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Estudo mostra coerência entre orientação ideológica e composição social das bancadas na Câmara dos Deputados
FUTEBOL PELA LENTE DA CIÊNCIA PESQUISADOR BRASILEIRO DESCOBRE GENE DE RARA DOENÇA RENAL
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Anuncie na edição especial
FAPESP 40 anos Em 23 de maio, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo-FAPESP fará 40 anos. E tem muito a comemorar: são quatro décadas de apoio permanente à produção do conhecimento no Estado de São Paulo, à sua pesquisa científica e tecnológica. Trata-se de investimento que vem gerando inestimável riqueza material e cultural para o país e contribuindo para conferir à ciência brasileira a maturidade e o vigor com que hoje ela se apresenta ao mundo.
pesq--'üiSã FAPESP
Pesquisa FAPESP vai contar numa edição especial os fatos científicos, tecnológicos e políticos mais marcantes desses 40 anos de vida da FAPESP e falar de planos que sintetizam uma aposta audaciosa no futuro.
Os atalhos do
MEDO
Participe também dessa história de realização do futuro, anunciando na edição especial de Pesquisa FAPESP.
A edição especial será lançada na festa dos 40 anos e circulará com a edição de junho da revista. Reserva: 10/5 - Material: 15/5 - Circulação: 1/6 Para anunciar, ligue: (OxxI D 3167-7770 ou contate rscola@eanm.com.br
ramal 255
ÍNDICE
82 Estudo mostra coerência entre orientação ideológica dos partidos brasileiros e composição social de suas bancadas CARTAS PESQUISA FAPESP ON LINE EDITORIAL MEMÓRIA • POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA ESTRATÉGIAS REUNIÃO DISCUTE P&D UM B~LANÇO DO PRO-CIÊNCIAS EM SAO PAULO PATENTES DA EUROPA E DO BRASIL NOVA EMPRESA FORMADA POR PESQUISADORES RECURSOS PARA O VERDE-AMARELO .........•.... • CIÊNCIA LABORATÓRIO NOVA GERAÇÃO Dç ANIMAIS TRANSGENICOS AVANÇOS NOS ESTUDOS DAS DOENÇAS AUTO-IMUNES TRATAMENTO DE PULMÃO HABILIDADES NO FUTEBOL VACINA CONTRA BRUCELOSE AS ORQUÍDEAS E OS INSETOS A TERRA HÁ UM BILHÃO DE ANOS COMO UM BURACO NEGRO ABSORVE MATÉRIA
4 6 7 8 10 10 14 20 22 25 27 28 28 3ó
32 Pesquisador brasileiro coordena grupo internacional que leva à identificação de gene causador de uma grave doença de rim em crianças
38 40 42 45 46 48
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• TECNOLOGIA 60 LINHA DE PRODUÇÃO 60 TESTE PARA EQÜINOS E BOVINOS .. 70 PROTEÍNA PREVINE MORTANDADE DE FRANGOS 72 PRONTUÁRIOS DO INCOR 76 INDÚSTRIA DE AUTOPEÇAS 79 MÁQUINAS PARA USINAR PEÇA DE TURBINA 80 • HUMANIDADES FUNDAÇÃO ROCKFELLER NA USP ESTÉTICA BARROCA BRASILEIRA
82 89 92
LIVROS LANÇAMENTOS ARTE FINAL
93 97 96
Capa: Hélio de Almeida Foto: Leopoldo Silva/AE
o físico
Luiz Davidovich fala sobre o prêmio internacional que ganhou, das perspectivas do desenvolvimento da Física e do caráter lúdico do trabalho do cientista
49 América do Sul ganha espaço no mapa de Rodínia, um supercontinente de 1 bilhão de anos
64 A cobrança pelo uso da água dos rios deve impulsionar a adoção de novas tecnologias para tratamento e reuso de água e de efluentes PESQUISA
FAPESP
• MAIO DE 2002 • 3
CARTAS cartas@trieste.fapesp.br
Flora fanerogâmica Primeiramente gostaria de agradecer a carta do dr. José F. M. Valls, divulgada na edição n= 69 desta revista (outubro, 2001), a respeito da reportagem Entre capins e bambus, na qual o dr. Valls, um dos colaboradores do primeiro volume da Flora de São Paulo (Poaceae), demonstrou a sua satisfação com a publicação do referido volume como, também, fez algumas críticas que merecem esclarecimentos por parte da coordenação do projeto. Concordamos que o enquadramento das espécies vegetais
nas diferentes categorias de ameaça de extinção, seguindo os princípios internacionais, usadas e publicadas pela União Internacional para Conservação da Natureza (UICN), é muito discutido entre os botânicos, principalmente porque os critérios utilizados são muito subjetivos, gerando diferentes interpretações. Afirmar que uma planta está extinta apenas quando não foi encontrada há mais de 50 anos no seu hábitat, sem considerar outros aspectos relevantes, como a área de distribuição geográfica e a dinâmica das populações dos táxons, constituirá uma conclusão pouco consistente. Nesse sentido, é fundamental o papel do especialista, que, com o conhecimento do grupo botânico, poderá efetuar uma análise mais criteriosa, utilizando também as coleções botânicas dos herbários. As listagens vermelhas das espécies ameaçadas constituem uma fer4 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
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ramenta fundamental para a proteção dessas espécies, alertando a comunidade sobre a dilapidação do patrimônio genético que assola todo o planeta. Nesse sentido, o Projeto Flora Fanerogâmica de São Paulo elaborou uma listagem preliminar que, como a maioria, é incompleta e vulnerável às mudanças, mas que tem sido utilizadapelas autoridades jurídicas e governamentais, tanto na aplicação das leis contra os crimes ao meio ambiente como visando à conservação da biodiversidade brasileira. Uma listagem mais completa fará parte de um projeto posterior, que incluirá discussões prévias entre os especialistas sobre a forma de utilização dos critérios. A afirmação do dr. Valls de que as coletas de Poaceae estão escassamente representadas no Estado de São Paulo é em parte verdadeira, mas elas estão muito mais bem representadas depois do projeto, cuja programação de expedições botânicas se estendeu por mais de dois anos. Além de um programa de coleta em locais pouco explorados, como a Serra da Mantiqueira e a Serra da Bocaina, limítrofes com outros Estados, houve coletas específicas pela equipe, que poderia seleci~nar melhor as áreas de coletas, conforme as necessidades de cada grupo. Infelizmente alguns especialistas não puderam dar sua contribuição na ampliação da coleção da flora. Todas as floras concluídas ou em andamento estão sujeitas a mudanças em relativamente pouco espaço de tempo; nenhuma flora é definitiva. Por isso, uma programação de coleta bem elaborada é recomendável para um trabalho mais completo. Consideramos que os 20 mil números de plantas coletados durante a fase inicial da Flora de São Paulo trouxeram informações muito significativas para esse trabalho, representando diferentes áreas do Estado. MARIA DAS GRAÇAS LAPA WANDERLEY
Coordenadora do Projeto Flora Fanerogâmica de São Paulo São Paulo, SP
Idades do planeta Acho excelente a revista Pesquisa FAPESP e a leio com prazer. Há meses estou para escrever aos senhores, acerca de uma imprecisão à página 45 do número 69 (outubro 2001).Ali se considera que a cc••• presença de civilizações superevoluídas, como as que povoam livros e filmes de ficção científica, dificilmente seriam encontráveis na Galáxia ..:: A consideração é feita pela similaridade das idades de nosso planeta (aproximadamente 4,7 bilhões de anos) e de outros, do tipo terrestre (4,9 bilhões de anos), na Via-Láctea. Bem, recordo apenas há 100 milhões de anos, dinossauros não se incomodavam com os poucos representantes de mamíferos ... Ou, ainda, que há um milhão de anos éramos baixos, peludos e nossa tecnologia pouco avançara sobre a de outros primatas ... Ou mais, há 500 e poucos anos "descobríamos" partes de nosso próprio planeta, partes do tamanho das Américas ... Ou seja, a afirmação é completamente descabida. A similaridade de idades de que trata o artigo não tem precisão acima de centenas de milhões de anos. Falar de estágio tecnológico semelhante é absurdo. Outra abordagem: coloquemos 5 mil anos à frente, se não nos destruirmos, como estará nossa tecnologia? Cinco mil anos é desprezível dentro de 100 x 106. Bem, espero ter esclarecido esta curiosa afirmação da revista, que decerto escapou de uma análise mais cuidadosa. TEODORO
ISNARD RIBEIRO
DE ALMEIDA
Instituto de Geociências da USP São Paulo, SP
Clonagem No suplemento especial sobre clonagem (edição de março 2002, artigo Prometeu versus Narciso: a ética e a clonagem), o dilema pode ser resumido nas palavras do professor Renato Ianine Ribeiro: "Os chineses conheciam a pólvora havia séculos - mas
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só a usavam para fogos de artifício quando os ocidentais passaram a empregá-Ia nas armas. Quantas outras invenções não dormitam, assim, simplesmente porque alguns de seus potenciais ainda não foram desenvolvidos? Só uma sociedade ansiosa para se expandir (...) conseguirá extrair o máximo de cada invento (...)': As minhas perguntas críticas são as seguintes: não poderia ser que os chineses sabiam desenvolver o potencial da pólvora, mas fizeram uma escolha humana? Não poderia ser que eles sabiam melhor que a nossa "cultura expansiva (capitalista) ocidental", que - nas palavras ao professor - "a chave de uma ética só pode ser um respeito intenso ao outro"? Recomendo aos leitores desta revista, por exemplo, o Tao Te Ching (o livro de virtudes) de Laotse (c. 500 a.Ci), para entender melhor a cultura e ética chinesa tradicional. Não conheço ética mais profunda, avançada e menos dogmática. Para ser ético se tem que começar a reduzir o próprio estresse, com métodos eficientes de relaxamento, como Laotse fez. Numa comunidade científica estressada, ambiciosa, agressiva e competitiva, nenhuma ética verdadeira pode existir. Parabéns, professor, pelo artigo! PETER HUBRAL
Geophysical Institute Karlsruhe University,Alemanha
Infra-estrutura Na edição da revista Pesquisa FAPESPno 74 (abril de 2002), na seção Cartas, foi publicada uma mensagem do professor Mahir S. Hussein apontando "erro" na página 5 do
suplemento especial da revista nv 72 e fazendo comentários sobre projetos Infra da FAPESP.No citado suplemento há reportagens sobre laboratórios de pesquisa do Estado de São Paulo beneficiados pelo Programa de InfraEstrutura - Infra (de I a V), da FAPESP, nos últimos cinco anos. Entre esses laboratórios está o Laboratório Aberto de Física Nuclear do Departamento de Física Nuclear da Universidade de São Paulo. Fui procurado por um repórter da revista na qualidade de coordenador do Projeto PelletronLinac, beneficiado pelos Infra 11e III da FAPESP, que atualizou as instalações experimentais do Laboratório Aberto de Física Nuclear. Gostaria de esclarecer, em defesa da revista e de seu repórter, que as informações publicadas estão corretas no contexto da reportagem. O Diretor do Laboratório Aberto de Física Nuclear (LAFN) tem mandato de dois anos. O atual diretor, o professor Dirceu Pereira, mencionado na carta, foi eleito para essa função em meados de 2001, após a realização da entrevista do repórter. Na época do trabalho do repórter, o diretor do Laboratório Aberto era de fato o professor Roberto Ribas, que me sucedeu na função. Assim, a pequena incorreção na reportagem se deve ao .fato de haver um coordenador do projeto Pelletron-Linac e dos Infra 11 e III, um coordenador do Laboratório Aberto, e até uma mudança na direção do laboratório entre a data da entrevista e a sua publicação. O relevante é que a reportagem alcançou de forma correta o objetivo de apresentar o que faz um laboratório de física nuclear que recebeu recursos do Programa Infra da FAPESP. Recursos que modernizaram o laboratório, permitindo um avanço na pesquisa de qualidade na área. O laboratório sempre recebeu, e esperamos continuará recebendo, o indispensável apoio da fundação. ALEJANDRO
SZANTO DE TOLEDO
Instituto de Física da USP, São Paulo, SP
Medo Preconceitosa e portanto nada científica a afirmação, na reportagem Circuitos do medo, que a abordagem "não deve ser do agrado de psicólogos e psicanalistas". Os fatos descritos no destaque, amplamente conhecidos, estão de acordo com os conhecimentos psicanaliticos atuais. A psicanálise, utilizando outros vértices observacionais, há muito vem estudando como "estados emocionais primitivos" são descarregados, sem significação, manifestando-se por terrores inomináveis. Os psicanalistas têm também constatado que experiências emocionais que possam "conter" esses terrores e lhe dêem significado permitem que fenômenos subjacentes possam tornar-se disponíveis para o pensamento. E se perguntam como isso ocorre, tanto na relação mãe-bebê como no processo psicanalítico. Compreender melhor as bases biológicas (e outras) desses fenômenos é o anseio de todos e a interdisciplinaridade se impõe. Parabéns aos colegas de Ribeirão Preto pelos avanços, incluindo o professor Graeff. A seção "Interdisciplinary Studies" do International Journal of Psychoanalysis é, entre outras, testemunha da fertilização entre psicanálise e outras áreas do conhecimento. ROOSEVELT M.S.
CASSORLA
Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp Membro titular da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e da International Psychoanalytical Association Campinas, SP
Correção O valor correto da cascata de raios cósmicos citado na reportagem Os raios cósmicos estão chegando, à página 57, edição de abril (no 74), é 1015 e não 1015. PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 5
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ON LINE
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Tudo novo na Internet A partir deste mês, Pesquisa FAPESP ganha um site novo. O endereço continua o mesmo, www.revistapesquisa.fapesp.br, mas o conteúdo passa a ser muito mais abrangente. Com atualização mais ágil, a versão on line da revista informará o público sobre os principais fatos e eventos em ciência e tecnologia no Brasil e no mundo. Confira nesta página as principais novidades.
• A revista e um pouco mais Além do conteúdo completo da revista,o sitetraz informações complementares à edição impressa, como versões ampliadas das entrevistas. Neste mês, é possível saber mais sobre o trabalho do físico carioca Luiz Davidovich, especialistaem óptica quântica, que receberá este ano o Prêmio de Física de 2001 da Academia de Ciências do Terceiro Mundo .
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• Notícias exclusivas
• Principais números do setor
• Biblioteca digital
• Com a palavra, a FAPESP
No novo site, os leitores internautas poderão conferir notícias produzidas com exclusividade para a versão da revista Pesquisa FAPESP na Internet. Será possível encontrar um panorama completo - e noticiado em profundidade - dos mais significativos eventos e decisões sobre política científica e tecnologia no Brasil aos fatos e descobertas mais relevantes do setor.
Quanto o Brasil gasta por ano em pesquisa e desenvolvimento (P&D)? Qual o número de profissionais com doutorado no país? E, destes, quantos trabalham em empresas? A nova seção Indicadores reúne os principais números dessa área e é uma importante base de dados para compreender o cenário atual e vislumbrar para onde caminha o setor no Brasil.
Quem perdeu uma edição da revista impressa não precisa se preocupar. A versão on line traz um arquivo com o conteúdo completo das edições anteriores da revista. Encontrar uma determinada reportagem também é muito fácil. É só digitar o assunto na caixa de busca, que utiliza sofisticada programação para varrer todo o arquivo e localizar a notícia procurada.
A seção FAPESP Informa, presente na primeira versão do site, produzidas pela assessoria de Imprensa da Fundação, traz as principais novidades sobre projetos, programas e bolsas para pesquisadoresde SãoPaulo.Uma outra seção, Ciência em Dia, reúne a cobertura diária em pequenos textos do que acontece de mais importante em ciência e tecnologia no Brasil e no mundo .
• Eventos e oportunidades Outra novidades do site é a seção Agenda, que traz um calendário com os principais eventos de ciência e tecnologia do país. Em outra seção, Classificados, estão reunidas diversas ofertas de empregos e estágios em institutos e empresas brasileiras do setor. É só ficar de olho e ver se a oportunidade certa aparece. 6 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
Alcance global
19042002
Pesql:lJ~a
revistapesqulsa fapesp br
português / espafiol
Com o objetivo de vencer fronteiras e difundir as principais conquistas da ciência e tecnologia brasileira, a versão on line da revista tem ainda versões em inglêse espanhol, com o conteúdo completo da revista.
HIGHLIGHTS
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CoverPhysics
Atoms of gold enter the circuit Discoveries on nanowires
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EDITORIAL
Ciência, política e futebol FAPESP CARLOS PAULO
HENRIQUE OE BRITO CRUZ PRESIDENTE
EDUARDO DE ABREU VleE·PRESIDENTE
MACHADO
CONSELHO SUPERIOR AOILSON AVANSI OE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER CARLOS HENRIQUE OE BRITO CRUZ CARLOS VOGr FERNANOO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO HERMANN WEVER JOSÉ JOBSON OE ANDRADE ARRUDA MARCOS MACA RI NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO
RICARDO RENZQ BRENTANI VAHAN
AGOPYAN
CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO FRANCISCO ROMEU LANDI DIRETOR PRESIDENTE JOAQUIM J. DE CAMARGD OIRETORADMINISTRATlVO
ENGLER
JOSÉ FERNANDO PEREZ O1RETOR CIENTiFlCO PESQUISA
FAPESP
CONSELHO EDITORIAL CECHELLI DE MATOS
ANTONIO
PAIVA
EDGAR OUTRA lANOHO FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTlNHO FRANCISCO ROMEU LANDI JOAQYJ~ÉJF~~~:~D~R~~RWLER luis NUNES DE OLIVEIRA LUIZ HENRIQUE lOPES 00$ SANTOS PAUlA MQNTERO ROGÉRIO MENEGHINI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA EDITORESSENIORES DA GRAÇA MASCARENHAS NELDSON MARCOLlN
MARIA
EDITQR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA CARlOS FlJ~~~:~STI(CIÊNCIA) CLAUDIA IZIQUE (POLlTlCAC&TI MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) HEITOR SHIMIZU (VERSÃO ON UNE) REPÓRTER MARCOS
ESPECIAL PIVETTA
EDITORES-ASSISTENTES ADILSON AUGUSTO, DI NORA H ERENO CHEFE DE ARTE MARIA DOS SANTOS
TÂNIA JOSÉ ROBERTO
DIAGRAMAÇÃO MEDDA, LUCIANA
FACCHINI
FOTÓGRAFOS
EDUARDO CESAR, MIGUEl
BOYAYAN
COLABORADORES
AFONSO CAPELA, CAROLINA JULlANO, DOMINGOS ZAPAROLLI, FRANCISCO BICUDO LlLIANE NOGUEIRA, LuclLlA ATAS MEDEIROS, MARCIO FERRARI, RICARDO ZORZETTO, TÃNIA MARQUES, YURI VASCONCELOS
TEl.
ASSINATURAS TELETARGET (1lI303B-1434 - FAX: (11) 3036-1418
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SECRETARIA
DA CI~NCIA
E DESENVOLVIMENTO
GOVERNO
TECNOLOGIA ECONÔMICO
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DO ESTADO
DE sÃO PAULO
o
s seis maiores partidos políticos brasileiros,a julgar pela composição de suas atuais bancadas na Câmara dos Deputados, revelam coerência ideológica, programática, e convergência surpreendente entre orientação política e perfil sócio-ocupacional de seus representantes. Essas características, que podem soar até como heresia aos olhos de quem lê habitualmente o noticiário político nacional- e acostumou-se a cultivar uma imagem de fragmentação e fragilidade para o quadro político-partidário brasileiro -, emergiram de uma consistente pesquisa sociológica recentemente concluída, e apresentada na reportagem de capa desta edição (a partir da página 82), elaborada por Claudia Izique. O estudo é extremamente oportuno neste ano de eleiçõesmajoritárias e de discussõesacaloradas, mesmo furiosas, sobre as novas regras para alianças partidárias. Pesquisas de sociologia, ciência política ou qualquer outro campo das Humanidades não têm que ter, é óbvio, compromisso com as noções de atualidade e oportunidade que freqüentam necessariamente o exercício do jornalismo. Mas, às vezes, suas conclusões são exatamente isso, atuais e oportunas, para além de seu valor acadêmico ou científico. Nesse caso, tornam-se um acepipe para o jornalismo. Natural, portanto, que a pesquisa sobre os partidos tenha conquistado a capa de Pesquisa FAPESP, depois de disputá-Ia com reportagens de áreas mais freqüentem ente alçadas a esse espaço nobre. Por exemplo, nesta edição poderia ter sido tema de capa um importante achado científico no campo da genética: a identificação e descrição do gene PKHDl que, quando sofre mutações em suas duas cópias, desencadeia uma severa e rara doença hereditária (principalmente em recém-nascidos e crianças), a doença renal policística auto-sômica recessiva.O trabalho internacional que chegou a esse resultado foi coordenado por um pesquisador brasileiro
e teve a participação de 17 colegas dos Estados Unidos e Europa, como relata Marcos Pivetta (página 32). Ainda em Ciência, vale destacar um trabalho que conseguiu situar a América do Sul no mapa da Rodínia (página 48), um supercontinente que existiu na Terra há 1 bilhão de anos, bem antes, portanto, do muito mais conhecido Gondwana, formado há 750 milhões de anos, a partir justamente dos fragmentos de Rodínia. E ressaltamos, em Astrofísica, um trabalho feito no Rio Grande do Sul que mostra de que modo a matéria é engolida por um buraco negro no centro de uma galáxia. Mas dada a raridade do tema nos domínios científicos, associada ao alto interesse que ele provoca, ainda mais nesses tempos pré copa do mundo, é também leitura altamente recomendável a reportagem sobre um estudo que traça o perfil do futebol praticado hoje no Brasil, do ponto de vista das exigências físicas a que são submetidos os jogadores de cada posição no time. A reportagem de abertura da seção de Tecnologia detalha alguns projetos de pesquisa de novas tecnologias para tratamento e reuso de efluentes sanitários e industriais, apoiados pela FAPESP.Os especialistas acreditam que a cobrança pelo uso das águas dos rios a partir de junho, que vai atingir, primeiro, os moradores de 180 municípios de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, abastecidos pela bacia hidrográfica do Paraíba do Sul, deverá impulsionar bastante a adoção dessas novas tecnologias, relata Yuri Vasconcelos (a partir da página 65). Para concluir, em Humanidades, uma reportagem sobre o projeto de pesquisa que resultou no livro Barroco Memória Viva, impele a uma bela viagem pelas cidades coloniais,por sua arquitetura, por outras manifestações da estética barroca e, principalmente, por dentro das igrejas que desempenharam o papel de núcleos de difusão da cultura e da arte coloniais brasileiras. Boa leitura! PESQUISA FAPESP . MAIO DE 2002 • 7
MEMÓRIA
Máquina de calcular Invenção do matemático francês Blaise Pascal completa 360 anos NELDSON
MARCOLIN
A somadora de Pascal e o desenho do rosto do filósofo: a pascalina funciona ainda hoje
modernas calculadoras cabem na palma da mão de uma criança. Mas quando a primeira máquina de calcular foi inventada, em 1642, há 360 anos, era uma grande caixa cheia de engrenagens apoiada em uma mesa. Fazia apenas soma e subtração, mas causou assombro. Primeiro, porque o mais próximo que havia de uma máquina de calcular, até o século 17, era o ábaco. Segundo, porque seu inventor, o francês Blaise Pascal (1623-1662), a construiu muito jovem, quando tinha entre 19 e 21 anos. O objetivo era ajudar o pai, Étienne, matemático
A
8 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
famoso na França. Anos depois, Pascal tornou-se, também ele, um importante matemático, além de escritor e filósofo respeitável. A pascalina (nome dado por ele à calculadora) teve como antecessora o ábaco, que não era propriamente uma máquina e sim um instrumento criado entre 3 mil e 4 mil anos atrás na Ásia, que permite cálculos rápidos feitos por meio do manuseio de contas ou sementes secas, que deslizam sobre varetas paralelas dentro de um retângulo de madeira. Incrivelmente eficiente quando se adquire prática no seu uso, o ábaco ainda é utilizado em diversas regiões asiáticas. O problema é que qualquer distração leva ao erro. Já a pascalina é um aparelho mecânico com seis rodas dentadas, cada uma com algarismos de O a 9. Com ela, era possível somar três parcelas de uma vez, até o valor 999.999. Há relatos de que, 20 anos antes dela, em 1623, o alemão Wilhelm
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Schickard teria criado um instrumento semelhante ao do francês. Destruído posteriormente por um incêndio, não restaram exemplar ou ilustração para comprovar a história. Pascal fez sua máquina sem saber da tentativa de Schickard. Hoje ela está exposta no museu do Conservatoire des Arts et Metiers, em Paris, e ainda funciona. Quase 30 anos depois da pascalina, em 1671, o matemático e filósofo alemão Gottfried Leibniz aperfeiçoou a calculadora de Pascal: além de somar e subtrair, a nova máquina multiplicava e dividia. A calculadora "de bolso': com circuitos transistorizados, pesando 1 quilo e custando US$ 150, apareceu só em 1970 nos Estados Unidos. Em pouco tempo, sua disseminação fez o preço e o peso despencarem. Hoje é possível comprar uma calculadora por menos de R$ 5,00 pesando apenas 60 gramas (com a pilha).
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Ábaco (ou soroban): instrumento para calcular tem entre 3 mil e 4 mil anos e continua a ser usado em alguns países da Ásia por pequenos comerciantes
Ilustração mostra Pascal e sua máquina: objetivo foi facilitar o trabalho do pai
PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 9
• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
ESTRATÉGIAS
THE WALL STREET JOURNAL. seattletimes.com ~
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Jornalismo para cientistas Se há problemas, a culpa é da imprensa, que não soube noticiar, explicar e nem reproduzir corretamente as informações. E, ainda por cima, distorce fatos. Tais afirmativas, comuns na boca de políticos, parecem se repetir com freqüência crescente nos Estados Unidos entre pesquisadores quando o assunto é a imprensa especializada em ciência e tecnologia. Editorial da revista Nature (4 de abril) chama a atenção para as freqüentes críticas de pesquisadores ao "mau jornalismo" que acabam por "desvirtuar" o trabalho científico. A revista alerta para o fato de os exemplos ruins serem exceção e não a regra. Além disso, os cientistas têm uma clara dificuldade em lidar e entender as necessidades da mídia. Hoje, é comum o jornalista procurar a especialização em ciência - mas continua sendo raro o pesquisador que se interessa em entender como funciona a mídia. Um episódio recente colocou a questão na ordem
do dia. O jornal The Seattle Times fez uma série de reportagens em 2001 sobre o Fred Hutchinson Cancer Research Center, em Seatte. O centro teria errado ao informar a pacientes sobre os riscos de um experimento contra câncer realizado nos anos 80. O jornal concluiu que os pesquisadores tinham interesses financeiros no trabalho e por isso levaram os testes adiantes, o que teria abreviado a vida dos pacientes envolvidos. Os pesquisadores se defenderam alegando que a reportagem é que estava errada. Pelo trabalho, os repórteres do Seattle Times foram indicados ao Prêmio Pulitzer, o mais importante do jornalismo norte-americano (não ganharam). Em março, o Wall Street Journal entrou na briga acusando o Seattle Times de ter deturpado o trabalho científico. O bate-boca, como era de se esperar, não deu em nada. Mas cientistas e jornalistas deveriam aproveitar e tirar algum proveito do episódio. •
• Debates científicos com crianças
• Ameaça nuclear que vem do passado
O governo britânico quer as crianças discutindo questões sociais relacionadas a temas como alimentos geneticamente modificados ou aquecimento global nas aulas de ciências. "Queremos os jovens pensando a ciência a partir de uma perspectiva mais abrangente", disse à revista Nature (7 de março) Peter Finegold, da Wellcome Trust, organização que financia pesquisas na Inglaterra. No entanto, a boa intenção está sendo vista com certo descrédito por especialistas no assunto. Para eles, faltam recursos e treinamento aos professores de ciência. Em 2001, o próprio Wellcome Trust relatou que a maioria das discussões sobre temas biomédicos ocupavam as aulas de humanas em vez das de ciências. "Em geral, os professores de ciências não têm habilidade, ernpatia e tempo para iniciar uma discussão com a classe': afirma Ralph Levinson, da Universidade de Londres. "Já nas aulas de humanidades, os fatos científicos aparecem casualmente e as discussões fluem com mais naturalidade." •
Norte-americanos na faixa dos 50 anos que não tenham saído do país até o início dos anos 60 correm risco de vida. Paira sobre eles a invisível, mas concreta, ameaça da radiação. É o que revela estudo preliminar dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). A pesquisa avaliou a exposição à radiação e seus efeitos à saúde entre 1951 e 1962 e concluiu que testes com bombas nucleares realizados em território americano podem estar relacionados a 11 mil mortes e milhares de casos de câncer de tireóide - de 10 mil a até 200 mil, nas estimativas mais pessimistas. "Qualquer pessoa que não tenha saído dos Estados Unidos desde 1951 já foi exposta a resíduos radiativos, e todos os órgãos e tecidos do corpo receberam alguma dose de radiação", informa o estudo. Os dados são contestados por alguns cientistas e ainda serão analisados pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Eles estão disponíveis no site www.ieer.org, do Instituto de Energia e Pesquisa Ambiental. •
Teste nuclear em Nevada, em 1953: conseqüências nefastas 10 . MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
• Renascimento no deserto
• Clonagem na boca do planeta
o mundo
Três empresas norte-americanas - Geron, Advanced Cell Technology e Infigen - brigam pelo controle da patente da clonagem de plantas e animais, mas quem saiu na dianteira da pesquisa científica foi a Grã- Bretanha. A Câmara dos Lordes autorizou a clonagem humana para fins terapêuticos, ou seja, para obter células-tronco embrionárias que serão utilizadas na busca de tratamento de doenças, como mal de Alzheimer, Parkinson e lesões cardíacas. Enquanto isso, os Estados Unidos apresentaram às Nações Unidas uma proposta que equipara a clonagem humana terapêutica à reprodutiva - aquela que visa a gerar cópias de seres humanos - e pede para arnbas proibição internacional. O presidente George W. Bush apóia um projeto de lei apresentado no Senado para fechar definitivamente as portas a esse tipo de pesquisa, mesmo com a oposição dos principais cientistas do país. Já na Grã-Bretanha, equipes das universidades de Edimburgo (Escócia), Cambridge, Sheffield e Newcastle estão se preparando para trabalhar com células-tronco embrionárias humanas. George Radda, chefe executivo do Conselho de Pesquisa Médica britânico, diz esperar atrair mais pesquisadores estrangeiros, seniores e jovens, assim como empresas de biotecnologia. Rússia e Brasil também debatem o tema. Os russos aprovaram uma norma que impõe moratória de cinco anos à clonagem (não inclui fins terapêuticos). NQ Brasil, o Senado discute a proibição para fins reprodutivos, com pena de até 20 anos para infratores. •
árabe parece mais disposto a investir em ciência e tecnologia. Em março, houve um encontro em Sharjah, nos Emirados Árabes Unidos, da Fundação Árabe de Ciência e Tecnologia (ASTF), para definir prioridades em C&T. O conselho da fundação planeja destinar US$ 150 milhões nos próximos cinco anos para pesquisa. A ASTF foi criada em 2000 com a missão de fazer renascer a ciência na região, que já teve, no passado, uma produção riquíssima. Quando a Europa estava mergulhada nas trevas, na Idade Média, os árabes desenvolveram a álgebra e a moderna astronomia, por exemplo. Hoje, a situação é inversa. Coletivamente, as nações árabes gastam apenas 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB) com pesquisa e desenvolvimento (P&D) - a média mundial é de 1,4%. Nos últimos anos, o PIB dos países do Oriente Médio tem caído, e muitos deles começam a investir em C&T na esperança de voltar a crescer desta vez, com base também em P&D e não apenas em petrodólares. Segundo editorial da revista Nature (14 de março), os sinais são promissores. Especialmente porque os cientistas árabes querem de fato incrementar o intercâmbio com os pesquisadores do Ocidente e suas instituições. Obviamente, tal cooperação apresenta riscos, dados os conflitos políticos constantes no Oriente Médio. Por isso, a ASTF aposta também nas doações individuais. O melhor exemplo vem justamente dos judeus, oponentes históri-
Quadros de Maurice Ia Tour
(à
cos dos árabes. O Instituto de Ciência Weizmann, em Israel, recebe 17% de seu orçamento anual (cerca de US$ 180 milhões) de doações. Mais da metade disso vem de judeus estabelecidos nos Estados Unidos. A ASTF terá muito a ganhar se convencer árabes norteamericanos endinheirados a fazer como seus rivais judeus e apoiar a pesquisa. •
esq.) e de Chardin: visita virtual
• O Museu do Louvre, 100% digital O maior e mais completo museu virtual do mundo. É assim que o já famosíssimo Museu do Louvre, em Paris, quer ficar ainda mais conhecido a partir do próximo ano, quando lança uma versão turbinada de seu site (www.louvre.fr). Totalmente interativa e didática, a reformulada página eletrônica do Louvre vai, literalmente, colocar on-linetodas as obras de seu inigualável acervo permanente, 'inclusive o mítico Monalisa, de Leonardo Da Vinci. Os internautas poderão conhecer cerca de 165 mil trabalhos, que datam da Antiguidade até meados do século 19. Além de apreciar versões digitais de 35 mil trabalhos, os visitantes do site poderão ver reproduções de 130 mil desenhos que, por serem frágeis e precisar de condições especiais de conservação, não são normalmente expostos às cerca de 6 milhões de pessoas que visitam o museu. Essa reforma digital deve consumir entre 6,5 e 8 milhões de euros. O museu espera passar dos atuais 6 milhões de turistas virtuais por ano para algo entre 10 e 15 milhões. •
PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 11
• Mais chances para negros Os ministérios da Ciência e Tecnologia, da Justiça, das Relações Exteriores e da Cultura assinaram em março um protocolo para tornar viável a concessão de bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) a candidatos negros que desejem estudar no Instituto Rio Branco. O objetivo é estimular o ingresso de negros na carreira diplomática. Também foi instalado o Conselho Científico e Tecnológico Palmares, criado para indicar meios de ampliar a participação do negro no sistema de C&T do país. Uma das providências do conselho é descobrir quantos são os pesquisadores e alunos de pós-graduação negros. Embora 45% da população brasileira seja composta de negros e pardos, dados do Ministério da Educação mostram que apenas 2,2% dos brasileiros que concluem os cursos universitários públicos ou privados pertencem a essa classificação racial. •
• Brito Cruz assume reitoria da Unicamp O presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, assumiu no dia 19 de abril a reitoria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) no lugar de Hermano Tavares. Brito teve 51,77% dos 9.348 votos válidos, vencendo a consulta nos três segmentos da comunidade acadêmica: docentes, funcionários e estudantes. Com isso, foi eleito sem necessidade de segundo turno e teve seu nome confirmado pelo governador, Geraldo Alck-
mino O novo reitor assume defendendo que o papel singular da universidade é educar. Segundo ele, o principal impacto da universidade na vida nacional se dá por meio dos estudantes, que vão ocupar posições nas quais exercerão liderança intelectual. Para garantir essa boa educação, é importante a atividade excelente de pesquisa, fundamental ou aplicada, e uma interação maior com diferentes setores da sociedade. "Para isso, é imprescindível o compromisso com a liberdade acadêmica': diz. Aos 45 anos, nascido no Rio de Janeiro e criado em São Paulo, Brito formou-se em engenharia eletrônica no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e pós-graduou-se no Instituto de Física da Unicamp, do qual veio a ser diretor por duas vezes. Foi pesquisador do Instituto Ítalo LatinoAmericano/CNR na Universidade de Roma, Itália, e fez o pós-doutorado na ATT-Bell Labs, Estados Unidos. Foi nomeado presidente da FAPESP em 1996 e reconduzido ao cargo em 1998 e 2000. Publicou mais de 60 artigos em revistas técnicas especializadas e é um dos físicos brasileiros mais citados na literatura científica internacional. •
Brito: 51,77%
12 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
dos votos
A andiroba (fotos acima) e o barbatimão (abaixo>...
... são algumas das plantas armazenadas pelo banco
Proteger o conhecimento A criaçãç do Núcleo Nacional para Conservação, Proteção e Manejo Sustentável de Plantas Medicinais do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) agrega uma estratégia que, se não é nova, também não é comum. O objetivo do núcleo é estimular a pesquisa dessas plantas para conservar, proteger e manejar as espécies. Um banco de dados vai agregar as informações disponíveis. Nesse começo de trabalho, os pesquisadores centraram fogo em cerca de 70 espécies todo o material estudado
será disponibilizado para pesquisadores via Internet. O que se está fazendo de diferente é que as informações estarão relacionadas à comunidade de onde sairão essas mesmas informações. "É muito comum termos todos os dados sobre determinada planta e não sabermos quais as fontes primárias deles, ou seja, de qual comunidade o pesquisador colheu as primeiras informações", diz a coordenadora Suelma Ribeiro. "Divulgar esses dados é também uma maneira de proteger e dar credibilidade ao conhecimento adquirido:' •
• Prêmio Jovem Cientista
o
racionamento acabou, mas a preocupação com o sistema energético brasileiro continua. Os prêmios Jovem Cientista e Jovem Cientista do Futuro deste ano têm como tema Energia elétrica: gera-
ção, transmissão, distribuição e uso racional. As inscrições de ambos estão abertas até 28 de junho. Os prêmios são promovidos pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela Gerdau e Fundação Roberto Marinho. Para conhecer o regulamento e inscrever-se, basta acessar o site www.jovemcientista.cnpq.br. Os prêmios vão de R$ 2 mil a R$ 15 mil, dependendo da categoria. A instituição que inscrever o maior número de candidatos com trabalhos ganha R$ 30 mil. •
• Pesquisa FAPESP é relançada A revista Pesquisa FAPESP foi lançada comercialmente no dia 27 de março. A publicação, que começou como um boletim informativo em agosto de 1995 e virou revista em outubro de 1999, sempre foi distribuída gratuitamente para os pesquisadores
do Estado de São Paulo. Em março, passou aceitar assinatura e publicidade paga, embora os pesquisadores paulistas continuem a recebê-Ia sem ônus. Ela também está sendo distribuída em algumas bancas de São Paulo, Campinas, São José do Rio Preto, Ribeirão Preto e São Carlos. O lançamento reuniu a diretoria da FAPESP, pesquisadores, empresários, jornalistas e colaboradores para um coquetel em meio à exposição das principais capas da revista. O presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, abriu o evento comentando sobre a importância que a revista tem na divulgação dos projetos de pesquisa financiados pela Fundação. "Hoje, é comum lermos nos principais meios de comunicação do país sobre trabalhos científicos financiados pela FAPESP tendo como referência a revista que publicamos", disse. O coordenador adjunto da Diretoria Científica e professor do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), Luiz Henrique Lopes dos Santos, concorda. "O novo projeto da revista, um órgão de disseminação do conhecimento científico, é harmonioso com a missão da FAPESP", afirmou Santos. •
Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br
meio ambiente pro Br Autor: Eurico Zámbres
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www.ensp.fiocruz.br/projetos/esteriscoflndex.htm Site dirigido a profissionais de saúde sobre a idéia de risco, especialmente risco epidemiológico. Há textos, bibliografia e links sobre o tema.
Exposição das capas da revista no lançamento comercial PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 13
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA CONFERÊNCIA
DA ALCUE
Cooperação para o desenvolvimento CLAUDIA
IZIQUE
mérica
Latina e Caribe e a União Européia (UE) estão buscando formas de ampliar os investimentos na área de ciência e ~ tecnologia (C&T) e redefinir políticas de cooperação para expandir a pesquisa e o desenvolvimento(P&D) entre os países membros. O grande desafio é reduzir o gap tecnológico que aprofunda as desigualdades econômicas e sociais regionais e compromete a competitividade das nações no mercado internacional. Os dois blocos de países já mantêm, historicamente, relações de parceria na forma de acordos bilaterais, que, no entanto, necessitam ser reformuladas para que se traduzam num intercâmbio eficaz com ganhos con-
14 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
América Latina e Caribe e U E querem ampliar investimentos em P&D eretos para toda a sociedade. O foro para esse novo diálogo sobre a cooperação científica e tecnológica é a Alcue - Conferência Ministerial sobre Ciência e Tecnologia da América Latina, Caribe e União Européia -, instalada no Rio de Janeiro, em junho de 1999,e que teve continuidade em Brasília, entre os dias 20 e 22 de março último. Ministros e representantes de 47 países elaboraram propostas para a cooperação birregional,e que constam na Declaraçãode Brasília, que serão submetidas à aprovação dos chefes de Estados e gov,/:!rnos, nos dias 17 e 18 de maio, na 11Cimeira da Alcue, em Madri (veja box na página 15).
