000
30.000 total 20.000
Empresas Inst. Ens. Superior
10.000
Inst. pesquisa 0 1990
1995
2000
2005
2010
Pesquisadores de São Paulo e comparação com outros países*
300.000
Reino unido
250.000
França Coreia do sul
200.000
brasil 150.000 Espanha 100.000
São Paulo Argentina
50.000
chile 0 1994
1998
2002
2006
*Quantidade total de pesquisadores equivalente a tempo integral
2010
fonte dos gráficos: Plano para C&t&I em São Paulo; CH Brito Cruz
A
multiplicação do número de cientistas em atividade no estado e o aumento da visibilidade e do impacto internacional da ciência paulista estão entre os principais desafios da pesquisa acadêmica de São Paulo para os próximos 15 a 20 anos. Para que São Paulo conquiste um peso internacional proporcional à sua excelência acadêmica, será preciso multiplicar por três, até o final dessa década, o número de pesquisadores que hoje atuam no estado. A estimativa foi feita no Plano de C&T&I para o estado de São Paulo nos próximos 15 anos, elaborado por um comitê executivo que inclui secretários de Estado, pró-reitores de Pesquisa das universidades públicas paulistas e diretores de institutos de pesquisa. Essa ambição está em sintonia com outra meta do plano, que é a de elevar o dispêndio em pesquisa e desenvolvimento no estado do atual 1,52% para 2,3% em 2020 – patamar alcançado pelo conjunto de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne 31 países que geram mais da metade da riqueza do planeta. Para responder a esse desafio, o plano mostra que seria necessário ter cerca de 156 mil pesquisadores em atividade no estado em 2020, três vezes o contingente atual. “O número de cientistas por milhão de habitantes em São Paulo é cerca de 1.100, superior ao dos países da América Latina e quase o dobro do Brasil. Para chegar ao patamar dos países desenvolvidos – a Espanha, por exemplo, que tem uma dimensão demográfica e territorial comparável à de São Paulo – seria preciso ter o triplo de cientistas em território paulista”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, um dos coordenadores do plano. Os obstáculos a serem enfrentados são consideráveis. O Brasil forma por ano 56 doutores por milhão de habitantes, índice aquém de países como Ingla-
terra (250), Austrália (224), Coreia do Sul (164) e França (131). A situação de São Paulo é melhor do que a média do país. O estado forma por ano 114 doutores por milhão de habitantes. Um problema é que o crescimento do número de doutores formados no Brasil arrefeceu nos últimos anos. Até 2002 a taxa de crescimento na formação de doutores era de 14% por ano, tendo caído para 4% anuais após 2003. Reacelerar esse processo depende de soluções ousadas e muitas vezes complexas. Entre as propostas mencionadas pelos participantes da conferência elencam-se desde melhorar o nível dos ensinos fundamental e médio, para aumentar o número de bons candidatos ao ensino superior, até criar novos centros de pós-graduação e enfatizar o doutorado sobre o mestrado. Houve consenso entre os participantes de que não é possível esperar apenas que as três universidades estaduais ampliem ainda mais seus programas de formação de doutores, ampliação esta que vem acontecendo continuamente há muitos anos, pois a capacidade parece estar chegando ao limite. Em 2008 a USP formou 2.301 doutores, quase o triplo de grandes universidades americanas, como a Universidade da Califórnia, em Berkeley, e a Universidade do Texas, em Austin. A Unesp, com 772 doutores formados em 2008, e a Unicamp, com 760, tiveram desempenhos quantitativos superiores ao de Harvard (660) e de Stanford (638). Mas os Estados Unidos formaram 48.802 doutores em 2008 diante de 10.711 no Brasil, porque dispõem de um número muito maior de cursos de doutorado disseminados em várias instituições. “Fazer com que as universidades paulistas formem ainda mais doutores pode não ser compatível com a formação de qualidade que caracteriza essas instituições”, disse Vahan Agopyan, pró-reitor de Pós-graduação da USP e membro do Conselho Superior da FAPESP. O crescimento de novos centros de pós-graduação no Brasil será a saída para que o número de pesquisadores cresça a ponto de o Brasil manter-se competitivo com o time de nações desenvolvidas. “São Paulo forma 48% dos doutores brasileiros, concentra 30% dos que estão em atividade de pesquisa, produz 50% dos artigos científicos publicados e recebe, em média, pouco
Em 2020 serão necessários 156 mil pesquisadores em atividade no estado de São Paulo, três vezes o contingente atual
mais de 20% dos recursos das agências federais de fomento à ciência e tecnologia”, afirmou Brito Cruz. “Ao mesmo tempo que é essencial que se expanda o sistema nacional de C&T, é também fundamental que sejam apoiados os centros mais avançados e que dão maior contribuição ao desenvolvimento científico e tecnológico do país”, resume. A ideia é que quase dois terços dos 150 mil pesquisadores paulistas em 2020 atuem no setor privado, respeitando a proporção atual. No caso das universidades, o problema é mais complexo. Segundo o pró-reitor de Pesquisa da USP, Marco Antônio Zago, é irreal imaginar que as universidades irão ampliar consideravelmente o número de vagas de docentes nos próximos anos. O incentivo à formação de pós-doutores, segundo Zago, será fundamental para aumentar o contingente de talentos envolvidos diretamente em pesquisa, ainda que sem vínculos definitivos com as instituições de ensino superior. Os pesquisadores paulistas gastam tempo demais em tarefas burocráticas, como prestações de contas e produção de relatórios, o que atrapalha sua dedicação à pesquisa. Produzir ciência de maior qualidade depende, segundo os participantes da conferência, da contratação de mais pessoal técnico e administrativo nas universidades. “O preenchimento de documentos poderia
ser feito por pessoal administrativo e a operação de equipamentos, por técnicos especializados”, afirmou Cláudio Shyinti Kiminami, pró-reitor de Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Conforme observou Zago, da USP, a contratação de pessoal técnico também é necessária para potencializar o uso de equipamentos de múltiplos usuários que hoje muitas vezes estão ociosos por falta de quem saiba fazê-los funcionar. “A escassez de pessoal técnico é o principal gargalo atualmente na expansão da capacidade de pesquisa das universidades brasileiras”, afirmou Zago. A participação mais efetiva em redes internacionais também foi apontada como essencial para que os artigos produzidos por nossos pesquisadores tenham mais impacto. Klaus Werner Capelle, pró-reitor de Pesquisa da Universidade Federal do ABC (Ufabc), ressaltou que a inserção da pesquisa nacional no cenário mundial está aquém do desejável e do possível, devido, principalmente, à barreira do idioma. Ele propôs políticas para financiar e apoiar cursos de redação científica e de conversação em inglês para pesquisadores e estudantes, além de uma agressiva campanha de divulgação da pesquisa brasileira no exterior. “Os artigos brasileiros constituem 2,12% das publicações mundiais em 2008, mas recebem menos citações que a média mundial”, lembrou Capelle. “Comparado com outros países, há ainda escasso intercâmbio acadêmico de alunos e poucos pós-doutores internacionais no Brasil”, disse. Um dos desafios propostos foi a adoção de mais estímulos para que estudantes e pesquisadores tenham experiên cia internacional e estabeleçam pontes com grupos estrangeiros – por meio, por exemplo, do aumento das bolsas de doutorado sanduíche. Ronaldo Pilli, pró-reitor de Pesquisa da Unicamp, apresentou o esforço de sua universidade em se internacionalizar, por meio, por exemplo, da ampliação de programas de estágios de iniciação científica em universidades norte-americanas e do financiamento de visitas de professores estrangeiros por até dois meses. A Unicamp, disse Pilli, busca formas jurídicas para contratar pesquisadores estrangeiros, por períodos de um a dois anos, sem a proibição hoje imposta de fazer o processo seletivo em idioma estrangeiro. » PESQUISA FAPESP 171
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Resgate do ensino médio e reforma da pós-graduação
A
falta de recursos humanos qualificados já prejudica os planos de crescimento das indústrias paulistas, relatou Celso Barbosa, gerente de tecnologia, pesquisa e desenvolvimento da Villares Metals, um dos palestrantes da Conferência Paulista de Ciência, Tecnologia e Inovação. “Em breve poderemos ter um problema muito sério de falta de mão de obra especializada. Por exemplo, de 27 engenheiros formados no ano passado em uma turma do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, 21 foram para o sistema financeiro”, contou. Para Barbosa, um crescimento econômico mais vigoroso do país poderá acarretar uma grande falta de técnicos e pesquisadores nas empresas, um verdadeiro blackout de mão de obra qualificada. E essa escassez já vem sendo notada. “Há dificuldade até para encontrar bolsistas para projetos”, disse. A preocupação foi compartilhada por José Fernando Perez, presidente
da Recepta Biopharma e diretor científico da FAPESP entre 1993 e 2005. “O Brasil precisa formar mais engenheiros e cientistas ou a falta de recursos humanos será um gargalo sério para o desenvolvimento”, disse. Mas enfrentar o problema não depende apenas das universidades. As deficiências no ensino fundamental e médio são a grande questão de fundo para a formação de recursos humanos no estado de São Paulo. “O número de vagas para o ensino superior é maior do que o número de pessoas concluindo o ensino médio”, destacou Brito Cruz. “Temos que aumentar o número de pesquisadores e estamos observando que a taxa de formação está limitada no ensino superior e estagnada na pós-graduação. Para reverter esse quadro, é preciso melhorar a qualidade do ensino médio para haver mais e melhores candidatos.” Nesse sentido, o investimento feito pelo estado de São Paulo
em faculdades de tecnologia, Fatecs, e em escolas técnicas, Etecs, foi apontado como relevante para amenizar esse quadro. Outras propostas foram sugeridas, como a criação de cursos pré-vestibulares mantidos pelas próprias universidades, a fim de reforçar a formação dos estudantes de escolas públicas e facilitar sua entrada nas universidades públicas de qualidade. Parte do problema da evasão de alunos das universidades públicas é explicada pelas dificuldades de acompanhar os cursos. “Eles não conseguem médias mínimas, pois chegam despreparados à universidade”, disse Vahan Agopyan, pró-reitor da USP. Para ele, problemas estruturais, como a falta de professores em certas áreas, a formação deficiente dos docentes e a qualidade ruim do material didático, somam-se a equívocos no processo de formação profissional, como as lentas mudanças nos currículos, e geram profissionais desatualizados, que paradoxalmente amargam o desemprego num mercado carente de talentos. Para o pró-reitor de Pós-graduação da UFSCar, Bernardo Arantes do Nascimento Teixeira, o problema tem vínculos com a desvalorização da carreira docente. “Temos um grande número de vagas ociosas nos cursos de licenciatura, pois é difícil encontrar alunos dispostos a seguir a carreira docente”, afirmou.
O aumento da produção científica
Evolução do número de artigos científicos na base ISI
20.000
100% Brasil
Artigos por cientista na base ISI em 2004
Brasil Argentina
16.000
80%
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México Coreia
SP
Chile São Paulo
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Espanha Austrália Irlanda Canadá 0,00
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0,25
Deficiências nos ensinos fundamental e médio são a grande questão de fundo para a formação de recursos humanos
A falta de atualização dos métodos didáticos também dificulta o aprendizado dos universitários, segundo Marilza Vieira Cunha Rudge, pró-reitora de Pós-graduação da Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Os alunos não suportam longas aulas teóricas. Eles estão acostumados com métodos de aprendizado colaborativo que não estamos empregando”, disse. De acordo com ela, é preciso também pensar em novos formatos para os cursos de pós-graduação que atendam esse novo público. “É preciso respeitar o perfil da nova geração”, disse. Outra questão permeou as discussões: o modelo de pós-graduação vigente no país é adequado para os desafios dos próximos anos? A permanência do mestrado como pré-requisito para a formação de doutores foi questionada pelos participantes. A pró-reitora da Unesp, por exemplo, sugeriu uma redução no tempo de formação, acoplando o mestrado à graduação e diminuindo o tempo de doutoramento para três anos, de modo que, como ocorre na Europa, o prazo para obter graduação e doutorado seja reduzido para sete anos. Exemplos como o da Unicamp, que conseguiu abreviar a etapa do mestrado na formação de muitos alunos
que fizeram iniciação científica durante a graduação, e da UFSCar, que frequentemente promove mestrandos ao doutorado direto, foram apontados como boas alternativas para o sistema de pós-graduação paulista, que é mais maduro do que em vários outros estados brasileiros. Mas a formação deficiente dos graduados é tida como um empecilho para abolir o mestrado. “A pós-graduação está consolidada e reconhecida no país. Devemos nos preocupar com o seu aperfeiçoamento e melhor inserção na sociedade”, disse Agopyan, da USP. O avanço de um tipo de pesquisa interdisciplinar e multidisciplinar impõe um outro desafio que é quebrar as barreiras burocráticas das universidades calcadas em departamentos. “Privilegiar a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade será fundamental para agregar as diferentes áreas do conhecimento na universidade”, disse Maria José Soares Mendes Gianinni, pró-reitora de Pesquisa da Unesp. Marco Antônio Zago, da USP, apontou a necessidade de reformar amplamente o ensino superior, a fim não apenas de quebrar as barreiras disciplinares, mas sobretudo de moldar as universidades para as necessidades de longo prazo do progresso científico e tecnológico, que não se atrelam à agenda do Ministério da Educação ou às pressões corporativas. “Não se trata de uma avaliação técnica de desempenho como a Capes faz, mas de planejamento político de longo prazo, para criar um novo pacto sobre as metas do sistema de formação após a graduação, desvinculado dos interesses e reivindicações imediatistas do sistema universitário”, disse Zago. De acordo com Eduardo Moacyr Krieger, que coordenou a mesa-redonda sobre pesquisa acadêmica, o esforço para criar as bases da educação interdisciplinar nas universidades requer um forte engajamento das ciências sociais e humanas. “Isso é fundamental. Não se faz pesquisa interdisciplinar hoje sem a participação das humanidades e das ciências sociais. Os pesquisadores dessas áreas estão sendo convocados a participar ativamente desse esforço”, afirmou Krieger, que foi presidente da Academia Brasileira de Ciências entre 1993 e 2007 e é membro do Conselho » Superior da FAPESP.
Inovação em gestão de negócios e incentivos sem burocracia
A
insuficiente interação entre a academia e o setor privado e a baixa capacidade inovadora das empresas brasileiras persistem como desafios a serem enfrentados por pesquisadores, governos e empresários. Os participantes da Conferência Paulista de Ciência, Tecnologia e Inovação concordaram que, embora importantes, os mecanismos criados nos últimos anos para aproximar das empresas o conhecimento gerado nas universidades produziram, por enquanto, resultados tímidos e precisam de reforço. Pedro Wongtschowski, diretor-presidente do Grupo Ultra, afirmou que os sistemas oficiais de incentivo são inadequados às empresas e não contemplam as suas realidades. “A Lei do Bem, por exemplo, atraiu cerca 300 empresas em 2007 e 450 em 2008. Isso é muito pouco”, disse Wongtschowski, referindo-se à Lei 11.196 de 2005, que estabeleceu incentivos à inovação tecnológica. “Os intuitos são bons, mas não geram os efeitos desejados. Há algo de errado com o modo como esses instrumentos foram concebidos e como são aplicados”, afirmou. Presidente da Recepta Biopharma e ex-diretor científico da FAPESP, o físico José Fernando Perez defendeu uma maior flexibilidade dos investimentos governamentais federais destinados à pesquisa, cujas ferramentas são excessivamente burocráticas. “Uma pequena mudança durante o projeto gera problemas com o uso da verba que já estava marcada”, disse. Carlos Américo Pacheco, do Instituto de Economia da Unicamp, afirmou que as ações e as políticas públicas voltadas para estimular a inovação, mesmo bem-intencionadas, tornam-se pouco efetivas ante a influência de um ambiente hostil para a atividade produtiva, com carga tributária e juros reais muito elevados. PESQUISA FAPESP 171
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Investimento paulista em pesquisa e desenvolvimento Comparação do dispêndio em P&D em % do PIB
Composição do dispêndio em P&B em São Paulo (em milhões de reais de 2008)
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10.000,0
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Rússia Brasil
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8.000,0
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7.119
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China Portugal
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São Paulo Reino Unido
3.733
4.000,0
França Alemanha
3.378 1.524 2.035
Estados Unidos 2.000,0
Coreia
2.540
1.972
Japão Israel
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3,00
Ele defendeu a adoção de estratégias que tentem equalizar as desvantagens impostas pelas condições macroeconômicas, tornando as empresas mais capazes de inovar e de competir. “Tome-se o caso do êxito da política agrícola. Ela teve sucesso porque oferece compensações a esse ambiente hostil. O juro é tabelado e fixo e o Tesouro banca a diferença. Ninguém paga a taxa Selic”, afirmou. Mas os debates mostraram que o setor privado vem melhorando seu desempenho em P&D. Dados apresentados por Brito Cruz, da FAPESP, mostraram que o investimento em P&D em São Paulo segue liderado pelo setor privado, que investiu R$ 9,7 bilhões em 2008, ante R$ 7,1 bilhões em 1995 (em reais de 2008). O dispêndio do governo estadual, nesse período, aumentou de R$ 2,4 bilhões para R$ 3,7 bilhões. A nota dissonante vem do governo federal, que investiu em P&D em São Paulo praticamente o mesmo valor real em 1995 e em 2008, variando de pouco mais de R$ 1,9 bilhão para cerca de R$ 2 bilhões. Segundo ele, a quantidade de pesquisadores de São Paulo, apesar das limitações, vem aumentando: passou de 25 mil em 1995 para cerca de 50 mil em 2008. Desse total, 60% estão em empresas, 34% em instituições de ensino superior e 6% em institutos de pesquisa. “É notável que a participação das empresas no número total de pesquisadores aumentou pronunciadamente a partir de 1999”, observou Brito Cruz. 34
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Um sintoma de que vem ocorrendo um estreitamento na relação entre empresas e cientistas foi uma discussão, inexistente até tempos atrás, sobre os limites das negociações para o pagamento de royalties a pesquisadores que contribuem com o setor privado. Wongtschowski, do Grupo Ultra, criticou o apetite das universidades na hora de discutir com as empresas contratos de propriedade intelectual. Disse que os pesquisadores, com frequência, superdimensionam a contribuição que estão dando ao produto ou processo desenvolvidos – em geral apenas num elo de uma extensa cadeia de inovações – e exigem royalties, a seu ver, exagerados. Sugeriu que a definição da remuneração seja feita após o produto chegar ao mercado, a fim de alcançar um valor atrelado ao ganho gerado. José Fernando
O setor privado paulista vem melhorando seu desempenho em P&D e passou a contratar mais pesquisadores
Federal
Estadual
Privado
Perez contra-argumentou lembrando que hospitais de pesquisa dos Estados Unidos impõem a empresas negociações duríssimas relacionadas aos royalties de descobertas científicas. O economista João Furtado, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador de inovação tecnológica da FAPESP, chamou a atenção para o fato de que os atores envolvidos no processo de desenvolvimento tecnológico e de inovação confundem frequentemente seus papéis no Brasil. Segundo ele, a universidade ora cumpre papel que pertence não a ela, mas às empresas, ora se exime de fazer o que se espera dela. Ronald Martin Dauscha, do Centro de Inovação, Educação, Tecnologia e Empreendedorismo do Paraná (Cietep) da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), ressaltou a importância de classificar as empresas conforme a sua maturidade em pesquisa e inovação. “Não é possível classificar pelo tamanho. Há pequenas empresas extremamente inovativas e empresas de grande porte que desconhecem a pesquisa”, comparou Dauscha. Fernando Landgraf, diretor de inovação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), defendeu a necessidade de estabelecer uma métrica mais eficaz para avaliar empresas e instituições. “Nossa proposta se baseia em utilizar como indicador de avanço da inovação o número de contratos com cláusulas de propriedade intelectual”, disse. »
Esforços multidisciplinares e a importância das Humanidades
O papel das ciências sociais e das humanidades também foi destacado pelo historiador Shozo Motoyama, do Centro Interunidade de História da Ciência da USP, que propôs a criação de um Instituto Virtual de Ecologia Urbana. Segundo Motoyama, a pobreza, os problemas de saneamento básico, urbanização, violência e intolerância não vêm sendo tratados ainda de forma articulada, mas apenas setorialmente. “Essa ideia traria subsídios importantes para a adoção de políticas públicas inovadoras em todas as esferas de governos”, defendeu. Luiz Henrique Lopes dos Santos, professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, lembrou que para a criação de um grande programa voltado para as humanidades é preciso haver demanda clara e organizada da comunidade científica. “Se existe na comunidade científica um vulto significativo de pesquisadores que estão dispostos a dedicar seus esforços a um determinado campo, é importante ter iniciativas como essas. Mas é preciso ter cuidado para não formar, por meio da criação de um grande programa, uma demanda
sinal de alerta na pós-graduação A velocidade do crescimento da formação de doutores caiu a partir de 2003 +4% a. a.
12.000
10.000 Doutores formados no Brasil
Q
uais devem ser as áreas prioritárias para P&D em São Paulo nos próximos 15 anos? A pergunta rendeu uma das discussões mais ricas da Conferência Paulista de Ciência, Tecnologia e Inovação e produziu respostas complexas, que associam a necessidade de gerar esforços multidisciplinares em áreas como a nanotecnologia, a ciência da computação e a ecologia urbana, com destaque para o envolvimento das ciências humanas. Cylon Gonçalves da Silva, professor emérito do Instituto de Física da Unicamp e coordenador adjunto da FAPESP para Programas Especiais, propôs um elenco de áreas emergentes que, segundo sua avaliação, não invalida nem se contrapõe às prioridades do presente. No campo das ciên cias exatas e engenharias, disse Cylon, a ênfase deveria ser canalizada para a nanotecnologia, entendida como o controle da matéria na escala de átomos e moléculas, com foco para áreas capazes de responder às necessidades energéticas do planeta, tais como a fotossíntese artificial e o armazenamento de energia. Ele também propôs investimentos na chamada e-science, que são as ferramentas conceituais para tratar vastas quantidades de dados, para auxiliar disciplinas como a astronomia e a genômica, entre outras. No campo das ciências da vida e da saúde, de acordo com o professor, a prioridade deve ser a nanobiotecnologia, a fim de desenvolver, por exemplo, novos processos de diagnósticos e de criar moléculas capazes de atingir alvos precisos no corpo humano. Como a maior parte da população do planeta vive em cidades, Cylon propôs como meta para as ciências sociais e humanas um esforço para entender e controlar a ecologia do ambiente urbano. A pesquisa interdisciplinar é essencial para vencer os desafios da ciência, segundo Cylon. “Nosso desafio é estimular as novas gerações de pesquisadores a explorar o vazio das disciplinas tradicionais”, afirmou.
artificial”, disse Lopes dos Santos, que é coordenador adjunto de Ciências Humanas e Sociais, Arquitetura, Economia e Administração da FAPESP. Segundo o professor, as humanidades não estão perdendo espaço em relação à oferta de bolsas e investimentos em projetos de pesquisa. A exceção é o Programa de Pesquisa em Políticas Públicas, que entre 2001 e 2004 contemplou 80 projetos. Entre 2005 e 2008 foram 41. “Esses números mostram que pode haver mais empenho das humanidades em projetos de inovação – que, nesse caso, concernem principalmente às políticas públicas”, afirmou. De acordo com ele, o crescimento das áreas de humanidades é proporcional ao do sistema de ciência e tecnologia em geral. Os recursos disponíveis acompanham esse crescimento, não só no Brasil mas em todo o mundo. “Além da demanda pouco ousada para grandes projetos em humanidades, temos dificuldade em inserir nossa produção acadêmica na agenda internacional”, afirmou. Do ponto de vista da estratégia abrangente para a pesquisa, as discussões validaram o destaque feito por Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, em sua apresentação na abertura do evento, quando afirmou que, ao lado da pesquisa que pretende curar doenças ou tornar empresas competitivas, também é preciso haver estímulo e destaque para a pesquisa que faz a humanidade mais sábia, e a estratégia paulista precisa considerar todas essas oportunidades. n
+16% a. a.
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[ Ciência da computação ]
Visibilidade internacional Pesquisadores do Instituto Microsoft Research-FAPESP apresentam seus projetos nos EUA
P
esquisadores brasileiros com projetos apoiados pelo Instituto Microsoft Research-FAPESP de Pesquisas em TI apresentaram os resultados de seus trabalhos no External Research Symposium 2010, evento organizado pelo braço de pesquisa da gigante Microsoft, em Redmond, nos Estados Unidos, nos dias 6 e 7 de abril. “A participação do grupo brasileiro contribuiu significativamente para o sucesso do simpósio, exemplificando a dimensão e a qualidade da pesquisa em ciência da computação em São Paulo”, destacou Jaime Puente, diretor de pesquisas externas para a América Latina da Microsoft Research. O instituto é uma iniciativa conjunta da FAPESP e da Microsoft que busca obter avanços no conhecimento em tecnologia da informação e também alcançar aplicações de impacto social. Três chamadas de propostas já foram lançadas e contemplaram 11 projetos, representados em Redmond numa sessão de pôsteres. Os cinco projetos aprovados na primeira chamada do instituto em 2007 tiveram seus resultados divulgados em palestras específicas no External Research Symposium 2010. São eles, eFarms: uma estrada de mão dupla de pequenas fazendas para o mundo em rede; Projeto Borboleta: sistema integrado de computação móvel para atendimento domiciliar de saúde; e-Cidadania: sistemas e métodos na constituição de uma cultura mediada por tecnologias da informação e comunicação; PorSimples: simplificação textual do português para inclusão e acessibilidade digital; e X-Gov: aplicação do conceito de mídia cruzada a serviços públicos eletrônicos. O projeto PorSimples, apresentado pela professora Sandra Maria Aluísio e pela pesquisadora Caroline Gasperin, do Instituto de Ciências Matemáticas e de
010100100011010100 1000100101001010001 0010001001 0011110101101 101010101000010110 111110101001 0000110010011011 1110101011 0110100101101000 0011011011111010010
Projetos apoiados pelo Instituto Microsoft ResearchFAPESP de Pesquisas em TI Projeto
coordenação
eFarms: uma estrada de mão dupla de pequenas fazendas para o mundo em rede
Claudia Bauzer Medeiros, Unicamp
PorSimples: simplificação textual do português para inclusão e acessibilidade digital
Sandra Aluisio, USP São Carlos
e-Cidadania: sistemas e métodos na constituição de uma cultura mediada por tecnologias da informação e comunicação
Maria Cecília Baranauskas, Unicamp
Projeto Borboleta: sistema integrado de computação móvel para atendimento domiciliar de saúde
Fabio Kon, USP
X-Gov: aplicação do conceito de mídia cruzada a serviços públicos eletrônicos
Lucia Filgueiras, USP
JamSession: uma arquitetura descentralizada para mundos virtuais especializados e a Web 3.0
Flávio Soares Corrêa da Silva, USP
Triagem automática de retinopatias diabéticas: tecnologia da informação contra a cegueira prevenível
Jacques Wainer, Unicamp
AgroDataMine: desenvolvimento de métodos e técnicas de mineração de dados para apoiar pesquisas em mudanças climáticas com ênfase em agrometeorologia
Agma Juci M. Traina, USP
SinBIOTA 2.0 - Sistema de Informações do Programa Biota/ FAPESP: planejando os próximos 10 anos
Carlos Alfredo Joly, Unicamp
Desenvolvimento e aplicação de rede de geossensores para monitoramento ambiental
Celso Von Randow, Inpe
Tecnologia da informação aplicada à genômica para bioenergia: anotação probabilística usando inteligência artificial
Ricardo Nicoliello Vencio, USP Ribeirão Preto
Computação da USP em São Carlos, desenvolveu ferramentas para simplificar a linguagem dos textos em português disponíveis na internet e facilitar o seu entendimento tanto por crianças e adultos em processo de alfabetização quanto por analfabetos funcionais e pessoas com problemas cognitivos. Uma das ferramentas, um editor de textos on-line, busca ajudar os autores a preparar versões mais simplificadas de seus textos antes de serem publicados. O autor submete o texto ao programa, que propõe uma nova versão com construções menos complexas e palavras mais fáceis de entender pela grande maioria. A outra é um plug in que precisa ser instalado no browser e procura fazer essa transformação em textos já publicados na rede – o desafio é produzir um novo texto que permaneça coerente, pois o autor não irá intervir no resultado final. “A tecnologia de simplificação por trás de ambas as ferramentas é a mesma e continua sendo aperfeiçoada”, diz Caroline, 31 anos, bolsista de pós-doutorado. Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, que participou do evento, afirma que o envolvimento de
jovens pesquisadores e estudantes em reuniões internacionais de pesquisa é muito importante para a sua formação profissional. “Esse envolvimento estimula que continuem a desenvolver pesquisa e mostra aos estudantes, desde cedo, a importância da cooperação científica com pesquisadores de outros países”, ressaltou. O simpósio contou com cerca de 150 cientistas de diversos países. “Os trabalhos apresentados por pesquisadores de todo o mundo mostraram a variedade de temas abordados, indo desde aspectos de uso da computação na saúde (eHealth) até questões de preservação e recuperação do conhecimento armazenado em mídia digital”, disse Claudia Bauzer Medeiros, professora do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que também esteve no simpósio. “Um dos temas mais enfatizados foi o aparecimento de uma nova forma de fazer ciência, apoiada pela tecnologia da informação. Cada vez mais, cientistas de todos os domínios do conhecimento precisam de novas maneiras de gerenciar, analisar e visualizar os dados produzidos por suas pesquisas.
