Envelhecer na metrópole

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Projeto Genoma do Eucalipto o""'"

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OPORTUNIDADE ANÁLISE

DO BANCO

FORESTS

Eucalyptus Genome Project Consortium

• OBJETIVO Consórcio de empresas do setor florestal convida PESQUISADORES a analisarem banco de seqüências de genes expressos (ESTs) de Eucalipto com vistas ao estabelecimento

de

parcerias de inovação tecnológica, • HISTÓRICO O Projeto FORESTS é fruto do Programa de Inovação Tecnológica em Empresas (PITE) da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e foi desenvolvido em parceria pelo grupo de Genomas da Agricultura e Meio-Ambiente

(AEG), que

agrega instituições de pesquisa do Estado, e pelo consórcio das empresas Duratex S/A, Ripasa S/A Celulose e Papel, Suzano e Votorantim Celulose e Papel. O projeto resultou no seqüenciamento

de 120.000 ESTs de eucalipto, isolados de vários

tecidos vegetais submetidos a diferentes condições ambientais, e na organização de um dos maiores bancos de genes de uma espécie arbórea da atualidade em nível mundial. Desta forma, dando continuidade

ao projeto, o Consórcio convida pesquisadores

inte-

ressados em analisar o referido banco conforme instruções a seguir. • APRESENTAÇÃO DE PROPOSTAS DE ANÁLISE DO BANCO Pesquisadores

interessados em analisar o banco de dados FORESTS deverão submeter

uma proposta concisa, no máximo de duas páginas, contendo objetivos, possíveis aplicações tecnológicas das análises, descrição da equipe de trabalho e sümula curricular dos pesquisadores

principais. As propostas deverão ser encaminhadas

forests@esalq.usp.br

via e-mail para

até o dia 30 de maio de 2003.

• EXECUÇÃO DAS ANÁLISES As propostas serão avaliadas pelo Consórcio num prazo máximo de 30 dias após o encerramento das inscrições. Mediante aprovação, serão concedidas senhas de acesso ao banco aos pesquisadores, que deverão assinar termo de confidencialidade.

Não haverá contra-

partida financeira por parte do Consórcio ou da FAPESP para a execução das análises. As análises deverão ser concluídas num prazo máximo de 6 meses. Os pesquisadores deverão apresentar relatórios bimensais de atividades e uma apresentação oral de seus resultados e de suas perspectivas em um workshop cuja data será anunciada oportunamente. O Consórcio prevê o estabelecimento de parcerias para o desenvolvimento

de projetos de

inovação tecnológica com pesquisadores que apresentem propostas de relevãncia para o setor florestal com base em resultados de suas análises.

Duratex

111r-ripasa

~ SUZANO

."

Votorantim Celulose e Papel

[


Ciência e Tecnologia no Brasil www.revistapesquisa.fapesp.br

REPORTAGENS

SEÇÕES CARTAS

5

CARTA DO EDITOR

7

OPINIÃO

9

MEMÓRIA

10

Com apenas 20 anos, Oswaldo Cruz publicava seu primeiro trabalho

ESTRATÉGIAS Tecnologia contra a fome Exército dos EUA e a biotecnologia Patrimônio roubado no Iraque Fuga da estação antártica Genoma humano está mapeado Polêmica divide britânicos

12 12 12 13 13 13

CAPA Quem são e como vivem os idosos de São Paulo

CIÊNCIA GEOLOGIA 32

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Marcas em rochas mostram que geleiras cobriram o Nordeste há 300 milhões de anos 40

ECOLOGIA Mais verba para P&D na Índia Otan reduz apoio à ciência Ciência na web Amazonas organiza sistema de C&T Coleção reúne imortais Acordo amplia intercâmbio Um olhar sobre o design brasileiro Site da FAPESP de cara nova Cooperaçãotecnológica Novo instituto oceanográfico Estímulo franco-brasileiro ..........•... Novidades no Programa Prossiga Inpa promove cultura indígena

14 14 14 15 15 15 16 16 16 17 17 17 17

LABORATÓRIO O Sol, um pouco mais quente

28

LEGISLAÇÃO

Contaminação de rios por petróleo na Amazônia ameaça peixes com respiração aérea

44

BIOQUÍMICA

Pesquisadores querem rever regras que limitam acesso ao patrimônio genético 18

Descobertas sobre proteína importante na formação do cérebro viabilizam acordo com multinacional ....

46

BIOFÍSICA

GENÔMICA Bovinos da raça nelore terão DNA seqüenciado

22

IMUNOBIOLÓGICOS Fábrica de vacinas contra a gripe vai gerar economia de R$ 94 milhões anuais .....

24

COOPERAÇÃO Itamaraty instala centro para apoiar políticas de C& T

27

Equipe carioca mostra como os impulsos nervosos se propagam e explica o mecanismo de ação dos anestésicos 50 PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 3


___________

• --..,;;P;,.......e.;:...,,;s~quJ!!ia

REPORTAGENS

SEÇÕES Nova base para drogas anti-H IV Equação explica as formas da natureza Férias fazem bem ao coração Luz perde velocidade O mais antigo deus andino Fertilizantes naturais Músculos feitos de nanotubos de carbono

Ciência e Tecnologia no Brasil

28 28 29 29 29 29 30

GENÉTICA

AMBIENTE

Nova técnica bloqueia produção de proteína em abelhas e acena com aplicações mais abrangentes

54

FÍSICA Modelo matemático

a competição entre as moléculas que permitiu o surgimento

Menstruação reduz plaquetas no sangue Baratas ampliam risco de asma O estado atual da paisagem

30 30 31

SCIELO NOTÍCIAS

62

80

das enchentes

descreve

HUMANIDADES 58

dos seres vivos na Terra

Portões serão instalados no fundo do Mar Adriático para tentar salvar Veneza

ENTREVISTA

TECNOLOGIA AGRONOMIA Empresa de Piracicaba

produz

e exporta insetos para

LINHA DE PRODUÇÃO Pneus viram óleo combustível

combater pragas agrícolas ....

68

64 Eleito para a Academia

SOFTWARE

Brasileira de Letras, Alfredo Bosi reafirma

crença

no poder do lirismo

82

SOCIOLOGIA

Polímeros com um toque de silício Mistura para toda obra Sensor alimentado por fluido corporal DVD para TV de alta definição Prumo vai ao Nordeste Programas para gerenciar rodovias FAPESP recebe roya/ties por patente Buriti na construção civil Menos riscos no processo produtivo Patentes

64 64 65 65 65 65 66 66 67 67

RESENHA

94

História da Cidadania, Jaime Pinsky

Unicamp formulam sistema de fala do computador com jeito brasileiro

72

LANÇAMENTOS

95

CLASSIFICADOS

96

ARTE FINAL Claudius

98

Estudo analisa a dificuldade dos profissionais do Direito de serem independentes e, ao mesmo tempo, servir ao Estado

QUÍMICA USP desvenda, em estudo pioneiro, composição química

88

MOVIMENTO CULTURAL

da cachaça, a mais popular

74

bebida brasileira

e Carla Bassanezi Pinsky (orqanizadores)

4 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

Lingüistas e engenheiros da

BIOMATERIAIS

Tese esmiúça a história da composição atonal brasileira

91

Novos cimentos e membranas odontológicas

representam

economia nas restaurações e implantes

.....

78

Capa: Hélio de Almeida Fotos: Juca Martins/Olhar Imagem (idoso), Miguel Boyayan (fundo)


cartas@fapesp.br

Queimadas

Resposta do editor: Agradecemos os comentários.Aproveitamos a oportunidade, contudo, para informar que a cobertura de Pesquisa FAPESP refere-se a produção de ciência e tecnologia no país. A revista publica normalmente reportagens sobre projetos de pesquisa realizados nos demais estados brasileiros, e não apenas em São Paulo, desde o começo de 2002.

Parabéns pela reportagem "Sombras sobre a Floresta", publicada na edição 86 desta revista. Sugiro agora que seja feito o mesmo em relação às queimadas dos canaviais do Estado de São Paulo. Um bom ponto de partida para tanto é o livro de Daniel Bertoli Gonçalves, A Regulamentação das Queimadas e as Mudanças nos Canaviais Paulistas, cuja publicação pela RiMa Editora, de São Carlos, no ano de 2002 foi apoiada pela FAPESP. TAMÃS SZMRECSÃNYI

Instituto de Geociências Universidade Estadual de Campinas Campinas, SP

Música Parabéns pela belíssima edição nv 86. Para a equipe de estudo da Cadeia Produtiva da Economia da Música foi uma honra a publicação da reportagem ''A Beleza que Põe a Mesa", bem escrita por Renata Saraiva. LUlZ CARLOS PRESTES FILHO

Coordenador do estudo Cadeia Produtiva da Economia da Música Rio de Janeiro, RJ

Cobertura abrangente Gostaria de agradecer pela ótima reportagem sobre o nosso trabalho publicada no n= 86 de Pesquisa FAPESP ("A Pressão da Vida Moderna"). A forma como esse artigo saiu acabou sendo muito especial para mim. Primeiramente fico muito feliz pelo espaço tão amplo para apresentar o nosso trabalho na revista. Afinal, não é todo o dia que uma pesquisa feita aqui no Rio, na UFRJ, aparece com tamanho destaque em uma publicação sobre pesquisa em São Paulo. Com tantos projetos em andamento em São Paulo, nos deixa orgulhosos poder mostrar nosso trabalho e abrir um espaço de divulgação entre os nossos colegas paulistas. Esse núme-

Revista ro também é especial porque nele há duas outras reportagens sobre a Amazônia, uma sobre as queimadas ("Sombras sobre a Floresta"), que também afetam as populações humanas com as quais trabalhamos, e uma outra sobre o censo dos animais do Pará ameaçados de extinção ("Proteção à Biodiversidade"), realizada pela Conservation International e pelo Museu Paranaense Emilio Goeldi (MPEG). Eu sou paraense, iniciei minha carreira como bolsista de iniciação científica no MPEG e trabalhei lá até sair para a pós-graduação nos Estados Unidos. Considero o MPEG minha alma matter cientifica. Há ~inda um outro fato que faz esse número de Pesquisa FAPESP especial para mim. Nele há um artigo sobre o mapa da Carste de Lagoa Santa, feito pelo grupo do Walter Neves. O Walter foi o meu primeiro orientador, ainda em Belérn, quando organizamos o Núcleo de Biologia Humana, o primeiro desse tipo na Amazônia, na década de 1980, no MPEG. Temos continuado a trabalhar juntos em alguns projetos e ele tem um capítulo no livro que devemos lançar este ano sobre o povoamento das Américas. O Walter é um dos cientistas mais competentes e exigentes que já conheci, e me deixa especialmente contente estar lado a lado com ele na mesma revista. HILTON

P.

SILVA

Museu Nacional/UFRJ Rio de Janeiro, RJ

Recebo a revista há seis anos, mais precisamente desde o número 19, quando tomei contato com as primeiras publicações, impressas em papel muito diferente - na realidade, um informativo. Inicialmente essa publicação foi muito importante para meu trabalho de mestrado. Atualmente atuo na área de produção de material didático para o ensino fundamental e a revista proporciona um trabalho imprescindível ao ensino: aproximar o trabalho acadêmico e científico do ensino escolar. ANDRESSA BOUGIAN

Londrina - PR

Água Li o artigo publicado em Pesquisa FAPESP (edição nv 83) "Águas Controladas': de autoria de Dinorah Ereno. Como engenheiro naval da Marinha, trabalhei durante vários anos de minha carreira na Diretoria de Comunicações e Eletrônica em projetos de desenvolvimento de sistemas e fabricação de equipamentos no país. Com relação ao Sistema de Monitoramento de Água em Tempo Real Smart, citado na reportagem, embora tenha conhecimento de sistemas similares, já em operação no país, sediados em plataformas fixas ou em bóias (caso dos sistemas operando na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, nas represas Billings, Guarapiranga e Taiaçupeba, em São Paulo, e em outros PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 5


lugares), chamou-me a atenção o fato de o sistema desenvolvido no Instituto Internacional de Ecologia (IIE) estar utilizando uma plataforma flutuante de pequeno porte, a ser ancorada nos locais em que se deseja medir a qualidade da água, e a utilização de uma sonda móvel automatizada. Ora, a confiabilidade do sistema, a ser calculada para as condições mais desfavoráveis, depende de todos os seus elementos, quer eletrônicos, quer mecânicos. Surgiram-me algumas dúvidas, razão da minha presente consulta: Gostaria de saber se houve algum teste de flutuabilidade em laboratórios específicos ou experimentação de campo para verificar o comportamento da plataforma em grandes reservatórios e outros locais, onde é possível a ocorrência de ventos fortes e ondas de grande repetição e relativo porte. Em suma, se a resistência da plataforma foi verificada para essas condições. Embora não esteja claramente indicado, acredito que o sistema de movimentação da sonda seja comandado por um motor elétrico. Se for o caso, gostaria de saber as normas e testes feitos nesse subsistema, pois é de amplo conhecimento, na literatura e na prática, que os sistemas desse tipo se constituem pontos críticos para os projetos navais. Por fim, considerando que a plataforma sofre deslocamentos laterais, ocasionados pelos ventos e correntes, gostaria de saber da existência de algum sistema de orientação para o sensor de direção do vento, sem o qual essa informação seria apenas aproximada. Mais uma vez, parabéns ao professor e sua equipe pelo projeto do sistema. Gostaria de enfatizar a minha sincera intenção de cooperar com o aperfeiçoamento desse importante trabalho. CÉSAR MOACIR

BASTOS CARDOSO

Rio de Janeiro, RJ Resposta de José Galizia Tundisi, coordenador do projeto PIPE/FAPESP: 1) Houve experimentação de campo e testes para verificar se a plataforma resistiria a condições adversas. O atual formato e a flutuabilidade do sistema já são conseqüência desses testes. 6 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

sobre a ecologia da fauna, principalmente aquela ameaçada de extinção como é o caso desses primatas. Quero também sugerir que vocês editem alguma reportagem sobre ecologia de lagartos, pois existem grandes pesquisadores aí no Sudeste (por exemplo, Carlos F. D. Rocha; Monique Van Sluys) que desenvolvem trabalhos científicos nessa área. JERRIANE OLNEIRA

GOMES

São Luís, MA

Propriedade intelectual A plataforma funciona muito bem em condições de vento e ondas fortes. Os testes foram feitos em represa, em local aberto e bastante ventilado, com ventos oscilando entre O e 20-25 km/h. Não testamos a plataforma ainda em condições marinhas, o que poderá ser feito mais adiante; 2) A estação climatológica tem um sistema de orientação para posicionar os sensores em função da direção dos ventos; 3) O sistema elétrico para movimentação vertical dos sensores foi bastante testado e, afora alguns problemas iniciais já resolvidos, também se mostrou satisfatório. Em resumo, a plataforma resiste a condições adversas em represas de grande e pequeno porte, tem sistema de orientação embutido na estação climatológica. É necessário testar no mar; o que faremos em futuro próximo. A plataforma já está em funcionamento em condições de campo há oito meses e tem funcionado regularmente. Agradeço a atenção e o apoio.

Muriquis Sou graduando em Ciências Biológicas na Universidade Federal do Maranhão. Quero parabenizar Pesquisa FAPESP, a qual assinei recentemente, pela excelente reportagem sobre "Macacos Quase Falantes" (edição nv 85), que mostrou aspectos do comportamento social dos muriquis, como a capacidade de se comunicarem utilizando sons que se aproximam das vogais e consoantes produzidos por nós, humanos. Torna-se muito importante o conhecimento

Sempre leio a versão on-line da revista Pesquisa FAPESP e fiquei muito espantado e feliz por saber do progresso feito pelos pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) com relação à doença de Chagas, principalmente no que diz respeito a cubebina, composto testado e com potencial ação antichagásica. Gostaria de enfatizar minha satisfação em saber do relatado progresso e, principalmente, enaltecer a atitude de vanguarda demonstrada ao se patentear a presente inovação. É preciso que se tome consciência do papel da pesquisa científica como meio de conquista da soberania e independência de um país! Sem mais, subscrevo-me agradecendo a atenção. FELlPE SEMAAN

Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas (EFOA/CEUFE) Alfenas,MG

Correções A foto do cofre do Banco do Brasil na sua primeira sede em São Paulo, página 107 de Pesquisa FAPESp, edição nv 85, está invertida. Na foto à página 6 do suplemento especial Dupla Hélice - 50 Anos, que circulou com a edição nO86, Iames Watson está à esquerda e Francis Crick, à direita.

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-rnail cartas@fapesp.br, pelo fax (l l) 3838-4181 ou para a Rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.


CARTA

Pesquisa

Retratos sem retoque

FAPESP CARLOS VOGT PRESIDENTE PAULO

EOUAROO OE ABREU vleE-PRESIDENTE

MACHAOO

CONSELHO SUPERIOR AOILSON AVANSI OE ABREU, ALAIN FLORENT STEMPFER, CARLOS HENRIQUE OE BRITO CRUZ, CARLOS VOGT, FERNANOO VASCO LEÇA 00 NASCIMENTO, HERMANN WEVER, JOSE JOBSON OE ANORAOE ARRUOA, MARCOS MACARI, NILSON OIAS VI EIRA JUNIOR, PAULO EDUAROO OE ABREU MACHAOO, RICAROO RENZO BRENTANI, VAHAN AGOPYAN CONSELHO TECNICO-AOMINISTRATIVO FRANCISCO ROMEU LANOI DIRETOR PRESIDENTE JOAQUIM J. OE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO JOSE FERNANOO PEREZ OIRETORCIENTiFICO PESQUISA

FAPESP

CON5ElHDEOITORIAl

ANTONIO CECHELll

DE MATOS PAIVA, EDGAR OUTRA

ZANOTTO, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTrNHO, FRANCISCO ROMEU LANOI, JOAQUIM J. OE CAMARGO ENGLER, JOSÉ FERNANOO PEREZ, Luis NUNES OE OLIVEIRA, LUIZ HENRIQUE LOPES OOS SANTOS, PAULA MONTERO, ROGÉRIO MENEGHINI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA EDITOR CHEFE NELOSON MARCOllN EOITORASfNIOR OA GRAÇA MASCARENHAS

MARIA

DIRETOR DE ARTE HELIO OE ALMEroA EDITORES CARLOS FlORAVANTr ICIÊNCIA) CLAUOIA IZIQUE (POLlTlCAC&Tl MARCOS OE OLIVEIRA mCNOlOGIA) HEITOR SHIMIZU (VERSÃO ON UNE! REPÓRTER MARCOS

ESPECIAL PIVETTA

EDITORES-ASSISTENTES ERENO, RICAROO

OINORAH

ZORZETTO

CHEFE DE ARTE MARIA OOS SANTOS

TÂNIA

DIAGRAMAÇAO JOSE ROBERTO

MEOOA,

LUCIANA

FOTóGRAFOS CESAR, MIGUEl

EDUARDO

FACCHINI

BOYAYAN

COLABORADORES GRECCO, BRAZ, CLAUOIUS, OEBORA CRIVELLARO, FRANCISCO BICUOO, GIL PINHEIRO, JORGE COTRIN, JOSE ÂNGELO SANTrLlI, LAURABEATRIZ,

ALESSANORO

PAULO GUILHERME <ON-L1NEl, RINALDO GAMA, SAMUEl ANTENOR, SI RIO J. B. CANÇADO, THIAGO ROMERO (ON-lINE), TlAGO

TEl.

(11)

MARCONI, TERESA MALATlAN, YURI VASCONCELOS ASSINATURAS TELETARGET 3038-1434 - FAX:

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ATRASADOS

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Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPfSP É PROI8IOA OE TEXTOS

A REPRODUÇÃO

TOTAL

E FOTOS SEM PRÉVIA

SECRETARIA OA CI~NCIA E DESENVOLVIMENTO

GOVERNO

DO ESTADO

DO EDITOR

OU PARCIAL AUTORIZAÇÃO

TECNOLOGIA ECONOMICO

DE SÃO PAULO

E

nvelhecer é, certamente, uma experiência complexa. E não apenas pela redução gradativa do vigor, da agilidade normal do adulto, não apenas pelo comprometimento progressivo das funções vitais do organismo, pelas doenças freqüentes, e dramáticas mudanças na aparência física. É que, para além de tudo isso, constitui os subterrâneos dessa experiência e nela emerge como sombra sobre o rolar do tempo, às vezes sutil, às vezes espessa, mais percebida por uns e deliberadamente olvidada por outros, a angústia da finitude - a consciência da morte como devir real e próximo. Se isso não impede as sensações de prazer, o riso e sentimentos positivos, como a alegria, neles contudo se imiscui, conferindo à velhice sua face particular, seu humor próprio. Essa experiência pode ser rica, pode ser fecunda. E, sobretudo, pode ser vivida de forma mais difícil ou mais fácil, na dependência, em grande parte, da realidade social em que se inserem os idosos. Isso fica evidente na reportagem de capa desta edição, a partir da página 32, sobre um extenso estudo que mostra como vivem e qual o estado de saúde dos habitantes do município de São Paulo na faixa etária a partir dos 60 anos. O contingente de qua~ 1 milhão de idosos que vivem na capital paulista - analisado por uma amostra de 2.143 pessoas - corresponde a pouco mais de 9% de sua população. Conforme relata o repórter especial Marcos Pivetta, sua idade média é de 69 anos, há nesse contingente 60% de mulheres, 20% de pessoas que jamais foram à escola, 60% que estudaram menos de sete anos e 87% do total fazendo uso de algum medicamento. Há muitos outros números no estudo, mas o principal indicativo de que as condições sociais têm forte impacto sobre a experiência individual do envelhecer aparece nesse dado que articula educação e saúde: 65% dos idosos sem escolaridade classificam sua saúde como ruim ou má, resultado que se situa dez pontos percentuais acima daquele obtido no total da amostra. E mais: a ocorrência de problemas cognitivos, como

perda de memória e raciocínio, apresentou-se em 17% dos que nunca freqüentaram a escola, em 5% dos que estudaram por até sete anos e em 1% dos que estudaram por mais de sete anos. Na reportagem sobre os idosos, subjaz, sem dúvida, a idéia de tempo, que mais visível vai se impor em outros textos desta edição - não com as sonoridades afetivas e a carga filosófica que o conceito com freqüência traz, mas desdobrando-se em medidas objetivas a que diferentes manejos científicos o submetem. Assim, encontramos o tempo longo das transformações geológicas na reportagem sobre uma pesquisa que prova que houve uma glaciação no Nordeste brasileiro. O sertão nordestino, hoje marcado pelos mandacarus, pelas secas e calor intenso, estava há cerca de 300 milhões de anos, relata o repórter Francisco Bicudo (página 40), coberto por geleiras. E deparamos com um tempo infinitamente mais longo no texto sobre a gênese do DNA, em que o editor Carlos Fioravanti apresenta (página 58) o modelo matemático que reconstitui a competição entre moléculas da qual emergiu vencedor o DNA, há prováveis 4,5 bilhões de anos. Depois desse mergulho num passado tão remoto, vale olhar o presente mais palpável e o futuro. Chamamos atenção, por exemplo, para a reportagem de Dinorah Ereno sobre a empresa que produz e exporta insetos destinados a combater pragas agrícolas (página 68). E, para finalizar, destaque para a notícia sobre o começo do projeto do genoma bovino, que envolve simultaneamente seqüenciamento genético e análise funcional (página 22). Financiado em parceria pela Central Bela Vista Genética Bovina e FAPESP, o projeto será iniciado neste mês, o que mostra que o país está andando rápido nessa área - para efeito de comparação, registre-se que o Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano, dos Estados Unidos, anunciou que seu projeto de seqüenciamento completo do genoma bovino terá início provavelmente em setembro. MARlLUCE

MOURA

- DIRETORA

DE REDAÇÃO

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 7


PROGRAMA DE PESQUISAS EM POLÍTICAS PÚBLICAS 6° EDITAL A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP torna público que estão abertas as inscrições para apresentação de pré-projetos de pesquisa no âmbito do Programa de Pesquisas em Políticas Públicas. O prazo para apresentação de pré-projetos é 30 de maio de 2003.

CARACTERÍSTICAS

DO PROGRAMA

A FAPESP propõe-se a apoiar projetos de pesquisa aplicada que visem à produção e sistematização de conhecimentos relevantes para a definição e implementação de políticas públicas de significativa importância social, a serem realizados em parceria com instituições governamentais ou não, responsáveis por seu traçado e execução. Embora a demanda individual possa ser acolhida, o Programa dará prioridade a projetos cooperativos, que reúnam grupos de especialistas, de modo a garantir o maior alcance e a melhor coordenação das questões a serem pesquisadas. Segundo os termos dessa parceria, a FAPESP será responsável pelo financiamento das atividades de pesquisa e também pela participação no projeto de técnicos alocáveis na instituição parceira, segundo as normas usuais e na forma de bolsas. Por seu lado, a instituição parceira deverá, desde o princípio, demonstrar concretamente seu interesse no projeto, participando de sua concepção e assumindo formalmente o compromisso de participar de sua execução e de viabilizar a implementação de seus resultados. Esse compromisso institucional será um importante item na avaliação da proposta.

OBJETIVOS DO PROGRAMA A FAPESP propõe-se a apoiar pesquisas interdisciplinares que tenham como objetivo: • a produção de diagnósticos que identifiquem obstáculos e dificuldades enfrentados na área de ação social do poder público, estadual ou municipal, de modo a permitir a formulação de políticas que respondam a necessidades sociais existentes no Estado de São Paulo; • a produção de análises sobre formas de gestão originais e políticas públicas inovadoras, que subsidiem a formulação de políticas públicas criativas e adequadas ao Estado de São Paulo; • a elaboração de metodologias padronizadas e acessíveis de avaliação de políticas públicas, inclusive mediante a transferência de tecnologias apropriadas; • a sistematização, disseminação, avaliação e balanço dos trabalhos-acadêmicos que acumularam conhecimento nas áreas de atuação pertinentes às políticas públicas, bem como a divulgação das experiências passadas bem-sucedidas.

APRESENTAÇÃO

DE PROPOSTAS

Cada proposta deve ser apresentada por um coordenador, necessariamente um pesquisador com demonstrada capacidade de liderança e expressiva experiência na área de conhecimento em questão. Deve ser descrita a equipe executora, formada, preferencialemnte, por pesquisadores experimentados. O projeto, com características de pesquisa aplicada, deverá contar com uma contrapartida da instituição parceira, pública ou privada (distinta da do coordenador), interessada no desenvolvimento da pesquisa. Entende-se como contrapartida o compromisso da instituição parceira na capacitação de uma equipe destinada a participar do projeto e na execução da proposta. A proposta deverá descrever: a) a experiência da equipe no campo de pesquisa em que se insere o projeto; b) as atividades de pesquisa a serem desenvolvidas no âmbito do projeto; c) as formas de participação da instituição parceira na definição dos objetivos e na execução do projeto, e o grau de viabilidade da implementação de seus resultados por essa instituição.

PRÉ-PROJETOS Os pré-projetos considerados conformes aos objetivos visados pela FAPESP serão convidados a apresentar para avaliação, em prazo a ser oportunamente estipulado, propostas detalhadas. Veja a íntegra do edital e informações adicionais

110

site:http://www.fapesp.br


OPINIÃO

VLADIMIR

JESUS

TRAVA

AIROLDI

Uma vitória do espírito empreendedor Nem tudo foi fácil, mas o risco valeu a pena começo. Ela trará para o país a prática da criação de emma das principais frentes de alcance da tecnolopregos qualificados em setores onde predomina a imgia de alto valor agregado, que aproximam o seportação de produtos industrializados e de alta tecnolotor acadêmico do setor produtivo nos países gia. Também vai permitir que um pesquisador possa ser desenvolvidos, são os programas de inovação tecnolóempreendedor sem perder o vínculo com a instituição. gica. No Brasil, eles começam a mostrar sua força, Criar essa cultura no país, sabemos, é uma tarefa dicomo, por exemplo, O Programa de Inovação Tecnolófícil, mas plenamente possível. Para exemplificar, podegica em Pequenas Empresas (PIPE) idealizado pela FAmos citar as etapas pelo qual o projeto PESP.A empresa Clorovale participou diamante-CVD, iniciado no Inpe, pasdesse programa, concluiu pesquisas, sou até alcançar o mercado. Elaborado desenvolveu e industrializou dispositipara buscar aplicações espaciais, o provos em diamante sintético (diamantejeto mostrou também a possibilidade CVD), tornando-se a primeira indúsde fazer caminhar, paralelamente, outria do mundo a fabricar e vender, com tras aplicações de alto valor agregado esse material, pontas odontológicas "A Clorovale que pudessem alcançar o mercado desacopladas a aparelhos de ultra-som em é a primeira de que a razão custo-benefício fosse desubstituição às tradicionais de rotação. empresa vidamente justificável. Visualizou-se, Com isso, ela é a primeira empresa a então, as brocas odontológicas com pagar royalties à FAPESP (veja nota na a pagar ponta de diamante-CVD, onde o conpágina 66), que financiou as pesquisas roya/ties sumidor direto seria o dentista, uma e a patente. Para os pesquisadores, isso para a classe já habituada com inovação, emsignifica uma vitória do espírito embora, em grande parte, importada. Uma preendedor de uma equipe que assuFAPESP" vez demonstrada a viabilidade técnica, miu o risco do erro com uma imensa várias empresas da área odontológica vontade de acertar. foram contatadas a fim de se buscar a Porém, nem tudo foi fácil. São industrialização. Entretanto, não houve imensas as dificuldades que um pesquiêxito. Dessa forma, a saída foi criar um sador-empreendedor enfrenta, não apeempreendimento que, com a ajuda do nas para garantir financeiramente o PIPE, estudou a viabilidade técnica e econômica e efeprojeto, mas para superar os entraves burocráticos que tuou a transferência da tecnologia do Inpe. Depois dedificultam o caminho do empreendedorismo aliado à senvolveu o processo de produção e, por fim, com a ajualta tecnologia. A exemplo da equipe fundadora da Cloda de financiamento da Financiadora de Estudos e rovale, em grande parte oriunda do Instituto Nacional Projetos (Finep), dentro do Programa Inovar, foi possíde Pesquisas Espaciais (Inpe), a atividade empreendedovel desenvolver o marketing adequado e o início das resra necessita ir além das atividades acadêmicas. Hoje, essa pectivas vendas de um produto inédito no mundo. Com prática não possui facilidades que garantam a continuiisso, a administração da empresa precisou se tornar muidade do projeto empresarial sem perda do vínculo com to dinâmica, exigindo conhecimento sobre a gestão dos a instituição precursora da pesquisa. Para isso, se faz nenegócios, o que levou os dirigentes a buscar auxílio em cessário a melhoria ou a criação de novas maneiras de um curso de Master Business Administration (MBA), avaliar a razão custo-benefício da produção científica e propiciando um aprendizado gerencial de diferentes tecnológica, incluindo o importante meio de ligação formas de abordagem da indústria com inovação. desse processo que é a indústria com inovação. Para minimizar tais dificuldades, a implantação do projeto da Lei da Inovação, idealizado pelo Ministério VLADIMIR JESUS TRAVA AlROLDI é pesquisador do Inpe de Ciência e Tecnologia (MCT), apresentado e discutido com a comunidade científica e tecnológica, já é um bom efundador da Clorovale

U

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 9


-

o sanitarista

no Instituto

Pasteur, Paris, em 1897: primeiro

brasileiro

a estudar e estagiar na instituição

Um início promissor t 1 Com apenas 20 anos, Oswaldo Cruz publicava seu primeiro trabalho

NELDSON

MARCOLIN

Cruz com outros pesquisadores em Manguinhos. Ao fundo, o castelinho em construção 10 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

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sanitarista Oswaldo Cruz viveu apenas 44 anos, mas aproveitou cada instante para aprender e participar ativamente da vida do país. A começar pela tese com a qual se doutorou, aos 20 anos. No final do século 19, os candidatos a médico matriculavam-se nos raros cursos disponíveis e tinham de preparar, escrever e defender uma tese para serem aprovados ao final de seis anos. Paulista de São Luís de Paraitinga, mas criado no Rio de Janeiro, Cruz decidiu-se pela medicina aos 14 anos. Aos 20 estava formado, sabendo exatamente o que queria fazer da vida. "Desde o primeiro dia que nos foi facultado admirar o panorama encantador que se divisa quando se coloca os olhos na ocular de um microscópio (...) enraizou-se em nosso espírito a idéia de que os nossos esforços intelectuais d' ora em diante convergiriam para que nos instruíssemos, nos especializássemos n'uma ciência que se apoiasse na microscopia", afirma Oswaldo Cruz no primeiro parágrafo da tese A Veiculação Microbiana pela Água, defendida em 8 de novembro de 1892 na Faculdade de Medicina do Rio e publicada há 110 anos. No mesmo trabalho, o patrono da Fundação Oswaldo Cruz e do sanitarismo brasileiro apresentava um aparelho inventado por ele para coletar água do solo com a menor contaminação possível,uma alternativa a máquinas estrangeiras

Cruz (ao centro, sentado) com cientistas na Casa de Chá de Manguinhos. Também sentados, Carlos Chagas (2° da esq. para a dir.> e Adolpho Lutz (o

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que ele considerava ruins. Foi só o começo de uma trajetória brilhante que contou com a colaboração de uma nova geração de cientistas, como Carlos Chagas, Adolpho Lutz, Vital Brazil e Henrique da Rocha Lima, entre outros. Cruz estudou no Instituto Pasteur (de 1896 a 1899), fundou o Instituto Soroterápico (1900), futuro Instituto Oswaldo Cruz, e tornou-se diretor-geral de

Saúde Pública (1903) aos 30 anos. Seu trabalho foi fundamental em campanhas para combater as epidemias da época. Neste ano, será possível conhecer mais sobre o cientista. A Fundação Banco do Brasil, a Odebrecht e a Casa de Oswaldo Cruz criaram uma exposição que percorrerá municípios de todo o Brasil. Mais informações: cidadania -e@fbb.org.br.

