Queimadas esfriam a Amazônia

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SEÇÕES

REPORTAGENS

CARTAS

5

CARTA DO EDITOR

7

MEMÓRIA

8

o centenário

aparelho de ar-condicionado

ESTRATÉGIAS Bill Gates investe na saúde global

10

Minguam as verbas para a Biosfera-2

10

O preço de uma descrença

10

Cientistas russos vão ao paraíso

11

EUA proíbem clonagem humana

11

Reformas irritam

italianos

11

Plano de educação divide britânicos

12

Crise abala C& T na Venezuela .......•...

12

Diáspora científica

12

CAPA

AMBIENTE

Nuvens de fumaça das queimadas alteram o clima na Floresta Amazônica

Projeto Biota-Pará faz diagnóstico da biodiversidade

PRIMEIROS POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

12

CEPIDS

Empresa amplia negócios da genômica

13

Mais recursos para a inovação

13

Bahia aposta na pesquisa induzida

14

Centro de Estudos da Metrópole mapeia a vulnerabilidade sociat da população de São Paulo ... 16

Retribuição

14

Novos diretores no CNPq e Finep

14

IBG E define novos indicadores

14

Realgene analisa genoma do guaraná

15

Portal de Vigilância

15

Sanitária

Faperj aprova contingenciamento

15

Brasil lidera TI na América Latina

15

U S P vai à Zona Leste

15

GENOMA Projeto FORESTS abre banco de dados para pesquisadores .... 18

22

GOVERNO FEDERAL Roberto Amaral, da Ciência e Tecnologia, quer ampliar recursos para a inovação 24

CIÊNCIA EPIDEMIOLOGIA Detectados altos índices de hipertensão entre moradores de comunidades rurais da Amazônia 36

PARCERIA

BOTÂNICA

LABORATÓRIO Os dentes do mais antigo orangotango

PASSOS

Feira de Ciência e Engenharia revela talentos

Ciência na web

de US$ 85 mil

20

30

.....

26

Natura lança programa de apoio à pesquisa

19

Sai o primeiro volume sobre as 1.067 espécies de plantas da Serra de Grão-Mogol .....

38

PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 3


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SEÇÕES Os defeitos das esferas Salinidade indica chegada do EI Nino Os riscos da soja durante a gravidez A vingança das florestas devastadas Por que os leões comem homens Identificado vírus bovino no Brasil Mosca pode carregar fungos

Ciência e Tecnologia no Brasil

REPORTAGENS 26 26 27 27 27 28 28

ARQUEOLOGIA

ENGENHARIA

Mapa indica a localização exata de 100 sítios pré-históricos da região de Lagoa Santa .... 42

Manta permeável colocada sobre tubulações subterrâneas proporciona economia

GENÉTICA

GEOLOGIA

Alteração em gene pode tornar as mulheres mais suscetíveis ao alcoolismo .....

Novas técnicas e sensores identificam jazidas minerais com mais precisão

46

FISIOLOGIA

CIVIL

72

74

ANÁLISE QUÍMICA

Novos parâmetros permitem calcular a capacidade de o adulto brasileiro sedentário realizar exercício físico 50 Os genes que fazem a pressão oscilar Lições sobre o piquiá A história afinada do pau-brasil

28 29 29

SCIELO NOTÍCIAS

60

NANOTECNOLOGIA M icrolaboratórios descartáveis avaliam sangue, vinho e álcool combustível

LINHA DE PRODUÇÃO Conversa com música e jogos Câmaras digitais com tela orgânica

HUMANIDADES

62 62

SOCIOLOGIA Estudo mostra a cultura como uma das grandes atividades econômicas do país Físicos brasileiros entram na corrida mundial em busca do computador quântico .....

54

RESENHA

93

A Ditadura Envergonhada / A Ditadura Escancarada, Elio Gaspari

LANÇAMENTOS

96

ARTE FINAL

98

Claudius 4 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

Pesquisadores da Unesp desenvolvem vidros especiais para produção de CDs e DVDs ..... 66

95

CLASSIFICADOS

Diferenciação do ICMS interestadual provoca enorme prejuízo

Tese analisa sexual idade e afeto entre a camada popular de Pompéia

BIOTECNOLOGIA Empresa gaúcha é pioneira na análise molecular aplicada ao setor produtivo

84

HISTÓRIA

NOVOS MATERIAIS 62 62 63 63 63 64 64 65 65 65

80

ECONOMIA

TECNOLOGIA Cristais inspirados na natureza Máquinas mais velozes nos EUA Células no mar e nas estradas Medição mais precisa Canadense testa nova insulina l.ampejos na bóia com refletor Supercomputador desvenda proteínas Máquina controlada via Internet Inovação em condomínio Patentes

78

70

Capa: Hélio de Almeida Foto: Miguel Boyayan sobre foto de Fábio Colombini

88


cartas@fapesp.br

Muriquis

nhecimento e algum referencial prático de cada uma, se possível.

A primatologia brasileira, e em particular nosso grupo do Instituto de Psicologia, deve muito à antropóloga Karen B. Strier, que foi a pioneira nos estudos do comportamento do muriqui Brachyteles arachnoides, no Brasil, e ao psicólogo Charles T. Snowdon, ambos da Universidade de Wisconsin, em Madison. Karen Strier manteve vivo, ao longo de mais de 20 anos, treinando estudantes e supervisionando pesquisas, o interesse no grupo de macacos cujo comportamento inicialmente observou, o Grupo do Matão, em Caratinga (MG). Foi com o Grupo do Matão que realizamos nosso estudo sobre os "bate-papos" dos muriquis. Snowdon é um dos maiores especialistas na área de comunicação vocal em primatas e foi com ele que Francisco Dyonísio Cardoso Mendes realizou dois estágios, nos Estados Unidos, para aprender as técnicas de registro e análise de sonogramas e para discutir os primeiros resultados do trabalho de campo. Recebemos todos os anos estudantes de várias áreas procurando estágios de iniciação científica: foi nessa condição que a bióloga Nina Furnari entrou no grupo e se dedicou à observação e à filmagem da corte de cobaias e de preás, incluindo a de casais mistos, um projeto que a entusiasma e que está indo tão bem que agora será seu tema de dissertação de mestrado. CÉSARADES

Instituto de Psicologia/USP São Paulo, SP

Marcello Damy Desejo cumprimentar os responsáveis pela excelente cobertura com que Pesquisa FAPESP trata os assuntos pertinentes à moderna ciência brasileira e muito em particular pela entrevista com Marcello Damy, publicada no nO 85. Muito bem-feita, registrando as múltiplas facetas que o

ANTONIO

Lurs

SIMOES NEHEMY

São Paulo, SP

Revista Nos dias atuais, a crítica é muito mais fácil do que o elogio. Todavia, como consultor da FAPESP, tenho recebido mensalmente a revista Pesquisa FAPESP, sobre a qual devo derramar os mais eloqüentes elogios. Meus parabéns, pelos artigos e escolha de entrevistados. projetam no cenário científico nacional como professor, pesquisador, líder de pesquisa, criador de organizações científicas, administrador, estrategista de nosso desenvolvimento, hábil inventor que, pelo reencontro que proporciona com a palavra lúcida desse notável jovem, aos 88 anos, constitui-se em autêntico presente a seus amigos e admiradores.

IVANOR NUNES

Tenho acompanhado o desenvolvimento desta revista e me é muito prazeroso e para os meus alunos têIa em nossa biblioteca. Sou consultor da FAPESP há dez anos e recebo a revista desde o primeiro número.

ALFREDO MARQUES

Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) Rio de Janeiro, RJ

Publicações científicas Parabéns pela excelente qualidade dos artigos publicados na revista 'Pesquisa FAPESP. Eu leio as suas publicações, pois meu filho é assinante da revista (Alan Marmo Nehemy) e gosto muito dos assuntos científicos divulgados. Eu sou arquiteto e tenho grande interesse por qualquer assunto que possua algum fundamento científico, independentemente de sua área de pesquisa. Na publicação nv 81, na reportagem "Produção crescente", no primeiro parágrafo, existe o seguinte comentário: «..•Esse indicador indexa mais de 5 mil periódicos, rigorosamente selecionados, referentes a 164 áreas do conhecimento". Gostaria de ver uma publicação da revista com um artigo sobre a descrição das 164 áreas do co-

DO PRADO

Universidade de Maringá Maringá, PR

EVANDRO MoRAES

DA GAMA

Departamento de Engenharia de Minas da UFMG Belo Horizonte, MG No âmbito da política científica e tecnológica, a revista Pesquisa FAPESP ocupa um lugar destacado entre outras congêneres no país. A equipe da revista vem fazendo um excelente trabalho em relação à qualidade das matérias publicadas. HELVÉClO

PIRES DE ARAUJO

Parnaíba, PI

Águas Sobre a reportagem "Águas controladas'; edição nO83, e em resposta à missiva da Videosan Saneamento Instrumental, de São Paulo, temos a esclarecer que: 1. O sistema Smater operado pelo Instituto Internacional de Ecologia (IIE), é uma parte do conjunto de softwares de gerenciamento promovido pelo IIE com recursos do PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 5


Programa PIPE - FAPESP (Proc. 00/007379-5). 2. A sonda utilizada pelo sistema Smater (Yellow Springs) foi testada com várias outras sondas e mostrouse eficaz com tempo mínimo de estabilização. Mesmo que ocorresse algum atraso na leitura da sonda, a varredura promovida pelo sistema compensaria este retardo, proporcionando condições de uma análise completa do funcionamento vertical de lagos, represas e águas costeiras. 3. Acresce que, o acoplamento entre os dados climatológicos, obtidos coni a estação articulada à sonda e os datÍbs de qualidade da água obtidos com a varredura da coluna de água, permite uma avaliação limnológica avançada do sistema aquático e da sua dinâmica temporal, promovendo uma visão integrada da coluna de água, a qual é fundamental para o gerenciamento, principalmente em sistemas de abastecimento público ou hidroelétricas, onde, o que interessa, é o comportamento de toda a coluna de água, face as alterações de variáveis climatológicas obtidas também em tempo real no local de amostragem. Ioss GALIZIA TuNDISI Instituto Internacional de Ecologia Coordenador do Projeto São Carlos, SP

Pau-brasil Gostaria de cumprimentá-los pela reportagem "Vida longa ao pau-brasil" (edição nv 84). Participo do projeto temático em pauta e estou fazendo o levantamento de um grupo de fungos (Hyphomycetes) que estão associados à decomposição das folhas de C. echinata. Entrei nesse projeto como "agregada", isto é, o projeto já estava em andamento quando fiz a proposta de minha participação à coordenadora geral, Rita de Cássia F. Ribeiro, e ela aceitou. Está sendo gratificante minha participação, pois, além de treinar uma estagiária, estamos obtendo fungos ainda não relacionados para a micota brasileira. Na reportagem publicada há menção de 20 pesquisado6 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

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2) o patenteamento da inovação referida foi custeado pelo Consórcio Farmacêutico Nacional (Coinfar); 3) o nome das substâncias antihipertensivas não é Evanins, como consta no título da patente, e sim Evasins. ANTONIO C. M. DECAMARGO Diretor do CAT - CEPID São Paulo, SP

Correções

res participando desse projeto. Gostaria de salientar que as perspectivas de elucidar a fisiologia, a anatomia, o comportamento e demais aspectos da nossa árvore-símbolo despertou o interesse de tantas outras pessoas que hoje somamos ao redor de 50. Muitos, evidentemente, "agregados" como eu. Acredito que muitas informações novas deverão surgir com as apresentações dos trabalhos já inscritos nesse simpósio e com tudo que está em andamento. ROSELY ANAPICCOLO GRANDI Seção de Micologia e Liquenologia Instituto de Botânica São Paulo, SP

Arte Final Congratulações ao Claudius pela Arte Final do nO84. Quase todas são boas, mas essa é uma das melhores! JORGINO POMPEU JUNIOR Centro APTACitros Cordeiropolis, SP

Anti-hipertensivo Gostaria de agradecer ao Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) e à revista Pesquisa FAPESP pela divulgação de nossa primeira patente desenvolvida a partir de estudos de uma toxina de serpente candidata a fármaco com propriedades anti-hipertensivas (edição nO82). No entanto, três aspectos foram erroneamente apresentados: 1) o nome de um dos principais inventores desta patente, Mirian Hayashi, não foi apresentado;

A sigla da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) foi grafada erroneamente como SCPC, na página 58 da edição 85. A nova edição do Prêmio Péter Murányi refere-se a 2004 e não a 2003, como consta à página 15 da edição 85. O ganhador de 2003 foi Clóvis Ryuichi Nakaie, chefe do Departamento de Biofísica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A pesquisadora Marília Iunqueira Caldas é do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e não da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), como publicado à página 48 da edição 85. O município de Caratinga está localizado no Vale do Rio Doce, região leste de Minas Gerais, e não no norte do Estado, como foi dito na reportagem "Macacos quase falantes", na página 34, edição 85. Na seção Patentes da edição n85, à página 75, o texto "Medição de luz simplificada" deu a entender que a técnica possibilitará a compactação de instrumentos emissores de laser. Na verdade, compacto será o próprio aparelho desenvolvido para caracterizar feixes de laser. Na nota faltou também o nome do terceiro inventor, Maurício Baptista.

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mal! cartas@fapesp.br, pelo fax i) 3838-4181 ou para a Rua Pio XI, 1.500, São Paulo, S P, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza. ü


• Pesquisa PRESIDENTE PAULO EDUARDO DE ABREU VICE-PRESIDENTE

MACHADO

SUPERIOR

ADllSON AVAN$I DE ABREU, AlAIN FLORENT STEMPFER, CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CARLOS VOGT, FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO, HERMANN WEVER, JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA, MARCOS MACARI, NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR, PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO, RICARDO RENZO BRENTANI, VAHAN AGOPYAN CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO FRANCISCO ROMEU LANDI OlRETOR

PRESIDENTE

JOAQUIM J_ DE CAMARGO ENGLER DIRETOR

ADMINISTRATIVO

JOSE FERNANDO DIRETOR

PEREZ

CIENTíFICO

PESQUISA

FAPESP

CON$ELHQEDITORIAL

ANTONIO CECHELlI DE MATOS PAIVA, EDGAR OUTRA ZANOHO, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, FRANCISCO ROMEU LANDI,JOAQUIM J_ DE CAMARGO ENGLER, JOSÉ FERNANDO PEREZ, Luís NUNES DE OLIVEIRA, LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS, PAULA MONTERO, ROGÉRIO MENEGHINI DIRETORA DE REDAÇÃO

MARILUCE

MOURA

EDJTORCHEFE

NELDSON MARCOllN EDITORASÊNIOR

MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS DIRETOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES

CARLOS FIoRAvAfm ICIÉNCIAl CLAUDIA IZIQUE IPOlÍTICAC&T) MARCOS DE OLIVEIRA mCNOLOGIA) HEITOR SHIMlZU IVERSÃO ON LINEl REPÓRTER ESPECIAL

MARCOS PIVEHA EDITQRE$-A$$I$TEHTES

DINQRAH EREND, RICARDO ZORZETTO CHEFE DE ARTE

TÂNIA MARIA DOS SANTOS OIAGRAMAÇÃO

JOSÉ RDBERTO MEDDA, LUCIANA FACCHINI FOTÓGRAFOS

EDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN COLABDRAOORES

BRAZ, CLAUDIUS, DEBORA CRIVEllARO, FRANCISCO BICUDO, GIL PINHEIRO, HIGINO BARROS, JORGE COTRIM, JOSÉ ÂNGELO SANTIlll, JOSE ARTHUR GIANNOTTI, LAURABEATRIZ, PAULO GUILHERME WN-LlNEl, RENATA SARAIVA, ROBINSON BORGES COSTA, SAMUEL ANTENOR, $IRIQ J. B. CANÇAOO, THIAGO ROMERO WN·LlNE), YURI VASCONCELOS ASSINATURAS TEl.

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- FAX: 11))3838-4181

hUp://www.revistapesquisa.fapesp.br cartas@fapesp.br NÚMEROS

DO EDITOR

Sobre fogo, sombras, frio e luzes

FAPESP

CARLOS VOGT

CONSElHO

CARTA

ATRASADOS

TEL 111) 3038-1438

Osartigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

SECRETARIA DA CIÉNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

GOVERNO DO ESTADO DE sÃO PAULO

O

título acima parece uma alusão à guerra ora em curso. São sombrios, trágicos, dolorosos, os tempos de guerra. Em particular os daquelas que parecem fazer recuar em séculos os códigos mínimos da civilização, duramente construídos pela humanidade em seu percurso na história. Que por isso mesmo ameaçam substituir toda atitude positivamente combativa, otimista sem ingenuidade, por um pessimismo amargo ou um ceticismo profundo em relação ao potencial humano para construir sociedades de bem -estar. E terminam por ameaçar até a confiança no uso responsável do conhecimento em benefício, e não em prejuízo dos seres humanos. No entanto, é indispensável apostar mais num jogo de sombras e luzes e manter a convicção de que o conhecimento pode, sim, ser utilizado em favor da sociedade humana e, com muita freqüência, o é. O título acima, aliás, refere-se não à guerra, mas a novas luzes, conhecimentos sobre a Amazônia que, bem usados, serão da maior importância para o tratamento dessa gigantesca área que pesa no equilíbrio ambiental do planeta. A Amazônia é uma fonte de surpresas. E veja-se aqui a mais nova: queimadas nessa floresta, além de todos os já conhecidos efeitos econômicos e ambientais que provocam, reduzem sua temperatura. Tem ar de intrigante paradoxo que o fogo possa esfriar o que quer que seja, incluindo uma imensa floresta - mas não é. Na reportagem de capa desta edição, a partir da página 30, o repórter especial Marcos Pivetta explica em detalhes o trabalho de uma equipe de pesquisadores que permitiu estimar uma redução de até 2° Celsius na temperatura da floresta e uma diminuição de 15% a 30% em seu volume normal de chuvas no auge da estação das queimadas, entre agosto e outubro. A chave desses fenômenos está nos aerossóis. Essas microscópicas partículas, no caso, decorrentes principalmente da combustão da vegetação, ocorrem em concentrações espantosas na Amazônia no período mais intenso de fogo - com picos de 30 mil partículas por

centímetro cúbico de ar, uma taxa cerca de cem vezes superior à que se registra em São Paulo nos mais poluídos dias de inverno. Ora, ao compor densas nuvens de fumaça, sombra espessa sobre a floresta, os aerossóis reduzem a intensidade da luz solar que em condições normais incidiria sobre o solo, e é aí que provocam um leve esfriamento na floresta - entre vários outros efeitos. Vale destacar também nesta edição, a reportagem sobre o engajamento de vários grupos nacionais numa corrida que já começou nas fronteiras mais avançadas da física: a que persegue o computador quântico. Projeto de materialização ainda distante, esse computador deverá ser capaz de realizar em minutos cálculos que os mais rápidos supercomputadores de hoje levariam bilhões de anos para fazer. Onze grupos de físicos espalhados pelo país - relata o editorassistente Ricardo Zorzetto, a partir da página 54 - têm algum resultado a apresentar na direção dessecomputador, cuja capacidade de cálculo dobraria a cada átomo acrescentado a seu processador. Em Humanidades, chamo a atenção para a reportagem sobre uma pesquisa que dá consistente suporte para as discussões em curso sobre a reforma tributária (página 84). Estruturado em sólida base matemática, o estudo demonstra que as diferenças estaduais na cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) causam prejuízos significativos ao país, de tal modo que sua simples equalização poderia reduzir perdas econômicas entre R$ 4,5 bilhões e R$ 9 bilhões por ano. E, para finalizar, destaco uma seção que até hoje não aparecera neste espaço: a da resenha de livros. É que merece leitura atenta o comentário do filósofoJosé Arthur Giannotti sobre os livros A Ditadura Envergonhada e A Ditadura Escancarada, do jornalista Elio Gaspari. Nas páginas 93 e 94, Giannotti recoloca em nossa experiência muito próxima o tempo de violência e sombras pesadas do qual, felizmente, saímos, mas que produz ainda o nó na garganta e o engasgo. MARlLUCE MOURA

- DIRETORA DE REDAÇÃO

PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 7


Conforto pelo ar

Centenário, o sistema de ar-condicionado foi inventado por um engenheiro de 25 anos, em Nova York

NELDSON

MARCOLIN

8 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

O

aparelho de ar-condicionado, um dos símbolos de conforto do homem moderno, está no rol daquelas invenções que parecem surgir do acaso. Diz a história que seu criador, o engenheiro norte-americano Willis Haviland Carrier (1876-1950), então com 25 anos, descobriu a base do princípio de refrigeração (o ponto de condensação) ao observar um denso nevoeiro que cobria a estação ferroviária de Pittsburgh, Estados Unidos, enquanto esperava

Desenho da gráfica Sacket-Wilhems, a primeira a receber o sistema de ar-condicionado


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o trem. Recém-formado, Carrier não demorou a testar e aplicar sua idéia. Uma gráfica do Brooklyn, em Nova York, a Sacket-Wilhems Lithographing, estava com um problema aparentemente insolúveL A qualidade de impressão era muito ruim por causa da excessiva umidade do ar, que dilatava o papel e deixava as cores sem nitidez. Em 1902, Carrier foi chamado para tentar resolver a questão e aplicar sua teoria do condicionador de ar, que contemplava quatro itens: controle de temperatura, controle de umidade, controle do ar circulante e ventilação e purificação do ar. Ele desenhou uma máquina para diminuir a umidade do ambiente e fazer o ar circular por dutos resfriados artificialmente. O sistema funcionou - foi o primeiro processo de

condicionamento de ar feito mecanicamente. O sucesso e a expansão do invento obrigaram Carrier a preparar documentos bibliográficos que pudessem ser consultados por técnicos. Sua Carta Psicrométrica (medição da umidade do ar por meio de um aparelho, o psicrômetro) tornou-se referência para estudos de refrigeração e climatização em todo o mundo. Além do interesse científico, a carta era utilizada pela equipe de vendas da empresa montada pelo engenheiro com seis sócios em 1915, a Carrier Engineering Corporation. Indústrias, escritórios, cinemas, teatros, escolas e residências não demoraram a aderir ao conforto proporcionado pelo controle da temperatura. Na década de 20, uma outra inovação: além de resfriar o ar

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durante o verão, novos aparelhos passaram também a aquecer, umidificar e purificar o ar durante o inverno. O sistema Carrier chegou ao Brasil no final da mesma década para aliviar o extremo calor das minas de ouro de Morro Velho, em Minas, onde se trabalhava a grandes profundidades. Atualmente, a Carrier Corporation está no país unida à Springer, empresa fundada em Porto Alegre.

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Propaganda da Carrier mostra o condicionador de ar para escritório e residências

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• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGiCA

ESTRATÉGIAS

MUNDO

Bill Gates investe na saúde global Bill Gates, o multibilionário fundador da Microsoft, anunciou um plano que prevê a destinação de US$ 200 milhões para a pesquisa de doenças típicas dos países pobres, como a malária e a tuberculose (Nature, 30 de janeiro). Divulgada no início do ano, durante as reuniões do Fórum Econômico Mundial, na Suíça, a iniciativa da Fundação Bill & Melinda Gates já conta com a participação do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos e espera firmar parcerias com organizações científicas de outros países. A idéia é agraciar dez importantes projetos internacionais com US$ 20 milhões cada um.

• Minguam as verbas para Biosfera-2 A Universidade de Colúmbia, em Nova York, que desde 1996 responde pela administração do Biosfera-2 - o enorme laboratório de pesquisa ambiental fundado pelo bilionário texano Ed Bass no deserto do Arizona -, quer passar para a frente parte dos US$ 20 milhões que se comprometeu a investir para apoiar o projeto até 2010 (Nature, 30 de janeiro). A alternativa seria simplesmente desligar a tomada e desativar de vez o ecoexperimento. Representantes da universidade afirmam que estão estudando várias propostas, mas devem dar preferência à formação de um

Um estudo que investiga o recém -seqüenciado genoma do parasita Plasmodium falciparum, transmissor da malária, e pesquisas voltadas para a descoberta

consórcio para a divisão de despesas com outras instituições acadêmicas. Recentemente, a Colúmbia suspendeu a contratação de novos pesquisadores para o laboratório e mandou transferir para Nova York um importante programa de política ambiental que vinha desenvolvendo no Biosfera-2. •

• O preço de uma descrença Até que ponto concordar ou não com uma teoria científica pode ser um obstáculo para progredir na carreira acadêmica? Micah Spradling, estudante de física da Texas Tech University, em Lubbock, nos Estados Unidos, entrou

10 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

de mecanismos naturais para inibir o progresso da tuberculose são fortes candidatos às verbas. Por generosa que seja, Gates considera sua contribuição

com uma queixa na Justiça norte-americana contra seu professor de biologia Michael Dini, que lhe negou uma carta de recomendação (Nature, 6 de janeiro). Spradling acusa o professor de perseguição ideológica, pois acredita que

apenas um primeiro passo no sentido de superar uma incômoda estatística: menos de 10% dos cerca de US$ 70 bilhões investidos anualmente em pesquisa médica pelos países ricos vão para o estudo de doenças que, juntas, chegam a ser responsáveis por 90% da mortalidade nos países pobres. "A tecnologia pode ajudar a enfrentar o desafio da saúde global", diz. "Mas são necessários recursos muito maiores." De fato, segundo a Organização Mundial de Saúde, só a pesquisa das principais doenças tropicais do planeta, para ser eficaz, demandaria uma injeção de recursos da ordem US$ 1,5 bilhão por ano. •

teve sua recomendação negada apenas por descrer da teoria da evolução. Dini recusa-se a comentar a acusação, mas, em seu site pessoal na web, deixa claro que os alunos que lhe solicitarem cartas de recomendação te-


rão de responder de maneira científica, convincente e objetiva à questão: "Como se desenvolveu a espécie humana?" Seus inimigos vêem nisso uma prova de intransigência; seus defensores, de compromisso científico. Poucos parecem lembrar que, em ciência, quando se deseja questionar a validade de uma teoria, basta apresentar outra mais verossímil e aceitável. •

vamente 900 e 1.500 rublos mensais. Técnicos, jovens pesquisadores e trabalhadores de laboratório também receberam aumentos substanciais. Se a criatividade renascer com a mesma força da alegria que os holerites despertaram, o futuro da ciência russa será, no mínimo, radiante. •

tou da decisão e conclamou o Senado a aprovar a matéria. "Como a maioria dos norte-americanos, acredito que a clonagem humana é profundamente perturbadora e apóio veementemente os esforços do Congresso para banir toda forma de clonagem humana", disse o presidente. •

• EUA proíbem clonagem humana

• Reformas irritam italianos

• Cientistas russos vão ao paraíso

A Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou, por 241 votos a 155, projeto de lei que proíbe a clonagem humana no país. O desrespeito à lei será punido com até dez anos de prisão e multa de US$ 10 milhões. O presidente George W. Bush gos-

A grande maioria dos pesquisadores italianos está furiosa com a publicação de um decreto que dá ao Ministério da Educação plenos poderes de indicar os supervisores do Conselho Nacional de Pesquisa (CNP), órgão responsável pela pesquisa básica no

Mais de 50 mil cientistas russos ficaram até 500% mais ricos depois do abono que receberam no primeiro pagamento do ano (Nature, 30 de janeiro). Disposta a pôr um fim na apatia que assola os meios científicos do país, a Academia de Ciências da Rússia resolveu brindar seus funcionários com um reajuste salarial sem precendentes - e compatível com a promessa do governo de retomar o desenvolvimento científico. Foi assim que os 1.250 membros efetivos e correspondentes da Academia - a elite dos pesquisadores russos - viram seus salários quintuplicar, passando, nas faixas salariais mais altas, de 4 mil para 20 mil rublos (o equivalente a US$ 630 dólares). Os pós-doutorados e professores assistentes tiveram seus salários triplicados, passando a ganhar respecti-

país (Nature, 30 de janeiro). Lucio Bianco, presidente da CNP, afirma que o decreto fere a Constituição italiana, que garante a autonomia das universidades e instituições científicas, e ameaça entrar na Justiça caso o governo se recuse a alterar seu conteúdo. Do ponto de vista da ministra da Educação, Letizia Moratti, a medida é saneadora. A idéia é dividir o CNP, que atualmente administra 100 institutos de pesquisa, em departamentos disciplinares cujos supervisores sejam nomeados pelo ministério. Esses departamentos teriam nomes como "ciência e tecnologia da produção de sistemas avançados" ou "ciência e tecnologia da medicina" - quer dizer, clara orientação para a pesquisa aplicada -, o que, na opinião da ministra, daria aos recursos um uso mais produtivo. "Ninguém questiona que a pesquisa precisa ser produtiva", diz Carlo Bernardini, físico da Universidade de Roma, "mas não se pode conseguir isso colocando gerentes na direção da pesquisa básica." Outro motivo de revolta da comunidade científica italiana é que nem mesmo os presidentes dos institutos de pesquisa básica foram chamados a opinar sobre as reformas, enquanto o ministério trocava figurinhas com a Ernest and Young, assessoria internacional que contratou para costurá-Ias. •

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• Plano de educação divide britânicos Uma das medidas do plano O Futuro da Educação Superior, que apresenta as propostas do governo britânico para correções de percurso na universidade, está sob fogo cerrado. Desde a publicação do documento, em 22 de janeiro, seus críticos argumentam que ele pode levar a um aumento abusivo das anuidades dos cursos de graduação em ciências na In-glaterra e País de Gales. Atualmente, qualquer estudante paga, por qualquer curso universitário, em qualquer área de conhecimento, equânimes US$ 1.700 por ano. A medida daria às escolas a liberdade de fixar preços diferentes para cursos diferentes, de acordo com o que gastam para mantê-Ios, até um limite de US$ 5.000 anuais. Como fica muito mais caro manter cursos de ciências, teme-se que seus preços venham a disparar, o que, na opinião de muita gente, só faria afugentar vocações científicas. Já no

ram da greve, mas, principalmente, porque os salários, financiamento de projetos e os serviços básicos, como gás, eletricidade, nitrogênio líquido, transporte e Internet, perderam a confiabilidade." Órgãos fomentadores de pesquisa - como o Intevep, da companhia estatal de petróleo PDVSA foram praticamente paralisados e aguardam intervenção governamental. •

• Diáspora científica

tocante às verbas para pesquisa e pagamento de professores, não há motivo para reclamações: o novo orçamento anual salta dos US$ 9 bilhões atuais para algo em torno de US$ 11 bilhões em 2006. •

• Crise abala C& T na Venezuela Os confrontos políticos e a greve geral que infernizaram a Venezuela entre dezembro

e janeiro não serviram apenas para semear a violência e a instabilidade política no país. Em carta para a revista Nature (30 de janeiro), C. Mendoza e J. A. Urbina, da Associação de Pesquisadores do Instituto Venezuelano de Pesquisa Científica, afirmam que os prejuízos para a ciência e tecnologia são enormes. "Em parte", explicam "por que muitos 'Pesquisadores e pós-graduandos participa-

Pelo menos 75% dos europeus que fazem doutorado nos Estados Unidos preferem não voltar para seu país de origem, de acordo com um relatório sobre indicadores de ciência e tecnologia divulgado pela Comissão Européia. Segundo o relatório, 4% dos doutores em C&T da União Européia (UE) vivem e trabalham nos Estados Unidos. Essa diáspora se justifica: enquanto os EUA gastam 2,8% do PIE em P&D, a UE dispende 1,9%. •

Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@triesteJapesp.br

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www.biolinux.org

scaa.usask.ca/gallery/lacalli

Site útil para entender diferentes tipos de câncer e a descrição de modelos de ratos ideais para cada pesquisa.

Endereço para usuário do sistema operacional Linux baixar programas de bioinformática gratuitamente.

Espaço com fotos e informações de invertebrados marinhos para estudantes e pesquisadores.

