O sal da vida

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Agosto 2002 N' 78

e

www.revistapesquisa.tapesp.br

FAPESP CENTRO DE CERÂMICA INOVA NAS SIDERÚRGICAS E NAS REDES ELÉTRICAS COMO A MíDIA INFLUENCIOU AS ELEiÇÕES MUNICIA DE SÃO PAULO EM


com o desenvolvimento social e a produção científica inovadora • Administração mestrado

• Odontologia mestrado

Há 24 anos, a Universidade MetDdista de São Paulo oferece reconhecidos programas de pós-graduação stricto sensu, abrangendo as áreas de Administração, Ciências da Religião, Comunicação Social, Educação, Odontologia e Psicologia da Saúde. Em dezembro de 2001, a Metodista instituiu os Eixos Temáticos de Pesquisa, linhas norteadoras da pesquisa científica desenvolvida na Universidade. Por meio delas, seus pesquisadores estão comprometidos com a crítica e a mudança da realidade. Buscam o desenvolvimento sustentável regional, especialmente no Grande ABC Paulista e Região Metropolitana de

• Psicologia da Saúde mestrado/ doutorado

São Paulo, de forma a estimular ações que resultem em transformação social e cidadania, marcas da missão educacional Metodista.

• Ciências da Religião mestrado/ doutorado • Comunicação Social mestrado/ doutorado • Educação mestrado

JIl

Universidade

~~~t~~ista (11) 4366 5549

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secretariapos@metodista.br

www.metodista.br Conheça um pouco mais da produção científica da UMESP: http://editora.metodista.br


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MEDICINA

f. N D I C E

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36

Pesquisas da USP mostram que a solução hipertônica atenua lesões do choque hemorrágico e atua sobre o sistema imunológico

CARTAS EDITORIAL OPINIÃO MEMÓRIA • POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA ESTRATÉGIAS AGRICULTURA PAULISTA o BRASIL E A RICYT RECURSOS HUMANOS PARA O IPT ESTRATÉGIAS EM P&D VOGT É EMPOSSADO • CIÊNCIA LABORATÓRIO CATUAMA VIRUS MODIFICADO E TERAPIA GENICA PENTA, O CLONE O HOMEM DE TOUMAI PROTEÇÃO ÀS CAVERNAS DE BONITO A DOMESTICAÇÃO DOS BURACOS NEGROS UM RELÓGIO DE ANÃS BRANCAS • TECNOLOGIA LINHA DE PRODUÇÃO BROCAS DE DIAMANTE GERADOR DE OZÔNIO NOVA GERAÇÃO DE BIOMATERIAIS PROTEÍNA CURA GALINHAS

4 6 8 10 14 14 18 22 23 26 30 32 32 42 43 50 52

58 61

72

ENGENHARIAS

~

AGRICULTURA

Centro de Materiais Cerâmicos desenvolve produtos inovadores para a proteção de redes elétricas e novos revestimentos para equipamentos siderúrgicos

Coquetel de cinco fungos que combatem vermes danosos à agricultura podem ser produzidos em escala

24

82

INTERNET AVANÇADA

Programa Tidia vai lançar projetos de pesquisa em tecnologia de rede, de incubadora de conteúdos e de aprendizagem a distância

54

•.......................

CIÊNCIA POLÍTICA

Como a imprensa influenciou as eleições municipais de São Paulo em 2000

~~~

62 62 70 75 .. 78 80

• HUMANIDADES O PROFESSOR ESCARGÔ CIENCIA HOJE LIVROS QUE GANHARAM O PREMIO JABUTI

82 90 92

LIVROS LANÇAMENTOS ARTE FINAL

95 97 98

Capa: Hélio de Almeida Foto: Eduardo Cesar

66

94

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AIDS

ENTREVISTA

o

pensador da comunicação Muniz Sodré fala sobre sua teoria da mídia

Aumentam em algumas regiões do Brasil formas potencialmente mais agressivas de subtipos de vírus da Aids PESQUISA

FAPESP 78 ' AGOSTO DE 2002 ' 3


CARTAS cartas@trieste.fapesp.br

Origem dos mamíferos

o artigo ''A origem dos mamíferos" (Pesquisa FAPESP 76) contém uma série de erros importantes, sendo o mais grave o de afirmar que alguns fósseis podem ser "os ancestrais" dos mamíferos atuais (o que aparece também em destaque na capa). Nenhum fóssil pode ser considerado ancestral de qualquer grupo, por uma simples impossibilidade lógica. A discussão detalhada desse problema pode ser encontrada em vários livros sobre Sistemática Filogenética e no artigo de Engelmann & Wiley (1977, Syst. Zool. 26:1-11). Ao contrário do que muitos leigos imaginam e o texto sugere, a história evolutiva tem a forma de uma árvore e não de uma seqüência linear de grupos. É impossível determinar se um fóssil pertence a uma linhagem com representantes atuais ou a uma linhagem completamente extinta, já que nenhuma evidência positiva pode ser usada para discriminar entre essas duas possibilidades. É preciso também deixar bem claro que apenas espécies podem ser ancestrais. Nenhuma família ou ordem pode ser considerada ancestral de qualquer outro grupo, simplesmente porque depois de qualquer evento de especiação as espécies resultantes tomam rumos totalmente independentes. O registro fóssil é altamente fragmentado, e fósseis são uma evidência limitada na reconstrução filogenética. Eles servem para datar a origem dos grupos e ajudam a interpretar a transformação de caracteres quando se encontram formas intermediárias. É possível, em princípio, determinar se um grupo de fósseis pertence ao grupo-irmão de algum grupo atual. Mas isso apenas através de uma análise cladística, o que, ao que parece, não foi feito. O texto, no entanto, afirma que a hipótese (não avaliada) sobre a posição de grupo-irmão poderia evoluir para "rotular os minicinodontes como pais de todos os mamíferos". Além 4 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

disso, outro erro importante está logo no início: "qualquer paleontólogo sabe que os mamíferos descendem de alguma forma de cinodonte ...". Essa afirmação sugere que isso é uma verdade absoluta. A ciência moderna é feita de hipóteses testáveis e não existem verdades absolutas. E hipóteses sobre ancestralidade não são testáveis. A forma correta de apresentar essa idéia seria algo como: "a hipótese mais aceita pelos paleontólogos é de que os cinodontes formam as linhagens basais ou o grupo irmão dos mamíferos atuais': Já a afirmação de que "Esses animais ... não eram mamíferos, mas sua evolução estava claramente orientada nessa direção" é totalmente absurda. Além de imbutir a noção errônea de seqüência linear, sugere que a evolução tem alguma "orientação" ou segue algum "plano" e que seria possível determinar isso através de fósseis. É certamente um desafio traduzir esses conceitos abstratos, e talvez pouco intuitivos, para uma linguagem acessível a um público leigo. Mas isso não justifica essas omissões e incorreções. REGINALDO

CONSTANTINO,

Depto de Zoológia Universidade de Brasília Brasília, DF

Resposta do pesquisador Cesar L. Schultz, do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul: A frase "qualquer paleontólogo sabe que os mamíferos descendem de alguma forma de cinodonte", poderia ser assim "traduzida" na terminologia da sistemática filogenética: "todos os paleontólogos, atualmente, concordam que cinodontes e mamíferos formam um grupo monofilético". Mais ainda: como o Clado CYNODONTIA inclui o Clado MAMMALIAMORPHA (usando os termos utilizados por Rowe, 1998), então mamíferos são também cinodontes. Mas o que é um mamífero? (e, por exclusão: o

que não é um mamífero mas está na mesma linhagem?). A resposta pode parecer óbvia se pensarmos em animais viventes, mas está longe de ser consensual no momento em que vamos buscar, entre os fósseis, a origem deste grupo (é verdade! Fósseis causam "problemas" deste tipo!). Basta comparar, por exemplo, os cladogramas de Rowe (1988), Hopson (1994) e Qiang et alo(1999). Em todos eles, o grupo irmão dos mamíferos é diferente (mas sempre um cinodonte). Qiang et al. (1999), inclusive, ao lado de vários outros, utilizam o termo "cinodontes mamaliformes" para designar os mamíferos e, por exclusão, denominam os demais de "cinodontes não marnaliformes" Agora em linguagem jornalística e usando a mesma metáfora citada pelo leitor, diríamos que cinodontes e mamíferos estão distribuídos num mesmo "galho" da árvore evolutiva (a linhagem SYNAPSIDA), mas em posições diferentes (os cinodontes mais próximos ao "tronco"). Nesse "galho'; porém, a delimitação de quais ramos correspondem aos mamíferos é objeto de discussão entre os autores. Por outro lado, este "galho" não inclui os répteis e uma das preocupações do texto foi justamente deixar claro que o senso comum de que "os mamíferos vieram dos répteis" é incorreto. Cinodontes não são répteis. Estes estão em outro "galho". Nesse contexto, a única idéia de "linearidade" que foi discutida ao longo das entrevistas para a elaboração da matéria foi a de que "a evolução dos mamíferos passa


pelos cinodontes (dentro da linhagem SYNAPSIDA)e não pelos répteis': Mas retorno à pergunta: o que são cinodontes? E mamíferos? E onde se incluem nesse "galho" os fósseis em discussão? A grande importância dos novos achados provenientes do Rio Grande do Sul (e foi este o enfoque da matéria), situa-se justamente no fato de que eles compartilham características (especialmente na dentição e nos ossos pós-dentários) tanto com os cinodontes mais avançados quanto com mamíferos basais (ou seja, têm possibilidades de vir a ser, inclusive, incluídos no grupo-irmão dos mamíferos). Mas isto, como bem observou o leitor, só pode ser feito através de uma análise cladística. E é justamente isso que estamos fazendo. A primeira publicação em periódico científico referente a estes materiais, em linguagem científica e incluindo a análise cladística reivindica da, está em preparação e deverá se efetivar em futuro próximo. Além disso, nossa equipe encontra-se, atualmente, em plena campanha de coleta de novos exemplares que possam trazer ainda mais informações para este trabalho (isto é, fornecer um maior número de caracteres para a matriz). Finalmente, tem razão também o leitor em afirmar que esses fósseis (ou quaisquer outros que venham a ser descobertos) não podem ser os "ancestrais dos mamíferos" (e nunca pretendemos que o fossem). Por outro lado, não entendemos que as metáforas jornalísticas utilizadas no texto da matéria (justamente para enfatizar como eram essas criaturas "pré-rnamíferos") a tenham deslustrado a ponto de encobrir a importância dessas novas descobertas.

Álcool Comprimento toda a equipe da revista PesquisaFAPESPpelos seus artigos,muito úteis também no meio não acadêmico de consultor ia técnica ambiental. Estamos felizes com o empenho e o patriotismo demonstrado pelos nossos pesquisadores, particularmente no setor agrícola, que vimos acompanhando (junI2002, ag12001,

nov./2000, etc.). A última matéria, "Não Sobra Nem o Bagaço" (nv 771 julho) foi muito oportuna, pois também estamos divulgando o assunto no ramo sucroalcooleiro, através do mais importante periódico do setor ("JornalCana" ICS.!.). Temos realizado consultorias para empresas no oeste paulista, às quais estaremos presenteando com a assinatura dessa excelente revista, divulgadora das poucas atividades que nos equiparam aos paises desenvolvidos (além do futebol ...). FAUSTO NICOLlELLO

CUSTODIO

VÊNCIO

Diretor Técnico ASR - Projetos e Segurança Ambiental Ltda. São Paulo, SP Ok, a produção de cana e de álcool irá aumentar (reportagem "Não sobra nem o bagaço': edição nv 77), mas onde estão os estudos sobre o impacto ambiental da monocultura, da poluição do ar e da água causada por queimadas e sub-produtos, e sobre o tráfego de caminhões perigosos em nossas rodovias? Aproveito a oportunidade para parabenizar a FAPESP pelos 40 anos de financiamento sério e competente à pesquisa no estado e no país. LAURIVAL A. DE LUCA JR.

Depto. de Fisiologia e Patologia Faculdade de Odontologia de Araraquara/Unesp Araraquara, SP

Bancas de todo o país Meus parabéns para a FAPESP e para toda a sua equipe pela Pesquisa FAPESP e pelo novo sistema de assinaturas. Quando é que a Pesquisa FAPESP vai chegar às bancas de todo o país? Aos olhos, mentes e mãos de milhões de estudantes por estes brasis de agora e de aqui para frente? E aos professores de todos os ensinos fundamentais e médios, talqualmente superiores, supletivos e tantos outros? A seqüência de passos históricos é clara: 1°) instituição da FAPESP (mai.62); 2°) o modesto boletim de quatro páginas, o Notícias FAPESP (ago.95); 3°) a revista Pesquisa FA-

PESP (out.99); 4°) abertura para as assinaturas. O próximo - o quinto, o penta - tem de ser a venda em bancas espalhadas por todo o país. Finalmente, abre-se a perspectiva de se estabelecer um canal de comunicação, o mais direto possível, entre os centros produtores de conhecimento no Brasil e a massa de cidadãos que, em esmagadora maioria, ignora totalmente a participação da inteligência brasileira na comunidade mundial de geração do conhecimento científico e tecnológico. Pelo menos no raio de ação da FAPESP,tal perspectiva está, creio eu, presente nos fundamentos da existência da PF. Realizar o futuro em Ciência e Tecnologia no Brasil sem dúvida inclui estimular o aumento pela procura das carreiras científicas e tecnológicas, dentro e fora do país. Lá nos princípios, especialmente na infância e na adolescência, dentro ou fora da escola. Certamente não é fácil chegar lá, mas nestes princípios é o lugar mais nobre da PesquisaFAPESP. LUIZ ALBERTO DE LIMA NASSIF

São Paulo - SP

Correções O uso da palavra "católicos" na chamada de capa da edição 77 (Os caminhos comuns de judeus e católicos até o segundo século) como no primeiro parágrafo da reportagem ("Igreja Católica") está errado, uma vez que a Igreja Católica ainda não existia como tal. Cristãos é o termo correto a ser usado. A foto da pág. 40 da edição 77 corresponde ao verme Caenorhabditis elegans e não ao Schistosoma mansoni. Na matéria Altos vôos da Embraer, nas páginas 72 a 75, da edição 77, faltou constar a colaboração do Instituto de Química da Unesp de Araraquara no monitoramento dos mananciais e na análise do impacto ambiental durante a construção da pista de pouso e hangar da nova unidade da empresa na cidade Gavião Peixoto. PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 5


EDITORIAL

Acaso e sucesso

U

FAPESP CARLOS VOGT PRESIOEHTE

PAULO EOUAROO OE ABREU MACHAOO VICE-PRESIOENTE

CONSELHO SUPERIOR AOIlSON AVANSI DE ABREU AlAIN

FLORENT

$TEMPFER

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ CARLOS

VOGT

FERNANOO VASCO lEÇA DO NASCIMENTO HERMANN

WEVER

JOSÉ JOBSON OE ANORAOE ARRUOA MARCOS MACARI NIlSON DIAS VIEIRA JUNIOR PAULO

EDUARDO

DE ABREU

MACHADO

RICARDQ RENZO BRENTANI VAHAN AGOPYAN CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO FRANCISCO DIRETOR

ROMEU lANDI PRESIDENTE

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGlER DIRETOR

ADMINISTRATIVO

JOSÉ FERNANDO PEREZ OIRETORCIEHTíFICO PESQUISA ANTONIO

CECHELlI

FAPESP

CONSELHO EDITORIAL DE MATOS PAIVA,

EDGAR

OUTRA

ZANOTTO, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, FRANCISCO ROMEU lANOI, JOAQUIM J. OE CAMARGO ENGlER, JOSÉ FERNANOO PEREZ, luis NUNES DE OLIVEIRA, lUIZ HENRIQUE lOPES OOS SANTOS, PAULA MONTERO, ROGERIO MENEGHINI DIRETORA

DE REDAÇÃO

MARILUCE

MOURA

EOITQRESSENIORES

MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS NElOSON MARCOLlN EDITOR DE ARTE

HÉLIO DE AlMEIDA EDITORES

CARlOS FIORAVANTI ICIENCIA) CLAUDIA IZIQUE IPOLiTICA C&T1 MARCOS OE OLIVEIRA ITECNOLOGIA) HEITOR SHIMIZU IVERSÃOON UNE> REPÓRTER ESPECIAL

MARCOS PIVETTA EDITORES-ASSISTENTES

AOIlSON AUGUSTO, OINORAH ERENO CHEFE DE ARTE

TÃNIA MAR)A DOS SANTOS DlAGRAMAÇAo

JOSÉ ROBERTO MEOOA, LUCIANA FACCHINI FOTÓGRAFOS

EDUARDO CESAR, MIGUEl BOYAYAN COLABORADORES

AlEXCAl1~~~ci~6~htJI~,E~R~0:C~~C~Eill~0MIONI, GIL PINHEIRO, UUANE NOGUEIRA, MARIA IN~S NASSIF, SILVIA MENOES, RICARDO

DE SOUZA,

YURI

VASCONCELOS

ASSINATURAS

TElErARGEr TEL (11) 3036-1434 - FAX: (11) 303B-141B e-mail: fapespêteletarqet.com.br PUBUCIOAOE

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carlas@lrieste.fapesp.br Osartigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP E PROl8IDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PREVIA AUTORIZAÇÃO

SECRETARIA OA CIÊNCIA TECNOlOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

GOVERNO DO ESTAOO DE SÃO PAULO

6 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

madescoberta que ajuda a salvar vidas de VÍtimas de choque hemorrágico (grande perda de sangue), feita nos anos 70, tem tido desdobramentos importantes nos dias de hoje. A solução hipertônica - água esterilizada com alta concentração de sal-, sabe-se agora, também pode controlar arritmias cardíacas, modular a resposta inflamatória do sistema imunológico durante o choque hemorrágico e diminuir as seqüelas de lesões no cérebro e coração. A invenção, tão simples e eficaz, surgiu como tantos outros achados da ciência: do acaso, Uma enfermeira ministrou, por engano, uma dose excessiva de cloreto de sódio no fluido usado durante uma sessão de hemodiálise. A pressão arterial do paciente, até então baixa, subiu depois do erro, O incidente acabou por motivar a pesquisa em torno da solução hipertônica, que rendeu um artigo no American [ournal of Physiology, em 1980, Atualmente, a solução é objeto de dois projetos financiados pela FAPESP, na Universidade de São Paulo, que investigam suas causas e benefícios. Essa história, onde o acaso e o sucesso se' encontram' começa na página 36, Uma outra descoberta também no âmbito da medicina é menos agradáveL Existem em circulação no Brasil diversas formas mais agressivas, raras e recombinantes do HIV-l, o vírus mais comum causador da Aids (página 46), O trabalho de pesquisa foi feito em oito estados e é o primeiro de amplitude nacional feita pela Rede de Vigilância em Resistência, É importante conhecer todas as variáveis do HIV-l para se tomar medidas certas de prevenção, diagnóstico e, especialmente, de tratamento. Noves fora as reportagens da editoria de Ciência, há mais boas que más notícias, Em Política, Pesquisa FAPESP mostra que o programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia) avaliou 123 propostas encaminhadas à Fundação, em resposta ao edital de outubro de 2001, e começa a lançar os primeiros projetos, O primeiro é de dar água na

boca de qualquer pesquisador: propõe a utilização de uma rede de fibra óptica de extensão estadual, já instalada, para o desenvolvimento de pesquisas tecnológicas e comunicação acadêmica e educacionaL Confira os outros dois projetos que começam a sair da tela do computador na página 24. Na editoria de Tecnologia, há a descrição de dois belos trabalhos que saíram da Universidade Federal de São Carlos (página 66). Um refere-se a dispositivos que protegem redes elétricas contra raios; o outro é um projeto sobre modificações nos refratários cerâmicos utilizados pelas siderúrgicas para produzir aço, que resultaram em grande economia, Ambos fazem parte do Centro de Materiais Cerâmicos, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids). Como a procura por tecnologias que tornem a agricultura orgânica mais difundida no campo está crescendo, Pesquisa FAPESP mostra como os pesquisadores da Universidade Estadual Paulista, de Iaboticabal, estão usando fungos como exterminadores de vermes para ajudar a livrar flores e hortifrutigranjeiros de pragas (página 72), Os autores do trabalho estão só à espera de um parceiro comercial para começar produzir o preparado em escala, Em ano eleitoral, não poderíamos ignorar um trabalho de longo prazo que vem sendo realizado por uma equipe de Ciências Humanas e Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sobre mídia e eleição, O caso político já analisado pelos autores do estudo se refere ao pleito de 2000, Eles mostram, na editoria de Humanidades, como a imprensa pode ter influído no resultado final da eleição municipal de São Paulo (página 82), Por fim, há uma estimulante entrevista com Muniz Sodré (página 86), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, um dos principais pensadores da comunicação no país, Ele explica sua teoria da mídia, fundada na idéia do bios midiático, equivalente quase a uma "terceira natureza" humana,


ALGEMA COISi\

A Gazeta Mercantil é o jornal mais lido por quem toma decisões e interfere no rumo da economia do País. Há 82 anos, o jornal é sinônimo de informações seguras. credibilidade. de economia

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Marcas que fizeram da Gazeta Mercantil o maior jornal tão importante

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que ele tem.


OPINIÃO

FRANCISCO

o futuro,

ROMEU

LANDI

nas parcerias

U ma forma de trabalho convergente

X

APESPcomemorou seus 40 anos. Apesar de ações conjuntas, mas, principalmente, de criação, já ter sido considerada na Constituição de de realização do sonho. Essa parceria tem o impor1947, quando sua Certidão de Nascimento tante aspecto, ainda pouco explorado, de unir as foi lavrada pela Assembléia Consvisões dos especialistas com as tituinte, foi somente em 1962 que preocupações abrangentes que os o governador Carvalho Pinto, ao políticos têm. Não pode, contudo, promulgar o Decreto-Lei 40.132, ser contaminada nem pelo exagede 23 de maio, reconheceu um esro de um determinado enfoque, tado de maioridade, dando-lhe nem pela falta de grandeza huma"A grande condições para operar. na que todo estadista deve ter. extensão É preciso que se destaque a luMais recentemente, uma nova territorial ta da comunidade científica e a forma de parceria começou a se percepção de diversos políticos estabelecer, com a abertura da do país reclama lúcidos, capazes de sonhar futunossa economia e a necessidade formas de ros promissores. Essa parceria foi de melhoria da competitividade: a desconcentração o primeiro passo para tornar reaparceria empresários-pesquisadolidades esses sonhos. Digamos, res. A necessidade de produtos de do sistema assim, que essa parceria é o início, melhor qualidade e preço foi um de C&T" o ponto de partida. Da FAPESP e importante estímulo para que a de muitas outras parcerias que foidéia da inovação deixasse os comram sendo firmadas entre atores pêndios acadêmicos e ganhasse as diversos, especialmente nos últiruas. Essa forma de parceria guarmos anos. da, quase sempre, um viés de terA idéia de parceria é uma idéia. ceirização. Gradativamente, poem ascensão, quer porque possuímos uma grande rém, percebe-se a estruturação de uma efetiva extensão territorial que reclama formas de desconparceria, com a criação de laboratórios próprios centração do Sistema de Ciência e Tecnologia sem nas empresas e a designação de pessoas capazes de que, contudo, percamos o ponto de vista comum, interfacear as relações com universidades e cenquer porque este é um caminho bom para o entrotros de pesquisas. Acresça-se que são várias as samento de grupos de pesquisa emergentes com agências de fomento que já possuem programas outros mais organizados. Parceria é um caminho de incentivo a essa forma de parceria. No caso da para que se trabalhe de forma convergente, busFAPESP,são dois os programas: Parceria para Inocando um pensamento comum e construindo o vação Tecnológica (PITE), criado em 1994, e Inofuturo que se pretende. Parcerias surgem, cada vez vação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), mais, como forma madura de trabalho que consecriado em 1997. gue gerenciar projetos de grandes dimensões que o Algumas variantes também se estruturam. O pesquisador solitário dificilmente pode. ConSITec - Consórcios Setoriais para a Inovação Todavia, todas as formas de parceria devem ter Tecnológica é um programa da FAPESPpara estiem vista - e respeitar - as diferenças políticas, ecomular a criação de consórcios formados pela parnômicas, sociais e culturais que um país, como o ceria de um setor empresarial com uma ou mais nosso, tem. instituição de pesquisa. Trata-se, enfim, de uma A parceria políticos-pesquisadores-ensino superior, semelhante à que originou a FAPESP,é a responsável pelas leis que criam os órgãos de ensino e pesquisa. É uma parceria pontual, feita não de FRANCISCO ROMEU Lsutn é diretor presidente da FAPESP

8 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78


caso, de uma parceria horizontal entre estados, porque é feita de forma independente do governo centeressante mencionar, ainda, recente convênio firtral. Vale a pena chamar a atenção de que a parcemado entre o Instituto de Pesquisas Tecnológicas ria horizontal entre os estados pode ser feita entre (IPT) e a Associação Brasileira de Materiais Plástiestados que dispõem de um mesmo problema cocos Compostos (Asplar), com 110 empresas assomum, regional, ou então entre estados distantes e ciadas, para incubar um centro de pesquisa - o de diferentes estruturas econômicas. Centro Tecnológico de Compostos (Cetecom) Curiosamente, uma forma de parceria que foi que, um dia, poderá vir a ser independente. testada poucas vezes, mas agora começa a se conFinalmente, apesar de ser pouco comum no solidar, é a parceria União-estados. O Programa de Brasil, vale a pena referenciar a existência de parcePlataformas Tecnológicas criado pelo Ministério ria entre empresas na qual um grupo de empresas da Ciência e Tecnologia (MCT) visa à identificação contrata ou participa de pesquisas que interessam de problemas regionais, com as pesquisas corresa um conjunto de empresas como fundamento papondentes partindo de Câmaras de Gestão, com ra desenvolvimentos mais específicos e diferentes presença local e federal. Nasce, assim, a parceria ou não - entre si. Lembra-se aqui o modelo italiaregional. Anote-se que se trata também de um no de pequenas empresas que se associam, na processo de descentralização, outra novidade inteforma de cluster, pelo qual um grupo de empresas ressante para a nossa cultura. Um exemplo mais de uma região - às vezes mais de cem - se une em avançado é o do Ministério da torno de um produto comum (ceSaúde, que resolveu descentralirâmica, sapato, por exemplo). zar inclusive as decisões de prioriCada uma é especializada numa dades, atribuindo-as às FAPs atividade, mas o seu plano diretor Fundações de Amparo à Pesquisa. é aprovado em bloco pelo sistema Esse ministério assinou recentebancário e que por isso as obriga a "A parceria mente convênio com as Fundações um trabalho de produção e de entre de Amparo à Pesquisa do Norte e inovação em parceria. empresas Nordeste nesse sentido e pretende Os Projetos Temáticos da FAampliá-Io para todo o país. Por PESP introduziram há alguns anos e pesquisadores esse convênio, as Secretarias de uma "interessante novidade": a ainda guarda Saúde desses estados e as respectiparceria de pesquisadores com pesquase sempre vas FAPs estabelecem as prioridaquisadores, porque se criaram os des e o Ministério da Saúde, as diprojetos multidisciplinares. A noum viés de retrizes operacionais. Esse modelo vidade foi aprofundada pelo Proé bastante interessante porque grama Genoma-FAPESP, que espossibilita que as agências de fotimulou e intensificou a mesma mento locais - as FAPs - que meparceria: ela deixou de ser feita apelhor conhecem as características nas entre alguns pesquisadores para regionais, seus pesquisadores, seus ocorrer entre dezenas de laboratólaboratórios, seus problemas, posrios e centenas de pesquisadores, ganhando uma nova dimensão. Com esse programa, sam tomar melhores decisões do que um órgão centralizado e distante do campo de batalha. introduziu-se a novidade da rede virtual, utilizanA parceria entre países, que sempre existiu, apedo a Internet. De forma semelhante, o Biota-FAsar de ser de forma incipiente e com mais força em PESP reúne, hoje, em rede, mais de 400 doutores uma direção do que na outra, começa a passar por trabalhando com os mesmos padrões de classificamudanças graças à melhoria das comunicações e à ção, a fim de caracterizar a biodiversidade paulista. mais forte presença brasileira no cenário internaOs Institutos do Milênio ampliaram mais aincional da ciência e da tecnologia. Pode-se afirmar da essa visão, uma vez que possibilitam a parceria que essas duas condições já abriram caminhos paentre pesquisadores de estados diferentes, a parcera uma efetiva parceria entre instituições internacioria entre estados. Com isso se introduz também nais. Nesse sentido se destaca o projeto brasileiro uma parceria da maior importância, que é a dos para seqüenciar a bactéria causadora do mal de grupos de pesquisa emergentes com grupos de pesPierce, que ataca os vinhedos da Califórnia, a pediquisa estruturados. É bem verdade que a relação do do Departamento de Agricultura norte-ameriinterestadual já estava presente em alguns projetos cano e da Sociedade de Vinicultores da Califórnia. de pesquisa anteriores aos institutos. É o caso, por A presença física e o número crescente de proexemplo, do Genoma Cana, de seqüenciamento de postas de trabalho junto com as agências de fogenes expressivos da cana-de-açúcar, responsáveis mento e as universidades, por parte de países espela resistência da planta e pelo teor de sacarose. trangeiros, constitui uma confirmação dessa Nesse projeto estabeleceu-se, via as suas respectitendência de uma maior presença brasileira no cevas fundações de pesquisa, uma parceria Pernamnário mundial. buco-S Paulo e Alagoas-S Paulo. Trata-se, nesse

parceria setor empresarial com pesquisadores. É in-

tercetrtzação-,

PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 9


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Um homem, uma convicção Alberto Carvalho da Silva morreu aos 85 anos acred itando no fortalecimento da C& T para o desenvolvimento do país NELOSO

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reze dias antes de sua morte, o professor Albe~to Carvalho da Silva terrmnou um extenso estudo sobre a história estatística da FAPESP. "Ele consolidou os dados sobre bolsas, auxílios e projetos financiados até os dias de hoje e os reuniu em um único documento", testemunha o diretor presidente da Fundação, Francisco Romeu Landi. O que, aparentemente, seria apenas mais um trabalho de pesquisa foi, na verdade, a última obra de um dos mais importantes atores no cenário da ciência e tecnologia brasileira dos últimos 50 anos. O doutor Alberto, como era conhecido por seus pares, estava com 85 anos quando morreu, dia 30 de junho, em conseqüência de fibrose pulmonar, e fazia um enorme esforço para respirar e caminhar. Ainda assim, fez questão de terminar o que se havia proposto. "Era natural que agisse assim", afirma a esposa, Isa. "Ele sempre se sentiu como uma espécie de pai da FAPESP." De fato, Alberto Carvalho da Silva teve uma relação umbilical com a Fundação. Começou em 1956, quando fundou a Associação de Auxiliares de Ensino da Universidade de São Paulo (USP) com outros pesquisadores, como

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10 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

Fernando Henrique Cardoso. A entidade surgiu para lutar pela valorização das atividades de pesquisa e de ensino na universidade e na defesa da autonomia dos professores e pesquisadores. Mas tinha, também, a preocupação com a instalação da FAPESP, prevista pela Constituição de 1947. Como primeiro presidente e representante dos livre docentes no Conselho Universitário da USP, o doutor Alberto entregou ao então governador Carvalho Pinto,

no começo de 1959, uma proposta para a instituição do regime de trabalho de dedicação exclusiva e para a instalação de uma fundação de amparo à pesquisa. "Muito antes de ser catedrático, ele já trabalhava para melhorar as condições de trabalho do pesquisador", afirma Eduardo Krieger, diretor da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração (Incor) e presidente da Academia Brasileira de Ciências (ACM). No decorrer de 1959, foram aprovadas as duas propostas: a nova


Doutor Alberto: participação decisiva na criação e crescimento do sistema de C& T do Estado de São Paulo

naturalmente. Primeiro, tornou-se segundo assistente no Departamento de Fisiologia. Em seguida, foi primeiro assistente, livre docente, professor adjunto e, em 1964, catedrático. Até ser aposentado da universidade pela ditadura militar em 1969, por meio do Ato Institucional nv 5 (AI-5), sempre trabalhou com ensino e pesquisa. Após esse período, o doutor Alberto passou a trabalhar exclusivamente com política científica.

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carreira universitária e a instalação da FAPESP,sendo formado um grupo de trabalho para a elaboração da lei de implantação. Curiosamente, a discussão da lei se passou justamente quando o doutor Alberto estava nos Estados Unidos, entre outubro de 1959 e final de 1960, no Departamento de Fisiologia da Universidade de Chicago e no Departamento de Nutrição do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em Boston.

o interesse pelas estratégias de desenvolvimento da ciência e tecnologia surgiu em razão de sua intensa atuação como pesquisador. O doutor Alberto era português nasceu no Porto, em 1916, e veio ainda menino para o Brasil. Cursou a Faculdade de Medicina da USP, na qual se formou em 1940, ano de sua naturalização. Freqüentou como aluno ouvinte os cursos de Filosofia e Ciências Sociais e de Química, também na USP. Depois de formado, fez carreira

osanos40e50, ele era um pesquisador melhor do que os que o precederam", avalia Gerhard Malnic, professor titular do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA). "Era um dos poucos que publicava artigos em revistas estrangeiras e foi o responsável pela expressiva melhora do Departamento de Fisiologia." Malnic, que fez seu doutorado com o doutor Alberto, diz que ele teve importância para o ensino e para a pesquisa - foi a atuação como professor e pesquisador que lhe conferiu peso para as ações políticas. "Ninguém chega a ser realmente importante politicamente sem ter lastro científico", acredita Malnic. O clima da época ajudou. "A universidade começou a produzir mais jovens interessados em pesquisa na década de 40, na maioria formados sob a influência dos professores visitantes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras", contou o doutor Alberto em depoimentos ao professores Amélia Império Hamburger, Shozo Motoyama e Marilda Nagamini.

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Foto clássica de formatura, de 1940 Como pesquisador, ainda solteiro, na frente da Faculdade de Medicina

Para aperfeiçoar-se em nutrição, sua área de interesse, o doutor Alberto conseguiu uma bolsa da Fundação Rockefeler e passou dois anos (1946-47) no Departamento de Nutrição da Universidade Yale, nos Estados Unidos, para onde foi com a mulher, Isa - eles se casaram em 1944. Voltaram para o Brasil em um navio cargueiro, única forma de embarcar os equipamentos comprados para a Faculdade de Medicina. "Trouxemos também uma colônia de camundongos para serem usados nos laboratórios da faculdade", conta ela. "O Alberto guardava a gaiola com os animais dentro do pequeno armário de roupas da nossa cabine e usava mata-borrão como forração, que trocava todos os dias." Quando reassumiu suas funções como docente no Departamento de Fisiologia, reformulou o então arcaico biotério da faculdade e passou a produzir animais (camundongos) com linhagens conhecidas, garantindo qualidade à pesquisa. Também era um dos poucos que usavam gatos como cobaia nos trabalhos com nutrição. Nessa volta ao Brasil, iniciou sua longa cruzada em prol da ciência nacional. Participou da criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 1948, fundou a Associação de Auxiliares de Ensino da USP, em 1956, e empenhou-se como ninguém para convencer 12 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

o governador Carvalho Pinto a tirar a FAPESP do papel e colocá-Ia de pé. Em 1962, a Fundação foi instalada e o doutor Alberto integrou o primeiro Conselho Superior. Ficou até janeiro de 1968, quando se tornou diretor científico. mabril de 1969 ele foi aposentado pelo AI-S. O doutor Alberto nunca descobriu os motivos de sua cassação. Mas sabia que as raízes de seu afastamento • se deviam mais às lutas internas dentro da Faculdade de Medicina do que propriamente aos militares. ~(Acoisa vinha desde os tempos do concurso para catedrático. O concurso era uma coisa terrível naquele tempo, por causa da autoridade do catedrático", relatou ele aos professores Motoyama, Marilda e Amélia. Em 1964 - ano do golpe militar e em que o doutor Alberto se tornou catedrático -, ele foi incluído em uma lista de mais de 50 "esquerdistas" que estariam "contaminando" a universidade. O detalhe terrível dessa história é que a relação foi preparada por uma comissão de professores da própria universidade. Como resultado, o doutor Alberto foi interrogado por cinco horas em um Inquérito Policial Militar e liberado - os próprios militares nada acharam contra ele. Mas em 1969, com o AI-5,

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Com a mulher, Isa, na frente da Universidade Vale, em 1946

não houve tanta compreensão. Ele foi afastado da USP, mas continuou como diretor científico da FAPESP até ser editado o AI-I0, que proibia as pessoas anteriormente punidas em atos institucionais de exercerem qualquer função pública. Aos 53 anos, o doutor Alberto estava desempregado, sem poder ensinar e pesquisar. A solução foi bater na porta da Fundação Ford, que o integrou ao seu corpo técnico no Rio de Janeiro. "Como assessor da fundação, não tive mais impedimentos. Viajei por todo o Brasil, fui ao exterior, mexi em coisas do governo e nunca ninguém se opôs. Não sei se por estar com a proteção da Ford, nunca me fizeram restrições", contou ele. Na Fundação Ford, o pesquisador ficou de 1969 até 1980 trabalhando na área de nutrição (como política social e não como investigação). Em 1980 foi reintegrado à USP como professor de Fisiologia e diretor de departamento no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e em 1984 voltou à FAPESP como diretor presidente, cargo no qual ficou até 1993. Foi um período importante para o futuro da Fundação. Em 1988, durante a Constituição Federal, foi aprovado o texto que autoriza os estados a vincular recursos para ciência e tecnologia. E em 1989, na Constituição Estadual,


Em visita ao Instituto Nacional de Saúde dos EUA, em 1960

Durante concurso para catedrático, em 1964

Recebendo o título de professor emérito, em 1988

ele trabalhou intensamente para convencer os deputados a aprovar o aumento da dotação de 0,50/0 para 1% da arrecadação do Estado para a FAPESP. "Ele era de uma perseverança impressionante no corpo-a-corpo com os parlamentares", afirma Francisco Romeu Landi. Sua convicção de que os estados deveriam participar ativamente do financiamento do sistema de ciência e tecnologia, seguindo o modelo bem-sucedido de São Paulo, o levou a ser dos fundadores do Fórum das FAPs, em 1998, quando já tinha 81 anos. A entidade reúne fundações de amparo à pesquisa de todo o país. O doutor Alberto era também presidente de honra da SBPC e membro da ABC. Ainda durante o período em que esteve na FAPESP, ele foi um dos principais responsáveis pela condução de importante projeto: o Centro de Bioterismo. "Em 1983, havia um grupo interdisciplinar de diversas universidades que pleiteava a melhoria dos biotérios das universidades", conta Humberto de Araújo Rangel, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente da organização não-governamental Instituto de Pesquisas Especiais para a Sociedade (Ipes). O doutor Alberto presidiu a comissão que decidiria onde a FAPESP deveria investir para

criar biotérios com padrão internacional e visitou todos os do Estado de São Paulo para conhecê-los pessoalmente. Depois que a comissão decidiu quais as universidades que deveriam conter os Centros Multiinstitucionais de Bioterismo (Cemib), ele mandou traduzir o estudo para o inglês e enviou para assessoria externa, para evitar acusações de favorecimento. or fim, USP, Unicamp e Universidade Federal de São Paulo ganharam financiamento para instalar os Cemibs. O trabalho foi reconhecido pelo International Council for Laboratory Animals como projeto de grande impacto, que contribui para a formação de equipes bem treinadas em Ciência e Tecnologia dos Animais de Laboratório em três instituições do Estado. "Ele coordenou todo o processo de modo notável, sem nenhum personalismo e sem privilegiar ninguém", diz Rangel, um dos criadores do Cemib/Unicamp. Nos últimos anos, o doutor Alberto dedicava-se às reuniões no IEA, no qual coordenava a área de política de ciência e tecnologia. "Ele era tudo, menos retórico", define o presidente da FAPESP, Carlos Vogt, que participava das reuniões no instituto. "Tinha uma grande paciência, falava sempre num tom

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médio e demonstrava muita firmeza e convicção quando expunha idéias e posições." Essas características são citadas por todos os que o conheceram. "Poucos refletiram tão profundamente sobre a FAPESP", testemunha José Fernando Perez, diretor científico da Fundação. "Eu o via como um guia, que nos ajudava a nortear as ações e a organização da Fundação:' Perez lembra que o doutor Alberto tinha a percepção exata do que é a missão da FAPESP, de financiar a atividade de pesquisa, e sobre a relação que deve prevalecer entre as diferentes instâncias responsáveis pela sua condução: o Conselho Superior e as três diretorias do Conselho T écnico- Administrativo. Quando a FAPESP completou 30 anos, em 1992, o doutor Alberto escreveu um livro pouco conhecido da comunidade científica. Em FAPESP 30 Anos, ele conta a história da instituição, dá exemplos de projetos importantes apoiados pela Fundação, especifica seus retornos e explica quais as linhas de pesquisa em andamento naquela época. Agora, dez anos depois, o trabalho sobre a história estatística da instituição, que completou antes de morrer, também estará disponível em livro. Será uma boa chance para conhecer a derradeira obra de um dos personagens que mais influíram nos destinos da C&T brasileira. PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 13


• POLÍTICA CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA

ESTRATÉGIAS

Regras éticas na Alemanha Terminou em 30 de junho o prazo que o Deustche Forschungsgemeinschaftt (DFG), principal órgão de fomento à pesquisa na Alemanha, fixou para a adesão das instituições aos novos parâmetros que pretendem unificar a conduta ética nos centros de pesquisa e universidades do país. Entre os itens que as novas normas consideram má conduta científica estão: falsificação e fabricação de dados, seleção precária de informações; manipulação de gráficos e números, uso de informações falsas para a obtenção de subvenções e empregos, destruição de material relevante e sabotagem e o plágio. Que tudo isso é feio, parece óbvio. Mas colocar o óbvio no papel foi a resposta que o DFG encon-

• Pouca pesquisa para remédio de pobres Nos últimos 25 anos, apenas 1% dos medicamentos desenvolvidos pela indústria farmacêutica teria sido destinado ao tratamento de doenças típicas dos países pobres. A conclusão é de um estudo patrocinado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e publicado na revista médica britânica The Lancet. Segundo os pesquisadores, só 13, das 1.393 novas drogas aprovadas entre 1975 e 1999, destinavam-se às doenças tropicais. Outras três teriam sido desenvolvidas especificamente para a tuberculose. En-

trou para limpar um pouco da mancha deixada pelo escândalo que, há cinco anos, abalou a reputação da pesquisa alemã. No episódio, dois renomados estudiosos de câncer, Friedhelm Herrmann e Marion Brach, produziram informações fraudulentas em quantidade suficiente para manter os investigadores ocupados por anos sem conseguir incriminar todos os envolvidos. Por isso mesmo, o DFG fez questão de deixar claro que a adesão das instituições não seria encarada como questão de escolha. E foi logo avisando aos recalcitrantes que quem ficasse de fora correria o risco de perder seu quinhão nas verbas administradas pelo órgão. O recado valeu. Tanto que,

quanto isso, nos países em desenvolvimento, crescem os casos de malária e filariose linfática, e males que se julgavam extintos, como a tuberculose

"

em sua edição de 22 de junho, a revista Science informou que 70% das instituições que recebem subvenções do DFG já tinham implementado as novas regras. Mas nem tudo é pressão. O DFG acena com algum desafogo para os pesquisadores. Preocupado com as causas que podem

e a dengue, recrudescem nos países mais pobres. Para os autores do estudo a solução seria encontrar meios de obrigar os grandes laboratórios a

Pobreza em Rondônia: só 1% de remédios feitos para pobres

14 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

estar levando os cientistas a publicar resultados apressados, o novo código prevê que a ascensão nas carreiras não deve mais ser baseada em critérios quantitativos como o número de publicações, por exemplo -, mas, sim, na qualidade e na originalidade dos trabalhos desenvolvidos. •

investir parte de seus lucros na pesquisa das doenças negligenciadas. Já os executivos da indústria de biotecnologia, dispostos a não repetir os erros de outros segmentos, aproveitaram sua reunião anual de Toronto, no Canadá, para discutir a criação de uma política internacional mais justa. Carl Feldbaum, presidente da Organização Internacional de Biotecnologia, aconselhou as empresas do setor a investir no desenvolvimento de vacinas e alimentos geneticamente modificados que aumentem a resistência às doenças entre as populações dos países mais pobres do planeta. •


• A ciência francesa curva-se ao inglês É verdade que publicar arti-

gos diretamente em inglês é prática corrente na maioria das revistas científicas e acadêmicas do mundo. Até na França. Mas quem, em sã consciência, diria que, um dia, um orgulhoso periódico científico francês viria a, mais do que abrigar, dar preferência a artigos redigidos em inglês? Pois este dia chegou. A Comptes Rendus, a mais antiga publicação científica da França, em circulação desde 1835, tomou uma decisão: contratar novos editores e analistas e publicar a maior parte de seus artigos na língua falada do outro lado Canal da Mancha. O objetivo é atrair maior atenção internacional. A virada deliciou os meios científicos anglo-saxões. A revista britânica Nature (6 junho de 2002) chegou a saudar em editorial a entrada dos franceses para a comunidade dos que falam "a língua da ciência". E também não poupou elogios ao Le Monde, outro monumento da im-

prensa francófona, que, em maio, causou celeuma ao publicar textos extraídos do New York Times sem tradução para o francês. Ao que tudo indica, não está longe o dia em que só será possível fazer ciência em inglês. •

Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br

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• Menos engenheiros nos Estados Unidos

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A indústria norte-americana está preocupada com a crescente evasão de alunos de engenharia para outros cursos nos Estados Unidos. Teme-se que a carência desses profissionais, que já se evidencia em alguns setores, possa evoluir para uma escassez incontornável no futuro. O fenômeno não é novo. Desde 1985, quando as escolas de engenharia do país desovaram um recorde de 77.572 graduados, o número de engenheiros formados começou a minguar, tendo atingido sua cifra mais baixa em 1998, com a graduação de apenas 60.194 estudantes. Segundo o Wall Street [ournal (7 de junho), o problema pode ser pedagógico. A carga de ciências puras - matemática, física, química e outras disciplinas com que as escolas bombardeiam os futuros engenheiros nos dois primeiros anos de faculdade estaria afastando os alunos. Programas inovadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e das universidades de Virginia, Stanford e Tuffs, entre outros, estão fazendo o possível para enxertar em seus cursos atividades mais práticas. Com isso, reveter um quadro de evasão de calouros que pode estar batendo na casa dos 40%. •

www.memoriadomeioambiente.org.br

Site com a memória de 30 anos de ambientalismo brasileiro, com críticas e sugestões para o movimento avançar.

