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e
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A RELAÇÃO ENTRE CRESCIMENTO ECONÔMICO E DEMOCRACIA
Da aldeia
ao
laboratório À procura de novos
fármacos, projeto mapeia mais de 150 plantas usadas pelos Krahô em rituais de cura
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14 Pesquisadores paulistas estudam as práticas medicinais utilizadas por xamãs da etnia indígena Krahô para descobrir novas drogas EDITORIAL MEMÓRIA OPINIÃO POLfTlCA CIENTíFICA E TECNOLÓGICA ESTRATÉGIAS ..................•....... EMPRESAS SÃO PARCEIRAS NO GENOMA DO EUCALlPTO ...•....... IBGE AVALlf., ESFORÇq DE INOVAÇAO NO PAIS ........•....... PROGRAMA SIHESP ESTUDA RECURSOS HíDRICOS ENTREVISTA COM ESPER CAVALHEIRO, NOVO PRESIDENTE DO CNPQ
5 6 9
10 10 20 22 23 24
CIÊNCIA LABORATÓRIO HEMODIÁLlSE MAIS PRECISA CÉLULAS A SALVO DOS RADICAIS HORTALIÇAS POR ORDEM DE NUTRIENTES MEDICAMENTO PARA BEBÊS PREMATUROS PASSA EM TESTE A GENÉTICA DO CABEÇA-SECA ASTERÓIDES CONTAM A HISTÓRIA DO SISTEMA SOLAR FíSICOS APRISIONAM ÁTOMOS
28 28 34 36
TECNOLOGIA LINHA DE PRODUÇÃO PÓLO TECNOLÓGICO DE CAMPINAS GRADUA 19 EMPRESAS CONCRETOS MAIS RESISTENTES PARA A CONSTRUÇÃO CIVIL UNITECH VENDE A PRIMEIRA CÉLULA COMBUSTíVEL NOVAS VARIEDADES DE MARACUJÁ E CITROS OBTIDAS POR HIBRIDAÇÃO CELULAR
62 62
HUMANIDADES ASTROJILDO PEREIRA E A POLíTICA CULTURAL BRASILEIRA ENTREVISTA: LEOPOLDO DE MEIS COMO AS FESTAS INFLUíRAM NA NOSSA HISTÓRIA AS VELHAS E BOAS REVISTAS DO INíCIO DO SÉCULO 20 _ LlVROS LANÇAMENTOS ARTE FINAL
82
Capa: Hélio de Almeida sobre foto de Eduardo Rodrigues
30 o chá de quebra-pedra funciona: não quebra as pedras do rim, mas evita que elas se formem e cresçam
39 40 50 54 58
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69 73
Em todo o mundo incentiva-se a formação de incubadoras para abrigar empresas de alta tecnologia
76
78
86 88 92 94 96 97 98
44 No sul da Bahia, hábitats modificados preservam quase a mesma diversidade de animais e plantas da floresta ainda intacta
82 Estudo mostra que a sobrevivência da democracia está diretamente relacionada à renda per capita anual PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • 3
CARTAS Algodão
Como leitor, parabenizo a FAPESP pela excelente revista que publica. Gostaria, no entanto, de fazer alguns comentários sobre nota publicada no número 67, de agosto de 2001, na seção Linha de Produção, sob o título "Variedades de algodão não resistem a doenças". Falo como diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Aventis Seeds Brasil Ltda., com sede em Uberlândia, MG, e programa de melhoramento de algodão em Santa Helena de Goiás e Campo Verde, MT. A Aventis está trazendo para o Brasil a genética da Cotton Seed International e em seu programa de seleção no Brasil está dando muita ênfase em resistência a doenças, aliada à maior produtividade e qualidade de fibra, o que contrasta com o que foi afirmado no referido artigo. RICARDO MAGNAVACA
Uberlãndia, MG SinBiota
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Na reportagem sobre o Sistema de Informação Ambiental do programa Biota-FAPESP (SinBiota), edição do mês de julho de 2001, não dei os devidos créditos a alguns pesquisadores que tiveram uma participação muito importante no desenvolvimento do sistema. É o caso do Grupo Avançado de Pesquisas em Bancos de Dados, coordenado pela dra. Claudia Bauzer Medeiros, do Instituto de Computação da Unicampo Esse grupo projetou e acompanhou a implementação do banco 4
• NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
de dados textual, espacial e de metadados do sistema, que são os componentes principais para o armazenamento e gerenciamento das informações coletadas, além de participar ativamente do levantamento de requisitos do sistema como um todo. O mapeamento detalhado do uso do solo da Bacia do Mogi Guaçu, utilizada como área piloto no desenvolvimento do SinBiota, foi coordenado pelo dr. Iansle Vieira Rocha, do Grupo de Estudos em Geoprocessamento da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp. CARLOS ALFREDO JOLY
Coordenador do SinBiota e do Programa Biota Campinas, SP
Hemeroteca Vimos manifestar nossa estranheza quando lemos no suplemento especial da edição n- 68 desta revista reportagem na qual consta que a Hemeroteca desenvolvida pela Biblioteca Municipal Prof. Ernesto Zink, de Campinas, é a única nessa cidade. A Biblioteca Prof. José Roberto do Amaral Lapa, do Centro de Memória Unicamp, criada em 1986, tem seu acervo voltado para a área de humanas, com especialização em história regional, dando destaque especial para a história da cidade de Campinas. Seu acervo nasceu graças à colaboração de várias instituições e principalmente de doações vindas de famílias campineiras. Entre esses doadores podemos destacar João Falchi Trinca, o maior bibliófilo da história de Campinas e que desde 1927 foi colecionando obras e documentos sobre a cidade. Entre os acervos recebidos desse colecionador podemos destacar a hemeroteca, composta de 18 mil artigos de jornais e revistas de Campinas e região, retratando o cotidiano da cidade durante mais de 70 anos. Com o passar dos anos fomos recebendo mais coleções, que
foram compondo essa hemeroteca. Também passamos, desde 1986, a colecionar os jornais diários da cidade, recortando as matérias de interesse e anexando a esse acervo. Hoje, na hemeroteca possuímos cerca de 45 mil recortes de jornais e revistas de âmbito geral e de interesse especial para a história da cidade, divididas em suas grandes coleções, a corrente e a pertencente ao bibliófilo João Falchi Trinca. Com o apoio da Faep e da FAPESP a coleção João Falchi Trinca foi trabalhada física e tecnicamente e, como resultado deste trabalho inicial, publicamos em 1997 o indice/teasaurus História de Campinas através da Hemeroteca João Falchi Trinca: descritores e afins, na série Instrumentos de Pesquisas do CMU. ROSAELE
A SCARPELINE
Supervisora da Biblioteca M. VON SIMSON Diretora associada do Centro de Memória Campinas, SP
OLGA RODRIGUES DE
Ciência e tecnologia Sou estagiário do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA/CTA) e gostei muito da reportagem sobre a Conferência Nacional que definiu estratégias para alavancar a ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Na minha opinião, o Brasil vem crescendo nessa área e, se continuar assim, nos próximos anos estará à frente de alguns países considerados avançados em C&T. A revista Pesquisa FAPESP está de parabéns. THIAGO
SILVA RODRIGUES
São José dos Campos, SP
Revista Chegou-me às mãos a edição número 69 da revista Pesquisa FAPESP, junto com seu suplemento especial. Fiquei encantado! REMOLO
CIOLA
São Paulo, SP
Pesquisa PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ CARLOS VOGT FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO HERMANNWEVER JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURÍCIO PRATES DE CAMPOS FILHO NILSON DIAS VIEIRA JÚNIOR PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDO RENZO BRENTANI VAHAN AGOPYAN CONSELHO TÉCNICO ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI DIRETOR PRESIDENTE PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTIFICO EQUIPE RESPONSÁVEL CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER PROF. DRJOSÉ FERNANDO PEREZ EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA EDITORES ADJUNTOS MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS NELDSON MARCOLIN EDITOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA) CLAUDIA IZIQUE (POÜTICA C&T) MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) EDITOR-ASSISTENTE ADILSON AUGUSTO REPÓRTER ESPECIAL MARCOS PIVETTA ARTE JOSÉ ROBERTO MEDDA (OIAGRAMAÇÃO) LUCIANA ÉACCHINI (DIAORAMAÇÃO) TÂNIA MARIA DOS SANTOS (DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA) FOTÓGRAFOS EDUARDO CÉSAR MIGUEL BOYAYAN COLABORADORES CLAUDIA BARCELLOS CRISTINA DURÁN JOSÉTADEUARANTES LUCAS ECHIMENCO MARIA APARECIDA MEDEIROS MARILI RIBEIRO RENATA SARAIVA RICARDO ZORZETTO ROBINSON BORGES WAGNER DE OLIVEIRA PRÉ-IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN E GRAFICA AQUARELA IMPRESSÃO PADILLA INDÚSTRIAS GRÁFICAS S.A. TIRAGEM: 24.000 EXEMPLARES FAPESP RUA PIO XI, N° 1500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP TEL (0-11) 3838-4000 - FAX: (0 - 11) 3838-4181 SITE DA REVISTA PESQUISA FAPESP: http://www.revistapesquisa.fapesp.br cartas@trieste.fapesp.br
Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO
SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
GOVERNO DO ESTADO DE SAO PAULO
EDITORIAL
Boas notícias para encerrar o ano As culturas pré-históricas do país, anteriores à própria existência do Brasil, e sua rica biodiversidade têm ambas recursos ainda mal suspeitados para oferecer à pesquisa científica mais contemporânea. Combinadas, então, elas eventualmente se revelam um manancial impressionante para a identificação de novas drogas que, a par de contar sobre determinadas estratégias, caminhos e produções simbólicas dos habitantes primitivos do país na busca por sua sobrevivência, bem-estar físico e espiritual, trazem promessas de desenvolvimento de uma indústria farmacêutica fortemente enraizada - finalmente - em solo nacional. É precisamente isso que se pode constatar na reportagem de capa desta alentada edição de Pesquisa FAPESP. Elaborada pelo repórter especial Marcos Pivetta, a reportagem, que começa na página 14, conta em detalhes o trabalho de um grupo de pesquisadores paulistas que permitiu a identificação de 164 plantas nativas da flora brasileira, usadas pelos Krahô, tribo do Tocantins, em intrigantes rituais de cura. Dessas, 138 mostraram algum tipo de influência sobre o sistema nervoso central, área de interesse da pesquisa do grupo. Pode-se prever um longo caminho pela frente, como é de praxe na pesquisa de fármacos, até que princípios ativos dessas plantas se transmudem em remédios nas farmácias, em alguma forma de bem-estar para pessoas com problemas sobre os quais eles tenham potencial para agir e mesmo em faturamento e lucros, com percentuais, muito justificadamente, destinados aos Krahô. Mas, desde já, há que se comemorar os belos resultados do trabalho. No/rorcída pesquisa científica, são várias as boas notícias contidas nesta edição da revista. Uma delas: pesquisadores de São Paulo demonstraram que o popular chá de quebra-pedra, o Phyllantus niruri, se de fato não quebra
nada, por outro lado impede que os cristais de oxalato de cálcio - o componente químico mais comum das tais pedras - se agreguem. Portanto, sua ação é preventiva. A reportagem que abre a seção de Tecnologia da revista, na página 64, mostra que as incubadoras de empresas, geralmente ligadas a pólos ou parques tecnológicos, tornaram-se, no intervalo de 15 anos, um fenômeno mundial poderoso para acionar a inovação nos mais variados campos produtivos. Em 1985, elas eram 200 em todo o mundo e hoje chegam a 3 mil, das quais 800 estão nos Estados Unidos. No Brasil, existem 159, número que se revela extraordinário quando se sabe que em 1986 havia somente duas. O maior desafio que se apresenta para cada pequena empresa que se fez sob a sombra protetora de uma incubadora certamente é prosseguir seu caminho com as próprias pernas, a partir do momento em que é lançada para o mundo real, nada suave, do mercado. As expectativas de quem chegou a esse ponto é o que se apresenta na reportagem sobre as empresas recentemente graduadas pela Ciatec de Campinas, na página 69. Vale, para terminar, um destaque especial para a reportagem que abre a seção de Humanidades, na página 82, referente a um estudo internacional muito amplo - cobrindo 135 países, entre 1950 e 1990 - e da maior importância sobre a relação entre desenvolvimento econômico e sustentabilidade das democracias. Pelo que traz de subsídios para as reflexões contemporâneas sobre a articulação entre economia e política, entre renda per capita da população e regime democrático (ele estaria completamente assegurado a partir de uma renda de US$ 6 mil), esse estudo, que teve a participação de um brasileiro, apoiado pela FAPESP, disputou fortemente a capa desta edição de Pesquisa FAPESP. PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE2
MEMÓRIA
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Corveta Trajano, 1.4141, de 1873: maior estabilidade, rapidez e volume de carga
Inovação esquecida Invenção de 133 anos, que modificava o formato da parte imersa dos navios, foi uma das primeiras pesquisas tecnológicas brasileiras a ter repercussão no exterior Um formato inovador para a parte imersa dos navios, conhecida como carena, obteve excelentes resultados em 1868, quando foi inventado pelo engenheiro naval catarinense Trajano Augusto de Carvalho. Não era para menos: sua criação permitia que o barco vencesse mais facilmente a resistência da água e aumentava a velocidade ao mesmo tempo em que reduzia o consumo de combustível. Também melhorava a estabilidade e o governo do navio, proporcionava maior capacidade de carga e diminuía o custo de construção. 6 • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
Cruzador Guanabara, 1.911 t, de 1878 {acima): navio ganhou mais espaço para volumes com os costados planos
Esse desempenho espetacular foi comprovado em experiências reais aplicadas a navios construídos com essas características no Brasil e na Inglaterra, especialmente. O professor aposentado da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, estudioso do tema, Pedro Carlos da Silva Telles, afirma
late Silva Jardim, 781, de 1879 (abaixo): seções transversais em "U" evitavam as forças que tendiam a suspender a proa
que a invenção foi, muito provavelmente, a primeira pesquisa tecnológica a ter repercussão no exterior, onde também foi patenteada. A inovação da Carena Trajano, como foi chamado o invento na época, basicamente modificava o corpo da proa (frente) dos navios. Ele trocou as balizas
abertas em "V", como era usual, pelo formato em "U", com os costados praticamente verticais. Dessa forma, as linhas d'água ganharam o formato de cunha, que diminuía a resistência ao avanço do navio. Mas todo o reconhecimento pela inovação caiu no completo esquecimento. As únicas imagens do sistema Trajano conhecidas {todas nesta página) estão no Museu Naval do Rio de Janeiro. São aquarelas pintadas por seu filho - que tinha o mesmo nome, o almirante Augusto Trajano de Carvalho - e três meio-modelos que representam os quatro barcos construídos pelo Arsenal de Marinha da Corte com o novo formato. O primeiro deles, uma corveta, recebeu o nome de Trajano por sugestão do próprio imperador d. Pedro II, em homenagem ao inventor.
Corveta Parnaíba, 4271, de 1874: corpo de proa dos modernos petroleiros têm formato semelhante PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001
o www.scielo.br
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do uso e do impacto da coleção e dos tí-
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científicos brasileiros, iniciado em 1997, com o objetivo de tornar mais visível, mais acessível e incentivar a consulta das mais conceituadas revistas científicas brasileiras. Em 1998, a coleção SciELO Brasil passa a operar normalmente na Internet e projeta-se rapidamente como modelo de publicação eletrônica de revistas científicas para países em desenvolvimento, em particular da América Latina e Caribe. Ainda em 1998, o modelo é adotado pelo Chile e ef"!l 1999 começa a operar a coleção SciELO Saúde Pública, com as melhores revistas científicas de saúde pública ibero-americanas. Outros países estão em processo de incorporar-se à rede de coleções SciELO. O modelo SciELO destaca e valoriza a comunicação científica brasileira. Ao mesmo tempo, proporciona mecanismos inéditos de avaliação de uso e de impacto das nossas revistas científicas, em consonância com os principais índices internacionais de produção científica.
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GOVERNO
DO ESTADO
DE
SÃO PAULO
Secretaria da Ciência, Tecnoloçte e Desenvolvimento Econômico
BIREME / OPAS / OMS
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OPINIÃO
MANOEL BARRAL-NETTO
Por um plano nacional de vacinação 0 Brasil deve contribuir de forma mais ativa para desenvolver imunizantes As vacinas são reconhecidas há longo tempo ridades a países mais pobres que o Brasil, o que como uma das medidas de maior custo-benão garante que o nosso panorama de necessidanefício em saúde. A vantagem de seu desendes seja contemplado. Ademais, o Brasil possui volvimento não necessita, assim, de maior justificondições para contribuir de forma mais ativa cativa. Após a descoberta fundamental de Pasteur, para melhorar a situação atual. O expressivo cressurgiram vários imunizantes contra numerosos cimento do país na produção de conhecimento e patógenos, principalmente bacterianos e virais. na formação de pesquisadores é uma garantia de Após um longo período com aparecimento esparque pode ter um desempenho proeminente no seso de novas vacinas, recentemente ocorreu um tor. Hoje, o Brasil não assume o papel que lhe cabe, novo período de crescimento na área. por diversas razões. A ausência de Esse ressurgimento se deve, entre ouum programa de incentivo ao cotros fatores, ao desenvolvimento tecnhecimento básico nas doenças de nológico e ao aumento do conheciinteresse, e o desenvolvimento de mento da patogênese. tecnologia em vacinologia são al"Mais A maior parte do conhecimento gumas delas. Os grupos de pesquibásico que permitiu esse avanço ocorsa clínica, em grande parte, atenimportante reu no setor público, universidades e dem a uma agenda ditada pela do que institutos. Mas o processo de desengrande indústria internacional, iniciativas volvimento de vacinas que chegam seja pela escassa demanda interisoladas, até o público foi realizado pela indúsna, seja pela falta de estímulo e é a integração tria farmacêutica. Esse aspecto rescoordenação por agências govertringe o espectro de novas vacinas namentais. de todas disponíveis, pois é limitado pelas caUm plano de desenvolvimento as medidas*» racterísticas de mercado e possibilidade vacinas pelo Brasil é possível e de de retorno financeiro do investinecessário. Mas será essencial cuimento feito. Recentemente, o Institute dar da proteção da propriedade inof Medicine, nos Estados Unidos, reatelectual e industrial, e os mecanislizou um estudo sobre a prioridade de mos orientadores dessas ações vacinas para os norte-americanos no precisam ser difundidos e facilitaséculo 21. A escolha levou em conta que as doenças dos. A formação de equipes multidisciplinares, além fossem de importância primariamente doméstica. do aparelhamento adequado de unidades de teste Em 1985, os países ricos utilizavam, de forma rotiem modelos experimentais ou por meio de ensaios neira, sete vacinas nos seus esquemas de imunizaclínicos -, precisa ser estimulada. Porém, mais imção, enquanto os países pobres usavam seis. No portante do que iniciativas isoladas para a correção ano 2000, os pobres passaram a usar sete vacinas e das falhas, é necessária a integração de todas as meos ricos 12. Esses aspectos refletem a necessidade didas. Sem um plano global que contemple todos de planos nacionais que contemplem a realidade os aspectos, estaremos embarcando em um mais de cada país ou região. esforço inútil. É necessário considerar os objetivos da Global Alliance for Vaccines and Immunization (Gavi). A iniciativa visa a garantir o uso amplo das vacinas MANOEL BARRAL-NETTO é professor titular de Patologia, existentes e estimular o seu desenvolvimento condiretor da Faculdade de Medicina da Universidade Fetra as doenças responsáveis por maior mortalidaderal da Bahia e membro titular da Academia Brasileira de nos países mais pobres. A Gavi dirige suas priode Ciências. PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001
POLíTICA CIENTIFICA
e TECNOLÓGICA
ESTRATÉGIAS Governo dos EUA quer criar sua própria Internet Os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos levaram o governo a analisar a possibilidade de criar uma rede de comunicação especial, separada da Internet. Tudo para tornar o sistema de informações essenciais menos vulnerável a ataques que possam interromper atividades federais fundamentais. A idéia partiu de Richard Clarke, ex-especialista do governo norte-americano em contraterrorismo, nomeado pelo presidente George W. Bush como conselheiro especial para segurança do ciberespaço. Para Clarke, é importante fazer um esforço para imaginar
■ Medo diminui viagem de pesquisadores O pavor do terror parece ter afetado todas os setores dos Estados Unidos, incluindo o meio científico. Depois dos atentados de 11 de setembro, os pesquisadores reduziram as viagens de avião com medo de novos ataques. Como resultado, dois dos encontros médicos mais importantes do ano realizados na Califórnia em novembro um da Associação Americana do Coração e outro da Academia Americana de Reumatologia - tiveram freqüência abaixo do esperado. O encontro sobre doenças cardíacas, por exemplo, deveria receber 30 mil profissionais, mas apenas 23,5 mil se dispuseram a pegar um avião para comparecer aos quatro dias do even-
Escombros em Nova York: cuidados contra ciberatentados
como terroristas romperiam redes que controlam energia, telecomunicações, abastecimento de água e tráfego aéreo. "Antes de 11 de setembro, as pessoas
to. Os estrangeiros, especialmente, demonstram maior cautela em ir aos Estados Unidos. •
■ Resultados concretos na compra de genes A compra dos direitos de exclusividade sobre os estudos do gene dos 300 mil habitantes da Islândia pela empresa deCODE Genetics deu o primeiro resultado em outubro. Os pesquisadores da companhia identificaram o gene associado à forma mais comum do mal de Parkinson e querem usar a informação para criar um teste de diagnóstico e novas formas de tratar a doença. A deCODE comprou o acesso exclusivo sobre os registros de saúde da Islândia em meio a grande polêmica com a população, que contes-
10 • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
imaginavam que a única coisa que os terroristas poderiam fazer era o que já faziam", disse ele ao jornal The New York Times. "Agora, sabemos que eles podem
tou a decisão do governo de comercializar informações genéticas dos moradores. O país foi escolhido pela empresa devido à composição genética de seu povo, que permanece estável há cerca de mil anos, segundo estimam os pesquisadores. O objetivo é procurar mais rapidamente genes ligados às doenças. O gene associado à doença de Parkinson, localizado no cro-
realmente provocar algo catastrófico." O grande problema do projeto é quanto custaria uma Internet governamental - especula-se que chegaria a algumas centenas de milhões de dólares. E há uma outra questão, lembrada pelo senador democrata Ron Wyden: "A mesma quantia de dinheiro não permitiria um acesso seguro à Internet por parte dessas mesmas agênciaschave que queremos proteger?". O setor de telecomunicações foi incumbido pelo governo de dizer, nos próximos meses, como esse projeto funcionaria e quanto custaria. •
mossomo 1, foi achado por meio de um estudo com 51 famílias islandesas. •
■ A ignorância científica dos chineses A maior parte do 1,2 bilhão de chineses (22% da população mundial) não conhece conceitos científicos elementares, de acordo com estudo da Associação de Ciência e
Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br
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www.ozonio.crn.inpe.br Serviço do Inpe indica onde o Sol está forte ou fraco em quase 200 cidades brasileiras por meio dos índices de radiação ultravioleta (UV-B).
Tecnologia da China divulgado pela agência oficial chinesa Xinhua. Os pesquisadores trabalharam com 8,5 mil pessoas entre 18 e 69 anos e apenas 14 em cada mil entrevistados responderam corretamente a mais de 20 perguntas básicas sobre ciência (1,4%). Boa parte dos chineses não tem noção, por exemplo, de que a Terra gira em torno do Sol. Segundo a pesquisa, 52% dos chineses têm como única fonte de informação científica jornais e revistas. Os autores do trabalho se dizem alarmados porque os números colocam a educação da China a grande distância de países mais desenvolvidos. •
■ Tentativa de revigorar a ciência russa O presidente russo Vladimir Putin prepara a criação de um conselho para reativar com vigor os setores científicos e de alta tecnologia do país. Os pesquisadores russos esperam que o organismo
■ Italianos pedem mais verba para pesquisa
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www.cspinet.org/integrity Bom fórum de discussão sobre conflitos de interesse e relações malformadas entre ciência, cientistas e indústria.
www.bn.br O projeto Biblioteca Nacional sem Fronteiras, da Biblioteca Nacional, inaugura homepage com catálogo de obras raras e manuscritos.
Pesquisadores italianos estão enfurecidos com a possibilidade de o governo voltar atrás na promessa de aumentar o fundo para a ciência em 2002. Mais de 5 mil pesquisadores assinaram uma carta se opondo à decisão governamental, que pode eliminar US$ 200 milhões dos US$ 900 milhões a mais previstos para o ano que vem. O novo orçamento "levará à ruína os trabalhos dos cientistas italianos", criticou a pesquisadora Rita LeviMontalcini, prêmio Nobel de Medicina de 1986 e ex-diretora do Instituto de Biologia Celular, em Roma. A área de ciência deveria receber US$ 8,2 bilhões em 2002, 12% a mais do que em 2001. Mas a promessa foi feita pelo primeiro-ministro Giuliano Amato, posteriormente substituído por Silvio Berlusconi, que determinou os cortes. A Itália gasta 1% do Produto Interno Bruto (PIB) no setor por ano, pouco se comparado com a média dos países europeus, de 2,2%. •
Kremlin: força para trazer de volta o brilho do passado
torne prioritária uma política de ciência e tecnologia, embora sejam integrantes do conselho alguns funcionários que contribuíram para a queda livre de recursos e prestígio no setor e tornaram os cientistas alguns dos mais mal pagos profissionais do país, informa a revista Nature (15 de novembro). Em parte, o conselho representa a reação à acusação de que a administração de Vladimir Putin tem falhado ao lidar com a ciência. O conselho é encabeçado por Sergei Abramov, oficial do Kremlin, e inclui Yuri Osipov, presidente da Academia Russa de Ciência, e Victor Sadovnichii, reitor da Universidade Estadual de Moscou, entre outros. •
PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • 11
ESTRATÉGIAS
■ ProBE tem duas novas editoras
Mamíferos predadores terão banco genético Sempre ameaçados de extinção, os mamíferos predadores típicos da fauna brasileira terão sêmen e embriões preservados. No próximo ano fica pronto um centro de referência genética no qual será armazenado material colhido de 26 tipos de animais, como onças, lobos, jaguatiricas e cachorros-do-mato. Criado pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o laboratório funcionará na cidade de Votorantim, região de Sorocaba (SP), nas dependências do Centro Nacional de Pesquisa para a Conservação de Predadores Naturais (Cenap). "Ainda não existe um banco genético como este no Brasil, dedicado a esses mamíferos", diz Ronaldo Gonçalves Morato, coordenador do projeto, ligado também
a organização não-governamental Associação PróCarnívoros. "Esse banco será importante para recuperar animais que forem realmente extintos, no futuro." O objetivo é criar outros bancos semelhantes em pólos regionais. Um dado que comprova a necessidade de montar um banco genético vem de estudo que Morato publicou
Onça-pintada: centro preservará sêmen e embrião
■ Rede de olho nas bactérias A área de saúde receberá um reforço importante para evitar o agravamento de doenças provocadas por bactérias. Em janeiro começa a funcionar um programa nacional para monitorar alguns gêneros de bactérias resistentes a antibióticos. A rede de laboratórios de saúde pública de todo o país, que de certo modo já realiza esse monitoramento, será interligada sob a coordenação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pa-
com outros pesquisadores na revista Reprodution, da Sociedade para Reprodução e Fertilidade da Inglaterra (edição de novembro). O artigo sugere que a população de animais em cativeiro pode estar sofrendo de consangüinidade e, conseqüentemente, dificuldade na reprodução em comparação com os animais que vivem em liberdade. •
trocinada pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), organismo do Ministério da Saúde. O programa é importante porque a multirresistência das bactérias vem crescendo de ano para ano, provocando o aumento do tempo de hospitalização, no custo do tratamento e maior
12 • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
O Programa Biblioteca Eletrônica (ProBE) está oferecendo aos consorciados o acesso a títulos de duas novas editoras: a Gale Group e a Ebsco on line - que publicaram as revistas do Massachusetts Institute of Technologies (MIT), Blackwell Science e a Blackpublisher. As duas editoras reforçam o acervo do programa com publicações nas áreas de humanidades, saúde e biologia. Com essas aquisições, o número de títulos disponibilizados pelo ProBE salta dos atuais 1.400 para 2.260. A partir do dia 15 de dezembro, entra em operação o novo portal do programa (www.probe.br), que permitirá a pesquisa por título e assunto, independentemente da editora, facilitando a consulta dos interessados. •
■ Ganhadores do Governador do Estado
risco de mortalidade. "Se não tivermos o controle da situação a médio prazo, vai ser cada vez mais difícil vencer as bactérias que se tornam resistentes", diz Dália Rodrigues, pesquisadora da Fiocruz e coordenadora do programa. Bactérias comuns, como a Salmonella e a Shigella, que agem no intestino, já apresentam resistência a diversos tipos de antibiótico. "Com a criação da rede, vamos ter mais informações e saber quais decisões tomar para evitar que a situação se agrave", afirma a pesquisadora. •
Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) se destacaram, este ano, no Prêmio Governador do Estado - Invento Brasileiro, promovido pelo Serviço Estadual de Assistência aos Inventores (Sedai). Um dos requisitos para concorrer é que o trabalho tenha sido patenteado. A pesquisadora Edi Lúcia Sartorato, autora de um método de teste de surdez de origem genética (reportagem sobre o tema foi publicada na Pesquisa FAPESP 50), levou o primeiro lugar, ao lado de uma equipe do Centro Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento de Instrumentação Agropecuária da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), de São Carlos, que desenvolveu um sensor à base
de plásticos condutores e lipídios para avaliação de paladar de bebidas. Os coordenadores de cada pesquisa receberão um prêmio de R$ 11 mil. Equipes da Unicamp receberam também sete das 12 menções honrosas. •
serão realizados os primeiros estudos para manejo de pastagem em zona semi-árida, característica da região. Os nigerianos estão interessados em fruticultura tropical, grãos (milho, sorgo, feijão e arroz), pastagens, fertilidade de solos, irrigação e sistema de informação geográfica. Hoje, a atividade agrícola da Nigéria se limita à produção de grãos e hortaliças, além da exploração da madeira. •
■ Água do mar do Nordeste para beber As quentes águas do Nordeste são o novo alvo para combater a seca nos Estados da região. O Comitê Gestor Fundo de Recursos Hídricos (CTHidro), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, pretende ampliar a oferta de água potável utilizando técnicas de dessalinização - uma espécie de superfiltragem da água salgada. O assunto é estudado há algum tempo e já foi debatido, em outubro deste ano, por técnicos e diretores do Instituto Nacional de Tecnologia (INT), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e do próprio CTHidro. A principal conclusão dos debates é que o Brasil precisa desenvolver tecnologia própria para dessalinização, a exemplo do que ocorre em lugares que enfrentam escassez de água. Espanha e Japão são exemplos de países que investem pesado na tecnologia de dessalinização. O INT vai trabalhar em um projeto de plataforma tecnológica sobre o tema para avançar nos estudos de viabilidade. •
■ Fruticultura terá apoio de biofábrica Começou a ser construída em novembro, na cidade de Campos, Rio de Janeiro, a mais moderna biofábrica de mudas do país. Parceria entre a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio e
Mar do Nordeste: água dessalinizada combaterá a seca
Cuba, o projeto terá papel importante no Programa de Fruticultura do Norte Fluminense. "Para que o programa tenha boa chance de sucesso, vamos criar uma infra-estrutura para produzir 4 milhões de mudas por ano de cinco tipos: banana, goiaba, abacaxi, mamão e cana", explica Sílvio Lopes Teixeira, do Laboratório de Fitotecnia do Centro de Ciências e Tecnologia Agropecuária da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf). A Uenf está recebendo e implantando a tecnologia cubana. A biofá-
brica de Campos será a mais moderna do país. "Usaremos luz natural em vez da artificial e teremos com isso uma economia de 20% no consumo de energia", diz Teixeira. Além disso, a esterilização será feita em meio químico (em vez de usar autoclave). A construção ocupará 600 metros, e a superfície telada - na qual as plantas serão cultivadas -, outros 8 mil metros. A Uenf está trabalhando com o Instituto de Biotecnologia de Plantas da Universidade de Las Villas, de Cuba. •
■ Embrapa cria instituto na Nigéria Cinco integrantes da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estão empenhados em um trabalho especial em Jigawa, o Estado mais novo da Nigéria, África. Eles ajudarão os nigerianos a montar um Instituto de Pesquisa Agropecuária, dentro do projeto de cooperação técnica entre a empresa brasileira e o governo de Jigawa. Os cinco técnicos - na verdade, três da Embrapa e dois da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola farão o levantamento de informações relativas à estrutura física, de recursos humanos e institucional. Também
■ Prêmio Jovem Cientista O Prêmio Jovem Cientista, o mais importante no gênero da América Latina, agraciou estudos bem distintos na edição 2001. O primeiro, de Gilberto Lacerda, da Universidade de Brasília (UnB), ganhou na categoria Graduados pela criação de dois softwares de educação infantil na área de ciências batizados de Hércules e o jiló e O dado de contos. Jean Piton Gonçalves, estudante de matemática da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também criou um software para alunos do ensino fundamental, o Formei, que ensina a disciplina para crianças que nunca tiveram contato com Internet ou computador. Na categoria ensino médio, Vanderly da Conceição Veloso Júnior, de 17 anos, de Belo Horizonte, montou uma estrutura para a prática de rappel - técnica de descida de pontos altos por meio de cordas - e a usou para explicar conceitos físicos como atrito, energia cinética, movimento retilíneo e uniforme, força e peso. Os ganhadores dividirão mais de R$ 70 mil em prêmios. O tema de 2002 será "Energia elétrica: geração, transmissão, distribuição e uso racional". •
PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001
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FITOTERÁPICOS
As lições dos Krahô Em busca de novas drogas, pesquisadores identificam 164 plantas usadas por índios do Tocantins em rituais de cura MARCOS PIVETTA
A cultura dos índios brasileiros é freqüentemente Í^L objeto de estudo de antropólogos. Mas suas J^m práticas medicinais, baseadas no emprego tei % rapêutico de plantas, são pouco pesquisadas JÈL* JL. e raramente servem de base para o desenvolvimento de novos remédios. Um projeto do médico Elisaldo Carlini, diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), deu o primeiro passo para reverter esse quadro. Pelo menos no que diz respeito à pouco conhecida fitofarmacopéia empregada por um grupo indígena nacional, a etnia Krahô. Uma doutoranda orientada por Carlini, a bióloga Eliana Rodrigues, passou dois anos mapeando as plantas e receitas prescritas por sete xamãs - sacerdotes-curandeiros encarregados de cuidar dos doentes e promover rituais de cura - de três aldeias que fazem parte da Kraolândia, a reserva indígena da etnia situada numa área de cerrado no norte do Estado de Tocantins. Ao fim do levantamento, patrocinado pela FAPESP, Eliana conseguiu identificar, com o auxílio de taxonomistas do Instituto de Botânica do Estado de São Paulo, um arsenal de 164 espécies vegetais usadas com fins medicinais - todas plantas nativas da flora brasileira. Desse total, 138 parecem ser espécies com algum tipo de influência sobre o sistema nervoso central, a área de interesse das pesquisas do grupo. Aparentemente, essas plantas podem curar patologias ou promover alterações comportamentais, de humor ou cognição. Na visão dos Krahô, algumas são para namorar, casar ou até mesmo separar marido e mulher. Outras carregam a fama de aumentar a resistência física e são usadas pelos índios em competições, nas quais carregar toras de árvores ou disputar corridas figuram entre as atividades preferidas. Outras ainda são alucinógenas. Com essas 138 espécies, os xamãs preparam 298 receitas curativas, destinadas a 51 tipos de indicações terapêuticas. "A mesma planta pode ser empregada para mais de uma finalidade", conta Eliana, que fez dez visitas às aldeias,
As práticas de sete sacerdotes-curandeiros da etnia, os chamados xamãs (acima), foram estudadas por equipe da Unifesp
tendo convivido cerca de 200 dias com os Krahô. Dependendo de como é preparada, a espécie chamada de ahtu na língua timbira dos Krahô, por exemplo, pode ser usada para resolver problemas amorosos com o parceiro ou como fortificante. Para lidar com um determinado problema de saúde, é comum existirem várias alternativas de tratamento. No caso dos fitoterápicos com propriedades analgésicas, a bióloga contabilizou 48 receitas, que se utilizam de 40 plantas. As perspectivas de encontrar alguma nova droga nesse conjunto de quase 140 espécies com potencial de ação sobre o sistema nervoso central parecem boas. Afinal, trata-se, em sua imensa maioria, de plantas nunca analisadas pelos critérios científicos do homem ocidental. Apenas 11 das 138 es-
pécies haviam sido alvo de estudos farmacológicos e fitoquímicos e, em somente um caso, houve coincidência entre o uso preconizado pelos índios e a prescrição apontada pela medicina convencional. "Temos material de pesquisa para mais de 20 anos", comenta Carlini, entusiasmado com os resultados do trabalho de campo. "Não conheço nenhum levantamento desse porte a partir da cultura indígena." O nome científico das plantas e seu possível uso terapêutico é mantido em sigilo. A precaução se justifica: a informação é valiosa e poderia ser aproveitada indevidamente por laboratórios farmacêuticos e outros grupos de pesquisa interessados em eventuais dividendos econômicos decorrentes do mapeamento feito pelo projeto. "Os direitos dos índios PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • 15
Na visão dos índios, algumas plantas atuam como fortificantes e são usadas em competições, como a corrida de toras
serão respeitados", garante o médico. "Já firmamos um préacordo com os Krahô, que receberão sua parte se desenvolvermos remédios comerciais a partir de seus conhecimentos." Como a quantidade de informações e plantas obtidas junto aos Krahô é muito grande, ainda que trabalhassem apenas com as que parecem ter algum efeito sobre o sistema nervoso central, Carlini e Eliana resolveram direcionar seus esforços para cinco categorias de interesse: espécies com efeitos analgésicos; que ajudam a controlar o peso; com ação hipnótica/ansiolítica; que atuam sobre a memória e o processo de aprendizagem; e que sejam adaptógenas (aumentam a resistência física). Se não procedessem assim, o risco
de o projeto perder o foco seria grande. A idéia é escolher duas ou três plantas de cada uma dessas categorias e concentrar os estudos farmacológicos nessas 10 ou 15 espécies. O resto do material coletado no levantamento fica, por enquanto, fora da linha de frente dos estudos. "Não daria para pesquisarmos tudo", comenta Eliana. "Tínhamos de estabelecer algumas prioridades, apesar de termos encontrado práticas curiosas fora de nossas categorias de interesse, como o emprego, entre as mulheres, de plantas para promover a fertilidade ou inibir, temporária ou permanentemente, a concepção." A maior parte dos fitoterápicos feitos pelos Krahô é administrada na forma de chás, feitos com uma ou várias
Massacres e migração: a saga dos filhotes de ema Dos milhares de membros do povo Krahô que tiveram os primeiros contatos com o homem ocidental em fins do século 18, quando ainda habitavam o Maranhão, sobravam cerca de 400 índios na década de 1930, possivelmente o momento mais crítico de sua história. Alvo de inúmeros massacres e deslocamentos, os remanescentes da etnia migraram para o sul, subiram o rio Tocantins e se fixaram numa área onde, em 1944, o governo federal delimitou sua reserva indígena: 302 mil hectares de cerrado no norte do Es-
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tado do Tocantins, nos municípios de Goiatins e Itacajá. A Fundação Nacional do índio (Funai) demarcou as terras da Kraolândia, como é chamada a reserva, apenas em 1975. E sua homologação se deu ainda mais tarde, em 1990. Hoje os membros da etnia batem na casa dos 1 700 índios. A reserva conta com 16 aldeias e 58 xamãs. A partir de entrevistas e questionários aplicados em sete desses curandeiros, a bióloga Eliana Rodrigues, da Unifesp, fez o levantamento de plantas medicinais usadas em três aldeias, Serra Grande, Forno Velho e
Aldeia Nova, as duas primeiras de difícil acesso. Cada aldeia é constituída em torno de um pátio circular, ao redor do qual são erigidas as moradias. Sua quantidade de habitantes pode variar de 40 a mais de 250 pessoas. Entre suas lideranças, destacam-se o cacique (pahi) e o prefeito, além dos xamãs. Os homens se ocupam da caça, pesca e do preparo da roça. Além de cuidar da casa e dos filhos, as mulheres cortam lenha e, não raro, desempenham as mesmas tarefas dos homens. Suas casas são de pau-a-pique, com telhado feito de
partes das plantas, inteiras ou raladas. O xamã também pode aplicar topicamente, sobre o corpo dos pacientes, partes dos vegetais ou usá-las para preparar cigarros, banhos ou inalações. Em alguns casos, folhas e raízes de algumas plantas são consumidas pelos doentes, pois os índios acreditam que as propriedades terapêuticas estejam no su-
mo desses vegetais. Durante o exercício de sua função, os xamãs, denominados wajacas em timbira, fumam cachimbos recheados de tabaco, maconha ou outras plantas alucinógenas. A fumaça é assoprada sobre os pacientes. Dependendo do caso, o wajaca pode espalhá-la pelo corpo do doente, a fim de "visualizar" melhor o mal. Ou concentrála num único ponto para poder "chupar" o mal, extraindo a enfermidade-feitiço do organismo em sofrimento. No dia seguinte a esse ritual, praticado geralmente à noite, os xamãs formulam a receita com as plantas que, em sua visão, Cerca de 1 700 índios vivem na Kraolândia, reserva de 302 mil hectares no norte de Tocantins
folha de palmeira, sem água encanada ou luz elétrica. Em poucas aldeias há escolas, com professores nativos, mantidas por uma entidade não-governamen-
tal, o Centro de Trabalho Indigenista (CTI). As aulas são em timbira - os índios que falam português só usam nosso idioma para se comunicar com o homem das cidades. Os inte-
resses da etnia são defendidos por uma entidade que representa vários povos timbira, entre os quais os Krahô, a Associação VYTY-Cati. Em sua língua, os Krahô se autodenominam Mãkrare, que significa literalmente filhotes de ema. O paralelo entre os índios e o animal faz sentido. Assim como esse bicho, os membros da etnia gostam de vagar pelo cerrado, mas sempre voltam para casa. É o destino do índio.
PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • 17
vão ajudar o colega da aldeia. | Para acompanhar o efeito de s seus preparados, passam a vi- 1 sitar a casa dos seus pacientes. Se uma receita não funciona, tentam outra. "Como os nossos médicos, os xamãs dos Krahô se especializam em uma ou mais doenças", comenta Eliana. "Alguns cuidam mais de picadas de cobra, gripes e assim por diante." Às vezes, obviamente, não há tratamento que dê resultado. A morte é vista por eles como fruto de um acidente, feitiço ou doença. Por que os pesquisadores da Unifesp resolveram estudar o emprego de fitoterápicos entre os Krahô, presentes unicamente no Tocantins, em vez de qualquer outra etnia nacional? Resposta: esse povo foi o que mais se aproximou do perfil desejado. Estava num bioma cuja flora é pouco estudada do ponto de vista etnofarmacológico, o Cerrado. Carlini e Eliana não queriam trabalhar com grupos humanos estabelecidos na Mata Atlântica ou na Floresta Amazônica, ecossistemas onde se concentra a maior parte das pesquisas botânico-farmacológicas. Além disso, a etnia preenchia outros três requisitos fundamentais: valia-se de rituais e plantas alucinógenas durante suas práticas medicinais; tinha, entre seus membros, especialistas em práticas de cura; e se encontrava numa área isolada geograficamente, sem acesso à rede pública de saúde. "Muitos índios nem sabem o que é novalgina", diz Eliana, que, no trabalho de campo, foi auxiliada por seu irmão Eduardo Rodrigues, estagiário da Unifesp. A maior cidade próxima das aldeias Krahô é Carolina, no sul do Maranhão, com 24 mil habitantes, distante cerca de 12 horas de carro. A viagem, por estradas de terra, só pode ser feita em um veículo com tração nas quatro rodas, geralmente uma picape. O processo de descoberta de uma droga sempre é longo. É verdade que a opção de conduzir as pesquisas a partir da indicação de fitoterápicos uti18 • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
Os autores do trabalho, a bióloga Eliana Rodrigues e o médico Elisaldo Carlini
lizados pelos índios encurta um pouco esse percurso. Afinal, antes de iniciarem os estudos científicos, os pesquisadores já têm uma noção de qual pode ser a esfera de ação do possível medicamento. Mesmo assim, há uma série de etapas que precisam ser vencidas para comprovar a eficácia - e a não-toxicidade - de um medicamento. Quando se trabalha com fitoterápicos, uma dessas etapas é promover o cultivo das espécies nativas com potencial para gerar remédios, gerando assim uma fonte controlada das plantas que serão alvo de novas coletas. Isso vem sendo feito nas aldeias desde junho passado, com o auxílio de uma agrônoma, Kátia dos Santos, que orienta os Krahô sobre os melhores procedimentos agrícolas. De posse de exemplares das plantas escolhidas, os pesquisadores preparam extratos e dão início às análises científicas propriamente ditas em seus laboratórios. As espécies candidatas a gerar fitoterápicos são inicialmente testadas em animais, para deO PROJETO Usos Tradicionais de Plantas Psicoativas por Dois Grupos Humanos no Brasil: Uma Reflexão sobre Eficácia Simbólica e Princípios Ativos MODALIDADE
Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR EUSALDO CARLINI
- UNIFESP
INVESTIMENTO
R$ 45.887,50 e bolsa de doutorado
terminar se seu emprego oferece algum risco. Se aprovados nessa etapa, os extratos vegetais seguem para uma série de experimentos com seres humanos. Nessa nova bateria de testes, sua toxicidade é novamente averiguada e determinada sua eficácia como droga contra algum problema de saúde. Em seguida, os pesquisadores devem estabelecer em que dosagem o medicamento pode ser prescrito e quais são seus eventuais efeitos colaterais. Os pesquisadores da Unifesp não têm a pretensão de encontrar o princípio ativo das plantas que se mostrarem úteis para gerar medicamentos. Querem apenas determinar e garantir o registro comercial de seu extrato, a partir do qual se produzirá um fitoterápico. "Para cada planta que chega ao fim desse processo, abandonamos dez pelo caminho", estima Carlini. Isso depois de consumir cinco anos de pesquisa e R$ 2 ou R$ 3 milhões de reais em investimentos. O médico, no entanto, está convencido de que é mais barato procurar drogas no meio da rica biodiversidade nacional - o Brasil está entre os sete países do mundo com maior número de espécies vegetais - do que trabalhar com a síntese química de fármacos, como fazem os grandes laboratórios multinacionais. "Essa é a grande chance para a indústria brasileira", afirma Carlini. Para acelerar suas pesquisas com os fitoterápicos indicados pelos índios, o projeto da Unifesp busca agora estabelecer parcerias com a iniciativa privada. O laboratório Ache, a maior indústria farmacêutica nacional, é um dos interessados em financiar os estudos. "Perdemos o bonde da história na geração de drogas a partir da química fina", diz José Eduardo Bandeira de Mello, diretor-geral da empresa. "Se o Brasil não entrar firme agora na pesquisa de fitoterápicos, vamos perder o segundo bonde." •
Promoçlo
Avaliação dos projetos dos 21 grupos de pesquisa do projeto Genoma Funcional da Xy/ella fastidiosa Considerações do Comitê Assessor Funcional Alemanha - Estados Unidos - Reino Unido - Hong Kong
Arruda, P • Azevedo, JL • aellato, CM • Bergamin Filho, A • Brant, P • Ferro, J Gomes, SL • Harakava, R • Lambais, MR • Lemos, EGM • Li, W • Lopes, JRS Lopes, SA • Machado, EC • Machado, M • Manfio, G.- Mendes, B • Novello, JC Oliveira, RLBC • Pascholati,SF • Rasera, AC • Rosato, YB • Tsai, SM Cash, Phil • Danchin, Antoine • Gabriel, O • Hoheisel, J
Patroclnlo
It!f:l Applied
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Biosystems
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POLíTlC~ CIENTíFIC~E TECNOLÓGIC~
GENÜMICA
A genética lucrativa do papel Empresas de papel e celulose patrocinam projeto do genoma do eucalipto
nadora do projeto. Na segunda fase, a pesquisa vai identificar os diferentes genes expressos nas diversas partes da árvore, por meio de utilização da técnica de microarrays, que permite a associação desses genes a determinadas características biológicas da árvore.O objetivo será identificar sua resistência a diferentes doenças, tolerância a estresse, qualidade da madeira e outras características agronômicas. O projeto prevê, ainda, o de-
cador para a seleção de novos materiais genéticos", prevê Celina Ferraz do Valle, responsável pelo projeto na VCP. Nesta primeira fase, o custos de seqüenciamento dos genes - orçados em US$ 530 mil - é financiado pela FAPESP.As empresas participam com outros R$ 500 mil, utilizados para o pagamento de pessoal vinculado aos 20 laboratórios que integram a rede AEG. Na segunda fase, as empresas se preparam para investir algo em torno de R$ 1,2 milhão, na análise funcional dos genes. "Trata-se de um projeto de risco, mas temos confiança na equipe e buscamos uma ferramenta que possibilite o melhoramento assistido e a seleção precoce das mudas, através do biochip", afirma Raul Chaves, da Duratex, empresa que mantém 70 mil hectares de florestas de pinus e eucaliptos para a produção de chapas para a indústria moveleira e laminados.
s indústrias de papel, celulose e produtos florestais apostam na genômica funcional para aumentar a produtividade das florestas de eucalipto, reduzir custos de produção e reforçar a sua competitividade no mercado brasileiro e internacional. Um consórcio formado pela Votorantim Celulose e Papel (VCP), Ripasa Celulose e Papel, Suzano de Papel e Celulose e Duratex está participando do projeto ForESTs (Eucalyptus Genome Sequencing Project Consortium), de seqüenciamento do genoma de árvores de eucalipto, que estásendo realizadopelo Projeto Genoma Agronômico e Ambiental (Agronomical and Pesquisas elevaram a produtividade média das florestas Environmental Genome Vantagem competitiva - O AEG), da FAPESP.Este é o eucalipto, perfeitamente aprimeiro projeto Genoma daptado às condições climáfinanciado dentro do projeto Parceria senvolvimento de um sistema de ticas do país, é a árvore preferida das para Inovação Tecnológica (PITE). A indústrias de polpa, papel e celulose, análise de dados para a seleção dos expectativa é que a análise funcional melhores clones do eucalipto. desde a década de 40. Atualmente, as dos genes da madeira, raízes, folhas e florestas de eucalipto cobrem cerca de As pesquisas avançam em ritmo flores permita decifrar a origem de acelerado: em menos de dois meses já 3 milhões de hectares do território problemas que comprometem o denacional. A indústria florestal que utiforam depositadas na bioinformática senvolvimento da planta e favoreça a do projeto 35 mil seqüências e obtiliza o eucalipto como matéria-prima seleção das melhores mudas. dos cerca de 10 mil genes. ''A primei- polpa, papel e celulose - representa "Na primeira fase do programa, algo em torno de 4% do Produto Inra fase estará encerrada em fevereiro, vamos produzir 100 mil seqüências quando partiremos para a análise terno Bruto, 8% das exportações e (ESTs) para encontrar, no mínimo, funcional", prevê Helaine. Mas o inteemprega em torno de 150 mil pesso15 mil genes", afirma Helaine Carrer, resse prático dos parceiros está na seas. O investimento das empresas em do departamento de Ciência Biológigunda fase. "Os resultados terão forte pesquisa elevou a produtividade méca da Escola Superior de Agricultura impacto na produtividade florestal e dia anual das árvores de 12 metros Luiz de Queiroz (Esalq), da- Univerna produção de celulose. Poderemos cúbicos por hectare, na década de 70, sidade de São Paulo (USP), coordeutilizar as informações como um marpara cerca de 40 metros cúbicos por
A
20 . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
hectare, nos anos 90. "Sem esse ganho de produtividade, precisaríamos de área uma vez e meia maior para ter os mesmos resultados", afirma Luiz Cornacchioni, gerente de planejamento da Suzano, cujas florestas de eucalipto somam 86 mil hectares. Os melhoramentos clássicos garantiram ao Brasil a condição de maior produtor mundial de celulose de fibra curta, produzida a partir do eucalipto. Até 2005, a indústria de papel, celulose e de produtos florestais tem planos de investir a expressiva soma de US$ 6,6 bilhões para consolidar o mercado. Mas os ganhos de produtividade até agora obtidos têm sido resultados de investimentos em melhoramentos genéticos clássicos, que têm ritmo semelhante ao do crescimento da árvore. "Tudo o que colhemos hoje é resultado de pesquisas feitas há dez anos e de sete anos de trabalho operacional", observa José Maria de Arruda Mendes Filho, gerente-geral da VCP. A lentidão pode comprometer as vantagens competitivas acumuladas nas duas últimas décadas, já que os países asiáticos, que têm adotado programas fiscais agressivosde incentivo a plantações de eucalipto, podem ganhar a dianteira. "Precisamos encontrar novas tecnologias e apostar naquilo que é ponta. A genômica é uma caixa-preta, mas somos curiosos e pagamos para ver", afirma o gerente-geral da VCP. As empresas que integram o consórcio não têm dúvidas de que a biologia molecular pode ser uma excelente ferramenta para acelerar esse processo e avançar na conquista de novos mercados. "Os resultados nos permitirão aumentar a produção na floresta e na indústria, com ganhos de produtividade na confecção de celulose e papel", diz Izabel Parceria de futuro -
Projeto vai identificar 15 mil genes de folhas, flores e da madeira para decifrar problemas e selecionar mudas
Menezes de Bulhões Gomes, responsável pela área de Tecnologia e Desenvolvimento da Ripasa, empresa que registra 71,2 mil hectares de floresta, sendo 56,2 mil hectares de eucalipto e 15 mil hectares de preservação permanente .. Projeto semelhante, de seqüenciamento de ESTs de árvores como o Pinus e Bircg, estão sendo desenvolvidos nos Estados Unidos e países europeus há cerca de dois anos. "E eles não chegaram ainda a 50 mil seqüências': revela Helaine. "O Brasil poderá chegar na frente na análise do genoma funcional da árvore, já que a estrutura de pesquisa do projeto Geno ma montada pela FAPESP é única:
envolve 20 laboratórios que trabalham em rede e com eficiência." Nos últimos 30 anos, a maior parte das pesquisas sobre o eucalipto foi desenvolvida em consórcio formado pelo Instituto de Pesquisa Florestal (Ipef) - que representa as empresas - e o Departamento de Ciências Florestais da Esalq. Recentemente, com o desenvolvimento das indústrias e o crescimento da demanda por melhores materiais com características específicas de crescimento, as empresas passaram a investir em seus próprios programas de pesquisa em muitos casos, com o apoio de universidades e institutos de pesquisa -, ou em colaboração com instituições governamentais. O consórcio formado para o seqüenciamento e análise funcional do genoma do eucalipto inaugura uma nova modalidade de parceria. As empresas integrantes do consórcio não têm dúvidas de que se trata de uma parceria de futuro. "Estamos promovendo a interação entre duas comunidades: a científica e a industrial. Temos a matéria-prima e vamos buscar formas para aprimorá-Ia", diz Mendes Filho, da Votorantim. •
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PESQUISA FAPESP . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • 21
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
EMPRESA
IBGE sai a campo Pesquisa vai avaliar os esforços de inovação da indústria brasileira O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), vai avaliar o esforço de inovação da industria brasileira. A Pesquisa sobre Inovação Tecnológica (Pintec), iniciada em 19 de novembro, vai consultar 10 mil empresas de diversos setores - num universo de 72 mil indústrias -, com mais de dez empregados, em todo o país. O objetivo é identificar as iniciativas inovadoras em tecnologia de produtos e processos, contabilizar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e analisar as relações de cooperação com outras instituições, explica Wasmalia Bivar, coordenadora da Pintec. O resultado será uma série de indicadores setoriais e regionais para avaliar a inovação tecnológica no país. Também serão avaliadas outras formas de incorporação de tecnologia, por meio de patentes, marcas e aquisição de máquinas e equipamentos, assim como os gastos com treinamento e qualificação de mão-deobra, entre outros. "Será possível saber, por exemplo, se a empresa solicitou patente no Brasil ou no exterior e qual o percentual do faturamento coberto por esse registro", ela acrescenta. As fontes de financia22 • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
mento serão identificadas, assim como os principais parceiros das empresas no processo de inovação. "Essas informações serão importantes para desenhar políticas de incentivo e investimento em P&D", diz Sinézio Pires Ferreira, assessor da Secretaria Executiva do MCT. Para as empresas, a pesquisa vai gerar informações fundamentais para orientar a escolha de estratégias de modernização, de forma a ampliar sua produti-
vidade e aumentar a competitividade no mercado internacional, completa Wasmalia. Os resultados estarão disponíveis em duas etapas, em maio e abril do próximo ano. Será a primeira pesquisa sobre investimentos em tecnologia e inovação de abrangência nacional. A Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei), a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e a Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Trans-
nacionais e da Globalização Econômica (Sobeet) realizam pesquisa semelhante, mas com caráter regional e setorizado. A Pintec terá abrangência maior: coletará dados de empresas em todo o território nacional para o período 1998 - 2000, consolidando informações sobre os investimentos públicos e privados em inovação tecnológica. Esses indicadores permitirão, ainda, compatibilizar as informações da indústria nacional com o desempenho das empresas de outros países, já que a Pintec obedece a padrões semelhantes aos de pesquisas realizadas, por exemplo, na União Européia. "É importante que os dados possam ser comparados e que a Pintec tenha um período de referência", justifica Wasmalia. Além das variáveis da pesquisa, os dados da Pintec serão ainda cruzados com as informações da Pesquisa Industrial Anual (PIA), realizada pelo IBGE, que avalia receitas, gastos Ç~r j | e outras características \s **/ s das empresas. Essa estra' tégia permitirá a amplia/ ção das informações, o aprofúndamento do perfil das empresas e a multiplicação dos indicadores sobre os investimentos em inovação no país. O IBGE também está inovando na forma de aplicação do questionário da Pintec. O sistema tradicional, com questões feitas diretamente ao entrevistado, será adotado apenas nas empresas com mais de 500 funcionários. "A estrutura mais complexa vai exigir visitas diretas", afirma Wasmalia. Nas demais, os dados serão coletados por telefone, em entrevistas previamente agendadas. Nos dois casos, os pesquisadores utilizarão um palmtop - um computador pouco maior que uma agenda de bolsa - para a coleta das informações. "Esse sistema permite avaliar a consistência dos dados durante a própria entrevista", ela garante. •
POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA
METEOROLOGIA
Previsão confiável FAPESP, em parceria com SCTDE, lança programa de hidrometeorologia A FAPESP, em parceria com o Conselho de Hidrometeorologia (Cehidro), da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico (SCTDE), está lançando o programa Sistema Integrado de Hidrometeorologia do Estado de São Paulo (Sihesp). O programa vai reunir um conjunto de pesquisas sobre os recursos hídricos - tanto os de superfície e subsuperfícies como os de atmosfera -, cujos resultados permitirão ao setor produtivo, e à sociedade como um todo, dispor de informações meteorológicas confiáveis que permitam previsões de curtíssimo, médio e longo prazo (ver quadro nesta página). A expectativa é de que cerca de 60 projetos participem da seleção. "No ano passado, pedimos
que os interessados nos enviassem pré-projetos para que pudéssemos avaliar o programa, que estava em fase de elaboração. Naquela época, recebemos 68 solicitações. Estamos supondo que agora não será diferente", conta Luiz Nunes, coordenadoradjunto da Fundação. A maior parte dos recursos que a FAPESP destinará ao Sihesp - algo em torno de R$ 15 milhões - financiará a compra de equipamentos, como radares meteorológicos, perfilaÁreas de pesquisa do programa Sihesp ■ Meteorologia • Hidrologia Superficial • Água Subterrânea ■ Sensoriamento Remoto da Atmosfera " Recursos Hídricos e Saneamento ' Oceanografia Costeira e Gerenciamento Costeiro ■ Agricultura • Meio Ambiente ■ Impactos Socioeconômicos
/ / dores de vento, monitores do estado do mar e redes meteorológicas que serão utilizadas para o desenvolvimento dos diversos projetos de pesquisa. A Secretaria entrará com contrapartida financeira que incluirá a instalação, manutenção e operação dessa rede observacional. Concluídos os projetos, os equipamentos serão doados às instituições às quais estavam vinculados os pesquisadores. Os pedidos de financiamento serão encaminhados à FAPESP até o dia 14 de dezembro para serem avaliados por assessores internacionais. "Os resultados, muito provavelmente, serão publicados até meados de fevereiro", afirma. Os projetos serão analisados como auxílios individuais. Os aprovados contarão com apoio para a pesquisa por um período de dois anos, que poderá ser prorrogado, em função do estágio de desenvolvimento do projeto. Os resultados das pesquisas, adianta Nunes, deverão ter forte impacto na prevenção de enchentes, na defesa civil, em programas de reflorestamento, entre outros. Outro objetivo do programa é desenvolver tecnologias que permitam a avaliação de reservatórios de água, do aquecimento dos reservatórios, desmatamento da Serra do Mar ou da poluição do aqüífero Guarani. • PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • 23
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
ENTREVISTA: ESPER CAVALHEIRO
Da teoria à prática 0 novo presidente do CNPq, o neurologista Esper Cavalheiro,fala sobre bolsas, Relatório Tundisi e o papel das agências de fomento
O neurologista paulista Esper Abrão Cavalheiro é o novo presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Substitui Evando Mirra, indicado para a coordenação do recém-criado Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Há dois anos, Cavalheiro deixou a diretoria do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para assumir a Secretaria de Políticas e Programas do MCT. Participou do processo de reformulação do ministério e afirma, em entrevista à editora Claudia Izique, que a troca no comando da agência é uma "substituição de continuidade". ■ Quais são os seus planos no comando do CNPq? Há mudanças em curso? — Não estamos no momento de promover grandes mudanças. Desde que fui chamado pelo ministro Ronaldo Sardenberg, há dois anos, para ocupar a Secretaria de Políticas e Programas do MCT, passei a integrar uma equipe de trabalho que envolvia diretamente as duas agências de fomento do governo: o CNPq e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Os planos 24 • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
foram traçados naquele momento. Agora é hora de colocá-los em prática. Desde aquela época, a intenção do ministro era aumentar os recursos disponíveis para pesquisa em ciência e tecnologia. Essa meta está sendo alcançada com a implementação dos fundos setoriais. O plano também previa a implantação de políticas de longa duração, que não fossem atropeladas por problemas circunstanciais e que permitissem um planejamento e o avanço do setor no país. Esse objetivo está para ser alcançado: o MCT realizou a Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, em setembro, e está elaborando o Livro Branco com as principais metas para o desenvolvimento. Vivemos, portanto, uma fase em que a política está bastante clara e o papel das agências definido. Recentemente, passamos a contar com o apoio do CGEE para a definição de políticas estratégicas. Assim, as regras do jogo já estão definidas. Assumo o cargo numa substituição de continuidade. ■ Quais são os novos papéis das agências aos quais o senhor se refere? — A Finep ficará claramente voltada para a relação com empresas, com o objetivo de promover a sua aproximação com a universidade e estimular a pesquisa empresarial, propriamente
dita. No Brasil, como se sabe, o investimento na inovação é muito pequeno, salvo honrosas exceções. Temos um potencial muito grande de pesquisadores nessa área de tecnologia, mas, infelizmente, estão distantes do parque empresarial. No caso do CNPq, a nossa missão é financiar e balizar as atividades desenvolvidas nas universidades e nos institutos de pesquisa, formando, ao mesmo tempo, recursos humanos e estimulando a pós-graduação no país. ■ Na sua posse, o ministro Sardenberg falou que o CNPq terá um Núcleo de Planejamento Estratégico, nos mesmos moldes do da Finep. Qual será sua tarefa? — Estamos estudando a constituição deste Núcleo de Planejamento Estratégico dentro do CNPq. O primeiro esboço de sua estrutura já está pronto. Esse núcleo vai fazer a interface do CNPq com o CGEE, com a Finep e com o próprio ministério. O CNPq tem uma quantidade enorme de instrumentos, desde as bolsas de iniciação científica até programas especiais como o Southern Observatory for Astrophyskal Research (Soar), em construção na região de Cerro Pachón, no Chile. O CGEE vai delinear quais são as prioridades. Precisamos saber se o CNPq tem instrumentos necessários
para se adequar às políticas que o CGEE considerar necessárias. É bom lembrar que o CNPq, a Finep e o CGEE têm atividades independentes. É preciso afinação para não atirar em direções opostas, utilizando o mesmo dinheiro. 'Nesses rearranjos, estão previstas alterações nas relações com as fundações estaduais de amparo à pesquisa e as secretarias estaduais de Ciência e Tecnologia? — Não há mudança nenhuma. Não há dúvida de que cada região deste país tem necessidades diferentes. Mas tem que haver uma clara interação entre as ações regionais, estaduais e municipais com aquilo que o MCT definiu como prioridade. Sabemos que determinadas ações que ocorrem em regiões do país são dominadas por desejos políticos que nem sempre têm relação com os problemas da comunidade científica local. Pretendemos, na discussão com os líderes, tentar acoplar os programas do MCT, CNPq e Finep a esses anseios que são legítimos, levantados por discussões mais amplas e menos conduzidos por situação política momentânea. ■ No ano passado, o CNPq reduziu para 4.075 o número de bolsas distribuídas em São Paulo. Há perspectiva de aumento no número de bolsas para São Paulo? — Essa é uma discussão ótima. São Paulo tem uma quantidade de grupos de pesquisa muito maior que a média nacional. A competência instalada é muito grande. Isso não é novidade. São Paulo soube, por meio da FAPESP, criar mecanismos de estabilidade financeira para grupos de pesquisa que são invejados até no exterior. Nós, aqui em São Paulo, nunca nos preocupamos com a possibilidade de o dinheiro não chegar. A demanda por mais recursos para bolsas é justa. Mas é preciso levar em conta que, no panorama nacional, a situação é diferen-
Tem que haver interação entre ações regionais, estaduais, municipais eo MCT PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • 25
te. São Paulo tem um desempenho muito superior em relação ao resto do país. No Brasil existem regiões onde a ciência começou ontem. São Paulo auxilia todos os demais Estados ao receber alunos para pós-graduação, e esse treino permitiu que outras áreas começassem a produzir ciência. São Paulo treinou mestres e doutores e eles, agora, estão ativos. ■ Os fundos setoriais aumentaram significativamente o orçamento do MCT. Esse crescimento vai se refletir também no orçamento do CNPq, elevando o número de bolsas ou os valores pagos aos bolsistas? — O orçamento do MCT deverá crescer, no mínimo, 20%. Mas o dinheiro para recursos humanos é votado separado dentro do Plano Plurianual. Os recursos destinados a bolsas representam cerca de 60%. Alguns programas têm dotação específica, como, por exemplo, o de biotecnologia. Em relação às bolsas, seus valores são proporcionais ao valor dos salários dos docentes das universidades federais. Há perspectivas de que esses valores sejam revistos. Não dá para imaginar que esses valores se manterão no mesmo estágio. ■ O Relatório Tundisi preocupa a comunidade científica. A retirada da pós-graduação dos institutos é factível? Como o senhor vê as críticas ao relatório? — Tomei conhecimento do relatório como membro do MCT. O debate em torno de suas propostas deixa claro um problema: todos gostam de mudança, mas ninguém gosta de mudar. O relatório é resultado de uma ampla discussão com cada um dos institutos de pesquisa do país. Mas as pessoas insistem em generalizar as propostas contidas no relatório. O grande problema é como elas avaliam o seu feudo. A pós-graduação não pode seguir o mesmo caminho da especialização, copiando-lhe a estrutura. A formação do pesquisador não é a do especialista. Na área da saúde, por exemplo, foi feito um trabalho imenso para agrupar coisas que jamais deveriam ter sido desmembradas. Com cursos frág26 • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
il Ninguém quer dividir poder. Todos gostam de mudança, mas ninguém gosta de mudar JJ
mentados por área de especialização, a pós-graduação acabou por se tornar um feudo. Ninguém quer dividir poder. Quando se fala em associação, está implícito que alguém vai cair fora. Se a coordenadoria fica na universidade e não no instituto, o dinheiro será administrado pela universidade. A solução é uma boa conversa entre as partes envolvidas. Há quem diga que o relatório não é bom por razões intelectuais. Eu preciso ser convencido disso. ■ O sistema de pós-graduação brasileiro se orgulha do aumento do número de doutores formados nos últimos anos. Ao mesmo tempo, há um número de doutores jovens, com boa formação, que não consegue emprego nem nas universidades nem nos institutos. Como abrir esse mercado? — Nós nos orgulhamos do crescimento do número de doutores no país. Na década de 70 e 80, cresceram as universidades privadas, o que poderia ter representado uma abertura de mercado para doutores e mestres formados nas universidades públicas. Mas a Lei de Diretrizes e Bases da Educação permitiu que as universidades privadas colocassem especialistas, e não doutores e mestres, no comando da pós-graduação. Isso encurtou o
mercado. Além dessa dificuldade, os jovens recém-doutores disputam o mercado das universidades privadas com doutores com mais tempo de formação. Por outro lado, as universidades públicas não podem crescer mais por força de restrições orçamentárias. As particulares, infelizmente, têm frustrado as nossas expectativas ao não se tornarem centros de pesquisa. É claro que existem honrosas exceções. E, finalmente, mais um problema: as empresas não estão empenhadas em receber os jovens pesquisadores. A nossa expectativa é que as universidades públicas voltem a contratar. Há um envelhecimento dos professores universitários. A média de idade aumenta a cada ano, o que não é um bom sinal para a C&T. Esperamos também que as universidades privadas, em vez de montar um quadro de pessoal para demonstração, invistam nas pessoas. Apostamos, ainda, no desenvolvimento empresarial e na inovação para ampliar o mercado de trabalho para nossos doutores. ■ Como um pesquisador como o senhor se sente ao deixar o laboratório de pesquisa para assumir um cargo como a presidência do CNPq? — Estou muito contente de poder olhar o país como um todo. Nós, pesquisadores de São Paulo, somos protegidos por uma agência de fomento como a FAPESP. Mas é um privilégio dirigir o CNPq e ver o grande número de desafios que se colocam para a C&T no país. Só lamento, como pesquisador, não estar ao lado do aluno quando ele faz uma observação pela primeira vez, quando descobre o conhecimento. Agora, eles me comunicam seu sucesso por e-mail. Essa é a vitória do professor. Por outro lado, em Brasília, o momento é dos mais dinâmicos. Nunca se falou tanto em ciência e tecnologia. Quando fui convidado, a grande motivação era colocar C&T na agenda nacional. E foi o que ocorreu. Descobri que tinha coisas importantes fora da área da medicina. É bom poder estudar coisas de áreas que não conhecia. Às vezes, sinto desejo de começar de novo. •
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CIÊNCIA
LABORATÓRIO A salvação de Veneza na arte de Canaletto Mesmo morto há 230 anos, o pintor Canaletto (16971768) contribui para tentar salvar Veneza do avanço do mar. Pesquisadores descobriram que a alta precisão de seus quadros retratando a cidade no século 18 mostrava o nível do mar um século e meio antes que fossem criadas técnicas de medição, segundo a revista New Scientist (20 de outubro). Veneza é construída sobre uma laguna do Mar Adriático, o que a faz tremendamente vulnerável à mudança do nível das águas, especialmente agora, com o aquecimento global. Os primeiros instrumentos usados para medir o nível do mar surgiram em 1872. Hoje, os pesquisadores estão empenhados em procurar caminhos para descobrir o que aconteceu antes disso, para ajudar a prever o que deverá ocorrer no futuro. Dario Camuffo e equipe, do Instituto de Ciência Atmosférica e Clima de Pádua, descobriram que as pinturas de Canaletto (Giovanni Antônio Canal) po-
O Canal de São Vio, pintado em 1723: precisão e detalhes já auxiliam os pesquisadores
dem ser usadas para reconstruir o passado. O pintor veneziano utilizava um tipo de câmara escura para delinear a paisagem com os edifícios que ele colocava nas telas. Os especialistas dizem que esse foi um jeito encontrado para que conseguisse terminar os quadros - sempre extremamente detalhistas - mais rapidamente. De
■ Areia ácida, de Gobi para o Japão Areia poluída tornou-se um problema pior do que chuva ácida no Japão. Normalmente, a areia soprada para o Japão dos desertos de Gobi e de Taklamakan, no este da Ásia, a cada primavera, não causam problemas para os japoneses. Ocorre que pesquisadores do Instituto Nacional para Estu28 • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
acordo com Camuffo, o efeito é quase tão bom quanto uma fotografia. "Canaletto é absolutamente confiável", diz o pesquisador. Olhadas com atenção, essas "pinturas fotográficas" mostram um linha marrom-verde nos edifícios, que marca o nível da maré. Camuffo comparou a posição da linha na pintura com a dos dias de
hoje. E descobriu que o nível relativo do mar em Veneza aumentou 0,8 metro (ou 2,7 milímetros por ano) desde o tempo de Canaletto. A informação será de grande valor para ajudar os pesquisadores a decidir qual a melhor maneira para proteger Veneza e sua herança cultural do avanço das marés. •
dos Ambientais de Tsukuba têm demonstrado que a areia tornou-se ácida porque capta poluentes químicos durante a viagem de um lugar para outro, como ácido sulfurico e nítrico. "A areia, trazida pelo vento através do Pacífico, pode chegar até o Havaí", disse Masataka Nishikawa, que lidera a equipe de estudos, para a revista New Scientist (20 de outubro). •
■ A nova ameaça trazida pelas pombas Além da sujeira que fazem pelas cidades, as pombas estão disseminando um tipo de ácaro típico do meio rural, que começa a aparecer com freqüência em áreas urbanas e a preocupar especialistas. O ácaro hematófago Dermanyssus galinae (piolho de galinha) causa dermatite (coceira intensa) e transmite bactérias como a riquetsia, responsável pelo tifo. O principal vetor na cidade são os pombos, que fazem ninhos nos telhados. O Laboratório de Ixódides do Departamento de Entomologia da Fundação Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) estuda o fenômeno desde 1999, a partir da infestação pelos ácaros em um dos prédios da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em um apartamento residencial de Copacabana, no Rio, e no próprio prédio do Pavilhão Carlos Chagas, no campus da fundação. "Quando os ninhos são destruídos e os pombos expulsos, o ácaro hematófago busca alimento no sangue humano", diz Nicolau Serra Freire, coordenador do estudo. Como prevenção, o ideal é evitar os ninhos de pombos em telhados, calhas e condicionadores de ar. Os prejuízos financeiros são maiores na indústria avícola, na qual os Dermanyssus infestam as galinhas e fazem a produção de ovos cair 15%. •
■Teste para diagnóstico de pânico Já é aplicado experimentalmente no Rio de Janeiro um teste que ajuda no diagnóstico e tratamento de transtornos do pânico. O trabalho vem sendo feito pelo Instituto de Psiquiatria e Instituto
Pombas fazem ninhos em telhados e calhas e podem estar infestadas com o ácaro Dermanyssus (ao lado)
de Biofísica Carlos Chagas Filho, ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O teste consiste em fazer o paciente inspirar por alguns segundos uma mistura dos gases C02 e 02. "As sensaçõ-
es são as mesmas que as sentidas pelos indivíduos que têm o transtorno do pânico, apenas um pouco mais brandas, segundo alguns relatos, porque o paciente sabe que está num hospital sob
cuidados médicos", explica Antônio Egídio Nardi, do Instituto de Psiquiatria. Hoje, o mal é diagnosticado por meio de exames psiquiátricos, com base nos sintomas. O estudo dos especialistas da UFRJ é promissor. Estima-se que o teste, mais preciso, poderá ser usado em clínica em mais cinco anos. "Existem pesquisadores que têm estudos semelhantes em outros países, como Estados Unidos e Holanda, mas conseguimos desenvolver aqui um trabalho original, que dá mais precisão no diagnóstico." O transtorno caracteriza-se por crises súbitas de alta ansiedade sem motivo aparente, que incluem taquicardia e falta de ar. O distúrbio pode atingir proporções tais que, às vezes, impedem o paciente de sair de casa. •
Um perfeito embrião de dinossauro Um ovo desenterrado há mais de 30 anos nos Estados Unidos contém um embrião de dinos sauro em excelente estado. De acordo com James Lamb, doutorando em geologia e paleontologia da Universidade Esta dual da Carolina do Norte, esse é um dos melhores fósseis descobertos até hoje. Lamb acredita que os estudos sobre o embrião podem apontar novas pistas sobre como era o clima e o ambiente no tempo dos dinossauros no caso específico, há 83 milhões de anos. Esse foi o primeiro ovo encontrado na parte oriental dos Estados Unidos. Ele provavelmente pertence a Lopho-
Ovo com embrião: conservação excepcional
rhothan, um dinossauro com bico de pato que viveu apenas na área do atual Estado do Alabama. O ovo foi descoberto por três estudantes em 1970, mas, na época, os pesquisadores não puderam determinar com precisão o conteúdo.