Os trabalhos brasileiros também seguiram a mesma linha, mostrando o amplo espectro do uso de métodos e técnicas da ciência da computação – desde facilitadores para a inclusão digital até fornecedores de subsídios para o progresso de todas as ciências”, destacou a professora, membro da coordenação da área de ciência e engenharia da computação da FAPESP. Claudia apresentou o projeto eFarms: uma estrada de mão dupla de pequenas fazendas para o mundo em rede, aprovado na primeira chamada do Instituto Microsoft Research-FAPESP. O eFarms, que aborda problemas de pesquisa conjunta em computação e ciências agrárias, vem sendo desenvolvido para atender a dois grandes objetivos. “O primeiro é o desenvolvimento de modelos, algoritmos e ferramentas computacionais para apoio à decisão em planejamento de safras. O segundo objetivo é criar uma rede de comunicação de dados de baixo custo, para permitir a pequenas propriedades rurais o acesso à internet, incluindo comunicação entre as propriedades”, disse. O simpósio, que acontece todos os anos, ofereceu aos pesquisadores a oportunidade de trocar ideias e experiências e discutir estratégias futuras com colegas de outros países. Jacques Wainer, professor do Instituto de Computação da Unicamp, levou a Redmond um pôster de seu projeto, contemplado na segunda chamada do Instituto Microsoft Research-FAPESP, que busca desenvolver um sistema de informação capaz de detectar alterações em imagens de fundo de olho indicativas de retinopatia diabética, complicação do diabetes que afeta a passagem de sangue e pode levar à perda da visão. Ele conta que ficou impressionado com as reuniões de que participou, em especial as sobre , conceito baseado no compartilhamento de grandes servidores interligados pela internet para utilização coletiva da memória e das capacidades de armazenamento e processamento. “Esse conceito já é disseminado no meio empresarial, mas a Microsoft vem investindo em suas aplicações em computação científica”, diz Wainer. “Logo depois do simpósio, já incumbi um aluno de começar a tran balhar nesse tópico”, afirma.
Fabrício Marques PESQUISA FAPESP 171
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[ biodiversidade ]
Corrida contra o relógio O biólogo Thomas Lovejoy diz que é preciso restaurar parte da Amazônia desmatada para salvar a floresta e enfrentar as mudanças climáticas
O
s efeitos combinados das mudanças climáticas, desmatamento e queimadas podem desencadear um grande processo de perda da biodiversidade da Amazônia quando se alcançar 20% de devastação do território. A previsão, feita por um relatório do Banco Mundial, é usada pelo biólogo norte-americano Thomas Lovejoy, um estudioso da Amazônia há quatro décadas que introduziu o termo biodiversidade na comunidade científica nos anos 1980, para tratar da urgência em resgatar ecossistemas em degradação. “A restauração de ecossistemas, como o reflorestamento da Amazônia, em escala planetária também estabelece a possibilidade de remover parte do CO2 da atmosfera e convertê-lo em sistemas vivos”, diz Lovejoy, que preside o Centro Heinz para Ciência, Economia e Meio Ambiente, é membro do Conselho Curador da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável e consultor do Banco Mundial. Em 22 de maio, o Dia Internacional da Biodiversidade, Lovejoy estará em São Paulo, a convite do programa Biota-Fapesp, para proferir uma palestra sobre o 3º Global Biodiversity Outlook (GBO3), iniciativa da Convenção sobre a Diversidade Biológica que busca discutir indicadores para se monitorar a redução nas taxas de extinção de espécies, destruição de hábitats e de serviços prestados por ecossistemas. Na entrevista a seguir, Lovejoy trata desse tema e das perspectivas da preservação da biodiversidade.
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■■A versão preliminar do relatório Global Biodiversity Outlook 3 informa que não foi atingida a meta combinada em 2002 de “obter uma redução significativa da taxa atual de perda da biodiversidade”. Por que isso aconteceu? ——As metas não tinham sido estabelecidas até pouco depois de 2002 e sempre leva tempo para definir as atividades e organizar as instituições. Mas a consciência de que elas não estavam sendo atingidas levantou discussões sobre a necessidade de fazer da definição de metas um exercício mais sólido. Diria que o problema foi que a questão não estava sendo suficientemente levada a sério em termos globais. ■■Qual é a sua opinião sobre as políticas e as ações adotadas para proteger a Floresta Amazônica nos últimos 10 anos? A savanização da Amazônia foi apontada pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) como uma provável consequência do aquecimento global. Acredita neste cenário? ——Houve uma mudança dramática e positiva na última década na Amazônia brasileira. Isso incluiu um abrupto declínio nas taxas de desmatamento, a criação de expressivas novas áreas de proteção, melhorias no processo de titulação de terras e uma mudança geracional nas lideranças dos estados da região. Trata-se, no entanto, de uma corrida contra o tempo. Um estudo recente do Banco Mundial mostrou que os efeitos combinados das mudanças climáticas, desmatamento e queimadas poderiam desencadear um processo de
morte da floresta quando se alcançasse 20% de devastação na Amazônia. Isso traria implicações importantes para a agroindústria e a geração de energia hidrelétrica ao sul e a leste por causa das chuvas oriundas do ciclo hidrológico da Amazônia. Isso faz com que o reflorestamento agressivo da Amazônia para reconstruir uma margem de segurança seja uma prioridade urgente. ■■Como a redução na perda da biodiversidade pode ajudar a enfrentar a pobreza, promover o desenvolvimento e lidar com as mudanças climáticas? ——Pavan Sukhdev, do Deutsche Bank, fez um importante estudo dois anos atrás no qual documentou a parcela significativa da renda dos pobres gerada por produtos e serviços da biodiversidade e dos ecossistemas. A biodiversidade é de enorme importância para os pobres. Mas todos nos beneficiamos dela, não apenas os pobres. A bacia hidrográfica de Nova York fornece água de alta qualidade para a cidade ao custo de um décimo do valor que seria gasto por uma estação de purificação de água criada para a mesma tarefa. A humanidade se beneficia regularmente das contribuições das espécies selvagens e dos ecossistemas, embora cometamos o erro de raramente contabilizarmos isso dessa forma. A restauração de ecossistemas, como o reflorestamento da Amazônia, feita em escala planetária estabelece a possibilidade de remover parte do CO2 da atmosfera, provavelmente o equivalente a 40 partes por milhão, e convertê-lo de volta em sistemas vivos.
■■Quais são as principais diferenças do GBO3 e dos relatórios anteriores em relação à quantidade e à qualidade de dados globais e ao uso de indicadores ligados à proteção e ao uso sustentável da biodiversidade? A ciência brasileira tem ajudado com bons dados? ——O GBO3, assim como seus predecessores, é construído a partir de relatórios nacionais bem como de outros dados. Os relatórios nacionais estão claramente muito melhores e mais robustos hoje em contraste com os do GBO1 e do GBO2. Não vi o relatório brasileiro, mas suponho que também seja bom e robusto. O Brasil é muito forte cientificamente, inclusive em biologia da conservação. Certamente, o programa Biota e instituições como a FAPESP têm contribuído significativamente para esse relatório e para os próximos, assim como para a conservação em si. ■■Há uma tendência de organismos multilaterais de converter a proteção à biodiversidade em serviços ambientais, utilizando-os para quantificar avanços nas questões de conservação da biodiversidade. Concorda com isso? Há quem diga que se trata de uma simplificação antropocêntrica, pois os serviços considerados são benefícios para o homem. ——Os serviços dos ecossistemas constituem uma perspectiva importante sobre o valor da natureza para a humanidade, mas há uma abundância de discretos “produtos” que emanam de uma única espécie ou de grupos de espécies que não devem ser ignorados. É fundamental reconhecer que as espécies são a estrutura
divulgação
■■Incertezas sobre os resultados da ciência do clima têm sido usadas para atacar as conclusões do IPCC. Como os cientistas enfrentam as críticas relacionadas à perda da biodiversidade? ——Há inevitavelmente desacordo acerca de detalhes, mas essencialmente todos os cientistas que estudam a biodiversidade concordam que existe uma crise. Prevejo que em algum momento haverá um esforço coordenado para dizer que isso está acontecendo, mas que não é importante. Mas até mesmo o ex-governador do Mato Grosso Blairo Maggi sabe que seus campos de soja dependem das chuvas que vêm do Amazonas, um serviço que seria uma loucura ignorar ou permitir que deteriore.
Lovejoy: palestra em São Paulo no Dia da Biodiversidade
de um ecossistema e é a soma de suas funções que fornece um serviço. ■■Qual a sua opinião sobre a ciência brasileira vinculada à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade? ——O Brasil tem ecologistas, especialistas em biodiversidade, biólogos da conservação e outros cientistas de classe mundial. Eles dão uma enorme contribuição em âmbito nacional, além de uma contribuição significativa em escala mundial. O mundo só pode se beneficiar se a influência científica do Brasil neste campo continuar a crescer. ■■Qual é a sua opinião sobre a política de combate à biopirataria no Brasil? ——De modo geral, tem havido um considerável exagero na preocupação com a biopirataria no Brasil. Nós estamos em uma nova época na qual cientistas do mundo inteiro são sensíveis ao problema e estão sujeitos a autorizações nos países em que trabalham. Os reais biopiratas são aqueles que destroem a biodiversidade, porque, dessa forma, ela não poderá nunca contribuir para o conhecimento e o bem-estar dos cidadãos. Houve um momento na década passada em que as
políticas de permissão tornaram-se pesadas para desencorajar os estrangeiros a participar da pesquisa. O progresso da ciência é maior quando a colaboração internacional é facilitada. ■■Considera justas as críticas sobre as estratégias brasileiras para obter energia? Usinas hidrelétricas e bioenergia são opções limpas, mas enfrentam críticas em relação a impactos na biodiversidade e a segurança alimentar. ——O Brasil está em posição de fazer contribuições importantes no campo da energia, particularmente em biocombustíveis, embora os detalhes sejam sempre importantes. Ao mesmo tempo, existem oportunidades imensas para melhorar a eficiência energética. Eu acho que o Brasil precisa de um novo modelo nacional para ir ao encontro de suas necessidades de energia de uma maneira muito mais sustentável – capaz de incorporar eficiência, preocupação com o uso da terra e formas adequadas de fazer barragens em rios. Até que desenvolva esse novo modelo, estará sujeito a projetos problemáticos como esse da Usina de Belo Monte. n
Fabrício Marques pESQUISA FAPESP 171
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[ Homenagem ]
O demógrafo que pensava o clima
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Antoninho Perri/unicamp
maioria dos estudiosos das mudanças climáticas olha para o céu e para os levantamentos históricos para prever o comportamento do tempo. Com um olhar complementar, Daniel Joseph Hogan olhava para a terra – mais exatamente, para as cidades. Um dos raros especialistas em ciências humanas voltados à avaliação dos impactos das alterações do clima, em novembro de 2009 Hogan apresentou as conclusões de um levantamento que havia coordenado, mostrando que um dos pontos da cidade do Rio de Janeiro mais sensíveis aos excessos do clima eram as proximidades da lagoa Rodrigo de Freitas e as baías de Guanabara e de Sepetiba – de fato, essas áreas e as pessoas que viviam nelas estavam entre as mais atingidas pelas chuvas intensas do início deste ano no Rio. Já em São Paulo as áreas mais sensíveis são as próximas ao leito dos rios Tietê e Pinheiros, espaço de inundações constantes sob as chuvas de dezembro e janeiro. Hogan, que morreu em consequência de um câncer na bexiga na madrugada do dia 27 de abril, era um dos coordenadores do projeto Megacidades, um amplo estudo sobre clima, solo, relevo e condições de vida de populações de cidades como São Paulo apoiado pelo Programa FAPESP de Mudanças Climáticas Globais. Um de seus propósitos era fazer com que as conclusões desse estudo chegassem a
Daniel Hogan, morto aos 67 anos, alertou sobre os impactos das mudanças climáticas nos centros urbanos quem pudesse trabalhar para evitar tragédias causadas pelos temporais do início de cada ano (ver reportagem nesta edição). Homem cortês e prestativo, voz sempre baixa, Daniel Joseph Hogan era professor de demografia e pesquisador do Núcleo de Estudos de População (Nepo) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Hogan chegou à Unicamp em 1972, depois de ter se graduado em letras no Le Moyne College, em Syracuse, Estados Unidos, e feito o mestrado em sociologia do desenvolvimento e o mestrado em demografia, ambos na Universidade Cornell, também nos Estados Unidos. Na Unicamp, vinculou-se ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e foi pró-reitor de Pósgraduação de 2002 a 2005. “Com sua capacidade de articulação e diálogo, Hogan conseguiu criar uma ampla rede de pessoas dedicadas a pensar e trabalhar por um mundo mais sustentável, justo e humano”, comentou a diretora do Nepo, Regina Maria Barbosa, ao Jornal da Unicamp. “Daniel foi um pesquisador original e imaginativo que, além da contribuição científica, foi determinante para várias iniciativas institucionais. Na FAPESP sua participação foi determinante para trazer uma visão multidisciplinar com foco nas humanidades para programas como o Biota e o de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais”, comentou Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP. “Seu modo tranquilo de debater, sempre em tom suave, palavras bem escolhidas e ideias fundamentais, definiu o resultado de muitas discussões científicas e institucionais e estabeleceu um modelo para a vida acadêmica. Sua ausência será muito sentida.” n PESQUISA FAPESP 171
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LABORATÓRIO
MUNDO
EXPRESSO SUBMARINO Uma erupção no fundo do mar fez a alegria da bióloga Lauren Mullineaux, da Instituição Oceanográfica Woods Hole, nos Estados Unidos. Sua equipe embarcava num projeto para investigar os processos físicos responsáveis pela dispersão da biodiversidade
marinha,
quando a erupção no leste do oceano Pacífico eliminou a vida da região de estudo. O experimento natural permitiu aos pesquisadores acompanhar a recolonização dessa área de fumarolas hidrotermais - fissuras no assoalho do oceano em que a água se aquece em contato com rochas vulcânicas. Diferentemente do que se pensava, viram que as espécies que se estabeleceram não vinham da fuma rola vizinha, mas de mais de 300 quilômetros. Mais inesperado foi descobrir que são as larvas que viajam, não os adultos (PNAS). Resta descobrir como. Jatos no fundo do oceano que se movem 10 centímetros
por
segundo demorariam mais do que o tempo necessário para que as larvas virem adultas. "Ou as larvas usam outro transporte ou vivem mais do que pensávamos", disse Lauren à agência de notícias da Fundação Nacional de Ciência (NSF).
MAIS DO QUE A CAMISA
I SUAR
Os dinamarqueses demonstraram com testes o que os brasileiros já sabiam: jogar futebol faz bem à saúde física e ajuda a criar laços sociais. Peter Krustrup e Iens Bangsbo, da Universidade de Copenhague, realizaram testes com homens e mulheres com idade entre 9 e 77 anos, comparando os efeitos do futebol e da corrida. Por alguns meses um grupo de pessoas, adultos jovens, por exemplo, praticava corrida três vezes por semana, em treinos com uma hora de duração cada
um. Ao mesmo tempo, outro grupo da mesma faixa etária disputava partidas de futebol. Jogar bola ou correr melhorou o desempenho cardiovascular e fortaleceu a musculatura.
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Mas, mesmo treinando em grupo, os corredores estavam mais focados nos próprios resultados, enquanto os jogadores desenvolveram espírito de equipe. "Os benefícios se mantiveram por um período relativamente longo, mesmo quando o tempo de jogo diminuiu para uma.ou duas horas por semana", conta Bangsbo. Os resultados estão num suplemento especial do Scandinavian
of Medicine and Science in Sports.
[ournal
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EFEITOS DO CALOR HUMANO
O calor que emana de uma pessoa no meio de uma sala atrai partículas que flutuam no ar, mostrou o grupo do físico Iohn McLaughlin, da Universidade Clarkson, nos Estados Unidos. Baseado numa simulação em computador, o trabalho foi apresentado no congresso da Sociedade Física Americana, em Portland, e mostra que um corpo em temperatura ambiente não altera a trajetória das partículas, mas quando a 25 graus Celsius, a temperatura normal das roupas de uma pessoa, as partículas que chegam são lançadas para o alto, batem no teto e voltam. Se correto, o modelo representa o que acontece num escritório fechado, por exemplo, com as partículas carregadas de vírus lançadas pelo espirro de um colega gripado ou com a poeira que entra pelo sistema de ar-condicionado.
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AGRICULTURA DURADOURA
Os povos que viviam na América do Sul antes da chegada dos europeus os pré-colombianos - causaram mudanças ecológicas permanentes na região amazônica. Reunindo arqueologia, arqueobotânica, paleoecologia, ciências do solo, ecologia e imagens aéreas, um grupo liderado por Doyle McKey, do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, mostrou que fazendeiros pré-colombianos construíram complexos de campos elevados em áreas da costa das Guianas, criando canais, lagoas, sistemas de drenagem e concentração de recursos. Sem essas transformações, essas terras não seriam adequadas para o plantio. Mesmo depois de abandonados por seus agricultores, esses campos foram mantidos pelo que os pesquisadores chamam de engenheiros do ecossistema: formigas, cupins, minhocas e plantas.
AINDA IMBATíVEL Dois estudos puseram à prova novamente a teoria da relatividade geral, testada continuamente desde que Einstein a propôs em 1915.Mais uma vez ela se mostrou a melhor explicação para justificar a estrutura do Universo. Desde o Big Bang, há 13 bilhões de anos, o Universo está em expansão, que se tornou acelerada nos últimos 5 bilhões de anos. A maioria dos físicos e astrônomos acredita que sua forma resulte da interação entre gravidade, atrativa, e energia escura, repulsiAglomerado de galáxias Abell 3376: esculpido pela gravidade
va. Para alguns grupos, porém, a energia escura não existe e a teoria da relatividade geral só explicaria o que ocorre a pequenas distâncias, como a que separa planetas e estre-
Atraídos pelos nutrientes concentrados nessas zonas alteradas, esses engenheiros silvestres continuam a transportar nutrientes para elas e a alterar as propriedades do solo, diminuindo o risco de erosão. Essa é uma alteração sofisticada na natureza, que em vez de causar desgastes acaba dando origem a um sistema autossustentado (PNAS).
las. Comparando dados de 49 aglomerados de galáxias com os de supernovas e radiação cósmica de fundo, Fabian Schmidt, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, viu que a relatividade geral explica a ação da gravidade tanto nas galáxias quanto nos aglomerados de galáxias. Em outro trabalho, uma equipe da Universidade Stanford avaliou informações de outros 340 aglomerados e verificou que as observações estão de acordo com a teoria de Einstein para distâncias maiores ainda.
MENO~ATELEVISÃO INFANClA
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Pediatrics & Adolescent Medicine. Os pais de
Usar a televisão como babá eletrônica de crianças pequenas pode causar danos duradouros. De acordo com um estudo feito na Universidade de Montreal, no Canadá, e na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, crianças de 2 anos expostas à televisão têm mais chances de, aos 10, terem um desempenho escolar pior, dificuldades de socialização, maus hábitos alimentares e de praticar menos atividades físicas. O trabalho foi publicado este mês na Archives of
1.314 crianças relataram o tempo de televisão aos 29 e aos 53 meses de idade; aos 10 anos, os professores avaliaram os hábitos escolares, psicossociais e de saúde. "O início da infância é um período crítico para o desenvolvimento do cérebro e a formação do comportamento", comenta Linda Pagani, coautora do artigo à agência de notícias Eurekalert, surpresa por encontrar um efeito tão durável. "Alto consumo de televisão durante esse período pode levar a hábitos pouco saudáveis."
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LABORATÓRIO
BRASIL
DE MÃE PARA FILHO Estudos conduzidos com camundongos e ratos sugerem que, para evitar que os filhos desenvolvam alergias na infância, os pais devem agir cedo. Na verdade, bem cedo - antes do nascimento ou mesmo da concepção. Bastaria que a mulher mantivesse sua carteira de vacinação em dia antes de engravidar. É que, durante a gestação e a amamentação, o sistema imunológico materno influencia a qualidade da defesa dos recém-nascidos. Em experimentos com camundongos e ratos, a equipe da imunologista Maria Notomi Sato, do Laboratório de Dermatologia e Imunodeficiência
da Facul-
dade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), deu um passo importante para explicar como isso acontece. Os pesquisadores injetaram no sangue de fêmeas de roedores adultas, antes que acasalassem e emprenhassem, um antígeno que atua do mesmo modo que uma vacina, estimulando a produção de anticorpos. Mais tarde testaram quão alérgicos eram os filhotes. Sob a
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MAPA BRASILEIRO DA HEPATITE
influência dos anticorpos maternos, o sistema imune dos roedores filhos de mães vacinadas inibiu a produção de comunicadores químicos que disparam as alerqlas. Descrito
As taxas de prevalência das hepatites A, B e C no Brasil não são altas. Mas é possível reduzi-Ias, sugerem levantamentos apresentados em março por grupos de pesquisa do país inteiro no 140 Congresso Internacional sobre Doenças Infecciosas, em Miami (International [ournal of lnfectious Diseases). A hepatite A chega a atingir 67,5% das crianças e adolescentes que vivem nas capitais da Região Norte - e a vacina contra essa hepatite não consta do calendário nacional de imunização. O menor índice detectado está na Região Sul, onde 18,9% das
em artigo na BMC Immunology,
o trabalho mostra que esse
efeito resulta de uma interação complexa entre células, comunicadores químicos e anticorpos.
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A FORÇA DO VAZIO
O vácuo está longe de ser simplesmente nada. A física quântica já mostrou que se trata de um estado com uma estrutura rica e difícil de definir. Agora os físicos William Lima e Daniel Vanzella, da Universidade de São Paulo em São Carlos, mostraram que a gravidade - em geral considerada coadjuvante em fenômenos do mundo quântico, aquele abaixo da escala atômica pode ter uma relação explosiva com o vácuo. Em artigo publicado na Physical Review Letters, a dupla mostra que em determinadas situações, como a formação de objetos compactos como estrelas de nêutrons, o campo gravitacional pode expandir a densidade da energia do vácuo, que acaba por dominar o sistema. Resta averiguar as consequências da descoberta para a cosmologia e a astro física.
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crianças de 5 a 9 anos já tiveram contato com o vírus. A prevalência está ligada ao nível socioeconômico. Já a hepatite B, cuja vacina integra o calendário de imunização do país desde 1992, está mais controlada, ao menos nas regiões Sul e Sudeste. Na faixa etária dos 10 aos 19 anos, a prevalência é de 1,58% e 0,61 %, respectivamente; entre os adultos (20 a 69
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anos), 11,3% e 7,9%. Já a hepatite C atinge 0,06% das crianças e dos adolescentes da Região Sul e 0,11 % do Sudeste. Na população adulta a prevalência nessas regiões é, respectivamente, de 1,1% e 0,76%. Mesmo que sejam raros, os casos infantis de hepatite C contra a qual não há vacina e o tratamento ainda é nocivo e pouco eficaz indicam a necessidade de mais medidas de prevenção.
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PRONTAS PARA A ESPERA
Mesmo que não sejam revestidas por uma polpa, as sementes de plantas como o mulungu (Erythrina velutina) chamam a atenção das aves com um vermelho intenso. Ao comer as sementes, os animais alados as transportam para longe, onde podem germinar em novo território. Mas a enganação não é tão eficaz quanto oferecer uma boa refeição, e por isso a espera pode ser longa. Pedra Brancalion, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo, estudou as sementes de cinco espécies e descobriu que elas se mantêm viáveis por um longo período, presas à árvore, até atiçar o apetite de alguma ave desavisada. O grupo pôs sementes num ambiente úmido a 41 graus Celsius, condições propícias à deterioração (Annals af Batany), e verificou que todas entram numa dormência que gera um revestimento rígido e impermeável que impede que as sementes se deteriorem; 56% das
sementes de olho-de-cabra (Ormasia arbarea) conseguem germinar mesmo depois de um ano expostas em clima tropical.
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PLANTAS ON-LlNE
E BICHOS
Está mais fácil para qualquer um, com acesso à internet, conhecer um pouco mais sobre a biodiversidade da Amazônia. Desde o final de abril a Petrabras disponibilizou em seu
site um mapa virtual com imagens e informações sobre pouco mais de 100 espécies de plantas e animais da região de Coari, a cerca de 500 quilômetros a oeste de Manaus. O chamado biomapa apresenta fotos e vídeos de espécies como a aranha-espinhosa (Micrathena schreibersi), com projeções semelhantes a espinhos no corpo negro e amarelo; a ave conhecida como estalador-do-norte (Corythopis torquatus), que produz um estalo característico ao bater o bico; ou ainda o maracujá-poranga (Passiflora logiracemosa), trepadeira com flores de pétalas salmão. Essa compilação resulta de levantamentos da biodiversidade feita por instituições de pesquisa da região em parceria com a Petrobras, que explora o petróleo da província de Urucu, uma das maiores reservas nacionais em terra (www.petrobras. com.br/biomapas).
O GÊNERO DO CÉREBRO Para entender a esquizofrenia, o biólogo brasileiro Daniel Martins-de-Souza, do Instituto Max Planck de Psiquiatria, na Alemanha, compara as proteínas produzidas no cérebro de pessoas saudáveis e de pessoas com esquizofrenia. Agora o enfoque levou a um achado surpreendente: as alterações ligadas à doença não são idênticas no cérebro de homens e de mulheres (Journal of Psychiatric Research). Algumas proteínas têm sua produção alterada no cérebro de mulheres mas não de homens - com esquizofrenia, e vice-versa. "Até hoje a esquizofrenia tem sido considerada uma doença que atinge homens e mulheres igualmente; contudo, nossos dados mostram que isso parece não ser verdade", comenta o pesquisador.
CÂNCER DOS CITROS Pesquisadores brasileiros descreveram o genoma de duas cepas de bactérias causadoras de formas mais brandas do cancro cítrico, doença que provoca lesões nas folhas e nos frutos de laranjeiras e limoeiros e gera perdas anuais de milhões de dólares à citricultura
nacional
(BMe Genomics). Equipes de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso do Sul sequenciaram e analisaram o genoma das cepas de Xanthomonas fuscans aurantifolii,
associadas ao cancro B e ao
C: o primeiro é comum na Argentina, no Paraguai e no Uruguai; o segundo, no estado de São Paulo. Em parceria com pesquisadores da Flórida, os brasileiros compararam o funcionamento
dos genes dessas cepas
com o da bactéria X. citrii, cujo genoma havia sido descrito em 2002 por pesquisadores da rede Onsa, financiada pela FAPESP. Da comparação, surgiram novas pistas sobre os mecanismos bioquímicos da doença.
