TRANSGÊNICOS: A VEZ DA CIÊNCIA
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Ciência e Tecnologia no Brasil www.revistapesquisa.tapesp.br
SEÇÕES
REPORTAGENS
CARTAS
5
CARTA DO EDITOR
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MEMÓRIA
8
Há 250 anos, Lineu criava os alicerces da nomenclatura científica
ESTRATÉGIAS E o Nobel foi para... . Enquanto isso,em Harvard... . A Terra é azul para os chineses Tesouroressurge no Afeganistão Índia insiste em reator ultrapassado
10 11 11 11 12
CAPA
FOMENTO
Embraer entrega até o final do ano seu primeiro jato de 70 lugares e entra na disputa por novas faixas do mercado aeronáutico ..... 64
Medidas amargas permitiram à FAPESP retomar investimentos
26
CIÊNCIA POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA Patriotismo ou discriminação? Ciência na web A hora e a vez das pesquisadoras Marco da tecnologia nuclear A percepçãoda ciência na sociedade As cores do milho xavante Imagens inaugurais do satélite
12 12 13 13 13 14 14.
ENGENHARIA
EPIDEMIOLOGIA Laboratórios de alta segurança dão autonomia ao país na pesquisa de doenças emergentes
GENÉTICA
34
GENÔMICA Nova espécie de vírus pode ser a causa da morte súbita dos citros
40
w c,
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ETOLOGIA
Polêmica sobre soja transgênica coloca em debate potencial da biotecnologia ....
16
LEGISLAÇÃO Volta às origens na Paraíba Gestãodas águas A ciência vai à escola Conversecom a FAPESP Segurançae ética ambiental Micróbios na vitrine do Butantan
14 14 15 15 15 15
Resolução flexibiliza o acesso à biodiversidade
24
IMPORTAÇÕES Fundação atende toda a demanda dos pesquisadores 25
Capacidade de memorizar informações permite às aranhas modificar hábitos instintivos .. 42 PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 3
________________________
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REPORTAGENS
SEÇÕES LABORATÓRIO Uma razão a mais para evitar antibióticos .. 30 México cria vacina contra cisticercose 30 Pouco espaço faz mal à saúde 30
AMBIENTE
TELECOMUNICAÇÕES
Diversidade de espécies e fenômenos peculiares desfazem preconceitos sobre a Caatinga
48
PALEONTOLOGIA
Para entender os antidepressivos Osvulcões e o fim dos dinossauros O eclético exército romano Contando galáxias ativas O risco de ser pedestre Alta contaminação entre agricultores Remédio ativa gene que incha a gengiva Oscromossomos da conservação
31 31 31 32 32 33 33 33
SCIELO NOTÍCIAS .•.......•...•....
58
LINHA DE PRODUÇÃO Rumo à literatura animada Avanços na medicina microeletrônica Relógio atômico em miniatura Novo tipo de vidro amplia a luz
60 60 61 61
Empresa produz equipamento que monitora dispositivos de redes de fibras ópticas para o mercado externo
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FÍSICA Fósseis de minicondor e ave gigante reconstituem a pré-história dos seres alados no Brasil .... 52
Esterilizador à base de plasma elimina microrganismos
80
HUMANIDADES ASTRO FÍSICA Pulsos ultra-rápidos de radiação precedem gigantescos jatos de partículas lançados pelo Sol 56
Tese revisita a militância teatral de João do Rio
DE MATERIAIS
82
CULTURA Tese de mestrado de Sérgio Buarque de Holanda ganha destaque
TECNOLOGIA ENGENHARIA
TEATRO
86
HISTÓRIA
Plásticos para sensores Portátil e compacta para viagens Feromônio controla praga do coqueiro Nova tecnologia para extrair petróleo Patentes
61 62 62 62 63
RESENHA ...............•......... Fragmentos para a História da Filosofia, de Schopenhauer
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LANÇAMENTOS
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CLASSIFICADOS
96
ARTE FINAL Claudius
98
Blindagem garante aviões imperceptíveis aos radares
4 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
...
72
Livro mostra que mito da escrava-rainha esconde hipocrisia da democracia racial brasileira
ENERGIA Turbina aproveita força das águas para levar eletricidade a comunidades isoladas
74
Capa: Hélio de Almeida Foto: Embraer Tratamento de Imagem: J. R. Medda
90
Pesquisador
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em 2004
FAPESP
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6 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
Em agosto, a revista Pesquisa FAPESP publicou matéria comparando os prêmios Abel e Nobel. Em setembro, publicou uma carta minha, apresentando crítica à matéria, que foi acompanhada na mesma seção de cartas por um comentário da redação julgando a carta "exagerada", sem dar argumentos. Enviei a seguir um texto à redação explicando-me em mais detalhe. A única resposta veio na seção de Cartas de outubro da Pesquisa FAPESP. uma carta de Carlos Alberto Lungarzo, afirmando que "cartas como essas" (a minha, de setembro, para a revista) "não devem nada aos manifestos do Ku Klux Klan" Em suma, passamos de um texto de gosto duvidoso para uma situação considerada pelo Código Penal. Pergunto se a Pesquisa FAPESP considera algum tipo de retratação. CARLOS TOMEI
Rio de Janeiro, RJ Nota da Redação: A redação de Pesquisa FAPESP respeita a liberdade de opinião dos leitores e, por isso, publica usualmente as cartas que recebe tal co. mo foram escritas. No entanto, julga também que a seção de cartas não deve se prestar à manifestação de opiniões 'em termos inadequados. No caso em questão, reconhece que o professor Carlos Lungarzo empregou, em sua carta, termos inteiramente inadequados.
Hidrogênio
o artigo "Caminhos do hidrogênio" (edição n> 92) discute um tema atual e relevante para a economia dos próximos anos. Entretanto comete alguns equívocos, entre os quais destaco a figura da pág. 70 "Funcionamento básico de uma célula de combustível': Por exemplo, o próton está dirigindo-se do pólo negativo para o positivo, e o nome dos eletrodos está invertido, ou seja, o pólo negativo é o
cátodo (para onde se dirigem os cátions) e o pólo positivo é o ânodo (para onde se dirigem os ânions).
loss AUGUSTO
R. RODRIGUES
Instituto de Química/Unicamp Campinas, SP Resposta do pesquisador Gerhard Ett, diretor da Electrocell: Na área de baterias e célula a combustível, tendo como referência o livro do professor Edson Ticianelli, Eletroquímica (Edusp, página 168, capítulo 4.2) e o livro Química Geral; de Iohn B. Russell (Mc Graw Hill, página 612), em ambos, o pólo negativo (-) é o ânodo. Dessa forma, a ilustração na edição 92, página 70, está correta. Em uma aplicação inversa, que talvez justifique a dúvida do leitor, em processos de eletrólise, na área de processos de revestimentos, deposição e tratamentos de superfícies, o cátodo é o pólo negativo (-), porque está conectado ao pólo negativo do gerador (retificador, fonte de corrente), que fornece os elétrons para a redução do material a ser depositado, vide a apostila da página 1.9, da Associação Brasileira de Tratamento de Superfície. Em ambos os casos, portanto, o sinal dos eletrodos é uma convenção.
Correção Na reportagem "As lições da tragédia" (edição n= 91), o ônibus espacial que explodiu em 2003 foi o Columbia e não o Challenger, cujo acidente ocorreu em 1986. Na reportagem "As praias perdidas" (edição n> 92), o vilarejo de Cabeço e o rio São Francisco estão ao norte de Aracaju e não ao sul, como aparece na reportagem.
Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br, pelo fax <IV 3838-4181 ou para a Rua Pio Xl, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.
CARTA
Pesquisa
Belos engenhos do homem e da aranha
FAPESP CARLOS VOGT PRESIOENTE PAULO EOUAROO OE ABREU vleE·PRESIOENTE
MACHAOO
CONSELHO SUPERIOR AOILSON AVANSI OE ABREU, ALAIN FLORENT STEMPFER, CARLOS HENRIQUE OE BRITO CRUZ, CARLOS VOGT, CELSO LAFER, HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, MARCOS MACARI, NILSON OIAS VIEIRA JUNIOR, RICAROO RENZO BRENTANI, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO
CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO FRANCISCO DIRETOR
ROMEU LANDI PRESIDENTE
JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO JOSÉ FERNANDO PEREZ OIRETORC1ENTIFICO PESQUISA
FAPESP
COHSELHOEDITQRIAl lUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENAOORCIENTiFiCO), EDGAR DUTRA ZANono, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, FRANCISCO ROMEU LANDI, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, JOSt FERNANDO PEREZ, LUIZ EUG~NIOARAUJO DE MORAES MELLO, PAULA MONTERO, WALTER COLLI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLlN EOITORA S~NIOR DA GRAÇA MASCARENHAS
MARIA
DIRETOR DE ARTE H~LlO DE ALMEIDA EDITORES
CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA), CLAUDIA IZIQUE MARCOS DE OLIVEIRA<TECNOlOGIA), HEITOR SHIMIZU REPÓRTER MARCOS DINORAH
TÃNIA JOS~ ROBERTO
ZORZETTO
CHEFE DE ARTE MARIA DOS SANTOS DIAGRAMAÇÃO MEDDA, LUCIANA FOTOGRAFOS CESAR, MIGUEL
EDUARDO
(POlITlCAC&T> (VERSÃODtHINE)
ESPECIAL PIVETTA
EDITORES-ASSISTENTES ERENO, RICARDO
FACCHINI
BOYAYAN
COLABORADORES BRAZ, CARLOS HAAG, CLAUDIUS, EDUARDO GERAQUE IO'·lINEl" FABRICIO MARQUES, GIL PINHEIRO, LAURABEATRIZ, MARGÔ NEGRO, SAMU EL ANTENOR, SAYONARA LEAL, Si RIO J. B. CANÇADO, THIAGO ROMERO ION·lINEl, VERÔNICA FALCÃO, YURI VASCONCELOS
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Osartigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP É PROIBIDA DE TEXTOS
A REPRDDUÇÃO
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OU PARCIAL AUTORIZAÇÃO
~ FUNDAÇÃO DE AMPARO A PESQUISA
00 ESTADO DE sÃO PAULO
SECRETARIA DA CltNCIA, TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E TURISMO
GOVERNO
•
DO ESTADO
DO EDITOR
DE SÃO PAULO
H
esitamos mais que o usual na escolha da capa desta edição de Pesquisa FAPESP. Tínhamos, de um lado, uma história deliciosa sobre a capacidade das aranhas de memorizar informações e assim aprimorar seus hábitos instintivos de caça. A reportagem parecia-nos tanto mais interessante porque a pesquisa que levou a essa descoberta enraíza-se na longínqua curiosidade de um adolescente, fascinado com os movimentos de uma aranha na teia construída entre as folhas de um arbusto, numa tarde de verão na quente Alexandria, Egito, nos idos de 1956. O fascínio transformou-se em paixão duradoura e, finalmente, em trabalho produtivo e muito bem-sucedido - tanto que o adolescente egípcio tornou-se uma das maiores autoridades brasileiras em etologia. Estávamos, assim, ante uma espécie de saga construída em torno do desvendamento de um intrigante comportamento animal, e dotada de uma carga humana particular, que costuma provocar o entusiasmo daqueles jornalistas que estão convencidos de que as melhores histórias e os melhores textos do jornalismo transportam sempre uma certa dose de emoção por entre as palavras de densa informação. Por isso, era forte a tentação de destinar.a capa desta edição à reportagem que começa na página 42, de Ricardo Zozetto, editor-assistente de Ciência. Mas, de outro lado, tínhamos uma reportagem que relata um novo e importante capítulo de sucesso - sem que haja aqui qualquer traço de ufanismo tolo - na história da tecnologia aeronáutica nacional. Veja-se: a brasileira Embraer, quarta maior fabricante de aviões do mundo, já bem instalada no segmento de jatos regionais com, no máximo, 50 assentos - no qual detém uma fatia de confortáveis 45% do mercado global -, agora está prontíssima para disputar espaço com as gigantes Boeing e Airbus no fornecimento de aeronaves às grandes empresas internacionais de aviação. Não que esteja lançando equipamentos equivalentes, por exemplo, ao Boeing 767, mas os aviões de porte médio que está desenvolvendo,
de alto desempenho e muito confortáveis, podem substituir com vantagens, em determinadas rotas, os grandes jatos produzidos por outras companhias. E foi justamente essa oportunidade, ou seja, a demanda potencial do mercado por aparelhos com maior capacidade de assentos que os jatos regionais e, simultaneamente, por aeronaves menores e mais econômicas que os jatos com mais de cem lugares usados pelas grandes companhias - voando muitas vezes com capacidade ociosa -, que a Embraer soube identificar e aproveitar. Já neste mês de novembro, a empresa, sediada em São José dos Campos, São Paulo, deve entregar à italiana Alitalia o primeiro avião Embraer 170. O modelo, como relata o repórter Yuri Vasconcelos a partir da página 64, faz parte de uma nova geração de jatos com capacidade de 70 a 108 passageiros. Enquanto isso, a empresa brasileira já registrava, até setembro, 245 encomendas fechadas dos novos aviões e 308 opções de compra. Vale lembrar aqui que a história de sucessos da Embraer escreve-se com a competência tecnológica acumulada pela empresa desde sua fundação, em 1969, apoiada nos profissionais formados pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica e pelo Centro Tecnológico Aeroespacial. Demonstração cabal e concreta de que o investimento em tecnologia tem retorno garantido para o país, a reportagem sobre os novos aviões terminou se impondo para a nossa capa. Merece destaque também nesta edição a polêmica em torno dos transgênicos, impulsionada pela questão da liberação do plantio da soja geneticamente modificada na safra 2003/2004, no Rio Grande do Sul, que embute o risco de se comprometer, sem necessidade, o enorme potencial de desenvolvimento da biotecnologia brasileira. A partir da página 16, a editora de Política Científica e Tecnológica, Claudia Izique, detalha a visão de respeitados pesquisadores da área sobre os transgênicos e sua avaliação sobre as razões e desrazões que permeiam o debate. Boa leitura! MARlLUCE MOURA
- DIRETORA DE REDAÇÃO
PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 7
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Há 250 anos, Lineu lançava os alicerces da nomenclatura científica
Uma idéia que perdura NELDSON
MARCOLlN
O
naturalista sueco Lineu (ou Carl von Linné) tinha uma ambição portentosa em pleno século 18: desejava nomear e descrever todos os tipos conhecidos de plantas, animais e minerais. Como se sabe, isso ele não conseguiu. Mas foi o responsável por um feito notável ao criar a nomenclatura binomial, a mais estável regra da biologia até hoje. Antes de Lineu (1707-1778), as espécies eram identifica das por expressões descritivas chamadas polinômios,
8 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
Exemplar de Species Plantarum e a Pteris vittata original analisada por Lineu
escritas em latim, a língua culta da época, que tanto podiam ter quatro ou cinco palavras como nove ou dez. A primeira palavra da expressão se referia ao gênero ao qual uma planta pertencia e as demais a descreviam. O naturalista publicou em 1753 o livro Species Plantarum (Espécies de Plantas) em que apresentava uma simplificação desse sistema. Nas margens do livro, ao lado do nome da planta, Lineu escreveu uma única palavra que, combinada com o nome
õ . Lonchitis non ra fa, longis angufiis & zd bafin auri . culatis foliis. P/11m. filo 5'2" t, 69· Raj. fuppl. 6). Filix non ramofa, longiffimis anguflis & ad bafin au · culatis foliis. P/11m. amer, 12, t. 18. H"bilat i" Domiuicre fylvis juxta rivulos. S. PTERIS frondíbus pinnatis: pinnis linearibus baft rotundatis. Hauilat ill China Osbulc. Prteçcdenti ualde fimilis.
9. P'TERIS fronde pínnata'. ; pinnis Ilípúlis lanceolatis,
"
Filix altera longiffimis Plur», amer,
J 2.
anguílis & ad baíin foliofis fali'
t. 19. fil. t. 70.
Filix Iineata -ad Qaún foliota, Pet . fi/o Haúitat;»
. 130.
t. 1).. f.
r
America meridi()naJi. innis .--------~------.~---
fubovatis obmtis r
Página do livro mostra como Lineu criou sua nomenclatura. Abaixo, a Pteris vitisis, comum no Brasil
genérico, formava uma nova designação para cada espécie. Ao lado de gatária, por exemplo, que havia recebido o nome de Nepeta
floribus interrupte spicatus pedunculatis, Lineu escreveu "cataria" (associada a gato), chamando a atenção para um atributo conhecido da planta. Logo, os botânicos daquele tempo e os que vieram depois começaram a chamar essa plantade Nepeta cataria - o primeiro nome é o gênero e o segundo a espécie. O mesmo valeu para todas as outras espécies descritas
por ele, como a Pteris vittata, sabambaia originária da Ásia que consta no livro e é encontrada no Brasil. Lineu passou a ser chamado de "pai da botânica", embora seu sistema tenha passado a ser usado também para animais e bactérias. As primeiras regras gerais para taxonomia só foram normatizadas em 1867. "A nomenclatura de Lineu se tornou tão importante que todas as denominações usadas antes dele não têm valor científico, apenas histórico", diz Jefferson Prado, pesquisador do Instituto de Botânica (IBt) de São Paulo e tradutor, junto com Carlos Bicudo, do Código Internacional
de Nomenclatura Botânica. No IBt, há um raríssimo exemplar de Species Plantarum que provavelmente fez parte da primeira edição da obra. PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 9
• POLÍTICA CIENTÍFICA
•
ESTRATÉGIAS
E TECNOLÓGICA
MUNDO
E O Nobel foi para... Cinco pesquisadores americanos, dois britânicos e dois russos, além de uma advogada iraniana e um escritor sul-africano, foram agraciados com o Nobel de 2003. No campo científico, a premiação consagrou ramos da pesquisa básica, como os canais das células, e descobertas de grande aplicação prática, como a ressonância magnética. •
- A máquina que vislumbra doenças
o diagnóstico de doenças tornou-se mais preciso, há 30 anos, com o advento do exame de ressonância magnética. O Nobel de Medicina de 2003 foi conferido ao químico Paul Lauterbur, de 74 anos, da Universidade de Illinois, e ao físico Peter Mansfield, de 69, da Universidade de Nottingham, que ajudaram a criar o teste, indolor e não invasivo. A ressonância capta sinais emitidos por átomos de hidrogênio do corpo e os converte em imagens de órgãos e tecidos. Sessenta milhões de exames são feitos a cada ano. • - A consagração dos superfenômenos O russo-americano Alexei Abrikosov, 75, o russo Vitaly Ginzburg, 87, e o angloamericano Anthony Leggett, 65, ganharam o Nobel de Física por suas contribui-
-Sem medo dos aiatolás
A Nobel da Paz Shirin Ebadi defende perseguidos do Irã ções no desenvolvimento de duas áreas da física quântica - a supercondutividade e a superfluidez. Trabalhando em separado, Ginzburg e Abrikosov estabeleceram bases teóricas para a busca de novos materiais supercondutores - aqueles que, em determinadas temperaturas, permitem a passagem de corrente elétrica sem resistência. Já Leggett descobriu que um tipo de hélio fica superfluido quando a temperatura se aproxima do zero absoluto. Seus átomos se comportam como os elétrons da corrente de um supercondutor. •
-A membrana e seus canais Agraciados com o Nobel de Química, os médicos americanos Peter Agre, de 54 anos, e Roderick MacKinnon, de 47, ajudaram a entender como as células regulam o fluxo de substâncias através de sua membrana. Agre, da Universidade Iohns Hopkins, identificou a aqua-
10 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
porina, proteína que controla o fluxo de água. MacKinnon, do Howard Hughes Medical Institute, revelou a estrutura dos canais de íons, por onde passam os átomos carregados de cálcio, potássio, sódio e cloro. Esses canais estão envolvidos, por exemplo, no controle de batimentos cardíacos. •
- Previsões mais seguras . O americano Robert Engle, de 60 anos, e o britânico Clive Granger, de 69, foram laureados com o Prêmio de Economia de 2003. Eles criaram métodos que ajudam a interpretar o significado de séries de dados estatísticos, como a evolução dos preços de ações e de índices de consumo. Seus modelos se estabeleceram como uma ferramenta para pesquisadores, economistas e investidores. Engle é professor da Universidade de Nova York e Granger, da Universidade da Califórnia, em San Diego. •
Quase desconhecida no Ocidente, a iraniana Shirin Ebadi, de 56 anos, foi laureada com o Nobel da Paz, num ano em que o Papa João Paulo II era apontado como favorito. Como advogada e professora da Universidade de Teerã, Shirin defendeu escritores e dissidentes presos pelo serviço secreto do país - e foi ela própria presa há três anos e condenada a 18 meses, cumpridos em liberdade condicional. Primeira mulher designada juíza no país, Shirin foi afastada da carreira na revolução islâmica. •
- A inutilidade do certo e do errado O romancista J. M. Coetzee, de 63 anos, é o segundo sul-africano a receber o Nobel de Literatura. Em 1991, o prêmio foi concedido a sua conterrânea Nadine Gordimer. Seus livros são marcados pelo apartheid, mas não se prendem à segregação. A Academia sueca, ao justificar o prêmio, comentou que "o interesse de Coetzee dirige-se a situações nas quais a distinção entre o certo e o errado, ainda que clara, não servem para nada". Entre suas obras, destacam-se No Coração do País ( 1977), Vida e Época de Michael K (1983) e Desonra (1999). •
• Enquanto isso, em Harvard ... Pela l3a vez, a revista Annals of Improbable Research promoveu uma festa para celebrar a face risível da pesquisa científica. O palco do Sanders Theatre, na Universidade Harvard, estava lotado, no dia 2 de outubro, para a entrega dos 10 troféus Ig Nobel de 2003, prêmio paralelo ao Nobel que consagra trabalhos insólitos publicados em revistas científicas. O prêmio de Medicina foi conquistado por pesquisadores da University College London que estudaram o cérebro dos taxistas londrinos e concluíram que são mais desenvolvidos que o dos demais habitantes da cidade. O prêmio de Biologia foi destinado a pesquisadores do Museu Natural de Roterdã que relataram um caso inédito de necrofilia homossexual entre patos mallard. O artigo narra o ataque sexual sofrido por um pato morto. O prêmio de Física foi entregue a sete australianos que, numa pesquisa sobre acidentes entre tosquiadores, se deram ao trabalho de avaliar a força necessária para empurrar ovelhas em diversas superfícies. O Prêmio de Química coube ao japonês Yukio Hirose, da Universidade Kanazawa, que estudou a composição de uma estátua que espanta pombos. A cerimônia foi dedicada à nanotecnologia. Os organizadores informaram que, embora ninguém notasse, os vencedores levavam uma barra de ouro de 1 nanomilímetro. Em meio às premiações, aconteceram nanopalestras. A mais engraçada versou sobre o mapeamento do DNA humano. A palestra resumiu-se ao seguinte: "Genoma: comprei o livro; é difícil de ler': •
Yang Liwei, astronauta
da pioneira
• A Terra é azul para os chineses Quarenta e dois anos depois da proeza do cosmonauta russo Yuri Gagarin, a China tornou-se o terceiro país do mundo a enviar uma missão tripulada ao espaço. No dia 15 de outubro, o tenente-coronel Yang Liwei, de 38 anos, passou 21 horas e meia em órbita a bordo da cápsula Shenzhou 5, versão chinesa da Soyuz russa. Recebido como herói nas ruas de Pequim, proferiu uma daquelas frases talhadas para o registro da história. "Eu vi nosso planeta, é bonito demais", afirmou o astronauta pioneiro, numa variação do bordão ''A terra é azul" eternizado por Yuri Gagarin. A missão custou aos
edição de 18 de outubro ao feito, sugeriu, com ironia, que a China dispense o US$ 1,8 bilhão anual de ajuda internacional agora que resolveu gastar dinheiro em passeios espaciais "desnecessários". E propõe, falando seriamente, que o governo da China invista mais verbas na pesquisa de vacinas para flagelos que atormentam sua população, como a Aids e a pneumonia asiática, escamoteada pela censura em vigor no país. •
missão da China
chineses US$ 2,2 bilhões e é fruto de um esforço de pesquisa de uma década, que levou quatro cápsulas não tripuladas ao espaço. O programa espacial, que tem finalidades comerciais e militares, já lançou 70 satélites. O sucesso do vôo de Yang Liwei, além de alimentar o orgulho nacional, atesta a eficiência dos serviços de lançamento de satélite, reforça a influência do país no panorama asiático e dá assento privilegiado à China em futuras negociações sobre a exploração espacial. Não é pouco para uma nação que, a despeito de um vigoroso e contínuo crescimento econômico, ainda figura no rol das nações em desenvolvimento. A revista The Economist, que dedicou a capa da
• Tesouro ressurge no Afeganistão Um extraordinário tesouro de 20 mil peças de ouro orientais e ocidentais, datadas do século 1 a.c., reapareceu recentemente em Cabul, no Afeganistão ( Science, 12 de setembro). Os objetos haviam sido descobertos por arqueólogos durante a ocupação soviética do país, no final dos anos 1970, ao pé de uma colina chamada Tyla Tepe. Mas tinham desaparecido havia uma década e se imaginava que haviam sido derretidos no período em que os talibãs estiveram no poder. Agora, garantem as autoridades afegãs, encontram-se bem protegidos num cofre no palácio presidencial. "Tudo está a salvo e em seu devido lugar", garantiu o presidente do país, Hamid Karzai. Como o Museu Nacional do Afeganistão continua parcialmente destelhado e totalmente desfalcado de sistema de segurança, o tesouro deverá permanecer por algum tempo longe da vista do público e dos pesquisadores. "Seja como for", pondera Robert Knox, arqueólogo do Museu Britânico, em Londres, "sua recuperação é um grande alento para todos os que amam e respeitam a história do Afeganistão." •
PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 11
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ESTRATÉGIAS
MUNDO
Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br
• Índia insiste em reator ultrapassado
o governo
da Índia está disposto a gastar US$ 760 milhões na construção de um reator nuclear de produção rápida - forma de geração de energia abandonada por países como a França e o Japão (Nature, 11 de setembro). A Índia utiliza reatores alimentados por urânio natural, mas só tem reservas para menos de 25 anos. O que não falta no país, no entanto, é o tório, que o governo quer converter em isótopo físsil de urânio utilizando reatores de produção rápida. Apesar das críticas de que o sistema seria antieconômico, as autoridades do setor energético sustentam que já acumulam uma década de experiência em testes com o equipamento. E já deram o sinal verde: a primeira usina equipada com um reator de produção rápida será construída em Chenai com conclusão prevista para o ano de 2011. •
• Patriotismo ou discriminação? O Instituto de Engenharia Elétrica e Eletrônica (IEE), dos Estados Unidos, enfrenta
um fogo cerrado depois de proibir pesquisadores de alguns países de exercer seus direitos como sócios da instituição (Science, 19 de setembro). A briga, que começou em janeiro de 2002, prossegue até hoje. Com 380 mil membros em 150 países e responsável por 30% da literatura mundial sobre computadores, eletrônica e engenharia elétrica, o IEE resolveu retirar dos associados do Irã, Iraque, Líbia, Sudão e Cuba certas prerrogativas, como o uso do logotipo do instituto para a promoção de atividades e o acesso a publicações eletrônicas. A comunidade científica do Irã, com seus 1.700 membros, vem protestando há meses por correio e email, sem obter resposta. O instituto alega que só impôs restrições a "nações hostis", submetidas a sanções econômicas pelo governo americano. Outras organizações científicas, porém, denunciam que a política é discriminadora e hostil. "Está faltando transparência e decoro ético ao instituto", escreveu Ken Foster, professor de bioengenharia na Universidade da Pensilvânia, na edição de setembro do Spectrum, órgão do próprio IEE. •
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www.neurodome.psc.br Endereço com informações científicas e artigos na área de ciências do comportamento e de saúde. tAl'k PItao__
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http://seer.cancer.govJ Dados estatísticos sobre incidência dos vários tipos de câncer, do Instituto Nacional de Saúde dos EUA.
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A hora e a vez das pesquisadoras
Um recente censo feito pelo CNPq mostrou que o número de mulheres já havia superado o de homens entre os pesquisadores brasileiros jovens, na faixa dos 24 aos 30 anos. O placar era de 53% contra 47%. A lista dos vencedores do Prêmio Jovem Cientista 2003 confirma a tendência. Dos nove premiados, sete são mulheres. Adriana Lorenzi, de 23 anos,
• Marco da tecnologia nuclear Em 2004, o Brasil começa a fabricar urânio enriquecido para abastecer as usinas de Angra 1 e 2. O anúncio é um marco na história da tecnologia do país. Nos anos 1980, o então presidente José Sarney anunciou que o país dominava o ciclo do urânio, mas só agora, efetivamente, mostrouse apto a enriquecê-lo em escala industrial. O programa nuclear vinha patinando no contingenciamento de verbas. Há quase 20 anos o Brasil tenta, em vão, concluir a construção de um submarino nuclear. "Tivemos de fazer escolhas", diz Geraldo Cavagnari, do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp.