12 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86


ESTRATÉGIAS

BRASIL

Empresa amplia negócios da genômica Acaba de vir à luz - com o apoio da Votorantim Ventures, companhia de capital de risco do grupo Votorantim - a CanaVialis, empresa gestada nos laboratórios de pesquisa da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Formada por cinco sócios, todos com mais de 30 anos de experiência no melhoramento genético da cana-de-açúcar, a CanaVialis, vai utilizar a genômica e a biotecnologia para desenvolver novas variedades de cana e otimizar as já existentes. A empresa, junto com

seus clientes, fará diagnóstico da estrutura de produção e, após a identificação da variedade apropriada, elaborará plano multianual específico para cada propriedade. As pesquisas se desenvolverão no laboratório de biologia molecular e fitopatologia da empresa, localizado em Campinas. Três estações experimentais localizadas em São Paulo servirão de base para produção de mudas e melhoramento genético. Os sócios da empresa - Sizuo Matsouka, Hideto Arizono, Antonio Car-

los Gheller, Yodiro Masuda e Eder Antonio Giglioti - participaram do Programa Nacional de Melhoramento Genético da Cana -de-Açúcar, iniciado na década de 70, e integraram o Instituto de Açúcar e do Álcool (IAA)/Planalsucar. Giglioti esteve na equipe responsável pelo seqüenciamento da Leifsonia Xyli subsp Xyli, apoiado pela FAPESP. Eles vão liderar um grupo de 25 pesquisadores capacitados em biologia molecular, fitopatologia e manejo varietal. •

A meta é ampliar a produção de cana

Mais recursos para a inovação A FAPESP busca mecanismos de apoio para as empresas que têm projetos desenvolvidos no âmbito do programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). A Fundação apóia a primeira e a segunda fases dos projetos - a de estudo da viabilidade econômica da proposta e a de confecção de protótipos, respectivamente, mas o seu compromisso se encerra, na terceira fase, quando o projeto está pronto para ir ao

mercado. No último dia 11 de março, a diretoria da FAPESP reuniu-se com Roberto Iaguaribe, secretário de Tecnologia Industrial; Manoel Louzada, diretor de Política Tecnológica; e Carlos Cristo, chefe de gabinete do Ministério da Indústria, Desenvolvimento e Comércio Exterior, para analisar o apoio a projetos do PIPE. "Uma das dificuldades que existem em termos de capacitação tecnológica é a passagem da

pesquisa para a inovação efetiva", reconheceu Iaguaribe. "A FAPESP tem mecanismos de financiamento relevantes que conferem à empresa a capacidade de gerar essa inovação, mas elas ainda não encontram um nicho adequado onde processar a inovação e levá-Ias ao mercado. Precisam de recursos adicionais, que incorporem capital de risco. Estamos examinando várias alternativas", ele adiantou. As diversas pro-

postas serão examinadas num seminário, organizado pela FAPESP, que reunirá instituições de fomento como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), quando serão apresentados os diversos projetos em andamento, de acordo com Carlos Vogt, presidente da Fundação. •

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Bahia aposta na pesquisa induzida A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb) investiu, no seu primeiro exercício, R$ 21,4 milhões. Mais de 60% desses recursos destinaram-se a projetos induzidos, como os de apoio ao desenvolvimento de políticas públicas e às demandas das cadeias produtivas prioritárias. O restante atendeu à demanda de balcão. Ao todo, foram 645 solicitações de apoio nas diversas modalidades de atendimento, tendo sido aprovados 247 projetos, num valor total de R$ 8,3 milhões. No conjunto dos

• Retribuição de US$85 mil Um ex-aluno da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), formado há 40 anos, doou US$ 85 mil à instituição. Esses recursos vão financiar um terço da construção da unidade de virologia. O gesto causou surpresa, até porque, ao contrário do que ocorre em outros países, a legislação brasileira não permite deduzir do Imposto de Renda as doações de pessoas físicas, exceto nos casos de contribuições para fundos em prol de crianças e adolescentes, apoio à cultura e ao audiovisual. O diretor da Faculdade de Medicina, Ayrton Moreira, disse que agora pretende estimular mais doações por meio da recém-criada associação de ex-alunos. Há alguns anos, a

investimentos, a área de Ciências da Saúde teve lugar de destaque, ficando com 30,3% dos recursos aprovados, seguida da Ciências So-

Faculdade de Medicina abriu uma conta corrente e disponibilizou um site na internet para recolher contribuições, mas sem nenhum resultado expressivo. •

• Novos diretores no CNPq e Finep Foram empossados três novos diretores do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Manoel Barral Neto assume a diretoria de Programas Temáticos e Setoriais; José Roberto Leite foi nomeado para a Diretoria de Programas Horizontais e Instrumentais; e Fernando Neves foi indicado para o cargo de diretor de Administração. A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) também tem novos diretores: Odilon do Canto e Antonio Cândido Daguer Moreira. •

14 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

ciais Aplicadas, com 15,45%. A fundação também apoiou programas como o de Infra -Estrutura Institucional de Pesquisa da Bahia e o de

• IBGE define novos indicadores O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IEGE) está definindo novos indicadores para avaliar a pobreza no país. A intenção é incorporar à Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), que terá cobertura nacional, indicadores de pobreza, que permitirão, inclusive, traçar as linhas de po-

Instalações de Doutores no Estado da Bahia (Prodoc), fundamental para a fixação de 27 PhDs. de outros estados e de países como a França, Espanha, Chile e Argentina. Investiu também R$ 4,4 milhões na montagem de uma infraestrutura de pesquisa nas universidades, institutos e centros tecnológicos em diversas áreas do conhecimento. Os recursos apoiaram ainda a recuperação e modernização dos laboratórios, biotérios, museus e arquivos, redes de informática, entre outros. •

breza para as diversas regiões. "O Brasil não tem números oficiais para isso", disse o recém-empossado presidente do órgão, Eduardo Pereira Nunes. O instituto aguarda que a Organização das Nações Unidas (ONU) conclua a definição do conceito de pobreza, que está sendo elaborado, para permitir a comparação entre países. "Só com essas recomendações metodológicas é que o


• Brasil lidera TI na América Latina

IBGE poderá construir essa linha", diz Nunes, prevendo que isso estará pronto, provavelmente, em dois anos. •

• Realgene analisa genoma do guaraná

o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) vai destinar R$ 1,15 milhão para a Realgene, rede de pesquisa que analisará o genoma do guaraná, formada pela Embrapa Amazônia Ocidental - unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) ~, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e as universidades federais do Amazonas e do Pará. O projeto permitirá a análise da diversidade genética de espécies da região Norte, de forma a orientar a conservação e o uso sustentável dos recursos da biodiversidade. De acordo com Spartco Astolfi, coordenador do projeto, os recursos do convênio com o MCT e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) representam um décimo do orçamento previsto para a estruturação da rede, a formação de pessoal e a criação de estruturas em todos os estados do país. Para garantir os R$ 10 milhões necessários para a implementação

Rede Realgene analisará a diversidade genética do guaraná do projeto, a Realgene espera o apoio de órgãos como a Suframa, Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA), Banco da Amazônia e governos estaduais. •

• Portal de Vigilância Sanitária A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informações em Ciências da Saúde (Bireme) estão desenvolvendo o Portal de Informação Científica em Vigilância Sanitária. O projeto vai fornecer acesso fácil, via Internet, à literatura técnicocientífica necessária para o desempenho de suas atividades de avaliação de processos. Técnicos do setor, profissionais de saúde e o público em geral poderão acessar, por meio do portal, uma coleção organizada e integrada de fontes de informação composta

por bases de dados bibliográficos, bases de dados factuais, catálogos de revistas científicas com acesso a texto completo, catálogos de sites, diretórios de instituições, além de consultar eventos e especialistas. O site já está operando em caráter experimental no endereço: http://anvisa.bvs.br. •

• Faperj aprova contingenciamento O Conselho Superior da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) aprovou um plano de contingenciamento de 30% do orçamento, por um período de seis meses. A proposta foi apresentada pela diretoria da fundação. "Considerando o cenário financeiro do Estado, o contingencimento de 30% pode ser recebido como algo positivo. A decisão preserva as atividades de nossa fundação", diz Epitácio Brunet, diretorpresidente. Ele adiantou que o pagamento das bolsas receberá tratamento "prioritário': O maior potencial de contingenciamento será aplicado aos programas especiais, ao auxílio à editoração e ao apoio a acervos. A demanda por auxílios à pesquisa e auxílios à organização de eventos será atendida de acordo com a disponibilidade de recursos. •

O Brasil ocupa a 29" posição no ranking dos países mais desenvolvidos na área de Tecnologia da Informação, segundo estudo realizado pelo Fórum Econômico Mundial. A boa infra-estrutura de redes e as iniciativas na área de e-government permitiram que o país assumisse a liderança latino-americana nessa área. O fórum analisou informações de 82 países, comparando o desempenho dos usuários finais, empresas e governo, também levando em conta as condições do mercado, cenário político e regulatório e a infra-estrutura de cada nação. Os Estados Unidos perderam a primeira posição no ranking para a Finlândia, apesar de contar com uma melhor condição de mercado, principalmente na área de redes. •

• USP vai à Zona Leste A Universidade de São Paulo (USP) iniciou a construção de um campus no Parque Ecológico do Tietê, na Zona Leste da capital paulista. Serão dez prédios com salas de aula, um auditório com 1.500 lugares e um centro esportivo para mil alunos que será aberto à comunidade, num total de 400 mil metros quadrados de área construída. O projeto está orçado em R$ 40 milhões e deve estar pronto em 2004. A idéia inicial é criar cinco cursos, cada um deles com 200 vagas, sendo 100 no período vespertino e 100 no noturno. A comissão especial de professores responsável pela implantação do campus consultará os alunos do ensino médio da região antes de definir os cursos que serão oferecidos pela nova USP. •

PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 15


POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA C E P I Ds

Pobreza

desvendada Centro de Estudos mapeia áreas para implementação de políticas públicas

Cerca de 45% dos casos de pneumonia infantil ocorrem em favelas ou em áreas próximas

idade de São Paulo tem 2.018 favelas,com um total de 1,16 milhão de habitantes vivendo em condições precárias de saneamento e habitação. Nessas regiões, ou num raio de 200 metros delas, vivem cerca de 45% das crianças internadas com diagnóstico de pneumonia infantil nos hospitais conveniados do Sistema Único de Saúde (SUS). As áreas mais carentes também concentram a maior parte dos idosos que recebem renda mensal vitalícia - a aposentadoria paga às pessoas com mais de 65 anos que nunca contribuíram para a Previdência Social -, assim como aqueles que recebem pensão por deficiência física. E, apesar do aparente equilíbrio estatístico entre a oferta e demanda de vagas na rede escolar do município, ali ainda há crianças fora da escola. A Secretaria de Assistência Social (SAS) da Prefeitura de São Paulo já tem como identificar

A

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esses enclaves de pobreza por meio do Mapa da Vulnerabilidade Social é do Déficit de Atenção a Crianças e Adolescentes no Município de São Paulo, elabo-

rado pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM), um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela FAPESP."O mapa será uma ferramenta estratégica para a implementação de políticas públicas mais eficientes e dirigidas", afirma Argelina Cheibub Figueiredo, diretora do CEM. Níveis de privação - O mapeamento da pobreza, numa cidade com mais de 10 milhões de habitantes, é uma tarefa complicada: exige a consolidação, atualização, digitalização e cruzamento de informações dispersas em distintas bases de dados. O mapeamento do perímetro das favelas e a estimativa da população residente, por exemplo, foram feitos a partir da análise de 8.500 fotos aéreas e de 800 inspeções físicas realiza-

das pelos pesquisadores do CEM e da Secretaria Municipal da Habitação. A identificação das áreas com maior incidência de pneumonia infantil, do local de residência dos que recebem renda mensal vitalícia e pensão por invalidez, assim como a territorialização das vagas nas escolas, foi possível a partir da análise de dados dos mais de 13 mil setores censitários identificados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2000, de estatísticas das secretarias municipais da Habitação, Saúde e Serviço Social e de informações sobre logradouros públicos. A análise georeferenciada permitiu avaliar os resultados estatísticos em pequenas áreas, habitadas em média por 200 famílias. "A SAS queria que gerássemos informações geográficas que permitissem a localização dessas pessoas",diz Haroldo da Gama Torres, coordenador do Núcleo de Geoprocessamento e Informática do CEM.


420 domicílios com famílias superpobres, adianta Torres.

A partir da desagregação dos dados para o conjunto das áreas do município, os pesquisadores puderam classificar a população a partir da sua distribuição socioeconômica no espaço urbano, levando em conta 11 variáveis, . como renda, escolaridade do chefe de domicílio, presença de crianças e jovens na família, entre outros. A população foi classificada, de acordo com esses indicadores, em oito grupos. O primeiro deles engloba 6,3% da população sem nenhuma privação: tem as melhores condições de renda e escolaridade no município, registra baixa presença de crianças de O a 4 anos e adolescentes e está fortemente concentrado na região sudoeste da cidade. Mas quase a metade da população de São Paulo (48%) estão distribuídos entre os três grupos qualificados de baixa, média baixa e média privação. São famílias mais idosas, têm baixa presença de crianças e jovens e a maioria dos

chefes de família tem, pelo menos, ensino fundamental. Concentram-se ao redor da região sudoeste e na Zona Leste da cidade. No extremo oposto ao primeiro grupo, vivendo em situação de altíssima privação, estão 3,8% dos habitantes de São Paulo. Representam algo em torno de 420 mil famílias, vivendo na periferia da cidade, em famílias com alta concentração de crianças entre O e 4 anos e de jovens de 15 a 19 anos, e péssimos indicadores de escolaridade - 18% dos chefes de família não são alfabetizados - e de renda 76% dos responsáveis por domicílio ganham até dois salários mínimos. Os demais 41,9% da população está distribuída num gradiente em torno do 10 e 80 grupos. A identificação dos grupos mais vulneráveis na cidade de São Paulo faz parte dos primeiros resultados da pesquisa que está sendo realizada para a SAS. O próximo passo será localizar os

Metropolização de São Paulo - O CEM foi instalado com o objetivo de analisar a recente consolidação do processo de metropolização de São Paulo. O Mapa da Vulnerabilidade Social está no escopo de uma das metas: construir uma base georeferenciada de dados, integrando informações de diversas fontes. Nessa perspectiva, os pesquisadores do CEM já recuperaram, por exemplo, a base de dados da Empresa Metropolitana de Planejamento S.A. (Emplasa) e permutaram essas informações com as prefeituras municipais da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), por meio de convênios. "Já prestamos serviços à prefeitura de Mauá, Guarulhos e Embu', conta Argelina. No final do ano passado, o CEM lançou um CD-ROM com cartografia digital, dados dos censos do IBGE de 1991 e 2002, e a Contagem Populacional de 1996 para 21 municípios da RMSP (veja Pesquisa FAPESP edição 80). A digitalização dos dados foi realizada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), parceira do CEM. E, agora, o Centro está iniciando entendimentos com a Empresa Municipal de Urbanização (Emurb), que poderá garantir a participação do CEM num projeto de revitalização do centro da cidade de São Paulo. O CEM é formado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Fundação Seade, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e pela Escola de Comunicação e Artes, ambas da USP. Além da base georeferenciada de dados, o Centro desenvolve dez projetos de pesquisa nas áreas de política e política pública, cultura, sociabilidade e religião e urbanismo. Estão em curso projetos sobre as configurações familiares na Grande São Paulo; novas formas do emprego na RMSP e mobilidade ocupacional da metrópole; análise do padrão de distribuição de votos nos diferentes níveis de representação; conflitos ambientais na metrópole, entre outros. Na área de sociabilidade e religião, por exemplo, os pesquisadores estão mapeando todos os locais de culto na cidade de São Paulo. "Os evangélicos têm forte atuação na periferia. Poderemos associar padrão religioso com padrão eleitoral e associativo", diz Torres. • PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 17


• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA GENÔMICA

Plantação de eucalipto: propostas de estudo dos genes da espécie devem visar aplicações tecnológicas

Por dentro da árvore Projeto FORESTS vai abrir banco de dados para grupos interessados em pesquisar genoma do eucalipto cmonsórcio de fabricantes de papel e celulose, que inclui as empresas Duratex, Ripasa, Suzano e Votorantim Celulose e Papel, parceiro de instituições de pesquisa do Estado de São Paulo no projeto FOREST,de seqüenciamento do genoma do eucalipto, procura grupos de pesquisa, daqui ou do exterior, interessados em explorar as potencialidades de um dos maiores bancos de dados do mundo com genesdessaespéciearbórea. Desenvolvido no âmbito do Programa Parceria para a Inovação Tecnológica (PITE) da FAPESP,o FORESTSseqüenciou 120 mil ESTs (etiquetas de seqüências expressas), ou seja, trechos de genes dessa árvore. Para essas empresas, o eucalipto é uma matéria-prima imprescindível à fabricação de seus

U

18 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

produtos. Por isso,vai permitir, por até seis meses, o acesso a essa montanha de informação bruta às equipes de cientistas que formularem e enviarem propostas de trabalhos a ser desenvolvidos com esse material. Será dada prioridade às linhas de trabalho que tenham como objetivo geral aumentar a produtividade do setor de papel e celulose, possivelmente por meio de alguma forma de melhoramento genético da espécie arbórea."Por escrito, os candidatos têm de fazer uma breve exposição do que desejam estudar e de quais são as perspectivas de aplicação tecnológica que sua linha de pesquisa pode gerar", diz Luís Eduardo Aranha Camargo, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), de Piracicaba, um dos coordenadores do FORESTS.

Os grupos que tiverem sua proposta aprovada receberão uma senha de acesso ao banco de dados e terão de assinar um termo de confidencialidade. Não está prevista nenhuma forma de financiamento nessa etapa da pesquisa. O prazo de inscrição vai até 30 de maio, e as proposições devem ser enviadas para o e-mail forests@esalq.usp.br. "As propostas mais promissoras podem ser alvo de parcerias tecnológicas com o consórcio", afirma Aranha. Parceria tecnológica - O potencial econômico das investigações genômicas tem atraído o interesse do setor privado. Em breve, serão anunciadas mais duas parcerias entre empresas e instituições de pesquisa, com o apoio da FAPESP, para o desenvolvimento de projetos de genômica funcional. •


• POLÍTICA CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA

PARCERIA

Bons frutos do conhecimento Natura quer projetos de pesquisa para aplicação em cosméticos

atura lançou, no dia 20 de março, um programa de incentivo à pesquisa com o objetivo de estimular a formação de competência em ciência e tecnologia aplicada a cosméticos e fitoterápicos. O programa - batizado de Natura Campus - se desenvolverá por meio de parcerias com fundações de fomento à pesquisa e laboratórios de universidades e institutos paulistas. "Queremos nos aproximar das universidades de forma estruturada e colaborar para transformar conhecimento em inovação", afirmou Pedro Luiz Passos, presidente de Operações da empresa, a maior fabricante de cosméticos da América Latina. O primeiro edital do Natura Campus terá como tema a biodiversidade brasileira e será implementado em parceria com a FAPESP. Os pesquisadores interessados têm prazo até o dia 20 de maio para apresentar pré-proposta utilizando formulário disponível no site www.natura.net/salacientifica. A equipe de pesquisadores e técnicos da Natura fará uma primeira avaliação das propostas, a partir de critérios estabelecidos pela empresa. Os projetos devem, obrigatoriamente, envolver pesquisa de ativos de origem vegetal da biodiversidade brasileira, com potencial para aplicação em produtos cosméticos. Os projetos selecionados serão submetidos à avaliação da FAPESP, no âmbito do Programa Parceira para a Inovação

A

Maracujá, castanha-da-pará, cacau e pitanga: ativos da Natura Tecnológica (PITE). O PITE, iniciado em 1994, apóia projetos de inovação tecnológica desenvolvidos em parceria por instituições de pesquisa e empresas instaladas no Estado. A FAPESP e as empresas dividem os custos do projeto. De acordo com José Fernando Perez, diretor-científico da FAPESP, 66 projetos estão em curso, com investimentos totais de R$ 70 milhões. "Neste Programa, a Fundação desempenha um papel de agente catalisador entre universidade e empresas", explica Perez. "A produção científica não pode crescer sem frutos sociais e econômicos': completa Carlos Vogt, presidente da Fundação.

Extração sustentável - Os resultados da primeira avaliação serão divulgados no dia 20 de junho. Os pré-projetos aprovados deverão ser apresentados à

FAPESP até o dia 20 de agosto para serem julgados até 20 de dezembro. A Natura investe anualmente cerca de R$ 30 milhões em pesquisa e desenvolvimento, registrando uma média de lançamento de 100 novos produtos por ano. As investigações sobre ativos da biodiversidade consomem 15% desses recursos e dão suporte à linha Natura Ekos. As fórmulas dos 37 produtos disponíveis no mercado utilizam ativos como guaraná, macela-do-campo, cupuaçu, cacau, Pltanga, maracujá e castanha-do-pará, entre outras, cujas propriedades são largamente difundidas pelo conhecimento popular e comprovadas por estudos etnobotânicos e farmacológicos. Para garantir que esses insumos da flora brasileira sejam extraídos de forma sustentável, a Natura desenvolve o Programa de Certificação de Ativos com os fornecedores, apoiado e monitorado por uma organização não-governamental, a Imaflora. O programa é composto por seis etapas: auditoria de local de origem dos ativos, elaboração do plano de manejo, avaliação do impacto ambiental e social, implantação do plano de manejo, obtenção do certificado e monitoramento periódico. "As outras linhas de produtos da Natura, como a de cosméticos, por exemplo, deverão ao longo do tempo também utilizar tecnologia oriunda da biodiversidade", adianta Marcelo Araujo, vice-presidente de Inovação e Desenvolvimento. • PESQUISA FAPESP 8ó • ABRIL DE 2003 • 19


.POLíTICA CIENTíFI~A E TECNOLÓGICA MEIO AMBIENTE

Proteção à biodiversidade Projeto Biota-Pará elabora lista de espécies ameaçadas de extinção

iodiversidade no Estado do Pará começa a ser avaliada pelo Conservation International do Brasil e o Museu Paraense Emílio Goeldi. Esse diagnóstico, batizado de Projeto ~ Biota-Pará, tem como objetivo subsidiar decisões políticas sobre a conservação e o uso da biodiversidade na região. O levantamento estará concluído em quatro anos e tem orçamento total de R$ 1,3 milhão. O primeiro produto das pesquisas, que deverá ser divulgado ainda este ano, é uma lista de espécies ameaçadas de extinção. Dez pesquisadores já estão reunindo informações sobre a distribuição geográfica, ecológica, comportamento e densidades populacionais de cada uma das espécies candidatas, usando como base estudos, consultas a coleções de referência e sínteses de estudos de campo ainda não publicados. "Numa segunda fase, cerca de 50 pesquisadores farão a análise crítica dessa relação de espécies candidatas à extinção durante um workshop, para elaborar uma lista final': diz José Maria Cardoso da Silva, diretor para a Amazônia da Conservation International do Brasil. Entre as atuais espécies encontradas no Pará e que constam na lista oficial de animais brasileiros ameaçados de extinção estão a ararajuba, o guará, a arara-azul-grande, o sagüi-branco e o cuxiú-de-nariz-branco, entre outros. A lista de espécies ameaçadas, a primeira a ser elaborada no Estado, é um dos instrumentos básicos previstos na Lei 6.462, de 4 de julho de 2002, que dispõe sobre a Política Estadual de Florestas. O segundo produto do Biota-Pará será um diagnóstico da biodiversidade do Centro de Endemismo Belém - assim qualificado por abrigar espécies endêmicas, que não ocorrem em nenhuma região do planeta -, localizado no extremo leste do bioma da Amazônia e que incorpora todas as florestas e ecossistemas associados a leste do rio Tocantins e toda a Amazônia maranhense.


Sagüi-branco, espécie rara no Centro de Endemismo de Belém

Projeto quer salvar o guará (na página ao lado) e a ararajuba

(acima)

A região é considerada o setor mais desmatado de toda a Amazônia brasileira, por conta do avanço da agropecuária, a alta densidade populacional e a ação de madeireiros e colonos."Cerca de 60% das suas florestasjá foram desmatadas e as poucas árvores que restam continuam sob grande pressão': observa Ima Célia Vieira, coordenadora de Pesquisa e Pós-Graduação do Museu Emílio Goeldi. Estudos recentes indicaram, por exemplo, que das 531 espécies de aves registradas na região, cerca de 166, ou 22%, estavam ameaçadas de extinção.

o

cuxiú-de-nariz-branco e a arara-azul: duas vítimas do desmatamento

Plano de conservação - O Pará possui mais de 1,25 milhão de quilômetros quadrados de extensão. Desse total, cerca de 16% - o equivalente ao Estado do Paraná - são áreas de florestas e campos já alterados pela atividade humana. A taxa anual de desmatamento entre 1998 e 2000 foi de 6.700 quilômetros quadrados; de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). "Asituação da biota do Centro de Endemismo Belém é semelhante à situação da biota da Floresta Atlântica. Se nada for feito urgentemente, poderemos ter uma extinção em massa, a primeira desse tipo a atingir a Amazônia desde a entrada do homem na região': alerta Cardoso da Silva. Concluído o diagnóstico da biodiversidade, o Museu Emílio Goeldi e a Conservation International do Brasil pretendem elaborar - junto com outras organizações, governos estadual e municipais, lideranças indígenas e comunidades locais - um plano de conservação da região. Essas ações começarão a ser definidas numa reunião agendada para agosto deste ano e devem incluir medidas como a implementação de corredores ecológicos, por meio da criação de reservas privadas e da restauração de florestas em áreas críticas, atualmente degradadas. • PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 21


• POLÍTICA CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA

P RI MEl ROS PASSOS

Talentos do futuro Feira de ciências e engenharia estimula vocações científicas

trilho de cortina, moldura de espelho, (RO), viajou três dias para apresentar ·ornadaentre uma boa idéia antena de TV e bonequinhos de plástico. seu trabalho: um aparelho que simula e um bom projeto científico O trabalho vai à feira americana, junto na areia as pegadas de tartarugas para é longa, mas altamente escom o robô-peixe criado por Francisinibir e confundir a ação dos predadores. timulante. Foi o que consco Salles de Almeida [únior, 20 anos, e O estande mais concorrido foi o de quatataram os alunos de esNei Alcântara Iúnior, 17 anos, da Escola tro alunos do ensino médio do Colégio colas públicas e particulares do ensino Técnica de Eletrônica de Ipaussu (SP). Estadual Jardim Europa, de Goiânia, médio e técnico que participaram da 1Eles gastaram R$ 410 para criar um proRodrigo de Araújo Dutra e os irmãos Feira Brasileira de Ciências e Engenhatótipo de robô aquático com 95 cenWellington, Nickson e Denys Cezar Caria (Pebrace), promovida pelo Laboratímetros e 3 quilos que realiza coletas no bral, que desenvolveram um modelo de tório de Sistemas Integráveis da Escola solo aquático. indústria de reciclagem e educação coPolitécnica da Universidade de São Outro projeto premiado foi o de Pamunitária. Eles levaram seis meses para Paulo (Poli-USP).A feira teve como obblo Tinoco da Silva, 16 anos, do Colécolher material reciclado e elaborar o jetivo estimular novas vocações cientígio de Aplicação Emmanuel Leontsinis, projeto, que inclui uma mão mecânica ficas e tecnológicas por meio do dedo Rio de Janeiro. Ele desenvolveu uma para colheita de lixo tóxico e uma masenvolvimento de projetos criativos e calçada com superficies em relevo e plainovadores, além de aproximar as escoquete de usina de processamento de lixo cas em braile para orientar deficientes doméstico que utiliza fontes de energia las públicas e privadas das universidades. visuais. "É uma solução simples para ajusolar e eólica. Os componentes incluíam "Queremos ver os alunos descobrindo dar os deficientes a se locomoverem sem um walkman velho, teclado de máquicoisas novas, reinventando soluções cia ajuda de outra pessoa", explicou. • na registradora, tubo de desodorante, entíficas para a realização dos projetos", disse Roseli de Deus Lopes, coordenadora-geral da Febrace. Foram selecionados 93 de 150 projetos inscritos. As regras exigiam que eles fossem apresentados também por escrito, inclusive com estimativa de custos. Os critérios levaram em conta criatividade, inovação, conhecimento científico e clareza de apresentação. A seleção rigorosa - e a avaliação do empreendimento - é um elemento diferenciador da Febrace em relação às demais feiras de ciências. Seis projetos foram escolhidos para representar o Brasil na International Science & Engineering Fair, que acontecerá de 11 a 17 de maio em Cleveland, Estados Unidos, e que reúne pré-universitários de mais de 40 países. Rogério Batista de Campos, 14 anos, de Guajará-Mirim Mão mecânica do modelo de indústria de reciclagem desenvolvido por alunos de Goiânia

A

22 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86



• POLÍTICA CIENTÍFICA

GOVERNO

E TECNOLÓGICA

FEDERAL

o desafio

da inovação MCT busca apoio do BN DES, empresas e universidades para programa nacional de substituição de importações CLAUDIA

IZIQUE

Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) negocia com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) um programa de apoio a novos empreendimentos de base tecnológica. O MCT vai mapear as pesquisas mais relevantes desenvolvidas nas universidades e institutos públicos de pesquisa, identificar protótipos e produtos com potencial de mercado, avaliar sua viabilidade econômica para formar um banco de dados a ser operado pelo BNDES. A idéia não é financiar a instalação dessas empresas por meio de empréstimos, adianta o ministro Roberto Amaral, mas buscar, entre os clientes do banco, eventuais parceiros do projeto. A prospecção das pesquisas com potencial de mercado deverá começar em meados de abril. Amaral acredita que, até o final do primeiro semestre, o ministério já estará pronto para transformar projetos científicos em aplicações econômicas. "Pretendemos ativar ainda outras agências de financiamento, como o Banco do Nordeste, o Banco da Amazônia e investidores de risco, como, por exemplo, a Votorantim Ventures",explicou o ministro que visitou a FAPESP no dia 21 de março para discutir formas de cooperação com o MCT. A parceria com o BNDES,elesublinhou, é parte de um conjunto de medidas que o MCT pretende adotar para apoiar o crescimento econômico no país. No projeto desenvolvido com o banco, a estratégia é investir na inovação para agregar valor aos atuais itens da pauta de exportações brasileira. Outro projeto, igualmente em curso, inspirase na política de substituição seletiva de impor-

O

24 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

tação - preconizada pelo programa de governo

do presidente Luiz Inácio Lula da Silva- por meio da transferência de tecnologias desenvolvidas nas universidades para aplicações empresariais. A idéia é desafiar universidades e institutos de pesquisa a desenvolverem protótipos de peças, equipamentos ou de serviços importados em larga escala por determinados setores da indústria para, em seguida, buscar uma empresa nacional disposta a produzi-los. Essa articulação formará, na avaliação do ministro, um círculo virtuoso onde todos ganham: a universidade, que deposita a patente; a empresa que demanda o produto, que reduz gastos com importação; e o fabricante nacional do equipamento, que terá mercado garantido. "Vamos fazer a identificação de áreas para as quais é possível realizar a substituição de peças ou serviços importados", garantiu o ministro. Esse projeto - "ainda sem nome", ele sublinha - tem como referência uma bem-sucedida parceria entre a Universidade Federal de Santa Maria e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, com a empresa Forjas Taurus - fabricante de armas - para a produção de uma peça largamente utilizada na produção de petróleo e consumida pela Petrobras. Fundos setoriais - Ao mesmo tempo em que busca novos meios de financiamentos para a inovação tecnológica empresarial, o MCT também quer ampliar os recursos para investimentos em pesquisa científica e tecnológica nas universidades e institutos de pesquisa. "Não adianta pensar em qualquer política de C&T se ela não partir da universidade brasileira", sublinhou. Num cenário de


restrição orçamentária, o ministro estuda a possibilidade de reforçar a participação dos fundos setoriais nos investimentos em pesquisa acadêmica. Atualmente, a comunidade científica conta apenas com recursos do Fundo de Infra-Estrutura (CT-Infra) e compartilha os benefícios do Fundo Verde-Amarelo nos projetos desenvolvidos em parceria com a iniciativa privada. "Queremos que todos os fundos contribuam e em dose maior", adiantou o ministro. Um grupo de trabalho - do qual participa um representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT) - já estuda medidas para "melhor articular" os fundos setoriais com a política nacional de C&T. O grupo, de acordo com o ministro, fará uma avaliação do desempenho dos fundos e vai rever o processo de análise dos projetos. "Queremos discutir o método de gestão desses recursos e fazer com que ela se torne mais democrática. A nossa expectativa é que os fundos colaborem com a reconstrução da universidade': detalhou. Qualquer mudança vai depender de aprovação da Câmara e do Senado. "Vamos discutir a proposta com a academia, com a sociedade e com o governo, porque essa reforma só pode ser feita pela via legislativa", afirmou. Outro tema que já está sendo analisado pelo Legislativo é a Lei de Inovação, encaminhada ao Congresso em regime de urgência, no final do ano passado. No início de março, no entanto, o atual governo retirou da matéria o caráter de urgência. "Queremos ampliar a discussão da nova lei com a sociedade': justificou o ministro. Ele afirmou que o artigo 12° "está criando um certo malestar para as universidades brasileiras': O artigo autoriza o pesquisador a solicitar afastamento da Instituição Científica ou Tecnológica (ICT) de origem para prestar serviço em outra instituição, com todas as garantias de vencimento do cargo efetivo ou do emprego público, ou licenciar-se por um período de até quatro anos, para constituir Empresa de Base Tecnológica (EBT). "Essa medida pode significar esvaziamento da universidade, que já sofre com a crise de salários, evasão de cérebros, etc. A tramitação agora seguirá curso normal para que possamos fazer uma melhor avaliação", disse Amaral.

Recapitalização da Finep - Noutra frente de ação, o ministro começa a rever a política de ação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A primeira medida, já amplamente divulgada, foi a criação de mais 4.400 bolsas apoiadas pelo CNPq e a implementação de outras 10.250 para apoiar alunos do ensino médio e pesquisadores com maior experiência, entre outros (veja edição n° 85 de Pesquisa FAPESP). "Queremos trabalhar com alguns princípios e um deles é encontrar formas de fixar o pesquisador na sua região de origem", afirmou Amaral. A FAPESP, aliás, deverá colaborar nessa política de "desconcentração" da pesquisa: junto com representantes do CNPq, vai estudar uma política de bolsas comuns que, "além de beneficiar regiões mais carentes, contribua para que o bolsista, concluído o curso, retorne para a sua universidade de origem", explicou

o rmrnstro. Ele afirmou, ainda, que quer o apoio da Fundação para levar cursos de pós-graduação de São Paulo para outros estados, de forma a evitar o deslocamento de doutorandos, por um período de quatro a cinco anos, de suas universidades. "É o início de uma grande colaboração que vai ajudar muito o MCT", afirmou. A Finep seguirá cumprindo o seu papel de "completar a ação iniciada no CNPq': ele sublinha. Mas ressalva: "Nos últimos anos, a Finep foi objeto de administrações temerárias", disse. "Encontramos inexplicáveis índices de 68% de inadimplência que ameaça até a sobrevivência da instituição. Nossa principal tarefa será salvar a Finep, realizando um esforço de recapitalização." Reforço das FAPs - O esforço de "desconcentração" da pesquisa no país inclui o reforço da ação das Fundações de Amparo à Pesquisa (Faps). "Vamos pressionar os estados para fazer cumprir as determinações constitucionais - que obrigam o repasse de percentual fixo do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços para a área. Sabemos que os estados estão em crise e, não tenhamos ilusões: não existe cultura de investimentos em C&T no país': afirma. "Mas não podemos continuar com a atual estrutura de investimento: muito do poder público, um pouco dos estados e quase nada da iniciativa privada." •

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• CIÊNCIA

LABORATÓRIO

MUNDO

Os dentes do mais antigo orangotango Uma nova espécie de hominídeo encontrado na Tailândia, com estimados 12 milhões de anos, tornou-se o parente mais remoto dos atuais orangotangos (Pongo pygmaeus). Um grupo de pesquisadores franceses ligados ao Laboratório Europeu de Radiação Síncrotron (ESRF) chegou a essa conclusão comparando os 18 dentes do fóssil com a dentição de outros prima tas antigos. Por meio de uma técnica chamada microtomografia, fizeram modelos tridimensionais da estrutura de cada dente e da mandíbula do macho e da fêmea da nova espécie, batizada de

Lufengpithecus chiangmua-

• Os defeitos das esferas Em uma descoberta que interessa tanto à medicina quanto à nanotecnologia, Mark Bowick, da Universidade de Siracusa, David Nelson, de Harvard, e Alex Travesset, da Universidade da Iowa, com o apoio da National Science Fundation (NSF), dos Estados Unidos, determinaram como a natureza dispõe partículas elétricas em uma fina camada na superfície de uma esfera. Em uma cobertura plana, já se sabia que a estrutura da rede de partículas se parece com um conjunto de bolas de bilhar acondicionadas a triângulos perfeitos. Entretanto, as superfícies esféricas não comportam ar-

A mandíbula de 12 milhões de anos (em cinza, os dentes fósseis): prova de parentesco com a espécie atual

nensis, com uma resolução de 1 milionésimo do metro. "Nunca teremos certeza de que se trata de um ancestral direto, mas é algo bastante próximo", diz Iean-

ranjos em triângulos perfeitos. O quebra-cabeça começou a ser resolvido quando a equipe mostrou como os cristais esféricos compensam as superfícies curvas desenvolvendo rachaduras (Science, 14 de março). Trabalhando em conjunto com os norte-americanos, equipes alemãs e holandesas desenvolveram um modelo de organização dos cristais esféricos. Essa proposta teórica privilegia o papel dos defeitos na estrutura dos cristais para determinar como as partículas se organizam e se adaptam a eles. Espera-se agora que o desenvolvimento desses

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As proteínas do vírus SV40: cristal com falhas

Iacques Iaeger, paleontólogo da Universidade de Montpellier, na França, e um dos autores desse trabalho, publicado na Nature. A hipótese ganha força com

estudos beneficie não somente a medicina - localizando, por exemplo, fendas estruturais na superfície dos vírus e bactérias por onde possam agir os medicamentos - mas também a engenharia - possibilitando a criação de novas moléculas. •

o fato de que havia pólen fossilizado junto com os dentes, sugerindo que a nova espécie viveu em uma floresta tropical, tal qual os atuais orangotangos .

