Ciência e Tecnologia
Junho 2003' N° 88
e no Brasil
. FAPESP
PARCERIA R~DE US$ 85 MILHOES CRIMES SEM CASTIGO GENOMA E PATENTE CONTRA LEPTOSPIROSE
COM OUTRA VEZ
Experiências inovadoras com células-tronco ' reparam coração sem cirurgia
Estes livros e muitos outros voce encontra na A
livraria cultura
AOVANCEO ENGINEERING MATHEMATICS
~ ON THE SHOULDERS OF GIANTS - GREAT WORKS OF PHYSICS ANO ASTRONOMY World-renowned physicist and bestselling author Stephen Hawking presents a look at the momentous discoveries that changed the perception of the world with this firstever compilation of seven classic works on physics and astronomy. His choice of landmark writings by some of the world's great thinkers traces the evolution of modern science and shows how each figure built upon the genius of his predecessors.
~
~
~
~
50 YEARS OF ONA
ADVANCEO ENGINEERING MATHEMATICS
CURRENT MEOICAL ONA - THE SECRET OF LlFE
OIAGNOSIS ANO TREATMENT 2003
Fifty years ago, J. D. Watson helped launch the greatest ongoing scientific quest of our time. Now he gives readers one of the first full accounts of the genetic revolution - from Mendel's garden to the double helix to the sequencing of the human genome and beyond. Watson's narrative begins with the speculations of the ancients, before skipping ahead to 1866, when a man named G. Mendel first deduced the basic laws of inheritance.
Here is one of the most comprehensive references available to answer common questions in everyday clinical practice. Written in a concise style, the text is said to cover ali aspects of outpatient and inpatient care as well as the latest developments in medicine. This book includes information on over 1,000 diseases and disorders with an emphasis on prevention and costeffective treatment.
Crick and Watson's discovery of the structure of DNA marked one of the great turning points in the history of science. Biology, immunology, rnedicine and genetics have ali been radically transformed in the succeeding halfcentury, and the double helix has become an icon of our times. This exploration of a scientific phenomenon provides an account of the background and context for the discovery, its significance and afterlife.significance and afterlife.
'Advanced Engineering Mathematics' introduces engineers, computer scientists, and physicists to advanced math topics as they relate to practical problems. The material is arranged into seven independent parts: OOE; Linear Algebra, Vector calculus; Fourier Analysis and Partial Oifferential Equations; Complex Analysis; Numerical methods; Optimization, graphs; Probabilityand Statistics.
[
[
• Pesql!!!ia
Ciência e Tecnologia no Brasil www.revistapesquisa.tapesp.br
SEÇÕES
REPORTAGENS
CARTAS ..........•............•...
5
CARTA DO EDITOR ..•............••..
7
~
o u
z
MEMÓRIA ......••..•.....•..•..... 8 Há 50 anos, Johanna Dõbereiner começava as pesquisascom fixação biológica de nitrogênio
ESTRATÉGIAS Tartarugas ameaçadas de extinção Índia cria entraves para colaboração Novas regras para fármacos Usina a carvão sem gás carbônico
10 10 10 11
CAPA
PROPOSTA
Os primeiros resultados no Brasil do transplante de células-tronco em pacientes cardíacos ..... 34
Cientistas querem centro de neurociências em Natal
28
CIÊNCIA Chile investe em genômica Royal Society defende OGMs Setor de TI avança na Rússia Erro britânico em Bangladesh País perde notáveis Estudos dos sambaquis Duas revistas sobre ciência Bioinformática em debate A indústria e a inovação Prêmio Jabuti 2003 MEC investe na educação a distância A vida de dois físicos em filme FAPESP cria a RedeBio
11 11 12 12 13 14 14 14 15 15 15 15 15
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
INTERNET Tidia lança edital para projetos em rede de alta velocidade
PECUÁRIA
BIOLOGIA Equipe de Minas Gerais descobre rede de tubos que armazenam cálcio no núcleo das células ... 41
GENÔMICA Genoma do boi ampliará competitividade internacional
16
1; W"~ <,
Percentagem de crimes violentos convertidos em pena é muito baixa
\'\'\, ...
,'o
~
Brasileiros seqüenciam genoma da bactéria causadora da leptospirose
....
42
DERMATOLOGIA
POLÍTICAS PÚBLICAS
.~
40
20
PARCEIRA Unicamp lança Agência de Inovação
26
LABORATÓRIO Índia sob o risco de falta de água As proteínas e a origem da malária Câncer mata mais entre os obesos Parasitas do fundo do mar sob supeita
30 30 31 31
REVISTA CIENTÍFICA Nature dedica editorial
e reportagens à C& T brasileira
27
Cremes de beleza estimulam mais regiões cerebrais em mulheres com epiderme sensível
46
PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 3
__________________ ~ __~~~It~~=: .,~~êl~~Cie~·n~Cia~e~Th~Cn~OI~Og~ia~nO~B~raS~il-------------------REPORTAGENS
SEÇÕES A partícula atômica que foge às regras O bismuto é instável A eterna insatisfação com o corpo Alerta contra praga no Sul
_
31 31 32 32
AMBIENTE
SIDERURGIA
Restam apenas 2,4% da vegetação natural do Triângulo Mineiro
48
ECOLOGIA Sucessivas ocorrências de EI Nifío nos anos 90 aumenta a emissão de gás carbônico 50 Parceria de 14 anos entre universidades e a CSN resulta em ganhos de US$ 85 milhões para a empresa
FÍSICA Equipe da USP descobre os limites de uso de uma das equações mais empregadas no estudo do átomo Um tecodonte de peso O resgate de um medicamento Osprofundos tremores do Acre
33 33 33
SCIELO NOTÍCIAS
56
LINHA DE PRODUÇÃO Baterias para o campo de batal ha Rolhas de vinho descontaminadas Novos sensores monitoram vulcões Vôos mais seguros com rota virtual Mudança garantiu papel inovador Culinária ganha reforço Ceará monta seis incubadoras Túnel de vento do !TA Estação de imagens tem parceria alemã
FÍSICO-QUÍMICA
55
,
58 58 58 59 59 59 59 60 60
TECNOLOGIA ENGENHARIA
ELÉTRICA
Instituto privado de tecnologia em Manaus gera produtos, quer mais independência e planeja filial em Campinas 62
Estudo mostra como a dança e o corpo evoluíram em conjunto, ambos em sintonia com a tecnologia ....
80
MEDICINA Material feito com látex da seringueira fecha úlceras e reconstitui esôfagos e tímpanos
HISTÓRIA
-66
MECÂNICA
Tese sobre o artista francês Oebret revela que ele quis, com sua obra, traçar uma biografia do Brail
61 61
RESENHA 94 Água no Século XXI - Enfrentando a Escassez, de José Galizia Tundisi
Tecnologia nacional diminui custos de produção de lentes especiais fabricadas com plásticos injetáveis
84
ENTREVISTA
70
LANÇAMENTOS
95
CLASSIFICADOS
96
INFORMÁTICA
ARTE FINAL Claudius
98
Software gerado na UF P E ganha 20% do mercado e evita perdas na indústria de papelão 74
4 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
HUMANIDADES ARTES DO CORPO
Grupo de Campinas e do MIT elabora método que simplifica cálculo da entropia
ENGENHARIA
Laboratório para materiais e processos Patentes
52
76
Carmen Martin, diretora do Centro de Medicina Legal de Ribeirão Preto, fala de sua luta pela valorização da especialidade
Capa e ilustração: Hélio de Almeida
88
cartas@fapesp.br
Parabéns Agradeço muito o envio do primeiro número da versão em inglês da revista Pesquisa FAPESP (2002). Gostaria aqui de saudar particularmente os esforços feitos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo no campo da pesquisa científica e tecnológica. O avanço do progresso científico no Brasil e suas apostas refletem o engajamento da fundação, levado a cabo por um imperativo maior, no futuro da pesquisa. Assim, é com prazer e interesse que tomo conhecimento desta revista. Luc
FERRY
Ministro da Juventude, Educação Nacional e da Pesquisa da França Paris, França Parabenizo a equipe responsável pela revista Pesquisa FAPESP, pelo notável trabalho desenvolvido desde as primeiras edições. Não é díficil notar a constante evolução em relação ao conteúdo das reportagens, disposição das informações e o material utilizado, o que demonstra preocupação com a qualidade. Esta revista me faz lembrar uma frase que aprecio muito: "A comunicação pode construir pontes ou muros, depende de nós': Que esta obra de ligação entre os trabalhos acadêmicos, científicos e a sociedade continue a trilhar este caminho de sucesso. CRISTIANO
ANDRADE
PEREIRA
São Paulo, SP
Economia da cultura Como jornalista, gostaria de parabenizar toda a redação da Pesquisa FAPESP pela excelente qualidade gráfica e editorial da revista. Um veículo à altura da abrangência e da excelência do nosso Crescente desenvolvimento científico. Na edição de abril (no 86), fiquei muito feliz ao ler a matéria de Renata Saraiva: "A Beleza que Põe a Mesa". Atuando como agente
cultural voluntário na periferia da cidade de São Paulo, sempre acreditei no potencial econômico representado pela capacidade artística do brasileiro. Tomara que investidores, empresários e autoridades reflitam sobre os dados contidos na matéria e reforcem seu apoio a esse setor. Com uma boa dose de incentivos, poderemos criar milhares de empregos usando a criatividade e a riqueza cultural do nosso povo. JOÃoROBERTO LAQUE São Paulo
Biodiversidade Na reportagem "Conhecimento Proibido" (edição nv 87), na página é mostrada a foto de uma rã-touro (Rana catesbeiana Shaw 1802). Esta rã não é nativa nossa. Foi introduzida na década de 30 por criador do Estado do Rio de Janeiro visando ao início de sua criação, proveniente da região de divisa Estados Unidos-Canadá. Escapando (ou sendo até solto) de seus criatórios, está disseminada por todo o território brasileiro ocupando o espaço dos anfíbios nativos. Por ser uma espécie de grande capacidade de predação, competição e voracidade, é considerada uma das cem piores espécies invasoras do mundo (uma espécie invasora é aquela "não nativa/exótica/alienígena" que causa danos ao ambiente, à flora ou à fauna nativa). Praticamente, hoje está "adotada" como nativa, pelo tempo que já
vive aqui. Sendo um pouco ácido: a foto no lugar das "nossas nativas" reforça bem o descaso das autoridades com a nossa biodiversidade, ou seja, o desaparecimento dos nossos ativos, sendo necessário um substituto estrangeiro, bem como o total desconhecimento do que é nosso e do que não é nosso. Mas, nem tudo é notícia ruim. Com a introdução da rã-touro, houve o desenvolvimento de uma indústria zootécnica - ranicultura que pode ser considerada a melhor do mundo em criação de grande escala, além de progressos formidáveis quanto aos aspectos de instalações, sistemas de criação, reprodução, produção, nutrição e controle sanitário. Em tempo: vale lembrar o problema todo que está sendo causado pelo caramujo africano Achantina fulica, outra espécie não nativa que escapou, ou foi solta, de seus criatórios. E isso em tempos recentes. Como sempre, parabenizo a revista Pesquisa FAPESP pela sua qualidade e conteúdo. MARCIO
HIPOLITO
Instituto Biológico de São Paulo. Diretoria da Abetra - Academia Bras. Est. Técnicos em Ranicultura São Paulo, SP
Vírus bovino Em relação à nota publica da na seção Laboratório de Pesquisa FAPESP (edição nv 86) sobre o vírus sincicial bovino (BRSV), identificado como do gênero pneumovírus da família Paramixoviridae, gostaríamos de fazer algumas considerações a respeito da micrografia eletrônica do vírus. Pela nossa experiência em diagnóstico de vírus por microscopia eletrônica, os paramixovírus apresentam espículas de menor comprimento e mais concentradas ao longo do envoltório. Por outro lado, no interior da partícula viral é possível observar com nitidez os nucleocapsídeos na forma de herring-bone, ou seja, na nossa linguagem de microsPESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 5
copistas eletrônicos, espinha de peixe. Apesar da micrografia não apresentar uma boa definição, não foi possível distinguir os nucleocapsídeos e, ainda, a disposição e a forma das espículas sugerem ser mais um coronavírus do que paramixovírus. MARLI UEDA, JONAS JOSt KISIELIUS
Seção de Microscopia Eletrônica do Instituto Adolfo Lutz São Paulo, SP
Resposta da pesquisadora Clarice Weis Arns, do Laboratório de Virologia Animal do Departamento de Microbiologia e Imunologia, Instituto de Biologia/Unicamp: Achei bastante pertinentes as colocações e sei da experiência dos pesquisadores Marli Ueda e lonas José Kisielius em relação à microscopia eletrônica (ME) de vírus. Apesar de possuirmos um ótimo ME aqui na Unicamp, não temos muita experiência na manipulação de material com vírus. Porém, já conseguimos obter imagens de vírus (principalmente coronavírus e metapneumovírus de aves e por último pneumovírus de bovinos). A nossa principal linha de pesquisa está relacionada a vírus respiratórios de aves, bovinos e eqüinos. Concordo com as observações levantadas que essa imagem lembra coronavírus, mas ela é oriunda de material com BRSV (sobrenadante celular), que foi caracterizado (virusneutralização, PCR, infecção experimental em camundongos e imunohistoquímica), não deixando qualquer dúvida ser um vírus respiratório sincicial bovino (tenho outras imagens, mas são ainda menos nítidas). Apesar de também termos realizado imunomicroscopia eletrônica com soro policlonal, nós NÃO utilizamos a ME como diagnóstico viral e sim ele complementa a pesquisa relacionada à caracterização viral. O isolamento do BRSV brasileiro deu-se do exsudato naso-traqueal de bezerros com sinais respiratórios. Verificando ME do BRSV de outros pesquisadores, pude constatar o mesmo, apesar de eles terem conseguido uma massa vira I mais concentrada (muitos vírus juntos e bastante pleomorfo e com espículas mais próximas e às vezes espaçadas). A literatura 6 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
indica que o BRSV pode ser pleomorfo medindo 80 a 500 nanômetros, de diâmetro e as projeções do nucleocapsídeo ser de 7 a 19 nanômetro de diâmetro. Existem duas glicoproteínas maiores (G e F), fosfoproteínas (P), proteínas do nucleocápsideo (N), proteínas matrizes (Me M2), proteínas maiores (L) e proteínas menores (Baker & Ve/icer, 1991). Recentemente foi seqüenciada a última das proteínas desse vírus, a proteína L (Yunus,Collins, Samal, 1998; Buchholz et al., 1999) completando assim a seqüência do BRSV. Em bovinos, é sabida a participação do coronavírus em infecções gastrointestinais, mas quanto a participação no trato respiratório, não temos conhecimento se este vírus pode causar qualquer enfermidade. Espero poder ter dado alguma contribuição sobre a estrutura do BRSV e ficaria feliz em poder contar no futuro com a colaboração da equipe do Adolfo Lutz para nos auxiliar na interpretação de imagens geradas pela ME, ou melhor, nos auxiliar na busca de uma melhor imagem de vírus.
Dupla hélice Foi com satisfação que li o artigo do professor Rogério Meneghini publicado na revista Pesquisa FAPESP Especial, comemorativa dos 50 anos da dupla hélice (edição nO 85). puas foram as principais razões que me levaram a enviar esta mensagem. Em primeiro lugar, o artigo é excelente. Imagino que muitos, compartilhando minha opinião, já terão dito o mesmo. Em segundo lugar, o nome do professor Francisco J. S. Lara mencionado como um dos poucos que faziam biologia molecular na década de 60. Certamente o professor Meneghini falará com mais propriedade sobre os introdutores da pesquisa em DNA neste país. Imagino que o professor Lara tenha sido o primeiro a fazer biologia do DNA neste país, mas posso estar enganado. A importância da descoberta justifica plenamente o número especial da revista a ela dedicada. E é inegável que a FAPESP,como nunca, tem colhido os frutos da pesquisa em biologia do
DNA. O que chama a atenção, contudo, é que o mérito aos que iniciaram esses estudos no Brasil não parece ter merecido a atenção da FAPESP, exceto pela menção feita no artigo. E creio que este reconhecimento por parte da Fundação seria muito bem acolhido pela comunidade científica brasileira, particularmente neste cinqüentenário da dupla hélice. Nesse sentido, quem sabe, sua honrosa lembrança pudesse desencadear algum processo que terminasse no reconhecimento da FAPESP aos pioneiros brasileiros da biologia do DNA. Muito mais do que uma homenagem, seria (mais) um gesto de grandeza da FAPESP. E, novamente, parabéns pelo excelente artigo. EDUARDO
GORAB
São Paulo, SP
Fome Sou aluna do curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e leio regularmente esta revista. Inicialmente, quero parabenizá-Ia pela excelente qualidade e acessibilidade de linguagem. Porém, uma nota na seção Política Científica me inquietou. Sob o título "Tecnologia contra a Fome", Pesquisa FAPESP relata a louvável disposição de quatro empresas de biotecnologia agrícola em cooperar com a produção de alimentos na África. Em minha opinião, esse órgão de divulgação científica deveria ser mais crítico quando afirma que a seca e as pragas são as principais dificuldades encontradas na produção agrícola africana. Ao se eximir de citar causas políticas, culturais e interesses econômicos, Pesquisa FAPESP deixou uma lacuna, impensável em um veículo de comunicação dirigido a formadores de opinião. MARIANA
CASTRO
Iaboticabal, SP
Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br, pelo fax (Ll) 3838-4181 ou para a Rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.
• Pesquisa
CARTA
"Bate outra vez..."
FAPESP CARLOS VOGT PRESIOENTE PAULO
EDUARDO DE ABREU VICE-PRESIDENTE
MACHADO
CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU, ALAIN FLORENT STEMPFER, CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CARLOS VOGT, FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO, HERMANN WEVER, JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA, MARCOS MACA RI, NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR, PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO, RICARDO RENZO BRENTANI, VAHAN AGOPYAN CONSELHO TÉCNICO·ADMINISTRATIVO FRANCISCO ROMEU LANDI DIRETOR PRESIDENTE JOAQUIM J. DE CAMARGD ENGLER OlRETOR ADMINISTRATIVO JOSÉ FERNANDO PEREZ DlRETORC1ENTiF1CO
PESQUISA FAPESP CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COOiOENAOORClEiTíflCO), ANTONIO CECHELLI DE MATOS PAIVA, EDGAR OUTRA ZANOTTO, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, FRANCISCO ROM EU LANDI, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, JOSÉ FERNANDO PEREZ, Luis NUNES DE OLIVEIRA, PAULA MONTERO, ROGÉRIO MENEGHINI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA EDITORCHEFE NELDSON MARCOLlN EDITORA S~H10R DA GRAÇA MASCARENHAS
MARIA
DIRETOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA CARLOS
EDITORES ICiINC~), CLAUDIA HEITOR
FIORAVANTI
IZIQUE
MARCOS DE OllVEIRACTECNOllJGIA.), REPÓRTER MARCOS
SHIMIZU
ZORZETTO
CHEFE DE ARTE MARIA DOS SANTOS
TÂNIA
OIAGRAMAÇÃO MEDDA, LUCIANA
JOSÉ ROBERTO
FOTÓGRAFOS CESAR, MIGUEL
EDUARDO
(POlíTICA un (VERSÃOON-lIIfE)
ESPECIAL PIVETTA
EDITORES-ASSISTENTES ERENO, RICARDO
DINORAH
FACCHINI
BOYAYAN
COLABORADORES ALDO C. REBOUÇAS, ANA MARIA TAVARES, BRAZ, CARLOS HAAG, CLAUDIUS, DÉBORA CRIVELLARO, GIL PINHEIRO, JORGE COTRIN, LAURABEATRIZ, MARCELO FERRONI, MARILI RIBEIRO, PAULO GUILHERME (OIHIND, $AMUEl ANTENOR, SIRIO J. B. CANÇADO, VERONICA FALCÃO, TÃNIA MARQUES, TERESA NAVARRO, THIAGO ROMERO (IlIHINEI, TIAGO MARCONI, YURI VASCONCELOS
TEL
ASSINATURAS TELETARGET 0113038-1434 - FAX: 111) 3038·14IB
e-mail: fapespêteletarqet.com.br SINGULAR
APQIQOE MARKETING ARQUITETURA DE MIDIA singular@sing.com.br
TEL/FAX:
PUBLICIDADE 111) 5573·3095
e-mall: redacaoêfapesp.br PRÉ-1MPRESSÃO GRAPHBOX·CARAN IMPRESSÃO EDITORA E GRÁFICA
PLURAL TIRAGEM:
4B.000
EXEMPLARES
DISTRIBUiÇÃO
DINAP CIRCULAÇÃO LMX
E ATENDIMENTO AOJORHALEIRO (ALESSANORA MACHAOO) TEL: (lJ) 3865-4949 atendimento@lmx.com.br
FAPESP RUA PIO XI, N" 1.500, CEP 0546B·901 ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP TEL. (11) 3838·4000 - FAX: n1l3838-4181
http://www.revistapesquisa.fapesp.br cartas@fapesp.br NÚMEROS TEL.
ATRASADOS
(11) 3038·1438
Osartigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO
SECRETARIA
DA ClrNCIA
E DESENVOLVIMENTO
GOVERNO
TECNOLOGIA ECDNOMICO
â
DO ESTADO
DO EDITOR
DE SÃO PAULO
aanimada discussão para encontrar o título principal da capa desta edição, brotavam aos borbotões, de nossa memória, as frases incontáveis do cancioneiro popular brasileiro que falam em coração. Ao fim, optamos por uma saída ao largo da música, mas uma dessas belas frases ficou insistentemente conosco nos dias que se seguiram. São os versos de abertura de um tocante samba-canção de Cartola, As Rosas Não Falam. Diz ele:"Bate outra vez de esperanças o meu coração..:: E pouco importa que daí surja um pequeno retalho das dores de um amor sem esperanças de realizar-se numa relação real, porque o que permanece da atmosfera emocional da música são suas palpitações positivas. Creio que foi a palavra esperança, ou sua combinação com coração, que mais pesou para essa boa e prolongada intromissão da música de Cartola nas agruras do fechamento desta edição. Porque, se é antes de tudo de competência científica que dá testemunho a reportagem sobre experiências que grupos no Rio de Janeiro, em São Paulo e na Bahia vêm realizando com células-tronco para a recuperação do músculo cardíaco afetado por insuficiência decorrente de diferentes cardiopatias com resultados promissores -, é também de esperança que o texto fala.A esperança, por exemplo, do prolongamento da vida, com qualidade, para pacientes que até aqui tinham no transplante de coração a única alternativa de sobrevivência. Ainda em fase de experiência, o pouco invasivo transplante de células-tronco, relata Ricardo Zorzetto, editor-assistente de Ciência (página 34), é uma bela promessa contra a insuficiência cardíaca crônica provocada por hipertensão, obstrução das artérias coronárias e mal de Chagas. É no campo vasto e nem sempre bem entendido da pesquisa genômica que os pesquisadores brasileiros estão travando essa boa batalha em favor do coração. E, por falar em pesquisa genômica, também merece destaque a reportagem sobre a conclusão do projeto genoma da bactéria Leptospira interrogans (pá-
N
gina 42) por pesquisadores
paulistas, com a colaboração de colegas da Bahia. Nesse texto o repórter especial Marcos Pivetta, depois de lembrar que uma equipe do Centro de Genoma Humano Chinês concluiu pouco antes o seqüenciamento de uma outra variedade da bactéria, a Lai, relata que o grupo brasileiro, além de desvendar a estrutura molecular da variedade Copenhageni, a responsável pela maioria dos casos de leptospirose humana no Brasil, solicitou nos Estados Unidos a patente de 24 genes e de suas respec~ tivas proteínas, que podem ser úteis para o desenvolvimento tanto de uma vacina como de testes mais eficientes de diagnóstico. Em Tecnologia, destacamos a reportagem do editor Marcos de Oliveira (página 62) sobre o Genius Instituto de Tecnologia, em Manaus, que persegue inovações nas áreas de equipamentos eletrônicos, telecomunicações e multimídias. Criado pela Gradiente, reunindo 90 pesquisadores de 14 estados brasileiros, em pouco tempo o instituto acumulou conquistas e se prepara para ampliar suas bases, começando por Campinas. Para finalizar,uma amostra das contradições brasileiras nas páginas da revista, iluminadas pela atividade de pesquisa: de um lado, a partir da página 20, a editora Claudia Izique relata resultados de trabalhos do Centro de Estudos da Violência, entre os quais este: dos mais de 600 mil crimes registrados em 16 delegacias de polícia na cidade de São Paulo, nos últimos cinco anos, somente algo em torno de 5% redundará em pena. No extremo oposto, na página 27, temos a notícia do editorial e reportagens da edição de 22 de maio da Nature, em que, entre palavras de reconhecimento explícito ao dinamismo exibido por setores da ciência brasileira,a revista sugere ao presidente Lula que agarre a oportunidade de transformar a força da pesquisa brasileira nas ciências físicas e biológicas em vantagem econômica. MARILUCE MOURA - DIRETORA DE REDAÇÃO
PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 7
Mudanca na producão Há 50 anos, Johanna Dõbereiner começava suas pesquisas com fixação biológica de nitrogênio NELDSON
MARcOLIN
8 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
U
ma jovem pesquisadora tcheca, de 27 anos, aportou no Rio de Janeiro em 1951 e pouco mais de dez anos depois já era uma das principais responsáveis por uma sensível mudança no modo de produção de algumas culturas agrícolas brasileiras. Recém-formada em agronomia pela Universidade de Munique, Alemanha, Iohanna Dõbereiner (1924- 2000) foi contratada pelo Serviço Nacional de Pesquisa Agropecuária, do Ministério da Agricultura, em Seropédica (RJ), e começou a trabalhar em microbiologia do solo orientada por Álvaro Barcelos Fagundes, então diretor daquela unidade. A partir de 1953, a pesquisadora voltou sua atenção para a área de fixação biológica de nitrogênio (FBN). O ponto de partida de Iohanna foi suas observações sobre a grama batatais, que cresce em todo lugar e permanece verde e viçosa sem adubos nitrogenados. Em 1958-59, publicou com alguns colegas um trabalho sobre a FBN em
Johanna em 2000
cana-de-açúcar na Revista Brasileira de Biologia. Quando expôs seus dados sobre a ocorrência desses microrganismos na cana, houve descrença da maioria dos pesquisadores. "Ninguém me levava a sério porque não existia na literatura nenhuma descrição da associação dessas bactérias com plantas superiores", relatou Iohanna em entrevista ao pesquisador Carlos Chagas Filho (1910-2000), publica da no livro Cientistas do Brasil - Depoimentos
(Edição Comemorativa dos 50 Anos da SBPC). Em 1963, ela foi chamada a participar da recém-criada Comissão Nacional da Soja. Logo de cara, meteu-se numa briga: a tendência era usar adubação nitrogenada, de custo elevado. Iohanna insistiu que o Brasil deveria apostar no uso de bactérias fixadoras de nitrogênio e ganhou a discussão. O resultado é o que se conhece: a partir de 1964, o programa brasileiro de melhoramento de soja foi todo baseado no processo de FBN e o país tornou-se o segundo maior
produtor mundial desse grão - a economia anual com fertilizantes nitrogenados chega a mais de US$ 1,5 bilhão. Iohanna trabalhou sempre na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Agrobiologia, sediada em Seropédica) e, depois, também na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Seus estudos ganharam reconhecimento internacional- chegou a ser indicada para o Prêmio Nobel em 1997 - e ainda influenciam as principais linhas de pesquisa sobre o tema no Brasil e no exterior. Em maio, por exemplo, especialistas de sete instituições do Rio anunciaram a conclusão do seqüenciamento da
(na página ao lado, acima), nos anos 50 (abaixo, à esq.) e
o Cerrado brasileiro tomado pela plantação de soja: melhoramento sem adubação
Gluconacetobacter diazotrophicus,
uma das bactérias responsáveis pela FBN na cana-de-açúcar. Com as informações obtidas, os pesquisadores tentarão aprimorar o rendimento metabólico da bactéria para ampliar sua capacidade de fixar nitrogênio. PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 9
,• POLÍTICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
Tartarugas ameaçadas de extinção o Fundo para a Conservação de Tartarugas (TCF) divulgou a relação de 25 espécies desse quelônio que estão sob risco de extinção. A lista inclui dois quelônios da América do Sul, um da América do Norte, um da América Central, 12 da Ásia, três da ilha de Madagascar, dois da África do Sul, dois dos Estados Unidos, dois da Austrália e um do Mediterrâneo. O Brasil conseguiu ficar de fora da • Índia cria entraves para colaboração Colaborar com as principais universidades indianas ficou mais difícil. Para trazer um estudante ou assinar um memorando de entendimento com uma instituição estrangeira, as 16 maiores universidades do país precisarão de autorização prévia, de acordo com as novas diretrizes do Ministério para o Desenvolvimento de Recursos Humanos. As novas regras, adotadas recentemente, abarcam tudo, desde o custo estimado da colaboração até a filiação do aluno visitante. O ministério indiano cita "segurança política" e "sensibilidade" elevada como motivos para o escrutínio mais rigoroso, enquanto ressalva que tais colaborações continuam "altamente desejáveis" para universidades que esperam manter-se competitivas glo-
lista de espécies criticamente ameaçadas graças a políticas de conservação bemsucedidas, envolvendo vários setores da sociedade. "A menos que se trabalhe com um alarme de emergência, muitas outras espécies vão ter a mesma sorte que o Solitário George, único sobrevivente das tartarugas Abingdon das Ilhas Galápagos", diz Rick Hudson, co-diretor da Aliança para a Conservação das Tartarugas da União
balmente (Science, 28 de março). O físico Yash PaI, ex-presidente da Comissão de Bolsas Universitárias indiana, no entanto, alerta que as diretrizes "levarão a atrasos fantásticos". E poderão, também, tornar impraticáveis algumas colaborações com pesquisadores e instituições estrangeiras. •
• Novas regras para fármacos Ano passado, quando uma variedade de milho especialmente cultivada para produzir uma proteína famacêutica foi encontrada crescendo nas lavouras comuns de alimentos dos estados de Iowa e Nebraska, nos Estados Unidos, as autoridades norte-americanas resolveram abrir as discussões sobre uma nova legislação para a produção de alimentos geneticamente transformados com fins farmacêuticos no país (NewSci-
10 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
Mundial para a Natureza. Em todas as partes do planeta as tartarugas estão cada vez mais ameaçadas pela exploração humana e pelas pressões relacionadas ao desenvolvimento. As cau-
entist, 23 de março). Imediatamente, uma onda de boa vontade aflorou entre as empresas do setor, que prometem adotar medidas saneadoras mais austeras que as prescritas pela atual legislação. A própria ProdiGene condenada e multada pelo acidente com o milho transformado - fala em reconquistar a confiança do público e propõe que as plantações com fins famacêuticos sejam rigorosamente inspecionadas por órgãos independentes. "Precisamos tratar essas plantas como fármacos, e não como valor agregado à agricultura", diz Iohn Howard, consultor da ProdiGene. E esbraveja: "Há muita lassidão no sistema". Já a Monsanto, gigante do ramo de agribusiness, quer ir além das medidas
sas incluem a destruição e fragmentação de hábitats, o comércio clandestino de animais, espécies invasoras e aquecimento global, entre outras. O TCF precisa de US$ 5,6 milhões para implementar um Plano de Ação Global que prevê a criação de tartarugas em cativeiro, pesquisas nas áreas mais afetadas, programas sustentáveis de captura e programas educativos para populações locais. •
propostas pelo Departamento da Agricultura norte-americano, que recomenda, por exemplo, que o milho transformado seja plantado a uma distância de, no mínimo, 400 metros das plantações comuns. "Se for necessário", diz Ion McIntyre, da Monsanto, "estamos preparados para aumentar esta distância para 8 quilômetros." •
• Usina a carvão sem gás carbônico Os Estados Unidos querem construir uma usina alimentada a carvão capaz de isolar suas emissões de gás carbônico no fundo do subsolo (Nature, 6 de março). A um custo aproximado de US$ 1 bilhão, o projeto, chamado de FutureGen, seria completado em dez anos e produziria eletricidade e hidrogênio. A idéia é usar recursos públicos, privados e internacionais no financia-
mento. o projeto servma como um protótipo de tecnologia não-poluente à base de carvão para a produção de energia, de acordo com as autoridades do Departamento de Energia dos Estados Unidos. Segundo os estudos, inicialmente, a usina conseguiria isolar cerca de 90% do gás carbônico que libera, chegando a 100% mais tarde. O projeto, que vem sendo anunciado com alarde, teria por objetivo responder
às críticas contra a administração do presidente Geoge W. Bush, acusada de omissa em relação às questões climáticas e ambientais. Alguns cientistas aplaudem a iniciativa do governo, afirmando que ela seria eficaz a longo prazo. Mas os críticos do projeto argumentam que ele só iria desviar a atenção e o dinheiro de medidas voltadas para resolver o problema do efeito estufa a curto e médio prazos. •
• Chile investe em genômica O Chile está investindo pesado no desenvolvimento do seu Pograma de Genômica, iniciado em 2001. Quatro projetos considerados chave (três de fruticultura e um de mineração) contam com um total de US$ 11,3 milhões, mais do que a soma dos recursos destinados aos 360 projetos apoiados pelo Fondo Nacional de Desarrollo Científi-
Royal Society defende OGMs A Royal Society, academia de ciências do Reino Unido, defendeu os organismos geneticamente modificados (OGMs), em manifesto oficial, no dia 8 de maio. O documento acrescenta dois pontos à Revisão sobre Ciências do OGMs como é denominado o debate oficial do governo britânico sobre engenharia genética. O primeiro é que "o potencial de ingredientes geneticamente modificados reduzirem a qualidade nutricional dos alimentos ou causarem reações alérgicas não é diferente de ingredientes não-transgênicos", e o segundo, é que "não há evidências críveis de que a saúde humana
possa ser prejudicada pela ingestão de seqüências de DNA criadas pelo melhoramento genético de ingredientes alimentares". De acordo com o vice-presidente e secretário de Biologia da Royal Society, Patrick Bateson, o exame de
resultados de pesquisas públicas não indicaram que os alimentos geneticamente modificados sejam "inerentemente" inseguros. "Se alguém tem evidências convincentes, que as divulguem para que possam ser avaliadas", completou. •
co e Tecnológico. Os projetos contam com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento, de quatro universidades, da Fundación Ciencia para Ia Vida e-da empresa Nippon Minning, do Japão. "O desenvolvimento da genômica exige grandes investimentos", justificou ao jornal EI Mercúrio, de Santiago do Chile, a bioquímica Ienny Blarnmey, coordenadora do projeto. Nos diversos laboratórios montados no âmbito do projeto estão sendo seqüenciados os genes da nectarina com o objetivo de identificar a causa da arenosidade de algumas frutas. Também se investiga a uva, para identificar genes que se expressam quando a fruta é atacada por um vírus ou bactéria e que baixam a qualidade do produto. Os pesquisadores querem, ainda, saber qual o gene responsável pela ausência de sementes na sultanita, uma uva de mesa muito apreciada, com a intenção de criar outras frutas com características semelhantes. Na área da mineração, o Consórcio BioSigma, formado pela Codelco Chile e Nippon Minning, estuda as bactérias com potencial para tornar solúveis alguns minerais, como o cobre, por exemplo, de forma a evitar o uso de produtos químicos no processo de separação do minério da rocha. •
PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 11
• Setor de TI avança na Rússia As companhias de tecnologia da informação (TI), na Rússia, só fazem crescer. Pelo menos, essa é a avaliação da International Finance Corporation (IFC), uma organização ligada ao Banco Mundial que financia projetos do setor privado nos países em desenvolvimento (Development Outreach - World Bank Institute, março de 2003). No ano passado, a IFC fez diversos investimentos no setor de TI na Rússia. Explica-se. A antiga União Soviética - que investiu alto na formação de talentos para sustentar-se como potência tecnológica e militar -legou ao país uma das maiores comunidades científicas do mundo. Além disso, como sempre enfatizou o ensino de matemática e ciência, a qualidade técnica desses cientistas é inquestionável. Se souberem aproveitar o potencial intelectual desses profissionais de primeiro time, as companhias de TI, na Rússia, têm tudo para continuar crescendo. •
• Erro britânico em 8angladesh Após decisão da Alta Corte de Londres, deverá ser movida uma ação de perdas e danos acusando cientistas financiados pelo governo britânico de negligência ao avaliar reservas do lençol freático em Bangladesh, na Ásia. A decisão pode ter implicações para centenas de cidadãos que dizem ter sofrido envenenamento por arsênico. Binod Sutradhar e Lucky Begum alegam que a falha que os cientistas da British Geological Survey (BGS) cometeram ao não alertar
sobre os altos níveis de arsênico quando realizaram uma inspeção hidroquímica nas regiões central e nordeste de Bangladesh, em 1992, pôs suas vidas em risco. Sintomas iniciais de arsenicose, doença potencialmente mortal, foram diagnosticados em ambos. A presença natural de arsênico nos reservatórios subterrâneos de Bangladesh é agora um problema reconhecido, que a Organização Mundial de Saúde descreve como "o maior envenenamento em massa de uma população na História". O Conselho Nacional de Pesquisa
Ambiental (CNPA) nega veementemente qualquer negligência. Argumentou que a inspeção foi financiada pela Agência de Desenvolvimento Exterior e que não havia relação contratual entre a BGS e o governo de Bangladesh, suas agências ou os acusadores. Estes disseram que o relatório incluía averiguação da toxicidade da água para humanos. Em seu julgamento, o juiz Simons recusou-se a rejeitar as acusações. Enfatizou, no entanto, não ter tocado os méritos subjacentes de nenhuma das partes (Financial Times, 9/05/03). •
Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@triesteJapesp.br
___
r--~
~.:;::.r::s.:,:==:::,~====-"::.:..=--=::: fno""'Ga
••~
••e::.::::- __
-.-m."'-t:'!'L't',.,._
.•.. ----9 =:~:.7.:;;.-=-_.
