Contra câncer, tuberculose e outros males

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Novembro 2002 N' 81

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www.revistapesquisa.lapesp.br

FAPESP PESQUISADORES DESENVOLVEM AMPLIFICADORES PARA TURBINAR REDES DE TELEFONIA

O TAMANHO DA PRODUÇÃO CIENTíFICA BRASILEIRA

Vem aí a vacina gênica

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Contra

cancer, tuberculose e outros males


IMAGINE VÁRIAS ENTES BRILHANTES TRABALHANDO EM CONJUNTO.

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Itautec InfoCluster. primeiro supercomputador brasileiro. O trabalho conjunto de dois centros de excelência - a Itautec e a Escola Politécnica de São Paulo - colocou o Brasil no seleto grupo dos de É o Itautec IIII'JV'IU"'''''', uma máquina de capaz de realizarbilhões de por e com toda a flexibilidade que a de processamento paralelo e o do Intel®

C Tecnologia de soluções.


CAPA

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Vacina gênica criada para combater a tuberculose será testada contra câncer em seres humanos

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s CARTAS .•..•....•..•..••....••.• EDITORIAL MEMÓRIA .••....••.•••.••.••.•.• • POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA ...........•.•. ESTRATÉGIAS A DIFÍCIL CONJUNTURA CIÊNCIA PARA JOVENS o CIENTISTA E AS DEMANDAS SOCIAIS ...•......•...

4 7 8

10 10 14 23 24

• CIÊNCIA .•....•..•.•.•.•.•..• LABORATÓRIO OS GENOMAS DO CAUSADOR E DO TRANSMISSOR DA MALÁRIA GENES QUE MOLDAM A CABEÇA REMÉDIOS À BASE DE METAIS MAGNÉTICOS COMO MELHORAR IMAGENS DE RADAR OS RICOS VU LCÕES DA AMAZÔNIA HISTÓRIA TIRADA DAS CONCHAS ........•..........

32 32

• TECNOLOGIA LINHA DE PRODUÇÃO SOFTWARE EM CAMPINA GRANDE CONCRETO COM ESCÓRIA DE ALUMÍNIO ANÁLISE CLÍNICA CIGARRA DA CANA

66 66

• HUMANIDADES ANTROPOLOGIA E CINEMA

84 87

RESENHA ...........•.••..•..•• LANÇAMENTOS •................. CLASSIFICADOS ..••.••.••..•.••.

94 95 96

Capa: Hélio de Almeida Fotos: Eduardo Cesar

44

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18

PESQUISA

Produção científica brasileira cresce em relação à dos demais países, revelam os indicadores

70

TELECOMUNICAÇÕES

46 48 54

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50

FÍSICA

Estudo de interação de partículas no núcleo atômico se apóia no conceito de vácuo não mais vazio, mas denso

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HISTÓRIA

Novos amplificadores ópticos aumentam a capacidade de ligações telefônicas e da Internet nas redes de telecomunicações •

Grupo da PUC-SP discute os caminhos tortuosos da especialização cada vez maior do saber científico

26

9O

56 60

74 76 79 80

PATENTES

Tendência de novas regras para a propriedade intelectual é debatida em todo o mundo e acirra disputa entre os países ricos e pobres

ENTREVISTA

A geneticista radicada em Tel-Aviv Chana Malogolowkin conta sua trajetória por países como Brasil, Estados Unidos e Israel PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 3


CARTAS cartas@fapesp.br

Jatobá Sou aluno de doutorado do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) e meu projeto é sobre fluxo de COz entre solo e atmosfera na Amazônia ocidental. Ao ler a matéria de capa da edição n" 80, que é de extrema importância, me deparei com algumas coisas que não pude deixar passar. 1. A extrapolação do comportamento metabólico e/ou fisiológico de plântulas para indivíduos adultos é algo muito arriscado; é parecido com aquela história de "desprezar o atrito com o ar e a força da gravidade" ou "considerar que uma vaca esférica para facilitar os cálculos ..." 2. Como foi dito, a maior parte do aumento de biomassa foi em folhas e raízes, portanto, partes que são altamente degradáveis e que seriam respiradas rapidamente após a morte e posterior decomposição; 3. "O COz absorvido por um vegetal só pode ter dois destinos: uma parte fica retida no interior do vegetal e outra é devolvida à atmosfera pela respiração" (página 28, segundo parágrafo). Vamos considerar que a respiração do carbono por consumidores dessa planta esteja incluída nessa frase. Mas, mesmo assim, falta um outro destino fundamental, que é a incorporação de parte desse carbono na matéria orgânica do solo, por meio da queda de serapilheira e morte de raízes. Os solos possuem tanto quanto ou mais carbono do que a vegetação, dependendo do ecossistema e do tipo de solo, e este carbono do solo é oriundo da vegetação. Portanto, não se pode falar somente de dois destinos. 4. Um outro problema não mencionado é que se outros nutrientes (como fósforo, que é um limitante em solos tropicais) não aumentarem sua abundância, não adianta aumentar o COz; o fator limitante pode e provavelmente não é COz e, portanto, seu aumento em situações naturais 4 • NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

pode não levar a um aumento da biomassa. Com essas considerações, não quero desmerecer a reportagem nem o trabalho dos pesquisadores, mas contribuir para o aprofundamento das discussões veiculadas nesta revista, que gosto muito de ler. CLEBER

L SALIMON

Laboratório de Ecologia Isotópica - Cena/USP Piracicaba, SP Resposta do pesquisador Marcos Silveira Buckeridge, do Instituto de Botânica da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, coordenador da pesquisa: Em primeiro lugar, agradeço sua contribuição. Você tem toda a razão, pois sempre escapam coisas a comentar e há imperfeições na forma com interpretamos os dados que obtemos. É esse tipo de contribuição que move a ciência. Com relação ao item 1, devemos lembrar que a estrutura semiótica da reportagem na revista Pesquisa FAPESP é feita para informar cientistas, mas, também, para informar o grande público. Se, em um artigo relativamente pequeno, são colocadas muitas perguntas de uma única vez, as pessoas que não lidam com esse assunto podem acabar não entendendo nada ou perdendo o interesse. Creio

ser por esse motivo que, em uma reportagem como a que foi publicada, o repórter tenha conduzido o argumento de modo a dar maior valor aos dados obtidos. Isso sempre acontece após conseguirmos um conjunto de resultados que permita uma conclusão parcial. Porém, como proposto pelo filósofo da ciência Karl Popper, as conclusões a que estamos chegando em todo momento são parciais e provavelmente passíveis de falseamento. Para Popper, a ciência progride através do falseamento de conclusões atuais em prol de uma nova conclusão mais abrangente. Porém, no sistema científico que temos atualmente, é praticamente impossível queimar etapas e chegar até as conclusões abrangentes, pois temos que reportar nossas conclusões à comunidade mais rapidamente. Mesmo assim, se a ciência caminha mesmo pelo processo de falseamento de hipóteses, retirar o efeito do atrito das equações (como é feito em livros didáticos de física para facilitar a compreensão) ou trabalhar com a idéia de uma vaca esférica é, e sempre será, necessário como passo intermediário para chegar a conclusões mais abrangentes. Um outro ponto importante a argumentar é que a extrapolação do comportamento metabólico e/ou fisiológico das plântulas para os indivíduos adultos pode ser feita com certa segurança se o crescimento da espécie for do tipo "modular", ou seja, a formação de cada ramo é uma reiteração de um processo regido por regras simples de geração de sistemas complexos (ver as teorias de crescimento modular de Oldeman - qualquer bom livro de ecologia vegetal; e dos autômatos celulares de Stephen Wolfram - A New Kind of Science, 2002, Wolfram Media, Inc). Na realidade, o jatobá foi escolhido para o primeiro experimento também por apresentar características compatíveis com árvores de crescimento modular, pelo menos na forma. Mas nós também estamos preocupados com


isso e já temos o experimento planejado com um ramo da árvore para verificar se a hipótese do crescimento modular se sustenta também aos níveis metabólico e fisiológico. item 2 do seu comentário, se compreendi bem, é uma preparação para seu argumento no item 3. Porém, nossos dados mostram que o caule acompanha os padrões observados em folhas e raízes. Nesse ponto, há algumas peculiaridades de nosso experimento que não foram colocadas na reportagem. Nós queríamos testar também o papel da mobilização de reservas de carboidratos durante um período de incubação em alto CO2. Por isso, nosso experimento foi realizado com plântulas com e sem cotilédones (eles armazenam uma quantidade enorme de reserva de açúcares na forma de polissacarídeos de parede celular que, quando degradados, geram sacarose). Nossos resultados indicaram que os níveis internos de sacarose (altos se há reservas sendo mobilizadas p.ex. no início da primavera; e baixos quando a planta depende praticamente só da fotossíntese) influenciam significativamente o índice estomático das próximas folhas a serem produzidas. Na realidade, os efeitos observados parecem ser "tampo nados" quando há mobilização de reservas. Isso, na realidade, indica que há um mecanismo de aclimatação em operação e o que nós queremos é entender o funcionamento desse mecanismo e seus pontos de controle, para, se necessário, utilizá-Io como biotecnologia em condições extremas. Para maiores detalhes e uma compreensão maior de onde queremos chegar, veja nossos dois artigos na revista Biota Neotropica V.2 (www.biotaneotropica.org.br ). Quanto ao item 3, o seu argumento está correto e o carbono do solo é extremamente importante quando se pensa em nível de ecossistema, mas a respiração dos consumidores não foi considerada na frase em questão e, como estamos trabalhando com a planta, só estamos considerando as vias internas do metabolismo de carbono. Já fizemos algumas observações empíricas do jatobá para

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ver se ele perde muitas folhas no inverno. Há variedades que sim, outras quase nada e em alguns casos vi árvores isoladas em que quase todas as folhas foram derrubadas no período de seca. No caso das Hymenaea courbaril da variedade stilbocarpa que temos no Instituto de Botânica, poucas folhas são perdidas sazonalmente. Há vários ecólogos no Estado estudando fenologia de árvores, mas têm se interessado mais por espécies que formam populações mais agregadas (Copaifera langsdorffii, por ex.) e como a distribuição do jatobá é uniformemente distribuída, teremos que esperar um pouco para conhecer seu padrão de comportamento. Em todo caso, é bom lembrar que uma folha, ao se destacar da planta, quase sempre já passou por um processo de senescência (induzido pela seca em florestas tropicais e no cerrado) em que o máximo possível do carbono já foi redirecionado para a parte sobrevivente da planta, podendo lá ficar armazenado como reserva, por exemplo. consumo de carbono por herbívoros é uma outra história que traz um nível de complexidade ainda maior. Mereceria um outro artigo com abrangência maior de aspectos ecológicos. Sobre o item 4, este é um ponto de grande importância e merecerá estudos aprofundados. Seria interessante realizar experimentos em que o jatobá seja submetido a diferentes composições de solo e os fatores limitantes destes sejam colocados em perspectiva em relação aos solos em que as árvores ocorrem. Em nossos experimentos, como o interesse é verificar o efeito do CO2, nós mantivemos as plantas supridas com nutrientes suficientes para que esse fator não influenciasse os resultados. Para que tenhamos certeza da esfera de influência de um determinado fator, só podemos variar uma coisa de cada vez. Pode-se fazer observações de campo e chegar a conclusões bastante satisfatórias. problema é que essas conclusões trazem em seu bojo toda a complexidade do sistema, com diversas variáveis oscilando ao mesmo tempo. Apesar de já termos boas ferramentas de análise (análise estatística

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multivariada, por ex.) ainda não temos uma ferramenta intelectual eficiente que nos permita visualizar o sistema como um todo e prever o comportamento de uma espécie em qualquer contexto. Enquanto isso, continuamos projetando experimentos em que variamos uma coisa de cada vez e empilhamos o conhecimento adquirido (em papers) até que essas novas ferramentas apareçam e possamos usar os mesmos dados em um novo contexto.

Técnica conhecida

Inicialmente gostaria de parabenizá-los pela iniciativa de editar uma revista com esse enfoque. Acho que a organização, conteúdo e ordem dos temas estão excelentes. Entretanto, um dos artigos encontrados na revista número 79 não é fiel com a história e desenvolvimento da técnica. Trata-se da reportagem "Dureza a toda prova", página 76. Talvez por desconhecimento do autor, não foram indica das as várias pesquisas existentes nas diferentes instituições, nem o pioneirismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) na implantação em nível de laboratório da técnica de nitretação iônica. Essa técnica surgiu na UFRN em 1985, pelo professor Clodomiro Alves [únior e Carlos Alberto dos Santos. Em 1986, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) iniciou pesquisas também na área. Enquanto a UFSC atuava em diagnóstico de plasma, a UFRN pesquisava as propriedades das camadas nitretadas em aços. Durante esse período, o professor Clodomiro Alves publicou mais de 60 artigos em anais de congressos e revistas (nacionais e internacionais), além de um livro sobre o tema. Com a sua ida para São Carlos (DePESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 5


ANA COM

MILESTONE

CIENTíFICA partamento de Materiais - DEMa/UFSCar), dois equipamentos foram cosntruídos no DEMa e Escola de Engenharia de São Carlos, respectivamente. Atualmente, a UFRN possui um equipamento semi-industrial (25 KVA) e três equipamentos laboratoriais. A própria FAPESP financiou a construção dos equipamentos existentes em São Carlos. CLODOMIRO

ALVES JÚNIOR

Departamento de Física Teórica e Experimental LabPlasma - UFRN Natal, RN

Nota da Redação: Infelizmente, nos é impossível citar todas as referências às outras pesquisas sobre os temas que abordamos na revista. É muito comum que grupos espalhados em diversas instituições pelo país trabalhem em assuntos semelhantes. Na medida do possível, citamos esses trabalhos. Mas é muito difícil nomear todas as pesquisas, pesquisadores e instituições que já se debruçaram sobre o mesmo objeto de pesquisa.

Produção científica

o caderno da programação do evento internacional Fifth World Congress on Computational Mechanics, realizado em Viena, Áustria, de 7 a 12 de julho de 2002, traz em sua página 3 uma interessante estatística de contribuições apresentadas, mostrando que o Brasil aparece em quarto lugar em número de contribuições, junto com a França, com 84 trabalhos. Em primeiro vem os Estados Unidos, com 225 trabalhos; seguidos da Alemanha, com 178; e Japão, com 106. Está aí um motivo de orgulho para a comunidade brasileira que vem de longa data atuando nesse importante e estratégico ramo do conhecimento. A comunidade brasileira de Mecânica Computacional já está chegando perto do pódio! Maiores informações podem ser encontradas no site http://wccm.tuwien.ac.at. Ioss

EUAS LAIER

Escola de Engenharia de São Carlos, USP São Carlos, SP 6 • NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

Concreto asfáltico Meus agradecimentos pela divulgação de meus experimentos sobre concreto asfáltico drenante na seção "Linha de Produção" da revista Pesquisa FAPESP nv 79, e que foram apresentados na Feira de Inovação Tecnológica em São Paulo. Apesar de o resultado de minha pesquisa ser produto para atender órgãos públicos (pavimentação de estradas e ruas), diversos técnicos de empresas me procuraram para esclarecimentos e para posteriores contatos, que estão ocorrendo agora. No entanto, o que mais me chamou a atenção foi o interesse da Prefeitura de São Paulo sobre o pavimento drenante, que serviria para permitir a permeabilidade das grandes superfícies pavimentadas, de modo a alimentar os aquíferos das regiões, com a conseqüente diminuição das cheias nas cidades. Espero poder colaborar com a solução desse problema. PROF. LETO MOMM

Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis, SC

Parabéns Excelente e muito interessante a edição nv 80 da revista Pesquisa ~APESP. Parabéns pela qualidade do trabalho. FERNANDO

Análise direta de Mercúrio '------------1' Aplicações: Preparação e análise de amostras de Meio Ambiente, Alimentos, Geologia, Química, Petroquímica entre outras. Fone: 1141211688 Email: vendas@anacomcientifica.com.br

A ANALíTICA E A ANACOM, ESTÃO. ORGANIZANDO VÁRIAS PALESTRAS SOBRE AS TÉCNICAS DE ABSORÇÃO ATÔMICA E MICROONDAS. INSCREVA-SE JÁ NOS NOSSOS SEMINÁRIOS!

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analltica ==--=-==-=~=--- G B C

SElXAS

Esalq/USP Piracicaba, SP

Correção

o crédito correto da foto do mosquito Lutzomyia longipalpis (acima), publicada originalmente na pág. 43 da edição de outubro (80), é Genilton José Vieira/Fiocruz.

Espectrofotômetros de absorção atômica Forno de grafite Gerador de hidretos Lâmpadas de cátodo oco Fone: 11 50629070 Email: analitica@novanalitica.com.br


STONE

EDITORIAL

Uma vacina diferente

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FAPESP CARLOS VOGT PRESIDENTE PAULO

EDUAROO OE ABREU VICE-PRESIDENTE

MACHADO

CONSELHO SUPERIOR ADILSDN AVANSI DE ABREU

AlAIN FlORENT STEMPFER CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ CARLOS VOGT FERNANDOVASCO LEÇA DO NASCIMENTO HERMANN WEVER JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA

MARCOS MACARI NllSON DIAS VIEIRA JUNIOR PAULO

EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDD RENZD BRENTANI VAHAN AGOPYAN

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO FRANCISCO ROMEU LANDI DIRETORPRESlDENTE JOAQUIM J_ DE CAMARGO DIRETQRAOMINI$TRATIVQ JOSÉ FERNANDO OlRETORCIENTíFlCO PESQUISA

ENGLER

PEREZ

FAPESP

CON$ElHOEOlTORIAl

ANTONIO CECH ElU

DE MATOS PAIVA, EDGAR

OUTRA ZANOrrO, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTlNHO, FRANCISCO ROMEU LANDI, JOAQUIM J_ DE CAMARGO ENGLER, JOSÉ FERNANDO PEREZ, Luis NUNES

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DE DL~;;~LIY\.1LDUJ~EHR~~~~~~~ILDD~~~~g~(N~NTOS, DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA

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EDITOR CHEFE NELDSDN MARCOLlN EDlTORASENIOR DA GRAÇA MASCARENHA$

MARIA

DIRETOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDlTORES CARLOS FIORAVANTI ICltNCIA) CLAUDIA IZIQUE IPOLiTlCA C&Tl MARCOS DE OLIVEIRA mCNOLOGIA) HEITOR SHIMIZU IVERSÃO ON UNE) REPÓIHERESPECIAl MARCOS PIVETTA EOITORES-ASSISTENTES

RICARDO ZORZETIO, DINORAH ERENO TÂNIA .

CHEFE DE ARTE MARIA DOS SANTOS DIAGRAMAÇÃO

JOSE ROBERTQ MEODA, lUCIANA FACCHINI FOTÓGRAFOS CESAR, MIGUEL

EDUARDO

BOYAYAN

COLABORADORES EDUARDO GERAQUE, RENATA SA~~~~;Jl~~?NBi~~g~oSÉ TÃNIA MARQUES, YURI VASCONCELOS

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FERNANDO CHINAGLIA

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FAPESP RUA PIO XI, N' 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA - sÃO PAULO - SP TEL.11113838-4DOO - FAX: 111) 3838-4181

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Osartigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP É PROIBIOA DE TEXTOS

A REPRODUÇÃO

TOTAL

E FOTOS SEM PRÉVIA

SECRETARIA DA CIÊNCIA E DESENVOLVIMENTO

OU PARCIAL AUTORIZAÇÃO

TECNOLOGIA ECONOMICO

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uas reportagens disputaram a capa desta edição de Pesquisa FAPESP. Optamos pela que mostra um trabalho promissor em fase importante, que poderá vir a ajudar um grande número de pessoas. Trata-se da primeira vacina gênica (ou de DNA) brasileira planejada inicialmente para combater a tuberculose e que pode ser eficaz,a partir de resultados experimentais, com pequenas variações na composição e na dosagem, contra vários tipos de câncer, leishmaniose e artrite. Em três meses, a vacina sai dos laboratórios da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto para ser testada em seres humanos, já com a aprovação do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa. A formulação vem sendo trabalhada sob a liderança da equipe de Ribeirão há alguns anos e recebeu a contribuição de pesquisadores de outras plagas, como a de grupos da USP de São Paulo, do Instituto Butantan, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa FAPESP acompanha o trabalho há anos e já fez dele sua principal reportagem em junho de 1999, na edição 43. Esta presente edição é um dos raros casos em que repetimos a mesma pesquisa na capa (página 36), desta vez, a cargo do editor de Ciência, Carlos Fioravanti. Embora ainda haja um longo caminho a ser percorrido até que a vacina se prove eficaz, segura e ganhe as prateleiras das farmácias hospitalares, todos esses pesquisadores vêm cumprindo um trabalho notável, reconhecido pela comunidade científica internacional, eujas revistas especializadas têm aceitado, com freqüência, seus artigos para publicação. Esses grupos que lidam com a vacina gênica não são exceção. A produção científica brasileira vem ganhando corpo. Mas no último mês surgiu uma pequena polêmica sobre o assunto: depois de três décadas de crescimento contínuo, a produção de artigos por pes-

DE SÃO PAULO

quisadores brasileiros estaria em queda? A nossa outra candidata a capa pelo interesse que provoca na comunidade científica - é uma cuidadosa reportagem da editora de Política Científica e Tecnológica, Claudia Izique, mostrando exatamente o contrário (página 18). Tomando por base dados do Institute for Scientific Information (ISI), divulgados pelo National Science Indicatar, pode-se constatar que o número de publicações do Brasil cresce mais em relação ao dos demais países. Em 2001, os brasileiros publicaram 1,44% dos artigos científicos do mundo, o que equivale a cerca de 40% dos papers publicados pelos latinos-americanos no mesmo período. A reportagem traz outras informações que esclarecem como essa produção é medida e lembra que a ciência feita no Brasil é maior do que a indexada no 1SI. Um outro debate que vem ocorrendo há algum tempo também merece destaque. As regras que regem as patentes estão em xeque em todo o mundo, até mesmo na Organização Mundial do Comércio (OMC), que já prevê estender um mínimo de proteção para a propriedade intelectual a todos os seus países membros até 2006. O tema tem esquentado o clima entre nações ricas e menos desenvolvidas a cada vez que surge alguma querela, especialmente nas áreas de biotecnologia ~ da indústria farmacêutica. A reportagem que começa na página 26 ajuda a entender a questão. Na seção de Tecnologia, o editor Marcos de Oliveira conta as mais recentes novidades sobre o desenvolvimento de amplificadores ópticos (página 71) por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas. Os aparelhos são fundamentais para melhorar a capacidade de transmissões das redes de telefonia. Por fim, em Humanidades, informamos sobre um projeto da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) que pretende discutir como se deu, historicamente, a crescente especialização do saber científico. PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 7


MEMÓRIA Observatório Nacional completa 175 anos de serviços NELDSON

MARCOLIN

Gravura de 1880 mostra o então Imperial Observatório do Rio

Olhos no céu e na terra

outubro, o Observatório Nacional completou 175 anos. Mas poderia ter completado 272 anos. Embora sua criação oficial date de 1827, por meio de um decreto imperial, já em 1730 os jesuítas instalaram um observatório no Morro do Castelo, na cidade do Rio de Janeiro.

Cinqüenta anos depois, os astrônomos portugueses Sanches Dorta e Oliveira Barbosa montaram um outro observatório no mesmo lugar e realizaram observações regulares de astronomia, meteorologia e magnetismo terrestre. Com a vinda da família real, em 1808, o acervo foi transferido para a Academia Real Militar. O então Observatório Astronômico no âmbito

8 • NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

do Ministério do Império, de 1827, era uma necessidade do imperador Pedro I - ele precisava rapidamente de informações sobre a localização exata das terras brasileiras. Entre os trabalhos a serem realizados pelo novo organismo, estava também levantar dados astronômicos e meteoro lógicos e treinar nessas tarefas os engenheiros militares. Instalado no

torreão da Escola Militar, por duas décadas pouco se avançou. Até que, em 1845, o instituto ganhou o nome de Imperial Observatório do Rio de Janeiro, foi transferido para a Fortaleza da Conceição e, até 1850, foi novamente levado para as antigas instalações de uma igreja no Morro do Castelo. Em 1871, o cientista francês Emmanuel Liais assumiu a chefia do observatório


Observatório em 1935, no Morro de São Januário (à esq.) e o Mast hoje (abaixo), ocupando o antigo prédio do ON: evolução permanente

e direcionou os esforços exclusivamente para a pesquisa e prestação de serviços em meteorologia, astronomia, geofísica e na medição do tempo e determinação da hora. O astrônomo belga Luis Cruls sucedeu Liais em 1881 e ajudou a estabelecer e demarcar parte das fronteiras brasileiras. Em 1909, o Observatório Nacional (ON), já com esse nome, foi transferido do Morro do Castelo para o Morro de São [anuário, em São Cristóvão, onde permanece. Os serviços prestados pelo ON são numerosos. Realizou levantamentos geofísicos do território nacional, do campo magnético terrestre e, atualmente, além das pesquisas astronômicas, gera, mantém e dissemina a hora legal brasileira. Deu origem ao Instituto Nacional de Meteorologia, Laboratório Nacional de Astrofísica e Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast). Desde 1973, tem cursos de pós-graduação. Hoje, o ON olha para frente e adota estratégias para uma completa revitalização e expansão das atividades. PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 9


• POLÍTICA CIENTÍFICA

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Os ganhadores do Nobel2002

Horvitz: morte de células

I<oshiba: astronomia e raios x

Davis e os neutrinos solares

Tanaka: laser suave

A Real Academia de Ciências da Suécia anunciou a lista dos ganhadores do Prêmio Nobel deste ano. O prêmio, no valor de US$ 1 milhão, será entregue no dia 10 de dezembro.

Nobel de Medicina: dois britânicos - Sydney Brenner, presidente do Instituto de Ciência Molecular, nos Estados Unidos; e Iohn Sulston, do Instituto Sanger do Wellcomo Trust, no Reino Unido - e um norte-americano H. Robert Horvitz, do Instituto de Tecnologia de Massa-

chusetts. Eles descobriram num minúsculo verme hermafrodita, o Caenorhabditis elegans,o mecanismo de morte programada de células, conhecido como apoptose, e alguns dos genes responsáveis por esse processo considerado crucial no desenvolvimento embrionário.

• Física - O cientista japo-

• Medicina - Três pesquisadores dividiram o Prêmio

• Pesquisa ameaçada na Califórnia A recessão, que já dura dois anos e vem sendo considerada a pior já enfrentada pela indústria de tecnologia da informação nos Estados Unidos, está forçando as empresas do Vale do Silício, na Califórnia, a cortar gastos com pesquisa e desenvolvimento (Financial Times, 30 de setembro). Só entre os 30 maiores grupos da região, os gastos com P&D caíram 5% no primeiro semestre de 2002. A crise já decepou mais de 110 mil empregos e faz proliferar os cartazes de "aluga-se" nas fachadas de ex-promissoras start-ups. Os otimistas enten-

dem que a crise é passageira. Não é o que parece. As injeções de capital de risco, por exemplo, cresceram apenas US$ 147 milhões no primeiro semestre deste ano, contra US$ 6,4 bilhões no mesmo período em 2000. Muitos acreditam que os cortes vieram para ficar. E não tanto por culpa da recessão. "Nossa

10 • NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

indústria está ficando madura", diz Larry Ellison, presidente da Orade, a maior desenvolvedora de software da Califórnia. "E, à medida que se amadurece, a taxa de inovação diminui:' Pode ser. Mas, longe dali, em Redmond, chama atenção a ousadia da Microsoft, de Bill Gates, maior rival dos california-

nês Masatoshi Koshiba, da Universidade de Tóquio, e os norte-americanos Raymond Davis Ir., da Universidade da Pensilvânia, e Riccardo Giacconi, da Associated Universities, de Washington, ganharam o Nobel de Física, por suas contribuições à astro-

nos, que anunciou um aumento de 20% - ou US$ 5,2 bilhões - em P&D para este ano e montou um laboratório no vale. "Por que não?", pondera Rick Rashid, diretor de pesquisa da Microsoft. "Agora dá para contratar gente muito boa, as universidades estão todas lá e a infra-estrutura continua intacta." •


Wüthrich: ressonância

Smith dividiu

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Nobel

nomia dos neutrinos e a astronomia de raios x. Davis detectou os neutrinos solares e Koshiba contou os neutrinos emitidos por uma supernova. Giacconi construiu o primeiro telescópio de raios x.

• Química - O Nobel de Química foi dividido entre três

• Por uma nova ciência na Sérvia O professor Petar Grujic, do Instituto de Física da Universidade de Belgrado, relata, em carta publicada na Nature (29 de agosto), as dificuldades que a ciência vem enfrentando na Sérvia para superar a herança da ditadura de Slobodan Milosevic."O novo Ministério da Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento", diz, "tenta remediar os malfeitos do regime anterior, mas a resistência da 'velha guarda' é poderosa." Os problemas vão desde o êxodo dos principais cientistas até o impasse criado pela proposta do governo de destinar 0,21 % do PIE para a

Kahneman: psicólogo

Kertesz: 12 livros cientistas. Iohn Fenn, da Universidade Virginian Commonwealth, de Richmond, e Koichi Tanaka, da Shimadzu Corp., em Kyoto, foram premiados por terem inventado e desenvolvido a espectrometria de massas. Fenn criou o método conhecido como ionização por electrospray e Ta-

pesquisa científica, quando as lideranças científicas exigem 1%. Grujic questiona se um país pobre deve arcar com investimentos desse porte e se não seria melhor' priorizar a pesquisa aplicada. Outra proposta seria a transferência da pesquisa básica, hoje a cargo de institutos, para as universidades. Mas uma discussão sobre esse tema, marcada para junho, teria sido cancelada, segundo Grujic. Muitos membros dos institutos estariam negligenciando suas tarefas para dedicarse a atividades privadas. A ida para as universidades, onde eles, além de pesquisar, são obrigados a dar aulas, só faria evidenciar a corrupção. •

naka, a desabsorção por laser suave. Kurt Wüthrich, da Escola Politécnica Federal de Zurique, aperfeiçoou a ressonância magnética nuclear .

• Paz - O ex-presidente nor-

• Economia - Dois econo-

A Universidade Harvard anunciou os ganhadores do Prêmio Ig Nobel, um antiNobel para pesquisas que não devem ser reproduzidas. O Ig Nobel de Biologia foi para pesquisadores do Reino Unido, que analisaram o comportamento sexual de avestruzes em relação a humanos em fazendas de criação. O trabalho foi publicado na revista British Poultry Science, em 1998. Outro inglês, Chris MacManus, do University College, ganhou o Ig Nobel de Medicina pelo artigo Assimetria Escrotal no Homem e na Escultura Antiga, publicado na revista Nature, em 1976. •

mistas norte-americanos Daniel Kahneman, do Departamento de Psicologia da Universidade de Princeton, e Vernon L. Smith, da George Mason University - ganharam o Nobel de Economia. Os dois desenvolvem pesquisas para explicar a racionalidade ou irracionalidade dos mercados.

• Literatura

- O húngaro,

Imre Kertesz, sobreviventedos campos de concentração de Auschwitz e Buchenwald, autor de 12 livros inspirados na experiência entre os nazistas, entre 1944 e 1945, ganhou o Nobel de Literatura.

.

• Experiências radicais Organizações ligadas à pesquisa nos Estados Unidos estão oferecendo a universitá-

te-americano Iimmy Carter levou o Nobel da Paz.

Ig Nobel

rios a oportunidade de viver experiências científicas radicais (Science, 6 de setembro). A bordo de um avião da Nasa, que simula os efeitos da' gravidade zero, estudantes fazem experiências com microgravidade. Sob os auspícios da Fundação Nacional de Ciência, podem pesquisar os astros em grandes observatórios internacionais. O Departamento de Energia disponibiliza os equipamentos de fusão magnética do Laboratório Nacional Lawrence Liverrnore, na Califórnia, para as pesquisas. Esses programas visam atrair candidatos para doutorados nas áreas de engenharia e ciências, que sofreram um declínio de 20% na década de 90. •

PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 11


Um parque tecnológico na USP A Secretaria de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo (SCTDET), o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) vão iniciar, no próximo mês, a construção do núcleo do Parque Tecnológico de São Paulo (São Paulo Parq Tec), em terreno do Ipen, na Cidade Universitária, da Universidade de São Paulo (USP). No próximo ano, esses parceiros es-

• Autorizadas novas contratações O governo do Estado de São Paulo autorizou, por meio do decreto nv 47.219, de 16 de outubro, a contratação de 643 pesquisadores para preencher vagas e reforçar os quadros de 11 institutos de pesquisa vinculados a quatro secretarias de Estado. A iniciativa faz parte do Plano de Desenvolvimento e Valorização das Instituições de Pesquisa Científica e Tecnológicas do Estado, que tem como objetivo incorporar às atuais estruturas de Ciência e Tecnologia a inovação como elemento essencial e, ao mesmo tempo, estimular intervenções locais, com a perspectiva de criar as bases para o desenvolvimento sustentável. O

peram contar com o apoio do Fundo Verde-Amarelo para ampliar o São Paulo Parq Tec para uma área localizada no entorno da USP. O Núcleo do São Paulo Parq Tec, orçado em R$ 3,1 milhões, será uma espécie de condomínio empresarial, com 7 mil metros quadrados, e abrigará projetos de tecnologia que tenham sido graduados no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), instalado em prédio vizinho, e que

Plano prioriza os investimentos em inovação, formação de recursos humanos, informatização dos serviços públicos e a realização de pesquisas relacionadas ao meio ambiente. As vagas deverão ser preenchidas no próximo ano. •

necessitem espaço físico para produzir em grande escala. O projeto inclui a construção de um centro de modernização empresarial e de centros de pesquisa e desenvolvimento colaborativos para apoiar os novos empreendimentos. "Já existem algumas empresas de tecnologia interessadas", afirma Guilherme Ary Plonski, diretor superintendente do IPT. O Cietec incuba 80 empresas, número que até o final do ano deve

• Laboratório da Esalq é credenclado O Laboratório de Resíduos de Pesticidas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) foi credenciado pelo Ministério da Agricultura,

Esalq poderá verificar presença de agrotóxico em produtos

12 . NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

chegar a cem. Nessa primeira fase, o São Paulo Parq Tec contará com R$ 1,3 milhão do Fundo Verde-Amarelo de Interação Universidade e Empresa, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), e igual contrapartida da SCTDET. Um grupo de investidores também participa do projeto com mais R$ 400 mil. "Os recursos já estão aprovados e o projeto do núcleo estará pronto no ano que vem", prevê o diretor do IPT. •

Pecuária e Abastecimento para proceder análises fiscal, pericial, de controle de qualidade e orientação de resíduos de agrotóxicos para fins de fiscalização e de registro de produtos. A análise permite verificar , se há presença de agrotóxicos e sua quantidade. O laboratório foi montado há 22 anos e recebe apoio da FAPESP. "Realizamos pesquisas na área de resíduos e prestamos serviços como a análise de alimentos de redes de supermercado e de Ceasas, principalmente verduras e frutas, para estudos de orientação da contaminação eventual por agrotóxicos', diz Gilberto Casadei Baptista, coordenador do laboratório. "O Ministério exige qualidade e precisão do trabalho prestado': ele completa. •


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ti

• Diretor da NSF elogia Indicadores Rolf Lehming, diretor de Indicadores de Ciência e Engenharia da National Science Foundation (NSF), enviou carta à FAPESP na qual elogia o Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo - 2001, publicado pela Fundação. "Alan Rapoport, diretor de Ciência, Pesquisa e Estatísticas da NSF, que participou recentemente de um workshop na Fundação, voltou muito impressionado com a amplitude e sofisticação das atividades paulistas na área de ciência e tecnologia e com a meticuIosidade da abordagem dos dados, análise e divulgação das informações", afirma. "O volume Indicadores ilustra isso muito bem", conclui Lehming. •

gia aplicada à agropecuária e investigação sobre o aproveitamento da biomassa da cana para geração de energia elétrica e a utilização do álcool como combustível. A convite do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), empresas cubanas ligadas a institutos de pesquisa nas áreas de biotecnologia, informática e equipamentos médicos vão participar do 7° Fórum do Projeto Inovar, que será realizado entre os dias 21 e 22 de novembro, em São Paulo. •

• Um site para incentivar pesquisa A Escola do Futuro, em parceria com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, colocou na Internet o site Tô Ligado (www.toligado.futuro.usp.br), A idéia é criar uma comunidade virtual de aprendizagem reunindo 2.931 escolas da rede estadual para desenvolver a capacidade de fazer pesquisa. O site reúne trabalhos produzidos por professores e alunos, com orientações adicionais sobre pesquisas, Internet, multimídia, além de artigos de pedagogos e especialistas em educação. •

Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br

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Uma nova versão do site da Universidade Hebraica de Jerusalém que ajuda a simplificar a análise da função e estrutura de proteínas.