Capa da tese (à esq.) e charge na revista francesa Chanteclair, de 1911 (acima): reconhecimento internacional

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 11


• POLÍTICA

CIENTÍFICA

ESTRATÉGIAS

E TECNOLÓGICA

MUNDO

Tecnologia contra a fome

Quatro empresas de biotecnologia agrícola - Monsanto, DuPont, Syngenta e Dow AgroSciences - vão compartilhar sua experiência na produção de alimentos com a Fundação de Tecnologia Agrícola Africana, que reúne cientistas

africanos. A Fundação de Tecnologia quer identificar os principais problemas enfrentados pelos produtores do continente e, para isso, pediu ajuda às empresas. A entidade, que tem sede em Nairóbi, no Quênia, e é patrocionada pela

• Exército dos EUA e a biotecnologia

• Patrimônio roubado no Iraque

O Exército dos EUA quer recorrer à pesquisa biotecnológica para incrementar as habilidades de futuros soldados. A instituição convidou grupos de três universidades a formar parcerias com a indústria a fim de criar um Instituto de Biotecnologia Colaborativa, que receberia US$ 37 milhões em cinco anos para pesquisa básica. Sensores para armas químicas e biológicas e novos dispositivos médicos são algumas das inovações esperadas. No passado, o Exército foi criticado por sua forma de lidar com tais esquemas. Vinte e cinco universidades demonstraram interesse no novo instituto, de acordo com a revista Nature. •

A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) vai enviar uma missão com especialistas em arqueologia e patrimônio histórico ao Iraque para avaliar o estrago causado pela guerra. A Unes-

12 . MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

Fundação Rockfeller, busca novas tecnologias de produção de alimentos para resolver o problema da fome de 190 milhões de africanos na região subsaariana. A seca e as pragas são as principais dificuldades identifica das na produção

co está particularmente preocupada com o saque ao Museu Nacional de Bagdá que se seguiu à queda do regime de Saddam Hússein. O Museu Nacional, que abrigava milhares de artefatos da antiga Mesopotâmia, ficou praticamente vazio e a Biblioteca Nacional, onde estavam os exemplares mais antigos do

agrícola africana e a experiência dessas empresas no desenvolvimento de sementes geneticamente modificadas podem ajudar os produtores a enfrentar adversidades, aposta Gordon Conway, presidente da Fundação Rockfeller. •

Alcorão, foi incendiada. Entre as peças que desapareceram está um vaso de 2 metros de altura da cidade suméria de Uruk e a harpa de ouro de Ur, assim como alguns dos primeiros registros escritos. Para a arqueóloga Eleanor Robson, da Escola Britânica de Arqueologia no Iraque, ligada à Universidade de Oxford, a pilhagem do museu é um dos maiores crimes contra o patrimônio cultural da História, comparável a destruição da biblioteca de Alexandria, no século 5, e a de Bagdá pelos mongóis, em 1258. "Em ambas as ocasiões o patrimônio da humanidade foi destruído substancialmente", ela disse. Segundo a antropóloga, algumas peças furtadas já começam a aparecer na Europa. "Foram roubadas sob encomenda", denuncia. O secretá-


rio geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, pediu aos outros países para apoiar a Unesco e impedir o comércio dos objetos roubados. •

• Fuga da estação antártica Treze tripulantes da base de pesquisa Vostok chegaram ao Observatório Mirny, na costa da Antártida, em meados de março, cansados e com frio. A base Vostok, onde trabalham, ficou sem combustível e suprimentos e a equipe foi forçada a levar seus caminhões dos tempos soviéticos em uma jornada de 1.400 quilômetros por uma das mais frias regiões da Terra. Vostok, que fica próximo ao pólo geomagnético sul, foi abandonada em 28 de fevereiro, depois de o mau tempo ter impedido a chegada de um comboio com combustível e suprimentos. Valery Lukin, do Instituto de Pesquisas Árticas e Antárticas, em São Petersburgo, diz que as viagens à base ficaram comprometidas desde que um navio de suprimentos ficou preso no gelo ao tentar chegar a Mirny, no ano passado. A mesma equipe está escalada para reabrir a base, no início de novembro, começo da primavera antártica. Lukin diz que a proposta de um projeto internacional para perfurar 4 quilômetros de gelo dentro do Lago Vostok não será afetada. Biólogos suspeitam que o lago, isolado por milhões de anos, pode conter vida. A base fechou três outras vezes em 45 anos de história, sendo duas na década passada. Lukin nega insinuações de que a culpa esteja na falta de dinheiro do governo. •

• Genoma humano está mapeado Um consórcio internacional de cientistas anunciou no dia 14 de abril ter concluído

o mapa do código genético humano com precisão de 99,99%. A façanha, eles dizem, inaugura uma nova era para a biologia e a medicina em todo o mundo. A seqüên-

cia está disponível gratuitamente em bancos de dados abertos para cientistas que, segundo se afirma, estão registrando mais de 120 mil visitas ao dia. O projeto teve início em 1990, com previsão de durar 15 anos, a um custo de US$ 3 bilhões. Foi concluído em menos de 13 anos e custou US$ 2,7 bilhões. O próximo passo é aplicar esse novo conhecimento. Francis Collins, diretor do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano, a principal agência do National Institute of Health, prevê revoluções nas áreas de biologia, medicina e na própria sociedade. •

Polêmica divide britânicos

Boas notícias para quem defende o uso de animais em pesquisa medicinal: a opinião pública britânica pode estar mudando. A empresa Mori, do Reino Unido, especialista em pesquisa de opinião, perguntou se experiências com animais eram sempre, às vezes ou nunca justificadas, e classificou as respostas de + 1 a -1, respectivamente. No caso de pesquisas sobre doenças como Aids, a média saltou de 0,08 em 1999 para 0,29 em 2002. O uso de animais em estudos de outras doenças mórbidas e em pesquisa biológica básica também ga-

nhou aceitação e os entrevistados relataram maior fé no sistema regulatório. O levantamento foi encomendado pela Coalizão para o Progresso Médico, que representa agências de financiamento, instituições de caridade e empresas envolvidas em pesquisa médica. Ainda há trabalho de comunicação a ser feito com o público. Quando solicitados a apontar um animal mais comum ente utilizado em experimentos, 2% dos entrevistados sugeriram "cavalo» e 12% consideraram inaceitável o uso de bactérias nas pesquisas (Nature, 20 de

março). Enquanto isso, em Dublin, na Irlanda, protestos forçaram o cancelamento de uma conferência para técnicos que trabalham com cobaias, promovida pelo Instituto de Tecnologia Animal, que deveria acontecer no mês de abril. Alguns membros do instituto trabalham no Huntingdon Life Sciences, uma instalação de testes com animais que teve seu fechamento pedido em protestos de um grupo chamado Stop Huntingdon Animal Cruelty. Um portavoz do instituto diz que o congresso ocorrerá ainda este ano em outro local. •

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 13


Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br

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US$ 3,1 bilhões para a ciência: aumento de 9,5%

• Mais verba para P&D na Índia

• Otan reduz apoio a ciência

A comunidade científica da Índia não tem do que reclamar. O governo daquele país anunciou recentemente um aumento de 9,5% nas verbas destinadas à área de Pesquisa & Desenvolvimento (Nature, 6 de março). Com o reajuste, o setor terá um orçamento para o ano fiscal, que se iniciou em 1 de abril, de US$ 3,1 bilhões. A elevação dos gastos com ciência e tecnologia surpreendeu muita gente. Afinal, a Índia no ano passado já havia acrescido em 25% os investimentos em P&D e, como a economia nacional passa por um momento de desaquecimento, poucos pesquisadores esperavam um novo aporte extra de dinheiro para a área no período 2003/2004. Apesar das dificuldades, que o levaram a dar um aperto geral nos gastos, o governo manteve sua aposta nos grupos de pesquisa. Por meio de sucessivos aumentos de verba para o setor, os indianos esperam dobrar o orçamento de P&D até 2007. Hoje, o país investe 1,1% do PIE em C&T. A meta é, daqui a quatro anos, chegar a 2% .•

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) vai reduzir seu pequeno mas muito respeitado Programa de Ciência e incorporá-lo a seu departamento de relações públicas. A divisão científica da Otan, criada em 1958, apoiou pesquisas civis e militares de alta qualidade (Nature, 20 de março). Desde o fim da Guerra Fria concentrou-se em apoiar parcerias com cientistas de estados recém-incorporados da Europa Central e dos 22 "países parceiros" no Leste Europeu e Ásia Central. De 2002 para 2003, no entanto, o orçamento do programa caiu de US$ 23 milhões para US$ 20 milhões, e no próximo ano esse dinheiro será incorporado pelo Departamento de Informação e Imprensa. A iniciativa preocupa alguns pesquisadores, que temem o esquecimento do programa. "A situação parece estável para o próximo ano, mas não estou muito otimista sobre o futuro", diz Charles Buys, da Universidade de Groningen, que representa a Holanda no Comitê de Ciência da Otan. •

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14 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

www.black-science.coml Site busca implementar a inovação tecnológica com iniciativas não-governamentais e parcerias no mundo africano.

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ESTRATÉGIAS

BRASIL

Amazonas organiza sistema de C& T o

governo do Amazonas está implementando o sistema estadual de ciência e tecnologia. A área de ciência e tecnologia, até então vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, ganhou pasta própria e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam), criada por decreto de 1989, entrou, finalmente, em operação. A nova Secretaria da Ciência e Tecnologia (Sect) vai estabelecer as prioridades de pesquisa da região, "aglutinando as prioridades definidas pelos governos federal e estadual, das universidades federais e estaduais da região e dos institutos de pesquisa': explica Marilene Corrêa, recém-empossada no comando da se-

• Coleção reúne imortais A editora Odysseus lança este mês mais seis títulos da coleção Imortais da Ciência: os livros Watson&Crick - a His-

tória da Descoberta da Estrutura do DNA, assinado pelo biólogo molecular Ricardo Pereira; Kepler: a Descoberta

das Leis do Movimento Planetário, escrito por Ronald Rogério de Freitas Mourão:

Hubble, a expansão do universo, por Augusto Damineli; Pré-Socráticos, a invenção da razão, por Auterives Maciel Iúnior; Feynman/Gell-Mann, luz, quarks, ação, por Rogério Rosenfeld. A coleção, com 18 volumes, é coordenada pelo

cretaria. E a Fapeam, com um orçamento de R$ 15 milhões neste ano, além do fomento de balcão, vai implementar, por meio de projetos especiais, as escolhas estratégicas do governo estadual. De acordo com Marilene, já estão definidas quatro linhas prioritárias de investigação. A primeira é a de capacitação da pesquisa na área madeireira, ou não, com o objetivo de melhorar os níveis de habitação na região. "A idéia é chegar a um protótipo de uma casa popular decente, com matéria-prima local e com capacidade de agregar valor ao produto", explica MariIene. A segunda prioridade englobará pesquisas de produção de alevinos de pira-

físico Marcelo Gleiser e foi lançada no final de 2002. Já foram publicados 12 livros, entre eles, Darwin, por Nelio Bizo; Bohr, por Maria Cristina B. Abdalla; e Cruz & Chagas, por Moacyr Scliar. Tam-

Combate ao anófele rucu, que pode abrir o mercado internacional para o produto nacional. "Esses alevinos são produzidos com tecnologia muito cara no mercado internacional e nós temos tecnologia desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa da Amazônia (Inpa), e nas universidades federal e estadual", ressalva Marilene. As doenças infecciosas

bém na' área de divulgação científica, em abril saiu O DNA, do jornalista Marcelo Leite, lançada na esteira da comemoração dos 50 anos da descoberta da dupla hélice. O livro faz parte da série Folha

e parasitárias são a terceira prioridade da Sect. "Somos uma área de endemias e epidemias enorme e estamos interessados em investir na pesquisa da malária. O Hospital Tropical de Medicina, o escritório da Fiocruz no Amazonas, e o próprio Inpa já são referências nacionais no estudo da malária e deverão contribuir para reforçar a pesquisa local", prevê. A quarta linha de atuação da secretaria será na integração da ciência e tecnologia às políticas de geração de emprego e renda desenvolvidas no Pólo Industrial de Manaus (PIM). "Queremos ampliar a potencialidade do PIM em relação à empregabilidade", afirma Marilene. •

Explica, que já editou 55 livros sobre várias áreas do conhecimento. Leite é editor de Ciência da Folha de S.Paulo. •

• Acordo amplia intercâmbio Um acordo firmado entre as universidades Estadual de Campinas (Unicamp) e de Buenos Aires CUBA)vai permitir o intercâmbio de pesquisadores das duas instituições. Os recursos para a viabilização do programa serão obtidos por meio de um convênio entre a Unicamp e o Grupo Santander-Banespa, que, além de bolsas, vai cobrir as despesas de viagens dos participantes. •

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 15


Um olhar sobre o design brasileiro o

projeto Objeto Brasil, criado em 1996 pelo Instituto Uniemp para difundir e promover o design nacional, lançou o livro Um

Olhar sobre o Design Brasileiro, organizado por Joice Joppert Leal, diretora-executiva do projeto. O livro mostra nas suas 252 páginas, as relações entre os artefatos populares e a sofisticação industrial e tecnológica do designo São 53 artigos e mais de mil imagens de objetos, do sofisticado produto industrial ao artesanato. "É uma amostra do que o Brasil faz, cria e que pode exportar para outras culturas" diz Joice. O livro é uma co-edição da Imprensa Oficial do Estado de São Pau-

• Site da FAPESP de cara nova A FAPESP,uma das primeiras instituições a entrar na Internet, estreou uma nova estrutura on-line no mesmo endereço: www.fapesp.br. O novo site traz conteúdo mais bem distribuído, que permite o acesso imediato dos usuários a informações sobre bolsas, auxílios, programas de inovação tecnológica, programas especiais, entre outras formas de apoio à pesquisa patrocinadas pela FAPESP.O site traz novas seções, como Apoio ao Usuário, Notícias e Eventos, com informações atualizadas sobre os serviços e novidades da Fundação. Com layout moderno e apresentação das principais áreas do site em

Cartucho de papel para condicionar tempero

• Cooperação tecnnlôqica

links, menu e submenus, a homepage tem menos da metade do peso da anterior. Entre as novidades está a ferramenta de busca, que permite aos usuários encontrar as informações em instantes. O novo site da Fundação tem versões em inglês e espanhol freqüentem ente atualiza das e com a mesma estrutura do site em português. •

16 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e o governo do Estado de São Paulo firmaram um convênio de cooperação na área de inovação tecnológica, apoio à pesquisa e formação de recursos humanos. Num encontro na Secretaria de Ciência, Tecno-

Novo site facilita o acesso a informações Iouxluos

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10, Instituto Uniemp e Objeto Brasil. Está sendo traduzido para seis idiomas e será lançado durante a mostra itinerante de 140 peças brasileiras que o Objeto Brasil fará por seis países europeus, nas cidades de Lisboa, Londres, Paris, Frankfurt, Genebra e Madri. Batizada com o nome Marca Brasil- O Brasil como Marca, a mostra inclui produtos desenvolvidos a partir da reciclagem e reutilização de materiais na busca de solução de tolerância ambiental. A mostra já foi apresentada no Palazzo Pamphili, sede da Embaixada brasileira em Roma, na Itália, onde foi visitada por 30 mil pessoas. •

logia, Desenvolvimento Econômico e Turismo de São Paulo, representantes dos dois governos, das universidades públicas paulistas e institutos de pesquisa definiram ações de trabalho que se iniciam em maio. Entre elas está a criação de um núcleo de excelência para apoiar os principais grupos de pesquisa do país. A FAPESP será responsável pela identificação desses grupos e o MCT vai buscar recursos para o financiamento dos projetos. O MCT prometeu apoiar projetos de interesse do Estado de São Paulo, como os parques tecnológicos, rede de Internet avançada (Tidia), implernentada pela FAPESP, e a rede regional de monitoramento do clima e recursos hídricos. •


• Novo instituto oceanográfico Foi inaugurado, no dia 10 de abril, o Instituto Oceanográfico de Santos (IOS), para o desenvolvimento de pesquisas sobre ecossistemas aquáticos, marinhos, litorâneos e insulares. Instalado no Campus Ponta da Praia do Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte), o IOS já está desenvolvendo uma série de projetos como, por exemplo, o de verificação da sensibilidade do litoral paulista diante da hipótese de acidentes com derramamento de petróleo, desenvolvido em parceria com a Petrobras, além de estudos para o estabelecimento de novos critérios de balneabilidade das praias do litoral santista.

• Estímulo franco-brasileiro A FAPESP e a École Normale Supérieure (ENS) firmaram acordo de cooperação permanente para estimular pesquisas em nível de doutorado e pósdoutorado. O acordo abrange todas as áreas do conhecimento e envolve o conjunto de universidades e instituições de pesquisa do Estado de São Paulo. A ENS vai acolher anualmente doutorandos com pesquisa numa das áreas de atuação de seus departamentos e laboratórios. Os candidatos serão selecionados por uma comissão paritariamente formada por membros indicados pela FAPESP e ENS. A ENS acolherá apenas doutorandos cuja estada na França seja financiada por bolsa brasileira, seja da FAPESP, seja de qualquer outra agência brasileira e oferecerá aos bolsistas alojamento, acesso a bibliotecas, laboratórios, cursos e seminários, e uma co-tutela

Inpa promove cultura indígena O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em parceria com a Associação de Produção e Cultura Indígena Yakinõ, está promovendo uma série de exposições do artesanato e produtos de 40 povos. A primeira está sendo realizada, até o dia 25 de maio, no Paiol da Cultura, em Manaus, e reúne

para a orientação de tese. Em contrapartida, alunos e ex-alunos da ENS com projeto de tese de doutorado poderão realizá-lo em São Paulo. O acordo também beneficiará pesquis~dores brasileiros e

desde artesanato até produtos alimentícios, como farinha d'água e óleo de babaçu, entre outros. A mostra é parte do programa Desenvolvimento Participativo e Interação com Povos Indígenas' implementado pela Coordenadoria de Extensão (COXT). Por meio desse programa, a coordena-

franceses que desejem realizar estágios de pós-doutoramento na ENS ou em São Paulo, em 'moldes semelhantes ao programa de doutorado. Para difundir o acordo e apoiar o funcionamento das

doria está também realizando o levantamento das 180 línguas indígenas de 42 povos da Amazônia brasileira. Criada em 1994, a COXT articula atividades que integrem ciência e tecnologia e presta serviços às comunidades para gerar capacidade de mobilização para a solução de problemas. •

cormssoes paritárias, a ENS deverá instalar, com o apoio das autoridades diplomáticas francesas, um escritório de representação no Estado de São Paulo. •

• Novidades no Programa Prossiga O Programa Prossiga colocou no ar o Portal de Arquitetura e Urbanismo, desenvolvido em parceria com o Núcleo de Documentação e a Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense. O site (www.prossiga.br) está organizado em seções como Instituições e Organizações e Fomento à Pesquisa, entre outras. Possui, ainda, um sistema de busca avançada para o acesso a assuntos específicos. • PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 17




nhecimento tradicional associado de ações de biogrilagem - e, ao mesmo tempo, cumprir determinações da Convenção sobre a Biodiversidade Biológica, da qual o Brasil é signatário -, a MP submeteu às mesmas regras e fiscalização tanto a pesquisa científica como a exploração comercial. Além disso,conferiu a um único órgão - o CGEN, regulamentado pelo decreto 3.945, de setembro de 2001 - a competência para julgar projetos científicos, "sem, no entanto, dotá-lo de corpo técnico, científico ou de estrutura para analisar centenas de processos", como diz Carlos Alfredo Ioly, coordenador do programa Biota/FAPESP. Desde a sua instalação, o CGEN aprovou pouco mais de uma dezena de projetos e, de acordo com Ioly, nenhum de pesquisa. exigências da MP fizeram um verdadeiro estrago nas áreas do conhecimento que envolvem coleta de ativos da biodiversidade. "Todos os trabalhos de mestrado e doutorado que exigiam permissão para pesquisa não puderam ser realizados, criando graves problemas no cumprimento de prazos fixados pelas diversas agências de fomento", conta Miguel Trefaut Urbano Rodrigues, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP). Também comprometeram o intercâmbio de material entre instituições científicas nacionais ou internacionais, já que a

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Medida Provisória prevê que a remessa de componentes do patrimônio genético siga as mesmas regras da autorização de pesquisa. A ciência brasileira tem pago caro por isso: o país não tem, por exemplo, taxonomistas especializados em vários grupos de organismos, e é prática habitual entre zoológos e botânicos enviar material para ser identificado por especialistas de outros países. Pior: a interdição teve mão dupla. ''As instituições internaêio-

nais deixaram de emprestar espécimes brasileiros depositados em seus acervos temendo que o material fosse confiscado", conta [oly, "Vivemos uma espécie de moratória branca", completa Rodrigues. Sob suspeita - A comunidade científica, representada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), ao qual o CGEN está

A saga dos pesquisadores do Cebrid Elisaldo Carlini, diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), aguardava uma autorização do CGEN para dar continuidade ao projeto de investigação sobre a fitofarmacopéia craô que vinha desenvolvendo com o apoio da FAPESP, desde 1999. "Vamos esperar apenas até 31 de abril': avisavaCarlini. A bióloga Eliana Rodrigues já identificou 164 espécies vegetais usadas pelos pajés com fins medicinais, 138 das quais podem ter potencial para atuar sobre o sistema nervoso central e

20 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

possibilidade de serem aproveitadas no desenvolvimento de novas drogas. Os pesquisadores responsáveis pelo projeto tinham acabado de cumprir a última exigência do CGEN: enviaram ao MMA uma listagem com todos os dados coletados na pesquisa, inclusive o nome e uso das plantas. Essa tarefa exigiu que os pesquisadores rompessem um compromisso firmado com os índios craôs, de manter em sigilo o nome científico das plantas e seu possível uso terapêutico. "Na última reunião com o Ministério Público, eles nos disseram que tínhamos que seguir a lei e

entregar tudo o que estava sendo pedido", afirmou Carlini. Se a autorização for novamente adiada, ele desistirá do projeto. "Vamos coletar informações sobre plantas do cerrado e do Pantanal. Se necessário, faremos a pesquisa no Paraguai ou na Bolívia." A autorização do CGEN pode ser o último obstáculo à pesquisa que ficou interrompida por dois anos. As divergências de interesses entre duas associaçõesrepresentantes dos craôs Vyty-Cati e a Kapey -, que acabaram por afastar os pesquisadores da Craolândia, foram superadas.


Zancan, presidente da SBPC. Os novos membros do conselho terão voz, mas não voto. "O voto depende de uma nova legislação", ressalva João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas, do MMA.

ligado, tenta consertar o estrago. Ninguém contesta a necessidade de uma legislação eficiente para proteger a biodiversidade brasileira, a maior do planeta. "Mas, no caso da MP, há um equívoco no foco", observa José Rubens Pirani, do Instituto de Biociências da USP. "A biopirataria não está na universidade ou no ambiente de pesquisa. Nós, cientistas, temos endereço e existência pública", afirma. ''A MP colocou a ciência sob suspeita", completa Ioly. De acordo com a moção de pesquisadores do programa Biota/FAPESP encaminhada à equipe do governo de transição no final do ano passado, "a pesquisa básica e fundamental não pode ser limitada em razão de uma aplicação potencial incerta e imprevisível, a qual somente pode e deve ser regulada quando se configurar claramente". Uma das principais críticas à Medida Provisória está no fato de ela ter sido editada sem consulta ou debate

prévio com a comunidade científica. ''AMP surpreendeu porque desde 1995 tramitam na Câmara e nó Senado pelo menos três projetos de lei regulamentando o acesso ao patrimônio genético. Esses projetos foram atropelados", avalia Ioly, Contesta-se também a competência do CGEN para definir regras para a pesquisa científica, já que as comunidades científicas, ambientalistas e indígenas não estão representadas no conselho. A primeira medida da ministra Marina Silva na tentativa de encaminhar uma solução para a tensão com a comunidade científica foi solicitar à SBPC a indicação de dois representantes para integrar o CGEN, como convidados. A área de Ciências Biológicas será representada por Carlos Alfredo Ioly, tendo como suplente Fábio de Mello Senna, da USP de Ribeirão Preto. A SBPC aguardava resposta a um convite feito aos dois representantes da área de humanas, de acordo com Glacy

Câmara temática - Para mudar a atual legislação existem dois caminhos: ou o governo apresenta um Projeto de Lei de conversão da Medida Provisória, ou aprova uma nova lei mudando as regras do jogo. Segundo Capobianco o MMA preferiu a segunda opção: apresentará propostas de emenda à Lei de Acesso a Recursos Genéticos originalmente de autoria da própria ministra -, já aprovada no Senado e que está pronta para ser debatida na Câmara. Para propor e analisar emendas, o Ministério criou no CGEN uma câmara temática de legislação, composta por representantes do governo, organizações não-governamentais e por dois especialistas no assunto indicados pela SBPC. O projeto modificado será apresentado à Câmara dos Deputados, antes de retornar para nova votação no Senado. ''A expectativa é que a nova lei seja votada ainda neste ano", diz Capobianco. A comunidade científica espera que a nova lei diferencie a coleta de material genético para pesquisa científica do uso comercial da biodiversidade. Sugere, ainda, que a autorização para o acesso à biodiversidade seja feita pelas agências de fomento às quais foram submetidos os projetos de pesquisa. "O CNPq, por exemplo, colocaria mais um formulário para ser preenchido no caso de a pesquisa envolver ativos da biodiversidade e o pleito seria julgado por seus assessores", detalha Ioly, Essa autorização não eximiria os pesquisadores de atender às exigências e quesitos específicos de autorizações para pesquisa e coleta em unidades de conservação. Caso surjam perspectivas de aplicação tecnológica ou comercial no decorrer do projeto, seriam comunicadas à agência de fomento e ao CGEN. "Essa idéia está sendo discutida", diz Capobianco. "Não podemos correr o risco de favorecer ações inadequadas. Já iniciamos discussão com o CNPq, via Ibama, para definir procedimentos e acelerar a aprovação de pesquisas científicas", adiantou. • PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 21


• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA GENÔMICA

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Projeto inovador fará seqüenciamento genético e análise funcional sim uItaneamente

entral Bela Vista Genética Bovina e a FAPESP financiarão o projeto Genoma Funcional do Boi, a primeira iniciativa brasileira na área. Desenvolvido no âmbito do Programa Parceria para a Inovação Tecnológica (PITE), o projeto avança em relação aos demais, já que realizará, simultaneamente, o seqüenciamento genético e a sua análise funcional com vistas em sua aplicação. O projeto está focado nos animais da raça nelore, a mais importante da bovino cultura brasileira, e tem como objetivo identificar genes bovinos com potencial para utilização no desenvolvimento de produtos e tecnologias que possam ajudar a superar as limitações relacionadas ao crescimento, qualidade da carne, sanidade e eficiência reprodutiva, que impedem uma maior competitividade da pecuária nacional. O Genoma Funcional do Boi está orçado em US$ 1 milhão, dividido entre a FAPESP e o parceiro privado. Ele será desenvolvido pelos pesquisadores do Programa Genomas Agronômicos e Ambientais (AEG), da FAPESP, responsáveis por 20 laboratórios da Rede Onsa, um instituto virtual de genômica criado em 1997 para desenvolver o primeiro projeto

A


brasileiro

na área, o da bactéria Xylel-

Ia fastidiosa. Na fase de seqüenciamento genético propriamente dito, serão utilizados tecidos bovinos da hipófise e do hipotálamo, dos sistemas reprodutivos, imunológico e digestivo, além de tecidos musculares adiposos, para a produção de aproximadamente 100 mil seqüências expressas (ESTs). Nesse período, que se encerra entre seis e sete meses, será formada uma biblioteca de clones dos genes que serão analisados pela equipe de pesquisadores. A realização concomitante de projetos de datamining e expressão gênica, visando a identificação e anotação de genes envolvidos em uma determinada função ou relacionados a características de interesse econômico' deverá acelerar o desenvolvimento de novas tecnologias, além de fornecer bases sólidas para o encaminhamento de pedidos de patentes. O prazo previsto para a conclusão do projeto é de 18 meses. "Esse projeto nasce como uma oportunidade para pesquisadores de diversas áreas do conhecimento", afirma José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP. As bibliotecas de genes estarão disponíveis aos pesquisadores que apresentarem projeto de pesquisa de interesse científico ou tecnológico. "No caso dos projetos tecnológicos, as propostas serão apreciadas no âmbito do PITE. Os demais serão analisados dentro das linhas regulares de fomento", adianta Perez. Falta de informações - "Pouco se sabe sobre o genoma bovino de zebuínos'; diz Luiz Lehmann Coutinho, do Departamento de Zootecnia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), coordenador do projeto. São raras as informações disponíveis no Gen Bank, banco internacional que disponibiliza gratuitamente esses dados a pesquisadores de todo o mundo. Nos Estados Unidos, o Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano (NHGRI) vai iniciar, provavelmente em setembro, o seqüenciamento do genoma bovino. O projeto está orçado em US$ 50 milhões, metade bancado pelo instituto e o restante obtido em outras fontes. O governador do Texas, Rick Pery, reconhecendo que o proje-

to trará benefícios para a saúde humana e a indústria de biotecnologia, além de ganhos enormes para a indústria de carnes e derivados, já anunciou que vai contribuir com US$ 10 milhões nos próximos três anos. E ainda vai ajudar a conseguir os US$ 15 milhões que faltam para o início do projeto. "O seqüenciamento completo do genoma bovino é um esforço acadêmico que visa importantes informações de domínio público. Não é um projeto de inovação tecnológica, mas certamente vai gerar informações valiosas que vão complementar o nosso projeto", diz Coutinho. Brasil, o uma das poucas inciativas foi o projeto de doutoramento de Adilson Motta, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que seqüenciou genes da glândula mamária de gado de leite. "Foi um esforço pontual", reconhece Coutinho. No ano passado, um consórcio reunindo a Embrapa, a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Esalq tentou obter recursos no Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) para o seqüenciamento do genoma bovino. "Mas o projeto não foi aprovado", lembra Coutinho. Sabe-se que o genoma do boi tem tamanho similar ao humano e de outros mamíferos, com algo em torno de 3 milhões de pares de bases: de acordo com o NHGRI. Sua análise funcional tem enorme potencial para aumentar a produção e a segurança dos alimentos, como carne e leite, e ainda poderá ajudar os pesquisadores a aprender mais sobre o genoma humano. "Comparando o genoma humano ao de organismos diferentes, podemos entender melhor a estrutura e função de genes humanos e desenvolver novas estratégias na batalha contra doenças humanas", explica Francis S. Collins, diretor do NHGRI.

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Mais produtividade - A Central Bela Vista Genética Bovina investe em pesquisas de melhoramento genético e da qualidade da carne, há mais de uma década, sempre em parceria com universidades. "Para um país como o Brasil, que detém um dos maiores rebanhos bovinos do mundo, a pesquisa

científica e a tecnologia aplicada são extremamente importantes", diz Iovelino Mineiro, presidente da Central Bela Vista. "A análise funcional do genoma bovino vai contribuir para superar as limitações relacionadas ao crescimento, à qualidade da carne, à sanidade e a eficiência reprodutiva do rebanho brasileiro", completa. A genômica, na avaliação de José Fernando Perez, abre novas perspectivas para a parceria entre a iniciativa privada e o ambiente acadêmico. Alguns projetos implementados pela FAPESP já deixam claro as boas perspectivas de negócios da genômica. O FORESTS, por exemplo, está realizando o seqüenciamento e a análise funcional dos genes do eucalipto em parceria com a Duratex, Ripasa, Suzano e Votorantim Celulose e Papel, com o objetivo de buscar mecanismos para aumentar a produtividade do setor. "A genômica também contribui para a formação de indústrias de biotecnologia", diz, citando o exemplo da Alellyx, Scyla e Cana Vialis, empresas gestadas nos laboratórios de pesquisa das universidades e institutos de pesquisas paulistas. A pecuária representa 8,39% do Produto Interno Bruto (PIE). O Brasil é o segundo maior produtor mundial de bovinos, com um rebanho de 166,9 milhões de animais, produção anual de 7,2 milhões de toneladas e exportações da ordem de US$ 1,05 bilhão. O rebanho é formado, majoritariamente, por animais da raça nelore e seus cruzamentos com raças européias (Bos taurus). Os índices produtivos e reprodutivos do rebanho são muito baixos, comprometendo a competitividade da produção nacional no mercado globalizado. O setor tem investido maciçamente em programas de melhoramento genético, aquisição de germoplasma importado (animais e sêmen) para programas de cruzamento. Também se aposta no desenvolvimento de vacinas, medicamentos promotores de crescimento, numa tentativa de minimizar as conseqüências da baixa eficiência da produção. A genômica surge como uma oportunidade de geração de novas informações que permitirão o desenvolvimento de novas tecnologias aplicáveis à produção de bovinos, com grandes perspectivas comerciais. • PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 23


• POLÍTICA CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA

1M UNOBIOLÓGICOS

Rumo à auto-suficiência Fábrica de vacinas contra .. . a gnpe vai gerar economia de R$ 94 milhões anuais

Brasil é auto-suficiente na produção de vacinas contra o sarampo, difteria, tétano, coqueluche, caxumba, hepatite B, meningite meningocócica A e C e febre amarela. E, até 2007, deverá estar produzindo os 17 milhões de doses de vacina utilizados no combate à gripe, atualmente importados do laboratório francês Aventis, a um custo anual de R$ 94 milhões. O Ministério da Saúde, o governo paulista e a Fundação Butantan estão investindo R$ 52,2 milhões na construção de uma fábrica de vacinas contra a gripe, que deverá começar a operar em 2005. Além de suprir a demanda nacional por esse tipo de medicamento, o Ministério da Saúde também quer produzir, no próprio Instituto Bu-

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tantan, hemoderivados - como imunoglobulinas específicas, albumina e fatores de coagulação - cuja importação consome, anualmente, US$ 150 milhões. A correção da política nacional de imunobiológicos e vacinação, apoiada em pesados investimentos na produção nacional de imunoprofiláticos, foi um dos poucos consensos na área da Saúde Pública forjados no país nos últimos 20 anos. O sucesso do Programa Nacional de Imunização é inegável: nenhum caso de sarampo foi notificado nos últimos dois anos, e o número de registros de outras doenças imunopreveníveis, como a poliomielite, difteria, tétano, coqueluche, sarampo, caxumba, é o mais baixo de todos os tempos. E a aposta na auto-suficência tem dado resultados. Isaias Raw, dire-

tor da Fundação Instituto Butantan, lembra que, há dez anos, o custo de importação da vacina contra a Hepatite B era de US$ 24 cada dose, sendo que a vacina é ministrada em três doses. "Hoje, a vacina é produzida no país, e as três doses custam em torno de US$ 1", compara Raw. Outra marca registrada do modelo da política imunobiológica brasileira é a forte presença do setor público na produção de vacinas. No início dos anos 80, laboratórios públicos - entre eles Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos, mais conhecido como BioManguinhos, e o Instituto Butantan - e privados dividiam a responsabilidade na produção de vacinas. "Alguns não tinham economia de escala nem desenvolvimento tecnológico. Quando o


Ministério da Saúde começou a exigir melhoria na qualidade da produção, a Sintex, uma empresa privada rnultinacional, responsável por 80% da produção de soros antiofídicos e vacinas no Brasil, abandonou a atividade e o país teve problemas dramáticos para atender a demanda", conta Akira Homma, diretor do Bio-Manguinhos. Outros laboratórios menores também encerraram suas atividades e houve problemas com fornecimento de vacinas. No caso do soro antiofídico, não havia sequer a alternativa de importar, já que o soro, produzido nos Estados Unidos, por exemplo, não protege contra mordida de cobras brasileiras, devido à especifi- . cidade de venenos de ofídios. Esse "desastre': como descreve Homma, foi o mote para que o país criasse o Programa Nacional de Auto-suficiência em Imunobiologia, em 1982. Nos primeiros dez anos, o Programa custou aos cofres públicos algo em torno de US$ 120 milhões, nas contas de Homma, mas consolidou a infra-estrutura de produção de soros e vacinas no país. "Estamos capacitados para produzir vacinas com tecnologia e preço adequados, todas testadas em seres humanos", diz Raw. Bio-Manguinhos, vinculado ao Ministério da Saúde, e o Instituto Butantan, ligado à Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, são atualmente responsá-

veis por 75% da produção nacional de vacinas no país. Também integram o sistema nacional de produção de imunológicos o Instituto Tecnológico do Paraná (TecPar), mantido pelo governo paranaense, que produz vacina contra raiva, e a Fundação Ataulfo de Paiva, uma entidade privada sem fins lucrativos que, junto com o Instituto Butantan, é responsável pelo fornecimento do BCG (bacilo de Calmett-Guerin), uma vacina contra tuberculose indicada para crianças entre O e 4 anos. esar

dos bons resultados da política para irnunobiológicos no país, o modelo de produção pública de vaci~ nas está em extinção no resto de mundo, afirma Raw, que acumula o cargo de presidente de uma associação de produtores de vacinas de países em desenvolvimento. Apenas a China e Indonésia adotam estratégia semelhante à brasileira. O grande obstáculo para o setor público está no alto custo fixo da produção de vacinas, na exigência de economia de escala e na necessidade constante de incorporação de novas tecnologias. "São cerca de dez anos para produzir uma vacina nova", contabiliza Raw. "É um investimento de risco. Tem que ter uma estratégia pesada", completa Homma. Ele estima que governos e laboratórios privados

em todo o mundo invistam anualmente algo em torno de US$ 2 bilhões em pesquisa e desenvolvimento de novas vacinas. Ao mesmo tempo em que travam uma competição fantástica por tecnologia - que resulta em investimentos de até 20% da receita em pesquisa e desenvolvimento -, os grandes produtores privados têm procurado centralizar a produção em um ou dois países e, a partir dali, ganhar o mercado mundial. Mas nenhuma dessas fábricas está instalada em países em desenvolvimento, lembra o diretor de Bio- Manguinhos. Para esses países, a saída é produzir ou importar. Além do alto custo de importação de vacinas, a opção brasileira pela auto-suficiência em imunobiologia levou em conta a instabilidade do mercado produtor mundial. Homma conta, por exemplo, que, há quatro anos, os Estados Unidos têm dificuldades de atender a demanda de vacina como DTP (difteria, tétano e coqueluche) e a tríplice viral, pois o laboratório responsável por sua produção resolveu desativar essas linhas de produção, em função de "questões econômicas': de acordo com Homma. O Brasil também teve dificuldades de importar o concentrado viral utilizado na produção da vacina contra a pólio, quando a Fundação Melinda e Bill Gates injetou US$ 700 milhões no Global Alliance for Vacinnes and Immunization (GAVI), com um patrimônio de US$ 700 milhões, para comprar e fornecer vacinas para populações pobres. "O Brasil foi forçado a investir nos laboratórios públicos. Não dá para ficar dependente de importação de enormes volumes de insumos tão estratégicos como vacinas, o que tornaria o Programa Nacional de Imunização muito vulnerável aos humores do mercado", argumenta Homma. Produção eficiente - Os dois maiores centros de produção de vacinas no país datam do início do século. Bio-Manguinhos teve origem no Instituto Soroterápico Federal - hoje Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) - criado em 1900 com o objetivo de desenvolver soros, vacinas virais e bacterianas, além de apoiar campanhas de saneamento capitaneadas por Oswaldo Cruz. Produz, anualmente, 30 milhões de doses de vacina contra a febre amarela, que, além de abastecer o mercado nacional, supre as demandas internacionais da OrganiPESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 25


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zação Mundial da Saúde (OMS), Organização Pan-americana da Saúde (OPAS) e Unicef. Isso sem falar no apoio a programas públicos de países da América Latina.