venceu na categoria Graduados. Pesquisadora do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP e bolsista da FAPESP,ela mapeou tipos de cianobactérias que espalham toxinas em represas e reservatórios. "As mulheres em geral se dão bem na área de microbiologia porque o trabalho é meticuloso e exige paciência", opina Adriana. Em 2° lugar,
"Investiu-se no urânio, em detrimento do submarino, que também tem importância estratégica:' O país tem a terceira maior reserva mundial de urânio, mas beneficiava o material no exterior. Com a substituição de importações, a economia deve chegar a US$ 19 milhões a cada 14 meses. •
• A percepção da ciência na sociedade Está sendo lançado o livro Percepção Pública da Ciência, da Editora Unicamp, uma análise dos resultados de uma extensa pesquisa sobre a ciência vista sob a ótica da sociedade, realizada no Brasil, na Argentina, no Uruguai e na Espanha. Or-
a gaúcha Liliana Feris, da Universidade Luterana do Brasil, mostrou que rejeitos de carvão retiram metais pesados de águas contaminadas. Em 3° lugar, desponta o primeiro homem: o cearense Giovanni Cardoso, de 31 anos, com um trabalho que incorporou dados de previsão climática no gerenciamento da água que abastece Fortaleza. Na cate-
ganizado pelo diretor-presidente da FAPESP, Carlos Vogt, ~ Carmelo Polino, do Centro Redes, da Argentina, o livro - com edição bilingue português e espanhol - traz dados eloqüentes: as imagens que prevalecem entre
goria Estudantes, as ganhadoras foram a gaúcha Cristhiane Assenhaimer, 21 anos, e as paulistas Iuliana Izidoro, de 20 anos, e Giovana Pasqualini, de 23. Na categoria Cientista do Futuro, os laureados foram Carlos Nunes Júnior, de Paragominas, (PA) Anne Cristine Moura, de Aparecida de Goiânia, (GO) e Renata Bossle, de São José dos Pinhais (PR). •
os entrevistados são as da ciência como epopéia de descobertas (35,5%), como condição de "avanço tecnológico" (46,4%) e como "fonte de benefícios para a vida humana" (45,4%). Percepções negativas, como "perigo de descontrole" tiveram adesão secundária. Dos quatro países pesquisados, o Brasil foi o que teve mais respostas positivas numa questão sobre a legitimidade da ciência: 70,4% confiam na verdade científica, em detrimento, por exemplo, da fé religiosa. •
Brasi I: confiança na verdade científica PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 13
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ESTRATÉGIAS
BRASIL
As cores do milho xavante A entrega simbólica de 55 quilos de sementes de milho à aldeia indígena de Nossa Senhora de Guadalupe, no Mato Grosso, vai ajudar a restabelecer um aspecto da cultura dos 10 mil índios xavantes. As sementes pertencem a cinco espécies coloridas e selvagens
• Imagens inaugurais do satélite Técnicos da Estação de Recepção de Imagens de Satélites em Cuiabá receberam, em 22 de outubro, as fotos inaugurais do CBERS-2, sigla em inglês para o segundo Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres. O satélite foi levado ao espaço no dia 21 a bordo de um foguete da China e permanecerá por pelo menos. dois anos numa órbita a 778 km da superfície terrestre. A parceria entre Brasil e China reduz custos para os dois países e atende a uma grande necessidade do país, que desenvolveu tecnologia para construção de satélites, mas ainda não tem foguetes para' lançálos. O CBERS-2 vai coletar
que os xavantes plantavam antigamente, mas que acabaram perdidas, substituídas por outras mais produtivas. Nos anos 1970, amostras das sementes selvagens haviam sido recolhidas pela Embrapa e guardadas num banco de germoplasma em Minas Gerais. A pedido da
dados para pesquisas ambientais, agrícolas e de planejamento urbano. Cada país vai gerenciar as informações colhidas em períodos de seis meses. Brasil e China gastaram US$ 300 milhões para lançar o CBERS-l, em 1999, e agora o CBERS-2. Outros dois satélites da série irão ao espaço até 2010. •
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Funai, essas amostras foram reproduzidas e, agora, entregues aos índios. Entre as espécies, há grãos pretos, roxos, brancos, amarelos e listrados. "Os mais jovens da tribo ouviam falar do milho colorido e tinham curiosidade em conhecê10", diz Ramiro Vilela de
• Volta às origens na Paraíba Onze empresas de tecnologia e um instituto de pesquisa vão instalar-se nos próximos meses numa área de 20 mil metros quadrados em Campina Grande, na Paraíba. O condomínio Oásis Digital numa alusão ao bem-sucedi-
A primeira foto captada pelo
CBERS-2
Andrade, pesquisador da Embrapa. Outros 265 quilos de sementes foram enviados a cem aldeias xavanteso Além dos xavantes, os índios bororos, do Mato Grosso, e os maxacalis, de Minas Gerais, vão retomar contato com seus cultivos primitivos de milho. •
do Porto Digital, do Recife resgata a idéia original da incubadora Fundação Parque Tecnológico da Paraíba, criada nos anos 80. •
• Gestão das águas A edição número 4 da revista Ciência e Cultura, uma publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), tem como tema Gestão das Águas. Coordenada por Carlos José Saldanha Machado, a revista reúne nove artigos e um conjunto de matérias que tratam do tema da conservação ambiental, drenagem urbana, recursos hídricos no semi-árido, drenagem urbana entre outros problemas relacionados à preservação das àguas. •
acesso direto à Presidência, Diretoria Administrativa, Diretoria Científica, Setor de Informações e Gerência de Comunicação. Em cada um destes setores, o usuário escolhe o assunto de seu interesse e envia sua mensagem diretamente ao responsável pela resposta. O objetivo é tornar mais ágil a comunicação, aumentar o número de consultas por e-mail e reduzir o volume de ligações telefônicas. •
• A ciência vai à escola As iniciativas são modestas, mas revelam alguma mobilização para estimular o ensino de ciências nas escolas. Uma delas é o AEB Escola, um programa-piloto da Agência Espacial Brasileira (AEB) para divulgar a astronomia e as ciências espaciais em colégios públicos. O projeto vai estrear numa escola de Brasília em novembro e terá duração de uma semana. Contará com uma exposição da AEB sobre o programa espacial brasileiro, oficinas com professores e palestras para os alunos. Em 2004, o projeto irá para outras cidades do Brasil, começando por São Luís, no Maranhão. Outra iniciativa é o Prêmio Grupo Ciências, promovido pela Secretaria de Educação Média e Tecnológica do MEC. Trinta projetos que estimulem a reflexão e a prática científica em escolas públicas vão receber R$ 20 mil cada. •
• Converse com aFAPESP A FAPESP implantou em 8 de outubro o serviço Con-
verse com a FAPESP, um
eficiente entre a instituição e os diferentes públicos interessados em suas atividades. Pela página www.fapesp.br/ converse, o interessado terá
• Segurança e ética ambiental Por decisão do Conselho Técnico e Administrativo da FAPESP, a partir de fevereiro, os contratos de pesquisa en-
caminhados à Fundação que envolverem a produção de resíduos químicos de qualquer natureza deverão descrever procedimentos a serem adotados no decorrer da pesquisa de forma a não produzir riscos ambientais. Também será exigido parecer da Comissão de Ética Ambiental da instituição em que serão realizadas as experiências. Nos projetos envolvendo experimentação com animais, o pesquisador deverá documentar os procedimentos adotados em conformidade com a legislação pertinente. Também neste caso será exigido parecer da Comissão de Ética da instituição de origem do pesquisador responsável pelo projeto. •
Micróbios na vitrine do Butantan Há tempos o Instituto Butantan deixou de ter os soros antipeçonhentos como principal vitrine para se tornar o maior produtor de vacinas da América Latina, com 213 milhões de doses fabricadas neste ano para o Ministério da Saúde. Para valorizar a mudança de perfil, a instituição, conhecida pelo acervo de animais, decidiu construir um segundo museu, dedicado especialmente a micróbios e vacinas. Constituído por uma exposição didática que permite entender o que são bactérias, protozoários, fungos e vírus, o Museu de Microbiologia é um espaço interativo. Dispõe de microscópios para os visitantes vislumbrarem micróbios e exibe um modelo computadorizado que permite investigar parâmetros de uma infecção e simula a eclosão
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o maior produtor de vacinas da América de epidemias. O laboratório do museu é franqueado a grupos de estudantes de ensino médio, em visitas agendadas e monitoradas por professores de biologia. As aulas de microbiologia básica duram duas horas e os alunos levam para a escola um kit para realização de experiências e uma caixa-estufa para cultura de microrganis-
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mos. A idéia é que os adolescentes se tornem agentes multiplica dores do conhecimento entre seus colegas. O projeto arquitetônico do museu é assinado por Mareio Kogan e recebeu referências em revistas internacionais de arquitetura. O Museu de Microbiologia funciona no instituto, de terça a domingo, das 9hs às 16h30. •
canal de comunicação mais PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 15
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA ENGENHARIA
GENÉTICA
Polêmica sobre soja RR coloca em debate potencial da biotecnologia
CLAUDIA
IZIQUE
sinais á de que a polêmica em torno da liberação do plantio da soja transgênica na safra 2003/2004, no Rio Grande do Sul, já esteja comprometendo o enorme potencial de desenvolvimento da biotecnologia no país. O debate, apaixonado e acalorado, não distingue o produto - no caso, a soja Roundup Ready (RR), da Monsanto - da tecnologia de produção de organismos geneticamente modificados (OGMs). Tampouco leva em conta que essa mesma tecnologia é, por exemplo, a base para a produção da insulina largamente utilizada por diabéticos, da vacina contra a hepatite tipo B, de hormônios de crescimento que estimulam o desenvolvimento infantil e até de 80% do queijo disponível no mercado nacional, já que a quimosina, componente essencial do coalho, é obtida por meio de modificação da bactéria Escherichia coli, apenas para citar alguns exemplos. "A polêmica condena a tecnologia como um todo", alerta Fernando Reinach, presidente da Alellyx, empresa de biotecnologia de capital nacional ligada ao grupo Votorantim. Os OGMs - entre eles, a soja RR - são organismos cujo "material genético foi modificado por meio da introdução de um ou mais genes de outra espécie, previamente selecionados e com um objetivo específico: atribuir vantagens ao produto. A soja RR, por exemplo, vedete da temporada, foi modificada por meio da introdução da proteína cp4-epsps que, incorporada ao código genético da planta, lhe confere tolerância ao herbicida glifosato, reduzindo a necessidade do uso desse agrotóxico e diminuindo os custos para o produtor. A mesma tecnologia é utilizada na produção de insulina para o tratamento da diabetes, doença que atinge 6% da população mundial. "A produção de insulina a partir do pâncreas do boi e do porco não pode suprir a demanda, e o produto donado pela transferência do gene humano para uma bactéria
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permite produzir a insulina humana em grande quantidade a preços mais baixos e até mesmo obter insulinas modificadas que são mais eficazes': diz Isaias Raw,presidente da Fundação Instituto Butantan. "E os diabéticos não reclamam da insulina transgênica que salva suas vidas." O mesmo ocorre com a vacina contra a hepatite tipo B, lembra Raw. A vacina natural era produzida a partir dos poucos vírus defeituosos' sem DNA, que aparecem no sangue dos doentes. "Garantir que essa vacina não transmita hepatite é temerário': ele observa. Hoje, é possível produzir o envoltório protéico do vírus, sem DNA - e, portanto, incapaz de se reproduzir e causar a doença -, em levedo transgênico. O Instituto Butantan produz essa vacina que é administrada gratuitamente em todos os recémnascidos e jovens brasileiros. "São 34 milhões de doses produzidas que evitam novas infecções que, atualmente, afetam mais de 3 milhões de brasileiros", sublinha. A vacina contra a hepatite tipo B, do Instituto Butantan, abre caminho para novas vacinas e medicamentos. "Certamente, se surgir uma vacina contra a Aids, ela será transgênica", prevê. Transgênicos
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o nanismo
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Também é transgênico o hormônio do crescimento (hGH) contra o nanismo, doença que afeta 10 mil crianças brasileiras. O gene que codifica a molécula do hormônio produzido pela glândula hipófise, localizada na base do cérebro, é clonado e modificado para ser introduzido numa bactéria, geralmente a Escherichia coli. Uma seqüência é retirada e inserida numa molécula de DNA bacteriano, o plasmídeo, que na bactéria passa a produzir o hGH. O resultado (veja Pesquisa FAPESP nO 82) é um hormônio idêntico ao fabricado naturalmente pelo organismo humano, de 18 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) mantidos pela FAPESP."Temos expectativas de que, em breve, o Brasil estará apto para produzir esse fator de coagulação:'Na listade produtos transgênicos utilizados na prática médica, Zago acrescenta ainda a eritropoietina, um hormônio utilizado no tratamento da anemia que, até recentemente, tinha de ser isolado da urina e, hoje, pode ser obtido por meio da engenharia genética. A eficiência e o sucesso dos transgênicos na área médica suscita em Raw uma indagação: "Por que vacinas, hormônios e enzimas, administrados à grande maioria da população, não são questionados? Por que a soja? Qual a racionalidade disso?':
acordo com Paolo Bartolini, sócio da empresa Hormogen - detentora' da patente brasileira do hGH, apoiada pela FAPESP, no âmbito do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) - e chefe do Centro de Biologia Molecular do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). A biotecnologia já é utilizada nos Estados Unidos, Canadá e União Européia para produzir o fator de coagulação - conhecido como Fator VIII, fundamental no tratamento de hemofílicos - isento de contaminação, a partir de célulasde mamíferos. O Brasilainda importa o Fator VIII produzido por meio da purificação e fracionamento do plasma humano, a um custo anual de US$ 120 milhões. "Esse método carrega riscos que têm de ser eliminados nos testes de plasmas de origem", explica Marco Antonio Zago, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP,e coordenador do Centro de Terapia Celular,
Feijão imune a vírus - Na agricultura, a biotecnologia e a tecnologia de OGMs têm um campo enorme. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolve várias linhas de pesquisa com plantas transgênicas, com o objetivo de oferecer aos produtores alternativas de redução de custos e maior competitividade. A relação de produtos em fase de pesquisa é imensa: vai desde o algodão geneticamente modificado imune a insetos - como a lagarta e o bicudo -, passando pelo milho, batata e o mamão, até chegar ao feijão resistente aos vírus, que consomem as lavouras e a renda dos produtores. No caso do feijão, o principal beneficiário é o pequeno agricultor."O plantio do feijãovem sendo abandonado porque os produtores não ganham dinheiro': justifica Elíbio Rech, pesquisador da Embrapa. Os exemplos se multiplicam em universidades e institutos de pesquisa em todo o país. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadores investigam o melhoramento genético do arroz, com o objetivo de aumentar sua tolerância a pragas, doenças e condições adversasde solo e clima.O departamento de Biotecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) procura identificar antígenos com potencial para compor uma vacina recombinante contra o Boophilus microplus, um carrapato que reduz a produção de leite e carne do rebanho bovino e é transmissor dos protozoários Babesia bovis e B. bigemina e da rickettsia Anaplasma marginale, que causam a tristeza parasitária bovina. Na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), estuda-se uma variedade geneticamente modificada de eucalipto que teve um gene de ervilha inserido no seu código genético, o que leva a planta a produzir mais biomassa, aumentando o rendimento de celulose. A pesquisa interessa diretamente à Companhia Suzano de Papel e Celulose, parceira no projeto desenvolvido no âmbito do Programa Parceria para a Inovação Tecnológica (PITE), da FAPESP, já que o eucalipto geneticamente modificado, por ser mais produtivo, poderá reduzir a necessidade de desmatamento. Nessa mesma perspectiva de investigação, a FAPESP apoiou, em parceria com o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), o projeto que decifrou o material genético da Xylella fastidiosa, responsável pela praga do amarelinho - feito comemorado pela imprensa nacional e internacional -, financiou o seqüenciamento da bactéria Xanthomonas citri, causadora do cancro cítrico, patrocinou a identificação de 50 mil genes da canade-açúcar e, junto com a Central Bela Vista Genética Bovina, iniciou o projeto Genoma Funcional do Boi. A pesquisa genômica, como se sabe, é o primeiro passo para a implantação de competência na área de biotecnologia e abre caminho para o desenvolvimento de plantas e animais transgênicos, imune a doenças. Desaceleração da pesquisa" A confusão que se armou em torno da soja RR, no entanto, está comprometendo o avanço da biotecnologia brasileira. O
projeto de melhoramento do feijão da Embrapa já está adiantado, pois .já se vão três anos e meio de trabalho intenso. Mas os pesquisadores, apesar de já contarem com a autorização da Comis.são Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para avançar os estudos, não conseguem de outros ministérios documentos exigidos para a realização de testes em campo, o Registro Temporário (Ret) ou a Licença de Operação para Áreas de Pesquisa (Loape). Obstáculo idêntico impede o avanço dos estudos com a batata. Recentemente, a Embrapa conseguiu a Loape, concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), para dar continuidade às pesquisas com o mamão. As pesquisas com grãos não tiveram a mesma sorte. A Embrapa desacelerou as pesquisas com a soja IMI, outra planta transgênica resistente a herbicidas que vem sendo desenvolvida há sete
anos, em parceria com a Basf. ''A IMI está em programa de melhoramento, mas a perspectiva de comercialização é de médio prazo, por conta da falta de regulamentação", lamenta Rech. No caso da IMI, a Embrapa é proprietária da tecnologia. Pelo acordo, a empresa brasileira participa com o germoplasma e a Basf, com o gene. ''As plantas são geradas no Brasil com sementes da Embrapa. É tecnologia nacional com gene deles", sublinha Rech. Em cooperação com a Monsanto, a Embrapa também faz a tropicalização da soja RR - já que o produto da empresa multinacional é compatível apenas com o solo e clima do Sul e não se adapta a outras regiões do país. Quando for possível concluir a pesquisa, a semente tropicalizada será patenteada pela Embrapa. ''A importância tecnológica desse contrato é produzir sementes que vão reduzir o custo de produção e garantir sustentabilidade do mercado externo para todos os produtores nacionais de soja': enfatiza Rech. Os pesquisadores da Esalq enfrentam dificuldades semelhantes. Só conseguirão realizar os testes em campo com o eucalipto transgênico, no município de Anhembi, em São Paulo, depois de cumprir exigência do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e realizar uma avaliação detalhada do seu impacto na flora, fauna e população locais. "Isso é inviável", diz Carlos Alberto Labate, do Departamento de Genética da Esalq. "Nesse ritmo vamos ter que acabar importando tecnologia", ele prevê.
o preço do atraso" A redução do ritmo das pesquisas pode custar caro ao país. "Teremos as moléculas geneticamente modificadas, mas sem testes. Se o país liberar o plantio de transgênicos, os produtores vão acabar tendo de comprar sementes e pagar royalties às empresas estrangeiras. Isso, aliás, já está acontecendo no caso da soja RR: os produtores pagam royalties à Monsanto, enquanto a Embrapa já tem sementes PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 19
de soja resistentes a herbicidas sem possibilidade de testar': diz Maria Lucia Carneiro Vieira, do departamento de Genética da Esalq, que coordena um grupo de pesquisadores que desenvolvem um maracujá transgênico, resistente à bactéria Xanthomonas e ao vírus que provoca o endurecimento do fruto. Essa "moratória branca", como diz Labate, decretada pela ausência de regulamentação, se arrasta desde 1998, apesar de o Brasil contar, desde 1996, com uma Lei de Biossegurança - de número 8.974 - considerada das mais avançadas em todo o mundo, na avaliação de Reginaldo Minare, advogado especialista em biotecnologia. A lei normatiza as técnicas de biotecnologia, de engenharia genética e de produção de OGMs com o objetivo de "proteger a vida e a saúde do homem, dos animais e das plantas, bem como do meio ambiente". O país também conta com uma equipe qualificada, a CTNBio, criada pela Medida Provisória nv 2.191, de 23 de agosto de 2001, cuja responsabilidade é assessorar o governo federal na formulação e implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa a OGMs, estabelecer normas técnicas e emitir "pareceres técnicos conclusivos referentes à proteção da saúde humana, dos organismos vivos e do meio ambiente" para as atividades que envolvam construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, armazenamento e descarte de OGMs e derivados. A CTNBio é composta por 36 membros - 18 titulares e 18 suplentes - entre eles oito especialistas "de notório saber científico e técnico': além de contar com representantes dos ministérios da Ciência e Tecnologia, Saúde, Meio Ambiente, Educação, Agricultura, Pecuária e Abastecimento e de órgãos legalmente constituídos de defesa do consumidor, das empresas de biotecnologia e dos trabalhadores. Parecer sob suspeita - A confusão em torno de OGMs começou quando o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) entrou com uma ação civil pública na 6a Vara da Justiça Federal em Brasília, contestando a competência da CTNBio para dispensar a soja geneticamente modificada, tolerante ao herbicida Roundup Ready, do Estudo de Impacto Ambiental (ElA), antes de liberar 20 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
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o plantio. A ação invocava a Lei de Meio Ambiente, que, conforme se argumentava, conferia essa autoridade ao Ministério do Meio Ambiente. A ação foi acatada e, com isso, ficou suspenso o Parecer da CTNBio - publicado no Comunicado de nO 54 - em que a comissão concluía não haver "evidências de risco ambiental ou de risco à saúde humana ou animal" decorrentes da utilização da soja geneticamente modificada, razão pela qual decidiu dispensar o ElA e manifestar-se favorável à sua comercialização. A Monsanto recorreu da decisão judicial e obteve um voto favorável da relatora do processo no Tribunal Regional Federal, numa câmara formada por três juízes. Falta, ainda, a avaliação de outros dois juízes. atalha,ainda em curso, criou um hiato jurídico que acabou por lançar os produtores de soja na ilegalidade. E, ainda por cima, desorganizou o mercado de sementes, já que se tornou impossível fazer previsão de demanda. Na safra 2002/2003, por exemplo, faltou semente de soja. Os produtores do Rio Grande do Sul recorreram à Argentina, onde a soja transgênica é legalizada: importaram e plantaram a soja RR. Neste início de ano, a colheita e a comercialização de algo em
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torno de 10 milhões de toneladas de soja tiveram que ser autorizadas por meio de medida provisória, já que a produção de transgênicos estava suspensa por uma decisão judicial. O governo federal - cuja equipe, aliás, também está dividida em relação à liberação dos OGMs -, constituiu então uma comissão formada por nove ministérios, capitaneada pela Casa Civil, para analisar a questão da biossegurança e formular um projeto de lei com o qual pretende pôr fim à polêmica sobre os transgênicos. Mas, antes mesmo de a proposta ser encaminhada ao Congresso, o governo teve de ceder às injunções da realidade - e à pressão dos produtores gaúchos que ameaçavam com desobediência civil - e editou nova medida provisória, desta vez autorizando o plantio da safra 2003/2004. "Neste ano, a área plantada será ainda maior': prevê Antonio Sartori, presidente da Brasoja, empresa corretora de grãos, no Rio Grande do Sul. O imbróglio legal está longe de ser resolvido: o procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação direta de inconstitucionalidade contra a medida provisória que liberou o plantio desta safra, alegando que ela fere cinco princípios da Constituição. Outras duas ações também foram apre-
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sentadas ao STF: uma do Partido Verde (PV) e outra da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Na hipótese - considerada, por muitos, remota - de o Supremo Tribunal considerar a iniciativa do Executivo inconstitucional e desautorizar o plantio desta safra, a União terá de indenizar os produtores: afinal, a safra está protegida pela medida provisória. O impasse vai ser resolvido na Justiça ou no Congresso Nacional, que, no início de novembro, deverá votar a medida que autorizou o plantio da soja RR e, em seguida, começar a examinar o projeto de lei sobre transgênicos que está sendo elaborado pelo governo federal.
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Da vanguarda à ilegalidade - Um balanço rápido desse longo período de debates constata o inevitável: o país perdeu cinco anos de pesquisa sobre OGMs. Ernesto Paterniani, professor titular de genética da Esalq que, em 1998, integrava a equipe de cientistas da CTNBio, lembra que, na época, além de analisar a documentação apresentada pela Monsanto, examinar a natureza da proteína e da molécula da soja RR e realizar testes de segurança na Faculdade de Ciências Veterinárias e Agrárias de Iaboticabal, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e na USP, a comissão recomendou, ainda, o monito-
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ramento das áreas a serem plantadas por um período de cinco anos. Essa medida, aliás, foi acompanhada pela União Européia (UE), que também avalia o plantio de OGMs. Mas, no meio da confusão jurídica, o Brasil saiu de uma posição considerada de vanguarda para se enredar num equívoco: a soja transgênica foi plantada ilegalmente e está sendo comercializada sem monitoramento da empresa fornecedora de grãos e sem a fiscalização dos órgãos competentes, quer seja a CTNBio, o MMA ou qualquer outro. "O país passou de uma situação de legalidade para outra de ilegalidade", lamenta Reinach. O Brasil já provou ter competência, recursos humanos e conhecimento para destacar-se na área de biotecnologia de plantas e animais, tecnologia que está sendo implementada em vários países com o objetivo de melhorar a qualidade e a resistência do produto e reduzir custos de produção. Os produtos geneticamente modificados são uma opção viável de desenvolvimento, sobretudo para o Brasil, em cuja pauta de exportação destacam-se dez produtos agrícolas, entre eles a soja. "Os OGMs são, sem dúvida, um componente importante no custo de produção, além de ter como meta a redução do impacto de defensivos e resultar em plantas mais resistentes à seca e com menor grau de
proteínas alergênicas, entre outros benefícios': argumenta Rech, da Embrapa. A soja RR, por exemplo, não disputa nutrientes do solo com ervas daninhas, o que garante ao agricultor mais produtividade por hectare. Sem a presença desses invasores, a colheitadeira entope menos, acelerando o ritmo da colheita. Mais que isso: as sementes, quando misturadas às ervas daninhas, ficam mais úmidas, o que obriga os produtores a pagar pela secagem da soja. E mais: "As plantas são mais resistentes e adequadas ao plantio direto, sem necessidade de aragem ou de se revolver a terra. Depois da colheita, a massa orgânica fica no solo, que, mais fértil, aumenta a população de minhocas e microrganismos", descreve Paterniani. E tudo isso sem, aparentemente, apresentar riscos ao meio ambiente: de acordo com parecer da CTNBio, a soja é uma espécie predominantemente autógama, cuja taxa de polinização cruzada é de cerca de 1%, além de não ter parentes silvestres sexualmente compatíveis no Brasil.
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bom lembrar que o Brasil produz 52,S milhões de toneladas de soja, produto que também é destaque na pauta de exportação. O mercado interno consome algo em torno de 10 milhões de toneladas, esmagam-se pouco mais de 30 milhões de toneladas e são exportados outros 21,S milhões de toneladas do grão. Na safra 2003/2004, a produção do complexo soja - grãos, óleo e farelo - deve chegar a 36,9 milhões de toneladas, superando a norteamericana (34,6 milhões) e a Argentina (35,S milhões), de acordo com Sartori, da Brasoja. As exportações somarão US$ 8 bilhões, e a participação brasileira no mercado mundial tem boas perspectivas de crescimento. A tendência é aumentar os negócios com a Ásia, principalmente com a China, que, no ano passado, importou mais de 20 milhões de toneladas do grão, sendo 40% dos Estados Unidos e 34% do Brasil. "Há mercado para a soja transgênica, não transgênica e orgânica", observa Sartori. A China, por exemplo, compra qualquer tipo de soja, mas exige que o produto seja rotulado. Os negócios com o Brasil, que não usa a rotulagem, estão garantidos por um acordo que expira em abril do ano que vem e que
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PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 21
prevê, a partir dessa data, que a soja seja identificada. "Se não regulamentar, o Brasil perde o mercado chinês", prevê Sartori. Vantagens para o produtor -
Nos Estados Unidos, de acordo com dados do United States Departament of Agriculture (USDA), aproximadamente 80% da soja, 38% do milho e 70% do algodão produzidos em 2003 são biotecnologicamente modificados. Na Argentina, no Canadá e na China, o plantio de transgênicos tem crescido nos últimos anos. O National Center for Food and Agricultural Policy calculou a vantagem do uso de OGMs para os produtores: os que adotaram a variedade de soja RR deixaram de utilizar 13 mil toneladas de herbicidas e economizaram anualmente US$ 1,1 bilhão nos custos de produção. No caso do algodão Bt, a redução de uso de herbicidas chegou a 862 mil toneladas, ao mesmo tempo que a produção registrou aumento de 84 mil toneladas por ano. Também no caso de variedades de milho Bt, a queda no uso de pesticidas caiu, enquanto a produção anual teve aumento de 1,6 milhão de toneladas. O aumento da produtividade, observada no caso do milho e do algodão, e a elevação da renda do produtor, no caso da soja, podem ser uma boa alternativa para os países em desenvolvimento. E deverá contribuir para promover a aproximação das curvas de crescimento da população mundial e da produção de grãos. De acordo com o Banco Mundial, entre 1950 e 1995, a produção mundial de grãos acompanhou a curva de crescimento populacional, enquanto a área cultivada permaneceu praticamente inalterada (ver gráfico 1). Desde 1985, no entanto, observa-se que o ganho de produtividade se manteve inalterado, em torno de 2.500 kg por hectare, por conta da queda de eficiência da ação dos fertilizantes (ver gráfico 2). Com isso, desde 1985, a relação grãos/habitante entrou em declínio, caindo de 350 kg para 300 kg por habitante, em 1995. Em 2050, quando o planeta for 22 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
habitado por 9 bilhões de pessoas, espera-se que a ciência já tenha encontrado uma boa resposta para garantir uma produção eficiente de alimentos. iga-sede passagem que, qualquer que seja a solução adotada para aumentar a produção de alimentos - ampliação da área plantada, intensificação de uso de herbicidas ou adoção de plantas transgênicas -, haverá impacto sobre o meio ambiente. "Aspessoas se esquecem de que a agricultura é um dos maiores destruidores da biodiversidade. Mas temos de conviver com a agricultura. A população cresce e as pessoas deveriam estar preocupadas com o desenvolvimento de tecnologias agrícolas", avalia Reinach. As dúvidas em relação à produção de transgênicos não são uma preocupação exclusivamente dos brasileiros. O International Council for Science (ICSU) - www. icsu.org - analisou 50 artigos e publicações científicas sobre OGMs, editados entre 2000 e 2003, para verificar o grau de consenso e as divergências dos autores em relação aos transgênicos. Concluiu que havia consenso em relação à segurança dos alimentos transgênicos disponíveis no mercado e que, até o momento, não haviam sido apontadas evidências sobre efeitos adversos decorrentes do consumo desses produtos. Ao contrário: os cultivos estão menos expostos a pro-
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dutos químicos, já que utilizam menos pesticidas. O ICSU também encontrou unanimidade sobre a necessidade de os OGMs serem estudados caso a caso, com bases científicas, antes de serem cultivados e levados ao mercado. As divergênciasrelacionam-se à abrangência dos atuais métodos das análises de risco e, principalmente, ao uso do princípio da precaução. "A abordagem da precaução para lidar com incertezas exige que novas tecnologias demonstrem ausência de perigo. Já que os sistemas biológicos nunca produzem certezas, o risco zero é um padrão inatingível", observa o estudo do ICSU. "O significado dos estudos de laboratório é discutível, já que é difícil extrapolar do laboratório para estudos de campo e prever efeitos do uso comercial. O que constitui um impacto ambiental adverso?", indaga o ICSU. Processos de precaução são normalmente usados pela ciência. Antes de um novo produto para uso humano ser lançado no mercado - como é o caso dos remédios e vacinas, por exemplo -, são feitos testes exaustivos em animais e, depois, em seres humanos, com amostras crescentes, ao longo de quatro fases de experimento. Mas, apesar disso, a prova da certeza absoluta de que o remédio ou vacina não venham a causar algum dano em alguém, a ciência nunca poderá dar. "Todos os remédios são perigosos. São utilizados para que o risco associado à doença seja menor", diz Zago. A dúvida que assalta os cientistas é: qual o período de aplicação do princípio da precaução? Seria irracional se ele fosse infinito. A resposta a essa pergunta é crucial para que não se paralise a ciência, garantindo o avanço das pesquisas. Além do ICSU, também a RoyalSociety divulgou parecer, em fevereiro do ano passado, apresentado à Comissão da Revisão Científica de OGMs do governo britânico (www.royalsoc.ac.uk/ gmplants), em que conclui que o uso de plantas geneticamente modificadas pode gerar enormes benefícios para as práticas agrícolas, mais qualidade nos alimentos e trazer benefícios para a nu-
trição e saúde humanas. Ressalvou que a possibilidade de ocorrerem alterações maléficas imprevisíveis no status nutricional dos alimentos é idêntica às eventualmente observadas nos processos convencionais de melhoramentos. E sublinhou que, até o momento, não há provas de que os OGMs causem reações alérgicas e que esse risco não seria maior do que os impostos por culturas agrícolas convencionais. Em outro documento, assinado por academias de ciências de sete países, entre elas a Academia Brasileira de Ciências (ABC) - www.abc.org.br-. divulgado em 2000, afirma-se que os alimentos geneticamente modificados podem ser mais nutritivos e trazer benefícios para os consumidores e que esforços conjuntos devem ser feitos para investigar seus efeitos sobre o meio ambiente. Sugere-se que os países signatários implantem sistemas reguladores para identificar e monitorar efeitos adversos e que as empresas privadas e instituições de pesquisa compartilhem tecnologias de modificação genética que, atualmente, se encontram sob acordos com licenças e patentes muito restritivos. "Não existe nenhuma associação de cientistas que se declare favorável à liberação de todo e qualquer transgênico. Todos recomendam que a análise seja feita caso a caso", enfatiza Hernan Chaimovich, diretor do Instituto de Química da USP, membro da ABCe da ICSU. Pressuposto
de biossegurança
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análisecaso a caso, defendida em todas as manifestações científicas, é um pres-
suposto da biossegurança e deve pautar os rumos das pesquisas. E, já que a pesquisa científica pode reduzir os riscos associados à utilização dos produtos geneticamente modificados, como explicar a perplexidade e as dúvidas da população em relação aos alimentos transgênicos? Porque o debate sobre os transgênicos omite a posição da ciência sobre o assunto, avalia Chaimovich. "A mídia não tem dado espaço para a representatividade dos cientistas': ele observa. "Quem mais aparece são as empresas de sementes, que defendem os transgênicos, e algumas organizações não-governamentais, que atribuem riscos e catástrofes à biotecnologia. As entidades científicas têm de mostrar estudos e a mídia dar espaço para isso." É imperioso também reconhecer que os cientistas têm falhado na tentativa de manter a sociedade informada sobre o andamento, os riscos e as vantagens das pesquisas com os OGMs. "A sociedade precisa estar mais bem informada para se posicionar de forma mais equilibrada em relação a algo que tem a ver com o seu dia-a-dia, com o meio ambiente e com sua saúde",observa José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP."A comunidade científica está acordando para uma responsabilidade da qual ela não pode fugir. É fundamental que exista um canal de comunicação para um diálogo mais eficiente com a sociedade, que permita aos cidadãos informar-se sobre potencialidade e limitações da ciência."
Ao fim e ao cabo - e diante das evidências de que os OGMs não se constituem necessariamente em ameaça à saúde humana e ao meio ambiente a palavra final será do consumidor, já que os produtos geneticamente modificados, restabelecidas as regras para a sua produção, devem ser identificados e rotulados. Na história do Brasil,não será a primeira vez que se hesita em adotar um produto resultante do avanço da ciência. Em 1904, quando o país começava a se enquadrar nos termos da nova ordem econômica mundial instaurada pela Revolução Científico-Tecnológica, no Rio de Janeiro, então capital federal, os brasileiros se insurgiram contra a campanha de vacinação obrigatória contra a varíola. A campanha, decidida pela presidência da República, foi capitaneada por Oswaldo Cruz, titular da Diretoria Geral de Saúde Pública. Naquele mesmo ano, em apenas seismeses, tinham sido contabilizadas oficialmente mais de 1.800 internações no Hospital São Sebastião, no Distrito Federal, e o total de óbitos chegava a 4.201, de acordo com Nicolau Sevcenko,no livro A Revolta da Vacina - Mentes Insanas em Corpos Rebeldes. A oposição argu-
mentava que os métodos de aplicação do decreto de vacinação eram truculentos, as vacinas e os aplicadores eram pouco confiáveis e os funcionários, enfermeiros e fiscais "manifestavam instintos brutais e moralidade discutível". O governo revogou a obrigatoriedade da vacina antivariólica e o movimento refluiu. Mas a ciência, aos poucos, venceu a doença. • PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 23
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• POLÍTICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
LEGISLAÇÃO
De volta ao campo Resolução flexibiliza o acesso de pesquisadores ao patrimônio genético Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), do Ministério do Meio Ambiente (MMA), liberou o acesso de pesquisadores ao patrimônio genético em áreas privadas, proibido desde 2001. Na época, o governo federal editou a Medida Provisória n= 2.186-16 que, com o intuito de proteger a biodiversidade, provocou um verdadeiro estrago nas pesquisas que envolviam ativos da natureza, já que submeteu às mesmas regras draconianas tanto as atividades científicas como aquelas ligadas à exploração comercial. "Antes de ir a campo, os pesquisadores tinham que apresentar ao CGEN o itinerário previsto, com data e local da coleta e a autorização, por escrito, dos proprietários das áreas a serem visitadas", conta Miguel Trefaut Urbano Rodrigues, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP). Com a Resolução n> 8, publicada no Diário Oficial de 8 de outubro, o MMA começa a flexibilizar esse quadro, permitindo maior mobilidade dos cientistas. "Esta decisão é resultado do trabalho que, com a ajuda de alguns pesquisadores, estamos desenvolvendo junto ao Conselho", diz Carlos Alfredo Ioly, coordenador do programa Biota-FAPESP, desde maio um dos representantes indicados pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC) para integrar o CGEN na condição de convidado. A Resolução do CGEN não tem força para alterar as regras definidas em 2001, mas enquadra as atividades de pesquisa num dispositivo previsto no artigo 17 da MP, que prevê a dispensa de "anuência prévia de seus titulares" para os casos de "relevante interesse público". Assim, caracterizado como "caso de relevante interesse público",
O
24 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
Pesquisa científica sobre biodiversidade é caso de relevante interesse público fica liberado o acesso de pesquisadores aos componentes do patrimônio genético existentes em área privada, desde que suas atividades contribuam, simultaneamente, para o avanço do conhecimento da biodiversidade no país e não apresentem potencial de uso econômico previamente identificado, como ocorre nas atividades de bioprospecção, Agora, o pesquisador responsável comunica ao CGEN a intenção de investigação, mas só deverá apresentar as coordenadas geográficas de cada ponto de coleta, assim como a lista do material coletado devidamente identificado, até 180 dias após a expedição. Se amostras coletadas revelarem potencial de uso econômico, a instituição patrocinadora da pesquisa deve informar o fato ao Conselho para a formalização de Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição dos Benefícios, conforme está previsto na MP. "Esse é o primeiro passo para melhorar a situação dos pesquisadores",
diz João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas, do MMA. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) também prepara uma instrução normativa para facilitar a coleta do material de pesquisa, igualmente flexibilizando o processo de autorização. "Essa medida vai tornar mais ágil o processo de coleta'; adianta. Projeto de lei - Provavelmente até o final do ano o MMA encaminhará ao Congresso Nacional um conjunto de sugestões para serem incorporadas ao Projeto de Lei de Acesso aos Recursos Genéticos - originalmente de autoria da própria ministra do Meio Ambiente, então senadora Marina Silva - e que já está na Câmara dos Deputados. "Queremos aprimorar o projeto, incorporando inovações positivas, para garantir instrumentos rigorosos de proteção à biodiversidade sem onerar os pesquisadores", afirma Capobianco.
• POLÍTICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
1M PORTAÇÕES r7------~~~--------------------~~~~--------~------~--~----~~--~--~N
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Obstáculos superados Fundação atende toda a demanda dos pesquisadores APESPiniciou a terceira etapa do processo de retomada das importações de bens e serviços. Iniciou a análise de solicitações apresentadas por pesquisadores responsáveis por projetos de pesquisa já contratados e que tenham conclusão prevista entre· os dias Iv de maio de Zêüô e âl dedezembro de 2007. Somente serão autorizadas as importações de material permanente, de consumo e serviços de terceiros, que já constarem no Termo de Outorga e Aceitação e que forem absolutamente indispensáveis para a conclusão do projeto. Não serão atendidas as solicitações de importação de equipamentos já disponíveis na instituição do pesquisador. Se, apesar desta restrição, o pleito for mantido, deve vir acompanhado de justificativa circunstanciada. A aprovação da solicitação implicará a alteração do Termo de Outorga e Aceitação, com nova data de conclusão do projeto. O saldo dos recursos de Reserva Técnica eventualmente existente será utilizado para co-
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brir os custos de importação desses bens, cerca de 25% dos valores concedidos. Outras duas portarias - a CS 25/2003 e CS 30/2003 - já haviam autorizado importações de bens e serviços para projeto com conclusão prevista no período de 31 de outubro deste ano até 30 de abril de 2004. Com a nova Portaria CS31/2003, que estende esta cobertura até o final de 2007, passam a ser atendidos todos os pedidos que haviam sido encaminhados à Fundação. Com isso, a FAPESP estará atendendo todas as demandas por equipamentos, bens de consumo e serviços importados, sem deixar de cumprir, e até ultrapassar, a meta estabelecida pelo seu Conselho Superior de fechar o ano com uma disponibilidade líquida de R$ 580 milhões: atingiu pouco mais de R$ 600 milhões. As importações tinham sido interrompidas em agosto do ano passado, em caráter emergencial, por conta de uma desvalorização de 67,5% do real em relação ao dólar registrada até o terceiro semestre de 2002. Três meses de-
pois, a FAPESP passou a autorizar, em caráter excepcional, compras externas de material de consumo e de peças de reposição, apenas na quantidade indispensável. Em setembro deste ano, editou a primeira portaria retomando as importações no valor de até US$ 5,4 milhões. A FAPESP recomenda aos pesquisadores que renegociem com os fornecedores os preços de forma a poder atender a um maior número possível de solicitações, que devem ser encaminhadas ao endereço eletrônico consulta_import@fapesp.br. Da proposta deverão constar um relatório sucinto descrevendo o estágio de desenvolvimento do projeto, itens cuja importação é indispensável, entre outros. Para cada um destes itens deverão constar descrição e quantidade, assim como o seu valor em moeda estrangeira; razões que tornam indispensável a sua importação; e breve descrição do parque de equipamentos de mesma natureza disponíveis na instituição. • PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 25
• POLÍTICA
CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
FOM ENTO
Balanço positivo Medidas amargas em 2002 permitiram à FAPESP retomar investimentos em 2003 MARIA
DA GRAÇA
MASCARENHAS
E
mum ano marcado por crise financeira e cambial, como foi 2002 no Brasil, a ação da FAPESP pautou-se pela reflexão e pela necessidade de adoção de medidas preventivas de adequação do financiamento que realiza à pesquisa científica e tecnológica à nova realidade conjuntura!. Procurando manter o equilíbrio financeiro da instituição, garantia da sua capacidade de investimento futuro, a Fundação, ao mesmo tempo, não se descuidou dos projetos de pesquisa em andamento. Fechou o ano com o desembolso de R$ 455,5 milhões para a pesquisa no Estado de São Paulo, como mostra o Relatório de Atividades 2002, que está sendo lançado.
26 . NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
Foram decisões maduras, tomadas no momento em que a instituição completava 40 anos. "As decisões foram tomadas para preservar a capacidade de atuar de maneira eficiente no fomento à pesquisa e na geração de conhecimento, que sempre caracterizaram a atuação da FAPESP", comenta o presidente da Fundação, Carlos Vogt. A decisão do Conselho Superior, em agosto do ano passado, de suspender as importações de bens e serviços, em face da instabilidade cambial, foi um remédio amargo mas necessário para preservar a saúde da instituição. E de forma gradual, pari passu com a estabilidade econômica do país, as compras no exterior foram sendo retomadas. Em outubro deste ano, foram autoriza-
das importações de bens e serviços para projetos com vigência até 2007. "Com a autorização, no mês passado, dessas novas etapas de importação, foram atendidas todas as solicitações que estavam depositadas na FAPESP. Todas as demandas estão sendo zeradas", diz Vogt. Segundo ele, a retomada das importações foi possível exatamente porque foram tomadas, no momento certo, medidas preventivas de contenção de gastos aliadas a uma programação organizada de investimentos. "Isto permitiu a recuperação da disponibilidade financeira da Fundação, que alcançou, no final de setembro passado, a marca de R$ 600 milhões, superando as expectativas de R$ 550 milhões para o final do ano",
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comemora Vogt. E acrescenta: "Arecuperação da disponibilidade financeira vai permitir que a Fundação mantenha com tranqüilidade a sua capacidade de apoio à pesquisa cultural, científicae tecnológica, por meio de bolsas e auxílios, e, ao mesmo tempo, tenha preservada a sua capacidade de gerar recursos próprios para complementar seu orçamento anual': Bolsas regulares - Outra medida amargatomada em 2002 foi o maior rigor na análise das novas solicitações de bolsas, que já havia sido iniciado no ano anterior,motivado pelo expressivoe constante aumento da demanda há vários anos e agravado pela redução dos investimentos das agências federais no Estado
de São Paulo. A essa situação, a FAPESP vinha respondendo com o aumento das concessões. Em 1993, a Fundação aprovou 1.160novas bolsas no país; em 2000, 4.965, o que representa uma expansão de 328% no período. Em 2000, os gastos com bolsas já representavam 38,38% do total desembolsado pela FAPESPno ano. Para não comprometer o apoio a outras modalidades de pesquisa, em 2001 a análise dos projetos de bolsas de mestrado e doutorado se tornou mais rigorosa e, em 2002, os pedidos de bolsa passaram a ser julgados num processo de análise comparativa. Ainda assim, no ano passado, foram gastos com as
diversas modalidades de bolsa no país R$ 153,15 milhões, ou 33,63% do total desembolsado pela FAPESP no exercício, como mostra o gráfico à página 28 e o quadro à página 29. Fica evidente que, apesar da alta competitividade, o desembolso com bolsas continua elevado, o mesmo acontecendo com as concessões, mostradas na tabela à página 29. No total do ano, foram aprovadas 4.108 novas solicitações de bolsas, sendo 3.959 para bolsas no país. Em algumas modalidades, como Doutorado Direto e Pós-Doutorado, o número de concessões corresponde, respectivamente, a 62,2% e a 66,3% da demanda. PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 27
Na modalidade Iniciação Científica, as bolsas aprovadas correspondem a 64,4% da demanda. "Com esse nível de concessão, a FAPESP comprometeu percentual significativo de seu orçamento com bolsas. A previsão é de que, para 2004, haja um aumento no orçamento e no investimento em bolsas da ordem de 12%, o que acarretará um aumento do número de bolsas concedidas" informa o presidente da FAPESP.
Pagamentos de bolsas e auxílios efetuados no período 1995/2000 100 90~ 80
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40,57 54,68
10
44,44
33,38
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28,86
17,42
11,83
9,93
34,76
38,35
43,39
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Auxílios regulares - A FAPESP aprovou, em 2002, 3.141 novas solicitações de auxílios regulares em todas as modalidades. O desembolso com essa linha de fomento totalizou R$ 197,64 milhões, correspondendo a 43,39% do total gasto pela Fundação no exercício (ver gráfico e quadro). Do total desembolsado, 92,92% destinaram-se à modalidade auxílio a projeto de pesquisa. Com os projetos temáticos - aqueles desenvolvidos por equipes maiores, às vezes de diversas instituições de pesquisa - foram gastos R$ 60,91 milhões e aprovados 55 novos projetos. A demanda e a concessão de auxílios regulares pela Fundação cresceram ao longo da década de 1990. No período de 1993 a 2002, as solicitações passaram de 2.800 para 4.896, o que corresponde a uma expansão de 74,9%. No mesmo período, o número de projetos aprovados passou de 1.788 para 3.141, um crescimento de 75,7%. Junto com as bolsas, os auxílios regulares compõem a linha tradicional de fomento à pesquisa da FAPESP, uma prioridade da Fundação. Nos últimos exercícios, eles vêm absorvendo cerca de dois terços dos recursos desembolsados a cada ano. As modalidades de auxílio apoiadas pela Fundação são auxílio a pesquisa, auxílio a publicação, auxílio à participação em reunião científica e/ou tecnológica no Brasil e no exterior, auxílio à vinda de pesquisador visitante e auxílio à organização de reunião científica. Programas - O ano de 2002 não foi de lançamento de novos programas, mas 28 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
-
33,47
40
40,80
32,32
29,97
38,38
1995 •
Bolsas
1996 •
1997 Auxílios
1998 •
Programas Especiais
de consolidação dos já existentes. No ano, foram gastos com os Programas Especiais R$ 45,23 milhões e com os Programas de Inovação Tecnológica, R$ 59,43 milhões. Esses valores representam, respectivamente, 9,93% e 13,05% do desembolso total da FAPESP (ver gráfico e quadro). Os Programas Especiais compreendem aqueles criados pela Fundação com o objetivo de capacitar recursos humanos para a pesquisa em áreas estratégicas ou em que há reduzido número de quadros, modernizar a infraestrutura física do sistema estadual de pesquisa, assegurar aos pesquisadores o acesso eletrônico a dados e informações do Brasil e do exterior. Enfim, dar suporte à formação e melhor desempenho da atividade de pesquisa. ano o passado, estavam em andamento os seguintes Programas Especiais: Apoio a Jovens Pesquisadores, Capaciração de Recursos Humanos de Apoio a Pesquisa (ou Capacitação Técnica), Ensino Público, Incentivo ao Jornalismo Científico (Mídia Ciência) e Rede ANSP - Acadernic Network at São Paulo. O Programa de Infra-Estrutura, já encerrado, teve ainda em 2002 desembolsos referentes a projetos aprovados em anos anteriores Com o programa Apoio a Jovens Pesquisadores foram gastos R$ 16,50
N
1999
-
2000
35,44
2001 •
-
33,63
2002
Inovação Tecnológica
milhões. Os projetos remanescentes do Programa de Infra-Estrutura e a Rede ANSP absorveram, respectivamente, R$ 12,61 milhões e R$ 11,33 milhões. O objetivo do programa Apoio a Jovens Pesquisadores é formar novos grupos e líderes de pesquisa em centros emergentes do Estado de São Paulo. A Rede ANSP,por sua vez, é um suporte fundamental às atividades de ensino e pesquisa. Ela liga as redes de computadores acadêmicas e dos institutos e centros de pesquisa científica e tecnológica do Estado de São Paulo entre si e com o Brasil e o exterior. É a Rede ANSP a via de conexão à Internet de todas as instituições vinculadas ao sistema estadual de ciência e tecnologia. No Programa de Infra-Estrutura, já encerrado para recebimento de projetos, foram desembolsados, desde a sua criação em 1995, R$ 505 milhões, na recuperação e modernização de laboratórios, biotérios, redes de informática, bibliotecas e museus de universidades e institutos de pesquisa no estado. Inovação Tecnológica - Os Programas
de Inovação Tecnológicacompreendem aqueles criados pela Fundação cujos resultados de pesquisas têm evidente potencial de inovação tecnológica ou de aplicação na formulação de políticas públicas. Alguns deles têm isso como seu principal objetivo. Em 2002, estavam em andamento os programas Genoma-FAPESP, Biota-FAPESP,Pesqui-
Resumo da evolução dos recursos concedidos e desembolsados pela FAPESP 2001 Linhas de Fomento
Recursos Número de Concedidos Projetos (l) (em R$l
Variação
2002
(2)
Recursos Desembolsados (em R$l
(3)
Recursos Número de Concedidos Projetos (l) (em R$l
(2)
Recursos Desembolsados (em R$l
(3)
Porcentual
Crescimento Crescimento Crescimento do Número dos Recursos dos Recursos de Projetos Concedidos Desembolsados (em%l (em%l (em%l
Bolsas Regulares
4.030
120.057.394
174.762.669
4.108
113.059.101
153.155.937
1,94
-5,83
-12,36
Auxílios Regulares
3.102
195.381.298
189.226.230
3.141
242.589.392
197.648.045
1,26
24,16
4,45
726
92.618.545
129.075.056
763
107.930.474
104.668.919
5,10
16,53
-18,91
493.063.955
8.012
455.472.901
1,96
Programas Especiais I Inovação Tecnológica (4) Total (1) (2) (3) (4)
O total de projetos inclui somente concessões iniciais. O total de recursos concedidos inclui concessões,suplementações, suplementações por reajuste, anulações e transferências do exercício corrente. O total de recursos desembolsados inclui pagamentos e devoluções do exercício corrente. Inclui Auxílios e Bolsas.
to pela FAPESP com o fosas em Políticas Públicas, CenNúmero de bolsas concedidas pela FAPESP em 2002 mento à pesquisa em 2002 tros de Pesquisa, Inovação e em três categorias - Pesquisa Difusão, Inovação TecnológiBolsas no país - Modalidades Básica voltada exclusivamenca em Pequenas Empresas te para o avanço do conheci(PIPE), Parceria para Inova*IC MS DR DO PDBR mento, Pesquisa Básica com ção Tecnológica (PITE), Conpotencial de aplicação e Pessórcios Setoriais para InovaTotal de concessões 1.872 734 651 247 455 quisa Aplicada -, se verificará ção Tecnológica (ConSITec), que as duas últimas categoPrograma de Apoio à Proprie2.907 2.598 1.322 397 686 Demanda total dade Intelectual (PAPIINurias têm quase o mesmo peso, com pequena vantagem para plitec), Tecnologia para Ino% concessão 64,4 28,25 49,24 62,22 66,33 a pesquisa aplicada. Com os vação da Internet Avançada *IC-Iniciação Científica; MS-Mestrado; DR-Doutorado; projetos assim classificados, (Tidia), Rede de Biologia MoDD-Doutorado Direto; PDBR-Pós-Doutorado no Brasil foram gastos 39,83% do total lecular Estrutural (SMolBdo desembolso no ano e Net), Rede de Diversidade to de um sistema de diagnóstico de 38,06% com a segunda categoria. Em Genética de Vírus (VGDN) e Sistema câncer de pele por luz laser. número de projetos aprovados, 39,53% Integrado de Hidrometeorologia do Esforam classificados na categoria pestado de São Paulo (Sihesp). Com o programa Genoma-FAPESP foram desembolsados R$ 14,87 quisa aplicada e 36,89% na pesquisa Em 2002, foram gastos com os dez milhões e com o PITE e o PIPE, resCepids financiados pela FAPESP R$ básica com potencial de aplicação. 15,78 millhões. São eles os centros de pectivamente, R$ 9,89 milhões e R$ Diferentemente do que esses per9,55 milhões. Desde o seu lançamento, centuais podem indicar à primeira Toxinologia Aplicada, de Biologia Moem junho de 1997, até o ano passado, vista, o perfil do desembolso traduz lecular Estrutural, de Pesquisa em Óptica e Fotônica, de Terapia Celular, o PIPE havia aprovado 235 projetos de também o compromisso da Fundação com o avanço do conhecimento, finade Estudos do Genoma Humano, de pesquisa desenvolvidos em pequenas empresas. Somente em 2002 foram lidade primeira da pesquisa básica, em Estudos da Metrópole, de Estudos do aprovados 65 novos projetos. O PITE, qualquer das duas categorias. Juntas, Sono, de Estudos da Violência, Centro Multidisciplinar para o Desenvolvipor sua vez, desde o seu lançamento, elas receberam 60,16% dos recursos e no final de 1994, até o ano passado, já seus projetos correspondem a 60,47% mento de Materiais Cerâmicos e Centro Antonio Prudente de Pesquisa e havia aprovado 70 projetos de pesquido número de aprovados no ano. Para essa classificação não foram Tratamento de Câncer. sa que se desenvolvem na forma de Vários deles já têm resultados exparceria entre uma instituição de pesconsideradas as bolsas, mas apenas os auxílios regulares e temáticos e os auxíquisa e uma empresa. Em 2002, 12 nopressivos, como uma nova droga antihipertensiva a partir de veneno da covos projetos foram aprovados. lios associados aos programas Apoio a Jovens Pesquisadores, Biota-FAPESP, bra jararaca, o aprimoramento da Perfil dos gastos - Se forem classificaGenoma-FAPESP, PITE, PIPE, ConSItécnica de terapia fotodinâmica no trados os projetos aprovados e o total gasTec e Ensino Público. • tamento de câncer e o desenvolvimenPESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 29
• CIÊNCIA
LABORATÓRIO
MUNDO
Uma razão a mais para evitar antibióticos Bebês tratados com antibióticos durante os primeiros seis meses de vida são mais propensos à asma, de acordo com um estudo realizado pela equipe de Christine Iohnson, do Sistema de Saúde Henry Ford, em Detroit. Os pesquisadores acompanharam 448 crianças do nascimento até os 7 anos e concluíram que o uso de antibióticos deve ter uma parcela de responsabilidade no aumento contínuo dos casos de asma: quase metade das crianças recebeu antibióticos até os 6 meses de idade; um quarto delas, mais de duas vezes; e um quinto, três vezes ou mais (NewScientist). Os testes constata-
• México cria vacina contra cisticercose Pesquisadores mexicanos desenvolveram uma vacina contra a cisticercose, infecção parasitária que representa um grave problema de saúde na América Latina e chega às pessoas por meio da ingestão de carne de porco contaminada por ovos de tênia, verme que pode atingir 3 metros de comprimento e viver mais de 25 anos no organismo humano. Após 15 anos de trabalho, o grupo de Edda Sciutto, da Universidade NacionalAutônoma do México (Unam), identificou no parasita causador da doença, o cisticerco, componentes utilizados na confecção de uma vacina, que se mostrou eficaz contra a
Inversão: assepsia em excesso pode facilitar o surgimento de alergias
cisticercose suína em estudos preliminares com ratos. Em um teste de campo, a equipe da Universidade do México aplicou a versão sintética da vacina em 240 porcos e reduziu em 98% a quantidade de parasitas transmissores da doença (SciDev.Net). O número de mortes por cisticercose vem diminuindo com o uso de medicamentos que combatem o parasita, como o albendazol e o praziquantel, mas ainda persistem efeitos indesejados como dores de cabeça ou crises epilépticas. Além disso, exames como a tomografia ou ressonância magnética, os mais eficientes para detectar a doença, permanecem inacessíveis às populações rurais e mais pobres, justamente as mais atingidas. •
30 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
ram que 21 crianças tinham desenvolvido alergia asmática, com ataques desencadeados por fatores ambientais, e que as crianças tratadas com antibiótico tinham de 2,6 a 8,9 mais chances de apresentar o problema, dependendo do medicamento. Os antibióticos devem alterar as populações de bactérias do intestino, dificultando a tarefa do sistema imunológico em distinguir entre as bactérias nocivas e as benéficas ao organismo. Representam, enfim, uma assepsia excessiva: e, quanto mais, maior é o risco de alergia ou de infecções, uma ou outra contribuindo para o surgimento da asma. •
espaço faz mal à saúde
Biólogos da Universidade de Oxford, Inglaterra, descobriram que problemas como o comportamento hostil e a alta mortalidade dos animais de zoológico se devem à falta de espaço para circular. Os mais
afetados são os grandes mamíferos como os ursos polares e os felinos, acostumados a territórios amplos (Nature). Os pesquisadores tentam agora dar mais espaço aos animais - ou, ao menos, mudanças diárias de ambientes. A vida silvestre também não está fácil. Os rinocerontes
Efeitos do cativeiro:
e alta mortalidade
• POUCO
hostilidade
aa-
os
a-
lI-
u-
es,
io es
efeitos do vulcanismo ou dos asteróides sobre a vida animal não parecem muito diferentes entre si. •
ainda são dizimados por causa dos chifres, usados na confecção de cabos de adagas no Iêmen e de um pó afrodisíaco na China (New Scientist). Mas dois novos testes prometem ajudar a coibir essa pilhagem. Um deles, da Academia Central de Polícia de Taoyuan, em Taiwan, detecta fragmentos do gene citocromo b nos produtos manufaturados e identifica o tipo de animal sacrificado. O outro, do Zoológico de Londres, vasculha no pó de chifre sinais que revelem a espécie e a reserva onde o animal vivia. Os dois testes só são viáveis porque o chifre de rinoceronte não é feito de osso, mas de tufos compactos de pêlos, que denunciam sua dieta, influenciada pelo tipo de solo, clima e vegetação. •
Remeron (mitzapina) que ao Paxil (paroxetina) e se livravam dos sintomas da depressão mais rapidamente que os que não apresentavam essa mutação. •
• Para entender os antidepressivos
• Os vulcões e o fim dos dinossauros
Em um estudo com 342 portadores de depressão publicado no American [ournal of Psychiatry, uma equipe coordenada pelo psiquiatra Greer Murphy, da Universidade Stanford, Estados Unidos, encontrou dois genes que parecem estar associados ao fato de um antidepressivo beneficiar ou prejudicar a saúde. Os indivíduos com uma simples mutação em ambas as cópias de um dos genes, o HTR2A, eram três vezes mais suscetíveis a sofrer efeitos colaterais, como insônia e agitação, que aqueles sem a mutação. O gene HTR2A induz à produção de uma proteína que se liga ao neurotransmissor serotonina, cuja falta está associada à depressão. Os portadores de uma mutação no segundo gene, chamado Apolipoproteína E, apresentavam uma resposta melhor ao uso do
O que levou os dinossauros à extinção? A pergunta nunca deixou de incomodar Gerta Keller, geóloga da universidade norte-americana de Princenton. Ela faz parte de um grupo de estudiosos para os quais a história do desaparecimento dos dinossauros é bem mais complexa do que possa supor a teoria do cometa ou asteróide que teria atingido a Terra e matou a todos eles no fim do Cretáceo, há 65 milhões de anos (Princenton Weekly Bulletin). Mas essa teria sido somente a gota d'água, e não a causa do problema. Gerta e seus colegas questionam até mesmo esse pressuposto ao apresentar indícios de que a cratera de Chicxulub, no México, o provável local do choque que provocou a morte dos dinossauros, teria surgido pelo menos 300 mil anos antes da extinção dos dinos-
• O eclético exército romano
Cabeça de africano em um vaso: preconceito apenas contra os bárbaros
sauros. Ela quer provar que um período de intensas erupções vulcânicas acompanhadas de uma série de impactos com asteróides teria provocado a transformação e a destruição do ambiente terrestre daqueles tempos. A hipótese ressuscita em parte a tese do vulcanismo, que prevaleceu antes da adoção da teoria do cometa. Agora, Gerta e sua equipe estão estudando os indícios de poderosas erupções vulcânicas ocorridas há mais de 500 mil anos em áreas como Madagascar, Egito e Israel. Os primeiros resultados sugerem que os
Não havia discriminação de cor entre os romanos que viviam nas proximidades da Muralha de Adriano, um paredão de 173 quilômetros e 5 metros de altura construído no ano 122, onde hoje é Gilsland, Nordeste da Inglaterra, para proteger o império do ataque dos bárbaros. De acordo com artefatos colhidos e analisados por pesquisadores da Universidade de Newcastle, Reino Unido, havia africanos em todos os níveis da sociedade romana, desde Victor, um escravo libertado nascido em Marrocos, até o imperador Sétimo Severo, que veio da Líbia. Podia não existir uma barreira de cor para espanhóis, franceses e alemães ingressarem no exército ou mesmo no Senado, mas era intenso o preconceito contra quem usava brincos e, principalmente, contra bárbaros, definido como todo aquele que vivesse fora dos domínios do Império Romano. •
Ação conjugada: erupções, cometa e transformações na Terra PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 31
• Alta contaminação entre agricultores
• Os cromossomos da conservação
Metade dos trabalhadores rurais de nove cidades mineiras que responderam a um questionário aplicado, entre 1991 e 2000, pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), vinculada ao Ministério do Trabalho, estava ao menos moderadamente intoxicada por defensivos agrícolas. A conclusão consta de um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e publicado na edição de julho/agosto da revista Cadernos de Saúde Pública. Os autores do trabalho compararam as respostas de 1.064 agricultores que participaram da sondagem feita pela Fundacentro com os resultados de seus exames de sangue. Tal confronto permitiu apontar os principais fatores de risco que aumentam a chance de ocorrer intoxicação, como ter tido o último contato com defensivos há menos de duas semanas, não usar proteção na hora de aplicar o produto e recorrer a agrotóxicos dos grupos organofosforados e carbamatos. Um dado interessante - e preocupante destacado pelo estudo: os trabalhadores rurais que se fiavam nas orientações dos vendedores de agrotóxico tinham 73% mais chances de se intoxicar do que os que não faziam isso. Os agricultores de três cidades (Teófilo Otoni, Guidoval e Piraúba) também apresentaram risco maior de contaminação do que os das demais localidades estudadas (Uberlândia, Ubá, Tocantins, Paracatu, Montes Claros, Guiricema). •
Pesquisadores paulistas e fluminenses caracterizaram os cromossomos que formam o material genético de duas aves silvestres ameaçadas de extinção, o papagaio anacã (Deroptyus accipitrinus), que ocorre no norte da Amazônia, e a arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus), encontrada no Cerrado e mata de galeria do Brasil Central. Ambas as aves são diplóides (apresentam cromossomos aos pares) e têm 70 cromossomos. Esse tipo de trabalho pode ser útil para os esforços que visam preservar a diversidade genética dessas espécies, uma vez que o cruzamento constante entre populações aparentadas pode ser um fator negativo para perpetuação de animais com reduzido número de indivíduos entre sua população. Ainda do ponto de vista ambiental, outra possível utilidade do estudo é usar a caracterização dos cromossomos para diferenciar machos de fêmeas dessas duas espécies, tarefa nem sempre possível de ser feita apenas pela análise de seus traços físicos. Estimativas apontam para a existência de menos de 5 mil exemplares da arara-azul. No caso do anacã, que chegou a ser capturado e vendido de forma ilegal como animal doméstico, o número de espécimes remanescentes na região Norte pode ser ainda menor. O estudo foi feito por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Botucatu, e Universidade Federal Fluminense (UFF) e saiu na edição de setembro da revista Genetics and Molecular Biology. •
Agrotóxico: risco maior em três municípios mineiros
• Remédio ativa gene que incha a gengiva O crescimento exagerado da gengiva, que pode gerar sangramentos, dificultar a higiene e até deformar a arcada dentária, é um dos efeitos colaterais do uso da ciclosporina, droga que diminui a rejeição ao transplante de órgãos. Um estudo coordenado pela biomédica Mônica Valéria Marquezini, do Laboratório de Biologia Tumoral da Fundação PróSangue/Hemo centro de São Paulo, levantou indícios de que um gene pode estar as-
sociado a esse problema. Mônica constatou que, em pessoas tratadas com ciclospori na, o remédio intensificou em 54% o funcionamento de um gene que produz o perlecan, uma das moléculas responsáveis pela hidratação e consistência rígida da gengiva. O trabalho, que também contou com a colaboração de pesquisadores do Hospital do Rim e Hipertensão da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP), deverá ser publicado em breve no [ournal of Periodontology. •
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Massad, da Faculdade de Medicina da USP,também chegou a essa conclusão, com base nos mesmos argumentos: o país está na rota das aves migratórias que espalharam esse vírus pelo mundo, e temos em abundância os transmissores - os mosquitos do gênero Culex, os pernilongos domésticos. Mas, lembram eles, é preciso conhecer informações básicas como a taxa de transmissão apenas uma ou cem aves em um grupo de mil carregam o vírus?- antes de definir com precisão a gravidade da situação. é
agora, os cientistas brasileiros não contavam com laboratórios adequados para trabalhar em segurança com vírus como o do ~ Oeste do Nilo ou o da síndrome respiratória aguda severa (Sars), os mais novos representantes das chamadas doenças emergentes, que causam danos severos porque o organismo ainda não está habituado a lidar com eles.A situação começa a mudar este mês com a inauguração, no dia 11, do Laboratório Klaus Eberhard Stewien, assim chamado em homenagem a um virologista alemão naturalizado brasileiro, hoje com 65 anos, que ajudou a conter a paralisia infantil no Brasil. 36 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
Construído durante um ano e meio no segundo andar de um dos prédios do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, o novo laboratório é o primeiro no país com o padrão NB3+ (nível de biossegurança 3+). É quase o máximo possível para a pesquisa civil- há instalações mais sofisticadas somente nos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), de Atlanta, Estados Unidos, referência mundial em doenças emergentes. "Esse laboratório da USP está servindo de referência para o desenvolvimento dos projetos da rede de 12 laboratórios NB3 que o Ministério da Saúde começou a construir este ano", diz Mário Althoff, coordenador geral da rede de laboratórios de saúde pública da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. Segundo ele, oito dessas áreas novas já estão em construção e devem entrar em operação até o final de 2004 em Brasilia,Fortaleza, Manaus, Salvador, Recife, Porto Alegre e São Paulo, com o propósito de lidar com vírus e bactérias importantes para a saúde publica, com riscos mínimos para a vida dos pesquisadores ou da população. "Com essa rede': diz Althoff, "a pesquisa com os bacilos da tuberculose será feita pela primeira vez dentro das condições adequadas no Brasil."