-'-:::-----.. --''',;:;-~
.~--~_::.r;::::::.--
=::.::::::..-: -- - - - . www.zoonews.com.br Portal com notícias de agronegócios e agrociências no Brasil, artigos e trabalhos científicos.
12 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
eol.jsc.nasa.gov/sseop Reunião de sensacionais fotografias da Terra vista do espaço tiradas pela Nasa desde 1961.
philsci-archive.pitt.edu Arquivo aberto de textos sobre filosofia da ciência da Universidade de Pittsburgh.
•
ESTRATÉGIAS
BRASIL
DOttO$; j 8'Mrlâ CQm a saúde debilitada havia alguns anos. Natural de Vacaria, Rio Grande do Sul, filho de agricultores, Faoro era um pensador da história do Brasil e foi um grande defensor da volta das liberdades democráticas. Foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de 1977 a 1979. •
A "primeira-dama
da botânica" brasileira. Graziela Maciel Barroso. morreu dia 5 de maio aos 92 anos. em conseqüência de problemas pulmonares. Nascida em Corumbá, Mato Grosso do Sul. casou-se aos 16 anos com o agrônomo Liberato Joaquim Barroso e. aos 30. já com os filhos criados. foi convidada pelo marido a retomar os estudos. Ajudada por ele, que lhe ensinou botânica, Graziela estagiou no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Aos 47 anos prestou vestibular e passou a cursar biologia pela então Universidade do Estado da Guanabara. Quando dava aulas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), decidiu fazer doutorado na mesma instituição. E em 1973, aos 60 anos, defendeu sua tese. Publicou vários artigos e livros. Trabalhou nas universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ) e de Pernambuco (UFPE) e na Universidade de Brasília (UnB), além da Unicamp. A árvores caiapiá-da-cana (Dorstenia grazielae), mariapreta (Diatenopteryx grazielae) e pata-de-vaca (Bauhinia grazielae) foram batizadas em sua homenagem. •
Graziela: cientista temporã
Freire-Maia: pioneiro
• Mestre da ciência política
Faoro: Os Donos do Poder
Dreifuss: best-seller
• Pioneiro em genética humana
cidos. Escreveu 18 livros e foi co-autor de várias obras editadas no exterior. Membro titular da Academia Brasileira de Ciências, presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), trabalhava como professor emérito do Departamento de Genética da UFPR. •
Newton Freire-Maia, um dos pioneiros em genética humana no Brasil, morreu dia 11 de maio, aos 84 anos, em conseqüência de câncer. Mineiro de Boa Esperança e radicado em Curitiba, Freire-Maia fundou o Departamento de Genética da então Universidade do Paraná (atual UFPR). Ficou conhecido pelo estudo sobre casamentos consangüíneos. Nos últimos 30 anos, dedicou-se às pesquisas de displasias ectodérmicas, doença hereditária que afeta vários te-
• O pensador libertário
o
jurista e escritor Raymundo Faoro morreu dia 15 de maio no Rio de Janeiro, aos 78 anos, vítima de falência múltipla dos órgãos em decorrência de enfisema
O pesquisador René Armand Dreifuss, morto dia 4 de maio aos 58 anos, era uma referência na ciência política brasileira. Nascido em Montevidéu, Uruguai, e naturalizado brasileiro, publicou alguns livros fundamentais para entender a história recente do país. Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense, membro-fundador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Estadual de Campinas e pesquisador do Instituto Virtual Internacional das Mudanças Globais, deixou uma legião de admiradores e pesquisadores formados por ele. Dreifuss escreveu, entre outros livros, 1964: a Conquista do Estado, que rapidamente transformouse em um clássico - e bestseller, algo raro na área. •
PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 13
Estudo dos sambaquis Nos próximos sete anos, pesquisadores do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da Universidade de São Paulo (USP) vão comparar as medidas e formas de mais de mil crânios com idade estimada entre 500 e 6.500 anos que foram resgatados em sambaquis de toda a costa brasileira, desde o Rio Grande do Sul até o Pará, e se encontram depositados em museus nacionais. Formações caracterizadas por grandes montes constituídos de conchas de moluscos e sedimento, ge-
• Duas revistas sobre ciência
o Departamento
de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) lançou uma revista dedicada à ciência, a Scientiae studia. A publicação trata de estudos de filosofia e história da ciência e sobre o impacto da aplicação técnica e tecnológica no conjunto da cultura e da sociedade. O primeiro número começa com o artigo "A Ciência e as Idas e Voltas do Senso Comum", do professor Michel Paty, ex-diretor científico da Equipe REHSEIS (Recherches Epistémologiques et Historiques sur les Sciences Exactes et sur les Institutions Scientifiques) do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês). Os outros textos da revista são de professores e pesquisadores que realizaram
Crânio resgatado no litoral de Santa Catarina: pré-hist6ria da costa
ralmente com 2 ou 3 metros de altura, os sambaquis são sítios arqueológicos associados às primeiras po-
estágios de doutorado-sanduíche, de pós-graduação ou de pesquisa na Equipe Rehseis. "Scientiae studia presta, assim, uma homenagem a Paty, inestimável mestre e colaborador entusiasta", explica Pablo Rubén Mariconda, professor do Departamento de Filosofia e editor da publicação. Numa outra área afim, a de divulgação científica, foi lançado o terceiro número de Univerciência, revista com reporta-
14 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
pulações humanas que habitaram o litoral do país. Um dos objetivos do projeto é jogar luz sobre um an-
gens e artigos de ciência e tecnologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), A publicação, quadrimestral, traz na capa reportagem sobre o "garimpo" de cientistas que têm como matéria-prima de sua pesquisa uma série de documentos históricos. Mais informações sobre as duas revistas pelos e- mails: scientiaestudia@edu. usp.br e univerciencia@power. ufscar.br. •
tigo debate acadêmico: essas antigas populações costeiras pertenceram a apenas um grupo biológico, como acreditam alguns estudiosos, ou a dois ou mais povos distintos, como defendem outros especialistas. Na prática, a iniciativa produzirá uma síntese sobre a ocupação pré-histórica do . litoral de cada Estado onde há sambaquis. As primeiras análises do projeto começaram em abril, com o estudo de 40 crânios encontrados no Paraná e em Santa Catarina. •
• Bioinformática em debate A primeira Conferência Internacional de Bioinformática e Biologia Computacional (Icobicobi), que aconteceu de 14 a 16 de maio, em Ribeirão Preto (SP), reuniu 320 participantes. Eles discutiram o uso combinado de conceitos e técnicas para solucionar problemas relevantes em biologia. "A repercussão da conferência superou as nossas expectativas", destaca Iúnior Barrera, do Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística da USP, da comissão organizadora da Icobicobi. Engenharia molecular, inteligência artificial e neuroinformática foram alguns dos temas debatidos nas duas mesas-redondas: "Perspectivas em bioinformática" e "Bioinformática: modismo ou área estratégica?", da qual
participou o diretor-científico da FAPESP, José Fernando Perez. Em 2004, a organização da segunda edição da Icobicobi estará a cargo do professor Sandro de Souza, do Instituto Ludwig (Ludwig Institute for Cancer Research), de São Paulo •
• A indústria e a inovação Pesquisa realizada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) com 849 empresas com até 99 funcionários constatou que
• Prêmio Jabuti 2003
Ftsrcx
versidade na Amazônia Brasileira, coordenado por João Paulo Capobianco, na área de Ciências Naturais e da Saúde, foi o vencedor do Prêmio Iabuti 2003 na categoria Livro do Ano Não-ficção. Na área de Ciências Humanas, venceu A Manilha e o Libambo, de Alberto da Costa e Silva; na Educação e Psicologia, O Direito à Verdade, de Leonardo Posternak; e em Teoria Literária e Lingüística, o livro Walter Benjamin Tradução & Melancolia, de Susana Kampff Lages. Na categoria Livro do Ano - Ficção, o vencedor foi Bichos que
O Prêmio Iabuti 2003, distribuído pela Câmara Brasileira do Livro, teve um número de inscrição recorde, de 2.016 obras. •
DE
participaram da cnaçao do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), como relata Mariani no documentário Cientistas
OCE.-\:><OGRAFlA
DE ESTl'ÁRIOS
I,.o,oi~ 8ru"~
A ciência ficou com cinco Prêmios Iabuti em 2003. O livro Princípios de Oceanografia Física de Estuários, de Luiz Bruner de Miranda, Belmiro Mendes de Castro e Bjôrn Kjerfve, que, no período de pesquisa, contou com o apoio da FAPESP, foi vencedor na categoria Ciências Exatas, Tecnologia e Informática. Biodi-
Existem e Bichos que Não Existem, de Arthur Nestrovsky.
77% delas desenvolvem novos produtos e que 62% enfrentam dificuldades para dar andamento à inovação. Revelou, ainda, que 60% das empresas nunca recorreram à instituição de pesquisa ou universidade para se informar sobre novas tecnologias. A quase totalidade das empresas consultadas (97%) utiliza a Internet e a maioria (75%) realizou modificações nos sistemas de informática nos últimos dois anos. •
PRINcfl>IOS
d., Mi•.••nda
ReI",õ •.•.•M.,,,dco 1!jôr-IIKjo:-rm.
do: Curru
Brasileiros: César Lattes e José Leite Lopes, que será lançado
I~
• A vida de dois físicos em filme O cineasta José Mariani conseguiu resumir em um doeumentário de uma hora a densa vida acadêmica - entremeada pela luta pela ciência nacional - de dois dos maiores físicos brasileiros: José Leite Lopes e César Latteso Lopes ganhou reconhecimento internacional em 1958 ao propor a existência de duas partículas ligadas à luz e a unificação de duas forças (eletromagnética e fraca) que atuam sobre as partículas do núcleo atômico. César Lattes estudou na década de 40 na Universidade de São Paulo (USP). e tornou-se conhecido por identificar em 1948 uma partícula atômica chamada méson-pi. Ambos
em São Paulo, em 11 de junho, às 16 horas, no Instituto de Física da USP; e no Rio, às 20 horas, dia 16 de junho, no Museu do Universo. •
• FAPESP cria a RedeBio No Dia Internacional do Meio Ambiente, 5 de junho, a FAPESP lança normas e prazos para apresentação de Pré- Propostas de Projetos para a Rede Biota de Bioprospecção e Bioensaios/RedeBio (www. redebio.org.br). A diretoria científica da FAPESP está avaliando a oportunidade de criar a Rede Paulista de Bioprospecção e Bioensaios, associada ao Programa Biota, para integrar todos os grupos de pesquisa que atuam, direta ou indiretamente, nas várias etapas da prospecção de novos compostos-guia em microrganismos, fungos macroscópicos, plantas, invertebrados e vertebrados. •
• MEC investe na educação a distância O Ministério da Educação (MEC) vai investir R$ 600 milhões para criar, nos próximos quatro anos, 250 mil vagas em cursos de educação a distância promovido por universidades públicas. Até julho serão criados nove consórcios regionais de universidades para a oferta de até 10 mil vagas, aproveitando a tecnologia e a capacidade já adquirida nesta área. • PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 15
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA PECUÁRIA
Genoma funcional bovino deverá ampliar vantagem competitiva do Brasil no mercado internacional de carnes
avan O da boiada m 2002, o Brasil contabilizou 183 milhões de cabeças de gado e passou a ter o maior rebanho comercial do mundo. Neste ano, vai assumir o primeiro lugar entre os países exportadores' de carne bovina. Com vendas previstas de 1,2 milhão de toneladas, passará à frente da Austrália - cujas vendas externas não devem ultrapassar 950 milhões de toneladas por conta de uma forte seca - e dos Estados Unidos - que têm mantido a marca histórica de 1,05 a 1,1 milhão de toneladas. Essa performance, nada desprezível para um país que há 25 anos registrava déficit na balança comercial do produto, deve ser creditada, em larga medida, à pesquisa científica desenvolvida por universidades e institutos especializados em parceria com associações de criadores, que garantiram o melhoramento genético, o aumento da produtividade e da sanidade do rebanho, agregando va-
E
lor às exportações brasileiras. Só no ano passado, o comércio externo da carne bovina correspondeu a US$ 1,1 bilhão. Se a essa cifra forem somados os resultados das exportações de toda a cadeia produtiva - couro e calçados de couro -, chega-se à receita de US$ 3,2 bilhões, num total de US$ 60,3 bilhões de exportações brasileiras no período. Essa vantagem competitiva obtida pelo país deverá se ampliar com os resultados das pesquisas do Genoma Funcional do Boi, lançado no dia 7 maio. O projeto vai identificar genes bovinos dos animais da raça nelore, variedade zebuína (Bos indicus) - que representa 80% do rebanho brasileiro - para desenvolver produtos e tecnologias que permitam superar limitações relacionadas ao crescimento, qualidade da carne, sanidade e eficiência reprodutiva que impedem uma ainda maior competitividade da pecuária nacional. "É um salto histórico para o país", afirmou o governador paulista Geraldo
Alckmin, presente ao lançamento do projeto. Os estudos serão desenvolvidos por pesquisadores do Programa Genomas Agronômicos e Ambientais (AEG), em 20 laboratórios de pesquisas. O projeto está orçado em US$ 1 milhão, financiado pela FAPESP em parceria com a Central Bela Vista de Genética Bovina (veja revista Pesquisa FAPESP, edição na 87). "O objetivo final é melhorar a qualidade da carne para conseguir bons preços e novos mercados': diz Jovelino Mineiro, da Central Bela Vista. ''A biotecnologia abre uma janela de novas oportunidades para o país", acrescenta José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP. Além de ampliar a produtividade do rebanho e sustentar a posição de destaque do Brasil no comércio internacional de carnes, os estudos do genoma do boi vão permitir que o país se
adiante às exigências da Organização Mundial do Comércio (OMC), responsável pelo estabelecimento de regras sanitárias, genéticas ou zootécnicas. Essas normas se baseiam em pesquisas desenvolvidas por países com conhecimento científico mais adiantado. "Com o genoma funcional, poderemos nos antecipar e até estabelecer novas regras que garantirão ainda mais vantagens no mercado mundial de carnes", prevê o secretário estadual de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo, João Carlos de Souza Meireileso Pecuarista, o secretário é um observador qualificado: foi presidente do Conselho Nacional de Pecuária de Corte, do Comitê Nacional de Saúde Animal, vice-presidente do Secretariado Mundial de Carnes e coordenador do Fórum da Cadeia Produtiva da Pecuária Bovina do Mercosul, entre outros.
Dos catálogos à pesquisa - O estudo do genoma funcional representa um extraordinário avanço nas pesquisas com bovinos, iniciadas no século passado, quando foram criados os primeiros livros de registro genealógico do rebanho brasileiro. ''A primeira informação necessária para fazer melhoramento genético é saber quem são o pai e a mãe do animal': comenta Antônio do Nascimento Rosa, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Gado de Corte, com sede em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. O primeiro desses livros, datado de 1904, foi lançado em Bagé, no Rio Grande do Sul, e catalogava bois e vacas de origem européia (Bos taurus). Em 1918 foi publicado o livro de registro da marca zebuína (Bos indicus), pela Sociedade Rural do Triângulo Mineiro, atual Associação Brasileira dos Criado-
res de Zebu (ABCZ), raça original da Índia introduzida no país no começo do século por um grupo de criadores. A partir dos anos 50, começaram a ser realizadas no Brasil as chamadas Provas de Ganho de Peso (PGP). ''Animais de diferentes rebanhos eram reunidos em regime de confinamento ou no pasto e expostos às mesmas condições para saber quem ganhava peso mais rapidamente", diz Rosa. A partir daí, era feita a seleção dos melhores animais, usados para reprodução. Genética clássica - Na década de 60, registra-se o primeiro grande impulso oficial à produção brasileira com a criação do Programa Nacional de Desenvolvimento da Pecuária, quando o país desenvolveu um ciclo frigorífico e passou a investir em tecnologias de produção para melhorar as condições sanitárias do abate. Dez anos depois tiveram início as pesquisas clássicas de genética quantitativa aplicada, implementadas por universidades, instituições de pesquisa e associações de criadores para o melhoramento do rebanho. Esses programas tinham por objetivo produzir animais com características comerciais superiores, ou seja, com crescimento mais rápido, reprodução precoce e carne de melhor qualidade. "Hoje, depois de mais de três décadas de pesquisa, podemos dizer que o Brasil é um centro mundial de referência em pesquisa de melhoramento genético", afirma Irineu Umberto Packer, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP). O Centro Avançado de Pesquisa Tecnológica do Agronegócio de Bovinos de Corte (antiga Estação Experimental de Zootecnia de Sertãozinho), pertencente ao Instituto de Zootecnia da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, um dos pioneiros nas pesquisas para a redução da idade de abate, tem registrado resultados científicos e práticos excelentes. "Constatamos um ganho de peso da ordem de 1% ao ano, ou 3 quilogramas, nos animais selecionados. Com isso, a garrotada, com 1 ano de idade, pesa cerca de 60 quilogramas a mais do que há 20 anos", diz Alexander George Razook, que lidera o programa de seleção de bovinos zebuínos (nelore, guzerá e gir) com base no peso pós-desmama e seus 18 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
1
efeitos sobre a conversão alimentar, reprodução e carcaça, iniciado em 1976. "Essa diferença se traduz no peso de abate e de carcaça': diz ele. Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, também vêm realizando, desde 1991, pesquisas para acelerar a precocidade dos animais. "No Brasil, os bovinos levam, em média, de três a quatro anos para serem abatidos. Com as nossas pesquisas sobre novilho superprecoce, reduzimos esse tempo para 13 meses. Quanto mais novo o animal vai para o abate, maior a maciez de sua carne", explica Antônio Carlos Silveira, que coordena o projeto temático Crescimento de Bovinos de Corte no Modelo Biológico Superprecoce, financiado pela FAPESP.Iniciado em 1999, o projeto conta com a participação da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinária (FCAV) da Unesp de Jaboticabal, da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, da Esalq e do Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu. "Agora, queremos fazer o novilho superprecoce usando apenas animais da raça nelore, que, reconhecidamente, são considerados tardios. Temos que descobrir como acelerar a velocidade de crescimento dos tecidos ósseos e musculares do animal e, para isso, o Genoma Funcional do Boi vai nos ajudar muito", diz o pesquisador.
p(
mbrapaSudeste Pecuária também tem trabalhado para elevar a produtividade da pecuária nacional a partir de cruzamentos entre diversas raças, mantendo a base do nelore, explica Maurício Mello de Alencar.Estão sendo avaliados cinco sistemas de cruzamento, envolvendo machos das raças nelore, canchim, angus e semental e fêmeas da raça nelore ou de alta mestiçagem de nelore. A pesquisa faz parte do projeto temático Estratégias de Cruzamentos, Práticas de Manejo e Biotécnicas para Intensificação Sustentada de Produção de Carne Bovina, igualmente financiado pela FAPESP."Trata-se de um projeto de produção animal que envolvemelhoramento genético baseado em cruzamentos comerciais", afirma Alencar. "Nosso objetivo é produzir bezerros biologicamente diferentes para estudar sua eficiência:' Depois do nascimento, os
animais são avaliados em vários aspectos (genéticos, nutricionais, reprodutivos, sanitários e econômicos) ao longo de sua vida. O pesquisador explica que os bezerros são produzidos em épocas diferentes do ano para que seja possível estudar técnicas de alimentação e manejo distintas. É um trabalho longo, cujos primeiros resultados deverão sair no próximo ano. Melhoria das pastagens - Além dos esforços para aumentar a produtividade dos rebanhos, também se busca a melhoria das pastagens. "A média da produtividade animal no país é de 5 arrobas por hectare anuais e 1.000 litros de leite por hectare ao ano. Esses números poderiam chegar, respectivamente, a 58 arrobas e 45 mil litros de leite, dependendo do grau de intensificação do uso dessa pastagem", revela Moacyr Corsi, da Esalq, que há 35 anos investiga formas de incrementar as pastagens brasileiras e que coordena o projeto temático Caracterização e Avaliação de Pastagens Irrigadas e seu Manejo (Capim), financiado pela FAPESP. A qualidade do pasto depende do aumento da produtividade da planta forrageira e de seu manejo. "No Brasil, a média de eficiência no pastejo está ao redor de 30% a 50%, o que significa que de 70% a 50% da forragem produzida é perdida. É possível elevar o nível de eficiência para 70% ou 80%", prevê Corsi. O aumento da produção do pasto pode ser feito com a melhora das condições do solo, com o uso de calagem e a aplicação de fertilizantes, como nitrogênio, potássio e micronutrientes. No Paraná, em Goiás e em São Paulo, tem-se alcançado produtividade ao redor de 60 arrobas por hectare ao ano em pastagens não irrigadas e acima de 70 arrobas em pastagens irrigadas", afirma Corsi. Os resultados econômicos e comerciais das pesquisas científicas são incontestáveis. Em 20 anos, o índice de natalidade medido na desmama - geralmente aos 9 meses de vida do bezerro - caiu de 72% para 50%; a idade média do abate foi reduzida de cinco para três anos e meio; e o rendimento da carcaça - medido pela quantidade de carne e ossos depois de o animal ter sido evisceradoe seu couro retirado - aumentou de 190 quilogramas para 220 quilogramas. Esse ganho de produtividade permitiu ao país produzir, no ano
Pesquisas científicas garantiram melhoramento genético e maior produtividade do rebanho
passado, 8,2 milhões de toneladas de carne, registrar um consumo interno de 37 quilogramas de carne per capita, "um dos mais altos do mundo", de acordo com Meirelles, e exportar quase 1 milhão de toneladas. Foi esse aumento constante da produtividade do rebanho que permitiu ao Brasil, em 1978, mudar a inflexão da curva de importação e exportação. Até então, o país exportava carne bovina para a Europa, principalmente para a Inglaterra, mas importava um volume ainda maior da Argentina e do Uruguai. "Em 1979 nos tornamos exportadores líquidos e começamos a pensar de maneira estratégica a pecuária brasileira", lembra o secretário. A partir do início da década de 80, organizou-se a Cadeia Produtiva da Pecuária de Corte, no âmbito do Conselho Nacional da Pecuária de Corte. O conselho organizou os setores produtivos - "do bezerro ao bife, passando pelo calçado", resume o secretário -, alavancou a pesquisa científica, a produção de insumos, os frigoríficos abatedouros, os curtumes e o
setor de artefato e calçados de couro. "Hoje, esse conjunto de atividades constitui a cadeia produtiva com o maior número de empregos diretos do país: 8,5 milhões de trabalhadores", ,afirma Meirelles. A pecuária bovina representa, atualmente, 2 de cada 3 hectares ocupados com atividades rurais, ou seja, dos 3,8 milhões de quilômetros quadrados em que se desenvolvem atividades agrícolas no país, 2,6 milhões se destinam à pecuária. Epopéia zoossanitária - Mas, para conquistar o mercado externo de carne bovina, o Brasil teve que declarar guerra à tuberculose, à brucelose e, sobretudo, à doença que aterroriza os pecuaristas: a febre aftosa. Vários países não importam carne in natura de regiões onde há febre aftosa, entre eles a União Européia, que é atualmente o principal importador da carne brasileira. As pesquisas científicas e campanhas oficiais de vacinação contra a febre aftosa garantem, hoje, que 140 milhões de cabeças, de um rebanho de 183 milhões, cresçam
em zonas livres da doença, num circuito produtor que vai do Rio Grande do Sul à Bahia, passando por Tocantins, Mato Grosso, Rondônia. A expectativa é que a doença esteja completamente erradicada em 2005. Pesquisas recentes também prometem avançar o combate à brucelose bovina, que provoca aborto em vacas a partir do quinto mês de gestação. A vacina mais usada no Brasil é produzida a partir de microrganismos vivos, mas Sérgio Costa Oliveira, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), desenvolveu uma vacina de DNA, já aplicada com sucesso em camundongos, que começa a ser testada em bovinos. "Na pesquisa genética, evoluímos de forma espetacular. Do ponto de vista sanitário, a evolução do rebanho bovino brasileiro talvez tenha sido a maior epopéia zoossanitária da história, considerando a escala de rebanho e as dimensões do território nacional': comemora Meirelles. "Deixamos, definitivamente, de ser vendedores de balcão." • PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 19
• POLÍTICA CIENTÍFICA
POLÍTICAS
E TECNOLÓGICA
PÚBLICAS
IMPUNIDADE E • Percentagem de crimes violentos convertidos em pena com reclusão do acusado é muito baixa, constatam pesquisadores CLAUDIA
O
IZIQUE
modelo de Justiça que deveria proteger os brasileiros está enfraquecido. Nos últimos cinco anos, dos mais de 600 mil crimes registrados em 16 delegacias de polícia na cidade de São Paulo, há indicações de que só urna pequena percentagem poderá resultar em pena com reclusão do acusado. Isso porque, de um total de 338,6 mil crimes, violentos e não violentos, analisados no período, apenas 21,8 mil foram objeto de inquérito policial. Estima-se com base em outros estudos que, desses inquéritos, 40% venham a ser arquivados. Se essas estatísticas se confirmarem, apenas 13,1 mil crimes se traduzirão em denúncia encaminhada ao Ministério Público e acolhida pela autoridade judiciária. "Alguns serão desqualificados por falta de provas, por exemplo, e possivelmente algo em torno de 5% dos crimes analisados redundarão em pena': diz Sérgio Adorno, coordenador do Centro de Estudos da Violência, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados pela FAPESP. "Na França, em 20
20 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
crimes violentos, 19 tendem a merecer pena", compara. Os números que estão sendo revelados pela pesquisa Identificação e Medida da Taxa de Impunidade Penal não chegam a surpreender. Outro levantamento, sobre o assassinato de crianças e adolescentes, realizado em São Paulo entre 1991 e 1994 e já concluído, revelou taxa de conversão do crime em pena de apenas 1,72%. Esse quadro certamente é agravado pelo despreparo e falta de recursos da polícia para conduzir as investigações. "A maioria dos crimes é de autoria desconhecida': observa Adorno. Mas pode também estar relacionado ao perfil da vítima ou do agressor, ou à natureza do crime, suspeita. "E pode ter a ver com obstáculos enfrentados pelos réus no acesso à Justiça penal, inclusive à plena garantia dos direitos de defesa. Paradoxalmente, pode ainda estar relacionado a subterfúgios processuais, corno o excesso de recursos protelatórios que retardam a aplicação das sanções': acrescenta Adorno. O resultado é que a impunidade ajuda a sustentar o crime e também alimenta o medo.
A pesquisa está em curso. É parte de um projeto ainda mais amplo desenvolvido pelo centro, em que se avalia a crise na Justiça brasileira, inclusive por meio de estudo histórico das políticas de segurança pública implementadas em São Paulo, desde 1822 até hoje, a partir de documentos normativos e oficiais. No caso da impunidade, os pesquisadores igualmente partiram de estatísticas oficiais, mas tiveram de optar por outros procedimentos metodológicos. "Nos países com estatísticas confiáveis, o fluxo do sistema de Justiça criminal produz estatísticas em todos os segmentos - policial, judicial e na execução da sentença -, o que permite observar o movimento dos crimes registrados, dos denunciados e processados e dos condenados': diz. No Brasil, no entanto, continua Adorno, as estatísticas disponíveis, além de incompletas, não permitem a realização de um follow-up. Em função da extensão e o volume de informações, foi necessário restringir o levantamento a uma única seccional de polícia que coordena o desempenho e as atividades de postos policiais entre as zonas Oeste, Noroeste e Sul da cidade, num total de 14 delegacias de polícia e duas delegacias especializadas. Em vez de acompanhar o movimento geral dos crimes, recorreuse à observação individualizada de registros de forma a perseguir o seu destino no interior do sistema de Justiça criminal. "Fizemos um estudo detalhado e crítico dos registros primários, de forma a cercar com maior precisão os crimes que efetivamente interessam à observação, ou seja, o homicídio, roubo, roubo seguido de morte, estupro, tráfico de drogas, considerados crimes violentos", ele relata. A primeira parte da pesquisa está praticamente concluída. Na etapa seguinte será feito o estudo detalhado dos inquéritos e processos penais. Situação de risco - O Centro de Estudos da Violência analisa, desde 1987, a violência e transgressões aos direitos humanos no país, desenvolvendo estudos sobre temas como políticas de segurança pública e participação da comunidade na solução da violência. Atualmente, desenvolve cinco linhas de pesquisa, entre elas o projeto Identifi-
cação e Medida da Taxa de Impunidade Penal, coordenado por Adorno. 22 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
dade infantil acima da média, ausência A exemplo do estudo sobre a impude hospitais na região, menor acesso a nidade, a grande dificuldade dos pesesgoto e com alto congestionamento quisadores dos demais projetos está na domiciliar, isto é, menor privacidade, coleta dos dados. Sabe-se, que em São Paulo o homicídio corresponde a 186,7 maior tensão e competição por espaço. "Diversos estudos já provaram que, dimortes em 100 mil jovens com idade vidindo áreas exíguas, as pessoas ficam entre 15 e 19 anos e 262,2 dos óbitos mais insensíveis, até por defesa, mas em 100 mil pessoas com 24 anos, de acordo com estatísticas de 1995 e 1998, essa situação afeta as estatísticas de criminalidade", explica Nancy Cardia, respectivamente. Mas pouco se sabe sovice-coordenadora e responsável pelo bre os agressores e tampouco sobre a programa de difusão do Cepid. vítima, além do seu endereço residenA violência letal, portanto, sobrecial e causa mortis. Os registros da Juspõe-se à violação de direitos sociais e tiça, da polícia ou da saúde não lançam econômicos e esse conjunto de fatores luz sobre a natureza dessa violência, se entrelaça para fornão informam sobre o mar uma espécie de grupo responsável pelo círculo vicioso de cahomicídio nem dão rências e violência. O subsídio para que se Carências sociais emprego é escasso nas conheça a relação entre e econômicas áreas de elevadas taos envolvidos. E, nessa xas de homicídio, e a zona cinzenta, é imenfraquecem alternativa para os possível conhecer as vírelação com timas potenciais ou as chefes de família está no mercado informal circunstâncias que faautoridades de trabalho, com ocuvorecem o homicídio pação irregular, mal e, menos ainda, impleremunerada e sujeita mentar políticas eficazes para combatê-lo. a período de desemprego prolongado. A ociosidade forçaAs estatísticas, no entanto, revelam da pode aumentar a tensão dentro da alguns padrões e mostram que alguns família, o consumo de álcool e tende a bairros de São Paulo têm taxa de homicídio mais elevadas que a média da cifavorecer a violência. De fato, nos 24 distritos da cidade onde existiam muidade, que crescem num ritmo superior tos chefes de família sem renda, os esao do conjunto de 96 distritos que tudos mostraram que a violência se compõem a capital. Entre 1996 e 2000, agravava. "Esses distritos tinham 49% por exemplo, enquanto as taxas médias de homicídio da capital cresciam. de de todos os chefes de família sem renda. É uma super-representação", cons55,6 por 100 mil habitantes para 66,9, o tata Nancy. distrito de Jardim Ângela já registrava a Os pesquisadores também identifimarca de 116,23 homicídios por 100 caram um enfraquecimento dos grupos mil habitantes. Essa disparidade foi obsociais entre si e com as instituições de servada em vários distritos da cidade. proteção social. "Os vínculos institucioOs números e a distribuição geográfinais entre a população e as autoridades ca das ocorrências sugeriam que as regiões com altas taxas de homicídio são caracterizados por tensões, mútua desconfiança e até mesmo quase ineeram, igualmente, as de maior concenxistência', diz Nancy. Essa ausência de tração de pobreza. vínculos se manifesta, por exemplo, em A partir desses dados, os pesquisasituações de linchamento. "O linchadores do centro iniciaram uma pesquimento parece algo que acontece no casa de georreferenciamento da violência. lor do momento, mas, quando se invesConstataram não ser a concentração tiga o caso, é possível dar conta de que elevada de população pobre a responsável pelas altas taxas de homicídios. O a população já tinha se mobilizado anteriormente em situações semelhantes, cenário da violência registrava alta consem ter obtido apoio ou proteção das centração de jovens entre 11 e 14 anos autoridades. Os meios para solucionar e 15 e 19 anos, grande número de cheo problema foram exauridos, eles se fes de família com menos de quatro sentiram impotentes e foram levados à anos de escolaridade e/ou sem renda, violência", completa Adorno. baixa oferta de emprego local, mortali-
Prestígio dos grafiteiros ajudou na consolidação do fórum de adolescentes Nesse cenano, a presença de muitas crianças e jovens em situação de concentração de pobreza e de carência social torna-os extremamente vulneráveis à possibilidade de serem vítimas ou agressores. "A faixa de idade entre 11 e 14 anos está muito exposta à situação de violência mais severa: os pais, assim como a escola, já consideram que ele se vira sozinho e eles acabam por ficar sem nenhuma supervisão': afirma Nancy. Nas vésperas de se tornarem adultos, esses jovens acabam por adotar condutas de risco, envolvendo-se freqüentemente em situações de delinqüência, alcoolismo, uso de drogas, entre outros. Ou se tornam alvos fáceis em conflitos por motivos fúteis, como, por exemplo, brigas na vizinhança em razão de uma janela quebrada, música alta, etc. "O problema reside em identificar quais situações sociais estão mais associadas ao risco, de modo a que governos e organizações da sociedade civil possam promover programas de prevenção", diz Nancy. Vítimas indefesas - Identificadas as VÍtimas mais indefesas, os pesquisadores do Cepid começaram a trabalhar dentro de uma escola no bairro do Jardim Ângela, com crianças entre 11 e 14 anos,
na tentativa de desenvolver modelos de gestão de conflitos. Esses encontros foram batizados de fórum de convivência "vem quem quer': conta Nancy. "Discutimos qualidade de vida, violência, criminalidade, conflito entre homens e mulheres, relação com amigos no recreio, entre outras situações, e a vantagem de fazer as coisas juntos': ela diz. A intenção dos pesquisadores é iniciar esses jovens na resolução de pequenos conflitos, seguindo o modelo desenvolv.ido pelo pesquisador canadense Clifford Shearing para lidar com a violência em conjuntos habitacionais em Toronto, no Canadá, e que foi adaptado para mediar tensões nos guetos da Âfrica do Sul e em comunidades carentes de Rosário, na Argentina. "Quando a comunidade começa a resolver conflitos internos, ganha mais poder para negociar com as autoridades a sua situação", explica Nancy. Antes de iniciar os grupos, a proposta de trabalho foi apresentada aos professores, aos pais e aos próprios alunos, que visitaram a sede do Centro de Estudos da Violência, instalado na Universidade de São Paulo (USP). Além desses adolescentes, os pesquisadores também trabalham com fóruns de convivência com adultos e jo-
vens grafiteiros da região. "As pessoas não se vêem como uma comunidade, em parte por conta da violência do cotidiano e das carências econômicas", conta Nancy. Os grafiteiros, aliás, ajudaram na consolidação do grupo de adolescentes que era rejeitado pelos demais alunos da escola. "Os grafiteiros são respeitados e isso lhes deu prestígio': explica a pesquisadora. A expectativa é que, se eles aprenderem a lidar com incidentes de violência pessoal, estarão mais fortalecidos para negociar com as autoridades. O centro também implementou observatórios da violência em quatro comunidades, para debater o problema pela perspectiva das VÍtimas. E desenvolve, ainda, cinco projetos educacionais, tendo como tema central a violência, voltados para orientadores pedagógicos da rede municipal e estadual de ensino, entre outros, além de um projeto de ensino a distância, em parceria com a Escola do Futuro. "Estamos, agora, treinando uma equipe de Moçambique, em colaboração com a Organização Mundial da Saúde, num projeto interministerial que reúne programas de vigilância epidemiológica, prevenção e avaliação da violência." • PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 23
\(lO~
~O~
Projeto de política pública mede situações de violência da população paulistana
x.
rande maioria dos atos de violência que resultam em ferimentos causados por arma de fogo na cidade de São Paulo ocorre nos finais de semana, principalmente aos sábados. As agressões sexuais às mulheres são mais freqüentes nos dias úteis, com pico nas quintas-feiras, quando elas estão longe da família, deslocandose para o trabalho, a escola ou compras. As auto-agressões ou suicídio se concentram nas terças e quartas-feiras, sugerindo forte relação com situação de emprego, e também aos sábados, possivelmente motivados pela angústia e solidão. Poucos atentam contra a própria vida nas sextas-feiras. A idade média das vítimas é de 30 anos. Esses dados, que constam de 7.073 atendimentos realizados entre janeiro e dezembro de 2002 no Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro de Saboya, também conhecido como Hospital Iabaquara - um centro de referência de trauma e com serviço especializado às vítimas de agressões -, deixam claro que é possível estabelecer cálculos de riscos nos casos de violência que demandam o sistema hospitalar - e que, portanto, implicam risco de morte - e implementar políticas de prevenção em microescala na cidade de São Paulo. "Com pouco investimento é possível desenvolver e implantar um sistema de monitoramento capaz de captar as informações relativas às ocorrências violentas e acidentes mais comuns", diz Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do projeto Epidemiologia da Violência Criminal na Cidade de São Paulo: Uma Abordagem em Macro e Microescalas, desenvolvido em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, Secretaria da Administração Penitenciária e Instituto de Mate24 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
mática e Estatística da USP, no âmbito do Programa de Políticas Públicas, financiado pela FAPESP. Saldiva, especialista nos estudos dos efeitos da poluição atmosférica sobre a saúde humana, decidiu utilizar os critérios de pesquisas epidemiológicas para estudar a violência, utilizando estatísticas para cálculos de risco. ''A violência, diferentemente da poluição, não está homogeneamente distribuída. É necessário levar em conta variáveis de tempo e espaço e criar novas técnicas teóricas de avaliação de risco", reconhece. Os estudos, a exemplo do que ocorreu com os pesquisadores do Centro de Estudos da Violência (veja matéria na página 20), esbarraram nas dificuldades de coleta de dados confiáveis nos órgãos oficiais de segurança pública. A opção foi coletar informações sobre o tema no sistema de saúde. No caso dos dados do Hospital Saboya, "apesar do esforço e dedicação do Núcleo de Atenção às Vítimas de Violência", ele ressalva, a análise dos dados foi dificultada pela falta de padronização de algumas variáveis importantes. Os pesquisadores tiveram, por exemplo, de gerar algumas variáveis, como a classificação da ocorrência, tomando como base informações registradas em motivo da procura e descrição da ocorrência. ''A qualidade da informação é um item essencial em qualquer pesquisa", observa. Para definir a classificação da ocorrência, os pesquisadores recorreram à. Classificação Internacional de Doenças, freqüência de determinadas ocorrências e interesses específicos de outras, para chegar às seguintes categorias principais: acidentes, agressões, intervenções legais, complicações médicas e cirúrgicas e eventos de intenção ignorada. As agressões foram classificadas em auto-agressões, agressões se-
xuais, demais agressões com uso de arma de fogo, com uso de outros objetos contundentes e demais agressões com uso de força física ou não especificadas. Padronizados e classificados, os registros revelaram informações preciosas. Indicaram, por exemplo, que homens e mulheres apresentam distribuição parecidas em relação à idade da vítima no momento do registro da ocorrência, tendência de queda da violência nos meses de janeiro a julho, seguida de um aumento constante de agosto a dezembro, e prevalência de vítimas do sexo feminino nesse período. Na distribuição de ocorrência por faixa etária e local do fato, os pesquisadores observaram maior freqüência da faixa entre 16 e 65 anos (9,2%) nas violências registradas no local de trabalho e maior incidência de vítimas na ffaixa de O a 5 anos (18,6%) quando a agressão ocorre na própria moradia. Nos demais locais de ocorrência - área de comércio e serviço, via pública e estrada, em outra moradia, não informado e outros -, as distribuições dos casos foram semelhantes em todas as faixas etárias. Promiscuidade e violência - A equipe de Saldiva também coleta dados sobre violência na Coordenadoria de Saúde do Sistema Penitenciário (Cosaspe), que concentra todos os prontuários relativos aos atendimentos hospitalares dos detentos na cidade de São Paulo. "A Cosaspe não possui nenhuma informação em arquivo magnético. Assim, a primeira etapa do trabalho foi desenvolver, em parceria com a Secretaria de Administração Penitenciária, a estrutura de um banco de dados para, então, iniciar a digitação e análise dos mesmos", conta Liliam Pereira de Lima, estatística que participa do projeto. Também ali os dados foram reveladores. A violência nos
presídios se manifesta na forma de doenças: o HIV e a tuberculose, com incidência de 67,5% e 35,1 % dos pacientes detentos atendidos no Centro Hospitalar do Carandiru, onde converge boa parte dos casos de doença e violência ocorridos no sistema penitenciário paulista. Os ferimentos por arma de fogo não ultrapassaram os 5,2%, e os com arma branca, 1,3%. Nos dois casos, as vítimas foram encaminhadas ao hospital pela Secretaria de Segurança Pública, responsável pelo atendimento de feridos nos distritos policiais. Essas agressões, portanto, podem ter ocorrido no momento da prisão. A violência, no caso do sistema penitenciário, está na falta de controle das doenças infectocontagiosas. "Os presídios são insalubres e os presos vivem em promiscuidade", sublinha Saldiva. "A solução está na redução da possibilidade de contágio e na dispensa de medicamentos de controle dessas doenças': diz.
