Das 6às 9:30h.
Em 2001 a programação da Eldorado AM ganhou vários prêmios, entre eles o de Melhor Rádio Jornalismo, conferido pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Em 2002, quem sai ganhando é você, que agora pode ouvir de segunda a sábado o Jornal Eldorado 1a edição, das 6h às 9h30 sintonizando os 700 kHz da AM ou os 92,9 MHz da FM.
92.9 MHz: Um novo canal a serviço da informação, da cidadania e do meio ambiente. WWW.radioeldorado.com.br
UMA EMPRESA DO GRUPO O ESTADO DE S. PAULO
ÍNDICE
CAPA
8
Pesquisador elabora parecer que explica como se formou a mancha que lembra imagens sacras
CARTAS ............••..••..••..• EDITORIAL MEMÓRIA ..................•.... • POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA ESTRATÉGIAS LIVRO COMEMORA 50 ANOS DO CNPQ 35 ANOS DA FINEP ......••.......
4 5 6
16 16 24 26
• CIÊNCIA ••...•..••..••...•••• 28 LABORATÓRIO 28 SEPARAÇÃO DAS MOLÉCULAS ESPELHADAS 36 CORAÇÃO FORA DE RITMO 44 TESTE DETECTA INFECÇÕES LEVES DE ESQUISTOSSOMOSE ..... 46 COMO EVITAR A INTOXICAÇÃO DE BOVINOS POR AMÔNIA 48 ALTERAÇÕES SEXUAIS EM RATOS .. 50 SERPENTES COM PATAS 54 A QUÍMICA DO CARVÃO 57 PEIXES QUE LIMPAM OUTROS PEIXES 58 FLORESTA EM REGENERAÇÃO 62 • TECNOLOGIA .............••..• LINHA DE PRODUÇÃO TRATAMENTO DE SUPERFÍCIE ALIMENTOS ESPECIAIS PREPARAÇÃO DOTELESCÓPIO
64 64 76 79 80
• HUMANIDADES •.•..•...••.••.. AVICENA HISTÓRIAS DE ÍNDIO
84 90 92
LIVROS ....................•..• LANÇAMENTOS .•.•.•.•.•..•.•... CLASSIFICADOS ..••..••......... ARTE FINAL .••......•..........
94 95 96 98
Capa: Hélio de Almeida Foto: Helvio Romero/AE
2O
FOMENTO
68
SAÚDE
FAPESP consolida, em 2001, estratégia de investimentos em pesquisas baseadas em parcerias para transferir conhecimento ao setor produtivo e órgãos públicos
Ipen desenvolve tecnologia brasileira para fabricação de sementes radioativas contendo iodo-125 para o tratamento de tumores na próstata
40
84
MEDICINA
ÉTICA
Levantamento nacional mostra que fumar mais de cinco cigarros por dia quase quintuplica o risco de infarto
Livro de Edward Teller, pai da bomba H, e biografia de Sakharov discutem os limites da ciência
32
72
ASTROFÍSICA
Mapeamento inédito detecta 150 berçários de estrelas no Hemisfério Sul
ENTREVISTA
John Vander Sande, do M IT, expõe idéias sobre empreendedorismo PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 3
r
CARTAS cartas@trieste.fapesp.br
Poeira do passado No nO78 da revista Pesquisa FAPESP, na seção Laboratório, à página 35, há um nota sobre a análise dos gelos dos Andes, trabalho coordenado pelo professor Alexandre Correa, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF/USP). Curiosamente, lá aparece uma fotografia com a legenda "Partícula de poeira ampliada por microscopia eletrônica: queimadas do passado". Ocorre que a partícula de poeira na verdade é um buckminsterfullereno, a famosa buckyball ou C60, descoberta em 1985 pelos professores. Kroto, Curl e Smalley, que acabaram recebendo recentemente o Prêmio Nobel pela descoberta. Isso é mais uma prova de que fullerenos - e provavelmente nanotubos - têm existido desde sempre, juntamente com os conhecidos alótropos do carbono, só que nós não o conhecíamos ainda. A questão que fica para os pesquisadores associados ao professor Correa é sobre a relação entre a concentração de fullerenos nas neves andinas e a "qualidade" das queimadas na Amazônia. Esse fato poderá ser devidamente rastreado? STANLEI IVAIR KLEI
Instituto de Química de Araraquara - Unesp Araraquara, SP
A origem dos mamíferos Gostaria de parabenizar a revista Pesquisa FAPESP pela matéria sobre os "ancestrais dos mamíferos". Os trabalhos realizados pelos colegas do Rio Grande do Sul, em conjunto com o experiente "caçador de fósseis", dr, José F. Bonaparte, do Museu Argentino de Ciências Naturais, é excelente e ajudará a estabelecer algumas das fases evolutivas que levaram à transição dos sinapsídeos primitivos para os mamíferos. Pessoalmente espero que os colegas também encontrem nas camadas triássicas da Formação Santa Maria outras formas interessantes, inclusive algumas que apresentem 4 • SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
a transição entre répteis primitivos para dinossauros (a exemplo do que já ocorreu na Argentina) e também para pterossauros (répteis voadores), já que o tempo (ca. 225-230 milhões de anos) e o ambiente (continental) da formação daquelas rochas são ideais para o encontro destes fósseis. ALEXANDER
W.
A. KELLNER
Museu Nacional/UFR) Rio de Janeiro, RJ
Cepids Gostaria de comentar sobre um erro na matéria "O desafio de compartilhar': publicada na revista Pesquisa FAPESP, nv 77, referente aos Cepids. Especificamente, na página 23, gostaria de informar que o Centro de Biologia Molecular Estrutural (CBME) reúne pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP), Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), mas não apenas o Departamento de Química da UFSCaI. Dois outros laboratórios, de Bioquímica e de Biologia Molecular, fazem parte deste CBME, ligados ao Departamento de Genética e Evolução (prof. Flávio Henrique dá Silva) e ao Departamento de Ciências Fisiológicas, de que faço parte. HELOISA SOBREIRO SELISTRE DE ARAÚJO
Universidade Federal de São Carlos São Carlos, SP
Primeiro computador Sem empanar o brilho dos realizadores, em 1972, do Patinho Feio (Pesquisa FAPESP, edição 76), convém esclarecer o fato de que não teve a merecida divulgação. No Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), já em 1961, foi construído o Zezinho, resultado de trabalho de fim de curso de quatro formandos (Alfred Volkmer, András Vásárhelyi, Fernando V. de Souza e José E. Ripper Filho), orientados por professores, sob a supervisão do chefe da Divisão de Eletrôni-
ca, Richard Wallauschek. Mereceu financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e doações de indústrias (Ibrape, RCA, Philips). Tratava-se de um computador para fins didáticos, construído já com a técnica de transistores, apesar de à época não haver disponibilidade nem mesmo de circuitos impressos. A publicação do trabalho deve estar disponível na biblioteca do ITA,que tem o acervo dos formandos. O recentemente constituído Museu do Computador já foi informado a respeito. JORGE
E.
RENNER
Presidente do Centro Acadêmico do ITA,gestão 1960-61 Nota da Redação Optamos por publicar a reportagem sobre o Patinho Feio pelo fato de ele ser o primeiro computador com estrutura de computação clássica desenvolvida no Brasil, com a utilização de software, e por estar fartamente documentado (ainda é possível fotografá-Io na Escola Politécnica). De acordo com o livro Guerrilha Tecnológica: a Verdadeira História da Política Nacional de lnformática, de Vera Dantas (LTC - Livros Técnicos e Científicos Editora, 1988, Rio de Janeiro), o Zezinho durou pouco tempo: "Foi canibalizado pelos alunos das turmas seguintes, que utilizaram seus circuitos para novas experiências. Tampouco foi considerado um trabalho superior ao de outros alunos da mesma turma, como um sistema de FM estéreo que gerou uma patente, ou um sistema de circuito fechado de televisão".
EDITORIAL
A santa (cientificamente) explicada esde a origem, Pesquisa FAPESP é, por definição, uma
D
FAPESP CARLOS VOGT PRESIDENTE PAULO
EDUARDO DE ABREU VICE-PRESIDENTE CONSELHO
ADllSON
MACHADO
SUPERIOR
AVANSI DE ABREU
ALAIN FLORENT STEMPFER CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ CARLOS VOGT FERNANDOVASCO LEÇA DO NASCIMENTO HERMANN WEVER JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MARCOS MACARI
NllSON PAULO
DIAS VIEIRA JUNIOR
EDUARDO
OE ABREU
MACHADO
RICARDQ RENZO BRENTANI VAHAN
AGOPYAN
CONSELHO TECNICO·AOMINISTRATlVO FRANCISCO ROMEU LANDI OlRETORPRESIDENTE JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER O1RETOR ADMINISTRATIVO JOSÉ FERNANDO
PEREZ
OIRETORC!ENT1FICO PESQUISA
FAPESP
CONSELHO
EDITORIAL
ANTONIO CECHElLI DE MATOS PAIVA, EDGAR OUTRA ZANOnO, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA CDUTINHO, FRANCISCO ROMEU LANDI, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, JOSÉ FERNANDO PEREZ, Luis NUNES DE OLIVEIRA, LUIZ HENRIQ~E LOPES DOS SANTOS,
PAULA MONTERO, ROGERIO MENEGHINI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MDURA EDITQRCHEFE NELDSON MARCOLlN EOITORASENIOR DA GRAÇA MASCARENHAS
MARIA
DIRETOR DE ARTE DE ALMEIDA
HÊlIO
EDITORES CARLOS FIORAVANTl (CIÉNCIA) CLAUDIA IZIQUE (POLlTICA C&Tl MARCOS DE OLIVEIRA mCNOLOGIA) HEITOR $HIMIZU (VERSÃO ON UNE) REPÓRTER MARCOS
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Osartigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP É
PROIBlOA
DE TEXTOS
A REPRODUÇÃO
TOTAL
E FOTOS SEM PREVIA
SECRETARIA
DA CIÊNCIA
E DESENVOLVIMENTO
GOVERNO
00 ESTADO
OU PARCIAL AUTORIZAÇÃO
TECNOLOGIA ECONÓMICO
DE SÃO PAULO
revista de divulgação científica escrita em linguagem rigorosamente jornalística. Ou seja, é da natureza intrínseca de seu projeto editorial o esforço pela tradução de resultados de pesquisa e conceitos científicos para uma linguagem comum, inteligível a qualquer leitor bem formado, independentemente de sua área de formação. Por isso mesmo, artigos científicos com muita freqüência servem de base às reportagens que a revista publica, mas tradicionalmente não aparecem, tal como foram escritos, nas páginas da revista. Desta vez, contudo, abrimos uma exceção. E não apenas estamos publicando um artigo científico do professor Edgard Dutra Zanotto, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) como ele é o belo objeto da capa desta edição. Como se verá, temos razões de sobra para quebrar a regra. Primeiro, o paper que contrapõe, às tentações de qualquer interpretação mística, uma explicação científica rigorosa para o fenômeno do aparecimento de manchas em vidro que evocam imagens sacras, é de uma completa oportunidade, quando a mídia procura dissecar sob os mais diferentes ângulos a história da santa do vidro de Ferraz de Vasconcelos. Só para refrescar a memória dos leitores: desde julho, uma mancha encontrada na vidraça de uma casa simples na pequena cidade da Grande São Paulo, a lembrar uma esguia madona, e resistente a todo produto de limpeza utilizado por Ana Maria de Jesus Rosa, a dona da casa, atrai diariamente uma multidão de fiéis e curiosos à rua Antônio Bernardino Corrêa. Em segundo lugar, neste momento em que está em curso o trabalho de uma comissão de especialistas, incluindo físicos e químicos, formada pelo bispo de Mogi das Cruzes, dom Paulo Mascarenhas Roxo para elaborar um parecer oficial sobre o fenômeno, adiantar para seus leitores a visão de um desses especialistas é, sem dúvida, uma
decisão que tem tudo a ver com o propósito de Pesquisa FAPESP de mostrar como a ciência está imbricada na nossa vida concreta e cotidiana. E, ressaltese, neste caso, o especialista, PhD em tecnologia de vidros, é simplesmente uma das maiores autoridades brasileiras nesse campo. Com essa bagagem, aliás, Zanotto publicou, em 1998 e 1999, dois artigos no American [ournal ofPhysics, o primeiro deles comentado na Science, desmontando o mito de que as igrejas medievais como Notre Dame, por terem vitrais mais espessos na base do que no topo, constituem a prova da viscosidade do vidro. Que o vidro é um líquido viscoso, ele não discutiu, mas demonstrou que para escoar a ponto de atingir a espessura observada nos templos, o material levaria milhões e milhões de anos. A partir da análise da composição de 350 vitrais medievais, ele concluiu que as diferenças de espessura em questão, na verdade, decorrem apenas de defeitos de fabricação do vidro. Finalmente, quebramos nesta edição a regra de não publicarmos artigos científicos porque, neste caso em que se trata da contraposição implícita de um visão de mundo a outra, de uma linguagem a outra muito diversa, julgamos enriquecedor para o debate e para os leitores a preservação da lógica interna do discurso científico - que aqui, aliás, alcançou uma extraordinária clareza. Esta edição traz muitas outras novidades. Alguns exemplos: os fatores que aumentam e os que reduzem os riscos de infarto entre os brasileiros, a tecnologia nacional para cápsulas radioativas que tratam o câncer de próstata, ou a discussão sobre ética na ciência suscitada pela publicação do livro sobre o pai da bomba H, Edward Teller, e a autobiografia do russo Andrei Sakharov. E, para finalizar, estamos inaugurando um novo espaço publicitário na revista: os classificados Pesquisa FAPESP, onde pesquisadores, instituições e empresas podem oferecer seus serviços diretamente para o público certo. PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 5
Sob a vigília das ondas o radar
foi desenvolvido na primeira metade do século passado e se tornou indispensável em tempos de guerra e de paz NELDSON
MARCOLIN
ma complexa rede de radares espalhada pela Amazônia Legal é o coração de um projeto que pretende controlar o espaço aéreo na região. O Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), que começou a funcionar experimentalmente em julho, depende em grande parte de uma tecnologia indispensável nos dias de hoje. Como tantas outras criações importantes, o radar não foi propriamente inventado, mas desenvolvido ao longo das décadas. Os ensaios matemáticos do físico escocês [ames Clerk Maxwell, em 1871, e as experiências em laboratório sobre ondas eletromagnéticas, realizadas pelo físico alemão Heinrich Hertz entre 1885 e 1889, foram o começo. No início do século passado, em 1904, Christian Hülsmeyer conseguiu a patente nv 13.170 na Alemanha e, depois, na Inglaterra, que trazia a explicação teórica do radar. O aparelho consistia em um emissor e um receptor montados lado a lado "de maneira que as ondas emitidas pelo transmissor pudessem apenas atuar no receptor quando refletidas por qualquer outro corpo metálico, que no mar seria provavelmente outro navio", de acordo com a descrição de um raro especialista brasileiro no tema, Stefan
Mapa de Oslo e região da época da Segunda Guerra: círculo mostra abrangência do radar
U
6 • SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
Primeira foto do H2S: é possível comparar a imagem com o mapa (acima) e localizar os navios inimigos
[ucewicz, no seu livro Radar (Editora Asa, 144 páginas). A invenção não funcionaria na prática porque só na década de 30 seriam criadas condições técnicas para isso. A primeira aplicação real do conhecimento sobre ondas de rádio ocorreu em 1925, quando o Carnegie Institute, nos Estados
Unidos, utilizou emissões intermitentes de radiofreqüência para determinar a altitude da camada de gás ionizada que rodeia a Terra, medindo a diferença de tempo entre a transmissão do sinal e o regresso de seu eco. Em 1929, o japonês Hydetsugu Yagipublicou estudo sobre a emissão e transmissão de ondas
Mapa eletrônico de São Paulo no qual se vê a cidade, as represas e o litoral: uso moderno para o radar
utilizando antenas direcionais, que possibilitou direcionar o feixe. Em 1935, a Royal Air Force (RAF) britânica destinou 10 mil libras para os estudos sobre Radio Direction Finder (RDF), o nome-código para o radar inglês. O Exército norte-americano fez o primeiro radar que emite pulsos em 1936, enquanto a Marinha alemã trabalhava em um radar para determinar o alcance das peças de artilharia.
p(
0ntribuiçãO que tornou o equipamento funcional e preciso partiu de dois ingleses, J.T. Randall e A.H. Bott, em 1940. Eles construíram a válvula magnetron, capaz de gerar 10 mil watts na altíssima freqüência de 3 mil megahertz. A RAF a usou para construir o primeiro radar centimétrico aerotransportado, que levou o nome de H2S (home sweet home) e equipou os bombardeiros marcadores de alvos. Muito eficaz, o novo equipamento tornou-se uma das mais importantes armas dos Aliados. A antena direcionada para baixo permitia ao navegador "enxergar" o solo em um tubo de raios catódicos. "O H2S foi o primeiro radar com varredura, aquele em que é possível visualizar navios, aviões e acidentes geográficos como em um mapa", conta Jucewicz. No fim do conflito, o RDF passou a ser chamado de radar - por sinal, outra sigla, que significa Radio Detection and Ranging (onda de rádio que detecta e indica distância). Desde então, militares e civis nunca mais dispensaram o equipamento em operações de guerra e na proteção ao vôo. Um dos aperfeiçoamentos, o radar doppler, é utilizado hoje em meteorologia e em estradas para vigiar a velocidade dos carros. PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 7
/
A santa das vidraças Mais um mito do vidro EDGAR
DUTRA
esde o mês de julho, uma imagem numa pequena vidraça (Figura 1) mobiliza milhares de pessoas em Ferraz de Vasconcelos, periferia de São Paulo. É um vulto que lembra a Virgem Maria, a mãe de Jesus. Após as inúmeras reportagens televisivas, efígies semelhantes começaram a ser notadas em residências de várias cidades no interior do estado de São Paulo e em outros estados.
D
ZANOTTO
o vidro
de janela
Os primeiros vidros fabricados pelo homem datam de aproximadamente 4.000 a.c. Desde aquela época, as composições mais comuns, que incluem os vidros de garrafas e janelas, contêm principalmente sílica (Si02), que é o componente formador da rede estrutural do vidro, e cuja maior fonte é a areia. Os demais componentes são óxidos de sódio (Na20), potássio (K20), cálcio (CaO), magnésio (MgO), alumínio (Ab03), elementos minoritários e impurezas. É curioso notar que esses são os elementos mais abundantes deste planeta e daí o extensivo uso desses vidros, conhecidos pelo nome genérico de soda-cal-sílica. A Tabela 1 mostra as composições típicas de vidros de janelas modernos e medievais. Enquanto as composições atuais são praticamente uniformes, as composições mais antigas variam substancialmente (Muller et al. 1994). Os vidros medievais têm um nível mais alto de impurezas, tais como óxido de ferro (Fe203), manganês (MnO) e fósforo (P20S), e são ricos em potássio, enquanto os vidros de janela contemporâneos têm maior teor de sódio. Mostraremos adiante que esses dois últimos elementos (álcalis) são os responsáveis pela corrosão e formação de imagens com formas arredondadas multicoloridas na superfície do vidro.
Corrosão aquosa Figura 1 A Imagem de Ferraz de Vasconcelos
Cientistas têm emitido pareceres em reportagens na televisão e rádio sobre o suposto milagre, alguns razoáveis, mas devido ao restrito tempo tais explicações não foram bem percebidas pelo público leigo e pela comunidade acadêmica. Para esclarecer o mistério demonstraremos que tais imagens resultam de fenômenos naturais (corrosão e iridescência), há décadas conhecidos, tanto por cientistas de materiais como por produtores de vidro plano. 10 • SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
Quando um vidro entra em contato com uma solução aquosa, mudanças químicas e estruturais ocorrem na superfície do mesmo (Figura 2). Além disso, no decorrer da reação, a formação e o acúmulo dos produtos de corrosão provoca mudanças na composição química e aumenta o pH da solução. É importante enfatizar que o vidro não resiste a pH elevados, levando à dissolução da rede de sílica que o estrutura. Desde a d1cada de 50, dezenas de pesquisadores (por exemplo, Clark et ai, 1979) demonstraram experimentalmente que as reações entre a água e o vidro podem ser divididas em dois estágios:
viação (dissolução seletiva) dos íons alcalinos do vidro, deixando uma camada rica em sílica contendo microporos hidratados. A extensão da área superficiallixiviada depende da composição inicial do vidro. Em materiais contendo menores teores de sílica, esse aumento da área superficial é mais significativo, portanto a lixiviação aumenta com o teor de álcalis.
Tabela 1 Composições típicas de vidros de janela (% massa)
I r
Moderno
Medieval
Si02
73,2
45 -75
Na20
13,4
0,1- 18
K20
0,8
2 -25
Segundo estágio - O segundo estágio de ataque é um processo onde ocorre a quebra das ligações principais (Si-O-Si), ocasionando a dissolução da estrutura do vidro. A reação (b) na Figura 2 é o mecanismo dominante no segundo estágio.
]
CaO
10,6
1- 25
MgO
0,7
1- 8
AI203
1,3
1- 2
Fe203
0,1
0,3 - 2
MnO
-
0,3 - 2
P20s
-
\
I
~
2-10
Em vidros do tipo soda-cal-sílica, a força motriz para o processo de difusão do íon Na+ do vidro para a solução aquosa na reação (a) é a diferença de concentração do mesmo no vidro e na água superficial. No entanto, para manter a neutralidade elétrica, íons hidrogênio (H+) da água devem difundir-se da solução para o vidro e ocupar os espaços deixados pelos íons sódio que migraram para a solução. Como conseqüência, esta troca iônica conduz ao aumento do pH da solução aquosa.
--.J ~
Primeiro estágio - O ataque primário é um processo que envolve trocas entre íons sódio (Na+) e potássio (K+) do vidro e íons hidrogênio da solução; e os demais constituintes do vidro não são alterados. A reação (a) na Figura 2 tende a dominar durante o primeiro estágio. Durante esse estágio, a taxa de extração de álcalis (Na, K) do vidro é lenta e decresce aproximadamente com a raiz quadrada do tempo. Um aumento na área superficial efetiva do vidro em contato com a solução corrosiva devido ao aumento da rugosidade é observado durante essas reações. Este aumento na área superficial é relacionado à lixi-
N, O
I
I
I
Na O O I 'S' 1- O
I
· O- SI,
OH
~
O I O
I
Soluçãoaquosa Na+ OH- + produtos ,
8i~ @)
N, O
dOVidrOeaág~o_~i_O_~i_O
A degradação da superfície do vidro devido à interação com a umidade atmosférica é chamada intemperismo. O intemperismo é classificado em dois tipos, estático e dinâmico. O intemperismo dinâmico pode ser causado por um dos proc~ssos descritos a seguir:
Soluçãoaquosa Na+,OH-
8 Interface <ou, a superficie original
Intemperismo
OH
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r--0-~i-O-~i-O~
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da reação
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Na
Estágio 1, reação (a) t>O
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7 < pH::; 9
pH ;::9
Dissolução seletiva de Na
Dissolução total
Figura 2 - Mecanismos de lixiviação e corrosão de vidro soda-cal-sílica
Estágio 2, reação (b) O
por solução aquosa. PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 11
i) Condensação-lixiviação, onde a umidade se deposita na superfície do vidro até um processo natural de lixiviação ocorrer lavando os produtos da reação. Portanto, não há acúmulo de produtos de reação (Figura 3b). ii) Adsorção-condensação-evaporação, onde uma fina camada de "neblina" se forma na superfície, mas evapora antes da formação de gotas de água. Nesse caso há acúmulo de produtos de reação (Figura 3d). O intemperismo estático pode ser causado por aprisionamento de gotas de chuva entre duas placas de vidro conforme descrito na Figura 3c. O intemperismo dinâmico tipo (i) é uma forma de corrosão aquosa, pois a superfície do vidro é continuamente reabastecida com a solução a uma taxa específica. Durante o período em que a gota permanece na superfície, a de-alcalinização (empobrecimento em Na+ e K+) do vidro ocorre e simultaneamente há um aumento do pH da água. Se a razão S/Ventre a área superficial exposta do vidro (S) e o volume da solução (V) for alta na gota d'água (> 1 cm'), o aumento do pH causa a dissolução total da superfície vidro em contato com as gotas. A deterioração localizada e a rugosidade resultante na superfície do vidro levam ao aprisionamento de solução durante a lixiviação. A degradação da superfície continua onde a solução se depositou nos poros corroídos. Tal corrosão manifesta-se pela formação de pequenas crateras (pitting) e descascamento (spalling) de algumas regiões da superfície. Isso pode levar a manchas visíveis a olho nu (staining). O intemperismo dinâmico do tipo (ii) é caracterizado pela presença de produtos de reação na superfície do vidro. Este tipo de intemperismo, produzido sob alterações cíclicas de temperaturas ou umidade, é a principal origem das preocupações dos fabricantes de vidros. O ataque é inicialmente observado por um pequeno embaçamento da superfície do vidro, seguido pela formação de um filme visível, que varia em espessura de acordo com a composição do vidro e a severidade do ataque. Vários autores estudaram extensivamente esses filmes utilizando microscopia eletrônica de transmissão e difração de raios X, e mostraram que eles são ricos em sódio. Além disso, filmes ricos em Na reagem com a maioria dos gases ácidos, tais como COz e SOz (presentes em ambientes poluídos), para formar os respectivos sais: NazC03 e NaZS04. Como o COz está presente em quantidade significativa na atmosfera, NazC03 deve ser um produto da reação na maioria dos vidros que sofrem intempéries deste tipo. A presença de NaZC03 foi verificada através de análises de difração de raios-X na superfície de vidros comer12 . SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
ciais que sofreram intempéries. Se gases de cloro ou enxofre estiverem presentes no ambiente, os sais dessas espécies reativas também podem se formar na superfície do vidro. A camada formada pelo intemperismo tipo (ii) pode agir como uma barreira protetora para retardar corrosões futuras limitando, portanto, a sua própria espessura. Esse filme, entretanto, pode se destacar espontaneamente (scumming) ou ser removido por soluções químicas ou abrasão. De qualquer forma, a superfície restante apresentará sinais explícitos de corrosão, tais como rugosidade. Os diversos tipos de corrosão aquosa ou intemperismo discutidos anteriormente estão ilustrados esquematicamente na Figura 3 para condições de exposição típicas. Corrosão aquosa estática ocorre, por exemplo, na parte interna do recipiente de vidro que contém a solução líquida (Figura 3a). Se a razão S/V for pequena, o aumento do pH da solução será lento e o primeiro estágio da Figura 2 (lixiviação de álcalis) será o principal mecanismo de corrosão. Durante a corrosão aquosa dinâmica (tal como a provocada por lavagem de janelas por jatos de água), a superfície é continuamente reabastecida com solução corrosiva (Figura 3b). O mesmo ocorre com janelas expostas à chuva, caracterizando intemperismo dinâmico. Portanto, o pH das gotas de água não se altera significativamente apesar da razão S/V ser alta. Novamente, o principal mecanismo de corrosão é descrito pela reação (a) da Figura 2. O internperismo estático, onde a solução corrosiva não é renovada, é provavelmente o tipo mais severo de corrosão. Gotas de água podem ficar presas nas frestas entre vidros planos empilhados e armazenados em locais sujeitos à umidade (Figura 3c). Se as placas de vidro são empilhadas com pequena distância entre elas, pode resultar numa alta razão S/V. Conseqüentemente, o pH da água retida aumenta rapidamente e é acompanhado pela dissolução localizada do vidro. A condição de intemperismo mais freqüentemente encontrada é a mostrada na Figura 3d. O vidro reage com a umidade e com gases presentes na atmosfera resultando na formação de sais precipitados na superfície do vidro. As condições necessárias para a formação de gotas de água para lavar esses precipitados não estão presentes nesse caso. A resistência do vidro ao ataque químico é dependente do meio ao qual o vidro é exposto. Os resultados que são obtidos a partir de um tipo particular de ambiente não devem ser extrapolados para outras condições de armazenamento.
tempo longo S IV baixo reação (a) »reação
(b)
tempo longo S IV alto reação (a) »reação
(b)
camada empobrecida em Na
água ••• -~
vidro gotas de água
•
a) Corrosão aquosa estática
tempo longo S I V extremamente alto reação (b»> reação (a)
b) Corrosão aquosa dinâmica
reação (a) »
reação (b)
sal precipitado
camada empobrecida em Na
J região corroída
gota d'agua
c) Intemperismo
estático
d) Intemperismo
dinâmico
Figuras 3 a) corrosão aquosa estática;
b) corrosão aquosa dinâmica;
c) intemperismo
estático; d) intemperismo
dinâmico. PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 13
A santa das vidraças - a explicação Frente ao exposto, nossa hipótese é que as imagens de Ferraz de Vasconcelos e demais localidades resultam de ataque químico decorrente de um ou mais dos mecanismos acima descritos. Já que o senhor Antônio (proprietário da residência de Ferraz de Vasconcelos) aparentemente obteve a placa de vidro de uma demolição, uma causa provável da corrosão seria o armazenamento prolongado dessa placa próxima a outra, conforme o esquema da Figura 3c. Alternativamente o armazenamento na própria fábrica ou em distribuidora poderia ter causado o mesmo efeito. Isso também explicaria o formato arredondado da imagem, que lembra uma santa. Um certo volume de água prensada entre duas placas de vidro durante o armazenamento pode gerar aquele aspecto especial. Para minimizar a área molhada, a tensão superficial sempre produz geometrias arredondadas. Gotas de água livremente repousando sobre placas de vidro têm secção perfeitamente circular, entretanto, a prensagem por outra placa as espalham parcialmente, quebrando a perfeita circularidade, mas mantendo formas arredondadas. Testes efetuados no Laboratório de Materiais Vítreos da Universidade Federal de São Carlos (LaMaV/UFSCar) demonstram que um número ilimitado de geometrias (incluindo algumas muito parecidas com santas) podem ser obtidas prensando-se uma gota de água entre duas lâminas de vidro. Portanto, a imagem já existia quando o vidro foi instalado, mas foi notada recentemente. A percepção dessas figuras é realmente sutil. Por . exemplo, no Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar, há anos, há várias vidraças com imagens de geometria arredondada, similares à de Ferraz de Vasconcelos (mas não tão parecidas com santas). Entretanto, pouquíssimos pesquisadores e estudantes as notaram!
Alguns artistas conhecem e valorizam esse efeito. Eles utilizam ácidos para provocar uma corrosão controlada, ou aplicam vapores de SnCb ou PbCb - com posterior aquecimento em atmosfera redutora, pobre em oxigênio para precipitar finas camadas metálicas que provocam o desejado efeito arco-íris em vidros de decoração. Aos incrédulos sugerimos desbastar alguns micrometros (10-6 m) da superfície das vidraças (no local das imagens) com uma lixa abrasiva e depois polir com pasta de diamante ou óxido de cério para recuperar a planicidade e o brilho. Qualquer óptica especializada poderá prestar tal serviço. A imagem certamente desaparecerá demonstrando tratar-se de corrosão superficial.
Conclusão Resumindo, vidros do tipo soda-cal-sílica sujeitos a intempéries sofrem ataques químicos, que comumente produzem figuras de geometrias arredondadas - lembrando imagens sacras que se tornam visíveis devido à resultante iridescência. Aos poucos, portanto, a ciência desvenda os enigmas da natureza e, neste caso ensina que a "Nossa Senhora das Vidraças" não é um fenômeno do além. É apenas fruto do acaso; um belo exemplo proporcionado pela própria natureza - esta sim, perfeita, verdadeiro milagre! Agradeço a Ana C. M. Rodrigues, Oscar Peitl, Christian Ravagnani, Mareio L. F. Nascimento, Miguel o. Prado, Eduardo B. Ferreira, Ana C. G. Curro e Deonísio da Silva da UFSCar pelas valiosas sugestões. •
Referências
w. Iridescência Resta ainda explicar a "aura" multicor que envolve a imagem e reforça a similaridade com uma aparição sacra. A ciência também explica esse fenômeno, conhecido como iridescência. A iridescência é definida como um efeito arco-íris, cuja cor muda conforme o ângulo de observação ou de iluminação. Iridescência é comum em vidros antigos sujeitos a intemperismo (a Tabela 1 mostra que eles também são ricos em álcalis), sendo provocada por interferência óptica -luz refletida de várias camadas de produtos de corrosão, que têm espessura da ordem de grandeza do comprimento de onda da luz visível (400 - 700 nm). 14 . SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
Muller, M. Torge e K. Adam, "Ratio of CaO/K20 > 2 as an evidence of a special rheinish type of mediaeval stained glass". Glastech. Ber.- Glass Science & Technology, 67, n.2, 45-48 (1994). D. E. Clark, C. G. Pantano e L.L. Hench - Corrosion of Glass, Magazines for Industry, Inc. NewYork (1979).
EDGARDUTRAZANOTTOé PhD em tecnologia de vidro, professor titular de engenharia de materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e coordenador adjunto da Diretoria Científica da FAPESP.
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Para levar a vocĂŞ medicamentos que:
• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
ESTRATÉGIAS
Patentes de DNA em xeque Sempre foi assim. Desde o começo das pesquisas com DNA, depois de clonar um gene humano específico, descobrir seu funcionamento e prever uma aplicação para ele, os estudiosos são estimulados a requerer patente de seu achado. Tudo transcorre como se o gene clonado fosse, não a descoberta de um fenômeno natural, mas um produto fabricado artificialmente em laboratório. Faz sentido. A prática de conceder patentes aos pesquisado-
res é defendida como um meio de incentivar novas descobertas em prol do bem comum. Em julho, no entanto, o Nuffield Council of Bioethics - órgão fundado em 1991, com sede em Londres, para pensar as implicações éticas dos avanços nos campos da medicina e da biologia - pôs em xeque essa tese. Um documento distribuído pela entidade considera que a concessão de patentes, no caso, "não deveria ser regra, mas exceção", sob pena de
comprometer seriamente o futuro da pesquisa biomédica. Sua argumentação também não deixa de fazer sentido. Hoje em dia, as técnicas de computação substituem cada vez mais a necessidade da elonagem direta de genes, o que facilita a tarefa dos pesquisadores e faz crescer muito o número patentes. Nem os escritórios emissores são capazes de fazer um levantamento confiável das patentes de DNA que acumulam. Também não são raros os casos de escritó-
• Narcotráfico desabriga pássaros Aves de 115 espécies em extinção - entre elas a raríssima Eriocnemis miribilis, que por mais de 30 anos julgou-se desaparecida e foi redescoberta em 1997 - estão sendo expulsas de seu hábitat na Colômbia (Nature, 2 de agosto). A conclusão é de um estudo que aponta como causa os desmatamentos em curso nos Andes colombianos - santuário dos pássaros ameaçados - por causa da proliferação das plantações ilegais que alimentam o tráfico de drogas. Segundo Maria Alvarez, autora do estudo e pesquisadora do Museu de História Natural de Nova York, o crescimento das lavouras de coca e papoula de ópio, matérias-primas para a produção de cocaína e heroína, é alarmante. Porém, a pesquisadora não responsabiliza nem os fazendeiros que se de-
Índios colombianos trabalham em plantação de papoula dicam ao cultivo ilegal nem os traficantes pela devastação. Como o avanço para os Andes se deve ao desmantelamento das plantações ilegais na Amazônia colombiana, a pesquisadora prefere jogar a culpa nas autoridades locais e norte-americanas que combatem as atividades do tráfico no país. E na economia global, que ela acusa de tolher os lucros dos plantadores de banana ou café, por exemplo..