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Um curioso espaço sobre a ciência da cozinha e a ciência na cozinha que faz parte do Exploratorium, o museu de ciência, arte e percepção humana.

• Acordo aproximará Brasil e Cuba Brasil e Cuba vão somar esforços no desenvolvimento de pesquisas genômicas da cana-de-açúcar, pesquisas clínicas e pré-clínicas, e na busca de novas vacinas para doenças tropicais. Os dois países assinaram, em Havana, memorando de entendimento que prevê, ainda, parcerias em trabalhos de bioinformática, biotecnolo-

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www.agr.unicamp.br/bambubrasilis

Site sobre os mais variados usos de bambus, estudados e testados na Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp.

PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • l3


POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

CRISE

CAMBIAL

o impacto. C.lit FAPESP permitirá importação de bens de consumo, em casos excepcionais, para evitar prejuízos irreparáveis a projetos em andamento

14 • NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81


a tarde da terça-feira, 1 de outubro, o presidente da FAPESP, Carlos Vogt, encontrou-se com 24 pesquisadores, todos eles diretores de institutos de pesquisa paulistas ligados às áreas de biologia, bioquímica e ciências biomédicas, na sede do Instituto Butantan. Entre outros, lá estavam Erney Camargo, do próprio Butantan, Walter Colli, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), e Henrique Krieger, do Instituto de Ciências Biomédicas, também da USP. Em pauta, os dramáticos efeitos da conjuntura econômica do país, particularmente da crise cambial, sobre o fomento à pesquisa científica em São Paulo. E, disseminado no ambiente, um certo temor de que o até então bem defendido sistema paulista de ciência e tecnologia, sólido e estável como nenhum outro no país, estivesse ante a ameaça de prejuízos irreparáveis à continuidade de seu desenvolvimento. Explique-se: em 7 de agosto passado, diante das pesadas perdas de valor do real ante o dólar, a Fundação tomara a decisão de suspender, em caráter emergencial e temporário, a liberação de recursos destinados à importação de bens e serviços para projetos de pesquisa em andamento e a concessão de tais recursos para novos projetos. Ora, num sistema em que o grau de dependência às importações é de tal ordem que nada menos que um terço do orçamento de sua agência financiadora, a FAPESP,é executadoem dólar - por conta dos contratos de compra de equipamentos e de insumos, além do pagamento (menos significativo)de bolsas no exterior -, dá para imaginar o clima sombrio que o anúncio da medida disseminou na comunidade científica. E isso a despeito de ter sido bem ressaltado seu caráter temporário. Mas em 1 de outubro não se ia ampliar o estoque de más notícias. O que seestavalevando prioritariamente à discussãoeram formas de amenizar ou contornar os prejuízos que decorreriam da suspensão pura e simples das importações. E um passo nesse sentido, Vogt pôde explicar,acabara de ser dado com uma nova decisão da Fundação sobre importações de emergência. No texto que a anunciava, informava-se que "a fimde atender a situações extremas, em 0

0

que essa medida (a suspensão das importações) acarrete prejuízos irreparáveis ao desenvolvimento de projetos em andamento, a FAPESP poderá autorizar, em caráter excepcional e no limite de sua disponibilidade orçamentária, a importação de material de consumo e peças de reposição, na quantidade mínima indispensável': Era algo significativo, num quadro em que a cotação do dólar em reais teve um aumento de 67,5% em 2002, até o início de outubro (segundo a Folha de s. Paulo, edição de 10 de outubro. Aliás,somente na primeira semana do mês, a cotação subiria 7%). O encontro no Butantan não foi o primeiro nem seria o último entre dirigentes da FAPESP e os preocupados representantes da comunidade científica para tratar do assunto das importações. Precedeu-o uma reunião na tarde de 27 de setembro, na própria sede da Fundação, entre seu presidente, seu diretor científico, José Fernando Perez, os pró-reitores de pesquisa de quatro das cinco universidades públicas no Estado de São Paulo - Luís Nunes de Oliveira, da USP, Fernando Ferreira Costa, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcos Macari, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Nestor Schor, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - e o vice-reitor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Romeu Cardozo Rocha Filho. Foi nesse primeiro encontro, aliás, que se ajustaram os termos da medida sobre importações de emergência para material de consumo, que estão detalhados no site da FAPESP (www.fapesp.br). Outras reuniões se seguiriam: em 3 de outubro, de Perez com os membros do Conselho de Pós-Graduação e do Conselho de Pesquisa da USP; no dia 10, com a Congregação do Instituto de Ciências Biomédicas da USP; no dia 11, com a Comissão de Pesquisa da Unifesp; em 24 de outubro, com os professores da Unicamp que têm projetos apoiados pela FAPESP.Além disso, em 7 de novembro Vogt fala no Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) e, no dia 13, em Ribeirão Preto, para professores das faculdades de Medicina e de Filosofia, Ciencias e Letras da USP. O resultado dessas reuniões, ainda que persistam residualmente na comunidade científica manifestações de insatisfação e críticas à atuação da FA-

PESP,é um certo alívio e, sobretudo, o esboço de uma atitude de reconhecimento à necessidade de se enfrentar de forma conjunta e organizada os problemas que nesse momento afetam fortemente o sistema de pesquisa paulista como um todo. "A questão das importações de emergência para material de consumo foi bem resolvida e todo mundo ficou mais tranqüilo", diz, por exemplo, Luís Nunes. Ele relata que foi para a primeira reunião "com uma idéia bem definida de que havia um subconjunto da comunidade que estava ameaçado de fortes prejuízos". Era formado por pesquisadores que dependem de material de consumo perecível, como materiais radioativos, dos quais não se podem comprar grandes estoques e há que se renovar a compra a cada mês; por outros pesquisadores com projetos sazonais, que simplesmente não iriam adiante se o material de consumo não estivesse disponível em data previamente definida, caso, por exemplo, de quem precisa fazer testes de uma vacina com um grande número de pessoas já convocadas. "Essas situações estão sanadas", ressalta ele. esmo quem vê a crise cambial como "um entre vários fatores que contribuíram para perdas patrimoniais da Fundação", caso de Erney Camargo, assegura que "todos entenderam que a variação cambial impõe retração de dispêndio e ninguém questiona medidas restritivas. Fica a pre07 cupação de que as restrições não se apliquem uniformemente. Entendemos que não podem existir grupos privilegiados': Camargo acrescenta que, se as dificuldades cambiais são uma realidade, "temos de nos adaptar a isso. O processo de adaptação implica priorização, e a FAPESP agiu corretamente ao deixar por conta dos pesquisadores definir as prioridades de importação". Certamente, segundo Nunes, surgirão alguns casos especiais de importação de equipamentos, que não estão cobertos pela medida das importações de emergência e vão merecer um exame caso a caso por parte da FAPESP."Já recebi carta de uma pesquisadora cujo projeto tem urgência na importação de um equipamento, sem o que ela terá PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 15


de parar. Isso vai ter de ser examinado, e casos assim vão se multiplicar se a difícil situação cambial prosseguir por muito tempo", diz. Soluções solidárias . Aparentemente difunde-se entre a comunidade científica paulista a visão de que se está ante um problema gerado fora do sistema de pesquisa. E que, no entanto, precisa ser enfrentado também por essa comunidade e pelas diferentes instituições que compõem o sistema de pesquisa do Estado de São Paulo, numa batalha articulada por soluções de curto prazo, e outras de médio e longo prazos. Na verdade, a crise cambial que neste momento dissemina seus efeitos perversos sobre o sistema de pesquisa no país pôs a nu, de um lado, o problema da extrema dependência de bens e serviços produzidos fora do país de que padece o desenvolvimento científico nacional. E de outro, no caso paulista especificamente, a despreocupação até aqui reinante com o grau de efetiva utilização dos equipamentos importados, dada uma situação financeira que se mantinha confortável havia vários anos para a pesquisa no Estado. Que a dependência do exterior é hoje um fato preocupante, o presidente da FAPESP assinalou em artigo publicado na Folha de S. Paulo em 17 de outubro, sob o título Ciência, Tecnologia e Inovação: Urgências do Brasil. Ali, Vogt observava que "o país não tem, praticamente, nenhuma infra-estrutura para a produção dos insumos necessários ao desenvolvimento das pesquisas, sendo eles, na sua grande maioria, importados por contratos executados em dólar': Acrescentava depois que o orçamento da FAPESP, que em reais oscilou nos últimos sete anos em torno de R$ 350 milhões a R$ 400 milhões, em dólar foi reduzido, em 2002, pela metade se comparado ao de 1996 (ver tabela na página 17), "situação que se agrava pelas crises cambiais, como a que agora vivemos, que de tempos em tempos assolam o país': A partir daí, considerando que, neste caso, o que vale para a FAPESP em São Paulo vale para o sistema de financiamento à pesquisa no país, como um todo, ele concluía pela "urgência em investir na nacionalização dos produtos, sejam bens de serviço ou de capital para ciência e tecnologia e, assim, contribuir vigorosamente 16 . NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

A expansão das bolsas N° DE NOVAS CONCESSÕES 1.282 2.114 3.126 3.805 4.592 4.969 5.213 4.030

ANO 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

J

% SI ANO ANTERIOR 0,0 64,9 47,9 21,7 20,7 6,0 7,1 -22,7

J

% SI ANOBASE 100,0 164,9 243,8 296,8 358,2 379,7 406,6 314,4

Fonte: FAPESP

A evolução das concessões de auxílios ANO

J

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

NO DE NOVAS CONCESSÕES

J

2.172 2.514 3.022 3.278 3.371 3.513 3.604 3.102

% SI ANO ANTERIOR 0,0 15,7 20,2 8,5 2,8 4,2 2,2 -13,9

J

% SI ANOBASE 100,0 115,7 139,1 150,9 155,2 161,7 165,9 142,8

Fonte: FAPESP

para, de um lado, desengessar o funcionamento do sistema e, de outro, para reduzir drasticamente os seus custos': É no mesmo diapasão que toca Marcos Macari, que, em paralelo a seu cargo na Unesp, é conselheiro da FAPESP. Primeiro, ele esclarece sua posição em relação à questão da suspensão das importações pela Fundação. "Em minha leitura, a comunidade científica tem de apoiar a agência, porque a suspensão ocorreu dentro de um quadro de preocupação com a preservação do patrimônio da instituição", diz. Em relação à série de reuniões que a FAPESP vem promovendo em torno do assunto, Macari pensa que a comunidade científica precisa realmente ser informada sobre os processos de decisão que ocorrem nas agências de fomento. Sem informação, diz, "a comunidade sente-se no direito de interpretar as coisas do modo que lhe for mais conveniente': Mas, deitando em seguida um olhar mais amplo ao problema, o que ele observa é que "nosso avanço científico é dependente do avanço tecnológico nos países desenvolvidos sobre o qual não temos nenhum controle". Para o pró-reitor, "infelizmente, não temos em nosso país um pólo industrial de equipamentos de

pesquisa e mal iniciamos um processo incipiente de fabricação de reagentes". Ele está convencido de que o problema tem de ser enfrentado politicamente, porque é vital que se implantem no país empresas que produzam equipamentos e insumos para reduzir a vulnerabilidade da pesquisa brasileira. Macari entende, de qualquer sorte, que esse é um objetivo que demanda prazo e defende que nesse meio tempo se adotem políticas de maximização no uso do parque de equipamentos existente. ''A FAPESP pode adotar uma política assim. Não faz sentido ter um equipamento de US$ 30 mil ou US$ 40 mil numa sala e a mesma coisa em outra. É claro que há especificidades, padronizações, mas um mesmo equipamento pode ser, em muitos casos, compartilhado por dois ou mais grupos de pesquisa, coisa que continua sendo uma prática corrente em países como a Inglaterra, de onde acabei de voltar." Ele acredita que as épocas de crise são feitas mais para o aprendizado do que para críticas ácidas e sentencia: "Temos de preservar nossa Fundação': A idéia do compartilhamento de equipamentos é defendida também pelo pró-reitor de pesquisa da Unicamp.


Evolução do orçamento da FAPESP ANO

R$

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002*

339.502.926,80 347.833.66~06 391.017.881,15 409.024.581,19 377.582.425,82 403.817.146,52 440.941.491,51

'Projeçào

"Dólar

DÓLAR MÉDIO 1,0051 1,078 1,1606 1,8147 1,8302 2,3504 2,6717**

médio calculado sobre os nove primeiros

"Penso que o mecanismo de importação tem de ser reestudado. E compartilhar equipamentos tem de ser incentivado como uma prática necessária", resume Fernando Ferreira Costa. É uma tendência natural do pesquisador, diz ele, a de querer ter o controle total sobre o equipamento de pesquisa. "Mas se existe um equipamento com um certo grau de ociosidade no uso, por que comprar outro? Se um equipamento de geração anterior funciona, será que tem de se comprar o de última geração?" É claro que se um equipamento perdeu a utilidade, argumenta, é necessário um outro. "O bom senso tem de presidir essas decisões e nem sempre é isso que se dá': acrescenta. Ainda no campo dos esquemas de importação, Costa inclui como alternativa a ser estudada as compras em grandes lotes, que podem resultar em redução de custos. Entre as idéias levantadas para enfrentar esse momento de crise, Luís Nunes destaca também como interessante a que foi proposta por Nestor Schor, da Unifesp, de montagem de um banco de informações de produtos importados disponíveis no sistema de pesquisa de São Paulo. "Com isso, se um pesquisador tiver excesso de um produto que falta para um colega, o primeiro pode suprir a necessidade do segundo." Articulação Brasil-São Paulo - O recado sutil que parece estar por trás das palavras de Macari, em especial quando defende o compartilhamento de equipamentos, é que a comunidade científica paulista precisa entender que não se encontra tão completamente ao largo e a salvo daquilo que se passa na área de ciência e tecnologia no conjunto do país, a ponto de não admitir sequer a revisão dos critérios generosos com que tradicionalmente a FAPESP podia acolher

US$ 337.784.227,24 322.665.740,32 336.910.116A5 225.395.151,37 206.306.647,26 171.807.839,74 165.041.543AO

meses do ano

sua demanda por recursos para pesquisa. Aliás, é praticamente a mesma coisa que diz Costa, em palavras claras: "Nos últimos dez anos, a FAPESP foi uma agência que satisfez todas as necessidades da comunidade científica de São Paulo. Se a atual situação, com o desequilíbrio cambial, cria um cenário diferente, com dificuldades que antes não existiam, a comunidade e a FAPESP precisam enfrentã-lo como parceiros que são. E creio que a comunidade entenderá isso e agirá assim". O primeiro sinal que a comunidade científica paulista recebeu de que não está ao largo daquilo que se passa no sistema nacional de ciência e tecnologia foi a ampliação das exigências da FAPESP para a concessão de bolsas, a partir do ano passado, que resultaria em alguma redução no número das concessões feitas pela Fundação. A reação foi de uma certa irritação em parte da comunidade, mas aos poucos a maioria dos pesquisadores foi compreendendo o que se passava. "Os docentes têm noção clara de que vinha ocorrendo uma redução da concessão de bolsas para São Paulo, por parte das agências federais, o que terminou afetando todo o sistema", comenta Costa. De fato, o aporte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq) para bolsas e auxílios em São Paulo vem diminuindo há anos (em bolsas, de 39,2% das concessões da agência, em 1995, para 29,9%, em 2000, de acordo com a Resenha Estatística do CNPq), na contramão da demanda. E só não ocorreu um colapso no sistema de bolsas no Estado, por exemplo, porque a FAPESP teve condições de, ano após ano, até 2000, ir suprindo o progressivo recuo do apoio federal. De acordo com os relatórios anuais de atividade da Fundação, e tomando como

ano-base 1994, quando foram concedidas pela Fundação 1.282 novas bolsas, a expansão do número de novas concessões chegou a 306,5%, no ano 2000. Com isso, ultrapassou-se bastante o percentual de 30% da participação das bolsas no orçamento da FAPESP, que a instituição historicamente considerava o máximo para manter o equilíbrio do sistema, baseado no balanceamento entre bolsas e auxílios. Era preciso, portanto, tomar medidas para restabelecer o equilíbrio. Daí atingiu-se em 2001, considerando o total de bolsas concedidas em relação ao mesmo ano-base (1994), uma expansão de 214,3%. Já no caso dos auxílios à pesquisa, tomando-se também 1994 como ano-base quando foram concedidos pela FAPESP 2.172 auxílios em suas diversas modalidades -, a expansão foi de 65,9% em 2000, com a concessão de 3.604 novos auxílios, e de 42,8%, em 2001, com 3.102 novas concessões. OÇãOde que é preciso pensar o sistema paulista em articulação com o sistema nacional de ciência e tecnologia é, sem dúvida, clara, no artigo já citado de Vogt, que acumula a presidência da FAPESP com uma vice-presidência da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a entidade representativa da comunidade científica nacional. Ali ele lista, entre as urgências de ciência, tecnologia e inovação no país, a implementação da lei para garantir o não contingenciamento dos recursos federais para essa área, a autonomia de gestão financeira do CNPq, da Coordenação de Aperfei-: çoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do sistema público de ensino superior no país e, ainda, a necessidade de garantir o funcionamento autônomo e regular das fundações de amparo à pesquisa, as FAPs, onde elas existem, e a criação dessas agências nos Estados que ainda não contam com elas. Ao fim de tudo isso é que propõe o investimento na nacionalização da produção de bens para ciência e tecnologia, entre outras medidas para garantir um modelo consistente de desenvolvimento científico e tecnológico ao país. O caso da FAPESP, diz ele a certa altura, "é ilustrativo da urgente necessidade de reorganizar o sistema de financiamento de pesquisa no Brasil': •

A

PESQUISA FAPESP 81 . NOVEMBRO DE2002 • 17


• POLÍTICA CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA

INDICADORES

Produção crescente Polêmicas à parte, artigos de autores brasileiros em periódicos indexados já representam 1,440/0 da ciência mundial CLAUDIA IZIQUE

vigor da atividade de pesquisa de um país é geralmente medido pelo número de artigos publicados por pesquisadores em periódicos científicos internacionais indexados. Um dos indicadores consensualmente aceitos pela comunidade científica é o Science Citation Index (SCI) da base de dados do Institute for Scientific Information (ISI), divulgada pelo National Science Indicators. Esse indicador indexa mais de 5 mil periódicos, rigorosamente selecionados, referentes a 164 áreas do conhecimento. Pelo critério do ISI, a produção científica nacional vai muito bem. No ano passado, os pesquisadores brasileiros publicaram 10.555 artigos, número que representa 1,44% da produção de seus pares em todo o mundo. Parece pouco, mas equivale a algo em torno de 40% dos artigos científicos publicados pelos latino-americanos no mesmo período .. A base de dados do ISI revela ainda que, a cada ano, o número de publicações brasileiras cresce em relação ao dos demais países. Em 1995, representava 0,83%. Passou a 1%, em 1997 e, em 2000, quando bateu no 1,33% do total de publicações, o Brasil já ocupava a nona posição no ranking dos 20 países que registravam maior crescimento no número de artigos publicados em periódicos indexados. Nessa lista, encabeçada pela China, a Coréia do Sul- cujo modelo de desenvolvimento é considerado a antípoda do brasileiro no quesito inovação e patentes - estava em quarto lugar. ''A produção científica quadruplicou dos anos 80 até hoje", resume Carlos Henrique de Brito Cruz, reitor da Universidade Estadual de Campinas e um estudioso da cienciometria, que tem como objetivo gerar informações e estimular discussões que contribuam para superar os desafios da ciência moderna. Noutro ranking do ISI para 2000, o da classificação dos países por número de artigos publicados, o

O

18 • NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

Brasil, na época com 9.511 artigos publicados, estava na 17a posição. A China, com 24. 923 artigos publicados, ficou em 9° lugar; e a Coréia do Sul, com 12.218, em 16°. Nessa lista, o campeão são os Estados Unidos, com uma performance espetacular: 243.269 artigos publicados em revistas indexadas. O segundo colocado, o Japão, publicou 68.047 artigos; e o terceiro, a Alemanha, 62.941. É interessante registrar que, entre 1981 e 2000, o crescimento do número de artigos publicados por pesquisadores norte-americanos foi de 41,51 %, enquanto a variação porcentual das publicações do Japão e Alemanha aumentaram, respectivamente, 153,29% e 91,57% no mesmo período. No caso brasileiro, essa variação foi de 403,49%; no da China, de 1.414,16%; e no da Coréia do Sul, de inacreditáveis 5.235,37%. Detalhe: em 1981, os pesquisadores brasileiros publicaram 1.889 artigos em periódicos indexados no ISI, contra apenas 229 artigos da Coréia do Sul e 1.646 artigos de pesquisadores chineses. Neste intervalo de 18 anos, portanto, enquanto o Brasil lentamente ganhava posição no ranking de produção científica, a China e a Coréia do Sul arrancavam. O desempenho da China, Coréia do Sul e do Brasil, aliás, tem preocupado bastante os indianos. A edição nv 419 da revista Nature, de 12 de setembro, comenta que Subbiah Arunachalam, um analista da ciência da M.S. Swaminathan Research Foundation, em Chennai, na Índia, observou que, ao contrário dessas três nações, o número de artigos de pesquisadores de seu país publicados em revistas indexadas no ISI caiu de 14.983, em 1980, para 12.127, em 2000. A constatação, segundo a Nature, resultou num apelo emocionado de Arunachalam a seus pares: "Ou fazemos alguma coisa séria, ou temo que nos tornaremos, em breve, um país com ciência de terceiro mundo".

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I

Fator de impactn- O ISI Brasil: número de artigos publicados em periódicos científicos internacionais também classifica os artigos científicos por área % do Brasil % do Brasil América de conhecimento. Tamem relação à em relação Ano Latina ao mundo América Latina bém nesse quesito, a produção brasileira merece 1981 1.889 429.463 5.672 0,44 33,30 destaque. Entre 1981 e 1982 2.185 6.187 440.062 35,32 0,50 6.471 1983 2.207 448.785 34,11 2000, o número de artiOA9 1984 2.271 9.845 448.939 35,02 0,51 gos publicados na área 1985 2.313 6.915 480.973 33A5 OA8 de biologia e bioquími7.430 1986 2.480 498.666 33,38 0,50 ca, por exemplo, saltou 1987 2.525 497.337 7.797 32,38 0,51 de 192 para 816, puxan515.441 1988 2.770 8.051 34,41 0,54 1989 3.074 8.818 34,86 0,57 538.983 do o porcentual de par1990 3.555 9.622 0,64 554.229 36,95 ticipação da produção 567.578 10.208 1991 3.907 38,27 0,69 científica nacional nes11.656 1992 4.636 606.847 39,77 OJ6 sas áreas de 0,47% para 11.847 1993 4.490 598.625 37,90 OJ5 1,55% em relação ao res12.871 1994 4.833 633.992 37,55 OJ6 14.499 665.590 1995 5.508 0,83 37m to do mundo. Desempe15.953 674.195 37,97 0,90 1996 6.057 nho semelhante pode ser 677.787 1997 6.749 17.666 38,20 1,00 observado nas áreas de 19.323 702.521 1998 7.915 40,96 1,13 ciências agrárias, imuno21.516 716.477 1999 8.948 41,59 1,25 22.589 2000 9.511 logia, biologia molecular 714.171 42,10 1,33 2001 10.555 734.248 1,44 e genética,engenharia e fíl'0nte: 151, NSI __ Elaboraçã~ ~ --" Autorizada em 3/8/2001 sica, entre outras. Sabe-se que, quanto mais um país publica, mo engenharia e ciências agrárias, estamais é citado. Portanto, uma outra forInformação em Ciência da Saúde (Bima de avaliar a performance de um país reme), criaram o programa Scientific va muito próximo dessa média. Não no que se refere à produção científica é Eletronic Library On-line (SciELO), chega a ser coincidência o fato de que, uma biblioteca virtual que indexa 91 no V Congresso Mundial de Mecânica contabilizar o número de citações de Computacional, realizado em julho úlartigos nas diversas publicações, num publicações brasileiras. período de três anos, a partir de sua timo, em Viena, o Brasil tenha ficado publicação. Essa medida é conhecida artir da base de dados do em quarto lugar em número de concomo fator de impacto. Brito Cruz e [aSciELO, Meneghini refaz a tribuições, atrás dos Estados Unidos, queline Leta, do Departamento de Biocontabilidade da produção Alemanha e Japão. Participavam do química Médica da Universidade Fecientífica brasileira. Se o congresso 57 países. deral do Rio de Janeiro (UFRJ), fizeram ISI registrou cerca de as contas, utilizando os dados do NaCiência escundida- A produção éien10 mil artigos científicos brasileiros em tífica nacional, no entanto, é maior do tional Science Citation Reports 1981 5 mil publicações, em 2001, o SciELO 2000, e observaram um aumento proque a indexada pelo ISI, que contabilipublicou 5 mil artigos de 84 revistas nagressivo do fator de impacto das za os artigos publicados num universo cionais, no mesmo período; e se apepublicações brasileiras. Em 1981, regisde cerca 5 mil publicações, das quais nas 15 dessas revistas do Scielo estão apenas 15 são revistas brasileiras. "A trava-se uma citação por artigo para o indexadas no ISI, a ciência publicada conjunto publicado naquele ano. Em comparação do ISI é parcial, só pega a nas outras 69 revistas não está sendo 1998, o fator de impacto saltou para parte da produção brasileira que vai considerada, constata. Portanto, aos 1,9 citação por artigo, considerando o para o mainstream", diz Rogério Mene10.555 mil artigos brasileiros indexatotal de artigos do período. ghini, coordenador do Centro de Biolodos pelo ISI, devem ser somados algo gia Molecular Estrutural (CBME), do em torno de mais 3 mil contabilizados Brito e Iaqueline foram mais longe: pelo SciEW, perfazendo um total de 13 decidiram comparar os fatores de imLaboratório Nacional Luz Síncrotron (LNLS), outro estudioso do assunto, pacto da produção brasileira com a mil artigos em publicações internacimédia mundial, em 1998. Utilizando referindo-se à produção científica onais e nacionais. Mas mesmo amplicom visibilidade internacional. Uma como base informações das revistas ando as bases de dados, os resultados cadastradas no Journal of Citation Reparcela dos artigos publicados por podem estar subestimados: o SciELO brasileiros em revistas nacionais, ele ports OCR), publicação anual do ISI, cobre apenas uma parte da literatura eles constataram que apenas as pusublinha, não é computada. Foi exatacientífica nacional, que, ao todo, deve mente para incorporar às estatísticas somar 400 ou 500 revistas. "Há, de fato, blicações da área de física apresentaaquela ciência que fica fora do circuivam fator de impacto superior à média uma ciência escondida", conclui. mundial (veja tabela 2). Mas também to das publicações mais prestigiadas, Cabe aqui uma indagação: seria esta que ele e Abel Packer, diretor do Cenciência "escondida" de terceira categoobservaram que o fator de impacto das publicações de algumas áreas, cotro Latino-Americano e do Caribe de ria? Meneghini constatou que não. ArI

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gumenta: os índices de citação entre autores brasileiros é bastante significativo e os pesquisadores mantêm, por meio de publicações nacionais, intenso diálogo, sobretudo nas áreas de agricultura, veterinária, saúde pública e medicina tropical. "Essas áreas tratam de problemas locais que não interessam às publicações estrangeiras. Isso demonstra que essa ciência que não está internacionalmente visívelnão é lixo",avalia. A regra vale mesmo para áreas como física,química ou biologia, onde há uma certa tendência de menosprezar as publicações nacionais. "Existem artigos muito bons em revistas SciELO",ressalva. Há outros indicadores que também contribuem para a avaliação da produção científica nacional. Um deles é a base de dados do Diretório de Grupo de Pesquisa no Brasil, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que cobre 80% das atividades de pesquisa no país. Tomando-se os dados do último censo cujas informações foram coletadas entre março e julho deste ano - e considerando apenas a produção científica dos professores doutores, chega-se a um total de 24.459 artigos publicados em revistas técnico-científicas e periódicos especializados em língua estrangeira, em 2001. Mais que o dobro do número contabilizado pelo ISI no mesmo perío-

do. Os artigos publicados por professores doutores em revistas técnico-científicas e periódicos especializados, de circulação nacional somam 22.571, quase cinco vezes maior que o número de artigos publicados pelo SciELO.E o número de artigos publicados, tanto em português como em língua estrangeira, cresce sistematicamente desde 1998. Essa evolução, aliás, é até maior no caso dos artigos publicados em língua estrangeira. Não há dupla contagem nos totais das publicações, exceto no caso dos trabalhos em co-autoria, informa o CNPq. . O Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq não estratifica ou qualifica os veículos onde os artigos foram publicados, o que impede uma avaliaçãoqualitativa dessa produção. Mas os dados reforçam a idéia de que a atividade científica no país cresce, sistematicamente, permitindo um intenso diálogo entre pesquisadores brasileiros e estrangeiros. A atividade científica brasileira, no entanto, é localizada. Leopoldo de Meis e Iaqueline Leta já tinham observado, em um estudo publicado em 1996, que cerca de 70% da produção científica brasileira indexada nas bases do ISI tinha origem em instituições do Sudeste, onde, aliás, se localiza a maior parte das universidades, programas de pósgraduação e pesquisadores. Os dados

do CNPq para 2002 reforçam esta observação: 65% dos artigos publicados por pesquisadores doutores em periódicos de circulação internacional e 55% dos que circularam em revistas brasileiras tiveram origem na região Sudeste. O Sul vem em segundo lugar, com 15% das publicações em periódicos internacionais e 25% nos nacionais. É certo que o fenômeno da concentração da pesquisa não é exclusivamente brasileiro: nos Estados Unidos, cerca de 36% da produção científica indexada nas bases do ISI, em 1998, tinha tido origem na Califómia, Nova York, Nova Iersey ou Massachusetts. Mas, no caso brasileiro, é interessante registrar que todas as regiões tiveram incremento no número de publicações indexadas na base do ISI, entre 1985 e 1999, conforme constataram Meneghini e Iaqueline Leta, no capítulo Produção Científica dos Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo - 2001, publicado pela FAPESP. Os estados que mais se destacaram foram o Paraná (de 74 publicações para 608), Santa Catarina (de 55 para 372) e Minas Gerais (de 189 para 1.249). Pesquisa qualificada - Os dados da base do ISI indicam aumento absoluto e relativodo número de publicaçõesbrasileiras em periódicos indexados e um PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 21


pelo uso de parâmetros diferentes de consulta. De fato. O Web af Seience, utilizado como reArtigos completos Trabalhos Resumos de trabalhos Livros ou capítulos Ano da Total de ferência pelos pesquisadoOutras publicados em periódicos completos publicados em de livros publicados produção autores res da Unifesp, reúne todas publicações publicados especializados as três bases de dados do em anais biblioT I I ISI, num total de mais de de Periódicos Anais de gráficas Circulação Circulação Capítulos especiaeventos 8 mil publicações. Já os Livros eventos nacional internacional de livros lizados dados do MCT foram co1 letados junto ao SCI, com 5 mil publicações rigorosa2.343 11.307 19.550 31.241 22.083 8.215 3.831 65.056 1988 27.893 mente selecionadas. E a 2.396 9.368 33.540 4.932 1999 28.680 24.280 22.142 seleção criteriosa é avalis2.555 10.793 23.511 2000 28.275 24.936 37.885 5.828 ta da qualidade dos arti2.526 24.459 2001 26.571 22.938 35.749 10.972 6.163 gos publicados. O SciELO, por exemplo, indexa apeTOTAIS nas 91 das cerca de 500 Fonte: Diretório de Pesquisa do CNPq - Censo 2002 pulicações brasileiras. Os títulos são selecionados depois de uma análise da crescimento sistemático do fator de imparceria com Carl P. Dietrich, do Deperiodicidade, corpo editorial, critérios pacto desses artigos, entre 1995 e 200l. partamento de Bioquímica, e Jair de técnicos, entre outros. "Chegaremos a As informações do SciELO sugerem que 100 revistas que representam algo entre Jesus Mari, do Departamento de Psiquiatria, ambos da Unifesp, com base essa atividade pode ser ainda maior e as 80% e 90% das citações de revistas nacionais", diz Meneghini. no banco de dados Web af Science, do Diretório de Pesquisa do CNPq dão um quadro ainda mais otimista da atitambém do ISI, e em relatórios oficiais Mas a verdadeira controvérsia está do Ministério da Ciência e Tecnologia vidade científica no país. na conclusão da pesquisa realizada por (MCT). Eles constataram que, depois Como explicar esse desempenho? Helena Nader: uma das razões dessa "O crescimento da produção científica queda teria sido a redução do financiade três décadas de crescimento contímento do setor. "Não existe como a pesnuo, a participação do Brasil na producresce junto com o número de pessoas ção científica mundial caiu de 1,08%, capazes de fazer ciência", responde o quisa cair de um ano para outro", afirreitor da Unicamp. De fato, entre 1993 em 2000, para 0,95%, no ano passado. mou Gil da Costa Marques, diretor do Esses resultados contradizem as estae 2002, o número de doutores no país Instituto de Física da Universidade de saltou de 10.994 para 33.947 e o de São Paulo (USP), à Agência USP. Qualtísticas do MCT segundo as quais a participação brasileira teria represenmestres, de 6.754 para 15.265, de acorquer impacto de uma eventual intertado, em 2001, 1,44% da produção do com os dados do Diretório de Pesrupção do financiamento, ele continumundial. Essa diferença, segundo Hequisa do CNPq. O interessante é que, ou, só poderia ser sentido a longo lena tem afirmado, pode ser explicada nessa evolução, os doutores ampliaram prazo. Também falando à Agência USP, a sua participação no total Roberto Mendonça Faria, de pesquisadores brasileido Instituto de Física de São Impacto médio das publicações brasileiras e ros de 51% para 59,7%, e a Carlos, lembrou que a pesFator de Impacto médio das revistas por área quisa brasileira sofreu, em presença dos mestres caiu de 31,4% para 26,8%. 1992 e 1993, um corte brusImpacto Brasil Fator de Impacto co no financiamento. "MesÁrea Polêmicas e controvérsias 1998 da Área .--J mo assim não houve queda Mas a avaliação do desemda participação do Brasil na Ciências agrárias 0,55 penho das atividades cienprodução científica munCiências biológicas OJO tíficas no país pode gerar dial", argumentou. Ciências biomédicas 1,11 polêmicas. Helena Nader, Para Brito Cruz, o finanCiências humanas 0,22 OJ7 pró-reitora de graduação ciamento é apenas um dos Engenharias 0,49 0,50 da Universidade Federal de elementos responsáveis peFísica 1,60 lAO São Paulo (Unifesp), inquiela performance da produMatemática 0,36 0,52 tou a comunidade científica ção científica brasileira nos Medicina 1,04 1,35 ao divulgar, em agosto últiúltimos anos. "Esse cresciQuímica 1,03 1,32 mo, os resultados de seu mento é mais em função Ciências da terra 0,79 0,95 trabalho sobre a produção da base acadêmica do que de artigos por pesquisado aumento dos recursos Fonte: Journal Citation Report e National Science Citation Reports 1981/2000 Elaborado pelos autores: Carlos H. Brito Cruz e Jaqueline Leta dores brasileiros. O levanpara o financiamento da tamento foi realizado em pesquisa", conclui.