Macacão, máscara e botas . Não é nada fácil nem confortável entrar nessas fortalezas. Por enquanto, Edison Durigon, o coordenador do laboratório do ICB, pede para os convidados apenas cobrirem os sapatos com umas pantufas brancas, por ali chamadas de propé, antes de conhecerem o espaço de quase 50 metros quadrados inteiramente vedado e cercado por paredes de meio metro de espessura. Mas a partir de janeiro, quando o laboratório estiver funcionando normalmente, apenas seis pesquisadores vão carregar o cartão eletrônico que destrava a porta de entrada - e terão de seguir uma série de procedimentos que lhes tomará pelo menos dez minutos ao entrar e outros dez ao sair. Numa sala de 1 metro por 2, vão se despir e pôr um macacão impermeável, botas, máscaras e óculos. Só então, passando por portas que abrem somente se outras forem travadas, poderão chegar à sala principal, com os freezers, estufas de cultivo de vírus, espaço para experimentos com células ou animais e equipamentos de seqüenciamento de genomas. O laboratório do ICB será o primeiro dos quatro NB3+ a serem construídos em São Paulo. Até o final do próximo ano, se as obras correrem conforme
o esperado, deve começar a funcionar outra unidade na USP de Ribeirão Preto, uma terceira na Universidade Estadual Paulista (Unesp) em São José do Rio Preto e a quarta no Instituto Adolfo Lutz, na capital. A construção dos quatro laboratórios faz parte de um projeto maior, a Rede de Diversidade Genética de Vírus ou VGDN (sigla em inglês para Viral Genetic Diversity Network), criada no final de 2000 com um financiamento de cerca de R$ 12 milhões da FAPESP. oje, quase 150 pesquisadores de 22 grupos de pesquisa paulistas - incluindo órgãos da Secretaria de Estado da Saúde e um hospital privado, o Albert Einstein - investigam a diversidade e as peculiaridades de quatro vírus: a linhagem do vírus da Aids mais comum no Brasil,o HIV-l, cujo genoma deve ser seqüenciado até o final do próximo ano; o HCV, causador da hepatite C, a ser seqüenciado logo depois; o vírus respiratório sincicial, ou VRS, causador de infecçõesgraves nos pulmões e principal causa de morte de crianças de até 18 meses; e o hantavírus, causador de pneumonias graves, letais em até 40%
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dos casos. O laboratório do ICB vai abrigar estudos sobre hantavírus, arbovírus e o vírus do Oeste do Nilo, com base em amostras de sangue de roedores e aves já coletadas na Amazônia e na Mata Atlântica. "Por segurança, não vamos manter vírus exóticos no laboratório antes que apareçam no Brasil', tranqüiliza Durigon, que trabalhou de 1990 a 1994 em Atlanta, nos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), em um laboratório bastante semelhante ao que agora coordena. Na Rede, especialistas em insetos trabalham com médicos, virologistas, geneticistas e biólogos moleculares. As conclusões a que chegarem deverão explicar - ou explicar melhor - a origem, as formas de transmissão e de propagação e as melhores técnicas de tratamento das doenças causadas por vírus. O que se deseja é encontrar marcadores moleculares de virulência (genes, trechos de genes ou proteínas) que possam, por exemplo, reduzir a resistência do vírus da Aids aos medicamentos. Com os dados à mão, torna-se mais fácil dar mais consistência às ações de saúde pública e orientar as campanhas de vacinação. Ao menos para Massad,
não sena a pnmeIra vez. Exemplo raro de médico hábil em equações (estava no quinto ano de medicina quando entrou no curso de física), ele cria modelos matemáticos que indicam o comportamento das epidemias e foram úteis, por exemplo, na epidemia de rubéola de 1992: recomendava-se vacinar todas as crianças e jovens com idade entre 9 meses e 15 anos, mas Massad demonstrou que bastaria vacinar as crianças na faixa etária de 1 a 10 anos, apenas com 7 milhões de vacinas. Foi possível reduzir os custos da vacinação quase à metade (veja Pesquisa FAPESPnO61, de janeiro de 2001). Novamente convocada quando surgiu a epidemia de sarampo de 1997,a equipe da Faculdade de Medicina ajudou a criar uma estratégia de vacinação que permitiu limitar o impacto do vírus a 20 mil casos, bem menos que os 300 mil previstos inicialmente. Apoio aos médicos - As informações
que emergem dos laboratórios da Rede já chegam aos médicos que atendem as vítimas dos vírus. Danila Vedovello e Larissa do Amaral, duas biólogas do ICB, recebem as amostras de secreção nasal de crianças internadas com suspeita de infecção pelo vírus sincicial PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 37
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Zanotto só vai mexer nesse material nos sete hospitais ligados ao projeto. - e mesmo com o vírus, caso a Sars apaNo laboratório, ao mesmo tempo que reça no Brasil- dentro do novo laborareúnem material para pesquisa, elas tório. O espaço do ICB é mantido sob identificam o vírus causador dos sintopressão negativa (menor que a externa) mas e em um ou dois dias enviam o rejustamente para evitar que qualquer sultado aos médicos, que assim escomicrorganismo saia de lá. Ali dentro a lhem o tratamento mais adequado, já temperatura permanece que mesmo bactérias e a 20° Celsius - mesmo fungos podem levar a assim se prevê que os sintomas muito semeUma das lhantes. Em Ribeirão Prepesquisadores sentirão calor quando usarem o to, a equipe de Luiz Tametas é uniforme completo de deu Moraes Figueiredo descobrir trabalho - e o ar é filtraelaborou um quadro de do e trocado inteirasintomas que permitem vírus antes mente 12 vezes a cada aos médicos reforçar a que apareçam hora. Os instrumentos suspeita de infecção de trabalho devem ser causada por hantavírus, nas pessoas transmitido pelo ar em esterilizados e mesmo objetos pessoais como lugares p'or onde andaóculos passam por um ram ratos-de-rabobanho com detergente sob radiação ulpeludo ou rato-do-mato (Bolomys latravioleta antes de serem postos para ziurus)/seus reservatórios naturais. "Já dentro ou para fora. Encerrado o trababasta a suspeita de contaminação por hantavírus para mandar os indivíduos lho, os próprios pesquisadores saem por um caminho que os força a um baatingidos para hospitais que tenham nho com 50 litros de água, e o macacão UTIs (unidades de terapia intensiva)", diz Figueiredo. que usaram segue para um tanque fechado - uma autoclave - em que são lavados sob pressão e vapor. Quem sente ofinal dos anos 90, um pouco de claustro fobia na certa vai quando se intensificase contentar em observar o trabalho ram os casos de vítimas apenas pelo visor de vidro duplo ao lade hantavírus na região de Ribeirão Preto, Fido da porta de entrada. gueiredo conseguiu ser ágil para desenSabiá solto - À medida que se consolivolver um método de diagnóstico que reconhece em quatro horas os vírus da, a Rede cria condições mais adequadas para enfrentar vírus como o Sabiá, dessa família. Paolo Zanotto, do ICB da USP, foi igualmente rápido com o vírus que surgiu repentinamente em 1990. Sua história começou quando uma da Sars, responsável por uma forma agrimensora que morava no Jardim Saatípica de pneumonia que matou 800 biá, em Cotia, na Grande São Paulo, foi pessoas em mais de 30 países desde que levada em estado grave ao hospital do foi identificada em fevereiro deste ano. Em julho, quando trabalhou na Universidade de Freiburg, na Alemanha, PROJETO Zanotto desenvolveu um método de detecção do vírus que aumentou em Rede de Diversidade Genética 100 mil vezes a eficiência do teste tradide Vírus cionalmente usado. Ele embarcou para lá apenas com a idéia do novo teste, suMODALIDADE gerida por Carlos Augusto Pereira, Programas Especiais pesquisador do Instituto Butantan: a COORDENADORES região terminal do genoma de coronaEDUARDO MASSAD - Faculdade de vírus, a família a que pertence o vírus Medicina da USp, e EDISON DURIGON da Sars, induz a uma produção intensa e PAOLO ZANOTTO - ICB da U SP de moléculas de ácido ribonucléico (RNA). Na bagagem de volta, Zanotto INVESTIMENTO trouxe RNA, material clonado e fragR$ 6.687.937,23 e mentos de genes que permitem. um US$ 1.674.373)4 diagnóstico mais preciso.
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Instituto Emílio Ribas. Os médicos pouco puderam fazer: vítima de hemorragias intensas, ela morreu no mesmo dia. Pesquisadores do Adolfo Lutz receberam as amostras de sangue contendo o vírus e as enviaram para o Instituto Evandro Chagas, de Belém, outro centro de referência em virologia no país, que nos últimos 50 anos caracterizou cerca de II mil cepas (variedades) de quase 200 tipos de arbovírus. Ali, um técnico se contaminou ao inocular camundongos recém-nascidos com esse vírus, que se espalha pelo ar. O material com o vírus a ser identificado seguiu então para uma unidade da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, credenciada pelo Organização Mundial da Saúde (OMS) para lidar com vírus exótico. Nem ali o Sabiá se aquietou. Um estagiário francês contaminou-se quando um tubo de ensaio estourou em sua mão ao ser retirado da centrífuga. Em vez de comunicar o fato à equipe, ele limpou a centrífuga, fechou o laboratório e foi embora. Uma semana depois, como já havia acontecido com o técnico de Belém, estava internado com febres intensas. Ambos sobreviveram, mas até hoje ninguém sabe como surgiu, se realmente desapareceu e para onde foi o vírus só identificado três meses depois de encontrado (hoje, bastaria uma semana). Constituídos por apenas uma molécula de ácido desoxirribonucléico (DNA) ou ribonucléico (RNA) envolvida por uma casca protéica, os vírus são estruturas extremamente simples tão simples a ponto de ainda haver dúvida se são realmente seres vivos, já que precisam de outros organismos para se reproduzirem. Mas perseguem os seres humanos da infância à velhice. Já existem vacinas que detêm os vírus do sarampo, da rubéola, da poliomielite (paralisia infantil), varicela (catapora), rubéola e raiva, mas ainda pouco se pode fazer contra outros tormentos das mães de filhos pequenos como os causadores da cachumba, da meningite viral e da hepatite. Já os adultos devem se precaver contra o vírus da Aids e tentar driblar os da dengue, da febre amarela e das linhagens que causam alguns tipos de câncer, ainda que de vez em quando apareçam as dolorosas erupções causadas pelo vírus da herpes. Mais tarde, principalmente para quem tem mais de 65 anos, recomenda-se tomar a vacina
contra o vírus da gripe, que nas décadas anteriores pouco preocupou. Houve avanços, claro. Hoje não preocupam tanto as diarréias provocadas por vírus, que nos anos 70 eram a principal causa de morte no Brasil. Os anos 70, o vírus Rocio - outro transmitido pelo Aedes - causou uma epidemia de encefalite em crianças no Vale do Paraíba, entre as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. O Rocio aparentemente desapareceu, mas ainda há crianças com anticorpos contra ele - um sinal de que ainda pode estar circulando, mesmo que em uma versão menos perigosa. Durigon lembra que, além da possibilidade de reaparecerem os vírus antigos, sempre podem surgir variedades novas, à medida que se derrubam as matas. Pedro Vasconcelos, virologista do Evandro Chagas, acrescenta outro fator de risco: a necessidade de produzir alimentos em maior quantidade favorece o crescimento da população de roedores silvestres e de mosquitos que fa-
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cilitam a transmissão de microrganismos com os quais o organismo humano ainda não entrou em contato. Uma das metas dos coordenadores da Rede Vírus é antecipar problemas a virologia preditiva. Ou, em termos práticos, descobrir os vírus antes que apareçam nas pessoas. É com essa finalidade que o biólogo Luiz Francisco Sanfilippo passou dois meses acampado nas margens do rio Machado, no Acre, colhendo sangue e amostras da secreção da traquéia e da cloaca de aves que fazem pouso por lá. Não lhe falta prática: Sanfilippo foi chefe da seção de aves do zoológico durante 12 anos, até o ano passado, quando começou o doutorado na equipe de Durigon. Este mês, Sanfilippo deve seguir para Fernando de Noronha e coletar material das duas espécies de garça africana, a vaqueira (Bubucus ibis) e a branca (Casmerodius albus), reforçando o levantamento da equipe do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibarna), que até agora não encontrou sinais do vírus do Oeste do Nilo no Brasil. Porém a lista das 110 es-
As garças africanas de Fernando de Noronha: possíveis reservatórios do vírus do Oeste do Nilo
pécies de aves que podem ser infectadas inclui a galinha (Gallus gallus), a pomba (Columba livia), a codorna (Coturnix coturnix) e o marreco (Anas platyrhynchos), além de outras migratórias, como a garça-cinza (Ardea cinerea) e o maçarico-pequeno (Calidris minuta). É também para descobrir problemas antes que eles apareçam que a equipe de Ribeirão Preto sai a campo ao menos uma vez por mês, em um trailer ligado a uma caminhonete e adaptado como laboratório móvel - o hantamóvel, como chamam -, para caçar roedores que possam abrigar hantavírus. Nas próximas semanas, assim que o laboratório da USP começar a operar, começam a ser analisadas as 300 amostras de sangue de aves e outras 600 de roedores trazidas de Rondônia, da Serra do Mar ou do interior paulista para serem analisadas. Os pesquisadores querem saber como vivem e se espalham os vírus já conhecidos ou se há espécies novas chegando. • PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 39
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• CIÊNCIA
GENÔMICA
Mais um suspeito na mira Nova espécie de vírus pode ser a causa da morte súbita dos citros manova espécie de vírus pode ser a causa da morte súbita dos citros (MSC), doença de origem misteriosa que, após o aparecimento de seus primeiros sintomas, aniquila um pé de laranja em algumas semanas e representa atualmente a maior ameaça para a citricultura do Estado de São Paulo e do sul de Minas Gerais. O anúncio foi feito no mês passado por pesquisadores da Alellyx Applied Genomics, empresa de biotecnologia sediada em Campinas e ligada ao grupo Votorantim, que identificaram um vírus até então desconhecido, da família Tymoviridae, em plantas com sintomas de morte súbita. A própria companhia admite que ainda não há certeza absoluta de que a doença esteja associada à presença desse vírus, cujo pequeno genoma, de 7 mil pares de bases e seis genes, foi seqüenciado nos laboratórios da empresa. Os cientistas não hesitaram em batizar o microrganismo, literalmente, de Cítrus Sudden Death Vírus (CSDV) - Vírus da Morte Súbita dos Citros - e já pediram a patente nos Estados Unidos sobre o uso de suas seqüências genéticas para o desenvolvimento de formas de prevenção, diagnósticos e tratamento da doença. Se for concedida, a patente também
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Laranjeira infectada e laboratório da Alellyx: 90% das plantas doentes tinham o vírus CSDV 40 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
valerá para o Brasil. "Desenvolvemos um teste que permite o diagnóstico precoce da doença", assegura Fernando Reinach, presidente interino da Alellyx. A eficiência do exame em detectar a presença do novo vírus num pé de laranja é da ordem de 90%, segundo Reinach. Identificada pela primeira vez há pouco mais de dois anos em pomares do município mineiro de Comendador Gomes, a morte súbita dos citros é, por ora, uma doença apenas encontrada no Brasil. O último levantamento feito pelo Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), instituição privada mantida por produtores e indústrias de suco, indica que sua área de incidência abrange 23 municípios, 11 do sul de Minas Gerais e 12 do norte de São Paulo. Apesar de menos de 1% dos 200 milhões de
pés de laranja do sul de Minas e São Paulo apresentarem a doença, as taxas de expansão e letalidade da MSC são assustadoras. Estima-se que a doença já causou prejuízo de pelo menos US$ 20 milhões ao setor, que emprega 400 mil pessoas e gera exportações da ordem de US$ 1,3 bilhão. A morte súbita afeta as raízes das laranjeiras e a priva de seus nutrientes, causando uma espécie de infarto. Seu diagnóstico é quase sempre tardio. Como não se sabe com segurança qual é o agente causador da doença, só é possível descobrir que a árvore está infectada após o aparecimento dos sintomas da morte súbita, como a perda de brilho em suas folhas. Às vezes, pode demorar até dois anos para que essas manifestações clínicas se materializem na
planta. O problema é que, a essa altura, o pé de laranja já está condenado e não é possível salvá-lo (não há atualmente cura ou tratamento para a doença). Daí o interesse da Alellyx - e de instituições públicas de pesquisa - em desenvolver um teste que permita o diagnóstico precoce da morte súbita. Para a empresa de biotecnologia, uma das evidências que indicam a forte associação entre o novo vírus e a ocorrência da doença é um experimento feito com 110 pés de laranja (53 com morte súbita e 57 sadios). No final do estudo, os pesquisadores da Alellyx:constataram que cerca de 90% das árvores que apresentavam sintomas da doença tinham o CSDV e mais ou menos essa mesma porcentagem das plantas saudáveis não tinham o CSDV. Outro indicador da possível patogenicidade do recém-descoberto microrganismo é o fato de que os demais vírus da família Tymoviridae atacam vegetais (milho, grama, aveia e uva). No caso da uva, um desses vírus causa um problema nas raízes da planta, que guarda alguma semelhança com a morte súbita dos citros. Esses dados, por si só, não servem de prova definitiva de que o CSDV é realmente a causa da doença que põe em risco a citricultura paulista. A própria Alellyx: reconhece isso, embora aposte a maior parte de suas fichas no novo vírus. A confirmação de que essa hipótese está correta só virá quando o CSDV
for inoculado em plantas sadias e os pés de laranjas desenvolverem a doença. "Já fizemos isso e esperamos ter os primeiros resultados daqui uns oito meses", diz Reinach. "Só então vamos ter certeza absoluta de que o novo vírus é o causador da morte súbita." dúvida, a a própria Alellyx, a exemplo das instituições públicas de pesquisa da área de citros, não abandonou a idéia que, antes do surgimento do CSDV, era a mais aceita para explicar a origem da doença. A morte súbita, de acordo com essa teoria, seria originada por novas mutações no vírus da tristeza dos citros, hoje endêmico nos laranjais. A tristeza é uma doença que quase dizimou os laranjais paulistas na década de 1940. Além de ter descoberto o CSDV, a AlelIyx encontrou mutações em oito regiões do genoma do vírus da tristeza que podem estar relacionadas com a ocorrência da morte súbita. Mas, para a empresa, as evidências nesse sentido são mais frágeis do que as que sustentam a tese de que o novo vírus, o CSDV, é o agente da morte súbita. De qualquer forma, a Alellyx também pediu a patente sobre o uso das regiões identificadas no vírus da tristeza. A aposta da Alellyx de que o novo vírus deve ser a causa da morte súbita foi recebida com ressalvas por espe-
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cialistas do setor de citros. "O estudo da empresa abre uma nova frente de investigação, mas ainda não prova nada", afirma Nelson Gimenes Fernandes, pesquisador e secretário executivo do Fundecitrus. "Outros trabalhos, mais detalhados, terão de ser feitos para se chegar a alguma conclusão." Para Fernandes, a maior prova disso é que a própria Alellyx, apesar de ter encontrado o CSDV, ainda não descartou a hipótese de que a MSC possa se originar de alterações genéticas do vírus da tristeza. Ou até de que ambos os vírus possam atuar juntos para desencadear a doença. O engenheiro agrônomo Marcos Antônio Machado, do Centro de Citros Sylvio Moreira, também considera inconclusivos os dados divulgados pela empresa de biotecnologia. "Existem mais de 20 vírus latentes em citros, que podem ou não causar problemas à planta': pondera Machado, que também estuda a origem da morte súbita. "A amostra de 110 árvores utilizada no estudo da empresa é muito pequena para se estabelecer a associação entre a doença e o novo vírus:' O avanço das pesquisas sobre a nova ameaça que paira sobre o laranjal dirá se o CSDV está ou não por trás da morte súbita. Para o diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez, os resultados obtidos pela Alellyx:em seus trabalhos com a MSC, ainda que não totalmente conclusivos, são um testemunho de que é possível fazer, no Brasil, ciência de alta qualidade no ambiente empresarial. "Em especial, a pesquisa voltada à área tecnológica, que tem como objetivo resolver problemas", comenta Perez. O anúncio da descoberta do novo vírus, que pode ser o agente causador da morte súbita, ocorre seis anos após o lançamento da primeira iniciativa brasileira na área de seqüenciamento de genomas, o projeto da bactéria Xylella fastidiosa. A Xylella também provoca uma doença em citros, a Clorose Variegada dos Citros (CVC), o popular amarelinho. Os pesquisadores que fundaram a Alellyx são egressos daquela empreitada pioneira, financiada pela FAPESP. • PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 41
• CIÊNCIA
ETOLOGIA
As teias da intel igência Capacidade de memorizar informações permite às aranhas aprimorar seus hábitos instintivos de caça RICARDO
ZORZETTO
ndiferenteà correria da meninada no jardim, um garoto de 13 anos observa os movimentos delicados de uma aranha em uma teia construída entre as folhas de um arbusto. Está tão atento que não se deixa perturbar nem mesmo pelo calor intenso do verão de Alexandria, cidade do Norte do Egito, à beira do Mediterrâneo. Por curiosidade, o quase adolescente captura um gafanhoto e o coloca na teia, para em seguida puxar o caderno e anotar em detalhes o que a aranha faz com o inseto que se torna sua refeição. Nascia naquela tarde uma paixão que permaneceria latente quase duas décadas antes de se realizar: o então garoto egípcio, César Ades, hoje com 60 anos, tornou-se uma das maiores autoridades brasileiras em etologia, o estudo do comportamento animal. A vontade de entender o comportamento animal o levou a comprovar, por meio de experimentos em laboratório, que as aranhas são capazes de aprender e aperfeiçoar instintos básicos como os ligados à caça e à construção da teia, vistos geralmente como uma habilidade inata e inalterável. "Certamente, os instintos funcionam como uma espécie de pré-programação da mente", afirma Ades, diretor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). "Mas também há janelas para a aprendizagem nesse préprograma." Segundo ele, a capacidade de aprender talvez seja uma característica própria do sistema nervoso, que, por meio da experiência, permitiria a adaptação aos desafios do ambiente. Ades não defende sozinho essa idéia, que pode alterar até a forma como se pensa a inteligência humana, além de atestar a flexibilidade do instinto - ao menos - das aranhas. Se esses animais de oito pernas são mesmo ca-
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animal, enfim - parece ocorrer dentro pazes de aprender, talvez deixem de ser de certos limites, determinados pelo apenas bichos repugnantes, que desnúmero e pela organização das células pertam medo e terror. Pode ser que nervosas (neurônios). O sistema nernem todos consigam se livrar dos prevoso das aranhas tem apenas alguns conceitos e reconhecer a delicadeza e a milhares de células, inelegância de uma caransuficientes para cobrir a guejeira ou de uma viúcabeça de um alfinete, va-negra, mas talvez se- . Similaridades enquanto o ser humano ja possível pensar duas ostenta cerca de 100 bivezes antes de esmagar a nas formas de lhões de neurônios. atrevida que surgiu de caçar ou cuidar Os experimentos trás da cortina. sobre a capacidade de da prole definem aprendizado das aranhas Leões em miniatura . parentesco Numa linha de trabalho se chocam com uma visão comum até mesmo paralela à de Ades, o bióentre as espécies no ambiente científico, logo norte-americano que separa de maneira Robert [ackson, da Uniradical, em categorias esversidade Canterbury, tanques, o que é inato ou instintivo do na Nova Zelândia, chegou a outras desque é fruto de aprendizagem. Um cobertas sobre a capacidade de aprenexemplo claro de instinto é o compordizagem das aranhas. Iackson investitamento da rainha das formigas saúvas, gou os hábitos de caça de um grupo de a içá. Depois da revoada e do acasaaranhas papa-moscas tropicais do gêlamento, ela arranca as asas com um nero Portia, comuns na África, na Ásia movimento das patas e cava um ninho e na Oceania. Essas aranhas, que raramente alcançam 1 centímetro de comsubterrâneo: o ato de arrancar as asas ocorre no momento apropriado, sem primento, são mais espertas do que seu necessitar de treino. No outro extremo, tamanho permite supor. Com quatro aparecem os comportamentos flexíveis, pares de olhos, maiores e mais eficiena exemplo dos chimpanzés da Costa do tes que os de outras espécies de aranhas, Marfim, na África, quebrando nozes: as papa-moscas colhem informações levam anos para adquirir - talvez por visuais do ambiente bastante precisas e imitação - a habilidade de segurar a noz traçam estratégias de caça dignas do leão, com uma mão enquanto com a outra um predador por excelência. Também são hábeis a ponto de alterar sua estraaplicam um golpe com uma pedra ou um pau que serve de martelo. "Essa fortégia de caça frente a uma presa que ma de avaliar o comportamento consilhes ofereça mais perigo - por exemplo, derava o instinto como uma espécie de uma aranha mais agressiva como a cuspré-programa inalterável e isolado da pideira do gênero Scytodes. Em vez de atacar a cuspideira em linha reta, o que capacidade de aprender", afirma Ades. poderia ser fatal, a Portia recua, dá a Hábitos herdados· Incomodado com volta e, em seguida, toma de assalto a essa interpretação simplista, o pesquisua presa por trás, como um general sador encontrou nas aranhas um modiante de um exército mais poderoso. delo capaz de demonstrar a existência Os resultados mais recentes da pesquisa de flexibilidade em comportamentos de Iackson atraíram a atenção dos cerca de 450 especialistas que participaram supostamente fixos. Predadoras natas, em agosto da Conferência Internaciosempre foram consideradas seres essencialmente instintivos. Mas agora se nal de Etologia, realizada em Florianópode pensar que os padrões instintivos polis, Santa Catarina. nem sempre são rígidos como se imagiAs pesquisas de Ades e de Iackson se completam. E deixam claro: as aranhas nava, já que aranhas como as que fazem teias entre as roseiras do jardim ou passão capazes de memorizar informações sam despercebidas nos cantos das paree aprender com as experiências vividas. Dificilmente se conseguiria treinar uma des são capazes de modificar seu comportamento. aranha a pressionar uma barra para reMesmo assim, as aranhas não esceber uma gotinha de água, como faquecem o passado da própria espécie. zem os ratos de laboratório. O aprenAo mesmo tempo que se mostram apdizado das aranhas - e de qualquer 44 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
tas a modificar hábitos antigos, parecem manter ainda hoje alguns dos comportamentos dos antepassados mais distantes. Mesmo sem predadores por perto, algumas espécies não deixam de construir uma proteção de seda ao redor de seus ovos. Foi o biólogo Hilton Ferreira Iapyassú, ex-aluno e atual colaborador de Ades, quem descobriu os limites da flexibilidade de alguns comportamentos das aranhas. Além das descobertas, o trabalho resultou na elaboração do EthoSeq, um programa que permite a análise evolutiva de conjuntos de atos comportamentais organizados em seqüência - funcionou não só com as aranhas, mas também com gatos e aves. Laboratório o de Artrópodes do Instituto Butantan, Iapyassú estudou o comportamento de caça de outra aranha encontrada nos jardins, a aranha-gigante ou Nephilengys cruentata, de longas pernas de até 2 centímetros e um volumoso abdômen rajado de laranja e preto, três vezes maior que o tronco e a cabeça. Ele avaliou ainda os hábitos reprodutivos de outra espécie comum no Sul do país, a aranha-marrom (Loxosceles gaucho) - com o corpo castanho de apenas 1 centímetro de comprimento, é bem menor que a aranha-gigante, mas produz um veneno muito mais potente, letal até para os seres humanos. A análise desses hábitos forneceu ao biólogo do Butantan dados robustos o suficiente para afirmar: similaridades ou diferenças de comportamento revelam o grau de parentesco entre as aranhas. Por essa razão, as formas mais ou menos parecidas de caçar ou cuidar da prole podem ser úteis para definir com maior precisão o vínculo nem sempre claro - entre as 44 mil espécies de aranhas já identificadas. Além disso, revelam hábitos bastante primitivos, como o de construir uma proteção de fibras de seda para os ovos, compartilhados por algumas espécies desde que surgiram as primeiras aranhas, há 400 milhões de anos. "É a primeira vez que se mostra que o comportamento de espécies atuais pode guardar sinais tão fortes de hábitos muito antigos", comenta Iapyassú, com o aval das revistas Behaviour e [ournal of Arachnology, que nos últimos dois
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A aranha-marrom iLoxoscetes qeucho): mesmo sem predadores por perto, constrói uma proteção de seda para os ovos
anos têm publicado os resultados mais recentes de seu trabalho. História reconstruída - Ao mostrar que aranhas descendentes de um ancestral comum compartilham - ao menos em parte - um determinado hábito, o pesquisador do Butantan reforça o embasamento experimental de uma idéia proposta na década de 1930 por Konrad Lorenz, médico e zoólogo austríaco que iniciou o estudo do com-. portamento animal, a etologia. Reconhecido com o prêmio Nobel em 1973 por desvendar os padrões de comportamentos individuais e sociais dos animais, Lorenz havia afirmado no início do século passado que alguns desses hábitos - como coçar a cabeça, nos cães - poderiam ser transmitidos de uma geração a outra. Não era lá uma idéia original. O naturalista inglês Charles Darwin, o autor da Teoria da Evolução, já havia alerta do para a possibilidade de o comportamento ser herdado no livro A Expressão da Emoção no Homem e nos Animais, de 1872. "Até agora, as discussões eram apenas teóricas", observa Iapyassú, "e faltavam dados empíricos que mostrassem se o
comportamento de fato poderia revelar o parentesco entre as espécies." De modo ainda mais amplo, os trabalhos do biólogo do Butantan revelam que as pequenas unidades que compõem um comportamento, as ações, permitem reconstruir a história evolutiva de grupos distantes de aranhas, como constatou em um artigo publicado em julho no [ournal of Arachnology. Comprovam ainda que até mesmo os comportamentos mais complexos - compostos por uma seqüência de ações simples e, portanto, mais suscetíveis à influência do ambiente - guardam traços do parentesco entre as espécies, como verificou em trabalho publicado na Behaviour de abril de 2002. Assim, criam a possibilidade de adotar o comportamento como uma ferramenta auxiliar na classificação e na reconstrução da história evolutiva de outros grupos de animais, como as aves e até mesmo os mamíferos - uma tarefa científica complexa, que começou no século 18 com o botânico sueco Lineu (Carl von Linné), a partir do estudo das formas e das estruturas biológicas (morfologia), e na última década ganhou o reforço da genética. Como mesmo assim nem tudo
está resolvido, novos métodos que auxiliem na classificação dos seres vivos são sempre bem-vindos. Japyassú resolveu se dedicar ao estudo do comportamento das aranhas após assistir a uma palestra de Ades, que tem fama de lotar auditórios e falar de seu trabalho de maneira apaixonada. Por sua vez, Ades sentiu-se envolvido pelas aranhas enquanto lia o livro La Vie des Araignées (A Vida das Aranhas), do naturalista francês Iean-Henri Fabre, presente que ganhou meses antes das férias em Alexandria de um amigo de sua cidade natal, o Cairo, pouco afeiçoado ao assunto. O interesse pelo mundo dos aracnídeos só reapareceu muito depois, durante a pós-graduação em psicologia na USP, com outro presente: uma caixa com uma elegante aranha-dos-jardins (Argiope argentata), oferecida por Walter Hugo de Andrade Cunha, um dos pioneiros da etologia no Brasil. De ventre marrom com uma faixa amarela, essa aranha se distingue por ter o dorso prateado reluzente, marca que lhe rendeu o nome de aranha-de-prata. Comum em todo o Brasil, a aranha-dos-jardins constrói a teia em arbustos expostos ao sol, perto do solo. Ela permanece imóPESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 45
vel no centro da teia até que um inseto sentes, sem qualquer noção dos fatos de 50 anos, que raposas são capazes de passados." enterrar ovos de gaivotas e os recuperar se prenda na teia viscosa - é nesse moAs aranhas não aprenderiam tamdias depois, guiadas apenas pela lemmento que a aranha o ataca com uma brança. Para certificar-se de que o mesmo bém a construir as próprias teias? Com rapidez impressionante. Foi essa espéessa pergunta, Ades mexia em um tabu: ocorria com as aranhas, o pesquisador cie que nos anos seguintes proporcionou a Ades os resultados mesmo os mais conceituados livros de retirou a mosca armazereferência em aracnologia afirmavam nada no centro ou na mais gratificantes. que a construção da teia independe da periferia da teia. E se surA suspeita de que esNem tudo no experiência - seria um modelo perfeito preendeu: mesmo detaria em jogo um fator de instinto. Para verificar um possível pois de um intervalo de de memória no comcomportamento efeito de treino, o pesquisador e sua enaté 15 minutos, a aranha portamento da aranhainstintivo tão aluna Selene da Cunha Nogueira do-jardim surgiu com a procurava a presa que colocaram aranhas-de-prata em caixas deveria estar lá e não esobservação de que ela se se modifica horizontais. Acostumadas a construir tava mais: sacudia os fios, comportava de forma por meio da as teias em um plano próximo da vertidava voltas pelo meio da diferente quando captucal, viram-se em condições inusitadas. teia, depois ampliava a rava rapidamente um aprendizagem No início, desorientaram-se totalmenbusca pelas bordas. Até inseto após outro. Funte: colocavam os fios ao acaso e produdesistir. damentado nos estudos ziram uma teia caótica. Só depois de do etólogo alemão Hans alguns dias é que começaram a tecer esavia dois tipos de rouPeters, um dos primeiros a falar em truturas mais ordenadas, como os raios bos, que geravam reamemória das aranhas, ainda nos anos convergentes e os esboços de espirais. ções distintas. Se perdes30, Ades pensou: se fosse absolutamente Semanas depois, já conseguiam consinstintivo e independente da experiênse uma presa guardada truir teias completas e funcionais na no centro da teia, a Arcia, o comportamento de caça deveria horizontal. O experimento foi repetise repetir, sempre da mesma forma, a giope concentrava a busca por ali mesdo com as mesmas aranhas após terem mo, como se soubesse que o alimento cada inseto capturado. Mas não era asa oportunidade de construir a teia na originalmente estava por lá. Quando sim. De acordo com os experimentos, vertical. Depois, forçadas a trabalhar na tão logo um inseto caía em sua teia, a desaparecia uma presa da periferia, horizontal, foram mais ágeis do que na seus movimentos se distribuíam pela aranha saía do centro em direção à pretentativa anterior, numa indicação de periferia da teia. Não é tão óbvio assim: sa e a picava, liberando uma dose de veque tinham aprendido a lidar com o esse não fosse capaz de memorizar onde neno que a paralizava. Algumas vezes, a paço possível. guardara a presa, o animal não mostraaranha imobilizava a presa, envolvenria essa coerência e buscaria o alimento do-a com fios de seda, antes de a transGatos de oito olhos - Na Nova Zelânperdido, de modo indistinto, por toda a portar para o centro da teia, onde a dia, Iackson investiga o hábito de caça teia. Detalhe: a aranha passava mais prendia com um fio de seda. E então, de aranhas tropicais, em especial as que lentamente, a devorava, embebendo-a tempo procurando as presas maiores. pertencem ao gênero Portia. ConheciEvidentemente, guardar uma informaem sucos digestivos. das como papa-moscas, essas aranhas ção na memória facilita a sobrevivênsão verdadeiros gatos de oito olhos, por cia. "Uma aranha que se lembra", diz As presas perdidas - Os experimentos que se seguiram deixaram clara a imcausa da aparência e da acuidade viAdes, "consegue alimento mais rapidasual. Com até 8 milímetros de comprimente e em maior quantidade do que portância do fio que prendia a presa à mento, essas aranhas vivem em árvores outra, que só reage aos estímulos preteia: com ele, a aranha não perderia a primeira presa se outras caíssem na teia. Se Ades colocava outro inseto na OS PROJETOS teia durante essa refeição, a Argiope percebia a chegada da presa, por meio de sua vibração desesperada, e corria Estudos Psicoetológicos Comportamento e Evolução imediatamente em sua direção. Mas, em Animais em Aranhas: Análise Cladística da Predação, Construção da Teia dessa vez, não levava a mosca captue Corte nas Famílias Araneoidea rada para o centro: deixava-a enrolada MODALIDADE em seda na periferia da teia e só a busBolsa de Produtividade MODALIDADE em Pesquisa (CNPq) cava bem mais tarde, após terminar a Linha Regular de Auxílio refeição interrompida. a Projeto de Pesquisa (FAPESP) Outros estudos mostram que a caCOORDENADOR COORDENADOR pacidade de recuperar uma presa arCÉSARADES - Instituto HILTON FERREIRAJAPYASSÚde Psicologia-USP mazenada - mesmo que imóvel e incaInstituto Butantan paz de gerar sinais que indiquem sua presença - depende da memória. Por INVESTIMENTO INVESTIMENTO exemplo, o etólogo holandês Nicholaas R$ 58.400,00 R$ 90.536,08 Tinbergen já havia constatado, há cerca
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A aranha-gigante (Nephilengys cruentata) fêmea, com o macho no dorso: comportamentos similares ajudam a definir parentesco
e sobre paredes e não constroem teias. Em vez disso, invadem teias alheias e se alimentam de outras aranhas. Em um de seus primeiros experimentos, publicado em 1993 na revista científica Behavior, Iackson analisou como três espécies de Portia - a P fimbriata, da Austrália; a P labia ta, do Sri Lanka; e a P schultz, do Quênia - atuavam na captura de algumas de suas presas naturais: a aranha Philoponella variabilis, que atinge 4 milímetros de comprimento quando adulta, e uma outra um pouco maior, a Stegodyphus sarasinorum, de 1 centímetro. Assim que chega à teia de sua vítima, a papa-moscas pára de frente para a outra aranha. A seguir, inicia uma série de movimentos com o corpo - abaixa e ergue o abdômen ou dá puxões nos fios de seda -, simulando a agitação de algum inseto preso à teia. Tão logo percebe que um dos quase 120 movimentos distintos que realiza deu resultado e chamou a atenção da dona da teia, a papa-moscas passa a repetir apenas os passos bem-sucedidos até que sua presa ingênua chegue próximo o suficiente para receber um ataque mortal. Mas a Portia se revelaria ainda mais inventi-
va frente a presas agressivas, como a aranha-cuspideira (Scytodes sp). Com patas dianteiras mais longas que as demais, essa aranha tropical, de corpo malhado de preto, marrom e amarelo, apresenta como característica marcante lançar sobre sua presa uma saliva coJante que a imobiliza. quipe
de Iackson colocou quatro espécies de Portia diante de aranhas-cuspideiras encontradas nas Filipinas. ~ Uma dessas espécies de papa-moscas - a P labiata, também originária das Filipinas - saía-se melhor na caçada, segundo artigo publicado em 1998 no [ournal of Insect Behavior. Embora tivessem nascido em laboratório, sem nenhum contato anterior com as cuspideiras, as papa-moscas filipinas revelaram-se verdadeiras estrategistas. Em vez de chamar a atenção de suas presas com movimentos na teia e, em seguida, atacá-Ias de frente, a P labiata atuava de modo distinto: diante do avanço da cuspideira, recuava e contornava a teia, para atacá-Ia por trás. Em outro teste, Iackson verificou que as papa-moscas atacavam com mais fre-
quencia as cuspideiras pela frente quando estas seguravam os ovos com as mandíbulas e, portanto, estavam impossibilitadas de lançar a saliva pegajosa - um claro aperfeiçoamento de um hábito instintivo. Mas nem tudo no comportamento instintivo se altera com a aprendizagem. Num trabalho recente, César Ades e dois de seus alunos, Mayra Dias Candido e Fausto Assumpção Fernandes, tentaram verificar se a aranha-de-prata gastaria menos tempo procurando as presas se as perdessem uma após a outra. Até o momento, os resultados indicam que as aranhas não desistem de capturar e de armazenar suas presas. Além disso, gastam sempre o mesmo tempo na busca, mesmo com um resultado inútil, já que durante dez vezes seguidas os pesquisadores retiraram a presa guardada. Ades percebeu que seus alunos se sentiram frustrados com esse resultado, mas ele próprio não se abateu e os consolou com uma visão positiva, lembrando que o instinto não pode ser inteiramente moldado e tanto a flexibilidade quanto a rigidez são igualmente importantes para a adaptação de qualquer organismo à realidade em que vive. • PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 47
iqueza oculta Diversidade de espテゥcies prテウprias e fenテエmenos peculiares desfazem preconceitos sobre a Caatinga VERONICA
FALCテグ,
DE RECIFE
nosert達o
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lhados, típicos do período da seca - as folhas tornam a crescer com as primeiras chuvas. Nos anos de seca severa, a quantidade de chuva pode diminuir em até 95%, segundo o meteorologista José Oribe Rocha Aragão, da UFPE. A vegetação começa a mudar ao pé das serras do Ceará, da Paraíba e de Pernambuco. Lá no alto, acima de 600 metros de altitude, parece outro mundo: verdadeiras ilhas de floresta verde, densa e úmida, com árvores de até 30 metros de altura. Estamos agora nos brejos de altitude, que cobrem, por exemplo, a serra de Maranguape, próximo a Fortaleza, a 30 quilômetros do Atlântico, ou o planalto de Ibiapaba, já na divisa com o Piauí. Durante a seca, os brejos nutrem outro de grupo de animais que exibem uma diversidade surpreendente: as aves. Vivem na Caatinga 510 espécies, quase um terço do total encontrado no país e quase o dobro do levantamento feito em 1965 pelo ornitólogo alemão Helmut Sick. "Os brejos asseguram a continuidade de processos ecológicos regionais, como as migrações", diz Cardoso da Silva. "Algumas espécies que durante a estação chuvosa vivem na Caatinga retor50 ' NOVEMBRO DE 2003 ' PESQUISA FAPESP 93
nam para essas áreas úmidas durante os longos períodos de estiagem:' A ararinhaazul (Cyanopsitta spixii), por exemplo, costumava deixar a região de Curaçá, na Bahia, e voar quilômetros até os brejos para se alimentar quando já não frutificavam o pinhão (Jatropha mollissima), a faveleira ou a baraúna (Schinopsis brasiliensis). Hoje, as ararinhas-azuis vivem apenas em zoológicos e criadouros - há apenas 60 exemplares pelo mundo - e a espécie é considerada extinta na natureza: o último exemplar de vida livre foi visto em outubro de 2000.