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A ecologia das comunidades do cerrado na Estação Ecológica de Itirapina, no estado de São Paulo, e os projetos em torno dela.

www.facom.ufba.br/ci berpesq uisa/

Local de encontro de pesquisadores e interessados em cibercultura e seus desdobramentos, como jornalismo on line e educação a distância.

PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 15


Uma reunião da SBPC sem polêmicas políticas Foram 66 simpósios, 33 conferências, 34 minicursos e 2.724 pôsters apresentados por estudantes, com resultados de pesquisa, assistidos por um público estimado em 11 mil pessoas, que circulavam entre os auditórios e salas de curso, a feira de livros, a SBPC Jovem, as mostras culturais e a Expociência. Foi assim a 54" Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso de Ciência (SBPC), realizada de 7 a 12 de julho, em Goiânia, no campus da Universidade Federal de Goiás, e que homenageou os cientistas José Reis e Alberto Carvalho da Silva (ver pág. 10). Tendo como tema central "Ciência e universidade rompendo fronteiras", professores e estudantes de todo o país com uma presença marcante dos do Centro-Oeste - debateram da nanociência à clonagem, passando pelas mudanças climáticas, o ensino a distância, energias renováveis e até o papel das ciências sociais hoje no Brasil. Como se constatou ao final, houve poucas polêmicas políticas, o que não quer dizer que temas atuais e importantes da realidade brasileira não tenham sido objeto de reflexão. Isto esteve mais flagrante nos três grandes ciclos temáticos, discutidos ao longo da semana, uma novidade dessa 54" reunião. Os ciclos "Projetando o Brasil - Censo 2000", "Por uma agricultura sustentável" e "Preparando a universidade do futuro'; trouxeram para discussão alguns desafios do país, que estão a exigir novas políticas públicas, como o novo padrão demo gráfico da sociedade brasileira, os entraves e

Auditórios e minicursos estiveram quase sempre lotados as alternativas para aumento da produção agrícola, e urna avaliação da universidade e o desafio de expandir o acesso ao ensino superior. O primeiro debateu com maior profundidade dados do censo demográfico divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em maio passado, que revelam o envelhecimento da população brasileira, resultado da queda da taxa de fecundidade feminina e da menor taxa de mortalidade infantil. A taxa de fecundidade por si só também preocupa. A fecundidade feminina passou de 6,16 filhos, em média, por mulher, em 1940,para 2,35 filhos, em 2000, taxa muito próxima daquela considerada mínima para garantir a reposição de gerações, que é de 2,1 filhos, em média. Uma taxa presente em alguns países europeus,

16 . AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

como a Inglaterra, que chegou a ela ao longo de 120 anos; no Brasil, bastaram 20. Se o país precisa preparar-se para sua nova realidade populacional, necessita também aumentar sua produção agrícola e reduzi, as importações. Como? Entre as sugestões apresentadas estão a adoção de uma política restritiva à importação de produtos agrícolas subsidiados, o apoio à agricultura e à agroindústria familiares e um plano nacional que estabeleça áreas e critérios para uma reforma agrária sem conflitos. Antes disso, contudo, é preciso definir mais claramente se somos um país urbano ou rural. Hoje, os dados estatísticos indicam que 82% da população brasileira está nas cidades. Mas, para chegar a esse índice, usa-se o critério (um decreto-lei de 1938) de

considerar toda sede de município como cidade e, portanto, sua população como urbana. Um critério que foi contestado e que esconderia um Brasil rural com 30,5% da população brasileira, se fossem considerados rurais os municípios com menos de 50 mil habitantes, menos de 80 habitantes por km2 e afastados de aglomerações metropolitanas. E como não poderia deixar de ser em urna reunião que falava em rompimento de fronteiras e pela primeira vez se realizava em uma capital do Centro-Oeste, não faltaram muitos e importantes trabalhos sobre o Cerrado - ocupação agrícola, manejo da biodiversidade, o uso de plantas no controle biológico, bem como ~ sobre o próprio processo de ~ ocupação da região. Legiti- :: mando essa importância, foi decidido que, após a reunião anual de 2003, que será realizada em Recife, a seguinte, a 56", será em Cuiabá. •


• SciELO Chile motiva decreto

o Diário Oficial do Chile publicou decreto determinando que a produção científica das universidades do país em revistas integrantes do SciELO Chile (Scientific Electronic Library Online) é um dos critérios para destinar verbas para o ensino superior. A biblioteca eletrônica agora é oficialmente reconhecida como instância de divulgação da produção científica chilena em nível internacional. O SciELO Chile é parte do projeto da FAPESP com o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme) e tem apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). • • Divulgação científica na USP De 26 a 29 de agosto, a Universidade de São Paulo (USP) receberá o 10 Congresso Internacional de Divulgação Científica, cujo tema será Ética e Divulgação Científica: os Desafios no Novo Século. O evento é organizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), reitoria da USP, Associação Brasileira de Divulgação Científica e Núcleo José Reis de Divulgação Científica. •

Xanthomonas na Nature Genetics A revista Nature ReviewsGenetics (julho) comenta em um breve artigo o trabalho de seqüenciamento e comparação dos genomas das bactérias Xanthomonas citri, que causa o cancro CÍtrico, e a Xanthomonas campestris, que ataca repolho, brócoli e couve, entre outros vegetais. A revista indica o trabalho de comparação como uma promissora linha de pesquisa para esclarecer as diferenças entre as principais características de genomas parecidos. As Xanthomonas são o gênero mais importante de fitopatógenos. As duas espécies têm 80% de genes praticamente idênticos e enzimas que

tros investimentos. As dificuldades de cada setor deverão ser identificadas e resolvidas para que se formem cadeias mais competitivas e estruturadas. O arranjo produtivo é considerado atualmente uma boa alternativa para promover o desenvolvimento regional. Ele tem vantagens como compra de ma-

• Verbas estratégicas para a 8ahia A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb) destinará até o final deste ano R$ 12 milhões para setores produtivos considerados estratégicos. Serão instalados arranjos produtivos de cacau, sisal, rochas ornamentais e fruticultura entre ou-

Cacau: desenvolvimento

Laranja atacada pela X.

citri: pesquisa promissora

degradam o tecido vegetal. O trabalho - financiado pela FAPESP - foi liderado por Ana Cláudia Rasera da Silva, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, e publicado na Nature (edição de 23 de

maio). No comentário intitulado Apetite por Frutas e Folhas, também é citado o seqüenciamento da Xylella fastidiosa, que ataca os laranjais, publicado na revista, como capa, em 13 de julho de 2000. •

teria-prima em conjunto, troca de informações e experiências, uso compartilhado de equipamentos e maior facilidade na contratação de mão-de-obra. •

que ocorreu de 7 a 12 de julho na Universidade Federal de Goiás. •

• Amazonas e Goiás ganham FAPs

O professor Roberto Figueira Santos, ex-reitor da Universidade Federal da Bahia e exgovernador baiano, escreveu artigo em 27 de junho no jornal A Tarde, de Salvador, celebrando os 40 anos da FAPESP, completados em maio. Santos afirma em seu texto que a Fundação, mais do que paulista, é "merecidamente brasileira". E cita alguns estudos financiados por ela como exemplo de sucesso a ser seguido em todos os estados, como o Projeto Genoma, o Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), o Programa de Pesquisa em Políticas Públicas, entre outros. •

Os estados do Amazonas e de Goiás criaram suas fundações de amparo à pesquisa. O projeto da Fapeam, do Amazonas, foi aprovado por unanimidade pelos deputados, sem emendas. Os recursos para seu funcionamento virão do Fundo Constitucional de Meio Ambiente, a ser reestruturado. Falta apenas ser sancionado e regulamentado. O projeto de Fapego, de Goiás, foi sancionado pelo governador Marconi Perillo durante a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC),

• Roberto Santos e os 40 anos da FAPESP

PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 17


anhos de produtividade alteraram o perfil da agricultura paulista. Nos últimos 30 anos, a área de produção foi reduzida, assim como o número de pessoas ocupadas nas áreas rurais. Planta-se menos, mas colhe-se mais. Esse é o resultado de um maior investimento em insumos da produção e no desenvolvimento de novas tecnologias. A média de gastos em pesquisa, por exemplo, saltou de 0,79% do Produto Interno Bruto (PIE), em 1960, para 1,5%, em 1998, equiparando-se à média de inversão dos países desenvolvidos. O incremento da pesquisa, nesse período, contou com a contribuição da FAPESP. Desde a sua instalação, em 1962, até 1998, a Fundação investiu R$ 240,8 milhões no financiamento de bolsas de estudos, pesquisas, convênios e eventos cientí-

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18 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

ficos ligados à agricultura e à pecuária, à média anual de R$ 6,5 milhões. O resultado é que, atualmente, quase 21 mil cientistas paulistas desenvolvem pesquisa no setor. Mas qual foi de fato o impacto dos investimento em pesquisa sobre a produção agrícola? Para responder a essa questão, a FAPESP encomendou estudo a um grupo de especialistas, chefiados pelo professor Paulo Fernando Cidade de Araújo, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), para avaliar a sua contribuição ao desenvolvimento da agricultura no Estado. Também participaram do projeto G. E. Schuh, Alexandre Lahóz Mendonça de Barros, Ricardo Shirota e Alexandre Chibebe Nicolella. Concluído no ano passado, o estudo está em fase final de revisão e, em breve, será publicado.

Este trabalho, batizado de O Crescimento da Agricultura Paulista e as Instituições Públicas numa Perspectiva de Longo Prazo, arrolou os projetos e instituições financiadas pela Fundação no período, estimou a diferentes relações entre gastos em pesquisa, Produto Interno Bruto (PIE) Agropecuário e valor bruto da produção. Mas não foi possível avaliar o impacto da pesquisa no desenvolvimento agrícola. "É difícil medir o impacto direto da pesquisa na produção física': explica Francisco Romeu Landi, diretor-presidente da FAPESP. Os responsáveis pelo levantamento apontam algumas dificuldades. "Conhecendo apenas algumas informações básicas, até que ponto um projeto enquadrado em determinada área de conhecimento, correlata à área de agricultura e veterinária, por exemplo, teria ou não efeitos diretos ou indiretos sobre a


Investimentos em insumos de produção e novas tecnologias aumentaram a produtividade

atuam mais de mil professores e que os cursos de agronomia formam cerca de 2.200 novos profissionais, anualmente. Em 2001, o número de formados nessas escolas passava de 20,7 mil, a maioria (9,5 mil) egressa da Esalq. As três universidades estaduais, constatou -se, titularam 7,5 mil mestres e/ou doutores e estão formando quase 3 mil futuros cientistas. Nos institutos, mais de 700 pesquisadores se juntam a quase 1,2 mil extensionistas da Cati para formar o sistema de pesquisa e difusão tecnológica do governo paulista.

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agricultura?': indagam. O segundo pro-· blema, eles argumentam, está no volume gigantesco de dados relativos a um longo período de tempo, durante o qual determínados critérios de enquadramento foram modificados, como, por exemplo, no caso das sub áreas de conhecimento. Por essas razões, justificam, a análise do tema principal- o impacto da pesquisa na produção - tem caráter "essencialmente exploratório" e exigiria a "realização de esforço adicional na pesquisa futura': Os resultados, no entanto, dão um quadro detalhado dos investimentos da Fundação no setor e traçam um mapa minucioso da evolução dos principais produtos da agricultura paulista. Ensino e pesquisa - O estudo analisou a atuação dos seis institutos de pesquisa do Estado: os institutos Agronômico de Campinas (IAC), o Biológico, o de

Economia Agrícola (IEA), o de Tecnologia de Alimentos, o de Pesca e o de Zootecnia. Também foi avaliada a participação da USP, universidades Estadual Paulista (Unesp) e Estadual de Campinas (Unicamp) e de suas faculdades da Esalq, instaladas nos campi de Piracicaba, Botucatu (FCA), Iaboticabal (FCAV), Ilha Solteira (FEIS), São Carlos (CCA), Campinas (FEA e Feagri), São Paulo (FMVZ). As ações dos centros Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza e de Energia Nuclear na Agricultura (da USP), assim como da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), da Universidade Federal de São Carlos e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ligadas ao governo federal, igualmente integram o estudo. A radiografia das universidades e institutos de pesquisa revelou que ali

Bolsas e auxílios" Entre 1962 e 1979, 10% dos cientistas, professores, pesquisadores e professores da área receberam bolsas financiadas pela FAPESP. Ao todo, a Fundação apoiou 883 projetos ligados à pesquisa agrícola, quase 14% do total das pesquisas empreendidas no período. Merecem destaque os investimentos na formação de pesquisadores e professores em pós-graduação na Esalq, IAC e Instituto Biológico. Juntas, essas instituições receberam 66% dos recursos da Fundação. As bolsas receberam, nos 18 primeiros anos da Fundação, R$ 13,3 milhões; as pesquisas, R$ 48,6 milhões, com média aproximada de R$ 55 mil/projeto. Milho, soja, trigo, feijão, amendoim, arroz, algodão e mandioca foram os produtos que tiveram maior apoio financeiro (21% dos gastos em convênio e 16% do investimento setorial no período). Foram investidos outros R$ 2 milhões no apoio a 62 projetos de estudos de solos e cerrados. De 1980 a 1999, as faculdades de veterinária e de ciências agrárias aumentaram sensivelmente a demanda por bolsas e auxílios da FAPESP. Os R$ 178,9 milhões investidos nesse período contemplaram quase 13 mil projetos, muitos deles de menor porte: a média foi de R$ 13,7 mil/projeto. Na década de 80, o valor das bolsas de estudo superou o dos auxílios. O quadro se inverteu nos anos 90, período da implantação de projetos temáticos, de infra-estrutura e programas especiais, o que, segundo o estudo, teria aumentado a visibilidade da FAPESP ante a soPESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 19


ciedade. Nos anos mais recentes, o apoio da FAPESP se concentrou no financiamento de projetos de ampliação e manutenção da infra-estrutura de pesquisa e de bibliotecas (R$ 75,5 milhões), seguidos pelos auxílios regulares à pesquisa (R$ 61 milhões), programas especiais (R$ 20 milhões) e projetos temáticos (R$ 15,3 milhões), além de eventos diversos (R$ 7 milhões). Nesses anos, as escolas de agricultura receberam R$ 133 milhões para apoiar 10 mil projetos, superando o atendimento aos institutos de pesquisa (R$ 45,9 milhões para 2,9 mil projetos).

Investimento

~

-~. ---Bolsa Evento Pesquisa/Convênio

Producão Veuetal Milho Soja Trigo Feijão Amendoim Arroz Algodão Mandioca Citrus Café Cana-de-Açúcar Tomate I~,~ Producão Animal Não Ruminantes Ruminantes Solos e Cerrados Outros Projetos

o avanço tecnológico da agricultura paulista é desenhado no estudo em detalhes. Há meio século, São Paulo colhia 200 mil toneladas de batata, 22 mil de cebola e 90 mil de tomate. Hoje, são colhidas 676 mil toneladas de batata, 355 mil de cebola e 748 mil de tomate. Entre esses produtos que compõem a cesta básica, o aumento mais modesto não ficou abaixo de 200%. De cana, eram cortados 5 milhões de toneladas. Agora, são cortados 198 milhões, o que faz de São Paulo o maior exportador mundial de açúcar. Colhiam-se 150 mil toneladas de laranja naquele ano e, 52 anos depois, o Estado formou o maior pomar mundial dessa fruta, onde são colhidos 16,3 milhões de toneladas e produzidos 90% de todo o suco de laranja exportado pelo Brasil, o maior fornecedor mundial do produto. Na metade do século, soja era um produto exótico e os raros sojicultores não colhiam mais de 1,5 mil toneladas. Em 2000, São Paulo colheu 1,3 milhão de toneladas da oleaginosa e o complexo soja (grão, farelo, óleo) é há anos uma das mais importantes fontes de divisas para o Estado e para o país, que su20 . AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

Valor

1.203 120 263 233

13 34 0.81 4774 1116

43 27 17 17 18 12 18 11 23 19 17 11

2,56 2,27 1,68 0,87 0,68 0,64 0,61 0,55 0,46 0,42 0,35 0,07

65

",--;;

Total

Avanço tecnológico na agricultura

Número

':

1012

30 35

5,63 4,49

62 403

202 24,44

2.086

62,89

Fonte: Relatérlos de Atividade da FAPESP

perou os Estados Unidos, o berço da soja, no ranking mundial de produção. Algo semelhante aconteceu com a produção de proteínas. Antes, o abate de gado bovino resultava em 370 mil toneladas de carne; agora, são 486 mil toneladas. A produção de leite mais que triplicou: de 460 milhões para 1,8 bilhão de litros. A introdução da avicultura industrial, nos anos 70, elevou a produção de carne de aves de 36 mil para 918 mil toneladas em 30 anos; e a produção de ovos, de 53 milhões de dúzias para 914 milhões no final do período. Nos últimos 30 anos, a área destinada à produção agrícola no Estado foi reduzida e também dinúnuiu a população. Mas aumentou o capital em máquinas (de 67 mil para 170 mil tratores, por exemplo),

com reflexos positivos na produção de alimentos e matérias-primas. E a renda per capita no setor rural cresceu. Nos Brasil dos anos 50, o PIE per capita rural era de R$ 474 (valores de 1998), ou seja, era 5,5 vezes menor que os R$ 2,5 mil registrados na cidade. Essa situação perdurou até o começo dos anos 70, quando se intensifica o processo de modernização da atividade agropecuária, que amplia o atendimento do mercado doméstico e passa a atuar mais intensamente no mercado mundial. Resultado: em 1998, o PIE per capita rural subira a R$ 2,1 mil e o urbano, a R$ 5,9 mil. A diferença caíra para 36%. Em São Paulo, o processo foi ainda mais significativo e a evolução da relação entre os PIE per capita rural/urbano passou de 32% em 1948 para 68% em 1999.

PIB rural - Em 1950, do Produto Interno Bruto paulista, 22% era gerado no campo; em 1998, essa porcentagem havia caído a apenas 5%, resultado do forte processo de industrialização vivido por São Paulo. No intervalo, a economia paulista se expandira à taxa anual de 5,6%, puxada pelo produto industrial (6,7% por ano), enquanto o produto agrícola registrava média anual de apenas 2,6%. Entre 1980 e 1998, o cenário mudou e a taxa anual de crescimento do PIE paulista baixou a 1,5% e só não foi menor graças aos 4,1 % por ano registrados pela agricultura. A lavoura salvou a pátria na década perdida e foi a tecnologia, principalmente a gerada nos institutos oficiais de pesquisa, que salvou a lavoura. No estudo encomendado pela FAPESP, que só considera os gastos públicos em pesquisa, são analisados os índices de pro-

Investimentos da FAPESP na Agricultura Paulista _

Bolsa

_

Total

_

Auxílio

50 40 30

Fonte: FAPESP


Pesquisas nas áreas de cana e grãos contarão com apoio da FAPESP

dutividade do trabalho na agricultura paulista, a evolução dos salários pagos, a evolução dos preços recebidos pelo produtor e os por ele pagos. Há um importante terceiro efeito do ganho de produtividade agrícola: os benefícios sociais, principalmente a redução nos preços reais dos alimentos. A incorporação do progresso tecnológico advindo da pesquisa permitiu a elevação da produtividade; esta, por sua vez, baixou os preços dos alimentos. O estudo revela uma mudança no padrão de preços, especialmente entre as décadas de 70 e de 90. O feijão é citado como exemplo: em 1970, chegou a custar três vezes mais que em 1976. Outro efeito é a redução da volatilidade dos preços, como mostra o exemplo da batata e da cebola, entre 1980 e 1990. O processo de seleção e desenvolvimento de novas variedades, gerado nos institutos de pesquisa, resultou no oferecimento de variedades precoces, medianas e tardias que permitem estender o período de cultivo. Assim, prolonga-se a oferta dos alimentos ao longo do ano, reduzindo a escassez sazonal e as perdas provocadas por pragas, doenças e fatores climáticos - com conseqüências menos intensas na variação de preços. O estudo menciona pesquisa em curso na Universidade de São Paulo que revela, para o período de 1975 a 2000, redução nos preços de produtos agrícolas ao consumidor da ordem de 5,6% ao ano, com destaque para a redução nos preços do arroz

(7,8% ao ano), café (7,4% ao ano), feijão (13,4% ao ano), frango (8,2% ao ano) e soja (8,0% ao ano). Alimento mais barato significa maior poder de compra do trabalhador. Com base em um estudo técnico da USP, comparou-se a evolução do salário real de um pedreiro empregado na construção civil na cidade de São Paulo e o preço dos alimentos: a conclusão é que, de dezembro de 1985 a janeiro de 2000, o salário teve aumento anual de 7,56%, em função da queda do preço dos alimentos. Estratégia institucional - O estudo encomendado pela FAPESP conclui sugerindo as linhas básicas para montar uma estratégia institucional futura. Recomenda que se aprofunde a cooperação entre as instituições de ensino e de pesquisa no Estado e com outros centros de pesquisa, como o sistema Embrapa. Lembra que a biotecnologia, por sua capacidade de gerar inovações na agricultura, acelera a taxa de difusão e amplia o escopo das ino-

vações e chama a atenção para a alteração do papel dos setores público e privado no processo de geração de tecnologia, com a crescente capacidade institucional de proteção dos direitos da propriedade intelectual. Ressalta a aceleração do processo de especialização na agricultura paulista (cana-laranjamilho- proteínas) com predominância na formação de renda bruta do setor. Sugere o estudo de estímulos a essas commodities, para aumentar a competitividade interna e externa do Estado e do país. Mas alerta para a necessidade de estimular a indústria de alimentos e de produtos de consumo doméstico, para aumento de renda das camadas mais pobres. Adverte que qualquer política pública deve considerar a característica dualista da agricultura em São Paulo: de um lado, os agricultores comerciais (inovadores, de porte e renda semelhantes aos da atividade urbano-industrial); de outro, os agricultores de baixa renda (produção de subsistência, afetada por problemas econômico-sociais). O estudo chama a atenção para o fato de que o maior contingente de mão-de-obra rural está nesse segundo segmento. A recomendação final é a criação de um conselho de ciência e tecnologia para a agricultura, cuja ação estratégica será viabilizar novas idéias e arranjos institucionais no Estado, mais ou menos como opera o National Research Council's Board on Agriculture and Natural Resources, dos Estados Unidos. A comissão ou o conselho não terão qualquer caráter político: um primeiro passo já foi dado nesse sentido, com a experiência da FAPESP no comando do Projeto Genoma, que colocou o Brasil na dianteira mundial do seqüenciamento genético da Xylella fastidiosa, ou "amarelinho", doença fatal para uma de suas principais riquezas, a citricultura. • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 21


• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA INDICADORES

A ciência na América Ibérica Brasil vai liderar a primeira rede temática da RICYT

A-.

rimeirarede temática de indicadores da Rede IberoAmericana de Indicadores de Ciência e Tecnologia (RICYT), que reúne 28 países, será coordenada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Trata-se de um projeto piloto por meio do qual se pretende redimensionar as atividades da RICYT, contribuir para a sua institucionalização e ampliar as fontes de recursos para o financiamento das suas atividades. A rede pilotada pelo braço brasileiro da RICYT, de acordo com Sandra Hollanda, assessora de Acompanhamento e Avaliação do MCT, deverá se conectar com o Sistema Nacional de Indicadores, criado em julho pelo ministério, que reunirá informações sobre o desenvolvimento científico e tecnológico em todos os Estados do país. E o tema, ainda não escolhido, deverá estar de acordo com as propostas apresentadas na Conferência Nacional de C&T, realizada em Brasília no ano passado. O convite para que o Brasil assumisse a liderança estratégica na implementação de sub-redes de indicadores de C&T na América Ibérica partiu do coordenador internacional da RICYT, Mario Albornoz, durante seminário realizado pela instituição, na sede da FAPESP, em São Paulo, nos dias 15 e 16 de julho. O encontro reuniu representantes das instituições internacionais que integram a rede, com o propósito de avaliar atividades, redefinir objetivos e buscar novos mecanismos de atuação que atendessem a t;novas demandas e também reforçassem o apoio financeiro às suas atividades. "O. Brasil aceita o desafio e es-

22 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

pera contar com o apoio de outros países", afirmou Sandra Hollanda. Fontes de financiamento - A RICYT foi criada em 1995, pelo Programa IberoAmericano de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento (CYTED), com o objetivo de subsidiar políticas científicas e tecnológicas na América Latina. No Brasil, integram a Rede, além do MCT, pesquisadores vinculados à FAPESP, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), à Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entre outras. Ao longo de oito anos, a RICYT contou com o apoio da Organização dos Esta-

dos Americanos (OEA), da Unesco e da National Science Foundation (NSF) para capacitar cerca de 800 técnicos e produzir um conjunto de indicadores de insumos e produtos de C&T e informações sobre o estado da ciência nos países que integram a Rede. ''Ao longo desse período, a RICYT foi um instrumento de estímulo à criação de massa crítica na região, ao mesmo tempo em que criou um estilo de liderança e gestão de projetos baseado em princípios de cooperação horizontal", afirmou Albornoz. A debilidade de algumas equipes nacionais, o baixo nível de institucionalização da Rede e, sobretudo, as dificuldades no financiamento exigem, agora, uma revisão da forma de atuação. Uma das saídas apontadas pelos participantes do seminário foi exatamente a constituição de sub-redes temáticas de indicadores, em torno de temas específicos - como sociedade da informação, por exemplo -, que facilitariam o acesso aos recursos. "Temos de continuar produzindo indicadores e avançar na direção de outras realidades, até nos tornarmos uma rede de redes, onde cada grupo caminha de acordo com os seus interesses", disse Hernán [aramillo, da Universidade de Rosário, na Colômbia, responsável pela relato ria do seminário. "Temos também de vender serviços, como cursos, por exemplo, para ajudar na solução de problemas financeiros." Também está nos planos da RICYT desenvolver novos indicadores, como o de impactos sociais da C&T, definir novos marcos conceituais para avaliar o desempenho dos diversos países que fazem parte da rede e investir, cada vez mais, na qualificação de recursos humanos para garantir a qualidade, confiabilidade e consistência das informações coleta das. •


• POLÍTICA CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA

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Com a equipe reforçada será possível investir em novas linhas de pesquisa

HUMANOS

IPT renova quadros Instituto fará concurso públ ico para preencher vagas de técnicos e pesquisadores Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) vai contratar 87 pesquisadores, oito técnicos e cinco supervisores administrativos para preencher um total de 100 cargos já existentes. Os novos contratados vão atuar nas suas diversas áreas de investigação e no desenvolvimento de novas tecnologias. A autorização para ampliação do atual quadro de funcionários assinada pelo governador, Geraldo Alckmin, foi publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo no dia 17 de julho. "Num ambiente dinâmico como o de tecnologia e inovação, esta é um boa nova': comemora Guilherme Ary Plonski, diretor superintendente do IPT. As vagas serão preenchidas por meio de concursos públicos, que se realizarão ao longo do segundo semestre. "Não faremos um pacote para selecionar e escolher pesquisadores", adianta Francisco Emílio Baccaro Nigro, diretor técnico do IPT. O Instituto já tem um perfil das vagas, que incluem, inclusive, pós-doutorados. Para algumas categorias, a seleção seguirá os mesmos moldes de

O

uma banca examinadora, com prova de currículo, entrevista e apresentação de temas. As contratações serão 'consumadas a partir de janeiro, após o período eleitoral. O último concurso foi em 1994 e o número de funcionários, na época, chegou a 1.470. Ao longo dos últimos oito anos, a rotatividade no trabalho e as aposentadorias reduziram o quadro para 940 funcionários, sem possibilidade de novas contratações. A redução do pessoal, no entanto, não comprometeu a oferta de serviços prestados pela instituição, tampouco a receita, que saltou de R$ 20 milhões, em 1994, para R$ 45 milhões, neste ano. A dotação orçamentária do Estado, no mesmo período, caiu de R$ 80 milhões para R$ 42 milhões. Plonski explica que a saúde orçamentária da instituição permitirá que o instituto assuma a responsabilidade dos salários dos novos funcionários "sem ter que pedir mais dinheiro para os cidadãos': Ele conta, ainda, que a injeção de ânimo resultante da renovação dos quadros produzirá inflexão na curva da receita e ampliará a oferta de serviços para a sociedade.

Novas tecnologias - O reforço de quadros vai permitir que o IPT junte suas várias competências para avançar na direção de novas linhas de pesquisa, como a criação de um Núcleo de Tecnologia Aplicada à Segurança Pública. A idéia é subsidiar a ação do Estado e outras partes interessadas na análise, seleção, desenvolvimento e implantação de tecnologias de segurança como, por exemplo, um sistema de reconhecimento de detentos, visitantes e de funcionários de presídios baseado em impressão digital e/ou por íris; sistema de reconhecimento de alterações em padrão geológico superficial e de padrão acústico, que permitiria a detecção da construção de túneis utilizados para fuga; ou ainda sistema de identificação de resíduos, de alta resolução, que aumentaria a precisão das perícias. Outro tema que também deverá ganhar espaço com a ampliação do quadro de pesquisadores é o das aplicações industriais desenvolvidas com base em produtos agrícolas. ''A nossa intenção é pesquisar novos materiais a partir de produtos recicláveis e aplicações em microeletrônicas, nanosensores, entre outros': afirma o diretor técnico do instituto. O IPT já desenvolve, em fase experimental, plásticos biodegradáveis extraídos da sacarose. "O Brasil tem enorme potencial agrícola e precisa arrumar alternativas para aplicações industriais, que permitam, por exemplo, a redução da emissão de gás carbônico (C02) e melhorias ao meio ambiente." • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 23


• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA INTERNET

AVANÇADA

Programa incentiva produção cooperativa Tidia vai desenvolver projetos como o de tecnologia de rede, incubadora de conteúdos e de aprendizagem a distância .......

O

programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da InternetAvançada (Tidia), patrocinado pela FAPESP, começa a se preparar para lançar os primeiros projetos. O programa tem como objetivo desenvolver pesquisa induzida nas áreas de engenharia de rede, controle de tráfego, comunicação óptica e softwares, entre outros, em parceria com a iniciativa privada, e, sobretudo, formar especialistas em tecnologia de rede, Internet e telecomunicações. Os projetos que começam a ser arquitetados foram concebidos a partir da análise das 123 propostas encaminhadas à Fundação em resposta à chamada de editallançado em outubro do ano passado. O primeiro projeto que, a rigor, fornecerá a base de operação do programa prevê a utilização de uma rede de fibra óptica de extensão estadual, com velocidade de até 400 gigabits/segundo, para o desenvolvimento de pesquisas tecnológicas e comunicação acadêmica e educacional. "Será um laboratório de estudos de comunicação óptica e aplicações especiais da Internet que requeiram interação entre especialistas", explica Hugo Fragnito, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenador do projeto. A rede física já 24 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

está disponível: o Departamento de Estradas de Rodagem S. A. (Dersa), bem como outras empresas, cederam à FAPESP o uso de cabo óptico e de fibras que acompanham as principais estradas paulistas. "Temos agora de fazer a interconexão, de modo a levar a fibra até as universidades e os institutos de pesquisa que participarão do projeto", diz Fragnito. A interconexão entre os cabos ópticos das empresas e os centros de pesquisa será financiada pela Fundação. Montada essa infra-estrutura, a rede estará disponível para o desenvolvimento de aplicações como telemedicina, videoconferência em alta definição e hardwares para rede ópticas, além de estudos sistêmicos, como segurança de redes, ou criptografia quântica, apenas para citar alguns exemplos. "Esperamos ter a fibra acesa até o final do ano'; prevê Fragnito, referindo-se ao início das operações. Os Estados Unidos utilizam uma rede de fibras ópticas, a Abilene, para rodar a Internet 2, um programa implementado por um consórcio que reúne 180 universidades e 45 empresas norte-americanas, o University Consortium for Advanced Internet Development (Ucaid). A infraestrutura óptica do Tidia terá características distintas e inovadoras, já que permitirá o suporte de várias redes ope-

rando simultaneamente. Para isso, serão utilizados cabos ópticos de múltiplas fibras interligando vários pontos e, em cada fibra, será possível transmitir lasers em diferentes comprimentos de onda, o que permitirá o teste de diversas arquiteturas de conexão, assim como de redes lógicas.