Cancro: perdas anuais de milhões de dólares na citricultura nacional
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[ Neurofisiologia ]
C
oloque um rato diante de um gato e verá uma das reações mais essenciais à sobrevivência. De imediato, o rato paralisa como se estivesse morto, reduzindo assim o risco de chamar a atenção do seu predador, em geral atraído pelo movimento. Se o perigo continua ou aumenta com a aproximação do gato, o roedor se lança em uma sequência de saltos vigorosos para trás que o fazem voar por uma distância equivalente a algumas vezes o comprimento do seu corpo. O congelamento dos movimentos e a tentativa enérgica de fuga integram o repertório de reações naturais de defesa típicas de situações que despertam o medo. Surgiram provavelmente há centenas de milhões de anos, com os primeiros répteis que escaparam de seus predadores e se espalharam pelo planeta, e continuam a ser apresentadas por um grupo amplo de animais que inclui os mamíferos – entre eles, os seres humanos. Mas só recentemente, a partir de estudos feitos no Brasil e nos Estados Unidos, constatou-se que as reações que preparam o corpo para lutar ou fugir diante do perigo são disparadas e coordenadas por uma região profunda e primitiva do cérebro: o hipotálamo, estrutura com a forma e o tamanho de uma azeitona situada na base do crânio, à altura do olhos.
Temores provocados por razões distintas acionam regiões diferentes no cérebro Ricard o Zorzet to
danilo zamboni
Ciência
Intrigado com o número e a complexidade das mudanças que as reações de defesa disparam no corpo – momentaneamente elevam a pressão arterial, aumentam a atenção e preparam os músculos para agir –, o médico e neuroanatomista Newton Sabino Canteras decidiu se embrenhar há pouco mais de uma década pelos complexos circuitos neurais do hipotálamo. Protegida nos seres humanos pelos hemisférios cerebrais, essa estrutura de pouco mais de dois centímetros de comprimento, um de espessura e quase dois de altura acomoda ao menos 16 conjuntos de células distintos, com conexões entre si, com outras regiões do cérebro e outros órgãos do sistema nervoso central. Ela produz vários hormônios e está associada ao controle da fome, da sede, da temperatura corporal, do sono, do comportamento reprodutivo e da agressividade. A investigação minuciosa de como esses circuitos se conectam dentro e fora do hipotálamo e a determinação da sequência em que são acionados em situa ções que colocam a vida em risco, como o ataque de um predador, levaram Canteras e pesquisadores dos Estados Unidos a propor que essa estrutura cerebral desempenha um papel fundamental tanto na geração e na coordenação das reações de defesa despertadas pelo medo como na memorização das circunstâncias que o geraram. Experimentos no laboratório de Canteras, no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), permitiram ainda constatar que, diferentemente do que se acreditava, o caminho percorrido pelo medo no cérebro não é único: temores gerados por situações distintas podem acionar circuitos celulares diferentes. Mais que um detalhe da fisiologia cerebral de ratos, a descoberta de que alguns conjuntos de células ou núcleos do hipotálamo atuam nas reações de medo pode influenciar até mesmo a compreensão e PESQUISA FAPESP 171
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no Brain Research Bulletin em colaboração com Silvana Chiavegatto e Luiz Ribeiro do Valle, ambos do ICB, e Larry Swanson, da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos.
o tratamento de transtornos mentais como a ansiedade, que atinge 4% dos brasileiros, e sua versão mais extrema e menos comum, o pânico, causa, em 1,6% da população, de crises súbitas de falta de ar e taquicardia nas quais a mente é tomada pela certeza de que se vai morrer. Há um bom motivo para se rever o conhecimento atual sobre esses problemas. É que muito do que se sabe sobre como esses distúrbios se instalam e evoluem baseia-se em experimentos com animais (em especial, roedores) simulando situações ameaçadoras distintas das encontradas na natureza.
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os laboratórios de pesquisa tenta-se reproduzir as situações de risco de morte dando, sob determinadas condições, leves choques elétricos na pata de um rato. Esse tipo de ameaça, porém, parece não ter o mesmo significado evolutivo que a imposta por predadores. Ao longo de milhares ou até milhões de anos, os animais não tiveram de lidar em florestas, savanas e desertos com descargas elétricas como essas, que assustam e incomodam, mas não causam lesões. De modo geral, enfrentaram nesses ambientes uma rea lidade bem diferente: enquanto procuravam comida, tinham de escapar de animais maiores ou mais fortes, dispostos a transformá-los em refeição. É mais ou menos o que ocorre com o rato que, ao sair de sua toca, dá de cara com um gato – ou com os antepassados do Homo sapiens que deixavam a caverna em busca de alimento. “O modelo experimental que usa o choque para simular os efeitos do medo é muito artificial”, afirma Canteras. “O choque gera aversão, mas não desperta o medo como as situações que põem em risco a sobrevivência.” A fim de entender como se dá no cérebro a resposta ao medo, Canteras escolheu, cerca de 15 anos atrás, usar uma representação mais fiel ao que deve ocorrer na natureza. Com o casal Robert e Caroline Blanchard, da Univer-
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D sidade do Havaí, nos Estados Unidos, ele desenvolveu o modelo experimental em que o rato permanece por alguns minutos diante de um gato. Mesmo protegido no interior de uma caixa de acrílico transparente, longe das garras do felino, o roedor quase sempre inicia a tentativa desesperada de fuga como se nada o separasse de seu predador. Já nos primeiros experimentos Canteras observou que a simples exposição ao gato aumentava o nível de atividade de algumas áreas do hipotálamo do rato. Mais especificamente de um grupo de células chamado núcleo pré-mamilar dorsal. Embora contenha um conjunto pequeno de células – são alguns milhares de neurônios entre os bilhões que existem no cérebro –, o núcleo pré-mamilar dorsal se mostrou essencial para as reações de defesa. Sem esses neurônios, em vez de ficarem imóveis ou tentarem fugir aos saltos, os ratos saíam da caixa acrílica para explorar o ambiente diante do gato, como se o predador não estivesse ali. Com frequência, aproximavam-se do gato como se não o temessem mais, demonstrou Canteras em 1997 em um trabalho publicado
O Projeto Bases neurais do comportamento motivado - nº 05/59286-4 modalidade
Projeto Temático Coordenador
Newton Sabino Canteras – ICB/USP investimento
R$ 1.173.284,17
esde os anos 1920 se sabia que o hipotálamo estava, de algum modo, envolvido no comportamento de defesa. Testes feitos na época pelo fisiologista norte-americano Archibald Bard com gatos com lesões cerebrais identificaram uma região posterior do hipotálamo importante para a manifestação da chamada ira fictícia – hiperreação de defesa associada ao corte de conexões de áreas profundas do cérebro com a mais superficial, o córtex. Nas décadas seguintes, outros centros do hipotálamo foram mapeados, mas nada se sabia sobre a função do núcleo pré-mamilar dorsal até os anos 1990. No período em que passou no laboratório de Swanson, de 1990 a 1992, Canteras dissecou as conexões dos núcleos da região mais central (zona medial) do hipotálamo – entre eles, o pré-mamilar dorsal –, ligados à expressão de comportamentos inatos ou apreendidos. De volta a São Paulo, iniciou testes para compreender como essas áreas do hipotálamo atuavam. No laboratório de Canteras o psicólogo Alessandro Cezario e a bióloga Erika Ribeiro Barbosa, em parceria com Marcus Vinícius Baldo, do Laboratório de Fisiologia Sensorial, do ICB, realizaram uma sequência mais elaborada de testes. Colocavam o rato em uma caixa de acrílico e a comida em outra, conectada à primeira por um túnel. Numa primeira etapa, o rato tinha de atravessar o túnel para alcançar a comida. Mas, ao chegar ao local em que ficava a ração, encontrava um gato. Como resultado, ficava paralisado. Era a reação de defesa esperada ao medo inato ou incondicionado, apresentado naturalmente pelo roedor diante de seu predador – algo parecido ao que deve ocorrer com quem, ao dobrar uma esquina, dá de cara com um cão com ar de pouco amigo. Na segunda fase de testes, o roedor tinha de percorrer o mesmo trajeto para se alimentar, mas o gato não estava mais no compartimento da comida. Mesmo assim, ao entrar no ambiente em que havia visto o felino, o rato congelava seus movimentos por um tempo,
antes de começar a explorar o local com cautela – como quem, mordido por um cão diante de uma casa, passa a evitar aquela calçada por algum tempo. O objetivo do experimento era ver o que se passava com o hipotálamo em situações que provocam o medo condicionado, em que ocorre a antecipação do perigo. Também nesse caso o núcleo pré-mamilar dorsal foi a região mais ativa. Se, no entanto, esse grupo de células era destruído antes da primeira fase do experimento (quando o rato encontra o gato), o roedor perdia o medo de explorar o local no dia seguinte, quando o felino não estava mais lá, demonstraram os pesquisadores em artigo de 2008 no European Journal of Neuroscience. Esse era um sinal de que o roedor havia perdido a capacidade de recordar o encontro aterrador e associá-lo ao ambiente em que havia ocorrido. Em um trabalho publicado on-line em janeiro deste ano na Neurobiology of Learning and Memory, a equipe de Canteras mostrou que a informação segue do núcleo pré-mamilar dorsal para um centro que armazena as memórias associadas às emoções, como o medo.
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njetando diretamente no núcleo pré-mamilar dorsal compostos que bloqueiam o funcionamento dos neurônios, o grupo do ICB verificou que tanto no primeiro como no segundo caso a interrupção da atividade dessa região reduz – e muito – o acionamento de uma área vizinha: a substância cinzenta periaquedutal. Situada no mesencéfalo (estrutura entre o cérebro e a medula espinhal), a substância cinzenta periaquedutal controla as alterações cardiovasculares e de comportamento que o animal apresenta diante do predador. Também leva à liberação de substâncias analgésicas e outras que elevam o nível de ansiedade. Um experimento descrito
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em 2007 na Science mapeou a atividade da substância cinzenta periaquedutal de pessoas participando de um jogo virtual no qual eram perseguidas por um predador e mostrou que o funcionamento dessa região cerebral se intensifica à medida que a ameaça se aproxima e aumenta o desespero. Corroborando essas observações, trabalhos recentes de Cristina Del-Ben e Frederico Graeff, da USP em Ribeirão Preto, sugerem que alterações nessa região do mesencéfalo podem constituir a base neurobiológica do transtorno de pânico. Torna-se claro agora que o bom funcionamento do núcleo pré-mamilar dorsal é fundamental para gerar as reações de defesa diante do perigo (real ou potencial). Sem ele, perde-se a capacidade de ter medo, tão instintiva e essencial para a sobrevivência de qualquer indivíduo e sua espécie quanto a necessidade de comer e procriar. “Esse núcleo funciona como um amplificador dos sinais relacionados à presença do predador”, explica Canteras, que, com Antonio Carobrez, da Universidade Federal de Santa Catarina, verificou que a noradrenalina é um importante comunicador químico liberado nessa região em situações de medo. Antes desses trabalhos, testes feitos pelo psicólogo Joseph LeDoux, da Universidade de Nova York, atribuíam a coordenação das respostas ao medo à amígdala, estrutura no lobo temporal semelhante a uma amêndoa, que surgiu nos primeiros mamíferos. Sabe-se que as amígdalas – há uma em cada hemisfério cerebral – recebem as informações visuais, auditivas e olfativas da situação ameaçadora e se acreditava que elas acionassem diretamente os neurônios da substância cinzenta periaquedutal, responsável pelas alterações que preparam o corpo para a luta ou a fuga.
trabalho de Canteras, porém, indica que não é bem assim. Os estímulos despertados pela presença do predador e os associados ao ambiente em que ele se encontrava são no início compilados pela amígdala. Mas, em seguida, convergem para o hipotálamo, onde são processados no núcleo pré-mamilar dorsal, que os encaminha para a substância cinzenta periaquedutal. Somadas, essas observações indicam que talvez seja preciso rever e refinar os modelos experimentais usados há décadas para compreender como o cérebro reage ao medo. Esses modelos se baseiam nas ideias propostas nos anos 1970 pelo psicólogo norteamericano Robert Bolles, para quem o medo causado por ameaças reais (predador) e o provocado por situações artificiais (choque) acionariam as mesmas regiões do cérebro sempre que gerassem o mesmo tipo de resposta. Recentemente, Canteras obteve mais um indício de que o trajeto que o medo trilha no cérebro pode variar segundo o tipo de ameaça. Ele, Simone Motta, do ICB, e Swanson planejaram um experimento em que a agressão partia não de um predador, mas de outro rato. Por alguns minutos, colocavam um roedor na gaiola de um macho mais forte, que vivia com uma fêmea. De saída o valentão atacava o intruso, que, em resposta, ficava paralisado em sinal de submissão. Essa situação de perigo também envolve a ativação do hipotálamo e da substância cinzenta periaquedutal, mas de regiões distintas das acionadas diante do predador, afirmaram os pesquisadores em artigo de 2009 nos Proceedings of the National Academy of Sciences. “Nesse caso”, conta Canteras, “aumenta a atividade do circuito do hipotálamo relacionado às interações sociais”. n Artigos científicos 1. MOTTA, S.C. et al. Dissecting the brain’s fear system reveals the hypothalamus is critical for responding in subordinate conspecific intruders. PNAS. v. 106, n. 12, p. 4.870-875. 24 mar. 2009. 2. CEZARIO, A.T. et al. Hypothalamic sites responding to predator threats – the role of the dorsal premammillary nucleus in unconditioned and conditioned antipredatory defensive behavior. European Journal of Neuroscience. v. 28, n. 5, p.1.003-15. 2008. PESQUISA FAPESP 171
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[ Biologia celular ]
Efeito inesperado
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mbora pareça estimular a produção de vasos sanguíneos na área próxima a uma lesão, o emprego de células-tronco adultas, obtidas do próprio paciente, não é capaz de produzir músculo cardíaco e, assim, reparar diretamente danos no coração de um infartado. Essa é a principal conclusão de um artigo publicado em 14 de abril na revista Science Translational Medicine. Nesse trabalho, o médico brasileiro José Eduardo Krieger, da Universidade de São Paulo (USP), e a pesquisadora Christine Mummery, da Universidade Leiden, na Holanda, fizeram uma ampla revisão de testes com animais e seres humanos envolvendo o uso de células-tronco adultas para reparar as lesões provocadas pelo infarto do miocárdio (a morte de parte do músculo cardíaco por falta de irrigação sanguínea), causa de 12% das mortes no mundo. Em experimentos feitos em distintos países, Brasil inclusive, diferentes equipes de pesquisa injetaram na corrente sanguínea ou aplicaram diretamente na região danificada do coração milhões de células-tronco. A expectativa era de que essas células imaturas ocupassem o lugar das células mortas e, ao amadurecerem, assumissem sua função. “Melhoras promissoras da função cardíaca no curto prazo [observadas em animais] levaram ao uso de células-tronco derivadas da medula óssea em ensaios clínicos com seres humanos com infarto do miocárdio em velocidade e escala sem precedentes”, escreveram os pesquisadores. Mas, no longo prazo, os resultados não foram tão bons quanto se esperava. Embora os testes com seres humanos tenham mostrado que o implante de células-tronco adultas no coração é seguro, a melhora na capacidade de bombeamento de sangue em geral foi muito pequena: aumentou em média 3% – abaixo dos 5% considerados necessários para reduzir os sintomas e melhorar a taxa de sobrevida dos pacientes. A constatação não leva os cientistas a descartarem por completo o uso clínico desse material biológico. Se não serve para reparar um coração lesionado, a injeção das células da medula, que aparentemente têm a capacidade de melhorar a vascularização do órgão, talvez
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Células-tronco adultas estimulam formação de vasos sanguíneos no coração, mas não geram músculo cardíaco
contribua para prevenir problemas cardíacos em pacientes de alto risco, como obesos, que estão na iminência de ter um infarto. Muitos dos estudos analisados por Krieger e Christine usaram células-tronco extraídas da medula óssea, tecido que preenche os ossos longos do corpo. Trabalhos publicados no início desta década sugeriam que essas células, depois de aderir ao coração, se transformariam em cardiomiócitos, células cardíacas que contraem e fazem o coração bombear o sangue para o resto do corpo. Mas estudos posteriores mostraram que as células-tronco se fundiam com os cardiomiócitos, em vez de se converter neles. Essa observação levou a uma nova interpretação dos resultados: a melhora não se daria pela substituição das células mortas, mas pela prevenção da morte celular após o infarto. Segundo Krieger e Christine, é consenso hoje que a melhora na função cardíaca ocorre não pelo aumento do número de células contráteis, mas pelo fato de as células transplantadas secretarem compostos como os fatores de crescimento de vasos sanguíneos, que evitariam a morte das células na região do infarto – um efeito aparentemente produzido por células-tronco de origens distintas. “Estudos pré-clínicos vêm mostrando que diferentes tipos de células-tronco (derivadas do cordão umbilical, do tecido adiposo ou do sangue periférico) se comportam de
denise chan/wikimediacommons
Matters of heart, acrílico sobre tela de Denise Chan
modo semelhante às células extraídas da medula óssea implantadas diretamente no coração ou às que ali se instalam depois de injetadas na corrente sanguínea”, afirmam. Sem integração - Testes in vitro in-
dicam que os cardiomiócitos obtidos a partir de células-tronco extraídas de embriões ou obtidas pela reprogramação de células adultas de fato conduzem corrente elétrica, característica essencial para o controle dos batimentos cardíacos. Mas nem sempre se conectam como deveriam às células do coração. Experimentos com roedores revelaram que, em muitos casos, os cardiomiócitos derivados de células-tronco permaneciam separados das células cardíacas originais por um tecido fibroso. Segundo Christine e Krieger, suspeita-se que essa integração incompleta possa originar arritmias cardíacas. Produzir novas células cardíacas ou evitar a morte das originais, porém, não é suficiente para manter o coração
funcionando bem. Em parceria com pesquisadores da Califórnia, Krieger e Sérgio de Oliveira, ambos do Instituto do Coração (InCor), da USP, enfatizaram em publicações anteriores que a geometria do coração é importante para que o órgão mantenha sua capacidade de bombear sangue. Com forma semelhante à de um ovo nas pessoas saudáveis, o coração pode assumir formato próximo ao de uma esfera em diversas doenças cardíacas. Essa deformação reduz a capacidade de bombear sangue e está associada a uma maior taxa de mortalidade dos pacientes. Segundo Krieger, para a reparação cardíaca, além de tecido viável para receber o transplante de células, é preciso manter ou recuperar a geometria do coração. “Essa questão da forma vem sendo subestimada não apenas quando se consideram as melhores estratégias clínicas como também na interpretação do resultado de estudos pré-clínicos feitos com pequenos roedores”, afirma Krieger, que defende a realização de
mais estudos básicos e pré-clínicos antes que as células-tronco se tornem disponíveis para tratar seres humanos. Na revisão da Science Translational Medicine, ele e Christine sugerem ainda que se desenvolvam novos modelos de experimentos com roedores a fim de permitir a avaliação do implante de células-tronco em diferentes estágios após o infarto. Também defendem a realização de testes com animais maiores – como o porco, que apresenta alterações cardíacas pós-infarto mais próximas às observadas em seres humanos – e estudos comparando o uso de diferentes tipos de células-tronco em diferentes doses em grandes animais. Segundo Krieger, para ter impacto mais significativo no tratamento de pacientes infartados, as pesquisas terão de encontrar formas de gerar músculos cardíacos. As células-tronco da medula podem até ter um papel indireto na prevenção de lesões cardíacas, mas não apresentam esse potencial terapêutico. Por isso, os estudos que visam encontrar tratamentos eficazes para lesões no coração deverão se concentrar em três tipos de células-tronco, teoricamente mais promissoras do que as da medula, embora de uso ainda menos seguro e menos estudado: as células-tronco embrionárias, que, em tese, podem se transformar em quaisquer células, inclusive nas cardíacas; as células-tronco adultas, como as da pele, que poderiam ser reprogramadas para se comportar como células-tronco embrionárias ou células cardíacas já diferenciadas; e nas células-tronco cardíacas, que devem existir no coração. “Poderíamos retirar as células-tronco cardíacas do próprio paciente ou de um doador jovem, selecioná-las e ampliá-las”, comenta Krieger. “Essas são três avenidas para a pesquisa de longo prazo.” n Artigo científico MUMMERY, C.L.; DAVIS, R.P. ; KRIEGER, J.E. Challenges in using stem cells for cardiac repair. Science Translational Medicine. v. 2 (27). 14 abr. 2010. PESQUISA FAPESP 171
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As asas dos alimentos
[ Ecologia ]
fabio colombini
Abelhas ganham valor na produção agrícola |
Uma abelha embebida de pólen de algodão: reforço bem-vindo
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ou falar de abelhas e de flores”, anunciou a bióloga Vera Lúcia Imperatriz Fonseca diante de uma plateia de economistas e estudantes de economia em um debate no final da manhã de 15 de março na Universidade de São Paulo (USP). O início singelo logo ganhou densidade. Em menos de meia hora, as abelhas deixaram de ser vistas apenas como produtoras de mel e ganharam valor como seres indispensáveis para manter ou ampliar a produção agrícola – culturas como soja, laranja, cacau e café podem ser mais produtivas com elas por perto. Biólogos e economistas começaram ali mesmo a ver como poderiam colaborar para preservar as populações de insetos como as abelhas que favorecem o crescimento dos frutos. Embora nem sempre valorizados, podem fazer falta. Em 2006, a produção agrícola dos Estados Unidos apresentou uma queda acentuada quando as abelhas Apis mellifera usadas como polinizadoras agrícolas começaram a morrer repentinamente. Pesquisadores da USP e de outras universidades estão se articulando entre si e com outras instituições para evitar consequências similares do declínio das populações dos polinizadores naturais. No final do ano passado, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aprovou R$ 5 milhões para que grupos de pesquisa de seis estados – Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará, Minas, Pernambuco e Pará – avaliem o impacto dos polinizadores sobre a produtividade de algodão, tomate, maçã, melão, canola, caju e castanha do Brasil. O Ministério do Meio Ambiente (MMA), que tem mostrado interesse nesse campo desde a divulgação da Declaração de São Paulo sobre a Conservação e Uso Sustentado dos Polinizadores, em 1999, começou este ano a receber um financiamento internacional de R$ 7 milhões para implantar um projeto complementar, o Polinizadores do Brasil. “Precisamos mostrar aos agricultores exatamente o que eles podem fazer”, diz Bráulio Dias, diretor de conservação da biodiversidade
Carlos Fioravanti
do MMA. “Nossa estratégia é de ganha-ganha, em termos econômicos e ambientais.” Os participantes desse trabalho desejam saber o mais rapidamente possível quão próximo o Brasil está de uma crise de polinizadores. “Ainda não chegamos a uma, mas estamos caminhando para lá”, diz Vera Fonseca. A crise pode já ter chegado e não ter sido detectada porque as causas estão aí: o desmatamento contínuo, o crescimento das cidades e a intensificação das alterações climáticas, que forçam a migração das populações de abelhas e de outros polinizadores de matas nativas como borboletas, aves e morcegos. “A Iniciativa Europeia de Polinizadores, que reuniu 85 instituições de pesquisa, detectou que havia uma crise de declínio de polinizadores por lá e já começou a agir para reverter o que for possível e evitar o pior.” Uma equipe da Universidade Federal do Ceará (UFC) coordenada por Breno Freitas vai verificar quais culturas poderiam apresentar aumentos de produtividade por meio do emprego intensivo de polinizadores. Em um de seus experimentos anteriores, Freitas mostrou que a produção dos cajueiros pode aumentar até 70% quando as abelhas circulam livremente entre as árvores, levando o pólen de uma flor a outra e assim favorecendo a formação e o crescimento de frutos, em comparação com árvores sem polinizadores por perto. “A resposta nunca será a mesma, porque depende das condições locais”, diz Freitas. “Quanto mais degradada for uma área, maior tende a ser o impacto dos polinizadores na produção agrícola.” Freitas encontrou uma abelha solitária sem ferrão do gênero Centris que poliniza as flores dos cajueiros com uma eficiência similar à das Apis mellifera, a espécie mais usada como polinizadora. Como as crias das Centris se alimentam de óleos essenciais das plantas, Freitas está avaliando os efeitos do plantio de acerola (produtora de óleos vegetais) para atrair as Centris que possam polinizar cajueiros próximos. “Essa pode ser uma forma de ter duas culturas na mesma área, uma atraindo polinizadores para a outra”, diz ele. PESQUISA FAPESP 171
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O cafeeiro não depende de polinizadores naturais, mas a produção dos cafezais cercados de mata com abelhas nativas aumentou 15% em comparação com a de cultivados em áreas abertas, de acordo com um estudo da Universidade Federal de Viçosa. “No Peru e na Costa Rica a produção aumentou até 50%, dependendo do tamanho e do estado de preservação das matas nativas próximas às plantações”, diz Vera. Segundo Freitas, no caso do feijão, “apesar de não aumentar a quantidade de vagens produzidas, a melhor polinização realizada pelas abelhas aumenta o número de grãos por vagem, e isso é lucro a mais no cultivo”. A prova da feira - Não faltam argu-
mentos a favor dos polinizadores. Os tomateiros frutificam mais facilmente quando abelhas visitam suas flores e facilitam o crescimento dos frutos. “Sem polinizadores naturais, o agricultor é que tem de pincelar pólen em cada flor para os tomates crescerem”, diz Vera. Um estudo de um grupo de biólogos da USP de Ribeirão Preto indicou que morangos polinizados em estufas por duas espécies de abelhas sem ferrão, a Scaptotrigona depilis e a Nannotrigona testaceicornis, produzem mais e melhores frutos do que quando cultivados em áreas abertas sem abelhas. Vera conta como ela própria identifica os efeitos dos polinizadores nas bancas de frutas: “Quando vejo uma maçã ou um morango assimétrico ou malformado, sei que a polinização não foi benfeita”. Açaí, cupuaçu, maracujá e berinjela também necessitam de abelhas, enquanto o mamão precisa de mariposas para frutificar. Mundialmente, 70% das 124 principais culturas agrícolas utilizadas para consumo humano – um terço da produção mundial de alimentos – dependem de polinizadores. Vários levantamentos internacionais indicam que o desaparecimento mundial dos insetos polinizadores seria um desastre ambiental e econômico. A busca por mais terras para agricultura poderia se intensificar e a vegetação nativa escassear ainda mais. A perda estimada na produção de frutas é de R$ 130 bilhões e a de cereais, R$ 100 bilhões. “Está na hora de levarmos os polinizadores mais a sério”, diz Vera. Polinizadores naturais como os insetos ainda são pouco empregados no 54
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Brasil. Apenas os plantadores de maçã, na Região Sul, e de melão, no Nordeste, alugam caixas com colônias de abelhas para fertilizar suas plantas. Prevendo que essa situação vai mudar, a equipe de Vera no Instituto de Biociências da USP em São Paulo trabalhou com o grupo da USP em Ribeirão Preto para criar em laboratório abelhas-rainhas de quatro espécies nativas sem ferrão que atuam como polinizadoras, entre elas a jataí (Tetragonisca angustula). “Produzimos, se necessário, mil rai nhas por mês”, diz Vera. Ela acha que é pouco: “Temos de nos preparar para uma produção comercial e para uma demanda grande em breve”. Astrid Kleinert e Kátia Malagodi-Braga, de sua equipe, mostraram em 2004 que a produção de morangos poderia ser maior
O Projeto Biodiversidade e uso sustentável de polinizadores, com ênfase em abelhas Meliponini - nº 04/15801-0 modalidade
Projeto Temático – Programa Biota-FAPESP Coordenadora
Vera Lúcia Imperatriz-Fonseca – IB/USP investimento
R$ 3.036.892,21 (FAPESP)
quando auxiliada por abelhas jataí. “O método deu certo, mas os produtores ainda não têm a quem encomendar mil colônias de jataí. Desde 2006 o comércio mundial de polinizadores produz mais de 1 milhão de colônias de Bombus terrestris por ano. Aqui no Brasil esse também poderia ser um bom negócio, já que cada caixa com colônias de jataí custa em torno de R$ 100.” Escolha difícil - A produção de rainhas
de espécies nativas em quantidades crescentes pode ajudar na multiplicação de ninhos de abelhas nativas e reduzir a dependência da Apis mellifera, a única espécie polinizadora produzida em larga escala no mundo. A Apis é versátil e resistente a variações de temperaturas, mas não atende bem a todas as plantas. Com os tomateiros, uma espécie sem ferrão, a Melipona quadrifasciata, foi mais eficiente que a Apis mellifera, induzindo a formação de mais e maiores frutos, de acordo com um estudo do grupo de Luci Bego na USP de Ribeirão Preto.Vera Fonseca conta que tem recebido telefonemas ou mensagens de plantadores de tomates perguntando que abelhas poderiam soltar entre as plantações para colher mais tomates, mas ela ainda não tem uma resposta simples. “Temos algumas possibilidades e estamos comparando dados para ver se podemos fazer alguma indicação sobre que espécie adotar”, diz ela. Se não há respostas imediatas, não é por falta de pesquisa. A produção de conhecimento é intensa e emerge de
grupos consolidados, criados há décadas por pioneiros como Paulo Nogueira Neto e Warwick Kerr em São Paulo e Jesus Santiago Moure em Curitiba. A razão é outra. “Temos muitas espécies de abelhas nativas e a maioria ainda é muito pouco conhecida”, diz Antonio Mauro Saraiva, professor da Escola Politécnica da USP que trabalha com Vera Fonseca desde 1999. O Brasil abriga cerca de 3 mil espécies de abelhas de hábitos sociais ou solitários. Algumas são raridades, como a Melipona bicolor schencki. Os biólogos ainda não sabem que espécie de planta essa abelha utiliza para produzir um mel branco “de sabor incrível”, segundo Vera, mas essa já é uma das quatro espécies de abelhas sem ferrão do Rio Grande do Sul que podem desaparecer se as matas de araucária se forem. Formado em engenharia elétrica e agronomia, Saraiva cuida do suporte tecnológico das pesquisas sobre polinizadores. Ele, com sua equipe, faz equipamentos de coleta de dados e programas de computador que permitem o acesso a coleções biológicas no Brasil ou no exterior. “O que fazemos para um grupo pode servir para outro”, diz ele. É o caso do monitor de colmeias, um aparelho com sensores que acompanha a umidade e a temperatura das colônias que deve ser testado este ano em um apiário de Mossoró, Rio Grande do Norte. Talvez o aparelho possa antecipar o risco de as abelhas abandonarem as colmeias por excesso de calor.
