A descoberta da América

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34 Estudo com base no DNA mitocondrial mostra que os primeiros habitantes das Américas chegaram de um só vez, há 21 mil anos

CARTAS .........•.....•.•.•..... EDITORIAL •......•.•....•...•... OPINIÃO MEMÓRIA .......•.•.•.....•....

Embraer inaugura nova fábrica e aposta em parcerias com institutos de pesquisa para aperfeiçoar a produção de aviões

4 7 8 10

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA .•.•.•.•.•..•..• ESTRATÉGIA CEPIDS INVESTEM NA DIFUSÃO DO CONHECIMENTO CEBRID INTERROMPE PESQUISA

12 .12 20 26

• CIÊNCIA LABORATÓRIO A DIVERSIDADE DE RELÓGIOS BIOLÓGICOS MARCADO R DE ARTÉRIAS ENTUPIDAS PEIXES E MITOS DO RIO NEGRO ILHAS DE CERRADO ENTRE METRÓPOLES .......•.... TERREMOTOS NO BRASIL AVANÇOS NAS SU PERCO ROAS

.30 .30

• TECNOLOGIA •.......•.•....... LINHA DE PRODUÇÃO TÚNEL DO IPT PLATAFORMA INTEGRADA CERTIFICAÇÃO E CRIPTOGRAFIA

62 62 71 76 78

• HUMANIDADES •.•...•..•...... O ACERVO TOM JOBIM CARTAS DE VAN GOGH CENSURA NO BRASIL

84 88 90 93

LIVROS .......................•. LANÇAMENTOS •.•..•............ ARTE FINAL

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Capa: Hélio de Almeida Foto: Rosa Gauditano/Studio

72

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16 FAPESP faz 40 anos e ganha de presente da União área de 23 alqueires onde está instalada a Ceagesp

.44 .48 .50 .53 .54 .58

66 Nova técnica permitirá aumento de 30% na produção de álcool e poderá servir como incentivadora da volta do Proálcool

39 Genomas recém-concluídos criam alternativa de combate à esquistossomose e a pragas da agricultura

84 As relações bilaterais entre judeus e catál icos no século segundo PESQUISA

FAPESP

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• 3


CARTAS cartas@trieste.fapesp.br

Arnica e pós-doutoramento Inicialmente gostaria de agradecer à revista Pesquisa FAPESP pela divulgação de nossas pesquisas realizadas com a arnica da serra ou falsa arnica (Lychnophora ericoides), publicada na edição de nv 64 (de maio de 2001). Nessa matéria, além dos estudos agronômicos, ecológicos e biotecnológicos, foram relatadas as ações analgésicas da lignana cubebina e dos ácidos di-cafeoilquínicos e a ação antiinflamatória de uma flavanona Cglicosilada. Todas essas atividades foram avaliadas em modelos experimentais in vivo realizados pela Profs Dr- Glória E. P. de Souza, professora de farmacologia na nossa unidade. Na oportunidade, os redatores apresentaram também nossa opinião sobre os dados previamente publicados em relação à ação antiinflamatória in vitro das lactonas sesquiterpênicas que ocorrem na espécie L. ericoides, deixando de citar que esses resultados foram frutos da pesquisa original do Prof. Walter Vichnewiski e de um grupo de pesquisadores alemães. No final da matéria foi destacado que, por ocasião de sua publicação, nos encontrávamos em estágio de pós-doutoramento no exterior, também financiado por essa agência. Esse estágio tinha como finalidade o aprendizado de novas metodologias analíticas, em especial cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas seqüencial com ionização por eletrospray. Recentemente, na reunião anual da Sociedade Brasileira de Química, foi levantado que atualmente possuímos uma sociedade madura e com especialistas renomados nas mais diversas áreas de atuação da química. Isso é um reflexo do desenvolvimento da química no Brasil, nesses últimos anos, e sinal de que os financiamentos empregados nesta área da ciência renderam bons frutos. Mas a análise do programa de pós-doutoramento deve ter outro enfoque. Determinadas áreas importantes da pesqui4 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

sa do Brasil possuem hoje especialistas em número reduzido. Nesse caso, os investimentos para a formação de pesquisadores em centros fora do país muito podem contribuir para o desenvolvimento e a diversidade da comunidade científica. No nosso caso, apesar de o estado contar com um excelente centro de estudos de espectrometria de massas na Universidade de Campinas e um grupo que se dedica ao emprego de ionização de produtos naturais por eletrospray em espectrometria de massas na Universidade Federal de São Carlos, entre outros, ainda assim existem carências para uma área tão ampla. Quando solicitamos o auxílio, este foi prontamente aprovado, não tendo sido questionada a existência dos outros centros, indicando claramente que esta agência está preocupada com a já citada diversidade da comunidade científica. Essa visão da FAPESP tem contribuído muito para o desenvolvimento da ciência do Estado de São Paulo. NORBERTO

PEPORlNE

LOPES

Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preso Universidade de São Paulo Da redação: Efetivamente, duran. te a entrevista do professor Norberto Peporine Lopes ao repórter de Pesquisa FAPESP,foi feita referência a trabalho anterior realizado pelo professor Walter Vichnewiski. A informação constava do texto final da reportagem, mas foi suprimida no processo de edição, por falta de espaço.

Clonagem Parabenizo toda a equipe que faz a revista Pesquisa FAPESP pela extraordinária reportagem sobre a clonagem, tema discutido mundialmente, que vem causando polêmicas pela sua complexidade. A revista procurou esclarecer com qualidade esse assunto, tão questionável neste milênio. RAIMUNDA

MORElRA

DA FRANCA

Crato, CE

Mapa Lendo a reportagem "A origem dos mamíferos", na revista Pesquisa FAPESP 76, a ordem das localidades representadas no mapa "O passado desenterrado" está trocada. Onde lêse, da esquerda para a direita: Santa Maria, Faxinal do Soturno, Camobi, Agudo e Candelária; o correto é: Santa Maria, Camobi, Faxinal do Soturno, Agudo e Candelária. Faço tal alerta por ter efetuado minha graduação na Universidade Federal de Santa Maria e, portanto, conhecer a região . GIOVANNI

B. Rosso

Instituto de Química - Unicamp Campinas, SP

Correções Na edição nv 76, na reportagem "Três novas rotas de ataque à praga", sobre o seqüenciamento genético das bactérias Xanthomonas citri e Xanthomonas campestri, foi omitida involuntariamente a participação do Fundo Paulista de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), como parceira da FAPESP no financiamento do projeto. A pesquisa iconográfica sobre obras de artistas plásticos paulistas que ilustram a edição especial FAPESP 40 anos foi feita por Vladimir Sacchetta.


José Reis Nossos cumprimentos pelo belo texto que faz jus à história de J. Reis. A comunidade científica brasileira e o jornalismo científico, em especial, estão de luto pelo falecimento de José Reis, cientista e jornalista que durante mais de meio século liderou a divulgação da pesquisa desenvolvida principalmente no País. O seu exemplo, o seu caráter e o seu desempenho diuturno arrancaram o cientista do isolamento e provocaram a abertura de espaço na imprensa nacional para as notícias do mundo da ciência. O seu papel foi fundamental para a valorização do trabalho do cientista brasileiro, não só pelo Estado e pelas instituições, mas pela própria mídia, que privilegiava quase exclusivamente o conhecimento produzido no exterior, e, ainda assim, com destaque para curiosidades e sensacionalismo. A atuação de José Reis também foi fundamental para o fortalecimento profissional dos pesquisadores e dos jornalistas, bem como para a aproximação das duas categorias, diminuindo os conflitos que ainda hoje dificultam o desafio da popularização da ciência. J. Reis, como membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), semeou a criação da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJc). Em reconhecimento ao seu trabalho, o CNPq criou o Prêmio José Reis, nas áreas de Divulgação Científica e de Jornalismo Científico. Trata-se de um estímulo que permitiu o crescimento contínuo da consciência pública sobre a necessidade de investir em pesquisa, ciência e tecnologia. Vale destacar o seu empenho para a criação e consolidação da FAPESP, hoje, 40 anos depois, modelo de fundação no País e exemplo de divulgação e de jornalismo científico (que, aliás, conferiram à revista da entidade o Prêmio José Reis). Para J. Reis, a redução da dependência científica de um país passava necessariamente pela divulgação. Também, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o exemplo de J. Reis apontou em 1988 o caminho para a implantação de uma polí-

tica pública de comunicação, que passou a olhar a ciência como sendo atividade de interesse de toda a sociedade. A democratização do conhecimento e a socialização do saber, como direitos do cidadão e deveres do cientista e do jornalista, direcionaram o trabalho de comunicação da Universidade. O resultado desse trabalho de anos, e de equipe, deu à UFSC a maior distinção dessa área: o Prêmio José Reis de Jornalismo Científico, entregue, em 1994, durante a Reunião Anual da SBPC em Vitória (ES).

J. Reis merecia ser clonado. Mas aí entramos numa história que ele conhecia como ninguém: ética na ciência e no jornalismo! O físico Cesare Mansuetto Giulio costumava citar uma frase nas entrevistas: "ciência sem consciência é a ruína da alma': E lembrava que "a sabedoria não entra de modo algum na alma malvada". J. Reis era uma boa alma. Que Deus o tenha! MOACIR

LOTH

Jornalista da Editora UFSC Florianópolis-SC

40 anos da FAPESP sei na docência universitária, faz 30 anos, devo à FAPESP um continuado e generoso apoio para a pesquisa. Além disso, durante 14 anos, a FAPESP apoiou o Núcleo de Estudos da Violência, que dirigi como coordenador científico, transformado em Cepid desde 2000. PAULO SÉRGIO PINHEIRO

Secretário de Estado dos Direitos Humanos

Gostaria de transmitir meus sinceros cumprimentos a todos os responsáveis por essa história de sucesso que permitiu à FAPESP, pioneira no gênero, contribuir de forma tão significativa para o desenvolvimento da pesquisa, da ciência e da tecnologia no Brasil. MARCO

MACIEL

Vice-Presidenteda República Meus sinceros cumprimentos a todos profissionais dessa conceituada e tradicional Fundação pela passagem de tão expressiva data, augurando continuado sucesso em suas importantes atividades.

Expresso as nossas calorosas congratulações pelo transcurso do quadragésimo aniversário da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, de assinalados serviços ao desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação, essenciais à inserção do nosso país no mundo de profundas transformações. De modo especial, desejo destacar sua valiosa contribuição para a implantação da nossa Fundação de Amparo à Pesquisa - FAPESB,que tem na FAPESP um modelo de excelência a seguir. loss

FRANCISCO DE CARVALHO NETO

Secretário de Planejamento, Ciência e Tecnologiado Estado da Bahia

Ministro de Estado da Defesa

Apresento meus cumprimentos pelo 40° aniversário de criação da FAPESP.

Cumprimento efusivamente a FAPESP pelos 40 anos de decisivo apoio à ciência e à pesquisa no Brasil. Desde o primeiro ano em que ingres-

Coronel-PM - Secretário-Chefe da Casa Militar Governo do Estado de São Paulo

GERALDO MAGELA DA CRUZ QUINTÃO

ROBERTO ALLEGRETTI

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 5


Congratulo-me junto à diretoria da FAPESP pelos 40 anos significativos dedicados ao desenvolvimento e à excelência da pesquisa científica no Brasil e aproveito para agradecer o apoio da FAPESP à Universidade Federal de São Paulo. HELIO EGYDIO NOGUEIRA,

Reitor da Universidade Federal de São Paulo Parabenizo pelo 40° aniversário toda a equipe que tem contribuído para o desenvolvimento dessa Fundação e da ciência e da tecnologia do nosso país. ANíSIO ALMEIDA NEVES NETO

Secretário da Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologiado Estado do Piauí Quero parabenizar toda a fundação pelos 40 anos de relevantes serviços prestados à pesquisa, à cultura e ao desenvolvimento do nosso estado. Que cada conquista da Fundação sirva para renovar as energias dos seus servidores e para abrir portas para avanços ainda mais expressivos. VAZ DE LIMA

Deputado Estadual- São Paulo, SP Realizações, conquistas, competências, lutas e exemplos marcaram a presença dessa Fundação em nosso estado nesses 40 anos de existência. Quero parabeniar a todos, funcionários e ex-funcionários, muito êxito, sempre, e uma feliz e profícua caminhada rumo às bodas de ouro. CWA LEÃO,

Deputada Estadual- São Paulo, SP Congratulações pelos 40 anos da FAPESP. LUIZA ERUNDINA

DE SOUSA

Deputada Federal PSB/SP Desejo toda sorte de felicidades à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. OSWALDO PAULO FORATTINI

Coordenador do Núcleo de Pesquisa Taxonômica e Sistemática em Entomologia Médica (Nuptern) Faculdade de Saúde Pública/USP São Paulo, SP 6 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

Votos de pleno êxito a uma das instituições que têm contribuído para o desenvolvimento da ciência brasileira. JULIO MARCOS

FILHO,

Diretor da EscolaSuperior de Agricultura Luiz de Queiroz/USP Piracicaba, SP Em nome do Instituto de Química de São Carlos, saúdo a FAPESP em seu 40° aniversário e faço votos para seu sucesso cada vez maior no fomento à pesquisa e ao desenvolvimento científico, tecnológico, econômico e social de São Paulo e do Brasil. MILAN TRSIC

Diretor Parabenizamos a FAPESP por mais este aniversário, desejando que continue contribuindo para o desenvolvimento deste país. Ioss GILBERTO JARDI E Chefe-Geral da Embrapa Informática Agropecuária Campinas, SP A FAPESP recebeu mais de uma centena de cartas e telegramas de felicitações pelos seus 40 anos. Registramos e agradecemos entre elas dos ministros Pedro Sampaio Malan, da Fazenda; Francisco Gomide, de Minas e Energia; Barjas Negri, da Saúde; Sérgio Silva do Amaral, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; dos governadores Itamar Franco, de Minas Gerais, e José de Abreu Bianco, de Rondônia; do reitor da Universidade Federal da Paraíba, Iades Nunes de Oliveira; dos deputados federais Ary Kara e Duilio Pisaneschi; do secretário de Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, Alexandre de Moraes; da secretária Wanda Engel, de Assistência Social; de Fulvio Iulião Biazzi, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo; de Abílio Baeta Neves, presidente da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); de Maurício Otávio Mendonça Jorge, secretário de Política Tecnológica Empresarial do Mi-

nistério da Ciência e Tecnologia; dos deputados estaduais Dorival Braga e Pedro Mori; da vereadora Myryam Athie; dos prefeitos municipais Vitório Humberto Antoniazzi, de Valinhos; Jayme Gimenez, de Matão; Jorge de Faria Maluly, de Mirandópolis; Luiz Antônio Braz, de Campo Limpo Paulista; José Machado, de Piracicaba; Dorival Raymundo, de Itupeva; Adilson Donizete Mira, de Santa Cruz do Rio Pardo; e Alberto Pereira Moura, de Praia Grande; de Cândido Ricardo Bastos, diretor do Instituto Agronômico de Campinas; de Flávio Fava de Moraes, diretor executivo da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade); de Cibele Isaac Saad Rodrigues, diretora do Centro de Ciências Médicas e Biológicas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; de José Carlos Plácido da Silva, diretor da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp, campus de Bauru; de Walter Borzani, diretor do Instituto Mauá de Tecnologia; de Carlos Antônio Gamero, diretor da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, campus de Botucatu; de Neri Alves, diretor da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Unesp, campus de Presidente Prudente; Marcos Antônio Monteiro, diretor superintendente do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza; Marcos da Cunha Lopes Virmond, diretor técnico do Instituto Lauro de Souza Lima e Roberto Schirmer Wilhelm, presidente da Sociedade Brasileira de Ortodontia. O deputado estadual Iarnil Murad, do Pc doB, falou na Assembléia Legislativa, na sessão do dia 10 de junho, sobre a comemoração do 40° aniversário da FAPESP e sobre importantes projetos por ela patrocinados. Na sessão do dia seguinte, o deputado Vaz de Lima, do PSDB, comentou o evento realizado na Sala São Paulo em homenagem aos 40 anos da FAPESP, com a presença do presidente Fernando Henrique Cardoso e do governador Geraldo Alckmin, ocasião em que foi repassada a área da Ceagesp para a Fundação.


EDITORIAL

Luzes sobre nossa origem

Q

FAPESP CARLOS VOGT PRESIDENTE PAULO

EDUARDO DE ABREU VICE-PRESIDENTE

MACHADO

CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVAN$I DE ABREU ALAIN FLQRENT $TEMPFER CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ CARLOS VOGT FERNANOO VASCO LEÇA 00 NASCIMENTO HERMANN WEVER JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MARCOS MACAR! NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICAROO RENZO BRENTANI VAHAN AGOPYAN CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO FRANCISCO ROMEU LANOI DIRETOR PRESIDENTE JOAQUIM J. DE CAMARGO DIRETOR ADMINISTRATIVO

ENGLER

JOSE FERNANOO PEREZ DIRETOR CIENTíFICO PESQUISA ANTONIO

FAPESP

CONSELHO EDITORIAL DE MATOS PAIVA, EDGAR OUTRA FRANCISCO ANTONIO BEZERRA CDUTINHO,

CECHELLI

ZANOHO,

FR~~gILSi~, ~g~l~E~~~~lb~O~~~~~, i}í~~t~:~GO DE OL~À5t~\~LOU~ilR~~~~~~~I~O~~~~g~ISNA[NTOS, DIRETORA

DE REDAÇÃO

MARILUCE

MQURA

EDITORESSENlORES MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS NELDSON MARCOUN EDITOR DEARTE HELIO DE AlMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIENCIAl CLAUDIA IZIQUE (POUTICA C&TI MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) HEITOR SHIMIZU (VERSÃO ON UNE! REPÓRTER MARCOS

ESPECIAL PIVETTA

EDITORES-ASSISTENTES ADILSON AUGUSTO, DINORAH

ERENO

CHEFE OE ARTE MARIA DOS SANTOS

TÂNIA

, DJAGRAMAÇÃO JOSE ROBERTO MEDDA, LUCIANA FOTÓGRAFOS CESAR, MIGUEL

EDUARDO

FACCHINI

BOYAYAN

COLABORADORES ALESSANDRO G RECO, ALEXANDRE AGABITI FERNANDES, FRANCISCO BICUDO, RENATA SARAIVA, RICARDO DE SOUZA, RICARDO ZORZETTO, ROBINSON BORGES COSTA, SUZEL TUNES, TÂNIA MARQUES, YURI VASCONCELOS ASSINATURAS TELETARGET TEL. (1113038-1434 - FAX,

CllJ 303B-1418 e-mail: fapesp@teletarget.com.br

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Osartigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP É PROIBIDA DE TEXTOS

A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

SECRETARIA

DA CIÊNCIA

E DESENVOLVIMENTO

GOVERNO

DO ESTADO

TECNOLOGIA ECONOMICO

DE SÃO PAULO

uando o homem chegou à América? A questão é polêmica. E agora, os resultados de um estudo genético feito por uma equipe de pesquisadores ligados a nove centros brasileiros e um peruano prometem esquentar o debate. A pesquisa, que tomou por base o perfil das mutações e a diversidade do chamado DNA mitocondrial de 30 índios nativos do continente, a maioria pertencente a etnias presentes no Brasil, propõe que o Roma sapiens atingiu o Alasca, vindo da Ásia, via estreito de Bering, há cerca de 21 mil anos e numa única leva migratória. Essa conclusão, como relata Marcos Pivetta na reportagem de capa desta edição, a partir da página 34, contraria a teoria clássica de colonização da América, hoje bastante contestada, segundo a qual ocorreram três movimentos de entrada de grupos asiáticos no continente, o primeiro deles há cerca de 12 mil anos. Mas ainda nos domínios da genética, e aqui mais especificamente da genômica, vale destacar a reportagem (página 39) sobre novos avanços obtidos por diferentes projetos que fazem parte do Programa Genoma-FAPESP e de um de seus filhotes, os Genomas Agronômicos e Ambientais (AEG), em especial a identificação de 200 novos genes do Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose, doença típica do subdesenvolvimento, que afeta 200 milhões de pessoas em todo o mundo e 10 milhões no Brasil. Na seção de Ciência, com seu movimento por entre pesquisas que examinam o presente, projetam o futuro ou iluminam o passado, merece referência a reportagem sobre estudos recentes que atestam a importância dos terremotos ocorridos nos últimos 10 anos para a formação do relevo brasileiro. A íntima articulação entre pesquisa e possibilidades do desenvolvimento sócioeconômico do país aparece com força em duas reportagens na seção de Tecnologia desta edição de Pesquisa FAPESP. Na primeira (página 66), Yuri Vasconcelos antecipa a pequena revolução que poderá ocorrer nas usinas de

açúcar e álcool do país se elas incorporarem uma nova tecnologia que, valendo-se do bagaço, e sem qualquer alteração na quantidade da cana in natura utilizada, assegura um aumento na produção do álcool da ordem de 30%. Essa é, sem dúvida, uma bela notícia, quando se debate com seriedade as chances de reativação do Proálcool, o programa dos anos 70 que continha uma boa promessa de auto-suficiência nacional em um combustível renovável e pouco poluente, mas que sucumbiu por erros estratégicos em sua administração. A outra reportagem, aproveitando a oportunidade da recente inauguração da primeira etapa da unidade industrial da Embraer em Gavião Peixoto, São Paulo, mostra em que pé se encontram os projetos de pesquisa que fazem parte do programa de Parceria para Inovação em Ciência e Tecnologia Aeroespacial (PICTA), apoiados pela FAPESP,que representam uma contribuição fundamental para a transformação daquela região paulista num grande pólo de desenvolvimento aeronáutico. Aliás, entre as razões pelas quais a Embraer situa-se entre as quatro maiores empresas fabricantes de aviões do mundo, a aposta na pesquisa tecnológica não é, seguramente, a menor delas e isso fica claro a partir da página 72. Para finalizar, vale destaque nesta edição, na seção de Humanidades, a reportagem sobre uma pesquisa em ciências da religião que revela que, mesmo após a separação entre sinagoga e Igreja Católica, cristãos e judeus mantiveram relações bilaterais até o século segundo da era cristã, numa comunhão até aqui praticamente desconhecida. E no mais, ecoam nesta edição as sonoridades do 40° aniversário da FAPESP, quando a Fundação, depois de ser brindada pela Orquestra Sinfônica do Estado, a OSESP,com um Villa-Lobos magnificamente executado, soube do presidente da República que ganhara um presente que aumentará em muito seu cacife para financiar pesquisas em São Paulo. PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 7


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OPINIÃO

MARTINS

ALTENFELDER

SILVA

Conhecimento e poder o apoio

do Estado à pesquisa acadêmica é essencial e insubstituível

professor Carlos Vogt, escolhido pelo governador Geraldo Alckmin, assumiu a presidência do Conselho Superior da FAPESP, sucedendo ao professor Carlos Henrique de Brito Cruz, novo reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que permanece integrando o Colegiado. Constituída em 1962, no governo Carvalho Pinto, a FAPESP tem se revelado um pólo de excelência com repercussão internacional. Quando se discutia a sua criação, já se reconhecia a importância do conhecimento para o desenvolvimento. No final do século 10, Portugal tornou-se a mais poderosa nação do mundo, aplicando estudo sistemático, pesquisa e o conhecimento acumulado do problema da navegação oceânica, com o objetivo de chegar à Índia e dominar o comércio das especiarias. No século 17, Francis Bacon cunhou o aforisma "Conhecimento é Poder'; destacando que "nenhuma obra do bom governo é tão importante como prover o mundo com conhecimento bom e fértil" (Prancis Bacon - O Avanço do Conhecimento). A inclusão do conhecimento como variável de destaque para o desenvolvimento econômico traz consigo, para a teoria econômica, a educação e a cultura como parâmetros explicitamente determinantes do desenvolvimento de uma nação. No Brasil não tem sido diferente. Nos últimos quatro anos, pela primeira vez na história brasileira, o principal item da pauta de exportações é um produto com alto valor agregado: aviões a jato fabricados pela Embraer. É um caso exemplar de ciência e tecnologia criando o desenvolvimento. O novo presidente da FAPESP tem sustentado que investir em inovação tecnológica é fazer investimento de risco, venture capital. Na alta tecnologia, por exemplo, existe um desafio para o país no setor de componentes para microprocessadores. É papel da FAPESP continuar a política sustentada por Brito Cruz. Instituições acadêmicas de nível internacional são essenciais para qualquer país, e no Brasil temos algumas que criaram as condições para o desenvolvimento, por meio da educação: ao lado da FAPESP, da Universidade de São Paulo (USP), da Unicamp, da Universidade Esta-

O

8 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

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dual Paulista (Unesp), alinham-se 19 institutos de pesquisa estaduais. A atividade científica no Brasil está passando por uma importante transição; de uma atividade artesanal, a prática científica tem-se tornado algo mais estruturado e profissional. O apoio estatal à pós-graduação permitiu um aumento sem precedentes no número de cientistas capacitados. A formação de uma comunidade científica bem qualificada criou as condições para que, nas boas universidades, grupos de excelência fossem implantados. A exístência de uma massa crítica de pesquisadores em vários ramos do conhecimento tem permitido que iniciativas ousadas, como o Programa Genoma, liderado pela FAPESP, tenham sucesso altamente reconhecido. A capacidade de transformar conhecimento em riqueza e desenvolvimento social é, talvez, o ponto mais frágil do atual estágio de desenvolvimento da ciência e tecnologia no Brasil. Falta-nos desenvolver a capacitação de realizar isso de maneira mais freqüente e sistemática. As crônicas dificuldades de natureza macroeconômica têm impedido que a empresa no Brasil possa dar a atenção que deveria ao desenvolvimento de sua capacidade própria para gerar conhecimento e agregá-lo a suas atividades. Instabilidade econômica, juros elevados, estrutura tributária têm sido alguns dos elementos que, em nosso país, desestimulam o investimento privado numa atividade de risco e longo tempo de maturação como pesquisa e desenvolvimento (P&D). Os órgãos de governo começam a atentar para a importância da ciência para o estabelecimento de políticas públicas efetivas. Mesmo com o desenvolvimento de interações entre empresa e universidade, que são hoje muito mais intensas do que há dez ou 20 anos, a empresa ainda desenvolveu pouco sua capacidade interna para P&D. Temos mais de 70% dos nossos cientistas trabalhando em ambiente acadêmico, enquanto nos países mais desenvolvidos a maior parte trabalha em empresas. Há muitos outros desafios à frente. A proposta do Ministério da Ciência e Tecnologia para os Fundos Setoriais é uma novidade a destacar. Com imaginação e conhecimento sobre as mudanças em curso no país, o MCT traz um importante reforço ao financiamento das atividades de P&D. O aporte previsto de mais de R$ 1 bilhão elevará o investimento estatal em P&D da casa do 0,5% do PIE para 0,6 ou 0,7%. Crescimento expressivo, que cali-


brará os gastos estatais em P&D num nível comparável com o de países mais desenvolvidos (na Alemanha, o investimento estatal em P&D é de 0,8% do PIB; nos EUA, 0,9%; na Coréia do Sul, 0,7%). O apoio do Estado à pesquisa acadêmica é essencial e insubstituível. É natural que assim seja, pois a ciência é um bem público, de difícil apropriação privada. Por isso, não é razoável esperarmos que o setor privado invista em ciência. O setor privado deve, sim, investir em tecnologia. Duas são as razões fundamentais por que a ciência no Brasil deve ser ainda mais apoiada pelo Estado: porque há pesquisadores excelentes e porque mais ciência será bom para o desenvolvimento do país. Mas, para que a ciência traga mesmo desenvolvimento econômico e social, é preciso que a empresa possa se apropriar desse conhecimento, transformando-o em tecnologia, tornando-se mais competitiva e gerando riquezas e empregos.

I

sso só acontecerá se ela valorizar o conhecimento, empregando cientistas e engenheiros voltados à pesquisa e ao desenvolvimento. Vale lembrar: enquanto nos EUA há 800 mil cientistas e engenheiros fazendo pesquisa e desenvolvimento em empresas e na Coréia há 75 mil, no Brasil há menos de 10 mil. Resultado: a Coréia registra nos EUA 3.500 patentes por ano, e o Brasil, cem. Seria uma ilusão perigosa para a ciência e tecnologia em São Paulo crer que o sistema paulista possa funcionar exclusivamente com os recursos proporcionados pelo contribuinte paulista para a FAPESP. O fato é que a maior parte dos recursos para pesquisa científica no Estado vem de agências federais, principalmente o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Os números apresentados pela FAPESP no governo Covas - Alckmin (1995 - 2002) impressionam pelo vertiginoso crescimento. Muitos programas de grande impacto foram lançados. O Programa Genoma é um deles. Criado em 1997, seus diversos projetos já apresentaram ou têm condições de apresentar resultados bastante expressivos, do ponto de vista econômico e social. Entre eles podem ser citados: o mapeamento genético da bactéria responsável pela "praga do amarelinho", que afeta 30% dos laranjais paulistas; o seqüenciamento da bactéria que causa o cancro cítrico e um prejuízo anual da ordem de R$ 110 milhões para a citricultura de São Paulo, reduzindo a produção de laranjas em 25%; o seqüenciamento de genes da cana-de-açúcar responsável pela resistência da planta e teor de sacarose e o da bactéria que ataca as touceiras de cana. Mais recentemente, foi lançado o Genoma Eucalipto, para decifrar a origem dos problemas que comprometem o desenvolvimento do eucalipto. Ainda dentro do Programa Genoma, podem-se destacar projetos com resultados significativos na área de saúde. É o caso do Genoma Humano do Câncer, lançado em março de 1999, e que já mapeou mais de 1 milhão de seqüências de genes de tumores e colocou o Brasil em segundo lugar no ranking internacional. Ou do Genoma Clínico do Câncer, projeto mais recente de pesquisa

em atividades clínicas e cirúrgicas relacionadas à oncologia para o desenvolvimento de novas formas de diagnóstico e tratamento do câncer com base nas informações geradas pelo Genoma Humano do Câncer. Ou, ainda, do Genoma Schistosoma, visando a desenvolver novas terapêuticas, possibilidades de vacinas e uma compreensão mais ampla da biologia do microrganismo Schis-

tosoma mansoni. Na mesma linha de preocupação com a saúde estão os programas Rede de Diversidade Genética de Vírus que amplia o conhecimento das variedades genéticas de quatro vírus: o HIV-1, causador da Aids, o HCV, da hepatite C, o hantavírus e o vírus respiratório sincicial - e a Rede de Biologia Molecular Estrutural, que visa ao estudo de estruturas tridimensionais e das funções de proteínas associadas a genes seqüenciados nos projetos Genoma Humano do Câncer, Genoma Xylella, Genoma Xanthomonas e Genoma Cana. Ainda nesse período 1995 - 2002, a Fundacão lançou o Programa Biota - FAPESP, que inventaria, caracteriza e analisa a biodiversidade do Estado de São Paulo. Lançou, ainda, o Programa de Pesquisa em Políticas Públicas, que já aprovou 103 projetos abrangendo as áreas de Saúde, Meio Ambiente, Educação, Administração e Gestão de Políticas Públicas, Trabalho, Emprego e Renda, Agricultura e Pecuária, Patrimônio Histórico, Habitação, Transportes e Urbanismo, Direito e Segurança. No campo da inovação tecnológica, o programa de transferência de conhecimento da área acadêmica para o setor produtivo - o Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) - apóia a pesquisa para inovação tecnológica diretamente na empresa com até cem empregados. Atft 2001, o programa financiou 185 projetos, em empresas localizadas em 43 municípios do Estado de São Paulo. Por sua vez, o Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) apóia projetos de pesquisa em parceria com empresas de qualquer porte para o desenvolvimento de novos produtos com alto conteúdo tecnológico ou novos processos produtivos. E o programa Consórcios Setoriais para a Inovação Tecnológica (ConSITec), criado em 2001, estimula a colaboração de grupos de pesquisa com aglomerados de empresas de um mesmo setor para resolver problemas tecnológicos de interesse comum. Por fim, cabe destacar um dos mais novos programas, o Sistema Integrado de Hidrometeorologia do Estado de São Paulo, que visa a dotar o Estado de uma moderna rede de observação do tempo, clima e recursos hídricos. A FAPESP vem crescendo sadiamente. Em 2000, investiu R$ 550 milhões e, em 2001, quase R$ 600 milhões. O equilíbrio entre investimento em ciência básica, ciência aplicada e pesquisa tecnológica e o relativo à demanda das áreas de exatas, humanas e biológicas tem sido mantido. A FAPESP é vinculada à Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo. É uma das estrelas que orgulham o governo do Estado de São Paulo e aumentam a nossa auto-estima.

MARTINSALTENFELDER STLVAé secretário de Estado da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo

RUY

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 9


Vôos sem motor Há 70 anos, o Brasil descobria o prazer de pilotar planadores e começava a criar as bases da indústria aeronáutica brasileira NELDSON

Piloto experimenta

o EAY-IOl: paixão por planadores

10 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

MARCOLIN


Pi loto pronto para voar (acima, à esq.), oficina do primeiro planador (acima, à dir.) e os modelos EAV-10l e 102

década a de 30 do século passado, a aviação já estava madura e os aviões eram sempre aperfeiçoados, ganhando novas tecnologias. Mas no Brasil, terra de Alberto SantosDumont, inventor do avião em 1906, faltava um curso superior que contemplasse a aeronáutica. Em 1932, a então Escola de Engenharia Mackenzie (atual Universidade Presbiteriana Mackenzie) decidiu que já era hora de criar o primeiro curso de engenharia aeronáutica do Brasil. O curso acabou por dissolver-se e não formou nenhuma turma. Faltavam normas para respaldá-lo, o que acabou tornando-o estranho à legislação vigente na época. Por trás dessa tentativa de atender às necessidades da aviação no país havia um grupo de engenheiros e estudantes fundadores do Clube Mackenzie de Planadores,

N

em 1931. Presidido pelo francês George Corbisier, formado na escola paulista, e com Henrique SantosDumont, irmão de Alberto, na diretoria, essa turma construiu um dos primeiros planadores brasileiros, de acordo com registro da Revista de Engenharia Mackenzie (junho de 1934). Embora tenha sido levado a termo, não há registro fotográfico do avião voando, mas apenas de sua construção em um galpão. Em 1932, além da tentativa de se montar o curso de aeronáutica, o grupo fez a primeira "festa de planadores" de São Paulo, no campo de Marte - o avião usado foi o EAY-101. Essa pequena febre pelo vôo a vela, como também é chamado o vôo

sem motores, levou o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) a receber, em 1934, encomendas do Clube Politécnico de Planadores, criado por alunos do último ano de engenharia civil da Escola Politécnica. A Seção de Madeiras foi encarregada de reformar e fabricar hélices de madeira dos planadores alemães em uso no Brasil. Com o tempo, os alunos passaram a construir seus planadores no IPT. A Seção de Madeiras evoluiu para a pesquisa de novos materiais que pudessem substituir a madeira original e, logo, criou-se a Seção de Aeronáutica, que começou a trabalhar no protótipo do primeiro avião a motor. Em 1938, o IPT-O, chamado também de Bichinho, voou pela primeira vez, equipado com motor norte-americano. Foi o primeiro de uma série de aviões projetados e construídos no instituto. As iniciativas do Mackenzie e do IPT foram um importante impulso para uma das maiores conquistas tecnológicas já alcançadas no Brasil: a criação e posterior consolidação da indústria aeronáutica nacional.


• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ESTRATÉGIAS Personal scientists Famílias ricas de portadores de doenças incuráveis estão criando fundações para financiar suas próprias pesquisas e testes de drogas, na esperança de encurtar o caminho em direção à cura, informa The Wall Street lournal. Esse crescente movimento está gerando uma nova esperança para vítimas de doenças raras ou sobre as quais ainda se conhece muito pouco, como, por exemplo, a esderose lateral amiotrófica (ELA), uma doença neuromuscular progressiva e fatal. O norte-americano Fran Delaney, de 51 anos, paciente de ELA, conta que se sentia órfão dos laboratórios de pesquisa. "Agora eu tenho cientistas que estão trabalhando para mim", diz. Um fundo que leva seu nome levantou cerca de US$ 500 mil para a Fundação Terapêutica ELA, que, além de divulgar informações sobre a doença, trabalha agressivamente na busca pela cura. A fundação foi criada por [ames Heywood em 1999, depois que seu irmão de 33 anos, Stephen, recebeu o diagnóstico da doença. No momento, a fundação desenvolve o maior programa in vivo de testes de drogas, atraindo cientistas de companhias farmacêuticas e de biotecnologia com salários de mercado e a sedução de trabalhar diretamente para pacientes que não têm tempo a perder. O laboratório opera como uma fábrica,

testando drogas em ratos mais rapidamente e de modo mais barato do que em um laboratório acadêmico ou de empresa. Os pesquisadores não estão tentando descobrir o que causa a doença e nem se preocupam em publicar suas descobertas. O único quesito usado para medir o sucesso é: a droga testada fez o rato viver mais? "Não temos cinco anos para esperar pelo tradicional processo de descoberta de drogas': diz Heywood. Outras organizações fazem o mesmo. A Fundação de Doenças Hereditárias, que financia pesquisa sobre doença de Huntigton, um grave dis-

12 • JUL~O DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

túrbio do sistema nervoso central, juntou-se à Aurora Biosciences, companhia de biotecnologia. A fundação, criada por Milton Wexler depois que sua esposa e os três irmãos dela foram atingidos pela doença, está investindo US$ 1 milhão na Aurora para o teste de substâncias com potencial para desenvolvimento de novas drogas. O Instituto para o Estudo do Envelhecimento foi mais longe. Em 2001, ajudou a empresa de biotecnologia Zapaq a se levantar e, agora, injetou US$ 500 mil na companhia, que se dedica a pesquisar drogas contra a doença de Alzheimer. •

• Vacina contra bioterrorismo Os Estados Unidos estão redobrando esforços para criar uma vacina contra o mortal vírus ebola. Dentro dos próximos 18 meses, uma droga experimental já deverá entrar em testes. O medo do bioterrorismo, nascido a partir dos atentados de 11 de setembro, explica a pressa. "Nós estamos preocupados com todos os vírus hemorrágicos. Sabemos que eles têm sido estudados como potenciais armas do bioterrorismo", disse Gary Nabel, diretor do Centro de Pesquisas em Vacinas, de Washington, em entrevista à revista New Scientist (25 de maio). A vacina está sendo desenvolvida por norte-americanos e para norte-americanos, mas os pesquisadores esperam que ela fique disponível também para os países da África Central, onde tem ocorrido repetidos surtos da doença. Apenas neste ano, 53 de 65 pessoas infectadas morreram num surto de ebola no Gabão. O desenvolvimento de uma vacina exigiu cuidados extras. Os métodos convencionais com o uso de vírus enfraquecidos ou inativos não são seguros, por causa do risco de algum vírus mais agressivo permanecer na vacina. Ao invés disso, Nabel fez uma vacina de DNA apenas com os genes da cobertura protéica do vírus. O protótipo passou nos testes iniciais com macacos. Por enquanto, a vacina de DNA só foi testada contra a cepa Zaire, uma das três conhecidas linhagens fatais do ebola. "Mas nós estamos otimistas quanto a possibilidade de que ela também


• União Européia ajuda o Chile

funcione com as outras da mesma maneira': diz Nabel. Segundo o pesquisador, a vacina consiste de uma mistura de genes da camada de glicoproteína de todas as três cepas. Ele espera, ainda, poder testar a vacina em epidemias reais, embora geralmente leve meses para que um surto de ebola em uma área remota seja notificado, quando já é tarde demais para vacinar. • Veneza inundada: água suja e malcheirosa invade a cidade

• Esgoto a céu aberto em Veneza Em dias de enchente, esqueça o romantismo dos canais de Veneza. A cidade vira um mar de água suja e malcheirosa. Mas, como dizem os otimistas, sempre existe uma esperança. Uma barragem está sendo construída para conter a inundação na baía, informa a revista New Scientist (18 de maio). E recentes estudos de vazão das marés indicam que ela pode funcionar sem causar danos ao ambiente, o que muitos temiam. Em dezembro, o governo italiano deu sinal verde para um controverso plano de construção de barragens em três canais que ligam a lagoa de Veneza com

o Mar Adriático. Na maior parte do tempo, as 79 comportas das barragens permanecerão abertas, permitindo o fluxo de água entre a lagoa e o mar aberto. Mas quando as altas marés ameaçarem, ar comprimido será bombeado para dentro dos tanques de flutuação das comportas, forçando-os para a superfície e fechando a passagem de água. O trabalho de construção está pronto para começar, mas ainda havia dúvidas sobre a eficácia do projeto. Temia-se, principalmente, que, com o fechamento das barragens, os canais de Veneza se tornassem um reservatório de água parada e fétida, uma vez que eles recebem esgoto não tratado da

cidade. Mas o pesquisador Miro Gacic, do Instituto Nacional de Oceanografia e Geofísica Experimental de Trieste, Itália, fez um estudo que alivia essa preocupação. Ele constatou que a taxa de vazão das marés para dentro da lagoa é imensa: o mar varre 550 milhões de metros cúbicos da lagoa em um único dia. Assim, bastaria deixar a represa aberta por algumas horas para a água do mar lavar a maioria da sujeira acumulada nos canais durante o período em que a barragem estiver fechada. O que sugere uma pergunta: não haveria também um meio de tratar o esgoto antes que ele fosse jogado nos canais de Veneza? •

O presidente chileno, Ricardo Lagos, assinou um acordo de livre mercado com a União Européia no dia 17 de maio, tornando o Chile o primeiro país da América Latina a se unir ao Sexto Programa de Estrutura da União Européia (Sixth Framework Programme), que visa a fortalecer os setores de ciência e tecnologia dos países participantes, segundo a revista Nature (23 de maio). A entrada do Chile no programa de US$ 14 bilhões impulsionará sua pequena, mas crescente, base científica. Segundo Eric Goles, presidente da Comissão Nacional do Chile em Pesquisa Científica e Tecnológica, os recursos serão investidos nos centros de excelência do país, dedicados à biologia molecular, matemática, biotecnologia, ciência de materiais, oceanografia e astronomia. O acordo, de cinco anos, que deve começar em 2003, poderá ajudar o Chile na sua meta de duplicar os gastos em pesquisa e desenvolvimento de 0,6% para 1,2% de seu produto interno bruto. •

Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br ~IO~EMAS

Experimente

livros

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www.arteletronica.cjb.net

http://intermega.globo.com/biotemas/

Site com trabalhos dos pesquisadores do Núcleo de Estudos em História Demográfica, da USP

Um projeto que contém, na web, um banco de dados com informações sobre vídeos experimentais

Informações diversas sobre zoologia, genética, citologia, bioquímica, microbiologia, entre outras

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 13


União para mapear o Paraíba do Sul Duas universidades se uniram para mapear a Bacia do Médio e Baixo Paraíba do Sul. A Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) criarão um banco de dados sobre as áreas de biogeoquímica, fluviometria, geoprocessamento, pluviometria, além de pesquisar os aspectos socioeconômicos. O programa será importante para cidades de três Estados - São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro - porque deverá resultar em um diagnóstico sobre uma região de 50 mil

• Senado estuda clonagem Os problemas éticos derivados dos avanços das técnicas de clonagem levou o Senado Federal a estudar o tema com a ajuda de especialistas e interessados no assunto, como líderes religiosos. O objetivo é ter subsídios suficientes para atualizar a legislação atual sobre o tema, já considerada ultrapassada. Em meados de junho, o senador Sebastião Rocha (PDT-AP) organizou um seminário em que foram debatidos vários aspectos da questão. O presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Esper Cavalheiro, participou do debate e afirmou que milhões de pessoas podem se beneficiar com os estudos e experiências envolvendo células embrionárias. ''A discussão com cientistas da área de agropecuária, portadores de síndromes genéticas

Rio Paraíba do Sul: projeto conjunto da USP e UENF

quilômetros quadrados. Cidades importantes como São José dos Campos, Tau-

e seus familiares é fundamental", disse. Os representantes do judaísmo, umbanda e espiritismo concordaram com a liberação no Brasil da elonagem terapêutica, que não vise fins reprodutivos. Mas o representante católico, frei Antônio Moser, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), se opôs ao procedimento por considerar que a vida começa com a fecundação do óvulo e, ao se destruir o embrião, como ocorre nesse tipo de clona-

14 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

baté, Juiz de Fora, Barbacena, Muriaé, Resende, Barra Mansa, Volta Redonda, Pe-

gem, está se destruindo a vida. Mayana Zatz, do Centro de Estudos do Genoma Humano, também participante do seminário, afirma que já é possível retirarem-se células embrionárias-a partir de cordões umbelicais, o que evitaria a morte dos embriões. Daí a importância de se criarem bancos de cordões. A Organização das Nações Unidas aprovou, em 1998, a Declaração Universal sobre o Genoma Humano, que autoriza a clonagem terapêutica. •

trópolis, Teresópolis, Nova Friburgo e Campos, entre outras, poderão utilizar o banco de dados como subsídio para políticas públicas em diversos setores, como tratamento de esgoto integrado e variações de vazão da água, irrigação e uso do solo. Pelas análises biogeoquímicas será possível obter dados sobre as propriedades físicas e químicas da água dos rios. A Esso Brasileira de Petróleo também participará do programa disponibilizando um laboratório de geoprocessamento, utilizando imagens de satélite. •

• Wever e Sardenberg ganham prêmio O ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, e o ex-presidente do Grupo Siemens e integrante do Conselho Superior da FAPESP Hermann Wever são os ganhadores do Prêmio de Mérito Tecnológico da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei), A premiação foi criada em 1989 para demonstrar publicamente o reconhecimento de seus associados a uma personalidade que tenha se destacado e contribua para os avanços tecnológicos do país. Já ganharam o prêmio José Mindlin, em 1989, Ozires Silva, em 1990, Edson Vaz Musa, em 1991, Iacques Marcovich, em 1992, José Paulo Silveira, em 1994, Celso Foelkel, 1996, Ronan de Freitas Pereira, em 1998 e Ernesto Heinzelmann, em 2000. •


• Revista Ciência e Cultura renasce Publicação de vida longa, mas intermitente, Ciência e Cultura volta a circular agora, em julho. A revista é uma feliz iniciativa da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), lançada um ano depois da criação da entidade, em 1949. O pesquisador e jornalista José Reis foi o seu idealizado r e diretor em dois períodos, de 1949 a 1954 e de 1972 a 1985. Seus primeiros redatores poderiam compor o quadro de qualquer publicação de divulgação científica do mundo: Marcello Damy de Souza Santos, Heinrich Rheinboldt, Viktor Leinz, Carlos Arnaldo Krug e Newton Freire- Maia. Em 1991, Ciência e Cultura passou a ser publicada em inglês, bimestralmente. Mas, em julho de 2000, a SBPC decidiu que ela deveria adotar uma linha temática e voltar a ser escrita em português. Agora, no 54° ano de sua história, a revista renasce com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), FAPESP, Instituto Uniemp e com o suporte técnico do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A SBPC e a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo são seus autores institucionais. Agora editada pelo lingüista e poeta Carlos Vogt (leia nota acima), a revista terá periodicidade quadrimestral, sempre com artigos e notas originais. O tema deste primeiro número é Violência, cuja coordenação de produção de textos foi delegada a Sérgio Adorno, do Centro de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP). •

Carlos Vogt é O novo presidente da FAPESP O lingüista e poeta Carlos Vogt foi nomeado pelo governador, Geraldo Alckmin, no dia 12 de junho, presidente da FAPESP, depois de eleito por unanimidade, com 12 votos, em primeiro escrutínio, pelo Conselho Superior da Fundação em substituição a Carlos Henrique de Brito Cruz, que assumiu a reitoria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em maio. Com 59 anos, nascido em Sales Oliveira (SP), Vogt já era conselheiro da Fundação. Professor titular da Unicamp, da qual foi reitor entre 1990 e 1994, ele fez cursos de pós-graduação em Semântica Lingüística na França e nos Estados Unidos e passou por universidades no Canadá e na Argentina. Coordenou o Centro de Lingüística Aplicada e foi chefe do Depar-

Vogt: eleito no primeiro

escrutínio

tamento de Lingüística do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, além de ter participado ativamente na criação do Instituto de Estudos da Linguagem, tendo sido também um dos fundadores do Instituto Uniernp, do qual foi diretor executivo. Atualmente, é vice-presidente da Sociedade Brasileira paTa o Progresso da

Revista volta a circular: longa folha de serviços prestados à divulgação científica no Brasil

• Brasil-Espanha via internet Encontro realizado em Miarni, Estados Unidos, dia 24 de junho, reforçou as estratégias para estabelecer uma conexão

ibero-americana por meio da interligação do NAP do Brasil, já em operação em São Paulo, e o NAP de Madri, portais mundiais de conectividade de internet, que estarão em pleno funcionamento

por unanimidade

Ciência (SBPC), coordena o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Unicamp, é diretor de redação da revista eletrônica de jornalismo científico Com Ciênciae editor chefe da revista Ciência e Cultura, da SBPC. Vogt tem 19 livros, dos quais seis de poemas (um no prelo) e 56 artigos e ensaios em periódicos. •

até meados de 2003. Participaram do encontro o governador da Flórida, Ieb Bush, líderes políticos e corporativos dos Estados Unidos, do Brasil, da Espanha e da América Latina e o diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez. O NAP do Brasil, parceria entre a FAPESP e a Terremark Latin America, é um grande terminal de prestação de serviços para provedores e concessionárias de telecomunicações que inclui o Ponto de Troca de Tráfego (PTT). O PTT é um ponto neutro de interconexão na internet no qual provedores de acesso, concessionárias e grandes clientes trocam diretamente tráfego de informações de clientes comuns. •

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 15




Fernando Henrique: "A USP precisa de espaço para museus e a FAPESP precisa de recursos para alavancar ainda mais suas atividades"

consumar a transferência da área. "Isso pode resultar num funding muito grande para a FAPESP", previu o presidente. O valor do terreno é difícil de calcular, em função de suas amplas possibilidades de uso. Acertada a transferência, a FAPESP deverá fazer um estudo para identificar a melhor forma de aproveitamento da área, já que, por sua localização estratégica, exigirá uma "operação urbana complexa', na avaliação de José Fernando Perez, diretor científico da Fundação. "Tem de ser uma intervenção inovadora, do ponto de vista tecnológico, que agregue valor ao patrimônio e, ao mesmo tempo, recupere a região", adianta Perez. A expectativa é ter um projeto consolidado até o final de 2003, quando está prevista a transferência da Ceagesp para uma área próxima ao Rodoanel Mário Covas. Desafios ousados - Na festa, os mais de mil convidados assistiram a uma apresentação da Orquestra Sinfônica de São Paulo, que, sob a regência do maestro Roberto Minczuk, executou o Hino Nacional, as Bachianas Brasileiras nO 4 e, por insistência da platéia, também o Trenzinho Caipira, das Bachianas nO 2, de

18 . JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

Heitor Villa-Lobos. A Sinfônica, criada em 1953, tem qualidade internacional e é um patrimônio do Estado. Estiveram presentes à comemoração, além do presidente da República, a primeira-dama, Ruth Cardoso, o governador Geraldo Alckmin e a primeira-dama do Estado, Maria Lúcia Alckmin, os ministros da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, e da Educação, Paulo Renato de Souza, o presidente da Assembléia Legislativa, Walter Feldman, o secretário de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo, Ruy Altenfelder Silva, além de deputados, empresários, pesquisadores, cientistas e representantes da comunidade acadêmica. O diretor-científico da Fundação, José Fernando Perez, comemorou o presente. "É uma maneira criativa e inovadora de financiar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, muito compatível com a forma de atuar da FAPESP", disse, lembrando que o artigo 3° da Lei 5.918, que criou a Fundação, prevê que a instituição consolide um patrimônio rentável. Enfatizou que o presente vem num momento "mais que adequado'; uma vez que a intenção da Fundação é "apoiar iniciativas


Brito lembrou que Fernando Henrique realizou pesquisa sobre empresários industriais e o desenvolvimento no Brasil com apoio da FAPESP

cada vez mais ousadas", o que requer maior capacidade de financiamento. A parceria com a USP, que já recebe 45% dos investimentos da Fundação, ele garante, é automática. "A iniciativa de integrar a comunidade acadêmica poderia se viabilizar ao mesmo tempo em que a Fundação forma um patrimônio que gere rendimento': argumentou. Bolsista ilustre - Durante as comemorações, o presidente da FAPESP e atual reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Carlos Henrique de Brito Cruz, resgatou a história da Fundação, desde 1947, quando um grupo de pesquisadores apresentou à Assembléia Legislativa proposta de sua criação. Lembrou que, no primeiro ano de sua fundação, a FAPESP concedeu bolsa ao então professor Fernando Henrique, da USP, para a conclusão da pesquisa publica da no livro Os Empresários Industriais e o Desenvolvimento Econômico do Brasil. ''Alguns meses depois ele pediu suplementação de verba por conta da inflação", brincou. Perez, em seu discurso, enfatizou o caráter moderno da Fundação e sua capacidade

de conciliar formas tradicionais de atuação e, ao mesmo tempo, induzir o avanço de pesquisas estratégicas e estimular o sistema de inovação no país. À vontade entre seus pares, o presidente Fernando Henrique falou de improviso. Chamou atenção para o fato de as instituições brasileiras de apoio à pesquisa, como a FAPESP - concebida nos anos 40, mas efetivamente criada nos 60 -, e as instituições cinqüentenárias, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), serem contemporâneas da National ScienceFoundation (NSF), dos Estados Unidos, e do Conselho Nacional de Pesquisa Científica, da França. "Não é só agora que estamos à frente. Há 60 anos, estávamos nos esforçando para criar um ambiente favorável ao desenvolvimento científico e tecnológico", afirmou. Sublinhou a capacidade do Brasil de institucionalizar a ciência e afirmou que a tecnologia e a difusão de novos conhecimentos permitirão à sociedade brasileira garantir melhor qualidade de vida e diminuir os níveis de desigualdade. • PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 19


• POLÍTICA CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA

DIFUSÃO

o desafio de compartilhar 20 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77


ezCentros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids), criados em setembro de 2000 e financiados pela FAPESP, desenvolvem investigação de ponta na fronteira do conhecimento. Os diversos grupos multidisciplinares buscam, desde a identificação de genes expressos em doenças, até o desenvolvimento de novos diagnósticos para a formulação de drogas mais eficazes, passando pela análise das estruturas de proteínas, de novos materiais cerâmicos e até da violência que assola a Região Metropolitana de São Paulo. Mas um dos grandes desafios desses pesquisadores é compartilhar esse conhecimento com a sociedade, de forma a subsidiar políticas públicas, contribuir para o desenvolvimento de novas tecnologias e para a formação do cidadão. É por isso que, paralelamente às atividades de pesquisas, os Cepids implementam, de a sua constituição, programas de difusão, que vão desde campanhas públicas até formação de professores de ensino médio e atividades educacionais desenvolvidas diretamente com alunos. No caso das campanhas, como as do Centro de Pesquisa e Tratamento do Câncer, formado por dois institutos, o Hospital do Câncer A. C. Camargo e o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, a mídia é forte aliada. Ao longo de dois anos, o centro veiculou, por meio de outdoors, TVs, jornais e revistas de todo o país, peças publicitárias produzidas gratuitamente pela agência J.Walter Thompson - com o objetivo de estimular mudanças de hábitos para prevenir o câncer de pele, de colo de útero e de pulmão e, ao mesmo tempo, alertar a população para os benefícios do diagnóstico precoce. "O índice de cura dessehospital é de 64%. Poderia ser maior se o paciente não nos procurasse tarde demais", diz Daniel Deheinzelin, diretor clínico do A. C. Camargo. A veiculação na mídia gerou uma busca de informação por conteúdo: o número médio de visitas mensais ao site do centro chegou a 740 mil. "Fomos o primeiro site de saúde mais visitado em todo o mundo", conta Deheinzelin. E os resultados são surpreendentes: é cada vez maior o número de pacientes que chegam ao hospital já com um amplo conhecimento sobre a doença e até sobre os protocolos utilizados no seu

D

Política de divulgação dos Cepids consegue aproximar da sociedade o conhecimento científico, apoiar pol íticas públ icas e formar recursos humanos

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 21


tratamento. "Isso contribui para checar a qualidade do atendimento e facilita o diálogo", afirma. A expectativa é acabar com o estigma em torno da doença, consolidar a idéia de que o câncer tem cura e elevar o índice de remissão para um patamar em torno de 75%. Outro Centro que lançou mão de campanhas públicas foi o de Estudos do Sono, vinculado ao Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Os pesquisadores estudam, desde a década de 70, os distúrbios do sono, doença não identificada como tal por grande parte da população, mas que é responsável, por exemplo, por grande parte dos acidentes de ônibus registrados no país. O interesse da mídia pelo tema contribuiu para que os pesquisadores participassem, nos últimos dois anos, de uma série de programas e entrevistas nos principais canais de televisão, jornais e revistas de circulação nacional. Roberto Frussa Filho, coordenador de divulgação, estima, 22 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

por exemplo, que algo em torno de 26 milhões de pessoas receberam alguma informação sobre os problemas do sono por meio da Tv. caso o do Centro de Estudos em Óptica e Fotônica - que reúne pesquisadores do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) -, a televisão, o rádio e os jornais são utilizados como veículos para divulgação de conceitos e popularização da ciência. Em São Carlos, por exemplo, o centro montou um pequeno estúdio onde são produzidos, semanal-

N

mente, três programas de TV: Nota 10, Vida e Ciência e Aulas de Física, transmitidos diariamente na TV Educativa e na TV Universitária, cujos sinais são captados também em Araraquara e Ibaté. Todos os programas têm caráter educativo e temas atuais, como o uso da fototerapia no combate ao câncer, do geoprocessamento, além de notícias sobre novas tecnologias, entre outros. "Já temos mais de 30 programas gravados", conta Kleber Jorge Sávio Chicrala, assessor de divulgação e imprensa desse Cepid. Isso sem falar em um programa semanal de rádio e nas colunas de ciência, também semanais, publicadas em dois jornais de circulação local. O centro produz, também, vídeos educativos para as escolas de 10 e 20 graus da rede pública, com o objetivo de suprir


a deficiência de material didático, com explicações sobre ondas eletromagnéticas, uso de laser, holograma, entre outros. O acervo já soma 50 vídeos. Outro projeto desenvolvido nas escolas é o de Entomóptica, uma metodologia de ensino que associa a óptica e a educação ambiental para explicar às crianças da pré-escola o mundo dos insetos. O material didático - microscópios, lâminas, ete. - é fornecido pelo Cepid. Na Unicamp, os alunos e pesquisadores desse Cepid estão adaptando um kit desenvolvido pela Optical Society of América (OSA), que permite a demonstração simples de elementos em óptica. O material será utilizado nas escolas de ensino fundamental e de ensino médio. "Constata-se que é cada vez menor a vocação para a ciência. Nos Estados Uni-

dos, existem programas agressivos para despertar o interesse dos alunos já na escola primária. A nossa intenção é fazer o mesmo", explica Hugo Fragnito, diretor científico do centro.

Jovens talentos - O Centro de Terapia Celular, em Ribeirão Preto, aposta alto no desenvolvimento de jovens talentos por meio de um programa, batizado de Caça-Talentos, que reúne mais de 80 alunos, da sexta série de ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio. Os alunos são selecionados por seus professores para, juntos, desenvolver atividades de iniciação científica fora da sala de aula. Já tiveram cursos sobre peixes de riacho, genética, paleontologia e evolução com professores da universidade. Nos cursos, muitas vezes, é preciso lançar mão

de estratégias como a dramatização, por exemplo, para trabalhar e fixar conceitos relacionados a questões de difícil compreensão, como clonagem, transgênicos, entre outros. O centro também edita, há um ano, o Jornal das Ciências, dividido em três seções: o Espaço do Aluno, com notícias sobre a participação dos estudantes nas atividades escolares; A Palavra do Professor, com relatos sobre experiências em salas de aulas; e a seção Aula de Ciência, assinado por pesquisadores, com informações sobre linhas de pesquisas e sugestões de conceitos para serem trabalhados pelo professor. O jornal também é um canal de comunicação entre a escola e a Casa da Ciência, mantida pelo Hemocentro de Ribeirão Preto, uma base de apoio ao programa de difusão do Cepid. A divulgação da informação científica para alunos do ensino médio também é o foco dos projetos desenvolvidos pelo Centro de Biologia Molecular Estrutural, que reúne pesquisadores dos laboratórios de Cristalografia de Proteínas e Biofísica Molecular do Instituto de Física da USP, em São Carlos; do Departamento de Química e do Laboratório de Síntese e Produtos Naturais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); e do Centro de Biologia Estrutural do Laboratório Nacional Luz de Síncrotron (LNLS), em Campinas. Os pesquisadores já produziram um farto material didático para utilização dos professores em sala de aulas. Confeccionaram, por exemplo, modelos em plástico para a construção de moléculas de ácido nucléico e de proteínas que permitem a montagem de moléculas de DNA, de RNA e a construção de diferentes tipos de estrutura de proteínas. Criaram também um disco de aminoácido que dá ao aluno acesso a uma série de informações, inclusive de código genético. Esse material chamou a atenção da Amersham Bioscience, empresa com sede na Suíça, que tem planos de distribuí-lo mundialmente PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 23


como brinde aos clientes. Um especialista em Pesquisa, Educação e Difusão de Ciência está avaliando a aplicação do material e os resultados têm se mostrado positivos: os alunos que manipularam um kit sobre respiração celular, por exemplo, tiveram um melhor aproveitamento da matéria que os demais. Para difundir o uso do material didático, o centro realizará, em julho, o 10 Curso de Capacitação de Professores de Biologia e Ciência. "Entre os diversos temas, vamos tratar de genômica e estrutura das moléculas': diz Leila Maria Beltramini, coordenadora de Difusão do Cepid. Apoio didático - O apoio didático aos professores é uma das tônicas dos programas do Centro de Estudos do Genoma Humano, que já publicou uma coleção com três volumes sob o título Conceitos de Biologia, dois livros paradidáticos sobre clonagem humana e seqüenciamento do DNA e um guia de apoio didático para professores. Isso sem falar nos cursos para professores do ensino médio, com aulas sobre seqüenciamento do DNA, biologia molecular, genética básica, entre outros. A maior dificuldade, na avaliação de José Mariano Amabis, coordenador de Educação e 24 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

Centro de Estudos da Metrópole realiza o mosaicamento da Região Metropolitana de São Paulo, a partir de fotos aéreas

Difusão do centro, está em ajustar o material didático às demandas dos professores e garantir a sua utilização em sala de aula. "Os professores têm grande dificuldade em compreender procedimentos científicos e não dominam a visão filosófica da ciência, o que impede que desenvolvam a habilidade do aluno de pensar e propor hipóteses." .

teração com professores e alunos também é a marca registrada dos programas de difusão do Centro Multidisciplinar para o Desen~ volvimento de Materiais Cerâmicos, formado por pesquisadores da UFSCar, Universidade Estadual Paulista (Unesp/São Carlos, a USP de São Carlos, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF /CNPq) e o Ipen. Mas, o destaque são

para as ações desenvolvidas com artesãos e indústrias de cerâmica. No ano passado, por exemplo, o Cepid participou do projeto Artesanato e Geração de Renda, promovido pelo Conselho do Comunidade Solidária, em diversos estados brasileiros. Os pesquisadores avaliaram a qualidade do artesanato em regiões, como o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, conhecido pela habilidade de seus artesãos. Caracterizaram as argilas utilizaram na confecção das peças, analisou custos, observaram e avaliaram as condições de queima, recomendaram o uso de aditivos - como o vidro moído - para aumentar a resistência mecânica e até propuseram novas técnicas de modelagem. A intenção era melhorar a qualidade do produto, ampliar mercado, resgatar tradições populares e aumentar a renda das famílias. "As peças ganharam


Centro de Materiais Cerâmcos analisou a qualidade do artesanato do Vale do Jequitinhonha

mais qualidade': diz Elson Longo, diretor do Cepid. Já o Centro de Toxinologia Aplicada, além de assumir a responsabilidade dos cursos de formação de alunos e professores tradicionalmente promovidos pelo Instituto Butantan, desenvolve ainda atividades voltadas para a formação de pesquisadores, profissionais de saúde e estudantes selecionados. Realiza, desde o ano passado, um curso de dez dias com o tema Inovação Farmacêutica e Propriedade Intelectual, ministrado por três especialistas: um brasileiro, um inglês e um norte-americano, com participação da indústria farmacêutica. "Tratamos desde o desenvolvimento da inovação, no século 19, até das formas de proteção da propriedade intelectual': diz Antonio Carlos Martins de Camargo, diretor do Cepid. O centro já publi-

cou o livro Guia de Serpentes da Mata Atlântica, dirigido a um público mais especializado, com 4 mil exemplares já esgotado e que deverá, em breve, ter nova tiragem, desta vez em inglês. No segundo semestre deste ano, será lançado outro livro, A Estação Ecológica[uréia, que reúne pesquisas realizadas na áreas nos últimos 15 anos sobre clima, fauna, flora, entre outras informações. Políticas públicas - Noutra perspectiva de atuação, os Centros de Estudos da Metrópole (CEM) e de Estudos da Violência estão desenvolvendo pesquisas com vistas a subsidiar políticas públicas. O CEM reúne um conjunto de projetos de pesquisas desenvolvidas pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e pelo Laboratório de Urbanismo da Metrópole (Lume), da Facul-

dade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da USP, nas áreas de organização espacial, meio ambiente, estrutura social, cultura, entre outras, sobre a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Os programas de difusão se realizam por meio de cursos de capa citação de professores do ensino médio, em parceria com o Serviço Social do Comércio (Sesc). "Os temas estão vinculados aos programas de História e Geografia do ensino fundamental': conta Argelina Cheibub Figueiredo, coordenadora do Cepid. As informações da pesquisa também estarão, em breve, disponíveis no site do CEM e numa série de documentários produzidos pela Escola de Comunicação e Artes (ECA). O Lume também deverá publicar, ainda este ano, o livro São Paulo Metrópole, com 40 mapas temáticos demonstrando a dinâmica do desenvolvimento urbano da região e que conterá, ainda, uma espécie de mosaico da RMSP, confeccionado a partir de fotos áreas devidamente trabalhadas para ajustar as imagens à base de logradouros georeferenciados. "Será um grande inventário de São Paulo, com enfase na transição da metrópole industrial para a de serviços", explica Regina Maria Prosperi Meyer, coordenadora do Lume. Está previsto que o Centro de Estudos da Violência divulgue os resultados das pesquisas a partir do próximo ano. "Não podemos publicá-los antes sob o risco de intervir nos resultados", diz Sergio Adorno, coordenador de pesquisa do Cepid. O centro desenvolve cinco projetos integrados por meio dos quais deverá cruzar informações sobre a violação dos direitos humanos com indicadores de direitos econômicos e sociais; analisar as bases da política de segurança pública em São Paulo; analisar o processo de construção da impunidade no país, apontando pontos de estrangulamento da Justiça Penal; testar o uso de modelos de contratos de segurança, em parceria com a comunidade de áreas selecionadas; e monitorar a violação dos direitos humanos na região. "Nosso objetivo é contribuir para a formatação de políticas mais compatíveis e que gerem mais confiança do cidadão na Justiça", diz Nancy Cardia, coordenadora de Transferência de Conhecimento e Educação do Cepid. • PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 25


• POLÍTICA CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA

FITOTERÁPICOS

o preço da indefinição Pesqu isadores do Cebrid interrompem pesquisa com os I<rahô CLAUDIA

IZIQUE

Ahkrô: nome científico mantido em segredo 26 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

P

esquisadores liderados por Elisaldo Carlini, diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), decidiram suspender o projeto de investigação sobre a fitofarmacopéia Krahô que vinham desenvolvendo, com o apoio da FAPESP, em três aldeias da reserva indígena da etnia numa região de cerrado, no norte do Estado do Tocantins. A pesquisa, conduzida pela bióloga Eliana Rodrigues, uma doutoranda orientada por Carlini, já tinha identificado 164 espécies vegetais usadas pelos pajés com fins medicinais, 138 das quais pareciam ter potencial para atuar sobre o sistema nervoso central e possibilidade de virem a ser aproveitadas no desenvolvimento de novas drogas. O projeto foi capa da Pesquisa FAPESP nO 70, de novembro/dezembro de 200l. Apesar de um acordo firmado com a Vyty-Cati, associação que representa duas das 17 aldeias da Kraholândia, em fevereiro de 2001, garantindo, além do acesso ao material, a participação dos ín-

Punhiejopihtu lI, uma das amostras do projeto


dios na distribuição de royalties decorrentes de um eventual depósito de patente, a pesquisa foi desautorizada. Membros de outra associação dos Krahô, a Kapey, contesta a representatividade da Vyty-Cati e reivindica a inclusão de todas as aldeias na repartição de eventuais benefícios decorrentes da pesquisa. Em documento assinado por 29 caciques, pajés e membros da associação, a Kapey cobra da Unifesp uma indenização no valor estimado de R$ 5 milhões a título de danos morais e uma Taxa de Bioprospecção no valor de R$ 20 milhões "pelo trabalho de coleta das plantas e do conhecimento a elas associado repassados pelos pajés Krahô", para retomar a discussão sobre a continuidade da pesquisa. "Foi um banho de água fria", lamenta Carlini. O Ministério Público Federal, segundo sua assessoria, por solicitação da Unifesp, está verificando, há alguns meses, a regularidade do acordo firmado entre a associação índigena Vyty-Cati e a universidade. "Entendo que a coleta de recursos naturais na referida área indígena não observou requisitos essenciais,

tais como consentimento prévio informado de todos os índios da etnia Krahô e a distribuição equitativa de benefícios': comenta Maria Luiza Grabner, procuradora da República que analisa o caso. Participação na patente· A intenção de Carlini e seu grupo de pesquisadores é recomeçar o projeto com outras plantas na região do pantanal ou da caatinga, longe de áreas de reservas indígenas. "O Brasil tem 55 mil plantas", ele lembra. Mas a interrupção das pesquisas na Kraholândia aborta uma experiência inédita no país: a de compartilhar os benefícios do conhecimento com as comunidades tradicionais onde eles tiveram origem. "Os índios são autores de um trabalho científico. Por ensaio e erro, descobriram os efeitos de uma planta sobre determinada doença. O papel do cientista, nosso, no caso, é testar essa informação", diz. Apesar do interesse na pesquisa, a intenção sempre foi proteger as tradições do grupo", afirma Carlini. O projeto começou em 1998, depois de aprovado pela FAPESP, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimen-

Hutticahãc parece atuar no sistema nervoso

to Científico e Tecnológico (CNPq), pela Comissão Nacional de Ética e Pesquisa, e de ter sido encaminhado à Fundação Nacional do Índio (Funai). A aprovação da Funai só saiu em julho de 200l. "Enquanto isso, obtivemos autorização dos índios para garantir a entrada na aldeia", ele lembra. Nesse período, os pesquisadores e os representantes dos Krahô elaboraram várias minutas de um acordo finalmente assinado pela VytyCati em fevereiro de 2001, que garantia a todos os índios participação numa eventual patente, junto com a Unifesp. Nessa época, já havia entendimento preliminar entre a Unifesp, os Krahô e três laboratórios nacionais para explorar as plantas medicinais. Mas nenhum acordo foi firmado. urante toda a pesquisa, o nome científico das plantas e seu possível uso terapêutico foi mantido em sigilo - elas foram identificadas por seus nomes na linguagem timbira - e todas as amostras foram guardadas no Instituto de Botânica do Estado de São Paulo. "Além disso, o método de coleta utilizado não permitia sua análise fito química ou farmacológica. Além de ter coletado apenas três galhos de cada espécie, utilizei álcool nas plantas, o que impede que seja feita a seleção de substâncias (screening químico)", conta Eliana. Em novembro de 2001, pouco antes da defesa de tese que suscitou o estudo, os pesquisadores reuniram-se novamente com os representantes dos Krahô, em São Paulo, num encontro que contou com a participação de um advogado especialista em propriedade intelectual e de um antropólogo, assessor da Vyty-Cati, na tentativa de definir uma proposta de acordo e debater a partilha dos royalties. Uma nova reunião, em fevereiro de 2002, trouxe para o debate o Ministério Público Federal, representantes da indústria farmacêutica e da Funai. Uma série de pontos estavam obscuros. Havia controvérsias, por exemplo, sobre a representatividade legal indígena para firmar acordos. "A reunião foi um banho de água fria", lembrou Carlini. Foi sugerido que a pesquisa fosse suspensa até que a questão da repartição dos benefícios estivesse resolvida. "Em maio a Kapey nos convidou para um encontro em Tocantins, para

D

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 27


maiores esclarecimentos sobre o projeto, caso contrário eles nos processariam", lembra Carlini. "Mas os índios da Vyty-Cati nos disseram que eles preferiam discutir o assunto entre eles. Nós não fomos à reunião, mas mandamos uma carta colocando-nos à disposição para o entendimento." Foi exatamente nesse encontro que a Kapey decidiu cobrar indenização e uma taxa de bioprospecção da Unifesp. Marcos legais - A ausência de marcos legais de proteção da biodiversidade no Brasil expõe grupos indígenas a ações de biopirataria e, ao mesmo tempo, inibem iniciativas, como a da Unifesp, que buscam formas responsáveis de incorporar à ciência os conhecimentos tradicionais, compartilhando resultados. No Brasil, a biodiversidade e as culturas tradicionais são protegidas pela Medida Provisória 2.186, de 2001, editada depois do início da pesquisa e do acordo da Unifesp com a VytyCati. A MP condiciona o acesso a recursos naturais à autorização da União, reconhece o direito das comunidades indígenas e locais de decidirem sobre o uso de seus conhecimentos associados aos recursos genéticos e prevê a repartição de benefícios, se houver uso e comercialização. "Os benefícios resultantes da exploração econômica de produto ou processo desenvolvido a partir de amostra de componente de patrimônio genético e de conhecimento tradicional obtidos por instituição nacional ou instituição sediada no exterior serão repartidos, de forma justa e equitativa, entre as partes contratantes, conforme dispuser o regulamento e a legislação pertinente': consta no texto da MP. Por tratar-se de medida provisória, ainda não convertida em lei, o regulamento e a legislação pertinentes, aos quais se refere o texto, ainda não foram definidos. A medida criou o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, com caráter deliberativo e normativo, composto por representantes de órgãos e entidades da administração pública federal. Caberia a esse Conselho estabelecer critérios para as autorizações de acesso e de remessa e diretrizes para a elaboração do Contrato de Utilização do Patrimônio 28 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

Genético e Repartição de Benefícios. Neste caso, a ausência de regulamentação justifica a recomendação dos advogados, apresentada no encontro entre os pesquisadores da Unifesp e os índios em fevereiro de 2002, de suspender a pesquisa. "Infelizmente, a ausência de estratégias de execução da MP afasta o interesse de pesquisadores nacionais de se envolverem com pesquisas na área de conheci. mentos tradicionais. O conhecimento das etnias brasileiras continuam à mercê de estrangeiros, que continuam se apropriando do material oferecido pela biodiversidade", lamenta Cristina Assimakopoulos", advogada da Comissão de Propriedade Intelectual da Unifesp. é com base nessa Medida Provisória que a associação Kapey quer que a Unifesp pague R$ 20 milhões, à guisa de Taxa de Prospecção, para continuar a pesquisa No capítulo das sanções administrativas está prevista a aplicação de multa "arbitrada pela autoridade competente, de acordo com a gravidade da infração e na forma do regulamento", que pode variar de R$ 10 mil a R$ 50 milhões se a infração for cometida por pessoa jurídica. Em caso de reincidência, a multa seria aplicada em dobro.