• Salinidade indica chegada do EI Nino Nos anos em que ocorre o EI Nino, as águas aquecidas do Pacífico expandem-se em direção ao leste do Hemifério Sul. No rastro desse movimento, surge uma série de acidentes climáticos - de secas a enchentes, de tempestades a vendavais. Os cientistas sabem que o fenômeno ocorre uma vez em cada três a sete anos, detectam quando ele vem, ~ percebem quando ele s vai. Mas só agora começam a reunir condições de responder à pergunta: quando é que virá o próximo EI Nino? Após examinar os níveis de salinidade no Pacífico Ocidental de 1980 a


1995, uma equipe da Universidade de Maryland, Estados Unidos, descobriu que, quando as águas do oceano têm baixa salinidade, as condições do El Nifio aparecem seis meses depois. Se a salinidade é alta dos dois lados do equador, as águas só se aquecem em um prazo de 12 meses (Jaurnal ai Geaphysical Research). Se as observações se confimarem, para saber em quanto tempo o El Niõo vai aparecer, talvez não seja preciso mais do que medir o nível de sal na água. •

vez, transmitem doenças ao homem. Havia carrapatos transmissores do mal de Lyme, que pode levar à artrite e distúrbios neurológicos, em 14 sobras de floresta do Estado de Nova York. Quanto menores as áreas de floresta remanescentes, maior o número de carrapatos. •

• Por que os leões comem homens

• Os riscos da soja durante a gravidez Um estudo coordenado pelo urologista Sabra Klein, da Escola de Saúde Pública Iohns Hopkins Bloomberg, Estados Unidos, constatou anomalias sexuais sérias e de longa duração em ratos machos cujas mães consumiram, durante a gravidez, grande quantidade de uma substância encontrada na soja (NewScientist, 15 de fevereiro). As fêmeas grávidas receberam uma alimentação enriquecida com genistein - fitoestrógeno da soja - em quantidade equivalente à de uma dieta humana medianamente rica em soja. Os ratos machos nascidos dessas fêmeas cresciam com as glândulas da próstata mais desenvolvidas e testículos menores. Tentavam copular com as fêmeas, mas não conseguiam ejacular. Tais efeitos foram verificados tanto em machos que continuaram alimentando-se com genistein quanto em outros aos quais não se deu mais a substância - o que parece indicar que o consumo uterino é muito mais efetivo. Não se conhece nenhum caso dessa gravidade na Ásia, onde a

Águas aquecidas (em vermelho): impacto na composição química dos oceanos soja é um alimento comum, mas já foi detectado um risco maior de um tipo de malformação em que a uretra se desenvolve da parte externa do pênis em homens cujas mães tiveram uma dieta vegetariana durante a gravidez. •

• A vingança das florestas devastadas Todos já ouvimos que a natureza se vinga de quem a mutila. Superstições à parte, um estudo parece confirmar essa praga. Felicia Keesing, bioló-

ga do Bard College, de Nova York, descobriu que sobras de floresta, como as deixadas da construção de uma casa ou de uma fábrica, podem se tornar verdadeiros depósitos de doenças (NewScientist, 8 de fevereiro). Animais maiores evitam habitar pequenas porções de floresta, por não encontrar ali os alimentos de que necessitam. Sorte dos pequenos roedores, que, livres de seus predadores, se multiplicam nessas áreas. Os roedores atraem hóspedes, como os carrapatos, que, por sua

De olho na caça: preferindo carnes mais fáceis de capturar

Está por um fio a antiga crença de que os leões só devoram homens quando estão doentes, feridos ou velhos demais para correr atrás de caça mais esperta (NewScientist, 15 de fevereiro). Há três anos, o zoólogo Bruce Patterson e a dentista Elis Neiburg conseguiram provar que dois leões antropófagos, que haviam devorado mais de 30 pessoas no Quênia em 1898, sofriam de dor de dente. Isso, concluíram, os impedia de lutar por carne mais resistente que a humana. O mesmo Patterson, hoje responsável por vários estudos com leões nas proximidades do rio Tsavo - local em que os felinos quenianos fizeram suas vítimas no século 19 e onde hoje funciona um parque -, fez outra descoberta: apenas um quarto dos 23 leões mortos recentemente pelos guardas florestais por atentar contra homens ou gado tinham dentes estragados. Exceto uma velha fêmea, que atacou uma criança, e outras duas, que atacaram búfalos, todos os bichos eram machos saudáveis com menos de 5 anos de idade. Eis a nova explicação: jovens leões, expulsos de seus bandos, fogem do parque e, cada vez mais, encontram populações de homens e gado. Aí, fica difícil resistir à tentação da carne fácil, que, com o tempo, estão aprendendo a apreciar. •

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Identificado vírus bovino no Brasil Terminou uma busca de quase dez anos. Uma equipe da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) conseguiu isolar e caracterizar pela primeira vez o vírus respiratório sincicial bovino (BRSV) no Brasil, que causa graves problemas respiratórios sobretudo em bezerros. Pertencente ao gênero Pneumovirus, com um genoma que codifica (produz) apenas dez polipeptídeos, o BRSV foi identificado em amostras colhidas no Rio Grande do Sul, em um trabalho conjunto entre o Instituto de Biologia

• Mosca pode carregar fungos Antiga vítima da aversão humana por transmitir bactérias e protozoários que causam disenteria, cólera e poliomielite, a mosca (Musca domestica) ganhou mais uma razão de impopularidade: pode também carregar fungos. Pesquisadoras cariocas verificaram que os insetos coleta dos em dois criadouros (lixão e próximo a porcos) em Seropédica, no Rio de Janeiro, abrigavam duas espécies de Aspergillus, o A. flavus (23,8%) e o A. niger (14,4%), e outras duas de Penicillium, o P corylophilum (21,4%) e o P fellutanum (11,9%). Em menor escala, havia Alternaria alterna ta (11 ,9%), Cladosporium eladosporoides e Fusarium sp. (4,7%). "Em princípio, esses fungos não causam nenhum problema ao homem, pois estão presentes também no ambiente e foram encontra-

o

BRSV, ampliado 75 mil vezes: em 70% do rebanho

e a Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, publicado na edição de fevereiro do Brazilian [ournal

of Medical and Biological Research. Os pesquisadores procuravam o vírus desde 1992, a partir de indicações

dos no interior das moscas", diz Gisela Lara Costa, pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) e uma das autoras do estudo. Feito com especialistas da Universidade Iguaçu e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, o trabalho saiu na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. Segundo GiseIa, pode' haver algum perigo somente em caso de contato direto com os fungos. •

• Os genes que fazem a pressão oscilar Pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) descobriram como atuam diferentes versões dos genes que controlam a produção de duas enzimas essenciais para a sobrevivência por fazer a pressão arterial subir ou cair: a enzima conversora da angiotensina (ECA), que reduz

Mosca: a que visita os lixões é a mesma das casas

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de que mais da metade dos animais examinados, provenientes das principais regiões de rebanho bovino do país, apresentavam anticorpos contra o vírus. Hoje, segundo Clarice Weis Arns, pesquisadora do Instituto de Biologia que coordenou o estudo, o BRSV encontrase bastante disseminado: infectou cerca de 70% do rebanho bovino nacional. A caracterização do vírus brasileiro pode auxiliar no diagnóstico e no desenvolvimento de vacinas e medidas preventivas mais eficazes que as atuais. •

o diâmetro das artérias (ação vasoconstritora) e eleva a pressão, e a que produz o óxido nítrico, conhecida como eNOS (sintase do óxido nítrico endotelial), de efeito oposto (ação vasodilatadora). Diferentes arranjos desses genes aumentam o risco de morte ou, ao contrário, favorecem a adaptação do ser humano a ambientes adversos. A equipe de Clarice Sampaio Alho, pesquisadora da Faculdade de Biociências da PUC de Porto Alegre, analisou o DNA de um grupo de 40 homens e mulheres que tinham entrado em choque séptico (uma complicação da infecção generalizada), quando a pressão se reduz drasticamente, e estavam internados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital São Lucas, ligado à universidade. Depois, com a colaboração da professora Veronica Rubim de Celis, da Universidade Ricardo Palma (URP), em Lima, no Peru, fi-


zeram a mesma análise em amostras de sangue de 102 habitantes das províncias de Huancayo e Apata, no Peru, que vivem a 3.249 metros de altitude. Nos dois casos, constataram que é significativamente mais freqüente o alelo (variação) do gene da ECA relacionado à baixa atividade dessa enzima na circulação. Outro dado que chamou a atenção: no caso de quem vivia nas montanhas, o alelo da eNOS, possivelmente associado à vasodilatação mais intensa, mostrou-se mais presente do que em outras populações estudadas anteriormente. "São as primeiras evidências moleculares de que há um fator de risco genético para o desenvolvimento das complicações da sepse", afirma Clarice. "Se a hipótese se confirmar, será possível garantir avanços expressivos no prognóstico e no tratamento desse problema". Nas montanhas, diz ela, uma ECA menos ativa e uma eNOS mais eficaz poderiam servir para estabelecer um equilíbrio entre o organismo e o ambiente, promovendo naturalmente a seleção de quem passaria a viver nessas regiões, nas quais a pressão atmosférica é menor. •

Lições sobre o piquiá Saiu o primeiro resultado não-científico do projeto de preservação de árvores da Amazônia, o Dendrogene. Trata-se do Piquiá, um livro voltado para o público escolar com informações sobre a reprodução e a derrubada dessa árvore típica da floresta amazônica. Muito explorada por ser resistente a fungos e cupim, a madeira do piquiá (Caryocar villosum) é em-

1683, mostra o corte da árvore

em toras que seriam empregadas na fabricação de tinturas. "Apesar do início do ciclo da cana-de-açúcar no final do século 16, Portugal não

pregada na construção de barcos e casas. Da semente, retira-se um óleo com propriedades medicinais e cosméticas. Com ilustrações e texto de D' Arcy Albuquerque, o livro foi financiado pela Embrapa Amazônia Oriental, órgãos governamentais e outras entidades parceiras no Dendrogene. Embora o piquiá não esteja sob risco de ser extinto, a exploração descontrola-

abandonou a extração do pau-brasil", disse Rocha. No mesmo encontro, Paulo de Tarso Alvinf do Centro de Pesquisas do Cacau da Comissão Executiva da Lavou-

• A história afinada do pau-brasil No ano passado, Yuri Tavares Rocha, pesquisador do Instituto de Botânica de São Paulo, passou dois meses em Portugal em busca de documentos e mapas sobre a exploração do pau-brasil (Caesalpinia echinata). Um de seus achados, anunciado no Simpósio Pau-brasil: Ciência e Arte, realizado de 12 a 14 de março na FAPESP, é um mapa encontrado no Museu Ultramarino de Lisboa. Feito por Van Keulen em

A madeira: musicalmente

insuperável

da pode levar ao desaparecimento dessa árvore em algumas regiões. "Moradores de uma comunidade distante 150 quilômetros de Belém não encontram mais piquiá para fazer barco", conta Milton Kanashiro, pesquisador da Embrapa e coordenador do Dendrogene. •

ra Cacaueira (Cepec/Ceplac), da Bahia, contou da identificação de três tipos de folhagens diferentes de pau-brasil, predominando as menores, sobretudo no Espírito Santo. Árvores com folhagens médias são encontradas no oeste da Bahia e espécies de folhagens grandes são consideradas raras. Falou-se também da madeira. "Não existe nenhuma madeira que seja tão boa quanto o pau-brasil na confecção de arcos de violino", afirmou Kazuya Minato, do Centro de Agricultura da Universidade da Prefeitura de Kyoto. Os componentes químicos do pau-brasil acentuam as propriedades acústicas dos instrumentos musicais até mesmo quando transportados para outros tipos de madeira. •

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sobre o solo, tem potencial para esfriar a superfície em até 2° Celsius e diminuir de 15% a 30% as chuvas na região. A redução da radiação solar na superfície, provocada pelo excesso de partículas em suspensão, pode ainda puxar para baixo a taxa de fotossíntese das árvores. "Como as partículas, às vezes, viajam milhares de quilômetros na atmosfera antes de caírem no chão, os efeitos dos aerossóis podem se manifestar em pontos distantes de onde ocorrem as queimadas", afirma Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade São Paulo (IF/USP), um dos pesquisadores que participam do Experimento de Larga Escala da BiosferaAtmosfera na Amazônia (LBA). "Partículas provenientes da Amazônia já foram encontradas nos Andes e em São Paulo." sso não quer dizer que, em razão do resfriamento e da estiagem associados à ação dos aerossóis, a venda de malhas tenha disparado ou que os guarda-chuvas tenham caído em desuso em setores da Amazônia entre agosto e outubro. Tampouco há evidências inequívocas de que as árvores sofram uma baixa na fotossíntese nesse período do ano. Por ora, com exceção da mensurável queda na luminosidade que incide sobre a superfície na época das queimadas, as demais conseqüências atribuídas ao manto de poeira suspensa sobre a floresta ainda carregam um considerável grau de incerteza. Aparecem mais na teoria, nos cálculos e modelos climáticos rodados em computadores, do que na realidade do dia-a-dia. Mas não se pode esquecer que os modelos são, em grande medida, o laboratório dos cientistas do clima, que, de outra forma, não teriam como estudar o impacto de alguns fenômenos da natureza. A boa notícia é que a quantidade de informações que começa a surgir sobre o clima da Amazônia com o LBA- megaprojeto internacional de US$ 80 milhões que, desde 1999, reúne mais de 300 pesquisadores da América Latina, Europa e Estados Unidos, sob a liderança do Brasil - não tem paralelo e já está ajudando a entender o efeito dos aerossóis nesse ecossistema. ''Agora, temos informações riquíssimas que nunca foram disponíveis", diz a pesquisadora Maria Assunção Faus da Silva Dias, do Insti32 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP B6

tuto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, que também participa do LBA. Ação dos aerossóis - Quando se fala

em queimadas na Amazônia, o primeiro vilão ambiental que vem à mente é o dióxido de carbono (C02), o popular gás carbônico, um dos subprodutos da combustão da vegetação.Principal composto associado ao aumento do efeito estufa, fenômeno responsável por provocar um aquecimento no clima de todo o planeta que pode alterar drasticamente as condições de vida na Terra, o dióxido de carbono é um tema recorrente. Já os aerossóis, cujo diâmetro varia de 0,01 a 20 micrômetros (l micrômetro é a milionésima parte do metro) , são um tema mais novo e menos compreendido. Nem por isso, menos importante. "Esse campo de estudo ainda está em franco desenvolvimento", comenta Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de São Josédos Campos, coordenador científico do LBA."O impacto dos aerossóis é mais difícil de entender:' A hipótese de os aerossóis serem um fator amenizado r das temperaturas não é inédita, tampouco é usada somente no contexto amazônico. Quando entrou em erupção em 1991, o vulcão filipino Pinatubo expeliu enormes quantidades de lava e cinzas e levou a uma redução significativa na temperatura média da maior parte do planeta durante um ano. Nesse contexto, um apressadinho poderia concluir que o homem deveria aumentar deliberada mente as taxas de produção de aerossóis para combater o aquecimento global causa-

do pelo aumento do efeito estufa. Além de ninguém saber com certeza se essa solução seria realmente eficaz, há uma insanidade embutida nesse raciocínio: os aerossóis são uma forma de poluição do ar e não faz sentido combater o aquecimento global com mais sujeira. "Eles fazem mal à saúde humana e carregam elementos tóxicos que afetam os ecossistemas': lembra Artaxo. Tudo o que produz fumaça em grande quantidade pode originar aerossóis. Essas partículas podem ser emitidas pelas atividades industriais, erupções de vulcões, motores de carros, grãos de pólen, bactérias, poeira do solo, entre outras fontes. Na região Norte, durante a estiagem, o que provoca um aumento brutal nas concentrações de aerossóis são as cinzas das queimadas. Por terem vida curta, de cerca de uma semana na atmosfera, os aerossóis produzem efeitos mais em nível local ou regional. Não são como o dióxido de carbono, gás que demora mais de 100 anos para sumir da atmosfera e tem uma ação muito mais cumulativa e de ordem global no clima da Terra. Mas, como todo ano, durante pelo menos três meses, as partículas lançadas ao ar pelas queimadas se incorporam ao ecossistema amazônico com uma intensidade impressionante, suas repercussões não devem ser tão temporárias assim na região Norte do país. Bloqueador solar - Com a ajuda de imagens de satélites, instrumentos instalados em pontos da floresta que registram ininterruptamente a temperatura, a radiação solar e o fluxo de gases, e medições feitas com auxílio de aviões,

OS PROJETOS Interações Físicas e Químicas entre a Biosfera e a Atmosfera da Amazônia no Experimento LBA

Intersções entre Radiação, Nuvens e Clima na Amazônia na Transição entre as Estações Seca e Chuvosa/LBA

COORDENADOR PAULO EDUARDO ARTAXO NETTOIF/USP

COORDENADORA MARIA ASSUNÇÃO FAUS DA SILVA DIAS - IAG/USP

MODALIDADE

MODALIDADE

Projeto temático INVESTIMENTO

R$ 1.814.179,30

Projeto temático INVESTIMENTO

R$ 1.538.922,32


sobretudo durante as duas grandes campanhas realizadas pelo megaprojeto (uma na estação mais úmida, entre janeiro e fevereiro de 1999, e outra na época de transição entre a seca e o início das chuvas, de agosto a novembro do ano passado), a ação dos aerossóis sobre o clima da Amazônia saltou à vista dos pesquisadores do LBA. Há muitas incertezas sobre o impacto das partículas em suspensão, mas uma coisa é certa: elas realmente são muito eficientes em bloquear a luz durante as queimadas na Amazônia, uma vez que o manto de fumaça pode se estender por uma área de 2 a 4 milhões de quilômetros quadrados, algo entre 40% e 80% do território total desse ecossistema. É verdade que para enxergar isso nem é necessário ser cientista, basta olhar para o céu num dia enfumaçado.

Mas os pesquisadores acabam de quantificar esse decréscimo de radiação solar na superfície com grande riqueza de detalhes. Cálculos . feitos em dois pontos da região Norte - em Alta Floresta, no norte de Mato Grosso, e em Ii- Paraná, em Rondôniamostram que, em média, de agosto a outubro, 20% da radiação solar é absorvida pelos aerossóis ou refletida e enviada de volta ao espaço. Em casos extremos, ocorrem picos em que a retenção ou a reflexão dos raios de sol podem chegar a 50%. Mesmo a luz que consegue atravessar a espessa camada de fumaça chega à superfície em grande parte alterada: a quantidade de radiação direta cai freqüentem ente a um terço do normal e a de radiação difusa (que não incide frontalmente sobre os olhos) pode aumentar até sete vezes. Para chegar a esses resultados, a pesquisadora Aline Sarmento Procópio, da equipe de Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP, analisou dados refe-

rentes a quatro anos de observações em Ji-Paraná e Alta Floresta. "É interessante destacar que, mesmo separadas por aproximadamente 700 quilômetros, essas duas cidades apresentam padrões semelhantes de alterações no fluxo de radiação solar causadas pelos aerossóis . Isso indica que o problema é de ordem regional e afeta grande parte da Amazônia ", comenta Aline. Resfriamento - Se a poeira suspensa funciona como uma espécie de guardasol opaco sobre a floresta, impedindo a chegada de uma parte considerável de luz à superfície, nada mais natural do que pensar que essas partículas exerçam um efeito resfriado r ao nível do solo durante o período de seca. Pode parecer uma ironia afirmar que um subproduto da combustão vegetal - processo que, num primeiro momento, logicamente aquece o local onde ocorre a queimada - possa ocasionar, num segundo instante, uma queda na temperatura. Mas, pelas contas dos pesquisadores, a concentração de partículas PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 33


provenientes das queimadas tem, teoricamente, a capacidade de diminuir a temperatura na superfície imediatamente abaixo da nuvem de fumaça em torno dos 2° C (Celsius). Numa região como a Amazônia, onde se atingem facilmente médias diárias de 35° C, essa redução na temperatura pode parecer modesta. Mas esses valores são, ao contrário, extremamente altos, ainda mais quando se sabe que alterações significativas no clima do mundo podem ser provocadas por oscilações da ordem de apenas meio grau Celsius. á, no entanto, alguns senões nessa história de encarar as partículas em suspensão como um ar-condicionado instalado sobre a Amazônia. Esse conceito é válido para os prováveis efeitos dos aerossóis ao nível do solo - mas não alguns quilômetros acima da floresta, onde se encontram essas partículas de poluição. Se resfriam a superfície terrestre ao barrar a passagem de parte da luz solar que incidiria sobre o planeta, os aerossóis produzem justamente o efeito contrário na troposfera, a camada atmosférica que se estende até aproximadamente 15 quilômetros acima da superfície terrestre. Uma porção da radiação solar bloqueada é absorvida pelos próprios aerossóis, que se encarregam de elevar a temperatura da atmosfera pela emissão de radiação térmica. Nesse caso, o ar aquecido transmite algum calor para o que está embaixo, para o solo, como uma lareira esquenta uma pessoa não muito distante. "Por convecção, uma parte do calor extra na atmosfera passa para a superfície, diminuindo assim a ação resfriadora dos aerossóis sobre o solo", diz Carlos Nobre, do Inpe. Nesse caso, em vez de reduzir em 2° C a temperatura na superfície, os aerossóis, na prática, acabariam baixando em apenas 0,50 C a temperatura no chão, segundo Nobre. Isso porque a queda de temperatura produzida pelos aerossóis na superfície é de uma magnitude um pouco maior do que o aquecimento ocasionado na troposfera. Deu para entender? Quer mais complexidade nesse quadro? A escassez de séries históricas sobre o clima na região Norte dificulta qualquer comparação de mais longo prazo sobre o impacto atual dos aerossóis nas temperaturas. 34 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP Bb

Ninguém, por exemplo, sabe qual era a temperatura média em Alta Floresta durante os meses de estiagem na década de 60, antes do início dos projetos de colonização na Amazônia. Portanto, fica difícil confrontar os dados do passado, que não existem, com os de hoje. Aliás, há 40 anos, a cidade não havia sequer sido fundada e seu atual território não passava de um pedaço intocado de selva. Mais um complicado r? Como a presença de aerossóis não é nem de longe o único fator que determina a temperatura real medida num lugar, a ação de resfriamento das cinzas pode não ser tão intensa assim. Outras variantes climáticas podem amemzar ou mesmo contrabalançar o seu efeito. Em anos em que, por exemplo, ocorre o fenômeno climático El Nino, que altera os índices pluviométricos em vários pontos do globo, costuma chover menos no norte da Amazônia. "Por todos esses condicionantes, ainda não vemos de maneira clara a ação dos aerossóis sobre a temperatura na superfície da Amazônia", afirma Artaxo, que coordena um projeto temático da FAPESP no âmbito do LBA. • Chuvas atrasadas - Resta a questão das chuvas. Qual o impacto dos aerossóis nos índices pluviométricos da Amazônia? Ninguém sabe dizer com certeza, mas, de maneira geral, há evidências de que as chuvas podem ser atrasadas ou reduzidas em até 30% em decorrência da presença elevada de aerossóis na atmosfera. Num raciocínio lógico, os pesquisadores acreditam que se as altas concentrações de aerossóis diminuem as temperaturas na superfície, a taxa de formação de nuvens na região também se reduz. Como há menos calor no nível do solo, formam-se menos correntes ascendentes de ar quente, as chamadas térmicas. Visto que são exatamente essas bolhas de calor as responsáveis por transportar o vapor d'água da superfície terrestre para os céus - como se sabe, o ar quente sobe -, a quantidade

disponível de matéria-prima para a ocorrência de chuvas na atmosfera também se torna menor. O excesso de aerossóis pode ainda influenciar a formação de nuvens na Amazônia por meio de outro mecanismo. Cerca de dois terços das partículas de fumaça em suspensão na atmosfera são capazes de reter água e exercer o papel de núcleos de condensação de nuvens (NCN). O vapor d'água se acumula sobre esses núcleos e forma gotas de nuvens que crescem até o ponto em que as gotas se tornam muito grandes e pesadas e despencam na forma de chuva. Quando há poucas partículas de aerossóis na atmosfera da Amazônia, fora da época das queimadas, a água evaporada se concentra em poucos NCNs, que atingem mais rapidamente o tamanho necessário para voltar ao solo como chuva. É um mecanismo muito eficiente de precipitação. Às vezes, em apenas uma hora a gota, apoiada num núcleo de condensação, cresce de tamanho 1 milhão de vezes e cai na superfície. Nesse caso, as


Assunção."Não dá para assegurar que esse atraso se deveu aos aerossóis lançados à atmosfera pelas queimadas, embora suspeitemos disso."

nuvens, típicas de ambiente com ar limpo, são do tipo marítimo pela sua baixa altitude, reduzido número de NCN e grande tamanho de gota. Alcançam até 5 quilômetros de altura e produzem chuva constante e regular. Esse é o padrão dominante de formação natural de nuvens na Amazônia durante a maior parte do ano, quando o número de núcleos de condensação na atmosfera oscila entre 300 e 800 partículas por centímetro cúbico. No auge das queimadas, os céus ficam tão carregados de aerossóis que os picos de concentração de NCN podem atingir 30 mil partículas por centímetro cúbico. Esse alto grau de poluição muda todo o cenário de formação de nuvens e chuva na Amazônia. "Quando há excesso de aerossóis, o vapor d'água se espalha por mais núcleos de condensação e demora mais para virar chuva", explica Maria Assunção, do IAG-USP, coordenadora de outro projeto temático da FAPESPno âmbito do LBA.Nessa situação, as nuvens são do tipo continental, comumente encontradas em

locais poluídos, e podem atingir até 15 quilômetros de altura. O crescimento das gotas é tão lento que, em alguns casos, a água, em vez de cair na forma de chuva, evapora novamente na atmosfera e é levada pelas correntes de vento para outras regiões. Ocorre, então, um deslocamento geográfico da pluviosidade: a chuva que deveria cair numa área desloca-se para outra. Tempestades - Se a água das nuvens continentais não evaporar e essa formação passar dos 5 quilômetros de' altura, ela se solidifica e vira gelo, visto que nessa porção da atmosfera a temperatura é inferior a 0° C. Resultado: surge um cúmulo-nimbos, a nuvem de tempestade, que produz raios e trovões. Nesse caso, a chuva demora mais para ocorrer, mas, quando acontece, é muito mais violenta e se concentra num só período. "Durante a campanha do LBA no ano passado em Rondônia, esperávamos que as chuvas começassem em meados de outubro, mas elas só vieram em novembro", relembra Maria

omo se vê, as altas taxas de aerossóis, como as verificadas ao menos três meses ao ano na Amazônia, podem bagunçar três grandes variantes do clima: os níveis de radiação solar, a temperatura na superfície (e na atmosfera) e o regime de chuvas. Se o impacto dessas alterações na dinâmica do próprio clima ainda não é bem conhecido, o que dizer então de suas conseqüências no ecossistema em si, na floresta e seus habitantes? Num primeiro momento, a incidência de menos luz sobre a mata aguça a hipótese de que a fotossíntese das plantas deve diminuir nesse ambiente mais embaçado criado pela fumaça das queimadas. Mas a fisiologia vegetal não responde de forma tão simples e direta. "Pode até ser que o efeito dos aerossóis seja maior na ecologia do que na física da atmosfera, mas ainda precisamos fazer estudos nessa linha", comenta Carlos Nobre, do Inpe. O desarranjo no clima da Amazônia provocado pela emissão de aerossóis também interessa diretamente às outras regiõesbrasileiras e aos demais países. Se ficar comprovado que as altas concentrações de fumaça diminuem as chuvas na região Norte, o tema entra na ordem do dia da agenda internacional. Isso porque a floresta amazônica a rainforest, em inglês - é, depois dos oceanos, a maior fonte de vapor d'água do planeta. Se muda a chuva na Amazônia, provavelmente altera a chuva em outras partes do globo. Num estudo publicado em outubro passado no lournal of Geophysical Research, pesquisadores da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, simularam em computador efeitos climáticos em alguns pontos do planeta que poderiam ser decorrentes do desmatamento da Amazônia. No trabalho, observaram reduções significativas nos índices de chuva e evaporação, sobretudo durante a estação mais úmida, em pontos da terra tão distantes como os estados norte-americanos de Dakota do Sul e Dakota do Norte, unidades federativas próximas à fronteira com o Canadá. • PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 35


• CIÊNCIA Exceções em Santana: Rufino Siqueira, de 70 anos, e sua mãe, Maria, mesmo idosos, têm pressão normal

EPIDEMIOLOGIA

A pressão da vida moderna Urban ização abala a saúde de moradores do interior da Amazônia

36 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

esmo que aumente o conforto, as conseqüências do ingresso na vida moderna - com alimentos prontos, televisão, telefone e máquina de lavar roupa - não são nada boas para a saúde. Hilton Pereira da Silva, médico e antropólogo do Museu Nacional, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), encontrou uma taxa elevada de hipertensão arterial na população de três comunidades rurais do Pará que gradativamente deixaram o extrativismo e começaram a usar bens de consumo tipicamente urbanos. Nessas populações do interior da Amazônia, que o pesquisador paraense acompanha desde 1996, a taxa de hipertensão é hoje equivalente à verificada nos moradores de cidades de médio para grande porte

e mais freqüente nas mulheres que nos homens, ao contrário do que ocorre nos centros urbanos. Em média, com base em uma amostra de 348 adultos, 25% das mulheres e 20% dos homens apresentam pressão alta, um fator de risco de enfarte e derrames cerebrais. Na população adulta urbana, as taxas de hipertensão variam de 22% a 44%, dependendo dos grupos étnicos e sociais, e o problema acomete mais os homens, às vezes até duas vezes mais que as mulheres. Aracampina, a maior comunidade estudada, localizada na ilha de Ituqui, às margens do rio Amazonas, tem cerca de 600 habitantes. Eram 460 há sete anos, quando Hilton Silva chegou lá pela primeira vez e notou que a vida mudava rapidamente conseqüência da proximidade com Santarém, a quatro horas de barco. "Quando


Casa típica dos moradores da Floresta Nacional de Caxiuanã: raros contatos com Belém, a cidade mais próxima, a dois dias de viagem de barco

ocorre a transição para o estilo de vida moderno e urbano, a primeira mudança é a dieta", diz ele. "Aumenta o consumo de sal, de enlatados e de comida industrializada, cheia de aditivos químicos." Nas primeiras vezes em que esteve lá, o pesquisador notou que os caboclos pescavam intensamente. Completavam a alimentação com farinha de mandioca, frutas, feijão e milho. "Hoje, os caboclos deixaram o extrativismo, trabalham na pesca industrial, para as madeireiras ou em fazendas e compram carne em conserva, açúcar, café e biscoitos", descreve. "As mudanças na dieta e nos hábitos de vida estão causando uma mudança gradual na fisiologia do organismo que leva à hipertensão." Ainda não há água encanada em Aracampina, mas os caboclos agora têm luz elétrica, graças ao gerador a diesel, fogão a gás, televisão ligada a bateria de carro e telefone que funciona por meio de rádio. Em conseqüência, houve uma redução da atividade física, que ajuda a equilibrar a pressão arterial. "Por terem acesso a fogão a gás, não buscam mais lenha na mata", exemplifica Hilton Silva. "E já usam fralda descartável, que

também reduz o trabalho das mulheres:' Mas surgem outras fontes de estresse, como a necessidade de ganhar mais dinheiro para comprar comida, relógios, bicicletas e aparelhos de som. esultado: em Aracampina, 44% das mulheres e 20% dos homens têm pressão alta. "Aparentemente', diz ele, "a fisiologia das mu. lheres está respondendo mais rapidamente que a dos homens às mudanças culturais:' Outro problema detectado e ainda não totalmente quantificado é o aumento do número de cáries, de perda de dentes e de obesidade. Na mesma ilha, a comunidade de Santana, com cerca de 550 moradores, vive um processo de urbanização semelhante, mas o abalo na saúde é menor: 20% das mulheres e 17% dos homens têm hipertensão, "talvez porque já estejam adaptados às mudanças", cogita o pesquisador. A análise dos dados foi feita com os antropólogos Gary [ames, da Universidade do Estado de Nova York, e Douglas Crews, da Universidade do Estado de Ohio, ambas nos Estados Unidos, e será em bre-

R

ve publicada no American [ournal of Physical Anthropology. A terceira comunidade estudada é ainda menor. Consiste de cerca de 200 indivíduos que vivem espalhados na Floresta Nacional de Caxiuanã, às margens do rio Anapu, em casas separadas umas das outras por distâncias que variam de 500 metros a 20 quilômetros. Luz elétrica, televisão e telefone são coisas apenas de que ouviram falar. Dos três grupos, é o mais isolado: só se chega lá após dois dias de viagem de barco a partir de Belém. Os habitantes de Caxiuanã ainda são extrativistas e alimentam-se sobretudo de caça e de mandioca, milho e feijão cultivados. Mesmo assim, por motivos que ainda estão sendo investigados, 11% das mulheres e 22% dos homens têm hipertensão. São taxas elevadas se comparadas com as de grupos tradicionais indígenas da Amazônia ou de outras partes do mundo, nas quais o percentual aproxima-se do zero. Prevenção - Hilton Silva esteve em dezembro em Aracampina, Santana e Caxiuanã para anunciar os resultados a que chegou e planejar com líderes das comunidades e professores como motivar a população a cuidar melhor da saúde em geral. "Não podemos negar o direito de terem bens de consumo, mas devemos mostrar os benefícios e os riscos das mudanças no estilo de vida:' O próprio Roma sapiens viveu uma situação semelhante há cerca de 10 mil anos, ao deixar de ser nômade e caçador para se fixar num território e desenvolver a agricultura. Foi um momento marcante: inicialmente, nossos ancestrais perderam massa muscular, ganharam cáries e começaram a morrer mais jovens, embora tenha aumentado a taxa de fertilidade e reduzido a mortalidade infantil. ''A quantidade de alimento aumentou, mas a variedade diminuiu, gerando deficiências de proteínas': diz ele. Também naquela época houve uma escolha entre comer pouco e bem ou muito e não tão bem. • PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 37


CIÊNCIA BOTÂNICA

Sai o primeiro volume da coleção que descreve as 1.067 espécies de plantas de Grão-Mogol, em Minas Gerais FRANCISCO

BICUDO

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23 á anos, no início de dezembro, quatro botânicos e um zoólogo paulistas se apertaram em um Opala marrom e seguiram por estradas esburacadas, sob o calor de quase 40 graus, rumo ao nordeste de Minas Gerais. Aquela era a primeira expedição exploratória do Projeto Flora de Campos Rupestres pelas serras da Cadeia do Espinhaço, uma faixa com 1.100 quilômetros de extensão que ocupa grande parte do Brasil central, principalmente Minas Gerais e Bahia. Uma das regiões escolhidas para levantamento florístico detalhado foi a Serra de Grão-Mogol, então ainda pouco estudada, mas com uma vegetação rica e variada que já se encontrava ameaçada pelo desmatamento e pelo garimpo de diamantes. Situada a 500 quilômetros ao norte de Belo Horizonte, nos limites do cerrado com a caatinga, a Serra de Grão-Mogol é uma das áreas de mais alto endemismo, ou seja, é depositária de espécies únicas de plantas. Ali predominam os chamados campos rupestres - a vegetação formada por arbustos e plantas rasteiras que nascem entre as rochas ou sobre o solo raso, arenoso, ácido e pobre em nutrientes e matéria orgânica. Os resultados dessa e das outras 20 viagens que se seguiram - a mais recente delas em março de 2000, numa cami-

H

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nhonete Chevrolet D-20, 'o , nas quatro rodas - toma agÓi4. . de uma edição especial do 'HQtt1tiln Botânica da Universidade de $ão,Ftulo .,' (USP), a ser publicada no mês qtlé'vein':.;.' em parceria com a Editora Hucitec, É 0- . primeiro de quatro volumes a serem lançados até o final do próximo ano, que traz, em 250 páginas, chaves de identificação, ilustrações e a descrição de 50' ~ famílias de plantas. Só do grupo mais abundante, as plantas com flores ou angiospermas, aparecem as primeiras 34 das 117 famílias. Coordenada pelo botânico José Rubens Pirani, do Instituto de Biociências da USP, a coleção completa terá cerca de mil páginas e será um inventário ilustrado da peculiar flora dos campos rupestres, cerrados e matas da região, com adaptações morfológicas e fisiológicas próprias - as plantas formam ilhas de vegetação em meio a terrenos rochosos e acidentados, com altitudes variando de 650 a 1.100 metros, numa região de transição entre dois ecossistemas distintos, o cerrado e a caatinga. Quando estiver completo, o trabalho apresentará as estruturas, a distribuição geográfica e as épocas de floração e frutificação dos 472 gêneros e das 1.067 espécies de plantas de Grão-Mogo!. Desse total, 60 são endêmicas - vivem apenas nessa serra de chuvas intensas de novembro a março, que serve como

divisor de águas entre os rios formadores do São Francisco, que correm a oeste, e os que se dirigem para o Atlântico, a leste.