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tilizando t~cnologia do Instituto Biken, mediante acordo de cooperação técnica com o governo japonês, Bio-Manguinhos também produz 10 milhões de doses de vacina contra sarampo, que, em breve, será substituída pela tríplice viral, que combaterá também a rubéola e a caxumba. E segue processando concentrados virais importados para distribuir, anualmente, algo em torno de 47 milhões de doses de vacina contra a poliomielite. Desde 1976, graças a um acordo de cooperação com o Instituto Merieux, da França, Bio-Manguinhos está fabricando vacinas contra meningite meningocócica A e C. Outro acordo de transferência tecnológica, desta vez com a Smithkline Beecham, permitiu a produção de 2,5 milhões de doses contra a Haemophilus influenzae tipo b (Hib). Essa vacina será incorporada à vacina tríplice (DTP), contra difteria, tétano e coqueluche, produzida pelo Instituto Butantan.

te B, meningite B e C, pneumococos e esquistossomose, produzidas junto com a Fiocruz", adianta Raw. Outros projetos que estão em fase adiantada incluem vacinas Pertussis celular, recombinante contra pneumococos, combinada hepatite B e BCG para recém-nascidos e maiores de 60 anos. Isso sem falar na vacina contra a gripe, que começará a ser distribuída em dois anos. Ele adianta que, daqui 50 nm a cinco anos, quando todos os jovens já tiverem sido vacinados contra a hepatite tipo B, o instiInstituto Butantan vai produzir vacina tuto dará início à produção de contra o H PV (esferas vermelhas> vacinas contra o HPV, sigla em inglês para papiloma vírus humano, principal responsável pelo câncer O Instituto Butantan foi criado em de colo de útero. "As duas vacinas são 1901, com o nome de Instituto Serummuito parecidas" observaram. therápico, depois que um surto de pesMas os planos do instituto vão mais te bubônica se propagou no porto de longe. Raw conta que um grupo norteSantos. Hoje, produz 200 milhões de americano está interessado em desendoses de vacinas por ano, entre elas a volver uma vacina contra a leishmatríplice (coqueluche, difteria e tétano), niose e estaria disposto, como ele diz, a e uma vacina dupla, contra difteria e téfinanciar os ensaios clínicos que ficatano, utilizada na imunização de crianriam sob a responsabilidade do Butanças e como reforço para a população tan. Mais: "Estamos negociando com o adulta. "Nos últimos três anos, fizemos Instituto de Saúde Pública dos Estados 60 milhões de doses dessa vacina para pessoas acima de 60 anos': afirma Raw. Unidos, que quer transferir para o Butantan tecnologia de produção do rotaFabrica, ainda, a vacina contra hepatite virus', revela. O instituto também parB e parte da BCG produzida na Fundaticipa de uma licitação do Unicef, no ção Ataulfo de Paiva. "Em breve, tamvalor de US$ 9 milhões por ano, para o bém teremos vacinas contra a meningiperíodo de 2004 a 2006.

Vacinas gênicas A incorporação de novas tecnologias permite que o Brasil caminhe a passos largos também na direção de vacinas gênicas. Pesquisadores da Fiocruz estão testando em camundongos uma vacina gênica contra a dengue. Esse método consiste em copiar um trecho do material genético do vírus e inseri-Io num plasmídeo um fragmento de DNS que não se junta aos cromossomos, mas que é capaz de provocar a produção de uma proteína que, incorporada à célula, induzirá a produção de uma proteína do vírus, que ativará o sistema de defesa do organismo. Também estão adiantados

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os testes da vacina gênica contra a tuberculose que está sendo desenvolvida na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. E já estão isoladas as seqüências de proteínas da bactéria responsável por uma reação do organismo que desencadeia a febre reumática. Elas serão a base para o desenvolvimento de uma vacina contra infecções de garganta causadas por esse microrganismo. O projeto reúne pesquisadores do Instituto do Coração (Incor) da Universidade de São Paulo, o Laboratório Teuto-Brasileiro e a FAPESP, no âmbito do Programa para a Inovação Tecnológica (PITE).

Malária e dengue - O Brasil já provou ter capacitação para produzir vacina, num modelo de produção centrado no setor público. Mas o grande desafio é manter o fôlego para incorporar novas tecnologias. Na avaliação do diretor de Bio-Manguinhos, é preciso investir em desenvolvimento tecnológico com foco em alguns produtos. "Temos que apostar na malária e dengue (veja box)", sugere Homma. Insiste que é fundamental que o país invista pesado em pesquisas para a geração de conhecimento para o desenvolvimento de novas tecnologias. "Precisamos de massa crítica em desenvolvimento tecnológico", diz. Adianta que Bio-Manguinhos, depois de criar um curso de mestrado profissional em tecnologia de imunobiológicos, vai implantar um doutorado na área. "Sem isso não se desenvolve novos produtos", conclui Homma. •


• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

COOPERAÇÃO

Reforço para a diplomacia Itamaraty cria centro para monitorar tendências da inovação internacional

stásendo implementado no Ministério das Relações Exteriores (MRE), o Centro de Gestão Estratégica do Conhecimento em Ciência e Tecnologia (CGECon), com o objetivo de apoiar a formulação da política externa brasileira em C&T no campo da cooperação internacional. O CGECon está vinculado ao Departamento de Cooperação Científica, Técnica e Tecnológica (DCT) do Itamara- ,ty, é subsidiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e conta com a parceria do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). "O centro está voltado para a reestruturação do sistema de informações em C&T no exterior", diz Cristian Lapa, consultor do projeto. O centro coordena uma rede de 21 observatórios 10calizados em representações diplomáticas brasileiras no exterior que funcionam como "antenas" do panorama tecnológico e das tendências e mudanças em C&T. Essas informações,cotejadascom o cenário da pesquisa nacional, permitem o monitoramento de "brechas tecnológicas" que podem ser aproveitadas pelo governo brasileiro. O CGECon também atua como roteador de conhecimentos e informações, por meio da operação de comunidades virtuais integradas por especialistas. Para tanto, conta com uma infra-

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estrutura de software desenvolvida no Massachusetts Institute of Technology (MIT) - operando em código aberto -, que está sendo testada no gerenciamento de duas comunidades virtuais. A primeira comunidade, com cerca de 60 membros, debate modelos de compensação tecnológica, comercial e industrial, conhecido como OftSete foi criada em agosto do ano passado, num seminário sobre o tema organizado

pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), lembra Ronan Coura Ivo, administrador da comunidade. Hoje, os principais parceiros nesse debate são representantes dos rninistério militares que têm larga experiência na manutenção de acordos de Oft Set, na importação e exportação de armamentos, aviões, entre outros. "Esses especialistas têm a tarefa de capacitar diplomatas na formulação de acordos , semelhantes': explica Lapa. ~ O segundo grupo virtual analisa um tema ainda pouco explorado por produtores nacionais, o Ecodesign, que envolve a utilização de materiais com maior grau de degradação. O tema foi escolhido para atender a demanda do mercado. As duas comunidades virtuais são administradas pelos participantes que definem as regras e a política de acesso aos debates. O CGECon também acompanha a produção científica no país. Mantém um bolsista no Instituto de PesquisasTecnológicas(IPT), em São Paulo, e apoiou a organização do Brazilian Technological Day, realizado no final de fevereiro, em Washington. O site do CGECon (www.cgecon.mre.gov.br). criado com o apoio de técnicos do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), oferece notícias de C&T, consulta a diversas bases de dados, videoconferência, entre outros serviços. • N

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mais quente Desde 1978, a quantidade de radiação emitida pelo sol em seus períodos de baixa atividade sobe em média 0,05% por década, de acordo com um índice publicado em março pela Nasa, a agência espacial norte-americana. Nos últimos 24 anos, a radiação solar teria assim contribuído com um aumento de 0,1% para a elevação da temperatura global. "Se a tendência persistir durante muitas décadas, o clima poderá mudar significativamente", diz Richard Willson, coordenador do estudo. Mas, como não existem levantamentos anteriores, ainda não é possível saber até que ponto o sol do passado pode ser responsabilizado pelo calor do presente. •

• Nova base para drogas anti-HIV Michael Summers, da Universidade de Maryland, Estados Unidos, identificou um grupo decompostos que, em laboratório, mostraramse capazes de intervir na montagem do HIV, o vírus causador da Aids. Essa descoberta pode fundamentar o desenvolvimento de uma nova classe de potenciais drogas contra Aids, os chamados inibidores de montagem (assembly inhibitors), que dificultam a união de proteínas que formam o capsídeo, uma estrutura em forma de cone que envolve o RNA viral. Embora não parem o processo, esses inibidores levam os vírus a produzir capsídeos defeituosos - e esses vírus anormais não infectam outras células, conforme

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relatado na edição on line de 28 de março do [ournal of Molecular Biology. Um desses compostos, CAP-1, é bem tolerado por células humanas, de acordo com os resultados obtidos por Summers, que já havia solucionado as estruturas de três proteínas importantes do HIY. •

• Equação explica as formas da natureza A superfórmula, nome que o belga Iohan Gielis, da Universidade de Nijmegen, na Holanda, deu à sua surpreendente descoberta, faz tudo: de triângulos a pentágonos, de espirais a pétalas "Depois que a descobri, pensei: não é possível que ninguém nunca tenha imaginado isso antes", diz ele (Nature, 2 de abril). Foi só depois de muito con-

versar com matemáticos que ele se convenceu de que, de fato, tinha uma novidade nas mãos. A fórmula é uma versão modificada da equação do círculo. Muda-se um termo, e a proporção varia, transformando círculos em elipses. Mudam-se outros, e o que varia são os eixos de simetria, transformando círculos em triângulos, quadrados, pentágonos e assim por diante. A variação da proporção e da simetria ao mesmo tempo produz as mais diversas formas poliédricas, regulares ou não, além de estruturas tridimensionais e sólidos inanimados, como flocos de neve ou cristais. Há séculos, os cientistas sonham com um instrumento capaz de traduzir em termos matemáticos formas naturais, como, por exemplo, uma folha, uma con-


cha ou um chifre de carneiro. Gielis está tão certo de que tem o que eles querem, que já patenteou sua superfórmula e agora quer transformá-Ia em programa de computador. •

• Férias fazem bem ao coração Há sempre um workaholic disposto a elogiar a abnegação do trabalhador norte-americano, que tira, no máximo, dez dias de férias por ano. Enquanto isso, nos Estados Unidos, uma pesquisa sugere que o hábito da labuta ininterrupta estraçalha os corações do país (Wall Street [ournal, 27 de março). O estudo, que acompanhou durante nove anos um grupo de 12 mil homens de meia-idade com propensão para doenças coronarianas, registrou um índice maior de probabilidade de morte - por quaisquer causas, mas principalmente por ataque cardíaco - entre os que não têm o hábito de tirar férias regularmente. Também vai por água abaixo a idéia de que pular férias seja uma escolha espontânea de profissionais conscientes: 67% dos norteamericanos declaram que precisam urgentemente de um descanso prolongado. •

Barreira: luz 5 milhões de vezes mais lenta que a normal noso de baixíssima amplitude em um rubi comum e assim o tornou transparente à luz. O feixe de luz que atravessa o rubi é 5 milhões de vezes mais lento que o normal. Experiências anteriores já tinham conduzido a resultados semelhantes, mas a temperaturas próximas a 2600 Celsius negativos. A conquista da temperatura ambiente poderá levar ao uso da chamada luz lenta em telecomunicações e redes de computadores com o propósito de transmitir sinais de informação. •

• O mais antigo deus andino no norte do Peru encontraram um fragmento de cabaça de cerca de

Arqueólogos

• Luz perde velocidade Pesquisadores da Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, reduziram a velocidade da luz à de um trem (Nature, 26 de março). Para fazer com que ela caísse de 300 mil quilômetros por segundo a pouco mais de 200 quilômetros por hora à temperatura ambiente, precisaram basicamente de um rubi. Com uma técnica especial que usa laser, a equipe de Robert Boyd infiltrou um feixe lumi-

4 mil anos gravado com uma imagem do deus dos báculos, também conhecido como Viracocha, principal divindade da América do Sul durante milhares de anos. "Parece ser o ícone religioso mais antigo já encontrado nas Américas'; diz Ionathan Hass, especialista em antropologia da The Field Museum, dos Estados Unidos, e um dos autores do artigo relatando a descoberta na edição de maio-junho da revista Archaeology. "E isso sugere a existência de uma religião organizada nos Andes pelo' menos mil anos antes do que havíamos pensado." O fragmento foi localizado nas ruínas de um cemitério, a mais de 300 quilômetros de Lima, na região conhecida como Norte Chi-

co - que teria sido bastante habitada, entre 2600 a.c. e 2000 a.c., por povos andinos que, 3.500 anos mais tarde, dariam origem aos incas. Datada por radiocarbono como sendo de 2250 a.c., a peça traz uma representação entalhada e pintada do deus dos báculos. Apesar dos traços simplificados do estilo arcaico em que foi feita, podem-se ver claramente os dentes à mostra, os pés separados, o báculo na mão direita e a cabeça de serpente em que termina a mão esquerda - motivos clássicos que marcaram a representação da divindidade ao longo da história da cultura andina. •

• Fertilizantes naturais As raízes das plantas entram em contato com numerosos microrganismos. Nem todos são nocivos. Alguns são até benéficos, como as chamadas PGPRs (rizobactérias promotoras do crescimento, na sigla em inglês), que ajudam os vegetais a crescer. Choong-Min Ryu, da Universidade de Auburn, nos Estados Unidos, examinou sete variedades de PGPRs encontradas nas folhas da Arabdopsis thaliana, uma planta modelo em genética, e identificou dois compostos com papel decisivo no crescimento da planta: o 2,3 butanodiol e a acetoína

(Proceedings of the National Academy of Science, 31 de

Urna peruana de 500 a 800 a.C. com a divindade

março). O primeiro, aplicado diretamente ao broto da Arabdopsis, promove o crescimento da planta em proporções que variam com a dosagem. Também se constatou que uma injeção de enzimas envolvidas na síntese dos dois compostos consegue suspender o efeito de crescimento. • PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 29


Músculos feitos de nanotubos de carbono Em maio de 1999, físicos liderados por Ray Baughman, então pesquisador da empresa de tecnologia AlliedSignal, demonstraram em um artigo publicado na Science que folhas formadas por tubos microscópicos de carbono se curvavam ao ganhar ou perder elétrons, partículas com carga elétrica negativa. Esse resultado era a prova de que camadas desses cilindros, chamados nanotubos por terem poucos nanômetros de diâmetro (um nanôrnetro é a bilionésima parte do metro), tinham um comportamento semelhante ao das fibras musculares. Mas ainda não era possível explicar por que essas folhas na verdade, um sanduíche de duas folhas com bilhões de nanotubos de características distintas separadas por

• Menstruação reduz plaquetas no sangue No primeiro dia da menstruação, o número de plaquetas circulantes no sangue pode ser levemente menor, de até 6,2%, em relação ao dia médio do ciclo menstrual, segundo estudo realizado na Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Durante a menstruação, o endométrio, a camada superficial do útero, se desintegra e os vasos sangüíneos que o irrigam se rompem. As plaquetas - células anucleadas essenciais no processo de coagulação - são mobilizadas para estancar o sangramento. Se ocorre um

Flexibilidade:

elétrons dobram folha de nanotubos

um material isolante - se dobravam. Coube à equipe do físico Rodrigo Capaz, da Universidade Federal do Río de Janeiro (UFRJ), esclarecer

consumo superior à capacidade de reposição, há uma diminuição temporária do número dessas células. Coordenado por Luci Maria Sant'Ana Dusse e publicado no Jornal Brasileiro de Patolo-

gia e Medicina Laboratorial, o estudo fundamentou-se na contagem de plaquetas de 15 mulheres, feita no primeiro dia da menstruação e no dia médio do ciclo menstrual. A equipe mineira recomenda que os laboratórios de análises clínicas investiguem a fase do ciclo na qual se encontra a mulher no momento da coleta do sangue ou, se possível, evitem a realização da contagem de plaquetas no primeiro dia da menstruação. •

30 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

o enigma. Simulações em computador indicaram que nanotubos que se comportam como metais e nanotubos semicondutores funcio-

• Baratas ampliam risco de asma O resultado de um estudo deve aumentar a ojeriza - ou mesmo o pavor - às baratas: já se sabia que esses insetos causam alergia, tal qual ácaros, pêlos de gato ou cão, poeira ou mofo, mas agora há indícios de que esses insetos estejam associados ao surgimento ou ao desenvolvimento de asma em crianças. Pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), sob a coordenação dos médicos José Ângelo Rizzo e Ernanuel Sarinho, encontraram uma nítida relação entre a existência de baratas nas residências e a asma em crianças:

nam de modo diferente, como mostrou a equipe em artigo na Physical Review B de 15 de abril. Adicionando elétrons à superfície do nanotubo semicondutor, seus átomos se afastam e o cilindro estica - o mesmo ocorre com a saída de elétrons. Os nanotubos metálicos apresentam o mesmo comportamento quando recebem elétrons, mas seus átomos se tornam mais coesos, até um determinado limite, e o cilindro encolhe com a saída de partículas de carga negativa - após um limite de coesão, o nanotubo volta a expandir. "Caso se consiga manipular em separado os diferentes tipos de nanotubo, será possível explorar com mais eficiência esses efeitos e utílizá-los para produzir fibras musculares artificiais", comenta Capaz. •

em 172 domicílios recém-dedetizados, 79 crianças de 4 a 12 anos estavam expostas a baratas e 93, não. Analisando os dados, descobriu-se que 32% das crianças expostas a baratas tinham asma, encontrada em apenas 12% do segundo grupo, de casas sem baratas. "Há uma probabilidade quase três vezes maior de uma criança ter asma quando há baratas em casa do que quando não há", comenta Rízzo. Ainda não se pode afirmar que exista uma relação direta entre as baratas e a asma, mas os resultados obtidos, segundo Rízzo, valem como alerta, em especial para os portadores de doenças respiratórias. •


o estado atual da paisagem A América do Sul abriga a maior diversidade de climas, terrenos e vegetação do planeta, de acordo com o mais completo mapa da cobertura vegetal da região, a ser publicado na Global Change Biology. Produzido com imagens do satélite Spot 4, o mapa delimita as áreas urbanas, agrícolas (23%), além da vegetação natural, como florestas (46,3%) e desertos (1,1%). A análise da porção brasileira detalha a área das cidades: 20.737 km' ou 0,24% do território. Feito por instituições de seis países, esse trabalho integra um levantamento da cobertura vegetal do planeta. "É um documento que poderá ter um papel importante na determinação do mercado mundial de carbono, previsto pelo protocolo de Kyoto", diz Evaristo de Miranda, da Embrapa Monitoramento por Satélite. •

Classes com dominância de vegetação natural _ _ _ _

D D D D

D

o _

Florestas ombrófilas Florestas estacionais semideciduais Florestas estacionais deciduais Estepes e caatingas Campos e cerrados Vegetação espersa Áreas rochosas e de solo nu Desertos Áreas salinizadas Áreas com neves eternas Corpos d'água

Classes com dominância de ação antropogênica D "Plantations" lIiIIIIlI Mosaicos de agricultura e floresta degradada _ Mosaicos de agricultura e vegetação natural D Agricultura e/ou pecuária _ Áreas urbanizadas

Classes em áreas inundáveis _ _

Manguezais Florestas inundáveis sazonalmente D Campos inundáveis sazonalmente

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003·· 31


CIÊNCIA

Retratod do cntardecer Em sua maioria de origem rural, os idosos da cidade de São Paulo foram trabalhadores braçais e têm baixa escolaridade

MARCOS

PIVETTA

ascida há 87 anos em Pedreira, cidade do interior paulista, Matilde Lazzari Zanardi nunca foi à escola. Sua irmã mais velha morreu cedo, e ela, ainda menina, teve de ajudar a mãe a tomar conta de seus nove irmãos mais novos. Enquanto eles estudavam, tinha, de cuidar da casa. Além de se ocupar dos afazeres domésticos, tocava o trabalho na roça. Em 1940, após ter morado por um breve período no ABC paulista, retomou a Pedreira e ali se casou com Hugo Antonio Zanardi, com quem viria a ter um casal de filhos, Osvaldo e Maria Ivone. No dia seguinte ao matrimônio, o par mudou-se definitivamente para a cidade de São Paulo. Na capital, ambos trabalharam no setor têxtil. Ele como estampador. Ela como tecelã. Por volta dos 50 anos, Matilde, que aprendera a ler e escrever sozinha apesar de não ter freqüentado colégios, aposentou-se. Mas, para reforçar o caixa e se manter na ativa, a descendente de italianos passou a comercializar jóias. "Ela visitava os clientes em casa e vendia artigos em ouro e prata", lembra a arquiteta Liamara Milhan, 40 anos, neta de Matilde. A vida seguia seu curso natural no clã dos Zanardi, que moravam todos (pais, filhos e até netos) próximos uns dos outros em casas na Vila Prudente, bairro da Zona Leste de São Paulo. Até que, em 1984, o marido de Matilde, aos 70 anos, morreu de infarto. Mesmo com a perda, a aposentada (um salário mínimo de pensão) seguiu em frente. Em outubro de 98, um aneurisma cerebral, seguido de derrame, quase a fez tombar. Apesar da idade avançada, hoje se recupera do baque em casa, com a ajuda da família e dos remédios.

N

32 . MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87


População com 60 anos ou mais representa 9,3% dos habitantes na capital paulista


Homens são pouco mais de 40% dos idosos em São Paulo

A trajetória dessa ex-tecelã serve, em grande medida, como testemunho da história de vida de uma parte significativa dos idosos que moram na capital paulista. Por ser mulher, ter pouco estudo, vir do meio rural, ser aposentada, ganhar pouco, ter exercido uma profissão braçal, morar com a família e depender de medicamentos enfim, por tudo isso -, dona Matilde reúne algumas das principais características do contigente de quase 1 milhão de idosos que moram na maior e mais próspera metrópole brasileira. Pode-se dizer isso ao deparar com os principais resultados de um levantamento feito por pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e com apoio da FAPESP. Formalmente denominado Sabe (Saúde, bem-estar e envelhecimento), o trabalho traçou um retrato de quem são, como vivem e qual é o estado de saúde das pessoas com 60 anos ou mais que residiam no ano 2000 no município de São Paulo. Os moradores dessa faixa etária equivalem a 9,3% da população da capital paulista, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 34 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

Eis alguns números fornecidos pelo estudo, que registrou uma idade média de 69 anos entre os idosos de São Paulo. Majoritárias na população total da metrópole, as mulheres são ainda mais fortemente representadas na terceira idade, respondendo por quase 60% dessa faixa etária. Um em cada cinco idosos nunca foi à escola e 60% estudaram menos de sete anos. Antes de terem se mudado para São Paulo, quase dois terços deles moraram no campo até os 15 anos de idade por um período não inferior a 60 meses. Em sua vida profissional, pouco mais de

75% dos idosos exerceram ocupações que lhes demandaram esforços predominantemente físicos. Os medicamentos são um companheiro de todas as horas e de quase todos: 87% usam algum remédio. Dois terços da pessoas que atingiram a terceira idade têm um rendimento entre um e cinco salários mínimos, provenientes essencialmente de aposentadorias, visto que 80% delas não trabalham mais. Por fim, 86% dos idosos moram acompanhados, ao lado de alguém da família (cônjuge, filhos ou parentes). Dá para enxergar um quê de dona Matilde nos idosos de São Paulo? Essas cifras e percentagens são apenas uma amostra das centenas de informações que começam a emergir do Sabe (para outros dados, veja quadro à página 36). Para cumprir o objetivo do projeto, seus pesquisadores tiveram de entrevistar 2.143 idosos que residiam em São Paulo, visitar seus domicílios e tirar suas medidas (peso, altura, prega cutânea para ver a capa de gordura, etc.).


Boas histórias de mulheres de fibra

Aos 65 anos, Guiomar Hachel (à esq) gosta de dançar. Matilde Zanardi (87) se recupera de derrame com ajuda da filha Maria Ivone

As pessoas que deram depoimentos ao estudo foram estatisticamente selecionadas para formar um conjunto representativo do segmento mais velho da população do município. "Temos muito material com os mais variados dados sobre os idosos", comenta a pesquisadora Maria Lúcia Lebrão, da Faculdade de Saúde Pública da USP,um dos coordenadores do Sabe. "Falta gente para analisar tanta informação:' A Opas promoveu projetos idênticos ao realizado em São Paulo nas capitais de mais sete países da América Latina e Caribe (Cuba, Costa Rica, Uruguai, Argentina, México, Chile e Barbados). Por ora, apenas uma pequena parte desses dados, coletados com a mesma metodologia usada na capital paulista, está disponível para comparação. elos padrões definidos no Sabe, 96% dos idosos de São Paulo moram em residências cuja qualidade é boa. Suas moradias - em 78% dos casos próprias, deles ou de alguém que lhes cede graciosamente o espaço têm água encanada, sistemas de esgoto e banheiro e contam com um cômodo para cozinhar. Essa boa notícia, contudo, esconde um dado perverso da loca-

P

lização geográfica dos idosos na cidade. A imensa maioria está concentrada em bairros mais centrais, de melhor estrutura, longe das favelas e da periferia, um indício de que envelhecer ainda é um privilégio das classes mais abastadas. Embora somente 13% dos idosos residam sozinhos, sete de cada dez indivíduos com 60 anos ou mais disseram que não contam com ninguém' para ajudá-los em suas atividades diárias. Que tipo de auxilio eles gostariam de ter? Possivelmente, uma mãozinha para 'desempenhar tarefas outrora corriqueiras que se tornaram pequenos martírios: 18% têm dificuldade para se vestir, 12% para deitar e se levantar, 10% para tomar banho, 7% para ir ao banheiro e 6% para comer. As doenças crônicas são uma sombra que paira sobre os idosos, segundo o projeto Sabe. Pouco mais da metade dos idosos que residem em São Paulo disse ter pressão alta. Um terço relatou sofrer de artrite, reumatismo ou artrose. Um quinto afirmou apresentar algum problema cardíaco. Os que se declararam diabéticos chegam a 18%, quatro pontos percentuais a mais que as vítimas de osteoporose, a descalcificação progressiva dos ossos que afeta especialmente as mulheres. Outras enfer-

midades freqüentemente mencionadas foram problemas nos pulmões (12%), embolia/derrame (7%) e câncer (3%). Num primeiro olhar, o estado de saúde de uma pessoa de idade avançada parece ser inversamente proporcional ao número de doenças: mais enfermidades significam menos qualidade de vida. Isso, no entanto, nem sempre é verdade. "Às vezes, um idoso com quatro ou cinco doenças crônicas, só que todas sob controle, pode viver melhor e ter menos risco de parar numa cadeira de rodas ou morrer do que outro com um ou dois problemas de saúde que não são tratados de forma adequada': pondera o geriatra Luiz R. Ramos, do Centro de Estudos do Envelhecimento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Receita para envelhecer bem - Na segunda metade da década passada, Ramos coordenou um projeto que acompanhou, por dois anos, a saúde de 1.667 idosos que moravam na Vila Clementino, bairro da capital paulista onde fica a Unifesp. Seus objetivos centrais eram levantar fatores de risco que aumentavam a chance de óbito na terceira idade e tentar entender por que algumas pessoas envelheciam bem e outras, não. Uma das principais conPESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 35


clusões do estudo foi que o foco do atendimento a essa faixa da população não devia ser pura e simplesmente nas doenças, mas sim nos impactos que essas enfermidades tinham sobre as funções cognitivas e motoras do paciente. «O mais importante é que o tratamento vise preservar ou, se possível, até aumentar o grau de independência (mental e de locomoção) do idoso em relação a outras pessoas': afirma Ramos. passar

os olhos sobre a montanha de números do Sabe, um ponto se destaca: o nível de escolaridade ~ dos idosos parece se comportar como um marcador de sua condição geral de saúde, sobretudo de seus aspectos cognitivos. Aparentemente, quanto maior o grau de educação formal do entrevistado, menor o seu desconforto físico e mental. Como evidenciar essa relação? Ela começa a ganhar contornos de realidade quando se vê que aproximadamente 65% dos indivíduos sem escolaridade classificaram sua saúde de ruim ou má, dez pontos percentuais acima do resultado geral da amostra. Se o assunto é saúde mental, essa relação se explicita de vez. Independentemente do grau de instrução dos idosos, a ocorrência de problemas cognitivos, como perda de memória, raciocínio e outras funções cerebrais, atinge 11% de toda a amostra do Sabe, com freqüência um quarto maior nas mulheres do que nos homens. Entre as pessoas com 60 anos ou mais que nunca foram à escola, a incidência desse tipo de problema é de 17%. Nos idosos que estudaram menos de sete anos, essa taxa cai para 5%. E entre os que contabilizaram mais de sete anos nos bancos escolares, é de apenas 1%. «Quem pôde estudar geralmente atingiu uma melhor condição socioeconômica durante a vida e é mais bem informado sobre as questões de saúde", afirma Ruy Laurenti, também da Faculdade de Saúde Pública da USP, outro coordenador do Sabe. «Ele se prepara e tem mais condições de envelhecer bem." Os preocupantes índices de deterioração cognitiva em idosos, também encontrados nos demais países latinoamericanos radiografados pelo Sabe, são um indício de que uma série de problemas devem aparecer no futuro próximo, em especial demências, como o 36 . MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

Alguns dados obtidos a partir de levantamento feito em 2000 com 2.143 pessoas com 60 anos ou mais residentes na capital paulista 1

INFORMAÇÕES

GERAIS sassessseeeessessseses

9,3% da população total (972 mil pessoas)"

69 anos 58,6% 70% 21% 60%

Idade média Mulheres Brancos declarados Nunca foram à escola Com sete anos de estudo no máximo Viveram no campo até 15 anos de idade por um período não inferior a 60 meses Exerceram no passado trabalhos predominantemente

físicos

Têm renda entre um e menos de cinco salários mínimos Residem em imóvel próprio (deles ou de terceiros) Vivem acompanhados

2

INDICADORES

63% 75,7% 67,2% 78% 86,7%

DE SAÚDE

Tomam algum medicamento

86,7%

Compram remédio com dinheiro próprio

71,7%

Não recebem ajuda de ninguém em suas atividades diárias

70%

Dizem que sua saúde está regular ou má

55%

Têm plano de saúde privado

40%


3

DOENÇAS C~ÔNICAS

J

MAIS FREQÜE~~ES

5 Hipertensão Artite, reumatismo, artrose Problemas cardíacos Diabetes Osteoporose Doença crônica do pulmão

Problemas cognitivos Embolia/derrame

~~------------

Câncer

53,3% 31,7% 19,5% 18% 14,2% 12,2% 11% 7,2% 3,3%

Percentagem de idosos com problemas cognitivos de acordo com os anos de estudo

16,7% 5,2% 1%

6 4

SAÚDE MENTAL VERSUS ESCOLARIDADE

",",_J_~_

Dor ou problemas nas costas Problemas nas articulações I nchaço nos pés Vertigem ou tontura Tosse persistente, catarro ou chiado Fadiga ou cansaço Dor no peito Perda de urina involuntária Dor de cabeça persistente Falta de ar Transpiração excessiva e sede persistente Náusea persistente, vômitos Perda de controle do intestino

TÊM DIFICULDADE --- -

EM ...

~~

17% 11,7% 10% 7,1% 6%

Vestir-se

QUEIXAS E SINTOMAS RELATADOS NOS ÚLTIMOS 12 MESES •••••••

-

Deitar e se levantar .Tomar banho

i

••M-.

I _

39,7% 38,9% 28,1% 25% 22,7% 22,1% 21,9% 20,2% 20,1% 16,4% 12,7% 8,7% 4,8%

da cama

Ir ao banheiro Comer

7

NÃO CONSEGUEM MAL PODEM ...

OU -----~~ .....•.•.... --~-~

Agachar-se Levantar-se da cadeira Subir um andar de escada Caminhar uma quadra Levantar os braços acima do ombro

Fonte: Projeto

Sabe

51% 36% 33% 17% 15%

'Dado Censo 2000 do IBGE

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 37


mal de Alzheimer,e perda de autonomia para a realização de tarefas cotidianas. Em outras palavras, esse idoso, se a deterioração mental avançar, terá de ser assistidopor alguém diuturnamente. Para a psicóloga Ana Teresade Abreu Ramos Cerqueira, da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que também participa da análise dos dados do Sabe, a relação entre escolaridade e distúrbios cognitivos realmente existe. É um problema real, mas precisa ser um pouco relativizado. "Os resultados variam muito de acordo com a metodologia que usamos para levantar esse tipo de dado", pondera Ana Teresa. "Muitas vezes ocorre o que chamamos de falso positivo para problemas de cognição ou demência, especialmente no diagnóstico da situação de pessoas menos instruídas." Os idosos sem estudo têm mais dificuldade de responder aos questionários dos pesquisadores do que as pessoas com maior escolaridade. Resultado: muita gente com pouca ou nenhuma escolaridade acaba sendo rotulada, erroneamente, de demente ou portadora de problemas mentais. Mais velho e sem dinheiro - A preocupação da Opas em estudar a velhice nesta parte do planeta tem uma razão clara: nos próximos 20 anos, o número de pessoas com 60 anos ou mais na América Latina e Caribe vai praticamente dobrar, saltando de 42 milhões de indivíduos no ano 2000 para estimados 82 milhões depois de 2020. Nesse mesmo período, em termos proporcionais, o aumento será um pouco menor, mas ainda assim muito expressivo. Os idosos passarão de 8,1% para 12,4% da população total desses países. Nesse quadro de rápido envelhecimento das sociedades latino-americanas, o Brasil não é exceção. Em 1940, só 4% de sua população tinha 60 anos ou mais. Segundo o censo, os idosos em 2000 já somavam 8,6% de todos os brasileiros um contingente de 14,5 milhões de indivíduos, 55% dos quais mulheres. Nos próximos 20 anos, a população idosa do Brasil poderá ultrapassar os 30 milhões de pessoase representar quase 13% de seus habitantes. "Pode até não parecer tanta gente assim em termos proporcionais, sobretudo quando se olha para dados de países europeus, onde mais de 15% da população é de idosos", 38 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

Idosos em praia do Rio de Janeiro: a capital da terceira idade

comenta Ruy Laurenti. "Mas o número absoluto de idosos no Brasil é muito grande e continuará crescendo." COnSeqÜênCias do aumento expressivo na quantidade de pessoas da chamada terceira idade sobre os sistemas de saúde e a Previdência Socialsão evidentes e já são sentidas hoje em dia. Basta mencionar o acalorado debate nacional sobre o teto máximo das aposentadorias e a idade mínima p~ra se requisitar o benefício. Fora isso, há ainda o impacto do envelhecimento nas relações familiares. Quem nunca participou daquela reunião de família para discutir, baixinho e de forma meio constrangida, onde a vovó iria morar depois que o vovô se foi?A rigor, o problema maior nem é o envelhecimento da população na América Latina (também na Ásia e África), mas, sim, o seu envelhecimento sem saúde e qualidade de vida. Essa questão é ainda mais dramática no universo das nações pobres e em desenvolvimento, como o Brasil e seus vizinhos latinos, onde boa parte dos idosos tem pouca instrução formal, dinheiro contado e serviços públicos precários. "Primeiro os países desenvolvidos ficaram ricos e, depois, velhos", afirma Maria Lúcia Lebrão. "Nós esta-

h

mos ficando velhos antes de sermos ricos."Os dados do projeto Sabe na capital paulista servem para ilustrar essa máxima. Pagar um plano de saúde é um luxo que apenas quatro de cada dez idosos que moram em São Paulo conseguem manter. Dona Matilde está entre os que contam com esse benefício. Por ser antigo e lhe dar direito a atendimento em apenas um hospital da região, o valor da mensalidade, cerca de R$ 150, é considerado baixo para a idade da portadora do convênio. O envelhecimento da população e o aumento da expectativa média de vida ao nascer - em 1980, era de 62,7 anos para os brasileiros e hoje está em quase 69 anos - são fenômenos nacionais. Mas, segundo dados de censos do IBGE, a presença de idosos nas 27 unidades federativas varia - e muito. Na base, há um grupo de estados em que a parcela mais velha da população representa entre 4% e menos de 7% de seus habitantes. Esse é o caso de toda a região Norte. Numa situação intermediária, há um grande grupo de estados cuja proporção de idosos varia de 7% a 9% de seus moradores. Em São Paulo, por exemplo, as pessoas com 60 anos ou mais representam 9% da população. No topo, com uma taxa de idosos que chega a


dois dígitos, figuram três estados: Paraíba (10,2%), Rio Grande do Sul (10,5%) e Rio de Janeiro (10,7%). Não por acaso, os municípios de Porto Alegre e Rio de Janeiro também são as capitais com mais gente de idade (11,8% e 12,8%, respectivamente, de seus habitantes). á se tornou clássica a associação de um dos mais tradicionais bairros da Zona Sul carioca à imagem de simpáticos velhinhos - relativamente prósperos em relação ao grosso dos aposentados nacionais - andando na praia ou se exercitando na areia. "Vinte e sete por cento dos moradores de Copacabana são idosos", diz o médico Renato Veras, diretor da Universidade Aberta da Terceira Idade (Unati), projeto mantido pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) que, por semestre, ministra 125 cursos para 2.200 idosos. Especialista na saúde da terceira idade, Veras afirma que o setor público de saúde ainda não está preparado para atender à demanda crescente de serviços especialmente voltados para a parcela de mais idade da população. "Mesmo com essa enorme presença de idosos, quem acha um geriatra num posto de saúde em Copacabana?", indaga o médico.