16 • SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
• Cientista é acusado de falsear dados Exatamente um ano depois de ter sido obrigado a desmentir uma descoberta bombástica de 1999 - a dos elementos pesados 118 e 116 -, o Lawrence Berkeley National Laboratory, administrado pela Universidade da Califórnia, anunciou a demissão do pesquisador apontado como responsável pelo fiasco (Nature,
rios que tentam proteger suas patentes com cláusulas que cobrem aplicações nem sequer imaginadas quando o gene foi isolado pela primeira vez. O que desencoraja novas pesquisas baseadas em genes já descobertos. Além disso, como as bases de dados usadas para identificar um gene são construídas a partir de informações obtidas do seqüenciamento de outros, a originalidade das descobertas começa a ser questionada. Todavia, como não há es-
18 de julho). Depois de um longo processo interno, Victor Nimov, encarregado das análises de computador na pesquisa, foi despedido em maio. Ele continua negando que fabricou os dados. Só que agora, também no GSI instituto de pesquisa física com sede em Darmstadt, na Alemanha -, onde Nimov trabalhou nas pesquisas que acrescentaram dois outros elementos à tabela periódica - o 111 e o 112 -, suas análises estão sendo questionadas . Apesar disso, segundo Sigurd Hofmann, físico responsável pelos estudos do GSI, a descoberta desses dois elementos continua de pé. •
• Falta de sangue na América Latina Um estudo feito em 15 países sob o patrocínio da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) concluiu que grande parte da população da Amé-
Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br
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órgãos emissores que, ao conceder suas patentes, observem mais rigorosamente os critérios tradicionais: originalidade, inventividade e utilidade comprovadas. •
peranças de, pelo menos a curto prazo, modificar a legislação sobre marcas registradas - principalmente nos Estados Unidos -, o Nuffield Council recomenda aos
www.tryscience.orglfieldtrips/fieldtrip_home.html Portal reúne 400 centros de ciência em 50 países em uma parceria entre IBM, New Vork Hall of Science e Association of Science-Technology Centers.
MEMÓRIAS No•• " .Ih
rica Latina deixa de doar sangue regularmente devido à má informação e aos obstáculos criados pelos próprios serviços de coleta. O estudo faz parte de um programa criado pela Opas, em 2001, com a finalidade de aumentar a segurança nas transfusões sanguíneas e incentivar a doação voluntária na região. A má informação apurada vai desde o des-
conhecimento das práticas e métodos de coleta até a persistência, entre a população, de crenças como a de que doar sangue possa causar doenças e provocar perda ou ganho de peso. Já da parte dos bancos de sangue, o estudo identificou falta de infra-estrutura e equipamentos adequados para garantir a excelência do sangue colhido, funcionários mal treinados e horários de funcionamento restritos. Outro problema é que, na maioria dos países latino-americanos, o sangue costuma aparecer em cima da hora, mais de doadores remunerados e parentes de pessoas necessitadas de transfusão que de doadores voluntários. Isso dificulta o trabalho de triagem e pode contribuir para a proliferação dos casos de contaminação. •
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europa.eu.intlcomm/european_group_ethics/publications_en.htm Site de grupo independente e multidisciplinar que discute e dá suporte à comissão européia sobre aspectos éticos da ciência e das novas tecnologias.
Bolsas de sangue: má informação e burocracia PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 17
• Brasil na Academia de Cerâmica
A grande . expesiçao
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A Academia Internacional de Cerâmica, ganhou dois brasileiros. Elson Longo, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), foi eleito com dez outros integrantes em julho. José Arana Varela, do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara, já era da academia, mas, agora, foi eleito para o Conselho Superior, que dirige a instituição. Os dois pertencem ao Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids), da FAPESP. •
• As homenagens da Ciência Hoje
O Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo terá, a partir de 7 de setembro' uma exposição inédita sobre biodiversidade de encher os olhos. Depois de uma reforma que começou em 2001 e investimento de R$ 500 mil (R$ 200 mil da FAPESP), o museu inaugura a mostra Pesquisa em
zoologia: a biodiversidade sob o olhar do zoólogo. O
trabalho é importante basicamente por dois motivos: retrata os progressos da pesquisa sobre evolução e biodiversidade e expõe o mais bem organizado e completo acervo da fauna neotropical do planeta (confira a amostra acima). São cerca de 8 milhões de exemplares, cuja coleta teve início há mais de um século. O museu sai revigorado da
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reforma. Até então, era devotado à pesquisa científica, ao ensino e a formação de pessoal. "O processo de renovação foi importante porque envolveu toda a divisão científica e, agora, temos uma exposição que reflete o nosso trabalho", diz a diretora de difusão cultural, Mirian Marques. Mais informações: (11) 6165-8100/6165-8140. •
A revista Ciência Hoje, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), comemorou seus 20 anos no dia ' 12 de agosto. Durante a solenidade foi entregue a Medalha Ciência Hoje de Honra ao Mérito de Divulgação Científica aos cientistas e jornalistas com participação importante nos projetos de divulgação da ciência no país. Os homenageados foram os seguintes: Ana Lúcia Azevedo, Ana Luisa Restani, Ângelo Machado, Cássio Leite Vieira, Crodowaldo Pavan, Darcy Fontoura de Almeida, Ennio Candotti, Ernst Hamburger, Fritz Utzeri, Gerson Ferreira Filho, Henrique Lins e Barros, Hugo Barreto, Ieter Jorge Bertoletti, José Monserrat Filho, José Reis, Lynaldo Cavalcanti, Marcelo Leite, Mariluce Moura (diretora de Redação de Pesquisa FAPESP) e Patrício Garrahan. •
• Dinheiro para os jardins botânicos
• Ordem Nacional do Mérito Científico
Os 26 jardins botânicos brasileiros receberão um substancial apoio internacional. Uma parceria de US$ 50 milhões do Banco HSBC com a Organização Internacional para Conservação de Jardins Botânicos, Earthwatch Institute (Observadores da Terra) e WWF (Fundo Mundial para a Conservação da Natureza) tem como metas tentar proteger espécies vegetais da extinção em diferentes países e despoluir três dos maiores rios do mundo, entre outras. Os jardins botânicos brasileiros receberão cerca de US$ 570 mil para o desenvolvimento das atividades de educação do público visitantes e voltadas para conservação da flora brasileira. Serão produzidos slides, fitas de vídeo e manuais técnicos entre outros investimentos. Além desses programas ambientais, as instituições brasileiras receberão apoio para reuniões técnicas com consultores internacionais, publicações e terão ações como o Plano de Ações para os Jardins Botânicos Brasileiros e Coleções Vivas. A sede do projeto, no Brasil, será no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. •
O presidente da República Fernando Henrique Cardoso condecorou no dia 15 de agosto personalidades com a Ordem Nacional do Mérito Científico. Em seu discurso, o presidente se mostrou otimista em relação ao futuro do país e disse acreditar que as dificuldades econômicas atuais serão superadas. Fernando Henrique condecorou os empresários Jorge Gerdau e Antônio Ermírio de Moraes, dos grupos Gerdau e Votorantim, e o presidente do PPS, deputado federal Roberto Freire (PE). O parlamentar foi o autor da Lei de Inovação, que estimula o desenvolvimento tecnológico nas empresas. Rogério Meneghini, diretor do Centro de Biologia Molecular Estrutural do Laboratório Nacional de Luz Síncroton, Francisco Antonio Bezerra Coutinho, do Departamento de Informática da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), e Luiz Nunes de Oliveira, pró-reitor de Pesquisa da USP, também foram agraciados. Meheghini e Coutinho são coordenadores adjuntos da diretoria científica da FAPESP. Nunes tinha o mesmo cargo até o começo deste ano. •
Jardim Botânico do Rio: apoio internacional
ria mecânica-eletricista em 1956 pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP) e doutorado em engenharia química em 1972. Tornou-se livre-docente em 1981 e professor titular em 1986. Cursou pós-doutorado no Laboratório Nacional de Engenharia Civil de Lisboa, em 1975, e no Building Research Establishment, em Garston, Inglaterra, em 1975. Entre outros cargos, foi diretor da Poli (1989-1993) e presidente do Conselho Superior da FAPESP (1995-1996). É diretor presidente da Fundação desde agosto de 1996, função para a qual é reconduzido pela segunda vez para um mandato de três anos. •
• Landi é renomeado para a FAPESP O engenheiro Francisco Romeu Landi foi nomeado em 9 de agosto pelo governador Geraldo Alckmin para exercer o terceiro mandato no cargo de diretor-presidente do Conselho Técnico Administrativo da FAPESP.Ele foi eleito por unanimidade pelo Conselho Superior da Fundação para encabeçar a lista tríplice enviada em 7 de agosto ao governador. Landi é formado em engenha-
Landi: terceiro mandato
A morte de Roberto Ventura
Ventura: dedicação à biografia de Euclides
A morte do professor de teoria literária da Universidade de São Paulo (USP) Roberto Ventura, no dia 14 de agosto, deixou o mundo das letras brasileiro mais pobre. Ele morreu em um acidente de carro na Rodovia Adhemar de Barros quando voltava de São José do Rio Pardo (SP), onde participou de uma série de conferências sobre Euclides da Cunha e Os Sertões. Ventura era especialista em Euclides, sobre quem trabalhava em uma biografia havia dez anos (o livro ainda poderá vir a ser publicado pela editora Companhia das Letras). Aos 45 anos, nascido no Rio de Janeiro e radicado em São Paulo, era livre-docente da USP desde 1999. Escreveu diversos livros, sendo o mais conhecido deles Estilo tropical (Companhia das Letras, 208 páginas, 1991), sua tese de doutorado sobre a cultura e as polêmicas literárias entre 1870 e 1914. Deixa a mulher Márcia Zoladz e o filho Thomaz. •
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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA FOM ENTO
Parceria consolidada Perfil de investimentos da FAPESP em 2001 reforça compromisso de transferir conhecimento ao setor produtivo e órgãos públ icos
entro do cenário de estabilidade cambial que vinha caracterizando a economia brasileira no ano passado, a FAPESP pôde consolidar estratégias de investimentos em pesquisa baseadas, sobretudo, em parcerias envolvendo universidades, institutos de pesquisa, órgãos públicos e o setor produtivo, como mostra o Relatório de Atividades em 2001, lançado em agosto. Os programas de Parceria para a Inovação Tecnológica (PITE), Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da . Internet Avançada (Tidia) e de Políticas Públicas, são um exemplo disto. Neste ano a crise financeira e cambial por que passa o país levou o Conselho Superior da Fundação a adotar uma série de medidas de contenção de gastos relativos, principalmente, à importação de bens e serviços. As medidas já foram anunciadas em carta enviada pela diretoria científica da FAPESP a todos os pesquisadores que têm auxílio com itens previstos de importação (ver box na página 22). "Trata-se de medidas preventivas, adotadas pelo Conselho no sentido de preservar o princípio pelo qual se tem pautado a política de concessão de auxílios da instituição, qual seja, o do equilíbrio financeiro que tem lhe permitido atuar de modo eficiente e responsável no
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fomento à pesquisa e no atendimento à demanda de excelência no Estado de São Paulo", explica Carlos Vogt, presidente da FAPESP. Novos programas - No ano passado, entre os novos programas aprovados, destacaram-se dois: Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia) e Sistema Integrado de Hidrometeorologia do Estado de São Paulo (Shiesp). O primeiro programa mobiliza universidades e institutos de pesquisa em torno de projetos relacionados à engenharia de rede, características de fibras ópticas, softwares, desenvolvimento de aplicativos para a web, que serão desenvolvidos junto com o setor privado. E o segundo, em parceria com o Conselho de Hidrometeorologia (Cehidro) da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de São Paulo, reunirá pesquisas sobre recursos hídricos e deverá contribuir para a prevenção de enchentes, programas de reflorestamento, avaliação de reservatório, entre outros aspectos. Esta estratégia de apoio à pesquisa por meio de parcerias, começou a ganhar corpo a partir dos anos 90, com o lançamento dos programas PITE, PIPE e de Pesquisa em Políticas Públicas, implementados com o objetivo de transferir conhecimento para empresas privadas e órgãos públicos.
Em 2001, os investimentos no PITE e PIPE somaram R$ 17,37 milhões. No âmbito do PITE, aliás, foram aprovados seis novos projetos, entre eles, o Eucalyptus Genome Sequencing Project Consortium (FORESTs), uma parceria da rede ONSA, por meio do projeto Genoma Agronômico e Ambiental (AEG) e um consórcio formado pelas empresas Duratex, Votorantim Celulose e Papel, Ripasa Celulose e Papel e Suzano de Papel e Celulose. O programa de Pesquisa em Políticas Públicas recebeu R$ 3,53 milhões para desenvolver projetos voltados ao atendimento de demandas sociais concretas. O conjunto dos investimentos da FAPESP, em 2001, somou R$ 599,48 milhões. No ano, foram aprovados 7.858 novos projetos. É certo que 33,72% desse valor corresponderam a recursos comprometidos que só serão liberados em exercícios futuros. Dessa forma, os investimentos efetivamente realizados no ano passado somaram R$ 397,30 milhões. O perfil dos investimentos traduziu o compromisso da Fundação com o desenvolvimento da pesquisa básica, cujo principal objetivo é o avanço do conhecimento, sem perder de vista as demandas da sociedade. Do total de projetos aprovados, 58,65% poderiam ser classificados na ampla categoria de pesquisa básica, recebendo 69.08% dos investimentos. Entretanto, 83,65% desses mesmos projetos tinham potencial para aplicação tecnológica ou para contribuir na formulação de políticas públicas. À pesquisa aplicada, voltada fundamentalmente para resultados de natureza tecnológica ou de aplicação pública, foram destinados 30,91% dos recursos. Para essa classificação foram considerados os auxílios a pesquisa regulares e projetos temáticos e os auxílios associados aos programas especiais Apoio a Jovens Pesquisadores, Biota-FAPESP, PITE, PIPE, Ensino Público, Pró-Ciências, Políticas Públicas e Genoma A - Pesquisa FAPESP (ver gráfico).
A exemplo dos anos anteriores, os projetos de demanda espontânea receberam o maior volume de recursos (ver tabela 1). Foram aprovadas concessões de 4.030 bolsas regulares que corresponderam a investimentos da ordem de R$ 311,48 milhões. Deste total, R$ 109,29 milhões foram desembolsados no ano passado. Os auxílios regulares ficaram com R$ 195,38 milhões, equivalentes a 49,17% dos recuros e os programas especiais, com R$ 92, 61 milhões, ou 23,30% do total de recursos. Bolsas regulares - A Fundação adotou, ano passado, maior rigor na avaliação de propostas para a concessão de bolsas para não desequilibrar a proporção entre as diversas modalidades de investimentos, ante a pressão da demanda. Entre 1995 e 2000, a expansão do sistema de pós-graduação e a redução do número de bolsas concedidas por órgãos federais de fomento produziram um formidável aumento no número de pedidos de bolsas encaminhadas à FAPESP. As concessões, neste período, cresceram a taxas que variaram de 64,89% a 7,06%, o que exigiu, no ano passado, redução no número de novas concessões em face do grande volume de recursos comprometidos nos períodos subseqüentes. No conjunto das propostas aprovadas, as bolsas de doutorado ficaram com a maior fatia dos investimentos: 71,95% do total aplicado em b9lsas. No
mesmo período cresceram o número de projetos aprovados de bolsas de pós-doutorado e, pela primeira vez, foram concedidas 25 bolsas de doutorado direto que contaram com R$ 1,5 milhão. Ainda como parte da política de estímulo ao doutorado e pós-doutorado no país, a FAPESP vem reduzindo, gradativamente, o número de bolsas no exterior. A FAPESP concedeu, em 2001, 3.102 novos auxílios regulares à pesquisa modalidade de apoio que engloba o auxílio a projeto de pesquisa, organização de reuniões científicas, participação em reuniões científicas no Brasil e no exterior, auxílio a publicação e apoio a pesquisador visitante - num total de R$ 195,38 milhões. Nestes valores estão incluídos os recursos comprometidos com projetos em andamento, aprovados em anos anteriores. Também foram aprovados 60 novos projetos temáticos, relacionados a trabalhos de pesquisa desenvolvidos por grandes equipes, com duração média de quatro anos, num total de R$ 59,09 milhões. Programas especiais - Aos programas especiais patrocinados pela FAPESP em 2001, foram destinados R$ 92,61 milhões. Os programas Genoma, Apoio a Jovens Pesquisadores e Infra-estrutura receberam o maior percentual de investimentos (ver tabela 2).
Classificação dos projetos concedidos Compromisso com o conhecimento
INVESTIM
aplicada
ENTOS
NÚMEROS
B/AC - Pesquisa básica para o avanço do conhecimento
B - Pesquisa básica com potencial de aplicação
PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 21
Carta aos pesquisadores Eis a íntegra da carta enviada pela diretoria científica da FAPESP aos pesquisadores Nos últimos anos, o sistema de pesquisa do Estado vem crescendo e se diversificando de maneira acelerada, o que se deve, em grande parte, à atuação vigorosa e inovadora da FAPESP. Conseqüentemente, o nível de investimento da Fundação encontra-se, hoje, em estado ideal de equilíbrio com relação às suas receitas - repasse do Estado e rendimentos patrimoniais. Nessa situação, qualquer mudança brusca e expressiva em itens de despesa impõe a necessidade de medidas imediatas que protejam seu equilíbrio financeiro e preservem, portanto, sua capacidade de apoiar o sistema de pesquisa do Estado de São Paulo a médio e longo prazos. Como é de amplo conhecimento da comunidade de pesquisa do Estado, uma fração expressiva dos investimentos da FAPESP destina-se a financiar a aquisição de bens importados -material permanente, material de consumo e serviços de terceiros. Por outro lado, as fontes de receita da Fundação - até mesmo por restrições de ordem legal- não podem ser indexadas pelo câmbio. Assim, a valorização vertiginosa do dólar em relação ao real nos últimos seis meses - e, particularmente, o agravamento da crise cambial nas últimas semanas - levaram o Conselho Superior da FAPESP a adotar um conjunto de providências, para o quê contamos com sua compreensão. Em primeiro lugar, decidiu-se, em caráter emergencial e temporário, suspender a liberação - para projetos em vigência - e a concessão - para novos projetos - de recursos destinados à importação de bens e serviços. Pelas mesmas razões, inclusive para bens a serem adquiridos no País, a FAPESP não poderá proceder à correção do valor real dos auxílios por ela já concedidos, eventualmente afetados pela desvalorização cambial. Contudo, o pesquisador poderá utilizar os recursos da Reserva Técnica do projeto para cobrir essas diferenças. O período de vigência dessas medidas dependerá da evolução da taxa de câmbio. No momento em que essa taxa se estabilizar, a FAPESP reavaliará a questão, à luz de sua capacidade orçamentária. Visando amenizar o impacto que a taxa de câmbio já produziu no orçamento da FAPESP, o Conselho Superior decidiu também estabelecer novas diretrizes para a utilização dos recursos das Reservas Técnicas associadas aos Auxílios à Pesquisa. Para as novas concessões, a fração dos recursos da Reserva Técnica associada a itens a serem 'importados - material permanente, material de consumo ou serviços de terceiros - deverá ser usada, exclusivamente, para cobrir os custos de importação bem como as eventuais variações cambiais ocorridas após a assinatura do contrato. Essas regras, que restringem o financiamento dos custos indiretos da realização dos projetos de pesquisa, são conformes à política, tradicionalmente adotada pela FAPESP, de priorizar o apoio direto a tais projetos Visando racionalizar a sistemática de importação, minimizando seus custos fixos, foram consolidadas e formalizadas normas que constam da portaria CS 19/2002, disponível no sítio www.fapesp.br . No mesmo sentido, ao final do processo de aquisição de bens ou serviços no exterior e material permanente no País, a utilização de eventuais saldos existentes dependerá de prévia e explícita autorização da FAPESP. Finalmente, para que seja possível fazer previsões sobre a execução orçamentária de cada período, nas diversas modalidades de auxílio à pesquisa a FAPESP passará a solicitar um cronograma indicativo de desembolso dos recursos concedidos. Com adoção dessas medidas, a FAPESP poderá continuar a garantir seu apoio a todas as solicitações de excelência que lhe sejam encaminhadas.
22 • SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
O Programa Genoma consumiu metade dos recursos aportados em 2000, quando a rede e laboratórios ainda estavam sendo implementados. Foram concluídos dois projetos: o Genoma Humano do Câncer e o Genoma do Xanthomonas citrii, bactéria causadora do cancro cítrico. No mesmo período seguiram em curso os projetos Genoma Funcional da Xylella fastidiosa, o de seqüenciamento da Leifsonia xyli subsp. xyli, que ataca a cana-de-açúcar, e o da variedade da Xylella fastidiosa que destrói as videiras e que está sendo desenvolvido em parceria com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Também foi lançado o projeto Genoma Schistosoma mansoni, para o seqüenciamento do parasito responsável pela esquistossomose mansônica. Foram, ainda, selecionados os laboratórios que passaram a integrar o projeto Genoma Clínico do Câncer, assim como os grupos de pesquisa que, atualmente, formam a Rede de Biologia Molecular Estrutural (Smolbnet), responsável pelo estudo das estruturas tridimensionais e funções de cerca de 200 proteínas, e dos laborátórios que integram a Rede de Diversidade Genética de Vírus (VGDN).
Incentivo à pesquisa - A FAPESP desenvolve, desde 1993, o Programa de Apoio a Jovens Pesquisadores, uma linha de financiamento de projetos ainda não atendidos pelas linhas usuais de fomento. O programa tem como objetivo incentivar a formação de novos grupos de pesquisa e fixar jovens doutores no estado de São Paulo. No ano passado, o programa contou com R$ 15,53 milhões, que foram investidos em 37 novas bolsas e 43 novos auxílios à pesquisa. Com a mesma intenção de difundir a pesquisa e capacitar recursos humanos, a Fundação investiu, no ano passado, R$ 3,08 milhões nos programas de Apoio ao Ensino Público no Estado de São Paulo e no Pró-Ciências. Outros R$ 3,09 milhões foram destinados a financiar 395 novas bolsas distribuídas no âmbito do Programa de Capacitação de Recursos Humanos de Apoio à Pesquisa. Esses valores se destinam ao treinamento de profissionais de nível médio e superior que trabalham em laboratórios. No ano passado, a Fundação deu continuidade ao Programa de Apoio a Infra-Estrutura de Pesquisa do Estado
2000 Número de Investimento projetos (l) (em R$)
Linhas de Fomento
Variação porcentual
2001 Número de Investimento projetos (l) (em R$)
(2)
Crescimento do número de projetos (l)
(2)
Crescimento do investi mento (2) (em%)
(em%)
~ Bolsas Regulares
I
(concessões no ano)
5.213
107.090.350
I
4.030
71.382.515
Bolsas Regulares
I
-22,69
2,06
195.381.29811
-13,93
-7,11
92.618.545
-23,66
-42,81~
109.298.781 202.185.436
(concessões para exercícios futuros) Auxílios
Regulares
Programas
TOTAL (1)
o total
I1
(2)
Especiais
(4)
l
3.604
210.325.860
951
161.955.948
9.768
550.754.677
I
3.102 726
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7.858
599.484.060 ~__ -.1.9,.55
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de pedidos aprovados inclui somente concessões iniciais.
(2) O total de recursos investidos inclui concessões, suplementações, suplementações por reajuste, anulações e transferências (3) Inclui auxílios à pesquisa regulares, projetos temáticos, equipamentos multiusuários (4) Inclui auxílios e bolsas.
de São Paulo, iniciado em 1995. Desde então, a FAPESP já investiu um total de R$ 504,32 milhões em 4.486 projetos de modernização e recuperação de laboratórios de pesquisa. Em 2001, foram destinados R$ 11,37 milhões para o financiamento de 80 novos projetos e naqueles já em andamento. O programa consolidou os alicerces do sistema paulista de pesquisa, criou as bases para a implementação de grandes projetos de caráter cooperativo e permitiu a
do exercício corrente.
e cooperação FAPESP-CNPq.
participação de pesquisadores brasileiros em projetos internacionais como, por exemplo, o Pierre Auger, um observatório de raios cósmicos que está em construção no sul da Argentina. Outro destaque entre os programa especiais é o Biota, que, no ano passado, investiu R$ 6,74 milhões e aprovou nove novos projetos. Em 2001, foram lançados o Sistema de Informação Ambiental (SinBiota), que reúne e integra dados coletados nos vários projetos vin-
culados ao programa, e a revista Biota Neutropic, que publica resultado de pesquisa vinculada ao tema conservação e uso sustentável da biodiversidade, vinculada ou não ao programa. A Fundação segue apoiando os dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids), criados em 2000 para desenvolver pesquisa básica ou aplicada na fronteira do conhecimento. No ano passado, eles receberam investimentos de R$ 5,29 milhões. •
Transferência de conhecimento Investimentos em bolsas e auxílios - 2001 (em R$) Programas
Auxílios
Bolsas no pais
Bolsas no exterior
11.145.052 156.058 6.748.780 4.050 5.294.432 1.283.418 18.908.401 11.370.629 8.458.422 7.874.379 O 3.534.854 1.799.863 7.389.174
4.391.064 O O 3.077.404 O O O O O 1.039.505 126.840 O O O
O O O 16.221 O O O O O O O O O O
15.536.116 156.058 6.748.780 3.097.675 5.294.432 1.283.418 18.908.401 11.370.629 8.458.422 8.913.884 126.840 3.534.854 1.799.963 7.389.174
83.967.511
8.634.813
16.221
92.618.545
TOTAL
PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 23
Livro resgata parte da história da C& T no Brasil, entre 1951 e 2001, a partir dos depoimentos dos 20 presidentes do Conselho ão fora o papel decisivo da ciência e da tecnologia na definição da Segunda Guerra Mundialque teve ponto final com a explosão da bomba atômica - o então presidente Getúlio Vargas e as elites brasileiras dificilmente teriam se convencido da necessidade de criar o Conselho Nacional de Pesquisa, atual Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Na época, a política de modernização do país concebida por Vargas baseava-se na substituição de importações e prescindia da pesquisa científica e tecnológica da qual se ocupava um seleto e restrito grupo de cientistas, concentrado em São Paulo e no Rio de Janeiro. Hoje, o Brasil tem 11.700 grupos de pesquisa
N
24 . SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
, espalhados por todo o país, formados por 48.781 pesquisadores, trabalhando em 41.539 linhas de investigação nas diversas áreas do conhecimento. Em 1951, ano da criação do CNPq, este seria um quadro impensável, até para os mais otimistas. Parte da história deste salto tecnológico e da consolidação da pesquisa no país, está no livro 50 Anos do CNPq - Contados pelos seus Presidentes, editado por iniciativa da FA-
PESP,previsto para ser lançado em setembro. A organização do trabalho é de Shozo Motoyama, professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). O livro tem como personagens centrais os 20 presidentes do Conselho, entre 1951 e 2001. Ao longo de 717 pá-
ginas, eles falam sobre sua formação, carreira profissional, ações, dificuldades e sucessos no comando do CNPq. Motoyama e sua equipe, formada por três pesquisadores do Centro Interunidade da História da Ciência da USP - Edson Manoel Simões, Marilda Nagamini e Renato Teixeira Vargas - conseguiram entrevistar 15 deles, em diversas situações e lugares, reunindo centenas de horas de gravação que, editadas, deram forma ao livro. Cinco dos personagens já tinham falecido e a equipe recorreu aos Anais do Conselho Nacional de Pesquisa de 1951 a 1974 para resgatar seus depoimentos. "Os Anais são um repertório inestimável para o conhecimento histórico, pois trata-se de reprodução integral das sessões do Conselho Deliberativo, ór-
gão máximo da agremiação, durante os seus primeiros vinte e tantos anos': explica Motoyama. Desses documentos foram selecionadas informações sem realizar qualquer tipo de alteração no texto, ele ressalva - que ajudaram a compor o perfil profissional de cada um deles e sua visão sobre questões institucionais.
Resgate da memõria- Além desses depoimentos, a equipe de Motoyama reuniu "a maior quantidade possível de documentos sobre o CNPq", avaliou informações que permitiram traçar os contornos das políticas científica e tecnológica implementadas no período e estudou os diversos planos de desenvolvimento do país adotados pelos vários governos. O resultado é que o livro 50 Anos de CNPq, além de um registro, ou banco oral de informações históricas sobre o órgão, faz uma análise consistente da evolução da pesquisa científica e tecnológica no país, no último meio século. Motoyama conta que sempre esteve preocupado com o resgate da memória da ciência e tecnologia no Brasil. A idéia de escrever um livro sobre o CNPq, utilizando o método de memória oral, surgiu em 1981, quando ele era membro da Consultoria Científica do Conselho. "Na época, fiz entrevistas com ex-presidentes, cientistas e funcionários e a intenção era fazer uma edição comemorativa dos 30 anos da entidade", revela. Ele esperou mais 20 anos até que a FAPESP encampasse o projeto, concluído em um ano. "Compensações específicas"· O livro tem passagens muito interessantes, como aquela em que o almirante Álvaro Alberto relata a sua participação, em 1946, na Comissão de Energia Atômica da Organização das Nações Unidas, por indicação do presidente Eurico Gaspar Dutra. O objetivo do encontro era discutir mecanismos de controle da energia nuclear e a proposta era a expropriação universal de todas as minas de urânio e tório em favor de um futuro órgão internacional de controle. A comissão brasileira contestou, defendendo a nacionalização dos minerais e
"compensações específicas", ou seja, o material atômico só seria cedido em troca do acesso à tecnologia nuclear. Álvaro Alberto, em seu depoimento, conta que o Brasil, no entanto, apresentou uma emenda vitoriosa, que garantia que nenhuma país fosse obrigado a aceitar tal expropriação. Convencido de que a defesa dos minerais atômicos dependia, basicamente, da capacitação técnica e científica do país, o almirante passa a defender veementemente a fundação "imediata" do CNPq, cuja tarefa inicial seria a de "desenvolver a mentalidade atômica no Brasil,
intensificar a formação de tecnologistas e cientistas, trazer homens de ciência estrangeiros para nos ensinar e mandar brasileiros aprenderem nos grandes centros de investigação de países amigos". A proposta de criação da entidade foi bem recebida pelo Congresso e, ainda conforme o almirante, a "Lei Áurea da pesquisa" foi aprovada em 15 de janeiro de 1951, nos últimos dias do governo Dutra. O mesmo episódio do tório, aliás, marcou o primeiro confronto do CNPq com o Estado: Vargas não titubeou em esvaziar suas funções quando a agência se manifestou contra a exportação desses minerais para os Estados Unidos em troca de um empréstimo de
US$ 500 milhões. Apesar de tudo, enquanto Vargas esteve no poder, Álvaro Alberto persistiu no seu esforço de garantir o desenvolvimento autônomo da energia atômica no país, até que, com o suicídio do presidente e a ascensão de Café Filho à presidência da República, sua situação ficou insustentável e ele foi substituído por José Alberto Baptista Pereira. A ciência e a tecnologia também ganharam impulso durante o regime militar, principalmente durante os períodos em que estiveram no governo o marechal Costa e Silva e o general Ernesto Geisel. Costa e Silva, por exemplo, criou o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), em 1969, para financiar projetos prioritários, e organizou a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), em 1967. Neste mesmo período, o CNPq recebeu recursos, não só do orçamento federal, mas também teve acesso a empréstimos do Banco Interamericano de Desenvolvimento, do Banco Mundial e de acordos de cooperação internacional, como o MEC- Usaid. Já Geisel foi responsável pela aproximação das políticas industrial e de Ciência e Tecnologia. Nas palavras de José Dion de Melo Teles, que presidiu a entidade entre 1975 e 1979, o modelo de atuação do Conselho estava organizado "com o objetivo básico de aumentar a superfície de contato do CNPq com a comunidade produtiva de conhecimento científico e tecnológico, e usar esse conhecimento, não só de origem acadêmica, em benefício do desenvolvimento do país." As coisas pioraram durante o governo Collor, tanto que Marcos Luiz dos Mares Guia, que presidiu a entidade entre 1991 e 1993, atribui à pressão crônica de falta de dinheiro e ao compromisso de ter de dar conta do recado, o fato de ter sido, na época acometido por uma úlcera. Nos últimos anos, a Ciência e Tecnologia passaram a integrar a agenda política da nação. Na visão de Esper Cavalheiro, atual presidente, o grande desafio do CNPq, agora, é recuperar o seu papel de fomentado r do desenvolvimento científico e tecnológico e dar verbas para o pesquisador fazer pesquisa. • PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 25
• POLÍTICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
INVESTIMENTOS
Agência para . ,..., a Inovaçao Finep faz 35 anos e consolida seu papel no apoio a P&D&E
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longo de seus 35 anos, comemorados em julho, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) se consolidou como o braço de apoio da inovação brasileira: financia investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em empresas, promove sua interação com universidades e institutos de pesquisa e implementa medidas de atração do capital de risco para alavancar empresas emergentes de base tecnológica. Capitalizada, a agência é responsável pela gestão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), onde são alocados os recursos dos Fundos Setoriais que, neste ano, somarão R$ 500 milhões, mas devem superar a casa de R$ 1 bilhão em 2003. ''A Finep está rejuvenescida e reestruturada, com novos instrumentos de estímulo à inovação", afirma Mauro Marcondes Rodrigues, presidente da agência, citando como exemplo a redução dos custos das operações de financiamento à inovação tecnológica. Esse mecanismo, que está para ser regulamentado, permitirá operações com a Taxa de Juros a Longo Prazo (TJLP) reduzida, o que deve aumentar significativamente a sua carteira de projetos. Também está autorizada por lei a subvenção direta da Finep a programas de P&D de empresas, prerrogativa até então restrita às universidades. "Podemos apoiar empresas de base tecnológica que ainda não estão maduras para o capital de risco",explica Marcondes Rodrigues.
A
26 • SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
Criada no início da década de 70, a Finep consolidou sua atuação quando passou a operar os recursos do FNDCT, um forte instrumento de incentivo à inovação, comenta Marcondes Rodrigues. A agência ainda tem papel importante para a comunidade científica por meio da transferência de recursos do Fundo de Infra-Estrutura (CT-Infra), que financiam a infra-estrutura e os serviços de apoio à investigação em universidades e institutos de pesquisas. Estas instituições também se beneficiam dos projetos apoiados pelo Fundo Verde-Amarelo. No último edital, por exemplo, a Finep disponibilizou R$ 25 milhões para o financiamento de pro.jetos, com igual contrapartida das empresas interessadas, que deverão ser desenvolvidos em parceria com as universidades e institutos de pesquisa. O número de propostas encaminhadas à Finep surpreendeu. Empresas como a Caraíba Metais, Cecrisa, Embrapa, Natura, Companhia Vale do Rio Doce, entre outras, apresentaram projetos com valor total superior a R$ 130 milhões. Ainda há um longo caminho a percorrer, ele reconhece (ver box). "Mas a agenda do país mudou", diz. ''As empresas já estão atentas para P&D e inovação", ressalva o presidente da Finep. •
Radiografia do avanço tecnológico A principal ação promovida por 71 % das empresas brasileiras na direção do desenvolvimento tecnológico ainda é a compra de máquinas e equipamentos. A inovação de produtos tem destaque em setores como o de máquinas para escritório e informática; química; material eletrônico e de comunicações; equipamentos médico-hospitalares e ópticos. A capacitação de recursos humanos é promovida por apenas 30% das empresas, na sua maioria, de grande porte. Apesar desse quadro, a maioria das empresas se considera tecnologicamente avançada e avalia que, nos últimos anos, teve um significativo avanço tecnológico e na sua capacidade de inovar em relação ao período 1995 2000.