E

o caso aguaruna - Há oito anos, os índios aguarunas, do Peru, viveram situação semelhante. O Grupo Internacional de Biodiversidade Cooperativa (ICBG) implementou um programa de bolsas - patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde, pela Fundação Nacional de Ciência e pela Agência Estadunidense para o Desenvolvimento - com a intenção de "pedir a conservação da biodiversidade e a promoção de atividades economicamente sustentadas por meio da descoberta de drogas originadas de produtos naturais': Uma das cinco bolsas foi para Walter Lewis, da Universidade de Washington, por trabalho baseado na coleta de plantas medicinais utilizadas pelos povos aguarunas, na Amazônia peruana. Participavam do convênio duas universidades peruanas e a Searle & Co., braço farmacêutico da Monsanto. As negociações começaram em 1994 e uma carta de intenções foi assinada com os representantes dos aguarunas. Até 1996, o povo aguaruna não participou formalmente do processo, até que, em maio daquele ano, eles foram até a sede da Searle, em Saint Louis, com uma proposta para renegociar o convênio, que previa uma licença de know-how entre a empresa e o grupo e compensação pela coleta de recursos e uso do conhecimento. Como as organizações aguarunas representavam menos da metade do povo, o convênio foi inicialmente concebido como uma licença não exclusiva: outros grupos ou povos não estariam impedidos de utilizar seu direito de uso, compartilhamento ou venda de suas plantas medicinais ou conhecimento, em qualquer parte do mundo. Ficou estabelecido, no entanto, que o compartilhamento do benefício teria que levar em conta o interesse de todos os grupos ainda que a coleta da plantas medicinais se realizasse apenas nas comunidades afiliadas à organização signatária do convênio - e somente depois de decisão tomada por assembléia da comunidade expressando o seu desejo de participar. As pesquisas estão em andamento e o convênio é considerado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi) um modelo bem-sucedido de entendimento. •


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A revista Pesquisa FAPESP traz, a cada mês, mais de 90 páginas de notícias exclusivas sobre o que é feito de mais avançado nas universidades e institutos de pesquisa do Brasil. As reportagens que você lê primeiro aqui retratam a base do conhecimento que será fundamental para o desenvolvimento do país. Ler Pesquisa FAPESP é acompanhar essa evolução sem perder nenhum movimento .

• Pesq~J~a O passo à frente do conhecimento


• CIÊNCIA

LABORATÓRIO

A cronologia das teorias de Galileu Físicos estão ajudando os historiadores a descobrir em que ano o cientista Galileu Galilei formulou a lei da queda livre. A própria tinta que Galileu usava para escrever está servindo de testemunha. Dentre várias descobertas geniais, o cientista italiano ficou famoso ao descobrir que objetos de diferentes massas caem com a mesma aceleração em direção ao solo. Historiadores da ciência sempre desejaram saber quando e como ele teve essa brilhante idéia, que foi a primeira ruptura com as teorias aristotélicas de movimento. A lei ainda não apa-

• Sintonia escondida da memória Da próxima vez em que você não se lembrar de onde pôs as chaves do carro, console-se: essa preciosa informação não fugiu de sua memória. Ela

20 Documento de Galileu: combinação da data de tintas

rece na obra Do movimento, escrita em 1590, mas está completamente formulada em 1632,quando Galileu publicou seu Diálogo sobre os

Dois Máximos Sistemas do Mundo. Mas as notas escritas entre esses dois traba-

continua lá, bem guardada. Perdeu-se apenas a sintonia entre as várias partes que compõem a informação. Essa explicação acerca do funcionamento da memória foi dada pot pesquisadores norte-americanos ligados à Uni-

Manipuladores de cérebros Nos últimos tempos, o crescente desenvolvimento da genética tem suscitado discussões acaloradas. Os críticos descrevem um cenário aterrador: a criação de uma sociedade homogênea, a perda de privacidade, a ameaça à própria condição humana. Mas essa não é a única ciência a embutir esses perigos, aler-

vela a proporção

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ta a revista Economist (25 de maio). Os avanços em neurotecnologia - que permitem manipular o cérebro e modular as emoçõeslevantam questões éticas e legais da mesma natureza e gravidade que os da genética. Até recentemente, a maioria das experiências com cérebro humano não era considerada ética. A

30 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

lhos não são datadas. Por isso, físicos do Instituto Nacional de Física Nuclear de Florença, Itália, estão bombardeando páginas das notas de Galileu com um feixe de prótons e criando raios X com um espectro que re-

de ferro,

:: cobre, zinco e chumbo na tinta. A partir desses dados, os pesquisadores conseguiram identificar mais de 20 diferentes grupos de tintas. E descobriram que a tinta usada na primeira formulação da lei de Galileu foi também empregada em registros financeiros datados de 1604. Agora, combinando as datas das tintas com o que já se sabe sobre a vida de Galileu, os historiadores esperam pôr o restante dos papéis em ordem cronológica e, assim, traçar um quadro ainda mais completo sobre a vida e obra do cientista. •

versidade Iohns Hopkins e Universidade do Arkansas para Ciências Médicas. Segundo os pesquisadores, o registro das informações envolve sentidos diferentes (visão, tato, audição) e, portanto, partes diferentes do cérebro

para armazená-lo. Segundo o estudo, publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (abril de 2002), a área responsável por fazer as conexões elétricas entre as várias partes do cérebro que estocam os fragmentos


de memória seria o tálamo. Se confirmada, essa teoria pode mudar radicalmente a forma de tratar doenças como Alzheimer, Parkinson e derrame cerebral. •

• Ambiente marciano em solo inglês Enquanto os terráqueos não chegam à Marte, cientistas do Centro de Pesquisas Espaciais da Universidade de Leicester, Inglaterra, conseguiram trazer um pouco de Marte à Terra. Eles construíram um simulador capaz de reproduzir o ambiente marciano: ar composto, basicamente, por dióxido de carbono, temperatura entre -10 graus Celsius de dia e -80 graus à noite, pressão do ar de 6 milibares (a da Terra é, em média, de 1 bar ou 1000 milibares). O Martian Environment Simulator (MES) - ou Simulador de Ambiente Marciano - será utilizado para testar os equipamentos do veículo Beagle 2, que deverá chegar a Marte em 2003, com uma importante missão: descobrir se, além do gelo existente abaixo da superfície do planeta, há, também, indícios de vida. •

tradição mandava que os neurocientistas se sentassem com os braços cruzados, esperando que um paciente entrasse no consultório com um tumor ou outra lesão numa parte do cérebro cuja função ainda não fosse conhecida. Teoricamente, esse paciente apresentaria algum comportamento estranho que poderia ser relacionado com a área lesada. Assim, aos poucos se poderia traçar um mapa funcional do cérebro. Ao longo da última década,

Marte: simulador para testar máquinas

• Engenharia correta para o lixo urbano Nada como a simplicidade para resolver problemas aparentemente insolúveis. O destino do lixo urbano, uma das grandes dores de cabeça de qualquer prefeito, recebeu algumas idéias criadas pela Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que poderão ser imitadas por todos os pequenos ,municípios entre 20 mil e 30 mil habitantes. A equipe da professora Liséte Lange, do Departamento de

contudo, as máquinas para medição da atividade cerebral proliferaram e se sofisticaram. Uma dessas novas técnicas é a imagem por ressonância magnética funcional, que emprega campos magnéticos para monitorar a taxa de fluxo sangüíneo no cérebro e, assim, determinar que áreas estão mais ativas. Essa máquina permite monitorar as emoções humanas como nunca foi possível antes. Pesquisadores da Universidade de Pittsburgh, por

Engenharia Sanitária da universidade, decidiu se inscrever no Programa de Pesquisa em Saneamento Básico (Prosab), vincula'" do ao Ministério ~ da Ciência e Tecnologia, para criar alternativas de disposição de resíduos sólidos para pequenas comunidades. "Resolvemos fazer uma experiência em escala real e conseguimos um convênio com a prefeitura de Catas Altas, interior de Minas Gerais, de 5 mil habitantes", diz Liséte, coordenadora do projeto. O trabalho consistiu em usar uma área de 38 hectares para

depositar o lixo da cidade. A diferença com os lixões comuns é que foram aplicadas todas as técnicas de engenharia para evitar problemas ambientais e sanitários. Nessa área de 38 hectares são abertas valas no formato de trapézio, de 5 metros na parte mais alta e de 3 metros na parte baixa. É cavado um buraco de 3 metros de profundidade, que recebe um sistema de drenagem. São construídos dutos com garrafas PET (de plástico) para liberar os gases decorrentes da decomposição do material. Até a compactação do lixo que vai para a vala é feita com um rolo manual muito barato, criado pela equipe da universidade.

Caminhão joga lixo na vala: 1,8 tonelada em cada buraco

exemplo, obtiveram uma espécie de marcador para depressão. O que mais assusta é a perspectiva de que a neurotecnologia possa ser usada para "melhorar" seres humanos, abrandando as diferenças entre as pessoas e transformando a sociedade em algo homogêneo. Ou o oposto: criando castas de seres com upgrade, privilegiados em relação a outros. Como na genética, a neurociência avança mais rápido do que o encontro das respostas. •

Na vala cabe 1,8 tonelada de lixo (ela leva de três a quatro meses para ser preenchida com essa quantidade). Depois de cheia, a vala é coberta e são plantadas gramíneas. "Os 38 hectares deverão estar esgotados em 15 anos." Quando a coleta seletiva de lixo começar a funcionar na cidade, esse prazo deve aumentar para 20 anos. O projeto custou apenas R$ 45 mil à prefeitura de Catas Altas no primeiro ano (2001), mas vai cair em 2002 porque a maior parte do investimento em infra-estrutura já foi feito. • PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 31


Pesticidas como causa de câncer Tudo indica que um tipo de agente cancerígeno extremamente perigoso continua fazendo vítimas na área rural. Pesquisa realizada na parte serrana do Rio de Janeiro mostrou que entre 1979 e 1998 os agricultores dessa região morreram mais de câncer do que o resto da população. O biólogo Armando Meyer, da Escola Nacional de Saúde Pública, ligada à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), estudou uma área em que impera a policultura, modo de produção de produtos hortifrutigranjeiros, cujas culturas exigem aplicação de tipos diferentes de pesticidas. Ele comparou óbitos por câncer em agricultores homens entre 30 e 69 anos com a população urbana do Rio

• Sobre homens e ratos A proximidade entre roedores e homens é maior do que se pensava, segundo indica a análise do cromossomo 16 do rato. "Uma diferença de 2,5% é, provavelmente, uma estimativa razoável': afirma Richard Mural, da empresa Celera, que está trabalhando na comparação do cromossomo do camundongo com o DNA humano. Dos 731genes achados, apenas 14 não foram encontrados também em humanos. O trabalho foi publicado na revista Science (vol. 296, pág. 1661) e a empresa disponibilizou a seqüência completa na Internet. Mas o resto do genoma do rato só estará disponível

Pulverização

com pesticidas: falta de informações

de Janeiro e de Porto Alegre. O número de mortes observados, para determinados tipos de câncer, foi proporcionalmente maior entre agricultores do que nos demais grupos. Entre 50 e 69 anos, os trabalhadores rurais morreram mais de tu-

para quem pagar. A Celera ficou famosa ao competir com o consórcio público internacional de laboratórios - Estados Unidos e a Inglaterra na liderança - pelo seqüenciamento do genoma humano. Um dos fundadores da companhia foi o polêmico geneticista Craig Venter. Em mea-

mores no esôfago, estômago, laringe e pênis; entre 30 e 49 anos foram mais atingidos por leucemia, câncer de testículo, tecidos conjuntivos e fígado, além de esôfago e estômago. Meyer tem duas explicações para esses resultados. A primeira é a carci-

dos de junho deste ano, meses depois de Venter ter se desligado da empresa, seus dirigentes anunciaram que ela pararia com o trabalho de seqüenciamento de genes humanos. O geneticista pretendia concluir o genoma humano antes do consórcio público para vender os resultados

nogênese química, no qual as moléculas de alguns pesticidas se ligam ao código genético das células desencadeando um processo de multiplicação descontrolado. A outra hipótese é interação entre as substâncias químicas e o sistema endócrino, o que pode causar distúrbios no seu comportamento. O maior problema, no entanto, é o fato de os agrotóxicos serem utilizados de modo errado e sem a proteção necessária pelas pessoas que estão em contato direto com as lavouras. Também usam-se os produtos em doses superiores às recomendadas. "O simples uso dos pesticidas constitui-se em grave problema de saúde pública no meio rural", diz Meyer. •

para laboratórios interessados. Mas o consórcio apressou-se e conseguiu publicar o trabalho ao mesmo tempo que a Celera. Sem os lucros esperados, a empresa decidiu, então, investir em medicamentos e trabalhar apenas com os genes já seqüenciados de seres humanos e ratos. •

• Achadas duas novas espécies de macaco

Rato: diferença de apenas 2,5% no cromossomo 16

32 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

Pródiga em polêmicas e disputas, a Amazônia brasileira produziu mais uma surpresa em junho. Foram descobertas duas novas espécies de macacos sauá, o que eleva para 95 o número de primatas nativos do Brasil, o país com maior diversidade em macacos. Pesando apenas 700 gramas,


Callicebus bernhardi (acima) e C. stephennashi

com 80 centímetros do focinho à cauda, eles receberam os nomes científicos de Callicebus bernhardi e

Callicebus stephennashi. O primeiro vive entre a margem leste do rio Madeira e partes mais baixas do rio Aripuanã, ao sul do rio Amazonas. O segundo não se sabe ao certo qual o local em que vive porque foi levado aos pesquisadores por pescadores. As espécies foram descritas por Marc van Roosmalen, primatologista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), seu filho Tomas van Roosmalen e Russel Mittermeier, presidente da organização não-governamental Conservation International (CI). Callicebus bernhardi, cujo nome popular é sauá Príncipe Bernhard, é uma homenagem ao príncipe Bernhard dos Países Baixos' naturalista de 91 anos que criou a Ordem da Arca Dourada para reconhecer o trabalho de conservacionistas em todo o mundo. Callicebus stephennashi, por sua vez, homenageia Stephen Nash, ilustrador técnico que contribuiu para a conservação de primatas por meio de seus desenhos em material educativo. Nash trabalha hoje para a CI e na Universidade do Estado de Nova York. Van Roosmalen e Mittermeier já haviam descrito outras quatro espécies de macacos. •

• Desodorante high-tech Por mais caprichado que seja o banho pela manhã, a maioria das pessoas não consegue chegar perfumada ao final do dia. A culpa é das bactérias que vivem no suor e produzem moléculas malcheirosas.

Os desodorantes comuns usam álcool para matar as bactérias, mas algumas sobrevivem e multiplicam-se ao longo do dia. Agora, pesquisadores do Laboratório de Desenvolvimento e Pesquisa da Unilever, na Inglaterra, acharam uma solução definitiva: matar as bactérias de fome. É que o suor contém traços de ferro, que a maioria das bactérias necessita para se multiplicar. Assim, eles criaram um desodorante contendo DTPA (ácido dietileno-triamino-pentacético ), substância que se liga ao ferro de tal forma que a bactéria

não possa usá-Io. Mas só isso não seria o suficiente. Parte do ferro existente no suor combina-se com proteínas e a bactéria que puder "quebrar" essas proteínas ainda conseguirá o ferro. Assim, foi adicionado um outro ingrediente, chamado hidroxitolueno butilado (BHT), que libera o ferro das proteínas para que ele possa ser capturado pelo DTPA. Um desodorante contendo essa combinação foi testado em 50 voluntários ao longo de duas semanas e reduziu o número de bactérias em 90%, comparado com os produtos convencionais. •

Distúrbio compulsivo e o temor a Deus Estudo publicado na revista

Behavior Research and Therapy (julho de 2002) mostrou que há uma ainda inexplicada relação entre religião e distúrbios de comportamento. Pesquisadores das universidades de Parma e de Padova, ambas na Itália, indicaram que, entre os grupos de pessoas com m~ior religiosidade, os católicos são mais propensos a ter transtornos obsessivos-compulsivos (TOC), especialmente se tiveram uma educação religiosa severa na infância. O TOC caracteriza-se por pensamentos obsessivos (idéias, imagens, sons, frases, lembranças, dúvidas ou impulsos) usualmente desagradáveis e acompanhados de apreensão e angústia. Mesmo as considerando absurdas, o paciente não consegue ignorá-Ias. São clássicos os casos em que a pessoa lava a mão inúmeras vezes por dia, sem motivo. As causas do problema, que afeta mi-

Educação religiosa rígida pode estar ligada a distúrbio

lhões em todo o mundo, ainda são obscuras. Sabese apenas que fatores genéticos, educação e traumas emocionais têm implicações no problema. A novidade do estudo é a descoberta de que católicos têm mais sintomas de TOC além de um conhecido sentimento de culpa exacerbado. Foram comparadas freiras e padres com uma comunidade laica de católicos e com outros sem envolvimento religioso. Os

indivíduos com alto grau de religiosidade, especialmente entre os católicos, relataram os mais graves sintomas do distúrbio. Para a psiquiatra Lynne Drummond, do Hospital Saint George, de Londres, o estudo é pouco esclarecedor. Ela acredita que o TOC ocorre em quem tem predisposição genética para isso. Mas diz que muitos pacientes com o distúrbio admitem ter tido educação excessivamente rigorosa. •

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CIÊNCIA I CAPA GENÉTICA

Bastou uma viagem Estudo sustenta que uma única leva de caçadores da Ásia colonizou a América há 21 mil anos MARCOS

PrVETTA


Olêmica sobre o momento da chegada do homem à América, um acalorado debate científico, acaba de ser reavivada por um estudo genético com 30 índios nativos do continente, a maioria pertencente a etnias presentes no Brasil. A análise de uma parte da molécula de DNA (ácido desoxirribonucléico) desses descendentes dos povos primordiais que ocuparam o Novo Mundo reforça a tese de que o Homo sapiens atingiu o Alasca, vindo da Ásia, via Estreito de Bering, há cerca de 21 mil anos e em apenas uma leva migratória. Saída da Sibéria,

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uma pequena população de caçadores-coletores de traços mongolóides (orientais) teria atravessado, por volta dessa época, a Beríngia - uma vasta extensão de terra, hoje coberta pelas águas oceânicas, que ligava os dois continentes - em busca de comida e se instalado na América. Uma equipe de pesquisadores de nove centros do Brasil e um do Peru, coordenados por Marco Antônio Zago e Wilson Silva [r., da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), chegou a essa conclusão depois de seqüenciar e estudar nos ameríndios o perfil das muta-

ções e a diversidade do chamado DNA mitocondrialum tipo de material genético que, se devidamente trabalhado, é capaz de abrir uma janela para o passado e fornecer estimativas aproximadas de processos evolutivos, além de, do ponto de vista clínico, estar potencialmente relacionado à ocorrência de doenças humanas. Para os defensores da teoria clássica de colonização da América, hoje muito questionada por recentes achados arqueológicos e estudos genômicos, houve três movimentos de entrada de grupos asiáticos no continente, o primeiro tendo ocorrido há cerca de 12 mil anos. Os resultados do novo trabalho sugerem que todos os membros da heterogênea população de ameríndios analisada - 25 índios brasileiros pertencentes a oito etnias (Guarani, Kaiapó, Katuena, Potururaja, Tirio, Waiampi, Arara e Yanomami) e cinco Quechua, do Peru - derivaram de um único grupo ancestral, possivelmente os primeiros colonizadores da América. "Nossos dados biológicos apóiam a teoria de que a entrada do homem no continente é mais

Amostra ampla: estudo apoiado no DNA mitocondrial de 30 ameríndios, a maioria de etnias que vivem no país, como os Yanomamis

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antiga do que normalmente se pensa e de que esse processo se deu em apenas uma leva migratória': afirma Zago, euja equipe contou com financiamento da FAPESPe do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). "Essas populações de ameríndios provavelmente tiveram uma origem comum." Para efeito de comparação e calibragem da metodologia empregada, os pesquisadores analisaram o DNA mitocondrial de dez brasileiros não-ameríndios, quatro de origem africana (negros), três de ascendência branca e três descendentes de asiáticos (japoneses). O trabalho da equipe de Zago foi publicado na edição de julho da revista norte-americana The American [ournal af Human Genetics, uma das mais importantes da área. Suas principais conclusões ratificam as idéias centrais de um amplo estudo europeu que ganhou, em 2000, as páginas da revista Nature, e também se baseara no uso do DNA mitocondrial como se fosse um relógio molecular da evolução humana. Apesar de terem analisado o material genético de um número relativamente pequeno de ameríndios, presentes em apenas dois países sul-americanos, os pesquisadores brasileiros estão convencidos de que seus dados são plenamente confiáveis."Um estudo com uma amostra maior e mais diversificada chegaria substancialmente aos mesmos resultados", comenta o geneticista SilvaIr, Também o fato de terem seqüenciado e estudado apenas 50% dos pares de base

(unidades químicas) do DNA mitocondrial dos ameríndios - e não 100% - não é visto como uma falha metodológica do trabalho. Ao contrário. "Nosso artigo é o segundo no mundo a mostrar que, com metade do DNA mitocondrial mapeado, é possível chegar aos mesmos resultados do seqüenciamento completo dessa molécula", assegura Zago. essemodo, como era esperado, o material genético dos 30 índios sulamericanos estudados se encaixou em uma das quatro grandes linhagens de DNA mitocondrial que caracterizam os povos nativos da América, chamadas tecnicamente de haplogrupos A, B, C e D. Entre os dez brasileiros de origem nãoameríndia - pessoas que, obviamente, não são candidatas a serem descendentes das primeiras populações que chegaram ao continente -, somente o DNA mitocondrial de um indivíduo branco pertencia a um dos haplogrupos típicos dos nativos americanos. Cada linhagem de DNA mitocondrial apresenta um número e padrão de mutações que lhe conferem uma identidade própria, uma diversidade genética peculiar. É isso que as torna diferentes. Os quatro haplogrupos, no entanto, guardam muita semelhança entre si - como irmãos de uma mesma família - e também éom o DNA mitocondrial dos habitantes atuais da Ásia, uma evidência de que os ocupantes primordiais da América vie, ram daquele continente. Em outras pa-

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lavras, a matriz dessas quatro linhagens, aparentemente irmãs, é asiática. Isso, por si só, não é uma evidência concreta de que os quatro haplogrupos se originaram simultaneamente e de uma mesma população. Para demonstrar esse tipo de correlação, o grupo de Zago calculou quando cada um dos quatro haplogrupos de DNA mitocondrial se diferenciou de sua seqüência-mãe. É algo como tentar descobrir a data de nascimento de cada linhagem. Os resultados foram muito semelhantes, sugerindo a existência de um ancestral comum às quatro linhagens em algum momento do passado. Pelas contas dos pesquisadores, o haplogrupo A surgiu há 20,S mil anos; o B, há 18,1 mil anos; o C, há 21,6 mil anos; e o D, há 23,8 mil anos. "Essa diferença não é estatisticamente relevante no tipo de metodologia que usamos no trabalho", diz Silva Ir, "É como se todos os haplogrupos tivessem aparecido mais ou menos ao mesmo tempo." E quando isso teria ocorrido? Cerca de 21 mil anos atrás, pois esse resultado equivale à idade média de todas as linhagens. Portanto, se os tipos de DNA mitocondrial encontrados hoje em mais de 90% dos povos nativos da América remontam a uma mesma época, isso provavelmente quer dizer que todos os membros desses grupos descendem de uma única leva migratória vinda da Ásia. Nesse tipo de estudo genômico, um dos grandes desafios é levantar subsídios que mostrem onde ocorreu a tal diferenciação do DNA mitocondrial

Em busca dos males da mitocôndria Além de ser uma espécie de arquivo molecular do passado, o DNA mitocondrial também pode fornecer pistas importantes sobre mutações potencialmente associadas ao desenvolvimento de algumas doenças, como o mal de Parkinson, Alzheimer e o diabetes melito do tipo 2. Num trabalho publicado na edição de maio do The American [ournal af Human Genetics, a mesma revista norte-americana que acolheu o estudo dos brasileiros com os ameríndios, pesquisadores de uma empresa de biotecnologia da Califórnia, a Mito-

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Kor, revelaram que seqüenciaram o genoma mitocondrial de 560 pessoas de origem asiática, européia e africana. O esforço da companhia produziu, possivelmente, a maior base de dados com seqüências dessa região do DNA humano, composta por apenas 16.500pares de bases (unidades químicas). O grande desafio dos cientistas agora é mapear todas as mutações do genoma mitocondrial e descobrir quais dessas alterações podem ser fatores de risco para o aparecimento das doenças citadas. Para atingir esse ob-

jetivo, o que abriria caminho para o desenvolvimento de novas terapias contra esses distúrbios, as seqüências genômicas de indivíduos sadios e de portadores de Alzheimer, Parkinson e diabetes vão ser comparadas em detalhe. A tarefa não é fácil nem deve trazer resultados a curto prazo, mas isso não desanima os pesquisadores. "A questão central é que não há respostas simples", afirma Neil Howell, principal autor do estudo. "Vamos ter de caracterizar o genoma mitocondrial de populações ainda maiores para encontrar as respostas."


o caminho

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Mundo, ocorrido há milhares de anos? Antes de tudo, é preciso compreender a importância - e a especificidade - desse tipo de material genético em relação a todo o genoma humano. Cada célula humana abriga DNA em duas estruturas: o núcleo, que contém mais de 99,9% de todo o material genético da espécie, e uma organela responsável pela produção de energia, a mitocôndria. Enquanto o DNA do núcleo celular apresenta mais de 3 bilhões de pares de bases, o DNA mitocondrial abriga somente 16.500 pares de base e apresenta algumas peculiaridades que o tornam um bom marcador biológico. leé independente do DNA nuclear e é passado para as gerações futuras apenas pela linhagem materna, sem sofrer recombinação com material genético proveniente da ascendência paterna. Mas isso não quer dizer que o DNA mitocondrial é imutável e exatamente igual em qualquer pessoa. Em razão de mutações aleatórias e erros no processo de cópia, os pares de base que formam a sua seqüência sofrem alterações de tempos em tempos. Muitos cientistas acreditam que as mutações do DNA mitocondrial ocorrem num ritmo mais ou menos constante e criam modelos matemáticos para tentar estabelecer, com forma aproximada, quando duas populações distintas tiveram um ancestral comum. "Esse tipo de análise não traz respostas prontas, mas aponta fortes tendências", ressalta Silva Ir, Foi, grosso modo, isso que os pesquisadores brasileiros e peruanos obtiveram em seu trabalho. Depois de seqüenciar uma região contínua de 8.800 pares de base do DNA mitocondrial dos 30 ameríndios (e também dos dez brasileiros de origem não-indígena), a equipe deu início à tarefa de tentar decifrar as origens, no tempo e no espaço, desse material genético e inferir quando e em quantas levas o homem chegou à América. Não se trata de um trabalho que parte do nada, do zero, mas sim de algumas premissas assumidas e difundidas em outros trabalhos científicos. Para amparar seus cálculos matemáticos e comparações genômicas que os levariam a estimar o momento da chegada dos primeiros colonizadores do Novo Mundo, os pesquisadores tiveram, logicamente,

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A Beríngia foi coberta pelas águas e deu origem ao Estreito de Bering

que levou à disseminação maciça dos haplogrupos A, B, C e D apenas na América. Que evidências existem de que esse processo se deu aqui e não na própria Ásia? Afinal, as quatro linhagens poderiam ter surgido antes da ocupação do Novo Mundo e terem sido trazidas para cá por mais de um movimento migratório, simultâneo ou não. "A presença das linhagens A, B, C e D é minoritária na Ásia, onde predominam outras variedades de DNA mitocondrial", comenta Sandro Bonatto, pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), que também participou do estudo. "Se essa diferenciação tivesse ocorrido antes da chegada à América, deveria haver hoje mais representantes dessas linhagens naquele continente." Efeito gargalo - Para os autores do trabalho com os ameríndios, a origem desses haplogrupos está claramente ligada a um processo de ocupação do continente por uma única e reduzida

leva migratória, levada a cabo, possivelmente, por alguns poucos milhares de indivíduos. Se tivessem ocorrido outras migrações, argumentam eles, hoje deveria haver mais linhagens de DNA mitocondrial por aqui, mais antigas ou mais novas do que os quatro haplogrupos. Como os ameríndios apresentam menos diversidade genética do que os asiáticos, os pesquisadores acreditam que os nativos da América sejam o resultado de um processo evolutivo chamado de efeito gargalo: a partir de poucos indivíduos -leia-se baixa diversidade genética - origina-se uma população enorme que vai colonizar uma grande área - as três Américas, no caso. Quem não trabalha com genômica tem dificuldade em entender como os pesquisadores conseguem construir suas hipóteses teóricas sobre a ocupação da América a partir da análise de alguns milhares de pares de base do DNA mitocondrial. Como esse tipo de material genético pode jogar luz sobre o processo de colonização do Novo

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de adotar um ponto de partida para a existência das formas iniciais de hominídeos na Terra: assumiram, como outros trabalhos também fizeram, que os hominídeos se diferenciaram dos chimpanzés há cerca de 5 milhões de anos. mseguida, compararam o DNA mitocondrial desses bichos com o dos ameríndios para estabelecer com que freqüência ocorrem alterações (mutações) nessa região do genoma em humanos. Feitas as contas, mostraram que há anualmente 2.4 x 10-8 substituições (mutações) por par de bases no trecho estudado do DNA mitocondrial dos ameríndios. "Isso equivale a dizer que ocorre uma mutação nessa região a cada 5 mil anos", comenta Sandro Bonatto. Se essa taxa estiver correta e se a ocupação do Novo Mundo se deu há cerca de 21 mil anos, os Pintura ameríndios de hoje devem apresentar pelo menos quatro mutações a mais em seu DNA mitocondrial do que seus ancestrais asiáticos. Existem várias teorias que procuram explicar a chegada do homem à América a partir da análise de material paleoarqueológico e, mais recentemente, com a ajuda de estudos do DNA humano. O trabalho dos pesquisadores da , USP de Ribeirão Preto e seus colaboradores é mais um que se insere nessa crescente tendência de usar a informação genética para tentar entender um processo de colonização cuja compreensão, até bem pouco tempo atrás, dependia basicamente do resgate de ossos de humanos e animais, da análise de artefatos e desenhos feitos por ascendentes de nossa espécie, além de trabalhos sobre a evolução lingüística dos ameríndios e do clima no continente. O estudo não tem a pretensão de esgotar esse polêmico e apaixonante assunto, nem está isento de críticas, sobretudo dos partidários de outras visões sobre a chegada do Homo sapiens ao Novo Mundo. "Mas nossa análise é fria e baseada em dados confiáveis", salienta Zago. Até algumas décadas atrás, a visão dominante acerca da colonização era ditada pelos norte-americanos mais tradicionalistas, que sempre difundiram a

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mais antiga, remontando há cerca de 50 mil anos. Ela sustenta essa idéia a partir de datações realizadas em restos de uma fogueira (que teria sido feita por humanos) encontrados em São Raimundo Nonato, no Piauí, onde ainda foram localizadas pinturas rupestres de mais de 10 mil anos. O sítio arqueológico de Monte Verde, no Chile, também já forneceu evidências de que o homem está na América do Sul há mais de 12 mil anos. Perda de linhagens - Numa outra linha de trabalho, o bioarqueólogo Walter Neves, do Instituto de Biociências da USP, defende uma hipótese diferente. Baseado na anatomia de esqueletos humanos achados em pontos da América do Sul, entre os quais Luzia, o mais antigo crânio completo de Homo sapiens encontrado no continente (resgatado na região míneira de Lagoa Santa e rupestre no Piauí: indícios dos colonizadores datado em 11 mil anos), Neves diz que os primeiros ocupantes do Notese de que houve três movimentos mivo Mundo chegaram aqui entre 13 mil gratórios de populações mongolóides e 14 mil anos e não eram mongolóides, vindos da Ásia. A primeira leva de comas, sim, membros de uma população lonizadores teria chegado há cerca de asiática similar aos atuais aborígines 12 mil anos anos. Essa linha de estudioaustralianos e negros africanos. O prosos diz que a primeira cultura a sê establema é que esse suposto colonizador belecer aqui foi a de Clóvis, no Novo primordial pode ter se extinguido, senMéxico, Estados Unidos, onde, contudo suplantado pelos mongolóides. do, nunca foram encontradas ossadas humanas, mas, sim, muitas pontas de Não seria possível, portanto, estulança, prova da existência dessa civilidar o DNA mitocondrial dos descendentes de Luzia simplesmente porque zação primordial. eles podem não existir. Isso, no entanto, não incomoda Neves. "Esse modelo de Teorias alternativas - Outras correntes ocupação da América defendido pelos postulam que o desembarque inicial da geneticistas a partir da análise do DNA leva de caçadores e coletores vindos da mitocondrial de grupos indígenas atuÁsia em direção ao Novo Mundo ocorais não bate com o que mostram os reu antes dessa data. Um estudo recente, fósseis", afirma o bioarqueólogo. "Eles feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), não levam em conta que pode ter havido perda de linhagens de DNA com que analisaram o cromossomo Y o passar do tempo, tanto na Ásia como transmitido apenas pelo pai para os fina América." Os geneticistas admitem lhos de sexo masculino - de 18 grupos que, se Luzia e seus contemporâneos de ameríndios, sustenta que houve apenão deixaram descendentes, não é nas uma onda migratória, entre 15 mil possível negar ou provar sua existêne 30 mil anos atrás - uma conclusão na cia pela análise das populacões atuais. linha do artigo produzido agora pelos "Mas nossos dados mostram que a seus colegas da USP de Ribeirão Preto ocupacão da América por mongolóicom o DNA mitocondrial. des comecou há pelo menos 20 mil Há ainda quem, como a arqueóloga anos, muito antes do período proposNiede Guidon, defenda a tese de que a to por Neves", afirma Zago. • presença humana na América é bem


• CIÊNCIA

GENÔMICA

Território ampliado

Casal: durante a reprodução, a fêmea do Schistosoma (verde) se instala dentro do macho. Acima, um ovo

Safra de genomas encerrados inclui novas formas de combate à esquistossomose esquisadores da rede ONSA (Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos) identificaram 200 novos genes associados aos estágios de vida do verme Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose, doença típica de países pobres, que atinge no mundo todo 200 milhões de pessoas e, só no Brasil, cerca de 10 mi-

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lhões de habitantes. Com as conclusões que emergem da análise do genoma do parasita, estudado também por grupos de pesquisa em Minas Gerais, abrem-se novas perspectivas de combate à doença, hoje tratada com medicamentos que reduzem a quantidade de parasitas no sangue, mas não evitam a reinfecção - e há evidências de que os parasitas se tornam resistentes às drogas em uso.

Os achados sobre o Schistosoma ocorrem num momento particularmente fértil do Programa Genoma-FAPESP, inaugurado em 1997 com o mapeamento da bactéria Xylella fastidiosa, uma das pragas dos laranjais. No mês passado, foi concluído o genoma de outra bactéria, a Leifsonia xyli subsp xyli, que ataca a cana-de-açúcar (Saccharum officinarum) e reduz em até 27% a biomassa PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 39


-------------rlaproveitável para produção de açúcar e álcool. A Leifsonia é o primeiro projeto inteiramente nacional no âmbito de um programa filhote do Genoma-FAPESP, o Genomas Agronômicos e Ambientais (AEG), criado em 2000 a partir do seqüenciamento de uma variedade de Xylella que ataca as videiras, em conjunto com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Chegam resultados importantes também do seqüenciamento de cloroplasto - uma estrutura celular - da cana-de-açúcar, que exibe uma impressionante semelhança com o milho (Zea mays), e está praticamente finalizado o de uma alga marinha, a Gracilaria tenuistipitata, produtora de ágar-ágar, um gel de larga aplicação industrial. O cloroplasto possui seu próprio genoma, cuja manipulação permitiria criar plantas transgênicas mais seguras. À medida que as informações se acumulam, é possível conhecer, num ritmo cada vez mais acelerado, a função de cada gene dos organismos estudados e os pontos mais vulneráveis dos causadores de doenças, seja em seres huma-

o Biomphalaria: em lagos de águas paradas, transmitindo o Schistosoma mansoni (acima)

nos, seja em plantas, a partir dos quais se estabelecem rotas de combate. É esse o principal objetivo do trabalho com o Schistosoma, verme de 6 a 10 milímetros de comprimento e 0,5 milímetro de diâmetro que chega aos seres humanos por meio dos caramujos Biompha-

laria glabrata. As equipes de São Paulo e de Minas que trabalham para deter seu avanço reforçam os projetos internacionais de identificação e análise dos genomas de agentes de doenças típicas de países subdesenvolvidos, como os protozoários Plasmodium falciparum, causador da malária, o Trypanosoma cruzi, responsável pela doença de Chagas, e a Leishmania, da leishmaniose. Em pouco mais de um ano, um grupo da rede ONSA coordenado por Sergio Verjovski-Almeida, do Instituto de Química da USP - em colaboração com outros laboratórios da própria USP, da Universidade de Campinas (Unicamp), e dos institutos Butantan e Adolfo Lutz - produziu 130 mil seqüências das regiões expressas

A cana bem compreendida O genoma das variedades de cana-deaçúcar mais cultivadas no Brasil nunca foi analisado sob tantas abordagens quanto nos 37 artigos científicos que compõem a mais recente edição da revista brasileira Genetics and Molecular Biology, da Sociedade Brasileira de Genética, dedicada aos resultados do projeto Genoma Cana ou Sucest, financiado pela FAPESP e Copersucar. Os artigos - produzidos por cerca de 200 pesquisadores de 39 equipes da rede ONSA - discutem variados aspectos do projeto e dos mais de 43 mil clusters, regiões do genoma da cana que podem ter um ou mais genes, identificados pelo Sucest. "Esses trabalhos trazem informações importantes não só para a compreensão da biologia da cana, mas também de outras gramíneas cultivadas de alto valor comercial, como o milho, ar-

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roz e sorgo", diz Paulo Arruda, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenador do projeto. Alguns trabalhos abrem perspectivas rumo a uma possível manipulação genética com o intuito de melhorar o rendimento do cultivo de cana, aumentar a resistência a doenças ou reduzir os custos de produção. A equipe de Adriana Hemerly, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) identificou um grupo de genes que parece estar associado à relação simbiótica (benéfica) entre duas bactérias fixadoras de nitrogênio, Gluconacetobacter diazotrophicus e Herbaspirillum rubrisubalbicans, e a cana. Quando se instalam no interior da planta, elas fixam o nitrogênio, o que naturalmente reduz a necessidade do uso de adubo nitrogenado. "Queremos aprimorar essa relação de simbiose", diz ela.