fotos eduardo cesar
O toque da perfeição: a qualidade de frutas como estas depende dos polinizadores
A Pollinator Partnership, uma ONG dos Estados Unidos, premia governadores e fazendeiros que protegem polinizadores
Pomares sem pragas - Os artigos
sobre polinizadores se tornam mais comuns em uma das principais revistas dos apicultores, a Mensagem Doce, da Associação Paulista de Apicultores Criadores de Abelhas Melíficas Europeias (Apacame). Hoje com 7.340 apicultores, a associação adotou em 1981 o slogan “abelhas a serviço da agricultura” como forma de ampliar o uso das abelhas para além da produção de mel. Segundo Constantino Zara Filho, presidente da Apacame, a procura por Apis como polinizadoras agrícolas tem avançado de modo contínuo no Brasil. “Quem quiser produzir mais ou colher frutos uniformes e bem formados tem de contar com os polinizadores naturais”, afirma. Zara Filho diz que as abe-
lhas podem contribuir também para a sanidade dos pomares, ao consumir o néctar e o pólen que poderiam atrair insetos danosos para as plantações. As conclusões sobre o valor dos polinizadores de culturas agrícolas e de matas nativas ganham visibilidade, mas ainda não há no Brasil nada equivalente à Pollinator Partnership, uma organização não governamental dos Estados Unidos que se constitui em fonte de informação e de ação sobre polinizadores, premiando governadores e fazendeiros que os protegem. A campanha nacional de proteção aos polinizadores, gerenciada pela Pollinator Partnership, reúne 120 instituições, pesquisadores, conservacionistas, representantes do governo, estudantes e professores. “Estamos tentando mobilizar as ONGs para se integrar nesse projeto e ajudar a disseminar essas ideias”, comenta Dias. O que os polinizadores fazem para as culturas agrícolas é uma das formas de serviços dos ecossistemas, expressão usada para designar os serviços prestados pela natureza, como o fornecimento de água e controle de erosão, enchentes e pragas, além de lazer, na forma de praias ou montanhas aprazíveis. Esse conceito ganhou força com um artigo publicado na revista Nature de 1997 que estimava em US$ 33 trilhões o valor econômico dos serviços dos ecossistemas na Terra. Em 2005 fundamentou o estudo Avaliação sistêmica do milênio, organizado pela Organização das Nações Unidas (ONU). “A China adota o pagamento pelos serviços dos ecossistemas”, diz Vera. “Viram que era mais barato que pagar pelos prejuízos da destruição ambiental.” A valorização dos polinizadores – e dos serviços ambientais que prestam – depende da superação de abordagens antigas. “No currículo do curso de agronomia”, afirma Saraiva, “não há disciplinas sobre polinização”. Propostas novas nem sempre se espalham com rapidez. Vera Fonseca acredita que as pessoas, mesmo sem serem agricultoras ou apicultoras, poderiam manter colônias de jataí em praças, ruas, apartamentos e escolas, não apenas em sítios e plantações, e deixar que essas abelhas versáteis e inofensivas polinizassem o máximo possível de plantas ao redor. Mas, ela sabe, essa possibilidade ainda n soa um tanto exótica. PESQUISA FAPESP 171
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[ Comportamento animal ]
Mães extremosas
Fêmeas de aracnídeo com organização social complexa se deixam devorar pela prole Maria Guimarães
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fotos everton tizo-pedroso/UFU
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les caçam em grupo, numa ação coordenada para subjugar a presa, e na hora de comer dão prioridade à prole. Quando atacados por um predador, formam um círculo em torno dos jovens indefesos. A descrição pode remeter a um grupo de leões, mas os animais em questão estão longe de ter a fama dos grandes felinos. São os pseudoescorpiões da espécie Paratemnoides nidificator, aracnídeos que vivem em colônias de até 30 ou 40 indivíduos – às vezes mais de 100 – debaixo da casca de árvores do Cerrado. Nos últimos sete anos Kleber Del Claro e Everton Tizo-Pedroso, da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais, têm investigado o comportamento social complexo desses bichos. Eles propõem, em artigo de 2009 na Acta Ethologica, que o ato materno extremo de dar o próprio corpo como refeição aos filhotes famintos foi um passo essencial na evolução da sociedade dos pseudoescorpiões, e chegam a pôr em questão as definições mais aceitas de sistemas sociais. Pseudoescorpiões são aracnídeos com cerca de cinco milímetros com duas pinças que os tornam parecidos com escorpiões em miniatura, mas falta a eles a cauda com o ferrão na ponta. Uma colônia começa quando uma fêmea expulsa os filhotes do ninho de teia onde os criou para produzir a próxima leva. Esses jovens, as ninfas, constroem seus próprios casulos ali mesmo para terminar o crescimento, e, juntos, mantêm a ordem daquele pequeno universo de casca de árvore para onde também podem se mudar semelhantes não aparentados. Depois de caçar, parentes ou não, os adultos recuam e deixam a prole comer primeiro. “Esses animais compartilham uma mesma área, caçam em grupo, dividem o alimento com a prole e a defendem coletivamente”, explica Del
Cheios de recursos: carona em percevejo (ao lado) e ninhos de seda (outra página)
Claro. “É indiscutível que têm uma socialidade avançada.” Ele discorda da definição do ápice da socialidade, historicamente baseada em abelhas, cujo sistema peculiar de determinação do sexo faz com que as colônias praticamente só contenham fêmeas – todas geneticamente muito semelhantes. “Não há por que mantermos essa definição”, argumenta. Ele conta que os Paratemnoides nidificator têm uma índole gregária inerente. “Eles não têm restrição de espaço pessoal, não há agressão nem mesmo entre pseudoescorpiões não aparentados”, conta. Segundo ele, nenhum outro aracnídeo tem essas características, já que mesmo aranhas sociais mantêm espaços separados na teia comunitária e atacam vizinhas que se aproximem demais. Curiosidade premiada - Poucos anos atrás, quase nada se sabia sobre o comportamento desses discretos aracnídeos. Tudo mudou quando Tizo-Pedroso, um estudante de graduação com curiosidade acima da média, saiu em busca de um projeto promissor para aprender com Del Claro a ser pesquisador. A procura não se restringiu às publicações científicas, onde está o que já se sabe, mas não precisou ir longe: bastou chegar à sibipiruna em frente ao Instituto de Biologia da Universidade Federal de Uberlândia. Debaixo da casca dessa árvore de flores amarelas (Caesalpinia peltophoroides) comum no Cerrado e também usada na arborização de cidades como São Paulo, o jovem aspirante a biólogo encontrou um grupo de invertebrados que não conhecia e que produzia casulos redondos de seda. Descobriu que não era o único a ignorar os pseudoescorpiões e ali nasceu o projeto que este ano lhe valerá o título de doutor e já rendeu uma série de publicações científicas. As observações de comportamento foram feitas em laboratório, onde os
dois pesquisadores conseguiram instalar colônias em câmaras de vidro, cobertas pela casca de árvore que já habitavam e com um jogo de espelhos para conseguir enxergar o que acontece. A grande descoberta, publicada em 2005 no Journal of Arachnology, foi resultado do experimento em que deixaram uma mãe e sua prole por alguns dias sem ter o que caçar. Quando as ninfas famintas começam a se atacar umas às outras, algumas mães saem da câmara de seda, batem as pinças no chão e as estendem para o alto. Em reação imediata, os filhotes saem e começam a devorar a mãe, que não esboça qualquer reação. A refeição basta para acabar com as rivalidades fraternas: o grupo passa a caçar em conjunto e forma uma sociedade estável. Mas essa dedicação suprema nem sempre acontece. As fêmeas mais jovens, que ainda devem ter tempo de sobra para se reproduzir, chegam a consumir os próprios filhotes quando não há o que comer. De acordo com observações agora em análise para publicação, a sociedade desses pseudoescorpiões chega a ter uma divisão organizada de tarefas – outro indício de uma sociedade avançada. As fêmeas cuidam da prole e caçam; os machos caçam, defendem o ninho e cuidam da limpeza; e as ninfas mais crescidas contribuem para a limpeza, retirando dejetos das câmaras. “Se o trabalho for validado pelos revisores da revista, será mais uma característica que destaca esses pseudoescorpiões dos outros aracnídeos”, comenta Del Claro.
Outra curiosidade desvendada pela dupla de Uberlândia foi uma das maneiras com que os P. nidificator conquistam novos espaços: pegando carona nas próprias presas, como descreveram em 2007 na Insectes Sociaux. Quando detectam uma presa muito maior do que eles, como um besouro, um percevejo ou um marimbondo, os pseudo escorpiões empreendem um ataque em massa. Vários dos pequenos aracnídeos se penduram na presa, segurando as patas da vítima com as pinças injetoras de veneno. Depois de um voo assustado, a presa debilitada pousa em outra árvore e morre. Ali funda-se uma nova colônia, já com a primeira refeição garantida. Kleber Del Claro e Everton TizoPedroso mal começaram a explorar o mundo que encontraram debaixo da casca da sibipiruna. Eles continuam a investigar a sociedade dessa espécie, inclusive com análises genéticas que revelam que grupos não contêm só parentes, e partiram em busca de novos pseudoescorpiões que possam ser estudados. Já os encontraram na Caatinga, agora vão coletar na serra da Canastra, numa região onde a vegetação cresce sobre as pedras, um ambiente conhecido como campo rupestre. Eles devotam orgulho quase materno ao animal encontrado por acaso, mas sem esperar exclusividade. Vêm buscando colaborações para ampliar o conhecimento, inclusive com um grupo argentino especialista em classificação (sistemática) de aracnídeos. “O Everton também vai se tornar um sistemata de pseudoescorpiões”, prevê o orientador. n Artigo científico Del Claro, K. e Tizo-Pedroso, E. Ecological and evolutionary pathways of social behavior in Pseudoscorpions. Acta Ethologica. v. 12, n.1, p. 13-22. abril 2009. PESQUISA FAPESP 171
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[ Oceanografia ]
Paraíso poluído Canal aberto em 1855 facilitou espalhamento de metais pesados no litoral sul de São Paulo Francisco Bicud o
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cidade de Iguape, no extremo sul do litoral paulista, é testemunha de que nem sempre é possível controlar o impacto gerado por pequenas intervenções no ambiente. Enraizada em meio ao mais extenso trecho contínuo – e bem preservado – de Mata Atlântica do estado, Iguape viu surgir a partir de 1827 um canal de apenas quatro quilômetros de extensão construído para encurtar o caminho que o arroz produzido às margens do rio Ribeira de Iguape percorria até o porto da cidade, de onde seguia para outras regiões do país. Nesses quase 200 anos a cidade acompanhou também as drásticas mudanças ambientais, reveladas agora por pesquisadores do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), que esse atalho entre o rio e o braço de mar que separa Iguape de Ilha Comprida gerou na região. Em sua inauguração em 1855, o canal do Valo do Rocio tinha apenas quatro metros de largura e dois de profundidade. Em pouco tempo, porém, as águas desviadas do Ribeira de Iguape e a circulação de canoas e barcos aprofundaram seu leito e erodiram suas margens. Hoje conhecido como Valo Grande, o canal tem até sete metros de profundidade e quase 300 de largura em alguns pontos. Ele despeja no chamado Mar Pequeno, o braço de mar entre Iguape e Ilha Comprida, quase 70% das águas do Ribeira de Iguape, que antes só chegavam ao Atlântico 40 quilômetros mais ao norte, onde o rio desemboca no oceano. Toda essa água doce alterou as características físicas, químicas e biológicas do Mar Pequeno, parte do conjunto de lagunas, estuários, baías, ilhas e canais naturais que formam o complexo estuarino-lagunar Iguape-Cananeia-Paranaguá, um dos mais importantes viveiros de peixes e crustáceos do Atlântico Sul. “Quando o canal foi aberto, não existia legislação ambiental e o nível de conscientização era bem diferente”, comenta o geólogo Michel Michaelovitch de Mahiques, diretor do IO-USP e coordenador dos estudos feitos em Iguape. “Não há como negar que o Valo Grande é a origem de muitas das mudanças ambientais identificadas na região.” Há cerca de três anos a equipe de Mahiques coletou amostras de sedimentos em 14 pontos do Mar Pequeno.
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Com um equipamento de sondagem, os pesquisadores extraíram colunas de lama com até dois metros de profundidade. Esse material depositado no fundo de rios e mares guarda indicadores orgânicos e inorgânicos que permitem estimar as condições ambientais do passado – quanto mais profunda a camada, mais antiga a informação armazenada. Analisando os sedimentos, eles observaram que o teor de sais diluídos na água do Mar Pequeno caiu muito após a abertura do Valo Grande e em muitos pontos a salinidade atual é zero – na cidade de Cananeia, a 60 quilômetros ao sul do canal, em períodos de muita chuva a água é praticamente doce. De lá para cá, também alterou o tipo de sedimento que chega ao Mar Pequeno. As águas do Ribeira de Iguape carregam grãos mais finos e mais matéria orgânica, relatam os pesquisadores em artigo publicado no final de 2009 no Brazilian Journal of Oceanography. Essas alterações afetaram a fauna de bentos, organismos que vivem no fundo de rios e mares. Por exemplo, a diversidade de foraminíferos calcários, seres unicelulares sensíveis a mudanças na salinidade, diminuiu bastante – em alguns períodos eles desapareceram. A variedade de espécies aumentou recentemente, mas com uma composição distinta: hoje prevalecem as adaptadas à água doce.
O Projeto O registro geológico da atividade antrópica no sistema estuarino-lagunar de Cananeia-Iguape – nº 2006/04344-2 modalidade
Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Coordenador
Michel Michaelovitch de Mahiques – IO-USP investimento
R$ 129.948,01
marília cunha lignon
O que se passa no fundo do Mar Pequeno parece influenciar também a vida em suas margens. Na última década a bióloga Marília Cunha Lignon, que integrava outra equipe do Instituto Oceanográfico e hoje trabalha no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, vem monitorando as transformações na vegetação e na paisagem dessa região. Ela notou que a 70 quilômetros ao sul do Valo Grande as árvores típicas de manguezais, como o mangue-branco (Laguncularia racemosa), o mangue-vermelho (Rhizophora mangle) e o mangue-preto (Avicennia schaueriana), formam bosques bem conservados. Já nas proximidades do Valo Grande, onde a salinidade da água é mais baixa, a vegetação de água doce prolifera e pode impedir a fixação de plantas de mangue. “O crescimento dos bosques de mangue parece ser diferente nas duas regiões”, diz Marília.
Manguezal em Cananeia: vegetação é mais fechada longe do Valo Grande
Além de alterações na salinidade da água e na composição orgânica dos sedimentos do Mar Pequeno, Mahiques e sua equipe verificaram também uma alteração química que preocupa: níveis elevados de metais pesados, em especial o chumbo. É que esse elemento químico – tóxico, poluente e de difícil degradação – pode entrar na cadeia alimentar marinha, acumular-se no organismo de espécies de alto valor comercial, como robalos, pescadas, manjubas, camarões, ostras e mexilhões, e chegar às pessoas, causando danos no sistema nervoso central. O sedimento extraído das imediações do Valo Grande continha teor de chumbo até 20 vezes superior ao de antes da abertura do canal – a 20 quilômetros do canal o nível de chumbo
no sedimento diminui, mesmo assim é cinco vezes mais elevado que antes. A concentração de chumbo também variou no tempo. Os níveis desse metal são mais altos no período correspondente à segunda metade do século XX, durante a atividade da empresa de mineração Plumbum, que funcionou de 1945 a 1995 em Adrianópolis, no Paraná. “Resíduos desse metal chegavam ao rio Ribeira de Iguape e eram transportados até a laguna, onde entravam pelo Valo Grande”, afirma Mahiques. Com o fim da Plumbum, o teor de chumbo nos sedimentos caiu, mas ainda não retornou aos níveis de pré-atividade industrial: hoje é em média cinco vezes superior ao esperado para a região. Já se sabe que muitas pessoas que viviam nas proximidades da Plumbum têm altas concentrações de chumbo no organismo. Em 2003 uma equipe coor denada por Bernardino Figueiredo e Eduardo de Capitani, da Universidade Estadual de Campinas, testou amostras de sangue de 335 crianças com idade entre 7 e 14 anos que viviam em dois bairros da periferia de Adrianópolis: em cerca de 60% dos casos, os níveis de chumbo eram superiores ao considerado seguro para a saúde. Mesmo assim, Mahiques pretende verificar se as plantas e os animais da região de Iguape e Cananeia não absorveram parte do chumbo que ainda está no sedimento do Mar Pequeno, o que aumentaria o risco de contaminação humana. “Talvez”, diz Mahiques, “não tenhamos apenas um problema ambiental e geológico, mas também de saúde pública”. n Artigo científico MAHIQUES, M. M. et al. Anthropogenic influences in a lagoonal environment: a multiproxy approach at the Valo Grande mouth, Cananeia-Iguape system (SE Brazil). Brazilian Journal of Oceanography. v. 57, p. 325-37. out./dez. 2009. PESQUISA FAPESP 171
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[ Física ]
Poeira faiscante
NASA
Estudo explica por que ocorrem descargas elétricas em nuvens de areia ou de cinzas vulcânicas Marcos Pivet ta
H
á cinco anos, o físico alemão Hans Herrmann intercala seu expediente corriqueiro de trabalho na famosa Escola Politécnica de Zurique (ETH) com viagens constantes ao Nordeste brasileiro, onde é professor visitante da Universidade Federal do Ceará (UFC). Numa dessas visitas, o pesquisador observou o belo espetáculo noturno produzido por clarões e raios durante tempestades de areia nas dunas de Jericoacoara, no norte do Ceará. Intrigado pela inesperada presença da atividade elétrica num ambiente extremamente seco e aparentemente péssimo condutor de corrente, voltou para casa e se pôs a pensar num fenômeno que, um século e meio atrás, já intrigava o grande cientista inglês Michael Faraday: por que o choque contínuo de grãos de areia ou de cinzas vulcânicas, materiais comumente vistos como neutros, pode gerar espontaneamente grandes descargas? Com a ajuda de dois colegas da ETH, Herrmann acaba de formular uma resposta para o enigma e a publicou num artigo que saiu no dia 11 de abril no site da revista científica britânica Nature Physics. A explicação dá conta de uma velha contradição, ainda que pouco conhecida entre os leigos no assunto. Quando colidem, duas partículas com cargas elétricas tendem a se neutralizar. O polo negativo de uma atrai e anula o positivo
NOAA George E. Marsh Album
da outra. Até aí tudo normal. Mas, em circunstâncias especiais, como nas tempestades de areia em desertos e nas erupções de vulcões, o choque de duas partículas com certas características – compostas de um mesmo material e eletricamente neutras (com a mesma quantidade de cargas positiva e negativa) – produz, paradoxalmente, o efeito contrário. Em vez de se neutralizarem, elas, ao trombarem em pleno ar sob efeito de um campo elétrico externo, levam a um crescendo das cargas elétricas presentes nesse sistema que, até então, parecia em equilíbrio. A cada colisão, uma partícula acumula mais carga positiva e perde toda a negativa enquanto o oposto ocorre com a outra partícula, que aumenta progressivamente sua carga negativa e zera a positiva. Portanto, em condições bastante específicas, sucessivos choques entre grãos podem provocar uma escalada de energia no sistema, transformando partículas que antes se comportavam como isolantes elétricos em um meio condutor de grandes descargas. Daí para a ocorrência de uma descarga é um passo. “Os choques no ar aumentam a polarização nos grãos”, explica Herrmann. “As cargas negativas se armazenam no topo das partículas e as positivas em sua base.” De acordo com simulações feitas em computador e experimentos reais com partículas granulares realizados em laboratório, os físicos da ETH montaram um cenário esquemático, simplificado, para explicar o processo de surgimento das descargas elétricas em nuvens de poeira. Imagine uma nuvem hipotética com apenas dois grãos de areia. Quando um campo elétrico de fundo é aplicado no sistema, ocorre a polarização de cargas nas partículas. Em cada grão de areia a carga positiva se concentra no hemisfério sul e a mesma quantidade de carga negativa migra para o hemisfério no norte. É preciso notar que, nesse momento, antes de qualquer colisão, as duas partículas, apesar de divididas em duas metades com sinal elétrico oposto, ainda se encontram eletricamente neutras. Por didatismo, os pesquisadores disseram que cada grão carrega uma unidade de carga positiva em sua base e uma de carga negativa no topo. Quando ocorre o choque das partículas, o hemisfério sul de um grão (de carga positiva) esbarra no hemisfério norte (negativo) do outro.
Tempestade de areia no Texas (acima) e rastro de cinzas do vulcão Eyjafjallajoekull: intenso choque de partículas pode gerar descargas
O toque faz essas metades se anularem eletricamente: suas cargas descem a zero. No entanto sobra carga nas extremidades dos grãos que não colidiram. Uma partícula permanece com uma unidade de carga positiva em sua base (e zero negativa no topo) enquanto a outra se apresenta com uma carga negativa no topo (e zero positiva na base). Explosões em silos - Em outras pala-
vras, a trombada torna um grão eletricamente positivo e o outro, negativo. Esse processo repetido inúmeras vezes numa nuvem de poeira, com milhares de partículas, resulta em um desequilíbrio energético que pode culminar num raio ou faísca. “Nosso modelo explica a formação de descargas elétricas em nuvens compostas por partículas idênticas”, afirma Herrmann. “Se as partículas forem diferentes, o princípio também vale, só que os cálculos são mais complicados.” Há ainda também a questão (não respondida) de como surge um campo elétrico de fundo numa tempestade de areia. As colisões só vão energizar os grãos de areia se houver previamente um campo atuando no sistema. Por ironia da natureza, poucos dias depois de Herrmann e seus colegas pu-
blicarem o artigo na Nature Physics, o mundo assistiu à ocorrência de descargas elétricas causadas por colisões de partículas granulares. Em meados de abril a geleira vulcânica Eyjafjallajoekull, na Islândia, entrou em erupção. Além de parar o tráfego aéreo de boa parte da Europa por seis dias, o enorme rastro de cinzas expelidas pela boca fumegante da montanha desencadeou potentes raios. “As cinzas de um vulcão também podem se carregar eletricamente, mas isso só acontece no momento da erupção, quando são muito agitadas e a densidade de partículas é alta”, explica Herrmann. Os grãos de areia e as cinzas vulcânicas não são as únicas partículas que podem se tornar eletricamente carregadas em razão de colisões repetidas. O fenômeno pode se repetir – e até causar explosões – em silos com grãos, em empresas farmacêuticas que processam componentes de remédios e na indústria do carvão. Em desertos, o deslocamento de areia causado pelos rotores de um helicóptero voando baixo pode ocasionar perigosas faíscas. Poeira eletricamente carregada também é apontada como a responsável pela perda de eficiência de baterias solares usadas em Marte e na Lua e, ao se ligar à roupa dos astronautas, por danos aos trajes espaciais. n Artigo científico Pähtz, T. et al. Why do particle clouds generate electric charges?. Nature Physics, Publicado on-line em 11/04/2010. PESQUISA FAPESP 171
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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org
Notícias • História
Análise de fotos da guerra O trabalho "Entre flores e canhões na Grande Guerra (19141918): o final da Belle Époque e o começo do 'breve século XX' em um álbum de retratos fotográficos", de Marco Antonio Stancik, do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), analisa oito retratos fotográficos (ver exemplo acima) pertencentes a um álbum de família alemão, sete dos quais datados dos tempos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). As fotografias são abordadas como documentos e monumentos, de forma a evidenciar mudanças operadas na percepção do conflito, a partir de uma narrativa construída sob sua inspiração. REVISTA SÃo
BRASILEIRA
PAULO
-
DEZ.
DE
HISTÓRIA
- VOL. 29 - NO 58 -
2009
• Entomologia
Fêmeas de vespa Nas vespas eussociais basais, especificamente nas tribos Polistini e Mischocyttarini, a condição fisiológica de cada indivíduo é fortemente associada com o seu status de dominância na hierarquia colonial. Como regra, nas vespas de fundação independente, as fêmeas são morfologicamente semelhantes e suas funções são aparentemente bastante flexíveis quando adultas. Entretanto, alguns estudos têm demonstrado que diferenças no tamanho corpóreo podem existir entre as fêmeas reprodutivas e não reprodutivas. Desse modo, o objetivo do presente estudo foi detectar diferenças entre fêmeas consideradas reprodutivas (inseminadas) e não reprodutivas (não inseminadas) baseando-se em parâmetros morfológicos e fisiológicos. O repertório comportamental de seis colônias de Mischocyttarus cassununga foi observado diariamente no campo com a ajuda de uma filmadora e em seguida todas as colônias em diferentes fases do ciclo foram coleta das para a mensuração de 13 caracteres e análise da condição fisiológica (quantidade de corpo gorduroso e grau de desenvolvimento ovariano) de cada uma das fêmeas. Observou-se que as fêmeas inseminadas e não inseminadas
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não são significantemente diferentes em relação ao tamanho do corpo, apesar de o primeiro grupo apresentar uma média maior do que o segundo em quase todas as regiões corpóreas medidas. A análise de cada indivíduo demonstrou a presença de mais de uma fêmea inseminada por colônia durante todas as fases do ciclo colonial, sugerindo uma condição estratégica desta espécie ante as dificuldades (predação e parasitismo da colônia). O estudo está no artigo "Mais de uma fêmea inseminada nas colônias da vespa de fundação independente
Mischocyttarus cassununga von Ihering (Hymenoptera, Vespidae)': de André S. N. Murakami, Sulene N. Shima e Ivan C. Desuó, da Universidade Estadual Paulista. REVISTA SÃo
BRASILEIRA
PAULO -
DE ENTOMOLOGIA
- VOL.