Essas foram algumas das conclusões da pesquisa A Indústria e a Questão Tecnológica, patrocinada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Finep, divulgada no início de agosto. Foram ouvidos 531 executivos de empresas de pequeno (367), médio (105) e grande porte (59), entre outubro e dezembro do ano passado .. A maioria das empresas, independentemente do seu porte, apontou a abertura de novos mercados como a variável - chave para o sucesso nos próximos cinco anos e a fabricação de produtos com a máxima eficiência como o fator mais importante para ampliar os negócios. A eficiência, (com 89 pontos), aliás, ganhou de longe de outros indicadores como Pequisa, Desenvolvimento e Engenharia (P&D&E) (60 pontos) ou exportações (53 pontos). Estratégias como marketing e design tiveram, respectivamente, indicadores de 50 e 32 pontos. A pesquisa também registrou que P&D&E ganharam importância estratégica entre as empresas, quando se
comparam os investimentos com os realizados na segunda metade da década passada, sobretudo nos setores produtores de Bens de Capital e de Alimentos e Bebidas. As pequenas empresas realizam, proporcionalmente, menos atividades de pesquisa do que as médias e grandes. Entre as atividades assinaladas, além da coleta de dados e informações, apontam ainda a construção de protótipo e a produção experimental. No caso das empresas médias e grandes, as principais atividades são engenharia de processo, coleta de dados e informações, prospecção mercadológica e engenharia de produto. Dificuldades de financiamento . A inovação tecnológica é reconhecida como necessária por 93% dos entrevistados. No entanto, metade das empresas declarou não ter capacidade técnica, financeira ou recursos humanos para investir em inovação. Entre as pequenas, esse percentual é de 60%. Apesar deste resultado, 83% das empresas consultadas afirmaram ter alguma estratégia de inovação, mas a metade alega ter dificuldades de acesso a financiamento. Neste aspecto, aliás, a pesquisa CNI/Finep constatou que as empresas dependem de maneira crítica da disponibilidade de recursos próprios e carecem de apoio governamental para investimentos. Quando se
trata de investimentos em novas tecnologias e, sobretudo em P&D&E, a situação ainda é mais grave em razão do alto risco e do elevado período de maturação. A falta de pessoal qualificado foi apontada como obstáculo à inovação por 35% dos entrevistados e a dificuldade de formar parcerias, por 17%. A preocupação com a capacitação de recursos humanos para operar ou desenvolver novas tecnologias cresce na razão direta do tamanho das empresas. Esse quesito é considerado "muito importante" por 54% das grandes. Mas, no geral, é irrelevante para grande parte das empresas, o que, segundo a pesquisa, "parece denotar uma menor preocupação com a montagem de estruturas formais deP&D&E". As estratégias de inovação são realizadas, predominantemente na própria empresa, sendo os clientes e fornecedores os principais parceiros. Em contrapartida, entre as grandes empresas, o destaque é para a aquisição de tecnologia já desenvolvida por terceiros. No caso dos projetos cooperativos, 25% das empresas indicaram contar com o apoio do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresa (Sebrae), de empresas do grupo e consultorias. É interessante observar que o número de empresas que têm projetos junto com universidades e institutos de pesquisa já atinge a casa dos 24%. Esta radiografia da inovação demonstrou que o desenvolvimento tecnológico das empresas está diretamente relacionado com a compra de equipamentos, como este também é o principal canal de transferência de tecnologia, com indicador de 60 pontos, seguida da contratação de pessoal especializado, com 53 pontos. "Isto indica a necessidade de a política tecnológica incluir instrumentos que apóiem estas iniciativas, que representam a principal via de introdução da inovação nas empresas", conclui a pesquisa.
PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 27
• CIÊNCIA
LABORATÓRIO I I
• Ato de pensar é inimigo da pressa
Uma polêmica viking
I II
II
I
II [I
Suposto mapa viking com a América do Norte (alto à esq.): disputa no laboratório Duas grandes descobertas foram anunciadas quase ao mesmo tempo e mereceram destaque na versão eletrônica da revista Nature (Science Up Date, 1 de agosto) e na Economist (3 de agosto). A primeira é uma prova da autenticidade de um pergaminho que teria pertencido aos vikings e em que a América do Norte aparece sob o nome de Ilha da Vinlândia. A segunda é outra prova: a de que o mapa é falso. Se a primeira tese estiver certa, será o sinal irrefutável da exploração do continente por vikings muito antes da chegada de Colombo, em 1492. Se prevalecer a segunda, tudo que se terá é uma peça forjada no século 20. Ambas, porém, não parecem destinadas a ir além de atear mais fogo a uma dis0
cussão que se arrasta desde 1957, quando a Universidade Yale, nos Estados Unidos, adquiriu o documento por US$ 1 milhão. A pesquisadora Jacqueline Olin utilizou técnicas de radiocarbono para determinar quando o pergaminho foi feito. Encontrou uma data entre 1423 e 1445 meio século, portanto, antes de Colombo. Ocorre que um falsificador poderia ter usado um pergaminho da época para forjar o mapa. A análise da tinta usada teria comprovado a falsificação. Utilizando a técnica conhecida como espectroscopia Raman que identifica a composição química dos pigmentos -, os pesquisadores Robin Clark e Katherine Brown descobriram na tinta a presença de uma subs-
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tância chamada anatase, cuja fabricação não se conhecia antes de 1923. Na década de 80, já havia sido demonstrado que alguns documentos medievais tinham traços do mesmo elemento, por contaminação de poeira ou efeito de manipulação. A novidade está no que Clark e Brown não acharam: vestígios de ferro normalmente presentes na composição da tinta usada na época. Isso poderia indicar que o falsificador usou anatase combinada com carbono para conseguir um efeito parecido com o da tinta antiga. Prova definitiva? Dificilmente. Não se conhecem outros casos tão sofisticados de falsificação. E, depois, quem pode garantir que os cartógrafos vikings não conheciam a anatase? •
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Se você tem pressa de chegar a algum lugar, cale a boca e não pense: apenas ande. A recomendação não é nova, mas ganhou tintura científica, em julho, em um congresso de neurologia em Paris (NewsScientist, 17 de julho). A pesquisadora Véronique Dubost, do Hospital Universitário de Saint-Etienne, na França, disse que estudos realizados por ela e sua equipe comprovam que as pessoas andam mais devagar e com passos mais curtos quando caminham conversando ou pensando nas tarefas que têm por fazer. Segundo os estudiosos, a atenção vacila entre as atividades mentais e motoras. E a prioridade, quem diria, é posta no pensamento. •
• Descoberto gene da fala Em 2001, os cientistas identificaram um gene, denominado FOXP2, associado à fala. Pessoas com deficiências nesse gene apresentam graves dificuldades de expressão verbal e gramatical. Em julho, a equipe de Svante Pãâbo, pesquisador do Instituto de Antropologia de Leipzig, na Alemanha, comparou o FOXP2 com as versões equivalentes do gene no chimpanzé, no gorila e outros macacos, além de camundongos (Nature, 15 de agosto). Descobriu que o DNA do gene humano tem dois elementos-chave inexistentes nos outros animais. Seriam frutos de mutações que possibilitaram à espécie humana mover os músculos da boca e da laringe, tornando viável a articulação. Intrigante: a descoberta sugere que outros animais só não falam porque não conseguem mover a face. E reforça a velha tese de que o homem não passa de um macaco mais completo. •
• Economia de 18% em pesquisa Um trabalho do pesquisador Adroaldo Rossetti, da Embrapa Agroindústria Tropical unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária em Fortaleza, Ceará - mostrou que é possível reduzir o custo da pesquisa com árvores frutíferas e outras plantas perenes arbóreas em 18%, em média. Esse tipo de planta geralmente tem longa vida. Por isso os experimentos precisam ser mantidos no campo vários anos e, durante esse tempo, além de estarem sujeitos a alterações devido a mudanças climáticas, carecem de ínsumos agrícolas para con-
sileira (abril de 2002), publicação em português e inglês. Aparentemente, o estudo causou impacto. "Tenho recebido um número enorme de pedidos de mais informações de pesquisadores do mundo inteiro", diz Rossetti. •
• Sombras sobre Galápagos É verdade que as ondas de pe-
Chimpanzés: genes humanos sofreram mutações trole de plantas daninhas, pragas e doenças; de fertilizantes e corretivos de acidez, irrigação e mão-de-obra para tratos culturais, colheitas, etc., pois ocupam grandes áreas de plantio e exigem pessoal treinado. O que Rossetti fez, depois de sete anos de trabalho, foi demonstrar que é possível usar maior número de repetições dos tratamentos (parcelas) em menor área experimental. Chama-se repetição ao número de vezes que uma parcela (conjunto de plantas) aparece no experimento ou blocos de parcelas da mesma variedade, por exemplo, plantadas uma ao lado da outra. Os pesquisadores plantam repetidamente parcelas de um tratamento para evitar que duas variedades colocadas uma só vez, uma do lado da outra, beneficie uma delas que esteja em um local onde eventualmente tenha maior disponibilidade
de água e/ou nutrientes. O objetivo é observar as diferenças entre as variedades e fazer melhoramentos na espécie, de modo a aumentar sua saúde e produtividade. Por meio de análise estatística, Rossetti indica que sua metodologia de maior número de repetições em parcelas menores permite obter maior uniformidade no experimento, melhora a qualidade das pesquisas e diminui os custos. O trabalho saiu na revista Pesquisa Agropecuária Bra-
tróleo que, em julho, ameaçaram contamínar o arquipélago de Galápagos se dispersaram antes de atíngir suas praias. Mas o perigo que rondou as ilhas que inspiraram Charles Darwin a escrever sua teoria da evolução ainda preocupa (The Economist, 13 de julho). Afinal, outro vazamento, em janeiro de 2001, pareceu não ter causado danos, mas uma contagem recente detectou que mais de um terço das iguanas marinhas que habitavam uma das ilhas tinha desaparecido depois do acidente. Galápagos, que pertence ao Equador, experimenta rápido crescimento populacional - na década passada, o número de habitantes quase dobrou, atingindo 18.500 pessoas. O governo está preocupado e tenta conter a explosão demo gráfica, mas o turismo é lucrativo. Em 2001, quase 80 mil pessoas visitaram as ilhas. Galápagos conserva 95% da fauna que tinha no século 19. •
Iguana: dupla ameaça
Menos fitoplâncton nos oceanos Desde os anos 80, caiu em média em um terço a concentração mundial de fitoplâncton, o conjunto de plantas microscópicas que alimentam as outras formas de vida marítima e absorvem metade do dióxido de carbono da atmosfera' o principal gás responsável pelo aquecimento global. O fenômeno, apenas amenizado pela elevação do nível de fitoplâncton em áreas abertas próximas ao equador, pode estar associado a mudanças climáticas regionais, como o aquecimento das águas da superfície dos oceanos e a redução de ventos, de acordo com um estudo publicado na revista Geophysical Research Letters. Watson Gregg, da Nasa, a agência espacial norte-americana, e Margarita Conkright, da Agência Nacional Oceânica e At-
mosférica (Noaa), dos Estados Unidos, coletaram dados de dois períodos, um de 1979 a 1986, fornecidas pelo satélite Nimbus-7, e de 1997 a 2000, do OrbView-2, que mediam a clorofila, pigmento verde que permite às plantas absorver a luz do Sol para produção de energia durante a' fotossíntese. Depois, acrescentaram os resultados de coletas de superfície, obtidos por meio de bóias e navios de pesquisa. Em algumas regiões, como no norte da Índia e no Atlântico equatorial, a concentração de fitoplâncton caiu pela metade. "É a primeira vez que realmente falamos da clorofila dos oceanos e mostramos que a biologia marinha está se transformando, possivelmente como resultado das mudanças climáticas", comentou
30 • SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
Margarita Conkright. Subindo a temperatura da superfície do mar e reduzindo-se os ventos, cai a quantidade de nutrientes do fitoplâncton, que sobem das camadas mais profundas. NQ Oceano Pacífico norte, por exemplo, a temperatura do mar do verão no Hemisfério Norte (inverno no Sul), aumentou 0,4° Celsius entre 1980 e 2000, enquanto a intensidade dos ventos caiu 8%. O mapa acima, uma soma de imagens feita pela Nasa, representa a variação da concentração de fitoplâncton nos últimos 20 anos em miligramas de clorofila por metro cúbico. O azul indica as perdas mais intensas; o amarelo, estabilidade; o marrom, os vermelhos e laranjas, as regiões de elevação; e o preto, dados não disponíveis. •
• Primeiros estudos do Genoma Clínico Até o final do ano, o Programa Genoma Clínico, que visa desenvolver novas formas de diagnóstico e tratamento do câncer a partir do estudo de genes expressos em vários tipos de tumores, deverá fornecer seus primeiros resultados. Numa espécie de trabalho piloto, que servirá também para comprovar a eficácia da metodologia empregada na iniciativa, serão executados nos próximos meses os estudos iniciais com três tipos de tumor: cérebro, cólon e cabeça e pescoço. Os dados sobre câncer de cabeça e pescoço são aguardados com expectativa, devido à escassez, para não dizer ausência, de trabalhos internacionais na área genômica sobre esse tipo de ocorrência. Ao custo de US$ 1 milhão, o Genoma Clínico é bancado pela FAPESP e pelo Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer. •
Jararaca: peçonha ajuda a evitar coágulos no sangue
• Medicamento a partir de veneno
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Há diversas razões para respeitarmos as cobras, além do evidente perigo que representam: são os medicamentos que elas podem inspirar ou fornecer. Do veneno da jararaca amazônica (Bothrops atrox), espécie responsável pela quase totalidade dos acidentes com picadas de cobras na Amazônia, o biólogo Jorge Luís López Losano, do Instituto de Medicina Tropical de Manaus, isolou dois princípios ativos que podem servir de base para o desenvolvimento de medicamentos antitrombóticos - capazes de bloquear a formação de coágulos na corrente sangüínea, que podem causar derrames cerebrais ou infartos. No doutoramento, realizado na Universidade de Brasília (UnB) e concluído no início deste ano, Losano descreveu a estrutura molecular de uma delas, a proteína trombina-simile, que consome fibrinogênio, um componente essencial na formação do coágulos, e funcionou como antitrombótico em experimentos feitos in vitro (em células) e em camundongos. Voltando a Manaus, em colaboração com pesquisadores da Fundação Ezequiel Dias, de Belo Horizonte, trabalhou em outra molécula, a enzima fosfolipase A2, que in vitro retarda o processo de agregação de plaquetas, um dos compo-
nentes do soro sangüíneo. "Se inibe a agregação de plaquetas, vai também deter a formação de trombos", diz o pesquisador, que já cuidou do patenteamento dos princípios ativos. "O próximo passo são os testes com macacos." Não seria a primeira vez que surgiria um medicamento seguindo esse caminho. Há décadas, uma indústria farmacêutica multinacional criou medicamento contra hipertensão a partir de substância encontrada em uma jararaca do Sudeste do Brasil. •
• Novidades sobre plantas mineiras A influência do ambiente na síntese dos princípios ativos das plantas parece ser muito maior do que se pensava. Estudo realizado entre 1995 e 2001, que envolveu oito instituições mineiras, financiado na maior parte pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fape-
mig), mostrou dados surpreendentes sobre plantas medicinais comuns no estado (boa parte delas também presentes em outras áreas da região sudeste). Pesquisadores das universidades federais de Viçosa (UFV), Minas Gerais (UFMG), Lavras (UFLA), Ouro Preto (UFOP) e Juiz de Fora (UFJF), além da Embrapa Gado de Leite, Instituto Estadual Florestal e Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), avaliaram a estrutura genética das plantas e as condições ambientais de cultivo e colheita. Eles desenvolveram novas metodologias, técnicas de cultivo e de melhoramento genético, controle de qualidade de matéria-prima e quantificação de rendimento. A pesquisa indicou que o horário da colheita pode alterar a eficácia de certas espécies, assim como a altitude em que são plantadas e se estão à sombra ou ao Sol. O manjericão (Ocimum basilicum),
usado para problemas digestivos, se torna mais eficiente se colhido pela manhã. A carqueja (B. genistelloides), antianêmica e antidiabética, produz mais tanino na fase de floração. A variedade da planta também influencia na produtividade do princípio ativo. Isto é, uma mesma espécie, cultivada e coletada nas mesmas condições ambientais, pode apresentar diferentes quantidades de princípio ativo. "O trabalho foi importante não só pelas descobertas, mas também pelo excelente resultado acadêmico", diz o coordenador da pesquisa, Vicente Wagner Casali, da UFY. Quinze pesquisadores participaram do estudo, que gerou 18 teses de pós-gradução, entre mestrado e doutorado, além de artigos e publicações. O investimento da Fapemig foi de R$ 180 mil. •
• O segundo volume da flora paulista O volume de número 2 da Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo, projeto financiado pela FAPESP, foi lançado em Rio Claro no dia 5 de agosto, durante o 14° Congresso da Sociedade Botânica de São Paulo. Publicado pela Editora Hucitec, o livro, de 400 páginas, é um catálogo taxonômico com chaves de identificação, descrições, ilustrações, comentários e distribuição geográfica de 444 espécies vegetais pertencentes a 57 famílias que fazem parte da flora fanerogâmica, um universo que compreende todas as plantas com órgãos reprodutores aparentes (flores). A coleção completa da flora do Estado, cujo primeiro livro, específico sobre a família das Poaceae (gramíneas), fora lançado no ano passado, terá 17 volumes. •
PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 31
Visão apurada: invisível ao telescópio óptico, estrela jovem da constelação de Centauro, a l3A mil anos-luz ...
uma barreira intransponível para os mais potentes telescópios ópticos. O grupo do IAG conseguiu vencer as nuvens com uma câmara detectora de infravermelho, capaz de captar a energia emitida pelas estrelas jovens na forma de calor - a radiação infravermelha, não absorvida pela poeira das nuvens. Essa câmara é a única do país. Comprada por US$ 300 mil, consiste em uma caixa metálica de 40 por 30 centímetros que abriga um detetor mantido em nitrogênio líquido, a 203°C negativos,para evitar qualquer interferência do calor do ambiente. Funcionou acoplada a um telescópio óptico do IAG, instalado no Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), em Brasópolis, Minas Gerais, e apurou as informações de outras duas fontes, o Satélite Astronômico de Infravermelho (Iras) e o Telescópio Submilimétrico Suecodo Observatório Europeu do Sul (Sest), em La Silla,no Chile. Foi ela que permitiu ao grupo do IAG ousar."Queríamos estudar as estrelas que 34 • SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79 ~ I
nem sabíamos se realmente existiam", comenta Zulema Abraham, coordenadora do trabalho. As dezenas de estrelas dessas primeiras áreas recém-descobertas têm uma massa 15 a 50 vezes maior que a do Sol, de 2 octilhões (o número 2 seguido de 27 zeros) de toneladas. São de quatro a oito vezes mais quentes que o Sol, com a temperatura na superfície variando de 25 mil a 50 mil graus Celsius, e situam-se a distâncias que variam de 600 anos-luz a 18 mil anos-luz da Terra (o Sol fica a apenas 8 minutosluz). E apresentam uma característica peculiar: morrem cedo. Em poucos milhões de anos, consomem o combustível que as mantêm ativas - o hidrogênio, convertido constantemente em hélio - e desaparecem numa espécie de implosão, originando um buraco negro, região do espaço de densidade tão elevada que absorve tudo ao redor, inclusive a luz. "Se não as observarmos dentro das nuvens, elas podem desapa-
recerer sem ser conhecidas", comenta Alexandre Roman Lopes, do grupo do IAG. A análise dessas regiões ajudará a estimar se as estrelas se formam igualmente em todas as regiões da Via Láctea ou se existem áreas que favorecem a condensação dos gases que as originam. Até o momento, os dados comprovam uma das hipóteses da teoria da evolução estelar: regiões muito densas no interior de nuvens de gases e poeira contêm estrelas em formação. Onde olhar - O grupo do IAG conseguiu resultados relativamente rápidos porque resolveram com sucesso uma questão primordial, sem a qual o detector de infravermelho de nada adiantaria: saber em qual região do espaço procurar as nuvens moleculares. Essas áreas de formação de estrelas, ricas em hidrogênio, monóxido de carbono, amônia e hélio, concentram-se na direção do centro da galáxia, mas procurar ao acaso seria um missão impossível.
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... revela-se em detalhes crescentes em duas diferentes faixas do infravermelho
o caminho óbvio seria procurar pela assinatura das estrelas recém-formadas: as nuvens de gás, ionizadas pela energia emitida pelas estrelas contidas em seu interior, conhecidas como regiões HII. Mas, além de um empecilho natural- a . radiação emitida por essas regiões é absorvida pela nuvem molecular -, a equipe do IAG pretendia observar regiões novas, ainda não classificadascomo HII. A solução inovadora para acertar o alvo sem desperdiçar tempo foi associar pistas de diferentes fontes de observação. Primeiro, Zulema selecionou 1.427 prováveisberçários registrados pelo Iras, que em dez meses de operação encontrou mais de 320 mil fontes emissoras de radiação infravermelha, das quais 5 mil apenas na Via Láctea. Depois, verificou que necessitava de mais um elemento que sugerisse que uma determinada região poderia conter estrelas em formação. Em busca de evidências indiretas, sua equipe avaliou um mapa de 873 fontes de ondas de rádio, cujo compri-
mento de onda vai do milímetro a centenas de quilômetros, produzido.pelo observatório de La Silla.As emissões nessa faixa de energia são uma espécie de impressão digital de moléculas encontradas em nuvens muito densas, possíveis áreas de formação de estrelas. Após confrontar os dois tipos de dados, os pesquisadores restringiram ainda mais os prováveisberçários, seguiram para o LNA e passaram 15 noites examinando nascedouros de estrelas na
o PROJETO A Galáxia e a Formação
de Estrelas
MOOALIDADE
Projeto temático COORDENADORA
ZULEMA ABRAHAM -IAG/USP INVESTIMENTO
R$ 3.133.845,64
faixado infravermelho próximo - radiação com comprimento de onda de 0,8 a 2,5 micrômetros, a milionésima parte do metro. O trabalho mal começou: apenas no Hemisfério Sul existem pelo menos 600 berçários. Não se sabe ao certo quantos existem no Hemisfério Norte, mas é provável que o Sul seja mais rico, por abrigar o centro da galáxia, onde mais se formam estrelas. Até o final do ano, após concluir a análise de outras 111 regiões, os astrofísicos do IAG pretendem selecionar algumas áreas para investigar detalhadamente, em um telescópio do LNA com um espelho de 1,6 metro de diâmetro, mais potente que o usado nesse trabalho, de 0,6 metro. Os próximos capítulos devem contar também com o telescópio do Rádio Observatório do Itapetinga, em Atibaia, com uma antena de 13,7 metros de diâmetro, que poderá detalhar a temperatura, densidade e extensão das nuvens de gás que envolvem os berçários de estrelas. • PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 35
• CIÊNCIA
QUÍMICA
o triunfo
dos canhotos
Estudo da Unicamp explica como os aminoácidos se organizam no momento de formar as proteínas de qualquer ser vivo FRANCISCO
BICUDO
·ncessantebusca de explicações cie~tíficas para a ongem da vida apenas começou com Louis Pasteur, o químico francês que, há um século e meio, provou que os seres VIVOS nascem necessariamente de sua própria espécie - no século 19 acreditava-se que fungos, insetos e escorpiões poderiam surgir espontaneamente do lixo ou de animais em decomposição. As dúvidas sobre a origem da vida que hoje persistem remetem, curiosamente, a uma propriedade química descoberta pelo próprio Pasteur: há moléculas formadas pelos mesmos elementos e ligações químicas, mas se apresentam em dois tipos distintos, que apontam para Octâmero direções opostas - um para a esquerda, outro para a direita -, como se estivessem diante da própria imagem refletida no espelho. Um fenômeno que envolve essas formas espelhadas e ainda intriga os cientistas é a formação das proteínas, moléculas formadas por blocos menores, os aminoácidos, e essenciais a qualquer ser vivo. Fazem parte da estrutura dos cromossomos, controlam a expressão dos genes, viabilizam a divisão celular, regulam a produção de energia, atuam na diferenciação das células que vão formar os tecidos, participam do desenvolvimento embrionário e determinam, enfim, como os organismos vão se for-
A
36 • SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
de serina: "brincando de roda"
mar, crescer e morrer. Pois da formação de proteínas participam apenas os aminoácidos canhotos, quimicamente chamados levógeros ou simplesmente L. As moléculas destras, conhecidas como dextrógeros ou D, são simplesmente eliminadas do jogo, embora as duas formas se apresentem juntas e em proporções iguais na natureza. Mas como os aminoácidos se separam, antes de formarem as proteínas, e por que apenas os canhotos triunfam? O químico Marcos Eberlin, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tem algumas respostas para a primeira parte da pergunta.
Por meio da espectrometria de massas, uma técnica de anáIise química que permite visualizar com precisão o universo molecular, as equipes de Eberlin e do norte-americano Robert Cooks, da Universidade de Purdue, nos Estados Unidos, detectaram um processo nunca antes observado: a atração de aminoácidos canhotos (L) e destros (D) por seus semelhantes. Essa forma de organização, que permite compreender a separação entre essas moléculas no momento anterior à síntese de proteínas, deve-se principalmente à geometria: os encaixes são tão seletivos que impedem que os aminoácidos L se misturem com os D. Tanto os aminoácidos canhotos e destros formam estruturas cilíndricas, diferenciadas apenas pelo fato de serem espelhadas, com oito aminoácidos do mesmo tipo. São os chamados octãmeros, como o da ilustração desta página, que representa a serina, um dos 20 aminoácidos essenciais que, em diferentes combinações, formam milhares de proteínas das plantas e dos animais. Os octâmeros conectam-se entre si por meio das chamadas ligações hidrogênio, como as que mantêm unidas as moléculas de
Momento crucial: filamento de tungstênio emite feixe de elétrons que ioniza as moléculas em análise
Nos cilindros, as moléculas são isoladas, pesadas e identificadas: laboratório completo de análises clínicas
água, e formam estruturas cada vez maiores. "Foi literalmente um achado, um primeiro passo para entender por que apenas as moléculas L participam da formação das proteínas", comenta Eberlin, que coordena o Laboratório Thomson de Espectrometria de Massas do Instituto de Química. As informações fornecidas pelo espectrômetro e as simulações computacionais realizadas por Fábio Gozzo, químico da equipe do Laboratório Thomson, permitem ver os aglomerados de serinas como se as moléculas estivessem brincando de roda, dando-se apenas a mão esquerda, no caso dos L, com os encaixes ajustados nas laterais da estrutura cilíndrica. Se um dos membros sai do grupo e o substituto só pode dar a mão direita, quebra-se o encadeamento. "O processo de seleção química dos aminoácidos é uma conseqüência desse arranjo tridimensional perfeito", ressalta Eberlin. "Todas as moléculas apontam para a mesma direção. Se alterar a dinâmica, o círculo não se fecha com perfeição. Por isso é que as diferentes são excluídas." Outra surpresa foi observar que o cilindro de serina L, colocado em contato com as formas L e D de outro aminoácido, capturava somente as moléculas L. Descrito em um artigo publicado em maio na edição internacional da revista alemã Angewandte Chemie, esse processo - também inédito - ganhou o nome de transmissão de quiralidade. Quiralidade (de chiros, mão, em grego) 38 . SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
é o fenômeno descrito por Pasteur com o ácido tartárico: as moléculas, quando sobrepostas, formam um desenho parecido com o que aparece quando colocamos uma mão ao lado da outra, com a palma e os polegares voltados para a frente (veja ilustração). "Observamos também um mecanismo inédito de propagação de quiralidade da serina para outros aminoácidos naturais quirais, como cisteína, asparagina, leucina, aspartato e rnetionina', informa Eberlin. Poluentes e sangue - As descobertas só se viabilizaram com os aperfeiçoamentos da espectrometria de massas, uma técnica versátil, aplicada, .por exemplo, em exames antidoping, no controle de qualidade de combustíveis e até mesmo no seqüenciamento do conjunto de proteínas de um organismo (proteoma). Com ela, a equipe de Eberlin não desvenda apenas a organização das moléculas essenciais à vida. Também amplia o uso da técnica, com sucessivas inovações. Uma das mais recentes é um método de análise de poluentes, derivado da espectrometria de massas convencional, mas com uma inovação: usa uma fibra recoberta de silicone que, depois de uma exposição de apenas um minuto, absorve os poluentes do ar, do vapor e de líquidos. A fibra facilita a captação, transporte e avaliação das substâncias, depois transferidas para o espectrômetro, no qual são examinadas. A des-
crição dessa técnica, chamada espectrometria de massas por introdução via fibra (Fims), será publicada em breve na Analytical Chemistry. A Fims é a filha mais nova de outras técnicas para análise de poluentes desenvolvidas no próprio laboratório. A primeira delas é a espectrometria de massas por introdução via membrana com aprisionamento criogênico (CTMims), que se vale de uma membrana de silicone acoplada ao espectrômetro para separar os poluentes e reter a água. Esse processo aumenta a sensibilidade em até cem vezes e em poucos minutos se conhece a concentração em água de clorofórmio, benzeno e tolueno, por exemplo. Há também inovações ligadas diretamente à saúde humana. No ano passado, uma parceria com Nelci Fenalti Hõehr, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, resultou no uso de uma derivação de uma técnica criada no próprio laboratório para determinar a quantidade de cisteína e de homocisteína no sangue. Os dois aminoácidos, que, em concentrações elevadas, representam fator de risco para doenças cardiovasculares, são capturados do plasma sanguíneo pela membrana de silicone. Nelci envia as amostras de sangue ao Instituto de Química e, em minutos, o espectrômetro dá o resultado. "Nossa meta é oferecer esse serviço como rotina no complexo hospitalar da Faculdade de Ciências Médicas", afirma Nelci.
"Vencidas as limitações, hoje podemos trabalhar com qualquer tipo de molécula, desde as pequenas até os polímeros, sais, açúcares, peptídeos, proteínas e moléculas gigantescas como até mesmo um vírus intacto", afirma Eberlin. Sem dúvida, um avanço e tanto para uma técnica criada no início do século passado pelo físico britânico Ioseph Iohn Thomson (1856-1940), o mesmo que inspirou o nome do laboratório da Unicamp. Indispensável nos laboratórios de química e física desde que surgiu, a espectrometria de massas permite isolar estruturas atômicas e moleculares desde que estejam isoladas, portanto em forma gasosa, e ionizadas (com carga positiva ou negativa). Desse modo, torna-se possível medir suas propriedades, como massa, ligações químicas, acidez, reatividade e estruturas. Piloto em perigo - No início, a ordem dos procedimentos adota dos durante as análises limitava as aplicações: a observação só pode ser feita quando as moléculas são volatilizadas e recebem uma carga elétrica positiva ou negativa. Esse procedimento é essencial porque só podem ser separadas ou direcionadas as moléculas cargas positivas ou negativas - as neutras fogem ao controle. Até o início da década de 90, no entanto, era preciso que a molécula primeiro vaporizasse dentro do equipamento, a uma temperatura de até 300°C, para só depois ser ionizada. As análises se restringiam a substâncias orgânicas volatilizáveis e relativamente pequenas. Nem pensar em açúcares ou proteínas, que se decompõem quando aquecidos, antes de atingir a fase de vapor. Para avançar, era preciso inverter a ordem - primeiro ionizar e depois volatilizar. Foi o que fez, no final dos anos 80, o químico norte-americano Iohn Fenn, atualmente na Virginia Commonwealth University, Estados Unidos, ao criar a técnica de Electrospray, que permitiu aos pesquisadores da Unicamp e de Purdue descobrir as formas de organização dos aminoáci-
Iadicionou
um isótopo de carbono de massa 13, ~ de modo a se diferenciar ~ as duas formas. Coloca;;; das em água, de maneira aleatória, as moléculas surpreendentemente reconhecem suas semelhantes e originam dois conjuntos de oito moléculas, os octâmeros, um contendo somente serinas D e outros reunindo apenas as L. Os pesquisadores observaram ainda a ligação entre octâmeros gêmeos, que origina estruturas que reúnem 16, depois 32 e na seqüência 64 aminoácidos e assim sucessivamente. "Para a serina, oito é um número mágico': afirma Eberlin. Os avanços da espectrometria de massas poderão também solucionar a segunda parte da pergunta: por que os organismos vivos selecionam apenas o conjunto de aminoácidos esquerdos na construção das proteínas, deixando os destros apenas assistindo ao jogo? Em busca da resposta, a equipe de Arnaldo Naves de Brito, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), trabalha em colaboração com o Laboratório Thomson. Confiante e animado, Brito diz que os resultados do estudo devem ser conhecidos em breve. A dificuldade não é apenas reproduzir o ambiente terrestre primitivo, quando a separação e a seleção teriam ocorrido pela primeira vez. O obstáculo maior são as propriedades químicas e físicas das moléculas L e D - são quase idênticas e não indicam, com clareza, os caminhos de investigação a serem seguidos. Cogita-se até mesmo outro cenário para os encaixes primordiais. "A seleção de aminoácidos podem ter ocorrido na Terra ou em outra região do universo, como meteoritos ou cometas, chegando depois aqui", afirma Ricardo de Carvalho Ferreira, pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que já na década de 50 se dedicava a estudar os sistemas quirais. Apesar das armadilhas, a tarefa pode ser gratificante. "Estam os tentando entender a arquitetura química dos seres vivos", diz Eberlin. • j
dos. Primeiro, eles colocaram as moléculas de serina em água. Com a solução, fizeram um sprayeletrolítico (uma espécie de aerossol formado por gotas minúsculas e carregadas com carga elétrica positiva ou negativa). Com o aquecimento e a evaporação da água, as gotas diminuíram de volume - e os octâmeros de serina passaram a se repelir tão fortemente, que, em determinado momento, foram literalmente ejetados das gotas para a fase gasosa - sem se decomporem, como certamente ocorreria na técnica anterior de ionização, "É um processo que tem certa semelhança ao que acontece quando um piloto de avião pressente o perigo e ejeta-se da aeronave para o espaço", compara Eberlin. Tanto as versões canhotas quanto as destras da serina participaram do experimento. Como ambas apresentam a mesma massa molecular, à serina L se
o PROJETO Técnicas Modernas em Espectrometria de Massas e suas Aplicações em Química e Bioquímica MODALIDADE Projeto temático COORDENADOR MARCOS NOGUEIRA EBERLIN Instituto de Química da Unicamp INVESTIMENTO
R$ 1.211.117,27
PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 39
• CIÊNCIA
MEDICINA
Infarto
O que causa ou evita No Brasil, risco de ataque cardíaco é cinco vezes maior com o hábito de fumar e cai quase à metade com o consumo moderado de álcool
MARCOS
PIVETTA
m estudo nacional recém-concluído, com 2.558 pessoas, determina e hierarquiza os comportamentos e os parámetros clínicos que aumentam ou diminuem as chances de um brasileiro sofrer infarto do miocárdio, problema cardiovascular que mata anualmente cerca de 60 mil pessoas no país e é uma das principais causas de óbitos no mundo industrializado. No topo da lista dos fatores de risco, aparece disparado o hábito de fumar. De acordo com o trabalho, coordenado pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia de São Paulo, o consumo diário de mais de cinco cigarros quase quintuplica a probabilidade de ocorrer um ataque cardíaco. Em seguida, figuram na lista dos maiores fatores de risco, sempre em ordem decrescente de importância, o diabetes melito (alta taxa de açúcar no sangue), o acúmulo excessivode gordura no abdômen, histórico familiar de doença coronariana, níveis elevados de LDL-colesterol (o popular mau colesterol) e a alta pressão arterial (acima de 14 por 9). Cada um desses indicadores eleva, de forma independente, de duas a três vezes o risco de haver infarto. Na outra ponta, entre os comportamentos que podem reduzir a incidência desse problema cardiovascular, a pesquisa chegou a um resultado surpreendente: o consumo de álcool se mostrou a mais efetiva forma de proteção contra o ataque cardíaco. Pessoas que tomam alguma bebida alcoólica pelo menos três vezespor semana têm 40% menos chances de ser vítimas de infarto. Quem ingere álcool até duas vezes por semana exibe uma probabilidade 25% menor de sofrer infarto. O estudo, que será apresentado pela primeira vez no final deste mês, durante o Congresso Brasileiro de Cardiologia, em São Paulo, não levantou o tipo de bebida consumida pelos usuários de álcool nem a quantidade. Mas os autores da pesquisa alertam: esse efeito, aparentemente proporcional à quantidade ingerida de bebida, só é válido para o consumo moderado de álcool. Está provado que doses excessivas de vinho, uísque, cerveja ou qualquer outro drinque podem, além de causar dependência e acidentes de toda sorte, aumentar a pressão arterial e os níveis de triglicérides (um tipo de gordura), duas condições que favorecem o aparecimento de infarto.