Os primeiros resultados são animadores. Após inocular as duas espécies de bactérias na cana, Adriana e seus colegas (da Embrapa Agrobiologia, do Rio, e também da Unicamp) mediram a expressão (o nível de uso) dos genes da planta em várias situações. Viram que 274 genes da base de dados do Sucest se expressavam apenas em plantas com a G. diazotrophicus, 198 eram usados somente quando a cana abrigava a H. rubrisubalbicans e 62 se mostravam ativos só quando esse cultivo apresentava simultaneamente as duas bactérias. "Antes do Sucest conhecíamos quatro ou cinco genes relacionados à simbiose." Numa outra linha de trabalho, uma equipe coordenada por Marcelo Menossi, da Unicamp, identificou 43 genes que podem estar relacionados à tolerância da

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(atuantes) dos genes - as chamadas ESTsou etiquetas de seqüências expressas, que são os fragmentos de DNA (ácido desoxirribonucléico) com as informações para a produção de proteínas. Essas seqüências de genes refletem os diversosestágiosde vida do Schistosoma - adulto, ovo, miracídio, germball (a fase em que vive dentro do caramujo), cercária e esquistossômulo. Mas representam apenas uma parte da bagagem genética: enquanto o genoma da maioria dos parasitas tem de 10 a 30 milhões de pares de bases (unidades químicas do DNA), estima-se que o desse verme tenha 300 milhões de pares - e um número ainda indeterminado de genes. Os pesquisadores paulistas identificaram seqüências completas de 200 novos genes, aos quais se atribui alguma função, por apresentarem similaridade com os de outros organismos, e outros 1.500estão quase completos. Encontraram também cerca de 20 mil fragmentos totalmente novos, sem similaridade com os de outros organismos. Entre os genes de interesse, estão os ligados à produção de proteínas da superfície do verme. A equipe da USP obteve a seqüência completa de uma delas, que parece estar ligada ao escape do verme às defesas do organismo humano pode, portanto, ser um caminho para a

produção de uma vacina. Contra essa doença, cujo impacto social só perde para a malária, usa-se um medicamento à base de um fármaco chamado praziquantel. Aplicado em larga escala no Senegal, gerou cepas (variedades) de parasitas resistentes, caracterizadas em outubro de 2001 nos Annals of Tropical Medicine and Parasitology. ''A Organização Mundial da Saúde recomenda que se busque uma vacina, ainda que demore alguns anos': diz Verjovski, "porque o remédio funciona somente depois que uma pessoa está infectada, mas não quebra o ciclo da doença." Em dias ensolarados, o verme deixa os caramujos e ganha a água de lagos com águas paradas ou com pouca correnteza. Entra pela pele nos seres humanos, ganha a circulação sangüínea e se instala no fígado.Ali, transforma-se em adulto e se reproduz. Os ovos causam a destruição do fígado, que impede a circulação do sangue e faz o ventre inchar - é quando se caracteriza a barriga d'água, o nome popular da doença. Os ovos chegam aos intestinos e, eliminados por meio das fezes,caem na água na qual circulam os caramujos - e o ciclo recomeça. Em Minas, um grupo coordenado por Guilherme Oliveira, do Centro de Pesquisa René Rachou, da Fundação

planta ao alumínio, cujo excesso reduz da preliminares, pesquisadores da Unia produtividade. "Esses genes talvez camp deram uma pequena prova de possibilitem o controle da resistênciaao . que os dados do Sucest são úteis para a montagem de um eventual mapa de alumínio na planta': diz Menossi. Outro artigo da Genetics de rele- SNPs da cana: analisaram dois genes vância para a biotecnologia trata da que codificam a enzima álcool desidroidentificação de SNPs, um tipo de mu- genase, já conhecidos em outras espécitação, no genoma da cana, uma planta es, nos quais identificaram 40 SNPs. "É altamente complexa em cujo DNA muito difícil diferenciar os alelos (cópipode haver até 10 cópias de um mes- as) de um gene da cana", diz Laurent mo gene. SNPs é a sigla em inglês de Grivet, pesquisador do Cirad, instituto single nucleotide polymorphism, ou po- francês especializado em agricultura limorfismo de um único nucleotídeo, a tropical, que trabalha hoje na Uniunidade química que forma a seqüên- campo "Acho que, na cana, não vai ser cia genética. O termo designa, portan- possível relacionar os SNPs ao seu feto, mutações em trechos de genes que nótipo (aparência da planta), mas desão causadas pela troca de apenas um vemos usar esses polimorfirmos como nucleotídeo. A maioria dessas muta- marcadores moleculares." ções tende a ser inofensiva, mas outras podem afetar a aparência ou alterar o Analogias: estudo dos comportamento da planta. Se bem cogenes da cana ajuda a nhecidos e mapeados, os SNPs podem entender também a biologia ser usados como marcadores moleculado arroz e do milho res. Num trabalho com resultados ain-


Oswaldo Cruz (Fiocruz), concluiu em 2001 o seqüenciamento de 16.000 ESTs. Agora está em fase de implantação outro projeto, realizado pela Fiocruz e por universidades mineiras, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os pesquisadores almejam chegar a mais 50 mil seqüências. Avançam também as análises comparativas da carga genética dos organismos. Dessas comparações surgem os indícios de processos evolutivos ocorridos ao longo de milhões de anos, que definem tanto as semelhanças quanto as diferenças entre as linhagens dos seres vivos. Os grupos paulistas descobriram que, curiosamente, o Schistosoma é geneticamente mais similar à moscade-frutas (Drosophila melanogaster) do que a outro verme cujo genoma já foi seqüenciado, o Caenorhabditis elegans. ais informações surpreendentes vêm à tona com as comparações estabelecidas a partir da Leifsonia xyli subsp. xyli, que causa perdas anuais da ordem de R$ 50 milhões em apenas uma das variedades de cana suscetíveis. "A Leifsonia é muito parecida com Streptomyces e Mycobacterium, dois gêneros que abrigam espécies patogênicas de animais", comenta Luís Eduardo Aranha Camargo, pesquisador da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e um dos coordenadores do seqüenciamento, co-financiado pela Cooperativa dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar). A alta similaridade do genoma da Leifsonia - com 2.584.462 pares de bases e cerca de 2.600 genes, tamanho semelhante ao da Xylella - com a Streptomyces pode ter um valor comercial imediato: a Streptomyces é considerada uma biofábrica de antibióticos, muitos dos quais também são encontrados na Leifsonia. Daí se explica o interesse em patentear genes muito semelhantes aos que produzem dois antibióticos, a estreptomicina e a nisina. Espera-se também chegar a novos paradigmas de inter ação planta-patógeno a partir da análise do genoma de Leifsonia. "Talvez essa bactéria inicie o processo de infesta42 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

!

ção na cana-de-açúcar usando um sistema secretor (pelo qual a bactéria patogênica exporta suas toxinas para fora da célula) semelhante ao da Mycobacterium, que causa tuberculose e lepra': cogita Camargo. As análises comparativas revelam sutis distinções genéticas entre bactérias da mesma espécie, mas com vítimas diferentes. É o caso das duas variedades de Xylella fastidiosa, a que ataca a laranjeira, num trabalho pioneiro encerrado em 2000, e a da videira - ou Xylella PD, assim chamada por causar a doença de Pierce, que ataca a região de vinhos nobres na Califórnia, nos Estados Unidos, e causa prejuízos estimados em US$ 40 milhões por ano. Concluído em meados do ano passado, o seqüenciamento da Xylella PD estabelece interessantes paralelos com a cepa da bactéria que infecta os laranjais do interior paulista, gerando a Clorose Variegada de Citrus (CVC), praga também chamada de amarelinho - responsável pela erradicação de 10 milhões de laranjeiras em

2001 e prejuízos estimados em R$ 650 milhões pelo Fundo Paulista de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), co-financiador do seqüenciamento. Os pesquisadores identificaram uma seqüência de 70 mil pares de bases encontrados só na Xylella dos citros. Parte dessa seqüência também está na Xanthomonas citri, causadora do cancro cítrico, mas não foi detectada nem na Xylella da uva, nem na Xanthomonas campestris, que ataca repolhos. A cepa de Xylella que ataca a uva é, aliás, menor do que a causadora da praga do amarelinho: com cerca de 2,5 milhões de pares de bases, tem 200 mil pares de bases a menos. "Essa distinção pode ser conseqüência da história evolutiva da bactéria, o resultado da interação da bactéria na planta e desta com o meio ambiente", deduz Marie-Anne Van Sluys, do Instituto de Biociências da USP e uma das coordenadoras do seqüenciamento da Xylella da uva. Na área agrícola, abrem-se perspectivas de atuação com os projetos de se-


Gracilaria: organismo modelo e produtora de um gel de amplo interesse comercial

qüenciamento do cloroplasto. Essa estrutura, localizada no citoplasma das células vegetais, contém um minigenoma: também possui informação genética, como os cromossomos do núcleo celular. Pode ser possível criar plantas transgênicas alterando apenas o cloroplasto, e de uma forma mais segura para o meio

!

ambiente, pois mais de 95% das espécies vegetais não têm cloroplastos nos grãos de pólen, nos quais se encontram as células sexuais masculinas. As modificações efetuadas nesse minigenoma, portanto, não seriam transmitidas para outras plantas via pólen. Helaine Carrer, da Esalq, coordena um dos trabalhos pioneiros no uso desse método no Brasil: é o projeto do genoma do cloroplasto da cana-de-açúcar, com 141.182 pares de bases, no âmbito do projeto Genoma Cana. Helaine já pode dizer que o genoma do cloroplasto da cana tem maior similaridade com o genoma do cloroplasto do milho do que o de outras gramíneas, como o arroz ( Oryza sativa) e o trigo (Triticum vulgare). "O conteúdo gênico observado no cloroplasto de cana é idêntico ao de milho, inclusive no arranjo posicional dos genes', diz ela. Regiões intergênicas exclusivas do milho mostraram-se presentes em cana com similaridade maior que 98%. "É a maior similaridade entre cloroplastos já descrita até o momento", enfatiza. O segredo dessa incrível semelhança pode estar no mecanismo de fotossíntese desenvolvido ao longo do processo evolutivo da planta. Tanto a cana quanto o milho são plantas de fotossíntese C4 (isto é, o primeiro produto formado no processo de fotossíntese tem quatro carbonos), enquanto arroz e trigo são plantas C3. "Enquanto os genomas nucleares da cana e do milho exi-

bem muitas diferenças devido aos processos evolutivos de cada espécie, os genomas cloroplastidiais mostraramse praticamente idênticos", afirma Helaine. A descoberta tem uma aplicação: qualquer diferença no cloroplasto pode servir de marcador nas pesquisas de melhoramento genético. Mariana Cabral de Oliveira, do Instituto de Biociências da USP, faz um trabalho semelhante com a Gracilaria tenuistipitata, alga marinha de origem asiática que produz ágar-ágar, gel utilizado nas indústrias alimentícia, farmacêutica e cosmética. A importância econômica desse organismo foi um dos motivos que o elegeram como objeto de estudo, além do fato de essa espécie ser de cultivo fácil em laboratório e freqüentemente empregada para estudos em fisiologia de organismos fotossintetizantes. "É quase um organismo modelo", diz Mariana. Iniciado em outubro de 2000, o seqüenciamento do cloroplasto da alga, com 183.883 pares de bases, revelou um grupo de genes relacionados à fotossíntese, cuja manipulação ampliaria a produtividade da alga. Mariana dedica-se também ao seqüenciamento de ESTs da Gracilaria, em colaboração com pesquisadores da USP e da Suécia. Já foram seqüenciadas 3.000 ESTs - uma pequena parte do geno ma do organismo, que possui de 24 a 32 cromossomos, de acordo com a espécie. Não se sabe a que tamanho pode chegar o genoma nuclear dessa alga, mas já se conhecem espécies de algas com genomas maiores do que o humano, que tem 3 bilhões de pares de bases. A garimpagem de genes promete outras surpresas. •

OS PROJETOS Genoma Xylella fastidiosa PD

Genoma Leifsonia

xyli

Genoma Schistosoma mansoni

Genoma Gracilaria tenuistipitata

Genoma Cloroplasto da Cana-de-Açúcar

MODALIDADE MODALIDADE

Subprograma Genornas Agronômicos e Ambientais

Subprograma Genomas Agronômicos e Ambientais COORDENADOR

COORDENADORAS

MARIE-ANNE VAN SLUYS E MARIANA CABRAL DE OLIVEIRA USP

LUÍS EDUARDO ARANHA CAMARGO E CLÁUDIA BARROS MONTEIRO VITORELLO - USP

US$ 925.181,84

Programa FAPESP

Genoma -

COORDENADOR

SÉRGIO VERJOVSI<IALMEIDA - USP INVESTIMENTO

US$ 1.244.697,50 INVESTIMENTO

INVESTIMENTO

MODALIDADE

MODALIDADE

US$ 1.150.841,14

MODALIDADE

Linha regular de auxíl ia a pesquisa COORDENADORA

MARIANA CABRAL DE OLIVEIRA - USP

SUCEST - Projeto de Seqüenciamento de EST de Cana-de-Açúcar COORDENADOR

H ELAINE CARRER USP

INVESTIMENTO

R$ 68.000,00 e US$ 34.000,00

INVESTIMENTO

R$ 49.954,45 e US$ 207.341)5

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 43


• CIÊNCIA

BIOLOGIA

Sob' o jugo de Cronos Equipe comprova a variedade de ritmos que organizam a vida dos animais FRANCISCO

ouve uma época em que, durante quatro meses seguidos - nem pensar em descansar nos finais de semana ou feriados -, um grupo de biólogos do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP) acompanhou dia a dia o crescimento e a reprodução de colêmbolos, insetos primitivos sem olhos nem pigmentação, que têm menos de um milímetro de comprimento e habitam regiões profundas das cavernas. Revezando-se em turnos de trabalho, os pesquisadores perderam a conta das noites que passaram em claro ou apenas com um cochilo num colchonete estirado num canto da sala, já que a cada oito horas era preciso anotar o que ocorria em cada um dos 486 frascos, cada um com um único inseto. Houve momentos de desconforto também quando seguiram o dia-a-dia de abelhas solitárias da espécie Tetraglossula anthracina, nos brejos do interior paulista, ou o desenvolvimento do mosquito anófele, o transmissor da malária, desta vez na Mata Atlântica paranaense. As centenas de páginas de anotações atestam que se deve considerar a existência de uma complexa organização temporal para compreender o funcionamento das atividades cotidianas dos seres vivos, como alimentação, sono, descanso e o trabalho de modo geral. Com o reforço de dados extras, obti-

H

44 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

BICUDO

dos com as formigas saúvas (Ata sexdens) e abelhas sociais sem ferrão (Frieseomelitta doederleini), as espécies hoje em estudo, o grupo coordenado por Mirian David Marques descobriu que essa organização temporal envolve não só um relógio biológico, como se pensava, mas pelo menos dois outros tipos. De todos, o mais conhecido é o circadiano - com uma duração aproximada de 24 horas, é regido pela alternância entre claro e escuro e coordena, por exemplo, o sono dos seres humanos. Mas há ainda os ultradianos, que . duram menos de 20 horas, como os batimentos cardíacos e os ritmos respiratórios, e os infradianos, que superam as 28 horas, como acontece com a troca de pele de alguns insetos, que ocorrem em períodos variáveis de dois dias a um ano. "A tendência era considerar o circadiano como uma espécie de relógico único", comenta Mirian. Seu trabalho com ritmos biológicos, iniciado há 18 anos, ganhou em 2000 a adesão de um grupo de físicos e de geólogos, que ajudaram a interpretar o comportamento dos animais - um dos resultados do trabalho conjunto é um novo modelo matemático que explica os ritmos infradianos, publicado em novembro de 2000 no Journal of Theoretical Biology. ''A consistência e a beleza dos projetos residem exatamente no diálogo constante com outros grupos", diz a pesquisadora.

A equipe, se por um lado quebrou o monopólio do ritmo circadiano, por outro reafirmou a importância dessa forma de organização temporal dos organismos. O circadiano surpreendeu ao mostrar que faz parte da vida de grilos de cavernas Strinatia brevipennis - sempre às escuras, pareciam não precisar de um relógio desse tipo - e o quanto é precoce na vida humana. Um estudo publicado em fevereiro na Biological Rhythm Research, que contou com a colaboração da equipe da USP, comprova a manifestação do circadiano em bebês prematuros: ao contrário do que se imaginava, já que bebês ainda não se relacionam com o claro e o escuro, a pesquisa exibiu uma variação da temperatura dos recém-nascidos que se repete a cada ciclo de aproximadamente 24 horas - indício evidente de registro do circadiano. Como explicar? Segundo Mirian, há uma espécie de memória ou registro primitivo do circadiano em quase todos os seres vivos, como uma herança dos ancestrais mais remotos de cada espécie. Já se sabia que o controle do ritmo biológico está associado aos genes per (de period), identificados nos anos 70, e a outros, como o tim (timeless) e o cry (cryptochrome), descober-

o

grilo Strinatia brevipennis: vive no escuro das cavernas, mas a cada 24 horas fica mais ativo


ns: nas

ivo


A avaliação do comportos há apenas alguns anos tamento do mosquito do gêjuntos, formando o que se chama de genoma temporal. nero anófele, inseto de hábitos noturnos e responsável Mirian amplia o debate: pela transmissão da malária, além dos relógios biológicos reservava um desafio maior. dos seres vivos, é a natureza Estavam em jogo, afinal, disque apresenta um ritmo de tintos ritmos biológicos: o funcionamento. "Todos os ciclos, atuando de maneira hardo parasita, do hospedeiro e do próprio transmissor da moniosa, garantem a interação dos organismos com o doença. Não foi fácil separar essas variáveis. O trabalho de meio onde vivem", diz ela. O ciclo claro e escuro é uma recampo envolveu quatro meses de observações, de outuferência importante para probro de 1995 a janeiro de 1996, mover essa harmonia, por incolêmbolo Folsomia: oviposição e troca de pele regulares na encosta da Serra do Madicar o momento de comer, rumbi, 6 quilômetros ao noracordar e dormir. Os trabate de Morretes, no Paraná. lhos da USP estão ajudando Com imenso cuidado paa ampliar os horizontes da cronobiologia, a área que esra eles próprios não pegatuda os ciclos biológicos, por rem malária, os pesquisadores concluíram que, na fase mostrarem que outros elementos cíclicos, como a disadulta, o relógio biológico do mosquito está diretamente liponibilidade de alimento, as gado aos ciclos lunares: dualternâncias entre quente e rante o quarto minguante, a frio e úmido e seco, a repropopulação do inseto se tordução e as relações sociais pona cerca de cinco vezes maior. dem ajudar a ajustar os ponEm contrapartida, no estágio teiros da vida. de larva, o anófele pode se"Eu queria abrir novos horizontes", confessa Mirian. guir diferentes ritmos de deFoi em 1987, após ter concluísenvolvimento, já que é uma A saúva Ata sexdens: grupo social acerta o relógio biológico espécie oportunista, que vive do o pós-doutorado nos Esem águas acumuladas em brotados Unidos, que ela inaugumélias. Quando o inseto encontra um rou o Laboratório de Cronobiologia do semelhança entre as variações anuais Museu de Zoologia da USP. Já de início ambiente propício e atraente, seu cresdo parâmetro claro e escuro. cimento acelera, sem representar prodecidiu estudar sistemas biológicos que Essas abelhas buscam exclusivamenblemas metabólicos ou fisiológicos à esfugissem dos modelos clássicos consate a Ludwigia elegans, uma flor amaregrados - ratos, camundongos, algas, dropécie. Em momentos adversos, quando . Ia encontrada em brejos. Logo cedo, o anófele se encontra em locais secos ou sófilas e mariposas -, sempre estudados ao raiar do sol, antes ainda de as flores sob temperaturas baixas, por exemplo, o apenas em laboratório. O tempo mostrou da Ludwigia se abrirem, o inseto apadesenvolvimento é que é atrasado, tamque o desafio era maior do que pensava. rece, ajuda a flor a se abrir e coleta o bém sem prejuízos para o mosquito. pólen e, na seqüência, o néctar. Feito o m1993, a tese de doutorado trabalho, ela desaparece. Só ressurge Segredos das cavernas - Os colêmbode Miriam Gimenes, uma no dia seguinte, exatamente no mesmo los Folsomia candida, insetos que habidas alunas de Mirian Marhorário. Forma-se um ciclo biológico tam as profundezas de cavernas - e os ques, inaugurou uma nova acionado pela variação entre escuro e maiores responsáveis pelas noites maletapa da cronobiologia: muiclaro - o raiar do dia -, mas com a imdormidas dos biólogos -, trouxeram outo provavelmente, foi o primeiro estudo portante participação da disponibilitras dúvidas. Acreditava-se que esse anidessa área desenvolvido em ambiente dade de alimento, que até então não mal considerado primitivo - sem olhos natural, longe dos laboratórios. Miriam havia sido valorizada. A Tetraglossula nem pigmentação - viveria completaGimenes trabalhou com as abelhas sopercebe que em todo começo de mamente desregulado, numa espécie de litárias do gênero Tetraglossula anthranhã encontra alimento em abundância caos temporal, já que não teria como cina, acompanhadas em seu próprio - um néctar denso, rico em açúcares e contar com as referências de claro ou de hábitat, os brejos próximos às cidades aminoácidos. À tarde, ainda há lumiescuro. Mas não é assim. Os biólogos da de Campos do Iordão, na Serra da Mannosidade, mas o inseto desaparece porUSP não identificaram nenhum indício tiqueira, e de Mairinque, também no que coletou tudo de que precisava e, de um ritmo circadiano ativo, mas deinterior paulista. Os locais foram escoalém disso, dificilmente encontraria mais tectaram dois outros ciclos muito rígilhidos por se encontrarem na mesma alimento adequado às suas necessidados: o de oviposição, a cada sete dias, e latitude - era uma forma de garantir a des naquele dia.

o

E

46 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77


o de troca de cutícula (pele), a cada três dias e meio. Mas era preciso confirmar os resultados, fundamentados na observação dos animais em salas escuras no laboratório que simulam seu ambiente natural. A cronobiologia dispõe desde os anos 60 de um método de trabalho que resulta em um gráfico chamado curva de resposta de fase que mapeia o funcionamento do circadiano. O A Tetraglossula na Ludwigia: alimento rege o dia-a-dia método funciona com base em estímulos que adiantam por uma pedra atirada na água e outra ou atrasam o relógio biológico. Se uma galinha, por exemplo, dorme às 17 hoonda, de uma segunda pedra, há uma interação que não é aleatória", ensina ras e em seguida é acordada com a luz Mirian. "O mesmo raciocínio vale para de um holofote, ela se levanta e começa os relógios biológicos." a ciscar, como sempre faz. Uma hora depois, está dormindo novamente. Seu Juntos, os pesquisadores do Museu cérebro registra a alteração e faz com de Zoologia e do Instituto de Física criaram um modelo gráfico que detecque a galinha, no dia seguinte, só caia no sono às 18 horas. Quando repetidas, ta as respostas oferecidas a um mesmo essas interferências indicam, por meio estímulo, as organiza matematicamende um gráfico, o que aconteceu durante e produz um retrato de um conjunte as cerca de 24 horas. to de fenômenos, de forma abrangente e articulada. Gisele concluiu o doutorado e em seguida assinou um artigo peSqUisadoras aplicaram esse método ao colêmbolo, estimusobre o novo método de avaliação dos lado por meio da variação ritmos infradianos com Caldas e Mi}( de temperatura. Confirmarian publicado em 2000 no [durnal of ram, primeiro, a ausência Theoretical Biology. do circadiano. Descobriram também que essa metodologia não era eficiente Terremotos - Mas o modelo não se para esse tipo de situação, pois a repos- . mostrou capaz de explicar o ritmo biológico do grilo Strinatia brevipennis, ta aos estímulos, avaliados por meio da troca de cutícula e na oviposição, não objeto da tese de outra aluna de Mieram simultâneos. Conclusão: era prerian, Sonia Hoenen. Considerado uma ciso construir outra abordagem mateespécie que faz a transição da zona escura para a clara, já que habita espaços mática que desse conta também dos ritmos infradianos, já nessa época eviabertos de cavernas da região do Vale dentes, mas ainda pouco explicados. do Ribeira, entre os Estados de São Foi aí que Mirian pediu socorro aos físicos. Por meio de uma aluna de douPROJETO torado, Gisele Akemi Oda, chegou a Ritmos de Atividades de Insetos. Iberê Caldas, do Instituto de Física (IF) Implantação de Unidade com da USP. Coordenador de um projeto Condições Ambientais Constantes temático sobre sistemas caóticos (veja

o

Pesquisa FAPESP nO65) e co-orientador de Gisele, Caldas observou atentamente as séries numéricas da equipe do museu - anotações e gráficos sobre o ritmo das atividades cotidianas dos animais, colecionadas durante dez anos - e os interesses científicos se somaram de imediato, com base no princípio físico da oscilação. "Entre uma onda causada

MODALIDADE Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADORA MIRIAN DAVID MARQUES INVESTIMENTO

R$ 20.034,65

- USP

Paulo e do Paraná, o Strinatia é intensamente pigmentado e não emite sons. No laboratório, era mantido em gaiolas com paredes feitas de filmes transparentes de acetato, que vibravam de acordo com o movimento dos grilos. Uma agulha, colocada em contato com cada uma das quatro paredes da gaiola, indicava quando o animal estava parado ou em atividade. O problema é que a quantidade de dados era tão grande - dezenas de páginas apenas para os grilos - que não se sabia mais ao certo quais informações eram importantes e como poderiam ser interpretadas. A resposta, desta vez, veio da sismologia. O geólogo alemão Martin Schimmel, atualmente no Instituto de Ciências da Terra [aume Almera, na Espanha, fazia o pós-doutorado no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP quando ouviu falar pela primeira vez dos Sttinatia. O pesquisador havia desenvolvido uma maneira de diferenciar dois tipos de ondas sísmicas: as geradas no interior da Terra, que podem provocar terremotos, das que não representam nenhum perigo. Convidado pela bióloga, Schimmel decidiu empregar o mesmo método para interpretar de maneira adequada os registros dos biólogos. Um dia, telefonou para ela e perguntou o que é que os grilos de cavernas faziam a cada 24 horas. Ela exultou ao ver que o geólogo havia conseguido separar os movimentos importantes dos irrelevantes e detectado o ciclo circadiano nesses animais, que a cada 24 horas exibem sono, fome, enfim, uma atividade biológica mais intensa. "É uma informação antiqüíssima, que os biólogos chamam de característica relictual, provavelmente remanescente dos ancestrais do animal", explica a pesquisadora, que conta com colaboradores também em universidades da Inglaterra, Alemanha, Canadá e Argentina. O próximo desafio que se impôs é descobrir a plasticidade dos relógios biológicos - até que ponto podem ser comprimidos ou esticados, sem perder suas propriedades. Mirian já sabe que a própria natureza opera com os organismos como o regente de uma orquestra. "Desafiar o regente", diz ela, "sempre acaba em desafinação, às vezes fata!." • PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 47


·CIÊNCIA

FARMÁCIA

A liberação das artérias Pesquisadores criam biomarcador que detecta formação de placas de gordura em artérias e descobrem no plasma um potente vasodilatador

uas descobertas de um grupo da Universidade de São Paulo (USP) abrem novas possibilidades de prevenção e combate à aterosclerose, doença que bloqueia a circulação nas artérias grandes e médias, e pode provocar derrames e infartos. Em quatro anos de trabalho, a equipe da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) coordenada por Dulcinéia Saes Parra Abdalla desenvolveu, primeiro, um marcador que facilitará o diagnóstico da enfermidade, pois identifica a fração de uma lipoproteína - chamada LDL negativa - que desencadeia a aterosclerose. Em outra frente do projeto, comprovou a existência no plasma humano de duas estruturas que funcionam como reservatórios de óxido nítrico - um poderoso vasodilatador -, como atesta o artigo publicado neste mês na revista Biochemistry. Caso essas substâncias apresentem o mesmo comportamento observado em laboratório, poderão ser usadas no tratamento da aterosclerose e na prevenção de derrames e infartos. Os dois avanços envolvem um dos mais sérios problemas de saúde pública: calcula-se que a aterosclerose afete cerca de 10% da população mundial com mais de 50 anos, sobretudo homens. Ida-

D

48 . JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

de avançada, hiperlipidemia (alto nível de gordura no sangue), hipertensão, diabetes, tabagismo, sedentarismo e herança familiar são fatores de risco de desenvolver a doença. Marcador enganado . O trabalho começou nos anos 90 e envolveu o desa. fio de estudar as lipoproteínas, partículas esféricas constituídas por proteínas na superfície e gorduras (lipídios) por dentro. As lipoproteínas se formam em vários lugares do organismo e assumem funções distintas. Quando se originam no sangue, são chamadas LDL (proteína de baixa densidade, com baixa concentração de triglicerídeos e altos níveis de colesterol) e distribuem colesterol para os tecidos periféricos. Já a LDL negativa - formada em processos oxidativos - é a responsável pela aterogênese (formação de lesões arteriais), que faz surgir a aterosclerose. Isso acontece, entre outros motivos, porque células imunológicas chamadas macrófagos capturam partículas de LDL e formam células repletas de gordura, que se acumulam junto à parede das artérias, bloqueando progressivamente a circulação do sangue. Embora os mecanismos de detlagração fossem razoavelmente conhecidos,

havia uma pedra no caminho. Devido à complexidade das lipoproteínas, os marcadores até então existentes eram enganados: identificavam só a LDL total, e não a fração negativa, o que não permitia afirmar que se tratava de um processo de aterosclerose. Método não-invasivo . A equipe de Dulcinéia desenvolveu, então, ensaios para consolidar e validar um marcado r inequívoco: fabricou em laboratório um anticorpo monoclonalproduzido por clones de uma célula - que aponta a presença exclusiva da LDL negativa. "Atualmente o diagnóstico é feito por meio de exames como a cineangiocoronariografia, em que um cateter é introduzido nas artérias, e o contraste injetado permite visualizar as coronárias. Conseguimos obter uma forma não-invasiva de avaliar a doença'; diz a pesquisadora. Por ser um método mais simples, sensível e não-agressivo, ela espera que se torne um procedimento de rotina feito a partir de solicitação médica, como os exames de hemograma. Ao final do trabalho, Dulcinéia confirmou que o marcado r é eficiente para detectar a presença e a quantidade da LDL negativa, tanto na corrente sangüínea quanto nas lesões já presentes nas


Depósito de gordura no interior de uma artéria do pescoço: chances ampliadas de derrame

artérias: "Ele é adequado para informar a probabilidade de se desenvolver a doença e os estragos que ela já causou. E faz isso de uma forma simples, podendo ser aplicado em escala ampliada': A próxima etapa será aplicar o teste em estudos clínicos e de intervenção que envolvam seres humanos. Para a pesquisadora, o trabalho é um grande avanço para avaliar a evolução da aterosclerose, e o marcador ajudará a definir o tratamento para cada caso. A equipe encaminhou ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) um pedido de registro de patente que engloba o anticorpo monoclonal e suas possíveis aplicações comerciais e terapêuticas. Durante os estudos, o grupo da USP teve a colaboração de Alex Sevanian, da Universidade do Sul da Califórnia, de pesquisadores da Universidad de Ia Republica, em Montevidéu, e do Instituto de Química da USP. Poluente vital - Na outra parte do tra-

balho, os pesquisadores demonstraram, pela primeira vez, que estruturas presentes no plasma humano podem ser reservatórios do potente vasodilatador sintetizado pelo próprio organismo, o óxido nítrico - eleito em 1992 a molécula do ano pela revista Science.

"Uma das mais surpreendentes descobertas da última década", ressalta a pesquisadora, "foi a demonstração de que gases poluentes como o óxido nítrico (NO) e o dióxido de nitrogênio (N02) são produzidos no organismo humano:' Pesquisas confirmaram que, além de importante sinalizado r do sistema cardiovascular, o óxido nítrico é sintetizado em células nervosas e difunde-se rapidamente, ativando células vizinhas. "Esse gás pode modular muitas funções orgânicas, desde a regulação da função hormonal até o comportamento." Estudos feitos no exterior haviam comprovado que os pacientes com ate-

o PROJETO Possíveis Conexões entre Hipertensão e Hipercolesterolemia, em Relação à Aterosclerose: Vias de Inativação do Óxido Nítrico e Oxidação de Lipoproteínas MOOALIDADE

Projeto temático COORDENADORA DULCINÉIA

SAES PARRA ABDALLA-

USP INVESTIMENTO

R$ 1.028.474,02

rosclerose têm capacidade menor de vasodilatação. Havia uma forte suspeita de que isso ocorresse porque o óxido nítrico reagia com outros alvos, e não com as artérias. Um desses locais de reação poderia ser a própria LDL total. Com base nessas premissas, e a partir de um ácido graxo - o linoléico -, o grupo sintetizou em laboratório um modelo experimental que confirmou: quando entra na LDL, o óxido nítrico origina dois produtos - os lípides nitrados e os nitrosilados - que funcionam como reservatórios do vasodilatador. Com essa referência em mãos, a equipe voltou a atenção para o plasma humano e verificou que os dois produtos também se manifestam nele. ''A grande dúvida é saber se, no sangue, eles também agem como reservatórios do óxido nítrico, já que o que acontece em laboratório nem sempre se repete na prática. É um dos próximos passos que pretendemos dar", revela Dulcinéia. Se confirmada a hipótese, os médicos terão à disposição uma nova possibilidade de terapia: os dois produtos, que são atóxicos, podem liberar o óxido nítrico que acumularam. "Com isso, podem aliviar os sintomas da doença e evitar o risco de isquemias e infartos", diz a pesquisadora. • PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 49


CIÊNCIA

ECOLOGIA

D

urante dois anos, entre

1850 e 1852, o natura-

lista inglês Alfred Russel Wallace percorreu o Rio Negro, um dos principais formadores do Amazonas. Foi uma das primeiras expedições científicas à região e resultou na descrição - por meio de desenhos e anotações - de 212 espécies de peixes, só agora apresentadas em livro (veja quadro à pág. 52). Pelas mesmas águas cor de café, um século e meio depois, andou uma equipe da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que entrevistou as populações ribeirinhas - no trecho entre Ponta Negra, perto de Manaus, e o Rio [aú, na margem direita - e constatou os tabus alimentares que regulam o consumo de peixes. Mulheres menstruadas e pessoas doentes, por exemplo,não podem comer certos peixes carnívoros, provavelmente porque, na avaliação dos pesquisado50 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

res, estão no topo da cadeia alimentar e têm maior probabilidade de acumular toxinas. Há também os peixes interditados para consumo normal por terem prioridade para uso medicinal. A arraia, por exemplo, não é carnívora, e é um forte tabu alimentar: sua gordura é usada contra asma, tosse e pneumonia. "A dieta é uma forma de tratar as doenças", comenta Alpina Begossi, responsável pelo projeto, que resultou também no livro Peixes do Alto Rio Juruá (co-edição Imprensa Oficial, Edusp e FAPESP). "Há espécies de peixes recomendadas para o consumo por pessoas doentes e outras explicitamente medicinais." Segundo ela, as proibições alimentares - encontradas também entre os caiçaras da Mata Atlântica paulista, entrevistados em pesquisas financiadas pela FAPESP desde 1992podem resultar da influência da colonização portuguesa: por meio dela, essas populações teriam assimilado anti-

gos preceitos sanitários derivados da medicina hipocrática e mesmo das regras de pureza que a Bíblia estabelece no livro Levítico. Carnívoros e frugívoros - Na região do Rio Negro, entre os peixes carnívoros que são tabus alimentares para doentes destaca-se o surubim (Pseudoplatystoma fasciatum), enquanto o pacu (Mylosssoma rubripinnis) e a sardinha cará-açu (Astronotus ocellatus) estão no extremo oposto: comem invertebrados ou frutas e são altamente recomendados. Outros piscívoros evitados vistos como carregados ou reimosos para o consumo humano - são a piranha (Serrasalmus spp), o mandi (Pimelodus albofasciatus), o filhote (Brachyplatystoma filamentosum) e a pirarara (P hractocep halus hemeliopterus).