Lamb começou a estudá-lo e descobriu o que lhe pareceu três pequenos ossos. Ao usar um scanner, ele confirmou que havia um embrião em bom estado dentro do ovo e começou a dissolver a casca com ácidos. O pesquisador acredita que, no passado, o ovo ficou mergulhado no mar e a casca porosa permitiu que a água salgada e sedimentos o enchessem por dentro. Essa combinação de material marinho ajudou a preservar o embrião em excelente estado por milhões de anos. Depois que a pesquisa tiver sido concluída, o material ficará exposto no Museu de Ciências Naturais. •
PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO/DEZEMBRO OE 2001 • 29
CIÊNCIA MEDICINA
Chá de quebra-pedra impede que os cristais de oxalato de cálcio se juntem e formem cálculos renais
os últimos anos, várias pesquisas científicas praticamente comprovaram os benefícios do uso do chá de quebrapedra para combater cálculos renais. Faltava, no entanto, desvendar o mecanismo de ação das infusões feitas com as folhas e sementes da espécie vegetal Phyllantus niruri, nome científico da planta. Estudos recentes conduzidos por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) deram um passo significativo nessa 'ireção. Ao contrário do que a sua poular designação dá a entender, o chá de quebra-pedra não quebra nada. tir em pedaços menores, como muitos acreditam. Seu efeito positivo é um pouco mais sutil, mais preventivo do que curativo, mas não menos eficiente. O chá impede a agre cristais de oxalato de cálcio, >., nente químico mais comum d; dras. Sob sua ação, os cristais acabai não aderindo uns aos outros, evitan30 • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
do assim a formação de cálculos de maior dimensão, aqueles que provocam dor na região do rim e são difíceis de ser expelidos sem o auxílio de algum remédio ou tratamento. Na prática, as infusões com Phyllantus param o processo de crescimento das pedras já existentes e evitam a formação de novos cálculos. Somente por causa dessa propriedade, o consumo do chá, sob supervisão médica, já seria recomendado. Mas as pesquisas indicam que a bebida pode proporcionar ainda um segundo alívio aos portadores de cálculos renais, em torno de 10% da população geral: o quebra-pedra é capaz de relaxar o sistema urinário, o que torna menos penosa a tarefa de eliminar as pedras. "Na pior das hipóteses, o chá de quebra-pedra é tão eficaz quanto as drogas convencionais usadas para tratar de cálculos renais", compara o nefrologista Nestor Schor, da Unifesp. ís barato e comprovadamente o." Schor é coordenador de
projeto temático da FAPESP sobre insuficiência renal aguda e outras questões relacionadas aos rins, como o estudo da formação de pedras no órgão e o mecanismo de ação do extrato aquoso - c-próprio chá - do Phyllantus. Numa outra linha de estudo do temático, pesquisadores descobriram que uma protaína da urina, a retinol binding protein (RBP), pode ser um indicador precoce de futuros problemas renais em lacientes que sofreram transplante de coração (ver quadro). A presença de pedras nos rins é um problema antigo da espécie humana. A análise de múmias egípcias ik. mostra que os cálculos renais já atormentavam a vida desse povo há, pelo menos, 7 mil anos. Não há nada específico que possa ser apontado como o grande fator desencadeador da formação das pedras na maioria das pessoas, apesar da incidência de cálculos apresentar uma curva crescente na história recente.
Fatores genético-hereditários, problemas metabólicos, infecções no trato urinário e até o sedentarismo podem estar associados à ocorrência do problema. A idéia de que dietas extremamente ricas em cálcio originam obrigatoriamente pedras nos rins não tem respaldo científico. A menos que tenha uma clara predisposição genético-metabólica, uma pessoa não desenvolve cálculos por causa do consumo de leite e seus derivados, alimentos com alta concentração desse elemento químico. De concreto, as estatísticas médicas mostram que as taxas atuais de reincidência de cálculo são altas. "Metade das pessoas que tiveram pedra nos rins volta a ter o problema no período de um ano e 70% em dois anos", diz Mirian Boim, fisiopatologista da Unifesp que estuda há 15 anos o emprego do quebra-pedra contra cálculos. Ação antiaderente - O mecanismo de ação do chá no combate à gênese de pedras nos rins ainda não foi totalPESQUISA FAPESP • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001
mente desvendado, mas os pesquisadores contabilizam alguns progressos. Descobriram, por exemplo, que a infusão de Phyllantus diminui a adesão de cristais de oxalato de cálcio nas paredes (epitélio) do túbulo renal, um fino tubo que faz parte de cada unidade ativa de excreção do rim. O que isso tem a ver com a origem dos cálculos? Para que ocorra a formação de pedras no rim, é imprescindível que haja a adesão dessas minipartículas nos tecidos do túbulo. "Se isso não acontecesse, os cristais de oxalato ficariam em suspensão e seriam eliminados pela urina", diz Mirian. Após grudar nos tecidos do túbulo, as partículas de oxalato de cal- Cristais de cálcio em uma folha de Phyllantus ampliados 400 vezes: suposta autodefesa cio são absorvidas pelas células renais, num processo chamado Com os indícios colhidos em seus mudar a polaridade da carga dos cristais, inibindo assim sua adesão ao epide endocitose. Quando são grandes, experimentos, os pesquisadores formularam uma hipótese para explicar télio e diminuindo o processo de encom mais de meio milímetro, os cristais podem provocar a morte das célupor que o chá de quebra-pedra evita a docitose", diz Mirian. Para dificultar las. Já os menores passam algum tempo adesão das partículas de oxalato de ainda mais a formação de cálculos, o no interior das células e são liberados cálcio. De uma forma simplificada, chá promove também uma alteração na estrutura do tipo de cristal de oxade volta ao túbulo renal. O problema pode-se dizer que os cristais se prené que, depois do passeio intracelular, dem à parede celular porque há uma lato de cálcio mais maléfico ao organismo, os chamados monoidratados, os cristais retornam mais robustos, atração elétrica entre ambos. Os crisacrescidos de proteínas e agregados tais têm carga positiva, e a parede ceque se fixam mais facilmente à parede que aumentam a sua dimensão. lular, negativa. "O Phyllantus parece celular. O chá os transforma em cris-
Um alívio para os transplantados A ciclosporina, principal droga usada no combate à rejeição de órgãos transplantados, aumenta a sobrevida dos pacientes, mas costuma causar um efeito colateral indesejado. Seu uso continuado e em altas doses provoca danos aos rins, podendo levar ao comprometimento total desse órgão, problema de saúde que aumenta o risco de morte nesse tipo de doente. A equipe do médico Álvaro Pacheco e Silva Füho, da Unifesp, descobriu uma forma de diagnosticar precocemente essa agressão
32 • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
aos rins, quando os prejuízos ao funcionamento do órgão ainda estão em sua fase inicial e, talvez, possam ser controlados. Os pesquisadores perceberam que transplantados do coração que apresentam altas concentrações de uma conhecida proteína encontrada na urina, a retinol binding protein (RBP), têm maior chance de desenvolver insuficiência renal crônica. Mesmo quando todos os demais parâmetros clínicos do paciente revelam-se plenamente satisfatórios, como a taxa
de creatinina (proteína classicamente medida para inferir o grau de funcionamento dos rins), o simples aumento na quantidade de RBP na urina indica que o dano aos rins já está em curso. "Nesse caso, estamos falando de transplantados que, até agora, julgávamos perfeitamente saudáveis", comenta Silva Filho. "Pacientes que qualquer médico examinaria e diria que estão muito bem." O médico conseguiu estabelecer a relação entre os níveis de RBP e problemas nos rins depois de realizar
tais diidratados, cujo grau de adesão é bem menor. Evitar a entrada de partículas de oxalato de cálcio em células parece ser uma propriedade não só do chá de quebra-pedra, mas da própria planta. Alertada por uma colega australiana, que havia observado a presença de cristais nas folhas de espécies vegetais semelhantes ao Phyllantus, a fisiopatologis- Pedras de oxa ta percebeu o mesmo fenômeno no quebra-pedra. Num aparente mecanismo de autodefesa, que regula o nível de cálcio em suas células, a planta inibe a entrada dos cristais, o que provocaria o acúmulo das partículas na sua parte externa, as folhas. Com auxílio de um microscópio eletrônico, Mirian visualizou facilmente os cristais nas folhas da quebra-pedra. Ao que tudo indica, esse mecanismo natural de regulação da entrada de cálcio mantém-se no extrato aquoso da planta e é repassado para quem toma o chá.
ato de cálcio: tormento há pelo menos 7 mil
bola de golfe. Podem ser lisas ou exibir recortes. Ser amarelas, avermelhadas ou marrons. Em 80% dos casos, são constituídas de oxalato de cálcio, mas há também cálculos feitos de fosfato de cálcio, ácido úrico e outros materiais. Ou ainda uma combinação O PROJETO Aspectos Celulares e Moleculares da Insuficiência Renal Aguda MODALIDADE
Projeto temático COORDENADOR
Bola de golfe - As pedras nos rins podem ser do tamanho de um grão de areia ou de uma pérola. Em casos extremos, alcançam a dimensão de uma
medições em 92 transplantados cardíacos em ótimas condições clínicas. Entre os que exibiam índices da proteína superior a 0,4 miligrama por litro de urina, 38% desenvolveram insuficiência renal crônica, levando à perda de um ou ambos os rins. Nos pacientes com taxas menores do que esse índice, não houve registro de nenhum caso de insuficiência. "E nenhum desses transplantados perdeu o rim." Vista agora como um marcador do nível de toxicidade renal da ciclosporina, a taxa de RBP é uma nova arma na luta para controlar os efeitos colaterais da ciclosporina. É
NESTOR SCHOR
- Unifesp
INVESTIMENTO
R$ 2.469.886,53
uma batalha árdua. Para diminuir a ação negativa da droga anti-rejeição, os médicos costumam reduzir a dose do remédio ou utilizar novos compostos aparentemente menos tóxicos, como a azatioprina ou o micofenolato mofetil. "Com esses procedimentos, já conseguimos diminuir a taxa de RBP em alguns pacientes, mas ainda não temos certeza de que as células renais deixaram de sofrer", pondera Silva Filho. De qualquer forma, a descoberta do marcador fornece um aviso antecipado do problema. "Encontramos um novo uso para um velho teste", comenta Silva Filho.
de vários elementos químicos. Em casos simples, os médicos geralmente pedem que os portadores de cálculos tomem muita água, o que facilita a movimentação e eliminação da pedra, e um analgésico ou antiinflamatório para diminuir a dor. Em situações extremas, em que a pedra é maior e o sofrimento é grande, o paciente é internado num anos hospital. No passado, o procedimento - padrão nessas ocasiões era a cirurgia para retirar o cálculo. Hoje em dia, em alguns casos, podem ser empregados métodos alternativos não - invasivos, como o uso de equipamentos que criam ondas de choque que partem as pedras em pedaços menores. Todas as evidências científicas, fruto de pesquisas com o uso do chá em ratos, seres humanos e testes conduzidos in vitro, indicam que a bebida pode ser uma alternativa a alguns desses procedimentos. Afinal, o extrato aquoso do Phyllantus realmente previne a formação de novas pedras e pode auxiliar a eliminação das já existentes. Isso, no entanto, não quer dizer que os pesquisadores da Unifesp recomendem seu uso indiscriminado. Ainda são necessários estudos mais prolongados, que acompanhem a ação do chá em seus usuários por um período de seis meses. Até agora, o tempo máximo de acompanhamento se restringiu a três meses. Os médicos também não sabem qual é a dose ideal de chá que deve ser consumida pelos portadores de cálculo. Além dessas questões científicas, há empecilhos práticos que desestimulam a automedicação com as infusões de quebrapedra. Não há disponível no mercado um chá comercial de qualidade feito com a espécie vegetal e algumas pessoas podem confundir o Phyllantus com outras plantas e acabar tomando a infusão errada. "O chá funciona, mas é preciso ter cuidado com o que se toma", afirma Schor. • PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • 33
CIÊNCIA
FÍSICA
Hemodiálise com precisão Dispositivo calibra máquinas filtradoras do sangue de pacientes renais
rir mudanças nas partes móveis do circulador para evitar isso". Os cristais líquidos - um tipo de fluido complexo - foram descobertos em 1888, quando o botânico austríaco Friedrich Reinitzer estudava propriedades de derivados do colesterol- acetato e benzoato de colesterila. Descobriu que essas substâncias, que à temperatura ambiente tinham aparência sólida cristalina, quando aqueci das, se transformavam num fluido leitoso. Prosseguindo o aquecimento, voltavam a mudar de aparência, desta vez para um líquido transparente. No benzoato de colesterila, os dois pontos de fusão estavam a 145,5°C e 178,5°C (graus Celsius). "Uma vez que o fenômeno poderia ser devido a eventuais impurezas no material, Reinitzer pediu ao químico alemão Otto
maequipe do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) aproveitou as características dos cristais líquidos - substâncias que ficam a meio caminho entre sólidos cristalinos (cristais) e líquidos isotrópicos (como a água) - para produzir um equipamento que calibra com precisão as máquinas de hemodiálise, de modo a tornar mais eficiente a filtragem que elas fazem do sangue de pessoas com insuficiência renal. O grupo, coordenado pelo professor Antônio Martins Figueiredo Neto, já apresentou pedido de patente ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e espera que algum fabricante se interesse em produzi-lo em escala comercial. O sistema consiste em injetar cristal líquido na mangueira por onde deve fluir o sangue e, por meio de uma célulaóptica, medir as variações na velocidade do fluido. Conhecida a velocidade, pode-se saber se a máquina está adequadamente calibrada ou não. Hoje, as máquinas de hemodiálise são controladas de forma manual, imprecisa, o que pode deixar o fluxo do sangue muito rápido, vagaroso demais ou com variações bruscas de velocidade. "O aparelho", diz Figueiredo, "pode verificar a qualidade do fluxo: isto é, se o circulador de sangue a ser testado provocar variações bruscas no fluxo - o que poderia acarretar mudanças não desejadas na pressão sanguínea -, o aparelho pode detectar o problema e suge- Figueiredo
U
34 . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE2001
• PESQUISA FAPESP
e ferrofluido:
propriedade
magnética
Lehmann que o submetesse a análise química, para descobrir os possíveis contaminantes", conta Figueiredo. "Depois de um estudo criterioso, Lehmann concluiu que não havia contaminante algum: os derivados de colesterol eram substâncias puras." Fase mesomórfica - Como explicar, então, seu comportamento? A resposta veio em 1922 com o francês George Friedel: a fase leitosa, que chamou mesomórfica, correspondia ao até então desconhecido cristal líquido, estado intermediário entre o sólido cristalino e o líquido isotrópico. "Outra característica notável desses materiais", diz Figueiredo, "é que refletem seletivamente a luz branca. Parte da radiação é absorvida e parte refletida, resultando disso luzes coloridas, que variam com a temperatura". Foi essa propriedade, análoga à dos sólidos cristalinos, que levou Lehmann a dar aos fluidos leitosos o nome de cristais líquidos. E foi também o que levou os pesquisadores da USP a desenvolver o equipamento. "Os cristais líquidos': diz Figueiredo, "agrupam-se em duas grandes famílias: os termotrópicos, cujas transições de fase são regidas pela temperatura, e os liotrópicos, que também podem mudar de fase com apropriadas variações de concentração e em função da temperatura': Os termotrópicos respondem por 99% das aplicações - por exemplo, mostradores de relógios digitais, telas de TV e monitores de computador. Mas, por serem menos estudados e por suas especificidades, os liotrópicos atraem mais: para eles se voltam 60% do trabalho da equipe, que integra o Grupo de Fluidos Complexos do Ifusp.
Seu projeto consistiu no uso de técnicas de óptica linear e não-linear e de radiocristalografia para estudar estrutura e propriedades de cristais líquidos e ferro fluidos - outro tipo de fluido complexo. "Descobrimos, por exemplo, que alguns liotrópicos são opticamente isotrópicos - têm as mesmas propriedades físicas em todas as direções quando em repouso, mas se tornam anisotrópicos Protótipo quando em movimento." Assim, em movimento, seu índice de refração varia, de modo que deixa passar mais ou menos luz, conforme a velocidade. "Foi com base nessa propriedade que inventamos o dispositivo que permite verificar o funcionamento dos equipamentos de hemodiálise." As peculiaridades dos cristais líquidos decorrem da assimetria de suas moléculas. Em certas condições de concentração, pressão e temperatura, os eixos moléculares podem se orientar paralelamente uns aos outros. É esse ordenamento que faz os cristais líquidos se comportarem um pouco como líquidos, um pouco como sólidos cristalinos, e não ser nem uma coisa nem outra independentemente. Ocorre que o conjunto de moléculas de um líquido não apresenta nenhum tipo de ordem de posição, enquanto o conjunto de moléculas de um sólido cristalino tem ordem posicional. Os cristais líquidos têm a fluidez dos líquidos comuns e, ao mesmo tempo, propriedades ópticas típicas dos sólidos cristalinos. Os termotrópicos, que mudam de fase com a temperatura, têm moléculas em forma de bastões, discos ou bananas, todas com grande assimetria ou, mais precisamente, anisotropia de forma. É essa anisotropia - o fato de as moléculas não se distribuírem igualmente em todas as direções, como num líquido comum - que permite seu ordenamento orientacional. Orientação
paralela -
que ocorre quando lavamos as mãos com sabão para eliminar a graxa. Quando temos na mão graxa - um material apolar - e tentamos lavar com água apenas, não conseguimos removê-Ia. Assim, misturamos detergente (eujas moléculas são anfifílicas, com regiões polares e apelares) e esfregamos as mãos, misturando água, detergente e graxa. Agora, as moléculas do detergente formam superestruturas do invento: velocidade do fluxo de sangue controlada do tipo micelar (casulos) com a graxa dentro, sendo lavadas pelo fluxo de água." A proJá os constituintes básicos dos liopósito, a qualificação dos cristais lítrópicos, que também mudam de fase com certas variações de concentração e quidos como substâncias puras se de temperatura, não são formados de aplica aos termo trópicos, mas não aos liotrópicos - que são, de fato, mistumoléculas isoladas, mas de agregados moleculares chamados micelas. Os ras de pelo menos duas substâncias: a que compõe as micelas e o solvente. agregados se formam porque suas moléculas têm características antagôFerro em líquido - Outra classé de fluinicas - uma região polar e outra apolar. Em contato com um solvente podos complexos estudada pelo grupo lar como a água - cujas moléculas são os ferro fluidos, com propriedades magnetoópticas muito interessantes. têm um dipolo elétrico, ou seja, cargas positivas e negativas afastadas Eles foram inventados nos anos 60 na Nasa, para transportar combustível umas das outras -, as micelas tendem a assumir certa orientação: por afinidos tanques até os motores dos satélites espaciais. dade elétrica, a região polar se aproxima da molécula de água vizinha, e a "Os técnicos da agência espacial região apolar permanece afastada. americana produziram um ingrediente magnético que podia ser dissolvido A partir de uma concentração críno combustível. Bastava então aplicar tica, as porções polares se juntam, como num casulo, dentro do qual as campos magnéticos de baixa intensidade para conduzir o material de um porções apolares ficam isoladas do ambiente aquoso. Cada casulo é uma compartimento a outro, arrastando o micela, e funciona como blindagem combustível junto", explica Figueiredo. Para isso, obtiveram uma suspensão entre as regiões apelares e a água. "É o coloidal com grânulos de magnetita de cerca de 10 nanômetros, que podia O PROJETO ser dissolvida no combustível sem que Investigação de Propriedades Õpticas o material magnético se depositasse e Mecânicas de Cristais Líquidos no fundo do tanque. MODALIDADE ''As aplicações tecnológicas do proProjeto temático duto depois se diversificaram. Hoje, ele é usado, por exemplo, na fabricação de COORDENADOR tintas magnéticas que podem tornar ANTÓNIO MARTINS FIGUEIREDO NETO Instituto de Física da USP aviões invisíveis ao radar, selos rotatórios que protegem os discos rígidos dos INVESTIMENTO computadores e em dispositivos que R$ 31.000,00 e US$ 209.400,00 detectam a inclinação dos aviões." • PESQUISA FAPESP . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • 35
canadense Brian Iohn que liberam substâncias danosas à cécada célula animal- uma célula do fíBandy fez o caminho lula - um alerta para quem exagera gado humano, por exemplo, tem de 1.000 a 2.000 mitocôndrias. inverso de muitos pesnas doses de vitamina C e acha que quisadores brasileiros: não precisa de qualquer outra, nem Vencida a membrana, os elétrons saiu de seu país ao terde frutas ou verduras. chegam ao destino que beneficia quem quer adiar o envelhecimento: os citominar o doutorado para prosseguir a carreira aqui. Veio em 1996, fez pósDupla afinidade - Por meio de técnicas cromos c, proteínas que protagonidoutoramento no Instituto de Químique monitoram a transferência de elézam as reações de respiração celular ca da Universidade de São Paulo (IQtrons, as alterações da forma das moléque levam à produção de energia para culas de proteínas chamadas citocromos USP) e voltou para o Canadá no ano a célula. Em conjunto, os citocromos seguinte. Atraído de novo pelo Brasil, e a formação e o desaparecimento de são vermelhos e lembram sangue por reinstalou-se em 1998 para uma seradicais livres, Brian e Bechara detacausa dos átomos de ferro, que forgunda temporada no mesmo instituto. lharam esses mecanismos de interamam uma ramificação da molécula, Nesse vaivém, concluiu um estudo ção, que decorrem de uma propriedao chamado grupo heme. É por causa que aumentou a impordos citocromos que as mitocôndrias têm normalmentância de um grupo de substâncias, os bioflavote a cor bege escuro. Outra nóides, antes vistas apepeculiaridade é que, às veOs bioflavonóides conduzem elétrons do ascorbato e evitam nas como vitaminas. Banzes, as mitocôndrias emidanos a uma molécula essencial à respiração celular tem luz, como resultado da dy mostrou que são muito mais que isso: reação do oxigênio com um o ascorbato, por ter afinidade apenas protegem as células anielétron excitado, ao longo (\ com a água, não se aproxima da mais do envelhecimento e das reações da respiração ~ membrana interna da mitocôndria celular. da morte prematura. • Bioflavonôide Mitocôndrio artigo assinado por ele e Nesse processo, um dos por seu supervisor, Etelcompostos que se formam vino Bechara, foi a capa é o peróxido de hidrogênio da edição de agosto do (ou água oxigenada, H202). lournal of Bioenergetics Reagindo com o citocroand Biomembranes, dos mo c, o H202 origina radiEstados Unidos. cais hidroxila. Eles é que Os resultados atessão o perigo. As hidroxitam pela primeira vez o Ias, um dos tipos dos chapapel essencial dos biomados radicais livres, queflavanóides nas reações bram o heme e retiram o de produção de energia ferro do citocromo, com dentro da célula e indicam conseqüências nada boas, como as vitaminas agem do ponto de vista do funconjuntamente em benecionamento do organismo: fício do organismo. Ensem o ferro, o cito cromo contrados em extratos de plantas e perde não só o vermelho característide das moléculas de bioflavonóides: a abundantes, por exemplo, no chá verco, mas também a capacidade de dupla afinidade química, tanto pela de (Camellia sinensis) e no vinho tinatuar na respiração celular. É ainda água como pela membrana da mitoto, os flavonóides - chamados de biocôndria - compartimento celular em pior quando os radicais fazem as miflavonóides quando vistos como tocôndrias incharem e se romperem. que se processam as reações químicas nutrientes - atuam em conjunto com E, livres no interior da célula, os citoresponsáveis pela produção de enera vitamina C ou ascorbato, também gia. Os bioflavonóides - pelo menos cromos c disparam o processo de encontrada em frutas e hortaliças. Já cinco dos 20 testados - provavelmenmorte celular, a chamada apoptose. se sabia há anos que o ascorbato isote ficam parcialmente envolvidos pela lado pode até ser tóxico, ainda que inmitocôndria e parcialmente fora dela. Uma descoberta - Nem Bandy nem diretamente, por promover reações Bechara pretendiam estudar bioflavoÉ uma posição ideal para apanharem nóides nesse papel. Ao começar' o traelétrons do ascorbato, que têm afinidade apenas pela água (permanecem balho, Bandy comprovou que o asco bato sozinho protege o citocromo c db afastados da membrana), e conduziMedição de citocromos: estudo revela ataque dos peróxidos, efeito não muito los para dentro das membranas de interação de substâncias que ajuda as vitaminas a beneficiar o organismo dezenas de mitocôndrias contidas em bem caracterizado antes. Mas era um
O
Efeito protetor
°
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efeito limitado. Numa situação mais perto do real- com lipossomos, um tipo de membrana artificial feito com as moléculas mais comuns na membrana das mitocrôndrias -, não funcionou. Explica-se o resultado pelo fato de o ascorbato ter afinidade apenas com água - na prática, fica longe da membrana. Disposto. a descobrir os meca-= nismos e as substâncias que impedem a destruição do citocromo c, Bandy resolveu testar um bioflavanóide que, como ele sabia, tem afinidade pela membrana. Só tinha um na prateleira, a epicatequina. Testou e deu certo. "Foi sorte'; diz. "Há centenas de bioflavanóides e nem todos funcionam desse modo." A descoberta teria naufragado se, por exemplo, tivesse usado naringerina ou hesperetina, dois Bandy: ascorbato (vitamina C) sozinho é perigoso dos cerca de 20 bioflavonóides que testou mais tarde e parecem não comer frutas ou verduras frescas. Era ligar para o ascorbato. mortal. Há relatos de que, de 400 pesAté então, os bioflavonóides só soas a bordo, só dez sobreviveram. O eram conhecidos como antioxidanhúngaro Albert Szent-Gyorgyi (1893tes, que anulam a ação dos radicais li1986, Nobel de Medicina em 1937) vres. "Ainda não havia sido descrita descobriu que a vitamina C, por ele nenhuma situação em que eram realpróprio descoberta em 1928, não funmente indispensáveis nos processos ciona sozinha para deter o rompicelulares," Das reações em conjunto, o mento dos capilares - era preciso algo caso clássico era o da vitamina P, que, mais, a vitamina P. junto com a vitamina C, impede a permeabilidade dos vasos sangüíneos Ascorbato perigoso - Os resultados a e assim evita o escorbuto - doença que Bandy chegou também têm imque faz as gengivas sangrarem e proplicações práticas. No tratamento de voca graves hemorragias. Era típica pacientes que sobreviveram a um endos viajantes do século 16, que perfarte ou durante cirurgias do coração, maneciam meses em alto-mar sem por exemplo, o ascorbato parece não dar a menor proteção à rnitocôndria o PROJETO das células do coração contra o ataque dos peróxidos. "Talvez funcione com Interações de Ascorbato, alguns bioflavanóides", cogita ele. Em Biof/avonóides e Biofatores princípio, seu trabalho também podeRedox em Citocromos c induzidos ria ajudar a conter o envelhecimento, a Estresse Peroxidativo e Apoptose pois sugere uma combinação de nuMODALIDADE trientes que seria mais eficiente para Bolsa de pós-graduação no país minimizar os danos às células - o chamado estresse oxidativo, resultado COORDENADOR ETELVINO José HENRIQUES BECHARA dos processos de respiração que ocorInstituto de Química da USP rem na mitocôndria. A pesquisa avança. Recentemente, INVESTIMENTO Bandy obteve as primeiras evidências R$ 96.000,00 do que pode ser chamado de lado 38
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ruim do ascorbato. Sozinho, mesmo em baixas concentrações, pode fazer a mitocôndria inflar, primeiro passo para o processo de morte celular. "O ascorbato sozinho é perigoso", comenta, antes de contar outra novidade, também sujeita a verificações mais aprofundadas: há bioflavonóides capazes de bloquear essa ação do ascorbato. Animado com o fato de seu segundo pós-doutoramento ter sido renovado até setembro do próximo ano para que possa explorar esse outro lado da cooperação entre o ascorbato e os bioflavonóides, ele se prepara para lidar com mitocôndrias isoladas, ainda mais próximas dos organismos reais. A parceria - Aos 44 anos, Bandy não deve voltar tão cedo a seu país para ficar. Bechara o ajuda a procurar um espaço numa universidade brasileira. Ambos se conheceram em 1995, num congresso sobre radicais livres em Pasadena, nos Estados Unidos. Bandy terminara o doutorado na Simon Frase University de Burnaby, Canadá. Na tese, mostrava como os esportistas gastam energia e geram mais mitocôndrias. Impressionou Bechara o fato de Bandy ter escrito um artigo - sobre o papel da mitocôndria no estresse oxidativo - que já era referência internacional. Bechara, que na época já estudava o ácido amino-levinolínico - uma das fontes de radicais livres que atacam mitocôndrias -, viu o recém-doutor como ótimo parceiro. De lá para cá, observou o desenvolvimento e o gosto de Bandy pelo Brasil: o canadense, que já gostava de pescarias e de longas caminhadas pela mata, entrou nos cursos extras do Instituto de Química e hoje se sente à vontade para dançar samba e jogar futebol. O supervisor Bechara especializou-se também na tarefa de reter pesquisadores promissores. Antes de Bandy, trouxe o italiano Paolo Di Mascio, recém-doutorado em Dusseldorf, Alemanha. Mascio ficou dois anos, fez concurso e hoje é titular no Instituto de Química da USP. •
CIÊNCIA
mg) ou mesmo à cenoura (0,6 mg). Inversamente, quem precisa evitar zinco, cujo excesso causa rachaduras na pele, pode se fartar com almeirão, batata-doce branca e roxa, cenoura, couve-manteiga, ervilha, jiló e vagem, hortaliças nas quais não se detectou esse mineral, de acordo com o levantamento das autoras Levantamento do conteúdo desse trabalho. de hortaliças visa a melhorar O trabalho remete a um problema amplo. a alimentação no país "Temos de rever a alimentação", diz a enges hortaliças não têm grande nheira agrônoma Rita prestígio com o brasileiro, que, de Fátima Alves Luengo, em média, só come 50 quilogramas uma das autoras. Num país de clima normal(kg) delas por ano. Isso é três vezes menos que a média de consumo do mente ameno como o Brasil, além do valioso alemão, do norte-americano e do japonês, por exemplo, embora estes pretrivial arroz com feijão e "mistura" (proteína anicisem menos de hortaliças, por não viverem num clima tropical. E o conmal), as pessoas precisam consumir mais os sumo de hortaliças no país é baixo, independentemente da camada social: chamados alimentos de vai de 30,8 kg anuais per capita, entre manutenção, que são as os que ganham até dois salários míhortaliças e as frutas, ricas em vitaminas e sais nimos, até 72,3 kg, na faixa acima de 30 salários mínimos. minerais. É uma situaSe continuarmos assim, não será ção diferente da dos países de clima frio, onde a por falta de informação: pesquisadoras da Embrapa Hortaliças, de Brasíprioridade são as proteília, reuniram num pôster de 60 por nas e as gorduras, para 60 centímetros amplas informações ajudar o corpo a manter sobre a composição nutricional de 53 o calor. Um agravante é Hortaliças: apesar da variedade, consumo ainda baixo hortaliças alinhadas alfabeticamente, que vitaminas e sais miespecíficas. Quem, por exemplo, tem da abóbora à vagem. Para cada hortanerais não se acumulam no organismo, liça, o quadro mostra seu conteúdo de anemia - ou não quer ter - deve buscomo as gorduras: precisam ser conscar alimentos ricos em ferro. Caso se 19 nutrientes. tantemente repostos. É preciso, portanA essa tabela, onde juntaram inforcanse do sabor do brócolos - que tem to, aumentar seu consumo, bem como mações dispersas em muitos livros e o de frutas. A propósito, conclui Rita, 15.000 miligramas (mg) de ferro em manuais, as pesquisadoras acrescen"uma tabela equivalente de frutas se100 gramas -, pode recorrer ao grãotaram as recomendações da Organizade-bico (6.240 mg), à acelga (2.900 ria muito bem-vinda': ção Mundial de Saúde Elaborada pela agrô(OMS) e da Organizanoma Rita junto com Alternativas à mesa ção das Nações Unidas as bibliotecárias RosaTabela facilita a busca de fontes de vitaminas e ferro para Alimentação e Agrine Mendes Parmagnani, cultura (FAO) sobre o Márcia Regina Parente Espécies Fibra Calorias Água Vit. A Vit. B Vit.C Potássio Sódio Ferro % % mg mg mg mg mg mg consumo mínimo nee Maria Fátima Bezer87,79 1100 53,70 0,600 1,8 50,0 26,8 Cenoura 60 328,6 cessário de nutrientes ra Ferreira Lima, a Tapara adultos, gestantes e bela de Composição Nu82,7 29,40 Brócolos 3,8 90,69 350 54 325 27 15,000 cnanças. tricional das Hortaliças 358,4 Couve1,3 25,0 89,00 750 180,0 243,8 2,200 96 manteiga A tabela também pode ser solicitada pelo serve de orientação para endereço sac.hortaliFonte: Embrapa Hortaliças atender a necessidades cas@embrapa.br. • NUTRIÇÃO
Informação no prato
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CIÊNCIA
MEDICINA
Bebês a saIvo Substância pulmonar de que prematuros precisam é produzida experimentalmente no Butantan e testada com sucesso em coelhos
orcose coelhos ajudarão a produzir em escala comercialo surfactante pulmonar, uma substância essencial ao tratamento de um mal que a cada ano atinge milhares de bebês prematuros no país e causa muitas mortes: a síndrome do desconforto respiratório (SDR). Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) já obtiveram bons resultados com a aplicação, em coelhos prematuros, de um surfactante extraído do pulmão de porcos e produzido pelo Instituto Butantan. Produzido naturalmente pelos pulmões, o surfactante age no interior dos alvéolos (bolsas microscópicas nas quais ocorrem as trocas gasosas de oxigênio e gás carbônico), permitindo que eles se mantenham abertos durante a expiração (ver quadro). A SDR, causada pela produção insuficiente de surfactante pelos pulmões, é uma das principais patologias dos
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prematuros. Quanto menor o tempo de gestação, maior a imaturidade pulmonar e a incidência da SDR: dela sofrem cerca de 50% dos chamados prematuros extremos, que nascem entre seis e meio a sete meses de gestação (da 26a à 28a semana), mas muitos dos que nascem entre a 28a e a 31 a semana também são afetados. No ano 2000, a SDR foi responsável por 7.715 internações e 2.664 mortes de bebês prematuros no país, segundo o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS). O tratamento da SDR consiste na reposição artificial de surfactante durante as primeiras horas de vida do bebê, diretamente na traquéia. O surfactante é importado, a preços que variam de RS$ 900 e R$ 1.200 por ampola, o que torna a terapia muito cara para o sistema público de saúde. Em cada caso, podem ser usadas até duas ampolas do medicamento, dependendo da gravidade da doença e da massa corporal do bebê.