, A expectativa da Alcue é que esse novo modelo de parceria produza, ra-
pidamente, resultados. E a pressa se justifica: os Estados Unidos investem, anualmente, 2,7% do seu Produto Interno Bruto (PIE) em ciência e tecnologia, equivalente a US$ 216 bilhões, o que explica a sua liderança mundial em pesquisa, desenvolvimento e inovação e em relação ao número de patentes registradas de processos e produtos. No Japão, o porcentual é ainda maior: supera a casa dos 3% e atinge a cifra dos US$ 126 bilhões, garantindo posição de destaque no restrito grupo de países inovadores. A União Européia também aposta alto em ciência e tecnologia: o investimento médio dos 15 países membros no setor foi de 2,4% do PIE em 2001, algo em torno de 150 bilhões de euros ou US$ 133 bilhões. Mas esse resultado deve-se à contribuição de países como Alemanha, Suécia, Finlândia, Reino Unido e França, que investem até 4,84% do PIE em P&D. De acordo com a Eurostat (agência de estatísticas da União Européia), 2l dos 211 centros de produção de tecnologia de países da UE são responsáveis por mais da metade das 10.500 patentes com aplicação em alta tecnologia depositadas no Escritório Europeu de Patentes, em 2000. O destaque é para a Alemanha, que no período em questão produziu 42% das pa-
tentes de alta tecnologia. O desempenho de países como Portugal e Espanha, que contabilizam, respectivamente, investimento de 0,9% e 1,7% de seus PIEs em C&T, ou ainda o da Itália e Grécia, que também registram baixo padrão de gastos em pesquisa, deixa claro que a UE convive com forte concentração regional na produção do conhecimento e, conseqüentemente, com enorme disparidade de desenvolvimento tecnológico entre os países.
Agenda política - As desigualdades regionais são ainda mais gritantes quando se observa o desempenho dos países latino-americanos e caribenhos. No ano passado, os gastos médios em C&T de grande parte dos países da região oscilou entre 0,4% e 0,6% do PIE. Com um total de investimentos inferior a US$ 15 bilhões, a grande maioria dos países da América Latina e Caribe integra o grupo de nações qualificadas como tecno-excluídas, A boa notícia é que a maior parte dos governos já tem claro que ciência e tecnologia têm papel estratégico no desenvolvimento e incluiu em sua agenda política planos de ampliação dos investimentos no setor. Mas o grande problema é a sua estrutura de financiamento: pelo menos 80% desses recursos têm origem nos cofres públicos, já que a contribuição privada para pesquisa e desenvolvimento ainda é baixa. O Brasil, por exemplo, conseguiu elevar os gastos em C&T de 0,6% para os atuais 0,9% do PIE, nos últimos dois anos, agregando' ao orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) recursos dos fundos setoriais para financiar a pesquisa científica e tecnológica em setores estratégicos. O MCT espera que o Congresso Nacional aprove, ainda neste semestre, o projeto de Lei de Inovação por meio do qual pretende estimular o empreendedorismo e estreitar relações entre a universidade e o setor privado. A expectativa é que, em 2010, o país contabilize recursos da ordem de 2,4% do PIE no setor, com incremento da participação privada. O México enfrenta problemas muito semelhantes: pretende atingir o patamar de 1,5% de investimentos em C&T, nos próximos dois anos, com um conjunto de medidas de incentivos fiscais para ampliar a participação privada.
Também o Chile conta com o apoio das empresas para ampliar os investimentos em C&T dos atuais 0,7% para 1,2% do PIE até 2006. "O crucial, nesse contexto, é fazer com que o setor privado faça um aporte, que não seja só recursos públicos': enfatiza Eric Goles Chacc, presidente da Comissão Nacional de Investigação Científica e Tecnológica do Chile (Conicyt) (veja entrevista na
página18). A situação não é diferente na Costa Rica, país que investe 0,5% do PIE em C&T. "Nos últimos quatro anos criamos um fundo especial com o objetivo de fortalecer as unidades de pesquisa e, ao mesmo tempo, criar uma nova cultura no setor empresarial", conta Fernando Gutierrez, vice-ministro da Ciência e 'Iecnologia costa-riquenho. O fundo, formado por recursos governamentais e privados, financia projetos das unidades de pesquisa em função das necessidades das empresas. "Temos que criar uma nova cultura no setor empresarial, em sua maioria formado por pequenas e médias empresas."
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roporçãoentre investimentos públicos e privados em P&D só é mais equilibrada em Cuba. "Investimos US$ 120 milhões no setor, ou 1,68% do PIE. No ano passado, 60% foram gastos públicos e '40% foram aportados pelas próprias empresas': conta América Santos Rivera, vice-rninistra cubana de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente. "Não temos dúvidas de que o futuro da investigação científica está no estreitamento das relações entre a indústria, a universidade e os centros de investigação': conclui.
Incentivos fiscais - A baixa participação privada nos investimentos em P&D também preocupa os países da União Européia. Enquanto nos Estados Unidos eles contribuem com 69% dos investimentos em P&D, na União Européia a média da participação privada é de 56%. Mas, mais uma vez, esse desempenho não é homogêneo. Em Portugal, por exemplo, a parcela das empresas no financiamento das pesquisas é da ordem de 30%. "Isso faz repousar sobre os fundos públicos a maior parte do esforço de investigação que é necessário promover", afirma
Declaração de Brasília Em maio, a Cúpula de Chefes de Estado e Governo de 47 países da América Latina, Caribe e União Européia, em Madri, deverá transformar em decisão política a recomendação da Alcue de criar um "espaço específico" para a cooperação científica e tecnológica entres os dois blocos econômicos. Essa é a essência da Declaração de Brasília, aprovada ao final da Conferência Ministerial sobre Ciência e Tecnologia. A relação entre esses países tem sido, historicamente, bilateral. A intenção agora é criar um marco inter-regional de cooperação em áreas prioritárias para a atuação conjunta: saúde e qualidade de vida, sociedade da informação, crescimento competitivo em ambiente global, desenvolvimento sustentável e urbanização e patrimônio cultural. A parceria também contempla questões ligadas à capacidade de inovação dos países, como educação e treinamento de recursos humanos, mobilidade transnacional e intersetorial de pesquisadores e estudantes nas áreas de pesquisa apontadas. Um grupo de trabalho com 18 membros vai detalhar, até o final do ano, sugestões de medidas concretas para pôr em prática essa decisão. A conferência definiu também um plano de ação que preconiza a mobilização de todos os recursos necessários, nacionais e regionais, com participação dos setores público e privado bilaterais e birregionais" para a cooperação científica e tecnológica entre países. Está previsto, ainda, o apoio a redes transnacionais de centros de excelência, com o envolvimento de instituições científicas, acadêmicas e tecnológicas nacionais de todos os países parceIros.
PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 15
• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECN01ÓGICA
Acordo com a Argentina Ao mesmo tempo em que participa do diálogo multirregional no âmbito da Alcue, o Brasil intensifica sua política de cooperaçãobilateralcom paísesda América Latina e União Européia. O Ministério da Ciência e Tecnologia fechou um amplo acordo com a Argentina por meio do qual se compromete a disponibilizar R$ 1,5 milhão do Programa Sul-Americano de Apoio às Atividades de Cooperação em Ciência e Tecnologia (Prosul) para financiar o intercâmbio e a formação de recursos humanos. A parceria prevê que pesquisadores brasileiros e argentinos possam fazer visitas bilaterais, com períodos de 15 dias a seis meses de duração, e receber bolsas de doutorado e pós-doutorado. O acordo de cooperação inclui também ações conjuntas no setor de genômica com capacitação de recursos humanos nas áreas de biologia molecular,bioinformática e seqüenciamento de genes. A idéia é formar uma rede binacional de genômica e proteônica, que poderá incluir laboratórios argentinos na Rede Nacional de Biologia Molecular Estrutural. Brasile Argentina pretendem, ainda, submeter ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) proposta de financiamento de projeto de cooperação em C&T no prazo de cinco anos. Os projetos serão definidos nas próximas semanas."Entendemos que essa é uma parceria estratégica, pois sem ela a Argentina não se sustenta no mundo globalizado'; afirma o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva da Argentina, Júlio Luna.
16 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
Armando Trigo de Abreu, presidente do Instituto de Cooperação Científica e Tecnológica Internacional, do Ministério da Ciência e Tecnologia de Portugal. Na tentativa de alterar esse quadro, o Conselho Europeu de Barcelona, reunido nos dias 15 e 16 de março, sugenu que os países membros não medissem esforços para atingir, nos Cuba: 1,68% do próximos dez anos, um patamar de investimentos em C&T de 3% do PIB, e que fossem criadas condições - leia-se incentivos fiscais - para a expansão dos investimentos de empresas em P&D. "Dos 3% de investimentos desejados, mais ou menos dois terços deveriam ser feitos pelo setor privado e um terço pelo setor público, em média': explica Ana Birulés i Bertran, ministra para a Ciência e Tecnologia da Espanha. Como a Espanha, até junho, ocupa a presidência da União Européia, a ministra acumula o cargo de presidente do Conselho de Pesquisa da UE, presidente do Conselho Industrial da UE e presidente do Conselho de Telecomunicações da UE (veja entrevista na pá-
tificado. Prevaleceram no entanto os argumentos diplomáticos e, no documento, os participantes da conferência aplaudem a decisão do Conselho Europeu de Barcelona e expressam "a esperança de que um esforço paralelo seja envidado nos países da América Latina e do Caribe para atribuir a máxima prioridade possível à política de PIB em C&T C&T e aumentar significativamente os recursos dedicados ao desenvolvimento, à pesquisa e à tecnologia"
Financiamento - A questão do financiamento do desenvolvimento tecnológico, como se vê, é um problema comum aos dois blocos de países e um desafio para consolidar a cooperação científica. "É necessário pensar qual o modelo de financiamento a ser adotado no plano internacional. Estamos estudando algumas propostas", diz Ronaldo Sardenberg, ministro da Ciência e Tecnologia do Brasil. O Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, que já têm recursos para o setor, poderiam ser parceiros nesse projeto, mas, para tanto, seria negina 17). • cessário rever sistemas de apoio consideA Declaração de Brasília, que reúrados "obsoletos". A ministra da Ciênne as propostas da Alcue, não estabelecia e Tecnologiada Espanha acredita que ce metas para investimentos em C&T. a cooperação entre países, no âmbito diretor-geral do Conselho Nacioda Alcue, também poderá contar com nal para a Ciência e Tecnologia do o estímulo de agências como o Banco México, Jaime Parada Europeu de InvestiAvila, até sugeriu que mentos e de recursos o documento estabeprovenientes de convêlecesse patamares mínios com empresasprinimos para investivadas. "Creio que essa mentos no setor é uma disposição que entre 1% e 1,5% do veremos crescer entre PIB - nos próximos organismos, bancos e dez anos, proposta entidades financeiras dedicadas ao fomento'; que contou com o afirma. Para Ana Biruapoio do Panamá, Equador, Chile, Cuba lés, o financiamento e Colômbia, por trapara C&T será um tar-se de um forma "elemento-chave" na de "amarrar comproCúpula de Chefes de misso dos governanEstado e Governo, tes",conforme foi jusPortugal: mais gastos públicos em Madri.
o
Incentivo fiscal para . ,.., alnovaçao Entrevista:
Ana Birulés i Bertran*
• O Conselho Europeu de Barcelona reuniu-se em 15 e 16 de março e sugeriu aos
países membros que ampliassem os investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação nos próximos dez anos, até atingir o porcentual de 3% do seu Produto Interno Bruto (PIB). Em que patamar estão, atualmente, os investimentos europeus nessa área? - Na Europa, os níveis de investimento em Pesquisa e Desenvolvimento estão, em média, ao redor de 1,8% do PIE. Mas há um peso muito forte dos investimentos públicos nas universidades e centros de pesquisa. O peso do setor privado é relativamente mais baixo. E essa defasagem não é só uma questão de pesquisa e desenvolvimento. Também reflete a capacidade de transformar pesquisas em produtos e serviços de tecnologia. Aposta-se pouco na inovação. Esse, aliás, foi o tema que a Espanha colocou na Conferência de Barcelona. Ali, pela primeira vez na história, reuniram-se os ministros de Pesquisa e os ministros da Indústria de todos os países da União Européia. A avaliação foi de que era necessário avançar, não só em pesquisa e desenvolvimento, mas também de um modo que estimulasse uma maior participação do setor privado que permitisse transformar a UE no espaço europeu da Inovação, e a proposta foi ratificada pela conferência.
• A proposta de ampliação de 3%, portanto, não se refere exclusivamente aos investimentos públicos? - O objetivo é investir 3% do PIE, porém os Estados membros e a União Européia devem criar marcos e condi-
ções favoráveis para a expansão dos investimentos das empresas em P&D, de forma a ampliar mais a inovação. Ou seja, dos 3% de investimentos desejados, mais ou menos dois terços deveriam ser feitos pelo setor privado e um terço pelo setor público, em média.
• No caso específico da Espanha, como estão os investimentos em C&T? - Tivemos, em 2000, um incremento de 14,5% de investimento em P&D. A inovação aumentou 20% e dobrou o número de empresas inovadoras. Mas nós vínhamos de níveis ainda baixos de investimentos nessa área, algo como 1,7% do PIE, contando com a inovação. Sabemos que temos que correr, não só em termos de pesquisa e desenvolvimento, mas também para colocar um marco fiscal favorável para os investimentos de empresas, criando um entorno financeiro para que se desenvolva o capital similla (semente) e o capital de risco.
os seus centros de pesquisas sem perder o posto de trabalho. Levamos o debate sobre a mobilidade de pesquisadores também à reunião da União Européia, no Conselho de Barcelona. Ficou estabelecido um plano de ação de mobilidade que inclui a assistência social entre países membros da União Européia. Mobilidade não pode pressupor apenas posto de trabalho, reconhecimento de títulos, da carreira ou do trabalho feito. Deve envolver também questões como a assistência social. Ela deve ser idêntica à que o pesquisador tinha em seu país de origem.
• Como serão recebidas na Cúpula de Chefes de Estado, em Madri, as propostas da Conferência AIcue reunidas na Declaração de Brasília?
A Alcue tem como objetivo intensificar as relações entre a União Européia, América Latina e o Caribe. Estamos colocando a ciência, tecnologia e a inova• O tema capital de ção na agenda polírisco também foi distica dos governos. A Declaração de Brasícutido na reunião de Barcelona? lia reúne propostas muito importantes e - Sim. Todos ficaO desafio de transformar a U E é uma chave para a ram de acordo sono espaço europeu da inovação coesão e para novas bre a necessidade de se fazer uma integração dos merformas de cooperação. Acredito que a cados de valores europeus, para estireunião dos chefes de Estado e governo, mular o desenvolvimento do capital em Madri, vai representar um avanço de risco. Outro tema-chave, também de cooperação política com elementos discutido em Barcelona - e que temos muito concretos, entre os quais o desenvolvimento sustentável, conhecimento aplicado na Espanha -, é o da mobilidade dos pesquisadores entre centros e sociedade da informação. Os temas científicos e entre os centros científirelacionados à Ciência, Tecnologia, Inovação e Conhecimento estão, cada vez cos e as empresas. No ano passado inmais, nos níveis mais altos da política. E vestimos na mobilidade entre centros a Conferência de Barcelona também científicos. Criamos, neste ano de 2002, uma medida que autoriza os mostrou isso. Não se trata apenas do cientistas a pedirem uma licença especial de até quatro anos, para colaborar com uma empresa ou para criar a 'I- Ministra para a Ciência e Tecnologia própria empresa, aportando patentes da Espanha, presidente do Conselho de e conhecimento como capital. Até Pesquisa da UE, presidente do Conselho agora as licenças eram muito curtas e Industrial da UE e presidente do apenas para pós-doe. Agora, depois de quatro anos, eles podem voltar para Conselho de Telecomunicações da UE PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 17
• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
avanço, do crescimento e do bem-estar futuro, mas da abertura de muitas janelas do ponto de vista da sociedade. Por exemplo, em Brasília debateu-se a importância das Ciências da Saúde e Sociedade - que abre novas perspectivas para a sociedade, ou da sociedade da informação - que permitem reduzir o tempo e o espaço, e que possibilitam que regiões que não têm telefone fixo possam ter telefone e Internet. São temas importantes do ponto de vista do avanço científico e econômico, com também do ponto de vista social, do fortalecimento dos países e da democracia. • Uma das preocupações dos países da América Latina e Caribe é com a questão do financiamento para C&T. Qual a saída para os países em desenvolvimento? - Como é um pouco cedo para ter conclusões, farei uma reflexão sobre o tema. No Conselho de Ministro da Indústria e de Pesquisa da União Européia, em Giron, que antecedeu o de Barcelona, esteve presente a presidência do Banco Europeu de Investimentos, porque eles também acham que deveriam focar seus recursos na Ciência, Tecnologia e Inovação. Eu creio que essa é uma disposição que começaremos a ver crescer entre organismos, bancos e entidades financeiras dedicadas ao fomento. Hoje, o fomento, o desenvolvimento e a cooperação passam claramente pelo reforço desses elementos que tratamos na Declaração de Brasília. E esse será um elementochave na Cúpula de Chefes de Estado e Governo, em Madri, em maio. • E nessa questão do financiamento também a iniciativa privada pode colaborar? - Está claro que muitas das empresas estão investindo na inovação e em pesquisa e desenvolvimento. Também está claro que todos os mercados não são iguais. Há elementos mínimos de adaptação. Interessa, por exemplo, que o desenvolvimento de conteúdos e o desenvolvimento de aplicações nas universidade próximas de onde estão instaladas as empresas sejam os mais altos possíveis, já que isso pode lhes garantir 18 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
maior competitividade no mercado. As empresas espanholas, por exemplo, vieram ao Brasil porque o mercado é importante e existe capacidade técnica e científica. Para a empresa, o entorno deve ser inovador. Convênios, a contratação de pesquisa e desenvolvimento nas universidades ou a participação econômica direta no desenvolvimento do capital de risco são vias que as empresas vêm utilizando para apoiar P&D. • Mas como criar condições para ampliar os investimentos privados? - É preciso ter um ambiente fiscal favorável. E o incentivo fiscal é uma boa saída, inclusive aquele que se denomina mecenato, que, no passado, fez muito pela cultura. Hoje é preciso fazer o mecenato científico. Às empresas interessa que ao redor de seu trabalho, da sua zona de produção, existam as universidades, interessa um âmbito de informática, para que aportem dinheiro e que tenham vantagens fiscais. • Há leis de incentivos fiscais para C&T na Europa? - Existe na Espanha e um pouco na Holanda e há alguns temas de mecenato no Reino Unido. •
Brasil, • parceiro estratégico Entrevista:
Eric Goles Chacc*
• Qual é, atualmente, o porcentual de investimento do Chile em C&T? - No Chile, em 1999, o aporte de recursos em C&T era de 0,6% do Produto Interno Bruto (PIE). Hoje é de 0,7%. E o presidente, Ricardo Lagos, se comprometeu a passar a 1,2% até 2006. E chegar a 1,2% significa passar de US$ 500
milhões em 99 a US$ 1,3 bilhão em 2006. O crucial nesse contexto é fazer com que o setor privado e empresarial faça um aporte, que não seja só recursos públicos. Mas isso não é fácil. Boa parte do esforço para chegar a 1,2% terá que ser, pelo menos nesta primeira etapa, um esforço público. É preciso incentivar a mudança cultural do setor privado. Sabemos que os países desenvolvidos têm uma participação de 50% a 60% de investimentos privados em C&T. No Chile, temos que olhar de outro ponto de vista. Precisamos fazer com que nossos jovens adquiram um espírito empreendedor que os leve a criar empresas. O venture capital no Chile está apenas começando. Já existe um organismo estatal que está fazendo isso e algumas outras instituições de capital de risco. Mas os jovens se formam e ainda procuram por trabalho. Não se trata apenas de criar centros de excelência, precisamos também de um bom sistema de divulgação em todo o país, de uma grande quantidade de bolsas de doutorado e mestrado, de projetos individuais concursáveis de ciência, de projetos globais e de apoiar a estrutura acadêmica das universidades. Ou seja, temos que criar um mecanismo que contenha diversas ferramentas. E esse conjunto de ações tem que caminhar junto, senão qualquer investimento é dinheiro jogado fora. • Qual a importância estratégica da cooperação científica e tecnológica para os países latino-americanos? - O governo do Chile tem claro que é preciso reforçar nossa colaboração em âmbito científico e tecnológico regional. A América Latina é muito pouco responsável pelo que se faz hoje em C&T no mundo. Participamos de poucas conversações nos diversos âmbitos e, sozinhos, nada conseguiremos. Precisamos nos unir, o que implica a necessidade de contatos bilaterais e multilaterais. Estamos nos associando a diversos países com objetivo de cooperação. Com o Brasil, o Chile tem múltiplos acordos, em particular com o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), mas também com a FAPESP e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). • Como está o andamento nios com a FAPESP?
dos convê-
- Os convênios com a FAPESP são amplos. Estamos em conversação para, de algum modo, complementar nossas iniciativasna área de genômica. No Chile, há seis ou sete meses, criamos um programa neste setor, o Genoma Chile, por meio do qual estamos seqüenciando bactérias biolixiviantes que ajudam na produção de um cobre mais limpo e mais econômico. Também estamos fazendo genômica vegetal. Há uma série de vírus que teremos que estudar. Outro ponto importante: o Chile é um grande exportador de frutas, de modo que esse tipo de investigação é muito importante. Investimos na biologia e na genômica para obter melhorias na produção de frutas e alimentos e garantir maior competitividade no mercado externo. Também estamos muito perto de ser o maior produtor mundial de salmão. Porém, surgiram doenças próprias de nossos salmões. Já seqüenciamos o gene de uma das bactérias que atacam a produção. Temos conhecimento que, paralelamente, os grupos ligados à FAPESP estão fazendo anotação de muitos organismos e acumulando mais experiências em genômica. Além disso, esse grupos utilizam laboratórios bem equipados e aparelhados com os quais poderemos nos associar. Com o Brasil, e em particular com São Paulo e a FAPESP,poderemos ter uma aventura muito interessante. No caso do cobre, por exemplo, o empreendimento poderia ter a forma de um consórcio do qual participariam cientistas, organismos do Estado e empresas ligadas ao setor de cobre. Gostaríamos de chegar a algo muito concreto em termos de colaboração na área de bioinformática ainda neste ano. • O ministro Ronaldo Sardenberg esteve recentemente no Chile, junto com o presidente Fernando Henrique Cardoso. Foram assinados alguns acordos? - Foram discutidas algumas parcerias. Assinamos um memorando de entendimento entre Brasil e Chile, em Arica, que dá um novo sinal político de integração entre os dois países. O Chile, por exemplo,vai começar a participar da Plataforma Lattes, do Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientíficoe Tecnológico, e adotá-Ia no nosso sistema nacional. Outra coisa muito importante é que, no Chile, apesar de o número de bolsas de doutorados estar crescendo,
formamos 100 doutores por ano. Esse número precisa crescer. O Brasil, por exemplo, forma algo como 3 mil doutores por ano. É uma barbaridade. O nosso objetivo é facilitar a mobilidade de doutores entre Brasil e Chile. Precisamos trabalhar nessa direção. • O Brasil é, portanto, um parceiro es-
terais. Temos capacidade para ter um programa complementar ao nosso na Europa ou naquelas áreas que estão num nível superior. Temos que olhar para a Europa, não numa mirada de irmão mais novo, mas de igual a igual. Um exemplo está na astronomia. O céu chileno, por razões naturais, é o melhor do Hemisfério Sulpara a pesquisa astronômica. Os Estados Unidos compreenderam isso, por meio da National Science Foundation. Gostaria que isso fosse compreendido do mesmo modo pelos países europeus. Podemos formar mais astrônomos e ganhar força na ciência pura. A parte política está cumprida. Precisamos, no entanto, desenvolver ferramentas específicas para essa nova modalidade de relação. Mas tenho a impressão de que a União Européia ainda não está madura para a idéia de que também para eles é importante a cooperação com a América Latina.
tratégico para o desenvolvimento da C&T no Chile? - Há pelo menos 25 anos mantemos acordos com o Brasil por meio do qual grupos de cientistas e tecnólogos dos dois países têm colaborado em conjunto. No Chile, como no Brasil, estamos investindo em Centros de Excelência.Já temos dez centros que são núcleos de pesquisadores numa disciplina específicae com qualidade reconhecida por instituiçõescomo a National Science Foundation, etc. Estamos investindo muito dinheiro para, em dez anos, convertê-los numa referência mundial • Qual a sua expecem áreas como astrotativa em relação aos nomia e astrofísica, resultados da Confematemáticas, biologia celular, ecologia, rência da Alcue e das propostas da Declaoceanografia, biomedicina e ciência dos ração de Brasília? -rnateriais. Cada uma Ações conjuntas para garantir - Só vou me condessas áreas está as- resultados nos investimentos vencer do sucesso dessa relação multisociada a centros de lateral entre os dois blocos quando tiverformação de doutoramento. Queremos mos ferramentas específicas para financriar uma rede de Centros de Excelênciar ciência e tecnologia. Esse processo cia onde a circulação de pesquisadores seja fácil e necessitamos que esses cenque está sendo promovido pela Alcue poderia ser um pouco mais rápido. tros se articulem com organismos seNão é bom para o mundo que tenhamelhantes nos demais países da América Latina, sobretudo com o Brasil. mos na América Latina muitos países em que a noção de fazer ciência e tecnologia é ainda incipiente. Hoje, educação • Como o senhor avalia as propostas da e conhecimento é uma variável crucial Alcue contidas na Declaração de Brasília? - Há uma intenção política clara: quepara garantir a identidade de um país. Brasil, Chile e México compreenderam remos evamosnos relacionarcom a União isso. Quisera que também a comunidaEuropéia. Queremos que nos reconhede européia compreendesse isso. • çam como um espaço importante de ciência e tecnologia. Além disso, tanto o Brasil como o Chile têm relações bilaterais muito boas com países euroPresidente da Comissão Nacional peus. O Chile tem uma relação de pride Investigação Científica e Tecnológica meira linha com a França em C&T. Queremos passar a ter relações multilado Chile (Conicyt) PESQUISA FAPESP . MAIO DE 2002 • 19
• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
ncerrado o convênio entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), a Secretaria de Estado da Educação e a FAPESP para implementação do Pró-Ciências no Estado de São Paulo, o balanço das atividades foi positivo. Ao todo, e ao longo de seis anos, foram implementados 123 projetos coordenados por professores da Universidade de São Paulo, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Estadual Paulista (Unesp), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), entre outras, para a capacitação de 7.942 professores do ensino médio do Estado de São Paulo. "O Pró-Ciências, em São Paulo, deu certo': avalia Marília Pontes Sposito, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), coordenadora do programa no Estado. O Programa de Apoio ao Aperfeiçoamento de Professores de Ensino Médio em Matemática e Ciências, conhecido como Pró-Ciências, é uma iniciativa da Capes e Secretaria Nacional de Ensino e Tecnologia do Ministério da Educação. Tem como objetivo principal o aperfeiçoamento em serviço de professores do ensino médio, nas áreas de matemática, física, química e biologia, por meio de apoio à inovação pedagógica. A estratégia de implantação do programa é a de estreitar a relação entre as escolas públicas e as universidades para, no âmbito das escolas públicas de 2° grau, melhorar o domínio dos conteúdos curriculares, em sintonia com os avanços produzidos nas diferentes áreas do conhecimento. O programa, em sua primeira fase, foi implantado em diversos Estados, em parceria com Fundações de Amparo à Pesquisa e Secretarias Estaduais da Educação.
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Os projetos tinham como ponto de partida as atuais orientações que integram as propostas da Lei de Diretrizes e' Bases (LDB), Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e A Escola de Cara Nova - Programa de Educação Continuada.
Investimentos - Entre julho de 1996 e fevereiro de 2001, por meio do convênio com a FAPESP, no caso de São Paulo, a Capes investiu R$ 9,3 milhões no programa beneficiando professores do ensino médio, então na condição de alunos, nas quatro áreas de conhecimento contempladas pelo Pró-Ciências. Os projetos do Pró-Ciências na área de biologia atenderam 1.133 professores-alunos. Na área de física, foram 1.837; na área de química, 1.044; e os de matemática, os mais concorridos, tiveram um total de 3.928 professores-alunos.
O programa foi implementado por meio de projetos apresentados por universidades. Cada um dos projetos era coordenado por um professor com titulação mínima de doutor, responsável pela implementação e acompanhamento dos cursos. A aprovação do projeto também dependia da comprovação de um infra-estrutura física, administrativa e gerencial necessárias ao desenvolvimento das atividades de formação continuada dos professoresalunos. Nos diversos cursos, os alunos recebiam aulas sobre os conceitos fundamentais da disciplina, eram orientados sobre as metodologias compatíveis com as tendências atuais da matéria, sem falar nas práticas de laboratório. Cada um dos cursos teve uma carga horária de 120 horas-aula e um mínimo de 30 professores-alunos por turma. Cada professor-aluno recebeu um valor máximo de R$ 450,00 para as 120 ho-
mil) e, quando foi o caso, pelo pagamento de diárias (R$ 187,3 mil). "Fizemos uma avaliação positiva do projeto e de sua capacidade de impacto no processo de capacitação de professores, como a inovação na criação de material didático", afirma Marília Sposito. A demanda e o número de projetos apresentados em resposta aos editais cresceu ao longo dos seis anos de duração do programa. "Reconhecemos a sua ampla legitimidade não só junto às equipes de pesquisadores, mas, também, no interior da rede pública de ensino no Estado de São Paulo. Com freqüência, a FAPESP ainda recebe consultas - e mesmo demandas - em torno da continuidade do programa, tanto de pesquisadores como de professores, que, por via eletrônica, têm acesso ao site da instituição': revela Marília.
ras-aula de atividades. Os cursos foram acompanhados pela Coordenadoria de Normas Pedagógicas da Secretaria da. Educação. A Capes também criou um grupo para o acompanhamento dos programas nos diversos Estados. O investimento total nessas bolsas, ao longo da vigência do convênio, somou R$ 4,6 milhões. Os professores-instrutores recebiam R$ 60,00 por hora-aula ministrada, valores que representaram um gasto total de R$ 2,4 milhões ao final dos seis anos. O Pró-Ciências patrocinou, ainda, a compra de material permanente necessário ao desenvolvimento dos cursos (R$ 814 mil), autorizado no último edital, e material de consumo (R$ 729 mil). O programa também foi responsável pelo pagamento dos serviços de terceiros (R$ 393 mil), pelas despesas com transportes de professores para os locais onde eram ministradas as aulas (R$ 87,2
Em sala de aula - Nas diversas áreas, os projetos buscavam capacitar o professor para uma melhor atuação junto aos seus alunos, utilizando os recursos disponíveis em sala de aula. Um dos projetos da área de física, intitulado Demonstrações em Física, coordenado por Fuad Daher Saad, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, teve como objetivo orientar os alunos-professores sobre a necessidade de demonstrar alguns experimentos em sala de aula utilizando poucos recursos e materiais disponíveis. Além de questões teóricas e metodológicas sobre o tema, procurouse apresentar sugestões de caráter didático: a persistência visual, sugeria-se, pode ser mostrada pela rápida rotação de um pequeno cartaz que estampa, de um lado, um cachorro e, de outro, um osso. Girando a engenhoca, as imagens se sobrepõem na nossa retina. Outro projeto que integrou o programa foi o Educação Ambiental Atra-
vés da Visão Integrada da Bacia Hidrográfica Via Internet, coordenado por José Galizia Tundisi. O objetivo era ensinar o aluno a interpretar e aprender lições a partir da bacia hidrográfica da região de São Carlos e inserir esses dados num grande mapa na Internet. As aulas eram ministradas no Centro de Divulgação Científico e Cultural da USP, em São Carlos, e os alunos-professores eram estimulados a montar suas
próprias homepages, onde disponibilizaram os dados apurados pela equipe. O projeto Capacitação em Serviço de
Professoresde Química do Ensino Médio, apresentado pelo Instituto de Química da USP e coordenado por Reiko Isuyama, buscava trazer a ciência para perto do exercício da cidadania. Seus professores-alunos, além de realizar, por exemplo, um balanço da quantidade de ingredientes que entram na composição de uma determinada substância, também debatiam a questão dos interesses econômicos por trás da fabricação de fertilizantes. Na área de matemática, um bom exemplo foi o do projeto coordenado por Celia Maria Carolino Pires, da PUC-SP. Antes do início das aulas, foi realizado um levantamento junto aos professores-alunos para a indicação das necessidades do grupo. Os conteúdos mais indicados - Funções e Geometria - foram então o objeto das aulas. Um quinto exemplo que ajuda a demonstrar o escopo do Pró-Ciências foi o projeto atualização de professores da rede pública de Santo André em Ecologia Vegetal . O seu objetivo era facilitar a compreensão da dinâmica de ecossistemas, tecnologia de produção de sementes de espécies nativas e recuperação de áreas degradadas. Os professores-alunos, além de visitar locais como a Reserva Biológica de Paranapiacaba, Reserva Biológica e Estação Experimental de Mogi e Reserva Ecológica da Iuréia, também montaram um herbário. Segunda fase - O Pró-Ciências, que também teve resultados positivos nos outros Estados, entra agora em sua segunda fase. "Na primeira fase, o programa foi financiado com recursos da Capes. Agora, os recursos são do Projeto Escola Jovem, da Secretaria Nacional de Ensino Médio e Tecnológico, do Ministério da Educação. A gestão e o acompanhamento dos projetos são feitos pelas Secretarias Estaduais de Educação': diz Rúbia Silveira, coordenadora de Projetos Especiais da Capes. A Coordenado ria agora, ela explica, é responsável apenas pela seleção e qualificação dos projetos apresentados em respostas a editais nacionais. "Essa estratégia, nesse caso, isenta os Estados de processos licitatórios, o que viabiliza a implementação dos diversos cursos': diz. • PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 21
• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
PATENTES
Lições de diálogo e parceria Estudo avalia estratégias de integração entre empresas e universidades nos EUA e Europa Lucn.rx
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de inovação num mercado cada vez mais competitivo leva países e empresas a injetar cifras bilionárias em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de produtos e processos de ponta que têm na inteligência seu ingrediente básico. Nesse mundo, movido a ciência e negócios, a aliança academia-empresa ganha fôlego e musculatura. O diálogo - sabidamente difícil e cauteloso - entre os dois interlocutores se "afina" graças ao desenho de novos arranjos institucionais e à adoção de leis relacionadas às patentes universitárias. É o que mostra a coordenadora do Núcleo de Estudos e Planejamento Estratégico do Instituto Oswaldo Cruz, Cláudia Inês Chamas, em sua tese de doutorado Proteção e Exploração Econômica da Propriedade Intelectual em Universidades e Instituições de Pesquisa. Nesse trabalho, ela descreve e aprofunda estratégias focalizadas na apropriação dos frutos de pesquisas geradas com recursos públicos e implantadas em países como Estados Unidos, França, Reino Unido, Espanha e Alemanha. 22 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
ATAS MEDEIROS
A intenção da autora é oferecer um panorama que provoque reflexões e inspire os atores do processo de inovação no Brasil, onde a parceria academia-empresa ainda é tímida e apenas 30% das universidades e 30% das instituições de pesquisa apresentam polític';lsformais de proteção e comercialização da propriedade intelectual.
Laços cooperativos - No trabalho, Cláudia Chamas destaca a tessitura da articulação entre o setor acadêmico e o privado - como centros de pesquisa cooperativos, joint ventures para pesquisa e produção, consórcios de P&D e incubadoras -, que tem rendido ótimos resultados, especialmente em nichos da vanguarda tecnológica. Tais laços, é bom lembrar, estão na origem de companhias estreladas como Apple Computer, Cisco Systems e Intel, entre outras que, aninhadas no Vale do Silício e ao longo da Rota 128, detonaram, a partir da década de 70, a "explosão" das indústrias eletrônica, de computação e de comunicação nos Estados Unidos.
A Europa também embarcou nessa onda cooperativa que, em campos como o farmacêutico e biotecnológico, é quase uma imposição, devido aos riscos e altos investimentos associados à inovação. A Roche, por exemplo, gigante do setor de medicamentos sediada na Suíça, aplica entre 15% e 20% de seus recursos anuais em P&D na compra de pesquisa de institutos, universidades e pequenas empresas de biotecnologia com os quais mantém convênios. A interação academia-indústria traz evidentes vantagens para os dois parceiros. As universidades podem imergir na rotina das empresas, conhecer seus problemas e obter recursos financeiros disponíveis para a pesquisa, se for o caso. As empresas, por sua vez, têm acesso a "janelas" privilegiadas do conhecimento, a fontes de informação científica e tecnológica e a profissionais altamente qualificados das universidades.
Ponto de equilíbrio - Tal "casamento" não é, porém, unanimemente aceito pelo setor acadêmico. Há, entre outras razões, o temor de uma transformação da
atual universidade, centrada no ensino e na pesquisa descompromissada, em uma instituição "de resultados ou de serviços': contaminada pela visão do lucro. Diferenças como essa, porém, podem e devem ser equacionadas. "É preciso que cada universidade estabeleça seus objetivos e limites, encontre seu ponto de equilíbrio e defina sua política de propriedade intelectual", defende Cláudia Chamas. Uma das questões espinhosas na abordagem dos projetos cooperativos refere-se à liberdade de divulgar o conhecimento, verdadeiro dogma entre os cientistas, versus o sigilo exigido pelas empresas para produzir e lançar produtos nos quais investiram pesadamente. Para enfrentar esse dilema várias legislações, entre as quais a brasileira, adotam o chamado "período de graça", que beneficia diretamente os inventores da área acadêmica, ao proporcionar um período de seis a 12 meses (dependendo do país) para um posterior depósito da patente. No espaço de tempo previsto, a abertura da invenção - sob a forma de artigos, teses, conferências, Internet, entre outros meios - não constitui quebra de novidade, um dos requisitos fundamentais para o patenteamento. É bom lembrar, porém, que essa "graça" é temporária e não totalmente garantida. Além disso, se houver necessidade de registro em países onde tal benefício não vigora, a proteção desejada não ocorre. No exterior, a evolução da parceria academia-empresa ganhou, nos últimos anos, contornos mais precisos e profissionais, passando a ser regidas por contratos. As legislações sobre patentes que, em muitos casos, vinham sendo discutidas há mais de 50 anos, sofreram mudanças decisivas nos Estados Unidos na década de 80, impulsionadas especialmente pelo desenvolvimento da biotecnologia e da pesquisa biomédica, cujas aplicações comerciais têm atingido cifras astronômicas. A edição da lei Bayh-Dole, naquele país, permitiu às universidades e pequenas empresas obterem patentes de
invenções desenvolvidas com fundos do governo federal. Assim, a antiga retenção de titularidade pelo governo ou o domínio público (também vigente em outros países, como a Alemanha) foi substituída por uma visão pragmática. O foco deslocou-se para o mercado, tendo em mira aspectos como melhor ia da produtividade, criação de empregos e priorização das empresas nacionais na "compra" de invenções.
Profissionais da inovação - Na esteira dessas mudanças - que envolvem também aspectos ligados às formas de distribuição de royalties e à titularidade das invenções, entre outros -, instituições acadêmicas, laboratórios governamentais e centros de pesquisa vêm aprimorando políticas de atuação, implementadas por departamentos denominados genericamente Escritórios de Propriedade Intelectual e Transferência de 'Iecnologia (Epitts). Disseminados hoje pelos EUA e por diversos países europeus, tais escritórios - que podem situar-se dentro ou fora das instituições - agregam equipes de profissionais compostas por agentes de propriedade industrial (formados em áreas como engenharia e física) com bons conhecimentos de leis e acordos internacionais, especialistas em marketing e pessoal de suporte administrativo. A maioria das instituições apresenta um único Epitts para atender toda a clientela, como o escritório do Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica (Inserm) francês. Visando maior agilidade em sua interação com os pesquisadores, a Universidade de Michigan
adotou um esquema constituído por três unidades, uma central e duas satélites. A Universidade de Wisconsin, por sua vez, estabeleceu parceria com uma fundação para resolver as questões ligadas à propriedade intelectual. No Reino Unido, a Universidade de Oxford criou, em 1988, a Isis Inovação, uma empresa de exploração dos frutos da pesquisa realizada internamente. Além de buscar potenciais licenciados, a Isis promove a criação de empresas individuais por meio de capital de risco ou fundos de desenvolvimento. Como se pode ver, são esquemas de atuação bem diversos, cujos formatos devem ser analisados com cuidado antes de serem implantados. Lembrando sempre que um dos ingredientes básicos para o sucesso da receita está no forte comprometimento dos níveis hierárquicos mais elevados das instituições.
Impactos - O impacto dessas mudanças legais e institucionais pode ser contabilizado especialmente aos EUA, onde a cooperação academia-empresa está mais sedimentada. Antes de 1980, eram concedidas naquele país cerca de 250 patentes para o total de universidades. De acordo com o Escritório de Patentes e Marcas dos Estados Unidos (USPTO), em 1984 foram concedidas 551 patentes universitárias; em 1989, 1.228; em 1994,1.780; e em 1997,2.436, o que evidencia um crescimento constante e considerável. (Para efeito de comparação, lembra-se que foram depositados no Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI, entre 1990 e 1999, 335 pedidos cujos titulares eram universidades brasileiras.) Paralelamen te, expandiu-se a capacidade de comercialização nas universidades norte-americanas: em 1990, havia cerca de 200 envolvidas com programas de transferência de tecnologia, PESQUISA FAPESP . MAIO DE 2002 • 23
oito vezes mais do que o número registrado em 1980. Outro exemplo do impacto que os avanços na legislação causaram no meio acadêmico norteamericano estáno Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT): cerca de US$ 1bilhão vêm sendo investidos pelo setor industrial no desenvolvimento e comercialização de licenças e patentes e de tecnologias produzidas naquela instituição. Mais de 200 mil empregos diretos foram criados como resultado direto da exploração dessas licenças. Quanto ao Reino Unido, a redução de barreiras legais promoveu o surgimento de mais de 60 escritórios de intermediação industrial. O relacionamento intenso das instituições britânicas com suas congêneres norte-americanas e a redução dos investimentos governamentais dirigidos à pesquisa influenciaram, segundo os estudiosos, a adoção de uma postura mais empreendedora no país que se tornou, na Europa, um dos mais abertos à contratação empresarial de pesquisa acadêmica. As parcerias britânicas frutificaram também em outros tipos de arranjos.