Retrato coletivo - Com esse levantamento, a Serra de Grão-Mogol se põe em pé de igualdade, em termos de conhecimento científico, com trechos mais amplos da Cadeia do Espinhaço, estudados há mais tempo. Da Serra do Cipó, com uma área quatro vezes maior, a uma hora de viagem de Belo Horizonte - e em rodovia asfaltada -, saiu em 1987 a lista das 1.590 espécies de plantas que vivem lá. Em 1995, foi a vez do Pico das Almas, uma serra vizinha, com toda sua flora de 1.044 espécies descrita num livro publicado na Ingla-


Harap/yce parvifo/ia: só existe em Grão-Mogol

terra, com a participação de pesquisadores da USP. Pequena e distante, fora das rotas de interesse econômico e sem nenhuma infra-estrutura turística, a Serra de Grão-Mogol foi cientificamente explorada - e as amostras de plantas analisadas - por cerca de 100 pesquisadores de instituições nacionais e internacionais. Participaram equipes do Instituto de Botânica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicarnp), da Universidade 'Estadual de Feira de Santana (UEFS), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFTF), da Universidade Federal de Minas Gerais e do Royal Botanic Gardens, de Kew, Inglaterra.

Pirani acredita que esse trabalho, além de permitir estudos comparativos, vai facilitar o reconhecimento e a preservação das plantas pelos moradores da região. Pode também estimular outros pesquisadores e até mesmo professores e alunos de escolas da região a desenvolver estudos da anatomia, germinação, desenvolvimento ou usos locais das plantas da serra cujo nome é uma referência ao diamante Grão-Mogol, com 700 quilates (um quilate equivale a 0,2 grama), encontrado na-Índia no século 16 - nessa mesma época, quando a mineração no Brasil estava no auge, teria sido descoberta na região ,uma pedra semelhante. Outra finalidade do projeto é ajudar' a estabelecer ou reforçar políticas públicas que conciliem a conservação do ambiente com práticas agrícolas sustentáveis. Atualmente, as matas são derrubadas para fabricação de carvão ou são queimadas para dar lugar a pequenas roças de mandioca, abacaxi, cana-deaçúcar, arroz, feijão ou milho. Ainda não se encontrou também como deter o avanço das pastagens e a ação de garimpeiros que, em busca principalmente de diamantes, deixam o solo e 6 cascalho revirados - e dificilmente a vegetação natural volta a crescer por onde passaram. Classificada em 1998 como área de importância biológica muito alta e, portanto, prioritária para conservação,

Grão-Mogol integra o Parque Estadual da Serra da Bocaina, criado nesse mesmo ano'. Entretanto, lembram os pesquisadores; as medidas para sua efetiváiU1pI~nta,ção'.ainda estão em curso. "Além de -diversificada e peculiar, a flora da Serra de Grão-Mogol é extremamente bela", sintetiza Pirani. Por ali crescem sempre-vivas, principalmente as espécies do gênero Syngonanthus. São plantas rasteiras com flores bran.cas, cor de palha, ou dour-adas, que se parecem com pequenas margaridas, exploradas ele forma extrativista - a maior parte da colheita é exportada. ''A exploração das sempre-vivas é preocupante porque, removendo-se as flores, , impede-se a formação das sementes que garantem a continuidade dessa espécie': diz o pesquisador. Outra planta típica de lá são três espécies de cabeçasde-frade, dos gêneros Discocactus e Melocactus. São cactos com flores e ',cheios de espinhos que ganharam esse nome numa alusão espirituosa à cabeça às vezes inteiramente calva dos frades.

as

Espécies únicas- Já as canelas-de-ema (Vellozia spp.) se destacam com suas grandes flores lilás parecidas com lírios e por seuscaules esguios e revestidos por grossas escamas, bastante explorados para servirem de combustível ajudam a fazer fogo, porque ardem mesmo molhados, devido às resinas PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 39


que possuem. Subindo o olhar, vemos uma das árvores altas e frondosas típicas da região, os monjoleiros, pertencentes ao gênero Pterodon, com cascas rosadas e altura que varia de 7 a 20 metros, encontradas nas baixadas e encostas rochosas. Só em Grão-Mogol é que vive ainda a Trembleya hatschbachii, um arbusto encontrado próximo a riachos, da família das quaresmeiras, "com explosões de lindas floradas amarelas", na descrição do botânico da USP. Ainda entre as espécies endêmicas, há também as que facilmente despertam a curiosidade, como a Drosera graomogolensis, uma planta toda vermelha, discreta, com um caule de 7 centímetros e carnívora: atraídos por sua cor viva, formigas e outros insetos acabam grudados na superfície pegajosa de suas folhas.

Terra de raridades

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entre 800 e 1.000 m •

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entre 1.000 e 1.500 m :.'

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Drosera graomogolensis,

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da região começaram a se tornar mais conhecidas em 1818, quando os exploradores alemães Carl von Martius (1794-1868) e Iohann Baptist von Spix (1781-1826) percorreram a Serra da Canastra, ao sul de Grão-Mogol, numa das primeiras expedições à area de que se tem notícia. Quase 300 anos depois, podese dimensionar com precisão quão raras são algumas espécies que vivem na serra. É só ali que crescem plantas peculiares, a exemplo das três espécies que ocorrem entre as rochas ou presas aos paredões, formando grandes touceiras ou extensos jardins - a Vellozia prolifera, a Barbacenia riparia e a Vellozia luteola, conhecidas apenas pelos nomes científicos. Juntamente com as demais representantes da família das velloziáceas, formada por cerca de 250 espécies (a maioria delas na Cadeia do Espinhaço), as três espécies foram intensamente estudadas no final dos anos 80 por Renato Mello-Silva, também da USP. Inicialmente, ele procurou entender como algumas peculiaridades das folhas des-

40 . ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

Vellozia luteola, endêmica

sas plantas, como as variações nas fibras ou a ocorrência de fendas, poderiam ajudar a elucidar a evolução do grupo. Mello-Silva encontrou novas espécies dessa família em Grão-Mogol, comprovou o endemismo de outras e constatou que algumas delas apresentam uma variabilidade na distribuição das fibras no interior das folhas e nos tipos de pêlos da base das flores - indicação de que estejam em curso os mecanismos de especiação, como é chamada a diferenciação e formação de novas espécies. Comparações - Feitas as contas dessas duas décadas de levantamento, que contou com apoio da FAPESP, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundo Mundial para Natureza (WWF), Pirani estima que os cientistas do grupo de que participou inicialmente como estudante de mestra do - tinha 23 anos na primeira expedição - vasculharam, palmo a palmo, uma área com cerca de 400 quilômetros quadrados, com visitas em todas as estações do ano, procurando coletar plantas com flores ou

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dinae, cacto típico da região

com frutos do maior número possível de espécies. Foi uma amostragem considerada excelente, até porque "é virtualmente impossível cobrir inteiramente qualquer superfície das dimensões de uma serra, sobretudo com tantas áreas de acesso muito difícil': lembra o pesquisador da USP. Como cada viagem durava de uma semana a um mês, passaram 315 dias na serra - portanto, quase um ano de trabalho de campo. Hoje, a iniciativa que começou a ser idealizada ainda na década de 70 pela botânica Nanuza Luiza de Menezes - a proprietária do Opala usado nas pri-


A serra de até 1.100 metros de altitude ao norte da capital mineira: transição entre o cerrado e a caatinga

Barbacenia umbrosa, outra endêmica me iras expedições à serra e ainda hoje uma das referências da botânica brasileira - traduz-se também na forma de 3.700 amostras, a maior parte delas guardada no herbário do Instituto de Biociências da USP. "Esse levantamento era imprescindível para iniciarmos o estudo da história biogeográfica da flora da região e estabelecer as relações com outras áreas montanhosas da América do Sul, como as serras litorâneas, as serras e chapadas de Goiás, os tepuis da Venezuela, as montanhas das Guianas e até mesmo os Andes", comenta Ana Maria Giuliet-

ti, da UEFS e primeira coordenadora do projeto. Tepuis, a que ela se refere, são montanhas íngremes, com cerca de 1.000 metros de altitude e topo plano, que ocupam a porção setentrional da região amazônica. "A flora dos campos rupestres e cerrados e a dos tepuis", acrescenta Pirani, "estão hoje ilhadas e afastadas, mas ainda compartilham

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muitos elementos, evidenciando que tenham sido mais próximas há milhares ou talvez alguns milhões de anos." Comparar dois tipos de vegetação distantes mais de 6 mil quilômetros é apenas um dos projetos de pesquisa que agora se tornam viáveis. De imediato, os botânicos pretendem definir com mais precisão as semelhanças e diferenças com as outras serras da Cadeia do Espinhaço já esmiuçadas: a Serra do Cipó, o Pico das Almas e a Serra de Catolés, também com elevado endemismo. "Das comparações emergirão padrões, modelos ou perguntas que ajudarão a direcionar a continuidade dos estudos", diz Pirani. "Provavelmente poderemos detectar os grupos de plantas comuns a todas as áreas, aqueles com maior concentração em uma ou outra e ainda os que podem ser indicativos da evolução do Espinhaço." Mas ninguém pretende terminar por aí. "Ao redor de Grão- Mogol, existe ainda a Serra de Botumirim, a Serra de Itacambira e a Serra Deus-me-Livre, ainda pouco exploradas", afirma Pirani. Desvendar os segredos que guardam talvez seja uma tarefa para mais 20 anos de trabalho. • PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 41


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e por um milagre a ciência conseguisse produzir um clone do naturalista dinamarquês Peter Lund, rh9fto há 123 anos em solo brasileiro, a réplica contemporânea do pioneiro dos estudos arqueológicos e paleontológicos em Lagoa Santa contaria agora com uma grande ajuda para localizar com precisão as dezenas de sítios pré-históricos presentes nessa região mineira, vizinha a Belo Horizonte. Com o auxílio de aparelhos chamados de GPS (Sistema de Posicionamento Global), que, por satélite, fornecem as coordenadas geográficas exatas de qualquer ponto no globo, uma equipe liderada pelo arqueólogo Walter Neves, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB/USP), determinou - e corrigiu, quando necessário - a localização de 100 sítios pré-históricos situados dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Carste de Lagoa Santa. O termo carste designa o relevo peculiar da região, marcado pela presença de rocha calcária, que proporcionou a formação de maciços, paredões e depressões fechadas. Esse tipo de paisagem leva ao surgimento de lagoas temporárias, cavernas e abrigos sob rocha, bons lugares para assentamentos humanos préhistóricos. Não é por acaso que o mais antigo fragmento de esqueleto humano até agora encontrado nas Américas, o crânio de cerca de 11 mil anos apelidado de Luzia, tenha saído justamente das entranhas de Lagoa Santa. Do ponto de vista legal, a maioria dos sítios está em propriedades particulares, dentro da APA, que se estende parcialmente pelos territórios de seis municípios - Pedro Leopoldo, Matozinhos, Prudente de Morais, Vespasiano, Funilândia e Lagoa Santa - e abrange a totalidade da área de Confins. Uma versão mais técnica do mapa foi feita para orientar a movimentação de cientistas na região arqueológica, que ocupa uma área de 363 quilômetros quadrados, cerca de quatro vezes menor do que o município de São Paulo. Para divulgar o patrimônio arqueológico entre a população local, 3 mil cópias da carta geográfica simplificada foram enviadas para colégios de Minas Gerais. "Com o mapa, qualquer pessoa consegue visualizar a enorme concentração de sítios arqueológicos na região", comenta Neves. ''A sociedade precisa conhecer a impor-

Grande parte do trabalho de atualização e aperfeiçoamento da localização geográfica dessa centena de locais ricos em material pré-histórico foi feita pelo mineiro Luís Beethoven Piló, um dos membros do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos do IB/USP, liderado por Neves. "Tive de entrar em todos os sítios para determinar as coordenadas", conta Piló, que recorreu a mapas, livros, escritos e testemunhos de moradores da região em busca dos esconderijos de material arqueológico. "Em alguns casos, as informações não batiam e tive de deixar alguns lugares de fora." Alguns sítios conhecidos, como a Lapa Vermelha de Lagoa Santa, onde havia esqueletos humanos e pintura rupestre, não constam do levantamento cartográfico porque foram destruídos por trabalhos executados por mineradoras.

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Ponta de projétil: cerca de 8 mil anos

tância de Lagoa Santa para a pré-história do Brasil e das Américas. Só assim vai se engajar na preservação da área." A impressão e distribuição dos mapas escolares foram custeadas pela Camargo Corrêa Cimentos. Quase todos os sítios pré-históricos estão em áreas de planície, na borda ou perto de rios e lagos, visto que o acesso fácil à água era - e é - uma necessidade para a sobrevivência das populações. O maior número deles (51) se encontra em abrigos sob rocha, outra parte significativa (47) está em locais a céu aberto e dois escondem-se no interior de cavernas. Cerca de 30 dos 100 sítios catalogados foram descobertos nos dois últimos anos por pesquisadores envolvidos no projeto temático da FAPESP coordenado por Neves, que propôs uma nova teoria sobre a chegada do homem às Américas a partir de Luzia e outros crânios humanos antigos descobertos na região de Lagoa Santa.

Mamíferos gigantes - Juntando os achados de seus velhos e novos sítios, a área de Lagoa Santa fornece um belo painel de como foi a vida cotidiana naquelas paragens entre mil e 11 mil anos atrás, período em que se situam os ossos, objetos e desenhos até agora descobertos na região. Ao longo dos últimos 170 anos, pesquisadores - e alguns aventureiros - encontraram ali desde pinturas rupestres, pontas de projéteis de quartzo e cerâmicas até ossos de mamíferos da extinta megafauna, como a preguiça terrícola gigante, e restos de 250 esqueletos humanos. A região entrou no cenário mundial da arqueologia devido ao trabalho de Peter Lund, que se mudou para o Brasil em 1833. Por mais de uma década, o explorador nórdico vasculhou centenas de cavernas e grutas na região. A quase totalidade de sua coleção de descobertas - mais de 12 mil peças, incluindo um conjunto de crânios do e{ltão chamado Homem de Lagoa Santa - encontra-se hoje na pátria do naturalista, a Dinamarca. Na Lapa do Sumidouro, um dos dois sítios classificados como cavernas no mapa da equipe da USP, Lund percebeu que esse ambiente, impenetrável à luz, serviu de cemitério pré-histórico. "Ele encontrou 30 esqueletos humanos perto de ossos de mamíferos da megafauna", afirma Piló. Esse achado levou o naturalista a formular a hipótese de que o homem e esses bichos pré-históricos foram contemporâneos, um desa-


tes aos atuais africanos e aborígines da Austrália - e não mongolóides (com traços orientais), como sustenta a linha tradicionalista da arqueologia, dominada pelos norte-americanos. Pilar dois: o povoamento das Américas, que teria se dado via Estreito de Bering, ao norte do continente, começou cerca de 14 mil anos atrás - e não há apenas 11,5 mil anos, como diz o modelo convencional. "Os sítios de Lagoa Santa já forneceram 75 crânios razoavelmente bem preservados que exibiam anatomia semelhante à de Luzia", afirma Neves. "Todos com idade estimada entre 8 mil e 11 mil anos!'

Já nos livros: o mundo começa a considerar os achados de Lagoa Santa

fio à idéia clássica de que esses enormes mamíferos haviam desaparecido antes de o Homo sapiens chegar às Américas. A teoria de Lund foi confirmada em abril de 2002. A idade de um fragmento de costela de uma preguiça terrícoIa da espécie Catonyx cuvieri, exumada de um sítio paleontológico conhecido como gruta Cuvieri, foi estabelecida em 9.990 anos por um teste de carbono 14. A essa altura da Pré- História, como atestam Luzia e seus conterrâneos de Lagoa Santa, o homem já estava instalado na América. No Brasil, foram descobertas 13 espécies de preguiças terrícolas, que podiam pesar até 5 toneladas e atingir 6 metros de comprimento.

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de Biociências

da U SP

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R$ 538.172,80 e US$ 76.000,00

A comprovação de que esses mamíferos do passado chegaram a dividir, por algum tempo, o mesmo ambiente com as primeiras populações paleoíndias da América é uma contribuição de peso dos sítios pré-históricos de Minas Gerais à arqueologia. Mas, em termos de sacudida na ciência, nada se compara ao impacto causado pela maior estrela de Lagoa Santa. O crânio de Luzia foi encontrado em meados da década de 70 no sítio Lapa Vermelha IV, um abrigo sob rocha no município de Pedro Leopoldo não muito distante do Aeroporto Internacional Tancredo Neves. A peça ficou esquecida durante um bom tempo até que, no final da década passada, as teses do arqueólogo Walter Neves - amparado em medições anatômicas desse fragmento de esqueleto e numa datação estimada em 11 mil anos - passaram a encontrar eco no meio acadêmico. Para o pesquisador da USP, Luzia e toda a população paleoíndia dessa área mineira tinham traços similares aos dos atuais aborígines australianos e negros da África e davam, portanto, sustentação a dois pilares de suas idéias sobre o povoamento das Américas. Pilar número um: os primeiros habitantes do Novo Mundo, que viveram no tempo de Luzia ou antes, eram sernelhan-

eoria do pesquisador brasileiro ainda está longe de ser aceita por seus pares, sobretudo os do exterior. Mas, com incontida alegria e uma ponta de orgulho, Neves descobriu que livros sobre arqueologia, editados em inglês nos últimos dois anos e voltados para o público leigo, dedicaram capítulos ou trechos significativos às suas idéias sobre o povoamento do continente e as descobertas nos sítios pré-históricos de Lagoa Santa. Duas obras foram impressas nos Estados Unidos: Bones Discovering the First Americans, da jornalista Elaine Dewar, e Ancient Encounters - Kennewick Man and the First Americans, do arqueólogo [ames C. Chatters. A outra saiu na Inglaterra, Past Lives - Unlocking the Secrets of our Ancestors, do historiador Ian Wilson. Nem sempre as referências às teses do pesquisador da USP são elogiosas. Às vezes, há questionamentos. Neves não liga muito. Vê o lado positivo de Luzia e os paleoíndios de Minas terem força suficiente para ser objeto de obras de divulgação científica na Europa e Estados Unidos. "Não é toda hora que as idéias de um brasileiro ganham essa repercussão lá fora", comenta o arqueólogo. Perambulando por Lagoa Santa, com o novo mapa dos sítios pré-históricos nas mãos, o clone de Peter Lund teria ficado feliz com essa notícia. •

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PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 45


• CIÊNCIA

GENÉTICA

. copo eobatom Alteração em gene pode tornar as mulheres 2,6 vezes mais suscetíveis ao alcoolismo

46 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86


Mulheres brasileiras: mais sensíveis que os homens à falta de uma enzima que age sobre os neurônios

alguns á anos, a ciência tenta estabelecer o peso exato das condições ambientais e da herança genética no desenvolvimento de uma série de doenças psi-: quiátricas, entre as quais está o alcoolismo. Determinar com precisão todas as causas que empurram alguns membros de uma população para o consumo desenfreado de fermentados e destilados, enquanto os demais permanecem abstêmios ou usuários moderados, talvez seja uma tarefa impossível. Ainda assim, uma equipe de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) acredita ter identificado uma alteração genética que parece aumentar 2,6 vezes o risco de as mulheres brasileiras expostas ao álcool se tornarem dependentes. Trata-se de uma variação num trecho do gene Maoa que pode reduzir a produção da enzima monoamina oxidase do tipo A. Essa proteína atua sobre al-

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guns mensageiros qmmlcos do cérebro - os chamados neurotransmissores, entre eles a dopamina e a serotonina -, responsáveis pela comunicação entre os neurônios e envolvidos na regulação de estados comportamentais, como o humor e a agressividade. Identificar os genes que predispõem ao alcoolismo pode ajudar na prevenção dessa dependência: uma pessoa que descobre ter propensão maior ao consumo freqüente de álcool pode tentar evitar contato com esse tipo de bebida. De acordo com o estudo, que deve ser publicado em breve na Psychiatrics Genetics, mulheres que apresentam tal alteração em pelo menos uma de suas duas cópias do gene - localizado no cromossomo X - sintetizam de duas a dez vezes menos enzima do que o normal e seriam mais suscetíveis a desenvolver o alcoolismo. "Ainda não podemos afirmar categoricamente que essa relação realmente exista';pondera Maya-

na Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP e líder da equipe que fez o trabalho. "Mas há um forte indício de que um componente biológico pode favorecer a ocorrência de alcoolismo nas mulheres brasileiras." Nos homens, que carregam apenas uma réplica do gene, a versão menos funcional do Maoa não aumentaria as chances de se tornar alcoólatra. "Talvez a influência genética em prol do alcoolismo seja maior no sexo feminino do que no masculino, que sofre mais estímulos nesse sentido do meio ambiente", comenta Sandra Scivoleto, coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Estudos do Álcool e Drogas (Grea), vinculado ao Instituto de Psiquiatria da USP, uma das colaboradoras do estudo. O artigo científico brasileiro não é o primeiro a apontar relações entre o gene Maoa e distúrbios psiquiátricos ou dependência etílica ou química. Um trabalho alemão, publicado em 2000 no lournal af Neural Transmissian, insinuou, por exemplo, que a ocorrência de alcoolismo e comportamentos anti-sociais podiam estar ligados à versão menos funcional do gene. No entanto, essa relação não foi comprovada numa pesquisa feita dois anos mais tarde com homens da Finlândia. Recentemente, esse gene foi notícia por um outro motivo. De acordo com um artigo publicado na revista Science de 2 de agosto do ano passado, que analisou o impacto de alterações no Maoa na população masculina da Nova Zelândia, homens que sofreram maustratos na infância e carregavam a forma menos funcional do gene tinham mais chances de se tornarem adultos violentos. Como se vê, o Maoa é alvo freqüente de trabalhos sobre o seu impacto no comportamento humano. Quatro versões do gene - Para chegar à conclusão de que a forma menos

funcional do Maoa favorece a dependência etílica entre as brasileiras, os cientistas seqüenciaram e analisaram a região promotora do gene em alcoólatras e em pessoas não viciadas em bebida. PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 47


o seqüenciamento forneceu informações sobre o padrão de ocorrência de um conhecido segmento de 30 pares de bases (as unidades químicas que compõem o DNA) nessa região do gene. No final do trabalho, a equipe da USP viu que o gene podia se apresentar de quatro formas distintas tanto nos dependentes de álcool como nos indivíduos sadios. Havia versões do Maoa, tecnicamente chamadas de alelos, com dois, três, quatro ou cinco repetições do trecho de 30 pares de bases. De posse desse dado, o passo seguinte foi verificar se algum desses alelos estava associado à propensão ao alcoolismo. A fim de facilitar as comparações, os pacientes e os indivíduos do grupo de controle foram classificados em duas categorias de acordo com os seus tipos de alelos. Quem tinha pelo menos uma cópia do Maoa com três repetições do segmento em questão - justamente a variante do gene que produz menos enzima do que o normal - caiu numa classificação. Pessoas com as demais variações do gene (dois, quatro ou cinco repetições do trecho de 30 pares de base) ficaram num outro grupo. eitas as contas, os pesquisadores verificaram que 62% das mulheres alcoólatras carregavam ao menos um alelo que reduzia a síntese de monoamina oxidase. Entre as não-dependentes de bebida, que faziam parte do grupo de controle, essa taxa caiu para 38%. A prevalência da versão do gene Maoa que diminui a produção da enzima foi de 45% nos homens alcoólatras e 31 % nas pessoas sadias. "Nos indivíduos do sexo masculino, ao contrário do que ocorreu com as mulheres, essa diferença não foi significativa do ponto de vista estatístico", comenta a doutoranda Camila Guindalini, do Instituto de Biociências da USP, uma das autoras do estudo. "Por isso, não podemos, por ora, sugerir que variações no gene Maoa possam estar ligadas à ocorrência de alcoolismo nos homens brasileiros." As afirmações da equipe da USPque descreve o Maoa como um provável gene de risco para o alcoolismo entre as mulheres brasileiras, mas nunca como a causa de tal distúrbio são revestidas de cautela por dois motivos. O primeiro, de caráter mais me-

F

48 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

todológico, diz respeito ao modesto tamanho do grupo analisado. A amostra de alcoólatras era formada por 93 pacientes (52 homens e 41 mulheres, com idade em torno de 45 anos) que faziam tratamento no Grea. Composto por pessoas não-dependentes de álcool, o grupo de controle tinha o mesmo número de indivíduos, com idade e origem étnica semelhantes às de seus pares viciados em fermentados e destilados. "Tivemos muita dificuldade em encontrar e convencer mulheres dependentes da bebida a participar do estudo", diz Mayana. "Se 300 alcoólatras tivessem tomado parte de nosso trabalho, poderíamos ter mais certeza sobre o papel do gene Maoa no desencadeamento dessa doença entre as mulheres. Precisamos de mais voluntárias para a seqüência das pesquisas." A segunda razão que justifica o comedimento é de ordem mais geral. Apesar de haver um quase consenso na área científica de que o alcoolismo tem componentes tanto biológicos como comportamentais em sua raiz, não é nada fácil delimitar onde termina a influência dos genes e começa a do meio ambiente. Essa dificuldade é ainda maior em sociedades que estimulam o consumo de álcool entre pessoas de ambos os sexos e transformam o ato de tomar cerveja, vinho ou qualquer outra bebida num traço cultural. No Brasil, o número de alcoólatras do sexo feminino é quatro vezes menor do que o de homens. Além disso, beber não é um hábito cultural muito estimulado entre as mulheres. Por essa razão, segundo Mayana, o peso dos fatores genéticos que predispõem ao alcoolismo deve ser maior e mais facilmente identificável - nas mulheres brasileiras do que entre os homens do país ou mesmo entre a população feminina da Europa ou dos Estados Unidos, grupos sociais em que a presença de abstêmios é mais rara. "Essa é nossa hipótese de trabalho", comenta a coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) criados pela FAPESP em 2000. Por enquanto, os primeiros resultados do estudo com o gene Maoa confirmam essa hipótese. •

Jogo. tncia

mais que álcool

uando bate aquele desejo incontrolável de encher o copo ou gastar todo o dinheiro numa aposta, quem tem mais dificuldade de ficar longe de seu vício, o alcoólatra ou o jogador patológico? O psiquiatra Hermano Tavares, coordenador do Ambulatório do Jogo Patológico (Amjo), do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, concluiu que a fissura experimentada pelo apostador compulsivo é de uma magnitude 50% maior do que a vivenciada pelo alcoólatra. Fissura é aquela vontade doentia que leva os dependentes a reincidir em seu vício, a despeito de conhecerem seus efeitos negativos. As correntes que prendem o apostador ao jogos de azar são tão fortes que o médico compara essa dependência à vivida pelos viciados em drogas químicas. "Em vez de se parecer com o alcoólatra, o jogador patológico se comporta


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Ensino

Clínicos

de uma forma mais próxima à do cocainômano': afirma o médico, que, com o auxílio de testes e questionários, comparou a personalidade de 40 dependentes de bebida com a de 40 viciados em bingos eletrônicos, metade de cada sexo. O estudo foi feito com pacientes do serviço de psiquiatria da Universidade de Calgary, no Canadá, onde o médico terminou seu pós-doutoramento no fim de 2002. "Mas as conclusões são válidas para jogadores patológicos de qualquer país': diz Tavares. Uma diferença marcante entre o alcoólatra e o viciado na jogatina: enquanto o primeiro não encontra emoções positivas em nada - a não ser nas cartas, roletas e cartelas de bingo -, o segundo ameniza suas sensações negativas com o auxílio da bebida. O jogador patológico faz suas apostas para tentar ser feliz. "Nada o diverte tanto como o jogo", assegura o psiquiatra. O alcoólatra bebe para esquecer as tristezas. "Ele é um tipo mais vulnerável à depressão", comenta Tavares. Outro contraste diz respeito ao ritmo com que cada um desses dependentes alimenta o seu vício. O alcoólatra costuma beber com constância regular, como se estivesse seguindo um ritual ou pondo em prática um hábito quase corriqueiro. Não raro, toma a mesma dose de álcool todo dia, no horário de sempre. "O jogador patológico, como o

Uma arriscada busca da felicidade: dependência equivalente à causada pela cocaína

viciado em cocaína, age por impulso", compara Tavares. Quando tem à mão recursos para jogar, aposta todo o seu dinheiro num único dia. Só pára quando quebra financeiramente, o que o leva a um esgotamento físico e mental. "O mesmo ocorre com a dependente de cocaína ': afirma o médico. A pós-quebradeira do jogador patológico também é semelhante ao período de recuperação do viciado em cocaína. Ambos passam dias amaldiçoando sua dependência, prometendo a si mesmos que não repetirão o erro. Até que bate de novo a vontade irresistível de jogar, no caso de um, ou de cheirar, no caso de outro. Nessas horas, se não tiver mais dinheiro, o jogador patológico (ou o dependente de cocaína) faz qualquer negócio para financiar seu vício: rouba, vende objetos de casa ou de terceiros. O apostador desenfreado mente para os outros (e para si mesmo) e diz que vai jogar só mais uma vez. E que, desta vez, vai recuperar todo o dinheiro que perdeu em outras ocasiões. "Ele perde de novo e se exaure física e mentalmente mais uma vez", diz Tavares. O ciclo da dependência, então, se reinicia. •

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• CIÊNCIA

FISIOLOGIA ~

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Pesquisadores paulistas calculam a capacidade de brasileiros sedentários realizarem atividade física RrCARDO

ZORZETTO

uem pára com falta de ar e o coração acelerado como se estivesse a ponto de saltar pela boca após vencer a passos rápidos cinco quarteirões pode apresentar algo mais que o simples despreparo físico típico de alguém que leva uma vida sedentária, como 90 milhões de brasileiros. A dificuldade de respirar e o cansaço ao fazer exercício, mais comuns a partir dos 50 anos, podem indicar que algo não anda bem com o coração ou com os pulmões, principalmente se a pessoa pratica com regularidade alguma atividade física e, nos últimos tempos, notou que não tem mais o mesmo fôlego de antes. Em qualquer desses casos, esses sintomas transmitem um único recado do corpo: os músculos não estão recebendo a quantidade adequada de oxigênio para realizar exercícios. Agora se tornou mais fácil identificar a causa do problema. Os pneumologistas Luiz Eduardo Nery e José AIberto Neder, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em colaboração com Brian Whipp, da Universidade de Glasgow, na Escócia, estabeleceram os parâmetros que permitem

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calcular a capacidade de o adulto brasileiro sedentário realizar exercício físico, como resultado de uma série de projetos financiados pela FAPESPdesde 1996. Desse modo, conseguem estimar o desempenho esperado do coração, dos pulmões e dos músculos - em outras palavras, o nível de atividade física considerada normal para uma pessoa sem problemas de saúde. Andando a passo acelerado, algo como 2 metros por segundo, um jovem saudável - com 30 anos, 70 quilos e 1,70 metro - consome cerca de 1 litro de oxigênio por minuto. Para fornecer a suas células esse volume de oxigênio, gás essencial para a transformação das reservas de açúcar em energia, esse homem respira aproximadamente 35 litros de ar nesse mesmo intervalo de tempo - o equivalente a 40% da capacidade máxima de seus pulmões. Andando a essa velocidade, o coração trabalha a uma taxa de até 135 batimentos por minuto, quase 70% de sua capacidade máxima de esforço. Se essa pessoa estiver com a saúde boa e não for sedentária, é capaz de caminhar de 2 a 3 quilômetros nesse ritmo sem sentir fadiga nem dificuldade para respirar. PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 51

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Quando algo não vai bem, nas mesmas condições do exemplo anterior, a parte muscular, a cardiovascular ou a pulmonar - que atuam de forma integrada - têm de trabalhar além do limite considerado normal, que varia em função da idade, da massa corporal, da altura, do sexo e do nível de atividade física. Se o esforço permanece por um período prolongado, de cinco a dez anos, pode colocar em risco a saúde e provocar, por exemplo, danos nas artérias do coração - ou no próprio músculo cardíaco - ou levar a uma falta de ar mais intensa que limita a capacidade de realizar atividades físicas.

fl(

recentemente, é era complicado descobrir em qual desses sistemas estava o problema sem uma bateria de exames mais caros e complexos, que permitem visualizar o músculo cardíaco e suas artérias ou analisar alguns aspectos da função pulmonar. Alguns exames consistem na introdução de cateter em artérias do braço, outros avaliam os gases dissolvidos no sangue. São necessários porque as alternativas mais simples - o eletrocardiograma, o exame de sangue para detectar anemia e um teste que mede a capacidade pulmonar no repouso - não conseguem resolver um terço dos casos em que se desconhece a origem do cansaço e da falta de ar de origem inexplicada, uma vez que esses sinais podem representar tanto o trabalho exagerado do coração e dos músculos quanto dos pulmões. Conhecer a capacidade normal de fazer exercícios é essencial para os médicos descobrirem de forma mais precisa qual parte do organismo não está funcionando como esperado por meio de um exame relativamente simples, o teste de exercício cardiorrespiratório (TECR). Esse teste dura cerca de meia hora e fornece informações sobre mais de 40 parâmetros diferentes relacionados aos sistemas cardiovascular, respiratório e muscular e permite descobrir a causa do distúrbio em 80% dos casos que escapam aos exames mais simples. Nas demais situações, se não aponta a causa específica, o TECR serve como bússola, indicando aos médicos qual dos três sistemas não está bem. Possibilita ainda avaliar a evolução do tratamento e orientar os exercícios físicos mais adequados para cada pessoa.