53-
NO
4-
DEZ. 2009
• Antropologia
Pataxós no Monte Pascoal O artigo "O Monte Pascoal, os índios Pataxó e a luta pelo reconhecimento étnico': de Maria Rosário de Carvalho, da Universidade Federal da Bahia, trata do embate travado entre os índios pataxós e o Estado brasileiro pela posse do Parque Nacional do Monte Pascoal (PNMP), na Bahia, para o que .são utilizados a noção de eventos críticos e o modelo de conflito, que atribui o surgimento e o curso das lutas sociais às experiências morais dos grupos sociais em face da negação do reconhecimento. O objetivo do autor é, mediante a apresentação das várias etapas do embate, demonstrar que os eventos críticos relacionados à criação do PNMP, ao tempo que ensejam graves contradições para os pataxós, colaboram para a gênese de uma nova comunidade político-moral. O foco do trabalho incide na interface demografia e antropologia, buscando relacionar as condições de vida, o deslocamento espacial e os direitos de um povo indígena. CADERNO
CRH
- VOL. 22 - NO
57 -
SALVADOR
2009
• Intercâmbio científico
Políticas de C&T O artigo "Intercâmbios acadêmicos internacionais: bolsas Capes, CNPq e FAPESP", de Débora Mazza, da Universidade Estadual de Campinas, é parte de pesquisa
que atenta para o peso crescente que a circulação internacional de pessoas, saberes e práticas tem alcançado nos processos de escolarização e formação profissional de determinados setores sociais. Considerando os recursos públicos que a Capes, o CNPq e a FAPESP destinam à formação de pesquisadores com vistas ao fomento, à pesquisa e aos investimentos em ciência e tecnologia no horizonte da circulação internacional, a autora recortou para este artigo a descrição e a análise preliminares da base de dados de bolsistas no exterior dessas agências de fomento, no período de 1970 a 2000. O movimento de fluxos, a partir da metodologia quantitativa de correlação de variáveis, desenha as tendências dos intercâmbios acadêmicos internacionais promovidos pelas três agências e nas diversas áreas do conhecimento. CADERNOS
DE PESQUISA
- VOL. 39 - NO 137 - SÃO PAULO -
MAIO/ AGO. 2009
tes atendidos no serviço de dermatologia da clínica da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), em Salvador, na Bahia. Participaram da pesquisa um dermatologista responsável pela consulta presencial e dois dermatologistas responsáveis pela consulta a distância. Os diagnósticos obtidos por meio da teleconsulta foram avaliados quanto à concordância e comparados com os diagnósticos da consulta presencial. No total, 60 pacientes participaram do trabalho. Observou-se um grau de concordância total variando de 86,6% a 91,6%. A conclusão dos autores Paulo Ricardo Criado, Cristiana Silveira Silva e Murilo Barreto Souza, da Universidade de São Paulo, Cecília de Almeida Araújo, da FTC, e as dermatologistas Isabelle Ary Duque, Luciana Molina de Medeiros e Nayra Rodrigues Meio, é a de que a teledermatologia é uma forma de assistência com um grande potencial de uso na dermatologia e pode representar uma ferramenta útil principalmente em casos clínicos de baixa complexidade. ANAIS
• Educação científica
BRASILEIROS
DE DERMATOLOGIA
-
VOL.
84 -
NO 5 - RIO DE JANEIRO - SET./OUT. 2009
Caminhos da biotecnologia • Sociologia A educação científica tem sido debatida em alguns segmentos da sociedade e organizações internacionais estimulam as nações a investirem nessa área estratégica. Nesse contexto, a educação em biossegurança e bioética explora um conteúdo rico em prevenção, normas e princípios éticos, que servem para nortear os caminhos trilhados pela biotecnologia. A valorização da biossegurança e da bioética como parte de uma política educacional científica, efetiva e consistente, pode estimular a formação de indivíduos com uma consciência científica e cidadã, em condições de participar das questões de natureza ética e tecnológica produzidas pela biotecnologia. Marcos De Bonis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Marco Antonio Ferreira da Costa, da Fundação Oswaldo Cruz, discutem esse tema no artigo "Educação em biossegurança e bioética: articulação necessária em biotecnologia". CIÊNCIA
& SAÚDE
COLETIVA
- VOL. 14 - NO
6-
RIO DE
JANEIRO - DEZ. 2009
• Telemedicina
Dermatologia a distância O termo "telemedicina" faz referência ao uso de tecnologias de comunicação para a transmissão a distância de' informações relacionadas à saúde. Esse recurso é utilizado em várias especialidades médicas, principalmente naquelas em que a interpretação de imagens representa uma etapa fundamental na formulação diagnóstica. O objetivo do estudo "Teledermatologia: correlação diagnóstica em serviço primário de saúde" foi avaliar a concordância entre o diagnóstico presencial e o diagnóstico a distância de lesões cutâneas, utilizando a teledermatologia, em pacientes atendidos em uma unidade básica de saúde. Foi realizado um estudo prospectivo envolvendo pacien-
Resistência cultural
•• ••
Nos primeiros anos da ditadura revista militar brasileira diversas instituiciviüzacao brasileira ções desarticuladas pela repressão 2 iniciaram um processo de resistência e oposição ao governo. A resistência cultural foi uma das formas consagradas de oposição exercidas por intelectuais, artistas, professores e produtores culturais que consistiu num fenômeno político e cultural, diz Rpdrigo Czajka, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, no artigo "A Revista Civilização Brasileira: projeto editorial e resistência cultural (1965-1968)". Político, porque auxiliou no processo de reorganização dos partidos de esquerda e na revisão dos postulados ideológicos do Partido Comunista Brasileiro. Cultural, porque a reorganização deu-se, muitas vezes, no âmbito das produções culturais, no qual as esquerdas constituíram um espaço de contestação e engajamento por meio das artes e atividades intelectuais. Nesse processo é que a Revista Civilização Brasileira (acima, uma edição de 1968) representou um espaço importante para a resistência cultural entre 1965 e 1968. A revista impôs-se com legitimidade política, ao mesmo tempo que participou ativamente na formação de um mercado de bens culturais sustentado pela "hegemonia cultural de esquerda", afirma o pesquisador. REVISTA CURITIBA
DE SOCIOLOGIA
E POLÍTICA
- VOL. 18 -
~l,mlL
NO 35
-
- FEV. 2010
> O link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão dispo' níveis no site de Pesquisa FAPESP, www.revistapesquisa.fapesp.br
PESQUISA f"APESP 171 • MAIO DE 2010 • 63
UNHA DE PRODUÇÃO MUNDO
MOSQUITO
I TRANSGÊNICO
PNEUS VERDES E SUSTENTÁVEIS Os pneus dos automóveis
são
produzidos com cerca de 70% de borracha sintética
e outros
materiais
de deri-
originários
vados do petróleo. O restante são tecidos, metais e borracha natural do látex da seringueira. Mas em breve os pneus deverão
ficar
mais "verdes"
Nova borracha no lugar
com o anúncio de um produto
da sintética
lado a partir
chamado bioisopreno, contrados
formu-
de açúcares en-
na cana-de-açúcar,
no milho, num capim chamado
I
RESISTENTES AO CALOR
de switchgrass e outros tipos de biomassa. O produto foi desenvolvido
pela fabricante
de pneus Goodyear e pela
Genencor, empresa de biotecnologia
Vacinas que não precisam ser guardadas em ambiente refrigerado são um requisito importante para disseminar esses medicamentos em regiões pobres do planeta onde nem sempre é possível fazer a refrigeração de forma adequada por falta de equipamentos. Esse problema pode estar com os dias contados porque uma nova tecnologia foi criada por pesquisadores da Universidade de Oxford e da empresa Nova Bio- Pharma, ambas da Inglaterra, que dispensa o uso de freezers e geladeiras para o acondicionamento do material. A vacina fica depositada num segmento da seringa, em um compartimento, entre a agulha e o êmbolo, formado por membranas
ligada a Danisco,
produtora dinamarquesa de insumos para a indústria da alimentação. Pesquisadores da Genencor desenvolveram uma bactéria que converte açúcares das biomassas no produto final por meio de um processo de fermentação, volatização
e purificação.
A Goodyear informou que os
novos pneus deverão estar em produção dentr.o de cinco anos. O bioisopreno poderá também ser usado em outros produtos como luvas cirúrgicas, bolas de golfe e adesivos. Os resultados da parceria foram apresentados, em março, na 239a Reunião Nacional da Sociedade de Química Americana, em São Francisco, nos Estados Unidos.
estabilizadas com dois tipos de açúcar: sacarose e trealose. Ela é misturada com os açúcares e a solução é desidratada, num processo conhecido como anidrobiose, em que organismos - no caso das vacinas com vírus atenuados - sobrevivem a um longo período de desidratação pela suspensão temporária de suas atividades vitais.
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Uma população transgênica de mosquitos Aedes aegypti, transmissor da dengue, foi produzida por pesquisadores das universidades de Oxford, na Inglaterra, e da Califórnia, em Irvine, nos Estados Unidos. A estratégia é, no futuro, colocar ovos desses mosquitos na natureza. Os machos carregarão uma alteração genética que vai atrofiar as asas das fêmeas resultantes da união desses transgênicos com fêmeas normais, as responsáveis pela picada transmissora do vírus da doença. Sem poder voar, elas não se alimentam de sangue, aspecto fundamental para completar o ciclo de vida do inseto. Dentre os 14 pesquisadores que assinam o artigo desse experimento, publicado na revista PNAS de 9 de março, está o brasileiro Osvaldo Marinotti, da Universidade da Califórnia.
I
GERAÇÃO MAIS LIMPA Um gerador de energia elétrica que pode utilizar combustíveis fósseis (gás natural e metano) ou renováveis (etanol e biodiesel), sem queimá-los como fazem os motores de geradores convencionais, já está à venda nos Estados Unidos. O equipamento reduz as emissões de poluentes entre 40% e 100%. Produzido pela empresa norte-americana Bloom Energy, sediada no Vale do Silício na Califórnia, o equipamento é uma célula a combustível que gera eletricidade com oxigênio do ar e hidrogênio extraído dos combustíveis. A célula é do tipo Solid Oxide Fuel Cell (SOFC) que se caracteriza por possuir o condutor de eletricidade, ou eletrólito, feito de material cerâmico, intercalado entre duas placas também de cerâmica, o anodo e catodo, de forma semelhante a uma bateria. Ele quebra as moléculas do hidrogênio e do oxigênio,
permitindo a separação dos elétrons e a geração de energia elétrica. O funcionamento dessas células é conhecido há muitas décadas e o que a empresa conseguiu foi fazê-Ias com materiais baratos e passíveis de funcionar com vários combustíveis, além de o sistema poder estocar energia. Chamado de Bloom Energy Server, o equipamento possui 100 quilowatts (kW) de potência e tem o formato de uma caixa medindo 5 metros (m) de largura, 2 m de altura e 2 m de profundidade. Próprio para empresas que querem ter um gerador independente das
linhas convencionais de transmissão e reduzir a emissão de carbono, o aparelho já está instalado em unidades da Coca-Cola, Bank of America, Google e Walmart. Cada máquina custa US$ 10 mil e o custo pode ser absorvido em cinco anos, segundo a empresa.
I
BIOSSENSOR HIPERSENSíVEL
Assim como nosso sistema imune, os exames médicos reconhecem a presença de patógenos no organismo humano por meio da identificação de proteínas
específicas na superfície de substâncias estranhas. Esses testes normalmente exigem grandes quantidades de amostra e nem todos os problemas podem ser investigados dessa forma. Agora um grupo de cientistas da Universidade Técnica de Munique, na Alemanha, e dos Laboratórios Fujitsu, no Japão, desenvolveu um biossensor 100 vezes mais sensível que os exames disponíveis no mercado, capaz de não apenas identificar proteínas características de doenças específicas, mas também detectar se essas proteínas são alteradas pela influência de doenças ou drogas. Batizado de switchSENSE, o dispositivo é formado por moléculas de DNA sintético, carregadas negativamente, e postas em uma solução aquosa. A nova tecnologia induz um movimento cíclico do DNA e mede esse movimento. Um protótipo pré-comercial do dispositivo, capaz de analisar simultaneamente 24 proteínas, deve ficar pronto até o final do ano.
OLHO BIÔNICO DA AUSTRÁLIA Uma boa notícia para pessoas que sofrem de graves doenças degenerativas ou hereditárias da retina que levam à perda de visão no centro do campo visual. A empresa australiana 8ionic Vision conseguiu finalizar o protótipo de um olho biônico capaz de corrigir, ainda que parcialmente, cientes. O dispositivo
os problemas desses pa-
consiste de uma microcâmera
montada
nos óculos que capta os estímulos visuais, transformando-os em sinais elétricos que são enviados para um microchip implantado na retina. Esse dispositivo, por sua vez, estimula diretamente os neurônios ainda saudáveis na retina, possibilitando que o cérebro reconstrua a imagem. Por enquanto, os usuários são capazes de enxergar manchas de claridade pouco definidas, mas versões futuras, previstas para entrar no mercado em cinco anos, permitirão que eles reconheçam rostos e leiam letras grandes.
PESQUISA FAPESP 171 • MAIO DE 2010 • 65
LINHA Df PRODUÇÃO
BRASIL
TESTES NA CAIXA Um equipamento
que permite verificar
se os equipamentos
eletrônicos
emitem
algum tipo de interferência eletromagnética e também se sofrem interferências de radiações externas é a mais recente aquisição do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (lPT). Televisores, rádios, celulares, computadores,
equipamentos
tromédicos, controladores
ele-
programáveis
de linhas de produção industrial,
entre
outros, podem ser avaliados na câmara de testes de compatibilidade
eletromag-
nética, uma caixa de aço blindada com 6 metros de largura, 7 de comprimento
e
7 de altura, que faz parte do Laboratório de Equipamentos instituto.
Elétricos e Ópticos do
As paredes internas
da caixa
são revestidas com cones de poliu reta-
I
DESCARTE SEGURO
Um novo método de tratamento químico, desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), poderá substituir o tradicional processo de incineração utilizado pela indústria farmacêutica para o descarte de medicamentos com prazo de validade vencido. Pelo novo processo, os medicamentos são colocados dentro de um reator com água e tratados com peróxido de hidrogênio, mais conhecido como água oxigenada, à temperatura ambiente. "A água oxigenada oxida todos os produtos e o que sobra, um efluente inerte, pode ser descartado de maneira segura", diz o professor Rochel
Montero Lago, coordenador do projeto, que também teve a participação do professor José Fabris. O processo está em testes na empresa mineira Verti Ecotecnologias, que desenvolve tecnologias ambientais.
SIMUL~DOR
I DE PROTESES A durabilidade das próteses ortopédicas de quadril e joelho produzidas no Brasil já pode ser testada em um simulador de movimentos humanos produzido na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Até agora o Brasil não dispunha de uma máquina para testes desse tipo. ''A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concede o direito de fabricação
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no, para impedir que as radiações eletromagnéticas penetrem em seu interior. Quando é detectada a interferência em um equipamento,
o IPT ajuda a empresa a desenvolver
um isolamento apropriado. Para mostrar na prática o que a interferência
causa, foi usada uma balança eletrônica de uso
comercial que registrava o peso de uma peça de plástico de 132 gramas. Quando uma fonte de radiação eletromagnética
próxima
foi ligada, o peso caiu para 126 gramas.
e comercialização com base em cartas declaratórias emitidas pelos próprios fabricantes", diz o doutorando André Luís Lima Oliveira, que projetou e construiu o simulador orientado pelo professor Raul Gonzalez Lima, do Departamento de Engenharia Mecânica da Poli. As máquinas importadas que fazem a comprovação da qualidade das pró teses ortopédicas custam cerca de R$ 1 milhão enquanto a nacional deverá custar bem menos.
Prótese de quadril: ensaios avaliam desgaste do material
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I
EXPORTAÇÃO DE BIOTECNOLOGIA
A biotecnologia brasileira, que reúne cerca de 300 empresas, atingiu um patamar de diversidade de produtos e tecnologias. Mas o setor ainda não conquistou uma participação compatível no mercado externo e é pouco conhecido no próprio país. Uma situação que deve mudar com as ações planejadas pelo projeto BrBiotec Brasil, da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), que pretende ser um novo canal de promoção dos produtos biotecnológicos brasileiros no exterior. Da iniciativa fazem parte o Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), sediado na capital paulista, a Fundação Biominas, de Belo Horizonte, e a Fundação Bio- Rio, do Rio de Janeiro. "Queremos capacitar as empresas para que se organizem e se mostrem no mercado externo com a marca BrBiotec", diz Eduardo Giacomazzi, coordenador do projeto. "No mercado
interno pretendemos que elas se conheçam melhor e atuem de forma mais integrada. Existem empresas que buscam no exterior produtos que existem aqui." Ele pretende também fazer um mapeamento das empresas de biotecnologia no país. Cerca de 80% são muito novas e grande parte está sediada em incubadoras. A marca foi lançada na Bio 2010 realizada em Chicago, nos Estados Unidos, no início de maio, com a participação de 18 empresas como Aché, Ouro Fino, Invent e Hemobrás.
MENOS FUMAÇA NOS CANAVIAIS
Mais da metade da cana-de-açúcar da safra 2009/2010 no estado de São Paulo foi colhida sem a queima da palha. As informações são do projeto Canasat, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora a colheita da cana por meio de imagens de sensoriamento remoto obtidas por satélites a cerca de 800 quilômetros de altitude. O relatório da última safra mostra que 2,27 milhões de hectares cerca de 56% - foram colhidos sem a queima
DIAGNÓSTICO
da palha, ante 1,8 milhão de hectares em que se lançou mão desse recurso. Na safra 2006/2007, quando esse tipo de monitoramento começou a ser feito em território paulista, a colheita sem queima ficou em 34%. Desde a assinatura do Protocolo Agroambiental do Setor Sucroalcooleiro entre o governo do estado e a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), em 2007, a colheita manual, precedida pela queima da palha, tem sido gradativamente substituída pela mecanização. O acordo prevê a eliminação total da queima da cana e da palha até 2017.
ILUMINADO
Um feixe de laser em uma folha de laranjeira é o bastante para identificar rapidamente o greening, uma doença dos citros que atualmente ataca os laranjais pau listas. O diagnóstico pode ser feito um mês após a contaminação, quando os sintomas como folhas amareladas e frutos deformados não aparecem. Sinais aparentes só se manifestam após um ano de a bactéria infeétar a planta. O equipamento foi desenvolvido pela pesquisadora Débora Milori, da Embrapa Instrumentação
Agrícola, de São
Carlos (SP), com apoio do Centro de Pesquisa em Óptica
e Fotônica de
São Carlos, sediado no campus da Universidade de São Paulo na mesma cidade. Foram realizados testes de validação
em parceria
com o
Centro de Citricultura do Instituto Agronômico comparando o uso do laser com análise por meio de PCR (que amplificou o DNA da bactéria na planta). "A análise da luz que a folha emite depois da incidência do laser traz informações das propriedades químicas da folha", diz Débora. Um software mede as alterações encontradas no vegetal. A Embrapa trabalha agora para transferir a tecnologia para empresas.
PESQUISA
fAPESP 171 • MAIO DE 2010 • 67
[ novos materiais ]
Concreto feito de cinzas Resíduos da queima do bagaço de cana-de-açúcar podem substituir parte da areia usada na construção civil Yur i Vasconce los fotos Eduard o Cesar
tecnologia
U
ma montanha negra composta por 3,8 milhões de toneladas de cinzas e restos queimados de bagaço de cana-de-açúcar. Esse é o resíduo produzido durante um ano pela incineração do bagaço nas usinas sucroalcooleiras nacionais. Há algum tempo, as indústrias do setor queimam o bagaço e a palha da cana para geração de energia elétrica destinada a consumo próprio e, em caso de produção excedente, venda a terceiros. As cinzas resultantes da queima são descartadas em aterros ou lançadas em plantações de cana--de-açúcar como adubo, embora pairem dúvidas sobre sua real eficácia. Para cada tonelada de bagaço incinerado, são gerados por volta de 25 quilos de cinzas. Esse material foi estudado pela equipe coordenada pelo engenheiro civil Almir Sales, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e os resultados mostram que esse resíduo poderá ter um destino ambientalmente adequado e se transformar num importante insumo na fabricação de argamassa e concreto para uso na construção civil. Os resultados foram apresentados em um artigo publicado em fevereiro na versão on-line da revista Waste Management. A proposta do pesquisador da UFSCar é substituir parte da areia atualmente utili-
zada na preparação de argamassa e concreto pela cinza do bagaço de cana. A pesquisa, iniciada há três anos e realizada com apoio financeiro da FAPESP, mostrou que a substituição de 30% a 50% em massa da areia natural pelas cinzas não apenas preserva as características físicas e mecânicas de um concreto de boa qualidade, mas também traz benefícios. “Nessa faixa de substituição, o concreto feito com cinzas pode ter um ganho de resistência 20% superior ao concreto convencional”, afirma Sales, que contou com a colaboração da doutoranda Sofia Araújo Lima e mais cinco alunos de iniciação científica. Além disso, esse tipo de concreto reduzirá a necessidade de áreas para destino do resíduo e, ao mesmo tempo, utilizará menos areia, diminuindo o impacto ambiental dos leitos dos rios, de onde é retirada. “A extração de areia natural e pedra britada exige muito da natureza. A maioria dos portos de areia e das pedreiras provoca desgaste ambiental nos cursos d’água. Estamos começando a ter dificuldade para encontrar areia e pedra natural para uso na construção civil”, afirma o pesquisador da UFSCar. Recentemente, diz ele, houve um aumento de 500% no preço da areia em São Luís, no Maranhão, motivado pelo cancelamento das licenças ambientais para extração de areia na cidade.