As descobertas no Rio Negro reforçam dados obtidos em outras regiões da Amazônia, como nos rios Araguaia,


moramento genético de cultivares - o caso da mandioca (Manihot esculenta) é o melhor exemplo. Nivaldo Peroni, pesquisador do grupo, constatou a existência na região de nada menos que 88 variedades de mandioca, todas repesca esportiva, apoiada por agências sultantes do manejo feito pelas popuambientais governamentais, contrilações locais, provavelmente por hebuiu para destruir a pesca artesanal, rança do saber indígena. uma fonte de subsistência e renda local, No caso das plantas, procurou-se com possibilidades de manejo e inteestimar com que intensidade a floresta grada ao ecossistema", comenta Alpié usada - parâmetro para a eventual na. Um dos objetivos do trabalho que criação de uma reserva extrativista. Desela coordena é justamente demarcar cobriu-se que ali se aproveita uma alta legalmente as áreas de pesca, como o diversidade vegetal: os 73 entrevistados, Japão fez há anos. correspondentes à metade dos moraA receita de manejo estava lá mesdores da boca dos igarapés da margem mo - foi apenas reconhecida pelos direita do Rio Negro, citaram 99 espépesquisadores. O saber dos ribeirinhos cies que conhecem e eventualmente contém uma série de orientações que exploram para finalidades diversas. Esservem perfeitamente de receita para o tudo semelhante feito no médio Aramanejo sustentado. Uma delas é o reguaia pela mesma equipe da Unicamp curso à maior diversidade possível de revelou uma diversidade ainda maior: plantas medicinais, forma de minimi151 espécies citadas por 96 entrevistazar o impacto da coleta por espécie. dos - certamente devido à maior riNa agricultura, os ribeirinhos do Nequeza ambiental da região, que inclui gro valorizam a diversificação e o apriespécies do cerrado. Do mesmo modo, o conhecimento e o consumo de uma grande variedade de peixes minimiza o impacto da exploração por espécie. A ocorrência de tabus alimentares, justamente por impor restrições, diminui a pressão predatória. Finalmente, duas práticas com implicações para o manejo: a exploração da diversidade ambiental com tecnologias de pesca diferentes, de acordo com a área e a espécie, e a divisão informal de territórios de pesca entre grupos de moradores, que impede a sobreposição de pesqueiros. Numa avaliação de desembarque pesqueiro na cidade de Barcelos, ponto focal da pesquisa, onde Andréa Leme desenvolve tese de doutorado, constatou-se que a tática de pesca mais usada (92%) é a zagaia, Farinha de mandioca, alimento básico: herança indígena um tipo de lança de

Pesca próxima a Manaus: consumo de uma grande variedade de peixes minimiza o impacto da exploração por espécie

[uruá e Tocantins, que os pesquisadores da Unicamp percorreram enfocarído o relacionamento dos ribeirinhos com os recursos aquáticos e vegetais em duas vertentes. A primeira é a etnobiologia, que trata da percepção e classificação da flora e da fauna, e a segunda, a ecologia humana, que define o uso do espaço, as táticas de obtenção de recursos e os modelos de subsistência das comunidades ribeirinhas. A equipe da Unicamp pretende usar as informações que obteve para orientar projetos de desenvolvimento sustentado, numa região já ameaçada: segundo os moradores locais, a região do Rio Negro acima de Barcelos, no Estado do Amazonas, é disputada por empresários para a exploração do ecoturismo em áreas fechadas, sem acesso para os pescadores locais. Nesse ponto, o estudo reforça observações feitas em outras regiões pesquisadas. "Em áreas banhadas pelo Rio Araguaia, a

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 51


Uma espera de 150 anos Realiza-se finalmente um sonho do naturalista inglês Alfred Russel Wallace (1823-1913), que dividiu com o compatriota Charles Darwin (18091882) a descoberta dos mecanismos de evolução das espécies. O livro Peixes do Rio Negro, organizado por Mônica de Toledo-Piza Ragazzo, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), e recémlançado pela Edusp e pela Imprensa Oficial, reúne as 212 ilustrações e anotações feitas por Wallace na viagem de 1850 a 1852 pelos rios Negro e Uaupés. São delicados desenhos a lápis, feitos muitas ve.--zes sob condições bem adversas, sobretudo para um europeu. Ao voltar para a Inglaterra, Wallace perdeu num naufrágio todos os espécimes coletados. Só conseguiu salvar uma

madeira. Praticada à noite, requer um conhecimento detalhado do hábitat e do comportamento do peixe. Mantida a baixa densidade populacional da região, a zagaia é uma prática não-predatória: o pescador captura apenas o exemplar que deseja. Os peixes mais apreciados para consumo, sem tabus, são o tucunaré (Cychla monoculus), aracu (Leporinus spp) , matrinxã (Brycon cephalus), pacu e sardinha cará-açu, chamados peixes de carne branca. Para avaliar o conhecimento dos caboclos sobre os peixes, os pesquisadores recorreram a um procedimento simples: montaram um conjunto de 24 fotos de espécies, apresentadas a cada entrevistado em ordem aleatória. Mostravam ao pescador e pediam para dizer que peixe era aquele, o que comia, onde vivia e que parentes (no linguajar local) tinham. "Foi espetacular o conhecimento demonstrado em relação à ecologia dos peixes", comenta Renato Silvano, integrante da equipe. ''As respostas dos pescadores foram a tal ponto condizentes com o 52 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

caixa de metal onde estavam os desenhos de peixes e de palmeiras, que guardou consigo durante 50 anos, sem conseguir publicar. Em 1905 doou desenhos e escritos ao Natural History Museum, na esperança de que fossem editados. Quase 90 anos depois, Mônica resgatou o material esquecido (veja Pesquisa FAPESP n° 55). "Por enquanto, todas as espécies ilustradas ainda podem ser encontradas no Rio Negro", diz a pesquisadora. Entre elas há variedades de grande porte e importância comercial, como a piramutaba (Brachy-

platystoma vaillantii), o filhote, a pescada (Plagioscion squamosissimus) e o surubim. Mas Wallace ateve-se também às espécies pequenas, como o transparente candiru (Paravandellia) e a outra que os índios chamavam de peixe-chuva (Rivulus tecminae), pois supunham que caía do céu com a chuva. Fascinado pela riqueza da fauna ictiológica amazônica, Wallace também era acompanhado na viagem pelos caboclos da época, que lhe traziam a cada dia novos peixes, conservados em cachaça. Das tribos indígenas do ---, c Rio Uaupés, o pesqui~ sador inglês obteve ar~ tefatos, igualmente perg didos no naufrágio. ::l ~ c, Surubim: um dos desenhos salvos do naufrágio de Wallace

que afirma a literatura científica que poderiam servir de diretriz para a pesquisa biológica." Os pesquisadores se surpreenderam por outra razão. "Nós usamos a morfologia para classificar as espécies", diz Alpina, "e os ribeirinhos usam também a ecologia." Para os cientistas, por exemplo, piranhas e pacus fazem parte da mesma família, a Serrasalmi-

o PROJETO Uso de Recursos do Rio Negro: Etnoictiologia e Etnobotânica de Ribeirinhos MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADORA ALPINA BEGOSSI - Universidade

de Campinas INVESTIMENTO

R$ 67.603,98

dae. Não é assim para os filhos do Rio Negro, que separam essas duas espécies levando em conta a dieta delas: os pacus se alimentam de invertebrados e de frutas - por isso são recomendados para o consumo de doentes -, enquanto as piranhas são carnívoras. As informações obtidas indicam até que ponto os impactos externos modificam a dieta dos ribeirinhos. No caso, a balança pende a favor das populações do Negro, na comparação com as do Araguaia. Enquanto na região do Negro 75% da proteína animal da dieta é obtida localmente, via pescado, no Araguaia a pesca artesanal praticamente acabou, substituída pela esportiva. Alpina enfatiza: "Qualquer política de manejo deveria levar em conta os conhecimentos dessas populações e as regras de uso já existentes sobre os recursos naturais". Mas não é o que acontece. A seu ver, a política ambiental do país ainda tende a partir do geral para o particular, em busca de soluções, mas ela acredita que pode ser diferente. •


• CIÊNCIA

sor ÂN

ICA

Arquipélago ameaçado Levantamento descobre as riquezas e os riscos das ilhas de Cerrado no Vale do Paraíba Entre metrópoles: o Cerrado do Vale do Paraíba (ao lado, em regeneração, após incêndio) abriga espécies típicas, como a Schefflera macrocarpa (mandiocão, acima), e raras, como a Periandra mediterranea

H

sáéculos, o Cerrado ocupava uma área contínua no Planalto Central, de onde se estendia na forma de penínsulas ou manchas isoladas - algumas ainda persistem. É o caso dos enclaves encontrados na Mata Atlântica no Vale do Paraíba, entre São Paulo e Rio de Janeiro. Como outros remanescentes paulistas de Cerrado, os do Vale estão fortemente ameaçados, mesmo as áreas de propriedade do Estado, conforme estudo realizado por Giselda Durigan e Geraldo Franco, do Instituto Florestal de São Paulo, e Marinez Ferreira de Siqueira, do Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria), de Campinas. Eles percorreram cinco áreas de Cerrado nos municípios de São José dos Campos, Caçapava e Taubaté, como parte de um projeto do programa Biota-FAPESP, e diagnosticaram 86 frag-

mentos, nos quais predominam as formas campestres desse tipo de vegetação: campo sujo, campo cerrado e cerrado stricto sensu. Identificaram 122 espécies, das quais 15 são típicas da flora local, como Acosmium subelegans (perobinha-do-campo), Aegiphila lhotzkyana (tamanqueira), Byrsonima coccolobifolia (murici), Tabebuia ochracea (ipê amarelo), Cybistax antisyphilitica

(ipê verde), Scheffiera macrocarpa (mandiocão) e Erythroxylum suberosum (mercúrio-do-campo) . A flora do Cerrado do Vale, de modo geral, é relativamente pobre, devido à expansão das cidades e da rede viária, da poluição atmosférica ou ainda a fatores naturais ligados ao isolamento e às condições ambientais locais. Há em média 60 espécies em cada fragmento, mas 17 delas não são encontradas em nenhuma outra região do Estado, como a Alibertia elliptica (marmelada), Tabernaemontana laeta (leiteiro), Leucochloron incuriale, Periandra medi terranea, Miconia ferruginata e Sorocea jureiana. Algumas dessas são mais comuns em Minas Gerais e outras em áreas de transição da Mata Atlântica para o Cerrado. De fato, o Cerrado do Vale assemelha-se mais ao de Minas do que ao do oeste paulista. Como essas áreas estão distantes de outras que permitam a entrada de novas espécies, a tendência é que a vegetação fique cada vez mais pobre. Mas, para os pesquisadores, o elevado número de ocorrências únicas e a peculiaridade das condições ambientais tornam essas áreas altamente prioritárias para a conservação do Cerrado no estado e para a compreensão dos processos ecológicos que determinam a existência desse tipo de vegetação. • PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 53


início o de maio, três tremores de terra chacoalharam Caruaru, em Pernambuco. Foram abalos de pequenas proporções - o mais intenso atingiu magnitude 3,1, numa escala que vai até 9 - e não assustaram tanto quanto os verificados no final dos anos 80 em João Câmara, no Rio Grande do Norte. Durante quatro anos, de 1986 a 1989, os 30 mil habitantes dessa cidade sentiram o chão balançar, em conseqüência de uma sucessão de cerca de 40 mil terremotos. Nessa seqüência, a mais espe-

N

54 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

tacular registrada no país, dois tremores atingiram magnitude 5, liberando energia equivalente à da bomba atômica de Hiroshima, e danificaram cerca de 4 mil casas. Essa série de tremores soterrou o mito de que o Brasil está livre de terremotos - ocorrem no país em média de 80 a 90 tremores por ano, quase todos com magnitude inferior a 4 - e originou estudos que comprovam que os tremores - ou, como dizem os geólogos, os sismos - mais recentes, ocorridos nos últimos 10 mil anos, interferem na definição de formas de relevo

de modo tão intenso quanto os fenômenos climáticos, principalmente chuva e vento, que causam erosão. Esses sismos podem ter sido tão decisivos para a esculturação de serras, planaltos e planícies do país quanto as intensas variações climáticas da época das glaciações, no período geológico conhecido como Quaternário, iniciado há 1,8 milhão de anos. O trabalho mais recente sobre as conseqüências dos terremotos ocorridos no Brasil nos últimos tempos foi publicado em março na revista Geomorphology. No artigo, três pesquisa-


dores paulistas - Claudio Riccomini, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP), e May Modenesi-Gauttieri e Silvio Hiruma, ambos do Instituto Geológico de São Paulo - demonstram que os tremores ocorridos entre 10mil e 3 mil anos atrás contribuíram para dar as formas atuais da região mais elevada do Estado de São Paulo: a Serra da Mantiqueira, cadeia montanhosa de 320 quilômetros de comprimento que se estende pelo sul de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Na mesma época, os terremotos, causados pela movimentação dos blo-

cos rochosos que formam a crosta terrestre - fina camada de 5 a 40 quilômetros de espessura que constitui a superfície do planeta -, originaram também um conjunto de 136 lagos no médio Rio Doce, na região do Parque Estadual do Rio Doce, em Minas. E, ao longo do litoral, numa faixa entre o Rio de Janeiro e a foz do Rio Amazonas, elevaram ou rebaixaram em até 3 metros as falésias - paredões de pedra que se erguem em frente ao mar. As pesquisas sobre as causas e as conseqüências dos terremotos provocaram ainda um abalo conceitual: le-

Efeito de tremores ocorridos entre 8 mil e 5 mil anos atrás: blocos de rochas separados e uma cicatriz de 4 km na Serra da Mantiqueira

varam os especialistas a reavaliar a concepção sobre a real atividade das áreas consideradas geologicamente estáveis,como a parte oriental da América do Sul, onde está o Brasil. Acreditava-se que essas porções das placas tectônicas - os blocos rochosos que formam a crosta terrestre - estivessem livres de terremotos por estarem submetidas a pouca compressão. Não estão. O geólogo Francisco Hilário Bezerra, da Universidade Federal do Rio PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 55


Grande do Norte (UFRN) , recolheu evidências de que tremores de magnitude 7 atingiram o Nordeste, justamente nas margens passivas dos continentes, de 10 mil anos para cá, na última etapa do Quaternário, chamada Holoceno. Foi Bezerra e um geólogo inglês, Claudio Vita-Finzi, do University College, de Londres, que consolidaram a idéia de que podem ocorrer tremores nessas áreas do litoral brasileiro num artigo publicado em julho de 2000 em outra revista conceituada da área, a Geology. A datação de sedimentos no litoral do Nordeste indicou que houve ali uma intensa movimentação da crosta numa fase mais remota, há 5 milhões de anos, no final do período Terciário, e em outra mais recente, entre 6.700 e 2.900 anos atrás, já no Holoceno. Riscos - Desfeito o mito de que as margens passivas não são assim tão calmas, tornase mais sustentável o risco de ocorrerem tremores inLagos de Minas: surgidos com os abalos da crosta há tensos, embora o Brasil nem de longe se encontre em situação comparável à do Japão ou à da . zerra, que há mais de cinco anos estucosta oeste dos Estados Unidos, áreas . da o fenômeno no litoral nordestino, a região mais suscetível a sismos: estide risco muito maior por se encontrarem sobre margens ativas (área de colima-se que no Nordeste possa ocorrer um terremoto de magnitude 4 entre três são) das placas tectônicas. "O perigo de e dez anos, enquanto no Sudeste a protremores mais intensos ocorrer no babilidade se dilui num prazo maior, Brasil é estatisticamente baixo", tranentre dez e 15 anos. "Não há motivos qüiliza o sismólogo Jesus Berrocal, do para alarmar a população, mas as granInstituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, des obras de engenharia devem levar em consideração o fato", alerta o pesum dos centros de acompanhamento de sismos no país. Os dois abalos mais quisador. Dependendo da atividade sísmica de uma região, pode ser necesintensos já verificados no Brasil ocorsário planejar estradas ou hidrelétricas reram em 1955, um no Mato Grosso, com estruturas reforçadas ou mesmo com magnitude 6,2, e outro no litoral do Espírito Santo, a 300 quilômetros evitar a ocupação humana. Allaoua Saadi, do Instituto de Geode Vitória, de magnitude 6,1 - ambos ciências da Universidade Federal de teriam sido catastróficos se atingissem Minas Gerais (UFMG), verificou que regiões habitadas. Mas nem os pesquisadores imaginão são poucas no Brasil as regiões críticas onde geralmente nascem os ternavam que a terra pudesse tremer tanto remotos, as chamadas falhas ou fissuras por aqui. "O risco de sismos é maior do que acreditávamos", reconhece Begeológicas - os tremores são causados 56 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

pela movimentação de blocos rochosos (tectonismo) justamente nessa região de falhas. Em 2000, no primeiro levantamento nacional dessas falhas, parte de um mapeamento das estruturas tectônicas ativas do planeta, Saadi identificou 48 fissuras, algumas com centenas de quilômetros de extensão e concentradas ao longo do Rio Amazonas, no Nordeste e no Sudeste. Mas por que essas falhas, que se encontram numa região de margem passiva, andaram tão ativas? Riccomini atribui a reativação de falhas geológicas muito antigas, formadas há mais de 540 milhões de anos, numa época recente, de 10 mil anos para cá, à movimentação da placa tectônica sobre a qual está o Brasil. O fenômeno se deve, segundo ele, ao empurrão da placa sulamericana - que contém o continente - para oeste, promovido pela abertura do assoalho do Oceano Atlântico' que começou há 130 milhões de anos, com a separação do continente da Á9.500 anos frica, que ainda continua. Nesses 10 mil anos, a borda leste do continente sul-americano, que se estende quilômetros oceano adentro, também ficou mais pesada por causa do acúmulo de sedimentos carregados para o mar por rios e ventos. No ponto onde a borda do continente encontra o fundo do oceano, ocorre ainda o contínuo resfriamento do asso alho do Atlântico, que aumenta a densidade da região. Juntos, esses dois fatores provocaram uma espécie de efeito gangorra, que faz com que trechos da margem continental sob o oceano afundem e blocos da crosta na parte emersa do continente subam. Somados, esses fatores fizeram o planalto de Campos do Iordão, entre as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, tremer fortemente três vezes no Holoceno. Segundo Riccomini, a primeira das movimentações da crosta na região foi há 10 mil anos. Os blocos de rocha que formam o assoalho da Terra


também se mexeram em algum momento entre 8 mil e 5 mil anos atrás, enquanto a terceira sacudida deve ter ocorrido há meros 3 mil anos. Esses tremores causaram deslocamentos no solo de até um metro. Ação combinada - O trabalho dos pesquisadores paulistas consolida a idéia de que essa movimentação de placas foi tão essencial para definir o relevo da região quanto as grandes variações climáticas do Quaternário, nos últimos 1,8 milhão de anos. Embora a conclusão pareça óbvia, nem sempre foi assim. "Houve um período no qual se deu muita ênfase às mudanças climáticas do Quaternário para explicar a modelagem da paisagem", diz a geógrafa May ModenesiGauttieri, do Instituto Geológico, que estuda a região de Campos do Iordão desde os anos 80. "Os geomorfólogos não ignoravam a tectônica, mas, nessa fase, esqueceram-se dela." Geólogos e geomorfólogos, quando resolveram trabalhar juntos, concluíram que as formas de relevo atuais resultam da ação em conjunto do clima e da movimentação da crosta nos últimos milênios. No planalto de Campos do Iordão, tectonismo e clima ajudaram a esculpir, por exemplo, as escarpas, inclinações no sopé dos mor- ' ros, alinhadas ao longo das falhas geológicas, e os rios em forma de gancho, cujo curso sofreu um desvio abrupto, por causa de uma interrupção no relevo, e adquiriu uma trajetória que lembra a letra "u" May observou há mais de 20 anos os primeiros indícios da ocorrência de movimentação recente de blocos na região. O relevo exibia marcas próprias, como as estruturas semicirculares que se formam na encosta de morros e lembram os anfiteatros romanos - chamados, por isso, de anfiteatros suspensos. Cobertas por florestas de araucária (Araucaria angustifolia) e de pinheirobravo (Podocarpus lambertii), essas áreas distinguem-se da vegetação dos campos, que predomina nas porções planas do terreno e no topo das elevações. May encontrou também morros

BA

GO MG

com encostas em forma de triângulo, conhecidas como facetas triangulares. Esses sinais, no entanto, eram insuficientes para provar a suspeita de que o tectonismo recente havia ajudado a modelar as formas do relevo, que poderiam resultar tanto da ação de agentes climáticos quanto da movimentação da crosta. Um indício mais forte, a presença de rios em forma de gancho, como o Ribeirão Galvão, foi um elemento a mais para sustentar a hipótese, mas faltava a prova cabal. A comprovação só veio em meados da década de 90, quando May e o

o PROJETO Neotectônica no Planalto de Campos do Jordão MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR CLAUDIO RICCOMINI

Geociências/U S P INVESTIMENTO

R$ 26.298,74

- Instituto

de

vigeólogo Silvio Hiruma ram-se com dados morfológicos abundantes, mas tendo de aprofundar os estudos em neotectônica. Foi quando procuraram Riccomini, que constatara neotectonismo na bacia sedimentar do Vale do Paraíba do Sul no final dos anos 80. Ao analisar uma área de 220 quilômetros quadrados, em São José dos Alpes, a leste de Campos do Iordão, as descobertas se somaram rapidamente. Por meio da medição das falhas geológicas, da determinação das direções das forças que agem sobre elas os chamados regimes de esforços - e da datação de sedimentos, os pesquisadores verificaram que esse fenômeno, finalmente confirmado, não deve se restringir ao planalto: segundo Riccomini, o tectonismo recente afetou uma área bem maior, que inclui o médio Vale do Rio Doce, em Minas, o Rio de Janeiro e uma faixa que vai até o sul de São Paulo. Mudou também a explicação do surgimento dos lagos do Parque Estadual do Rio Doce, situados 20 metros acima do nível do rio e sem conexão com o sistema fluvial, vistos, até recentemente, como resultado da influência das alternâncias climáticas do Quaternário, que começou há 1,8 milhão de anos. O geólogo Cláudio Mello, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fez o levantamento dos abalos sísmicos e das falhas da região, juntou com os dados geomorfológicos e concluiu: os movimentos da crosta ocorridos há cerca de 9.500 anos foram o principal fator que influenciou o represamento dos lagos mineiros. "Foi a movimentação recente de falhas da região que originou os lagos", afirma Mello. Nessa época ocorreu no litoral nordestino uma ou duas seqüências de tremores intensos que ergueram ou afundaram em até 3 metros os paredões de rocha que fazem frente ao mar. Bezerra, que caracterizou o fenômeno, não vê razão para crer que outras áreas da costa e até do interior tenham sido poupadas pelas inquietações da Terra. • PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 57


• CIÊNCIA

FÍSICA

Supercordas sem nós Enfoque criado por pesquisador da U nesp faci Iita os cálculos na teoria que busca a unificação das forças da natureza ALESSA

DRO GRECO

m bebê emite os primeiros ruídos no primeiro mês de vida, com o tempo começa a dizer vogais e palavras que mais parecem uma língua estrangeira, até finalmente dizer mamãe e papai. Nas últimas três décadas, a Teoria das Supercordas - uma das fronteiras da física, que persegue a unificação de todas as forças conhecidas e procura explicar fenômenos extremos, do interior do átomo aos confins do universo - passou por uma evolução semelhante. Um dos mais recentes avanços nesse campo foi produzido por um grupo de pesquisadores liderado pelo norte-americano naturalizado brasileiro Nathan Iacob Berkovits, no Instituto de Física Teórica (1FT) da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Consiste de uma nova linguagem matemática, destinada a resolver um problema que atormenta os físicos há mais de 25 anos: a complexidade de cálculos dentro da Teoria das Supercordas. Berkovits, um físico de 41 anos que mantém o ar jovial e despojado,

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58 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

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enxergou uma velha dificuldade com novos olhos e criou um atalho que permite manipular com mais facilidade a Teoria das Supercordas: pela primeira vez, conseguiu fazer cálculos que tratam de forma igual dois grupos de partículas subatômicas. Um deles é o dos bósons, transportadores de forças: é formado pelos fótons, que conduzem a luz, e os grávitons, portadores da força da

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gravidade. O outro grupo é o dos férmions, partículas que constituem a matéria: são os elétrons e os quarks. Quando bósons e férmions eram vistos de forma diferente, era bem mais difícil desenvolver as equações que procuram prever o comportamento das partículas subatômicas. "Os cálculos envolvendo férmions eram extremamente trabalhosos'; diz o pesquisador da Unesp, que há 15

anos encara esses problemas. "Só mudei a forma de tratar as partículas." O novo enfoque pode ter implicações importantes. Inicialmente, por economizar tempo: em vez de semanas, pode-se gastar só alguns dias para desenvolver os raciocínios matemáticos; ou, em vez de dias, horas. O modelo simplifica, especificamente, os cálculos que envolvem a supersimetria - conceito do mundo subatômico relacionado à rotação das partículas em torno delas mesmas, como se fossem pequenos planetas - e por isso facilita a resolução de um dos problemas mais desafiadores da física: incluir a Teoria da Relatividade Geral no mundo quântico - o que é fundamental para unificar teoricamente todas as forças e interações da natureza. Além de simplificar os cálculos que envolvem supersimetria, o modelo permite formular na Teoria das Supercordas alguns cálculos que anteriormente eram impraticáveis. Segundo Berkovits, os novos cálculos podem ser usados, por exemplo, para testar uma conjectura recente de Iuan Maldacena, talentoso físico argentino de 33 anos, que explica a interação entre os quarks - partículas que formam os prótons e os nêutrons do núcleo atômico. Publicado em abril de 2000 no [ournal of High Energy Physics e apresentado em julho do mesmo ano no Strings 2000, um congresso de especialistas em supercordas reunido na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos - e desde então aprimorado numa dezena de artigos em revistas especializadas -, o modelo de Berkovits gerou admiração e surpresa. "É impressionante que um físico trabalhando quase sozinho tenha desen-

Nova concepção de átomo: não mais partículas, mas cordas que vibram como as de um violino PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 59


volvido esse modelo", comenta um dos pioneiros da Teoria das Supercordas, o físico norte-americano Iohn Schwarz, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), nos Estados Unidos. "Esse trabalho mostra um grande talento e determinação:' Não foi um trabalho tão solitário assim. Em 1994, Berkovits trocou o Kings College de Londres pelo 1FT, um lugar com escassez de especialistas na área. O trabalho que resolveu o problema do tratamento dos bósons e dos férmions incluiu colaboradores como Cumrun Vafa, da Universidade de Harvard, Warren Siegel, da Universidade Estadual de Nova York em Stony Brook, ambos nos Estados Unidos, e alunos e pós-doutores do 1FT como Berkovits: abordagem permite que cálculos que tomavam semanas ocupem apenas alguns dias Brenno Carlini Vallilo, Carlos Tello Echevarria, Marcelo Leite, Osvaldo tamanho de um átomo. O conceito manho calculado em 10-35 metro (o é absoluto: tudo no universo - inclusive do Chandía e Vladimir Pershin. número 1 precedido de 35 zeros após a nós, seres humanos - nada mais seria vírgula). As aproximadamente 200 parerkovits continua a pesquido que cordas vibrando. tículas hoje conhecidas nada mais sesar seu modelo, denominaA Teoria das Supercordas foi usada riam que formas diferentes de vibração do Pure Spinor Formalism para entender, por exemplo, um tipo de dessas microcordas, como as diferentes radiação emitida pelos buracos negros, (Formalismo com Spinores notas musicais. Puros - spinor é um recura radiação de Hawking, nome que hoA teoria, considerada elegante pelos so matemático usado para descrever a menageia o físico inglês Stephen Hawpróprios físicos, tem implicações intriposição e o comportamento de partíking. A teoria é também um dos meios gantes. Cordas podem vibrar de.inconculas subatômicas). O pesquisador, que pelo qual os físicos procuram entender táveis maneiras, o que cria a possibilieste ano já publicou quatro artigos soa explosão que teria originado o unidade de existirem infinitas partículas no bre o assunto, desenvolve aplicações cada verso, o Big Bang, e mesmo a possibiliuniverso. O físico austríaco Isidor Isaac vez mais refinadas. "Fui convidado a dade de haver universos cíclicos, um Rabi (1898-1988, Prêmio Nobel de 1944) apresentar os desdobramentos do modando origem a outros. se divertiria com a atualidade da perdelo original no Strings deste ano, na gunta que fez quando lhe contaram que Inglaterra", diz. Do átomo aos planetas - O maior obmais uma partícula, o múon, havia sido A compreensão do modelo, em esjetivo da Teoria das Supercordas, que o descoberta: "Quem pediu essa partícupecial para não-especialistas, exige trabalho do grupo da Unesp ajuda a la?" Detalhe: ele disse isso em 1936 e daí uma visão panorâmica da história, dos concretizar, é unificar nas mesmas em diante dezenas de outras partículas defeitos, das qualidades e das dificulequações - ou fazer com que converforam descobertas. dades da Teoria das Supercordas. Ela sem - as quatro forças da natureza: A Teoria das Supercordas sustenta despertou sentimentos que foram do forte, fraca, eletromagnética e gravitaque tanto o comportamento quanto as descrédito total, em vista das dificuldacional. As duas primeiras agem essencaracterísticas básicas das partículas, des que pareciam insuperáveis, à eufocialmente no interior do átomo: a forcomo massa e carga elétrica, são definiria, dado seu potencial de resolver proça (ou interação) forte faz os quarks do das pelo modo de vibração das cordas. blemas que de outro modo parecem núcleo permanecerem próximos e a Provavelmente, as cordas nunca serão insolúveis. Desde que foi criada, no fifraca é responsável pela radioatividade. vistas: os microscópios de tunelamento nal da década de 60, mostrou ser uma Já num plano mais observável, a elesão capazes de enxergar átomos - em concepção revolucionária. Revoluciotromagnética permite o uso da eletricirecente façanha, um grupo de pesquinária porque mudou o conceito das pardade e faz os motores funcionarem, sadores da IBM escreveu o nome da tículas subatômicas: elas não seriam enquanto a gravitacional faz os corpos empresa com 35 átomos de xenônio -, mais pontos, mas pequenas cordas, aberdo universo se atraírem - é a mais framas não há meio de visualizar as cortas ou fechadas, que vibrariam como as ca de todas, mas a que mantém os pladas, tão pequenas que, se um átomo cordas de um violino, e teriam um tanetas em órbita. As cordas poderiam fosse do tamanho da Terra, elas seriam

B

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atar o mundo microscópico da mecânica quântica - que integrou as três primeiras forças - com o mundo macroscópico da relatividade geral, sustentado pela gravidade. Não é fácil, por causa da própria definição da força gravitacional: ela é o resultado da multiplicação do valor de cada massa envolvida, dividido pela distância ao quadrado. No mundo subatômico, quando uma partícula está perto de outra, a distância é tão mínima, que, matematicamente, a gravidade tende ao infinito - um resultado que perturba o mundo quântico e inviabiliza a integração da gravidade com as outras forças. usca

da unificação das forças derrotou o criador das duas Teorias da Relatividade, a Especial e a Geral, ~ o judeu alemão Albert Einstein (1879-1955), e persiste como um desafio para as maiores inteligências da ciência. Desde seu nascimento, na década de 70, a Teoria das Supercordas procura explicar tudo o que ocorria com as forças e interações da natureza. Mas a primeira versão, elaborada por três físicos - Iohn Schwarz, do Caltech, Pierre Ramond, da Universidade da Flórida, Estados Unidos, e André Neveu, da Universidade de Montpellier II, França -, tinha um problema: suas ferramentas matemáticas, seu vocabulário, enfim, era inadequado para descrever um conceito-chave da Teoria das Supercordas, a supersimetria. A Teoria das Supercordas prediz que a natureza tenha uma outra simetria, além da mais conhecida, a simetria do espaço-tempo - segundo a qual as leis da física são as mesmas, estejamos na Terra, em Marte ou em qualquer outro ponto do universo. Essa nova forma de organização da natureza, chamada supersimetria, está relacionada à rotação das partículas em torno do próprio eixo, do mesmo modo que a Terra gira em torno de si mesma a cada 24 horas - é o chamado spin, uma característica tão importante das partículas subatômicas quanto a massa e a carga. Mas, enquanto a Terra só consegue rodar em torno de si mesma de uma única forma, a natureza dividiu as partículas em dois grupos distintos, cada um rodando de forma diferente - os bósons e os férmions. A supersimetria implica que para cada bóson existe um

férmion correspondente. Por exemplo, o elétron, que é um férmion, teria um parceiro supersimétrico, o selétron (s de super), que é um bóson. Os próprios físicos têm dúvida da existência dessas partículas-gêmeas, chamadas superparceiros, pois nenhuma delas ainda foi encontrada. Schwarz, que fazia parte do primeiro time de formuladores da teoria, não desistiu de achar um modo mais adequado de tratar a supersimetria. Em 1984, em conjunto com o físico inglês Michael Green, finalmente encontrou as ferramentas necessárias. Foi um momento de euforia, que ficou conhecido como Primeira Revolução da Teoria das Supercordas e atraiu centenas de físicos para a área. Mas o cobertor era curto. Ao cobrir a cabeça, criando um vocabulário para descrever a supersimetria, as simetrias que tratam do espaço e do tempo começaram a se comportar de forma estranha e não se encaixavam direito no novo modelo. Os pés haviam ficado de fora. Contas possíveis - O modelo de Berkovits conserta esse problema, como um bebê que, depois de aprender algumas palavras, consegue vocabulário suficiente para montar uma frase - o vocabulário que Berkovits criou permite estudar supercordas de uma nova maneira, até então impossível com as descrições anteriores. Um grupo que inclui Berkovits, físicos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e das universidades de Harvard e de Carolina do Norte, nos Estados Unidos, além de Witten, Vafa e pós-doutorandos do 1FT, aplicou essa abordagem na análise das propriedades da conjectura de Maldacena, que abre caminho para entender, detalhadamente, o comportamento das

o PROJETO Pesquisa e Ensino em Teoria de Cordas MODALIDADE Projeto temático COORDENADOR NATHAN JACOB BERI<OVITS - Instituto de Física Teórica da Unesp INVESTIMENTO

R$ 52.000,00

partículas no núcleo atômico - e o trabalho andou. "Antes, era impossível realizar alguns cálculos da conjectura de Maldacena", comenta Berkovits. Aos poucos, surgem evidências de que esse enfoque consegue harmonizar a supersimetria e a simetria do espaço-tempo dentro da Teoria das Supercordas, simplesmente por eliminar as diferenças de tratamento matemático entre bósons e férrnions, antes vistos com fórmulas distintas e agora fazendo parte das mesmas equações. Outra visão da Terra - Mas, para chegar a essa solução, foi preciso mudar o ponto de vista, como se o problema fosse encontrar uma pessoa na Terra. Para descrever a posição -latitude e longitude-, podemos usar dois tipos de coordenadas: a cartesiana ou a polar. A primeira tem três variáveis perpendiculares (altura, comprimento e profundidade) e trata a Terra como se fosse cúbica. A coordenada polar substitui a altura pela latitude, o comprimento pela longitude e a profundidade pelo raio da Terra, agora vista como esférica. Foi basicamente isso que Berkovits fez: usou uma forma mais adequada do que seus colegas para descrever a supersimetria, como se tivesse achado um atalho. O significado de seu trabalho poderá ser ainda maior. O modelo talvez consiga uma descrição mais uniforme das cinco Teorias de Supercordas conhecidas. Sim, nada é simples nessa área, mas o físico norte-americano Edward Witten, um dos mais importantes nesse campo, deu um belo empurrão ao mostrar, em 1995, que essas teorias são apenas versões diferentes de uma outra por ele chamada de Teoria M - letra que lembra tanto mother (mãe), membrane (membrana) ou matrix (matriz). Até esse momento, a Teoria das Supercordas parecia um animal que só se observava parcialmente - ora a cabeça, ora o pé -, sem uma visão de conjunto. Witten conseguiu enxergar o mosaico formado por essas abordagens e gerou outro momento de euforia entre os físicos foi a Segunda Revolução da Teoria das Supercordas. Witten acompanha o trabalho do grupo da Unesp há muitos anos. "O modelo de Berkovits é elegante e surpreendente", comentou. Pode ser que estejamos perto da Terceira Revolução da Teoria das Supercordas. É esperar para ver. • PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 61


• TECNOLOGIA

LINHA

DE

PRODUÇÃO

Robôs disputam copa de futebol Um animado campeonato de futebol foi disputado entre os alunos da Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo no dia 8 de junho. Só que os titulares dos times eram robôs, construídos por alunos do segundo ano da Grande Área de Mecânica da Escola, que compreende os cursos de Engenharia de Produção, Mecânica, Mecatrônica e Naval. A competição, disputada desde 1990 com o nome de Campeonato de Protótipos, este ano foi rebatizada de Robocopa, porque aconteceu na mesma época em que estava sendo disputado o mundial de futebol na Ásia. A prova é parte da disciplina Introdução ao Projeto de Sistemas Mecânicos, ministrada pelo professor Nicola Getschko. O professor ressalta que a competição familiariza o estudante com todo o processo de projetos em engenharia. "O aluno idealiza, monta e

• Palito de mandioca fabricado em série Palitos de mandioca, homogêneos na forma e na textura, já podem ser feitos em escala industrial. Embora o Brasil seja o segundo maior produtor mundial, com 24 milhões de toneladas anuais, o processo de explorá-Ia industrialmente ainda se limita a poucos produtos. O principal entrave para o seu aproveitamento é que, por ser um produto altamente perecível, precisa ser trabalha-

Alunos da Poli controlam robôs durante campeonato depois utiliza o robô na competição." Esse tipo de estudo faz parte da metodologia Hands of! (Mão na mas-

do em no máximo 48 horas após a colheita. Esse foi o ponto de partida da tese de doutorado de Shirley Aparecida Garcia Berbari, pesquisadora do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), defendida na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Shirley queria obter uma tecnologia para fazer palitos de mandioca a partir de farinha que, reidratada, apresentasse características muito semelhantes à da

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sa), que estimula o estudante a executar projetos nos quais coloca em prática o que aprendeu nas aulas. Partici-

polpa cozida. Para obter a farinha, a primeira etapa é descascar e cozinhar a mandioca. Depois, ela é desidratada e triturada, em diferentes tamanhos para simular a polpa. A terceira fase é a de preparação da massa que vai servir de base para os palitos, feitos sempre no mesmo formato. Em seguida, eles são pré-fritos e congelados. Shirley conta que essa tecnologia é dominada por outros países, mas apenas em relação à batata. "Embora sejam amiláceos (que contêm

param da disputa 39 equipes, com oito alunos cada. "O grande diferencial da vencedora foi criar uma placa que funcionava como goleiro", conta Getschko. A placa era ejetada do carro, abria-se em três partes e atuava como obstáculo para o gol. O campeonato está integrado a um circuito internacional de campeonatos similares, o Robocorn, vinculado ao Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos. Seis alunos serão escolhidos para compor a equipe que representará a escola paulista na disputa internacional que será disputada em Boston, em agosto, com alunos da Alemanha, Coréia do Sul, França, Inglaterra e Japão. Eles têm de fazer parte das três primeiras equipes mais bem classificadas na Robocopa e apresentar um bom desempenho acadêmico. •

amido), são muito diferentes do ponto de vista fisiológico. Não dá para reaproveitar a tecnologia de uma para a outra", diz a pesquisadora. Já surgiram interessados na nova técnica de preparo da mandioca. Uma empresa norte-americana com sede na Bolívia faz palitos com a polpa, mas quer fabricá-los a partir da farinha. Uma cooperativa do interior paulista que trabalha com produtos derivados de mandioca também está disposta a produzir os palitos .•


• De olho nas rachaduras Um pequeno senso r, que quase cabe na palma da mão, poderá se transformar em breve num importante aliado para avaliar a "saúde" estrutural de viadutos, pontes, túneis e edifícios. Dotado de uma tecnologia inédita, ele será capaz de monitorar a fadiga de materiais, como aço e concreto, presentes em pilares, colunas, paredes e outras estruturas de sustentação. A novidade do aparelho, desenvolvido pelo Laboratório Nacional Sandia, ligado ao Departamento de Energia dos Estados Unidos, é que ele funcionará sem baterias e nenhum tipo de alimentação elétrica externa. O sensor transformará a energia mecânica produzida pelas vibrações que atingem a construção em eletricidade, alimentando assim seus componentes. Ao mesmo tempo, fará uma completa avaliação da estrutura, medindo o desgaste que está sofrendo. As informações coletadas ficarão armazenadas no sensor, que será colocado dentro dos pilares ou vigas no ato de sua construção, e poderão ser resgatadas por meio de um leitor de radiofreqüência apontado para o local onde ele se encontra. O pequeno instrumento é constituído por materiais cerâmicos piezelétricos que produzem eletricidade quando submetidos a algum tipo de pressão. Os inventores do sensor acreditam que ele poderá ser ex-

tremamente útil para monitorar a condição de edifícios, pontes e torres que se encontram em áreas atingidas por terremotos, vendavais e ataques por bombas. •