52 . ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

Apresentados inicialmente numa série de dez artigos científicos - o mais recente será publicado este mês no European Respiratory [ournal=, os parâmetros brasileiros para o TECR foram compilados por Neder e Nery no livro

Fisiologia Clínica do Exercício - Teoria e Prática, lançado no início do ano pela Editora Artes Médicas. Esse perfil da capacidade física do brasileiro sedentário ganhou também um respaldo importante no final do ano passado: foi condensado em um capítulo do mais recente consenso da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), as Diretrizes para Testes de Função Pulmonar, divulgado em outubro no Jornal de Pneumologia. Com o endosso da SBPT, o trabalho passa a orientar a atuação dos médicos brasileiros da área de fisiologia clínica do exercício, que estuda as respostas do organismo doente - ou sob suspeita de estar doente - ao esforço físico. Era precisamente a falta de um padrão nacional sobre a capacidade de realizar exercícios que dificultava a aplicação do TECR para desvendar a causa do cansaço e da falta de ar de origem desconhecida, uma queixa apresentada por metade das pessoas com mais de 70 anos que procuram os consultórios médicos para uma avaliação clínica, de acordo com Neder. Antes do trabalho da equipe da Unifesp, a ausência de dados sobre a população brasileira obrigava os médicos a tomar por base estudos feitos nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa. A complicação é que as pesquisas estrangeiras foram realizadas com pessoas de perfil bastante distinto do na.cional e capacidade de realizar exercício superior à da nossa população - em geral, incluíam estivadores, voluntários que

o PROJETO Valores de Referência para Variáveis Metabólicas, Ventilatórias e Cardiovasculares no Exercício Aeróbio Máximo em Cicloergômetro MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR

LUIZ EDUARDONERY - Unifesp INVESTIMENTO

R$ 12.200,00 e US$ 41.331,00

praticavam atividade física e até mesmo soldados. Como conseqüência mais direta e grave, a utilização dos padrões de outros países induzia freqüentemente ao erro no diagnóstico de incapacidade de realizar exercício que alcançava cerca de 20%, no caso das pessoas mais jovens (com idade entre 20 e 40 anos) e mais altas (mais de 1,75 metro) , mas podia atingir 50% entre os indivíduos com mais de 60 anos e menos de 1,65 metro. "Esses dados", comenta Neder, "indicam que a análise tornava-se mais distorcida justamente entre a faixa da população candidata ao teste: os adultos sedentários com risco de problemas cardíacos e pulmonares, principalmente os idosos." Padrão superestimado - Ao avaliar o parâmetro mais representativo da capacidade de uma pessoa realizar exercício físico medido pelo TECR - o consumo máximo de oxigênio, que indica a um só tempo a eficiência dos pulmões, do coração, dos músculos em aproveitar o oxigênio do ar -, os pesquisadores descobriram que os valores norte-americanos eram até 15% mais elevados que os brasileiros. Um médico que se baseasse no padrão estrangeiro poderia concluir que o jovem do início do texto - com 30 anos, 70 quilos e 1,70 metro - poderia sofrer de algum problema pulmonar caso seu teste de exercício cardiorrespiratório indicasse um consumo máximo de oxigênio de 2,4 litros por minuto. Esse valor, normal para um brasileiro com essas características, está abaixo do estimado pelo padrão norte-americano: 3 litros por minuto. Outra decorrência da aplicação dos valores estrangeiros para avaliar brasileiros era a possibilidade de equívoco no julgamento da concessão de benefícios por doenças pulmonares causadas pela inalação de poeiras, as pneumoconioses, pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Numa pesquisa feita em 1989 com Ericson Bagatin, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e José Roberto Jardim, da Unifesp, Nery havia demonstrado a falta de padronização na análise do teste de diagnóstico da forma mais comum de pneumoconiose - a silicose, enfermidade incurável que provoca dificuldade respiratória grave -, feito na época por meio da detecção de nódulos no pulmão em radiografias do tórax, como


determinava a legislaçãoem vigor.No mesmo trabalho, publicado na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, os pesquisadores já sugeriam que fossem adotados exames mais completos, como o teste de esforço cardiorrespiratório. Faltava,porém, estabelecer os critérios de classificação. oube a Neder, em sua tese de doutorado' desenvolvê-Ios a partir de padrões norte-americanos aceitos pela Associação Médica Americana e pela Sociedade TorácicaAmericana. Ele aplicou o teste de esforço cardiorrespiratório em 75 trabalhadores da indústria de cerâmica que pleiteavam compensação trabalhista por suspeita de apresentar silicose e constatou que, com base nos padrões dos Estados Unidos, 45% dos trabalhadores com capacidade normal de fazer exercício, portanto considerados aptos para realizar suas atividades, seriam classificados como incapazes, como atesta artigo publicado no Brazilian [ournal of Medical and Biological Research de maio de 1998. A partir dessa constatação, Neder propôs alterações ao padrão norteamericano para que se adequasse à realidade brasileira. Os valores ajustados serviram de base para uma norma técnica de 1997 do INSS, que regula a concessão de benefícios em pneumoconioses. Mas com uma ressalva: mesmo assim existia a possibilidade de haver erros em 15% das avaliações. "Vimos que, apesar das mudanças, esse padrão ainda era um terreno minado", comenta Neder. Foi nessa época que, descontentes com o resultado, os dois pesquisadores decidiram avaliar qual era a capacidade do brasileiro adulto de realizar exercícios. Num extenso estudo realizado de 1995 a 1998, aplicaram o teste de exercício cardiorrespiratório em 120 pessoas saudáveis com idade entre 20 e 80 anos, uma amostra representaria não apenas da população brasileira, sedentária em sua maioria, mas também a de

C

Teste de volume de ar dos pulmões: parâmetros agora adequados aos brasileiros

grande parte dos países ocidentais - a Organização Mundial da Saúde estima que 75% dos adultos não se exercitam com uma freqüência mínima considerada desejável no Ocidente. Quase como em uma academia - O diferencialdo estudo brasileiro, reconhecido por organismos internacionais, como a Sociedade Torácica Americana, é ser o primeiro desse tipo feito somente com pessoas sorteadas ao acaso. Esse fato leva à obtenção de padrões de normalidade mais próximos aos da população habitualmente submetida ao teste. Por meio do exame, avaliaram cerca de 40 medidas diferentes de cada participante, selecionadosentre 8.226funcionários da Unifesp, e chegaram a 50 equações matemáticas que permitem compor o perfil da capacidade de esforço do brasileiro. No laboratório em que foram feitos os testes na Unifesp, onde a equipe de Nery realiza entre 30 e 50 exames por

mês, encontra-se um ambiente semelhante ao de uma sala de avaliaçãofísicadas academias de ginástica mais bem equipadas. Enquanto pedala uma bicicleta ergométrica, a pessoa permanece conectada a pelo menos seis equipamentos diferentes. Uma pequena máscara acoplada ao rosto conduz por um tubo flexível o ar expirado a um aparelho que mede seu fluxo, o pneumotacômetro, e, em seguida, distribui a duas câmaras que avaliama concentração de oxigênio e gás carbônico de cada respiração. Uma dezena de eletrodos ligados ao tórax do paciente informam a outro equipamento, o eletrocardiógrafo, a atividade elétrica e o ritmo do coração, enquanto uma presilha especial presa ao dedo indicador mede a parcela de oxigênio do sangue que se liga à hemoglobina, molécula que dá a cor vermelha ao sangue e transporta esse gás às células do corpo. Os dados coletados por esse conjunto de equipamentos, chamado carro metabólico, alimentam dois microprocessadores, de onde saem as estimativas do esforço cardíaco, pulmonar e muscular realizado durante o exercício. Introduzido no país há cerca de 20 anos, o TECR é considerado de preço acessível- sua aplicação, que já é paga por alguns planos de saúde, custa aproximadamente R$ 400 -, diante da quantidade de informações que provê, e vem se disseminando pelo país nos últimos anos. Já é feito em cerca de 20 centros médicos em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a maioria ligada a universidades. Como reconhecimento da importância do trabalho brasileiro, o consenso da Sociedade Torácica Americana, publicado em janeiro, e um dos principais livros didáticos sobre fisiologia clínica do exercício,Principies ofExercise Testing and Interpretation, já citam os parâmetros nacionais. Além disso, três dos seis principais fabricantes de carros metabólicos, os equipamentos usados para fazer o TECR, já incluem as equações brasileiras no programa de computador que analisa os dados do exame. • PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 53




equipamento desse tipo. Hoje, a busca pelo controle das propriedades intrínsecas de átomos e moléculas não se restringe às universidades. Gigantes da informática, como IBM, Microsoft e Hewlett Packard, investem pesado em pesquisas da área, de olho no mercado de microprocessadores e memórias, que movimenta US$ 100 bilhões anuais. Deverão se passar anos ou mesmo décadas até que um computador que funcione com base em propriedades das partículas atômicas chegue às lojas. O estágio atual de desenvolvimento da computação quântica seria equivalente ao da escolha do material a ser usado para construir os alicerces de um prédio. Os físicos tentam descobrir a alternativa mais viável para usar como base de um computador quântico: átomos presos em armadilhas magnéticas, núcleos atômicos submetidos a campos magnéticos, elétrons presos em pequenas pirâmides (pontos quânticos) ou até corpúsculos de luz (fótons). É um estágio comparável ao dos anos 50, nos primórdios da computação, com a invenção do transistor, que substituiria as válvulas eletrônicas. Embora seja provável que o primeiro computador quântico saia de algum laboratório norte-americano, em vista dos pesados investimentos que os pesquisadores de lá recebem, o Brasil não está fora da disputa. Desde o início dos estudos nessa área, houve contribuições importantes. Antes mesmo de se falar em computador quântico, no começo dos anos 80, Amir Caldeira, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), já mostrava que alguns sistemas quânticos em escala atômica - ou mesmo se comportando como átomos gigantes - perdiam energia para o ambiente que os envolve. Esse fenômeno, a dissipação quântica, está associado a outro, a decoerência, que leva a um efeito indesejável: a perda da informação quântica antes que possa ser interpretada. Agora, são físicos mineiros e cariocas que trabalham juntos, estudando um terceiro tipo de computador, o semiquântico, que une características do clássico e do quântico e driblaria algumas dificuldades técnicas. "Acreditamos que ele será mais rápido que o computador comum e mais lento que o quântico", diz Carlos Monken, físico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador da equipe. 56 . ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

Houve um salto nas pesquisas nessa área no país com a criação do Instituto do Milênio de Informação Quântica, em 2001. Mantido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, conta com um orçamento de R$ 5,2 milhões e reúne equipes do Rio de Janeiro, Alagoas, Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco. Seu coordenador, Luiz Davidovich, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), investiga propriedades de átomos e fótons presos em cavidades formadas por espelhos e produzidos de forma emaranhada, interligados por uma espécie de propriedade telepática: tudo o que ocorre com uma partícula afeta a outra. om base nas partículas gêmeas, o grupo da UFRJ propôs o primeiro experimento de transferência de estado de uma partícula para outra distante, o chamado teletransporte quântico, que se popularizou com o seriado de ficção científica Jornada nas Estrelas. Em um artigo publicado em 2001 na Physical Review Letters, que mereceu um comentário na Nature, os físicos do Rio de Janeiro mostraram que é possível proteger da decoerência o estado quântico de um átomo em uma armadilha magnética, uma das opções pensadas para os protótipos de computadores quânticos. O segredo do desempenho desse tipo de com.putador é a forma de manipular a unidade de informação, o bit. No computador comum - ou clássico -, os bits são registrados por transistores, minúsculos dispositivos de um circuito eletrônico que deixam ou não passar um sinal elétrico e compõem o processador e os chips de memória. Ao executar um coman-

C

do, o computador clássico associa a cada bit apenas um de dois valores: ou O ou 1. Como cada transistor interpreta só um bit por vez e o número de transistores num chip é limitado - um processador Pentium 4, por exemplo, tem 40 milhões de transistores -, a capacidade de cálculo dos computadores de hoje torna-se restrita, lembra Iuri Pêpe, do Laboratório de Propriedades Ópticas da Universidade Federal da Bahia (UFBA). No mundo das partículas atômicascerca de cem mil vezes menores que um transistor -, essa relação não é de exclusão, mas de sobreposição. Por estranho que pareça, em vez de assumir apenas um valor ou outro (O ou 1), o bit quântico - ou qubit, na abreviação em inglês - pode representar os infinitos valores existentes entre O e 1, inclusive O e 1. Todos ao mesmo tempo. É uma propriedade das partículas atômicas conhecida como superposição de estados quânticos, que deve reger o funcionamento das novas máquinas. É essa superposição de estados que permite que cada qubit manipule infinitas informações simultaneamente, como se fossem inúmeros computadores comuns atuando ao mesmo tempo


a

em um cálculo e garantindo ao computador quântico uma superioridade de processamento inigualável. Bem, ao menos em tese, porque a superposição de estados também gera uma dificuldade. Outra regra da mecânica quântica o princípio da incerteza, segundo o qual é impossível conhecer a posição e a velocidade de uma partícula ao mesmo tempo - impede que se saibam todos os valores que os qubits podem assumir de uma única vez ao fazer uma conta qualquer. A teoria indica que o computador deverá se comportar como quântico na hora de processar a informação e como clássico ao fornecer o resultado das operações. Haveria então vantagem em construir um computador desse tipo? A resposta é sim, desde que se saiba como tirar proveito da sobreposição de estados quânticos. Para isso, os físicos lidam com a probabilidade de obter um resultado específico. Um exemplo: há ao menos duas formas de descobrir quantas pessoas de um grupo de dez gostam de sorvete de chocolate. Nas duas, cada entrevistado só pode responder sim ou não. A primeira maneira, adotada pelo computador atual, é perguntar a cada pessoa se gosta de sor-

vete de chocolate. Depois, somar as respostas e obter o resultado final, num total de 11 operações consecutivas (dez perguntas e a contagem final). O computador quântico consegue dar a resposta em uma única operação, desde que se queira saber não as respostas individuais, mas qual percentagem delas responderia sim à indagação. "O segredo é fazer ao computador perguntas diferentes, de um modo mais inteligente", explica o físico Reinaldo Oliveira Vianna, da UFMG. Protótipos - O que mais se aproxima de um computador quântico está hoje nos laboratórios de física experimental de universidades norte-americanas, européias e até mesmo brasileiras - como a UFMG, a UFRJ e a Universidade de São Paulo (USP). Ainda assim, os equipamentos construídos são apenas protótipos primitivos, que realizam operações bastante simples, como o cálculo dos divisores do número 15 ou uma busca em um banco de dados de apenas oito itens. Mas é só o começo, claro. "Não existe nenhum impedimento físico à realização da computação quântica em larga escala", assegura Ivan Oliveira, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio. "O computador será feito. É uma questão de tempo e investimento." Com físicos da USP e da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Oliveira utiliza ressonância magnética nuclear, a mesma técnica que produz imagens do corpo humano, para fazer operações lógicas básicas (somas, divisões e multiplicações) com núcleos atômicos. Mesmo os físicos duvidaram

Fileiras de átomos: possível base para o computador quântico

dessa idéia de utilizar átomos e moléculas para lidar com informação. Em 1959, o norte-americano Richard Feynman (1918-1988, Prêmio Nobel de 1965) sentiu na pele o ceticismo dos colegas ao apresentar essa possibilidade. A descrença persistiu até 1973, quando o químico Charles Bennett, da IBM, mostrou a possibilidade de realizar operações lógicas reversíveis - precisamente o oposto do que acontece nos computadores atuais, nos quais os bits utilizados num determinado cálculo se desfazem. Quase dez anos mais tarde, Paul Benioff, do Laboratório Nacional Argonne, nos Estados Unidos, propôs o primeiro modelo de computador quântico, capaz de executar essas operações reversíveis. ó em 1994 esse assunto ganhou importância estratégica. Foi quando Peter Shor, um cientista da AT&T, apresentou um processo de cálculo que permitiria a um computador quântico desvendar os componentes de números com milhares de dígitos em menos passos e mais rapidamente que o computador clássico (o número 15, por exemplo, pode ser decomposto em 3 e 5). Esse malabarismo com os números é a base dos sistemas de proteção de dados adotados pelos bancos brasileiros, que movimentam de R$ 2,5 trilhões a R$ 6 trilhões por mês em 50 mil a 80 mil transações codificadas. "Um computador quântico talvez tenha um poder de processamento que permita quebrar esse código ao longo de um dia e não de um ano'; comenta Maurício Ghetler, diretor de tecnologia do Banco Santos. "Mas essa não é a única proteção do sistema e, no momento em que um equipamento desse tipo estiver disponível, o sistema financeiro utilizará outras formas de proteção." Mais tarde, o físico Lov Grover, dos Laboratórios Bell, propôs um procedimento matemático que permitiria ao computador quântico realizar buscas em um banco de dados de uma maneira que se torna mais eficiente à medida que aumenta o tamanho do banco de dados. Segundo esse método de cálculo, conhecido como algo ritmo de Grover, enquanto um computador comum tem de realizar, em média, duas operações para fazer uma busca num banco de dados de quatro fichas, o quântico necessi-

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PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 57


OS PROJETOS • MINAS GERAIS

Desenvolvimento de Algoritmos Quânticos COORDENADOR

CARLOS HENRIQUE MONKEN - UFMG INVESTIMENTO

R$ 631.245,00 (CNPq/MCT> • RIO DE JANEIRO

Computação Quântica por Ressonância Magnética Nuclear COORDENADOR

ALBERTO GUIMARÃES PASSOS FILHO - CBPF INVESTIMENTO

R$ 7.200,00 (CNPq/MCT) COORDENADOR

IVAN DOS SANTOS OLIVEIRA JÚNIOR -- CBPF INVESTIMENTO

R$ 7.200,00 (CNPq/MCT) Instituto de Informação Quântica COORDENADOR

LUIZ DAVIDOVICH - U FRJ INVESTIMENTO

ta de apenas um passo. Para uma consulta num arquivo de 16 fichas, um computador clássico faria, em média, oito buscas, e o quântico, quatro. As descobertas de Shor e Grover impulsionaram os estudos na área - o número de publicações sobre o tema aumentou até em revistas científicas mais gerais. Foi em um artigo na Nature, por exemplo, que Daniel Gottesman, do Laboratório Nacional Los Alamos, e Isaac Chuang, da IBM, demonstraram que outra propriedade da mecânica quântica, o teletransporte, permitiria construir um computador quântico com a tecnologia de hoje. Chuang já havia revelado que seria factível manipular o alinhamento de núcleos atômicos em relação a um campo magnético. Tal qual a agulha de uma bússola, alguns núcleos atômicos apresentam magnetismo - bastaria que fossem controlados por meio da ressonância magnética nuclear. Em janeiro deste ano na Nature, Chuang comprovou outro processo de cálculo, que indica se uma moeda é verdadeira (um lado é cara e o outro, coroa) ou falsa (tem duas caras ou duas coroas), olhando apenas uma de suas faces. Qualquer pessoa precisa observar os dois lados da moeda antes de dar uma resposta minimamente confiável.

R$ 2.144.000,00 (CNPq/MCT)

• sÃo PAULO Métodos Não-Perturbativos em Sistemas Eletrônicos Correlacionados COORDENADOR

AMIR ORDACGI CALDEIRA - Unicamp INVESTIMENTO

R$ 80.657,74 (FAPESP) Materiais Nanoestruturados Investigados por Microscopia de Tunelamento e Força Atômica COORDENADOR

GILBERTO MEDEIROS RIBEIRO - LNLS INVESTIMENTO

R$ 501.136,62 (FAPESP) Estudo da Dinâmica Lenta em Polímeros Através de RMN COORDENADOR

TITO JOSÉ BONAGAMBA - IFSC/USP INVESTIMENTO

R$ 93.704,14 (FAPESP)

58 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

ma questão ainda incomoda os pesquisadores: na prática, o processamento dos cálculos feitos por um computador quântico realmente seria mais rápido que no clássico? Para saber, seria necessário construir um equipamento com algumas dezenas de qubits que já se aproximasse de um protótipo de um computador quântico real. Nem é preciso que seja muito grande. Um computador desse tipo com cerca de 300 qubits seria capaz de manipular mais estados quânticos que o número de átomos do Universo, o equivalente ao número 1 seguido de 80 zeros. Para Reinaldo Oliveira Vianna, da UFMG, os experimentos feitos até o momento, com cerca de 7 qubits, não são suficientes para mostrar que o método quântico de fazer contas seria mais rápido. "A preparação dos dados na forma de qubits pode ser demorada, pois ainda é complicado produzir centenas de qubits", explica o físico. "Só será possível descobrir se o computa-

U

dor quântico é realmente quando se construir um."

mais ágil

Versão mineira - Como ainda não se conseguiu ultrapassar a barreira da dezena de qubits no computador quântico, Vianna, Carlos Monken e Sebastião Pádua, da UFMG, ao lado de Paulo Henrique Souto Ribeiro, da UFRJ, todos ligados ao Instituto do Milênio, examinam uma alternativa que parece mais simples. É o computador semiquântico, inspirado em um modelo proposto por Jeffrey Yepez, do Laboratório de Pesquisa da Força Aérea dos Estados Unidos. Esse equipamento híbrido realiza o processamento de informações de maneira quântica, por meio de fótons, e armazena os resultados num chip de memória clássico. Seria mais rápido que o computador clássico por necessitar de menos qubits para processar uma mesma quantidade de informação, como demonstraram os cálculos da equipe de Minas. O grupo de Monken fez ainda outro progresso na forma de armazenar a informação no computador quântico. Normalmente se associa a unidade de informação à direção de vibração (polarização) dos fótons, corpúsculos de luz que se comportam como ondas eletromagnéticas vibrando no espaço, como cordas sendo agitadas. À polarização da luz, horizontal ou vertical, a equipe da UFMG conseguiu associar outra característica: a forma espacial do fóton. Ao fazer o corpúsculo de luz atravessar um cristal especial, os físicos conseguiram dividi-lo em dois, que se propagam paralelamente, alinhados na horizontal ou na vertical. Codificaram, assim, em um único fóton não um qubit, mas dois: um na direção de polarização e outro no alinhamento espacial, conforme mostra artigo a ser publicado na Physical Review Letters. No Instituto de Física de São Carlos, da USP, a equipe de Tito Bonagamba busca uma forma de superar a perda de informação quântica (decoerência) durante o processamento dos dados com ressonância magnética nuclear. Em experimentos com cristal líquido, realizados com Ivan Oliveira, Roberto Sarthour e Alberto Passos Guimarães Filho, do CBPF, e Jair Checon de Freitas, da UFES, Bonagamba descreveu com precisão o tempo de decoerência da informação quântica: um qubit é capaz de arrnaze-


l

ná-la por até 15 milésimos de segundo. Agora, a equipe está propondo novas maneiras de efetuar experimentos mais rápidos ou preservar a informação por mais tempo, garantindo a possibilidade de fazer cálculos complexos. Antonio Vidiella-Barranco e José Antonio Roversi, da Unicarnp, trabalham de modo diferente: manipulam a informação com fótons e íons (átomos com carga elétrica) presos em cavidades formadas por espelhos. Na Physícs Letters A de julho de 2001, eles mostraram ser possível realizar operações lógicas com esse sistema. "Propusemos uma alternativa que envolve um sistema mais robusto para armazenar a informação (a vibração dos íons), associado à luz, que é boa para transmitir dados", diz Barranco. Num outro trabalho, apontaram que é possível recuperar a informação original mesmo após ela se perder por causa da decoerência. Ao jogar um feixe de luz sobre um outro, preso na cavidade, eles desenvolveram um esque-

ma onde tudo se passa como se as operações pudessem ocorrer com o tempo congelado. Pirâmides - Por causa da dificuldade de controlar a coerência de um número suficiente de qubits que um computador quântico capaz de funcionar em sistemas que utilizam fótons ou ressonância magnética nuclear deve ter, alguns físicos apostam que a alternativa mais promissora são os íons aprisionados. Mas o engenheiro elétrico Gilberto Medeiros Ribeiro, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, discorda. Para ele, a forma final de um processador quântico será algum tipo de semicondutor, como ocorreu com os computadores atuais. "O computador de hoje começou com válvulas e depois migrou para os semicondutores", diz Ribeiro, que produz estruturas centenas de vezes menores que os transistores, os pontos quânticos, pirâmides de 20 nanômetros de

base e 3 nanômetros de altura - o nanômetro é a milionésima parte do milímetro. No interior delas se aprisiona um único elétron com o objetivo de controlar seu sentido de rotação, ou spin, para realizar operações lógicas. Ribeiro já mostrou ser possível controlar o número de elétrons presos nos pontos quânticos de arseneto de índio, um material semicondutor que forma ilhotas sobre o arseneto de gálio. Em artigo a ser publicado na Physícal Revíew Letters, ele aponta como prever a distribuição e o tamanho de pontos quânticos em outro material semicondutor, o germânio depositado sobre silício. No momento, Ribeiro e Harry Westfahl, do LNLS, e Amir Caldeira, da Unicamp, estudam o tempo de decoerência da informação armazenada no spin de elétrons nos pontos quânticos, com apoio da HP do Brasil. Não será fácil chegar ao computador quântico, mas o que se aprenderá em sua busca deve compensar o esforço. • PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 59


o

SeI

Biblioteca de Revistas Científicas disponível na Internet www.scielo.org

Notícias • ESTRÉIA

artigo Excelência na Produtividade: a Performance dos lo.gadores de Futebol Profissional. Eles realizaram um estudo

Versão digital Contribuir para a discussão dos grandes temas científicos da atualidade, principalmente por parte das novas gerações de pesquisadores e pensadores, é o principal objetivo da revista Ciência e Cultura, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), cuja versão integral em formato digital passa a estar disponível para leitura e consulta no SciELO. A revista traz um núcleo temático em cada edição com tratamento multidisciplinar, como endemias, assunto principal da edição de janeiro/fevereiro/março. A publicação, segundo o editor-chefe, Carlos Vogt, atua também no cenário das grandes questões culturais, identificando tendências e abordando temas próprios do conhecimento. A história de Ciência e Cultura começa em 1949, um ano depois da fundação da SBPe. Sua equipe original contava com José Reis, Marcello Damy de Souza Santos, Heinrich Rheinboldt, Carlos Arnaldo Krug e Viktor Leinz em sua redação. Em julho de 2002, iniciou a sua terceira e atual fase, com periodicidade trimestral. CIÊNCIA

E CULTURA

- ANO

55 -

1 - JAN/FEV/MAR.

2003

http://eienciaecultura.bvs.br

• PSICOLOGIA

A fórmula do craque Ser um astro do futebol moderno não depende apenas do talento com a bola. As exigências de excelência no desempenho do jogador incluem também fatores psicológicos, físicos, técnicos e táticos, além do suporte social oferecido ao profissional. Essa é a conclusão dos pesquisadores Daniel Kroeff de A. Corrêa e João Carlos Alchieri, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Lúcia Regina Severo Duarte e Marlene Neves Strey, da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS), autores do

60 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

entrevistando ex-atletas, jogadores que ainda atuam, treinadores e preparadores físicos, todos experientes e consagrados em suas profissões, para verificar quais são os fatores considerados importantes para a performance dos jogadores. "A fama, o dinheiro e o luxo desse esporte podem fazer os craques terem problemas em suas vidas privadas e isso alterar sua performance no campo'; dizem os pesquisadores. "Por isso, a necessidade de disciplina, conduta, responsabilidade e autoconfiança passou a ser fator importante na definição da contratação de um atleta. Não basta mais excelente técnica, preparo físico e habilidade dentro de campo, é preciso também ter consciência e maturidade dentro e fora dele nas suas ações." PSICOLOGIA:

REFLEXÃO

E CRITICA

- VOL.

15 -

2 - 2002

www.seielo.brlseielo.php?seript=sci_arttext&pid=S0102-7972 2002000200021&Ing=pt&nrm=iso&tlng=pt

• POLíMEROS

Qualidade total A busca da satisfação do cliente, associada à redução de custos, tornou-se objetivo fundamental para as empresas petroquímicas. O investimento feito em programas d~ qualidade aumentou a competitividade entre elas e resultou em uma maior satisfação dos clientes. Essas são as conclusões de José Luiz M. de Carvalho e José Carlos de Toledo, do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) no artigo A contribuição dos Programas da Quali-

dade na Competitividade: Estudo de Caso no Mercado Brasileiro de Polipropileno. Eles investigaram a contribuição dos programas de qualidade adotados pelas empresas do setor petroquímico, analisando o caso das resinas e compostos de polipropileno e a relação entre as fabricantes e transformadoras desses produtos. A pesquisa revelou grande satisfação dos clientes. "À medida que se conquistou a qualidade assegurada de fornecimento e se clirecionaram as estratégias das empresas para a satisfação dos clientes, identificou-se uma real contribuição dos programas de qualidade para a melhoria da competitividade das empresas", destacam. POLlMEROS

- VOL.

12 -

N°4

-

OUT/DEZ. 2002

www.scielo.brlscielo .php?scri pt=sci_arttext&pid=SO 10414282002000400006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt


• SOCIOLOGIA

Retrato de mulher Até o século passado, a mulher esteve excluída da pintura histórica nacional. A primeira artista a compor um quadro

~'" ~ ~

histórico

~

teria sido a

~ü~

~ :3

paulista Georgina de Albuquerque, com a obra Sessão do Conselho de Estado (imagem ao lado), em 1922, ano do surgimento do movimento modernista em meio à crise do academismo. A tela reproduz um fato histórico ocorrido em 2 de setembro de 1822. Dona Leopoldina, como princesa regente e cercada por seu ministério, ouve de José Bonifácio de Andrada e Silva os argumentos pela imediata Proclamação da Independência do Brasil. Motivada por essa reunião, dona Leopoldina teria expedido a carta que, lida às margens do Ipiranga, cinco dias depois, levou Dom Pedro I a proclamar a Independência, rompendo com a Corte de Lisboa. ''A associação entre a pintora e a heroína, numa semelhança por gêneros, é evidente demais para ser desprezada", destaca a socióloga Ana Paula Cavalcanti Simioni no artigo Entre Convenções e Discretas Ousadias: Georgina de Albuquerque e a Pintura Histórica Feminina no Brasil. A pesquisadora analisa o pioneirismo de Georgina de Albuquerque (1885-1962), as dificuldades da mulher em ingressar no universo artístico nacional e a referida tela da pintora, em exposição no Museu Histórico Nacional (RJ), que contrapõe a figura feminina ao famoso quadro de Pedro Américo de Figueiredo e MeIo, Independência ou Morte, com a imagem de Dom Pedro I de espada em riste, em cima de um cavalo, dando o grito da independência, como o herói da nação que se constituía. REVISTA

BRASILEIRA

DE CIENClAS

SOCIAIS

- VOL.l?

- N°

50 -

OUT.2002 www.scielo.br/scielo

.php?script=sci_arttext&p'id=SO

102 -6909

2002000300009&lng=pt&nrm=iso

• FíSICA

Princípios do zapping Difícil imaginar um lar moderno sem o controle remoto. Para ligar a TV, o videocassete, o DVD ou o aparelho de som, é inegável a praticidade do emissor de sinais que permite manipular as funções dos eletrodomésticos a distância. O dispositivo também criou hábitos, como o de ficar "zapeando" os canais de TV para acompanhar diversos programas simultaneamente, popular principalmente entre os jovens. Para permitir que estudantes de física do ensino médio e dos ciclos básicos do ensino superior aprendam o princípio de funcio-

namento do aparelho, os físicos Wictor C. Magno e Erivaldo Montarroyos, da Universidade Federal de Pernambuco, decodificaram o controle remoto utilizando a placa de som de um microcomputador e um sensor óptico. O sinal codificado no infravermelho é recebido por um sensor ótico e enviado ao canal de entrada da placa de som de um microcomputador. Um software didático foi utilizado para simular um osciloscópio, permitindo observar na tela do PC o sinal emitido pelo controle remoto e decodificar algumas de suas funções de controle, conforme mostram no artigo Decodificando o Controle Remoto com a Placa de Som do Pc. REVISTA

BRASILEIRA

DE ENSINO

DE FÍSICA - VOL.

24 -

4-

DEZ. 2002 www.scielo.br/sci

elo. ph p?script=sci_arttext&pid=SO

1 02-

4? 442002000400017&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• QUíMICA

Chumbo grosso O chumbo é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como um dos elementos químicos mais perigosos para a saúde humana. Após a proibição parcial ou total da adição do chumbo tetraetil na gasolina de alguns países, a concentração do elemento particulado no ar das zonas urbanas diminuiu, mas não determinou o desaparecimento do problema da poluição por esse metal. Outras fontes são responsáveis pela poluição atmosférica por chumbo particulado nas zonas industriais e urbanas, colocando em risco a saúde das populações. No artigo Avaliação de Poluição do Ar por Chumbo Particulado: uma Abordagem Geoquímica, os químicos Argeu Vanz, Nicolai Mirlean e Paulo Baisch, do Departamento de Geociências da Fundação Universidade do Rio Grande, analisaram a concentração de chumbo no ar da cidade de Rio Grande (RS), cuja região apresenta alta densidade de construções civis e um longo histórico de impacto atmosférico por poeira e metais particulados, causado por atividades portuárias e industriais, especialmente do setor de fertilizantes, refino de petróleo e alimentos. Os dados obtidos por esse estudo mostram que existe um processo de contaminação atmosférica por chumbo em Rio Grande e na região estuarina da Lagoa dos Patos. Em algumas regiões da cidade do interior gaúcho, os teores de chumbo das precipitações sólidas atmosféricas superam, em algumas vezes, os limites legais estabelecidos para nações da Europa Oriental. Em muitos países, o chumbo é o único metal cuja presença no ar é controlada por legislação. No Brasil, no entanto, não existem parâmetros que limitem a concentração do chumbo no ar, assim como não existem normas específicas para o seu controle na atmosfera. QUÍMICA

NOVA

- VOL.

26 - N° 1 -

JAN/FEV.

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttex&pid=S01

2003 04-1428

2002000400006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 61


• TECNOLOGIA

LINHA

DE

PRODUÇÃO

MUNDO

certo, terão importante

Conversa com música e jogos

e outros

~o

começo

da década

de

os telefones

ce-

lulares chegaram os usuários

~

ca, que consiste na superposição de camadas de minerais,

ao Brasil, poucas

de modo

que cada exemplar

a fazer. Os mode-

contenha

uma estrutura

los eram quase todos parecidos e a única função do

croscópica

modular,

aparelho

biomimética

escolhas

tinham

itens de tecnologia

avançadas do futuro. Produzidos segundo uma nova técni-

.------------------------------------------.~

90, quando

mento da natureza

tornaram

de utensílios.

por objetivo imitar o conheci-

um objeto de deda mobili-

função

básica

Nokia 3300: tela colorida e teclado para jogos

de cristais

parece até meio esquecida diante

da

variedade

de

Eles podem tecnológica

do mundo,

rea-

tem

um

modelos, cores e acessórios que têm acompanhado os

lizada em Hannover, na Alemanha, combina músi-

lembra portátil.

novos

ca digital (MP3) e um rádio

dem

integrado

acessar

lançamentos,

o da Nokia, 3300.