Algoritmo de riscos Concluído o diagnóstico, o projeto de pesquisa entra, agora, na sua segunda fase. "Vamos propor ao sistema penitenciário uma codificação de dados e um gerenciamento de informações baseado em critérios lógicos': afirma Saldiva. Na área de saúde, a proposta será implementar um sistema unificado para o preenchimento de informações críticas que deverão alimentar um banco de dados da violência na capital. "Informações qualificadas permitirão, por exemplo, levantamentos de custos da violência, relacionados a procedimentos médicos, horas de trabalho perdidas, entre outras informações relevantes para a implementação de políticas públicas': diz Saldiva. Esses dados permitirão elaborar um mapa georreferenciado de estudo da morbidade. Mas o projeto de Saldiva quer ir mais longe e chegar a um algoritmo de cálculo de risco que se traduziria num alerta à sociedade: uma mulher, andando sozinha, por região entre tais e tais ruas, no período de x horas e y horas, tem um grande percentual de risco de se tornar vítima de violência sexual. •
Agressões sexuais 14,-------------~
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sáb
"' • POLÍTICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
U nicamp investe na inovação niversidade Estadual de Campinas (Unicamp) lançou no dia 15 de maio a Agência de Inovação da Unicamp (Inovacamp), coordenada por Carlos Américo Pacheco, professor do Instituto de Economia e ex-secretário executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). A agência tem o objetivo de organizar o trabalho de pesquisa realizado pela universidade e estreitar o relacionamento com as empresas e os governos. Um dos primeiros desafios da Inovacamp será a implantação de um parque tecnológico em Campinas, que reunirá empresas voltadas para a inovação tecnológica. O primeiro passo é a realização de um estudo para definir como será esse parque e que tipo de segmento se pretende atrair. "As empresas de tecnologia da informação certamente estarão presentes, porque Campinas já possui várias companhias nessa área, mas podemos também trazer o setor nascente de biotecnologia'; diz Pacheco. A Unicamp recebeu R$ 2,8 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para fazer a pesquisa, que estará concluída em um ano. Um papel importante da Inovacamp será o de melhorar o relacionamento
A
26 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
com parceiros estratégicos, como Petrobras e Embraer, que já desenvolvem com a Unicamp vários projetos de pesquisa, mas todos isolados, sem que exista uma coordenação central para traçar um plano de trabalho de longo prazo. "Hoje podemos ter duas ou três pesquisas acontecendo paralelamente para dois ou três departamentos da Petrobras, por exemplo, sem que haja integração entre elas", afirma Pacheco. Para atender aos parceiros estratégicos, a Inovacamp terá um corpo técnico especializado que fará a intermediação entre a empresa e os pesquisadores, centralizando todas as informações sobre os projetos de pesquisa em andamento. Com isso, pretende-se conhecer a estratégia de atuação da empresa e fazer com que esta saiba melhor o que a Unicamp tem a lhe oferecer. Segundo Pacheco, o importante é que, com essas informações, o grupo de técnicos possa definir o que será feito no longo prazo. A agência vai trabalhar também para facilitar o acesso dos pesquisadores às fontes de financiamento. Esse trabalho já vem sendo feito, mas deverá tornarse mais ativo. "Vamos ver quais as demandas reais do setor privado e, ao mesmo tempo, divulgar para as empresas as pesquisas que estão em andamento.
Muitas idéias boas ficam apenas dentro da universidade por não encontrarem canais para chegar ao mercado': afirma. Registro de produto - Uma das formas de identificar que tipo de pesquisa melhor atende às necessidades do setor privado é a realização de análises de algumas áreas, identificando rumos, tendências e desafios. A idéia não é necessariamente aumentar o número de parcerias, que já é grande, mas principalmente antecipar-se às necessidade. No ano passado, a Unicamp fechou 280 acordos com empresas e institutos do setor privado. A propriedade intelectual também receberá a atenção. A Unicamp foi responsável por 88 das 234 patentes registradas por instituições públicas de pesquisa, entre 1997 e 2000. O desafio agora é fazer com que esses registros se tornem produtos. "Hoje, a patente é só um custo. Queremos transformá-Ia em licenciamento de tecnologia", afirma. Para Pacheco, este é um momento propício para iniciativas que tentam facilitar o relacionamento das universidades com os setores público e privado, porque existe uma consciência nacional sobre a importância da inovação tecnológica para o desenvolvimento do BrasiL •
• POLÍTICA CIENTÍFICA
REVISTA
E TECNOLÓGICA
CIENTÍFICA
Otimismo cauteloso Para Nature, é hora do Brasil transformar força da pesquisa em vantagem econômica
S
e seis meses no comando do país ainda não foram suficientes para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva promover mudanças de fundo na política científica nacional, os primeiros movimentos do novo governo federal na área de ciência e tecnologia, ainda que longe de terem agradado a todos, conseguiram inspirar um alentado editorial e reportagens na edição de 22 de maio da revista britânica Nature, uma das mais respeitadas publicações científicas. No editorial, a publicação diz que Lula, oriundo de um partido de esquerda (PT), impressionou ao lidar com as instabilidades da economia brasileira, alvo de grande parte da atenção inicial da nova administração. Agora, sugere a Nature, o presidente deve agarrar uma oportunidade única: "Transformar sua significativa força (da pesquisa brasileira) nas ciências físicas e biológicas em vantagem econômica de longo prazo': A revista não economiza exemplos do dinamismo exibido por setores da ciência brasileira. Assegura que, apesar dos problemas sociais e educacionais, o país conta com muito "talento jovem" disposto a fazer ciência e forma mais de 6 mil doutores por ano. "A ciência brasileira já provou que pode competir na arena internacional, com a publicação, em 2000 da seqüência completa do genoma do patógeno de citrus Xylella fastidiosa", escreveu David Adams, se referindo ao projeto financiado pela FAPESP. O Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) também foi descrito como o "como o mais ambicioso do seu tipo no mundo".
Na verdade, o desejo de fomentar ciência de ponta em todas as regiões nacionais e facilitar o acesso à educação das camadas mais pobres da população é, ao mesmo tempo, alvo de elogios e fonte de preocupação aos olhos da Nature. "Os objetivos são elogiáveis, mas é necessário moderação: Lula limitará o potencial de seu país se ele disseminar iniciativas de forma muito ampla pelo território (nacional)." Seqüênciamento da Xy/ella fastidiosa: destaque mais uma vez na Nature
Depois de entrevistar e dar voz a alguns cientistas brasileiros em seus textos jornalísticos, a revista afirma que "há um clima disseminado çle otimismo cauteloso" sobre as ações do novo governo federal na área de ciência de tecnologia. E exemplifica: em 2003, num ano difícil para a economia brasileira, o orçamento federal para C&T parece, até agora, ter escapado de cortes; o governo Lula prometeu dobrar a verba para pesquisa e desenvolvimento até o final de seus mandado; e foram recrutados bons quadros no ministério e nas agências federais de fomento à pesquisa. Pelo que se depreende do texto de Adams, o adjetivo cauteloso decorre das reações não muito favoráveis expressas, no início deste ano, pela comunidade científica nacional diante do anúncio do nome de Roberto Amaral para o cargo de ministro da Ciência. E, paradoxalmente, da intenção do governo Lula de descentralizar a pesquisa nacional, estimulando centros de excelência fora de São Paulo e Rio de Janeiro.
Peso maior" Para a revista, a situação de São Paulo, de longe o maior peso na produção científica brasileira, não pode ser reproduzida a nível nacional nem mesmo a médio prazo, visto que, nas palavras da publicação, alguns estados têm somente uma base científica rudimentar. "São Paulo se destaca não somente pelo seu compromisso com a universidade pública e financiamento da ciência, mas também por sua abordagem estratégica para ciência e tecnologia. Isso inclui criar condições que favorecem o lançamento de empresa de alta tecnologia, atrair investimento industrial do exterior e dar apoio a centros de pesquisa que irão entregar não apenas ciência de alta qualidade, mas também estimular novas empresas comerciais", diz o editorial da Nature. Segundo o diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez, a revista britânica reconhece os esforços feitos pelo Brasil e por São Paulo para o desenvolvimento da ciência e tecnologia e aponta a necessidade de democratizar o sistema nacional de pesquisa. ''A expansão do sistema, no entanto, não pode ser feita com o sacrifício dos centros de excelência': pondera Perez. • PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 27
• POLÍTICA CIENTÍFICA
PROPOSTA
E TECNOLÓGICA
Uma
idéia.
audaciosa Pesquisadores buscam apoio para criar instituto de neurociência em Natal
O
Brasil tem que perder a.s inibições e o complexo de inferioridade e se tornar um agente produtor de ciência de primeira grandeza, capaz de almejar um Nobel. Esse é o sonho que mobiliza o neurocientista Miguel Nicolelis, um paulista de 42 anos que há 15 desenvolve pesquisas nos Estados Unidos. Junto com outros dois neurocientistas brasileiros - Sidarta Ribeiro, 32 anos, e Cláudio Mello, 39 anos -, ele acalenta um projeto ambicioso: transformar Natal, no Rio Grande do Norte, na capital da neurociência nacional, a partir da criação de um instituto internacional capaz de atrair pesquisadores de dentro e fora do país. "Existe um êxodo muito grande de cientistas e achamos que o momento político, com a eleição do presidente Luís Inácio Lula da Silva, é favorável", argumenta Nicolelis, professor titular de neurobiologia e engenharia biomédica da Universidade de Duke, na Carolina do Norte. O projeto prevê, ainda, a construção de um centro de ensino gratuito capaz de dar formação de alto nível para 300 a 500 crianças. "A idéia é dar ênfase às ciências, línguas, criatividade", diz Nicolelis. As duas iniciativas - sobretudo a da implantação da escola - já contam com apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). "Essas crianças vão trabalhar e estudar com pessoas que estão no topo da ciência, o que a mé-
28 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
dio prazo dará um retorno incalculável à sociedade", comemora o pró-reitor de Pesquisa de PósGraduação da UFRN, Nilson Sena de Almeida. "Haverá atenção a crianças superdotadas e com dificuldade de aprendizado. É uma idéia brilhante, um novo modelo", estusiasma-se o pró-reitor. Trabalho coletivo - As formas de viabilizar o projeto cujas instalações devem estar concluídas em três anos e em pleno funcionamento no máximo em cinco, conforme projeta Nicolelis - estão sendo estudadas. A possibilidade de que possa contribuir para a descentralização da produção científica pode atrair recursos do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). "E democratizar é uma forma de atrair o cientista estrangeiro'; acrescenta Nicolelis. O MCT, aliás, já tomou as primeiras providências. "O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vai participar com bolsas e o ministério abrirá concurso para fixação de pesquisadores. É um trabalho coletivo", diz o secretário de Políticas e Programas em Ciência e Tecnologia do ministério, Gilberto Sá. Mas a idéia não é contar com o apoio só do governo, mas também da iniciativa privada e de fundações internacionais. "O Instituto Max Planck (Alema-
L
~ nha) já sinalizou a intenção de colocar recursos no projeto': adianta Almeida. Nicolelis disse a Hannah Hoag, da revista Nature (veja matéria na página 27), que o grupo precisará de US$ 20 milhões para construir e equipar o instituto. Contou também que o time planeja conseguir esses recursos por meio de uma organização sem fins lucrativos que, quando criada, se chamará Alberto Santos-Dumont. Até agora, o projeto conta com US$ 50 mil obtidos com doadores privados. Esses recursos, no entanto, serão consumidos no financiamento de um congresso internacional de neurociência, promovido pela Duke University em parceria com a UFRN, que ocorrerá em Natal, em março de 2004. O evento tem presença confirmada, entre outros, de Torsten Wiesel, presidente emérito da Universidade Rockfeller em Nova York, laureado com Prêmio Nobel de medicina e fisiologia em 1981. Nicolis garantiu à Nature que Wiesel concordou em ser membro do conselho do Instituto, assim como o neurocientista Ion Kaas, da Universidade de Vanderbilt, em Nashville. "O secretário de Turismo do Rio Grande do Norte, Haroldo Azevedo, garante que o governo estadual dará todo o apoio ao projeto e está negociando a doação de um terreno perto da Barreira do Inferno, pertencente à Aeronáutica. "Ali seria o ideal porque está perto do campus da UFRN, é de acesso fácil, fica numa área de preservação e perto da praia." Os planos de Nicolelis e sua turma vieram a público em 6 de maio, em notícia publica da na Folha de S.Paulo. Isaac Roitman, diretor de avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), já abraçou a causa. "É gente jovem que escolheu Natal por uma série de razões, entre as quais por achar que deve haver uma distribuição regional mais homogênea da ciência." Roitman ressalta que a UFRN é uma boa opção porque conta com um importante centro de primatologia e uma área forte em psicofarmacologia.
_ Cláudio Mello, outro parceiro de Nicolelis, trabalha há 15 nos Estados Unidos, onde é pesquisador do Instituto de Neurologia da Oregon Health and Science University. Pós-doutor em neurologia e especialista em aprendizagem e memória, Mello considera sedutora a proposta de um centro de excelência desvinculado de uma estrutura acadêmica, longe do eixo Rio-São Paulo, onde se possa fazer pesquisa de alta qualidade. O terceiro parceiro é o neurocientista Sidarta Ribeiro, que vive há oito anos nos Estados Unidos e trabalha ao lado de Nicolelis, na Duke University, estudando a formação da memória durante o sono. De talento reconhecido fora do Brasil, Ribeiro não hesita em largar tudo. "O Brasil passa por uma mudança muito positiva e é hora de voltar e contribuir." Exército de 8rancaleone - Roitman conta que a Capes está ajudando o grupo de pesquisadores na negociação com UFRN, agências de fomento, CNPq e Finep. O primeiro contato com a cúpula administrativa da universidade, pesquisadores locais e com a governadora, Wilma de Faria, demonstrou a boa receptividade ao projeto. "Sentimos apoio, a idéia foi crescendo. E o importante, além do ponto de vista científico, é que serão buscadas maneiras adicionais de fomento à pesquisa." Segundo Roitman, uma iniciativa desse porte precisa de recursos contínuos, instrumentos que garantam sua perenidade. "Precisamos da comunidade acadêmica do país todo, de uma cultura de doações. E aí vai entrar uma linha de convencimento da aristocracia brasileira e a proposta de criar uma lei semelhante à Rouanet, de incentivo a projetos." A governadora ainda não confirma a possível doação do terreno, mas diz ter conversado com o ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, para demonstrar a intenção do estado em receber o centro de neurociências. "Solicitei que todas as instituições do Rio Grande do Norte estejam empenhadas para que esse desejo se torne realidade." A governadora garantiu que seu governo participará do investimento nas instalações e na concessão de bolsas de pesquisa. "A criação do instituto será uma revolução para o Estado", avaliou. • PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 29
I'
CIÊNCIA
LABORATÓRIO
MUNDO
,
India sob o risco de falta de água Pesquisadores do Departamento Meteorológico da Índia (DMI) desenvolveram um programa de computador que - esperam deve se tornar um instrumento de alta precisão na previsão das secas, um problema tradional na agricultura do país (SciDev.Net). O novo modelo lança mão
• As defesas e a origem da malária Em busca de um tratamento definitivo contra a malária que mata uma criança a cada 30 segundos na África -, pesquisadores tailandeses e britânicos conseguiram distinguir as diferenças estruturais entre as versões normais e rnutantes do DHTR, a proteína res-
de oito parâmetros de solo, oceano e ventos para projetar a duração das estações chuvosas e substitui uma versão de 16 parâmetros, desenvolvida em 1988, que caiu em desgraça por não conseguir prever a seca do ano passado. Com uma precisão estimada em 95%, o programa do DMI consegue
ponsável pela capacidade de o Plasmodium falciparum, o parasita que transmite a doença ao ser humano, resistir às drogas. As novas informações, detalhadas em um artigo publicado na edição de abril da Nature Structural Biology, poderão servir para tornar mais eficazes os principais medicamentos usados contra a malária, que procu-
30 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
antecipar em até 40 dias a margem de prognóstico do modelo anterior e atualizar as projeções feitas para o período que vai de junho a setembro - estação crucial para as safras de verão. Este ano, com base no modelo estreante, há 21% de chance de seca e 39% de chuvas abaixo da média em
ram bloquear justamente essa proteína. Outro estudo internacional se debruçou sobre uma antiga polêmica a respeito da origem da doença, que pode ter surgido na África há 6 mil anos, segundo um grupo de pesquisadores, ou no minímo 100 mil anos atrás, segundo outros (NewScientist, 19 de abril). Depois de analisar diferentes popula-
algumas partes da Índia. A região de Khasi, a nordeste, antes vista como um dos lugares mais chuvosos do mundo, já está secando. Seus moradores têm de buscar água em lugares mais distantes. Atribui-se as mudanças climáticas ao aumento da poluição e ao desmatamento. •
ções do P. falciparum em diferentes partes do planeta, um grupo de pesquisadores chegou a uma solução pacificadora ao concluir que uma primeira leva do parasita pode ter aparecido dentro de um período de 40 mil a 180 mil anos atrás, tendo reaparecido, em número muito maior, há aproximadamente 10 mil anos. •
• Câncer mata mais entre os obesos Quanto mais gorda é uma pessoa, maiores são as chances de morrer de câncer, de acordo com um estudo da Sociedade Norte-Americana do Câncer publicado no New England [ournal of Medicine. Com base nesse trabalho, feito por meio do acompanhamento de 900 mil norte-americanos entre 1982 e 1998, estima-se que 90 mil mortes de câncer por ano nos Estados Unidos estejam associadas à obesidade. Segundo essa pesquisa, a probabilidade de morte por qualquer tipo de câncer no país é 52% mais alta entre os homens e 62% entre as mulheres com excesso de peso do que entre os indivíduos dos dois sexos com peso considerado normal. Certos tipos de câncer são mais mortais para os obesos: o de útero para as mulheres e o de fígado para os homens. •
• Parasitas do fundo do mar sob suspeita Ao menos parte do embranquecimento dos corais, que ameaça de extinção metade dos recifes do mundo, pode ser provocada por uma bactéria, a Vibrio shiloi, causadora de uma espécie de malária oceânica, que se alimenta de corais (NewsScientist, 12 de abril). A descoberta, feita por Yossi Loya e Eugene Rosenberg, da Universidade de TelAviv, Israel, por enquanto só vale para o Oculina patagonica,do Mar Mediterrâneo. Mas se abranger outras espécies pode mudar o enfoque da prevenção. Pensa-se que o embranquecimento dos corais se deva ao aumento da temperatura marítima, que poderia ser evitado reduzindo-se as emissões de gás
Recifes: perda de cor pode ser causada por toxinas de parasitas carbônico que aumentam o aquecimento global. Se o embranquecimento tiver origem parasitária, poderia ser evitado combatendo-se o vetor da doença, como se faz com o mosquito da malária. •
• A partícula imprevisível "Ficamos realmente surpresos", reconheceu Marcello Giorgi, da Universidade de Pisa, líder do grupo de físicos responsável pela descoberta de uma nova partícula subatômica - denominada Ds (2317) - realizada por meio do detector BaBar, um equipamento gigantesco que lembra remotamente a Capela Sistina, construído na Universidade
o detecto r
de Stanford, Estados Unidos (Nature, 3 de maio). O que mais surpreendeu os cientistas não foi a nova partícula em si, mas sua massa, bem menor e mais definida do que previsto - e diferente de outras partículas de alta energia cuja massa se torna incerta nas menores escalas. Do ponto de vista do que representa, pode não passar de uma combinação inusitada de quarks, os blocos formadores da matéria: seria algo como um quark orbitando outro ou, talvez, uma espécie de molécula formada por quatro quarks. Essa misteriosa partícula está fazendo os físicos repensarem suas idéias sobre a interação forte, a forma que mantém as partículas subatômicas unidas. •
BaBar: combinações inusitadas de quarks
• O bismuto é instável Durante 50 anos, os cientistas procuraram, em vão, o índice de instabilidade do bismuto209. Mas no ano passado - e por puro acaso - uma equipe de físicos da Universidade de Orsay, na França, descobriu que esse elemento químico é instável (Nature, 23 de abril). A idéia parecia perfeita: construir com germanato de bismuto um detector de matéria escura capaz de resistir a um resfriamento próximo do zero absoluto (-273° C). "Escolhemos o bismuto justamente porque era considerado estável': diz Pierre Marcillac, coordenador da equipe. Certa noite, Marcillac testava seu detector em Orsay quando registrou sete desintegrações radioativas, seguidas de uma emissão de hélio e de 3,2 milhões de elétron-volts. Os pesquisadores tentaram descobrir a origem dessa energia. Não viram nada conhecido, mas havia uma explicação: o bismuto, quando se transforma em tálio, emite um núcleo de hélio e uma energia de 3,137 milhões de elétron-volts - eis a taxa de desintegração nuclear do bismuto, procurada por meio século. •
PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 31
A eterna insatisfação As mulheres sempre acham defeitos no próprio corpo, começando pelo peso, esteja ou não adequado. O que parece uma simples impressão ganha agora respaldo científico. Na Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, a psicóloga Graziela Almeida fez uma pesquisa com 60 mulheres e constatou: a antiga suspeita tem fundamento. Participaram do estudo 30 mulheres realmente obesas e 30 com peso normal para a idade e altura. Graziela pediu a cada uma que desenhasse uma figura humana - era uma forma de descobrir como se viam, se a obesidade acentuada (mórbida) prejudica a au-
• Alerta contra praga no Sul Se nada for feito, pode chegar a qualquer momento uma praga nova às vinícolas do sul do Brasil e do norte da Argentina. É a Homalodisca coagulata, um inseto que carrega a bactéria Xylella fastidiosa e há 150 anos infesta as plantações de uva da Califórnia, Estados Unidos. No Brasil, a Xylella causa a Clorose Variegada de Citrus ou amarelinho, mas é remota a chance de a Homalodisca ser mais um vetar dessa bactéria na região Sudeste, conforme estudo feito por Andrew Townsend Peterson e Daniel Kluza, da Universidade do Kansas, Estados Unidos, e Ricardo Scachetti- Pereira, do Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria). Entretan-
to-imagem e que tipo de associação pode haver entre a variação de peso e a autoimagem. Analisados com base na técnica do Desenho da Figura Humana e descritos num artigo da Psicologia: Reflexão e Crítica, os desenhos indicam que a insatisfação com o corpo é mais comum entre as mulheres obesas: a figura é desproporcional e disforme em relação ao tórax, pernas, braços, cabeça e detalhes da face. Nas entrevistas, as mulheres magras também se julgavam gordas. Graziela trabalha agora com um grupo de 150 mulheres e o reforço da técnica Escala de Desenhos de Silhuetas.
to, com base em um programa de modelagem ambiental que leva em conta as condições climáticas e ecológicas de uma região, os pesquisadores consideram alto o risco de esse inseto deixar a Califórnia e estabelecer-se no sul do país - espalhando bactérias indesejadas como a Xylella.
Os resultados gerem que o mento com o E de quem é
iniciais sudescontentafísico é geral. a culpa? Se-
Bem acima do peso: tórax e mãos grandes demais
Para evitar esse problema, os autores desse estudo - publicado na revista eletrônica Biota Neotropica - recomendam cuidados • redobrados no transporte de material biológico - sobretudo plantas dos Estados Unidos para as áreas produtoras de vinhos no Brasil. •
gundo a pesquisadora, pode ser da cultura atual, que impõe o magro como modelo de beleza •
Ausência de tórax: insatisfação com o corpo
• Um tecodonte quase completo Foi literalmente uma descoberta de peso. Em abril, num bloco de rocha de cerca de 2 toneladas encontrado num sítio pré-histórico do município gaúcho de Dona Francisca, paleontólogos da Uni-
Videiras gaúchas: sob ameaça do mesmo inseto que infesta as plantações da Califórnia
32 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
I
I
0;
" r
! \
/
J ._/ _ Braços curtos e pernas longas: outra imagem distorcida
Em paz com o corpo: proporção correta entre tronco, braços e pernas
versidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) acharam um esqueleto quase completo de um tecodonte, grupo extinto de répteis do qual provavelmente descenderam os primeiros dinossauros e os atuais crocodilos. Da ossada do bicho, um carnívoro que media 6 metros de comprimento e deve ter vivido há 230 milhões de anos, só faltava metade da cauda. A conservação exemplar da porção pós-cranial do esqueleto, especialmente da estrutura de suas patas, alegrou os pesquisadores. Isso porque uma das grandes diferenças entre os tecodontes e os dinossauros dizia respeito à sua forma de locomoção. Enquanto os primeiros eram quadrúpedes, os segundos eram bípedes. "Ainda não sabemos dizer se o fóssil pertence a uma es-
pécie nova ou já conhecida de tecodonte', afirma Cesar Schultz, da UFRGS. "Mas ele está muito bem preservado e pode ser muito útil para estudar a anatomia das patas traseiras nessa fase de transição de quadrúpedes para bípedes." Para ser retirada do sítio pré-histórico e transportada até Porto Alegre, a megaossada petrificada contou com os serviços de uma retroescavadeira e de um guindaste. •
do por não ser eficaz e por afetar o coração, o antimonial pode ressurgir - e com eficiência maior e efeitos colaterais menores. Seria oportuno. Transmitido pelos caramujos Biomphalaria glabrata, o S. mansoni vem desenvolvendo resistência ao praziquantel e à oxamniquina, as drogas mais usadas no seu combate. A esquistossomose hoje atinge 200 milhões de pessoas - dos quais 20 milhões apresentam quadro clínico grave, com danos irreversíveis no fígado e no baço. Uma equipe da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), coordenada por Frédéric Frézard, verificou que o segredo desse aprimoramento está na forma de embalar o remédio. Em vez de aplicá-lo diretamente no sangue de camundongos, os pesquisadores armazenaram o antimônio em nanocápsuIas de gordura - os lipossomos - antes de injetar nos animais. Constataram que os resultados eram surpreendentes somente quando usavam um tipo especial de Iipossomo, chamado furtivo. Recoberto por moléculas de um polímero, esse lipossomo es-
• Nova embalagem para velho remédio Durante décadas desapareceu das farmácias o antimonial trivalente, um dos primeiros medicamentos usados no combate ao Schistosoma mansoni, o verme causador da esquistossomose. Abandona-
Caramujos: vetares do verme
capa ao ataque das células do sistema imune e permanece mais tempo na circulação. Desse modo, é maior a chance de o lipossomo com o antimonial ser consumido pelo S. mansoni, que se alimenta de nutrientes do sangue. Mesmo em doses altas, que eliminaram 80% dos vermes, o medicamento encapsulado não se mostrou tóxico, como revela Frézard em um artigo recém-publicado no International [ournal of Pharmaceutics. •
• Os profundos tremores do Acre Sob os cuidados de geólogos da Universidade de Brasília, começou a funcionar em meados de maio um sismógrafo de alta sensibilidade, com sensores instalados a 100 metros de profundidade, numa reserva de floresta fechada, em Samuel, a 80 quilômetros de Porto Velho, capital do Acre. O equipamento vai registrar a atividade sísmica desse Estado, peculiar por apresentar tremores intensos, com magnitude ao redor de 7, mas raramente sentidos pela população por serem profundos, originados a até 600 quilômetros abaixo da superfície. Se fossem mais rasos, causariam sérios danos às casas, alerta Lucas Vieira de Barros, coordenador do Observatório Sismológico da UnB, que acompanha o tectonismo da região. Os abalos profundos no Acre resultam do mergulho (subducção) da placa de Nazca sob a placa Sul-Americana, sobre a qual está localizada a América do Sul. Poucos dias depois de entrar em operação, o sismógrafo registrou um tremor de magnitude 6,6 no Caribe, norte da Amazônia, cerca de mil quilômetros do Acre. •
PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 33
•
CIÊNCIA
Coração
Resultados dos primeiros transplantes de células-tronco no Brasil acenam com a perspectiva de uso dessa técnica contra a insuficiência cardíaca, uma das principais causas de morte no mundo
RrCARDO
ZORZETTO
vode severas críticas e discussões acaloradas recentes, um tipo especial de célula volta à cena. Desta vez, com boas notícias. São as células-tronco, intensamente estudadas nos últimos cinco anos por causa de sua fascinante peculiaridade: ao se multiplicarem, originam células de diferentes tecidos do corpo, tão distintas como as da pele, dos músculos ou do sistema nervoso. No Brasil, surgem os resultados do trabalho de pelo menos três grupos de pesquisa que, em paralelo com equipes européias e norteamericanas, consolidam as células-tronco como uma opção para - se não curar - ao menos melhorar a qualidade de vida de pessoas com graves problemas no coração, contra os quais os medicamentos não produzem mais os efeitos desejados. Com técnicas distintas, pesquisadores do Rio de Janeiro, da Bahia e de São Paulo concluíram: o transplante de células-tronco é uma alternativa promissora contra a insuficiência cardíaca crônica provocada por hipertensão, obstrução das artérias coronárias e mal de Chagas. Problema em que o coração perde progressivamente a capacidade de
A
34 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
bombear o sangue, a insuficiência cardíaca atinge de 3% a 6% da população mundial e, no Brasil, entre 5 milhões e 10 milhões de pessoas. A equipe da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Hospital PróCardíaco, que exibe os dados mais avançados, obteve recentemente um trunfo internacional pelos resultados a que chegou após dois anos de trabalho, um tempo curto em se tratando de uma área nova em todo o mundo. Em 13 de maio, a Circulation, a mais importante revista científica em cardiologia clínica, publicou um artigo científico no qual os pesquisadores do Rio descrevem os primeiros transplantes de células-tronco em portadores de insuficiência cardíaca crônica. Dos 14 tratados, 12 passam bem e dois morreram, aparentemente por causas não ligadas às aplicações de células-tronco, segundo os médicos. "O projeto só andou rápido porque já existia na UFRJ um modelo de transplante em ratos quando iniciamos o trabalho", reconhece o cardiologista Hans Dohmann, do Pró-Cardíaco. "Aimpressão é que as célulastronco substituem o tecido fibroso por células musculares", comenta Antonio Carlos
~ o
u
z
'"o u
;;;
---------=---------------i~
Campos de Carvalho, da UFRJ, que integra o Instituto do Milênio de Bioengenharia Tecidual, apoiado pelo governo federal. Esse tratamento aumenta a irrigação da parte lesada do coração, permitindo que as células que entraram numa espécie de hibernação voltem a se contrair. mesmotempo, um grupo do Instituto do Coração (Incor) e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) aplicou essas células em nove portadores de insuficiência cardíaca causada por hipertensão, doença de Chagas ou de origem desconhecida. Foram duas técnicas distintas: aplicações ou de células-tronco filtradas do sangue do próprio paciente ou apenas de um hormônio que estimula a liberação de células-tronco da medula dos ossos para o sangue. Quatro meses depois, três saíram da fila de transplante cardíaco, cinco melhoraram bastante e um morreu, algo atribuído à gravidade do estado de saúde em que se encontravam antes de entrar no experimento. "Em vista do número ainda restrito de pacientes, é cedo para assegurar a eficiência dessas técnicas", comenta o cardiologista Edimar Bocchi, da USP,um dos coordenadores da pesquisa. "Mas os resultados apontam uma perspectiva de melhora para essas pessoas, que têm uma doença extremamente grave." Em termos práticos, as equipes do Rio e de São Paulo mantiveram batendo - com boa parte do antigo vigor - o coração de homens e mulheres que não conseguiam mais caminhar pela manhã até a padaria nem se alimentavam mais sozinhos, tamanho o cansaço decorrente da insuficiência cardíaca. Antes do tratamento com células-tronco, a única saída para eles era esperar durante meses por um transplante cardíaco. Se resistissem, enfrentariam uma cirurgia que começa com um corte de 30 centímetros no tórax, termina nove horas mais tarde, exige um mês de recuperação e, no total, sai por cerca de R$ 200 mil. O implante de células-tronco é bem mais simples. Realizado por meio da introdução de um cateter numa artéria que vai da coxa ao coração, dura pouco mais de uma hora, exige apenas dois dias de permanência no hospital e custa dez vezes menos.