• Frango avaliado em todas as etapas Um software que avalia alternativas rentáveis para a produção do frango de corte foi desenvolvido pelo professor Écio de Farias Costa, do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O programa é uma planilha onde são inseridos dados sobre preço final do frango, rações e instalações. Com essas informações, são fornecidos modelos de produção, destacando o tipo de ração que deve ser usado, o espaço 'apropriado e a temperatura de galpões destinados à criação, além da melhor forma de vender o frango (em partes ou com a carcaça inteira). "Esse software foi desen-

volvido para uma indústria da Geórgia, nos Estados Unidos, mas é facilmente adaptável para a brasileira", diz Costa .•

• Materiais 2002 na UFSCar Dividir experiência é a proposta de um encontro que será realizado em agosto, nos dias 8 e 9, no Centro de Desenvolvimento e Caracterização de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O Materiais 2002 - Encontro de Tecnologia e Inovação em Materiais terá oito cursos e duas conferências. Os cursos serão ministrados por professores da UFSCar e profissionais da iniciativa privada experientes nas áreas de cerâmica, polímeros e metais. Uma das conferências, Novos Rumos da Engenharia de Materiais, será proferida pelo professor norte-americano Franz Richard Brotzen, que participou da fundação do Departamento de Materiais da UFSCar. •

Programa faz controle minucioso da produção avícola

• Programa de célula a combustível Um programa nacional de Célula a Combustível está em gestação no Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), sob a coordenação do Fundo Setorial de Energia (CT-Energ) e do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).A proposta do programa está aberto a consultas e foi elaborada a partir de um encontro realizado nos dias 5 e 6 de junho, em Brasília, com 50 pessoas, entre pesquisadores, representantes de empresas e técnicos de outros fundos setoriais envolvidos no tema. "Desenvolvemos as idéias preliminares e agora estamos num processo de consulta ampla para direcionar o programa", conta o professor Gilberto de Martino Iannuzzi, secretário-técnico do CTEnerg. As discussões no encontro foram baseadas num relatório preparado pela professora Helena Li Chum, pesquisadora brasileira radicada no Laboratório Nacional de Energia Renovável (National Renewable Energy Laboratory), que entrevistou vários pesquisadores e dirigentes de empresas que trabalham com célula a combustível no Brasil. A importância das células a combustível está no fato de que esse equipamento pode produzir energia elétrica a partir de hidrogênio extraído do gás natural, gasolina e metanol com muito mais eficiência energética, sem geração de resíduos poluentes. •

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Manjericão pode ser base de perfume o manjericão,

conhecido ingrediente da culinária, pode adentrar o universo restrito dos perfumes finos e ser produzido em grande escala. Estudos realizados pelo agrônomo Nilson Maia, do Centro de Análise e Pesquisa Tecnológica do Agronegócio de Horticultura, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), levaram à descoberta de que é possível extrair dessa erva aro-

ta Maia. No início da pesquisa, Maia trabalhou com outras plantas de potencial agrícola com linalol na composição, como louro e laranja. A escolha recaiu sobre o manjericão porque, em apenas três ou quatro meses de cultivo, a planta está pronta para ser utilizada. A primeira fase da pesquisa teve financiamento de R$ 9.500,00 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Agora, para obter o linalol com maior índice de pureza, o pesquisador precisa de parcerias com a inz dústria. Por enquanto, a ~ única proposta vem de uma ~ empresa norte-americana ;:; interessada em se instalar i no Brasil para obter o óleo do manjericão. •

mática o linalol, óleo essencial usado na composição de alguns perfumes. O Chanel nv 5, por exemplo, utiliza o óleo essencial do pau-rosa, árvore amazônica com alto teor dessa substância. "O objetivo do trabalho era obter o linalol natural a partir do manjericão para substituir o sintético, usado em produtos aromáticos como sabão, sabonete e produtos de limpeza", con-

~~-;J~:I"'__

Óleo extraído do manjericão tem múltiplos usos

• Casa sob medida para o século 21 Uma "casa inteligente'; equipada com sistemas de automação e informatização, estará aberta à visitação pública no Expo Center Norte, em São Paulo, de 30 de julho a 3 de agosto. A construção terá 1.200 m2 divididos em ambientes como cozinha, sala de jogos, quarto de serviço, home theater. O projeto de arquitetura é do escritório Sidônio Porto Arquitetos Associados. "Os arquitetos vão compor ambientes orientados por padrões que estabelecemos", adianta Sidônio. A casa será feita com materiais pré-fabricados para que possa ser construída no

menor tempo possível. A casa inteligente será uma das atrações do Salão de Inovação Tecnológica & Tecnologias Aplicadas nas Cadeias Produtivas, promovido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e realizado pela Financiadora

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de Estudos e Projetos (Finep). O evento tem como proposta divulgar as ações desenvolvidas pela iniciativa privada, órgãos governamentais, institutos, fundações, universidades e centros de pesquisas na área tecnológica. •

• Compósito ganha centro tecnológico Os materiais compósitos, conhecidos popularmente como "plástico reforçado", são uma combinação de resina e fibras plásticas ou naturais. Eles têm mais de 40 mil aplicações em setores como agricultura, saneamento, transportes, indústria automobilística, aeronáutica, vestuário e construção civil. Mesmo assim, ainda são pouco explorados no Brasil. Como esse mercado tem alto potencial de crescimento, a Associação Brasileira de Materiais Plásticos Compostos (Asplar) e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) assinaram, em junho, um convênio para a incubação do Centro Tecnológico de Compósitos (Cetecom). O centro vai oferecer cursos de capaciração básica e de gestão do processo de inovação tecnológica. "Estamos expandindo o conceito de incubação para um setor inteiro com o objetivo de qualificar as empresas'; explicou o professor Guilherme Ary Plonski, superintendente do IPT. O Cetecom vai atingir toda a indústria de compósitos, cuja linha de produção é ampla e diversificada. Os compósitos podem ser produzidos de várias formas, tanto artesanalmente como em equipa-

Casa inteligente terá sistemas de automação e informatização em todos os ambientes


Programa Rodando Limpo: utilidade a pneus abandonados mentos de última geração. Segundo técnicos do IPT, o compósito tem uma série de vantagens. É leve, resistente à corrosão, isolante, flexível e seus moldes são baratos. Além disso, também pode ser reeidado. Seus resíduos são usados como carga de asfalto e na geração de energia. •

• Pneus velhos são reciclados A cidade de Londrina, no Paraná, lançou no mês de junho um programa destinado a recolher pneus velhos, que serão transformados em gás e óleo combustível. Curitiba foi a primeira a adotar o programa chamado de Rodando Limpo, em novembro do ano passado. O programa foi criado pelo presidente da empresa paranaense BS Colway Pneus e da Associação Brasileira da Indústria de Pneus Remoldados, Francisco Simeão. A prefeitura serve de intermediária no processo. Os pneus sem uso são levados ao aterro municipal de Londrina, onde são comprados por R$ 0,20 (automóvel) e R$ 0,35 (caminhonete). A BS Colway, responsável pelo pagamento, tritura-os e transporta-os até a unidade de processamento de xisto da Petrobras na cidade de São Mateus, também no Paraná. Os pneus

picados são misturados ao xisto e transformados em gás e óleo combustível. Uma semana depois de o programa estar em vigor, no dia 17 de junho, já haviam sido recolhidos 16 mil pneus em Londrina, cidade com 500 mil habitantes. A meta é recolher de 100 mil a 150 mil até o final do ano. Em Curitiba, em seis meses, foram tirados de circulação 1,5 milhão. O objetivo da iniciativa é mostrar que é possível cumprir a resolução 258 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) , em vigor desde o início do ano, que obriga fabricantes e importadores a recolher e providenciar destino adequado a pneus sem condições de uso. Para cada quatro pneus importados ou fabricados, as empresas do setor devem destruir um usado. Essa exigência deve aumentar proporcionalmente a cada ano, até que se atinja a meta de cinco pneus destruídos para cada quatro produzidos. •

• Experimentos testados a 550 krn O foguete VS-30, que será lançado ainda este ano da base de Alcântara, no Maranhão, vai levar a bordo projetos científicos de universidades e instituições de pesquisa para serem testados em ambiente de

microgravidade. Os experimentos têm o objetivo de analisar processos físicos, químicos e biológicos difíceis de serem observados sob a influência da gravidade terrestre. O foguete permanecerá em ambiente de microgravidade por cerca de 240 segundos, podendo atingir 550 quilômetros de altitude. Os equipamentos para realização dos experimentos do Projeto Microgravidade, da Agência Espacial Brasileira (AEB), foram submetidos com sucesso aos primeiros ensaios ambientais, realizados no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) , em São José dos Campos (SP). Inicialmente programado para seis projetos científicos, o VS30 poderá levar até oito experimentos. Entre eles estarão o da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que vai testar microtubos de calor para controle térmico de com-

ponentes eletrônicos de satélites. Já a pesquisadora Vera Maura Fernandes de Lima, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, que trabalha com modelos de auto-organização do cérebro, quer comparar os resultados obtidos em vôo parabólico com os do foguete. Ela vai avaliar os efeitos da falta de gravidade na propagação de ondas excitáveis do cérebro (veja reportagem na edição 74 de Pesquisa FAPESP). •

• Vela cerâmica controla irrigação Um senso r para o agricultor determinar o momento certo de irrigar a plantação foi desenvolvido e patenteado pela Embrapa Hortaliças e está prestes a ser lançado comercialmente. O sistema de controle de irrigação, denominado Irrigas, consta de uma cápsula porosa, semelhante a uma vela utilizada em filtros de água domésticos, ligada por mangueira flexível a uma pequena cuba transparente, colocada em um frasco com água no momento da medição. A cápsula porosa é instalada no solo próximo à raiz das plantas, a uma profundidade entre 15 e 30 centímetros. Quando o solo está irrigado, os poros ficam cheios de água e impermeáveis à passagem do ar e, quando a planta vai consumindo a água, o solo seca e parte dos poros fica aberta à passagem do ar. Assim, no solo seco o ar escapa quando a cuba é imersa em água. A cápsula porosa pode ser instalada tanto na vertical quanto na horizontal. A posição horizontal é recomendada quando se quer controlar a umidade em camadas próximas à superfície do solo. O preço de venda do sensor está estimado em R$ 15,00. •

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TECNOLOGIA COMBUSTÍVEL

Não sobra nem o bagaço Gasolina Comum

Álcool Comum

Novo processo pode aumentar a produção de álcool em 30% e contribuir para a reativação do Proálcool

YURI

U

VASCONCELOS

mapequena revolução pode acontecer nas usinas de açúcar e álcool do país. Se incorporarem uma nova tecnologia desenvolvida no Centro de Tecnologia (CTC) da Cooperativa de Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar), em Piracicaba, elas serão capazes de elevar a produção de álcool em cerca de 30% sem a necessidade de plantar um único pé de cana a mais. O que parece mágica é, na verdade, resultado do aproveitamento total da biomassa da cana, mais precisamente do bagaço. Estima-se que sejam moídos 300 milhões de toneladas de cana por ano no país, resultando em 81 milhões de toneladas de bagaço. Desse total, cerca de 70 milhões são queimados em caldeiras para produção de energia elétrica para abastecimento das próprias usinas. Com o aproveitamento de 50% da palha de cana, atualmente queimada ou deixada no campo, podem ser libe-

ÓÓ •

JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

rados 35 milhões de toneladas de bagaço para a produção de álcool. Somadas aos 11 milhões que já sobram, será possível produzir 5,4 bilhões de litros de álcool por ano, o que corresponde a cerca de 30% da oferta atual. A produção de energia elétrica não ficaria prejudicada desde que grande parte das caldeiras existentes fossem substituídas por outras mais modernas e eficientes, que aproveitam melhor a queima do bagaço e da palha. A nova tecnologia é resultado de duas décadas de estudos, num trabalho conjunto entre pesquisadores da Copersucar e do Grupo Dedini, um dos maiores fabricantes de máquinas e equipamentos para o setor sucroalcooleiro. Eles conseguiram comprovar que é possível fabricar álcool etílico (etanol) carburante a partir do bagaço de cana, por meio de um processo batizado de Dedini Hidrólise Rápida (DHR). Esse processo já se mostrou eficaz em ensaios laboratoriais e num pro-

tótipo em escala piloto no CTC e está pronto para ser testado em escala industrial. Se tudo der certo, a nova tecnologia estará disponível para as usinas brasileiras a partir do segundo semestre de 2003. "Estamos confiantes de que essa nova técnica, até então inédita em termos industriais, será bastante positiva para o país", conta o engenheiro químico Carlos Eduardo Vaz Rossell, coordenador do projeto na Copersucar. "Todos os países desenvolvidos estão perseguindo essa tecnologia, de transformar biomassa vegetal em combustível," Para ele, o processo DHR poderá fornecer álcool a custos competitivos, utilizando uma matéria-prima já existente e liberando mais caldo de cana para produção de açúcar. "A técnica possibilitará o aproveitamento do bagaço com o máximo de sinergia com as condições atuais: mesmo local de produção, mesmo produto e mesmos empresários investidores", diz Vaz Rossel1.


A inovação surge num momento em que o governo federal, usineiros e fabricantes de automóveis tentam novamente, depois de muitas tentativas ao longo da última década, se entender para elaborar o renas cimento do Programa Nacional do Álcool (Proálcool). Criado em 1975, para substituir, a preços baixos, a gasolina fortemente impactada com a crise mundial de abastecimento de petróleo em 1973, o Proálcool atingiu o sucesso entre 1984 e 1986, quando a porcentagem de automóveis saídos das montadoras de veículos com motor a álcool atingiu 96%. O programa começou a fazer água no final dos anos 80, quando a cotação internacional do petróleo começou a baixar e a relação vantajosa de preço entre o álcool e a gasolina, de até 40%, reduziu-se até cair pela metade. Ao mesmo tempo, os usineiros reduziram a fabricação de álcool e elevaram a de açúcar, cujos preços internacionais estavam mais atraentes. O resultado, todo mundo conhece: longas filas para abastecer, a perda de confiança do consumidor no combustível e a conseqüente desaceleração do Proálcool. Hoje, apenas 1% dos carros novos sai da fábrica com esse combustível. Outro fator que prejudicou o Proálcool foram os excessivos subsídios aos usineiros. O governo comprava álcool por um preço mais elevado do que vendia para os postos de combustível, mantendo assim o valor diferenciado em relação à gasolina. No início dos anos 90, os incentivos do governo para o setor sucroalcooleiro haviam consumido cerca de US$ 11 bilhões, segundo números divulgados em reportagens das revistas Carta Capital e Isto É Dinheiro, em edições do mês de maio deste ano. "A manutenção da política de preços, ancorada em subsídios, durou muito tempo e foi um dos fatores limitantes do programa', afirma o economista Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ex-secretario de assuntos econômicos do Ministério da Fazenda, e ex-secretário estadual de Ciência e

Mais produção e oferta de álcool poderá trazer de volta a confiança do consumidor PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 67


Tecnologia, na década de 80. "O Proálcool era bom, mas os subsídios dados no início deveriam ter sumido ao longo do tempo para o programa tornar-se competitivo. Eles eram muito onerosos para o governo': diz Belluzzo, que vê com bons olhos a revitalização do programa. "O Proálcool traz segurança para o país na eventualidade de ocorrerem problemas no mercado do petróleo." governo federal já acenou com um sinal verde para uma nova era do álcool como combustível, desde que os incentivos fiscais, comuns no início do programa, sejam esquecidos. O ministro Sérgio Amaral, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, em nota à imprensa após uma reunião com usineiros, em maio, disse que o Proálcool vai depender do mercado e da garantia, dos usineiros aos consumidores, de que

O

não faltará álcool. "É preciso que governo, usineiros e fabricantes de automóveis reúnam-se para estabelecer metas e condições que dêem sustentabilidade ao projeto, principalmente na questão da oferta. Quem não cumprir sua parte, deve ser punido': diz o economista Luciano Coutinho, professor do IE da Unicamp e primeiro-secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia quando de sua criação, em 1985. "Não pode ser como no passado, uma política do oba-oba que foi acompanhada por uma expansão maluca da frota sem planejamento de oferta e demanda", completa Coutinho. Para ele, se os erros do passado forem corrigidos, não há nenhum problema na revitalização do programa. O economista sugere, para o estímulo do uso do combustível, que parte da frota seja equipada com motores flexíveis álcool-gasolina (veja quadro abaixo) e que utilitários e lotações funcionem com álcool ou gás.

A maior oferta de carros a álcool, para os usineiros, é um fator essencial para a revitalização do programa. "Excesso de produção de etanol, nós temos. Precisamos retomar a produção de carros a álcool a fim de utilizar o combustível para o mercado interno", diz Eduardo Carvalho, presidente da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo. "O momento é ideal para revitalizar o programa." O governo federal tem também planos ambiciosos de exportar o produto para o resto do mundo. Segundo estudos feitos pela Copersucar, a demanda de álcool no mercado externo é alta e tende a crescer ainda mais, impulsionada por problemas relacionados ao suprimento de petróleo e à poluição nas grandes metrópoles - como se sabe, o álcool é um combustível com enormes vantagens ambientais quando comparado à gasolina. Na Europa, estima-se que o consumo chegue a 4,5 bilhões de litros por

Gasolina ou álcool? Os dois Os veículos com motor flexível ou flex-fuel podem ser um importante aliado para a reativação do Proálcool. Com ele, é possível abastecer o automóvel com álcool e gasolina simultaneamente, misturados em qualquer proporção ou mesmo puros. Ao contrário dos sistemas antigos, que operavam com sensores instalados na linha de combustível do motor, antes da queima, ele utiliza um sensor de pós-combustão, que avalia o nível de oxigênio resultante da queima e realimenta o módulo de injeção eletrônica com informação sobre o combustível disponível no tanque. A grande vantagem para o consumidor é que ele poderá desfrutar o preço mais baixo do álcool com a garantia de também poder encher o tanque com gasolina, no caso de desabastecimento do primeiro. De olho nesse promissor nicho de mercado, a Ford saiu na frente e apresentou, em maio passado, o protótipo de um Fiesta com motor flexível gasolina -álcool, desenvolvido pela Visteon, uma empresa da Ford sediada nos Estados Unidos. Quatro

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protótipos já estão sendo testados nas ruas. Mas a direção da fábrica já avisou: só produzirá o carro em escala industrial caso o novo Proálcool deslanche. A GM também está desenvolvendo um modelo flexível do Vectra. Apesar de estar ocupando agora as manchetes de jornais, a tecnologia de motores flexíveis não é nenhuma novidade. Em 1992, engenheiros da indústria de autopeças Bosch, sediada em Campinas, iniciaram estudos para fabricação de um motor flexível e, dois anos depois, apresentaram o protótipo de um Ómega, da GM. A Magnetti Marelli, empresa do grupo Fiat que fabrica sistemas de injeção de combustível, também domina a tecnologia. ''A Bosch já investiu cerca de R$ 2 milhões no desenvolvimento desse novo motor", afirma Besaliel Botelho, diretor de sistemas de injeção da empresa. Nas previsões elaboradas na empresa, o motor flexível não adentrará ao mercado de um dia para outro, mas somente após um ou dois anos após a aprovação da tecnologia pelo governo. Será necessário,

afirmam os engenheiros da indústria alemã, uma série de modificações no processo industrial, como a proteção de componentes do motor contra a corrosão causada pelo álcool. Segundo a Bosch, além da flexibilidade na hora do abastecimento, essa nova linha de motores tem outro benefício: a reduzida emissão de poluentes. "O álcool é um combustível extremamente benéfico do ponto de vista ambienta!", diz a ex-diretora da Cetesb Laura Tetti, atual coordenadora da Câmara de Mudanças Climáticas do Centro Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável. "Trata-se de uma energia renovável e muito menos poluente do que a gasolina. A poluição gerada pelo álcool, nas emissões que saem dos escapamentos dos carros, é menor e menos reativa", assegura. Os carros a álcool emitem 50% a menos de monóxido de carbono (CO). Assim, o álcool não contribui para agravar o chamado efeito estufa, o gradual aquecimento da Terra provocado pela queima de combustíveis fósseis.


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ano em 2005. Já nos Estados Unidos, a demanda atingirá 11,9 bilhões de litros em dois anos - hoje, a produção americana de etanol, extraído do milho, está em torno de 5 bilhões de litros. Lá, o consumo crescerá em função da utilização do álcool como aditivo à gasolina e pelo seu uso em automóveis com motores flexíveis a álcool e gasolina. A estratégia do governo de exportar álcool também conta com o apoio dos dois economistas, embora eles creiam que não será fácil. "Não acredito que, hoje, os Estados Unidos comprem nosso álcool", diz Coutinho. "É praticamente impossível vender para os americanos, já que o país tem fortes barreiras alfandegárias para proteger o álcool deles, que é produzido a partir de cereais'; complementa Belluzzo. "A alternativa seria exportar o combustível para Europa, China ou Índia", afirma o economista. Apoio da FAPESP - O aquecimento do mercado mundial é encarado com entusiasmo pelo governo e dirigentes do setor. Além de ser o maior produtor de açúcar do mundo, com 33% do mercado, o Brasil domina como ninguém a tecnologia de produção de álcool a partir da cana-de-açúcar. Dos 15,4 bilhões de litros de álcool produzidos no país por ano, 9,7 bilhões são de álcool hidratado e 5,7 bilhões de álcool anidro, aquele que vai misturado à gasolina, hoje num patamar de 24%. São Paulo, com 57% do volume fabricado, é o maior centro produtor e a Copersucar, com suas 35 usinas filiadas, responde por 22% da produção nacional. Com um cenário favorável para a retomada no Brasil do uso do álcool como combustível, a nova tecnologia criada pela Dedini e Copersucar tem tudo para ser um sucesso. No começo deste ano, elas obtiveram apoio financeiro da FAPESP para implantar uma unidade de desenvolvimento de processo (UDP), que funcionará anexa à Usina São Luiz, em Pirassununga, pertencente à Dedini. É nela que a nova tecnologia DHR é testada em escala industrial. O valor total do projeto, que faz parte do programa Parceria para a Inovação Tecnológica (PITE), chega a

Centro de Tecnologia: protótipo comprova a eficiência da nova técnica de fabricação de álcool PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 69


R$ 3,58 milhões, sendo que a FAPESP entrou com R$ 1,76 milhão; a Dedini, com R$ 1,32 milhão; e a Copersucar, com R$ 500 mil. O desenvolvimento do processo demandou grande esforço por parte dos pesquisadores. A Dedini começou a estudar a hidrólise (reação química com a água) do bagaço de cana no início dos anos 80 e desenvolveu o processo DHR em 1993. Mas somente em 1997, quando assinou um acordo de cooperação técnica com a Copersucar, que já vinha acompanhando vários estudos relacionados a novos usos do bagaço, a empresa atingiu resultados promissores. A partir daí, uma unidade piloto da Dedini, com capacidade para processar 20 quilos de bagaço por hora, foi transferi da para o CTC, em Piracicaba. "Os resultados verificados nessa planta experimental foram muito importantes", conta o pesquisador Vaz Rossel, que também é coordenador do projeto do PITE. ''Agora, com a montagem da unidade semi-industrial, financiada com recursos da FAPESP,poderemos fazer a avaliação técnica e econômica do processo." Solventes orgânicos - A nova UDP ampliará a fabricação para 5 mil litros de álcool por dia, produzidos em regime contínuo, o que equivale a cerca de 50 toneladas de bagaço. Ainda é pouco quando comparado a uma unidade industrial final, que deverá fabricar 100 mil litros por dia, mas será essencial , para avaliar o comportamento dos ma- . teriais e dos equipamentos em processamento em condições reais de operação. "A UDP é fundamental para demonstrar a confiabilidade do processo e sua viabilidade econômica", afirma Vaz Rossel. A unidade de demonstração é relativamente simples. Formada por um reator, que opera sob pressão de 25 a 27 kg/cm- e temperatura próxima a 190 graus, ela é continuamente alimentada por bagaço e por um hidrossolvente orgânico (etanol, preferencialmente, embora outros, como acetona, ácido acético, metanol possam ser empregados) misturado a ácido sulfúrico. É essa mistura que fará a transformação da celulose presente no bagaço em glicose. Em seguida, o xarope de glicose é purificado, para retirada de substâncias indesejadas, principalmente ácido sulfúrico, e 70 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

recebe a adição de nutrientes, resultando num mosto fermentável que será misturado ao caldo e ao melaço usado normalmente para a fabricação do álcool. O restante do processo - fermentação e destilação - é realizado nas instalações já existentes na própria usina. "A grande vantagem do processo DHR é sua rapidez", afirma o engenheiro químico Antônio Hilst, o consultor da Dedini que inventou a técnica. ''A transformação ocorre em apenas dez minutos, ao passo que os processos clássicos de hidrólise que recorrem a ácidos concentrados ou diluídos demoram pelo menos cinco horas:' Para entender como a mágica da transformação acontece, é preciso antes saber que o bagaço de cana é uma biomassa vegetal composta basicamente de três substâncias: celulose, hemicelulose e lignina, presentes numa proporção aproximada de 50%, 30% e 20%, respectivamente. O fracionamento da celulose para produção de açúcar é muito difícil por causa da presença da lignina, que funciona como uma teia protetora, compactando e unindo os demais polímeros vegetais. Graças a ela, a fibra da cana é muito resistente nos aspectos mecânicos e químicos. No processo DHR, o bagaço permanece dentro do reator o tempo necessário para que ocorra a dissolução da lignina e a hidrólise da celulose. "No final do processo, pretendemos atingir um rendimento de cerca de 60% sobre o açúcar contido no bagaço", explica o engenheiro Hilst. Isso significa dizer que 60% da celulose presente no bagaço deverá virar glicose. "Com esse teor de açúcar, temos condições de garantir uma fermentação e uma destilação

o PROJETO Processo DHR (Dedini Hidrólise Rápida) - Projeto, Implantação e Operação da Unidade de Desenvolvimento de Processo MODALIDADE Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) COORDENADOR CARLOS EDUARDO VAZ ROSSELL-

Copersucar INVESTIMENTO

R$ 1.822.100,00 (Codistil-Dedini) e R$ 1.751.487,00

completamente viável do ponto de vista econômico", afirma o pesquisador da Dedini. A glicose é apenas uma das substâncias resultantes do beneficiamento. Além dela, são extraídos do bagaço outros subprodutos, como metanol, ácido acético, lignina e furfural, cujo uso comercial poderá aumentar ainda mais a rentabilidade do processo. "A lignina, por exemplo, poderá ser usada como pré-polímero em resinas e na fabricação de aglomerados de madeira (com adesivos) ou empregada como combustível, graças ao seu alto valor calorífico",exemplifica Vaz Rossel. Já o furfural, que estará disponível em grande quantidade (15 quilos por tonelada de bagaço), poderá ser utilizado na fabricação de náilon. Tudo vai depender do interesse do mercado. Propriedade intelectual - Os pesquisadores avaliam que, para viabilizar essa nova tecnologia, as usinas deverão investir nos novos módulos industriais DHR aproximadamente R$ 0,90 por litro por ano de capacidade instalada. Uma unidade com produção estimada de 100mil litros por ano custará em torno de R$ 9 milhões. Pelos cálculos da Copersucar e da Dedini, o investimento para aproveitamento de todo bagaço que estará disponível quando a tecnologia for introduzida no mercado será de cerca de R$ 4,9 bilhões. A estimativa é de que sejam criados pelo menos 5 mil empregos diretos com a nova tecnologia. A Dedini já depositou vários pedidos de patente referentes ao processo DHR no Brasil, sendo que duas já foram concedidas e outras se encontram sob análise. No exterior, foram solicitadas patentes em alguns países da Europa e no Japão, sendo que nos Estados Unidos a patente principal já foi concedida. ''A propriedade industrial pertence aos três parceiros e a repartição dos lucros se dará na proporção da participação de cada um deles no processo': afirma Vaz Rossell. "A Dedini receberá cerca de 60% da receita líquida da venda da licença do processo, enquanto a Copersucar ficará com 30% e a FAPESP, com 10%", conclui. Assim, está firmada mais uma parceria de desenvolvimento tecnológico de sucesso.Espera-se, agora, que a DHR possa ser um novo e importante ingrediente para a retomada do Proálcool. •


• TECNOLOGIA

ENGENHARIA

AMBIENTAL

Impactos do vento e dos poluentes I PT constrói túnel para estudos do movi mento do ar nas cidades e em áreas industriais ma câmara de 40 metro~decompnmen to por quase 4 de altura montada numa estrutura de aço, vidro e madeira, onde uma grande hélice instalada em uma das extremidades faz movimentar o ar em velocidades de até 90 quilômetros por hora. Inaugurada no início de junho no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), essa câmara rece- Dentro do túnel: maquetes recebem gases aspirados pela be o nome de Túnel de do, o túnel foi sondado por empresas Vento de Camada Limite Atmosférica. de telecomunicações, interessadas na inEm todo o mundo, existem cerca de 15 fluência dos ventos nas estruturas das outros equipamentos semelhantes. O torres de transmissão. túnel é uma ferramenta para o estu"Uma semana depois da inaugurado da dispersão de poluentes gerados ção, recebemos uma consulta da Escola por chaminés, queimadas ou motores Politécnica da USP sobre a possibilidaa combustão. Também será útil na de de fazer um ensaio de uma estrutuanálise dos efeitos do vento em torres de transmissão, plataformas de prospecção de petróleo, aeroportos e nas PROJETO estruturas e coberturas de prédios resiTúnel de Vento de Camada denciais e industriais. Limite Atmosférica O túnel foi projetado e desenvolvido no IPT e custou R$ 1 milhão, sendo MODALIDADE R$ 300 mil do próprio instituto e quaPrograma de Equipamentos se R$ 700 mil da FAPESP.O projeto M ultiusuários também contou com a parceria da ComCOORDENADOR panhia de Tecnologia de Saneamento MARCOS TADEU PEREIRA - IPT Ambiental (Cetesb) e do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências AtmosINVESTIMENTO féricas da Universidade de São Paulo R$ 697.781,33 (USP). Antes mesmo de ser inaugura-

U

o

ra industrial na cidade de Americana", conta Marcos Tadeu Pereira, chefe do Agrupamento de Vazão do IPT, responsável pelo equipamento. Inusitado para os pesquisadores, foi um pedido de gravação de clipe musical dentro do túnel, que será atendido. Complexo urbano - Os testes no interior do túnel serão feitos com maquetes de ruas, edifícios, fábricas e carros. Os efeihélice tos dos gases serão monitorados por uma espécie de robô instalado em uma armação metálica que posiciona os instrumentos de medição nas maquetes. Com o resultado das medições será possível, se for o caso, fazer intervenções nos locais com a colocação de placas que favoreçam, por exemplo, a dispersão de poluentes sobre as janelas de um hospital ou ainda sugerir a construção de chaminés mais altas. A equipe do IPT também vai emitir laudos vetando a construção de edifícios em áreas onde comprometa a dispersão de poluentes e do vento. No dia de inauguração do túnel também ficou registrado, numa placa ao lado do equipamento, uma homenagem aos 40 anos da FAPESP.Agora, resta que bons ventos marquem a trajetória do túnel no sistema de ciência e tecnologia do país. • PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 7l


• TECNOLOGIA

AVIAÇÃO

Altos vôos da Embraer Empresa inaugura fábrica e fortalece parcerias com centros de pesquisa para desenvolver ferramentas que vão facilitar os projetos de novos aviões Túnel de vento no eTA: testes com modelo em escala reduzida do jato 170

mbraer

deu um novo passo para se firmar como uma das quatro maiores empresas fabricantes de aviões do ~ mundo ao inaugurar, em junho, a primeira etapa de sua unidade industrial na cidade de Gavião Peixoto, . localizada na região de Araraquara, a 300 quilômetros da capital paulista. O local foi escolhido porque dois fatores pesaram muito na decisão: a falta de grande tráfego aéreo na região, um facilitador para testes aeronáuticos, e a proximidade de universidades e institutos de pesquisa de São Carlos, Campinas, São José dos Campos e São Paulo. O contato com esses centros está presente na história de 33 anos da empresa marcada sempre pelo desenvolvimento de tecnologia e formação de pessoal. No início das operações, em 1969, o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), criados na década de 50, foram os grandes formadores de engenheiros e fornecedores de assessoria tecnológica para a Embraer. Para a nova unidade, a empresa vai transferir de sua sede em São José dos Campos a montagem dos jatos executi72 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

vos Legacy e dos aviões militares AMX e Super Tucano ALX, além da modernização dos caças F-5 da Aeronáutica. Também está prevista para a nova unidade a montagem dos caças supersônicos Mirage 2000, caso a empresa, que possui um acordo com as francesas Dassault, Snecma e Thales, ganhe a concorrência da Força Aérea Brasileira (FAB). Ao lado das instalações da nova fábrica, a empresa construiu a mais extensa pista de pouso e decolagem do hemisfério sul do planeta. Ela já está em uso nos testes do mais novo modelo da empresa, o EMB-170, um jato comercial de 70 lugares, que alçou vôo pela primeira vez em fevereiro deste ano. Com 5 quilômetros (km) de extensão (a do Aeroporto Internacional de Cumbica, em São Paulo, tem 3.700 km), ela serve como apoio aos vôos e é essencial para os testes em que os aviões devem decolar e pousar com peso máximo, frear na pista e abortar decolagens. "Além disso, ao redor da pista existem apenas mato e plantações, diminuindo os perigos de um acidente em terra, caso um avião tenha de fazer um pouso de emergência fora da área prevista", disse Satoshi Yokota, vi-

ce-presidente executivo industrial da Embraer, no dia da inauguração. A nova empreitada da Embraer está vinculada a um acordo com o governo do Estado, que cedeu por 35 anos o terreno de 17,5 milhões de m2, incluindo a 2 área fabril de 3 milhões de m , mais pista e as áreas de estacionamento de aviões e de reflorestamento. O acordo assinado pelo governador Mário Covas, em junho de 2000, também abrangeu a instalação da infra-estrutura de redes de água, luz, esgoto e estradas até a porta da fábrica. A previsão da Embraer é investir, até 2005, US$ 150 milhões em Gavião Peixoto e contratar, nos próximos dez anos, 3 mil funcionários. Pólo de parcerias - No acordo que o governo do Estado fez com a Embraer está implícita a transformação da região num pólo de desenvolvimento aeronáutico. Para colaborar na implementação desse pólo e dar continuidade as parcerias entre os centros de pesquisa e a Embraer, a FAPESP criou em 2000 (veja Pesquisa FAPESP n° 55) um programa especial chamado de Parceria para Inovação em Ciência e Tecnologia Aeroespacial (Pie-


minar uma tecnologia de ponta na área de projetos aeronáuticos", afirma o engenheiro do CTA. "Com eles, será possível reduzir os prazos de desenvolvimento de novos projetos e, ao mesmo tempo, obter resultados confiáveis." Os ensaios transônicos, aqueles entre 500 km/h e 1.200 km/h (a velocidade do som), que simulam vôos em alta velocidade, continuarão sendo feitos no exterior, porque o único túnel transônico no país, localizado no CTA, é de pequenas dimensões. "Um túnel desses, de porte industrial, custaria perto de US$ 80 milhões", informa Mello. Simulações numéricas - O segundo projeto do PictaPITE também está associado às simulações de escoamento do ar para definição do perfil aerodinâmico de novas aeronaves. Mas desta EM B-170: um dos quatro protótipos do jato para 70 passageiros realiza testes de vôo vez, além dos túneis de vento, a ferramenta utilizada é a mecânica dos fluidos computacional- ou aeronave e o submetemos a uma corta). Ele funciona nos moldes do prograrente de vento, simulando o escoamento Computational Pluid Dynamics (CFD). ma Parceria para Inovação Tecnológica, de ar em torno do avião. Os resultados Esse sistema é uma sofisticada ferramenque financia projetos entre universidades, obtidos fornecem a melhor configurata que permite fazer simulações numéinstitutos de pesquisa e empresas. No ção do perfil aerodinâmico da aeronave ricas dos escoamentos em torno do avião. total, a Fundação destina R$ 18 milhões e da asa, em particular de dispositivos de Por enquanto, poucas empresas usam por ano para o Picta. essa tecnologia no país. A Embraer e a sustentação como slats, flapes, ailerons Desde 2001, três projetos foram aproe winglets (componentes da asa e da Petrobras (no estudo do escoamento de vados entre a Embraer e o ITA e um em parceria com o Instituto Nacional de Peságua nos cabos e oleodutos nas platacauda que ajudam na navegabilidade e no controle do avião), afirma Olympio formas submarinas), provavelmente, quisas Espaciais (Inpe). O primeiro, iniAchilles de Faria Mello, engenheiro do são as únicas. ciado em junho de 2001, prevê a cons"Na Embraer, a CFD será uma ferCTA e coordenador do projeto que tem trução de um laboratório de ensaios término previsto para maio de 2004. ramenta voltada principalmente para a aerodinâmicos, também chamado de túnel de vento, no ITA, em São José dos fase de concepção de novos aviões. No uando o túnel do ITA túnel de vento e nos ensaios em vôo busCampos. E ainda a modernização do estiver pronto e os outúnel de vento já existente no CTA, na caremos comprovar as tendências obtitros dois remodelados, a das por meio das simulações em CFD': mesma cidade, e novos equipamentos Embraer poderá realiafirma Guilherme Lara de Oliveira, enpara o túnel da Universidade de São Pauzar até 90% dos ensaios lo (USP), em São Carlos. genheiro da Embraer e um dos coordede vôo a baixa velocidaOs túneis de vento são uma ferramennadores do projeto. "Seria muito caro e demorado fazer essas primeiras simulade de suas novas aeronaves no Brasil. ta essencial para a fabricação de novos ções em um túnel de vento': diz ele. São vôos que atingem até 500 quilômeaviões. São eles que determinam boa tros por hora (km/h) e acontecem na Segundo Oliveira, a Embraer já doparte das características aerodinâmicas decolagem ou antes do pouso. Por enmina a metodologia de análise da CFD, das aeronaves. No lugar de fazer testes quanto, boa parte desses ensaios é reamas dispõe de ferramentas limitadas para com modelos em escala real, o que selizada no exterior, causando demora nos ria extremamente custoso, são simuladas trabalhar. A intenção dos pesquisadores projetos e custos altos. no túnel as diversas fases de vôo. "Para é desenvolver uma tecnologia calibrada "Os novos laboratórios darão mais isso, utilizamos um modelo em escala para as necessidades atuais e futuras da empresa. Os benefícios serão inúmeros, agilidade à Embraer e farão o país doreduzida e geometricamente idêntico à PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 73


desde a diminuição nos custos e no ciclo de desenvolvimento de produtos à independência tecnológica e segurança de informações em áreas estratégicas de acesso restrito. Isso implica maiores garantias de confidencialidade dos projetos da empresa. A Embraer deverá ter o núcleo de CFD em ação dentro de três anos, período previsto para o fim do projeto iniciado em janeiro deste ano. A equipe responsável pelo projeto tem a participação de cerca de 50 pesquisadores, coordenados por engenheiros do CTA e da Embraer. Vôo preciso - O terceiro projeto prevê o desenvolvimento de uma tecnologia que otimizará os ensaios em Nova unidade da Embraer e a pista de 5 km recém-inauguradas em Gavião Peixoto vôos para certificação dos aviões da empresa. Trata-se Modelos matemáticos - Os pesquisados de vôo de pouso e decolagem, assim de um sistema GPS (Global Positioning dores responsáveis pelo quarto projeto como uma redução significativa de reSystem) Diferencial- sistema global de têm um enorme desafio pela frente: posicionamento composto de 24 satélipetições de ensaios de ruído, necessárias reproduzir numa simulação numérica para homologação dos aviões. Por exemtes, que indicam a posição de latitude todos os parâmetros relacionados ao plo, nos ensaios de ruído, a aeronave deve e longitude, também chamado DGPS. comportamento do avião em vôo. É a fazer pelo menos duas passagerts sobre Com ele, ao realizarem vôos de teste, os chamada modelagem dinâmica, ou seja, o local onde são feitas as medições sopilotos da empresa receberão na cabine a determinação dos parâmetros e das noras. Hoje, sem auxílio do DGPS, boa informações precisas sobre o posicioderivadas aerodinâmicas de estabilidanamento da aeronave e não terão difiparte desses vôos é perdida, pois o pide e de controle das aeronaves, a partir loto não consegue atingir a precisão culdades para percorrer trajetórias de ensaios em vôo. Com esses modelos previamente definidas, condição fundanecessária. O novo sistema, por sua vez, matemáticos, a Embraer disporá de mais fará os cálculos necessários para o pilomental para o sucesso dos ensaios. O dados de suas aeronaves e poderá reduzir o to realizar a passagem com perfeição, DGPS é baseado em dois receptores GPS, número de ensaios e acelerar o desenvolum no avião e outro numa base fixa no disponibilizando os dados num display vimento de seus projetos aeronáuticos. na cabine do avião. solo, que corrige os sinais enviados pelos ''A modelagem dinâmica define casatélites, reduzindo a margem de erro do racterísticas relacionadas à qualidade de projeto foi iniciado em sistema de 30 para 3 metros ou menos. vôo e ao desempenho do avião': afirma março deste ano e será O uso do DGPS trará enormes gao professor Elder Hemerly, do ITA, um finalizado em setembro nhos à Embraer, reduzindo os custos de dos coordenadores do projeto. "Isso viade 2003. Quando isso ensaios e horas de vôo necessárias para bilizará uma melhoria, em qualidade e ocorrer, a Embraer estahomologação de suas aeronaves. "A redução de tempo, no projeto de diverhora de vôo para certificação é muito rá se equiparando aos seus concorrensos sistemas aeronáuticos, como piloto tes, principalmente à canadense Bommais cara do que a de um vôo comum automático, amortecedor de derrapagem, em função da parafernália envolvida, bardier, que parece usar um sistema simulador de vôo e sistemas para ausimilar. "O GPS diferencial traz enortanto a bordo quanto em terra, para mento de estabilidade", diz ele. medições, telemetrias, antenas, promes ganhos para os fabricantes e por Todos os projetos de pesquisa da isso essa tecnologia não é repassada cessamentos em computador e análises Embraer dentro do Picta- PITE tem o de um para outro. Cada empresa depós-vôos", diz o engenheiro aeroespaobjetivo de dotar a empresa de ferrasenvolve seu próprio sistema DGPS", cial do Inpe Hélio Koiti Kuga, coordementas para a concepção dos projetos afirma o engenheiro Hélio Kuga, que nador do projeto. de aviões e dos testes pré-operação coconta com mais três pesquisadores em Com isso, estima-se que o DGPS mercial. Não há, portanto, pelo menos permitirá uma diminuição das horas de sua equipe, além dos engenheiros e nesse momento, a preocupação de a emtrabalho requeridas para a análise de datécnicos da Embraer.