Incubadora de conteúdos

- O segundo projeto do Tidia é o de criação de uma incubadora de conteúdos, como softwares, material didático, livros, etc. O objetivo é incentivar a criação cooperativa de conteúdos digitais em tomo da informação aberta e, ao mesmo tempo, disseminar o uso de conteúdos em português na Internet, de acordo com Imre Simon, da Universidade de São Paulo (USP), coordenador do projeto. O desenvolvimento de softwares abertos é uma solução estratégica: roda em qualquer ambiente, contribui para a formação de recursos humanos e para a identificação de lideranças por seu mérito. "É mais fácil fazer engenharia reversa e montar uma empresa de hardware do que de software, que é mais complicado", observa Fragnito. O projeto se inspirou na constatação de que grande parte das propostas encaminhadas à FAPESP enfatizava a necessidade de desenvolver softwares livres,


N

~

de código aberto, de forma a ampliar a sua disponibilidade e incentivar a sua produção cooperativa. O principal serviço da incubadora será hospedar projetos de criação de conteúdos acadêmicos, apoiados em infra-estrutura ágil e eficiente, sem burocracias, que atendam às demandas da comunidade acadêmica. A FAPESP, de acordo com Simon, licitará e financiará o estabelecimento e a . operação da incubadora virtual. A inscrição de projetos será livre, mas obedecerá normas a serem elaboradas. "A comissão entende que só deverá propor à FAPESP projetos que sejam amplamente apoiados pela comunidade e que tragam embutidas expectativas claras de incrementos substanciais nas atividades acadêmicas e tecnológicas relativas à Internet avançada", ele ressalva. A definição dos projetos será feita depois de uma ampla consulta à comunidade. Uma das propostas que está sendo avaliada pela comissão, por exemplo, foi apresentada pela Escola do Futuro, da Universidade de São Paulo (USP), que mantém um acervo com centenas de títulos de livros cujos autores estão mortos há mais de 70 anos e que, portanto, não estão mais sob a proteção da Lei de Direito Autoral. A grande maioria desses títulos não tem mais atrativo comercial e, apesar do inestimável valor, só é

encontrada em sebos. A idéia que está sendo avaliada é viabilizar a codificação dos conteúdos dessa biblioteca virtual, no âmbito da incubadora, de forma a colocá-los à disposição do maior número possível de interessados. "Existem experiências desse tipo muito bem-sucedidas, como o projeto Gutemberg, nos Estados Unidos", lembra Simon. licenças para uso dos conteúdos vão obedecer às normas legais vigentes de propriedade intelectual. A prioridade da incubadora, no entanto, é o incentivo à criação e disseminação de conteúdos amplamente disponíveis, explica Simon. Os projetos incubados poderão solicitar auxílio à fundação - no âmbito, por exemplo, de programas como o Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) ou o Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) - para ampliar suas atividades. As propostas serão avaliadas levandose em conta os resultados já alcançados no desenvolvimento e na disseminação de conteúdos, demanda por financiamento, relevância e competitividade do projeto. Caso haja demanda suficiente, o programa Tidia poderá estabelecer linhas específicas de financiamento para

A

o desenvolvimento de conteúdos âmbito da incubadora.

no

Aprendizado na rede - Os conteúdos desenvolvidos na incubadora, assim como os do terceiro projeto do Tidia, de implementação de programas de aprendizado na rede (e-learning), serão distribuídos à comunidade acadêmica por meio da rede de fibra óptica (test-bed). O e-learning é uma das áreas mais promissoras da Internet. O projeto, que começa a ser arquitetado, prevê tanto o desenvolvimento de ferramentas para a produção de conteúdos como a própria geração de conteúdo educacional, para atender às necessidades de aprendizagem via rede da comunidade acadêmica paulista. A idéia é construir uma ferramenta comum, a partir de softwares abertos, fazendo convergir distintos esforços de pesquisa, com o objetivo de especificar, desenvolver e distribuir um conjunto único de ferramentas para elearning a partir de softwares abertos, visando a produção, manutenção e o gerenciamento de conteúdos de educação e aprendizagem. "Outro aspecto importante é a produção de conteúdo didático para suportar o próprio ensino presencial e a distância", sublinha Wilson Ruggiero, da USP, coordenador do projeto. • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 2S


• POLÍTICA

CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA

INOVAÇÃO

Em busca do tempo perdido Anpei reúne especialistas para conhecer estratégias de investimentos em P&D

nquanto o governo federal busca apoio no Congresso Nacional para aprovar, ainda este ano, a Lei de Inovação, por meio da qual pretende estimular investimentos do setor privado em pesquisa e desenvolvimento (P&D),paísescomo Coréia do Sul,Canadá e Espanha já contabilizam os resultados da implementação de políticas de apoio à inovação. A distância que separa o Brasildos países que, há pelo menos duas décadas, vêm apostando pesado em P&D empresarial para garantir competitividade no mercado internacional ficou clara durante a 2a Conferência da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei), realizada nos dias 19 e 20 de junho, em São Paulo. Apesar de utilizar modelos distintos, esses países apresentam em comum o fato de adotar uma visão sistêmica da inovação, por meio da qual governo, pesquisadores e empresários têm clareza de seu papel como atores de desenvolvimento. Na Coréia do Sul, por exemplo, a atuação do governo foi decisiva para ampliar a participação das

E

26 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

corpo rações nos investimentos em inovação, a partir da década de 70. Atualmente, os centros de desenvolvimento operam sob o comando do setor privado no país, segundo Seunghyun.Son, representante da Korea Industrial Technology Association (Koita), entidade responsável por coorde·nar a colaboração entre a indústria e o governo. A Koita, ele diz, registrou um espantoso crescimento dos centros de P&D no país nos últimos 20 anos. "Em 1979, quando a entidade foi criada, tínhamos 43 centros de pesquisa; no final de 2002, chegaremos a mais de 10 mil", revela Sono A fórmula de colaboração da Koita, que congrega cerca de 4.500 empresas, baseia-se em seis pilares: apoio de tecnologia industrial, cooperação internacional, educação e treinamento, fomento dos centros de P&D, além do estabelecimento de políticas, informações e

pesquisas. ''A Koita promove projetos em conjunto com o governo e é responsável pela retroalimentação do sistema de colaboração, fornecendo, por meio de pesquisas junto às empresas, as respostas que o governo almeja para dinamizar sua política de desenvolvimento", explicou Sono Para ter uma idéia do sucesso da política adotada pelo governo sul-coreano, basta observar os números: em 1980,a participação dos gastos públicos nos investimentos em P&D era da ordem de 80% e a da indústria, 20%. Em 1990, a situação se inverteu, e a indústria assume, hoje, cerca de 75% dos investimentos, contra 25% do governo. Governo e indústrias,juntos, aportam US$ 20 bilhões anuais em P&D,o que coloca a Coréia em sexto lugar entre os países inovadores do continente asiático. E é bom ressalvar que os US$ 4 bilhões que


saem dos cofres oficiais com destino aos centros de desenvolvimento correspondem a nada menos do que 47% do orçamento nacional. O resultado dessa aposta também pode ser mensurado pelo crescimento no número de registros de patentes na Coréia: nos últimos quatro anos, os registros praticamente quintuplicaram, saltando de 485 em 1998 para algo em torno de 2.300 previstos para este ano. Inovação como sistema - Outra nação que planejou seu desenvolvimento tecnológico foi o Canadá. "Em nosso país, inovação não é apenas um processo, é um sistema", pontuou a conferencista Karin KeyesEndernann, diretora do escritório de relações internacionais do National Research Council of Canada (NRC). Baseado em clusters de tecnologia, o sistema a que ela se refere prioriza as iniciativas regionais comunitárias, com foco nas pequenas e médias empresas (PMEs), que no Canadá, assim como no Brasil, são maioria absoluta. Segundo Karin, há no país 260 conselhos para dar apoio às PMEs. Os ingredientes essenciais da proposta canadense são a capacitação para P&D,o conhecimento gerado nas universidades e os esforços contínuos em educação e treinamento. "Entretanto, não há chances de sucesso se as lideranças da comunidade não estiverem envolvidas no processo", ponderou ela. Os clusters de tecnologia já existem há 15 anos no Canadá, mas os resultados só começaram a aparecer nos últimos três anos. Não há espaço para iniciativas imediatistas, justificou Karin. "Bstamos apostando nas empresas que estão dispostas a dedicar tempo antes de obter lucros." No modelo canadense, os cientistas são encorajados a levar a tecnologia ao mercado. Recebem, por exemplo, remuneração por seismeses e treinamento para negociar e administrar o capital de risco. Os principais clusters no Canadá estão voltados para as áreas de biotecnologia (Saskatoon), farmacêutica (Biophamaceutical), engenharia oceânica (New Atlantic), nanotecnologia (Alberta), tecnologia da informação (ICT) e ciências da vida. Clusters de conhecimento - O País Basco,que esteve representado no evento por Monica Moso, também adota a estratégia de clusters para estimular in-

vestimentos, porém, com a cooperação voltada para a produção de conhecimento. Segundo Monica, da Cluster Conocimiento, associação que conta com 172 membros, esse modelo segue a estrutura da participação de diversos protagonistas, que estabelecem elos e geram condições para instituir a prática da inovação. "Como o conhecimento está nas pessoas, temos de ser mais participativos", resumiu Monica. Em 1990, ela conta, o governo basco contratou "a peso de ouro" o consultor Michael Porter, que fez uma detalhada análise do grau de competitividade do país e definiu agrupamentos

o em que os investimentos seriam férteis. Segundo Monica, a sugestão de Porter foi implementar cooperações verticais e horizontais por concentração geográfica prioritariamente nos seguintes setores: automotivo, energia, telecomunicações, aços especiais, papel, aeronáutica, meio ambiente e eletrodomésticos. O modelo vertical - entre setores - ainda não está implantado, mas o horizontal - na cadeia de valor - já é uma realidade no País Basco, somando, atualmente, 11 clusters. "Escolhemos empresas que são avaliadaspor universidades, que são um instrumento de divulgação e treinamento': destacou. No início da década de 80, os investimentos em P&D no País Basco eram irrelevantes e, como lembrou a conferencista, tampouco havia massa crítica no meio acadêmico ou apoio às pesquisas nas universidades. A política de inovação que fez brotar os centros de desenvolvimento foi possível, avalia Monica, quando o governo passou a ser formado, essencialmente, por políticos

"não-profissionais" - ou vindos da indústria. De lá para cá, o investimento do governo em P&D aumentou 25 vezes: passou de 0,07% em 1979para 1,8% em 2002. Monica destacou que, nesse mesmo período, o país também registrou avanços significativos na área da educação, formando a massa crítica que faltava para dar base à inovação. Incentivo à exportação - Para recuperar o tempo perdido, o Brasil precisa priorizar as iniciativas voltadas ao desenvolvimento de negócios, agregando valor na cadeia produtiva por meio de in-

vestimentos em inovação tecnológica, na avaliação do economista Luciano Coutinho, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Commodities de baixo valor agregado não resolverão o problema", afirma. Ele dá o exemplo da China, que, assim como o Brasil, respondia por 1% das exportações no cenário mundial entre 1973 e 1983, e quadruplicou sua participação em 2000. "Enquanto isso, o peso das exportações brasileiras no mercado internacional caiu para 0,9% em 2000",comparou. A busca de um superávit de grande escala na balança comercial só terá efeito, segundo o economista, se a fonte para o incentivo à exportação e para a substituição de importação estiver na conexão com uma política tecnológica mais consistente, voltada aos produtos mais dinâmicos do mercado. Entre 1980 e 1998, exemplificou, enquanto as exportações mundiais cresceram em média 8,4% por ano, os 20 produtos dos setores mais dinâmicos do comércio internacional, que são os que estão ligados a P&D, cresceram, em média, 12,9%. O crescimento na exportação dos semicondutores no período, no entanto, foi ainda maior, atingindo a cifra de 16,3%. PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 27


Na sua avaliação, falta clareza por parte do governo brasileiro na adoção de um sistema de incentivos para o setor privado. Segundo ele, no ano passado, a taxa de juros consumiu cerca de R$ 130 bilhões em dívida nova e mais R$ 40 bilhões em dívida fiscal. "Não há nada que impeça o Brasil de solucionar os problemas, senão a nossa própria capacidade de articulação:' Aposta de risco - Para o Minis-

tério da Ciência e Tecnologia, a responsabilidade central no esforço inovador está nas mãos dos empresários. Segundo o ministro Ronaldo Sardenberg - que, juntamente com o ex-presidente da Siemens do Brasil e conselheiro da FAPESP,Hermann Wever, recebeu o Prêmio Anpei de Mérito Tecnológico-, as empresas devem buscar parcerias internacionais para conjugação de esforços e investimentos na consecução de seus objetivos. Um bom exemplo dessa parceria do setor privado é o da Votorantim Ventures, um fundo de capital de risco

de US$ 300 milhões controlado pelo Grupo Votorantim, que possui alianças estratégicas com fundos de venture capital internacionais. A Votorantim Ventures investe em empresas promissoras, mas de alto risco, como a Allelyx, que atua na área de biotecnologia e tem como objetivo criar produtos que aumentem a produtividade de culturas agrícolas. "Nossos projetos têm de sete a nove anos de maturação",disse Fernando Reinach, diretor da Votorantim Ventures. ''As melhores idéias são só idéias':sublinhou, reforçando o papel estratégico do investidor de risco. Desde 1999, quando mudou seu foco de atuação, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) também trabalha para dotar o Brasil de fundos de capital de risco. E já participa com R$ 48,5 milhões em cerca de dez fundos com valor patrimonial

de aproximadamente R$ 162 milhões. Sérgio Moreira, diretor-presidente do Sebrae Nacional, ressaltou a necessidade de se criar um ambiente favorável para as pequenas e médias empresas. Segundo ele, dos quase 4 milhões de empresas brasileiras, 99% são PMEs que respondem por 20% do Produto Interno Bruto (PIE) e participam com 12% no total das exportações. Os participantes do evento reconheceram os esforços do governo federal em estimular investimentos em inovação, com destaque para as linhas de crédito - de até R$ 150 mil- do projeto Inovar da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Também apostam na Lei de Inovação, cujo projeto já está pronto para ser encaminhado para votação no Congresso. "Os resultados alcançados nos sinalizam também que é preciso fazer mais e, nesse sentido, o quadro internacional nos fornece indicações importantes", disse o ministro Sardenberg. "Reconhecemos que estamos diante de um desafio incontornável: robustecer o esforço nacional em ciência, tecnologia e inovação, para que, no horizonte de uma década, possamos atingir a meta de incluir o Brasil entre as nações avançadas nessa área:' •

o primado da ética e do bem-estar mentou, o impor"Uma das palestras mais desafia- como a Enron se multitante é descobrir qual doras de toda a nossavida:' AssimHer- plicam rapidamente e será o impacto das mann Wever,ex-presidente do grupo , acabamgerandouma crimudanças futuras no Siemens no Brasil, definiu a apresen- se mundial de desconcomportamento das fiança",acrescentou. tação do futurólogo inglês Patrick DiNa próxima década, pessoas. xon, autor do livro Futurewise: Six Dixon afirmou Faces of Global Change, cuja epígrafe disse ele, as corporaainda que, cada vez traz o seguinte desafio: "Ou nós assu- ções terão de aprender mais, as transformamimos o controle do futuro ou o futua lidar com seis faces ções terão de passar ro nos controlará':Fundador da Global da realidade para não pelo crivo da ética e Change (www.globalchange.com).Di- perder o controle do do bem-estar. "Rarafuturo. Para representáDixon: desvalorização do xon prendeu a atenção dos participanias, Dixon tomou como capital intelectual mente vejo um diretes da conferência com a apurada tor executivo apaixoretórica e curiosos exemplosde inova- exemplo um cubo. Em nado por dar lucro aos acionistas. Por cada uma das seis faces, escreveu ções científicas em curso no mundo. quê? Porque a regra do jogo diz que, A rapidez com que o futuro é uma palavra: Fast, Urban, Tribal, Unise ele não atingir as metas, sua cabeça versal, Radical e Ethical. Essasseis paconstruído foi um dos aspectos mais será cortada:' O que impulsionará pesabordados. Segundo ele, o conhecilavras, segundo Dixon, dividem-se quisae inovação,afirmou ele,é a COllSmento dobra a cada cinco ou dez anos em dois grupos: a face rápida, urbana e o capital intelectual perde metade de e universal (que está nas empresas) e cientização de que os dados que teseu valor a cada dois anos em algumas a face tribal, ética e radical (que está mos em mãos irão mudar a sorte de muitos seres humanos e melhorar a indústrias. "Eventoscomo 11de setem- nas pessoas).Em um mundo que muimagem de quem acreditou neles. bro e a fraude no balanço de empresas da constante e rapidamente, argu-

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(


As reportagens exclusivas sobre as pesquisas mais avançadas de ciência e tecnologia brasileira, publicadas pela revista Pesquisa FAPES~ são lidas por pesquisadores, professores, estudantes de pós-graduação, parlamentares, empresários, executivos e profissionais de pesquisa e desenvolvimento do setor privado.

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PesqlJj~a O passo à frente do conhecimento


• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

POSSE

Compromisso . com a I novaçao ,..",

Carlos Vogt, novo presidente da FAPES~ vai manter a política administrativa "enxuta" e preservar recursos destinados a bolsas

arlos Vogt, o novo presidente da FAPESP, foi empossado no dia 26 de junho, em cerimônia na sede da Fundação. Ele assumiu o cargo com o firme propósito de manter o que qualifica de "política administrativa enxuta': de forma a não ultrapassar a casa dos 5% do orçamento de R$ 300 milhões nos gastos com a administração. "Esse porcentual, aliás, não chega a 3,5% do orçamento", sublinha Vogt. No que se refere aos investimentos, ele garante que vai preservar o nível atual de 35% do orçamento destinados a bolsas e seguir enfrentando o desafio de "inovar sempre': E destacou, a título de exemplo, os investimentos que a FAPESP deverá fazer no programa Sistema Integrado de Monitoramento e Previsão Hidrometeorológica para o Estado de São Paulo (Sihesp), para observação e monitoramento do clima e dos recursos hídricos. Ele possibilitará, entre outros benefícios, alertar a população com antecedência sobre a intensidade e localização de chuvas. O Sihesp prevê a instalação de estações automáticas de superfície, radares doppler, que podem medir o vento e a chuva, perfiladores de vento e temperatura, sistema de monitoramento do mar e do litoral, rede de detecção de descar-

C

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gas elétricas, entre outros. O projeto, orçado em US$ 15 milhões, entre infra-estrutura e equipamentos, vai requerer parceria com os governos estadual e federal. Vogt adiantou que já iniciou entendimentos com a União para consumar a transferência da área de 23 alqueires da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (Ceagesp) que a FAPESP ganhou de presente do governo federal, na comemoração de seus 40 anos. "Já nos reu'nimos com o Ministério do Planejamento para tratar do tema. Temos que mapear aspectos jurídicos e legais. A área, de 700 mil metros quadrados, vai garantir à FAPESP um fundingmuito grande e representar um aumento da capacidade de investimento", comentou Vogt. Equipe sintonizada - Lingüista e poeta, Vogt foi reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), entre 1990 e 1994, onde também exerceu a função de coordenador do Centro de Lingüística Aplicada e de chefe do Departamento de Lingüística. Foi fundador e diretor executivo do Instituto Uniemp e é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Vogt acumula, ainda, a função

de editor chefe da revista Ciência e Cultura, publicada pela SBPC, e de diretor de redação da revista eletrônica ComCiência. Ele substitui o engenheiro e físico Carlos Henrique de Brito Cruz, que deixou a presidência da FAPESP para assumir a reitoria da Unicamp, em 19 de abril. "Vogt é o primeiro cientista da seara das Ciências Humanas a chegar a este cargo de tamanha expressão e que teve presidentes de alto coturno, oriundos das Ciências Exatas, a exercê-lo", sublinhou José [obson de Andrade Arruda, membro do Conselho Superior da Fundação, saudando Vogt em discurso proferido na cerimônia de posse. Lembrou que Vogt, indicado para o Conselho da Fundação em setembro de 2001, em pouco tempo ganhou "o apoio decidido de todos os conselheiros, obtendo a votação máxima para o cargo de presidente". Esse resultado, completou, traduziu a certeza do conselho de que "o programa de ação encetado pela Fundação nos últimos oito anos não sofreria interrupção': Brito foi saudado pelo diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez, que atribuiu o sucesso da Fundação, nos últimos oito anos - com o desenvolvimento de programas como Geno ma Biota, Políticas Públicas, Inova-


Vogt: "A cultura é um aprendizado e um ensinamento"

ção Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) e Parceria para a Inovação Tecnológica (PITE), entre outros -, à relação "forte" da diretoria científica com o Conselho da Fundação, liderado por Brito. "O conselho fustigou a diretoria para que inovasse cada vez mais. Temos que continuar ousando", disse Perez. Brito preferiu creditar os bons resultados das pesquisas "à sorte de ter tido uma equipe sintonizada" no momento em que o conhecimento ganhava um reconhecimento poucas vezes alcançado no passado. Na cerimônia, perto de 300 pessoas - entre pesquisadores, cientistas, empresários, representantes do governo estadual e parlamentares - lotaram o auditório da FAPESP. O secretário de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo, Ruy Altenfelder Silva, afirmou que, com Vogt na presidência, a FAPESP "continuará em boas mãos". Na avaliação do presidente da Assembléia Legislativa, Walter Feldman (PSDB), o comando da Fundação passa das Ciências Físicas para as Humanas "sem transição". Ciência e poesia - No discurso de posse, Vogt citou o biólogo Walter Gilbert - que qualificou o projeto Genoma dos Estados Unidos como o graal da Genética Humana e a resposta final para o mandamento "conhece-te a ti mesmo" - e o ex-presidente Bill Clinton - que, ao final do seqüenciamento do código genético humano, disse: "Estamos aprendendo a linguagem com que Deus criou a vida" -, para provar que também não existe incompatibilidade no fato de um poeta e lingüista se interessar pelas questões de ciência, tecnologia e desenvolvimento científico. "Não é necessário fazer muitas ilações para ler na declaração do cientista e no entusiasmo do presidente a vontade de afirmação do homem pelo conhecimento", afirmou. E reiterou sua crença de que na formação profissional "de nossos jovens estudantes, além da competência técnica de sua especialização, é também imprescindível formá-Ios nas experiências integral e humanista de que a cultura é um aprendizado e um ensinamento" • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 31


• CIÊNCIA

LABORATÓRt'O

Contaminação no campo Engana-se quem pensa que as águas do meio rural são puras e estão livres da contaminação. Para o médico veterinário Luiz Augusto do Amaral, professor da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Iaboticabal, autor de vários estudos sobre o tema, "a situação é calamitosa". Em uma de suas pesquisas, financiada pela FAPESP e concluída recentemente, ele avalia a qualidade da água usada em propriedades leiteiras da região nordeste do Estado de São Paulo. "No meio rural, quase não há saneamento

• Mortes por poluição reavaliadas nos EUA Pesquisadores da Universidade Iohns Hopkins, nos Estados Unidos, responsáveis por um estudo que exerceu forte influência na elaboração das leis ambientais atualmente em vigor nos Estados Unidos, refizeram seus cálculos e descobriram que a porcentagem de mortes que atribuíram à poluição atmosférica havia sido superestimada. A pesquisa, terminada em 1997, cruzou os índices de fuligem no ar e a taxa de mortalidade por 100 milhões de residentes em 90 cidades norte-americanas entre 1987 e 1994. A conclusão foi que, descontadas variáveis como clima e época do ano, a taxa de mortalidade crescia 0,4% a cada acréscimo de 10 microgramas por

básico e, na maioria das vezes, o manejo dos dejetos animais é inadequado. Isso faz com que fezes e urina contaminem poços rasos, minas e lençóis freáticos." Para demonstrar sua tese, Amaral apresenta números colhidos em mais de uma dúzia de trabalhos conduzidos por ele. "Nas fazendas leiteiras de Iaboticabal, 92,9% das amostras de água coletadas em bebedouros humanos estavam fora dos padrões microbiológicos de potabilidade", afirma. "Em granjas produtoras de suínos, na mesma região, o índice atingiu 77%, e em poços na periferia de Franca,

metro cúbico de fuligem na atmosfera. A revisão das estimativas, no entanto, detectou um crescimento de 0,27% por. 10 microgramas. A diferença é pequena, mas significativa. Segundo os pesquisadores, que agora se esforçam por divulgar os novos dados entre as instituições interessadas, o erro se deveu ao uso impróprio do

Poluição atmosférica:

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Água no meio rural: São Paulo em situação calamitosa

96,7% das amostras coletadas estavam em desacordo com a regulamentação." A pesquisadora Maria Adriana Machado Lobo e Silva, da Faculdade de Medicina Veterinária Octávio Bastos, de São

software empregado no levantamento.tde acordo com a revista Science (14 de junho). É bem verdade que os novos resultados divulgados não desmentem a ligação entre poluição atmosférica e mortalidade. Mas não deixam de fornecer munição pesada aos grupos de pressão que questionam a severidade e serventia das leis ambientais

dados dos EUA foram superestimados

João da Boa Vista, também chegou a conclusão semelhante. Pesquisa financiada pela FAPESP apontou que é muito alto o índice de contaminação das águas subterrâneas, dos poços rasos e das nascentes das

norte-americanas, desde que elas foram aprovadas, cinco anos atrás. E, pior ainda, levantam suspeitas sobre os métodos científicos utilizados no processamento de dados da pesquisa ambiental. •

• Efeitos inesperados do óxido nítrico

o

óxido nítrico tem sido muito estudado em razão das tarefas que cumpre no organismo humano: além de ser vasodilatador, participa de mecanismos de defesa e regula a liberação de alguns hormônios. Nem sempre, no entanto, é o salvador da pátria: em algumas situações acaba fazendo papel de vilão. Uma dessas situações foi descrita por pesquisadores da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto. Eles demons-


propriedades que integraram a amostragem. "Aproximadamente 90% dos lençóis subterrâneos utilizados em fazendas leiteiras apresentaram precária qualidade higiênico-sanitária." Várias ações podem ser adotadas para combater o problema, afirmam os especialistas, a começar pelo tratamento adequado dos dejetos animais e humanos nas propriedades rurais. Para isso, uma alternativa seria o uso de biodigestores. Esses equipamentos transformariam os excrementos em biofertilizantes com características bem superiores ao dejeto in natura e ainda produziriam biogás para ser usado como fonte de energia. •

traram que, em casos de sepse - infecção generalizada causada por bactérias e que costuma atingir pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) -, o óxido nítrico bloqueia a ação de um hormônio vasoconstritor, a vasopressina. Nas infecções, as células imunológicas liberam grande quantidade de óxido nítrico, que é extremamente tóxico para as bactérias, mas inibe a vasopressina. Sem esse hormônio vasoconstritor, não se consegue reverter o quadro de queda de pressão, típico dessas situações, o que pode levar à morte. O grupo trabalhou com ratos de laboratório, que foram induzidos à sepse. Por meio da ação da substância aminoguanidina, foi possível bloquear e reter o óxido nítrico no sistema nervoso central - e então a

vasopressina ficou livre para atuar. Detectada em quantidades elevadas, ela permitiu reverter a situação de pressão baixa. "Abrimos as portas para a compreensão da dinâmica. É preciso agora procurar uma forma de conter a ação inibidora do óxido nítrico, sem interferir em suas outras funções", afirma Evelin Cárnio, orientadora do estudo. O trabalho do grupo saiu na edição de junho da revista norte-americana Critical Care Medicine, que publicou os achados da equipe de Ribeirão Preto, aos quais dedicou também um dos editoriais. •

• Prevenção a ataques terroristas A partir de informações de domínio público - seqüências de genomas disponíveis na Internet -, um grupo de pesquisadores da Universidade do Estado de Nova York, nos Estados Unidos, criou uma versão artificial do vírus da poliomielite. Foi só um teste, financiado pelo Pentágono, o órgão de defesa do governo norte-americano, para dimensionar o risco de ataques terroristas com armas biológicas. O resultado assustou duplamente. Primeiro, por ser realmente pos-

Vírus da pólio: a recriação é possível

sível criar um microrganismo a partir de informações públicas armazenadas e de material encomendado a empresas especializadas em produzir moléculas de DNA, enviado por correio, sem a necessidade do vírus natural. Em segundo lugar porque, se os pesquisadores norte-americanos conseguiram montar o DNA do vírus, outros também conseguiriam. O resultado do experimento, publicado na revista Science no início de julho, também preocupou por levantar a possibilidade de se produzir, pelos mesmos caminhos, vírus potencialmente arrasadores, como os do ebola e da varíola. Em janeiro, já havia sido anunciada a criação do ebola usando genes retirados do próprio vírus. A experiência foi diferente da feita com o vírus da pólio porque a equipe de pesquisadores conseguiu os genes do próprio ebola (os pesquisa-

dores do vírus da pólio o recriaram inteiramente). Imagina-se que não haveria dificuldades insuperáveis mesmo na criação em laboratório do vírus da gripe que em 1918 causou uma epidemia com 40 milhões de mortos, cujas seqüências genômicas devem ser publicadas este ano. •

• Máquinas de detectar depressão Pode estar surgindo uma alternativa para o divã do analista: a máquina de ressonância nuclear magnética do psiquiatra. Empregados há anos para diagnosticar desde escolioses até tumores cerebrais, esses aparelhos têm sido cada vez mais utilizados na tarefa de detectar depressões, esquizofrenias e outros distúrbios mentais, segundo The Wall Street [ournal (22 de maio). Embora as autoridades da saúde ainda não tenham autorizado o uso do equipamento para diagnósticos psiquiátricos, alguns hospitais e instituições, principalmente acadêmicas, nos Estados Unidos, têm aceitado pacientes em caráter experimental. Outras entidades estão usando as máquinas para rastrear minúsculos tumores cerebrais que podem dar origem a problemas psiquiátricos. De quebra, têm topado com anomalias químicas e metabólicas associadas a diversas doenças mentais. •

PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 33


Fóssil e desenho do pterossauro: nova espécie

o rei voador do Araripe A descrição de uma nova espécie de pterossauro descoberto na bacia do Araripe, no Ceará, reforça a tese de que os répteis do Cretáceo eram animais de sangue quente. O fóssil raro foi achado em 1983 por um morador da região que o doou ao Museu de Ciências da Terra do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Agora, a mandíbula, o crânio e a crista (formada por uma grande estrutura óssea) foram descritos pelos paleontólogos Alexander Kellner, do Setor de Paleovertebrados do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional, e Diógenes de Almeida Campos, do Museu de Ciências da Terra do DNPM. O trabalho começou a ser feito no ano passado com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

• O caso da menina assassinada A pacata botânica Kristina Schierenbeck viveu seu dia de Sherlock Holmes (Nature, 20 de junho). Ela trabalhava na Universidade do Estado da Califórnia, Estados Unidos, quando atendeu, por acaso, a um telefonema da polícia. Os policiais estavam à procura de uma criança desaparecida, de 11 anos, filha de um homem que se suicidara na cabine de seu caminhão, nas montanhas de Sierra Nevada. Que-

O Thalassodromeus sethi atingia a envergadura entre 4,2 metros e 4,5 metros e os pesquisadores estimam que habitavam a região dos Estados do Ceará, Piauí e Pernambuco - ele pertence ao grupo Tapejaridae, encontrado apenas no Brasil e no

riam a ajuda de um botânico, pois a única pista que tinham eram vestígios de vegetação achados no veículo. Kristina examinou os resíduos de mato e concluiu: vinham da face oeste de uma colina recoberta de coníferas e chaparros próxima a um manancial e situada em uma região de entre 800 e 1.200 metros de altitude. Acompanhada de um policial, ela própria dirigiu até o local que reunia essas características. Depois de uma rápida busca, o corpo da menina foi encontrado. •

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Marrocos. O artigo sobre a descoberta foi publicado na revista Scíence (18 de julho). Os pterossauros eram répteis voadores, considerados os primeiros vertebrados adaptados para o vôo. Parentes dos dinossauros, viveram entre 225 milhões e

• Amor entre primos e a genética A imprensa pode ter alardeado cedo demais os resultados de um estudo, publicado em abril nos Estados Unidos, cuja conclusão indica que os casamentos entre primos podem não gerar uma quantidade "muito maior" de crianças defeituosas do que os realizados entre nãoparentes, segundo informou o Wall Street [ournal. Primeiro, porque a taxa de nascimento de crianças com defei-

65 milhões de anos atrás. Possuíam ossos ocos e, conseqüentemente, um esqueleto leve e frágil. O Thalassodromeus sethi tinha a parte anterior do bico bem fina, em forma de lâmina, e deveria pescar voando rente à água. •

tos genéticos nos casamentos entre primos está entre 4,7% e 5,8%. Isto é, pode atingir quase o dobro da porcentagem geral de 3% - o que não é pouco. Em segundo lugar, porque, como argumentam os adeptos da psicologia evolucionária, se esses riscos ainda são palatáveis para um casal de primos em particular, podem fazer grande diferença na evolução da humanidade. A teoria deles é simples: a causa da rejeição tradicional do incesto nas sociedades humanas teria origem genética.


Na pré-história - quando as mulheres fugiam e os homens corriam atrás delas para depositar suas sementes, não importando quem era parente de quem - teria tido início o processo de seleção natural. Para descartar indivíduos defeituosos, a raça humana teria desenvolvido genes avessos às uniões entre irmãos e primos. Nós seríamos os descendentes dos que sobreviveram graças a essa determinação genética. Mas aí também fica um problema: não são raros na história os casos de sociedades inteiras que praticaram, e ainda praticam, os casamentos entre parentes para conservar, por exemplo, os bens em família. E, até agora, ninguém descobriu o gene responsável pelo tabu do incesto. •

• Cinzas da Amazônia no gelo dos Andes Uma montanha dos Andes bolivianos, próxima a La Paz, forneceu mais uma evidência de que a intensificação das queimadas na Amazônia brasileira coincide com o processo de ocupação de grandes porções da Região Norte promovida a partir dos anos 60. Um testemunho (amostra) de gelo de 140 metros de profundidade retirado do pico do Nevado Illimani - um ponto do continente sulamericano situado a 6.350 metros de altitude que recebe parte das cinzas da combustão de vegetação da Amazônia - mostra que o início da tendência de aumento no ritmo das queimadas na região ocorreu entre 30 e 40 anos atrás. Como o gelo do Andes, distante mais de mil quilômetros da Amazônia, pode dar esse tipo de informação? Quando intactas e bem preservadas, as camadas de gelo

• Os poderes do alho contra bactérias

Montanha nos Andes, amostra de gelo e partícula de poeira ampliada por microscopia eletrônica: queimadas do passado de uma localidade, como as do Illimani, podem ser usadas como uma espécie de arquivo do clima e química da atmosfera. Os componentes do ar do passado, inclusive a fumaça das queimadas, ficam aprisionados e conservados no gelo, possibilitando o seu resgate para análises científicas. Para fornecer informações sobre as queimadas da Amazônia, 50 metros do testemunho do Illimani, extraído em 1999 por uma expedição científica franco-suíça, foram fatiados em 744 pedaços menores pelo pesquisador Alexandre Correia, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, principal autor do estudo. Em seguida, com o auxílio de um aparelho chamado de espectômetro de massa, Correia reconstituiu as emissões atmosféricas da Amazônia que chegaram ao monte boliviano nos últimos 80 anos do século passa-

do em relação a 46 elementos químicos. O método permitiu identificar, ano a ano, quanto foi expelido na atmosfera na forma de aerossóis, micropartículas dê poeira transportadas pela chuva e vento - de cada um desses elementos. "Na verdade, para cada ano analisado, conseguimos até separar o que foi emitido no verão do que foi no inverno", diz o pesquisador, que realizou o estudo no âmbito do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia, projeto internacional de US$ 80 milhões que, desde 1999, reúne mais de 300 pesquisadores da América Latina, Estados Unidos e Europa, sob a liderança do Brasil. Também participaram do trabalho cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e de duas instituições francesas, Universidade Paul Sabatier e Universidade Ioseph Fourier. •

Vários estudos científicos já confirmaram a eficácia do alho como bactericida. A dúvida que ainda pairava era se o alho é tão bom para matar bactérias e fungos, não será também danoso a microrganismos benéficos? O pesquisador David Lloyd e sua equipe da Universidade Cardiff, da Inglaterra, expuseram a bactéria intestinal Escherichia coli e o Lactobacillus casei a diferentes concentrações de extrato de alho. O extrato foi tóxico para ambas, mas E.coli, que pode causar intoxicação alimentar, foi quase dez vezes mais suscetível que L. casei, que ajuda na digestão. O fato de o alho ser menos danoso a L.casei não prova que outros microrganismos benéficos sejam igualmente resistentes, mas os estudos reforçam a idéia de que ele possa ser usado como antibiótico. Até agora, não se detectou resistência bacteriana ao alho, provavelmente porque ele contém uma mistura de várias substâncias, em vez de um simples agente. O alho poderia, ainda, ser uma alternativa a substâncias corrosivas como a água sanitária para descontaminar equipamentos e construções após ataques de armas químicas. • Alho: bom para descontaminar equipamentos

PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 35


CIÊNCIA I CAPA MEDICINA

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soucao Pesquisas mostram que soro rico em sal diminui lesões do choque hemorrágico e atua sobre o sistema imunológico MARCOS

PIVETTA

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mainvenção simples e 100% nacional, a solução hipertônica, um preparado de água esterilizada com uma altíssima concentração de cloreto de sódio (sal), tornou-se, nos últimos anos, uma alternativa segura e eficiente ao uso do tradicional soro fisiológico na reanimação de vítimas de choque hemorrágico, situação em que a perda excessiva de sangue, geralmente devido a um trauma, pode matar uma pessoa ou deixar seqüelas. Agora, novos estudos no Brasil levantam evidências de que a solução hipertônica - ou o salgadão, como é informalmente chamada no meio médico - pode ter efeitos ainda mais amplos. As pesquisas indicam que esse preparado, normalmente empregado em doses até dez vezes menores do que as prescritas para o soro fisiológico, pode controlar arritmias cardíacas causadas pela queda na corrente sanguínea de um tipo de anestésico, modular a resposta inflamatória do sistema imunológico durante o cho-

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que e diminuir as seqüelas de lesões no cérebro e coração decorrentes da falta de oxigênio produzida pela baixa na circu. lação. Por fim, os estudos ainda jogam . luz sobre o mecanismo de ação do salgadão, ainda não totalmente explicado. Não por acaso as pesquisas são chefiadas pelos médicos Irineu Velasco e Maurício da Rocha e Silva, os inventores do salgadão, cuja descoberta foi divulgada em 1980 no The American Iournal of Physiology. Hoje trabalhando em separado, com equipes próprias, cada um dos cientistas está à frente de um projeto temático da FAPESP que analisa o emprego da solução hipertônica em situações variadas e sob diversos ângulos. "Num primeiro momento, a hipertônica pareceu um simples tratamento para o choque, mas agora sabemos que ela é um formidável instrumento de estudo, com amplas possibilidades clínicas", avalia Velasco, diretor da Faculdade de Medicina, da Universidade de São Paulo (USP). É interessante notar que a solução hipertônica e o soro fisiológico possuem,

como irmãos de uma mesma família, os mesmos componentes essenciais, água e sal- mas em concentrações diferentes. Na receita do soro fisiológico entram 900 miligramas de cloreto de sódio por 100 mililitros de água, a mesma concentração de sal encontrada nas células normais do corpo humano. Daí o seu nome técnico de solução isotônica. Já a solução hipertônica apresenta 7.500 miligramas (7,5 gramas) de sal por 100 mililitros de água. Ou seja, sua concentração de cloreto de sódio é oito vezes maior do que a do soro fisiológico. Por conta dessa diferença, a solução hipertônica só se congela a-50 Celsius. Mais próximo da água pura, o soro fisiológico se solidifica a 0° Celsius. A maioria dos novos efeitos positivos atribuídos ao salgadão foi detectada em experimentos com ratos, coelhos e cachorros. Isso não quer dizer que não há progressos em testes com humanos. No Instituto do Coração (Incor), por exemplo, o preparado de água com


Aplicação da solução hipertônica em vítima de choque hemorrágico: pequenas quantidades do salgadão ajudam a restabelecer a pressão arterial em pacientes de trauma


sal em alta concentração obteve sucesso em acelerar a recuperação de pacientes que se submeteram a certos tipos de cirurgia cardíaca, situação em que a pessoa passa por um choque hemorrágico controlado, visto que parte de seu sangue é desviado para uma máquina encarregada de manter sua circulação. "Ainda não podemos precisar para que fins, além do choque, a solução vai se firmar como uma opção terapêutica'; afirma Rocha e Silva, chefe do departamento de CardioPneumologia da Faculdade de Medicina e diretor da Divisão de Experimentação do Incor. ''Aposto, no entanto, que ela vai ser útil em uma ou duas situações e talvez a cirurgia cardíaca seja uma delas:' Como boa parte dos achados da medicina, a descoberta da solução hipertônica nasceu de um acaso. No início da década de 70, quando trabalhava na Santa Casa de São Paulo, Velasco percebeu que, durante uma sessão de hemodiálise, um paciente com pressão baixa teve sua pressão arterial normalizada sem razão aparente. Ao verificar a composição do fluido usado na diálise, o médico viu que havia ali muito cloreto de sódio. Uma enfermeira havia colocado sal demais no soro. ''A solução hipertônica nasceu de uma maluquice", afirma Velasco, em tom de brincadeira. O episódio inspirou o médico a pesquisar o uso da solução em pacientes de choque hemorrágico, que, devido à grande perda de sangue, devem ter sua pressão arterial restabelecida o mais rápido possível a fim de preservar sua vida e diminuir seqüelas. Em sua tese de doutorado, sob orientação de Rocha e Silva, Velasco esboçou os mecanismos básicos de ação da solução, que, em seguida, foram mais bem trabalhados no artigo internacional que divulgou a descoberta. "Diante dos primeiros resultados da solução, logo vimos que tínhamos algo quente em mãos", relembra Rocha e Silva. De lá para cá, o salgadão já foi alvo de mais de 1.300 artigos científicos. Por ora, o único uso regulamentado da solução hipertônica é como uma alternativa ao emprego do soro fisiológico para o tratamento do choque hemorrágico. Aliás, o que caracteriza exatamente essa situação Clínica? Quando há perda importante de sangue (a partir de um litro em um adulto de 70 quilos), ocorre um colapso circulatório: a pressão arterial cai tanto que o coração não consegue mais bombear sangue, rico em 38 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

oxigênio e nutrientes, para os tecidos do corpo. Resultado: por falta de suprimentos, os órgãos começam a entrar em falência. A vítima de choque hemorrágico passa a suar frio e empalidece. As pupilas se dilatam. A boca seca. A respiração se torna irregular. O fluxo urinário diminui. O ritmo da pulsação dispara e, ao mesmo tempo, seu sinal se torna mais fraco. Se a pressão arterial não for normalizada, a morte é iminente. teoria, a quando se encontr~ na situação descrita acima, o tratamento ideal seria repor o volume de sangue que saiu do corpo com o mesmo líquido o mais rápido possível. Na prática, por vários motivos, como a impossibilidade de ter em mãos um variado estoque de sangue livre de doenças infecciosas, nenhum médico faz isso no momento em que atende um paciente de choque hemorrágico. Recorre-se a grandes quantidades de soro fisiológico ou a pequenos volumes de solução hipertônica. Por que se faz isso? Ainda nos anos 80, Velasco e Rocha e Silva mostraram que alguns mililitros da solução hipertônica atuavam de forma benéfica para a vítima de choque em três frentes: promoviam a vaso dilatação das artérias, melhoravam a performance do miocárdio (coração) e realocavam fluidos que estavam estocados em partes do organismo para o interior das veias. Esse tripla ajuda era fundamental para o paciente superar a perda de sangue, num processo semelhante, mas mais complexo, ao promovido pela administração do soro fisiológico. Desde então, houve avanços no sentido de tentar entender o mecanismo de ação do preparado rico em sal. Pesquisas mais recentes creditam os efeitos do salgadão a dois fatores: à sua maior pressão osmótica em relação aos tecidos do corpo e à existência nos animais e seres humanos de um componente neural, uma espécie de sensor dos níveis de eloreto de sódio, que reconhece prontamente essa diferença de pressão. Em termos leigos, o que isso quer dizer? Vamos por partes. Por ser mais concentrada (ter mais solutos em sua composição) do que o sangue, a solução hipertônica apresenta maior pressão osmótica. Ou seja, tem mais capacidade de atrair solventes (fluidos) de soluções