Em 1998, uma aliança estratégica entre a Mitsubishi Química e a Faculdade Imperial de Londres resultou em substancial suporte financeiro para o Centro de Terapias Genéticas, que atua nas áreas química, biológica e médica. No mesmo ano, a Unilever começou a investir cerca de 13 milhões de libras para estabelecer um grupo de pesquisa dedicado à informática molecular na Universidade de Cambridge. Na França, a Agência Nacional da Valorização da Pesquisa (Anvar) - que tem 24 escritórios regionais e cinco no exterior - aplicou, de 1981 a 1999, cerca de 3,13 bilhões de euros em mais de 22 mil empresas e laboratórios, apoiando mais de 34 mil projetos de inovação tecnológica. Os resultados de projetos cooperativos também têm se mostrado bastante promissores em países como Alemanha e Espanha. Neste último, com a promulgação da nova lei de propriedade intelectual em 1986, o número de patentes universitárias saltou de 27 para 306, em 1994.
A serviço do avanço tecnológico ,
São três os requisitos básicos para o patenteamento de uma invenção: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. É considerada nova (isto é, não compreendida no estado da técnica), uma invenção ou modelo de utilidade não divulgados até a data do depósito de pedido de patente. A legislação também impõe a descrição clara e suficiente do objeto, o qual deve ser reprodutível por um técnico no assunto. Este é um dos fundamentos do sistema de patentes: revelando à sociedade o conteúdo de sua invenção, o inventor tem, como recompensa, um título, transferível e temporário, contendo uma proteção. Uma prática
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que alia os interesses individuais aos da coletividade, promovendo o progresso técnico e econômico. Nos pedidos de patente na área de biotecnologia que envolvam materiais biológicos novos, os quais não podem ser descritos de maneira suficientemente nítida e completa, é preciso fazer também um depósito do microrganismo em uma autoridade internacionalmente reconhecida. A exploração econômica da patente pode ocorrer por licenciamento, cessão ou venda de direitos, aquisição ou criação de firma para fazer o desenvolvimento tecnológico da invenção, entre outros meios.
Situação brasileira - Mudanças profundas vêm marcando, desde a década de 90, o panorama brasileiro na área de patentes, destacando-se especialmente a revisão do Código da Propriedade Industrial, que resultou na lei 9.279, de 1996. Cláudia Chamas observa, porém, que o país ainda "está muito atrasado no que se refere à proteção e exploração econômica da propriedade intelectual na academia e nas pequenas e médias empresas': Os longos períodos de turbulência vividos pela economia brasileira nos últimos anos, não encorajaram a geração de inovações. A abertura do Brasil às importações, por sua vez, não trouxe a esperada renovação tecnológica, tendo sido escassos os investimentos das empresas de um modo geral, em pequisa e desenvolvimento. Hoje, diante de um quadro econômico estável em que há um descompasso entre a crescenteprodução científicae a limitada produção tecnológica, impõese a estruturação e o preparo da área acadêmica para atuar no campo do patenteamento de invenções. "Em nossa pesquisa observamos instituições que têm dificuldades em tomar decisão. Por exemplo, acumulam extensas carteiras de patentes sem promover a sua exploração, pagando taxas de manutenção dos pedidos, que no exterior são muito altas, sem conseguir retorno': relata ela. Apenas 45% das universidades e 30% das instituições de pesquisa (a maioria do Sul e Sudeste do país), que integraram a amostra da tese, contam com Epitts em sua estrutura. Para ampliar esse espectro são necessárias, primeiramente, ações de sensibilização e de informação e depois a feitura de um planejamento global, definindo-se metas, estratégias e criando-se arranjos institucionais que respeitem as características de cada região. Apesar de todas as deficiências que incluem ainda falta de acervo bibliográfico, de financiamento e de pessoal qualificado -, Cláudia Chamas se declara otimista. "Nos últimos dez anos fizemos avanços fantásticos em termos de debates e legislação. O discurso e a prática governamental estão mudando. Mas é preciso ainda mais: integrar o desenvolvimento científico à inovação e à indústria, gerando renda e emprego': conclui ela. •
• POLÍTICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
BIOTECNOLOGIA
A vez da Scylla Votoranti m Ventures investe em empresa de bioinformática
apoio do investimento de risco está ampliando os horizontes do mercado de biotecnologia no país. Pouco mais de um mês depois da criação da Alellyx, empresa de pesquisa e desenvolvimento de produtos de biotecnologia, foi anunciada a formação de outra empresa,a Scylla, que vai atuar na área de bioinformática. Elas têm em comum o fato de terem sido formadas por pequisadores que integraram as equipes responsáveis pelo seqüenciamento do genoma da Xyllela fastidiosa, Xanthomonas citrii, entre outros projetos patrocinados pela FAPESP.As duas empresas também contam com o apoio financeiro da Votorantim Ventures, empresa de capital de risco do Grupo Votorantim que está disposta a investir R$ 300 milhões em negócios de alta tecnologia. A Alellyx vai receber da Votorantim um aporte de R$ 30 milhões e os recursos destinados à Scyllanão foram divulgados. A Scyllaterá como foco a bioinformática para o desenvolvimento da genômica e proteômica. Um dos principais mercados será o das indústrias farmacêuticas, já que a bioinformática pode ser crucial para reduzir o tempo de desenvolvimento de um novo medicamento, o que, atualmente, pode levar entre dez e 15 anos. Com a bioinformática é possível filtrar, com eficiência, as moléculas que de fato interessam à pesquisa e que se revelem mais eficientes. Tam-
O
bém há perspectivas de negócios com empresas agrícolase agropecuárias e com instituições que precisam lidar com dados genômicos. "Existem muitos dados disponibilizados pela pesquisa genômica. O que falta é uma boa organização . desses dados, o que a bioinformática pode oferecer': diz João Meidanis, do Instituto de Computação da Unicamp, um dos sócios da empresa. Meidanis esperou três anos pela oportunidade de montar a Scylla, em associação com quatro alunos seus: os doutorandos Zanoni Dias e Guilherme Pimentel Telles,Marília Dias Vieira Braga, com título de mestrado, e Alexandre Corrêa Barbosa, bacharelando em Computação. "O apoio da Votorantim Ventures foi um catalisador importante para que ela fosse criada agora", reconhece Meidanis. Produtos e negócios - O principal produto da Scyllaserão softwares inovadores e sistemas combinados de softwares. Os seus sócios pretendem também desenvolver sistemas de apoio a seqüenciamento em rede e à anotação de proteínas de transportes. Em qualquer caso, o produto final será um banco de dados, com informações organizadas, alta qualidade e acessíveis aos interessados. A análise dos dados genômicos por meio da bioinformática é um dos passos estratégicos para a montagem da seqüência dos genes. O seqüenciamento gera um enorme volume de dados
Meidanis: sistemas combinados de softwares
que devem estar acessíveispor meio de ferramentas específicas de pesquisa. ''A bioinformática, por exemplo, permitiu a montagem de 100 mil trechos do genoma da Xylella': lembra Meidanis. Apesarde o grupo ter acumuladocompetência com a participação dos diversos projetos genomas, a idéia é "partir do zero",como diz Meidanis. "Não pretendemos nos valer dos softwares e de outras soluções desenvolvidas nas pesquisas genômicas ligadas a instituições acadêmicas, já que eles são propriedade das universidades", ressalva.Para demonstrar competitividade e ganhar mercado, os sócios da Scyllapretendem lançar, nos próximos quatro meses, pelo menos três produtos novos. Não está descartada a possibilidade de a empresa oferecer serviço de bioinformática para projetos de seqüenciamento de genoma, inclusive aqueles patrocinados pela FAPESP, ou para empresas como a sua meia-irmã, a Alellyx. A expectativa é que a Scylla desenvolva negócios com estrutura semelhante aos da SWISS-PROT,um banco de dados de proteínas suíço cujo acesso, inicialmente, era público e gratuito. "Mas, por necessidade de fundos, foi mantido acesso livre apenas para instituições acadêmicas. As empresas interessadas nesses dados têm que pagar': afirma Meidanis. "Esse pode ser um modelo para a nossa empresa, mas precisamos de um parceiro para nos apresentar os dados': afirma Meidanis. • PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002
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fapesb~ Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia
SEPLANTEC
Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DA BAHIA - FAPESB
FUNDAÇÃO
Edital PRODOC/FAPESB
No 001/2002 - CHAMADA
I
PROGRAMA DE APOIO À INSTALAÇÃO DE DOUTORES NO ESTADO DA BAHIA - PRODOC/FAPESB A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB torna público e convoca os interessados a apresentarem propostas para obtenção de financiamento a projetos no âmbito do Programa de Apoio à Instalação de Doutores no Estado da Bahia - PRODOC/FAPESB. O Edital PRODOC/FAPESB 001/2002, tem como objetivo atrair e contribuir para a fixação de doutores em Instituições Públicas e Privadas de Ensino Superior ou Pesquisa sediadas no Estado da Bahia. Este edital terá vigência jetos aprovados.
a partir de 15 de abril de 2002 até a contratação
dos pro-
DATAS LIMITES: Apresentação
das propostas:
até 30 de maio de 2002
Divulgação
dos resultados:
até 15 de julho de 2002
Contratação
dos projetos:
até 15 de agosto de 2002
O Edital e os elementos que o integram estarão à disposição dos interessados a partir desta data, das 9:00 às 18:00h na FAPESB, nas Pró-Reitorias de Pesquisa e Pós-Graduação das Universidades e na Federação das Indústrias (lEL, CIMATEC). Av. Luiz Viana Filho S/N - Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia - Centro Administrativo da Bahia - Tels: (Oxx71) 370-3652/370-3639/370-3644 - Fax: 370-3507. home page: http://www.cadct.ba.gov.br
Salvador,
GOVERNO DA BAHIA
L
15 de abril de 2002
Cleilza Ferreira Andrade Diretora Geral da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB
• POLÍTICA CIENTÍFICA
FUNDOS
E TECNOLÓGICA
SETORIAIS
Incentivo para a inovação Decreto incorpora mais recursos ao Fundo Verde-Amarelo
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governo federalampliou os recursos do Fundo Verde-Amarelo de Interação Universidade e Empresa (CT-Verde-Amarelo) e criou novos instrumentos de apoio às atividades de P&D do setor privado. As novas medidas foram aprovadas pelo Congresso Nacional em dezembro do ano passado e regulamentadas por decreto, no último dia 11 de abril. O CT-Verde-Amarelo é formado por uma parcela dos recursos da Contribuição de Intervenção sobre Domínio Econômico (Cide) que incide sobre a remessa de empresas ao exterior para o pagamento de royalties, serviços de transferência de tecnologia, entre outros. No ano passado, o fundo aplicou R$ 152,2 milhões em 231 projetos.Agora, passou a incorporar também valores equivalentes à renúncia fiscal referente ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), prevista na nova Lei de Informática. Neste ano, esses recursos acrescentarão mais R$ 70 milhões ao CT-Verde- Amarelo e, até ' 2009, somarão R$ 2 bilhões, destinados à subvenção de projetos em pesquisa e desenvolvimento. A ampliação do CT-Verde-Amarelo permitiu que fossem adotadas novas formas de incentivo à inovação empresarial, como a concessão de subvenção econômica a qualquer empresa que esteja executando Programas de Desenvolvimento Tecnológico e Industrial (PDTI) ou Programas de Desenvolvimento Tecnológico Agropecuário (PDTA). Até agora os
O
dois programas garantiam às empresas participantes isenção do Imposto de Renda (IR) e IPI para os investimentos em pesquisa, favorecendo, principalmente, as grandes empresas com impostos a pagar. Com a política de subvenção prevista no decreto, serão beneficiadas também as pequenas e médias empresas. O decreto autoriza ainda a redução dos custos das operações de financiamento à inovação tecnológica realizados pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que, atualmente, trabalha com um custo de Taxa de Juro de Longo Prazo (TJLP) mais 2%, e passará a operar com a TJLP reduzida. "A diferença será coberta pelo fundo", explica Carlos América Pacheco, secretário-executivo do MCT. A Finep tem uma carteira de R$ 1,8 bilhão em crédito para empresas. "A expectativa é que esse valor dobre com a equalização dos juros", prevê Jorge Ávila, da Finep. A ampliação dos recursos do CTVerde-Amarelo vai financiar, ainda, ações de incentivo à formação de Fundos de Capital de Risco. O decreto autoriza a aplicação de verbas do fundo, por meio da Finep, para participação acionária direta no capital da empresa, principalmente aquelas nascentes, ou por meio de fundos de risco. "Existeuma demanda reprimida para esse tipo de incentivo para a inovação no Brasil", afirmou Mario Bernardini, representante do setor industrial no CT-Verde-Amarelo. •
•••
milagre
afttê.-.ddo?
Ou teve um amigo ou parente que daria tudo pela cura ou tratamento
de algu6m? Durante
muitos séculos, diversas doenças afligiram a humanidade
e deixaram as
pessoas sem escolha, ocasionalmente
à espera de um
milagre. Mas o progresso da ciência, da medicina e, por conseguinte, farmacêutica,
da Indústria conseguiu algo
muito importante:
obteve, em
muitos casos, o milagre da cura, pelo medicamento. Assim, o que poderia ser impossível de curar dois séculos atrás, hoje tornou-se corriqueiro,
graças à evolução
da ciência e dos medicamentos.
E é exatamente
com esse propósito que existimos:
para tornar viável o
milagre da cura para um número mais amplo de doenças e para cada vez mais pessoas. Afinal, para salvar vidas não há preço.
ache
www.ache.com.br Trabalhamos para que a cura esteja sempre ao seu alcance.
• CIÊNCIA
LABORATÓRIO
Amizade faz bem para memória
Idosos jogando cartas na praça: interação social favoreceria ativação de neurônios Ter amigos não faz bem apenas à alma, mas ao cérebro. É o que indica um estudo feito com aves cantoras por pesquisadores da Universidade Rockefeller, de Nova York. Eles descobriram que pássaros vivendo em grupos grandes têm mais neurônios novos e, provavelmente, uma memória melhor do que os solitários. Os pássaros têm cérebros pequenos e, para estocar memória, acredita-se que eles produzam um contínuo suprimento de neurônios. Só que esses neurônios novos morrem em três ou quatro semanas, de modo que as aves não conseguem armazenar memória de longo prazo. Quem consegue manter os neurônios vivos por mais tempo tem, conseqüentemente, uma memória melhor. Os cientis-
28 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
tas estudaram exemplares adultos de Taeniapygia guttata, de origem australiana, conhecido no Brasil como diamante mandarim. Eles dividiram os pássaros em três grupos: um sozinho, um casal e .um conjunto de 45 indivíduos. Depois de 40 dias, examinaram três regiões específicas do cérebro dos pássaros e descobriram que, comparados com o pássaro solitário e com o casal, aqueles que viveram no grupo maior tinham cerca de 30% mais neurônios novos numa região do cérebro envolvida em processamento do som. E os machos da espécie, responsáveis pelo canto, tinham duas vezes mais neurônios novos em áreas da comunicação. No trabalho publicado no Behaviaural Brain Research, Fernando Notte-
bohm, coordenador da pesquisa, considera que, talvez, os pássaros exercitem seu cérebro ao tentar distinguir o canto caract~rístico dos companheiros. Em estudos anteriores, já se havia notado que animais sociais, como os elefantes, tendem a ter melhor memória que os solitários. Mas ainda não se tinha notado uma mudança na sobrevivência de neurônios causada somente pelo número de companheiros. Há evidências de que os seres humanos adultos também produzem novos neurônios no cérebro. A pergunta agora é: será que a interação social pode ajudar nossos novos neurônios a permanecer ativos? Por via das dúvidas, vá correndo pegar seu velho caderno de telefones. •
• O perigoso conforto das cobaias Cresce o movimento em defesa dos animais de laboratório e a Comissão Européia, órgão executivo da União Européia, prepara recomendações para melhorar as condições das gaiolas de roedores e coelhos. Camundongos, por exemplo, terão de ter ninhos mais parecidos com os naturais, enquanto os porquinhos-da-índia deverão ganhar gaiolas equipadas com lugares para se esconder, como tubos e cabanas. Só que essas melhorias todas poderão ter um sério efeito colateral para a pesquisa. Um estudo realizado na Universidade de Oxford, Inglaterra, e publicado no Annals af Neurolagy (vol. 51, pág. 235) indica que o aprimoramento das condições de vida dos animais de laboratório modifica seu comportamento e fisiologia, o que pode interferir diretamente no resultado do trabalho. "Em todos os experimentos nos quais se está medindo comportamento, é necessária uma padronização bem limitada das condições': explica Emma Hockly, coordenadora do estudo. Em um teste de coordenação motora, os ratos nas gaiolas mais confortáveis se saíram muito melhor que aqueles confinados nas gaiolas padrão. Assim, a menos que se padronizem as condições ambientais, tais mudanças aumentarão as dificuldades para se comparar os resultados de diferentes experimentos. Se houver muitas variáveis ambientais, será necessário testar mais animais para garantir valor estatístico aos resultados. •
• o cerrado sob ameaça
o artigo
de capa da edição de março da revista BioScience, publicação oficial do Instituto Americano de Ciências Biológicas, do pesquisador brasileiro José Maria Cardoso da Silva com a co-autoria do norte-americano Iohn M. Bates, afirma que o cerrado, que inclui hábitats de floresta e savana, é o segundo maior bioma (conjunto de ecossistemas) da América do Sul, mas está entre os mais ameaçados do continente. Silva, também diretor para a Amazônia da organização nãogovernamental Conservation International, diz que, no Brasil, há poucas reservas. E, pior, elas estão mal distribuídas pelo ecossistema, fazendo com que uma importante parte da diversidade ambiental do cerrado esteja à mercê das plantações de arroz e soja. A saída apontada é: implementar mais reservas, proibir novos projetos que possam causar impacto negativo sobre a flora e fauna da região e desenvolver tecnologia de modo a ajudar os agricultores a melhorar a produtividade das terras já cultivadas, impedindo, assim, o avanço das plantações. •
Amostra de terra poluída (à
Cerrado brasileiro
coberto com plantação de soja: bioma está entre os mais ameaçados
• Óleos brasileiros que limpam o solo Duas agências financiadoras de pesquisa dos Estados Unidos estão investindo US$ 2,22 milhões em fito-recuperação - plantas que absorvem produtos tóxicos do solo e da água. No Brasil, Márcia Bragato, orientada por Ornar A. El Seaoud, ambos do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, desenvolveram um esquema simples, versátil e economicamente viável para descontaminação do solo. Retira-se o solo con-
esa:
e terra tratada:
taminado para poder tratá-lo sem contaminar o lençol freático. Essa terra é lavada com uma mistura biodegradável (microemulsão) composta de óleo vegetal, água e tensoativo (espécie de detergente). "Usamos óleos vegetais brasileiros (babaçu, coco e dendê), para confeccionar um agente descontaminante", explica Seaoud. Após a lavagem, o solo é separado da microemulsão, lavado com água e recolocada no local de origem. Numa segunda etapa, a microemulsão é separada, reciclada e, o que sobra, a parte
sem contaminação
do lençol freático
oleosa contendo os poluentes, pode ser biodegradada ou incinerada. Embora haja projetos semelhantes na Europa e Estados Unidos, os óleos vegetais brasileiros possuem composições químicas favoráveis, sendo a descontam inação realizada a temperaturas muito próximas da ambiente. A pesquisa já foi concluída em laboratório, na USP, e agora deverá ser testada em um escala piloto, afirma o pesquisador. •
• Finalmente chegou a vez dos coelhos Pesquisadores do Instituto Nacional para Pesquisa Agronômica, da França, anunciaram em abril a primeira clonagem bem-sucedida de coelhos a partir de células adultas. O objetivo é atingir genes específicos durante o processo de clonagem e intensificar o uso desses animais como modelos de doenças humanas por ser o coelho geneticamente mais próximo do homem do que os camundongos, a cobaia padrão usada em pesquisa. •
PESQUISA FAPESP . MAIO DE 2002 • 29
Esforços para explicar - e evitar - a turbulência Quem viaja de avião certamente já experimentou um dos tipos de movimentos que mais intrigam os físicos - a turbulência, expressa também nos furacões e maremotos. Com o objetivo de entender esses fenômenos e descobrir quando e onde vão aparecer, um grupo de pesquisadores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) reproduziu situações similares num plasma, uma mistura de partículas atômicas eletricamente carregadas, encontrada no Sol, por exemplo. Os físicos descobriram que existe simetria na turbulência da borda do plasma. No centro do plasma, já se sabia, há estabilidade. Já a turbulência, embora altamente
• Duas estrelas abalam a física Estudos feitos a partir do observatório de raios X Chandra e do telescópio espacial Hubble, ambos da Nasa, indicam falhas no Modelo Padrão, pelo qual a física moderna procura explicar como as partículas do átomo interagem entre si. As duas estrelas observadas pelos astrônomos - RX ]1856.5-3754 e 3C58 - sugerem a existência de algo revolucionário para a física: uma forma inteiramente nova de matéria. Os pesquisadores da Nasa acham que as duas estrelas podem ser compostas de partículas menores do que átomos, isto é, um tipo de matéria ainda mais densa do que a que compõe a Terra. A aposta é
Céu visto da janela do avião: em busca de soluções para viagens mais tranqüilas
instável, é regida por estruturas regulares, os vórtices, que funcionam como eixos em movimento e não deixam qualquer coisa acontecer ao redor. "A turbulência
que sejam quarks puros, diferentes dos quarks já conhecidos como partículas do átomo. Ieremy Drake, do Centro Harvard-Smithsoniano para Astrofísica de Cambrigde, diz que as estrelas parecem "matéria estranha de quark".
30 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
é menos bagunçada do que alguns sistema biológicos, como o disparo de neurônios diante de uma luz intensa, por exemplo", comenta Murilo Baptista, o
"Quarks nunca foram vistos fora de um núcleo em laboratórios da Terra", afirma Drake. Ou seja, esses quarks estranhos existiam antes apenas como teoria. Os astrônomos chegaram a essa conclusão quando precisaram des-
3C58: estrela fria demais para ser composta por nêutrons
principal autor do estudo de 13 páginas publicado em dezembro na Physica A, assinado também por Iberê Caldas, Maria Vitória Heller e André Ferreira, do grupo de plasma da USP. O experimento avaliou a variação de uma medida do campo elétrico, o chamado potencial elétrico, que é gerado por partículas carregadas e pode ser positivo ou negativo. O conhecimento das variáveis que regem esse aparente gosto em causar surpresas pode levar a cálculos mais respeitáveis sobre quando a atmosfera passaria a se comportar de modo turbulento - seria o primeiro passo para evitar que um avião entrasse numa dessas regiões. •
cartar a possibilidade de as duas estrelas serem de nêutrons. Quando eles observaram a RX ]1856, na constelação de Corona Australis, descobriram que ela tem um diâmetro de 16 quilômetros ou menos, um tamanho muito pequeno para uma estrela de nêutrons. A 3C58, da constelação de Cassiopéia, deve ter 1 milhão de graus Celsius, um corpo muito frio para uma estrela de nêutrons. Restam duas possibilidades. A primeira, é as observações terem se concentrado numa região anormalmente quente da RX ]1856, o que poderia ter deturpado as leituras do Chandra, algo improvável. A outra possibilidade é a mais instigante: o núcleo das estrelas podem ser feitos de um novo tipo de matéria. •
• Bando de reflexos de flamingos Um zoológico da Inglaterra recorreu a um artifício para incentivar a procriação de seus flamingos: espelhos. Espalhados pelo Flamingo Park, na ilha de Wight, Hampshire, os espelhos têm o objetivo de criar a ilusão de companhia. O zoológico ainda não conseguiu fazer os flamingos rosados se reproduzirem. As aves chegaram até a botar ovos, mas se revelaram pais desnaturados. "Atiravam os ovos fora dos ninhos, jogavam futebol com eles, empurrandoos com os bicos, e, por fim, os esmagavam", conta a porta-voz do parque, Lorraine Adams. Em casa, nos lagos salgados da África, o flamingo pequeno (Phaeniconaias minar) vive em bandos de milhares. No Flamingo Park, porém, só há 34 exemplares - esse
é colocar de pé o antigo projeto, concebido há dez anos, que prevê uma recriação da colisão de átomos semelhante à grande explosão que teria dado origem ao Universo. A experiência tem custos estimados em 3 bilhões de libras (cerca de R$ 10 bilhões). De acordo com Philip Burrows, da Universidade de Oxford, os pesquisadores ingleses esperam que os governos dos Estados Unidos, de alguns países da Europa e da Ásia aprovem o investimento até 2005 para que a experiência ocorra até 20 l l , De qualquer forma, já há duas empresas candidatas a construir o equipamento e uma delas será escolhida pelos países que participarão do projeto. O equipamento comprimiria partículas de vários elementos químicos em um túnel de 30 quilômetros de extensão. •
Flamingo: poucos exemplares podem ser a causa da dificuldade de reprodução
baixo número pode ser a causa do insucesso. Uma campanha mobilizou a população local, e o parque reuniu 50 espelhos para criar um "bando de imagens': Embora a revista Nature (19 de março) relate que artifício semelhante já foi tentado antes sem sucesso, os autores da idéia acreditam que, desta vez, vai dar certo. •
• Um novo Big Bang em laboratório Físicos reunidos num congresso em Brighton, na Inglaterra, em abril, pediram um esforço da comunidade científica internacional para construir um grande equipamento capaz de reproduzir o Big Bang em laboratório. A idéia
Termômetro no espaço
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o satélite
Terra, da Nasa, carrega um novo sensor capaz de realizar as mais detalhadas medições feitas da temperatura da superfície do mar. O sensor mede a energia térmica infravermelha irradiada da superfície do mar com precisão de 0,25°C.
PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 31
GENÉTICA
Mutação mapeada Trabalho internacional coordenado por pesquisador brasileiro indica gene causador de uma grave doença de rim em crianças
MARCOS
PIVETTA
umartigo publicado
N
on-line em 15 de março no American [ournal af Human Genetics, uma
das mais respeitadas revistas da área de genética, o pesquisador Luiz Fernando Onuchic, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com 17 colegas dos Estados Unidos e Europa, identifica e descreve, com riqueza de detalhes, o gene que, quando alvo de mutações em suas duas cópias, desencadeia uma severa e rara enfermidade hereditária principalmente em recém-nascidos e crianças, a doença renal policística autossômica recessiva. Trata-se do gene PKHD1 (sigla em inglês para Palycystic Kidney and Hepatu: Disease 1), um enorme e complexo gene, localizado no cromossomo 6, que produz um provável conjunto de proteínas até então desconhecidas, batizadas pelos autores do estudo de poliductina. "Esse gene está implicado em todas as formas típicas da doença", diz Onuchic, cujo nome aparece à frente dos demais pesquisadores por ter si-
32 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
do o brasileiro o principal responsável pela descoberta do gene. "Encontramos diferentes mutações nesse gene que podem levar à doença:' . Além do cientista da USP, cujos estudos são financiados pela FAPESP,o grupo que participou do trabalho - na verdade, um consórcio internacional inclui pesquisadores de quatro universidades dos Estados Unidos (Johns Hopkins, Yale, do Alabama em Birmingham e Case Western Reserve) e uma da Alemanha (Universidade Técnica de Aachen). ''A identificação do gene responsável por esse problema hereditário é um marco e abre as portas para a descoberta de uma cura para a doença': comenta Gregory Germino, da Universidade Iohns Hopkins, líder do consórcio. ''Agora, podemos começar a desenvolver um teste de DNA que provavelmente poderá ser
usado para identificar potenciais portadores (do gene mutado) ou indivíduos afetados." Neste mês, o estudo do grupo - que já entrou nos Estados Unidos com o pedido de patente do novo gene e das proteínas que ele produz - sai na edição impressa do American [ournal af Human Genetics.
Numa tendência dominante nos grandes periódicos científicos, que competem pelos melhores trabalhos dos pesquisadores, o artigo de Onu-
chie e seus colegas foi publicado eletronicamente, de forma antecipada, pela revista norte-americana devido ao seu alto impacto, por trazer um achado muito importante. E também porque um grupo concorrente de pesquisadores da Clínica Mayo, Estados Unidos, publicara, inicialmente também on-line, em 4 de fevereiro, um artigo dando conta igualmente da descoberta do PKHD 1 na revista britânica Nature Genetics. Um detalhe precisa ficar claro nessa história: o grupo do qual o brasileiro faz parte submeteu seu artigo à apreciação do American [ournal em 10 de fevereiro, antes de a Nature Genetics publicar eletronicamente o estudo dos cientistas da Clínica Mayo. Na prática, as duas equipes, que trabalharam de forma independente, com estratégias distintas, chegaram simultaneamente ao mesmo resultado. ''A comunidade científica entende as particularidades da ciência competitiva e está dividindo o crédito dessa descoberta entre os dois grupos': afirma Onuchic. A existência da doença renal policística autossôrnica recessiva, que afeta os rins e o trato biliar, é ignorada pela maioria das pessoas devido à sua baixa incidência na população. Conhecida em inglês pela sigla ARPKD, a enfermidade acomete um em cada 20 mil nascidos vivos. Num país como o Brasil, onde anualmente cerca de 3 milhões de bebês deixam a sala de parto com vida, isso equivale a dizer que 150 novos casos da doença são esperados a cada 12 meses. Em até metade das ocorrências, as crianças que nascem afetadas pela ARPKD morrem logo após o parto. E até 20% dos portadores dessa enfermidade não alcançam os 5 anos de idade, e não há nenhum tratamento específico que impeça ou controle o desenvolvimento da doença. Rins dilatados - Os rins das crianças que, ao nascer, apresentam a forma severa da doença mostram-se aumentados, com um peso até dez vezes maior do que o normal e dilatações císticas nos dutos coletores, segmentos das estruturas funcionais desse órgão. "Numa criança de 2 anos de idade com a doença, acompanhada em nosso hospital, os rins atingiram um comprimento de cerca de 15 centímetros, en-
quanto o normal seria em torno de 6 centímetros", comenta Onuchic. Os doentes que sobrevivem ao período inicial da vida têm uma evolução clínica variável. Entre as principais causas de piora clínica e óbito nesses pacientes figuram hipertensão arterial severa, problemas hepáticos e progressiva perda de função renal. Aproximadamente metade dos atingidos perde completamente a função dos rins antes dos 10 anos de idade. Nesses casos, as crianças passam a depender de diálise ou de um transplante de rim para permanecer vivas. "Como não há tratamento específico para a doença, apenas cuidamos das complicações e oferecemos terapêutica de suporte ao paciente, para controlar, na medida do possível, as manifestações da doença", comenta o pesquisador. No Instituto da Criança do Hospital da Clínicas de São Paulo são acompanhados atualmente 25 casos da doença. éa descoberta do PKHDl, a medicina sabia que a doença era causada por defeitos em apenas um dos cerca de 30 mil genes presentes no genoma humano, mas não havia conseguido precisar qual deles era a causa do problema. Outra característica da enfermidade que era de domínio público: a doença, como seu próprio nome deixava claro, era recessiva. Para que desenvolvesse a enfermidade, uma criança tinha de herdar as duas cópias defeituosas do então misterioso gene que causava a ARPKD. Quem tinha apenas uma cópia do gene com problema não desenvolvia a doença, embora pudesse transmiti-Ia a seus filhos se seu parceiro também carregasse uma mutação nesse mesmo gene (veja ilustração na próxima página). Como se sabe, todo ser humano tem duas cópias de cada um dos seus genes localizados nos cromossomos não sexuais, uma herdada do pai e outra, da mãe. Tudo isso já era conhecido pela ciência há tempos. Faltava, no entanto, localizar o tal gene alterado na doença, o que somente aconteceu agora. O primeiro grande avanço na busca da raiz genética da ARPKD ocorreu em 1994, quando pesquisadores alemães mostraram que o gene implicado na
A
doença encontrava-se numa região do cromossomo 6. Foi um primeiro avanço, mas limitado. Afinal, essa região era um segmento genômico bastante grande, que incluía um número enorme de genes, alguns conhecidos, outros não. No ano seguinte, embalados por esse primeiro achado, o grupo chefiado por Germino na Universidade Iohns Hopkins, onde Onuchic trabalhava na ocasião, montou o consórcio internacional que viria a decifrar a causa genética da doença sete anos mais tarde. Fechando o foco - O feito foi conseguido com o auxílio de uma estratégia conhecida como clonagem posicional, abordagem freqüentemente utilizada para se descobrir genes relacionados a doenças complexas, cujo defeito bioquímico primário, que ocasiona o problema clínico, é desconhecido. Esse era o caso da ARPKD. Os pesquisadores da Clínica Mayo, sob a coordenação de Peter Harris, usaram uma abordagem diferente para identificar o gene da doença - acharam o PKHD 1 a partir de um modelo de doença renal policística recessiva desenvolvido espontaneamente em ratos. Algumas das características desse modelo eram semelhantes às da doença humana. Em que consiste a clonagem posicional? Primeiro, os cientistas têm de descobrir em que região de um cromossomo o gene causador da doença em questão se encontra. Isso é feito com o emprego de um método chamado análise de linkage e redução progressiva do intervalo de interesse. Os pesquisadores tanto identificam genes, em laboratório, quanto buscam em bancos de dados internacionais os que, pela sua estrutura ou função, exibam o potencial de abrigar mutações que possam causar a doença. Por fim, é preciso mostrar que mutações levam ao problema clínico (encontrar mutações desse gene no DNA de pacientes com a ARPKD). Portanto, com a estratégia da clonagem posicional, o cerco 'ao gene ligado a uma doença vai se fechando até que sobrem poucos suspeitos. É um processo que exige paciência, concentração e que pode demorar anos. ,"É mais ou menos como tentar descobrir numa população predeterminada quem é o bandido que cometeu um crime", compara Onuchic. PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 33
Herança indesejada Mutações no gene PI<HDl, localizado no cromossomo 6, causam a doença renal policística autossômica recessiva, que atinge um entre cada 20 mil bebês nascidos vivos
A origem Os pais, mesmo que cada um deles tenha uma cópia (alelo) do gene PKH DI mutado, não desenvolvem a doença, embora possam transmiti-Ia aos filhos (probabilidade de 25%).
o gene NM
N gene normal M gene mutado
]
NN
NM
MN
No caso do PKHDl, os estudos anteriores do consórcio indicavam que o gene mutado na doença renal policística autossômica recessiva estava numa região do cromossomo 6 que se estendia por 834 mil pares de base, onde, depois de uma minuciosa análise, os cientistas chegaram a várias seqüências expressas suspeitas. Entre elas, uma que os pesquisadores do consórcio conseguiram demonstrar ser o tão sonhado gene associado à doença, o PKHD 1. A caracterização desse gene, enorme e complexo, mostrou que ele se estendia ao longo de um segmento genômico de cerca de 470 mil pares de base e que se expressava principalmente no rim, o órgão mais afetado pela enfermidade. "No início desse processo, não sabíamos se seqüências expressas que fazem parte desse gene pertenciam a um ou a dois genes", conta Onuchic. Estudos posteriores revelaram que se tratava de um único gene. A prova de que esse gene era o relacionado à ARPKD foi fornecida por uma evidência produzida por Onuchic e seus colegas. Os pesquisadores procuraram - e encon34 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
MM
Localizado numa região do cromossomo 6, o gene PI<HDI gera formas variadas da proteína poliductina, cuja produção anormal está associada ao desenvolvimento da doença.
A doença só se manifesta quando o filho herda os dois alelos mutados, um do pai e outro da mãe.
traram - mutações potencialmente patogênicas no gene PKHD 1 pertencente a 21 cromossomos de pacientes com a doença renal policística autossômica recessiva. Essas mutações, que foram localizadas em diferentes partes do gene, não estavam presentes em 120 cromossomos de pessoas sadias, o chamado gmpo controle. equebra, durante esse cerco à origem molecular daARPKD, os pesquisadores acabaram desco. brindo outro gene novo, que nunca havia sido descrito na literatura cientítica e não guardava nenhuma relação com a doença renal. Chamado de ML-l, esse novo gene parece participar da resposta inflamatória alérgica da asma, um problema de saúde bastante freqüente. O relato de sua identificação foi publicado numa edição do final do ano passado do Iournal of Immunology. O ML-l agora é alvo de estudos conduzidos pelo setor de imunologia da Universidade Iohns Hopkins. Além de ser o gene causador dessa rara enfermidade que vitima princi-
D
palmente bebês e crianças, o PKHD 1 também pode ajudar a ciência a compreender um pouco melhor certos mecanismos relacionados ao genoma humano. Há indícios que embasam esse caráter, digamos, didático e revelador do novo gene. O tamanho genômico (espaço ocupado no cromossomo) do PKHD 1 o torna um dos maiores genes humanos já caracterizados, e seu transcrito mais longo é formado a partir de 67 partes (exons). Outra peculiaridade do gene é sua formidável capacidade de gerar diferentes transcritos, por meio de um processo que os biólogos moleculares chamam de splicing alternativo. Estudos posteriores ao trabalho de Phillip Sharp (Prêmio Nobel de 1993), que descobriu os mecanismos básicos de splicing, mudaram a forma de ver os genes. Até então, a ciência postulava que cada gene continha instruções para que as células produzissem uma única forma de proteína. Um gene, de acordo com esse preceito, podia processar e usar de apenas uma maneira a sua seqüência de bases, incluindo adenina (A), cito sina (C), guanina (G) e timina (T). Conseqüen-
ª
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Duto coletor dilatado
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A conseqüência A doença causa uma dilatação acentuada dos dutos coletores,
que faz o rim aumentar
tente, o resultado desse processamento sempre tinha de ser igual, uma estável receita química (chamada tecnicamente de gene transcrito ou simplesmente transcrito) que fornecia sempre as mesmas informações para as células, que, obviamente, acabavam fabricando sempre a mesma proteína. Gene peculiar - No entanto, hoje se sabe que muitos genes humanos são capazes de utilizar seus exons em diferentes combinações. Em outras palavras, alguns genes podem gerar diferentes produtos de splicing, o que pode levar à formação de mais de um tipo de proteína, se forem traduzidos. Esse é o caso e particularmente intenso - do gene relacionado à enfermidade. "Já identificamos mais de 20 transcritos do gene PKHDl, mas o total pode ser bem maior': comenta Onuchic. "Essa multiplicidade de variantes de splicing é uma característica incomum em genes de mamíferos." Na literatura científica, há registro de achados semelhantes para a família de genes das neurexinas. Em número de três, esses genes podem dar origem,
de tamanho.
por meio de splicing alternativo, a mais de 1.000 formas diferentes de proteínas. A análise da estrutura da poliductina sugere que a proteína codificada pelo gene PKHD 1 possa funcion~r como um receptor (celular), mas deixa aberta a possibilidade de atuar como uma molécula ligante (que se une a outra proteína) ou como uma enzima associada à membrana. No caso de PKHDl, os cientistas ainda não podem precisar quantas variantes da poliductina são produzidas
o PROJETO Genética Molecular da Doença de Rim Policístico Autossômica Recessiva Humana MODALIDADE
Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR
LUIZ FERNANDOONUCHIC- Faculdade de Medicina da USP INVESTIMENTO
R$ 272.389,66
pelos muitos transcritos codificados pelo gene. Sabem, contudo, que vários transcritos, se forem traduzidos, levarão à síntese de duas formas de proteína: poliductina-M e poliductina-S. Cada forma, por sua vez, constitui um grupo com subvariantes da proteína. Enquanto o grupo das poliductinas-M inclui as formas da proteína provavelmente associadas à membrana plasmática, o das poliductinas-S inclui as proteínas que podem ser secretadas. ntre todas essas subvariantes da proteína, a maior - e provavelmente a mais importante - é uma poliductina-M formada por 4.074 aminoácidos (as unidades químicas das proteínas). Por que ela é vista com mais atenção do que as outras? Porque essa forma da poliductina é produzida pelo único transcrito que seria alterado por todas as mutações descritas até o momento. Em outros termos, os resultados da pesquisa sugerem que essa proteína se mostre truncada ou defeituosa em todos os doentes nos quais já foram detectadas mutações em ambas as cópias do gene. "No entanto, ainda não sabemos se a doença decorre apenas da redução, abaixo de níveis críticos, da quantidade da proteína mais longa normal, ou se a perda de um balanceamento funcional entre as diferentes formas da proteína, decorrente de mutações, também participa da gênese do problema", comenta Onuchic. Segundo o pesquisador, a estrutura das maiores proteínas produzidas pelas neurexinas é similar à da poliductina -M. Um dos desafios imediatos dos pesquisadores é estabelecer possíveis correlações entre os vários tipos de mutação encontrados no gene e a natureza e a severidade das manifestações clínicas da ARPKD. Outro desafio, cuja elucidação deverá ser progressiva e demorada, é entender o papel dessa nova proteína em indivíduos sadios e como sua alteração leva à ARPKD. "Esperamos ser capazes um dia de manipular as vias de sinalização rela.cio nadas a essa proteína, de forma a contornar essa desordem genética", almeja Gregory Germino, da Universidade Iohns Hopkins, ao expressar o desejo comum da equipe. •
E
PESQUISA FAPESP . MAIO DE 2002 • 35
• CIÊNCIA
BIOLOGIA
Cobaias sob encomenda Equipe da Unifesp consolida a produção pioneira de camundongos transgênicos obtidos pela técnica da microinjeção pronuclear
oda manhã, uma pesquisadora abre a porta de um laboratório da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sempre trancado, e altera a ordem de cerca de 30 gaiolas de camundongos (Mus musculus) brancos, pretos e cinza. Assim, somente a equipe da casa pode localizar, pelos códigos de cada gaiola, os primeiros camundongos transgênicos - alterados geneticamente -, ali produzidos por uma técnica inédita no Brasil. Espera-se que a técnica, já empregada mundialmente no estudo de doenças, como mal de Alzheimer, diabetes, hipertensão e câncer, entre outras, possa ser aplicada em animais de grande porte para a produção de vacinas e medicamentos. João Bosco Pesquero, coordenador do laboratório de animais transgênicos do Centro de Desenvolvimento de Modelos Experimentais para Medicina e Biologia (Cedeme) da Unifesp, adotou a rotina da troca depois do nascimento de Vítor, em 24 de dezembro do ano passado. Vítor não é o primeiro camundongo geneticamente alterado made in Brazil- um grupo da Universidade deSão Paulo (USP) obteve os primeiros em julho do ano passado -, mas representa o domínio de mais uma técnica: a microinjeção pronuclear.