O

como

batizado

novo

de

telefone,

apresentado em março na CeBIT 2003, a maior feira

FM estéreo. Mas

design

que mais

ainda

jogar

a Internet

é apenas um dos

mensagens

do aparelho,

quanto ouvem música com um fone de ouvido. •

125 gramas

e

triz com Imagens

mais

nítidas

lhantes,

capazes

e bri-

de alcançar

um ângulo de visão de 165°. Essa é a novidade da tela da câ-

um espectro

texto

da cientista

novo supercomputador

Estados Unidos, conseguiu

com

(Opto & Laser Europe Magazine, 7 de março). A tela dessa câmara é feita do mais avança-

Orgânic LED, Light Emitting Diodes, ou diodos emissores do

de luz orgânicos. Ao contrário produzi-

como

inor-

silício e gálio,

eles são fabricados

com polí-

meros com propriedades

elé-

tricas que geram luz própria, quando rente

da passagem elétrica.

de cor-

Chamado

de

62 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 8ó

em massa .•

cristais

na

partamento de Energia dos Estados Unidos, pôs em fun-

Bell Labs de Nova Jersey, nos

bem moldados

dos com semicondutores

para a Pes(Nersc,

sigla em inglês), órgão do De-

de ma-

teriais Ioanna Aizemberg,

çar a produzi-lo

gânicos,

Científica Energética

de Com-

venture

lançada

dos LEDs comuns,

Nacional

A equipe

bricar

na Ásia

quisa

com-

yo, que já anuncia para o ano que vem sua intenção de come-

março

pleto de cores. O dispositivo foi desenvolvido pela SK, joint da Kodak com a San-

ópti-

• Máquinas mais velozes nos EUA

en-

• Cristais inspirados na natureza

mara digital LS633 da Kodak, em

eletrônicos,

cos e sensoriais.

putação AM -Oled na câmara da Kodak, eles prometem uma ma-

de calcita.

ser de escala mi-

e trocar

atrativos

pesa apenas

de

dispositivos

games,

a música

que

simples

crométrica ou menor e são componentes importantes em

um videogame Os usuários po-

O Centro

• Câmaras digitais com tela orgânica

na criação

Os pesquisado-

res estudaram a biomineralização até chegar à concepção

dade que proporcionavam. essa

da

- ciência que tem

ção a distância. Mesmo assim, os celulares logo se

Hoje,

mi-

esses cris-

tais são a última novidade

era a comunica-

sejo por conta

I1

aplica-

ção em redes de comunicação

do fa-

tão perfeitos que, é quase

e

cionamento

em

capacidade

março

de 10 tera-

tlops (ou 10 milhões culos por segundo)

seu IBM

de cále equipa-


do com 6.656 processadores. O Nersc, localizado no Laboratório Nacional de Berkeley, está a serviço de mais 2 mil pesquisadores dos demais laboratórios e universidades do país. A idéia é oferecer a essa comunidade maior velocidade, sem mudar a arquitetura que já vinha sendo usada. Antes de instalar o novo modelo, o Nersc já operava um supercomputador IBM - só que com metade da capacidade, ou 3.328 processadores. "Com o crescente aumento da demanda por programas de pesquisa avançada", diz Horst Simon, diretor da Divisão Central do Nersc, "nossa necessidade de oferecer um sistema bem maior e robusto tornou-se indispensável", •

• Células no mar e nas estradas Um acordo entre duas grandes empresas promete colaborar para efetivar as células a combustível como um importante equipamento para fornecimento de energia elétrica no lugar de motores a combustão, num futuro próximo. A General Motors (GM) e a Shell, com a sua divisão Shell Hidrogênio, firmaram um acordo para tornar viável os veículos movidos a células a combustível (equipamento que transforma, como uma

bateria, o hidrogênio e o oxigênio do ar em energia elétrica, com emissão zero de poluentes). Pelo acordo, até outubro deste ano deverá estar funcionando a primeira bomba de hidrogênio para abastecimento num posto na região de Washington, Estados Unidos. "As duas empresas vão criar um sistema completo, desde a geração e distribuição de hidrogênio até o armazenamento do combustível nos veículos. Isso facilitará a obtenção de informações a partir de testes com veículos e ambientes reais", afirmou Larry Burns, vicepresidente da GM para pesquisa e desenvolvimento. A GM, como outras montadoras, tem uma série de protó-

tipos movidos a célula a combustível e deve lançar os primeiros veículos comerciais até o final da década. As duas empresas vão iniciar campanha para popularizar as células. A Shell, que também prepara postos de abastecimento de hidrogênio no Japão e na Islândia, anunciou acordo com empresas norueguesas e a Siemens para produzir, até 2010, células para fornecer energia elétrica nas plataformas marinhas de extração de petróleo. O hidrogênio seria extraído do gás natural. •

Peças metálicas precisam atender a requisitos de dureza

Medição mais precisa Engrenagens, chapas, portas, parafusos e outros materiais metálicos que entram na composição de um carro são checados por uma máquina, instalada nas montadoras, para avaliar se a propriedade de dureza corresponde ao padrão exigido pela indústria automobilística. Mas, se a máquina não estiver calibrada corretamente, os resultados apontados pela medição serão incorretos. Para garantir a qualidade desse processo produtivo, o Instituto Nacional de Tecnologia (INT), em parceria com o Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro) e a Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, desenvolveu blocos-padrão para calibrar máquinas de medição de dureza, um produto inédito no Brasil. Na etapa inicial do projeto, foram especificadas as matérias-primas usadas no Brasil, que passaram por análises químicas. Também foram feitas avaliações microestruturais, antes e depois de essas matérias-primas serem transformadas em blocos. A

tecnologia para a fabricação dos blocos foi transferi da para a empresa Mitutoyo SulAmericana, instalada em Suzano (SP). •

• Canadense testa nova insulina Um substituto para a insulina injetável, medicamento para diabéticos, está em testes no Canadá. O composto à base de complexo de vanádio (elemento metálico) foi desenvolvido pelo quimico canadense Chris Orvig, da Universidade da Colúmbia Britânica, em Vancouver, para ser administrado via oral. "Verificamos, na primeira fase de testes em humanos, que os complexos de vanádio estudados não são tóxicos. Até o final deste ano vamos concluir a segunda etapa, comparando as dosagens", disse o pesquisador ao jornal O Imparcial, de Araraquara, depois de participar de uma conferência no Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) patrocinada pela FAPESP. •

PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 63


lampejos na bóia com refletor Uma bóia que emite lampejos na tela do radar de barcos e navios em vez de um sinal fixo é a novidade que nos próximos meses deve estar instalada ao longo da hidrovia Paraná- Tietê. A finalidade é propiciar a distinção, pelo piloto, de outras bóias convencionais, pequenas embarcações, pedras, mastros e até aguapés, plantas aquáticas que infestam determinadas regiões dos r~os.A invenção é do especialista em radar Stefan Iucewicz, de São Bernardo do Campo (SP), que chamou o novo equipamento de Refletor de Lampejo Radar. Ele instalou refletores especiais na parte superior das bóias que refletem de forma aleatória a onda eletromagnética emitida pelo radar da embarca-

• Supercomputador desvenda proteínas Desde abril do ano passado, um supercomputador tem ajudado os pesquisadores que trabalham na Rede de Biologia Molecular Estrutural (SMOLBnet) a analisar proteínas identifica das nos genomas do câncer, da tuberculose e da malária, que poderão conduzir a diagnósticos mais eficazes e novos tratamentos. A supermáquina, montada com 16 PCs (cada um tem 40 gigabytes no disco rígido, totalizando quase 1 terabytes) interligados a uma rede interna de alta velocidade, custou apenas R$ 60 mil, financiados pela FAPESP.Uma máquina semelhante, importada, custa por volta de US$ 100.000,00. O

ção. Nas bóias comuns, essa onda bate e volta na mesma freqüência sem diferenciação de sinal. Na inventada por Iucewicz, a resposta vem em comprimentos de onda diferentes que provocam um sinallampejante na tela do radar. Conforme o tipo de refletor, é possível obter Iam pejos com sinais diferentes e determinar bóias que devem ficar à direita ou à esquerda do barco. Iucewicz submeteu suas bóias a análises da Marinha e do Instituto de Pesquisa Tec-

supercomputador da Unesp foi construído por João Carlos Câmera Iunior, de 22 anos, aluno do último ano do curso de Matemática da Universidade Estadual Paulista (Unesp )'de São José do Rio Preto, em apenas dois meses, orientado pelo professor

64 . ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

No radar, bóias convencionais (A) e a de lampejo (B). Ao lado, bóia com refletor

no lógicas (IPT), recebendo pareceres favoráveis. As novas bóias, em fibra de vidro, serão produzidas pela Ritz do Brasil, de Betim (MG), especializada no fabrico desse tipo de produto. [ucewicz é também o inventor de um sistema de monitoração em tempo real da qualidade da água de ma-

Walter Filgueira de Azevedo Iunior, coordenador de um grupo de pesquisa do projeto SMOLBnet (www.biocristalografia.df.ibilce. unesp.br), no Laboratório de Sistemas Biomoleculares do Departamento de Física da Unesp. Walter Azevedo conta que "a idéia de

nanciais, o Teleclear. Em forma de bóias, esse sistema está, desde 1999, instalado pela Sabesp, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, em várias represas, captando informações sobre temperatura, oxigênio, etc. Os dados são transmitidos via rádio para as unidades da empresa. •

montar um supercomputador surgiu em função da necessidade de trabalhar com computadores de alto desempenho". Antes de colocar o projeto em prática, João Carlos fez um estágio no Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos, sob orientação de Ângelo Pássaro, onde eles montaram uma máquina com sete PCs interligados que faziam cálculos de matemática pura. Ao voltar, adotou o conceito de "arquitetura paralela" e fez as adaptações necessárias para a área de bioinformática. O resultado é que o supercomputador consegue fazer simulações de estruturas de proteínas em poucas horas, trabalho que costumava demorar semanas. •


• Máquina controlada via Internet Tecnologia desenvolvida no Departamento de Engenharia Naval e Oceânica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) permite controlar a distância desde uma pequena máquina residencial, como um forno de microondas, até uma indústria química, utilizando a Internet. Para montar esse sistema foi utilizado o Controlado r Lógico Programável (CLP), usado em automação industrial, em que foi colocado um módulo para conectar o maquinário à rede. O novo sistema fez parte do mestrado de Antônio Gomes de Araújo, orientado pelo professor Toshi-Ichi Tachibana. "Nós queremos popularizar esse tipo de controle", diz Araújo. •

• Inovação em condomínio A boa convivência e a sinergia conquistadas entre os empresários que participaram da Incubadora de Empresas de Tecnologia da Companhia de Desenvolvimento do Pólo de Alta Tecnologia de Campinas (Ciatec) continuam agora, depois da graduação, no Centro de Pós-Incubação de Empresas de Tecnologia. O condomínio, montado num ? galpão de 800 m'', reúne seis empreendimentos das áreas de óptica, laser, telecomunicações e equipamentos médicos. "A proximidade favorece a resolução de vários problemas tecnológicos e comerciais, com troca de experiências e até com o compartilhamento de equipamentos", diz Sérgio Barcelos, coordenador do condomínio e proprietário da Fiberwork. Optolink, Saat, Bioluz, Beco e Elemed são as outras cinco empresas. •

Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br

-Rooerto Guardani Titularidade: FAPESPIUSP

• lenha com mais poder de fogo

Argamassa mais porosa com agente expansor

• Concreto à base de escória de alumínio

• luz degrada efluentes industriais

A escória de alumínio, um resíduo poluente da industrialização desse metal, misturada à argamassa comum resultou em um tipo especial de argamassa, classificada como concreto celular, com grandes chances de baratear o custo na construção civil. Depois de processada, a escória funciona como um agente expansor, espécie de fermento, que incorpora ar à massa e pode ser utilizada na fabricação de blocos de vedação (tijolos), painéis pré-moldados, contra pisos e outros tipos de revestimento. O expansor de alumínio torna a argamassa porosa.

Processo de recuperação de águas industriais, que utiliza a luz para transformar os compostos poluentes em substâncias menos nocivas ao ambiente, foi desenvolvido pelo grupo de pesquisa coordenado por Cláudio Augusto Oller do Nascimento, do Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica de São Paulo. Esse método destina-se principalmente a tratar resíduos dos compostos de silicone, usados na indústria têxtil para amaciamento de fibras sintéticas. O prétratamento desses efluentes é feito por um processo foto químico, que promove a degradação da estrutura e permite o tratamento convencional posterior.

Título: Desenvolvimento de Agente Expansorà Base de Escóriasde Alumínio para a Produçãode Concretos CelularesAutoclavados ou Moldadosin loco Inventor: Edval Gonçalves de Araújo Titularidade: FAPESPIEdval Gonçalvesde Araújo

Título: Processo de Tratamento Fotoquímico e Separação de Efluentes Industriais Inventores: Cláudio Augusto Oller do Nascimento, Antônio Carlos Silva da Costa Teixeira,

Um forno de tijolos para torrificar madeira em pedaços e briquetes de biomassa (resíduos prensados de serragem, casca de arroz e bagaço de cana) foi desenvolvido no Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Esse material, depois de aquecido em atmosfera controlada, pode ser usado como substituto da lenha em fornos e caldeiras e também como possível substituto do carvão vegetal. O processo, conhecido como torrefação, destila compostos de celulose, retira ácido acético, frações de fenol e aumenta o poder calorífico da madeira, concentra mais energia por volume e torna a biomassa resistente à umidade, facilitando o transporte e armazenagem. O forno é recomendado para pequenos produtores de lenha e carvão vegetal pelo seu baixo custo e simplicidade de operação e manutenção. Título: Forno para Torrefação de Madeira e de Briquetes Lenho-Celulósicos Inventores: Félix Eliecer Fonseca Felfli, Pedro Anibal Beaton Soler e Carlos Alberto Luengo Titularidade: FAPESPI Unicamp

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é o da fotoexpansão, que provoca o aumento do volume do material, sem nenhuma alteração térmica, apenas com a luz do laser. Essa técnica possibilita também a aplicação desses vidros especiais na fabricação de microlentes da espessura de um fio de cabelo para as áreas de segurança, em microcâmeras; na medicina, em cirurgias invasivas; e na militar, em sistemas para teleguiar mísseis. A importância dos experimentos realizados em Araraquara estão num projeto piloto apresentado no ano passado por pesquisadores da Matsushita Eletrical Industrial, desenvolvido no Japão, que demonstrou o uso do DVD em câmeras digitais para gravação, de forma similar a uma fita de vídeo. A matériaprima usada nesse DVD foi à base de calcogenetos compostos por germânio, telúrio, antimônio e enxofre. Atualmente, existe uma corrida tecnológica mundial para o desenvolvimento desses materiais. Além da caracterização dos lasers que fazem a leitura dos sinais elétricos contidos nos disquinhos, os cientistas pesquisam novos métodos e materiais, para tornar os produtos mais eficientes e baratos. Assim, filmes finos preparados a partir de vidros especiais são promissores para substituir, com vantagens, os polímeros usados atualmente na fabricação de CDs e DVDs.

I

Gravar e regravar - Os calcogenetos garantem ao produto três pontos-chave para o desenvolvimento da tecnologia de produção do DVD: estabilidade, reversibilidade (a capacidade de gravação e regravação no mesmo disco) e sensibilidade para o armazenamento de dados. Atualmente, o princípio de mudança de fase reversível (que permite gravar, apagar e regravar) é atribuído à indução fototérmica, a partir de variações de temperatura de lasers que mudam o estado desses vidros especiais de cristalino para amorfo (não-cristalizado) e vice- versa. Na fase amorfa, o material grava os dados; na cristalina, reproduz. Os pesquisadores da Unesp acreditam que o melhor aproveitamento dos calcogenetos se dará com o uso do fenômeno de fotoexpansão. Usando um laser com potência e tempo de exposição adequados, eles verificaram que a amostra vítrea irradiada com luz ultravioleta gerou uma expansão na superfície do material da ordem de 25%. Esse índice, que aumenta o espectro de atuação, tornan68 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 8ó

Lentes com espessura de um fio de cabelo podem ser usadas em microcâmeras e em cirurgias

do o raio da lente maior, possibilita armazenar mais informações, de forma superior à observada em outros tipos de vidros calcogenetos recebendo outras intensidades de luz, que mostraram variações de expansão máxima de 0,7%. Esses resultados foram apresentados no Primeiro Workshop Internacional de Calcogenetos Amorfos e Nanoestruturados, em Bucareste, na Romênia, em 2001, recebendo o prêmio de segundo melhor trabalho na área. "Esse prêmio e o reconhecimento internacional nos deram motivação para aprofundar mais esses estudos, com o objetivo de desvendar outras propriedades desses materiais e desenvolver filmes finos para serem aplicados no avanço da tecnologia de DVD': diz Messaddeq. A pesquisa premiada foi iniciada pela doutoranda Sandra Helena Peratello, em conjunto com o Laboratório de Propriedades Opticas e Elétricas dos Sólidos do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, em São Carlos, coordenado pelo professor Maximo Siu Li. "Q objetivo era produzir vidros calcogene-

tos pouco estudados, à base de gálio, germânio e enxofre. Verificamos uma expansão extraordinária na superfície irradiada desses materiais. Essa descoberta surpreendeu a comunidade internacional da área': explica Messaddeq. Do ponto de vista científico, as explicações sobre o mecanismo que regem essas mudanças químicas e físicas nos calcogenetos, apresentadas por vários autores, não eram suficientes para entender a origem de fenômenos de fotoexpansão. A partir de análises estruturais mais aprofundadas feitas no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, o grupo de Araraquara observou que existe uma reação com o oxigênio durante a exposição do vidro, demonstrando a interferência do ar nesses fenômenos. "Nossas análises mostraram que a fotoexpansão desaparece quando a amostra é irradiada no vácuo. Ao contrário, em atmosfera rica em oxigênio, o fenômeno da fotoexpansão é muito maior. Mostramos que o ar é fator importante, principalmente, se queremos fabricar materiais repro-


Preparo de calcogenetos em laboratório: tentativas para encontrar o composto ideal

duzíveis",conta o professor. Mais uma vez, os resultados apresentados no congresso internacional dos vidros não óxidos (vidros óxidos são aqueles usados nas janelas e nos espelhos comuns), em setembro de 2002, também surpreenderam a comunidade internacional. Experiência russa - Os calcogenetos desenvolvidos pelo grupo, compostos à base de gálio, germânio e enxofre, apresentam alta eficiênciade difração porque possuem grande número de ranhuras por milímetro, uma vantagem para a tecnologia do DVD porque proporciona mais canais para armazenar dados. Entretanto, a fotoexpansão apresenta desvantagens para a estabilidade do material. «Nesse sentido, o grupo se esforça para procurar materiais alternativos,baseados na mesma matriz, para atingir as respostas desejadas': diz Messaddeq. Estudos estão sendo feitos em materiais ainda pouco explorados, como vidros à base de antimônio e óxido de tungstênio. O grupo da Unesp trabalha com vidros calcogenetos de alta pureza desde

1999. Nos últimos anos, a maioria das pesquisas realizadas no Brasil com esse material focalizou vidros à base de sulfeto de arsênio, devido à facilidade de preparo e purificação. «Toda tecnologia foi desenvolvida para purificar o vidro, deixando de lado materiais alternativos, como o germânio e o gálio', explica. Para obter a tecnologia de preparo de calcogenetos, Messaddeq solicitou cooperação e visitou um laboratório da República Tcheca. Desde outubro do ano passado, outros compostos de cal-

o PROJETO Estudo e Aplicações de Vidros Fotossensíveis MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR VOUNES MESSADDEQ -

IQ/Unesp

INVESTIMENTO

R$ 87.221,00

e US$ 117.282,00

cogenetos estão em desenvolvimento com a estadia do pesquisador russo Igor Scripachev, chefe do Departamento de Purificação dos Materiais do Instituto de Química de Substâncias de Alta Pureza da Academia de Ciência Russa, como professor visitante no IQ/Unesp. «Esse grupo russo é líder mundial nessa área. A mesma tecnologia foi instalada nos Estados Unidos e na China por um preço altíssimo. Conseguimos a cooperação do professor Igor, por meio de bolsa FAPESP': diz Messaddeq. Com a repercussão internacional do trabalho do grupo, Messaddeq foi convidado para ser membro da rede Amorphus Chalcogenides and Nanostruture, ou Calcogenetos Amorfos e Nanoestruturados, um grupo de pesquisadores que trabalha na área incentivado pela Comunidade Européia. Ele também foi convidado para colaborar com pesquisadores da Universidade de Cincinnati, nos Estados Unidos, da Universidade de Montpellier lI, na França, além de grupos na Hungria e no Japão. • PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 69


ITECNOLOGIA

BIOTECNOLOGIA

Diagnóstico

industrial Empresa gaúcha é pioneira na análise molecular aplicada ao setor produtivo

HIGINO

COSME BARROS

mjulho de 1993, três jovens estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) decidiram transformar o aprendizado das salas de aula em métodos de análise mais eficientes para diagnosticar patologias humanas e animais. A associação de um biólogo e dois engenheiros agrônomos com especialização em microbiologia agrícola resultou na criação da Simbios Produtos Biotecnológicos, empresa pioneira no país natécnica de diagnóstico molecular - método de análise baseado em pesquisa genética - aplicada à indústria. "No controle de qualidade de alimentos, o diagnóstico molecular é um teste de alta confiabilidade e agilidade, características essenciais ao atendimento dos mercados consumidores de maior rigor", diz o biólogo André Fonseca, que divide a sociedade da empresa com Nilo Ikuta e Vagner Lunge. Alguns consumidores de aves, principalmente muçulmanos e judeus, exigem, além do controle da qualidade dos alimentos, certificado de origem das rações dadas aos animais. Como não consomem carne suína, eles restringem qualquer derivado de porco também na ração de animais. "Astécnicas de diagnóstico molecular se fundamentam na análise direta da seqüência dos ácidos nucléicos presentes no DNA para identificação e caracterização de organismos, patolo-

E

70 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 8ó

gias e características genéticas de interesse", relata Fonseca. Ele ressalta que essas técnicas têm sido aplicadas para detecção de doenças causadas por vírus, bactérias, fungos e parasitas em animais e em humanos. "Asmetodologias de quantificação permitem tanto estabelecer prognósticos de tratamento quanto seu acompanhamento, como no caso de infecção pelo HIV, em que se deseja manter a população do vírus na menor concentração possível no indivíduo portador." Na agroindústria, as técnicas moleculares permitem identificar, com extrema precisão, cepas potencialmente patogênicas que podem ocorrer na produção agroindustrial, como o vírus de influenza aviária, responsável por causar sérios problemas epidemiológicos, com reflexos devastadores na produção, prejudicando, inclusive, as exportações. Grandes produtoras e exportadoras de alimentos de origem aviária e suína instaladas no Sul do país, como Sadia, Perdigão e Chapecó, estão entre os clientes da Simbios. O método é usado ainda para determinar sorotipos específicos de salmonela, normalmente associados a patologias aviárias ( Gallinarium, Pullorium, Enteritidis e Typhimurium). Prêmio Finep - Nesses quase dez anos de vida, a Simbios sempre esteve ligada à universidade. Desde sua criação até 1999,a empresa esteve abrigada na incubadora do Centro de Biotecnologia


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da Faculdade de Ciência e Tecnologia da UFRGS. Foram investidos nesse período R$ 300 mil em pesquisas, provenientes de bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), além de recursos dos próprios pesquisadores. A partir de 1996, a Simbios começou a vender seus produtos para a indústria nacional de carnes, laboratórios de análises clínicas e patológicas, além de hospitais, secretarias ,de saúde e centros de controle epidemiológico. Em 1999, ganhou o Prêmio Finep de Inovação Tecnológica, concedido anualmente pela Financiadora de Estudos e Projetos a pequenas empresas de base tecnológica que mais se destacaram naquele período. Nesse mesmo ano, deixou seu endereço na UFGRS para se instalar no campus da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), em Canoas, na Grande Porto Alegre, a convite do pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da instituição, professor Edmundo Kanam Marques. A ligação dos sócios com o mundo acadêmico não se restringe ao espaço físico. Ikuta e Lunge dão aulas no curso de pós-graduação em biotecnologia da universidade gaúcha. O diagnóstico molecular, apesar de ser mais caro que o convencional, é capaz de determinar com exatidão a existência de doenças, como a hepatite C e o HIV. Após análise das informações

genéticas de amostra de sangue do paciente, é possível afirmar com precisão se ele está contaminado e em que grau de comprometimento se encontra a doença. Ainda na área de saúde humana, o diagnóstico molecular também é de grande eficiência para detecção de patógenos causadores de pneumonia, dos vírus das hepatites B e C, do HTLV (com tipos I e II), de Chlamydia trachomatis e de papilomavírus humano (HPV), sendo esses últimos associados ao câncer ginecológico.

Nos testes, dezenas de microrganismos podem ser identificados e quantificados

Grande demanda - Na avaliação de Fonseca, ainda há muito para fazer na área de diagnóstico . molecular no Brasil, mas falta apoio financeiro. «Nos Estados Unidos, por exemplo, a utilização de diagnóstico molecular é obrigatória para qualquer exame de vírus humano. Fonseca acredita que existe uma grande demanda ainda não atendida, principalmente em relação ao diagnóstico molecular industrial. «O país, pelas suas dimensões continentais, tem condições de abrigar mais quatro empresas com perfil semelhante a nossa, em nichos complementares ao da Simbios", avalia. Pelos seus cálculos, quem estiver interessado em entrar nessa área precisa de cerca de US$ 250 mil para investir em equipamentos e pessoal especializado. «Mas é uma tarefa que leva tempo porque exige muita pesquisa e maturação", completa. • PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 71


ITECNOLOGIA

ENGENHARIA

CIVIL

Inovação subterrânea Manta aplicada sobre tubulação de água ou esgoto garante economia na instalação

SAMUEL ANTENOR

esdeos tempos dos antigos romanos, os primeiros a utilizar estruturas enterradas, a engenharia sempre investiu no desenvolvimento de materiais para uso no subsolo. Hoje, sob nossos pés, funcionam uma série de serviços, como água, esgoto, telefonia e eletricidade, entre outros. São milhares de quilômetros de tubulações, das quais se pode facilmente imaginar o grau de importância econômica e social de suas funções. No entanto, a técnica de execução empregada para instalar essas obras obteve poucos avanços ao longo da história. Se for considerado o que ainda está para ser implantado em infra-estrutura subterrânea, nas telecomunicações e mesmo na eliminação de postes e o conseqüente aterramento de fios, é bem-vinda a notícia de um novo tipo de instalação de tubulações mais barato e mais raso, desenvolvido no Laboratório Geossintéticos do Departamen-

D

Vala

Instalação do Geovala: manta de material resistente e permeável recebe peso apenas nas áreas ao lado da vala

I

72 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

to de Geotecnia da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC/USP). O objetivo do grupo de pesquisadores, coordenados pelo professor Benedito de Souza Bueno, foi reduzir ao máximo as cargas sobre as tubulações, permitindo instalações mais próximas à superfície, sem o perigo de peso excessivo e com a possibilidade de utilização de dutos mais flexíveis. Resistente e durável - Chamada de projeto Geovala, a técnica utiliza materiais geossintéticos - produtos manufaturados à base de poliéster ou polipropileno, formados por mantas e grelhas de alta resistência e durabilidade - sobre as valas subterrâneas, criando um espaço vazio onde é instalada a tubulação. Assim, todo o peso fica distribuído para fora da área da vala, que fica livre do excesso de carga. A proposta não é desenvolver novos tipos de tubulações, mas modificar a maneira

Pavimentação

r.


zindo uma sene como elas são instaladas, com a utide situações que OS PROJETOS simulavam condilização dos mesções reais de uso. mos geossintéticos Geovala - Uma Solução Técnica Condutos Enterrados: Redução de Depois de aterrausados na consEsforços sobre a Estrutura para Reduzir Tensões Verticais em da a vala e instalaTubulações trução de estrutudo o geossintético, ras de arrimo em MOOALIOADE MODALIDADE foi também aplisolo reforçado, laLinha regular de auxílio à pesquisa Programa de Apoio à Propriedade cada uma sobregoas de contenção I nte Iectua I carga, simulando de resíduos, imCOORDENADOR pesos extras, repermeabilização e COORDENADOR BENEDITO DE SOUZA BUENO - EESC/ presentando veídrenagem. BeneBENEDITO DE SOUZA BUENO - EESC/ USP USP culos ou obras na dito Bueno, que é superfície. Após o engenheiro civil, INVESTIMENTO INVESTIMENTO dimensionamen acredita na técnica R$ 151.218,97 R$ 6.000,00 to das cargas e a como uma imporvariação do peso tante e inovadora do próprio solo, pôde-se selecionar o para apenas 0,5 metro de profundidade solução para a instalação dos condutotipo de geossintético mais adequado a -, o que torna a instalação menos oneres subterrâneos. Ele é o orientador da rosa, entre 30% e 40%, segundo cálcucada caso. tese de doutorado Vala para AcomodaA Geovala aplica-se a qualquer tipo los de Bueno. Verifica-se ainda o beneção de Estruturas Enterradas e Processo de uso, como coleta de esgotos, gás, óleo fício ambiental, porque a técnica ajuda de Acomodação de Estruturas Enterraou fiação elétrica e de telefonia, e as a diminuir a possibilidade de vazamendas, desenvolvida na EESC/USP pelo profundidades podem ser aplicadas de tos e de contaminação do solo. pesquisador Paulo Márcio Viana com bolsa da FAPESP. acordo com as condições ambientais e a capacidade do geossintético utilizado, Técnica apurada - A elevada capacidaque pode variar, dependendo do tipo de dos materiais geossintéticos em susécnicaé apropriada tanto pade solo e material empregado nas tubutentar cargas de tração foi o que insra ser usada em tubulações feitas com metais mais eslações. Outra vantagem apontada pelos pirou os pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos a empregapecíficos, como é o caso pesquisadores da Geovala, nos casos de tubos monitorados internamente para rem o produto, que vem sendo cada das aplicadas em oleodudetectar vazamentos ou problemas de vez mais utilizado em obras de contentos e gasodutos, quanto em tubulações em policloreto de vinila (PVC) e poliecorrosão, é a possibilidade de se fazer ção pelas empresas de engenharia civil tileno de alta densidade (PEAD), indiesse monitoramento externamente, o e geotécnica. Ele possui excelente decadas para uso geral. O material emsempenho, aliado a um custo-benefíque ampliaria também a segurança das cio considerado extremamente favoráestruturas enterradas. Como o procespregado na tubulação pode ser de so permite a criação de um vazio onde vel, sobretudo quando aplicado em qualquer natureza, porque a inovação, o tubo repousa, podem se instalar sengrande escala. A possibilidade de "auneste caso, se encarrega de minimizar mentar a vida útil das valas com maior ou mesmo eliminar as cargas verticais sores com registro remoto nesse espaço para medir as características mecânicas rapidez na execução de obras de conna região da vala, que é coberta pelo dutos enterrados a custos menores é geossintético antes de ser aterrada. O do tubo. uma combinação que Bueno espera ser peso da terra sobre a manta, que absorEscala industrial - A técnica desse nosuficiente para despertar o interesse de ve as cargas verticais como se fosse vo tipo de aterramento de tubulação uma membrana tracionada mas perempresas pelo Geovala. teve uma patente depositada no InstiDurante quatro anos, todas as posmite a passagem de elementos líquituto Nacional de Propriedade Industrial sibilidades de pressões de solo foram dos, como a água da chuva, faz com (INPI) com financiamento do Núcleo testadas e registradas pelos pesquisaque o produto crie uma envergadura de Patenteamento e Licenciamento de dores, com variação nos tipos de tubos sobre o vazio na vala, livrando a tubuTecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Seempregados, tipos de solo e de cargas, lação do excesso de peso. Livres desse gundo Bueno, a técnica é inédita no numa modelagem física em verdadeira excesso, as tubulações podem ser maiomundo e já despertou o interesse de emgrandeza. Os resultados foram compires, menos espessas e, conseqüentemenpresas dos setores público e privado, que te, mais flexíveis. lados por meio de uma simulação por atualmente negociam o direito de aplicacomputador, em softwares de modelaSe por um lado tubos mais largos ção da técnica. Como os produtos emganham em flexibilidade, por outro augem numérica. Também foram realipregados já são produzidos em escala zados testes em grandes dimensões, somentam também os riscos de deterioindustrial e estão disponíveis comercialbre uma laje de reação, em uma caixa ração do material. Porém, quanto memente, a expectativa dos inventores é que de aço de 2 metros de altura por 1,8 nor as cargas sobre a tubulação, mais o aumento do uso desses materiais com metro de largura, onde foi enterrado um seguro é o sistema, pois, com maior rea tecnologia Geovala faça cair o preço tubo de 400 milímetros de diâmetro e sistência à pressão das cargas nos tubos, do geossintético e das tubulações. • 2 metros de comprimento, reprodua vala pode ser mais rasa - de 1,5 metro

A

PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 73


ITECNOLOGIA

Imagem digital de região do norte de Minas Gerais: novas jazidas de chumbo e zinco

GEOLOGIA

Descobertas' • preciosas Novas técnicas e sensores identificam jazidas minerais com mais precisão

YURI VASCONCELOS

74 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

artelinho na mão e muita disposição para o trabalho de campo ainda caracterizam a atuação do geólogo, embora, nos últimos anos, a geologia tenha ganho várias ferramentas de alta tecnologia, que facilitam a identificação de jazidas de ouro, prata, platina ou mesmo de granito. A palavra que marca essa nova fase é geotecnologia, técnica que reúne grande parte dos estudos baseados no sensoriamento remoto feito a partir de sensores portáteis ou instalados em aeronaves e satélites. Na ponta dessa tecnologia estão instrumentos chamados de espectrorradiôrnetros, sensores capazes de medir o comportamento da luz (radiação) considerando os comprimentos de onda do visível, e frações da faixa do infravermelho. A interação da luz com materiais naturais (rochas, solos) ou artificiais (concreto,