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Fora o álcool, apenas outro fator aliás, a ocorrência simultânea de dois fatores - conseguiu efeito protetor semelhante: nível alto de escolaridade em pessoas com rendimento mensal superior a R$ 1,2 mil. Indivíduos com formação universitária dentro dessa faixa salarial apresentam um risco 32% menor de ter infarto. Curiosamente, a prática de atividades esportivas não se revelou um fator de proteção ao infarto, embora as análises preliminares tenham exibido esse benefício. "Isso não quer dizer que o exercício físico não seja importante, mas seu peso foi menor em nosso estudo': afirma o cardiologista Leopoldo Soares Piegas, diretor clínico do Instituto Dante Pazzanese e coordenador do estudo, batizado de Avaliação dos Fatores de Risco para Infarto Agudo do Miocárdio (Afirmar). "Para quem fuma, largar o cigarro é mais importante do que começar a fazer exercícios em termos de prevenção ao infarto."
Principal
fator de risco: mesmo fumar pouco já dobra o risco de infarto
simples, diagnóstico precoce e informação': diz Piegas. O estudo mostra que não basta reduzir o número de cigarros consumidos: o ideal é abandonar o hábito, porque fumar pouco - menos de cinco cigarros por dia - já dobra o risco de infarto. No Brasil, estima-se que ocorram cerca de 300 mil infartos do miocárdio por ano, dos quais um quinto dos casos resulta em mortes. Esse problema cardiovascular resulta do acúmulo de placas de gordura na artéria coronária que supre o coração de sangue. Se não controlado, o fenômeno leva à formação de coágulos que obstruem o fornecimento de sangue ao músculo cardíaco. Quando isso acontece, o paciente sofre o popular ataque cardíaco: experimenta na região do peito uma dor súbita e intensa, que pode se espalhar pelo pescoço e braços. "Se atacarmos os três principais fatores de risco do infarto,
Riscos multiplicados - Pessoas com mais de um hábito ou parâmetro clínico que eleva as probabilidades de ocorrer um infarto devem multiplicar - e não simplesmente somar - o risco relativo atribuído a esse indicador pela pesquisa. O risco relativo ou razão de chances (odds-ratio, em inglês) é um valor numérico que mostra quantas vezes um fator aumenta a chance de ocorrer infarto numa determinada população. Exemplo: entre os brasileiros, de acordo com a pesquisa, fumar pelo menos cinco cigarros por dia equivale a um risco relativo de 4,9. Quem acende a cada 24 horas essa quantidade de cigarros tem quase 4,9 vezes mais risco de sofrer infarto do que quem não fuma. Portanto, uma pesEfeito multiplicador soa que apresenta os três prinNúmero de vezes que os principais fatores de risco cipais indicadores que favoreaumentam a probalidade de ocorrer cem a ocorrência de ataque infarto na população brasileira cardíaco - tabagismo, diabetes 4,9 (risco relativo de 2,8) e excesso de gordura abdominal (risco relativo de 2,4) - tem 32,8 vezes mais chances (4,9 x 2,8 x 2,4) de ser alvo desse problema de saúde do que um indivíduo sem nenhum fator de risco para o infarto. "Em termos de saúde pública, fumo, diabetes e obesidade podem ser controla* Mais de cinco cigarros por dia ** Relação cintura-quadril acima de 0,93 Fonte: dos e atenuados com medidas 42 . SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
vamos reduzir consideravelmente os óbitos em razão desse problema", opina Piegas. O cardiologista cita o exemplo da Finlândia, que, apenas com o controle do tabagismo e dos níveis de colesterol, reduziu em 55% as mortes por infarto e derrame na década passada. As conclusões se amparam na análise de 33 variáveis clínicas e laboratoriais de 1.279 vítimas de infarto e 1.279 pessoas sem esse tipo de problema (o grupo de controle) que foram atendidas entre outubro de 1997 e novembro de 2000 em 104 hospitais públicos e privados de 51 cidades de 19 estados, cobrindo todas as regiões. Comparouse uma série de variáveis de pacientes que tiveram seu primeiro infarto e foram atendidos num centro clínico com pessoas sadias do mesmo sexo e faixa etária, que formam o grupo de controle. Para cada paciente com infarto, tentou-se achar seu par ideal, um indivíduo controle, com no máximo cinco anos a mais ou a menos de idade e, de preferência, que tenha sido atendido no mesmo hospital ou cidade. Dessa forma, evita-se comparar um infartado do Rio Grande do Sul com uma pessoa sadia da Bahia. Não se pretendia entender o mecanismo de atuação dos fatores de risco e de proteção ao infarto, mas dimensionar o peso de sua influência sobre o ataque cardíaco. Por definição, é classificada de diabética a pessoa que apresenta pelo menos Afirmar 126 miligramas de glicose por
decilitro de sangue. A quantidade de gordura localizada na barriga de um indivíduo é elevada quando a relação cintura-quadril- a divisão da medida da primeira pela segunda - é maior que 0,93 para os homens e 0,83 para as mulheres. Já no caso do LDL-colesterol, as taxas são vistas como altas quando superam 100 miligramas por decilitro de sangue. Na maioria dos estudos feitos no exterior, o tabagismo é o principal hábito ou dado clínico que favorece a ocorrência de infarto. Na Índia, um trabalho semelhante, feito em 1996, chegou a essa mesma conclusão e estimou que o consumo de pelo menos dez cigarros eleva em 3,6 vezes o risco de sofrer um ataque cardíaco na população daquele país. Nos Estados Unidos, pesquisas recentes também colocaram o tabagismo como o principal vilão do infarto, sendo capaz de aumentar de duas a três vezes a probabilidade de ocorrer infarto, indíces bem menores do que os encontrados agora no Brasil."Em cada Proteção: país ou região, a lista de fatores de risco e proteção do infarto pode ser diferente, assim como o peso de cada um desses fatores", afirma o cardiologista Álvaro Avezum, também do Instituto Dante Pazzanese e outro coordenador do Afirmar. "Daí a importância de termos dados nacionais e regionais sobre os fatores de risco do infarto, em vez de ficarmos importando informações." Se os países da Escandinávia tivessem se limitado a trabalhar com os resultados das pesquisas conduzidas nos Estados Unidos, nunca teriam descoberto que, em seus territórios, o diabetes - e não o fumo - é a condição clínica que mais favorece à ocorrência de infartos. Peculiaridades paulistas - Depois de fornecer um quadro geral dos fatores de risco para o infarto no país, o estudo vai, numa segunda etapa, averiguar se o peso de cada fator de risco e de proteção difere de acordo com uma série de parâmetros apresentados pelos participantes da pesquisa, como idade, sexo e
riar mesmo de região para região, pois estamos analisando populações com características diversas",diz ele. "No Sul e Sudeste, mais desenvolvido, o infarto é a principal causa isolada de morte enquanto no Norte e Nordeste essa posição é ocupada pelo acidente vascular cerebral (derrame)." Na Grande São Paulo, o tabagismo também aparece como o comportamento que mais eleva a probabilidade de infarto - só que seu peso, como fator de risco, foi maior do que na pesquisa nacional. Entre os moradores da região metropolitana, o consumo de mais de cinco cigarros por dia aumenta quase seis vezes as chances de um ataque cardíaco. Na amostra de toda a população brasileira, esse índice era de quase cinco vezes.Também chama atenção no trabalho com os paulistas a constatação de que o segundo mais importante fator de risco, bem à frente dos demais, é o acúmulo de gordura abdominal, que intensifica em 4,2 vezes as chances de infarto. "Os habibeber até duas vezes por semana, risco 25% menor tantes da Grande São Paulo, origem geográfica. No primeiro estudo em relação aos de outras regiões, têm derivado do Afirmar, Avezum examimelhor poder aquisitivo e acabam, às vezes, comendo mais do que devem e nou os fatores de risco e de proteção ao levando uma vida muito sedentária", ataque cardíaco em uma amostra de 553 habitantes da região metropolitana afirma Avezum. Depois do fumo e da obesidade, fide São Paulo (271 enfartados e 282 do grupo controle). Os resultados diferem guram como fator de risco para os um pouco dos obtidos com a amostra paulistas a hipertensão, altos níveis de nacional, o que, de certa forma, era esLDL-colesterol, diabetes e histórico de perado. "O peso de cada fator pode vadoença cardíaca na família. Na coluna dos fatores de proteção, apenas uma das variáveis clínicas se mostra capaz PROJETO de reduzir a chance de ocorrer infarto entre os paulistas: a existência de níveis Afirmar - Avaliação dos Fatores elevados de HDL-colesterol, o bom code Risco para Infarto Agudo lesterol. Pessoas com mais de 40 milide Miocárdio no Brasil gramas desse tipo de lipídio por deciliMODALIDADE tro de sangue têm risco 47% menor de Linha regular de auxílio a projeto sofrer esse problema cardiovascular. Na de pesquisa amostra paulista, o consumo de álcool e o casamento de alta escolaridade e COORDENADOR renda acima de R$ 1,2 mil reais, que se LEOPOLDOSOARESPIEGAS - Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia revelaram como condições favoráveis à redução da probabilidade de ocorrer INVESTIMENTO infarto no trabalho nacional, não obtiR$ 9.150,30 veram o mesmo efeito protetor. •
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PESQUISA
FAPESP 79 • SETEMBRO
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• CIÊNCIA
FISIOLOGIA
Ritmo perdido Falha em terminais de neurônios mantêm o coração acelerado modelo animal recémconcluído na Universidade de São Paulo (USP), baseado em camundongos geneticamente modificados, indica uma das causas da insuficiência cardíaca grave - distúrbio em que o coração deixa de bombear o sangue de forma eficiente. Com o tempo, o modelo poderá acenar com caminhos para a busca de alternativas de tratamento e prevenção desse problema uma das formas de doenças do coração, que matam no mundo duas vezes mais que todos os tipos de câncer juntos: cerca de 15 milhões de pessoas por ano e, apenas no Brasil, 250 mil. Patricia Chakur Brum, coordenadora do estudo, aceito para publicação na revista American [ournal of Physiology, desativou nos camundongos duas proteínas que regulam os batimentos cardíacos e se localizam nos terminais de neurônios situados próximos do coração - os receptores alfa 2a e alfa 2c adrenérgicos, assim chamados por controlar a liberação do neurotransmissor noradrenalina, essencial à regulação da atividade do músculo cardíaco. O enfoque é inovador por interferir somente na atividade dos terminais nervosos, sem alterar as proteínas produzidas no interior do músculo cardíaco. No ano passado, durante o pós-doutoramento na Universidade de StanfordBeckman, nos Estados Unidos, Patricia suspeitou que a falta conjunta das duas proteínas poderia causar problemas ao coração. "Já se sabia que o receptor alfa2aadrenérgico inibia a liberação de noradrenalina, mas sua falta não causava insuficiência cardíaca", diz ela. "Testei
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então o que aconteceria se os dois receptores não funcionassem." Ela suprimiu - ou nocauteou, como dizem os geneticistas -, no genoma dos camundongos, os genes a partir dos quais eles são feitos. Como resultado, os animais apresentaram insuficiência cardíaca grave semelhante à de seres humanos. "A maioria das pessoas com insuficiência cardíaca crônica também apresenta um aumento excessivo da atividade do coração, causada pela liberação de quantidade maior de noradrenalina no músculo cardíaco", diz ela. No experimento, dos 90 animais estudados, todos com os receptores nocauteados, metade morreu após seis meses de vida. Patricia completou a descoberta da importância dos dois receptores alfa com a implantação, no laboratório em que fez o pós-doutorado, de um modelo de cultura das células nervosas simpáticas e das do músculo cardíaco. "Esse modelo vai facilitar bastante o estudo dos receptores que atuam fora ou mesmo
o PROJETO Papel dos Receptores Alfa2-Adrenérgicos{ Subtipos a e c, na Regulação da Liberação de Neurotransmissor dos Terminais Nervosos Simpáticos Cardíacos MODALIDADE
Bolsa de pós-doutorado
no exterior
COORDENADORA
PATRICIA CHAKUR BRUM - Escola de Educação Física e Esporte da U SP INVESTIMENTO
R$ l08.619A7
dentro do coração", comenta Brian Kobilka, chefe do laboratório na Universidade de Stanford em que a pesquisadora brasileira trabalhou. Com essa técnica, Patricia descobriu que os receptores alfa 2a e alfa 2c se encontram em pontos diferentes dos terminais nervosos, em vez de se concentrarem em apenas um local, como se imaginava. Esse fato sugere mecanismos distintos de regulação do nervo e das células do coração.
Evitando excessos - Para entender os avanços desse trabalho, é preciso olhar além do coração e entrar nos meandros do sistema nervoso. É um sistema formado por dois grandes braços: o sistema nervoso central (SNC), composto pelas estruturas neurais dentro do crânio e da coluna vertebral, e o sistema nervoso periférico (SNP), constituído pelos nervos espalhados pelo corpo. O primeiro controla nossas funções vitais, como os batimentos cardíacos e a respiração, e o segundo conduz as informações para o SNC tomar as ações necessárias ao andamento da vida diária. Quando sentimos medo, diante de uma situação de perigo, os terminais nervosos simpáticos, que fazem parte do sistema nervoso periférico, situados a milímetros do coração, liberam no músculo cardíaco uma substância chamada noradrenalina. A noradrenalina é produzida tanto nas terminações dos nervos quanto nas glândulas supra-renais - localizadas sobre os rins, que fabricam também a adrenalina - com efeitos similares: ambas preparam o corpo para fugir ou lutar, aumentando os batimentos cardíacos e o ritmo da respiração, de modo que o oxigênio trans-
Os senhores do coração A noradrenalina aumenta o ritmo cardíaco e os receptores alfa o reduzem
Quando ativados, os receptores do tipo alfa do tronco encefálico inibem a passagem do impulso nervoso para os neurônios localizados antes dos gânglios simpáticos. Gânglio simpático
~
receptor alfa 2a
••
receptor alfa 2c
W tj receptores
beta
Veia cava superior
Átrio
noradrenal ina
o terminal
localiza-se na junção das veias cavas, atrás do átrio direito. Terminal do neurônio
o excesso de noradrenalina ativa, na extremidade do nervo, os receptores alfa, que diminuem a liberação de mais noradrenalina. Desse modo, cai a freqüência cardíaca.
A noradrenalina liberada no terminal do neurônio simpático interage com células do coração, por meio dos receptores beta adrenérgicos, e aumenta a freqüência cardíaca.
portado pelo sangue chegue rapidamente aos músculos. Quando produzida pelos terminais nervosos, a noradrenalina age como neurotransmissor, repassando informações de um neurônio a outro, e em segundos chega ao músculo cardíaco, acelerando os batimentos. Nos camundongos com os receptores desativados, a quantidade de noradrenalina liberada no coração foi o dobro da encontrada nos camundongos normais. Os receptores alfa e a noradrenalina trabalham em conjunto, como se fossem um par de chave e fechadura: a noradrenalina, quando liberada nos terminais nervosos, liga-se aos receptores alfa 2a e alfa 2c, que, por sua vez, inibem a liberação de mais noradrenalina, evitando que sua concentração chegue às alturas (veja ilustração). Na falta dos dois receptores, não há como deter a liberação exacerbada de noradrenalina. Conseqüência: ocorre um aumento exacerbado na atividade do músculo cardíaco, gerando as chamadas cardiomiopatias graves, que podem levar à insuficiência cardíaca. Foi exatamente esse desgaste do músculo cardíaco que se verificou nos camundongos usados no experimento, nos quais se bloqueou a produção dos receptores. O trabalho de Patricia inovou ao testar os efeitos da falta de receptores situados fora do coração: os estudos anteriores concentravam-se na alteração da expressão de receptores localizados no órgão, como os beta 1 e beta 2 adrenérgicos. Segundo a pesquisadora, os trabalhos com receptores internos do coração apresentam limitação, pois é difícil distinguir o efeito da falta de uma proteína na regulação dos batimentos cardíacos, pois outras proteínas produzidas pelo órgão podem reagir a essa falta e compensar o efeito. Reinstalada desde o início do ano na Escola de Educação Física e Esporte da USP, Patricia prepara-se para estudar, em camundongos com os receptores desativados - algo impossível de ser feito em humanos -, como as alterações genéticas se relacionam com a atividade física - especificamente, quais moléculas são acionadas, desativadas ou substituídas. ''A atividade física regula os batimentos cardíacos, mas ainda não conhecemos profundamente os mecanismos moleculares e celulares que fazem isso acontecer': comenta Patricia. • PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 45
• CIÊNCIA
GENÉTICA
Peneira fina Teste da Fiocruz detecta infecções leves de esquistossomose rinta anos após um grupo de pesquisadores mineiros ter criado o método de detecção de esquistossomose adotado no mundo inteiro, outra equipe, também de Minas Gerais e da mesma instituição, encontrou um meio de identificar as infecções leves, que escapam à técnica em uso. Pesquisadores do Centro de Pesquisas René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Belo Horizonte desenvolveram um teste-diagnóstico de DNA (ácido desoxirribonucléico) que registra vestígios do Schistosoma mansoni, o verme causador da doença, com uma precisão dez vezes maior - em amostras com até dois ovos por grama de fezes, enquanto o método habitual só detecta algo a partir de 24 ovos por grama. Na primeira prova de campo, realizada com 194 moradores de Comercinho, área endêmica da doença no Vale do Jequitinhonha, norte de Minas, o novo teste mostrou sensibilidade de até 97% e revelou sinais do parasita em amostras nas quais três exames de fezes feitos pela técnica tradicional - a contagem de ovos por microscópio - nada havia registrado. Os pesquisadores valeram-se também da técnica convencional e, como padrão de comparação, de outras 20 amostras fecais de moradores de Belo Horizon-
T
te não expostos a situações de risco, em tese, livres do verme. O exame deu como negativo apenas dois casos em que havia indícios do verme, detectados pela técnica tradicional. "O DNA pode ter se deteriorado no transporte até o laboratório ou podem ter aparecido substâncias que inibiram sua amplificação na PCR (a reação em cadeia de polimerase, técni-
ca que copia trechos específicos do material genético) ", cogita Ana Rabello, médica da Fiocruz e uma das autoras do novo teste. O resultado não invalida o que para ela é a indicação mais clara de aplicação do novo tipo de diagnóstico: os casos em que o exame de fezes falha. Os autores do novo método acreditam que as duas abordagens poderão se
complementar e permitir um tratamento mais abrangente da esquistossomose, a popular barriga d'água, que afeta 10 milhões de pessoas no Brasil, sobretudo nas áreas rurais. Transmitida pelos caramujos Biomphalaria glabrata, a doença atinge 200 milhões de indivíduos no mundo - dos quais 20 milhões desenvolvem quadro clínico grave, com danos irreversíveis no fígado e no baço. "Por enquanto, a erradicação da esquistossomose é impossível", comenta Ana Rabel1o. "Com os métodos de diagnóstico e tratamento em uso, conseguimos reduzir em até 70% o número de pessoas infectadas." Por mais que os indivíduos contaminados sejam medicados, não se consegue a eliminação total pois a transmissão prossegue a partir dos casos não-identificados ou não-curados. Agora, detectando-se as infecções leves, espera-se dar um salto no combate à doença e identificar até 90% das pessoas realmente contaminadas - com sorte até 100%, dependendo da quantidade e da intensidade da infecção numa
Exame de DNA: recurso complementar na luta contra o verme em áreas endêmicas como o Vale do Jequitinhonha
área endêmica. O método, descrito em artigo publicado em fevereiro no American [ournal ofTropical Medicine, pode ser aplicado também em amostras de sangue, mas não é simples nem barato. Enquanto o exame comum é feito com um microscópio óptico, que pode ser transportado ao campo, e fica pronto na hora, o novo teste, que usa a PCR em laboratório, começa com a extração do DNA do parasita das fezes humanas e termina quando se observa em uma espécie de radiografia se a amostra analisada exibe uma seqüência de nucleotídeos (adenina, guanina, citosina e timina) específica do Schistosoma. Essa seqüência, que tem 120 nucleotídeos, é uma espécie de impressão digital do verme. Quem a descobriu foi outro mineiro, Emmanuel Dias-Neto, biólogo molecular que atualmente trabalha no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). A partir daí, Dias- Neto montou uma seqüência menor, com 20 nucleotídeos, o chamado primer, que se encaixa naquela região específica do DNA do verme. Coube ao biólogo Luís André Pontes, durante o doutorado feito sob orientação de Ana Rabello e de Dias-Neto, apurar o método, cujo desenvolvimento hoje seria facilitado com o seqüenciamento do genoma do verme, já bastante avançado (ver Pesquisa FAPESP n° 77). Desde 1996, Pontes testou os primers até chegar à versão final e certificar-se de que o DNA usado não se confundia com o de outros vermes comuns nas fezes humanas. Recentemente, os pesquisadores conseguiram, com o mesmo teste, detectar fragmentos de outras espécies, como o Schistosoma haematobium e S. japonicum, que infectam o homem na África e na Ásia. O seqüenciamento de fragmentos de DNA dessas espécies, em andamento, permite imaginar testes ainda mais sensíveis, capazes de diferenciar cada uma delas. •
• CIÊNCIA
, PECUÁRIA
Solução líquida Uso conjunto de hidratante e diurético combate a intoxicação por amônia em bovinos
U
ma forma barata de garantir durante todo o ano uma fonte constante de proteína para a atividade pecuária de corte em zonas tropicais e subtropicais é fornecer uréia misturada à ração ou sal dado para o gado, sobretudo durante a estação seca, quando há escassez de pasto. Com o suplemento alimentar, que, após uma série de reações químicas, vira proteína no estômago do animal, o rebanho atinge em metade do tempo o peso ideal de abate. O problema é que, se o criador errar a mão na dose do suplemento protéico, ocorre uma intoxicação por amônia, substância oriunda da uréia, de difícil controle e capaz de matar por arritmia e parada cardíaca em poucas horas um boi. Agora, a boa notícia: um novo procedimento terapêutico para esse tipo de problema, simples e cerca de dez vezes mais eficiente do que o tratamento padrão, foi desenvolvido e testado com sucesso por uma equipe de veterinários da Universidade de São Paulo (USP). Os pesquisadores verificaram que a administração conjunta de uma solução hidratante, geralinente o soro fisiológico, e de um diurético consegue reduzir o grau de intoxicação e salvar a maior parte dos bovinos com excesso de amônia que entram em convulsão, estágio crítico a partir do qual o risco de vida é iminente. Se, ao procedimento acima, for adicionado o uso de amino ácidos do ciclo da uréia, o resultado da nova terapia costuma ser ainda melhor. "Mas não é imprescindível o emprego dos aminoácidos, um produto caro, nesse tratamento alternativo': garante Enrico Lippi Ortolani, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, que coordenou os estudos sobre intoxicação por amônia. "Apenas com o hidratante e o diurético é possível contornar o problema." No mês passado, Ortolani participou do 22° Congresso Mundial de Buiatria, em
Ração com uréia: rebanho atinge em metade do tempo o peso ideal de abate 48 . SETEMBRO OE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
bovinos com convulsões, nos quais haHannover, Alemanha, onde expôs o traVÍamos provocado uma intoxicação sitamento alternativo. O procedimento usual para tentar neutralizar a intoxicamilar à que acontece em campo, conseção, cuja eficácia, segundo Ortolani, deiguimos reverter o problema em todos xa a desejar, é administrar ácido acétios casos com a nova terapia", diz Ortolani. "Não perdemos um animal." Uma co, o popular vinagre, nos animais que hora após terem recebido por via inapresentam o problema. travenosa a hidratação e o diurético, os O emprego do tratamento alternaanimais tratados já haviam eliminado tivo estimula uma ação crucial para um organismo intoxicado por amônia: uricerca de 30% da amônia que haviam recebido. No tratamento convencional, nar. Por meio de uma série de experimentos, com financiamento do Conesse índice é de menos de 3%. A alta concentração de amônia selho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a equiprovoca uma seqüência de eventos que, se não controlados de forma rápida, pe do veterinário verificou que animais leva à morte dos animais. Inicialmencom maior capacidade de micção tinham espontaneamente, mesmo sem ter te, o excesso dessa substância deprime sido submetidos a qualquer tratamento, maior chance de escapar com vida da intoxicação. Isso porque a concentração de amônia (e uréia) na urina é diretamente proporcional à quantidade de líquidos filtrados pelo rim e eliminados pelo corpo. Também foi verificado que o pH (índice de acidez ou basicidade) sanguíneo e da urina dos animais que faziam muito xixi era ligeiramente menor do que 7 (levemente ácido) do que o dos bichos que Uréia: suplemento alimentar de uso comum no Brasil apresentavam pouca micção. Havia uma relação clara entre esses dois parâmetros: quanto mais baixo (ácido) era o pH da urio gado intoxicado e dificulta a sua perna, mais amônia era eliminada por essa manência em pé. O boi sente-tremores via. Esse dado parece ser importante. musculares e perturbações nervosas, Ao atingir um pH superior a 7 (básico pois essa substância interfere em seu ou alcalino), o fluido do rúmen passa a cérebro, e acaba indo ao solo. Baba muifavorecer a absorção da amônia pela core to, tem dificuldade em engolir e fica rente sanguínea, o que abre caminho desidratado. A amônia provoca o acúpara a intoxicação. mulo de água no pulmão, onde ocorre um edema (acúmulo de água). "O rúAo propor o uso de hidratante associado a diurético como nova terapia a men pára de funcionar, fica inchado e esse quadro de intoxicação, Ortolani, porcomprime os outros órgãos", afirma tanto, tenta produzir temporariamenOrtolani. O início das convulsões é um te em todos os animais com excesso de sinal de que, se não for feito nada para amônia o mesmo tipo de proteção nareverter o quadro de intoxicação, o retural a essa substância que, de outra banho está na iminência de perder um forma, permaneceria um privilégio de membro. Com a nova terapia, esses poucos bichos. Durante seu mestrado, sintomas são controlados em menos veterinária Sandra Satiko Kitamura vetempo. "Os animais tratados com hirificou que cerca de 60% dos ratos indratante e diurético restabeleceram mais toxicados por amônia sobreviveram a rapidamente a movimentação do rúesse quadro clínico com o emprego de men e o apetite e levantaram mais dediurético e hidratante, contra apenas 6% pressa do solo", afirma Sandra. O edeentre os roedores que não receberam ma pulmonar também foi contornado tratamento. "Em experimentos com 25 mais facilmente.
A existência de amônia no rúmen do boi é imprescindível para que a uréia dada ao animal seja realmente fonte de proteína. No gado, como nas ovelhas, o rúmen é a parte do estômago onde a comida é digerida com o auxílio de enzimas produzidas por microrganismos que ali vivem em simbiose. Quando alcança o rúmen, a uréia é transformadas pela ação de uma enzima, a urease, e dá origem a amônia e dióxido de carbono. A partir da amônia, bactérias do rúmen sintetizam proteínas, que vão enriquecer a dieta do boi. O chamado ciclo da uréia é algo, em geral, benéfico à criação. Às vezes, no entanto, ocorre algum problema nesse sistema - mudança de pH no rúmen, dificuldade de ingestão, desbalanceamento da mistura uréia/ração - e o fígado e o sangue não conseguem mais dar conta de neutralizar a presença em excesso de amônia no rúmen. Ocorre, então, a intoxicação. Para evitar o excesso de amônia no gado, a quantidade de uréia, um sólido no formato de cristais brancos, adicionada à comida dos bovinos não deve exceder 1% da matéria seca da ração ou 3% do concentrado dado aos animais. Em ruminantes não acostumados com esse reforço alimentar, deve ocorrer um processo de adaptação gradual ao suplemento protéico. Caso contrário, o risco de intoxicação é grande. Quando há descontinuidade no fornecimento de uréia, o processo de adaptação tem de ser reiniciado. Se isso não for feito, a intoxicação por amônia pode ocorrer. Ou seja, qualquer descuido no emprego dessa fonte barata de proteína e os animais podem ficar doentes. Como os ganhos em termos de produtividade são grandes com o uso da uréia - o animal atinge o peso ideal para abate em no máximo três anos, em vez dos tradicionais cinco anos -, os pecuaristas nacionais, donos de cerca de 160 milhões de cabeças de gado, um dos maiores rebanhos do mundo, recorrem cada vez mais a esse reforço alimentar. Nesse contexto, um tratamento mais eficaz contra a intoxicação por amônia, como o proposto por Ortolani, é de fundamental importância para quem trabalha com gado de corte. •
PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 49
s ratos da página ao lado parecem machos. Só parecem. Embora tenham os órgãos reprodutores do sexo masculino, são diferentes. Têm o tamanho de ratas, e, como produzem menos hormônio sexual masculino, são menos agressivos e menos ativos sexualmente. Se depois de castrados receberem estrogênio, um hormônio sexual feminino, comportam-se como fêmeas: quando colocados em contato com outro macho, curvam o dorso e se oferecem para a cópula. As mudanças no comportamento sexual se manifestam apenas no roedor adulto, mas os fenômenos que a desencadeiam ocorrem muito mais cedo, entre o final da gestação e os primeiros dias de vida. A causa dessas alterações - conhecidas como desmasculinização e feminilização dos filhotes - é a exposição das ratas grávidas a doses muito baixas, que não chegam a ser tóxicas, de pesticidas bastante utilizados na agricultura, na agropecuária e até na dedetização de residências: o fenvalerato e a deltametrina, substâncias classificadas como piretróides do tipo Il, nocivas para o sistema nervoso central. Também o consumo de água contaminada com chumbo ou de medicamentos para combater alergias (anti-histamínicos) podem alterar o comportamento sexual dos ratinhos, como provou uma série de experimentos feitos pela equipe da pesquisadora Maria Martha Bernardi, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP). Embora utilizem roedores, os experimentos servem como indicadores de problemas que podem afetar a reprodução de animais domésticos e silvestres e, em casos extremos, os seres humanos, apesar de a dosagem dos medicamentos dada aos roedores ser de três a dez vezes mais elevada. Os resultados reforçam a necessidade de cuidados na aplicação dos inseticidas em plantações, que expõem a riscos trabalhadores e mulheres grávidas - principalmente entre o sexto e o nono mês de gestação, quando se completa a formação da região do cérebro associada ao comportamento sexual, o hipotálamo. De acordo com o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), em 2000 os defensivos agrícolas foram a quarta maior causa de intoxicação no país: houve 5.127 casos de envenenamento e 1.378 intoxicações, correspondentes a 29% das contaminações ligadas ao trabalho.
o
Riscos limitados - Os estudos chamam a atenção para os riscos proporcionados por dois antialérgicos usados para tratar rinite (inflamação da mucosa nasal) e conjuntivite (irritação da membrana da pálpebra): a difenidramina; ainda empregada contra enjôos na gravidez, e o astemizol, proibido no ano passado por afetar os batimentos do coração. Alertam também para os perigos da contaminação do ambiente por chumbo, metal tóxico liberado pela queima de combustíveis e por indústrias que se acumula no organismo. Maria Martha acredita que os mesmos efeitos observados nos animais, em laboratório, possam ocorrer em humanos. ''As mulheres gestantes devem evitar contato com essas substâncias, que podem atravessar a placenta e chegar ao cérebro dos bebês': recomenda. "Caso isso ocorra, os efeitos só seriam percebidos na puberdade." Mas, embora possíveis, os riscos são pouco prováveis, pois nem sempre uma substância que não se mostrou segura em ratos é prejudicial aos humanos - a recíproca é verdadeira. ''As pesquisas com animais utilizam doses muito mais elevadas que as terapêuticas", afirma Anthony Wong, diretor do Centro de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. "Os ratos integram o primeiro grupo de mamíferos usados em testes de medicamentos, que têm de ser repetidos em outras espécies': As substâncias estudadas agem sobre o hipotálamo, região do cérebro que controla a produção de dois hormônios que ajudam na deterPESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 51
minação sexual e regulam o funcionamento dos ovários e dos testículos - os hormônios luteinizante (LH) e folícu10 estimulante (FSH). Nos ratos, o hipotálamo amadurece entre o 18° dia da gestação, que dura 22 dias, e a primeira semana após o nascimento. É um período crítico, correspondente aos três últimos meses da gravidez da mulher e ao início do aleitamento do bebê, quando ocorre no macho a chamada masculinização do hipotálamo, que então se prepara para assumir, anos mais tarde, na puberdade, o padrão masculino de produção de LH e de FSH. Independentemente do sexo determinado na fecundação pelos cromossomos X e Y,o hipotálamo do feto tem características femininas. No sexo masculino, esse padrão é alterado só no final da gravidez pela sensibilização dessa região do cérebro, disparada pelo hormônio masculino testosterona. Antialérgicos - Quando Maria Martha decidiu pesquisar o efeito dos antialérgicos sobre a prole de ratas, nos anos 80, havia poucos estudos sobre drogas que atuem sobre a histamina, substância que desencadeia inflamação, mas, no sistema nervoso central, age como neurotransmissor e regula a liberação hormonal. O foco inicial foi a difenidramina, antialérgio que se transforma em dimenidrinato, um dos princípios ativos do medicamento Dramin, usado por gestantes para combater enjôos. Os testes feitos na USP mostraram que essa
substância, aplicada a ratas grávidas, pode retardar a puberdade. Para descobrir se a difenidramina interferia no comportamento sexual dos filhotes, Maria Martha trabalhou com Silvana Chiavegatto, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, em experimentos em que ratas grávidas receberam, durante a gestação, doses diárias quatro vezes mais elevadas que a máxima indicada para humanos. Resultado: os machos, quando atingiam a idade adulta, exibiam comportamento sexual reduzido: tentavam copular com as fêmeas menos vezes e demoravam mais para ejacular. Estudos posteriores mostraram que o efeito dessas substâncias era duradouro e afetava a diferenciação sexual dos filhotes, desmasculinizando-os. Nos testes em que os roedores são colocados um a um numa arena, os machos, geralmente menos interessados no ambiente por não precisar alimentar a prole, passaram a explorá-lo de modo semelhante às fêmeas. Maria Martha e Silvana provaram: a difenidramina alterava o sistema do neurotransmissor dopamina, associado ao controle do comportamento sexual masculino. •
O avanço dos anti-histamínicos levou Maria Martha a avaliar o astemizol, então usado para tratar rinite e conjuntivite. Aplicado em ratas durante a gestação ou na primeira semana de amamentação, em doses dez vezes superiores à indicada para humanos, o astemizol agiu de modo semelhante à difenidramina sobre o comportamento sexual dos filhotes machos. Independentemente do período em que era aplicado, alterou o funcionamento da dopamina e atingiu o sistema nervoso do feto, segundo artigo publicado na edição de março/ abril da Neuro-
toxicology and Teratology.