Produção bibliográfica anual de pesquisadores doutores

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• POLÍTICA

CIENTÍFICA

DIVULGAÇÃO

E TECNOLÓGICA

CIENTÍFICA

Ciência em ritmo de rap Canal Futura lança novo programa para público jovem

U

m novo programa de divulgação científica, batizado de Ponto de Ebulição, está sendo lançado pelo Canal Futura, da Fundação Roberto Marinho, em 7 de novembro, com o patrocínio da Petrobras e com o apoio da FAPESP,Siemens e Instituto Uniemp. O programa é semanal e dirigido ao público jovem, do ensino médio ou universitário. Durante 26 semanas, abordará temas como fármacos, transgênicos, energia, telemedicina, nanotecnologia, física quântiGabriel, o Pensador: ca, cidade, violência, entre ou"Os temas despertam a minha tros, com meia hora de duracuriosidade ção. O roteiro de cada um dos também como programas foi preparado pelo espectador" Laboratório de Estudos Avançados de Jornalismo (Labjor), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pela equipe do Futura. "É o único programas abordados e explicar como são dema de divulgação científica que tem senvolvidas as pesquisas, sem deixar de como alvo o público jovem, integrallado explicações sobre os impactos da mente feito no Brasil, e sobre a ciência pesquisa para a economia e sociedade, brasileira", diz Carlos Vogt, presidente ou explicitar as políticas de incentivos da FAPESP, diretor do Labjor e coorpara cada uma das áreas investigadas. denador de conteúdo do programa. Para isso, os programas incluem entrePonto de Ebulição terá formato de vistas com pesquisadores e gravações jornalismo investigativo. "Para cada um em centros de pesquisa, ancorados em dos temas, teremos uma descoberta e estúdio pelo músico Gabriel, o Pensaas respostas são obtidas junto ao amdor. "Os temas despertam a minha cubiente de pesquisa", explica Cristiriosidade também como espectador. na Carvalho, coordenadora do Núcleo Aprendo muito com eles", diz Gabriel. de Criação do Canal Futura. O objeti"Teve um sobre tuberculose, que mosvo do programa é informar o público tra que a doença ainda mata e que a sobre o significado de cada um dos tebactéria se mantém incubada por um

longo período, que me surpreendeu." "Minha cabeça pira" - Apesar do conteúdo didático, os programas conseguem manter um ritmo de rap, desde o tema musical, composto em parceria por Vogt e Escada, músico conhecido das rodas dos aficionados desse gênero. O mesmo ritmo se mantém ao longo dos 30 minutos, divididos em três blocos. Gabriel é o âncora e grava nos estúdios da MV Vídeos, em São Paulo, apresentando os temas, fazendo perguntas - que são respondidas por cientistas e especialistas entrevistados por um repórter em seus laboratórios - e faz' comentários bem ao estilo do público-alvo. Ao comentar, por exemplo, os milhares de pares de bases dos genes que compõem o genoma humano, ele diz: "Quando penso nisso, minha cabeça pira". Nesse mesmo programa, participam os pesquisadores André Luiz Vettore e Andrew Simpson, do Instituto Ludwig; Luis Eduardo Camargo, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq): Paulo Arruda, da empresa de biotecnologia Alellyx; entre outros. O programa, de acordo com o Vogt, é inovador. "Ele tem um formato novo': afirma. Além das exibições no Canal Futura, Ponto de Ebulição também será apresentado nas escolas. • PESQUISA

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• POLÍTICA CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA

Saber engajado Conselho Internacional quer cientistas comprometidos com demandas sociais

it

iência e os cientistas devem rever o princípio da neutralidade, até agora considerado basilar para a produção do conhecimento, e comprometerem-se, de um vez por todas, com as demandas mais críticas da sociedade. Essa nova postura exige que eles assumam a tarefa de prover o saber necessário para a solução de problemas considerados prioritários como, por exemplo, a preservação do meio ambiente para o desenvolvimento sustentável, organismos geneticamente modificados ou o uso de células tronco em atividades de pesquisa. O momento, como diz Iane Lubchenco, nova presidente do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU), exige que se negocie "um novo contrato com a sociedade': E o primeiro passo é o diálogo, avalia Carthage Smith, diretor executivo do ICSU. "A sociedade deve entender os limites e os riscos envolvidos no processo científico, se quisermos o progresso. O desenvolvimento e avanço da ciência depende dessa compreensão", explica. E acrescenta: "As pessoas que tomam decisões, na área política, também devem estar informadas, sob pena de bloquear o avanço da ciência". A nova agenda para a ciência neste início de século foi o tema central da 27" Assembléia Geral da entidade, que reuniu representantes de diversos países no Rio de Janeiro, entre os dias 24 e 28 de setembro último. Nesse encontro, foi aprovada a proposta de elaboração de uma agenda internacional focada num modelo de desenvolvimento que não ameace os recursos naturais do planeta. O ICSU decidiu assumir o compromis24 • NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

so de levar adiante esse projeto, frente os resultados frustrantes do Encontro Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, realizado em Johannesburgo, na África do Sul, entre os dias 26 de agosto e 4 de setembro deste ano. "Nossa prioridade máxima é chegar a uma abordagem integrada para tratar dos aspectos econômicos, ambientais e sociais do desenvolvimento sustentável", diz Iane Lubchenco. "Depois do que foi para muitos o desapontamento em relação aos resultados políticos da Rio+ 10, é realmente estimulante para a comunidade científica internacional chegar a um consenso sobre a necessidade de arregaçar nossas mangas e criar um plano para a ciência ./ voltada à sustentabilidade", completa. O ICSU, criado em 1931, é uma organização não-governamental que representa as academias nacionais de ciência e as uniões científicas internacionais. Com um total de 128 membros, a entidade atua como um plenário para a troca de idéias e dados científicos, propõe o desenvolvimento de normas e redes de colaboração internacionais para pesquisa e estabelece comitês e políticas para avaliar problemas de interesse dos cientistas. Com a decisão da 27" Assembléia sobre o desenvolvimento sustentável, o ICSU amplia o seu campo de atuação, já que assumirá também a tarefa de delinear e coordenar programas interdisciplinares de pesquisa nas áreas

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de mudanças globais do meio ambiente. Para enfrentar esse novo desafio, o ICSU vai criar escritórios regionais na Ásia, África, América Latina, no Caribe e no Oriente Médio para estreitar a colaboração regional. "Esses escritórios regionais irão possibilitar ao ICSU coletar informações sobre quais são as necessidades prioritárias dessas regiões, bem como aproximar o conhecimento tradicional do científico para enfrentar problemas locais", diz Goverdhan Mehta, presidente do ICSU e diretor do Instituto de Ciências da Índia, em Bangalore. Esses escritórios também vão atuar como centrais de informações para transferir à comunidade científica global conhecimentos obtidos em nível nacional.

Ciência e liberdade - O ICSU também decidiu examinar problemas que ameaçam o princípio universal da liberdade na condução da pesquisa. A agenda internacional da ciência, na avaliação da entidade, exige, cada vez mais, colaborações que integrem os diversos campos de conhecimento e que envolvam a participação de vários países. Para tanto, defende três princípios básicos: liberdade para a prática científica e para a publicação de resultados; liberdade de comunicação entre os pares e de divulgação de informações científicas; e liberdade de locomoção de materiais relativos a pesquisas científicas. No entanto, após os atentados terroristas em II de setembro de 2001, por exemplo, os Estados Unidos passaram

a adotar medidas de segurança que têm criado dificuldades para pesquisadores de alguns países obterem visto para participar de conferências científicas. Em setembro último, o então presidente do ICSU, Hiroyuki Yoshikawa endereçou carta ao secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, manifestando preocupação em relação a esse problema e, ao mesmo tempo, buscando inciar um diálogo para um futuro acordo "mutuamente satisfatório para as partes envolvidas", conforme o texto de documento distribuído pela entidade. Quaisquer restrições nos princípios defendidos pelo ICSU poderão causar "um impacto negativo aos valores da ciência, tanto em nível nacional como internacional", de acordo com o documento. Boicote acadêmico- Em abril último, o ICSU já tinha divulgado uma declaração conjunta contra "um boicote acadêmico a cientistas israelenses" e contra a demissão de dois intelectuais também israelenses de suas funções nos conselhos editoriais de duas revistas publicadas no Reino Unido. Essas medidas violam os princípios defendidos pela entidade. "Entendemos as fortes reações geradas por conflitos por exemplo, aquele que ocorre no Oriente Médio -, bem como o desejo de indivíduos e grupos de boicotar ou demonstrar contrariedade ou desgosto pelas ações de governos nacionais e de outros setores. No entanto, fazer isso por meio de ações contra intelectuais isolados é sacrificar um princípio de liberdade profundamente importante", consta no documento assinado pelo Conselho Científico do ICSU - do qual faz parte José Galizia Tundisi, vice-presidente de Planejamento Científico da entidade e pelos membros do Comitê Permanente para a Liberdade na Condução da Ciência (SCFCS). "Queremos examinar essas questões por meio de várias perspectivas e achar soluções que nos possibilitem trabalhar conjuntamente com governos e representantes políticos no sentido de assegurar que o direito universal dos cientistas se mantenha intacto', explica Peter Warren, presidente do SCFCS. • PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 25


• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA PATENTES

Apelo à flexibi Iização Regras para a propriedade intelectual acirram debate entre países ricos e pobres

REINALDO

JOSÉ LOPES

ituaçãoatual das patentes no mundo só pode ser definida como esquizofrênica. De um lado, seu uso como instrumento de proteção da propriedade intelectual e de estímulo à inovação tecnológica nunca foi tão pregado por ricos e pobres: a intenção da Organização Mundial de Comércio (OMC) é estender um mínimo de proteção patentária a todos os seus 142 países membros até 2006, e nações como o Brasil têm como meta quase obsessiva aumentar o número de patentes nacionais depositadas aqui e no exterior. De outro, os países subdesenvolvidos parecem ter entrado numa luta mortal (por enquanto, relativamente bem-sucedida) para reduzir o monopólio patentário dos países ricos, principalmente nas áreas da biotecnologia e da indústria farmacêutica. A última vitória nessa guerra, por sinal, veio

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em outubro passado: durante a assembléia-geral da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), em Genebra, na Suíça, os países pobres conseguiram deter o avanço de um projeto que pretende estabelecer um sistema global de patentes, abolindo as prerrogativas dos escritórios de patentes nacionais para aprovar ou negar determinado pedido. A resposta para essa oscilação entre dois extremos pode estar num princípio muito citado nas cúpulas mundiais sobre desenvolvimento sustentável, em geral ignorado na prática: o das responsabilidades comuns, mas diferenciadas. "Não estamos dizendo que os países pobres não deveriam obedecer às leis de patentes': afirma Iohn Barton, professor da Faculdade de Direito da Universidade Stanford, nos Estados Unidos. "O que estamos dizendo é que as regras devem ser estabelecidas com os interesses deles em mente", diz o advogado.

Barton coordenou a criação do relatório Integrando Direitos de Propriedade Intelectual e Política de Desenvolvimento, encomendado pelo

governo britânico a uma comissão internacional de especialistas e concluído em setembro. A mensagem do texto, uma brochura de 200 páginas pesadas, mas elucidativas, é um chamado à flexibilização. "Chegamos a essa conclusão observando três pontos principais: em primeiro lugar, a eqüidade exige que os pobres paguem uma parcela menor dos custos de R&D [P&D ou "pesquisa e desenvolvimento, em inglês1 do que os ricos. Em segundo lugar, países mais pobres freqüentemente não têm cientistas que possam ser beneficiados por regras de propriedade intelectual. E, finalmente, a história nos mostra que muitas das atuais nações desenvolvidas prosperaram em períodos de propriedade intelectual mais fraca': afirma Barton.


Lições da História - De certo modo, a discussão sobre fortalecer ou flexibilizar o sistema de patentes não faria o menor sentido para os atuais países desenvolvidos se fosse colocada quando eles próprios ainda estavam subindo a rampa para o Primeiro Mundo. Quase todos, nessa fase de seu desenvolvimento, optavam por um modelo que privilegiava a incorporação da tecnologia alheia ao menor custo possível. Basta dizer que os Estados Unidos, até 1861, tentavam inibir o registro de patentes estrangeiras cobrando uma taxa dez vezes maior do que a exigida de inventores norte-americanos; até 1836, só eram concedidas patentes a naturais do país. O crescimento econômico de países asiáticos, como Japão e Coréia do Sul, também esteve atrelado, na origem, a um sistema patentário mais frouxo. Para alguns tipos de produtos, o tempo de proteção não ia além de três anos, enquanto outros (como remédios e produtos quí-

micos) só passaram a gozar de garantia patentária muito recentemente (no caso dos medicamentos no Japão, apenas em 1976). Não é à toa que, de acordo com estimativas feitas pelo Banco Mundial, a Coréia do Sul seria o maior perdedor com o estabelecimento de um sistema único de proteção patentária no mundo: os coreanos perderiam até US$ 15 bilhões anuais, enquanto os Estados Unidos seriam os maiores beneficiários, ganhando US$ 19 bilhões a mais por ano. Batalha farmacêutica - Por enquanto, o campo de batalha no qual os países subdesenvolvidos estão conseguindo impor em bloco o seu poder de barganha é o da indústria farmacêutica. Mas não sem resistência, em especial dos Estados Unidos - embora o mundo subdesenvolvido responda por apenas 20% do mercado farmacêutico do planeta, essa porcentagem se refere a uma soma de US$ 406 bilhões anuais.

A política dos países mais importantes do bloco subdesenvolvido, notadamente Brasil e Índia, vem sendo ameaçar medicamentos caros, mas indispensáveis, como o coquetel de drogas anti-retro-' virais usado para combater a Aids, com a chamada licença compulsória. Nesse caso, indústrias do país recebem permissão para produzir uma versão genérica do medicamento da multinacional. Por enquanto, só a ameaça já tem funcionado na maioria dos casos: para evitar a quebra de patente, as empresas farmacêuticas têm concordado em reduzir o preço de seus medicamentos. A pressão para obter preços mais razoáveis tem, aparentemente, razão de ser: para um paciente dos países ricos, o coquetel anti-Aids custa US$ 10 mil anuais, enquanto os gastos para produzi-lo não ultrapassam US$ 500, de acordo com estudo do economista norte-americano Jeffrey Sachs, da Universidade de Harvard. PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 27


Os US$ 9.500 que sobram nessa conta, argumentam as multinacionais farmacêuticas, se referem aos gastos do setor com pesquisa - que chegam a US$ 20 bilhões por ano e cobrem testes com nada menos que 10 mil medicamentos para que cinco deles cheguem aos testes com humanos. Para recompensar esse esforço, a legislação norte-americana confere 20 anos de monopólio patentário a cada novo medicamento registrado. esar

de todos esses argumentos, porém, o desafio parece estar sendo vencido pelo outro lado: na última ~ conferência mundial da OMC, realizada em Doha, no Qatar, em novembro do ano passado, os países pobres conseguiram incluir uma declaração de que a defesa da saúde pública não poderia ser impedida pelas determinações do Acordo sobre Aspectos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips), na sigla em inglês, a Bíblia da OMC para a questão patentária. A inclusão da declaração em defesa da saúde pública foi considerada uma vitória do Brasil e seus aliados do Terceiro Mundo e do então ministro José Serra. Para Barton, o resultado de Doha é um exemplo do caminho a seguir: "O sistema de propriedade intelectual é crucial para a indústria farmacêutica no mundo desenvolvido. Mas a extensão desse sistema para os países mais pobres, como os da África Subsaariana, por exemplo, traz pouco ou nenhum incentivo (a área responde por apenas 1% das vendas)", afirma. De outro lado, a vitória também traz benefícios econômicos para países subdesenvolvidos, como a Índia, cuja indústria de genéricos é uma das maiores do mundo.

Patenteando a evolução - Está longe o tempo em que o cientista lonas Salk, criador da primeira vacina a derrotar a paralisia infantil, respondeu com a frase: ''Alguém pode patentear o Sol?" aos que sugeriram que ele reservasse direitos de propriedade intelectual sobre a sua descoberta. Uma batalha ainda indefmida nesse campo é saber se o avanço da biotecnologia e da engenharia genética vai transformar a patente de genes e até de organismos vivos inteiros em regra no mundo todo. 28 • NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

Quem deu início aos dilemas éticos ligados a essa questão foi a empresa norte-americana General Electric, que conseguiu, em 1980, a primeira patente sopre um ser vivo - no caso, uma bactéria geneticamente modificada pelo microbiologista indiano Ananda Chakrabarty para digerir petróleo. No rastro desse caso polêmico, que recebeu parecer positivo da Suprema Corte dos EUA depois de dez anos de debate, outras patentes vieram - dessa vez sem a desculpa ecologicamente correta de limpar derramamentos de petróleo. Tornou-se moda patentear genes dos mais variados organismos. Em 2000, somente aCelera Genomics (ex-empresa de seqüenciamento da estrela genômica Craig Venter) havia depositado 6.500 patentes referentes a genes no USPTO, o Escritório de Marcas e Patentes dos Estados Unidos (USPTO). A única exigência do órgão é que a função do gene seja conhecida. A legislação brasileira e a da maioria dos países da América Latina proí-

bem o patenteamento de seres vivos no todo ou em parte - o que, claro, inclui genes. "Seria como patentear a tabela periódica", costuma comparar Edgar Dutra Zanotto, da Universidade Federal de São Carlos (UFScar) e coordenador do Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP.Dessa forma, só seria possível patentear processos ou produtos (como diagnósticos ou medicamentos) baseados numa seqüência de DNA, uma vez que ela, por si só, poderia ser encontrada por qualquer um na natureza. Mesmo assim, a pressão norte-americana para incluir seres vivos ou seus genes debaixo do guarda-chuva legal de um sistema global de patentes vem crescendo. Nesse ponto, a União Européia e sua política francamente contrária ao abuso genético se alinham à América Latina - como foi demonstrado na última assembléia da OMPI, em Genebra. Paradoxalmente, há um campo que a imensa maioria dos países pobres tem


tentado incluir no sistema de proteção à propriedade intelectual, e não retirá10 dele. Trata-se do conhecimento tradicional sobre a biodiversidade nativa dos países megadiversos do Terceiro Mundo, uma área que se tornou o centro de muitas expectativas (quase sempre frustradas) desde a criação da Convenção da Biodiversidade, na esteira da Eco-92. Nesse documento (ratificado até hoje por 168 países, entre os quais não estão os EUA), estipula-se que produtos criados a partir do conhecimento de populações tradicionais sobre a biodiversidade deveriam render direitos de propriedade intelectual a esses povos - os quais teriam de ser informados previamente e concordar com o uso desses recursos. A realidade se mostrou muito aquém dessas boas intenções. Até agora, não existem casos bem-sucedidos em que o consentimento prévio e informado e a repartição de benefícios para a comunidade ocorreram - em parte porque a

dinâmica do conhecimento tradicional não se presta muito bem à trailsformação em patentes. "O caso hipotético clássico para explicar isso é o de uma tribo indígena que vive espalhada pela Amazônia colombiana e brasileira e usa determinada planta com potencial para gerar um remédio': diz a bióloga Nurit Bensusan, da organização não-governamental Instituto Socioambiental (ISA). "Se uma empresa faz um acordo com a parte brasileira da tribo, tem de fazer com a parte colombiana também, que pode estar sob uma legislação totalmente diferente da brasileira?': questiona a bióloga.

o futuro - A resposta ao dilema acima, assim como os que cercam a internacionalização cada vez maior do sistema patentário, só pode vir caso a caso, sugerem os especialistas. Apesar das vitórias farmacêuticas, o Brasil não poderá se esquivar indefinidamente de um regime de patentes mais rígido, afirma

Zanotto. "Patentes devem ser respeitadas, a não ser em raros casos de epidemia ou catástrofe. O problema, então, resume-se a quem, com que velocidade e como julgar eventuais pedidos de quebra. Que um órgão apropriado, como a própria OMC, crie um comitê de alto nível, representativo tanto dos países emergentes como dos desenvolvidos, que analise rapidamente, caso a caso, cada solicitação de quebra de patente:' Para o coordenador do Nuplitec, os países emergentes, como Índia e Brasil, também precisam fortalecer seu próprio sistema patentário. Barton diz acreditar que o equilíbrio pode ser alcançado: "Doha mostrou que um meio-termo viável entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento é do interesse de todos. Não é esquizofrênico concluir que precisamos de mais propriedade intelectual em alguns contextos e menos em outros - o segredo é tornar ambas as partes do sistema apropriadas e efetivas': • PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 29


A Revolução da Linha Chronos

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A Natura A linha Natura Chronos revolucionou os conceitos de tratamentos cosméticos anti-sinais. Com ela, a Natura introduziu no mercado brasileiro o ácido glicólico e os AHAs (alfa-hidroxiácidos), para estimular a renovação celular: Em seguida, incorporou as talasferas - microcápsulas de origem marinha - que protegem e transportam as vitaminas puras até as camadas mais profundas da epiderme. Essa tecnologia, desenvolvida nos laboratórios Natura, com o apoio de parceiros internacionais, permitiu que se preservassem nas formulações as propriedades das vitaminas C, E e A, altamente instáveis. Entre vários grupos de pesquisadores especializados, escolhemos o Prof. Dr: Ladislas Robert, renomado cientista da Universidade de Paris, para ser nosso parceiro em um projeto de desenvolvimento de um ativo que revertesse a perda da elasticidade cutânea e cujo mecanismo de ação ocorresse por meio da comunicação celular: Nas pequisas foi identificado o ativo mais promissor; o elastinol. A área de Pesquisa e Desenvolvimento criou, então, novas formulações da linha Chronos, testadas em análises clínicas e dermatológicas, quanto a sua segurança e performance.

Empresa 100% brasileira, a Natura pesquisa, cria, desenvolve, distribui e comercializa cosméticos e produtos de higiene, perfumaria e saúde, com um portfólio que, atualmente, conta com cerca de 600 produtos. Operando através do sistema de venda direta, alcança seus consumidores por meio de 290 mil Consultoras independentes que levam a marca para aproximadamente 5 mil municípios brasileiros e ao mercado latino-americano: Argentina, Chile e Peru. Em 200 I, inaugurou em Cajamar; São Paulo, o Espaço Natura - o maior e um dos mais avançados centros integrados de Pesquisa e Desenvolvimento da América Latina. Se você está interessado em receber o artigo do Prof. Dr. Ladislas Robert, envie um e-mail para jeangesztesi@natura.net

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LABORATORIO • A arqueologia do milho e do feijão

Varíola bovina no Vale do Paraíba Na região de Guaratinguetá, no Vale do Paraíba, um surto de varíola que surgiu há pouco mais de um ano já atingiu 1.500 cabeças de gado leiteiro e quase 100 trabalhadores rurais. As análises dos institutos Biológico e Adolfo Lutz revelam que o vírus causador do surto pertence ao gênero Orthopoxvirus, mas falta saber o mais difícil: a cepa (variedade) do vírus. Pode ser um cowpox, causador da varíola bovina verdadeira, cuja ocorrência no Brasil e nas Américas jamais foi notificada, ou um vírus vaccinia, usado na vacinação contra a varíola. A segunda hipótese seria a mais provável não fosse pelo fato de essa cepa não circular no país há 20 anos, desde as últimas campanhas de vacinação contra essa doença. Seja qual for a cepa, essa forma de varíola é bastante rara tanto no gado quanto no homem. Transmitida pelo contato, provoca pequenas bolhas no úbere das vacas, reduzindo a produção de leite, e, nas pessoas, pequenas vesículas nas mãos e braços, além de febre e cansaço - pode ser perigosa apenas para irnunossuprirnidos e transplantados. De qualquer forma, esse já é um dos maiores surtos nacionais de varíola causada por um Orthopoxvirus. Houve uma epidemia em 1986, em Minas Gerais, com 4.800 va-

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o vírus: variedade

inédita ou fora de circulação há 20 anos

cas e cem pessoas atingidas, e um surto dez anos depois, em Araçatuba, no interior de São Paulo, provocado por um vírus semelhante ao vaccinia, segundo análise feita na Universidade. Federal de Minas Gerais (UFMG). Em 1998, houve casos em Tabuado, Mato Grosso do Sul, e em Matrinchã e Rio Verde, Goiás. "A varíola bovina parece ser endêmica em algumas regiões do país", diz Edviges Maristela Pituco, do Instituto Biológico, que isolou e classificou o vírus do Vale do Paraíba. No Adolfo Lutz, lonas Kisielius e Marli Ueda, da Seção de Microscopia Eletrônica, confirmaram que se trata de um Orthopoxvirus ao analisar amostras de 60 pacientes infectados: 37 tinham o vírus. Com base

nos resultados de ocorrências recentes da doença, Erna Kroon, da UFMG, que seqüenciou o vírus encontrado em' Araçatuba, assegura: esse surto é causado por uma variedade do vaccinia, que assim funcionaria como uma vacina para as pessoas infectadas. A certeza só virá com o seqüenciamento do vírus, que os pesquisadores do Biológico e do Adolfo Lutz pretendem começar ainda este ano. Mas uma coisa já é certa: trata-se de uma versão branda do vírus, nem de longe comparável à cepa mais perigosa do mesmo gênero, o smallpox, erradicado do mundo todo desde o final dos anos 70 e atualmente tão temido nos Estados Unidos por ser um suposto candidato a arma biológica. •

o agrônomo Fábio de Oliveira Freitas, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, descobriu a possível origem do milho (Zea mays) e do feijão (Phaseolus vulgaris) plantados pelos índios brasileiros nos últimos milhares de anos e revelou informações dos intercâmbios entre as populações primitivas das Américas. Freitas analisou amostras de milho arqueológico - com idades entre 550 e 1.000 anos, encontradas no Vale do Peruaçu, no norte de Minas Gerais - e contemporâneo, plantado por índios de São Paulo, Minas, Mato Grosso e do Paraná, e outras forneci das por agricultores brasileiros e do Paraguai. O pesquisador complementou os dados com informações de estudos que investigaram grãos arqueológicos de paí-

Milho de Minas: 32 • NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

Lobo

anos


ses andinos e amostras atuais coletadas do sul dos Estados Unidos até o Chile. Ao analisar o gene Adh2 dessas amostras, constatou que existiam três variantes. Todas ocorrem no milho do México, onde se estima que a planta foi domesticada há 7 mil anos. Na América do Sul, porém, houve uma nítida separação. Nos Andes, do Peru ao Chile, havia um milho com uma variante mais simples, chamada primitiva, provavelmente levado para a região por uma migração ocorrida há 5 mil anos. No Brasil, o milho tinha outro tipo de variante, a complexa, e pode ter sido trazido por migrantes que entraram na América do Sul pelo Panamá há 2 mil anos e se adaptaram às regiões de terras baixas. No estudo, aceito para publicação no [ournal of Archeological Sciences, Freitas sugere que houve pouco intercâmbio, ao menos em termos alimentares, entre os grupos que habitavam essas duas regiões distintas, uma vez que somente na porção sul do continente detectou um padrão diferente: características do milho dos Andes em amostras recentes do Paraguai e de milho das terras baixas em material arqueológico do Chile. A análise das amostras de feijão levou a resultados semelhantes. •

• Segunda bactéria do genoma nacional Após encerrar o genoma da bactéria Chromobacterium violaceum, encontrada sobretudo nas regiões tropicais do planeta, a Rede Nacional do Projeto Genoma Brasileiro iniciou o seqüenciamento do genoma de outra bactéria, a Mycoplasma synoviae, escolhida por causa do impacto econômico: causa infecções

Piercing:

to de Patologia da Universidade Federal de São Paulo (Unífesp), detectou três casos em que os pacientes tinham lesões pré-cancerosas - em outras palavras, que poderiam virar câncer a qualquer momento. Segundo Cerri, a movimentação do adorno metálico na língua é a causa das alterações celulares que podem originar o tumor. "Como as lesões são microscópicas, pode levar muito tempo para que sejam detectáveis a olho nu», diz. •

riscos de inflamação crônica e câncer

pulmonares em galinhas e é transmitida por meio de ovos contaminados. "Esse projeto significa a consolidação da rede», diz Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos, do Laboratório Nacional de Computação Científica e coordenadora de bioinformática. A rede funcionará com os mesmos 27laboratórios de seqüenciamento e uma única modificação: a biblioteca de DNA será feita pela equipe de Arnaldo Zaha, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A previsão é que comece este mês a anotação (interpretação) do genoma da bactéria, estimado em 800 a 900 mil pares de bases. •

• Os perigos da vaidade Colocar um piercing na língua esconde sérios perigos: aumenta o risco de infecções

crônicas e de câncer. Ao fazer biópsia em 60 pessoas que usavam piercing havia pelo menos dois anos, a equipe do dentista Artur Cerri, da Faculdade de Odontologia da Universidade de Santo Amaro (Unisa), constatou que 40% apresentavam inflamação crônica acentuada na porção da língua em que ficava o adorno. Do total de voluntários, 12 tinham lesões em estágio mais avançado, com perda da camada de células que recobre a língua e exposição dos tecidos mais profundos. "Em ambos os casos, as)esões podem desaparecer após a retirada do piercing ou podem se transformar em tumor benigno e até maligno», explica Cerri. "O risco de câncer aumenta mais ainda para quem fuma ou bebe», completa. O estudo, feito em colaboração com Plínio Santos, do Departamen-

• Os parasitas preferem os machos Quanto maior e mais forte é um macho mamífero, mais parasitas ele atrai. Isso explicaria por que as fêmeas vivem mais. Foi o que concluíram os ecologistas Ken Wilson e Sarah Moore, da Universidade de Stirling, na Escócia, a partir de um estudo que examinou 355 trabalhos científicos sobre a ação de mosquitos, larvas e sanguessugas entre os mamíferos (Nature, 4 de outubro). E mais: quanto maior é o macho em relação à fêmea, menor é sua média de vida comparada à dela. As orcas machos, por exemplo, pesam quase o dobro de suas companheiras e vivem cerca de 30 anos, quando elas chegam a durar 50. A explicação estaria, em grande parte, no sexo. Como em diversas espécies, o macho mais forte é o que angaria mais fêmeas, quanto mais cresce, mais copula. Mas quem é maior come mais, anda mais, briga mais. Enfim, expõe-se mais aos riscos de contaminação por parasitas. Desse ponto de vista, a vida curta seria o preço a pagar pelo sucesso sexual. • Orcas: fêmeas vivem mais

PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 33


Cultura machista dificulta combate à Aids Uma série de estudos, publicados em agosto no suplemento sobre prevenção contra o HIV da Revista de Saúde Pública, mostra que prevalece entre os homens a crença de que não há risco de se infectar - principalmente nas relações sexuais dentro do próprio casamento ou com parceira fixa - e de que apenas o homem trai a parceira - atitude vista na maioria das vezes como aceitável. Essa visão é forte entre os 279 motoristas de caminhão que trabalham no Porto de Santos, entrevistados por pesquisadores de Santos e das universidades de São Paulo (USP) e da Califórnia. Embora 93% dos motoristas tivessem parceiras fixas (esposas ou namoradas), a

• Alimentação turbulenta

o paradoxo de Darwin era um desafio. O pai do evolucionismo definiu os recifes de coral como oásis no deserto do oceano, mas não explicou como eles prosperam vivendo em águas claras, tão pobres em nutrientes. Marlin Atkinson, do Instituto de Biologia Marítima do Havaí, e Cliff Hearn, da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, parecem ter encontrado a solução (NewScientist, 27 de setembro). No minioceano do Biosfera 2, um laboratório no deserto do Arizona, eles monitoraram o efeito das ondas do mar sobre os recifes e concluíram: a superfície extremamente áspera dos corais os ajudaria a am-