As cinzas do bagaço são jogadas em aterros ou lançadas sobre a lavoura
O concreto feito com cinzas de bagaço poderá, em princípio, ser utilizado na maioria das aplicações em construção civil. A proposta inicial é que ele venha a ser empregado na fabricação de guias, sarjetas e bocas de lobo. “Várias prefeituras já trabalham com aplicação de resíduos para produção de artefatos de concreto. Acreditamos que uma delas possa se interessar em fazer uma produção piloto com o nosso concreto”, conta Sales. Para algumas aplicações especiais, como concretos estruturais de elevado desempenho, serão necessários mais estudos. Parece areia – Para chegar à conclusão
de que as cinzas do bagaço substituem bem a areia, o pesquisador realizou uma série de ensaios. A caracterização física microscópica mostrou que ela tem um perfil muito próximo ao da areia natural, com uma porção cristalina e alto teor de sílica. Os estudos feitos com as amostras colhidas em quatro usinas de São Paulo também revelaram a inexistência de elementos próprios para adubo no resíduo. “Trata-se de um material em sua maior parte inerte e fraco enquanto adubo. Não encontramos concentração significativa de potássio que justifique o uso das cinzas como elemento para correção da acidez do solo, como vem ocorrendo”, destaca Sales. Outro dado surpreendente revelado pelos ensaios foi a presença de
O Projeto Utilização da cinza do bagaço da cana-de-açúcar na produção de artefatos para infraestrutura urbana: caracterização do resíduo e avaliação de argamassas e concretos – nº 08/06486-4 modalidade
Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Coordenador
Almir Sales – UFSCar investimento
R$ 124.592,61 (FAPESP)
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grande quantidade de metais pesados, entre eles chumbo e cádmio, nas cinzas analisadas. Com isso, seu emprego na adubação das plantações pode representar risco de contaminação do solo e do lençol freático. Cauteloso, Sales ressalta que é preciso fazer estudos mais detalhados na área de solo com a realização de uma amostragem mais ampla. “Trabalhamos com cinzas produzidas por um número limitado de usinas. Mesmo assim, esse é um indício que precisa ser verificado”, afirma. Esses elementos químicos provavelmente foram incorporados à cana-de-açúcar na fase de cultivo, quando são usados inseticidas, herbicidas e maturadores para aumentar a produtividade e antecipar o corte. Depois que o bagaço foi queimado, os metais pesados passaram para as cinzas. Os tratamentos para que a cinza do bagaço possa ser utilizada na substituição da areia, de acordo com Sales, são simples e de baixo custo. Nos casos em que a cinza tem fragmentos de bagaço mal queimados, é preciso fazer um peneiramento para retirá-los. No entanto, em usinas que possuem fornos mais novos, já preparados para a produção eficiente de energia elétrica, o bagaço é totalmente incinerado, dispensando o peneiramento. A segunda fase do tratamento limita-se a uma moagem para controle do tamanho dos grãos de cinza – em termos técnicos, é feito um acerto granulométrico. “Com a realização da moagem, é possível obter uma cinza muito parecida com a areia, só que a cor é preta”, diz o pesquisador, esclarecendo que o investimento para aquisição dos moinhos responsáveis por esse processamento é relativamente baixo e pode ser diluído no custo dos fornos. Durabilidade à prova – Uma vez que a
dosagem ideal de substituição da areia pela cinza no cimento já foi definida (entre 30% e 50%), o próximo passo da pesquisa será a realização de testes de durabilidade do concreto. Nesses ensaios, previstos para serem realizados nos próximos 12 meses, também será verificado se o concreto feito com cinzas possui características adequadas para
proteger armaduras – ou seja, se, além de durável, ele pode resguardar o aço empregado nas construções de concreto do processo de corrosão. Durante esses testes, os corpos de prova ficarão expostos ao ambiente, simulando uma situação real. “Os ensaios preliminares são animadores e a tendência é que a durabilidade possa ser confirmada”, conta Sales. Segundo o pesquisador da UFSCar, outros países já buscam alternativas à areia e à brita para a fabricação de argamassa e concreto. É o caso de Holanda, Dinamarca e Bélgica, onde esses insumos têm sido substituídos por resíduos de construção e demolição (RCD). “A adição de RCD para fazer recomposição de areia e brita é bem disseminada em muitos países desenvolvidos, chegando a índices superiores a 70%”, diz. No Brasil, várias cidades já possuem usinas de reciclagem nas quais os RCDs são separados, triturados e transformados em areia e brita para a produção de artefatos de concreto. “Esse é um caminho a ser seguido. Temos que aprender a transformar os resíduos gerados em diversos setores, inclusive o agroindustrial, em concreto e outros componentes para a construção civil sem ter que extrair sempre do ambiente.” O concreto com restos da queima do bagaço de cana não é o primeiro trabalho do pesquisador focado no aproveitamento de um resíduo e sua transformação em um produto com valor agregado. Há cinco anos, ele coordenou um projeto que resultou em uma patente, visando à incorporação do lodo gerado em estações de tratamento de água em concretos e argamassas. No lugar de enviar o lodo produzido em estações para aterros sanitários ou incineradores, é possível utilizá-lo para a fabricação de artefatos de concreto. »
Artigo científico SALES, A.; LIMA, S.A. Use of Brazilian sugarcane bagasse ash in concrete as sand replacement. Waste Management. 2010. Versão on-line. doi: 10.1016/j.wasman.2010.01.026
Fibra bactericida
A
s possibilidades do uso do bagaço de cana-de-açúcar se ampliam. Uma das mais recentes é uma fibra têxtil com propriedades medicinais elaborada com a celulose desse resíduo e quitosana, um polímero produzido a partir da quitina, uma substância extraí da da carapaça de caranguejo, camarão, lagosta e outros crustáceos. Essa combinação resultou numa fibra para uso em curativos com propriedades cicatrizante, fungicida e bactericida, além de apresentar conforto e resistência. O estudo coordenado pelo professor Adalberto Pessoa Júnior, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), contou com a pós-doutoranda Sirlene Maria da Costa, atualmente pesquisadora do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), e a engenheira química Silgia Aparecida da Costa, professora do Curso de Têxtil e Moda da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, que fez a sugestão da pesquisa depois de ter desenvolvido fibras semelhantes com celulose comercial de madeira e quitosana. “Queremos criar uma fibra têxtil tecnológica e, a partir dela, construir tecidos para fabricação de bandagens e vestuário para portadores de deficiên cia física, como paraplégicos, idosos com baixa mobilidade e pacientes que ficam muito tempo no leito e estão su-
Mistura de celulose de cana e quitosana resulta em fibra com propriedades medicinais
jeitos ao desenvolvimento de úlceras de pressão na superfície da pele”, diz Silgia. “Como a nossa fibra age na cicatrização e combate a bactérias e fungos, talvez nem todos os pacientes precisem, no futuro, usar pomadas ou fazer curativos nos ferimentos.” Segundo a pesquisadora, embora boa parte do bagaço e da palha da cana seja queimada para
Os Projetos 1. Desenvolvimento de novas fibras têxteis à base celulose regenerada e quitosana para aplicações médicas - n°06/56970-4 2. Desenvolvimento de fibras têxteis a partir de celulose de bagaço de cana-de-açúcar com a incorporação de fármacos e enzimas para aplicações médicas nº 07/53577-2 modalidade
1 e 2. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Coordenadores
1. Silgia Aparecida da Costa – USP 2. Adalberto Pessoa Júnior - USP
geração de energia elétrica, ainda resta um excedente que poderá ser transformado nessa fibra têxtil especial. O projeto rendeu a elaboração de uma patente pela Agência de Inovação da USP. O desenvolvimento das fibras já foi finalizado e agora estão sendo realizados testes físicos, químicos e biológicos. “Queremos comprovar a resistência da fibra para a construção de tecidos, malhas ou outros materiais com capacidade para absorver a umidade da secreção das feridas e apresentar ação bactericida e fungicida.” Além da fibra híbrida com quitosana, também estão sendo desenvolvidos outros tipos de fibra em que são testadas a incorporação de enzimas como a lisozima, encontrada na clara do ovo de galinha com propriedade bactericida, e bromelina, enzima extraída do abacaxi e capaz de limpar ferimentos. A expectativa do grupo é de que os ensaios sejam concluídos dentro de um ano, quando o produto estaria pronto para ser fabricado em escala piloto. “Nossa intenção é que exista interesse das empresas tanto do setor têxtil quanto farmacêutico para desenvolver a tecnologia”, diz Silgia. n
investimento
1. R$ 70.048,97 e US$ 17.356,00 (FAPESP) 2. R$ 90.787,33 (FAPESP)
A partir da esquerda: celulose do bagaço, quitosana e a fibra híbrida
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Eletricidade do aperto
[ Nanotecnologia ]
Pesquisadores desenvolvem material que gera energia elétrica quando pressionado
eduardo cesar
Evanild o da Silveira
Produzir energia elétrica sob o asfalto é uma possibilidade dos materiais piezoelétricos
s irmãos Pierre e Jacques Currie, físicos franceses, descobriram em 1880 a propriedade que alguns materiais minerais têm de gerar corrente elétrica quando deformados por uma pressão mecânica, fenômeno que ganhou o nome de piezoeletricidade. Essa descoberta originou várias aplicações comerciais, desde o luminoso da sola de tênis infantil até aplicações em equipamentos de ultrassonografia e de litotripsia, procedimento médico para quebrar pedras de rins ou vesícula. Mas em tempos de preocupações ambientais e energéticas um uso baseado na piezoeletricidade ganha corpo entre pesquisadores: o de produzir energia elétrica por meio de uma fonte inesgotável que não polui. É o que vêm fazendo, por exemplo, dois professores da Universidade Estadual Paulista (Unesp). O físico Walter Katsumi Sakamoto, do Departamento de Física e Química da Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira (Feis), e a química Maria Aparecida Zaghete Bertochi, do Departamento de Bioquímica e Tecnologia Química, do Instituto de Química (IQ) do campus de Araraquara, com apoio financeiro da FAPESP, estão trabalhando na cria-
ção de um material capaz de aproveitar a força mecânica gerada pelo tráfego de veículos em uma rua, por exemplo, para obter eletricidade. Trata-se de um filme, chamado tecnicamente de compósito, feito da mistura de um polímero com partículas nanométricas – medidas equivalentes a um milhão de vezes menores que um milímetro – de cerâmica, que pode ser colocado sob o asfalto e, ao sofrer uma pressão, se deforma gerando corrente elétrica. O desenvolvimento da cerâmica nanométrica, que faz parte da película, está a cargo de Maria Aparecida. Ela lança mão de recursos nanotecnológicos, em escala de átomos e moléculas, para fazer o pó cerâmico que compõe o filme, o óxido cerâmico titanato zirconato de chumbo, mais conhecido pela sigla PZT – o P vem do nome do chumbo em latim, plumbum. Para desenvolver a nanocerâmica, Maria Aparecida utilizou um novo método de produção. Ela explica que a forma mais comum de obter o PZT era por meio do processo Pechini. “Nesse caso, utiliza-se a propriedade que os ácidos orgânicos, como o cítrico, possuem de formar complexos do tipo metal-ácido orgânico”, diz. “Esse complexo, quando associado a um álcool, se polimeriza
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ao caminhar em uma estação formando poliéster, um polímero com alta viscosidade, que é decomposto em óxido por combustão, com temperaturas em torno de 500 a 800oC. Nessa temperatura conseguimos cerâmica nanométrica. No caso do PZT, usamos para síntese da cerâmica citratos de zircônio, titânio e chumbo.” Pressão e volume - A novidade utiliza
a chamada síntese hidrotérmica, que teve parâmetros otimizados no estudo de Maria Aparecida, com sais ou óxidos de zircônio, titânio e chumbo que são misturados em meio aquoso, ao qual é adicionada uma base mineralizadora (hidróxido de sódio ou potássio). A seguir a mistura é submetida a aquecimento por micro-ondas num recipiente de teflon fechado por 30 minutos a 180oC. “A vantagem desse processo é que, usando temperatura baixa e tempo curto, se obtêm partículas cerâmicas com ótimo arranjo cristalino, o que é importante, porque a propriedade piezoelétrica depende disso”, explica a pesquisadora. “Além disso, não libera chumbo por evaporação.” Essa cerâmica nanométrica produz energia porque apresenta uma assimetria no seu centro de cargas, gerando uma polaridade espontânea dentro da estrutura do material. Para ser piezoelétrico, o material deve ter a estrutura cristalina na forma de um cubo um pouco deformado. “Quando se aplica uma pressão sobre o material, como um carro passando por cima ou a pisada de uma pessoa, o seu volume é instantaneamente reduzido”, diz. “Isso aumenta a densidade de carga dentro dele, provocando a saída de elétrons por fios, que são conectados à cerâmica. Esses elétrons podem ser usados para acender uma lâmpada, por exemplo.” A cerâmica nanométrica isoladamente é capaz de gerar energia, mas há alguns inconvenientes. Ela é frágil, cara e tem pouca flexibilidade. Vencer esses obstáculos é justamente o trabalho do professor Sakamoto. “Estamos buscando um material mais flexível e barato”, diz ele. “No momento desenvolvemos 74
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de trem ou dançar numa casa noturna, as pessoas podem gerar energia elétrica
um compósito polímero-cerâmica, que é um material composto de polímeros e PZT.” Para isso, Sakamoto mistura o pó cerâmico com o polímero, também na forma de pó. Essa mistura é prensada na temperatura de fusão do polímero utilizado para se obter o filme. Os dois pesquisadores têm testado compósitos com 30%, 40% e 50% de cerâmica e o restante de polímeros. Os mais usados nas pesquisas são o polifluoreto de vinilideno (PVDF), que se funde a cerca 180oC, e o poliéter-éter-cetona (PEEK), cuja temperatura de fusão é por volta de 360oC. “Assim, ao se utilizar uma matriz polimérica, à qual se mistura a cerâmica, ganha-se em resistência ao choque mecânico, em flexibilidade e formabilidade (pode se dar a forma que se quiser ao compósito)”, explica Sakamoto. “Também há uma vantagem econômica. Ao se optar pelo compósito,
O Projeto Sensores piezo e piroelétricos inteligentes - 01/13187-4 modalidade
Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Coordenador
Walter Katsumi Sakamoto – Unesp investimento
R$ 52.862,13 (FAPESP)
usa-se uma menor quantidade de cerâmica e torna-se possível estudar diferentes matrizes de forma a melhorar a atividade piezoelétrica do filme.” O primeiro filme desenvolvido por Sakamoto e Maria Aparecida era pequeno, medindo 2 centímetros (cm) por 1 cm, e a sua capacidade de gerar energia foi comprovada em laboratório. Sakamoto colocou o novo compósito, conectado a um LED (diodo emissor de luz, na sigla em inglês), entre duas placas de acrílico. Ao pressioná-las, o LED acendia. Mas, dependendo do tamanho do filme, a energia gerada pode ser muito maior. “Sabe-se pela literatura científica que uma pessoa de 60 quilos produz em média 0,1 watt a cada passo”, diz Sakamoto. Outros dados vêm de Israel, país que tem investido muito nessa linha de pesquisa. Lá foram feitas experiências que mostram que um quilômetro de pista rodoviária de movimento intenso com material piezoelétrico pode gerar 200 quilowatts (kW), energia suficiente para abastecer uma casa por um mês. Maria Aparecida e Sakamoto estão testando agora filmes com dimensões um pouco maiores, de 7 por 7 cm, para saber qual a tensão elétrica que se consegue obter. “Queremos saber se é possível carregar com esse material uma bateria tipo AAA, conhecidas como pilhas palito, usadas em dispositivos como controles remoto, e se é preciso colocar alguns filmes em série ou em paralelo para se obter mais tensão ou mais corrente”, revela Sakamoto. “Dependendo do resultado, a utilização comercial é uma simples consequência.” Em alguns países o emprego dessa tecnologia já está mais avançado. Em 2008, duas casas noturnas, uma em Londres, o Club Surya, e outra, o Club Watt, em Roterdã, na Holanda, instalaram em suas pistas de dança pisos piezoelétricos. Os clientes dançando pressionam os pisos, que geram energia para iluminar as pistas. No Japão, a empresa Soundpower instalou sistemas piezoe létricos no piso de duas estações de trem de Tóquio, por onde passam cerca de 2,4 milhões de pessoas por semana.
unesp
Partículas de cerâmica nanométrica que compõem o material piezoelétrico
Em Israel foi desenvolvido entre 2008 e 2009 um projeto piloto, feito em rodovias e aeroportos. No Brasil, Maria Aparecida e Sakamoto imaginam várias aplicações para o filme piezoelétrico que estão desenvolvendo. “Essa tecnologia poderá gerar energia em áreas movimentadas, e não somente a partir da passagem de carros mas também de pessoas a pé”, diz Sakamoto. “Shopping centers, por exemplo, poderiam utilizar pisos especiais que transformam os passos dos frequentadores em energia para iluminar os corredores. Ou então os filmes poderiam ser aplicados em solas de sapato, o que os tornaria capazes de gerar energia, enquanto seus usuários caminham, para alimentar pequenos aparelhos eletrônicos, como celulares e tocadores de música.” O compósito serviria também para gerar energia dentro de um automóvel. “Poderíamos instalar materiais piezoelétricos em peças móveis, como amortecedores e pneus”, diz Sakamoto. “Essa fonte alternativa substituiria o motor do carro na alimentação de seu sistema elétrico.”
A geração de energia é apenas uma das aplicações desses materiais piezoelétricos. Na área médica, eles poderiam ser utilizados, por exemplo, como sensores para detectar vazamentos de raios X em clínicas e hospitais ou para a produção de implantes capazes de estimular o crescimento ósseo guiado, o que seria muito útil em tratamentos ortopédicos e implantes dentários. “A tecnologia piezoelétrica pode ser empregada para inspeção estrutural de materiais como os usados na fuselagem de aeronaves”, acrescenta Sakamoto. “Constatamos em testes que o compósito é eficiente na detecção de microtrincas em placas de fibra de carbono presentes nos aviões.” Desafio de armazenar - Apesar do
otimismo, os pesquisadores ressalvam que para usar essa tecnologia em larga escala ainda é necessário superar um obstáculo: o do armazenamento da energia. Usá-la à medida que é gerada não tem mistério. O problema é armazená-la para usos futuros. Atualmente o armazenamento só é possível com grandes capacitores (equipamentos que armazenam energia), que ainda são caros e ocupam muito espaço. Para Sakamoto, a solução pode estar mais uma vez na nanotecnologia. “O ideal seria
desenvolver outro nanomaterial com a propriedade primordial de acumular grande quantidade de energia em um tamanho pequeno”, diz. Sakamoto e Maria Aparecida, que fazem parte do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Materiais em Nanotecnologia (INCTMN), com sede em Araraquara, financiado pela FAPESP e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), estão satisfeitos com os resultados que obtiveram até agora. “Temos dois artigos submetidos a revistas científicas e um capítulo de livro que deverá ser publicado nos Estados Unidos no próximo mês, pela editora Novapublishers”, revela Sakamoto. Maria Aparecida ressalta outro aspecto positivo do trabalho. “Estamos usando material nacional, adaptando um sistema que aproveita uma energia que é totalmente desperdiçada, a um custo ambiental muito pequeno”, diz. n
Artigo científico MALMONGE, J.A.; MALMONGE, L.F.; FUZARI, G.C.; MALMONGE, S.M.; SAKAMOTO, W. K.. Piezo and dielectric properties of PHB-PZT composite. Polymer Composites. v. 30, n. 9, p. 1.333-37. 2008. PESQUISA FAPESP 171
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Plástico de luz Polímeros luminescentes são cotados para substituir telas de LCD
fotos eduardo cesar
[ Engenharia Elétrica ]
Polímero condutor de eletricidade pode ser usado em vários dispositivos eletrônicos
U
ma das mais conhecidas propriedades dos polímeros – materiais que englobam os plásticos em geral – é a capacidade de isolamento elétrico, o que os torna amplamente usados para encapar fios, evitando choques e curtos-circuitos. Em meados dos anos 1970, uma descoberta feita por pesquisadores japoneses e norte-americanos veio mostrar que isso não vale para todos os tipos desses materiais. Alguns têm a habilidade de conduzir eletricidade e são cotados para substituir com vantagens as telas de TV e computadores em LCD ou plasma, além de poderem ser usados em transistores e células solares e outros dispositivos eletrônicos. Esses novos polímeros condutores de eletricidade fazem parte de uma linha de pesquisa de vários
grupos no mundo, inclusive no Brasil com pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Liderados pelo professor Adnei Melges de Andrade, do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da USP, eles integram o Grupo de Eletrônica Molecular (GEM). Os pesquisadores trabalham principalmente com o Polymer Organic Light-Emitting (Pled) e o Organic Light-Emitting Diode (Oled), dois tipos de diodos emissores de luz (LED na sigla em inglês) diferentes dos comercializados hoje – produzidos com material semicondutor inorgânico – por serem orgânicos, porque compostos basicamente com moléculas de carbono. O grupo trabalha também no desenvolvimento de outros dispositivos, como transistores de filme fino, células solares orgânicas e sensores. PESQUISA FAPESP 171
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Apoiado por projetos de auxílio regular da FAPESP, o grupo avança no desenvolvimento dos novos dispositivos eletrônicos com material polimérico. “Agora não nos interessa somente que os dispositivos funcionem”, explica o professor Fernando Josepetti Fonseca, que também faz parte do GEM. “Isso é o mínimo e já fizemos no projeto anterior iniciado em março de 2004 e finalizado em fevereiro de 2006. Agora queremos saber quanto tempo eles funcionam e como podem ser mais eficientes, além de serem feitos de modo mais simples e barato.” Nobel de Química - O trabalho do
grupo da Poli só é possível devido a duas grandes descobertas científicas realizadas no final do século XX. Como acontece algumas vezes em ciência, a primeira delas ocorreu por acidente ou erro. Foi em 1976, no laboratório do pesquisador japonês Hideki Shirakawa, do Instituto de Tecnologia de Tóquio. Na tentativa de sintetizar o poliacetileno – um polímero simples formado por carbono e hidrogênio, que se apresenta na forma de um pó preto –, um estudante chinês de Shirakawa errou a “receita”. Como resultado, em vez do polímero desejado, produziu um lustroso filme prateado, brilhante como uma folha de alumínio. Buscando entender onde havia errado, o estudante verificou que tinha utilizado uma quantidade de catalisador (substância usada para acelerar reações químicas) mil vezes
Placa de Oled iluminada no laboratório da USP 78
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superior à necessária. Shirakawa guardou a película e mais tarde a apresentou para o químico norte-americano Alan MacDiarmid, da Universidade da Pensilvânia, que estava em visita ao Japão. Então Shirakawa foi convidado a fazer uma parceria, com Mac Diarmid e o físico norte-americano Alan Heeger. Trabalhando juntos, em 1977, os três verificaram que após a dopagem do poliacetileno com iodo o filme prateado flexível tornava-se uma folha metálica dourada, cuja condutividade elétrica era significativamente aumentada. Estavam descobertos os polímeros semicondutores, o que rendeu aos três pesquisadores o Prêmio Nobel de Química de 2000. A segunda descoberta ocorreu em 1990, quando Jeremy Burroughes, Richard Friend e Donald Bradley, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, criaram o primeiro dispositivo com polímero semicondutor eletroluminescente, que emite luz ao receber uma carga elétrica. Mais especificamente, eles notaram que determinadas estruturas de polímeros semicondutores poderiam ser montadas de forma a tornar possível a emissão de luz. Criavam-se, assim, os diodos emissores de luz orgânicos, os Oleds, que estão sendo incorporados a telas de TV e de computadores, além de displays em dispositivos portáteis como celulares. No laboratório da Poli, os pesquisadores não produzem polímeros, eles desenvolvem os dispositivos. “Nós os recebemos de instituições acadêmicas
que colaboram conosco”, explica Fonseca. Entre os colaboradores estão a Universidade Federal do Paraná (UFPR), por meio do grupo da professora Leni Akcelrud; o Instituto de Química da USP, por intermédio da professora Neyde Yukie Murakami Iha; e o Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Poli-USP, com a professora Wang Shui Hui. “No âmbito da física e da fabricação de dispositivos, trabalhamos com o professor Luiz Pereira, do Departamento de Física da Universidade de Aveiro, de Portugal.”
Os Projetos 1. Pesquisa e desenvolvimento de dispositivos eletroluminescentes com polímeros semicondutores no 03/07454-5 2. Estudo e desenvolvimento de LEDs orgânicos, células solares, transistores de filmes finos e sensores baseados em polímeros semicondutores - nº 09/05589-7 modalidade
1 e 2. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Coordenador
1 e 2. Adnei Melges de Andrade – USP investimento
1. R$ 352.347,45 e US$ 51.268,94 (FAPESP) 2. R$ 135.293,81 e US$ 121.643,95 (FAPESP)
Com os polímeros eletroluminescentes que recebem eles fazem Pleds e Oleds. O grupo trabalha no desenvolvimento de transistores há dois anos. O grande diferencial em relação aos de silício é o custo menor de fabricação. Quanto às células solares orgânicas, as pesquisas estão na fase inicial. Os maiores esforços do grupo de pesquisadores da USP estão direcionados nesse momento para o desenvolvimento dos dois diodos emissores de luz orgânicos. A diferença entre os dois tipos está no processo de fabricação e nos componentes de que são feitos. “Oleds é a designação geralmente dada aos LEDs orgânicos feitos a partir de pequenas moléculas”, explica o pesquisador Gerson dos Santos, integrante do grupo. “Os Pleds, por sua vez, são feitos a partir de cadeias poliméricas longas.” Apesar dessas diferenças, a expressão Oleds vem se tornando dominante no mundo para designar os dois tipos de LEDs orgânicos. Existem muitas possibilidades de montar esses dispositivos e os pesquisadores buscam produzi-los de forma eficiente, reprodutível e duradoura. A estrutura mais simples de um Oled é composta de um substrato transparente (vidro ou polímero inerte), sobre o qual é depositado um eletrodo, feito de um óxido metálico de alto potencial de ionização – normalmente é utilizado para isso o óxido de estanho e índio. Sobre essa camada vai o que se pode chamar de coração do Oled: o polímero emissor de luz. Esse, por sua vez, é recoberto por outro eletrodo, uma fina camada metálica, geralmente feita de um metal com baixo potencial de ionização (perda de elétrons), como alumínio, cálcio ou magnésio. Decai o éxciton - O princípio de fun cionamento do Oled também é relativamente simples. “Elétrons são injetados a partir de um eletrodo, enquanto lacunas (ou chamados também de buracos, termo muito comum em física e eletricidade que significa a ausência de elétrons em determinadas posições) são introduzidas pelo outro, quando uma tensão elétrica é aplicada entre os dois”, explica o pesquisador John Paul Hempel Lima. “Essas cargas se deslocam pelas cadeias poliméricas e podem se recombinar para formar uma espé-
Os polímeros consomem menos energia, característica importante porque os recursos naturais serão mais limitados
cie eletronicamente excitada, o éxciton. Esse éxciton decai radiativamente, emitindo luz. Ou seja, o decaimento radiativo do éxciton é a eletroluminescência do Oled.” A montagem desses dispositivos começa com a escolha dos materiais, o que vai definir a cor que ele emitirá. Além disso, para se produzir dispositivos eficientes é essencial que sejam controladas a morfologia e a espessura de cada camada. Há várias técnicas para depositá-las, uma em cima da outra, a partir do substrato. Grande parte da montagem dos Oleds é feita no interior da glovebox, uma máquina cujo modelo foi projetado pelos pesquisadores em conjunto com um fabricante nacional. Ela permite criar em seu interior uma atmosfera, composta de nitrogênio, com reduzida concentração de oxigênio e água para evitar a degradação dos dispositivos. Dentro da câmara é feito ainda o encapsulamento dos Oleds, etapa que consiste em colocar uma cápsula de vidro sobre o material. “Como uma máquina importada era muito cara, tivemos de encomendar a fabricação de uma similar nacional numa empresa brasileira”, conta Andrade. A maior parte do financiamento recebido da FAPESP no primeiro projeto, cerca de R$ 300 mil do total de pouco mais de R$ 450 mil, foi usada para fabricar a glovebox. “Além desse equipamento, desenvolvemos um robô para deposição de camadas em uma técnica conhecida como automontagem e adaptamos uma impressora comercial para depositar os polímeros (técnica conhecida como ink-jet deposition).” Os pesquisadores do GEM já produziram vários tipos de Oleds de cores diferentes, usando mais de 20 tipos de polímeros. O trabalho do grupo, segundo Fonseca, está a meio caminho entre a pesquisa básica, a descoberta cientí-
fica e a indústria. “Nosso objetivo não é produzir dispositivos prontos para o mercado, mas avançar além da pesquisa básica de modo que se desenvolvam tecnologias para as indústrias poderem desenvolver e fabricar em larga escala.” Para isso, o grande desafio a ser vencido é ampliar o tempo de vida dos Oleds, que ainda é de poucas horas, não só visando às aplicações imediatas, mas também para propiciar maior estabilidade ao material e boa luminância a eles. Outro desafio do grupo é produzir um Oled que emita a cor branca, façanha que vem sendo tentada por empresas e instituições de pesquisa de todo o mundo. “Produzir esse tipo de dispositivo não é tarefa fácil. É preciso conseguir uma combinação equilibrada das emissões de cores básicas, vermelha, verde e azul, o que é difícil”, diz Andrade. O grupo está testando duas maneiras de conseguir isso. Em uma os componentes são mesclados para produzir emissão próxima à luz branca. Em outra é produzido um Oled com mais de um polímero emissor, cada um emitindo uma cor, o que implica mais etapas de processo. Segundo Andrade, o advento desse emissor de luz branca vai revolucionar nosso modo de vida, pois alterará profundamente a forma como os ambientes serão iluminados. Hoje todos estão acostumados com o uso de lâmpadas convencionais, como as incandescentes, e mais recentemente com as fluorescentes compactas, mas elas poderão ser substituídas no futuro por dispositivos planos muito finos, com a espessura equivalente a uma folha de papel sulfite, consumindo menos energia, característica importante, levando-se em consideração que os recursos naturais n serão cada vez mais limitados.