Herbicida produz sapos hermafroditas Os trabalhos da USP sobre o impacto de pesticidas no desenvolvimento sexual de ratos se encaixam numa linha de pesquisa que, recentemente, gerou outra notícia preocupante. Um estudo norte-americano, divulgado em abril, mostrou que a exposição de larvas de sapos machos a doses 30 vezes menores do que as legalmente permitidas de um tipo de herbicida, o atrazine, estimula o hermafroditismo nesses animais em desenvolvimento. Devido ao contato com o produto químico, usado em plantações para matar ervas daninhas, os girinos, da espécie Xenopus
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laevis, apresentam características de ambos os sexos. "Os machos têm ovários em seus testículos e seus órgãos vocais são muito menores (do que o usual)", afirma Tyrone Hayes, da Universidade da Califórnia em Berkeley, principal autor do trabalho, publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences. "Seu sistema reprodutivo não é normal," O atrazine, herbicida mais vendido nos Estados Unidos em sua categoria, também afeta sapos machos adultos: diminui em dez vezes a taxa de testosterona, o principal hormônio sexual masculino. Os sapos fi-
cam tão efeminados que têm menos testosterona que suas parceiras do sexo oposto. Para Hayes, disfunções sexuais provocados por doses ínfimas de atrazine, da ordem de 0,1 ppb (partes por bilhão), bem menores do que as encontradas na chuva ou em plantações, podem ser uma das causas do declínio dos anfíbios no mundo. O atrazine é usado há 40 anos em culturas como milho e soja de 80 países, inclusive no Brasil. "Parece não haver ambiente livre de atrazine', diz Hayes. "De tão disseminado, esse produto põe em risco os sistemas aquáticos."
Inseticidas: risco de afetar o cérebro na fase de definição sexual
Estresse químico - Em paralelo, outro grupo da Veterinária da USP, coordenado por Yara Almeida, trabalhou com o fenvalerato, inseticida da classe dos piretróides tipo II - substâncias tóxicas para o sistema nervoso central que representam 30% da produção mundial de praguicidas. Yara verificou que o fenvalerato, assim como o piretróide deltametrina, interfere na atividade do neurotransmissor Gaba, associado ao aprendizado e ao comportamento sexual, causando uma espécie de estresse químico provocado pela liberação de corticosterona, o hormônio do estresse. Nos anos 70, pesquisadores norte-americanos provaram que o estresse gerado por fatores ambientais, como o frio e a . escassez de alimento, causava a desmasculinização e a feminilização de ratos. Agora, mostrava-se que o estresse químico agia de modo semelhante. Nos experimentos, as ratas prenhes receberam doses de fenvalerato 500 vezes superior à ingestão diária aceitável para humanos, no 18° dia da gestação e nos cinco primeiros dias da amamentação. Depois, os filhotes machos, colocados para copular com fêmeas, demoravam mais para ejacular (cobriam as ratas 22 vezes antes de ter uma ejaculação, contra 15 vezes dos machos cujas mães não receberam o praguicida) e apresentavam cerca de 40% menos testosterona que os do grupo de controle. Para estudar o estresse químico, Maria Martha e outra pesquisadora da
Veterinária, Maria Rita Pereira da Silva, criaram um modelo experimental com a picrotoxina, substância tóxica extraída da trepadeira anamirta (Anamirta coeculus), que inibe a atividade do Gaba de modo similar aos piretróides. Seus efeitos logo se tornaram evidentes. Quando colocados com fêmeas, os ratos expostos à picrotoxina no período perinatal (no útero e logo após o nascimento) demoravam duas vezes e meia mais tempo para tentar a primeira cobertura e três vezes mais para conseguir a primeira cópula que os filhotes que não tiveram contato com o composto. Os ratinhos do primeiro grupo cobriam mais vezes as fêmeas até conseguir a primeira ejaculação, apresentavam a metade do nível normal de testosterona e pesavam menos que os machos normais. Nos filhotes fêmeas, ocorreu a masculinização: as ratinhas cujas mães tiveram contato com picrotoxina não menstruavam e permaneciam em cio permanente. Segundo Maria Martha, a picrotoxina e os piretróides tipo II interferem no funcionamento do sistema Gaba por dois mecanismos, um associado à mãe e outro, ao filhote. Na prole, inibem a ação do neurotransmissor, que controla a pro-
o PROJETO Avaliação da Influência de Fatores Ambientais e Químicos em Parâmetros Ligados à Reprodução de Ratos MODALIDADE Projeto temático COORDENADORA MARIA MARTHA BERNARDI Faculdade de Medicina Veterinária da USP INVESTIMENTO
R$ 167.193,39
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dução de hormônio sexual masculino pelos testículos - essencial para masculinizar o hipotálamo no final da gestação e nas primeiras horas de vida. Nas ratas prenhes, a alteração no sistema Gaba reduz a quantidade do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH, que estimula a produção de testosterona pelos testículos) disponível no colostro, o líquido produzido pelas glândulas mamárias nos primeiros dias após o parto. A prole, recebendo menos GnRH, pode produzir testosterona antes ou após o momento crítico da masculinização do hipotálamo ou produzir hormônios masculinos menos potentes. Os efeitos do chumbo - Outra substância tóxica que age de modo similar é o chumbo. Num estudo em que deram a substância para ratas durante a primeira semana de lactação, Maria Martha e a doutoranda Marcela Gonçalves Sant' Ana viram que o metal, que inibe a ação do GnRH, afetou o comportamento sexual dos filhotes machos. A administração da substância numa concentração de 0,1 % promoveu a desmasculinização da prole, enquanto os filhotes de ratas que ingeriram chumbo num teor de 1% apresentaram outro efeito indesejável, a ejaculação precoce. O modelo da picrotoxina revelou-se extremamente útil para entender a masculinização do cérebro: já indicou que o momento mais importante desse processo, ao menos nos ratos, são as primeiras horas após o parto. "O modelo permite estudar não apenas as alterações do comportamento, mas também em que áreas do hipotálamo ocorrem as modificações'; comenta Oduvaldo Marques Pereira, do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, que complementou o modelo da USP. Recentemente, Pereira demonstrou a feminilização de ratos expostos ao estresse químico no período perinatal. Embora na espécie humana a determinação do comportamento sexual seja mais complexa, pois há também influências sociais e culturais, Pereira afirma: "Com base nos experimentos com ratinhos, acredito que o ser humano também esteja sujeito a alterações de comportamento provocadas pela exposição, ocupacional ou proposital, ou pelo consumo, crônico ou eventual, de medicamentos no período perinatal." • PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 53
• CIÊNCIA
EVOLUÇÃO
Quando as cobras tinham patas Polêmica sobre as serpentes mostra como os organismos podem ganhar ou perder características aparentemente essenciais
p(
miradas e temidas, misteriosas e sedutoras, as serpentes desafiam os herpetólogos (especialistasem répteis) e paleontólogos, que não conseguem encontrar a resposta para uma velha pergunta: qual é, afinal, a origem desses animais? O debate é acalorado. Em 1997, o canadense Michael Caldwell e o australiano Michael Lee 54 . SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
acreditavam ter desvendado o enigma. Num artigo publicado naquele ano na Nature, analisaram dois fósseis de cobras com patas posteriores, que viveram há 95 milhões de anos, encontrados em Israel.A conclusão: eram espécies originárias do ambiente marinho e o possível elo entre os mosassauros - grandes lagartos que habitaram os mares, na época dos dinossauros - e as serpentes,
um grupo de cobras formado por cerca de 3.000 espécies. O brasileiro Hussam Zaher torceu o nariz assim que leu o trabalho. Pesquisador do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), ele jogou um balde de água fria nos entusiastas da idéia de que a espécie estudada, a Pachyrhachis problematicus, seria o ancestral comum de todas as cobras e
quase todos com olhos atrofiados ou mesmo ausentes. Segundo Zaher, no período Cretáceo, de 144 a 65 milhões de anos atrás, todas a serpentes tinham patas posteriores, que desapareceram paulatinamente, à medida que as linhagens foram evoluindo até os dias de hoje, e não de uma só vez, a partir de um ancestral que ainda mantinha vestígios de patas. Com certeza, essas patas não eram usadas para locomoção ou sustentação, por serem muito pequenas. Uma hipótese é que poderiam cumprir algum tipo de função durante o ato sexual. istóriada Pachyrhachis, a primeira cobra com patas, começa no final da década de 60, quando o fóssil foi descoberto em Ein Yabrud, sítio arqueológico perto de Jerusalém, em Israel. Com cerca de 95 milhões de anos, a intrigante serpente com patas foi inicialmente estudada pelo paleontólogo judeu de origem austríaca George Haas, um dos grandes nomes da herpetologia daquela época. Por um momento, no final dos anos 70, Haas teve em mãos dois fósseis de cobras com patas. O primeiro tinha crânio, mas estava sem a cauda. O segundo apresentava características inversas: a cauda, da qual saíam as patas posteriores, estava preservada, mas o crânio é que não estava bem visível. Embora os dois animais guardassem enorme semelhança e estivessem muito próximos das serpentes, Haas preferiu não arriscar e descreveu duas espécies diferentes: a que tinha patas foi classificada como Ophiomorphus colberti e associada a um lagarto marinho da linhagem dos dolichossauros. A outra, uma cobra, recebeu o nome de Pachyrhachis problematicus- uma clara alusão às interrogações que deixava. Os fósseispassaram mais de 20 anos engavetados na Universidade Hebraica de Jerusalém, até que Caldwell e Lee, já na década de 90, resgataram o assunto. ''Aqueles animais eram supostamente os ancestrais das cobras, mas ninguém ainda os tinha estudado com os métodos adequados, como precisava ser feito",conta Lee,da Universidade de Adelaide, na Austrália. Os dois paleontólogos não precisaram de muito tempo para concluir que Haas, falecido em 1981, tinha sido cauteloso demais, Os
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tivesse vindo do mar. Seus estudos, que se transformaram em onze artigos, inclusive um publicado em 2000 na Science, sustentam: a Pachyrhachis não é o tão aguardado elo perdido. Seria, sim, um animal próximo de um grupo de cobras atuais, as macrostomatas, como' a cascavel (Crotalus durissus), a jibóia (Boa constrictor) e a píton (Python reticulatus). "Essa polêmica ajudou a refinar o conhecimento morfológico sobre as serpentes e mostrou que a evolução desse grupo de animais é bem mais complexa do que se imaginava, embora a questão sobre a origem das serpentes continue sem resposta», garante Zaher. O debate sobre a origem das cobras, alimentado por meio de artigos científicos com argumentos minuciosamente construí dos, faz os especialistas ora aplaudirem uma idéia, ora hesitarem nas conclusões que pareciam assentadas. De modo mais amplo, lembra que o processo evolutivo das espécies em
geral não tem uma direção predeterminada nem leva necessariamente a organismos mais avançados - características como as patas, aparentemente essenciais, podem surgir e, mais tarde, simplesmente desaparecer. As patas dianteiras das cobras já haviam desaparecido, milhões de anos antes, por mecanismos distintos dos que levaram à eliminação das patas posteriores. De acordo com estudos publicados em 2000 por pesquisadores ingleses, os membros da frente se foram de modo radical, sem deixar rastros, devido ao desligamento de um grupo de genes reguladores. Já o desaparecimento das patas de trás se deve à perda de uma estrutura do embrião chamada crista apical ectodérmica. As patas traseiras atrofiam e desaparecem se não são usadas, como se o organismo decidisse não mais direcionar energia para manter essa parte do corpo que se mostrou desnecessária - num processo similar ao verificado com peixes de cavernas,
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dois fósseis descritos, na verdade, pertenciam a uma única espécie - a Pachyrhachis. "Passamos a ter um só animal", afirma Zaher. "Era uma cobra com patas." As concordâncias param aí.
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aldwell e Lee retomaram as teses do paleontólogo norte-americano Edward Drinker Cope, que viveu no século 19. Para ele, as serpentes haviam se originado no ambiente marinho - e seriam herdeiras dos mosassauros. O local onde foram encontrados os fósseis da Pachyrhachis tornava essa possibilidade bastante viável. A presença das patas posteriores fechava o círculo. Foi esse o quadro que levou os dois paleontólogos a afirmar, no artigo de Crânio da Haasiophis: essencial no debate abril de 1997 na Nature, que havia sido encontrado o elo perdido entre Só dois anos depois, em 1999, Zaher as cobras e os lagartos marinhos. ''A Pachyrhachis oferece evidências adicioconseguiu autorização da Universidade nais sobre as afinidades existentes entre Hebraica de Jerusalém para estudar o bicho. Nessa época, ele já trabalhava os mosassauros e as serpentes, trazendo com Olivier Rieppel, curado r de fósseis à tona novas informações sobre as características dos ofídios primitivos", diz do Field Museum de Chicago, Estados Unidos, que em dezembro de 1999 Caldwell, hoje na Universidade de Altrouxe à USP uma cópia fiel da nova berta, no Canadá. cobra com patas. Rieppel e Zaher anali''Assim que li o trabalho, percebi saram o fóssil minuciosamente, com bauma série de inconsistências", contesta Zaher. Em primeiro lugar, diz ele, não se em conceitos modernos de anatomia foram consideradas algumas caracteríscomparada e biologia evolutiva. "É no ticas cranianas dos animais, a seu ver decrânio que se encontra a chave para a compreensão do problema", afirma o cisivas, como a presença de dentição no pesquisador da USP. pálato, um dos ossos do céu da boca, e Essa linha de raciocínio mostrou um osso supratemporal que se alongava ' para trás do crânio. Além disso, a análique se tratava de uma nova espécie: a se teria deixado de fora uma espécie dentição especializada no céu da boca e primitiva e fundamental para se compreender a evolução desses animais: a PROJETO Dinilysia patagonica, serpente já extinta do Cretáceo Superior argentino. Por A fauna de microvertebrados fim, Caldwell e Lee teriam resumido tetrápodes do Cretáceo Superior toda a diversidade atual de cobras em nas regiões de Marília e Presidente apenas dois grupos, Scolecophidia e AlePrudente (SP): biodiversidade, filogenia e tafonomia thinophidia, passando ao largo das macrostomatas, que ocupam uma posição MODALIDADE superior na linha evolutiva das serpenLinha regular de auxílio a projeto tes - e com as quais, como se veria, a de pesquisa Pachyrhachis guarda significativas semelhanças. COORDENADOR H USSAM EL DINE ZAHER - Instituto As críticas tornaram-se mais conde Biociências/USP tundentes quando Zaher soube de um terceiro fóssil de cobra com patas que INVESTIMENTO teria sido descoberto junto com a R$ 124.270,00 Pachyrhachis, também em Ein Yabrud.
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na mandíbula, somada à ausência de sínfise, o ponto de união firme entre os dois ossos dentários, que garante mais mobilidade à mandíbula, representa uma novidade evolutiva de porte na história do grupo e confere às serpentes habilidade maior na captura de presas de médio e grande porte. Segundo Zaher, essas são características das macrostomatas, serpentes como a cascavel, a jibóia e a píton, que desenvolveram a capacidade de se alimentar de presas inteiras, bem maiores que o diâmetro de suas cabeças. Uma análise retrospectiva confirmou: também se vêem esses elementos, de maneira evidente, na Pachyrhachis. Para não deixar dúvidas, Zaher faz comparações com serpentes mais distantes: nas Scolecophidia, o grupo mais primitivo de cobras conhecido até hoje, cujos representantes externamente se parecem com minhocas, a realidade é inversa. Nelas, os movimentos do focinho são limitados, a mandíbula é curta e não há dentes no céu da boca. São animais adaptados à microfagia - alimentação de presas pequenas como formigas e cupins. Zaher e Rieppel descreveram na Science em março de 2000 a nova espécie de cobra com patas, chamada de Haasiophis terrasanctus em homenagem a Haas e à região onde foi encontrada. No artigo, são categóricos: "Pachyrhachis e Haasiophis são serpentes derivadas, próximas evolutivamente das macrostomatas, e de maneira alguma podem ser associadas ao momento histórico em que esses animais se originaram': Caldwell rebate: "Eles admitem que descreveram apenas os ossos do crânio, ignorando outras partes do fóssil. Esse é um procedimento extremamente limitado". Enquanto corre o debate, Zaher amplia a coleção de grupos atuais e de fósseis de cobras, já com centenas de exemplares, sobre a qual assenta a busca das relações de parentesco entre as famílias e dos episódios evolutivos como a redução das patas. Para ele, a procura pelo elo perdido, que desvendaria a história sobre a origem das serpentes, ainda não terminou. "Minha intuição diz que o mais forte candidato a cumprir esse papel é um animal fossorial", comenta. "Com o tempo, as evidências científicas dirão se tenho razão': •
• CIÊNCIA
AMBIENTE
Na boca do forno Queima do eucalipto para produzir carvão libera substâncias irritantes e cancerígenas m Mato Grosso do Sul, 10 mil trabalhadores atuam em condições precárias na produção de carvão vegetal, feito principalmente a partir de toras de eucalipto (Eucalyptus sp), para ser usado em metalúrgicas e churrascarias. Em geral, não têm registro em carteira nem usam equipamentos de proteção. No primeiro levantamento de compostos liberados pela combustão do eucalipto, a química Nilva Ré-Poppi, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), encontrou outro problema: os carvoeiros passam a maior parte do tempo expostos a 146 diferentes substâncias químicas lançadas no ar pela queima da maPr.odução artesanal de carvão: 146 substâncias tôxicas e partículas sôlidas lançadas no ar deira. Entre as 80 da classe dos hidrocarbonetos aromáticos poraturas relativamente baixas. O próximo licíclicos (HPAs), encontram-se seis em des menores de compostos alifáticos passo é avaliar os componentes emitidos quantidade elevada e algumas que cau(sem benzeno) e oxigenados, além de sam câncer ou mutações genéticas. na combustão de outras madeiras do substâncias derivadas de ceras, resinas e Cerrado. "As concentrações de poluenOs compostos cancerígenos, que gomas. Juntos, esses são os principais incluem os benzoantracenos, os benzotes variam segundo a espécie de árvore componentes do material particulado queimada, a temperatura de combustão fluorantenos e os dibenzoantracenos, - as partículas sólidas de poluentes apresentam em sua estrutura quatro e e a duração do fogo", explica Nilva. suspensas na fumaça -, conforme o escinco anéis de benzeno e resultam da A pesquisa identificou os componentudo de Nilva, publicado em abril na queima incompleta da madeira, caractes dos gases e da fumaça coletados a 1,5 Chromatographia, assinado também terística da produção do carvão vegetal. metro do forno de produção com base por Mary Rosa Santiago da Silva, da O processo libera também componenem duas técnicas de análise química, a Universidade Estadual Paulista (Unesp), tes irritantes, como os fenóis, e antioxicromatografia gasosa e a espectrometria em Araraquara. dantes, como os metoxifenóis, derivade massa. Para delimitar com precisão o As pesquisadoras concentraram-se risco de os trabalhadores desenvolvedos da quebra da lignina, molécula que nas carvoarias dos municípios de Água rem câncer, alerta a pesquisadora, seria confere rigidez às células vegetais. Já a Clara, Ribas do Rio Pardo e Três Lagoas, decomposição da celulose provoca elepreciso investigar as concentrações das leste de Mato Grosso do Sul, que fazem substâncias inaladas, que atingem o sisvadas concentrações de açúcares sima pirólise (decomposição pelo calor) do ples como o levoglucosano, quantidatema respiratório. • eucalipto em fornos de barro, a tempe-
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PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 57
do fenômeno, num trabalho coordenado por Ivan Sazima, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Sua equipe, formada por Rodrigo Moura, Cristina Sazima, Ronaldo Francini-Filho e João Gasparini, estudou o tema in loco, desde a costa do Maranhão até a de Santa Catarina, com o propósito de avaliar a importância dos limpadores na saúde dos recifes e sugerir uma regulamentação da pesca de peixes orna-, mentais - já que os peixes-limpadores são vistos com freqüência em lojas de aquários, caso do góbio-néon (Elacatinus figaro). "A ausência de limpadores empobrece os recifes e aumenta a população de peixes doentes", afirma Sazima. Velhos conhecidos - Os limpadores atendem a peixes recifais de tamanhos variados: desde o peixe-borboleta (gênero Chaetodon), com 7 a 13 centímetros quando adulto, até a raia-manta (Manta), com 1 a 7 metros de envergadura. Essa é uma das interações básicas das comunidades que vivem nos recifes, onde os limpadores mais especializados estabelecem estações de limpeza em locais específicos e os clientes até abrem as brânquias e a boca para que os limpadores executem bem o ser60 • SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
viço. Há indícios de que os clientes aprendem e memorizam o caminho até a estação, por mais que se desloquem no ambiente. "Acredita-se que o limpador e seus clientes até se reconheçam individualmente", diz Cristina, filha de Ivan Sazima, A cerimônia de limpeza tem seus rituais: peixes grandes param, muitas vezes deitam de lado ou ficam oblíquos com a cabeça inclinada para baixo ou para cima. Chegam até a mudar de cor para atrair os limpadores. As sessões demoram de alguns segundos a 15 minutos, como no caso da limpeza de um badejo. O movimento diário de clientes nas estações varia conforme a região: cada limpador atende cerca de cem clientes por dia no litoral sudeste, perto de 500 no mar da Bahia e até mil em Fernando de Noronha. O mesmo cliente pode recorrer à estação de limpeza mais de uma vez por dia. Os limpadores menores não ocupam mais que 1 metro quadrado no espaço de sua comunidade, e dormem nas frestas de rochas e recifes. Os maiores não cobrem mais do que 5 metros quadrados. Sair dali é um perigo. "Eles se mantêm protegidos na função de limpeza, pois a estação é identificada
pelos predadores", diz Cristina. "Ao se afastar da estação, o limpador de uma garoupa pode ser comido por ela, que já não o respeita ou o identifica em sua função." Pequenos e coloridos - Os limpadores têm de 2 a 12 centímetros de comprimento e cores contrastantes, que servem de sinalização para os clientes. "O forte efeito visual, sobre um fundo de coral ou rocha, funciona para destacar os limpadores no seu ambiente, pois os peixes são capazes de ver as cores': explica Ivan Sazima. "Na base de sua alimentação estão o muco e os minúsculos crustáceos ectoparasitas." Há mais de cem espécies de peixes limpadores, habituais ou ocasionais, em outros mares: 30 espécies do Pacífico, 12 do Mediterrâneo e 20 da América Central e Caribe. Com o tempo, as pesquisas chegaram aos mares da Austrália e do Havaí. Hoje o Labroides dimidiatus, um bodião do Indo-Pacífico, é o limpador mais estudado e originou a maior parte do conhecimento sobre o tema. Sazima esperava encontrar de dez a 12 espécies na costa brasileira, mas sua previsão foi superada: registrou 25 es-
pécies de limpadores, oito das quais têm em comum as cores preta e amarela. "São cerca de 10% dos peixes recifais conhecidos, dos quais se conhecem de 250 a 300 espécies", diz Sazima. "É uma proporção surpreendente:' A equipe da Unicamp descreveu duas espécies novas, o néon ou góbio-néon, Elacatinus figaro, e o grama ou loreto, Gramma brasiliensisoA diversidade inesperada limitou o estudo, só aprofundado em quatro espécies: paru (Pomacanthus paru), bo-' dião-de-noronha (Thalassoma noronhanum), góbio-néon (Elacatinus figaro) e o góbio (Elacatinus randalli). O menor dos limpadores da nossa costa é o góbio-néon, com cerca de 4 centímetros de comprimento, que exerce seu trabalho por toda a vida. Já o peixe-frade ou paru (Pomacanthus paru) - que vive na maior parte da costa, nas ilhas continentais e em algumas oceânicas, mede de 20 a 60 milímetros - só é limpador quando jovem. Depois, abandona a atividade de limpeza e se alimenta de esponjas e algas. ~ atividade de limpeza foi valorizada depa~os estudos do grupo. "O peixefrade pocl~er comparado ao góbionéon, um lirirpador dos mais especializados", diz Ivan Sazima.
A atividade limpadora do bodiãode-noronha, encontrado tanto na costa como em localidades oceânicas, localiza-se no meio-termo: ele é limpador nas fases juvenil e de jovem adulto, quando mede de 20 a 50 milímetros de comprimento. O que distingue mesmo essa espécie dos outros limpadores é local de trabalho: o bodião estabelece estações de limpeza na coluna de água - acima, portanto, do substrato marinho de rochas e colônias de coral onde operam os outros - e forma grandes agrupamentos circulares, que chegam a ter até 450 indivíduos. Para observar tudo isso, os pesquisadores trabalharam com base no mer-
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o PROJETO Peixes Limpadores do Atlântico Sul Ociáentai: História Natural, Distribuição e Sistemática MODALIDADE Linha regular de auxilio a projeto de pesquisa COORDENADOR IVAN SAZIMA - Unicamp INVESTIMENTO
R$ 74.824,85
gulho autônomo, com cilindro de ar comprimido. Durante cinco anos, fizeram centenas de mergulhos de 3 a 18 metros de profundidade, com uma hora de duração em média. Foi assim que percorreram os ambientes recifais de Parcel Manoel Luís (MA) e do Arquipélago de Fernando de Noronha (PE), recifes costeiros de Tamandaré (PE), Arquipélago dos Abrolhos (BA), Ilha Escalvada e Arquipélago de Três Ilhas (ES), Ilha do Papagaio e outras ilhas costeiras em Cabo Frio (RJ), Ilha Anchieta, Ilha da Vitória e Laje de Santos (SP) e Ilha do Arvoredo (SC). Ivan Sazima pretende continuar o estudo da simbiose de limpeza, que praticamente se restringe aos oceanos em água doce, o fenômeno é pouco conhecido, embora se saiba que, na África, há peixes limpadores de hipopótamos. O próximo foco do grupo serão peixes oportunistas que seguem as raias e outros peixes carnívoros que revolvem o fundo. Sazima sabe que seu trabalho é urgente: o comércio dos coloridos peixes e camarões ornamentais marinhos - nos mares, os camarões também são limpadores de peixes está alterando seriamente D equilíbrio dos recifes brasileiros. • PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 61
• CIÊNCIA
ECOLOGIA
Riqueza em perigo Escassez de animais de grande porte pode reduzir a diversidade de espécies nas matas em regeneração VERÔNICA
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FALCÃO
astos e áreas agrícolas abandonadas, desde que próximos à Mata Atlântica, podem voltar a abrigar florestas serranas, situadas na Serra do Mar. Mas a diversidade de espécies de árvores vai depender da ação de grandes vertebrados, como mamíferos e aves, que asseguram a sobrevivência das plantas ao espalhar os frutos e sementes por novos territórios. O problema é que tanto as aves quanto os mamíferos essenciais à manutenção das matas sofrem a pressão da caça e seus hábitats tornam-se cada vez menores - indiretamente, a floresta também sai perdendo. "Com a redução da população dos grandes frugívoros, os fragmentos de florestas que cobrem as regiões monta-
Tucano: um dos melhores disseminadores dos frutos e sementes
nhosas tendem a desaparecer ou no mínimo perder a diversidade", afirma o ecólogo Marcelo Tabarelli, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Quebrando-se essa relação de dependência da mata com os animais, pode chegar a 50% a perda de diversidade de árvores de florestas regeneradas, de acordo com um trabalho que ele realizou com o primatologista Carlos Peres, da Universidade de East Anglia, Inglaterra. A floresta serrana possui cerca de 150 espécies de árvores por hectare (10 mil metros quadrados) - uma diversidade aparentemente elevada, mas inferior, por exemplo, à exibida no sul da Bahia, com 300 espécies por hectare. Publicado em abril na Biological Conservation, o estudo de Tabarelli e Peres reconstitui o processo de regeneração das florestas a partir da ação das aves e mamíferos chamados dispersores em vista de seu papel de disseminadores de sementes. Eles ressaltam que o tamanho das sementes é decisivo para a sobrevivência das árvores: as maiores são dispersas por animais de grande porte, mais fáceis de ser caçados e, portanto, mais raros. São, por exemplo, morcegos e pequenas aves frugívoras, ainda comuns das florestas, que espalham as sementes de embaúba (Cecropia glaziovi), uma das primeiras espécies que aparecem nas matas em regeneração, de tronco
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fino e folhas com formato de mão aberta. Já o jatobá (Hymenaea ssp), típico de florestas maduras, é uma espécie que pode ser prejudicada porque o animal que dissemina suas sementes, a cotia (Dasyprocta ssp), encontra-se cada vez mais raro. As conclusões se apóiam em observações realizadas em seis áreas de Mata Atlântica em regeneração - as capoeiras - em três Estados do Sudeste: Rio de Janeiro (Macaé de Cima), São Paulo (Cubatão, Intervales, Iporanga) e Paraná (Morretes e Santa Virgína). São remanescentes de florestas com até 1.100 metros de altitude, cercadas por fazendas de gado ou agricultura, e idade variável - de 5 a 120 anos. Os mais recentes encontram-se em Intervales e Iporanga, enquanto os mais antigos estão em Cubatão, Macaé, Morretes e Santa Virgínia. A relação é clara: quanto maior a idade da floresta, maior a dependência dos animais para a dispersão de sementes. Em uma floresta com apenas cinco anos de regeneração, 52,9% das espécies de árvores dependem de aves e mamíferos para que suas sementes e frutos sejam espalhados. Já numa floresta madura, esse porcentual sobe para 98,7%. Há dois anos, em um artigo publicado na Nature, Tabarelli havia analisado a relação entre o tamanho do fruto ou semente e os animais que os devoram. Segundo ele, na Mata Atlântica acima do Rio São Francisco, 31,6% das espécies de árvores que precisam de frugívoros para a dispersão dependem de aves com aber-
tura do bico superior a 15 milímetros. Desta vez, o trabalho feito com Peres associa o tamanho das sementes e dos frutos dispersos pelos animais com a idade da floresta. Os pequenos, com menos de 0,6 centímetro de comprimento - como os do manacá (Miconia ssp) -, prevalecem em todas as áreas estudadas. Os maiores, com mais de 1,6 centímetro - produzidos, por exemplo, pelas palmeiras -, representam menos de 25% do total encontrado. "Nas florestas maduras, as pequenas sementes diminuem, enquanto ao longo do processo de regeneração aumentam as médias, de 0,6 a 1,5 centímetro': afirma Tabarelli. Isso significa que as plantas pioneiras são substituídas por espécies de florestas maduras, cujos dispersores são animais frugívoros de médio e grande porte.
Macacos e aves - "Quanto maior a diversidade de aves e animais frugívoros, provavelmente maior será a riqueza de árvores na floresta regenerada", diz ele. Entre os principais mamíferos frugívoros - assim chamados quando mais da metade da dieta de uma espécie consiste de frutos - há três espécies de macacos: uma de bugio (Alouatta fusca) e duas de monocarvoeiro, a Brachyteles arachnoides, encontrada em São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro, e a Brachyteles hypoxanthus, que ocorre em Minas Gerais e Espírito Santo. Entre as melhores aves disseminadoras dos frutos e sementes da Mata Atlântica estão os tucanos (Ramphastos vitellinus e R. dicolorus), araçaris (Pteroglossus e Baillonius), o jacu (Penelope obscura) e a jacutinga (Pipile jacutinga). Os monocarvoeiros, os maiores primatas das Américas, que pesam até 15 quilos quando adultos, destacam-se como um dos dispersores mais versáteis: alimentam-se de frutos de nada menos que 14 espécies das duas principais famílias de árvores - as mirtáceas e as lauráceas - encontradas nas florestas da Serra do Mar. As mirtáceas são um grupo de árvores que inclui as pitangueiras (Eugenia florida), araçaranas (Myrcia glabra), guabirabas (Campomanesia guabiroba) e murtas (Blepharocalyx salicifolius), enquanto as lauráceas abrangem as canelas (Cryptocarya mandioccana), louros (Nectandra grandiflora) e imbuias (Ocotea pretiosa).