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uma companhia brasileira. A partir da segunda metade dos anos 90, a Embraer colocou no mercado uma linha de pequenos jatos destinada à aviação regional. Das mais de 600 unidades vendidas Mercado externo - Não é por acaso do ERJ-145 (jato para 50 lugares), apeque, além de ser a maior empresa exnas 15 voam em céus nacionais. portadora do país (vendas de US$ 2,897 Essa capacidade em projetar e monbilhões em 2001), a Embraer é também tar aviões a preços competitivos é, cera segunda maior importadora (comtamente, um dos motivos do sucesso da Embraer, que faz dela a quarta maior inpras equivalentes a US$ 1,843 bilhão dústria de aviões comerciais do mundo, no ano passado). Em termos de imporatrás apenas da norte-americana Boeing, tação, a empresa fica atrás apenas da da européia Airbus e da Bombardier. Petrobras, com o petróleo. O mercado Privatizada em 1994, a empresa inexterno responde por 98% do faturamento da empresa. A internacionalizaveste atualmente de 7% a 8% de seu faturamento bruto em pesquisa e desenção começou na década de 80, quando volvimento, um alto percentual para uma o EMB-120, o Brasília, um turboélice ara Yokota, algumas partes empresa nacional que investe em tecdo avião, como os motores, para 30 passageiros, se tornou o prinologia, índice normalmente situado meiro avião da Embraer a entrar direprovavelmente sempre serão entre 3 e 4%. Em valores, o investimentamente em operação comercial no eximportadas. Isso porque há to da Embraer nesse campo gira em terior, em 1985, antes de ser entregue a três grandes fabricantes de turbinas no mundo, a Genetorno dos US$ 220 milhões ral Electric (GE), a Rolls- Roypor ano. Por esse esforço e OS PROJETOS pela capacidade de montace e a Pratt&Whitney. Para Desenvolvimento de Desenvolvimento de um gem apresentada pela emdar suporte técnico aos seus Tecnologia de Ensaios Sistema GPS Diferencial presa, Yokota se orgulha de, clientes, esses fabricantes Aerodinâmicos e Bi e para Posicionamento e entre os mais de 11 mil emmantêm serviços de manuTridimensionais para o Guiagem da Aeronave pregados da Embraer, ter 3 tenção em vários cantos do Projeto de Aeronaves em Tempo Real mil engenheiros no quadro globo. Obviamente, o custo de Alto Desempenho de funcionários. MODALIDADE desse serviço técnico não é MODALIDADE Parceria para Inovação nada desprezível. A grandeza da Embraer Tecnológica (PITE) Parceria para Inovação A Embraer firmou 16 depende muito da conjunTecnológica (PITE) tura política e econômica parcerias de risco com emCOORDENaDOR mundial. A crise na aviação presas do exterior para o deHÉLIO KOITl KUGA- Inpe COORDENADOR comercial pós-atentados tersenvolvimento de compoOLYMPIOACHILLES DE FARIA INVESTIMENTO MELLO- ITA roristas nos Estados Unidos, nentes e sistemas para sua R$ 67.935,00 e nova família de jatos. Assim, em setembro do ano passado, US$ 218.117,00 (FAPESP) INVESTIMENTO em vez de a Embraer bancar atingiu também a empresa R$ 1.894.300,00 e US$ e R$ 583.586,00 (Embraer) integralmente os custos de de São José dos Campos, que 948.479,42 (FAPESP) e viu diminuir o número de concepção de todos os comR$ 3.704.000,00 (Ernbraer) Identificação de Derivados pedidos. De um total de 161 ponentes de um novo modelo de Estabilidade e Controle de avião, parte ou mesmo aviões entregues em 2001, de Aeronaves via Filtragem todos os gastos referentes ao haverá uma queda para Aplicações Avançadas Não-Linear e Otimização de Mecânica dos desenvolvimento de certas 135 neste ano. Um resultaEstocástica: Algoritmos Fluidos Computacional peças da aeronave são bando que não parece assustar e Aplicações a Dados para Aeronaves de Alto a empresa. Segundo Botelho, cados por esses fornecedode Ensaio em Vôo Desempenho res-parceiros. "Se o parceiro as perspectivas de vendas são MODALIDADE de fora vai ou não ganhar grandes, por exemplo, na ChiMODALIDADE Parceria para Inovação Parceria para Inovação dinheiro depende do sucesso na, onde a empresa já possui Tecnológica (PITE) Tecnológica (PITE) da transferência de tecnoloescritório. Também anima o gia. Não é uma transferência anúncio, feito no final de COORDENADOR COORDENADOR LUIZ CARLOSSANDOVAL por contato, é pela prática, junho, da encomenda feita JOÃOLUIZ FILGUEIRASDE GÓES- ITA pela italiana Alitalia, de seis onde conta muito a compeAZEVEDO- ITA tência do receptor': comenta jatos ERJ -145, mais seis INVESTIMENTO INVESTIMENTO EMB-170 e seis EMB-190, Maurício Botelho, diretorR$ 121.995,00 e US$ R$ 1.665.000,00 e US$ um jato de 90 lugares, ainda presidente da Embraer. Em 195.525,05 (FAPESP) e R$ 1.150.000,00 (FAPESP) e 908.237,50 (Ernbraer) em elaboração pela empreresumo, se o novo avião for R$ 3.572.800,00 e US$ sa, que tem sua primeira enum sucesso comercial, todo 105.000,00 (Ernbraer) trega prevista para 2005. • mundo ganha. A Embraer

presa desenvolver peças mais sofisticadas no Brasil. Como as montadoras estrangeiras de carros que atuam no país, a Embraer busca peças e sistemas para seus aviões em qualquer parte do globo. Segundo Yokota, o grau de nacionalização de peças e sistemas dos aviões da Embraer é variável, mas não passa dos 40%. "Nós temos de ter conhecimento sobre todos os sistemas e peças do avião, mas a sua produção não precisa ser feita aqui. Importamos muitos componentes, mas o produto final, o avião, é brasileiro. Nossos engenheiros lideram as equipes que cuidam da concepção dos projetos das aeronaves': diz Yokota.

vai vender mais aeronaves, e seu parceiro, produzir mais componentes para a empresa brasileira. Se for um fracasso, todo mundo perde.

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PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 75


• TECNOLOGIA

ENGENHARIA

AEROESPACIAL

No rumo certo Plataforma integrada de sensores vai tornar mais preciso o vôo dos aviões de pequeno porte

sistema de navegação dos aviões de pequeno porte está prestes a ganhar um novo equipamento que vai unir dois tipos de sistemas hoje utilizados para determinar a posição, trajetória e atitude (posição angular) de aeronaves. A novidade é uma plataforma integrada de sensores inerciais e do Global Positioning System (GPS) - Sistema de Posicionamento Global-, que vai dar mais segurança à classe desses aviões, como já acontece com aeronaves de grande porte. Essa plataforma está em desenvolvimento final na empresa Navcon - Navegação e Controle, de São José dos Campos. Os sensores inerciais são considerados instrumentos primários de navegação e são independentes de sinais externos para funcionar. Eles são formados, . principalmente, por dois instrumentos: os giroscópios e os acelerômetros. Os primeiros registram todos os movimentos da aeronave durante o vôo e funcionam por meio de princípios mecânicos, com um rotor girando como um pião e registrando os movimentos da aeronave em relação à caixa em que está instalado. Também funcionam com laser emitido por meio de fibras ópticas. O movimento do avião é sentido na diferença de velocidade de recepção do laser que percorre a fibra. Eles disponibilizam para os pilotos informações sobre a atitude do avião em três eixos: direção, ângulo do bico (inclinação para baixo ou

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Módulos do Sistema de Atitude e Navegação da Navcon 76 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77


para cima) e ângulo das asas (inclinação para os lados), mostrando se o avião está voando paralelo ao solo. Os acelerômetros fornecem dados relacionados à velocidade do avião. O GPS é um sistema secundário de auxílio à navegação - seu uso como sistema principal ainda está sendo testado. Ele é formado por uma constelação de 24 satélites, na órbita de 20 mil quilômetros de altitude, que enviam sinais captados por aparelhos receptores nas cabines dos aviões. Os sinais são usados para determinar posição e trajetória dos aviões, por meio de coordenadas de latitude e longitude, linhas imaginárias que cortam o planeta. A margem de erro dos sinais GPS, que no passado era da ordem de 100 metros, hoje fica entre 1 e 3 metros, graças à correção das estações de referência localizadas em terra chamadas de Differential Global Positioning System (DGPS).

Vôo cego - A plataforma integrada melhorará o uso do GPS e dos sensores e foi concebida para suprir falhas que possam existir nos dois sistemas. Os giroscópios podem ser pouco confiáveis e imprecisos e podem precisar de constantes correções ao longo do vôo. Em modelos mais simples e baratos, a margem de erro pode chegar a 10 graus por hora, o que levaria o avião a uma trajetória completamente equivocada. Giroscópios de alta precisão, entretanto, têm desvio de apenas 0,01 grau por hora, mas são aparelhos que podem' custar por volta de US$ 300 mil. O sistema GPS, por sua vez, só funciona se o sinal de quatro satélites da constelação for captado simultaneamente pelo avião. Mas isso nem sempre é possível, o que pode levar a aeronave a fazer um vôo cego por alguns instantes. "Falhas na transmissão do sinal, restrições geométricas de posicionamento e até mesmo uma manobra da aeronave podem fazer com que o sinal do sistema GPS não seja captado pelas antenas localizadas no avião", explica Schad. Batizada de Sistema Modular de Atitude e Navegação (Sman), a plataforma também poderá ser usada por foguetes, mísseis, satélites, automóveis e navios. Depois de três anos de pesquisas e desenvolvimento, os engenheiros da Navcon concluíram, em abril, um protótipo do equipamento, que teve

apoio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP. "Vamos utilizar sensores inerciais mais baratos e de baixa precisão e, mesmo assim, graças à integração com o receptor GPS, os resultados obtidos são bastante satisfatórios", afirma o engenheiro de eletrônica Valter Ricardo Schad, diretor da Navcon e um dos inventores do Sman. orma

modular é outra grande vantagem do Sman que faz com que ele possa ser utilizado por diferentes ~ veículos. "O Sman é um sistema de prototipagem (elaboração de protótipos) rápida. Isso significa que para cada aplicação podemos definir o nível de integração desejada", conta o engenheiro industrial do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Otávio Santos Cupertino Durão, coordenador do projeto. Por causa dessa característica, a plataforma pode ser usada por automóveis, para navegação ou monitoramento de frotas. Na Europa e Estados Unidos, vários sistemas de navegação veicular estão em uso. Eles têm a função de mostrar em uma tela no painel do veículo a rua em que o carro está percorrendo e mostrar o melhor caminho ou, ainda, mostrar o estado do trânsito nas ruas e avenidas à frente. "Nesse caso, o sistema não precisará ser tão complexo como em aviões, já que na navegação veicular só estamos interessados em projetar a posição do automóvel no mapa", afirma Durão. Outra aplicação do Sman é em foguetes, satélites e mísseis, substituindo os caros componentes empregados atualmente para controle de órbita e atitude. Por fim, o aparelho também poderá ser usado em navios e plataformas pe-

o PROJETO Plataforma Integrada de Sensores Inerciais e GPS MODALIDADE

Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADOR OTÁVIO

SANTOS CUPERTINO

DURÃO -

Navcon INVESTIMENTO

R$135.374,OO

e US$ 67.493,00

trolíferas, auxiliando no posicionamento de ambos. Segundo Schad, o uso de uma plataforma integrada com GPS e sensores inerciais de baixo custo é foco de pesquisa e desenvolvimento em todo o mundo. A Navcon é a única empresa no Brasil que conseguiu desenvolver um sistema modular integrado com essas duas tecnologias, incluindo determinação de atitude por GPS, e o uso de sensores inerciais. Outras companhias até fizeram a integração, mas focando em apenas uma aplicação. O modelo mais complexo do Sman, para uso em aviões, será formado por seis módulos, além de um software. A unidade mestre de sensores é composta por giroscópios, acelerômetros e alguns circuitos necessários ao seu funcionamento, enquanto a unidade de sensores e interfaces inclui bússolas, sensores de velocidade (que medem os quilômetros ou milhas percorridas por hora) e sensores adicionais. A unidade GPS pode conter um ou vários receptores. Um teclado e um display gráfico, que servem como interface para o usuário, serão a base da unidade de controle e visualização, Por fim, o software será responsável pela operacionalidade do Sman.

Alta tecnologia

- A Navcon entrou com um pedido de financiamento da patente do protótipo ao Núcleo de Patentes e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec), da FAPESP. Paralelamente, está fazendo algumas adaptações no Sman visando a sua colocação no mercado. Algumas negociações já estão em curso. "Conversamos com uma empresa que fabrica sistemas de navegação para automóveis e houve interesse por parte dela em conhecer o produto melhor': diz Schad. O setor aeroespacial também está sendo sondado. Com apenas três anos de mercado, a Navcon se especializou no desenvolvimento de sistemas inerciais, auto mação e controle de processos industriais e laboratoriais. Além do Sman, a empresa também conta com outro projeto no PIPE, com a primeira fase concluída, para o desenvolvimento de um receptor GPS para aplicações espaciais. Com os dois projetos, novas perspectivas se abrem para a Navcon, que ganha, assim, mais visibilidade na indústria aeroespacial e se apresenta para outros setores, como o automotivo e o náutico. • PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 77


• TECNOLOGIA

SOFTWARE

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~-~Jt) A chave para manter segredos Laboratório catarinense domina técnica de criptoqrafia que protege as informações da rede virtual azer uma compra com car- , tão de crédito ou pagar contas via internet são duas situações que exigem boas doses de segurança. Tanto do lado de quem acessa como de quem vende o serviço ou produto. Sempre é possível imaginar que existe um hacker em cada esquina da rede mundial à espera de uma oportunidade de roubar a confiança e o dinheiro alheio. Por esse motivo, consumidores e empresas que querem ter garantia da autenticidade de quem acessa seu site dependem cada vez mais da criptografia. Essa técnica permite embaralhar os dados de modo a torná-los ilegíveis para aqueles que não têm a chave decifradora. O domínio dessa tecnologia foi recentemente conquistado pelo Laboratório de Segurança em Computação (LabSec), do Departamento de Informática e Esta-

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tística da Universidade Federal de Santa Catarina. "Concluímos a captação do conhecimento sobre algoritmos (métodos de resolução de regras e operações matemáticas) existente nos sistemas norte-americanos, os mais utilizados no mundo': conta Ricardo Felipe Custódio, supervisor do LabSec. "Com isso, já concluímos soluções para uso da criptografia na internet e nas redes internas de empresas e governos:' Alguns dos mais importantes campos de aplicação são a certificação digital, a assinatura digital e o e-mail seguro. O certificado é um arquivo de computador com informações - nome, endereço e chave criptográfica daquele que o detém, além de indicação do órgão certificado r - que confirma a identidade de pessoas e máquinas. É fundamental, por exemplo, no acesso on-line a um extrato bancário ou no receptor de


informações financeiras nas áreas seguras das lojas virtuais, para pagamento de compras. A assinatura, que se baseia no certificado, pode ser utilizada na remessa de documentos por e-mail, assegurando a autenticidade da origem e a integridade do conteúdo, que chegará ao destinatário sem nenhuma alteração. Por fim, o e-mail seguro acrescenta uma garantia adicional: a de que ninguém poderá abrir a mensagem, exceto seu destinatário original. Concebida para proteger informações confidenciais nos tempos do Império Romano, a encriptação ganhou tamanha relevância com a comunicação entre computadores que o governo norte-americano a trata como questão de segurança nacional. Por décadas,proibiu a exportação de produtos da chamada criptografia forte, um conceito que varia conforme a evolução tecnológica. Os Estados Unidos só relaxaram um pouco a legislação em 1999, por forte pressão da indústria de software, que começou a perder mercado para países com sistemas criptográficos próprios, como Suíça e Israel. Transferência tecnológica - O LabSec

foi montado em 1999,por iniciativa de seis professores antes ligados ao Laboratório de Computação Algébricae Simbólica, e, no final deste ano, terá formado cerca de 20 mestres. Tem projetos inovadores em todas as áreas nas quais o uso da criptografia é intenso, e alguns deles já foram adaptados às necessidades do mercado. Para dar conta dessas adequações, sempre voltadas para a simplicidade de implementação e uso, a UFSC firmou um contrato de transferência de tecnologia com a Bry, uma empresa de base tecnológica de Florianópolis, no final do ano passado. Desde então, a Bry paga um valor fixo mensal à universidade, a título de adiantamento de royalties, que corresponderão a 5% da receitabruta das vendas. "Nosso objetivo não é comercializar soluções para os usuários finais,mas integrá-Ias,como componentes, em pacotes de produtos e serviços dos nossos clientes potenciais'; anuncia Carlos Roberto De Rolt, diretor-presidente da Bry. Do trabalho da empresa, faz parte do que De Rolt chama de "produtização": funções de marketing que envolvem, além da divulgação das tec-

nologias do LabSec,a adaptação de documentos técnicos, como manuais e arquivos de ajuda, o desenvolvimento de interfaces gráficas e, nas soluções de hardware, também de protótipos. Fundada em meados de 2000 com o apoio de um investidor que financia os primeiros passos de um empreendimento, também conhecido como "anjo ou angel investors", a Bry está concluindo negociações para um significativo aporte de capital de risco que, se as expectativas de De Rolt se confirmarem, chegará em agosto. Seus estudos do mercado projetam receita superior a R$ 30 milhões dentro de três anos e de mais de R$ 100 milhões no final desta década. dos m destaques entre as tecnologias desenvolvidas no LabSec é uma protocoladora de documentos eletrônicos que permite estabelecer uma âncora temporal ao documento, garantindo que o mesmo não foi alterado a partir de uma determinada data e horário, um dos maiores problemas na transmissão de documentos oficiais em rede."Essatecnologia,que batizamos de "método da árvore sincronizada", está atraindo a atenção do Massachusetts Institute of Technology (MIT)", observa Custódio, da UFSC. Em vez de exigir que o relógio das máquinas, tanto de quem recebe como do emissor do documento, opere em uníssono - um objetivo muito improvável -, o método estabelece o conceito de datação relativa, ou seja, os documentos são ligados uns aos outros, como numa corrente, dotando-os de uma referência comum: a âncora temporal. Sem esse diferencial, as protocoladoras hoje disponíveis - fabricadas pela norte-americana Datum e pela alemã Time- Proof - têm preço em torno de US$ 35 mil, fora imposto de importação, frete e seguro. Com o nome de Bry PDDE, a protocoladora, que desde sua finalização em 1999 já incorporou aprimoramentos e novas versões, já tem um usuário no setor privado e desde agosto está em teste no Tribunal Superior do Trabalho de Santa Catarina. "Trata-se de um produto de alto potencial nas áreas jurídica e tributária, pela confiabilidade que seria agregada às atividades dos contabilistas na remessa eletrônica de documentos oficiais",afirma De Rolt.

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O equipamento não se limita a registrar a data e o horário da entrada de mensagens na rede do usuário - também impede alterações de conteúdo e se autodestrói em face de qualquer tentativa de violação física. À parte a ação da Bry, o LabSec tem mantido conversações com o governo federal para a adoção da protocoladora na prestação de serviços do governo eletrônico. Outras tecnologias do LabSec que já se transformaram em produtos comerciais são o Bry AC, sistema para autoridades certificadoras - função que, no âmbito da iniciativa privada, pode ser exercida por, digamos, uma empresa em comunicação com clientes, fornecedores e parceiros e, no público, depende de concessão governamental e está em fase de regulamentação -, e o BrySigner.Este último é um software de assinatura digital que realiza operações básicas, como autenticar a autoria e o conteúdo de documentos. "Em sua intranet, a UFSC já atua como autoridade certificadora e utiliza assinaturas digitais",diz Custódio. Uma intranet, por definição, utiliza tanto a rede interna do usuário quanto a internet para dar acesso a usuários autorizados, dentro das instalações do usuário ou fora dela. Outro produto já disponível é o BryDeal, que controla a votação em eleiçõespromovidas por entidades de classe e em pesquisas promovidas por empresas, entre outras aplicações, para evitar duplicidades. Cartório virtual - E o LabSec tem muitos projetos prestes a render frutos. O de maior escopo é um sistema de cartório virtual que levaria para o mundo digital todos os serviços notariais do mundo de tijolo e cimento. "Uma equipe de 30 pessoas está identificando todos os processos dos cartórios'; comenta Custódio. Uma das primeiras aplicações deve assegurar a emissão de certidões de nascimento nos hospitais, contribuindo para reduzir o vergonhoso número de brasileiros sem registro. Entre as outras promessas de inovação figuram ainda a aplicação da protocoladora à comunicação de voz em centrais de atendimento, o uso de criptografia em telefonia fixa e móvel para evitar o "grampo" e um sistema de consulta de crédito que, exigindo a identificação da pessoa objeto da análise, garantiria o direito ao sigilo. • PESQUISA FAPESP 77 • JULHO OE 2002 • 79


• TECNOLOGIA

MICROELETRÔNICA

Na trilha do futuro Programa permite que alunos projetem e testem circuitos integrados fabricados no exterior TÂNIA

MARQUES

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ircuitos integrados,

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chips, estão por toda par-

te. Sem fazer ruído, essas pequenas peças, que têm o silício como base e constituem o coração dos computadores, se multiplicam, embutidas nos mais variados tipos de equipamentos, de dispositivos high tech para telecomunicações a brinquedos infantis, de automóveis a eletrodomésticos e relógios. Com tamanha importância industrial, não é de estranhar que o domínio da fabricação de chips cause um impacto . direto sobre a competitividade de cada país. No Brasil, ainda não há consenso sobre a necessidade de produção local de chips. Altos investimentos (cerca de US$ 2 bilhões) e excesso de oferta desses dispositivos no mercado mundial são os dois motivos mais importantes alegados por aqueles que são contrários. Em um ponto, porém, há unanimidade: a capacidade de projetar chips é fundamental, porque esse é o bem de maior valor na indústria eletrônica e aquele que pode gerar empregos qualificados. Essa proposição impulsionou, já em 1994, a FAPESP a criar o Programa Especial para Fabricação de Circuitos Integrados no Exterior, conhecido como multiusuário (PMU), com o objetivo de oferecer aos alunos de pós-graduação nas universidades ou de qualquer outra instituição de pesquisa paulista a 80 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77


chance de ver e testar os chips que projetaram. O programa contribui assim para a formação de recursos humanos para design de circuitos eletrônicos, um fator importante para a modernização da indústria de produtos de eletrônica, e também para a instalação de uma fábrica desses produtos no país. "Sem o PMU, não teríamos recursos para a produção dos chips, e o que determina o sucesso de um projeto são os testes': afirma o professor Iacobus Swart, diretor do Centro de Componentes para Semicondutores (CCS), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e coordenador do PMU. "A produção de um chip é também um fator de mobilização do interesse dos estudantes por uma área estratégica para o desenvolvimento econômico do país."

Amostra de chips projetados no Centro de Componentes para Semicondutores da Unicamp

Longo tempo - O primeiro programa PMU nasceu na antiga Fundação Centro Tecnológico para Informática (CTI), hoje Centro de Pesquisas Renato Archer (CenPRA), durante os anos 80, lembra Wilhelmus Van Noije, chefe do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da USP e membro do comitê assessor do PMU. Esse programa do CenPRA tinha um alcance nacional e adotava uma metodologia diferente da usada atualmente. Os projetos eram reunidos e enviados ao exterior em grandes lotes. Nesse método de trabalho, o prazo de envio dos desenhos dos circuitos eletrônicos era muito longo, resultando numa conseqüente demora no retorno dos chips. Além disso, o programa era limitado a uma única tecnologia de fabricação, Complementary Metal Oxide Semiconductor (CMOS). Dessa forma, o PMU da FAPESP veio somar os esforços da iniciativa original do CenPRA, oferecendo flexibilidade na escolha da tecnologia, reduzindo prazos e garantindo os recursos financeiros necessários. "No início dos anos 90, vivíamos um período de inflação muito alta e a desvalorização da moeda entre a solicitação de verbas e sua liberação inviabilizava muitos projetos': lembra Van Noije. "Com o PMU, as coisas se tornaram bem menos burocráticas:' Para a produção, as universidades que participam do programa utilizam, basicamente, os serviços de duas empresas européias - a Circuits Multi-Projects (CMP), em Grenoble, França, e a Europractice, na BélPESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 81


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Usina gera projetos de chips A Motorola, gigante internacional da setor de telecomunicações, cam faturamento global de US$ 30 bilhões em 2001, começou a prestar atenção. na capacidade das projetistas brasileiros em 1997. "Naquele ano, iniciamos as projetos de circuitos integradas na Brasil com um grupo. de 14 pessoas', recorda Antônio. Calmon, diretor da empresa, que respan~ de pela área de semicondutores na América Latina. Na início, a empresa aproveitou as conhecimentos acumuladas na país no. período em que vigorava a reserva de mercado. para bens de informática, quando. a Vértice - design house do. Grupo. Machline, que encerrou suas atividades em 1995 - e fabricantes de chips, coma Sid Informática e Itau-

tec, chegaram a exportar know-how. E aproveitou tão. bem que, hoje, a Centra de 'Iecnologia de Semicondutores da Motorola, desde 2000 instalada em Jaguariúna, região. de Campinas, não. pode aceitar encomendas: está com a capacidade tornada até a final da ano. O centro emprega mais de 100 projetistas. Entre eles, afirma Calmon, há diversas doutores - e quase 90% são. mestres. O executiva canta que dezenas de chips projetados na Brasil já estão. embutidas em produtos da Motorola. "Desenvolvemos circuitos integradas para comunicação móvel, automóveis e redes, entre muitas outras aplicações:' Seu maior orgulho é, porém, a conquista, para a subsidiária brasileira, da design de toda uma família de mi-

croprocessadores, um grande sistema que integra várias circuitos integrado.s. "Nunca, em toda a trajetória da Motorola, a projeto de um chip central havia saída da matriz", revela. Em abril de 2001, a.empresa aderiu ao. Programa Nacional de Microeletrônica, assumindo. a comprornisso de doar equipamentos na valor de aproximadamente R$ 10 milhões para a Centro de Excelência Ibero-Americana de Eletrônica Avançada (Ceitec), cujo. objetivo é viabilizar a manufatura de protótipos de chips em Parta Alegre (RS). A Motorola também anunciou a doação de equipamentos para a Unicamp e estabeleceu parceria com essa universidade para a montagem de um laboratório voltado à pesquisa em microeletrónica. .-

gica -, que atendem encomendas de diversas centros de pesquisa, universidades e empresas espalhadas pelo. mundo., num período de dois a quatro meses. Essas foundries (fundições) oferecem diversas processas de produção, para as mais variadas padrões de circuitos integradas. Fortalece-se, hoje, a tendência dos systems on chip (Soes), que está levando à substituição. progressiva das diversas componentes antes necessárias para a operação de um equipamenta par circuitos integradas mais evoluídas e multifuncionais,

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scoordenadores da PMU avaliam todos as projetos antes de autorizar a fabricação. das peças, para analisar a mérito. da trabalha prapasta e evitar que eventuais erras co.mprometam as protótipos, ge~ rando atrasas na desenvolvimento da trabalha do. mestrando ou doutorando. Afinal, as desenhas são. quase sempre muita complexos. "Hoje, um só chip pa~ de concentrar uma quantidade de trilhas (ande ficam gravadas as informações) suficiente para retratar a mapa da Brasil, com todos as rias, todas as ruas das cidades e todas as estradas que cortam a país", comenta Swart. "Desde sua criação, a PMU contribuiu para a formação de cerca de 100

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projetistas, entre mestres -e doutores", lembra Swart. Muitas destes estão. trabalhando em universidades, centros de pesquisa e empresas, cama na design house da Motorola (leia quadro). Muitas das trabalhas desenvolvidos sob a pro~ grama foram publicados em periódicos especializados internacionais, Entre eles, destaca-se, par exemplo, a desenvolvimento de uma técnica para aumentar a vela cidade de processadores CMOS digitais, de Ioão Navarro Iúnior, sob a orientação de Van Noije. Na início. de junho, a artigo. estava programada para a edição. daquele mês da revista da prestigiado Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE), com sede em New Iersey, nas Estadas Unidas. Processador rápido - Partindo. da tecnologia tradicional de true-single phase clock (ou relógio. de real fase única), a estuda aponta a possibilidade de atingir a dobro da freqüência da clock (da velacidade) na processamento de dadas par meio. da aplicação. de novas estruturas formadas pela conexão. de algumas trilhas. Com isso, a consumo de energia da computador, por exemplo, registra queda de 30%. "Há outros projetos interessantes em andamento, principalmente em relação. à comunicação. móvel", revela Van Noije. "As áreas com maior concentração. de trabalhas em

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cursa são. a de telecomunicações, instrumentação e a de equipamentos médicas': conta Swart. Outro trabalha com circuitos integradas desenvolvido na Unicamp pode se transformar em uma inovação na indústria automotiva, contribuindo para introduzir controles eletrônicas e, de quebra, reduzir as custas de produção. O projeta, desenvolvido pelo. professar Carlos Alberto das Reis Filha, da Facul ~ dade de Engenharia Elétrica e Computação da Unicamp, e cinco orientandos entre 1996 e 1999, em uma parceria com a Magnetti Marelli, empresa de autopeças da Grupo. Fiat, baseia-se na substituição de fias de cobre par uma peque~ na rede de comunicação sem fio. para diagnosticar eventuais defeitos em, por exemplo, um farol, e avisar a proprietária. Além disso, com o. auxílio. de um software específica, será passível recu ~ perar a histórica operacional da peça. ''A solução não. foi adotada em função. de problemas internas da Magnetti Marelli'; canta Reis. A companhia abriu mão. de seus direitas de exclusividade sobre a produto, que pode ser abjeta de acordo. com outra organização. Na Brasil, diz Swart, pela menos 40 pessoas concluem a mestra da em microeletrônica a cada ano; e 20, a doutorada. E, se a número ainda é pequena na Suíça, exemplifica a pesquisador, 200


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o PNM, com previsão de investimento de cerca de R$ 200 milhões até 2005, elegeu dois Estados-âncora em suas primeiras iniciativas: São Paulo e Rio Grande do Sul. "É importante somar esforços federais aos que vêm sendo desenvolvidos pela FAPESP", avalia Vanda. Para trazer as empresas de maior porte, o MCT está disposto a apoiar sua instalação, contribuindo para o treinamento de equipes de projeto com contratação local e, eventualmente, bolsas para pesquisadores por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), além de oferecer facilidades de financiamento. Em contrapartida, as empresas terão de se comprometer a operar no país por pelo menos o dobro do período duCircuitos integrados produzidos no exterior são testados pelos alunos que fizeram o projeto rante o qual receberem benefícios, trazer pelo menos um líder de doutores se formam anualmente -, boas houses são companhias que podem deprojetos de circuitos integrados para notícias são o que não falta na área. Na senvolver projetos sob encomenda, concada cinco projetistas recrutados no BraUSP, conta Van Noije, a procura por tetemplando apenas alguns aspectos de sil com o objetivo de difundir conheciuma iniciativa de desenvolvimento de mas da microeletrônica por parte dos mentos de processos. Outra condição alunos de graduação em Engenharia grande envergadura, ou criam soluções básica é o respeito aos direitos de proinovadoras para oferecer ao mercado. Elétrica cresceu muito depois que as priedade intelectual em negociações. "Trata-se de semear o incremento do matérias optativas passaram a abranger capital intelectual na microeletrônica também conhecimentos em hardware, Produtos acabados - Na visão de Vanbrasileira", afirma Vanda Scartezini, tisoftware e telecomunicações. "Na última da, atrairuma fábrica de circuitos intesemana de escolha de matérias optatitular da Secretaria de Política de Ingrados é interessante para o país, mas formática (Sepin), do MCT. "A provas, 200 estudantes buscaram informanão consiste em prioridade. "Quando priedade intelectual responde por nada ções sobre essas novas opções': anima-se. conseguirmos transformar os chips promenos que 66% da receita de exportajetados nas design houses em produtos Mudança de rumo - Outro ponto que ção dos Estados Unidos, e o Brasil poscom boa aceitação mercadológica, a insui um mercado interno enorme e deve favorece a microeletrônica no país foi o dústria virá naturalmente, sem fazer lançamento do Programa Nacional de se mirar nos modelos adotados pelos muitas exigências quanto ao tratamenMicroeletrônica (PNM), em agosto de países desenvolvidos." to fiscal': prevê. Ela acredita que a me2001, pelo Ministério da Ciência e Teclhor estratégia para compensar a balannologia (MCT), com o objetivo de dimiPROJETO ça comercial de eletrônicos não é a venda nuir a importação de chips. Em 2000, os de chips, que, ao menos nas aplicações circuitos integrados geraram um déficit Programa Especial mais correntes, já são commodities, mas de R$ 1,7 bilhão na balança comercial do para Fabricação de Circuitos a exportação de produtos acabados, nos Integrados no Exterior Fase 4 setor de eletrônicos brasileiro, responquais o projeto de circuitos integrados dendo por nada menos que 57% do salMODALIDADE ganha importância cada vez maior. do negativo total, de R$ 3 bilhões. Linha regular de auxílio à pesquisa Com toda essa perspectiva em favor Para tentar reverter o déficit comerdo desenvolvimento da microeletrôcial nessa área, um dos alvos do PNM é COORDENADOR nica no país, o PMU da FAPESP conseatrair duas design houses ligadas a granJACOBUSSWART- Centro guiu formar mão-de-obra competente de Componentes para des nomes do ramo de semicondutores, Semicondutores - Unicamp e tem pela frente pelo menos mais 15 como lntel, AMD e Texas lnstruments, meses de vigência, tempo para agrupar por exemplo, e estimular a criação de peINVESTIMENTO novos projetos de novos interessados quenas empresas nacionais especialiR$ 161.687,50 e US$ 243.000,00 no design de chips. • zadas no desenho de circuitos. Design