Evanild o da Silveira PESQUISA FAPESP 171
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Flagrantes da repressĂŁo nos arquivos da ditadura
[ História ]
A arca documental dos anos de chumbo
da
Estudos sobre o arquivo Deops-SP revelam como funcionava a lógica da repressão nos tempos da ditadura Carlos Haag
À
primeira vista de um leigo nada parece ser mais modorrento do que um arquivo cheio de antigos documentos. O desinteresse se converte rapidamente em debate apaixonado quando esse arquivo guarda a história de violações e repressão da ditadura militar e, em muitas instituições, está fechado a sete chaves para a sociedade civil apesar do interesse do seu conteúdo e do tempo passado. Basta ver a expectativa da ratificação no Senado após sua recente aprovação no Congresso da nova lei de direito de acesso a informações públicas, que inclui os arquivos da repressão, idealizada para diminuir os prazos de sigilo de documentos e informações guardados pelo poder público e estabelecer procedimentos para acesso a esses dados, colocando fim ao sigilo eterno anteriormente fixado. Se aprovado, o novo texto estabelece que documentos ultrassecretos podem ser classificados por até 25 anos com uma única renovação possível. “Felizmente algumas luzes como essa iluminam esse nosso labirinto dos ‘arquivos da repressão’, que são também arquivos-símbolos da resistência. Esses documentos permitem, com certeza, reconstituirmos e reavaliarmos as circunstâncias em que as violações ocorreram, identificarmos os agentes da repressão e recuperarmos, nas entrelinhas, os vestígios deixados pelos torturadores. Mas é preciso que os arquivos não fiquem presos na engrenagem jurídica e venham à luz em todo o Brasil para serem estudados”, explica a historiadora e professora da Universidade de São
Paulo (USP) Maria Luiza Tucci Carneiro, coordenadora do projeto temático apoiado pela FAPESP Arquivos da repressão e resistência, história e memória: mapeamento e análise da documentação do Deops, que conta com a participação de nove professores doutores, além da equipe de bolsistas, para averiguar os meandros da repressão policial entre 1955 e 1983, com destaque para o período da ditadura militar. “Os familiares dos mortos e desaparecidos e o povo brasileiro, na sua totalidade, têm direito à informação, à verdade e à memória. Essa questão não é página virada da história e muito menos ‘referência histórica’, pois ela ainda é fato, ainda é história em movimento”, diz a pesquisadora. O temático dá continuidade a outro, anterior, de 1999, também apoiado pela FAPESP, que originou o Proin (Projeto Integrado Arquivo do Estado-Universidade de São Paulo) e resultou na organização da documentação do período entre 1924 e 1954. Além da abertura dos arquivos, a sua análise por pesquisadores é fundamental para que a nova lei do sigilo de informações não passe de letra morta jurídica. “Quando os documentos são liberados ainda se depende de pesquisas sistemáticas dedicadas a identificar as violações dos direitos humanos perpetrados pelo Estado. Localizar documentos que comprovem as prisões arbitrárias, a tortura, os assassinatos não é tarefa fácil. Mas, felizmente, existe uma ordem por procedência e data que, cruzada com testemunhos orais, pode nos aproximar dos mandantes dos crimes. Temos que aprender a ‘ler nas entrelinhas’ em PESQUISA FAPESP 171
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Deops paulista guardou muitos panfletos de Ibiúna
busca de indícios e sinais”, analisa Maria Luiza. Assim, por exemplo, se alguém que era do movimento estudantil de resistência à ditadura foi preso junto com o jornalista Vladimir Herzog durante a ditadura pode ter o seu prontuário de prisão catalogado, segundo a lógica militar, em “movimento estudantil”, e não entre outros tantos prontuários de prisão daquele dia, o que dificulta bastante para a família localizar os dados do desaparecido político. “Daí a importância e a necessidade de digitalizar todo o arquivo para poder acessar sua totalidade e cruzar dados e informações que levem ao paradeiro de um nome na multidão. No caso desse estudante fictício, por exemplo, ele pode ter o seu prontuário esvaziado e a parte referente à sua prisão ir parar em outros dossiês temáticos, algo que, creio, pode ter sido uma estratégia policial para dispersar as informações e dificultar o acesso de propósito”, afirma a pesquisadora. O resultado é um novo quadro do que foi a lógica da repressão. “Os relatórios de investigação e as fichas de investigação que compõem esses processos documentam décadas de violência e terrorismo de Estado. A primeira sensação que temos é de que a sociedade brasileira 82
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foi, durante décadas, mapeada, invadida no seu cotidiano, estuprada. A ditadura militar não foi tão ‘branda’ como alguns querem fazer acreditar.” Havia, segundo ela, “o grande olho do Deops [Departamento Estadual de Ordem Política e Social] sobre São Paulo”. Ao mesmo tempo, para um historiador, essa invasão não deixa de ser, a contrapelo, uma dádiva, pois reúne uma documentação minuciosa sobre toda e qualquer resistência, chegando aos grupos anônimos que foram ocupando as ruas. “Eles confiscavam arquivos e a vida do cidadão para provar que havia subversão e assim criaram, para a posteridade, arquivos do que foi a resistência surgida a partir dessa repressão. Daí o nome do nosso projeto temático”, explica. Nos vários dossiês sobre a USP, que chegam a somar 151 volumes, por exemplo, há dados precisos sobre as aulas de professores vistos como suspeitos, como Florestan Fernandes, e mesmo a bibliografia indicada que podia, inclusive, ser anexada ao processo em forma de livro. “Temos uma mistura da história da vigilância com a história do impresso revolucionário e a história da leitura. Pode-se hoje saber o que um operário lia, pois ao invadir sua casa seus livros e escritos eram confiscados e anexados aos dossiês. Há mesmo casos belos de manuscritos de poemas e romances inéditos que foram roubados pela polícia e agora podem vir novamente à luz. Recupera-se com a repressão a história da repressão.” Era a obsessão pela vigilância. Persecutório - “Essa obsessão como
forma de prevenir a atuação ‘subversiva’ acabava por gerar uma lógica da suspeita ou ethos persecutório. Os milhares de agentes envolvidos, funcionários públicos ou delatores cooptados, eram regidos por essa lógica e, ao incorporá-la, acabavam produzindo um fenômeno típico de regimes autoritários: mais importante do que a produção da informação em si era a produção da suspeita”, analisa o historiador Marcos Napolitano, da Universidade Federal do Paraná, que trabalha sobre os arquivos do Deo ps para sua pesquisa Políticas culturais e resistência democrática no Brasil nos anos 1970, apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Esse conjunto de documentos tinha a clara função de
Nos vários dossiês sobre a USP há dados precisos sobre as aulas de professores
peças acusatórias, em eventuais processos ou punições mais direcionadas, prontos para ser acionados a qualquer momento. Além de registrar palavras e atitudes, os textos revelam as inferências dos agentes, no sentido de apontar a existência de uma conspiração perpétua, orquestrada por grupos políticos ‘subversivos’. Uma simples observação, contida num registro sobre as atividades do suspeito poderia tornar-se mais destacada em futuros relatórios produzidos pelos organismos, numa técnica de reiteração crescente que agravava o grau de suspeição sobre os vigiados.” Algo que poderia acontecer, por vezes, num espaço de dias. Num interrogatório de um aluno sobre o professor Warvick Estevam Kerr, geneticista e ex-diretor científico da FAPESP, grafado das formas mais esdrúxulas pelo escrevente, há uma mudança notável diante do terror. “Que ignora se professor Warckis Kerr da Faculdade de Ribeirão Preto seja de esquerda”, no dia 22 de junho de 1971; “Seus contatos com o professor Warvick Koer, da cadeira de genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, eram de caráter estritamente funcional. O declarante desconhece a ideologia política do citado professor”, no dia 23 de junho; “Que acredita que o professor seja realmente um elemento ativo na política de esquerda; que espera ao terminar de responder as acusações que ora lhe são imputadas continuar seu curso de medicina e nunca mais se envolver em política”, no dia 25 de junho daquele ano. “O controle do cidadão é realizado pelo Estado, que procura obter a adesão
do cidadão ao regime político por meio da repressão e da censura. Por meio da geopolítica do controle, o Estado procura inibir os atos de protesto e as rebeliões populares apoiados por legislação específica. Nesse contexto, a domesticação das massas depende da vigilância sistemática da aplicação legal do conceito de crime político e do controle da informação, ações que implicam a privação progressiva da cidadania”, explica Maria Luiza. Para conseguir vigiar o cidadão, é preciso acumular nos arquivos o máximo de informações, registros obtidos por investigadores treinados em detectar suspeitos e criminosos políticos que se infiltravam nos grupos avaliados como subversivos e os observavam. As informações, continua a pesquisadora, iam sendo acumuladas de forma a subsidiar a acusação, na maior parte das vezes arbitrária, do crime político. Afinal, o paradoxal nas ações dos Estados, mesmo as mais secretas ou realizadas em períodos de exceção, é que elas são, pela dinâmica burocrática, registradas. “É preciso lembrar que o crime político é um crime de ideias que, para ser comprovado, deve ser materializado através de provas con-
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Movimento contra a carestia (acima) e presos políticos banidos
fiscadas dos acusados. Essas provas eram anexadas aos prontuários nominais ou institucionais que serviam para a ‘construção’ da acusação.” “A prisão do grupo da Ala Vermelha em Embu-Guaçu, confirma mais uma vez a participação de estudantes no processo subversivoterrorista em curso em São Paulo. Os jovens secundaristas e universitários estão sendo ‘trabalhados’ intensamente pelas organizações subversivas e muitos deles, despreparados e sem orientação dos pais e mestres, estão aderindo, endossando as fileiras das referidas organizações”, afirmava um Relatório Especial de Informações de 1969. “O discurso da ordem assume um tom acusatório ao apontar para o inimigo cuja imagem negativa vai sendo construída a partir de provas recolhidas junto aos espaços da sedição (daí os autos de busca e apreensão e os relatórios PESQUISA FAPESP 171
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cantora Mercedes Sosa cantara a música Somos todos hermanos, o que permitiu ao público gritar palavras de ordem contra a ditadura. “Como isso pode ter ocorrido num show promovido pelo próprio Estado?”, pergunta a carta do chefe do SNI ao governador.
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“Esses interrogatórios refletem a tentativa de impor determinada ordem do discurso, na qual os valores e princípios do governo militar eram reafirmados em detrimento das concepções políticas dos interrogados”, observa a historiadora Mariana Joffily, autora da tese de doutorado No centro da engrenagem, orientada por Maria Aparecida de Aquino e defendida em 2008 na USP. “O depoente é cínico e mentiroso, omitindo detalhes de sua participação no POC, bem como esclarecer elementos que atualmente encontram-se militando, só abrindo ex-militantes e pessoas que se encontram foragidas do país”, dizia um interrogatório. “O depoente é frio e calculista, limitando-se a prestar declarações dos fatos que ocorreram estritamente com sua pessoa, negando peremptoriamente a mencionar os nomes das pessoas que militaram com sua pessoa na organização. Fez uma apologia da Revolução Armada, referindo às autoridades do país como por exemplo: gorilões, milicos, pseuda (sic) Revolução, etc.” Outros registros do Deops podem até causar um riso incontido como a carta enviada ao então governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins, em razão do show realizado no Ginásio do Ibirapuera, sob patrocínio da administração estadual, em que a
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de investigação). Nesse caso quem ‘constrói’ parte da história oficial e a verdade aparente é a autoridade policial que, com base na observação e na materialização do crime (provas concretas), interfere na realidade. Estas provas, ao serem julgadas pelas instâncias superiores e propagadas junto à grande imprensa, através de notícias preparadas pela Agência Nacional, tornam-se consenso, legitimando a repressão”, avalia Maria Luiza. Nem sempre, porém, os agentes tiveram sucesso. “Achamos que o declarante não possui o mínimo de conhecimento político-partidário, desconhecendo mesmo até o que seja AP (Ação Popular). Da mesma forma revelou desconhecer quais as atividades de uma organização terrorista. Foi convidado para trabalhar contra a ‘ditadura’, termo este que não sabe o que significa ao certo, julgando tratar de um governo que manda através de um presidente cujo povo pretende derrubar. Concluindo o declarante revelou um baixo nível intelectual e completa ignorância sobre assuntos políticos e ideológicos”, afirmava um interrogatório preliminar. Em outro, o preso declarou que “reconhece ter sido ‘imbecil’ ao guardar o material explosivo sem saber do que se tratava. Que não é membro de qualquer organização clandestina e desconhece nomes de guerra, sendo Lou um apelido familiar do amigo. Que foi totalmente iludido pelo amigo e que não tem tempo para pensar em política, não tem qualquer livro de ideologia comunista em sua residência”.
Ação militar contra a guerrilha na serra do Caparaó e panfleto da UNE (abaixo)
Sigiloso - Outras não são tão risíveis. Em 1969, o então reitor da USP encaminhou ao Deops a relação dos funcionários aprovados em concurso com a observação de que “face à crescente anormalidade nos meios universitários pediu-se o reitor para que todos os concursados sejam triados neste departamento em caráter urgente e sigiloso”. Da lista, 19 dos aprovados tiveram algum reparo do Deops por serem mencionados em algum tipo de investigação em curso registrada nos arquivos. Há mesmo a preocupação de infiltração comunista nos arquivos do Deops sobre a escola de samba Vai Vai, já que esta começava a ser visitada por elementos de esquerda como Ruth Escobar e Ricardo Zaratini. Presidenciá veis não escaparam do rigor do Deops e estão registrados nos arquivos. “Uma das cabeças da revolução comunista. Ele tem sido um grande agitador e causador de problemas desde que era presidente da UNE. Um experimentado doutrinador da ideologia marxista, ele dita normas de conduta para todas as organizações estudantis”, diz o prontuário de José Serra. “Ela já está presa”,
afirma uma nota escrita a lápis sobre a ficha de Dilma Rousseff nos arquivos, encaminhada aos Deops estaduais. O arquivo Deops-SP, sobre o qual se debruça o temático, é uma grande exceção graças à postura do governo paulista, que, em 1994, liberou totalmente a consulta aos documentos do fundo sob guarda do Arquivo do Estado. O regime militar, através dos “governadores biônicos” em fim de mandato, extinguiu os Deops paulista e carioca e transferiu seus arquivos para as dependências da Polícia Federal. “Em outros estados houve ocultação ou destruição de arquivos, como em Minas Gerais, onde a polícia alega ter incinerado a documentação original do Deops. Em 1991 teve início o processo de recolhimento da documentação da polícia política para os Arquivos Públicos, a primeira etapa no caminho do franqueamento desses documentos ao público”, conta o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e autor de Em guarda contra o perigo vermelho (Editora Perspectiva). “Na Região Sul, apenas no Paraná os documentos do Deops foram recolhidos integralmente. Em Santa Catarina, o Arquivo Público desconhece a localização da documentação e no Rio Grande do Sul apenas parte do arquivo foi recolhida. A melhor situação está no Sudeste, pois em seus quatro estados os documentos estão nos respectivos arquivos”, afirma. “No Centro-Oeste, o único arquivo Deops aberto à consulta é o de Goiás, sob a custódia da Biblioteca Central da Universidade Federal de Goiás. Na Região Nordeste estão nos respectivos Arquivos Públicos os documentos dos Deops pernambucano, cearense, potiguar e sergipano. Na Bahia e na Paraíba, os Arquivos Públicos desconhecem o paradeiro dos documentos. Em 11 estados da federação, de um total de 20, os arquivos Deops foram recolhidos e preservados. O que se conseguiu ainda é insatisfatório.”
O arquivo Deops-SP foi totalmente liberado graças à postura do governo paulista
“Dar acesso a essa documentação deve fazer parte de um processo mais amplo de reparação, verdade e justiça. Mas não é um conjunto de documentos que qualquer cidadão tem condições de interpretar como documentos de um museu. É um conjunto que precisa ser intermediado por pesquisadores e professores. O alvo de nossas políticas de divulgação é esse e deve ser de financiamento público para o desenvolvimento de pesquisas e produtos acadêmicos. Parece-me o melhor jeito de garantir a capilaridade desta matéria na sociedade”, explica Rodolfo Peres Rodrigues, responsável pelo arquivo Deops de Goiás, sob a guarda da Universidade Federal de Goiás no Centro de Informação, Do-
cumentação e Arquivo. “O acesso a tais documentos representa a ampliação da cidadania, já que possibilita às pessoas que tanto sofreram com a repressão que tenham a chance de reivindicar seus direitos. Além disso, é importante que o período militar possa ser revisitado em seus pormenores institucionais registrados na atuação da polícia política em Minas Gerais. A divulgação do acervo significou a abertura de novos campos de pesquisa dada a dificuldade em se conseguir fontes que não haviam passado pelo filtro da censura no período. Apesar disso, há a possibilidade de que os microfilmes que recebemos sejam apenas parte dos documentos do Deops-MG e que a polícia possa ter retido parte substancial dos arquivos”, afirma Maria Eugênia Lage, superintendente do Arquivo Público mineiro. O Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro trabalha com a coleção mais completa de imprensa alternativa desde 1960 e é dirigido pela historiadora Beatriz Kushnir. “Não basta apenas os historiadores pesquisarem sobre os arquivos, mas as informações precisam chegar até os estudantes secundaristas por meio dos professores de primeiro e segundo graus. Eles desconhecem essa documentação e precisamos quebrar essa distância. Daí a importância real de se abrir de uma vez os arquivos do aparelho do Estado, que precisa devolver à sociedade civil o que ele levou das pessoas”, afirma Beatriz. n
Participantes das passeatas contra usinas nucleares também eram fichados PESQUISA FAPESP 171
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istória antiga com jeitinho brasileiro
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união das duas palavras, história antiga, só reforça os preconceitos, já que a primeira delas é, em geral, associada a uma área de estudos que trata de assuntos há muito encerrados e que parecem não ter mais impacto sobre nossas vidas. A ideia de algo ainda mais antigo só faz a disciplina parecer mais distante de nós e, assim, menos interessante e importante. Um erro crasso para se usar uma expressão clássica. Um grupo de pesquisadores brasileiros do Laboratório de Estudos sobre a Cidade Antiga, Labeca, ligado ao Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE-USP), por meio de um projeto temático que contou com o auxílio da FAPESP, está redimensionando um dos conceitos mais importantes da era clássica e que traz a raiz das ideias modernas de democracia e de cidade: a pólis, por meio de uma nova definição do conceito grego. “Um dos principais resultados de nossas pesquisas é que a percepção do que os gregos denominavam pólis não era apenas a comunidade de cidadãos, como querem os cientistas políticos, nem um assentamento urbano concebido a partir da institucionalização da política, como apregoam todos os manuais ao tratar da democracia em Atenas e da oligarquia em Esparta”, explica Maria Beatriz Florenzano, coordenadora do temático e diretora do Labeca. “A pólis, afinal de contas, é uma ‘comunidade de lugar’, como queria Aristóteles: ela é constituída por um grupo humano para quem o território ocupado possui um significado que vai além do uso material para a vida ou para a sobrevivência. O território está impregnado de sentidos simbólicos, sejam eles expressão de uma religiosidade dispersa, de poder político, de expressão de grupos sociais específicos, e assim por diante”, completa Eliane Hirata, pesquisadora do Labeca.
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Pesquisadores do Labeca dão significado mais amplo ao conceito de pólis grega “A proposta básica dessa pesquisa do Labeca foi promover o estudo da organização do espaço da pólis grega a fim de oferecer uma visão mais completa dessa sociedade antiga na época arcaica e clássica (séculos VIII a.C. ao IV a.C.). Partimos do princípio de que o espaço e o ambiente construído incorporam elementos dos sistemas social, político, econômico, ideológico e são um instrumento de comunicação humana, são registros de história das sociedades, são documentos históricos. Daí o nosso desejo de estudar a territorialidade da pólis”, observa Maria Beatriz. “Trabalhamos com uma visão macro da distribuição da sociedade no espaço. Não tratamos das casas de forma isolada, mas sua disposição nas ruas, e investigamos o que essa disposição significa em termos de organização da sociedade”, analisa. Os resultados do estudo, porém, vão além da reconfiguração do conceito, pois a partir desse eixo temático comum, com foco na organização do espaço da pólis, há uma convergência de várias vertentes de estudos sobre religião, espaço da mulher na sociedade, teatro, economia, planejamento urbano etc. Um exemplo claro desse tipo de pesquisa é a que estão realizando sobre diversos santuários gregos. “A partir da distribuição dos santuários na paisagem (urbana, rural, em relação a residências, a áreas cívicas, a muralhas, portos etc.) procuramos
Acervo Labeca
entender qual o papel da religiosidade grega na organização da sociedade; qual o papel de uma divindade específica para um determinado grupo; como a distribuição de santuários revela contatos com outros grupos que não gregos; e assim por diante”, afirma Maria Beatriz. Esses estudos, que parecem distantes da questão principal da pólis, em verdade são peças importantes para compor o painel que está sendo montado pelo Labeca a partir da organização espacial das cidades gregas.
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pólis inaugura uma forma de viver junto que prioriza a cidadania, ou seja, o cuidado e a valorização da vida em comum. O poder político centralizador não fez parte da vivência dos gregos a partir da estruturação das pólis. Estas representam o quadro de referências básicas que articulam e dão sentido a todo o conjunto das realizações gregas”, observa Elaine. Havia uma organização espacial particular: a união de um nú-
Templo de Apolo, em Poseidônia, sul da Itália
cleo central, urbano, chamado ásty, e de uma área territorial destinada às atividades agrícolas, essenciais para a subsistência, em grego, khóra. Essa integração de espaço e, logo, de pes soas foi promovida especialmente pela prática religiosa, envolvendo as populações em rituais que as reuniam, seja nos santuários urbanos ou naqueles de fronteira (extraurbanos). “Algumas procissões, por exemplo, saíam dos santuários localizados na área dita urbana e finalizavam seu trajeto nas áreas sagradas das fronteiras. Aí a realização de rituais comunitários reforçava os laços entre os vários grupos que integravam a pólis”, nota Maria Beatriz. O grande marco ocorre em fins do século VIII a.C. com a definição de um espaço ritual específico, um recorte na esfera do profano: a criação do
templo. “A invenção do templo não foi uma mudança significativa na prática cultural, mas sim uma decisão de uma comunidade de cidadãos, no sentido de monumentalizar, isto é, inscrever uma construção sagrada em uma paisagem. O templo torna-se o emblema da pólis, a consignação do poder e do prestígio de uma cidade frente às demais, a expressão de sua identidade. Na estrutura de uma cultura competitiva como a grega os santuários desempenham um papel definitivo”, nota Eliane. “O que a arqueologia revela é que a partir da edificação e da monumentalização desses edifícios é que a religião e, sem dúvida, o culto estatal comum estiveram no centro da criação institucional da pólis e que tanto religião quanto culto atuaram sempre como elementos integradores da comunidade”, observa Maria Beatriz. Ainda segundo a pesquisadora, o fato de se encontrarem tantos templos nas periferias dos núcleos urbanos, fora mesmo das muralhas, e o estabelecimento de elos espaciais entre esses PESQUISA FAPESP 171
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e o assentamento demonstram como a definição de um território preciso estava na agenda dessas comunidades que começavam a se estruturar no que mais tarde foi conhecido pelo nome de pólis. Dados arqueológicos revelam que já no século VIII a.C. despontava a primeira organização das pólis, que no século VII a.C. estará plenamente consolidado. “Esses templos tinham a função de marcar o território de uma pólis emergente, como se fossem um marcador de posse; deviam também desempenhar a função de proteger esse território comum em relação aos ‘outros’, fossem eles gregos ou bárbaros. Aceita-se hoje que a posição desses templos nas fronteiras permitia uma passagem simbólica da pólis com o exterior”, afirma a professora. Além disso, os membros da comunidade, ao percorrerem o trajeto entre um templo central e um templo extraurbano, durante as festividades ou os rituais de culto à divindade, experimentavam o espaço de sua cidade, apossavam-se dele e integravam-se com o conjunto dos demais membros da comunidade nessa posse sobre um terreno definido. “Sentiam-se parte de um mesmo todo: a pólis.”
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artindo do princípio de que a ocupação do espaço é o desenho da sociedade no terreno, não podemos compreender a organização espacial na cidade grega sem levar em conta este ‘engaste’ das várias esferas da sociedade, inclusive da religião. Pode-
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Vista do templo dórico de Apolo em Caulônia, sul da Itália
mos dizer que a pólis não existe sem a religião. Daí o nosso interesse em pontuar/mapear os espaços religiosos materialmente de maneira a poder medir a penetração da religião no espaço ocupado por uma pólis; de sorte a poder destrinchar a relação de cultos com atividades específicas de grupos; de sorte a poder entender como os cultos instalados em áreas distantes do centro urbanizado atuavam no sentido de legitimar a posse sobre um determinado território, e assim por diante”, avalia Maria Beatriz. O território assim ocupado por uma pólis, continua, assume uma diversidade grande de valores que vão além de seu uso imediato para a sobrevivência: são espaços carregados de energia que definem até onde ia a autonomia de uma pólis, até onde ia o que os gregos entendiam como “civilização”. “As fronteiras na Grécia Antiga não eram traçadas nem cuidadas como as fronteiras que se criaram no mundo contemporâneo a partir da Idade Moderna e que foram e continuam se consolidando no mundo atual. Elas eram muito mais fluidas e o território era guardado por energias sagradas, por pequenos assentamentos, pela fundação de novas pólis. Santuários se erguiam no território e muitas vezes entravam na disputa entre as cidades, pois o seu domínio era visto como acréscimo de prestígio e poder.”
Mas a pólis foi igualmente criada em lugares distantes durante a expansão grega do período arcaico no Mediterrâneo que os pesquisadores do Labeca preferem chamar de apoikia (no sentido de algo longe da oikos, a casa), em vez de colônias, no sul da Itália e Sicília, fundadas no século VIII a.C. quando a pólis ainda não passava de um esboço e não possuía um estatuto consolidado. “Longe de sua terra natal, esses grupos originários de muitas partes tiveram que entrar em acordo para desapropriar terrenos de outros e para organizar uma ocupação eficaz. Tiveram que constituir governos, distribuir lotes entre os colonos, estabelecer regras e conceitos. Vinham com uma herança de casa, mas na construção de um novo lar tiveram que ser criativos. A organização do espaço foi uma área que recebeu muita atenção e estes helenos usaram a organização espacial para criar uma linguagem visual de sua própria identidade.” Esta linguagem fez o caminho de volta para a Grécia e ajudou a consolidar a pólis: a malha ortogonal como elemento organizador da especialização e complexificação da sociedade, a marcação do túmulo do ancestral fundador na ágora, os muros urbanos e sua abertura para o território, o uso da arquitetura religiosa monumentalizada para marcar poder e identidade são todos elementos que foram consolidados nas apoikias gregas do Ocidente e que toda a helenidade absorveu. “São elementos que conheceram uma difusão enorme no período helenístico e perduram até hoje como marca visual da identidade grega antiga”, nota Maria Beatriz. Nesse movimento todo Atenas é a grande exceção e não a regra, como nos ensinam os livros mais antiquados. “A maioria dos textos escritos por autores antigos e preservados até hoje foi escrita naquela pólis e muitos deles são sobre ela. A arqueologia, porém, nos permite uma abordagem mais amplificada e sofisticada do mundo criado pelos gregos no Mediterrâneo, já que recupera os dados materiais das demais pólis gregas (alguns dados sugerem que existiram 1.037 delas). Não podemos deixar Atenas de lado, mas temos que procurar conhecer melhor as outras para compreender a sociedade grega no seu sentido mais extenso e em toda a
sua complexidade. Daí que, no Labeca, rompemos com a visão atenocêntrica da história grega e definimos a Grécia como o ‘mundo grego’ espalhado na borda do Mediterrâneo, desde o sul da Espanha até o mar Negro, litoral onde os gregos se assentaram e criaram o que chamamos de helenidade: uma identidade específica, na qual a monumentalização participava de um sutil jogo de poder. Os primeiros edifícios construídos com material permanente e, portanto, monumentalizados na Grécia Antiga foram os templos. Isso explica um pouco que o viés da integração das comunidades que se organizavam a partir do século VIII a.C. no formato da pólis era um viés que tinha a religião como fundamento. Ora, a área da edificação religiosa adquiriu uma importância tal que se tornou uma maneira de consolidar o poder tanto de governantes autocráticos como os tiranos da época arcaica e clássica quanto de líderes democráticos como o próprio Péricles em Atenas. A monumentalização dos templos em toda a Grécia e nas apoikias do Ocidente apontam para uma identificação do poder político com o poder divino e para uma manipulação do poder político por via da religiosidade.”