K
36 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
Tamanha é a confiança hoje depositada no uso de células-tronco que a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), órgão do Ministério da Saúde que autoriza as pesquisas médicas com seres humanos, aprovou em março a proposta apresentada um ano antes pe10 médico Ricardo Ribeiro dos Santos, coordenador do Instituto do Milênio de Bioengenharia Tecidual e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Salvador,Bahia. Santos pretende começar, ainda este mês, em parceria com cardiologistas do Hospital Santa Izabel, também na capital baiana, um estudo com cinco portadores de insuficiência cardíaca causada pelo mal de Chagas, doença provocada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, parasita que se aloja nas células do coração. Numa pesquisa recente, Santos demonstrou que o emprego desse tipo de célula reduziu de modo duradouro as áreas inflamadas e danificadas do coração de camundongos com Chagas. Pode ser essa uma forma de manter o coração saudável o
suficiente para que, aí sim, se possa combater o parasita, causador de uma doença que infecta 16 milhões de pessoas na América Latina, dos quais 6 milhões no Brasil. Apenas no começo - Mesmo com esses
resultados, ainda serão necessários alguns anos até que esse tipo de tratamento se torne disponível para a população tanto no sistema público de saúde como no privado. Os experimentos estão no início da longa trajetória até a aprovação de novos medicamentos ou procedimentos médicos em humanos. É a chamada fase 1 dos estudos clínicos, cujo objetivo é averiguar se o tratamento é seguro e não causa efeitos colaterais graves. Seguem-se outras duas etapas, em que se analisam a eficácia do tratamento em dezenas e depois em milhares de pessoas. Os pesquisadores brasileiros contornaram as questões éticas associadas ao uso dessas células porque trabalharam com somente um dos dois tipos exis-
tentes. Usaram as células-tronco adultas, produzidas pela medula dos ossos do próprio indivíduo que as recebe mais tarde no transplante. Desse modo, evitaram a polêmica acerca do emprego de outro tipo dessas células, as células-tronco embrionárias, assim chamadas porque são retiradas de embriões com poucos dias de vida. É essa justamente a razão da polêmica: o embrião morre quando essas células são extraídas. Mais versáteis que as adultas, as células-tronco embrionárias são capazes de originar todos os tipos de célula do corpo. Por esse motivo, países com legislação considerada mais liberal, como a Grã-Bretanha, limitaram as pesquisas às células retiradas de embriões descartados em tratamentos de fertilização assistida. Ninguém esquece também a postura conservadora adotada pelo presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, que restringiu o financiamento federal apenas aos estudos com 62 linhagens de células-tronco embrionárias já caracterizadas em laboratório.
muma situação em que o resultado científico recebe uma ajuda do acaso, o projeto do implante de célulastronco no coração nasceu de uma solução em busca de um problema. Em 2000, Hans Dohmann, do Hospital Pró-Cardíaco, no Rio, trabalhava com o cardiologista brasileiro Emerson Perin, do Texas Heart Institute, construindo um cateter especial, com uma fina agulha e sensores capazes de identificar as porções mortas do coração. Nesse mesmo ano, souberam em uma reunião em Hamburgo, na Alemanha, que outra equipe havia terminado o cateter antes deles. Foi também quando os especialistas reconheceram que o dispositivo poderia ser usado na pesquisa com células-tronco. "No avião de volta ao Rio, eu imaginava que dependeria de cooperação com equipes estrangeiras caso quisesse entrar nessa área",lembra Dohmann. Por sorte ele se enganou. No Rio, Radovan Borojevic e Antonio Carlos
E
Campos de Carvalho, ambos da UFRJ, iniciavam a aplicação de células-tronco em ratos com insuficiência cardíaca crônica provocada artificialmente. É algo semelhante ao que se observa quando o acúmulo de gordura nas artérias coronárias diminui o fluxo de sangue para o coração. Essa redução mata algumas áreas do coração, que deixa de bombear sangue de modo eficiente para o corpo. Na tentativa de compensar a falta de força, o coração aumenta de tamanho, chegando ao dobro do normal nos casos mais graves, como pode ser visto na página 35. O sinal verde para o trabalho veio em outubro de 2001, cinco meses após Carvalho e Borojevic constatarem em roedores que as células-tronco se incorporavam ao músculo cardíaco e, mais importante ainda, restauravam ao menos em parte sua capacidade de se contrair. "Ainda não há estudos detalhados que expliquem o que se passa", comenta Carvalho. Pouco a pouco, os pesquisadores do Rio demonstram, de modo pioneiro, que esse tipo de terapia celular restabelece o bombeamento de sangue pelo coração nos casos mais complicados de insuficiência cardíaca, em que o problema se torna crônico e a pessoa sente-se bem apenas quando está sentada. Nessas condições, os medicamentos que impedem o aumento de tamanho do coração - como os betabloqueadores e os inibidores da enzima conversora de angiotensina - deixam de produzir o efeito desejado. Em alguns casos, também se torna impossível tratar o doente com as terapias tradicionais, como a angioplastia, a introdução de um cateter com um balão na ponta, que esmaga as placas de gordura, ou o implante de uma ponte, uma espécie de desvio à área entupida feito com veias retiradas da perna ou da região peitoral. Nos graus mais avançados, a insuficiência cardíaca mata metade dos doentes em seis meses. Antes desse trabalho brasileiro, Bodo Strauer, da Universidade de Dusseldorf, na Alemanha, publicou em setembro de 2002 na Circulation um artigo em que descreve o aumento da irrigação do coração em pacientes que receberam aplicações de células-tronco. O estudo, porém, levava em consideração apenas pessoas que haviam sofrido infarto agudo e parte do coração PESQUISA FAPESP 88 • J UN HO DE 2003 • 37
I I
permaneceu cerca de uma semana sem o suprimento adequado de sangue. Além disso, a capacidade de bombear sangue desses pacientes era superior à apresentada pelos brasileiros - o que torna a recuperação mais simples do que quando o problema se torna crônico. Com a aprovação da Conep, Dohmann e Perin selecionaram os 21 voluntários que integrariam a etapa inicial do estudo clínico. Cada pessoa que se submeteu à terapia com células-tronco passou pelo mesmo procedimento: por meio de um pequeno corte na porção mais alta do quadril, os médicos introduziram uma agulha no osso ílio, que forma as saliências laterais da bacia, e extraíram 50 mililitros de material aspirado da medula óssea. Esse líquido viscoso e vermelho-escuro consiste numa mistura de células, bastante rica em célulastronco adultas, depois separadas em laboratório. evolta à sala de cirurgia quatro horas mais tarde, Dohmann e Perin tinham em mãos o concentrado vermelho vivo de célulastronco. Com o cateter, injetaram 30 milhões delas na parede interna do ventrículo esquerdo - a mais importante das quatro cavidades do coração, que bombeia sangue rico em oxigênio para o corpo. Aplicaram as células-tronco nas áreas em que o músculo cardíaco estava numa espécie de hibernação - inativo, porém vivo. Quatro meses depois, notou-se que o transplante estimulou o surgimento de pequenas artérias na região do coração que havia perdido a capacidade de contrair-se. Com a melhora da irrigação, a área carente de sangue diminuiu 73% e a capacidade de bombeamento do coração subiu de 20% para 29%, o suficiente para permitir que os transplantados elevassem de cinco para quase sete minutos o tempo de caminhada em esteira a passos lentos. "Parece pouco, mas isso permite a essas pessoas realizar atividades que haviam se tornado impossíveis com a insuficiência cardíaca, como trocar de roupa sozinhas", comenta Dohmann.
D
38 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP BB
o mais animador é que até o momento a técnica do grupo carioca parece não ter causado nenhuma complicação grave, como a alteração do ritmo do coração (arritmia), que pode levar a uma parada cardíaca. Os médicos compararam a qualidade de vida das pessoas que receberam as células-tronco antes do tratamento e seis meses depois das aplicações. Em média, elas se encontram em condições iguais ou sllperiores às de norte-americanos de mesma idade. Os sete integrantes do grupo de controle, que tomaram somente medicamentos contra a insuficiência cardíaca, não apresentaram melhora relevante na condição de saúde nesse mesmo período. Segundo Dohmann, eles também devem receber o implante de células-tronco, possivelmente a partir de agosto. Numa segunda fase desse estudo, prevista para começar no final do ano, os pesquisadores cariocas pretendem analisar o desempenho dessa técnica em um grupo maior, composto por 120 portadores de insuficiência cardíaca crônica. Reforço celular - Em São Paulo, os cardiologistas Edimar Bocchi e Dalton Chamone também constatam o aumento da força de batimento do coração, restaurado por técnicas distintas
de tratamento com células-tronco. Em vez de extrair essas células diretamente do osso e injetá-Ias no músculo cardíaco, Bocchi e Chamone contaram com a colaboração do próprio organismo. Durante cinco dias, em média, aplicaram nos pacientes injeções de 600 microgramas de uma proteína especial, o fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos (GM-CSF), que faz as células-tronco migrarem da medula óssea para o sangue. Quando atingiam a concentração adequada, os médicos encaminhavam candidatos a transplante para urna espécie de filtragem do sangue para separar as células-tronco que, em seguida, eram congeladas e armazenadas antes de serem injetadas novamente no sangue. Dos nove pacientes, com idade entre 33 e 65 anos, dois receberam injeção de células-tronco nas artérias coronárias, por meio de um cateter. Os outros sete, apenas injeções de GM-CSF - e todo o trabalho ficou por conta do organismo. Acredita-se que o tecido danificado, como o do coração doente, exerça uma espécie de atração química sobre as células-tronco pela liberação de proteínas que promovem a comunicação entre células, como a interleucina 6 e o fator de necrose tumoral alfa. Não foram só os métodos que variaram.
As pessoas tratadas no Incor tinham insuficiência cardíaca provocada não pelo entupimento dos vasos, mas por causas tão variadas quanto doença de Chagas, aumento da pressão sangüínea (hipertensão) ou ainda aumento de tamanho do coração sem razão conhecida - enfermidade conhecida no jargão médico como cardiomiopatia idiopática dilatada. De um modo geral, a capacidade de bombear sangue e o consumo de oxigênio aumentaram e três doentes deixaram a lista de espera por um transplante de coração. Hoje tomam apenas os medicamentos para controlar a insuficiência cardíaca. Dois deles
o PROJETO Terapias Celulares para Doenças Crônico-Degenerativas COORDENADOR RICARDO RIBEIRO
DOS SANTOS -
Instituto do Milênio de Bioengenharia Tecidual INVESTIMENTO
R$ 5.200.000,00 (Ministério da Ciência e Tecnoloçia), R$ 500.000,00 (Hospital Pró-Cardíaco), R$ 500.000,00 (Fiocruz-BA), R$ 200.000,00 (Faperj)
apresentaram ainda um problema que normalmente atinge 20% dos portadores de insuficiência cardíaca: o entupimento por um coágulo sangüíneo da artéria que leva sangue pobre em oxigênio para os pulmões. "Um aumento aparentemente pequeno na capacidade de bombear o sangue, muitas vezes, representa uma melhora significativa para os doentes", explica Bocchi. Contra Chagas - Em Salvador/Santos, da Fiocruz, e Fabio Vilas-Boas Pinto, do Hospital Santa Izabel, pretendem usar as células-tronco para reverter especificamente os danos que o mal de Chagas produz no coração. Depois de penetrar no sangue, o parasita causador da doença, o protozoário Trypanosoma cruzi, aloja-se no interior das células cardíacas, que disparam o alerta para o sistema imune. Mas o parasita não é o único que perde. As células do coração têm em sua superfície proteínas semelhantes às do tripanossoma e, por essa razão, também sofrem o ataque das células de defesa. Em conseqüência, surgem milhares de cicatrizes dispersas pelo órgão. Tanto na doença de Chagas como no infarto, que leva à morte de uma grande área do coração, o resultado é semelhante: 30% dos portadores do mal de Chagas adquirem a doença na
infância e, por volta dos 40 anos de idade, desenvolvem insuficiência cardíaca progressiva, que leva à morte em dez anos. Quando a insuficiência se agrava,a saída é o transplante cardíaco, pouco eficaz porque os protozoários remanescentes no sangue infectam o órgão recémimplantado. Um agravante do problema é que a infecção pelo tripanossoma é mais freqüente entre a população da zona rural, em especial nas regiões Norte e Nordeste, em que não há programas de transplante de coração. As células-tronco podem amenizar o problema. Em camundongos, como Santos verificou, basta uma injeção intravenosa de 20 milhões de células-tronco associada ao uso do fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos, o GM-CSF,para reduzir a inflamação e o tecido fibroso do coração. Depois de dois meses, os roedores tratados com esse método apresentavam 80% menos células inflamadas e tecido fibroso do que os camundongos que não receberam essa terapia. O mais importante é que esse benefício mostrou-se duradouro: a melhora persistia seis meses depois de os roedores receberem as células-tronco, um período equivalente a quase 20 anos para os seres humanos. No experimento recém-aprovado pela Conep, Santos vai injetar 30 milhões dessas células no interior das coronárias, além do GM-CSF,inicialmente em cinco portadores de insuficiência cardíaca provocada por Chagas. Se a técnica mostrar-se segura, o pesquisador da Fiocruz deverá ampliar e detalhar o estudo com outros 25 pacientes cinco devem receber células-tronco e GM-CSF,dez serão tratados apenas com células-tronco e dez com o medicamento. "Com essa terapia, esperamos reduzir as lesões no coração a um nível mínimo, semelhante ao que ocorre com 70% dos portadores de Chagas, que não desenvolvem insuficiência cardíaca", diz Santos. Se bem-sucedido, o tratamento permitirá que os médicos dêem aos doentes um medicamento para combater o protozoário, o benzonidazol, que, por ser tóxico, atualmente não pode ser usado por pessoas com insuficiência cardíaca. • PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 39
• CIÊNCIA
INTERNET
AVANÇADA
Oportunidade virtual Programa Tidia selecionará projetos de infra-estrutura de rede e ensino a distância
APESP está lançando edital para a inscrição de grupos de pesquisadores no Programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia). Criado em 2001, o programa quer estimular a pesquisa de novas tecnologias para a Internet, oferecendo a infra-estrutura de rede de fibra óptica necessária para a realização de testes de equipamentos (hardware), desenvolvimento de software e criação de conteúdos acadêmicos digitais, com ênfase no ensino a distância. "Vamos tornar disponível uma rede de fibra óptica de alta velocidade para possibilitar experimentos que, realizados em laboratório, podem não refletir o comportamento das tecnologias no mundo real", comenta Luis Fernandez Lopes, presidente da comissão de coordenação do Tidia. O programa, que se apóia na cooperação entre centros de pesquisa e prevê parcerias com a iniciativa privada e o governo, tem três grandes áreas: infra-estrutura de rede, conhecida como test bed, incubadora de
A
40 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
conteúdos digitais e ensino a distância (e-learning). Na primeira, os pesquisadores poderão usar fibras ópticas apagadas, isto é, inativas, para testes. ''A rede será um campo de testes para avaliar, por exemplo, um equipamento para a ampliação de bandas de transmissão ou um protocolo de comunicação", observa Hugo Fragnito, coordenador da área de infra-estrutura do Tidia. Democratização do acesso - A segunda área de pesquisa incluída no programa prevê apoio para pesquisas de desenvolvimento de software e conteúdos acadêmicos, beneficiando projetos de digitalização de bibliotecas, entre outros. "Embora já seja possível consultar dicionários de língua portuguesa na web, não há nenhuma obra integral disponível para download (transferência para o computador)", observa Imre Simon, coordenador da incubadora de conteúdos digitais do Tidia. Por fim, na área de e-learning, o Tidia promoverá a interação entre os pesquisadores de ferramentas de software
e os especialistas na confecção de material didático, para viabilizar, em meio eletrônico, um nível de eficácia similar ao da educação tradicional. ''Aprodução de materiais didáticos que possam ser acessados em qualquer lugar e a qualquer momento demanda um enorme esforço de padronização e grande cuidado para assegurar uma boa interatividade, flexibilidadee facilidade de uso'; comenta Wilson Vicente Ruggiero, coordenador da área de ensino a distância do Tidia. Todas as ferramentas utilizadas nos projetos terão código aberto, ou seja, permitem correção e controle da aplicação. A FAPESP começa a assinar acordos com prestadores de serviços de telecomunicações para oferecer aos pesquisadores uma rede de fibra apagada, ligando, em um primeiro momento, São Paulo, Campinas e São Carlos, à velocidade de 400 gigabits por segundo. Para se ter uma idéia do que isso significa, basta lembrar que as conexões de banda larga domésticas operam a velocidades variáveis entre 256 kilobits e 2 megabits por segundo. •
• CIÊNCIA
BIOLOGIA
Reserva especial Equipe de Minas descobre rede de tubos que armazenam cálcio no núcleo das células
masó pesquisa derrubou dois mitos ao mesmo tempo. O primeiro: no núcleo das células não ficam só os cromossomos, formados por proteínas e pelo DNA, como se pensou durante pelo menos 50 anos. Ali há também, como descobriram pesquisadores brasileiros e norte-americanos, uma rede de tubos que armazenam cálcio - elemento químico essencialpara o funcionamento celular."É a primeira vezque se demonstra que o núcleo contém organelas próprias", comenta Maria de Fátima Leite, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e co-autora desse trabalho, publicado em 22 abril na edição on line na Nature Cell Biology. Maria de Fátima e Michael Nathanson, da Universidade de Yale,Estados Unidos, verificaram que as tais organelas ou compartimentos, chamados retículos nucleoplasmáticos - ocorrem pelo menos nas células do fígado. "É provável que as células do coração, dos músculos e do sistema nervoso também tenham essa estrutura", diz ela. A segunda idéia desfeita é que o núcleo receberia cálcio apenas do citoplasma, a porção gelatinosa que ocupa o espaço entre o núcleo e a membrana externa da célula. É no citoplasma que se encontram compartimentos de funções variadas, a exemplo do retículo endoplasmático liso, espécie de bolsa que guarda cálcio. Os achados dessa equipe sugerem que é possível que o cálcio atravesse a membrana do núcleo, mas não há mais como negar a aparente auto-suficiência do núcleo nesse elemento químico essencial na
U
do núcleo. Depois, conduzido por moléculas transportadoras, o cálcio faz o percurso de volta: atravessa novamente os poros da membrana da rede de tubos e ali fica alojado até ser requisitado outra vez. "Se ficar livre no núcleo ou no citoplasma", diz Maria de Fátima, "o cálcio aciona uma série de reações químicas que podem levar à morte celular." Para descobrir os depósitos de cálcio, os pesquisadores usaram proteínas que funcionam como sondas fluorescentes que, por afiRetículo do núcleo (setas vermelhas) nidade química, aderem ao de células de figado: autonçrnia retículo endoplasmático. Só chegaram a essasconclusões e visualizaram os depósitos de cálcio do regulação da contração muscular, dos batimentos cardíacos, da secreção de núcleo por terem usado um microscó. hormônios, da multiplicação e diferenpio de dois fótons, que, além de uma resolução altíssima, causa menos danos ciação celular e da chamada plasticidade neuronal - a capacidade de o céreàs células que outras técnicas. Há poubro criar rotas alternativas para manter cos equipamentos desse tipo no mundo - um deles está no laboratório de o corpo funcionando ou resgatar a memória. No núcleo, o cálcio pode mudar Nathanson, com quem a pesquisadora brasileira começou a colaborar há dois também a estrutura da molécula de DNA, ativar ou desativar genes. anos. O trabalho que fizeram juntos Citado na seção Editors' Choice da não sugere apenas ajustes nos livrosScience de 9 de maio, o trabalho dos texto, nos quais o núcleo aparece como espaço único dos cromossomos. Afeta pesquisadores da UFMG e de Yaleajuda a entender como um só elemento quítambém a pesquisa de medicamentos mico - ainda que abundante no interior como os usados contra hipertensão ou na regeneração do fígado - cujos efeitos das células - consegue regular tantas funções celulares. O cálcio é liberado de colaterais poderiam ser amenizados à modo seletivo - apenas quando o retímedida que atuem de modo mais preciso no cálcio do núcleo ou do citoplasculo nucleoplasmático é ativado - e asma das células. • sim determina uma ou outra resposta PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 41
• CIÊNCIA
uem leu a edição de 24 de abril da revista inglesa Nature, uma das mais influentes publicações científicas, verificou que uma equipe do Centro de Genoma Humano Chinês, de Xangai, havia seqüenciado o genoma completo da variedade Lai da Leptospira interrrogans, a mais comum da bactéria causadora da leptospirose naquele país. Transmitida ao homem pela urina de roedores e outros animais infectados com o patógeno, a leptospirose é considerada a mais disseminada das zoonoses, as doenças que os bichos transmitem aos seres humanos, especialmente em áreas rurais de clima quente. Tocado por cientistas de uma nação em de42 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
senvolvimento de fora do eixo Europa-Estados Unidos, o trabalho do grupo asiático era, sem dúvida, de relevância internacional. Mas, para os brasileiros, a notícia mais importante sobre a leptospirose não vem do Extremo Oriente, tampouco chegou às páginas de alguma publicação - e era, até agora, mantida em sigilo. Trabalhando com discrição, num projeto concorrente à empreitada chinesa, um time de pesquisadores do Instituto Butantan, de São Paulo, com a colaboração de colegas da filial baiana da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) e de universidades paulistas, também terminou o seqüenciamento integral do genoma de outra linhagem da L. interrogans, denominada sorovar Copenhageni, respon-
sável pela maioria dos casos humanos da doença no Brasil. Pesquisa integrada - Na verdade, o grupo brasileiro fez mais do que simplesmente desvendar a estrutura molecular de um patógeno similar ao mapeado pelos cientistas de Xangai. Deu também um passo certeiro para firmar uma promissora linha de pesquisa com o intuito de desenvolver melhores formas de profilaxia e diagnóstico da leptospirose humana, principal objetivo do projeto. Isso porque, em fevereiro de 2002, um ano e dois meses antes de os chineses terem publicado seu artigo na Nature, os cientistas do Butatan pediram nos Estados Unidos a patente de 24 genes - e suas respectivas proteínas
- identificados no trabalho de seqüenciamento e análise do genoma do sorovar Copenhageni, executado pelo AEG, a rede pública de laboratórios paulistas especializada em genomas da área agronômica e ambiental. "Essas proteínas podem ser úteis para o desenvolvimento de uma vacina contra a leptospirose humana (hoje não há nenhuma) ou de testes mais eficientes para o diagnóstico das diferentes formas sorológicas da doença': afirma Ana Lucia Tabet Ol1erdo Nascimento, do Butantan, coordenadora do projeto com a L. interrogans, financiado pela FAPESP.Tal hipótese se baseia em testes preliminares em laboratório que mostraram que esse grupo de 24 proteínas reage ao contato com o soro sangüíneo de pes-
soas ou ratos infectados com leptospirose. A resposta ao pedido de patente, cujos direitos são extensivos ao Brasil, deve sair no próximo ano. Estudo comparativo - Os pesquisadores do Butantan acabam de concluir um artigo científico comparando os genomas das duas variedades de L. interrogans. Muitas das informações do trabalho, que foi submetido a uma grande revista internacional e aguarda
um sinal verde para sua publicação, ainda são confidenciais. Mas alguns dados gerais, resultantes dessa confrontação, já podem ser divulgados. As duas seqüências genéticas apresentam quase o mesmo tamanho. O sorovar Lai tem quase 4,7 milhões de pares de bases (as unidades químicas que constituem o código genético), divididos em dois cromossomos circulares, um grande e outro pequeno. O Copenhageni apresenta uma estrutura quase análoga, também com dois cromossomos, só que apresenta cerca de 60 mil pares de bases a menos do que a cepa estudada pelos asiáticos. A maior distinção entre as duas variedades diz respeito ao seu provável número de genes e respectivas proteíPESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 43
nas. Em seu estudo, os chineses contaram 4.727 genes e um número semelhante de proteínas no sorovar Lai. Trabalhando com o sorovar Copenhageni, os brasileiros contabilizaram cerca de 3.700 genes ou proteínas. É uma diferença considerável para dois genomas aparentemente tão próximos. "Não acreditamos que haja tantas proteínas a mais no Lai em relação ao Copenhageni', afirma a bioquímica Elizabeth Angélica Leme Martins, do Butantan, colaboradora do projeto. "Pelas nossas análises, esse número deve ser bem menor, em torno de 200 proteínas." Outra contribuição da equipe do Butatan, que também conta com a participação de Paulo Lee Ho e Luciana Leite, foi a descoberta de 250 novas proteínas de superfície no sorovar Copenhageni. Essas proteínas ficam na membrana das células do patógeno e está em contato direto com o hospedeiro, homem ou animal infectado pela L. interroganso Entre esse grupo de proteínas, destacou-se um conjunto menor, de 174 lipoproteínas, que podem ter um maior envolvimento no processo de infecção causado pela bactéria. "Antes de nosso trabalho, apenas dez lipoproteínas haviam sido identificadas na L. interrogans", diz Ana Lucia. "Os chineses descreveram poucas proteínas desse tipo." Nas cidades - Diferentemente do sorovar Lai, típico das alagadiças plantações de arroz da Ásia, palco de grande parte das ocorrências da doença na China, a cepa Copenhageni é a principal responsável pela incidência da leptospirose humana no Brasil, onde houve pouco mais de 46 mil casos confirmados entre 1987 e 2001, com uma taxa anual de mortalidade de 6,5% a 20% dos infectados. Aqui, em vez de ser um problema associado ao campo, a moléstia tem um caráter mais metropolitano. Nas cidades, as pessoas costumam pegar a doença em áreas sem saneamento básico, com lixo acumulado (que atrai ratos) e esgoto a céu aberto, ou na época das enchentes de verão, quando as vias públicas se transformam em córregos imundos e aumenta o risco de contato com água ou terra contaminada pela 44 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
Leptospira interrogans: transmitida principalmente pela urina de roedores
urina de roedores infectados pela bactéria. O rato de esgoto (Rattus norvegicus) , um habitante quase tão urbano quanto o homem moderno, é o principal hospedeiro do sorovar Copenhageni da L. interrogans. Uma vez infectado, o homem pode demorar de dois a 30 dias para desenvolver os sintomas mais comuns decorrentes da presença da bactéria em seu organismo: febre, dor de cabeça, calafrios, vômitos, náuseas e mal-estar geral. Se não tratada com antibióticos, normalmente penicilina ou doxiciclina, a L. interrogans pode afetar rins e fígado e, em casos extremos, levar à morte.
o PROJETO Seqüenciamento do Genoma da Leptospira interrogans MODALIDADE
Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADORA
ANA LUCIA TABET OLLER DO NASCIMENTO- Instituto INVESTIMENTO
R$ 776,526,85
Butantan
Como sua manifestação clínica não difere muito dos sintomas desencadeados por outras doenças conhecidas, como dengue e febre amarela, a leptospirose é, não raro, confundida com outras enfermidades. Para chegar a um diagnóstico com um grau mínimo de confiabilidade, é necessário fazer testes laboratoriais com sangue ou urina do caso suspeito. "Às vezes, mesmo com esses exames, não se consegue precisar qual é o sorovar responsável pela infecção': comenta a Ana Lucia. Pode parecer um detalhe determinar o sorovar de L. interrogans responsável por uma infecção. Mas essa impressão é falsa. Conhecer a variedade da bactéria que desencadeia a doença numa pessoa ajuda a prever a evolução da infecção, visto que há cepas mais e menos agressivas, e é de fundamental importância para a criação de uma vacina contra doença. Isso é ainda mais verdadeiro no caso desse patógeno. Há cerca de 250 sorovares conhecidos de L. interrogans, com graus variáveis de características comuns. Diferenciar um tipo do outro nem sempre é fácil. Do ponto de vista de sua morfologia, de sua aparência externa vista com o auxílio de um microscópio eletrônico, as variedades podem ser consideradas idênticas. Todas são finas e alongadas, com formato em espiral, sem parede celular rígida. "Não dá para distinguir as variedades apenas pela morfologia", explica Elizabeth. O problema é que, se sua constituição física não muda de acordo com o sorovar, outros parâmetros estão longe de ser sempre iguais ou semelhantes nas diversas formas da bactéria. O grau de patogenicidade, local de ocorrência geográfica, hospedeiros mais comuns e vítimas preferenciais (homem ou outro animal, como cão, boi ou roedores) podem variar muito em função da cepa da L. interrogans. Certas formas da bactéria, por exemplo, causam leptospirose apenas no homem, outras infectam somente os animais e ainda existem as que atacam ambos. A Copenhageni e a Lai estão entre as variedades mais virulentas da L. interrogans que atacam o ser humano. No trabalho de comparação do genoma dessas duas cepas, os
II pesquisadores do Butencial agente agressor, tantan acreditam ter normalmente uma ou Brasil e identificado duas promais proteínas, o sisteteínas presentes apema imunológico proChina estudam nas na variedade seduz defesas específicas variedades qüenciada no Brasil (anticorpos) contra o e envolvidas na síntese antígeno que lhe amediferentes da de polissacarídeos, um aça. No caso da lepmesma bactéria tipo de açúcar - que tospirose, devido ao podem facilitar o pronúmero elevado de cesso de diferenciação sorovares da bactéria dos sorovares. "Se concausadora da doença, firmado, esse dado também pode ser ter anticorpos contra uma variedade de importante para a compreensão da L. interrogans não confere, necessariagrande variação antigênica das Leptosmente, proteção contra as demais forpiras", prevê Ana Lucia. mas do patógeno. Num cenário ideal, a vacina perfeiVariedade brasileira - A principal imta contra leptospirose deveria conferir plicação clínica da grande diversidade proteção imunológica contra todas as de patógenos causadores da leptospiroformas da bactéria, ou pelo menos as se é a existência de múltiplos antígenos mais disseminadas. No entanto, o máassociados à doença, cada um deles liximo que se obtém, em muitos casos, é geiramente diferente dos outros. Qualum produto mais focado e específico, quer substância reconhecida pelo orgacapaz de impedir a infecção provocada nismo como de origem externa ou por um ou alguns tipos de sorovares e capaz de lhe oferecer perigo é chamada que se mostra inócuo para outras forde antígeno. Para se defender desse pomas do patógeno. Os países que pes-
ANpROTEC
quisam mais a fundo a leptospirose, que são poucos, tendem a focar seus trabalhos nas variedades mais importantes localmente. Além de China e Brasil, que seqüenciaram sorovares distintos de L. interrogans, os australianos estudam o material genético de outra cepa dessa bactéria. "Temos de fazer as nossas próprias pesquisas com o sorovar Copenhageni, que é a grande causa da leptospirose humana no Brasil, pois nada garante que uma vacina desenvolvida no exterior, contra outra variedade da bactéria, também possa ser útil para nós",diz Ana Lucia. Se as pistas dos pesquisadores brasileiros se mostrarem acertadas e tudo correr dentro do previsto, uma forma de imunização contra a moléstia pode se tornar realidade daqui a cinco ou dez anos. Para acelerar o processo, parcerias com a indústria farmacêutica e pesquisadores da área veterinária, que também têm interesse em novas terapias contra leptospirose, são uma das prioridades do grupo do Instituto Butantan. •
ENDEAVOR
Construindo Empresas para Durar e Crescer
Campinas 2003
,.f:NQJ;:Ayq~
~ ANpROTEC
~l.~q!?~~~SE~AE ~,*,sbr~
PJFINEP
~DlmlõX.lSIPI!UIOI
-s:ao
1\1.atlGtl
llC/OCliOGl,o,
~ PeiéiúiSa
IMIM'. Intel Capital
VOCeSla
RM ~~
GINESE
BN~
• CIÊNCIA
DERMATOLOGIA
"
A flor da pele Cremes de beleza estimulam mais regiões cerebrais em mulheres com epiderme sensível
inguémdúvida de que a pele de dois indivíduos pode reagir - e efetivamente reage - de maneira diferente à aplicação de um creme ou produto de beleza.Algumas pessoas usam enormes quantidades de um cosmético sem apresentar nenhuma forma de irritação. Outras, mal encostam o mesmo produto na epiderme, sentem coceira ou queimação no ponto onde houve a aplicação. Ver o que se passa no cérebro de indivíduos com pele sensível e não sensível pode ajudar a entender melhor o problema? Talvez, a julgar pelos resultados de um recente trabalho. Em colaboração com o Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica (Inserm) e o Hospital Bicêtre, de Paris, pesquisadores da L'Oréal, multinacional francesa da área de cosméticos, mostraram que, ao entrar em contato com substâncias sabidamente irritantes, mulheres com pele classificada como sensível apresentam um padrão de ativação cerebral bastante diferente das que têm pele não sensível. Com o auxílio de imagens obtidas pela técnica de ressonância magnética funcional, capaz de mostrar quais setores do cérebro são acionados por um estímulo, os autores do estudo perceberam que as áreas ativadas entre as mulheres com pele sensível eram em maior número e se distribuíam de forma mais ou menos uniforme entre os dois hemisférios cerebrais. Nas participantes com pele não sensível, a resposta era mais discreta e se concentrava em grande parte no hemisfério oposto à região do corpo onde houve o estímulo. "Temos
N
46 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
a impressão de que a informação (referente ao desconforto cutâneo) chega ao cérebro de todas as mulheres da mesma maneira, mas é tratada de forma diferente de acordo com o contexto, com a sensibilidade da pele': explica o físico francês Bernard Querleux, principal autor do trabalho e diretor de pesquisas da L'Oréal, que esteve no Brasil no mês passado.Parte do estudo foi apresentado no 20° Congresso Mundial de Dermatologia, ocorrido em Paris no ano passado. As respostas do cérebro - Em seus trabalhos, Querleux e seus colaboradores buscam determinar, de forma objetiva, as bases neurais da pele sensível. Tratase de uma linha de pesquisa importante para a indústria de cosméticos, cujos produtos se assentam sobre a epiderme e devem embelezar seus consumidores - e não lhes causar dor ou desconforto. .Na Europa e Estados Unidos, metade das mulheres, o principal público consumidor de cremes para o rosto, tem pele mais suscetívela apresentar reações indesejáveis após a aplicação de um cosmético. Na China, um terço sofre com o problema. Em outras partes do mundo, pelo menos 10% da população feminina tem essa característica, segundo dados da L'Oréal, que investe 3% de seu faturamento anual (algo como meio bilhão de euros) na divisão de pesquisas. Ter pele sensível não é uma condição rara, mas diagnosticar o problema nem sempre é fácil a partir de sinais clínicos ou de medições biofísicas. "É um tema que ainda carrega grande dose de subjetividade': comenta Querleux. "Daí o nosso interesse em estudá-lo,"
Para ver como o cérebro reagia diante de um produto mais agressivo à epiderme, os pesquisadores franceses realizaram um experimento com 18 mulheres, das quais metade dizia ter pele sensível. Pingaram na face esquerda das participantes do estudo uma solução inerte e aplicaram na direita ácido lático, substância normalmente usada como irritante em testes de reatividade cutânea. Durante dez minutos, um aparelho de ressonância magnética registrou o funcionamento do cérebro das mulheres. Esse tipo de equipamento mede mudanças no fluxo de sangue e oxigênio em regiões onde há grande atividade neuronal e gera imagens em que se destacam as áreas cerebrais acionadas por um estímulo. Ao fim do experimento, ainda antes de analisarem as imagens da ressonância magnética, os cientistas já conseguiam facilmente separar as mulheres em dois grupos. As que manifestaram maior desconforto na face direita, onde fora aplicado o ácido lático, faziam parte do grupo previamente rotulado de pele sensível.As que relataram menor irritação nesse lado do rosto eram do time das não sensíveis. Até esse ponto, o estudo parece ser a confirmação do óbvio: quem se declarou com pele sensível sofreu mais os efeitos da substância irritante. O trabalho se torna mais original quando Querleux e seus colegas passaram a avaliar o perfil de ativação cerebral dos dois grupos de mulheres. Havia alguns pontos em comum e diferenças evidentes. Entre os pontos em comum, destacava-se a constatação de que todas as pacientes, com ou seu pele sensível, haviam mostrado um aumento
Irritação na pele: ativando diferentes áreas do córtex em mulheres com pele sensível (acima) e não sensível (no alto)
de atividade neuronal no córtex sensório primário do hemisfério esquerdo cerebral. O córtex é a massa cinzenta que forma a camada mais externa do cérebro. É responsável pelo controle e integração dos movimentos voluntários e dos sentidos e tem centros nervosos ligados à memória, linguagem, pensamento e intelecto. Portanto, nas pacientes cuja face direita havia sido exposta a uma substância que causava desconforto, o registro de atividade neuronal no lado esquerdo do córtex era mais do que esperado. Afinal, o hemisfério esquerdo dirige e sente o lado direito do corpo e vice-versa. No capítulo das diferenças entre os dois grupos de participantes do estudo, apareceram os dados mais interessantes. Apesar de a irritação facial ter levado todas as mulheres a acionar,
em ambos os hemisférios cerebrais, duas subdivisões do córtex (as regiões pré-frontal e do cíngulo), a atividade neuronal registrada nessas subdivisões foi muito maior nas de pele sensível, em especial no lado direito de seu cérebro. Esse dado levou Querleux e seus colegas a pensar que os córtices préfrontal e cingulado podem estar diretamente ligados à maior sensibilidade da pele. "Não podemos esquecer que ter pele sensível é sentir uma dor ínfima, numa escala nanométrica, em razão da aplicação de um cosmético", diz o diretor de pesquisas da L'Oréal, "Por isso, os circuitos neuronais da pele sensível podem ser vistos também como circuitos da dor", afirma Querleux. Além de estudar as bases neurais da pele sensível, os pesquisadores da mul-
tinacional dos cosméticos desenvolvem estudos destinados a aumentar a compreensão sobre o tato. Num outro trabalho feito com auxílio da técnica de ressonância magnética funcional, eles levantaram evidências de que o estímulo neuronal provocado pela aplicação de um creme na mão de uma mulher parece variar em função de um traço básico de sua personalidade. Depois de usarem o produto, as mais imaginativas acionam com intensidade semelhante ambos os hemisférios cerebrais. No caso das mulheres mais objetivas e lógicas, a ativação cerebral tende a se concentrar no hemisfério oposto à mão que recebeu o cosmético. Para a LOréal, o estudo fornece pistas de que um creme pode atuar sobre a porção mais emotiva do cérebro das pessoas, sobretudo das mais sensíveis. • PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 47
• CIÊNCIA
AMBIENTE
Riqueza
tragédia ma das regiões agrícolas mais produtivas do país, o Triângulo Mineiro começa a pagar caro pelo seu desenvolvimento econômico acelerado das últimas décadas. A derrubada desmedida da vegetação natural, intensificada nos anos 60 pelos programas federais de expansão das fronteiras agrícolas, provoca um efeito já sentido pela população: começa a faltar água nas lavouras e nas áreas urbanas de Uberaba, Araguari e Ituiutaba, algumas das principais cidades dessa região de 64 municípios e 1,7 milhão de habitantes. Dá para entender. Quem passa pelo Triângulo Mineiro, no extremo oeste de Minas, só encontra resquícios da paisagem predominante 40 anos atrás. Dessa vegetação natural, o Cerrado, que cobria metade de Minas Gerais, restam apenas 2,4%, dez vezes menos que o exigido por lei, de acordo com um levantamento coordenado pelo geógrafo Samuel do Carmo Lima, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Nos 54 mil quilômetros quadrados de uma das mais ricas regiões de Minas, predominam pastagens e monótonas plantações de soja, milho e cana-deaçúcar no lugar dos hoje raros pequis, sucupiras, paus-terra e outras árvores de até 10 metros de altura, de troncos tortuosos, casca grossa e folhas espessas, notáveis pela resistência ao fogo, misturadas à vegetação rasteira e ao capim. "Existe vegetação natural apenas nas áreas de relevo mais inclinado e nos grotões (depressões profundas entre as montanhas)", conta Lima. Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), seu estudo mostrou que não é só no Triângulo que a área de Cerrado está abaixo do limite imposto por lei: a atual legislação brasileira prevê a conservação de 20% da vegetação natural nas propriedades rurais e proíbe a derrubada da cobertura vegetal que acompanha os rios e córregos, as chamadas matas ciliares.