N

com menor pressão osmótica. Como a concentração de solutos dentro dos tecidos corporais é menor do que no salgadão, este acaba retirando fluidos do interior das células e deslocando esses líquidos para o interior dos vasos sanguíneos e interstícios (diminutos espaços existentes entre os tecidos ou entre as partes do corpo). "O volume de fluido no sistema circulatório aumenta, o que ajuda a restaurar a pressão arterial do paciente em choque hemorrágico" comenta Heraldo Possolo de Souza, coordenador do Laboratório de Emergências Clínicas da Faculdade de Medicina, onde são feitas as pesquisas do temático de Velasco. Como, até agora, apenas um tipo de solução extremamente concentrada conseguiu produzir tais efeitos (a hipertônica), os pesquisadores sabem que a diferença de pressão osmótica não pode explicar todo o mecanismo de ação do salgadão. Deve haver, portanto, uma ação específica do sal no organismo. Surge, então, a hipótese de que o ser humano deve possuir um tipo de neurossensor da concentração de cloreto de sódio, que é ativado quando ocorrem mudanças de pressão. "Evolutivamente, isso seria um resquício do tempo ancestral em que a vida surgiu no mar (ambiente rico em sal)", afirma Velasco. Para os defensores dessa idéia, esse sensor está localizado na região do pulmão, pois a solução precisa passar por essa parte do organismo para iniciar seus efeitos. Experimentos feitos na Faculdade de Medicina sugerem que o vago, um nervo cranial que fornece fibras sensoriais para o coração e órgãos do tórax, guarda alguma relação com esse sensor. Contudo, a teoria de que haveria tal neurossensor não é consenso entre os inventores do salgadão. "Não há suficiente evidência de que esse fenômeno ocorra", afirma Rocha e Silva. "Na verdade, há fortes indicações de que ele não ocorre." O dado instigante é que, em meio às discordâncias e esforços para compreender a ação da solução hipertônica, vêm sendo descobertos outros efeitos do soro rico em sal. Um desses benefícios é a diminuição da extensão das lesões cerebrais (e cardíacas) em pacientes que sobreviveram ao choque hemorrágico. Essas lesões, chamadas de isquemia, são o resultado do fluxo insuficiente de oxigênio e nutrientes nessa região. Quando ocorre o choque e o cérebro deixa de receber a quantidade normal de sangue, uma par-


te dos neurônios morre. O problema é que, ao se restabelecer o fluxo de fluidos (com oxigênio) para a região afetada pela lesão, num processo chamado tecnicamente de reperfusão, ocorre um segundo dano celular na região da isquemia, rotulado de morte neuronal tardia. "É um paradoxo", afirma Souza. "Precisamos reperfundir o paciente, mas a volta do oxigênio à área lesionada provoca mais destruição celular." Agora a boa notícia: em ratos com isquemia, os pesquisadores da USP verificaram que o uso da solução hipertônica torna a reperfusão menos agressiva à área já lesionada. Numa outra linha do trabalho, o salgadão forneceu indícios de que pode ser aliado no controle de overdoses por drogas. Em experimentos com corações de coelhos e cachorros, o médico Augusto Scalabrini Neto e colegas do Laboratório de Emergências Clínicas conseguiram reverter, apenas com a aplicação da solução hipertônica, um quadro de arritrnia cardíaca causada por uma intoxicação de bupivacaína, droga usada como anestésico local. Essa substância, quando cai acidentalmente na corrente sanguínea, bloqueia os canais de sódio do coração, provocando uma falha nos batimentos cardíacos. O problema, se não controlado, pode ser fatal. Nos testes, com o auxílio de um sofisticado aparelho chamado patch clamp, a administração do salgadão em células cardíacas desses bichos abriu os canais de sódio, pavimentando o caminho para que o estímulo elétrico chegasse ao coração e fizesse o músculo trabalhar. Os resultados animaram os pesquisadores, que agora vão verificar se o salgadão também pode reduzir as arritmias cardíacas provocadas por uma outra droga - a cocaína. Outro efeito surpreendente da solução diz respeito à sua aparente atuação no sistema imunológico durante o choque hemorrágico. Estudos com ratos levantaram evidências de que o salgadão aumenta a produção de uma enzima importante para a resposta inflamatória, a ciclo-oxigenase 2 (COX2). "Vimos que a solução é capaz de alterar a expressão do gene que codifica essa enzima', afirma Souza. O que isso tem de importante? Sem a COX2, o organismo não sintetiza prostaglandina, uma família de substâncias similares a um hormônio, algumas das quais produzidas quando ocorre um trauma celular. Ou seja, sem a prostaglandina não há inflamação, que,

Produção de ampolas na farmácia do Hospital das Clínicas de São Paulo: recipientes para a solução hipertônica

Cristais de sal ampliados por microscopia eletrônica: teoria de que homem tem sensor de cloreto de sódio no pulmão

PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 39


Teste de memória em rato: salgadão ajuda a preservar funções cerebrais

Experimento com coração de animal: solução hipertônica diminui lesões da isquemia

num primeiro momento, nada mais é do que uma resposta natural e necessária do sistema imunológico diante de uma agressão.Numa segunda etapa, geralmente se faz necessário controlar essa inflamação, que causa dor e desconforto no paciente, mas, logo após a agressão, essa reação é imprescindível. As pesquisas nessa linha mostram, portanto, que o salgadão pode ser um modulador da maior ou menor presença de COX2 no organismo. "Pode ser que a melhora da . resposta inflamatória ajude a prevenir infecções': comenta Souza. Há algum tempo, cientistas daqui e de fora têm levantado indícios promis-

sores sobre as repercussões da solução hipertônica no sistema imunológico. No final da década passada, um grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia revelou que o salgadão, apesar de ser eliminado pela urina cerca de seishoras após a sua administração, consegue preservar por aproximadamente um dia os mecanismos de defesa das vítimas de choque hemorrágico que foram tratadas com a solução hipertônica. Entre outros problemas, a perda de grandes volumes de sangue deprime o sistema imunológico, situação que deixa uma porta aberta para que vírus e bactérias ataquem a já fragilizada vítima de cho-

o impacto do trauma Nas grandes cidades, a exemplo do que costuma acontecer em cenários de guerra, vítimas de choque hemorrágico são uma constante nas ambulâncias e pronto-socorros públicos. Se nos campos de batalha essa condição clínica é geralmente uma decorrência de ferimentos causados por projéteis ou bombas, no meio urbano, afora as vítimas de bala, os acidentes de trânsito são os responsáveis, provavelmen-

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te, pela maioria dos casos de choque hemorrágico, geralmente em razão dos fortes traumas mecânicos decorrentes de batidas de automóvel. O choque hemorrágico, portanto, está quase sempre ligado a alguma situação de violência, voluntária ou não. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que mais de 5 milhões de pessoas, sobretudo do sexo masculino, morrem todo ano em

razão de algum tipo de trauma (com posterior choque hemorrágico), mais de 90% delas habitantes de países pobres ou em desenvolvimento. Isso sem contar as que ficam com inúmeras seqüelas, um golpe em sua qualidade de vida e produtividade no trabalho. "O prejuízo econômico do choque hemorrágico para a sociedade é incalculável", comenta Heraldo Possolo de Souza, coordenador do Laboratório

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ticiparam desses experimentos, sem saber, obviamente, se estavam recebendo o salgadão ou o placebo, além, é claro, do tratamento clínico que era necessário de acordo com a gravidade da situação. Se os dados de todos esses estudos forem reunidos num só grande experimento, os resultados a favor do emprego da solução hipertônica não são nada desprezíveis.

que hemorrágico. Para investigar eventuais efeitos a longo prazo do salgadão sobre as células de defesa, um interessante estudo com ratos foi feito no Incor. Primeiro, os animais sofreram uma hemorragia. Em seguida, foram divididos em dois grupos: uma parte dos bichos recebeu o preparado rico em sal e a outra, o soro fisiológico. Por fim, 24 horas após o início do tratamento, foi causada, em todos os animais, uma infecção grave e se analisou a mortalidade em cada grupo. Resultado: 70% dos ratos que receberam o soro fisiológico não resistiram à infecção, contra 20% entre os que foram alvo da hipertônica. Nas duas últimas décadas, foram feitos pelo menos uma dezena de pequenos e médios estudos em várias partes do mundo comparando possíveis benefícios do uso da solução hipertônica e de placebo (um preparado inócuo) em pacientes com choque hemorrágico que chegaram vivos em hospitais. Segundo Rocha e Silva, cerca de 1.600 pessoas par-

ntre os acidentados que receberam o preparado inócuo, 30% morreram, contra 20% entre os que foram submetidos ao salgadão. Essa redução da mortalidade é reconhecida na Europa, onde a maioria dos países aprovou o uso da hipertônica no choque hemorrágico. "Mas o FDA (o órgão dos Estados Unidos que regula a venda de remédios) não reconhece esse tipo de análise que junta dados de várias pesquisas", afirma Rocha e Silva. Para liberar o uso do preparado com sal concentrado em seu país, os norte-

E

OS PROJETOS Mecanismos Gerais de Isquemia e Reperfusão, suas Repercussões nos Diversos Órgãos e sua Mediação

Tratamento Inicial do Choque MODALIDADE

Projeto

temático

MODALIDADE

Projeto

temático

COORDENADOR

MAURÍCIO DA ROCHA E SILVA - Incor

COORDENADOR

IRINEU VELASCO- Faculdade de MedicinaJUSP

INVESTIMENTOS

INVESTIMENTOS

R$ 189.858,33 e US$ 541.103,31

RS$ 798.488,11 e US$ 121.583,00

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de Emergências Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). As estatísticas mostram que metade das vítimas de traumas perde a vida imediatamente no local da ocorrência. Entre os sobreviventes do acidente/agressão, há ainda dois picos de mortalidade: o primeiro ocorre minutos ou horas após o trauma; e o segundo, semanas mais tarde, em razão de deficiências importantes no funcionamento de múltiplos órgãos e sistemas. O destino da outra metade,

dos sobreviventes do acidente/agressão, vai depender de uma série de fatores, como a gravidade do choque hemorrágico, o tempo de resgate e, logicamente, do tipo de tratamento empregado no socorro. Para esses pacientes de trauma que ainda estão lutando pela vida, uma das primeiras medidas dos enfermeiros ou médicos, assim que conseguem acesso à vítima, é injetar na veia do acidentado o soro fisiológico - ou a solução hipertônica - a fim de combater o choque hemorrágico.

americanos exigem a realização de um grande estudo clínico - e não a soma de pequenas pesquisas. É uma empreitada que consumiria cerca de US$ 5 milhões. "Mas as Forças Armadas dos Estados Unidos cogitam bancar um estudo assim", diz Rocha e Silva. Se não forem os militares, dificilmente alguma indústria farmacêutica se interessará em realizar tal estudo, visto que não há perspectiva de lucro financeiro com a solução hipertônica. Os brasileiros não a patentearam nos anos 80 e, ainda que o tivessem feito, essa proteção intelectual hoje já teria expirado. Ironicamente, nem mesmo um pesquisador norteamericano que fez uma modificação na solução - adicionou uma macromolécula, a dextrana, que prolonga os efeitos benéficos do salgadão puro - e obteve uma patente desse novo produto em seu país conseguiu ganhar dinheiro. Como os Estados Unidos ainda não aprovaram a utilização da solução hipertônica e a patente não vale na Europa, onde se usa a solução com dextrana, o cientista não engordou a conta bancária com seu invento. Qual a necessidade de se pesquisar o emprego da solução hipertônica se o soro fisiológico salva vidas desde a Primeira Guerra Mundial, quando passou a ser o tratamento padrão ao choque hemorrágico? O soro é um tratamento fabuloso, mas, para produzir efeito, tem de ser administrado em grandes quantidades, num processo que pode demorar horas. "Normalmente, para cada litro de sangue perdido, injetamos três de solução isotônica", afirma Souza. Por isso, é normal e esperado que, nesses casos, o paciente fique com excesso de líquido em seu organismo por uns dois ou três dias. Como o salgadão é aplicado de forma bem mais rápida e em dose muito menor, não há injeção excessiva de fluidos. "Em vítimas de hemorragia com lesão neurológica, já vímos que o uso da solução hipertônica 'enxuga' o cérebro e melhora o edema na região': comenta Rocha e Silva. Ironicamente, quando sua equipe no Incor foi tentar reproduzir essa observação clínica num experimento controlado, com cachorros submetidos à hemorragia e lesão cerebral semelhantes às das pessoas acidentadas, tal resultado positivo não apareceu. É mais um mistério associado à solução hipertônica, que ainda vai dar muito trabalho aos cientistas. • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 41


• CIÊNCIA

FITOTE RAPIA

Na batida natural Em laboratório, composto de plantas medicinais pára arritmia que mata infartado do miocárdio

N

final o do ano passado, a pesquisadora Vera Pontieri, do Laboratório de Emergências Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), se surpreendeu ao ver que o emprego de um fitoterápico nacional, um composto de quatro plantas medicinais vendido com o nome comercial de Catuama, conseguiu deter um tipo de arritmia que acometia um coração de coelho durante um experimento, prevenindo assim uma iminente parada cardíaca. O espanto foi tamanho que o teste foi repetido várias vezes em situações mais controladas, com uma monitoração detalhada dos batimentos cardíacos dos animais. O resultado foi sempre o mesmo. "Em dois minutos, os corações paravam de fibrilar", diz o médico Augusto Scalabrini Neto, outro pesquisador do laboratório. "Não se conhece droga que faça isso." A fibrilação ventricular é um tipo de arritmia na qual as diversas fibras cardíacas contraem-se desordenadamente, impedindo que o sangue seja bombeado eficazmente pelo coração. Essa arritmia é a responsável por 90% das mortes imediatas após o infarto agudo do miocárdio em humanos. O único tratamento conhecido para corrigi-Ia, com cerca de 30% de sucesso se adotado até cinco minutos após o infarto, é aplicar no tórax do paciente um choque elétrico com um aparelho conhecido como desfibrilador. Os cientistas paulistas ainda julgam muito prematuro fazer alguma previsão sobre o uso potencial do fitoterápico, hoje vendido na forma de xarope ou cápsula como um tipo de energético sexual, para prevenir esse tipo de arritmias. "Mas vamos continuar as pesquisas com o produto", garante lrineu

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Guaraná, gengibre, muirapuama

e catuaba: as quatro plantas do fitoterápico

Velasco, diretor da Faculdade de Medicina e também envolvido no estudo. Produzida pelo Laboratório Catarinense, uma indústria nacional sediada em Joinville, a Catuama é um composto natural inventado há mais de 15 anos. Em sua formulação, entram quatro plantas encontradas nas matas nacionais: o guaraná (Paullinia cupana), a muirapuama (Ptychopetalum olacoides), o gengibre (Zingiber officinale) e uma espécie particular de catuaba (Trichilia catigua). Por se tratar de um fitoterápico, com um número indeterminado de substâncias agindo e interagindo em sua formulação, os pesquisadores não almejam encontrar o princípio ativo da mistura de ervas que parece atuar sobre a fibrilação. "Não sabemos o que está agindo na arritmia e a chance de descobrirmos isso é pequena", comenta Scalabrini.

Estudos recentes feitos por João Batista Calixto, do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), especialista em fitoterápicos, mostram que o produto é seguro, não-tóxico e realmente proporciona alguns benefícios. ''A Catuama produz vasodilatação, sendo esse efeito mediado pela liberação de óxido nítrico", afirma Calixto. "Ela também possui ação analgésica de longa duração e causa relaxamento na região do corpo cavernoso do pênis em animais e em humanos:' Até o momento, foram depositadas quatro patentes do produto, uma delas já aceita no Brasil e nos Estados Unidos. Outras pesquisas de Calixto levantaram ainda indícios de que o preparado natural pode ter efeitos antidepressivos e antioxidantes, além de prevenir a agregação de plaquetas nas artérias. •


• CIÊNCIA

GENÉTICA

Medicamentos à base de vírus Produção de vetores faz avançar a terapia gênica, alternativa de tratamento de doenças como o câncer de cérebro

nauguradahá cerca de dez anos, a terapia gênica é uma delicada área de fronteira que trata da correção de genes defeituosos ligados a patologias. Nessa frente avançada, pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP) elaboram um protocolo de terapia gênica contra o câncer de cérebro. Coordenados por Eugenia Costanzi-Strauss, usam a estratégia da transferência de genes mediada por vírus para induzir a morte das células tumorais. Alguns vírus têm capacidade de introduzir material genético em células humanas: modificados em laboratório, esses vírus são vetores de transferência gênica e servem para transportar genes terapêuticos. O grupo já produziu quatro sistemas desses vetores. No exterior, quase 600 protocolos de terapia gênica já foram planejados ou

I

Resultado promissor: o azul mais intenso comprova a reação do vírus modificado com as células '--

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PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 43


executados e serviram para coadjuvar tratamentos de cerca de 3.500 pacientes - 96% dos Estados Unidos e da Europa, mas nenhum da América Latina, o que estimula os pesquisadores. Quanto a resultados efetivos, não há dados suficientes para uma avaliação. ''Além de ser uma metodologia muito jovem (o primeiro protocolo foi publicado pela revista Science em 1995), a terapia gênica só é aplicada em casos terminais, quando todos os tratamentos tradicionais foram usados e falharam'; diz Eugenia. Assim, poucos casos resultaram em redução do tamanho do tumor e poucos pacientes tiveram aumento de sobrevida, mas houve ganhos: "Alguns pacientes relataram que, após o tratamento gênico, tiveram uma redução da dor e uma melhora na qualidade de vida': E a terapia gênica tem tido grande sucesso em outra área: o tratamento de imunodeficiência grave com retrovírus. O desafio é pôr o gene certo na célula certa e fazer com que ele se expresse adequadamente. Segundo o norte-americano Bryan Eric Strauss, marido de Eugenia e principal colaborador do grupo, tudo depende de se desenvolver vírus vetores: "Quando um vírus penetra numa célula, sua informação genética se agrega ao genoma da célula. Esse é o processo natural. Nossa intervenção consiste em manipular a informação genética transportada pelo vírus e também o modo de ela se expressar na célula': Strauss trabalha no aperfeiçoamento desses vetores e já tem uma coleção de vírus, que pretende patentear: quatro famílias modificadas a partir de uma que trouxe da Universidade da Califórnia, Estados Unidos, e mais duas famílias em desenvolvimento. ''Acredito que nossos vírus manipulados serão tratados como medicamentos num futuro próximo." O importante, para ele, é que toda essa tecnologia está sendo desenvolvida no Brasil, desde a descoberta de novos genes e a produção dos vírus terapêuticos até a realização de protocolos de terapia. No exterior, empresas de 44 . AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

biotecnologia já produzem uma variedade de vírus. "Em vez de importá-los, o Brasil poderá transformar-se em centro inovador e fornecedor." Tumor cerebral - O grupo trabalha na terapia gênica do glioblastoma, tumor cerebral de péssimo prognóstico, pois não responde a tratamentos convencionais. A meta é inibir o tumor com genes supressores: eles controlam o ciclo ce-

Retrovírus: modificados, levam genes de interesse para dentro das células-alvo

lular, impedindo a reprodução desordenada de células que caracterizam o câncer. Presentes nas células normais, esses genes foram perdidos pelas tumorais. Trata-se de repô-los com vetores virais. "Estamos utilizando retrovírus (formados por RNA, ácido ribonucléico) modificados, que são os veículos capazes de transportar os genes de interesse para dentro das células-alvo e, uma vez lá dentro, promover sua expressão", diz Eugenia. Os pesquisadores construíram vírus recombinantes, portadores de genes supressores do tumor, e demonstraram

que não há um gene supressor único capaz de inibir todos os casos de glioblastoma. Também construíram e clonaram retrovírus bicistrônicos - capazes de transferir e expressar simultaneamente dois genes supressores, inibindo assim a proliferação celular num extenso expectro de ação. E ainda estabeleceram modelos animais, que demonstram que os vírus são vetores eficientes, capazes de transferir e expressar genes in vivo. E podem monitorar a expressão transgênica in vitro e in vivo. ''Agora que as bases estão montadas'; diz a pesquisadora, "começamos a desenhar o primeiro protocolo clínico para a terapia gênica de câncer no Brasil e uma criteriosa metodologia para a produção de vírus terapêuticos destinados a seres humanos." Para montar o vetor, combinam-se duas seqüências moleculares ou plasmídios: uma carregada com o gene ou os genes terapêuticos; outra, com genes que conferem ao conjunto as características de um vírus. Ambas são acopladas por células empacotadoras com alta capacidade de síntese protéica. "Quando os plasmídios se combinam, o resultado é um vírus totalmente manipulado, capaz de comunicar às células-alvo os genes de interesse", sintetiza Strauss. "Esse vírus é incapaz de replicar-se: infecta as células uma única vez, o que garante que o processo não escape ao controle." No câncer, os genes de interesse são p16, p21, p53 e pRb. Presentes no organismo sadio, são freqüentemente perdidos pelo tecido tumoral e devem ser repostos. O p53 e o p16 são especialmente importantes: o primeiro provoca a morte das células e o segundo induz seu envelhecimento. Sem a ação inibidora de ambos, as células cancerosas se multiplicam descontroladamente. Infectadas por um vírus bicistrônico que carregue os dois genes, as células recebem um forte estímulo para parar de crescer, até mesmo para morrer, e tornam-se vulneráveis à radioterapia. Importante: esse vírus manipulado já


Glioma antes e depois de aplicar o vírus: a caminho do primeiro protocolo clínico para a terapia gênica de câncer no Brasil

está disponível no arsenal do Laboratório de Transferência Gênica do ICB. Coração se cura - Outra contribuição importante foi manipular o componente de plasmídio LTR - que ativa a expressão da seqüência de DNA que vem em seguida, para impedir que a expressão do vírus-vetor decaia. "Para isso, utilizamos o próprio gene p53, empregado para provocar a marte das células tumorais', diz Strauss. Usar o p53 para matar células cancerosas já é um procedimento comum. "A originalidade de nossa contribuição foi recorrer ao mesmo gene para aumentar a expressividade do vírus-vetar, uma tecnologia extremamente complicada, toda desenvolvida no Brasil:' Uma das parcerias que o grupo formou foi com José Cipolla Neto, também do ICB, especialista em indução e remoção de tumores do cérebro de animais. Removido o tumor por cirurgia, os tecidos vizinhos recebem uma injeção de genes supressores para evitar a recorrência, freqüente no glioblastoma. Ao concluir o pós-doutorado no ICB, Strauss mudou-se: foi para a equipe de José Eduardo Krieger, no Instituto do Coração (Incar) da USP, que testa em animais um procedimento inovador, para que as células cardíacas produzam proteínas terapêuticas. "Nosso interesse é desenvolver vetores virais

capazes de fazer com que as células cardíacas expressem determinadas proteínas - especificamente, a IGFl, associada ao crescimento, e a VEGF, ligada à formação de novos vasos", revela Kriegero Transformadas as células em produtoras dessas substâncias, alguém que sofreu enfarto e perdeu tecido cardíaco pode ter uma melhoria das células remanescentes. O procedimento se assemelha ao usado pelo pessoal do 'ICB na terapia do câncer, com objetivo oposto: "Eles precisam matar células, nós queremos ajudar células a sobreviver". O método já é testado em animais. O grupo retira músculo do esqueleto de ratos, separa as células estelares (sem fun-

o PROJETO Eficiente Transferência de Genes de Controle do Ciclo Celular Mediada por uma Aperfeiçoada Plataforma de Retrovírus do Sistema PCL Aplicações In Vitro e In Vivo MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADORA EUGÊNIA COSTANZI-STRAUSS

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Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo INVESTIMENTO

R$ 317.928Al

ção específica) e as transforma in vitro com vírus-vetores, para que produzam as proteínas de interesse. O material obtido é injetado no miocárdio da cobaia. Uma proteína marcadora dá às células mudadas uma cor azul-esverdeada: assim, depois de sacrificar o animal, pode-se ver, por cortes histológicos, quantas células se instalaram com êxito. "Queremos fazer com que um número crítico de células transformadas 'pegue' no local e permaneça o tempo suficiente para promover crescimento celular e produzir novos vasos", afirma Krieger. "Mas não é tão simples: mesmo que as células originais tenham sido retiradas do próprio indivíduo, elas sofrem rejeição por estarem infectadas com os vírus." O grupo do Incor fez uma parceria com o Centro de Biotecnologia do ICB para a produção de vírus terapêuticos com qualidade farmacológica. Outros grupos no país têm projetos na área, com estratégias e modelos diversos. "Esse campo de pesquisa está amadurecendo no Brasil'; diz Eugenia. Logo esses grupos terão diante de si a tarefa de transferir tecnologia do laboratório para o leito do paciente. "Para enfrentar esse desafio", conclui, "todos os grupos precisam validar suas ferramentas genéticas e produzi-ias com qualidade farmacológica, viabilizando a realização de protocolos clínicos." • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 45


• CIÊNCIA

m estudo feito em oito estados do país com 366 pessoas que recentemente foram identificadas como soropositivas e ainda não haviam tomado nenhum remédio contra a Aids revela um quadro complexo e multifacetado a respeito do perfil genético do vírus da doença hoje circulante no território nacional. O trabalho mostra um aumento em algumas regiões do país de formas potencialmente mais agressivas, raras ou mutantes do HIV-l, o tipo de vírus da Aids mais comum no Brasil (e no mundo). "É como se houvesse três epidemias de Aids no Brasil (do ponto de vista da diversidade genética do vírus)", comenta o infectologista Ricardo Diaz, diretor do Laboratório de Retrovirologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), um dos coordenadores do trabalho, feito pela Revire, a Rede de Vigilância de Resistência (a anti-retrovirais, drogas contra a Aids) mantida pelo Ministério da Saúde, que reúne sete instituições científicas do país. De acordo com o estudo, o primeiro de amplitude nacional conduzido pela Revire,quando se olha o Brasil como um todo, a epidemia da doença parece simplesmente obedecer ao mesmo padrão molecular encontrado no

U

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resto da América, Europa, Austrália e Japão: a forma ainda amplamente dominante no Brasil é o HIV-l do subtipo B, o primeiro a entrar aqui na década de 80 ou mesmo antes disso. No entanto, uma análise mais refinada, na qual se busca radiografar especificidades locais, como fizeram os autores da pesquisa, faz saltar aos olhos tendências regionais que, muitas vezes, são mascaradas ou não muito bem delineadas pelas estatísticas nacionais.

HIV saindo de célula de sangue: subtipos podem comprometer tratamento e vacinas

Cenário um - Nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, que concentram pouco menos de três quartos de todos os 230 mil casos oficialmente reconhecidos da doença no Brasil, e no Nordeste, a situação continua a se assemelhar ao que ocorre na maior parte do mundo ocidental. Ou seja, pelo menos 80% das pessoas que participaram do estudo carregavam vírus do subtipo B. Os demais indívíduos apresentavam outras formas de HIV-l, como os subtipos F ou C, ou ainda recombinações de dois dos três subtipos identificados nesses pontos do país. Até aí, parece não haver grande novidade em relação à situação da doença em boa parte do mundo ocidental. As surpresas vêm das extremidades do Brasil. Cenário dois - No Centro-Oeste/Norte, embora o B ainda responda por 70% dos casos, o subtipo F, raro e encontrado em poucas partes do planeta, parece estar ganhando terreno e moldando uma segunda epidemia do ponto de vista da genética molecular. Cerca de 30% dos soropositivos dessa grande região nacional tinham vírus do subtipo F, em suas formas pura (24%) ou recombinada com o subtipo B (6%). Cenário três - O dado potencialmente mais preocupante do estudo diz respeito ao aumento no Sul do país da presença do subtipo C, uma cepa do HIV-l descrita em estudos internacionais como mais agressiva do que o B. No Rio Grande do Sul, quase 67% dos portadores analisados no estudo carregam a forma pura desse subtipo (45%) ou a recombinante (22%), um vírus híbrido de C com B ou de C com F. Esse nível de incidência faz do subtipo C o dominante entre os infectados gaúchos, tendo deixado o B com cerca de 30% e o F com 3%. No Paraná, o subtipo C tamPESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 47


bém se mostra bastante presente: foi encontrado em 32% dos infectados, em sua maioria portadores de formas nãorecombinantes dessa cepa do vírus.

Baixa resistência a drogas o estudo da Revire constatou que a presença de cepas do HIV-1 com elevada resistência ao coquetel de remédios usados contra a Aids, um conjunto de medicamentos chamados de anti-retrovirais, ainda é bastante baixa em portadores recentes da infecção por HIV-1 no Brasil. Das 366 pessoas que compuseram a amostra nacional analisada no trabalho, apenas 23 indivíduos, menos de 7% do total, carregavam algum tipo de vírus com significativa tolerância a uma das drogas empregadas no tratamento da doença. Oito pessoas apresentaram resistência a algum remédio que atua como inibidor de protease e 15 a algum medicamento classificado como inibidor de transcriptase reversa anular a ação dessas duas enzimas do vírus é o principal objetivo do tratamento. Em nenhum dos casos, no entanto, um mesmo doente tinha uma forma do vírus resistente tanto a inibidores de protease quanto a inibidores de transcriptase reversa. O índice brasileiro de resistência a anti-retrovirais é considerado bastante baixo perto dos números apresentados por algumas nações desenvolvidas, como os Estados Unidos e a Espanha, onde a taxa de tolerância a remédios do coquetel chega a ser até três vezes maior. ''Alguns trabalhos anteriores mostraram que a resistência a drogas do coquetel já foi menor no país (cerca de 2%), mas, estatisticamente, os números do passado não são muito diferentes dos atuais", comenta Amilcar Tanuri, do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) , um dos coordenadores da pesquisa da Revire. Em termos práticos, os resultados do novo estudo não questionam - nem esse era o objetivo - a eficácia da estratégia nacional de distribuição gratuita dos remédios do coquetel na rede pública para 115 mil portadores do HIV-l. Também' de acordo com os autores do trabalho, não há, por enquanto, necessidade de serem feitos testes sis48 . AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

temáticos nos doentes para descobrir quem apresenta tolerância aos medicamentos. "Mas precisamos monitorar essa situação periodicamente, pois há, aparentemente, uma tendência internacional ao crescimento dos níveis de resistência", diz Ricardo Diaz, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), um dos coordenadores da Revire. "Isso também já foi visto em algumas cidades do Brasil:' Num outro estudo, feito no âmbito de um projeto temático da FAPESP e realizado em Santos, uma das cidades brasileiras mais atingidas pela epidemia de Aids, a equipe de

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oi justamente no Rio Grande do Sul que essa forma do vírus foi detectada pela primeira vez, ainda na década de 80. "O subtipo C parece estar se expandindo do sul em direção ao norte do país", afirma Diaz, que também é responsável por um projeto temático da FAPESP sobre as características moleculares do vírus da Aids presente em Santos, (SP) uma das cidades brasileiras com mais alto índice de infecção pela doença. "O que nos preocupa é que essa forma do vírus se tornou a dominante nas regiões em que entrou." Na índia e África do Sul, dois países que " juntos contam pelo menos 8 milhões de soropositivos, o ~ subtipo C tornou-se hoje o § responsável pela maioria dos novos casos da doença. Há alguns indícios de pesquisas do exterior, não totalmente comprovados, de que o subtipo C é transmitido mais facilmente entre heterossexuais do que entre homossexuais. No estudo da Revire, no entanto, os pesquisadores não conseguiram estabelecer nenhuma relação entre os subtipos circulantes no Brasil e a opção sexual de seus portadores.

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Coquetel de drogas: a tendência internacional é de perda de eficácia

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Diaz constatou que 20% dos infectados recentes por HIV-1 - pessoas que tinham adquirido o vírus há no .máximo três meses - apresentavam resistência total ao 3TC, um dos inibidores de transcriptase reversa existentes no mercado, e parcial ao AZT, o mais antigo remédio usado contra a doença. Entre os pacientes que tinham contraído o HIV-1 há mais tempo, a taxa de resistência foi de apenas 5%, um indício de que as atuais cepas circulantes do HIV-1 na cidade exibem mutações que as tornam mais tolerantes ao coquetel. É lógico que não se pode comparar a situação de um município com a de um país inteiro, mas também não é prudente fechar os olhos ao que acontece no famoso balneário paulista, uma das primeiras localidades nacionais a adotar medidas mais efetivas de controle da Aids.

Formas mutantes - Outro dado inquietante revelado pela pesquisa: já estão presentes em todas as partes do território nacional formas mutantes ou recombinantes do HIV-1, vírus cujo genoma é um híbrido de dois ou mais subtipos. Até então, essa recombinação genética do vírus da doença era algo encontrado praticamente no Sudeste e Sul do país. A disseminação no Brasil de vários subtipos de HIV-1, puros ou híbridos, pode representar mais um empecilho para a prevenção, diagnóstico e sobretudo tratamento dos doentes nacionais, visto que a maioria das novas drogas e candidatas a vacinas contra a Aids adota como padrão o vírus dos subtipo B, mais comum na Europa e Estados Unidos, os grandes financiadores das pesquisas. Para não ficar na dependência desses estudos, que podem não ser totalmente úteis


AMAZONAS PARÁ

MATO GROSSO

GOIÁS

para controlar a epidemia da doença em seu território, a Índia anunciou no mês passado que pretende desenvolver uma vacina específica para o HIV-1 do subtipo C. No mesmo estudo em que falam da prevalência de subtipos de HIV-1 em portadores recentes da infecção, os pesquisadores da Revire fornecem mais um dado interessante - e, nesse caso, por ora tranqüilizado r - sobre o perfil genético do vírus circulante no Brasil. Menos de 7% das 366 pessoas que participaram do estudo apresentavam resistência a uma ou mais drogas do coquetel de medicamentos normalmente usado para controlar os sintomas da Aids, um índice considerado baixo (veja quadro ao lado). "Por isso, não recomendamos, por enquanto, a realização de testes de rotina na rede pública para medir a possível resistência a drogas do coquetel em soropositivos que estão iniciando o tratamento contra a Aids", diz Amilcar Tanuri, do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), outro coordenador do trabalho da rede do Ministério da Saúde.

Metodologia - Para realizar o trabalho, os pesquisadores da Revire selecionaram uma amostra inicial de 53~ indivíduos que, no ano passado, haviam recebido a notícia de que eram portadores do vírus da Aids depois de terem realizado exames em 13 Centros de Testagem Anônima da rede pública de oito estados do país (Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Pará, Bahia e Ceará). Como não sabiam que carregavam o HIV-1 em seu sangue, essas pessoas, até então, nunca tinham tomado nenhum remédio contra a doença e representavam, potencialmente, um grupo de indivíduos recém-infectados. Devido a dificuldades em amplificar em laboratório o DNA do vírus de uma parte desses doentes e a outros percalços, a amostra final foi reduzida para 366 soropositivos, 60% dos quais do sexo masculino. Foi sobre o material genético do HIV-1 encontrado nesse conjunto de indivíduos que os cientistas realizaram suas análises. Eles seqüenciaram duas regiões de um importante gene do vírus da Aids chamado de pol; que codifica um par

de enzimas fundamentais para o desenvolvimento da infecção do HIV-1 no homem, a protease e a transcriptase reversa. O papel dessas enzimas é tão capital na progressão da infecção do corpo humano que o objetivo final do coquetel de drogas contra a Aids é justamente inibir sua ação. Produzida por uma das regiões genômicas do paI, a protease quebra duas proteínas precursoras em fragmentos menores, sem os quais o vírus perde sua capacidade de crescimento, infecção e replicação. A transcriptase reversa, codificada pela outra região do gene, permite ao HIV-1 integrar-se ao DNA das células de seu hospedeiro e vítima, o homem. Com a determinação da seqüência de pares de bases (as unidades químicas que codificam o DNA) dos trechos do gene pol que produzem essas enzimas, os cientistas conseguem dizer a que subtipo de vírus da Aids essas regiões pertencem. Por extensão, são capazes de afirmar qual é a variedade de HIV-1 que infecta o paciente. "No caso das formas híbridas de HIV-1, cada uma dessas regiões do gene pol veio de um subtipo diferente de vírus da Aids", comenta Ricardo Diaz. • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 49


• CIÊNCIA

BIOLOGIA

Penta,

O

clone campeão

Pesquisadores da Unesp fazem, pela primeira vez no Brasil, uma cópia de um animal adulto oram 9 meses e 20 dias de espera ansiosa, mas valeu à pena. No último dia 11 de julho, nasceu em Iaboticabal, no Hospital Veterinário da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de parto cesariano, a bezerra Penta, o primeiro clone brasileiro gerado a partir de células de um animal adulto. Os dois clones anteriores, os bezerros Vitória, da Embrapa de Brasília, e Marcolino, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), foram clonados, respectivamente, a partir de células embrionárias e fetais. Esses processos são considerados mais simples do que o empregado pelos pesquisadores da Unesp. As células de fetos e embriões reprogramam-se mais facilmente do que uma célula diferenciada (obtida de um animal adulto). A reprogramação nuclear envolve, entre outros fatores, uma complexa reativação e expressão de genes capazes de sustentar o desenvolvimento de um novo indivíduo. O feito é da equipe do veterinário Joaquim Mansano Garcia, professor do Departamento de Medicina Veterinária e Reprodução Animal da Faculdade de

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50 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Unesp, em Jaboticabal. A pesquisa contou com financiamento da FAPESP, por meio de um projeto temático coordenado por Garcia, iniciado em 1998 e com término previsto para 2003. A clonagem, segundo o professor, é apenas uma das vertentes do projeto que tem objetivos mais amplos. "Elevisa compreender a formação do gado nelore .brasileiro, o mais numeroso do país, tendo como enfoque principal o estudo das mitocôndrias", explica o pesquisador. As mitocôndrias são consideradas a usina de força das células, sendo responsáveis pela respiração e sobrevivência celular. Alterações na função dessa organela podem prejudicar o metabolismo celular e, em algumas situações, predispor a doenças degenerativas. Segundo o pesquisador da Unesp, os estudos vão fornecer informações para o melhoramento genético do rebanho bovino do país. Sabe-se que os animais de corte e leite de origem européia (Bos taurus taurus) apresentam maior precocidade sexual e capacidade produtiva, porém menor resistência às doenças e ao calor dos trópicos, em relação aos bovinos de origem indiana (Bos taurus

indicus), chamados de zebu, nos quais se incluem os animais da raça Nelore. "O projeto temático procura investigar a correlação entre os tipos mitocondriais, a avaliação da influência da herança materna do DNA mitocondrial taurus ou indicus e as características de produção dos bovinos de corte e precocidade sexual", explica o doutorando Walt Yamazaki,integrante da equipe do professor Garcia. O grupo é composto ainda pelas doutorandas Simone Méo e Christina Ferreira. No processo de clonagem, os pesquisadores fazem a fusão de uma célula do animal que vai ser clonado (doador do núcleo), com um óvulo sem núcleo e, portanto, sem material genético de outro animal. Essa técnica é chamada de transferência nuclear. Em seguida, o óvulo reconstituído é induzido a se desenvolver como se fosse resultado da fertilização de um óvulo por um espermatozóide. Para que isso ocorra, ele é ativado artificialmente em laboratório. Os pesquisadores da Unesp usaram uma célula somática doadora de núcleo com DNA mitocondrial de uma vaca Bos indicus e um óvulo com DNA mitocondrial Bos taurus. Eles querem ava-


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liar o que ocorre com essas mitocôndrias de Bos indicus inseridas com o núcleo do óvulo receptor. É sabido que, em clones de animais, prevalecem as mitocôndrias do óvulo. No caso da Penta, quase 3% de seu DNA mitocondrial são da vaca Nelore (Bos indicus). Como o previsto, prevaleceram as mitocôndrias do óvulo do gado europeu, embora o clone seja de um zebu. Agora, os pesquisadores passam a monitorar a bezerra Penta e seus futuros descendentes. "Entre outras coisas, queremos saber como ficam os gametas (célula reprodutiva) da Penta. Ela vai reproduzir apenas gametas com mitocôndrias presentes na célula doadora do núcleo ou do óvulo?", indaga Garcia.