Caminhoneiros: conceitos próprios sobre fidelidade conjugal maior parte (66%) mantinha relações sexuais fora do relacionamento, com parceiras freqüentes ou prostitutas. A maioria (69%) achava que não corria risco de ser infectado pelo HIV, apesar de o uso de preservativo variar muito: de 6%

(penetração vaginal com a parceira fixa) a 66% (sexo vaginal com profissional do sexo). Entre os motoristas, era comum a idéia de que apenas o homem busca relações extraconjugais, ainda que parte deles mantivesse relações com mulheres ca-

plificar a turbulência formada pelo impacto das ondas, rompendo a camada de água parada que se forma em torno dos corpos submersos. Livres de~sa proteção, conseguiriam tragar nutrientes dispersos ao redor. A experiência comprova: quanto maior a turbulência, mais rápido é o crescimento dos corais. •

• Árvores revitalizam o solo africano Um novo sistema para a refertilização de solos esgotados na África do Sul- uma das principais causas da atual crise de alimentação nesse país - está beneficiando mais de 50 mil pessoas (The Economist, 24 de agosto). O método, desenvol-

Corais: superfície áspera amplia as ondas e atrai nutrientes

34 . NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

sadas - algumas delas, mulheres de outros caminhoneiros. Também chamou a atenção o fato de o risco ser depositado no parceiro sexual e não no próprio comportamento. Cristiane Meireles da Silva, do Instituto de Psicologia da USP, observou um ponto de vista semelhante ao entrevistar dez homens casados da periferia de São Paulo: o uso de preservativos se restringia praticamente às relações extraconjugais, mas não no sexo com a própria mulher. Esses homens cultivam um conceito de fidelidade masculina diferente, que não significa ter uma única parceira, mas respeitar a esposa ao usar camisinha nas relações fora do casamento. •

vido por Peter Sanchez, pesquisador da Universidade da Califórnia laureado com o prêmio Alimentação Mundial, consiste tão-somente em fazer crescer leguminosas em meio às lavouras de alimentos. Na ' África, a falta de recursos para a aquisição de fertilizantes é um forte obstáculo à renovação do nitrogênio no solo. Sabe-se há anos que as leguminosas extraem nitrogênio do ar ao sintetizar proteínas, mas o método de Sanchez inova ao propor o uso de árvores leguminosas em vez de leguminosas herbáceas, como a alfafa, e o cultivo simultâneo, em vez de alternar anualmente o plantio de leguminosas com o de alimentos. Assim, as árvores crescem junto com a plantação e suas folhas carregadas de nitrogênio, ao cair, enrique-


cem o solo para a próxima safra. Sanchez calcula que para seu método beneficiar o país todo seriam necessários US$ 100 milhões ao longo de uma década. Não parece muito, levando-se em conta que a África do Sul espera receber uma ajuda de US$ 500 milhões em alimentos para livrar sua população da fome. •

• Esperança para carecas e grisalhos Um passo importante na guerra contra a calvície e os cabelos brancos: a equipe do biólogo Ronald Hoffman, da empresa californiana AntiCancer, conseguiu modificar geneticamente a cor dos pêlos de camundongos de laboratório (NewScientist, 14 de setembro). "São ratos punks", diz Hoffman, apontando para as cobaias cobertas de pêlos verdes - e de um indiscreto verde fluorescente, fruto de um minucioso procedimento científico. Primeiro, os pesquisadores introduziram em um adenovírus um gene de medusa cuja função é sintetizar uma proteína que emite um brilho verde. Depois, retiraram do vírus os genes que o replicam, para assegurar que sua carga genética seria transferi da para as células das cobaias sem infectar o restante do corpo. Mergulharam nacos de pele de camundongo em uma solução contendo o vírus até observar que 80% dos pêlos que aí nasciam tinham coloração verde. Só então enxertaram essa pele nos folículos capilares de camundongos completamente sem pêlo. Os pêlos transplantados continuaram crescendo em todos os sentidos. Hoffman, porém, faz questão de explicar: sua experiência é só um primeiro passo na luta

contra a calvície, pois os genes que a produzem ainda não são conhecidos. •

• Folhas identificadas por computador Para saber a que espécie pertence uma planta que acaba de ver na mata, o botânico coleta uma folha e a coloca sobre a tela de um computador, que dá a resposta de imediato. Esse dia pode ainda estar longe, mas Odemir Martinez Bruno, professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, fez o que considera o primeiro passo: um programa de identificação de folhas, o TreeVis. Em um teste feito com 283 amostras de folhas de 59 espécies de árvores _da Mata Atlântica e do Cerrado,

o programa apresentou um índice de 80% de acerto. O TreeVis classifica as folhas de acordo com suas formas (área, simetria, bordas e nervuras), textura e distribuição dos pigmentos, entre outras variáveis. Desse trabalho já surgiu outro programa, que prevê como as hortaliças envelhecem após ser colhidas. Em conjunto com a Embrapa Instrumentação Agropecuária, de São Carlos, Bruno faz os primeiros testes desse filhote do TreeVis com uma espécie que se estraga rapidamente depois que é retirada da horta, a couve (Brassica oleraceae). "O maior desafio ainda é reconhecer todas as espécies de um sistema florestal como a Mata Atlântica tão logo as folhas sejam coletadas", diz o "pesquisador. "Em cinco ou dez anos podemos chegar lá." •

• Um passo além da barreira da luz Com um equipamento de baixo custo - dois cabos coaxiais de extensão diferentes ligados a dois aparelhos que geram impulsos elétricos alternados -, Ieremy Munday e Bill Robertson, da Universidade de Middle Tennessee, nos Estados Unidos, conseguiram enviar sinais elétricos a uma distância de 120 metros com uma velocidade de 4 bilhões de quilômetros por hora, quatro vezes superior à da luz (NewScientist, 2l de setembro). O resultado superou as distâncias percorridas em experiências anteriores, mas apenas o pico e não a totalidade dos impulsos transmitidos ultrapassa a barreira da luz, o que impossibilita a transmissão de informação nessa velocidade. • ",xte;

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TreeVis: 80% de acerto com árvores da Mata Atlântica e do Cerrado

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CIÊNCIA

/Oalv~ easau e humana Começam os testes em seres humanos da primeira vacina gênica desenvolvida no Brasil que em laboratório se mostrou eficaz contra câncer e tuberculose CARLOS

FIORAVANTI

o máximo em três meses, começa um capítulo decisivo da história da primeira vacina gênica desenvolvida no Brasil: os testes em seres humanos. A formulação criada e aperfeiçoada ao longo de dez anos pelo bioquímico Célio Lopes Silva, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, originalmente para prevenção e tratamento da tuberculose, será aplicada em um grupo restrito de 18 pessoas, em fase avançada de câncer de cabeça e pescoço, que não respondem mais a nenhum outro tratamento. Nessa fase, cuja execução foi aprovada em agosto pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), pretende-se avaliar se o composto apresenta efeitos tóxicos, ainda não verificados em animais de laboratório, qual a melhor dosagem e se realmente pode conter o avanço de tumores. "Os resultados, se positivos, devem servir para guiar outros estudos clínicos (em humanos) da vacina gênica', comenta Silva. Planejada detalhadamente ao longo deste ano, a próxima etapa da pesquisa pode representar uma evidência mais concreta de que essa vacina de DNA, como também é chamada, funciona como medicamento, atuando quando uma doença já se instalou no organismo, e não apenas como uma tradicional vacina, de caráter preventivo. Na verdade, os estudos mais recentes nessa área ampliam o significado da palavra vacina, que hoje PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 37


não representa só algo que evita uma doença, mas também algo que pode curar. Os resultados, à medida que surgirem, provavelmente depois de seis meses do início do teste, podem ajudar a viabilizar uma nova abordagem de tratamento de câncer, com menos efeitos indesejados que as tradicionais rádio e quimioterapia. Em outros países, há testes clínicos em andamento com vacinas gênicas contra Aids, hepatite e malária, além de Vários tipos de câncer. Segundo Kald Ali Abdallah, pesquisador da Faculdade de Medicina da USP em São Paulo e um dos coordenadores do teste, não há relatos de que tenham surgido reações graves além de febre moderada e inchaço no local da aplicação, típicas de qualquer vacina. Os próximos testes criam expectativa também por outra razão: se bem-sucedidos, podem comprovar que a formulação sobre a qual Silva trabalha intensamente há dez anos tem um raio de ação maior do que o inicialmente buscado: proteger contra o Mycobacterium tuberculosis, a bactéria causadora da tuberculose humana, transmitida pelo ar, que a cada segundo infecta uma pessoa. Instalado em um terço da população mundial, sobretudo nos países pobres, mata 2 milhões de pessoas - só no Brasil, há 130 mil novos casos por ano. Resultados preliminares obtidos com animais de laboratório indicam que a vacina, por meio de pequenas variações na composição e na dosagem, pode ser eficaz não só contra tu38 • NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

berculose, mas também contra outros tipos de câncer, como o de bexiga e de pele, além de leishmaniose e, em animais, tuberculose bovina. émda liberação para testes em seres humanos, os pesquisadores do laboratório de vacinas gênicas, coordenado por Silva, conseguiram uma nova formulação da vacina, que torna viável a aplicação em dose única, simplificando o trabalho de médicos e veterinários, e não mais em três, como a versão anterior. Com a nova composição, uma dose dez vezes menor do que a adotada antes apresenta o mesmo efeito protetor contra as bactérias que causam a tuberculose, de acordo com os resultados publicados este mês na Gene Therapy, uma das revistas internacionais mais importantes dessa área. Tanto na fórmula antiga, com o DNA puro, ou na mais recente, em que o DNA se encontra envolvido por outras moléculas, a vacina prepara o organismo para ele próprio resolver os problemas ou, de modo mais preciso, funciona como um regulador do sistema imunológico - um imunomodulador. Por essa razão é que, a princípio, pode ser aplicada em mais de uma doença, para prevenir ou para curar. Uma das habilidades mais importantes da vacina estudada pelo grupo de Ribeirão Preto é agir diretamente sobre os macrófagos, células essenciais do sistema de defesa, que coordenam a ação de outras cé-

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lulas - justamente nos macrófagos é que os Mycobacterium tuberculosis se instalam e permanecem latentes até entrar em ação, num momento de fragilidade do organismo. Ao acionar os macrófagos, a vacina de DNA induz a produção de moléculas chamadas interferon gama, que regulam um dos tipos de respostas do sistema imunológico contra agentes estranhos ao organismo ou contra células tumorais, além de estimular os linfócitos que eliminam as células infectadas (veja ilustração). Embora a nova formulação seja promissora, os próximos testes vão avaliar a eficácia da formulação mais simples, com o DNA puro, mais bem estudada, que será aplicada diretamente no tumor a ser tratado nos próximos testes - o chamado carcinoma epidermóide, responsável pela quase totalidade dos cerca de 11 mil casos de câncer de cabeça e pescoço que surgem por ano no Brasil. Quatro equipes da Faculdade de Medicina da USP vão trabalhar nessa próxima etapa: duas delas, coordenadas por Abdallah e Jorge Elias Kalil, cuidando da avaliação clínica dos indivíduos selecionados e do acompanhamento dos eventuais efeitos colaterais da vacina; e as outras duas, lideradas por Alberto Ferraz e Pedro Michaluart, atendo-se às análises da ação do composto diretamente sobre o tumor. "Bastam 50 miligramas da vacina para começarmos os testes", diz Abdallah. Mas não é fácil obter o que parece tão pouco no atual estágio da pesquisa.

ilva sabe que, para começar logo os testes em seres humanos e delimitar com precisão as reais aplicações em outras doenças além da tuberculose, tem de encontrar novas formas de produzir mais vacina. Pelo menos mil vezes mais, saltando dos atuais miligramas para alguns gramas por semana, e com grau de pureza recomendado internacionalmente para uso humano, de modo a atender às chamadas condições de GMP (good manufacturing practices ou boas práticas de fabricação), que exigem um ambiente ultralimpo, com menos partículas no ar do que uma sala de cirurgia. "Não é fácil",diz o pesquisador da USP. "Temos agora de dominar os processos tecnológicos." A proporção entre os reagentes, o tempo de reação e a produtividade costumam mudar quando a produção deixa a bancada de laboratório e adquire uma escala maior. No início de outubro, pouco antes de viajar à Índia acompanhando uma missão do governo federal de intercâmbio de pesquisa e de produção de medicamentos, Silva enviou ao Ministério da Saúde o plano do que ele chama plataforma de desenvolvimento tecnológico. Trata-se de um projeto orçado em R$ 20 milhões que inclui a produção e os testes da vacina de DNA e de outros medicamentos contra tuberculose, pesquisados no âmbito da Rede TB, uma associação de especialistas criada no ano passado para combater essa doença. Como resultado da

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Mycobacterium tuberculosis cultivado em laboratório: transmitida pelo ar, bactéria mata 2 milhões de pessoas por ano

integração propiciada por essa rede de pesquisas, o laboratório da USP avaliou 600 extratos de plantas contra a tuberculose e verificou que pelo menos dez são promissores como potenciais alternativas contra o também chamado bacilo de Koch, em homenagem a seu descobridor, o bacteriologista alemão Robert Kock (1843-1910, Nobel de 1905). or enquanto, Silva aguarda a liberação de um espaço na Faculdade de Medicina da USP para montar fermentadores, centrífugas, extratores e purificadores de DNA e iniciar a produção em escala piloto, com uma produtividade até mil vezes maior que a atual. Quando os equipamentos entrarem em operação, provavelmente no início do próximo ano, a pesquisa nascida na universidade começará a se transformar em um produto. Dessa etapa participa uma empresa de base tecnológica, a RDBiotec, criada em maio justamente para ampliar a escala de produção, nas melhores condições possíveis de tempo e custo, por meio de um projeto financiado pela FAPESP. Um dos diretores da RD é o pesquisador mineiro José Maciel Rodrigues Iunior, que no final do ano passado pediu demissão do cargo de professor de tecnologia farmacêutica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para se dedicar em tempo integral ao desafio de viabilizar a vacina de Célio Lopes, com quem, é verdade, já trabalhava havia alguns anos. Foi Rodrigues quem propôs, em 1997, o caminho que levaria à atual formulação da vacina. Do novo laboratório é que sairá a vacina a ser aplicada nos testes em seres humanos, que começam com câncer por já haver equipes e instalações adequadas. Silva pensa também, evidentemente, nos testes contra tuberculose, mas sabe que são mais complexos: exigem infra-estrutura e condições de segurança mais refinadas, para evitar a transmissão dos bacilos resistentes a qualquer medicamento, que causam a tuberculose multirresistente, contra a qual a vacina seria inicialmente aplicada. Se funcionar com a modalidade mais grave da doença, que no Brasil atinge cerca de 1% dos infectados, é quase certo que a vacina de DNA do grupo de Ribeirão Preto seja eficaz contra as formas menos graves de tuberculose e se firme como uma alternativa à vacina mais usada contra a doença, a BCG (Bacilo Calmette-Guerin), que vem perdendo eficácia desde que começou a ser usada, em 1921.

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Versatilidade - Os estudos mais aprofundados em bovinos, já planejados com os pesquisadores da Escola de Veterinária da UFMG, também dependem de mais vacina. "Os primeiros testes indicam que a 40 . NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

vacina pode deter a ação de qualquer Mycobacterium", conta Silva. Desse modo, poderia evitar o sacrifício dos animais, recomendado pelo Ministério da Agricultura quando é detectada a tuberculose bovina, causada pelo Mycobacterium bovis. Ainda sem cura, essa doença afeta quase 14 milhões de animais do rebanho nacional, de cerca de 170 milhões de cabeças. Segundo Rodrigues, há resultados promissores também contra leishmaniose: num ensaio realizado com um grupo de pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), camundongos que receberam a vacina - por via nasal- conseguiram prevenir-se contra essa doença, causada por protozoários do gênero Leishmania. Em processo de patenteamento no Brasil e no exterior, a nova formulação da vacina contém três componentes básicos. O primeiro é o gene que tem a receita da produção da proteína hsp65 (hsp significa heat shock protein ou proteína de choque térmi-' co, e 65 indica seu peso molecular, 65 kilodáltons, dálton é a unidade de massa atômica). Produzida pela bactéria em condições de estresse - quando invade um organismo, por exemplo -, essa proteína funciona como antígeno, molécula que aciona as respostas do sistema imune, no caso, contra o baci10. Foi com esse gene, integrado a um plasmídeo


(fragmento de DNA em forma de anel), que Silva obteve os resultados preliminares da primeira vacina gênica contra tuberculose no mundo, anunciados em 1994 num congresso da Organização Mundial da Saúde (OMS) em Genebra. versão a atual da vacina, o gene encontra-se cercado, primeiramente, por moléculas de um glicolipídeo um açúcar associado com gordura (lipídeo) - chamado dimicolato de trealose ou DMT, incorporado como adjuvante (auxiliar) da vacina por ser encontrado na parede externa das microbactérias e acionar os mecanismos de defesa do sistema imune. Tanto o gene quanto o glicolipídeo ocupam as cavidades de um polímero (molécula com uma mesma estrutura repetida muitas vezes) chamado ácido poliláctico-co-glicólico ou, para abreviar, PLGA. O polímero forma microesferas com cerca de 3 micrômetros (um micrômetro é a milionésima parte do metro) - foi esse o material que Rodrigues sugeriu a Silva incorporar na vacina, há cinco anos. Já produzidas em Ribeirão Preto, as microesferas levam o gene diretamente para o alvo no caso da tuberculose, os macrófagos infectados e, aparentemente, também protegem o DNA do ata-

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que de enzimas que normalmente o degradam assim que entra nas células. A nova formulação guarda também algumas casualidades. Em 1998, ainda buscando os caminhos que levariam às conquistas mais recentes, Silva encontrou na revista Vaccine o relato de pesquisadores japoneses que haviam usado o glicolipídeo em associação com o vírus recombinante da hepatite B. Não precisou estudar quase nada para adotar essa molécula, cujas propriedades havia detalhado há 20 anos, quando ainda fazia o mestrado no Instituto de Química da USP,em São Paulo. Tempos difíceis, aqueles. Silva trabalhava como técnico químico durante o dia, aproveitando as folgas para cuidar do mestrado, e à noite assistia às aulas. Mas não foram esses os maiores desafios desse paulista nascido num bairro rural de Leme. Ainda criança, o futuro autor da única proposta de vacina gênica contra tuberculose selecionada pela OMS colheu cana, milho e algodão, ajudando os pais na lavoura. Mais tarde, já adolescente, trabalhou como ajudante de pedreiro e vendedor de tecidos, mas sem perder o interesse pelos estudos, que lhe garantiu uma vaga na USP, aos 18 anos. Já engrenado na carreira científica, em 1990, durante o pós-doutoramento realizado no Instituto Nacional de Pesquisa Médica, em PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 41


Silva: testes clínicos e novas pesquisas com animais dependem de uma produção pelo menos mil vezes maior de vacina gênica

Londres, é que conheceu o gene da proteína hsp65. Não teve escolha: era o único disponível no laboratório e um dos poucos antígenos de bactéria já donados. O gene que serviu para Silva ingressar na pesquisa de tuberculose era, na verdade, de outra bactéria, o Mycobacterium leprae, que causa a lepra e, como se descobriu mais tarde, apresenta 90% de semelhança com o M. tuberculosis. A pesquisa avançou, embora persistisse a dúvida se não seria melhor usar o equivalente do próprio bacilo da tuberculose. Só recentemente se descobriu que o caminho inicial é que

estava certo. Num artigo publicado em abril na Biochemistry, Silva e Antonio Camargo, do Instituto Butantan, demonstraram que o gene que funciona melhor é o da proteína de M. leprae. Ajustada por Silva, Rodrigues e Karla de Melo Lima, aluna de mestrado de Rodrigues na UFMG e de doutorado de Silva na USP, essa formulação reduziu dez vezes a quantidade de DNA do plasmídeo: uma única dose com 30 microgramas de DNA apresentou o mesmo efeito que três doses de 100 microgramas de DNA da versão anterior, feita apenas com o plasmídeo. Os pesquisadores acreditam que o tri-

o PROJETO Ensaios Pré-c/ínicos de Vacinas, Terapia Gênica e Novas Drogas contra Tuberculose

O PROJETO Produção de DNA Plasmidial Purificado e Proteínas Recombinantes, em Grande Escala, para Uso em Vacinas e Diagnósticos

MODALIDADE

Projeto temático

MODALIDADE

Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE)

COORDENADOR

CÉLIO LOPESSILVA - Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto

COORDENADOR

JOSÉ MACIEL RODRIGUESJUNIOR Life Sciences Ltda.

INVESTIMENTO

R$ 929.918,36

e US$ 846.938,75

INVESTIMENTO

R$ 21.000,00

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e U S$ 21.000,00


Macrófagos envolvem as microesferas (detalhe ao lado): avanço contra o Mycobacterium (ampliado mil vezes)

pé gene, glicolipídeo e microesfera pode também funcionar contra outras doenças trocando-se o antígeno, ou para estender o estímulo imunológico, com diferentes combinações de microesferas que liberem o DNA de tempos em tempos, em doses espaçadas. Segundo Silva, os testes em camundongos demonstraram a ação da vacina até nove meses após a aplicação. "Aparentemente", diz Karla, "podemos desenvolver outras estratégias para as microesferas se degradarem em tempos diferentes, combinando uma ação mais rápida e outra mais lenta." Auto-imunidade - Silva não teme o risco de o gene empregado na vacina que ele desenvolveu integrar-se ao genoma dos indivíduos tratados, como pode acontecer na abordagem clássica da terapia genética: no final de setembro, noticiou-se que um medicamento à base de retrovírus desenvolvido na França para tratar um grave problema imuno lógico, a chamada doença da bolha, causou leucemia em um grupo de pacientes. "Mesmo usada como medicamento, essa vacina não apresenta os mesmos riscos que as outras terapias gênicas", afirma o pesquisador da USP. "Já provamos que o gene não se incorpora no genoma das pessoas tratadas." Sua maior preocupação era outra: o risco de a vacina levar a um ataque ao próprio corpo, a chamada auto-imunidade. A princípio, o gene da hsp65 do Mycobacterium, por ser parecido (50% de semelhança) com o de

uma das proteínas dos animais vertebrados em geral, poderia gerar um mecanismo pelo qual o sistema imunológico veria o próprio corpo como estranho - é o que acontece nas doenças auto-imunes, como artrite, um dos tipos de diabetes e esclerose múltipla. A bioquímica gaúcha Alexandrina Sartori, pesquisadora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu, que faz o pós-doutoramento em Ribeirão Preto, examinou essa possibilidade inicialmente em artrite, num estudo conduzido em conjunto com Rubens Santos [r, e com a equipe de Marcelo Franco, do Butantan. Os resultados não poderiam ser melhores: além de evitar o aparecimento de artrite, a vacina combate a doença já instalada. No primeiro experimento, apenas um dos 25 camundongos desenvolveu artrite, induzida por meio de óleo mineral chamado pristane, que faz a enfermidade surgir nas juntas de metade dos animais em que é aplicado. Num segundo teste, os pesquisadores verificaram que a vacina fez a artrite desaparecer em todos os 13 camundongos em que já havia se instalado. Alexandrina detectou a linha de pesquisa que se abriu: "Se essa vacina também funcionar em outras doenças auto-imunes, poderá ser usada em terapia, mais do que em imunização': Em conjunto com a equipe de Ricardo Zolner, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a equipe de Ribeirão se prepara para começar os testes com outra doença auto-imune, o diabetes. Os resultados devem sair em meados do próximo ano. • PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 43


• CIÊNCIA

EPIDEMIOLOGIA

As bases da malária Seqüenciamento dos genomas do causador e do transmissor da doença estimula pesquisa de novas drogas

s seqüenciamentos dos genomas do parasita causador da malária, o Plasmodium falciparum, publicado da revista britânica Nature de 3 de outubro, e do mosquito que o transmite, o Anopheles gambiae, que saiu na norte-americana Science no dia seguinte, inauguram uma nova era na parasitologia. No dia 2, para anunciar os resultados, as duas revistas promoveram uma teleconferência internacional, da qual participou a Pesquisa FAPESP, e os especialistas dos dois projetos ressaltaram que a divulgação das duas seqüências de bases do DNA deve acelerar o desenvolvimento de ferramentas para o controle da malária, que todo ano mata mais de 1 milhão de pessoas, embora a solução definitiva ainda possa estar longe. "Esse é apenas o começo e quem afirmar que a vacina.contra a malária sai em dois anos estará mentindo", comenta Hernando Del Portillo, pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP). "Agora temos informações para todos trabalharem 24 horas por dia em busca de soluções que poderão salvar milhões de pessoas", acrescenta Carlos Morel, diretor do programa para Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais (TDR) da Organização Mundial da Saúde (OMS), que coordenou a formação do consórcio de seqüenciamento do mosquito Anopheles. O genoma do P.falciparum consiste em 23 milhões de pares de bases, que formam cerca de 5.300 genes distribuídos em 14 cromossomos. Já se descobriu, por exemplo, que o cromossomo número 5 apresenta uma alta proporção de genes diretamente envolvidos no funcionamento de estruturas chamadas apicoplastos, responsáveis pela síntese de substâncias vitais ao metabolismo do plasmódio. Também se confirmou a localização dos genes variant antigen: relacionados com a habilidade do parasita em driblar o sistema de defesa dos outros organismos, eles aparecem em todas as pontas (telômeros) dos cromossomos do protozoário. Já o genoma do Anopheles gambiae, detalhado na Science, com 278 milhões de pares de bases, encontra-se distribuído em cerca de 14 mil genes. No total, as duas revistas divulgaram 30 artigos sobre o tema - um deles, inclusive, apresentou uma visão das proteínas produzidas ao longo do ciclo de vida do plasmódio. Tanto o P. falciparum quanto seu transmissor são comuns na África, onde ocorrem 90% dos casos de malária, mas aparecem com menor fre-

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Anopheles e as vítimas mais freqüentes da malária: a população de países pobres


qüência na Amazônia, a região mais atingida pela doença. Aqui, é o Plasmodium vivax, outra espécie do protozoário, que provoca cerca de 80% dos casos. Além disso, o transmissor é outro mosquito, o Anopheles darlingi (a espécie africana não existe no país). ''A malária da África tem uma biologia diferente da malária da Amazônia", diz Portillo, colombiano radicado no Brasil que estuda o problema há 15 anos. ssasdiferenças, no entanto, não impedem que os resultados dos genomas ajudem a resolver o problema no país. "É errado imaginar que a seqüência do A. gambiae não servirá para nada no caso do Brasil", explica Morel, que presidiu a Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, antes de dirigir o TDR. "Podemos pensar na seqüência do A. gambiae como uma espécie de plataforma, um ponto de partida para estudar o A. darlingi sem ter de partir do zero." Segundo ele, os pesquisadores poderiam selecionar um trecho do material genético do mosquito africano e tentar desenvolver algum tipo de inseticida que combata o inseto brasileiro. "Para ver se essa região também existe no darlingi não há necessidade de seqüenciar todo o genoma do darlingi", diz MoreI. Portillo lembra que outras dificuldades precisam ser vencidas antes de se chegar a novas drogas ou vacinas contra a malária: é preciso conhecer' melhor, por exemplo, a biologia da malária encontrada na Amazônia um trabalho que, segundo ele, tomará pelo menos mais dois anos. Outro problema: "Não sabemos ainda por que o plasmódio se torna resistente aos medicamentos", diz Portillo, que desenvolve pesquisas em biotecnologia e genética de populações, além de ferramentas em bioinformática para estudar o protozoário da malária brasileira, em um projeto temático financiado pela FAPESP. A malária, ressalta o pesquisador da USP, representa um problema de saúde pública mundial relacionado à pobreza. "Será muito triste se tivermos de optar entre combater a pobreza ou fomentar a pesquisa básica sobre malária", diz ele. ''As políticas públicas precisarão contemplar ambos os itens." •

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• CIÊNCIA

GENÉTICA

Mutações fatais Equipe do Rio detalha a ação dos genes responsáveis pela malformação da cabeça esquisadoresda Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) identificaram, em camundongos, três regiões do principal gene responsável pelo desenvolvimento da cabeça e de outras estruturas básicas do embrião. Mutações nesse gene, chamado MSX 1, podem levar a problemas de malformação em uma série de órgãos e tecidos, como braços, pernas, válvulas cardíacas, tubo neural, dentes e ossos da face, além de causar retardo mental. As três regiões que a equipe do Rio caracterizou são chamadas de Mad 1, Mad 2 e Mad 3 e estão envolvidas no processo de regulação da expressão (funcionamento) do MSX 1. Podem, por-

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tanto, ser vitais para o funcionamento adequado desse gene, de larga distribuição entre os animais - é encontrado desde moscas até o homem. Os resultados do trabalho, que contou com um cientista do Instituto Pasteur da França, renderam um artigo na edição de 3 março da revista Biochemical and Biophysical Research Communications.

A equipe da UFRJ acredita que mutações nessas regiões podem dificultar ou impedir a correta interação com essas proteínas e, assim, provocar danos diversos no feto em formação. "O próximo passo é verificar se essas regiões interagem in vivo com proteínas do embrião", diz Eliana Abdelhay, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho,

da UFRJ,coordenadora do estudo. Para isso,os pesquisadores fluminensesplanejam produzir, em breve, camundongos transgênicos que carreguem mutações específicasnas três regiões.Dessa forma, vão tentar averiguar qual o papel dessas regiões durante as várias fasesda expressão desse importante gene ligado ao desenvolvimentoembrionário.Um dos quadros clínicos mais graves associados a defeitos no MSX 1 é a craniossinostose, anomalia congênita anatômica que pode aumentar a pressão sobre o cérebro, caracterizada pelo fechamento prematuro de uma ou mais fendas cranianas. Para encontrar as três regiões aparentemente ligadas à regulação da expressão do MSX 1 em roedores, a equi-


pe da UFRJ teve de recorrer a comparações e análises moleculares. Os pesquisadores vasculharam todas as regiões do segmento regulatório desse gene em camundongos, um trecho que compreende 4.900 pares de bases (unidades químicas do DNA), em busca de uma determinada seqüência de sete bases: GCCGnCG (na posição do n, pode aparecer tanto um G quanto um C). As unidades químicas que codificam um gene - ou mesmo todo o genoma - são, em qualquer organismo, uma sucessão de quatro tipos de bases: adenina (A), citosina (C), guanina (G) e timina (T). Por que Eliana e seus colegas resolveram procurar especificamente por regiões genômicas que tivessem a seqüência GCCGnCG? Porque na mosca-da-fruta (Drosophila melanogaster), organismo em que o gene MSX 1 foi identificado no fim da década de 80, as proteínas da família BMP interagem justamente com essa seqüência de sete bases, chamada mais tarde de Mad. Se na mosca-da-fruta a regulação do processo de expressão do MSX 1 parece estar relacionada com a região que contém essa seqüência denominada Mad, faz sentido supor que o mesmo pode ocorrer na versão desse gene presente em outros organismos, como no camundongo ou homem. "Em termos evolutivos, o MSX 1 é um gene bastante preservado nas espécies", afirma Eliana. O resul-

ta do dessa busca foi a identificação em roedores de três regiões do MSX 1 Mad 1, Mad 2 e Mad 3 - que apresentavam a tal seqüência de sete bases. liana estuda o MSX 1 há dez anos. Inicialmente, os cientistas pensavam que o gene estivesse relacionado sobretudo ao desenvolvimento dos músculos, mas os estudos posteriores ampliaram seu campo de ação para outros tecidos e órgãos. Acredita-se que diferentes regiões de regulação do MSX 1 atuam em fases distintas da formação do embrião. De acordo com a etapa em que sua ação se faz necessária, o gene parece lançar mão de um determinado trecho de sua seqüência regulatória, ativado pela presença de proteínas da família BMP, para produzir efeitos localizados, sobre o desenvolvimento de um ou mais órgãos ou tecidos. A conclusão de que o MSX 1 é o principal gene responsável pela formação da cabeça e de outras estruturas do embrião baseia-se na constatação de que camundongos geneticamente modificados, cujas duas cópias do MSX 1 haviam sido totalmente inutilizadas, não conseguiram dar origem apenas a essas duas estruturas, mas foram capazes de formar todos os demais tecidos e órgãos. Isso não quer dizer que o MSX 1 não esteja relacionado ao desenvolvimento

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desses outros tecidos e órgãos. Significa que, quando o MSX 1 apresenta algum defeito que altera seu funcionamento normal, outros genes - desde que não afetados por mutações - podem assumir grande parte, embora não a totalidade, de seu papel. "Achamos que, com exceção da formação dos dentes e ossos do crânio, as demais funções do MSX 1 podem ser desempenhadas por outros genes", comenta Eliana. Os candidatos a substitutos do MSX 1 são o MSX 2 e o MSX 3, que apresentam um padrão de expressão semelhante. "Se um dia viermos a entender bem o padrão de expressão desse grupo de genes, poderemos intervir no funcionamento do MSX 1 para evitar problemas de malformação no embrião", diz Eliana. No caso da formação da cabeça, um caso em que a ação do MSX 1 é decisiva, os pesquisadores fluminenses acreditam ter dado um passo importante nessa direção: determinaram, em camundongos transgênicos obtidos no laboratório da UFRJ em 1999, a região do gene que controla o crescimento da parte superior do crânio. Trata-se de um trecho composto de seis pares de bases que interage com proteínas codificadas pelo gene OTX -2, cujo padrão de expressão se assemelha ao do MSX 1. Quando há uma mutação nessa região, a interação não ocorre e a parte superior do crânio dos roedores não se forma. • PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 47


• CIÊNCIA

MEDICINA

Fármacos magnéticos Testes em animais dão sinal verde para a pesquisa de compostos à base de ferro capazes de tratar câncer

m tipo de remédio diferente, à base de fluidos magnéticos, materiais feitos principalmente a partir de partículas de óxido de ferro, despontam como alternativa para o diagnóstico e o tratamento de tumores. Os testes em animais de laboratório realizados na Universidade de Brasília (UnB), um dos centros de pesquisa mais expressivos nessa área no Brasil,indicam os destinos preferenciais dessas substâncias e atestam que são mínimas as reações indesejadas no organismo. Os fluidos mostram uma toxicidade aceitável e cumprem as exigências básicas rumo aos testes preliminares com seres humanos, ainda sem data para começar. Composto pelas partículas magnéticas dispersas em soro fisiológico, que formam uma solução cuja cor varia do vermelho ao preto, o fluido magnético dirige-se preferencialmente para o fígado, o baço ou o pulmão. O destino final depende das moléculas que recobrem as partículas, geralmente envolvidas em um tipo de açúcar chamado dextrana ou em vesículas esféricas de gordura,

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conhecidas como lipossomas, empregadas por serem compatíveis com o organismo e, desse modo, evitar que o sistema imunológico as reconheça como invasoras e acione os mecanismos de defesa contra elas. Após descobrírem os alvos preferenciais, os pesquisadores podem trabalhar para fazer com que os materiais magnéticos transportem medicamentos dirigidos especificamente a esses órgãos, que assim poderiam ser utilizados em doses mais baixas, sobretudo para combater metástases. Mas os materiais magnéticos podem ter uma função ainda mais abrangente: localizar tumores em qualquer região do corpo, antes de as partículas estacionarem no fígado, no baço ou no pulmão. Os pesquisadores acreditam que isso seja possível quando conseguirem prender às partículas anticorpos específicos, chamados monoclonais, que reconhecem as células cancerosas. Em ambos os casos, haveria menos efeitos colaterais e se tornaria mais tangível a possibilidade de atingir apenas as células tumorais, poupando as sadias. Estudadas mais intensamente de cinco anos para cá - inicialmente na

Alemanha, na França e no Japão -, essas partículas têm cerca de 15 nanômetros (um nanômetro é a bilionésima parte do metro) e indicam os problemas a serem combatidos porque o magnetismo que as caracteriza pode ser detectado por máquinas que geram campos magnéticos. "Aspartículas poderiam ser usadas como agente de contraste para detectar micrometástases menores que 1 milímetro, que escapam à ressonância nuclear magnética': diz Paulo César Morais, pesquisador do Instituto de Física da UnB. Em um estudo aceito para publicação no [ournal af Magnetism and Magnetic Materials, a equipe de Brasília coordenada por Morais e por Zulmira Lacava, do Instituto de Ciências Biológicas da UnB - caracteriza a magnetita, mineral formado por óxido de ferro, como "urna droga potencial com valor diagnóstico e terapêutico" Devidamente coberta com moléculas que a deixem estável, biodegradável e não-tóxica, a magnetita não produz efeitos tóxicos nem alterações nas células do sangue, provocando apenas reações inflamatórias amenas, que desaparecem em sete dias.