U
48 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
Restam apenas 2,4 % da vegetação natural do Triângulo Mineiro, dez vezes menos que o mínimo recomendável
Em algumas das outras dez regiões analisadas, o Cerrado praticamente desapareceu - no Vale do rio Jequitinhonha, a região mais pobre de Minas, resta 0,09% dessa vegetação, e na região metropolitana de Belo Horizonte, 0,77%. Em todo o Estado, os remanescentes de Cerrado não passam de um décimo do que já existiu. "Em conseqüência do manejo inadequado e descuidado da terra, estamos perdendo, por ano, cerca de 1 centímetro da camada superficial mais fértil do solo," diz ele. "A erosão, além de diminuir a produtividade, aumenta os custos da produção agrícola." Não é só nas torneiras que a população sofre. Por não cumprirem as exigências legais de preservação da cobertura vegetal do solo, os donos das propriedades rurais vêm recebendo multas que variam de R$ 1.000 a R$ 200 mil, nos casos mais graves, com devastação em grandes propriedades ou loteamentos ilegais na margem de rios. Cristina Garvil,. diretora da Superintendência de Água e Esgotos de Ituiutaba, aponta outro problema: "Os produtores rurais não têm dinheiro para cercar e reflorestar as áreas perdidas." Os planos • Para enfrentar esses problemas, a Associação dos Municípios do Vale do Parnaíba (Anvap) criou uma organização da sociedade civil de interesse público, a Caiapônia Instituto de Saneamento Ambienta!. Por sorte, mesmo com tão pouca vegetação natural, o Triângulo é uma das regiões de Minas com a maior área de Cerrado preservada - algo que deve ajudar bastante a recuperação de áreas devastadas. Lima calcula que 15 mil quilômetros quadrados - quase um terço de todo o Triângulo - precisa ser replantado para as propriedades rurais exibirem a cobertura natural mínima determinada por lei. "Vamos gastar uns dez anos até surgirem resultados mais consistentes, mas estou confiante", diz ele. A um custo estimado em R$ 400 mil, o reflorestamento deve começar ainda este ano, priorizando as microbacias que servem ao abastecimento
II
Uma sobrevivente: existe hoje um décimo do Cerrado que há 40 anos cobria metade de Minas .Gerais
público de água de Uberlândia, Uberaba, Araguari, Ituiutaba e Tupaciguara, as principais cidades da região. Nessas áreas devem ser instaladas cercas para impedir a invasão do gado e permitir que a vegetação natural se regenere, ainda que lentamente. Os pontos de devastação avançada exigirão um trabalho prolongado, com a criação de viveiros de espécies nativas antes do reflorestamento. Caixa d'água - Iniciado nos tempos coloniais, o desmatamento do Triângulo sempre esteve ligado à conquista de espaço para o gado e a agricultura. A derrubada das árvores intensifiou-se, porém, no final dos anos 50, com a construção de Brasília, e se expandiu nas décadas seguintes com os projetos federais de expansão da fronteira agrícola para as regiões Norte e Centro-Oeste. "Os programas federais de instalação de infra-estrutura e os projetos estaduais de apoio à agropecuária nessa região transformaram as áreas do Cerrado, antes vistas
como estéreis, em terras produtivas", afirma Eduardo Nunes Guimarães, do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia. A agricultura, de fato, avançou - talvez demais. Hoje falta água porque desapareceram até mesmo as matas ciliares, que protegem as margens dos rios. Sem elas, os rios recebem a terra proveniente da erosão dos solos e ficam mais rasos. O problema se agrava porque o solo nu retém a água da chuva em menor intensidade. Assim, não tem como manter as reservas subterrâneas de água - o lençol freático, que mantém as matas, as lavouras e as cidades. "O Triângulo ainda é uma caixa d' água para o país", ressalta Lima. Fica ali um dos pontos de abastecimento do Aqüífero Guarani, reservatório que se espraia por baixo do Sudeste e Sul do Brasil e por parte do Paraguai, Argentina e Uruguai. "Mas essa reserva está se esvaziando sem a cobertura vegetal que assegura a reposição de água." • PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 49
• CIÊNCIA
ECOLOGIA
Fluxo invertido Após sucessivas ocorrências do E I N ifío nos anos 90, a Floresta Nacional do Tapajós libera mais gás carbônico do que absorve
Efeito da alteração climática: mais árvores apodrecendo
ados colhidos por uma das 12 torres do Experimento de Larga Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA) que medem quanto entra e sai de dióxido de carbono (C02) - principal gás responsável pelo aumento do efeito estufa, que eleva progressivamente a temperatura média da Terra - em diferentes pontos do ecossistema espantaram os pesquisadores. De acordo com os registros dessa torre, situada a 55 metros de altura num ponto da Floresta Nacional do Tapajós, perto de Santarém, no Pará, esse trecho da Amazônia lança mais CO2 na atmosfera do que absorve. É a primeira vez que uma torre do experimento, capaz de registrar dez vezes por segundo as concentrações emitidas e assimiladas desse composto, aponta uma perda líquida de carbono em alguma parte da floresta. A longo prazo, se esse comportamento persistir, isso equivale a dizer que esse
D
50 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
ponto da floresta (e apenas esse, ao que se sabe) contribui para aumentar o efeito estufa - e não para reduzi-lo, cpmo parece ser o caso da Amazônia como um todo. A constatação de que esse trecho da Floresta Nacional do Tapajós libera mais dióxido de carbono do que absorve foi feita pelo norte-americano Steven Wofsy, da Universidade de Harvard, um dos participantes do LBA, megaprojeto internacional de US$ 80 milhões que, desde 1999, reúne mais de 300 pesquisadores da América Latina, Europa e Estados Unidos, sob a liderança do Brasil. cientista, no entanto, evita fazer qualquer comentário mais geral sobre o papel da Amazônia a longo prazo no balanço global do dióxido de carbono. "Em toda a floresta, esperamos ver diversos padrões, com áreas perdendo e ganhando carbono", disse Wofsy em entrevista à edição de fevereiro da revista Environmental Science & Technology. "No caso específico da
°
torre de Santarém, o déficit anual é de cerca de meia tonelada de carbono por hectare", afirma Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, um dos coordenadores do LBA.
o mar e a floresta - Para Wofsy, a causa do inédito saldo negativo no fluxo de dióxido de carbono medido na torre em Santarém tem relação com efeitos sobre o clima da região provocados na década passada por sucessivos El Niõos, o aquecimento anormal das águas superficiais do Pacífico Sul que altera os índices de chuva e as temperaturas em várias partes do globo. Em razão de quatro EI Niõos registra dos nos anos 90, houve menos chuvas na região do Tapajós e mais árvores sucumbiram à seca prolongada. Com o fim dos efeitos dessa anomalia climática, os níveis de umidade na Amazônia, normalmente altos, voltaram ao patamar usual e aceleraram o apodrecimento da grande quantidade de troncos e vegetais que
não resistiram à estiagem. Resultado: a taxa de decomposição da abundante madeira morta tornou-se tão elevada que os níveis de liberação de dióxido de carbono ultrapassaram os seus índices de absorção pela fotossíntese da floresta. Apesar de a parte viva da mata também ter respondido positivamente ao restabelecimento da umidade na região, o crescimento das árvores sadias leia-se, a assimilação de CO2 - não foi tão expressivo a ponto de superar a quantidade de gás exalada pelo decaimento dos restos de vegetação. A maioria dos cientistas acredita que a floresta tropical é capaz de absorver mais CO2 do que emitir. Em termos práticos, essa visão confere à Amazônia, implicitamente, o papel de retirar uma parte do excesso desse gás presente na atmosfera e, assim, minorar o aumento do efeito estufa. Dados recentes de quase todas as torres do LBA são compatíveis com essa teoria. No entanto, a quantidade de di óxido de
carbono assimilada naturalmente por esse ecossistema é, segundo as medições mais atuais, igualou apenas ligeiramente maior do que a expelida, com um saldo anual positivo entre 1 e 2 toneladas de carbono por hectare de floresta - e não de 6 ou 8 toneladas, como estudos mais antigos chegaram a indicar. Ou seja, o efeito limpante da Amazônia sobre a atmosfera parece existir, mas pode ser bem mais modesto do que se pensava.
Impacto do calor· A perda de carbono detectada pela torre de Santarém, obviamente, não bate com a premissa acima e poderia ser considerada apenas um evento isolado. Uma exceção à regra. Isso até pode ser verdade, mas as inusitadas medições na Floresta Nacional do Tapajós se tornam ainda mais interessantes quando comparadas com os resultados de outro trabalho recente, feito num ambiente semelhante à Amazônia. Num artigo publicado na
edição de 13 de maio da revista científica Proceedings of the National Academy of Sctences, dos Estados Unidos, pesquisadores da Universidade de Missouri sugerem que as árvores da floresta tropical de La Selva, na Costa Rica, crescem menos e tornam negativo seu balanço de carbono em períodos mais quentes, sobretudo em anos com EI Nino pronunciado como na temporada 87 -88. Depois de analisar o fluxo de carbono de 1984 a 2000 em La Selva, os autores do estudo perceberam que, quando as temperaturas se elevavam demais, a vegetação arbórea da região passava a emitir mais CO2 do que absorver. Como se vê, se o assunto é perda de carbono em ano de EI Nino, as florestas de Santarém e La Selva parecem exibir comportamento semelhantes. "Para elucidar a influência do ecossistema tropical sobre o efeito estufa, precisam ser feitas medições em outros locais e por prazos ainda mais longos", comenta Artaxo. • PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 51
• CIÊNCIA
FÍSICA
A força do vácuo Equipe da US P descobre os limites de uso da equação de onda de Schrôdinqer; uma das mais empregadas no estudo do átomo CIIRLOS
FIO]{;\VIINTI
ilho de médico, Aristóteles aprendeu desde pequeno a exibir segurança em tudo que dizia. Mais tarde, o sábio grego formulou a tese de que a natureza e o vácuo não combinam. Quase 3 mil anos depois, porém, () vácuo deixou de ser sinônimo de vazio e tornou-se um reservatório inesgotável de energia que não pode mais ser desconsiderado. I~ o vácuo que fornece energia para os elétrons - partículas atômicas com carga elétrica negativa e os mantém em movimento ao redor do núcleo atômico. Aristótclcs se surpreenderia se soubesse que, sem essa energia, os objetos não teriam se formado. Não haveria nada além de uma sopa de elétrons e prótons - partículas com carga positiva - que não conseguiriam se organizar em átomos. Foi levando em conta o vácuo que pesquisadores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) compararam as duas equações que fornecem a energia mínima do átomo arnbas foram criadas no início do século passado, quando o vácuo ainda era visto como espaço vazio, por dois expoentes da ciência moderna, o alemão Wcrncr Hciscnbcrg e o austríaco Erwin Schriidinger. Os físicos da USP constataram que apenas a formulação de Heiscnbcrg funciona de modo satisfatório quando as forças do vácuo S,lO consideradas. Desse modo, estabeleceram os Iim ites de uso de uma das fórmulas mais usadas no estudo do comportamento dos átomos, a cha-
F
52 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
mada equação de onda de Schrõdinger - incluindo o vácuo, a equação de Schrõdingcr resulta em um valor incorreto para a energia mínima do átomo. Ao mesmo tempo, os físicos paulistas desfizeram a antiga idéia de que as duas abordagens seriam sempre equivalentes e levariam ao mesmo resultado a respeito da energia mínima do átomo - uma informação essencial para entender, por exemplo, a que temperatura um metal derrete. Estudantes, engenheiros e físicos certamente hão de gostar da notícia porque a equação que indica corretamente a energia do átomo é a de Hcisenberg, mais simples e mais fácil de ser trabalhada que a outra. A equação de onda de Schrõdingcr continua útil, mas lidar com ela exiginí um pouco mais de atenção a partir de agora. "De maneira ainda não compreendida, os efeitos das forças do vácuo já estão incluídos em algum elemento da formulação de Schrõdingcr", observa Coraci Pereira Malta, uma das autoras do estudo, publicado em dezembro na Physics Lettcrs A. "Só não sabemos como Schrõdinger conseguiu, já que não conhecia as forças do vácuo." O trabalho - em coautoria com Humberto França e dois de seus alunos, Alcncar Faria e Rodrigo Sponchiado. todos da USP - demonstra que o resultado da equação de Heisenberg com o vácuo é equivalente à de Schrüdinger sem o vácuo. "Provamos que Schrüdinger estava mesmo errado ao dizer que sua formulação e a de Heisenberg eram equi-
valentes", comenta Coraci, Para não parecerem pretensiosos a ponto de destronarem um dos fundadores da mecânica quântica, ela elabora uma versão mais modesta para explicar o que fizeram: "Confirmamos o que Dirac havia suspeitado". Partículas solitárias - O britânico Paul Dirac redescobriu o vácuo em 1927. Já haviam se passado quase 20 anos desde que esse tipo de energia tinha sido proposto pelo alemão Max Planck, o descobridor das primeiras leis do estranho mundo da mecânica quàntica, no qual as partículas atômicas adquirem comportamentos aparentemente absurdos - podendo estar em dois lugares ao mesmo tempo ou ir de um ponto a outro sem passar pelo meio. Em 1963, Dirac levantou a possibilidade de que os dois caminhos para calcular a energia mínima do átomo, o de Hcisenbcrg e o de Schrüdinger, nào levariam ao mesmo resultado. Dirac chegou a essa conclusão valendo-se de cálculos sofisticados, que descrevem a intcração do elétron com as forças eletromagnéticas do vácuo. Suas conclusoes permaneceram desconhecidas até serem resgatadas pelo grupo da USP no ano passado. Os físicos paulistas chegaram ao mesmo resultado de Dirac com um modelo conceitual bastante simples, equivalente a um elétron imcrso no vácuo vibrando na ponta de uma mola. É o chamado oscilador harmônico simples com carga elétrica, o mesmo que pode
As reportagens de Pesquisa FAPESP retratam a construção do conhecimento que será fundamental para o desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução sem perder nenhum movimento.
• Números atrasados Preço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem. Tel. (11) 3038-1438
• Assinaturas, renovação e mudança de endereço Ligue: (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418 Ou envie um e-mail: fapesp@teletarget.com.br
• Opiniões ou sugestões Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500 São Paulo, SP 05468-901 pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: cartas@fapesp.br
• Site da revista No endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.
• Para anunciar Ligue para: Nominal Propaganda e Representação: tel. 5573-3095
movimento independentes do tempo - o elétron não é mais visto como partícula, mas como onda. Seu enfoque resultou em uma equação um tanto mais complicada que a de Heisenberg. Mas Schrôdinger garantia: ambas levavam aos mesmos resultados. Não foi, porém, o que se verificou no final do ano passado. Os físicos da USP acrescentaram as forças do vácuo à fórmula de Heisenberg e, sem problema algum, chegaram ao valor correto para a energia mínima do elétron oscilando na ponta de uma mola. Ao fazer o mesmo com o enfoque de Schrõdinger, notaram que a energia do elétron simplesmente dobrava e conduzia a situações estranhas - seria como dizer que uma pessoa comum de quase 2 metros pode ter até 4 metros de altura. A equação de Schrõdinger só funcionava com perfeição sem as forças do vácuo - a altura máxima das pessoas voltou a ser 2 metros. Vem daí a recomendação prática: não adicionar as forças do vácuo à equação de onda de Schrõdinger, xceto nessa situação, o vácuo não pode mais ser desprezado. O próprio elétron parece perceber esse tipo de energia dispersa no espaço, como uma mosca encharcando-se de umidade momentos antes de uma chuva começar. "O elétron emite e absorve radiação do vácuo a todo momento': diz França. "E só mantém a órbita estável porque emite o mesmo tanto de energia que absorve." Embora quase imperceptível à temperatura ambiente, o vácuo atua de modo semelhante a um campo magnético, resultado da ação de um ímã comum, e consegue aproximar duas placas metálicas neutras, paralelas e mantidas a uma temperatura próxima do zero absoluto (-273° Celsius), como já demonstrado experimentalmente - é a força de Casimir, identificada em 1954. Mesmo que não seja tão conhecido quanto a eletricidade, o vácuo é mais intenso que a gravidade, a mais tênue e abrangente das forças que regem o
E
Campo magnético sobre um cilindro: semelhante ao vácuo
Universo. A força de Casimir torna-se 16 vezes maior se a distância entre as duas placas cai à metade, enquanto a gravidade apenas quadruplica. Ainda falta provar, mas se imagina que o vácuo possa ser a misteriosa energia escura, correspondente a 730/0 do universo. De imediato, além de explicar a composição do cosmo, o vácuo tornou-se importante por representar uma forma de energia aproveitável, até mesmo para substituir a eletricidade. Essa possibilidade surgiu apenas alguns anos depois de a teoria quântica ter se tornado consistente, como resultado do trabalho conjunto de um grupo de físicos notáveis que incluía Dirac, Schrõdinger e Heisenberg. Em 1928, quando começavam a ser esclarecidos os fenômenos que permitiriam a construção dos aparelhos de som e da televisão, o norte-americano Harold Nyquist previu que o vácuo poderia interferir em circuitos elétricos. Com base nessa idéia, França, da USP, e uma equipe de duas empresas norte-americanas, a Mission Research e a ManyOne Networks, projetaram um equipamento que, se der certo, conseguirá extrair energia útil do vácuo. O aparelho consiste de uma bobina de 2 centímetros de diâmetro resfriada a -270° Celsius que deve funcionar como antena para captar a energia do vácuo. "Dependendo da forma como é enrolada, a bobina, a princípio, pode cancelar ou aumentar o poder de captação da energia do vácuo", diz França. O plano é montar e testar o experimento ainda este ano, desde que superados os problemas com o orçamento. O protótipo não sairia por menos de R$ 150 mil. •
• CIÊNCIA
FÍSICO-QUÍMICA
Desordem simplificada Equipe de Campinas e do M IT elabora método que facilita o cálculo da entropia
ais do que um conceito obscuro, a desordem é uma quantidade física que pode ser medida, da mesma forma que o comprimento de um lápis. A aparente confusão que acompanha um prosaico café se espalhando na xícara de leite é a chamada entropia, hoje calculada em computador por pelo menos 20 abordagens diferentes. Como essas técnicas são complicadas e trabalhosas, uma equipe da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, criou um método mais simples que leva aos mesmos resultados: é o Reversible Scaling (RS), que, segundo seus autores, chega a ser 40 vezes mais rápido para calcular a entropia e a energia livre para grandes intervalos de temperatura. Energia livre é a parcela da energia contida em um sistema físico que pode ser convertida em trabalho útil - por exemplo, apenas uma parte da energia química contida em 1 litro de gasolina é transformada em movimento de um automóvel. "O interesse em calcular a entropia e a energia livre é que elas sempre apontam o caminho pelo qual a natureza se desenvolve espontaneamente", diz Alex Antonelli, do Instituto de Física da Unicamp, um dos autores do programa, feito em conjunto com seu ex-aluno Maurice de Koning, hoje no MIT, e Sidney Yip, um dos pioneiros na simulação computacional de sistemas físicos, também do MIT. No caso da água virando gelo, a energia livre da água é menor para o estado líquido do que para
o sólido em temperaturas superiores a 0° Celsius. Mas a situação se inverte em temperaturas abaixo desse patamar essa é a razão pela qual a água congela quando resfriada a zero grau. "O estado de menor energia livre sempre predomina', diz o pesquisador. É também um delicado balanço da energia interna e da entropia - vale dizer, da energia livre - que determina a estrutura espacial das proteínas de qualquer ser vivo.
o espalhamento de um líquido: movimento espontâneo
a público em 1999 num artigo na Phy-
sical Review Letters. Das células ao calor da Terra - O método tradicional mais usado, o Integração Termodinâmica, ou TI, exige de cinco a dez simulações em uma dada temperatura para se obter a entropia ou a energia livre nessa dada temperatura. Apoiado pela FAPESP, o recém-criado RS parte de uma temperatura específica, da qual se conhece a energia livre, e a muda de modo dinâmico e lento, com uma só simulação - vem daí o ganho .de tempo. "Ninguém pensou antes em adotar essa abordagem porque se achava que não daria certo", conta Antonelli. Imaginado por Koning, o RS veio
o PROJETO Grupo de Propriedades Eletrônicas e Estruturais e Semicondutores
de Metais
MOOALIDADE
Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR ALEX ANTONELLI - Instituto de Física da Unicamp
INVESTIMENTO
R$ 25.599,18 e US$ 37.482.32
Adotado por pesquisadores renomados, como o químico William Reinhardt, da Universidade de Washington, ganhou uma descrição detalhada em dezembro de 2001 no [ournal of Chemical Physics. Em janeiro, a Nature Materiais publicou um artigo de três páginas sobre essa nova abordagem, assinado por Yip. O RS não é um programa de computador, mas um método de domínio público. Por essa razão, lembra Antonelli, cada pesquisador deve adaptá-lo a seus problemas específicos. Por exemplo, um grupo gaúcho está interessado em usar essa abordagem para calcular a energia livre dos íons (partículas atômicas eletricamente carregadas) que atravessam as membranas celulares. O RS pode ser útil também no estudo das propriedades de materiais, quando a simulação é o único caminho. Recentemente, com uma abordagem que, segundo Antonelli, poderia ser feita em um tempo dez vezes menor com o RS, uma equipe inglesa estimou em cerca de 6.500° Celsius a temperatura do ferro líquido no centro da Terra. • PESQUISA FAPESP BB • JUNHO DE 2003 • 55 I/
o
SeI
Biblioteca de Revistas Científicas disponível na Internet www.scielo.org
Notícias • BOTÂNICA
Flora nativa Como era a vegetação nativa do Brasil quando as caravelas de Pedro Álvares Cabral desembarcaram em 1500? Nesta viagem pela botânica do descobrimento, Tarciso S. Filgueiras e Ariane Luna Peixoto debruçaram-se sobre a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manoel, considerada a "certidão de nascimento do Brasil': para uma leitura da percepção do mundo vegetal pela frota cabralina. O resultado está no artigo Flora e Vegetação do Brasil na Carta de Caminha. Os pesquisadores procuraram nas palavras de Caminha referências a morfologia e taxonomia vegetal para buscar, em seguida, os possíveis nomes botânicos aos termos empregados pelo escrivão português. A carta de Caminha apresenta 118 menções a plantas ou associações de plantas. Descontadas as repetições, são mencionadas 45 termos botânicos, 31 diretos (ex.: ervas, lenha, inhame) e 14 indiretos (ex.: arco, rede, cruz). Das referências diretas, cinco (arroz, castanheiro, figos, legumes, trigo) descrevem plantas conhecidas dos europeus e as demais dizem respeito à flora nativa. Segundo a carta histórica, os primeiros recursos vegetais explorados pelos portugueses foram "lenha" e "palmitos". O texto de Caminha não confirma a presença de uma cruz durante a celebração da primeira missa no Brasil, como retratado na célebre pintura de Victor Meirelles. O texto afirma que a cruz foi colocada por ocasião da segunda missa. ACTA BOTÂNICA BRAS/UCA - VOL.
16 -
N°
3 - JUL./SET. 2002
www.scielo.brlscielo.php?script=sci_arttext&pid=S01
02-3306
2002000300003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
• SAÚDE
Drogas em família Notícias de pais que matam os filhos viciados em drogas, ou jovens que atacam avós em busca de dinheiro, rechearam os jornais nos últimos meses. Na análise das re-
56 . JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
lações entre a família e jovens que fazem uso abusivo de drogas, Maria Cecília de Souza Minayo e Miriam Schenker, no artigo A Implicação da Família no UsoAbusivo de Drogas: Uma Revisão Crítica, destacam a importância de engajar a família no tratamento do adicto e alguns estudos ampliam o foco para engajar contextos sociais múltiplos (família, amigos, escola, comunidade e sistema legal) no tratamento do adolescente. "Os pais, ou figuras substitutas, têm dificuldade em passar normas e limites para seus filhos. Há pouca habilidade para criá-los e educá-los, advindo daí uma má qualidade de vínculos familiares", observam. "As crianças e os adolescentes aceitam a autoridade dos pais, o estabelecimento de regras claras e coerentes e a imposição de limites, quando há uma relação de confiança e afeto entre eles. Famílias disfuncionais geralmente têm pais ainda imaturos na forma de relacionar-se com os filhos. Inúmeras vezes, os pais são mais adolescentes que os filhos, pois se apresentam como e não se posicionam como educadores, figuras de autoridade, de confiança e de respeito para os adolescentes." CIENCIA E SAÚDE COLETIVA - VOL.
8-
N°
1 - 2003
www.scielo.brlscielo.php7script=sci_arttext&pid=S1413-8123 2003000100022&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
• HISTÓRIA
A evolução da anestesia Por que se levou tanto tempo para o homem controlar a dor? Como era o mundo quando se deu a descoberta da anestesia? O artigo O Alvorecer da Anestesia lnalatória: uma Perspectiva Histórica, de Cláudia Regina Fernandes e Ricardo Iakson de Freitas Maia, da Universidade Federal do Ceará, aborda o ato cirúrgico, a dor e a anestesia desde a cultura helênica até a primeira anestesia oficialmente reconhecida, feita por William T. G. Morton em 1846. Resgata as experiências cirúrgicas na Idade Média (500-1400), na qual o controle da dor por meio de ervas ou outros compostos químicos podia ser interpretado como magia ou bruxaria pela Santa Inquisição, A doença, a dor e o sofrimento eram vistos como castigos divinos para purificação da alma. Os autores também enfocam os valores, a cultura e o desenvolvimento científico no século 19, correlacionando-os com os eventos que marcaram o advento da anestesia. "Não seria justo atribuir o mérito da descoberta da anestesia a uma única pessoa. As peculiaridades históricas que be-
neficiaram ou prejudicaram um ou outro pesquisador não podem ser esquecidas", destacam. REVISTA
BRASILEIRA
- VOL.
DE ANESTESIOLOGIA
52 -
N°
6-
Nov./DEZ. 2002 www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-7094 2002000600015&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
Antigranizo em Algumas Características dos Frutos de Macieira. Os pesquisadores concluíram que a temperatura do
• PSICOLOGIA
o valor do dinheiro
ar no ambiente sobre proteção da tela fica 0,5 C a 1,5 C inferior ao ambiente sem proteção, enquanto a umidade do ar aumenta no ambiente protegido. As telas apresentaram 100% de eficiência na proteção dos frutos aos danos por granizo. A cor vermelha é a variável que sofre maior influência (redução) do sombreamento provocado pela tela. Os efeitos do sombreamento sobre a produção variaram de ano para ano, conforme as condições climáticas. Eles concluíram que telas antigranizo, com níveis de sombreamento inferiores a 12%, são aconselháveis para reduzir os efeitos negativos na coloração dos frutos. 0
o dinheiro tem significados diferentes nas diversas regiões do Brasil. Um trabalho feito por Alice da Silva Moreira, da Universidade Federal do Pará, denominado Dinheiro no Brasil: um Estudo Comparativo do Significado do Dinheiro entre as Regiões Geográficas Brasileiras, detectou influências socioeconômicas e culturais sobre esse significado. O estudo foi feito com 760 pessoas, sendo 60% mulheres, com idades, ocupações e rendas variadas e mais de cinco anos de residência no local. Elas atribuíram uma escala de 1 a 5 para a relação do dinheiro com os componentes Desigualdade, Progresso, Cultura, Poder, Desapego, Conflito, Estabilidade, Sofrimento e Prazer. Os resultados indicaram diferenças significativas em todos os componentes, exceto Prazer e Sofrimento, e padrões diferenciados: maior Estabilidade no Norte, maior Conflito e Desapego no Nordeste, menor Estabilidade e Poder no Distrito Federal, menor Conflito e Poder no Sul, e no Sudeste, maior Poder, Desigualdade, Cultura, Prazer e Sofrimento e menor Desapego. Exame separado da região Sudeste indicou maior diversidade interna do que entre as regiões do país. "Esses resultados permitem concluir que o dinheiro assume dimensão de preocupação eminentemente social em nosso país, contrastando com a tônica das pesquisas conduzidas em outros contextos, que têm focalizado as dimensões de' significado do dinheiro relacionadas ao nível individual", conclui a pesquisadora. ESTUDOS
DE
PSICOLOGIA
(NATAL) -
Brasil. Se as frutas forem atingidas logo após a floração, ficam deformadas. Em frutos maiores, os danos por granizo resultam em lesões que favorecem a entrada de patógenos, impossibilitando, muitas vezes, sua cornercialização. Uma das alternativas para evitar os danos com o granizo é o uso de uma tela de náilon que protege as macieiras. Gabriel Berenhauser Leite, José Luiz Petril e Márcia Mondardo analisaram os efeitos do sombreamento provocado pela tela de proteção antigranizo na qualidade das maçãs. Os resultados estão no artigo Efeito da Tela
VOL.
7 -
N°
2 -
JUL./DEZ.2002 www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X 2002000200019&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
• FRUTICULTURA
Maçãs protegidas
REVISTA
BRASILEIRA
24 -
N°
3 -
DEZ. 2002 www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S01
00-2945
2002000300037&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
• RADIOLOGIA
Detectando a apendicite Aproximadamente 35% das apendicites agudas têm diagnóstico clínico pré-operatório duvidoso ou incorreto, principalmente quando ocorre em grávidas e crianças. A ultra-sonografia, em virtude do seu baixo custo e facilidade de acesso, tem-se mostrado um método diagnóstico importante. No artigo O Uso da Ultra-Sonografia no Diagnóstico e Evolução da Apendicite Aguda, Arquimedes Artur Zorzetto, Linei Augusta Brolini Dellê Urban, Christian Bark Liu, alivia Russo Cruz, Maria Luiza Malfi Vitola, Yumi Awamura e Alessandra Bettega Nascimento, da Universidade Federal do Paraná, fazem um relato de 14 casos de ultra-sonografias abdominais realizadas no período de janeiro a julho de 2001, em pacientes que se apresentavam com quadro de abdome agudo. Com imagens colhidas nos exames, os pesquisadores tentam orientar o ultra-sonografista no diagnóstico precoce da apendicite. "Esse diagnóstico precoce é essencial para minimizar a morbidade, que se mantém elevada se ocorrer perfuração': destacam. Uma análise correta do exame de ultra-sorn é fundamental para um diagnóstico correto. Apresentações atípicas resultam em diagnósticos confusos e atraso no tratamento. RADIOLOGIA
As chuvas de granizo são uma constante ameaça para as macieiras. Estima-se que as perdas anuais por granizo podem chegar a 20% da produção de maçã no Sul do
- VOL.
DE FIWTICULTURA
0
BRASILEIRA
- VOL.
36 -
NO
2 - MAR./ABR.2003
www.scielo.brlscielo.php?script=sci_arttext&pid=S01
00-3984
2003000200004&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 57
ITECNOLOGIA
I.