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Por esse método, o óvulo fecundado é coletado poucas horas depois da cópula. Antes que os pronúcleos - núcleos celulares do espermatozóide e do óvulo - se fundam, injeta-se num deles uma solução com cópias de genes exógenos - de indivíduos da mesma espécie ou de outras. Em seguida o embrião é transferido para o útero de uma :'mãe de aluguel". Essa técnica, a mais adotada no mundo para adição de genes, permite obter animais que expressam o gene exógeno em todas as células, inclusive as germinativas (óvulo ou espermatozóide), o que garante que os seus descendentes terão a mudança genética. Já os transgênicos da USP vêm da manipulação de células-tronco de embriões, que mantêm a capacidade de se diferenciar em qualquer tecido. Esses animais, que têm algumas células com alteração genética e outras com genoma integral, são chamados quiméricos. O importante é que as células germinativas tenham a mudança, pois só assim os animais passarão o gene exógeno para a prole e serão considerados transgênicos. Além da maior eficiência na geração de transgênicos por adição, outra vantagem da microinjeção é poder ser usada noutras espécies de laboratório - ratos, coelhos, gatos, cães -, enquanto a
manipulação de células-tronco se limita a camundongos. Entretanto, ambos os métodos não permitem controlar o número de cópias do gene exógeno que serão incorporadas pelo genoma nem a região dos cromossomos em que se encaixarão - assim, sempre há o risco de que as seqüências intrusas bloqueiem genes essenciais ou até mesmo causem a morte. Diferenças à parte, bichos transgênicos são considerados essenciais para estudar o desenvolvimento de doenças e a ação de genes de função ignorada. Aliás, as células do coração de Vítor e de seus primeiros descendentes já produzem uma proteína, o receptor de bradicinina B-2, em quantidade superior ao normal. Essa molécula se liga à bradicinina, peptídeo liberado pelas células durante o processo inflamatório e que promove a dilatação dos vasos. Produção em série - Assim o Brasil começa a superar um atraso de 20 anos, já que a valorização do tema é recente por aqui. Pesquero, que passou quatro anos trabalhando no desenvolvimento de animais transgênicos durante seu pósdoutorado - na Universidade de Heidelberg e no Instituto Max-Delbrück para Medicina Molecular em Berlim, ambos na Alemanha -, só conseguiu iniciar a pesquisa na Unifesp em 1997.
Depois de Vítor, o laboratório fez duas fêmeas e passou a funcionar a plena capacidade
pias do gene que produz a to nina nos astrócitos, células do sistema nervoso com abundância de angiotensinogênio. Por causa da alteração genética, essas células passaram a produzir a enzima em quantidade acima do normal. Com os animais dessa linhagem, Jorge pretende investigar não só a hipertensão, mas também a capacidade de memória e de aprendizagem - há evidências de maior quantidade de tonina em áreas do cérebro ligadas a essas funções.
Para obter Vítor, a equipe precisou inocular 500 embriões, transferidos para o útero de 13 fêmeas. Depois, os resultados melhoraram: com mais 180 embriões, o laboratório produziu também duas fêmeas geneticamente modificadas, nascidas no final de fevereiro. Pesquero previu que em maio, quando o laboratório funcionaria a plena capacidade, 200 embriões seriam inoculados por dia. Esse trabalho deve gerar de dois a quatro camundongos transgênicos, já que a eficiência do método fica entre 1% e 2%. A produção mensal, estimada em 40 a 80 animais, poderia até suprir outras instituições. "Vamos nos tornar uma fábrica de transgênicos", diz Pesquero. Hipertensão - De imediato, a produção deve economizar tempo e dinheiro. Atualmente, importar um bicho geneticamente modificado demora de seis meses a um ano, dependendo da linhagem solicitada, e exige paciência para enfrentar a burocracia e a alfândega. Normalmente, um casal de camundongos transgênicos custa cerca de US$ 2.000, mas o preço pode até quintuplicar, segundo a importância do animal. Na Unifesp, calcula-se que um casal saia por cerca de US$ 1.000. Dois grupos de pesquisa já se interessaram pelos camundongos da Uni-
fesp. Jorge Luiz Pesquero, irmão de João Bosco, coordena um deles, no Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em parceria com a Unifesp, Jorge pretende estudar o papel da enzima tonina na origem e na manutenção da hipertensão arterial. Já se sabe que a tonina participa de uma reação que transforma o angiotensinogênio em angiotensina Il, uma substância que produz vasoconstrição (diminui o calibre dos vasos sangüíneos). As duas equipes, que desde 1997 tentavam obter camundongos que produzissem tonina em maior quantidade em vários tecidos, só tiveram sucesso em fevereiro deste ano. Os dois camundongos fêmeas nascidos na Unifesp têm có-
o PROJETO Implantação de Laboratórios para Produção e Manutenção de Animais Transgênicos MODALIDADE Equipamentos COORDENADOR JOÃO Bosco
multiusuários
PESQUERO
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Unifesp
INVESTIMENTO
R$ 177.209,72 e US$ 166.389,44
Biofábricas - Outra equipe, da Embrapa de Brasília e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), quer partir dos camundongos para a criação de biofábricas - animais que produzam moléculas biológicas. Transgênicos de grande porte (bovinos e caprinos) produziriam no próprio leite proteínas de interesse nutricional ou farmacológico. Antes, porém, de inserir nesses animais os genes que codificam as moléculas pretendidas, é preciso fazer testes nos camundongos, que têm ciclo reprodutivo bem curto: a gestação dura cerca de 20 dias, enquanto a de um boi demora nove meses. "Essa rapidez permite analisar a incorporação dos genes em poucos meses e, se necessário, redirecionar as pesquisas", diz Elibio Rech, coordenador do programa de transgênicos da Embrapa. Nos próximos meses, em colaboração com a Unifesp, o grupo da Embrapa tentará obter camundongos transgênicos que expressem o gene scFv (single chain fragment variable). Esse gene produz um anticorpo contra o câncer de mama, que poderia ser usado em exames de diagnóstico e até para uma vacina contra o tumor. Pesquero não quer ficar só nos camundongos. Seu plano é empregar a microinjeção pronuclear para obter ratos (Rattus norvergicus), animais maiores, com 18 a 25 centímetros de comprimento. Além de facilitar o trabalho a manipulação dos pequenos camundongos, que não chegam a ter 10 centímetros de comprimento, tem de ser feita com lupa - os ratos são importantes porque grande parte do que se sabe do funcionamento do organismo humano baseia-se em pesquisas feitas neles. • PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 37
• CIÊNCIA
GENÔMICA
Na raiz dolúpus Genes recém-descobertos ajudam a explicar as doenças auto-imunes, que atacam o próprio organismo final o do ano passado, quando lia a edição de . setembro da Immunity, o biólogo molecular Geraldo Passos [unior, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, quase caiu da cadeira. Num artigo publicado nessa revista, pesquisadores da Universidade de Colorado, Estados Unidos, davam conta de que a expressão alterada num gene de camundongo, o Ifi202, aumentava o risco de os animais desenvolverem o lúpus sistêmico, doença auto-imune crônica que provoca lesões na pele e órgãos internos. Não foi exatamente a notícia da descoberta do papel desse gene - importante, sem dúvida - que causou surpresa em Passos. Mas, sim, a coincidência de que ele e seus colegas da USP haviam acabado de obter dados interessantes ligando um gene humano ao lúpus. Estudando linfócitos de pacientes com lúpus eritematoso sistêmico,os pesquisadores de Ribeirão Preto conseguiram identificar a expressão alterada do human interferon stimulated gene, justamente o equivalente humano do Ifi202 de camundongos que a equipe norteamericana havia identificado estudando a doença nos animais. Com a ajuda da técnica de chips de DNA ou microarrays (literalmente microarranjos), que permite analisar simultaneamente o padrão de expressão (uso) de milhares de genes de células submetidas às mais
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variadas situações ou provenientes de patologias, levantaram evidências de que o human interferon stimulated gene se comporta de uma maneira em pacientes de lúpus que receberam tratamento com drogas imunossupressoras e de outra em doentes não tratados. Em pessoas não medicadas, a expressão do gene é mais alta. É como se
ele fosse mais intensamente utilizado pelas células do sistema imune dos pacientes. Em indivíduos tratados, sua expressão é mais baixa. É como se a terapia neutralizasse temporariamente a ação do gene. As comparações foram feitas com RNA mensageiro (molécula da maquinaria genética que dirige a síntese de
proteínas nas células) obtido a partir dos linfócitos do sangue de três pacientes tratados e três não-tratados do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. "Esses dados ainda são preliminares", comenta Passos. ''Ainda estamos no início dos estudos:' Não foi apenas o comportamento do equivalente humano do lfi202 que chamou a atenção dos pesquisadores. Os experimentos realizados no laboratório de microarrays da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto indicaram que cerca de 60 outros genes parecem se expressar de forma mais acentuada durante a fase aguda, mais severa, do lúpus. Alguns desses genes são conhecidos e estão envolvidos em processos como a apoptose (a morte programada e natural das células) e a compatibilidade imunológica (genes do complexo HLA). Outros são completamente novos, de função ainda desconhecida. O fato de 60 genes se mostrarem superexpressos não quer dizer, de forma alguma, que todos eles devem estar implicados na origem da enfermidade. "Esses dados precisam ser refinados", diz o reumatologista Eduardo Donadi, também da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, responsável pelo sub-
projeto do temático que estuda a expressão de genes em doenças auto-munes. Recebem essa denominação as enfermidades, geralmente crônicas, que são desencadeadas por problemas no sistema de defesa celular, que, em vez de atacar elementos externos ao organismo, passa a combater os seus próprios tecidos sadios. Além do lúpus, a equipe de Donadi estuda a expressão de genes em mais duas doenças auto-imumes, a artrite reumatóide e o diabetes melito tipo 1. Maturação imunológica - Em torno de Passos, trabalha um grupo de pesquisadores que tenta mapear, em camundongos, genes expressos pelo timo, órgão vital no desenvolvimento do sistema imunológico, situado sobre o coração. Produzidos na medula óssea, os linfócitos, um tipo de célula de defesa, migram para o timo, onde se reprogramam e se diferenciam em dois tipos de células T, CD4 ou CD8, cuja atuação é fundamental na defesa do organismo. Para descobrir genes ligados a esse processo de diferenciação, Passos estuda a expressão de 6 mil genes no timo de fetos de camundongos, num momento crucial da formação do sistema imunológico: entre o décimo quinto e o décimo sexto dia de gestação. Com softwares que analisam os resultados dos experimentos com.os chips de DNA e também com macroarrays (uma tecnologia um pouco mais antiga e dez vezes menos precisa do que os microarrays), os pesquisadores conseguiram identificar 152 genes (24 com funções conhecidas e 128 cujas funções ainda têm de ser atribuídas) cujo padrão de expressão se modificou de forma radical nesse intervalo de tempo. ''Agrupamos os genes que apresenta-
o PROJETO Projeto Transcriptoma: Análise da Expressão Gênica em Larga Escala Usando DNA-Arrays MODALIDADE
Projeto temático COORDENADOR GERALDO ALEIXO DA SILVA PASSOS JÚNIOR - USP
INVESTIMENTO
R$ 358.461,98 e US$ 386.773,00
ram uma diferença de expressão da ordem de 50 vezes, para mais ou para menos entre o décimo quinto e o décimo sexto dia de gestação", explica Passos. Uma terceira linha de pesquisa procura apontar genes que são ativados ou reprimidos em linfócitos humanos expostos à radiação ionizante, um processo que freqüentemente provoca lesões e quebras no DNA humano, o que aumenta a incidência de, por exemplo, linfomas (tumor maligno que acomete os gânglios linfáticos) e outros tipos de câncer em populações expostas a fontes de contaminação radioativa. Compreender as alterações no padrão de expressão gênica de linfócitos expostos a radiação é, portanto, um passo importante para entender a origem de certas formas de câncer. Esse subprojeto do temático é coordenado por Elza Tiemi Sakamoto- Haja, que trabalhou com VÍtimas da contaminação por césio-137, ocorrida em Goiânia em 1987, num episódio que entrou para a história como o mais grave acidente com fontes radioativas do Brasil. Em linhas gerais, o trabalho da equipe da bióloga consiste em cultivar em laboratório diferentes tipos de tecidos humanos - células normais e células geneticamente modificadas, mais sensíveis aos efeitos da radiação - que serão submetidos a distintas doses de radiação gama, emitidas a partir uma fonte de cobalto-60. Durante o processo de contaminação radioativa, com o auxílio da técnica de microarrays, o padrão de expressão de uma série de genes -ligados, por exemplo, ao reparo do DNA, ao controle do ciclo reprodutivo e à morte celular - será analisado em amostras das diversas linhagens celulares em estudo. Em estudos piloto Elza realizou experimentos com a metodologia de macroarrays, na qual os genes analisados são depositados numa membrana de náilon em vez de numa lâmina de vidro, como ocorre nos microarrays, fazendo uma triagem de genes expressos diferencialmente durante a irradiação de linfócitos em cultura in vitro. "Estamos muito preocupados com os efeitos cumulativos da exposição contínua de pessoas, sobretudo de profissionais da saúde, a baixas dosagens de radiação", comenta a pesquisadora. ''Acreditamos que nosso trabalho pode ter impacto não só no campo da radiobiologia, mas também na oncologia." • PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 39
• CIÊNCIA
MEDICINA
o retorno do sal o nitrato de prata é reabilitado no tratamento do derrame pleural para reduzir o desconforto de pacientes terminais
nitrato de prata, sal corrosivo com poder antisséptico, ressurge em baixas concentrações como alternativa ao talco para tratar o derrame pleural complicação comum no estágio avançado de alguns cânceres, principalmente os de pulmão e de mama, e que, só nos Estados Unidos, afeta 250 mil pessoas a cada ano. Esse distúrbio, que se caracteriza pelo acúmulo de líquido na cavidade pleural - o espaço delimitado pelas pleuras, membranas que revestem os pulmões e a parede interna do tórax -, diminui a capacidade respiratória e a oxigenação do sangue, além de provocar muito desconforto no paciente. O responsável pelo resgate da aplicação do nitrato de prata é o pneumologista Francisco Vargas Suso, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Nos últimos sete anos, ele coordenou experimentos com coelhos e ratos que demonstraram a eficácia e a segurança do composto. Estudos que sua equipe fez recentemente com um grupo de 45 pessoas confirmaram os resultados. Além de proporcionar uma terapia tão eficiente quanto o talco, o importante é que o nitrato de prata poderá ser usado numa solução de apenas 0,5% - enquanto as soluções usadas antes eram de 1% até 10%, ou seja, até 20 vezes mais concentradas.
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Se o acompanhamento de um número maior de pacientes confirmar esses dados, o composto voltará a ser uma opção primordial para tratar o derrame pleural e reduzir o desconforto de pacientes terminais. Sem terapia, o paciente morre por insuficiência respiratória. Quando a complicação é reincidente (o derrame se refaz), o procedimento mais comum é a pleurodese, que consiste em introduzir na cavidade uma substância que desencadeia a formação de um tecido fibroso de colágeno. Injetada no espaço entre as pleuras, a substância as faz aderir uma à outra. Busca contínua
- Durante décadas,
um dos compostos usados nesse procedimento foi justamente o nitrato de prata, aplicado na primeira pleurodese de que se tem notícia, em 1901. Contudo, como houve estudos sugerindo que o nitrato de prata causaria muita dor, inflamação aguda e internação prolongada, nos anos 80 esse composto deixou de ser usado e os médicos passaram a aplicar o antibiótico tetraciclina para produzir a pleurodese. Com a retirada da forma injetável desse antibiótico do mercado em meados daquela década, passou-se a usar apenas talco - silicato de magnésio hidratado -, adotado desde 1931 e atualmente aplicado em 90% dos casos de reincidência de derrame pleural. Embora o talco seja um produto barato e eficaz, continua a busca por um outro agente. Algumas pesquisas com pacientes submetidos ao tratamento de derrame pleural com o talco indicam que ele está associado ao surgimento de síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), complicação que torna a respiração difícil, devido ao fechamento dos alvéolos, e mata em mais de 50% dos casos. Estudos relatam a ocorrência de SDRA em até 9% dos pacientes tratados. Alguns experimentos sugerem ainda que, depois da aplicação, o talco se espalha rapidamente pelo corpo e se acumula em vários órgãos. A partir dessas constatações, Vargas Suso e seus colaboradores decidiram procurar um composto mais eficiente e com menos efeitos colaterais. Em vez de voltar a atenção para substâncias caras, como a droga anticân-
cer bleomicina, ou para outras em fase de teste, como as interleucinas proteínas produzidas por células de defesa do organismo -, eles optaram por analisar produtos já aplicados na pleurodese e escolheram o nitrato de prata, por vários motivos: "Procurávamos um produto barato, que pudesse ser usado em qualquer país do mundo. Além disso, o nitrato já existia e é de fácil manipulação". m meados da década de 90, uma parceira formada entre o Instituto do Coração (Incor), a Pneumologia da FMUSP e a FAPESP permitiu a criação do primeiro laboratório de pleura do país, ligado ao Setor de Doenças Respiratórias do instituto. Ali o grupo começou a pesquisar a eficácia do nitrato de prata aplicado em coelhos e ratos - experimentos que já renderam dez artigos, oito publicados na revista Chest, uma das mais importantes do mundo em pneumologia clínica. Um dos primeiros trabalhos, publicado em 1995,comparou a ação de duas concentrações diferentes de uma solução de nitrato de prata (0,25% e 0,50%) à ação da tetraciclina. Verificou-se que a solução a 0,50% teve ação muito próxima à do antibiótico, e sem causar efeitos colaterais. • Restava verificar se nessa diluição o nitrato era tão eficaz quanto uma solução salina de talco. Dez coelhos foram submetidos à pleurodese com 2 mililitros do nitrato a 0,5%. Outros dez passaram pelo mesmo procedimento, com 2 mililitros de uma solução de talco, na dosagem de 400 miligramas por
E
o
PROJETO Avaliação Temporal da Matriz Extracelular na Pleurodese Experimental
MODALIDADE
Linha regular de auxílio
à pesquisa COORDENADOR
FRANCISCOVARGAS Suso - Faculdade de Medicina da USP INVESTIMENTO
R$ 96.072,23
quilograma. Todos foram sacrificados 28 dias depois. Análises macroscópicas e microscópicas mostraram que o nitrato foi mais eficiente, levando à formação de um tecido fibroso mais denso que o talco. Só houve uma reação, considerada insignificante: o nitrato causou inflamação em grau um pouco mais elevado. Para verificar se os benefícios e as conseqüências indesejadas eram duradouros, dois grupos de 70 coelhos cada um foram tratados com as duas substâncias e avaliou-se a evolução da terapia por um ano. Novamente, onitrato foi melhor que o talco. Em média, o nível de pleurodese foi maior no grupo que recebeu nitrato e o tecido fibroso se distribuiu mais homogeneamente pela cavidade pleural. A inflamação provocada pelo nitrato foi maior no primeiro mês, mas diminuiu para taxas semelhantes às causadas pelo talco. Resultados - Os resultados mais promissores apareceram em pesquisas recentes com pacientes de derrame pleural. A maior delas, com pacientes dos hospitais das Clínicas da USP e Pérola Byington, mais o Instituto do Câncer de São Paulo, foi publicada em 2000 na revista Chest. Incluiu 49 procedimentos de pleurodese em 45 voluntários. Parte deles foi submetida aleatoriamente ao procedimento com talco. O restante foi tratado com 20 mililitros de nitrato de prata a 0,5%. O nitrato mostrou-se eficiente em 96% dos casos; e o talco, em 84%. Em nenhum dos grupos foram constatados efeitos colaterais, e o período de internação foi quase o mesmo: 3,7 dias (nitrato) e 3,4 dias (talco). "Os resultados são muito animadores", afirma Vargas Suso, mas lembra que ainda são poucos os casos analisados em seres humanos e que a eficácia do nitrato precisa ser mais comprovada. Ainda assim, ele desponta como alternativa, pelo menos enquanto não forem produzidos talcos efetivamente seguros, que tenham partículas de tamanho padronizado e fiquem retidas na pleura: "Se forem muito pequenas, as partículas entram nos orifícios da pleura e disseminamse pelo organismo, exercendo efeitos deletérios". • PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 41
• CIÊNCIA
MEDICINA
ESPORTIVA
Boieiros sob medida Estudo mostra quem corre mais e quem tem mais resistência e arranque num time de futebol MARCOS
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iência e futebol é uma tabelinha raramente esboçada no Brasil. A academia não costuma eleger os gramados como objeto de estudo e o mundo dos boieiros tampouco tem o hábito de, digamos, dar bola para o que os pesquisadores dizem sobre o esporte mais popular do planeta. Numa situação privilegiada nos dois campos, tanto na ciência quanto no futebol, Turíbio Leite de Barros, diretor do Centro de Medicina da Atividade Física e do Esporte da Universidade Federal de São Paulo (Cemafe/Unifesp) e fisiologista da equipe do São Paulo Futebol Clube há 15 anos, produziu um estudo que traça o perfil do futebol praticado hoje no Brasil do ponto de vista das exigências físicas a que os jogadores de cada posição do time são submetidos numa partida. O trabalho foi apresentado em março passado na Conferência Internacional de Futebol e Medicina Desportiva, realizada em Los Angeles, sob promoção da Federação Internacional de Futebol (Fifa). Para fazer o estudo, o pesquisador da Unifesp filmou e analisou os movimentos de cerca de 100 atletas profissionais do São Paulo em partidas oficiais realizadas nos últimos seis anos e ainda comparou os resultados de testes físicos aplicados em mil jogadores que passaram pela equipe de 1986 até hoje. A principal conclusão: não há apenas um modelo de desempenho atlético, que sirva para descrever as ações em campo de um típico - e hipotético - jogador de futebol, mas sim vários mode-
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los, com características bem distintas conforme a posição em que o esportista atua. A especificidade crescente das tarefas executadas em cada função o futebol moderno - atacante, meio-decampo com funções ofensivas (ou simplesmente meio-campista), volante (meio-campista com ações mais defensivas), lateral (que cobre um dos lados do campo), zagueiro (defensor) e goleiro - requer jogadores com qualidades , ·cas nitidamente diferentes. É muito raro que um atleta reúna os principais requisitos de uma posição que não seja originalmente a sua. "O futebol de hoje requer cada vez mais jogadores especialistas e não polivalentes'; diz Barros. "Pelé foi bastante versátil, mas isso não é norma atualmente nem entre os craques." Como o brasileiro não tem um biotipo padrão - há gente com os mais variados atributos físicos, fruto da intensa mistura de raças -, o país é, na visão do fisiologista, um celeiro de especialistas para todas as posições. "Os europeus têm biotipos mais definidos e não contam com essa facilidade", comenta. Especialidades - Portanto, não se pode dizer, a priori, em que posição do futebol se concentram os melhores atletas. "Antes de dizer quem é o melhor, é preciso se perguntar o seguinte: melhor para quê?", pondera Barros. Se fossem selecionados para provas de atletismo a partir dos movimentos que fazem em campo, provavelmente cada posição forneceria participantes para competições bastante distintas. "Para disputar
uma corrida de 5 il metros, os melhores seri os laterais e os jogadores do meio-de-campo com funções ofensivas, que percorrem, em média, as maiores distâncias numa partida e têm boa resistência", afirma o pesquisador da Unifesp. "Já os atacantes são jogadores mais talhados para provas rápidas e de explosão, como uma corrida de 50 metros. Isso porque os jogadores dessa posição são os que mais dão piques curtos:' Seguindo essa linha, os escolhidos para uma disputa de salto em altura deveriam ser o goleiro, os zagueiros e os volantes, que se saem melhor quando o assunto é impulsão vertical. O trabalho confirma algumas impressões intuitivas dos que acompanham o futebol, como a de que os atacantes jogam mais parados do que os demais companheiros da equipe. E a relevância do estudo está, fundamentalmente, em jogar luz sobre aspectos como esse e quantificá-los. Se é quase senso comum que os atacantes se movimentam numa pequena faixa de terreno, quem saberia precisar quanto corre a menos um centroavante do que um meio-campista? Segundo esse estudo, os atacantes são os que em geral percorrem as menores distâncias em campo, em média 8,2 quilômetros nos 90 minutos de uma partida. É um percurso considerável, mas 18% menor do que o trilhado pelos meio-campistas, os grandes fundistas da equipe, que percorrem, em média, 9,9 quilômetros numa partida. Nesse quesito, os laterais, cuja função ganhou importância e corresponde hoje a uma
ampla faixa do gramado, se saem quase tão bem quanto seus colegas do meiode-campo. Percorrem, em média, 9,7 quilômetros numa partida, contra 9,5 do volante e 8,8 do zagueiro. A média do time inteiro, levando em conta o desempenho de jogadores de todas as posições (menos, é claro, o goleiro), deu 9,3 quilômetros por 90 minutos de bola rolando. É interessante notar que os atacantes e os zagueiros, cuja principal função é anular um ao outro, cobrem distâncias menores do que o resto da equipe. Se não podem ser fundistas, os atacantes têm, em compensação, vocação para velocistas. Quando o assunto são piques (corridas curtas em máxima velocidade), os reis da arrancada, como a que celebrizou Ronaldo, são justamente os jogadores do ataque. Um centroavante chega a dar 50 piques num jogo, mais da metade deles de no máximo 15 metros. A função em que um jogador é menos solicitado a realizar esse tipo de movimento é a de zagueiro, que dá, em média, 35 piques numa partida. Os defensores, aliás, tendem a ser os jogadores de maior potência muscular e os que mais andam para trás num jogo (mais de meio quilômetro). Quais seriam as qualidades das outras posições? Os testes físicos e filmagens das equipes do
São Paulo mostram que, correndo, a impulsão vertical do goleiro é imbatível: seus pulos em movimento são 19% mais altos do que a média dos saltos executados pelos seus colegas que jogam na linha (veja ilustração na próxima página). Parado, quem vai mais alto são os volantes e os zagueiros. O padrão de impulsão vertical dessas duas posições é 16% maior do que a média de todo o grupo. O desempenho dos laterais é um caso à parte. Tanto os testes físicos
quanto os vídeos revelam que eles são geralmente jogadores com performance acentuada em quase todos os quesitos - no mínimo, acima da média. São os mais ágeis, os de melhor capacidade respiratória (15% acima da média do time) e os que percorrem a maior distância no gramado com a bola no pé: 230 metros (contra 148 do meia, o segundo colocado nesse quesito). Só na impulsão vertical ficam abaixo da média da equipe. Não é à toa, portanto, que um excelente especialista nessa posição, como o lateral Roberto Carlos, seja atualmente quase tão valorizado quanto os jogadores de meio-de-campo e ataque, onde costumavam ficar as estrelas do time.
Roberto Carlos: laterais são ágeis e cheios de fôlego
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o ponto forte
de cada posição
Goleiro Em movimento, sua impulsão vertical é imbativel: salta 19% a mais do que seus companheiros da linha
Zagueiro
Volante
O mais potente do ponto de vista muscular. Jogador-caranguejo, anda para trás mais de meio quilômetro numa partida
Parado, sua impulsão vertical só é igualada pela do zagueiro: seu salto é 16% maior do que o da média do grupo
Meia Lateral É o jogador mais ágil -'--""'IrL
do time e com a melhor capacidade respiratória <15% acima da média). Corre quase tanto quanto o meia ~.,:-:-~-~~s:::~~~
Como um fundista da bola, percorre em média quase 10 quilômetros numa partida, um quarto de uma maratona
Rei das arrancadas, chega a dar 50 piques5~~~~~ num jogo, mais da metade deles de no máximo 15 metros
Fonte: Turibio Leite de BarroslUnifesp
ara chegar aos resultados sobre os movimentos executados num jogo pelos atletas do São Paulo, Barros teve a colaboração de Wellington Valquer, auxiliar de preparação física do clube e que faz mestrado na Unifesp. Valquer usou uma metodologia desenvolvida na Austrália, a técnica de Withers. Munido com uma câmera de vídeo, o auxiliar escolhia um jogador para ser analisado numa partida podia ser um atleta com passagem pela seleção, como o atacante França ou o meia Kaká, ou um menos conhecido e se postava na beira do campo, com olhos apenas para o escolhido. "Esquecia o jogo e me concentrava em não perder um movimento do jogador': conta Valquer. Terminada a filmagem, começava a parte mais mecânica do trabalho. Era necessário ver toda a fita e anotar, um a um, os movimentos do jogador: quanto o atleta andou para frente e para trás, quanto trotou (movimento intermediário entre o andar e ocorrer) para a frente, para trás e com a bola no pé; qual a distância percorrida em deslocamentos laterais; quantos piques foram dados em campo e qual a distância percorrida em cada um deles. Por fim, de posse de todas essas informações brutas fornecidas pelo teipe, o auxiliar de
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preparação físicachegava à distância total coberta pelo atleta na partida. "Costumava demorar até oito horas para ver e anotar a filmagem de um jogador", diz Valquer. "Mas, desde 1999, quando desenvolvemos um software que permite fazer isso em tempo real, tudo ficou mais fácil:' Confrontando as exigências mais comuns de cada posição com o desempenho dos atletas nos testes físicos uma bateria de exames que medem a resistência, a potência máxima, o limiar anaeróbico (ponto fisiológico a partir do qual os músculos começam a utilizar mais oxigênio do que o corpo é capaz de transportar), a capacidade respiratória máxima, as impulsões vertical e horizontal, a velocidade e a agilidade -, os pesquisadores da Unifesp podem avaliar bem se um jogador tem ou não preparo e características físicas para jogar numa posição. Os estudos do fisiologista permitem traçar um paralelo entre o futebol praticado hoje no Brasil e o tipo de jogo que predominava no passado. Há algumas décadas, na época de Pelé e companhia' uma partida transcorria num ritmo mais lento e cadenciado. Segundo Barros, a impressão de que os antigos esportistas tinham mais terreno livre em campo para executar as jogadas faz sentido. Afinal, os jogadores de ou-
trora eram menos atletas do que os do século 21. ''Alguns estudos mostram que a distância percorrida por um jogador de futebol numa partida aumentou de 20% a 30% nos últimos 30 anos': diz Barros. O resultado prático dessa aceleração da busca pelo gol é que, agora, os craques contam com menos espaço livre (e tempo) para dominar a bola e fazer uma jogada genial. O trabalho de Barros também possibilita comparar o desempenho físico de atletas brasileiros e europeus. Estudos feitos no Velho Mundo mostram que os jogadores de lá percorrem de 10 a 14 quilômetros numa partida, enquanto os brasileiros oscilam entre 7 e 11 (com a média de 9,2 no caso dos atletas do São Paulo). "Mas não se pode esquecer que lá muitos jogos ocorrem em baixas temperaturas, ao passo que aqui o clima é mais quente, o que naturalmente joga para baixo a distância percorrida numa partida': diz Barros. O consumo máximo de oxigênio dos europeus, um parâmetro importante da eficiência cardiorrespiratória de um atleta, também é cerca de 10% maior que o do jogador brasileiro. ''Alguns jogadores nossos passaram até fome na infância. Isso pode comprometer o seu desenvolvimento físico. Esse problema praticamente não ocorre Europa': completa o fisiologista. •
• CIÊNCIA
FARMACOLOGIA
Rebanho protegido Pesquisador mineiro faz vacina de DNA mais eficaz contra a brucelose, doença contagiosa que ataca bovinos
um á avanço no combate à brucelose bovina: Sérgio Costa Oliveira, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), desenvolveu uma vacina de DNA (ácido desoxirribonucléico, portador do código genético) composta de um ou mais genes da bactéria causadora da doença, associados a um componente viral - o chamado adjuvante genético, que potencializa os efeitos da vacina e pode também ser uma alternativa em terapia genética em humanos. A descoberta rendeu artigos no [ournal
H
ofVirologye Human Gene Therapy. Causada pela bactéria Brucella abortus, a brucelose bovina provoca aborto em vacas a partir do quinto mês de gestação, comprometem a fertilidade e reduz a produção de leite em até 25%. No Brasil, cerca de 8,5 milhões de bovinos (5% do rebanho) estão contaminados e estima-se o prejuízo anual em US$ 100 milhões. Quando transmitida ao ser humano, pelo contato com animais infectados ou o consumo de leite e derivados contaminados, a doença se manifesta por uma febre intermitente, que, se não tratada - com antibióticos -, pode levar a inflamações nos ossos, coração e outros órgãos. Não existe vacina para uso humano. A vacina mais usada no Brasil contra a doença é a B19, produzida com microrganismos vivos. Embora tenha 70% de eficácia, há limitações. Só deve ser aplicada em fêmeas de
3 a 8 meses e pode confundir o diagnóstico: no exame sorológico que detecta anticorpos contra a bactéria, é difícil saber se ela está no animal porque ele foi vacinado ou porque está doente. Já a vacina gênica, segundo Oliveira, poderia ser aplicada em qualquer idade, tanto em machos como em fêmeas - por ser uma doença ligada à reprodução, os machos podem contaminar-se com as fêmeas e infectar todo o rebanho. A eficiência, constatada em um ano de testes em 150 camundongos, foi de quase 70%. Oliveira aponta outras vantagens: "A produção em larga escala é mais barata, a manutenção do controle de qualidade é mais fácil e não há necessidade de refrigeração para armazenar a vacina, que permanece estável em temperatura ambiente': Desvantagens? Há o risco potencial de uma vacina de DNA integrar-se ao genoma da célula, animal ou humana, e gerar uma mutação que ative genes causadores de câncer ou iniba genes supressores de
tumor, por exemplo. O pesquisador da UFMG descarta essa possibilidade, citando estudos realizados no Laboratório Merck, dos Estados Unidos, segundo os quais a freqüência de mutação celular normal é maior do que a ocasionalmente induzida por vacinação com DNA. Proteína mensageira - Em seu pósdoutorado em imunologia celular e molecular, na Universidade de Wisconsin, Estados Unidos, Oliveira já trabalhava em vacinas contra a brucelose. Fundamentado no princípio de que a imunização gênica é similar a uma infecção viral, na qual o VÍrus precisa atingir o núcleo da célula, decidiu incorporar um componente de VÍrus. No tegumento do VÍrus da herpes, uma doença que também afeta bovinos, ele descobriu a proteína VP22, que é fundamental no tráfego de moléculas entre as células e se desloca com desenvoltura para o núcleo da célula do hospedeiro. Assim, sua função de adjuvante genético, integrado ao gene alvo da vacina, é transportar o antígeno - o gene que produz anticorpos contra a brucelose - para diferentes células. O adjuvante multiplica as reações: aumenta a resposta do anticorpo para a proteína codificada pelo gene de interesse da vacina e aumenta a resposta celular mediada pelos linfócitos T, um tipo de células do sistema imunológico. Oliveira teve de sair do laboratório e buscar recursos em agências de fomento à pesquisa, além de parceria com empresas privadas, para viabilizar o próximo passo dessa pesquisa: fazer testes em pelo menos 50 bovinos, durante um ano. • PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 45
• CIÊNCIA
BOTÂNICA
o cheiro da espécie Única forma de diferenciar orquídeas minúsculas de regiões montanhosas é o inseto polinizador, específico para cada odor das flores
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OrqUídeaS com que trabalha o biólogo Eduardo Borba pouco têm a ver com as grandes e perfumadas flores comuns no Brasil e universalmente admiradas: as flores das espécies que estudou raramente ultrapassam 2 centímetros de comprimento e cheiram a queijo estragado, peixe podre e até mesmo a fezes de cachorro. Mas foi com elas, no doutoramento pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que, orientado por João Semir, Borba descobriu algo importante para a classificação de plantas, em especial as de regiões montanhosas: espécies distintas mas morfologicamente idênticas só foram diferenciadas pelo inseto polinizador, atraído justamente pelo cheiro das flores - e há insetos específicos para cada cheiro. Borba anunciou em março de 2000, na revista Lindleyana, a constatação de que os polinizadores se guiam pelos odores, não pela forma das plantas. O achado também lhe serviu para
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terra, alagados (plantas paludícoIas), rochas (rupícolas) e troncos de árvores (epífitas). O campo rupestre é um ecossistema que fica acima de 800 metros, típico da cadeia do Espinhaço. Caracteriza-se por vegetações subarbustiva e herbácea em solos arenoso-pedregosos ou arbustiva e herbácea em afloramentos roofBotany. "Isso é mesmo orquídea?" É a chosos. Devido à descontinuidade das formações montarrhosas, muitas pergunta que Borba mais ouve quanespécies rupestres se distribuem em do mostra seu objeto de estudo. No populações isoladas. Acredita-se que entanto, com tímidas flores amareisso explique a acentuada diversidade las e púrpuras, e folhas compridas e vegetal e o elevado grau de endemiscilíndricas, as orquídeas polinizadas mo desse hábitat. Dado que o ambipor moscas correspondem a cerca ente onde vivem, sobre as rochas, de 15% do total de 20 mil espécies não retém umidade, as Pleurothallis catalogadas e a quase todas as mil conseguiram adaptar-se acumulando espécies de um gênero sempre deireservas de água nos espessos caules xado de lado pelos pesquisadores, o Pleurothallis. e folhas. A elevada diferenciação genética "O desinteresse se deve ao tipo das populações rupestres - em conde polinização, que muitos consideram primitivo, ou ao puro pretraponto à sua menor diferenciação Pleurothallis teres: adaptada à escassez de água morfológica - foi encontrada princiconceito, uma vez que essas plantas palmente nas serras do Grão-Mogol e lidades de campo rupestre que ele pernão têm odor ou aparência agradáveis", comenta Borba, contratado em do Cabral, regiões de grande endemiscorreu: "Como a morfologia dessas mo no norte de Minas, além de outras plantas é muito similar, quando o mamaio do ano passado pela Universidaserras da cadeia do Espinhaço. Essas terial é analisado vivo, in situ, é mais fáde Estadual de Feira de Santana (Uefs), constatações já prenunciavam a descono Estado da Bahia. De fato, os odores cil perceber as pequenas diferenças berta de espécies. entre as espécies, ao contrário do maincomuns exalados pelas Pleurothallis terial seco disponível nos herbários" A Pleurothallis fabiobarrosii foi enatraem insetos de famílias distintas: contrada primeiro na Grão-Mogol, moscas da família Phoridae, por exemjuntamente com populações de P. ochDiversidade - A família das orquidáceas plo, só polinizam flores com cheiro de reata. A princípio, pela semelhança das é uma das mais numerosas do grupo queijo estragado, enquanto as da famíflores, parecia tratar-se de um híbrido das angiospermas, as plantas com flolia Chloropidae apreciam espécies com de P. ochreata com P. johannensis. A res e sementes: foram catalogados cercheiro de peixe podre. análise genética dissipou a dúvida e deca de 850 gêneros e 35 mil espécies. No finiu a nova espécie. Já a subespécie P. Brasil estão 10% dessas espécies, em Sentado e imóvel - A pesquisa concentrou-se em cinco espécies de Pleuochreata subsp. cylindrifolia - encongrande parte endêmicas - nativas e exclusivas daqui. O tamanho varia desde rothallis miiófilas (polinizadas por trada também em Grão- Mogol - foi moscas) encontradas em campos ruidentifica da por meio de pequenas dias minúsculas Pleurothallis até varieferenças nas folhas, já que as flores são dades com flores de 30 centímetros. pestres (de pedras) de Minas Gerais, idênticas. A nova subespécie tem foDesenvolvem-se em hábitats distintos: Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro. Borba fez um plano ambicioso - estulhas mais finas e mais cilíndricas que a P. ochreata comum, que só ocorre no dar reprodução, biologia floral, variaPROJETO Nordeste, e também se diferencia na bilidades genética, química e morfolóEstudos Biossistemáticos composição química de alcalóides. gica e constância dos polinizadores - e em Espécies de Orchidaceae Borba somou ao trabalho de campassou em campo o equivalente a 660 Miiófilas Brasileiras po três anos de análises de laboratório, horas de conforto escasso: ficava o dia inteiro sentado, praticamente imóvel, em colaboração com pesquisadores da MOOALIDADE a observar o ir e vir das moscas nas Unicamp e do Royal Botanic Gardens Auxílio a projeto de pesquisa inglês. Os resultados vieram inusitadaorquideazinhas. COORDENADOR "Os insetos são inofensivos e permente: à medida que ganhavam o ponJOÃO SEMIR - Instituto to final, os capítulos da tese eram pumitem a observação a olho nu, a apede Biologia da Unicamp blicados em periódicos internacionais, nas 1 metro de distância", conta. A obcomo American [ournal of Botany, Anservação no próprio hábitat lhe deu INVESTIMENTO nals of Botany, Lindleyana e BiochemiR$ 18.832,80 e US$ 12.000 uma amostragem razoável da variação cal, Systematics and Ecology. • dentro das 24 populações das 16 locadescobrir uma espécie de orquídea, a Pleurothallis fabiobarrosii - nome em homenagem ao pesquisador Fábio de Barros - e uma subespécie, Pleurothallis ochreata subsp. cylindrifolia. Mais tarde, em julho de 2001, seu estudo sobre processos de polinização foi a capa do Annals
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Laurentia (AmĂŠrica do Norte)
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lAiiIlIs~ildaptado
de Dalziel, Mosher e Gahagan, 2000
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- Terra Mãe, em russo -, um dos ~ercontinentes nos quais a crosta se dividia há cerca de 1 bilhão de anos, período anterior ao de Gondwana - o supercontinente mais conhecido, formado há 750 milhões de anos a partir da fragmentação de Rodínia. Para chegar a esses resultados, os pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) usaram a técnica do paleomagnetismo, que se baseia no fato de que uma rocha, ao resfriar-se, cria uma marca que mostra a direção do campo magnético terrestre naquele momento e assim permite localizar sua posição em relação aos pólos. Laurentia • O trabalho, desenvolvido em projeto iniciado em 1998, foi apresentado em outubro de 2001 num con-
Quebra-cabeça completado Blocos ao sul atualizam o primeiro mapa de Rodínia (à direita), que se limitava à porção norte. No mapa maior, os blocos rosa fazem parte, atualmente, do Brasil. Os círculos representam os pólos magnéticos correspondentes aos principais blocos de Rodínia: os amarelos são os pólos da Laurentia; os azuis, da Antártica e Austrália; e o vermelho, do Kalahari e do Congo-São Francisco.