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elaimportância ecológica, os brejos de altitude estão entre 82 áreas prioritárias para a conservação da Caatinga, assim como as dunas do São Francisco, outro espaço igualmente rico em espécies exclusivas, entre as cidades de Barra e Sobradinho, na Bahia. As dunas de até 60 metros que se erguem às margens do rio São Francisco, o Velho Chico, o maior rio perene da região, concentram cerca de um terço das espécies do semi-árido, entre elas 16 espécies de lagartos, oito de serpentes, quatro de anfisbenas e uma de an-
fíbio, exemplos de animais exclusivos dali. Anfisbenas são répteis aparentados das serpentes, sem olhos nem escamas visíveis, também chamados de cobras-de-duas-cabeças ou cobras-cegas. Em uma excursão recente, o especialista em répteis Miguel Trefaut Rodrigues, da Universidade de São Paulo (USP), encontrou outra espécie nova das dunas, a Amphisbaena arda, assim chamada por causa do corpo esbranquiçado com manchas pretas. "De todos os lagartos e anfisbenas da Caatinga, 37% são endêmicos das dunas, um pequeno território que não ultrapassa 7 mil quilômetros quadrados, ou 0,8% da área do sertão nordestino", diz Rodrigues. Não é apenas o alto endemismo que surpreende nas dunas do São Francisco. As margens opostas do rio abrigam lagartos, serpentes e anfisbenas muito semelhantes na aparência, mas de espécies e constituição genética distintas: são as espécies-irmãs, como os lagartos Tropidurus amathites e Tropidurus divaricatus. Ambos têm até 30 centímetros de comprimento e o corpo marrom com manchas pretas e amarelas, mas de padrões distintos. Segundo Rodrigues, foi o próprio São Francisco que induziu o
surgimento dessas espécies, a partir de um mesmo ancestral. De acordo com a hipótese admitida inicialmente, o rio corria para um lago do interior do Nordeste, não para o mar, até o fim do último período glacial, há 12 mil anos. Nas margens desse lago viviam populações de animais adaptados aos solos arenosos. "Quando o rio rompeu essas margens, isolou em lados opostos po~ pulações de uma mesma espécie, que viviam em hábitats similares': diz o bió- . logo da USP. Como conseqüência, essas espécies evoluíram em ambientes separados e originaram espécies hoje encontradas apenas na margem direita ou esquerda do rio (veja Pesquisa FAPESP nO 57). O modelo permanece o mesmo, mas os lagartos até então chamados de Tropidurus passaram a ser reconhecidos como um novo gênero (Eurolophosaurus) e análises de DNA sugerem que sua origem deve ter sido mais antiga, entre 1 e 3 milhões de anos, e não tão recente como se supunha. Da Caatinga para o Chaco - Entre os mamíferos. O número total de espécies que vivem na Caatinga saltou de 80 para 143 e o de endêmicas, de três para
pelo menos 20, como resultado dos levantamentos coordenados por João Oliveira, da UFRJ. Sabia-se que só na Caatinga vive o mocó (Kerodon rupestris), um ratão de até 40 centímetros; o rato-bico-de-lacre (Wiedomys pyrrhorhinos), de 10 a 13 centímetros, sem contar a longa cauda, que serve de apoio na hora de escalar as árvores; e o tatu-bola (Tolypeutes tricinctus), o menor tatu brasileiro, de 22 a 27 centímetros, que enrola o corpo e fica parecido com uma bola quando se sente ameaçado. A lista dos endêmicos agora inclui o morcego insetívoro Micronycteris sanborni, o marsupial Thylamys karimii, de dorso cinza claro e ventre creme, e um macaco sauá (Callicebus barbarabrownae), descrito com base em material coletado no início do século passado e encontrado recentemente no interior da Bahia. Mesmo assim, segundo Oliveira, o endemismo de mamíferos da Caatinga ainda é pelo menos três vezes menor que o da Mata Atlântica ou da Amazônia, em vista da própria extensão de cada ecossistema. "A Caatinga é o ecos sistema menos protegido do Brasil, já que as unidades de conservação de proteção integral co-
brem menos de 2% de seu território", diz Tabarelli, que defende a criação de novas unidades de conservação. O estudo das botânicas Isabel Cristina Machado e Ariadna Valentina Lopes, da UFPE, acentua a necessidade de preservação, ao revelar uma riqueza inesperada de processos especializados de polinização: das 147 espécies de ervas, árvores e arbustos estudados, 30% são polinizadas apenas por abelhas, 15% por beija-flores e l3% por morcegos. "Essas descobertas ajudam a desfazer o mito de que aCaatinga é pobre em espécies e fenômenos exclusivos", comenta a pesquisadora. Foi por terra também, por falta de evidências, a antiga idéia de que a vegetação nativa do serniárido brasileiro seria um prolongamento do Chaco argentino. Agora se suspeita do inverso: algumas espécies de plantas, a exemplo do quebracho (Aspidosperma quebracho), uma árvore de até 30 metros, podem ter feito a rota oposta. Foi uma lenta migração, realizada ao longo de milhares de anos, à medida que o clima mudava e água da chuva, o vento e as formigas, com a discrição habitual, conduziam suas sementes de um canto a outro. • PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 51
• CIÊNCIA
PALEONTOLOGIA
Asas do passado Fósseis de minicondor e de ave gigante reconstituem a pré-história dos seres alados no Brasil MARCOS
PIVETTA
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izinhança já nem estranha mais as encomendas que chegam à casa ddHerculano Alvarengal em Taubaté, cidade distante cerca de 120 quilômetros da capital paulista. Em julho, encostou no número 99 da rua Colômbia um caminhão com centenas de quilos de fósseis descobertos no Nordeste, onde esse médico de 56 anos empreendera uma missão exploratória em março. Em outra ocasião, veio um despacho internacional de 62 quilos remetido por um amigo do Museu Nacional de História Natural, de Washington, o norte-americano Storrs Olson, um dos mais renomados ornitólogos contemporâneos. Em seu interior, claro, mais ossos petrificados de animais de milhões de anos. A maior parte do material ali desembarcado engrossa a coleção de fósseis desse paulista que contabiliza aproximadamente 2 mil esqueletos - réplicas e originais, inteiros ou incompletos - de bichos da pré-história. Além de enriquecer o acervo do colecionador, que, no próximo ano, deverá ser permanentemente exposto ao público em geral com a inauguração do Museu de História Natural de Taubaté, uma fração desses fósseis, os esqueletos de seres alados, é ainda objeto de -sérias pesquisas científicas. É que Alvarenga é duplamente apaixonado por ossos. Em seu consultório de ortopedista, cuida das articulações dos vivos. Em casa, se ocupa dos mortos: exerce a atividade paralela de paleontólogo especializado em aves fósseis e estuda crânios, úmeros (o osso principal das asas) e fêmures de animais que viveram há milhares ou milhões de anos na Terra. "Sempre tive facilidade de analisar ossos e gostava de zoologia", diz o médico, que concluiu seu doutorado nessa disciplina na Universidade de São Paulo (USP) nos anos 1990. Embora não esteja mais ligado formalmente a qualquer universidade, Alvarenga já descobriu e descreveu 15 novas espécies de aves fósseis, a maioria delas encontradas em sítios da bacia de Taubaté. Esses achados o tornaram co-
nhecido entre os acadêmicos. "Muito material importante poderia ter se perdido se não fosse o trabalho de Alvarenga", afirma Castor Cartelle, paleontólogo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Nos últimos meses, em colaborações com colegas que ocupam assentos em instituições de pesquisa, Alvarenga publicou três artigos científicos reportando seus achados. Com Edson Guilherme, do Laboratório de Paleontologia da Universidade Federal do Acre (Ufac), emplacou um trabalho na edição de setembro do [ournal of Vertebrate Paleontology em que descreve duas novas espécies de biguatingas que viveram há cerca de 5 milhões de anos, a Macranhinga ranzii e a Anhinga minuta. Foi uma descoberta cheia de superlativos. "Essas espécies representam, respectivamente, a maior e a menor biguatinga que se conhece", comenta Alvarenga, que analisou fragmentos de ossos desses bichos descobertos por cientistas da Ufac em dois pontos das margens do rio Acre. Esse tipo de ave, da qual restaram hoje apenas duas espécies vivas no mundo, lembra um pelicano e vive à beira de rios e lagoas, onde se alimenta de peixes. A Macranhinga ranzii deveria pesar de 8 a 10 quilos e ter 1,5 metro de altura, com um porte cerca de 20% mais avantajado do que a igualmente extinta Macranhinga paranensis, encontrada na Argentina e considerada, até agora, a maior biguatinga. A massa corpórea da A. minuta provavelmente não passava de 600 gramas e sua altura beirava os 50 centímetros.~ara efeito de comparação, a única espécie viva de biguatinga no continente americano, inclusive no Brasil, a Anhinga anhinga, pesa 1,5 quilo e chega a 90 centímetros de altura. .Talvez uma das aves pré-históricas mais interessantes descritas pelo paleontólogo-ortopedista seja o minicondor Wingegyps cartellei, que, provavelmente, cruzava os céus da Bahia e Minas Gerais 12.200 anos atrás. Em dupla com Storrs Olson, do Museu Nacional de História Natural, dos Estados Unidos, AlvaPESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 53
Ossos de biguatingas: a extinta Macranhinga ranzii é bem maior do que a atual Anhinga anhinga
renga apresentou o antigo pássaro na edição mais recente da revista Procee-
dings of the Biological Society of Washington. Os fósseis de exemplares desse ser alado, que se resumem a um crânio e dois úmeros resgatados, respectivamente, em cavernas da Bahia e Minas Gerais, podem ser importantes para a melhor compreensão do surgimento da família Vu/turidae.
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ondores e urubus são os dois grupos de aves que formam essa família. Como atualmente os condores são grandes e os urubus relativamente pequenos (se comparados àqueles), muitos ornitólogos pensam que essa diferença de porte sempre existiu. Logo, segundo esse raciocínio, as menores aves da família Vulturidae deveriam ser sempre classificadas como urubus, enquanto as maiores receberiam automaticamente a denominação de condores. O W cartellei mostra que as coisas não são bem assim. "No passado, havia uma maior diversidade de condores, com espécies grandes e pequenas'; afirma Alvarenga. "Hoje podemos afirmar que o que distingue um condor de um urubu são particularidades de seu esqueleto, sobretudo do crânio, e não o seu tamanho." Com aproximadamente meio metro de comprimento (distância entre a ponta do bico e a extremidade da cauda) e uma envergadura de uns 130 centímetros, o minicondor W cartellei tinha dimensões mais modestas do que as apresentadas hoje pelo menor representante vivo da família Vulturidae, o pequeno urubu-decabeça-amarela (Cathartes burrovianus). Essa ave atual, cujo hábitat natural se estende do México até a Argentina (no Brasil, com presença mais comum na Amazônia), mede cerca de 60 centímetros de comprimento e suas asas, quando abertas, se estendem por pouco mais de 1,5 metro. Para ter uma idéia de como era o diminuto exemplar da família Vu/turidae cujos vestígios foram encontrados em Minas e na Bahia, basta olhar para o condor da Califómiaf Gymnogyps californianus~ espécie ameaçada de extinção típica do Sudoeste dos Estados 54 . NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
Fósseis da ave extinta Wingegyps cartellei: versão em miniatura do atual condor da Califórnia Unidos. Tal ave, da qual só existem 220 exemplares, pode atingir até 1,4 metro de comprimento e a envergadura de suas asas chega a 3 metros. "O W cartellei é uma miniatura do condor da Califórnia e seu parente mais próximo conhecido", compara Alvarenga. ão são só aves de pequeno e médio porte, como as biguatingas e o minicondor, foram recentemente descritas por Alvarenga. Em outro trabalho com 01son, publicado em 2002 no Proceedings of the Biological Society of Washington, o paleontólogo-ortopedista, que se dedica aos seus fósseis nos momentos de folga do consultório, identifica um novo gênero e espécie de ave gigante, o Taubatornis campbelli, que habitou a bacia de Taubaté (daí o nome científico do gênero) há cerca de 23 milhões de anos. Pertencente à extinta família Terathornithidae, constituída de imponentes seres alados que deveriam ser predadores de outros animais ou simplesmente come-
dores de carcaças e lixo, o T. campbelli é a mais antiga e a menor das aves gigantes encontradas pelo homem. "Ela é quatro vezes mais velha do que o Argentavis magnificens, que viveu há aproximadamente 6 milhões de anos", diz Alvarenga, que encontrou um esqueleto incompleto do bicho na formação Tremembé, dentro da bacia de Taubaté. Colosso dos céus das zonas central e norte da Argentina, o A. magnificens é a maior ave voadora que um dia singrou os ares deste mundo. Acredita-se que seu comprimento ultrapassava os 3 metros e - eis o dado mais impressionante - suas asas, quando abertas, se prolongavam por 8 metros, suficientes para, por exemplo, encobrir dois carros populares enfileirados. De tamanho acanhado para um membro da família Terathornithidae, o T. campbelli tinha uma envergadura quatro vezes menor, de aproximadamente 1,9 metro. Ainda assim, como se vê, era um animal impo-
nente. Tanto que entrou para a família das aves gigantes. "O fóssil também reforça ainda mais a hipótese de que essa família tenha se originado na América do Sul", afirma Olson, que já se hospedou três vezes na casa de Alvarenga para estudar o material de seu colaborador brasileiro. Os vestígios mais antigos de aves gigantes encontrados na América do Norte são do final do Terciário (cerca de 5 milhões de anos atrás). O ortopedista paulista começou a virar especialista em aves da pré- história - e colecionador de ossos de outros tipos de animais do passado - há quase 30 anos. Num golpe de sorte, durante uma excursão pela bacia de Taubaté, sabidamente rica em fósseis de animais, deparou com seu primeiro achado: um esqueleto quase completo de um bicho que, mais tarde, batizaria com o nome científico de tparaphysornis brasiliensis. Tratava-se de uma ave, justamente o tipo de ser que o fascinava desde a infância: uma supergalinha carnívora de 2 metros de altura, uns 180 quilos, que era incapaz de voar e deve ter perambulado pela região há 23 milhões de anos. Depois de analisar o esqueleto em casa durante algum tempo, o ortopedista pensou em repassá-lo para um profissional da paleontologia, Diógenes de Almeida Campos, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), do Rio de Janeiro. "Mas ele me disse que demoraria muito tempo para estudar o osso em detalhes como eu havia feito", conta Alvarenga. "E me encorajou a prosseguir com os estudos e a publicar um artigo científico sobre a ave." Assim começou a carreira de caçador de aves fósseis. Desde então, o ortopedista freqüenta congressos de paleontologia, dá ocasionalmente aulas em universidades e escreve artigos científicos. Para incrementar sua coleção de ossos, costuma fazer réplicas de seus achados para trocar, com cientistas e instituições daqui e do exterior, por cópias de esqueletos de animais que ainda não fazem parte de seu acervo. Por isso, quem visitar o Museu de História Natural de Taubaté em meados do próximo ano, época prevista para sua inauguração, verá muito mais do que fósseis de aves. Haverá de tudo um pouco no empreendimento, que conta com apoio da prefeitura local: réplicas de mamíferos, peixes, répteis e dinossauros, como o famoso Tyrannosaurus rex. •
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m 1989, foi uma tempestade solar a causa do histórico apagão que atingiu o Canadá e os Estados Unidos. A interferência dos campos eletromagnéticos gerados pela chegada de partículas emitidas pelo Sol desligou as linhas de transmissão que operavam no limite. Apenas se suspeitava dessa possibilidade, já que o Sol apresenta fases de produção anormal de energia: a mais conhecida segue um ciclo de 11 anos. O sinal mais evidente desse fenômeno parece inofensivo - aumenta o número de manchas na superfície da estrela -, mas na verdade esse é o prenúncio de um rebuliço capaz de agitar o regime do clima espacial em todo o Sistema Solar. Durante os anos seguintes, nessas manchas ocorrem explosões que fazem com que regiões localizadas na superfície do Sol fiquem mais brilhantes e algumas delas lancem ao espaço gigantescas nuvens - são as ejeções de massa coronal, às vezes com
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uma extensão superior ao diâmetro do próprio Sol, de 1,4milhão de quilômetros. Lançadas à velocidade de 1 mil quilômetros por segundo, essas bolhas de partículas eletricamente carregadas fustigam os astros vizinhos. Se o bombardeio atinge a atmosfera terrestre de dois a três dias após a explosão, surge um espetáculo de cores que tinge as noites polares - as auroras boreais e austrais. Mas há também problemas. Dependendo da direção, da velocidade e da quantidade de partículas, as tempestades solares podem causar panes temporárias em satélites ou mesmo destruí-los. Depois da fase em que essa atividade é máxima - a mais recente ocorreu em 2001 -, o número de manchas no Sol diminui e as erupções brilhantes se tornam menos freqüentes. Mas essa calmaria da estrela é apenas aparente, como revelam estudos coordenados pelo físico Pierre Kaufrnann, do Centro de Radioastronomia e Astrofísica da
da Terra - além do fornecimento de Universidade Presbiteriana Mackenzie energia na forma de luz e calor, é claro. (UPM). Utilizando um telescópio especial construído nos Andes argentinos e Trata-se do Cawses (Climate, Weather and the Sun-Earth System), que estuparcialmente financiado pelo Brasil, a dará os fenômenos solares que afetam a equipe de Kaufmann detectou brevísindústria aeroespacial. Em 2000, um dos simos pulsos de radiação em comprisatélites Brasilsat foi danificado por parmentos de onda submilimétricos, que tículas solares quando ajudaram a caracterizar uma atividade ainda era colocado em órbita. "Com a melhor comprenão identificada da esEstudo dos ensão dos efeitos solares trela. São lampejos têsobre a Terra", diz o físinues - com duração de fenômenos co, "será possível evitar o 100 a 500 milésimos de do Sol ajuda lançamento de satélites segundo - que não poem períodos mais vuldem ser captados pela a aprimorar maioria dos telescópios neráveis e tornar mais a operação de confiável sua operação." em Terra e no espaço O grupo coordenapor serem emitidos em satélites do pelo físico paulista só um comprimento de observou as ondas subonda muito curto, prómilimétricas emitidas ximo ao das ondas de pelo Sol porque o equipamento instacalor, mas cerca de mil vezes maiores que o da luz visível. Às vezes classificalado na Argentina - o Telescópio Solar da como infravermelho distante, essa para Ondas Submilimétricas (SST), em operação regular desde o ano pasradiação tem comprimento de onda sado no Complexo Astronômico El inferior ao milímetro e, por essa razão, Leoncito - capta radiação eletromagé também conhecida como submilinética em duas faixas do submilimétrimétrica. ''As antenas que captam esses co, correspondentes às freqüências de comprimentos de onda geralmente não 212 gigahertz e 405 gigahertz. Após mopodem ser apontadas para o Sol sem serem danificadas, nem estão preparanitorar complexos de manchas solares com o SST entre março de 2000 e julho das para detectar pulsos tão rápidos", diz o pesquisador. de 2002, os pesquisadores compararam esses dados com imagens coletadas por dois equipamentos do satélite ecentemente, a equipe do Soho (sigla de Observatório Heliosféfísico paulista obteve darico Solar) no exato momento em que dos mostrando que esses apareceram ejeções de massas solares, pulsos de luz precedem as precedidas por seis seqüências de flasgigantescas erupções solares, possível razão de alguns blecautes hes submilimétricos ultra-rápidos. O objetivo era verificar qual seria a assoocorridos na Terra que permanecem sem causa conhecida. Caso se demons·ciação entre as ejeções de massa solar tre a existência de um vínculo entre os e as seqüências de pulsos submiliméincidentes no planeta e as tempestades tricos, identificados pela primeira vez solares mesmo fora dos picos de atividade da estrela, o estudo das ondas subPROJETO milimétricas ganha importância pela possibilidade de explicar inclusive alAplicações do Telescópio terações no clima. Sabe-se que os ciclos Solar para da atividade solar influenciam a coberOndas Submilimétricas tura de nuvens no céu, interferindo nos regimes de estiagem e chuva em todo MODALIDADE Projeto Temático o planeta. Por essa razão, o Comitê Científico COORDENADOR de Física Solar Terrestre (Scostep), que PIERRE I<AUFMANN - Universidade integra a Organização das Nações Presbiteriana Mackenzie Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), criou um programa INVESTIMENTO internacional com o objetivo de comR$ 137.496,00 e US$ 83.061,06 preender a influência do Sol no clima
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por Kaufmann três anos atrás e descritos em artigo publicado no Astrophysical [ournal de fevereiro de 200l. A surpresa veio quando a equipe do físico, formada por brasileiros, alemães, russos e argentinos, verificou que a série de pulsos sempre antecedia as gigantescas expulsões de massa pelo Sol, observadas pelo satélite Soho. As ejeções de massa coronalliberam até 1 mil vezes mais energia que as maiores explosões que ocorrem perto da superfície da estrela, a cromosfera, verifica das apenas poucas vezes em cada ciclo de 11 anos da atividade solar. São também muito mais freqüentes: a cada 11 anos ocorrem apenas duas ou três explosões gigantes acompanhadas de abrilhantamentos na cromosfera, enquanto há ejeções de massa coronal durante todo esse período. Mistérios do Sol - Em alguns casos, a comparação entre os dados revelou algo ainda mais curioso. À seqüência de flashes seguiu-se a ejeção de massa coronal sem a marca típica desses fenômenos: o surgimento de áreas mais brilhantes - as explosões cromosféricas - sobre o Sol. Com base nessas observações, os pesquisadores publicaram em julho no [ournal of Geophysical Research um artigo sugerindo que esses flashes estariam na origem das grandes ejeções de massa solares. ''Ainda é misteriosa a origem desses pulsos", diz Kaufrnann. "Mas eles indicam um novo caminho para compreender os processos energéticos que ocorrem próximos à superfície do Sol e como eles contribuem para lançar as partículas rumo ao espaço." Descobertas no início dos anos 70, as ejeções de massa coronal só ganharam importância após o observatório Soho, que fica numa órbita intermediária entre a Terra e o Sol, registrar imagens do fenômeno que interfere no campo magnético do nosso planeta e mostrar que elas são mais freqüentes do que se acreditava. Já se sabe que ocorrem independentemente da fase de atividade da estrela. Se o Sol está muito ativo, elas são observadas dezenas de vezes por semana. Na fase de menor atividade, ocorrem dezenas de vezes a cada mês. Agora a equipe de Kaufrnann busca dados estatísticos que relacionem as aleatórias ejeções de massa solar com fenômenos na Terra. • PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 57
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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na Internet www.scielo.org
Notícias • Psicologia
Variáveis criativas O artigo Contribuições Teóricas Recentes ao Estudo da Criatividade, de Eunice Soriano de Alencar, da Universidade Católica de Brasília (UCB), e Denise Fleith, da Universidade de Brasília (Unb), apresenta três abordagens recentes no estudo da criatividade. Trata-se da Teoria do Investimento em Criatividade, de Sternberg, o Modelo Componencial da Criatividade, de Arnabile, e a Perspectiva de Sistemas, de Csikszentmihalyi. "Esses teóricos atribuem a produção criativa a um conjunto de fatores, que interagem de forma complexa, referentes tanto ao indivíduo quanto a variáveis do ambiente onde ele se encontra inserido", segundo consta no texto. As pesquisadoras concluem que, embora o indivíduo tenha um papel ativo no processo criativo, é essencial que se reconheça também a influência dos fatores sociais, culturais e históricos na avaliação do trabalho criativo. Seria preciso levar em consideração a interação entre características individuais e ambientais para estimular a expressão criativa na escola, no trabalho ou em outro contexto, estabelecendo assim condições favoráveis ao desenvolvimento da criatividade. TEORIA E PESQUISA - V.
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BRASÍLIA
-jAN.lABR.
2003 www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=5010237722003000100002&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
• Fisica
Experimentos eficientes No artigo Atividades Experimentais no Ensino de Física: Diferentes Enfoques, Diferentes Finalidades, foi analisada a produção recente sobre a utilização da experimentação como estratégia de ensino de física. A análise dos dados teve como referência os trabalhos publicados entre 1992 e 2001 na Revista Brasileira de Ensino de Física, da Sociedade Brasileira de Física (SBF), em seu encarte Física na Escola, e também no Caderno Catarinense de Ensino de Física, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Foram investigados a área temática das publicações e os diversos aspectos metodológicos relacionados com as propostas dos experimentos. "As atividades experimentais têm a capacidade de estimular a participa-
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ção ativa dos estudantes, despertando sua curiosidade e interesse, favorecendo um efetivo envolvimento com sua aprendizagem", afirmam os autores do estudo, que teve o objetivo de possibilitar uma melhor compreensão sobre as diferentes possibilidades e tendências dessas atividades. Os resultados obtidos revelaram que a experimentação continua sendo tema de grande interesse dos pesquisadores e professores de uma forma geral. REVISTA
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DE ENSINO
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• Educação
Curvas de crescimento Estimar com relativa precisão o desempenho dos custos atuais e futuros de produção de uma unidade de mineração de ferro. Utilizando-se de uma série histórica de dados, o estudo Modelo de Previsão do
Custo de Mineração pelo Sistema de Curvas de Aprendizado apresenta os custos reais de operação na mina e os resultados gerados pelo modelo em questão. A comparação dos dois universos situou-se dentro de uma faixa aceitável de tolerância próxima de 10%. "Urna das vantagens desse modelo é a possibilidade de incorporar as mudanças técnico-econômicas ocorridas no desempenho do custo", segundo os pesquisadores Walmir Carvalho Pereira, da Samarco Mineração S.A, e Saul B. Suslick, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O trabalho foi desenvolvido com o objetivo de introduzir o sistema de aprendizado como uma técnica eficiente de previsão, a partir de um estado predefinido do sistema e da manutenção das condições de trabalho. Para avaliar o desempenho dessa técnica, foram analisadas as várias fases de produção de uma empresa, onde os dados foram distribuídos mensalmente durante três anos, período escolhido por representar uma parte marcante da história da companhia. Segundo o artigo, se adequadamente implementada, a metodologia pode vir a ser útil nas atividades gerenciais. REVISTA ESCOLA DE MINAS - ABR.lJUN.