''As amostras de fluido baseadas em magnetita são bastante toleráveis pelo organismo", diz Zulmira, responsável pelos testes das partículas em animais. "E, por conterem ferro, são reaproveitadas pelo próprio organismo." A afinidade desse mineral com os tecidos tornou-se evidente quando os estudos em laboratório indicaram que uma das paradas finais das partículas pode ser a medula óssea, tecido em que se formam as hemácias, as células vermelhas do sangue, ricas em hemoglobina (molécula contendo átomos de ferro que distribui oxigênio pelo corpo). Os estudos deixaram claro que não só o destino, mas também o tempo de vida das partículas depende da cobertura: envolvidas por dextrana, têm uma vida média de 15 minutos, mas podem permanecer de uma a duas horas em circulação se recobertas por vesículas de gordura. As pesquisas indicaram ainda por onde não ir: compostos à base de manganês ou cobre, por exemplo, são muito tóxicos para o organismo, como demonstraram os pesquisadores em artigos publicados principalmente no [ournal of Magnetism and Magnetic Matertals.

Os testes em animais que revelaram o destino e o tempo de vida das partículas foram feitos com fluido produzido por uma indústria alemã, a Berlin Heart, fabricante de corações artificiais, com quem a equipe da UnB compartilhava os resultados. Desde o ano passado as partículas são produzidas no Instituto de Química da Universidade Federal de Goiás (UFG) e, a partir deste mês, na própria UnE. aPlicações médicas do fluido dependem de um equipamento que destrói as células tumorais pelo calor, ~ num processo chamado magnetotermocitólise.O protótipo construído pela equipe da UnE tem a forma de uma bobina de 15centímetros de altura e cria um campo magnético alternado que faz vibrar as partículas magnéticas presas às células, produzindo calor. O aquecimento localizado é, na verdade, o que mais interessa. ''A temperatura aumenta de 5 a 10 graus centígrados, o suficiente para eliminar as micrometástases", informa Morais. Os testes indicaram o limite de segurança do campo magnético, que não pode funcionar

por mais de cinco minutos seguidos, sob o risco de o calor danificar o material genético das células sadias. Outro uso potencial das partículas é a remoção de vírus - como o da Aids ou o da hepatite - do sangue. O projeto consiste em uma modificação do sistema de hemodiálise comum, que filtra o sangue de pessoas com problemas nos rins. Nesse caso, há uma segunda etapa: o sangue removido do corpo é misturado ao fluido magnético contendo anticorpos monoclonais que se ligam aos vírus. Um filtro magnético retém os vírus e deixa passar o sangue limpo, que retoma às artérias. O trabalho da equipe da UnB encontra-se no mesmo estágio do de grupos internacionais: tentando ligar de modo eficiente as partículas aos anticorpos monoclonais, já utilizados no tratamento de câncer. O sucesso depende não só de sorte, mas de refinados cálculos que levam ao equilíbrio entre o número de anticorpos e o tempo de vida, o destino e o tamanho das partículas:quanto maiores, poderiam transportar mais anticorpos, mas dificilmente chegariam a regiões como o interior do cérebro. •

Magnetita: em escala nanométrica, vetar de medicamentos

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uma sopa muito quente, feita de quarks e glúons (os glúons funcionam como uma espécie de mola ou elástico que une os quarks no interior dos prótons e nêutrons). De tão quente, com até 10 trilhões de graus Celsius, esse plasma deve dissolver o jota-psi. rocuram-sepistas do jota-psi porque essa partícula funciona como uma espécie de termômetro: quando não é encontrado entre os fragmentos da colisão, é um sinal de que a temperatura atingiu um valor altíssimo e o plasma primordial foi recriado. Ou, de modo inverso, quando é encontrado entre as partículas produzidas na colisão, é quase certo que o plasma não se formou. "Esse termômetro seria bom mesmo?", indaga Fernando Navarra, outro integrante do grupo. "Em princípio, sim, mas há um problema: o jotapsi poderia desaparecer de outro modo, interagindo com os píons que surgem abundantemente nas colisões."Essapossibilidade já havia sido estudada, sem conclusões. O problema renasceu em 1998,quando o Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cem) registrou um fenômeno estranhíssimo, chamado supressão anômala do jota-psi, que poderia indicar que o plasma poderia ter finalmente aparecido. Foi um episódio passageiro, verificado quando o equipamento atingiu o máximo de energia, momentos antes de ser desativado e substituído pelos atuais.

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Diferença essencial: vácuo é o estado de energia mínima e a matéria (bolhas) de energia mais alta

Os físicos da USP, em colaboração com Gastão Krein, da Unesp, refinaram os cálculos e chegaram à conclusão de que a probabilidade de o jota-psi ser destruído nas interações com píons é a metade do que se pensava. Assim, o Cem teria produzido, de fato, plasma de quarks e glúons, portanto, uma espécie de filhote do Big Bang. "O que foi observado no Cem mais provavelmente é plasma do que matéria normal", diz Navarra. Os resultados, publicados no ano passado na Physical Review C e neste ano na Physics Letters B, jogam lenha na fogueira, sugerem outra forma de identificar o plasma e, se confirmados, poderão enriquecer a pesquisa do

mundo atômico. Em julho, Marina Nielsen e Femando Navarra apresentaram as conclusões numa reunião de especialistas na área, o Quark Matter, realizada em Nantes, na França, com mais de 600 participantes. Foram ouvidos com interesse. Os experimentos que procuram gerar jota-psis e plasma prosseguem no Acelerador Relativísticode Íons Pesados (Rhic), construído nos Estados Unidos, com uma energia de colisão dez vezes maior que a do Cem. No Rhic, núcleos pesados como os de ouro atingem quase a velocidade da luz e se achatam como uma pizza, encolhendo 100vezesno diâmetro, momentos antes de se choca-


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~ experimental. Essa aborrem. Mas só dentro de dois dagem de vácuo cheio, anos, com todos os deteclançada pelo físico inglês tores instalados, é que se poderá saber se é realmenPaulo Dirac (1902-1984), te possível formar o plaspermite afirmar: do total ma de quarks e glúons. da massa de um próton ou de um nêutron, estiNa Universidade Federal do Rio Grande do ma-se que 90% se deve à energia cinética e potenSul (UFRGS), Cesar Vascial (a integração com o concellos procura desvendar o processo de formavácuo e a criação contínua de partículas), 7% ao ção de plasma por meio de uma forma alternativa, fato de terem cavado um que dispensa os aceleraburaco no vácuo (os tais 46 MeV) e 3% à massa dores: o estudo dos pulsares, objetos celestes comdos próprios quarks. Agora, a maior parte pactos, com uma e meia da massa dos prótons e massa solar condensada dos nêutrons pode ser em apenas 10 quilômeatribuída à interação tros de raio, constituídos No Rhic: colisão de núcleos produz milhares de partículas dos quarks com o vácuo. predominantemente de "Quarks isolados não nêutrons. Também atuam existem, a não ser dentro dos buraPara apagar a impressão de que os nessa área, a chamada física de hádrons (hádron é qualquer partícula consticos no vácuo", ensina Lima. Quando píons surgem do nada, temos de entrar na essência do trabalho desse e de outuída de quarks), equipes das uniquarks se juntam a antiquarks, podem formar um méson ou dar origem a tros grupos que estudam o comportaversidades federais do Rio de Janeiro mento das partículas do interior do (UFRJ) e de Santa Catarina (UFSC), um estado condensado cujas caractenúcleo atômico. É uma inversão comrísticas são similares às da superconalém do Centro Brasileiro de Pesquisas pleta do conceito de matéria. "MatéFísicas (CBPF). dutividade, um fenômeno que ocorre ria não é o que existe, mas o que falta", em certos materiais em baixas temanuncia Robilotta. "E o vácuo não é peraturas. Mas há outra possibilidaeja por meio dos aceleradores, vazio, mas cheio." O núcleo atômico, seja por meio das estrelas, de: "Quando um quark se une a outros portanto, seria um defeito no vácuo dois, que também não conseguiram para os físicos dessa área - em acoplar-se com antiquarks, eles empurbolhas vivas cercadas por um vácuo que se destacam Frank Wilcdenso, feito de partículas, tal qual as ram o vácuo, formando prótons ou zek, do Instituto de Tecnolonêutrons cujo interior é quase o vazio bolhas da água mineral ou do gel para gia de Massachusetts (MIT), nos Esrealmente vazio", conta Lima. "Batentados Unidos, e Gerard't Hooft, do cabelo. O que os difere é ape-9as o nível de energia: o vácuo é o estado de míniInstituto de Física Teórica da Universido nas paredes internas dessa bolha, os " ma energia possível, enquanto as bodade de Utrecht, na Holanda -, as revequarks perturbam o vácuo do lado de fora e criam os píons, as partículas das lhas - a matéria - representam um eslações que possam surgir da interação tado de energia mais alta. entre as partículas constituem a espE:nuvens que envolvem os prótons e "Se acreditarmos nessa idéia, conserança de finalmente entender a massa nêutrons." das partículas e, em última instância, Como num balanço contábil de guimos saber qual a energia gasta para três quarks cavarem um buraco no vádo próprio Universo. Acredita-se que uma empresa, as contas têm de fechar. cuo': diz Robilotta, que calculou essa Não importa se na bolha, que represenessa interação possa criar massa, já que as partículas constituem muito pouco ta um próton ou um nêutron, existam energia: é de 46 MeV, próxima do valor da massa existente. Cada quark tem três quarks, quatro quarks e um antiquark ou cinco quarks e dois antiquarks: uma massa de 5 a 10 MeV (milhões de PROJETO elétron-Volt, a unidade de massa das o resultado final tem de conter três partículas atômicas), mas os três quarks em excesso, como em uma simFísica de Hádrons quarks de cada próton ou nêutron corples adição, feita e refeita a todo momento num mundo que parece um imenso respondem a apenas 5 milésimos da MODALIDADE vazio: se o átomo tivesse 10 quilômetros, massa de cada uma dessas partículas. Projeto temático o núcleo teria 1 metro, os prótons e "A maior parte da massa dos prótons e COORDENADOR dos nêutrons vem da interação dos nêutrons, 10 centimetros e cada quark, MANOEL ROBERTO ROBILOTTA quarks entre eles e com o vácuo que os 10 mil vezes menor, teria 1 centésimo Instituto de Ffsica da USP cerca': comenta Celso Luiz Lima, físico de milímetro, o equivalente a uma amedo grupo. "Quando interagem, quarks e ba. Ali, como pessoas, prótons e nêuantiquarks acionam um mecanismo de trons ou perdem peso, alimen-

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o


• CIÊNCIA

COMPUTAÇÃO

Paisagens corriqidas Método matemático aprimora interpretação de imagens de radares loresta, pastagens e a periferia de uma cidade podem parecer a mesma COIsaquando vistas a milhares de metros de altura por radares em aviões ou em satélites que monitoram a superfície da Terra. Os detalhes que diferenciam cada tipo de paisagem escapam por causa da interferência gerada pelo encontro das ondas emitidas pelo radar e as refletidas pela superfície do terreno. Em conseqüência, o sensor recebe poucas informações claras e o resultado são mapas com falhas, que aparecem na forma de pontos na imagem, nem sempre decifráveis, mesmo com o auxílio das técnicas de processamento de imagens mais utilizadas. O problema pode estar bem próximo do fim: uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) desenvolveu um método matemático que, se não elimina totalmente o ruído, o reduz ao mínimo, permitindo chegar a resultados mais próximos da realidade. Depois de dois anos de trabalho, a equipe de Recife aperfeiçoou um método estatístico conhecido como bootstrap (termo em inglês que significa realizar uma tarefa sem auxílio externo), muito adotado em estatística para a solução de problemas que não podem ser resolvidos por meio de expressões matemáticas simples, mas praticamente não utilizado no processamento de imagens. O novo bootstrap, como vem sendo chamado, não

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Represa de Balbina, próxima a Manaus, vista por radar: método de Pernambuco permite análises ainda mais realistas 54 . NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

é aplicável apenas à análise de imagens de radares do tipo SAR (Radar de Abertura Sintética), como os utilizados no Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), que usam radiação eletromagnética na faixa de microondas que consegue atravessar as nuvens e copas das árvores para detectar desmatamentos, mapear o uso do solo e localizar minerais no subsolo. Segundo um dos autores desse trabalho, Francisco Cribari Neto, do Departamento de Estatística da UFPE, o novo método pode

também ser aplicado para melhorar a resolução e a precisão de exames feitos com outros tipos de radiação que permitem detectar volumes, como as imagens de microscópios a laser ou de ultra-sonografia, usadas, por exemplo, para ver bebês no útero ou o coração em funcionamento. Pseudo-imagens - O passo inicial para solucionar o problema da interpretação das imagens surgiu de uma idéia de Cribari, a quem Alejandro Frery, do


Centro de Informática da UFPE, pediu ajuda em 1998 para resolver um problema: a dificuldade de processar as imagens por causa da falta de informações gerada pelas interferências das ondas da Terra, vistas como ruído. Juntos, passaram a produzir dados extras sobre essas regiões, por meio de cálculos matemáticos, mas com base nas informações originais. Em colaboração com Frery e com o aluno de mestrado Michel Ferreira da Silva,Cribari desenvolveu cálculos (algoritmos) computacionais que permitiram trabalhar com setores da imagem original do radar e reproduzir milhares de cópias com pequenas variações - as pseudo-imagens. "É como donar uma pessoa e obter resultados semelhantes, mas não idênticos",explica Cribari. Dessa forma, a equipe passou a analisar cerca de 2 mil pseudo-imagens, em vez de uma única imagem real, para obter o chamado ponto de máximo de uma função matemática, que nesse caso indica a rugosidade da superfície. Como resultado, os pesquisadores obtiveram informações muito mais precisas. "É como se quebrássemos a imagem em vários pedacinhos e fôssemos

encaixando um ao lado do outro com pequenas alterações, como num quebra-cabeças com várias soluções possíveis, de modo que um ponto não precise cair necessariamente onde estava antes", explica Cribari. Teste na Alemanha- Para verificar se a idéia funcionaria na prática, os pesquisadores aplicaram o novo bootstrap e a técnica tradicional, chamada método de máxima verossimilhança, a uma imagem de radar da cidade de Oberpfaffenhofen, próximo a Munique, na Alemanha, fornecida pelo centro aeroespacial daquele país, cujos especialistas conheceram o método e cederam o material para testar sua eficácia. E deu certo. Enquanto os dados obtidos pela técnica da verossimilhança indicavam uma área de floresta nos arredores da cidade, os dados do novo bootstrap apontavam, no mesmo local, um terreno coberto por pastagem. O que é, de fato, realidade: existe ali uma pastagem, como atesta o artigo aceito para publicação no Computational Statistics and Data Analysis. O resultado obtido varia caso a caso. ''A nova técnica aprimorou a forma como os números são traduzi-

dos em informação útil", diz Frery. "Com isso, algumas decisões podem mudar por completo:' Apesar do aprimoramento obtido, a nova técnica permanecia ineficiente para os casos em que havia poucas observações de uma determinada região menos de 50 pixels (cada pixel é a menor unidade gráfica da imagem e pode corresponder a 1 metro na superfície observada). A equipe da UFPE resolveu também esse problema. Trabalhando em parceria com Marcelo Souza, outro aluno de mestra do, Cribari e Frery desenvolveram uma forma de rastrear a superfície estudada em busca do ponto de máximo, que indicava a rugosidade da superfície, alterando a estratégia de usar cálculos matemáticos já conhecidos. Em vez de varrer a área aleatoriamente até encontrar o tal ponto, o programa traça retas paralelas cortadas por outras retas perpendiculares, formando quadrados sobre a superfície. Em seguida, passa a percorrer essas linhas, varrendo de forma mais eficiente a área. Perspectivas· Os pesquisadores testaram o modelo em 80 mil imagens criadas por computadores - com tamanhos variando de 3 por 3 pixels de lado a até 11 por 11 pixels - e em mil segmentos da imagem de radar da cidade alemã. O modelo tradicional não conseguiu realizar os cálculos em quase metade dos casos - quanto menor a área observada, maior foi o índice de erro, que variou de 30% a 60%. Já o novo método, chamado algoritmo alternado, que melhora os resultados do novo bootstrap, descobriu o ponto de máximo em todas as situações reais e falhou em apenas 6 das 80 mil imagens artificiais, de acordo com o estudo da equipe da UFPE apresentado no Simpósio Brasileiro de Computação Gráfica e Processamento de Imagens, realizado no início de outubro em Fortaleza, no Ceará. Além do Centro Aeroespacial da Alemanha, o novo bootstrap chegou ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). "Temos interesse em avaliar o novo método': comenta Corina da Costa Freitas, pesquisadora da Divisão de Processamento de Imagens do instituto. "Se ele se revelar eficiente, muito provavelmente será incorporado em nossos trabalhos." • PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 55


• CIÊNCIA

GEOLOGIA

Mais ouro sob a floresta Dois vulcões na Amazônia podem abrigar vastas reservas de minerais preciosos

sul o do Pará, entre os rios Tapajós e Iarnanxim, dois morros discretos escondem dois dos mais antigos vulcões do mundo, formados há quase 1,9 bilhão de anos, quando a Terra tinha pouco mais da metade da idade atual. Debaixo deles, a uma profundidade que varia de 100 metros a um quilômetro, podem existir, em meio às rochas, amplos depósitos de ouro, prata, zinco, cobre e molibdênio, como sugerem estudos recentes realizados por geólogos da Universidade de São Paulo (USP). Se as prospecções confirmarem o que indicam os modelos geológicos da equipe paulista, a Província Aurífera do Tapajós, como é conhecida a região, pode abrigar reservas de ouro dez vezes maiores do que se estimava - os cálculos anteriores sugeriam a existência de depósitos de até cem toneladas de ouro, o bastante para justificar o início da exploração. "Nossos dados indicam que ali podem ocorrer depósitos com até mil toneladas", diz Caetano Iuliani, pesquisador do Instituto de Geociências (IGc) da USP e coordenador dos estudos. "No Peru", acrescenta Robert Rye, pesquisador do Serviço Geológico dos Estados Unidos e parceiro da equipe brasileira, "um depósito com características geológicas semelhantes possui aproximadamente 250 toneladas de ouro explorável." As conseqüências da pesquisa não se restringem aos aspectos econômicos.

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56 . NOVEMBRO

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• PESQUISA FAPESP 81

Dois estudos - um deles aceito para publicação na Precambrian Research, importante referência na área - propõem um novo modelo de formação desses depósitos minerais na Amazônia. Anteriormente, acreditava-se que esses minérios existissem apenas em falhas geológicas, mas as descobertas do grupo da USP indicam que essas reservas ocorrem também em rochas vulcânicas, que se estendem por regiões muito além do Tapajós, alcançando do rio Xingu, a leste, até a divisa com as Guiarias, ao norte. Mas os geólogos têm outro motivo para comemorar: os vulcões praticamente não sofreram erosão nem a ação .das movimentações da crosta terrestre e se encontram bastante preservados. Atualmente, um deles tem 200 metros de altura e 1,7 quilômetro de diâmetro, e o outro, 300 metros e diâmetro ainda desconhecido. Segundo Iuliani, devem ter perdido apenas 400 metros de altura - muito pouco se comparado com os 20 quilômetros que a chuva, o vento e as glaciações levaram da Serra do Mar, formada há apenas 600 milhões de anos. Por essa razão, os pesquisadores acreditam que podem obter informações sobre a atmosfera terrestre de dois

Raridades: três amostras de alunita (de cima para baixo, duas de cristais e uma de deposição de minérios deixados por fluidos hidrotermais) e uma de pórfiro



bilhões de anos atrás por meio da análise dos isótopos (átomos de um mesmo elemento químico com massas diferentes) armazenados em minúsculas inclusões de líquidos e gases encontrados em minerais do vulcão, além de compreender melhor como se formou a porção da crosta que constitui a Amazônia. Freqüentes na região do Tapajós, os vulcões espalhavam rios de rocha pastosa e incandescente, a lava, e nuvens de cinzas ardentes que cobriram uma área de milhares de quilômetros quadrados, do rio Tocantins, a leste, à Serra do Cachimbo, a oeste, e até o extremo norte do Pará. A análise de imagens de satélite e radar, somada ao estudo da composição das rochas e dos minerais, mostrou que os dois vulcões integram uma área que apresentou intensa atividade vulcânica naquele período e permaneceu ativa por até quase 40 milhões de anos. É o resultado do desenvolvimento de uma série de caldeiras - regiões circulares rebaixadas e agrupadas, que podem estar associadas a depósitos minerais de importância econômica. À medida que as erupções cessaram, o

o

primeiro vulcão descoberto, com 200 metros de altura: erosão moderada preserva minerais podem revelar detalhes da Terra de 2 bilhões de anos atrás

o

~z este de Itaituba, a cidade mais próxima

no Pará. Descobriram o vulcão um ano depois e a datação confirmou seu suro ~ gimento há cerca de 1,9 bilhão de anos, ~ numa era geológica chamada Paleoproterozóica. No ano passado, uma das alunas de Iuliani, Carmen Maria Danmagma do interior da crosta terrestre e tas Nunes, comprovou que esse vulcão da superfície se resfriou e, em seguida, abriga minérios gerados em sistemas solidificou-se, gerando, respectivamenconhecidos como de alta sulfidação. te, as rochas magmáticas profundas (plutônicas) e as vulcânicas. Foi nesse Formados perto da superfície associados a rochas que preencheram a craprocesso que o magma liberou líquidos tera do vulcão, esses minérios foram e vapores - os fluidos hidrotermais depositados por fluidos hidrotermais que precipitaram minerais formados do magma primitivo em estado de oxipor elementos químicos como oxigêdação relativamente elevado. Por esse nio, enxofre e hidrogênio, hoje estudamotivo, da superfície desse vulcão até dos por poderem revelar detalhes sobre uma profundidade estimada de 150 a temperatura e a composição dos fluimetros, encontra-se a alunita, mineral dos daquele período. raro em terrenos antigos, rico em poA equipe da USP começou a estudar os vulcões em 1998, quando uma empretássio e sódio, de tonalidade branca e rosada, bastante utilizada como pedra sa de mineração da região, a Rio Tinto ornamental e também como fonte de Desenvolvimentos Minerais, enconsulfato. Foi essa uma das pistas importrou minérios que a princípio não detantes que alertaram sobre o potencial veriam estar lá. Viajando para o Tapajós em aviões monomotores que pousavam econômico da região, na medida em

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em pistas precárias na floresta, os pesquisadores chegaram ao primeiro vulcão, situado 120 quilômetros a sudo-

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que uma série de outros estudos já haviam associado a ocorrência de alunita à de minerais mais importantes economicamente, a exemplo de ouro, cobre, zinco e molibdênio. aé descoberta desse vulcão, o depósito de ouro mais antigo formado por um sistema alta sulfidação, localizado em Newfoundland, no Canadá, datava de 570 milhões de anos. Suas rochas, no entanto, sofreram alterações provocadas por variações de temperatura e pressão. O vulcão brasileiro, três vezes mais antigo, preservou suas características originais, de modo. que as projeções sobre a possível ocorrência de depósitos minerais, nascidas da análise geológica, se ampliam e podem ser estendidas para além do Brasil. "É provável que existam depósitos minerais desse tipo também na África", exemplifica Rye. Até 130 milhões de anos atrás, quando começaram a se separar, a América do Sul e a África formavam um único continente, razão pela qual apresentam terrenos de mesma idade e com estruturas geológicas semelhantes. Em abril, outro aluno de Iuliani, Rafael Hernandes Corrêa Silva, descreveu o segundo vulcão, descoberto em 2001. Distante 50 quilômetros ao norte do primeiro e cem metros mais alto, formou-se na mesma época, mas numa

A

região em que o magma apresentava estado de oxidação relativamente baixo, resultando em um sistema hidrotermal conhecido como de baixa sulfidação. Como resultado dessa origem, ali a rocha possui adulária, mineral usado na fabricação de vidros, louças e porcelanas. Como a alunita, abundante no primeiro vulcão, a adulá ria está associada à formação de minérios de ouro, molibdênio e cobre. Os dois vulcões situam-se nas bordas de caldeiras, áreas rebaixadas circulares com diâmetro de até 20 quilômetros cada uma. No Tapajós de dois bilhões de anos atrás, as caldeiras se agruparam e formaram complexos com mais de 50 quilômetros de extensão. Hoje se sabe que não só os vulcões, mas as próprias rochas graníticas asso-

o PROJETO Estudo de uma Área-tipo de Zonas de Alteração Hidrotermal Mineradas em Ouro da Região do Tapajós (PAJ MODALIDADE Linha regular de auxílio à pesquisa CDORDENADOR CAETANO JULIANI - Instituto de Geociências da USP

INVESTIMENTO R$ 41.412,11

e US$ 14.997,00

ciadas à evolução das caldeiras podem abrigar depósitos de ouro, prata, cobre, zinco e molibdênio, como demonstraram os pesquisadores da USP.O modelo que eles criaram permite ainda entender a distribuição dos depósitos desses minerais nas caldeiras. Os mais superficiais, chamados epitermais, apresentam minérios com alta concentração de ouro, prata ou cobre, e constituem filões de volume relativamente pequeno. Já com os depósitos mais profundos, os pórfiros, a relação se inverte: os metais preciosos encontram-se em concentrações relativamente baixas e espalhados em grandes volumes. Essa organização dos depósitos minerais determina a forma como a região pode ser explorada, não por garimpeiros, que não conseguem retirar o ouro da rocha, mas por empresas mineradoras de porte, que contam com os equipamentos e o capital necessário. Mesmo assim, Iuliani teme que o aumento da atividade garimpeira possa causar danos ambientais semelhantes aos que ocorreram em Serra Pelada, hoje um lago de 70 metros de profundidade. Roberto Dall'Agnol, da UFPA, que trabalhou com a equipe da USP,também está preocupado. Segundo ele, a confirmação da presença das reservas só beneficiará a economia do Pará se não for seguido o modelo extrativista predatório que marca a história da região. • PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 59


• CIÊNCIA

PALEONTOLOGIA

Registros vivos do tempo Novas espécies de invertebrados marinhos descobertas no litoral paulista ajudam a entender a evolução dos oceanos FRANCISCO

BICUDO

C

ada vez que precisa .col~tar os pequenos animais marinhos inverte brados usados em sua pesquisa, o paleontólogo Marcello Guimarães Simões sofre com as viagens ao mar. Assim que o Progresso, um pesqueiro de camarões adaptado para pesquisas, zarpa do cais de Ubatuba, no litoral norte paulista, começam os enjôos, que só cessam na volta a terra firme. Mas nem o mal-estar o faz desistir do seu objetivo: capturar pequenos invertebrados conhecidos como braquiópodes - semelhantes a moluscos encontrados nas praias, com os quais têm em comum apenas as conchas - que estão ajudando a compreender as alterações que o ambiente marinho sofreu nos últimos milhares de anos e, no futuro, devem permitir propor formas de recuperação para essas áreas. Vencendo o mal-estar e muitas vezes o mar revolto, Simões e Adilson Fransozo, ambos do Instituto de Biociências (IB) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, conseguiram coletar entre 2001 e este ano cerca de 5 mil exemplares de uma das espécies menos estudadas de braquiópodes vi-

60 . NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

vos, a Bouchardia rosea - tarefa da qual participou a equipe de Michal Kowalewski, do Instituto Poli técnico da Virgínia, nos Estados Unidos. Por serem morfologicamente muito semelhantes a representantes da mesma linhagem que viveram há 60 milhões de anos, as Bouchardia são consideradas fósseis vivos. Com duas conchas quase simétricas e , articuladas, semelhantes àquelas que viram brinquedo nas mãos das crianças nas praias, esses invertebrados são uma espécie de janela aberta simultaneamente para o passado e para o futuro, pois estão ajudando a reconstituir, com detalhes, o ambiente marinho em eras remotas e a desenvolver a paleoecologia marinha aplicada, ciência voltada para avaliar a deterioração ambiental e impedir seu progresso. Desde o início dos trabalhos com os braquiópodes coletados no litoral paulista, a equipe da Unesp, coordenada por Simões, derrubou alguns dogmas. Os resultados mais recentes, publicados em julho na revista Palaios, uma das mais importantes da área, e apresentados em outubro no encontro anual da Sociedade Geológica dos Estados Unidos, em Denver, mostraram que a atual fauna

de braquiópodes articulados da plataforma continental brasileira é mais diversificada do que se imaginava. Além de Bouchardia rosea, invertebrado tipicamente brasileiro e o único braquiópode articulado até então conhecido, os pesquisadores encontraram representantes de Platidia anomioides, Terebratulina sp e Argyrotheca cuneata, espécies que apresentam afinidades com as da Antártica, do Caribe, do Mediterrâneo e da porção sul-africana dos oceanos Atlântico e Índico. Essa diversidade lança algumas questões sobre a distribuição dos braquiópodes pelo planeta. Duas perguntas que os pesquisadores pretendem responder, tão logo quanto possível, são por que a Bouchardia rosea só existe no Brasil e como as outras espécies chegaram até aqui. Já sabem que parentes remotos de Bouchardia rosea - como a B. conspicua, a B. antarctica e a B. transplatinapossuem uma longa história geológica: algumas habitaram os oceanos há cerca de 60 milhões de anos, após a extinção dos dinossauros. Atualmente, fósseis de espécies de Bouchardia e outras formas aparentadas, como Bouchardiella, podem ser encontrados em rochas da An-


Conchas de Bouchardia rosea: fósseis vivos de 15 milímetros exclusivos da costa brasileira

PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 61


tártica, da Austrália, da Argentina e do Uruguai. Com cerca de 15 milímetros de comprimento e revestido por conchas róseas de carbonato de cálcio, às vezes com minúsculas listras brancas, a B. rosea é a única espécie viva conhecida da família Bouchardiidae que ainda habita os mares, espalhando-se pelo litoral dos estados de São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Até o momento, os pesquisadores não sabem exatamente quando a espécie surgiu. "Por motivos ainda pouco entendidos, enquanto as populações de Bouchardia rosea apresentam uma distribuição mais ao norte, ao longo da margem oriental da América do Sul, outras espécies fósseis do mesmo gênero têm uma distribuição mais ampla nos continentes do Hemisfério Sul e são encontradas na Austrália, na Antártica e, no continente sul-americano, na Argentina e no Uruguai", ressalta Simões. "Outros estudos sugerem que a distribuição das espécies decorra das modificações nas correntes oceânicas ocorridas nos últimos milhões de anos, durante a evolução do Atlântico." Outra novidade é a profundidade em que podem ser encontradas as populações de Bouchardia, às vezes com milhares de indivíduos em apenas 1 metro quadrado. Falava-se que viviam em águas rasas, com cerca de 20 metros de profundidade, com raras ocorrências em águas com profundidade superior a 100 metros, mas as pesquisas do grupo da Unesp e as amostras coletadas pelo Programa de Avaliação do Potencial Sustentável de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva (Revizee) demonstraram que esses organismos podem viver a até 550 metros. A descoberta amplia o alcance de futuros estudos, ao mostrar que uma espécie antes encontrada apenas em águas rasas pode ocupar hábitats mais profundos e pouco estudados. Pode haver também algumas correções de rota nas pesquisas. Com base nos escassos dados sobre a biologia de Bouchardia rosea, os especialistas interpretavam o modo de vida das espécies fósseis do gênero como sendo similares à de Bouchardia rosea. Dessa forma, viram muitas ocorrências fósseis como geradas em condições deposicionais de águas rasas, já que, até então, a distribuição da espécie vivente estava, em grande parte, restrita às águas rasas. "Como agora sabemos que a espécie ocupa fundos a 62 • NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

o Progresso no mar de Ubatuba e as conchas, encontradas em profundidades maiores do que se imaginava profundidades em torno dos 500 metros, seria interessante reexaminar as ocorrências fósseis à luz dos novos dados e comparar com os advindos de outras ciências, como a estratigrafia, que estuda a origem e a composição das camadas de rochas", comenta o pesquisador da Unesp. s estudos de Simões sugerem também que as correntes oceânicas de ressurgência (de águas muito frias) podem ser fundamentais para o desenvolvimento de populações de braquiópodes. Mais uma vez, as evidências caminham na contramão do que se sabia: imaginavase que essas correntes, ricas em nutrientes, trariam prejuízos para esses invertebrados, já que poderiam entupir o aparelho filtrado r, chamado lofóforo, que drena a água e seleciona a matéria nutritiva. Por fim, verificou-se ainda a preferência dos braquiópodes por determinados tipos de substratos - as Bouchardia crescem em áreas do fundo oceânico em que a concentração de carbonato de cálcio nos sedimentos varia de 40% a 70%. As constatações sobre as correntes e o substrato em que crescem mais facilmente são pistas importantes para o mapeamento global dessas populações, indicando de maneira mais clara onde podem se manifestar e as áreas que podem ajudar a recuperar. "As conchas oferecem registros confiáveis

o

sobre a história recente e as modificações ambientais e biológicas vividas por aquela região da plataforma brasileira", reafirma Kowalewski. "A partir de dados do passado, conseguimos informações sobre os estragos causados pela ação humana na natureza, redirecionando a atuação de ecologistas, geólogos, paleontólogos, biólogos e de agências ambientais." Kowalewski cita como exemplo um trabalho da Universidade do Arizona, também nos Estados Unidos, que, em meados da década de 90, em colaboração com a equipe de Virgínia, jogou luzes sobre o potencial da chamada paleoecologia marinha aplicada, uma área de pesquisa em que fósseis vivos como os braquiópodes e os registros de épocas passadas têm servido como referência para projetos de recuperação de áreas degradadas. Com esse tipo de informação, por exemplo, já foi possível desenvolver um plano de recuperação da biodiversidade aquática do delta do Rio Colora do, próximo à fronteira dos Estados Unidos com o México, área que sofreu intensa transformação arnbiental com a construção de hidrelétricas. As barragens ergui das desde 1930 reduziram bastante a quantidade de água que chegava à foz do Rio Colora do. Em conseqüência, houve um aumento da salinidade, o que colocou em risco de extinção espécies de invertebrados como a Mulinia coloradoensis, um molusco que servia de alimento para pequenos peixes, pássaros e para a população 10-


cal. Para complicar, havia poucos registros históricos dos parâmetros ambientais do delta do rio, no período anterior às barragens. Foi nesse ponto que a paleoecologia entrou em ação. Os pesquisadores coletaram amostras de conchas dos invertebrados ameaçados, que formam densas acumulações (depósitos superficiais) ao longo do delta. Depois, em laboratório, determinaram a idade dessas conchas, que variavam de recentes a até 7,3 mil anos. Esse dado é essencial porque, como os animais secretam o carbonato de cálcio e formam as conchas em equilíbrio químico com a água do mar, permite aos pesquisadores acessar as informações geoquí-: micas de conchas formadas em épocas distintas. Essa análise revela, por exemplo, como as condições ambientais - temperatura e salinidade, entre outras - variaram de centenas a milhares de anos atrás. Ficou claro, assim, qual deveria ser a quantidade de água a ser descarregada no delta, a fim de manter as condições adequadas para a sobrevivência da Mulinia. A equipe da Unesp procura seguir caminho similar. Embora embrionárias, as pesquisas são tão ambiciosas quanto os trabalhos feitos pelos norte-americanos. "A paleoecologia marinha aplicada é uma área de enorme relevância social que só recentemente passou a receber a atenção merecida', afirma Simões. "O estudo do Rio Colorado é um

marco." Seu laboratório guarda amostras de acúmulos de conchas de Bouchardia rosea mortas e moluscos bivalves encontradas em acumulações com milhares de exemplares. Foram coletadas em 46 estações marítimas, com até 45 metros de profundidade, localizadas a cerca de 40 quilômetros da costa de Ubatuba, Caraguatatuba e São Sebastião, aonde chegavam somente após quatro horas de viagem de barco. De volta ao laboratório, os pesquisadores analisaram as conchas do ponto de vista de uma área da ciência que estuda os padrões de preservação dos restos orgânicos, como os graus de articulação das conchas e de fragmentação,

o PROJETO Tafonomia de Braquiópodes e Bivalves em Ambientes Siliciclásticos da Costa Norte do Estado de São Paulo: Variação Ambiental nas Assinaturas Tafonômicas, Estilo Bioestratinômico e Mistura Temporal entre Tafocenoses MODALIDADE Linha regular à pesquisa

de auxílio

COORDENADOR MARCELLO GUIMARÃES

Instituto

SIMÕES-

de Biociências/Unesp

INVESTIMENTO

R$ 137.658,43

alterações na cor ou as taxas de incrustação ocorridas durante a vida ou adquiridas após a morte desses invertebrados - a chamada tafonomia. Conseguiram assim descobrir cornó se formaram esses acúmulos e a procedência das conchas depositadas no fundo do mar. Depois, as conchas seguiram para a equipe da Universidade de Virgínia, que conferiu as características tafonômicas básicas. De lá, foram enviadas para o Woods Hole Oceanographic Institution's National Ocean Sciences Accelerator Mass Spectrometry Facility (Nosams) e datadas com a técnica de carbono 14, mais indicado para datações de materiais com até 70 mil anos. Outra remessa foi de Virgínia para a Universidade George Washington, onde os pesquisadores cuidaram das datações com aminoácidos, que funcionam como relógios biológicos e indicam o tempo transcorrido desde a morte do organismo. "Embora possua limitações, a datação por aminoácidos é um método mais barato e mais rápido que o do carbono 14", comenta Simões. Conclusão: as idades das conchas de Bouchardia encontradas na costa norte de São Paulo variaram de zero (o organismo tinha acabado de morrer) a 20 mil anos, com predomínio absoluto das que têm até 500 anos. "Surpreendentemente, é possível estabelecer séries completas de idades a cada 50 anos, até a faixa em torno dos 500 anos, e determinar como os padrões ambientais variavam", diz o pesquisador. Na próxima etapa do trabalho, as equipes da Unesp e de Virgínia pretendem investir no estudo geoquímico das conchas já datadas, dentro das séries de idades até 500 anos ou mais - e os segredos que guardam deverão ser revelados pela análise de isótopos estáveis. Os especialistas vão comparar as proporções entre os elementos químicos como carbono 13 e 12 e oxigênio 18 e 16 - das águas oceânicas com os registrados pelas conchas de Bouchardia de diferentes épocas (atuais, com 500, 3 mil e 20 mil anos, por exemplo). O objetivo é construir uma linha histórica de parâmetros ambientais, como salinidade e temperatura. Sirnões sabe que nesse caminho não haverá apenas tempestades e enjôos. "Se estivéssemos falando de uma nova espécie de dinossauro, o tema seria rapidamente reconhecido", afirma. "No caso de conchas tão pequenas, o processo é mais lento." • PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 63

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ITECNOLOGIA

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Testes aerodinâmicos Um túnel de vento de alta tecnologia, para testar estruturas aerodinâmicas de aviões, automóveis, navios e construção civil, está funcionando desde outubro no Laboratório de Aerodinâmica (LAE) da Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), onde foi projetado e construído. Os testes são feitos geralmente com modelos em escala de aeronaves ou partes delas, como asas, fuselagens, etc. "Os modelos são fixos num suporte na câmara de ensaios e o ar passa ao redor num escoamento uniforme de velocidade controlada e baixa turbulência", explica o professor Fernando Martini Catalano, proje-

• Habitação com novo conceito O protótipo de uma casa construída apenas com materiais alternativos, baratos e recicláveis e que causam poucos danos ao ambiente, além de ser concebida para evitar desperdícios, poderá ser visitado, em dezembro, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Os produtos que serão utilizados na "casa modelo" resultaram de estudos realizados por dez pesquisadores no Núcleo de Pesquisa em Construção Civil da universidade, dentro de um projeto que trata do aproveitamento de resíduos sólidos. Os vários tipos de blocos de concreto têm como base di-

Túnel: protótipos mais baratos, eficientes e seguros

tista do túnel e chefe do Laboratório de Aerodinâmica. Pode-se medir pressões no corpo do modelo e as forças que o escoamento de ar provoca no protótipo por meio de uma balança aerodinâmica. Segundo Catalano, o túnel de vento é muito importante no processo de projeto de uma nova aeronave .

versas matérias-primas. Um deles é fabricado com a adição de cinzas de uma usina termelétrica da região. Outro recebe no lugar da brita natural pequenos pedaços de entulho da construção e demolição. As cinzas da casca de arroz também conferem alto desempenho ao concreto. "Vamos avaliar como esses pro-

"Antes de se construir um protótipo em escala real, devem ser testados modelos em escala no túnel de vento, muito mais baratos e fáceis de serem modificados na busca de maior eficiência aerodinâmica." Segundo Catalano, esse túnel é uma excelente ferramenta de alta precisão que a

dutos estão funcionando em habitação de interesse social", relata a professora [anaide Cavalcante Rocha, coordenadora do núcleo. Com 49 metros quadrados, a casa terá instalações elétricas planejadas para baixo consumo de energia, uso de painéis solares para aquecimento da água e painéis fotovoltaicos para gera-

USP São Carlos irá utilizar em pesquisas, desenvolvimentos e serviços à comunidade acadêmica e produtiva. A primeira etapa de construção recebeu recursos da FAPESP no valor de R$ 40.820,00, dentro do projeto de infra-estrutura básica. Outros US$ 79.917,13 foram liberados para equipamentos, no programa de equipamentos multiusuários. Recentemente o túnel foi incorporado ao programa Parceria para Inovação em Ciência e Tecnologia Aeroespacial (Picta) da FAPESP, em conjunto com a Embraer, com investimentos de cerca de US$ 140.000,00 em instrumentação (veja Pesquisa FAPESP n° 77). •

ção de energia, além do reaproveitamento da água da chuva e do chuveiro. O protótipo da habitação sustentável faz parte do Programa de Tecnologia da Habitação (Habitare), que conta com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e Caixa Econômica Federal. •

• Choveu, está novo Maquete: casa com 49 m2 estará exposta no câmpus da UFSC

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Um vidro autolimpante desenvolvido pela empresa britânica Pilkington está revolucionando a limpeza de janelas e fachadas (site optics.org, 18 de setembro). O segredo está na aplicação de uma película de 40 nanórnetros (ou 40 milionésimos de


milímetro) de dióxido de titânio à superfície do vidro durante o processo de fabricação. Essa película funciona da seguinte maneira: quando a radiação solar ultravioleta entra em contato com ela, uma reação química remove os resíduos orgânicos da superfície. Como a sujeira não adere, basta chover e a limpeza se completa automaticamente. Na falta de chuva, um esguicho de água resolve o problema. O único senão por enquanto é o preço do produto, em média 20% mais caro que os outros vidros. Mas o fabricante garante que, como a película nunca perde o efeito, o gasto inicial é compensado pela economia na limpeza. •

• Água limpa com pedras e areia Pedregulhos e areia são a base de um sistema de tratamento de água para consumo humano pesquisado em conjunto pelo Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC/USP) e pelo Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB). A cidade paranaense de Doutor Ulysses e a paulista Corumbataí serão as primeiras a adotar o sistema de filtração em múltiplas etapas (Fime), eficiente na remoção de turbidez, algas e, particularrnente, organismos patogênicos. Os estudos com essa técnica foram iniciados pelo professor Luiz Di Bernardo, da EESC, na década de 80, para remover a turbidez da água e torná-Ia potável. "Os resultados permitiram à UnB também desenvolver trabalho nessa linha de pesquisa", conta a coordenadora do

projeto em Brasília, Cristina Célia Brandão, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Faculdade de Tecnologia da UnB. Nessa instituição foi testada a eficiência dessa tecnologia na remoção de algas e cianobactérias da água do Lago Paranoá, em Brasília. Uma instalação piloto de Fime foi montada em uma de suas margens e o resultado foi a diminuição significativa da cianobactéria potencialmente tóxica Cylindrospermopsi raciborskii e a melhoria das condições sanitárias da água. A pesquisa sobre o Fime foi financiada pelo Programa de Pesquisa em Saneamento Básico (Prosab), que é uma iniciativa conjunta da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Caixa Econômica Federal. •

"Quando houver um evento durante a noite em uma avenida, o local poderá ficar completamente iluminado por um período predeterminado", explica Jorge Queiroz, vice-presidente de Operações e Tecnologia da Secrel. O dispositivo microprocessador funciona como um relógio. Ele é programado para seguir uma agenda predefinida, como ligar e desligar em determinados horários. Essa programação pode ser alterada quando necessário. O dispositivo foi desenvolvido para substituir as atuais células fo-

• Iluminação pública controlada Um microprocessador, desenvolvido pela empresa cearense Secrel, permite controlar o consumo de energia das vias públicas pela Internet. Com o Core IP, nome comercial do produto, é possível, por exemplo, aumentar a intensidade da iluminação às 21 horas, quando é grande o movimento nas ruas, e reduzi-Ia durante a madrugada.

Luz acesa, só à noite

toelétricas, que ligam e desligam as luminárias em função da quantidade de luz ambiente. "Se o tempo estiver nublado, mesmo que seja dia, elas acionam as luminárias, gastando energia sem necessidade", diz Queiroz. A previsão é que ainda este ano o Core IP comece a ser vendido às prefeituras, responsáveis pelo controle da iluminação pública. O preço de cada processador está estimado em torno de R$ 50. •

• Mais espaço para faser na odontologia A Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP) ganhou um novo espaço para abrigar seu Laboratório Especial de Laser em Odontologia (Lelo), com 400 m-' de área. Inaugurado em 1995, o laboratório estava em um acanhado espaço de 60 m-', insuficiente para atender os pesquisadores que desenvolvem estudos na área. A nova estrutura vai concentrar laboratórios para pesquisas, quatro clínicas de atendimento, salas de aula e uma biblioteca. As clínicas terão um sistema integrado de televisão, o que possibilitará a transmissão on-line de imagens dos atendimentos realizados para o anfiteatro da faculdade e as salas de aula do laboratório. Um dos cursos oferecidos como mestrado profissionalizante pelo Lelo, realizado em parceria com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), cumpre dupla função. Os alunos recebem treinamento para utilizar corretamente os lasers existentes no mercado e também desenvolvem trabalhos científicos com o intuito de auxiliar as empresas a melhorar os equipamentos disponíveis. •

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Comando de voz dentro do carro Travar portas, abrir e fechar vidros, além de acionar o sistema de ventilação, as setas de direção, a luz interna e os faróis. Essas são as funções que os motoristas poderão executar ao falar frases curtas e simples, deixando as mãos dedicadas integralmente ao ato de dirigir. A novidade, instalada em um automóvel Vectra, foi exposta no último Salão do Automóvel, realizado em outubro, na capital paulista. O desenvolvimento foi realizado em uma parceria do Instituto Genius de Tecnologia, de Manaus, com o Centro Universitário da Faculdade de Engenha-

• Inovadores ganham Prêmio Finep O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), de São Paulo, recebeu o prêmio nacional Finep de Inovação Tecnológica 2002 na categoria Instituição de Pesquisa, pelo conjunto dos seus projetos de pesquisa. Na categoria Produto, a vencedora foi a empresa Tigre, de Santa Catarina, com uma tecnologia inédita de fixação e vedação de juntas utilizadas na conexão de tubos Pvc. O novo material, que evita vazamentos, permitirá, pela primeira vez, o uso de tubos plásticos em redes públicas de esgoto. O prêmio de melhor Processo foi para o Centro de Pesquisa (Cenpes) da Petrobras, do Rio de Janeiro, com um novo sistema de ancoragem que permitiu ao Brasil atingir a liderança mundial de explo-

ria Industrial (FEl), de São Bernardo do Campo (SP), com apoio da General Motors. O software reconhece o som das palavras em português de qualquer pessoa, mesmo a pronúncia com sotaque. Não é preciso gra-

ração de petróleo em águas profundas. O de Pequena Empresa ficou com a Brapenta, na área de controle de qualidade da indústria alimentícia, de São Paulo. A catarinense Embraco foi considerada a melhor Grande Empresa, pelo constante desenvolvimento de seus compressores. Realizado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), o prêmio teve 13 finalistas, escolhidos entre 355 concorrentes. •

vação préviacomo em outros sistemas. Ele foi desenvolvido pelo Genius, um instituto privado de pesquisa, com base na tecnologia da empresa norte-americana Speechworks. "Pela primeira vez esse software é

tem como objetivo produzir um conjunto de ferramentas e bancos de dados que permita a geração - a partir de conhecimento das seqüências genômicas - das estruturas das proteínas, descrição das suas funções, identificação de

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substâncias potenciais para fármacos e agrotóxicos. O núcleo será importante tanto para produtores de agrotóxicos quanto para a indústria farmacêutica, além da área de biologia molecular que desenvolve atividades relacionadas a controle biológico e organismos geneticamente modificados. •

• Microgravidade em pesquisa no VS-30

• Ferramentas para a genômica Um centro destinado a pesquisar e oferecer serviços na área de biologia computacional foi inaugurado em Campinas, em outubro, pela Embrapa Informática Agropecuária. O Núcleo de Bioinformática

adaptado para o português", informa Bruno Vianna, diretor-superintendente do Genius. O sistema reconhece até 170 palavras. O hardware foi instalado pela equipe da FEl coordenada pelo professor Renato Giacomini. "Instalamos um sistema paralelo ao sistema elétrico original do carro. Com isso conseguimos rapidez na resposta das ações", conta Giacomini. O próximo passo é adaptar o software para um sistema de segurança, por fala, que simule uma falha mecânica ou acione o telefone celular, em casos de assalto ou seqüestro. •

Seqüências genômicas

O foguete VS-30 da Agência Espacial Brasileira deverá ser lançado entre os dias 27 e 29 de novembro da Base de Alcântara, no Maranhão. Ele partirá levando cinco experimentos selecionados dentro do Programa de Microgravidade do Ministério da Ciência e Tecnologia. O objetivo é testar processos físicos, químicos e biológicos que não


podem ser analisados por completo na gravidade terrestre. Estarão em testes na microgravidade, a fabricação de ligas semicondutoras, instrumentos que medem acelerações espaciais e controle térmico em satélites, a propagação de ondas de reação em gel e na retina de pintinhos simulando as ondas cerebrais, além de estudos com mecanismos de reparação de DNA e de sobrevivência de bactérias. Os experimentos são de pesquisadores da Universidade de São Paulo, Universidade Federal de Santa Catarina, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Universidade do Norte do Paraná. O foguete VS-30 foi desenvolvido pelo Instituto de Aeronáutica e Espaço, do Centro Técnico Aeroespacial, do Ministério da Aeronáutica. •

• Dos laboratórios para as empresas O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) inaugurou um Núcleo de Negócios com o objetivo de negociar a transferência da tecnologia de produtos e serviços desenvolvida em seus laboratórios para empresas interessadas. O Inpa espera arrecadar R$ 1 milhão no primeiro ano, que serão aplicados em pesquisa e na manutenção do órgão. As empresas poderão vincular o Inpa como entidade que dá aval a seus produtos e serviços, mas para isso, elas vão precisar cumprir os critérios científicos recomendados pelos pesquisadores. Como primeira tarefa, o núcleo vai fazer um levantamento do volume tecnológico produzido nos últimos 48 anos pelos pesquisadores do instituto amazônico. •

Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplltec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br

• Genes da Xy/ella na produção de goma

Células: transformação de energia solar em elétrica

• Energia solar extraída da janela

• Proteção para redes elétricas

Células solares que utilizam materiais semicondutores baratos e de fácil processamento, como o dióxido de titânio (Ti02), foram desenvolvidas e patenteadas pela equipe da professora Neyde lha, do Laboratório de Fotoquímica Inorgânica e Conversão de Energia do Instituto de Química da Universidade de São Paulo. Uma das características dessa célula, também chamada de célula solar sensibilizada por corantes ou dye-cell; é a transparência, que permite sua instalação no lugar dos vidros utilizados em portas e janelas.

Uma mistura de óxido de zinco, acetato de cobre e uma fase vítrea de borossilicato-zinco-chumbo compõem a base de obtenção de um dispositivo eletrônico, chamado varistor, destinado a proteger equipamentos e redes elétricas de sobrecargas de tensão. Tanto a composição química como a interação dos componentes garantem homogeneidade e temperatura de sinterização (processo de aglutinação de partículas). A pesquisa é do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos.

Título: Células Solares Fotoeletroquímicas Regenerativas Utilizando Vidros Condutores Contendo Filamentos Protegidos e Associação Modular para Montagem de Painéis Inventora: NeydeVukie Murakami lha Titularidade: Universidade de São Paulo IFAPESP

Título: Varistor e Processo de Obtenção de Varistor Inventores: Ruth Herta Goldschmidt Aliaga I<iminami, Márcio Raymundo Morelli e Jusmar Valentin Bellini Titularidade: Universidade Federal de São Carlos/Universidade Estadual de Maringá/FAPESP

A equipe de pesquisadores do professor Paulo Arruda, coordenador do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), identificou e patenteou nove genes da bactéria XylleIa fastidiosa que podem ter relação direta com a Clorose Variegada dos Citros (CVC) ou praga do amarelinho, doença que afeta seriamente a citricultura paulista. Os genes identificados aparentemente constituem um operon, conjunto de genes sob controle de um mesmo regulador e com função metabólica definida - no caso, a biossíntese da goma xantana. A patente foi registrada nos Estados Unidos, principais países europeus e Japão, pois, além do interesse para a patogenicidade da Xylella, esse operon pode ser utilizado para produzir um polissacarídeo de interesse industrial como espessante e estabilizante. Título: Isolated Gum Operon from Xylella fastidiosa, Isolated Nuc/eic Acid Molecules Thereform, and Uses Thereof Inventores: Paulo Arruda, Felipe Rodrigues da Silva, Edson Luiz I<emper,Adilson Leite, André Vettore e Márcia José da Silva Titularidade: Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)/FAPESP

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Nos testes, a comprovação do aumento das faixas de freqüência

dor paramétrico de fibra óptica. Um desses laboratórios está no Instituto de Física (IF) da Universidade Estadual de Campinas (Unicarnp), que faz parte do Centro de Pesquisa em Optica e Fotônica (CePOF) financiado pela FAPESP. Os outros são os laboratórios da Bell, da empresa Lucent, e da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e da Universidade de Tecnologia Chalmers, da Suécia. O Fopa poderá aumentar em dezenas de vezes a capacidade de transmissão de uma fibra óptica. Hoje, nas conexões de longa distância, a transmissão acontece na faixa de comprimento de onda entre 1,53 e 1,56 micrômetro (um), na região do infravermelho, onde as fibras têm perdas mínimas. Mas a capacidade dessa fibra vai de 1,10 até 1,75 flm. A fina estrutura da fibra também possui a capacidade de transmitir mais de 100 terabits por segundo (Tb/s; um terabit é igual a mil gigabits). A atual transmissão acontece em, no máximo, 4 Tb/s. Como comparação, essa velocidade de transmissão (tecnicamente chamada de taxa de transmissão, porque a velocidade é sempre a da luz) é suficiente para 62 milhões de ligações telefônicas (de 64 kilobits por segundo -

kb/s) ao mesmo tempo ou, olhando para o futuro, cerca de mil canais de televisão digital simultâneos ou o texto completo de todos os livros da maior biblioteca do mundo, também em apenas um segundo. Portanto, entre 100 Tb/s e 4 Tb/s existe muito espaço para ser aproveitado numa fibra óptica. Aumento da banda - Em laboratório, o

Fopa já consegue transmitir em 10 Tb/s. "Nossa intenção é chegar a 40, 50 Tb/s", informa o professor Hugo Fragnito, coordenador do segmento do CePOF na Unicamp (os outros ficam no Instituto de Física da Universidade de São Paulo, em São Carlos, e no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares Ipen). Com o Fopa será possível trabalhar em outras faixas dentro do espectro entre o 1,1 e 1,75um. "Ele consegue amplificar em larguras de banda (de freqüências) maiores que o amplifi-

cador dopado com érbio - elemento químico classificado como terra rara - utilizado atualmente. "O paramétrico é igualou melhor que o érbio em várias regiões do espectro de transmissão." O amplificador a érbio ou Erbium Doped Fiber Amplifier (EDFA), já havia provocado uma revolução tecnológica a partir de 1990. Anunciado em 1987, na forma de protótipo elaborado em conjunto pela British TeIecom, a empresa DuPont e a Universidade de Southampton, na Grã-Bretanha, o érbio apresentou muitas vantagens em relação ao repetidor eletrônico usado desde o início da utilização de fibras ópticas, o 3R (de regenerador, reformatador e retemporizador). "A velocidade de transmissão subiu de 1 Gb/s para 4 Tb/s com o érbio", diz Fragnito. Outro fator importante foi a diminuição dos custos de instalação de redes. O preço de um amplificador caiu de US$ 500 mil para US$ 30 mil. O "milagre" desse elemento químico chamado érbio é que os seus íons absorvem luz de um laser chamado laser de bombeio com comprimento de onda em 0,98 flm ou em 1,48 flm e (amplificam) a luz do laser de sinal (que faz a transmissão) na faixa de 1,53 a 1,56 flm. A revolução provocada por esse tipo de amplificador também se fortaleceu na adoção do sistema Wavelength Division Multi-

Alunos sob os holofotes internacionais Dois alunos do Centro de Pesquisa em Ópticae Fotônica (CePOF) da Unicamp foram premiados em concursos internacionais ligados a associações de óptica de âmbito mundial. O primeiro foi Paulo Dainese, mestrando do Instituto de Física (IF). Ele recebeu em outubro da Sociedade Americana de Óptica (OSA) o prêmio de melhor Chapter, designação de grupos de estudantes que desenvolvem trabalhos científicos e de difusão da óptica. Dainese, orientado pelo professor Hugo

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Fragnito, lidera o grupo brasileiro formado por 25 estudantes que ganhou a disputa deste ano entre outras 26 equipes dos Estados Unidos, África do Sul, Canadá, Bélgica e Inglaterra. A OSA é uma sociedade científica que reúne 13 mil membros entre pesquisadores, engenheiros e técnicos em 70 países. Os estudantes da Unicamp mostraram durante a reunião anual da OSAem Orlando, nos Estados Unidos, vários eventos que eles organizaram, como Oficinas de Óptica para professores de

segundo grau e uma Escola Óptica Aplicada para pós-graduandos e estudantes que estão terminando a graduação. Eles também relataram um Programa de Visitas às indústrias da região como forma de mostrar as atividades de pesquisa da Unicamp e abrir portas para futuras relações de trabalho. "O aluno vai na indústria e estabelece um contato que pode render uma contratação para ele ou um estágio", explica Dainese. Os estudantes também deram cursos para os técnicos que trabalham


Laboratório do Instituto de Física: nasce o Fopa

plexing (WDM) ou Multiplexação por Divisão de Comprimento de Onda. O érbio viabilizou o WDM, que, em vez de usar uma fibra para cada laser de sinal, como no sistema antigo, possibilita que vários lasers possam ser transmitidos pela mesma fibra óptica. Assim, a multiplexação permite que diversasbandas de transmissão (cada uma com dezenas de milhões de ligações ao mesmo tempo) possam ser enviadas por uma única fibra óptica. O Fopa não precisa do érbio e pode operar em qualquer comprimento de onda. Na amplificação paramétrica se aproveitam os efeitos que qualquer matéria exibe quando iluminada com alta intensidade, utilizando a transferência de energia de um laser para outro. "Os efeitos de alta intensidade da luz no interior das fibras geralmente distorcem os sinais de transmissão", diz Fragnito. O segredo no Fopa é aproveitar esses

na Unicamp. "Eles aprendem a mexer nas bancadas e o significado de nossos experimentos:' O prêmio para o grupo foi de US$ 1 mil. Em novembro será a vez do estudante de doutorado da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação Cristiano Gallep seguir para Glasgow, na Escócia. Ela vai receber uma bolsa de estudos da Sociedade de Lasers e Eletro-Óptica (Leos), no valor de US$ 5 mil. Com a orientação do professor Evandro Conforti, ele desenvolveuum novo tipo de chaveamento para amplificadores ópticos (veja a reportagem).

o PROJETO Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOFJ, na Unicamp MODALIDADE

Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) COORDENADOR

HUGOFRAGNITO- Instituto da Unicamp

de Física

INVESTIMENTO

R$ 1 milhão por ano

efeitos para o bem e não para o mal. Para isso, ele transfere a energia de um laser de bombeio, colocado dentro da fibra, para o laser de transmissão, amplificando o sinal. "Podemos colocar um ou dois lasers de bombeio em cada fibra para ter mais amplificação e maior largura de banda", afirma José Manuel Chávez, pós-doutorando do laboratório de fibras ópticas do IF da Unicamp. "Com o Fopa conseguiremos aproveitar mais a imensa capacidade de transmissão das fibras': diz Fragnito. Os benefícios do Fopa ainda não têm prazo para entrar no mercado. São precisos ainda muitos testes e ajustes. Outra inovação surgida na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp, que também faz parte do CePOF, está relacionada a um outro tipo de amplificador. Trata-se do amplificador óptico semicondutor ou Semicondutor Optical Amplifier (SOA), já fabricado pela empresa Alcatel, somente para uso em laboratórios. Esse equipamento faz a amplificação do laser por meio de um chip e deverá ser

usado nas redes de telecomunicações em áreas metropolitanas. "Para esse amplificador desenvolvemos um redutor de tempo do chaveamento eletro-óptico que faz o sistema de liga e desliga do SOA",diz o professor Evandro Conforti. Esse chaveamento foi reduzido em dez vezes,de 2 bilionésimos de segundo ou 2 nanossegundos (tempo de outros sistemas usados atualmente nas redes de Internet) para 0,2 nanossegundo. Esse tipo de redução de tempo facilita e oferece maior capacidade ao sistema em receber e despachar a luz de laser com as transmissões. Tudo óptico - A nova técnica teve a coautoria do aluno de doutorado Cristiano Gallep, que ganhou um prêmio nos Estados Unidos com esse trabalho (veja quadro), e está em processo de patenteamento pelo Núcleo de Patentes e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec), da FAPESP. ''Ainda não existem interessados, mas acreditamos no potencial desse sistema para melhorar os futuros amplificadores ópticos',afirma Conforti. "Principalmente, se daqui a alguns anos forem adotados sistemastotalmente ópticos, quando não haverá, como hoje, a conversão do sinal elétrico (dos fios de cobre) para sinais de laser."Seisso acontecer, a transmissão de um e-mail, por exemplo, sairia do computador já na forma de luz e chegaria dessa maneira ao servidor e daí para outro computador, sempre correndo pelas fibras ópticasoUm futuro, em que o e-mail vaivirar o-mail; o de óptica, e vai precisar muito de amplificadores ópticos eficientes, de banda larga e muito rápidos. Um futuro que já está em produção. • PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 73

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ITECNOLOGIA

INFORMÁTICA

Software do agreste Empresa de Campina Grande exporta sistemas de banco de dados e mantém estreita relação com a universidade TÂNIA

MARQUES

20 á anos, pouca gente acreclitaria que Campina Grande, município de clima ameno a 130 quilômetros de João Pessoa, na região do agreste no Estado da Paraíba, viria a se tornar um pólo tecnológico. Dois pernambucanos e um canadense acreditaram. Em 1983, Antão Moura e Iacques Sauvé, professores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), fundaram uma pequena consultoria de informática na cidade. Logo depois, Alexandre Moura, irmão de Antão, que tinha se mudado para lá para estudar engenharia eletrônica, juntou-se à dupla para tocar a empresa. O empreendimento, que pouco tempo depois de lançado se voltaria para o desenvolvimento de software, é a Light Infocon Tecnologia, fornecedora de soluções de banco de dados e gerenciamento eletrônico de documentos (GED) que, com grandes clientes no Brasil, também exporta para a Espanha e está em vias de fechar um grande negócio com a China. A empresa mantém um acordo tecnológico - com apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e da Fundação Parque Tecnológico da Paraíba (PaqtcPB) - com o Instituto de software da Academia de Ciências da China (Iscas, na sigla em inglês), e está desenvolvendo uma versão do seu banco de dados, o LightBase, para o sistema operacional Linux, no padrão chinês, chamado de Red Flag. "O produto estará pronto entre 2003 e 2004': anuncia Alexandre Moura, presidente do Conselho de Administração e diretor de Marketing.

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74 . NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

A venda de software e soluções em informática no exterior já rendem um porcentual importante no faturamento da empresa. "Da receita prevista para 2002, de R$ 2,3 milhões, cerca de 20% virá das exportações", diz Alexandre Moura, que comprou parte das ações da empresa do irmão e de Sauvé. A Light Infocon, conta Moura, sempre orbitou em torno da universidade. "Nossos produtos e assuntos relacionados foram tema de cerca de 20 teses e dissertações", revela. A maior parte dos autores desses trabalhos são colaboradores ou ex-colaboradores da empresa, cujo quadro funcional, com 42 pessoas, tem quatro mestres, dois mestrandos e 25 graduados, que se dedicam ao desenvolvimento dos softwares e suporte técnico. A empresa contrata, como estagiários, todos os anos, quatro estudantes do sétimo ou oitavo semestres do curso de ciências da computação do câmpus de Campina Grande da UFPB, que no ano passado tornou-se independente e passou a chamar-se Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Ao se formar, muitos deles se tornam parte do efetivo da empresa - e aqueles que não ficam, conta Moura, acabam por levar o nome da Light Infocon para onde forem. Cidade tecnológica - A evolução da empresa esteve, nesses anos, atrelada ao desenvolvimento do perfil tecnológico da cidade. Campina Grande, que a cada mês de junho recebe cerca 1 milhão de pessoas para a festa conhecida como "o maior São João do mundo", tem mais de

cem empreendimentos envolvidos com alta tecnologia. Em 2001, ela foi reconhecida como a única representante da América Latina na lista das dez tech cities (cidades tecnológicas) globais da revista semanal norte-americana Newsweek. Nascida sob o signo da política de reserva de mercado, a Light Infocon, então com o nome de Infocon, fez muito sucesso com suas ferramentas de software para o sistema operacional Unix, que experimentou enorme crescimento nas empresas, em grandes bancos e em órgãos de governo a partir da década de 80. Outro produto da empresa, o SpoolView, software de controle de impressoras, foi comercializado nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa. O produto conquistaria, em 1997, o prestigiado Top of the World Award da revista norte-americana SCO World, na categoria sistema de gerenciamento de impressão para Unix e redes TCP-IP (o protocolo da Internet). A escalada do sistema operacional Windows no mercado corporativo e a disseminação do uso comercial da Internet colocaram, porém, novos desafios à empresa. "Precisávamos investir na assimilação das novas tendências", conta Moura. A Infocon incorporou em 1994, então, a Light software, uma companhia de Software de Brasília que trabalhava também com produtos para o sistema operacional Unix e Dos. Ela foi fundada em 1990, formada por analistas de sistemas oriundos da capital federal. O principal acionista era [airo Fonseca da Silva que é o atual diretor presidente da Light Infocon.