Creche para idoso· Cuidar do idoso é diferente de tratar de uma criança ou adulto. Por isso, muitos especialistas defendem a implementação de serviços diferenciados para essa faixa etária. Veras é a favor do incremento do atendimento domiciliar para essa parcela da população. "Em casa, o idoso tem menos infecção hospitalar e está num ambiente conhecido", diz o diretor da Unati. Implantar um sistema de atendimento domiciliar exige uma 10gística complexa, que gerencie de forma eficiente e racional o deslocamen'to de equipes médicas. Mas, segundo Veras, se bem administrado, esse serviço até reduz os custos do atendimento, na medida em que atua mais

o PROJETO As Condições de Saúde dos Idosos na América Latina e Caribe MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADORES

Ruv LAURENTI e MARIA LÚCIA LEBRÃO- Faculdade de Saúde Pública da USP INVESTIMENTO

R$ 236.295,00

preventivamente e evita internações desnecessárias. Aliás, sair de casa e chegar a um hospital ou consultório médico pode ser uma tarefa impossível de ser cumprida por muitos idosos. Em São Paulo, de acordo com os resultados do Sabe, a falta de (bom) transporte público chegou a ser a causa mais citada pelos entrevistados para faltarem a consultas médicas. Outra possibilidade de serviço diferenciado para os idosos, que não exclui a proposta anterior, é estimular a criação de centros de convivência para esse segmento da população, lugares que funcionam como creches da terceira idade. Nesses locais, quem já chegou aos 60 anos pode passar o dia desenvolvendo atividades físicas e intelectuais sempre sob a supervisão de alguém da área médica, uma enfermeira ao menos. À noite, o idoso volta para casa. "Dessa forma, ele não perde o vínculo familiar e se mantém ativo", diz Maria Lúcia Lebrão, da Faculdade de Saúde Pública da USP, que advoga essa idéia. Algumas das chamadas universidades da terceira idade fazem, de certa forma, o papel de centro de convivência de idosos. É verdade que o número de vagas oferecidas em seus cursos e atividades geralmente é pequeno diante da procura. Mas quem consegue um lugar fica satisfeito. Esse é o caso da dona de casa Guiomar Genaro Hachel, 65 anos, que freqüentou durante quatro anos atividades para idosos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/ SP) e, há três, participa da Universidade Aberta à Terceira Idade (Uati) mantida pela Unifesp. Desacompanhada do marido, Guiomar já assistiu a todo o ciclo de palestras e agora faz "aulas extracurriculares" de teatro, dança de salão e tai chi chuan. "Na universidade, fico mais esclarecida e faço amizades': diz essa avó de seis netos. A presença de homens é menor nos cursos para terceira idade, mas não inexistente. Viúvo e aposentado, o ex-profissional de marketing Celso Pavarin, 73 anos, começou a freqüentar a Uati neste ano. Além das palestras regulares promovidas pela universidade, faz aulas de teatro, dança de salão e informática. "Mais do que o conhecimento, o que mais me impressiona na Uati é o carinho das pessoas", afirma Pavarin, que há 21 anos carrega uma safena no peito. "Aqui é bom ser velho. Mais pessoas deveriam ter essa oportunidade." • PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 39


• CIÊNCIA

GEOLOGIA

Há 300 milhões de anos, o gelo dominava a paisagem do futuro Nordeste brasileiro

FRANCISCO

BICUDO

40 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

eiras oje, o sertão do Nordeste é marcado pelos mandacarus, pelas secas freqüentes e pelo calor intenso, mas nem sempre foi assim. Há cerca de 300 milhões de anos, quando América do Sul, África, sudoeste da Ásia, Austrália e Antártica formavam um único supercontinente situado próximo ao Pólo Sul, uma vasta porção do que hoje é o Nordeste brasileiro era coberta por geleiras, de cujas bordas se soltavam gigantescos blocos de gelo, icebergs que deslizavam como hoje se vê nos arredores da Antártica. Nas porções menos inóspitas desse terreno, onde não havia gelo, cresciam arbustos e árvores de pequeno

H

porte, parentes distantes dos pinheiros e das araucárias atuais, compondo uma paisagem semelhante à da atual Islândia, já bem perto do Pólo Norte. Uma equipe do Instituto de Geociências (IGc) da Universidade de São Paulo (USP) conseguiu reconstituir esse cenário e provar, pela primeira vez, que houve de fato uma glaciação no Nordeste - antes vista apenas como uma hipótese à espera de confirmação - com base na análise de rochas nas quais as geleiras deixaram cicatrizes ou estrias ao deslizar para o mar. Em busca de pistas do gelo antigo, num autêntico trabalho "detetivesco" iniciado há 25 anos, os pesquisadores verificaram que o próprio relevo guarda a lembrança


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viraram ser ao daqueles tempos, o final da chamada Era Paleozóica, quando a maior parte dos continentes do atual Hemisfério Sul se uniam num imenso bloco, a Gondwana, e se encontravam cobertos pelo gelo. "Nessa época, mais da metade do futuro território brasileiro estava sob o clima glacial",assegura o geólogo Antonio Carlos Rocha Campos, coordenador do grupo que examinou uma área de cerca de 10 mil quilômetros quadrados que compreende os estados de Sergipe, Bahia e Alagoas. Há tempos se conhecem os sinais de geleiras nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, especialmente em São Paulo e no Paraná, mas no Nordeste havia apenas indícios desse período gelado.

As marcas mais recentes e contundentes da glaciação no território nordestino foram descobertas em outubro do ano passado: diversos sulcos e escavações rasas, de até 40 centímetros de profundidade e 25 metros de comprimento por 3 metros de largura. Encontradas nas imediações de Santa Brígida, a 412 quilômetros ao norte de Salvador, na Bahia, e próximas a Nova Canindé de São Francisco e Curituba, em Sergipe, a 213 quilômetros a oeste da capital, Aracaju, as escavações apresentam as características típicas deixadas pelo deslocamento de icebergs sobre o fundo de lagos ou mares rasos, de modo semelhante aos sulcos que hoje se vêem na plataforma continental da região ár-

tica da América do Norte. As marcas registradas pelos blocos de gelo eram as peças que faltavam para completar o quebra-cabeça. "Não restam mais dúvidas de que a glaciação do final da Era Paleozóica, conhecida como idade glacial de Gondwana, atingira também o Brasil",afirma Rocha Campos, à frente da equipe formada por pesquisadores do IGc, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos. Seas provas mais consistentesda presença de gelo no Nordeste em épocas remotas são recentes, as primeiras evidências surgiram 25 anos atrás, em meio PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 41


a uma série de coincidências. Numa tarde do final dos anos 70, sob um calor de quase 40 graus, Rocha Campos viajava em direção a Igreja Nova, no interior de Alagoas, a 183 quilômetros a oeste de Maceió, quando um ponto brilhante, na beira da rodovia, pouco antes da entrada da cidade, chamou sua atenção. Imediatamente pediu que parassem o carro e correu até o local. Como não trazia equipamentos de escavação, tomou emprestadas uma vassoura e uma enxada e pôs-se a limpar uma pequena área de 1 metro por 2, enquanto os moradores que se aglomeravam a sua volta traziam latas de água para ajudar a tirar a terra sobre a rocha. No retângulo escavado,Rocha Campos descobriu uma superfície rochosa polida com ranhuras paralelas: eram marcas de erosão possivelmente A sorte provocadas pela passagem de alguma geleira. de ver um Sobre a superfície havia camada de tilito, brilho à uma uma rocha maciça, de beira da cor acinzentada, compor grãos de difeestrada posta rentes diâmetros - dos mais finos (grãos de argila) aos mais grossos (de areia) e até seixos -, outra evidência de que aquele material tinha origem glacial. Formado pelo deslocamento de geleiras, que trituram e arrastam fragmentos de assoalho rochoso sobre o qual deslizam, o tilito é uma rocha sedimentar equivalente ao till, sedimento também misturado caoticamente que aparece sempre próximo às geleiras atuais, formando cordões laterais ou frontais. Conclusão: se é assim hoje, deveria ser também no passado. "A camada de tilito era outra evidência de que teria havido gelo por ali", comenta o pesquisador. Rocha Campos encontrara o local certo, na hora certa. "Eram cinco horas da tarde, o sol estava se pondo e os raios batiam inclinados sobre a rocha",conta o geólogo. "Se passasse por ali ao meio-dia, não teria encontrado o pavimento estriado e o tilito. Ao menos, não naquela época." As provas haviam sido encontradas. Faltava analisar os detalhes. Envolvido em outros projetos, Rocha Campos teve de esperar mais de 20 anos até retomar ao Nordeste. Em 2001, voltou a Igreja Nova e encontrou 42 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

uma pedreira de onde se extraía o tilito para utilizar como cascalho em construções. Ampliou a região que estudaria e verificou a ocorrência dessa e de outras rochas glaciais em Santa Brígida, no interior da Bahia, em Nova Canindé de São Francisco e Curituba, em Sergipe. Nessas localidades, em plena caatinga, também constatou a presença dos sulcos e arranhões deixados pelos icebergs que, empurrados por ventos ou correntes aquáticas, cavaram a areia do fundo de lago ou de mar como arados que imprimem sua marca no terreno e acumulam parte dos sedimentos em saliências laterais. Enfim, os pesquisadores podiam afirmar, com coerência e provas consistentes, que geleiras haviam feito parte do cenário natural da região Nordeste. egundo o geólogo, a cobertura branca provavelmente durou de 15 milhões a 30 milhões de anos no território que viria a ser o Brasil, durante a transição do período Carbonífero para o Permiano. Essa glaciação foi uma das mais longas e intensas fases de refrigeração do planeta de que se tem notícia. O futuro território brasileiro era então ocupado pelas plantas mais primitivas, as girnnospermas (com sementes nuas, sem frutos), que em milhões de anos originaram as coníferas e os pinheiros atuais. Enquanto as gimnospermas deveriam habitar as regiões mais altas, de acordo com o cenário que os pesquisadores começam a delinear, nas mais baixas e úmidas cresciam os vegetais parentes das atuais avencas e samambaias, do grupo das pteridófitas. Nos mares gelados, viviam pequenos invertebrados - a exemplo de

S

o PROJETO Glaciação Neopaleozóica Externa à Bacia do Paraná: Sudeste e Nordeste do Brasil MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR ANTONIO

CARLOS

IGc/USP INVESTIMENTO

R$ 103.856,25

ROCHA CAMPOS -

moluscos, braquiópodes e equinodermos, como os lírios-do-mar -, além de peixes primitivos. A própria história de Rocha Campos com as eras glaciais que afetaram o Brasil é antiga. Desde o final dos anos 60, em colaboração com pesquisadores brasileiros e de outros países, o geólogo investiga - e já detectou - diversos sinais da existência remota de geleiras nas regiões Sul e Sudeste, principalmente nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Com esses achados, o pesquisador da USP ampliou as indicações de outro geólogo, o norte-americano Orville Derby, que em 1888 colheu os primeiros registros do gelo de Gondwana na região da Bacia do Paraná - um terreno geológico que abrange os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, toda a região Sul, além de parte do Paraguai e do Uruguai. "Se os sinais das geleiras cobriram uma área tão vasta, seus efeitos deveriam se estender a outras regiões do Brasil",pensou Rocha Campos. Em busca de respostas, o pesquisador selecionou quatro áreas de estudo: Mato Grosso e Rondônia, sul do Amazonas, noroeste de Minas Gerais e o circuito Bahia-Sergipe-Alagoas. Gelo em Minas Gerais - Por causa das suspeitas iniciais, geradas pelas rochas polidas descobertas na beira da estrada de Igreja Nova, e com o auxílio de estudos publicados por outros pesquisadores, a equipe do IGc não somente encontrou resquícios da glaciação do final da Era Paleozóica no Nordeste, mas confirmou que naquela época havia também geleiras no noroeste de Minas Gerais, nos arredores de cidades como Santa Fé de Minas e Canabrava, a 400 quilômetros de Belo Horizonte. Acredita-se que essas geleiras formavam uma massa de gelo distinta da do Nordeste e podem ter se estendido da atual capital mineira até a fronteira com a Bahia e Goiás, onde há uma depressão conhecida como Bacia Sanfranciscana, em referência ao rio São Francisco. Em Mato Grosso e Rondônia, as outras áreas investigadas pela equipe, os trabalhos ainda estão em fase inicial e devem prosseguir até o final do ano. Os dados analisados até o momento sugerem, porém, que a glaciação de Gondwana tenha se estendido por essas regiões.


Curituba, em Sergipe: sulco de 25 metros de comprimento deixado por um iceberg ao deslizar sobre uma rocha que já foi fundo de um lago ou mar

Ainda há muitas incertezas, já que faltam regiões a serem estudadas e as análises preliminares se limitam a cada região isoladamente. O próximo passo do trabalho é, justamente, estabelecer as conexões entre essas diferentes áreas e formar a visão de conjunto da época em que o futuro território brasileiro vivia coberto de gelo. Mas, segundo Rocha Campos, já se pode dizer com firmeza que a glaciação de 300 milhões de anos se deve à proximidade com o Pólo Sul, não a movimentos tectônicos que rearrumaram a superfície terrestre e originaram montanhas que, por causa da altitude, abrigaram geleiras. Os geólogos diriam: trata-se de um fenômeno relacionado à latitude, as linhas imaginárias horizontais e paralelas ao equador. Os blocos que constituíam Gondwana não apenas se fragmentaram, mas também se deslocaram rumo ao norte. Os que atualmente formam o território brasileiro, hoje entre 10 graus e 35 graus de latitude sul, há 300 milhões de anos encontravam-se cerca de 30 graus a sul da posição atual, quase 3.300 quilômetros mais perto do pólo. Outras causas> As geleiras que chegaram ao Nordeste brasileiro podem ter vindo do Gabão, na África Ocidental, então colada ao Brasil. As que atingiram a Bacia do Paraná e Minas Gerais são consideradas extensões de uma massa de gelo que cobria a Namíbia. Segundo os pesquisadores, a latitude mais alta não deve ter sido o único fator a provocar a glaciação. Variações na órbita da Terra que interferiram na intensidade da luz solar que atingia o planeta, associadas a mudanças na atmosfera, podem ter colaborado. Os ganhos desse trabalho podem ser não apenas científicos, ao ajudarem a recontar a história climática e geológica do Brasil, mas também econômicos. Na Bacia do Paraná, já se descobriu que as rochas de origem glacial se intercalam com camadas de carvão e fazem parte de aqüíferos ou de reservatórios de gás natural. No Nordeste, pode ser que ocorra algo semelhante. • PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 43




.CIÊNCIA

BIOQUÍMICA

Visão de longo alcance Descobertas sobre proteína essencial na formação do cérebro viabilizam acordo com multinacional CARLOS

FIORAVANTI

uassemanas antes do Natal do ano passado, como uma recompensa ao esforço incessante do grupo de pesquisa que coordena, Antonio Carlos Martins de Camargo - um médico de formação que enveredou pela pesquisa em bioquímica e há oito anos instalou-se no Instituto Butantan - assinou um contrato de parceria com a indústria farmacêutica multinacional Merck Sharp & Dohme. O acordo de apenas duas páginas estabelece um objetivo comum para as equipes do Butantan e da empresa com sede em Essex, Inglaterra: desenvolver medicamentos a partir de uma proteína que representa uma das ramificações de um trabalho iniciado ainda nos anes 40 por um dos maiores cientistas brasileiros, Maurício Rocha e Silva. O que nasceu discreto logo se mostrou promissor e, nos últimos anos, essencial, à medida que sucessivos artigos científicos assinados por pesquisadores não só no Brasil, mas também nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, comprovaram o papel crucial dessa proteína na regulação de uma série de funções, da transmissão da dor à formação do cérebro durante a gestação. Ainda não há previsão de que medicamentos possam surgir, nem quando, mas a perspectiva de trabalho conjunto abre um capítulo novo de uma história que nasceu no final dos 60, como desdobramento das descobertas de Rocha e Silva, e está longe de acabar. Em um dos próximos episódios deve se desenrolar um embate com figurões da ciência mundial em busca do reconhecimento da autoria da descoberta da proteína à qual Camargo dedicou quase metade de sua vida. Se possível este mês, o pesquisador do Butantan pretende demonstrar, de uma vez por todas, que a proteína que ele próprio desco-

D Camargo, do Butantan: "Não podemos ter pressa, para não perdermos tudo o que fizemos"


briu e chamou de endooligopeptidase A ou endoA - apresentada em dois artigos, um publicado em 1969 na Biochemical Pharmacology e outro, dois anos depois, no ]ournal of Neurochemistry - é a mesma que os norte-americanos, alemães e japoneses redescobriram em 2000 e batizaram de Nudel, nuclear distributing-like protein, descrevendo sua atividade na formação do córtex cerebral em artigos independentes publicados em dezembro daquele ano na Neuron. "Não basta sermos e parecermos honestos, como a mulher de César", diz ele. "Nós, brasileiros, temos de provar nossa honestidade a todo momento." as Camargo aprendeu a esperar, como demonstra o acordo com a indústria farmacêutica, articulado com o mesmo senso diplomático que, aliado ao empenho ao trabalho, lhe permitiu ser contratado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) no final dos anos 60, transferir-se para o Instituto de Ciências Biomédicas da USP em São Paulo, em 1984, formar um núcleo de pesquisas no Butantan e tornar-se o coordenador do Centro de Toxinologia Aplicada (CAT), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) que compõe um programa especial da FAPESP. "Só aceitamos a proposta da Merck depois que a patente da proteína estava depositada", diz. "Não podemos ter pressa, para não perdermos tudo o que já fizemos." E não é pouco o que já se' conseguiu. O estudo das propriedades dessa proteína permitiu a formação de quase 30 mestres e doutores, além de representar uma das mais antigas linhas de pesquisa apoiadas de modo contínuo pela FAPESP. O primeiro projeto financiado em nome de Camargo, sem contar os anteriores, assinado por seus orientadores, data de 1970. Seguiramse outros 45 projetos apoiados na forma de auxílios à pesquisa, à infra-estrutura de laboratório, a viagens ao exterior ou por meio de bolsas para os alunos. Aos 66 anos, o médico nascido em São Carlos faz parte de uma geração de pesquisadores que se mostram engajados em seus próprios problemas científicos, sem esperar reconhecimento

um coelho, a bradicinina deixava o aniimediato. "É difícil resistir à tentação mal com hipertensão, inquieto e ofedas novas tecnologias, que dão resultagante por um ou dois minutos. Depois, dos rápidos, mas não podemos descuio coelho ficava em catatonia, estirado dar da ciência de fato, que é demorada': sobre a mesa, incapaz de se mover. diz o discípulo de Rocha e Silva. Os cienAs evidências sugeriam a existência tistas dessa linhagem, hoje na casa dos de enzimas capazes de inativa r a bradi60, 70 ou mesmo 80 anos, adotam o cinina - se contidas, poderiam permitir estilo Darwin de fazer ciência: valoque a bradicinina agisse por mais rizam a formulação de hipóteses que tempo. Mesmo hoje não seria muito fápossam explicar o que foi verificado e a cil provar essa idéia, já busca de evidências que que as proteínas se missustentem ou derrubem a turam e agem sozinhas ou hipótese inicial. Tempos em conjunto quando atiatrás, porém, havia um , Não podemos vam ou desativam outras sério risco de o estilo dardescuidar da proteínas. Camargo pewiniano ser confundido diu emprestado um dos até mesmo com arrogânciência de peptídeos (fragmentos de cia. "Eu estava tão envolproteínas) que outro asfato, que é vido com um programa sistente de Rocha e Silva, de pesquisa que não me demorada, Sérgio Henrique Ferreipreocupava com o que as ra, ainda hoje na Faculoutras pessoas achavam", dade de Medicina da reconhece. "Não queria USP em Ribeirão, acabaagradar, mas explorar as minhas idéias e fazer um bom trabalho, va de descobrir no veneno de jararaca. Conhecida como fator potencializaque, cedo ou tarde, eu sabia, teria imdor da bradicinina (BPF), essa moléportância." cula bloqueia a ação da enzima que Em 1962, quando pisou pela pridestrói a bradicinina. Anos depois, em meira vez num laboratório, Camargo um dos mais notáveis resultados desse cursava o segundo ano de Medicina. grupo de pesquisa, o BPF inspirou a Teve de fazer partos e auxiliar cirurcriação do captopril, um dos anti-higias, mas queria mesmo era fazer pespertensivos mais vendidos no mundo, quisa. Consciente de sua real vocação, que rende cerca de US$ 5 bilhões por bateu à porta de um assistente de Roano para o laboratório norte-americha e Silva, Sérgio Steiner Cardoso, que cano Bristol-Myers Squibb, que desde lhe deu a chance de participar de um 1977 detém a patente da versão sintétiestudo sobre o controle da regeneraca desse peptídeo. ção dos tecidos do corpo humano. Camargo trabalhou nessa linha até A recusa - Uma das enzimas que anu1966, quando entrou na pista da prolam a ação da bradicinina era a endoA, teína que chamou a atenção da Merck. como se veria mais tarde. Naquele moEra então ele próprio um assistente de mento, viu-se apenas que o peptídeo de Maurício Rocha e Silva, conhecido por Ferreira deixava o coelho com hiperser tão brilhante quanto espontâneo, a tensão, inquieto e ofegante por até uma ponto de não medir as palavras ao se hora. Mas ainda faltava descobrir qual dirigir aos colegas. enzima cortava - ou degradava - a braRocha e Silva convenceu-o em sedicinina. Foram-se anos até a equipe de gundos a esquecer a regeneração dos Camargo purificar a endoA, às vezes tecidos e participar da busca dos mecacorrendo o risco de morrer eletrocutanismos de funcionamento da bradicinido. "Vinte anos atrás, um dos meios de na, molécula reguladora da pressão arseparar peptídeos era utilizar a eletroterial descoberta em 1948 pelo próprio forese de alta voltagem, aplicando uma Rocha e Silva e por Wilson Beraldo (a tensão elétrica de 3.000 volts em uma bradicinina reduz a pressão na circulafolha de papel com as proteínas", ção sangüínea e a eleva no sistema conta ele, sem saudade nenhuma desses nervoso central). Naquele momento, a métodos, que tomavam de quatro a prioridade era identificar um grupo cinco horas de trabalho. Hoje é possível de proteínas especiais, as enzimas, res-: separar peptídeos em minutos, sem peponsáveis pelo efeito passageiro da rigo de choques imprevistos. bradicinina. Aplicada no cérebro de PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 47


Mesmo conhecendo as dificuldades que teria de superar, Camargo evita os caminhos fáceis. Em 1972, ele terminava o pós-doutorado com Lewis Greene no Laboratório Nacional de Brookhaven, em Nova York, quando reencontrou Sérgio Cardoso, o mesmo que lhe havia aberto as portas do mundo da ciência. Cardoso, que havia se transferido para os Estados Unidos, deu-lhe outra chance: seguir com ele, como seu braço direito, na tarefa de montar um laboratório de proteínas na Universidade do Tennessee. Seu ex-aluno receberia um salário cinco vezes maior do que no Brasil, além de ganhar uma casa pronta para instalar a mulher e os três filhos pequenos. Camargo disse não. Preferiu voltar, decidido a criar um centro de proteínas no Brasil. le deixou Brookhaven sem esquecer um comentário que tivera de engolir semanas após ter chegado, dois anos antes, em 1970. Desembrulhava alguns pacotes de equipamentos quando uma técnica comentou para Greene, o chefe do laboratório: "Esse é o trabalho que um médico latino-americano pode fazer nos Estados Unidos". Meses depois, em Ribeirão, formou uma equipe que aceitou o desafio de montar os equipamentos em vez de comprar tudo pronto. Não apenas pela economia, que de eles fato conseguiram, reduzindo os custos à metade, mas também por que queriam descobrir como funcionava e como consertar especialmente o analisador de proteínas, o aparelho mais importante de todos. Foi um desafio só vencido com a ajuda de dois técnicos de Brookhaven, Nicholas Alonso e Rosalyn Shapanka, que já haviam participado dos estudos iniciais da endoA - ambos aparecem como coautores dos primeiros artigos de caracterização da proteína. Se há um conselho que Camargo oferece de bom grado à sua equipe é: não ter medo de perseguir suas próprias idéias. "Nunca acreditei que o papel biológico da endoA fosse destruir a bradicinina", confessa. Com o tempo, seu grupo demonstrou que havia, na verdade, uma família de proteínas semelhantes - e assim surgiu a endoB, al-

gou 19 anos depois, quando o polonês Vilmos Fulop, da Universidade de Warwick, na Inglaterra, citou seus estudos ao relatar a cristalização da endoB na revista CeU. Em outro artigo polêmico, publicado em 1996 no Biochemical [ournal, Camargo demonstrou que a proteína isolada em testículo de rato por uma equipe da Faculdade de Medicina de Mont Sina i, Estados Unidos, não era a mesma que ele havia extraído de cérebro de coelho, já com a suspeita de que a mesma molécula poderia ter mais de uma função no organismo. A herança - Hoje, quem se dedica de

E

48 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

A prova: enzima em excesso deforma cérebro e olho de rãs

guns anos depois da endoA. As duas bastaram para alimentar a suspeita de que teriam uma ação mais ampla, atuando na formação ou destruição de outras proteínas e na regulação não apenas da dor e pressão arterial, como se pensou no início, mas também no controle hormonal, crescimento celular, interação entre células nervosas ou equilíbrio de água no organismo, conforme se verificou, ao longo dos anos, à medida que essas moléculas passaram a ser estudadas no mundo inteiro. A endoA e a endoB fazem parte de um grupo de enzirnas chamadas oligopepetidases, que destroem apenas peptídeos e não proteínas inteiras, como é comum. Camargo propôs esse conceito em 1976 na Biochemistry e no [ournal of Biological Chemistry, ao descrever a endoB, mas, de imediato, ninguém lhe deu atenção. O reconhecimento che-

corpo e alma às proteínas é Miriam Hayashi, que Camargo conheceu em Tóquio em 1990. Formada em Farmácia, ela trabalhava em pesquisa em drogas anticâncer na filial japonesa da Roche. Depois de um ano por lá, já pensava em voltar ao Brasil. No Butantan desde 1993, ela lida com a endoA e a endoB por meio da biologia molecular, complementando o que havia sido feito antes. Foi Miriam quem seqüenciou a endoA, formada por 345 unidades ou aminoácidos. Foi ela também quem atestou a importância dessa proteína, por meio de um experimento feito com embrião de rã africana (Xenopus laevis). Em quatro das oito células do embrião - as que vão formar o lado direito ou esquerdo, enquanto as outras quatro vão formar o lado oposto do corpo -, ela aplicou uma dose alta do gene que induz a produção dessa proteína. Houve deformação do olho e do cérebro dos girinos, mas apenas no lado em que a proteína apareceu em excesso, indicando que qualquer desequilíbrio em sua quantidade pode ser prejudicial. Eram evidências importantes, mas chegavam acompanhadas de uma decepção. Tão logo concluiu o experimento, no final de 2000, Miriam leu na Neuron um artigo de pesquisadores norte-americanos que ficavam com o mérito da descoberta por terem publicado primeiro os mesmos resultados a que ela havia chegado meses antes. Não foi o bastante, porém, para tirar-lhe o fôlego. Além do objeto de estudo, ela parece ter herdado de Camargo o gosto de apostar em seus próprios caminhos. •


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• CIÊNCIA

BIOFÍSICA

Moléculas dobráveis Simulações em computador permitem prever a estrutura de proteínas e explicar o mecanismo de ação dos anestésicos RrCARDO

ZORZETTO

encostar

a mão numa leiteira quente, células da pele transformam a sensação de calor em um tênue sinal elétrico, ~ transmitido de uma célula nervosa a outra até atingir a medula espinhal, da qual parte um reflexo que faz a mão se afastar da leiteira. Também como impulsos elétricos, a mensagem segue rumo ao cérebro e ali é interpretada como uma sensação de dor, numa seqüência de sinalizações químicas que se passa em centésimos de segundo. Só então é que vem a consciência do que se passou. Com base em simulações de computador, físicos e biólogos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ajudaram a explicar como se formam e se propagam 50 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

esses sinais elétricos - ou impulsos nervosos, que, como se demonstrou, são extremamente dependentes de uma estrutura em forma de grampo de cabelo encontrada na base dos poros da membrana do neurônio. Os impulsos nervosos, além de acionarem o reflexo de afastar a mão da leiteira em resposta à dor, asseguram a própria sobrevivência por meio de atos involuntários, fazendo o coração bater, ou voluntários, permitindo a escolha consciente de um caminho em meio ao trânsito, por exemplo. A partir das conclusões a . que chegou, a equipe carioca criou uma abordagem que auxilia no detalhamento de algo extremamente prático: a ação dos anestésicos, medicamentos que diminuem a sensibilidade à dor por bloquear a passa-


gem dos sinais elétricos através dos neurônios, as células nervosas. Em outra área, o grupo do físico Pedro Geraldo Pascutti, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da UFRJ, mostrou como uma proteína consegue rapidamente, logo após ser produzida, dobrar-se sobre si mesma e, em poucos minutos, assumir a forma espacial que lhe permite atuar de modo mais eficiente no organismo. Os passos desse balé parecem simples - e de fato são -, mas ninguém até agora sabia como é que as proteínas seguem automaticamente esse roteiro. Por serem longas e flexíveis, podem sofrer torções e assumir milhões de formas diferentes. Se fosse testar cada possibilidade, uma proteína qualquer consumiria bilhões de anos antes de chegar à forma mais adequada - e provavelmente só se formariam os organismos mais simples. Impulsos nervosos - Os milhares de poros da superfície dos neurônios regulam a entrada de átomos com carga elétrica positiva, os chamados cátions, e, desse modo, controlam a propagação do impulso nervoso (veja ilustração na próxima página). Conhecidos como canais de sódio, esses poros permanecem fechados por uma espécie de tampa enquanto a célula nervosa está inativa. Nessas condições, a concentração de sódio no exterior das células torna-se até dez vezes superior à do interior e o impulso nervoso não surge.

Com um nível de detalhe jamais alcançado, a equipe da UFRJ deduziu a forma da tampa desse poro: é uma estrutura semelhante a um grampo de cabelo encurvado, como um gancho. O grupo carioca mostrou também como essa tampa se movimenta, sofre deformações e consegue fechar a passagem do canal situada no lado interno das células. A conseqüência natural desse movimento é o bloqueio do transporte do sinal elétrico pela superfície do neurônio e a interrupção da comunicação com a célula nervosa seguinte. oda vez que o neurônio recebe um estímulo, a tampa desses canais se abre e deixa o sódio atravessar a membrana, uma dupla camada de gordura que separa o interior do neurônio do meio externo. À medida que entram mais sódio, mais poros se abrem e o impulso nervoso se propaga num único sentido como uma onda até atingir, em milésimos de segundo, a extremidade do neurônio, liberando mensageiros químicos chamados de neurotransmissores, que passam a informação para a célula seguinte. Agora se conhece melhor também o próprio canal de sódio, no qual a tampa se encaixa. Sabe-se já há alguns anos, graças ao trabalho de grupos internacionais de pesquisa, que a estrutura do canal consiste de uma única proteína de 1.820 aminoácidos (as unidades das

T

proteínas). A maior parte dessa longa molécula enovela-se em quatro feixes, cada um com seis tubos semelhantes a bananas de dinamite: são as paredes do poro por onde o sódio apenas entra, sem poder sair. As moléculas que vão formar os poros nascem como fitas longas no interior das células e começam a se enrolar em espirais sucessivas ou como um novelo de lã. "Esse emaranhamento é uma conseqüência da atração ou da repulsão entre as cargas elétricas de trechos da proteína e da ação mútua dessas cargas e de segmentos não-carregados com as moléculas de água que se encontram tanto dentro quanto fora da célula': explica Pascutti. Nos trechos no interior da célula, a proteína se apresenta menos enrolada. É um desses segmentos mais delgados da proteína que forma a tampa do canal. Essa tampa é um filamento de apenas 53 aminoácidos com uma característica importante: em dois pontos de sua porção mais delgada, a proteína volta a se espiralar e forma dois blocos distintos e compactos, conforme verificou a equipe da UFRJ. O maior desses blocos chama a atenção por funcionar como uma espécie de trava da tampa do canal e por ser bastante resistente. Simulações feitas em um programa de computador desenvolvido por Pascutti e pelos físicos Kleber Mundim, da Universidade de Brasília (UnB), e Paulo Bisch, da UFRJ, indicaram que a região PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • SI


Conexão nervosa

Em resposta a um susto ou tropeção, os poros da membrana dos neurônios (canais de sódio) se abrem e deixam entrar cátions de sódio Cátions de sódio

++++++

/)

--------~ ~

- ++++++

Após atravessar a membrana, os cátions invertem a carga elétrica da superfície da célula

/)

~

Ganhando cátions, o interior do neurônio, antes eletricamente negativo, torna-se positivo. Mais canais de sódio se abrem e levam adiante o impulso elétrico, que acionará outros neurônios

~

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t ~ [, 1

r ,f r t

em forma de grampo se mantém bastante rígida mesmo ao ser aquecida a uma temperatura quase quatro vezes superior à do corpo humano. Valendo-se desse mesmo programa que, por sua robustez, recebeu o nome de Thor, o deus germânico do trovão, Pascutti, sua ex-aluna de mestrado Fernanda Leite Sirota e a física argentina Celia Anteneodo, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), viram que esses dois trechos mais compactos da tampa se movimentam em conjunto e,desse modo, conferem a firmeza necessária à abertura e ao fechamento do canal. Conectada por hastes flexíveis à parte mais longa da proteína, essa trava está sujeita a mudanças na distribuição de cargas elétricas na região próxima à abertura interna do canal. "São essas alterações que fazem o poro se abrir ou permanecer fechado", diz o físico. É possível imaginar essa tampa como uma arapuca, armadilha em forma de pirâmide para pegar passarinho, feita com pedaços de madeira. A estrutura da arapuca corresponde à tampa, e a alavanca de madeira que a mantém armada, a uma espécie de bar52 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

reira de energia criada pela diferença de cargas elétricas entre o canal e a tampa. Qualquer alteração provocada pela mudança de cargas diminui essa barreira de energia e, como a alavanca que se desarma, faz o poro se fechar. qUiPe .

do Rio constatou que a posição do bastão maior era fundamental para o funcionamento do canal. ~ "Quando o cilindro se apresenta inclinado em relação à face interna da membrana, uma barreira de energia impede o fechamento do canal", explica Pascutti. Alterações na distribuição das cargas elétricas na região, no entanto, levam à inclinação do bastão e ao fechamento do poro. "Acreditamos que os anestésicos provoquem a diminuição dessa barreira de energia, o fechamento do canal e, como resultado, impeça a passagem do impulso nervoso': comenta o físico, que consolidou esses achados em março de 2002 no Biophysical [ournal. Rachel Klevit, da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, já havia detectado somente a forma do bastão maior por meio de

ressonância magnética nuclear, uma técnica usada para produzir imagens do corpo humano. Coube à equipe carioca desvendar os detalhes em um estudo independente. A originalidade desse trabalho foi tratar a membrana e o meio aquoso de dentro e de fora das células como duas regiões com capacidade diferente de conduzir corrente elétrica. Essa idéia nasceu em meados dos anos 90, quando Pascutti começava a trabalhar no CBPF com Paulo Bisch e Kleber Mundim. Adotando esse enfoque, descreviam a interação entre as proteínas e as membranas das células adaptando a Lei de Coulomb, uma expressão matemática formulada em 1785 pelo físico francês Charles-Augustin de Coulomb. A aplicação desse método permite simular, sem a necessidade de supercomputadores, a movimentação dessas e de outras moléculas em membranas por até 100 nanossegundos (um nanossegundo é a bilionésima fração do segundo), um tempo até cem vezes superior ao de outros métodos. Em um estudo publicado em 1999 no European Biophysics [ournal, usando


o

Fora das células, uma molécula como um hormônio pode mudar rapidamente de estrutura espacial. Esse poder de transformação se restringe bastante quando adere à membrana do neurônio

o canal de sódio tem a forma de um tubo constituído por uma única proteína. Sua tampa interna, detalhada ao lado, tem a forma de um grampo de cabelo

o mesmo método, a equipe de Pascutti mostrou que a própria membrana celular auxilia as moléculas que não têm forma estável quando circulam no meio entre as células ao assumir rapidamente sua estrutura espacial mais eficiente. Os pesquisadores trabalharam com um peptídeo (pedaço de proteína) chamado hormônio estimulador de melanossomos, que induz à produção de melanina, a substância que dá cor à pele. Novamente por meio de simulações em computadores, descobriram que esse peptídeo, ao encontrar a membrana, assume sua forma mais estável e desliza sobre a membrana até se encaixar nos receptores e transmitir ao interior da célula a ordem para liberar mais melanina.