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OURO PRETO
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• Agricultura
Ameaça aos laranjais A proposta do estudo Declínio dos Citros: Algo a Ver com o Sistema de Produção de Mudas Cítricas? é desvendar os problemas da citricultura paulista com o surgimento de novas enfermidades limitantes ao processo produtivo. Segundo o artigo, dos pesquisadores Ricardo Braga Baldassari, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Araraquara, Antonio de Goes e Fernando Tannuri, da Casa de Agricultura de Araraquara, "uma das alternativas para prevenir essas enfermidades é a produção de mudas certificadas, com sementes de assegurada qualidade genética e sanitária, garantindo-se, assim, a sanidade das mesmas': No entanto, verificou-se que grande parte do processo operacional de produção de mudas cítricas foi parcialmente adaptado da produção de essências florestais, como o eucalipto, onde são utilizados tubetes com comprimento de 12 centímetros. Tal prática estaria desencadeando uma grave deformidade morfológica no sistema das mudas cítricas, reduzindo o seu potencial de crescimento. O estudo conclui que a principal causa desencadeadora do declínio dos citros parece ser o estresse hídrico, já que plantas oriundas desse sistema de produção de mudas mostram-se muito mais vulneráveis ao estresse e, conseqüentemente, a esta anomalia. E como atualmente todas as mudas produzidas no Estado de São Paulo provêm desse sistema, seguramente o declínio dos citros tenderá a ser, futuramente, muito mais freqüente e severo. REVISTA BRASILEIRA DE FRUTICULTURA - v. 25 - N° 2 JABOTICABAL
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• Pesquisa
Pós-graduação em questão O artigo Tradições e Contradições da Pós-graduação no Brasil, de Cássio Miranda dos Santos, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), promove uma discussão sobre o modelo brasileiro de pós-graduação. São enfocados no estudo o caráter dependente dos cursos de mestrado no tocante à produção científica e a forte influência do modelo norte-americano de pós-graduação na estruturação do modelo brasileiro. O estudo revela que na década de 1940 foi pela primeira vez uti-
lizado formalmente o termo "pós-graduação" no artigo 71 do Estatuto da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Já na década de 1950, começaram a ser firmados acordos entre Estados Unidos e Brasil que implicavam uma série de convênios entre escolas e universidades norte-americanas e brasileiras por meio do intercâmbio de estudantes, pesquisadores e professores. ''A faceta da dependência de modelos externos deve ser considerada, uma vez que trouxe implicações na estrutura dos currículos, programas, nas formas de avaliação e em diversas outras áreas dos cursos de pósgraduação no Brasil': diz o autor. O artigo aborda também a problemática da incompatibilidade dos títulos pós-graduados conseguidos no Brasil e em instituições estrangeiras, assim como a questão do rigor dos mestrados acadêmicos brasileiros, cujas exigências são compatíveis com doutorados de outros países. EDUCAÇÃO & SOCIEDADE - v. 24 - N° 83 - CAM PINAS AGO.
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• Comportamento
Bandeira feminista Além de serem importantes veículos para divulgação de informações, as publicações feministas também contribuem para o aprimoramento e a renovação de propostas e discursos políticos sobre a condição da mulher. Este é o fio condutor do artigo Publicar É uma Ação Política, de Iacira Meio, do Instituto Patrícia Galvão, uma organização não-governamental feminista especializada em comunicação e mídia. "É preciso analisar a produção de publicações feministas como uma ação política direta, e não apenas como mais um instrumento de divulgação do trabalho desenvolvido pelas organizações': escreveu Iacira. Assim, seria preciso analisar as publicações como uma ação de disseminação de idéias, propostas, questões e conceitos, pois, para a autora, as organizações feministas precisam compreender que, em termos operacionais e práticos, o que é referência para as editoras comerciais também pode fazer parte das referências para o trabalho editorial do movimento feminista. O estudo cita a década de 1990 como um período de intensa produção editorial feminista, com a publicação de livros, revistas, cadernos, jornais, boletins, cartilhas e folhetos, além de uma crescente produção de publicações eletrônicas para divulgação em sites na Internet. Trata-se de levantamentos, estudos e pesquisas, muitas vezes transformados em livros para dar maior visibilidade ao trabalho realizado, que funcionam como memória e registro de eventos feministas relevantes. REVISTA ESTUDOS FEMINISTAS - V. 11 - N° 1 - FLORIANÚPOLlS - JAN./JUN.
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www.seielo.br/seielo.php?seript=sei_arttext&pid=50104026X2003000100022&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 59
• TECNOLOGIA
•
LINHA
DE
PRODUÇÃO
MUNDO
• Avanços na medicina microeletrônica
Rumo à literatura animada Que tal abrir o jornal de manhã para saber de seu colunista esportivo predileto o que achou da arbitragem no jogo de ontem e, ainda por cima, poder assistir, ali mesmo, na página de esportes, a todos os lances polêmicos em um vídeo de alta definição? Ou ler um livro que, na verdade, é um filme projetado em papel eletrônico? Tudo isso, apesar de ainda distante, ficou mais factível depois de um estudo publicado na revista Nature (25 de setembro) pelos cientistas Robert Hayes e Iohan Feenstra, dos laboratórios Philips, de Eindhoven, na Holanda. Eles alegam ter conseguido superar duas importantes limitações do chamado papel eletrônico: a lentidão, que impedia a exibição de animações e vídeos, e o brilho insatisfatório, que tornava a leitura em telas, ebooks ou quaisquer tipos de displays eletrônicos bem mais difícil do que em papel. A utilização de uma técnica denominada eletroumectação (electrowetting, em inglês) - tecnologia que permite a manipulação de fluidos em escala rnicrométrica - tornou possível controlar as combinações de uma interface de água e óleo confinada em micrométricas cápsulas no papel eletrônico mediante a aplicação de voltagem. Quando nenhuma voltagem é aplicada, a água permanece so-
Mais um passo em direção ao papel eletrônico
Corrente
A corrente elétrica faz a água forçar a mudança de posição do óleo, mostrando o substrato branco
bre o óleo como um livro sobre a mesa, formando um pixel colorido. Quando se aplica uma voltagem, a interface entre o óleo e a água muda - a água vai para o fundo e força o óleo para o lado. Isso cria um pixel parcialmente transparente, ou, se uma superfície reflexiva branca é usada como cor, nada menos que papel branco. A eletroumectação
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tem várias características interessantes, como a de permitir a alternância de reflexos brancos e coloridos com velocidade suficiente para exibir vídeos. E permite o uso de baixíssimas voltagem e energia, podendo ser aplicada sobre superfícies planas e finas. A reflexibilidade e o contraste obtidos podem ser iguais ou melhores que os do papel. •
Os dispositivos chamados "neurónios biônicos" ou Bions (marca registrada) já estão sendo testados no tratamento de diversas doenças de origem neurológica, como a incontinência urinaria, por exemplo. Implantados nas vizinhanças dos nervos, esses aparelhos emitem microimpulsos elétricos que estimulam a atividade dos nervos e músculos adjacentes. Tornaram-se possíveis graças à combinação de três equipamentos desenvolvidos por três corporações: uma bateria minúscula que consegue funcionar nas condições da temperatura do corpo, produzida em colaboração entre Argonne e Quallion LLC; um microestimulador, da Advanced Bionics; e um sistema de controle remoto capaz de reprogramar e recarregar a bateria, também criado pela Advanced Bionics. O aparelho completo é 35 vezes menor que uma pilha média comum e é colocado por meio de procedimentos minimamente invasivos. Já os outros dispositivos atualmente usados com a mesma finalidade são bem mais voIumosos, carregam baterias maiores e necessitam de cirurgias complicadas para implantar fios e conectores no paciente. "A nossa é a menor bateria cilíndrica e recarregável já desenvolvida", diz Hisashi Tsukmoto, principal executivo da Quallion. "Ela garante uma fonte de energia de longa duração, superando um dos mais antigos obstáculos enfrentados pela medicina microeletrônica." •
• Novo tipo de vidro amplia a luz
• Relógio atômico em miniatura
o protótipo
de uma nova geração de relógios superprecisos foi apresentado pela Agência de Pesquisa Naval dos Estados Unidos. A ultraminiatura de relógio atômico baseia-se na radiação do elemento químico rubídio e tem peso e tamanho semelhantes aos de uma caixa de fósforos. A margem de atraso é de apenas 1 segundo a cada 10 mil anos. Equipada com uma bateria de apenas 1 watt de potência, a inovação tem tudo, segundo Iohn Kim, supervisor de tecnologia cronométrica da Agência, para substituir os pesados e volumosos relógios atômicos comercializados - como os de césio, que, nas versões portáteis, chegam a ter tamanho equivalente ao de um aparelho de videocassete e consomem cerca de 50 watts de potência. A Kernco, tradicional fabricante de equipamentos de precisão, ficará encarregada da fabricação do aparelho, cujas dímensões compactas foram bem recebidas em indústrias como a da aviação, por exemplo, onde economia de espaço e baixo consumo de energia são requisitos essenciais. •
Um vidro especial de altíssimo desempenho, desenvolvido com o auxílio da agência espacial norte-americana Nasa, já está disponível para aplicação em lasers, comunicações ópticas e aparelhos médicos e militares, entre outros usos. Batizado de Real, o novo vidro é fabricado com óxidos de terras raras e alumínio e pequenas dosagens de dióxido de silício. Suas características especiais não só foram constatadas nos laboratórios da empresa Containerless Research, que inventou o produto, como amplamente confirmadas em um sofisticado dispositivo antigravitacional da Nasa, o Levitador Eletrostático, em Huntsville, no Alabama. Uma das aplicações mais promissoras do vidro está na tecnologia do laser. Ele consegue ampliar consideravelmente a luz, propiciando um feixe mais intenso e altamente concentrado, que aumenta muito a precisão do corte na modelagem de lataria para fabricação de automóveis ou nos mais delicados procedimentos cirúrgicos. •
Feixe de luz concentrado
Plásticos para sensores
Display com material
semicondutor
Em 1839, o físico francês Edmond Becquerel descobriu que alguns materiais produzem pequenas quantidades de corrente elétrica quando expostos à luz, conhecimento utilizado posteriormente para o desenvolvimento de dispositivos fotovoltaicos, usados tanto para detecção de luz (fctodetectores) como para conversão de energia luminosa em elétrica (céluIas solares). Uma nova linha de pesquisa, coordenada pela professora Lucimara Stolz Roman e pelo professor Ivo Hümmelgen, do Departamento de Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR), utiliza materiais semicondutores orgânicos (polímeros ou moléculas) como camada ativa nos dispositivos fotovoltaicos. Esses materiais ficam entre dois eletrodos em uma estrutura de sanduíche. Um dos eletrodos, necessariamente transparente para a entrada da luz, é o óxido de estanho, também desenvolvido na unrversi-
orgânico
dade paranaense e aplicado sobre uma base de vidro. "Sintetizamos os filmes semicondutores e depositamos em cima do condutor por processo eletroquímico", explica Lucimara. O plástico leva vantagem em relação aos materiais usados tradicionalmente, como o silício, porque o custo de processamento é bem menor e também porque pode ser colocado em superfícies planas e curvas. Os pesquisadores já fizeram placas de 10 centímetros quadrados, que podem ser colocadas uma ao lado da outra até formar uma área maior. Lucimara Roman cita como exemplo de aplicação um fotodetector em superfície cilíndrica, que teria um campo de detecção de 360°. Para desenvolver os protótipos e vender os substratos de vidro condutor e transparente, foi montada uma empresa, a Flexitec Eletrônica Orgânica, abrigada no Nemps, incubadora da UFPR. •
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•
LINHA
DE
PRODUÇÃO
BRASIL
Portátil e compacta para viagens Uma bicicleta dobrável e compacta, que pode ser transportada em um portamalas de carro sem comprometer o espaço disponível, é a mais recente criação dos irmãos Flávio e Wagner Duarte, sócios da Excentric Tecnologia e Pesquisa, empresa incubada no Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (CDT-UnB). Anteriormente, eles já haviam desenvolvido um confortável banco plano de espuma, com densidade regulada para longos passeios, batizado de Sentta, que acompanha a nova invenção. A idéia de criar uma bicicleta dobrável surgiu durante uma viagem de férias de Flávio. "Estava com muita vontade de pedalar e fi-
Bicicleta aberta e dobrada manualmente com botões e engates
quei imaginando como seria bom se eu tivesse uma bicicleta que pudesse levar nas minhas viagens': conta. Na volta das férias, deu início ao projeto, que teve a parceria
do irmão, encarregado do designo O resultado é uma bicicleta que, fechada, ocupa pouco espaço: são 20 centímetros de largura, 90 de comprimento e 65 de altu-
ra. "Já as importadas, como dobram lateralmente, ficam com cerca de 40 centímetros de largura", compara Flávio. Ele conta que não é preciso usar ferramentas para dobrar e desdobrar a bicicleta porque tudo é feito manualmente. "Usamos produtos que existem no mercado para essa tarefa, como engates rápidos e botões': diz. Algumas empresas já demonstraram interesse em fabricar a bicicleta, mas a fase de testes ainda não foi encerrada. Atualmente, estão concentrados no material. "Pretendemos trabalhar com ligas metálicas utilizadas em rodas de carro, um material muito resistente e com acabamento final muito bom", diz. •
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• Feromônio controla praga do coqueiro Os pequenos agricultores da região litorânea do Estado de A1agoas sobrevivem basicamente da cultura do coco. No entanto, a exploração dessa importante fonte de divisas e de proteínas da população enfrenta um pequeno besouro (Rhynchophorus palmarum), principal agente transmissor do nematóide responsável pela doença do anel vermelho, que mata o coqueiro e se espalha por toda a plantação. Para combater esse inimigo devastador, o Grupo de Ecologia Química e Comportamento de Insetos do Departamento de Química da Universidade Federal de A1agoas (Ufal) sin-
tetizou em laboratório um feromônio, substância química liberada pelos besouros machos quando já estão na planta para atrair as fêmeas. Assim que elas são atraídas, ocorrem os acasalamentos e novas posturas são realizadas, reiniciando o ciclo de vida do R. palmarum. Batizado de Rincoforol, o feromônio é distribuído aos produtores de coco em cápsu-
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Ias de plástico. O modo de ação, conhecido ~omo captura mas sal, consiste em concentrar armadilhas em uma área com a finalidade de capturar um grande número de insetos para limitar seus danos. Posteriormente, eles são eliminados. "A utilização do ferornônio traz benefícios para o meio ambiente e não expõe os operadores aos riscos de intoxi-
Besouro atraído para armadilha é capturado e eliminado
cação causados pelos inseticidas", diz o professor Ivanildo Soares de Lima, um dos coordenadores da pesquisa do feromônio sintético. •
C II p E e tI
• Nova tecnologia para extrair petróleo
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O Brasil tem reservas significativas de óleo ultraviscoso, também chamado de óleo pesado, tanto em terra como no mar, não aproveitadas até agora por falta de tecnologia apropriada para o seu escoamento. Como o óleo é muito espesso, é difícil fazê-lo chegar à superfície. Mas um novo método, desenvolvido pelo professor Antonio Carlos Bannwart, da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da
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Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), poderá começar a ser utilizado em breve pela Petrobras para extrair óleo pesado. A tecnologia, chamada de Core Flow, consiste em injetar água continuamente dentro do tubo de escoamento, para reduzir o atrito entre o petróleo e as paredes do duto. "A água funciona como uma espécie de trilho para escoar o óleo", diz Bannwart. Na superfície, a água tem de ser separada do óleo. Além de facilitar o fluxo, a técnica proporciona economia de energia usada no bombeamento do óleo. Ela começou a ser desenvolvida em 1998 e já foi patenteada pela Unicamp. Bannwart conta que em 2000 procurou a Petrobras. "Queríamos realizar experimentos em escala maior e precisávamos de um laboratório compatível:' Do encontro resultaram dois projetos apoiados financeiramente pela Petrobras e, recentemente, a assinatura de um contrato de parceria para a construção do Laboratório Experimental de Petróleo (LEP), no valor de R$ 1,3 milhão, com previsão para ficar pronto até meados de 2004. Bannwart conta que outros estudos começaram a ser feitos com a tecnologia, aproximando as pesquisas do que vai ser encontrado efetivamente em um campo de petróleo. "Em 1999 usávamos óleo combustível de refinaria, no ano seguinte começamos a usar óleo cru e na atual fase, que teve início em 2001, colocamos, além do óleo, gás no interior do óleo, reproduzindo as condições de extração", explica Bannwart. "Todos os estudos feitos até agora mostraram que a tecnologia funciona efetivamente para a produção e o escoamento do óleo pesado." •
Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br
Título: Seleção do Sexo de Espermatozóides Mamíferos por Centrifugaçãoem Gradiente de Densidade Inventores: Vera Fernanda Martins Hossepian de Lima, Carlos Alberto Moreira-Filho e Mariney Ramalho Titularidade: Unesp/ FAPESP
• Revestimento refratário à base de sílica
Coacervato impede dispersão de partículas
• Processo imobiliza fibras de amianto Método inibe a dispersão de partículas de materiais inorgânicos fibrosos, como amianto, durante sua manipulação e transporte. Uma substância em forma de gel chamada coacervato, formada a partir de um polímero inorgânico de polifosfato de sódio e cloreto de cálcio, é espalhada nas paredes internas das minas, antes da extração do amianto, para imobilizar suas fibras. A inalação dessas partículas é a causa de doenças pulmonares em trabalhadores que manipulam o material. Para evitar problemas durante o transporte e a manipulação, quando as fibras já estão secas e podem se dispersar novamente, elas passam por um tratamento térmico em baixas temperaturas, também desenvolvido pelos pesquisadores e que reduz em 75% os custos em relação à técnica tradicional.
Título: Processo de Imobi-
lização e Destruição de Fibras de Amianto Inventor: Younes Messaddeq Titularidade: Unesp/ FAPESP
• Nova técnica para sexagem Técnica permite separar espermatozóides X ou Y sem comprometer sua capacidade de fecundação. A seleção do sexo é feita centrifugando os espermatozóides em um tubo com meio de cultura de diferentes densidades, chamado de gradiente de densidade. A centrifugação promove a sedimentação de até 86% dos espermatozóides X. As doses de sêmen enriquecidas com a fração de espermatozóides X ou Y obtidas por esse processo poderão ser congeladas e comercializadas com a informação de qual deverá ser o desvio na proporção sexual após a inseminação. Apesar de ter sido testado apenas em bovinos, o método poderá ser usado para mamíferos de modo geral.
Novas formulações à base de sílica amorfa ou cristalina, para serem aplicadas em revestimentos refratários utilizados na indústria de vidro e de fundição. Esses compósitos são formados por diferentes tipos de grãos, com diversos tamanhos. A maneira como eles se agregam confere ao material elevada resistência ao vapor alcalino, à corrosão por ferro fundido e ligas de ferro e respectivas escórias, que ocorrem no processo metalúrgico ou na fabricação de fornos de vidro, e contribui para aumentar o tempo de vida útil dos equipamentos.
Título:
Composições Melhoradas de Massas Refratárias à Base de Sílica Inventores: Carlos Alberto Paskocimas, Humberto Leonardo de Oliveira Brito, Arnaldo Carlos Morelli, Ricardo Magnani Andrade, João Baptista Baldo, Edson Roberto Leite, José Arana Varela, Elson Longo. Titularidade: U FSCar/ FAPESP
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YURI VASCONCELOS
Embraer vai inaugurar uma nova fase de sua história com a entrega, até o final do ano, do primeiro avião Embraer 170para a empresa aérea italiana Alitalia. O modelo faz parte de uma nova família de jatos com capacidade de 70 a 108 passageiros que inclui o Embraer 175)o Embraer 190 e o Embraer 195. O lançamento dessa nova geração de aeronaves leva a empresa a uma posição de destaque no mercado internacional de aviação porque, com eles, a fabricante brasileira deixa de produzir exclusivamente jatos regionais, com, no máximo, 50 assentos, e passa a oferecer também aviões de maior porte que rivalizam com os produzidos pelas gigantes Boeing e Airbus. "Esse é o projeto mais complexo e desafiador que já desenvolvemos'; afirmou Maurício Botelho, presidente da Embraer, quando da apresentação do modelo 170 à comunidade aeronáutica, em outubro de 2001. "Afamília 170-190 é um produto para companhias aéreas que está na fronteira das categorias regional e major, nome dado às empresas de grande porte que fazem vôos entre capitais, por exemplo, e para o exterior", completa o engenheiro Acir Luz Padilha Iúnior, gerente de desenvolvimento de projeto do Embraer 170.
Mais que a inovação para o setor aeronáutico e para as companhias aéreas, a nova família de jatos reafirma a capacidade brasileira de produzir aeronaves. Um avião das dimensões do 170 é um projeto complexo de integração de peças e sistemas que, além da participação, em forma de parceira, de empresas brasileiras e, principalmente, estrangeiras, contou com a eficiência e a experiência acumulada pela engenharia aeronáutica da Embraer desde a sua fundação como empresa estatal, em 1969. Ela segue, então, uma espécie de linha de evolução iniciada no Centro Tecnológico Aeroespacial (CTA), criado em 1945, e continuada no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em 1950, que são os principais formadores de profissionais capazes de desenvolver e montar aviões. "Ter engenheiros capacitados no Brasil para desenvolver projetos de aeronaves e seus sistemas é fundamental para uma empresa como a nossa, que lida com tecnologia de ponta", diz Padilha. Segundo o engenheiro, a formação de mão-de-obra especializada, por meio, por exemplo, do mestrado profissional oferecido pelo ITA, tem contribuído largamente para o sucesso dos produtos da Embraer. 66 ' NOVEMBRO DE 2003 ' PESQUISA FAPESP 93
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0mpetência em projetos e na montagem de aviões fez a empresa bater recordes na execução do projeto do 170, primeiro membro da família a ser colocado no mercado, com capacidade para 70 passageiros. Ele foi lançado oficialmente em junho de 1999. Ficou pronto em poqco mais de dois anos - o primeiro protótipo voou pela primeira vez em fevereiro de 2002 -, um tempo considerado curto.para o desenvolvimento de um avião. "Com o suporte de nossos parceiros, conseguimos projetar e fabricar o Embraer 170 no prazo recorde de 28 meses. Nosso avião oferece excepcional qualidade e desempenho, baixos custos de operação, além de muito conforto para os passageiros': declarou Maurício Botelho. Os demais membros da família 170-190 encontram -se em estágios diversos de concepção, desenvolvimento e produção. O modelo 175, para 78 passageiros, já está sendo submetido a ensaios de vôo e o 190, equipado com 98 assentos, começou a ser montado neste ano. O 195, com 108 lugares, está na fase final de projeto (leia mais sobre esses aviões no quadro da página 70).
Pelo cronograma da empresa, os pri-
meiros modelos do Embraer 175 devem ser entregues no segundo semestre de 2004, enquanto o modelo 190, no final de 2005 e o 195, apenas em 2006. Mesmo sem nenhum avião em vôo comercial, a nova família já pode ser considerada um sucesso. Até setembro, a empresa possuía em carteira 245 encomendas fechadas, aviões com entrega confirmada, e 308 opções de compra, situação em que a companhia aérea reservou a aeronave, mas ainda não a confirmou. Entre os principais clientes das novas aeronaves estão as companhias americanas US Airwayse Iet Blue, a suíça Swiss,a polonesa Lot e a Alitalia. Tamanho certo - Para que o primeiro protótipo alçasse vôo em fevereiro de 2002, uma longa jornada foi percorrida. "O projeto do 170, bem como de toda família, nasceu a partir da identificação de uma brecha de mercado favorável", conta Antonio Campello, gerente de desenvolvimento de produto do Embraer 175. "Pesquisas identificaram uma janela de oportunidade para aviões nessa categoria, de 70 a 110 lugares, e conversas com consultores das companhias aéreas confirmaram essa tendência", diz ele. Esses estudos reve-
laram, entre outras coisas, empresas aéreas necessitadas de aparelhos com uma maior capacidade de assentos que os tradicionais jatos regionais. Também precisavam de aeronaves menores e mais econômicas do que os jatos usados pelas grandes companhias, com mais de 100 lugares. Muitos desses aviões, conforme detectou o estudo, voam com capacidade ociosa.
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om todos os estudos e informações na mão, os dirigentes e técnicos da empresa de São José dos Campos apostaram alto e decidiram construir uma plataforma completamente nova para fabricar seus aviões. A Embraer descartou, logo no início, a idéia de usar a mesma estrutura dos jatos regionais de 50 assentos pertencentes à bem-sucedida família ERJ 145 fabricados pela empresa desde 1995. "Foi aí que nos diferenciamos de nossa maior concorrente, a canadense Bombardier, que, para lutar por esse mesmo mercado, preferiu alongar seu modelo regional, também de 50 lugares, o CRJ-200, em vez de criar um novo projeto de família", conta o engenheiro Padilha.
Com a indicação de que os aviões teriam mercado garantido, a Embraer passou então a desenvolvê-Ias. Os resultados da pesquisa foram levados ao setor de anteprojeto, que é responsável pela concepção do desenho e da configuração do avião. Com o documento em mãos, os projetistas da Embraer passaram a esboçar estudos sobre os novos jatos, definindo, entre outras coisas, o desenho do avião, o diâmetro e a configuração da fuselagem, a potência e a localização dos motores (sob as asas ou próximo à cauda), a eletrônica embarcada, a área e o formato da asa. "Nessa fase, surgiram inúmeras propostas", explica Campello. Fabricantes de motores e de asas e de equipamentos aviônicos apresentaram várias propostas. "Os estudos foram amadurecendo e, na fase final de anteprojeto, que teve duração de um ano, projetamos dois ou três aviões semelhantes com parceiros distintos", afirma. Durante a fase de concepção dos novos jatos, a Embraer utilizou uma avançada tecnologia interativa de simulação e modelagem, o Centro de Realidade Virtual (CRV). Por meio dele, engenheiros e projetistas agilizaram o processo de desenvolvimento das aero-
naves, reduzindo consideravelmente a necessidade de montagem de maqueteso Graças aos desenhos tridimensionais dos aviões criados no CRV, falhas e montagens incorretas puderam ser detectadas, corrigidas e eliminadas antes mesmo que qualquer peça ou conjunto fosse produzido. A tecnologia disponível no CRV é gerada pelo sistema Onyx-2 da empresa norte-americana SGl, conhecida anteriormente como Silicon Graphics lnc. Esse sistema projeta imagens tridimensionais dos aviões em tempo real em uma tela de 6 metros de comprimento por 2,45 de largura. ''A instalação do Centro de Realidade Virtual representou um grande passo, pois colocou a Embraer no mesmo patamar das maiores e mais importantes indústrias aeroespaciais do mundo", afirmou Satoshi Yokota, diretor vice-presidente industrial. Assim como os jatos da família 145, os novos aviões da Embraer foram concebidos para serem fabricados com parceiros de risco. Na estrutura das aeronaves, participam do programa a japonesa Kawasaki e a belga Sonaca, responsáveis pela fabricação das asas, a francesa Latécoere, que faz duas seções da fuselagem, e a espanhola GaPESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 67
mesa, fornecedora da cauda. Dos Estados Unidos, a General Electric fornece as turbinas, a Honeywell, os sistemas aviônicos (equipamentos eletrônicos), a Hamilton Sundstrand, a unidade de controle de força (APU) e os sistemas elétricos e de controle ambiental e a alemã Liebherr, o trem de pouso, as rodas e os freios. São, ao todo, 16 parceiros e 22 fornecedores. Coube à Embraer, além da liderança do projeto, toda parte de concepção e de anteprojeto, o desenvolvimento e a fabricação da fuselagem dianteira, par-
te da fuselagem central e carenagens da junção asa-fuselagem, montagem da asa e, no final, a integração total da aeronave. "São poucas companhias no mundo que fazem isso", diz Antonio Campello. "A escolha por esses parceiros foi resultado de um amplo estudo de viabilidade econômica. Nessa decisão, o que conta não é apenas o preço final do avião, mas qual será o custo operacional do cliente, no caso as companhias aéreas. O projeto, portanto, é esboçado com a visão de quem opera e não de quem produz", diz o engenheiro.
Conforto na bolha - Para conquistar espaço em um mercado cada vez mais competitivo, os novos jatos da Embraer foram dotados das mais avançadas tecnologias aeronáuticas. Uma grande inovação é a fuselagem double bubble (dupla bolha), com diâmetros diferentes nas seções superior, que delimita a cabine de passageiros, e inferior, onde fica o compartimento de carga. Ela é mais ovalada do que as fuselagens tradicionais, aumentando assim o volume interno da aeronave e proporcionando mais espaço e con-
História de sucesso Quarta maior fabricante de aviões do mundo, a Embraer detém 45% do mercado global de jatos regionais. A criação da companhia em 1969 e o seu atual sucesso comercial - já foram entregues 5.500 aeronaves - foram alicerçados pela competência e eficiência da mão-de-obra nacional, formada em boa parte por engenheiros graduados no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Durante as primeiras décadas de atividade, quando a empresa era es-
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tatal, a fábrica de São José dos Campos fazia apenas aviões turboélice, com destaque para os modelos Tucano, Bandeirante e Brasília. Foi somente após a privatização da companhia, em 1994, que ela começou a produzir jatos regionais. O ERJ 145, lançado em 1995, é um dos mais avançados jatos de transporte dessa categoria e o carro-chefe da companhia. Desde o seu lançamento, já foram entregues 502 aviões para clientes em todo mundo. Dois outros
aviões, o ERJ 135, para 37 pa5sagleil e o ERJ 140, para 447 completam mília de jatos regionais da Embra operação. Atualmente, a empresa é con da por um consórcio formado Companhia Bozano e os fun pensão Previ, dos funcionários d(j co do Brasil, e Sistél, dos t\mG das companhias télefôniC3Sí que 60% das ações com direito a vot 40% restantes estão nas mãos d
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forto para os passageiros. Esse recurso foi adotado de acordo com os resultados da pesquisa de mercado. Ela indicou que o sucesso para um avião desse segmento está aliado a um bom espaço interno, porque os passageiros naturalmente comparariam seu nível de conforto com o dos grandes jatos das empresas major. "Somos pioneiros no uso do conceito double bubble em aviões da categoria de 70 a 110 lugares. O conforto proporcionado por nossos jatos é muito maior do que o da concorrência. Durante as
grupo europeu formado pelas empresasDassault Aviation, Thales, EADS e Sneca,com 20%, o governo brasileiro com 0,8% e investidores individuais, 19,2%.Ao final do primeiro semestre deste ano, a Embraer acumulava, abrangendo todos os seus modelos, US$ 10,3 bilhões em encomendas firmes e US$ 16,8 bilhões em opções de compra - correspondendo, respectivamente, a 450 pedidos firmes e 794 opções.Além de aviões comerciais, a empresa também fabrica aeronaves militares, como o Super- Tucano e o AMX,e o jato executivo Legacy. Em
demonstrações do aviao, potenciais clientes diziam que o 170 parecia, do lado de fora, um jato regional, mas tinha o interior de um avião grande", afirma Padilha. Outra novidade incorporada à família 170/190 foi o sistema de controle de vôo jly-by-wire, desenvolvido pela empresa norte-americana Parker, que também forneceu os sistemas de combustível e de hidráulica. Essa techologia, baseada no envio de comandos por impulsos elétricos com gerenciamento por computador, está presente em mo-
2002, as exportações da empresa atingiram US$ 2,396 bilhões, equivalente a 89,5% da receita bruta no ano e a 3,97% do total exportado pelo Brasil. No mesmo período, as importações somaram US$ 1,221 bilhão. O volume de exportação levou a Embraer a conquistar o segundo lugar na classificação das maiores empresas exportadoras do pais - de 1999 a 2001, ocupou a liderança nesse ranking. Segundo dados da companhia, o potencial de exportação da família 170/190 é estimado em US$ 15 bilhões nos próximos oito anos.
dernas aeronaves militares e nos grandes jatos comerciais de última geração. "É a primeira vez que usamos essa tecnologia. Ela facilita o controle do avião em vôo e torna sua manutenção mais simples", conta Alexandre Figueiredo, gerente de integração de ensaios de vôo. Com o sistema jly-by-wire, os comandos do avião localizados nas asas e na cauda, como leme direcional, profundor (leme de profundidade que comanda os movimentos de subida e descida), estabilizado r (aerofólio que confere estabilidade ao avião) e spoiler (freio aerodinâmico localizado) são acionados pelo piloto por meio de impulsos elétricos e não mais por cabos e roldanas do sistema hidráulico. Comandos digitais - Na cabine de comando foi utilizada a tecnologia glass cockpit, na qual o painel de controle à frente dos pilotos é totalmente digital, com telas de cristal líquido e sem a profusão de relógios analógicos ou botões comuns em aeronaves mais antigas. Além disso, o painel é dotado da filosofia dark and quite. "Se não houver alarmes sonoros ou visuais, está tudo ok. Ao contrário do painel de aviões antigos, que mostrava todos os comandos ativos, no glass cockpit do Embraer 170 apenas informações esPESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 69
senciais são mostradas ao piloto. Os alarmes só disparam em caso de falha", afirma o engenheiro Figueiredo. odas essas tecnologias foram desenvolvidas por parceiros internacionais, mas centros de pesquisa brasileiros também participaram do desenvolvimento dos novos aviões. "Temos parcerias com várias universidades e institutos de pesquisa tecnológica relacionadas não apenas à família 170-190, mas a futuros aviões da empresa. São tecnologias específicas usadas em partes localizadas do avião': afirma Acir Padilha. Com a Faculdade Federal de Santa Catarina (UFSC), por exemplo, foi firmado um acordo para realização de simulações de ruído e vibração a partir de modelos matemáticos das aeronaves. Outras parcerias com o ITA e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) também contribuem com o suporte técnico necessário para a consolidação dos atuais e futuros aviões da empresa. São quatro projetos desenvolvidos entre esses institutos de pesquisa e a Embraer que tratam de tecnologia de túneis de vento, sistemas computacionais para simula-
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ções numencas dos escoamentos de ar em torno dos aviões, equipamentos para determinar, em testes, o posicionamento das aeronaves e um outro sistema de determinação de todos os parâmetros de vôo, útil no desenvolvimento de futuros jatos (veja detalhes em Pesquisa FAPESP n° 77). Esses projetos recebem financiamento da FAPESP por meio do programa Parceria para Inovação em Ciência e Tecnologia Aeroespacial (PICTA). Iniciados em 2000, eles vão receber até 2004 um total de R$ 3,7 milhões e US$ 2,5 milhões,
da Fundação, e mais R$ 8,7 milhões e US$ 105 mil, da Embraer. Longos ensaios - Muitos dos novos projetos feitos em parceria com as universidades e institutos de pesquisa têm o objetivo de aumentar a qualidade dos aviões e diminuir o tempo de ensaios dos vários sistemas aeronáuticos que se integram na aeronave. Antes de começar a operar comercialmente, um avião como o 170 passa por uma série de testes e por uma longa campanha de certificação. No caso desse novo jato, a
Irmãos bem parecidos O orçamento global do programa 170-190, incluindo investimentos da Embraer e de seus parceiros, é de US$ 850 milhões. Uma das grandes vantagens dos jatos dessa família é o alto grau de peças e sistemas em comum entre eles.Essainteração chega a 87%. "É um índice excelente"comenta o engenheiro Antonio Campello, gerente de desenvolvimento de produto do Embraer 175.