A promessa de uma solução nacional está na extração de surfactante do pulmão de porcos, que são, como outros mamíferos, uma fonte importante da substância. Vai nessa direção O projeto de pesquisa finalizado recentemente pelo pediatra Celso Moura Rebello, da FM-USP. Bons resultados - Rebello e sua equipe mensuraram em coelhos prematuros os efeitos de um surfactante de origem porcina fabricado experimentalmente pelo Instituto Butantan. Os resultados foram comparados aos obtidos com a aplicação de um dos surfactantes mais vendidos, produzido a partir de pulmão bovino. Antes de desenvolver a metodologia, Rebello passou por um treinamento de dois anos na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (EUA), sob orientação de Alan Iobe e Machiko Ikegami, referências internacionais na área de pulmão prematuro. O projeto foi desenvolvido no Laboratório
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teste para avaliar a capacide Pesquisa Experimental dade de distensão dos puldo Departamento de Pediatria da FM -USP. Rebello mões - ou complacência -, os coelhos tratados tiveram comparou três característiresultados melhores. Decas do funcionamento mecâpois da ventilação mecâninico dos pulmões: a pressão suportada durante a ventilaca, parte dos animais foi submetida à avaliação do ção mecânica, o volume de ar e a capacidade de distenvolume que os pulmões são do pulmão. atingiam sob uma pressão estabelecida.Verificou-se que Foram estudados 93 coeo pulmão dos coelhos que lhinhos, divididos em quareceberam surfactante altro grupos: 21 deles receberam o produto comercial; cançava um volume maior. 22, o surfactante produzido E, no exame ao microscópio, os pulmões dos coelhos pelo Butantan; 25 o surfactante natural extraído de Coelha usada em teste: equivalência com produto importado que não receberam o medicoelho; e os 25 restantes camento apresentaram procompuseram o grupo de controle, porção maior de alvéolos danificados A evolução dos animais forneceu que não recebeu nenhuma terapia. dados, que foram analisados por um que os tratados. A ação de cada surfactante tamTodos os animais nasceram de cesariaprograma de computador desenvolvibém foi analisada in vitro. "Em todos na no 27° dia da gestação, para simudo no Setor de Pneumologia Experimental da FM-USP. A análise mosos testes, não houve diferença de efilar condições comparáveis às de um cácia entre o produto comercial e o prematuro extremo. Os animais fotrou que a pressão necessária para que surfactante do Butantan', destaca o ram anestesiados e conectados a um os pulmões recebessem determinado aparelho de ventilação mecânica duvolume de ar foi 30% menor nos grupesquisador. Os dados da pesquisa forante 20 minutos, por meio de uma ram apresentados no Congresso Brapos tratados com surfactante do que pequena incisão na traquéia. no grupo de controle. Além disso, no sileiro de Perinatologia, realizado de
Um líquido precioso Os alvéolos pulmonares são os sacos microscópicos onde chega finalmente o ar que respiramos: ali o oxigênio inspirado é absorvido para entrar na corrente sanguínea pelos vasos capilares e trocado por gás carbônico, que sai na expiração. O surfactante pulmonar é um líquido que atua como uma espécie de detergente natural, para manter os alvéolos com a viscosidade adequada para exercer sua função. É um líquido viscoso (por ter cerca de 90% de lípides na sua composição), de coloração clara (entre o branco e o amarelo claro). Como a parede interna dos alvéolos é recoberta por uma fmíssima película de água, esses saquinhos se fechariam quando se esvaziassem durante a expiração,
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devido à força de atração entre.as moléculas de água. O surfactante reduz essa força, impedindo que as paredes internas dos alvéolos grudem na expiração. Produzido continuamente por células especializadas dos alvéolos - chamadas pneumócitos do tipo 2 -, o surfactante é composto por quatro tipos de proteína (SPA, SPB, SPC e SPD), além de fosfolípides (compostos de gorduras e fosfato). Na falta desse detergente natural em quantidade suficiente, ocorre a síndrome do desconforto respiratório (SDR). Essa produção insuficiente se deve à prematuridade do bebê e, conseqüentemente, do órgão pulmonar. Por isso, a respiração torna-se extremamente difícil e, se o problema não for tratado com surfactante, o bebê po-
derá morrer por insuficiência respiratória. O pesquisador explica: "O surfactante começa a ser detectado no pulmão humano a partir da 24a semana de gestação. A sua produção aumenta gradativamente e atinge o valor máximo por quilograma de massa corpórea na gestação de termo, a que chega a completar 40 semanas. Antes da 36a semana, a produção ainda é pequena: portanto, se ocorrer o nascimento prematuro (por definição, prematura é a gestação que não completou 37 semanas), essa produção insuficiente de surfactante pode causar a SDR. É claro que, quanto menor for a idade gestacional - particularmente no prematuro extremo, como foi dito mais grave será a SDR, podendo levar à morte do prematuro". -
10 a 14 de novembro de 2001 em Florianópolis (SC). Antes de iniciar a produção em escala comercial, o Butantan precisa registrar o produto na Agência acional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério da Saúde, responsável pela fiscalização de medicamentos. Para isso, será essencial o estudo clínico do surfactante nacional no tratamento de seres humanos, para comprovar que é eficaz. Novo estudo - Com esse objetivo, Rebello prepara um estudo que deverá começar em agosto de 2002 e durar cerca de dois anos. O trabalho será submetido à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e terá a colaboração do Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvi- Rebello: mento Humano dos EUA. Envolverá cerca de 360 bebês prematuros e nove hospitais universitários cinco da capital paulista, três no interior e um de Porto Alegre (RS). O professor Isaías Raw, coordenador do Centro de Biotecnologia do Butantan, instituto que desenvolve desde 1997 a produção do surfactante nacional, lembra que "a testagem clínica é o passo mais complicado antes do início da produção industrial do surfactante" Ele estima que seja necessário investir cerca de R$ 1 milhão para completar essa etapa. As demais - estudo em bancada e desenvolvimento tecnológico da produção de lotes do produto com qualidade para teste em seres humanos - já foram finalizadas com sucesso. Os pesquisadores estão confiantes, pois o surfactante do Butantan terá uma grande vantagem em relação ao concorrente importado: baixo custo. Raw calcula que o produto possa ser vendido ao governo federal para distribuição na rede do SUS por valores entre R$ 125 e R$ 200 a ampola - cerca de 15% do preço do produto importado.
até casos mais leves poderão ser beneficiados
Um dos motivos para essa redução é a técnica de extração do surfactante do pulmão dos porcos, que o instituto está patenteando. Essa técnica, explica Flávia Kubrusly, do Centro de Biotecnologia do Butantan, "substitui o uso de centrífugas de alta velocidade para a extração de surfactante por um tipo de papel chamado DEAE celulose, que sai bem mais barato para uso em grande escala". Há outros motivos para o custo baixo: o Butantan não faz campanhas de marketing e a venda não visará ao lucro.
o PROJETO Avaliação in Vivo e in Vitro da Função de um Novo Surfactante Pulmonar de Origem Porcina, Desenvolvido e Produzido com Tecnologia Nacional MODALIDADE
Linha regular
de auxílio
à pesquisa
COORDENADOR
CELSOMOURA REBELLO- Faculdade de Medicina da USP INVESTIMENTO
R$ 130.257,72 e US$ 145.147,29
Com a redução do preço, o uso do produto deverá ampliar-se para o tratamento de doenças pulmonares de recém-nascidos a termo - os que nascem no período normal, depois de 37 semanas de gestação - e até de crianças vítimas de pneumonia grave. Nessa e noutras doenças, como a síndrome de aspiração do mecônio durante o parto, o surfactante ajuda na recuperação (mecônio é o líquido do aparelho digestivo do próprio bebê). No entanto, como a dosagem é calculada com base na massa corporal - 100 miligramas por quilograma do bebê -, essa terapia é atualmente muito cara. "Em crianças e adultos, o custo atual é proibitivo. O barateamento do medicamento aumentaria as chances de usá-lo para tratar essas doenças", afirma Rebello. Além da potencial economia para o governo e da ampliação do uso do medicamento, há outros benefícios associados à produção nacional. Para a universidade pública, é o aprendizado da realização dos chamados ensaios clínicos multicêntricos, tecnologia que, segundo Rebel10, é dominada principalmente pelos laboratórios farmacêuticos. Também há uma aquisição de competência tecnológica que poderá ser aplicada a outros produtos. Além disso, a produção terá surfactantes diferenciados, como o liofilizado, uma inovação adotada pelo Butantan. Raw afirma que a técnica desenvolvida para a produção foi um achado: "A tecnologia adotada revelou-se tão boa que, com uma planta (fábrica) pequena como a que possuímos, podemos suprir a necessidade brasileira de consumo de surfactante". Essa necessidade, segundo Flávia Kubrusly, é de cerca de 180 mil doses - o que equivale a 22,S mil ampolas -, para tratar prematuros afetados pela SDR, número calculado em torno de 45 mil bebês por ano. • Mais benefícios -
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Como explicar o fato de as populações serem geneticamente homogêneas, mesmo ocupando regiões geográficas tão distantes? A hipótese do grupo da UFSCar é a de que, em pontos intermediários entre a Flórida e o Pantanal, aves da América do Norte cruzam com avesda América do Sul. Desse cruzamento resultariam filhotes com características genéticas das duas regiões - é o que os biólogos chamam de fluxo gênico.
em ninhais do México, o que reforça a idéia do fluxo gênico. "A América Central deve ser o ponto de encontro entre as populações da América do Norte e do Sul", diz a pesquisadora. O grupo procurou fazer uma análise comparativa com dois estudos feitos nos Estados Unidos na década de 90 sobre a estrutura genética das populações de cabeça-seca. As análises, feitas nas mesmas regiões da molécula de DNA analisadas pelos norte-americanos, levaram aos mesmos resultados. Estudos com dois tipos de marcadores genéticos apontam na mesma direção. Ou seja, as populações são mesmo muito parecidas geneticamente.
Fluxo gênico - De 1997 a 2000, a equipe de São Carlos fez três expedições ao Pantanal, tendo manipulado cerca de 500 filhotes de cabeças-secas. Anilhas metálicas coloridas foram fixadas nas pernas de todos. Essas anilhas seguem padrões internacionais de Cabeça-seca: ciclo reprodutivo é cumprido no Pantanal identificação e, pelo seu uso, é possível desvendar rotas migratórias. machos e fêmeas voltam - se é que Caso as aves anilhadas sejam envoltam - ao lugar onde nasceram. contradas por pesquisadores de ouSílvia revela que nunca se encontras regiões ou países, sua rota poderá trou no Brasil um cabeça-seca que teser descoberta após o ciclo reprodutinha sido anilhado - identificado por vo. Se identifica das nos ninhais, pouma braçadeira colorida na perna - nos derão ajudar a esclarecer depois em Estados Unidos. Contudo, aves anilhaquanto tempo, e em que proporção, das nos Estados Unidos já foram vistas
Mais fêmeas - Num dos oito ninhais estudados, Sílvia encontrou maior proporção de fêmeas entre os filhotes. Esse desvio ocorreu numa área atingida por resíduos de mercúrio provenientes do garimpo de ouro na região de Poconé, norte do Pantanal. Nesse lugar, filhotes fêmeas predominam, na proporção de duas para cada macho. "Entre as aves, são
Rápidas e longevas A cabeça-seca tem o reflexo mais rápido já registrado entre os vertebrados: só precisa de 25 milésimos de segundo para fechar o bico e engolir um peixe. E, a favor de sua preservação, a glutona também tem a longevidade: a Mycteria americana vive cerca de 40 anos e alcança maturidade sexual a partir do terceiro ano. Os casais são aparentemente monogâmicos em cada temporada de cio, e a fase reprodutiva começa com a formação de pares nos ni---
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52 . NOVEMBRO/DEZEMBRODElOOl
nhais. Os cabeças-secas formam ninhais em meio a outras aves aquáticas como a garça (Ardea alba) e o colhereiro (Platalea ajaja). Para esses grandes núcleos, que podem abrigar de 200 até 4.000 casais, são atraídos predadores como o gavião (Caracara plancus), o urubu (Coragyps atratus) e a sucuri (Eunectes murinus). A postura ocorre em intervalos de um a dois dias. Os ovos são incubados por um mês e chocados 24 horas por dia pelo macho ou ---
pela fêmea, que se revezam nessa tarefa e na pesca. O barulho de motores de popa, a presença de vacas e de seres humanos circulando na área do ninhal provocam distúrbios, que levam muitas vezes os casais a abandonar os ninhos. Os cabeças-secas preferem comer peixes, mas não dispensam insetos, moluscos, crustáceos e até pequenos anfíbios e répteis. Pescam intensamente, dia e noite, em águas de no máximo 50 centímetros de profundidade.
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as fêmeas que determimuito semelhantes às nam o sexo do filhote, de Everglades e o objediferentemente do que tivo, a introdução de ocorre entre humanos", "sangue novo", não secomenta a pesquisadora. ria alcançado com esse Quando nascem procedimento. mais fêmeas, a estrutuA ocorrência do flura da população de um xo gênico remete a noninhal se altera. "As fêvas estratégias de consermeas cabeças-secas", vação da espécie. "Talvez diz Sílvia, "parecem se seja o caso de priorizar a dispersar mais do que manutenção de condios machos, retomando ções gerais que garanem menor proporção tam o fluxo gênico, em ao ninhal onde nascevez de preservar um ou ram. Daqui a três anos, outro sítio onde as avesse fêmeas nascidas nesse reúnem para se alimenninhal vão formar nitar ou se reproduzir", nhais em outros lugacogita Sílvia. "Se o fluxo res. Já os machos retoré real, as ações conservanarão ao lugar onde cionistas não podem ser nasceram - é a chamaplanejadas isoladamenda filopatria" te. É preciso compreenComo Poconé não der, por exemplo, que o oferece boas condições impacto em Everglades para a reprodução, as fênão afetou apenas as meas favorecem a propopulações norte-amedução de mais fêmeas, o ricanas, mas todas as sexo mais dispersivo e presentes no continente menos dependente desamericano. E, se acontese local para se reproceram perdas naquele duzir. A pesquisadora local, elas já foram tamacredita que o desvio obponadas pelo fluxo de Ninhal: proximidade de outras espécies e também de predadores servado na distribuição indivíduos migrantes, sexual desse ninhal pode os quais restauraram a estar, portanto, sinalizando que a coamericanos propuseram a introdução variabilidade genética da população lônia está em processo de extinção. de indivíduos de populações abunimpactada, sem serem percebidos. Ou dantes, como as do Brasil, em áreas seja, para manter as populações sadias Preservação - As conclusões do grupo como a de Everglades. geneticamente, é preciso uma ação do Departamento de Genética da conjunta das três Américas, visando Contudo, os estudos da UFSCar UFSCar poderão ajudar a mudar as mostram que essa estratégia de nada ao monitoramento e à proteção de estratégias de preservação das popuadiantaria, pois as aves do Brasil são áreas essenciais para a reprodução e a lações dessa ave. A pesquisa evidenalimentação dessas aves." ciou que as populações pantaneiras A pesquisa desfaz equívocos, esclao PROJETO de cabeça-seca vão muito bem, com rece um pouco mais sobre o comporEstrutura de Populações de Mycteria índices crescentes de reprodução. Um tamento da ave e propõe um plano de americana nos Ninhais do Pantanal quadro bem diferente das populações conservação, mas, para Sílvia, ainda há Mato-Grossense dos Estados Unidos - onde a espécie questões intrigantes a responder. MODALIDADE está na lista das ameaçadas de extinFalta saber, por exemplo, para Linha regular de auxílio à pesquisa ção desde 1984. Na região de Everglaonde migram quando saem de seu COORDENADORA des, sul da Flórida, por exemplo, a ciclo reprodutivo no Pantanal: "Vão SílVIANASSIFDEl LAMA- Departamento população caiu de 20 mil casais para mesmo até a América Central? Em de Genética da Universidade Federal pouco mais de 5 mil. que regiões se misturam em maior de São Carlos Para restaurar as populações afetaproporção?". São perguntas que a INVESTIMENTO das e evitar cruzamento entre aparenequipe da UFSCar pretende esclarecer R$ 30.935,96 mais US$ 18.693,00 tados, alguns pesquisadores nortenum próximo projeto. • PESQUISA FAPESP . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001
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anhecianum dia análise da distribuição total de setembro últide composições no cinturão Um dos maiores levantamentos sobre mo no extremo de asteróides, mostrando que os menores corpos do Sistema sul do deserto é diferente da considerada chileno do Ataaté o presente. Com cerca de Solar ajudará a entender sua formação cama quando a astro física 800 asteróides observados, Daniela Lazzaro tirou os nosso levantamento já é o seolhos da tela do computador ligado gundo maior do mundo em número WAGNER DE OLIVEIRA ao telescópio e respirou aliviada, dede objetos." pois de ter passado a noite observanTodo o trabalho foi feito no telesvolvimento desde 1996, assim como do asteróides a centenas de milhões cópio de 1,52 metro do European foram apresentados os trabalhos de de quilômetros. Era o ponto final de Southern Observatory (ESO), em La alunos meus que trabalham com da1.300 horas e 135 noites de observaSilla, e faz parte de um convênio com dos desse levantamento. Temos basções em cinco anos, que produziram o Observatório Nacional (ON) do tante resultados". E exemplifica: "Enum dos mais amplos estudos sobre a Rio de Janeiro, onde Daniela trabalha. tre os resultados importantes obtidos composição dos asteróides e deverão Pelo convênio, o ON usa metade do até agora eu poderia citar: a descoajudar a entender a formação e evolutempo do telescópio. O levantamento berta de alguns objetos com compoção do Sistema Solar. e todos os dados estarão à disposição sição bastante rara, um deles tema de "Na reunião da Sociedade Astroa partir de dezembro pela Internet, artigo publicado na revista Science nômica Brasileira em agosto", diz Daem www.on.br. em junho de 2000; a análise da distriniela, "apresentei os resultados quase O método de análise foi a especbuição de composições em alguns finais desse grande levantamento da troscopia de reflexão, que permite grupos e famílias de asteróides, comcomposição de asteróides, em desenapurar a composição química e mineprovando uma origem distinta; e a
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ralógica da superfície de um asteróide a partir do princípio de que diferentes materiais refletem a luz distintamente. Os principais minerais encontrados foram piroxênio, olivina, níquel-ferro, feldspatos e minerais enriquecidos com carbono e orgânicos. do começo - Asteróides são blocos de pedra de vários tamanhos localizados predominantemente no Cinturão de Asteróides, uma faixa situada entre Marte e [úpiter, distante entre 1,5 e 5 unidades astronômicas (UA) da Terra. Cada UA equivale a 150 milhões de quilômetros, distância média entre a Terra e o Sol. Como são bem menores que os planetas, os asteróides preservam materiais dos estágios finais de formação do Sistema Solar, que não sofreram uma significativa evolução térmica, química e tectônica após um processo Testemunhas
de aglomeramento chamado acreção. Daniela explica o processo: • "Todos os corpos do Sistema Solar foram formados a partir da acreção de pequenos corpos, chamados de planetesimais, de tamanhos entre alguns centímetros e alguns metros. Quanto maior o corpo, mais planetesimais foram aglomerados. A acreção em si já gera um calor interno: logo, quanto maior o corpo, mais calor interno 'primordial' - calor oriundo do processo de acreção - esse corpo terá. Maior calor leva a maiores transformações químicas e mineralógicas. Mais ainda: quanto maior o corpo, maiores pressões são geradas. Essas pressões também levam a transformações químicas e mineralógicas. Por outro lado; um corpo pequeno terá pouco calor primordial, assim como pequenas pressões internas: logo, os materiais que inicialmente tiveram
acreção serão mantidos inalterados, ou pouco alterados." É por isso que os asteróides são chamados objetos primordiais. Há 30 mil deles catalogados. "Eles são fundamentais para se entender os mecanismos que deram origem ao Sistema Solar que observamos hoje': acentua Daniela. O estudo, que analisou a composição mineral da superfície de 830 asteróides, só perde em número para o levantamento disponibilizado este ano pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), que abrangeu 1.200 asteróides. "Nosso estudo e o do MIT são muito similares,mas se concentram em regiões distintas do Cinturão de Asteróides - ou seja, em grande parte são complementares. A maioria dos objetos observados por nós não foi observada por eles e vice-versa, já que desde o início existiu uma boa cooperação entre as duas equipes." PESQUISA FAPESP . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • S5
fio Chile permiticonclusões. Foi possível rmar que "famílias" de asteróides, partes de um corpo maior que sofreu uma forte colisão, apresentam o que os pesquisadores chamam de relação genética entre seus membros. Foram analisadas três grandes famílias: Flora, Themis e Eunomia. Em Flora e Eunomia, o principal mineral encontrado foi o piroxênio. "Do ponto de vista mineralógico, os membros de cada família têm o mesmo perfil entre si e diferente das outras famílias. Ou seja, cada grande família foi resultado de uma colisão diferente", diz Daniela. O mesmo não pode ser dito dos "grupos dinâmicos", aglomerações de asteróides posicionadas em pontos específicos do Cinturão, que sofrem influência gravitacional de Iúpiter, A pesquisa em detalhe de dois desses grupos, Phocaea e Hungaria, mostrou que eles não têm uma composição semelhante e que cada asteróide revela uma origem. "Nesse caso, não existiu um corpo grande que se quebrou. Cada asteróide veio de um lugar diferente e está ali por processos dinâmicos, como a força gravitacional de Iúpiter", explica a astrofísica. baseado na influência do Sol na composição mineralógica dos asteróides do Cinturão é contestado pelos dados gerados na pesquisa. Segundo o modelo, os asteróides teriam chegado à composição atual conforme o grau de aquecimento que sofreram a partir de suas Efeito radioativo
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- O modelo
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distâncias do Sol. Asteróides mais próximos do astro, por exemplo, teriam sido aquecidos e passado por transformações que determinaram suas composições mineralógicas. Já os mais distantes do Sol não teriam sofrido os efeitos do aquecimento e seriam, portanto, mais primitivos. As observações em La Silla contestam essa separação da composição dos asteróides do Cinturão, segundo sua distância até o Sol. Em vez disso, uma das hipóteses consideradas é a possível presença de materiais radioativos nos asteróides. Quantidades distintas desses materiais levariam a distintos graus de aquecimento. "O Sol não deve ser o único culpado pelo aquecimento maior que alguns astéróides sofreram", afirma Daniela. "Na realidade, o que ocorre é que materiais radioativos decaem e nesse processo
geram calor. Quanto mais desses materiais um asteróide tiver juntado durante sua formação, mais calor será gerado posteriormente no processo de decaimento radioativo, fato que levará a modificações químico- mineralógicas." Rocha basáltica - O estudo também levou ao descobrimento de três asteróides com composição rara. Eles têm uma superfície de rocha basáltica, criada pela erupção de vulcões e antes só encontrada em seis corpos do Sistema Solar - Terra, Lua, Marte, Vênus, 10 (lua de [úpiter) e no asteróide Vesta, que tem 500 quilômetros de diâmetro. Até então, considerava-se que fossem raros os corpos celestes com resquícios de atividade vulcânica. A equipe do ON constatou a composição basáltica de Magnya, asteróide de 30 quilômetros que é provavel-
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Do grande Ceres aos pedregulhos
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Também chamados de "planetas menores", por orbitarem o Sol como planetas, eles se concentram numa faixa entre Iúpiter e Marte, chamada Cinturão de Asteróides, mas há muitos outros espalhados desde a órbita da Terra - com a qual podem chocar-se de vez em quando - até para lá da órbita de Saturno. O maior asteróide é Ceres, com 1.000 quilômetros (km) de diâmetro, descoberto em 180l. Há mais 15 com diâmetro
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superior a 240 km e muitos que não passam de pedregulhos. Todos juntos não chegariam à metade do tamanho da Lua. As observações diretas de asteróides são feitas basicamente a partir da Terra, como o exaustivo estudo brasileiro no observatório de La Silla. Já a primeira imagem espacial de um asteróide com alta resolução foi obtida de Gaspra em 1991, pela sonda americana Galileo. Dois anos de-
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TIa dos asteróides do Sistema Solar
mente fragmento de um corpo maior. O achado, publicado no artigo de Science, mostrou que esse asteróide, de apenas 30 quilômetros de diâmetro, pode ter sido o que restou de um corpo celeste maior, que teria passado por intensa atividade vulcânica. "As teorias de formação de corpos basálticos no Cinturão terão de ser revistas. A composição de Magnya implica que pelo menos um segundo asteróide basáltico, além de Vesta, foi formado", Daniela enfatiza. Ela acha que os meteoritos basálticos que caem na Terra
pois, a mesma nave chegou bem perto do asteróide Ida. Em 1997, a grande aproximação da sonda Near com o asteróide Mathilde permitiu constatar que ele é rico em carbono. Imagens do grande Vesta, com cerca de 500 km de diâmetro, foram fornecidas pelo telescópio espacial Hubble. Há asteróides que se situam em rota de colisão com a Terra. Daniela Lazzaro distingue três tipos deles: "Meteoróide é um pequeno asteróide que pode entrar na atmosfera da Terra. Meteoro é o que de fato entra na atmosfera e, devido ao atrito com
podem ser outros pedaços da fragmentação do corpo maior que deu origem a Magnya. Em 2001, além de Magnya, a equipe do ON encontrou mais dois asteróides com composição basáltica. São os fragmentos de Vesta maiores e mais distantes desse asteróide já descobertos. "Isso comprova que a família de Vesta se estende muito além dos limites atuais", diz Daniela. Outra parte do estudo mostrou ainda que os asteróides com superfície de piroxênio e olivinas são os mais
ela, chega a ficar incandescente, risca o céu e se desintegra totalmente: é popularmente chamado de 'estrela cadente'. E meteorito é um pequeno asteróide que entra na atmosfera, mas não se desintegra totalmente ao atravessá-Ia, e chega a atingir a superfície. Sobra um pedaço no chão, ou até se forma uma cratera". Esse é muito importante para os estudos astro físicos e, sempre que encontrado, é analisado em laboratório. "Já que não podemos ter um asteróide em laboratório, pelo menos temos um pedacinho dele", diz Daniela.
abundantes no Cinturão. Antes, acreditava-se que os do tipo carbonáceo predominavam. Os principais achados da missão observacional deverão ser publicados na revista de astronomia Icarus, dos Estados Unidos. ''A pesquisa insere o Brasil com destaque na área de astrofísica do Sistema Solar", diz Daniela. A pesquisadora acha que recursos minerais oriundos de asteróides, como titânio e ferro, podem futuramente ser usados na Terra, e a pesquisa do Observatório servirá de referência para esse trabalho. "Esses dados são fundamentais para a escolha de asteróides a serem visitados por missões espaciais", observa ela. Com os dados, foi possível obter a distribuição precisa de composições físico-químicas no Cinturão de Asteróides como um todo. "Esse trabalho será fundamental para o entendimento da formação e evolução do Cinturão e do Sistema Solar", diz Daniela, que trabalhou em conjunto com pesquisadores do Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo (IAG-USP), do MIT e do Laboratório de Jato-Propulsão da Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos. • PESQUISA FAPESP . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001
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CIÊNCIA mundo o há quatro grupos empenhados em obter a partir de átomos de cálcio um estranho estado da matéria - os condensados de BoseEinstein -, e entre eles está o da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) liderado por Artemio Scalabrin. Os demais grupos usam elementos da primeira coluna da tabela periódica, como sódio, lítio e rubídio. ''A vantagem do cálcio e de outros integrantes da segunda coluna é sua peculiar estrutura eletrônica, que pode permitir simplificar o método de obtenção dos condensados", diz Scalabrin. Flávio Caldas da Cruz, também do Grupo de Lasers do Instituto de Física da Unicamp que desenvolve o projeto, recorda: "Quando o primeiro condensado foi produzido, gerou-se a expectativa de que ocorreria no setor a mesma explosão provocada pela criação do laser, nos anos 60. No entanto, passados quase sete anos, apenas um número limitado de grupos experimentais obteve esses condensados. O principal motivo é a grande dificuldade técnica, em particular a associada à armadilha magnética, de se obter esses objetos". "Daí o interesse no condensado de cálcio", explica Cruz. "Graças à sua estrutura de níveis, esse elemento tem propriedades específicas que oferecem a perspectiva de se chegar a tal estado da matéria apenas por métodos ópticos. Para isto, um segundo tipo de armadilha, semelhante a uma pinça óptica, substituiria a armadilha magnética. Isso representaria um importante atalho para os condensados."