Floresta serrana com 40 anos: quanto mais antiga, maior a dependência dos animais
A partir dessas informações, Tabarelli e Peres concluíram como a floresta se regenera. Na primeira fase, as árvores dependem da luz solar direta para a germinação e crescimento - não toleram a sombra. A pioneira mais comum é a embaúba, mas também integram a floresta nos estágios iniciais de recuperação a Policourea marcgravi, uma rubiácea, e a carapora (Rapanea umbellata), mirsinácea, além de representantes das famílias melastomatáceas e as flacourtiáceas, todas de Mata Atlântica secundária, já regenerada. As pioneiras são árvores fadadas à morte no processo de regeneração da Mata Atlântica. São árvores de ciclo de vida curto, de 25 a 50 anos, e têm de 15 a 25 metros - por crescerem rapidamente, protegem suas sucessoras, as definitivas, que aceitam a sombra. "Dificilmente um tronco de pioneira excede 30 centímetros de diâmetro", diz Tabarelli. Já as espécies da floresta madura são de ciclo de vida mais longo, superior a 50 anos. Têm crescimento lento e são mais altas, atingindo de 20 a 35 metros, com tronco que pode alcançar mais de 1 metro de diâmetro. No início da regeneração, há de três a quatro espécies de árvores de floresta madura por hectare. No fim, quando a floresta é considerada madura, esse número sobe para 150 a 200 espécies por hectare. Para permitir o fluxo de dispersores de sementes, não deve superar 50 metros a distância de área em regeneração de um remanescente de Mata Atlântica. "Se a distância for maior, muitos mamíferos não cruzam a área aberta': diz Tabarelli. Mas não só na Mata Atlântica, como também por todo o país, ocorre a fragmentação da paisagem natural, com riscos evidentes: "Pequenos fragmentos comportam pequenas populações de animais e são mais acessíveis aos caçadores': comenta o ecólogo. Sem medidas urgentes de conservação, a fragmentação tende a aumentar e, prevalecendo o atual jogo de forças, a Mata Atlântica tende a tornar-se um conjunto de arquipélagos com milhares de pequenas ilhas de floresta, nas quais a maioria das árvores da floresta madura será substituída por arbustos e por umas poucas árvores pioneiras. •
• TECNOLOGIA
LINHA
DE
PRODUÇÃO
Casca de coco e cereais revestem móveis Um designer com formação tecnológica uniu os conhecimentos adquiridos nas duas áreas para desenvolver peças que têm como matéria-prima casca de coco, de arroz, babaçu e outros materiais. Formado em design pela Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e em tecnólogo pela Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec), Eduardo Queiroz trabalha com materiais encontrados principalmente no Nordeste do país para fazer placas destinadas a pisos, cabeceiras de cama, mesas, armários e revestimento de banheiros. O conhecimento em mecânica é utilizado no desenvolvimento de máquinas para a produção de diversos objetos e materiais. Queiroz começou seu trabalho como designer em São Paulo, produzindo botões, calçados e bolsas, feitos com casca de coco e pedras brasileiras, destinados à exportação. "Mas o consumo da casca era mínimo, considerando o total produzido no país", conta Queiroz. Ele en-
• Concreto asfáltico permeável à água Uma fórmula que mistura agregados de granito e cimento asfáltico modificado por polímero mostrou ser altamente eficaz na eliminação de água da superfície de pavimentos rodoviários. Com ele, a água da chuva é eliminada rapidamente do pavimento das rodovias diminuindo a possi-
Composição e acabamento diferenciam as peças feitas com coco
tão decidiu ampliar o aproveitamento do material e produzir pisos do endocarpo do coco, a parte interna da casca. A primeira providência foi se instalar em Alagoas, pela proximidade da ma-
bilidade de ocorrência do fenômeno chamado de aquaplanagem, que faz o veículo deslizar na pista. O novo asfalto aumenta a aderência entre o pneu e o pavimento e elimina, também, o espelhamento da superfície molhada sob o reflexo do farol do veículo, que provoca perda de visibilidade para o motorista à noite. Desenvolvido pelo professor Leto Momm, do De-
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téria-prima. E começou a desenvolver máquinas que transformam o endocarpo do coco, esférico, em placas de pastilhas e outras peças com múltiplas aplicações. Para aproveitá-Ia integralmente
partamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o composto mostrou um elevado índice de permeabilidade. Segundo o professor, enquanto outros trabalhos brasileiros baseados em fórmulas de granulometrias estrangeiras atingiram 18% de permeabilidade - medida pelo índice de vazios que permite a circulação da água na camada do
começou a fazer pastilhas quadradas em vez de discos redondos. "É mais fácil trabalhar com o formato quadrado no processo industrial", diz. Os maiores compradores das peças produzidas pela sua empresa, a Ecom, são as indústrias de móveis e os arquitetos. Mas o empresário já vislumbra outros horizontes. "Vamos fornecer placas de coco com encaixe e polimento para a Europa e os Estados Unidos, que já querem peças prontas, sem necessidade de mão-de-obra", conta. A Ecom está instalada há três anos em Maceió, mas a tecnologia é fruto de seis anos de pesquisas e experimentos feitos por Queiroz. Além das placas de casca de coco, a empresa trabalha com uma linha de granulados que têm em sua composição misturas como babaçu com arroz, cascas de cereais e outras. O material, quebrado em grãos de vários tamanhos' passa por um processo de prensagem a quente, com resina especial. •
pavimento -, o material desenvolvido pela universidade catarinense tem 32%. Produtos similares encontrados no mercado, como os concretos asfálticos franceses, têm entre 20% e 25% de vazios. Os testes realizados em laboratório serão aplicados na BR-101, no Sul do país, que está sendo duplicada. "O segredo da inovação está no controle rigoroso da granulornetria',
Telhas e blocos para casas populares feitos com sobras
Equipamento
conta Momm. Segundo o professor, esse controle vai exigir adaptações nos equipamentos usados na usinagem das misturas para asfaltar rodovias .•
• Construção com material reciclado Durante 12 anos um gaúcho de Nova Cachoeirinha testou a melhor forma para compor uma pasta de cimento, formada por sobras da construção civil e de outros materiais, destinada a servir de base para blocos e telhas de casas populares. A tecnologia, que recebeu o nome de Resilix:,já foi patenteada no Brasil, no Uruguai e nos Estados Unidos. Geneci Borges, autor da invenção, ressalta que, além da economia de cerca de 30% em relação à construção tradicional, a casa fabricada com essa tecnologia é termoacústica - evita sons externos e preserva o calor. O produto usa componentes reciclados, que, moídos, são misturados a uma pequena porcentagem de cimento e agiu tina dos por um catalisador. Mas a base não segue um padrão rígido. Os resíduos podem ser tanto o lodo resultante do tratamento da celulose como papéis descartados e resíduos de construção.A cor do material tam-
bém muda de acordo com os ingredientes utilizados - varia do bege claro ao cinza, passando por um tom avermelhado. As peças feitas a partir da pasta não precisam passar pelo processo de queima. Elas são colocadas para secar durante 72 horas e, passado esse período, já estão prontas. A marca já possui franquias no Uruguai, no Mato Grosso do Sul e em Santa Catarina. •
portátil
movido a bateria para a rede elétrica
• Aparelho localiza ligação clandestina Um equipamento portátil que permite localizar ligações clandestinas na rede elétrica está sendo utilizado por concessionárias do Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Bahia. Desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento, do Paraná (Lactec), o aparelho se ba-
seia na transmissão e recepção de um sinal de radiofreqüência, usando a linha de energia da rede elétrica como antena transmissora. Em caso de fraude por desvio de energia, o sinal também é detectado na fiação clandestina. A direção em que a intensidade do sinal recebido for maior permite ao operador localizar a posição dos condutores elétricos embutidos. •
Cirurgia planejada com ajuda de protótipo Os hospitais das grandes cidades brasileiras atendem diariamente a um grande nún:ero de acidentados, com custos significativos para a área de saúde. Esse quadro motivou pesquisadores do Centro de Pesquisas Renato Archer (Cenpra), do Ministério da Ciência e Tecnologia, a desenvolver uma metodologia para utilizar a prototipagem rápida na medicina, aliada ao processamento de imagens, com o objetivo de planejar as cirurgias de reconstrução facial. Desde que o projeto teve início, há dois anos, mais de 70 casos já foram realizados, em parceria com
Biomodelo feito com polímero de náilon
o Hospital de Base do Distrito Federal. O primeiro passo para construir um biomodelo é fazer uma tomografia da área a ser reconstruída. Em seguida, é feita a análise e o processamento da imagem, com visualização em 3D. "Nessa etapa é
realizada a separação de tecidos moles das partes ósseas, permitindo visualizar estruturas internas e adaptar próteses virtuais", diz o pesquisador Ailton Santa Bárbara. Após o tratamento das imagens, o arquivo é colocado na máquina de prototipagem, onde o biomodelo é construí do com precisão. Esse protótipo permite simular a cirurgia. "Os benefícios são enormes tanto para a equipe quanto para o paciente", diz Ailton. Na atual fase, a equipe está desenvolvendo uma ferramenta de software; mais acessível, para tratamento de imagens médicas . •
PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 65
Rapidez no diagnóstico
rio da Ciência e Tecnologia (MCT), por meio dos programas Prossiga e de Ação Regional, e com o Banco do Nordeste. •
• Cenoura em novo formato
t<it
para detectar contaminação
Identificar rapidamente os agentes bacteriológicos que causam a contaminação alimentar representa diferença fundamental no tratamento a ser adotado. Quando a intoxicação é causada pela enterotoxina estafilocócica, liberada no alimento por linhagens de estafilococos enterotoxigênicos, a intoxicação, em alguns casos, pode inclusive levar a óbito. Na corrida contra o tempo para detectar a contaminação pela enterotoxina liberada pelo microrganismo, o professor Luiz Simeão do Carmo, do Laboratório de Enterotoxinas da Fundação Ezequiel Dias (Funed), em Minas Gerais, desenvolveu reagentes para kits de diagnóstico, com o apoio da Fundação de
• Investimento em áreas estratégicas Foi lançado em agosto, em Belo Horizonte o Programa de Plataformas Tecnológicas em Minas Gerais, com o objetivo de implementar ações estratégicas nos setores de ge-
alimentar
Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Dessa forma, é possível identificar os microrganismos responsáveis pela intoxicação.Os importados, até agora os únicos disponíveis no mercado, custam de US$ 700 a US$ 1.000, o dobro do similar nacional. "Induzimos a produção das enterotoxinas e injetamos em coelho para ter anticorpos específicos", relata o professor. Com esse procedimento, foram produzidos e purificados quatro tipos de enterotoxinas estafilocócicas e, ainda, a toxina TSST-1, responsável pela síndrome do choque tóxico (doença que afeta mulheres jovens no período menstrual, com comprometimento de vários órgãos). •
mas e jóias, fruticultura, móveis e madeira, considerados prioritários nas regiões norte e nordeste do Estado. O programa, iniciativa da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, será realizado a partir de acordos de cooperação técnica com o Ministé-
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Uma nova tecnologia de processamento de cenoura, desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Hortaliças, de Brasília, permite aproveitar os cerca de 10% da produção que, muito fina ou pequena, é descartada por ser considerada fora de padrão. As cenouras, batizadas de catetinho, passam por um processo de abrasão, que dura apenas um minuto e meio, e ganham formato arredondado. "Começamos a fazer a pesquisa para aproveitar o refugo da lavoura", conta o pesquisador João Bosco, da equipe que desenvolveu a tecnologia para processar as minicenouras. Uma lixadeira e um disco foram desenvolvidos, com base nos descascadores de batatas, para dar o formato arrendon-
Cenouras passam por lixadeira e ganham formato arrendondado
dado às cenouras. O equipamento custa cerca de R$ 2,5 mil e é considerado acessível ao pequeno produtor. "Esse processo agrega valor a um produto que é descartado da venda direta ao consumidor", diz Bosco. A tecnologia já foi adotada por produtores de Santo André, Ribeirão Preto e Salvador. Embaladas a vácuo, as cenouras duram 20 dias sob refrigeração. •
• Sudeste recebe Prêmio Finep O Estado de São Paulo venceu quatro das cinco categorias disputadas no Prêmio Finep de Inovação Tecnológica 2002 - região Sudeste. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) foi escolhido na categoria Instituições de Pesquisa. A Siemens recebeu o prêmio de empresa de grande porte e a Brapenta, de pequena empresa. A Smar, com um software de controle de processos de produção que permite manutenção pela Internet, venceu na categoria produto. O Centro de Pesquisas da Petro-
bras (Cenpes), do Rio de Janeiro, na categoria processo, com um novo sistema de ancoragem para plataformas de petróleo. A premiação nacional será realizada em Brasília, no dia 25 deste mês. •
• Nordeste integra rede de laboratórios A LabCom, uma rede integrada de laboratórios na área de telecomunicações, ganhou um representante no Nordeste, o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar). A LabCom Cesar trabalhará, principalmente, no desenvolvimento de soluções para a integração física e funcional das redes de voz e dados, hoje distintas, viabilizando sua convergência em direção às redes de nova geração. O laboratório, inaugurado no mês passado, é resultado da parceria da empresa Alcatel com universidades e institutos de pesquisa brasileiros para fomentar a pesquisa e o desenvolvimento de soluções no setor de telecomunicações. O LabCom deve aumentar a quantidade e qualidade dos produtos, serviços e empreendimentos de tecnologia da informação baseados em Pernambuco. A Alcatel, que cedeu equipamentos de última geração nas áreas de comutação, acesso, banda larga e transmissão para a rede nordestina, investiu mais de R$ 1 milhão no
projeto, que também tem como objetivo formar e aprimorar recursos humanos. Em São Paulo, a Alcatel fez parceria com o Núcleo de Pesquisas Tecnológicas (NPT) da Pontifícia Universidade Católica (PUC) para inaugurar o LabCom NPT, que executará, principalmente, projetos de pesquisa e desenvolvimento de serviços de informática e automação, softwares, treinamento, serviços científicos e tecnológicos e sistemas de qualidade. •
• Recuperação motora com brincadeiras Crianças portadoras de deficiências físicas atendidas na clínica de fisioterapia da Universidade de Mogi das Cruzes (UM C) se exercitam com brinquedos desenvolvidos especialmente para as suas necessidades. Alunos de enge-
nharia da computação da universidade, auxiliados por fisioterapeutas, criaram, com pedaços de plástico, caixas de papelão e a carcaça de um monitor de computador, objetos lúdicos, batiza dos de basquete, tapete dançante, cabo de força, piano, contador de histórias. O tapete dançante ensina a criança a reconhecer uma seqüência de passos por meio de cores e sons. O capacete, ligado ao videogame ou ao computador, funciona como um mouse virtual. Para jogar, a criança mexe a cabeça para simular os movimentos do mouse nos jogos. O basquete, composto de caixinhas de papelão com rostos de bicho, incentiva a relacionar o som ao animal. No total, foram desenvolvidos sete brinquedos para cerca de cem crianças que freqüentam a clínica. "Os alunos identificaram as dificuldades das cri~ anças e propuse~ ram os brinquedos ~ para ajudar a torg nar mais prazerosa '~" a tarefa de traba~ ~ lhar a coordenação § motora", diz a coor> ~ denadora do projeto, Annie France. •
Painel com sensores emite os sons para vários brinquedos
• Escala identifica fases do algodeiro Uma escala de crescimento e desenvolvimento do algodoeiro que identifica, de forma mais precisa, cada uma das fases da planta ficou em primeiro lugar na Mostra Internacional Ruraltech 2002, em Londrina, e também com o Prêmio Finep - região Sul, na categoria Processo. O trabalho foi desenvolvido no Instituto Agronômico do Paraná (Iapar) por Celso Iarnil Marur e Onaur Ruano. A escala, que divide o ciclo do algodoeiro em quatro fases, vai substituir uma antiga prática que caracteriza o estágio de desenvolvimento da planta pelo parâmetro cronológico, ou seja, a partir do número de dias após o brotamento. Segundo Iarnil, essa escala é importante para que os agrônomos falem a mesma linguagem. O Iapar também ficou com o segundo, terceiro e quarto lugares da mostra. O estudo sobre a viabilidade de destinar, no inverno, áreas de agricultura para plantio de espécies forrageiras destinadas à alimentação de ruminantes ficou com o segundo prêmio. A demonstração de que a variedade de café Iapar 59 é competitiva em comparação com as variedades comerciais em uso, com o terceiro. E o sistema de monitoramento climático para a agricultura, denominado SMA, com o quarto lugar. •
PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 67
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Radiografia mostra as sementes de titânio implantadas na próstata de um paciente
qui terapia, caracterizado pela fonte de radiação muito próxima ou em contato com o órgão a ser tratado. Pacientes com câncer de próstata também são tratados com hormônios, que têm a função de reduzir o tamanho da próstata ou aguardar o melhor momento para um tratamento curativo como a braquiterapia. O implante de sementes de iodo-125 é um tipo de tratamento relativamente recente, indicado para tumores em estágio inicial. A primeira experiência foi realizada na Dinamarca, em 1983, e, dois anos depois, nos Estados Unidos. O tratamento consiste em implantar as sementes dentro da próstata para destruir as células doentes. Como o material usado na fabricação das sementes é biocompatível, elas não precisam ser removidas e o implante é permanente. As sementes de iodo-125 têm dimensões quase microscópicas e são menores do que um grão de arroz. Elas são compostas de uma cápsula cilíndrica de titânio de 0,8 milímetro de diâmetro externo e 4,5 mm de comprimento. O titânio foi escolhido porque possui baixo índice de rejeição e sua parede é fina o suficiente para permitir a passagem da radiação. Dentro da cápsula existe um fio de prata de 0,5 mm de diâmetro com iodo-125 depositado na superfície. A atividade (quantidade de radiação emitida pelo núcleo do isótopo) típica das sementes é de 0,5 mCi (rniliCurie) de iodo-125. Nessa dosagem, a ação da semente fica restrita à próstata e atinge, com menor intensidade do que a radioterapia externa, órgãos saudáveis, como bexiga, reto e uretra. "Poupar tecidos sadios é outra grande vantagem da braquiterapia", afirma Elisa. A ação da semente é muito concentrada porque a radiação emitida pelo iodo-125 percorre apenas cinco milímetros de tecido humano. "Ela age dentro do paciente por dez meses, mas a maior parte de sua atividade acontece nos primeiros dois meses", afirma Elisa. Esse
período é correspondente a meia-vida (58 dias) do iodo-125. Meia-vida é o tempo que um material radioativo leva para reduzir sua atividade pela metade. Ele só deixa de ser radioativo depois de dez meias-vidas. Assim, a radioatividade total do iodo-125 desaparece após 580 dias ou quase 20 meses. Aplicação detalhada - O implante das
sementes radioativas é um procedimento rápido e seguro. Com auxílio de agulhas especiais e orientado pela visão direta de um equipamento de ultra-sorn transretal, o médico introduz, através do períneo (a região entre a raiz do pênis e o ânus), as sementes dentro da próstata do paciente. A aplicação é feita numa única sessão. Antes disso, no entanto, é feito um minucioso planejamento. O especialista faz um estudo da próstata com imagens detalhadas de ultra-sorn, que identificam seu tamanho, forma e contorno e informam a precisa posição da uretra e dos ossos pélvicos. Essas imagens são enviadas para um computador que, com o auxílio de um software, calcula a quantidade de sementes necessárias para o tratamento e o local exato onde cada uma deve ser implantada. A iniciativa do Ipen foi bem recebida pelos médicos especializados no tra-
tamento de tumores de próstata. "É uma tecnologia de ponta com a vantagem de ter um custo bem inferior", afirma o radioterapeuta Rodrigo Hanriot, responsável pelo Setor de Braquiterapia do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. "Graças ao Ipen, o acesso ao tratamento vai ser ampliado." O projeto de desenvolvimento da semente nacional surgiu, por sinal, a partir de pedidos da classemédica. "Os médicos reclamavam do alto custo das cápsulas importadas", relembra Elisa, do Ipen. Naquela ocasião, meados de 1998, só duas empresas, a inglesa Amersham e a norteamericana North American Scientific, fabricavam o produto e não existia nenhuma literatura disponível sobre as sementes. "Tive que cortar uma cápsula ao meio para saber como era sua composição", diz a pesquisadora. Menos de dois anos depois, em abril de 2000, o protótipo do Ipen já estava pronto. "Mas em razão da falta de verba, nossas pesquisas caminharam lentamente e hoje cerca de dez empresas já dominam a tecnologia", conta Elisa. O financiamento da FAPESP concedido no início deste ano está sendo vital para a conclusão da pesquisa. "Ainda precisamos fazer estudos de dosimetria, que é a avaliaçãoda dose de radiação ao longo da semente", afirma a pesqui-
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90% (dependendo da extensão da cirurgia e fatores como diabetes e aterosclerose) dos pacientes submetidos à cirurgia apresentam problemas relacionados à impotência sexual, apenas cerca de 30% dos homens que fazem braquiterapia sofrem desse distúrbio. Outro uso das sementes radioativas de iodo-125 é no tratamento de câncer oftalmológico. São usadas, desde 1997, no Brasil, no tratamento de tumores oculares malignos e benignos com índice de cura de até 95%, sendo que em 70% dos casos a visão é preservada. No tratamento convencional, o glóbu10 ocular é retirado.
No Ipen, câmara hermética revestida de chumbo para manipulação e controle de qualidade de material radioativo
sadara. O dinheiro também será empregado na construção do Laboratório de Produção de Fontes para Radioterapia, que terá câmaras herméticas de aço inoxidável equipadas com luvas de chumbo para manuseio das sementes. As cápsulas desenvolvidas no Ipen têm algumas diferenças em relação às sementes fabricadas no exterior pela Amersham, as mais utilizadas no Brasil. "Usamos outras reações químicas para depositar o iodo radioativo no fio de prata", diz Elisa. Além disso, o processo de soldagem da cápsula é feito com . microplasma - um processo que utiliza arcos elétricos, eletrodos especiais e fluxos de gás inerte entre a solda e o objeto a soldar - ao contrário das sementes de nossos concorrentes, que são seladas a laser", explica. "Graças a essas diferenças, temos um novo produto e não precisaremos pagar royalties para nenhuma empresa estrangeira e ainda teremos uma patente." Menos invasivo - A braquiterapia de próstata tem conquistado cada vez mais a confiança dos médicos por se tratar de uma técnica com alto índice de cura e bem menos invasiva do que uma cirurgia de retirada da próstata, embora necessite de anestesia local e sedação. Sem falar que a recuperação
do paciente é mais rápida, já que ele só precisa ficar internado por um dia e meio e pode retomar às suas atividades normais em 48 horas. A prostatectomia radical (retirada total da próstata), por sua vez, exige cinco dias de hospitalização e de semanas a meses de recuperação, enquanto a radioterapia externa tradicional consome um tempo de tratamento ambulatorial próximo a sete semanas. A grande vantagem da terapia com as sementes de iodo-125 é que seus efeitos colaterais são muito mais brandos quando comparados à prostatectomia radical. Enquanto, entre 60% e
o PROJETO Desenvolvimento da Técnica de Produção de Sementes de Iodo-125 para uso em Braquiterapia MODALIDADE Linha regular de auxílio a projeto de pesquisa COORDENADORA CONSTÂNCIA DA SILVA
PAGANO GONÇALVES
- Ipen
INVESTIMENTO
RS$ 474.083,14 e US$ 169.623,25
Fios de irídio - O Ipen produz uma série de radioterápicos e radiofármacos e alguns deles, como as sementes de iodo-125, também foram desenvolvidos nos laboratórios do instituto. Os pesquisadores desenvolveram, por exemplo, fios de irídio-l92 para tratamento de alguns tipos de câncer (pescoço, mama e tecidos moles). O instituto compra da empresa francesa Cis-Bio International fios de irídio inativos e faz a irradiação no seu próprio reator, produzindo o irídio-192. Graças a um dispositivo projetado pelos pesquisadores do laboratório do Centro de Tecnologias das Radiações, os fios são irradiados de forma uniforme em toda sua extensão. No final do processo, a radioatividade precisa ser a mesma em cada ponto do fio, com uma variação, para mais ou para menos, de até 5%. Ao contrário das cápsulas de iodo125, o implante de fios de irídio não é permanente. O paciente fica internado no hospital, em quarto especial, por três a quatro dias. Depois os fios são retirados e ele recebe alta hospitalar. Esse produto é comercializado desde 1997 pelo Ipen e entre seus clientes estão os hospitais Albert Einstein e SírioLibanês, em São Paulo, e o Instituto Radium, de Campinas. O fio, com 50 cm de comprimento, custa cerca de R$ 1.100. "Vendemos em torno de 18 fios por ano. O número ainda é limitado porque poucos hospitais usam esta tecnologia", explica Elisa, que também esteve à frente do desenvolvimento desse produto. Com o uso das sementes produzidas no Ipen, essa situação pode ser revertida e a distribuição desses materiais, ampliada. • PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 71
ITECNOLOGIA
ENTREVISTA
JOHN VANDER
SANDE
Entre dois mundos Diretor de empresa de base tecnológica e professor do MIT veio ao Brasil expor suas idéias sobre empreendedorismo
C
om um pé num dos orgulhos da ciência norte-americana, o Massachusetts Institute of Technology (MIT), e outro numa empresa de ponta na área de supercondutores, a American Superconductor, da qual foi um dos fundadores em 1987 e ainda hoje é diretor, Iohn Vander Sande é um apóstolo do ernpreendedorismo no meio acadêmico. Sobretudo do empreendedorismo à Ia MIT, é preciso dizer. No final da década passada, Sande participou diretamente do acordo firmado por sua instituição de ensino com universidades de Cingapura, cujo. objetivo, de forma simplificada, era incutir nos acadêmicos orientais o espírito inovador do MIT e sua capacidade de ver negócios promissores onde a maioria dos cientistas enxerga apenas uma instigante linha de pesquisas. Como o próprio Sande admite, ainda é cedo para avaliar se o acordo com o Tigre Asiático produziu ou vai produzir os efeitos esperados. Isso, no entanto, nem de longe desanimou o governo e a indústria da Inglaterra, que, preocupados com a falta de dinamismo empresarial no sistema de ensino britânico, resolveram celebrar uma aliança entre uma de suas mais renomadas universidades, a de Cambridge, e a instituição de Massachusetts. Em julho de 2000, nascia o Instituto Cambridge MIT, com um orçamento quinqüenal de US$ 135 mi72 • SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
lhões - com dinheiro inglês, of course e dirigido por Sande. Munido desse vitorioso currículo, tanto do ponto de vista acadêmico como empresarial, Sande esteve em julho no Rio de Janeiro, onde falou para uma platéia de 60 pessoas que participaram do Workshop PUC-Rio/MIT, evento realizado pelo núcleo de Estudos e Pesquisa do Instituto Gênesis, a incubadora de empresas da Pontifícia Universidade Católica fluminense. Foi sua segunda viagem ao BrasiL' Ele tratou de sua experiência no MIT e na American Superconductor - que acaba de dar lucro pela primeira vez depois de 15 anos de investimentos no desenvolvimento de fios e cabos supercondutores - e discutiu a questão de como se deve fomentar a transferência de tecnologia dos institutos e universidades brasileiras para o mercado. "Ao montar uma empresa, o pesquisador tem de correr riscos e não pode ter medo do fracasso", afirma Sande. "Também tem de saber que alguns de seus colegas de universidade nunca mais vão olhá-lo da mesma forma depois que ele tiver aberto uma empresa." Em entrevista ao repórter Marcos Pivetta, esse professor há mais de três décadas do MIT fala de sua vida de acadêmico-empreendedor e sobre como o Brasil pode fomentar empresas de base tecnológica a partir de suas universidades.
• Como surgiu a idéia de fundar uma empresa na segunda metade da década de 80 para produzir fios supercondutores, a American Superconductor? - Minha especialização é em ciência de materiais. Sou muito interessado em disposições atômicas e em seus efeitos em sólidos. Em 1986, percebi uma "revolução" na supercondutividade: a descoberta de compostos de óxido de cobre que se portavam como uma nova classe de supercondutores em temperaturas muito mais elevadas do que a dos antigos supercondutores (supercondutores são materiais que, abaixo de uma dada temperatura, conseguem transmitir corrente elétrica com zero de resistência, ou seja, sem perder parte da energia produzida na forma de calor). Foi um tempo excitante e de evolução muito rápida na área de supercondutividade. A necessidade por informação na área era tão grande que os pesquisadores não esperavam pela publicação normal dos trabalhos (em revistas científicas). Aconteciam conferências e, no dia seguinte, aparecia a notícia na imprensa sobre um composto que parecia ser melhor do que os demais. Não se podia esperar para inscrever a bolsa (com pedido de verbas para pesquisa) pelo processo tradicional. Dessa forma, levaria meses ou anos para conseguir algum dinheiro. Precisávamos ter dinheiro na mão para fazer pesquisa em 24 horas. Caso contrário, você ficava preocupado porque
seus colegasiriam deixá-lo para trás nas pesquisas. Nessa época, eu e um colega do MIT (Gregory Yurek) redirecionamos parte de nossos fundos de pesquisa para essa nova classe de supercondutores e começamos a perseguir a idéia de fazer fios com essesnovos materiais. Tivemos então um projeto aprovado pelo Departamento de Energia e, nas semanas ou meses seguintes, conseguimos uma pequena proposta do fundo de auxílio à pesquisa no MIT para ciência e engenharia de materiais, que veio da National Science Foundation (NSF). • Quanto foi investido inicialmente na fundação da American Superconductor? - Provavelmente uns US$ 30 mil do Departamento de Energia e da NSF. O ponto importante aqui, é claro, foi o momento do investimento .
a
• Nessa época, o MIT tinha uma política clara para ajudar, ou pelo menos não atrapalhar, esseprocesso de um professor poder abandonar a universidade para criar uma empresa? - É uma pergunta muito boa. O MIT não tinha uma política pró-ativa, mas, ao mesmo tempo, é muito importante dizer que sua atmosfera não atrapalhava esse tipo de coisa. Nosso contrato com o Departamento de Energia não tinha que ir para outros escritórios no MIT. Bastava um telefonema para o encarregado dos contratos dizendo "isso é uma boa idéia, vocês não estão interessados nela?" Havia muito pouca burocracia. Nós ouvíamos uma resposta positiva em, provavelmente, uma semana. Essa é a coisa mais importante que posso dizer: embora não houvesse política organizada no curto prazo, a cultura empreendedora e o fato de o corpo docente e o departamento de pesquisa do MIT não se sentirem inibidos por normas foram muito importantes. • Que noções de empreendedorismo o MIT está tentando passar em Cingapura e na Universidade de Cambridge? - São dois exemplos bem diferentes. Cingapura é uma pequena nação insular, que passou, literalmente da noite para o dia, de uma renda per capita incrivelmente pequena, há 20 ou 25 anos, para uma das mais altas do mundo. Como eles fizePESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 73
ram isso? Trazendo um monte de empresas internacionais para sua ilha, essencialmente com o propósito de fabricar ali. O único recurso natural que Cingapura tinha era uma população educada. Não era, em termos de recursos naturais, como o Brasil. Numa visita que eu e uns colegas fizemos a Cingapura, ficou claro que eles precisavam fazer um trabalho muito mais agressivo em termos de programas de mestra do. Notei também que os programas de doutorado deles não estavam nem perto de uma qualidade de classe mundial, nem estavam atraindo o número certo de pessoas. Para satisfazer a necessidade de atrair novas empresas para seu país e manter as que já estão por lá, Cingapura percebeu que tinha de ter mais estudantes fazendo mestrado. Então, para tornar curta uma história que é longa, posso dizer que eles contrataram o MIT para avaliar seus programas educacionais. Isso foi fácil, porque eles só têm duas universidades, com um sistema educacional de orientação britâni-' ca, onde ensinam o inglês como a primeira língua estrangeira. E é aí que o MIT entrou para começar a mudar. Primeiro com um sistema integrado de pesquisa e educação. Queríamos que eles fizessem mais cursos de ensino, mas também mais pesquisa. E também estabelecer um programa de ensino que podia ser baseado no programa americano de doutorado.
• Quantas empresas nas universidades de Cingapura surgiram dessa cooperação? - Acho que, tanto em Cingapura como em Cambridge, é cedo demais para dizer algo nesse sentido. Mas acho que os alicerces estão sendo colocados no lugar devido. A recompensa em ambos os programas ainda está alguns anos 74 . SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
distante, simplesmente porque a aliança Cingapura-MIT formalmente começou em 1999, é muito recente. E o Instituto Cambridge-MIT só teve início em julho de 2000.
• Como surgiu a parceria com a tradicional Universidade de Cambridge? - Parte das razões para o MIT entrar em grandes parcerias desse tipo é que percebeu que não estava mais crescendo internamente. Vimos que tínhamos de buscar uma resposta para a questão sobre se o MIT deveria pensar em se internacionalizar ou não. E o melhor modo de responder a isso foi fazer alguns experimentos. Então, sob vários ângulos, Cambridge e Cingapura são experimentos para nós. Pensamos: existe algo de va10r que podemos exportar? E podemos fazer isso de modo que não prejudique o que executamos em Massachusetts? O que fizemos em Cingapura foi fincar um mastro no chão e dizer: "Se vocês querem uma educação ao modo MIT, venham para Cingapura" Provavelmente não faremos um campus similar na Coréia do Sul, no Japão, em Taiwan, em quatro lugares da China. Não podemos fazer isso. Uma vez feito o acordo com Cingapura, esperava que as próximas parcerias ocorressem nas Américas Central e do Sul, em países como Brasil, México, Venezuela, Chile e Argentina. São países que devem estar pensando sobre como podem maximizar o retorno de seu investimento em pesquisas. Agora, respondendo à sua pergunta, fiquei chocado quando tivemos a oportunidade de nos envolver com uma nação européia.
mos isso há muito mais tempo do que vocês do MIT, por que precisamos de vocês?" Acontece que o ministro da Fazenda da Inglaterra estava muito preocupado com a competitividade, a produtividade e a cultura empresarial inglesas. Obviamente, é um povo muito esperto, com um tremendo histórico em termos de educação e achados de pesquisa de classe mundial. A Universidade de Cambridge é extremamente forte do ponto de vista científico. Acontece que injetar a cultura do MIT, injetar um espírito criativo, inovador e empresarial, mesmo em lugares como Cambridge, pode ter benefícios incríveis. A condição necessária é que você tenha boas idéias, mas só isso não leva necessariamente a empresas iniciantes e efeitos dinâmicos na economia. Acho que tanto Cingapura como Cambridge, em menor extensão, sofrem de aversão ao risco e uma relativa intolerância com o fracasso. Isso é fortíssimo na Ásia. Correr risco, com a possibilidade de fracassar, é muito frustrante para eles. Vai levar um longo tempo para esse componente cultural ser erradicado. E mesmo na Inglaterra, há um desconforto com o risco e uma preocupação real quanto a como se lida com o fracasso. • O empreeendedor tem de encarar ofra-
casso com naturalidade? - Não estou dizendo que nenhum de nós goste de fracassar. Todos nós somos algo avessos ao risco. Mas há mais desembaraço em correr riscos num lugar como o MIT do que em outros lugares onde tive alguma experiência. Você precisa ter uma habilidade, um desejo de correr algum nível de risco porque nem toda idéia vai funcionar. Ou, mesmo se funcionar, pode funcionar por um tempo, mas transformá-Ia em um negócio é completamente diferente. Muitas dessas boas idéias estão vindo de pesquisadores que são muito acadêmicos, voltados para suas pesquisas e ensino. Quem vai lhes dar uma mão? Há escritórios disponíveis dentro de sua comunidade acadêmica para assisti-los e tornar mais fácil a tarefa de levar suas idéias ao mercado? Essa é uma área em que, com certeza, Cambridge é muito mais fraca do que o MIT. Por meio do Instituto Cambridge-MIT, estamos corrigindo isso.