Acima, a vaca Nelore que foi clonada. Ao lado, Penta mama na vaca holandesa que a aceitou após ser rejeitada pela mãe-de-aluguel

Uso ampliado - De forma mais ampla, a análise do DNA mitocondrial de bovinos dará subsídios que irão extrapolar o campo do melhoramento genético. Eles também serão úteis para entender certas doenças degenerativas em humanos, como mal de Alzheimer, relacionadas a disfunções mitocondriais. "Nossas pesquisas darão subsídios para entendermos o que se passa com os humanos", diz Garcia. O nascimento de Penta reafirmou a liderança brasileira nas pesquisas de clonagem animal na América Latina. A bezerra da Unesp nasceu com 42 quilos e é fruto de um esforço iniciado em 1986 com pesquisas relacionadas à fecundação in vitro de bovinos. O núcleo do material genético de Penta foi retirado da cauda de uma vaca Nelore POI (puro de origem importada, ou seja, de pai e mãe que não tiveram sangue de gado europeu) com 17 anos de idade. O óvulo, por sua vez, foi extraído de uma vaca de abatedouro de origem européia. A mãe de aluguel, que recebeu o embrião, foi uma vaca mestiça zebuholandesa. "Optamos por retirar fragmentos de tecido de pele da prega caudal por uma questão de comodidade", afirmou Garcia. "Poderia ser de qualquer outro lugar, como a orelha, mas, com uma simples anestesia epidural

(aplicada na cauda e com abrangência para a parte traseira do animal), foi mais fácil extrair o material." A partir dessas células, os pesquisadores produziram em laboratório 19 embriões. Em seguida, eles foram implantados em 11 vacas, sendo -que algumas receberam mais de um embrião a mãe de Penta, por exemplo, recebeu dois. Três vacas iniciaram a gestação, mas somente uma delas desenvolveu o processo normalmente até o fim. Logo ao nascer, Penta foi rejeitada pela sua mãede-aluguel. ''A vaca zebu precisa sentir o cheiro da cria e lambê-Ia logo que

o PROJETO Estudo da Função e Herança do DNA Mitocondrial (mtDNAJ nos Bovinos: Um Modelo Animal Produzido com Nelore MOOALIDADE Projeto Temático COORDENADOR JOAQUIM MANSANO Jaboticabal

GARCIA - Unesp

INVESTIMENTO

R$ 440.023,93 e US$ 229.318,57

nasce, caso contrário não a reconhecerá e a rejeitará", explicou o professor Garcia. Depois de receber mamadeira por seis dias, Penta aceitou o úbere de duas vacas da raça Holandesa que não a rejeitaram. O projeto de Jaboticabal empregou a mesma técnica de clonagem da ovelha Dolly, realizada em 1996, na Escócia. Os pesquisadores da Unesp, no entanto, inovaram ao utilizar o cloreto de estrôncio combinado à droga ionomicina para ativar o óvulo reconstituído. Em experiências anteriores utilizou-se a ionomicina associada a uma outra droga, a 6DMAP. "O cloreto de estrôncio produz um efeito mais próximo ao da fecundação normal por um espermatozóide', explica Yamazaki, que foi o responsável direto pela clonagem de Penta. "Os estudos mostram que o estrôncio apresenta melhor resultado para o desenvolvimento de embriões clones reconstituídos com células de um animal adulto." Ajuda essencial - Até o momento, os cientistas da Unesp já receberam mais de R$ 900 mil da FAPESP, que foram usados na aquisição de equipamentos e materiais, pagamento de bolsas para pesquisadores e gastos com importação. Entre os aparelhos importados, três foram essenciais para o sucesso da pesquisa: um microscópio com sistema de processamento de imagens e de micromanipulação, um sistema de produção de pipetas e um aparelho de eletrofusão celular, que possibilita a introdução de material nuclear no óvulo. O projeto temático conta também com a participação de outras instituições: Departamentos de Genética e Fisiologia da Faculdade de Medicina e do Departamento de Toxicologia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, ambas da USP de Ribeirão Preto, e da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP de Pirassununga. Juntos, eles marcaram um gol de placa num assunto tão delicado e sofisticado quanto a clonagem animal. • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 51


,'E • CIÊNCIA ~

PALEONTOLOGIA

muito emocionante ter em minha mão o começo da linhagem humana." Absolutamente convencido da importância de sua descoberta, o paleontólogo francês Michel Brunet, da Universidade de Poitiers, era puro contentamento no dia 12 de julho, ao exibir publicamente, pela primeira vez, na França, um crânio e os fragmentos de mandíbula encontrados por sua equipe num deserto do Chade, na África Central, após 25 anos de escavações. Com 6 a 7 milhões de anos, o Sahelanthropus tchadensis ou Homem de Toumai - esperança de vida na língua local- é o mais antigo e o mais primitivo precursor da espécie humana, que reúne traços tanto de hominídeos como de macacos. É um dos achados mais importantes dos últimos cem anos por ter vivido num período crítico, em que houve a separação entre hominídeos e macacos e do qual se conhece muito pouco, e por derrubar os paradigmas sobre a evolução do Homo sapiens: em vez da desejada linearidade, avança agora a idéia de que o desenvolvimento humano foi caótico, com desvios e atalhos, a partir de um ponto inicial, representado por um grupo como o dessa linhagem que acaba de surgir.

Caminhos tortuosos o mais antigo fóssil de hominídeo sugere que nossa história evolutiva é mais complexa do que se imaginava

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rincipalassunto da edição da Nature que começou a circular na véspera da apresentação de Brunet, Tournai não apenas jogou a origem do homem 1 milhão de anos para trás antes dele, o ancestral mais remoto era o Orrorin tugenensis, descoberto em 2000, com 6 milhões de anos. O crânio que emergiu das areias do Chade mostrou também que o processoevolutivodo Homo sapiens nada tem de especial e passou pelos mesmos dramas que qualquer outra espécie. "Nossa história nem de longe é linear'; diz Hilton Silva,antropólogo do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Caiu a árvore com um tronco único que representa nosso passado e,no lugar dela, cresce um arbusto, com ramos surgindo a todo momento, crescendo em todas as direções e conectando-se entre si. Também não é mais 52 . AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

possível sustentar que tenha havido um elo perdido: "Quanto mais espéciessão descobertas, vemos que não há um elo, mas vários grupos entre o homem de hoje e os macacos", lembra Silva. Mas ficou mais claro que de cinco a dez linhagens de hominídeos devem ter coexistido - alguns mais parecidos com macacos, outros com os futuros humanos. "Muitos pesquisadores já haviam sugerido que existiram muitas linhagens ou caminhos na história evolutiva humana, já que a maioria dos processos evolutivos consiste de muitas novas adaptações, das quais somente poucas sobrevivem", comenta Eric Delson, paleontólogo do Museu Americano de História Natural e da Universidade de Nova York,Estados Unidos. "Mas agora temos uma prova." Delson só hesita ao reiterar o valor de Tournai por considerar que há dois achados relativamente recentes ain-

da não devidamente avaliados: o Ardipithecus ramidus, descoberto em 1994 na Etiópia, com 4,4 milhões de anos, que agora se supõe não tenha sido inteiramente bípede; e o Orrorin tugenensis,cuja importância pode se tornar mais clara quando se encontrarem exemplaresmais preservados que o atual, do que só há fragmentos de crânio. Toumai exibe urna inédita combinação - ou mosaico - de traços primitivos e avançados: a face achatada e os dentes caninos o aproximam dos hominídeos, enquanto a caixa craniana equipara-se em tamanho à de um pequeno chimpanzé. De costas, provavelmente parecia um macaco. Saindo das areias do deserto para as mãos dos pesquisadores, tornou-se ainda mais importante que o Australopithecus africanus, que em 1925 atestou a origem africana do Homo sapiens. É o mosaico mais antigo, mas não


NÍGER

o único: o Kenyanthropus platyops, descoberto no Quênia em 1999, também combina traços de hominídeos e de macacos - só que viveu bem depois, entre 3,5 e 3,2 milhões de anos. O artigo da Nature, de 11 de julho, que descreve a descoberta, assinado por 38 pesquisadores - da França, dos Estados Unidos, da Espanha, da Suíça e do Chade -, sugere que os primeiros hominídeos viviam bastante espalhados ao longo do leste da África, há 6 milhões de anos. Se Chade for mesmo o berço da humanidade, o início da aventura humana desloca-se 2.500 quilômetros e deixa o Vale Rift, no leste da África, onde até então as descobertas se concentravam. Encontrado no deserto de Djurab em julho de 2001 por Ahounta Djimdourmalbaye, estudante da Universidade de Ndjamena que trabalhava com os pesquisa-

dores, Toumai viveu quando ali havia florestas e savanas, à beira de um lago com peixes, anfíbios e crocodilos, mas não longe das dunas de areia, de acordo com as evidências geológicas, examinadas num artigo complementar assinado por Patrick Vignaud, também da Universidade de Poitiers, à frente de 20 especialistas. Brunet encerra o artigo principal da Nature mostrando que sabe que a história mal começou: "O Sahelanthropus terá um papel decisivo no esforço (de entender os primeiros capítulos da história da evolução humana), mas mais surpresas podem ser esperadas': Nos dias que se seguiram à apresentação do fóssil ao mundo, surgiram críticas. As mais enfáticas partiram de

Toumai, encontrado no deserto de Djurab: face achatada de um hominídeo e caixa craniana como a de um pequeno chimpanzé

Brigitte Senut, do Museu Nacional de HistóREPÚBLICA ria Natural de CENTRO-AFRICANA Paris. "Para mim, trata-se de um gorila primitivo", diz ela. "Traços como a face achatada e os pequenos caninos estão relacionados ao sexo e por si só não definem um hominídeo." Nos anos 60, lembra ela, espécies consideradas como precursoras de hominídeos, como o Kenyapithecus e Ramapithecus, foram reposicionadas como macacos fêmeas e saíram da árvore evolutiva humana. Mas há um ponto incontestável: a confirmação de que se deve olhar atentamente para lugares diferentes quando se deseja ampliar as fronteiras do conhecimento - por essa razão é que ela trabalha na Uganda, no Quênia, na Naníbia e na África do Sul, há 17 anos. • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 53


ESPELEOLOGIA

Tecnologia nas cavernas Estudo pioneiro permitirá a visitação em Bonito com impacto ambiental mínimo YURI VASCONCELOS

54 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78


Lago interno com 90 metros de profundidade, que se tinge de azul em dezembro e janeiro ...

...e as cortinas de calcita: patrimônio que começa a ser preservado com o apoio de geólogos, biólogos e arquitetos

Entrada da Gruta do Lago Azul: no máximo, 300 visitantes por dia

PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 55


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mplano de manejo inédito no país logo dar.á boas sur~~esas aos tunstas que visitarem o município de Bonito, no Estado de Mato Grosso do Sul, atraídos pela coleção local de cavernas. As novidades estão em duas cavernas que formam amplos salões, sem labirintos, e são tombadas pelo Patrimônio Histórico Nacional. A mais procurada, a Gruta do Lago Azul, ganhará uma escadaria maior e mais segura, que permitirá ver formações rochosas esculturais - os espeleotemas - até então inacessíveis. Tem 143 metros de extensão por 80 de largura, piso inclinado e ao fundo um lago subterrâneo de águas cristalinas, com 90 metros de profundidade. Em dezembro e janeiro, quando os raios de sol incidem sobre o lago, a superfície se tinge de azul e os espeleotemas refletidos na água criam um espetáculo único. A outra gruta é a Nossa Senhora Aparecida, também um grande salão de 100 metros de comprimento, considerado um santuário espeleológico. É uma das grutas mais bonitas do país, mas esteve fechada à visitação nos últimos oito anos por falta de infra-estrutura adequada. O plano de manejo resolveu o problema e ela será reaberta. As novidades de Bonito resultam do trabalho de 25 pesquisadores, que elaboraram o Plano de Manejo eAvaliação do Impacto Ambiental da Visitação Turística das Grutas do Lago Azul e Nossa Senhora Aparecida em Bonito (MS), coordenado pelo geólogo Paulo César Boggiani, que ao longo do desenvolvimento do projeto atuava como pesquisador da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e agora é professor recém-contratado no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP). O projeto, que estabeleceu procedimentos e normas para que a visitação das duas cavernas não provoque danos ambientais, também levou à criação de uma unidade de conservação e de um museu. É um projeto pioneiro: já que as cavernas são ambientes frágeis e confinados, para autorizar sua visitação o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) pedia um plano de manejo, acompanhado de Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (ElA/Rima), mas não havia pa56 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

râmetros para isso. Agora os parâmetros existem. Por exemplo, escadarias construídas com o próprio solo da caverna e se possível sem corrimões, luzes só quando absolutamente necessárias e acesas apenas na presença do visitante, limitação de horários de visita e número de visitantes diários, manutenção dos níveis de temperatura e umidade sempre monitorados por sensores eletrônicos. Tudo para não interferir na paisagem e no ambiente único das grutas, habitado por seres raros e também propício a achados de fósseis de animais extintos. Realizado a um custo de R$ 59.500, financiados pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Conselho Municipal de Turismo de Bonito e Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Mato Grosso do Sul, o estudo permite a entrada de até 300 turistas por dia em cada gruta, em grupos de até 15 pessoas, acompanhadas por um guia treinado. O tempo máximo de permanência será de uma hora e 30 minutos. Como as grutas são ambientes frágeis, com um fluxo natural de energia muito discreto, a presença de 20 ou 30 pessoas ao mesmo tempo poderia desequilibrar esse fluxo, causando danos ambientais e prejudicando a fauna local. "Em muitas cavernas, o máximo de energia que receberam durante milhares de anos foi um gotejamento caindo do teto", diz o geólogo. É esse gotejamento que forma belos espeleotemas, as colunas que pendem do alto (estalactites) ou partem do chão (estalagmites) . Sensores • A maior preocupação é manter os níveis naturais de temperatura e umidade. Eles podem variar com a visitação, já que basta o calor emanado do corpo de uns poucos turistas para elevar a temperatura em 3 graus Celsius em certos locais. Para saber se as variações estão em padrões aceitáveis, sensores eletrônicos programados por computador vão monitorar a umidade e a temperatura em intervalos de 30 minutos. "Se percebermos que estão ocorrendo modificações nesses parâmetros, reduziremos o número de visitantes", afirma Boggiani. "Em último caso, a visitação será suspensa." As obras propostas no plano - a serem implantadas pelo governo federal a um custo estimado em R$ 500 mil -

evitam interferências. Quando não for possível construir escadarias com o próprio solo da caverna, serão usadas argamassa e rochas da região. "Tentaremos não utilizar corrimões, mas, se necessário, vamos colocar canos metálicos escuros em locais pouco visíveis: queremos manter intacto o valor paisagístico das cavernas", revela Boggiani. Só num trecho da Gruta Nossa Senhora Aparecida, onde o solo é argiloso e escorregadio, será instalada uma plataforma metálica suspensa: "Mas, se percebermos que ela causa algum tipo de degradação ambiental, será removida". entrada dos dois locais é amla e só será preciso instalar luzes em um ponto da Gruta Nossa Senhora Aparecida, o mesmo lugar da plataforma metálica. A iluminação artificial é uma das interferências mais prejudiciais ao equilíbrio da caverna: além de elevar a temperatura e reduzir a umidade, estimula a proliferação de fungos, algas e bactérias. Essa é a poluição microfloral, que pode corroer estalactites e estalagmites, provocando a dissolução dos espeleotemas. Por isso, serão usadas lâmpadas fluorescentes intermitentes - só acendem na presença de visitantes - e blindadas, para proteger o local de uma eventual contaminação por gases de mercúrio se forem quebradas. Já a Gruta do Lago Azul, um salão enorme de 143 metros de extensão por 80 de largura, é toda iluminada naturalmente pelos raios solares. Além de estabelecer critérios de visitação, o projeto levou à criação de uma unidade de conservação de 260 hectares, o Monumento Natural da Gruta do Lago Azul, hoje pertencente à União, e de um museu para expor os resultados das pesquisas. O museu será instalado perto da caverna, juntamente com um centro de visitantes. A unidade de conservação protegerá também as áreas adjacentes, pois as condições de conservação no entorno das grutas influem no equilíbrio ambiental dentro delas. "Desmatamentos feitos em áreas próximas às cavernas podem afetar a temperatura dentro delas e, no caso da Gruta do Lago Azul, comprometer o nível do lençol freático e do próprio lago", explica o geólogo. "Pretendemos implementar as medidas do plano até o final do

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Sala da Catedral, no fundo da Nossa Senhora Aparecida, uma das grutas mais bonitas do país: reaberta após oito anos

ano", afirma Ricardo Marra, coordena- . dor do Centro Nacional de Estudo, Proteção e Manejo de Cavernas (Cecav), do Ibama. Para ele, as pesquisas coordenadas por Boggiani ajudarão a disciplinar a visitação não só das duas grutas de Bonito, mas das cerca de cem abertas ao turismo no Brasil, parte de um patrimônio espeleológico que abrange 3.100 cavernas. Refúgios biológicos - As grutas de Bonito têm valor científico devido a seus espeleotemas incomuns, às formas peculiares de vida que abrigam e aos achados paleontológicos feitos em seu interior. Em 1992, foram descobertas no fundo do Lago Azul ossadas de mamíferos pré-históricos, que viveram ali há

cerca de 12 mil anos. São animais de grande porte: bichos-preguiças do tamanho de um carro, tatus, lhamas, cavalos primitivos e tigres dente-de-sabre. Pretende-se expor no museu as réplicas desses animais. No final dos anos 80, foi identificada no Lago Azul uma espécie desconhecida de camarão da ordem Spelaeogriphacea: o Potiicoara brasiliensis, com 7 milímetros de comprimento, cego e despigmentado. Ele foi descrito por Ana Maria Pires Vanin, do Instituto Oceanográfico da USP,e ficará exposto num aquário. ''As cavernas de Bonito têm grande diversidade de animais aquáticos troglóbios (que só existem em ambientes subterrâneos)", diz a bioespeleóloga Nicoletta Moracchioli, cujo

doutorado tratou desse tipo de crustáceo. ''Até o momento, já identificamos oito espécies desses animais." As grutas permitem ainda estudar os climas do passado. Pela análise dos espeleotemas, é possível registrar a variação da temperatura atmosférica nas últimas centenas de milhares de anos, o que é fundamental para a compreensão do efeito estufa e da evolução da temperatura global. "Não é exagero dizer que as cavernas funcionam como disquetes de computador, nos quais as informações foram cuidadosamente gravadas e guardadas e assim permanecem, à espera de serem lidas e interpretadas", comenta Boggiani. É o que se faz agora, conciliando pesquisa e visitação turística. • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 57


stápronta a receita para criar em laboratório uma das mais fascinantes estruturas cósmicas: os buracos negros, massas compactas gigantescas, provenientes do colapso de estrelas, com atração gravitacional tão intensa que absorve tudo ao seu redor, inclusive a luz. Com materiais relativamente simples - uma espécie de gerador de Van de Graaff, um dispositivo que gera energia estática e, quando tocado, deixa os cabelos arrepiados, e um tipo especial de plástico capaz de refletir a luz -, físicos do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, garantem que os buracos negros, de acordo com uma proposta que eles próprios elaboraram, podem ser domesticados. Não para sugarem matéria, mas para aprisionarem a luz e, por analogia, permitirem o entendimento mais detalhado de como funcionam os corpos cósmicos similares, eujas propriedades se tornam ainda mais difíceis de estudar por causa da distância a que se encontram - o buraco negro real mais próximo deve encontrarse no centro da Via-Láctea, a cerca de 30 mil anos-luz da Terra. A perspectiva de tornar os buracos negros tão amigáveis quanto um carro moderno é uma forma de rever as leis da física. Os processos que ocorrem no interior dessas estruturas são exemplos extremos de interações entre partículas elementares, praticamente impossíveis de serem visualizados em aceleradores de partículas, nos quais a atração gravitacional entre as partículas é desprezível. Daí se explica a corrida mundial para ver quem adestra primeiro os buracos negros e a es-

E

58 . AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

timativa é de que os resultados experimentais devem surgir num prazo máximo de cinco anos. Em janeiro, o físico Ulf Leonhardt, da Universidade de Saint Andrews, no Reino Unido, divulgou na Nature sua proposta para a criação de um buraco negro artificial, fundamentada na chamada catástrofe quântica, uma forma de dispersão da luz que explica fenômenos mais triviais, como o arco-íris. Em uma proposta ainda mais recente, publicada eletronicamente em maio, William Unruh, da Universidade de Colúmbia Britânica, do Canadá, mostrou como fazer buracos negros sonoros, capazes de abocanhar ondas sonoras, que também mostrariam o poder desses objetos cósmicos. Mas há quase quatro anos, em novembro de 1998, eram dois brasileiros, Mario Novello e José Salim, do Laboratório de Cosmologia e Física Experimental de Altas Energias (Lafex) do CBPF, que publicavam na Physical Review D uma proposta de criação de buracos negros artificiais do tipo eletromagnético e não-gravitacionais, capazes de absorver os fótons - partículas de luz - mais próximos. Em 2000, a re-

ceita dos brasileiros foi detalhada em outro artigo na Physical Review D - e há outro artigo em via de publicação, escrito em conjunto com pesquisadores da Universidade Federal de Itajubá, Minas Gerais.

Propostas distintas· ''As pesquisas de Novello complementam meu trabalho e se ajustam com perfeição à excitante área de estudos dos buracos negros artificiais': afirma Leonhardt. O pesquisador sueco compareceu a um seminário realizado no CBPF em outubro de 2000 e assistiu a uma palestra de Novel10 sobre os efeitos do vácuo quântico sobre o campo eletromagnético, que se mostrou decisiva para seu próprio trabalho. Vácuo quântico, longe de representar um simples vazio, é um espaço em que partículas subatôrnicas colidem, aparecem e desaparecem a todo momento. Segundo Novello, as linguagens adotadas nas duas abordagens são diferentes: o sueco é físico do estado quântico da matéria, preocupado com o comportamento detalhado das estruturas atômicas, enquanto os brasileiros se atêm ao estudo do comportamento .do fóton no vácuo quântico.


o experimento de Leonhardt envolve o uso de um gás ultrafrio ou cristal, que pode ficar transparente de acordo com o tipo de luz sobre ele lançado - é o que se chama de transparência eletromagneticamente induzida. Lançando sobre esse material quantidades diferentes de luz, é possível criar uma região não-transparente na parte central e regiões mais transparentes nas. pontas. Outro raio de luz, ao incidir por dentro do material, vai se propagar e reduzir sua velocidade, até parar completamente quando a matéria estiver opaca. Essa região simula, em termos eletromagnéticos, o efeito do horizonte de eventos, o limite de um buraco negro, sobre o raio de luz. "Prefiro a linguagem da estrutura de espaço-tempo, que permite uma reformulação mais profunda do que a simples trivialidade do processo de construção de um buraco negro", afirma Novello. Espaço-tempo, essencialmente, é o meio em que ocorrem os eventos, além de constituir um dos conceitos-chave das Teoria da Relatividade Especial, formulada pelo físico alemão Albert Einstein (1879-1955) no início do século passado. Ao seguir por

essa trilha, o grupo do CBPF indaga sobre os fundamentos da teoria da gravitação em seus aspectos geométricos, intocados por um século. No projeto de um buraco negro, a equipe do CBPF explora as conseqüências das pesquisas sobre propagação das ondas luminosas realizadas por outro físico alemão, Werner Heisenberg (1901-1976), na década de 60. Normalmente, os fótons se propagam de modo linear, sem depender dos meios que atravessam, de acordo com os caminhos definidos pelas leis da gravitação universal, que valem para qualquer corpo no universo, das partículas atômicas às estrelas. Comportamento anormal - Mas os estudos de Heisenberg indicaram que, em conseqüência das oscilações do vácuo quântico, quando variam a energia e outras propriedades de um campo elétrico, em um intervalo de tempo muito pequeno, os fótons se comportam de modo diferente: atuam sobre o meio que atravessam e o modificam; em contrapartida, o meio atua sobre o fóton, em uma espécie de interação. É o chamado comportamento não-linear,

Representação de um buraco negro: em busca dos limites da gravidade e das sutilezas do universo

por meio do qual as partículas de luz detectam uma espécie de relevo adicional no terreno, denominada métrica efetiva, e distinguem esse relevo adicional do relevo da gravitação, definida como uma curvatura do espaço na Teoria da Relatividade. "Além da curvatura do espaço provocada pela atração gravitacional, que segue leis universais, os fótons percebem uma curvatura adicional, suscitando uma nova geometria do mundo, complementar à descrita por Einstein", esclarece Novello. "Essa curvatura adicional do espaço só é sentida pelos fótons, para os quais tudo se passa como se o espaço-tempo não fosse o mesmo. Aí está o pulo do gato dos pesquisadores brasileiros: "Se fótons em situações não-lineares levam a uma modificação adicional da geometria do mundo, é provável que uma dessas modificações imite um buraco negro". A partir dessa conclusão, bastaria simular no laboratório as situações em que o fóton se comporta de forma anômala - ou não-linear, PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 59


como dizem os físicos - e, tudo correndo bem, se chegará a uma aproximação de um buraco negro. Uma das formas de observar a conduta excepcional dos fótons seria por meio de um aparato experimental com um fluido dielétrico - assim chamado por ser capaz de modificar a trajetória da luz. A própria água consegue desviar a luz: uma faca num copo com água parece quebrada porque a propagação de fótons no ar e na água se dá de forma diferente. Mas tanto na água quanto no vidro e nos cristais orgânicos, que também apresentam essa propriedade, a intensidade de sua ação não depende do valor do campo elétrico ao qual está submetido. Revendo Einstein - O experimento, diferentemente, pressupõe um fluido dielétrico cuja resposta varie de acordo com a intensidade do campo elétrico aplicado - por essa razão chamado do tipo não-linear. Esse líquido viscoso - uma solução com polímeros polarizados (moléculas com dois pólos, um negativo e outro positivo) - faz a mesma coisa que a água com a faca, mas com a luz (veja ilustração). Ainda é incerto o custo do protótipo que se deseja construir - depende das características dos materiais, a serem definidos por outro grupo de físicos, os experimentalistas. Os físicos do Rio estão convencidos que a empreitada compensa porque com ela se poderia questionar efetivamente os pressupostos da Teoria da Relatividade, propostos por Einstein. Para o cientista alemão, o universo é um modelo de espaço curvo, e a curvatura é provocada pela massa dos astros. É como se pegássemos uma espuma de borracha bem macia, representando o universo, e em seu centro colocássemos uma bola de chumbo, que seria o Sol.O peso da bola faz a espuma afundar e forma uma depressão ao seu redor. Pega-se agora uma bolinha menor, simbolizando a Terra. Se lançada na direção da bola de chumbo, a partir de uma certa distância vai se deslocar ao redor da bola de chumbo seguindo a linha da depressão por ela provocada. Para Einstein, é essa curvatura do espaço que explica a ação da gravidade. Para os físicos que desejam construir um buraco negro, pode haver muito mais sutilezas no universo. • 60 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78


• CIÊNCIA

Centro da Via-Láctea: em nossa galáxia, 100 mil estrelas são anãs brancas, como o Sol

ASTROFÍSICA

Relógio sideral Físico gaúcho mostra como aproveitar as variações no brilho das estrelas anãs brancas pulsantes astro físico Kepler de Souza Oliveira Filho, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), buscou uma coisa e encontrou outra. Primeiro, descobriu uma forma de localizar planetas do tipo terrestre, rochosos e próprios para o desenvolvimento de organismos vivos, ainda não encontrados pelas técnicas atuais: por meio dos pulsos (variações no brilho) das anãs brancas pulsantes, o estágio final de estrelas como o Sol, pouco antes de desaparecerem. "Se a pulsação da estrela variar, provavelmente haverá planeta por perto", diz ele. "Hoje só se consegue identificar planetas tão grandes a ponto de perturbarem a órbita das estrelas." Oliveira finalizou recentemente as equações que representam a taxa de evolução de duas anãs brancas pulsan-

O

tes: a G1l7-B15A, situada a 150 anosluz da Terra, na constelação Leão Menor (Lea Minar), e a R548, a 120 anosluz, na constelação de Baleia (Cetus). Os pontos que representam a variação de luz emitida por essas estrelas formam parábolas - qualquer outro tipo de curva representaria a presença de planetas terrestres nas proximidades. Desafiando a sorte - Durante 25 anos, o pesquisador da UFRGS acompanhou a variação de brilho das duas estrelas e fez 82 milhões de registros da luminosidade, mas não encontrou nenhum planeta. "Seria uma sorte imensa",diz ele. Somente na Via-Láctea, de um total de 100 bilhões de estrelas, 100 mil são anãs brancas, como o Sol. Trabalhando num limite de 300 anos-luz, ainda na Via-Láctea e relativamente perto da Terra, o pesquisador gaúcho tem dados sobre outras 18 es-

trelas anãs brancas pulsantes e pretende examinar ao redor de 100 nos próximos cinco anos. Como esse tipo de estrela está à beira da morte, os planetas eventualmente próximos também já estariam mortos, mas seria um avanço notável se essa proposta indicasse que, digamos, metade das estrelas anãs ainda vivas, como o Sol, acolhem planetas terrestres. Seu trabalho, feito até agora por meio de um telescópio de 11 metros de diâmetro no Texas, Estados Unidos, deve ganhar ritmo com o Soar - projeto com participação brasileira no Chile que permitirá conhecer melhor as estrelas do Hemisfério Sul. Oliveira só não se sentiu frustrado porque descobriu objetos extremamente precisos: as anãs brancas pulsantes são "o relógio óptico mais perfeito do universo, muito mais preciso que os relógios atômicos", conforme sua própria definição. A G1l7-B15A, com pulsações a cada 215 segundos, com sete casas decimais após a vírgula, como ele verificou, pode levar 100 milhões de anos - o tempo em que sua temperatura cai pela metade - para atrasar um segundo esse ritmo de pulsação. É uma precisão dez vezes maior que o padrão internacional dos relógios atômicos à base de césio, nos quais se considera aceitável o atraso de um segundo a cada 10 milhões de anos. "Podemos usar as estrelas para calibrar os relógios atômicos", sugere o pesquisador. • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 61


• TECNOLOGIA

LINHA

DE

PRODUÇÃO

Aeromodelo substitui satélites Monitorado por controle remoto e capaz de produzir imagens de alta resolução, um aeromodelo está desempenhando tarefas na área agrícola e ambienta! que antes só podiam ser feitas com a ajuda de satélites. O protótipo foi desenvolvido pela Embrapa Instrumentação Agropecuária em parceria com o Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos. Equipados com filmadoras e transmissores que mandam informações para um computador em terra, os aeromodelos fazem levantamentos topográficos, obtêm mapas detalhados de propriedades e podem até identificar os pontos dos terrenos que estão sujeitos a erosão e localizar pragas na lavoura. São três tipos de aeroplano - o maior tem 1,80 metro de comprimento e pesa 5 quilos e o menor tem 1 metro e pesa 1,5 quilo - e um helicóptero. "O avião destina-se a monitorar áreas grandes, enquanto o helicóptero é ideal para tirar fotos muito próximas do chão em áreas de difícil acesso': conta Lúcio André de Castro Jorge, pesquisador da Embrapa Instrumentação, que participa do desenvolvimento do Projeto Aeronaves de Reconhecimento Assistidas por Rádio e Autônomas (Arara), há três anos. "O grande diferencial do aeromodelo está

Imagens de culturas feitas por aeromodelo

Modelos diferenciados: -aeroplano e hei icóptero

na alta tecnologia de processamento e análise de imagens agregadas, porque utiliza softwares que permitem sua utilização de forma precisa e rápida': explica. O professor Onofre Trindade Iúnior, da USP, é responsável pela instrumentação das aeronaves, e a Embrapa, pelo processamento de imagens.

62 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

Uma fazenda de Campo Bom, em Mato Grosso do Sul, que também financia a pesquisa, utiliza um dos aeromodelos para avaliar onde será feito o plantio dentro dos seus 42 mil hectares de soja e milho. A próxima etapa do projeto prevê um módulo de piloto automático já testado em São Carlos. •

• Nova técnica para tratar doença ocular A necessidade de tratar pacientes com Degeneração Macular Relacionada à Idade (DMRI), doença ocular que atinge, principalmente, pessoas acima dos 60 anos, motivou os pesquisadores do Instituto da Visão, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a procurar uma técnica que substituísse a utilizada tradicionalmente, acessível para poucos devido ao alto custo. O novo procedimento, conhecido como Fototrombose Mediada pela Indocianina Verde, utiliza o mesmo corante já aplicado na angiografia de retina, que custa cerca de US$ 200, e um dos tipos de laser usados para doenças oculares, como o glaucoma e a retinopatia diabética. A técnica consiste em administrar a substância, que é fotossensível, na veia. Ela interage com o laser, que tem comprimento de onda absorvido por essa substância. Até então, o tratamento mais eficaz era a Terapia Fotodinâmica (feixe de laser com características especiais), que consistia na aplicação de corante seguido de um laserespecial, mas o custo é alto. Só uma ampola desse medicamento, destinada a apenas um paciente, fica em torno de US$ 1,3 mil. "A degeneração ocular é mais freqüente na população branca e sua incidência progride de acordo com a faixa etária, podendo chegar a 20% para indíviduos entre 70 e 80 anos", explica o professor Michel Farah, coordenador da pesquisa, juntamente com os médicos Rogério Costa e José Cardillo .•


• Tratamento para efluentes têxteis Um novo material em forma de pó, à base de alumínio e magnésio, demonstrou ser econômico e eficaz para eliminar a coloração de efluentes da indústria têxtil. Segundo o professor Oswaldo Luiz Alves, coordenador do Laboratório de Química do Estado Sólido do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e orientado r do trabalho, poucas horas após ser feita a mistura do pó com o efluente, 98% da cor da tintura remanescente do processo industrial é eliminada. Segundo o professor, o carvão ativo, empregado nas mesmas condições, consegue eliminar apenas 50%. O material já foi testado com um efluente real de uma indústria têxtil da região de Campinas, e os resultados obtidos confirmaram os testes de laboratório. Alves ressalta que esse material pode ser reciclado por cinco vezes, no mínimo, sem perder a eficácia. A Unicamp já depositou o registro de sua patente. O estudo fez parte da dissertação de mestrado de Odair Pastor Ferreira, que recebeu recentemente o Prêmio Unesco-Orcyt de Teses de Mestrado Defendidas em Instituições Acadêmicas do Mercosul Ampliado, na modalidade Química. •

• As pequenas viáveis nos EUA A experiência norte-americana de provimento de soluções técnicas e de gestão para pequena empresa, feita pelo National Institute of Standards and Tecnology (Nist), por meio da Manufacturing Extension Partnership (MEP), mostrou que uma rede nacio-

nal de conhecimento que fortaleça a competitividade de pequenos e médios empresários é viável e traz excelentes resultados. Num único ano foi possível criar mais de 9 milhões de empregos, aumentar vendas em US$ 2,3 bilhões e incentivar novos investimentos de US$ 873 milhões. "Antes da rede MEP, as informações estavam dispersas e cada Estado tinha um caminho próprio para ajudar suas empresas': disse o diretor da MEP, Stephen Carpenter, no semi-

nário Rede de Conhecimento para Micro e Pequenas Empresas, realizado em junho no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo. Hoje, são 60 grandes centros de pesquisa e 400 centros regionais nos Estados Unidos .•

• De olho nos poços de petróleo Uma nova linha de sensores de fibra óptica, desenvolvida em conjunto pelas empresas QinetiQ, da Inglaterra, e In-

put/Output, dos Estados Unidos, vai trazer um grande avanço às companhias de exploração de petróleo e gás. O equipamento, previsto para entrar no mercado em 2006, será capaz de fazer imagens dos poços localizados em altomar. "Os sensores representam uma nova tecnologia nesse mercado': afirmou Michael Gill, dirigente da QinetiQ, ao anunciar a aliança entre as duas empresas, no site www.optics.org. Sensores de fibra óptica já são empregados na exploração de petróleo, fazendo a avaliação de variações de temperatura e pressão nos poços. O novo equipamento fará medições mais sofisticadas, de ondas sísmicas, por meio de interferometria. Essas medições só podem ser realizadas por aparelhos ultra-sensíveis, que ainda não existem no mercado. Os novos sensores de fibra óptica captarão as vibrações emanadas do solo e projetarão o desenho do poço. Os primeiros devem ser testados em dois anos. •

Artéria de bof substitui a humana ~~~_~~_-_\_--_-_...::--_..:--:-..::s:._-"

Artéria

bovina usada no lugar de artérias coronárias

Uma nova técnica permite substituir artérias centrais (coronárias) ou periféricas (abaixo do joelho), de até 4 milímetros de diâmetro, por enxertos orgânicos de origem bovina. "O enxerto de origem animal é preservado e processado de forma que, quando ocorre o implante, é reconhecido pelo organismo como se fosse ma-

-_'''''_:_--=- __ r_-

n_,",,__':i~'-_~

ou periféricas

triz natural do corpo", conta Cristina Martins, diretora de processo da empresa mineira Labcor Laboratórios. A tecnologia enfatiza os aspectos de preparo, preservação e tratamento do tecido. Cristina ressalta que esse processo resulta em um enxerto biocompatível e durável. O processo de produção, desenvolvido pe-

Ia Labcor, ganhou o Prêmio Finep de Inovação Tecnológica do Sudeste no ano passado. O produto, batizado de enxerto periférico heterólogo, é obtido a partir de uma artéria bovina e tinha apresentação marcada para o Salão de Inovação Tecnológica, realizado entre 30 de julho e 3 de agosto, em São Paulo. •

PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 63


Projeto premiado pela segunda vez o projeto

de microóptica e óptica difrativa, uma parceria entre o Departamento de Energia Elétrica da Escola de Engenharia de São Carlos e a Escola Politécnica, ambos da Universidade de São Paulo (USP), foi premiado na categoria Divisão Técnica do Dif-

fractive Optics Beauty Contest, promovido pela Optical Society America, entidade com sede em Washington. O grupo brasileiro apresentou um projeto inovador de uma rede de difração capaz de distribuir feixes de luz em um ângulo de 360 graus. Na edição anterior do prêmio, os mesmos pesquisadores também ficaram com o primeiro lugar, só que na categoria Divisão Artística.