N
sa", revela Daniel Pereira, integrante da equipe. "Somos hoje o único grupo brasileiro com presença no restrito círculo de laboratórios internacionais capazes de realizar medidas de freqüência de lasers na região do terahertz (que corresponde a 1 trilhão de oscilações por segundo)."
Equipe cria atalho para obter um estado especial da matéria JOSÉ TADEU MANTES
FÍSICA
0,5 m/s. Desacelerados, os átomos podem ser aprisionados por meio de um dispositivo composto de seis lasersopostos dois a dois e dispostos segundo três direções ortogonais, cada uma correspondendo a um eixo cartesiano do espaço - e um campo magnético. Com essa técnica, cerca de 10 milhões de átomos são confinados numa esfera de 1 milímetro de diâmetro. A baixa mobilidade faz sua temperatura despencar para o platô de 1 milikelvin, um milésimo de grau acima do zero absoluto (o zero kelvin corresponde a -273,15 graus Celsius). O tempo de permanência dos átomos na armadilha é de cerca de 20 milissegundos - duração que parece irrisória, mas, para a escala de tempo dos fenômenos atômicos, é muito. "Mesmo nessa temperatura baixíssima ainda ocorrem colisões entre os átomos. É a chamada colisão ultrafria, muito pou-
Armadilha de
- Com seu segundo projeto temático, em fase de conclusão, 60 trabalhos em revistas internacionais, sete teses de doutoramento e seis de mestrado concluídas nos últimos dez anos, o Grupo de Lasers acredita ter cacife para a empreitada. "Sempre desenvolvemos os equipamentos necessários à pesquiÁtomos aprisionados
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Na batalha pelo condensado, o grupo já faz o mais difícil: aprisionar os átomos de cálcio. Para isso, adota o seguinte procedimento: inicialmente, um forno aquece o cálcio metálico, transformando-o em vapor e elevando-o para 600 graus Celsius. Com o aquecimento, os átomos alcançam a velocidade média de 700 metros por segundo (rn/s). No vácuo, os átomos são colimados - ou seja, suas trajetórias se tornam paralelas - e constituem um feixe. Em seguida, ao deslocar-se por um tubo, o jato de átomos é desacelerado pela pressão de radiação de um laser que aponta em sentido contrário - os fótons, partículas de luz, têm a capacidade de pressionar a matéria, o que produz um fenômeno como a cauda dos cometas. A desaceleração pelo laser - cerca de um milhão de vezes maior, em valor absoluto, que a aceleração da gravidade - faz a velocidade dos átomos cair para cerca de
co estudada até o momento para elementos da segunda coluna da tabela periódica", comenta Pereira. Relógios atômicos - A obtenção do condensado não é a única finalidade desse experimento. "Uma de suas importantes aplicações práticas é estabelecer padrões universais de freqüência, tempo e comprimento': informa Scalabrin. "Uma transição do cálcio é atualmente utilizada como padrão de freqüência. E permite definir também padrões de tempo e comprimento, essenciais em metrologia, redes de telecomunicações e de energia elétrica e navegações aérea e marítima. Quando os átomos têm velocidades mais altas, esse padrão sofre variações e é perturbado por um número maior de colisões. Em temperaturas próximas ao zero absoluto, a freqüência atinge uma estabilidade quase ideal. A perspectiva é construir, a partir daí, relógios atômicos portáteis de altíssima precisão."
o
pesquisador fala em transição do cálcio. Para entender, é preciso recordar o modelo quântico do átomo, formulado pelo dinamarquês Niels Bohr em 1912. Quando recebe um aporte externo de energia, o elétron salta de um nível relativamente próximo ao núcleo para outro mais distante. Transcorrido um intervalo de tempo indeterrninado, a partícula deixa essa condição excitada e retoma ao estado fundamental, devolvendo ao meio exterior a energia excedente. Bohr elaborou seu modelo para o átomo de hidrogênio, o mais simples de todos, constituído por apenas um próton e um elétron. Mas ele pode ser generalizado para átomos mais complexos. No caso do cálcio, que tem 20 elétrons distribuídos por várias camadas, são as duas partículas da última camada que transitam para níveis diferentes quando excitadas. A energia para isso é conferida pelos fótons, partículas ligadas à interação eletromagnética, que compõem a emissão do laser. Para produzir essas transições, o laser precisa ser altamente monocromático, com uma cor mui-
to bem definida. A freqüência associada a cada transição é a do laseridêntica à da luz emitida pelo átomo quando seus elétrons voltam ao estado fundamental. "Entre as muitas transições possíveis de um átomo, aquelas que realmente interessam são
o PROJETO Espectroscopia Atômica e Molecular com Lasers MODALIDADE Projeto temático COORDENADOR ARTEMIO SCALABRIN - Instituto
de Física
da Unicamp INVESTIMENTO
R$ 199.624,98 e US$ 336.494,00
as que envolvem os chamados níveis metaestáveis, nos quais o elétron é capaz de permanecer durante um longo tempo, antes de decair", afirma Cruz. "Isso se deve ao fato de que, quanto maior o tempo de permanência do elétron num nível, mais definida é a energia necessária para produzir essa excitação. Quando o tempo de permanência é curto, há uma grande
Bem perto do zero absoluto A pesquisa do Grupo de Lasers da Unicamp envereda por um campo recente: a produção experimental de um condensado de Bose- Einstein foi conseguida pela primeira vez em 1995 e seus autores - os americanos Eric Cornell e Carl Wieman, da Universidade do Colorado,
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em Boulder, e o alemão Wolfgang Ketterle, do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT) - receberam o Nobel de Física de 200 l. Previsto teoricamente em 1924 pelo indiano Satyendra Nath Bose (1894-1974) e pelo judeu-alemão Albert Einstein (1879-1955), o con-
indefinição no valor da energia - o que é uma decorrência direta do Princípio da Incerteza, um dos pilares da física quântica." Três transições são especialmente interessantes no cálcio. Duas são estimuladas pela radiação eletromagnética na faixa do infravermelho longínquo, em 1,6 e 3,2 terahertz (THz). Outra, ainda mais energética, é produzida pela luz visível em 456 THz. Essas transições tornam o cálcio extremamente promissor para o desenvolvimento de relógios atômicos de altíssima precisão. "O motivo é
densado foi buscado por décadas, até ser obtido independentemente pela dupla Cornell e Wieman e por Ketterle. A presteza da premiação indica a importância do feito. O condensado é um estado da matéria em que os átomos perdem suas individualidades e passam a se comportar como entidade única. Ocorre quando os corpúsculos estão em um nível excepcionalmente
-
que, quanto mais elevada a freqüência do oscilado r, maior a estabilidade dos 'tique-taques' do relógio': explica Cruz. "Os relógios atômicos convencionais, baseados no césio e no rubídio, utilizam oscilações geradas na faixa de microondas do espectro eletromagnético, no patamar do gigahertz (1 bilhão de oscilações por segundo). Um eventual relógio de cálcio, alimentado pelas oscilações do campo eletromagnético de lasers, operaria com freqüências milhares de vezes mais altas." A idéia de produzir um relógio de cálcio no infravermelho longínquo, trocando os geradores de microondas por
baixo de energia, em temperatura alguns bilionésimos de grau acima do zero absoluto. A situação provavelmente não existe na natureza, pois nem mesmo o espaço intergaláctico é tão frio, mas pode ser obtida em laboratório. A técnica para isso consiste em reduzir drasticamente a agitação térmica dos átomos, aprisionando-os num volume muito pequeno por
Aparelhagem feita pelo próprio grupo e o resultado: um átomo de cálcio imobilizado
lasers como fonte excitatória, existe há cerca de 30 anos e tem sido incrernentada. Verificou-se,por exemplo, que, esfriando-se os átomos, era possível obter freqüências mais estáveis. E que o cálcio apresentava aquela outra transição, na faixa visível do espectro, com freqüência ainda mais alta. Tudo isso gerou grande expectativa, mas havia um problema: até há dois anos, medir
meio de uma armadilha de lasers e de um campo magnético. E, depois, usar uma armadilha magnética manipulada com radiofreqüência, de modo a expelir os átomos mais energéticos, deixando ficar apenas os impecavelmente quietos. A coerência de comportamento desse gás de átomos ultrafrios é tal que faz com que ele esteja para um gás à temperatura ambiente assim
freqüências na faixa do terahertz parecia impossível.De pouco adiantava produzir uma transição de freqüência tão elevada se não havia como mensurá-la. Foi quando se descobriu que um laser de pulsos ultracurtos poderia servir para medir a freqüência de outro laser. Ao contrário do laser usado para excitar o átomo, cuja emissão deve ser contínua e altamente monocromática, esse laser medidor emite pulsos descontínuos e policromáticos - isto é, compostos por radiações de diferentes freqüências. E sua emissão policromática é o chamado "pente de freqüências" - algo que funciona como uma régua para a aferição de outras freqüências. Isso, por si,já parecia muito bom. Mas o impressionante era o período de cada pulso: algo da ordem do femtossegundo (1 qua~ trilhonésimo de segundo). Com pulsações tão rápidas, esse laser pode balizar tranqüilamente freqüências de centenas de terahertz. Esse laserpulsante mudou o cenário e forneceu o ingrediente que faltava ao relógio atômico de cálcio. Pois, em princípio, tudo o que se precisa para fazer o . relógio é um oscilado r estável e um medidor de oscilações. O oscilado r, no caso, é o laser monocromático estabilizado à transição atômica do cálcio. E o medidor, o laser de pulsos ultracurtos. Daí até o relógio efetivo é uma questão de vencer obstáculos técnicos, o que também pode ser dito quanto à obtenção dos condensados. Mas o caminho já foi aberto. •
como o laser está, num exemplo trivial, para a luz de uma lanterna. Uma das possíveis aplicações do condensado é justamente a criação de "lasers' atômicos. Há equipes que trabalham nessa direção, mas o processo está em fase muito preliminar. No momento, a pesquisa se concentra no estudo das propriedades físicas dos condensados, ainda largamente desconhecidas.
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TECNOLOGIA
LINHA
DE PRODUÇÃO
Válvula cardíaca de córnea de atum Um novo tipo de válvula cardíaca, feita a partir de um material biológico inusitado, córneas de atum, foi desenvolvido pela empresa paulista Braile Biomédica, de São José do Rio Preto, em parceria com cientistas italianos da Universidade de Milão. A principal vantagem do implante, cuja função é regular o fluxo sanguíneo, é ser menos vulnerável ao processo de calcificação. Esse problema reduz a vida útil dos implantes e ocorre dez anos após a introdução de válvulas biológicas, normalmente fabricadas com tecido bovino ou suíno. O pesquisador Gilberto Goissis, do Instituto de Química da USP de São Carlos, também participou do processo de desenvolvimento do artefato. "Estam os fazendo testes de qualidade e dura-
• IPT cria centro para pesquisar design Para assessorar produtores de todo o país, o governo paulista instalou no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) o Centro São Paulo Design, que deverá começar atendendo à indústria de móveis, por sua capacidade de gerar empregos e exportar. "A indústria brasileira tem uma tradição de importação de tecnologia, tanto de produto quanto de processo", explica João Pizysieznig Filho, da Divisão de Economia e Engenharia de Sistemas do IPT. "Design próprio, original por
Válvula de atum: menos vulnerável bilidade do material", diz Goissis, que foi coordenador de um projeto do programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) da FAPESP entre a universidade e a Braile. Os experimentos são conduzidos em seu laboratório, equipado du-
definição, não pode ser importado. Em muitos setores industriais, o Brasil compete com cópias de design estrangeiro:' De acordo com Pizysieznig, isso tende a depreciar o produto brasileiro e compromete a competitividade da economia. "A indústria, em geral, atua na tecnologia de· processo e de produto, mas raramente vai adiante na concepção e nos ensaios de design e de material alternativo", diz. O Centro São Paulo Design pretende interagir com as divisões técnicas do IPT, desenvolvendo trabalhos oriundos tanto do centro quanto das divisões técnicas
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à calcificação
rante o PITE. Além de trabalhar com o implante de córnea de atum, Goissis prossegue os estudos para aprimorar o desempenho de válvulas cardíacas confeccionadas a partir do pericárdio, membrana que envolve o coração, bovino. •
do instituto, para difundir a cultura do designo A partir de 2002, o centro vai expandir as atividades e passará a atender também outros setores. Cerâmica e iluminação são os próximos alvos. •
• Os grandes pólos do mundo Técnicos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OGDE) iniciaram em meados da década de 90 um estudo entre os 30 países membros da organização com o objetivo de levantar o potencial de cada um para sediar os
chamados "empreendimentos baseados no conhecimento". Esses empreendimentos se situariam nas áreas aeroespacial, farmacêutica, química, de equipamentos médicos e de maquinaria em geral, correios e telecomunicações, finanças, seguros e serviços para negócios em geral. Os critérios de avaliação dos países privilegiaram uma série de dados: participação de cada setor no Produto Interno Bruto, número de patentes nas áreas selecionadas em relação à população, produtividade do trabalho, investimentos nos setores de conhecimento (software, pesquisa e desenvolvimento e educação superior), de tecnologia da informação e de capital de risco, participação da produção e dos serviços das empresas esPaíses mais propensos ao sucesso em atividades baseadas no conhecimento POSiÇÃO
PAis
PONTUAÇAo
1
Suiça
52
2
Suécia
44
3
EUA
40
4
Irlanda
38
5
Holanda
33
6
Hungria
31
7
Bélgica
29
Canadá
29
9
Inglaterra
28
10
Coréia do Sul
27
Finlândia
27
12
Alemanha
26
13
Japão
20
14
Austrália
19
15
Luxemburgo
16
Áustria
15
França
15
18
Dinamarca
13
19
Noruega
12
20
Itália
10
21
Rep. Tcheca
8
22
Islândia
7
23
Polônia
6
24
Nova Zelândia
4
25
Portugal
1
Não classificados: México, Grécia, Espanha, Turquia e Eslováquia Fonte: Financial Times com base em dados da OCDE
trangeiras e proporção de estudantes estrangeiros no ensino superior. Com base nesses levantamentos da OCDE, que tem sede em Paris, o jornal inglês Financial Times conferiu pontos aos países e os classificou (ver tabela) conforme sua capacidade para desenvolver aqueles setores de alta tecnologia no século 21. Os resultados foram considerados em boa parte surpreendentes. •
• Outdoors iluminados com energia solar Em breve, doors do iluminada composto táicas que
boa parte dos outRecife poderá ser por um sistema por placas fotovolconvertem energia
solar em energia elétrica. Desenvolvido pelo Núcleo de Apoio a Projetos de Energias Renováveis (Naper) da Universidade Federal de Pernambuco (UFRJ) , o sistema foi encomendado pela Ban-
deirantes Mídia Externa, uma das maiores empresas de outdoors das regiões Norte e Nordeste. "O uso de energia solar em área urbana no país é muito limitado", diz Heitor Scalambini Cos-
• IBGE investiga nível de inovação
Pimenta-longa vira cosmético e inseticida Pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estão criando tecnologia para tornar a pimenta-longa (Piper hispidinervum) uma cultura comercial. O objetivo é atender à demanda pelo óleo essencial safrol, usado por indústrias de cosméticos (como fixador) e de inseticidas. O safrol é comumente extraído do sassafrás (Ocotea pretiosa Mezz) , cuja exploração na Mata Atlântica foi proibida há alguns anos. Hoje o óleo vem da China e do Vietnã, onde é obtido da mesma forma destrutiva antes praticada aqui. Como o safrol também está presente na pimenta-longa, nativa do Acre, surgiu o interesse em cultivá-Ia. Os pesquisadores desenvolveram tecnologias simples para destilar o óleo e vendê-Io às empresas. Ao mesmo tempo, ob-
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ta, coordenador do Naper. "Com esse projeto, queremos mostrar que existem nichos de mercado para a energia solar em grandes cidades", explica. O sistema desenvolvido pelo Naper é constituído por quatro placas fotovoltaicas, um conjunto de baterias para armazenar a energia gerada durante o dia e utilizada à noite, um controlador de carga que protege a bateria de sobrecargas e um temporizador para apagar e acender as luzes num determinado intervalo de tempo, além de lâmpadas e refletores eficientes. Segundo Costa, as placas têm vida útil de 25 anos e o retorno do investimento inicial, de R$ 5 mil, se dá em 15 meses. •
~ sil, Pirisa Piretro e Endura
~ Spa participam financiando as destilarias e comprando a produção. Os produtores receberam treinamentos sobre cultivo, beneficiamento e detecção de- doenças. Há uma expansão gradual e controlada das áreas de cultivo, considerando que o processo de domesticação da espécie é recente. São monitorados os custos e as etapas do processo, para asPimenta: fonte de safrol segurar sua viabilidade econômica, e a qualidade do servaram a planta em seu óleo é rigorosamente conhábitat natural - áreas de trolada, pois deve ter um capoeira -, verificando va-' teor de safrol de, no míninações do teor de safrol e mo, 90%. Em três anos, de resistência a doenças. O houve três colheitas. Seprojeto, que tem a parceria gundo dados preliminares, da agência britânica de deo cultivo pode atingir uma senvolvimento (DFID), seprodutividade anual por lecionou 30 produtores em hectare de 200 a 250 quiloduas associações, de Rongramas de óleo, cotado endônia e do leste do Pará. tre US$ 4,5 e US$ 8 por liCada associação tem uma tro. Os resultados já atraem destilaria comunitária. As outros produtores. • empresas Geroma do Bra-
Sabe-se que, apesar do reconhecido nível tecnológico nacional, as empresas privadas brasileiras investem muito pouco em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Para descobrir por que isso acontece e o que fazer para reverter a situação, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) começou a produzir, em novembro, uma ampla pesquisa com uma amostra de nada menos que 10 mil indústrias. O estudo permitirá traçar um amplo panorama das atividades de inovação empreendidas, dos problemas que as empresas enfrentam no setor e das eventuais relações que têm com universidades, institutos e centros de pesquisa. Os resultados, que deverão ser conhecidos em janeiro e julho de 2002, darão subsídios ao Ministério da Ciência e Tecnologia para traçar políticas de incentivo ao investimento em P&D. •
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TECNOLOGIA
INCUBADORAS
Fenômeno mundial Congresso mostra o vigor do sistema de incubação de empresas que cresceu, em 15 anos, de 200 unidades para 3 mil no mundo
MARCOS DE OLIVEIRA
ncubadorasde empresas do mundo, uni-vos. Bem que esse poderia ser o brado final do primeiro congresso mundial desse tipo de empreendimento realizado no Rio de Janeiro, entre os dias 23 e 25 de outubro. Os representantes de 30 países e a presença de 500 participantes brasileiros reafirmaram a importância das incubadoras em um mundo onde está sedimentada a importância das empresas de base tecnológica - as principais clientes das incubadoras e as que mais necessitam de tempo para crescer - como impulsionadoras do desenvolvimento de cada país. As incubadoras fizeram parte do cenário de pesquisa e desenvolvimento tecnológico do final do século 20 e entram com toda a força neste século. Têm, em comum, a oferta de cuidados administrativos, tecnológicos, de marketing e de produção para empresas nascentes, sempre de pequeno porte, que se fortalecem na incubadora para ganhar o mercado. Segundo o professor Rustam Lalkaka, assessor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e presidente da Business &
I
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Technology Development Strategies, uma consultoria dos Estados Unidos, havia, no mundo, 200 incubadoras em 1985, geralmente ligadas a pólos ou parques de tecnologia. Hoje, esse número chega a 3 mil. A maior parte está nos Estados Unidos, país que conta com cerca de 800 incubadoras. O Brasil possui 159. Não é pouco. Em 19156, eram duas. O crescimento médio de instalação de incubadoras até aqui foi de 30% ao ano. Apoio asiático - A proliferação de in-
cubadoras em países asiáticos também é exponencial. Na China, em 1995, não havia uma só incubadora. Neste final de 2001, os chineses estão perto de inaugurar a incubadora de número 200. ''As incubadoras na China estão ajudando na adequação da economia socialista para a capitalista", contou Lalkaka, que deu cursos de formação para dirigentes das empresas e das incubadoras chinesas. "Os chineses são muito humildes, querem aprender." As incubadoras chinesas são altamente subsidiadas pelo governo. São construídos prédios padronizados de cinco andares com 10 mil metros
quadrados - nos Estados Unidos, em média, as incubadoras têm 2 mil m2. Com isso, o governo chinês quer que as incubadoras estimulem a cultura do empreendedorismo e o desenvolvimento de tecnologia. Subsídios às incubadoras também são fatores de incentivo em países tradicionalmente capitalistas como o Japão e a Coréia do Sul. . "O governo japonês criou uma associação de incubadoras há dois anos com o objetivo de criar 200 empreendimentos desse gênero em cinco anos': lembrou o professor Luís Afonso Bermúdez, presidente da Associação Nacional das Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas (Anprotec), a entidade que reúne as incubadoras brasileiras. Na Coréia, segundo Lalkaka, as incubadoras também dependem de fortes subsídios governamentais. ''A maioria está ligada a universidades, e elas estão entre as mais avançadas do planeta nas áreas tecnológica e comercial." Na Malásia, outro exemplo de governo de país em desenvolvimento que aposta nas incubadoras. O poder federal daquele país está distribuindo,
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entre 2001 e 2005, US$ 52 milhões para a formação e ampliação de clusters (grupos) de empresas de desenvolvimento tecnológico ligados às universidades, como forma de diminuir o espaço entre a produção de tecnologia dentro do ambiente acadêmico e o mercado. Em Israel, o apoio governamental e privado foi decisivo para edificar um dos mais bem-sucedidos exemplos de incubação. Durante dez anos, de 824 projetos de empresas, 643 foram graduados e alcançaram o mercado. A operação já rendeu US$ 150 milhões em vendas, 90% em exportações. Isso para um apoio governamental de US$ 258 milhões e de US$ 525 milhões de investimento do capital privado. Prédios públicos - A relação entre subsídio e eficácia em países em desenvolvimento, no caso das incubadoras, parece ser a regra inicialde sucessopara esses empreendimentos. E o Brasil não fica atrás. "Das 159 incubadoras existentes, 70% são de cunho tecnológico, vinculadas formalmente a institutos de pesquisa e universidades públicas", informou Bermúdez. Nesses casos, o prédio e as instalações para abrigar as empresas são cedidos por entidades públicas e prefeituras. O exemplo mais recente é a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que instalou uma incubadora dentro do seu campus e escolhe atualmente as oito empresas que vão compor o empreendimento.
Lalkaka: formação para
chineses
A manutenção dessas incubadoras também é paga, em parte, por instituições como o Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e pelo sistema da Confederação Nacional da Indústria (CNI) com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senais) e Instituto Euvaldo Lodi. "Amédia de gastos anuais de uma incubadora no Brasil varia de R$ 150 a R$ 250 mil, com salários de gerentes, consultores e infra-estrutura como telefones e luz", afirma Bermúdez. A incubação para a empresa, no entanto,
Velhas fábricas, novos negócios O movimento de incubação de empresas é um fenômeno recente. A primeira tentativa registrada de agrupar empresas num mesmo local de trabalho - e a origem do nome incubadora, surgiu em 1959, na cidade de Batavia, no Estado de Nova York, nos Estados Unidos. Naquele ano, depois de a cidade perder uma grande fábrica de tecelagem, a comunidade local resolveu investir em outro tipo de atividade. A escolha recaiu sobre o setor de produtos originários.
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de frango, e o local ocupado foi a antiga fábrica de tecidos. Da área onde se instalou a chocadeira dos ovos, ficou o nome incubadora, que se espalhou pelo mundo. As incubadoras, da forma como são conhecidas hoje, surgiram no início dos anos de 1970. Elas resultaram de três movimentos simultâneos nos Estados Unidos, segundo a Associação Nacional das Incubadoras de Empresas (NBIA): a necessidade de dar uma finalidade para áreas
não é gratuita. A média brasileira está em R$ 10,00o m2 como taxa que o empreendedor paga à incubadora. Valor pago nos dois ou três anos que a empresa leva para se graduar e se sustentar com pernas próprias no setor econômico que escolheu. As perspectivas brasileiras para o fomento às novas incubadoras são boas. Durante o congresso no Rio, o Sebrae anunciou investimentos para criar 42 novas incubadoras em todo o país até o final do próximo ano. Estados como Piauí, Sergipe e Tocantins, que não tinham incubadoras, agora vão ter. O Sebrae também anunciou investimentos em mais 57 incubadoras já em funcionamento. No total serão R$ 5,4 milhões em financiamento direto às incubadoras. Entre as novas, dez vão reunir empresas de base tecnológica, como a que vai ser instalada na Universidade Federal do Piauí e na Fundação Universidade do Tocantins . Também está nessa categoria uma incubadora solicitada pela Associação dos Amigos da Estação Ciência, entidade ligada ao Centro de Difusão Científica, Tecnológica e Cultural da USP (Estação Ciência). A idéia é concretizar, de forma empresarial, as iniciativas na área de produção de materiais para ensino e divulgação da ciência. "Existem muitas experiências talentosas - a maioria de professoresque podem resultar em empresas", afirma o professor Ernst Hamburger, diretor da Estação Ciência.
abandonadas, como grandes galpões e fábricas, a ação da Fundação Nacional de Ciência (NSF) para encorajar iniciativas de inovação nas universidades e a iniciativa de empresários de sucesso e grupos de investidores em transferir a experiência e o conhecimento para novas empresas num ambiente favorável à inovação e novos negócios. Outro impulso veio do departamento americano para a Administração de Pequenos Negócios (SBA). A partir de 1984 até 1987, a entidade promoveu cursos e investiu na formação de incubadoras em todo o
período, ou seja, um índice de sucesso de 80%. Excluindo-se os Estados Unidos, onde apenas no início das atividades do movimento de incubadoras existiu aplicação de fundos federais, grande parte das incubadoras no mundo sobrevive, e bem, com dinheiro público. A situação das empresas, no Bermúdez: 70% tem vínculo com as universidades entanto, não é a mesma. Apenas em alguns paíOutras incubadoras estão na área ses europeus e nos Estados Unidos da chamada economia tradicional em existe uma cultura de investimento que a tecnologia não é preponderante, privado em pequenos empreendicomo a da Associação Comercial e Inmentos de alta tecnologia. O exemplo dustrial e Serviços de Arapiraca (AL). maior ainda é o Vale do Silício, região Nessa categoria estão as incubadoras na Califórnia que reúne empresas bemagrícolas, em que a ênfase é no precessucedidas nas áreas de informática e samento de produtos do campo. Uma telecomunicações. outra categoria, a mista, reúne empreendimentos de desenvolvimento Cultura do encontro - Para o presidende tecnologia e, ao mesmo tempo, emte da Associação Americana de Seed presas da economia tradicional. Um Moneye Capital de Risco (Nasvf), Roexemplo é aquela que vai se formar na bert Heard, "a cultura do encontro Faculdade de Ciências Econômicas do entre empresários e investidores leva Triângulo Mineiro, em Uberaba (MG). ao investimento". Para ele, "é imporA importância das incubadoras patante difundir o conhecimento (gerado ra as pequenas empresas está clara nas nas empresas) não só para os investiestatísticas do Sebrae. Entre as pequedores, mas para toda a comunidade': nas empresas que ultrapassam os três Ele falou também que a mudança de anos de vida, 56% fecham as portas decultura acontece com treinamento finitivamente. Nas incubadoras, apedos empresários e uma forte rede de nas 20% não sobrevivem ao mesmo informações, que possibilite a um investidor conhecer um empreendedor e vice-versa. Heard disse que essa rede país. Em 1984, foram inauguradas ainda é fragmentada nos Estados Uni20 incubadoras, e no ano de 1987, o dos. "Esse é um dos nossos problenúmero pulou para 70 . mas", afirmou o investidor que dirige No Brasil, a primeira incubadoa Nasvf, entidade fundada em 1997. ra abriu as portas em 1985, na Fun"Nos últimos três anos, cresceu a dação Parque de Alta Tecnologia percepção dos investidores em alta tec(Parqtec) em São Carlos, ao lado nologia em considerar as incubadoras dos campi da Universidade de São como importantes fontes de investiPaulo (USP) e da Universidade Femento em negócios", disse Rina Pridor, deral de São Carlos (UFSCar). Em coordenadora do Programa de Incuba1986, surgiu o Centro Empresarial doras de Empresas do Ministério da para a Laboração de Tecnologias Indústria e Comércio de Israel. NaAvançadas (Celta), de Florianópolis quele país, 59% das empresas gradua(SC), incubadora da Fundação das levantaram fundos privados de Centros de Referência em Tecnoloinvestimento. A aproximação entre o gias Inovadoras (Certi). capital de risco e os empreendedores parece ser a chave para a efetivação
Novas opções de fundos As incubadoras de empresa estão na base de um novo programa que vai estimular a transferência de projetos inovadores da universidade e centros de pesquisa para o âmbito empresarial. A novidade é o Fórum Brasil de Inovação, uma iniciativa da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) que vai contar com recursos dos Fundos Setoriais. O primeiro edital vinculado ao Fundo Setorial de Petróleo (CTPetro) está pronto e já recebe propostas de projetos. O montante de financiamento previsto é de R$ 10 milhões. Os grupos de pesquisa deverão trabalhar junto com as incubadoras de empresas de base tecnológica, responsáveis pela coordenação empresarial dos projetos. O outro fundo coordenado pela Finep é o Brasil Venture, para financiamento de empresas nascentes. Para esse fundo estão destinados mais R$ 30 milhões. Esses fundos devem aumentar a participação do capital de risco nas 58 empresas que participaram das cinco edições do Venture Fórum Brasil, que são rodadas de apresentação das empresas a uma platéia de investidores. "Depois de um ano, quatro empresas firmaram acordo de entrada de capital na empresa por meio de cessão de cotas de ações", informou Luciane Gorgulho, superintendente da Área de Desenvolvimento em Capital de Risco da Finep. Mais sete fecharam acordo, mas ainda não estabeleceram a partilha das ações.