"O projeto comum entre os aviões nos dá uma grande vantagem competitiva, pois facilita a operação do avião e gera economia no treinamento das equipes de vôo e de manutenção:' O Embraer 170,com 29,9 metrosd comprimento, é o menor de todosdemais modelos são uma versão alon gada dele.O Embraer 175mede 31,6 tros, o 190,36,2metros,e o 195,38,6m
Embraer gastou mais de um ano em numerosos ensaios de vôo e de desenvolvimento para validar modelos e estabelecer os parâmetros requisitados pela aviação mundial. Durante a concepção e consolidação do projeto, período que se estendeu do início do programa até a apresentação da primeira aeronave, foram mais de 2 mil horas de ensaios aerodinâmicos em túnel de vento no Brasil e no exterior. O mesmo tempo foi dedicado aos testes de integração de sistemas, principalmente os relativos aos aviônicos e ao jly-by-wire. O avião
os. Os dois primeiros são equipados m motores General Electric CF34-8E, m 13.800 libras de empuxo (o Boeing '37-800, com capacidade para 189 paseiras tem 27.300 libras de empuxo), os outros dois com o modelo CF34OE (18.500 libras). O alcance - discia que o avião pode voar sem prereabastecer - do Embraer 170 é 3.797 quilômetros, suficientes, por mplo, para uma viagem de Porto egre (RS) a Fortaleza (CE) e do 175, •319 quilômetros. Dotado de motores
também foi submetido a testes de vibração no solo e de fadiga, nos quais a resistência da estrutura foi posta à prova. Certificacão geral - Os ensaios de vôo tiveram início em fevereiro de 2002 e foram usados os sete protótipos produzidos. Uma etapa importante da campanha foi a fase de testes óperacionais realizada em ambiente de inverno rigoroso no Alasca, estado norte-americano situado no Noroeste do continente americano. Durante esses ensaios, a aeronave foi submetida a temperaturas
mais potentes, o 190 voa até 4.260 quilômetros ininterruptos, equivalente a um percurso, com folga, entre Recife (PE) e Buenos Aires, na Argentina, e o 195,3.704 quilômetros. Todos os quatro jatos têm velocidade máxima de operação de Mach 0.82 (o equivalente a 82% da velocidade do som), ou 870 km/h, equivalente à do Boeing 737-800. Na configuração interna da família 170-190, os bancos estão dispostos dois a dois, separados por um corredor central .
extremamente baixas, de até -31°C, tanto no solo quanto em vôo. Os testes duraram nove dias, período no qual o comportamento do avião e de seus sistemas foi avaliado. Na ocasião, também foram realizados ensaios adicionais que mediram o desempenho do jato em decolagem e razão de subida (medida que relaciona o espaço percorrido pelo avião na pista com o tempo gasto para essa tarefa) em clima frio, uma exigência expressa nos requisitos de certificação da Europa. A certificação final do Embraer 170, a cargo do CTA, estava prevista para ser encerrada neste mês de novembro. Para operar nos Estados Unidos e na Europa, o avião precisa obter a certificação da Federal Aviation Administration (FAA), dos Estados Unidos, e da Ioint Aviation Authorities (JAA), da Europa. Mas não é necessário repetir toda a campanha de testes. "Nesse caso, graças a acordos entre as três entidades certificadoras, o avião só precisa passar por alguns testes de validação", explica o engenheiro Alexandre Figueiredo. Enquanto isso, os primeiros aviões a serem entregues para as companhias aéreas recebem os últimos acabamentos na fábrica da empresa em São José dos Campos. • PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO OE 2003 • 71
• TECNOLOGIA
ENGENHARIA
DE MATERIAIS
Drible no radar Blindagem torna aviões militares imperceptíveis aos detectores e elimina interferências eletromagnéticas
No CTA, câmara para testes de material absorvedor de radiação
entro de pouco tempo, fazer aeronaves invisíveis aos radares não será mais exclusividade de países detentores de conhecimento avançado na área militar. O Instituto de Aeronáutica e Espaço do Centro Técnico Aeroespacial (IAE/eTA), de São José dos Campos, está desenvolvendo vários tipos de um produto chamado Material Absorvedor de Radiação Eletromagnética (Mare), tradução brasileira para o termo Radar Absorbing material (RAM). Trata-se do mesmo material utilizado na pintura de aviões da força aérea dos Estados Unidos, como o F-117 e o B-2, conhecidos por se tornarem imperceptíveis a radares. A técnica baseia-se na absorção, pelo material, da energia eletromagnética emitida pelo radar, que é transformada em energia térmica, facilmente dissipada, impedindo assim a reflexão de sinais e a conseqüente detecção. Embora o Mare tenha fins militares, porque foi solicitado pelo Ministério da Defesa, existe um grande potencial de uso em aplicações civis.
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72 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
No setor aeronáutico, o produto pode ser empregado na blindagem interna de aviões civis,no isolamento dos cabos elétricos e na vedação das cabines de comando, evitando interferências na instrumentação das aeronaves como as provocadas por aparelhos celulares. Da mesma forma, antenas de radiotransmissão podem receber anéis absorvedorespara eliminar ondas eletromagnéticas indesejáveisque interferem nos sistemas de comunicação. Antenas de transmissão e recepção e os próprios aparelhos de telefonia celular também podem ser revestidos com essematerial absorvedor de energia eletromagnética. Outros exemplos de usos do Mare estão no revestimento interno dos fornos de microondas, com o objetivo de impedir o vazamento da radiação, e na blindagem eletromagnética de marcapassos. Na pesquisa científica e na indústria é útil no isolamento de câmaras anecóicas, usadas para testar a reflexão de ondas eletromagnéticas. O isolamento desse tipo de radiação pode ser feito também na construção civil, utilizando-se revestimentos do material
em salas ou edifícios com material eletrônico sensível a interferências. Atualmente, o material que cumpre funções semelhantes ao Mare ainda é importado pelo Brasil.Mas ele pode ser analisado e caracterizado no próprio CTA,que possui laboratório apropriado para testes. Desde o início das pesquisas com o Mare, o IAE já recebeu cinco prêmios nacionais, solicitou nove pedidos de patentes no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e despertou o interesse de empresas para a produção do material, embora nenhum contrato tenha sido fechado. Borracha e espuma - Sob a coordenação da pesquisadora Mirabel Cerqueira Rezende, chefe da Subdivisão de Compósitos da Divisão de Materiais do IAE, o Mare está sendo desenvolvido na forma de tintas, mantas de borracha e espumas, que recebem a adição de absorvedores com grande capacidade, como ferritas, materiais carbonosos e, mais recentemente, polímeros condutores de microondas, que são mais leves e ideais para a pintura de aeronaves.
Para a pesquisadora, o desafio atual é fazer as medições utilizando protótipos revestidos com Mare em campo aberto, emitindo, recolhendo e interpretando os sinais dos radares. "Isso é muito importante porque, embora o desenvolvimento do Mare envolva um controle rígido, é preciso fazer medições em ambientes naturais, controlando a umidade e a temperatura do material, pois esses parâmetros podem alterar a perrneabi-, lidade do sistema e, conseqüentemente, seu comportamento de absorção de microondas", explica Mirabel. "Por isso, estamos iniciando um sistema de medição completo do material, antes de pintarmos as aeronaves, porque o potencial dos absorvedores de radiação eletromagnética só será totalmente conhecido se conjugado com outros fatores, como a geometria dos aviões:' Em 2004, está prevista a montagem de um reator para a produção do Mare em maior escala, viabilizando ensaios de campo, caso seja aprovado um projeto com recursos de R$ 2,2 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Nessa etapa, será firmado também um acordo com uma empresa do setor aeronáutico para que os materiais produzidos em escala piloto sejam utilizados pelo setor privado. Para o setor militar aeronáutico, o produto é estratégico e poderá ser empregado no revestimento de aviões, armamentos e antenas. Além de tornar invisíveis os aviões aos radares, o material absorvedor vai auxiliar na eliminação de radiações eletromagnéticas nocivas a esses equipamentos. ecnologia desse material: absorvedor é utilizada pelos Estados Unidos, Rússia e Inglaterra em aviões, navios, submarinos, plataformas e veículos terrestres e já está em desenvolvimento também em Israel, Espanha e França. De acordo com Mirabel, o Brasil é o primeiro a investir nesse tipo de pesquisa na América Latina. Até hoje, o país importou material absorvedor, principalmente à base de espuma, que é aplicado, por exemplo, na blindagem de câmaras anecóicaso Algo mais arrojado, como o que está sendo desenvolvido no IAE, nunca foi sequer importado, por tratar-se de uma tecnologia estratégica, relacionada à questão da soberania nacional pelos
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países que a detêm. Para entender esse aspecto, é preciso compreender que um radar capta as ondas rebatidas de uma aeronave e detecta não apenas o tipo, mas até mesmo o país de origem. Quando revestida com material absorvedor, a radiação que incide sobre o alvo é absorvida, tornando o sinal fraco e impedindo sua identificação pelos sistemas de dados dos radares. A tecnologia do Mare em desenvolvimento no IAE/CTA é efetiva em freqüências acima de 2 gigahertz (GHz), não impedindo, porém, a detecção de aeronaves por radares mais antigos, que operam, por exemplo, na faixa de 500 megahertz (MHz). Contudo, sua eficácia consiste no fato de, atualmente, cerca de 90% dos radares do mundo trabalharem em freqüências acima de 1 GHz ou ainda, preferencialmente, de 8 GHz a 12 GHz, na chamada banda larga. "Procuramos desenvolver o material a partir da combinação de aditivos que aumentem a absorção de radiação em larga faixa de freqüência, como os polímeros condutores, elevando sua qualidade e eficiência': avalia Mirabel.
Sem segredos - Para a pesquisadora, a grande conquista do Mare não está apenas no domínio da técnica para tornar as aeronaves invisíveis a radares, mas na capacitação tecnológica. "Como não trabalhamos em segredo, mas em parceria com universidades e agências de financiamento, formamos pesquisadores nessa área, o que é um diferencial para o país." Além de seis bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, o Laboratório de Caracterização Eletromagnética do CTA foi reformado com financiamento da FAPESP. Durante as pesquisas, o IAE formou parcerias com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), a Universidade Federal de Goiás (UFG), a Universidade Estadual de Maringá (UEM) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além de um convênio internacional com o Instituto de Engenharia de Energia de Moscou, da Rússia, na área de materiais absorvedores, inclusive com intercâmbio entre pesquisadores. • PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 73
ITECNOLOGIA
ENERGIA
A força da correnteza
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Turbina hidráulica leva eletricidade para comunidades ribeirinhas isoladas
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ma turbina de pequenas dimensões, capaz de transformar a água de rios que cortam comunidades ribeirinhas em energia elétrica, está em funcionamento em um povoado isolado do município de Correntina, na Bahia. Essa miniusina tem capacidade para gerar até 1 quilowatt (kW), em tensões alternadas entre 110 e 220 volts, suficiente para abastecer uma casa com alguns eletrodomésticos e uma bomba-d'água. Pode parecer pouco. Mas para as localidades distantes das linhas de transmissão e que não contam com barragens e represas para a geração de eletricidade, esse pouco faz a diferença, porque permite iluminar escolas, postos médicos e pequenos conjuntos residenciais. A proposta de implementar soluções alternativas para o uso eficiente de 74 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
energia elétrica em regiões onde esse bem é escasso ou inexistente é o objetivo da empresa Hidrocinética Engenharia, de Brasília (DF), responsável pelo desenvolvimento da turbina. Instalada no campus da Universidade de Brasília (UnB), a empresa integra o Programa de Incubação de Empresas do Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDTUnB). A Hidrocinética foi criada há seis meses, mas os seus sócios fundadores, os engenheiros Rudi Henri van EIs e Clóvis de Oliveira Campos, pesquisam um modelo inovador de geração de energia elétrica desde 1995, com o apoio do Departamento de Engenharia Mecânica da universidade. Rudi e Clóvis eram pesquisadores e professores substitutos na UnB. A idéia de construir um modelo de turbina movida pela força da correnteza dos rios surgiu no início da década
de 1990, quando o médico Edgard van den Beusch, um ex-professor da UnB, pediu ao Departamento de Engenharia Mecânica (DEM) da universidade uma solução para o fornecimento de energia a um posto de saúde localizado num povoado à beira do rio Corrente, no município de Correntina. Demanda social - O pedido resultou no Projeto Turbina Hidrocinética, apoiado por engenheiros das áreas de hidráulica, mecânica e elétrica. O autor dos primeiros cálculos que viabilizaram o equipamento foram feitos pelo professor Lúcio Salomon, do DEM. "A origem do projeto está, na verdade, em uma demanda social. A máquina é mais do que um invento, é uma tecnologia social", afirma Rudi. O primeiro protótipo da turbina hidráulica ficou pronto em 1995. Assim que foi
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instalado, o posto de saúde coordenado por Beusch passou a contar com energia elétrica suficiente para o funcionamento de bombas-d'água, iluminação e eletrodomésticos. Uantidade
de energia gerada a partir da turbina está relacionada com a velocidade das águas e a pro~ fundidade do rio. Para o equipamento funcionar, a velocidade da correnteza precisa ter, no mínimo, 1,5 metro por segundo (rn/s) e a profundidade fluvial precisa ser de pelo menos 1 metro. Com esses requisitos, é possível obter 400 quilowatts hora (kW/h) por mês, mas, em melhores condições, os engenheiros ressaltam ser possível atingir uma produção de energia elétrica da ordem de 3 mil kW/h por mês, o que representa o consumo médio de dez casas populares. Antes de instalar o equipamento em uma localidade, os pesquisadores realizam estudos que envolvem dados topográficos, mapeamento via satélite das áreas que têm potencial hidráulico e a identificação do perfil do usuário. As condições geográficas das margens do rio indicam onde é mais apropriada a montagem do suporte da máquina. Dependendo das especificações hidrográficas, o modelo da turbina pode ser adaptado. Tão importante quanto a identificação da hidrografia e geografia locais é a pesquisa de campo feita com a população que será atendida. A visita à comunidade permite diagnosticar as carências e as necessidades sociais da região. "A partir de um processo democrático de gestão participativa, a comunidade se reúne para definir onde deseja aplicar a carga de energia para benefício comum, porque a turbina não consegue gerar energia suficiente para atender a todas as casas de um povoado", explica Alexandre Maduro, integrante da equipe. Após a instalação do equipamento, os pesquisadores ensinam aos moradores como
fazer a manutenção e a operação do equipamento. O primeiro reconhecimento público e oficial do invento data de 1997. Foi quando os pesquisadores do DEM da UnB receberam o Prêmio Jovem Cientista do Instituto de Ciência e Tecnologia do governo do Distrito Federal. Em 2000, após quase dez anos de trabalho executado com recursos próprios, eles chegaram a uma versão de turbina mais aperfeiçoada, tanto no que diz respeito à arquitetura e engenharia da
Turbina hidrocinética, acima, instalada e em funcionamento no rio Corrente, na Bahia
máquina como na redução de custos de produção. O segundo protótipo também foi instalado no município de Correntina, às margens do rio do Meio. Núcleo interdisciplinar - Com a consagração do modelo da turbina hidrocinética e a crise do setor de energia elétrica no Brasil, mais conhecida como a "crise do apagão", em 2001, os pesquisadores conseguiram captar recursos e apoios, o que permitiu a evolução dos experimentos. No ano seguinte, Rudi e Clóvis receberam subsídios de entidades financiadoras para melhorar o processo de produção da turbina e montaram a empresa. Entre essas entidades estão o Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia (FNDCT/CT-Energ) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). O projeto conta ainda com a assessoria técni-
ca da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec) da UnB e do CDT. O grupo inicial, formado apenas por engenheiros, foi ampliado e tornou-se um núcleo interdisciplinar que abriga ainda administradores e geógrafos, cuja principal missão é aperfeiçoar o modelo original da turbina. No momento, uma terceira versão da máquina está sendo construída, a pedido do Instituto acional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM). A turbina, adaptada de acordo com as especificidades sociais e hidrográficas da região, deverá ser instalada até 2004 em uma das comunidades ribeirinhas do rio Amazonas. "As modificações na máquina são necessárias à medida que há diferentes comportamentos das correntezas dos rios e perfis diferenciados de topografia das margens", enfatiza Rudi. Na avaliação dos sócios da empresa, o preço de venda da turbina hidrocinética, de R$ 10 mil, é um obstáculo para sua aquisição por comunidades pobres. Por isso eles reconhecem que o atual desafio do negócio não está centrado na restrição de mercado, melhoria tecnológica do equipamento ou redução dos custos de produção. O fundamental para Rudi e Clóvis é sensibilizar o terceiro setor (organizações não-governamentais) e, sobretudo, os governos estaduais e municipais a subsidiar o acesso de populações carentes à turbina, porque, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2000, cerca de 5,2% dos domicílios brasileiros não possuem energia elétrica. Essa tecnologia já demonstrou que tem potencial para colaborar, inclusive, com o crescimento econômico e o desenvolvimento social dessas populações. Sem contar que aproveitar a força da água em seu movimento natural para gerar energia elétrica evita intervenções no ambiente e mudanças radicais no modo de vida das comunidades ribeirinhas. • PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 75
nal, desenvolvida pelos pesquisadores da FiberWork, capaz de medir todos esses parâmetros simultaneamente, evitando a utilização de vários equipamentos. portância da multiplicidade de funções do Ospa está no aumento de novas tecnologias de dispositivos ~ fotônicos que foram incorporadas nos últimos anos ao mercado de telecomunicações ópticas. A lista é ampla e inclui filtros, compensadores de dispersão de luz, multiplexadores que reúnem em um único sinal várias transmissões, além de roteadores e acopladores usados nas redes de fibras ópticas. As características desses elementos devem ser medidas com precisão, para bem avaliar e qualificar a performance dos equipamentos nas aplicaçõespráticas. O mercado destinatário do Ospa é a cadeia produtiva dos fabricantes desses dispositivos. Ele será apresentado comercialmente ao mercado internacional na Exposição e Conferência de Comunicações por Fibra Optica (Optical Fiber Comunnication Conference & Exposition), que acontecerá em Los Angeles, em fevereiro de 2004. Essa é a principal feira mundial na área de comunicações ópticas, reunindo cerca de 50 mil profissionais do setor. O lançamento justifica-se porque o mercado norte-americano representa algo
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Aparelhos para comunicação de voz via fibras ópticas: instalação de novas redes
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em torno de 60% do total mundial. Para isso, a FiberWork negocia parceria com uma empresa norte-americana, que possui forte participação comercial na área de equipamentos de teste ópticos e deverá cuidar do marketing do produto no exterior. A FiberWork nasceu na incubadora Núcleo de Apoio ao Desenvolvimento de Empresas (Nade), da Companhia de Desenvolvimento do Pólo de Alta Tecnologia de Campinas (Ciatec). Desde 2002, quando atingiu a maioridade dentro da incubadora, ela está instalada em um condomínio empresarial de
1.100 metros quadrados, o Centro de Empresas de Alta Tecnologia de Campinas (veja quadro abaixo). Além de desenvolver e produzir o Ospa e outros equipamentos para o setor de comunicações ópticas, a empresa presta serviços de planejamento, especificação, instalação, treinamento e diagnósticos de redes de transmissão ópticas. Para desenvolver o novo equipamento, a FiberWork recebeu apoio financeiro do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP. De acordo com o engenheiro eletrônico Sérgio Barcelos, di-
Vida após incubação O Centro de Empresas de Alta Tecnologia de Campinas surgiu a partir do projeto de pós-incubação de iniciativa do professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite, secretário municipal de Cooperação Internacional da Prefeitura de Campinas em 2001 e diretorpresidente da Companhia de Desenvolvimento do Pólo de Alta Tecnologia de Campinas (Ciatec). Assim como a FiberWork, outras cinco pequenas empresas ex-incubadas - Bioluz, Optolink, Ecco, Saat e Elemed, que atuam nos segmentos de fotônica (fibra óptica, laser e elementos opto eletrônicos para os setores de telecomunicações, médico-hospitalar etc.), metrologia
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avançada, equipamentos de segurança e software - fazem parte do Centro de Empresas de Alta Tecnologia. Criado em novembro de 2001, o condomínio conta com 65 profissionais, incluindo sete doutores, nove mestres e 12 engenheiros. Esse diferencial reflete-se na quantidade de projetos tecnológicos desenvolvidos pelas empresas, oito em parceria com a FAPESP e dois com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A administração é feita de maneira unificada, com despesas gerais cotizadas entre as empresas e custos variáveis, de acordo com a área ocupada no prédio, locado às empresas pela Cia-
tec. Além da divisão de custos, outra vantagem está na troca de informações, experiências e apoio entre as participantes que atuam em áreas complementares e por vezes similares no campo da fotônica, inclusive com fornecedores e clientes em comum. Essa sinergia foi decisiva para outra inovação - a fundação da Associação de Empresas de Tecnologia (AET), em julho de 2002. "Decidimos criar a associação para avançar em diversas frentes, propiciando novos negócios para as empresas", diz Paulo Ricardo Steller Wagner, diretor da Bioluz e da associação. A idéia é fomentar o crescimento das empresas. "Tomamos a iniciativade
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retor de tecnologia da empresa e coordenador do desenvolvimento do aparelho, o Ospa é um equipamento de caracterização óptica com vantagens em relação aos dois outros existentes no mundo, norte-americanos, que, apesar de desenvolvidos depois do brasileiro, chegaram antes ao mercado internacional. Para Barcelos, a aceitação do equipamento será grande porque, além de possuir tecnologia superior, seu custo é menor que o dos concorrentes. Ele vai chegar ao mercado com preço em torno de US$ 100 mil, contra os US$ 200 mil dos produtos das outras empresas. Apenas 5% do valor do equipamento é representado por insumos importados, apesar de 65% das peças virem de outros países. Sensores avançados - A FiberWork desenvolveu também uma família de produtos composta de sistemas de comunicação de voz por meio de fibras ópticas, voltada para empresas responsáveis pela instalação de redes desses dispositivos. Na lista de projetos ainda em fase de desenvolvimento estão um sistema de monitoramento para o mercado de segurança com dispositivos fotônicos e outro chamado de Conexão Óptica Cruzada, que alia a tecnologia de cristais líquidos a fibras ópticas, em cooperação com o Centro de Pesquisas Renato Archer (CenPRA), de Campinas. Também em fase preli-
e
participar de feiras internacionais com um projeto enviado para a Agência de Promoção de Exportações (Apex), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O projeto BrazilPhotonics prevê a exportação de produtos fotônicos brasileiros e engloba nove empresas da região de Campinas, quatro delas instaladas no condomínio", diz Wagner. "A Apex tem estrutura para participação de empresasbrasileiras em feiras no exterior, financiando parte dessa participação." Para ele, a AET é uma forma de melhor articulação e representação das pequenas empresas de base tecnológica nasociedade, como, por exemplo, para a divulgação de seus produtos em feiras nacionais e internacionais. A boa notícia é que essa experiência começa a se multiplicar. O Serviço Brasileiro
o PROJETO Desenvolvimento do Optical S-Parameter Analyzer (Osp«) MODALIDADE Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADOR SÉRGIO
BARCELOS
- FiberWork
INVESTIMENTO
R$ 33.620,00
e US$ 120.850,00
minar de estudos de viabilidade está um sensor com fibra óptica para a indústria petrolífera gerenciar e controlar a produção de petróleo dentro do poço, com o objetivo de melhorar a eficiência do óleo extraído e avaliar campos petrolíferos marginais, em fase de esgotamento. O foco da FiberWork é aproveitar o aumento rápido do uso de dispositivos fotônicos no setor de telecomunicações, quando as redes baseadas em cabos de cobre passam a migrar para as redes de transmissão via laser por meio das fibras ópticas, que, por sua vez, necessitam de equipamentos de testes e de caracterização. Trata-se de um mercado de grande valor agregado e em rápida ascensão. "Com equipamentos como o Ospa haverá uma redução drástica nos custos de desenvolvimento, produção e
de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de São Paulo tem um projeto de viabilização de condomínios de pequenas empresas de base tecnológica, a partir da experiência do condomínio e da AET. Para Iracema Aragão, gestora da associação, um dos principais objetivos da AET é dar suporte para que outras pequenas empresas desenvolvam condomínios bancados pelos próprios empresários. "Queremos divulgar nosso know-how na formação de condomínios de base tecnolágica com o objetivo de auxiliar pequenas empresas." Ela pretende difundir a sinergia gerada pelo associativismo das empresas de base tecnológica de Campinas e ampliar o número de associadas à AET, que não necessariamente precisam ser oriundas de incubadoras.
caracterização de dispositivos fotônicos, tornando também essas etapas mais rápidas e precisas", acredita Barcelos. Mercado externo - Embora os resultados das pesquisas desenvolvidas no país nesse campo sejam muito bons, a produção de dispositivos ópticos para comunicações é muito pequena no Brasil, porque não há demanda desses insumos para sistemas de comunicações ópticas, principalmente de telecomunicações. "Não houve o investimento necessário nessa área e os setores de desenvolvimento de dispositivos e equipamentos fotônicos avançaram pouco. Temos tecnologia de fibra óptica, mas o país perdeu dez anos no desenvolvimento e produção desses produtos", avalia Barcelos, justificando a necessidade de atuação empresarial em outros países, em função do pequeno mercado interno. A orientação do Ospa para o mercado externo acontece também porque esse equipamento é uma ferramenta para o desenvolvimento de outras tecnologias, como o Multiplexagem por Divisão de Comprimento de Onda Densa, DWDM na sigla em inglês. O DWDM é um avançado sistema que permite o aumento da capacidade de transmissão das fibras ópticas, tornando possível o tráfego de dados em taxas de terabits (acima de mil gigabits) por segundo. "No Brasil, o desenvolvimento do DWDM ainda é incipiente", diz Barcelos. "Buscamos trabalhar com esse tipo de tecnologia porque ele é o caminho para as redes totalmente ópticas (também denominadas redes fotônicas). O DWDM é um sistema utilizado pela maioria das operadoras de telecomunicações no mundo. Ele se desenvolveu nos anos 1990, tendo como principal precursor uma pequena empresa norte-americana chamada Ciena, hoje avaliada em cerca de US$ 20 bilhões", comenta. Barcelos acredita que não haverá rejeição comercial ao Ospa pelo fato de ele ser produzido em um país ainda sem tradição nesse tipo de equipamento. "O mercado internacional não quer saber qual o país onde o equipamento é fabricado, o que importa é ele suprir as necessidades. Se o produto brasileiro é tecnicamente superior e mais barato que os equipamentos concorrentes, certamente nossa competitividade aumentará muito", diz. • PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 79
ITECNOLOGIA FÍSICA
Esterilização radical Microrganismos são eliminados com equipamento à base de plasma a baixa temperatura
SAMUEL
ANTENOR
Equipamento
(ao lado) e radiação ultravioleta dentro da câmara
ungos e bactérias quando presentes em equipamentos médicos e alimentos podem causar sérios problemas de contaminação e intoxicação. A solução, como se sabe, é esterilizar, eliminando esses minúsculos organismos, capazes de se multiplicar rapidamente. Para isso, um grande arsenal já foi desenvolvido para combatê-los, com substâncias químicas, calor e até com elementos radioativos. Agora, chegou a vez do plasma. Considerado o quarto estado da matéria, ele é produzido aplicando um campo elétrico intenso sobre alguns tipos de gases. A ação desse campo fornece energia aos íons e elétrons, que promovem colisões com os átomos e as moléculas. Essa situação deixa as moléculas excitadas, gerando radicais livres e radiação ultravioleta. O resultado é uma ação conjunta contra membranas, enzimas e ácidos nucléicos que compõem as células dos microrganismos, destruindo suas funções vitais. A novidade nesse tipo de esterilizador é um equipamento dotado de uma câmara em que o processo é realizado a seco e a baixa temperatura, desenvolvido em
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80 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
Campinas por pesquisadores da empresa Sterlily com o apoio financeiro do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP. O primeiro protótipo do aparelho, chamado de Esteriliza 1000, está instalado na Companhia de Desenvolvimento do Pólo de Alta Tecnologia de Campinas (Ciatec), incubadora que abriga a Sterlily. Ele já foi utilizado na esterilização de mais de 12 mil recipientes plásticos para cultivo de plantas clonadas, além de seringas descartáveis e potes para análise clínica. A agilidade do processo é uma das vantagens em relação a outros métodos. O tratamento térmico não elimina completamente alguns tipos de bactérias, resistentes a altas temperaturas. Além disso, o aquecimento exagerado provoca danos em materiais de baixo ponto de fusão, como a maioria das peças produzidas com polímeros. A radiação ultravioleta, muito utilizada, é eficiente apenas para superfícies diretamente expostas à radiação. A esterilização com óxido de etileno (ETO) é a que mais se assemelha ao processo com plasma. Mas, como é considerada cancerí-
gena, vem sendo progressivamente rejeitada. Esterilização por irradiação de cobalto, também utilizada em materiais termicamente sensíveis, apresenta alto custo e requer área isolada. Processo rápido - O ciclo de esterilização com plasma, com cerca de uma hora e meia para materiais plásticos, é considerado rápido. Com vários tipos de plasma e de tempos de exposição, de cinco a 20 minutos, é possível verificar a destruição do corpo da bactéria. A eliminação total é importante porque microrganismos, como a Escherichia coli, mesmo mortos, podem produzir toxinas. «Como padrão de validação do processo, usamos a bactéria Bacillus subtilis variedade niger, a mais resistente aos processos de plasma", afirma Tadashi Shiosawa, que dirige a Sterlily em parceria com Tony Sadahito China e José Alonso Corrêa [únior, O processo a plasma é adequado também para esterilizar materiais orgânicos. «Atualmente, fazemos testes com cogumelos comestíveis, verificando as propriedades ativas do produto após a esterilização. No caso desses ali-
mentos, promovemos redução da carga microbiana e não esterilização completa, para não matar o cogumelo", explica Shiosawa. Por enquanto, a maior demanda é a esterilização de produtos plásticos. Mas vidros e produtos metálicos também podem ser esterilizados com plasma. Para atender a um amplo leque de aplicações, o Esteriliza 1000 foi planejado para adaptar-se a diferentes parâmetros. O processo é controlado por computador, a partir de um software desenvolvido para o equipamento e de um microprocessador, que monitora a fonte de energia. "Durante o desenvolvimento do projeto, no Laboratório de Física de Plasmas do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), fizemos experiências para saber como seria o processo de caracterização do plasma, acertando sua potência de acordo com a fonte de energia elétrica", comenta Shiosawa. Isso porque, dependendo dos componentes e do ambiente no interior da câmara, tipos diferentes de plasma podem ser criados. Definidas as características, foram adequados os pa-
râmetros em testes feitos no Laboratório de Microbiologia da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp. O equipamento é composto por um cilindro de aço inox. No interior é criado um ambiente com pressão reduzida para gerar vácuo. Dentro, gavetas Vazadas recebem os materiais. Eles são envolvidos em uma embalagem de polipropileno, desenvolvida no Brasil para 'esse uso, composta de Trilaminado NãoTecido (TNT), que permite a passagem de gases, mas impede a de microrganismos. Em seguida, gás de peróxido de
o PROJETO Desenvolvimento de Esterilizador
a Plasma MODALIDADE
Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPEl COORDENADOR
TADASHI SHIOSAWA- Sterlily INVESTIMENTO
R$ 147.890,00 e US$ 18.494,75
hidrogênio (água oxigenada) é liberado no interior da câmara, onde é aplicado um campo elétrico de alta freqüência, que gera radiação ultravioleta. Esse tipo de esterilização possui aspectos específicos, como a baixa temperatura, de 35°C a 40°C, tornando-o apropriada para aplicação em vários materiais. Os pesquisadores não chegam a apostar que a utilização de plasma deva substituir os demais processos, mas vêem vantagens, sobretudo no caso dos alimentos, por permitir redução controlada da carga bacteriana. Shiosawa diz que o custo de produção do Esteriliza 1000 varia de acordo com o uso. Mas ele reconhece que o preço de venda inicial, estimado entre R$ 400 mil e R$ 500 mil, é alto para o mercado interno. Por isso, o foco da empresa, inicialmente criada para comercializar o equipamento, desviou-se para a prestação de serviços. A tecnologia empregada, à exceção do sistema de vácuo, importado da Alemanha e Inglaterra, foi desenvolvida no país. Depois de receber o registro do Ministério da Saúde, o equipamento estará pronto para ser inserido definitivamente no mercado. • PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 81
•
HUMANIDADES
TEATRO
Tese revisita a militância teatral de João do Rio e suas \\reportagens-de-coxi e"
CARLOS
HAAG
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leexaltava a "Alma Encantadora das Ruas" com a mesma força que adorava o interior das coxias e foyers dos teatros. Reuniu, então, os dois mundos em seus escritos e as vielas e salões chiques da belle époque carioca viraram cenários e seus habitantes' personagens. Ao morrer, em 1921, de enfarte em plena rua Pedro Américo (cena digna de um melodrama, pois acabara de escreveruma crônica em que afirmava: "Aposto a minha vida dois anos ainda, se houver muito cuidado"), seu cortejo atraiu mais de cem mil espectadores: mesmo na morte, João do Rio não pôde dispensar o público. Escritor irrequieto de preocupações múltiplas, João Paulo Emílio Cristóvão
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dos Santos Coelho Barreto, o João do Rio (ou ainda, Claude, Caran d'Ache, [oe, José Antonio José, alguns de seus muitos pseudônimos), dedicou muita tinta de sua pena para discutir a decadência pela qual passava o teatro brasileiro de prosa no início do século 20. "Seus textos para jornais dão uma visão fantástica do teatro da época. Neles, João do Rio discutia as peças, falava sobre bastidores, autores, o público e, em especial, atacava a crítica teatral do tempo, que, para ele,dificultava o avanço da nossa cena ao impedir a entrada de idéias novas': diz a pesquisadora Níobe Abreu Peixoto, cuja tese de doutorado João do Rio e o Palco recupera o cronista como "repórter-de-coxia" e bom avaliador e autor de teatro.
grossa de vez em quando para chamar o calor à superfície como sinapismo à indiferença. Quando se tenta agarrar dois personagens para um fim decente e conduzi-lo ao terceiro ato o público não assiste ao esforço segunda vez",escreveu em 1908 em A Notícia. Comentário preciso: o público de então gostava apenas do vaudeville, do teatro sem compromissos cerebrais ou, para aparentar cultura européia, da ópera trazida pelas companhias estrangeiras. Ambos detestados por João do Rio.