São João em Campina Grande: cidade conhecida pela festa e, agora, pelo pólo tecnológico

As duas empresas já eram parceiras: um de seus projetos comuns foi o desenvolvimento do software AGIX (para comunicação entre máquinas Unix e Dos), além do desenvolvimento de módulos da primeira versão do banco de dados LightBase, para o mesmo ambiente operacional. Em 1997, a Light Infocon lançou o LightBase, versão Windows e Web, que, com 1,4 milhão de linhas de código (a formatação do software), é mais de dez vezes maior - e mais rico - que a versão que o antecedeu, com pouco mais de 120 mil linhas. Entre os usuários do software estão, por exemplo, as polícias federais brasileira e espanhola, a Interpol (a polícia civil internacional), a Receita Federal, a Advocacia Geral da União, a Gol Linhas Aéreas, a Natura Cosméticos e o Bradesco. De acordo com Moura, o LightBase não chega a ser um concorrente direto de gigantes internacionais do segmento de banco de dados, como Oracle, por exemplo - é, antes, um complemento para esses aplicativos. O que diferencia a tecnologia da maior parte dos produtos oferecidos no mercado são a versatilidade e a facilidade em formatar projetos de banco de dados em prazos muito curtos.

Foco no exterior - Para crescer acima do patamar em que está situada, a Light Infocon, que ao longo de sua história teve quatro projetos apoiados pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), está concluindo o mais recente: a adaptação do LightBase para o mercado chinês e o desenvolvimento de uma ferramenta que reduza o prazo desse processo para poucos dias, bastando a tradução de manuais e bibliotecas de telas. Isso é muito útil para a conquista de novos mercados. Em 1997, a empresa recebeu investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Pernambuco SA - empresa privada de capital de risco voltada para o desenvolvimento da região Nordeste e formada por cerca de 100 empresários pernambucanos. "Nosso objetivo, agora, não se limita a levantar recursos financeiros; queremos parceiros que possam nos apoiar comercialmente, no Brasil e no exterior." • PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 75


ITECNOLOGIA

CONSTRUÇÃO

CIVIL

Concreto expandido Pesquisador encontra nas escórias de alumínio um novo ingrediente para a produção de argamassas

juntar concreto com escória de alumínio, o engenheiro metalurgista Edval Gonçalves de Araújo conseguiu um novo produto que vai baratear o custo dos materiais utilizados na construção civil. É um tipo especial de argamassa classificada como concreto celular, que dá um fim útil- de forma inédita - à escória de alumínio, um resíduo poluente da industrialização desse metal. No Brasil, o montante desse material atinge mais de 11 mil toneladas anuais. A escória depois de processada atua como um agente expansor que incorpora ar à massa e pode ser utilizada na fabricação de blocos de vedação (tijolos), painéis pré-moldados, contrapisos e outros tipos de revestimentos. Os dois produtos usados atualmente como agentes expansores - pó de alumínio e substância químicas chamadas de espumígenos - são muito caros e limitam o uso do concreto celular. O novo produto vai começar a ser fabricado dentro de seis meses, em urna estação piloto na cidade de Araçariguama, na região de Sorocaba. A principal vantagem dos materiais feitos com esse novo tipo de concreto celular sobre os convencionais é a redução da quantidade de matéria-prima (areia, cimento e cal) em até 30%, diminuindo o gasto com materiais de construção. Isso acontece porque o emprego de concretos celulares possibilita uma redução do corpo estrutural do edifício, como vigas, colunas e pilares, o que também contribui para a diminuição do preço final da obra. "O agente expansor funciona como um fermento na elaboração da argamassa", explica Araújo, responsável pelo desenvolvimento do novo produto. A descoberta da possibilidade do uso da escória de alumínio como agente expansor começou durante a elaboração da tese de doutorado, na área de engenharia de materiais, que ele concluiu em 1992 no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). "Du-

A

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rante o doutorado, consegui fazer um pó de alumínio a partir de folhas finas de alumínio. Fui atrás de possíveis aplicações para o produto e vi que uma delas era o concreto celular autoclavado", conta Araújo. "Mas como o mercado de folhas finas é muito fechado, pois quem fornece as bobinas de folha fina já compra as sobras (para reciclagem) de quem as usou, decidi procurar outra matéria-prima, mais barata e existente em maior quantidade, que tivesse um bom potencial para produção de gases na massa, condição essencial para um agente expansor. Depois de muitos estudos e testes, cheguei à escória de alumínio." Durante o pós-doutorado, agora em reciclagem de alumínio, na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), o pesquisador entrou em contato com a Siporex, empresa localizada em Ribeirão Pires, na região metropolitana de São Paulo, uma das duas indústrias nacionais especializadas na fabricação de concreto celular autoclavado. A intenção de Araújo foi testar o pó de alumínio reciclado de folhas finas e, num segundo momento, a escória tratada como agente expansor. "Foi assim, diante dos bons resultados, que decidimos apresentar um projeto à FAPESP", explica o pesquisador. Iniciado em 2001, o projeto recebeu financiamento do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) e deverá se estender até 2004. Esse é o prazo para que a primeira fábrica especializada do país na produção de agentes expansores à base de escórias de alumínio passe a produzir comercialmente. A estação piloto vai funcionar na empresa Recicla, em Araçariguama. Boa parte dos recursos de R$ 400 mil do financiamento está sendo utilizada na construção da estação, que, numa fase inicial, terá capacidade para produzir 90 toTijolos de concreto celular: neladas de agente expansor à argamassa aerada e mesma base de escória por mês. resistência dos blocos comuns


lar: ma uns


Escória: 11 mil toneladas bem aproveitadas

A Siporex se associou à Recicla, que, como contrapartida, está cedendo o terreno para a estação piloto, a escória e a mão-de-obra. Essa empresa faz a reeiclagem da escória produzida por várias indústrias produtoras de alumínio, como Alcoa e Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), as duas maiores do Brasil, e da Metalur - da qual é uma subsidiária. Estima-se que sejam geradas em torno de 11,3 mil toneladas anuais de escória primária. Esse valor é o equivalente a 1% da produção de alumínio, que foi de 1,13 milhão de toneladas em 2001, segundo dados da Associação Brasileira do Alumínio (Abal). uando o agente expansor é adicionado à argamassa, ele tem a função de torná-Ia porosa, reduzindo a densidade dos produtos fabricados. Esse efeito expansor acontece porque, ao reagir no meio alcalino da argamassa comum (cimento, cal e areia), ocorre a liberação dos gases hidrogênio (H2) e metano (CH4), formando bolhas que são incorporadas ao material. Apesar de ser até 30% menos denso do que a argamassa convencional, o concreto celular pode atender a todos os requisitos de resistência à compressão, conforme a aplicação a que se destina. Os blocos de vedação de concreto celular com escória possuem a mesma resistência à compressão do que a requerida nos blocos comuns. Em função do alto preço, o uso do concreto celular no Brasil ainda é mínimo. Enquanto o metro quadrado desse material custa R$ 14,00, o do tijolinho comum sai por R$ 6,00 e o do bloco de concreto vazado, por R$ 8,00. O preço alto deve-se ao custo dos atuais agentes expansores. O pó de alumínio e o agente espumígeno custam, respectiva78 • NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

mente, US$ 5 e US$ 4,50 o quilo - e, por isso, são pouco usados no país. "O agente expansor à base de escória de alumínio substituirá os dois produtos e será dez vezes mais barato do que eles", garante Araújo. O preço estimado para o quilo do agente expansor à base de escória é de R$ 1,50. Benefícios ambientais - Além do baixo custo, o agente expansor de escória de alumínio apresenta outros benefícios quando comparado aos seus concorrentes, o pó de alumínio e o agente espumígeno. O primeiro deles é ambiental. "A nossa intenção é aproveitar na produção de concretos leves um rejeito altamente poluente", explica Edval Araújo. As escórias de alumínio costumam ser descartadas de forma inapropriada, principalmente por recicladores secundários (reciclagem da escória primária ou de sucata de alumínio), como, por exemplo, aqueles qué retiram o alumínio de escórias de fundições. Eles jogam as escórias em lagos, rios e campos, causando graves prejuízos ao ambiente.

o PROJETO Desenvolvimento de Agente Expansor à Base de Escórias de Alumínio para a Produção de Concretos Celulares Autoclavados ou Moldados in loco MODALIDADES

Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PI P El Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPIl COORDENADOR

EDVALGONÇALVES DEARAÚJO- Siporex INVESTIMENTOS

R$ 396.490,80 e R$ 6.000,00

(PIPEl (PAPIl

Tanto as escórias de alumínio classificadas como primárias, provenientes da produção de alumínio, ou secundárias podem ser usadas na fabricação do agente expansor, embora a primeira seja mais vantajosa, por ter baixos teores de sais, que são indesejados no processo. Outro importante atrativo do agente expansor produzido a partir da escória de alumínio é que não são necessários equipamentos específicos, como autoclave ou gerador de espuma, para produzir a argamassa especial. Segundo Araújo, a estação piloto terá cerca de 40 metros quadrados e será composta por uma central de moagem, um ventilador centrífugo, um classificador tipo ciclone (uma espécie de peneira) e um silo de armazenamento. "Se o agente expansor mostrar-se razoável para uso em, por exemplo, argamassa de encunhamento - utilizada para o enchimento do vão entre paredes de alvenaria e vigas ou lajes -, a demanda do mercado será muito maior do que a capacidade de produção da planta piloto (90 toneladas mensais)", afirma Araújo. "Se tudo der certo, já temos planos para ampliar a produção para 500 toneladas por mês", diz o engenheiro. Nesse caso, serão necessários investimentos adicionais da ordem de US$ 2 milhões. Patente em andamento - Só existe no mundo uma patente relacionada à transformação de escória de alumínio em agente expansor para concreto celular autoclavado, mas não há produção comercial. A patente foi concedida em 1976 a um pesquisador russo residente nos Estados Unidos. "Até hoje, ninguém desenvolveu o produto para aplicação em concreto celular ou para uso como aditivo em argamassa. Em função do ineditismo, o novo produto está em fase de patenteamento. "Demos entrada em janeiro de 2002 no processo, com intermédio do Núcleo de Patentes e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec), da FAPESP. A patente é do processo de fabricação, que é diferente do feito pelo pesquisador russo, e os vários produtos gerados com o agente expansor", diz ele. São depositários da patente a FAPESP, o pesquisador e a Siporex. Uma boa parceria que, além de criar novos produtos para a construção civil, traz reconhecimento ao trabalho de Araújo e insere a empresa no campo da inovação tecnológica. •


ITECNOLOGIA

ANÁLISES

CLÍNICAS

Precisão no diagnóstico Novo kit e processamento laboratorial permitem identificar parasitas com mais eficiência icroscópicas formas disputam diariamente os nutrientes consumidos por 52% da população brasileira, cerca de 88 milhões de pessoas, segundo dados divulgados no ano passado pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). O estudo aponta que esses indivíduos carregam no intestino pelo menos uma espécie de parasito: protozoários (amebas, por exemplo) ou helmintos (vermes) responsáveis por desconforto ou cólica abdominal, anemia, cansaço e diarréia. Para detectar essas infecções parasitárias, os médicos recomendam três amostras de fezes, coletadas em dias alternados, e processadas separadamente pelos laboratórios. Esse procedimento demorado, muitas vezes, não é realizado pelo paciente. A solução para exames mais eficazes pode estar em um novo método, denominado TF-. Test, que processa as três amostras em apenas uma etapa. O TF- Test está em desenvolvimento na empresa Immunoassay, num projeto financiado pelo Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP. Segundo Sumie Hoshino Shimizu, professora aposentada da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do projeto, a vantagem dessa técnica é concentrar as amostras, fazendo o diagnóstico mesmo nos casos mais difíceis, em que o indivíduo apresenta baixo grau de infestação. "Nos testes tradicionais, muitos casos dão resultados negativos falsos", relata. O produto é composto por um kit de diagnóstico com três tubos coletores para amostras fecais, que, quando

entregues ao laboratório, são encaixados em um recipiente destinado a filtrar e centrifugar o material para análise. Os kits já foram testados em quatro laboratórios de diagnósticos de universidades paulistas. Na comparação

o PROJETO Desenvolvimento de Novos I<its Destinados ao Diagnóstico de Parasitoses Intestinais em Amostras Fecais MODALIDADE

Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADORA SUMIE

HOSHINO SHIMIZU

-

Immunoassay INVESTIMENTO

R$ 386.265,60 e US$ 7.866,00

com as técnicas mais usadas nos exames parasitológicos convencionais, os resultados apontaram que a nova técnica é superior aos métodos utilizados hoje e aos kits existentes no mercado.

Plásticos resistentes - A inovação e os ganhos não se limitam à economia proporcionada no processamento. Resinas foram testadas para que os frascos pudessem ser transportados sem que houvesse alteração no plástico, decorrente de reações provocadas pela solução de formalina, conservante escolhido para preservar durante dez dias o material coletado. A tampa, que fecha com um simples encaixe, inibe microvazamentos. Sumie diz que o novo produto é importante para a saúde pública porque, ao dispensar a refrigeração por até dez dias, possibilita aos habitantes de localidades onde não há energia elétrica ter acesso a esses exames. • PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 79


tâ grande eficácia na eliminação .A tecnologia já foi repassada para o íderãvel de das pessoas unicípios canavieiros do úlo, Mas a mudança no sisterollieita, com a conseqüente adoção da mecanização do corte, permitiu a proliferação de novas pragas para essa cultura, como a cigarrinha-da-raiz (Mahanarva fimbriola). Sem a queima, que também mata os insetos, essas cigarrinhas encontram um ambiente favorável para viver no material orgânico acumulado no solo, Os estragos causados por esse pequeno inseto, que mede cerca de 1 centímetro, são devastadores pará a maior e mais importante cultura agroindustrial do Estado, responsável pela produção anual de 148 milhões de toneladas de matéria-prima, transformadas em 9,6 milhões de toneladas de açúcar e 6,4 milhões de metros cúbicos de álcool. Para controlar essa praga e outros inimigos naturais da cana e também avaliar a persistência de herbicidas utilizados nessa cultura, um grupo composto por 12 pesquisadores está trabalhando, desde maio de 2000, em um projeto temático, financiado pela FAPESP, que já apresenta resultados promissores. Coordenado pelo professor Antonio Batista Filho, diretor do Centro Experimental do Instituto Biológico, órgão vinculado à Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Pau10, localizado em Campinas, o grupo trabalha com um bioinseticida à base do fungo Metarhizium anisopliae, patógeno para a cigarrinha, 80 ' NOVEMBRO DE 2002 ' PESQUISA FAPESP 81

rat6rios paulistas, criados e instaos em municípios produtores de cana: Biocana (Pontal), Biocontrol (Sertãozinho), MethaVida (Catíguã) e Usina Univalem (Valparaíso). O inseticida natural também será fabricado pela Usina Delta, na cidade de mesmo nome, em Minas Gerais. Todos terão o apoio do Centro Experimental do Instituto Biológico. "A ação desse bioinseticida se mostrou bastante eficaz contra as ninfas (que são as formas jovens das cigarrinhas), principalmente após aplicações sucessivas': relata Batista. "Boa parte da pepulação dos insetos é eliminada nessa fase, considerada estratégica para o controle:' Batista ressalta que os inseticidas químicos têm desempenho semelhante, ou até maior em alguns casos, mas custam cerca de dez vezes mais e causam prejuízos ambientais. Os gastos por hectare com defensivos agrícolas ficam em tomo de R$ 150,00, enquanto o controle com o fungo custa R$ 15,00. O ciclo de vida da cigarrinha começa com o início do período chuvoso, entre setembro e outubro. Os ovos enterrados no solo dão origem às ninfas, que vivem em tomo de 50 a 60 dias. Logo ao sair dos ovos, as ninfas caminham até a base da cana e se envolvem por uma espuma produzidas por elas, para proteção, enquanto sugam a seiva da planta para se alimentar até a fase adulta, quando voam, acasalam e geram novos ovos. Os adultos causam prejuízos ao injetar toxinas nas folhas, interferindo na capacidade de fotossíntese da planta. As perdas chegam a 60% no campo, sem contar os prejuízos na produção industrial, devido à redução do teor de sacarose da cana. O ataque, que chega até a terceira geração, só termina em


A cigarrinha injeta toxinas nas folhas e prejudica a fotossíntese da planta

PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 81


março, quando começa o período mais seco. A partir dessa época a cigarrinha coloca os ovos no solo, que ficarão esperando a umidade de um novo período chuvoso, quando, então, se iniciará uma nova colônia. Controle natural - Os estudos para a multiplicação em escala industrial do fungo Metarhizium anisopliae foram iniciados na região Nordeste do país há 30 anos, quando os produtores de açúcar começaram a ter prejuízos com a cigartinha-da-folha (Mahanarva posticata). A observação que levou ao bioinseticida foi feita em Campos (RJ), onde o inseto era encontrado nas plantações de cana, mas não causava problemas, porque estava associado a um patógeno w encarregado do controle natural, o § Metarhizium. fi O trabalho desenvolvido pelo ~ Instituto Biológico, em parceria com ~ a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade São Paulo (USP), e o Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), envolveu testes de novas linhagens do fungo, mais agressivas, em diferentes regiões do Estado, além de estudos com outros agentes patogênicos que possam ser incorporados ao manejo. Uma das etapas do trabalho para escolher os fungos mais eficientes, que ainda está em andamento, envolveu testes com 80 linhagens, das quais foram escolhidas as oito melhores. Elas serão agora testadas em campo na Usina Cerradinho, pela doutoranda, Elisângela de ' Sousa Loureiro, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), do câmpus de Botucatu, orientada por Batista. Outro experimento ligado ao grupo está sendo realizado na UFSCar. O estudante de mestrado José Francisco Garcia, cursando entomologia na Esalq, sob orientação do professor Paulo Botelho, da UFSCar, está desenvolvendo um sistema de criação, em laboratório, de cigarrinha, garantindo insetos para estudos que envolvam o comportamento e a biologia do inseto. A importância de todo esse trabalho está no fato de a cana-de-açúcar representar quase 30% da renda bruta total da agropecuária paulista, superior ao valor da produção de carnes e do conjunto das frutas mais importantes, como laranja, uva e tangerinas. Por isso o Pro82 . NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

Mecanização do corte de cana: lei indica o ano de 2020 para o fim das queimadas

Nematóides: alternativa para o controle da cigarrinha

jeto Cana, como o temático é chamado pelos pesquisadores, vai mais à frente nos experimentos de controle biológico de pragas. A escolha do fungo mais agressivo no combate à cigarrinha é apenas uma das vertentes. É necessário encontrar a formulação mais eficaz e a melhor maneira de aplicar o fungo. ''As observações realizadas até o momento mostraram que o período ideal para iniciar o controle biológico são os meses de outubro e novembro", diz Batista. Nessa época, como a média de infestação da cigarrinha fica em torno de 0,1 a 0,5 por metro linear da cana, considerada pequena, é mais fácil quebrar o ciclo. "O problema é que, como a cana está muito baixa, a incidência solar é grande e o raio ultravioleta mata o fungo': ressalta o pesquisador José Eduardo Marcondes de Almeida, que também faz parte da equipe do Instituto Biológico. A recomendação é que a aplicação seja feita no início da noite, porque o escuro e a umidade favorecem a ação do Metarhizium. A dosagem ideal por hectare plantado, determinada em testes feitos pela

Esalq, é de 1 a 2 quilos de fungo. Esse produto é cultivado no arroz, de onde é extraído, lavado e peneirado. As experiências em campo foram acompanhadas por usineiros do Grupo Cosan, na cidade de Valparaíso (SP); Usina Guarani, em Olímpia (SP); e Cerradinho, em Catanduva (SP), que aprovaram os resultados. O fungo tradicionalmente é produzido no arroz, mas a equipe estuda novos métodos de cultura e de aplicação. Segundo Almeida, ainda como parte do projeto, eles pretendem estudar formulações que protejam melhor o fungo, à base de óleo, como já ocorre com herbicidas, para que a aplicação possa ser feita também durante o dia. Por enquanto, o arroz é o único meio de cultura que é explorado comercialmente para produção do fungo, mas outros compostos, como a levedura de cana e levedura de cerveja associados a açúcares, como a dextrose (do milho), podem oferecer excelentes condições para a produção em escala industrial. Os pesquisadores também iniciaram experimentos com água e proteína líquida. "Começamos os testes com meio de cultura líquido porque é grande o risco de contaminações em


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cultura sólida, como o arroz, sem contar que é um volume muito grande para se trabalhar': diz Almeida. Apenas no período de 2001 a 2002, as empresas paulistas utilizaram mais de 25 mil quilos de arroz para produzir o fungo Metarhizium, o que representou uma área de cana com cerca de 20 mil hectares. A aplicação do bioinseticida é feita com trator, quando ainda é possível entrar na plantação, ou avião. Eficiência dupla - Outro patógeno, estudado pelo grupo, que apresenta grande eficiência para pragas de solos são os nematóides, vermes parecidos com minhocas. Em laboratório, eles atingem 100% de controle, mas sua produção é bem mais cara que a do fungo Metarhizium porque geralmente são produzidos utilizando-se proteína animal como substrato. A pesquisa faz testes com meios de cultura alternativos e viáveis economicamente. Segundo o pesquisador Luís Garrigós Leite, os nematóides têm capacidade de procurar o hospedeiro por meio de receptores químicos localizados na cabeça. Quando aplicados no solo, eles se locomovem por até 30 centímetros atraídos pelo gás carbônico emitido pela cigarrinha. Além disso, eles trabalham em associação com uma bactéria, que carregam no intestino. Assim que penetram no hospedeiro, eles liberam a bactéria, que se multiplica rapidamente

e em 24 horas mata o inseto. Nessa fase, os nematóides se alimentam da bactéria junto com o conteúdo do inseto. Para obter os nematóides em meio artificial, foram selecionados os cem mais agressivos, de duas linhagens, para os testes que serão realizados em campo ainda este ano. Uma das linhas de pesquisa do projeto temático, conduzida por Flávio Martins Garcia Blanco, também do Instituto Biológico, estudou a interação do fungo Metarhizium com herbicidas aplicados no solo para matar plantas daninhas, como a tiririca, conhecida pela velocidade com que invade terrenos. Essa planta prejudica o crescimento da cana porque disputa água, espaço e nutrientes. Pela avaliação feita por Blanco, o ideal é usar os defensivos químicos por pelo menos 20 a 30 dias antes do fungo, para não interferir no controle biológico. Os estudos verificaram ainda a persistência de herbicidas no solo e os efeitos dessa permanência. "Os resultados mostraram resíduos no campo até 600 dias após a aplicação de um herbicida à base de sulfentrazonie, bastante usado para combater a tiririca, período muito maior do que o necessário para evitar o aparecimento da planta", relata Blanco. "Se ele está no solo, pode contaminar rios e poços artesianos." Blanco ressalta que o defensivo químico necessita de um período residual, mas não tão

o PROJETO Avaliação e Controle de Pragas, Doenças e Persistência de Herbicidas em Agrossistemas de Cana-de-açúcar com Sistema de Colheita Mecanizada, sem Queima MODALIDADE

Projeto temático COORDENADOR

ANTÔNIO BATISTA FILHO - Instituto Biológico INVESTIMENTOS

R$ 228.746,51 e US$ 18.099,66

extenso. Antes dessa pesquisa, os únicos dados disponíveis para conhecer o comportamento dos herbicidas eram de culturas de outros países, que não refletem as condições de clima, solo e microrganismos do Brasil. O prazo estabelecido em lei para eliminar totalmente as queimadas na colheita da cana paulista é o ano de 2020. Embora ainda distante, os produtores já se antecipam em encontrar as variedades mais propícias ao plantio para a colheita mecanizada e mais resistentes às novas pragas que estão surgindo. "As exigências de plantio eram outras antes da mecanização, agora tudo mudou, é outra cultura, outra maneira de tratar a plantação", diz Amaury da Silva dos Santos, pesquisador do Instituto Biológico. Nos próximos anos, a mecanização da colheita e do plantio passarão a exigir terras com níveis baixos de declividade, nem sempre disponíveis.

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guns municípios canavieiros, como Piracicaba, estudam novos nichos de mercado para se adaptar às restrições impostas pela topografia do terreno. Segundo estudo feito pela Esalq, cerca de 70% das áreas da região têm declive superior a 12%, o que impede a passagem das máquinas. Mas os produtores encontraram uma saída: transformar toda a região em produtora de açúcar orgânico. Esse tipo de produto exige manejo diferente, com maior espaçamento entre as plantas e a não pulverização de defensivos químicos. O ' açúcar orgânico atinge cotação três a quatro vezes maior que o tradicional no mercado internacional, principalmente norte-americano e europeu. Assim, mesmo com pouca área plana para trabalhar, a remuneração compensa. A vocação que se desenha para o município de Piracicaba reflete as novas exigências da cultura de cana -de-açúcar, instalada no país com o sistema de capitanias hereditárias no século 17. As pesquisas desenvolvidas pelo Instituto Biológico, USP e UFSCar são fundamentais para os produtores adaptarem-se às atuais regras ambientais e às exigências dos consumidores. E os resultados já apresentados, inclusive publicamente em reuniões itinerantes e workshops, mostram que esse é o caminho a seguir para o Brasil não perder o posto de maior exportador mundial de açúcar. • PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 83




o sentido do total, a ciência humanista", avalia. "Afinal, a ciência se nutre das artes e vice-versa. O mero saber pragmático do especialista nem sempre é suficiente e fazem falta os cientistas poetas, músicos, literatos, etc. Daí, na publicação, o estudo dos laboratórios alquímicos e ateliês da Europa medieval e renascentista, no quais "a prática das artes decorativas e a elaboração dos conhecimentos sobre a matéria mantinham estreitas relações". entanto, o o pragmatismo com que se aceitou a divisão natural-artificial (em parte por causa das necessidas da indústria) trouxe uma fama indesejável à ciência, entre elas o eterno medo popular do cientista "que se quer Deus': "Livre das amarras, o homem viu que estava pronto a interferir em todas as esferas e isso assustou - e ainda assusta aqueles que ignoram o desenvolvimento do saber científico", analisa a pesquisadora. Após a Segunda Guerra Mundial e o início da era nuclear, os próprios cientistas entenderam que precisavam prestar contas de suas responsabilidades. "Não se nega que a ciência deva ser livre, mas se percebeu que o pesquisador não era um homem melhor do que os outros, mas alguém sujeito aos mesmos vícios e virtudes. Eles se deram conta do poder que tinham e que este precisava de regulação." Ana cita a organização Pugwash como a concretização do desejo dos cientistas de regular o seu recém-descoberto poder. O estímulo para a realização da primeira conferência da instituição, em 1957, veio de um manifesto de 1955 assinado por, entre outros, Albert Einstein, Bertrand Russell e Linus Pauling, que se preocupavam com a nova corrida atômica, fruto do uso militar de idéias de laboratório. A desconfiança com o novo estado de coisas não é fácil de ser superada. Assim, de que forma reunir novamente sociedade e ciência? ''A educação científica é fundamental. As pessoas carecem de informação básica sobre ciência e necessitamos de um plano de reeducação nessa área", avalia. Curiosamente, se

N

86 • NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

Michael Faraday: o cientista é o exemplo clássico do novo profissional

pensa e se fala em ciência mais do que nunca. Porém, nem sempre as melhores fontes estão disponíveis. "Numa pesquisa que fizemos, descobrimos um porteiro de prédio que assinava duas revistas populares de ciência, apesar de seu pequeno salário. Assim, apesar do notável desejo de saber, de conhecer, ele, em contrapartida, recebia informações de qualidade duvidosa. Isso é um desperdício terrível", nota. Problemas piores - No Brasil, entretanto, há problemas piores do que a intermediação inexata da imprensa

o PROJETO As Complexas Transformações da Matéria: entre o Compósito do Saber Antigo e a Especialização Moderna MODALIDADE

Projeto temático COORDENADORA ANA MARIA ALFONSO-GOLDFARB -

PUC-SP INVESTIMENTO

R$ 557.956,77

entre idéias científicas e o grande público. ''A nossa ciência tem especificidades sérias. Em geral, há um tendência à importação pura e simples de modelos estrangeiros que têm poucas chances de funcionar no país", avisa. A professora lembra os problemas advindos do uso de um modelo inglês durante os experimentos para a conversão do minério de ferro no Brasil. "O ciclo inglês era adaptado aos minérios pobres deles e aqui não deu em nada. Assim, o ferro saia daqui a preços de banana e voltava em forma de pontes inglesas, que pagávamos a preço de diamante", lembra. Para Ana Goldfarb um bom modelo é o Programa Genoma. "Trabalhamos ombro a ombro com pesquisadores estrangeiros em condições de igualdade. Esse é o caminho a ser seguido no futuro", acredita a pesquisadora. Outra boa iniciativa é o próprio centro da professora, o Cesima. Criado em 1994, a partir de 1995 o órgão ganhou o apoio da FAPESP para a criação do Setor de Documentação Multimídia, em que se desenvolveu um método próprio (e de custo ideal) para a necessária digitalização de documentos. "O Cemisa faz uma desejável concentração de pesquisadores em história da ciência com ramificações em universidades brasileiras e do exterior", explica a professora. Um dos problemas centrais para os estudiosos brasileiros da ciência era justamente o acesso aos documentos e textos raros e antigos. O novo projeto temático do centro quer resolver parte dessa carência com a ampliação de sua biblioteca virtual que, até o fim da pesquisa, deve reunir cerca de 50 mil documentos. "Estamos para fechar um acordo com uma grande indústria que nos permitirá criar a Plataforma Cesima, com material digital que estará disponível, online, para pesquisadores de todo o mundo': revela Ana. O Cesima também está recuperando acervos nacionais espalhadas por centros como que vão da Biblioteca Nacional até bibliotecas menores, como a do Instituto Agronômico de Campinas. Nessas últimas, o projeto pode estar salvando material que, sem esse auxílio, seria perdido. •


• HUMANIDADES 1-

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Anjos do Arrabalde: relação difícil entre indivíduo e cidade

ANTROPOLOGIA

A metrópole nas telas Como o cinema paulistano - em especial, sete filmes - mostrou as mazelas e os personagens de São Paulo durante a década de 80

e você mora ou conhece razoavelmente a cidade de São Paulo, feche os olhos e pense nas primeiras imagens que lhe vêm à cabeça. Provavelmente não ficará livre dos pedestres andando às pressas pelo Centro ou na Avenida Paulista. Tampouco dos limites impostos pelos rios Pinheiros e Tietê e das pontes cobertas de congestionamento no cair da tarde. Certamente se lembrará também de algum arranha-céu famoso: o prédio do Banespa, o Terra-

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ço Itália ou o Copan. Algumas palavras sobre o cenário? Trabalho, correria, progresso, modernidade, oportunidades e barulho. Estereótipos da capital paulista, assim como de qualquer outra grande cidade, permanecem na memória de seus moradores. São frutos da vivência do indivíduo na metrópole, mas, também, das imagens veiculadas pelo cinema, pela televisão, pelos jornais e até mesmo pela literatura. A observação é de Andréa Cláudia Miguel Marques Bar-

bosa, que escreveu a tese São Paulo: Cidade Azul. Análise da Construção de um Imaginário da Cidade pelo Cinema Paulista dos Anos 80, do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). Durante quatro anos, financiada pela FAPESP por meio da bolsa de doutorado, Andréa analisou, do ponto de vista antropológico, a visão da cidade de São Paulo existente em sete filmes produzidos por cineastas paulistas na PESQUISA FAPESP 81 ' NOVEMBRO DE 2002 ' 87


década de 80. Observou com atenção, também, a maneira como os personagens (indivíduos) lidavam com essa cidade. Colocando-se como espectadora privilegiada, ela viu e reviu dezenas de vezes, escutou e interpretou obras de Wilson Barros, Chico Botelho, Carlos Reichenbach, Guilherme de Almeida Prado e Cecílio Neto. "Escolhi filmes da década de 80 porque esse foi o período em que a temática urbana foi muito comum no cinema nacional'; explica a pesquisadora. "E isso não foi privilégio de São Paulo; em outros locais do país também ocorreu." O primeiro filme da lista é de 1979, Disaster Movie, um curta-metragem de Wilson Barros. Os demais são: Diversões Solitárias (Wilson Barros, 1983), Cidade Oculta (Chico Botelho, 1986), Anjos da Noite (Wilson Barros, 1987), Anjos do Arrabalde (Carlos Reichenbach, 1987), A Dama do Cine Xangai (Guilherme de Almeida Prado, 1988) e Wholes (Cecílio Neto, 1991). "Na ordem cronológica, o primeiro e o último filme não foram feitos na década de 80, mas contêm as mesmas características dos demais", observa Andréa. 88 . NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

Os filmes foram selecionados entre dezenas de opções, por terem sido produzidos, em sua maioria - com exceção de Anjos do Arrabalde, do já veterano Carlos Reichenbach -, por cineastas recém-formados, os chamados jovens cineastas paulistas. O ponto em comum entre alguns deles é o fato de terem utilizado recursos técnicos nas áreas de fo. tografia e de iluminação advindos da publicidade. "Ao se formarem, esses cineastas encontraram grande dificuldade para atuar como autores'; explica a pesquisadora. "Assim, muitos passaram a trabalhar com publicidade e, dessa área, que tem melhores recursos econômicos, levaram um gosto pelo rebuscamento técnico para o cinema. Reivindicação - Ironicamente, utilizando tais recursos, esses diretores também conseguiram romper com algumas limitações impostas pelo padrão de patrocínio vigente na época, o da Embrafilme, órgão oficial de financiamento do cinema. Atualmente, muitos cineastas reivindicam a criação de um organismo semelhante, já que a Embrafilme foi extinta pelo ex-presidente

Fernando Collor de Mello e, hoje, a política de financiamento do cinema se dá por meio das leis de incentivo fiscal, principalmente da Lei do Audiovisual, de esfera federal. Do ponto de vista histórico, os anos 80 representaram grandes transformações na cinematografia nacional. Com a morte de Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirszman, houve uma superação do modelo hiper-realista do Cinema Novo. A luz ambiente foi substituída pela iluminação artificial e os filmes noturnos se tornaram possíveis, como vários da lista de Andréa demonstram: Cidade Oculta, Anjos da Noite e A Dama do Cine Xangai. "Ainda que não conscientemente, esses cineastas formaram um movimento estético'; afirma a doutoranda. "Além dos recursos técnicos, desenvolveram temáticas comuns'; diz. Disaster Movie, de Wilson Barros, trata da questão da incomunicabilidade entre os seres humanos, mesmo tema de Diversões Solitárias, do cineasta. A marginalidade social ou cultural, por meio de personagens outsiders, está presente tanto em Cidade Oculta quanto em Anjos do Arrabalde.