Fonte: Science, vol. 252, 1991
gresso em Perth, Austrália, e num simpósio internacional sobre Rodínia e Gondwana reunido em Osaka, Japão. As descobertas completam e corrigem o primeiro mapa de Rodínia, mostrado em 1991 pelo geólogo norte-americano Paul Hoffman, hoje na Universidade de Harvard, Estados Unidos. Fundamentado em estudos feitos basicamente no Hemisfério Norte, o desenho de Hoffman mostrava um supercontinente cujo centro era um grande bloco chamado Laurentia - a atual América do Norte. Em torno, aglutinavam-se os que formariam Antártica, Austrália, Sibéria, índia, Kalahari (leste da África), sul da China, Congo-São Francisco (parte da África e do Nordeste brasileiro) e Continente Báltico (norte da Europa). O grupo brasileiro, que já atuava na área desde o início dos anos 70, decidiu então oferecer uma visão sul-americana de Rodínia, acrescentando peças ao quebra-cabeça de Hoffman. Coordenado por Igor Ivory Gil Pacca, o grupo do IAG voltou seu foco para as rochas dos crátons, que formaram o sul de Rodínia. Crátons são os blocos rochosos mais antigos da litosfera - camada externa do planeta, que é formada pela crosta e pelo manto superior, e tem cerca de 100 quilômetros de espessura. O grupo coletou material em Mato Grosso, Rondônia, Ceará, Bahia e Paraná. Pegou amostras também na Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia e, do outro lado do Atlântico, no Gabão, na Nigéria e em Camarões. Foram coletadas rochas dos três tipos: as sedimentares (arenitos, carbonatos e siltitos), as magmáticas (basaltos, granitos, gabros e andesitos) e as metamórficas (anfibolitos, granulitos, migmatitos e gnaisses). PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 49
de Pangea que nasceram os À medida que termiatuais oceanos e continennava as análises desse mates, há aproximadamente terial, o grupo agregava 100 milhões de anos. peças à proposta original. E a dança não pára: esInicialmente, mostrou que tima-se que atualmente os a região central de Goiás, blocos se movam 3 centío Rio de Ia Plata (que metros ao ano, em média. abrangia o sul do Brasil), a O grupo do IAG aponta África Ocidental e outros algumas tendências: nos blocos menores também próximos milhões de anos, participaram da formação devem surgir rachaduras e fragmentação do superna América do Norte, na continente. Ásia e entre a África e a O resultado é que a imaPenínsula Arábica. Brasil e . gem idealizada por HoffÁfrica se encontrarão de man mudou significativanovo, desta vez do outro mente: a Amazônia, por lado - oeste brasileiro exemplo, saiu do lado oescom leste africano. te e passou para leste. SeTanto as descobertas gundo Pacca, Hoffman inquanto as conjecturas se cluiu a Amazônia no mapa apóiam na Teoria da Deride 1991 com base em eviva Continental, apresendências estruturais e semetada em 1912 pelo cientislhanças geológicas, mas ta alemão Alfred Wegener com pouquíssimas infor(1880-1930), mas só conmações paleomagnéticas, solidada nos anos 60. Pela indispensáveis para a reteoria, a litosfera é formaconstituição da Terra antida por partes deformáveis ga. "Era quase uma suposichamadas placas tectônição, uma possibilidade", caso As placas se movem comenta. Um dos méritos ao longo da superfície, se da equipe da USP foi jusquebram e se juntam, tamente reunir dados abuntudo sob o impulso do dantes da posição do bloco calor de dentro da Terra. amazônico em Rodínia. "Hoje, não restam mais dúRochas marcadas - À mevidas", assegura. Cachoeira em Vila Bela CMT>: rochas confirmaram as conclusões dida que se recua no temA história extraída das po, contudo, cresce a incerrochas reforça as hipóteses de estresse favoreceram o surgimento teza sobre a movimentação efetiva das sobre a aparência que tinha a Terra há dos seres pluricelulares", diz Ricardo 1 bilhão de anos - um quinto de sua idaplacas, de modo que não se pode dizer Trindade, pesquisador da equipe do IAG. que o mapa de Rodínia, mesmo acresde. Acredita-se que na época de Rodínia "Antes, o que havia na Terra eram as ciacido pelas contribuições brasileiras, o planeta era uma imensa bola de gelo, nobactérias, seres muito simples e capaseja definitivo. "Além de persistir alguresultante, provavelmente, de interfezes de sobreviver em condições adversas:' ma dúvida sobre quais blocos realmenrências astronômicas e alterações de órte fizeram parte de Rodínia, há diverbita: o gelo aumentava a reflexão da luz, Rodínia em pedaços - Foi justamente gências sobre a posição correta deles e o que diminuía a absorção de energia. nessa época de mudanças climáticas inonde exatamente se encaixariam", afirVeio, em seguida, o reverso da medalha: tensas, há cerca de 750 milhões de anos, a intensa atividade vulcânica daquele ma Manoel Souza D'Agrella, do grupo que Rodínia começou a se fragmentar e do IAG. Num artigo publicado em marperíodo emitia uma quantidade enora dança dos blocos passou a formar ouço em Geology, uma das revistas mais me de gases, que acabaram por originar tro supercontinente: Gondwana. Ele importantes da área, Ebbe Hartz e Trond um gigantesco efeito estufa. aglutinava as atuais América do Sul, Torsvik, da Universidade de Oslo, NoruO gelo começou a derreter e, em África, Antártica, Austrália e Índia. Os ega, mostram evidências de que o conticerca de 10 mil anos - período geológiblocos que formariam o Brasil começanente báltico estaria, na verdade, numa co extremamente curto -, a temperaturam a se aproximar do desenho de hoje posição invertida em relação ao que se ra da Terra passou de 50°C (graus Celquando surgiu o último dos grandes tem hoje - o norte seria o sul e vice-versius) negativos para 50°C positivos. As continentes: Pangea, há cerca de 300 conseqüências sobre a vida, ainda incisa. "Essa verificação teria implicações milhões de anos. Foi da fragmentação para a Amazônia, que normalmente piente, foram imediatas. "Esses eventos 50 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
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aparece colada ao continente báltico nas reconstruções de Rodínia", diz Hoffman, o autor do primeiro mapa. Segundo ele, um estudo, a sair na Earth and Planetary Science Letters, mostra que a Austrália pode não ter estado ao norte do México, um dos integrantes do bloco chamado de Laurentia, 1 bilhão de anos atrás. Há divergências, mas num ponto os pesquisadores concordam: seria impossível recuperar essa história tão remota sem o paleomagnetismo, ferramenta que o IAG e os outros grupos adotam para relatar a deriva continental. A técnica apóia-se no fato de que, seja há 1 bilhão ou há 100 milhões de anos, o resfriamento de uma rocha sempre registra nela a direção do campo magnético terrestre. "O paleomagnetismo determina a latitude em que o bloco de rocha se encontrava e a posição dele em relação ao eixo da Terra", afirma a geofísica Márcia Ernesto, que divide com Pacca a coordenação da equipe da USP. No final dos anos 90, já com as primeiras amostras à mão, o grupo do IAG constatou que a posição do pólo arquivada nas rochas não correspondia à atual: numa era vertical, noutra horizontal, outras eram posições diagonais diversas. A hipótese de que o campo magnético terrestre tenha se alterado ao longo do tempo foi logo descartada: "Os pólos magnéticos terrestres sempre estiveram muito próximos dos pólos geográficos", enfatiza Pacca. "E o eixo magnético terrestre funciona como um grande ímã de barras, próximo ao eixo de rotação:' Portanto, o que explica a discrepância na orientação magnética das rochas é que os continentes estiveram mesmo andando. Rotas continentais - Depois se fez a análise de rochas de idades diferentes, coletadas no mesmo lugar. A série histórica permitiria definir as direções de pólo registradas. Um exemplo hipotético: há 800 milhões de anos, a direção era horizontal, aos 600 milhões fez uma curva à esquerda, g aos 300 milhões à direita e assim ~
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por diante. A memória das rochas
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arquiva as rotas. Ao se juntar esses rastros e ordená-los numa linha de sentidos, surge a curva de deriva polar aparente - que mostra claramente os cami-
o PROJETO Participação das Unidades Cratônicas da América do Sul na Evolução de Supercontinentes, Desde o Mesoproterozóico MODALIDADE
Projeto temático COOROENAOOR IGOR IVORY GIL PACCA - IAG/USP INVESTIMENTO
R$ 292.409,52
nhos dos continentes. Foi o que aconteceu com os arenitos colhidos em duas cachoeiras de Mato Grosso - uma em Salto do Céu, perto de Cuiabá, outra em Vila Bela da Santíssima Trindade, antiga capital do Estado, próxima à Bolívia -, que deram segurança sobre onde estavam os blocos que formariam a América do Sul. Traçadas as rotas de movimento da América do Sul e da África, os pesquisadores puseram a primeira sobre a segllllda e vice-versa, e viram exatamente onde e quando esses continentes se aproximara ou se afastaram.
História refeita: blocos de rocha registram a localização do pólo magnético da Terra
o trabalho de campo exige paciência e certa dose de adrenalina para a aventura. Da última vez em que estiveram em Rondônia, em julho de 2001, o grupo teve de invadir áreas controladas por madeireiras e o carro da universidade foi confundido com a fiscalização. "Não foi nada agradável': conta Pacca: "Quase levamos uns tiros': Em campo, os pesquisadores penetram as rochas com uma furadeira especial e extraem os cilindros. Imediatamente, uma bússola determina a direção do campo magnético no momento e o pesquisador anota na própria amostra. No laboratório, as amostras passam por fornos que aumentam e diminuem alternadamente a temperatura, para eliminar interferências magnéticas recentes. É preciso deixar só o registro antigo, que é avaliado numa sala blindada"o lugar de campo magnético menos intenso que existe em São Paulo", segundo Márcia. Parcerias - O grupo recebeu o reforço do Centro de Pesquisas Geocronológicas do Instituto de Geociências (IG), também da USP. É ali que se fazem as análises químicas e de elementos radioativos, que atestam a idade das rochas. "Como a margem de erro é mínima, podemos estabelecer hipóteses cada vez mais coerentes sobre a formação de Rodínia", diz Wilson Teixeira, diretor do Instituto de Geociências (IG) da USP, que integra o grupo. Foi o IG, aliás, que sediou um encontro internacional sobre Rodínia, em agosto do ano passado. O grupo do IAG, hoje umas das referências internacionais e provavelmente o único a trabalhar com paleomagnetismo no Brasil, atua em colaboração também com grupos da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro e as universidades federais da Bahia, do Pará e do Rio Grande do Norte, que facilitam a coleta e interpretação dos resultados. Há ainda parcerias com especialistas das universidades de Berkeley (Estados Unidos), Trieste e Pádua (Itália), Suécia, Toulouse (França) e Buenos Aires (Argentina). O habitual espírito de colaboração entre cientistas é reforçado pelo fato de ninguém saber onde pode estar a rocha faltante no quebra-cabeça que cada grupo procura montar. • PESQUISA FAPESP . MAIO DE 2002 • 51
últimos os anos, telescópios terrestres e espaciais confirmaram a existência de buracos negros, objetos dotados de atração gravitacional tão intensa que nenhuma maf~~ia escapa deles, nem mesmo a luz. Os mecanismos pelos quais absorvem tudo o que passa perto tornaram-se menos misteriosos com um trabalho concluído em abril no Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). "Estamos testemunhando um buraco negro do centro de uma galáxia devorar matéria ao seu redor", comemora a coordenadora do estudo, Thaisa Storchi-Bergmann, ao terminar o artigo em que relata os resultados. A equipe de Thaisa reconstituiu o que se passa no centro de NGC 1097, uma galáxia espiral a 60 milhões de anos-luz da Terra (um ano-luz equivale a cerca de 9,5 trilhões de quilômetros). E confirmou: existe lá um buraco negro supermassivo - de massa equivalente a pelo menos um milhão de sóis -, formado provavelmente pelo colapso de nuvens de gás ou de aglomerados com milhões de estrelas.
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Foco nos efeitos - Já que um buraco negro não pode ser detectado' diretamente, mas só por seus efeitos sobre objetos próximos, o grupo gaúcho centrou o foco na luz emitida pelo disco de acreção - nuvem achatada em forma de um espesso anel, feita de plasma (uma mistura de pró tons e elétrons) e hidrogênio, que gira ao redor do poderoso aspirador de matéria. A partir das informações colhidas, a equipe teve uma visão clara dos processos de nascimento, evolução e morte do disco de gás, que ocupa uma área equivalente ao dobro da órbita da Terra em torno do Sol, com um diâmetro próximo a 300 milhões de quilômetros. Cálculos preliminares indicam que a cada segundo o buraco negro traga cerca de 100 quatrilhões de toneladas de gás do disco - ou duas Terras por dia. Ao que tudo indica, o disco de gás surgiu quando uma estrela chegou mui-
Fome implacável: no centro da NGC 1097, um buraco negro absorve por dia a massa equivalente a duas Terras
to perto do buraco negro e foi capturada por ele. Em seguida, a estrela se desmanchou por ação da força de maré do buraco negro: essa força age com intensidade diferente em partes distintas de um corpo - o Sol, por exemplo, atrai mais o lado mais próximo da Terra do que o mais distante e por isso o planeta se alonga na direção do astro. Desmanchada a estrela, restou a nuvem de gás, que formou um disco ao redor do buraco negro.
Centro quente - Estima-se que esse fenômeno ocorra numa galáxia a cada 10 mil anos. "Tive sorte com a NGC 1097", reconhece Thaisa, que em 1991, quando começou a investigar a emissão de luz do núcleo dessa galáxia, encontrou o quadro típico de uma captura de estrela relativamente recente. Ela observou a emissão da região externa do disco formado a partir da estrela capturada na linha H -alfa - a linha de emissão de energia mais intensa do átomo de hidrogênio - e constatou que o gás girava a 10 mil quilômetros por segundo (km/s). Então, concluiu: essa velocidade do gás só poderia ocorrer num disco em torno de um buraco negro que tivesse a massa de um milhão de sóis. Nascia assim a hipótese que seria confirmada nos dez anos seguintes. Thaisa demonstrou que ocorre um aquecimento das regiões centrais do disco, que começam a emitir radiação de alta energia - como raios X -, num processo que dura pelo menos alguns séculos. A parte interna do disco é mais quente que as periféricas, por causa da fricção entre as partículas atômicas: a temperatura interna pode chegar a milhões de graus Celsius (oC), enquanto na periferia, de onde saem as emissões de luz na linha H-alfa, é de cerca de 1O.000°C. O interior do disco se expande devido à alta temperatura e cria uma estrutura toroidal (em forma de rosca) em volta do horizonte de eventos - superfície imaginária que define a fronteira além da qual nem a luz escapa. Essa estrutura emite fótons que, ao bater nas partes externas do disco, excitam o hidrogênio e produzem a emissão do tipo H-alfa, seguida desde 1991. "O futuro da matéria do disco é espiralar até ultrapassar o horizonte de eventos e cair no buraco negro", revela Thaisa. A PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 53
matéria do disco - formada basicamente de prótons e elétrons na parte interna e átomos de hidrogênio na externa - se divide ao chegar a esse limite: metade é engolida pelo buraco negro e metade expelida da parte interna em forma de jatos, cuja emissão é observada em ondas de rádio. Assim, o disco se desfaz lentamente até desaparecer, num momento estimado para daqui a 1 mil anos, no mínimo. "É a primeira vez que presenciamos a captura de matéria numa região central de uma galáxia de maneira bem clara", diz Thaisa. Mas não é o fim da história. À medida que o buraco negro se alimenta de mais e mais matéria, amplia-se o horizonte de eventos - cujo raio mede hoje, aproximadamente, 3 milhões de quilômetros, ou dois centésimos da distância entre a Terra e o Sol. Nesse espaço há uma massa equivalente a um milhão de sóis, que Thaisa havia calculado em 1997. Capturando estrelas individuais, o buraco negro poderia até mesmo dobrar de tamanho, mas muito lentamente - somente daqui a 1 bilhão de anos. ssaarqueologia cósmica descrita por Thaisa num artigo recentemente submetido ao Astrophysical [ournal, no qual já publicou trabalhos em 1993, 1995 e 1997 - é um avanço em relação ao que se descobriu em 1998 na galáxia M87, situada a uma distância equivalente ao nosso planeta. Naquele ano, o telescópio espacial Hubble, que orbita a Terra a 600 quilômetros de distância em busca de novidades dos confins do Universo, registrou imagens de um disco de gás girando em torno do núcleo da M87. Embora a velocidade em que o disco da M87 se movia fosse alta, era só um décimo das registradas na NGC 1097. E a distância do disco até o centro da galáxia era um milhão de vezes o raio do disco de acreção. Portanto, o disco de gás da M87 não era o disco de acreção, mas uma estrutura bem mais externa. Como o raio desse disco é muito grande - cerca de 500 trilhões de quilômetros, um milhão de vezes maior que o da NGC 1097 -, Thaisa descarta a presença de um buraco negro central. Então, o que seria o disco? Um aglomerado estelar massivo, por exemplo.
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É exatamente a definição do processo de emissão de luz do disco da NGC 1097, aparentemente muito mais interessante cientificamente do que o verificado na M87, a razão de contentamento da equipe. Thaisa trabalhou com Michael Eracleous, da Universidade da Pensilvânia, Estados Unidos, na coleta de dados provenientes de três fontes: o telescópio, de 4 metros, do Observatório Interamericano de Cerro Tololo; o Eso New Technology Telescope (NTT), de 3,6 metros, ambos no Chile; e o telescópio de 8 metros do Observatório Keck 11, no Havaí. Já na análise dos resultados, ela contou com o mestrando Fausto Kuhn Berenguer Barbosa e o bolsista de iniciação científica Rodrigo Nemmen da Silva. Juntos, converteram o comprimento de onda da luz (ou radiação) em velocidade do gás e construíram um gráfico que mostrou uma linha de dois picos - um para a velocidade máxima de aproximação da luz em relação à Terra e outro para a máxima de afastamento. Tecnicamente, é o perfil de pico duplo da linha de emissão H-alfa, também chamado de assinatura cinemática do disco - uma prova clara da existência do disco de acreção e das transformações por que passa. "Acredita-se que possa existir um disco de acreção também na M87, embora ainda sem uma . . ~." assmatura cmemauca, comenta a pesquisadora. "O Hubble registrou outros perfis em H-alfa semelhantes, nenhum com uma estrutura de duplo pico tão . clara como na NGC 1097:'
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Lanterna - Thaisa consegue ver a emissão de H-alfa que chega da parte mais externa e fria do disco. "Possivelmente, nem todas as galáxias tenham essa parte mais externa, como poderia ser o caso da M87", observa Thaisa. Ao longo dos anos, ela percebeu que a emissão migrou para regiões que giram a velocidades cada vez maiores - como o disco apresenta um movimento kepleriano (como os planetas), as regiões mais internas e próximas do buraco negro central movem-se numa velocidade mais alta que a das bordas. O deslocamento do foco de emissão de luz ocorre porque a parte interna perde energia e esfria, de modo que a radiação já não é tão intensa e atinge distâncias cada vez menores.
O processo é semelhante ao que ocorre com a luz emitida por uma lanterna a pilha que ilumina uma área ao redor e se enfraquece com o tempo. Quando as pilhas estão com carga total, a luz é mais intensa e ilumina uma área relativamente grande em torno da lanterna. À medida que a carga enfraquece, a luz perde alcance e ilumina as regiões mais próximas. Em 1991, a luz emitida pelas partes mais externas do disco tinha a velocidade de 3 mil km/s - só um centésimo da velocidade da luz, mas que permitiria a uma partícula ir de Porto Alegre a Salvador em apenas um segundo. Já no início deste ano, como a fonte de fótons foi ficando mais fraca e atingiu menores distâncias no disco, foi possível registrar a luz que vinha de partes mais internas, com velocidade de 6 mil km/s. Estima-se que na borda interna do disco emissor de H -alfa a velocidade das partículas chegue a 15 mil km/s, enquanto à beira do buraco negro as partículas girem a 300 mil km/s, a velocidade da luz.
"O fato de encontrarmos velocidades tão altas é um sinal da presença de uma estrutura supermassiva no centro da galáxia", diz a pesquisadora. As velocidades máximas registradas para os discos de gás em rotação no centro de galáxias sem buracos negros são de, apenas 250 a 300 km/s. Velocidades de rotação da ordem das detectadas, de milhares de quilômetros por segundo, segundo ela, só podem ser produzidas pela interação com milhões ou bilhões de massas solares concentradas num lugar muito pequeno - ou seja, um buraco negro supermassivo. Um reforço a essa conclusão é a conversão de matéria em energia por meio da absorção por um buraco negro, que tem uma eficiência muito maior do que as reações nucleares nas estrelas: 10% da massa engolida é convertida em energia, ao passo que nas reações nucleares o limite é de 0,7%. "Essa conversão pode explicar a grande emissão de energia dos núcleos de galáxias ativas, como NGC 1097 e M87", afirma Thaisa.
Com um milhão de massas solares, o buraco negro da NGC 1097 impressiona, mas não é dos maiores já encontrados. No final de março, os físicos que trabalham com o telescópio de raios X Chandra relataram a descoberta de uma estrutura bem mais massiva: um buraco negro com cerca de 10 bilhões de massas solares no centro dos quasares - galáxias em formação - mais distantes já encontrados, a 13 bilhões de anos-luz da Terra. Via Láctea - Este ano, a equipe da UFRGS pretende obter dados sobre a emissão de raios X e ultravioleta da NGC 1097, por meio de observações com o Chandra e o Hubble, e lançar luz sobre o que acontece no centro das centenas de galáxias já identificadas. "Acredita-se que os buracos negros tenham se formado junto com as próprias galáxias, uma vez que a massa estimada para os buracos negros a partir das observações do Hubble é proporcional aos bojos - a região esférica central - das galáxias em que se encontram': diz Thaisa. Trabalhos feitos com o Hubble indicam a
presença de buracos negros na maioria das galáxias elípticas e espirais. Mesmo no centro da Via Láctea, a 30 mil anos-luz da Terra, supõe-se que exista uma estrutura supermassiva - da ordem de 3 milhões de massas solares. Por enquanto, sua existência só pode ser deduzida a partir do movimento de estrelas próximas ao núcleo ou de emissões intensas de raios X, como a registrada recentemente pelo Chandra: a descarga de radiação variou em horas, algo raríssimo, e provavelmente resultou do engolimento de matéria gasosa ou estelar por um buraco negro. Ainda não há indícios de que no centro de nossa galáxia exista um disco de acreção, testemunha do poder dos buracos negros, ainda que à custa da própria existência. "Talvez não exista lá matéria suficiente sendo engolida pelo buraco negro para formar um disco': cogita Thaisa. Mas o quadro pode mudar. Se uma estrela for capturada, poderá ocorrer algo parecido com o que se assiste hoje numa galáxia tão distante comoaNGC1~7. • PESQUISA FAPESP . MAIO DE 2002 • 55
• CIÊNCIA
ENTREVISTA
o prazer de fazer ciência De olhos abertos para o futuro da Física, pesquisador premiado diz que a necessária responsabilidade social do cientista não obscurece o caráter lúdico da prática científica MARILUCE
MOURA
físi~o Luiz Davidovich, canoca, 55 anos, recebeu via fax e "com surpresa", em março passado, a notícia de que ganhara o Prêmio de Física de 2001 da Academia de Ciências do Terceiro Mundo. Antes dele, só dois outros brasileiros o haviam conquistado: Cesar Lattes e [ayme Tiomno. Natural que Davidovich sinta-se "honrado em estar nessa companhia". Em termos materiais, a honraria consiste numa placa comemorativa e em US$ 10 mil que serão entregues em solenidade especial, durante a VIII Conferência Geral da Academia, em Nova Délhi, no mês de outubro. A razão da premiação é o conjunto dos trabalhos desenvolvidos por Davidovich em óptica quântica, que representa, segundo seus pares, importante contribuição para o desenvolvimento da Física. Nesta entrevista concedida a Pesquisa FAPESP, o brasileiro fala desses trabalhos, em particular de suas proposições teóricas sobre transição de fenômenos do mundo quântico para o mundo clássico, que envolvem conceitos tão sofisticados e complicados para um leigo quanto o da superposição de dois estados de uma partícula, o da interferência, e até o do teletransporte que, para ouvidos menos acostumados, beira as fantasias da ficção científica. Mas Davidovich, retomando idéias que apresentou num artigo para Notí-
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cias FAPESP (a publicação que deu origem a Pesquisa FAPESP), em setembro de 1999, comenta também nesta entrevista as tendências de desenvolvimento e os desafios que a Física enfrenta hoje. Fala sobre as possibilidades fantásticas de suas aplicações práticas. Aborda os avanços e as dificuldades da Física no Brasil, posiciona-se criticamente sobre a política científica brasileira e produz, por fim, uma frase altamente elucidativa sobre o prazer que está envolvido com o fazer pesquisa científica: "A ciência, para quem está envolvido com ela, é antes de mais nada uma atividade lúdica" Professor da Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRio) de 1977 a 1994 e do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desde então, doutorado pela Universidade de Rochester, no Estado de Nova York, e com um pósdoutoramento no Instituto Federal de Tecnologia (ETH), em Zurique, Suiça, centrado no mesmo trabalho sobre a dinâmica de decaimento de um átomo que iniciara no doutoramento, Davidovich é casado com a psicóloga Solange Cantanhede e tem dois filhos e duas enteadas ("mas é como se fossem quatro filhos, na verdade': diz ele). Os filhos são um engenheiro e um advogado, as filhas, uma psicóloga e uma modelo (Isabel Ibsen). A seguir, os principais trechos da entrevista do premiado físico (uma versão completa encontra-se no site www.revistapesquisa.fapesp.br):
• Qual a razão do prêmio? - O prêmio foi dado por um conjunto de trabalhos sobre a teoria do laser e por propostas de experimentos na área de fundamentos da mecânica quântica que venho desenvolvendo há 17 anos.
• Em uma revisão recente de sua área, óptica quântica, o senhor apresenta algumas coisas interessantes sobre a relação entre o mundo físico macroscópico e o mundo da física quântica, microscópico. Poderia nos falar sobre isso? - Essa é uma das linhas de pesquisa que tem ocupado nosso tempo nos últimos anos. A idéia é a seguinte: no mundo microscópico existem os fenômenos quânticos, difíceis de alcançar com nossa intuição. Um deles é o da interferência, percebido quando, por exemplo, fazemos uma experiência ... aliás, é uma experiência clássica realizada no século 19, a experiência de (Thomas) Young, um físico inglês que mostrou que, quando se passa a luz por um anteparo que tem duas fendas próximas, produz-se, num outro anteparo, uma figura com franjas claras e escuras. Em outras palavras, luz mais luz - porque a luz está passando por duas fendas pode resultar em sombra. Essa figura é chamada figura de interferência, um fenômeno tipicamente ondulatório que podemos observar num tanque de água, quando se produzem ondas com dois pinos oscilantes, próximos um do outro. Essas ondas interferem entre si.
jo experimental passou a ser uma parte importante do fenômeno observado, e essa foi realmente uma revolução conceitual na física, na década de 1920.
• Estamos falando de uma época logo após Einstein. - Isso. São as contribuições de Max Bom, Niels Bohr e outros, que permitiram entender a mecânica quântica e os novos conceitos que ela representava muito bem. No entanto, quando olhamos o mundo macroscópico à nossa volta, não vemos uma pessoa numa superposição de dois estados localizados.
• Passando por uma porta e...
Há regiões em que a crista de uma das ondas soma-se à da onda produzida pelo outro, há um reforço na amplitude da onda. Em outras regiões, a crista de uma se superpõe ao vale da outra, e nesse caso as ondas se cancelam. Num tanque de água dá para ver que fica uma raia plana nesses pontos onde as amplitudes se cancelam. Esse fenômeno também se vê com ondas de luz. Acontece que no século 20 aprendeu-se que a luz é constituída de corpúsculos, e daí, conciliar esse comportamento ondulatório com a composição corpuscular tornou-se um grande desafio para os físicos.
• Numa visão clássica não havia como entender a superposição dos dois dados. - Sim, porque a gente espera que o corpúsculo passe por uma fenda ou por outra. E, nesse caso, ele jamais vai produzir uma figura de interferência,
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característica de uma onda, que passa pelas duas fendas ao mesmo tempo. A conciliação desse caráter complementar da luz foi feita pela mecânica quântica. Por meio da mecânica quântica sabemos que, quando fazemos uma experiência com a luz, podemos fazer, de fato, experiências complementares. Por exemplo, podemos nos perguntar "por que fenda passou o corpúsculo?" Se colocarmos aparelhos por trás das fendas descobriremos que passou por uma ou por outra. Mas, ao fazermos isso, eliminamos a figura de interferência. Não é possível descobrir por qual fenda passou o corpúsculo e, ao mesmo tempo, conservar a figura de interferência. Então apareceu no século 20 o conceito de complementar idade, que coloca em evidência aspectos complementares da natureza. A luz pode se comportar como onda ou corpúsculo dependendo da experiência que se faça. O arran-
- ... pela outra, ao mesmo tempo. Ou uma superposição de estados em que ela está simultaneamente localizada numa porta e noutra contígua. E por muito tempo as pessoas fizeram a pergunta de como podemos explicar isso, como explicamos a transição do mundo quântico para o mundo clássico. De fato, Einstein, em 1954, escreveu uma carta para Bom, dizendo que achava estranho o fato de que o mundo clássico aparentemente proibia a existência da maioria dos estados permitidos pela física quântica, que são essas superposições. A questão que ele colocou era fundamental. "Por que essa seleção de estados no mundo clássico?" Houve várias explicações ao longo dos últimos anos, e uma que se afirmou é que necessariamente os corpos rnacroscópicos estão interagindo com o resto do universo. Essa interação destrói a possibilidade de realizar experimentos de interferência que demonstrem a superposição.
• Isso significa que a possibilidade de superposição existe mesmo no mundo macroscópico, apenas não é observável. - Exatamente. Essa questão foi colocada de forma extremamente dramática pelo físico Erwin Schrõdinger que, num artigo em 1935, formulou o famoso paradoxo do gato. Ele dizia o seguinte: se colocarmos um gato numa jaula hermeticamente fechada junto com um átomo que pode decair, podemos supor que esse átomo, ao decair, faz funcionar um mecanismo, um motorzinho, que quebra uma garrafa que contém cianureto e que mata o gato. PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 57
ENTREVISTA Por outro lado, se o átomo não decai, o gato fica vivo. Ora, o átomo está num determinado instante numa superposição de dois estados, exatamente como a partícula que passa pelas fendas na experiência de Young. Então esse átomo seria descrito como a superposição de estados do átomo que decaiu e do átomo que não decaiu. Claro que, se esperarmos muito tempo, a componente que representa o átomo decaído vai ficar muito mais importante que a outra, mas num instante intermediário estão as duas componentes... Esse átomo está numa superposição. O estado do gato depende do estado do átomo. Então, se o átomo está numa superposição, o gato também deveria estar numa superposição. Morto e não morto. Schrõdinger diz: "Não vemos isso". Como explicar essa questão? Hoje sabemos que um gato não pode ser isolado, nem um átomo. O sistema átomo-gato não pode ser isolado do resto do universo. A interação com o resto do universo rapidamente destrói esse caráter de superposição.
• Nesse universo, qual seu foco de pesquisa? - Anos atrás, propusemos uma experiência em colaboração com físicos da École Normale Supérieure, em Paris, para testar a idéia de que o mundo quântico se transforma num mundo' clássico rapidamente. O experimento foi feito em Paris, em 1996, e confirmou a teoria. Produz-se, numa cavidade formada por dois espelhos paralelos - que não chega a ser uma caixa porque é aberta, e que consegue armazenar fótons, por um tempo muito longo - um campo eletromagnético, bastante próximo de um campo clássico, como se fosse uma luz clássica, só que na região de microondas. Em seguida, passa-se um átomo pela cavidade, e através de uma manipulação do átomo, consegue-se colocar esse campo numa superposição de dois estados, que corresponde a dois campos clássicos que diferem na fase. Podemos dizer que são dois campos que dá para diferenciar classicamente. 58 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
• E vocês conseguiram confirmar isso observando apenas a luz na freqüência de microondas. - Sim. Mas a pergunta que surgiu depois é: "Como medir isso?': E a idéia foi mandar um segundo átomo, sensível a esse estado do campo, para dentro da cavidade. Seria análogo a, no caso do gato de Schrõdinger, mandar um ratinho que passa pela cavidade, é sensível ao estado do gato e assinala que há uma superposição dos dois estados que dá origem a interferência. E mais ainda: se eu atrasar um pouco o envio do ratinho, dou tempo para a superposição quântica se transformar numa alternativa clássica, como o gato morto ou vivo. Ou seja, mandando um átomo em diferentes tempos, posso seguir o processo pelo qual a superposição quântica se transforma numa alternativa clássica. Sugerimos a medida com um segundo átomo em 1993, num artigo com o pessoal da École Normale. Em 1996, publicamos um artigo mais detalhado sobre a proposta da experiência, que foi feita por eles e publicada na Physical Review Letters. Meu trabalho foi a elaboração teórica.
• E depois? - Começamos a pensar como medir completamente o estado do campo na cavidade. Para uma partícula clássica, o estado é dado por sua posição e velocidade e isso a caracteriza completamente. Para sistemas quânticos, a situação é mais complicada, mas é possível. E nossa proposta foi implementada na École Normale em julho de 2001 pelo grupo coordenado por Serge Haroche. Agora eles tiveram novos resultados e os estão enviando para publicação.
• Esse é o desdobramento mais recente das propostas teóricas... - São dois desdobramentos. O outro foi publicado no ano passado na Physical Newsletters. É um trabalho do nosso grupo, com a participação de dois estudantes, André Carvalho e Pérola Milman, e um pós-doe, Ruynet Matos Filho, que propõe uma maneira de proteger estados dessa interação com o resto do universo. A idéia é que eles possam guardar o caráter quântico por mais tempo, ou seja, impedir que esse estado se transforme numa alternativa clássica ou desapareça. Nossa proposta
de átomos se refere a aprisionamento com cargas, e atualmente não existe nenhum grupo no Brasil que faça isso. Outro desdobramento é a idéia de medir estados quânticos de moléculas, num trabalho em colaboração com o professor Nicim Zagury, de nosso grupo. De novo, queremos conseguir uma caracterização completa de um estado quântico vibracional de uma molécula. Nessa linha do limite clássico-quântico é mais ou menos isso que foi feito.
• E as experiências de teletransportei - Publicamos um trabalho propondo um experimento que lembra até ficção científica, para produzir teletransporte do estado de um átomo para outro átomo. Essa idéia de teletransporte tinha sido proposta inicialmente em junho de 1993 por um grupo de pesquisadores que incluía Charles Bennett, da IBM. Eles mostraram que era possível, em princípio, fazer uma espécie de fax quântico, transferindo informação de um sistema para outro.
• Mas, em termos reais, transfere-se isso a partir de que impulso? - Você precisa ter um par de partículas, que é compartilhado pela pessoa que quer transferir a informação e pela que vai recebê-Ia. Esse par tem uma propriedade especial, de fato já foi considerada como a propriedade mais estranha da física quântica: as duas partículas estão num estado que se chama estado emaranhado, o que significa que suas propriedades estão correlacionadas de uma maneira muito mais forte do que qualquer teoria clássica poderia prever. É uma correlação quântica. Ao se medir uma das partículas, isso determina o resultado da medida sobre a outra partícula. E esse sistema dessas duas partículas em estado emaranhado, uma com uma pessoa e a outra com uma segunda pessoa, é o que poderíamos chamar de máquina de teletransporte. Se essa pessoa, chame-se Alice, quer enviar a informação para a outra, Bob, ela faz sua partícula, cujo estado ela quer informar a Bob, interagir com a outra partícula do par que está com ela. Em seguida, ela faz medidas sobre essas duas partículas e informa o resultado das duas medidas que faz a Bob. E só com o resultado dessas duas medidas Bob pode reconstituir o estado ori-
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ginal da partícula de Alice. O artigo que publicamos foi o primeiro com uma proposta de realização experimental desse teletransporte, que até hoje não foi implementada. É uma experiência difícil. • Publicamos no Notícias FAPESP em setembro de 1999, um artigo seu, com o título provocativo "Está a Física esgotada?'; em que o senhor comentava as perspectivas da Física Voltando a ele: continuamos sem uma teoria que permita entender o espectro de massas e de cargas das partículas elementares? - Sim, e esse é um grande desafio para o século 21. Seria bom encontrar uma teoria unificadora, que permitisse extrair os valores das massas e das cargas. Essa é uma questão que possivelmente está ligada a outra, a da unificação da gravitaçãó com a física quântica. • Quais são suas expectativas atuais quanto às aplicações práticas da Física? - Quando olhamos o desenvolvimento da ciência e da tecnologia nos anos 20, observamos que a física quântica começou com um grupo de jovens entusiasmados, na faixa dos vinte e poucos anos (Schrõdinger e Max Born eram mais velhinhos), cuja única preocupação era entender a natureza. Jamais imaginariam que as descobertas produziriam uma revolução conceitual na maneira de entender a natureza. Muito menos que mudariam o cotidiano das pessoas, com a invenção do transistor, que viabilizou a informática. A física quântica resultou no laser, que trouxe também uma revolução na medicina e nas comunicações - e até na estética. A ciência é desenvolvida por pessoas que trabalham movidas pela emoção de aprofundar seu conhecimento da natureza, e hoje sabemos que essa emoção e esse interesse servem à sociedade. • E qual é a situação da Física no Brasil? - Nos últimos 30 anos, ela passou por um desenvolvimento extraordinário. Na origem, era muito teórica, até pela falta de oportunidade de compra de equipamentos. Depois, outras áreas avançaram, como a física da matéria
condensada, e apareceram grupos experimentais extremamente competentes. Nas regiões onde a física foi apoiada de forma contínua, houve uma ramificação tecnológica das pesquisas realizadas nas universidades. É o caso do pólo de alta tecnologia de São Carlos e de Campinas, possíveis graças ao apoio dado à ciência no estado de São Paulo. Agora, devíamos olhar isso também com espírito crítico, não ficar só no oba-oba e perguntar o que pode ser feito para melhorar a física brasileira.
bém do governo federal, que tem mecanismos para fazer isso. Há programas que estão sendo propostos, como os fundos setoriais, que funcionam, mas é preciso contar com recursos para a pesquisa espontânea. Sem isso não há o desenvolvimento criativo, porque as idéias novas freqüentem ente saem do pesquisador isolado.
• Onde estão os buracos? - Um problema sério é a necessidade de federalização da física no Brasil. O que foi feito no estado de São Paulo é um exemplo para o resto do país. Enquanto ele não for seguido, vai haver uma discrepância muito grande entre o que é feito em São Paulo e o que é feito no resto do país. Isso não é saudável para a física brasileira e, em particular, para a física paulista, porque reduz as oportunidades de trabalho para os estudantes formados e as interações possíveis.
• E as sombras da ciência? - Sempre existiu, entre grupos da população, um sentimento, digamos, anticiência, que ressalta os malefícios da ciência à humanidade. Por exemplo: as explosões de Hiroshima e Nagasaki, os perigos nucleares, a contaminação radioativa e agora os efeitos da guerra biológica. O sentimento anticiência envolve uma grande confusão entre atividade científica e controle democrático da utilização da ciência. Evidentemente a utilização da ciência não é assunto só dos cientistas, deve ser objeto de uma ampla discussão na sociedade. Para isso, ela tem que estar informada, e nesse ponto a divulgação científica tem papel importantíssimo.