LINHA
DE
PRODUÇÃO
MUNDO
Baterias para o campo de batalha Onde conseguir uma bateria leve, poderosa e versátil para garantir o funcionamento do sofisticado aparato eletrônico que um soldado carrega para o campo de batalha? Pesquisadores do PNNL (sigla em inglês para Laboratório Nacional do Nordeste do Pacífico), órgão do departamento de Energia dos Estados Unidos, conseguiram desenvolver o menor sistema conversor de combustível capaz de alimentar aparelhos portáteis e sem fio, além de sensores e outros equipamentos. Pouco maior que um isqueiro descartável, o novo sistema converte combustívellíquido em eletricidade por meio de um proces-
• Rolhas de vinho descontaminadas A culpa é de dom Pérignon monge francês que resolveu inovar, trocando as antigas rolhas de madeira pelas de cortiça, para conservar as bolhas do champanhe produzido em seu mosteiro. Não fosse o sucesso e a proliferação de sua invenção, ninguém talvez tivesse ouvido falar em TCA - ou 2,4,6-tricloroanisole, composto químico que, estima-se, ataca cinco em cada 25 rolhas de garrafas de vinho, deixando a bebida com um gosto geralmente descrito como de jornal molhado. Tão potente é o efeito que, segundo o enólogo norte-americano Christian Butzke, uma só co-
tituição da cortiça por outro material - e os fabricantes como os de Portugal, maior produtor de cortiças do mundo - cruzam os dedos para que funcione. Mas é difícil evitar a questão: por que não trocar as rolhas de cortiça por roscas de metal ou plástico, inovando, como fez dom Pérignon? •
• Novos sensores monitoram vulcões Miniprocessador
de combustível:
sador equipado com uma célula a combustível em microescala desenvolvida pela Universidade de Western Reserve, de Ohio. Integra o sistema o revolucionário reformador de combustível desenvolvido pela PNNL, que possibilita a conversão de uma mistura de com-
lher da substância bastaria para contaminar a produção vinícola de um ano inteiro nos Estados Unidos. Desde encapar a cortiça até submetê-Ia a tratamentos com radiação e microondas, já se tentou de tudo para eliminar ou, pelo menos, amenizar o problema. A última sugestão vem de Sabaté Diosos, fabricante de rolhas de Paris, em colaboração com pesquisadores da Comissão de Energia Atômica da França (CEA). A idéia é produzir um sistema que utilize dióxido de carbono para eliminar as moléculas agressoras, em um processo semelhante ao empregado para descafeinar o café. Embora mantenham os detalhes em segredo, técnicos da CEA dizem que se
58 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
tamanho de uma moeda
bustívellíquido e água em gás rico em hidrogênio. A célula a combustível, então, converte hidrogênio e oxigênio em eletricidade. "Nosso miniprocessador incorpora várias operações em um único aparelho", diz Evan Iones, chefe dos pesquisadores da PNNL. •
trata de submeter a cortiça a um processo de "lavagem" que eliminaria o TCA sem comprometer a elasticidade e a permeabilidade da rolha. O conservadores - que não querem nem ouvir falar na subs-
Cortiça: tradição vinícola
Ninguém tem dúvidas do quanto seria benéfica a possibilidade de manter vulcões sob monitoração contínua. Afinal, como se diz em Nápoles, a pergunta não é se o Vesúvio vai entrar em erupção, mas quando. Infelizmente, nunca houve equipamento capaz de, digamos, monitorar permanentemente a atividade dos vulcões. Uma nova geração de sensores ópticos, porém, parece querer tornar essa realidade possível. Foi assim que, em maio, a cidade de Bacoli - situada dentro da cratera de um vulcão extinto nas proximidades de Napóles tornou-se um local perfeito para receber o primeiro Congresso Internacional sobre Métodos Ópticos nas Ciências da Terra. O objetivo do encontro era informar os vulcanologistas do potencial dos novos sensores ópticos e apresentar-Ihes técnicas que incluem espectroscopia na região do infravermelho (FTIR) e outros métodos passivos que utilizam o sol como fonte de luz. É verdade que, em matéria de vulcões e terremotos, permanece impossível fazer previsões precisas, mas nunca se dispôs de tantos recursos para tentar. •
Culinária ganha reforço
Tela mostra visão em perspectiva do caminho para o piloto
mais seguros com rota virtual
• VÔOS
A empresa de aviação Boeing e a agência espacial norte-americana Nasa estão testando um novo sistema de representação visual para navegação aérea que tornará o vôo mais seguro e, ao mesmo tempo, aumentará a capacidade dos atuais aeroportos. A tela, que será colocada nas cabines de comando dos aviões, mostrará ao piloto uma rota virtual até o seu destino. O sistema está sendo testado em um simulador instalado a bordo de um helicóptero UH-60 Blackhawk. As provas, realizadas entre 12 e 16 de maio, tiveram como objetivo certificar a capacidade do sistema, batizado de Guia de Vôo em Perspectiva, ou PFG, do inglês Perspective Flight Guidance. O PFG será especialmente útil para aeroportos próximos a áreas densamente povoadas ou afetados por condições meteorológicas adversas. O coordenador do projeto, William Hindson, do Centro de Pesquisa Ames, explicou que o sistema apresenta uma visão em perspectiva dos próximos 60 segundos da rota ideal da aeronave. Baseado na informação do plano de vôo, traça qua-
tro linhas segmentadas, que criam um caminho virtual tridimensional apropriado para o piloto. Além disso, inclui informes sobre a navegação e as mudanças de altitude necessárias para seguir a rota. O programa também pode antecipar onde estará a nave dentro de 4,5 segundos, baseando-se no comportamento do piloto. •
Uma nova variedade de arroz especialmente desenvolvida para ser utilizada em pratos da culinária oriental, como o sushi, foi apresentada pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC). A pesquisa teve início em 1992, quando o IAC começou a trabalhar com tipos especiais de arroz, destinados a atender à demanda de nichos específicos de mercado. A nova
variedade, batizada de IAC 400, apresentou produtividade média de 5.200 quilos por hectare, semelhante à dos tipos tradicionais de arroz irrigado. Para o tipo especial, essa produtividade é considerada excelente, segundo o pesquisador do IAC Luiz Ernesto Azzini. "O sistema de plantio é idêntico ao dos tipos tradicionais, irrigados por inundação", relata Azzini. •
Variedade de arroz nacional do IAC: ideal para o sushi
• Mudança garantiu papel inovador A DuPont começou suas atividades em 1802 como uma fábrica de explosivos. Um século depois, em 1903, percebeu que era preciso diversificar. Para isso, criou um dos primeiros laboratórios de pesquisa e desenvolvimento dos Estados Unidos, batizado de Estação Experimental, na cidade de Wilmington, com o objetivo de estudar a química voltada para o setor de celulose. Hoje, contabiliza 75 desses centros espalhados pelo mundo, dos quais 35 em território norte-americano, que empregam 2 mil pesquisadores responsáveis pelo desenvolvimento de pesquisas nas áreas de nanotecnologia, tecnologia de displays, células a combustível e biomateriais. •
• Ceará monta seis incubadoras Seis cidades do interior do Ceará vão abrigar incubadoras a partir de agosto. O processo de seleção das empresas que ficarão incubadas nas unidades do Centro de Ensino Tecnológico (Centec), em Limoeiro do Norte, Sobral e Iuazeiro do Norte, e dos Centros Vocacionais Tecnológicos (CVT), em Crateús, Aracati e Quixeramobim, começou em maio. As incubadoras das três
unidades do Centec vão abrigar tanto projetos de áreas tradicionais, de serviço ou agronegócios, como de base tecnológica. Já as três incubadas dos CVT vão receber apenas empresas de agronegócios. Em Crateús, por exemplo, o foco será dado a companhias, associações ou cooperativas da área de ovinocaprinocultura. Serão incubados cinco projetos que deverão agregar valor aos produtos que serão colocados no mercado, como o corte diferenciado de carnes. •
PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 59
Túnel de vento do ITA complementa ensaios Um novo túnel de vento, projetado para facilitar a implementação de montagens experimentais destinadas ao ensino de graduação e pós-graduação, assim como à pesquisa e ao desenvolvimento de novos produtos e metodologias, foi inaugurado em maio no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (lTA), em São José dos Campos. A instalação, que faz parte de um programa de inovação tecnológica voltado para o setor aeroespacial, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pela Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), no valor total de US$ 3,2 milhões, complementa o túnel de vento, de maiores proporções, do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) , que também pertence ao Centro Técnico Aeroespacial (CTA). "O nosso tem uma seção de testes um pouco menor, mas a velocidade do ar é maior", explica o coordenador do projeto no ITA, professor Roberto da
• Estação de imagens tem parceria alemã A primeira estação de recepção de imagens de satélite em tempo real de Pernambuco, a Recife Receiver Station (RSS), será inaugurada oficialmente no dia 23 de julho. Instalada no laboratório de Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto (Geocere), da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), em Recife, a estação é
Representação gráfica do túnel de vento e o ventilador usado nos testes
Mota Girardi. Ele ressalta que tanto o túnel do IAE como o do lIA e o da Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), foram construídos com a mesma finalidade: fazer pesquisas. Em São José, o túnel possui 40 metros de comprimento, 4 de largura
fruto de parceria com o Centro Espacial Alemão. Desde o final de 2001, a estação começou a receber imagens diárias do clima, relevo e vegetação de diversas áreas do país, transmitidas por satélites norte-americanos da National Oceanic and Atmospheric Administration (Noaa). Segundo o coordenador do Geocere, Hernande Pereira da Silva, os alemães já investiram de R$ 200 mil a R$ 300 mil na estação. Em contrapar-
60 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
e 4,60 de altura. Nele serão realizados ensaios aeronáuticos, de veículos rodoviários, de edificações, navais e de calibração de anemômetros de vento. A~calibrações iniciais do túnel começaram a ser feitas pelos pesquisadores em fevereiro. Mas a primeira pesquisa está pro-
gramada para começar em um mês, quando serão feitos testes aerodinâmicos do Embraer 170, novo modelo que está em fase de homologação. A USP de São Carlos também vai testar o mesmo perfil. "Cada um vai tentar uma metodologia de ensaio para medir as características aerodinâmicas. Depois vamos juntar os resultados e discuti-Ios com o pessoal da Embraer para saber qual a melhor metodologia para implementar os testes finais, que vão acontecer no túnel do IAE", diz Mota Girardi. •
tida, os brasileiros remetem as informações provenientes da análise das imagens enviadas pelos satélites ao centro alemão. •
Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br
• laboratório para materiais e processos A Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) inaugurou um novo laboratório, que permitirá o desenvolvimento de novos materiais e de processos de laminação de metais. O Laboratório de Conformação Mecânica de Metais (LCM), instalado no Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, conta com um laminador semi-industrial e dois fornos para tratamentos térmicos. Os equipamentos, doados pelas empresas Brasmetal e Brasimet, foram revisados, com a instalação de dispositivos de segurança. O professor Ronald Lesley Plaut, coordenador do projeto, diz que o objetivo do LCM é atender à comunidade acadêmica e prestar serviços às indústrias. O laminador servirá para as operações a quente e a frio de materiais ferrosos e não-ferrosos. Os fornos destinam-se a tratamentos térmicos desses materiais. Segundo Plaut, a Poli vai estudar o tratamento e a laminação de chapas de metal provenientes da Brasmetal. Os experimentos sobre a estampagem das chapas serão feitos em prensas da indústria de rolamentos INA, cedidas para ensaios técnicos. O ferramental de estampagem será submetido a diferentes tratamentos térmicos na Brasimet. A análise das informações será feita no Departamento de Engenharia Metalúrgica e no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). •
Aplicações Ópticas, Aeronáuticas e Mecânicas Inventores: Ronaldo Domigues Mansano, Luiz Gonçalves Neto, Pstrick Verdonck, GiuseppeA. Cirino e Luiz S. Zambom. Titularidade: FAPESP/USP
• Composto eficaz contra a doença de Chagas Amostras de própolis: eficaz atividade anticárie
• Anti-séptico bucal à base de própolis
• Filmes de carbono para aplicações ópticas
Produto preparado à base de própolis, destinado à prevenção da cárie, obtido em meio aquoso. Enquanto a maior parte dos enxaguatórios bucais é produzida à base de álcool ou apresenta como princípio ativo um produto sintético, este tem como vantagem o fato de não apresentar contraindicações e não conter álcool. Nesse trabalho foram estudadas duas própolis com três agentes solubilizantes diferentes. Os testes de eficácia consistiram da avaliação da atividade anticárie frente à Streptococcus mutans e Lactobacillus, microrganismos causadores de cárie.
Nesse trabalho foram desenvolvidos processos de obtenção de filmes de carbono tipo diamante (DLC - Diamond Like Carbon) por sputtering reativo, técnica que utiliza um gás que promove a retirada dos átomos do alvo e outro que reage quimicamente com esses átomos. O alvo, no caso, é o carbono, e os gases reativos utilizados são o metano, o fréon, o hidrogênio e o argônio. Nesse sistema, é possível variar a composição gasosa, a pressão de trabalho e a potência. Utilizando esse sistema, podem ser depositados filmes de carbono a baixas temperaturas (menores que 4000 C) e a um baixo custo, mesmo em grandes superfícies. Esse filme pode ser utilizado para aplicações ópticas e em aplicações aeronáuticas e mecânicas.
Título: Formulaçõesà Basede Própolis para Uso Odontológico
Inventores: Maria Cristina Marcucci Ribeiro, Angela Ramalho Custódio, Walter Antonio Bretz, Niraldo Paulino e I1denize Barbosa da Silva Cunha. Titularidade: FAPESP/Uniban
Título: Filmes de Carbono Tipo Diamante (Dl: C Diamond Like Carbon) para
Compostos obtidos a partir da cubebina, substância extraída da pimenta asiática Pipper cubeba, mostraram eficácia na destruição de uma das formas do causador da doença de Chagas, o protozoário Trypanosoma crusi, chamado tripomastigota, que circula pela corrente sangüínea antes de chegar aos tecidos do coração ou do estômago. Essa descoberta poderá levar a um medicamento, capaz de destruir não só as formas circulantes de Trypanosoma, mas também as que se alojam nos tecidos.
Título: Atividade Antichagásica (Quimioprofilática e Terapêutica) de Cubebina e Outras Lignanas Isoladas de Zanthoxylumnaranjillo, Pipper cubeba, Bem Como seus Derivados SemiSintéticos e Sintéticos Inventores: Márcia Luís Andrade e Silva, Sérgio de Albuquerque, Gustavo Henrique Bianco de Souza, SérgiO de Albuquerque e Jairo f(enupp Bastos
Titularidade: FAPESP/Unifran
PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 61
outros insumos, com os fornecedores internacionais. "Para chegar a esse ponto, pesquisadores do Genius desenvolveram o software do aparelho, sendo que parte da tecnologia foi absorvida da Coréia do Sul, onde o grupo passou três meses. Dominamos a tecnologia e, hoje, estam os em conversações com empresas norte-americanas que nos procuram para outros desenvolvimentos': explica Alexandre Lisboa, gerente da unidade de negócio. A primeira inovação do Genius foi o avaliador automático para aparelhos de karaokê que dá notas de acordo com a afinação da pessoa, volume e ritmo, de forma avançada em relação aos existentes no mercado. "Colocamos parâmetros de algo ritmos dessas características no software do aparelho", conta Vianna. Licenciado para a Gradiente, que o chama de DVD Okê, o novo sistema chamou a atenção de cinco empresas do Japão e de Cingapura, que já iniciaram negociações com o instituto. Para fazer um protótipo completo, o Genius possui um maquinário de prototipagem para produzir as caixas externas dos aparelhos eletrônicos. Com o DVD player e o karaokê no mercado, retoma-se a um caminho no Brasil, ainda que seja prematuro afir-
formação em desenho de chips. Assim, o instituto ganha competitividade e se posiciona de tal forma no mercado global que já atrai multinacionais. Uma grande área de autação do Genius é a de celulares. "Estamos desenvolvendo para a Siemens uma família de esquipamentos que está três gerações à frente daquela que está sendo comercializada no Brasil, envolvendo um sistema operacional com interfaces e aplicativos inéditos com tecnologia GSM (sigla para sistema
Primeiro produto: karaokê avalia o desempenho do usuário e dá notas
global de comunicação móveD mar que haja uma retomada industrial, interrompido com a abertura às importações de equipamentos eletrônicos no início da década de 1990. Nesse período, as empresas brasileiras que desenvolviam aparelhos eletrônicos (TV, som, etc.), como a Gradiente e a Sharp, por exemplo, tiveram de reduzir ou eliminar suas equipes de pesquisa e desenvolvimento e passar a importar produtos sob licença, porque não tinham condições econômicas e técnicas de concorrer com os produtos importados. Certamente os tempos são outros, e hoje de 80% a 85% do projeto de um equipamento eletrônico muitas vezes está no desenvolvimento do chip. Por isso, o Genius tem oito pessoas com ---
---
que a empresa vai lançar no final de 2004", explica Vianna, que foi negociar o contrato na sede da empresa, na Alemanha. "É um contrato mundial, e a Siemens já solicitou a sua ampliação." Além da Gradiente e da Siemens, outras grandes empresas já se valeram dos conhecimentos gerados pelo Genius. A área de reconhecimento de voz em português do Brasil é uma das que mais chamam a atenção. O desenvolvimento desse sistema reúne 30 pessoas no instituto, o grupo com o maior número de pesquisadores. Ele é formado por engenheiros e lingüistas, que gravaram a fala de brasileiros de 250 cidades, captando os modos de falar num total de mais de mil amostras de voz. Todo esse -
-
Novas luzes para a TV digital A questão da TV digital no Brasil também está presente nas salas do Genius. O instituto foi convidado pelo ministro Miro Teixeira, das Comunicações, junto com a Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD) para desenvolver pesquisas tecnológicas sobre um novo sistema de TV digital (TVD) e fazer a ponte entre as soluções acadêmicas e a indústria. "Apoiamos e temos tecnologia para um sistema com características brasileiras': diz Bruno Vianna, diretor superintendente do Genius. "No entanto, é preciso saber que parte do sistema vale a pena desenvolver aqui:' A TV digital é na verdade um conjunto de padrões que cada grupo internacio-
64 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
nal - o primeiro, entre Estados Unidos, Canadá e Coréia, o segundo da Europa e o terceiro do Japão - configurou de acordo com suas necessidades. "Mais da metade dos royalties envolvidos nesses sistemas vem do middleware, espécie de sistema operacional que comanda a TVD", comenta Marcel Bergerman, líder de projeto do Genius. "Temos uma equipe com experiência trabalhando em várias tecnologias presentes na TVD': diz. O sistema digital via TV aberta, que está presente em 90% dos domicílios brasileiros, ao contrário da maioria dos outros países onde predomina a TV a cabo, vai permitir uma ampla interatividade com acesso à Internet e a uma infinidade de bancos
de dados. Para aqueles que não poderão arcar com os custos de um aparelho de TVD, os pesquisadores dizem ser possível desenvolver um converso r muito barato que custará um quarto do adotado em outros países. Além do Genius e do CPqD, participarão do projeto de TVD do governo várias entidades, incluindo um consórcio formado pelas seguintes universidades: Mackenzie, USP, Unicamp, de São Paulo, PUC do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal da Paraíba e Instituto Nacional de Telecomunicações. Os recursos, de R$ 78,1 milhões, sairão do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel).
material está sendo processado e colocado em softwares. O reconhecimento de voz poderá ser utilizado em controles remotos, celulares, portal de voz na Internet, centrais de atendimento e aparelhos de arcondicionado. Uma das empresas a usar o reconhecimento de voz experimentalmente foi a Deca, fabricante de metais e louças sanitárias. Ela utilizou esse sistema para mostrar de forma experimental na Feira Internacional da Indústria da Construção (Feicon), realizada em São Paulo no mês de abril, um banheiro inteligente que atende a comandos de apagar e acender a luz, além de ligar o chuveiro e abrir as torneiras. A General Motors, no Salão do Automóvel de 2002, mostrou um veículo Vectra adaptado para receber instruções por voz. Funções como travar portas, acender faróis, ligar o rádio, seta à direita ou à esquerda eram executadas com comandos verbais. Nesse experimento, a instalação do sistema no carro foi feita por professores e alunos da Faculdade de Engenharia Industrial (FEl) de São Bernardo do Campo (SP). Parcerias com universidades e demais institutos de pesquisa são prioridades no Genius. "É uma das nossas metas facilitar a aproximação do conhecimento gerado nas universidades com o setor privado. Com isso, injetamos no ambiente acadêmico problemas reais do mercado que podem suscitar novas pesquisas", explica Marcel Bergmann, um dos líderes do projeto, responsável pelas relações institucionais do Genius. A instalação da filial em Campinas está ligada à colaboração com universidades e institutos de pesquisa, além de estar mais perto também de muitas empresas. "Queremos aumentar nossa interação com a universidade': conta Vianna. Essa aproximação se deu inicialmente com a Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Muitos profissionais oriundos daquela universidade foram contratados, porém faltavam cursos para que os pesquisadores do Genius de outras cidades pudessem continuar seus estudos, caso de dezenas de
Pesquisa e desenvolvimento: trabalho inédito para 90 pesquisadores pessoas vindas de São Paulo, da Bahia, de Minas Gerais, do Paraná, do Rio Grande Sul e da Paraíba. "Não havia curso de mestra do em informática em toda a região Norte", diz Vianna. "Aí propusemos a criação desse curso na Ufam, onde alguns doutores qu~ trabalham no Genius dão aulas e orientam teses", conta Bergerman.
formação
da equipe - Os recursos humanos do Genius são um capítulo à parte. Levar para a úmida, calorenta e longínqua Manaus doutores, mestres e graduados de outras partes do país, concentrados nas regiões Sul e Sudeste, poderia ser uma tarefa difícil, mas não foi. Pesou muito na decisão dos convidados o desafio de fazer pesquisa e desenvolvimento de forma inovadora. Apenas 30% dos funcionários do Genius são de Manaus e, mesmo assim, grande parte estabelecida na área administrativa. Entre os manauaras estão o físico Fábio Santos, formado na Ufam; Agemilson Pimentel, que fez engenharia elétrica na Universidade do Estado do Amazonas (UEA); e Jacqueline Aguiar, recém-saída do curso de Direito da
Ufam. Santos, outro recém-formado, que trabalha na área de aplicativos de celulares, diz que atuar no Genius é uma oportunidade única de fazer pesquisa tecnológica em Manaus. Para Pimentel, foi uma mudança de rumo dentro da mesma área. Ele trabalhava na fábrica da Sony em Manaus e aceitou o desafio da nova proposta. Jacqueline diz que, como advogada, o pólo industrial, onde está instalado o Genius, não traz atrativos maiores. A família e amigos até estranharam ela ter aceito o trabalho no Genius em troca de um emprego na Procuradoria do Estado. "Gostei de trabalhar numa organização sem fins lucrativos." Entre aqueles que consideram o calor como o maior obstáculo estão os egressos da engenharia elétrica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Daniel Gustavo é um deles. Paulistano, 29 anos, ele trabalhou em duas empresas de telecomunicações em São Paulo. "Mas sempre pensava em trabalhar com desenvolvimento de produtos." Quando surgiu a oportunidade, não teve dúvidas: trouxe a mulher, que trabalha na área administrativa do instituto. No comando do Genius encontrase um mineiro com formação paulista. Vianna é engenheiro eletrônico formado e mestre pela Poli-USP, além de ter doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Master Bussiness Administration (MBA) pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Foi pesquisador e gerente no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), em Campinas, antigo centro de pesquisa da estatal Telebras que se tornou independente. Ele participa como inventor em três patentes do CPqD no desenvolvimento do sistema trópico, a Central Telefônica Digital que está presente em todo o país. Com a privatização das telecomunicações, Vianna foi diretor de operações da Vésper e da Telemar. "Sempre busquei a inovação tecnológica e agora tenho a oportunidade de comandar essa equipe, que a cada dia me surpreende, trabalhando com alto conteúdo tecnológico," • PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 65
ITECNOLOGIA
MEDICINA
Curativo de borracha Material feito com látex da seringueira fecha úlceras e reconstitui esôfagos e tímpanos
DINORAH
ERENO
O
látex extraído da seringueira, matéria-prima que no século 19 colocou o Brasil como o maior exportador mundial de borracha, é a base de um biomaterial inovador com excelentes resultados na cicatrização de úlceras crônicas e na reconstituição de esôfagos e tímpanos perfurados. Desenvolvido na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP), o biopolímero deverá ser produzido inicialmente pela Pele Nova Biotecnologia, em uma fábrica piloto instalada em Campo Grande (MS). A empresa foi constituída pela Academia Brasileira de Estudos Avançados, uma organização não-governamental (ONG) mantida pela empresa Avamax Biotecnologia, que tem entre seus membros o ex-presidente da Embraer e da Varig Ozires Silva. "Fazemos a ponte entre os cientistas e os investidores, para mostrar produtos com potencial em disputar o mercado", explica Ozires, que já promoveu várias reuniões entre o coordenador do projeto, o médico Joaquim Coutinho Netto, do Departamento de Bioquímica e Imunologia da FMRP, e interessados em conhecer em detalhes o novo produto. O objetivo desses encontros, dos quais já participaram inclusive investidores da Alemanha e da Itália, é captar os recursos necessários para montar a unidade piloto e a industrial. A planta piloto, prevista para começar a funcionar no próximo mês de julho em uma antiga fábrica de industrialização de palmito pertencente à Avamax, foi projetada de acordo com os critérios exigidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
66 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
Curativos Ă base de lĂĄtex vegetal mostram resultados em 12 dias, em mĂŠdia
A industrial será instalada no distrito industrial de Ribeirão Preto, idealizado pelo ministro da Fazenda, Antônio Palocci, na época em que era prefeito da cidade.
Mas, ao ser misturado ao silicone, não houve jeito de fazer com que os dois materiais se unissem. "Não conseguimos reproduzir a prótese japonesa", relembra Coutinho. "Takimoto não contou em sua patente como fazia para fixar o colágeno na prótese," Fátima ainda entrou em contato com o médico japonês para pedir ajuda, mas ele não revelou o bem guardado segredo.
Concorrência multinacional . O biopolímero, que inicialmente será lançado para tratar úlceras crônicas de pés e pernas, vai concorrer com outros de grandes multinacionais, como Iohnson Inspiração no passado· "Foi quando e Novartis. Segundo Coutinho, as fórtive a idéia de fazer a prótese com o lámulas são diferentes, mas os resultados, tex de seringueira", relata o médico, insidênticos. "Sem contar que o tratamenpirado, provavelmente, na lembrança to com o nosso produto custará, pelo das grandes plantações de seringueira menos, dez vezes menos': afirma. "Uma da pequena cidade do interior paulista bisnaga de 15 gramas de um cicatriem que nasceu, Guapiaçu. zante à base de gel com Ele achou que seria mais hormônio humano custa fácil misturar o colágeno US$ 350 e dá para apenas ao leite da seringueira. Fápoucos dias", compara polímero tima não botou muita fé Coutinho. foi obtido na solução proposta, mas A trajetória que levou resolveu acatá-Ia. Como a essa biomembrana teve sob condições início em 1994, quando a eles precisavam de alespeciais e guém que fabricasse a então estudante de mesprótese experimental, entrado da Área Cirúrgica gerou patente contraram na região de da FMRP Fátima Mrué, São José do Rio Preto o uma goiana que passou químico Antônio César dois anos em Tóquio, no Zabrowski, da empresa Japão, acompanhando cirurgias de pacientes com câncer, resolGlobbor, que vende borracha para a Goodyear. Zabrowski se prontificou a veu trabalhar em sua tese com a prótese de Takimoto, que leva o nome do fabricar as próteses e construiu-as com um molde de vidro sanfonado, commédico inventor, composta de silicone posto de látex vegetal e 0,1 % de colágee colágeno e utilizada para reconstituir esôfagos. Fátima procurou Coutinho no ou polilisina. A prótese experimental, um tubo de para saber como obter colágeno da pele 8 centímetros de comprimento por 2 de porco, técnica descrita em um artigo centímetros de diâmetro, foi implanpublicado na década de 60 e que seria tada no esôfago de oito cães. Mas uma utilizada na confecção da prótese. ocorrência incomum chamou a atenHoje, Coutinho diz que não imaginava que aquela simples pergunta soção dos pesquisadores. Dez dias após o implante, as próteses foram expelibre o colágeno o conduziria a reuniões das junto com as fezes do animal. Eles semanais com interessados em investir no biopolímero. Afinal, para se ver livre acharam estranho e resolveram fazer endoscopias para saber o que tinha da estudante na ocasião - hoje Fátima Mrué é cirurgiã do Centro de Oncoloacontecido, já que nenhum dos cães aparentava estar doente. Ao fim do exagia do Hospital das Clínicas de Goiânia me, Fátima e Coutinho ficaram surpre-, Coutinho disse a ela que, se enconsos com a revelação de que, em tão curtrasse o artigo, poderia ajudá-Ia na emto período de tempo, um novo esôfago preitada de fazer uma pró tese semehavia se formado no trecho seccionado. lhante à de Takimoto. "Tarefa muito Na análise histológica (avaliação do tedifícil e demorada para a época, já que cido ao microscópio), ele se mostrava não havia a Internet", como ele mesmo praticamente igual a um esôfago norrelembra. Dois dias depois, a surpresa. Fátima voltou com o artigo nas mãos. mal, com todas as camadas. "Não ficou Coutinho, resignado, resolveu ajudar a praticamente nenhuma cicatriz e também não houve a formação de fibrose persistente aluna na preparação do colágeno da pele de porco. no local reparado, mostrando um pro-
o
68 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
cesso de neoformação tecidual', conta Coutinho. "Os resultados foram surpreendentes e resolvemos investigar a fundo o fenômeno", relata. Como o corte histológico do material mostrava a presença de grande quantidade de vasos sangüíneos no local onde foi colocada a prótese, isso poderia explicar o processo de reparo (cicatrização) acelerado. Mas essa propriedade do látex de estimular a angiogênese (formação de novos vasos sangüíneos) só foi descoberta porque o polímero não foi obtido pelo método tradicional, conhecido como vulcanização, com temperaturas de 110° C a 125° C. Zabrowski utilizou uma técnica de polimerização sob condições especiais, desenvolvida e patenteada por ele e, posteriormente, comprada pela Avamax. A comprovação de que o método de obtenção do biopolímero era fundamental no processo de angiogênese foi feita quando os pesquisadores resolveram fazer testes usando luvas e preservativos, que têm como matéria-prima o látex, para ver como se comportavam no processo de cicatrização. "Mas esses materiais não mostram atividade angiogênica", relata Coutinho. Os testes foram feitos ainda com ovos de galinha embrionados, para avaliar a formação dos vasos, e em orelhas de coelhos, para verificar a rapidez com que ocorre o processo de cicatrização. "A aplicação do biomaterial acelerava um processo neoformador tecidual, altamente organizado, sem cicatriz", sintetiza o médico. Cicatrização rápida· Depois de completar o ciclo de testes com animais, chegou o momento de começar a avaliação do biomaterial à base de látex vegetal em pacientes humanos. Em 1997, Coutinho e Fátima submeteram à Comissão de Ética Médica do Hospital das Clínicas da FMRP pedido para começar os experimentos em humanos. Essa autorização só saiu um ano depois, permitindo ao aluno Paulo César Grisotto, que fazia doutorado na época em Ribeirão Preto, estender e adiantar os estudos, tratando pacientes com úlceras crônicas de difícil cicatrização no hospital de Itajobi (SP), cidade da região de São José do Rio Preto", relata Coutinho. "Em média, 12 dias depois de os curativos com o biopolímero começarem a ser aplicados nos pacientes,
Corte no tronco da seringueira por onde escorre o látex, matéria-prima do biopolímero
ponto de vista anatômico e 19% de reperfuração, causados, principalmente, pela falta de vascularização do enxerto. Já o uso da biomembrana de látex em miringoplastias mostrou intensa vascularização, como indica o trabalho dos otorrinos José Antonio Apparecido de Oliveira e Miguel Angelo Hyppolito, da USP de Ribeirão Preto, "Miringoplastia com a Utilização de um Novo Material Biossintético" apresentado em 1998 durante o 34° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia em Porto Alegre. A dupla ganhou o primeiro prêmio ao descrever o sucesso dos enxertos com biopolímero. "Verificamos intensa vascularização em 100% dos enxertos, o que não é habitual quando não se usa a membrana de látex natural", diz um dos trechos do premiado trabalho. O relato refere-se a apenas 19 tímpanos perfurados que receberam o biomaterial como implante transitório em miringoplastias. Hoje os casos de sucesso chegam a cinco centenas. Duas teses de doutorado, desenvolvidas no Departamento de Cirurgia e Anatomia da FMRP, sob a orientação dos professores Jesualdo Cherri e Carlos Eli Piccinato, defendidas pelos cirurgiões vasculares Mário Augusto da Silva Freitas e Paulo Cesar Grisotto, respectivamente em agosto de 2001 e fevereiro de 2003, apontaram, depois de testes feitos em animais, que é possível a recuperação de artérias cardiovasculares por meio da utilização de pró teses de látex. Mas ainda são necessários experimentos, antes dos testes em pacientes humanos, para avaliar a eficácia desse material, que poderia vir a substituir as atuais próteses sintéticas ou de materiais biológicos de origem animal, como o pericárdio bovino ou suíno. Essas pesquisas mostram que o biopolímero à base de látex vegetal ainda pode dar origem a muitos outros produtos, com aplicações diversas. Os curativos são apenas o primeiro passo para a Pele Nova Biotecnologia entrar na disputa por um mercado nacional estimado em cerca de 4,5 milhões de pessoas, que, provavelmente, não podem pagar os altos valores dos medicamentos importados. •
o
as feridas crônicas, principalmente de portadores de diabetes, começavam a mostrar sinais de evidente granulação e epitelização, contra os seis meses necessários pelos métodos tradicionais, que incluem internação hospitalar", conta o médico. Segundo levantamento epidemio lógico realizado na cidade mineira de Juiz de Fora pelo médico Marco Andrey Cipriani Frade, cerca de 2,7% da população tem úlceras crônicas nos pés e pernas, percentagem que chega a 10% em diabéticos. Essas feridas representam a segunda causa de faltas ao trabalho no Brasil. Tímpano reconstruído - Seis anos depois de Grisotto ter começado a fazer os experimentos em humanos, o número de pacientes estudados em hospitais de Ribeirão, Itajobi, Juiz de Fora
e outros chega a 3 mil, dos quais 2.500 com úlceras e o restante com tímpano perfurado por infecção ou trauma. Todos os testes foram realizados após aprovação pelas comissões de Ética Médica das respectivas instituições. As cirurgias para refazer a membrana timpânica com a biomembrana de látex foram realizadas pelo Setor de Otorrinolaringologia do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da FMRP. Essa cirurgia, chamada de miringoplastia, tem como finalidade reconstruir o mecanismo de transmissão sonora. Diversos materiais são usados com esse objetivo, destacandose a fáscia (camada de tecido fibroso que cobre o corpo sob a pele) do músculo temporal, cartilagem, tecido placentário, entre outros, mas os resultados mostram até 30% de insucessos do
PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 69
Conjunto de três lentes asféricas e uma esférica, ao lado, e microlentes, abaixo
nanceiro da FAPESP, por meio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). Iniciado há dois anos, o projeto resultou em moldes para a produção das lentes de plástico, processo que deverá começar em outubro deste ano. Para Sérgio Antônio de Almeida Nobre, diretor da empresa e coordenador do projeto, "a parceria com a FAPESP foi extremamente decisiva, porque nos permitiu desenvolver uma tecnologia inédita no país e única no Hemisfério Sul': Nichos de mercado - Do ponto de vista econômico, o domínio dessa tecnologia ganha mais importância à medida que as lentes asféricas em plásticos transparentes e moldáveis, de alta qualidade, interessam a um amplo leque de usos industriais. Na área médica, nas lupas usadas em cirurgias variadas; na militar, em lentes de óculos de visão noturna; e na laboratorial, em microscópios ópticos. Mas também o consumidor comum poderá se beneficiar da mesma qualidade óptica das asféricas instaladas em óculos, deixando-os mais leves e com a espessura das lentes reduzida. Outro uso já comum é nas câmeras fotográficas. Os países produtores desses equipamentos, como Japão e Alemanha, por exemplo, utilizam as asféricas de plástico nas objetivas em conjunto com lentes de vidro comum, pois aliam qualidade focal à durabilidade desse material. O problema é que, para máquinas fotográficas, as lentes asféricas só ganham competitividade se fabricadas em larga escala. Outras áreas onde essas lentes são cada vez mais solicitadas e envoltas em alta competitividade estão na eletrônica e nas telecomunicações. São produtos que tiveram a demanda aumentada com aplicação de componentes ópticos em plástico, sofisticados e de baixo custo, como câmeras de vídeo, sensores de luz e acopladores ópticos (conectores para junção de fibras ópticas). Outro uso cada vez mais comum é nos leitores de compact disk, quando o feixe de laser atravessa a lente asférica antes de tocar a superfície do CD. "Essas são áreas mui72 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
to competitivas. Só vejo possibilidades de atuarmos nessas áreas a médio prazo", calcula Nobre. "Nossa meta é atuar em nichos menores e mais restritos, nos quais os grandes fabricantes não têm interesse." Astronomia e medicina - A Optovac quer ganhar espaço nas áreas educacional, técnica e de consumo geral, com kits ópticos para aulas de física, estereomicroscópios (aparelhos binoculares para ensino, pesquisa e uso industrial em micromontagens na área elétrica), produtos para astronomia amadora, lentes para faróis de automóveis com iluminação de alto desempenho e componentes para outras empresas nas áreas de instrumentação médica, análise clínica, artigos domésticos e para equipamentos elétricos, que, em alguns casos, podem chegar ao mercado pela metade do preço dos importados.