Carajás (PA): em vermelho, jazidas de ferro. Em escuro, nas elevações, platina

asfalto) produz um sinal denominado de reflectância, que é a fração de luz incidente refletida pela superfície. Essa medida, quando comparada com um padrão que reflete totalmente a luz incidente (100% de reflectância), indica o que se chama em sensoriamento remoto de curva (ou assinatura) de reflectância espectral. Essa assinatura indica as propriedades físico-químicas dos materiais, permitindo que eles sejam facilmente diferenciados entre si. No Brasil, um dos centros que mais têm se dedicado a esses estudos fica na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mais precisamente nos laboratórios de Espectroscopia de Reflectância (LER) e de Processamento de Informações Georeferenciadas (LAPIG), ligados ao Departamento de Geologia e Recursos Naturais (DGRN) do Instituto de Geociências (IG). "A espectroscopia de reflectância, baseada nos espec-

trorradiômetros, é uma técnica "rápida e não destrutiva que mede a assinatura espectral de superfícies naturais ou artificiais", explica o geólogo Carlos Roberto de Souza Filho, professor e coordenador dos laboratórios. As pesquisas feitas na Unicamp já auxiliaram descobertas importantes, como, por exemplo, a de jazidas de chumbo e zinco numa área situada ao norte de Minas Gerais, entre os municípios de Itacambira e Monte Azul. Essa região é explorada pela Companhia Vale do Rio Doce, que comprovou em pesquisas de campo a existência dos depósitos detectados por sensoriamento remoto. A caracterização dessas jazidas foi resultado das pesquisas dos alunos Tati de Almeida e Lucas de Melo Melgaço, do Instituto de Geociências. O objetivo dessas pesquisas foi o de criar um método de detecção de jazidas minerais metálicas usando sensores remotos e a integração

de dados em Sistemas de Informações Geográficas (SIG) - um software que trabalha com dados georeferenciados a um sistema de coordenadas (latitude e longitude, por exemplo). Outro feito relevante do grupo do professor Souza Filho foi o mapeamento de uma grande área com rochas associadas a jazidas de platina em Carajás, no Pará, próxima ao antigo garimpo de ouro de Serra Pelada. "Para identificar esse depósito, usamos dados dos sensores ETM+, a bordo do satélite norteamericano Landsat, e Aster (Advanced Spaceborne Thermal and Reflection Radiometer), um radiômetro (que mede a radiação eletromagnética) orbital desenvolvido em conjunto pelos Estados Unidos e Japão e embarcado no satélite Terra, da agência espacial norte-americana (Nasa)", conta o pesquisador. Ele faz questão de frisar: ''A caracterização espectral por sensoriamento remoto PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 75


não veio para substituir o trabalho do geólogo em campo, mas para auxiliá-lo no mapeamento de jazidas': Referência nacional - Não é de hoje que os geólogos usam avançados recursos tecnológicos como ferramentas para a descoberta de jazidas de ouro, prata e outros metais preciosos. No Brasil, uma experiência pioneira aconteceu nos anos de 1970 com o projeto Radam, que tinha entre seus objetivos mapear reservas minerais por meio de imagens de radar do sensor americano Gems, sistema de mapeamento ambiental Goodyear, embarcado a bordo de um avião. Mapas geológicos, geomorfológicos (relevo) e de uso e ocupação do solo foram gerados da Amazônia graças ao projeto, que acabou sendo estendido para todo o Brasil. "Os radares que operam na faixa de microondas, como os utilizados pelo projeto Radam, revelam as propriedades físicas, como rugosidade e geometria, e elétricas, como condutividade," Na Unicamp, a montagem do Laboratório de Espectroscopia de Reflectância começou em 1995, quando Souza Filho terminou seu doutorado em sensoriamento remoto e processamento digital de imagens na Open University, na Inglaterra, e retomou ao Brasil, contratado pela Unicamp. "No ano seguinte, obtive a aprovação de um projeto dentro do Programa Jovem Pesquisador da FAPESP, que tinha como principal objetivo a criação de um núcleo emergente para caracterização espectral de materiais e a consolidação de um laboratório de espectros copia de reflectância de referência nacional e internacional. "Para isso, adquirimos um espectrorradiômetro chamado FieldSpec Ful/ Resolution, que custou cerca de US$ 100 mil. Esse aparelho, que por alguns anos foi o único da América do Sul, permitiu que tivéssemos a melhor e a mais completa infra-estrutura do país para caracterização espectral de materiais, com ênfase em materiais geológicos", afirma Souza Filho. Esse espectrorradiômetro é um equipamento portátil com 50 por 40 76 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

Carajás (PA): áreas azuis, formações ferríferas; e em preto, o que restou do garimpo de Serra Pelada

centímetros e pesa cerca de 4 quilos. Por ser tão pequeno, pode ser levado para fazer análises em campo ou ser instalado em helicópteros e aviões para medições aéreas. O funcionamento do aparelho é relativamente simples: lentes permutáveis acopladas a um cabo de fibra ótica registram o sinal de luz. Essa informação é enviada a um computador acopiado ao aparelho e decodificado na forma de um gráfico de curvas de retlectância espectral. O aparelho faz medições no intervalo do espectro, que vai de 350 a 2.500 nanômetros - do visível ao infravermelho de ondas curtas -, e "enxerga" 1.512 bandas espectrais, contra seis bandas do senso r instalado no Landsat, por exemplo. "Quanto mais bandas o aparelho registra numa determinada faixa do espectro, maior é a sua resolução e, portanto, mais completa é a caracterização espectral (e físico-química) do material." Embora o principal foco dos pesquisadores do IG seja o mapeamento geológico, a técnica de espectroscopia de retlectância pode ter outras aplicações, como monitoramento ambiental e caracterização espectral de coberturas vegetais. "Estamos desenvolven-

do um trabalho para a caracterização de cana-de-açúcar, em conjunto com o professor Teodoro Almeida, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP), associando o comportamento espectral com produtividade", diz Souza Filho. Outro projeto, em parceria com a Petrobras e a Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, pretende usar a técnica de espectroscopia de retlectância para detecção de pequenos vazamentos em oleodutos, difíceis de serem notados e altamente prejudiciais ao meio ambiente. Para isso, foram enterradas na fazenda experimental da Unicamp três tubulações de 80 metros de comprimento. Acima delas estão sendo plantadas culturas que costumam cobrir áreas onde os oleodutos são enterrados, no caso, cana-de-açúcar, milho, feijão, soja e pastagens. O próximo passo será simular pequenos vazamentos de gasolina e diesel em duas das valas, mantendo uma terceira como padrão. O impacto do vazamento será acompanhado com medições contínuas nas plantações. "A partir daí vamos ver o que acontece com a assinatura espectral das áreas contaminadas. Se constatarmos alterações em faixas es-


rido entre 5 mil e 10 mil anos atrás. Segundo Schultz, o meteorito teria colidido com a superfície terrestre a 20 mil quilômetros por segundo, num ângulo de 5 graus, um evento muito difícil de ocorrer, já que a maioria das colisões acontece em ângulos superiores a 30 graus. O resultado do choque foi a formação de dezenas de crateras, algumas com cerca de 5 quilômetros de comprimento, com pedaços de meteoritos e "tektitos', fragmentos de vidro formados a partir do impacto de meteoritos na superfície terrestre.

Região de Los Menucos, Patagônia, Argentina: áreas esbranquiçadas indicam rochas associadas a ouro

pecíficas do espectro eletromagnético, a Petrobras poderá adaptar a tecnologia para monitorar vazamentos de pequeno porte em seus oleodutos, utilizando sensores aerotransportados', afirma Souza Filho. Os trabalhos desenvolvidos pelo grupo têm obtido boa acolhida por parte da comunidade científica internacional. "Uma prova disso é que tanto eu quanto os professores Álvaro Penteado Crósta e Adalene Moreira Silva,ambos do Instituto de Geociências, somos constantemente convidados a participar de programas de pesquisa para avaliação de dados de sensoriamento remoto e geofísica,produzidos por novos sensores."No meu caso,entre outros, sou também o pesquisador principal do Aster, o que tem proporcionado parcerias interessantes no setor acadêmico e privado, nacional e internacional.

pesquisa, liderada por Souza Filho e pelo geólogo inglês Philip Bland, da Open University,geraram conflitos com a hipótese aceita internacionalmente para explicar a existência de uma série de depressões alongadas perto da cidade de Río Cuatro. De acordo com o cientista Peter Schultz, da Brown University, dos Estados Unidos, úm dos maiores estudiosos de impactos de meteoritos na Terra, as crateras seriam resultado do impacto de um meteorito sob baixo ângulo, em vôo rasante, ocor-

o PROJETO Caracterização Espectral de Zonas de Alteração Hidrotermal e Outros Materiais Geológicos e Implantação do Laboratório de Espectrorradiometria no IG-Unicamp MODALIDADE

Artigo na Science - Foi o uso das imagens do Aster, por sinal, que permitiu ao cientista fazer uma importante descoberta sobre um provável impacto de meteoritos nos Pampas argentinos há cerca de 500 mil anos. O trabalho foi relatado nas páginas da revista Science em maio de 2002. Os resultados da

Programa de Apoio a Jovem Pesquisador COORDENADOR CARLOS

ROBERTO DE SOUZA

FILHO

-

Instituto de Geociências da Unicamp INVESTIMENTO

R$ 80.342,68 e US$ 99.038,25

Impacto do vento - Utilizando imagens do Aster e fotografias do satélite espião norte-americano Corona, feitas nos anos de 1960, Bland e Souza Filho encontraram cerca de 400 depressões com o mesmo perfil em áreas adjacentes à pesquisada por Schultz. Inicialmente, os cientistas imaginaram estar diante do maior campo de crateras formadas pelo impacto de baixo ângulo de um meteorito. Mas, depois de estudos complementares, chegaram à conclusão de que essas feições não eram fruto de um impacto. Analisando dados do centro meteorológico da Argentina, concluíram que as feições alongadas descobertas por Schultz corriam na mesma direção dos ventos da região. E a datação dos "tektitos" revelou idades em torno de 480 mil anos. "Concluímos, então, que as 'crateras' de Schultz são, de fato, fruto da erosão eólica e que os 'tektitos' encontrados num raio de 800 quilômetros resultam de um grande impacto, mas ocorrido há quase 500 mil anos", explica Souza Filho. O próximo passo da pesquisa é localizar a cratera resultante dessa colisão, que deve ter entre 5 e 6 quilômetros de diâmetro e estar soterrada em algum ponto entre as cidades de Buenos Aires e Córdoba. "Estamos trabalhando em áreas onde há fortes evidências da presença dessa cratera e acreditamos que a sua comprovação é apenas uma questão de tempo." • PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 77


ITECNOLOGIA

ANÁLISE

QUÍMICA

Miniaturas funcionais M icrolaboratórios descartáveis analisam sangue, vinho, álcool combustível e teor de açúcar em bebidas DINORAH

ERENO

inúsculas estruturas do tamanho de caixas de fósforo, que funcionam como microlaboratórios de análises químicas, estão cotadas para substituir os tradicionais instrumentos utilizados atualmente para exames de sangue. Com uma única gota retirada do dedo do paciente, o médico poderá, no próprio consultório, processar o material e, imediatamente, fazer o diagnóstico e, se for o caso, receitar o tratamento apropriado. Testes feitos em laboratório pelo grupo de pesquisa coordenado pelo professor Claudimir Lucio do Lago, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), mostraram que é possível produzir essas pequenas peças em curto espaço de tempo e com baixo custo, ao contrário de outras técnicas usadas para a produção desses microequipamentos. O preço reduzido de cada dispositivo - que mede 2 por 3 cm2 - gira em torno de US$ 0,02. "Uma única transparência permite produzir cerca de 50 dispositivos em questão de poucas horas': diz Claudimir. "Já os tradicionais, feitos em vidro ou quartzo, custam entre dezenas e centenas de dólares por unidade, preços cobrados por empresas que fabricam essas microestruturas no exterior:' A nova técnica será útil para a produção de protótipos que servem para avaliar a composição da água de chuva, do álcool combustível, de vinhos e do teor de açúcar em bebidas, entre outras aplicações.Para isso,essesprodutos pos78 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

suem microcanais por onde os fluidos analisados são processados. A novidade do grupo da USP está em construir esses microcanais utilizando apenas materiais encontrados em escritório, como computador, transparências e toner (o pó preto utilizado nas máquinas copiadoras). Com essa técnica é possível, em apenas uma hora, criar um protótipo e testá-Io, enquanto pelo método usado tradicionalmente são necessárias semanas e até meses para avaliarse a microestrutura planejada realmente funciona. Claudimir ressalta que o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS)tem recursos para fabricar peças mais elaboradas, com canais mais profundos, assim como o Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI), da Escola Politécnica de São Paulo, da USP. Mas o processo desenvolvido por esses laboratórios é feito em múltiplas etapas, com segredos tecnológicos e uma limitação: se

o PROJETO Processo de Microfabricação Utilizando Toner como Material Estrutural MODALIDADE Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPO COORDENADOR CLAUDIMIR LUCIO DO LAGO -

USP INVESTIMENTO

R$ 5.000,00

IQ/

apenas uma das etapas falhar, é necessário recomeçar todos os testes. "É caro, porque exige uma infra-estrutura realmente pesada, e demorado, em razão das várias etapas", afirma o pesquisador. "A nossa idéia inicial, de desenvolver um processo que permitisse diluir custos de produção, com a geração rápida de um protótipo, foi atingida com o uso do toner" comemora Claudimir, que contou com a ajuda de três alunos de doutorado e um de pós-doutorado. Produto descartável - O novo processo foi patenteado com apoio do Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. A criação dos microcanais começa no computador, com o traçado do percurso feito com o auxílio do programa CoreI Draw. A primeira impressão, apenas para testar se o desenho está correto, é feita em papel comum, e a definitiva, em uma folha de plástico transparente. Essa folha é colada a outra em uma laminadora (máquina de plastificar documentos), formando uma espécie de sanduíche de polímero. A espessura da camada de toner, com poucos micrômetros (milésimos de milímetros), determina a altura do canal, enquanto a resolução do processo de impressão e a granulometria do toner respondem pela sua largura. "Devido ao baixo custo da matéria-prima e de fabricação, essas estruturas podem ser úteis na confecção de dispositivos microfabricados descartáveis",diz Claudimir. Mas, na sua avaliação, para serem produzidas em grande escala,alguns as-


Dispositivos com microcanais, feitos com toner de copiadora, na fase de protótipo

pectos da construção dos equipamentos e do desenvolvimento de materiais têm de ser aprimorados pela indústria. "Estamos trabalhando com os recursos existentes no laboratório, mas não temos como desenvolver impressora a laser específica para fabricar microdispositivos', observa o pesquisador. "Sem contar que o tamanho dos grãos do toner foi desenvolvido para impressão normal e sua composição química destina-se apenas a papel e transparência, e não a outros materiais mais apropriados para análises químicas:' Segundo Claudimir, ainda que o produto final seja construído com outra técnica, a prototipagem rápida concebida no Instituto de Química vai despertar interesse porque o processo não gera tantos rejeitos industriais como o método convencional de microfabricação utilizado pelas empresas. Múltiplos usos - A idéia de utilizar o processo de impressão a laser para fins de microfabricação surgiu em 1999, quando Claudimir estava finalizando um projeto sobre cristais piezelétricos de quartzo, para análise de boro e germânio, publicado na Analytical Chemistry, a principal revista de química analítica do mundo. Uma das partes do projeto versava sobre detecção em eletroforese capilar, técnica analítica que utiliza alta tensão para separar, por meio de um tubo de sílicaparecido com um fio de cobre, os compostos químicos e depois quantificá-los, "Esse método foi responsável pelo grande impulso dado aos projetos genomas e está intimamente ligado ao desenvolvimento de técnicas de análise que utilizam dispositivos microfabricados', relata. Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, França e Japão são os principais mercadospara os rnicrolaboratórios.No Brasil, a procura por esses produtos ainda é pequena, mas pode aumentar se os preços não forem proibitivos. Os interessados são empresas da área de análises clínicas, do setor farmacêutico e de controle ambiental. Mas as indústrias de alimentos e bebidas também são candidatas a utilizar esses sistemas miniaturas de controle de qualidade. •


80 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86


ano o de 1999, as atividades culturais do Rio de Janeiro geraram para os cofres públicos do Estado uma receita maior que a de setores estratégicos, como os da metalurgia e da indústria química. Em sexto lugar no ranking das atividades econômicas, a produção cultural fluminense ficou de igual para igual com a da indústria de bebidas e abaixo dos serviços de utilidade pública, da área de telefonia, do comércio atacadista e varejista e da indústria petrolífera. Esses dados, que espantam num primeiro momento por contrariarem a máxima segundo a qual cultura não dá dinheiro, foram apresentados no livro Economia da Cultura - A Força da Indústria Cultural no Rio de Janeiro (e-papers, 176 págs., R$ 18), lançado no ano passado, após receber apoio editorial da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj). Reunindo textos de pessoas que participaram de seminário homônimo, realizado em 2001, a publicação dá acesso aos resultados de uma nova metodologia, a primeira a criar uma base de análise de como a cultura se inclui entre as grandes atividades econômicas.

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Carnaval • "Isolamos a produção cultural entre os setores mais dinâmicos da economia fluminense quando criamos a metodologia chamada Valor Econômico do Tributo", explica Luiz Carlos Prestes Filho, coordenador do trabalho, desenvolvido em conjunto com o economista Sérgio Cidade de Rezende, com o estatístico Antônio Carlos Alkmin, com o tributarista Moacyr de • Oliveira Araújo e com o advogado autoralista Sydney Sanches. "Com essa metodologia, identificamos a arrecadação tributária gerada pelas atividades da cultura, a partir de dados das secretarias da Fazenda do município e do Estado do Rio. Assim, trabalhamos estritamente com as atividades culturais formais, como os shows, o carnaval, os espetáculos de teatro, a televisão, as rádios e gravadoras", continua Prestes Filho. O livro e o seminário contaram com a colaboração de representantes das três principais áreas produtivas da cultura - o setor audiovisual, o editorial e o musical. Roberto Medina, por exemplo, escreveu sobre sua experiência com o Rock in Rio, pioneiro na promoção de megaespetáculos no país - com a geração de milhares de empregos. Já o atual presidente do BNDES, Carlos Lessa, então diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), escreveu sobre a economia do lazer e o nascimento da indústria cultural de massa. PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 81

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o trabalho multidisciplinar foi reconhecido em diversas universidades e, em 2001, Prestes Filho, um cineasta formado em Moscou, foi convidado a dar a palestra inaugural do Instituto Gênesis, a primeira incubadora de empresas culturais do Brasil, formada na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). "Os dados impressionaram o reitor, que me convidou para desenvolver pesquisa sobre economia da cultura no Instituto Gênesis", conta Prestes Filho. A partir de então, uma equipe coordenada por ele passou a desenvolver o Estudo da Cadeia Produtiva da Economia da Música, cujo terceiro relatório está sendo concluído atualmente. O trabalho A produção cultural do será lançado em livro homôniEstado do Rio ficou em sexto mo em julho, com apoio do Eslugar no ranking das critório Central de Arrecadação Direitos Autorais (Ecad), um atividades econômicas do país de dos diversos financiadores da pesquisa. "Nossos patrocinadores representam diversas alas da produção musical, o que garante que essa não é uma pesquisa chapa branca, compromissada com interesses setorizados", registra Prestes Filho. "Os financiadores já são uma cadeia produtiva': brinca. Além do Ecad, o Estudo da Cadeia Produtiva da Economia da Música conta com o apoio instrumental e acadêmico da PUC-Rio - vários professores estão envolvidos - e com o apoio financeiro do Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa do Rio (Sebrae-RJ), da Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), do Rock in Rio (pessoa jurídica) e ainda da Federação do Comércio dó Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio). Prestes Filho explica que a música brasileira foi escolhida entre as áreas da cultura porque é à única a ter uma agenda pró-ativa atualmente no país. "No setor audiovisual, não temos um lucro advindo da produção cinematográfica nacional, além de que há vários gargalos produtivos nas TV s abertas e a cabo': explica o coordenador. ''A agenda da produção cinematográfica é de reclamações, de mudanças de leis, etc,", complementa. Também a área de livros, em sua opinião, não apresenta resultados que poderiam ser analisados com presteza. "Em um país de 170 milhões de habitantes, um livro que vende bem sai com 3 mil exemplares': comenta. "Se não fossem as encomendas do Ministério da Educação (de didáticos e paradidáticos), a indústria de livros não se sustentaria': afirma. Já a indústria fonográfica, embora esteja amplamente baseada em atividades de empresas multinacionais, conseguiu fazer da música 82 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

brasileira a base de sua atividade. "Nos últimos 15 anos, por diversos mecanismos, as gravadoras conseguiram fazer com que a música brasileira ocupasse de 80% a 85% do mercado. Essa é a percentagem de música brasileira que ocupa os espaços de rádio e televisão, além da venda de discos': analisa. Para Prestes Filho, isso é resultado de uma estratégia traçada pelas gravadoras e pelas editoras de música. Como se sabe, porém, essa expansão não livrou a área de música de enormes dificuldades, com destaque para pirataria do suporte físico, que atinge quase 50% do mercado, conforme dados setoriais. Essas dificuldades são sentidas, de um lado, por parte de compositores e intérpretes que lutam por espaço e, de outro, por parte de gravadoras independentes que não conseguem se impor no mercado tanto quanto as maiores. O objetivo do Estudo da Cadeia Produtiva da Economia da Música é justamente identificar em que pontos há estrangulamentos nos processos micro e macroestruturais da produção musical. ''As informações são úteis para aqueles que estão excluídos da cadeia produtiva", constata Prestes Filho. eu trabalho é baseado na definição de cadeia produtiva como uma rede de inter-relações entre vários atores de um sistema industrial, que permite a identificação do fluxo de bens e serviços por meio dos setores diretamente envolvidos, desde as fontes de matéria-prima até o consumidor final. Parte da idéia que toda cadeia tem quatro elos: produção, distribuição, comercialização e consumo. Não escapam de seu trabalho, além das gravadoras e dos músicos, as casas de shows, os veículos de comunicação por onde se pode consumir música: rádio, TV, Internet, bares. Além das questões produtivas, estão ainda em jogo as que dizem respeito a direitos autorais, pirataria, trocas comerciais e outras. O pesquisador explica que há semelhanças grandes entre a cadeia produtiva de um compositor e a de uma gravadora. E, sendo assim, não é tão difícil identificar os pontos de desencontro entre uma e outra. "Sem o trabalho do compositor, não há cadeia. Mas ele também tem suas fases de distribuição, comercialização e consumo", diz. "De seu lado, a indústria fonográfica, cujo objetivo final é o consumidor, depende do compositor': continua. Segundo Prestes Filho, a cadeia produtiva da economia da música sofre o mesmo problema que toda a economia dos países subdesenvolvidos: há muitos elos incompletos e outros que não se interconectam. Para ilustrar a problemática, ele usa os exemplos históricos de Van Gogh e Shakes-

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Desenho de cadeia forma fractal que permite modelagem matemática

peare. a pintor holandês produziu uma obra contemporânea às inovações das artes plásticas de seu tempo, mas teve apenas um quadro vendido durante a vida. "A cadeia produtiva da economia de seu tempo não teve intersecção com a cadeia produtiva do artista Van Gogh', analisa Prestes Filho. a oposto ocorreu com o dramaturgo inglês, que enriqueceu com suas peças e viu muitos negócios serem feitos a partir de seus textos. Átomos - Para o pesquisador, há muitos Van Goghs e muitos Shakespeares no mercado musical brasileiro. "Queremos disponibilizar informações para que cada vez mais os elos frágeis dessa cadeia se fortaleçam. Assim, pretendemos identificar os pontos de estrangulamento e as oportunidades do setor para promover medidas de ação e buscar um equilíbrio no sistema", diz o coordenador. a terceiro relatório do Estudo da Cadeia, realizado por Prestes Filho e equipe, contou também com a colaboração do físico José Nicodemos Rabelo, da Universidade Federal de Goiás. Ele amplia a análise das cadeias produtivas, comparando-as aos sistemas complexos da natureza. Esses sistemas, que compõem os átomos, as moléculas, o sistema solar e todos os elementos da natureza, podem ser identificados nas cadeias produtivas. "Com esse trabalho, estamos inovando, pois é a primeira vez que se leva para a cultu-

ra questões da física teórica", diz Prestes Filho. Foram desenvolvidos dois gráficos básicos para representar as cadeias produtivas da música. a primeiro representa o processo de forma linear (uma cadeia fordista). Mas é o segundo que permite visualizar a complexidade dos sistemas e sua inter-relação, aproximando-se mais da realidade (veja gráfico acima). "Esses desenhos demonstram que tanto a cadeia produtiva linear quanto a difusa formam fraetais que permitem a qualquer um dos agentes da cadeia produtiva da música (editora, gravadora, compositor) fazer modelagens matemáticas de sua atividade", explica Prestes Filho. Segundo ele, isso permitiria a esse agente obter soluções rapidamente para problemas que costumam fazer parte de seu dia-a-dia. "a mais interessante disso tudo é que, demonstrando que as cadeias produtivas econômicas são semelhantes aos sistemas complexos da natureza, Rabelo deixou claro que é possível haver uma previsibilidade", analisa Prestes Filho. Com isso, o cineasta pretende não só simplificar os caminhos dos profissionais que trabalham com música, mas também fornecer informações para a criação de políticas públicas que valorizem a atividade musical como agente da economia. ''A hipótese de uma cadeia produtiva possibilita criar um modelo inovador para estudar outras cadeias produtivas da cultura brasileira': conclui o físico José Rabelo. • PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 83


• HUMANIDADES ECONOMIA

m 010

difícil de repartir

Estudo discute o tema atualíssimo das mudanças nas legislações sobre o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) ROBINSON

BORGES

COSTA

discussões da reforma tributária mal começaram, mas já estão promovendo um abalo sísmico entre os governadores de 27 estados do país e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Nos encontros promovidos por Lula, os representantes dos estados têm deixado claro que tal reforma é fundamental, mas estão atentos às possíveis perdas no bolo de arrecadação com as mudanças propostas. O único tema que parece ganhar ares de consenso é o ponto de partida da reestruturação: a uniformização das legislações a respeito o Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) entre os estados. "A diferenciação de ICMS interestadual está sendo um mal enorme para o país. Se houver uma equalização do Imposto sobre Circulação; é potencialmente possível reduzir perdas econômicas entre R$ 4,5 bilhões por ano e até R$ 9 bilhões por ano, ou seja, dois programas Fome Zero, somente com prejuízos em logística. A atual estrutura afeta os custos logísticos e a decisão de localizar instalações", explica Hugo Tsugunobu Yoshida Yoshizaki, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), que realizou a pesquisa Impacto sobre Circu-

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lação de Mercadorias e Serviços na Rede Logística Brasileira, com apoio da FAPESP, e defendeu recentemente tese de livre-decência sobre o tema. De acordo com a legislação vigente, cada unidade da federação tem uma lei sobre o imposto. No Estado de São Paulo, a alíquota geral é de 18%; em outros estados chega a 17%, mas a alíquota é reduzida a 12% na comercialização entre outros estados e a 7% para vendas de empresas dos estados do Sul e do Sudeste para as outras regiões do país. 84 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86


J-----o primeiro resultado desse processo é o favorecimento da transação entre os estados. Entretanto, Yoshizaki aponta um grave efeito colateral, que ele define como um amplo espaço para manobras fiscais."Como o ICMS é um imposto calculado como créditos e débitos ao longo da cadeia, haveria a possibilidade de se criar um esquema de elisão fiscal, em que o turismo de produtos faria o papel central", acredita o professor da Poli. O turismo de produtos é como os especialistas definem um tráfego artificialmente criado para ganhar com vantagens tributárias. Um bom exemplo é o de uma fábrica situada em São Paulo, mas que possui um armazém em Minas Gerais para atender os clientes do Estado paulista. "Na verdade, o produto vai até Minas Gerais somente para fazer 'turismo', pois seu destino é outro. É o seu lugar de origem: São Paulo': comenta.

O turismo fiscal ocorre no Brasil por causa da variação de ICMS entre os estados. Se a empresa acima vender produtos para clientes paulistas, a alíquota aplicada será de 18%. No entanto, se esses mesmos clientes forem atendidos a partir de Minas Gerais, a taxa será de 12%, concedendo uma margem de 6% ao fabricante. A conclusão é simples: "O ICMS estaria contribuindo para aumentar artificialmente custos operacionais da logística para obter-se vantagens tributárias, gerando mais um custo Brasil': critica Yoshizaki. sso parece explicar o fato de alguns atacadistas e distribuidores terem preferido se instalar no sul de Minas Gerais, próximos aos maiores centros de consumo, como Grande São Paulo e Grande Rio de Janeiro. Para o professor, essa estratégia logística começa a ser lucrativa a

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partir de mercadorias acima de R$ 600 a tonelada. No entanto, nas simulações apresentadas na tese, "o custo Brasil do ICMS" pode ter um aumento que varia entre 3,5% e 11%, seguindo essa estratégia de vantagem tributária interestadual. No estudo, ele simulou cenários fundamentados em modelos matemáticos de otimização - tomando como base a indústria de bens de consumo não-duráveis (alimentos, material de higiene e limpeza, etc.) e que, portanto, foram extrapolados para a economia como um todo. "Caso as indústrias de bens de consumo adotem uma hipótese conservadora de 20% de sonegação potencial na cadeia do ICMS, a rede logística desenhada gera um incremento de 3,49% nos custos de operação do cenário básico. Considerando-se que em torno de 15% da distribuição é feita via grandes redes, apontadas como não-sonegadoras, pode-se adotar como limite superior para a sonegação potencial a fração de 80% e, nesse caso, o aumento logístico fica em 11,63%", explica Yoshizaki. Um outro senão da atual legislação de ICMS é o que está fora da lei: a sonegação. Segundo Yoshizaki, é muito complicado determinar a influência do ICMS no turismo de mercadoria, pois o índice de não-pagadores do imposto é desconhecido, mas provavelmente muito elevado. O ICMS segue a lógica da não-cumulatividade, o que significa que, para efeito de apuração do tributo devido, deve-se deduzir do imposto incidente sobre a saída de mercadorias o imposto já cobrado nas operações anteriores relativas à circulação daquelas mercadorias ou das matérias-primas necessárias à sua industrialização. Distorsões • Yoshizaki cita um outro exemplo de distorções, que a atual legislação permite: "Consideremos que uma empresa comprou matérias-primas para fabricar seu produto, que é vendido a R$ 2.500. No valor de compra de material, está embutido o ICMS de 17% ou 18%. Pelo princípio da nãocumulatividade, esse valor fica como crédito para a indústria, que é utilizado contra o débito de ICMS quando a mesma empresa vender seu produto, que se for para outro Estado será de somente 12%. O cliente terá um crédito de 12%, mas deverá recolher 17% ou 18%, ficando, assim, em desvantagem. PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 85


Mas será que o cliente aceitará essa transferência passivamente?", pergunta o professor. Uma alternativa, segundo Yoshizaki, é a do comerciante não se importar com o crédito do ICMS. "Se ele for sonegador do imposto, fica indiferente de onde recebeu a mercadoria, pois não necessita do crédito': diz o pesquisador. Um outro ponto seria favorável para o fornecedor, mas apenas para aqueles que detêm o monopólio do setor. Isso porque não ofereceria escolha ao consumidor de negociar essas vantagens tributárias interestaduais. "Mas, no caso de mercado onde há competição por preço, essas economias acabam sendo passadas aos clientes. Para vendas realizadas fora do Estado da indústria, esse desconto seria exatamente a diferença de alíquotas intra e interestaduais de ICMS, garantindo um preço mais 'competitivo", afirma. É o chamado desconto ICMS. O debate em torno do ICMS se justifica também pelos seus números. Em 2000, o total do imposto arrecadado em todos os estados foi de R$ 82,3 bilhões, o que corresponde a 87% da carga tributária dos estados e 22,8% da carga tributária total brasileira. O ICMS recolhe, portanto, cerca de 7,5% do PIB nacional. Uma vez que o ponto de partida está mais ou menos definido na reforma

tributária, privilegiando a equalização do ICMS, as divergências começam a aparecer em outros desdobramentos. "Não há saída. A equalização vai ter de ocorrer. O problema é saber se o recolhimento deve ocorrer na origem ou no destinatário da mercadoria", afirma Yoshizaki. Hoje, o ICMS é cobrado tanto no Estado que fabrica quanto no que con-

some os produtos. Isto é, todas as etapas da circulação de mercadorias e prestação de serviço estão sujeitas ao ICMS e exigem a emissão de uma nota fiscal,de forma que o imposto possa ser calculado pelo contribuinte e arrecadado pelo Estado. "Na verdade, quem paga o imposto é o consumidor final, mas sabe-se que partes da cadeia sonegam e, muitas vezes, o comerciante recebe o

Uma guerra diferente A guerra fiscal travada entre os estados para atrair investimentos produtivos em seus territórios sempre existiu no Brasil. Com a Constituição de 1988 e com a abertura econômica do país, entretanto, a guerra ganhou munição extra na mão dos governadores. "A Constituição confundiu a democratização com a descentralização, dando maior autonomia aos governos estaduais': diz Carlos Eduardo G. Cavalcanti, que escreveu o livro A Guerra Fiscal no Brasil (Edições Fundap, 145 págs., R$ 20), em parceria com Sérgio Prado e com apoio da FAPESP. Para Cavalcanti, a Constituição de 1988facultou aos estados uma autono-

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mia de legislar em matéria do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o principal instrumento para a guerra fiscalentre as unidades estaduais. "Neste instante, passou a haver um afrouxamento do Conselho de Política Fazendária (Confaz), um órgão que deliberava todas as questões ficais por meio da votação de todos os secretários de Fazenda dos estados brasileiros': explica o autor. "No governo militar, esse órgão teve um papel preponderante para inibir a guerra fiscal. Como o presidente do órgão era o ministro da Fazenda, qualquer ação na direção da guerra fiscal era vetada pelo 'czar' da economia da época': prossegue.