• Isso implica a necessidade de um apoio permanente no âmbito estadual. - Também. As fundações estaduais devem ser incentivadas. A Faperj teve um desenvolvimento importante nos últimos anos, isso deve ser reconhecido. Por outro lado, há estados que não têm fundações de amparo e não vão fazê-Ias de um dia para o outro. De nada adianta o governo federal ficar insistindo com os governadores, porque não é do interesse político deles privilegiar essa área científica. Portanto, esse apoio à pesquisa é uma obrigação tam-
• Sua relação com a ciência é apaixonada? - Certamente. A ciência, para quem está envolvido com ela, é antes de mais nada uma atividade lúdica. E não será bom o cientista que não experimente esse caráter na pesquisa. Devíamos lembrar todo dia, ao ir para a universidade, do seguinte: "Faço pesquisa num país que é um dos campeões mundiais da desigualdade social. Tenho esse privilégio e essa responsabilidade': Então, acho muito importante, antes de mais nada, que a gente trabalhe direito: • PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 59
• TECNOLOGIA
LINHA
DE
PRODUÇÃO
Planador com concepção nacional Um planador de dois lugares para a instrução básica e avançada de pilotos, projetado pelo engenheiro aeronáutico brasileiro Ekkehard Schubert, já foi testado e aprovado como aeronave segura. A iniciativa de construir o P-I surgiu há seis anos, quando o projetista de aviões conseguiu reunir 66 pessoas, que se dispuseram a arcar com os custos da construção do protótipo e também participar do desenvolvimento do projeto. Desde então, já foram investidos mais de US$ 80 mil no P-I e dedicados muitos fins de semana à sua construção.
• Polímeros naturais para a agricultura Uma pequena amêndoa, encontrada dentro do caroço do algodão, é a matéria-prima utilizada por pesquisadores brasileiros, franceses, argentinos e holandeses para produzir polímeros naturais destinados à elaboração de biomateriais para agricultura. Nos Estados Unidos, essas amêndoas, de uma variedade sem gossipol (uma substância tóxica), são vendidas para ser misturadas a receitas culinárias devido ao seu alto valor protéico. Mas,
Schubert, que há quase 30 anos voa em planadores e foi por dez vezes campeão brasileiro na classe livre de vôo, diz que o P-I é extremamente dócil e tem excelente performance para a sua categoria. "A idéia de construí-lo surgiu porque no Brasil há uma carência de planadores biplace", conta Schubert, que trabalha na Eleb, subsidiária da Embraer. O projetista descreve o P-I como um planador moderno, com formas aerodinâmicas mais convenientes, porque é feito totalmente de fibra de vidro, um material fácil de ser molda-
como a principal variedade de algodão cultivada contém gossipol, o caroço de algodão tem sido usado tradicional-
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do. O vôo em um planador é feito aproveitando apenas as movimentações do ar. Por isso, para que levante vôo, precisa ser rebocado por um avião até por cerca de 1.000 metros da pista, quando é liberado para ficar horas no ar. Schubert conta que, quando resolveu levar adiante o projeto de construir o planador, também assumiu o compromisso de obter a certificação aeronáutica, já requerida ao Instituto de Fomento Industrial (IFI). "O fato de o planador já estar voando é apenas o primeiro passo de todos os que temos de dar para ho-
mente na alimentação de bovinos, por se tratar de uma matéria-prima de custo extremamente baixo no mundo
mologar o P-l. Agora vamos construir um segundo protótipo para conseguir essa certificação, o que deve ocorrer dentro de dois a três anos", conta. Quando todo o processo estiver finalizado, Schubert vai procurar financiamento para colocar o P-I no mercado, para concorrer com os planadores importados, que custam em torno de US$ 45 mil. "Se puder baratear o planador será uma vantagem para os praticantes brasileiros", diz o projetista. Por isso, entre seus planos está vender o P-I em forma de kits, com assistência técnica para montagem. •
inteiro e não provocar distúrbios no sistema digestivo desses animais. Essa matéria-prima barata e abundante - são produzidos 30 milhões de toneladas de grãos de algodão no mundo por ano - foi escolhida pela Comissão Européia para servir como objeto de estudos entre parceiros do Mercosul e da Europa. No Brasil, o convite para participar dessa pesquisa foi para o professor Paulo José do Amaral Sobral, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo, câmpus de Pirassununga. So-
bral conta que seu trabalho inicial refere-se à extração, separação e preparação das proteínas para a produção do filme polimérico. As outras equipes trabalham com o filme e outros tipos de materiais que estão em desenvolvimento. •
ratório de Virologia Aplicada da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) aprimorou uma metodologia que permite a análise de concentrados da carne desse molusco a partir da Técnica de Amplificação Gênica (RT-PCR). Essa técnica é tão sensível que detecta até vírus não adaptados ao cultivo in vitro. As pesquisas que resultaram no desenvolvimento da metodologia começaram em 1998 e envolvem diferentes técnicas de cultivo do vírus em laboratório. •
• Fundição de titânio por plasma
o titânio tornou-se o metal preferido na confecção de implantes dentários devido à sua excelente biocompatibilidade e resistência à corrosão na cavidade bucal e, mais recentemente, está sendo aplicado em próteses. A grande limitação do seu emprego, em restaurações e em próteses sobre implantes, era o processo de fundição, devido à sua elevada temperatura de fusão, baixa densidade e reatividade química com gases e substâncias presentes no revestimento. Com o desenvolvimento de equipamentos que empregam o processo de fundição por plasma-skull (casca), tornouse possível aplicar o titânio na prótese dentária. Como o preço desses equipamentos importados restringia o uso dessa liga no Brasil, a EDG Equipamentos, com sede em São Carlos, desenvolveu uma máquina totalmente nacional para fundir titânio, que recebeu o nome de Discovery Plasma. Para testá-Ia convidou o professor Antonio Carlos Guastaldi, do Grupo de Biomateriais do Instituto de Química de Araraquara, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). "Eles queriam saber se o equipamento era adequado para aplicação odontológica" conta o professor. "As amostras foram submetidas a análise química e constatou-se que, antes e após as fundições, não houve contaminação do titânio, e as con-
centrações de gases presentes na estrutura metalúrgica estão de acordo com as normas para aplicação de biomateriais', revela o professor Guastaldi. O gás utilizado nesse processo é o argônio superpuro, que apresenta a propriedade química de ser inerte, ou seja, não reage com nenhum elemento químico da liga metálica ou do revestimento em estudo. Todo esse trabalho é necessário porque, como a porcelana vai ser aplicada sobre a peça protética, não pode haver contaminação, fator prejudicial à aderência entre os materiais. •
Em Santa Catarina, uma nova metodologia para detectar vírus da hepatite A em ostras
• Instituto do Milênio para autopeças
• Ostras livres da hepatite A As ostras são ricas em proteínas, cálcio e sais minerais, mas, como normalmente são ingeridas cruas, cultivá-Ias requer um rigoroso controle de qualidade para que não causem danos à saúde quando consumidas. Uma das doenças mais sérias causadas pela ingestão de frutos do mar crus ou levemente cozidos é a infecção pélo vírus da hepatite A (HAV), que pode provocar febre e perda de apetite. Para identificar a contaminação pelo HAV em ostras, o Labo-
Um centro de pesquisa voltado para o setor de autopeças organizado em rede, via Internet, que vai reunir 350 pesquisadores de 16 instituições de ensino de sete Estados brasileiros. Esse é o perfil do Instituto Fábrica do Milênio, inaugurado no mês passado em Santa Bárbara do Oeste, na unidade da Romi, empresa parceira no fornecimento de equipamentos para os laboratórios da rede. O objetivo principal do instituto é promover o desenvolvimento tecnológico das indústrias de manufatura no país, estimulando a capacitação para o mercado externo. Estarão em foco as médias e pequenas empresas de autopeças que suprem as necessidades das grandes montadoras mundiais instaladas no país. Além de resolver problemas produtivos das empresas e repassar tecnologia, os laboratórios e pesquisadores envolvidos na rede vão também desenvolver métodos gerenciais mais adequados e competitivos para as empresas atendidas pelo Instituto Fábrica do Milênio, que possui um orçamento previsto de R$ 4 milhões para os próximos três anos. •
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Empresa cria teclado virtual Adeus teclados tradicionais. Pesquisadores da empresa de alta tecnologia israelense VKB criaram um teclado virtual a partir da projeção de feixes de laser de diodo em superfícies planas. Com o tamanho de um teclado comum e letras no formato padrão, o invento da VKB foi desenvolvido para ser usado com computadores portáteis, do tipo palm, e outros equipamentos móveis, como telefones celulares e laptops. Um sensor óptico infravermelho, movido a baterias similares às de telefones celulares, é usado para detectar os movimentos da mão sobre o teclado. "Ele foi projetado para detectar qualquer velocidade de digitação', explica Amichai Turm, co-fundador da empresa e responsável pelo desenvolvimento tecnológico do produto. Como o invento ainda está sendo patenteado, os pesquisadores da VKB, com sede em Jerusalém, não explicam como funciona esse mecanismo de detecção dos movimentos. Eles ga-
• Penas de galinha adicionadas à ração As penas de frango, um subproduto das avícolas, podem ser incorporadas como matéria-prima na produção de ração. O primeiro passo para esse nobre uso foi dado pelos pesquisadores do Laboratório de Enzimologia da Universidade de Brasília (UnB), coordenados pelo professor Carlos Roberto Felix.Eles desenvolveram um processo em que a quera-
Sensor infravermelho detecta movimentos das mãos rantem, no entanto, que o laser de diodo, que opera em modo contínuo, não causa nenhum prejuízo à visão dos usuários. Segundo Klony Lieberman, vice-presidente de pesquisa e desenvolvimento da empresa, o
tina, proteína constituinte da pena de frango, é transformada pela ação de uma enzima (protease). Essa enzima é produzida por células da levedura Pichia pastoris transformada com um gene do fungo Aspergillus fumigatus. A função dela é quebrar quimicamente a queratina em produto solúvel, que será depois digerido pelo sistema digestivo dos animais. Com isso as penas deixam de ser inadequadas para ração animal, embora
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aparelho poderá ser usado no futuro em ambientes estéreis, como salas cirúrgicas de hospitais. A expectativa da empresa é que os primeiros teclados virtuais sejam colocados à venda até o final deste ano. •
contenham vários nutrientes, como potássio, cálcio, enxofre e cobre. O processo está em fase inicial de patenteamento pelo Centro de Desenvolvimento de Tecnologia da UnB. Atualmente, a pesquisa é objeto da tese de doutorado de Eliane Noronha, aluna do programa de pós-graduação em Biologia Molecular da UnB. O projeto recebeu recursos diretos da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF). •
• Satélites revelam manchas de óleo Imagens de satélites canadenses, europeus e informações do Sistema Integrado de Vigilância da Amazônia (Sivam) serão utilizadas para detectar vazamentos de petróleo na costa brasileira. O sistema de monitoramento, concebido pela Coordenação de Programas de Pós-graduação de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, vai operar com base na interpretação de imagens orbitais do mar, geradas pelos satélites, que serão analisadas em conjunto com informações do mapeamento de instalações de exploração e produção de petróleo e gás (plataformas e dutos), do controle do tráfego marítimo de petróleo e derivados e de técnicas de simulação de movimentação de manchas de óleo no mar. Quando for detectado um derramamento de óleo, os órgãos de defesa do meio ambiente serão alertados para adotar as medidas de controle. O sistema estará totalmente implementado em seis meses, segundo o professor Luiz Landau, coordenador do projeto. "O foco inicial do monitoramento é a bacia de Campos, onde se concentra mais de 80% da produção do petróleo nacional. Mas temos a intenção de monitorar toda costa que tiver atividade petrolífera", diz Landau. Os R$ 9,2 milhões necessários para o projeto serão divididos entre Agência Nacional do Petróleo (ANP), Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Marinha. A ANP já assinou contrato no valor de R$ 6,8 milhões com a Coppe para desenvolver o sistema, que está na fase pré-operacional. •
• Murumuru disputa mercado nos EUA
gamassa Aglotec é uma mistura das cinzas com o calcário, mas, além disso, existe uma série de reações químicas que ocorrem durante o processo de geração que conferem características particulares ao produto final, segundo o coordenador do projeto, o engenheiro mecânico Rodnei Gomes Pacheco. O produto pode ser empregado em rebocos, assentamentos de tijolos e pisos. •
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fruto do murumuru (Astrocaryum murumuru), que durante 50 anos do século passado foi utilizado como gordura para produção de margarina, agora vai ser usado como matéria-prima para a fabricação de sabonetes. O alvo principal é o mercado norte-americano. À frente da fábrica Tawya Comércio de Produtos do Vale do [uruá está o físico Fábio Fernandes Dias, que saiu da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 1992, para trabalhar no Acre com uma organização não-governamental (ONG) de pesquisa indígena. Até 1995, estudou vários produtos amazônicos com potencial comercial e teve intenso contato com o murumuru, palmeira cujo fruto é desprezado pelos índios porque é duro e pouco interessa à alimentação. Quando o contrato terminou, Fábio Dias decidiu investir no aproveitamento comercial do coco da palmeira. Para isso, bancou praticamente sozinho todos os investimentos em pesquisa e na instalação da fábrica em Cruzeiro do Sul (AC), a primeira a produzir gordura e sabonete de murumuru. Agora depende apenas do alvará da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que espera conseguir no início do segundo semestre, para a inauguração oficial da fábri-
Óleo do coco da palmeira murumuru é a base de cosméticos
ca, que produz atualmente 250 mil sabonetes por ano, mas tem capacidade insta1ada para chegar a 500 mil, e 2 toneladas de gordura, com previsão de 10 toneladas em dois anos. O primeiro contrato de fornecimento exclusivo de gordura in natura foi assinado com a empresa paulista Chemyunion Química, que a utiliza como componente de produtos cosméticos. A mesma gordura é a base do sabonete, batizado de Tawya, mesmo nome da localidade onde a pesquisa foi feita. Segundo Fábio Dias, "o sabonete já foi testado nos Estados Unidos, onde teve excelente aceitação': O preço médio para o mercado norte-americano está estimado em US$ 3.•
• Consultoria para produção limpa
• Carvão mineral é combustível para cal Um novo tipo de cal, batizada de Aglotec, utiliza o carvão mineral como combustível. No processo de obtenção do produto, desenvolvido pela Fundação de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (Cientec), é usado o calcá rio dolomítico, que vai para o forno a uma temperatura de 900 graus, quando ocorre o processo de calcinação. A ar-
O Núcleo de Tecnologias Limpas, uma empresa incubada na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), tem como objetivo prestar assessoria aos setores produtivos. O núcleo iniciou suas atividades em setembro de 2001, quando começou a preparar a primeira turma de 20 consultores ambientais, mas só foi formalizado em março. Nesse período, foram escolhidas dez empresas, das áreas de turismo, indústria e agroindústria, para serem analisadas dentro da ótica do desenvolvimento sustentável. O núcleo é uma parceria entre a universidade, o Banco do Nordeste e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável e integra a Rede Brasileira de Produção Mais Limpa, apoiada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. •
PESQUISA FAPESP . MAIO DE 2002 • 63
TECNOLOGIA ENGENHARIAS
A purificação das águas
I Oxidando os poluentes - Uma dessas novas tecnologias é o sistema eletroquímico fotoassistido, também conhecido por fotoeletroquímico, objeto de estudo nos últimos dez anos do professor Rodnei Bertazzoli, coordenador do Laboratório de Engenharia Eletroquímica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O tratamento fotoeletroquímico é feito por um reator modular composto por dois eletrodos - placas metálicas de titânio revestidas de óxidos condutores de metais nobres -, sendo que um deles permanece sob incidência da radiação ultravioleta (UV). "O princípio do sistema é muito simples': explica Bertazzoli, coordenador do projeto Tratamento de Efluentes De-
os consumidores. Segundo Ierson Kelman, diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), esse é o primeiro passo para a implementação da cobrança pelo uso da água em todo o país. No início, a receita anual com a nova tarifa está estimada em R$ 14 milhões, quantia que será usada na recuperação ambiental da bacia e na ampliação do tratamento do esgoto.
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0brança tem os seguintes critérios: quem despejar água de volta no rio em condição pior da que foi captada pagará R$ 0,02 para cada metro cúbico (mil litros) coletado, enquanto quem devolver a água tratada terá um custo quase três vezes menor: R$ 0,008 por metro cúbico. Cálculos da ANA indicam que haverá um acréscimo de R$ 1,00 nas contas se as companhias repassarem integralmente o custo para os usuários. Para fugir desse custo adicional no balanço financeiro, as empresas deverão procurar alternativas para eliminar todos os tipos de resíduos, orgânicos ou não, da água dos seus efluentes. Atualmente, utilizam-se sistemas de filtragem, controle biológico em lagos e digestores e tratamento químico. São sistemas confiáveis, mas nesse setor ainda há espaço para tecnologias mais avançadas e eficientes.
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rivados da Indústria de Papel e Celulose Através de Fotocatálise Assistida por Eletrólise. "Ele remove compostos orgânicos e inorgânicos por meio de processos onde o único reagente é o elétron." Ao circular no reator, qualquer poluente orgânico passa na superfície dos eletrodos e sofre oxidação, transformandose, ao final do processo, em dióxido de carbono e água. Os organismos patogênicos, então presentes nos efluentes, ficam inativados e os compostos inorgânicos, basicamente metais pesados, ficam depositados no eletrodo. De acordo com Bertazzoli, depois de submetidas a esse tratamento, as águas residuárias estarão prontas para
ser reutilizadas dentro da própria empresa ou jogadas de volta ao rio, obedecendo aos padrões estabelecidos pela resolução 20/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Essa resolução, utilizada pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) para controle da poluição dos mananciais em São Paulo, estabelece parâmetros físico-químicos e microbiológicos (oxigênio dissolvido, demanda bioquímica de oxigênio, pH, coliformes fecais, nitrogênio, etc.) para efluentes domésticos e industriais. O limite de concentração de cada um deles varia conforme a classificação do curso de água - quanto mais limpo for o rio, maior é a exigência quanto ao grau de pureza dos efluentes a serem lançados. ''A grande vantagem do sistema fotoeletroquímico é que ele não gera subprodutos - os tratamentos biológicos convencionais produzem uma grande quantidade de lodo, o que é um sério problema ambiental", diz o pesquisador. Além disso, o sistema é capaz de remover cor e odor do poluente, características que, na maioria das vezes, não são tratadas nos processos tradicionais. Até agora, o sistema já se mostrou viável no tratamento de efluentes de indústrias têxteis, de papel e celulose e de chorume de lixo (líquido negro e com forte odor contendo altas concentrações de compostos orgânicos e inorgânicos) de
Fantasma da escassez ronda o mundo
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Relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU), no final de 2001, alerta que, em breve, a humanidade enfrentará sérios problemas relacionados à escassez e qualidade das águas. Segundo o documento, até 2025, 3 bilhões de habitantes deverão viver em países afetados pelo estresse hídrico, com oferta de água per capita inferior a 1.000 metros cúbicos por ano, quantidade mínima para atender às necessidades de uma pessoa. "E, em 2050, 4,2 bilhões de humanos, mais de 45% do total mundial, viverão em países que não podem assegurar a cota diária necessária para satisfazer às necessidades básicas': aponta o estudo.
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Nem o Brasil está livre da ameaça da falta de água, apesar de possuir uma das maiores reservas hídricas mundiais. O país armazena 12% de toda a água doce do planeta e divide com Uruguai, Paraguai e Argentina o maior reservatório natural de água subterrânea da Terra, o aqüífero Guarani, com 1,2 milhão de quilômetros quadrados. "Não importa ostentar abundância, o importante é saber usar com inteligência", afirma Aldo Rebouças, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP e autor do livro Águas Doces no Brasil, um completo estudo sobre a problemática hídrica nacional.
De acordo com o pesquisador, embora a oferta de água no país seja abundante, ela é mal distribuída, com 70% das reservas localizadas na região da Amazônia, que tem apenas 7% da população brasileira. "Não vai faltar água no Brasil, mas sim nas torneiras das casas': diz ele. Para reverter essa situação, diz o cientista, é preciso reduzir o desperdício, que, segundo seus cálculos, chega a 40% da água consumida no país. "Também devem ser ampliadas as técnicas que possibilitem o reuso da água", diz Rebouças. "Estudos apontam que cerca de 80% da água poderia estar sendo reutilizada para fins não potáveis': conclui.
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aterros sanitários. Também foram iniciados testes com resíduos hospitalares. Todas essas aplicações já resultaram na solicitação de 14 patentes. Bertazzoli explica que o custo de implantação do processo é um pouco mais alto do que o dos sistemas biológicos, mas as despesas operacionais são baixas e envolvem apenas o pagamento da energia elétrica, porque o processo é automatizado. O preço médio de um reator eletroquímico é de US$ 600 por metro quadrado de área de eletrodo. "Uma empresa de porte médio, com vazão de 70 metros cúbicos por hora, teria que fazer um investimento de US$ 120 mil numa estação fotoeletroquímica com 200 metros quadrados de eletrodos': calcula Bertazzoli. A tecnologia testada por meio de um protótipo ainda não está disponível comercialmente, o que só deve ocorrer em dois anos. O pesquisador é consultor da empresa Tech Filter, que possui um projeto no Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP.O objetivo é montar um protótipo de reator em grande escala nos próximos meses. Desinfeção por UV - Outra linha de pesquisa relacionada ao tratamento de efluentes é a desinfecção de esgotos secundários (que já passaram por um tratamento prévio) com radiação ultravioleta. Estudos iniciados em 1977 pelo professor José Roberto Campos e atualmente coordenados pelo professor Luiz Antônio Daniel, ambos da Escola de Engenheira de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP), demonstraram que esse processo é altamente eficaz na inativação de microrganismos pa-
togênicos (vírus e bactérias) e apresentou vantagens quando comparado a outras técnicas que usam desinfetantes químicos, como o cloro. "Por atuar no meio físico, a radiação UV não adiciona produtos ao esgoto, enquanto o cloro gera subprodutos organoclorados indesejados (trihalometanos, haloaldeídos, halocetonas, etc.), que, segundo a literatura médica, podem provocar doenças como O câncer", explica o pesquisador da USP, que recebe recursos da FAPESP para desenvolver o projeto Inati-
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vação de Microorganismos Patogênicos por Fotólise:Aplicação de Radiação Ultravioleta em Efluentes Secundários de Esgoto Sanitário. Segundo
Rio Paraíba do Sul em Sapucaia (RJ): preservação sem esgoto
o estudioso, a contaminação acontece em cadeia. Quando um esgoto desinfetado com cloro é jogado de volta ao rio, os subprodutos organoclorados podem contaminar o manancial e o cloro residual poderá ser prejudicial à cultura irrigada. Quem captar a água para beber também corre risco. Uma estação de tratamento de esgotos da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) na cidade de Lins, aparelhada com o fotorreator importado da marca Aquionics, cedido pela empresa brasileira Germetec, já emprega essa nova técnica de forma experimental e com bons resultados. "Os efluentes tratados na estação são utilizados para irrigar uma plantação de milho no terreno ao lado, de propriedade da Sabesp", conta Luiz Daniel. Essa pesquisa está sendo desenvolvida com a participação da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), Escola de Saúde Pública e EESC, todas da USP, além da Sabesp, e constitui um dos temas da rede nacional de pes-
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Programas terão financiamento
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Financiar projetos científicos e novas tecnologias destinados a aperfeiçoar os diversos usos da água, inclusive no tratamento de águas residuárias. Esse é o objetivo do Fundo Setorial de Recursos Hídricos (CT-Hidro), criado há dois anos pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e regulamentado em julho de 2001. Em dezembro último, foram selecionados os 123 projetos que receberão apoio do fundo setorial neste ano. Desse total, 27 relacionam-se ao tratamento de esgotos sanitários e efluentes industriais. O site da Finep (www.finep.gov.br) traz a relação completa das propostas seleciona das. Os interessados devem desenvolver projetos numa das oito plataformas tecnológicas aprovadas pelo comitê gestor do fundo: racionalização do uso da água urbana, reuso, racionalização da irrigação, controle das poluições da indústria alimentícia, desenvolvimento de produtos e equipamentos, qualidade, dessalinização e água subterrânea. Segundo Irene Altafim, da Finep, órgão integrante do comitê gestor do fundo, os recursos do CT-Hidro são oriundos de um porcentual (4%) da compensação financeira atualmente recolhida pelas empresas geradoras de energia elétrica e equivalema 6% do valor da produção de geração de energia elétrica no país. Para o biênio 200212003, estima-se que essa verba alcance R$ 107 milhões. A intenção do CT-Hidro é destinar 30% desse montante para projetos que beneficiem as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
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quis a no âmbito do Programa de Pesquisa em Saneamento Básico (Prosab). Esse programa tem por objetivodesenvolver e aperfeiçoar tecnologias nas áreas de águas residuárias,águas de abastecimento e resíduos sólidos que sejam de fácil aplicabilidade, baixo custo de implantação, operação e manutenção. O histórico de resultados obtidos nos mais de 30 anos de pesquisas sobre desinfecção com radiação ultravioleta realizadas em São Carlos contriPatente: reator buiu para a aceitação e confiança no processo usado em Lins, que está sendo comparado com a unidade de laboratório montada em São Carlos com recursos da FAPESP. Daniel explica que a inativação dos organismos patogênicos acontece no nível cromossômico. "A radiação modifica o DNA da bactéria, criando um fotoproduto que impede sua duplicação", explica.A grosso modo, o reator é como um tubo com lâmpadas de vapor de mercúrio, que emitem radiação uv. Durante o tratamento, as águas residuárias entram nesse tubo e são irradiadas por 5 a 30 segundos. A limitação dessa tecnologia é que a solução aquosa não pode conter muita matéria dissolvidaou em suspensão.Esse fator impede que os raios ultravioleta atinjam os microrganismos. Por esse motivo, os efluentes precisam passar por um pré-tratamento. ''Acredito que essa tecnologia tem potencialidade para ser usada em grande escala",diz o pesquisador da USP. "Ela já comprovou sua viabilidade técnica e mostrou ter custo competitivo. Há mercado interno e externo e seria interessante a participação de empresas nacionais no desenvolvimento de equipamentos para uso em esgoto sanitário porque os únicos que existem são importados:' Aposta nos anaeróbios - A Escola de Engenharia de São Carlos também abriga um grupo de pesquisadores que estuda os processos anaeróbios - utilizando microrganismos (bactérias e arqueas)
que não necessitam de oxigênio para sobreviver - para tratamento de esgoto. A equipe tem contado com recursos do Prosab, gerido pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), para desenvolver seus estudos. O aperfeiçoamento dos sistemas anaeróbios tem sido um dos objetivos do Prosab. Esse processo emprega microrganismos anaeróbios que transformam compostos orgânicos complexos em produtos mais simples, eletroquímico como metano, gás carbônico e gás sulfídrico. Para o engenheiro químico Marcelo Zaiat, coordenador do projeto Estudo da Dinâmica de Adesão de Biomassa Anaeróbia em Suportes e Aplicação em Reatores para Tratamento de Águas Residuárias, fi-
nanciado pela FAPESP, o tratamento anaeróbio apresenta uma série de vantagens sobre o sistema aeróbio, o mais usado atualmente. "Ele não precisa ser aerado ou agitado e por isso requer menos energia e usa menos equipamentos': explica Zaiat. Mas a grande vantagem é outra: como os microrganismos anaeróbios crescem muito menos do que os aeróbios - quando a bactéria precisa de oxigênio -, a geração de lodo ao final do tratamento equivale a apenas 10 a 20% da quantidade produzida nos processos aeróbios. Apesar dessas, digamos, virtudes, os processos anaeróbios ainda não são suficientemente confiáveis e eficientes, o que os obriga a passar por um pós-tratamento. "Nossas pesquisas buscam exatamente aperfeiçoar os sistemas anaeróbios aumentando sua eficiência':afirma Zaiat. O tipo de material empregado é vital para a eficiência do reator, pois, quanto maior for a aderência e o tempo de permanência dos microrganismos dentro do equipamento, melhor será o resultado do tratamento. O município de Piracicaba, no interior do Estado, foi um dos pioneiros no país na utilização de um reator anaeróbio para tratamento de esgotos. A prefeitura construiu nos anos 90, com
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base num projeto holandês, uma estação de tratamento com um reator anaeróbio de manta de lodo. Projetada para atender aproximadamente 90 mil pessoas, ela trabalha em conjunto com um sistema aeróbio e tem apresentado bons resultados. Segundo Zaiat, a tendência para o futuro é o uso combinado dos sistemas anaeróbio e aeróbio. O próprio câmpus da USP de São Carlos ganhará em breve uma estação de tratamento composta por sistemas combinados. Com ela, será possível maximizar as vantagens . dos dois processos e livrar o efluente de . sua carga poluente, deixando-o com as
características necessárias para ser lançado, ou mesmo reutilizado. Reuso da água - O reuso da água para fins não potáveis já é uma realidade em três estações de tratamento de esgoto da Sabesp na Grande São Paulo, por um custo inferior à tarifa normal. Juntas, as estações do ABC, Barueri e Parque Novo Mundo produzem i80 metros cúbicos por hora de água sem filtragem e doração. É um tipo de água que pode ser usado na geração de energia, limpeza pública, refrigeração de equipamentos, lavagem de carros, com-
OS PROJETOS Tratamento de Efluentes Oerivados da Indústria de Papel e Celulose Através de Fotocatálise Assistida por Eletrólise MODALIDADE Projeto regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR RODNEI BERTAZZOLlFaculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp INVESTIMENTO R$ 71.819,14 e US$ 56.200,96
Confluência dos rios Tietê e Tamanduateí em São Paulo: poluição por efluentes não tratados
lnativação de M icroorganismos Patogênicos por Fotólise: Aplicação de Radiação Ultravioleta em Efluentes Secundários de Esgoto Sanitário MODALIDADE Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR LUIZ ANTÔNIO DANIEL Escola de Engenharia de São Carlos da USP INVESTIMENTO R$ 54.500,00
bate a incêndio e diversos processos industriais. Desde maio do ano passado, a Sabesp fornece para a prefeitura de São Caetano do Sul água recidada para irrigação de áreas verdes, lavagem de ruas, desobstrução de rede de esgotos e de águas pluviais da cidade. Em janeiro deste ano, mais dois municípios, Barueri e Carapicuíba, passaram a receber água de reuso da empresa. Segundo especialistas em recursos hídricos, todas essas iniciativas vêm ao encontro da proposta do Programa das NaEstudo da ~inâmica ções Unidas para o Meio da Adesão de Biomassa Ambiente e da Organização Anaeróbia em Suportes Mundial de Saúde (OMS) de e Aplicação em Reatores fortalecer o reuso planejado para Tratamento de água para fins potáveis e de Águas Residuárias não potáveis. O objetivo esMODALIDADE tratégico é proteger a saúde Linha regular pública, garantir a manuten_ de auxílio à pesquisa ção da integridade dos ecossistemas e o uso sustentado da COORDENADOR água. Dessa forma, as novas MARCELOZAIAT - Escola tecnologias de tratamento de de Engenharia de São Carlos da USP efluentes - fotoeletroquímica, desinfecção por radiação INVESTIMENTO ultravioleta e sistemas anaeR$ 41.362,01 róbios - atendem perfeitae US$ 3.880,56 mente a esses requisitos. • PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 69
• TECNOLOGIA
MEDICINA
VETERINÁRIA
Cavalos valiosos: as associações de criadores exigem o conhecimento até da quinta geração do animal
Animais de fi-notrato LinkGen é a primeira empresa na América Latina a fazer teste de DNA para cavalos e bois
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mbom cavalo de corrida pode valer até R$ 2 milhões. Entre os bovinos, um grande reprodutor chega a custar tão caro que empresas especializadas em inseminação artificial formam consórcios para adquiri-los e dividir os ganhos resultantes dos negócios. Porém, por mais excelente que seja sua qualidade, um animal de raça não terá valor comercial nenhum se não contar com um registro genealógico - um atestado de pedigree. Hoje assiste-se nos países desenvolvidos a um expressivo crescimento da adoção de teste do ácido desoxirribonucléico (DNA) para comprovar a origem de espécimes valiosos. No Brasil, esse tipo de teste também ganha espaço nas associações de criadores de cavalos e de bois de raça, impulsionado pela empresa
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LinkGen, de São Paulo, apoiada pelo Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP. A LinkGen tornou-se o primeiro laboratório a realizar testes de genotipagem por DNA para animais na América do Sul. Segundo a biomédica Cynthia Bydlowski, diretora da empresa e coordenadora do projeto, o índice de precisão dos novos exames para testes de vínculo genético atinge no mínimo 99,91 %, enquanto nos de tipagem sanguínea que examinam vários tipos de proteínas no sangue (semelhante a sistemas como o ABO e outros, no ser humano) -, quando realizados sob condições ideais, é de 96,50%. A maior confiança sobre a origem do animal proporcionada pelo teste de DNA ganha importância em um cenário em que a prática da inseminação artificial, o
(ABQM), que forneceu amostras ainda Ricardo Soares Cohen, gerente de proaumento do comercio de sêmen e a no período de desenvolvimento tecnojeto da Coordenação de Bovideocultura transferência de embriões tornam têlógico. "Nossa congênere norte-amerinues os limites das porteiras. do Departamento de Fomento e Fiscacana, a American Quarter Horse Assolização da Produção Animal, do mesAs vantagens da utilização da tecciation, já exige exames de DNA para o mo ministério. nologia de DNA sobre a de tipagem sanregistro': afirma Iarbas Leonel Bertolli, guínea não se limitam à obtenção de superintendente do stud book (cartórios resultados mais precisos. "Utilizamos o Mercado em expansão - A única barde registros de animais existentes em reira para uma maior adoção do teste pêlo do animal, mais especificamente o cada entidade de criadores) da ABQM. de DNA é o preço ainda um pouco salbulbo capilar, como fonte de DNA, um O registro de eqüídeos em geral é basgado para o paladar dos criadores bramaterial mais fácil de armazenar que o tante rigoroso - para obtê-lo, é preciso sileiros - custam em torno de R$ 140, sangue. Depois da análise genética, o w enquanto a tipagem sanbulbo pode ser guardado -c guínea sai por volta de R$ por até três anos': explica o bioquímico Jaime Leyton, 35. A evolução do mercado outro diretor da LinkGen. externo, porém, pode expandir o novo procediA LinkGen submete o mento. "Nosso plantel é um DNA extraído da amostra à dos maiores do mundo e, reação em cadeia da polimenos anos 90, deixamos de rase (PCR), procedimento ser exclusivamente imporque amplifica determinadas regiões preestabelecidas do tadores e começamos a exportar", diz Motta. DNA. São' estudadas pelo Na área de bovídeos, menos 12 dessas regiões conta Cohen, do Ministétambém chamadas de marrio da Agricultura, o govercadores -, analisadas indino federal pretende divulvidualmente. "A utilização gar as vantagens da análise de 12 marcadores é o padrão de DNA junto às associações dos laboratórios mais dede criadores. Segundo ele, senvolvidos e assegura a Bovinos: teste de DNA contribui para o melhoramento genético qualidade dos resultados': as técnicas da biologia moexplica Cynthia. lecular contribuem para a No início de suas atividades, em assimilação das fêmeas em projetos de conhecer a árvore genealógica dos animelhoramento genético. "Até pouco 1998, a LinkGen não operava com sismais pelo menos até a quinta geração. tempo atrás, só os reprodutores eram "Entre as associações sul-americatemas automatizados. "Com os recurconsiderados valiosos para imprimir apsos do PIPE, adquirimos, em 2000, um nas de criadores, a ABQM foi a pioneira tidões às suas progênies': diz. seqüenciador de DNA, automatizando no emprego da técnica de DNA", orguA LinkGen registrou receita de R$ o sistema': conta Cynthia. Com o equilha-se Bertolli. "Trata-se de uma ten100 mil em 2001 e projeta um crescipamento, a capacidade do laboratório, dência inexorável, já bem delineada no mento de 100% para este ano. Ela está que antes se limitava à análise de, no mercado internacional': comenta Antômáximo, cinco animais a cada três dias, conquistando espaço também no mernio Carlos Motta, coordenador de eqüicado internacional. ''A Asociación Rucresceu para 48 testes completos a cada deocultura do Ministério da Agricultura, ral del Paraguay, uma confederação de 24 horas. "Um enorme benefício da auPecuária e Abastecimento. "Os ganhos criadores de diversas espécies animais, tomação é a possibilidade de processade precisão são consideráveis", afirma é um importante cliente nosso", diz mento durante 24 horas, sem supervisão humana" observa ela. Em 1999, a Leyton. A LinkGen mantém estreita coPROJETO laboração com a Faculdade de Mediempresa atendia a uma média de seis Aplicação de Técnicas Moleculares cina Veterinária da Universidade Estaencomendas mensais. "Hoje, recebeem Agropecuária: Aprimoramento dual Paulista (Unesp), em Araçatuba. mos cerca de 60 amostras a cada mês': do Registro Genealógico de revela Leyton. Assim, foi lá onde o seqüenciador comBovinos e Eqüinos prado com o projeto do PIPE ficou instalado inicialmente, durante oito meses. Foco no cavalo - O segmento de criaMODALIDADE "Fizemos um acordo em que eles poção de cavalos é, atualmente, o filão de Programa Inovação Tecnológica em deriam usar o seqüenciador em projetos negócios mais atraente para a empresa. Pequenas Empresas (PIPE) de pesquisa enquanto treinavam dois "Mais de 90% dos testes que realizaCOORDENADORA técnicos para a LinkGen", conta Leymos em nosso laboratório destinam-se CVNTHIA RACHID BVDLOWSKI - LinkGen à identificação de eqüídeos", comenta tono Assim se fechou um círculo acadêmico e empresarial que trouxe novos Leyton. Um dos primeiros clientes da INVESTIM E NTO LinkGen foi a Associação Brasileira de benefícios para a criação de cavalos e R$ 20.000,00 e US$ 118.565,00 de bovinos no país. • Criadores de Cavalo Quarto de Milha
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setor avícola brasileiro investiu pesado em infraestrutura, modernização e novas técnicas de manejo, nos últimos anos, para aumentar o volume produzido e dar conta da demanda interna e externa. O acerto dessas medidas pode ser comprovado pelo fato de que, no ano passado, o frango ficou com o segundo lugar em importância na pauta de exportação agropecuária, atrás apenas de commodities como a soja (grão, farelo e óleo) e à frente de produtos tradicionais como o café. O grande volume comercializado é o principal fator de lucro do setor, que deve, portanto, ter perdas mínimas para não causar impactos negativos ao processo. Nesse sentido, os criadores precisam contornar um dos problemas que ainda os atormentam: a mortandade de frangos em decorrência do estresse térmico, que atinge 1 milhão de cabeças por mês, de uma produção estimada em 300 milhões no mesmo período. Para tentar reverter esse quadro, Marcos Macari, professor da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Iaboticabal e pró-reitor de pesquisa da universidade, estimulou em embriões e em frangos recém-nascidos a produção de uma proteína de choque térmico (a hsp 70, heat shock protein), também chamada de proteína de estresse, para que, quando as aves atingissem a idade adulta, estivessem protegidas das bruscas variações de temperatura. Os resultados obtidos, já repassados para os criadores durante congressos do setor, indicam que a ativação precoce desse mecanismo molecular possibilita melhor adaptação dos animais ao calor durante o processo de crescimento. "Nossos estudos mostram ser possível estressar a ave, tanto em temperatura alta como baixa, de forma que ela expresse mais essa proteína': explica Macari, coordenador do projeto temático Papel da
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Proteína de Choque Térmico no Desenvolvimento da Termotolerância em Frangos de Corte, financiado pela FAPESP.