o balé das proteínas - Com pequenos ajustes, o mesmo modelo matemático ajuda a explicar os meios pelos quais moléculas longas como as proteínas conseguem se enovelar rapidamente e atingir sua forma funcional em poucos minutos. Se buscasse sua conformação funcional por tentativa e erro, uma proteína pequena formada por apenas

o

A própria membrana facilita a seleção das melhores formas da molécula que conseguem deslizar até se encaixar nos receptores da membrana e transmitir informação para o interior da célula

100 aminoácidos levaria 1019 (o número 1 seguido de 19 zeros) bilhões de anos, segundo Pascutti. "Caso seguisse essa lógica, essa pequena proteína jamais chegaria a sua forma biologicamente mais eficaz, pois gastaria um tempo muito superior à idade do universo", comenta o pesquisador. Num artigo publicado em 2001 na Physical Review E, Pascutti, Marcelo Moret, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), e Edvaldo Nogueira [únior, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), propuseram uma explicação para essa contradição, mostrando que a energia que mantém unidos os átomos de uma proteína segue um padrão que se repete em escalas diferentes, os chamados sistemas fractais. Um exemplo de sistema fractal é uma folha de samambaia, em que cada folícula é uma reprodução exata, mas em miniatura, da folha inteira. Para tornar mais racional a busca pelas posições mais estáveis, em que a energia dos átomos é menor, os pesquisadores selecionaram as estruturas da polialanina, uma proteína formada pela repetição do aminoácido alanina,

com maior probabilidade de existir nem todas são viáveis por causa da repulsão provocada pela proximidade dos átomos - com um modelo matemático proposto pelo físico Constantino Tsallis, do CBPF, um grego que há 28 anos se mudou para o BrasiL Formulado em 1988, esse método, conhecido como estatística de Tsallis, já se mostrara útil em outras áreas do conhecimento, como na economia, indicando como obter a maior produtividade de um artigo qualquer com o menor custo. Pascutti imaginou que poderia empregar essa abordagem para estudar o enovelamento de proteínas porque permitiria sortear, de maneira mais dirigida, as formas mais estáveis a serem testadas. O método de Tsallis foi muito mais rápido, ao indicar que uma polialanina de 16 aminoácidos pode chegar à forma mais estável em 15 mil movimentos, como mostraram no Biophysical [ournal em 2002. De acordo com o método tradicional, chamado de equilíbrio de Boltzmann-Gibbs, uma polialanina com 16 aminoácidos não encerraria seu bailado antes de 150 milhões de passos. • PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 53


• CIÊNCIA

Interferência promissora: molécula criada em laboratório impede síntese de proteína ligada à reprodução em 96% das operárias da espécie Apis mel/ifera

GENÉTICA om o auxílio de uma técnica que ganha mais credibilidade a cada dia na biologia molecular, batizada de RNA (ácido ribonucléico) de interferência ou simplesmente RNAi, pesquisadores da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto conseguiram inativar um gene de abelhas operárias adultas da espécie Apis mellifera. Por 15 dias, o gene responsável pela fabricação de vitelogenina - principal proteína de reprodução dos insetos, com provável influência sobre o sistema imunológico - foi silenciado em 96% das 300 operárias que receberam injeções de RNAi. Silenciado é o termo cunhado pelos cientistas para descrever o efeito neutralizador exercido sobre um gene pelo RNAi, molécula criada em laboratório que difere do RNA convencional por apresentar duas fitas de pares de base (unidades químicas) em vez de apenas uma. Essa fita a mais, presente na molécula artificial, foi capaz de destruir a receita química que comandava a produção da vitelogenina antes que esse comando chegasse ao ribossomo, a organela

C Nova técnica desativa trechos do DNA, bloqueia produção de proteína em abel has e acena com aplicações mais abrangentes MARCOS

54 . MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

PIVETTA


celular encarregada de sintetizar as proteínas. Sem ordem de serviço, o ribossomo parou de fabricar a vitelogenina. Ou seja, o gene dessa proteína continuou a existir e não sofreu nenhuma alteração em sua seqüência de pares de bases. Ele apenas foi desligado ou inativa do, visto que sua mensagem é interceptada e sabotada antes de atingir seu destinatário. "Ainda não podemos afirmar com certeza se o silenciamento é temporário ou definitivo" afirma Zilá Paulino Luz Simões, da USP de Ribeirão Preto, principal autora brasileira do trabalho. O estudo, que contou com a participação de cientistas da Universidade Agrícola da Noruega, foi publicado em 20 de janeiro na revista científica eletrônica BMC Biotechnology. Em outro experimento, ainda em curso, a equipe de Zilá conseguiu anular o mesmo gene em abelhas rainhas de Apis mellifera. Nesse caso, no entanto, a

eficiência da técnica foi menor. Apenas metade das 40 líderes de colméia não sintetizou a vitelogenina. "Talvez seja necessário aumentar a quantidade de RNAi que demos para as rainhas': explica Zilá. Em ovos que dariam origem à operárias, foi injetada uma solução de 1 microlitro (a milionésima parte do litro) na qual havia 5 microgramas de RNAi. Nas rainhas, em que o gene da vitelogenina é expresso (acionado) com o dobro de intensidade das operárias, ministrou-se o mesmo meio líquido, só que com 10 microgramas de RNAi. Para tentar melhorar a eficiência da técnica de silenciamento entre as abelhas que comandam a colônia, novas dosagens de RNAi serão inoculadas em mais rainhas. Apesar de ainda estar em estágio inicial, o trabalho com as rainhas fornece uma notícia alvissareira: esperase que as abelhas cujo gene foi silenciado sejam capazes de passar essa característica para a sua primeira geração de descendentes. Suas filhas também não produziriam a proteína. Ao que tudo indica, a ordem para não sintetizar a vitelogenina fica armazenada na memória das células maternas e, posteriormente, é transmitida à prole. A história das abelhas é impressionante, mas não é a primeira vez que um animal exibe a capacidade de herdar genes silenciados. Um artigo de pesquisadores do Cold Spring Harbor Laboratory, dos Estados Unidos, publicado em fevereiro na Nature Structural Biology, mostrou que camundongos com um gene inativado pela técnica de RNAi passaram essa modificação genética para seus descenentes, criando aparentemente uma linhagem estável de animais com essa característica. O gene da vitelogenina foi escolhido para ser alvo do experimento com RNAi porque as abelhas de mel possuem uma característica que intrigava os pesquisadores da USP. Por ser um gene profundamente envolvido no processo re-

produtivo da Apis mellifera, era de se esperar que sua expressão fosse exclusiva das rainhas, ou pelo menos muitas vezes maior nas abelhas líderes da colméia do que nas operárias. Afinal, as funções reprodutivas são praticamente privativas das rainhas, que põem a maioria absoluta dos ovos que garantem a continuidade da colônia. Acontece que tanto nas rainhas quanto nas operárias a expressão do gene é bastante alta, embora as primeiras fabriquem o dobro de vitelogenina do que as segundas. "A quantidade de vitelogenina produzida pelas rainhas pode superar 50% de todas as proteínas sintetizadas por esse tipo de abelha", comenta Zilá. Nas operárias, essa taxa atinge expressivos 30%, um indício de que essas abelhas subalternas, além de trabalhar, devem também participar da reprodução e de outras funções importantes. Contra Aids e câncer - Desde que foi descoberta em 1997, a técnica de usar o RNA dupla fita para interferir no funcionamento de genes passou a ser usada, com diferentes graus de sucesso e para distintas finalidades, em plantas, animais, fungos e até mesmo em células humanas. Às vezes, o RNAi não consegue silenciar totalmente um gene, mas leva a uma redução considerável na produção da proteína derivada do gene em questão. Os mais otimistas acreditam que, quando - e se - for plenamente controlado, o emprego de RNAi pode se tornar uma ferramenta terapêutica de grande utilidade, sendo capaz de desativar genes ligados a uma série de doenças, inclusive o câncer, e dar origens a potentes medicamentos. Num artigo na edição de julho passado da revista Nature Medicine, o norte-americano Philip Sharp, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina em 1993 e pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), mostrou que o mecanismo de RNA de interferência poderia ser usado para combater a infecção causada pelo vírus HIV da Aids. Sharp conseguiu silenciar genes do próprio HIV - um vírus cuja molécula central é o RNA - e de células humanas em meio de cultura. A revista Science considerou os estudos com RNAi a linha de pesquisa mais importante do ano passado. Dominar a etapa de confecção em laboratório de uma molécula de ácido PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 5~


Mensagem interrompida Como impedir

a produção

de uma proteína

que seria gerada a partir

1

de um gene

Em laboratório, produz-se uma molécula de RNA diferente do padrão, com duas fitas de pares de bases, uma a mais do que o normal.

o

RNA dupla fita é injetado no organismo cujo gene se quer inativar. Dentro da célula, essa molécula modificada é cortada por uma enzima em pedaços de cerca de 25 pares de base.

Proteínas

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RNA mensageiro

Esses pedaços unem-se a proteínas e as fitas se separam. Em conjunto, essas moléculas picotam oRNA mensageiro (de fita única) existente no interior da célula.

Fragmentado, o RNA mensageiro não consegue mais levar adiante a receita fornecida pelo gene que o originou. Desse modo, interrompe-se a produção da proteína que seria feita a partir de seu respectivo gene.

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ribonucléico com dupla fita e que seja capaz de silenciar especificamente um gene - e apenas ele, sem interferir nos demais componentes do genoma - é possivelmente o fator determinante do sucesso ou fracasso do uso da técnica de RNAi em um organismo. Isso porque para cada gene que se quer desativar é necessário conhecer a sua seqüência completa de pares de bases que codificam sua respectiva proteína e, a partir dessa informação molecular, derivar e construir um RNA dupla fita muito particular. Só foi possível, por exemplo, parar a síntese de vitelogenina em abelhas depois que os pesquisadores de Ribeirão Preto conseguiram produzir com precisão um RNA dupla fita complementar à seqüência de pouco mais de 500 pares de base que compõem a parte codificante do gene dessa proteína. "Qualquer descuido nessa fase faz com que a técnica de RNAi não funcione", diz Zilá. Depois de obtido o RNA dupla fita, o passo seguinte é injetar esse material no 56 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

organismo que tem o gene a ser desativado (veja ilustração). Feito isso, essa molécula modificada de ácido ribonucléico é, dentro da célula, cortada- em pedaços de cerca de 25 pares de base por .uma enzima chamada Dicer. Esses pequenos trechos de RNA dupla fita pi-

o PROJETO Abelhas Africanizadas: Análise Integrada do Processo de Apis mellifera com Foco sobre Determinantes da Fertilidade de Zangões, Rainhas e Operárias MODALIDADE Projeto temático COORDENADORA ZILÁ Luz PAULINO SIMÕES Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto INVESTIMENTO

R$ 967.157,42

cotado unem-se então a um complexo de proteínas e, em conjunto, atacam o RNA mensageiro, retalhando-o em porções não-funcionais. Como seu nome indica, o RNA mensageiro - uma molécula convencional de ácido ribonucléico, derivada de um gene e com apenas uma fita de pares de base - é o carteiro que carrega a ordem química oriunda de seu respectivo gene até o ribossomo, a organela celular responsável pela produção de proteínas. Fragmentado, o RNA mensageiro não consegue mais levar adiante a receita fornecida pelo gene que o originou. Desse modo, interrompe-se a produção da proteína que seria feita a partir daquele gene. Em linhas gerais, é assim que funciona a técnica de RNAi. Papel revisto - De quebra, o aparente sucesso do método de silenciamento de genes - aparente porque ninguém ainda sabe ao certo por quanto tempo dura essa inativação, tampouco há certeza absoluta de que a técnica não provoque efeitos colaterais indesejados acabou elevando o status da molécula de ácido ribonucléico. O RNA sempre foi visto como uma espécie de primo pobre do ácido desoxirribonucléico, o popular DNA, detentor do código genético, necessário para a produção de todas as proteínas de um organismo. Achava-se que o RNA exercia basicamente o papel de fazer a intermediação entre trechos de DNA (os genes) e as proteínas. O ácido ribonucléico era encarado como um fiel e passivo entregador, um leal mensageiro, da fórmula ditada pelos trechos de DNA para o ribossomo. Seu papel era, sem dúvida, imprescindível, mas de caráter mais burocrático do que criativo. Da mesma forma que um tradutor não deve se afastar do conteúdo original da obra que verte para um outro idioma, o RNA não devia interferir no significado da mensagem que lhe foi confiada pelo DNA. Podia até fazer as adaptações necessárias para que o ribossomo melhor compreendesse o texto químico ditado pelos genes, mas não mais que isso. Ao acrescentar uma fita a mais ao RNA convencional, essa noção de que o ácido ribonucléico jamais influía na mensagem do gene caiu por terra. Não só influi, como pode até mesmo destruí-Ia por completo, como atesta a técnica de RNAi. •


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Cul! - Revista Brasileira de Cultura é uma publicação mensal da Editora f 7

Rua Joaquim Floriano, 488 - 3°andar.- Itaim Bibi - São Paulo - SP- Cep 04534~02 - -" .•. Tel.: (11) 3078-4622 ~ Fax: (11) 3078-2046 - e-mail: cult@editora1 ~.CQn1.br- site: ~revístacutt,com,br

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sua versão mais refinada, o DNA, guardam informações que iniciam o processo de produção de proteínas, indispensáveis para a formação de todas as partes dos seres vivos. Capaz de atrair fragmentos menores que, unidos, resultariam numa cópia dele mesmo, o primeiro replicador surgiu casualmente. "Foi um acidente histórico", No início, diz Fontanari. Mas bastou para mudar o paas enzimas drão de produção de antes formaajudavam as moléculas, das por simples agregamoléculas ção de blocos, como se fossem peças de Lego se egoístas juntando ao acaso. Se dependesse desse primeiro replicador, a vida não teria futuro na Terra. Por ser pequeno, não podia guardar informação suficiente para iniciar a fabricação de proteínas. Conseguia copiar-se, atuando como molde para si próprio, mas o processo ainda era lento e sujeito a erros, que se tornavam mais freqüentes à medida que crescia. "Quanto maior a molécula, mais difícil e demorado é fazer uma cópia dela mesma", diz o físico, apoiado em comprovações experimentais. "A probabilidade de o primeiro replicador fazer uma cópia perfeita dele mesmo era praticamente nula." Salto estratégico - Houve outro acidente histórico algum tempo depois. Inaugurando o terceiro padrão de confecção de moléculas, que persiste até hoje, os descendentes do primeiro replicador, já diferentes em relação ao original por causa dos erros acumulados, conseguem criar moldes intermediários - eis as enzimas, um tipo de proteína que acelera as reações químicas. Com elas, o replicador ganha tempo, evita erros e gera mais cópias dele mesmo. Está também mais protegido dos ataques de outras moléculas, uma situação próxima à encontrada em alguns tipos de vírus, nos quais uma molécula atua como capa para o material genético. Eigen, ao formular es- z sa tese, notou que havia ~ algo estranho, que mais g tarde ficou conhecido co- ~ 60 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

mo paradoxo do altruísmo. Ao criar uma enzima, em vez de simplesmente continuar se copiando, a molécula mutante, que inicia essa nova geração de replicadores, faz algo que não seria usado só por ela, mas beneficiaria também os replicadores que ainda se copiavam por molde. "Eigen resolveu os problemas de complexidade química da origem da vida, mas não percebeu que, desse modo, haveria altruísmo entre as primeiras moléculas mais evoluídas da Terra", comenta Fontanari. O biólogo inglês Iohn Maynard Smith, da Universidade de Sussex, Inglaterra, repudiou essa idéia por achar que seria impossível haver altruísmo entre moléculas.

ma agisse somente para ela - algo improvável com a bioquímica da época. Desse modo, a proteína vai auxiliar outros replicadores, que usufruem de suas vantagens sem custo algum.

Isolamento e mistura - Surgiu, porém, um impasse. "O estudo matemático da dinâmica de evolução desses dois tipos de replicadores competindo pelos seus blocos formadores mostra que os replicadores enzimáticos não podem invadir nem tampouco co-existir com a população de replicadores tipo molde': comenta o físico. "Mas sabemos que a invasão deve ter ocorrido, pois os replicadores atuais são do tipo enzimático," Como sair dessa e explicar o altruísmo, uma aparente desvantagem? Fontanari xaminandoo impasse, Fonresolveu a charada ao mostrar, matetanari concluiu que esse nomaticamente, que o replicado r enzivo replicado r tinha um premático consegue sobreviver, ainda que ço a pagar por sua nova sendo generoso com os companheiros habilidade: não poderia se copiar enquanto criasse a enzima. É a e lhes emprestando sua preciosa enzima, desde que esteja confinado num mesma situação pela qual passa um espaço restrito ou não possa se mover operário que ganha de acordo com o muito, de modo que a enzima se mannúmero de tampinhas de garrafas que tenha próxima à molécula-mãe. ele fecha manualmente. Poderá pôr as As equações conferem com uma hitampinhas mais rapidamente se construir uma máquina, mas, enquanto a pótese de aceitação crescente entre os biólogos, segundo a qual a vida teria constrói, não consegue cumprir a meta surgido em fendas de rochas, partículas de produção e ganha menos que seus de lama ou gotas d'água, que beneficompanheiros, para quem o trabalho manual é inevitável. ciam o confinamento das moléculas. Outro ponto que reforçou a tese é que Diante das moléculas egoístas, que agora não se fala mais que os primeiros não haviam parado de gerar cópias dereplicadores teriam surgido numa mislas próprias nem tinham perdido temtura, a sopa primordial, mas po criando enzimas, a molécula' replicadora via-se em desvanem espaço plano, semelhantagem e, portanto, corria riste a uma pizza - algo como co de extinção. Só não estaria a superfície de uma pirita, mineral à base de óxido de em maus lençóis se a enziferro, o mais cotado para abrigar as formas antigas de vida. Passando de um espaço de três para um de duas dimensões, as reações químicas ocorreriam mais facilmente. Ainda não era o bastante. Se ficassem isolados, os replicadores enzimáticos, por serem altruístas, seriam eliminados pelos outros, os egoístas. Por essa razão, Fontanari argumenta que, além do confinamento, é preciso que ocorra mistura entre os grupos de A pirita, sobre a qual moléculas. "Devipode ter surgido a vida: do às marés ou ao pizza em vez de sopa

E


vento, os grupos se misturam periodicamente e se redistribuem de forma aleatória nos compartimentos", diz. "Nessa redistribuição, dones dos replicadores enzimáticos, mais numerosos por conseguirem se copiar mais rapidamente, têm maiores chances de voltar aos compartimentos, enquanto os que não conseguirem seriam literalmente levados pelo vento." É esse o momento em que os replicadores enzimáticos recuperam a desvantagem inicial, já que a mistura possibilita a saída dos egoístas de grupos abundantes em enzimas devido à presença dos altruístas. Caindo em grupos pobres em enzimas, os egoístas perdem poder de replicação e permitem o isolamento dos altruístas. "Matematicamente, mostra-se que esse processo repetido termina por levar ao predomínio do altruísmo", assegura o físico. as por que só restou uma molécula, o DNA? "É um resultado matemático, uma conseqüência da dinâmica de replicadores', diz Fontanari. Ele acredita que tenha surgido, primeiro, outro tipo de replicado r: o RNA ou ácido ribonudéico, uma molécula mais simples (é uma fita simples, enquanto o DNA é uma fita dupla, como dois fios enrolados entre si). A idéia ganha força com a comprovação de que o RNA consegue agir como replicador, gerando cópias de si mesmo, e como enzima de outra molécula. "O DNA foi uma invenção do RNA e dos outros replicadores mais complexos", sugere o físico. Mas a invenção mais recente é que tomou as rédeas da evolução e, na maioria dos organismos - salvo alguns vírus que armazenam o material genético na forma de RNA -, hoje é o DNA que faz o RNA, no processo inicial de produção de proteínas. Esse conjunto de idéias, que ajuda também a entender por que há uma receita única para a produção de proteínas, o chamado código genético, em qualquer organismo, contesta a tese do individualismo biológico, propagada desde 1976 pelo livro O Gene Egoísta, do biólogo inglês Richard Dawkins. Por outro lado, em momento algum contraria o princípio da seleção natural de Charles Darwin. "A natureza não precisa de outro princípio organizador além da seleção natural", diz.

As vantagens do sexo - Fontanari resolveu outros impasses que os biólogos já conheciam, mas não conseguiam explicar com precisão como surgiam e se desenvolviam. Um deles é a reprodução sexuada. Os cientistas sempre se perguntaram por que o sexo pode ser uma vantagem evolutiva, principalmente para os organismos que contam com as duas alternativas - há protozoários que podem se duplicar com autonomia, sem precisar de um parceiro, assegurando a continuidade de todo seu material genético, contido no DNA, mas optam pela reprodução sexuada, por meio da qual transmitem apenas metade de seus genes. "Há uma pressão seletiva em favor da recombinação de DNA", diz Fontanari, que nessa área trabalha com biólogos evolucionistas da Middle Tennessee State Univeristy, Estados Unidos. Quem levantou o problema foi o geneticista norte-americano Hermann Ioseph Müller (1890-1967), ao descobrir que os raios X podem causar mutações em moscas-de-fruta (Drosophila melanogaster), um achado que lhe valeu o Prêmio Nobel de Medicina de 1946. Anos depois, sentenciou: as mutações (mudanças no DNA) fazem mais mal do que bem e se acumulam mais rapidamente em espécies que se reproduzem apenas de modo assexuado, num caminho sem volta, que ficou conhecido como catraca de Müller. O próprio Müller sugeriu que a reprodução sexuada, por permitir a mistura de material genético, conseguiria reverter a catraca e evitar o efeito prejudicial das mutações, hoje vistas como fonte de diversidade dos seres vivos, mas que, se não corrigidas, ao menos em parte, ameaçam a sobrevivência, por reduzirem continuamente a adaptação dos

o PROJETO Evo/ução Mo/ecu/ar Teórica MODALIDADE Projeto temático COORDENADOR JOSÉ FERNANDo

Instituto USP

FONTANARI

-

de Física de São Carlos -

INVESTIMENTO

R$ 148.000,00

animais e das plantas ao ambiente em que VIvem. Mas faltava explicar o movimento da catraca de Müller, associado a fenômenos bastante estudados, como a degeneração do cromossomo sexual Y. Foi o que fez Fontanari em artigo publicado em dezembro de 2001 na Physical Review Letters: a catraca avança e a trava corre, Equações passando de um dente a revelam a outro, quando todos os organismos de uma pointensidade pulação adquirem a da seleção mesma mutação. Já se sabia que é mais provánatural vel que ocorram poucas do que muitas mutações - em um vírus, a cada replicação surge pelo menos uma mutação por genoma. O pesquisador de São Carlos fecha o artigo com duas fórmulas, que, segundo ele, "têm grande potencial para uso prático" por determinarem a taxa de mutação por genoma e a intensidade da seleção natural, desde que conhecida a distribuição da adaptabilidade de uma espécie, medida por meio da freqüência de indivíduos com diferentes capacidades de sobrevivência em um mesmo ambiente. "Se não houvesse um mecanismo como a catraca de Müller que indicasse que os microrganismos com reprodução assexuada estariam em desvantagem por não conseguir anular a mutação, as formas assexuadas é que prevaleceriam", diz. O mesmo trabalho mostra por que a catraca não pára, ainda que seu movimento seja lento. Quão lento? "Depende do tempo de geração do organismo envolvido': responde Fontanari. Para as bactérias, que criam uma nova geração a cada 20 minutos, a catraca vai correr um dente a cada 40 anos, que correspondem a 1 milhão de gerações. A eliminação de mutações que incessantemente alteram o DNA, por meio da produção contínua de novos seres, pode ser entendida também por meio da analogia com a Teoria da Rainha Vermelha, que se refere a um personagem do escritor britânico Lewis Carroll em Alice Através do Espelho. A Rainha Vermelha não deixava ninguém parar de correr alegando: "Temos de continuar correndo para permanecer no mesmo lugar': • PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 61


Biblioteca de Revistas Científicas disponível na Internet www.scielo.org

SeI

Notícias • ABELHAS

Em uma sociedade onde o culto ao corpo é cada vez mais destacado, a busca pela silhueta considerada perfeita pode tornar-se perigosamente obsessiva. No artigo Etio-

Enxames de verão Caixas, tambores, buraco nas paredes e forro são abrigos em potencial para as abelhas africanizadas Apis mellifera fazerem colônias e enxames. As árvores também servem de refúgio para uma das mais agressivas espécies. Em contato com a população, as abelhas promovem acidentes com as pessoas especialmente na primavera e no verão. Essa é a conclusão de Elisabete Aparecida da Silva e Maria Helena Silva Homem de Mel10, do Centro de Controle de Zoonoses da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, e Delsio Natal, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, apresentada no artigo Abelhas Africanizadas em Área Metropolitana do Brasil: Abrigos e Influências Climáticas. Os pesquisadores analisaram os locais mais freqüentes de instalação de colônias e pouso de enxames, além da correlação com variáveis climáticas em mais de 3 mil ocorrências atendidas pelo Centro de Controle de Zoonoses entre 1994 e 1997. Na primavera e no verão, as abelhas estão mais ativas na busca de alimento e na autodefesa. Atraídas por sucos, refrigerantes e doces, elas acabam provocando acidentes no contato com as pessoas. Assim, recomenda-se evitar expor produtos alimentícios contendo açúcares ao ar livre. REVISTA

DE SAODE POBLICA

- VOL.

37 - 02 - ABR. 2003

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-8910 2003000200012&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

PSIQUIATRIA

Dieta perigosa Baixa auto-estima, tendência para engordar, transtornos de ansiedade, hereditariedade, problemas de relacionamento familiar e o ideal de magreza ressaltado na cultura ocidental: esses são alguns dos principais ingredientes para alguém ser acometido pela bulimia ou pela anorexia nervosa, os chamados transtornos alimentares.

62 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

logia dos Transtornos Alimentares: Aspectos Biológicos, Psicológicos e Socioculturais, os pesquisadores Christina M. Morgan e Ilka Ramalho Vecchiatti, do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, e André Brooking Negrão, do Hospital das Clínicas da USP, fizeram uma análise da origem desses distúrbios considerando predisposições genéticas, socioculturais e vulnerabilidades biológicas e psicológicas. ''A dieta é o comportamento precursor que geralmente antecede a instalação de um transtorno alimentar, mas só com uma interação entre os fatores de risco e outros eventos precipitantes, como distorções cognitivas, ocorrência de eventos vitais significativos e alterações secundárias ao estado de desnutrição podem elevar o transtorno alimentar a um estado crônico", concluíram. REVISTA

BRASILEIRA

DE PSIQUIATRIA

- VOL.

24 -

SUPL.

3 -

DEZ. 2002

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-4446 2002000700005&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• AGRICULTURA

Crescimento acelerado Com o objetivo de avaliar o efeito do tamanho da semente na acumulação de biomassa e nutrientes e no rendimento de grãos de cultivares de feijoeiro Phaseolus vulgaris L. no campo, os pesquisadores Adriano Perin, Paulo Adelson e Marcelo Grandi Teixeira analisaram sementes grandes e pequenas de três tipos de feijão: kaboon, manteigão e carioca. As amostras foram colhidas da segunda até a décima semana. O experimento, relatado no artigo

Efeito do Tamanho da Semente na Acumulação de Biomassa e Nutrientes e na Produtividade do Feijoeiro, mostrou que as sementes grandes aumentaram a altura da planta, o índice de área foliar e a biomassa da parte aérea e raiz desde a primeira amostragem, mas não modificaram a massa de vagens. No início, as sementes grandes aumentaram a taxa de crescimento da cultura, mas esse efeito desapareceu ao final do período amostral. Plantas originadas de sementes grandes acumularam mais nitrogênio e potássio na parte aérea e raízes aos 49, mas não aos 70 dias após semeadura. Os pesquisadores observaram que ao final do experimento não houve efeito do tamanho da semente na produção de grãos, componentes de produção e índice de colheita. Sementes de maior tamanho po-


dem antecipar o crescimento do feijoeiro, mas plantas oriundas de sementes pequenas podem compensar seu menor crescimento inicial garantindo uma mesma produção de grãos.

son da Silva Brabo, Edvaldo Carlos Brito Loureiro, Iracina Maura de Jesus e Kleber Fayal, do Instituto Evandro Chagas, e Volney de Magalhães Câmara, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, abordado no artigo Avaliação

VOL.37 - N° 12 -

dos Níveis de Exposição ao Mercúrio entre Índios Pacaasnovas, Amazônia, Brasil, revelou que teores médios de

PESQUISA

AGROPECUARIA

BRASILEIRA

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DEz. 2002 www.scielo.brlscielo.php?script=sci_arttext&pid=S01

00-204X

2002001200006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• OFTALMOLOGIA

Mais que estético A toxina botulínica, conhecida popularmente como botox, não se limita ao Ceratoroniuntivite alérgica uso estético. Ela pode ser um eficiente para de bldaroespasmo remédio para trata01)1 end grafl.vcrsus-hosl dtseese mento de espasmos Imullofiuort'scênria direta em JKnfiQ6ide eícamcleloeuter faciais por bloquear a liberação de acetilcolina na junção neuromuscular. Um estudo promovido pelos pesquisadores Arthur Limongi de Souza Carvalho, Cíntia Fabiane Gomi, Eurípedes da Mota Moura, Roberto Murillo Limongi de Souza Carvalho e Suzana Matayoshi, relatado no artigo Tratamento Bolo~

eatemenro

f)'t:

do BZefaroespasmo e Distonias Faciais Corre/atas com Toxina Botulínica - Estudo de 16 Casos, mostrou que o uso

mercúrio encontrados nas amostras de cabelo de 910 índios avaliados foram de 8,37 ug/g, superior aos 6,0 flglg determinados pela Organização Mundial da Saúde como indicador de exposição. A área habitada pelos pacaas-novas está sob a influência da Bacia do Rio Madeira, onde a atividade garimpeira é praticada. Os garimpeiros jogam o mercúrio na água para formar uma amálgama com os grãos do ouro. Em seguida, a amálgama é queimada liberando o mercúrio para o ambiente. O desmatamento também contribui para a mobilização do metal dos solos para os ecossistemas aquáticos pela lixiviação. Com a dependência do peixe como fonte de alimentação das comunidades indígenas, a contaminação dos índios pode se iniciar na fase intra-uterina e ir acumulando teores cada vez mais relevantes do metal durante a vida adulta. O mercúrio é um metal tóxico muito prejudicial à saúde. Quando ingerido, pode prejudicar o funcionamento do sistema nervoso e dos aparelhos digestivo, respiratório e urinário. CADERNOS

DE SAUDE PUBLICA

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VOL.19 - N° 1 - JAN/FEV.

2003 www.scielo.brlscielo.php?script=sci3rttext&pid=S01

02-311 X

2003000100022&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• INTERNET

Conhecimento digital

do botox foi eficaz em 87,5% dos pacientes pesquisados, que tinham média de idade de 64 anos. A duração média do efeito da droga situou-se principalmente entre 30 e 90 dias. A injeção da toxina aliviou espasmos por um período médio de três meses. O início da duração dos efeitos da aplicação foi percebida no período de 24 a 48 horas pela maioria dos pacientes. O estudo detectou também que o efeito do botox foi maior no espasmo hemifacial, que se inicia com tremores palpebrais intermitentes em uma pálpebra e acaba comprometendo todos os músculos do lado da face acometida.