Para Sérgio Nobre, o desafio é ter preços compatíveis com os produtos asiáticos e qualidade superior. "Nosso custo de mão-de-obra e os encargos de produção são superiores aos dos chineses, por exemplo, mas vamos enfrentálos com tecnologia'; afirma o diretor, que pretende capacitar a empresa para a exportação, principalmente com os produtos destinados à área educacional. O faturamento da Optovac projetado para este ano é de R$ 1 milhão a R$ 1,5 milhão, no qual as lentes asféricas deverão participar com cerca de R$ 100 mil mensais, a partir de outubro. Segundo ele, ainda não existe concorrência na produção desses equipamentos no Brasil, porque o retorno financeiro é lento. Outra limitação é o difícil processo de fabricação das lentes asféricas, em vidro ou plástico. O segredo, em que é preciso investir tempo e dinheiro, está
Molde da lente asférica: qualidade, eficiência em vidro ou em plástico e a baixo custo
no molde da lente que a Optovac está desenvolvendo. Com uma moldagem eficiente, é possível aliar as vantagens dessas lentes com o baixo custo do plástico injetável. Essa técnica também permite produzi-Ia em vidros com baixo ponto de fusão porque são moldáveis a temperaturas menores que as normalmente utilizadas e, portanto, mais baratos que os vidros comuns. A produção dessas lentes começa a partir do uso de um software. Os dados para a confecção dos moldes para lentes asféricas são criados e organizados em computador e inseridos em uma Geradora Asférica de Controle Numérico Computadorizado (CNC), equipamento usado para repetir a fabricação de um produto. Ele faz a leitura das informações programadas pelo software e confecciona um molde para as lentes, com base em uma peça de vidro ou cerâmica pré-usinados. Para forjar o molde, um rebolo circula a peça, tocando sua parte lateral, refrigerada por água e óleo solúvel que, além de manter sua temperatura, evita o desgaste demasiado das peças. Após essa etapa, um outro aparelho, o perfilômetro, mede o perfil do molde semi-acabado. Se houver dife-
renças entre os dados inicialmente programados pelo computador e o resultado final, o software gera um arquivo de correção e a Geradora Asférica efetua o retoque do molde. Para a fabricação dessas peças são necessários equipamentos com requisitos extremamente críticos de controle, avanço e estabilidade mecânicos, o que permite que as lentes saiam prontas para receber um polimento óptico final, quando suas superfícies opacas obtêm total transparência. Desenvolver do zero - Criada em 1986, com o objetivo de fabricar equipamentos com tecnologias que envolvem mecânica fina, a Optovac passou a atuar no segmento óptico com produtos de pesquisa para a área educacional e de
nome da empresa nem a aplicação desse produto) e, para o Instituto de Pesqui-
o PROJETO Componentes Ópticos em Plástico Injetado com Superfícies Não Esféricas MOOALIDADE
Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADOR SÉRGIO ANTÔNIO DE ALMEIDA
NOBRE -
Optovac INVESTIMENTO
R$ 33.000,00
consumo geral, como kits para o ensino de ciência, lunetas e microscópios, inclusive desenvolvendo esses equipamentos para institutos de pesquisa ligados à Universidade de São Paulo (USP) e à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Contudo, com o restrito campo comercial e a abertura do mercado promovida na última década - e que trouxe ao Brasil produtos com preços mais competitivos -, a empresa se viu obrigada a investir em pesquisas e desenvolver do zero uma tecnologia já existente no exterior. E por que não importar a tecnologia, simplesmenter De acordo com Sérgio Nobre, o motivo é simples: os custos dessa importação atingem os US$ 2 milhões - para uma produção que atenda os pequenos nichos existentes no Brasil - são muito superiores aos custos de desenvolvimento local, e injustificáveis frente à pequena demanda do mercado interno. A fim de elevar a qualidade dos produtos com um custo menor, o projeto do PIPE permitiu a virada tecnológica da empresa, que em dois anos desenvolveu seus primeiros protótipos. O trabalho foi simultâneo, tanto no desenvolvimento tecnológico quanto de possíveis aplicações em produtos. Hoje, a Optovac tem capacidade de suprir o mercado interno de modo personalizado, pois o consumo desses itens ainda é pequeno no Brasil. "Estamos produzindo 20 mil lentes esféricas para um cliente (ele não pode dizer o
e US$ 156.236,00
sas Energéticas e Nucleares (Ipen), acabamos de produzir uma única lente (asférica), especialmente desenvolvida para uso em pesquisas daquele instituto, ou seja, temos uma estrutura diferenciada que nos permite produzir de modo flexível", conta o diretor da empresa. A Optovac está, inclusive, homologada pela aviação do Exército brasileiro para o desenvolvimento (de lentes asféricas) e manutenção de equipamentos ópticos, como os óculos utilizados para visão noturna, atualmente importados e que dependem de manutenção fora do país. • PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 73
ITECNOLOGIA
SOFTWARE
Tesoura digital Software gerado na U F P E ganha mercado e evita perdas na indústria de papel
. p(
VERONICA
FALCÃO,
nda não se encontrou nada melhor e mais barato do que as embalagens industriais de papelão tanto para acondicionar televisões, geladeiras, latas de massa de tomate ou frascos de detergente. Embora há muitos anos presente na ponta fmal do processo industrial, essas caixas precisam de constantes melhoramentos na sua fabricação, principalmente para reduzir a quantidade de aparas sem perda da qualidade. Foi pensando em resolver esse problema relacionado ao corte de chapas de papelão que o matemático Sóstenes Lins, professor da Universidade Federal de Pernambuco CUFPE), criou o software Conjug, já em uso em indústrias de todo o Brasil. O sucesso desse produto é um dos mais emblemáticos exemplos de estudo gerado num ambiente acadêmico que ganha mercado e traz contribuições importantes para o sistema produtivo. Os cálculos para o corte de papelão eram feitos antes de forma manual. "Utilizava-se apenas uma calculadora e bom senso", revela Lins. A dificuldade é que existem, literalmente, bilhões de possibilidades de se cortar o grande retângulo a que se resume o rolo de papelão usado para fabricar caixas. "E o ser humano só chega a duas, três ou, no máximo, dez." O Conjug se baseia num algoritmo - processo de cálculo - concebido em 1986 em parceria com alunos de mestrado. Lins, membro da Academia Brasileira de Ciências CABC), conta que criou o algoritmo pensando em diminuir as perdas de papel. "Só não imaginava que era algo inovador. Pensava que as empresas brasileiras usassem 74 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
DE RECIFE
algo parecido': lembra. Em dezembro do ano seguinte, ele vendeu a primeira versão do software para a unidade da fábrica de papel Klabin em Pernambuco. Hoje, o Conjug é usado em dez unidades da empresa, que produz celulose, papel e caixas de papelão ondulado. Empresa família - Lins estima que o Conjug é empregado em mais de 10% das onduladeiras, tipo de máquina de fazer papelão, no Brasil. Para comercializar o software, o professor formou a empresa LinSoft, administrada pela esposa. O fllho, Lauro Didier Lins, que faz doutorado em Matemática Computacional na UFPE, é responsável pela parte técnica, junto com uma irmã do professor, Nadja Lins, engenheira elétrica e administradora de rede do Centro de Informática da UFPE. Além das fábricas da Klabin, o software é empregado em indústrias de papel nos estados do Amazonas, de São Paulo e do Ceará. Um outro sistema criado pela equipe do matemático e que transcendeu os limites da universidade é o S-Plex, usado no corte de bobinas de aço. Diferente do corte de papelão, em que são separadas chapas para a confecção de caixas, a bobina de aço é fatiada em tiras. O processo é semelhante à divisão de um rocambole. Algumas fatias são mais finas, como as fornecidas para fábricas de grampos de cabelo, e outras mais grossas, destinadas a fazer cutelo Cum tipo de faca). O corte do aço também faz parte de um setor industrial em que os cálculos costumavam ser feitos a mão. O software é empregado desde novembro de 2002 na Armco, indústria que produz lâminas
de aço em São Paulo e Manaus. O responsável pelo setor de Planejamento Integrado da empresa, Edson José Lopes, estima que o uso do sistema proporcionou uma redução de 20% no descarte. "Estou eliminando um ponto crítico com a adoção do S-Plex", resume. A LinSoft foi criada em 1992. Sem concorrência, o software chegou a planejar o corte de caixas de papelão em 20% das fábricas do país. "Não tínhamos concorrentes no começo, mas hoje eles existem", constata Lins. Isso exige uma constante evolução do Conjugo Hoje, ele abrange o trabalho em rede e não está apenas voltado para a redução de perdas de papel. Leva em conta também o lucro, pois é capaz de planejar toda a produção. "É possível ordenar o corte em função dos pedidos e da urgência deles", esclarece Lins. Outra variável incluída no Conjug é o estoque de papel. "O planejamento bem-feito da produção evita perdas e melhora a produtividade", esclarece. A empresa da família Lins também desenvolve um software voltado para o empacotamento de caixas. É o ExpedPlex, que planeja a disposição das caixas em paletes, contêineres e caminhões. Os paletes são as plataformas de madeira em que se empilha a carga para o transporte e estocagem. O sistema se baseia em quatro algo ritmos. Um deles gerou publicação no ano passado no European [ournal of Operations Research. O objetivo, nesse caso, é economizar espaço. Sóstenes calcula que um acréscimo de 5% a 8% no volume empacotado nos caminhões gera uma economia de um caminhão a menos em cada 15 ou 20 viagens.
Onduladeira na I<labin: software conquistou 20% do mercado de papelão ondulado
Outro software relacionado à arrumação de caixas é o PalletZoom, que teve cópias adquiridas pela rede de supermercados Bompreço. O sistema é capaz de definir como arrumar melhor nos paletes os produtos encaixotados. Para isso, basta o usuário fornecer dados sobre as dimensões das caixas e do palete. A máquina calcula a arrumação da carga e fornece um desenho de como se deve empilhar as caixas. Lins explica que criou o PalletZoom para proporcionar não só uma melhor estocagem, mas também maior velocidade .no transporte de produtos, porque a arrumação permite um maior número de caixas no palete. Se hoje os produtos da LinSoft são empregados em todo o país, no começo as dificuldades do professor Lins foram grandes, principalmente em convencer o pessoal das indústrias a aceitar o produto. "Comecei a procurar empresas interessadas em usar novos métodos para tentar diminuir as perdas do corte. E foi uma luta convencer as pessoas", lembra. A primeira empresa que
procurou foi a Ponsa, do Grupo Klabin, em Pernambuco, ainda em 1986. "Eles me colocaram em contato com a filial do Rio de Janeiro. Depois, em dezembro de 1987, acertamos que eu aperfeiçoaria o software e eles comprariam uma versão. Foram mais ou menos seis a sete meses de desenvolvimento. A Klabin comprou a primeira versão do Conjug, mas só usou o software durante dois meses. Na época, Lins não foi procurado pela empresa e só ficou sabendo depois que ela havia desistido. Descompasso inicial - O professor atribui o insucesso inicial à limitação técnica. "Os computadores eram muito ruins, tinham pouca memória, eram lentos. A tecnologia de desenvolvimento de software também deixava muito a desejar. As interfaces eram ruins", recorda. Mesmo assim o programa funcionava. "Ele otimizava, diminuía as aparas", garante. Depois da tentativa com a Klabin, Lins "esqueceu" o Conjug por três anos. "Fui cuidar da minha vida, fazendo matemática teórica e publican-
do meus papers", conta ele, autor de 30 artigos publicados em revistas científicas de circulação internacional. Em julho de 1991, os técnicos da Ponsa voltaram a procurá-lo, "Havia uma intenção firme de realmente usar o programa e dessa vez deu certo." Em 1993, a Klabin resolveu adotar o software nas unidades de Piracicaba e de Jundiaí. "Depois foi a vez da fábrica na cidade do Rio de Janeiro, em fevereiro de 1994. Então vieram todas as filiais da empresa", relata. Com o sucesso na Klabin, várias outras empresas se interessaram. Em 2001, a LinSoft estava presente em mais de 20% do mercado de papelão ondulado. O matemático Paulo Seixas Avino, analista de negócio da Klabin, diz que o Conjug garante agilidade no processo, confiabilidade nos resultados e, principalmente, diminuição nas perdas de matéria-prima que pode chegar a 2% da produção. Para Lins, o sucesso do software não está relacionado apenas ao aspecto teórico do produto mas, também a uma interface agradável de utilizar que gera confiança nos usuários • PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 75
Provas de material cerâmico desenvolvidas nos laboratórios da Ufscar e da Unesp
76 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 77
quisadores da CSN, que esparramaram seus conhecimentos por toda a cadeia produtiva, que abrange desde as indústrias de matéria-prima para os fabricantes de refratários até as companhias siderúrgicas. Atualmente, muitas empresas nacionais, caso da mineira Magnesita, tornaram-se exportadoras de tecnologia de refratários em magnésiocarbono e magnésio-carbono-alumínio. A história da parceria CSN-Liec começa bem ao gosto nacional. Plagiando a publicidade de uma indústria de eletroeletrônicos que fez muito sucesso e virou mote popular, ocorreu algo na linha: "Os nossos japoneses são melhores do que os deles': Tudo começou com as dificuldades operacionais no alto-forno, a alma do negócio de uma siderúrgica, onde é produzido o ferro-gusa, fase anterior ao aço. A CSN contratou a consultoria de uma empresa japonesa, que diagnosticou um problema de choque térmico no queimador cerâmico dos regeneradores. Responsável pelo fornecimento de ar quente para o alto-forno, a paralisação da operação desse equipamento para reforma, por no mínimo seis meses, como sugerido pelos técnicos japoneses, seria um drama para a produção da usina. Assustados diante de tal prognóstico e provável prejuízo - afinal, a estimativa da reforma do queimado r girava em torno de US$ 15 milhões -, os dirigentes da CSN resolveram procurar o Liec antes da decisão final. ois dias de incessantes discussões selariam o ano de 1989 como o do princípio de um casamento capaz de reservar bons frutos. Na época, pela avaliação dos pesquisadores da UFSCar, os consultores japoneses tinham se precipitado. Não havia problema de choque térmico nos refratários doqueimador cerâmico, e sim uma forte corrosão, que poderia ser combatida com a instalação de filtros para reter partículas de óxido de ferro provenientes do gás do altoforno. A solução apresentada pelo Liec e engenheiros da CSN acabou por prorrogar a vida do queimador cerâmico por três anos, tempo suficiente para planejar a sua reforma e executá-Ia sem prejuízos à produção. Um equipamento que, em tratamento posterior, ganhou ainda mais quatro anos de sobrevida. Tudo sem jamais parar de funcionar.
D
78 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
Como gosta de relembrar, pontuando cada palavra pela cadência típica dos mestres em sala de aula, o professor Elson Longo, diretor do CMDMC de São Carlos, acentua: "Quando chegamos à CSN, eles produziam 4 milhões de toneladas de aço por ano. Hoje produzem 5,5 milhões praticamente com os mesmos equipamentos. E isso levando em conta que a capacidade nominal da siderúrgica era de apenas 4,6 milhões': O ganho de 1,5 milhão de toneladas se deu por mudança de toda a concepção dos refratários ao longo dos 14 anos de vida em comum. A excelência no domínio desses materiais cerâmicos foi possibilitado por uma união de investidores no Liec de São Carlos. Ele foi fundado com recursos da ordem de US$ 400 mil, patrocinados pela FAPESP, Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Banco do Brasil e Companhia Brasileira de Metalurgia e Metais (CBMM). E, mesmo atendendo demandas de vários grandes grupos industriais presentes em seu portfólio de clientes, recebe anualmente apenas R$ 180 mil da iniciativa privada para a . sua manutenção, que custa em torno de R$ 1,3 milhão ao ano. O grosso vem mesmo de órgãos financiadores. Além da FAPESP e do CNPq, há a colaboração da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Acúmulo de saber - No caso específico da siderurgia, os aços ganharam enorme competitividade no exterior após a incorporação das conquistas tecnológicas. "O aço nacional chega aos Estados Unidos mais barato do que o produzido por eles", informa Longo. Os ganhos calculados pela CSN de US$ 85 milhões na parceria são considerados como uma referência conservadora. "É um número muito aquém da realidade, porque contabiliza o resultado obti-
do apenas no primeiro ano em que a inovação foi implementada, sem considerar os ganhos posteriores", explica o professor. "O mais importante, no entanto, não é o número em si, apesar de ele demonstrar que investir em pesquisa dá ótimos resultados econômicos, mas é preciso salientar o acúmulo de saber que essas experiências in loco trouxeram para a universidade e para a formação de novos profissionais:' Embora nos dois primeiros anos a parceria com a CSN tenha sido estabelecida na base da emergência para apagar incêndios, depois houve uma gradativa definição de prioridade e montagem de uma carteira de projetos, juntamente com os engenheiros Sidiney Nascimento Silva e Oscar Rosa Marques, da CSN, que permitiu o aprofundamento das pesquisas em busca de soluções pela melhoria da qualidade do aço e redução dos custos de produção, como explica o professor CarlosAlberto Paskocimas, coordenador de inovação tecnológica do Liec. Hoje, num claro sinal de consciência da parceria, a CSN mantém um apartamento para abrigar os pesquisadores da universidade, que passam tempora-
Com a aplicação de material refratário inovador, a vida útil do alto-forno aumentou em 100%
tores (carvão que será transformado em coque), matéria-prima importada, usada no prolongamento da vida útil do equipamento. ''A vida do alto-forno, que era em média de dez anos, está agora programada para 20': destaca o professor Longo. Um dos aspectos estudados em profundidade foi à corrosão presente no revestimento do cadinho. "Buscamos avaliar os efeitos do titânio, que, em contato com o carbono e nitrogênio do gusa e com o óxido de cálcio da escória do alto-forno, provoca a formação de uma camada de proteção do revestimento do refratário': conta Silva.
em Volta Redonda. das trabalhando Eles se revezam em pesquisas dentro da própria usina. Atualmente há seis professores doutores, três alunos de doutorado, dois de mestra do e mais três de iniciação científica envolvidos com os projetos destinados à siderúrgica. "A contribuição do conhecimento e das idéias da universidade é um ponto nobre na nossa área de pesquisa e desenvolvimento", conta Sidiney Silva, da CSN. "Na siderúrgica, os pesquisadores encontram instrumentos e condições de, por exemplo, fazer ensaios com o gusa e o aço líquidos. Possuímos uma série de plantas de simulação onde eles podem finalizar os estudos iniciados em laboratório:' Depois da estréia com o salvamento do queimador cerâmico, os pesquisadores do Liec, em conjunto com os da CSN, introduziram várias alterações que garantiram o desempenho e a vida útil dos altos-fornos, desde a mudança dos. refratários até a forma de fabricação dos próprios. "Somente na melhoria das condições do alto-forno foram 12 projetos ligados a questões operacionais, sendo que, apenas com as técnicas de adição de titânio no cadinho, região
inferior do forno onde é acumulado continuamente o gusa líquido produzido, conseguiu-se uma economia em torno de US$ 13 milhões para a empresa': conta Longo. "O cadinho é o coração do alto-forno. Ele é revestido com blocos refratários de carbono e o seu desempenho é vital para a produção de toda a usina", explica Silva, da CSN. As inovações aplicadas ao cadinho após as pesquisas laboratoriais resultaram, entre outras vantagens, na redução das perdas térmicas do processo, com conseqüente economia de redu-
o PROJETO Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerêmicos (CMDMC) MODALIDADE
Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) COORDENADOR ELSON LONGO - Universidade Federal de São Carlos
INVESTIMENTO
R$ 1.032.071,98
- durante 2002
Carro torpedo - O próximo passo em matéria de introdução de inovações tecnológicas na rotina da CSN envolveu o carro torpedo, encarregado do transporte do gusa líquido dos altos-fornos para os conversores, onde ele será transformado em aço. Um dos problemas no manuseio desse equipamento residia em perda de energia durante o enchimento do carro nos altos-fornos e posterior transporte para a aciaria. A sugestão dos pesquisadores foi a instalação de uma camada de sílica microporosa no revestimento refratário do carro torpedo. De imediato, houve uma diminuição de 25° C na temperatura, em média, durante o transporte do gusa líquido para a aciaria. Com os novos revestimentos do carro torpedo, a quantidade de gusa transportada subiu de 250 mil para 450 mil toneladas. O sucesso de cada inovação pode ser quantificado pela economia de energia em cada fase do processo, na redução do consumo de insumos, aumento de produtividade e melhoria nas condições de segurança. A infinidade de detalhes dessa espécie de maratona tecnológica pela obtenção de melhores aços prospera para além da CSN. O professor José Arana Varela, da Unesp, coordenador de inovação do CepidCerâmica informa que o Liec mantém convênios tão antigos quanto o da CSN, como a CBMM. Há ainda outros parceiros de longa data, como a White Martins, há oito anos no Liec, e a Indústria Brasileira de Artigos Refratários (Ibar), há quase dez anos. • PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 79
Aberto: Cunningham, Dança e Novas Tecno/agias, editado pela Educ, com apoio
usam essa tecnologia apenas cenograficamente não fazem parte de suas reflexões. Os recursos tecnológicos são agentes do espetáculo, tão importantes quanto o bailarino, o músico e o programador, e interage com cada um deles. Arte, ciência e tecnologia ficam entrelaçadas.
da FAPESP. A proposta é entender dança e corpo como pertencentes ao mesmo processo evolutivo em uma cadeia semiósica. Sendo assim, nota-se que essa nova forma de dança não emergiu como um fato isolado, agregada apenas ao universo artístico, nem se trata de uma estética inaugural, uma forma de arte criada pela extensão de novos artefatos. A dança-tecnologia surgiu a partir da mudança do macrossistema. A chave para assimilar o trabalho desses artistas está no próprio corpo, um dos instrumentos utilizados para sinalizar as mudanças no universo, pois nele próprio estão contidas muitas dessas transformações. Para entender como funciona a dança-tecnologia, tem de se ter em mente que a era digital não entra em cena como um mero recurso cênico. "Não se trata de produções que justapõem várias mídias, não é colagem", diz Ivani. Para a autora, as criações que
Softwares - O livro traça um panorama do uso da tecnologia na era digital. A primeira pesquisa conhecida no uso do computador como assistente ceno gráfico foi realizada por Paul Le Vasseur, em 1964, na França, e Ieanne Beaman, em 1969, nos Estados Unidos. Desde então, softwares foram desenvolvidos para várias funções, tais como: notação e composição coreográfica (espécie de partitura da coreografia), pesquisa, análise, criação e captura de movimentos, programas para auxílio educacional e ambientes de computação para interferência em tempo real. Os sensores podem ser colocados em qualquer lugar do palco - no chão, nas paredes, nos cenários, nos corpos. Com tudo isso à disposição, surgem performances como a apresentada em L'Aprés-midi d'un Faune, de Marie Chouinard, no Canadá. Vestida com aparatos tecnológicos, a bailarina Pamela Ne-
dos no Brasil sobre o tema. Essa foi a proposta da coreógrafa e bailarina Ivani Santana, recém-doutora do Departamento de Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com o livro Corpo
Corpo Aberto: "A dança-tecnologia carece de verdadeiros projetos colaborativos, pois as artes funcionam enoveladas", conclui Ivani
82 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
well dança entre cinco colunas de luz, tendo a chance de controlá-Ias. Há também obras mais radicais. Em Escultura do Estômago, Stelarc, na Austrália, discute literalmente a questão do corpo na arte. Um minúsculo aparelho, utilizado em implantes, é engolido pelo artista e capta a imagem do interior do corpo, exibindo uma luz que acende e apaga em sincronia com o som de uma campanhia. O célebre bailarino Mikhail Baryshnikov usou o peso da tradição de 400 anos do balé clássico para contribuir com a divulgação da dança-tecnologia. Em Heartbeat: MB, de Christopher Ianney e Sara Rudner, comemorou 50 anos de palco deixando audíveis as batidas de seu coração. O grupo Palindrome (Alemanha) utiliza a captura de imagem para controlar o meio. Arquivadas na memória do computador, elas são inputs que se transformam em uma nova informação, como música, projeção, ou iluminação. Uma câmera é colocada em cima e duas são dispostas nos cantos do palco para registrar a altura, a largura e a profundidade da imagem e estabelecer uma visão tridimensional (esse sistema é chamado de Frame-Grabbing). Elas se tornam um poderoso sensor, pois percebem qual a trajetória realiza-
da pelo movimento do corpo no espaço e no tempo. Outro exemplo da sofisticação que essesprogramas podem chegar é o Very Nervous System, do artista canadense David Rokeby, que detecta, via câmera de vídeo, a presença, a imobilidade e a velocidade da ação do performer. As imagens captadas por um ou dois aparelhos são mapeadas por uma grade pré-definida. Cada pequeno quadrado, ou outra forma permitida, dessa grade, informa as mudanças ocorridas - e o alerta é feito por meio das alterações de luz em cada região. O programa mais conhecido no meio é o Life Forms, utilizado para auxiliar na criação coreográfica. Por meio de avatares é possível criar e simular a movimentação no espaço e no tempo. Nessa seara, tudo é possível. "O meio ambiente da obra é controlado por tecnologias emergentes e experimentais", diz Ivani. Equipe - Com tantos protagonistas no palco, o trabalho em equipe tornase fundamental. Nesse tipo de espetáculo, a criação é dividida tanto pelo coreógrafo quando pelos especialistas em tecnologia e o bailarino, um co-criador em tempo real, que muitas vezes controla as várias mídias do palco,
o PROJETO Corpo Aberto: Cunninçhsm, Dança e Novas Tecnologias MOOALIOADE
Auxílio publicação COORDENADORA HELENA KATZ - Programa
Estudos Pós-Graduados, Comunicação Semiótica/Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SPl
INVESTIMENTO
R$ 3.500,00
durante a apresentação. Para conceber a obra, cada um deve conhecer um pouco o trabalho do outro. O artista multimídia precisa entender de dança e o performer também não pode ser analfabeto em novas tecnologias. ''A criação da dança-tecnologia não necessita da prestação de serviços de outras áreas, ela carece de verdadeiros projetos colaborativos,pois as artes funcionam enoveladas': diz. Desde 1996, Ivani trabalha com o músico Fernando Iazzetta, pesquisador da relação música-novas tecnologias. O coreógrafo norte-americano Merce Cunningham faz parte do título do
livro porque é um dos grandes responsáveis por toda essa abertura na dança, pela inserção dessa arte no mundo contemporâneo. Inovador desde os anos 50, autor de frases como "os bailarinos trabalham com seus corpos e cada corpo é único", Cunningham está na ativa até hoje, aos 83 anos. Criou o processo do acaso,mudou a forma de o corpo ser trabalhado, decretou que os bailarinos poderiam dançar em qualquer ponto do espaço. E desde 1989 anda às voltas com o mundo digital. Quando se interessoupela dança-tecnologia, em 1994, Ivani não tinha nem computador. Naquele período, já havia trabalhos na Austrália, no Japão, nos Estados Unidos, segundo pesquisa feita por ela. No país, não havia nenhuma bibliografia disponível, nem estudo divulgado. Esse foi um dos motivos pelos quais a autora buscou o Departamento de Comunicação e Semiótica da PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O resultado prático do trabalho de Ivani é o espetáculo Gedanken, Dança Imagem Tecnologia. Uns acreditam que a tecnologia pode acabar com a dança. Outros, que ela é a salvadora da pátria. Ivani tenta entender esses opostos, nessa forma de dança que acende paixões. •
Outra cena do espetáculo: "Os bailarinos trabalham com seus corpos e cada corpo é único", diz Cunningham, na ativa até hoje, aos 83 anos
PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 83 J
• HUMANIDADES
HISTÓRIA
Tese revela como Jean-Baptiste Oebret quis, com sua obra, traçar uma biografia do Brasil, país que ele admirava com ímpeto iluminista
CARLOS
HAAG
eche os olhos e crie, na imaginação, sua imagem do Rio dos tempos coloniais: aposto . como serão as gravuras de [ean- Baptiste Debret (17681848), com seus negros, chafarizes, nobres de casaca e senhorinhas em liteiras que virão à sua cabeça. Apesar de povoar o nosso imaginário, o que, em verdade, conhecemos sobre ele e sobre a obra onde estão todas aquelas figuras, a Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, publicada pelo artista entre 1834 e 1839? A tentação é classificá-lo como mais um dos inúmeros viajantes estrangeiros que vieram ao país para descrever aos europeus seus exotismo e atraso. "Ele, ao contrário dos outros, amava de verdade o Brasil e o conheceu profundamente durante os 15 anos que passou por aqui. Ao mostrar os costumes brasileiros, quer associá-Ios a um projeto de correção de um território que, segundo ele, merecia estar
F
84 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
entre os grandes da Europa", afirma Valéria Alves Esteves Lima em sua recém-defendida tese de doutorado, pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), A Viagem Pitoresca e Histórica de Debret: Por uma Nova Leitura, que contou com o apoio da FAPESP. Nela, a pesquisadora revela que o trabalho magistral de Debret, de imagens e texto, era fruto de um projeto pessoal do artista, que pretendia, bem mais do que documentar o país, escrever a "biografia do Brasil", baseado em suas crenças iluministas (herdadas do contato com o pintor Iacques-Louis David, seu mestre) e numa experiência pessoal longa de convívio com a corte e o povo do Rio antigo. Surge, então, o Debret historiador. "Ao invés de tomar as imagens que viu como dados que ilustram uma experiência de viagem, Debret elabora um pensamento sobre o Brasil e autoriza suas imagens a falar para o
público, a partir de suas reflexões", observa Valéria. "Assim, não é simplesmente um trajeto ou uma estada que está a descrever, mas um projeto intelectual sobre a marcha da civilização do Brasil", ana-: lisa a professora. Ou, nas palavras do próprio Debret: a marche progressive de Ia civilisation, como escreve o pintorescritor no volume 2 da Viagem Pitoresca e Histórica. Filho do Iluminismo, para Debret a idéia de progresso era irreversível, mesmo que a realidade diante de seus olhos (e ainda mais diante dos nossos, por meio de suas litografias) não mostrasse o país do futuro, mas do arcaico. "Para ele, o ideal do avanço podia abrigar períodos de estagnação, mas eles seriam superados, a regeneração, que é como ele se refere ao processo pelo qual o Brasil passava após a chegada da família real ao Rio", afirma a pesquisadora. "Era preciso ilustrar os hábitos e costumes antigos brasileiros
para que não houvesse dúvidas sobre o avanço da civilização, promovido pela Casa de Bragança no Brasil." Até mesmo porque há um gap entre a sua chegada ao país, em 1816 (aos 48 anos, um artista maduro e preparado), com a missão francesa, e seu retorno à França, em 1831 (aos 63 anos) e os quase oito anos a que se dedica a preparar, cuidadosamente, sua obra. A professora alerta para um aspecto de Debret, em geral, esquecido: o texto que acompanha as imagens de Viagem Pitoresca. "Ele mesmo dizia que 'o que um desvela, o outro complementa'. Se as imagens tinham vida autônoma, seus escritos falavam de como o Brasil havia mudado desde que desenhara aquelas imagens, de como houvera transformação e progresso", nota Valéria. "Sem o texto, a imagem do Brasil que ele tão carinhosamente registrou seria a contrária do que ele pretendia." Detalhe fundamental: Debret praticamente não
alterou, na Europa, as aquarelas que fizera no país em sua estada. Mais uma vez transparece o historiador ao lado do artista. Mas um historiador algo parcial e envolvido em demasia no tema. Preocupado com seu projeto brasileiro, faz uma triagem do material, seleciona o que interessa para provar sua visão do futuro do país e, para divulgar ainda mais suas idéias, transforma as aquarelas em litografias, meio de difusão mais barata e ampla. O mundo precisa conhecer o Brasil que ele amava. Modernidade iluminista - Mas esse amor nacional tinha raízes profundamente européias. Nascido em Paris em 1768, Debret freqüentou o ateliê de Iacques- Louis David, onde aprende que, na modernidade iluminista, o ideal artístico estava na tríade arte, política e história. "Ele aprendeu com David que a arte precisa atender às necessidades do momento e que o artista é, neste PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 85
sentido, responsável pela adequação entre arte e história', observa Valéria. "O Debret historiador aparece, então, no momento da elaboração dos textos e na organização do material para publicação", avalia. "Nesta etapa, que é a da explicitação de sua imagem do Brasil, Debret se esforça por dar aos seus registros um atualidade histórica que eles já não mais possuíam e que poderia comprometer o conteúdo desejável para sua tese." David também era um dos epígonos da arte-testemunhal da estética neoclássica: o artista tinha que presenciar, sempre que possível, o que retratava. Para mostrar Marat morto em sua banheira, era preciso vê-lo no banho de sangue. A história pintada no seu momento. Realidade brasileira - Nas pegadas do mestre, Debret transforma-se em um pintor de cenas históricas e essa será sua sorte ao chegar ao Brasil com outros colegas franceses: entre todos, será ele, por causa dessa escolha, que terá o acesso garantido aos poderosos que desejavam se ver retratados na posteridade. Ganhou com isso muitos desafetos entre os pares da França que se sentiam fragilizados diante da eminência adquirida pelo pintor. Isso ajudou a alavancar ainda mais a carreira de um artista que chegava ao Brasil para ensinar o métier que dominava em terras européias. Em 1826, transformou-se na alma da Academia de Belas Artes. "Foi, então, adquirindo um conhecimento crescente sobre os problemas e reformas do país, que vão lhe dando uma visão bastante boa da realidade do Brasil. Debret conversava com monarcas, ministros, políticos e, ao mesmo tempo, recebia alunos de diferentes partes do país que lhe contavam detalhes de regiões que não conheceu, mas pôde descrever em seu livro': relata Valéria. "Também contou com o auxílio de viajantes europeus, mas, ao contrário deles, teve uma experiência pessoal muito mais longa e não se restringiu à mera descrição de cenas do cotidiano, mas refletiu sobre elas." Mais uma vez, a presença de David: o que vemos nas suas imagens não é a 86 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
no que ele irá se apropriar dos fatos e acontecimentos importantes para suas obras históricas': diz. "Assim, em sua interpretação da população brasileira, ele praticamente abandona a idéia de uma população selvagem e exótica. Sua avaliação do brasileiro não é a de um indivíduo marcado por uma relação constante e direta com a natureza." iáS'
Negro Vendedor de Flores: uma visão "confortável"
da escravidão
cópia do real, mas a verossimilhança que atesta a presença do pintor naquele momento. Há uma sutil complexidade nesse retrato quase fiel das ruas e da corte, que parece se movimentar diante de nossos olhos, mesmo após séculos, mas, ao mesmo tempo, é fruto de uma opção consciente do pintor, ligada intrinsecamente ao seu projeto de visão do futuro da nação. Diderot, outro iluminista, já alertava para as "libertinagens da razão': o pensamento que se quer racional e preciso, mas cede ao ideal. "O vínculo com o real é apenas um dos aspectos da composição, cujo resultado incorpora um longo trabalho de reflexão e uma bem traçada rede de intenções': afirma Valéria. Pequena traição - Daí, então, a pequena traição do ideal em suas imagens dos índios brasileiros, que ele pouco viu e cujas pinturas não se enquadram no papel "testemunhal" de David. "Ele os conheceu por relatos de outros e por visitas a museus, onde pôde ver artefatos e roupas. É a partir do espaço urba-
a natureza, só aparece enquanto passível do domínio da ação do ~ homem, modificada, domada pelo progresso. Suas imagens dos nativos é fruto de seu projeto: de início, aparecem em sua aparência exótica e primitiva, mas, ao longo das imagens (e, logo, do tempo), prefere retratar os índios modificados - e, em seu ver, "melhorados" - pelo contato com a civilização. Quando mostra tabas e artefatos, é apenas para que o leitor sinta como aquele estágio já foi superado pelo progresso. "Segundo a sua leitura, a civilização era a superação de um estágio natural que impedia o avanço das qualidades inatas do brasileiro. Daí a urgência de organizar seu passado histórico, arranjado, nos volumes de sua Viagem, de forma a tornar evidente ao europeu essa trajetória inevitável rumo ao progresso do Brasil", nota a pesquisadora. "O primeiro volume de Viagem foi dedicado aos indígenas, estágio de não-civilização, mas, ao mesmo tempo, ponto de origem da população civilizada: é a partir do selvagem que o pensamento iluminista de Debret vai interpretar o avanço da civilização no Brasil", diz. Nada mais adequado, afinal, para comprovar, por meio do poder do tempo, o ideal do progresso irreversível, mesmo nas piores condições iniciais. Da mesma forma, a paisagem desaparece sempre que pode prejudicar a leitura que deseja que suas imagens tenham pelo público europeu. ''A natureza, espaço a partir do qual a idéia do homem brasileiro se constituiu entre a maioria dos viajantes e intérpretes do país, era para ele o domínio do homem civilizado. Sua riqueza e seu caráter sel-
~~-------------------------------------------------------------------------------------------------------
Interior de Casa de Ciganos: retratos que atestam a presença testemunhal do pintor vagem e indomado deveriam, também, servir às suas necessidades, seja como espaços para cultivar, seja como modelos para pintura de paisagem e de história': observa a pesquisadora. Mesmo na floresta mais exótica e pitoresca, o homem civilizado é mais forte. Senhores e escravos - Há, no entanto, nesse ideal de progresso algo retrógrado aos nossos olhos modernos, um sentimento inaudito de respeito pelos negros. "Tudo assenta, pois, neste país, no escravo negro", escreve Debret. Mais do que nunca, funciona em Viagem o registro do desejo de retratar fielmente "o caráter e os hábitos dos brasileiros em geral" e, dessa forma, seria impossível enxergar o negro em outra perspectiva que não a da sua suprema importância na maioria dos costumes e das atividades da colônia. "Há na representação iconográfica dos negros uma força física e moral que sobrevive aos comentários denegridores de Debret. O modelo clássico que usa para retratá-los eleva-os aos olhos de quem
vê suas gravuras", observa a autora. Para o artista francês, preocupado com o futuro brasileiro, a miscigenação das raças tinha uma função fundamental, pela reunião da força física dos négros e o "intelecto superior" dos brancos. Graças também a ele percebemos a intimidade entre senhores e escravos dentro da casa senhorial, cujas conse-
o PROJETO A Viagem Pitoresca e Histórica de Debret: uma Nova Leitura
Por
MOOALIOAOE
Bolsa de doutorado ORIENTAOOR ROBERT WAYNE ANDREW SLENES -
Instituto de Filosofia e Ciência Humanas/Unicamp BOLSISTA VALÉRIA ALVES ESTEVES LIMA -
Instituto de Filosofia e Ciência Humanas/Unicamp
qüências foram tão bem descritas por Gilberto Freyre. Entretanto, na questão da escravidão, o historiador bem-intencionado cai numa rede de contradições entre seu discurso e crenças e a realidade terrível. "Nosso imaginário desse mundo ganha um aspecto confortável pelas gravuras de Debret", diz Valéria.Assim, mesmo ao retratar um escravo castigado de forma realista, texto e imagem se harmonizam em função do projeto maior do iluminista: a cena é hedionda e choca, mas o texto afirma que a pena a que o escravo é submetido no tronco estava dentro dos limites da lei. O liberalismo de Debret elevado ao extremo entra em choque com sua visão do real. "Ele acaba por criar, como historiador, uma realidade ideológica confortável, nos querendo fazer acreditar que estávamos diante de um país em formação e que se preparava para o futuro", conclui a pesquisadora. Dois séculos mais tarde, Stefan Zweig, em O País do Futuro, tentaria mostrar o mesmo. Sem grande sucesso. • PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 87 J
• HUMANIDADES
11
ENTREVISTA:
CARM EN MARTIN
De volta à vida Centro ti ra atividade de medicina legal do limbo ao privilegiar ensino e pesquisa NELDSON
O
dia 30 de junho de 1999 marcou uma mudança de paradigma na medicina legal brasileira. Nessa data começou a funcionar em Ribeirão Preto, São Paulo, o Centro de Medicina Legal (Cemel). A diferença principal com outros centros é o fato de esse estar instalado dentro do campus de uma universidade - no caso, a de São Paulo (USP) -, junto com o Serviço de Verificação de Óbitos do Interior (SVOI) e o Núcleo de Perícias MédicoLegais (NPML) da cidade, transferidos para lá. A pesquisa realizada na universidade é, assim, estendida ao 1ML, fato raro na história da medicina brasileira. A idealizadora do centro, Carmen Cinira Santos Martin, professora do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina, lutava havia quase 18 anos pa-
88 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
MARCOLIN
ra tirar a especialidade do limbo. Seu interesse ia além de ter um prédio me·lhor do que o decrépito e apertado necrotério da cidade. "Eu queria aprimorar o ensino da disciplina de medicina legal e torná-lo tão bom quanto os melhores que existem no mundo", conta Carmen. Isso ela ainda não conseguiu. Mas hoje, quatro anos depois da inauguração, Carmen começa a receber de volta a atenção que dedica ao centro e à medicina legal. A edição de 10 de maio da Nature trouxe duas páginas sobre o trabalho realizado no Cemel. A revista se interessou pelo distante centro de um país subdesenvolvido quando soube de um trabalho de Marco Aurélio Guimarães, jovem pesquisador brasileiro do Cemel que fazia pós-doutorado na Universidade de Sheffield, na Inglaterra. Guimarães extraiu DNA (ácido de-
soxirribonucléico) de ossos e dentes de velhas ossadas, algo difícil de se conseguir mesmo nos melhores laboratórios do mundo. Carmen colhe outros frutos de sua perseverança. O Cemel é referência para cidades brasileiras e ela é constantemente convidada a dar assessoria em todos os cantos do país para explicar como chegou a esse sistema de trabalho com a medicina legal. O modelo do centro, um prédio com l.200 metros quadrados, que hoje funciona com 30 funcionários (incluindo o IML e o Serviço de Verificação de Óbitos do Interior), serve de inspiração também para o Sistema Único de Saúde (SUS), que já tem pronta uma minuta de lei sobre questões de verificação da causa de óbito. Na entrevista a seguir, Carmen explica a razão desse sucesso.