Os primeiros edifícios monumentalizados na Grécia Antiga foram os templos
cumentações”, analisa a coordenadora. Hoje o país conta com pesquisadores significantes no campo da história antiga que, como faz o Labeca, contribuem com seus estudos para uma discussão internacional sobre questões importantes, a partir de um “jeito brasileiro” de estudar a Antiguidade. “Estar atualizado com os estudos internacionais é sempre um desafio especialmente no estudo da Antiguidade. A especificidade brasileira está na nossa experiência com situações sociais e culturais que podem ser muito valiosas para se entender a Antiguidade (e para criticar o presente), tais como: desigualdade social, exclusão social, patrimonialis-
Carlos Haag
Wagner Souza e Silva
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as como estudar a Grécia Antiga de um ponto tão distante como o Brasil? “Como somos arqueólogos desde sempre, sabemos das dificuldades financeiras e legais para a execução de escavações arqueológicas em qualquer dos países modernos onde os gregos se assentaram no passado. Assim sendo, assumimos uma linha de pesquisa que vem se desenvolvendo na arqueologia recente, que são os ‘estudos de paisagem’ e de ‘ambientes construí dos’. Em vez de realizarmos estudos monográficos sobre uma única pólis para os quais dependeríamos de escavações arqueológicas, buscamos temas nos quais a partir de escavações já realizadas e publicadas podemos estabelecer relações em conjuntos maiores de do-
mo e patriarcalismo, situação periférica, entre outras”, explica Pedro Paulo Funari, professor de história antiga e arqueologia clássica na Unicamp. “Estudar a história antiga no Brasil hoje tem dois aspectos importantes: conhecer a própria história do país e perceber como os usos do passado antigo se vinculam a diferentes formas de discursos e práticas cotidianas e também, por meio da especialização nas universidades, aprender a buscar por interpretações mais dinâmicas que indiquem a diversidade social, de gênero ou étnica em que essas sociedades se construíram. Como vivemos em um país com uma diversidade cultural e social muito pungente, creio que uma das contribuições desse tipo de estudo é a possibilidade de produzir modelos interpretativos mais plurais sobre o mundo antigo”, assegura Renata Senna Garraffoni, professora de história antiga do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná e que ganhou recentemente uma bolsa de estudos da British Academy para estudar, na Inglaterra, jogos de gladiadores romanos. Segundo o professor de história antiga Glayson José da Silva, da Universidade Federal de São Paulo, “temos uma pesquisa em história antiga alinhada aos centros de excelência no exterior. Uma ciência mais problematizada, mais preocupada em compreender do que em explicar”. n
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[ Literatura ]
Machado de Assis em cena Mais do que a poesia ou a prosa, foi o teatro a grande influência do autor brasileiro, indicam novos estudos Joselia Aguiar
reprodução
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achado de Assis (1839-1908) é conhecido do leitor principalmente pelos contos e romances. Dizer que é o teatro sua principal influência pode causar surpresa, porém tal perspectiva é cada vez mais consagrada entre seus principais estudiosos. Consumidor de teatro ainda no tempo de adolescente, escreveu para a imprensa da época sobre as montagens a que assistia. Em pouco tempo se tornaria tradutor de peças francesas e passaria a criar as próprias comédias para o palco. Na maturidade afrouxou seus laços com o teatro, mas essa linguagem pode ser reconhecida nos livros dessa fase. O professor da Universidade de São Paulo (USP) João Roberto Faria, historiador e crítico do teatro brasileiro, que organizou o recente Machado de Assis: do teatro – Textos críticos e escritos diversos, publicado pela Editora Perspectiva, é um dos principais defensores dessa tese em sua pesquisa Machado de Assis e o teatro, apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Sabemos, é claro, que ele era leitor de poetas e romancistas e que na adolescência escrevia poemas. Mas sua literatura deve mais ao teatro do que à poesia e à prosa”, diz Faria, que anteriormente já havia estudado o teatro de José de Alencar, também da mesma época. Naquele período, segunda metade do século XIX, as encenações de peças francesas adquiriram importância extraordinária para os habitantes do Rio de Janeiro. Eram a última moda em Paris os “dramas
de casaca”, ou comédias realistas, que abordavam a vida e os valores da burguesia, como explica Faria. Aos 17 anos, em 1856, Machado de Assis publica seu primeiro texto crítico sobre teatro, “Ideias vagas”. Aos 20, já é crítico de teatro do jornal O Espelho: ali escreve sobre os espetáculos a que assiste no Teatro São Pedro de Alcântara e no Teatro Ginásio Dramático. No ano seguinte passa a escrever para o Diário do Rio de Janeiro, o que exigia a ida frequente às peças, pois dar notícia das estreias é uma das tarefas. “Seu envolvimento com o teatro é tão grande nessa fase de sua vida que o veremos escrever suas próprias comédias, traduzir peças francesas e tornar-se censor do Conservatório Dramático. Todo esse envolvimento com o teatro, que se estende até 1867, deixará marcas nos romances, contos e crônicas que escreverá em seguida”, explica o historiador. O apreço de Machado de Assis recai sobre o Molière cômico e as comédias realistas de Alexandre Dumas Filho e Émile Augier. Dos brasileiros, sua predileção são as peças à Dumas Filho escritas por José de Alencar e aquelas com ares burlescos de Joa quim Manuel de Macedo e Martins Pena. Quando escreve as próprias comédias, seguirá particularmente o modelo do provérbio dramático de Alfred de Musset, seu poeta preferido, diz Faria. “Assim como não gostava do melodrama, considerava a farsa um gênero menor.” Sobretudo, o maior escritor para Machado de Assis era Shakespeare, que aparece citado em várias obras, desde textos críticos sobre montagens
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Elegante - Ao escrever para o teatro,
segundo explica o historiador, Machado de Assis fez peças curtas, em um ato, “com linguagem elegante, senso de humor, ironia, diálogos ágeis e bom gosto, sem apelo ao baixo cômico”. “Não têm o alcance crítico dos romances e contos da maturidade, o que faz muita gente desprezá-las, sem levar em conta o que significam no interior da história do teatro brasileiro.” O teatro foi para ele 92
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um gênero “em que praticou a leveza, a concisão, a vivacidade do estilo e a poesia dos sentimentos”, define Faria. Suas comédias podem ser agrupadas em dois conjuntos. O primeiro inclui Desencantos, O caminho da porta, O protocolo, As forcas caudinas, Não consultes médico e Lição de botânica, que se aproximam pela maneira de abordar a vida social elegante do Rio de Janeiro, pelos enredos que envolvem relacionamentos amorosos e pela forma do provérbio dramático. O segundo bloco contém peças diferentes entre si: Quase ministro é uma pequena sátira da vida política; Os deuses de casaca é uma sátira de costumes sociais; Uma ode de Anacreonte se passa na Grécia Antiga; e Tu só, tu, puro amor é uma pequena peça sobre um episódio da vida de Camões. A forma teatral pode ser reconhecida na obra de Machado de Assis pela excelência dos diálogos que são colocados no interior de contos e romances.
“Machado tem um domínio notável desse recurso que dinamiza a narrativa ao dar voz para os personagens”, explica o historiador. Ele lembra que, em alguns contos, o autor reduz a presença do narrador ao mínimo necessário, como Filosofia de um par de botas, ou simplesmente o descarta, como em Teoria do medalhão, O anel de Polícrates, Singular ocorrência, entre outros. “É de se crer que preferiu a forma dramática porque com ela buscou atingir certos efeitos que não seriam conseguidos com a forma narrativa”, diz. Não é recente o interesse da crítica literária pela influência do teatro na obra machadiana. Um dos pioneiros foi Barreto Filho, responsável, com Augusto Meyer, por constituir a fortuna crítica machadiana entre as décadas de 1930 e 1950. Para João Roberto Faria, foi Barreto Filho o pioneiro em avaliar a importância do conhecimento teatral para os seus contos e romances. “Ele observa, por exemplo, que o teatro ensinou o escritor a simplificar o cenário e a concentrar o interesse no ‘jogo dos caracteres e na análise das paixões’. Ensinou também o ‘modo de armar as cenas’, com o timing perfeito para o momento de introduzir personagens e diálogos”, afirma Faria. Mais importante, aponta Barreto Filho: “Dotando-o de uma técnica do instantâneo, das cenas breves e isoladas, e de um mínimo de ambientação, o tea tro proporcionou-lhe por outro lado um conhecimento em profundidade da alma humana que ele pôde depois explorar em todos os sentidos”. As palavras de Barreto Filho remeteriam, assim, a Shakespeare, o escritor mais admirado por Machado, exatamente por ser um analista extraordinário da alma humana. Pode-se lembrar ainda que o modo pelo qual o escritor vê o homem e a sociedade tem tudo a ver com teatro e com Shakespeare, que escreveu em uma peça: “O mundo é um palco e todos os homens e mulheres são simplesmente atores”.
reprodução do livro A comédia Urbana: de Daumier a Porto-alegre
a referências em romances co mo Dom Casmurro. “A admiração pelo escritor inglês tornou-se mais sólida e decisiva a partir de 1871. Nesse ano Machado viu, pela primeira vez no palco, algumas peças de Shakespeare encenadas”, acrescenta. Os principais escritores e intelectuais brasileiros estavam envolvidos com o teatro naquele tempo, como explica o historiador. Nos jornais havia seções fixas de crítica teatral, os folhetins davam notícias dos espetáculos em cartaz, as traduções se multiplicavam, e o Conservatório Dramático requisitava a colaboração de quem se destacava no jornalismo cultural. Exemplo da relevância do teatro é que José de Alencar interrompeu a carreira de romancista após publicar O guarani, em 1857, dando início à de dramaturgo, que se estendeu até 1862. Incentivado por essa atmosfera, Machado de Assis traduziu libretos de ópera e peças, e depois passou a fazer as próprias comédias, o que lhe conferiu prestígio. “Podemos mesmo dizer que, antes de se notabilizar como contista e romancista, Machado já tinha alcançado enorme prestígio intelectual no Rio de Janeiro, com a soma de suas atividades: folhetinista, crítico teatral, crítico literário, comediógrafo, poeta, tradutor – de poemas, peças teatrais e romances – e até mesmo como censor do Conservatório Dramático. Não se tem notícia de quanto dinheiro essas atividades rendiam a Machado. O que se sabe é que levava vida modesta, mas sem grandes apertos”, afirma Faria.
O teatro é central no aprimoramento de novas formas ficcionais
é preciso às vezes ter sorte, mas vale a pena, porque iluminam sobremaneira o processo de criação e as ligações profundas de Machado com a cultura ‘mundial’, digamos. Obviamente, não estou tirando importância das influên cias conhecidas, do romance inglês do século XVIII, do realismo francês, Stendhal, Balzac, Flaubert, mais pano para a manga”, avalia Gledson. O professor de literatura da USP Hélio de Seixas Guimarães, outro especialista em Machado de Assis, cuja pesquisa em A recepção crítica da obra de Machado de Assis foi financiada pelo CNPq, e é autor de Os leitores de Ma-
chado de Assis – O romance machadiano e o público de literatura no século XIX (Edusp), também vê as marcas da formação do teatro nos romances, sobretudo os da década de 1870, nos quais o manejo dos diálogos e a construção de algumas cenas remetem à experiên cia teatral, em alguns casos especificamente ao melodrama. “Penso que essa experiência também se manifesta nos contos, na destreza com que Machado consegue em poucas linhas ou em poucos diálogos apresentar uma situação e instalar o leitor no meio de um conflito”, acrescenta. Gledson diz que, lentamente, se elabora uma nova versão da trajetória machadiana, mais coerente em si, que inclui os gêneros “menores”, contos, crônicas etc., e que liga o autor e a sua produção ao meio literário, social e político em que escrevia. Para Guima rães, o autor clássico brasileiro se tornou sobretudo “mais vivo”, na medida em que vários estudos têm procurado especificar o diálogo estreito e às vezes até bastante minucioso que Machado manteve com as questões mais importantes do seu tempo – e que continuam a fazer sentido até hoje. n
reprodução do livro a revista no brasil
John Gledson, crítico literário inglês e professor da Universidade de Liverpool que realizou estudos importantes sobre Carlos Drummond de Andrade e Machado de Assis, apresenta novos ângulos sobre o autor em seu Por um novo Machado de Assis, publicado pela Companhia das Letras, e classifica como “fascinante” a investigação sobre a influên cia do teatro no autor fluminense. As marcas não estão apenas na produção de juventude, ele confirma: “O teatro forma uma parte central no desenvolvimento de novas formas de ficção, no papel do diálogo na ficção etc.”. O relativo abandono do teatro por Machado deve-se, segundo ele, provavelmente a dois fatores – primeiro, a falta de um meio, uma audiência, para teatro “sério”; é uma queixa contínua, ao longo da carreira do autor. Machado não compartilhava do gosto carioca por vaudeville, melodramas, circos, touradas, que ele chamava de “prodígios”. O outro fator é, segundo Gledson, a índole irônica e distanciada do Machado maduro, que, em romance narrado seja em primeira pessoa, seja em terceira pessoa, precisará da ação e do diálogo, mas também de quem, implícita ou explicitamente, comente a ação – ou seja, da prosa narrada, e não do drama puro. Fluminense - Na comparação com ou-
tros autores da época, Gledson define Machado de Assis ao mesmo tempo como “muito original e muito brasileiro”, adjetivos ambos que aparentemente limitariam a importância de autores estrangeiros contemporâneos nele. “Mas creio um erro isolá-lo das correntes ficcionais da época, mesmo das que o aborreciam, como o naturalismo francês de Zola. Seria talvez mais certo dizer que lia, digeria tudo, mas que adaptava ao seu meio, ao ‘tamanho fluminense’.” Um exemplo menor, porém típico, afirma Gledson, é o uso que ele faz de uma romancista católica de quarta categoria, Madame Augustus Craven, em Capítulo dos chapéus, um dos seus contos mais engraçados. Sabe-se da importância da Craven, porque a heroína do conto, Mariana, leu um romance dela, Le mot de l’énigme, 11 vezes. “Deve haver outros exemplos – para identificá-los
Público do Alcazar (ao lado) e ironia com gosto por ópera (no alto) PESQUISA FAPESP 171
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resenha
Está na cara, você não vê A arte de arrancar aventuras maravilhosas de trabalhos científicos Mariluce Moura
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á um método de escrita disciplinadamente seguido pelo biólogo Fernando Reinach em A longa marcha dos grilos canibais, crônica após crônica: primeiro, o autor mostra um breve plano geral do campo a que pertence o experimento científico do qual vai tratar, para, em seguida, fazer foco no próprio experimento, à maneira de tantos filmes em que de saída o diretor nos arrasta rapidamente da contemplação da paisagem vista do alto para um objeto no solo, no qual quer que fixemos nossa atenção. Na sequência, ele descreve o que foi observado durante o experimento e, para fechar, especula com provocadora imaginação sobre os significados práticos ou teóricos, econômicos, sociais, existenciais ou outros dos achados e descobertas do trabalho analisado. Em suma, lança-se na aventura de pensar e imaginar, assim como, por outras vias, os pesquisadores responsáveis pelos estudos de que trata – quase todos originários das ciências biológicas –, a seu ver, também se atiraram. É este, de fato, nas crônicas, o olhar de Reinach para a ciência – lugar de aventuras, ponto de partida de expedições que entram em território inexplorado: “Cada descoberta científica é uma pequena história de aventura. (...) Nas publicações científicas o relato dessas aventuras está encoberto por uma infinidade de termos técnicos, descrição de métodos e um cuidado paranoico com a precisão da linguagem. O resultado é que o sabor da aventura se perde em um texto quase incompreensível”, diz ele na introdução do livro. O mais curioso é que, para extrair a essência aventurosa do emaranhado da terminologia científica dos artigos (da Nature e da Science principalmente) que servem de base às crônicas e entregá-la límpida a seus leitores, o que Reinach faz em seus textos é, como ele mesmo afirma,
A longa marcha dos grilos canibais Fernando Reinach Companhia das Letras 400 páginas R$ 45,00
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uma mímese do formato dos trabalhos científicos. Plano geral, apresentação do objeto etc., etc., mesmo que nos tragam memória de movimentos da câmera em começo de filmes sem conta, estão na estrutura mais comum de tais artigos. Só que ele segue esse roteiro valendo-se de um saber escrever bem, com talento e na linguagem cotidiana, digamos para sintetizar. Toma o modelo por guia, mas recorrendo a comparações, metáforas e outras figuras de linguagem bem escolhidas que, a par de tornarem inteligíveis para não especialistas conceitos e procedimentos complexos, adicionam sabor ao texto e deixam visível o prazer do escritor por trás das palavras. Dito de outra forma, Reinach, seguindo as pegadas de outros cientistas divulgadores de ciência, recria o modelo de escritura que o inspira para mostrar as produções da ciência ao público de forma quase lúdica. Não há parentesco entre o que ele faz e, por exemplo, as notícias e reportagens no âmbito do jornalismo científico, ainda que seja um jornal, O Estado de S. Paulo, o suporte original de suas crônicas semanais, desde 2004. Poder-se-ia dizer que seus textos estão mesmo de cabeça para baixo em relação aos jornalísticos e evitam, inclusive, citar nomes dos autores e das instituições onde se desenvolveram as pesquisas que enfoca, coisa impensável em material noticioso. Mas, como Reinach lembrou no programa Roda viva da tevê Cultura em 12 de abril passado, foi exatamente um jornalista, Flavio Pinheiro, um dos mais experientes editores da imprensa nacional, o responsável por seu “aprendizado” de escrever para jornal dentro do modelo que vislumbrava. Na época ocupando o cargo de editor-chefe, era ele quem comentava os primeiros textos que o biólogo ia produzindo bem antes da estreia no Estadão, dando-lhe uma série de dicas preciosas, até que ambos consideraram que o novo cronista estava pronto. O livro agora lançado é uma boa seleção de 118 crônicas do material produzido para o jornal de 2004 a 2009. Cada uma está focada num experimento singular e o conjunto está subdividido em 11 áreas temáticas que recebem títulos tão abertos quanto “mente”, “sexo”, “comportamento”, “humano”, “tecnologia” ou “política”. Esse agrupamento, aliás, serve mais para orientar o leitor quanto a seus próprios blocos de interesse, porque não há prejuízo nenhum em começar pela última crônica, saltar para a primeira e se deixar levar de forma um tanto anárquica, ao sabor dos belos e quase sempre intrigantes títulos. Seja qual for a ordem que o leitor escolha, no final terá deparado com a imensa diversidade de interesses que a mente inquieta desse híbrido de professor (tornou-se titular da USP aos 35 anos), pesquisador, empreendedor muito bem-sucedido e escritor de ciência, abrange.
livros
História e contra-história: perfis contrapontos Carlos Guilherme Mota Editora Globo 424 páginas, R$ 64,90
Em História e contra-história estão reuni dos os principais ensaios do historiador Carlos Guilherme Mota, escritos entre 1973 e 2007, que não só revelam sua trajetória, como também pontuam momentos im portantes da vida intelectual brasileira. Editora Globo (11) 3767-7880 www.globolivros.com.br
O Portugal medieval Carlos Nogueira (org.) Alameda Editorial 304 páginas, R$ 42,00
Este livro é produto dos encontros lu so-brasileiros de história medieval que reuniam anualmente estudiosos do Brasil e de Portugal com o objetivo de trocar experiências e apresentar pesquisas nessa área. Os artigos desse volume demons tram que as pesquisas sobre a Idade Mé dia portuguesa são de fundamental im portância para compreender o passado, que se reflete no presente brasileiro, na formação de muitas instituições, leis ou manifestações culturais. Alameda Editorial (11) 3012-2400 www.alamedaeditorial.com.br
Juó Bananére: irrisor, irrisório
fotos Eduardo Cesar
Carlos Eduardo S. Capela Nankin Editorial/Edusp 536 páginas, R$ 65,00
Carlos Eduardo Capela, ao escrever a his tória de Juó Bananeré – imigrante italiano, importante autor da literatura macarrô nica (na verdade, personagem criado por Alexandre Marcondes Machado) –, com preende em seu livro a história do cômico como uma crítica aos valores altos e subli mes feita pelas classes subalternas, visando sua inversão. A primeira temática da obra é dedicada aos textos sobre Juó Bananére e a segunda congrega textos do autor. Nankin Editorial (11) 3106-7567 www.nankin.com.br
Histórias dos gerais Eduardo Magalhães Ribeiro (org.) Editora UFMG 329 páginas, R$ 55,00
O livro apresenta pesquisas realizadas en tre 2007 e 2010 que abordam a relação estabelecida pelo homem da região do alto-médio São Francisco com a ocupação do solo e sua luta constante para praticar agricultura em uma região com grande escassez de água. Os autores traçam o perfil dos sujeitos que compõem esse universo e que trazem grande similaridade com per sonagens da literatura mineira. Editora UFMG (31) 3409-4650 www.editora.ufmg.br
Junto e misturado: uma etnografia do PCC Karina Biondi Editora Terceiro Nome 248 páginas, R$ 34,00
Junto e misturado é o resultado de uma investigação etnográfica a respeito da his tória, do modo de funcionamento, da éti ca e da organização política do Primeiro Comando da Capital, o PCC. Sem perder o rigor científico, a narrativa do livro é fruto da experiência vivenciada pela au tora, que freqüentou unidades prisionais durante seis anos. Editora Terceiro Nome (11) 3816-0333 www.terceironome.com.br
Criação imperfeita Marcelo Gleiser Editora Record 366 páginas, R$ 34,00
Em seu livro mais recente, o físico, na con tramão do senso geral, desafia o conceito de que a natureza é regida pela perfeição. Ao mesmo tempo, avisa que os ateístas ra dicais não encontraram argumentos para defender suas teses junto à ciência. O que Gleiser defende é um novo humanocen trismo que seja capaz de refletir a nossa posição na ordem geral do Universo. Um livro de leitura agradável e fascinante. Editora Record (21) 2585-2000 www.record.com.br
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ficção
O Gênesis: Idem, Ibidem
Vanessa Barbara
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o princípio, Deus criou o céu e a terra. Foi no tempo de Sua iniciação científica, e devo dizer que o pré-projeto já parecia fadado ao fracasso. Como assim, “haja luz”? Francamente, Iaweh. Onde fica a metodologia? O referencial teórico? E a amostra de controle? Se não citar Antonio Severino, sinto muito — não me interessa se Você é o criador da ABNT. Era evidente que o Senhor, a despeito de ser aquele que é, não havia lido a bibliografia obrigatória (GAUTAMA, 563 d.C.; VISHNU, 1254 a.C.; ALLAH, 570 d.C.; OLORUM, 1845 d.C.; e DARWIN, 1859). Se o tivesse feito, saberia que isso tudo já foi experimentado e devidamente descartado nos melhores círculos acadêmicos. Tomemos como exemplo o cronograma de trabalho, de risíveis sete dias — no último Ele ainda queria descansar às custas da Fapesp. No plano de marketing pessoal, chegou a declarar à imprensa que, ao apreciar sua obra, “viu que era bom”, ignorando assim toda e qualquer noção de objetividade inerente ao ofício. A verdade é que o Universo foi apenas um mal-entendido no formulário de concessão de bolsas de pesquisa desta instituição. Deus, que é obviamente um iniciante, achou que precisava de toda essa parafernália planetária para criar um “universo significativo de amostragem”. E deu no que deu. Hoje ele tem claras dificuldades para manejar seus experimentos com um bilhão de chineses, sobretudo quando se trata de testes duplo-cegos — fica difícil driblar a onisciência. No segundo dia, o Todo-Poderoso disse: “Que a terra verdeje de verdura”, e foi muito engraçado. No terceiro dia, fez os dois luzeiros maiores: o grande luzeiro como poder do dia e o pequeno luzeiro como poder da noite. Na quinta-feira, fervilhou a água de seres vivos e aproveitou para passar um café. Dali a pouco foi a vez de moldar os animais terres-
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tres (ref. hipopótamo). No sexto dia, o que era pra ser uma pesquisa inútil, porém inofensiva, tornou-se um pesadelo para as agências governamentais que a financiavam. Deus criou o homem à sua imagem e, não contente, removeu uma costela do ser mencionado e a mergulhou, só por diversão, num amontoado de lama — exatamente como fez aquele sujeito com a orelha no lombo do rato. Então soprou. Sabe-se lá por que, o experimento deu certo: dali saiu uma mulher, instruída para ser fecunda, multiplicar-se e subjugar os outros animais que rastejam sobre a terra. A seguir, passou a redigir o relatório de sua monografia, que começava assim porque Deus é prolixo: “Adotaremos o método intrínseco, estético e hermenêutico em sentido restrito (existencial-ontológico) e em sentido amplo (de interpretação inespecífica), partindo da exegese textual para a conclusão sobre o todo do Universo, método que se ajudará com o retórico-estilístico e o comparativista, todos se relacionando com o psicológico, o social e o histórico-cultural”. Percebam a utilização do plural majestático, que nesse caso é plenamente adequada. Além disso, vê-se que o Magnânimo estava confuso em todos os sentidos (tanto ontológicos quanto sintáticos). Há limites para a onipotência, e eles são as normas regulamentares para a apresentação de monografias. Em todo caso, a hipótese inicial do Alfa/Ômega era simples: “Não vai dar certo”, escreveu, citando AVICENA, 1033 (que tentou transformar pão em ouro), e os partidários da busca pelo moto-perpétuo. A título de curiosidade, o Criador inseriu uma variante maléfica na redoma de testes: a serpente. O resultado dessa empreitada empírica pode ser resumido na seguinte resposta, transcrita pelo próprio Velho a partir de uma entrevista qualitativa com foco em história oral: “Não sei onde está Abel. Acaso sou guarda de meu irmão?”.
júnior Suci
Abandonou-se, com isso, toda e qualquer metodologia razoável. Resignado, Ele decidiu radicalizar em nome da ciên cia. Ora, apesar do que dizem, o Deus do Velho Testamento não é vingativo; é apenas um camarada curioso e interessado em estripulias empíricas. Planejou o dilúvio, por exemplo, para ver no que dava. Mandou um sujeito matar o próprio filho num teste de psicologia comportamental. Inventou um experimento quantitativo com nuvens de gafanhotos e mais meia dúzia de pragas que assustaram o faraó a valer. Enfim, fez o que bem queria, movido pela sede de saber. Uma de suas maiores cobaias foi Jó, um mero aluno da graduação que sempre fora íntegro e reto, temia a Ele e se afastava do mal. O teste começou como um estudo sério, mas logo descambou para uma aposta inconsequente entre o Longânimo e um certo pesquisador diabólico. Visto que a vida de Jó era perfeita, o tal pesquisador disse ao Senhor que assim era fácil ter um assistente, e duvidou que Jó continuasse fiel caso caísse em desgraça. Seguro de sua popularidade, Deus deu carta branca ao rival para fazer o que quisesse com o pobre rapaz, que, aliás, nada tinha nada a ver com isso — leu toda a bibliografia optativa, cursou as aulas de estatística, sabia redigir os formulários etc. Aquilo não era justo. Pois o Tinhoso matou-lhe todos os bois, os servos, os camelos e os filhos, provocou um incêndio, cravou-o de feridas e ficou esperando. Jó hesitou, mas no final se manteve leal ao mestre, que aproveitou a ocasião para pedir-lhe um fichamento. A história não seria tão trágica se Deus fosse uma entidade menos avoada. Enquanto escrevia a monografia propriamente dita, deixou seus objetos de pesquisa fugirem do controle. Em poucos milênios, enquanto Ele estava distraído, um camarada atacou o outro com um atum congelado, uma velhinha decidiu viver com onze cisnes em seu apar-
tamento de 25 metros quadrados, uma universidade criou a disciplina “História do Cocô” e um glutão tentou comer o próprio peso em pipocas. Quando Deus terminou de escrever o Abstract, por fim, ergueu sua Santa cabeça e viu que estava tudo fora dos eixos. Havia demorado muitas eras para entender os padrões de citação bibliográfica relativos a verbetes de enciclopédia — também tinha certa dificuldade em ordenar alfabeticamente os autores SCHWARCZ, SCHARZ e SCHNITZLER. Lá embaixo, o caos reinava, livre de qualquer tentativa de controle científico. Foi quando Ele teve uma grande ideia que lhe garantiu o ingresso no Doutorado e salvou (literalmente) a humanidade. Rascunhou o último capítulo de sua tese, intitulado: “O Apocalipse”, ou “A vindima das nações”. O objetivo era dar prosseguimento aos estudos de PESTE, 666; FOME, 2012; GUERRA, 2012; e MAGOG et al., 2082, pondo fim ao ciclo experimental sem, no entanto, cair no pessimismo. Aparentemente orientado pelo pesquisador citado na história acima (BESTA, 2012), ele redigiu: “Ficarão de fora [do céu] os cães, os mágicos, os impudicos, os homicidas, os idólatras e todos os que amam ou praticam a mentira”. Foi assim que, com cavalos, trombetas e a danação eterna dos pobres mágicos, Deus fechou em grande estilo sua pesquisa “Criação do Mundo — Aspectos Pitorescos da Trajetória do Ser Humano sob a Ótica do Senhor de Todos os Exércitos”. Ganhou um glorioso dez — glorioso mesmo. Vanessa Barbara é jornalista e escritora, autora de O livro amarelo do terminal e, em coautoria com Emilio Fraia, O verão do Chibo. Colabora com a revista piauí e edita o almanaque virtual A Hortaliça. PESQUISA FAPESP 171
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Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação "Política de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável" Brasília, 26 a 28 de maio de 2010 Em todo o país a sociedade brasileira se mobiliza para a 4a Conferência.Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação a ser realizada no período de 26 a 28 de maio, em Brasília. A 4a CNCTI vai debater e formular propostas voltadas para a consolidação de uma política de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação, tendo em vista o desenvolvimento sustentável do país. Trata-se de uma agenda estratégica para o futuro da nação e que requer a participação efetiva dos órgãos públicos, empresários, comunidade científica e organizações da sociedade civil.
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