A Internet está permitindo ampliar o potencial das pesquisas científicas no Brasil e no mundo. A existência de documentos livres disponíveis na rede mundial de computadores contendo os resultados de pesquisas de ponta em diversas áreas de ciência e tecnologia disponíveis na rede mundial de computadores configura uma oportunidade altamente significativa e até então inédita para a ciência dos países em desenvolvimento como o Brasil e constitui um mecanismo potencial de democratização no acesso aos resultados de pesquisas e do conhecimento em geral. No artigo Documentos Digitais e Novas

VOL.66 - N° 1 -

Formas de Cooperação entre Sistemas de Informação em C&T, Carlos Henrique Marcondes, do Departamento de

ARQUIVOS

BRASILEIROS

DE OFTALMOWGIA

-

JAN/FEV. 2003 www.scielo.brlscielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-2749 2003000100003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• íNDIOS

Tribo ameaçada O alto nível de exposição ao mercúrio ameaça a saúde dos índios pacaas-novas, residentes nos municípios de Guajará Mirim e Nova Marmoré (RO). Um estudo feito por Elisabeth C. Oliveira Santos, Fernanda Sagica, Edil-

Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense, e Luis Fernando Sayão, da Comissão Nacional de Energia Nuclear, apresentam um histórico do surgimento das publicações digitais e dos arquivos abertos como uma alternativa aos mecanismos tradicionais de comunicação científica. "Esta oportunidade e suas potencialidades não podem passar despercebidas pela comunidade acadêmica brasileira, nem pelos gestores e planejadores de ciência e tecnologia', concluem. CiÊNCIA

DA INFORMAÇAO

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VOL.31 - N° 3 - SET./DEz.2002

www.scielo.brlscielo.php?script=sci_arttext&pid=S01

00-1965

2002000300005&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 63


ITECNOLOGIA

LINHA

DE

PRODUÇÃO

MUNDO

Pneus viram óleo combustível o

Instituto de Carboquímica do Conselho Superior de Investigação Científica (CSIC), em Zaragoza, Espanha, desenvolveu e patenteou um método limpo e auto-suficiente, baseado em um processo térmico, para produzir combustíveis sintéticos a partir do processamento de pneus usados. A energia necessária é gerada pela combustão de parte do resíduo sólido da borracha, de alto poder calorífico, resultante do próprio processo (R+D CSIC, publicação eletrônica da Oficina de Transferência de Tecnologia, 4 de abril). O processo começa com a se-

paração da borracha das fitas metálicas que compõem o pneu. O próximo passo é submeter o material a um processo de pirólise (decomposição pelo calor). Dessa forma obtém-se, de um lado, gases com alta porcentagem de hidrocarbonetos, submetidos a um

processo de condensação para obter óleo combustível, e, de outro, um resíduo sólido, que corresponde a um terço do produto inicial. Exceto para começar o processo, em que é necessário um pequeno aporte energético relativo a não mais de 5% do total, toda a

energia necessária é gerada pelo próprio sistema, com a combustão de gases e de resíduo sólido. O grupo de pesquisadores, coordenado por Ana Maria Mastral, está à procura de parceiros interessados em adotar esse sistema de reciclagem em escala industrial. Matéria-prima não falta: os espanhóis jogam fora todo ano cerca de 300 mil toneladas de pneus usados, sendo que apenas 16% voltam ao mercado, depois de serem recauchutados. • Problema mundial: que destino dar a tantos pneus descartados

• Polímeros com um toque de silício Uma equipe de pesquisadores liderada pelo professor Michael Sailor, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, conseguiu transferir para diversos plásticos orgânicos as propriedades ópticas dos sensores de cristal de silício, matéria-prima dos chips de computador. O avanço pode levar ao desenvolvimento de dispositivos implantáveis no corpo humano para uma série de aplicações médicas. "O processo é muito semelhante ao da fabricação de brinquedos com plástico injetado em molde", disse Sailor, em nota da Universidade da Califórnia. A diferença é que o resultado é uma nanoestrutura flexível e biocorn-

patível, que pode controlar com precisão a transmissão da luz à maneira dos sernicondutores na transmissão de elétrons. Polímeros dotados das propriedades do silício podem ajudar os médicos a ver, por exemplo, se as suturas biodegradáveis usadas para fechar uma incisão se dissolveram. Também será possível saber qual a quantidade de uma droga aplicada em um polímero biodegradável que está sendo liberada para o organismo de um paciente. "As drogas se dispersam à medida que o polímero degrada, num processo que pode variar de um paciente para outro", ob-

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serva Sangeeta Bhatia, membro da equipe de Sailor. "Agora, é possível monitorar a degradação do dispositivo, decidir sobre sua substituição e avaliar sua função." •

• Mistura para toda obra Os pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (Nist) dos Estados Unidos não cansam de encontrar novas aplicações para o rnisturador industrial que criaram. Desenvolvido originalmente para facilitar o trabalho de medição de gases, o aparelho dá conta, em segundos, de tarefas

que antes demandavam horas. A principal delas talvez seja a mistura industrial de gases e líquidos, um problema clássico nos procedimentos da indústria química. Um rotor (parte giratória de uma máquina ou motor) em forma de dupla hélice é acoplado a um recipiente fechado, que recebe o líquido. Em seguida, o gás é bombeado para dentro do misturador e um campo magnético externo faz girar o roto r. O gás circula internamente por orifícios estrategicamente posicionados, permitindo uma rápida distribuição no líquido. O novo misturado r também já está sendo utilizado para facilitar reações químicas e remover metais pesados da água - uma aplicação promissora do ponto de vista ambiental. •


• Sensor alimentado por fluido corporal Que tal ser o feliz portador de uma série de sensores médicos em miniatura implantados sob a pele e capazes de avisar, por meio de discretos alarmes, qualquer alteração que comprometa seu estado físico? O pesquisador Nicolas Mano e dois de seus colegas da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, juntaram-se a Fei Mao, da companhia californiana TheraSense, para tentar encontrar uma fonte de energia para esses sensores (The Economist, 13 de fevereiro). O problema é que qualquer aparelho alimentado por bateria seria volumoso demais. A idéia inicial foi usar células a combustível, espécie de bateria que transforma hidrogênio em energia. O problema é que esses aparelhos necessitam de componentes químicos fornecidos por um tanque externo. Foi quando surgiu outra idéia: e se os componentes químicos viessem do meio em que as células operam? O corpo humano poderia ser o local ideal para receber um novo tipo de equipamento que usa os fluidos corporais para gerar energia. A glicose e o oxigênio seriam os geradores de energia. Estava criada a chave para

o desenvolvimento da "célula biocombustível', uma estrutura que consiste de duas fibras de carbono, com 7 mícrons (a milionésima parte do metro) de diâmetro cada. É verdade que, por enquanto, ainda não passa de um experimento, mas a TheraSense nutre sérias esperanças de, um dia, vê-Ias implantadas sob a pele dos diabéticos, por exemplo, alertando-os sobre eventual ultrapassagem dos níveis de glicose. •

• OVO para TV de alta definição O primeiro gravador de DVD a laser azul-violeta, da Sony, está chegando ao mercado. Esse novo tipo de laser proporciona maior capacidade de leitura do que aquele usado atualmente nos aparelhos de DVD, de cor vermelha. Assim, os disquinhos podem ter também maior capacidade de armazenamento. Com a novidade, a empresa espera ganhar dianteira na luta pela liderança do setor de TV de alta definição (HDTV), que começa a crescer no Japão e Estados Unidos. O aparelho adotará os discos do formato do consórcio Blu -Ray - grupo de empresas que desenvolve e licencia o' produto, do qual a Sony é membro fundador. •

Laboratório

móvel carrega instrumentos

para testes

Prumo vai ao Nordeste A metodologia de atendimento do Projeto Unidades Móveis (Prumo) para o setor de plásticos está sendo repassada para o Nordeste. O Prumo é um laboratório móvel que atende pequenas empresas. Ele é montado dentro de um furgão, com equipamentos financiados pela FAPESP,Instituto Nacional do Plástico e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Um engenheiro e um técnico do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), responsável pela execução do projeto, fazem as visitas de diagnóstico. "Nosso papel é de transferência de tecnologia', diz Mari Tomita Katayama, diretora-adjunta para projetos especiais do IPT. O roteiro começou pelo Ceará, onde 20 empresas procuraram soluções tecnológicas para seus problemas. A Ceplal, da cidade de Aquiraz, que trabalha com materiais reciclados para produzir baldes e bacias, queria melhorar a qualidade do seu produto. A equipe analisou matérias- primas, acompanhou as etapas de produção e fez ensaios de fluidez e ponto de

fusão em amostras de materiais termoplásticos. "As soluções apontadas foram acerto nos parâmetros de temperatura, na velocidade e na pressão de injeção': diz Mari. Desde então, os utensílios fabricados apresentaram maior resistência. Atualmente os atendimentos concentram-se na Paraíba, depois será a vez de Pernambuco e Bahia. No total, segundo convênio firmado com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o Banco do Nordeste, serão atendidas cem empresas. •

• Programas para gerenciar rodovias O Instituto Tecnológico de Aeronáutica CITA)e a empresa de sistemas Compsis, de São José dos Campos, assinaram convênio para desenvolver programas eletrônicos de gerenciamento de tráfego rodoviário. A duração total do projeto é de 24 meses, mas a previsão é que, dentro de um ano, algumas ferramentas tecnológicas já estejam disponíveis, como as de rastreamento de veículos e logística de carga. •

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FAPESP recebe roya/ties por patente Um cheque de R$ 4.150,45 é o primeiro resultado em royalties de uma patente financiada pela FAPESP. A entrega do cheque foi realizada pelo físico VIadimir Jesus Trava Airoldi aos diretores da Fundação, José Fernando Perez e Joaquim de Camargo Engler. Airoldi é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe) e fundador da Clorovale Diamantes, de São José dos Campos, empresa que desenvolveu e está produzindo brocas odontológicas com ponta de diamante artificial. Esses instrumentos, quando acoplados a um aparelho de ultra-som, são utilizados em tratamentos dentários que provocam menos dor e barulho. Lançadas há três meses, as brocas já foram vendidas para cerca de 350 dentistas que participaram de cursos de um dia e renderam um faturamento para a empresa de R$ 117 mil. Os R$ 4.150,45, resultado de 4% do faturamento menos os impostos, vão ser divididos em três,

• Buriti na construção civil O Instituto de Pesquisas da Amazônia (lnpa) foi o grande vencedor do Prêmio Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica (Fucapi) de Tecnologia 2002, em sua oitava edição. Do primeiro ao quinto lugar, todos os premiados são pesquisadores do instituto. Criado em 1994, o prêmio tem como objetivo reconhecer e estimular

Zanotto, Airoldi e Perez: cheque por participação na venda de brocas odontológicas

uma parte para a FAPESP, outra para os três inventores (Vladimir, Evaldo José Corat e João Roberto Moro) e a terceira para o Inpe. "Esse repasse de royalties é um indicador de sucesso do Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP", disse Perez. "Esses royalties demonstram a viabilidade do processo de financia-

a realização de trabalhos e invenções com temática amazônica que possam contribuir para o desenvolvimento da região. O primeiro lugar fi. cou com um projeto que utiliza o pecíolo (parte do tronco que sustenta as folhas) do buriti, palmeira que chega a atingir 30 metros, para fabricar divisórias usadas na construção civil, em substituição à madeira, gesso e isopor. Quando o pecíolo chega à fase de envelhecimento, quebra junto

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mento das patentes", afirmou Edgar Dutra Zanotto, coordenador do Nuplitec. Atualmente, o núcleo possui 61 patentes depositadas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), 8 em análise, e 14 denegadas. Muitas delas são oriundas de pesquisas feitas nas universidades ou em empresas financiadas pelo Programa de Inovação Tecno-

Palmeira

lógica em Pequenas Empresas (PIPE), como é o caso da Clorovale, que recebeu R$ 135 mil e US$ 76 mil. "O PIPE possibilitou o desenvolvimento dos protótipos das brocas': explicou Airoldi. O diamante sintético usado nas brocas foi desenvolvido no Inpe e utilizado para a produção de um tubo que está em testes na Nasa, para servir a uma futura nave exploradora do solo de Marte. A Cloravale foi fundada em 1997, e a trajetória da empresa foi mostrada em reportagens nas edições 52, 78 e 83 de Pesquisa FAPESP. São sete sócios e quatro funcionários. Airoldi espera conquistar grande parte do mercado, de 140 mil dentistas no Brasil, 250 mil na América Latina e 2 milhões no resto do mundo. Confiando na eficiência e no ineditismo da broca, ele prevê um faturamento de R$ 28 milhões em dois anos. Isso deverá gerar R$ 993 mil em royalties para a FAPESP,dinheiro que será reinvestido em novos projetos de pesquisa. •

amazônica é matéria-prima

de divisórias


ao tronco e, em cerca de 72 horas, entra em processo de decomposição. Os pesquisadores do Inpa interromperam essa seqüencia para extrair o pecíolo. "Dessa forma, não é necessário derrubar as palmeiras para manufaturar as placas': explica o coordenador do projeto, [adir Rocha, que trabalhou com outros seis pesquisadores. "Realizamos estudos tecnológicos para avaliar a secagem do material, resistência mecânica, densidade e comportamento em máquinas de serra", conta. •

• Menos riscos no processo produtivo Dois pesquisadores paranaenses desenvolveram um software, batizado de GMP Control System, para identificar e gerenciar pontos críticos de controle que representem riscos de transmissão de doenças em cada etapa do processo de fabricação de alimentos e medicamentos. A professora Lúcia Helena da Silva Miglioranza, da Universidade Estadual de Londrina, e o professor Bruno Mazzer de Oliveira Ramos, da Unicentro, de Guarapuava, resolveram trabalhar nessa ferramenta quando constataram que muitas indústrias estavam com dificuldades para seguir as normas das boas práticas de fabricação (BPF), da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo Lúcia Helena, para verificar o cumprimento dessas normas, o primeiro passo é distribuir aos responsáveis de cada setor material impresso sobre itens que devem ser cumpridos. As irregularidades observadas são anotadas em arquivos, disponíveis nos terminais de computadores, e enviadas a um computador central, que emite relatórios para correção das falhas. •

Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br

tuais, enquanto pelo método tradicional é necessário um instrumento para cada ponto de medição.

Título: Programa Computacional de Medição Compensadade Vazão de Gás Natural Inventores: Cláudio Garcia e Osmel Reyes Vaillant Titularidade: FAPESP/USP Sensor amperométrico:

detecta parasita em 40 minutos

• Sonda avalia gases de matéria orgânica

• Diagnóstico da doença de Chagas

• Controle para venda de gás

Um novo método de diagnóstico para detectar a presença de anticorpos da doença de Chagas, que utiliza um imunossensor amperométrico (o resultado aparece na leitura da corrente elétrica), tem como vantagens a precisão e a rapidez de processamento. Desenvolvido no Instituto de Química da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), o dispositivo detecta no soro sangüíneo quantidades' pequenas de anticorpos do parasita causador da moléstia, o protozoário Trypanosoma crusi. A análise dura cerca de 40 minutos, tempo bem inferior ao dos testes sorológicos convencionars.

Software desenvolvido no Departamento de Engenharia de Telecomunicações e Controle, da Escola Politécnica, mede vazão volumétrica, pressão e temperatura do gás natural nas operações de compra e venda do produto. Como a medição volumétrica de vazão do gás é afetada tanto pela pressão 'como pela temperatura, esses parâmetros têm de ser considerados na medição compensada de vazão. Esse programa faz a leitura desses dados a cada segundo. As estações de medição disponíveis no mercado, chamadas de computadores de vazão, são vendidas na forma de um pacote completo, que inclui hardware e software. A proposta dos pesquisadores é fornecer apenas o software, que pode ser instalado em qualquer computador que tenha plataforma Windows. E com um único computador é possível operar com até 20 estações vir-

Título: Imunossensor Amperométrico para Doença de Chagas Inventores: Hideko Yamanaka, Antonio Aparecido Pupim Ferreira, Paulo Inácio da Costa e Walter Colli Titularidade: FAPESP/Unesp

Uma sonda desenvolvida por pesquisadores da Faculdade de Ciências Agronômicas de Botucatu, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), auxilia na amostragem de substâncias voláteis, como oxigênio, gás carbônico, monóxido de carbono e outros, produzidas pela decomposição de matéria orgânica no solo. Para avaliar o tipo de gás gerado e a sua quantidade, acopla-se na sonda um equipamento analisado r de gases. A leitura é instantânea e feita no próprio local. Os dados coletados são úteis para avaliar quais gases presentes nos diferentes tipos de matéria orgânica são mais eficientes para combater os microrganismos do solo que causam doenças em plantas.

Título: Sonda Coletora de Gases do Solo

Inventores: Nilton Luiz de Souza e César Júnior Bueno

Titularidade: FAPESP/Unesp

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Cotesia flavipes parasitando lagarta da broca-da-cana, já adulta, no detalhe

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I

TECNOLOGIA

AGRONOMIA

Inimigos valiosos Empresa de Piracicaba produz e exporta insetos para combater pragas agrícolas DINORAH

ERENO

nstalada em um bairro residencial da cidade de Piracicaba, a empresa BugAgentes Biológicos, criada há apenas dois anos, vive uma rotina de intensa produção para atender ao crescente aumento da demanda por insetos que são inimigos naturais de pragas agrícolas. Trabalhando em pequenos grupos em salas climatizadas, 30 funcionários, mulheres em sua maioria, cuidam da dieta de insetos, escolhem os mais vigorosos e preparam, em várias etapas manuais, inimigos naturais de ovos e lagartas usados para controlar pragas que atacam a cana-de-açúcar, o tomate, o milho e outras culturas. No final do processo, boa parte da produção é enviada para Suíça, França, Dinamarca e Estados Unidos. "Há laboratórios similares em várias partes do mundo, que usam os ovos para criar, produzir e multiplicar a vespinha Trichogramma, responsável por combater diversas espécies de mariposas", relata José Roberto Postali Parra, diretor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo. Consultor do projeto de criação e comercialização de insetos para o controle de pragas agrícolas da Bug, financiado pela FAPESP dentro do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), Parra é professor do Departamento de Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola. Atualmente, cerca de 300/0 da produção mensal de 10 quilos de ovos da

I

traça Anagasta kuehniella, usados pela vespa Trichogramma para sua reprodução, é enviada para o exterior. Esse volume é suficiente para a formação de 360 milhões de predadores de insetos danosos à agricultura. Ganho econômico - O interesse desses clientes pelos produtos da Bug, que tem como sócios os engenheiros agrônomos Danilo Scacalossi Pedrazzoli e Diogo Rodrigues Carvalho, alunos de mestrado na Esalq, pode ser medido também pelo crescente número de consultas ao site da empresa. "Os acessos feitos a partir de países como Estados Unidos, França, Dinamarca, 'Suíça, Itália, Holanda, Espanha e Portugal, por laboratórios que já são clientes ou procuram pelos nossos produtos, representam hoje 700/0 das visitas", segundo os cálculos de Danilo. Na avaliação de Parra, o controle biológico é hoje uma forma aceita para barrar a ação de pragas, em resposta ao uso inadequado de inseticidas, danosos para a saúde humana, animal e ao ambiente. O fator econômico também é levado em conta na adoção desse sistema. No caso da broca-da-cana (Diatraea saccharalis), por exemplo, praga que causa prejuízos à cultura da cana-de-açúcar e ao processo de produção industrial, o controle biológico, que inclui parasitas, frete e aplicação, custa cerca de R$ 15,00 por hectare, enquanto o tratamento químico fica, em média, em R$ 45,00. Essa praga provoca, no campo, perda de peso da planta, em razão da abertu-

ra de galerias no colmo (caule) da cana e falhas na germinação, entre outros danos. No processo industrial, devido à podridão vermelha, causada pela broca em associação com fungos, ocorrem mudanças químicas, como transformações da sacarose, diminuição da pureza do caldo e contaminação do processo de fermentação alcoólica, fatores que levam a um menor rendimento do açúcar e do álcool. Estudos demonstraram que cada 10/0 de intensidade de infestação dessa praga em uma plantação corresponde a 0,250/0 de perda de açúcar, valor que se altera de acordo com a variedade da planta utilizada. "Isso significa a perda de 212 quilos de açúcar em uma propriedade que produza 85 toneladas de cana': contabiliza Alexandre de Sene Pinto, professor do Centro Universitário Moura Lacerda em Ribeirão Preto, que coordena o projeto. "Se a broca atingir 100/0 de intensidade de infestação, o que não é difícil, serão 2.125 qui10s perdidos." Na produção do álcool, para cada 1% de intensidade de infestacão, ocorre uma perda de 0,20%. Dieta especial - O controle biológico da broca é feito com uma pequena vespa importada, a Cotesia flavipes, que parasita a praga no estágio de lagarta. Tanto o inseto praga como o parasitóide (animal que se alimenta e, freqüentemente, mata o parasitado) são produzidos nos laboratórios da Bug. "A criação de inimigos naturais é feita no país há algum tempo pelas usinas proPESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 69


dutoras de açúcar, mas a novidade do nosso projeto é o aperfeiçoamento da técnica de criação, com tecnologia inovadora", diz Parra. msua forma adulta, a broca é uma mariposa de hábitos noturnos, de cor amarelo . palha. As fêmeas colocam os ovos nas folhas. As lagartas, depois de algum tempo, penetram na cana, onde se abrigam e se alimentam. A produção dessa lagarta na Bug começa com uma dieta especial, com proteínas, vitaminas, sais minerais, carboidratos e lipídios, depositada em um meio gelatinoso (agar). A dieta é colocada em tubos ou frascos, desenvolvidos pelos pesquisadores da empresa, para servir de alimento às lagartas. Os melhores exemplares dessa forma larval são separados e oferecidos para o seu inimigo natural, a pequena Cotesia, que mede cerca de 2 milímetros. Depois dessa fase, as lagartas, cheias de ovos da vespa, são levadas para uma sala com temperatura controlada. "O mecanismo evolutivo preparou o parasitóide para não matar a lagarta rapidamente. Isso só ocorre quando a vespinha completar o seu ciclo de desenvolvimento", explica Parra. Os casulos de Cotesia, parecidos com uma massa branca, são então separados para ser vendidos. A produção mensal

E II I'

da Bug, de 40 milhões de inimigos naturais da broca, é suficiente para o controle biológico de 6,6 mil hectares de cana-deaçúcar. Considerando-se que no Brasil são plantados cerca de 5 milhões de hectares de cana, o potencial de utilização desse inimigo natural é muito grande. "Nas áreas em que a Cotesia não se adapta ao clima, principalmente Mato Grosso e Goiás, recomendamos o Trichogramma, um parasitóide de ovos de diversas pragas agrícolas, como algodão, cana, soja, tomate e repolho", diz o consultor. Ele tem como grande vantagem o fato de poder ser criado em ovos de hospedeiros alternativos, como a Anagasta kuehniella, uma traça encontrada em cereais armazenados. A dieta da traça é bem simples, apenas farinha de trigo integral e levedura, o que representa economia no processo de produção. O alimento e os ovos da traça são colocados em cima de um papelão. Em pouco tempo, esse papelão se transforma em um ninho no qual a traça completa o desenvolvimento e colo-

ca novos ovos, onde a Trichogramma vai se reproduzir. O ambiente do laboratório de criação da traça lembra o de um armário sem muita ventilação e com um leve cheiro de mofo. Isso porque as traças soltam escamas, obrigando as pessoas que ali trabalham a andar sempre com máscaras nas salas, onde também estão instalados exaustores para a filtragem do ar. Em outra sala, concentram-se pilhas de bandejas com milhões de inse-

Joaninhas foram as primeiras O manejo integrado de pragas é um conceito que surgiu nos Estados Unidos e na Europa nos anos 60, em substituição à tendência em vigor na época de aplicar inseticidas para controlar pragas, mesmo que elas não estivessem presentes em grandes quantidades na cultura. "O controle biológico leva em consideração não só o aspecto econômico, mas também o ecológico e social, que são importantes", diz José Roberto Postali Parra, professor da Esalq/USP.O manejo integrado é um conjunto de medidas que tem como objetivo manter a praga abaixo do nível de dano econômico. O uso de compostos químicos é permitido, desde que sejam pouco agressivosao meio ambiente, relacio-

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nados a outras medidas de controle, como o biológico e por feromônios (substâncias produzidas pelos insetos para se comunicar ou servir de atrativo sexual). "O ideal seria usar só uma opção não química, mas isso às vezes não é possível, porque depende da cultura': avalia Parra. Os primeiros insetos vendidos nos Estados Unidos para controle biológico de pragas em jardins e viveiros foram as joaninhas, na década de 1960. O grande avanço na área ocorreu a partir dos anos 80, mas já em 1977, um estudo feito por pesquisadores norte-americanos listava 95 empresas nos Estados Unidos e Canadá que vendiam produtos destinados ao controle biológico de pragas.

No Brasil, as primeiras experiências com esse tipo de técnica aplicada à broca-da-cana datam da década de 1950, realizadas pelo Departamento de Entomologia da Esalq. Na época, os pesquisadores começaram a liberar moscas nativas, semelhantes às moscas domésticas,para combater a praga. No começo a estratégia surtiu efeito, mas após alguns anos a resposta biológica ficou abaixo das expectativas. Por isso, na década de 1970, foram importadas as primeiras linhagens da vespa Cotesia flavipes, posteriormente substituídas por outras mais agressivas. Mas somente nos últimos anos a comercialização de inimigos naturais tem começado a despertar interesse nos agricultores.


tos produtores de ovos que serão colocados em embalagens de cartolina parafinadas e perfuradas para permitir a saída dos parasitóides no campo. Essa embalagem, desenvolvida pela equipe do projeto, proporciona maior segurança quanto às possíveis mudanças de temperatura ou ocorrência de chuvas e de predadores, especialmente formigas, de acordo com Alexandre Pinto. E pode ser patenteada, segundo Parra, porque não existe nada semelhante no mercado nacional para comercializar ovos com parasitóides. ada cápsula, que é colocada na própria planta o~ em suportes, abriga cerca de 2 mil ovos com Trichogramma. A data do nascimento do inseto é prevista com base em uma técnica chamada exigência térmica, que é a temperatura ideal para o inseto crescer. "Eu sou capaz de definir exatamente quando ele vai nascer controlando essa temperatura", diz Parra. Isso facilita a vida do cliente, que sabe quando os adultos estarão prontos para sair das cápsulas. Os pesquisadores da Bug criaram também um sistema para checar a data da saída da Trichogramma da cápsula. Uma pequena parte dos ovos encomendados, chamada de isca, fica em uma temperatura um pouco maior do que o restante. "Essa isca é um indicador da hora que o material

C

Cápsula com ovos de Trichogramma

deve ser colocado no campo no dia seguinte", conta Danilo. Qualidade controlada - Segundo os princípios dos programas de manejo integrado, a praga pode ficar na plantação até o momento em que não causa danos econômicos. Quando a população da praga começa a crescer,é hora de intervir na lavoura. Aí é preciso um estudo para verificar a quantidade de ini-

o PROJETO Criação Massal e Comercialização de Trichogramma spp e Cotes ia flavipes para o Controle de Pragas Agrícolas MODALIDADE

Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADOR

ALEXANDRE DE SENE PINTO - Bug Agentes Biológicos INVESTIMENTO

R$ 320.774,00

migos naturais que deve ser liberada. Os cálculos são feitos sempre por amostragem da área infestada. Para a broca-da-cana, por exemplo, a liberação de C. jlavipes é feita quando a intensidade de infestação estiver acima de 2,5%. Para cada ovo da praga encontrado no campo, estima-se 1,6 Trichogramma. Para o tomate, uma cultura de ciclo curto, as cápsulas podem ser colocadas na plantação assim que aparecerem os primeiros ovos da traça-do-tomateiro (Tuta absoluta). Parra ressalta que a procura pelo controle biológico tem crescido nos últimos anos também no Brasil, embora a qualidade dos produtos nem sempre corresponda à expectativa do cliente. Isso porque os insetos produzidos em condição artificial, controlada, nem sempre são competitivos como os da natureza. Para garantir a qualidade desses inimigos naturais, ele defende a necessidade de haver ligação estreita com universidades e institutos de pesquisa no processo de criação, armazenamento e liberação desses insetos. "Essa é a garantia de credibilidade do produto." O consultor do projeto faz essa defesa com base em experiência de mais de 20 anos na área. Esse conhecimento foi fundamental para que a Bug pudesse, em tão pouco tempo, conquistar clientes não só no Brasil como também no exterior, em países que já possuem tradição em produzir insetos para combater pragas agrícolas. • PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 71


.TECNOLOGIA

SOFTWARE

A voz do computador Lingüistas e engenheiros da Unicamp formulam um sistema de fala com jeito brasileiro TÂNIA

MARQUES

e um bom número de máquinas já "fala" suficientemente bem para a realização de tarefas simples, e muitas pessoas há alguns anos "conversam" com sistemas automatizados de atendimento telefônico e caixas automáticos bancários, os recursos de voz sintética em uso comercial ainda apresentam dificuldades de reproduzir a fala humana com naturalidade. E seu vocabulário é muito limitado. Mas há indícios de que, em breve, os computadores perderão o "sotaque digital" e ampliarão o universo lingüístico. Grandes companhias começam a obter resultados mais naturais e agradáveis aos ouvidos. Essa busca pela perfeição sonora dos computadores começou

S

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cedo na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Um projeto conjunto, iniciado em 1991, entre as áreas de lingüística e engenharia elétrica produziu um software que hoje é capaz de ler em voz alta qualquer texto escrito em português, sem o sotaque inglês característico dos sistemas produzidos fora do país. O programa brasileiro leva o nome de Aiuruetê, que, em língua tupi, significa "papagaio verdadeiro': Desde o início, o desenvolvimento do sistema esteve subordinado a fins científicos, mas o projeto também produziu resultados tecnológicos. "Queríamos criar um sistema de síntese da fala em português brasileiro a partir da pesquisa básica e voltado para ela",lem-


bra a professora Eleonora Cavalcante Albano, do Laboratório de Fonética e Psicolingüística do Instituto de Estudos da Linguagem (Lafape/IEL), coordenadora do trabalho. Mantendo a meta inicial e com uma visão abrangente da descrição fonético-acústica da língua, a iniciativa incluía estudos de problemas de desenvolvimento e distúrbios articulatórios, teoria fonológica, fonoestilística e análise e síntese de fala. Evolução rápida - Em 1992, o professor Fábio Violaro, coordenador do Laboratório de Processamento Digital de Fala da Faculdade de Engenharia Elétrica (LPDF/Feec) e seu grupo de pesquisadores abraçaram o projeto do Lafape. "Já estávamos trabalhando com síntese de fala, mas os resultados dos nossos esforços eram limitados justamente pela falta de conhecimentos lingüísticos', diz Violaro. Na época, os microcomputadores estavam evoluindo a passo rápido, e seus recursos de processamento e memória já possibilitavam o desenvolvimento de programas de síntese de voz. Hoje, o Aiuruetê roda em qualquer computador com sistema operacional Windows. Os programas de síntese de fala, que podem contribuir bastante para o ensino a distância e a educação de deficientes visuais, além de uma série de aplicações comerciais, em geral se baseiam na conversão texto-fala. Como seus similares estrangeiros, o Aiuruetê trabalha com informações textuais, que, na fase de pré-processamento, são submetidas a uma análise, inclusive das características gramaticais (siglas, abreviaturas e símbolos gráficos), e reescritas por extenso da maneira como são lidas. Depois, ganham transcrição fonética. Então, o software busca, em seu banco de dados, as emissões compatíveis com o material transcrito e dá conta da concatenação dos elementos fônicos que compõem as palavras, fornecendo-lhes ainda informação sobre a entonação e o ritmo do português brasileiro. Parece fácil? Bem, não é - tanto assim que, desde o início da chamada era digital, a síntese de fala desafia pesquisadores de todo o mundo, que têm obtido um nível de sucesso apenas razoável. Vários fatores contribuem para a complexidade do processo, em qualquer idioma. Em primeiro lugar, sistemas escritos de línguas diferentes possuem

também variados graus de foneticidade - só até certo ponto a grafia das palavras determina sua pronúncia. O inglês, por exemplo, tem uma ortografia muito pouco fonética. Palavras grafadas de maneira distinta, como rite (rito), write (escrever), right (certo) e wright (artesão) são pronunciadas exatamente da mesma maneira e, portanto, têm a mesma transcrição fonética: rait. A ortografia do português tem foneticidade média, mas nem por isso oferece menos dificuldades. Para ficar em um só exemplo, basta lembrar que a letra "x" pode ter som de "ch", de "s", de "ks" ou de "z" "O português é bonzinho, mas o espanhol é muito melhor", brinca Eleonora. abordar a questão, um leigo pode imaginar que a construção de uma base de dados com todas as palavras da língua é a solução. Mas um empreendimento desse tipo, além de monumental, estaria fadado ao fracasso: a linguagem é dinâmica, e novas palavras surgem a cada dia. Além disso, a pronúncia de um mesmo vocábulo varia conforme o contexto, o que implicaria a necessidade de gravar a mesma palavra várias vezes - simplesmente não haveria dicionário com esse tamanho. Mesmo palavras de uso difundido podem não estar dicionarizadas, assim como as flexões verbais e as formas diminutivas e superlativas. O softwareprecisa, principalmente, de parâmetros que orientem a pronúncia da máquina. "Optamos por nos limitar a cerca de 2.500 excertos de gravações", conta Eleonora. O número não é alto, mas os

A

o PROJETO Processamento de Texto e Sinal Acústico em Português Brasileiro: Uma Interface Lingüística Engenharia para a Ciência e Tecnologia da Fala MODALIDADE Projeto temático CDORDENADORA ELEONORA

CAVALCANTE

ALBANO

-

Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp INVESTIMENTO

R$ 9.528,00 e US$ 58.672,00

trechos foram submetidos a uma rigorosa seleção. Nela, os pesquisadores não trabalharam um conceito tradicional da lingüística que define o fonema como a menor unidade mental correspondente ao som. A equipe, desde o início do trabalho, mantém a posição teórica segundo a qual o fonema é uma abstração influenciada pela escrita alfabética. Um dos pontos do estudo foram os diversos fonemas que sofrem influência daqueles que os precedem e dos seguintes a eles. "Muitos fatores se combinam na articulação dos sons, e um 'p' sucedido de um 'a' é pronunciado diferentemente de um 'p' sucedido de um 'i' ou de um 'u", observa Eleonora. Outro problema no desenvolvimento de um sistema de fala são as diferenças entre as representações gráficas do texto e a maneira como elas se expressam na fala. As abreviaturas, por exemplo, podem ser lidas diferentemente mesmo quando têm o mesmo número de caracteres e são igualmente "pronunciáveis" Nesse sentido, vale comparar UTI corri IEL ou ITA, por exemplo. A leitura de número de telefone é diferente de uma expressão numérica - ninguém leria 32220000 como 32 milhões e 220 mil. As medidas de comprimento são grafadas da mesma maneira no singular e no plural: 1 metro e 100 m. Tudo isso exige algo ritmos complexos. Emoção e sutilezas - "Embora já possa ser utilizado em uma série de aplicações, o Aiuruetê ainda está em desenvolvimento': afirma Violaro. Entre os aprimoramentos, está a assimilação das sutilezas dos ritmos do falar brasileiro. "No futuro, queremos que o Aiuruetê expresse até os diferenciais tônicos da emoção", diz Eleonora. Segundo Violaro, o programa começa a despertar o interesse de algumas empresas especializadas em tecnologia da informação. Uma delas quer empregar o Aiuruetê em um sistema de auto-atendimento voltado para consultórios médicos, com agendamento de consultas e outras funcionalidades. Além disso, o trabalho também resultará na construção de uma base pública de conhecimentos dos aspectos fônicos do português falado no Brasil. Assim, o software estará mais próximo de uma das características mais apreciadas dos papagaios verdadeiros: a de ser o mais tagarela da família dos psitacídeos. • PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 73


ITECNOLOGIA

QUÍMICA

Cachaca

sem mistério

Comparada com uísques, a bebida brasileira tem menos aldeídos, substâncias responsáveis pela ressaca

YURI VASCONCELOS

enuína bebida nacional, a cachaça é o destilado mais consumido no país e o terceiro no mundo. O drinque caipirinha está nos cardápios de bares e restaurantes de vários países. No Brasil, nos últimos dez anos, a aguardente feita a partir do caldo de cana-de-açúcar deixou de ser uma bebida apenas de botequins das classes mais pobres e passou a ser consumida em bares e ambientes sofisticados. Apesar da longevidade na cultura nacional e do sucesso comercial recente, a cachaça passou muito tempo como uma grande desconhecida da ciência, o que impediu, por exemplo, que já se soubesse que a concentração de aldeídos na aguardente é, em média, inferior à de alguns uísques importados. Fruto de pesquisas recentes, esse resultado é importante, pois os aldeídos são considerados substâncias parcialmente responsáveis pela ressaca.

G

74 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

Os estudos - realizados no Laboratório de Desenvolvimento da Química da Aguardente (LDQA), do Instituto de Química (IQ) de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP) - resultaram em considerável avanço na caracterização química da bebida. Isso vai servir tanto para dar mais qualidade à produção da cachaça - 1,5 bilhão de litros e US$ 500 milhões por ano - como para abrir o mercado da maior economia do mundo, os Estados Unidos. Isso se deve à confusão que as autoridades alfandegárias norte-americanas fazem entre rum e cachaça. Para entrar no país, a aguardente brasileira deve trazer inscrito no rótulo que cachaça é um tipo de rum brasileiro. ''As diferenças entre os dois destilados começam no processo de fabricação. Enquanto a cachaça é produto da destilação do caldo de cana fermentado, o rum é destilado a partir do produto da fermentação do caldo

da cana cozido ou do melaço, um subproduto da produção do açúcar", explica o professor Douglas Franco, coordenador do laboratório e diretor do IQSC. OS trabalhos iniciados há dez anos focaram primeiro a caracterização química da cachaça brasileira. "Nossos estudos mostram um perfil químico quantitativo e qualitativo médio da aguardente fabricada no país. Trata-se de uma pesquisa pioneira e referencial para contribuir no conhecimento da composição e das reações químicas que ocorrem na aguardente de cana. Além de água e do etanol, que correspondem a mais de 98% da composição da bebida, identificamos um grande número de compostos químicos secundários. São essas substâncias, encontradas em menor concentração, que conferem à aguardente as propriedades organolépticas (ligadas aos órgãos do sentido), como cor, sabor


Mais de 150 amostras de cachaça coletadas para análise em todas as regiões produtoras do país

micos a ação desses vetores. Em relação aos compostos sulfurados, principalmente o dimetilsulfeto, que podem provocar odor desagradável à cachaça, a solução para reduzir o problema está na adoção de cobre metálico na construção do alambique. Os hidrocarbonetos aromáticos (em particular o benzopireno), encontrados em 13% das amostras, podem ser fruto da contaminação do produto por resíduos de óleos lubrificantes usados nas moendas ou da queima de cana. primeiro o caso, a solução seria controlar melhor o processo produtivo. No segundo, basta não queimar a cana antes da colheita. Outra substância danosa à cachaça, o carbamato de etila, considerado um agente cancerígeno, tem diversas fontes de origem. Ele tanto pode ser formado durante o processo de fermentação em uma destilação mal-conduzida como por reações químicas durante o armazenamento da bebida. "Verificamos que íons de cobre, ferro e cianeto presentes no produto final têm papel muito mais importante na formação de carbamatos na cachaça do que em outros destilados", explica Franco. Para evitar a contaminação da cachaça por carbamato, é preciso um controle mais rígido das concentrações desses íons. Nas amostras estudadas no IQSC, 21 % apresentaram concentração igual ou abaixo da legislação canadense para bebidas destiladas. Esse parâmetro foi considerado porque a legislação brasileira é omissa ao não estabelecer limites máximos de concentração de impurezas. Segundo Franco, é preciso fazer uma ressalva em relação às falhas encontradas no destilado brasileiro. "Esses defeitos são comuns em todas as bebidas do mundo. O problema é regulamentar e controlar a concentração das substâncias indesejadas." O pesquisador informa ainda que, além dos defeitos já citados, muitos produtores brasileiros não fazem um controle adequado do processo de destilação, comprometendo a qualidade final do produto.