Apesar do impulso constitucional, o que acirrou a disputa entre os estados por maior investimento foi a abertura do mercado e a estabilidade econômica, conquistada com o Plano Real, em 1994.Os protagonistas dessa guerra foram as montadoras, responsáveis por grande parte do investimento direto estrangeiro (IDE) no país até 1998. Foi por meio de pacotes de benefícios fiscais oferecidos pelos estados que a Renault, a Chrysler e a Audi se instalaram no Paraná; a fábrica de caminhões da Volkswagen e a Peugeot, no Rio; e a General Motors, no Rio Grande do Sul. O caso que mais chamou a atenção, porém, foi o da Pord, estabelecida na


o turismo

de produtos

é como os especialistas definem um tráfego artificialmente criado para ganhar com vantagens tributárias

o PROJETO o Impacto do ICMS na Rede Logística Brasileira MODALIDADE

Auxílio regular à pesquisa COORDENAOOR H UGO TSUGUNOBU

YOSHIDA YOSHIZAKI

- Escola PolitécnicaJUSP INVESTIMENTO

R$ 29.430,91

crédito, mas não paga a sua parte, pois não emite nota fiscal", diz o professor. Para alterar as distorções do ICMS, o programa de governo de Lula propunha a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que seria não apenas amplo, mas também uma legislação unificada e com poucas alíquotas. O texto previa a substituição do ICMS pelo IVA estadual, que seria pa-

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Bahia. "Os contratos eram sigilosos e quando houve a briga entre o Rio Grande do Sul e a Bahia pela montadora, os valores vieram à tona. É possível que para atrair a indústria para os domínios de seu território, o governo baiano tenha concedido mais de 60% do investimento total, de cerca de R$ 1 bilhão, em benefícios fiscais': conta Cavalcanti. Segundo o autor, artifícios como esses rompem com o pacto federativo do país, cujo princípio é o de um trabalho harmônico entre municípios, estados e federação. "Isso é constitucional, mas quando os estados entram nessa disputa, o que passa a valer é o pensamento isolado de cada unidade, sem ter um projeto nacional': acredita o autor. Com a queda do investimento direto estrangeiro no país - US$ 16,6 bi-

dronizado e passaria a ser cobrado pelo Estado consumidor da mercadoria. Esse mecanismo seria uma forma de se acabar com a guerra fiscal, evitando que os estados baixem suas alíquotas de ICMS para atrair empresas. Para alguns governadores, entretanto, a proposta que prevê a arrecadação apenas no destino traria perdas para os estados chamados "exportadores líquidos':

lhões em 2002, contra US$ 22,5 bilhões do ano anterior -, a guerra fiscal entre os estados ficou com um papel coadjuvante na cena nacional. Mesmo assim, as discussões da reforma tributária entre os governos federal e estaduais estão entre os principais assuntos da agenda de Luiz Inácio Lula da Silva. "O que se propõe é uma lei federal que estabeleça regras comuns para todos os estados, por meio de um imposto equalizado. Em tese, esse imposto minora o poder dos estados de uma guerra fiscal': observa. O grande debate se concentra no fato de se o novo imposto será cobrado na origem ou no destino do produto. Caso seja no destino, São Paulo, que é um Estado considerado "exportador líquido" de mercadorias, deve ser dura-

aqueles que vendem mais do que compram de outros estados, caso típico de São Paulo. "Claro que São Paulo seria o grande perdedor, porque tem o maior parque industrial. Por isso entendo que as discussões devem buscar a neutralidade do ponto de vista tributário, buscar a melhor eficiência na questão do modelo", declarou recentemente o governador do Estado, Geraldo Alckmin. Não é por acaso que muitos outros governadores defendem a criação de um fundo de compensação para ressarcir as perdas dos estados. "Não discuto aqui a política de isenção fiscal, que pode continuar, mas não há vantagem para o país em trabalhar com a diferenciação do ICMS entre os estados", observa o professor. Para ele, os cálculos sobre as perdas por causa das "vantagens logísticas com a variação de ICMS" também devem considerar outros fatores, como o aumento do tráfego de caminhões pesados em certas estradas, possibilitando congestionamentos e acidentes, além do maior desgaste do pavimento das rodovias, diminuindo sua vida útil. "É uma movimentação gerada de forma artificial e que não agrega valor econômico ao produto, qualificando outro custo Brasil. Isso mostra a importância de se incluir essa discussão no âmbito geral da reforma tributária em discussão no Congresso", analisa o pesquisador da Poli. •

mente afetado e perder cerca de 17% de sua arrecadação. "A proposta ainda é incipiente e os interesses são diversos. Mas considero o debate meio fora de lugar': critica Cavalcanti. Para ele, a reforma tributária é apenas um dos aspectos do problema de desenvolvimento econômico no país. ''A indústria no Brasil está concentrada na região Sudeste, pois não há uma política regional de desenvolvimento. Nesse cenário, os estados usam as únicas armas que dispõem para atrair investimento de fora': avalia. "Portanto, não adianta apenas discutir questões tributárias. É preciso incluir nas reuniões dos governadores com Lula um programa de desenvolvimento, sendo pensado como uma nação e não como estados isolados e inimigos': conclui Cavalcanti.

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mada por filhos da cidade ou peregrinos, trabalhadores livres, escravos e libertos. Homens e mulheres dividiam o mesmo espaço de trabalho, que muitas vezes era também a sua casa. Inúmeros ofícios e associações profissionais são mencionados nos muros: eles eram pequenos proprietários de tabernas, oficinas e padarias, professores, alfaiates, vendedores de roupas e jóias e se organizavam em diversas associações, como dos vendedores de frutas, cocheiros, taberneiros. Também compartilhavam os momentos de lazer. Os casais de Pompéia interagiam. O masculino, longe do sentido de autoridade e poder, construiu-se em conformidade com o feminino. A cidade, um museu a céu aberto, guarda inúmeras evidências materiais da participação feminina na dinâmica social e econômica pompeiana. Há muitos registros de mulheres pedindo votos a seus candidatos, por exemplo. Dos cerca de 2.500 cartazes encontrados, apenas 750 possuem o nome da pessoa que está apoiando e, dentre esses, 52 são assinados por mulheres, isso num universo de 10 mil habitantes. Há consenso entre historiadores que esse período da história foi de emancipação social e sexual das mulheres romanas, principalmente das aristocratas. esse universo de igualdade (não esquecendo que Pompéia era uma colônia subjugada pelo Império Romano), os populares usavam os muros e as paredes para registrar os fatos de seu cotidiano: anúncios, recados, insultos, sátiras a políticos, declarações e rusgas amorosas. Tais inscrições ficaram conhecidas como grafites, porque eles usavam um instrumento chamado graphium para escrever. Feito de metal, tinha uma ponta dura que permitia agredir e marcar a parede, formando sulcos. Eles estavam espalhados por toda a parte: edifícios públicos, tabernas, locais de trabalho, habitações. Foram catalogados até agora 10.913 grafites, mas o volume é muito maior. Calcula-se que falta ainda um terço da cidade para ser descoberto, apesar de as primeiras escavações na região terem ocorrido no início do século 18. Com as inscrições é possível traçar a engrenagem e a dinâmica dessa parcela da sociedade menos favorecida de Pom-

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o PROJETO o

Amor e a Representação Sexual na Pompéia Romana: uma Análise de Inscrições Parietais MODALIDADE

Bolsa de doutorado ORIENTADOR PEDRO PAULO ABREU FUNARI IFCH/Unicamp

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CONDE

FEITOSA - IFCH/Unicamp

péia. Muitas delas são escritos amorosos, cunhados por homens e mulheres. A maioria trata-se de rápidas menções, como esta encontrada numa das portas de entrada da região: "Marcos ama Espedusa". Ou esta outra, em uma taberna: "Marcelo ama Prenestina e não é correspondido". Havia frases mais complexas, como a que foi encontrada em uma sala de recepção na rua do Iminente: "Viva quem ama, morra quem não sabe amar! Duas vezes morra quem proíbe o arnorl" Ou ainda esta, forte candidata à frase feita: "Qualquer um que ama não deve se banhar em fontes quentes, pois ninguém que esteja escaldado pode amar as chamas': As paredes também registraram que as mulheres tomavam a iniciativa no campo amoroso. "Rogo-te. Desejo teu doce vinho e desejo muito. Colpurnia te diz. Saudações" ou "Não vendo meu homem por preço algum!" Alguns grafites não deixam dúvidas de que muitas relações afetivas eram sólidas e duradou. ras ("Segundo como Primigênia, em comum acordo" ou "Balbo e Fortunata, os dois em comum"). Outro aspecto significativo nos escritos de Pompéia é a presença da deusa do amor, Vênus. Ela era a protetora da colônia, nomeada quando anexada pelo Império Romano de Colonia Cornelia Veneria Pompeiorum. A deusa está presente em muitos escritos ("Se tem alguém que não viu a Vênus que pintou Apeles, que olhe a minha garota: é tão bonita quanto ela!)". É possível concluir que Vênus tornou-se uma figura acessível, íntima dos populares pompeianos, cúmplice das histórias de amor vividas por seus habitantes. O amor impresso nas paredes é imanente à vida, como comer e dormir,

analisa Lourdes. E desse sentimento também faz parte a união sexual e suas práticas de satisfação. O sexo em Pompéia não era mais ou menos importante do que nas outras localidades. "As inscrições teimam em fugir da camisa -deforça da inatividade, da apatia social, do preconceito e do obscurantismo com que ainda tem sido tratada a questão da sexualidade e da atuação social dessa parcela significativa da população romana", diz Lourdes. Em Pompéia, o sexo estava exposto nas paredes, nas obras de arte, nos objetos. A representação do falo, por exemplo, era freqüente. Ele funcionava como um símbolo, que tinha duas funções principais, apostam os historiadores: protegia dos maus-olhados e trazia sorte e proteção, por estar ligado à fertilidade e à vida. O Museu Arqueológico de Nápoles conserva exemplos em diversas situações, como em lucernas, em insígnias de comércios, sinetes e fontes. Todo material encontrado foi guardado no Gabinete de Objetos Obscenos, criado em 1819, onde só era permitido o ingresso de pessoas de "conhecida moral': Apenas em 1860 foi providenciada a catalogação de todo o repertório e a alteração de seu nome para Coleção Pornográfica, denominação usada ainda hoje. Esse acervo só foi aberto ao público em 2000, sob veementes protestos do Vaticano. "Há uma nova forma de estudar as referências do passado com conotações sexuais, mas ela é ainda algo muito recente': conta Lourdes. O grande desafio dos pesquisadores contemporâneos é avaliar esse material sabendo que se encontra distante, temporal e culturalmente, dos valores em que foram originados. Terremoto - Os grafites encontrados em Pompéia foram escritos nos últimos 20 anos da cidade. Muitas inscrições foram destruídas no ano 62 d.e., quando a região sofreu um forte abalo sísmico. Além disso, relatam historiadores, havia a limpeza das áreas de publicidade e a interferência climática. As inscrições também mostram que a maioria da população pompeiense era alfabetizada. A linguagem impressa nas paredes era uma mistura do latim, língua oficial do Império Romano, com o nativo osco. O povo criou uma linguagem própria, o latim popular. As reminiscências da escrita e da sin-


Visão de Pompéia: em poucas horas, milhares morreram

taxe osca foram adaptadas à língua latina, gerando alterações fonéticas, de ortografia e de justaposições em muitas palavras. A sua disposição na frase, pressupõe-se, também se aproximou da manifestação espontânea da fala cotidiana. Essa linguagem própria, cuja grande fonte de pesquisa são os grafites, revela que a população mais pobre a um só tempo aceitava e negava as condições de exploração material e espiritual a que estavam submetidas. Os escritos populares mostram que havia difusão da cultura literária fora das elites. Neles é possível verificar a influência literária épica, elegíaca e dramática romana, grega e helenística nas representações do sentimento afetivo. Citações de autores como Homero, Virgílio e Tiburtino Catulo, Lucrécio, Propércio, entre outros, estão presentes. Não se sabe como o povo foi apresentado a eles: podem tê-los conhecido na escola, no contato com imigrantes, no comércio, na prestação de serviço mili-

tar ou, ainda, nas representações teatrais dos circulatores, pessoas que promoviam entretenimentos itineranies. Gás venenoso - A atual cidade de Pompéia, localizada na Campânia italiana, é

um centro urbano que se organizou a partir das escavações arqueológicas do século 18. Hoje conhecida em todo o mundo, ela não foi tão notória na Antiguidade. Até a redescoberta da cidade, as informações sobre ela eram muito escassas. Pompéia, assim como Herculano, Estábia e Oplontis, foi coberta por uma erupção do Vesúvio na noite de 24 para 25 de agosto de 79 d.e. Em poucas horas, lavas, cinzas e gases venenosos mataram centenas de pessoas. A descrição dessesmomentos estão presentes nas cartas de Tácito. Ele colheu o relato de Plínio, o Jovem, que presenciou a catástrofe ao visitar seu tio Plínio, o Velho, uma das vítimas do gás venenoso. Após a descoberta de Pompéia e Herculano, as duas maiores cidades

entre as quatro, a região passou a ser propriedade do reino de Nápoles, sob a dinastia Bourbon. Só em 1811 as terras tornaram-se propriedade pública. ''A partir desse século, as escavações passaram a ser mais intensas. Inúmeros problemas de ordem política, econômica e de manuseio das evidências têm envolvido os trabalhos na região", conta a historiadora. Como o interesse central dos pesquisadores do século 19 era a arte e a arquitetura pompeiana, muitos artefatos foram perdidos, dispersos ou destruídos. A quantidade e a diversidade de objetos formam um conjunto raro de fontes que são um valioso instrumento para estudar a organização da sociedade romana. Segundo Lourdes, essa documentação é alternativa às informações de muitas e variadas fontes literárias, permitindo ampliar dados destas últimas. Caso da falsa perversão, que nada mais era do que expressão de amor. • PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 91



Elio Gaspari faz história Livros do jornalista retratam período crucial da história do Brasil dio é apenas o começo de uma comédia de enganos que derruba um governo, aliás tão ridícue uma série de cinco lo como seus adversários, instala um regime militar e termina volumes programados para explorar o regisendo dissolvido com a particime militar, Elio Gaspari já pação decisiva de alguns de seus escreveu os dois primeiros, A parteiros. Ditadura Envergonhada e A Para não dar a impressão de Ditadura Escancarada, que a que a farsa se desenrolou no grande palco de Brasília e dos Companhia das Letras acaba de publicar. A primeira edição, quartéis, não resisto à oportuniem novembro, foi de 50 mil dade de também contar um epiA Ditadura Envergonhada sódio. Logo depois de 64 se insexemplares e ambos já foram 424 páginas / R$ 40,00 tala, na USP, um inquérito para reimpressos em quantidades A Ditadura Escancarada semelhantes. É de bom augúinvestigar atividades subversi512 páginas / R$ 44,00 rio o fantástico êxito editorial vas. Obviamente, livros como O de um livro sério, em contrasVermelho e o Negro são apreendiElio Gaspari te com a banalidade da maiodos; no entanto, humilhante era Companhia das Letras ria dos lançamentos atuais. os professores serem convocaPor certo, há várias explicados para comprovar seu civismo, ções para o fenômeno; para todos nós que vivemos o muitas vezes lhes sendo pedido que cantassem o Hino Nacional. Qual foi a resposta bem-humorada de João regime militar, o livro faz emergir, quase de modo sub-reptício, uma angústia difícil de nomear. Não há Cruz Costa? "Se o senhor tenente assobiar, eu canto:' dúvida de que a democracia está razoavelmente imNão se imagine, porém, que tudo se resumiu nessa plantada no Brasil, mas, além da memória da ditadura, mistura de comédia e tragédia. Houve muito heroísmo e algumas traições intempestivas. A Gangrena, parte fié como se ainda residisse no horizonte de nossas expenal de A Ditadura Escancarada, começa contando coriências a suspeita de que sempre é possível o ataque de uma burrice abissal a ameaçar as instituições demomo grupos de repressão, militares e paramilitares, à cráticas. O exercício da democracia implica certa dose medida que vão se isolando do controle do Estado, torde racionalidade e o regime militar mostrou que somos nam-se cada vez mais violentos, arbitrários, até caírem bem capazes de chafurdar no irracionalismo. na marginalidade. Do outro lado do conflito, os grupos Se o totalitarismo estetiza a política, é de esperar guerrilheiros, cada vez mais reduzidos, cada vez mais que a encene com perversa grandeza. Um congresso do isolados da população urbana e rural, vão sendo cruelpartido nazista em Nuremberg ou uma fala do Duce na mente massacrados pelas Forças Armadas. varanda do Palácio Veneza tinham garbo, embora, para O livro termina historiando a guerrilha do Araum olhar mais crítico, rapidamente se traduzissem em guaia e sua dizimação. Um punhado de aproximadafarsa. A nossa ditadura (como pode ser nossa?) desde o mente 80 jovens, fiéis ao radicalismo abstrato do PC do início foi farsa bruta, chinfrim, e seria antes de tudo riB, mas sem experiência da mata e de lidar com as podícula, se não tivesse sido cruel. pulações locais, se dispersa em volta de Marabá na es0 Esse tom já marca seu início. Na madrugada de 1 perança de, a partir daí, iniciar a guerra popular. Esses de abril de 1964, em Juiz de Fora, o general Olympio grupos isolados, porém, vão sendo progressivamente Mourão Filho, ainda na cama, de pijama e roupão de capturados ou dizimados pelo Exército, a despeito da seda vermelho, inicia suas atividades revolucionárias desorganização dos militares. Estes contaram, às vezes, telefonando para os conspiradores mais próximos e com a sorte. Conseguiram, por exemplo, que o Velho comunicando estar pronto para o golpe. Mais tarde, Cid (João Amazonas), um dos maiores responsáveis da em suas memórias, se gabará de ter sido o único hooperação, se mantivesse fora da área da guerrilha no mem no mundo (ou pelo menos no Brasil, ressalva) período mais crítico. E da forma mais surpreendente. que desencadeou uma revolução nesses trajes. O episóDona Maria (Elza de Lima Monnerat) vinha de São JOSÉ ARTHUR

GIA

OTTI

D

PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 93


Gaspari, no quinto volume, prolongará a história até o Paulo trazendo novos combatentes, entregou dois no momento em que Geisel, no dia 15 de março de 1979, caminho e seguiu seu destino de ônibus. Foram intertendo acabado com a ditadura do AI-5, deixa o goverceptados por uma patrulha militar e um dos rapazes no e se retira para Teresópolis. foi preso. Dona Maria voltou sozinha para Anápolis e Não há dúvida de que esses cinco volumes não preencontrou o Velho Cid na estação rodoviária. Basta-lhe tendem contar a história da ditadura como Iules Mium sinal do olhar para indicar que a coisa estava preta. chelet escreveu a história da Revolução Francesa, mas O Amazonas tomou um café ao lado e voltou para São sua narração não se limita aos jogos de Geisel e de GolPaulo, deixando os rapazes do Araguaia ao deus-dará. bery, pois, conforme seu contexto vai se ampliando, o Os dois livros de Elio Gaspari seriam muito envasto panorama resulta num mograçados se fossem apenas rodelo de Histoire événementielle, mances, mera ficção. Por certo dessa história que se dedica à narromance realista, com o rigor e ração cuidadosa dos acontecimenas miudezas de Gustave Flaubert "Elio tos. E não é estranho que os próao contar as trapalhadas de Bouximos volumes se anunciem como vard e Pécuchet. Mas Gaspari leGaspari biografias. Por certo, de dois pervanta uma quantidade impressonagens intrigantes, metidos, ponão pretende sionante de informações. No rém, numa encenação grotesca. início, herda os arquivos de Erencontrar Ao terminar A Ditadura Escannesto Geisel e a papelada de Golcarada, ao ler a destruição do mobery do Couto e Silva, cuidadoo sentido vimento guerrilheiro, meu nó na samente preservada por Heitor subiacente aos garganta virou engasgo. Como Ferreira, secretário de ambos, e tanta violência fora desencadeada vai aos poucos colecionando paacontecimentos sob nossos olhos, sem que dela topéis, entrevistas e outros docuque ele mássemos conhecimento, nós, que mentos, formando assim, provatrabalhávamos pela instauração velmente, o mais rico arquivo do narra" do Estado de Direito? Por que tanperíodo militar. tos de nossos alunos se meteram O projeto inicial era estudar heroicamente nessas aventuras, como fora possível que Geisel e obstinando-se em não ver que o Golbery, tendo sido responsáveis "milagre brasileiro" bloqueava qualquer revolução do pela instalação do regime militar, terminassem por tipo cubano ou chinês? Como esse heroísmo pôde se ajudar sua derrubada. Gaspari explicitamente nega que tornar ridículo ao seguir os compassos de uma marcha pretenda escrever a história da ditadura, pois, diz ele, militar? Por que tantos amigos meus e muitos outros, falta ao trabalho a abrangência que o assunto exige e há que se tornaram amigos por terem comungado a tornele a preponderância daqueles dois personagens. Mas, tura e o desfazimento de suas vidas, foram levados por dotado de memória prodigiosa e de paciência infinita, uma ventania aparentemente sem sentido? reconstrói minuciosamente os motivos e o dia-a-dia Gaspari "não pretende encontrar o sentido subjados revolucionários, a amplitude de suas ações, de sorcente aos acontecimentos que ele narra. Esse cuidado te que, embora consiga manter o elo narrativo na ótica de permanecer rente aos fatos pode despertar a desdos personagens eleitos, não é por isso que lhe faltará confiança, se não a ira, daqueles historiadores que esvisão panorâmica. tão sempre nos ensinando que um fato só se individuaDepois de 18 anos de trabalho, o projeto atual é de liza e ganha sentido tanto no seu contexto como em escrever, no primeiro lance, quatro volumes. Nos dois vista daquelas matrizes que o sustentam. Seria ingêprimeiros conta o período de 31 de março de 1964 ao nuo, porém, imaginar que Gaspari não passa de jornafmal do governo do general Emílio Médici, no início de lista. Seus livros não vão para o lixo no dia seguinte, 74. Apresenta, como ele indica, um preâmbulo à histómas desenham o panorama événementiel de um períoria do Sacerdote e do Feiticeiro, como Geisel e Golbery do crucial de nossa história, talvez o momento máxieram chamados. Nos dois seguintes espera contar a mo de um rosário de farsas que se inicia com o Descovida deles, a trama que os levou de volta ao Planalto e brimento, como se tudo fosse obra do acaso. Que o os quatros primeiros anos do governo Geisel. De novo, riso, porém, seja breve, apenas para adoçar a tristeza de esse período é pontuado por uma farsa: na noite de 11 se sentir sempre à margem daqueles centros onde se de outubro de 1977, o ministro do Exército, general decidem nossos destinos. Sylvio Frota, responsável pelo aparelho repressivo e esperando concorrer à Presidência da República, foi dormir, depois de ter visto um filme de [ames Bond, sem saber que o presidente o acordaria para demiti-Ia. Não JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI, filósofo, é professor emérito porque o general presidente era contra a tortura, mas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas antes de tudo porque os grupos torturadores estavam da USP e coordenador da área de filosofia do Centro ameaçando a disciplina e a hierarquia das Forças ArBrasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) madas. O feitiço de Geisel e Golbery aí termina, mas 94 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86


A Paixão Segundo a Ópera música

Jorge Coli Editora Perspectiva / FAPESP 140 páginas / R$ 18,00

O que faz um grupo de pessoas tão completamente apaixonadas por um jo.,.coti A SEGUNDO espetáculo que, segundo outras tantas, se resume a barulho de instrumentos e sons ainda mais altos de pessoas em cena, gritando? O presente livro tenta entender os vários aspectos culturais que se reúnem num palco de teatro para resultar na ópera e de que forma essa arte híbrida consegue arrancar dos seus admiradores um sem-número de sensações em muito superioras à soma de suas partes literária, teatral e musical. Ler com prazer.

:=

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PRlJTAS BRASTLEIRAS

Frutas Brasileiras

Luiz c. Donadio, Fabíola v. Môro e Ademilson A. Servidone Editora NovosTalentos 288 páginas / R$ 48,00

Os autores reuniram informações completas (origem, nome indígena, classificação botânica, clima, solo e condições ecológicas) sobre um grupo de 60 frutas nativas do Brasil, incluindo-se as doenças e pragas dessas frutas. Quase no espírito de descoberta dos antigos viajantes, mas com absoluto e total conhecimento científico, Donadio, Fabíola e Servidone resgatam frutas conhecidas por poucos, como bacaba, cabeludinha, marolo, grumixama ou butiá, ao lado de umbu, goiaba, caju, entre outras. Saboroso. Editora Novos Talentos: (16) 3202-4405

Ecos do Atlântico Sul

Rawls e o Enigma da Justiça

Ornar Ribeiro Thomaz UFRJ Editora / FAPESP 360 páginas / R$ 50,00

Luiz Paulo Rouanet Unimarco Editora 130 páginas / R$ 130,00

Hoje é a América que mais se aproxima da noção de império, mas, no passado, Portugal acalentou o sonho de ser o grande império colonial, em especial em seu controverso apogeu ideológico, durante o salazarismo, com o conceito do chamado Terceiro Império. Intelectuais, políticos, administradores, militares e missionários, todos tentaram reunir num único plano a idéia de império e como ele seria a tradução da nação portuguesa, até o fim. UFRJ Editora: (21) 2295-1535, ramal111 www.editora.ufrj.br

A Arte dos Sonhos - Uma Iconografia Ameríndia Aristóteles Barcelos Neto Museu Nacional de Etnologia / Assírio & Alvim 276 páginas / 18 euros

Morto no ano passado, o filósofo norte-americano Iohn Rawls tem suas obras principais dissecadas com empenho e inteligência por Luiz Paulo Rouanet. Sua leitura, em tempos de globalização desastrada, atentados terroristas e a recente guerra dos EUA contra o Iraque, é uma preciosa reflexão sobre a necessidade da tolerância e da eqüidade social, os tópicos principais de sua filosofia. Em especial, nos interessa o "consenso por justaposição", sobre o acordo em torno de valores comuns. Unimarco Editora: (Tl ) 3471-5700, ramal 5776

Pós-Brasília Maria Alice Junqueira Bastos Editora Perspeciva 277 páginas / R$ 38,00

Infelizmente, este belo livro foi, até o momento, editado apenas em Portugal, pela editora Assírio & Alvim. Fruto de um trabalho de muitos anos de pesquisa, é uma fascinante iconografia etnográfica da cultura visual dos índios Wauja. Os desenhos desse povo revelam a mito-cosmologia intrincada desses ameríndios, sempre por meio da intermediação dos xamãs, com um grau inusitado de refinamento artístico e onírico.

Se Brasília ainda hoje é fonte de grande admiração (e, em muitos casos, também de crítica) no exterior, o paradigma () da capital de Niemeyer e Lúcio Costa é um fardo pesado para os arquitetos brasileiros. Neste estudo, Maria Alice Bastos mostra como a nossa arquitetura foi perdendo a sua força criativa e notável inventividade. A falta de reflexões teóricas levou a arte a se dissolver em vários grupos antagônicos, com cada arquiteto levando à frente o seu projeto pessoal, sem considerar a necessidade da criação nacional.

Encomendas pela Livraria Cultura: (ll) 3170-4033 livros@livrariacultura.com.br

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PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 95


CLASSIFICADOS

Pesqqi.~a

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(11) 3838-4008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA (UFJF) ~

Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião

LNLS Laboratório Nacional de Luz Síncrotron Operado

pela ABTLuS

para o CNPq I Ministério

da Ciência e Tecnologia

Programa apóia Projetos de Pesquisa em Nanociências e Nanotecnologia

o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) vai gerenciar um programa-piloto para o desenvolvimento de nanociência e nanotecnologia, no qual serão concedidas seis bolsas de doutorado concedidas pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). As bolsas serão destinadas a doutorandos matriculados em cursos de instituições brasileiras credenciados pela Capes. Não é necessário haver o envolvimento de pesquisadores do LNLS no projeto de pesquisa dos candidatos a estas bolsas. Serão analisados pedidos de bolsas para projetos que tratem de questões relacionadas à pesquisa fundamental, às aplicações e ao desenvolvimento de produtos e processos nanotecnológicos, ou aos impactos ambientais da nanotecnologia. Poderão também se candidatar a bolsas Capes/LNLS doutorandos com projetos em ciências sociais e humanas que tratem de questões relevantes para a comercialização ou aplicações sociais de resultados de pesquisa em nanociência e nanotecnologia. Os projetos de pesquisa devem ter características multidisciplinares, que justifiquem o tratamento excepcional que será dado a essas bolsas de estudo. As bolsas de doutorado pleno - serão concedidas por período de um ano, podendo ser renovável em função do desempenho do bolsista. Como se candidatar A documentação de candidatos às bolsas deverá ser enviada ao LNLS até o dia 30 de abril de 2003, aos cuidados do professor Cylon Gonçalves da Silva. Os pedidos deverão incluir o currículo e o histórico escolar do candidato e o projeto inicial de tese. Os pedidos deverão ser subscritos por dois pesquisadores co-orientadores, de áreas de conhecimento distintas, ainda que o bolsista esteja matriculado em um único curso de pós-graduação. Os currículos dos co-orientadores devem acompanhar o pedido. A documentação deve ser enviada, preferentemente, em forma eletrônica para o endereço eletrônico: ProgramaNano@nano.org.br lsubject: BolsaNanoJ Ou em cópia-papel para: LNLS Caixa Postal 6192 - Campinas, SP - CEP 13084-971 (o envelope deverá conter a sigla BolsaNano)

96 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86

Especialização - Mestrado - Doutorado

o Departamento

de Ciência da Religião iniciou suas atividades em junho de 1969. A princípio funcionava oferecendo disciplinas eletivas para os diversos cursos de graduação da universidade. Uma nova etapa ocorreu em 1991, com o nascimento da experiência de pósgraduação lato sensu em ciência da religião na UFJF (curso de especialização). O mestrado deu seqüência ao processo, iniciando-se em setembro de 1993. O próximo passo de toda esta caminhada foi a aprovação do projeto de doutorado em ciência da religião na UFJF em julho de 1999. Com o curso de doutorado, o programa entrou em sua fase de maturidade. Isso foi ratificado com a atribuição do conceito 5 para o programa por parte da Capes, na avaliação acadêmica de 2001. Juntamente com as atividades de ensino, o programa vem incentivando a produção científica dos docentes e discentes com a afirmação do Núcleo de Pesquisas em Religião (Neprel) e a revista Numen. Telefone:(Qxx32)3229-3112 e-mail: ciencia.religiao@artneLcom.br site: www.artneLcom.br/-creI Endereço: ICH L Programa de Pós-Graduaçãoem Ciênciada Religião Secretaria'de Pós-Graduação- CampusUniversitário

Vagas para docente no Instituto de Ciências Biomédicas Departamentos

de Microbiologia

e de Imunologia

Inscrições abertas até 16 de maio para seleção de docentes na categoria de professor doutor. Departamento

de Parasitologia

Inscrições abertas para uma vaga de professor doutor até 17 de junho. Edital e mais informações: http://www.icb.usp.br.página do ServiçoAcadêmico, item Concurso. e-mail: svacadem@icb.usp.br Fone: (11) 3091-7395 - Fax: (11) 3091-7423


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PESQUISADOR

BUSCA PARCERIA

Professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) vinculado ao Instituto de Ciências Agrárias e ao Programa de PG em Agronomia (apoiado pela Capes) trabalha em área de pesquisa relacionada com sistema de plantio direto com ênfase na procura de culturas alternativas na produção de palha/grãos para o inverno e o manejo via subsemeadura e/ou sobressemeadura. Tem pesquisas em andamento sobre o uso de N-fertilizante (manejo integral), em culturas de renda e de inverno, utilizando isótopos estáveis (ex: 15N e 34S).

o pesquisador se coloca à disposição de seus pares e alunos de pós-graduação de outras universidades públicas ou privadas e institutos e fundações que queiram fazer parceria na formação de recursos humanos na área descrita. O discente poderá desenvolver seu trabalho de pesquisa na região do Triângulo Mineiro, e completar seus requisitos curriculares na unidade de origem. São oferecidos tema, financiamento e apoio, como uso de fazenda, para a elaboração da pesquisa pelo interessado. Em troca, sugere co-orientação e apoio financeiro. Contato e informações: WaldoA. R. Lara Cabezas Telefone: (34) 3218-2225, ramal 231 e-mail: waldolar@triang.com.br

Processo Seletivo para UNICAMP

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Docentes

Instituto

de Biologia

Departamento de Fisiologia e Biofísica Disciplinas- A Célula, Biofísica e Fisiologia Geral I, Biofísica e Fisiologia Geral Il, Fisiologia e Biofísica Humana Básica, Fisiologia Humana I, Morfologia I, Neurociências. Inscrições: até 18/4/2003. Regime: RTP Departamento de Microbiologia e Imunologia Disciplinas- Imunologia, Microbiologia. Inscrições: até 22/4/2003. Regime: RTP Informações: Maria Conceição Francisco Romero: liromero@unicamp.br - Telefone: (19) 3788-6357

GOVERNO DO ESTADO DE

SÃO PAULO CUIDANDO

DE GENTE

SECRETARIA DE AGRICULTURA E ABASTECIMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO Vagas para pesquisadores científicos A Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), uma das mais importantes instituições de pesquisa do Hemisfério Sul, ligada à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, reforça sua equipe de cientistas a partir de abril com a abertura das inscrições para o concurso público de provas e títulos destinado ao provimento de 30 vagas de pesquisadores científicos. E também já prepara um novo edita I para daqui a algumas semanas para mais 352 novas vagas, dessa vez dirigidas a pesquisadores iniciantes, o que representará um incremento total de 60,7% no quadro dos atuais 629 cientistas da APTA. De acordo com Edital CPRTI n° 1112003 publicado dia 22 de março, no Diário Oficial do Estado de São Paulo, as inscrições para o concurso devem ser realizadas entre os dias 22 e 30 de abril, das 9hOO às 15hOO.As 30 novas vagas serão destinadas a pesquisadores científicos com pelo menos seis anos de experiência, avaliados de acordo com o currículo. Os 382 novos pesquisadores científicos irão atuar em áreas estratégicas definidas pela secretaria e pelo governo de São Paulo, como comércio exterior, desenvolvimento regional, entre outros segmentos que visam a elevar a competitividade dos agronegócios paulistas, gerando emprego e renda no campo. Os 30 pesquisadores experientes vencedores do primeiro concurso irão liderar as equipes formadas com os novos cientistas em início de carreira. Informações Os editais dos concursos públicos e demais informações sobre o concurso podem ser encontrados no site www.apta.sp.gov.br ou enviando mensagens para apta@apta.sp.gov.br.

PESQUISA FAPESP 86 • ABRIL DE 2003 • 97


fR~l E FINA L ~F CLAUDIUS

98 • ABRIL DE 2003 • PESQUISA FAPESP 86


Projeto Genoma

do Eucalipto

OPORTUNIDADE ANÁLISE

DO BANCO

FORESTS

EucaJyptus Genome Project Consortium

• OBJETIVO Consórcio de empresas do setor florestal convida PESQUISADORES a analisarem banco de seqüências de genes expressos (ESTs) de Eucalipto com vistas ao estabelecimento

de

parcerias de inovação tecnológica . • HISTÓRICO O Projeto FORESTS é fruto do Programa de Inovação Tecnológica em Empresas (PITE) da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e foi desenvolvido em parceria pelo grupo de Genomas da Agricultura e Meio-Ambiente

(AEG), que

agrega instituições de pesquisa do Estado, e pelo consórcio das empresas Duratex S/A, Ripasa S/A Celulose e Papel, Suzano e Votorantim Celulose e Papel. O projeto resultou no seqüenciamento

de 120.000 ESTs de eucalipto, isolados de vários

tecidos vegetais submetidos a diferentes condições ambientais, e na organização de um dos maiores bancos de genes de uma espécie arbórea da atualidade em nível mundial. Desta forma, dando continuidade

ao projeto, o Consórcio convida pesquisadores

inte-

ressados em analisar o referido banco conforme instruções a seguir. • APRESENTAÇÃO DE PROPOSTAS DE ANÁLISE DO BANCO Pesquisadores interessados em analisar o b~nco de dados FORESTS deverão submeter uma proposta concisa, no máximo de duas páginas, contendo objetivos, possíveis aplicações tecnológicas das análises, descrição da equipe de trabalho e sumula curricular dos pesquisadores principais. As propostas deverão ser encaminhadas

via e-mail para

forests@esalq.usp.br até o dia 30 de maio de 2003. • EXECUÇÃO DAS ANÁLISES As propostas serão avaliadas pelo Consórcio num prazo máximo de 30 dias após o encerramento das inscrições. Mediante aprovação, serão concedidas senhas de acesso ao banco aos pesquisadores, que deverão assinar termo de confidencialidade. Não haverá contrapartida financeira por parte do Consórcio ou da FAPESP para a execução das análises. As análises deverão ser concluídas num prazo máximo de 6 meses. Os pesquisadores deverão apresentar relatórios bimensais de atividades e uma apresentação oral de seus resulta-

[

dos e de suas perspectivas em um workshop cuja data será anunciada oportunamente. O Consórcio prevê o estabelecimento de parcerias para o desenvolvimento

de projetos de

inovação tecnológica com pesquisadores que apresentem propostas de relevância para o setor florestal com base em resultados de suas análises.

V

.Duratex

111(ltripasa

~ SUZANO

Votorantim Celulose e Papel



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