Para a indústria do frango é mais fácil trabalhar com embriões na incubadora
Estudioso e especialista em avicultura, Macari ressalta que um mito que envolve a criação de frangos precisa ser definitivamente eliminado. "É necessário desmistificar que a carne de frango tem hormônio, isso é uma inverdade, difundida não só por leigos, mas até por médicos", alega. Macari explica que o crescimento rápido das aves deve-se ao melhoramento genético, motivado pela pressão de seleção. Esse melhoramento alia duas situações: a expressão gênica para crescimento e a voracidade, que é a capacidade de comer muito. Tolerância térmica - Nos experimentos realizados dentro do projeto temático, tanto os ovos quanto os animais recémnascidos foram colocados em temperatura normal de incubação, a 37,S graus, e também a 36,S e a 38,S graus. "No caso do embrião, para nossa surpresa, os animais que foram incubados em temperaturas menores mostraram-se, quando adultos, mais tolerantes a altas temperaturas e tiveram maior desenvolvimento. Esperávamos o contrário, porque dados da literatura mostram que se um pintinho for exposto até cinco dias depois do nascimento a um calor intenso, e suportar esse calor, ele consegue ser mais tolerante a temperaturas ambientais elevadas na. idade adulta", conta Macari. Nos experimentos feitos logo após o nascimento das aves, a temperatura mais alta mostrou-se mais eficaz na resposta de adaptação do organismo. Macari, no entanto, alega que, tecnicamente, esse procedimento é mais complicado, porque os galpões teriam de ser mantidos fechados durante duas a três semanas, com temperaturas elevadas. Do ponto de vista da indústria, é mais fácil trabalhar com embriões, porque é mais simples aumentar ou diminuir a temperatura de uma incubadora industrial que incuba cerca de 1 milhão de ovos do que fazer isso com 1 milhão de frangos ou pintinhos. "Esse é o motivo pelo qual as pesquisas hoje na área avícola estão focadas, em grande parte, na manipulação de embrião:' "Propusemos o projeto porque o frango quando nasce é como uma criança, muito sensível ao frio, e quando cresce é muito sensível ao calor. E a velocidade de crescimento das aves é muito acelerada", diz o professor. Devido às
características genéticas do frango hoje, um pintinho que nasce, em média, com 45 gramas, em 42 ou 45 dias, no máximo, estará pesando 2,5 quilos. Como o Brasil é um país em que as condições climáticas não são severas, durante a fase inicial do sistema de criação de frango não são muitos os problemas enfrentados. Quando a temperatura esfria muito, como ocorre normalmente no Sul, os criadores utilizam aquecedores para manter as aves aquecidas. Já o calor acaba causando mais problemas e perdas. A primavera e o outono são apontadas por Macari como as estações em que se registra a maior taxa de mortalidade de frangos de corte no país. A baixa incidência pluviométrica, aliada aos dias muito quentes e noites frias, causa um choque térmico nas aves, principalmente se já estiverem com mais de 30 dias, na etapa final de crescimento. Durante o verão, apesar do calor, as chuvas contribuem para manter o ar mais úmido e, como nesse período o céu sempre tem mais nuvens, a incidência de raios solares sobre a terra também é menor. "O projeto teve como ponto de partida o estudo dos mecanismos fisiológicos e moleculares, para ver se podíamos melhorar a tolerância do frango ao calor': diz o professor. "A nossa premissa, baseada em estudos principalmente celulares, é que, quando se estressa uma célula, ela produz mais a proteína hsp 70 para se proteger de condições de estresse', explica. Todas as proteínas presentes nas células têm uma estrutura tridimensional, mas em situações de estresse elas podem perder a configuração original. O papel da hsp 70 é evitar que as outras proteínas presentes nas células percam essa configuração. Ela está presente em todas as células, mas se expressa mais em tecidos de maior sensibilidade ao estresse, como o cérebro e o coração. Por isso, a escolha para estudar a expressão dessa proteína recaiu sobre esses tecidos, além do fígado e do pulmão. Mudança alimentar - Na avaliação de Macari, a avicultura hoje tem um expressivo papel social no Brasil, pelo fato de ser uma proteína acessível à população de baixa renda. O quilo do frango inteiro custa para o consumidor final em torno de R$ 1,50. Segundo o professor, o frango brasileiro é barato em PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 73
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função do grande volume produzido e do baixo custo da mão-deobra. Sem contar que o país é um grande produtor de milho e soja, base da alimentação das aves. "Isso faz com que o frango brasileiro seja o mais saboroso do mundo. O da Grã-Bretanha tem gosto de peixe, porque lá agregase farinha de peixe à ração': comenta o professor. O preço competitivo resultou em um aumento substancial na demanda na última década. Os 13,6 quilos consumidos em 1990 por habitante chegaram a 30,8 quilos no ano passado. Esse crescimento de consumo veio acompanhado de mudanças nos hábitos alimentares dos brasileiros, que passaram a comprar o frango Quando nasce, o frango é muito sensível ao frio, e na idade adulta sofre com o calõr em partes, de preferência semiresultados de sua pesquisa já estão sengrupo envolvido no estudo trabalhou prontas. O pé e a cabeça, que até poudo aplicados por alguma indústria. com 12 enfoques durante os expericos anos atrás faziam parte do pacote "O manejo do sistema de produção mentos, como estresse embrionário e "frango inteiro" e não raro tinham é muito particularizado de empresa pós-eclosão, variações hormonais pré e como destino a lata de lixo, ganharam para empresa, não existe um padrão pós-eclosão, efeitos desses processos hornovos mercados. A China é o principal único no país para criação. Uma emmonais aliados ao crescimento da ave, comprador dos pés de frango brasileiro, presa pode deter segredos que não coentre outros. Todos os resultados já foque têm alto valor agregado depois de munica porque o sistema é muito comram redigidos e estão sendo publicados desossados. A pele, processada, transpetitivo", explica. "Se eu fizer manejo de em revistas nacionais e internacionais. forma-se em pulseiras de relógio e ouembrião que represente ganho de peso Segundo Macari, a ciência avícola não tros produtos. para o recém-nascido, no final do proespera sair a publicação em uma reviscesso terei lucro." E exemplifica com ta para comunicar as inovações tecnoAplicação imediata - O projeto temátinúmeros: cada 10 gramas a mais em lógicas. "O que eu produzo, comunico co, iniciado há quatro anos, já resultou um pintinho representará 100 gramas em congressos, e a aplicação no campo em três dissertações de mestrado e três no final do sistema de produção. Para ocorre logo em seguida", diz. Por esse de doutorado e tem encerramento preuma avícola que produza 1 milhão de motivo, ele não tem como avaliar se os visto para março do ano que vem. O
Disputa acirrada pelo mercado mundial Os Estados Unidos dominam o mercado mundial de carne de frango, mas, a cada ano que passa, o Brasil tem ficado com uma fatia maior desse disputado comércio. Em 2000, os EUA ficaram com 48% desse mercado, e o Brasil com 17%, segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). No ano passado, a participação norteamericana manteve-se estável, 48%, enquanto a brasileira atingiu 21 %. Esse crescimento resultou da conquista de novos mercados na Europa, em função da doença da vaca louca e
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da febre aftosa, e também da ampliação dos embarques para a Rússia, motivada por uma política de exportações mais agressiva, capitaneada pelas empresas Sadia e Perdigão. Cerca de 80% da produção brasileira de frangos, hoje em torno de 600 mil toneladas mensais (perto de 300 milhões de cabeças), tem como destino o mercado interno. O restante vai para o Oriente Médio, a Europa e o Japão. No ano passado, o país embarcou 1,266 milhão de toneladas de carne de frango in natura e industrializada, o que representa crescimento
de 38% sobre o volume do ano anterior. A receita proporcionada atingiu US$ 1,292 bilhão, 60,3% superior à de 2000. Neste ano, segundo o secretário executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Pintos de Corte (Apinco), José Carlos Godoy, o Brasil tem mantido seus mercados e ampliado as vendas. Os dados disponibilizados pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex) mostram que no mês de fevereiro os embarques de carne de frango atingiram 108.743 toneladas, volume 20% superior ao do mesmo mês do ano anterior.
o controle
do estresse térmico
pode evitar a morte de 1 milhão de frangos por mês
frangos por mês, esse ganho de peso do embrião significa um lucro líquido substancial. projeto, o Macari conta também com parceiros internacionais que colaboram nos estudos, como Eddy Decuypere, da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica,e Frank Edens, da Universidade Estadual da Carolina do Norte. Decuypere, que trabalha no projeto desde o início, desenvolve uma parte da pesquisa na Bélgica e vem pelo menos uma vez por ano ao Brasil. Edens juntou-se à equipe quando o trabalho já estava em andamento. No Brasil, a pesquisa tem ainda a colaboração do professor Jesus Ferro, também da Unesp de Iaboticabal, do professor Luís Lehmann Coutinho, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), de Piracicaba; e de Elizabete Gonzales, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp de Botucatu. Eles utilizaram três linhagens de frango na pesquisa: Cobb 500, norteamericana e a mais usada comercialmente, Ross, de origem britânica, e a pescoço pelado, que tem maior tolerância ao calor devido às características genéticas. O sistema de incubação trabalhou com 120 a mil ovos e com mil a 1.200frangos em cada um dos 12 experimentos realizados no projeto.
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Nova metodologia - Para que o estudo possa ser considerado encerrado, segundo o coordenador, duas pendências precisam ser resolvidas. Uma é a forma de quantificar a proteína. O método utilizado até aqui é o Western Blot, mas a equipe está desenvolvendo uma nova metodologia baseada na técnica Elisa. "É uma técnica muito mais simples, rápida e permite trabalhar com volumes maiores", alega Macari. "E também queremos saber como o cérebro da ave se comporta numa situação de estresse. Principalmente como as áreas hipotalâmicas, que são os sistemas de controle de temperatura das aves, reagem:' Para fazer essa verificação utiliza-se a técnica de hibridização in situ, em que a ave é estressada, o cérebro é retirado imediatamente, congelado, cortado, e en-
o PROJETO Papel da Proteína de Choque Térmico no Desenvolvimento da Termotolerância em Frangos de Corte MODALIDADE
Projeto temático COORDENADOR MARCOS MACARI - Faculdade
de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (U nesp) - Jaboticabal INVESTIMENTO
R$ 205.387,51
e US$ 126.826,33
tão é feita uma reação histoquímica (estudo químico de células e tecidos) para identificar e analisar qual área está reagindo melhor. Macari defende que o conhecimento da fisiologia, bioquímica e imunologia da ave é fundamental para evitar o aparecimento de doenças e, conseqüentemente, o prejuízo. "Dessa forma, 70% dos problemas que aparecerem serão solucionados a tempo." O professor credita uma parte do sucesso da avicultura nacional ao nível técnico e entendimento dos profissionais que trabalham no setor. "Eles são muito bons", defende. "Isso se deve à formação que eles tiveram nas universidades brasileiras e também à inserção das empresas privadas no treinamento desse pessoal." Na avaliação de Macari, uma das maneiras de fazer esse conhecimento científico chegar aos interessados são os livros. Por isso, como diretor de publicações da Fundação Apinco de Ciência e Tecnologia (Facta), entidade vinculada à Associação Brasileira dos Produtores de Pintos de Corte (Apinco), dedica-se, em alguns casos, a compilar alentadas obras sobre o tema, mesmo que para isso precise trabalhar com textos de 57 especialistas brasileiros, como ocorreu no processo de edição do livro Doença das Aves, lançado em 2000. Para Macari, essa obra preencheu uma lacuna de 50 anos, porque o último livro brasileiro sobre o assunto havia sido lançado em 1950 pelo professor José Reis, pesquisador do Instituto Osvaldo Cruz, Instituto Biológico e decano da divulgação científica no Brasil. No final do mês passado, Macari lançou a 2" edição do livro Fisiologia Aviária Aplicada
a Frango de Corte.
Tanto nos livros quanto no trabalho de pesquisa, Macari alia ao conhecimento científico a preocupação em encontrar alternativas que favoreçam o sistema de criação de frangos. O resultado do seu projeto temático com embriões e frangos recém-nascidos é prova de que conseguiu encontrar uma solução simples para reduzir a mortalidade por estresse térmico nas aves em fase de crescimento sem onerar o sistema produtivo. • PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 75
• TECNOLOGIA
INFORMÁTICA
Saúde aum toque dos dedos Incor põe à disposição de qualquer hospital do país versão simplificada de software que armazena informações e imagens médicas de pacientes
Instituto do Coração (InCor), em São Paulo, entrou de cabeça na era da informática. Os tradicionais prontuários médicos, um amontoado de laudos, documentos e imagens de exames, agora são coisa do passado. Desde agosto de 2000, os pacientes internados no hospital passaram a dispor de um inédito prontuário eletrônico, uma eficiente plataforma integrada de dados que contém todo o histórico médico do paciente. Dentro de um ano, todas as 230 mil pessoas que passam em consulta no instituto também serão registradas no prontuário eletrônico. Em função do sucesso do sistemahoje pelo menos 20 mil pacientes da instituição já contam com prontuários eletrônicos -, está em desenvolvimento uma versão simplificada do prontuário, que estará em breve à disposição, sem custo nenhum, de qualquer hospital brasileiro que se mostre interessado. O prontuário é um software que permite captar e armazenar dados de texto, como a ficha do paciente, documentos e resultados de exames laboratoriais, assim como chapas de radiografia e ima-
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gens de exames complexos, como cineangiocardiografia (também conhecido como cateterismo, ou a verificação da dinâmica do sangue no coração), tomografia computadorizada, ressonância magnética, ecocardiografia e ultra-sonografia. E mais: até sinais vitais de pessoas internadas na instituição, como os registros da respiração, da pressão arterial, do eletrocardiograma e do consumo de oxigênio, podem ser vistos no sistema eletrônico em tempo real, permitindo o monitoramento do paciente a distância. O sistema, único no Brasil e com poucos similares no mundo, é resultado de um projeto temático financiado pela FAPESP. Iniciado em 1998, o projeto deverá ser finalizado em agosto deste ano. Ele envolve também o Instituto de Radiologia (Inrad), que, junto com o InCor e mais quatro institutos, faz parte do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). O pioneirismo do sistema do InCor pode ser percebido no artigo "Welcome do the (almost) digital hospital" [Bemvindo ao hospital (quase) digital], publicado na edição de março da revista
Spectrum, do Institute of Electrical and Electronics Engineers, que congrega 377 mil engenheiros de 150 países. Nele, a autora, Giselle Weiss, afirma que o Georges Pompidou European Hospital, de Paris, concebido para ser um modelo de medicina do século 21, ainda não está com seu prontuário eletrônico completo - eles ainda não conseguiram integrar imagens e sinais ao sistema. A reportagem noticia ainda o esforço de grandes companhias americanas, como a Orade (maior empresa mundial de banco de dados) e a HealthSouth Corp (maior provedora de serviços de saúde dos Estados Unidos), para construir um completo sistema digital para hospital, que só deverá ficar pronto no próximo ano. Segundo o engenheiro eletrônico Sérgio Shiguemi Furuie, diretor da unidade de Pesquisa e Desenvolvimento do Serviço de Informática do InCor e coordenador do temático, o novo prontuário traz grandes vantagens para médicos e pacientes. "Com ele, o clínico acessa rapidamente na tela de seu computador todas as informações médicas (laudos, dados laboratoriais e imagens) sobre o paciente': explica. Antes, era preciso pedir
o prontuário tradicional com pelo menos um dia de antecedência. "Se entre os examesconstasseo de hemodinâmica, o médico deveria dirigir-sea um setor específicopara consultar as imagens': afirma. Outra vantagem do novo sistema é a possibilidade de vários especialistas visualizarem a ficha do paciente ao mesmo tempo e em lugares distintos, dinamizando o atendimento. Referência cardiovascular - Os 10 mil pacientes internados todos os anos no InCor também saem ganhando, porque o prontuário eletrônicoelimina o riscode perda ou extravio de informações. Além disso, ao ter todas suas informações integradas num mesmo lugar, o paciente é atendido com maior agilidade e prontidão. O InCor dispõe de 503 leitos e são mais de 1,5 milhão de procedimentos (exameslaboratoriais, anamneses, radiografias, etc.) e 3.700 cirurgias realizados por ano. A instituição é o principal centro de referência de tratamento de doenças cardiovasculares do país. A criação e implantação do sistema recebeu a aprovação do corpo clínico do InCor. "O prontuário eletrônico fa-
cilitou muito a vida dos médicos", afirma Eulólio Martinez, diretor dó Serviço de Hemodinâmica do hospital. "A qualidade das imagens, assim como a velocidade de recuperação e a capacidade de armazenamento do sistema são excelentes:' A opinião é compartilhada por Alfredo José Mansur, diretor do ambulatório geral do hospital. "O registro documental em papel tornou-se cada vez mais complicado", conta. "O novo sistema adotado pelo InCor é fruto de uma evolução natural. Ele atende às necessidades dos pacientes e facilita operacionalmente a prática médica", afirma Mansur. O serviço será ainda mais eficiente dentro de alguns meses, quando os médicos estarão habilitados a consultar os prontuários de seus pacientes de fora do InCor - do consultório ou de casa e poderão receber resultados de exames laboratoriais menos complexos, que não envolvam imagens, por meio de telefones celulares com a tecnologia Wap (Wireless Application Protocol). "Já desenvolvemos essas conexões e agora estamos testando os protocolos de segurança': diz Furuie, que tem como
No InCor, as imagens captadas pelo tomógrafo são arquivadas, de forma automática, no prontuário do paciente
subcoordenador o professor Giovanni Guido Cerri, diretor do Inrad. Além disso, também se encontra em fase de testes a utilização de dispositivos móveis do tipo PDA (Personal Device Assistance) e redes sem fio para acesso total ao prontuário, incluindo sinais e imagens. "Atualmente, estamos utilizando duas tecnologias, uma baseada no protocolo Ethernet, com cobertura limitada às dependências do hospital, e outra utilizando a nova geração de telefonia celular (CDMA 2,5G), com cobertura na área metropolitana de São Paulo, explica o engenheiro eletrônico Marco Antônio Gutierrez, diretor da unidade de Suporte do Serviço de Informática do InCor e um dos pesquisadores do temático. Uma das principais inovações do novo prontuário do InCor quando comparado aos modelos existentes em outros hospitais é a capacidade de armazenamento de imagens tridimensioPESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 77
O prontuário ganhou renais e dinâmicas, como as gecursos para torná-lo seguro, radas pelos exames de hemoinviolável e confiável. O acesso dinâmica. Esse exame é um ao sistema só é permitido por procedimento para avaliação meio de uma senha fornecida do grau de obstrução nas coroa profissionais cadastrados. nárias e essencial para pacien"Desenvolvemos um complexo tes que vão submeter-se à cisistema baseado em perfis de rurgia para implantação de usuários", explica Gutierrez. pontes de safena. "Realizamos Um auxiliar de escritório, por em torno de 10 mil exames de exemplo, tem um perfil "j\' e . hemodinâmica por ano. E todos terá acesso restrito a determieles estão integrados ao pronnados dados do prontuário. tuário do paciente'; informa FuProfissionais de saúde podem ruie. Como cada um ocupa um ver outras informações, enespaço de 300 megabytes, foi quanto os médicos terão acespreciso criar no sistema uma so global ao prontuário. "Tocapacidade de armazenamento das as transações envolvendo Do tomógrafo para a mesa do médico: imagens do cérebro automatizado de mais de 3 mil o prontuário eletrônico ficam gigabytes (ou 3 terabytes) só registradas na memória do sispara as imagens. Elas permatema, de forma ser possível sanecem on-line por seis meses e ber quem acessou o prontuário, depois disso são guardadas por quando e por quanto tempo'; dois anos em fitas de alta veexplica Furuie. Quanto à conlocidade. "A visualização desfiabilidade, várias seções do ses exames continua automásistema foram colocadas em tica, mas o acesso demora um redundância (repetidas), com pouco mais, cerca de três miequipamentos funcionando nutos'; afirma Gutierrez. em paralelo para evitar a desA montagem da rede exicontinuidade do sistema caso giu a criação de uma sofisticaocorra alguma falha. Para gada infra-estrutura computarantir a inviolabilidade das incional, que foi construída a formações, o prontuário elepartir de 1995 com o apoio de trônico não permite que dados outras instituições, como a Fijá inseridos no sistema sejam nanciadora de Estudos e ProCineangiocardiografia: coronárias e a dinâmica do sangue apagados ou modificados. "Se jetos (Finep) e a Fundação houve qualquer tipo de erro, Zerbini, envolvendo toda a a alteração deve ser feita por meio de equipe de Informática e vários alunos desse padrão permite que equipamenuma retificação", explica Sérgio Furuie. de pós-graduação. O sistema operaciotos sofisticados como tomógrafos posAlém da criação e implantação do nal nos principais servidores é Linux e sam ser conectados diretamente à rede prontuário eletrônico, o temático da FApara transmissão automática dos exatoda consulta é baseada em tecnologia PESP também prevê o desenvolvimento mes. Aparelhos mais antigos que não Internet (web). Os servidores de bancos de um sistema que possibilite integrar eram dotados dessa tecnologia recebede imagens médicas para arquivamento todas as informações de um mesmo param uma interface para converter as dos exames dispõem de 700 gigabytes ciente arquivadas em diferentes unidades on-line em disco e mais 3,5 terabytes em imagens no formato padrão. do HC. É bom lembrar que o hospital é juke-box, uma espécie de arquivo integrado à rede. "Com essa infra-estrutura, composto por seis grandes institutos e PROJETO três hospitais auxiliares. A idéia é criar temos capacidade de transmitir de maAmbiente Distribuído para uma ampla rede onde as informações neira eficiente exames como os de hea Transmissão, Arquivamento, médicas sobre os pacientes trafeguem limodinâmica com até 30 quadros por Processamento e Visualização vremente. "Por meio de uma interface segundo", afirma Gutierrez. de Imagens Médicas comum, queremos fazer uma integração O arquivamento de imagens no MODALIDADE entre as diferentes bases de dados, resprontuário eletrônico só foi possível com Projeto temático peitando as especificidades de cada sisa adoção de um padrão internacional tema", diz Furuie. O primeiro protótipo para transmissão e armazenamento de COORDENADOR desse modelo de integração de dados esimagens médicas chamado Dicom (DiSÉRGIO SHIGUEMI FURUIE - InCor tá sendo montado para permitir a troca gital Imaging and Communications in INVESTIMENTO de informações entre os prontuários do Medicine ou Comunicação e ImageaR$ 754.614,00 e US$ 65.000,00 InCor e do Instituto de Radiologia. • mento Digital em Medicina). A escolha !
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• TECNOLOGIA
ENGENHARIA
DE PRODUÇÃO
o poder de compra É cada vez maior a influência das montadoras sobre os fornecedores de auto peças oS últimos dez montadoras. Em 1999, anos, 12 plantas apenas 19%do faturamenindustriais para to do setor de autopeças a produção de veículos veio do mercado de repoautomotores foram conssição, por exemplo. O setruídas e estão em operagundo fator está relacionado à regulamentação do ção no Brasil. Esse fato, aliado às mudanças estrumercado. A abertura ecoturais dos fabricantes em nômica e o Regime Autotodo o mundo, gerou nomotivo, introduzidos nos vos comportamentos enanos 90 no Brasil, possitre as montadoras e seus bilitaram a importação de fornecedores de autopepeças pelas montadoras. As compras internacionais ças.Hoje, a influência das montadoras é maior e do setor saltaram de US$ mais decisiva, especial708,2 milhões em 1989 mente sobre aqueles de para US$ 3,64 milhões capitalnacional, de menor em 1999 e um número Fábrica da Volkswagen em São Carlos: proximidade facilitou o estudo porte e com menor capamaior de fornecedores inseus fornecedores e como essas emprecidade tecnológica. E isso ocorre mesternacionais instalou-se no Brasil passas organizam a produção. É um trabamo com o incremento de novos prosando a seguir seus clientes principais. lho exploratório, mas que apresenta alcessos de produção, que priorizam a O terceiro fator está relacionado à próterceirizaçãoe uma maior integração enguns resultados gerais concretos, como pria estratégia de produção das montaa maior influência das montadoras sotre montadoras e seus fornecedores. doras, que em grande medida determibre seus fornecedores, motivada por A principal característica desses nona tanto o ritmo quanto a qualidade e a três fatores levantados pela equipe. O vos modelos de produção é a redução tecnologia de seus fornecedores. primeiro está relacionado a uma caracdo número de fornecedores diretos. Fato Para realizar suas análises, a equipe terística do mercado. As empresas de que, a princípio, poderia representar um da UFSCar estudou todo o mercado autopeças dependem das compras das aumento do poder de barganha dos forbrasileiro, mas aproveitou-se da proxinecedores de autopeças. Mas isso não midade física para acompanhar de ocorre."São as montadoras que lideram perto a relação entre a Fábrica de MoPROJETO tores da Volkswagen instalada em 1996 as relações comerciais neste mercado': Consórcio Modular e seus Impactos diz Alceu Gomes Alves Filho, professor na cidade de São Carlos e dez de seus na Cadeia de Suprimentos da do Departamento de Engenharia de fornecedores de peças. Pôde observar, Fábrica de Motores VW-São Carlos Produção da Universidade Federal de por exemplo, que a influência da monSão Carlos (UFSCar). Ele coordena um tadora está relacionada não apenas aos MODALIDADE Projeto temático grupo de estudo interdisciplinar com o preços como também ao desenvolviobjetivo de analisar a organização da mento tecnológico e ao processo proCOORDENADOR produção da indústria automobilística dutivo. "Mesmo os grandes fornecedoALCEU GOMES ALVES FILHO instalada no país. res, que teoricamente relacionam-se Departamento de Engenharia com as montadoras de igual para igual, de Produção da U FSCar Estratégia mundial - Os principais fopossuem suas estratégias comerciais INVESTIMENTO cos da equipe são entender como evobastante atreladas às das montadoras", R$ 94.520,00 luem as relações entre as montadoras e diz Alves Filho. •
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• TECNOLOGIA
Detalhe do anel de proteção da turbina que foi usinado nas oficinas da Wotan
ENGENHARIA
METALÚRGICA
Alto desempenho Empresas gaúchas produzem máquinas de usinagem para indústria americana TÂNIA
MARQUES
esde janeiro último, o Boeing 777, um dos jatos mais modernos da aviação comercial, embute tecnologia desenvolvida no Brasil. Naquele mês, a Wotan, fabricante de máquinas operatrizes com sede em Gravataí (RS), embarcou para os Estados Unidos dois centros de usinagem de alto desempenho concebidos para reduzir o tempo de fabricação do anel de proteção da turbina da aeronave. Com esse equipamento, o período
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para a produção dessas peças caiu de 67 horas para apenas 20 horas, sem perda de qualidade. Os centros de usinagem foram vendidos para a GKN Aerospace Chemtronics, de San Diego, no Estado da Califórnia, que fornece a turbina para a Rolls- Royce. O valor do negócio: US$ 2,5 milhões. "Concorremos com empresas de fornecedores de máquinas dos Estados Unidos, Alemanha e Japão': diz Nelson Batista, diretor da Wotan. Com 2,8 metros de diâmetro, o anel de proteção da
turbina impede que os componentes, por um problema mecânico qualquer, soltem-se e se desloquem, explica ele. O motor de um avião gira a 10 mil rotações por minuto (rpm) e, a essa velocidade, se houver um problema e uma peça escapar, ela pode ir de encontro ao corpo do avião como um tiro. Os centros de usinagem fornecidos pela Wotan são únicos em sua categoria. Com oito eixos de movimento - o padrão da indústria é de no máximo cinco -, têm capacidade para usinar 2,5
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metros por minuto, a partir de múltiplos ângulos. E são enormes: têm 6 metros de largura por 3,5 metros de altura, o que exigiu seis contêineres para o embarque. Mas é na inteligência que reside o seu diferencial. "O coração do sistema é o software de controle", comenta Batista. "É ele que produz o processo:' O programa foi adaptado às necessidades da Wotan pela SKA, de São Leopoldo (RS).
~ muito grande, acelerasse os movimentos das máquinas para garantir uma redução de mais de 60% no tempo de usinagem, esclarece Koelln. O aumento das variáveis deve-se ao fato de os centros de usinagem da Wotan terem oito eixos, o que significa que podem girar a partir de oito posições básicas para trabalhar múltiplas faces do anel de proteção da turbina do Boeing. O resultado foi tão bom que a Wotan agora planeja implantar um programa de treinamento e Mercado internacional - A história do envolvimento da Wotan acompanhamento de projetos na área de CAM, com uma série com o Brasil é singular. Fundade cursos ministrados pela SKA. da em Leipzig, Alemanha, em Entre os clientes da softwa1882, estabeleceu-se aqui em re house estão, por exemplo, a 1975, tornando-se, três anos depois, a primeira fabricante de Marcopolo, fabricante de carmáquinas computadorizadas da rocerias para ônibus; a Siemens, América Latina. A subsidiária gigante alemã com atuação nos brasileira acabou conquistando segmentos de telecomunicações, energia, automação industrial e um nível de sucesso nos negóequipamentos médicos; e a Aracios que superou o da matriz e cruz Celulose, para a qual a SKA é, hoje, a única unidade produEquipamento ganhou software de controle mais eficiente desenvolveu um programa estiva da companhia, em todo o pecial para a digitalização do acervo de mundo. Em 1999, a Wotan tornou-se para a GKN acompanhou o desenvolempresa de capital norte-americano, e documentos técnicos. vimento do software, trabalhando com seus escritórios centrais foram transfeA SKA registrou faturamento de R$ a SKA, que distribui ferramentas-pa6,5 milhões em 2001. A empresa, que ridos para a cidade de Indianápolis, no drão de Computer Assisted Design (CAD, Estado de Indiana. "Nossa base instalanasceu como empreendimento de um projeto assistido por computador) e da no país é de 1.400 máquinas", diz homem só, hoje tem 43 empregados, Computer Assisted Manufacturing (CAM, Batista. Nos Estados Unidos, o número dos quais 22 se concentram na área técmanufatura assistida por computador) é de aproximadamente 1.300, e na Alenica, fornecendo, além de desenvolvie desenvolve aplicações de engenharia manha, de 800. No Brasil, a Wotan formento de projetos especiais, serviços de de projeto e manufatura com base neconsultoria, especificação, implantação nece para a Embraer, montadoras de las. "Sem um bom software, não teríaveículos automotores, Petrobras e para e treinamento. Koelln é membro da comos como oferecer um ganho de proo setor siderúrgico. missão de implantação do Pólo de Indutividade tão grande no processo, que formática de São Leopoldo, vinculado Batista, que não revela o faturamenfoi, ao lado do preço ofertado, o fator to da Wotan, afirma que as exportações ao Centro de Ciências Exatas e Tecnodeterminante para vencermos a conrespondem por 30% da receita. "Nossa lógicas da Universidade do Vale do Rio corrência", afirma Batista. dos Sinos (Unitec/Unisinos), que se tormeta é aumentar essa participação para pelo menos 40% até o fim deste ano", nou realidade em 1999. A SKA, que por Projetos personalizados - Altamente anuncia. Segundo ele, o fornecimento dois anos operou no Parque Tecnológiespecializada, a SKA está acostumada a co da Unitec/Unisinos, transferiu-se papara a GKN Aerospace Chemtronics desenvolver programas em colaboração ra a sede própria em 2001. está abrindo portas no mercado, particom os clientes. "Dificilmente um procularmente nos Estados Unidos. "ReceO Pólo de São Leopoldo, que tamjeto se parece com outro, e ter dois bemos mais de 15 pedidos de cotação, bém tem uma incubadora de empreeniguais é quase impossível': diz Siegfried inclusive da Marinha e do setor aeroesdimentos de base de tecnológica, está Koelln, diretor da empresa, fundada por pacial norte-americanos." criando um centro de excelência em enele em 1989. O trabalho para a Wotan genharia de software, o ESICenter UnisiO projeto envolveu mais de 20 enutilizou a plataforma EdgeCAM, da brigenheiros e técnicos, por cerca de dez nos, para qualificar profissionais da área tânica Pathtrace, um dos líderes munmeses. A subsidiária brasileira da Wode desenvolvimento de programas. A diais no segmento de manufatura assisiniciativa é uma aliança entre a Unisitan emprega 250 pessoas, das quais 230 tida por computador. atuam em áreas técnicas ou de produnos e o Instituto Europeu de Software A maior dificuldade foi desenvolver ção. Boa parte dos profissionais que se (ESI), de Bilbao, na Espanha. Certaum sistema de programação que, além dedicaram ao equipamento fornecido mente, novos vôos estão a caminho. • de dar conta de um número de variáveis PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 81
HUMANIDADES I CAPA SOC I O LOG IA- PO LÍTI CA
o perfil partidário brasileiro Pesquisa revela que quadro partidário é consistente com a composição sócio-ocupacional das bancadas parlamentares
CLAUDIA
IZIQUE
ngana-se quem pensa que o quadro político-partidário no Brasil é fragmentado e frágil, sem consistência ideológica ou programática. Ao contrário: ele tem contornos nítidos e congruentes com a sua representação parlamentar. Uma radiografia da composição sócio-ocupacional dos membros da atuallegislatura na Câmara dos Deputados (1999-2003), realizada por Leôncio Martins Rodrigues, com o apoio da FAPESP, demonstrou que os partidos são fortes, estruturados e bem enraizados na sociedade. Prova disso é que nas eleições de outubro de 1998 a origem e o status sócio-econômico do candidato tiveram peso na escolha da legenda. A pesquisa, cujos resultados serão publicados pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), em junho, com o título Partidos, Ideologia e Com-
E
82 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
posição Social, analisou as ocupações e profissões dos parlamentares das bancadas dos seis maiores partidos com representação na Câmara dos Deputados: PFL, PSDB, PMDB, PPB, PT e o PDT. "Para evitar perda de tempo com um debate não essencial para o estudo", justifica Martins Rodrigues, os partidos foram agrupados de acordo com a sua orientação ideológica a partir de critérios comumente utilizados por grande parte dos pesquisadores e pela mídia: PFL e PPB, à direita; PSDB e PMDB, no centro; e PT e PDT, à esquerda. "Esperávamos encontrar, como de fato aconteceu, proporção significativamente diferente de grupos ocupacionais no interior das bancadas partidárias", afirma. Os dados revelaram que os partidos de direita tendem a recrutar seus representantes nas camadas de renda mais alta, entre empresários e altos fun-
cionanos da administração pública; nos partidos de esquerda prevalecem os assalariados de classe média e professores, e os partidos de centro, apesar de mais heterogêneos, são formados, principalmente, por profissionais liberais, executivos e diretores de empresa. Sociologia política dos partidos - Martins Rodrigues, que é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), já tinha observado a consistência ideológica das bancadas na Câmara dos Deputados, em 1987, quando realizou uma análise sócio-política dos partidos e deputados que, na época, integraram a Assembléia Nacional Constituinte. Os resultados deste estudo estão publicados em Quem É Quem na Constituinte. Na pesquisa sobre a atuallegislatura, a grande novi-
Pesquisa analisa os seis maiores partidos na Câmara dos Deputados: PFL, PSDB, PMDB, PPB, PT e PDT
dade está na metodologia da coleta de dados. "No meu primeiro estudo, os próprios parlamentares indicavam suas profissões ou ocupações. Agora, o grande trabalho de pesquisa foi localizar as ocupações e profissões dos deputados': ele conta. As informações sobre os parlamentares dos partidos selecionados foram retiradas da publicação Deputados Brasileiros 1999-2003 - Repertório Biográfico, editado pela própria Câmara dos Deputados; do Dicionário de Política Brasileira, da Fundação Getúlio Vargas; e de uma análise cuidadosa de 401 declarações de bens que os então candidatos apresentaram aos Tribunais RegionaisEleitorais de seus Estados. "Essas informações de patrimônio são públicas e acessíveis a quaisquer interessados': ele ressalva. As ocupações/profissões foram, a partir daí, classificadas
pela carreira do parlamentar. "Fiz uma espécie de modelo para padronizar a coleta de dados. Há uma matriz de classificação que me permitiu observar a congruência entre as informações das várias fontes. O principal critério foi a última profissão declarada antes de o candidato entrar para a política, desde que ele tivesse tido um exercício efetivo."Esse padrão de classificaçãopermitiu' por exemplo, identificar os parlamentares recrutados na administração pública federal e estadual e os professores, duas categorias que geralmente não aparecem nas pesquisas e que, como ele constatou, têm papel preponderante na composição das bancadas da Câmara. Essa metodologia de pesquisa provou ser estratégica para a tarefa a que ele se propunha. "Mais do que ciência política, eu queria fazer uma sociologia política dos partidos brasileiros:'
A análise sócio-ocupacional das bancadas revelou o perfil dos seis maiores partidos políticos brasileiros. No PPB e no PFL, os empresários constituem a categoria predominante (68% e 61%, respectivamente). No PFL também é forte a presença de parlamentares recrutados na alta burocracia federal e estadual. As duas legendas têm seus integrantes nas faixas patrimoniais mais altas. O perfil sócio-econômico do PMDB é menos nítido. A fração de empresários é predominante, mas não majoritária, e a proporção de profissionais liberais, de deputados que exerciam profissões intelectuais e de professores também é elevada. Por outro lado, a proporção de peemedebistas na faixa de alto patrimônio (16%), apesar de ocupar o terceiro lugar entre os partidos analisados, está muito distante do PFL (29%) e PPB (22%). "Essa distribuição de forças entre categorias sócio-ocupacionais sugere, em comparação com outros partidos, uma organização com mais dificuldades para a definição de interesses, manutenção da coesão ideológica, da disciplina interna e com mais conflitos entre suas facções",avalia Martins Rodrigues. A composição social dominante no PSDB é formada pela intelectualidade de renda alta e setores empresariais preponderantemente urbanos que, apesar de minoritários, têm papel importante na composição da bancada na Câmara dos Deputados. "Asparcelas da intelligentsia que, nesses últimos anos, ascenderam política, econômica e socialmente estão unidas a uma fração de classes empresariais ilustradas", explica. Mas a facção intelectual é predominante e parece dar o tom ao partido, ressalva. A intelectualidade também é a categoria sócio-ocupacional predominante PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 83
no PT. Nesse caso, ela aparece com uma fração importante, Principais profissões/ocupações agregadas por partido apesar de minoritária, das classes populares, aqui definida como Cámara dos Centro Esquerda Direita sendo formada por trabalhadoOcupações/profissões res, empregados não manuais e PFL PPB PMDB PSDB PDT PT Deputados lavradores. Praticamente não Empresários 68,4 60,9 46,9 há empresário no conjunto da 20 43,5 38A 3A bancada do partido. "A compoProf. liberais 22,9 18,3 28,9 31,3 52 27,1 25A sição dominante estaria integrada pela intelligentsia e por setoSetor público 15,0 23,8 22,9 19,3 12 17,5 3A res das classes trabalhadoras Magistério 9,6 15,6 16,2 20 33,9 15,8 6J que ascenderam por intermédio dos sindicatos - geralmente dos Total 105 60 83 99 25 59 513 metalúrgicos - e empregados não manuais - geralmente bancários': afirma Martins Rodrigues. A análise dessas categorias Distribuição Interpartidária do Patrimônio sociais, do ponto de vista do patrimônio, sugere que a intelMédio-baixo Médio-alto Baixo Alto ligentsia petista, diferentemente Partido patrimônio patrimônio patrimônio patrimônio N° da tucana, tem origem nas ca(. de R$ 200 mil) (de R$ 200 a R$ 500 mil) (de R$ 500 a R$ 2 milhões) (mais de R$ 2 milhões) madas mais baixas e nas classes PT 51 19,6 médias relativamente cultas. 80A "Trata-se, portanto, de grupos POT 22 40,9 31,8 9,1 com marcada incongruência de 16,1 PMOB 62 19,3 24,2 status antes da ascensão para a classe política, o que explicaria PSOB 84 20,2 30,9 35,7 13,1 a preferência por um partido PFL 70 12,8 24,3 34,3 28,6 de esquerda e a aliança com setores das classes trabalhadoras PPB 51 9,8 23,5 45,1 21,6 em ascensão': ele analisa. Outros 61 31,1 31,1 23,0 14,8 A bancada do PDT é forFonte: Declaração de Imposto de Renda- TREs mada por poucos empresários. Nenhum de seus parlamentares foi recrutado nas classes trabalhadoras e A avaliação dos níveis de escolarichances de chegar à Câmara dos Depuum número inexpressivo é de ex-funtados. Do total das bancadas analisadas, dade dos parlamentares reforça a cacionários do setor público. A composiracterização dos seis partidos. Pelo meapenas 4% não completou o segundo ção social dominante é formada por um nos 82% dos deputados têm curso grau. "Os partidos mais à esquerda, grupo de profissionais liberais seguido superior, dado que, na avaliação de comparativamente, têm mais parlade um pequeno grupo de empresários Martins Rodrigues, indica que as pesmentares com mestrado e/ou doutoraurbanos. soas de baixa escolaridade têm poucas do completo do que os partidos de di-
Um jogo delicado Para Martins Rodrigues, as coligações não são aleatórias. Na maioria das vezes são feitas entre partidos com alguma afinidade ideológica
84 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
Lula, do PT, e Brizola, do PDT: aliança à esquerda
A coligação entre o PSDB e o PFL elegeu, por dois mandatos, o presidente Fernando Henrique Cardoso e seu vice, Marco Maciel
Distribuição dos blocos ideológicos nas regiões e na Câmara dos Deputados (todas as legendas) Região Blocos Norte
Nordeste
Direita
41,S
41,1
Centro
41,S
41
Esquerda
17
17,9
Total na Câmara dos Deputados
Sul
CentroOeste
33,S
31,2
31,7
36,1
40,2
41,S
53,7
42,1
26,3
27,3
14,6
21,8
100
100
100
100
Sudeste
Instrução por partido (%) Instrução 10 grau incompleto 20 grau incompleto
Superior
PPB
PFL
PMOB
PSOB
POT
PT
1,7
2,9
2,4
2,0
4,0
8,5
10
5,7
6
5,1
4,0
3,4
3,3
5,7
7,2
8,1
68,3
79
71,2
71,7
6,7
4,8
9,6
11,1
10
1,9
3,6
2,0
a
incompleto
Superior completo Mestrado
13,6
ou
doutorado completos Sem informação
reita', ele diz. O PT tem a maior porcentagem de deputados com pós-graduação e, contraditoriamente, o que tem a maior proporção de parlamentares com mais baixa escolaridade. ''A discrepância na formação dos parlamentares petistas pode ser explicada pela
o PPB
de Paulo Maluf "tentou passar por cima das velhas elites"
12,0 13,6 4,0
5,1
forte presença, por um lado, de professores em sua bancada e, por outro lado, pelo número de trabalhadores manuais qualificados e trabalhadores com baixa escolaridade", explica. O PPB, que reúne a maior proporção de empresários e de deputados com
patrimônio elevado, é o segundo partido, depois do PT, em porcentagem de parlamentares sem curso superior. É interessante registrar que, em todos os seis partidos, a proporção de deputados formados em Direito é muito maior do que a dos que possuem outros diplomas de nível superior. Renda e status - Os partidos também são diferentes quando se leva em conta o patrimônio declarado de seus parlamentares. Martins Rodrigues analisou a declaração de bens de 401 dos 503 deputados. "Não se trata de uma amostra, já que seis unidades da Federação ficaram excluídas", adverte. Os dados, no entanto, sugerem tendências. Mais da metade dos 401 deputados está na faixa de médio-baixo (de R$ 200 mil a menos de R$ 500 mil) e baixo patrimônio (menos de R$ 200 mil). Na faixa de alto patrimônio foram enquadrados 16% do total dos parlamentares. Também nesta análise ele observa que, conforme se vai da direita para a esquerda do espectro ideológico, a porcentagem de deputados nas faixas de valor patrimonial mais elevado tende a decrescer no interior das bancadas. O PFL e PPB, que têm bancadas expressivas de empresários, têm mais deputados nas faixas superiores de patrimônio. Os partidos com menos empresários, observa, têm proporção mais baixa de parlamentares com patrimônio elevado, como o PMDB e o PSDB. E os partidos com insignificante representação empresarial reúnem deputados com patrimônios mais baixos. "Sob esse enfoque, e de modo caricatural, PFL e PPB seriam a 'classe alta' dos partidos; PMDB
o PMDB,
de Ulysses Guimarães: um partido de centro, hoje de tamanho médio
PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 85
o
PT avança no campo da esquerda, em detrimento do PDT; crescimento do PSDB é forte e constante
e PSDB, a 'classe média'; e o PDT e o PT, a 'classe baixa' :' Ele ressalva, porém, que o PDT, sob o prisma patrimonial, está mais próximo do PSDB e PMDB do que do PT, o que sugere uma conceituação do PDT como centro-esquerda. Martins Rodrigues também observou que o montante do patrimônio dos deputados tende a crescer com o tempo de casa: 41% dos parlamentares com baixo patrimônio estavam na primeira legislatura federal. No outro extremo, 31% dos que tinham quatro ou mais legislaturas estavam na faixa de alto patrimônio. "Há muitas indicações, embora não oferecidas por esta pesquisa, de que a própria atividade política, mesmo quando exercida segundo todos os cânones da respeitabilidade e decência, possibilita não apenas aumento do poder, da influência e do status, mas também da renda e do patrimônio': ressalva. Lutas políticas - O conjunto dos dados analisados mostra que os seis partidos não são iguais entre si, não apenas quanto à ideologia, mas também quanto aos segmentos sociais neles representados. "Essa face sociológica permite di86 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
zer que os conflitos partidários e as lutas políticas na Câmara dos Deputados têm coeficiente elevado de correspondência com as composições sociais dos partidos." artins Rodrigues, ao longo de todo o trabalho, dialoga com autores brasileiros e brasilianistas, questionando avaliações pessimistas que afirmam, por exemplo, que o sistema partidário brasileiro é marcado pela indisciplina, infidelidade partidária e por coligações descabidas. Apóia-se em pesquisas recentes para afirmar que as coligações, por exemplo, não são aleatórias. "Na maioria das vezes se fazem entre partidos com alguma afinidade ideológica: partidos de direita entre si; partidos de direta com partidos de centro-esquerda; partidos de esquerda entre si e partidos de esquerda com partidos de centro-esquerda:' Na pesquisa, Martins Rodrigues, que é professor-titular aposentado de Ciência Política da Universidade de São Paulo, foi mais longe: analisou a com-
posição socioeconômica das bancadas de todos os 18 partidos com representação na Câmara dos Deputados, do ponto de vista das regiões e Estados que elas representam. "Há muitas diferenças quanto aos níveis de modernização das regiões do país e quanto às configurações políticas regionais': justifica. O pressuposto era de que, nas áreas com níveis mais baixos de modernização e desenvolvimento, as camadas altas representam a parcela majoritária da classe política. Mas a relação entre graus de modernização e composição da classe política local revelou-se mais complexa. Ele constatou, por exemplo, que o grupo empresarial tem mais peso no Sul do que no Sudeste, embora essa região seja mais desenvolvida e modernizada. "O fator determinante é a força da cada partido na região e nos Estados': afirma. E explica: se um segmento ocupacional é expressivo num partido, e o partido é forte na região, esse segmento ocupacional tenderá também a ser bastante representativo na bancada da região ou do Estado. No Norte Novo, como ele qualifica a região formada pelos Estados do Acre,
No bloco da direita, o PFL parece estar vencendo o embate com o PPB
Roraima, Amapá, Rondônia e Tocantins, os empresários representam a metade da bancada, seguidos de grupos formados por ex-funcionários públicos. No Norte Antigo, Amazonas e Pará, prevalecem os empresários. No Nordeste, apesar de matizes regionais, os empresários também constituem o grupo de maior peso e é essa a região que tem participação mais elevada dessa categoria de ocupação na Câmara dos Deputados. No conjunto das bancadas, não há nenhum deputado recrutado nas classes trabalhadoras. Na região Sudeste, a bancada com maior proporção de empresários é a de Minas Gerais. Na representação mineira também chama a atenção o número de deputados federais que foram diretores de bancos estatais e o fato de a bancada não contar com nenhum representante das classes trabalhadoras. A bancada paulista é formada por 40% de empresários e possui a maior proporção de deputados professores. O Rio de Janeiro reúne o maior número de representantes egressos do setor público. No Espírito Santo, as frações majoritárias são as dos empresários e profissionais liberais.