• Por quê? - Esperava que muitos lugares da Europa fossem dizer algo do gênero: "Nós somos extraordinariamente bons, faze-
• O senhor está familiarizado com a nos-
sa chamada "lei de inovação'; que propõe a criação de um novo regime de trabalho
para pesquisadores interessados em sair da universidade por um tempo para criar uma empresa? - Obviamente, não sou um especialista nela, mas acho que esse tipo de iniciativa pode ajudar muito. Promovendo essa flexibilidade dentro da universidade, os pesquisadores terão de se perguntar se é certo participar de uma empresa. Muitos dos que eu chamaria de acadêmicos clássicos, tão logo você pense em negócios e fazer dinheiro, vão achar que você foi "tentado" enquanto acadêmico . • O pesquisador, então, tem de estar preparado para encarar essa nova situação, se decidir criar uma empresa? - Sim. Não é saudável para quem está fazendo isso sentir que alguns de seus colegas o estão olhando com desprezo. E não é saudável para o colega que sente que essa pessoa não está fazendo a coisa certa não ter tido a chance de discutir essa questão abertamente. Na minha opinião é uma mudança para melhor, mas necessita de discussão aberta. Meu sentimento é que o Brasil é um país com uma influência européia em suas universidades. O currículo que um estudante de graduação ou de pós-graduação visa essencialmente é perscrutar cada vez mais fundo dentro de sua disciplina ou sua subdisciplina. As oportunidades para expandir, pensar em aspectos econômicos, políticos, legislativos, de tecnologia (como oposição à ciência profunda) do que se está fazendo são limitadas pelo fato de que o currículo em muitas disciplinas é extremamente estreito. Também me pergunto por que o Brasil não está fazendo mais como Cingapura. Por que . vocês não estão trazendo mais empresas, mais pesquisa e desenvolvimento?
• Algumas pessoas de fora do meio acadêmico acham que os pesquisadores, às vezes, não estão sintonizados com a vida real, que alguns não lêem jornais nem conhecem o mercado potencial dos produtos tecnológicos que inventam. O que o senhor acha dessa visão? - O que você acabou de descrever é, até certo ponto, o jeito que o MIT era 25 ou 30 anos atrás. Quero dizer que nós não começamos em 1861 (fundação do MIT) com essa atitude empreendedora que mencionei acima. Essa postura se desenvolveu principalmente nos últimos 30 anos. Ainda há no resto do mundo, e mesmo um pouco em algumas partes do
MIT, a situação que você descreveu. É algo que chamo de "mentalidade da torre de marfim': É uma mentalidade do tipo: "Quero fazer minha matemática, minha física, minha química. Não me incomodem com o mundo real': Isso tem de mudar.
• Como podemos atrair capital privado para a pesquisa tecnológica?Estou falando de capital brasileiro e, claro, estrangeiro e capital de risco. - Não apenas de risco. Uma das dificuldades que vejo neste país, em geral, é que vocês têm muitas oportunidades, mas não há disciplina suficiente.
nha visão é, vamos dizer, "uma visão tonal'; vejo o Brasil por meio da PUe. Se eu olhar para a incubadora da PUC, vejo gente muito boa, com idéias muito boas, numa incubadora muito boa. Mas é diferente do MIT no seguinte: não é claro para mim por que esses grupos de pessoas foram para essa incubadora. Não é a história da American Superconductor. Essa empresa começou mesmo numa base científica, com patentes que realmente acompanhavam aspectos profundos de engenharia e de ciência, e se preocupou em usar isso para fazer um produto que eventualmente iria para o mercado. É só uma suspeita. Pode não ser bem fundamentada.
• Que tipo de oportunidades o senhor vê? - Particularmente com essa nova lei de inovação, muito dinheiro vai estar à mão para servir de combustível para se mover mais rápido dentro do século 21 e assegurar que o Brasil faça o papel que deveria no mundo. Mas vai ser difícil fazer isso se vocês não começarem a apostar num modo bem diferente do que é feito agora. Vocês podem ter de mudar para um sistema - não sei, é fácil falar, e provavelmente muito difícil de implementar - em que usem mérito e qualidade de modo mais decisivo e definitivo do que agora.
• No Brasil, temos um grande número de negócios que estão sendo incubados. O senhor acha que essetipo de abordagem funciona de verdade, em termos de criação de novas empresas de base tecnológíca? - Sim, acho. Acho que é o modo como muitos negócios têm começado. Sei que existem incubadoras na PUC, na Universidade de Campinas e algumas outras. No Rio, com certeza, há algumas muito boas. Mas não sou grande conhecedor do sistema universitário do Brasil. Mi-
• Qual o papel do financiamento público e privado no fomento de novas empresas de base tecnológica? - Acho que muito dessa função é privada. No entanto, o financiamento público também tem seu papel. Ao governo, cabe essencialmente receber pequenas propostas, do tipo em que você escreve para uma agência e diz: tenho tal idéia, mas preciso de um pouco mais de pesquisa antes de pensar em transformá-Ia num produto. Por favor, me dêem US$ 100 mil para ir atrás disso. Esse auxílio pode ser requerido por empresas privadas, desde que as pesquisas sejam para reforçar um pequeno negócio.
• No Brasil, faltam vagas para pesquisadores nas universidades. O que se deve fazer para as empresas privadas contratarem mais cientistas e montar departamentos de pesquisa? - Se a atitude das empresas no país não mudar, vocês estarão produzindo muitos PhDs, desempregados. É um risco, mas é um bom risco! Algum grupo de pessoas precisa pôr isso em questão. • PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 75
para pesquisadores interessados em sair da universidade por um tempo para criar uma empresa? - Obviamente, não sou um especialista nela, mas acho que esse tipo de iniciativa pode ajudar muito. Promovendo essa flexibilidade dentro da universidade, os pesquisadores terão de se perguntar se é certo participar de uma empresa. Muitos dos que eu chamaria de acadêmicos clássicos, tão logo você pense em negócios e fazer dinheiro, vão achar que você foi "tentado" enquanto acadêmico . • O pesquisador, então, tem de estar preparado para encarar essa nova situação, se decidir criar uma empresa? - Sim. Não é saudável para quem está fazendo isso sentir que alguns de seus colegas o estão olhando com desprezo. E não é saudável para o colega que sente que essa pessoa não está fazendo a coisa certa não ter tido a chance de discutir essa questão abertamente. Na minha opinião é uma mudança para melhor, mas necessita de discussão aberta. Meu sentimento é que o Brasil é um país com uma influência européia em suas universidades. O currículo que um estudante de graduação ou de pós-graduação visa essencialmente é perscrutar cada vez mais fundo dentro de sua disciplina ou sua subdisciplina. As oportunidades para expandir, pensar em aspectos econômicos, políticos, legislativos, de tecnologia (como oposição à ciência profunda) do que se está fazendo são limitadas pelo fato de que o currículo em muitas disciplinas é extremamente estreito. Também me pergunto por que o Brasil não está fazendo mais como Cingapura. Por que vocês não estão trazendo mais empresas, mais pesquisa e desenvolvimento?
• Algumas pessoas de fora do meio acadêmico acham que os pesquisadores, às vezes, não estão sintonizados com a vida real, que alguns não lêem jornais nem conhecem o mercado potencial dos produtos tecnológicos que inventam. O que o senhor acha dessa visão? - O que você acabou de descrever é, até certo ponto, o jeito que o MIT era 25 ou 30 anos atrás. Quero dizer que nós não começamos em 1861 (fundação do MIT) com essa atitude empreendedora que mencionei acima. Essa postura se desenvolveu principalmente nos últimos 30 anos.Ainda há no resto do mundo, e mesmo um pouco em algumas partes do
MIT, a situação que você descreveu. É algo que chamo de "mentalidade da torre de marfim". É uma mentalidade do tipo: "Quero fazer minha matemática, minha física, minha química. Não me incomodem com o mundo real': Isso tem de mudar.
• Como podemos atrair capital privado para a pesquisa tecnológica?Estou falando de capital brasileiro e, claro, estrangeiro e capital de risco. - Não apenas de risco. Uma das dificuldades que vejo neste país, em geral, é que vocês têm muitas oportunidades, mas não há disciplina suficiente.
• Que tipo de oportunidades o senhor vê? - Particularmente com essa nova lei de inovação, muito dinheiro vai 'estar à mão para servir de combustível para se mover mais rápido dentro do século 21 e assegurar que o Brasil faça o papel que deveria no mundo. Mas vai ser difícil fazer isso se vocês não começarem a apostar num modo bem diferente do que é feito agora. Vocês podem ter de mudar para um sistema - não sei, é fácil falar, e provavelmente muito difícil de implementar - em que usem mérito e qualidade de modo mais decisivo e definitivo do que agora. • No Brasil, temos um grande número de negócios que estão sendo incubados. O se-
nhor acha que essetipo de abordagem funciona de verdade, em termos de criação de novas empresas de base tecnológica? - Sim, acho. Acho que é o modo como muitos negócios têm começado. Sei que existem incubadoras na PUC, na Universidade de Campinas e algumas outras. No Rio, com certeza, há algumas muito boas. Mas não sou grande conhecedor do sistema universitário do Brasil. Mi-
nha visão é, vamos dizer, "uma visão tonal': vejo o Brasil por meio da PUe. Se eu olhar para a incubadora da PUC, vejo gente muito boa, com idéias muito boas, numa incubadora muito boa. Mas é diferente do MIT no seguinte: não é claro para mim por que esses grupos de pessoas foram para essa incubadora. Não é a história da American Superconductor. Essa empresa começou mesmo numa base científica, com patentes que realmente acompanhavam aspectos profundos de engenharia e de ciência, e se preocupou em usar isso para fazer um produto que eventualmente iria para o mercado. É só uma suspeita. Pode não ser bem fundamentada.
• Qual o papel do financiamento público e privado no fomento de novas empresas de base tecnológica? - Acho que muito dessa função é privada. No entanto, o financiamento público também tem seu papel. Ao governo, cabe essencialmente receber pequenas propostas, do tipo em que você escreve para uma agência e diz: tenho tal idéia, mas preciso de um pouco mais de pesquisa antes de pensar em transformá-Ia num produto. Por favor, me dêem US$ 100 mil para ir atrás disso. Esse auxílio pode ser requerido por empresas privadas, desde que as pesquisas sejam para reforçar um pequeno negócio. • No Brasil, faltam vagas para pesquisadores nas universidades. O que se deve
fazer para as empresas privadas contratarem mais cientistas e montar departamentos de pesquisa? - Se a atitude das empresas no país não mudar, vocês estarão produzindo muitos PhDs, desempregados. É um risco, mas é um bom risco! Algum grupo de pessoas precisa pôr isso em questão. • PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 75
ma avançada técnica de tratamento de superfícies metálicas está sendo desenvolvida por uma equipe de pesquisadores do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em parceria com a empresa Eaton, da cidade de Valinhos. O foco da pesquisa é tornar mais resistentes os componentes da transmissão de veículos automotores, popularmente conhecida como caixa de câmbio. O processo, chamado de nitretação a plasma em forno a vácuo, é experimentado pela primeira vez no mundo nesse tipo de componente e vai permitir que a superfície das peças fique mais dura, menos sujeita à corrosão e ao efeito do atrito, proporcionando ganhos de rendimento e durabilidade. A implantação do processo é financiada pela FAPESP por meio do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE). No vaIor de quase R$ 2 milhões, o projeto tem a participação em 56% da divisão brasileira da empresa Eaton Corporation, líder mundial na fabricação de caixas de transmissões. Parte dos recursos foram utilizados para a construção do Laboratório de Implantação Iônica e Tratamento de Superfícies (Liits), inaugurado em agosto, na Unicamp. Toda a aparelhagem forno com câmara a vácuo, painel de controle de temperatura, fonte de tensão para geração do plasma e estoque de gases - foi projetada pelos pesquisadores e construídos no país. O laboratório é uma planta de pesquisa e desenvolvimento com alto nível de sofisticação e conta com avançadas técnicas de análise e caracterização. A novidade das pesquisas do grupo da Unicamp, coordenadas pelos físicos Daniel Wisnivesky e Fernando Alvarez, baseia-se na utilização dos fornos de plasma para a nitretação de metais, um avanço em relação ao processo termoquímico utilizado pela indústria metaImecânica para alterar propriedades de dureza superficial, corrosão e resistência térmica do material. Os métodos convencionais mais empregados no Brasil, recorrem a banhos de sal ou ni- -, tretação gasosa.
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Corpos de prova: testes comprovam que as peças ficam mais resistentes PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 77
Nitretar um metal significa incorporar íons de nitrogênio em sua superfície. Esses íons posteriormente são difundidos termicamente no metal, penetrando cerca de 0,5 milímetro no interior da peça, formando nitretos, elemento que confere maior dureza à superfície. No processo por plasma - um gás ionizado contendo elétrons, íons e átomos neutros - as peças de metal são colocadas dentro de um forno a vácuo para receber o tratamento, com pressão entre 1 a 10 milibares, equivalente a mil ou cem vezes menor que a pressão no nível do mar.
Menos quente - "A nitretação com plasma apresenta uma série de vantagens sobre as tecnologias tradicionais", diz Wisnivesky. "A principal delas é a que gera uma deformação mínima nas peças, graças à menor temperatura requerida no processo, de cerca de 5000 Celsius, e pelo fato de ele ser realizado num forno a vácuo", explica. Nos processos tradicionais, a peça é submetida a Equipamentos para análise e caracterização temperaturas superiores a 900 C, o que leva a deformações. Isso exige fratários e, mais recentemente, em suque, depois do tratamento da superfíperfícies de alumínio. cie, ela sofra uma reusinagem, encareUma das vantagens da nitretação cendo o processo e tornando-o mais demorado. iônica é o controle do processo, via A nova tecnologia também é mais computador, que permite o tratamento econômica, porque consome menos da superfície, de forma controlada e energia. Gera, ainda, ganhos ambienuniforme, em toda a peça. Por esse motivo, também é possível reproduzir a tais ao utilizar métodos limpos e não operação várias vezes, em diferentes contaminantes. "Usamos baixa quantidade de gases não tóxicos (nitrogênio e . componentes, com o mesmo nível de eficiência. "Dependendo do material, hidrogênio), enquanto os processos convencionais utilizam sais e gases tóxicos", diz Alvarez. Além disso, enquanPROJETO to a nitretação gasosa produz na superfície do metal uma camada composta Aplicações Industriais de Métodos de características quebradiças, denomide Nitretação com Fornos nada "camada branca", a nitretação de Plasma e Implantação Iônica para Tratamentos de Aço Usados com plasma gera uma cobertura densa, em Sistemas de Transmissão não porosa e muito dura. Automotiva Além de sua aplicação em peças e componentes da indústria automotiva, MODALIDADE Parceria para Inovação Tecnológica como válvulas, engrenagens e pistões, a (PITE) nitretação com plasma pode ser empregada em forjarias, siderúrgicas e indúsCOORDENADOR trias mecânicas e hidráulicas para o traDANIEL WISNIVESKY - Unicamp tamento de ferramentas e usinagem de INVESTIMENTO metais, moldes de injeção de plásticos, R$ 1.133.000,00 e US$ 40.000,00 próteses e moldes de alumínio. Atual(Eaton) e R$ 488.300,00 e US$ mente, ela é usada no tratamento de 155.120JO (FAPESPl aços. carbono, metais ferrosos, ligas, re0
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ao final do tratamento, a peça ganha uma resistência até quatro vezes maior", diz Alvarez. Para a Eaton, a parceria com a Unicamp é altamente vantajosa. "Eles têm um know-how na área de nitretação por plasma e estão capacitados para caracterizar a estrutura do material após o processo", afirma o engenheiro de materiais Antônio Carlos Zambon, gerente do setor de tratamento térmico da fábrica da Eaton. Segundo ele, se o processo comprovar ser eficiente na parte técnica e viável na econômica, a empresa estudará a implantação de uma planta industrial para fazer a nitretação por plasma. A Eaton fornece suas caixas de transmissão para as principais montadoras instaladas no país e faturou, no ano passado, US$ 200 milhões no Brasil. No mundo, as receitas da empresa chegaram a US$ 7,3 bilhões.
Técnica em alta - A nitretação com plasma é uma tecnologia relativamente recente, empregada em escala industrial há pouco mais de 15 anos. "No Brasil, essa técnica é pouco conhecida. Só existem duas ou três indústrias que a utilizam, mesmo assim com equipamentos importados'; diz o físico Wisnivesky. "No mundo inteiro, estimamos que existam cerca de 3 mil instalações industriais que utilizam o processo. Alemanha, França, Japão, Estados Unidos e Canadá são os países mais avançados nessa área", afirma Alvarez. No final dos anos 90, elas não passavam de 1.500 empresas, o que dá a medida da evolução do uso da tecnologia. Outro dado que mostra a importância do tratamento de superfícies por plasma é o aumento, nos últimos anos, do número de trabalhos de pesquisa científica e de desenvolvimento sobre o assunto. Entre 1995 e 1999, foram publicados, em periódicos internacionais, 160 trabalhos a respeito da nitretação por plasma. Só na França, por exemplo, esses estudos correspondem a 21% do total de trabalhos na área de tratamento de superfície. A equipe da Unicamp já publicou dois trabalhos em periódicos internacionais sobre o assunto e apresentou outros dois em congressos internacionais. Com o novo laboratório, esses números e a colaboração com outras indústrias devem crescer. •
ITECNOLOGIA
ALIMENTOS
Nutrição como defesa Empresa cearense desenvolve produtos baseados na relação entre nutrientes e imunologia
nquanto a maioria das microempresas dificilmente ultrapassa a barreira dos três anos de existência, a empresa de biotecnologia cearense Nuteral está prestes a completar dez anos. Nesse período, não só expandiu seu espaço físico, de 50 para 2.400 metros quadrados, como também sua linha de produtos e até arranjou um parceiro europeu. A empresa é fruto da trajetória acadêmica de Augusto Guimarães. Professor do Departamento de Nutrição da Universidade Estadual do Ceará (Uece), ele passou um período na Universidade São Paulo (USP), no início da década de 90, onde defendeu tese de doutorado, que trata da relação entre alguns tipos de gordura da dieta no caso, os ácidos graxos - e a resposta imunológica do organismo. A necessidade de continuar a trabalhar sobre o tema da tese levou-o a criar a Nuteral, no final de 1992, para desenvolver uma dieta para nutrição enteral (por meio de sonda). Hoje a empresa trabalha com 36 produtos, destinados à nutrição hospitalar e infantil e alimentos funcionais, que além de nutrir têm componentes que podem prevenir e controlar doenças. No ano passado, faturou R$ 6,4 milhões e este ano espera chegar a R$ 17 milhões. Para atingir essa meta, aposta no Reabilit, um alimento em pó para ser administrado depois que o paciente recebe alta hospitalar. "Para chegar ao produto, em quatro versões, uma para cada tipo de do-
E
ença, foram seis anos de pesquisa com capital próprio", conta Guimarães. A parceria com a holandesa DMV International é descrita por Guimarães como "uma feliz coincidência': "Descobrimos a empresa quando buscávamos matéria-prima para nossos produtos", relata. O professor foi à Holanda procurar a empresa. Saiu de lá como distribuidor exclusivo no Brasil para o segmento de ingredientes nutricionais. Concorrência multinacional - A Nuteral tem três patentes registradas. Uma refere-se ao desenvolvimento de peptídeos (pedaços de proteínas) biologicamente ativos com finalidades nutricionais, que resultaram em dois produtos, Maxiglutam e Glutimune, destinados ao fortalecimento da resposta imunológica. Outra de conceito, ou seja, referente à aplicação do produto destinado à nutrição enteral ou oral exclusivamente após a alta hospitalar, com o Reabilit. A terceira é de processo industrial, com
o Cal-Carb, suplemento nutricional de cálcio. Com essas patentes e a tecnologia desenvolvida em Fortaleza, a empresa enfrenta, como concorrentes, grandes laboratórios multinacionais, como o norte-americano Abbott, os suíços Novartis e Nestlé, o alemão Fresenius e o holandês Support. Guimarães, que divide seu tempo entre a empresa e a universidade, também integra o grupo que pesquisa o papel regulador dos ácidos graxos em várias funções do organismo, coordenado pelo professor Rui Curi, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, seu orientado r da tese de doutorado. ''Apesar de a ênfase ser em pesquisa básica, os resultados científicos alcançados têm sido importantes para subsidiar o desenvolvimento de novas fórmulas nutricionais", relata Guimarães. Foram resultados semelhantes que serviram de estímulo à criação da Nuteral, um divisor de águas na trajetória profissional do professor. •
Alimento para dieta cntcra\
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PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 79
ITECNOLOGIA
INSTRUMENTAÇÃO
ASTRONÔMICA
Visão do espaço Pesquisadores do Inpe constroem telescópio para captar raios X e gama do cosmo
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erá que vai dar tudo certo? Essa pergunta atormenta o pesquisador Thyrso Villela Neto há pelo menos dois anos, quando a equipe coordenada por ele terminou de construir o telescópio Masco. O nome é uma referência à técnica de máscara codificada, utilizada para obter imagens em raios X e gama. Depois de oito anos de intenso trabalho, que envolveu uma série de percalços e aprendizados, o Masco está guardado no Laboratório de Integração e Testes (LIT) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos, esperando as condições climáticas ideais e fazendo os últimos testes para ser enviado à estratosfera, numa altitude de 40 quilômetros. Para chegar até lá e cumprir sua missão - observar o centro
S
da galáxia -, ele viajará sempre preso a um balão que tem 150 metros de diâmetro, 20 metros a mais que o comprimento máximo de um campo de futebol oficial. A satisfação do grupo do Inpe ao olhar para o instrumento pronto é enorme. Mas talvez sejam maiores ainda a apreensão e as dúvidas sobre o que poderá acontecer com o telescópio na próxima etapa do projeto. Há dois momentos cruciais: o lançamento e a volta. Os riscos envolvidos em cada um deles não são nada desprezíveis. E as incertezas se transformam em agonia. Será que ele vai subir? Os testes de temperatura e pressão foram suficientes? O telescópio vai conseguir apontar para os objetos celestes e registrar suas imagens com precisão? E o retorno, como será? Se tudo der certo no lançamento, o telescópio brasileiro, com 7 metros de altura e pesando 2 toneladas, levará duas horas até chegar à estratosfera terrestre. Depois disso, voará durante cerca de 15 horas preso ao enorme balão, comprado nos Estados Unidos, que será inflado com hidrogênio. Lá em cima, a velocidade poderá atingir 100 km/h, Na volta à Terra, serão usados pára-quedas. Para determinar um local seguro de aterrissagem, a equipe vai acompanhar, de avião, o balão - a baixa altitude.
tentada por uma estrutura de isopor e fibra de carbono. Os orifícios nela existentes são feitos com base em cálculos matemáticos para evitar a formação de imagens nebulosas. Os raios X e gama incidem na máscara para depois serem transformados em imagens no detecto r de iodeto de sódio dopado (enriquecido) com tálio NaI(TI). Aí será possível descobrir de onde veio a informação e qual o objeto que a emitiu. Emissão de energia - O pesquisador lembra que a tecnologia do Masco se parece com instrumentos mais antigos, como o norte-americano GRIP (Gamma Ray Imaging Payload ou Experimento Imageador de Raios Gama) que, no início da década de 90, fez várias imagens do centro galáctico e da supemova (possível estágio final de uma estrela) SN1987A. É por isso que, garante ele, o potencial científico do instrumento brasileiro é bastante bom. As imagens produzidas ajudarão a compreender melhor como se dá a emissão de energia no universo e a maneira como funcionam estrelas, quasares, pulsares, núcleos ativos de galáxias, restos de supernovas e até mesmo os possíveis buracos negros. A necessidade de enviar um telescópio em um balão é porque a observação de raios X e gama provenientes de fontes astrofísicas não pode ser feita do solo. A atmosfera absorve praticamente toda a radiação vinda do espaço nessas formas de energia. Daí o desafio de idealizar um instrumento que pudesse, preso a um balão e apontando automaticamente para um determinado ponto no espaço, ir a grandes altitudes para captar, de maneira mais precisa, as informações sobre as fontes cósmicas. O lançamento do Masco, que deveria acontecer em outubro, ainda não tem nova data definida. Provavelmente, deverá acontecer em fevereiro. O problema são as mudanças climáticas provocadas pelo fenômeno EI Nino, com suas reviravoltas no tempo, que traz incertezas ao grupo. O certo é que a operação utilizará como base o campo de pouso de Nova Ponte, cidade localizada na região do Triângulo Mineiro, a 186 quilômetros de Belo Horizonte, onde o tráfugo aéreo é de baixa intensidade. Fara ~tir a precisão das imagens ç~pta.daspelo telescópio, que estará pre~;:a:~bâlãQ ~oonstante movimen-
As peças do telescópio Máscara codificada
Sensor solar
Desacoplador do balão
Máscara: células abertas e fechadas em 100 k9 de chumbo
Rastreador solar Sensor estelar
Sensor este lar Bússola
Mecanismo de elevação do telescópio
Codificador de posição angular Giroscópio
Amortecedor
Módulo de eletrônica bordo e telemetria
de
Detector das imagens Roda de reação utilizada para apontamento e estabilização do telescópio
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Blindagem com plásticos cintiladores
to, foi preciso desenvolver um sistema para o Masco estar sempre olhando para os objetos celestes e os registrando com absoluta fidelidade, apesar dos balanços provocados pelo vento. Para enfrentar esse desafio, os pesquisadores desenvolveram o Sistema de Apontamento e Referência de Atitude (SARA) com tecnologia totalmente brasileira. Esse sistema envolve diversos recursos, dentre eles dois sensores solares. O primeiro, analógico e também conhecido como rastreador, é formado por uma cabeça óptica móvel que age como uma espécie de girassol, procurando sempre o Sol e indicando sua posição. O outro, digital, recebe os raios solares e consegue informar aos computadores de bordo onde exatamente está o astro. Uma bússola digital mede o deslocamento do telescópio em relação ao campo magnético terrestre. O Masco possui ainda um sensor estelar que, a partir de uma imagem contendo pelo menos três estrelas, é capaz de comparar essa informação com as coordenadas de referência que carrega em seus computadores, determinando o apontamento do telescópio. Três outros sensores importantes são o acelerômetro, o giroscópio e o Global Positioning System (GPS), sistema de posicionamento global por satélites. O primeiro registra as acelerações do equipamento. O giroscópio detecta as mudanças de posição do telescópio sem precisar de referências externas e o GPS informa a posição geográfica. "Os sensores percebem as mudanças de posição e repassam essa informação para o software de controle - também
Grandezas desenvolvido por nós -, que calcula o que deve ser corrigido", explica Villela. Em seguida, a ordem de correção no apontamento é enviada para a roda de reação - dispositivo mecânico que auxilia o equipamento a ficar estabilizado - e para os motores elétricos que possuem a missão de corrigir a elevação em relação ao horizonte e o azimute (o ângulo de direção dos astros em relação ao solo terrestre) do telescópio. Lado do Sol - Para que surpresas desagradáveis não aconteçam, a equipe do Inpe cumpre uma rotina rigorosa e desgastante. Villela tem arquivado em seu computador uma espécie de check-list, que relaciona tanto os possíveis problemas que o telescópio irá enfrentar quanto os cuidados adotados para evitá-los, Na altitude de vôo do telescópio, a pressão atmosférica é de, aproximadamente, 3 milibares, número muito inferior aos 1.013 milibares registrados ao nível do mar, portanto, o Masco estará numa posição extremamente rarefeita. Durante o período diurno do vôo, haverá um lado do telescópio virado para o Sol, enquanto o outro estará muito mais frio. Essa diferença de temperatura poderá chegar a 20° Celsius. O ar quase inexistente faz com que os ventiladores dos computadores não funcionem. Se o equipamento esquentar demais, pode entrar em . pane. Os motores que fazem parte do telescópio não podem ter graxa. Sem oxigênio, ela endurece e o instrumento deixa de funcionar. Os hard disks dos computadores precisam ser protegidos e blindados, para que funcionem em baixa pressão atmosférica e para que consigam resistir ao impacto da queda, no retorno do Masco à Terra. E esses são apenas alguns dos itens que fazem parte da lista de Villela. "Depois do lançamento, se algum sistema falhar, não tem volta. É como uma sentença de morte", compara. "E o mais cruel é que você tem de se antecipar aos possíveis erros para corrigi-los." O problema, insiste, é perder quase que por completo o controle da situação, pois o telescópio é idealizado para ter
Torre Eiffel:
300 m de altura
do balão Boeing 747 Comprimento:
70,4 m
Dirigivel Comprimento:
58,S m
sespero. Em 1997, logo depois de desenhado o projeto, a equipe descobriu que a empresa brasileira que fornecia o tipo de alumínio especificado, havia parado de fabricá-lo. Aí, decidiram importá-Io dos Estados Unidos. Enquanto esperavam um caminhão que trouxesse as barras de alumínio, com 6 metros cada, foram surpreendidos com a chegada de um Fiat Uno. As peças cabiam em uma caixa de sapatos. A empresa responsável por enviar o pedido de importação errou feio ao anotar as medidas. A solução foi mesmo usar alumínio caseiro, de outro tipo e de menor resistência, aplicando reforços à estrutura.
Detector maior - Na construção do Masco também aconteceram fatos importantes. Uma parceria com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) permitiu aproveitar e inflando. Conforme a melhorar a tecnologia de detecpressão externa diminui, tores plásticos cintiladores (eles a interna aumenta emitem luz quando recebem radiação) capazes de localizar e quantificar a radioatividade no corpo humano. Eles foram usavida própria. É uma dinâmica bem didos para a construção da blindagem do ferente de um experimento de bancada telescópio. Com 1 metro de altura, essa em laboratório. Se algo não vai bem, é capa de proteção faz com que a câmera possível interferir e corrigir rumos. do instrumento leia apenas os raios X e Até agora, o roteiro caminha como gama emitidos pelo objeto que ela anaprevisto. Nos últimos três anos, todos os lisa, evitando a interferência de fótons sistemas do Masco, dos sensores solares (a luz proveniente das estrelas, por ao giroscópio, foram testados, tanto inexemplo) originados em outras regiões dividual quanto em conjunto. Mas nem do espaço. Retomando à aplicação initudo foi calmo. Durante todo esse pecial, agora é possível construir detectoríodo aconteceram momentos de deres maiores que os anteriores, capazes de cobrir todo o corpo humano. Atualmente, o grupo torce pelo suPROJETO cesso do lançamento e pela volta, quando serão analisados os dados e as Construção de um Telescópio imagens produzidas, tarefa que pode lmageador de Raios X e Gama demorar até seis meses. Contando os Término da Construção dias e as horas, Villela imagina como sedo Telescópio AJasco rá a véspera do lançamento. Semblante MODALIDADE sério, ele fala: "Dediquei parcela consiLinha regular de auxílio derável da minha vida ao projeto. Se a projeto de pesquisa não der certo ... Mas a ciência envolve riscos. Se não for assim ... Eu fiz essa opCOORDENADOR THYRSO VILLELA NETO - lnpe ção. Tenho de saber lidar com isso", diz, tentando se convencer da idéia, para loINVESTIMENTO go emendar: "Mas se eu pudesse subir R$ 141.264,41 e US$ 21.667,00 junto e controlar o telescópio ..." •
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PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 83
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Encontro dos pais da bomba de hidrogênio, Sakharov (à esq.; e Teller: russo desprezava teoria do equilíbrio de forças preconizada pelo colega americano
termonuclear, de 10,4 megatons, mil vezes mais potente que a lançada sobre o Japão em fins da Segunda Guerra. No mesmo tom "corajoso" com que encarou o cogumelo, ao saber do sucesso da "Super bomba'; em novembro de 1952, em Eniwetok (no Pacífico), Teller declarou, orgulhoso: "Nasceu e é um menino" Nada mais natural, então, que o cientista continue, ainda hoje, a defender sua criação, como o faz, aliás, na sua recémlançada autobiografia Memoirs: A 20th Century journey in Science and Politics (Perseus Books, 628 págs., US$ 35). Contramão - Curiosamente, está saindo no mercado a biografia de outro "pai" atômico, Andrei Sakharov, escrita por Richard Lourie (Brandeis, 453 págs., US$ 30), o criador da bomba de hidrogênio soviética, mas que, na contramão do entusiasmo de Teller, depois de mergulhar na ciência e na descoberta viu que, para além do progresso sem obstáculos, há freios éticos para a física. Sakharov, morto em 1989, foi um dos principais detratores de testes nucleares, um defensor dos direitos humanos na exUnião Soviética que passou anos exilado em Gorki por suas idéias contra bombas e ditadura. "Se não tivéssemos feito a 'Super' estou certo de que, se ainda vivos, estaríamos falando russo. Não me arrependo de forma alguma de tê-Ia feito, apesar de todos terem ido contra mim e afirmado que sua invenção era impossível'; disse Teller. ''A confecção da bomba de hidrogênio só trouxe paz ao mundo. Veja a história e compare como, a partir da segunda metade do século 20, o globo viveu com menos guerras e menos mortes", defendeu o físico. Esse era justamente o raciocínio tortuoso do personagem dr. Strangelove do filme 86 • SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
Dr. Fantástico, de Stanley Kubrick, um ex-cientista nazista com braço mecânico (de tempos em tempos se levantando para saudar, como no passado, o jührer), que preconizava a "máquina do juízo final", que, por ser tão mortífera, impediria o seu uso. Não sem razão comenta-se que o modelo para Strangelove foi mesmo Teller. "Eu acredito que a beleza da .ciência não deve conhecer limites. Não temos de nos preocupar com política, dinheiro ou mesmo questões éticas. Nosso dever como cientistas é descobrir sempre mais. Mas reconheço que o saber sem moral é incompleto, assim como moral sem ciência de pouco vale", explica o físico. Foi por esse espírito "progressista" que Teller freqüentou a Casa Branca de Truman a Reagan, passando por George Bush, o pai do atual líder americano. Para todos defendeu a necessidade de sempre mais armas a fim de conseguir paz no planeta. Reagan e Bush, em especial, levaram o velho cientista a sério. Mais uma vez Teller tinha uma paternidade de gosto duvidoso: o projeto Guerra nas Estrelas, com a instalação de um escudo antimísseis no espaço, que poderia detonar uma nova corrida armamentista. Detalhe: Bush, filho, voltou a falar dela com entusiasmo após os ataques terroristas de 11 de setembro.