N e odor': explica Franco. "Procuramos compreender a química da aguardente visando a proteger a saúde do consumidor, agregar valor ao produto, melhorar a formação dos fabricantes e estimular o agronegócio." Foram estudadas mais de 150 amostras de cachaça das principais regiões produtoras do país. O objetivo foi elaborar um diagnóstico sobre a presença de diversas substâncias, como álcoois, ácidos carboxílicos, ésteres, cetonas, aldeídos, fenóis, polifenóis, aminoácidos, dextranas, carbamatos, hidrocarbonetos policíclicos (derivados do benzeno) aromáticos e compostos sulfurados na cachaça, entre outros. "Investigamos a presença de mais de 300 diferentes substâncias e já identificamos mais de 100 compostos secundários que integram a cachaça brasileira", diz Franco. A partir desse detalhado estudo, foi possível enumerar os principais defeitos

em algumas amostras do destilado nacional, como os compostos sulfurados, flocos, hidrocarbonetos aromáticos e carbamatos. O estudo revelou a causa , dos defeitos e o que pode ser feito para evitá-los. Os flocos, por exemplo, são depósitos atóxicos formados por substâncias adicionadas à cachaça - como o açúcar para mascarar a acidez - que se associam, originando material sólido e insolúvel. "O açúcar pode estar contaminado com uma substância chamada dextrana (impureza formada pela bactéria Leuconostoc mesenteroides quando a cana está cortada e estocada) que, quando associada a aminoácidos e polifenóis presentes na bebida, forma depósitos no fundo da garrafa. Cobre metálico - A aguardente, que era transparente, passa a apresentar uma indesejável poluição visual", diz o pesquisador. Para evitar a formação de flocos, é preciso controlar com testes quí-

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 75


Das senzalas à bebida nacional

I,

Danadinha, garapa-doida, esquenta-aqui-dentro, dengosa, ximbira, venenosa, limpa-goela, bafo-de-tigre, lindinha, tome-juízo, desmancha-samba e zuninga. Esses são apenas 12 dos nomes pelos quais a cachaça é conhecida pelo Brasil afora. No Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa constam cerca de 150 denominações, mas estima-se que muitas outras não estejam catalogadas e, no total, a "água ardente" brasileira tenha 500 diferentes nomes. O Dicionário Houaiss, por sua vez, esclarece que a bebida está presente na vida nacional desde os tempos do Brasil Colônia. Na definição do verbete, o dicionário afirma que se trata de "bebida fermentada fei-

"Apesar da existência de bons profissionais nessa área, o processo de destilação ainda é muito falho, porque os produtores não seguem as especificações recomendadas pelos fabricantes dos equipamentos", diz Franco. Uma das descobertas do LDQA, que é formado também pelos professores Benedito dos Santos Lima Neto e Ubirajara Pereira Rodrigues Filho, em colaboração com pesquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), diz respeito ao uso de madeiras alternativas ao carvalho na construção de barris para envelhecimento da bebida. "O tradicional carvalho não faz parte da flora brasileira. Nossas pesquisas demonstraram que a árvore amendoim (Pterogyne nitens), encontrada em várias regiões do país, é altamente recomendada para substituí-lo na confecção de tonéis", afirma Franco. Além do projeto de caracterização química da cachaça brasileira financiado pela FAPESP, o coordenador do LDQA possui outro projeto na Fundação, inserido no contexto de políticas públicas em parceria com a Secretaria Municipal de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico de São Carlos. O objetivo é fazer um levanta76 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

ta de borra ('substância') do caldo de cana ou do cabaú ('calda grossa'), servida aos animais e aos escravos dos antigos engenhos". A cachaça teria surgido, segundo os livros de história, nos engenhos de cana-de-açúcar da capitania de São Vicente por volta de 1540. A bebida era produzida a partir de resíduos da fabricação da rapadura e levava o nome de garapa azeda. Considerada um produto secundário da indústria açucareira, não tinha, em seus primórdios, nenhum teor alcoólico e costumava ser servida como suplemento alimentar para cabras e ovelhas. Nos engenhos do Nordeste, a garapa também era dada aos escravos na primeira refeição do

mento das qualidades e defeitos da cachaça produzida por pequenos produtores paulistas (até 200 mil litros por ano) e propor medidas para a melhoria do produto. "Estamos analisando 104 amostras de cachaças provenientes de destilarias e alambiques do Estado de São Paulo. Na primeira fase, fizemos a coleta das amostras. Agora, estamos realizando a análise química das bebidas. Além de identificar defeitos e qualidades, queremos usar esses dados para definir discriminadores químicos (substâncias que permitem a diferenciação entre dois ou mais produtos) que as.sociem a cachaça à região de origem. Assim, a pinga paulista e, posteriormen-

dia para que eles suportassem o duro trabalho nos canaviais. Na segunda metade do século 16, a beberagem começou a ser produzida em alambiques de barro e, em seguida, de cobre, recebendo o nome de aguardente. Nessa época, ela chegou a ser usada como moeda para compra de escravos na África. As técnicas de fabricação foram sendo aperfeiçoadas, e sua qualidade, melhorada, o que fez o consumo crescer rapidamente. Com o tempo, a bebida deixou as senzalas e estabeleceu-se na mesa dos senhores-deengenho e das famílias portuguesas que sentiam falta da bagaceira, o destilado feito a partir do bagaço da uva. Não tardou e a "garapa azeda" come-

te, do resto do Brasil poderão ter denominações regionais, de forma semelhante aos vinhos franceses e italianos. Mercado milionário . O esforço para compreender quimicamente a cachaça tem uma razão de ser. O produto movimenta um mercado milionário. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Cachaça de Alambique (IBCA), dos 1,5 bilhão de litros de cachaça produzidos por ano no país, 1,050 bilhão são de aguardente industrial, produzida em destilarias, e 450 milhões de cachaça artesanal, feita em pequenos alambiques. O setor reúne cerca de 30 mil produtores, que despejam no mercado

OS PROJETOS Da Presença de Hidrocarboneto~ Flocos e Carbamatos em Aguardentes, sua Quantificação, Gênese e Prevenção

Melhoria da Qualidade da Aguardente e Preposição de Padrão de Qualidade MODALIDADE

MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR

COORDENADOR

Instituto de Química de São Carlos da USP DOUGLAS

WAGNER

Programa de Pesquisas em Políticas Públicas

FRANCO -

INVESTIMENTO

R$ 62.084,85 e US$ 149.445,57

DOUGLAS WAGNER FRANCO - Instituto de Química de São Carlos da USP

INVESTIMENTO

R$ 60.000,00 e R$ 17.100,00 (parceria)


çou a disputar mercado com os vinhos portugueses e a própria bagaceira. As autoridades coloniais decidiram, então, proibir a produção e a comercialização da bebida no país, alegando que ela era responsável por arruaças e confusões. Como se sabe, tudo isso foi em vão. A aguardente continuou a ser fabricada e cada vez mais consumida pela população. Ao longo dos últimos cinco séculos, a bebida esteve presente nos mais importantes momentos da vida nacional.

Durante a Inconfidência Mineira, no final do século 18, a cachaça transformou-se em símbolo da "brasilidade" e da resistência à dominação portuguesa. O mesmo ocorreu na Revolução Pernambucana de 1817. Dizem os historiadores que o padre João Ribeiro Pessoa, um dos líderes do movimento, substituiu, durante as missas, o vinho do Porto pela genuína cachaça, como forma de demonstrar aos fiéis seu apoio à revolta que tinha como objetivo a separação de Portugal. Anos mais tarde, Dom

Pedro I brindou a independência do Brasil com um cálice de cachaça, gesto que foi repetido pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante as comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil, em 2000. Nos dois anos seguintes, o governo federal editou dois decretos (3062/01 e 3072/02) que estabelecem a denominação "cachaça" como oficial e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, num esforço de proteger a marca e divulgá-Ia no mercado internacional.

Engenho São Jorge dos Erasmos, em Santos (SP): açúcar na primeira metade do século 16

5 mil marcas. São aproximadamente 400 mil empregos diretos. São Paulo é o líder na produção, com 44%, seguido de Pernambuco e Ceará, com 12% cada um. Esses estados concentram alguns dos maiores fabricantes de cachaça industrialPirassununga (SP), Velho Barreiro (SP), Pitú (PE), Ypióca (CE) e Colonial (CE). Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás e Espírito Santo, cada um com 8% do mercado, completam a lista dos principais fabricantes. Analisando apenas os números da cachaça artesanal, Minas é o principal centro produtor. "O Estado tem 8.466 alambiques que produzem 230 milhões de litros por ano", informa José Lúcio Mendes, diretor de Promoções do IBCA. Depois do sucesso nacional, a cachaça está conquistando apreciadores em outros países. No ano passado, foram exportados 14,8 milhões de litros (cerca de 1% da produção) para 70 paí-

ses. A exportação rende para o Brasil US$ 9 milhões por ano, segundo dados de 2001. A meta para 2003 é exportar 20 milhões de litros, um crescimento de màis de 30%. A Europa compra por volta de 60% da aguardente exportada, sendo que a Alemanha é a maior importadora, com 30%. Resta agora conquistar o mercado norte-americano, ainda imerso na confusão entre cachaça e rum. "Não aceitamos essa classificação. Rum é rum e cachaça é cachaça. Para solucionar esse impasse, acertamos com as autoridades norte-americanas que faríamos detalhada análise química comparativa mostrando as diferenças entre as duas bebidas", conta Maria José Miranda, gerente nacional do Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Cachaça (PBDAC), criado pela Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) com o objetivo de promover o produto em escala mundial.

Para fazer esse trabalho, foi contratado o laboratório da USP de São Carlos. Para dar embasamento químico às diferenças entre as bebidas, a equipe do LDQA investigou a presença e a concentração de 150 compostos em 31 amostras certificadas de rum e cachaça. Aos dados coletados foram aplicados métodos quimiométricos (análise estatística dos resultados), em que foram determinados sete discrimina dores químicos que permitem a distinção inequívoca entre rum e cachaça. Esses resultados vão servir para eliminar a confusão feita nos Estados Unidos. Em seus dez anos de funcionamento, o LDQA firmou-se como um importante centro produtor de conhecimento sobre a aguardente nacional. No período, já foram formados sete mestres e cinco doutores. Doze artigos completos foram publicados em periódicos científicos internacionais, oito em revistas especializa das nacionais e outros 13 em periódicos nacionais de divulgação. O intercâmbio com instituições estrangeiras também é relevante. "Trabalhamos em colaboração com várias instituições na Dinamarca, na Itália e na Bélgica. Com as nossas pesquisas, queremos levar a cachaça ao mesmo patamar de qualidade das demais bebidas destiladas comercializadas em todo o mundo, como uísque, vodca e rum", diz Franco. • PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 77


ITECNOLOGIA

BIOMATERIAIS

Dentes preservados Novos cimentos e membranas odontológicas tornam restaurações e implantes mais baratos

ois novos biomateriais para uso odontológico prometem trazer grandes benefícios aos dentistas e seus pacientes. O primeiro deles é um filme tlexível (ou membrana) empregado para auxiliar o processo de fixação de pinos usados em implantes dentários. O outro é um cimento odontológico que serve para restauração de dentes e para fixação de dispositivos protéticos, como pinos, coroas e bráquetes (peças metálicas para fixação) de aparelhos ortodônticos, usados na correção da posição dos dentes. Os biomateriais, capazes de estimular o potencial regenerativo de tecidos humanos, foram desenvolvidos por dois pesquisadores do Grupo de Biornateriais do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (IQ/Unesp), campus de Araraquara, que integra o Centro Multidisciplinar de Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da FAPESP. Entre as vantagens dos novos produtos está utilização de tecnologia nacional que permitirá colocar no mercado materiais mais baratos em relação aos produtos usados atualmente. O filme tlexível, criado pelo doutorando em química Rossano Gimenes, é um compósito formado pela junção de dois polímeros (copolímero) PVDFTrFe (tluoreto de polivinilideno-trifluoretileno) e pela cerâmica titanato de bário (BT). No mercado encontram-se membranas de polímeros (tetlon, por exemplo) usadas para revestir cavidades ósseas bucais com lesões (extrações de

D

78 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

dente, implantes, cirurgia) visando a proteger o coágulo sanguíneo que se forma no local. "Esse coágulo tem um papel fundamental na regeneração óssea e na integração entre o pino e o osso. É ele que fornece os nutrientes necessários para o crescimento das células ósseas': explica a química Maria Aparecida Zaghete, orientadora de Gimenes e coordenadora do Grupo de Biomateriais. Sem essa proteção, por exemplo, cada vez que a pessoa vai escovar os dentes, o coágulo é involuntariamente removido, atrasando o processo de cura. Além da função protetora, a membrana desenvolvida na Unesp também deverá acelerar o crescimento ósseo em função das interações piezelétricas entre o compósito e o osso. Piezeletricida de é um fenômeno físico no qual certos materiais submetidos a uma pressão mecânica respondem com a geração de cargas elétricas. Os ossos possuem essa característica e seu crescimento es-

o PROJETO Filme Flexível e Cimento para Uso Odontológico MODALIDADE

Pesquisa do Centro Multidisciplinar de Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC-Cepidl COORDENADORA MARIA APARECIDA

ZAGHETE -

Instituto de Química da Unesp Araraquara INVESTIMENTO

R$ 80.000,00 e US$ 15.000,00

tá associado à piezeletricidade. "Com o uso dessa membrana, estamos dando uma força para o osso regenerar-se de forma mais rápida", afirma Gimenes. Atualmente, materiais semelhantes à disposição dos dentistas, como as membranas de tetlon, têm somente a função de isolar o coágulo. Essas membranas não contribuem para regeneração do osso. O "pulo do gato" na fabricação do compósito da Unesp foi a criação de uma cerâmica com características mo rfológicas capaz de potencializar a capacidade piezelétrica do copolímero PVDF- TrFe, vendido pela indústria química na forma de pequenas pastilhas (pellets) e usado numa ampla variedade de aplicações na indústria eletrônica, tais como hidrofones (detecto r de sinais sonoros submarinos), filtros acústicos e sensores de temperatura e pressão. Na fabricação do filme, os pellets são dissolvidos por um solvente orgânico e a solução resultante é misturada ao pó cerâmico desenvolvido por Gimenes com auxílio da aluna Luciane de Oliveira Coelho. "Fizemos testes in vitro e in vivo, em tíbias de coelho, que demonstraram a biocompatibilidade e bioatividade dos compósitos, ou seja, não são rejeitados pelo organismo, não causam intlamação e curam lesões ósseas. Nos próximos dois anos, estaremos aperfeiçoando o compósito e, em seguida, partiremos para avaliação clínica em institutos e faculdades de odontologia", diz o pesquisador. Confiante na viabilidade e no sucesso da membrana, Gimenes planeja tornar o produto viável comercialmente, num primeiro momento, por meio da


Ao lado, membrana para auxiliar os implantes dentários. Abaixo, cimento para a fixação de pinos e peças protéticas

criação de urna empresa própria. "Creio que o produto final possa chegar ao mercado com um preço inferior ao das membranas de teflon hoje disponíveis." Cimento de vidro - O outro material produzido pelo Grupo de Materiais do IQ-Unesp é um cimento de ionômero, um compósito formado pelas partículas de vidro e um ácido orgânico. A principal diferença em relação aos produtos similares existentes no mercado está no processo de preparação. A maioria dos pós dos cimentos comercias é importada e os vidros utilizados na sua fabricação passam pelo processo de fusão de óxidos, enquanto na Unesp esses produtos são produzidos num processo químico com sais solúveis em água. A composição do cimento também foi alterada com a introdução de novo elemento, o nióbio. "Queremos desenvolver um produto final com características superiores ao tradicional': afirma a professora Maria Aparecida, orientadora do doutorando Márcio Bertolini, idealizador do novo biomaterial. "O nióbio melhora a resistência química do ionômero, impedindo que o cimento seja degradado pelas alterações de pH da boca. Além disso, o nióbio atua na melhoria das propriedades mecânicas': diz a pesquisadora. "Outra vantagem do nosso vidro é que temos maior controle na microestrutura, possibilitando um produto com mais qualidade. Como usamos temperaturas mais baixas, os custos energéticos na produção dos vidros são menores, além de utilizarmos equipamentos mais baratos", explica Bertolini. A expectativa dos pesquisadores é que o produto esteja finalizado dentro de um ano. "No momento, estamos melhorando o processamento dos materiais e as características morfológicas do vidro. Depois partiremos para a fase de testes, que será realizada em faculdades de odontologia", diz Bertolini. Embora a principal aplicação desse cimento seja a fixação de pinos e peças protéticas, ele também poderá ser usado como ingrediente para acrescentar mais resistência e tornar outras resinas odontológicas mais baratas. • PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 79


ITECNOLOGIA

F n

a e

II

AMBIENTE

Para não submergir Portões serão instalados no fundo do mar para tentar salvar Veneza das enchentes ALESSANDRO

m novembro de 2002, a inundação da cidade de Veneza pelas águas do mar durou um mês. Uma situação preocupante e diferente daquela registrada em manuscritos do ano de 589 a.c., quando a água subia apenas alguns dias e não incomodava tanto os moradores. O que era um evento raro há 2.600 anos se tornou corriqueiro nas últimas décadas e ameaça o futuro de um dos patrimônios da humanidade. O estrago feito pelas en-

E

80 ' MAIO DE 2003 ' PESQUISA FAPESP 87

GRECO

chentes durante séculos trouxe conseqüências irreparáveis para a cidade banhada pelo Mar Adriático, no norte da Itália. O primeiro piso das construções há muito não é mais utilizado em razão das recorrentes enchentes. Isso fez a população cair de 250 mil na Idade Média para cerca de 60 mil nos dias atuais. Mas somente em 1966, com a chegada da pior enchente até aquele ano, uma solução real para o problema começou a ser pensada. No final de 2002, foi aprovada a construção de portões sub-

mersos que, quando levantados em períodos de maré alta, são capazes de bloquear as três entradas do mar para o Lago de Veneza. A idealização dos portões contou com a colaboração de uma das moradoras da cidade que viveram a grande enchente de 1966.Paola Rizzoli,58 anos, hoje professora do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, lembra do que passou dentro da própria casa:"Foi impossível sair por três dias. Havia mais de 2 metros de


Praça de San Marco: moradores e turistas andam sobre mesas para escapar da maré alta

Oceano

Lagoa

água, ficamos o tempo todo sem luz e as pessoas que viviam no primeiro andar tiveram que subir para o apartamento de seus vizinhos".As marcas da enchente ficaram entranhadas na memória de Paola de tal forma que ela decidiu, anos depois, largar a física teórica, após ter recebido seu doutorado em física quântica, e estudar a circulação das águas dos oceanos. "Eu me tornei uma oceanógrafa por causa da maré alta de Veneza. Isso foi há 20 anos", diz Paola. Em 1995, o professor Rafael Bras,do MIT, foi convidado pelo Magistrato alie Acque, ou departamento de água de Veneza, a liderar um comitê para supervisionar o trabalho de desenho, planejamento e construção do Mose (Módulo Experimental Eletromecânico), o nome oficial dado ao portão, na forma de protótipo, construído havia dez anos. Bras convidou então Paola e o professor Donald Harleman, também do MIT, além de Andrea Rinaldo, professor da Universidade de Padova, na Itália, para fazer parte do comitê, que tinha de avaliar se os portões não fariam um estrago no ambiente marinho. Em 1998,os pesquisadores concluíram que não haverá problemas ecológicos com o bloqueio dos portões nas três entradas (Lido, Malamocco e Chioggia) do lago.

"Hoje a maré alta é tão comum que, em novembro do ano passado, a Praça de San Marco ficou debaixo d'água o mês inteiro. Minha casa fica a três pontes (quarteirões) dela. A única forma de se chegar lá, após atravessar uma ponte, era andando em cima de mesas (na verdade, cavaletes de ferro com tábuas de madeira instalados pela prefeitura), que continuam lá",comenta Rizzoli. Protótipo no mar - Em 1975, o governo italiano fez um concurso internacional para receber propostas de soluções para as inundações. Mas foi somente em 1989, após um projeto com base em cinco soluções apresentadas em 1975, que o Mose foi aprovado de forma preliminar como a solução para as enchentes de Veneza. Com um custo estimado entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões, o Mose deve levar dez anos para ficar pronto. Seus 79 por;5 tões, cada um com 30 metros .,; ~ de altura, 20 metros de largura ~ e 5 metros de espessura, ficarão debaixo d'água a maior parte ~ do ano - a estimativa é de que eles se levantem o equivalente a seis dias durante esse período somando-se todas as vezes que eles entrarem em ação. Eles ficarão localizados nas três entradas do Lago de Veneza e somente serão levantados se a maré subir mais de 1,10 metro. Assim, os portões funcionarão como barreiras físicas que impedirão o mar de inundar a cidade. Instalados no fundo das três saídas para o mar e sob comando eletrônico, cada portão poderá se levantar individualmente, permitindo um controle rigoroso do quanto de água do mar está entrando no lago. O projeto indica que a construção dos portões deve começar por Malamocco, depois Lido (local por onde entram e saem os navios) e, finalmente, Chioggia. •

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Ilhas e canais - Veneza foi construída sobre 117 pequenas ilhas entremeadas por 150 canais e mais de 400 pontes. Ela começou a ser desenhada durante as invasões bárbaras nos séculos 5 e 6 a.c., quando moradores da região do Vêneto saíram do continente e se refugiaram nas ilhas. O problema das enchentes nesse arquipélago totalmente habitado e com muita história para contar tem se intensificado por dois fatores. A cidade está afundando, e o nível do mar, su-

Instalados nas entradas do Lago de Veneza, os portões serão levantados quando a maré atingir 1)0 metro

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bindo. O primeiro começou no final da Segunda Guerra Mundial, quando as indústrias da região passaram a bombear água do subsolo para suas atividades diárias. Com a diminuição do lençol d'água subterrâneo, Veneza começou a afundar rapidamente. A enchente de 1966 pôs um fim ao bombeamento dessa água e hoje Veneza afunda 0,4 milímetro por ano. Mas o grande problema é que o nível do Mar Adriático subiu 1,4 milímetro por ano no último século. Uma das conseqüências drásticas desse aumento no nível do mar é a multiplicação do número de vezes que as enchentes acontecem. Em 1997, por exemplo, Veneza sofreu cem inundações.

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I 111

HUMANIDADES

ENTREVISTA:

ALFREDO

BOSI

nesa-; resposta à opressão Recém-eleito para a Academia Brasileira de Letras, professor reafirma crença no poder do lirismo RINALDO

GAMA

ara Alfredo Bosi, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), a eleição, em março passado, para a Academia Brasileira de Letras (ABL) veio com pelo menos dois altos significados simbólicos. Estudioso de Machado de Assis, ele passou a pertencer à instituição fundada pelo autor de Dom Casmurro (1899). Mora isso, sua cadeira, a de número 12, foi anteriormente ocupada pelo cardeal dom Lucas Moreira Neves, a quem Bosi - um paulistano de 66 anos - conheceu na juventude e cuja trajetória, de aproximação entre o pensamento católico e as questões sociais, serviu-lhe como referência. Do lado da ABL, a chegada de um intelectual pleno, de esquerda e de ação como Alfredo Bosi ratifica o que deve ser um dos objetivos da entidade: tornar-se um amplo retrato da cultura do país, ao mesmo tempo em que pode estimular seu maior contato com a universidade. Nas entrevistas que concedeu logo após a vitória por 27 votos a 10, dados ao jornalista e escritor maranhense José Louzeiro (houve uma abstenção) -, o professor insistiu que um de seus propósitos é atuar como uma ponte entre os dois mundos acadêmicos. Formado em Letras pela USP em 1960, Bosi lá começou a dar aulas de literatura italiana em 1962, após regressar de um período de estudos na Itália. Em 1964, defendeu tese de doutorado sobre Pirandello e em 1970 tornou-se livre-docente, com um trabalho a respeito da poesia de Leopardi. Àquela altura, porém, ele já manifestava outro interesse - não por acaso, é também de 70 o seu clássico História Concisa da Literatura Brasileira. Dois anos depois Alfredo Bosi passaria a lecionar a disciplina no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFLCH. Editor da revista do Instituto de Estudos Avançados (IEA) desde 1987 e diretor do mesmo instituto a partir de 1997, Bosi coor-

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denou, em meio a outras atividades, a Comissão de Defesa da Universidade Pública (1998). Entre seus livros destacam-se, além de História Concisa da Literatura Brasileira, O Ser e o Tempo da Poesia (1977),

Céu, Inferno: Ensaios de Crítica Literária e Ideológica (1988), Dialética da Colonização (1992), Machado de Assis: o Enigma do Olhar (1999) e Literatura e Resistência (2002).

Foi exatamente sobre sua obra que Alfredo Bosi fez questão de discorrer na entrevista a seguir. Compreenda-se. É ela que o tornará, de fato, imortal.

• No texto que abre o volume Leitura de Poesia (2001), organizado pelo senhor, fica claro que esse gênero está na origem de suas preocupações como crítico literário. Em O Ser e o Tempo da Poesia, o senhor busca analisar o poema em sua natureza, por assim dizer, formal e em seu papel ideológico. A conclusão é de que se trata de um gênero que não deveria privilegiar nem o tecnicismo (a arte pela arte), nem o sectarismo político (o engajamento), tampouco o mercado (vale dizer, o consumismo). 'fi poesia traz, sob as espécies da figura e do som, aquela realidade pela qual, ou contra a qual, vale a pena lutar'; escreveu o senhor. Está aqui implícita uma crença no poder da palavra poética, que de algum modo remete ao poder do verbo, em si, de fazer com que o real se apresente ao homem. Pelo menos desde Crátilo, de Platão, esse é um ponto de debate que mobiliza poetas e pensadores. Em que medida a poesia consegue trazer ao homem contemporâneo "a realidade pela qual, ou contra a qual, vale a pena lutar"? 84 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

- Minhas primeiras aulas de literatura italiana no curso de Letras Neolatinas da Faculdade de Filosofia da USP, nas quais o professor Italo Bettarelo nos lia uma belíssima análise que Croce fez de uma passagem da Eneida, de Virgilio, reforçaram a convicção de que a poesia é a forma mais densa e mais intensa da expressão verbal. É claro que a palavra tem muitas funções. Quem atravessou a lingüística de um Iakobson, por exemplo, sabe que a palavra pode ser, às vezes, puramente referencial, puramente ligada à percepção imediata da realidade. Mas a palavra pode assumir outras funções: a função de ação, quando a palavra é eloqüente, é política, e uma função de expressão dos sentimentos mais profundos do homem no caso, quando a palavra é lírica. A minha concepção de poesia tem muito a ver com o predomínio da expressão lírica. Croce dizia que a poesia é, acima de tudo, liricidade, ou seja, ela está profundamente ligada às experiências mais íntimas e mais significativas do ser humano. Se nós passarmos dessa concepção, que se aproxima do idealismo alemão, filtrado por Croce, para uma vertente dialética ligada à Escola de Frankfurt, sobretudo Adorno, veremos que se mantém a idéia de que a poesia expri.me a subjetividade mais radical do ser humano. Mas, além dessa característica existencial, fundamental, a poesia terá também, ou poderá ter, o papel de contradizer a generalidade abusiva das ideologias, em especial das ideologias dominantes. Por quê? Porque as ideologias, em geral, racionalizam e justificam o poder. Há no sistema capitalista um uso constante, ideológico, da palavra, que procura convencer o usuário a transformar tudo em mercadoria e a consumir toda mercadoria como bem supremo. Ora, nesse contexto particular, que nós estamos vivendo, que é uma sociedade de consumo, em que tudo passa a ter um valor venal, a palavra lírica soa como uma mensagem estranha porque ela se subtrai a esse império da ideologia, nos re-

mete a certos traços humanos, universais, a certos sentimentos comuns, à humanidade, como a angústia em face da morte, a indignação em face da opressão - enfim, a palavra lírica está em tensão com a ideologia dominante, e isso é um papel evidentemente dialético. Nesse sentido, a concepção de poesia que eu professo tende a amarrar as duas vertentes de que falei. Resumo-as: a vertente da poesia como expressão, que é a grande conquista de Benedetto Croce, cuja estética é toda uma meditação sobre o caráter expressivo, existencial da linguagem, e a vertente da dialética negativa da Escola de Frankfurt, que procura mostrar como a poesia traz uma voz original, muitas vezes estranha, mas de todo modo resistente à ideologia dominante. Essa conjunção de Croce e Adorno não deve causar estranheza, porque ambos foram leitores muitos atentos da dialética hegeliana, que tem como um dos pontos vivos a proposta da antítese, da negatividade. A poesia como resposta às ideologias opressivas é o fulcro mesmo das minhas ponderações sobre a lírica que estão expressas em vários momentos da minha obra e cristalizadas no ensaio que se chama Poesia Resistência, um dos capítulos de O Ser e o Tempo da Poesia.

• Professore historiador da literatura brasileira, era inevitável que o senhor acabasse, a certa altura de sua carreira, se defrontando com o desafio de analisar em profundidade a obra de Machado de Assis - o que ocorre em O Enigma do Olhar. Qual a raiz das personagens machadianas? Entre os elementos responsáveis pela perenidade dos heróis trágicos de Machado, estaria o ensinamento aristotélico de que eles não devem ser nem inteiramente bons nem inteiramente maus? - As personagens machadianas não são homogêneas, isto é, não convém ler a ficção de Machado de Assis como se fosse apenas uma galeria de figuras típicas, de personagens que representariam o espelho da vida social brasileira da segunda metade do século 19. Essa leitura estritamente sociológica da obra de Machado é uma leitura unilateral. Por quê? Se, de um lado, ele foi de fato um agudo observador da nossa estrutura social assimétrica, em que havia os que mandavam, os que podiam e aqueles que viviam de favor, os agregados; se é verdade que Machado de Assis foi um


leitor das diferenças sociais, de outro lado ele viu por dentro aquilo que a sociologia da literatura costuma ver por fora, como tipos cristalizados da sociedade. Explico-me: há algumas personagens na obra de Machado que praticamente encarnam certo tipos sociais. Um personagem como Cotrim (de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de 1881), um homem bem estabelecido na vida e muito estimado porque favorece os pobres, as irmandades da época, é, ao mesmo tempo, violento com os escravos. Ele seria uma espécie de alegoria de uma parte de nossa classe dominante. Então um personagem como Cotrim leva águas para o moinho da tipificação, mas a obra de Machado de Assis não é feita só dessas personagens da classe dominante, com traços de uma burguesia ainda atrasada e que convive com a escravidão e que, portanto, tem elementos fortes de hipocrisia na sua conduta, ou, no outro extremo, de cinismo. Essa caracterização existe, mas não é a única. A sutileza da obra de Machado vem de mostrar que dentro de cada classe social há pessoas diferenciadas. As personagens de Machado de Assis que nos interessam hoje não se reduzem a tipos sociais cristalizados. Veja as agregadas. Elas constituem uma certa classe, um certo grupo que nós olhamos do alto, sociologicamente. Mas . quando descemos ao texto, quando entramos no segredo do texto, vemos que há diferenças muito sensíveis de comportamento e de vida interior entre as diversas agregadas que surgem na obra machadiana. Compare-se, por exemplo, uma personagem como Guiomar, de A Mão e a Luva (livro de 1875), que é ao mesmo tempo uma agregada e uma pessoa fria, oportunista, que deseja subir na vida e se vale da afeição de sua protetora para isso - seria, portanto, um tipo completo do agregado ambicioso, uma figura sociologicamente bem representativa. Compare-se essa personagem com Helena, do romance que tem o mesmo nome (publicado em 1876), ou com Estela, de Iaiá Garcia (de

1878), que são personagens que também vivem numa condição de dependência, todavia não suportam isso e se rebelam dignamente - ou pelo sacrifício, pela morte, no caso de Helena, ou pelo estoicismo, em Estela. Eu estou citando esses exemplos para mostrar que em Machado existe o tipo social e existe a pessoa na riqueza mesma sua diferença. Isto em relação à primeira parte da pergunta.

de

• E quanto à segunda parte - Quanto à segunda, sobre o caráter bivalente dos heróis trágicos, eu acho que pode se ajustar, sim, às personagens machadianas, nas quais nós encontramos virtudes e defeitos, coragem e covardia. Uma personagem tão discutida como Bentinho, do romance Dom Casmurro, representa exatamente esse conjunto muitas vezes dramático de amor e ódio, de confiança e suspeita, de uma paixão ingênua, no princípio e, depois, de um ciúme rancoroso. Aliás, não se deve julgar a personagem; esse é um vício grave de uma crítica moralista, que procura identificar certos traços de classe na personagem e a reduz a um conjunto de características que podem ser condenadas pela nossa visão ideoló-

gica atual. Machado não se fixa na condenação. Certamente ele queria mostrar as oscilações internas e sobretudo os dramas que as personagens vivem, que fazem delas ora figuras estóicas, cheias de dignidade, ora pessoas frágeis. Aí está a riqueza da obra machadiana: mostrar essas contradições, algo que o naturalismo típico do século 19 não conseguia porque caracterizava a priori a personagem e era incapaz de mostrar suas oscilações internas. Eu diria que a raiz das personagens de Machado é a idéia de que o homem constitui um ser complexo e freqüentem ente imprevisível, senão enigmático para o próprio narrador. E ele está o tempo todo aprofundando o enigma do ser humano. Acho que é isso que dá a Machado uma superioridade em face do realismo redutor de sua época.

• Quando o senhor regressou ao Brasil, em 1962, após um ano de estudos na Itália, estava em voga a discussão sobre identidade cultural. Naquele momento, prevalecia a ação da esquerda, com os CPCs, por exemplo. Depois vieram os militares e tudo o que sabemos. Pois bem: há um certo tempo, o conceito de identidade cultural vem sendo deixado de lado - falaPESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 85


se, por exemplo, em identificação cultural, na qual os elementos trocam o tempo todo de lugar. Isso de algum modo acentua o papel da resistência cultural ou este também é um conceito ultrapassado, dentro da dinâmica que se verifica na cultura? (Lembrando sempre que o senhor entende a cultura brasileira, como não poderia deixar de ser, como algo plural.)

mercadoria, de consumo global. De alguma forma esse distanciamento de uma ideologia nacional ou nacionalista está vivo até hoje. Acho muito difícil atualmente, depois dos avanços da globalização e da sociedade de consumo, nós recuperarmos, na sua pureza, o conceito de cultura nacional autônoma - como se propunha entre os - De fato, nos anos 60, sobretudo ananos 50 e 60. Mas o que eu vejo hoje é tes do golpe militar de 64, havia um que em plena era da globalização, e em face desse processo que parece irreversível, há características das culturas locais, com suas identidades, É O que acontece nesta que apareceram, se obra-prima Abril Despedaçado: opuseram com muita força. Nós vivemos técnicas aprendidas do cinema um período estranho, americano e europeu que mereceria um para transmitir sentimentos estudo antropológico aprofundado, em que que têm raízes convivem fenômenos profundas na vida popular de cultura de massa muito próximos do imperialismo cultural americano e uma pesquisa refinada das conjunto de forças políticas e culturais fontes populares locais. Então, hoje, um cineasta brasileiro de valor é capaz de, que apostavam na criação de uma identidade nacional, que se oporia esao mesmo tempo, usar técnicas modernas, refinadas, aprendidas com o cinepecialmente ao imperialismo cultural de base norte-americana, que já se esma americano e europeu, para veicular imagens e transmitir sentimentos que tendia sobre o mundo, em particular têm raízes muito profundas na vida posobre os países dependentes da América Latina. Então a polaridade nacional pular. É o que acontece nesta obra-prie antinacional, ou brasileiro versus ma do cinema brasileiro Abril Despedaçado (de Walter Salles [r.), imperialista, era uma componente É curioso este fenômeno: em vez muito ativa da ideologia de esquerda, que procurava, mediante a criação folde falarmos em identidades nacionais globais, o que não deixaria de ter tamclórica, no cinema, no teatro, na músibém um viés ideológico, hoje procuraca, realçar esses traços brasileiros, pomos, dentro da vida popular, a sua pulares, em oposição ao imperialismo cultural. Era uma posição que tinha, pluralidade, a sua riqueza. Estão aí vamos dizer, uma grande coerência e movimentos religiosos, movimentos circulava nos meios universitários, de cultura ecológica, movimentos fejornalísticos. mininos - o que a gente sente é que há O que aconteceu depois do golpe, e um despertar de consciência que propõe formas especiais de suas experiênde uma maneira mais intensa nos anos 70 e 80, foi uma revisão desse conceito cias particulares, que não querem se de uma identidade nacional muito fesubmeter a essa rotina da cultura de massas. O conceito de identidade nachada, muito homogênea, na medida em que a civilização de massas e, dencional está há tempos em crise e foi tro dela, a indústria cultural, globalizasubstituído por duas forças opostas e da, avançou a tal ponto que começou a contemporâneas: pela globalização, ficar difícil distinguir, isolar, o que seque não tem pátria (esse é o lado que ria puramente nacional do que seria já eu chamaria de negativo do processo), e, positivamente, pelo aprofundamenuma exploração de motivos brasileiros dentro de um quadro de cultura de to das vivências populares. Isso apare86 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

ce na música, no cinema, nos discursos críticos. É essa segunda vertente que nos interessa de perto: como é que a cultura popular filtrada por artistas eruditos, muitas vezes universitários, está ganhando novas formas. Esse é um processo complexo que ainda está se desenvolvendo diante dos nossos olhos - e que vale a pena estudar. Isso acontece no Brasil, mas também em outros pontos do planeta: no Irã, que tem um cinema extraordinário, na Índia, em países, enfim, que foram violentamente modernizados nos últimos 50 anos, mas cujos intelectuais estão sempre trabalhando imagens, sentimentos, ligados à experiência popular. Eu diria que hoje a globalização, que se opôs à identidade nacional, não é mais um pensamento único; ela está sendo contrastada por aprofundamentos locais, que vêm dando uma riqueza enigmática, paradoxal, à cultura contemporânea.