~~--------------------------------------------------------------------------------------------------------
Material enviado ao Cemel: tecnologia e um pouco de sorte ajudam na identificação
• Como a revista Nature descobriu o trabalho de vocês? -- O pesquisador Marco Aurélio Guimarães foi fazer o estágio de pós-doutoramento na Universidade de Sheffield, na Inglaterra, realizando exame de DNA de ossadas de sítios arqueológicos europeus. Os resultados foram excelentes. Posteriormente aplicou a mesma técnica em material enviado do Brasil. Os resultados também foram muito interessantes e divulgados na imprensa local, no Reino Unido. A Nature tomou conhecimento e fez contato com o Marco Aurélio para conhecer melhor os casos identificados. Da troca de informações entre o repórter da Nature, David Adam, e o pesquisador, resultou o interesse da revista em conhecer de perto a medicina legal da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, o mate-
rial do Brasil que estava sendo pesquisado e o pesquisador responsável por ele. Trata-se do professor Daniel Mufioz, da Faculdade de Medicina da USP de São Paulo, que foi o primeiro entrevistado pela revista inglesa e falou do seu trabalho relacionado à identificação de pessoas desaparecidas durante o regime militar. • A reportagem foi feita aqui? -- O Marco Aurélio voltou em dezembro para Ribeirão Preto e ficou trocando e-mails com o repórter da Nature. Contou que trabalhava num centro emergente de medicina legal, mas que nosso país tinha dificuldades imensas nessa área. Aí o repórter veio para cá em fevereiro e ficou dois dias com a gente, conhecendo o local e perguntando tudo.
• A senhora é carioca. Como veio parar em Ribeirão Preto? -- Vim para fazer pós-graduação. Cursei medicina na Universidade de Brasília iniciando no começo dos anos 70. Terminei a faculdade e fiz residência médica em patologia. Lá pelo terceiro ano quis largar a medicina, porque não gostava de lidar com pessoas doentes. Então um dos meus professores disse: "Ah, vá trabalhar com mortos': Achei ótima idéia e no quarto ano já estava fazendo estágio em medicina legal. Nunca mais saí da área. Quando terminei a residência, queria dar aulas, seguindo a tendência da minha família. E queria dar aula sobre violência, um assunto que me fascinava. Escolhi Ribeirão Preto porque era a melhor pós-graduação em patologia no Brasil. Aliás, não era a melhor, era a segunda PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 89
melhor. Só que a primeira, a de Salvador, eu não consegui cursar. Fui até lá, fiz a inscrição,só que eu era a única candidata naquele ano e não fui aceita.
• Então, o mestrado e o doutorado em medicina legal vai ser de patologia forense, que nada mais é do que parte da medicina legal, certo? - É isso. Eu não quero sair do Depar-
• A senhora queria fazer carreira docente em que, exatamente?
tamento de Patologia, que é excelente. É só uma questão de nomenclatura, quem quer trabalhar, trabalha, independentemente do nome da especialidade.
- No que eu podia fazer, que era patologia. Eu era patologista, mas tinha interesse em medicina legal. Escolhi patologia porque trabalha com cadáver. Era a única forma de aprender a li• Por que sempre houve dificuldade em ensinar medicina legal no Brasil? dar bem com o assunto, para depois - Em primeiro lugar, não existe foraplicar nas questões sobre violência. mação de médico legista. Qualquer Como não existia mestrado, doutoramédico, com qualquer formação, pode do e residênciamédica em medicina lefazer hoje o concurgal, nem mesmo um so para médico legiscursinho de especialita. Ele faz o concurso zação dentro das universidades, optei pela só lendo teoria. Na Academia de Polícia pós em patologia. Na Quando a - estou falando do verdade, eu poderia até universidade Estado de São Paulo fazer o concurso para -, esses candidatos a polícia, que é onde está junto, a são treinados duranos legistas aprendem medicina te aproximadamenno Brasil, mas não te um mês. Eles têm queria me envolver legal funciona que largar tudo, faem Academia de Polímelhor mília,outros afazeres, cia. Em Ribeirão Preetc. Muitos desisto, os professores totem. Após esse treidos me entrevistaram para ver se me aceitanamento iniciam a atividade profissional vam na pós. Eu fui clarealizando exame necroscópico e de lera: disse que não gostava de patologia, mas de medicina legal. Aí me pergunsão corporal em pessoas vivas. taram: "O que você esta fazendo aqui, então?". Mas um deles, que acabou • O que eles aprendem a fazer é um trabalho meramente impressionista? -Apesendo meu orientador para o mestrado nas descrevem o que vêem, como quale para o doutorado, professor José Alberto Melo de Oliveira, folheou meu quer pessoa faria? currículo e disse: "Espera aí, você gos- É mais ou menos isso. Não é à toa 'que a qualidade da medicina legal no ta mesmo de medicina legal?".Eu confirmei e ele me ajudou. Acabei fazendo Brasil é péssima. Ela só é boa na medida em que o indivíduo que a faz é um mestrado e doutorado com assuntos de medicina legal, dentro do Departaprofissional muito bom, por mérito pessoal. mento de Patologia.
sionária. Construiu um belo edifício de 5 mil metros quadrados. Na época da construção, a universidade estava junto com o IML. O que faz a medicina legal avançar é a universidade. Quando ela está junto, funciona melhor. Quando está separada, a qualidade cai pela falta de pesquisa. • A senhora inspirou-se em quais centros para criar o Centro Médico-Legal (Cemel)?
- Portugal tem o modelo que eu considero ideal. Mas, no Brasil, Salvador e Brasília têm também uma importância grande, porque são mais abertas. Como aluna, ia ao Instituto Médico-Legal e podia andar pelo prédio à vontade. Isso em pleno regime militar. Essas coisas só aconteciam porque a universidade abriu o espaço. Maria Teresa Pacheco, hoje professora titular aposentada, permitia que o aluno de Salvador visse a medicina legalpor dentro e não apenas em teoria. Em Brasília era igual. • Por que o modelo do Cemel é diferente?
- Porque nós convidamos o IML para vir para a universidade e trabalharmos juntos, principalmente na pesquisa. Hoje já temos quatro médicos legistas de Ribeirão Preto com pósgraduação concluída ou em andamento e suas pesquisas foram motivadas pelo trabalho que realizamos em conjunto. Essa é a grande diferença. Isso foi possibilitado por pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Quem teve a coragem de assinar um cheque de R$ 600 mil para a criação deste centro foi o professor José Antunes Rodrigues, que é um dos maiores pesquisadores que nós temos, e ex-diretor da faculdade. • Como foi esse processo?
• Agora, tantos anos depois, a senhora pretende montar o primeiro curso de patologia forense. Como vai ser?
• O Instituto Nina Rodrigues, de Salva-
- No Brasil não existe ainda residência médica em medicina legal funcionando. Pretendemos fazer uma ponte entre a patologia e a medicina legal, na Faculdade de Medicina aqui de Ribeirão Preto, criando o quarto ano de residência em patologia forense, que é parte da medicina legal. Estamos em negociação dentro do Departamento de Patologia.
- Lá é mais ou menos igual, assim como no Brasil todo. A diferença é que em Salvador há um ambiente mais aberto. Até me inspirei no prédio do Instituto Nina Rodrigues para pensar nas coisas aqui. O instituto lá já foi, em tempos passados, melhor. Ainda é a melhor estrutura do Brasil. Porque a pessoa que construiu o prédio, a professora Maria Teresa Pacheco, é uma vi-
90 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
dor, para onde a senhora gostaria de ter ido, também é assim?
- Um dia, por volta de 1996, eu cheguei para o professor Antunes e disse que já estava nesta escola há quase 15 anos e nunca havia levado aluno à sala de necrópsia do IML de Ribeirão. E que jamais levaria. O IML tinha uma sala terrível, pequena, extremamente feia, mal preparada. A medicina legal já lida com tudo muito triste, tudo muito feio - feio para os outros, para mim é bonito - e não podia levar um aluno que estava pensando em fazer outra especialidade para um lugar desse. Eu que-
disponha a criar núcleos de pesquisa em locais onde há ensino e assistência e a investigação científica não ocorre como deveria. Hoje tenho duas administrações. Administro o Cemel porque ele é da USP. A outra administração, temporária, é a do Serviço de Verificação de Óbitos do Interior (SVOI), que é uma unidade da USP.
ria trazer os alunos para a medicina legal, seduzi-Ios para a minha especialidade e não espantá-Ios. Se os levasse para aquele necrotério, nunca mais iriam querer saber de medicina legal. Passei 18 anos dando aula com figurinha. Até dizia para eles: "Se vocês quiserem ir ao IML de Ribeirão, podem ir, mas eu não levo vocês". Eu disse para o professor Antunes que não continuaria trabalhando daquela maneira, que iria fazer outras coisas, e ele acabou por encampar o projeto do Cemel. • Por que Portugal serviu de inspiração? - Lá, o professor universitário, obrigatoriamente por lei federal, tem de ser o diretor do IML. É um sistema muito mais avançado que o nosso. O diretor não pode ser da carreira da polícia. Nem tem polícia no meio, porque o legista é filiado não à Secretaria de Segurança Pública, mas à Secretaria de Justiça. Lida com a magistratura, é outro nível. Não tem delegado no meio. O pesquisador português Nuno Rodrigues, da Universidade de Coimbra, especialista em medicina legal, de renome mundial, sempre que vem ao Brasil, diz nas suas conferências que não dá para concordar com o sistema brasileiro, em que a máquina que pune é a mesma que investiga. Ele também é membro da Anistia Internacional. • Esse modelo de Portugal é parecido com o inglês e com o norte-americano? - Eu copiei o modelo norte-americano num sentido e o português em outro. No administrativo eu copiei o português. Nos Estados Unidos, não necessariamente a universidade está de mão dada com o IML. Por exemplo: eu conheço muito bem o pessoal do Colorado, nos Estados Unidos. O chefe do serviço do IML não é professor universitário, mas cursou patologia. Aí está a base de tudo: ele é patologista, em primeiro lugar. Depois ele vai fazer patologia forense. Essa é a parte boa do modelo norte-americano, inglês e ca-
• É uma vantagem ter os colegas do IML aqui dentro? - É, porque agiliza todo o trabalho. É semelhante ao modelo usado pelos americanos. O americano faz isso, só que com uma base melhor, porque o médico que faz a verificação de óbito é o mesmo que examina morte violenta. • A formação de legistas em Portugal também é assim? - Não, em Portugal não é tão boa. Nos outros países, a formação do médico legista é em patologia forense. Em Portugal eu encontrei essa grande falha, ou seja, o médico legista também faz a verificação de óbito sem ser patologista. nadense. Mas a administração deles não é tão boa quanto a de Portugal porque o IML não trabalha juntq com a universidade. • Por que o sistema é melhor quando . chefiado por um professor? - Por causa da universidade. O professor preza a pesquisa. • Mas não é um problema quando os melhores quadros de pesquisa da universidade se tornam também quadros burocráticos? - O professor de medicina legal não faz pesquisa na área se não estiver acompanhando o que ocorre dentro do IML. Essa é a grande questão que as pessoas não entendem. Nos IMLs há profissionais competentes, mas se não têm formação em pesquisa, vão trabalhar de modo limitado. Estou junto com o IML, mas não administro o IML. Embora a carga administrativa seja realmente muito grande, é preciso que alguém se
• Por que a lei de 9 de fevereiro de 1998, editada pelo ex-governador Mário Covas, foi importante para vocês? - A lei anterior a essa dizia que o legista estava subordinado a um delegado. Quem chefiava o legista era o policial. O Mário Covas colocou no lugar do delegado um perito criminal ou um médico legista. Esse cargo, na lei do Covas, é o do diretor da polícia técnica . Em cada gestão estaria um perito médico ou um não-médico. • Como é projeto de Políticas Públicas, financiado pela FAPESP? - Esse foi o segundo projeto do Cemel. A idéia é passar tecnologia e treinar o pessoal do IML de Ribeirão Preto e do SVOI. Quando começamos a trabalhar aqui, os advogados contestavam diariamente os laudos de dosagem alcoólica porque a metodologia era inadequada. Aí pensei que o Bruno Martinis, um pesquisador muito bem formado já desenvolvendo projeto no PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 91 .J
Cemel (modalidade Jovem Pesquisaboratório vai ajudar quando famílias reclamarem os corpos e os métodos codor, da FAPESP), poderia assumir o muns de identificação não forem sufilaboratório de toxicologia. O projeto cientes para resolver a questão. Aí entra de Políticas Públicas, que está entrando o exame de DNA de osso. O projeto está na segunda fase,tem como objetivo treipronto, mas falta equipar o laboratório. nar o pessoal técnico das instituições O problema não é montar o laboratóparticipantes para fazer coleta de rio, o mais difícil é saber fazer. E isso o amostras para dosagem alcoólica, que é o exame mais pedido. São alguns proMarco Aurélio Guimarães sabe. Além disso, ele já tem a cultura médico-lecedimentos muito básicos como, por gal. Isso é importante. exemplo, ensinar que há recipientes próprios para colher sangue. Uma vez certificado que o treinamento ocorreu • E como vocês poderão ajudar a identificar as ossadas suspeitas de serem de de forma adequada, a instituição propodesaparecidos políticos durante o reginente, que é a Faculdade de Medicina, me militar encontradas no Cemitério tem o compromisso de fazer a transferência da tecnologia Dom Bosco, em São sofisticada para o maPaulo? - Não existe só um nuseio do cromatógramétodo de identififo, equipamento que processa as amostras cação. Hoje só se Aparelhos bons fala em DNA, parede sangue. O resultado e técnicos bem final esperado é a efice que só existe isso. Mas não é assim. O ciência dos proceditreinados são método mais fácil, mentos e a certeza de uma garantia mais elementar, o resultados fidedignos. melhor deles, é a para a • Ou seja, vocês tinham identificação odonsociedade to-legal. Se você tem um problema de falta de tecnologia e de treiuma arcada dentária namento. trabalhada, porque - O melhor aparelho colocaram amálgama, resma e ISSO esna mão de técnicos não treinados não produz resultados. Quantá registrado, fica fácil identificar uma ossada. O mesmo ocorre com do eu digo que o trabalho é elementar, é porque tinha que ensinar a coletar, a próteses. Eu tenho aqui umas duas guardar, a pôr na geladeira, etc. Hoje o dúzias de identificações feitas assim. Não tem como ter dúvida. Não é poscenário mudou completamente e as coisas estão mais fáceis. O projeto fisível um médico cirurgião colocar nanciado pela FAPESP é importante uma prótese na sua perna e na minha porque não é possível imaginar, na e elas serem iguais, tantas são as variáépoca em que estamos vivendo, ainda . veis. Nós vamos ajudar nessa identinão termos sanado esses problemas ficação por meio de exame de DNA quando formos solicitados. tão primários. Ter equipamentos bons e técnicosbem treinados é uma garantia • Quem banca o Cemel? É a USP? para a comunidade. - A USP paga grande parte. Este prédio custou R$ 600 mil, pagos pela Fa• Como é o projeto do laboratório de culdade de Medicina para termos uma DNA que vai funcionar no Cemel? disciplina de medicina legal. O dinhei- O laboratório será importante quando não conseguirmos fazer a identifiro é da USP,mas saiu do orçamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão cação odonto-legal, ou por uma prótese, ou pela ausência de um membro. Preto, não pedimos verba especial à Na região de Ribeirão Preto é muito couniversidade. Para pagar as despesas com material de limpeza, por exemmum encontrarmos ossadas durante a colheita de cana. O canavial é um luplo, há uma outra fonte, também da gar muito usado para esconder corpos USP, que é o SVOI, uma unidade da porque a cana, mesmo pequena, cobre universidade, que está alojada aqui poro cadáver facilmente, que só é descoque é atrelada ao Departamento de berto quando a planta é colhida. O laPatologia. Esse serviço tem a folha de 92 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
pagamento de todo mundo que trabalha aqui paga pela USP e uma parte pela Secretaria de Segurança Pública. Agora, a verba da manutenção é muito pequena, que vem do SVOI. Tenho por mês o total de R$ 4.489,00 para comprar material de limpeza e fazer toda a manutenção do centro. Quando preciso de móveis, ou de um pedreiro, a faculdade me dá. O IML não me dá dinheiro nunca. Mas arrumamos outras soluções para conseguir as coisas. O Hospital das Clínicas me empresta uma máquina caríssima, que é a reveladora de raios X. Ela não presta para o HC para tirar radiografia em paciente vivo, mas presta para tirar de osso, dá uma ótima qualidade. Então 'para' que eu vou comprar um aparelho de ponta? Eu pego emprestado aquele aparelho que é do HC. O material de manutenção desse equipamento é dado pelo IML. Ele não pode me dar o dinheiro, mas ele me dá o líquido, as chapas de raios X, etc. Somando tudo, tenho ajuda do Hospital da Clínicas, funcionários emprestados pela Secretaria Municipal, pela Secretaria Estadual, material do IML, e com isso montamos e mantemos o centro. • Onde a FAPESP entra?
- O excelente laboratório de toxicologia, de responsabilidade do Bruno Martinis, foi montado graças a um projeto de Jovem Pesquisador. Não tem um tostão da universidade. No laboratório há quase R$ 1 milhão em equipamentos financiados integralmente pela FAPESP,se somarmos tudo o que o Bruno ganhou com o projeto, além da bolsa de Jovem Pesquisador. O Bruno e o Marco Aurélio Guimarães também fizeram mestrado e doutorado com bolsa da Fundação . • Sem esse gerenciamento, então, seria mais difícil o Cemel funcionar? - É preciso sempre achar soluções ori-
ginais. Pode parecer curioso, mas eu não me considero uma pesquisadora. Acho que sou uma estrategista, vamos dizer assim. Claro que publico trabalhos no exterior, oriento alunos em mestrado e doutorado, sugiro boa parte das pesquisas que são feitas aqui. Mas acima de tudo sou uma educadora. Respirei o mesmo ar da minha mãe - e até morrer minha mãe foi uma das maiores educadoras que eu conheci. •
As reportagens de Pesquisa FAPESP retratam a construção do conhecimento que será fundamental para o desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução sem perder nenhum movimento.
o
passo
a" f r 'e n t e
conhecimento
PesqeT~üisã FAPESP
www.revistapesquisa.fapesp.br
Complete sua coleção da revista: Tel: (11) 3038-1438
Você tem sede de quê? Estudo ressalta necessidade de gerenciamento ALDO DA
O
C.
REBOUÇAS
a,utor do livro
Agua no Século XXI, José Galizia
Tundisi, figura na galeria dos maiores limnologistas do mundo, ressaltando-se tanto o rigor científico quanto profissional e o ineditismo da sua abordagem em meio tropical e subtropical, principalmente. Como limnólogo, desenvolve pesquisas sobre os mecanismos de funcionamento de lagos, rios, açudes - as-sudd -, palavra de origem moura que significa represa d'água especialmente. Ao apresentar os problemas críticos resultantes da ação humana sobre o ciclo hidrológico terrestre, o professor insiste nos alcances ambiental, social e econômico da gestão integrada e dinâmica de bacias hidrográficas, no Brasil, em particular. A riqueza de informações disponibilizadas pelo autor possibilita avaliar a degradação da qualidade da água dos nossos rios, lagos, pantanais ou açudes, decorrente do vexatório quadro sanitário das nossas cidades, principalmente. Discute, também, os aspectos ambientais, econômicos e sociais do uso múltiplo da água no mundo, em geral, e no Brasil, em particular. Apresenta o arcabouço institucional/legal vigente no Brasil a partir da Constituição de 1988, principalmente a lei nv 9.433/97 (conhecida como Lei das Águas), a qual organizou o setor de planejamento e gestão dos recursos hídricos em âmbito nacional, introduzindo vários instrumentos de política para o setor. Como fato relevante e novo teve-se a promulgação da lei federal nO 9.984/00, que criou a Agência Nacional de Águas (ANA), entidade reguladora da utilização das águas de domínio da União. Professor titular do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC/USP) e presidente do Instituto Internacional de Ecologia (IIE), o autor enfoca temas ambientais, em geral, e de recursos hídricos, em particular, ressaltando a necessidade de gerenciamento integrado e dinâmico das águas que fluem pelos rios (blue
94 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
dos rios brasileiros
water flow) , das águas que infiltrarn nos terrenos da bacia hidrográfica em apreJosé Galizia Tundisi ço e dão suporte ao desenvolvimento da biomassa Editora RiMa / I1E natural ou cultivada (gre256 páginas en water flow), das águas R$ 38,90 subterrâneas, as quais alimentam as descargas dos rios durante os períodos sem chuvas (gray water flow), e reúso de água. Insiste sobre a necessidade de uma organização institucional e gerencial da oferta e do uso cada vez mais eficiente da gota d'água disponível, tanto nas cidades quanto nas indústrias e na agricultura, principalmente. O texto apresentado permite, portanto, uma visão conjunta, atualizada e necessária da gestão integrada e dinâmica das águas do mundo, em geral, e do Brasil, em particular, constituindo, sem dúvida, excelente contribuição ao conhecimento atual sobre o assunto. No Brasil, em particular, este livro vem preencher uma grande lacuna na abordagem especializada sobre um assunto antigo, mas polêmico, que é a gestão integrada e dinâmica das águas em prol do desenvolvimento sustentável. Esse desenvolvimento implica é, claro, limitações impostas pelo estágio atual da tecnologia e da organização dos três setores principais considerados nas últimas décadas no mundo, em geral: (i) o sistema político ou de governo, também dito de primeiro setor, (ii) as empresas ou segundo setor e (iii) a sociedade civil organizada ou o terceiro setor. É evidente, certamente, que um mundo onde a pobreza é endêmica estará sempre sujeito a catástrofes ecológicas e crises de água ou de outra natureza. No Brasil, em particular, embora se ostente a maior descarga do mundo de água doce nos rios, lutar pelo uso cada vez mais eficiente da gota d'água disponível é lutar contra a pobreza, pela vida, pela saúde e pela comida para todos. Água no Século XXI _ Enfrentando a Escassez
ALDODA C. REBOUÇASé pesquisador da Área de Ambiente e Recursos Hídricos do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP)
o Tempo Vivo
Retratos Machadianos
Ecléa Bosi Ateliê Editorial 219 páginas I R$ 38,00
Ana Salles Mariano e Maria RosaDuarte de Oliveira (orqanizadoras) Educ/FAPESP 353 páginas I R$ 44,00
da Memória: Ensaios de Psicologia Social
a pesquisadora volta ao tema da memória, desta vez discutindo o que nos liga às coisas, aos lugares, às pessoas. Para dissecar o tema, Ecléa Bosi revisita, com grande pertinácia, os grandes pensadores da memória, como Bergson, Benjamin, Asch e até Lukács, Simone Weil e Gandhi. A memória aparece em suas várias facetas e caminhos.
A idéia do livro, em si, daria um conto de Machado de Assis: uma reunião dos grandes machadianos, cada um com sua especialidade para um notável e brilhante entrecruzamento de informações sobre o grande escritor brasileiro. O resultado são vários artigos que trazem subsídios fundamentais para um novo entendimento de Machado. Entre os textos: "Machado de Assis e a Filosofia", de Silvia Maria Azevedo; "O Nariz Metafísico ou a Retórica Machadiana", de Ismael Cintra.
Ateliê Editorial: (11) 4612-9666 atelie_editorial@uol.com.br
Educ: (11) 3873-3359 educvendas@pucsp.br
Autora do celebrado Memória
e Sociedade: Lembranças de Velhos,
I
I1m:uslODUql
Leituras do Desejo: O Erotismo no Romance Naturalista Brasileiro Marcelo Bulhões Edusp/FAPESP 248 páginas I R$ 31,00
João Guimarães Rosa e a Saudade Susana Kampff Lages Ateliê Editorial I FAPESP 188 páginas I R$ 25,00
Quando Bosch pintava as delícias do jardim, em boa parte reprovava toda a luxúria que tão bem retratava. O mesmo parece ter acontecido com a latente sexualidade dos escandalosos romances naturalistas, como A Carne, de Júlio Ribeiro. Segundo o autor, os críticos e os personagens de ficção dessas obras compartilhariam os conflitos e culpas sobre a matéria erótica.
Susana Kampff Lages descobriu, no imenso sertão da obra de Guimarães, uma vereda pouco estudada e das mais inusitadas: a idéia de saudade presente em suas obras, que, segundo a pesquisadora, consegue, mais uma vez, levar o mundo regional do escritor mineiro para o universal, para o real e o histórico. Para tanto, ela trabalha com um gap temporal, ou melhor, com uma curiosa -inter-relação entre presente, passado e futuro.
Edusp: (11) 3091-4150/3091-4008 edusp-venda@edu.usp.br
Ateliê Editorial: (11) 4612-9666 atelie_editorial@uol.com.br
O Complexo Industrial da Construção e Habitação Econômica Moderna 1930-1964 Maria Lucia Caira Gitahy e Paulo Xavier Pereira (orqanizadores) RiMa Editora IFAPESP 169 páginas I R$ 32,00 Fala-se muito no impacto das inovações tecnológicas no setor norte-americano da construção nos anos 20, mas nos esquecemos do impacto da revolução das pesquisas de novas técnicas de construção no Brasil. Tema desta obra que mostra a contribuição da indústria do cimento e o desenvolvimento do concreto nessas três décadas. RiMa Editorial: (16) 272-5269 rmartes@terra.com.br ou vendas@rimaeditora.com.br
..... _.......
O Ateu Virtuoso. Materialismo e Moral em Diderot Paulo Jonas de Lima Paiva Discurso Editorial I FAPESP 364 páginas I R$ 30,00
Diderot adoraria o dilema colocado por Paulo lonas Paiva neste estudo: como é possível harmonizar uma moral com o pleno materialismo e o ateísmo, tão caros ao revolucionário pensador francês? O princípio da discussão coloca a própria filosofia em questão ao mostrar que ela pode andar por entre hipóteses contraditórias sempre que, bem ao jeito de Diderot, há a "libertinagem do espírito': Discurso Editorial: (11) 3814-5383 discurso@org.usp.br
PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 95
CLASSIFICADOS
PeiqeTeCniiisa
• Anuncie você tambélT!.=. tel. (ll) 3838-4008
www.revistapesquisa.fapesp.br
FAPESP
~
Instituto de Botânica
SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE
~
GO~lNO
DO ESTADODE
SAO PAULO
UNICAMP
PÓS-GRADUAÇÃO EM BOTÂNICA
o INSTITUTO DE BOTÂNICA, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, única instituição nacional com especialistas em todos os grupos vegetais, inclusive fungos e cianobactérias, acaba de ter o Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Vegetal e Meio Ambiente, níveis mestrado e doutorado, aprovado pela Capes para início em 2003. O objetivo do programa é formar e aperfeiçoar profissionais para interpretar as situações de impacto ambiental que afetam a vegetação, visando à sua preservação ou recuperação e enfrentando, para tanto, os desafios e avanços científicos e tecnológicos nas áreas de Botânica e Meio Ambiente. O mestrado terá duração de 24 meses e o doutorado de 36 meses, ambos exigindo a participação em disciplinas na área, defesa da dissertação/tese, exame de qualificação e proficiência na língua inglesa. Áreas de Concentração: • Plantas Avasculares Ambientais;
e Fungos em Análises
• Plantas Vasculares em Análises Ambientais.
CONCURSO PARA DOCENTES • Instituto
de Geociências
o Instituto
de Geociências (IG) realiza seleção pública de provas e títulos, para preenchimento de uma função docente, na parte especial do quadro docente, no nível MS-3, Regime de Tempo Parcial (RTP), pelo período de três anos. Área: Geografia Disciplinas: GF 802 - Planejamento Regional, GF 601 - Geografia Regional (Teoria e Regionalização Mundial) Inscrições:
abertas até 17 de junho
Local: na Secretaria do IG, das 9 às 12 e das 14 às 17 horas, de segunda a sexta-feira Mais informações: http://www.sg.unicamp.br/concursos_ pdf/22P3 7582003. pdf
• Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas
A Unicamp abriu concurso para o provimento de um cargo, em Regime de Tempo Parcial (RTP), de professor titular. Área: Movimentos
Os documentos necessários para as inscrições, os critérios para a seleção dos interessados, conteúdo programático para a prova específica e outras informações adicionais podem ser encontrados no site www.ibot.sp.gov.br, na Secretaria da PósGraduação do Instituto (Av. Miguel Stéfano, 3031/3687 - Água Funda, SP), ou na Portaria IBt 7, publicada no DOE em 14/09/2002. Dúvidas podem ser tiradas pelo e-mail pgibt@ibot.sp.gov.br telefone 5073 6300 - R.318.
96 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
web/procsel!
Sociais e Sindicatos
Disciplina: HZ-844, do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Inscrições:
até 11 de agosto
Local: Secretaria Geral da universidade, sala 14, no campus de Barão Geraldo, das 9 às 12 horas e das 14 às 17 horas Mais informações: http://www.sg.unicamp.br/concursos_ pdf/OlP102882002.pdf
web/procsel!
• Anuncie você também: tel. (11) 3838-4008
OCIÊNCIAS
VAGA PARA PESQUISADOR
-------------- ~
Posição para pós-doutorado em projeto de pesquisa na Amazônia Central
Processo Seletivo para Contratação de Docente
o Instituto
de Geociências está recebendo, até 11/07/2003, inscrições ao processo seletivo para contratação de dois professores, um na categoria de assistente com salário inicial de R$ 2.983,64 (ref. abril) e outro na categoria de doutor com salário inicial de R$ 4.173,14 (ref. abril), nas seguintes áreas: Geologia do Petróleo e Sedimentologia e Geologia Geral - Sistema Terra, Cristalografia Fundamental, Mineralogia e Mineralogia Industrial. Informações na Seção Pessoal Tel.: (11) 3091.3968/4935 ou http://www.igc.usp.br/htmlJeventos/editais.htm.
IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas
Oferece bolsas para mestrado, doutorado e pós-doutorado
o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), ligado à Secretaria da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de São .Paulo, lança dia 30 de maio o Programa IPT Novos Talentos. Serão anunciados 50 temas que o IPT considera importantes dentro de seu planejamento estratégico, para os quais busca parceiros acadêmicos interessados em orientar teses. O IPT oferecerá bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado para 25 desses temas e buscará recursos externos para bancar os demais. Os candidatos a uma das bolsas oferecidas poderão inscrever-se a partir do dia de lançamento, selecionando um ou mais de um entre os 50 temas que estarão disponíveis no site do IPT (www.ipt.br). Informações sobre o programa, como o valor das bolsas e o processo seletivo, podem ser obtidas através do endereço www.ipt.br/rh/talentos/ ou através do e-rnail novostal@ipt.br.
www.revistapesquisa.fapesp.br
Projeto: Estamos selecionando um diretor de campo, pós-doutor, para o projeto da Parcela Dinâmica Florestal da Amazônia (PDFA). O PDFA é uma colaboração do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), do Center for Tropical Forest Science (CTFS), do Smithsonian Tropical Research Institute (STRI) , Louisiana State University (LSU) e da Universidade de São Paulo (USP), administrado pelo Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF). O projeto pretende estabelecer duas parcelas permanentes (25 ha) para estudo de dinâmica florestal na Amazônia Central. Serão priorizados os candidatos que tenham disponibilidade para iniciar os trabalhos antes de novembro de 2003. As parcelas de Manaus seguirão a mesma metodologia já estabelecida em outras áreas pelo CTFS (veja: http://www.ctfs.si.edul). O diretor de campo será responsável pela supervisão de todos os trabalhos de campo e pelos relatos das atividades aos coordenadores do projeto. Os trabalhos de campo envolvem o levantamento topográfico, como também toda a fase de marcação, medição e identificação dos indivíduos lenhosos com mais de um centímetro de diâmetro dentro das duas parcelas. Além disso, esperamos que o candidato participe ativamente da análise dos dados gerados e das publicações. Perfil: Buscamos alguém com título de doutor em Botânica, Ecologia ou disciplinas relacionadas, de preferência experiência em Ecologia ou Botânica Tropical, que domine inglês e português escrito e falado, com muita disposição para trabalho de campo. É imprescindível a disponibilidade para morar em Manaus. O contrato inicial é para dois anos com possibilidade de prorrogação.
As inscrições devem ser enviadas por e-mail contendo carta de apresentação e intenções (formato PDF ou DOC), informações de contato de três pessoas potenciais como referências e um currículo para Rita Mesquita (pdbff@inpa.gov.br). Interessados devem enviar suas inscrições até 25 de junho de 2003.
Inscrições:
Coordenadores: Rita de Cássia Mesquita (Inpa); Kyle Harms (LSU), Alexandre Adalardo de Oliveira (USP) and Liz Losos (CTFS) Convênio:
Inpa/USP/STRI/LSU/CTFS
Maiores informações: Alexandre Adalardo de Oliveira e-rnail: aaoliveira@ffclrp.usp.br
PESQUISA FAPESP 88 • JUNHO DE 2003 • 97
ir E F I N A L CLAUDIUS
98 • JUNHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 88
,"
-'.~ ~,
VOCE
'"
CONHECE os tons de
Van Gogh, as harmonias
de
Mozart, o lirismo de
Drummond, as formas de
Niemeyer. VOCE
'"
DEVE
CONHECER
A CULT