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dessa simbiose tão necessana para a implentação de novas empresas e novas tecnologias. No Brasil, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) do Ministério da Ciência e Tecnologia, por meio do projeto Inovar, tem proporcionado encontros entre as duas partes por meio de rodadas de apresentação de empresários para uma platéia de representantes de fundos e empresas de investimento (veja quadro). A atuação dos fundos e empresas de capital de risco no Brasil em empresas de base tecnológica ainda é considerada baixíssima. "O capital de risco no Brasil deveria ser chamado de capital arisco", cunhou Sílvio Meira, presidente do Centro de Estudos e Sistemas Avançados (Cesar), uma organização não-governamental que reúne empresas nascentes no Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), durante um simpósio na Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação, realizada em Brasília no último mês de setembro. "No Brasil, faltam bons exemplos de casos de sucesso apoiados pelo capital de risco, atividade ainda tratada como 'pôr o dinheiro em algo perigoso', e não em investir em oportunidades, como é o conceito existente nos Estados Unidos", disse o professor Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP,que falou durante o congresso de Incubadoras, na mesa Modelos e Experiências no Financiamento de Inovações e Negócios. Brito falou também do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), em que estão sendo gerados muitos casos que podem, dentro de pouco tempo, servir de exemplo de eficácia econômica e geração de pesquisa e desenvolvimento nas pequenas empresas. Dos 181 projetos do PIPE que a Fundação apóia, 24 são de empresas instaladas em incubadoras, num total de R$ 3 milhões. O financiamento sem necessidade de retorno da FAPESP serve para a compra de equi-
Incubadoras vinculadas às Universidades e Centros de Pesquisa (%)
2001
70 70 2000 1999
Capital arisco -
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Formal
Informal
Sem vínculo
pamentos e para o pagamento de serviços necessários para a empresa desenvolver o projeto. As dificuldades em obter maior atenção dos fundos de capital de risco são uma preocupação européia também. "Na Europa está muito desenvolvida a cultura de subvenção, enquanto nos Estados Unidos a cultura é de investimento, é de risco", afirma o espanhol Luís Sanz, diretor da Associação Internacional de Parques de Ciência. Para Heinz Fiedler, da incubadora da Universidade Técnica de Berlim, na Alemanha - um país com 300 incubadoras -, a solução para atrair o capital de risco está em uma bem-humorada inversão de "valores': "Uma vez, numa reunião com investidores de capital de risco, onde oferecíamos nossos produtos, eu perguntei a um deles: Por que eu tenho que aceitar seu dinheiro?" Certamente é com esseespírito que as incubadoras devem seguir em frente, para superar o maior desafio que acompanha as empresas: superar a falta de capital. Aliado a esse esforço, os especialistas reunidos no Rio de Janeiro apontam o treinamento de empresários e gerentes de incubadoras como um fator para atingir o pleno sucesso. Outro fator é a formação de redes de
informação com troca de experiências entre as incubadortas. A importância que as incubadoras estão ganhando ao redor do mundo, conforme a impressão deixada pelo congresso, levou o diretor científico da Anprotec, Ary Plonski, na sessão de encerramento a fazer o seguinte comentário: ''As incubadoras não podem mais ser entendidas como uma moda. As incubadoras estão se transformando em um novo paradigma da sociedade numa linha que favorece o desenvolvimento da ciência e da tecnologia estimulado pela energia criativa': ''As incubadoras também são um bom negócio para a comunidade onde ela está inserida", completou [ames Robbins, diretor da Associação Nacional de Incubadoras de Empresas (NBlA) dos Estados Unidos. "É preciso se perguntar quantos negócios, quantos impostos e quantos empregos (no Brasil somam 7 mil) a incubadora proporciona para a cidade onde está instalada': indagou Robbins como exercício. Vôos futuros - No
âmbito das universidades e dos centros de pesquisa a parceria com incubadoras parece ser fundamental. Há, porém, quem veja mudanças no futuro da relação das incubadoras com as instituições de ensino. "Na universidade do futuro, a incubadora vai desaparecer, porque ela vai passar a ser parte integrante de cada unidade acadêmica", afirma o consultor Henry Etzkowitz, da Triple Helix Network, uma consultoria dos Estados Unidos. Hoje, as incubadoras já cumprem um papel de formação empresarial, em que se aprende a fazer pesquisa dentro da empresa com a colaboração de universidades e institutos de pesquisa. Uma função comentada pelo conferencista convidado para abrir o congresso de incubadoras no Rio, o sociólogo Domenico de Masi, professor da Universidade de Roma. Para ele, a função primordial das incubadoras "é ensinar e transformar os vínculos em oportunidades". •
TECNOLOGIA
INCUBADORAS
De frente para a vida real Grupo de empresas da Ciatec inaugura novo sistema de pós-incubação MARILI
RIBEIRO
toLink, Bioluz, Ecco e SAAT- ganharam uma nova condição, passaram a ser empresas pós-incubadas. Além de um simpático trocadilho com a idéia da "pós-graduação", a nova fase visa a diluir um pouco mais os riscos dos empreendimentos que vão entrar no mercado competidor. Elas seguem para um período de pós- incubação num prédio ainda mantido pela Ciatec, onde as empresas vão assumir mais riscos e os principais custos de administração: secretárias, computadores, telefones, despesas com água, luz e limpeza, num ambiente já próximo da independência empresarial. Com cinco anos de existência, a Ciatec abrigou 24 empresas, das quais 13 já estão competindo fora da prote-
iberPhone está pronto para se destacar no mercado. Ele leva a sigla FWL210, que vai lhe dar uma identidade própria no mundo comercial das telecomunicações. O aparelho desenvolvido em parceria pelas empresas FiberWork Comunicações Ópticas e Elemed Equipamentos Médicos e Hospitalares vai ser útil para as empresas de telecomunicações fazerem manutenção e montagem de linhas de transmissão de fibras ópticas. O produto resume o potencial e a ambição de empreendedores a caminho da vida real,depois de um período de incubação nos berçários de negócios patrocinados pela Companhia de Desenvolvimento do Pólo de Alta Tecnologiade Campinas (Ciatec). Elas fazem parte de um grupo de 19 empresas graduadas pela Ciatec em solenidade realizada no dia 19 de outubro. Juntas, elas já faturam R$ 18 milhões por ano. A graduação é o momento em que a empresa deixa o ambiente da incubadora - onde ela recebeu toda a infra-estrutura técnica e administrativa para progredir - para enfrentar os desafios do mercado. Mas a Ciatec resolveu inovar. A incubadora agora tem uma fase de pós-incubação que terá seis empresas das 19 graduadas. Assim, a FiberWork, a Elemed e mais FiberPhone quatro outras empresas - Op-
P
ção do sistema de incubação em que é oferecida quase que gratuitamente a infra-estrutura física e de orientação mercadológica e tecnológica. O custo para as empresas é ínfimo: uma taxa mensal de R$ 4,00 por metro quadrado. A Ciatec é mantida pela prefeitura de Campinas e pelo Sebrae, num total de investimentos que chega a R$ 200 mil por ano. Soma-se a esse valor, que serve para a manutenção do prédio da Ciatec e para o pagamento de funcionários da incubadora, mais R$ 1 milhão em investimentos nas empresas sem necessidade de retorno -, promovidos pelo Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP. Além da FiberWork e da Elemed, Ecco e OptoLink, também recebem apoio da FAPESP as empresas Smatec, Ram, Unilaser, Valitech, Fissore e Pro-Clone (veja quadro).
da FiberWork e da Elemed: melhor e barato
Unindo distâncias - Em nova fase, todas as empresas recémdiplomadas, após cinco anos em incubação no programa de apoio mantido pelo Núcleo de Apoio ao Desenvolvimento de Empresas (Nade) da Ciatec, vão assumir maiores responsabilidades pelos fluxos de seus caixas porque vão arcar com os custos da infra-estrutura. Por isso, a Elemed e a FiberWork tratam com carinho o lançamento do FiberPhone, que vai acontecer na feira de telecomunicações Telexpo 2002, prevista para acontecer no segundo trimestre do próximo ano. O novo aparelho é capaz de manter a comunicação em distâncias de até 200 quilômetros (krn) sem a necessidade da intermediação de uma central telefônica, como acontece nas li-
PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • 69
a Unicamp, que trabalha dentro de referenciais acadêmicos internacionais, o que significa que seus egressos são competidores capazes de enfrentar o mercado globalizado com inteligência, criatividade e capacidade de aprendizado contínuo': comenta Brito. "É preciso que se compreenda que o investimento em desenvolvimento tecnológico está articulado com a própria noção de soberaEcco: equipamento para microcirurgias estéticas nia nacional. Não há registro, ao longo do século 20, de algum os, ilumina os pólos empresariais. É pregação recorrente entre economispaís que tenha se desenvolvido em termos sociais e econômicos sem tas que o futuro está no vastíssimo soberania. Soberania é a formação, a campo das inovações científicas e tecexistência de uma base tecnológica nológicas. "O estímulo à criação de empresas baseadas em conhecimento própria e autônoma", comenta o vereador Sérgio Benassi, do PC do B, é uma atividade essencial porque resulta no aumento da capacidade de riprimeiro-secretário da Câmara Municipal de Campinas. queza local, gerando novos empregos ''A graduação dessas novas emprediretos e indiretos", afirma o professor sas demonstra o alto retorno do inCarlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP. "É enorme o imvestimento público numa política de pacto na vida da cidade de uma excedesenvolvimento industrial", afirma o vereador. A forma de avaliar os beneCorrente elétrica - A perspectiva de lente universidade de pesquisa como fícios desse investimento está Santos Vieira no momento em na observação dos índices de que estiver cara a cara com as sobrevida bem acima da média vicissitudes do mercado é gaentre as iniciativas empresarirantir uma receita básica de soais. Cerca de 80% das incubabrevivência para o seu negócio. das na Ciatec resistem após Isso sem abrir mão dos novos três anos, contra uma mortaliprojetos em andamento. Paradade de 70% das microemprelelamente à carteira de mais de sas em geral. A experiência de cem clientesque acumulou presapoio a essas empresas ressentando serviços de manutenção tia-se de uma passagem mais de equipamentos médico-hossuave, na abalizada opinião do pitalares e de radiofreqüência, presidente da Ciatec e também Vieira seguirá perseguindo sosecretário de Cooperação Inluções para o eletrocardiógraternacional de Campinas, o fo, aparelho que mede a corprofessor emérito da Unirente elétrica do coração - que ele inventou. "Estou apanhando camp e físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite. com as complicações técnicas Devoto abnegado do inpara que ele cumpra a função centivo às incubadoras, Cerde fazer diagnóstico automátiqueira Leite reconhece o perigo co, como pretendia." A capacidade de buscar aldessas células inovadoras serem engolidas pelas estruturas ternativas típicas do universo bem enraizadas no mercado. científico, em comunhão com o credo do apelo comercial prePor isso mesmo, acredita no aperfeiçoamento do processo sente no dia-a-dia dos negóci- Amplificadores da OptoLink: acordo multinacional
gações comuns. Os aparelhos existentes no mercado fazem transmissões em até 150km. Outras vantagens são a capacidade do aparelho em operar em linhas convencionais de telefonia fixa e de celular, além de funcionar com uma fibra óptica única, características que elevam o FiberPhone a uma categoria superior aos equipamentos similares. Tudo isso por um preço 60% menor que os importados, em Laser da torno de U$ 5 mil. "Reduzimos a margem de lucro para ganhar visibilidade, porque temos um produto mais avançado que vai conseguir escala de produção", defende o engenheiro eletrônico Climério dos Santos Vieira, dono da Elemed e sócio da FiberWork na iniciativa. Para Sérgio Barcelos, diretor de tecnologia da FiberWork, "o FiberPhone trará um adicional de faturamento superior a US$ 200 mil para as duas empresas em 2002':
70 . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
atualmente em vigor. Daí a criação da etapa da "pós-incubação" na Ciatec de Campinas. "Um dos ingredientes fundamentais para que dê certo uma incubadora, mais até do que a ajuda financeira e a estrutura básica que oferecemos, é a existência de um ambiente propício à troca de idéias", insiste Cerqueira Leite. "O sucesso desfrutado aqui advém do fato de esse pessoal ser proveniente da Unicamp ou da Telebrás", comenta. As empresas incubadas, em particular aquelas voltadas ao desenvolvimento de produtos de alto valor agregado tecnológico, sofrem na hora de enfrentar as naturais condições de disputa por um mercado movido a novidades e cercado de atores com polpudos investimentos financiando sua retaguarda. Que o diga o físico Isocort carioca Idelfonso Felix de Faria Iúnior, à frente da OptoLink, incubada desde 1997 na Ciatec, (veja Pesquisa FAPESP nO 67). No segmento em que resolveu atuar, o de equipamentos de transmissão para rede de fibra óptica, há gigantes internacionais como Corning, Etek, Gould Eletronics. Inovar no desenvolvimento de produtos ou serviços com todas essas sombras no encalço requer bem mais do que capacidade criativa. O capital para a arrancada veio através da sociedade com a Solectron, multinacional norte-americana do setor. Dona de uma receita de US$ 1,8 bilhão, a companhia está presente nos quatro cantos do planeta e dará à Optolink condições de triplicar sua atual capacidade de montar mil peças de acopladores ópticos por mês. Esses acopladores têm a função de juntar ou separar os sinais transmitidos por fibra óptica. Até o final do ano, Faria espera um faturamento de R$ 1 milhão. Muitos convites - Há quem olhe de lado para esse tipo de parceria, como admite o próprio Faria. "Desde que a OptoLink destacou-se, comecei a ser
PESP, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ou entidades afins, para evoluír em suas propostas, o que acaba reforçando a importância de áreas de incentivo como a criada na Ciatec."
da Bioluz: novas perspectivas no mercado
procurado por empresários interessados em me transformar em um empregado bem remunerado", conta Faria. Ele driblou os convites o quanto pôde até o surgimento da proposta da Solectron, que, segundo Faria, é fabricar os produtos com investimento da empresa americana e dividir os lucros. "Consegui a parceria ideal para continuar desenvolvendo meu trabalho, investindo em produtos que eles vão comercializar pelo mundo inteiro." A formação de novas pequenas empresas de cunho tecnológico esbarra na cultura vigente no ambiente da universidade brasileira. "Alguns setores até são abertos, mas outros são muito fechados a iniciativas do gênero. A dificuldade em mudar essa cultura está bem dentro da mediocridade. Há uma atitude defensiva do professor universitário, que tem medo de entrar em contato com a realidade", considera o professor Cerque ira Leite. "Cabe aos mais competentes batalhar o dinheiro de projetos patrocinados por instituições como a FA-
Soma de idéias - "Outro fator importante dentro de uma incubadora é a convivência e a troca de experiências entre os empreendedores': lembra Brito. O físico Sérgio Celaschi, há cinco anos no comando da Ecco, advoga com fervor a tese de que a força dos empreendimentos nascidos na Ciatec está diretamente relacionada ao compartilhamento de idéias. "Na passagem para o mundo real não vamos competir entre nós e sim disputar fatias distintas do mercado porque é a única fórmula de conquistarmos lugar lá fora", acredita Celaschi, sócio também da OptoLink, empresa vizinha à Ecco no galpão da Ciatec. Geografia que pretendem manter no novo endereço das instalações destinadas à fase de "pós-incubação': A Ecco produz equipamentos à base de lasers para rnicrocirurgia e fisioterapia estética realizadas em consultórios. A empresa deve atingir um faturamento de R$ 350 mil neste ano e de R$ 1 milhão em 2002. Soluções de sucesso - Entre os exemplos das empresas que deixaram a Ciatec e parecem destinadas ao sucesso ganha destaque a Go Wap, que assinava IntraWeb Sistemas nos tempos em que os dois recém-formados em engenharia de computação na Unicamp, Fabrício Blois e Fábio Póvoa, a fundaram. Eles incorporaram o propósito de desenvolver produtos e serviços voltados à aplicação em Intranet e Internet. Encontraram soluções que chamaram a atenção de um mercado em formação e bastante carente. Em três anos, pularam de um faturamento de R$ 150 mil e dois funcionários para R$ 6 milhões e 40 PESQUISA FAPESP . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • 71
li!
empregad os. A alavanca que os projetou veio da venda de 30% do capital da emp resa para o fundo de investimento de capital de risco Rio Bravo, qu e tem entre os sócios-conselheiros de maior visibilidade o expresidente do Banco Central Gustavo Franco A quei xa habitual de quem não conta co m um sócio capitalista consolidado fica em questões mais prosaicas, co mo a ausência de aceitação da inventi vidade nativa. Algo bem ao gosto do que críticos e humoristas chamam de complexo de inferiorida"Há enorme de terceir o-mundista. resistênci a em adquirir tecnologia nacional e m Campinas, porque muitos empre sários preferem a chancela estrangeir a no produto", queixa-se Faria, da OptoLink. No vácuo dessa dificuldad e, surgiu na Ciatec de Campinas a 'Eangram Consulting, ainda em fase d e incubação, que está se especializan do em oferecer alternativas de market mg para empresas nascentes de tec nologia. "Nós aprendemos a lidar com poucos recursos, porque essas emp resas não têm para aplicar", explica o diretor George Souza. "O
Empresas financiadas
I
r
Leite: ambiente para a troca de idéias trabalho de construção de marca depende assim diretamente de potencializarmos os canais mais baratos na tentativa de dar alguma visibilidade à empresa." Sem marketing e sem condições de estruturar redes de distribuição ou revenda de seus produtos, a consolidação de um empresa incubada exige esforço duplo de seus donos. O físico Paulo Ricardo Steller Wagner,
pelo PIPE da FAPESP
EMPRESA
AREA DO PROJETO
ESTAGIO
INVESTIMENTO
Ecco
Laser para aplicações médicas
Pós-incubada
RS45.500,00
Elemed
Eletrocardiógrafo para análise de batimentos cardíacos
Pós-incubada
RS27.240,00
FiberWor k
Instrumentação de testes para fibras ópticas
Pós-incubada
RS 118.012,10 e USS 120.850,00
Fissore
Empacotamento eletromecânico de microssensores
Incubada
RS 18.400,00 e USS 31,185,00
OptoLink
Amplificadores para fibras ópticas
Pós-incubada
RS82,900,00 e USS 143.460,00
ProClone
Produção biotecnológica de mudas de plantas
Incubada
RS263.000,00
Ram
Softwares para instituições educacionais
Graduada
RS33.000,00
Smatec
Sistema para reconhecimento de impressão digital
Graduada
RS49,150,00
Unilaser
Sistema a laser para medir poluentes na atmosfera
Incubada
RS245.505,00
Desenvolvimento
Incubada
RS 147.890,00 e USS 18.494,75
r
I I
Valitech
de esterilizador
à plasma
I
r'lnvestime
72
nto total
• NOVEMBRO IDEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
RS1.030.597,10 e USS 313.989,75
proprietário da Bioluz Equipamentos e Serviços aposta, na parceria com os clientes, desenvolvendo equipamentos sob encomenda para poder bancar os custos. Uma combinação que funciona no setor em que se especializou, o de aparelhos para radioterapia. A empresa iniciou suas atividades há cinco anos e já contabiliza no currículo equipamentos com alto grau de especialização, caso do desenvolvido para posicionamento de pacientes em tratamento de radioterapia. Formado por três pontos de laser, esse aparelho dá ao médico que faz a aplicação de radioterapia a posição exata do local onde está a lesão do câncer. "Esses equipamentos estão em operação nos 180 hospitais e clínicas que oferecem esse tipo de tratamento", conta Wagner. Produtos e relevâncias - "O importante quando se vai para o mercado é saber que, ao passar por aqui, deixamos uma retaguarda em que poderemos nos realimentar", acredita Wagner. Ele e sua equipe, formada por dois funcionários, preparam o lançamento de um novo produto: um cortador de moldes de isopor usado para a produção de blindagens de metal que protegem as áreas adjacentes ao local que receberá tratamento radioterápico. Com esse equipamento, Wagner acredita que: poderá triplicar seu atual faturamento, de R$ 350 mil, no período de pós-incubação. Para o presidente da Ciatec, Cerqueira Leite, apostar na inventividade dos brasileiros faria mais para o Brasil contemporâneo do que continuar perseguindo o aumento das exportações de aço. "Conhecimento e competência são os bens mais fundamentais para o futuro do Brasil. Não basta ser rico em minerais estratégicos. Tem que saber fazer. Buscar capacitação tecnológica e inovação", defende o professor. Para ele, o incentivo ao potencial de empreendedores natos tem que ganhar relevância na economia nativa. A Ciatec de Campinas, com o aval das atuais investidas, demonstra estar cumprindo sua missão nesse cenário. •
TECNOLOGIA
ENGENHARIA
DE MATERIAIS
Construção para o futuro Novos materiais resultam em concreto mais durável
Longo tempo - Outros estudos, motivados pela preocupação com o meio ambiente, indicam a possibilidade de reaproveitamento dos resíduos sólidos de construção e demolição: eles substituiriam a brita usada na massa de concreto, com provável redução
nos custos. Essas inovações, porém, devem ser mais bem desenvolvidas e difundidas para integrar-se à rotina da construção civil: "Devemos conhecer melhor o comportamento, imediato e ao longo do tempo, desses novos concretos nas estruturas resis-
do Departamento Pesquisadores de Estruturas da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP) concentram-se há cinco anos num projeto sobre novos tipos de concreto para a engenharia civil, que poderão substituir com vantagens a tradicional mistura de cimento, água, areia e pedra das estruturas de concreto armado. No projeto, foram desenvolvidos mais de 30 estudos para avaliar a segurança da aplicação de elementos pré-rnoldados e de novos tipos de concreto. "Do modo como evoluem a ciência e a tecnologia de materiais, vários tipos de concreto com propriedades muito específicas deverão ser empregados de acordo com as necessidades de cada construção, tornando-as mais seguras e duráveis", prevê o professor João Bento de Hanai, coordenador do projeto temático que avaliou o potencial dos concretos especiais. E alguns avanços já permitiram desenvolver novas fórmulas: por exemplo, a adição de compostos orgânicos e pozolanas (pós finos derivados de escória de alto-forno, cinza de casca de arroz ou a sílica ativa extraída da fumaça das siderúrgicas) deixa o concreto mais compacto e resistente, enquanto a adição de fibras curtas (de aço, poliméricas ou naturais como o sisal e a piaçava) dá ao concreto maior capacidade de deformação e absorção de energia. Detalhe de prensa para os testes de novos materiais: pesquisa abrange aproveitamento de resíduos variados PESQUISA FAPESP . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • 73
de armadura no interior tentes de uma obra", indo concreto. Se colocaforma Hanai. das em quantidades adeO concreto de alta quadas, elas vão controresistência - dotado de minerais e aditivos redular todo o processo de fraturamento interno que tores de água que o torpossa ocorrer no concrenam mais compacto e to e reduzir o risco de uma cerca de três a quatro veruptura brusca", explica. zes mais resistente que o concreto comum - é um Material reciclado - Mais dos materiais que Hanai do que soluções técnicas estudou. O objetivo foi para melhorar a eficiênavaliar sua eficiência na reabilitação de estrutucia e a segurança das construções, os pesquiras danificadas pela ação do tempo, por falta de sadores da EESC buscam saídas para o problema manutenção ou por faambiental gerado pelo lhas construtivas. Na relixo produzido nos cancuperação de pilares, teiros de obras. Uma lipor exemplo, uma das nha de pesquisa liderada técnicas analisadas foi o por Eloy Ferraz Machareforço por encamisado [únior, por exemplo, mento - que consiste em está voltada para a reuticonstruir uma espécie lização dos resíduos sólide capa de concreto ao redor do pilar original. dos de construção e deA pressão- ou resistênmolição. ''A idéia de usar o recia de um material é mesíduo moído no lugar da dida em megapascais (MPa). Por serem mais brita para fazer concreresistentes à compressão to, por exemplo, não é - acima de 50 MPa, ennova", diz Machado, "mas sua aplicação esquanto o concreto cobarrava num inconvemum usualmente tem resistência em torno de 25 niente: apesar de oferecer boa resistência, o MPa -, esses concretos concreto de reciclado é especiais seriam ideais mais poroso que o conpara as estruturas de edi- Sistema servo-hidráulico na UFSCar: para medição da resistência fícios e obras de infra-escreto normal, o que favorece a penetração de agentes extertrutura. Mas, segundo o pesquisador, existe devido às próprias característia aplicação exige cuidados: "O concrenos que corroem a armadura no cas do concreto de alta resistência. interior do concreto". to do pilar a ser reforçado, por exemPor ser mais compacto, ele também plo, tanto por sua idade como pela A solução encontrada foi dimise mostra mais frágil no instante da composição, tem propriedades de denuir a permeabilidade do concreto ruptura: "O comportamento do concom reciclado adicionando látex à formação e resistência diferentes do creto de alta resistência é semelhante mistura. O resultado foi satisfatório. concreto novo, aplicado por fora': exao do vidro. Embora seja muito reNos testes de corrosão, feitos segunplica Hanai. Por isso, é preciso entensistente, não tem boa ductilidade do critérios da ASTM (American 50der como esses materiais diferentes (capacidade de se distender) e tende trabalham em conjunto e avaliar, caso ciety for Testing and Materiais, ou Asa se estilhaçar". a caso, a real eficiência desse reforço. sociação Americana para Testes e Para melhorar o desempenho desMateriais), o concreto de reciclado ses concretos e evitar acidentes, uma teve resultados melhores que os do Igual ao vidro - Se houver uma sobrepossível solução apontada pelo pesconcreto comum: a perda de massa carga e o concreto usado no encami.quisador é adicionar alguns tipos de na armadura foi de 1,6% para o resamento tiver uma ruptura brusca, fibra. ''As fibras, como as de aço, carciclado com látex e de 3,4% para o isso poderia provocar o rompimento bono ou de outros materiais polimécomum. "Agora estamos testando da estrutura interna. A possibilidade ricos, funcionam como uma espécie 74 • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 1001 • PESQUISA FAPESP
Pesquisadores no laboratório de concreto: buscando saídas para problemas ambientais
quantidades menores de látex na mistura para encontrar a proporção ideal, de forma que o uso do látex não encareça demais o produto final", revela Machado. Embora ainda não tenha dados para calcular o custo final do concreto com reciclado, ele acredita que será uma alternativa viável para a construção de casas populares, com vantagens para o meio ambiente e os cofres públicos: "O custo com o gerenciamento das deposições irregulares é de US$ 5,3 por tonelada, enquanto o custo de reciclagem não passa de US$ 3,94 por tonelada", afirma. Isso é o começo. "O próximo passo é usar resíduos reciclados na fabricação de blocos e, numa próxima etapa, na confecção de argamassa",diz. "A meta final é construir uma casa inteira com reciclados." Grupo permanente - Nos quatro anos de pesquisa, o grupo concluiu 33 estudos que renderam 18 dissertações de mestrado, três teses de doutorado e 12 trabalhos de iniciação científica, além de outras 20 pesquisas a serem concluídas nos próximos 12 meses, a maioria em doutorado. O número de publicações geradas superou as expectativas: mais de 200, entre livros, arti-
gos, relatórios técnicos e trabalhos em congressos. Animados, os pesquisadores decidiram manter-se como grupo de trabalho permanente no Departamento de EESC-USP. A longo prazo, o conhecimento gerado poderá contribuir para o aperfeiçoamento das normas técnicas que orientam os profissionais da produção, quando forem revistas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Mas o setor produtivo pode ter benefícios mais imediatos. A tecnologia está disponível para empresas públicas ou privadas interessadas na elaboração de projetos em parceria com a universidade, na prestação de serviços de assessoria
o PROJETO Avaliação do Campo Potencial e Desenvolvimento de Aplicações de Concretos Especiais no Projeto, na Execução e na Reabilitação de Estruturas de Concreto MODALIDADE
Projeto temático COORDENADOR
JoÃO BENTO DE HANAI - Escola de Engenharia de São Carlos da USP INVESTIMENTO
R$ 19.434,90
e US$ 23.442,00
e consultoria ou ainda na realização de ensaios de estruturas e materiais. Parcerias desse tipo já foram firmadas com empresas como o Instituto Brasileiro de Telas Soldadas, para um estudo já concluído sobre ancoragem de telas soldadas em lajes de edifícios, e com o Grupo Gerdau, para um projeto em andamento de pisos industriais de concreto armado com telas soldadas. Recursos não faltam. Com o projeto temático, foi possível montar no Departamento de Estruturas uma sala com clima controlado por computador, que permite preparar amostras para testes de resistência e deformabilidade de elementos estruturais ao longo do tempo. Com isso, é possível testar estruturas nas mesmas condições ambientais do local da construção, controlando temperatura e umidade do ar. "Embora nossa especialidade seja a construção civil, hoje temos condições de testar outros materiais e estruturas para diversos segmentos do setor produtivo", conclui Hanai. universal - O departamento conta ainda com um bem equipado laboratório para ensaios mecânicos. Um dos equipamentos mais importantes é o sistema servo-hidráulico computadorizado, adquirido por meio do Programa de Infra-Estrutura da FAPESP."A máquina universal de ensaios é a única na América Latina com altura livre para ensaio de peças de até 4 metros e capacidade de 300 toneladas de carga", afirma Hanai. "O sistema servo-hidráulico estende-se também à laje de reação do laboratório, com 26 metros de comprimento. Com esse equipamento, podemos simular até o efeito de terremotos e testar grandes estruturas da indústria mecânica, como um vagão ferroviário, se necessário." • Máquina
PESQUISA FAPESP . NOVEMBROIDEZEMBRO DE 2001
7S
TECNOLOGI1I.
ENERGIA
Competência da UniTech ~~~------------------------------------~z ~
Empresa do PIPE participa da construção de uma célula a combustível em Minas m nova fase empresarial foi iniciada pelo químico Antônio César Ferreira e sua empresa UniTech, após a conclusão de seu projeto de produção de célula a combustível no Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP. Ele participou ativamente no desenvolvimento da primeira célula a combustível apresentada pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), a concessionária estatal de energia elétrica do Estado de Minas Gerais, durante o 10 Congresso de Inovação Tecnológica em Energia Elétrica (Citenel), no início de novembro, em Brasília. A célula, do tamanho de um frigobar, é alimentada por hidrogênio e capaz de produzir 1,5 quilowatt (kW) de eletricidade. "O equipamento faz parte de um programa de três anos, com aporte de R$ 5 milhões, que a Cemig está destinando para vários projetos de desenvolvimento de células a combustível': afirma José Henrique Diniz, gerente de Tecnologia e Alternativas Energéticas da Cemig. Também participam dos projetos, além dos pesquisadores da Cemig, pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto de Pesquisas Tecno lógicas (IPT) e da empresa Clamper, de Belo Horizonte. A apresentação dessa nova célula a combustível, que usa tecnologia desenvolvida no Brasil, é um marco importante para o país porque em todo o mundo busca-se o aperfeiçoamento técnico e a expansão do uso desse equi-
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76 . NOVEMBRO/DEZEMBRO DElOOl
• PESQUISA FAPESP
Ferreira: a perspectiva é ampliar a empresa e produzir células em escala industrial
pamento silencioso, alimentado com hidrogênio puro, que não polui e gera apenas água como resíduo. O combustível ainda pode ser retirado do gás natural, do álcool ou, ainda, da gasolina. A opção mais óbvia, que seria a extração do hidrogênio da água, é uma opção cara porque é preciso um enorme gasto de energia nesse processo carente de novos estudos. Segundo protótipo - A célula a combustível da Cemig .é, na verdade, o segundo protótipo em que Ferreira trabalha. O primeiro, de 1 kW - suficiente para cinco lâmpadas de 100 watts -, ele produziu durante o projeto financiado pela FAPESP,encerrado neste ano. Ferreira não se cansa de dizer em eventos em que é convidado para falar de célula a combustível que foi o financiamento da FAPESP que proporcionou a volta dele ao Brasil depois de uma temporada de nove
anos nos Estados Unidos (veja Pesquisa FAPESP edições 60 e 64). "Mandei o projeto em 1997 ainda dos Estados Unidos", lembra Ferreira. No ano seguinte, ele montou a empresa em sua cidade natal, Cajobi, próxima a São José do Rio Preto, em uma pequena casa de propriedade da família. A preparação acadêmica de Ferreira teve início com a graduação, mestra do e doutorado no Instituto de Química de São Carlos da USP. Depois, ele seguiu para os Estados Unidos, onde fez o pós-doutorado e trabalhou como pesquisador em célula a combustível na Universidade do Texas Agricultura e Mecânica (A&M). Depois, ele atuou como pesquisador na empresa MER, no Arizona. Nesses locais, ele executou projetos para órgãos governamentais como a Agência Espacial Americana (Nasa), o exército americano e o departamento de energia, além das empresas japone-
sas Asahi e Mazda. Mesmo depois de conquistar a cidadania americana e receber propostas de empresas de capital de risco para montar uma empresa e produzir células nos Estados Unidos, no estado de Connecticut, Ferreira voltou ao Brasil com a perspectiva de produzir células a combustível para toda a América Latina. Com o financiamento de R$ 197 mil e US$ 77 mil do PIPE, Ferreira montou a em- Coração da célula: sanduíche de catalisadores e membrana presa e seu laboratório para desenvolver os catalisadores, pesuas células. Ele também estuda a ças que ele chama de coração da céoferta do prefeito de Cajobi para inslula a combustível. É nos catalisadores talar a UniTech num prédio de 400 onde ocorre a separação das partícum2 com possibilidade de expansão las do hidrogênio. Esse gás (H2) pepara 10 mil m2. "Não sei ainda o que netra no lado anodo (negativo) da vai acontecer", diz Ferreira, sem ancélula e tem sua estrutura quebrada gústias e tranqüilo quanto ao seu fuem partículas positivas, os prótons, e turo. Ele acredita que pode, dentro de negativas, os elétrons. As primeiras paspouco tempo e com investimento de sam pela membrana polimérica e enuma outra empresa, produzir células contram os átomos de oxigênio do ar de 100 kW de potência. "É uma quesno outro lado, o cato do (positivo), tão de investimento': avalia. formando água. Os elétrons, que não conseguem passar pela membrana, Pai da célula - Os princípios do funcirculam na área fora do eletrodo (cacionamento da célula a combustível talisador mais membrana), gerando foram desenvolvidos, em 1835, pelo energia elétrica. galês William Robert Grove, consiCentros de pesquisa de instituiderado, hoje, o pai da célula a comções acadêmicas e de empresas avanbustível. A forma mais próxima das çam no desenvolvimento de materiais células atuais surgiu em 1930, nos para as células a combustível que as estudos do engenheiro inglês Frantornem mais eficazes e baratas. Há menos de três anos, empresas nos Eso PROJETO tados Unidos, Canadá, Alemanha e JaMateriais Avançados para pão começaram a vender esses equiFabricação de Separadores Bipolares pamentos, ainda 'sob encomenda e de para Células a Combustível produção restrita. Existem hoje diverde Polímero Condutor lônico sos protótipos com capacidade de fornecimento de eletricidade entre 10 MODALIDADE watts (W) e 11 megawatts (MW), para Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) servir a equipamentos portáteis de pequenas cidades. COORDENADOR Com tamanha capacidade de merANTÔNIO CÉSAR FERREIRA - UniTech cado, os próximos passos de Ferreira, devem levar em conta uma análise criINVESTIMENTO teriosa de propostas que está recebenR$ 197.184,64 e US$ 77.482,00 do para iniciar a escala industrial de
eis Bacon. Desde então, elas ficaram quase esquecidas porque o petróleo barato e a dificuldade em se obter materiais mais eficientes impediram um maior avanço tecnológico e comercial das células. No final dos anos 50, a idéia da célula a combustível foi reanimada e desenvolvida pela Nasa como a melhor alternativa para a produção de energia elétrica e água para as espapolimérica çonaves das missões Gemini e Apollo. As primeiras células usadas na corrida espacial eram muito caras. Hoje, a tendência é de células mais baratas, como a que utiliza a tecnologia PEMFC, do inglês Célula a Combustível com Membrana de Troca de Prótons, o tipo de célula desenvolvido por Ferreira. Substituição de motores - Além de produzir energia elétrica em estações estacionárias, as células a combustível são a grande promessa para a substituição dos motores a combustão usados hoje em todo tipo de veículo. Quase todas as montadoras desenvolvem projetos de células a combustível adaptadas a veículos automotores. A Daimler-Chrysler, Honda e BMW já apresentaram automóveis impulsionados por células a hidrogênio, ainda híbridas com a gasolina. As baterias convencionais de chumbo, que geram eletricidade para os veículos, também devem ser trocadas por células a combustível. A BMW já usa esse tipo de bateria em dois modelos de automóvel. O desafio de Ferreira agora é ampliar sua empresa -que possui cinco funcionários - e colocar o produto no mercado. A implantação de uma planta industrial ainda leva tempo e o mercado está aberto para esse tipo de gerador de energia elétrica que utiliza um combustível limpo e confiável. • PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO/OEZEMBRODE2001
77
uatro novas variedades de maracujazeiro obtidas por uma técnica de manipulação genética inédita no Brasil estão em cultivo no campus da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba. São plantas originárias de um processo chamado hibridação somática, que possibilita a fusão de células de espécies cultivadas com espécies silvestres resistentes a várias doenças. Bem diferentes dos híbridos interespecíficos usados na agricultura, que
espécies de um mesmo gênero. Embora de aplicação mais restrita - a técnica não levanta suspeitas de riscos ambientais ou para a saúde do homem -, a hibridação somática resulta em variedades que conservam todas as características genéticas das duas plantas que lhes deram origem. A técnica surgiu na década de 80 como um recurso para o melhoramento de plantas. É empregada com sucesso na citricultura nos Estados Unidos, França, Espanha e Israel. No Brasil, os primeiros estudos para melhorar a cultura do maracujá começaram há
As pesquisas para o melhoramento de citros também avançam. Nos últimos cinco anos, o professor Francisco de Assis Alves Mourão Filho, do Departamento de Produção Vegetal, e a professora Beatriz Ianuzzi Mendes, do Laboratório de Biotecnologia Vegetal do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), já produziram 11 combinações de híbridos somáticos com o objetivo de controlar doenças nos laranjais. A pesquisa foi desenvolvida dentro do Programa de apoio a Jovens Pesquisadores, da FAPESP, e recebeu investimentos de R$ 150 mil.