Foi em 1941 que Teller ouviu de Enrico Fermi, seu amigo de longa data, que seria possível contruir uma bomba capaz de aquecer deutério suficiente para provocar uma reação termonuclear. O problema era a inexistência de computadores capazes de calcular as variantes necessárias para colocar em prática o projeto. Com o conselho na cabeça, Teller, ao ser chamado para trabalhar com Oppenheimer, chegou disposto a criar a "Super" e, apenas por entender que a bomba A era um meio necessário para se chegar até ela (a bomba de Hiroxima é a espoleta da termonuclear), é que arregaçou mangas e participou da equipe. Com o fim da Segunda Guerra, os outros cientistas já não mais queriam saber de explosões e ignoraram os apelos irados de Teller para continuar a produção da bomba H. Democratas - O físico apelou para políticos em Washington para chegar ao presidente Truman. "Os democratas haviam desmobilizado o país e não tinham noção do perigo iminente, pois os russos não haviam se desmobilizado", conta o cientista. Após deixar Los Alamos por Livermore, Teller encontrou-se com o matemático Stanislaw Ulam, o que lhe permitiu resolver os até então considerados problemas impossíveis de
cálculo. A Guerra Fria trouxe o clima de que ele tanto necessitava e, em 1950, o governo dos Estados Unidos deu luz verde para se criar "Mike" Em 1949, o primeiro teste russo da bomba atômica (com supervisão de Lavrenti Beria, chefe da polícia secreta de Stalin) deu ainda mais entusiasmo ao grupo de Livermore e mais apoio financeiro da presidência. A corrida atômica havia começado. E também a caça às bruxas. Em 1946, o FBI passou a investigar Oppenheimer, considerado "pacifista" com "tendências comunistas': O fim da carreira de Oppenheimer, ocorreu pouco mais tarde, em 1954, durante um processo de atividades antiamericanas que contou com o dúbio depoimento de Teller, que dizia achar "estranho" o comportamento do ex-chefe, nada ansioso em contruir a nova arma que faria frente aos avanços soviéticos. Em 1952, com um novo desenho proposto por Ullam (Teller pouco fala disso em suas memórias), "Mike" veio ao mundo. "Eu cumpri minha missão. Agora cabe às democracias decidir se vão usar o que criei ou não. Meu dever era para com o conhecimento", disse. Hoje, como há 20 anos, o físico acredita que se pode usar a "Super" para atividades construtivas, como alterar o clima. Ou, como propôs a Iohn F. Kennedy nos anos 60, construir "um segun-
do Canal do Panamá em menos tempo do que ele levaria para tomar a decisão de usar a bomba para fazer isso': "Toda essa bobagem de equilíbrio nuclear e paz por meio das bombas foi desacreditado com os atentados do ano passado, quando vimos que não é necessário grandes armas para grandes estragos. O que Teller fez, na verdade, não foi fazer ciência pela ciência, mas dar ao mundo uma maçã envenenada que transformou cientistas em políticos", diz Richard Rhodes, autor do melhor estudo sobre a corrida nuclear, The Making of the Atomic Bomb. Do outro lado do planeta, outro físico igualmente dava uma boa mordida na fruta. ascidoem Moscou em 1921, filho de um cientista, Andrei Drnitrievitch Sakharov, como Teller, também acreditava na necessidade de não se limitar o conhecimento e o saber. Patriota como o seu colega dos Estados Unidos, Sakharov acreditava que o socialismo soviético era a estrada para o futuro e alegrava-se ao ver como o Estado de Stalin investia na pesquisa e na formação de novos cientistas. Por isso, apesar de não se associar ao Partido, aceitou, em 1948, sem problemas, a ordem de se juntar ao grupo de físicos e matemáticos que fazi-
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am pesquisa com artefatos nucleares, sob o comando de Beria. Afinal, como ele revela em sua autobiografia: "Ao saber do impacto devastador das bombas em Hiroxima e Nagasaki, quase desfaleci na rua lendo o jornal. Sabia que era meu dever ajudar meu país a não ficar para trás, sujeito à ameaça do poderio nuclear crescente dos norte-americanos': Herói do Trabalha- Trabalhando no laboratório secreto chamado de Arzamas 16, Sakharov ficou sabendo que o seu novo lugar de pesquisa fora contruído por políticos prisioneiros que, ao rebelar-se, foram fuzilados por ordem de Beria. Isso não afetou sua criatividade e ele desenhou a bomba de hidrogênio russa, baseada em certa parte na atividade de espionagem (Klaus Fuchs, por exemplo, que trabalhara em Los Alamos) sob os progressos norte-americanos. Chegou, por seus estudos, às mesmas conclusões de Teller e o artefato foi detonado poucos meses depois da "Mike" norteamericana, em 1953. Sakharov não gostou do que viu. Pela primeira vez, o cientista "teórico puro" deu lugar ao cidadão que põe em xeque o valor moral de suas invenções. Ele tinha 32 anos e foi eleito para a Academia Soviética de Ciências e transformado em Herói do Trabalho Socialista. A consciência dos atos ocorreu num crescendo. Em 1957, começou a investigar os danos biológicos dos testes nucleares e escreveu um artigo alertando para os efeitos da radiação mesmo que de nível pouco elevado. Segundo ele, a detonação de uma bomba de um megaton causaria a morte, por câncer, de 10 mil pessoas que nem sequer saberiam o que lhes provocara a doença fatal. Mais tarde, em 1968, foi ainda mais desafiador com o panfleto Reflexões sobre
Cena do filme Dr. Fantástico, de I<ubrick: em busca da máquina do juízo final que poria fim a todas as guerras PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 87
A bomba termonuclear: com lOA megatons, era mil vezes superior aos artefatos lançados sobre Hiroxima e Nagasaki, na Segunda Guerra
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o Progresso, a Coexistência Pacífica e a Liberdade Intelectual, em que atacava duramente o sistema político soviético e exigia que a ciência se preocupasse com o futuro das gerações. Também na contramão de Teller,o que provocara o mal-estar de Sakharov fora a piada de mau gosto de um militar soviético, o marechal Nedelin, diretor militar do teste da bomba H russa. Ao dizer ao comandante, após o sucessoda explosão,que os testes deveriam continuar ocorrendo apenas em teoria, ouviu do militar a reprimenda: "O seu trabalho é criar a bomba. O nosso é dizer quando e como usá-Ia".Sakharov igualmente desaprovava a teoria de que mais bombas era igual a mais paz e reconhecia que a verdade era a corrida nuclear ininterrupta entre os países em luta na Guerra Fria. umaera de constante avanço tecnológico, Sakharov preferiu usar o . seu sucesso pessoal para avisar o mundo que ciência era inseparável da consciência. "Como físico, aprendi que a ciência é a força da racionalidade e que as leis físicassão imutáveis. O mesmo vale para certos valores nossos, como liberdade e respeito pela dignidade individual. Essas são leis também imutáveis e universais como as da física';afirmou ele.Por muito tempo tentou, sem sucesso, persuadir Kruschev a parar os testes nucleares nos anos 50 e 60. "Você é um cristal da dignidade", costumava retrucar o premiê russo. Ainda assim, seus direitos civis e a carreira de físico foram interrompidos. Sakharov, ainda assim, ligou novamente para o premiê pouco antes de um novo teste nuclear pedindo que reconsiderasse a necessidade de
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novas explosões nucleares destituídas de qualquer sentido. Krushev jurou ao cientista que não iria adiar a explosão, por concordar com ele, mas, no dia seguinte, a bomba H foi detonada no Cazaquistão. "Depois daquilo, vi-me totalmente livre e sem dúvidas do que estava fazendo. Deixei de ser o acadêmico preocupado apenas com a teoria e a beleza das descobertas científicas e percebi que era meu dever lutar contra essa falsa assepsia da física", afirmou Andrei Sakharov em sua autobiografia (escrita, aliás, sob os auspícios de seus captores, durante o seu exílio). Afeganistão - O homem que lamenta-
ra a morte de Stalin agora queria expressar suas opiniões cada vez mais para a imprensa do exterior. Yuri Andropov, então o chefe da KGB,declarou-o "inimigo público número I". Sakharov respondeu aplicando princípios de questionamento científico a assuntos políticos, ou seja, testando hipóteses e procurando por evidências confiáveis das perguntas. Em 1979, protestou vivamente contra a invasão militar da União Soviética ao Afeganistão, o que irritou profundamente os militares russos. A polícia secreta prendeu-o ilegalmente e o levou para Gorki, cidade fechada para estrangeiros. Sakharov,dissidente, ficou nesse exílio forçado por
seis anos ao lado da mulher, Yelena Bonner. Com a ascensão de Gorbachov e a glasnost, foi instalado um telefone na casa do cientista e o primeiro telefonema que ele recebeu foi do próprio presidente, convidando-o a voltar a Moscou e a assumir um cargo na nova assembléia russa. O físico estava mesmo participando dos primeiros rascunhos de uma nova constituição para o país quando morreu em 1989, de ataque do coração. "Foi um grande cientista e realmente nos assustou muito. Não esperávamos a bomba H soviética em tão pouco tempo assim. É um mérito do talento de Sakharov", elogia Edward Teller. "Hoje se leva isso muito a sério. Mas o que vemos são pessoas que cada vez menos confiam na ciência e cada vez mais estão apavoradas com sua utilização. Será que isso será bom para o progresso da humanidade?", pergunta-se Teller.Albert Einstein (que enviou uma carta para o presidente norteamericano Franklin Roosevelt alertando para a possibilidade de uma bomba nuclear alemã) até chegou a ensaiar uma possível resposta a essa complexa questão ao lembrar que "o acidente de adquirir autoridade por meio do estudo do reino natural deu-me uma terrível e fascinante responsabilidade sobre o reino social': •
As reportagens exclusivas sobre as pesquisas mais avançadas de ciência e tecnologia brasileira, publicadas pela revista Pesquisa FAPES~ são lidas por pesquisadores, professores, estudantes de pós-graduação, parlamentares, empresários, executivos e profissionais de pesquisa e desenvolvimento do setor privado.
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• Pesq~~sa O passo à frente do conhecimento
• HUMANIDADES
Avicena (no centro, de vermelho, cercado por três figuras): ensinando o
uso da razão na ciência e na religião de forma única
LIVRO
o árabe que mudou o Ocidente Um estudo sobre Avicena revela a genialidade do pensamento que trouxe a filosofia aos ocidentais 'Ali bU al-Hussain ibn 'Abd Allah ibn al-Hassan ibn 'Ali ibn Sina (980-1037) é autor de obra tão extensa quanto seu nome, Conhecido pelos ocidentais como Avicena, ele escreveu mais de cem livros, nos quais versou sobre lógica, ciências naturais, matemática, metafísica, teologia e medicina. Traduzido para o latim no século 12, é um dos pais da filosofia medieval. Seus textos foram lidos no Ocidente antes mesmo dos de Aristóte-
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les, fato que levou respeitados historiadores da filosofia, entre eles o medievalista Alain de Libera, a considerá-lo o introdutor da ciência e da racionalidade religiosa no mundo ocidental. Mesmo assim continuam escassos os estudos sobre sua obra. Avicena A Viagem da Alma (FAPESP, Editora Perspectiva; 348 páginas), de Rosalie Helena de Souza Pereira, é uma tentativa de reverter esse quadro e estreita o foco para o exame da Epístola de Hayy ibn Yaqzân, texto em que Avicena nar-
ra em linguagem figurada o percurso da alma humana rumo ao conhecimento. Segundo a pesquisadora, nesse texto as considerações rigorosamente filosóficas caminham de par com sentidos ocultos presentes em tradições à margem da filosofia, tais como o hermetismo e o gnosticismo, ambos variantes populares do pensamento neoplatônico. Essa pluralidade de sentidos deu origem a interpretações que pendem ou para o lado da filosofia da razão, ou para o dos "sentidos ocultos':
Sua proposta é a conciliação das duas vertentes. "Queria mostrar que a matriz do pensamento de Avicena não é apenas aristotélica, como querem alguns, mas também neoplatônica", diz a pesquisadora. Galeno - A Epístola não figura entre as obras famosas do pensador árabe, mais conhecido como autor da enciclopédia Al-Shifâ' (A Cura) e do Al-Qanun fi alTib (Cânon da Medicina). Dois exemplos bastam para dar a medida do impacto dessas obras no ocidente. A primeira, que teve trechos traduzidos para o latim no século 12, é citada mais de 250 vezes na Suma de Teologia, de São Tomás de Aquino. Já o Cânon foi o livro que serviu de base para o ensino de medicina até o século 17 e que faz de Avicena, ao lado de Hipócrates e Galeno, um dos pilares da teoria e prática médica do ocidente. Na opinião do medievalista Alain de Libera, o texto de Avicena é a primeira grande obra filosófica que chegou ao Ocidente. Em Pensar na Idade Média, ele escreve: "Esquece-se com muita freqüência que os latinos conheceram Avicena antes que Aristóteles houvesse sido integralmente traduzido': Mais adiante, afirma, ainda com mais ênfase. "Se houve no século 13 uma filosofia e uma teologia ditas 'escolásticas, é primeiramente porque Avicena foi lido e estudado desde o final do século 12. Foi Avicena, não Aristóteles, que iniciou o Ocidente na filosofia': Aqui importa lembrar que Aristóteles, assim como Pitágoras, Platão, Plotino, Porfírio, Alexandre de Afrodísia,. Galeno e Iâmblico, só puderam ser "descobertos" na Idade Média ocidental em razão das versões dos textos originais em árabe feitas por cristãos nestorianos, jacobitas e melkitas, que, fugindo de perseguições religiosas, se instalaram na região da Mesopotâmia a partir do século 5. São esses autores clássicos as matrizes do pensamento árabe que se desenvolveu nos séculos seguintes, caracterizado por uma efervescência cultural que em nada lembra as "trevas" em que parte da Europa estava mergulhada no mesmo período. Durante o califado de Harun al Rachid, que vigorou entre os anos 786 e 809 do calendário cristão, por exemplo, foram traduzidas obras de medicina, astronomia, moral, música, geografia e
alquimia. A tradução das obras sobre animais e botânica de Aristóteles, de alguns diálogos de Platão e o estabelecimento das fontes das Mil e Uma Noites também são desse período. Pouco mais de um século antes, deu-se o fato que desencadeou todo esse processo: o surgimento do Corão, fonte primordial do islamismo e terceiro livro divino, precedido pela Torá e pelos Evangelhos. Composto de 6 mil versículos, o livro trazia princípio básico do pensamento árabe que se desenvolveria a partir de então: a unicidade de Deus. Assim, não é possível separar com clareza a teologia da filosofia praticada na época, uma vez que esta última nasce da necessidade de conferir um fundamento racional à revelação divina. Desse modo, o pensamento filosófico no Islã procurou sistematizar o encontro entre a recém-nascida fé no Corão e o lógos herdado dos gregos. É nisso que trabalham os filósofos árabes, Avicena à frente.
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ouco tempo depois, na Idade Média latina adepta do cristianismo, essa mesma tentativa de aplicar a razão herdada dos gregos para fundamentar a crença religiosa cristã seria o motor do pensamento. Mais uma vez, é Alain de Libera quem explica. "Se quisermos, com Heidegger, caracterizar a metafísica ocidental como uma 'ontoteologia', é em Avicena que devemos, para várias gerações, buscar sua entrada decisiva e seu modelo diretor", escreve o medievalista. E, adiante, complementa. "É portanto com Avicena que a influência do pensamento muçulmano sobre a Idade Média latina adquire seu primeiro e verdadeiro contorno: este autor não apenas inicia o ocidente na razão, no seu uso profano, em uma palavra, na ciência; ele o introduz também na ra-
o PROJETO Avicena - A Viagem da Alma MODALIDADE Auxílio-publicação PESQUISADORA ROSALlE HELENA DE SOUZA PEREIRA
INVESTIMENTO RS
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cionalidade religiosa, uma racionalidade muito estrita posta a serviço, pela primeira vez e rigorosamente, de uma religião monoteísta." Vida movimentada - É possível se aproximar do pensador por um caminho menos complicado. Sua vida, por exemplo, foi movimentada e, a menos a julgar pelo que deixou relatado em sua autobiografia, cheia de passagens que não fariam feio numa história de ficção (o escritor Noah Gordon já teve a idéia e incluiu Avicena como personagem de seu best-seller O Físico). Aos 10 anos, ele era exímio conhecedor de gramática, teologia e sabia o Corão inteiro de cor. Aos 16, livrou o sultão Nuh ibn Mansur de um mal incurável e se tornou seu protegido. Iniciado nos estudos de Euclides e Porfírio, leu a Metafísica de Aristóteles mais de 40 vezes antes de publicar sua primeira obra, aos 21. Avicena era bem apessoado e, convenhamos, um pouco arrogante. "A medicina não faz parte das ciências difíceis e por essa razão eu nela me distingui em pouco tempo, tanto que eminentes médicos começaram a ler a ciência da medicina sob minha orientação", lê-se em sua autobiografia. Não à toa, colecionou detratores ao longo da vida. Parte dos comentadores de sua época o considerava um reles feiticeiro, dada a pouca ortodoxia dos seus métodos. Outros o tinham por traidor do Islã, dada sua propensão a excessos: bebia vinho em quantidades industriais e teve a morte atribuída a seu propalado atletismo gastronômico e sexual. Pela vida ou pela obra, importa é ter claro que examinar mais de perto o pensamento de Avicena é entender com mais clareza o que está na origem de um processo de pensamento crucial para o desenvolvimento da filosofia. "Inexplorada entre nós, brasileiros, a filosofia árabe medieval marca sua importância num duplo registro", escreve a pesquisadora. "Além de ampliar os horizontes da reflexão filosófica e contribuir para um maior conhecimento do patrimônio cultural da humanidade, ela nos torna, por intermédio da Península Ibérica, devedores dos árabes, que lá deixaram um significativo vestígio cultural, edificado em quase oito séculos de permanência." • PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 91
• HUMANIDADES
ANTROPOLOGIA
Uma
Sherazade , as avessas Premiada com o Érico Vannucci de 2002, a pesquisadora Betty M indlin há anos vem recolhendo mitos indígenas e os transcreveu em forma de livros
ara escapar da morte, a princesa Sherazade, toda noite, contava histórias maravilhosas para o sultão. Fez isso por 1001 noites e, pelo poder de sua palavra e inventividade, ' conseguiu salvar seu belo pescoço. "Sou uma Sherezade às avessas, pois, ao ouvir as histórias dos índios e escrevê-Ias, estou ajudando a preservar a cultura deles para eles mesmos e também para que possamos perceber o quanto a nossa identidade está ligada à deles': diz a pesquisadora Betty Mindlin, uma estudiosa da cultura indígena, que acaba de receber, como reconhecimento pelo seu intenso trabalho de registro e análise dessa cultura, o Prêmio Érico Vannucci Mendes de 2002, entregue a ela no mês passado durante a 54a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A premiação é uma homenagem a uma longa carreira que inclui 37 artigos e diversos livros, inclusive as delicio-
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sas obras que reúnem alguns dos mitos indígenas que recolheu ao longo de uma extensa convivência com, entre outros, nativos Suruí e Cavião-Icolen, ambos de Rondônia. "Ouço os mitos que eles me contam como quem lê um romance de Dostoievski e creio que seria preciso um Guimarães Rosa para dar conta de colocar no papel, em forma de livro, todas as histórias que eles adoram narrar durante horas para quem se interessa", conta Betty. "Mas não me considero, de forma alguma, a autora dos livros. O mérito é todo dos índios e já estou curiosa para saber como vou contar a eles que ganhei o prêmio, que também é deles': completa a pesquisadora. Os livros são O Primeiro Homem (publicação da Cosac&Naif, sobre as histórias que dão conta da cosmogonia indígena), Couro dos Espíritos (feito a pedido dos Gavião-Icolen que, diz Betty, "estavam enciumados de eu só falar dos Suruí"), Terra Grávida (que conta a origem dos elementos naturais)
e Moqueca de Maridos (o mais picante, pois traz as histórias sobre o amor indígena e a eterna rivalidade entre homens e mulheres). Por cada um deles, os narradores ganharam direitos autorais. Pajés - "Embora eu tenha me aproximado deles por causa de uma pesquisa sobre como se dava a participação econômica deles no mercado brasileiro, acabei me apaixonando por essa mistura de vertente mágica e veio literário dos seus mitos': diz a pesquisadora. Betty conta que, com a chegada dos atrativos do progresso, os índios foram se desinteressando em ouvir os mais velhos e até mesmo a autoridade do pajé está aos poucos sendo corroída. "De início, quando comecei a querer ouvir suas histórias, notei que os anciãos estavam felizes em achar alguém interessado no que tinham a contar, pois sabem da importância de se preservar essas tradições", explica. Sem saber bem a língua dos índios, Betty precisou, no começo do projeto,
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Jovens índios: nativos agora podem se redescobrir como índigenas por causa do prazer de conhecer os seus mitos de origem
do auxílio de nativos que lhe contavam as histórias em português (em geral, antigos seringueiros escravos da região). A partir de 1979, a pesquisadora passou a trabalhar com os Suruí, durante cinco anos em sete viagens que' tiveram, o apoio da FAPESP. Logo Betty se engajou na luta pela demarcação de terras indígenas e hoje é uma defensora da escola e da educação do professor indígena, vistas como formas de integrar o índio à sociedade e, ainda assim, manter toda a riqueza de sua identidade como minoria. "Fico feliz ao saber que os livros em que reuni seus mitos agora são usados em escolas deles e, cada vez mais, eles se orgulham de suas tradições': diz. "Há um medo crescente de que a língua deles se perca e é importante que eles se redescubram como índios e recuperem essa tradição oral." Apesar da admiração pelos índios, Betty prefere vê-los em seus defeitos e qualidades, evitando a armadilha fácil
do politicamente correto que substituiu, de forma igualmente inadequada o desprezo do passado. "Ao ouvir seus mitos agora escritos, eles se deparam também com seu lado terrível, a saber, o infanticídio e outros rituais. Isso é um novo dilema para os índios e uma fonte para discussão sobre seu presente e futuro. Mas, acima de tudo, é uma forma concreta de construção de uma auto-estima de maneira adequada e equilibrada:' Liberdade· E tudo parece estar funcionando à perfeição. Se, em 1977, os Gavião-Icolen não passavam de minguados 143 pessoas, perto da extinção (em boa parte por causa do contato predatório de seringueiros), hoje cresceram para 408 numa área demarcada de 148 mil hectares, com posto de saúde e escola com professores indígenas. Também vem diminuindo aos poucos, por causa do trabalho de conscientização de sua riqueza cultural passada,
o peso da influência dos missionários da região que por pouco não destronaram de vez os pajés, responsáveis pela manuntenção das antigas tradições da tribo. Entre os vários temas tratados pelos mitos, há explicações sobre a origem do mundo e das pessoas; formas e regras para entender e viver esse mundo; maneiras de se comportar; e também muito sobre sexo e amor. "A liberdade para um povo que vive nu é tudo. Não há censura e a imaginação é livre. Daí, contos em que partes do corpo têm vida própria e assim por diante", diz Betty. "Mas é melhor não cerebralizar os mitos, como fizeram os estruturalistas, pois são um espaço único para a recreação, para fazer a imaginação correr solta",ressalta a pesquisadora. Mas ainda não se pode falar em ficção indígena. "Para eles, as histórias têm valor de verdade. Creio, porém, que eles estão no caminho de uma futura criação literária que reuniria os dois mundos': observa Betty. Fora das aldeias, alguns "homens brancos" já haviam descoberto o potencial criativo que se esconde por trás dessas saborosas histórias em torno da fogueira, lembra a pesquisadora. Estão aí os grandes livros de Mário de Andrade, Raul Bopp e Darcy Ribeiro para nos avisar da notável riqueza do imaginário indígena como fonte de inspiração ficcional. "Entender e conhecer melhor essa criação dos índios abre o nosso espectro de entendimento das relações humanas, dos afetos. Eles não são as criaturas perfeitas, como queria Rousseau, e também têm um lado negro todo deles. Não são melhores ou piores do que nós e pensar o contrário é uma ingenuidade perigosa", avisa Betty. Dialeticamente, eles não se interessam tanto por nós. "Contamos alguns mitos gregos para os índios e eles acharam curiosos, mas não se empolgaram muito, pois, muito comunitários, sempre voltam para o seu próprio conteúdo, para o seu mundo", nota a pesquisadora. • PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 93
RESENHA
o signo depois da vanguarda Obra aborda as diversas manifestações artísticas contemporâneas
MARCO
GIANNOTTI
rte
contemporânea é um celeiro cheio }( de citações, fazendo com que o acesso a ela não se efetive apenas através da percepção. Exige também o conhecimento das operações conceituais envolvidas em seu processo de criação.
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A mE mOI! DAI miU/RIA!
A Arte Depois das Vanguardas, de Ricardo Fabbrini, procura caracterizar um momento histórico - algo que surge depois das vanguardas - ao abordar as diversas manifestações artísticas contemporâneas. Para esse fim, o autor trabalha com aspectos específicos de obras apresentadas partindo de signos para balizar sua análise, como o signo geométrico, o signo de luz, o signo de origem, o signo paródico etc. Fabbrini oscila entre a leitura específica da obra e a tentativa de sua inserção num contexto histórico. A questão que se coloca logo no início é se essa análise dialética não se torna de certa forma um pouco mecânica na medida em que o autor recorre a um signo para mediatizar essa relação entre o universal e o particular. Em sua conclusão, 'na página 187, Fabbrini cita justamente Lyotard ao afirmar que "a obra de um artista contemporâneo não é, em princípio, governada por regras já estabeleci das e não pode ser julgada por meio de um juízo determinante, pela aplicação, a essa obra, de categorias conhecidas': Embora o autor esteja ciente dessa impossibilidade, as obras podem ser erroneamente interpretadas como ilustrações desses signos que se tornam quase conceitos a priori. Qual seria afinal a relação entre o quadrado de Serra com o quadrado de Peter Halley? Suas diferenças não devem ser enquadradas em capítulos diferentes? Se a obra de Serra não é uma abstração geométrica, conforme citação de Ronaldo Brito na pág. 71, como é que ela pode estar sob signo geométrico? De acordo com Fabbrini, a obra de arte contemporânea inova na medida em que transforma os signos modernos ao ponto de se tornarem diferentes. Eu diria que os signos modernos se tornam quase irreco94 • SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
nhecíveis, pois é impossível reconhecer o quadrado de Malevitch em uma escultura Ricardo Fabbrini gigantes ta de Serra de aproximadamente 12 metros de Editora da U nicamp comprimento! Sua visão crítica parece 230 páginas / R$ 45,00 obliterada por signos que se tornam abstratos pois não se aplicam devidamente a obras tão díspares em qualidade e em estilo. Fabbrini busca universais em uma época em que as obras parecem resistir a tal tipo de leitura, a não ser a partir de uma análise histórica. Afinal, seria possível analisar algo que surge temporalmente como depois das vanguardas sem uma tomada de posição histórica? É nesse instante que o livro revela suas melhores qualidades, como, por exemplo, sua análise de como a nossa percepção atual está cada vez mais mediada por uma imagem repertoriada na tradição. Em uma época em que a linguagem parece se dobrar sobre si mesma, os signos se tornam fragmentadas e reificados. Afastam-se então cada vez mais de seus referentes. Se isto ocorre de fato, seria pertinente ainda buscar um sentido universal para um signo que parece cada vez mais indexado na obra particular de cada artista, nos deixando muitas vezes perplexos? A Arte Depois das Vanguardas talvez peque não pelos seus defeitos, mas justamente pelas suas qualidades. Embora o autor não realize uma crítica apaixonada ou até mesmo engajada, como diria Baudelaire, sua atitude só pode ser vista com bons olhos. Fabbrini busca definir o que seria a arte contemporânea a partir de suas qualidades intrínsecas e não como um produto derivado e decadente da arte moderna. Mais: a vontade de procurar regras gerais para entender este processo, sem cair em um relativismo pós-moderno, também é corajosa. É uma pena que a arte contemporânea, também pelos seus defeitos e qualidades, seja tão arredia a uma análise que não seja histórica, contextualizada. A Arte Depois das Vanguardas
GfANNOTTl é pintor e professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP)
MARCO
LIVROS
REVISTAS
Álbum de Retratos Álburnde
Retratos
~.t!...-:~",,~1l6o: ••••••• _;ox, •••_~
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Editora Humanitas FFLCH/FAPESP Munira H. Mutran 272 páginas I R$ 20,00
Esse álbum de retratos, em verdade, é um aprofundado mergulho no pensamento íntimo cultural de três geniais criadores irlandeses: Oscar Wilde, George Moore e W.B. Yeats. Escrito por uma professora do Departamento de Letras Modernas da Universidade de São Paulo, o estudo traz à luz como esse trio inventivo e peculiar via as intensas mudanças por que passava o mundo literário e artístico do seu tempo (que reuniu Realismo, Decadentismo, Esteticismo e Simbolismo). Cada retrato revela as transformações por que passaram os artistas e que caminhos resolveram trilhar.
Liames Número 1 Liames ou Línguas Indígenas Americanas é uma publicação do Departamento de Linguística do Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas. O interesse da revista é justamente a luta pela manutenção da linguagem dessas sociedades, ameaça das de extinção dado o contato predatório com o homem branco. Nessa edição: "As Políticas Linguísticas e as Línguas Ameríndias", de Consuelo Alfaro; "Las Unidades Adverbiales em Warão", de Andrés Romero- Figueroa; "Construções do Gerúndio na Língua Tembé", de Fabio Bonfim Duarte; "Perspectivas de Estudo das Áreas Linguísticas da América Latina", de Ataliba Teixeira de Castilho, entre outros.
Principia Edusp Isaac Newton 328 páginas I R$ 35,00 Numa bela e bem cuidada edição (e o que é mais importante, com uma tradução excelente), eis que chega ao público brasileiro a obra seminal de Isaac Newton, publicada em 1686 e responsável pelo estabelecimento das bases da mecânica. Como se isso não bastasse, o opus de Newton representou um modelo até hoje utilizado por todos os cientistas de como se deve apresentar uma hipótese científica, partindo-se de princípios simples, comprovados pelo estudo dos fenômenos, transferindo-o depois para as esferas do entendimento do mundo.
PIP: Dicionário de Provérbios, Idiomatismos e Palavrões Francês-Português I Português-Francês Cultura Editores Associados Claudia Xatara e Wanda Leonardo de Oliveira 368 páginas I R$ 40,00 Fruto de oito anos de pesquisas, esse charmoso dicionário, apelidado pelos seus autores de PIP traz um registro de todas aquelas pequenas frases que fazem toda a diferença do mundo na hora de se tentar entender um povo estrangeiro. São 1.103 provérbios da língua portuguesa traduzidos para o francês e, na contramão, 9 mil expressões idiomáticas do francês vertidas para a nossa língua.
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A publicação traz os seguintes artigos nesta sua nova edição: "Construção da Ordem Temporal na Gênese da Comunicação Narrativa em Meus Verdes Anos", de Maria Lucia de Souza Agra; "O Grito da Poética da Criação", de Claudia Amigo Pino; ''A Gênese de Maternitat: Schemata e Mudança em Miró", de Sergio Meurer; "Manuscritos do Modernista Luis Aranha", de Marcia Regina Iaschke Machado; "O Processo de Criação do Ensaio Amor e Medo", de Mario de Andrade; "Linguagens em Diálogo", de Cecilia Almeida Salles; "Genética e Tradução", de Cristiane Grando.
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Pesquisa Odontológica Brasileira/Brazilian Oral Research Número 2 I Volume 16 A revista da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, com apoio da FAPESP, traz em sua nova edição os seguintes estudos: "Influência de Bochechos com Soluções Antimicrobianas na Inibição da Placa Dentária e nos Níveis de Estreptococos Mutans em Crianças"; "Morfologia e Espessura da Difusão de Resina através da Matriz de Dentina Desmineralizada ou sem Condicionamento"; "Relação entre Biofilme, Atividade de Cárie e Gengivite em Crianças HIV +"; entre outros. PESQUISA FAPESP 79 ' SETEMBRO DE 2002 • 95
CLASSIFICADOS
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A Universidade de São Paulo tem grande interesse em abrigar projetos financiados pela FAPESP no Programa "Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes". Experiências bem sucedidas,que resultaram na contratação de pesquisadores do programa, são encontradas em muitas Unidades da Universidade. Além da possibilidade de contratação e dos benefícios tradicionais do programa, a USP oferece as seguintes vantagens: 1. Espaço físico, infra-estrutura e ambiente de trabalho adequados para a pesquisa. 2. Contrapartida financeira e possibilidade de apoio técnico financiados pela Universidade. 3. Possibilidade de orientação de estudantes de Pós-Graduação ou de Iniciação Científica. 4. Assistência médica. Exemplos de Unidades em expansão, interessadas em diversificar sua linha de atuação e que oferecem vantagens adicionais são •
Centro de Biologia Marinha (CEBiMar), em São Sebastião. www.usp.br/cbm/
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Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA), em Piracicaba. www.cena.usp.br/ Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), em Pirassununga. www.usp.br/fzea/
Muitas outras Unidades procuram abrir novas linhas de pesquisa e oferecem oportunidades também atraentes. Se você tem doutorado recente (máximo de cinco anos) e currículo que demonstra capacidade para condução independente de projetos de pesquisa, entre em contato com a Pró-Reitoria de Pesquisa da USP, que poderá ajudá-lo a identificar o local mais adequado para seu trabalho e dará assistência na confecção dos pedidos de auxílio e de bolsa à FAPESP. Mais informações podem ser encontrados no endereço eletrônico da Pró-Reitoria de Pesquisa, www.usp.br/prp/ No mesmo endereço, podem ser encontradas ofertas para estágios de Pós-Doutorado.
96 • SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
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IPT
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Instituto de Pesquisas Tecnol6gicas
Instituto de Pesquisas Tecnol6gicas
Mestrado
Biotecnologia O Agrupamento de Biotecnologia do IPT procura parceiros para desenvolver processos biotecnológicos industriais nas áreas de: biopolímeros, bioinseticidas, anticorpos monoclonais e inoculantes agrícolas. Contatos com Elisabeth Augusto, eaug usto@ipt.br
Profissional
Estarão abertas, do dia 16 de setembro até 3 I de outubro, as inscrições para candidatos aos cursos de Mestrado Profissional stricto sensu do IPT, nas áreas de Habitação, Engenharia de Computação, Tecnologia Ambiental e Processos Industriais. Informações e inscrições na Secretaria do Mestrado, telefones II 37674264/4068, www.mestrado.ipt.br
IPT
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Instituto de Pesquisas Tecnológicas
Instituto de Pesquisas Tecnol6gicas
Ensaios e análises
Calçados
o Núcleo
Tecnológico de Couros e Ca Içados do IPT, em Franca, procura parcerias c om instituições de pesquisas e empresas. O objetivo é desenvolver projetos para aproveitamento de resíd uos industriais na produção calçadista. Contatos com Kléber de Barros, kbar ros@ipt.br
o IPT realiza
2407 tipos de ensaios padronizados. Além deles, uma quantidade ainda maior de ensaios sob encomenda. Dispõe de uma rede de 69 laboratórios. Possui Certificado de Sistema da Qualidade ISO 9002, abrangendo hoje 31 laboratórios. Procure nossos serviços, www.ipt.br/serviços/ensaios
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Novo servi ço para nossos leitores A partir deste mês, Pesquisa FAPESP oferece um novo serviç o aos leitores: a seção de Classificado s. Em muitas revistas de divulgação científica em diferentes países,.o s classificados são um espaço privilegi ado para a oferta de bens e serv iços de interesse direto de pesquisadores, professores, tecnólogos e estudantes de pós-graduação, que constituem parcela predominante dos leitores dessas pub licações.
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No caso do público de Pesquisa FAPESp, com tiragem atual de 40 mil exempl ares, esse tipo de leitor é ab soluta maioria e está concentrado co mo em nenhuma outra pu blicação nacional.
Estamos lhe propondo que fale diretamente com ele. Sua empresa ou instituição pode anunciar postos de trabalho, concursos, seminários, cursos de pós-graduação e de extensão, equipamentos para pesquisa, etc., com a certeza de que sua mensagem estará chegando ao leitor certo.
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PESQUISA FAPESP 79 • SETEMBRO DE 2002 • 97
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98 • SETEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 79
br-'uC3 :
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Iniciado em 1997, SciELO é produto de projeto cooperativo entre a FAPESP,a BIREME/OPAS/OMS e editores científicos. A partir de 2002 conta também com o apoio do CNPq Adote a SciELO como sua biblioteca científica