• Antioxidante à base de castanha de caju Os radicais livre presentes em óleos lubrificantes e combustíveis podem modificar a composição desses produtos. Para combatê-Ios, a última novidade é o óleo da casca da castanha de caju. O produto, depois de passar por uma transformação química para ser transformado em antioxidante, já foi testado na Petrobras e está sendo produzido em escala piloto. A produção em escala industrial está prevista para cerca de um ano. A pesquisa foi desenvolvida no Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal do Ceará (UFC), coordenada pelo professor José Osvaldo Bezerra Carioca, em cooperação com a Universidade de Urbino, na Itália. O

M icroelementos ópticos difrativos: feixes de luz Segundo o coordenador do projeto, professor Luiz Gonçalves Neto, o elemento premiado foi obtido utilizandose processos para a fabricação de circuitos digitais integrados. Com essa técnica, novos elementos ópticos são obtidos por intermédio de rele-

Centro de Pesquisas Tropicais da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa), em Fortaleza, também p~rticipou do projeto, cultivando sementes de caju geneticamente modificadas. "Nosso objetivo ao iniciar o projeto era aproveitar o potencial agroindustrial da castanha de caju, pela importância econômica que esse

vos gravados na superfície de um material óptico transparente reflexivo. Os microelementos fabricados com essa técnica podem ser usados em hologramas para a autenticação de cédulas de dinheiro, cartões de crédito e outras aplicações. •

produto tem para o Nordeste", conta .Carioca. Segundo o professor, a indústria da castanha instalada no Nordeste tem na amêndoa, bastante consumida nos países mais frios, seu único produto de valorização econômica. Só no Ceará, essa atividade envolve 700 mil hectares plantados e 200 mil pessoas trabalhando no campo. E o produto é um

Casca da castanha do caju: produto de exportação

64 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

dos principais da pauta de exportação do Estado. O processo de obtenção do antioxidante da casca da castanha de caju já foi patenteado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). Esse trabalho é um dos 307 projetos divididos em 22 áreas temáticas do Fundo Setorial do Petróleo (CTPetro) que estão sob a supervisão do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), em parceria com a Petrobras. •

• Soro controlado a distância Um sistema eletrônico que alerta o posto de enfermagem quando o soro do paciente está terminando é um exemplo de uma tecnologia que deu certo. O BipSoro Eletrônico (BSE), criado em 1994 pelos irmãos Luiz Antonio Portela Guerra e Armando Guerra Neto, obteve, naquele ano, o primeiro lugar em um concurso de inovação tecnológica promovido pelo Banco do Estado de Pernambuco (Bandepe). Com isso, eles ganharam uma vaga no Programa de Incubação de Empresas de Base Tecnológica promovido pelo Instituto Tecnológico de Pernambuco (Itep). Comercializado a partir de 1997, hoje já está instalado em 70 hospitais de 12 estados brasileiros, a maioria no Nordeste, segundo Luiz Portela, diretor-técnico da empresa Tmed - Tecnologia Médica. O BipSoro emite automaticamente para o posto de enfermagem ou no próprio aparelho um sinal (sonoro e luminoso), indicando que o conteúdo do recipiente de solução endovenosa (soro, sangue, etc.) chegou ao final e deve ser trocado. •


• Detecção de metais em alta velocidade

• Terminal bancário trabalha com moeda

o controle de qualidade das indústrias alimentícias, químicas e farmacêuticas inclui a detecção de possíveis resíduos metálicos provenientes da matéria-prima ou do processo de produção. Para assegurar um amplo controle desses micrometais, a empresa Brapenta desenvolveu uma tecnologia, em parceria com o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), baseada na técnica DSP (digital signal process ou processamento de sinais digitais), que permite a classificação de produtos e detecção de metais. Segundo Martin Izarra, diretor-geral da Brapenta, o DSP processa as informações em três sistemas da empresa: Icelander, Bulk e Grader. O Icelander, aplicado na indústria alimentícia, utiliza campos magnéticos de alta freqüência que analisam a composição do produto detectando e separando as contaminações metálicas. O Bulk, um sistema compacto de inspeção e separação de metais para produtos a granel, destina-se a indústrias de plástico, química e alimentícia. O Grader é uma máquina para abatedouros avícolas que faz controle de peso dinâmico a alta velocidade, formando lotes pré-pro-

Um terminal de pagamento de contas (TPC 2100) para auto-atendimento, desenvolvido pela empresa gaúcha Perto, foi escolhido como um dos três finalistas na categoria produto do Prêmio Finep de Inovação Tecnológica 2002, da região Sul. O sistema trabalha com cédulas e moedas e destina-se a pagamento de contas de não-correntistas e retirada de benefícios de aposentados e pensionistas. "Avantagem do TCP 2100 sobre os equipamentos convencionais é que ele pode pagar valores quebra-

Máquina separa e empacota partes do frango gramados por peso e quantidade. Uma das tarefas executadas pelo Grader, por exemplo, é separar numa bandeja dez coxas no total de 1 quilo. "É um software muito elaborado, que monta um quebracabeça", exemplifica Izarra. No ano passado, o investimento da empresa em tecnologia ficou em 11,67% do faturamento bruto. •

• Luz contra a cegueira Cientistas norte-americanos anunciaram a descoberta de uma nova técnica que poderá curar vários tipos de cegueira, inclusive aquelas provocadas pela incidência de raios laser nos olhos. O tratamento, feito com a emissão de radiação próxima à infravermelha nas células lesionadas da retina, também poderá ser usado

para eliminar úlceras bucais em pacientes submetidos à quimioterapia. Divulgada pela revista New Scientist, a descoberta usa uma nova geração de LEDs (light-emitting diodes ou diodos emissores de luz) ultrapotentes desenvolvidos nos anos 90 pela Nasa para tratar feridas em astronautas enviados ao espaço. Coube ao neurologista Harry Whelan, da Faculdade de Medicina de Wisconsin, nos Estados Unidos, fazer experiências para curar lesões oculares. Ele submeteu ratos cegos pela ingestão de metanol a doses de 670 nanômetros de LED e conseguiu recuperar até 95% da visão dos animais, Os ratos receberam doses da radiação infravermelha por 105 segundos, cinco horas após ficarem cegos. Duas novas aplicações ocorreram 25 e 50 horas depois. "Verificamos que houve regeneração dos tecidos", afirmou Whelan. O médico também tratou, com excelentes resultados, 30 crianças que tinham graves úlceras na boca provocadas por tratamentos quimioterápicos. As luzes emitidas pelo LED eliminaram as feridas e agora estão sendo usadas para prevenir o surgimento de novas úlceras. Os cientistas ainda não sabem como a luz é capaz de curar as lesões, embora suspeitem que algumas proteínas estejam envolvidas no processo. •

Saques sem restrições dos, como no caso dos benefícios previdenciários", ressalta Marcos Bertolini, gerente comercial da área de automação bancária da Perto. Os outros produtos escolhidos são uma tecnologia de fixação e vedação de juntas utilizadas na conexão de tubos PVC que possibilitará o uso de tubos plásticos em redes públicas de esgoto, da Tigre, de Santa Catarina, e uma resina resistente para fabricar galões plásticos, tornando mais seguro o armazenamento de combustíveis, criada pela Ypiranga, do Rio Grande do Sul. Os finalistas vão disputar a etapa nacional do prêmio em setembro. •

PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 65


TECNOLOGIA ENGENHARIAS

Terra de inovação Centro de Materiais Cerâmicos investiga novas aplicações em siderurgia e produtos elétricos DINORAH

O

ERENO

avanço do estudo de materiais cerâmicos tem proporcionado uma série de novos produtos para uso industrial. Duas das mais importantes novidades dessa área saíram recentemente do Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (Liec), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), onde os pesquisadores, coordenados pelo professor Elson Longo, conseguiram desvendar com vantagens inovadoras, inclusive com o registro de uma patente, a tecnologia empregada por empresas internacionais para fabricar dispositivos que protegem as redes elétricas contra so66 . AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

brecargas causadas por raios. Eles também fizeram modificações nos refratários cerâmicos utilizados pelas siderúrgicas para produzir aço, que resultaram em significativa economia para a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), de Volta Redonda (RJ). A empresa já economiza US$ 6 milhões por ano com as mudanças feitas no vagão - chamado de carro torpedo - usado para transportar o gusa, o ferro líquido que será transformado em aço. Essas duas novidades fazem parte das várias linhas de pesquisa do Liec, laboratório que integra o Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), do

qual também participam o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), o Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), e o Instituto de Química de Araraquara, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). O CMDMC é um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) selecionados no ano 2000 pela FAPESP. Para esse programa, a Fundação reserva R$ 15 milhões por ano. Um dos objetivos dos Cepids é o estímulo à pesquisa inovadora, desenvolvendo produtos como o dispositivo cerâmico elaborado no Liec capaz de proteger a rede de transmissão de energia. Chamado de varistor, ele tem dupla


na Europa; e General Electric, nos Estados Unidos. "O varistor é um sistema complexo, tem pelo menos oito componentes formados por óxidos diferentes e uma seqüência de tratamento térmico que são guardados como segredo industrial", conta o professor Edson Leite, um dos pesquisadores do Liec. Invenção japonesa - Desenvolvido no Japão na década de 70 para proteger equipamentos de baixa voltagem, o dispositivo foi adaptado pelos norte-americanos para trabalhar com alta tensão. Os varistores disponíveis no mercado são à base de óxido de zinco (ZnO), uma tecnologia decifrada pelo Liec, que também já patenteou uma nova proposta para fabricação desses dispositivos utilizando dióxido de estanho (Sn02)' matériaprima encontrada em grande quantidade no Brasil. Segundo o professor Longo, também coordenador do Cepid de Materiais Cerâmicos, o de dióxido de estanho é mais resistente contra ambientes químicos agressivos, além de ter maior condutividade térmica. No momento em que o raio cai onde está instalado o varistor, a temperatura chega perto dos 200 Celsius. A descarga elétrica parte da nuvem até o solo e provoca a ionização do ar ao longo do seu percurso, podendo gerar a formação de nitratos. Esses nitratos podem atacar o óxido de zinco, formar nitrato de zinco e destruir o varistor. Longo ressalta que o dióxido de estanho não tem esse problema. "Essa é uma invenção 100% nacional. Todos os artigos internacionais que foram publicados no mundo sobre dióxido de estanho são nossos", conta. No Brasil, o risco de blecautes provocados pela queda de raios é muito grande. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), cerca de 100 milhões de raios atingem o território nacional por ano. Em março

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função: é isolante e condutor de eletricidade. Ao receber a descarga elétrica de um raio, o dispositivo, instalado em páraraios entre os fios condutores (que distribuem energia) e a terra, é acionado. A variação de voltagem detectada faz com que a cerâmica se torne condutora. A corrente indesejada é então descarregada para a terra pela cerâmica varistora, evitando danos à linha de transmissão. Quando cessa o efeito do raio, que dura milésimos de segundo, o material cerâmico volta a atuar como isolante. Existem vários tipos de varistores no mercado mundial e quatro empresas que dominam essa tecnologia: Matsushita, no Japão; Asea Brown Boveri e Siemens,

de 1999, dez Estados brasileiros ficaram no escuro durante quatro horas em conseqüência de um raio que caiu em uma subestação no município de Bauru. Leite ressalta que as empresas geradoras e distribuidoras de energia têm procurado, cada vez mais, proteger seus equipamentos das descargas elétricas provocadas por raios. Esse mercado potencial motivou duas empresas de Minas Gerais e uma de São Paulo a fabricar o varistor de óxido de zinco com a tecnologia desenvolvida pelo Liec. As negociações já estão em andamento. O produto fabricado com dióxido de estanho atraiu a atenção, mas ainda depende de interessados em colocá-lo na linha de produção. Algumas empresas fabricam páraraios no Brasil, mas a maioria dos blocos é importada e, segundo Longo, não existe um padrão de qualidade. "Somente um avançado conhecimento de ciência básica pode propiciar a geração desse tipo de tecnologia", diz. "Essa é a grande jogada." Ele lembra que uma tecnologia desenvolvida para melhorar peças cerâmicas (azulejos, pisos) foi essencial para chegar aos varistores. "Descobrimos que o oxigênio era fundamental para eliminar o coração negro (defeito no centro da peça, originado durante o processo de queima) das peças de revestimento cerâmico. Esse projeto foi desenvolvido em parceria com a White Martins e está sendo utilizado pela Cerâmica Gerbi," Transporte rápido - A pesquisa tecnológica também é um fator de competitividade para as indústrias siderúrgicas. Mas, como em outros setores, as inovações incorporadas à produção de aço conseguem ser mantidas em sigilo por um curto período de tempo. Sempre que há um congresso, as novidades são anunciadas, e os técnicos, em seguida, tratam de adaptá-Ias. Estar um passo à frente da concorrência, no entanto, faz toda a diferença, como pôde comprovar a CSN. A novidade que levou a siderúrgica a economizar US$ 6 milhões por ano foi o desenvolvimento de um isolante cerâmico, colocado entre a carcaça de metal e o refratário cerâmico do carro, e de uma tampa, também de cerâmica, que proporcionaram um ganho de 40 Celsius, perdidos anteriormente durante o transporte entre os altos-fornos e o conversor (equipamento utilizado para 0

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transformação do gusa em aço pela adição de oxigênio, que reage com o carbono, formando dióxido de carbono). Isso significa que o gusa pode ser feito em uma temperatura menor. "Dessa forma, utiliza-se menos o carvão coque, o que representa um ganho econômico, embora pequeno, porque esse combustível é barato. O ganho mesmo está no fato de que o carro torpedo pode andar mais rápido porque não há perda de temperatura': conta Longo. SNtambém conseguiu um aço de mais qualidade, com menos enxofre, sem fazer mudanças no sistema de. produção, resultado de um processo desenvolvido há dois anos pelos pesquisadores do Liec. O silício, o fósforo e o enxofre são três elementos indesejáveis que ficam incorporados ao ferro líquido. Os dois primeiros são mais fáceis de serem eliminados. Já o último interfere na qualidade do aço, deixando-o mais quebradiço, e necessita de um processo mais complexo para ser retirado. O novo método, em fase de testes industriais na siderúrgica, permite a remoção gradual do enxofre com quatro diferentes agentes (carbonato de cálcio, carbeto de cálcio, alumínio-magnésio e borra de alumínio), injetados durante o transporte de gusa nos carros torpedos. Os processos utilizados atualmente no mundo inteiro usam o carbonato

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de cálcio para retirar o indesejado enxofre. "Colocamos numa primeira etapa carbeto de cálcio com carbonato de cálcio e acrescentamos a borra resultante da fabricação de alumínio, para aumentar a temperatura do banho de dessulfuração (eliminação do enxofre)': conta Longo. A pesquisa que" levou a esse processo inovador faz parte da tese de doutorado de Sérgio Murilo Iustus, orientado por Longo e pelo pesquisador Sidney Nascimento Silva, da CSN. A siderúrgica investiu R$ 150 mil nesse projeto, que recebeu ainda bolsa de doutorado da FAPESP. "Também desenvolvemos um sistema para a CSN produzir o ferro-gusa à Ia carte, com padrão de qualidade do aço definido pelo comprador': conta Longo. As porcentagens de enxofre e as misturas são feitas por computador. Antes de esse sistema ser implementado, dependendo da compra, a usina tinha de parar o que estava produzindo para fazer aço com porcentagem menor de enxofre, por exemplo. Quanto menor a quantidade dessa substância, melhor o aço. Longo diz que o aço brasileiro chega aos Estados Unidos 30% mais barato que o fabricado lá em função das inovações aplicadas ao sistema de produ-

ção. "Quando começamos a trabalhar com a CSN, há 12 anos, a produção era de 2 milhões de toneladas por ano. Hoje, está em quase 5 milhões de toneladas anuais, com os mesmos equipamentos. O processo é o mesmo, só mudamos os refratários." A otimização dos equipamentos, que funcionam 350 dias por ano, eliminou as paradas na produção. Única etapa - As pesquisas do Liec não se resumem só a produtos com aplicação imediata. Materiais nanoestruturados (com a escala de milionésimos de milímetro) estão sendo estudados no laboratório e devem estar disponíveis para o desenvolvimento de vários equipamentos nas áreas de óptica e de eletrônica, nos próximos anos. Também chamados de nanocompósitos, eles resultam da mistura de dois materiais diferentes, em escala nanométrica. Um desses compósitos, com promissoras propriedades testadas em laboratório, poderá ser aplicado em nano circuitos eletrônicos para computadores, com redução do tamanho atual em 30 ou 40 vezes e aumento da velocidade de processamento, e em catalisadores (substâncias que aceleram reações químicas), utilizados principalmente pela


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indústria farmacêutica, química e petroquímica e para a geração de hidrogênio, com o objetivo de obter energia limpa. Para conseguir esse nanocompósito, composto por uma matriz de sílica ou dióxido de silício amorfo e partículas metálicas de níquel, foi desenvolvida uma rota de síntese - baseada em um polímero obtido a partir do ácido cítrico -, processo chamado de sol-gel, que utiliza reagentes químicos no processamento e apenas uma etapa de tratamento térmico, enquanto as demais exigem, no mínimo, duas. "É isso que estamos patenteando': conta Leite. Esse processo também resolve dois problemas das nanopartículas metálicas: a aglomeração e a formação superficial de óxidos nesse material. "Como as nanopartículas metálicas carregam informação magnética, saber como se processa e organiza esse material é uma vantagem enorme, já que podemos aplicar a tecnologia para outros materiais", diz Leite. Entre essas aplicações está um fotocatalisador (catalisador ativado pela luz), destinado a limpar águas poluídas. Os estudos para evitar o crescimento de partículas durante a preparação do material começaram em 1999 com o óxido de estanho, quando a equipe do Liec começou a trabalhar com semicon- . dutores nanoestruturados. "Usamos um dopante em que se coloca um átomo de terra rara na estrutura do dióxido de estanho. Durante o aquecimento, o óxido de estanho expulsa esses vizinhos indesejáveis, os contaminantes, para a superfície e, nessa operação, o crescimento é estancado", resume Leite.

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Vantagem tecnológica - Os pesquisadores do Liec também sintetizaram nanofios e nanofitas do semicondutor de dióxido de estanho por um processo mais simples e barato que o apresentado pelos norte-americanos Zheng Wei Pan e Zu Rong Dai, em artigo publicado em março do ano passado na revista Science. Os norte-americanos obtiveram esses materiais, com potencial aplicação

em nanoeletrônica, utilizando um forno a vácuo, o que torna o procedimento mais caro e praticamente inviável para a indústria. Já os brasileiros chegaram aos mesmos resultados usando um forno comum, na forma de tubo. A patente do processo já foi pedida, e os resultados, publicados no Journal ofNanoscience and Nanotechnology, em abril deste ano. As linhas de pesquisa no Liec estendem-se a outros materiais e aplicações, como o estudo da fotoluminescência em compostos amorfos. Esses materiais, a exemplo do vidro, não têm organização atômica interna definida, ao contrário dos cristais, nos quais os átomos ou moléculas se distribuem de forma organizada e regular. A fotoluminescência caracteriza-se pela emissão de luz por

o PROJETO Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos - Cepid COORDENADOR

Elson Longo - U FSCar INVESTIMENTO

R$ 1.204.888,02 (média anual)

algumas substâncias e pela ação da radiação que incide nelas. Essa propriedade é conhecida desde os anos 60, mas apenas em materiais cristalinos. "Acabamos descobrindo uma nova classe de material luminescente", conta o professor Paulo Sérgio Pizani, do Departamento de Física da UFSCar. Nos experimentos realizados em laboratório, verificou-se a fotoluminescência em titanatos de bário, cálcio, estrôncio e chumbo, compostos em estado amorfo, sem a necessidade de condições especiais e de síntese. A emissão de luz nesses compostos amorfos foi obtida em temperatura ambiente e em formas de pó e materiais nanoestrutura dos (filmes finos), permitindo a aplicação em vários tipos de superfície. Longo ressalta que o grande ganho da ciência é contribuir com o dia-a-dia das pessoas. E lembra o papel desempenhado pela Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa). A tecnologia desenvolvida para a soja e a cana-de-açúcar, por exemplo, foi fundamental para aumentar a produtividade e a competitividade desses produtos, com significativo peso na balança comercial agrícola. O Liec segue à risca esse preceito. Os resultados podem ser verificados nos produtos desenvolvidos em parceria com a indústria e em materiais com aplicações que, se hoje estão tão distantes do cidadão comum, certamente vão ter implicações nas mudanças do seu cotidiano. • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 69


ODONTOLOGIA

Antes de chegarem ao mercado, 500 dentistas testaram as brocas

Sem medo do motorzinho Brocas revestidas com diamante diminuem o uso da anestesia em 700/0 dos casos nfim,um tratamento dentário sem dor. Pelo menos.é o que prometem os pesqmsadores da empresa Clorovale Diamantes, de São José dos Campos, que estão lançando no mercado, neste mês de agosto, uma nova linha de brocas odontológicas com ponta recoberta por diamante sintético. A maior novidade é uma broca que funcio na por vibração a partir de ondas de ultra-som. Ela quase não emite ruídos, ao contrário das brocas convencionais, que operam por rotação e fazem um barulhinho de meter medo em muita gente. A melhor notícia é que ela reduz a dor, dispensando o uso de anestesia na maioria dos tratamentos. Resultado de seis anos de pesquisas, a nova broca está sendo encarada pelos dentistas como uma revolução na odontologia.

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70 . AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

"Os tratamentos com as brocas com ponta de diamante para aparelhos de ultra-som são minimamente invasivos e muito mais precisos. Por isso, não causam desgastes e traumas desnecessários ao dente", afirma o físico Vladimir Jesus Trava Airoldi, um dos sócios da Clorovale e um dos pioneiros no estudo de diamantes artificiais no Brasil na função de pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). "O aparelho de ultra-som faz essas brocas vibrarem, atingindo apenas a cárie e preservando a parte sadia do dente", conta. A broca, explica o pesquisador, é adaptável aos aparelhos de ultra-som, usados para tratamentos de periodontia (tratamento de problemas na região do dente próxima à gengiva), existentes nos consultórios dentários. Ela funciona numa freqüência de vibração de 30 quilohertz

(30 mil oscilações por segundo), com movimentos parecidos ao de uma britadeira, embora bem mais suaves. Dentistas que já testaram o produto concluíram que em mais de 70% dos casos o tratamento é indolor. Isso acontece porque essa broca atinge a cavidade dentária pela vibração, sem esmagar a dentina, região onde ficam os filamentos nervosos que dão sensibilidade ao dente. A empresa também está colocando no mercado uma broca de rotação convencional com ponta de diamante-CVD, um material obtido por meio do processo Deposição Química na Fase Vapor (Chemical Vapor Deposition). É o mesmo diamante que reveste as brocas dos aparelhos de ultra-som. "Usamos a mesma técnica para recobrir as duas brocas. A única coisa que muda é o modo como a ponta atua em relação


ao dente, por rotação ou vibração': explica Airoldi. A Clorovale foi pioneira na América Latina no desenvolvimento de diamantesCVD e é a única empresa no mundo que domina a tecnologia de produção de pontas odontológicas com esse material. As brocas da Clorovale oferecem muitas vantagens sobre as tradicionais, recobertas por diamantes artificiais HPHT, sigla em inglês para High Presure, High Temperature (Alta Pressão, Alta Temperatura). Essa tecnologia usa pó de diamante e solda de níquel, em uma haste de aço. Já o diamante-CVD cresce na própria haste, recobrindo-a na espessura desejada. ''As brocas com diamante-CVD sofrem um desgaste mínimo com o uso e têm vida útil superior à das brocas tradicionais", afirma Airoldi. Além disso, sua fabricação não utiliza metais ou outros resíduos danosos ao ambiente e nem ao paciente porque as matérias-primas hidrogênio, principalmente - são biocompatíveis (veja Pesquisa FAPESPno 52). Sem traumas - Antes de serem introduzidas no mercado, as brocas foram testadas por cerca de 500 dentistas. Os resultados foram animadores. "As brocas para aparelho de ultra-som são a melhor e mais barata inovação dos últimos anos relacionada aos tratamentos dentários", diz o professor Luis Augus- . to Conrado, da Faculdade de Odonto- . logia da Universidade do Vale do Paraíba. "Elas vão facilitar a vida do dentista e aliviar o trauma dos pacientes:' As vendas anuais de brocas odontológicas superam R$ 1,1 bilhão no mundo. Só no Brasil, esse mercado movimenta R$ 70 milhões por ano. A estimativa da empresa é que, em três anos, cerca de 40 mil dentistas (25% do total) estejam usando as novas brocas. O mercado internacional também será explorado, já que não existem brocas similares no exterior. As vendas para outros países devem começar em seis meses. A meta é atingir, em cinco anos, 15% dos 300 mil profissionais de odontologia da América Latina e 3% dos 2,5 milhões de dentistas do resto do mundo, o que dá quase 100 mil pessoas.

A broca de ultra-som não atinge a região do dente responsável pela dor As pontas de broca da Clorovale custam entre R$ 30 (por rotação) e R$ 80,00 (ultra-sorn) e são bem mais caras do que as de diamante convencional (R$ 3,00). Mas, segundo os sócios da Clorovale, o custo-benefício compensa, já que elas são pelo menos 30 vezes mais duráveis. As novas pontas serão vendidas em estojos com quatro unidades, sendo uma ponta cônica, uma tronco-cônica, uma cilíndrica e uma esférica. Esses são os quatro modelos mais usados pelos dentistas. As duas brocas já foram patenteadas no Brasil, Estados Unidos, Canadá, Japão e Europa. Os royalties serão divididos entre a Clorovale, o Inpç e a FAPESP, que participou do projeto da broca para aparelhos de ultra-sorn por meio de financiamento do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). Nesse caso, cada um dos parceiros fica com 1/3 dos royalties, que correspondem a 4% do faturamento líquido da empresa. Nas brocas convencionais por rotação, o Inpe tem

o PROJETO Desenvolvimento de Dispositivos em Diamante-CVD para Aplicações de Curto Prazo MODALIDADE

Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADORA KIYOE UMEDA - Clorovale INVESTIMENTO

R$ 135.333,50

e US$ 76.485,00

direito a 2/3 dos raya/ties e a Clorovale, ao restante. O diamante-CVD pode ser obtido em qualquer tamanho e forma, com um grau de pureza muito superior ao dos primeiros diamantes artificiais. Ele tem as mesmas características do diamante natural, o material mais duro encontrado na natureza. Outras vantagens do diamante-CVD são o baixo coeficiente de atrito, a alta condutividade térmica, a resistência às radiações cósmica, nuclear e ultravioleta e a ótima integração óssea, proporcionando um vasto campo de aplicações. Na área espacial, pode ser usado em dissipadores de calor e na proteção de células solares e superfícies sujeitas ao bombardeamento de partículas cósmicas. Na microeletrônica, é empregado na fabricação de dispositivos mais rápidos e com perfil térmico mais eficiente. No mercado óptico, seu uso é associado a componentes para /asers de alta potência. Por enquanto, a Clorovale tem feito pesquisas visando o uso do diamante-CVD em ferramentas de usinagem e tubos de diamante para máquinas de corte. Também está estudando a fabricação de eletrodos de diamanteCVD para a área de eletroquímica e para célula a combustível (geradores de energia elétrica). Ampla vantagem - A fabricação de diamantes sintéticos pela Clorovale só foi possível graças ao estreito relacionamento entre a empresa e alguns centros de pesquisa. Três dos diretores da Clorovale, os físicos Vladimir Airoldi, Evaldo Corat e Édson del Bosco, também trabalham no Inpe. A empresa tem ainda outros quatro sócios: o professor João Roberto Moro, da Universidade São Francisco (USF), de Itatiba (SP); a engenheira química Kiyoe Umeda, da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN); o químico Luiz Gilberto Barreta, do Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA); e o técnico em eletro-rnecânica Marcos Gama Lobo. Juntos, eles mostraram que é possível transformar conhecimentos gerados em centros de alta tecnologia em produtos com boa aplicabilidade no mercado. • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 71


• TECNOLOGIA

AGRICULTURA

Combate natural na terra euItivada Fungos predadores de vermes danosos a várias culturas podem ser produzidos em escala m coquetel de cinco fungos pode se tornar em breve um importante aliado no combate a uma das pragas mais danosas ao cultivo de flores e hortifrutigranjeiros: os nematóides de galha (Meloidogyne spp.), vermes parecidos com minhocas, mas muito menores, que medem entre 0,5 milímetro na fase juvenil e 1 milímetro na fase adulta. Eles se instalam nas raízes das plantas e causam alterações visíveis na forma de caroços chamados de galhas, que reduzem a absorção e o transporte de água e de nutrientes para a planta, comprometendo ou, em casos extremos, até mesmo inviabilizando a cultura. O agrônomo Jaime Maia dos Santos, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Iaboticabal, comprovou que alguns fungos, encontrados normalmente no solo e inofensivos às culturas, se crescidos num preparado especial de arroz, transformam-se num poderoso predador natural desse tipo de nematóide. "Com o coquetel, podemos pensar em fazer o controle biológico dessas pragas, sem recorrer a produtos químicos para matar os nematóides", comenta Santos, que, se arrumar um parceiro comercial, deve passar a produzir em escala o seu preparado de fungos nematófagos, de olho no crescente mercado da agricultura orgânica. O pesquisador acredita que exista demanda por um produto barato e ecológico como a sua mistura de fungos contra nematóides. "Não sei exatamente quanto custaria o tratamento com o

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72 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

Duas formas de ataque dos fungos: estrangulamento (à direita) e rompimento do corpo do nematóide (à esquerdal. Sucesso na cultura de crisântemos

coquetel, mas posso garantir que é algo bem em conta", afirma o agrônomo. Além de caros, os nematicidas químicos podem ser danosos ao ambiente. Para complicar ainda mais a vida do agricultor, as outras alternativas empregadas no combate a esses vermes como a rotação de culturas (para reduzir a quantidade de nematóides no solo) ou o emprego de variedades de plantas mais resistentes a essa praga agrícola - estão pouco disseminadas ou não estão à mão do homem do campo. É verdade que ainda não se pode dizer que o coquetel é a salvação da lavoura em termos de combate aos nematóides de galha. Eles atacam desde plantas como feijoeiro até árvores como a seringueira. Os maiores prej uízos são causados nas espécies vegetais que de-

moram cerca de 90 a 100 dias para crescer e produzir, as chamadas culturas de ciclo curto, como tomate, alface, pepino, melão e flores em geral. Isso porque, por enquanto, o produto mostrou-se eficaz apenas quando aplicado em locais onde o cultivo ocorre em estufas. "Em plantações a céu aberto, em que a temperatura e umidade variam muito, o coquetel não se deu bem",afirma Santos, cujas pesquisas são financiadas pela FAPESPem dois projetos. Flores e hortaliças - Outra restrição, temporária na visão dos cientistas: até agora, o preparado contra os nematóides só obteve pleno sucesso no cultivo do crisântemo (Dendranthema grandiflora). Experimentos feitos em culturas de algodão e laranja, que são costumeiramen-


te atacadas por espéciesde vermes semelhantes aos nematóides de galha, indicam que o coquetel ainda não alcançou o efeito esperado. "Mas acreditamos que o controle biológico vai funcionar em plantas ornamentais e hortaliças em geral",diz o agrônomo. "Tanto que iniciamos testes em estufas e a céu aberto com outras espéciesde flores e tomates:' O entusiasmo de Santos com o coquetel de fungos vem dos excelentes resultados obtidos recentemente em estudos conduzidos num dos grandes pólos da floricultura nacional, o município paulista de Holambra. Testes feitos durante o verão em estufas de uma propriedade da região,o sítio Pedra Branca, mostraram que uma variedade de crisântemos de coloração branca chamada de Calábria respondeu positiva-

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mente ao controle biológico de nematóides. A produtividade dos canteiros altamente contaminados por nematóides cujo solo, antes do plantio da muda, recebeu a mistura de fungos foi no mínimo 30% superior ao rendimento dos canteiros igualmente infestados mas que não passaram pelo controle biológico. Inovação ambiental - Outro benefício do coquetel: a área tratada com os fungos rendeu flores com hastes de melhor qualidade e maior tamanho e diâmetro. "Esse tratamento é uma das principais inovações dos últimos anos, tanto no aspecto tecnológico como ambiental', avalia o agrônomo Jaime Motos, da Flortec, uma empresa de Holambra que presta consultoria técnica aos produtores da região e participou dos experimentos.

Nas pesquisas de campo, os agrônomos constataram que o nematicida ecológico pode ser aplicado no solo da estufa antes do plantio das flores ou no próprio substrato que vai receber a muda. Os estudos também comprovaram que o emprego do coquetel de cinco fungos - Paecilomyces lilacinus, Arthrobotrys musiformis, Arthrobotrys oligospora, Dactylella leptospora e Monacrosporium robustum, este último uma

espécie registrada pela primeira vez no Brasil pela professora Arlete Silveira, ex-membro da equipe de Santos - é mais eficiente no combate aos nematóides de galha do que o uso isolado de apenas uma ou duas espécies desses microrganismos. Esses fungos têm velocidade de crescimento e capacidade competitiva com outros microrganisPESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 73


mos do solo. Além disso, o fato de cada fungo atacar os nematóides de uma forma diferente e, às vezes, em estágios distintos da vida do parasito, talvez contribua para o sucesso do preparado biológico. O M. robustum, por exemplo, perfura os ovos dos nematóides, destruindo-os, golpe que ajuda a quebrar o ciclo reprodutivo do verme. Algumas espécies de Arthrobotrys formam anéis nos poros do solo por onde os nematóides migram. Ao penetrarem nesses anéis, esses se contraem estrangulando os nematóides. O A. oligospora produz redes adesivas para capturar os nematóides, romper a parede do corpo e consumir o seu conteúdo. O palco dessa luta é o solo próximo às raízes da planta infestada - e não o interior do vegetal. Após a eclosão dos ovos, os vermes deixam o solo, penetram nas raízes das plantas hospedeiras, onde permanecem até a fase adulta. Lá, eles geram as galhas que levam ao apodrecimento das raízes, comprometem o crescimento e a produção da planta. Estima-se que a produção agrícola tenha uma perda de rendimento de mais de 10% em razão da ação dos nematóides. Fera nos testes - Embora os resultados promissores do coquetel de fungos ainda se restrinjam a um tipo de flor e a locais de cultivo controlado (estufas), o pesquisador da Unesp se mostra feliz em saber que seu produto será uma alternativa viável, pelo menos, para os cultivos protegidos. "Às vezes, o fungo é uma fera nos testes de laboratório, mas decepciona quando o levamos a campo'; pondera Santos, que se deu conta da eficácia desses microrganismos na luta contra os nematóides há cerca de cinco anos, quando tentava controlar infestações desses vermes em seringais em Mato Grosso. Com um pouco de sorte e muita observação, o agrônomo chegou aos fungos nematófagos. O pesquisador não estava obtendo muito sucesso no controle da praga, quando percebeu que, de forma aparentemente espontânea, sem a ajuda de nenhum produto químico, algumas seringueiras se livraram dos ne74 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

a idéia de usar os fungos encontrados nos seringais de Mato Grosso (presentes também em outras partes do país) como controle biológico em outras plantas.

Nematóide CHeterodera sp.) envolvido por fungos CMonacrosporium sp.), Bons resultados em Holambra matóides enquanto outras nunca logravam tal feito. O dado o intrigou e, depois de uma série de análises, Santos identificou uma grande população de fungos na terra junto às raízes das árvores que haviam se livrado da praga. Surgia assim

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OS PROJETOS Caracterização Morfológica e Bioquímica de Populações de Pratylenchus coffeae do Brasil INVESTIMENTO

R$ 44.463,93 Eficácia do Controle Biológico do Nematóide dos Citros

(Tylenchulus semipenetrans) com Fungos Nematófagos INVESTIMENTO

R$ 46.485,00 MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR JAIME

MAlA

DOS SANTOS -

Unesp

Nematóides dos citros - Num outro trabalho executado por um membro da equipe de Santos na Unesp de Iaboticabal, o biólogo Anderson Soares de Campos fez um levantamento nas principais zonas de laranjais do Estado sobre a incidência do chamado nematóide dos citros (Tylenchulus semipenetrans e Pratylenchus spp.) em viveiros fechados, a céu aberto e em pomares comerciais. Os resultados foram preocupantes. Pouco mais de um terço dos viveiros a céu aberto, além de três protegidos e quase três quartos dos pomares comerciais estavam infestados pelo nematóide dos citros, que parasitam as raízes das laranjeiras e dos limoeiros e lhes rouba água e nutrientes, reduzindo, em média, a produtividade do cultivo em 14%. No mesmo trabalho, também foi constatado que pouco menos de 20 pomares e, pelo menos, sete viveiros abertos estavam infestados por Pratylenchus jaehni, uma espécie nova, descrita na literatura científica apenas no ano passado por pesquisadores do exterior, com a participação de Santos. Para verificar a incidência de nematóides em viveiros, Campos recolheu 2.518 amostras de 595 viveiros localizados em 99 municípios paulistas. No caso de pomares comerciais, o biólogo analisou 1.078 amostras coletadas em pomares de 86 municípios. "A principal forma de infestação dos laranjais por nematóides é por meio do uso de mudas já infestadas com o verme", diz Santos. A partir do próximo ano, serão proibidos a produção, comercialização e o transporte de mudas de citros produzidas a céu aberto no Estado de São Paulo. "Essa medida, aliada ao combate da praga nos laranjais, deve ajudar a reduzir os danos causados pelos nematóides", avalia Santos. O apoio à implementação dessa iniciativa é mais uma luta abraça da pelo grupo de Iaboticabal, que espera disponibilizar, em breve, para os agricultores, os fungos predadores de vermes. •


• TECNOLOGIA

Eletrodo energizado: ar seco recebe descargas elétricas e transforma-se em ozônio

manova linhagem de geradores de ozônio de alto desempenho, para tratamento de efluentes industriais e residenciais, que garantem a esterilização das águas tratadas em mais de 90%, já está instalada, testada e avaliada. São quatro protótipos. Um na estação de tratamento de esgoto Piracicamirim, da Secretaria Municipal de Águas e Esgotos (Semae) de Piracicaba, e outro para tratamento de água no Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos. Outros dois com igual desempenho estão instalados numa lavanderia de roupas hospitalares, em São Paulo, e no laboratório da Escola de Engenharia de Piracicaba (EEP) e estão sendo usados, respectivamente, no estudo do tratamento de água contaminada e do chorume (água lamacenta e suja de aterros sanitários e dos chamados lixões). Os estudos e o desenvolvimento dos quatro protótipos em operação tiveram a coordenação do físico Wilfredo Irrazabal Urruchi, com apoio das equipes do

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Laboratório de Plasmas e Processos do (LPP) Departamento de Física do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), da Faculdade de Ciências Matemáticas e da Natureza e do Laboratório de Materiais Carbonos da Universidade Meto dista de Piracicaba (Unirnep), além da EEP. Os recursos vieram do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP solicitados pela microempresa Qualidor Saneamento Incorporação, de Santa Bárbara d'Oeste, que procurou a equipe do ITA - de onde Urruchi foi designado para coordenar o projeto do PIPE - para inovar a tecnologia dos geradores de ozônio fabricados por ela há 30 anos. A parceria mostrou-se profícua diante dos resultados que comprovaram a eficiência dos novos geradores. As análises físico-químicas e microbiológicas da água tratada pelos protótipos foram realizadas pela equipe da Faculdade de Ciências da Saúde da Unimep e pela EEP, contando com o apoio da pesquisadora alemã Iulia Sasse, bolsista do Serviço Alemão de Intercâmbio

Acadêmico (DAAD). "Nosso desafio foi desenvolver tecnologia nacional de geração e aplicação de ozônio", diz Urruchi. Existem geradores no mercado internacional planejados para todos os usos, porém de custo muito alto. "Fizemos um gerador adequado às condições econômicas nacionais e adaptado ao clima, quente e úmido, visando todas as aplicações onde a possibilidade de contaminação com microrganismos ou produtos químicos deve ser minirnizada, sem causar danos à natureza, como é o caso da esterilização com cloro", explica o físico Choyu Otani - colaborador do projeto no LPP-ITA. "Mesmo em quantidades controladas, no tratamento de água e de efluentes, o cloro é residual e favorece a formação de organoclorados e outros subprodutos prejudiciais aos mananciais." Além disso, é fato confirmado a maior eficiência do ozônio que a do cloro no combate a formas latentes e resistentes de vírus, bactérias e protozoários presentes na água, responsáveis por muitas doenças, como icterícia, diarréias, cólera, ete. PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 75


Caminho da água limpa: miero bolhas produzidas pelo gerador são injetadas no efluente a ser tratado

Segundo Urruchi, não há notícias anteriores no Brasil do uso de ozônio em estações de tratamento de água e esgoto. Geradores importados vêm sendo usados para aplicação do ozônio como alvejante em algumas indústrias de papel e celulose do interior de São Paulo, em grandes indústrias da área alimentícia e em poucas empresas de distribuição de água mineral, na esterilização da própria água a ser engarrafada, assim como dos vasilhames. Sem falar nas tentativas de tratamento de piscinas, como as da Qualidor. "O gerador de ozônio desenvolvido nesse projeto oferece melhor tecnologia de purificação da água, favorece o desenvolvimento de um ramo industrial promissor e contribui significativamente para a preservação do ambiente natural': afirma ele. Refrigerado a água - Um dos itens que impedem a proliferação da aplicação de geradores de ozônio é a refrigeração. "Nossa temperatura no verão pode ir até 40°C, o que acelera a degradação do ozônio produzido. Assim, a primeira inovação foi construir protótipos refrigerados a água, o que não existia nos geradores da Qualidor" explica ele. A geração de ozônio no equipamento utiliza-se do princípio da descarga em barreira dielétrica (DBD). "No

nosso gerador, a DBD de alta voltagem é formada entre dois eletrodos tubulares, num dispositivo dielétrico (tubo de vidro) que armazena a energia e depois a libera. ar seco que circula entre o vidro e o eletrodo recebe as descargas elétricas e transforma-se em ozônio." Isso acontece porque elétrons gerados na descarga dissociam algumas moléculas de oxigênio (02) formando alguns oxigênios atômicos (O) que se agregam rapidamente a outras moléculas de 02' formando as do ozônio (03). • "A queda de energia elétrica é um problema sério para geradores e nós con-

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seguimos encontrar uma solução. Desenvolvemos controles automáticos com microprocessadores, dentro do gerador, permitindo que, ao retomar a energia, a tensão vá crescendo aos poucos até o ponto ideal de trabalho, sem queimar o sistema'; diz Urruchi. Esse sistema também controla a quantidade de ar que entra no gerador, a corrente da descarga, a quantidade de ozônio produzida e o tempo de atividade do aparelho. Outra grande inovação é um sistema de controle remoto via satélite desses geradores que aguarda apenas a instalação de uma linha especial da Embratel.