TECNOLOGIA
BIOTECNOLOGIA
Somade qualidades Esalq desenvolve técnica inédita no Brasil para a produção de plantas híbridas a partir de espécies de maracujá ou de citros mais resistentes a doenças MARIA
APARECIDA
MEDEIROS
são obtidos por cruzamento, eles têm a soma do número de cromossomos das espécies usadas na fusão celular. A técnica também foi usada no melhoramento de citros e promete bons resultados para o controle de doenças que freqüentemente atacam os pomares brasileiros. As novas variedades poderão ser usadas como porta-enxerto nas culturas de maracujá e de citros. Diferentes dos transgênicos, obtidos pela transformação da célula com a introdução de genes oriundos de outras espécies, os híbridos somáticos são produzidos pela fusão completa de duas células somáticas isoladas de 78
• NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
Flor de maracujá: híbrido de Passiflora giberti (silvestre) com P.edulis
dez anos sob a coordenação da professora Maria Lúcia Carneiro Vieira, do Departamento de Genética da Esalq. Desde então, a pesquisadora se dedica à obtenção de porta-enxertos mais resistentes de maracujá, reduzindo a incidência de doenças provocadas principalmente por fungos. "Se considerarmos doenças provocadas por vírus, bactérias e fungos, juntas, elas provocam uma perda de 35% na produção dos cerca de 45 mil hectares cultivados em todo o país", afirma Maria Lúcia. Os projetos financiados pela FAPESP já somam investimentos de US$ 200 mil.
O maracujazeiro é uma planta nativa da América do Sul. Das 600 espécies conhecidas, cerca de 400 são originárias de várias regiões do Brasil. Apenas cinco são cultivadas, sendo a Passiflora edulis f. flavicarpa, o maracujá-azedo, a principal espécie utilizada pelos agricultores, que a cultivam para a indústria de sucos e que confere ao país o título de maior produtor mundial de maracujá. "O suco do maracujá é o segundo mais exportado pelo Brasil - só perde para o de laranja -, e o principal mercado comprador é a Europa, onde o maracujá é muito apreciado Indústria de sucos -
pelo sabor considerado exótico", informa Maria Lúcia. Apesar de bastante rentável- cerca de R$ 8 mil por hectare plantado -, a cultura do maracujá enfrenta sérios problemas devido à falta de material genético selecionado, pois os programas de melhoramento são ainda incipientes. "Trata-se de uma domesticação muito recente", explica a pesquisadora. Diferente da uva, por exemplo, cuja domesticação é milenar, o maracujá começou a ser cultivado após a colonização, há menos de SOb anos. Com a introdução da mono cultura, a espécie se tornou alvo de muitas doenças que afetam consideravelmente a produção. O ataque de doenças provocou, nos últimos anos, uma rotatividade da cultura, que adquiriu um caráter nômade. Essa característica também acarreta outro tipo de prejuízo. O maracujazeiro é plantado em mourões, de forma que a planta cresça na vertical e se espalhe pelas laterais, como uma parreira. Isso implica alto custo na implantação e no manejo da cultura. "Quando incide a doença severamente, o agricultor perde todo esse investimento", lembra Maria Lúcia. Para evitar a perda das plantas no período de chuvas, quando a incidência de doenças aumenta em decorrência da umidade e temperatura elevadas, os agricultores substituem todas as plantas logo após a primeira safra, plantando tudo de novo para a safra seguinte, tornando a cultura anual. "Embora não resolva o problema, isso é menos oneroso que o caráter migratório." _ A esperança da pesquisadora para uma solução eficiente está no germoplasma silvestre. Há várias coleções de passifloras no Brasil, por exemplo, na Embrapa Mandioca e FruticultuFlor híbrida maior: P. a/ata (maracujá silvestre resistente a fungos) e P. edu/is (comercial): \PESQUISA FAPESP . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • 79
ra, em Cruz das Almas, na Bahia, e na unidade de Iaboticabal da Universidade Estadual Paulista (Unesp), onde Maria Lúcia mantém laços de colaboração. "Nessas espécies já foram identificados genes de resistência com bom potencial para melhorar o desempenho da espécie comercial", afirma. A introdução desses genes pode ser feita de várias formas. Uma delas é o cruzamento de espécies silvestres como a cultivada para obter um híbrido sexuaL "Isso já foi feito há alguns anos, mas a maioria desses híbridos não se presta como doador de pólen. Para recuperar a produtividade da espécie cultivada, seriam necessários vários retrocruzamentos com a espécie comercial, o que é inviável porque os híbridos sexuais são estéreis", explica Maria Lúcia.
terísticas genéticas das duas plantas originais (a comercial e a silvestre). "Isso ocorre porque a fusão cria um genoma tetraplóide, ou seja, que tem o dobro do número de cromossomos da espécie na natureza", explica Maria Lúcia.
Resistente a doenças - Os primeiros híbridos somáticos foram obtidos em 1995, com a fusão de células do maracujáazedo (Passiflora edulis f.flavicarpa), que é a variedade mais cultivada, com células das espécies silvestres P. cincinnata (que é resistente à bacteriose causada por Xanthomonas sp. pv. passiflorae), P. giberti e P. alata (resistentes à morte prematura, de etiologia ainda desconhecida, que causa o definhamento das plantas). A espécie P. alata (ou maracujádoce) também se mostra resistente à murcha, uma doenPorta-enxerto de maracujá: uso para as novas variedades Caminhos da fusão - A saída ça de solo provocada pelo para a obtenção de plantas mais resisfungo Fusarium oxysporum. lônias podem ser vistas a olho nu e tentes veio com a biotecnologia no "Esses híbridos tendem a ser mais são transferi das para um meio sólido. sistema de hibridização. No caso do vigorosos, a ter folhas e caules mais Forma-se uma massa indiferenciada maracujá, as células são extraídas das espessos, porque suas células são de células, chamada calo, que dará folhas, tanto da espécie cultivada maiores", explica a pesquisadora. "No origem a muitos brotos. Cada um decomo da silvestre. O sucesso da técnientanto, eles não são produtivos e sua les se desenvolverá como uma nova ca depende de mecanismos eficientes aplicação mais importante é como planta, que ainda precisa passar por que promovam a fusão celular, o que porta-enxertos para a variedade covárias análises até que se tenha garanmercial." Além de mais vigoroso, espode ser feito por um agente químico tias de que se trata de um híbrido soou por choques de corrente elétrica. pera-se que o híbrido somático tenha mático verdadeiro. Em ambos os casos, o objetivo é promaior resistência a doenças de solo e Depois de selecionados, os híbrivocar a destruição das paredes celulaque apresente alguma atenuação dos dos somáticos são cultivados até a fase res, que funcionam como barreiras sintomas provocados pela bactéria adulta, quando florescem e dão frutos. impedindo a fusão. As células sem paXanthomonas, servindo de proteção A nova planta mantém todas as caracrede, chamadas protoplastos, são para a copa utilizada na enxertia. As mantidas sob pressão osmótica conmudas de maracujá comercial enxero PROJETO trolada, para evitar o rompimento da tadas nos híbridos apresentaram bom Hibridação somática em membrana plasmática, o que provodesenvolvimento tanto no que se refemaracujazeiro, estudos básicos caria a destruição da célula. re à copa como ao porta-enxerto. O e suas aplicações no melhoramento genético Após vários processos de lavagem próximo passo é avaliar seu desempee centrifugações, os protoplastos são nho quanto à produtividade e resisMODALIDADE mantidos em meio de cultura, onde a tência a doenças. Linha Regular de Auxílio a Pesquisa parede celular é regenerada e as céluCOORDENADORA las híbridas passam a se multiplicar. Ganho na citricultura - A expectativa MARIA LÚCIA CARNEIROVIEIRA - Esalq/ Surgem pequenas colônias originadas USP dos pesquisadores é que a hibridação de uma única célula, que podem ser somática promova um salto muito INVESTIMENTO observadas ao microscópio óptico. positivo também no melhoramento R$ 87.227,00 Geralmente, depois de 28 dias, as code citros. Segundo Mourão Filho,
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maracujá. Uma delas é a proprogramas de melhoramento dução de variedades transgêconvencional existem há mais nicas, mais tolerantes à bactede cem anos, mas os resultariose provocada pela dos não são bons, porque as Xanthomonas. O gene bacteriplantas cítricas têm algumas cida atacina A foi extraído da características que dificultam Trichoplusia ni, uma mariposa o melhoramento. Um dos que freqüentemente ataca problemas é a alta variabiliplantações de repolho, couvedade do resultado dos cruzaflor e soja. A transformação mentos. "Quando se faz a podos tecidos da planta foi obtilinização de uma planta com uma variedade de outraespéda por bombardeamento de partículas de tungstênio. Decie, a progênie varia muito zenas de brotos transgênicos nas suas características", diz. estão em fase de crescimento "Você pode até ter uma planem meio de cultura. Segundo ta com tolerância à seca ou a Maria Lúcia, a pesquisa deve certas doenças, mas ela perlevar cinco anos para trazer deu as características desejáresultados conclusivos, consiveis da planta original." Ouderando todos os proceditro problema: devido a uma mentos de biossegurança encaracterística das sementes volvidos no processo. de citros, a germinação dá Outra frente da batalha origem não apenas a um emcontra a Xanthomonas é a busbrião zigótico, que é resulca de genes resistentes nas potante do grão de pólen com o pulações exóticas (de fora da óvulo, mas também a vários América do Sul) de maracujá. outros que são idênticos à Laranja híbrida: novo campo para a hibridação somática "Realizamos um cruzamento mãe. "É como voltar à estaca muito promissor entre uma variedazero em melhoramento, porque, na var as plantas ao campo para avaliade rústica, oriunda do Marrocos, na hora de semear, recuperam-se planção de resistência a doenças e obtenÁfrica, e resistente Xanthomonas, tas idênticas à mãe", afirma. ção de um índice de produtividade. com uma variedade comercial (MaA estratégia adotada pelos pesquiOs pesquisadores estão otimistas. guary), suscetível à bactéria", conta a sadores foi obter variedades mais re"Com certeza, vamos obter bons resultados para o agricultor", afirma pesquisadora. As 90 plantas obtidas sistentes para ser usadas como portadesse cruzamento foram analisadas enxertos. No campo, a variedade Mourão Filho. Mas o resultado mais quanto ao seu perfil de DNA e foi mais utilizada hoje é o limão-cravo. importante já foi obtido: o domínio construído um mapa de ligação conEmbora muito tolerante à seca e vide uma técnica que promete dar muitendo os marcadores existentes no goroso, ele é muito sensível ao declítos frutos nos próximos anos. DNA. Esse mapa molecular é o prinio, uma doença de causa desconhemeiro no mundo considerando se cida que leva à morte da planta, e à Caminho transgênico - Além dos hítratar de uma espécie fruteira tropigomose, doença provocada por funbridos somáticos, Maria Lúcia busca cal. Também para cada indivíduo fogos. "Mas existem outros porta-enalternativas para o melhoramento do ram analisados os níveis de resistênxertos, como a laranja-doce ou larancia a Xanthomonas. ja-caipira, que são mais tolerantes ao o PROJETO "Observamos que há indivíduos declínio, embora sejam sensíveis à Produção de Híbridos Somáticos da população filial que se mostram seca. Assim, nosso objetivo foi somar de Citros através da Fusão mais resistentes que o genitor marrovariações genéticas com característide Protoplastos quino, indicando haver possibilidade cas complementares para melhorar o MODALIDADE de resistência à bacteriose", afirma. desempenho dos porta-enxertos", exLinha Regular de Auxílio à Pesquisa Agora, as 90 plantinhas estão sendo plica Mourão Filho. transferidas para o campo, onde seAtualmente, os 11 híbridos de ciCOORDENADORA rão avaliados os níveis de produtivitros obtidos no projeto estão em fase FRANCISCODE ASSISALVES MOURÃO FILHO - Esalq/USP de crescimento. A próxima etapa, que dade. Elas farão parte de uma popuestá sendo financiada pelo Fundo lação de plantas de maracujá que vão INVESTIMENTO dar novo impulso à cultura dessa Paulista de Defesa da Citricultura R$ 497.090,58 fruta no Brasil. • (Fundecitrus), é fazer a enxertia e leá
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HUMANIDADES
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~~-------------------emocraciaé um artigo de luxo. Enquanto a maioria dos países pobres vive sob uma ditadura, grande parte dos países ricos é regida pela democracia. Segundo o livro Democracy and Development Political Institutions and Well-Being in The World, 1950-1990 (Cambrigde University Press, Estados Unidos), esse fenômeno ocorre porque há uma associação entre manutenção da democracia e o nível de desenvolvimento econômico. "Verificamos que há uma maior dificuldade de observar democracias com más performances econômicas porque esses regimes tendem a ir para a ditadura quando isso ocorre", analisa Fernando Limongi, um dos autores do livro. Professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Limongi obteve apoio da FAPESP para o desenvolvimento desse trabalho nos Estados Unidos, escrito com Adam Przeworski (New York University), José Antonio Cheibub (YaleUniversity) e Michael E. Alvarez (DePaul University). Segundo a pesquisa, a sobrevivência de uma democracia está relacionada a um patamar de renda per capita do país. Ou seja, quanto maior a renda, maior a estabilidade do regime. Acima de US$ 6 mil, observou-se que o regime democrático está assegurado para sempre, faça chuva ou sol na economia. Já entre US$ 4 mil e US$ 6 mil de renda, há uma probabilidade de a permanência do sistema político ser de aproximadamente cem anos. "Quando um país é rico e adotou o regime democrático, se constitui uma situação de equilíbrio e permanência da estrutura", afirma Limongi. No entanto, se uma nação tiver uma renda per capita abaixo de US$ 1 mil, a possibilidade de resistência do regime democrático se torna frágil. Os números indicam que o sistema deve perdurar apenas 8,2 anos. Abai-
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Desfile militar: ditaduras são mais prováveis em países com renda per capita abaixo de US$ 1 mil PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO/OEZEMBRO DE 2001 • 83
xo do limiar de renda per capita de US$ 4 mil, uma democracia passa a correr risco de continuar em vigor no país por apenas 33 anos. O drama ocorre porque crises econômicas em democracias pobres tendem a exterminar o regime democrático do jogo político - e crises econômicas em países pobres e autoritários levam à preservação da ditadura. Esses indicadores foram colhidos a partir de uma análise estatística a respeito da sobrevivência e Troca de da morte de regimes políticos em 135 países entre 1950 e 1990. Ao longo desse período, foram avaliados 224 regimes, dos quais 101 eram democráticos e 123 autoritários. Foram identificadastambém 40 transições para a ditadura e 50 para a democracia. Um país democrático, segundo a pesquisa, é aquele cujo partido de oposição tem alguma chance de ganhar uma eleição oficial. A partir desses dados, os autores identificaram que a sobrevivência da democracia em países pobres está ligada à capacidade do governo de promover crescimento econômico com inflação moderada. Concluíram também que as chances de um regime democrático ser preservado é ainda maior quando a economia cresce acima de 50/0 ao ano. Mas é muito menor se apresentar crescimento negativo. Um país democrático com renda per capita de menos de US$ 1mil, mas com crescimento econômico, tem mais possibilidades de manter o regime do que a democracia de um país com renda per capita entre US$ 1 mil e .uS$ 4 mil, mas com crescimento negativo. A Argentina, por exemplo, está no terceiro ano consecutivo de crescimento negativo. Mas, de acordo com Limongi, as próximas eleições estão garantidas. Isso ocorre porque o país está acima da renda per capita considerada limiar de segurança. A Venezuela, por sua vez, está com Luz vermelha
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comando no regime militar brasileiro: estudo derruba mito sobre prosperidade
a luz vermelha acesa. O país está abaixo do indicador de sustentação da democracia. "Era um país rico, entrou numa crise e sua economia decresceu", diz Limongi. "Não seria uma surpresa se se tornasse uma ditadura." Segundo Przeworski, as transições de regime são tipicamente precedidas por crises econômicas, mas é possível determinar qual é a causa e qual é o efeito. "Uma crise econômica pode criar uma crise política. Uma vez que há uma crise política, a crise econômica se aprofunda", afirma. A explicação para a estabilidade da democracia em países com renda per capita acima do limiar é a do jogo político. Segundo Limongi, a mudança de um regime é feita por meio de um golpe de Estado, o que sempre traz problemas. "O que você pode ganhar sendo um ditador por meio de um golpe em um país rico pode ser menor do que o que se vai ganhar se esperar a próxima eleição. Há estímulos para concorrer ao próximo pleito': afirma Limongi. ''As ditaduras reprimem e as pessoas têm medo de pressões físicas. No momento em que os países se tornam mais ricos, há uma vida melhor para botá-la em risco", observa o professor Przeworski. A premissa do livro é buscar respostas para uma ideologia dominante até os anos 80, que apontava a ditadura como elemento essencial para a promoção do crescimento econômico
do país
em países pobres. E, uma vez que esses países tivessem conquistado desenvolvimento econômico, a democracia seria imediatamente adotada. O resultado do estudo, porém, põe esses pressupostos por água abaixo. Primeiro, porque se identificou que, se o país se transformou em uma nação rica e é autoritário, não haverá uma transformação direta e imediata para uma democracia por essa razão. "O crescimento econômico não leva diretamente à democracia", avalia Limongi. Alguns países, como Taiwan, Espanha e Coréia do Sul, ficaram ricos sob a ditadura e não transitaram para a democracia por esse fato. "Não é um processo endógeno', alerta. Para o professor, são necessários elementos exteriores para que isso ocorra e as respostas não são passíveis de estatísticas. Na Espanha, por exemplo, houve a morte do ditador Franco, em 1975. A ausência de um líder enfraqueceu a possibilidade de uma ditadura continuar. Em Taiwan, houve o rompimento com o regime autoritário por uma estratégia de política externa. O governo do país avaliou que para ter apoio internacional para sua ação de independência da China era melhor ser uma nação democrática. "Mas, ao transitar de regime e conquistar a democracia, sua manutenção nesse sistema é mais fácil de se dar", sustenta Limongi. Outros fatores -
o segundo indicador que caminha na contramão da tese da ditadura para o desenvolvimento está nas evidências fortes de que um regime democrático ou ditatorial não influencia diretamente no crescimento econômico. Dos países autoritários com renda per capita anual de menos de US$ 1 mil na primeira vez em que foram observados na pesquisa, 56 não conseguiram desenvolvimento econômico em Trabalho em 1990, 18 deles chegaram a uma renda de US$ 1 mil, seis obtiveram uma renda de US$ 2 mil e três de mais de US$ 3 mil. A Coréia do Sul e Taiwan, entretanto, tiveram um êxito extraordinário: são os dois únicos regimes ditatoriais que entraram em 1950 com uma renda inferior a US$ 1 mil e em 1990 excediam US$ 5 mil. Demografia e ditadura - "O
que aprendemos é que os regimes políticos - ditadura ou democracia - não afetam a taxa de crescimento do PIE. Mas também descobrimos, para nossa surpresa, que a população cresce mais rápido nas ditaduras", conta Przeworski. "Ao mesmo tempo, identificamos que a renda per capita cresce mais rápido nas democracias. Ou seja, parece que o regime político tem mais impacto em demografia do que em economia." Mas a pesquisa indica que até o patamar de US$ 3 mil de renda per capita a composição da taxa de crescimento depende dos mesmos fatores tanto para um regime autoritário como democrático. No entanto, quando se ultrapassa esse valor, os dois regimes apresentam a mesma taxa de crescimento, mas com uma fórmula diferente. "Chegam aos mesmos resultados, mas a função de produção revela que a democracia se baseia em um tipo de fator e o autoritarismo em outro': explica o professor Limongi. "A democracia paga melhor os traba-
"Os Estados Unidos queriam reciprocidade de abertura, mas o Brasil não abriu", diz. A diferença, porém, é que a Coréia pode continuar fechada e, ao mesmo tempo, exportar para os Estados Unidos. "Não tem nada a ver com autoritarismo. Tem a ver com estratégia política da maior hegemonia do mundo." Muitas das teorias desenvolvidas sob o ponto de vista da ditadura para o desenvolvipaís asiático: outros fatores favorecem crescimento mento eram influencialhadores e têm maior desenvolvimendas pelo que se acreditava ser o sucesso to tecnológico. No autoritarismo os da ex-União Soviética: um sistema trabalhadores são mais explorados." extremamente fechado com mobiliA explicação pode estar no proceszação de todos os recursos para o inso político aberto das democracias, vestimento. Nos anos 60, no auge da que permite que reivindicações dos Guerra Fria, os políticos de direita trabalhadores sejam mais aceitas. "As dos Estados Unidos consideravam democracias tendem a se aproximar que estavam perdendo a luta interda social-democracia, com melhor nacional por causa dos altos vôos distribuição de renda e maior particique o bloco socialista estava levanpação do trabalhador na produção", tando. Para eles, a grande inimiga, a avalia Fernando Limongi. "Os regiextinta União Soviética, possuía um mes autoritários tendem mais ao promodelo para o desenvolvimento de cesso de Singapura, Coréia, Taiwan e países subdesenvolvidos. Tailândia, modelos em que a mão-deobra é utilizada intensivamente, sem Brasil- No interior dessa preocupação, que ela seja muito produtiva." os Estados Unidos começaram a Há, entretanto, outros contornos apoiar regimes autoritários pelo munque favoreceram o crescimento exdo. O golpe militar de 1964 no Brasil traordinário dos Tigres Asiáticos para é fruto dessa ideologia. Foi o período além do regime político. "Esses países mais próspero da economia. Mas, nos puderam proteger seus mercados e anos 80, o ritmo de crescimento caiu adotar políticas exportadoras", diz assustadoramente. Para alguns, a queLimongi. "Os Estados Unidos não feda do crescimento era fruto da redecharam o mercado para eles. Isso mocratização do país. "Nas décadas ocorreu por razões estratégicas. A Code 50, 60 e 70, o Brasil acompanha o réia do Sul era metade comunista e mesmo passo da Coréia do Sul. Na metade não. Os Estados Unidos deixadécada de 80, ele pára e a Coréia conram esse país se desenvolver para gatinua", expõe Limongi. De acordo nhar força contra o bloco soviético. com Przeworski, não há uma relação O mesmo ocorreu com Taiwan." entre a estrutura de desenvolvimento Na década de 70, o Brasil figurava do Brasil e seu regime político. O proao lado da Coréia do Sul e do México blema do país, segundo ele, está na dicomo um New Industrialized Country ficuldade de cobrar impostos dos (NIC). No entanto, saiu dessa categomais ricos e usar os tributos para auria porque teve dificuldades de contimentar o investimento social, seja um nuar a entrar no mercado americano. regime autoritário ou democrático. • PESQUISA FAPESP . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • 85
HUMANIDADES
LITERATURA
o cavaleiro da sabedoria Expulso do Partido Comunista Brasileiro, Astrojildo Pereira dedicou-se a pensar uma política cultural pioneira para o país
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Pereira (1890-1965), fundador e primeiro secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, foi uma das personalidades mais inquietas, intensas e ~ controversas envolvidas na tentativa de desenvolver uma política cultural no país. Eram as décadas de 30 e 40, a intelectualidade efervescia - formada por nomes como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Otto Maria Carpeaux, seus amigos - e, mais tarde, desembocaria na modernidade. De início, Astrojildo preferiu dedicar-se à política, mas o Brasil ganhou, graças ao partido que expulsou, em 1931, um dos seus mais brilhantes estudiosos das letras, um pensador bem formado pelas leituras de Machado de Assis, feitas desde a juventude. Apesar das críticas de seus adversários de partido, foi entre os intelectuais que se disseminou a imagem de pessoa sensível e profunda. Daí o título do livro do professor de comunicação comparada na Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Martin Cezar Feijó: O revolucionário cordial - Astrojildo Pereira e as origens de uma política cultural (250 págs., R$ 26). Recérn-lançada pela editora Boitempo, cuja edição foi parcialmente patrocinada pela FAPESP,a obra foi o tema de doutorado de Feijó na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), em 1999. Esse é o décimo livro de Martin Feijó e não é o primeiro sobre um dos poucos homens que realmente pensaram a política cultural brasileira. Em 1983, quan-
Astrojildo Pereira: influenciando, após sua morte, Paulo Freire, o Cinema Novo e o Tropicalismo 86 . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
do trabalhava na Secretaria Municipal da Cultura de São Paulo, Feijó publicou O que é política cultural, na coleção Primeiros Passos, da editora Brasiliense. Passados dois anos, já como editor de cultura de A Voz da Unidade, jornal do partido, o autor foi a Rio Bonito (RJ), onde Astrojildo nasceu, entrevistou intelectuais que conviveram com ele,como Francisco AssisBarbosa, correspondeu-se com Carlos Drummond de Andrade e visitou Niterói, onde Astrojildo morou. "Fui verificar que fatos antecederam a sua atração para o comunismo e o marxismo': explica. Como resultado de seus estudos, publicou Formação Política de Astrojildo Pereira (editora Novos Rumos), que trata do período de sua vida até o surgimento com o partido. Em um primeiro momento, o professor pensou em escrever a biografia de Astrojildo. Em 1990, porém, mudou o rumo e decidiu buscar o conceito de política cultural dentro da vida e obra de Astrojildo, para o seu doutorado. Surgiu, assim, um livro com ares de biografia, sem o hermetismo dos textos acadêmicos, mas permeado da principal preocupação do autor sobre o ainda não formado projeto cultural para o país. "Minha pretensão é que seja um ponto de partida do pensamento político-cultural para o futuro, não para o passado", afirma o professor. Machado de Assis - A obra se baseia em duas importantes pilastras que nortearam a vida desse intelectual: o comunismo e Machado de Assis. Várias histórias que ele protagonizou o tornaram uma espécie de figura lendária e ilustram a força desses dois vetores em sua trajetória. Ainda dirigente comunista, ele estava convencido de que seu partido deveria estabelecer uma aliança com o capitão do exército Luís Carlos Prestes - o "Cavaleiro da Esperança", que acabara de cortar o país disposto a transformar o quadro de atraso e miséria no Brasil. Era 1927 e Astrojildo foi de trem até Corumbá, em Mato Grosso, e seguiu de automóvel até Puerto Suarez, na Bolívia, para conversar com Prestes. Antes de partir, o comunista deixou livros marxis-
tas para o militar. Esse leu com atenção aquela literatura "que trazia uma nova possibilidade para seu anseio de transformar o mundo e não apenas derrubar um governo", como observa Feijó no livro. Assim, foi pelas suas mãos que o dirigente militar converteu-se em comunista. "E esse encontro levou Astrojildo a receber uma das mais fortes críticas dentro do partido, a de ser 'prestista", observa Feijó. "Esta foi uma das justificativas para a sua expulsão do PCB, depois de ter sido destituído do cargo de secretário-geral, em 1931." Mas, como se costuma dizer, há males que vêm para bem. "Sua expulsão foi fundamental para ele começar a trabalhar sobre uma política cultural para o país; foi quando afastado da militância que ele se relacionou mais com a intelectualidade carioca, começou a escrever e retomou Machado de Assis", diz Feijó. Uma comovente história também ilustra à perfeição a admiração de Astrojildo por Machado e o quanto o escritor foi importante em sua formação intelectual. Em 1908, quando o futuro intelectual tinha 17 anos, o escritor agonizava no leito de sua casa em Cosme Velho, no Rio. Sem avisar a ninguém, o jovem tomou a balsa de Niterói e dirigiu-se àquela casa onde não conhecia ninguém. Bateu na porta e pediu para ver o dono e, não sem relutância, a passagem lhe foi permitida. O rapaz entrou no quarto, ajoelhou-se e beijou-lhe a mão. Despediu-se de todos e saiu. O doente morreria poucas horas depois. E só mais de 30 anos mais tarde se sa-
o PROJETO o revolucionário cordialAstrojildo Pereira e as origens de uma política cultural MODALIDADE
Auxílio publicação COORDENADOR CELSO FREDERICO - ECA/USP
INVESTIMENTO
R$ 5.000,00
beria quem fora "aquele menino elevado", citado por Euclides da Cunha, uma das testemunhas da cena, por meio do livro publicado por Lúcia Miguel Pereira sobre Machado. Então, ele já era um homem de trajetória invejável. Suas credenciais eram inúmeras: jornalista cultural, historiador, militante, pensador, publicista, autodidata e, o mais notável, o principal estrategista de uma política cultural de esquerda. Tropicalismo - Machado
de Assis e Formação do PCB são dois de seus livros definitivos. Mas, para Feijó, seu texto mais importante foi Machado de Assis, Romancista no Segundo Reinado, publicado em 1939 na Revista Acadêmica, em que Mário de Andrade trabalhava. Ele também aponta Tarefas da Inteligência Brasileira, publicado em 1944, em que Astrojildo apresentou propostas decisivas para serem discutidas, um ano mais tarde, durante o Congresso de Escritores, em São Paulo. "Ele afirmava que o intelectual é o agente do processo cultural, por isso, ele tem de estar desligado do Estado e também do partido para poder pensar o país sem amarras", conta Feijó. "E diz que o caminho passa pela educação, pela alfabetização do ensino primário ao ensino superior; isto é, não basta aprender a escrever, é preciso aprender a entender o que se lê e a pensar." É como se fosse uma linha contínua que vai formando um caminho pelas décadas do século 20. "Paulo Freire pegaria esse mesmo conceito, e muitas propostas embutidas e defendidas naquele texto também foram desenvolvidas, mais tarde, pelo Cinema Novo, pelo Tropicalismo, pelos teatros de Arena e Oficina': diz Feijó. "Essa efervescência cultural é algo devedora de Astrojildo, seu grupo de pessoas e, até, a Machado de Assis, pois, além de grande escritor, ele também tentou pensar uma política cultural dentro dos limites de sua época': conclui. Agora, é tentar continuar tomando a ponta dessa linha e seguir para a frente pelo século 21. O Revolucionário Cordial abre algumas portas para refletir sobre o assunto e agir. • PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • 87
HUMANIDADES
ENTREVISTA:
LEOPOLDO
DE MEIS
Ciência com arte e emoção eopoldo de Meis, 63 anos, é uma figura excepcional dentro da comunidade científica brasileira. Médico formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor titular de Bioquímica no Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ e pesquisador dos mais respeitados em sua área, ele publica sem cessar nas mais importantes revistas científicas internacionais de Bioquímica. Suas linhas de pesquisa: Mecanismos de transdução de energia em sistemas biológicos, transporte ativo de íons, e síntese e hidrólise de ATP (adenosina trifosfato). Até aí, temos traços de um currículo que não o distinguiria muito de outros bons pesquisadores brasileiros. O que então singulariza esse brasileiro e carioca, nascido na Itália e trazido para o Brasil em decorrência da busca de seu pai - músico de formação erudita, violoncelista por melhores condições de vida no pós-guerra, é seu esforço persistente para tornar a ciência mais compreensível. E aqui entenda-se a ciência tanto como um corpus global de conhecimentos quanto em sua condição de poderosa prática social. Trata-se de torná-Ia mais compreensível, primeiro, para si mesmo. Porque é de seu desejo pes-. soal de compreensão que sem dúvida De Meis fala, ainda que assim termine por abarcar seus pares, quando diz "como seria bom se fosse permitido a cada especialista trabalhar também na claridade dos demais': Em segundo - e talvez mais fundamental-lugar, seu esforço diri-
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88 . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2())1 • PESQUISA FAPESP
ge-se para reduzir a opacidade da ciência para os não-especialistas, para a sociedade em geral. E é por força desse objetivo admirável que de Meis inclui "Educação, gestão e difusão para Ciência" entre suas linhas de pesquisa e procura, incansavelmente, formas de traduzir a ciência, com emoção, para os leigos. Essas buscas o conduziram, por um tempo, à política científica, depois, a experiências educacionais e, mais recentemente, a um diálogo com a arte e com outras linguagens de comunica-
ção fácil. O resultado disso são livros em quadrinhos sobre ciência, uma peça de teatro, um filme de divulgação científica com belíssimas e vertiginosas imagens produzidas por computação gráfica e novas idéias que jorram de sua imaginação. O texto que se segue contém apenas os trechos principais da entrevista que Leopoldo de Meis concedeu a Pesquisa FAPESP, em sua linguagem viva, apaixonada, coloquial, atravessada por gírias - carioca, enfim. • Embora já fosse há muito tempo um pesquisador respeitado em sua área, o senhor tornou-se bem mais conhecido depois da publicação de seu livro Perfil da Ciência Brasileira. Como começou seu interesse por esses estudos? - Houve uma época em que fiz política científica. Hoje, não faço mais, embora respeite muito as pessoas que sabem fazer isso. Eu não tenho vocação. Mas o trabalho foi feito em 1988, 1989, e foi publicado em 1990. Eu mostrei os dados do crescimento da pós-graduação no Brasil, comparando com os dados externos que consegui. Mostrei o tempo gasto, publicações por ano, a qualidade das revistas em que se publicava, seu impacto, etc. E o resultado dessas comparações é que, na realidade, não havia nenhuma diferença significativa entre os que fizeram pós-graduação no Brasil e os que fizeram lá fora. Em relação ao pós-doe, sim, fazia uma grande diferença ir lá fora.