!
Nos Estados do Sul é baixa a proporção de parlamentares egressos do setor público, e a bancada com maior representação de empresários { a do Paraná. Em Santa Catarina, é expressivo o número de deputados que exerciam, antes do mandato, profissões liberais tradicionais e, no Rio Grande do Sul, o destaque é para o número de exprofessores. E no Centro-Oeste, quase a metade dos deputados são ou foram empresários. O exame das diferenças regionais nas composições socioeconômicas das bancadas mostra um quadro complexo que, como ele diz, "não é diretamente dedutível dos níveis de desenvolvimento econômico e da modernização 10cais." Mas os níveis de desenvolvimento econômico e de modernização podem contribuir, preservada a prudência, para a compreensão do desempenho dos partidos e blocos ideológicos nas diferentes regiões. Os partidos mais à direita tendem a obter melhores resultados nas regiões menos desenvolvidas, no caso o Norte e o Nordeste. E os partidos de centro e de esquerda tendem a conseguir melhores resultados nas re-
giões mais modernizadas, especialmente no Sudeste. "O aspecto que mais chama a atenção, quando se focaliza a força regional de cada partido, medida pela proporção de cadeiras obtidas em cada área, é a preponderância absoluta do PFL no Norte e Nordeste. Dessas regiões vieram 44% dos parlamentares pefelistas'; observa Martins Rodrigues. No Sudeste, o desequilíbrio na força dos partidos não é tão forte: PPB, PMDB, PSDB e PT têm, nas suas bancadas na Câmara dos Deputados, mais de 40% das cadeiras ocupadas por representantes dessa região.
Metodologias - Martins Rodrigues avalia a dimensão da influência regional dos partidos políticos utilizando diferentes metodologias, de forma a eliminar vieses de análises decorrentes do tamanho das circunscrições e das diferenças na proporção dos deputados por região. Confirma a posição preponderante do PFL no Norte e Nordeste; do PSDB no Sudeste e do PMDB no Sul, seguido de perto pelo PPB e PT. No Centro-Oeste, os melhores resultados ficaram com o PMDB e o PSDB. PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 87
J
o
número de partidos na Câmara dos Deputados deve cair, apesar da persistência dos pequenos
Performance eleitoral - Martins Rodrigues vai ainda mais longe: avalia comparativamente o desempenho das seis legendas ao longo das três últimas eleições e dessa análise destaca aspectos significativos. O PSDB e o PT foram os dois partidos que tiveram crescimento mais forte e constante. Também foi constante, ainda que menor, o crescimento das bancadas do PFL na Câmara. Os dados registraram um pequeno declínio do PPB e um forte e constante declínio do PMDB e PDT. "Vê-se que, coincidentemente, houve crescimento de cada uma das legendas de uma das tendências ideológicas - direita, centro e esquerda -, ou seja, do PFL, PSDB e PT. Os outros partidos desses mesmos campos ideológicos perderam espaço parlamentar': observa. Os resultados sugerem que, na consolidação do sistema partidário brasileiro, cada um dos três campos ideológicos ameaça ser ocupado por um só partido. 88 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
!
No bloco da direita, o PFL parece estar vencendo o embate com o PPB. "Ambos são partidos formados majoritariamente por empresários. Mas o PPB de Paulo Maluf, em São Paulo, formado por uma nova elite de empresários, tentou passar por cima das velhas elites com tradição na atuação política e aca-
o PROJETO A Composição Social da Liderança de Seis Partidos Brasileiros MODALIDADE
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bou por não ter uma implantação forte nas elites tradicionais': analisa. No bloco da esquerda, ponto para o PT. "O partido nasceu com uma base sindical forte e hoje é uma espécie de democracia cristã da esquerda. Os militantes egressos dos pequenos partidos de esquerda também ajudam o PT a crescer. Já o PDT não teve base sindical. Hoje, há um processo de massificação e fortalecimento dos sindicatos e o PT foi o canal de representação dessa categoria." Na conclusão deste capítulo, arrisca um prognóstico: consolidação do PMDB como partido de tamanho médio; continuação do declínio do PDT; consolidação da supremacia do PFL no campo da direita; ligeiro declínio do PPB; crescimento do PSDB; avanço do PT no campo da esquerda, em detrimento do PDT.Acredita ainda na redução do número de partidos efetivos na Câmara dos Deputados, apesar da persistência dos pequenos partidos. •
• HUMANIDADES HISTÓRIA
A inusitada porção americana da US p Estudo relata a importância da Fundação Rockefeller na canso Iidação do modelo acadêmico brasileiro uma á parte da história da fundação da Universidade de São Paulo (USP) e da consolidação do modelo acadêmico vigente no Brasil que até hoje não é conhecida pela maioria das pessoas nem tampouco contemplada pela literatura oficial. Os livros clássicos contam que a USP foi criada em 1934 por decisão do então governador do Estado de São Paulo, Armando de Salles Oliveira, e teve como mentor intelectual Júlio Mesquita Filho, símbolo da elite paulistana daquela época. A universidade congregou escolas já existentes, como a Faculdade de Direito (criada em 1827), a Escola Politécnica (de 1891) e a Faculdade de Medicina (de 1912). A novidade era a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que contava com ilustres e renomados profissionais trazidos da França, Itália e Alemanha para dar aulas na nova instituição. A atuação desses estrangeiros ligados às ciências humanas, sobretudo os franceses, ficou marcada como fundamental para a consolidação da pesquisa acadêmica brasileira. O que se ignora, é que, muito antes dos europeus, os norte-americanos da Fundação Rockefeller já haviam se associado à Fa-
culdade de Medicina de São Paulo para desenvolver ali uma escola, cujo modelo se tornaria referência mundial e se disseminaria para todas as outras escolas do país. "A história diz apenas que a universidade foi criada baseada em modelos franceses, que são realmente os que regem as humanidades. Mas nas ciências biomédicas essa história é diferente", explica a professora Maria Gabriela Marinho, autora do livro Norte-americanos no Brasil - Uma
H
História da Fundação Rockefeller na Universidade de São Paulo (1934-
1952). "Havia outro grupo importante dentro da universidade, diretamente associado à filantropia científica e que deu outro sentido à ciência, que até então era vista como um ornamento da elite brasileira."
John Rockfeller com sua mulher, Martha: riqueza vista como concessão divina que deveria ser retribuída
Força poderosa - O livro de Maria Gabriela é resultado de sua tese de doutorado, defendida em 1999, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. A FAPESPapoiou a publicação do estudo com financiamento de R$ 3,5 mil. A professora já estudou a atuação da Fundação Rockefeller no Brasil em sua tese de mestrado, defendida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Na primeira parte estudei a chegada da fundação PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 89
no Brasil e o início de sua atuação na Faculdade de Medicina", diz ela. "No doutorado, me concentrei em analisar como a atuação da Rockefel1erinfluenciou a formação da USP." A professora explica que o papel da Rockefeller no Brasil não pode ser ignorado, pois foi uma força poderosa que acelerou o desenvolvimento de várias áreas já contempladas com iniciativas locais, que se implementavam em ritmo muito lento. A entrada dos investimentos da fundação norteamericana deu ritmo a essas iniciativas e disseminou entre as elites dominantes da época uma concepção diferente da ciência, como uma força social incorporada às práticas públicas. ''A atuação da fundação é uma vertente pouco estudada e extremamente importante do processo de institucionalização da ciência no Brasil", diz a professora. Filantropia - Para entender a dimensão da participação dos norte-americanos na formação do modelo acadêmico brasileiro é preciso entender o funcionamento da filantropia científica promovida pela família Rockefeller. Proporcionalmente, a família pode ser considerada a mais rica que já existiu no mundo até hoje. A fortuna que os Rockefeller acumularam é superior à de Bill Gates, hoje em dia. Os negócios da família eram ligados ao petróleo e às minas de carvão, em um momento de afirmação do petróleo como combustível em todo o mundo. A fundação existe oficialmente desde 1913, mas suas primeiras ações filantrópicas datam de 30 anos antes disso. O magnata Iohn Rockefeller era batista e, dentro de sua lógica protestante, entendia a riqueza como uma concessão divina que ele deveria retribuir sendo caridoso. No início do século 19,as ações do magnata ainda não assumiam grandes proporções. À medida que sua fortuna foi crescendo, as doações cresceram proporcionalmente. Perto do final do século, Rockefeller convocou um ministro da Igreja Batista para tornar o seu empreendimento filantrópico empresarial. A primeira grande ação da já institucionalizada Fundação Rockefeller foi destinar recursos para a criação da Universidade de Chicago. Durante 30 90 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
anos, a fundação manteve o financiamento da universidade. Nesse período, os Rockefeller ainda financiaram várias ações isoladas, como pesquisas médicas e um grande programa de combate a um surto de amarelão no sul dos Estados Unidos. Essa campanha foi um sucesso e contribuiu para associar o nome da fundação às questões da saúde pública. O pensamento que marcou a atuação da Rockefeller nessa área era o de que doença e pobreza estavam intimamente relacionadas, embora se acreditasse que a doença era a causa da pobreza e não o contrário. A fundação defendia que para se ter uma sociedade próspera era preciso combater a enfermidade. Ação continental - Até 1913, as ações
da fundação ficaram restritas aos Estados Unidos, mas, a partir da década de 10, os especialistas que combatiam as endemias perceberam que não havia
fronteira para a doença e se não houvesse uma ação em todo o continente, as enfermidades poderiam sempre voltar. Começaram a ser organizadas, então, comissões que saíam em missões pelo mundo para identificar instituições que passariam a ser apoiadas por recursos da fundação para montar grupos de pesquisa que atuassem dentro de áreas que eles julgassem prioritárias. Uma dessas comissões chegou ao Brasil em 1915. "Em São Paulo, os americanos se depararam com um serviço sanitário modelo", explica Maria Gabriela. "Em razão das doenças que começaram a aparecer nas lavouras e nos portos, as elites paulistas já estavam se mobilizando para reorganizar o serviço sanitário do Estado." A comissão da Rockefeller encontrou uma base muito favorável na capital paulista, que vinha ao encontro de suas perspectivas de criar escolas que pudessem virar referência mundial.
Faculdade de Saúde Pública, em São Paulo: apoio norte-americano
A pesquisadora explica que havia no Brasil, naquele momento, três escolas médicas: a de Salvador, criada em 1808, logo depois que a Corte portu-' guesa se transferiu para o país; a do Rio de Janeiro, fundada em 1812, quando a família real se mudou para lá; e a de São Paulo, fundada um ano antes da chegada da comissão. As duas primeiras seguiam influências francesas, cuja tradição era clínica trabalhavam, sobretudo, com os sintomas. Os investimentos em pesquisas e exames pré-clínicos eram parte de uma tradição desenvolvida muito mais rapidamente nos Estados Unidos e característica da Alemanha. Assim, a escola de São Paulo, que estava iniciando suas atividades, era a única alternativa para desenvolver esse trabalho voltado para a prevenção. Os acordos da fundação com a Faculdade de Medicina começaram nesse momento. No início, os investimentos
foram dirigidos para a criação de um departamento de higiene, que depois se transformou em instituto e, mais tarde, na Faculdade de Saúde Pública. Todo o complexo de prédios situados na Avenida Doutor Arnaldo, em São Paulo, inclusive o Hospital das Clínicas, foi construído com recursos da fundação.
o PROJETO Norte-americanos no Brasil Uma História da Fundação Rockefeller na Universidade de São Paulo (1934-1952) MODALIDADE
Auxílio-publicação PESQUISADORA MARÍUA GABRIELA S. M. C. MARINHO INVESTIMENTO
R$ 3.513,00
Paralelamente, dentro da própria escola começaram as negociações para reformular a estrutura acadêmica. O currículo também foi modificado, as disciplinas pré-clínicas ganharam mais ênfase. O número de alunos foi restringido a 50 por ingresso e os professores tiveram, obrigatoriamente, de se dedicar em tempo integral às disciplinas, tornando-se pesquisadores. Essas inovações faziam parte das condições que a fundação impunha em contrapartida aos seus investimentos. Os recursos investidos na Faculdade de Medicina chegaram, na época, a US$ 1 milhão. "Além desse dinheiro, eles destinaram mais US$ 4 milhões só para o combate da febre amarela': revela a pesquisadora Maria Gabriela.
Franceses - Quando a Universidade de São Paulo foi criada, em 1934, a missão da Fundação Rockefeller já estava no fim. "Mas o modelo norteamericano permaneceu forte dentro da medicina e depois terminou por se disseminar para outras áreas", afirma. "Enquanto os franceses produziam acadêmica e filosoficamente, existiam interlocutores dos norte-americanos que atuavam no conselho universitário, movimentando a máquina da universidade e modelando efetivamente a sua estrutura. Boa parte da política de implantação e consolidação da USP é controlada por essas pessoas." A presença francesa na consolidação da USP, segundo o estudo da professora, é muito mais marcada como um evento. "Três anos depois da chegada deles à Faculdade de Filosofia, a instituição entrou em crise. A moda passou e vários dos nomes que foram trazidos para a fundação da escola foram embora': explica Maria Gabriela. "Só com o pós-guerra, a partir de 1945, a presença norte-americana passou a ser reconhecida. A lógica que vai ser dominante a partir dos anos 50 e 60 - e que permanece até hoje - é exatamente a trazida por eles", diz. "Aquela idéia do 'saber desinteressado' acaba e a busca passa a ser pela excelência científica, que vai estar associada a ganhos de produtividade e a uma outra racionalidade, por sua vez, associada diretamente ao pragmatismo da sociedade norteamericana", conclui Maria Gabriela Marinho. • PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 91
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• HUMANIDADES Um tratamento tão íntimo do assunto foi possível graças ao projeto Barroco Memória Viva, sob responsabilidade de Tirapeli desde que ele mesmo o criou em fins dos anos 80. A idéia essencial do projeto é promover viagens culturais a cidades que abrigam monumentos históricos, para estudá-los in loco. As viagens do Barrroco Memória Viva, que em 1990 foi oficializado como curso de extensão universitária e em 1994 tornou-se projeto permanente da reitoria da Unesp, são precedidas de um ciclo de palestras realizado em São . Paulo. Participam das viagens professores, alunos e funcionários da Unesp e pesquisadores de outras universidades, que preenchem cerca de 40 vagas, a cada ano mais disputadas. Os textos do livro Arte Sacra Colonial se originam das palestras do projeto. Tirapeli começou a procurar patrocínio para publicá-Ias em livro há quatro anos. Os textos foram revistos e reestruturados, num trabalho de atualização e adequação ao formato impresso. Entre os autores estão nomes como João Adolfo Hansen, Benedito Lima de Toledo, Wolfgang Pfeiffer e Régis Duprat, além do próprio Tirapeli. A idéia de publicação encontrou boa receptividade nas inscrições para as leis de incentivo (como as leis Mendonça e Rouanet), mas nem tanto por parte de potenciais patrocinadores. Finalmente a própria editora da Unesp se interessou em bancar o projeto. A Imprensa Oficial encarregou-se da impressão e do papel.
ARTE
A festa visual do barroco Livro reúne estudos, com fartas imagens, sobre as raízes da estética colonial
mprojeto de 14 anos - envolvendo viagens, cursos, pesquisa de campo, documentação fotográfica e ciclos de palestras dos principais especialistas brasileiros em barroco - está por trás do livro Barroco Memória Viva, organizado por Percival Tirapeli, professor do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp). No centro do livro estão as igrejas, que desempenharam o papel de núcleos de difusão da cultura e da arte coloniais brasileiras. ''A organização dos capítulos sugere um dia festivo religioso, com todas as possibilidades e uso dos sentidos que envolvem a estética barroca", diz Tirapeli. Assim, os primeiros dos 18 artigos apresentam e discutem as cidades coloniais e sua arquitetura; em seguida, os textos mergulham no interior dos templos, para depois examinar outras formas de expressão, como a música e a literatura, e também as implicações mais amplas da estética barroca, refletidas na política e na teologia. O tema rendeu o livro e um CD-ROM, ambos com apoio da FAPESP.
U
92 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
Século dobradu- Ao analisar a organi-
Senhor Morto, do século 18, em Sorocaba, São Paulo: fim da idéia errada de um barroco
"caipira"
zação preliminar do acervo de textos, os pareceristas da editora da Unesp sugeriram que o enfoque do livro fosse direcionado para as manifestações barrocas no Estado de São Paulo. "O próprio título é amplo e não delimita", observa Tirapeli, destacando o caráter abrangente do livro. "Mas se trata essencialmente de arte sacra colonial paulista', afirma o pesquisador. Esse aspecto específico, mas não limitador, da obra é uma de suas características mais interessantes. Como o barroco foi a estética dos séculos 17 e 18 ("o século do barroco no Brasil tem 200 anos", brinca Tirapeli), coincide com o período em que o Estado de São Paulo
~--, Espírito Santo,
século 17, em Araçariguana, São Paulo: um barroco internacional, mas com sabor local
o
! desempenhava papel econômico, social e político secundário em relação às regiões mais importantes do país (Estados do Nordeste e Minas Gerais). A relativa pobreza das manifestações artísticas coloniais paulistas criou um estigma. Como Tirapeli observa, "São Paulo tem vasta bibliografia de sua arte colonial- o que faltava era essa apresentação com o status de arte barroca ou rococó como as do Nordeste e Minas Gerais': Entre outros objetivos, o livro pretende, segundo seu organizador, desfazer equívocos que levaram alguns estudiosos a subestimar a produção artística paulista com rótulos como "barroco caipira" Se, de fato, não há nas cidades coloniais paulistas igrejas suntuosas como as mineiras ou baianas, no Estado se desenvolveram alguns veios genuínos da produção escultórica e pictórica colonial. Tirapeli chama atenção para o nome de João Gonçalo Fernandes - "português que fugiu para o Brasil por causa de um crime'le se radicou em São Vicente, no litoral paulista -, autor das três primeiras imagens de barro cozido produzidas no país, ~,or volta de 1560. Além disso, o professor destaca as pinturas de tetos de igrejas paulistas, "muito pouco conhecidas". Algumas das mais belas ilustrações presentes no livro de Tirapeli
são fotos desses tetos, de igrejas de Mogi das Cruzes, Itu e São Roque, entre outras. Ainda sobre o barroco paulista, Tirapeli observa a importância que as construções coloniais do Estado, com toda sua sobriedade e aparente modéstia, desempenha no estudo da arquitetura jesuítica brasileira empreendido por Lúcio Costa, cujo centenário de nascimento está sendo comemorado atualmente. A pesquisa do arquiteto e urbanista é uma das obras-chave no trabalho de recuperação e organização do legado barroco que foi empreendido por artistas e intelectuais dos mais variados meios, entre os anos 20 e 40 do século 20. Ostracismo - Foi exatamente em 1924, com a excursão dos modernistas de São Paulo às cidades históricas de Minas (tema de um dos capítulos do livro), que \arte barroca brasileira saiu de um
ostracismo de mais de cem anos, durante os quais representou o exemplo máximo de mau gosto. No período de predominância do neoclassicismo na arquitetura, que opunha pureza geométrica e cromática ao rebuscamento de formas do barroco, fachadas entalhadas de algumas igrejas chegaram a ser cobertas de branco e telhados foram cercados com platibandas, como a "cobrir vergonhas': nas palavras de Tirapeli. Tendo Mário de Andrade à frente, iniciou-se na terceira década do século passado um amplo e profundo movimento de reconstrução do passado artístico brasileiro, ironicamente sob inspiração do futurismo e da procura de uma expressão genuína nacional. Estimulados por essa inquietação, pensadores fundamentais da cultura brasileira, como Manuel Bandeira, Gilberto Freyre e Lúcio Costa, arregaçaram as mangas para tirar do esquecimento (e da iminência de extinção) a arte produzida no Brasil colônia. Momento fundamental dessa movimentação intelectual foi a fundação, em 1937, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), pelo ministro Gustavo Capanema. O projeto do Iphan, "uma verdadeira universidade", segundo TiPESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 93
l. '-. '"1--''. ~j '>
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Detalhe do azulejo que decora o claustro da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, em Salvador
rapeli, foi encomendado ma a Mário de Andrade.
por Capane-
Rei ausente - A arte colonial assumiu, então, uma proeminência quase natural 1).0 panorama histórico, na medida em que muitos estudiosos consideram o barroco a tradução estética da alma brasileira, pelo que tem de opulento e , intenso. O período de vigência do barroco coincide no Brasil com a ausência do rei, que exerce a função de chefe de igreja. O padre era não só a autoridade moral, mas também um funcionário público, diz Tirapeli. É uma época ambígua, em que as fronteiras do religioso e do secular, do público e do privado são bastante flexíveis. Tirapeli acredita que a principal herança desse tempo é a tolerância do brasileiro, seja a que permite conviver com as diferenças, seja a que faz vista grossa à corrupção. "Nasceu daí um espírito de busca, mas que sabe que nunca vai achar o fim': diz o professor. "Ele dá a todos a liberdade de completar as regras, adaptá-Ias e floreá-Ias." O fato de ter se enraizado tão profundamente na cultura brasileira não significa que o barroco local tenha gera94 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
do características próprias. "Ele já nasce sendo o primeiro estilo internacional, como palavra de ordem no Concílio de Trento (1545)': diz Tirapeli, mencionando o vínculo fundamental entre o surgimento do barroco e as diretrizes da Contra-Reforma, a reação violenta efetivada pela Igreja Católica ao movimento protestante liderado por Martinho Lutero. ''A estética é a mesma, mostrada com maior ou menor esplendor': acrescenta o professor. Tirapeli admite, no entanto, que existe um traço distintivo no barroco brasileiro: "A simplicidade externa das construções em contraste com a complexidade dos ornamentos internos".
o PROJETO Barroco Memória Viva MODALIDADE
Auxílio publicação PESQUISADOR PERCIVAL TiRAPELI
Artes da Unesp INVESTIMENTO
R$ 6.000,00
- Instítuto
de
Isso decorre da fartura, no Brasil, de certos materiais de talha, como madeira e ouro, e da escassez de outros, como o mármore. A oposição entre o interior e o exterior dos templos corresponde a uma das principais características do barroco, o jogo de contrastes, presente, por exemplo, no claro-escuro das pinturas que decoram as igrejas. Turismo - Com a autoridade de quem conhece de perto o objeto de seu estudo, Tirapeli, que aos 14 anos já cuidava de um pequeno museu no seminário em que estudava no interior de São Paulo, faz uma avaliação positiva dos atuais esforços de preservação do patrimônio histórico brasileiro. O professor - autor também dos livros As Mais Belas Igrejas do Brasil e Patrimônio da Humanidade do Brasil, e que prepara agora para a editora da Unesp um volume sobre todas as igrejas coloniais paulistas - percebe o surgimento de "um sentido de história" na população, criando pressões sobre o poder público para que se preservem os monumentos históricos. Além disso, acrescenta, "todos estão vendo que o turismo é um grande negócio': afirma o pesquisador. •
RESENHA
Revisitando Canudos, cem anos depois Nova edição de REGINA
ZILBERMAN
Os Sertões ajuda a percorrer o universo euclidiano Os Sertões
Euchdes
da Cunha
interesse do leitor, não fosse o trabalho minucioso, polêmico e emocionante de Euclides da Edição, prefácio, Cunha. Obra que não se encronologia e índices quadra nos gêneros literários de Leopoldo M. Bernucci conhecidos, constitui desde seu aparecimento referência Imprensa Oficial, obrigatória e indispensável a Arquivo do Estado de São Paulo e Ateliê todos os que desejam entenEditorial der o Brasil do passado e do presente, nação de confrontos 936 páginas I R$ 64,00 entre poderosos e humildes, proprietários e despossuídos, donos da verdade e crentes. Se a passagem do tempo não deixa de reafirmar a importância de uma obra como Os Sertões, na mesma proporção crescem os problemas de relacionamento com o texto escrito. Os Sertões não constitui livro de fácil leitura. Estruturado em três partes - A Terra, O Homem, A Luta -, impõe ao leitor, desde o começo, descrições minuciosas e plenas de observações técnicas sobre o espaço onde se estabeleceu a colônia de Canudos, espaço este viséeralmente oposto à noção de natureza exuberante e fértillegada pela tradição romântica: a terra, árida e seca, repele o visitante, não se entrega à civilização, não promete nada. Na mesma medida, o texto de Euclides apresenta-se retorcido como o cenário, a travessia é árdua, e o resultado, não necessariamente bem-sucedido. O fascínio da prosa do escritor não advém de sua maleabilidade, mas dos desafios que se colocam a cada passo. Ao exame da local, segue-se o estudo sobre o ser humano, gerado, de uma parte, pela história da ocupação desse teritório, de outra, pelo tipo de miscigenação étnica que ali se estabeleceu, dada a separação entre esse universo e o Brasil do litoral, aclimatado à civilização e voltado ao progresso. Euclides, impregnado pelas teorias raciais do oitocentos, expressa preconceitos hoje inadmissíveis, expostos, contudo, de modo apaixonado, dado o empenho em oferecer explicações para as contradições sociais que sua geração, formada no Positivismo, não conseguia entender. O paradigma antropológico parece-lhe, contudo, bastante útil, pois, calcado nele, Euclides interpreta o aparecimento de figuras como Antônio Conselheiro, segundo ele uma excrescência justificada pelas condições particulares daquela região.
Euclides da Cunha
m 2002, comemora-se o centenário de Os Ser..•.•.. tões, livro com que Euclides da Cunha estreou na literatura brasileira, redigido após ter acompanhado os últimos combates travados nas proximidades de Belo Monte, cenário da guerra. A obra, que trata da "Campanha de Canudos", conforme o subtítulo, constituiu, desde o lançamento, notável sucesso editorial, de modo que Euclides pôde acompanhar em vida (que terminou tragicamente em 1909, assassinado pelo amante de sua mulher) o lançamento de mais duas edições e deixar anotado um volume que seria a base da impressão subseqüente. Da importância de Os Sertões fala o impacto provocado pela obra desde seu aparecimento, matéria de discussão sob vários ângulos, desde o geológico e antropológico até o político e estético, motivados por posições de admiração, de um lado, e contestação, de outro. Se, de uma parte, algumas de suas teses, com o tempo, mostraram-se insustentáveis, de outra, a grandiosidade de sua visão determinou o aparecimento de adeptos dentro e fora de nosso país, de que é exemplo A Guerra do Fim do Mundo, de Mario Vargas Llosa. Os Sertões não constituiu nem o único, nem o primeiro texto a tratar do genocídio resultante do choque entre o Exército nacional, paladino do ideal republicano na época recentemente implantado - a República nascera em 1889, e os embates no interior da Bahia eclodiram em 1896 -, e os liderados de Antônio Conselheiro. Euclides da Cunha foi precedido por si mesmo, pois, em 1897, enviou, desde as trincheiras da guerra, reportagens, publicadas na imprensa, narrando os eventos do dia. No mesmo ano, contudo, crônicas de Machado de Assis, Olavo Bilac e Afonso Arinos manifestavam os posicionamentos - divergentes entre si - de seus autores, caracterizando o modo controverso com que o conflito revelava-se à opinião pública. Talvez, porém, nenhum desses textos, incluindo-se o curioso romance de Afonso Arinos, Os Jagunços, de 1898, favorável aos revoltosos, despertasse a atenção e o
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PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 95
.RESENHA textuais, baseando seu trabalho no "exemplar anoA parte mais substancial do livro é dedicada à tado da terceira edição, corrigido por Euclides da narrativa da luta, historiando as razões que levaCunha". Logo, também este brasilianista, atuando ram ao conflito armado, com ênfase nas quatro expepresentemente na Universidade do Texas, em Ausdições que tentaram, até que conseguiram, submetin, nos Estados Unidos, busca respeitar a vontade ter os indomados adeptos do Conselheiro. Euclides do escritor, elegendo como fonte não as edições em detém-se especialmente nas duas últimas expedicirculação, mas a que resultou da operosidade do ções, destacando tanto o trágico destino de Moreiautor, perfeccionista da primeira à última linha, e ra César e seus comandados quanto o melancólico até o fim de seus dias, de Os Sertões. êxito dos vencedores, que encontram, entre os últiBernucci, contudo, não desemos defensores da cidadela, veja produzir uma versão acadêlhos e crianças. mica do livro de Euclides. Pelo Se o aparato científico domicontrário, declara ser seu objetina o texto inicial, a emoção nutre " Bernucci a parte final. Euclides entrega-se vo propor uma "edição prática e [...] auto-suficiente", razão pela à admiração e elogio dos vencidos, introduz algumas qual introduz algumas inovagente que, primeiramente subesinovações ções, para além dos adendos timada pelo escritor, foi capaz de que costumam acompanhar Os conquistar o respeito desse, que para além Sertões. Assim, se, por uma parpassa a destacar a bravura e perste, não deixa de elaborar um espicácia dos militantes da causa dos adendos que tudo introdutório, interpretanconselheirista. O trabalho estilísticostumam do a obra euclidiana, e inserir co não fenece, mas a subjetividauma cronologia da vida do esde do autor emerge, contradizenacompanhar critor, acrescenta grande númedo o partidarismo do começo e a obra de Euclides ro de notas de rodapé, explicando as teorias de base. Muito da granpalavras de difícil entendimendeza de Os Sertões advém daí, carda Cunha" to, oferecendo dados históricos regando o leitor consigo, que, cada e opinando. Além disso, anexa, vez mais com a passagem do temalém do índice remissivo, usual po, torna-se simpatizante da causa popular ali exposta. em obras dessa natureza, um A grandiosidade do projeto e os requintes da liníndice onomástico bastante completo, explicitando guagem caminham juntos, responsabilizando-se pequem são as pessoas citadas por Euclides, ao longo las dificuldades da travessiade Os Sertões, minirnizada, de Os Sertões. A ousadia de Bernucci situa-se na proposta de porém, pelo tratamento do tema e a originalidade da perspectiva. Não bastasse aquele problema, a leitura entretítulos no interior de cada capítulo, visando colaborar com o acompanhamento da obra. Como se de Os Sertões pode ser prejudicada se não for escolhisabe, a primeira edição de Os Sertões não apresentada, pelo leitor, uma edição adequada. O problema nasceu com a própria obra, que Euva, no começo de cada seção, o conteúdo de cada capítulo, na qualidade de sumário da leitura por vir. clides aprontou em 1901e levou à. Editora Laemmert, Leopoldo Bernucci inova: sem deixar de reproduzir com o fito de publicá-Ia. Conseguiu que seu projeto esses sumários, com pequenas alterações, introduz fosse aceito, desde que arcasse com parte dos custos; entretítulos que esclarecem o conteúdo dos fragmas não conseguiu que o livro lançado aparecesse mentos encabeçados por eles. O organizador responsem erros. Procurou corrigi-los, mas, dado o sucesso sabiliza-se pela novidade, atribuindo-a ao objetivo de vendas, viu-se obrigado a acelerar a publicação da geral da produção do livro, o de ajudar o leitor a persegunda edição. Mesmo a terceira edição sofreu altecorrer o universo grandioso inaugurado por Euclides rações, que o autor consignou, mas que não viu serem inseridas ao texto, dada a morte prematura. da Cunha. O resultado é uma publicação de excelente nível, Edições subseqüentes procuraram sanar o problema, calcadas no volume corrigido deixado por Eucliendereçada não apenas aos estudiosos e conhecedores da obra de Euclides da Cunha, mas aos iniciantes, des, cuja cópia se encontra na Academia Brasileira de Letras. Walnice Galvão, baseada nesse material e nas que poderão dispor de um guia confiável e generoso para se adentrarem no mundo original dos combaversões anteriores, produziu exemplar edição crítica, em que fixa o texto conforme a vontade do autor, cotentes em Canudos. tejando-o às impressões anteriores. A edição, sob a responsabilidade de Leopoldo M. Bernucci, agora lançada pela Imprensa Oficial, REGINA ZILBERMAN, doutora em Letras, é professora de Arquivo do Estado de São Paulo e Ateliê Editorial, Teoria da Literatura no Programa de Pós-Graduação depara-se e soluciona problemas similares. O orgaem Letras da PUC-RS. nizador procura, primeiramente, resolver questões 96 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
LIVROS A República Mundial das Letras Editora Estação Liberdade Pascale Casanova 440 páginas / R$ 39,00 A pesquisadora e crítica literária francesa Pascale Casanova analisa a literatura sob o prisma das desigualdades. Ou seja: como são as relações entre dominados e dominantes e como se dá a quebra da hierarquias literárias? Para ela, os reais criadores do progresso das letras são os autores considerados "marginais" (Kafka, Ioyce, Becket, Faulkner e o nosso Mário de Andrade, em Macunaíma, entre outros), pelo seu caráter subversivo. Pascale escolheu uma bela gama de escritores para mostrar como se dá a luta contra todos os imobilismos literários.
Crítica Marxista 2001 - volume 13 Entre os artigos desta nova edição da revista editada por Armando Boito e Caio Navarro de Toledo, uma análise de um texto inédito de Lukács, o Chvostimus und Dialetik, de 1925, de que Nicolas Tertulian revela o desprezo do filósofo pelo marxismo vulgar. Adriano Codato e Renato Perissinotto descrevem as "obras históricas de Marx", para mostrar de que forma ele propõe uma concepção de Estado que leva em conta a dinâmica interna do sistema. Atilio Borón questiona se o marxismo ainda tem algo a oferecer à filosofia política diante das inúmeras revisões pelas quais essa ideologia vem passando desde o chamado "fim das utopias".
Panorama do Rio Vermelho
Educação e Sociedade
Nankin Editorial Iná Camargo Costa 175 páginas / R$ 24,90 Este estudo foi originalmente uma <t 'NSMlS tese de livre docência, apresentada ~~~ no Departamente de Teoria Literária o"""""", 2: da FFLCH/USP. São ensaios sem ordem cronológica e também, como diz a autora, cuja bibliografia não implicou sair de São Paulo, que, na contramão da história oficial, revela o desenvolvimento do teatro norte-americano dos anos 50 e 60 como sendo uma dramaturgia essecialmente política. Uma visão inusitada e pouco conhecida desse teatro.
2001 - número 77 Cedes O número de dezembro da revista quadrimestral do Centro de Estudos da Educação e Sociedade (Cedes) traz os seguintes artigos: O Cosmopolitismo de Cócoras, de José Luiz Fiori; Reestruturação
g RIO VERMElHO
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NÁCAMMGQCOSTA
Educação para a Ciência: Curso para Treinamento em Centros e Museus de Ciência Silverio Crestana, Ernst Hamburger, Dima M. Silva, Sérgio Mascarenhas Livraria da Física 678 páginas / R$ 50,00 O livro é uma súmula de todos os programas de divulgação científica em museus de ciência. São 81 artigos escritos por 131 especialistas nacionais e estrangeiros que participaram de um workshop da Estação Ciência, em junho de 2000. Cada um deles discute pontos importantes que foram desenvolvidos por esses programas, analisando conceitos como educação não-formal, divulgação científica, museus interativos, a relação entre ciência e arte e os usos da Internet para aprendizagem, entre outros.
Produtiva no Brasil: Um Balanço Crítico da Produção Bibliográfica, de Paio Sérgio Tumolo; Casemiro dos Reis Filho e a Educação Brasileira, de Dermeval Saviani; A Descentralização como Eixo das Reformas do Ensino: Uma Discussão da Literatura, de Angela Maria Martins; A Produção do Conhecimento sobre a Política Educacional no Brasil, de Ianete Maria Lins de Azevedo e Márcia Angela Aguiar, entre outros.
Ciência e Educação CIÊ~CIA & Em 'CAÇÃO
2001 - volume 7
Entre os textos desta publicação, que traz em seu último número um total de nove artigos, uma discussão sobre como fazer para conseguir uma visão não deformada do trabalho científico, com dicas para os docentes. No mesmo sentido, um texto de Leonor de Cudmani avalia as influências das discussões contemporâneas sobre o grau de verdade do conhecimento científico. Em Modelos Mentais e Metáforas
na Resolução de Problemas Patemáticos Verbais, o tema é a problemática do ensino da matemática. PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 97
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