Elemento de purificação

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ozônio (03) é um gás azul pálido, instável, muito oxidante e reativo. Existe de forma natural em altitudes entre 15 e 20 quilômetros, absorvendo os raios ultravioleta do Sol. No meio em que vivemos, entre 20° e 30°C, sua vida útil é de apenas 40 minutos. A partir de temperaturas entre 35° e 40°C, ele começa a se dissociar, deixando de ser 03 para voltar a ser 02 (oxigênio). Essa instabilidade favorece o ozônio a reagir com células ou moléculas. Esse processo, chamado de oxidação, serve para exterminar algas, germes, vírus e bactérias.

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76 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

Descoberto em 1785, ele já é empregado há mais de 90 anos. Tem demonstrado eficiência ao longo desses anos na despoluição e purificação da água, no tratamento de efluentes com compostos orgânicos e químicos provenientes da indústrias de papel e celulose, petroquímica, têxtil, alimentos, medicamentos, laticínios e frigoríficos. "Atualmente, a tecnologia de produção do ozônio é a mesma em qualquer parte do mundo. que muda é o sistema integrado de gerador e o meio a ser tratado com ozônio, que é específico para cada apli-

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cação'; diz o físico Wilfredo Urruchi, pesquisador-colaborador do ITA. No tratamento de água, além da ação em microrganismos, o ozônio também é usado em processos de remoção de metais pesados e na redução de compostos nitrogenados (uréia, amônia, nitratos, nitritos e cianetos) e no controle químico e biológico do oxigênio existente em qualquer meio aquoso. uso do ozônio está sendo ampliado e estimulado em vários países para o enfrentamento das exigências, cada vez maiores, de purificação de águas e de preservação ambiental.

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o

Os geradores poderão ser dimensionados de acordo com cada cliente

primeiro protótipo construído pela equipe de Urruchi produziu 20 gramas por hora (g/h), em concentração de 1,8% de ozônio, uma capacidade maior e mais eficiente que a do equipamento original da Qualidor, de 7g/h e concentração de 1,2%. Esse tipo de gerador foi instalado na Lavanderia da Paz, em São Paulo, especializada na área hospitalar, inicialmente para tratar efluentes descartados após a lavagem das roupas. Depois de janeiro de 2002, a água ozonizada foi usada diretamente na lavagem e esterilização das roupas, permitindo uma economia de 40% de água, sabões e detergentes, além do descarte de água mais limpa na rede pública. Ar transformado - Na segunda parte do projeto, foram desenvolvidos os geradores maiores, como o que está na estação de tratamento de esgoto de Piracicamirim, para um tratamento final de esgoto. Ele é formado por um processador de ar seco e limpo no interior do equipamento. Esse ar é resfriado e injetado no reator, onde, pela ação do processo DBD, é parcialmente transformado em ozônio. O composto gasoso é então injetado em forma de microbolhas no efluente a ser tratado. Segundo Urruchi, esse protótipo trata até 2 metros cúbicos por hora de efluente, que já seria o suficiente . para fornecer água limpa apropriada e necessária para a limpeza dos próprios filtros da ETE. Para tratar toda a água da ETE Piracicamirim, antes de ser devolvida à natureza - no rio Piracicamirim -, o equipamento teria que ser 50 a 100 vezes maior que o protótipo. "O chorume originado em aterros sanitários é um grande problema de saneamento", diz Maria Helena Santini Campos Tavares, coordenadora do curso de Engenharia Ambiental da EEP. Esse chorume tem altas concentrações de matérias orgânicas e metais pesados que poluem o solo e subsolo, mananciais e águas subterrâneas. Segundo ela, ainda não há tratamento efetivo para isso. O uso de geradores de ozônio viabiliza um pré-tratamento, tornando o

tem redução da matéria orgânica e esterilização de microrganismos. Esse gerador é menor e mais simples na sua concepção que o instalado na ETE Piracicamirim (estação Piracica-Mirim) e pode ser adaptado ao tratamento de efluentes de uma residência ou de um condominio. "A idéia é viabilizar tratamentos descentralizados'; afirma Maria Helena.

chorume biologicamente degradável. Permite gerar biogás por meio de tratamento anaeróbico, utilizando bactérias que não precisam de oxigênio para sobreviver, garantindo a própria sustentação energética dos aterros sanitários. O protótipo que está no laboratório da EEP está sendo testado como esterilizador da água resultante da fossa séptica. Depois de alguns minutos de ozonização, o esgoto doméstico fica claro,

, O PROJETO Desenvolvimento de Gerador de Ozônio de Alto Desempenho MODALIDADE

Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADOR

WILFREDO MILQUIADES IRRAZABAL URRUCHI - ITAlQualidor INVESTIMENTO

R$ 215.067,00 e US$ 8.984,70

Parceiros comerciais - "Nosso grande desafio agora é atender cada cliente potencial em suas necessidades específicas de uso do ozônio", afirma Aluisio Pimentel de Camargo, diretor da Qualidor Saneamento Incorporação. "Vamos dividir nossa atuação em sete segmentos: tratamento de efluentes municipais, industriais, sistemas de ar-condicionado, água de subsolo, reservatórios de condomínios, piscinas e chorume dos aterros municipais. Podemos atuar, também, nos efluentes gerados pelos grandes criadores de suínos, que contaminam mananciais com resíduos orgânicos e produtos químicos tóxicos e cancerígenos resistentes aos processos de tratamento convencional." Outra área é a de produção de mudas de plantas que, sob o ar ozonizado, sofrem uma seleção natural, resultando em mudas resistentes que exigem menos defensivos. ''As possibilidades de uso desses geradores são imensas'; garante Camargo. "Nosso grande entrave depois dos protótipos prontos é obter parceiros propensos a injetar capital na empresa, que é pequena e sem estrutura para o tamanho do desafio a ser vencido daqui para frente", conclui o diretor da Qualidor. Para Wilfredo Urruchi há ainda um outro desafio. O de obter homologação do equipamento. Os padrões atuais de verificação de eficiência de tratamento de efluentes estão diretamente relacionados à utilização de cloro. O desafio maior, no entanto, que foi desenvolver um gerador de ozônio inovador, já foi vencido. • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 77


ITECNOLOGIA

ENGENHARIA

QUÍMICA

Compatível com o corpo Laboratório da U FMG sintetiza nova geração de biomateriais

Amostra de peças de estrutura inorgânica, modificadas com proteínas, para uso na recomposição de tecidos orgânicos

ateriais capazes de ativar o potencial regenerativo de tecidos e órgãos humanos e dispositivos para a liberação controlada de medicamentos estão entre as inovações com funções biológicas desenvolvidas no Laborató- . rio de Materiais Cerâmicos (LMC) da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os pesquisadores sintetizaram várias peças a partir do processo químico chamado de sol-gel. Foram obtidos objetos de diversos formatos, consistências, texturas e tamanhos, dependendo da utilização pretendida, criando uma nova geração de biomateriais, mais compatíveis e com maior poder de interação com as funções do organismo. A UFMG está prestes a obter a patente nacional de uma matriz para liberação controlada de fármacos desenvolvida no LMC. Apresentada na forma de um pequeno disco para implante subcutâneo, a peça pode ser utilizada em diversos tipos de tratamento. No 78 . AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

LMC, os ensaios in vitro foram realizados com hormônio de crescimento, mas o mesmo dispositivo poderia liberar outros tipos de hormônios. "A novidade é a aplicação do processo sol-gel na produção de novos materiais com funções biológicas", diz o professor Wander Luiz Vasconcelos, chefe do LMC. O método sol-gel consiste na reação de precursores, ou agentes químicos, em geral alcóxidos (compostos que se formam pela ação de certos metais sobre um álcool) que se transformam em gel a partir de reações de hidrólise e condensação. É então formada uma estrutura inorgânica, que permite a incorporação de grupos orgânicos, como as proteínas, nos "vazios" entre as estruturas ou na superfície dos materiais. O método permite o controle estrutural do material, mesmo em nível nanométrico (um nanômetro equivale a um bilionésimo do metro), possibilitando a ocupação dos "vazios", ou dos poros, que vão se formando entre as estruturas. "Trabalhamos com uma ampla faixa de tamanho de poros, que variam de

poucos nanômetros a vários micrómetros (um micrômetro equivale à milionésima parte do metro). Conforme o caso, podemos atuar em estruturas no nível molecular, outras vezes temos uma proteína muito grande, com várias moléculas que não cabem em uma estrutura nanométrica", afirma Vasconcelos. Liberação de fármacos - A nanoengenharia atua em estruturas moleculares na escala nanométrica, mas o dispositivo final pode ter qualquer tamanho ou forma. A incorporação da substância de interesse pode ocorrer na superfície das partículas ou no volume, como é chamada a parte interior, com ocupação dos poros, que funcionam como "esponjas". Nos experimentos da matriz de liberação de fármacos, a octreotida, no caso uma proteína que simula efeitos do hormônio do crescimento, foi incorporada na superfície do material. Para a recomposição de tecidos e órgãos, o processo de incorporação da proteína de interesse ocorre nos "vazios" das partículas.


poder de filtragem tão grande que pode transformar a água salobra em potável. Na área médica, a pesquisa com aplicação do sol-gel foi intensificada há menos de dez anos e rapidamente despertou o interesse de pesquisadores em vários países, mas, apesar de todos os avanços, ainda há muito o que ser desenvolvido. A produção de materiais cerâmicos via sol-gel apresenta vantagens em comparação com as formas convencionais usadas na produção de vidros e polímeros, que demandam fornos potentes, com altas temperaturas e muito gasto de energia. As primeiras etapas do processo sol-gel ocorrem em temperatura ambiente. Conforme a utilização, exige aquecimento, porém sempre muito mais brando que os processos convencionais. Para se ter uma idéia, a obtenção de sílica pura por meio da fusão de quartzo pela via tradicional exige um forno aquecido em uma temperatura acima de 2.000°C. Pela via sol-gel, a temperatura fica abaixo de 1.100°C.

o novo método para a incorporação de proteínas em matrizes sol-gel, fruto das pesquisas da doutoranda Rúbia Lenza, orientada por Vasconcelos, rendeu dois artigos científicos publicados em revistas internacionais no ano passado e três neste ano. Os agentes químicos utilizados foram os alcóxidos de titânio e silício no processo que resultou na produção de biomateriais para aplicação como substratos para engenharia de tecidos e carregadores de moléculas biologicamente ativas, por meio da aplicação do método de formação de espumas em polímeros (compostos formados por longas cadeias de moléculas capazes de ligarem-se a outras moléculas da mesma espécie), com porosidade controlada, em soluções solgel. A laminina, uma proteína comum, foi usada no preenchimento dos "vazios" da espuma, nos testes básicos para recomposição de tecidos. Materiais com propriedades orgânicas superficiais e tamanhos de poros projetados são particularmente importantes em aplicações onde o reconheci-

mento molecular é necessário, como no processo de adsorção (fixação de moléculas de uma substância na superfície de outra substância) e na liberação controlada de fármacos. Os resultados apresentados nas pesquisas do LMC sugerem que os materiais obtidos têm grande potencial para serem usados como suportes para a engenharia de tecidos e como carregadores de moléculas bioespecíficas. Ao que tudo indica, as espumas bioativas modificadas com proteínas representam uma nova geração de materiais que poderão ser usados na regeneração de tecidos ósseos e musculares. Mil utilidades - O processo químico sol-gel é conhecido há mais de cem anos, mas a sua aplicação é relativamente recente. Começou a ser usado na década de 1980 em alguns setores industriais. A sua aplicação em novos materiais é tão versátil que resulta, entre outras, na produção de um vidro capaz de bloquear luz e calor, em filmes aderentes para a proteção das mais diversas superfícies, em uma membrana com

Longo caminho - A versatilidade, o controle estrutural, a economia de energia e resíduos que não causam danos ambientais podem atrair o interesse das indústrias farmacêuticas. Em relação aos custos finais dos biomateriais via solgel, pelo menos por enquanto, não há números definitivos, porque o processo ainda está em escala laboratorial. O sol-gel é um típico caso de desenvolvimento conjunto da ciência e da tecnologia. "Ainda existem muitas incógnitas, mas o grande desafio está no desenvolvimento de tecnologias a partir deste processo", afirma Vasconcelos. Para ele, as aplicações do sol-gel são tão vastas que se torna difícil fazer uma previsão. ''A gente não sabe onde vai chegar. É um assunto quente em nível mundial", diz o pesquisador. O pesquisador da UFMG foi um dos primeiros no Brasil a trabalhar com sol-gel no desenvolvimento de novos materiais. Em 1992, Wander criou o LMC, no Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola de Engenharia da UFMG. Atualmente, ele orienta 16 alunos no LMC, a maioria sobre a síntese de materiais nanoestruturados via sol-gel, sempre na perspectiva de avançar no conhecimento científico e tecnológicos desses novos materiais que poderão, em breve, ser comuns nos hospitais e nas indústrias. • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 79


• TECNOLOGIA

BIOTECNOLOGIA

Terapia genética para galinhas Pesqu isadores da U nicamp descobrem proteína para combater doença aviária FRA

CISCO

BICUDO

meio o de tantas possibilidades oferecidas pela biotecnologia, pesquisadores do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) conseguiram dar um grande passo para a formulação de um novo medicamento para o tratamento da coccidiose aviária, uma doença que provoca infecção intestinal, debilidade e perda de peso em frangos. Eles identificaram em uma pequena proteína (peptídeo) o caminho para uma nova terapia de combate aos protozoários (Eimeria spp.) responsáveis pela doença. A amplitude dessa descoberta está no prejuízo anual proporcionado pela coccidiose aos avicultores brasileiros: US$ 20 milhões. Parte desse prejuízo vem dos medicamentos anticoccidianos atuais, que estão perdendo a guerra contra o protozoário, gerando indivíduos resistentes às drogas. A idéia inicial dos pesquisadores, coordenados pelo professor Adilson Leite, é criar uma variedade de milho transgênico que incorpore o peptídeo em suas sementes e faça parte da ração alimentar básica das aves. Esse tratamento já despertou o interesse de duas empresas multinacionais - uma norte-americana e outra canadense -, que analisam a possibilidade de dar prosseguimento aos estudos. O conhecimento dos pesquisadores está resguardado em um pedido de patente depo-

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80 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

sitado tanto nos Estados Unidos quanto na Europa e no Brasil. Financiada pela FAPESP, por meio do Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec), a patente vale para o próprio peptídeo, para suas variantes e também para o método de identificação. Para Leite, um dos segredos do sucesso foi estudar com detalhes o ciclo de desenvolvimento do protozoário Eimeria acervulina, uma das sete espécies causadoras da coccidiose, até para que se pudesse determinar a etapa mais vulnerável a possíveis tratamentos. Para esse trabalho, a equipe do CBME<5 contou com a colaboração da professora Urara Kawazoe, responsável pelo La-

boratório de Coccidiose Aviária do Departamento de Parasitologia do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. Os pesquisadores sabiam que a transmissão da doença acontece quando as galinhas, ciscando no chão, ingerem oocistos ("ovo" de protozoário envolvido por duas resistentes capas de proteção) de Eimeria eliminados junto com as fezes de aves doentes.

Invasão do parasita - Na moela do animal, depois de ingerido, o oocisto é quebrado, rompendo-se a primeira capa. Logo após, por conta da ação de enzimas de digestão, as formas invasivas do parasita, denominadas esporozoítos, são liberadas da segunda capa. Isso acontece no intestino da ave, após a passagem pelo estômago. a etapa final, o parasita primeiro adere e na seqüência invade as

Quando pega a coccidiose, o frango fica com infecção intestinal e perde peso


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contra duas espécies do protozoário, células da superfície interna do intestiPROJETO que são as mais freqüentes no Brasil: no, passando a usá-Ias como um novo a Eimeria acervulina e a Eimeria tenelPedido de Patenteamento para escudo contra o sistema imunológico Ia. Há ainda outros cinco tipos, que não um Novo Método de Seleção dos animais. de Peptídeos Antimicrobianos e foram avaliados por não serem tão re"A fase em que o parasita está mais do Peptídeo Anticoccidiano PW2 presentativos. Mas os pesquisadores vulnerável é no momento em que os acreditam que o efeito benéfico deverá esporozoítos são liberados. Ali, não há MOOALIDADE ser o mesmo. proteção. Era nesse ponto que precisáPrograma de Apoio à Propriedade vamos agir': explicaArnaldo da SilvaIuIntelectual Gene no milho - As novas etapas dos nior, também pesquisador do CBMEG. estudos são os testes com aves vivas e Quando desembarcam no intestino, os COORDENADOR a criação do milho que traga em seu esporozoítos de Eimeria reconhecem o ADILSONLEITE - Unicamp código genético o peptídeo anticoccilocal e secretam proteínas de adesão. INVESTIMENTO diano PW2. A tecnologia para obtenSe conseguisse identificar peptídeos R$ 65.044,05 ção dessa variedade é velha conhecida que bloqueassem a ação dessas proteído grupo da Unicamp (veja Pesquisa nas de reconhecimento ou de adesão, FAPESP nv 49 - dezembro/1999 - "Mimedicamento, foi construída pelo Ceno grupo da Unicamp evitaria a invasão lhos produtores de hormônios"). "Basta tro Nacional de Ressonância Magnétidas células e daria um grande passo introduzir uma seqüência de DNA, ca Nuclear da Universidade Federal em direção a uma nova possibilidade de chamada de cassete de expressão, do Rio de Janeiro (UFRJ). tratamento para a doença. contendo o gene de interesse na seEm pequenas concentrações, o Para encontrar os possíveis peptímente do cereal",resume Leite. A idéia PW2 conseguiu bloquear em 70% a deos de combate, a equipe optou por carrega consigo uma outra grande invasão dos protozoários às células do um método de seleção chamado phage vantagem: por tabela e sem querer, os display. Eles utilizaram um vírus que intestino dos frangos. Melhor ainda: pesquisadores constataram que o verificou-se que o peptídeo provoca alinfecta a bactéria Escherichia coli peptídeo descoberto é também eficaz terações na permeabilidade da memchamado bacteriófago M13 - que funpara inibir a ação de alguns fungos, brana do parasita, o que leva os pescionou como uma biblioteca de peptídentre eles os do gênero Aspergillus, quisadores a trabalhar com a hipótese deos. O organismo apresentava, em exatamente aqueles que provocam mode que, mesmo que os 30% restantes uma de suas proteínas, peptídeos que fo em milho estocado. "Ganharemos consigam chegar à superfície do intestienvolviam todas as combinações e arnas duas pontas", completa o coordeno das aves, provavelmente falharão ranjos de seqüências de que os pesquinador dos estudos. em tentar prosseguir em seu ciclo. Dusadores precisavam. "Eram 20 amiAs novidades chegam em boa rante os estudos, o PW2 foi testado noácidos em 12 posições diferentes, o hora. A incidência da coccidioque gera um número astronôse aviária no Brasil apresenta mico de informações. Tudo o curva crescente. Depois de esque queríamos estava ali", gatacionar em menos de 10% na rante Silva Junior. Oocisto do década de 80, em virtude dos No laboratório, os esporoprotozoário medicamentos, ela voltou a suzoítos foram colocados em conEimeria: ovo bir e atingiu os 40% na década tato com os bacteriófagos M13 transmissor de 90, pois o protozoário torrepetidas vezes. Após esse pronou-se resistente aos remédios cesso, aqueles vírus contendo em uso. A coccidiose é uma peptídeos que apresentaram afidoença mórbida, ou seja, em nidade pelos esporozoítos de Eimuitos casos, seus sinais são meria foram separados e identipercebidos somente na hora ficados. "Eram os melhores dos do abate, quando não há mais o melhores", diz Silva Iunior, No que fazer. Ela não mata o franfinal, os pesquisadores percego, mas, ao provocar a infecção beram que a seleção convergiu intestinal, faz com que o anipara um único peptídeo que, Representação gráfica da mal perca capacidade de transquando testado, apresentou atimolécula do formar a ração consumida em vidade anticoccidiana. Chamapeptídeo PW2 peso. A descoberta do PW2, do de PW2, ele foi sintetizado portanto, pode representar uma quimicamente e, sempre em lanova etapa na história do comboratório, incubado com os pabate à coccidiose aviária, podenrasitas, para testar sua eficácia. do, inclusive, diminuir os custos A representação gráfica da estruna avicultura, pois o remédio tura tridimensional da molécupreventivo já estaria incorporala, que permitirá futuros estudos do à própria ração. • para o desenvolvimento do novo PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 81


HUMANIDADES CIÊNCIA

POLÍTICA

Virou manchete? Então, vai acontecer Estudo revela como, na eleição de 2000, a imprensa foi fundamental no resultado final da disputa entre Maluf e Marta MARIA

INÊS NASSIF

e os candidatos a presidente e seus assessores pensam que conhecem a cabeça dos seus eleitores, o dono do voto pode ainda reservar surpresas. Uma nova pesquisa sobre o comportamento do eleitor nas eleições municipais paulistanas de 2000, que colocou em disputa Paulo Maluf e Marta Suplicy, mostra que ele se move numa arena ideológica, contrariando tendências de crescente despolitização e desinteresse do eleitor moderno. Essa é uma das conclusões do projeto Mídia, Campanha Eleitoral e Comportamento Político em São Paulo, financiado pela FAPESP e coordenado pela cientista política Vera Chaia, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Para os pesquisadores, a polarização entre malufismo e petismo, ditada por opções políticas e éticas, teve uma forte influência da mídia: porque os jornais e as tevês acabaram, de alguma forma, suprindo o eleitor com informações necessárias à localização dos candidatos no espectro político (e a neutralidade do noticiário das emissoras e jornais permitiu isso); ou porque exercem um papel fiscalizador, num momento em que as próprias instituições partidárias estão frouxas; ou, ainda, pelo espaço reservado, por lei, à propaganda eleitoral gratuita - que, de certa forma, tem também o papel de devolver aos partidos políticos o controle sobre os seus candidatos. O projeto é o primeiro acompanhamento sistematizado das eleições paulistas e paulistanas que incorpora como fator definitivo, para análise do cenário eleitoral moderno, a influência da mídia no processo de escolha do eleitor. Nas eleições de 2002, seu objeto de estudo será o das eleições estaduais paulistas.

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Embora a tendência da ciência política, em geral, seja a de priorizar a análise das eleições federais, em especial a destinada à escolha do presidente da República, o acompanhamento das eleições paulistas constitui, por si só, uma amostra significativa da política e do quadro partidário do país. O estado de São Paulo concentrou 22% do eleitorado nacional nas eleições de 2000. Além da magnitude de seu eleitorado, sua capital é um laboratório político à parte: a cidade de São Paulo, em 2000, tinha mais de 7 milhões de eleitores, número superior a de 23 dos 27 estados brasileiros.

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Petistas: ligeiro favorecimento da imprensa a Marta Suplicy no segundo turno, em 2000

Malufistas: escândalos associados a Pitta e Maluf levaram o candidato mais aos noticiários

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.deOIOgizaçãO do voto paulistano, na contramão do desinteresse do eleitorado nacional, é uma ~ prova de que os paulistanos, no mínimo, protagonizam um interessante caso político. Desde 1988 ocorre um processo crescente de polarização entre o malufismo e o petismo nas eleiçõesda capital paulista. Maluf, ao conquistar uma vaga para disputar o segundo turno com a candidata petista, em 2000, num momento em que o antimalufismo estava exacerbado por denúncias de corrupção contra o candidato e Celso Pitta, instalado na prefeitura e apoiado por ele, demonstrou que os eleitores paulistanos fazem uma opção ideológica e tomam como referência os partidos ou lideranças políticas identificadas com um determinado segmento do pensamento político, segundo artigo feito a oito mãos pelos coordenadores dos subprojetos - Vera Chaia, Fernando Antônio Azevedo, Rogério Schmitt e RacheI Meneguello. Para os autores, a ideologização do eleitor paulistano torna-se ainda mais clara quando são relacionadas pesquisas de intenções de voto e preferências partidárias. Na contramão das democracias modernas, que registram um alto potencial de personalismo nas eleições, o PT, como legenda, tinha a intenção de voto de 25,4% dos eleitores. Nas pesquisas que cruzaram dados de intenção de voto e preferência partidária, a relação candidato/partido era nítida para o eleitor. "Essas assoPESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 83


ciações permitem reconhecer em São Paulo a ocupação de espaços ideológicos nítidos, com estruturas partidárias e lideranças constituídas, o que permite dizer que em São Paulo orientações ideológicas têm papel na dinâmica das escolhas políticas", afirmam os pesquisadores no artigo.

Exposição- A mídia exerce um papel fundamental no arranjo ideológico e partidário paulistano. A propaganda eleitoral gratuita, segundo o acompanhamento de pesquisas eleitorais feitas por Rachel Meneguello, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é a principal fonte de informação política do eleitor. A exposição maior ou menor de um candidato a eleições proporcionais (no caso das eleições de 2000, para vereador) acabou sendo determinante para a sua eleição, conforme constatou o cientista político Rogério Schmitt - incorporado ao projeto como professor visitante da Universidade de São Paulo (USP) e hoje coordenador da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Schmitt, que usou o laboratório paulistano para estudar a influência da propaganda eleitoral gratuita nas eleições proporcionais, concluiu que o veículo de comunicação com o eleitor acaba sendo utilizado pelos partidos como um "filtro" partidário. Os partidos, ao monopolizarem decisões estratégicas sobre a veiculação ou não de candidatos proporcionais, organizam, de fato, listas partidárias. A agremiação política, portanto, "amarra" a propaganda eleitoral dos vereadores a uma estratégia de campanha partidária na TV, e isso acaba neutralizando o caráter personalista da escolha intrínseco ao sistema eleitoral proporcional adotado no Brasil. Os jornais O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo, movidos pela competição, mantiveram uma posição relativamente neutra na disputa. Fer84 . AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

Manifestação petista: para professores, há preocupação da mídia em mostrar que PT não é a "norrnalista" da política

nando Antônio Azevedo, da Universidade Federal de São Carlos chegou a esta conclusão ao avaliar o conteúdo informativo dos jornais durante o período eleitoral. Uma maior exposição . do candidato do PPB, Paulo Maluf, nesses jornais não significou um favorecimento do candidato: nesse período, ele foi alvo de várias denúncias de corrupção, No segundo turno, a neutralidade cedeu lugar para um ligeiro favorecimento de Marta Suplicy, que venceu as eleições. Vantagem - A competição, no entanto, não deve ser suficiente para garantir o padrão de neutralidade dos jornais paulistas nas eleições deste ano. Azevedo, que já monitora a cobertura dos jornais nessas eleições, observa que de antemão o candidato tucano, José Serra, tem levado vantagem na cobertura eleitoral do jornal O Estado de S.Paulo. A avaliação é feita sobre o noticiário, não sobre os editoriais. Além disso, a mídia tem repercutido fortemente as pressões de dois tipos de atores: os atores políti-

cos (as forças articuladas à coligação que dá sustentação ao candidato tucano) e o mercado financeiro e seus especuladores. "Os jornais têm transmitido essas pressões em maior ou menor grau, de acordo com os seus interesses eleitorais", diz Azevedo. Isso se traduz no que os órgãos de imprensa e o mercado financeiro convencionaram chamar de "Risco Lula': ou seja, o perigo de "argentinização" do Brasil no caso de vitória petista nas eleições presidenciais. Azevedo identifica o início de uma etapa subseqüente à do "Risco Lula", a de dossiês. "Há uma clara preocupação da mídia em mostrar que o PT não é o normalista da política." O estouro de escândalos envolvendo Maluf e Pitta nas eleições de 2000 também influenciou o noticiário da televisão. Segundo Vera Chaia, Maluf teve uma exposição maior que a de Marta nos noticiários de televisão, mas isso está longe de representar um favorecimento ao candidato pelas emissoras. Da mesma forma como nos jornais, o espaço adicional que o candidato pepe-


Manifestação tucana: segundo pesquisador, o candidato do PSDB leva vantagem na cobertura feita por jornal de São Paulo

bista conquistou não correspondeu a uma valoração positiva do candidato. No caso brasileiro, e da eleição já analisada, a de 2000, a coordenadora do subprojeto voltado para o estudo dos programas de rádio e televisão aponta um elemento restritivo importante atuação dos meios de comunicação de massa no país: a legislação eleitoral. Vera lembra que, naquelas eleições, a legislação eleitoral era extremamente rígida com a veiculação de notícias eleitorais pelas emissoras de rádio e televisão, o que inibiu a cobertura do primeiro turno. No segundo turno, com 14 dos 16 candidatos eliminados da disputa, as TVs puderam fazer uma abordagem mais equilibrada da campanha dos dois candidatos remanescentes, Maluf, do PPB, e Marta, do PT. A rigidez da legislação eleitoral, se coibiu no primeiro turno a cobertura jornalística propriamente dita, tornou a divulgação de pesquisas eleitorais uma constante no noticiário. Utilizando o conceito de Mauro Porto, Vera Chaia, em seu relatório preliminar sobre o noà

ticiário da mídia eletrônica nas eleições municipais de 2000, afirma que ocorreu um enquadramento de "corrida de cavalos", ou seja, a ênfase foi dada a quem estava avançando ou ficando para trás, como numa locução de turfe. '

Mídia e política - Segundo o projeto aprovado pela FAPESP, existe uma aceitação quase consensual, entre os cientistas políticos, de que "a sociedade

o PROJETO Mídia, Campanha Eleitoral e Comportamento

Político

em São Paulo MODALIDADE

Projeto temático COORDENADORA

VERA CHAIA - Ciências Humanas e Sociais - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SPl INVESTIMENTO

R$ 105.422,00

moderna e a democracia de hoje são midiáticas" Isso quer dizer que passa hoje pela mídia a sociabilidade e a forma de fazer política. O segundo pressuposto do projeto, que também é consagrado pelos autores modernos, é o de que "os meios de comunicação, assim como o governo e os grupos de interesse, são capazes de propor e estabelecer agendas públicas e governamentais, e, portanto, de influenciar atitudes políticas e de comportamento eleitoral". Assumir as mídias como "atores políticos" foi a opção do projeto. Tanto a análise da cobertura eleitoral pelos jornais como dos programas de rádio e a TV partem do conceito da "agenda setting', ou seja, de que a mídia, ao editar a notícia, na verdade constrói uma realidade de acordo com os seus próprios padrões de relevância. É um "enquadramento" da realidade que foge da escolha do leitor, ouvinte ou telespectador e que os influencia. Nesse contexto, a mídia acaba incorporando papéis políticos de fiscalização e controle, face à crise dos partidos políticos; e ao mesmo tempo acaba sendo a responsável por mudanças no processo político. Os estudos sobre o perfil paulista do eleitorado, o quadro eleitoral e partidário e a mídia em São Paulo, em algum momento, irão se encontrar com projetos semelhantes que estão sendo feitos em outros estados. A idéia surgiu no 23° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisas e Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs), ocorrido em Caxambu (Minas Gerais), em 1999. Nessa ocasião, pesquisadores de São Paulo, do Rio de Janeiro, da Bahia e do Rio Grande do Sul decidiram simultaneamente solicitar a agências de fomento de pesquisa financiamento para projetos de acompanhamentos eleitorais nesses estados, para posterior confronto de casos regionais e comparação de dados. O projeto, que começou em 2000, terminará em 2004. • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 85


• HUMANIDADES I

,

ENTREVISTA

MUNIZ

SODRE

A forma de vida da mídia Uma teoria original propõe que a vinculação humana é o objeto da comunicação, e cria o conceito de bios midiático como chave para se compreender a sociedade atual MARILUCE

MOURA

omunicação nunca desfrutou de status muito elevado entre as disciplinas das ciências humanas. Esboçada como questão para ser pensada no final do século 19, no rastro das preocupações do Estado liberal e dos pensadores sociais com os efeitosdas grandes concentrações humanas nas cidades, a comunicação sempre foi tida, se tanto, como um campo de conhecimento menor, sem objeto teórico definido. Semelharia alguém que vive de expedientes,a tomar de empréstimo métodos da sociologia, da teoria da informação, da antropologia, na dependência, mais adiante, do abrigo da semiologia francesa, da semiótica norte-americana, da acolhida dos cultural studies ingleses. Mesmo quando pensadores do porte de Theodor Adorno e Max Horkheimer criaram, nos anos 40, o conceito de indústria cultural- crucial para o campo da comunicação - e o elevaram à categoria de questão fundamental para entender o século 20, a comunicação continuou em sua condição um tanto marginal, a prestar reverência às grandes disciplinasdo pensamento social.No Brasil, a situação nunca foi muito diferente, mesmo com a criação das escolas de comunicação no final dos anos 60. Pois bem: uma contribuição importante aos esforços de especialistas de várias partes do mundo para situar o campo da comunicação está magnificamente

A

86 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

exposta no novo livro de um brasileiro: Antropológica do Espelho, editado pela Vozes,lançado no final de abril último. Nesse trabalho, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Muniz Sodré, professor titular e ex-diretor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atualmente coordenador do programa de pósgraduação em Comunicação e Cultura e reconhecido como um dos principais pensadores latino-americanos da comunicação, apresenta uma nova proposta sobre o objeto deste campo do conhecimento: para ele, esse objeto é a vinculação humana, comunitária, que hoje se dá no âmbito de uma relação geral - aquela estabelecida pela mídia que se finge de vínculo, esse laço sempre atravessado pelo emocional. Mais: Muniz propõe que vivemos hoje uma nova forma de vida - o bios midiático ou virtual, radicado nos negócios -, feita de informação, espelhamento e novos costumes. Construído como um ensaio rigoroso, denso, Antropológica do Espelho, o 25° livro desse pensador bem pouco ortodoxo, dedicado há 30 anos às reflexões sobre a comunicação, examina o ethos desse mundo midiatizado; analisa a transformação das referências simbólicas com que se forma, educacional e politicamente, a consciência contemporânea; especula sobre os atuais pro-

cessos de construção da realidade, da memória e da identificação dos sujeitos; apresenta a transformação das normas e valores de sociabilidade, ou seja, da Ética - o grande lastro teórico do ensaio - e, por fim, discute em termos epistemológicos o campo da comunicação. Tudo isso deixando clara a articulação entre mídia e mercado dentro da chamada globalização, e mantendo ao fundo a idéia de que comunicação e mídia constituem, teoricamente, pretextos para novas descobertas sobre o social. A seguir, alguns trechos da entrevista que concedeu sobre seu novo trabalho a Pesquisa FAPESP: • Por que qualificar alguns respeitados teóricos, importantes para a comunicação, como "pensadores da morte"? - Referia-me a uma geração de pensadores franceses que se articularam em torno daquilo que eles chamavam "Ia théorie", e que teorizavam o mundo a meio caminho entre a filosofia, a sociologia e a antropologia. Entre eles, Levy Strauss, Michel Foucault, Iacques Lacan, [ulia Kristeva, o grupo Tel Quel, Roland Barthes, depois Iean Baudrillard. A teoria de certo modo desapareceu. Esteve muito em moda na França de meados dos anos 60 até 80 e poucos, e nos anos 90 já foi começando a esvanecer, perdeu muito da aura que tinha. Sua teoria era um pensamento daquilo que estava desaparecendo nas formas


sociais contemporâneas. Alguns deram a isso o nome de pós-modernismo, que vejo mais como uma etiqueta para se colar em certas mutações. O que o caracterizou foi o ocaso de certas formas sociais, que Gianni Vatimo preferiu chamar, na Itália, de pensiero deboli, o pensamento não violento, fora da metafísica, não mais aquele deus transcendente, mas parcial, relativo, sujeito a muitas interpretações, e respeitando a fabulação sobre o mundo, na trilha de Nietzsche. Mas eles foram pensadores da morte também porque representavam a morte de sua própria continuidade.

• Em que sentido?

n

I,

- No sentido de que acadêmica e metodologicamente não se podia levá-los muito ao pé da letra. Os pensadores tradicionais tinham por trás deles uma causa e a possibilidade de uma continuidade metodológica, veja Marx, e até Sartre. Estes de que estamos falando não tinham uma coisa nem outra, eram mais relacionados com o texto do que com a vida concreta se agitando, e eram pessoas com um brilho que ilumina muito e se apaga em seguida. Quem tentou depois escrever como Barthes se deu mal.

• Qual a sua relação com eles? - Eu estudei com alguns, na França, como Barthes, e me relaciono até pessoalmente com um deles, que é Baudrillard. Mas a questão que importa

aqui é que, como eles, de fato não acredito no universalismo e na exatidão científica das ciências sociais. Assim, o grande interesse epistemológico da comunicação é trazer para o panorama do pensamento social uma relativização do conhecimento disciplinar. Não creio que a comunicação seja propriamente uma disciplina. Repetindo um jogo de palavras já feito, ela é mais uma indisciplina em relação a limites rígidos, estreitos, disciplinares.

Sodré: a ciência da comunicação torna imperativo romper com a metafísica dos fatos observáveis

to a relação entre pessoas pode ser completamente impessoal, ou seja, são indivíduos atomizados, separados, que se relacionam juridicamente e polidamente, por direito e por etiqueta, O vínculo pode até ser atravessado pelo direito, mas ele é emocional, é libidinal, é afetivo. • O vínculo numa atmosfera midiática

• Sem esses limites, pode-se tornar claro o objeto de um campo do conhecimento? - Sim, e com isso, primeiro, você vê que o objeto da comunicação não é a mídia, é a vinculação humana. Ou seja, como é que nós socialmente, e porque socialmente, estamos juntos. Qual laço faz com que, estando numa comunidade, possamos nos odiar e nos matar, mas permaneçamos juntos. Há, para além do trabalho, para além da economia, uma coisa chamada vínculo.

• Mas que especificidade tem esse vínculo objeto da comunicação? - É o vínculo diante de um outro tipo geral de vínculo que se constituiu: o midiático. Isso significa: é o vínculo diante da relação, ou seja a mídia é relacional, a comunicação é vinculativa. E qual a diferença entre o vínculo e a relação? É que o vínculo atravessa o corpo, o afeto, passa por sentimento, por ódio, enquan-

tem essas mesmas propriedades? - Pode ter, o problema é em que medida isso ocorre, na coexistência com a força de um vínculo relacional que é por inteiro societal - que distingo do social. Entendo o primeiro como a força das instituições da sociedade, do Estado, que nos mantêm juntos. Ora, a mídia mantém com seu público um vínculo societal fingindo que é social, porque trabalha com as emoções. A mídia cria relação, e para fazer isso tem que instaurar um outro tipo de sociabilidade, uma outra regra vinculativa.

• De que maneira? - Veja o truque da televisão, por exemplo. Aquela familiaridade com que ela chega dentro de sua casa, aquele olhar simpático do apresentador, que não é o do orador em praça pública, é um pretexto vinculativo. Na relação, as identidades parecem estar prontas, acabadas PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO OE 2002 • 87


e se ligam por fios, jurídicos, sócio-psicológicos, etc., enquanto o vínculo, mesmo atravessado por isso, é emocional. A comunicação é a ciência que trabalha sobre isso - e eu digo é propriamente a ciência, não no sentido positivista, mas no sentido que tínhamos no século 18, e que está em Kant, está nos filósofos sensualistas, de língua bem feita, e capaz de ser assim reconhecida pela comunidade.

"A

idéia de um quarto bios já se acha inscrita no imaginário contemporâneo. Veja-se o filme

O Show de Truma",

• Mas não é um exagero classificar a comunicação de ciência? - Não, a ciência não tem que ser necessariamente um conhecimento exato e universal. Há esse sentido da ciência como língua bem estruturada, e vista assim, a comunicação nos dá o pretexto para falar de um tipo emergente de sociabilidade, que não está ancorada num território, que são processos, são relações encenadas onde é virtual sua realidade, e que hoje estão juntas com outras formas históricas de sociabilidade.