Cidade Oculta (à eso.; e Disaster Movie (acima): ao criar suas estratégias para sobreviver em São Paulo, os personagens dos filmes tentam construir uma cidade própria

a

e

Esse filme, mesmo contrastando com os demais - além de produzido por um cineasta veterano e autodidata, preservavao realismo cinemanovista -, foi escolhido justamente por causa da temática. "O tema principal é o da relação entre o indivíduo e a cidade", afirma. Ao começar seus estudos, a pesquisadora acreditava que haveria algumas constantes nos filmes: a solidão, a violência e a fragmentação. Para seu espanto, pelo menos um desses elementos,o da sensação de fragmentação, não era vivido pelos personagens. ''Ao criar estratégiaspara sobreviver nessa imensa cidade, os personagens faziam uma seleçãoentre as milhares de referências existentes nela para construir uma cidade própria, um percurso pessoal", analisaa antropóloga. "O personagem Anjo, de Cidade Oculta, por exemplo, trabalha em uma draga, retirando lixo acumulado do fundo do rio. Ele constrói um mundo próprio por meio de objetos encontrados (um anel, um brinquedo, uma foto) no lixo",conta Andréa. "São objetos que simbolicamente constituem sua própria cidade, ou seja, não um

amontoado de fragmentos e referências' mas uma totalidade", explica. Recurso audiovisual - Para compreender melhor a influência das imagens cinematográficas sobre o cotidiano dos paulistanos, Andréa lançou' mão do próprio recurso audiovisual analisado teoricamente em sua tese. Saiu às ruas da cidade entrevistando todo tipo de cidadão, do camelô ao dono do restaurante ou o executivo da Bolsa de Valo-

o PROJETO São Paulo: Cidade Azul. Análise da Construção de um Imaginário da Cidade pelo Cinema Paulista dos Anos 80 MODALIDADE

Bolsa de doutorado BOLSISTA ANDRÉA CLÁUDIA

MIGUEL

BARBOSA - (FFLCH/USP)

ORIENTADORA SVLVIA CAIUBV (FFLCH/USP)

NOVAES -

MARQUES

res, e produziu um vídeo de dez minutos. ''A pergunta básica era: o que é a cidade de São Paulo para você?", conta a pesquisadora. Indo além das primeiras impressões, Andréa ouviu pacientemente os entrevistados e chegou à conclusão de que existia uma estrutura comum ao discurso construí do por todos eles, muito semelhante à construção da cidade para muitos dos personagens dos filmes analisados. "Num primeiro momento, as pessoas se valem de estereótipos da cidade: 'É uma cidade difícil, mas só aqui há oportunidades', 'é a cidade do progresso' ", conta ela. Num segundo momento, Andréa aponta, o indivíduo costuma se inserir nesse estereótipo, com depoimentos do tipo: "É difícil, acordo às 5 horas e chego às 11 da noite, mas tenho trabalho", por exemplo. Conforme a conversa continua, ela nota, descobre-se que as pessoas também constroem a sua própria cidade, a cidade que é possível para elas. Dentro dessa construção, a pesquisadora encontrou outro fato interessante. ''A noção de que na grande cidade só há lugar para o individualismo é equivocada", diz. "Isso porque as pessoas pertencem a grupos, nunca estão o tempo todo sozinhas, assim acabam construindo cidades simbólicas semelhantes e redes de solidariedade para sobreviver", observa. Com esses elementos, Andréa resume duas conclusões de sua tese. De um lado, o trânsito de mão dupla em que, por um lado a construção simbólica do cinema alimenta a vida e a imagem que as pessoas têm da cidade, por outro, essa memória também alimenta o trabalho dos cineastas. A segunda conclusão é que não há uma cidade, mas várias cidades em São Paulo e nos filmes que a retratam. O que não significa, obrigatoriamente, uma fragmentação, mas a intersecção de várias totalidades. "Uma pessoa pode pertencer a um ou a diversos grupos ao mesmo tempo", desde que escolha assim. "É como um bancário que esconde suas tatuagens durante o dia, quando defende seus interesses profissionais e, à noite, transforma-se no punk a bater cabeça em um baile", exemplifica. São as complexidades da urbe moderna. • PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 89


• HUMANIDADES

ENTREVISTA:

CHANA

MALOGOLOWI<IN

Pesquisadora itinerante Geneticista radicada em Tel-Aviv conta sua trajetória por países como Brasil, Estados Unidos e Israel NELDSON

MARCOLIN


Chana: sucesso na carreira internacional

uando a jovem estudante Chana Malogolowkin ingressou na então Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, biologia era um curso que se misturava à geologia, mineralogia e paleontologia, áreas agrupadas sob o nome genérico de História Natural. Era o começo da década de 40, época em que a genética de drosófilas (a mosca de fruta, organismo-modelo para o estudo nessa área), vivia uma ebulição por conta da presença no Brasil do pesquisador Theodosius Dobzhansky (1900-1975). Russo radicado nos Estados Unidos, Dobzhansky era a maior autoridade em genética e evolução. Em 1943, ele passou seis meses dando conferências e orientando cursos no Brasil e voltou em 1948 para ficar mais um ano. Nesse período, ajudou a formar toda uma geração de geneticistas brasileiros, como Crodowaldo Pavan, Antonio Brito da Cunha, Newton Freire-Maia e Oswaldo Frota-Pessoa, entre outros. Chana Malogolowkin, nascida na mineira Maria da Fé e criada no Rio, é parte dessa geração. Depois de terminar o curso de História Natural, juntouse a outros pesquisadores no Departamento de Biologia Geral da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP) para estudar no grupo de Dobzhansky. Em 1951 tornou-se uma das primeiras mulheres a conseguir o título de doutora, no Rio. Mudou-se para os Estados Unidos e, a partir dai, consolidou sua carreira acadêmica no exterior. Primeiro na Universidade Colúmbia, em Nova York, ao herdar a cadeira de Dobzhansky quando ele se aposentou. Depois em Israel, para onde foi quando se casou. Lá, foi fundamental na montagem do Departamento de Genética de Drosófilas e na criação do Instituto da Evolução, na Universidade de Haifa. Chana orgulha-se de sua carreira apenas pelo que fez em ciência e não tem nenhum cacoete feminista - embora relate pelo menos um caso em foi vítima de machismo. Viúva, com uma filha e dois netos, mora em Tel-Aviv. De origem judia, mas declaradamente atéia, às vezes, é cobrada pelos vizinhos religiosos - em vez de guardar o sábado, ela sai de carro pela cidade. Aos 78 anos, a pesquisadora falou à Pesquisa FAPESP durante rara visita ao Brasil.

• Gostaria que a senhora começasse falando de seu título de doutora, um dos primeiros conseguidos por uma pesquisadora no Rio de Janeiro. - Eu tinha terminado meu curso em História Natural na Faculdade Nacional de Filosofia da então Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) , em 1946. Em 1948, fui para a USP trabalhar com o professor Theodosius Dobzhansky. Ele era o grande especialista mundial em genética e evolução e veio ao Brasil em 1943, deu umas conferências e voltou depois, com auxílio da Fundação Rockefeller, para formar um grupo de brasileiros que trabalhasse nessa área. Foi o primeiro grupo de geneticistas de drosófilas que apareceu no Brasil. Só depois da drosófila é que alguns passaram para genética humana. Depois a coisa foi se desenvolvendo de forma diferente. Uns foram para genética médica, outros para genética animal e vegetal.

• Quem fazia parte desse grupo? - Em São Paulo havia o André Dreyfus, catedrático do Departamento de Biologia Geral. Foi ele quem acertou a vinda para o Brasil do Dobzhansky com a Fundação Rockefeller. Crodowaldo Pavan e Antônio Brito da Cunha eram os assistentes de Dreyfus. Com a vinda do Dobzhansky, outros pesquisadores e estudantes se uniram em torno dele: eu vim do Rio, o Antônio Cordeiro, do Sul, o Newton Freire-Maia, de Minas. E havia outros mais. O Oswaldo Frota-Pes- , soa, por exemplo, que depois veio para a USP, era ligado ao grupo, mas ficou no Rio. Nós trabalhamos com o Dobzhansky durante um ano e, quando terminamos as pesquisas, ele quis que eu fosse com ele para a Universidade Colúmbia, em Nova York. Nos anos seguintes, era comum ter pesquisador brasileiro trabalhando no laboratório dele, em Colúmbia. • O que a levou ao doutorado? - Quando o Dobzhansky quis me levar para os Estados Unidos, ele pediu à Fundação Rockefeller para me dar uma bolsa. Ocorre que a fundação se informou a meu respeito e descobriu que eu não tinha nem tempo integral na Faculdade de Filosofia e tampouco doutorado. Eles só davam bolsa para quem tinha as duas coisas. Então, o Dobzhansky começou a me pressionar PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 91


"Eu

ajudar em toda pesquisa. Em Israel, pesquisa é feita com auxílio mais de verbas exteriores. São bolsas e auxílios de fundações como a Rockefeller e a Guggenheim, por exemplo.

para eu fazer doutorado. A fundação resolveu também me ajudar e deixou de lado o tempo integral. Exigiu só o doutorado.

• Qual foi o tema da sua tese e em que área? - Foi sobre a evolução da genitália no grupo Drosophila (Sophophora), em História Natural. A História Trópica englobava a parte geológica. Mais tarde é que separaram geologia e biologia. E com isso, então, eu fiz o doutorado, em 1950/51. Terminei e fui para a Universidade Colúmbia. Quando Dobzhansky deixou a universidade porque tinha se aposentado e foi para a Universidade Rockefeller, ele deixou a cadeira vaga. Entre três candidatos, fui a escolhida. Trabalhei lá até 1964.

• Qual a pesquisa de maior repercussão conduzida pela senhora? - O que provocou muita curiosidade foi uma descoberta que fiz sobre fêmeas de drosófilas que não davam origem a machos. Nesse período eu vinha todos os anos para o Brasil e esse trabalho acabou muito badalado aqui e lá. Numa das minhas vindas, fui convidada pelo Museu Nacional para dar palestra sobre o assunto. Uma das cientistas que trabalhavam no museu, da qual não lembro o nome, muito feminista, ouviu a minha exposição e, no final, disse entusiasmada: "Ah, isso é formidável! Devia acontecer isso com a espécie humana':

• Como foi essa descoberta? - Verifiquei que estavam nascendo apenas fêmeas de drosófilas em um dos meios de cultura que eu estava usando. Achei isso muito estranho e notei que tinha óvulos que ficavam escuros e não eclodiam. Eu sabia que devia haver qualquer coisa no citoplasma daquele núcleo que matava os machos. Então procurei um colega geneticista da Universidade Yale. Ele dominava uma técnica de injetar substâncias em drosófila, algo muito 92 • NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

escrevia em inglês e

difícil dado o tamanho do inseto. Imagine só: fazer uma injeção no abdome de drosófilal Era uma coisa muito séria e difícil. Nós fazíamos um homogeneizado desses ovos, víamos o que acontecia no soro fisiológico e injetávamos no abdome das moscas. E elas começavam a não dar machos. Descobrimos que isso acontecia por causa de uma espiroqueta, uma bactéria espiralada, que impedia a formação de machos. Essa história deu o que falar porque abria a possibilidade de se evitar pestes, isto é, se poderia soltar fêmeas estéreis em zonas contaminadas por esses insetos.

• Nos Estados Unidos a senhora trabalhava só com genética? - Sim, apenas com genética. Em 1964 me casei e fui pra Israel a convite da Universidade Hebraica de Jerusalém, onde trabalhei durante um ano. Mais tarde, acabei na Universidade de Haifa. E lá tive um auxílio muito grande da Fundação Rockefeller. Recebi US$ 500 . milhões para criar o laboratório de genética de drosófilas.

• Seu marido também era pesquisador? - Não, era advogado e já morava em Israel. Eu estava para ir para a Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Mas entre ir para lá e casar e ir com meu marido para Israel, preferi Israel. Isso foi em 1964 e eu tinha 39 anos.

• Então, Israel era um bebê ainda, já que o Estado israelense nasceu em 1948. -

Sim, não passava de uma aldeia.

• Quem financia o ensino superior hoje, em Israel? - As universidades têm financiamento do estado, mas não é uma verba para

• A senhora fez algum outro trabalho com repercussão semelhante ao das drosófilas que só davam fêmeas? - Não tão bombástica como essa. Em Israel existia muito interesse por drosófilas. O clima é muito quente, mas não do mesmo tipo que no Brasil. Em certas localidades existia um grupo de moscas, em outras não. Então comecei a verificar e encontrei muitas drosófilas que nunca tinham sido estudadas.

• Como foi mudar para Israel? - Foi muito difícil. Cheguei num país em que eu não falava a língua, não sabia escrever, nem ler. Tinha de usar sempre o inglês para me comunicar. Na Universidade Hebraica eu lecionava só para doutorandos. O problema é que uma ou outra palestra eu dava em inglês, mas alguns seminários eu tinha de dar em hebraico. Porque os alunos exigiam hebraico, não queriam apenas inglês. Então, eu tive que aprender a língua. E aprendi em seis meses. Entrei para um curso ultra-intensivo de estudos de hebraico. Tinha uma professora que me ajudava: ela ia comigo no carro e antes de começar a aula me ajudava mais um pouco. Agora, aprendi a falar, mas não a escrever. Quando fui para a Universidade de Haifa, tinha duas assistentes. Eu escrevia as aulas em inglês, elas traduziam para o hebraico em letras latinas, e eu lecionava dessa forma, lendo em letras latinas as aulas que tinha que dar em hebraico.

• Os professores estrangeiros continuam sofrendo da mesma forma hoje? - Não, hoje as coisas estão bem mais avançadas. Na época tinha muito poucos emigrantes e agora há muita emigração. Hoje, há três línguas oficiais em Israel: hebraico, inglês e árabe.


lês

e as assistentes traduziam para o hebraico em letras latinas"

• A senhora ficou durante quanto tempo nessa primeira universidade? - Na Universidade Hebraica, um ano. Eu morava em Tel-Avive era muito difícil ir para Jerusalém todos os dias. A viagem era de uma hora e meia. Mas eu levava duas horas e meia da minha casa até a universidade. Tinha que acordar muito cedo e a estrada era muito sinuosa, ruim, com passagem para apenas um carro. Tel-Avivfica ao nível do mar e Jerusalém, a 700 ou 600 metros de altitude. Na universidade, eles me deram, no Departamento de Zoologia, um quarto em que o teto era de latão, algo provisório, porque não havia lugar no prédio principal. No verão era um inferno de calor, uma coisa tremenda. Não tinha ar-condicionado. E no inverno era um frio de rachar. • O verão é parecido com o nosso? - É muito pior. E no inverno tinha

neve. Então, eu fazia o seguinte: levava meu microscópio, ficavaem uma sala de temperatura constante, de 18", e só saía de lá na hora de voltar para casa. Era muito difícil. Por isso, deixei a universidade pensando que fosse encontrar facilidade para trabalhar em Tel-Aviv.Tive uma promessa, na Universidade de Tel-Aviv,de que eu poderia trabalhar lá. Eles diziam que iam para os Estados Unidos arrecadar dinheiro e fazer um novo edifício. E eu, então, iria formar o departamento de genética.Mas isso não aconteceu, fiquei algum tempo sem trabalhar,até que me indicaram para a Universidade de Barilan, também em TelAviv. Eles precisavam de alguém que lecionassegenética.Fiquei admirada,porque essa é uma universidade religiosa. Achei estranho. Os religiosos, especialmente os ortodoxos, não aceitam muito o estudo da genética de evolução. • Como foi sua experiência lá? - Quem me recomendou ao reitor foi um professor da própria Universidade de Barilan. Fui pra ser entrevistada, esperei um pouco, o reitor mandou eu

entrar e eu disse: "O senhor quis me ver?': Ele respondeu: "Você é que quis me ver': Ou seja, a história já começou ruim para mim. O difícil é que sou muito acanhada nessas coisas e fiquei sem jeito. Então disse: "É, foi realmente eu quem pedi a entrevista': E sentei. Aí ele me perguntou o que eu era e respondi que era uma geneticista procurando trabalho. Ele disse: "Asenhora é geneticista? Nunca vi o nome da senhora relacionado à genética': Expliquei que isso me parecia estranho porque eu tinha muitos trabalhos publicados na área. E retruquei: "Talvez o senhor não leia sobre genética. Por exemplo: o senhor é químico, não é?'; eu perguntei, já com raiva. Ele respondeu: "Sou': Aí eu tive de dizer: "Nunca vi seu nome relacionado à química porque não leio trabalhos de química". Ele respondeu de um jeito grosseiro: "Para mim, lugar de mulher é na cozinha". • Bom, imagino que a senhora não tenha conseguido o emprego. - Exato. Eu disse "até logo",saí e, claro, não fui aceita pela universidade. Tempos depois fui para a Universidade de Haifa graças a alguns amigos da Suíça, da Alemanha e da Inglaterra que estiveram em um congresso de genética em Israel e viram que eu estava sem trabalho: tinha saído da Universidade Hebraica, não havia tido oportunidade na de Tel-Aviv,e fui chutada na de Barilan. • Seus amigos sabiam que a senhora procurava emprego? - Eles pensavam que eu tivesse deixado o trabalho porque tinha casado e não precisavamais. Quando me acharam em Tel-Aviv eu expliquei a situação e eles me conseguiram um trabalho na Universidade de Haifa. Foi muito bom porque eu soube que poderia receber um auxílio grande da Fundação Rockefeller. • Seu laboratório deu frutos? - Foi a partir dele que eu criei o Instituto de Evolução. Hoje, eles estão fa-

zendo um trabalho de genética de drosófila muito interessante, em Haifa mesmo, em hábitats diferentes. Um, numa zona de montanha que não recebe sol, e a outra que recebe sol durante o dia todo. Nesses hábitats, os ambientes são completamente diferentes para drosófilas, que também são de tipos diferentes. Os pesquisadores do laboratório estão fazendo um trabalho muito bonito, de ecologia nos dois campos. • A que a senhora atribui suas dificuldades em Israel? A preconceito pelo fato de ser mulher ou a um país em formação? - Preconceito houve apenas na Universidade de Barilan. Mas nas outras, não. Foi falta de verba, mesmo. Eles estavam iniciando um país, havia muitos intelectuais e não tinham dinheiro para sustentar mais uma pesquisa. • Como era a vida cotidiana em Israel? - Era uma vida de muito trabalho. Eu deixava minha casa às 6h30 já com tudo pronto para o meu marido: almoço e jantar preparado, porque eu chegava em casa, às vezes, depois das 20 horas. Tinha de me virar sozinha: fazia compras, lavava roupa, tudo, além de trabalhar na universidade. Não se tinha empregada na época. • A senhora aposentou-se quando? - Quando meu marido adoeceu, em 79, para poder tratar dele (morreu há nove anos). Aí deixei a Universidade de Haifa. Mas até há pouco tempo, quando eles precisavam de mim, eu ia para lá. Hoje faço só pequenas assessorias. • A senhora não tem problemas por ser uma judia não praticante em Israel? - Sou judia apenas de nome. Na verdade sou atéia. Moro num edifício que tem gente religiosa, que reclama quando eu saio de carro no final de semana. Sábado é o dia de repouso, então tudo está fechado, sair de carro é algo não muito apreciado pelos judeus. Mas não me importo e saio assim mesmo. • PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 93


Ensaios inteligentes Livro trata da produção literária dos grupos paulistas

JOSÉ LUÍs JOBIM

S

e o leitor desavisado imaginar que o livro SOBU A /,RJ J 1(,\ lI11 f(i\[{l UR\SIIII!~ de Leda Tenório da NO ÚLTIMO MEIO SÉCULO Motta é uma história sistemática da crítica literária brasileira no último meio século, poderá decepcionar-se. Talvez seja mais adequado classificá-lo 1,. como um livro de ensaios inteligentes e bem argumentados, cuja abrangência inclui temas não exatamente brasileiros (como o capítulo sobre ''A literatura, o público e o gosto médio") e nem exatamente sobre a crítica (como "Um riso azul claro"). Naquele capítulo, por exemplo, Leda, entre outras coisas, problematiza a noção de leitor, afirmando que, se a realidade da alfabetização criou novos leitores, nem por isso os fez para a leitura em toda a sua extensão, ou os "moldou à altura do jogo da literatura" (p. 113-114). Os textos mais focados na "crítica brasileira dos últimos 50 anos': em termos de história e fundamentos, são os dois ensaios iniciais. Como os subtítulos indicam ("Sobre Clima e Noigandres, as revistas, os grupos, os parti pris"; "Sobre Clima, a literatura e o país"), a autora não pretende fazer um quadro abrangente do que se produziu sob a rubrica crítica literária durante o último meio século, mas, isto sim, concentrar-se em dois grupos paulistas, com seus respectivos parti pris. O primeiro daqueles ensaios é a melhor tentativa de sistematização da história e dos fundamentos dos embates entre o grupo das revistas Clima e o da revista Noigandres, partindo de uma perspectiva francamente favorável a este último grupo. Se, por um lado, é sempre interessante observar as razões invocadas em urna explicitação inteligente, por outro, muita coisa fica de fora de um quadro tão dicotômico ("concretistas" versus "sociológicos"). E não estou falando apenas do natural excesso de farpas para um lado e elogios para o outro, comum em situações de parti pris. Falo do que fica de fora, quando o foco se concentra apenas em um par opositivo. Por exemplo, "a hipótese - tão Noigandres! - de uma cultura literária não apenas genuí94 • NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81

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na, mas avançada na colônia seiscentista de Gregório de Matos - que seria nosso primeiro antropófago" (p. 50), vista apenas numa chave de contraste com Antonio CanLeda Tenório dido, deixa de fora, no próda Motta prio terreno paulista e da Editora [mago USP, a obra de João Adolfo Hansen, que não pertence a 212 páginas / R$ 25,00 nenhum dos dois grupos, mas discorda tanto da versão de Candido quanto da hipótese de Campos. Nos ensaios de Leda, Haroldo de Campos, como "chefe de escola" (p. 202), "crítico-scholar' e "crítico-artista", recebe uma merecida homenagem, não só pela contínua evocação de sua obra nas notas de rodapé e/ou no corpo textual dos ensaios, mas também no longo ensaio que lhe dedica, subintitulado "Sobre o Último Haroldo de Campos Cosmovisionário': Com sensibilidade, a autora procura captar as transformações na obra do poeta/crítico em sua produção mais recente, apontando intertextualidades, continuidades e/ou rupturas com momentos anteriores. E também colocando seu próprio ensaio sobre Carlos Drummond (subintitulado "Claro Enigma Diante do Crivo Crítico de Uns e Outros") como elemento motivador para uma interpretação de A Máquina do Mundo Repensada, na chave de um "Haroldo drummondiano", que incorpora ao seu fazer poético elementos de retomada da tradição clássica, sem, no entanto, perder completamente as raízes de vanguarda: "Digamos (...) que tudo isso não está assim tão longe de noigandres, apesar desse artesanato que, aparentemente, vem balançar o concretismo de origem': (p. 174) Como o meio século de que fala o título também coincide com o tempo de atividade de Haroldo de Campos e de seu grupo, talvez possamos considerar que o livro de Leda Tenório da Motta faz parte das justas homenagens à ocasião. Sobre a Crítica Literária Brasileira no Último Meio Século

JOSÉLuts JOBIMé professor de Teoria da Literatura da UERJ e da UFF É autor de A Biblioteca de Machado de Assis (Topbooks/ABL), entre outros livros.


As Noites do Ginásio: Teatro e Tensões Culturais na Corte (1832-1868) Editora da Unicamp Silvia Cristina Martins de Souza 329 páginas / R$ 27,00 Trazer as "fatias da vida" dos franceses para os trópicos: esse era o sonho de um grupo de escritores cariocas no século 19 que, inspirados pelos textos de Zola e outros, queriam criar uma dramaturgia nacional capaz de dar conta das mazelas e dos projetos para o Brasil oitocentista. O espaço de luta desses ideais era justamente o Teatro Ginásio Dramático, no Rio. O lugar também era palco de espetáculos pouco respeitáveis.

Castas, Estamentos e Classes Sociais: Introdução ao Pensamento Sociológico de Marx e Weber Editora Unicamp Sedi Hirano 215 páginas / R$ 19,90 Num momento em que a esquerda está próxima ao poder no Brasil, o livro de Sedi Hirano ganha nova e inusitada dimensão. O trabalho, minucioso, estuda a fundo os pensamentos diversos de Karl Marx e Max Weber e os coloca como uma forma de pensar a realidade brasileira. Deixando bem claras as oposições entre as duas correntes de pensamento econômico e sociológico, Hirano dá ao leitor a tarefa de escolher a posição diante das duas figuras, sem nenhuma pretensão ideológica.

Arquitetura Nova: Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefevre, de Artigas aos Multirões ARQUITETURA NOVA w •.•• ~._~ " .....•. ".•....

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Editora 34 Pedro Fiori Arantes 256 páginas / R$ 27,00 •••••

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O livro pretende traçar um quadro dos dilemas da arquitetura moderna brasileira nas últimas décadas da história. O ponto de partida é o arquiteto Vilanova Artigas e seu ideal de educar a burguesia paulistana da época por meio de seus projetos em que se privilegia a sobriedade do desenho. A partir daí se estabelece uma discussão sobre como os "novos" arquitetos, Ferro, Império e Lefevre, mudaram o centro de gravidade colocando em cena a questão das relações de produção.

Cadernos de História e Filosofia da Ciência Volume 11 - Número 1 A publicação semestral do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da Universidade Estadual de Campinas traz em sua edição mais recente um dossiê que reúne estudos sobre a filosofia do século 17. O trabalho de organização foi das professoras Marilena Chauí e Fátima Évora. Entre os artigos: "A Definição Real na Abertura da Ética I de Espinosa", de Marilena Chauí: "Fé e Razão da Apologia da Religião Cristã de Pascal", de Franklin Leopoldo e Silva; "Profecia e Contemporanidade na História Pascaliana', de Luis César Guimarães Oliva; "Leibniz e um Labirinto da Razão: Há Saída?", de Tessa Moura Lacerda; ''A Gênese dos Obstáculos Epistemológicos", de Moysés Floriano Machado-Filho.

História, Ciências, Saúde Volume 9 - Número 2 A nova edição da revista quadrimestral da Fundação Oswaldo Cruz, Manguinhos, do Rio de Janeiro, traz os seguintes textos: "Experiência de Pesquisa em uma Região Periférica: a Amazônia", de Barbara Weinstein; "Conceitos de Saúde em Discursos Contemporâneos de Referência Científica", de Maria Thereza Dantas Coelho e Naomar de Almeida Filho; ''A Escola Tropicalista Baiana: um Mito de Origem da Medicina Tropical no Brasil", de Flavio Coelho Edler; "Internet e Autocuidado em Saúde: Como Juntar os Trapinhos?", de Luís David Castiel e Paulo Vasconcelos.

Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas Número 116 A revista é uma publicação quadrimestral da Fundação Carlos Chagas, dedica da a artigos sobre educação, gênero e raça. Neste número mais recente, o tema em destaque é a abordagem sócio-histórica na pesquisa qualitativa. Entre os vários artigos que discorrem sobre esse assunto: "Vozes e Silêncio no Texto de Pesquisa em Ciências Humanas", de Marilia Amorim; ''A Abordagem Sócio-Histórica como Orientadora da Pesquisa Qualitativa", de Maria Freitas. PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 95


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Contratação de Docentes USP Ribeirão Preto A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP contratará docentes para os novos cursos de - CIÊNCIAS DA INFORMAÇÃO

E DA DOCUMENTAÇÃO

- FÍSICA MÉDICA - INFORMÃTICA

BIOMÉDICA

- LICENCIATURA

EM QUÍMICA

-PEDAGOGIA

Nas áreas de: Biblioteconomia, Computação, Ensino de Biologia, Ensino de Ciências, Ensino de Química, Física, Línguas (português/inglês), Matemática, Química Analítica e Sociologia. Mais informações na Seção de Pessoal da FFCLRP-USP Fone: (16) 602-3635 e-mail: adm-pessoal@ffclrp.usp.br ou no site da Faculdade http://www.ffclrp.usp.br.

96 • NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81


• Anuncie você também: tel (11) 3838 4008

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UNIV~RSIDADE DE SAO PAULO de Flsica de 510 Carlos

Caixa Postal 369 - CEP 13560-970 - São Carlos- SP Av.TrabalhadorSãocarlense, 400 - CEP 13566-590 - São Carlos- SP

ABERTURA DE PROCESSO SELETIVO PARA CONTRATAÇÃO DE DOCENTE

UNICAMP

1) Departamento: Física e Ciência dos Materiais Categoria: Prof. Doutor, Ref MS-3 em Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa Área: de pesquisa experimental sobre propriedades elétricas e/ou ópticas de polímeros Período de inscrição: de 18/09 a 16/12/2002 2) Departamento: Física e Informática Categoria: Prof. Doutor, Ref MS-3 em Regime Integral à Docência e à Pesquisa Área: de Física Teórica da Matéria Condensada, tatística e Sistemas Dinâmicos Período de inscrição: de 27/09 a 25/11/2002

de Dedicação Mecânica

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3) Departamento: Física e Infonnática Categoria: Prof. Doutor, Ref MS-3 em Regime de Tur-no Parcial - claro temporário Área: para ministrar disciplinas de informática da grade curricular do curso de Bacharelado em Física, opção Informática Período de inscrição: de 27/09 a 25/11/2002 Informações: Assistência Técnica Acadêmica do IFSC/USP - Fone: (OxxI6) 273-9781 - e-mail: beth@if.sc.usp.br

Pós-Graduação Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ciência e Engenharia de Materiais da USP Acontecerá nos dias 24 e 25 de outubro de 2002, nas dependências do IFSC/USP, o V Simpósio Interunidades em Ciência e Engenharia de Materiais - SICEM.

ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGV-EDESP) PROCESSO SELETIVO PARA DESENVOLVI!YIENTO DE PESQUISA Até 06 de novembro, a FGV-EDESP, instituição em processo de credenciamento e autorização junto ao Ministério da Educação e Cultura, receberá as inscrições para o processo seletivo de pesquisadores para desenvolvimento de projetos na área jurídica. Requisitos para inscrição: Estar matriculado em curso de pósgraduação stricto sensu no Brasil ou no exterior, preferencialmente na área jurídica, ou ser portador dos títulos de mestre ou doutor (instituição brasileira ou estrangeira). Preencher o Formulário de Inscrição, que pode ser obtido no site http://www.fgvsp.br. e envíar os documentos solicitados. Envíar exemplares e cópias dos trabalhos acadêmicos solicitados no formulário.

Cronograma

do Processo Seletivo

Inscrições: formulário, documentos e trabalhos devem ser recebidos até 06 de novembro de 2002. I a fase: avaliação dos documentos apresentados pelos candidatos: resultado até 22 de novembro de 2002. 23 fase: entrevista individual: de 25 de novembro a 06 de dezembro de 2002. Resultado final: até 11 de dezembro de 2002. Informações

completas e formulário:

http://www.fgvsp.br

www.revistapesquisa.fapesp.br

Seleção Pública para preenchimento de vagas e Concursos para Provimento de Cargos de Professor Doutor e Titular da Carreira Docente

• Seleção pública de provas e títulos com titulação mínima de Doutor, para preenchimento de 1 função na área de Arquitetura de Computadores, por 5 anos, em Regime de Tempo Parcial. Inscrições até 04.11.2002. • Seleção pública de provas e títulos com titulação mínima de Doutor, para preenchimento de 1 função na área de Técnicas de Construção Civil, por 3 anos, em Regime de Tempo Parcial. Inscrições até 08.11.2002. • Seleção pública de provas e títulos com titulação mínima de Doutor, para preenchimento de 1 função na área de Oncologia Clínica, por 6 anos, em Regime de Tempo Parcial. Inscrições até 12.11.2002. • Seleção pública de provas e títulos com titulação mínima de Doutor, para preenchimento de 1 função na área de Metodologia do Ensino Fundamental, por 2 anos, em Regime de Tempo Parcial. Inscrições até 18.11.2002. • Concurso para provimento de 1 cargo de Professor Doutor na área de História, Departamento de História, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, em Regime de Tempo Parcial. Inscrições até 04. 11.2002. • Concurso para provimento de 1 cargo de Professor Doutor na área de Fundamentos Teóricos das Artes, Departamento de Artes Cênicas, do Instituto de Artes, em Regime de Tempo Parcial. Inscrições até 19.11.2002. • Concurso para Professor Titular na área de Máquinas de Preparo do Solo. Departamento de Máquinas Agrícolas da Faculdade de Engenharia Agrícola, em Regime de Tempo Parcial. Inscrições até 18.11. 2002. • Concurso para Professor Titular na área de História do Brasil, Departamento de História, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas em Regime de Tempo Parcial. Inscrições até 2.11.2002. • Concursos para Professor Titular na área de Físico-Química. Departamento de Físico-Química do Instituto de Química, em Regime de Tempo Parcial. Inscrições até 23.11.2002. • Concurso para Professor Titular na área de Genética Clínica do Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médicas, em Regime de Tempo Parcial. Inscrições até 15.01.2002. • Concurso para provimento de cargo de Professor Titular na área de Ginecologia Geral do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas, em Regime de Tempo Parcial. Inscrições até 20.01.2002. • Concurso para provimento de cargo de Professor Titular na área de Compostos Tóxicos em Alimentos do Departamento de Ciência de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos, em Regime de Tempo Parcial. Inscrições até 20.01.2002. As inscrições para provimento de cargo de Professor Titular são realizadas na Secretaria Geral. As inscrições para provimento de cargo de Professor Doutor em Seleção Pública, são feitas nas Unidades indicadas.

PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 97


Pesqijl~ã

As reportagens exclusivas sobre as pesquisas mais avançadas de ciência e tecnologia brasileira, publicadas pela revista Pesquisa FAPES~ são Iidas por pesqu isadores, professores, estudantes de pós-graduação, parlamentares, empresários, executivos e profissionais de pesquisa e desenvolvimento do setor privado. São 42 mil exemplares mensais que ajudam a formar opinião sobre o que realmente importa para o desenvolvimento do país.

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Iniciado em 1997, SciELO é produto de projeto cooperativo entre a FAPESP,a BIREME/OPAS/OMS e editores científicos. A partir de 2002 conta também com o apoio do CNPq Adote a SciELO como sua biblioteca científica


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