• Em Dialética da Colonização, livro que foi colocado no mesmo patamar de obras fundamentais de Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre, o senhor discorda muitas vezes desses dois pensadores. Na sua opinião, existe em Sérgio Buarque a "sublimação do bandeirante" e em Freyre, a "sublimação do senhor-de-engenho': O senhor poderia retomar essa questão e, fazendo uma auto-análise, discorrer sobre o peso de certos ideá rios em sua compreensão do Brasil? - No primeiro capítulo de Dialética da Colonização eu me preocupei em rastrear na nossa melhor historiografia crítica as grandes visões do Brasil, sobretudo aquelas que foram formuladas por estudiosos dos anos 30. Essa década foi extraordinariamente fecunda; nela, muitos intelectuais brasileiros tiveram um projeto de conhecer o Brasil e, se possível, de transformá-lo. A década de 30 é um divisor de águas entre uma visão ufanista do país e uma visão crítica, de reconstrução, interessada em redefinir a questão da identidade nacional de que falávamos há pouco, de definir o homem brasileiro. Assim, eu não poderia deixar de me debruçar sobre os dois maiores intérpretes do Brasil naquele decênio e, não por acaso, tive de falar da obra de Gilberto Freyre e de Sérgio Buarque de Holanda, dois nomes centrais, autores


de duas obras clássicas, Casa-Grande & Senzala (de 1933) e Raízes do Brasil (de 1936). Minha leitura não foi cega. Não fiz uma leitura de mera admiração pela riqueza estilística ou pela profundidade de observação daqueles autores. Fiz também um esforço para entendê-los em sua essência e para manter um distanciamento, o que não é fácil diante deles, ambos bastante persuasivos. Minha primeira reação foi sentir que havia, nos dois pensadores, uma forte idéia de cultura como aglutinação - mais do que isso, como harmonização do colonizador e do colonizado. Diante desse entendimento, o outro lado, que é o da violência, da exploração - dos bandeirantes que violentavam as índias, que destruíram totalmente as missões jesuíticas, ou do senhorde-engenho, que criou uma civilização onde houve muita violência também -, esse outro lado, eu dizia, não estava ausente, porque os dois autores eram muito lúcidos, mas ficava em modesto segundo plano. Achei que era preciso dizer, sem nenhum demérito daqueles extraordinários explicadores do Brasil, que as imagens decorrentes de suas obras teriam alguma coisa a ver com o que a gente chamaria de "sublimação" - do senhor-de-engenho e do bandeirante (e, mais tarde, do senhor do café). É claro que depois, à medida que' vamos lendo e relendo os dois autores, vamos pontuando outros aspectos de antropologia popular, por exemplo, que eles viram com muita argúcia. Mas o sentimento de que eles sublimaram o colonizador ainda está presente na minha leitura. Terá isso a ver com uma cultura de esquerda em que eu me formei? Talvez, por que não? Não farei aqui uma auto-análise ideológica, porque, naturalmente, outros farão melhor do que eu. Os leitores de fora em geral têm mais argúcia para perceber quais são as raízes ideológicas do nosso pensamento. Mas admito que passei por um distanciamento em relação àqueles dois insignes explicadores do Brasil.

• Ainda sobre Dialética da Colonização. Em um posfácio, o senhor analisou a situação da cultura brasileira no ano de lançamento do livro, em 1992. Onze anos depois, qual avaliação o senhor faria da cena cultural do país? O posfácio continua válido ou por acaso houve alguma mudança digna de nota? - De maneira geral, eu manteria as observações que fiz no posfácio de Dialética da Colonização. O importante naquele adendo era mostrar que aquelas três culturas que eu levantara - cultura popular, cultura universitária e cultura de massas - estavam cada vez mais imbricadas; que na época da globalização era muito mais difícil isolar as três vertentes. Eu notava, com certo espanto, o crescimento extraordinário das seitas pentecostais, que, apesar de seus elementos ultratradicionais, profundamente regressivos, no sentido quase de uma superstição - em oposição a uma Igreja Católica de esquerda, progressista, que procura se aproximar da modernidade -, se valiam dos grandes meios de comunicação de massa e lançavam mão de motivações do capitalismo selvagem moderno. Era um fenômeno de alguma forma novo, que não tinha sido contemplado na relação en-

tre cultura de massa e cultura popular que eu havia feito no corpo da obra daí a necessidade do posfácio. Eu acho que a relação entre cultura de massa e cultura popular continua a merecer um aprofundamento em face do fenômeno das seitas, que é planetário e cresce rapidamente na periferia das metrópoles. Ainda hoje, em 2003, nós estamos diante do fenômeno de imbricação de atitudes extremamente regressivas com formas de ultramodernidade capitalista, uso da mídia, apelo constante ao dinheiro - em suma, algo que não deixa de ser deprimente para quem, durante tantos anos, procurou viver na fronteira entre cristianismo e socialismo. Minha visão progressista dos valores cristãos não deixa de ficar muito perplexa diante de um uso profundamente capitalista de textos, de mensagens do passado bíblico. É claro que eu teria mais a dizer sobre esse fenômeno da imbricação daquelas três culturas, mas o crescimento das seitas - que, repito, não acontece apenas no Brasil; ocorre nas periferias das metrópoles latinoamericanas que estão submetidas ao capitalismo selvagem - é algo que ainda me chama muito a atenção. • PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 87


• HUMANIDADES

SOCIOLOGIA

Relações delicadas Estudo sobre profissionais do Direito analisa dificuldade de ser independente e servir ao Estado

orno é possível manter a autonomia sendo parte do Estado? Profissionais do mundo do Direito, como juízes, promotores e delegados, vivem esse dilema ao longo de sua história, na busca de manter-se comprometidos com a prestação de serviços jurisdicionais, mesmo sendo parte da máquina estatal ou atuando muito próximo dela. No livro Profissio-

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naZismo e Política no Mundo do Direito (Editora Sumaré / Edufscar / FAPESP), a socióloga Maria da Gloria Bonelli conclui que, apesar dessa relação, é possível construir essa independência. Em sua obra, fruto de pesquisas financiadas pela FAPESP, Maria da Gloria optou por estudar quatro grupos: os advogados, os desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, os procuradores de Justiça do Ministério Público paulista e os delegados de polícia de São Paulo. Para analisar a relação desses profissionais com o Estado, voltou no tempo para contar a trajetória dessas carreiras públicas ao longo das décadas e mostrar como elas desenvolveram a relação com o Executivo. O primeiro grupo estudado foi o dos advogados. Eles montaram a primeira associação no Brasil, o Instituto dos Advogados Brasileiros, em 1843. Depois veio a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a principal organização da categoria no país. A socióloga diz que a elite dos advogados sempre esteve ligada à política. E, por terem 88 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

uma participação tão ativa nessa área, costumam vincular-se a partidos. Mas são ecléticos: há advogados em todas as agremiações partidárias. O importante é diferenciar o profissional da instituição: o advogado faz política partidária, a OAB, não. Isso não quer dizer que a associação não tome posições diante do processo político do país. No curso da democratização do pós-Segunda Guerra, tempo da eleição para substituir o presidente Getúlio Vargas, a OAB decidiu apoiar a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes. Ele foi derrotado e o vencedor, Eurico Gaspar Dutra, não deixou barato. Foram anos de perseguição à instituição. Outro momento difícil foi a ditadura militar. "A OAB fazia e faz a política da profissão, não a do partido", explica Maria da Gloria, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos. A OAB consolidou-se nos anos 80, com a experiência da democratização. Nesse período, conseguiu construir sua autonomia institucional. Obviamente, a Ordem dos Advogados faz seu lobby. Óbvio também que dentro dela há profissionais de todas as tendências, da esquerda à direita, mas dificilmente um grupo se sobressai demais, pois um vigia o outro. O fato é que a OAB tem hoje uma enorme importância política. "Ela fala pela sociedade para o Estado e funciona como uma de suas mais fortes defensoras", diz Maria da Glória. As trajetórias dos advogados e dos juízes caminham juntas. Ambos foram muito atacados durante o regime

militar, mas têm a tradição de se ajudarem e de se ampararem quando ameaçados. O Tribunal de Justiça de São Paulo, objeto de análise da socióloga, tem orgulho de suas lutas constitucionais e de falar em nome do bem comum, tendo se envolvido com as causas sociais desde o movimento constituinte de 1932. Os advogados e os juízes foram os primeiros a buscar a construção de uma identidade própria centrada na autonomia, tendo sido alcançada depois pelos promotores. "Os juízes defenderam a independência do Judiciário frente aos ataques do Executivo em vários contextos históricos", lembra Maria da Gloria. Três poderes - Antigamente, as fronteiras entre os poderes eram menos demarcadas. Juiz exercia a função de delegado e agia como interventor em governos estaduais, entre outras atribuições, atuando como Executivo. Até hoje, na estrutura dos três poderes, quando falta o presidente; o vicepresidente, o presidente do Congresso ou do Senado, quem responde é o presidente do Superior Tribunal Federal (STF) - na esfera estadual, assume o presidente do Tribunal de Justiça. A grande discussão era com relação à burocracia do Estado: até que ponto ela comprometia a independência de uma magistrado? Havia muitas discussões na literatura dando conta de que, pelas características do Estado brasileiro, o Judiciário estaria vinculado aos interesses de classe ou seria cooptado pela políti-


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Entrada da Faculdade de Direito da USP: volta no tempo para contar a trajetória das carreiras PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 89


Arcadas da Faculdade de Direito: obrigatoriedade dos delegados serem advogados vem de 1988

ca do Estado, que controlaria a categoria. Com a separação do Executivo, a classe conseguiu construir uma estratégia de definição da carreira. A instituição dos concursos também contribuiu para isso porque, segundo a pesquisadora, a estruturação de uma profissão ajuda a consolidar a sua autonomia. strutura de carreira criada pelo Judiciário faz com que ele tenha grande independência do Executivo. Hoje só o topo da carreira - o Superior Tribunal Federal é preenchido por indicação política. Houve momentos, conta Maria da Gloria, em que se podia demitir e transferir indiscriminadamente (hoje só é possível por justa causa). Durante o governo militar, período em que o Judiciário sofreu bastante, houve algumas cassações por corrupção, que, na verdade, eram motivadas por razões políticas. A consolidação da carreira dificultou esse tipo de intervenção. Hoje em dia, como já foi dito, só o STF passa pelo crivo do Executivo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva

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terá cinco vagas para definir - um número alto de cadeiras, que poderá influenciar o perfil da instituição. Lista tríplice - O Ministério Público paulista foi organizado em 1946, juntamente com as carreiras de promotor e procurador de Justiça. O advogado . aprovado inicia a carreira como promotor e depois é promovido a procurador, como membro da segunda instância. Até hoje, é o governador quem escolhe o procurador-geral de Justiça, mas apenas ele - há uma cúpula forma-

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PROJETO

Profissionalismo e Polftica no Mundo do Direito MODALIDADE

Auxílio publicação COORDENADORA MARIA DA GLORIA BONELLI

- Depto. de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos

INVESTIMENTO

R$ 2.000,00

da por um conselho com 20 procuradores. Os promotores conquistaram o direito de elaborar uma lista tríplice, escolhida por todos os promotores, para o governador definir-se por um. A categoria lutou muito para ter atribuições de âmbito social. Em 1981, conseguiu entrar na área de meio ambiente - deixando assim a esfera dos direitos individuais e entrando em casos metaindividuais ou difusos, tratando do bem comum. O Ministério Público também tomou para si questões relacionadas ao direito do consumidor. O lobby dos promotores durante a Constituinte de 1988 foi eficiente. Eles se organizaram para poder aprovar antigas reivindicações, como, por exemplo, a incompatibilidade, que significa que um profissional ligado ao Ministério Público não pode exercer cargos públicos fora do ministério, nem se candidatar a cargos políticos. Tal determinação não vale para quem já era promotor antes. Essa regra já é válida para os juízes há muito tempo, mas ainda não está em vigor para os delegados. Os delegados são a categoria mais vinculada ao Estado. Se os promotores conquistaram a autonomia em 1988 e os juízes são Poder Judiciário puro, os delegados estão muito subordinados ao Executivo. Segundo a socióloga, eles são a classe mais fragilizada entre as quatro estudadas no livro, mas tentam mudar isso. A geração que está à frente das delegacias atualmente é bem diferente daquela do período militar. Há mais fiscalização, transparência, treinamento, comitivas de direitos humanos e uma conseqüente punição maior sobre a má conduta. "Eles têm uma organização própria e se articulam politicamente para defender o monopólio sobre o inquérito policial, hoje ameaçado pelo Ministério Público': diz a pesquisadora. Os delegados são concursados desde 1946, mas só a Constituição de 1988 instituiu em todo o país que eles precisavam ser advogados. Em São Paulo, essa obrigatoriedade é bem mais antiga. O estudo da professora Maria da Gloria Bonelli faz parte de um ramo chamado Sociologia das Profissões, do qual a pesquisadora é uma das pioneiras no país. Os estudiosos dessa área buscam entender como as mais diversas profissões se desenvolvem, se organizam e qual o real vínculo delas com o Estado. •


• HUMANIDADES

MOVIMENTO

CULTURAL

Desafios musicais Tese esmiúça a história da composição atonal brasileira

DÉBORA

S

CRIVELLARO

e a música erudita contemporânea brasileira tivesse uma capital, ela seria Santos, no litoral de São Paulo. Era lá que acontecia, todos os anos, desde 1962, o Festival de Música Nova, com a presença de artistas nacionais e estrangeiros. É também na cidade litorânea que está o embaixador desse movimento, o compositor Gilberto Mendes, de 80 anos. O festival foi interrompido no ano passado, justamente quando comemoraria sua quadragési-

ma edição. Com a ausência do evento, a Música Nova ficou confinada em algumas poucas universidades públicas. Já a obra de Gilberto Mendes corre o mundo: peças suas já foram tocadas até na Polinésia. Para não deixar que a história desses encontros culturais, que marcaram época, seja esquecida, o pesquisador Antonio Eduardo escreveu a tese de doutorado Os Des-caminhos do Festival de Música Nova, pelo Departamento de

Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com orientação da professora Maria de Lourdes Sekeff, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e apoio da FAPESP.

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o título Música Nova faz juz ao que é apresentado por seus seguidores. Quem vai a uma apresentação esperando apreciar a boa e velha música clássica convencional fica, no mínimo, surpreso. Um dos pilares do movimento foi romper com o tonalismo (a dinâmica da tensão e o repouso, ou uma tônica e uma dominante), própria da música ocidental e bastante familiar aos nossos ouvidos. A mudança ocorreu para negar tudo isso, romper com as estruturas vigentes, bem ao gosto dos anos 60. Os compositores incorporaram outros elementos, como os gestuais dos artistas. Para dar um exemplo, a peça 1'45, do compositor norte-americano Iohn Cage, ocorria da seguinte forma: o artista não tocava absolutamente nada e a música produzida, de acordo com o compositor, seria a dos sons originados na platéia. Havia também o teatro musical, exemplificado por Ópera Aberta ou Ashmatour, ambas de Gilberto Mendes. Antonio Eduardo explica que um dos objetivos do movimento era incomodar mesmo: "Eles queriam provocar a sensação de estranhamento estético, instigar a reflexão". objetivo da tese de doutorado foi mostrar que o festival foi o grande painel de divulgação dos caminhos da música contemporânea brasileira e uma escola virtual de composição, que inseriu o Brasil na contemporaneidade musical. "Por isso o título é des-caminhos", explica. "O prefixo 'des' é para enfatizar a pluralidade de estilos que havia lá."Antonio Eduardo afirma que as apresentações de Santos foram a grande fonte fomentadora do erudito nacional. O recorte de tempo estudado pelo pesquisador, de 1962 a 1980, é segundo ele o período de maior efervescência do movimento, quando o experimentalismo estava em verdadeira ebulição. Os idealizadores brasileiros, Willy Correa de Oliveira, Damiano Cozzela, Rogério Duprat e o próprio Gilberto Mendes, retomaram a linha evolutiva traçada pelo Música Viva, na década de 40, que era liderado pelo alemão naturalizado brasileiro Hans- Joachim Koellreutter, teórico, compositor e flautista que familiarizou o país com a

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técnica dodecafônica (o sistema de composição atonal, criado pelo compositor austríaco Arnold Schõnberg). O objetivo era bem claro e ousado: romper com o passadismo de VillaLobos e Camargo Guarnieri. O grupo formado também foi estimulado - e inspirado - pelo que de mais inovador se produzia em outros braços da cultura nacional: o teatro dos grupos Oficina, Arena e Opinião, o Cinema Novo e o Cinema Marginal, a literatura e a poesia concreta. Os concretistas, inclusive, participavam dos festivais. Décio Pignatari era figura constante no palco do teatro santista. Inconformismo - A proposta de ruptura estética também tinha sua face política. A posição era a de resistência à ditadura militar. O instrumento usado para expressar o inconformismo era a própria música produzida, ela mesma uma alternativa ao status quo. Um exemplo disso foi a peça Música para os 7 Dias, apresentada por Willy Correa de Oliveira e Gilberto Mendes. A proposta era a de que os músicos ficassem em Jejum, para ver o que acontecia na hora da apresentação. Resultado: a fome e a fraqueza produziram manifestações contrárias do regime. Gilberto Mendes contou ao pesquisador que censores assistiam às apresentações, à espera de um mínimo deslize, que permitisse a suspensão do programa. A partir de 1969, até 1983, a cidade de Santos passou a ter um interventor militar. Curiosamente, foi justamente nesse período em que se deram as mais polêmicas edições do Festival de Música Nova. Antonio Eduardo divide a história dos festivais em quatro fases. A pri-

o PROJETO Os Des-caminhos do Festival de Música Nova MODALIDADE

Bolsa de doutorado ORIENTADORA MARIA DE LOURDES SEKEFF

-

Universidade Estadual Paulista (Unesp) BOLSISTA

Antonio Eduardo - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

o último

festival ocorreu em 200l. Logo no seu 400 aniversário, em 2002, ele foi cancelado por falta de dinheiro

meira delas vai de 1962 a 1967, quando o evento começou a tomar forma, divulgando seus principais compositores. Nesse período, as peças eram apresentadas pela Orquestra de Câmara de São Paulo. A segunda fase vai de 1968 a 1972, momento em que há uma aproximação com os compositores ibero-americanos. Obras dos espanhóis Luis de Pablo e Ramón Barce, dos uruguaios como Conrado Silva, e do português Jorge Peixinho foram muito tocadas. A terceira fase vai de 1972 a 1980.A neue musik (movimento alemão cujo nome inspirou o brasileiro) esgota-se e os artistas entram num momento de profunda discussão dessa linguagem. Os compositores questionam os caminhos da música nova e expressam a resistência à ditadura militar. As obras tornam-se mais do que nunca engajadas e há uma aproximação maior com o público, principalmente durante o momento da abertura política. Na quarta fase da história do movimento, que compreende de 1990 a 2001, o festival aproxima-se da música belga. Segundo o pesquisador, há uma identificação tão grande com a linguagem musical que o intercâmbio promove a publicação por uma editora belga, a Alain Van Kerckhoven Êditeur, da obra para piano de Gilberto Mendes. Origem do movimento - Toda essa história começou com um convite da então Comissão de Cultura de Santos para Gilberto Mendes, em 1962. Empolgados com a apresentação da Orquestra de Câmara de São Paulo durante a 5a Bienal de Artes de São Paulo no ano anterior, os organizadores pediram ao compositor que organizasse a primeira Semana de


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Música Contemporânea de Santos. Iniciava-se aí a história dos festivais de Música Nova, que, no começo, não tinham local definido e se davam em auditórios de escolas de música e na sede do Madrigal Ars Viva.A partir dos anos 70, a Secretaria de Cultura e Turismo instituiu que eles aconteceriam no Auditório do Teatro Municipal, então em construção. E, desde 1984, Santos deixou de ser a única cidade a abrigar o festival. As apresentação ocorriam também em São Paulo, Campinas e Ribeirão Preto, prática mantida até 2000. O compositor Gilberto Mendes tornou-se sinônimo do movimento. Esse santista começou tarde os estudos musicais. Entrou para o Conservatório Musical de Santos somente aos 18 anos, mas esteve longe de construir uma carreira acadêmica (apesar de ter sido professor da Universidade de São Paulo), tendo desenvolvido uma linguagem muito própria. Mendes foi muito influenciado pelo som norteamericano produzido em 1930 e 1940. A música do cinema, as big bands, o jazz de Duke Ellington, Dizzie Gillespie e Ted Wilson (o arranjador de Bil-

lie Holliday). O universo sonoro daquele período está presente em sua composição. "Isso fez com que sua obra tivesse, ao mesmo tempo, uma dimensão singular e universal", comenta Antonio Eduardo. Tocado em todos os continentes, Gilberto Mendes manteve-se em Santos, onde mora até hoje, no Boqueirão, fazendo da cidade litorânea seu ponto de partida e de chegada. E onde manteve uma vida dupla: construiu uma sólida carreira de economiário, como bancário da Caixa Econômica Federal. ma das peças mais conhecidas de Mendes é o Motet em Ré Menor ou Beba Coca-Cola, criada a partir de um poema de Décio Pignatari. O compositor sempre se manteve intimamente ligado à poesia concreta. Ele acreditava que ela se propunha a buscar uma nova postura entre o comunicador da palavra e o receptor. O objetivo seria a metalinguagem entre o som e a palavra, produzindo uma nova comunicação entre o artista e a platéia. O movimento nascido em Santos identifica-se

U

profundamente com os anseios dos concretistas. "Eles patrocinaram esteticamente a Música Nova", diz Antonio Eduardo. Mal comparando, os festivais de Música Nova funcionavam como os desfiles de alta-costura. Dificilmente vemos pessoas nas ruas trajando as roupas exibidas nas passarelas, mas as criações são fontes de inspiração para a feitura de outros trajes. Assim é, também, o som desses compositores baseados em Santos. Um exemplo é a obra para piano de Gilberto Mendes, conta o pesquisador, bem mais palatável. "É a dialética entre o tonal e o atonal", explica. A estética musical apresentada nos festivais sempre esteve afinada com o que é feito no meio urbano, ou seja, aos produtos de consumo rápido veiculados por meio da comunicação de massa - caso dos jingles. O Tropicalismo, também dos anos 60, de um certo modo está interligado ao movimento, pois concretistas como Décio Pignatari foram fonte de inspiração tanto para Caetano Veloso e Gilberto Gil quanto para a nova música erudita contemporânea. • PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 93


111 -

RES

ENHA

Cidadania, passado e presente Ensaios trazem ampla visão de conquistas arduamente TERESA

MALATIAN

O

que é cidadania hoje? O que é ser cidadão no Brasil? Essas perguntas básicas são abordadas na obra História da Cidadania, organizada por Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky, que acaba de ser publicada pela Editora Contexto. Partindo do pressuposto de que a cidadania consiste numa construção historicamente situada, os textos selecionados percorrem seu longo caminho desde a Antigüidade até o presente, apresentando reflexões em torno do estabelecimento dos direitos sociais, políticos e civis que constituem seu fundamento. O resultado é uma visão ampliada da trajetória de conquistas por vezes arduamente obtidas, tanto no sentido de possibilitar a inclusão de indivíduos e grupos no exercício de seus direitos quanto na ampliação da densidade e da abrangência do estatuto do cidadão. Os questionamentos presentes nas reflexões que perpassam a obra partem do clássico de T. A. Marshall, Cidadania, Classe Social e Status, expandidas no diálogo com o presente. No entanto, é a aderência às demandas da sociedade contemporânea que confere relevância à obra e permite o mapeamento do impacto provocado pela globalização e pelas políticas neoliberais nos contornos da cidadania e, por extensão, da democracia. As transformações econômicas, sociais,políticas e culturais, que reduzem o papel dos estados nacionais na determinação de direitos e colocam em xeque as identidades coletivas, têm como contra partida a necessidade de redefinição das relações entre Estado, sociedade e nação, calando fundo nas práticas de cidadania. Estas passam a competir com a cultura do consumo, a qual se expande dos bens duráveis à última idéia lançada e colocada em evidência pela mídia. Tais questionamentos estão presentes na abordagem de temas como as lutas para a obtenção de direitos pelas mulheres, por grupos étnicos, por classes sociais, por grupos etários, notadamente pelos trabalhadores, em busca da afirmação de condições dignas de existência. Nesse percurso da história social, política e cultural, o marco zero do surgimento da democracia e de seu conceito-base, o de cidadania, está si-

94 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

obtidas

tuado na Antigüidade. O segundo e decisivo momento de Organizadores: referência localiza-se na filosoJaime Pinsky e fia política das revoluções burCarla Bassanezi Pinsky guesas que deram sustentação Editora Contexto teórica à Revolução Inglesa, à Americana e à Revolução 592 páginas Francesa, redefinindo os DireiR$ 59,90 tos do Homem e do Cidadão, os quais constituem ainda hoje a base dos contornos da democracia. O respeito aos direitos individuais e a valorização da liberdade como meta coletiva passaram, nesses marcos ha história da cidadania, do discurso para as práticas sociais. Tal premissa não abdica da historicidade de práticas e elaborações teóricas no campo político. Como firma Jaime Pinsky na introdução da obra: "Não se pode, portanto, imaginar uma seqüência única, determinista e necessária para a evolução da cidadania em todos os países': Avanços e retrocessos constituem movimentos correntes na obtenção da cidadania que, em seu sentido mais amplo, é a "expressão concreta do exercício da democracia". Escrita por pesquisadores, intelectuais e ativistas de direitos humanos vinculados a diversas instituições acadêmicas, de representatividade nacional, a obra apresenta uma variada gama de abordagens no campo das ciências humanas e da literatura. Entre os autores, fazem-se presentes Norberto L. Guarinello, Pedro Paulo Funari, Eduardo Hoornaert, Carlos Zeron, Marco Mondaini, Leandro Karnal, Nilo Odália, Leandro Konder, Paul Singer, Ioana Maria Pedro, Osvaldo Coggiola, Peter Damant, Wagner Costa Ribeiro, Mércio Pereira Gomes, Flávio dos Santos Gomes, Tânia Regina de Luca, Maria Lygia Quartim de Moraes, Letícia Bicalho Canêdo, Maurício Waldman e Rubens Naves. A coletânea inclui ainda um conto inédito de Moacyr Scliar, que configura na pessoa frágil de José da Silva o trágico nascimento de um cidadão. História da Cidadania

TERESA MALATlAN é docente da Unesp, campus de Franca, autora de Os Cruzados do Império; Oliveira Lima e a Construção da Nacionalidade; e Império e Missão: um Novo Monarquismo Brasileiro.


o Cotidiano

de uma lenda: Cartas do Teatro de Arte de Moscou Cristiane Layher Takeda Editora Perspectiva / FAPESP 432 páginas / R$ 56,00

Figueiras no Brasil Jorge Pedro Pereira Carautae Ernani Diaz Editora U FRJ 212 páginas / R$ 80,00

Coletânea comentada de mais de mil cartas revela o processo de criação do mítico Teatro de Arte de Moscou. Personagens como Konstantin Stanislávski, Vladímir Nemiróvitch-Dântchenko, Anton Tchékhov, Maksim Górki, Vsiévolod Meierhold, Leopold Sulerjítski, Leonid Andrêiev e Gordon Craig, entre outros, são mostrados em meio a suas angústias pessoais e profissionais enquanto criam.

Obra rara de se ver no Brasil, repleta de fotos e informações sobre uma das árvores mais veneradas do mundo. A figueira é encontrada nas regiões tropicais e temperadas cresce até em solos arenosos próximos ao mar, no Cairo, Egito, assim como em restingas no Brasil. A árvore produz frutos o ano inteiro e é considerada elemento-chave na preservação das florestas ao alimentar animais dispersores de sementes. O livro interessa não só a botânicos, mas também a quem gosta de paisagismo e ambiente em geral.

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Antropólogas & Antropologia Marisa Corrêa Editora UFMG 278 páginas / R$ 34,00

Violências Isabel da Silva Kahn Marin Escuta / FAPESP 202 páginas / R$ 22,00

Sertanistas, naturalistas e pesquisadoras das primeiras décadas do século 20, que trabalhavam com povos indígenas, são objeto de perfis escritos pela antropóloga Marisa Corrêa. A pesquisadora utilizou cartas, jornais antigos, entrevistas e livros para montar um painel da época e da personalidade de mulheres de ciência e sua contribuição para o campo da antropologia.

A violência aparentemente crescente na sociedade atual e o destaque cada vez maior na mídia são alguns temas discutidos no livro de Isabel Marin. Entre outras coisas, a autora reflete sobre a violência como espetáculo, fortemente presente nos telejornais, e a busca pelo prazer, longe da tensão e da dor. Qual a melhor maneira de articular os dois sentimentos? Ela busca em Freud a inspiração para tratar dessa importante questão.

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Editora Escuta: ni: 3865-8950 escuta@uol.com.br

o Caráter

Nacional

Brasileiro Dante Moreira Leite Editora Unesp 450 páginas / R$ 50 A Editora Unesp tomou a bela iniciativa de reeditar cinco obras de Dante Moreira Leite. Saíram agora O Caráter Nacional Brasileiro e Psicologia e Literatura (380 páginas, R$ 40). O primeiro foi sua tese de doutoramento que analisa o conceito de caráter nacional. O segundo nasceu da livre-docência do autor e tornou-se um clássico ao apresentar as teorias psicológicas que podem contribuir de maneira definida para a análise literária. Editora Unesp: n i: 3242-7171 feu@editora.unesp.com.br

A Promoção Privada de Habitação Econômica e a Arquitetura Moderna 1930-1964 Maria Ruth Amaral de Sampaio RiMa Editora / FAPESP 316 páginas / R$ 77,00 Livro com cinco artigos organizados por Maria Ruth Amaral de Sampaio sobre a habitação econômica. Textos embasados em amplo levantamento documental buscam resgatar em que medida os princípios do movimento moderno estiveram presentes nessa produção habitacional e identificar as transformações que ocorreram entre 1930 e 1964 e seus principais agentes. RiMa Editora: (16) 272-5269 rmartes@terra.com.br ou vendas@rimaeditora.com.br

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FAPESP

PESQUISA EM SAÚDE Unesco lança edital de desenvolvimento de projeto na área de financiamento da pesquisa em saúde No âmbito da cooperação o Ministério

UNICAMP

CONCURSO PARA DOCENTES

técnica entre

da Saúde, e a Unesco (Projeto

914BRA2000), foi lançado o edital nv 070/2003 referente ao desenvolvimento

do projeto de

pesquisa Fluxo de recursos financeiros em pesquisa e desenvolvimento em saúde no Brasil. A convocatória é resultado da iniciativa do Departamento

de Ciência e Tecnologia em

Saúde, do Ministério da Saúde de incluir o Brasil, com Burquina Faso, Camarões, Cuba, Hungria, Cazaquistão, Uzbequistão, no grupo de países que realizará um levantamento sobre os investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento em saúde. Propõe-se a utilização da metodologia

desenvolvida

pelo "Center

for

Economic Policy Research - Philippines" recomendada pelo Cohred (Council on Health Reseach for Development), Fórum Global Sobre Pesquisa em Saúde e Organização

Mun-

dial da Saúde. O valor máximo de financiamento

da pes-

quisa é de R$ 320.000,00. Os recursos serão repassados pela Unesco para a instituição selecionada. Podem apresentar propostas, individualmente

• Faculdade de Odontologia de Piracicaba Departamento de Odonto-Social Cargo: professor titular Área: Odontologia Prev. e Saúde Pública Inscrições: até 3/6/2003 Disciplinas: Odontologia Preventiva e Saúde Pública, Pré-Clínica II Regime: RTP Edital: www.sg.unicamp.br/concursos_web/ procsel/pdf/01 P273292002.pdf Contato: Patrícia Aparecida Tomaz (atu@fop.unicamp.br) Telefone: (19) 3412-5205

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ou em conjunto, instituições de

ensino ou pesquisa, públicas, privadas, filantrópicas, organizações não-governamentais

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As informações estão disponíveis no site: http://www.unesco.org.br/edital. acessar o edital utilizando-se

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Depto. de Engenharia de Computação e Automação Industrial Cargo: professor titular Área: Engenharia de Computação Inscrições: até 27/5/2003 Disciplina: Projetos de Redes Locais em Ambiente Industrial Regime: RTP Edital: www.sg.unicamp.br/concursos_web/ procsel/pdf/01 P213702002.pdf Contato: Ademilde Felix (atu@fee.unicamp.br) Telefone: (19) 3788-3865


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EMBRAPA Vagas para conselho estão abertas Entidades civis ou governamentais podem indicar nomes para duas vagas no Conselho de Administração da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) até o dia 10 de maio. O prazo foi reaberto pelo ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Roberto Rodrigues. O número de indicações decorrentes do primeiro aviso foi considerado pouco representativo, além de não cumprir requisitos mínimos. Nos termos do estatuto da Embrapa, os nomes que ocuparão as duas vagas, que serão indicados pelo ministro mediante nomeação do presidente da República, serão escolhidos "a partir de indicações oriundas das entidades ligadas à pesquisa, ao ensino ou ao desenvolvimento técnico-científico, de representações de profissionais e entidades vinculadas à atividade agropecuária ou agroindustrial, bem como de organizações que congreguem produtores, empresas ou trabalhadores que atuem nos setores agropecuário ou agroindustrial" Os indicados deverão ser profissionais brasileiros de nível universitário com, no mínimo, curso de mestrado concluído e que tenham comprovada experiência gerencial e notórios conhecimentos das atividades de ciência e tecnologia, de política de desenvolvimento do setor agrícola e de administração. As listas tríplices devem ser acompanhadas dos respectivos currículos e entregues até 17 horas do dia 10 de maio no endereço abaixo ou enviadas ao mesmo prazo, por via postal, com o aviso de recebimento. O representante legal da entidade deve assinar as indicações. Secretaria Geral do Conselho de Administração da Embrapa Parque Estação Biológica 6 - PqEB Av. W3 Norte (final) - sala 117 - P andar Brasília, DF 70770-901

PAULISTA

FILHO"

UNES P abre concurso para 42 docentes em 7 cidades do interior A UNESP - Universidade Estadual Paulista realiza Concursos Públicos de Títulos e Provas para a contratação de um total de 42 professores assistentes, em regime de dedicação integral à docência e à pesquisa - RDIDP -, sob regime jurídico da CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas e legislação complementar. As vagas são para várias disciplinas, nas seguintes Unidades Diferenciadas e seus cursos: Registro (Agronomia, 9 vagas); Itapeva (Engenharia Industrial Madeireira, 6); Sorocaba/lperó (Engenharia de Automação e Controle, 5 / Engenharia Ambiental, 4); Ourinhos (bacharelado em Geografia, com ênfase em Climatologia, e licenciatura, 5); Tupã (Administração e Agronegócios, 5); Dracena (Zootecnia, 5) e Rosana (Turismo, 3) Mais informações sobre prazos, disciplinas, inscrições: www.unesp.br/externas/concursos_index.htm

ICB/USP Estão abertas até o dia 13 de junho de 2003 as inscrições para processo seletivo para contratação de um docente na categoria de professor doutor nos Departamentos de Anatomia (RDIDP e RTP), Farmacologia e Histologia e Embriologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo. Edital completo e informações: www.icb.usp.br, página do Serviço Acadêmico, Item Concurso; svacadem@icb.usp.br; Telefone: Fax:

un

3091-7395;

un 3091-7423. PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 97


mE

FINAL

CLAUDIUS

vovó, quANDO É QUE você VAI FI CAR BE':M VELI"l-JNttA, 16UAL A I>O/VA e.~vo., E )" SENThJ<: NUMA CADEIt<A DE BALANÇO P~A ME caf'JTJ'r~ 1+\$Tdf<:.IA$ ?

98 • MAIO DE 2003 • PESQUISÁ FAPESP 87


Fofocas detalhadas e notĂ­cias resumidas? Errou de re ista.

CartaCapital. Leia antes que aconteça.



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