• A pesquisa em comunicação permitiria, assim, flagrar de forma aguda esse processo de convivência das novas formas com formas tradicionais de sociabilidade. - Exatamente. Isso já foi anunciado por várias pessoas de maneiras diferentes. Eu procurei anunciar de modo mais nítido porque me apoiei em Aristóteles, quando ele, de forma simples, na Ética de Nicómaco, distingue, a exemplo do que já fizera Platão no Filebo, três gêneros de existência na Polis, três modos de sociabilidade: o modo do conhecimento, que é o bios theoretikos, o dos prazeres, que é o bios apolaustikos, e a sociabilidade política, que é o bios politikos. Ora, pensando sobre cada esfera dessa, onde o indivíduo se aloja para ser social, me dei conta de que aquilo que há em relação à mídia - percebendo que ela não é apenas um aparelho de transmissão de informação de dados, mas influi no vínculo e se relaciona com o vínculo -, é que ela é um outros bios, que se apresenta a partir daquilo que Aristóteles excluiu de seu sistema, que é o bios dos negócios - eu o chamo então de bios midiático ou bios virtual. Sem território, feito só de informação.

• E esse é o fulcro da sua proposta teórica. - É, porque partindo daí, do bios rnidiático como um outro tipo de forma social, toda a metodologia e perspectiva sobre a comunicação muda, porque 88 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

já não posso mais me valer, stricto sensu, da sociologia, da antropologia, da filosofia, que são disciplinas e saberes que surgiram a partir das articulações dos bios históricos, em torno de Estado, religião e economia. Portanto, aqui tenho uma desarticulação dos objetos tradicionais, o que me obriga a pensar um novo objeto, colocado em outro plano, no qual não posso mais falar de substâncias às quais vou predicar qualidades. Isso é o que ocorre com a lógica aristotélica para falar do social, a predicação de qualidades, enquanto que aqui vou falar de uma lógica que alguns autores chamam de processual, e eu vou chamar de lógica propriamente comunicacional, uma lógica das conexões, das interfaces.

• E qual a sua proposta metodológica para abordar esse campo? - Uma coisa é a metodologia e outra, os métodos. Edgar Morin fez essa distinção. Metodologia são os métodos já testados, que muitas instituições acadêmicas aplicam mecanicamente. Eu diria que a comunicação tem método e não tem muita metodologia. Método é o percurso em direção a um objetivo, é um caminho. Isso significa que todo e qualquer trabalho científico comporta uma criação, uma descoberta, seja qual for. A comunicação tem aquela invenção que C. S. Peirce chamava de abdução, o instante da descoberta, de um insight nas ciências sociais. Quando se toma os grandes explicadores do Brasil, como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, vê-se que há uma enorme pesquisa pessoal por trás dos textos, mas em nenhum instante neles se encontra o fetichismo da pesquisa. E, no entanto, com suas idéias, abduções, insights, eles têm sido verdadeiras sementes. Nessa mesma trilha, para mim a comunicação é, acadêmica e teoricamente, um pretexto para descobertas sobre o social.

• Ao indagar sobre método, eu pensava também em sua defesa da necessidade de uma certa vivência prática para pensar a questão da comunicação. - Acho que a comunicação, diferentemente de outras disciplinas sociais, é um tipo de estudo que não prescinde de uma vivência do pesquisador. Para escrever sobre jornalismo, é fundamental alguma experiência de jornalismo, pelo menos como alguém que mergulha numa redação, no ambiente de uma televisão, etc. E para essa reflexão teórica vir desde dentro, tem que se aceitar a mídia. A atitude não pode ser simplesmente a recusa nascida do moralismo cultural e intelectual, à maneira da Escola de Frankfurt - que, diga-se, acho uma grande escola, mas, naquele momento, a tecnologia emergente assustava muito os grandes filósofos como Adorno e Horkeimer. É preciso aceitáIa porque trata-se de uma forma de vida que você partilha, queira ou não. Estamos todo o tempo imersos nesse objeto que é o bios midiático e, como escrevi no livro, entramos e saímos dele o tempo inteiro, porque esse bios é parasitário dos bios históricos. Quero com isso dizer que o bios midiático vai extrair a substância das simulações que faz, seus conteúdos e a aparência que quer dar ao mundo, do mundo anterior. Por isso, ele é muito conservador no que diz respeito às formas. No fundo, a televisão, por exemplo, quer que cada espectador se reconheça nela para facilitar a relação, não quer que o sujeito se lacere nem quebre a sua imagem, quer do espectador um reconhecimento de si tal como o sujeito se vê no espelho.

• Dada sua condição de professor, como faz para transmitir pistas claras sobre o método para pensar a comunicação? - Primeiro, cuido de uma excitação meto do lógica a essa lógica analógica. Dado um fenômeno, proponho: vamos examiná-lo no nível econômico, político e ideológico. Eu faço isso de forma ensaística, reflexiva, lendo materiais, jornais, conversando, o que não impede que o aluno possa fazer cada um desses níveis sociologicamente, e com pesquisa de campo. Meu método pessoal é a interconexão das três instâncias, portanto, é isomórfico, porque procuro ver como formas diferentes têm um isos, um ponto comum. Creio que isso pode ficar, metodologicamente.


• Falemos sobre a noção do bios midiático como algo que tem a superfície rasa do espelho. Dá para resumi-Ia aqui? - O espelho reflete e ao mesmo tempo encerra a imagem em sua superfície rasa. Não tem profundidade de vida, e esse estar encerrado numa superfície rasa é a condição do homem que vive no bios midiático. É como Alice no país dos espelhos. Ou seja, se eu estou no espelho e estou com uma iluminação azul, sou o cidadão azul do espelho. É esse azul, vermelho ou roxo que a mídia ilumina que é, propriamente, o bios midiático. O bios é uma qualificação, uma iluminação particular. Um lado de pura aparência que permite contágio e refração infinitos: uma imagem remete a outra, que remete a outra, infinitamente, e até eu recebê-Ias já estou tão acostumado a elas que eu próprio já sou imagem. De qualquer forma, a mídia reduz o discurso do real histórico ao que é possível dentro da superfície do espelho. E é nessa redução da substância à sua imagem que há a transformação de mundo. Por isso Heidegger diz sobre a técnica: a modernidade é o mundo que se transformou em imagem. A mercadoria é uma imagem, não qualquer uma, mas a imagem como a forma mais perfeita e acabada da mercadoria, porque o que seduz nela não é o valor de uso, mas o valor de troca social que adquiriu e que é sígnico, ou seja, uma mercadoria é tanto mais sedutora hoje quanto mais ela recebe uma valorização do olhar dos outros, a partir do mercado.

• A imagem é o resultado. Mas qual a origem desse processo? - A origem é o mercado e o consumo,· portanto é a mudança no universo da produção. O modo de produção tradicional implicava como ideologia o trabalhador que produz diretamente alguma coisa, e o modelo desse trabalho vem da fábrica, ainda que se trate de um trabalhador intelectual: dou tantas horas e meu trabalho pode ser medido por horas ou pelo meu rendimento. Com a desvalorização do trabalho fabril e sua substituição por especialistas em máquinas ou em administração ou gestão do conhecimento, cada vez mais passamos a operar com signos, com imagens das coisas e, muitas vezes, o trabalho numa grande empresa é a imagem, é aquele cara que não sabe fazer nada, mas circula, gerencia, administra relações. A relação em si mesma passou a ser um valor. A

"Vejo a comunicação como atividade filosófica pública, com a obrigação de explicar a mídia ao grande público"

imagem passou a administrar, invadir, colonizar o social. Pode-se dizer: será que não foi sempre assim? Sim, foi, mas psiquicamente, internamente, em escala individual. O problema é que isso saiu do indivíduo e se realiza por mídia. Portanto, as imagens se substancializam sem que se possa tocar nelas, elas solicitam somente a potência do olhar.

• Em toda a modernidade do ocidente, o olhar se constitui como instrumento de poder. O que mudou contemporaneamente? - O poder de ver é transferido, se democratiza, já não se trata mais de se ver magnificado nos espelhos da grande casa burguesa, nos retratos, nas avenidas com que se racionalizaram as cidades. Essas estratégias oculares clássicas se transferiram para as máquinas de visão, o olhar de subjetividades dominantes ou dominadas se transferiu para os objetos técnicos, como os da medicina ou da diversão. Temos então uma paisagem onde o interobjetivo é mais forte que o intersubjetivo. O indivíduo é um elemento humano numa cadeia de objetos técnicos no sistema. O porteiro que controla a garagem é um elemento numa cadeia técnica. E isso transforma profundamente as relações na sociedade. Com relação à mídia, as máquinas de visão alargam o espaço público. O comício que era para alguns mil, vai para milhões. Mas a ampliação tecnológica reduz, por outro lado, a promessa do livre agir social. A representação se autonomiza. O poder não está mais onde achamos que está, se transferiu para a esfera técnica. A mídia traz a morte da política e da democracia representativa clássicas, passamos para a democracia plebiscitária.

• Isso leva à seguinte questão: com a morte da formas clássicas de representação, com o enfraquecimento da sociedade civil, o que ocorre no plano social e político?

- Acho que aquilo que os autores chamam de pós-sociedade civil é apenas um rótulo, penso que a sociedade civil continua, e o que vejo é a emergência daquilo que a idéia hegeliana de sociedade civil deixou de lado: a plebs, o resto, o que não se articulou institucionalmente para integrar plenamente o mundo do trabalho. É a massa. São os excluídos que aumentaram desmesuradamente com a globalização financeira do mundo.

• Mas esse aumento não aponta para a barbárie, a violência, o crime? - Sem dúvida, é o que estamos assistindo. Não estou dizendo que a plebe é harmônica, quando ela nem tem ainda linguagem civil, só contra-linguagema violência é uma contra-linguagem. De qualquer modo, não nos esqueçamos de que não existe fundação de grupo social sem violência. A criminalidade urbana é insuportável porque a sociedade civil clássica não está preparada para lidar com a violência, a não ser em termos de guerra. Na criminalidade, como nas guerras étnicas só na aparência, está implicada uma rearrumação de território por instantes de soberania, que são instantes caóticos. As massas estão atravessando seu momento de soberania na forma mais insuportável, que é essa violência que não é só para obtenção de coisas, mas é de crueldade.

• Acho estranho o caráter sombrio de seu diagnóstico, ante a sensação sutil que seu livro passa de que há saídas. - Eu concordo com a perspectiva do Milton Santos, que era a mesma do Michel Serres, de que a produção continuada de escassez, de precariedade nas condições reais do mundo, gera um saber. Esse saber é o que chamo de experiência - o constituinte, a nascente de toda ação. E o Estado, ou aprende com a plebe ou desaparece.

• Existe uma preocupação sua com a ação prática do teórico da comunicação, não? - Entendo comunicação como uma filosofia pública, ou seja, voltada não apenas para a academia, mas com uma obrigação de compromisso de voltar-se também para o grande público, para explicar-lhe a mídia. A reflexão na comunicação é, assim, uma atividade comprometida com o real histórico, e não uma abstração inteiramente intemporal. • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 89


• HUMANIDADES

EDUCAÇÃO

Professores muito

sossegados Projeto da USP usa escargôs em escola para ensinar disciplinas escolares para crianças

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«:

vista, já parece difí-' cil imaginá-los como uma guloseima sofisticada. O que se dizer então de escargôs como bichos de estimação de crianças ou, ainda mais inusitado, como um notável co-educador. O projeto Utilização de Pequenas Criações

(escargôs) na Terapia e no Processo Educacional, criado em 2000 pela professora Maria de Fátima Martins Pacheco dos Santos Lima, veterinária do Departamento de Nutrição e Produção Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), foi inspirado em experiências de petterapia (terapia com animais) realizadas com cães, cavalos, pássaros e até golfinhos. "Mas não há registros, em nenhum lugar do mundo, de trabalhos com escargôs. Somos pioneiros", diz Maria de Fátima. O fundamento do projeto "dr. 90 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

Escargô", como é conhecido, está nos benefícios do vínculo homem-animal. No ambiente escolar, esse ganho se soma à possibilidade de usar o animal para inovar as técnicas de ensino. Cerca de 360 alunos da pré-escola à 4a série do ensino fundamental de Pirassununga (SP) participam do projeto. A equipe da USP leva à escola 500 escargôs destinados ao contato com as crianças, criados em condições especiais de higiene e alimentação, para não oferecer riscos à saúde. Na "aula" do "dr, Escargô", a rotina é descontraída: sentados em círculos, no centro dos quais os monitores colocam pequenos grupos de escargôs, alunos aguardam os visitantes saírem de suas conchas. Enquanto observam e fazem contato com os escargôs, os alunos respondem a um questionário enviado à escola com antecedência. Perguntas sobre a origem

do Achatina (seu nome científico), hábitat, forma física e comportamento ajudam nos estudos de geografia, ciências e matemática, entre outras disciplinas. "As professoras estendem a abordagem para as suas disciplinas", conta Adriane Mara Del Ciello, diretora da EMEIF Catharina Sinotti. Amigos - Mas a atividade de observação do escargô não se limita ao currículo escolar. Também estimula reflexões sobre saúde, sexualidade, cidadania. Instigadas a mostrar o que aprenderam com o escargô, as crianças respondem, de estalo: "ser amigos", "trabalhar em grupo", "não ter preconceito': "O animal funciona como um mediador para a criança expressar suas angústias", avalia [osiane Perussi, bolsista do projeto na área de psicologia. Ela conta que, em uma das escolas onde o "dr. Escargô" é


Aluno e "mestre" em plena aula: animal funciona como mediador entre criança e suas angústias

amadurecimento da metodologia e maior multidisciplinaridade da equipe", diz Maria de Fátima, que tenta agregar ao grupo um bolsista da área de pedagogia. A professora Marilei Barbelli Metzner acredita que houve uma grande melhora na sociabilização das crianças. "Elas ficaram mais dóceis, passaram a compreender mais o próximo, as diferenças", diz Marilei, acrescentando que as mães também relataram que os filhos passaram a comer verduras e tomar chá de poejo depois de saber que são alimentos do escargô. Não existem, no entanto, instrumentos sistemáticos de avaliação do impacto do projeto no desempenho escolar. Segundo Maria de Fátima, é feita uma avaliação qualitativa, com base na análise direta da interação do escargô com a criança. "Pelos desenhos, pelas descrições e pela participação de cada aluno, verificamos as idéias e os conceitos presentes entre os alunos, buscando uma correlação com o ensino por meio do animal", conclui Maria de Fátima

aplicado, o projeto ajudou a identificar . uma criança com graves problemas no . núcleo familiar. Ao avaliar a relação do escargô com sua concha, considerada sua "casa", um aluno pôde dizer que não gostava de sua própria casa porque lá sofria maus-tratos. Em outra ocasião, meninas da 4a série levantaram um longo questionamento a respeito da "menstruação" dos escargôs fêmeas com o evidente propósito de tirar as próprias dúvidas a respeito do assunto. "Sobre a própria menstruação, elas não teriam coragem de perguntar", conclui [osiane, A equipe do "dr, Escargô" também considerou animadores os efeitos da inter ação de crianças especiais com os escargôs. Nas escolas do projeto que realizam a inclusão, crianças com quadros de autismo e síndrome de Down manifestaram satisfação no contato

com os animais. "Ainda não estamos preparados para atuar terapeuticamente com esses casos. Mas não abandonamos essa perspectiva, que consideramos possível quando houver maior

o PROJETO Utilização de Pequenas Criações (escsrçõs) na Terapia e no Processo Educacional MODALIDADE Auxilio

à pesquisa

COORDENADORA MARIA DE FÁTIMA MARTlNS Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP INVESTIMENTO

R$ 27.656,00

Cafezinho - Uma das principais dificuldades da aplicação do projeto, reconhecido pela Fundação Getúlio Vargas como inédito na área de educação, é a sensibilização dos professores das escolas participantes. "No início, quando a equipe chegava à escola, as professoras aproveitavam para tomar um cafezinho durante a atividade com o escargô", conta Maria de Fátima. Hoje, segundo a coordenadora, já há maior interação, o escargô é mais explorado em sala de aula. Mesmo assim, Maria de Fátima reconhece que os professores não estão mais motivados a desenvolver atividades complementares - principalmente na rede pública - porque não são remunerados para isso. Maria de Fátima, que pretende ampliar a aplicação do "dr, Escargô" para outras escolas, assim que puder aumentar sua equipe, já planeja uma etapa posterior de trabalho: "Quero levar outros animais para as escolas. Acredito que essa experiência também é valiosa no sentido de despertar logo cedo, na criança, o espírito da pesquisa científica': • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 91


• HUMANIDADES DIVULGAÇÃO

CIENTÍFICA

Convertendo C& T em notícia Revista Ciência Hoje completa 20 anos de publicação ininterrupta, com informações precisas e textos claros ~~~

ualidade e precisão. Esse sempre foi o lema que norteou a trajetória da revista Ciência Hoje, que completou 20 anos de existência em julho. No decorrer dessas duas décadas, a publicação brasileira totalmente dedicada a assuntos considerados herméticos pelo leitor comum tornou-se uma referência, sem nunca abrir mão de seus principais objetivos: estabelecer um canal de comunicação entre a comunidade científica e o grande público, promover o debate em torno de questões como cidadania, educação e participação universitária e, principalmente, democratizar a ciência. Antes de atingir essas metas, a revista era apenas um sonho para um grupo de pesquisadores integrantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que durante seis anos discutiram os rumos do projeto. Entre eles estavam o então secretáriogeral da instituição e neurocientista Roberto Lent, os físicos Alberto Passos Guimarães e Ennio Candotti, o biólogo Darcy Fontoura de Almeida e o antropólogo Otávio Velho. O principal desafio desse grupo era romper as barreiras da linguagem acadêmica, carregada de jargões e fórmulas, transformando-a em textos claros e acessíveis, sem perder o rigor científico. O primeiro passo veio com o lançamento da revista, em 7 de julho de 1982, durante a 34a reunião da SBPC, em Campinas. No encontro já foram garantidas centenas de assinaturas, uma prova da confiança depositada pelos 92 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

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pesquisadores na iniciativa. Confiança que acabou premiada com o sucesso da primeira edição da Ciência Hoje, eujos 15 mil exemplares esgotaram-se rapidamente. Foi preciso uma nova tiragem de 10 mil exemplares para dar conta da demanda. O presidente da FAPESP,Carlos Vogt, também atual vice-presidente da SBPC, explica que o pesquisador e jornalista José Reis criou a revista Ciência e Cultura, em 1949, a primeira publicação que trazia não só artigos científicos, "mas também dados relativos à projeção desses conhecimentos na sociedade" (segundo as palavras do próprio Reis). A revista, vinculada à SBPC, era bem diferente da Ciência Hoje e teve três várias fases. "Ou seja, a Ciência Hoje vem de uma tradição iniciada pelo imenso

trabalho de divulgação do José Reis': diz Vogt, atual editor chefe da Ciência e Cultura. Ele lembra que a enorme repercussão da Ciência Hoje no meio científico criou paradigma - tempos depois foi criada a Ciencia Hoy na Argentina. Segundo a editora de Ciência Hoje, Alicia Ivanissevich, a publicação nasceu com um forte vínculo político. O primeiro número trazia uma reportagem sobre Cubatão, na época a cidade mais poluída do país. Eram denunciados casos de anencefalia (fetos sem cérebros) e outras doenças decorrentes da emissão criminosa de substâncias tóxicas pelas indústrias locais. ''Apesar do viés político, a revista não teve muitos problemas com a ditadura", lembra Alicia. "O próprio general Golbery do Couto Silva, um dos principais articuladores do regime militar, foi assinante da revista em seus primeiros anos." Quando Ciência Hoje nasceu, não havia publicações do gênero no país, com a exceção da já tradicional Ciência e Cultura, ou traduções de publicações científicas estrangeiras. Pesquisa FAPESP, por exemplo, nasceu há três anos e a edição brasileira da Scientific American foi recém-lançada este ano. "Na época, havia iniciativas isoladas de divulgação científica, como programas de rádio, entrevistas na TV, palestras e boletins informativos para as sociedades científicas", diz a editora da revista. Ou seja, nada ao alcance do leigo. Alicia, porém, admite que nunca houve a pretensão de conquistar o leitor comum, que vive num país onde a educação para todos é uma eterna promessa.


"A publicação era voltada para o setor científico; seria impossível atingir um público muito grande. Mas era um tentativa de sair do casulo, da torre de marfim, e falar com o cidadão comum", explica. om o passar do tempo, os diretores da revista perceberam que desafios maiores que a democratização da ciência ainda estavam por vir. As dificuldades financeiras foram o primeiro problema. Na década de 90, a Ciência Hoje quase fechou as portas. No auge da crise, dois números da revista foram publicados com uma tarja na capa onde se lia ''Ameaçada de extinção", uma maneira bem-humora-

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o setor e voltada aos sócios da SBPC e bolsistas. Depois, veio a Ciência Hoje das Crianças, que nasceu como um encarte e tornou-se uma publicação independente. "Também percebemos que faltava atender aos professores de ensino fundamental e começamos a publicar volumes temáticos, batizados de Ciência Hoje na Escola", conta Alicia. Para a Internet, foi criada a homepage www.ciencia.org.br, atualizada com notícias científicas de todo o mundo. Com o fim do aporte financeiro dos órgãos de pesquisa do governo, a força de alguns dos produtos da revista tornou-se fundamental para a sobrevivência da publicação. A Ciência Hoje das Crianças, por exemplo, é vendida para ,-----------,..~R""~ o ""~~li:l'~

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da de chamar a atenção para a situação delicada. Deu certo. Pouco depois, a comunidade científica mobilizou-se para arrecadar recursos e manter viva a publicação, que deixara de receber verbas de órgãos como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Em meio a tantas tempestades, a Ciência Hoje - atualmente com tiragem de 12 mil exemplares -, além de superar todas as crises, cresceu e se multiplicou. Foram criadas novas publicações direcionadas a diferentes públicos e faixas etárias. A primeira iniciativa foi o lançamento do Informe Ciência Hoje, ainda em 1985, que mais tarde seria transformado no Jornal da Ciência, publicação quinzenal com notícias sobre

o Ministério da Educação, que distribui 180 mil exemplares da publicação na rede pública de ensino. "Não deixa de ser uma verba do governo, mas não a fundo perdido", diz Alicia. A editora também ressalta o fato de a revista ter "criado uma demanda" e aberto espaço para outras iniciativas do gênero, como a Superinteressante, da Editora Abril, e a Galileu, da Editora Globo. O respeito conquistado pela Ciência Hoje está, na opinião da editora, diretamente relacionado aos números contidos nas 184 edições da publicação. Nesses 20 anos, mais de 2 mil cientistas de todo o país (68% da região Sudeste), além de dezenas de profissionais que trabalham no exterior, escreveram artigos para a revista. Cerca de 850 pesquisadores foram consultados

para avaliar os textos de seus colegas, prática comum no processo editorial. "Todos os artigos e reportagens são lidos por especialistas das áreas de ciências exatas, biológicas, biomédicas, ambientais e humanas. Os artigos que chegam de fora também são repassados a consultores'; esclarece Alicia. De acordo com a editora, o equilíbrio entre a linguagem acadêmica e jornalística cria alguns problemas, quase sempre contornados facilmente. "Muitos cientistas até agradecem quando deixamos seus artigos mais claros." O respeito conquistado pela Ciência Hoje entre a comunidade científica torna-se explícito nas declarações de acadêmicos que acompanharam a criação e crescimento da revista. Um deles é o físico Sergio Rezende, da Universidade Federal de Pernambuco, que exalta a seriedade da publicação. Segundo ele, os países desenvolvidos alcançaram o progresso econômico e social porque há muito tempo incorporaram a pesquisa e a inovação nos processos produtivos e de políticas públicas. "No Brasil, infelizmente, a maior parte da sociedade não percebe a importância da ciência nem a nossa capacidade de utilizá-Ia para elaborar e implementar um projeto nacional que nos leve ao desenvolvimento pleno'; analisa Rezende. "É nesse contexto que a Ciência Hoje adquire importância, pois é um veículo que trata da ciência com competência e contribui para diminuir a desinformação sobre o assunto, que prevalece nos meios de comunicação." O ex-presidente da FAPESP e atual reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Carlos Henrique de Brito Cruz, faz coro à opinião de Rezende sobre a importância da revista. "Ela tem um papel fundamental na divulgação científica no Brasil. Teve um papel pioneiro no país ao tratar sobre ciência de forma agradável e acessível ao público leigo", elogia. Na opinião de Walter Neves, pesquisador do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da Universidade de São Paulo, seria impossível dissociar seu percurso científico e acadêmico da criação da Ciência Hoje. "Para um país euja academia manteve corporativamente protegida da sociedade, a criação da revista deu visibilidade a linhas de pesquisa que não teriam sobrevivido ao massacre intramuros', avalia Neves. • PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 93


• HUMANIDADES

LIVROS

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Obras que receberam apoio da FAPESP ganham Prêmio Jabuti de 2002

selo da FAPESP na capa de um livro diz tudo sobre a qualidade desse livro", assegura a professora Lúcia Santaella, uma das maiores especialistas brasileiras em semiótica e docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Ela fala com conhecimento de causa, pois seu livro mais recente, Matrizes da Linguagem e Pensamento; Sonora, Visual e Verbal (425 págs., Editora Iluminuras/FAPESP, R$ 49,00), que contou com o auxílio-publicação da Fundação, ganhou o prestigioso Prêmio Iabuti de 2002 na categoria Teoria Literária/Lingüística. "Minha obra é fruto de anos de pesquisas, algumas delas financiadas pela FAPESP, mas seria impossível editar esse novo estudo, com mais de 600 laudas, sem esse apoio", disse a pesquisadora, que em julho estava em Kassel, na Alemanha, participando de um seminário no qual expôs as idéias da nova publicação. "Esse é o 21 o livro, acredito que eu tenha um nome conhecido, mas ainda assim nenhuma editora iria se arriscar em editar Matrizes da Linguagem e Pensamento pela sua complexidade", acredita. "Assim como em outros países as publicações universitárias são absorvidas pelas editoras universitárias, no Brasil a FAPESP preenche essa função de forma exemplar, uma iniciativa excelente." A professora é autora, entre outros, de Estética de Platão a Pierce, Imagem - Cognição, Semiótica e Mídia e Convergências - Poesia Concreta e Tropicalismo. O novo estudo é, ao mesmo tempo, uma suma de seus trabalhos sobre semiótica e a apresentação de uma nova teoria sobre as três matrizes da linguagem e do pensamento, baseadas nas teorizações de Charles Sanders Pierce, com aplicações em campos

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Ilustração de Festa e capa do livro de Lúcia: ajudando pesquisadores a superar o medo das editoras de investir em obras de público restrito diversos, como a música, as artes visuais, televisão, cinema e a informática. O auxílio-publicação foi igualmente determinante na outra premiação do [abuti de 2002, dessa vez na categoria Ciências Humanas: Festa, Cultura e Sociabilidade na América Portuguesa (Edusp/FAPESP/ Hucitec, dois volumes com CD encartado, 992 págs., R$ 115,00), organizado por István Iancsó, do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), e Iris Kantor, da Escola de Sociologia e Política (ESP). A obra, já

considerada de referência, reúne 49 artigos de pesquisadores brasileiros e portugueses, inicialmente apresentados durante um seminário na USP em 1999 que, convertidos em livro, traçam um painel da história das festividades no imaginário nacional, nas palavras de lris Kantor "uma pré-história do nosso Carnaval". "Não tenho dúvidas de que foi esse auxílio, ao nos possibilitar essa edição tão bela, o responsável pela conquista do Iabuti", afirma Kantor. A pesquisadora lembra também que a instituição igualmente ajudou na organização do congresso que deu origem ao livro. ''A universidade produz coisas boas que infelizmente não possuem um lugar no mercado comercial. O auxílio-publicação é necessário, pois nos ajuda a ocupar esse nicho e a chegar aos leitores." •


RESENHA

Além do DNA Autora propõe novos conceitos sobre a organização

ROGÉRIO MENEGHINI

esde meados do século passado sabe-se que o DNA é a estrutura responsável pelo armazenamento de informações genéticas. Na seqüência das quatro bases, adenina, timina, citosina e guanina, encontra-se o programa para milhares de eventos que ocorrem no organismo. Porém, até que ponto as informações contidas no DNA são, além de necessárias, suficientes para o desenvolvimento de um ser vivo? Essa é uma pergunta que não tem tido uma abordagem por meio de experimentos, visto que não há hipóteses claramente formuladas para uma meta objetiva. Mas, ainda assim, ela provavelmente tem rondado a cabeça de muitos investigadores.Na literatura, nunca me deparei com nenhum artigo comentando o problema. O advento da era genômica trouxe algumas constatações constrangedoras: os genomas do homem e do chimpanzé têm 98% de identidade; existe uma grande homologia entre os genomas do homem e do camundongo; o genoma humano tem apenas duas vezes mais genes do que o da mosca Drosophila. Isso fez aumentar a desconfiança de que o DNA é o único repertório de informações para o desenvolvimento de um organismo. Em seu recente livro O Século do Gene, Evelyn Fox Keller escreve com lucidez e de forma instigante sobre o tema. Comenta que pesquisadores de renome têm se preocupado com o assunto, embora não tenham explicitado suas ponderações em publicações. Evelyn fez doutorado em Física na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, em 1963,mas abraçou a área de história e filosofia da ciência, matéria que leciona e pesquisa como professora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Seus livros anteriores fizeram muito sucesso, tais como Reflections on Gender and Science e Refiguring Life: Metaphors of Twentieth-century Biology, mas não foram traduzidos para o português. O Século do Gene foi, e resultou

D

biológica

em um excelente trabalho de Nelson Vaz, do DeparEvelyn Fax I<eller tamento de Bioquímica e Imunologia da UniversiEditora Crisálida / dade Federal de Minas GeSociedade Brasileira de Genética rais. É raro, nessa área, o leitor não sentir desejo de recorrer ao original como 206 páginas / R$ 22,00 ocorre com a tradução de Vazo Evelyn Keller trata com conhecimento e perícia os conceitos e a linguagem de biologia. Argumenta que a suposição de um programa inscrito no DNA precisa ser reformulada e propõe um conceito mais dinâmico, que ela chama de programa compartilhado, em que todos os componentes, proteínas, RNA e DNA, funcionam como instruções e como dados. A autora reporta-se também à crescente complexidade da biologia sistêmica, que mapea redes de sinais de informações que se entrelaçam por meio de um rtúrnero nunca antes imaginado de ligações específicas de proteínas, resultando em respostas finais temporalmente e mecanisticamente precisas. Evelyn não pretende levantar uma hipótese que seja formulada de maneira clara e experimentalmente testável. Mas avança discutindo numerosos enigmas e termina com uma profecia: os genes tiveram uma vida gloriosa no século 20... mas os avanços propiciados irão requerer a introdução de outros conceitos e maneiras de pensar sobre a organização biológica, afrouxando então, inevitavelmente, o laço em que os genes têm mantido a imaginação dos cientistas nessas muitas décadas. O primeiro pensamento que nos vem é que, de qualquer forma, o RNA é sintetizado a partir de informações do DNA e a proteína é sintetizada a partir de informações do RNA; portanto, como refutar que os programas de todos os acontecimentos num organismo estejam, em última instância, no DNA, por exemplo, na forma de milhares de genes cujas funções ainda desconhecemos? Há motivos para isso e vou adiantar um deles, especulativamente, sem dados experimentais. Algo que sempre me instigou é que deve haver uma longa história num óvulo recém-fertilizado,

o Século

do Gene

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• RESENHA do novo genoma permanecem silenciosos. O óvualém do DNA, o que talvez tenha a ver com esse lo já trouxe todos os RNAs e proteínas necessárias problema. O óvulo possui uma complexa estrutupara darem conta dos eventos primordiais da emra, com várias subestruturas espacialmente orbriogênese. São essas sinalizações químicas que perganizadas, organelas, membranas, moléculas de mitem o início da expressão gênica de forma orgaRNA mensageiros, sistemas de sinalização, todos nizada temporalmente. Aí pode residir um ponto prontos para funcionar logo após a fertilização. importante na definição de como o embrião se deQuanto isso representa de informação em relação senvolverá. Como, por exemplo, ele dará origem a àquela contida nos DNAs que se juntaram? um ser humano e não a um chimpanzé. Tomemos por exemplo a membrana bicamada, Portanto, o óvulo deve formada por fosfolipídeos, que guardar uma longa história reveste as células e as organena forma de um grande conIas celulares. Ou o citoesqueteúdo de informações não leto, formado por proteínas "O óvulo deve genômicas para o desenvolque se polimerizam e forvimento do novo ser. Não é mam redes que se entrecruguardar uma longa trivial, mas deve ser possível zam e não permitem à célula saber o quanto há de inforcolapsar (como o nosso esquehistória na forma mação em um óvulo e compaleto em relação ao nosso corde um grande rar com a informação gerada po) e são importantes na mopelo DNA no desenvolvibilidade celular. Imaginemos conteúdo de mento embrionário. agora, logo após a fertilização, informações não Uma abordagem experia síntese dos novos componenmental para testar hipóteses tes dessas estruturas (fosfolipígenômicas para o poderia passar pelo estudo de deos da membrana e proteínas desenvolvimento embriogênese proveniente de do citoesqueleto) para as nouma fecundação interespévas células que se originarão de um novo ser" cies. Há alguns trabalhos nespor divisão celular. Poderiam sa direção, procurando obessas moléculas se organizar servar o que ocorre quando, em novas supra-estruturas de in vitro, o espermatozóide humembranas ou cito esqueletos mano fecunda o óvulo de outros organismos. Posem a ajuda das já existentes? Haverá certamente rém, esses experimentos não estão voltados para as um direcionamento dessas moléculas para a bicamada e para o citoesqueleto pré-forrnados que idéias aqui comentadas. O óvulo de um hamster, por exemplo, só suporta uma divisão. Esse sistema ordenarão a extensão dos mesmos para preparar tem, inclusive, sido usado como um sensível teste a divisão celular. Embora não se saiba bem como, para fertilidade de espermatozóides humanos. No pode-se imaginar que essas pré-estruturas ajucaso de óvulos de vaca, o embrião avançou mais, até daram a moldar uma extensão delas próprias, cerca de cem células. O cruzamento de ovelha e caisto é, foi usada informação contida no óvulo que bra permitiu chegar ao nascimento de um híbrido! nada tinha a ver com o novo genoma formado. Uma busca cuidadosa na Internet não permitiu Esse processo será passado para todas as demais cédetectar experimentos em que espermatozóide hululas durante o desenvolvimento, até a formação de mano é cruzado com óvulo de chimpanzé. Qual novos óvulos gerados pelo novo ser. Mas a inforseria o caminho tomado durante a embriogênese? mação preliminar para isso estava contida no Ou, então, um experimento semelhante ao que deu óvulo que o originou. Existe também uma rede de sinalização bioorigem à ovelha Dolly, como se comportaria um óvulo humano anucleado que recebesse o núcleo de química no óvulo, pronta para ser acionada pela uma célula somática de chimpanzé ou vice-versa? fecundação. Essa rede pode ser comparada com Teria o óvulo um papel importante para orientar o uma rede de fios elétricos que conduzem eletricicaminho de desenvolvimento do embrião no pridade. Quando se liga o interruptor, acendem-se meiro caso resultando no caminho humano e, no todas as lâmpadas das ruas em um bairro. A difesegundo, no chimpanzé? Certamente, há aspectos rença é que em vez de fiação tem-se proteínas e éticos a serem considerados numa abordagem desem vez de eletricidade tem-se sinais químicos passa natureza antes de qualquer iniciativa. Alternativas sados principalmente de proteína para proteína poderiam ser consideradas, como a fecundação inaté que se chegue aos eventos desejados: síntese de terespécies que não envolvessem a espécie ljumana, proteínas do cito esqueleto e de fosfolipídeos, por exemplo. O interruptor nesse caso foi ligado pela fecundação. É preciso deixar claro que a rede não ROGÉRIO MENEGHINI é diretor do Centro de Biologia foi formada com informação gênica provinda do Molecular Estrutural do Laboratório Nacional de Luz novo genoma formado, mas do genoma da mãe. Síncroton (LNLS). Isso porque, no início da embriogênese, os genes 96 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78


LIVROS

o Brasil

REVISTAS dos Brasilianistas

Paz e Terra RubensAntônio Barbosa (organização) 513. páginas / R$ 45,00 Elaborado a partir de um seminário que reuniu vários estudiosos do Brasil, o livro é uma coletânea de artigos analisando a história, entre 1945 e 2000, da contribuição dos pesquisadores estrangeiros na análise do desenvolvimento do país. Alguns autores: Leslie Bethell, Robert Levine, Werner Baer, Ianet Chernela, Marshall Eakin, Scott Tollefson, entre outros, com organização do embaixador Rubens Barbosa. É, sem dúvida, um instrumento precioso para se perceber a importância dos estudos feitos sob a ótica do estrangeiro sobre o Brasil.

Estudos Avançados da Universidade [le São Paulo Volume 16/ número 44 A revista é a publicação EsruoosAW,,'«,"ADOS44 quadrimestral do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e traz, com exclusividade, a reprodução !,:':'--';""='M._ de uma conferência de Noam Jld"",~"""" Chomsky sobre os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA e as suas conseqüências sobre a nova ordem mundial. No mesmo tom internacional, artigos discutem a crise argentina atual e seus aspectos paradigmáticos. Ainda nesta edição: Efeitos das Queimadas na Saúde Humana, de Helena Ribeiro e João Assunção; Problemas Causados por Gutenberg, de Peter Burke; Publicação da Obra Científica de Mário Schenberg, de Amélia Império Hamburger. MtIMt.n- •••.•

Aventuras da Microbiologia Hacker Editores Isaias Raw e Osvaldo Augusto Sanfanna 170 páginas / R$ 25,00 ...."..... Atualmente, com o perigo das I..... _..=.~'!~:?~?I~!~ guerras biológicas e as dúvidas sobre os desdobramentos da genética, há uma curiosidade crescente sobre os ~ ~ aspectos mínimos, mas fundamentais, '----------' da natureza. Daí a oportunidade de se conhecer como se deu o conhecimento sobre a microbiologia, desde os seus primórdios, com a observação, no século 16, no microscópio, de seres impossíveis de serem vistos a olho nu, até hoje, em que os avanços desse campo permitem a manipulação de genes e do código genético com resultados imprevisíveis.

Norberto aobbto Maurizio ViroU

DIÁLOGO EM TORNO DA

REPÚBLICA ''\.li

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Diálogo em Torno da República Editora Campus Norberto Bobbio e Maurizio Viroli 130 páginas / R$ 25,00

Um bate-papo dos mais sofisticados, que se lê com prazer, entre 2.. o pensador italiano Norberto Bobbio e o professor da Universidade de Princeton Maurizio Viroli (autor de uma aclamada biografia de Maquiavel, que será lança da em breve no Brasil) sobre os grandes temas da política e da cidadania. Entre os assuntos debatidos com estilo pelos dois intelectuais estão: o amor pela pátria, a liberdade, a corrupção, os direitos e deveres dos cidadãos e do Estado, a fé religiosa, o significado da história, as razões e os limites da ética laica, entre outros temas. {h (,II.'I."lll'>rUH~

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Revista de Sociologia da USPI Tempo Social Volume 14/ número 1 A publicação semestral do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo traz a aula inaugural do curso de Ciências Sociais de 200~, feita por Glauco Arbix, com o tema da liberalização dos anos 90 e a construção estratégica do desenvolvimento. Neste número: As Ciências Sociais e a Cultura, de Renato Ortiz; Trabalho Incessante, de José de Souza Martins; Um Laboratório das Relações de Trabalho: o ABC Paulista nos Anos 90, de Iram Iácome Rodrigues; entre outros artigos.

Galáxia Número 3 / 2002 Galáxia - Revista Transdisciplinar de Comunicação, Semiôtica, Cultura chega ao terceiro número com textos sobre diversidade semiótica. Esta revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP, com circulação semestral, é "dedicada a todos aqueles que adotaram qualquer perspectiva semiótica como um modo de pensar as artes, a ciência, a cultura como fenômenos de comunicação", como a definiu a editora científica Irene Machado, no primeiro número. Que a publicação tenha longa vida. PESQUISA FAPESP 78 • AGOSTO DE 2002 • 97


SANTIAGO

- Aquele paciente com pergunta se pod problema na orelha ~~uUle pagar com iss

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o.


Das 6 às 9:30h.

Em 2001 a programação da Eldorado AM ganhou vários prêmios, entre eles o de Melhor Rádio Jornalismo, conferido pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Em 2002, quem sai ganhando é você, que agora pode ouvir de segunda a sábado o Jornal Eldorado 1a edição, das 6h às 9h30 sintonizando os 700 kHz da AM ou os 92,9 MHz da FM.

92.9 MHz: Um novo canal a serviço da informação, da cidadania e do meio ambiente. www.radioeldorado.com.br


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Presente no futuro


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