Gibi sobre termodinâmica: ensino mais divertido
• Mas a essa altura, não está na hora de fortalecer o pós-doe internamente? - Ah, claro. Tem uma quantidade enorme de grupos brasileiros de pesquisa que não deve absolutamente nada para ninguém. Podem-se contar dezenas desses grupos que são de altíssimo nível para oferecer pós-doe. • Haveria ainda no país um entendimento insuficiente de qual é o papel da ciência para o desenvolvimento nacional? - Eu acho que sim. A maior parte do nosso Congresso não tem a menor idéia do que é ciência. E não só ele. Há uns poucos anos fiz um trabalho baseado em entrevistas com os técnicos do CNPq, e a filosofia vigente era que ciência básica devia ser feita somente lá fora, porque não tínhamos condições econômicas para desenvolvê-Ia aqui. Deveríamos fazer ciência aplicada. Ora, isso é coisa de quem realmente não tem a menor idéia do que seja ciência. Não existe ciência e ciência aplicada ... Quem começa a classificar assim, comigo já leva nota zero. Gosto, nesses casos, de citar Pasteur, que dizia que não há ciência básica e aplicada, mas o conhecimento e sua utilização. Eu pergunto como é que você vai classificar o projeto Genoma da Xylella? Vai dizer que é ciência aplicada? É um somatório de coisas, incluindo formação de gente. .A que se deve essa visão? Acho que a ciência é muito nova no Brasil. Alguns países, pouco tempo depois do começo da ciência moderna, a incorporaram logo, em termos não só econômicos, mas culturais. E até agora 70% ou 80% da ciência é feita nesses países precursores. • Enquanto nós estamos ali com 1,2% da produção científica mundial. - Mas isso é espetacular, se você considerar que antes do desenvolvimento da pós-graduação o Brasil inteiro publicava 50, 60 trabalhos, em todas as áreas do conhecimento. Portanto, a ciência no Brasil é muito nova ... • Ou seja, a ciência só começa a se institucionalizar no Brasil no pós-guerra.
- Sim, e portanto é um traço cultural novo, que ganha um vigor enorme após a pós-graduação, a melhor bolação jamais feita no Brasil. Ela cresceu de uma forma vigorosa, e é fundamental para o país nesse processo de globalização. • Qual é, aliás, a sua análise sobre nossa articulação com as tendências, as linhas dominantes de pesquisa nesse mundo globalizado? - Estamos agora cada vez mais expostos às coisas que acontecem em outros países. Coisas culturais, econômicas ... Estamos num momento muito delicado, porque em qualquer lugar do mundo começa-se a ter idades culturais, idades de conhecimento, distintas. São grupos populacionais enormes com grandes discrepâncias de exposição, aquisição e entendimento do que nós, espécie humana, já descobrimos.
• E isso explica suas preocupações em torno da educação e difusão científicas. - Sim, porque enquanto estamos falando do desconhecimento sobre o carro, o computador, etc., é uma coisa, mas quando você passa para outros níveis, por exemplo, para a medicação da alma, digamos assim, a coisa fica complicada. Hoje pode-se ir à farmácia, tomar um Prozac e medicar a alma. Ora, lidar com o relógio e não entendê-lo, tudo bem, mas quando começa-se a dispor de coisas que mexem com toda a estrutura do indivíduo e não se as entende, isso pode dar num samba do crioulo doido. • E qual é a sua preocupação específica nesse âmbito? - É o conflito humano-tecnológico que está surgindo. Os conceitos milenares de paternidade, maternidade, etc. estão mudando com esse negócio de inseminação artificial, clonagem ... Hábitos milenares estão mudando de forma muito rápida. E se as pessoas não têm a possibilidade de entender o alcance das mudanças, elas estarão não só alienadas de seu próprio universo social, mas sofrendo. Não estamos lidando com algo só econômico, mas com o que é humano, e o terror maior é que os homens das ciências exatas e das humanas não se falam. • Daí o senhor defende um processo de educação e de difusão constantes dessas conquistas novas da ciência e da tecnologia para que a sociedade se prepare para as mudanças que estão em curso. - Isso é muito ambicioso. Antes de pensar tão longe,penso no entendimento entre os próprios cientistas. Veja, o matemático tem uma visão do universo muito precisa, mas muito distante da visão que um biólogo tem. Muito diferente da visão de um físico, de um químico. A quantidade de conhecimento que temos é tamanha, que é impossível uma pessoa controlar todas as áreas do conhecimento. Até um século, dois, o volume de conhecimento era
Lavoisier em quadrinhos: à frente de uma silenciosa revolução nos laboratórios PESQUISA FAPESP . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • 89
pequeno e o cérebro podia absorver, digerir um pouquinho de cada coisa e isso tudo se misturava. Gosto do exemplo de Descartes: era um grande filósofo, um grande matemático (as coordenadas cartesianas) e um grande biólogo (descobriu a hipófise). Com a enorme quantidade de pesquisas, hoje, quando só nas revistas indexadas publica-se anualmente 1,2 milhão de trabalhos, isso é impossível. A produção de novos dados acontece numa velocidade avassaladora, porque a quantidade de pessoas no planeta que trabalha em ciência aumentou de maneira incrível: no começo dos 1900 se calculava algo em torno de 2 mil, 3 mil pessoas, e hoje o número estimado é acima de 20 milhões. A velocidade da produção obrigou a superespecialização: o que fazemos é cavar em profundidade e um especialista não consegue entender o universo do outro. • E o que poderia articulá-losi - Uma nova linguagem que permitisse às diversas ciências se comunicar com rapidez e clareza. Se conseguíssemos cada um trabalhar também na claridade dos demais, acho que encontraríamos saídas e entenderíamos o universo muito mais depressa. • Mas aí não seriam os 20 milhões de especialistas que entenderiam um pouco mais de tudo enquanto os outros ficariam cada vez mais à margem? - Primeiro os cientistas. Isso já provocaria um grande salto. O outro pedaço, onde eu também procuro trabalhar, é diferente. Veja, quando se fala de ciência nos jornais, revistas, etc., na maior parte das vezes aborda-se o aspecto muito importante da aplicação da ciência, de sua utilidade, de sua importância para a economia de um país, para o desenvolvimento econômico, social, o que é absolutamente correto, mas raramente fala-se sobre um outro lado que é o do desejo do homem de entender o universo. Essa é a parte lúdica da ciência, suas motivações originais e, depois, as emoções associadas com a ciência. Isso ninguém ensina e por isso as nossas aulas de ciência são tão chatas. 90 • NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
• Mas as aulas não são chatas também pela falta de motivação dos professores? - Sem dúvida isso contribui. Mas, tirando isso, o fato é o seguinte: só mostramos o lado utilitário da ciência, e o outro lado, igualmente importante e fundamental para o menino em formação, fica esquecido. Ora, um menino de 7, 10, 15 anos, excepcionalmente pode até estar interessado em Produto Interno Bruto, mas está muito mais interessado no que ele gosta e no que não gosta. E mostrar que a ciência traz algo muito maior, por exemplo, entender o universo, pode ser, para eles, um negócio importante. • O seu trabalho teatral com o método científico se insere exatamente aí. - Exatamente aí. Começou como um trabalho de pesquisa. Queria ver como é que as crianças viam a ciência e pedi que desenhassem o cientista. A partir de uma amostra grande feita no Brasil e nos Estados Unidos, vimos que o desenho não muda desde que a criança tem 6 ou 7 anos até ela entrar na universidade. É sempre o mesmo desenho machista, não tem mulher fazendo ciência ... A coisa passa pelo estereótipo do homem sempre solitário, com a cara meio entediada, não há comunicação. Mais de 30% desses desenhos mostravam pessoas que você não convidaria para tomar chá em sua casa. Umas caras horríveis, loucos, desvairados ... Depois, em outros trabalhos, perguntamos a universitários o que era ciência. Escolhemos os que tinham acabado de passar no vestibular de Medicina, porque é o mais difícil e que requer mais conhecimento da ciência que se ensina no colégio, e os meninos da Escola de Belas-Artes. Esperava respostas diferentes. Nada! Todos diziam que ciência é um negócio lógico e não precisa de criatividade, porque se descobre o que já está aí. • É só observação. - É. Lógica, observação, precisão ...
nenhuma emoção, nenhum sentimento. Aí perguntei "o que é arte?", e diziam o contrário: é emoção, criatividade, criar coisas novas, universos.
• Mas de onde vem essa visão? - Não sei. Eu pedi a um colega meu dos Estados Unidos, Harvey Penefsky, um dos descobridores da transdução mitocondrial, para fazer a mesma coisa no College Siracuse, no segundo ano de college, quando o menino tem que tomar sua decisão de carreira. O resultado foi idêntico. Portanto, não é uma qualidade brasileira essa visão distorcida. E, então, comecei a pensar de que maneira poderia tentar fazer alguma coisa sobre isso e fui criticado por muitos colegas (fui elogiado por outros também), que diziam: "Como você vai fazer sociologia da ciência?': Fiquei angustiado porque realmente não tinha leitura suficiente disso. • Isso foi nos anos 1980, não? - Nos anos 80. Naquela época eu jogava bastante bola, e quando se joga bola, você está correndo, mas de vez em quando está parado e, enquanto as pernas estão correndo, a cuca funciona. Aí fiquei muito angustiado, até que disse: "Besteira, cara! Desde os 18 anos eu faço sociologia da ciência, estou interagindo com pessoas de ciência, vou fazer!" É minha tribo, são meus índios, qual é? Aí comecei a fazer. Se certo, errado, não sei, mas alguma coisa está acontecendo. E uma das coisas que eu comecei há muito tempo foi a dar cursos para meninos de colégio quando eles entram em férias. Um negócio maravilhoso. No princípio, eu mesmo dava o curso, mas desde o fim dos anos 80 os pós-graduados ficaram muito entusiasmados com isso. Então, o esquema é assim: um professor pega um tema, os pós-graduados durante a época letiva preparam um curso puramente experimental, cuja característica não é fazer o menino ver, mas descobrir. São 80, 90 meninos, em cada rodada. Depois, os pós-graduados começaram a reclamar comigo porque as professoras criavam caso, então elas vieram. Umas 50 por ano. Enfim, temos um bom programa dos meninos de baixa renda que trabalham em laboratório. Escolho um menino que tem que ser bom no curso. Boto no laboratório para trabalhar com o pós-graduado que passa a ser o
tutor dele, tem que cuidar, acompanhar o boletim, explicar os deveres de casa, tudo.
• E que idade têm esses meninos?
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- Em torno de 15, 16 anos. Em compensação, o menino funciona como uma espécie de técnico, ajuda o pósgraduado a trabalhar. E mostra para o pós-graduado uma realidade, extremamente cruel muitas vezes, a que normalmente ele não é exposto. E o objetivo não é o menino ficar melhorzinho, é entrar para uma faculdade pública. E já são mais de 40 que conseguiram isso, tem um ótimo, brilhante, que está fazendo doutorado.
festa. E, número três, apareciam os almanaques. Eu adorava gibi, Príncipe Valente, Tarzan ... Aí pensei, "vou fazer um". Procurei com meus colegas da Belas-Artes um cara bom para fazer gibi, eles indicaram o Diucênio Rangel e fizemos O Método Científico.
• Quando foi publicado? - A primeira edição foi em 1996. Foram 4 mil exemplares, feitos com apoio da Academia Brasileira de Ciên-
aquilo que estaria nos slides". Os estudantes de pós-graduação ficaram animados, começaram a inventar coisas maravilhosas para fazer com o projetor, roupas, papéis. E aí nós fizemos. Os meninos adoraram, bateram palmas de pé, gritaram ... Depois, a Universidade Mackenzie soube da história, pediu que levássemos para São Paulo. O pessoal do Sul chamou, fizemos uma turnê começando por Porto Alegre, e de repente estavam 8,5 mil
• Depois veio o teatro mesmo. - Sim. Os cursos ainda não me satisfaziam. E aí pensei, outra vez jogando bola: a linguagem da arte é muito importante se você quer transmitir emoção. O cientista tem os seus momentos de emoção, o problema é como transmitir essa emoção. Os bons cientistas, os que se destacam, falam dessas emoções, falam da intuição . • E isso levou a quê?
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- Eu não tinha a menor idéia do que fazer. Então comecei a ir a tudo quanto era palestra que aparecia sobre "ciência e arte". A maior parte era interessante, algumas brilhantes, outras chatas. Mas o fato é que em nenhuma delas eu entendi qual é a relação entre ciência e arte. Era bonito, mas não tinha nada a ver "habeas corpus" com "corpus christi". Então eu disse "bah, vou tentar aprender a linguagem das artes': E tem uma colega maravilhosa da escola de Belas-Artes, a Lourdes Barreto, com quem comecei a conversar. Primeira coisa que percebi: o material de ciência que vai para as escolas é chato pra caramba; dois: é feio; três: é difícil de entender; quatro: não fala a linguagem dos garotos. Aí lembrei que quando eu era garoto adorava o almanaque. Quando chegava o fim do ano tinha três coisas maravilhosas que aconteciam: primeiro, férias, ficava livre do colégio, ah, que maravilha, ficar livre daquela porcaria. Número dois, ia chegar o Natal, ia ter
De Meis:"O cientista tem seus momentos de emoção; o problema é como transmitir"
cias, do CNPq, e distribuídos gratuitamente nas escolas, graças ao apoio da Fundação Vitae. Depois, foram mais 4 mil exemplares na segunda edição, e aí a FAPESP foi preciosa: comprou metade, distribuiu nas escolas. Depois, em 1998, veio no mesmo estilo "A respiração e a P lei da termodinâmica ou ... a alma da matéria': Estou tentando fazer um agora sobre a história das vacinas.
• Mas como aconteceu o teatro? - Foi uma coisa gozada. Toda vez que eu faço o curso de férias, trago um conferencista que possa mexer com a cabeça dos meninos. Aí um conferencista programado não pôde vir e o pessoal disse: "Você vai dar a palestra, Leopoldo", e eu, "Deixa estar, vamos fazer o seguinte: em vez de apresentar slides, eu falo e vocês representam
crianças dentro do anfiteatro na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A cada vez que viajávamos, íamos mudando, botando mais música, mais figurino. Fomos a Santa Maria, Pelotas, Caxias do Sul, Vitória, São Carlos, Campinas e, há pouco, São Paulo de novo, na Escola Paulista (Universidade Federal de São Paulo, Unifesp). Agora as sociedades brasileiras de Bioquímica e de Química nos convidaram para apresentar. E nós vamos. Fomos a diversos colégios, ao Pedro Il, etc., sempre em grupo de 13 a 16 pessoas, entre professores e pósgraduados. Agora, finalmente, o que estou mais envolvido é com computação gráfica e cinema. Mitocôndria em três atos, filme de animação é o pedaço mais novo dessa jornada. A nossa sala de cinema no laboratório acabou de ser montada. • PESQUISA FAPESP . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • 91
HUMANIDADES
Johann Moritz Rugendas, Festa de Nossa Senhora do Rosário, padroeira dos negros: festividades
para subverter a opressão
HISTÓRIA
o Brasil sempre Livro mostra de que modo as comemorações evoluíram e influíram em nossa história om o objetivo de aprofundar o entendimento sobre a singular experiência das festividades no Brasil e suas implicações na formação da identidade e da cultura nacionais, os historiadores István Iancsó, da Universidade de São Paulo (USP), e Iris Kantor, bolsista de doutoramento da FAPESP e professora licenciada da Escola de Sociologia e Política, organizaram dois volumes que reúnem 49 artigos de pesquisadores brasileiros e
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foi de festa
contribuição de autores portugueses sobre o tema: Festa - Cultura e Sociabilidade na América Portuguesa (FAPESP,Hucitec, Edusp e Imprensa Oficial, 990 págs, R$ 115). O trabalho é fruto de um seminário internacional de seis dias organizado há dois anos na USP,que teve o mesmo título da obra. Ambos, seminário e livro, receberam financiamento da FAPESP. Os artigos reunidos nas quase mil páginas dos volumes fornecem amplo caleidoscópio de temas e, segundo os organizadores, contribuem para diminuir a imensa lacuna bibliográfica na historiografia sobre o período. A idéia que originou o seminário foi exatamente fazer um balanço das pesquisas sobre assuntos ligados às festas, desde
seus aspectos mais detalhados, de "micro- história", até exercícios de história comparada e abordagens interdisciplinares sobre os fenômenos festivos, que incluem o olhar de outros ramos do conhecimento, como antropologia, letras, filosofia, música e dança. Valorizando o aspecto do diálogo entre os diversos olhares sobre as festas, acompanha o livro um CD com 26 músicas compostas entre os séculos 13 e 18. Trilha sonora para a leitura, o CD teve curado ria de Maurício Monteiro e direção artística de Anna Maria Kieffer, além da participação de mais de 50 pessoas. Os grupos de pesquisa musical haviam dado um clima diferente ao seminário, apresentando-se depois de palestras.
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_ logos, na medida em que Como as festas são um dos pontos principais da procuravam fazer traduções entre a cultura euroimagem do brasileiro sobre ele mesmo e do estranpéia e as diferentes culturas ameríndias", salienta. geiro sobre o país, é inegáNo período compreendido vel que essas manifestações entre o final do século 17 e coletivas influam sobre a início do século 18, a parconstrução da identidade tir da descoberta do ouro, nacional. Para o professor Iancsó, a raiz do fato está começaram a se formar os núcleos urbanos com exno significado que as festividades tinham e ainda pressiva densidade demográfica, em especial nas citêm. "As festas significam dades de Minas Gerais. um instrumento para fuNesse segundo momengir do controle de um EsDebret, a marimba do passeio de domingo: comungar ideais to, quando a sociedade urtado com o qual sempre bana se consolidou, passou mantivemos uma relação a haver a necessidade de se estabelecer de sofrimento e de antagonismo, ao gelizar e doutrinar os índios, usando tradições de festas. E foi o modelo micontrário do paradigma europeu e esses instrumentos como recurso peOcidental, em que a identidade é esneiro o exportado para o restante do dagógico. Isso, porém, não é algo espaís. "As festas daquela época seguiam truturada pelo Estado, que represenpecífico do Brasil e da América portuum modelo ditado pela metrópole, ta um instrumento de emancipação. guesa, mas do Peru, do México e de No Brasil, o Estado, criado pelas elique foi chamado 'triunfo cristão', paoutros povos andinos." recido com o atual Corpus Christi", tes, nunca foi um instrumento de liDe acordo com a historiadora, esdiz Iris. "Eram festas processionais, em bertação e de identificação, mas sim sa estratégia de transculturação dos que na frente iam as populações mais de coesão", afirma. jesuítas era parte de sua vocação missubalternas, os escravos, os índios. No sionária, de seus objetivos de evangecaso de Portugal, iam os mouros e os Inimigo interno - O Estado, para Ianclização dos territórios recentemente judeus. Mais ao centro da procissão só, era e continua sendo um instrudescobertos. "Os jesuítas chegaram a seguiam as camadas mais altas, numa mento de controle do "inimigo interser até condenados por excesso de espécie de ordenamento que ia num diálogo. Eles atuavam como antropóno", a maior parte da população. crescendo do inferior ao superior. Em Diante disso, assumem maior relegeral, usavam o recurso dos carros alevância as ocasiões em que os brasileigóricos e das coreografias." ros conseguem se ver como um conjunto de pessoas que partilham e Erudito e popular - Ambos os períodos comungam ideais, valores e sentidos. também se diferenciavam pelo que se "Isso acontece nas situações festivas, cultuava nas festividades. Enquanto o não porque é festa, mas porque é de todos", explica Iancsó. Ele continua: modelo jesuítico era mais devocional, as festas barrocas cultuavam o rei. Íris "As pessoas dizem que nossa identidade é mal-acabada, uma identidade explica: "A festa era um reforço da presença real na ausência e distância festiva. Isso é bobagem, porque representa uma aceitação acrítica do parado monarca. Como obedecer à disdigma dos países europeus:' tância que se verificava entre a colônia e a metrópole? As festas funcionavam A professora Iris afirma que os dois volumes procuram abarcar basicomo espécie de colonização do imacamente os três períodos que chama ginário." Outro dado interessante é de "a pré-história do carnaval': Ela exque esse momento antecede a divisão entre a cultura erudita e a popular, plica que, logo no início do período colonial, os principais ritos de sociaque ainda hoje permanece. Os pobres bilidade eram as festas da catequese, estavam presentes às mesmas festividominadas basicamente pelos jesuídades que as elites. As comemorações tas, principais construtores do imagicoletivas tinham uma função ordenário festivo de então. "Eles entendenadora, de delimitação de hierarCUIIIs'rrAliO J".1'!iOT ram a importância da utilização da quias. Nem sempre a festa é de quem Batuque: alegria do "inimigo interno" música e do teatro para cativar, evanquiser ou vier. • PESQUISA FAPESP . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001
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HUMANIDADES
IMPRENSA
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Revistas "chiques" dos anos 10 e 20: apesar do esforço da elite cultural, as publicações que faziam sucesso eram as de consumo
Em revista, o desvario da paulicéia cultural pública, São Paulo (1890-1922) a his-
Estudo mostra relação entre mídia e vida cotidiana na São Paulo antiga a paulicéia desvairada, a luz elétrica tomou conta das ruas. As mulheres encurtaram os cabelos e as saias, os bondes aceleraram a vida. Novos hábitos noturnos: o bar, o restaurante, as lojas de departamento iluminadas. São Paulo do início do século 20 viveu sua belle époque com direito a quase todo glamour de Paris. Mais: foi a cidade em que se desenvolveu, com esplendor, uma indústria até então incipiente no país: a da produção editorial de revistas. Em Revistas em Revista: Imprensa
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e Práticas Culturais em Tempos de Re94
• NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
toriadora Ana Luiza Martins apresenta um extenso levantamento documental e iconográfico sobre essas publicações, que chegaram a somar mais de 200 títulos entre 1890 e 1922. A pesquisa, desenvolvida como tese de doutorado defendida no departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), acaba de ser lançada em livro, uma publicação ilustrada e muito bem cuidada, feita com apoio da FAPESP pela Edusp e Imprensa Oficial (591 páginas, R$ 50). O livro tem prefácio do bibliófilo José Mindlin e é comentado, na contracapa, pela historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro. Foi feito com base em documentos de diversos arquivos, entre eles o do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e o do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, além de bibliotecas particulares,
como a do próprio José Mindlin. Apresenta análises que permitem entender de que forma essas revistas colaboraram para a formação de um público leitor, ao mesmo tempo em que, fato inusitado, deram propulsão a uma nova realidade econômica e mercadológica nos centros urbanos. Imprensa tardia - "As revistas tiveram um papel muito importante no Brasil naquela virada do século 20, em função da própria história da imprensa no país", explica Ana Luiza. "Foi uma imprensa tardia, se comparada com a existente nos países latino-americanos de colonização espanhola, os quais conheceram o prelo desde o século 16." A primeira impressão oficial feita em solo brasileiro só ocorreu após a chegada de D. João VI ao Rio de Janeiro em 1808, fato que elevou a cidade à capital do Império português. "Antes do Império, qualquer atividade que pudesse resultar na publicação de um periódico era submetida a uma censura rigorosíssima, principalmente no tempo em que a Inquisição esteve na Colônia", diz. Um segundo momento curioso da imprensa nacional foi quando, apesar de ter surgido no Rio, ela teve
a autora conquistava seu público, sua São Paulo como palco de seu grande dismo trazido pelos ingleses. Naqueobra ajudava a revista a encontrar desenvolvimento. "Ela surgiu tardiale tempo, além do tênis, o futebol, leitores entre os mais diferentes grumente, mas num período de grandes hoje um evento popular, também era pos da sociedade", explica ela. Como e importantes mudanças", observa a um esporte exclusivamente elitista. ainda não havia editoras de livros, professora Maria Luiza Tucci. Essas "Sem dúvida, as mais lidas eram as muitos autores e até movimentos litransformações ocorriam principalrevistas femininas", afirma a autora. terários ficaram conhecidos graças mente em solo paulista, sob a égide Vários motivos explicam essa populaaos periódicos. Niterói, por exemplo, dos barões do café, que cultivavam a ridade. "Naquele tempo, havia mais a primeira revista brasileira de que se terra roxa no interior e apostavam na mulheres do que homens alfabetizamodernidade da capital. tem notícia, impressa na França, foi dos na elite", diz Maria Luiza. "Além De que tratavam, então, disso, as revistas femininas essas publicações, responsápodiam entrar nas casas das veis pelo nascimento e crescifamílias, porque mesmo que mento de um verdadeiro parcontivessem, por exemplo, que gráfico na então terra da contos ou textos literários, garoa? "De um pouco de eles jamais chocariam moças tudo", diz Maria Luiza. Entre e senhoras, como costumava as de maior popularidade esacontecer, muitas vezes, com Fóra da calçada ... tavam as femininas, as de esas revistas literárias", continua. portes, as religiosas, as que O período estudado segue sotratavam de educação e - pasmente até 1922, justamente me - as revistas agrícolas. por se tratar do ano em que o "Ocorre que essas publicações Modernismo se afirmou e as surgiram no início da Repúrevistas modernistas apresenblica, quando os grupos mais taram rupturas de linguagem e progressistas estavam lutando de propostas em relação a suas por uma melhor educação antepassadas. não podemos esquecer que o país tinha uma herança escraBeleza gráfica - Um passeio vocrata, portanto, era predopelas páginas coloridas de Reminantemente analfabeto", vistas em Revista permite ao explica a pesquisadora. O peleitor deliciar-se com a beleza ríodo foi marcado também gráfica de muitas dessas pupelo fortalecimento do ensino blicações (Sports, Correio Paupúblico, com a fundação, por listano, A Estação, Vida Moexemplo, dos grupos escolares derna). Os títulos mostram o Caetano de Campos e Rodriesforço criativo para assuntos gues Alves. "As revistas servigerais (A Rolha, O Parafuso, A Ação do guarda: usando a imprensa para educar o povo am para ampliar o público leiCigarra, A Farpa, A Vespa, tor e era importante falar sobre Arara, O Queixoso - de oposição ao espaço de veiculação dos escritores assuntos valorizados pelo governo, governo, Caras Y Caretas) e para falar do Romantismo. por exemplo, a agricultura, em pride São Paulo de maneiras diferentes As revistas paulistas religiosas meiro lugar, e a educação, logo em (A Garoa, Ilustração Paulista, Correio também apostavam na diversidade seguida", continua a historiadora. Paulista no, Vida Paulista, Ilustração de assuntos para atrair mais leitores. Embora fossem setorizadas, as reLeia-se: fiéis. "Costumavam divulgar de s. Paulo, O Álbum Paulista). vistas não eram monotemáticas, de Os esforços gráficos e editoriais exposições de arte. A primeira expoforma que era possível, por exemplo, eram acompanhados pelo desenvolsição de Benedito Calixto em São encontrar peças literárias em uma vimento da publicidade. "Foi naquele Paulo foi divulgada em uma revista revista que tratava de assuntos ligaperíodo que surgiu a idéia de revista da Igreja", aponta a pesquisadora. O dos à terra e ao plantio. "Um grande como negócio. Vingavam as de conimpresso periódico foi o meio enexemplo foi a revista Chácaras e sumo. Revistas literárias eram conhecontrado pelos eclesiásticos para Quintais, na qual a escritora Iúlia Locidas por durar pouco tempo, daí a compensar a diminuição do poder pes de Almeida despontou, publiinserção da literatura em outros tipos da Igreja após a separação dessa inscando seus contos", narra Maria Luitituição do Estado, o que ocorreu de publicação", diz Maria Luiza. za. "Esse tipo de coisa era uma via de Qualquer semelhança com os dias de com a proclamação da República. Já mãodupla: ao mesmo tempo em que hoje não é mera coincidência. • as esportivas acompanhavam o mo-
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LIVROS
o debate estético e ideológico na MPB Como se deu a evolução da música popular nos anos 60 ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ
urante a década de "seguindo a canção" 60: ~ literatura, a engajameI1!o poIiioo e inWsIria cultural na musica, o teatro e MPB(195H969) o cinema foram espaços privilegiados de discussão estética e política, numa época marcada pelo autoritarismo e pelo avanço da mercantilização da cultura. Em Seguindo a Canção - Engajamento Político e Indústria Cultural na MPB (1959-1969), Marcos Napolitano estuda a evolução da vertente mais popular da produção cultural da época, a música, a partir de uma perspectiva histórica que adota como balizas a participação política e as demandas da indústria cultural. O trabalho foi originalmente apresentado como tese de doutorado à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), em 1999. ' O autor analisa dez anos de debate estético e ideológico em torno da música popular brasileira (MPB), que a forjou enquanto instituição cultural. Evitando delimitar esteticamente a MPB, Marcos Napolitano esmiuça suas articulações sociológicas, históricas e ideológicas. A partir dos anos 60, as formas de consumo cultural do país mudam: o mercado de bens culturais se moderniza, ampliando seu poder de ação com a massificação do disco e a generalização da televisão. O autor estuda ainda o importante papel dos festivais da canção, realizados entre 1966 e 1968, nesse processo. À medida que se institucionaliza, a MPB vai se tornando uma "fonte de legitimação na hierarquia sociocultural brasileira", passando a ocupar um espaço próprio, dotado de certa autonomia, que gera sua própria identidade e reconhecimento. O momento inicial desse processo é a eclosão da bossa nova, em 1959, quando o compositor passa a ter mais autonomia em relação ao seu trabalho de criação, assumindo a canção como modo de reflexão sobre seu fazer estético.
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A redefinição do estatuto da MPB se dá em meio à oscilação paradoxal entre o estabelecimento de uma cultura de protesto e de reMarcos Napolitano sistência ao regime militar e a consolidação de um produto cultural valorizado Annablume/FAPESP economicamente. Antes do 372 páginas golpe militar de 1964, o arR$ 25,00 tista engajado atuava em duas frentes: no mercado e em organizações culturais fora dele, não sem desconforto. Depois que os militares tomaram o poder, essas organizações foram colocadas na ilegalidade e o mercado passou a ocupar todo o espaço disponível. Napolitano mostra como o nacional-popular muda de registro, deixando de dar o tom da estratégia reformista para se tornar vetor da resistência. Com o advento dos movimentos da Jovem Guarda e do rock, a MPB vive um impasse entre ocupar o mercado e não perder as ligações com a identidade nacional. Duas tendências se opõem, os "nacionalistas" e os "vanguardistas". Lúcido, o autor matiza a dicotomia entre ambos, evitando associar uns com o "conteúdo" musical e outros com a "forma". Em vez disso, ele prefere falar em "estilização da tradição" e em "revisão dos códigos musicais e poéticos da MPB". Marcos Napolitano conclui o estudo sobre a música popular nos anos 60 com uma análise do Tropicalismo - última etapa do processo de institucionalização da MPB -, que surge desse impasse e do esgotamento do nacional-popular como eixo da cultura e da política. O movimento assinala a passagem de uma cultura política de matriz romântica para uma cultura de consumo, em sintonia com a nova etapa do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, confundindo a dicotomia entre arte e mercado. Seguindo a Canção Engajamento Político e Indústria Cultural na MPB (1959-1969)
é jornalista e doutor em cinema pela Universidade de Paris III.
ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ
LANÇAMENTOS
REVISTAS
Demanda do Santo Graal: das Origens ao Códice Português Ateliê Editorial Heitor Megale 400 páginas / R$ 39,00
Escrito pelo grande especialista brasileiro em literatura medieval, responsável pela edição da Demanda em português (esgotada, mas que será reeditada em breve pela Ateliê), este livro é um guia valioso e de grande erudição para se conhecer os meandros da história mágica e simbólica da busca pelo cálice na Bretanha. Megale passa em revista as aventuras dos cavaleiros do rei Arthur e de que forma elas foram retratadas. Esse, aliás, é o grande atrativo do estudo: como se deu a trasmissão desse ciclo de lendas e a sua eterna permanência.
A revista da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo traz em sua edição mais recente um artigo que levanta uma questão polêmica: de que forma se dão as relações entre violência e pesquisa na escola brasileira após 1980. Do mesmo interesse é o artigo de Fúlvia Rosemberg que examina a produção brasileira contemporânea sobre as articulações entre educação e gênero. Ioana Bahia examina o significado da evasão escolar na vida de uma comunidade de produtores rurais de ascendência alemã. Teima Ferraz Leal e Patrícia Santos da Luz, da Universidade de Pernambuco, discutem a sua pesquisa sobre a produção de narrativas em duplas de alunos.
Doenças das Aves
Estudos de Cinema
Facta/FAPESP Angelo Berchieri Júnior e Marcos Macari 490 páginas / R$ 140,00
Número 3
Concebido com o apoio da FAPESP, este é um livro de referência obrigatório para todos os interessados na avicultura. Reunindo uma equipe de 57 especialistas brasileiros, é uma súmula definitiva das muitas doenças que atingem as aves, incluindo também as formas de combatê-Ias por meio de imunologia e vacinas, cobrindo uma lacuna na literatura científica, já que o estudo dessas patologias é muito recente.
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Educação e Pesquisa 2001 - volume 27
Economia Social no Brasil Editora Senac Ladislau Dowbor e Samuel Kilztajn (org.) 388 páginas / R$ 40,00
Com o objetivo de "colaborar para a construção de um Brasil mais justo e melhor", definição dada. pelos dois economistas nessa reunião de estudos, Economia Social no Brasil pretende discutir temas fundamentais para o entendimento das grandes estruturas econômicas nacionais, como distribuição da renda, pobreza, trabalho informal, emprego na agricultura, garantia de renda mínima, desigualdade social, sistema previdenciário, entre muitos outros, tratados com profundidade por um grupo de pesquisadores ligados ao Laboratório de Economia Social (LES), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e de outras instituições acadêmicas.
Editada pelo Programa de Estudos de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC-SP, com apoio da FAPESP, a revista traz nesta edição textos sobre a 0produção e o estudo do cinema edvc -__ para bem além do tradicional eixo '--------' Rio-São Paulo. Entre os artigos: Panorama Histórico da Produção de Filmes no Brasil, de CarlosAugusto Calil; Bocage, o Triunfo do Amor: Registro de uma Cultura, de Djalma Limongi Batista; o depoimento Uma Vida de Ator, com Carlos Alberto Riccelli; Modernismo Reacionário: o Cinema da Deusa Imperfeita, Leni Riefenstahl, de Adriana Kurtz. Es1udosdeCinema
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Comunicação e Educação Número 21 Teatro Brasileiro, Escola e Televisão, Educação para os Meios
A publicação do Curso de PósGradução lato sensu de Gestão de Processos Comunicacionais do Departamento de Artes da ECAUSP traz nesta edição os seguintes artigos: Escola e Televisão: para além dos antagonismos, de Iara Vieira Guimarães; Da Imagem Pedagógica à Pedagogia da Imagem, de Anita Leandro; Multiculturalismo e Identidade: os Meios de Comunicação e Escola, de Quartim de Moraes; Compositor Musical e Professor: Uma Visão Comparativa, de Aguida Barreiro; Ciberespaço e Violência Simbólica, de Paulo da Silva Quadros; e, entre outros, Por uma TV de Vanguarda. PESQUISA FAPESP . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • 97
FINA]] MOLLICA
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98 . NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
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