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PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 83


I

HUMANIDADES

CIÊNCIAS

ROBINSON

Pesquisa indica que, mesmo após a separação da sinagoga da Igreja Católica, as duas religiões mantinham relações bilaterais

DA RELIGIÃO

BORGES

COSTA

esar

de cristão, o provérbio "diga-me com quem andas que te direi quem és" não poderia ser aplicado nos primórdios do cristianismo. Pesquisa desenvolvida na Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) mostra que, ~ ao contrário do que muitos historiadores indicam, os passos de judeus e cristãos continuaram a seguir trilhas comuns mesmo após a separação da Igreja Católica da sinagoga. O projeto, financiado pela FAPESP, revela que as duas religiões promoveram intercâmbios de símbolos, narrativas e tradições religiosas, pelo menos até o segundo século. Ou seja: continuaram a andar juntas, mas sendo de crenças distintas. "Nossa questão é saber se os elementos contínuos entre o judaísmo e o cristianismo primitivo desempenharam um fator determinante apenas nos primeiros impulsos e elaborações cristãs ou se houve intercâmbio mesmo após o cristianismo conquistar autonomia e identidade, motivados por padrões de experiência e linguagem religiosa comum': diz Paulo Augusto de Souza Nogueira, coordenador do projeto temático Estruturas Religiosas

Convergentes no Judaísmo e no Cristianismo do Primeiro Século. Constituído de sete pesquisadores que trabalham em torno de três eixos, o estudo vai publicar os resultados em livro a ser editado no próximo ano. O ponto de partida é a compreensão de que o nascimento do cristianismo não é fruto de rompimento radical com o judaísmo, versão difundida ao longo dos tempos. Com base em documentos literários, em especial das tradições apocalípticas, os pesquisadores identificaram intensas relações bilaterais do cristianismo com o judaísmo. Segundo Nogueira, a religião de Jesus, seus seguidores e das gerações seguintes de cristãos tem de ser compreendida a partir de práticas e crenças religiosas judaicas. "Boa parte das análises de história pressupõe que o uso das tradições judaicas teria ocorrido nos estágios de formação da tradição religiosa cristã primitiva em via única. Ou seja, fica descartada a possibilidade de que os cristãos e judeus estivessem se influenciando mutuamente por períodos maiores", afirma. A pesquisa caminha na contramão da visão hegemônica de que não houvesse mais influências após a separação. "Perguntamos se as diferenciações institucionais implicaram um corte nos intercâmbios de tradições religiosas': diz. "Não pode84 . JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77


A Epopéia da Civilização Americana, painel de José Clemente Orozco: para o pesquisador Paulo Nogueira, é preciso entender os textos do passado para compreender o presente PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 85


riam esses ter coexistido em vários círculos mesmo após a separação dos cristãos da sinagoga?" Para responder à pergunta, os pesquisadores elaboraram estudo comparativo em textos apocalípticos nos Manuscritos do Mar Morto, na literatura judaica pseudepígrafa (produzida até 70 d.Cr), e na literatura do cristianismo primitivo (tanto do Novo Testamento como dos apócrifos). O período estudado vai desde o século . segundo a.e. até o segundo d.e. A escolha desses textos ocorreu porque há indicações de que os primeiros cristãos eram judeus apocalípticos. "Trabalhamos com uma compreensão diferenciada de apocalíptica, para além da idéia de que o fim do mundo chegaria acompanhado de cataclismos cósmicos e da redenção dos justos", observa. Os pesquisadores consideram que o elemento central da apocalíptica é a experiência religiosa visionária, provavelmente de origem extática, que tem como conteúdo principal visões sobre os céus, suas estruturas de poder, os anjos e o culto místico ali desenvolvido. O acesso a essas revelações é possível por meio de viagens celestiais. "Em vez de dizer que Jesus era apocalíptico apenas porque acreditava no fim do mundo, apresentamos a religiosidade de Jesus e de seus seguidores como reflexo de uma 86 . JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

complexa religiosidade visionana, na qual o próprio Jesus passou a ser compreendido como alguém que revela os segredos e os mistérios de Deus." ara Paulo Nogueira, essa abordagem perrnite-reconstruir o quadro cultural e religioso que torna possível compreender os parâmetros religiosos dos primeiros cristãos e suas relações com os judaísmo, assim como sincretismos com as religiões do Mediterrâneo. Era por meio da experiência visionária que judeus e cristãos tinham acesso às estruturas do cosmo, aos poderes angelicais e ao mundo labiríntico em que Deus era imaginado. "A apocalíptica é aqui interpretada como uma forma de misticismo judaico, muito além da sua tradicional compreensão como expectativa de fim do mundo e de crítica da história e do poder': afirma o professor. "O destaque dado ao aspecto extático-visionário permite compreender a apocalíptica em relação às tradições populares e iletradas do judaísmo, representando os textos apocalípticos apenas o produto final de uma corrente mais ampla." A acepção da apocalíptica como literatura de revelação visionária pode ser encontrada, por exemplo, nas ela-

P

boradas descrições das hierarquias de poderes celestiais, tanto em textos judaicos como o Livro dos Vigilantes, da Apocalípse de Enoque (Enoque Etíope), nos Cânticos do Sacrifício Sabático de Qumran, assim como na Carta aos Efésios, nas disputas com anjos e seu culto em Hebreus, e na busca por ascender às moradas celestiais e na preocupação com a contemplação da glória de Deus no Evangelho de João, sem contar com sua recepção no Apocalipse de João e na Ascensão de Isaías. Nogueira destaca que importa menos saber se essas experiências ocorreram de fato com Jesus ou com Paulo de Tarso do que compreender como esses grupos vivenciavam esse modelo de religião visionária em seus cultos de êxtase. "É muito possível que algumas narrativas atribuídas a Jesus tivessem sido inclusive experiências posteriores de seus seguidores atribuídas a ele ou então que tivessem sido narradas nas comunidades cristãs primitivas de forma paradigmática, para serem imitadas em outras ocasiões", diz o coordenador da pesquisa. "Isso não tira a importância do tema, ao contrário, mostra certa ligação entre os pressupostos religiosos de Jesus com seus seguidores posteriores, uma vez que procedem de um âmbito comum: a apocalíptica judaica."


Gólgota, de Edvard M unch (à esq.), e Cristo no Deserto, de Ivan Krarnskoy: estudo permite reconstruir quadro cultural e religioso

o pesquisador Luigi Schiavo, que desenvolve sua tese de doutorado dentro do projeto temático, tem se dedicado a estudar justamente a tentação de Jesus de Lucas, considerado um dos textos mais importantes do documento Q, também chamado de Fonte dos Ditos, por apresentar uma narrativa em que Jesus luta contra Satanás pelo domínio cósmico. "Os temas do julgamento, da oposição dualística, da espera messiânica, do reino de Deus e da apresentação de sua ética nos levam a pensar num documento de forte caráter escatológico, com elementos apocalípticos de visão e revelação", diz a pesquisa. "Nesse contexto, o relato das tentações de Jesus é aqui interpretado como um relato de viagem celestial, uma forma literária bastante conhecida na literatura apocalíptica e pseudepigráfica a partir do segundo século a.c., cujo objetivo era descrever a experiência extática do visionário." Essa interpretação se baseia em vários aspectos, como o termo técnico da visão "levado em espírito", o transporte para fora do corpo e a viagem pelo céu, o anjo que acompanha o visionário, o lugar deserto que, com o jejum, representa a condição para que tal experiência possa acontecer, etc.A pesquisa adota como modelo para a compreensão de

Jesus no seu embate com Satanás nesse relato, o mito do combate entre o anjo Miguel e Satanás, tal como é retratado, por exemplo, na Regra de Guerra de Qumran e refletido no Novo Testamento em Apocalipse 12.A pesquisa de Schiavo está inserida em um eixo do projeto que analisa figuras messiânicas da apocalíptica judaica que podem ter influenciado . as primeiras elaborações cristológicas, ou seja, as primeiras afirmações sobre a divindade de Jesus e sua origem celeste. Outro eixo da pesquisa pretende relacionar esses textos apocalípticos cristãos primitivos com o culto celestial como era idealizado por círculos judaicos místicos do período. A hipótese, neste

o PROJETO Estruturas Religiosas Convergentes no Judaísmo e no Cristianismo do Primeiro Século MODALIDADE

Projeto

temático

COORDENADOR

PAULO AUGUSTO DE SOUZA NOGUEIRA - Universidade Metodista de São Paulo INVESTIMENTO

R$ 83.871,00

caso, é que esse mundo místico se insere no culto das casas dos primeiros cristãos, permitindo formação de identidade religiosa e organização social em torno da experiência religiosa. Além dessa discussão da relação do cristianismo com judaísmo, o projeto contempla mais um eixo de pesquisa que analisa também a recepção de temas apocalípticos na religião popular do Mediterrâneo, mais especificamente nos papiros mágicos e nos amuletos e talismãs antigos. Afinal, judeus e cristãos estavam por sua vez inseridos no mundo religioso greco-romano. Para o coordenador, os textos selecionados para a pesquisa estabelecem também conexões com os dias atuais, pois se referem a um novo milênio, ao desejo de mudança libertária, da realização de utopias e sonhos. "Os estudos bíblicos são de relevância no Brasil, uma vez que se trata de um país com vertentes de sua cultura popular e de um grande número de grupos religiosos que se alimentam de símbolos bíblicos", justifica. "Em uma sociedade plural cultural e religiosamente como a nossa, análises estanques que não consideram também a complexidade dos textos fundantes correm o risco de não compreenderem o passado e, tampouco, o presente", conclui. • PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 87


• HUMANIDADES MÚSICA

Chega de saudade

Acervo pessoal de Tom Jobim é organizado com apoio da Faperj

stá em andamento o projeto que permitirá a músicos, .pesquis adores e fãs do mundo todo entrar em contato com o universo íntimo e musical daquele que foi o compositor brasileiro mais interpretado e gravado internacionalmente. Em funcionamento há pouco mais de um ano, o Instituto Tom Iobim, presidido pelo filho do maestro, Paulo Iobim, está abrindo o baú de um dos papas da bossa nova. Com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), a instituição está há dois meses debruçada sobre o arquivo pessoal de Tom Iobim, que tem cerca de 60 mil itens. São partituras, cartas, bilhetes, discos, objetos, fotografias, desenhos, fitas cassetes e de vídeo, que serão rigorosamente classificados e organizados, de forma que possam ser consultados por todos os interessados na vida e na obra de Tom. "Nosso objetivo é preservar a obra de Iobim', diz Vanda Klabin, diretora do instituto. Para isso, a classificação é apenas o primeiro estágio de um processo de reprodução de todo o material, para que os originais

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88 . JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

permaneçam protegidos na sede do instituto, no Jardim Botânico, no Rio, perto da casa de Iobim. O acesso à documentação, que inclui letras de músicas inéditas, se dará por meio da internet e de microfilmes. "O processo é extremamente complexo e é justamente nessa fase de classificação que se encontram coisas inimagináveis", comenta Vanda. A segunda etapa será a digitalização do material. Para manusear os documentos, foram contratados seis pesquisadores da Casa Rui Barbosa especializados em arquivos de personalidades. "A Casa Rui Barbosa guarda mais de 70 arquivos, entre eles o de Carlos Drummond de Andrade e o de Vinícius de Morais", diz. É ao trabalho desses pesquisadores que a Faperj está dando suporte, por meio de bolsas-auxílio. "O apoio total será de R$ 211 mil. Até agora recebemos R$ 50 mil", conta Vanda. A diretora também está levando o projeto, que já foi aprovado pela Lei Rouanet de incentivo à cultura, para apreciação da Petrobras. A idéia é fazer parcerias para a fase de digitalização. "Além dos papéis, em que se incluem partituras escritas a lápis, há dezenas de


gravações sonoras e audiovisuais de valor incrível", descreve a diretora. "Por exemplo, um ensaio da família Caymmi com a família Iobim", diz ela. O acervo de partituras de Tom Iobim já rendeu, no ano passado, o Cancioneiro [obim, organizado por Paulo Iobim. Ele acompanhou desde criança o modo como o pai costumava fazer seus arranjos. Assim, não foi difícil recuperar e reunir as partituras, dando àquelas que precisavam de reparo uma verdade musical jobiniana. Em alguns casos, ele encontrou pautas de músicas cujas gravações não estão localizadas. "Há um arranjo para orquestra de Lenda que foi feito para o programa de rádio Quando os Maestros Se Encontram. Eu nunca encontrei a gravação. Nem sei se existe", conta Paulo, arranjador e também arquiteto. Outra surpresa do acervo foi a descoberta de uma caixa de charutos com dezenas de notas fiscais da Plataforma, churrascaria freqüentada pela boemia carioca. "Tom guardou todas as notas durante anos", afirma Vanda.

Tom Jobim compondo: mais de 60 mil itens estarão disponíveis para consulta

Além disso, há centenas de cartas trocadas com músicos e cantores estrangeiros, entre eles, claro, Frank Sinatra. "Os desenhos também impressionam", comenta Vanda. "Ele gostava muito de desenhar pássaros. E também fez vários desenhos propondo como deveria ser a divisão de sua casa, que foi projetada por Paulo e Maria Elisa, filha de Lúcio Costa." Segundo Vanda, percebe-se que Tom queria a casa integrada com a natureza. "O Jardim Botânico era praticamente seu quintal", diz ela. "As posições dos cômodos e móveis eram muito importantes. Talvezele tenha sido o primeiro brasileiro a se preocupar com feng shui, a arte chinesa de criar ambientes harmoniosos." No acervo descobre-se também curiosidades de Tom, como a letra de Águas de Março escrita em um papel de padaria. A organização do acer-

vo pessoal de Iobim não é a primeira atividade desenvolvida por Paulo para preservar a memória do pai. Há quatro anos está em andamento o projeto Tom da Mata, feito com apoio da Fundação Roberto Marinho e de Fumas Centrais Elétricas. Trata-se de um trabalho com escolas de vários Estados, às quais são levados kits ecológicos que incluem um livro, um vídeo e um CD com músicas "ecológicas" de Tom, como a própria Águas de Março e Borzeguim.

Ainda estão sendo preparados os projetos Tom da Amazônia e Tom do Pantanal. "Eu diria que esses projetos são até mais ecológicos que musicais': diz Paulo. "O instituto está muito ligado às questões ambientais, pois esse era o assunto de que meu pai mais falava, depois da música", diz o arquiteto. Ele está ansioso com a organização do acervo. "Não vejo a hora de disponibilizar essas informações para estudantes de todas as faculdades de música, como aos da Universidade Livre de Música, de São Paulo, que recebeu o nome de meu pai", conclui. • PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 89


90 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77


• HUMANIDADES

ARTES

PLÁSTICAS

Livro analisa trabalho do artista holandês a partir de 262 cartas enviadas por ele, consideradas como uma obra paralela

igura emblemática da arte moderna, Vincent Van Gogh (1853-1890) libertou a cor na pintura. Por meio dela, procurou captar a essência dos seres e das coisas,traduzir emoções e intuições, sem os compromissos com a verossimilhança que dominavam a arte acadêmica de seu tempo. Sua extensa obra - não reconhecida em vida - e existência trágica e intensa atraem, há décadas, estudiosos dos mais diversoscampos. Cerca de 900 cartas que escreveu foram preservadas e constituem a mais importante fonte documental sobre sua vida e seu processo de criação. Ceifar, Semear - A Correspondência de Van Gogh, de Luciana Bertini Godoy (Annablume/FAPESP, 2002, 274 págs.), considera as cartas como uma obra paralela, cujo exame ilumina aspectos da vida, da arte e do imaginário do pintor. a interesse de Luciana Bertini pelo pintor holandês data de 1992, quando começou seu projeto de iniciação científica. Atualmente, prepara uma tese de doutoramento no Laboratório de Estudos em Psicologia da Arte (Lapa) - coordenado pelo professor João A. Frayze-Pereira -, do Instituto de

F

o Quarto

do Artista

em Arles:

para pesquisadora, vida não explica obra de Van Gogh PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 91


Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). A tese discutirá a auto-imagem de Van Gogh, que se delineia a partir das cartas, objeto de um primeiro tratamento em Ceifar, Semear. A loucura é um dos principais elementos que identificam o pintor, a ponto de ter se convertido em um estereótipo. "A associação entre arte e loucura torna insuficiente uma abordagem exclusivamente patológica do distúbio", afirma Luciana.

o PROJETO Ceifar, SemearA Correspondênciade Van Gogh MODALIDADE

Auxílio à publicação AUTORA LUCIANA

BERTINI

GODOY -

Universidade de São Paulo INVESTIMENTO

R$ 4.200,00

esquisadora escolheu 262 cartas, que trabalha sob um ponto de vista inovador no domínio da psicologia. Recusando as perspectivasda psicanálise e da psiquiatria - que alentam numerosos estudos sobre o pintor, mais preocupados em dar diagnósticos para a sua loucura -, a autora escolheu um enfoque inédito, o da psicologia da arte. Essa abordagem tenta compreender o artista levando em conta sua maneira de ver o mundo - sua subjetividade - e o próprio mundo, que participa na configuração dessa subjetividade.

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Van Gogh é considerado em seu ambiente físico,na realidade histórica de seu tempo, que tinha um conjunto específico de valores morais e culturais. Luciana não busca uma resposta à questão da loucura, preferindo valorizar a multiplicidade de determinações, considerando "legítimos todos os caminhos e descaminhos tomados por Van Gogh, sem a necessidade de imputar-lhes causas, explicações, dissecações que transformam o artista no que queremos que ele tenha sido, em algo diferente do que ele foi, conforme os limites que a nossa incompreensão nos permite perceber", anota. O que dificulta a interpretação da loucura do artista como evasão de si mesmo "é a lucidez que ele revela em seu autoquestionamento, a precisão e a obsessão que orientam a construção de sua obra, que aparecem constantemente na correspondência", observa.

Retrato do Doutor Gachet: cartas são a melhor fonte

Durante a realização do estudo, a pesquisadora foi percebendo que nas análises realizadas até agora as cartas servem para legitimar convicções dos pesquisadores acerca do pintor, sem ser um ponto de partida para indagações. "A complexidade das cartas e seu caráter contraditório permitem que se valide qualquer teoria escolhida a priori ", afirma. O exame sistemático das cartas levou-a a isolar três temas principais, que apareciam com grande freqüência: a vida, a arte e a doença. Cada um deles compreende alguns subtemas. Organizado a partir desses recortes, o material é um instrumento de reflexão sobre a configuração da auto-imagem do artista, tarefa atualmente em curso. Os dramas existenciais do pintor não podem ser entendidos fora de sua época. Luciana mostra que Van Gogh era um artista moderno com traços românticos - presentes na paixão, forma que o liga à vida, forma de estar no mundo, que o move e ao mesmo tempo o abala. Essa paixão aparece no visceral engajamento com que se entregou ao fazer artístico e às outras atividades que realizou, como pastor protestante, por exemplo. Os vínculos do pintor com o modernismo aparecem na sua tomada de posição diante do mundo, no comprometimento com transformações políticas, sociais e culturais. A carta em que comenta um de seus quadros mais conhecidos, Os Comedores de Batata (1885), deixa clara a consciência que tinha do que fazia, combinando inovação estética e crítica social. Para a pesquisadora, a vida não explica a obra. ''A relação entre elas é mais complexa do que uma mera relação de causa e efeito. Essa é a minha linha ao longo do texto: manter a complexidade, o enigma': diz. Van Gogh acreditava que as dificuldades enfrentadas eram uma decorrência de sua condição de artista, difícil de carregar. "Ele sustentava que a vida de artista era incompatível com o que chamava de 'verdadeira vida': casar e fundar uma família.A idéia de que, em Van Gogh, a doença se põe a serviço da arte, relaciona-se com a autonomia de sua arte, com o equívoco de compreendê-Ia a partir da loucura", afirma. ''Ao contrário, com a idéia da loucura, isolamento e sacrifício são atributos possíveis a uma determinada identidade de artista - o artista moderno - totalmente assumida por Van Gogh," •


• HUMANIDADES

HISTÓRIA

Coletânea de ensaios analisa a repressão à imprensa escrita do Brasil Colônia à ditadura militar

niqUilar

o homem é tanto privá-Io de comida quanto privá-Io de palavra." A frase de Walter Benjamin ~ tornou-se emblema da indignação contra um dos grandes males da história da humanidade: a imposição de limites à liberdade de pensamento, ao cerceamento da expressão ou, em apenas uma palavra, a censura. Muito já foi discutido sobre o tema, mas quase sempre sob forma de estudos esporádicos e distantes do alcancedo público. Essa lacuna foi, agora, preenchida com o lançamento do livro Minorias Silenciadas: História da Censura no Brasil, organizado pela professora Maria

Luiza Tucci Carneiro, com apoio da FAPESP,e lançado pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp). O livro é uma coletânea de artigos apresentados no Simpósio Minorias Silenciadas, organizado pela Universidade de São Paulo (USP) em 1997. Na ocasião, Maria Luiza foi convidada a realizar um debate sobre a censura em um evento sobre direitos humanos. "Ao tentarmos discutir a questão dos direitos do cidadão, nada mais oportuno do que repensarmos o tema das liberdades políticas sob o prisma da censura e da repressão às idéias", argumenta a pesquisadora na apresentação do trabalho. PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 93


As discussões sobre o tema não se restringiram ao livro. As pesquisas foram tão produtivas que se desdobraram em um projeto temático, dessavez focalizando a imprensa clandestina brasileira até os anos 50. Intitulada Inventário Dops, a nova pesquisa, organizada por Maria Luiza e por Boris Kossoyo, da Escola de Comunicações e Artes (ECAIUSP), partiu de aproximadamente 90 jornais, que serão publicados em quatro catálogos. "Será a primeira listagem completa da imprensa política desse período", garante a pesquisadora. Os livros serão divididos por temas como iconografia, panfletos e mulheres subversivas. O trabalho, que deve durar dois anos, tem como objetivo entregar ao Arquivodo Estadoum banco de dados com ISO mil Imprensa prontuários cadastrados. Embrião desse novo projeto, Minorias Silenciadas traça um amplo panorama sobre o tema, que abrange do Brasil Colônia à ditadura militar e investiga as origens da censura no país. "O trabalho tem uma proposta linear de avaliar essa repressão a partir do primeiro ato censor até momentos de ruptura, como ocorreu em 1968': diz Maria Luiza. Dentre os artigos que compõem o livro, um dá a dimensão da obtusidade dos órgãos censores. Em Procura-se Peter Pan ..., Márcia Mascarenhas Camargos e Vladimir Sacchetta relatam a perseguição ao escritor Monteiro Lobato pelo governo de Getúlio Vargas. Numa das passagens mais impressionantes, os autores citam a proibição à leitura de Peter Pan, história clássica da literatura infantil, considerada pela censura uma "perigosa obra cripta comunista, que pregava às crianças que desobedecessem aos pais e fugissem de casa" A censura baseava-se no fato de os livros de Lobato chocarem-se contra os projetos do Estado Novo, "empenhado em formar uma juventude saudável e patriótica, unida em torno da tradição cristã': 94 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

plice censura: a Inquisição, o Ordinário e o Desembargo do Paço. Com a chegada da família imperial ao país, ocorre uma das primeiras rupturas do processo de instalação da censura. ''A vinda da Corte portuguesa trouxe junto a imprensa régia, que contribuiu com idéias abolicionistas e o aumento das tensões entre monarquistas e republicanos", afirma Maria Luiza. Perseguição - De cristãos novos a maçons, passando por estudantes "afrancesados", jesuítas, anarquistas e comunistas, os inimigos da censura alternaram-se no decorrer dos séculos, mas poucos sofreram tanto quanto os "inimigos" dos governos militares. Escritores, jornalistas, músicos e todos que possuíam um mínimo de discernimento e Amordaçada, de Granville (1833): repressão antiga senso crítico foram duramente perseguidos pela ditadura. No artigo Ensaio Geral de Socialização da Cultura: o ontudo, o controle do liEpílogo Tropicalista, Marcelo Ridenti, do vre pensamento foi seDepartamento de Sociologia da Univermeado no país muito ansidade Estadual Paulista (Unesp), analites da vigência do Estado sa o papel do movimento tropicalista no Novo. A gênese da cenconturbado contexto político dos anos sura no Brasil está estritamente ligada à atuação da Inquisição em Portugal. Em 60.De acordo com Ridenti, o estudo não aborda especificamente os atos censoseu artigo Os regimes totalitários e a censura, Anita Novinsky afirma que a cenres ao Tropicalismo, atendo-se ao ambiente cultural no período pré-censura. sura durou três séculos no Brasil colonial e foi muito mais rigorosa do que na "Houve uma aposta de mudança que América espanhola. Segundo a autora, precedeu o golpe de 64 e ganhou vulto com o envolvimento dos artistas na "o medo de que idéias heréticas penetrassem no Novo Mundo foi o pesadelo transformação radical da sociedade brasileira. O palco para isso seriam teatros, dos inquisidores portugueses. Proibiacomo o Oficina, festivais e espaços culse aos leigosa leitura da Bíbliae os agentes do Santo Ofício (...) vigiavamcada naturais': explica o professor. "Havia uma vio que entrava nos portos brasileiros': forte junção entre a vida cotidiana política e a cultural, que ganhou um senA censura intensificou-se com a publicação, em Portugal, do Index Romatido subversivo para os padrões da dino, lista de livros proibidos pela Igreja. tadura. Os órgãos repressivos trataram Décadas depois, foi instituído o Dede censurar essas idéias:' Em sua análise do contexto polítisembargo do Paço - órgão do poder réco-cultural dos anos 60, Ridenti toma gio -, que impedia a publicação de liemprestado, como ponto de partida, vros mesmo que tivessem recebido licenças do Santo Ofício e do Tribunal uma expressão cunhada por Walnice Nogueira Galvão em As Palas, os SilênOrdinário. Ou seja, foi criada uma trí-

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cios: "ensaio geral de socialização da cultura': O Tropicalismo, diz o autor, marcou o fim desseensaio. "Muitos acreditam que o movimento foi uma ruptura radical com a cultura política forjada naqueles anos. Na verdade, é apenas um de seus frutos diferenciados." m Mortos sem Sepultura,

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Maria Aparecida de Aquino, da História Social da USP, esclarece que existiram diferentes práticas censoraso Boa parte dos trabalhos sobre o tema constrói uma imagem estereotipada do trinômio participante dos conflitos durante o regime militar: o Estado,a imprensa e a censura. Maria Aparecida esclarece que não houve um "Estado todo-poderoso, dotado de vontade única, Edição apreendida de O Pasquim, em 1975: a censura ausente de contradições internas e de interesses focalizava causas sociais, a maioria dos diferenciados, condutor dos destinos cortes tinham como alvo reportagens da nação': Ou "uma censura unilinear sobre as condições de vida de pessoas e aleatória que age ao sabor das circomuns. cunstâncias e ao gosto do 'censor de Um dos legados deixados pelo regiplantão' ': "Tampouco uma imprensa me militar foi a auto censura, que não vítima do algoz censório que atua intem participação direta do Estado. Seu divisa na batalha pela restauração da aparecimento remete ao período mais plena liberdade de expressão", afirma a violento da ditadura, quando foi editaautora. do o Ato Institucional n° 5, que criou a censura prévia, praticada por censores Anedotário - "A primeira imagem que enviados às redações. Muitos jornais se tem da censura é que ela é burra e tem como função cortar o noticiário. Isso acaba se tornando parte de um PROJETO anedotário", diz Maria Aparecida. Minorias Silenciadas: História "Uma coisa é ler e ouvir as ordens da Censura no Brasil emitidas aos jornais durante o regime militar, outra é conhecer a ação sobre MODALIDADE o que foi escrito." Em sua pesquisa, a Auxílio à publicação professora debruçou-se sobre a atuação dos órgãos censores nas redações ORGANIZADORA MARIA LUIZA TUGGI CARNEIRO de jornais como O Estado de S. Paulo e Departamento de História O Movimento, que adotavam perfis da USP editoriais diferentes e, por isso, sofreram intervenções distintas. Se no priINVESTIMENTO meiro o controle censorial atacou asR$ 7.500,00 suntos políticos, no Movimento, que

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optaram por acatar as ordens e não foram submetidos à censura prévia. Nesses casos, o próprio órgão de informação passou a desempenhar o papel de censor.A convivência com essasituação criou a autocensura, praticada pelos próprios donos das empresas jornalísticas, como define Maria Aparecida. Os jornais passaram a publicar apenas o que interessava aos seus donos e diretores. "Isso tornou pior uma característica pré-existente." Nova censura - Minorias Silenciadas mostra, acima

de tudo, que a censura é multiforme e camaleônica. Ela nunca morre, apenas dorme. Um exemplo recente ilustra com clareza essa afirmação: a proibição, por medida judicial - em vigor desde o dia 23 de maio - da publicação ou difusão de qualferoz quer notícia referente ao caso envolvendo um juiz do TRT de São Paulo, acusado de envolvimento em esquema de corrupção. A decisão, tomada pela desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo, Zélia Marina Antunes Alves, impede que jornais, rádios, TVs e provedores de internet informem o fato. Meses antes, o candidato à sucessão presidencial Anthony Garotinho também utilizou a Justiça para impedir que uma revista publicasse reportagem denunciando um esquema de corrupção no qual o político estaria envolvido. Novamente, a censura ganha novas formas e regenera o corpo destruí do, como certas espécies de vermes. Contudo, segundo o professor Renato [anine Ribeiro, no texto O Direito de Sonhar, que abre o livro, a censura jamais conseguirá reprimir a liberdade de pensamento e a imaginação. "Se quisermos combater a censura, não será ridicularizando seus excessos, mas contestando seu cerne. Não será zombando de seus erros, mas defendendo a capacidade que tem o pensamento - e a fantasia de criar mundos novos:' • PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 95


RESENHA

Capital e trabalho na lavoura de cana As relações sociais em uma das principais áreas de produção agrícola WALTER

BELlK

por trás dos ostuma-se apresencanaviais, tar o desempenho da os "nós" da cana lavoura canavieira em a relação capital x trabalho e o movimento sindical dos São Paulo sempre com sutrabalhack>res na agroindústria carevena paulista perlativos. Não é para menos, pois os 3 milhões de hectares plantados com cana-de-açúcar são, sem dúvida alguma, a maior área contínua do planeta cultivada com essa gramínea. Por trás desse mar de cana existe gente e existem relações sociais. Hoje são mais de 270 mil trabalhadores ligados diretamente ao cultivo e colheita da cana-de-açúcar. O grande público interessado em conhecer o setor conta atualmente com muita informação econômica, tendo em vista o processo de desregulamentação a que este vem sendo submetido desde o início dos anos 90. Todavia muito pouco tem sido publicado sobre as mudanças que estão ocorrendo nas relações de trabalho e no movimento sindical no campo, que, por sua vez, estão relacionadas com esse mesmo processo de desregulamentação. Tempos atrás, movida pelo interesse gerado pelas lutas dos trabalhadores, como foram os episódios de Guariba (1984) e Leme (1986) contra a imposição do sistema de corte de cana em sete ruas, muita literatura foi produzida e a opinião pública passou a conhecer os bóias-frias. Desde então tivemos várias mudanças no setor, que passou por duas crises e vive um processo de reestruturação. Felizmente, agora o assunto extrapola os debates acadêmicos e volta para a discussão geral com a publicação do trabalho de pesquisa de Antonio Thomaz Iúnior, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), câmpus de Presidente Prudente, chamado Por trás dos canaviais, os "nós" da cana - A relação capital X trabalho e o movimento sindical dos trabalhadores na agroindústria canavieira paulista. Como geógrafo, Thomaz [únior perpassa a sua obra com a preocupação de colocar em evidência a espacialidade das relações entre capital e trabalho e a força ou fraqueza das representações de interesses na produção canavieira paulista. O período analisado é o da década de 90, fase de transição para uma nova tecnologia e para a vigência de um

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Por trás dos canaviais, os "nós" da cana

novo aparato institucional. Nesse novo quadro são vários os dilemas que se colocam para os trabalhadores, e as Antonio Thomaz alianças e demandas locais Júnior não permitem que se possa assumir ou pressionar politiAnnablume / FAPESP camente a partir de uma po390 páginas / R$ 30,00 sição hegemônica. Um bom exemplo desses dilemas colocados pelas novas tecnologias está na mecanização do corte da cana. O corte mecânico contribui para deprimir e regular a remuneração dos trabalhadores não só na atividade canavieira como também de todo o trabalho assalariado rural de São Paulo. Estima-se que uma colheitadeira de cana possa substituir de 100 a 120 homens. Junte-se a isso as pressões por parte das prefeituras, Ministério Público e ambientalistas, que vêm exigindo o corte mecânico e o fim das queimadas de cana, atividade essa primordial para que o cortador possa desenvolver o seu trabalho. Segundo os sindicatos, muito da competitivida de da agroindústria sucroalcooleira paulista, em termos mundiais, se deve aos baixos salários pagos aos seus trabalhadores. Com isso a demanda por melhores salários e benefícios sociais é uma constante na pauta de negociações sindicais, mas a demanda por terras e reforma agrária continua se apresentando também como fundamental. Destaque-se que muitos desses direitos, inclusive o direito à terra não produtiva, já estavam garantidos pelo Estatuto da Lavoura Canavieira, promulgado por Getúlio Vargas em 1941. Embora não seja de leitura fácil, o livro é recomendado para o público interessado em conhecer a história recente do movimento sindical e das relações sociais em uma das principais áreas de produção agrícola no Brasil. A região canavieira paulista é uma espécie de laboratório que nos permite examinar os conflitos e os limites colocados para as lutas dos trabalhadores no campo.

BELIK é professor livre-docente e coordenador de Economia Agrícola do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

WALTER


LIVROS Ecologia Humana

ECOLOGIA HUMANA

Atheneu Editora Edward J. I<ormondye Daniel E. Brown 503 páginas / R$ 78,50

Obra versa sobre os fundamentos da ecologia e suas aplicações por meio de uma abordagem Edward J. Konnondy Daniel E. BroWD integrada à ecologia humana. _~:~N= OS autores se baseiam em problemas reais, sejam eles de origem ambiental ou antrópica. Entre as principais questões estudadas estão, por exemplo, os processos relacionados ao crescimento populacional e suas relações com os princípios gerais da ecologia de populações. O objetivo de Kormondy e Brown é auxiliar na expansão dos estudos antropológicos.

Três Caminhos para a Gravidade Quântica Editora Rocco Lee Smolin 240 páginas / R$ 36,50 Certamente vai ganhar um Nobel quem conseguir fazer a força da gravidade, que rege o movimento dos planetas, entender-se com as outras, que controlam o comportamento das partículas atômicas. Por enquanto, é impossível, e o autor - um físico norte-americano explica por quê. Ele próprio destina a obra "ao leigo inteligente, interessado em saber o que está acontecendo nas fronteiras da física", que incluem dobras do espaço, buracos negros e novas formas de encarar o átomo.

As aventuras Científicas de Sherlock Holmes Jorge Zahar Editor Colin Bruce 254 páginas / R$ 27,00 Um livro diferente - e divertido sobre divulgação científica do físico e escritor inglês Colin Bruce. O autor pegou emprestado o mais famoso personagem da literatura policial para explicar temas e conceitos da física moderna. Sherlock Holmes e seu amigo Watson conversam sobre conversão da energia no capítulo O caso da energia desaparecida, radioatividade, no Caso do cientista sabotado, ou a hipótese dos mundos múltiplos no Caso dos mundos perdidos. Essa inusitada combinação de ficção policial com ciência tem cativado leitores em todo o mundo.

REVISTAS Manuscrito - Revista Internacional de Filosofia Volume XXIV / número 2 Este último número desta publicação semestral do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da Universidade Estadual de Campinas traz textos em português, inglês, espanhol e francês. A revista traz artigo de Luiz Antônio Alves Eva (Montaigne: o ensaio como ceticismo), Amán Rosales Rodríguez (Tecnología y progreso en el contexto de los "sistemas secundários"), Francisco Calvo Garzón (Reference, predication and individuation), Daniel Laurier (Normes et contenus), Marcos José Müller (Reflexão estética e intencionalidade operante) e Silvio Pinto (Michael Beaney, Frege and the paradox of analysis), entre outros.

São Paulo em Perspectiva Volume 15/ número 4 Revista da Fundação Sistema Estadual Análise de Dados (Seade) aproveita o período eleitoral pelo qual o país passa para fazer uma pOLIT'CA análise detalhada da política BRASILEIRA brasileira. O objetivo é contribuir para acompanhar o debate acerca da democracia brasileira. Alguns artigos presentes neste número: A democratização brasileira: um balanço do processo político desde a transição, de Maria D' Alva G. Kinzo, Globalização, reforma do Estado e teoria democrática contemporânea, de Eli Diniz, Democracia e escândalos políticos, de Vera Chaia e Marco Antonio Teixeira, A crise do paradigma neoliberal e o enigma de 2002, de Iuarez Guimarães.

Pulsional - Revista de Psicanálise número 158 Os seis textos desta edição (todos bilíngües) tentam refletir a tensão entre tradução e psicanálise. Textos de Paulo Ottoni (Tradução e desconstrução: a contaminação constitutiva e a necessária das línguas), Iacques Derrida (Eu - a psicanálise), Élida Ferreira (...Entretanto, ainda, algumas palavras), Sarah Kofman (Traduttore, traditore ou: trata-se de uma letra), Nina Virginia Araújo Leite (Tradução, tradição, traição) e Zelina Beato (A tradução anassêmica como manifestação da différance). PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 97


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