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Teatro Municipal do Rio t.eso.) e João do Rio: observador atento e crítico da sociedade
Registro saboroso - A partir de pesquisa feita em periódicos da época (entre os quais O País, Revista da Semana, A Cidade do Rio, O Correio Mercantil), Níobe traçou a evolução
cronológica das idéias teatrais de João do Rio, trazendo à luz um interessante conjunto de opiniões sobre peças e dramaturgos, nacionais e europeus. Dequebra, há um registro saboroso de como era a vida teatral de seu tempo, com descrição de ensaios, encenações, bastidores, entrevistas com atores, artistas e empresários, numa notável mistura de ficção e realidade. "Mas ele sempre manteve uma visãomuito prática de como deveria ser o teatro, quase com olhos de um empresáriodo ramo. Daí, por exemplo, a
sua participação na polêmica da inauguração do Teatro Municipal do Rio: enquanto muitos defendiam que deveria ser um espaço apenas para autores nacionais, ele argumentava que, em face da incipiência de nossa dramaturgia, era preciso aprender com o que vinha de fora até que nossos autores se desenvolvessem", afirma a pesquisadora. O exemplo destacado, aliás, dá uma mostra da importância do teatro na vida cotidiana carioca antes da chegada do cinema. Para o bem ou para o mal, tudo girava em torno dos palcos. Nem sempre, porém, na direção preferida por João do Rio. "Peça para agradar precisa apenas de ter muita dança intercalada, duas dúzias de trocadilhos correntes, piada
ssa cidade de musicógrafos está atrasadíssima no movimento musical. Os empresários não se arriscam a trazer novidades. Um verdadeiro pavor apodera-se das empresas quando se fala de trabalhos novos", observou para alfinetar o gênero lírico, visto por ele como uma "doença", uma "coqueluche estética": "O que fazer se toda a gente conhecida deixa a Duse às moscas e bate-se à bilheteria do Lírico para ouvir a Travtata". Culpa do público, sem dúvida, mas ainda mais da crítica. "A nossa crítica, tomando gargarejos de pedantismo oficial, vai a campo com uma solenidade pedante de burguês empacotado em fatos domingueiros, atira um cumprimento ao amigo da direita, sorri ao da esquerda, e com o desespero da erudição comparativa vem fazer considerações estultas, deturpando o pensamento alheio com cortes inconvenientes e regouga repleta de convicção característica dos arcaicos." "João do Rio acusava a crítica de rejeitar o que era nosso, impedir a revigoração do meio teatral e de apadrinhar artistas e companhias. Bem, ele estava certo, mas em seus escritos, muitas vezes, ele também envereda pelo mesmo caminho de tomar o partido de seus favoritos", observa a pesquisadora. Irritava-se igualmente contra aqueles que pregavam uma "regeneração teatral': em face do número crescente de espetáculos em cartaz na cidade. "Aqui, quando a coisa não tem remédio e está perdida todas a acham esplêndida e os meninos críticos dos jornais falam a sério das 'peças' (dramalhões e vaudevilles) e todos, com a maior calma, asseguram: 'Movimento animador! O Teatro Nacional renas-
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Cenas do Rio no começo do século 20: o cronista dizia, para ira dos cariocas, que São Paulo era a capital artística do país
cel'" Na realidade, os autores nacionais, desestimulados pelo desinteresse geral do público, deixavam de lado a produção de peças de teatro. Peças sérias, conta-nos João do Rio, só se for em francês ou italiano, e por companhias estrangeiras com Eleonora Duse ou Sarah Bernhardt. "Criava-se dessa forma uma divisão perversa de trabalho: os autores brasileiros só escreviam para companhias que visavam ao grande público e, com isso, estavam restritos a produzir obras de nível inferior e desatualizadas. As peças mais intelectualizadas e contemporâneas eram privilégio das companhias européias", nota o professor João Roberto Faria, orientador da tese. ara piorar ainda mais a vida da cena brasileira, havia a concorrência da novidade: o cinematógrafo. "Além de roubar o público dos teatros, a chegada do cinema obrigou os produtores teatrais a baratear os ingressos para tentar recuperar o público perdido", lembra Faria. "Nesse movimento, criaram-se os chamados teatros por sessões, em que uma peça era apresentada em sessões corridas, uma após a outra. As peças eram picotadas e imperava o comercialismo, denunciado por João do Rio", completa. "E os nossos autores, vendo que não podiam levar o sacrifício a morrer de fome, foram entrando para os cinematógrafos, a princípio como intermédio, depois como vozes por detrás do pano e por fim expulsando o aparelho e representando com uma rapidez de trem expresso, borracheiras indizíveis. Pegar em peças de autores mortos ou ausentes e amassá-Ias em almôndegas de uma hora e não indagar a quem os direitos devem ser pagos é um crime punível", atacou em um texto de 1911. Os resultados logo são visíveis. "O público compara, o público é cruel, o público vai ao estrangeiro. Os atores nacionais de valor, vendo-se na dura contingência de não poder lutar contra a corrente, correm aos transa-
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tlânticos. Raros são os que ainda resistem heroicamente. As companhias estrangeiras, que eram raras, começaram a vir aos magotes, passaram a demorar mais tempo, quase todo o ano", nota o escritor. O ponto de inflexão dessa decadência pareceu a muitos estar na construção, polêmica, do novo Teatro Municipal do Rio de Janeiro pelo prefeito Pereira Passos. Casa de espetáculos - "Muita gente censurou a despesa que se faz com a construção desse edifício maravilhoso. Podia-se, é certo, com a soma despendida, levantar um lindo teatro de co-
média, fazer um matadouro modelo ou edificaralgumas dezenas de prédios para escolas. Gastou-se muito, mas gastouse bem. Os povos, como os indivíduos, não vivem só de utilidades práticas, querem alguma coisa que lhes encante a existência, que lhes eleve e delicie a alma", observou João do Rio em sua crônica na Ilustração. Enquanto isso, o debate se acalorava na sociedade fluminense sobre o que se deveria apresentar na nova e suntuosa casa de espetáculos. Mas nem sempre se podia ser sério. Para esfriar os ânimos, o cronista,defendendo a variedade no palco em face da incipiência da dramaturgia nacio-
nal, também comentava sobre o sistema de refrigeração do teatro: "O Municipal tem um aparelho de distribuição de ar frio que tomba do alto. O resultado: gripes consecutivas. Ainda outro dia, diante de mim, uma senhora teve com essas mudanças um verdadeiro acesso de gripe: batia o queixo como se atravessasse o Báltico em dezembro". Igualmente humorada é a sua previsão do deslocamento do eixo cultural da Capital Federal para São Paulo, baseado num comentário feito pela atriz francesa Sarah Bernhardt em 1893. Então, a celebrada diva, ao se despedir dos paulistas, elogiou a cidade como "a capital artística do Brasil", observação curiosa ante ao pouco desenvolvimento cultural de São Paulo. Mas João do Rio relembra o cumprimento da atriz para fustigar seus conterrâneos. "Nós estamos a fingir que nos enganamos, a aparentar crer que o público carioca freqüenta e aprecia teatro ou qualquer outra manifestação de prazer artístico ou é um puro engano. São Paulo continua a ser a capital artística do Brasil. Nós nos assemelhamos muito a essas famílias de mediania burguesa que querem dar baile sem poder, convidam a vizinhança toda, mais os conhecidos que moram longe e ficam depois atrapalhados para dar de cear a tanta gente. Tanto teatro aberto e tanta desilusão ..." Gênero ligeiro - "Nessas crônicas, João do Rio se aproxima das críticas feitas anteriormente por Machado de Assis, José Veríssimo e Artur de Azevedo sobre a continuidade no teatro brasileiro do século 20 dos vícios do século 19, com sua preferência pelo gênero ligeiro. Para eles era preciso superar o distanciamento entre o teatro e a literatura, algo que só iria ocorrer mais tarde
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Sarah Bernhardt: atriz deu mote para escritor puxar orelha de cariocas
com a chegada de uma nova geração de dramaturgos que trabalhavam sobre temáticas mais sérias", diz Roberto Faria. Temáticas sérias e que falassem do Brasil, como preconiza João do Rio em alguns de seus textos. "O brasileiro não compreende que sua primeira
o PROJETO João do Rio e o Palco MOOALIOAOE Bolsa de Doutorado ORIENTADOR
JOÃo ROBERTO GOMES DE FARIAFLCH/USP BOLSISTA
NíOBE ABREU PEIXOTO - FLCH/USP
qualidade deve ser a de amar as suas coisas. Isso acontece com os produtos da inteligência, com tudo. Somos um pobre país. E o havemos de ser indefinidamente enquanto julgarmos inferior o que é nosso." Uma de suas últimas batalhas foi pelos direitos do autor. Em 1917, após anos pregando pela necessidade da criação de uma sociedade de autores teatrais, João do Rio torna-se o primeiro presidente eleito da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, a SBAT. Afinal, ele também era um autor. "Mas em suas peças não encontramos o ambiente decadente, pesado e mórbido que envolve os personagens de seus contos. Sua dramaturgia mais comentada privilegia o perfume, a polidez e a artificialidade dos ambientes refinados", conta Níobe. Em peças como Eva ou A Bela Madame Vargas notamos a grande influência do escritor inglês Oscar Wilde, de quem ele traduziu Salomé.
Estilo dândi - "Ele traz o universo grãfino da belle époque para os palcos, captando como teria sido morar no Brasil querendo respirar o ar de Paris. É uma boa crítica de costumes que dialoga com o boulevard francês e com Wilde, por meio das grandes frases e tiradas espirituosas de personagens como o Barão Belfort", diz João Roberto Faria. "Ele cultivou o estilo dândi, mas sua obra foi bem além disso. É uma pena essa confusão entre vida e obra, que adora focar no elemento marginal, homossexual. João do Rio retratou como poucos uma fatia da sociedade e o fez de forma crítica, embora pareça alienada à primeira vista. Mas é tudo uma caricatura em que o cronista e crítico pega a máscara do observador atento", completa Níobe. • PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 85
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HlJMANIDADES CULTURA
As raizes de Sérgio Buarque Centenário do historiador tira do limbo sua dissertação de mestrado
Análise: a formação do português como "um tipo humano que ignora fronteiras"
do paternalismo. E, em virtude disso, vicejou o caráter cordial do brasileiro que privilegia as relações pessoais e busca a intimidade no convívio social, conceito cunhado por Buarque erroneamente confundido com benevolência. "Em Raízes a nossa cultura é sinônimo de ausência e por esse motivo a frase mais célebre desta obra continua sendo: (somos ainda uns desterrados em nossa terra": lembra De Decca. Já na dissertação, o autor se fixa na metrópole na era dos descobrimentos, mostra a estranheza de Portugal dentro da própria Europa e encontra nesse cenário singular diversos aspectos embrionários da futura colônia. "Delineiase no trabalho um complexo horizonte cultural formado de múltiplas influências étnicas e que traçou um caminho singular na cenário dos descobrimentos': afirma De Decca, que acaba de assumir em Lisboa a cátedra Brasil-Portugal em Ciências Sociais, criada pelo 88 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
convênio entre a Unicamp e o Instituto Superior das Ciências do Trabalho ~ da Empresa, de Portugal. Arquivos italianos - O pesquisador aproveitará a temporada para reconstituir o campo documental da pesquisa desenvolvida por Sérgio Buarque para a elaboração da dissertação. "Vou visitar o arquivo da Torre do Tombo, o arquivo e a biblioteca da cidade de Lisboa e a Biblioteca Nacional. Mas não pretendo encontrar grande novidade além daquilo que já é conhecido pelos historiadores portugueses e brasileiros, inclusive porque muitos documentos desta tese não se encontram em Lisboa, mas provavelmente em arquivos italianos. Devem ter sido descobertos por Sérgio Buarque no período em que ele viveu na Itália." A dissertação de Sérgio Buarque e seu livro que nasceu clássico comungam de um mesmo ponto de partida: a
formação do português como "um tipo humano que ignora fronteiras" e molda a exploração do Novo Mundo a uma ética peculiar, uma ética de aventura, na qual se busca a riqueza com audácia, às vezes com imprevidência, não com o trabalho da ética calvinista. Há premissas que se repetem nas duas obras, como a estratégia lusitana de explorar o
Os primórdios da aventura colonizadora "Na aurora dos tempos modernos, os estabelecimentos coloniais dos portugueses compõem-se apenas de praças isoladas, situadas quase invariavelmente junto à fralda do mar, embora de longe possam lembrar um imenso império e, como tal, se
litoral da colônia e deixar vazio o interior - que reproduz a ocupação do próprio território lusitano - em contraposição à ação do colonizadores espanhóis, que se fixaram nos altiplanos. Ou a parte que compara a importância da mão escrava no Brasil do século 19 e na Lisboa quinhentista. odem ser vistas como obras complementares, mas um oceano as separa. Raízes explica o Brasil, enquanto a dissertação mergulha em Portugal e se debruça sobre os primórdios da aventura colonizadora. Mostra as influências essenciais de mouros e judeus, ambas reprimidas pelo poder monárquico e católico da época, na construção de um tipo nacional diverso dos europeus, com hábitos frouxos, mas extraordinária vocação mercantil, que concebe a ascensão social no ultramar e, por isso, ou está de partida ou já partiu e está com saudades de casa. Buarque, é verdade, nunca perde o Brasil de vista. Lembra que a origem do samba pode não ser africana, mas islâmica (a dança mourisca chamada zembra). "Em maior número, atravessaram o oceano, trazidas pelos primeiros colonos, e, implantando-se entre nós, deixaram aqui reminiscências que ainda perduram, como é o caso da zambra, que alcançou a América espanhola e o Brasil, tornando-se talvez o remoto antepassado de nosso atual samba. Este, conquanto não falte ainda hoje quem se esforce por discernir-lhe a origem origem de nome, quanto menos -, ou naquele radical bantu, há muitas probabilidades de que, no nome, tanto quanto em algumas características coreográficas, tais como se manifestam
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façam administrar. (...). Bem significativas são as palavras por onde Alviano, um dos interlocutores dos Diálogosdas Grandezas do Brasil, lamentava que aqui a gente portuguesa fizesse tão curta a conquista, podendo-a fazer mais larga, e admitia que merecessem seuscompatriotas o nome de ruins colonizadores, pois 'em tanto tempo habitam neste Brasil não se alargaram para o sertão para haverem de povoar nêledez léguas, contentando-se de, nas
em meios rurais pau listas ou em diversos lugares da América Espanhola, provenha, não de Angola ou do Congo, mas antes da chamada África branca", escreveu Buarque. O recato extremo das esposas que não apareciam na frente de visitas, exceto na presença dos maridos, tanto na metrópole como na colônia, está vinculado, lembra Buarque, à condição da mulher muçulmana. "( ... ) mormente no período colonial, elas não compareciam, em suas próprias casas, diante de visitantes, nem comiam senão com os maridos, e ainda assim quando não houvesse hóspedes (salvo pai ou irmão)", registra o historiador em sua dissertação. Sérgio Buarque de Holanda ainda cita a Revolta de Canudos para esmiuçar a tese de que o fervor religioso dos judeus, forçados a se converter pela Inquisição, está na base do movimento messiânico do sebastianismo - a volta redentora do jovem rei D. Sebastião, morto sem deixar sucessor na célebre batalha de Alcácer-Quibir em 1578. O mito seria invocado pelo beato Antônio Conselheiro no interior da Bahia do final do século 19.. A dissertação não tem o tom ensaístico e interpretativo de Raízes do Brasil. Sérgio Buarque de Holanda escreveu-a não porque planejou, mas em razão de uma necessidade acadêmica. Precisava do título de mestrado para concorrer à cátedra de História da Civilização Bra-
fraldas do mar, se ocuparem somente em fazer açúcares' (...) Em carta endereçada de Gôa, em novembro de 1585, a seu conterrâneo Bernardo Davanzati, ponderava o florentino Filippo Sassetti sobre esses colonizadores. Os quais escrevia, não merecessem melhor nome do que o de bate praias, dado por um 'negro' natural daquelas partes, já que não se internavam um palmo terra a dentro." (Trecho da dis-
sertação)
sileira na Universidade de São Paulo (USP) - que abandonaria em 1969, aposentando-se voluntariamente em solidariedade aos colegas perseguidos pelo Ato Institucional número 5, o AI-S. Para conquistar a cadeira, defenderia, dois meses depois, sua tese de doutorado, em que analisa a "busca do éden" no imaginário dos descobridores. Defendeu-a diante de uma multidão reunida no Salão Nobre da Faculdade de Filosofia, ainda no prédio da Rua Maria Antônia. Passos de gafieira Aprovado com distinção pela banca, conta a lenda que o historiador comemorou ensaiando passos de gafieira com os alunos. Pois essa obra de conteúdo original seria convertida em 1959 no livro Visão do Paraíso. Na comparação dos trabalhos defendidos quase simultaneamente, Buarque optou por lançar o de doutorado e guardar o de mestrado na gaveta. "Ele considerava o trabalho como algo escolar, por isso não quis publicá-lo", diz o professor de Teoria Literária Antonio Candido, amigo e colaborador de Sérgio Buarque de Holanda, que jamais leu a dissertação. "Não é um trabalho renegado nem esquecido, ele sempre esteve disponível na Unicamp", diz a cantora Ana de Holanda, de 55 anos, filha de Sérgio Buarque (o historiador teve sete filhos, vários deles com talento para a música, como se sabe). Para Edgar de Decca, a tese preenche uma lacuna na obra Sérgio Buarque. Além da linha de continuidade com Raízes do Brasil, o historiador da Unicamp identifica elementos que ajudam a entender Visão do Paraíso. "A dissertação de mestrado nos oferece bases históricas para entender a encenação do imaginário da conquista ibérica que compõe Visão do Paraíso, obra sem dúvida mais complexa e bem acabada que se alinha à tradição histórico literária de estudo das visões épicas e míticas que comandaram as conquistas ibéricas", diz De Decca. • PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 89
• HUMANIDADES HISTÓRIA
Chica da Silva
se Livro mostra que mito da escrava-rainha esconde hipocrisia da democracia racial brasileira
squeça tudo o que você acha que sabe sobre Xica da Silva. Começando, aliás, pelo nome dela: Chica, em verdade, Francisca da Silva, mulata, filha de negra e português, nascida entre 1731 e 1735 (data incerta) na região de •••• IIIIIIIIIIII. mineração de diamantes do arraial do Tejuco, comprada e alforriada pelo contratador de diamantes João Fernandes de Oliveira, com quem viveu 16 anos e teve 13 filhos. A negra sensual que arrancava uivos do senhor português e horrorizava a sociedade é mito inventado no século 19 e reapropriado, de formas diversas por épocas diversas, cada uma interessada na sua visão. Conhecer a Chica com "ch" é descobrir que a pretensa "democracia racial" do Brasil é um mito tão sem fundamento como o da própria escrava que foi rainha. "Chica freqüentava a elite branca da cidade e todas as irmandades brancas do Tejuco e, ao morrer, foi enterrada no cemitério da Igreja de São Francisco de Assis, privilégio dos brancos endinheirados. Isso tudo prova que ela era uma mulher que se portava de acordo com os padrões sociais e morais da época", argumenta a pesquisadora [únia Ferreira Furtado, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), autora do recém-lançado Chica da Silva e o Contratador dos Diamantes (Companhia das Letras, 400 pags., R$ 48,50), um estudo histórico sobre as relações de gênero e raça nas Minas Gerais do século 18 que se lê com prazer de romance. 90 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
Em contraponto com a mítica, [únia mostra que Chica não foi caso sui generis, embora especial, em que uma mulher negra forra, em busca de ascensão social, se unia a um homem branco poderoso. E que, na contramão das histórias, Chica queria mesmo a inserção na elite da época, sem nenhum caráter libertário. A ex-escrava acabou proprietária de escravos e adotou os valores da elite para poder pertencer de alguma forma a ela. "Elas procuravam imitar hábitos e costumes da elite, de modo que reproduziam em escala menor o mundo daqueles que a haviam submetido à escravidão", diz Júnia. alforria, em vez de ponto de partida para a constituição afirmativa de uma identidade negra, era o início de um processo de aceitação de valores dessa elite, de forma a inserir-se, assim como a seus descendentes, nessa sociedade", observa a autora. E, nada mais comum, dadas as circunstâncias do isolamento natural da região ("Uma colônia dentro de outra colônia': como definiu Charles Boxer em seu The Golden Age af Brazilí que deixavam interessante a união entre brancos e negras. "O seu caso não é único, mas é um exemplo forte da estratégia de se apagar a origem escrava, ou seja, se podia casar com uma negra, desde que ela fosse 'branqueada", diz [únia. "Chica foi usada como o modelo de democracia racial (de como os brancos se uniam a negras), quando, na verdade, ela reforça a hipocrisia desse conceito e mostra como se davam - e ainda se dão - as relações raciais no Brasil: ter relações com negras não é mau, desde que não oficial. Depois basta 'limpar' a família. Esse é o pensamento subjacente," Também subjacente à união entre Chica e o contratador é a própria história do arraial do Tejuco. Os diamantes foram descobertos lá em 1729, embora antes disso já houvesse explorações incipientes. Sempre que riquezas eram encontradas na colônia, a metrópole se movimentava para garantir a sua parte na exploração e nos impostos. A Coroa criou um modelo exemplar, baseado em contratos arrematados de quatro em quatro anos por um interessado ou uma sociedade que organizaria a exploração 92 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
para o governo de Lisboa e garantiria para a corte a parte do leão. Um dos contratadores foi o sargento-mor João Fernandes de Oliveira, pai do futuro marido homônimo de Chica da Silva. O arraial que o contratador-pai encontrou era habitado predominantemente por mulheres negras. Daí a prodigalidade das relações entre brancos e elas: Chica, por exemplo, era escrava de Manuel Pires Sardinha, que a tomou por amante quando ela ainda era adolescente. Não
contente em ter uma Chica, Manuel tinha duas Chicas como amantes. O exagero levou-o a receber reprimenda "paternal" do reverendo-vigário e, ao reincidir no vício, foi multado pela Igreja. Assim, quando o contratador-filho chegou ao arraial, vindo para substituir o pai que decidira ficar em Portugal, Sardinha vendeu, por 800 réis, uma das Chicas para o jovem recém-chegado. João Fernandes tivera educação esmerada, doutor em Coim-
bra e a alforriou logo após tê-Ia comprado, fato raro entre os proprietários mineiros. Seja como for, mulheres tinham maiores chances de ganhar alforria do que homens. "O sexo foi determinante nas condições mais ou menos facilitadas de acesso à alforria e o concubinato com homens brancos oferecia por um lado algumas vantagens às mulheres negras, pois, uma vez livres, viam diminuir o estigma da cor e da escravidão,
para elas e para seus descendentes", exno Tejuco bens consideráveis", diz a plica [únia. pesquisadora. Em poucos anos, já livre e com o Ambos ficaram esquecidos até o sésobrenome Silva (nome comum para culo 19, quando o advogado de Diaex-escravos), Chica viu-se proprietária mantina, Joaquim Felício dos Santos, de casa e de escravos. "Era um mecaao ser procurador na partilha de bens nismo essencial para sua inserção no de uma parente de Chica, descobriu os mundo dos livres, onde reinava o desatos do processo de posse dos bens de prezo pelo trabalho, pelo viver das próJoão Fernandes. Fascinado com a históprias mãos", analisa a autora. "E não se ria, incluiu, a seu modo, cheio de presustenta a figura de redentora dos esconceitos e de mitos, a vida de Chica cravos, como muitas vezes romanem seu livro Memórias do Distrito Diatizou a historiografia. Apenas mantino, de 1868. "Não possuía graças, foi encontrada uma única renão possuía beleza, não possuía espíferência clara de que tenha ~_r_it_o, não tivera educação, enfim, não concedido alforria a uma spossuía atrativo algum que pudesse crava", conta. Cliica entrou justificar uma forte l2aixão'~ escreveu o em contato com a cultura advogado. européia por meio do conPoesia e cinema O mito ganhou muitratador e deu aos filhos a tas versões e até mereceu versos de Ceelhor educação cília eireles em eu Romanceiro da possível no rinInconfidência: "Contemplai, branquicão do Tejuco. nhas/ na sua varanda,! a Chica da SilEm 1770, va,! a Chica-que-rnanda" O Cinema morreu o Novo viu na negra que dominava branpai de João cos com seu sexo uma musa libertária. Fernandes e uma penEm 1976, com roteiro de João Felício denga testamentária obrigou-o dos Santos (sobrinho-neto de Joaquim a voltar a Portugal para lutar por Felício), Cacá Diegues inventou Xica da seus interesses, indissociáveis Silva. "No filme, a redenção é alcançada dos negócios paternos dada a por meio de Xica : ao colocar a sexualiparceria entre os dois. Chica fidade a seu favor, ela inverte o mecaniscou com os filhos em Minas. Cumo por meio do qual os homens branriosamente, a partida do contracos garantiram a dominação sobre sua tador provocaria, em dois anos, o raça, ao utilizar as mulheres de cor para colapso do antigo sistema de consatisfazer seu apetite sexual", observa tratações, pois, na vacância dos Iúnia Furtado. grandes profissionais do ramo, a "Chica, como as outras forras da corte preferiu colocar em vigor o época, alcançou sua alforria, amou, monopólio régio e criava a Real teve filhos, educou-os, buscou ascender Extração dos Diamantes. A corte socialmente para diminuir a marca que queria ela mesma, por meio de a condição de parda e forra impunha seu funcionários, cuidar da expara ela mesma e para os seus descenploração das riquezas. dentes", continua. "Pois, sob o manto Dona Francisca da Silva de de uma pretensa democracia racial, sutil Oliveira morreu em fevereiro de e veladamente, a sociedade mestiça pro1796. João Fernandes já havia curava se branquear e escondia a fria morrido em 1779. Chica foi enexclusão social e racial, simbolizando o terrada na tumba número 16 na que se passava no Brasil." Exclusão que Igreja de São Francisco de Astirou de boa parte dos negros e por sis. No testamento do contrabom tempo a sua auto-estima. "Daí a tador não constava o seu falta de um movimento unificado como nome. "Isso não foi sinal de nos Estados Unidos. Aqui o racismo era esquecimento ou ingratidão: e é escamoteado e os negros compram ao omitir a existência de Chio discurso das elites do 'para que lutar ca em seus legados, ele buscou se posso me integrar'. Até Machado de dignificar os filhos perante a sociedaAssis agiu dessa forma após ascender à de elitista do reino. João Fernandes eselite intelectual." Esse é o X da questão, tava, mesmo a distância, cuidando ino X que distorce Chica. • diretamente de Chica, a quem deixara PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 93
A Filosofia como Vontade e Representação Texto de Schopenhauer apresenta sua visão da história da filosofia
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EDUARDO
BRANDÃO
do filósofo é, para o alemão Arthur Schopenhauer, explicitar a decifração do enigma do mundo. E isto é atingido na medida em que se descobre que o mundo é Vontade e representação: a filosofia deve ser, então, a compreensão desse mistério. A história da filosofia apenas descreve o quanto cada filósofo se aproximou daquela descoberta sobre o mundo. Essa relação permeia os Fragmentos para a História da Filosofia, de Schopenhauer, publicados em 1851. Já que a história da filosofia não é para o autor um processo ordenado e que ela tem altos (Platão e Kant, por exemplo) e baixos (Hegel, entre outros), percebe-se porque ela é fragmentária: trata-se antes de interpretar alguns filósofos e parte de suas idéias naquilo que se relaciona à missão da filosofia. Os fragmentos, então, não são aleatórios, mas resultam de um corte, digamos, cirúrgico, escolha de alguém que sabe correr o risco de se tornar um legista fazer mera história da filosofia não é fazer filosofia, mas antes uma autópsia, em que se substitui o texto vivo dos filósofos pela letra morta do comentário: "Ler, em vez das próprias obras dos filósofos, variadas exposições das suas doutrinas ou a história da filosofia em geral é o mesmo que querermos que alguém mastigue a comida para nós. Quem leria a história mundial se tivesse a liberdade de observar com os próprios olhos os eventos passados que lhe interessam? Mas, no que diz respeito à história da filosofia, uma tal autópsia do seu objeto nos é verdadeiramente acessível, a saber, nos próprios escritos dos filósofos - nos quais, todavia, por amor à brevidade, podemos ainda limitar-nos a bem escolhidos capítulos principais" (Fragmentos, §l). Vale observar que à atitude de um historiador-legista se sobrepõe a do filósofo, digamos, fisiólogo: trata-se de perceber não só do que morrem, mas principalmente do que vivem as filosofias. 94 • NOVEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 93
Os instrumentos para essa dupla incisão vêm do pensamento de SchopeArthur Schopenhauer nhauer: Vontade, represenTradução, apresentação tação, coisa em si, fenôe notas: meno, corpo, idealismo, Maria Lúcia Cacciola dogmatismo são noções Editora I1uminuras que comandam sua interpretação (injusta?) das di128 páginas versas filosofias - o que R$ 33,00 tanto denuncia os referenciais teóricos do autor, que vão dos gregos aos modernos, passando pelos neoplatônicos e escolásticos (influências nem sempre devidamente reconhecidas - por exemplo, Aristóteles e Plotino), quanto constitui, acima de tudo, um testemunho de sua própria filosofia. E por ser um texto de maturidade há nos Fragmentos indicações preciosas sobre as transformações que encontramos em sua obra desde a publicação de Sobre a Vontade na Natureza (1836). Assim, não é por acaso que a filosofia dos modernos e suas tentativas de decifração do enigma do mundo são vistas a partir das noções de substância e matéria, centrais para a meta física da Vontade na segunda edição de O Mundo como Vontade e Representação (1844). Nesse movimento, Schopenhauer, já conhecedor da primeira edição da Crítica da Razão Pura, revisita a filosofia de Kant, ao mesmo tempo que critica os "sofistas" Fichte, Schelling e Hegel: os Fragmentos constituem um texto-chave para a compreensão do desenvolvimento das relações entre a metafísica da Vontade, o criticismo kantiano e o chamado "idealismo alemão': Pela sua importância no interior da obra de Schopenhauer, traduzir os Fragmentos é uma escolha precisa de uma profunda conhecedora do filósofo. Maria Lúcia Cacciola oferece ao leitor, além de um belo ensaio introdutório, uma excelente tradução enriquecida com notas, contribuindo novamente para tornar ainda mais vivo o debate necessário sobre esse pensador muitas vezes injustamente encoberto. Fragmentos para a História da Filosofia
EDUARDOBRANDÃOé doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo e professor de Filosofia da Fundação Escola de Sociologia e Política.
Discursos Desconcertados: Linchamentos, Punições e Direitos Humanos
The Cerrados of Brazil: Ecology and Natural History of a Neotropical Savanna
Helena Singer Humanitas/FAPESP 388 páginas I R$ 25,00
Paulo S. Oliveira e Robert Marquis Columbia University Press 398 páginas I US$ 37,50
Baseado em artigos publicados na imprensa nacional, durante o período entre 1980 e 1996, este estudo pretende ressaltar as analogias e descontinuidades entre o discurso dos agentes do direito (delegados, juízes, procuradores, advogados) e dos analistas com acesso aos meios de comunicação (jornalistas, sociólogos, entre outros profissionais).
Fruto de cinco anos de estudo e reunindo um grupo seleto de 35 especialistas de diversos ramos, esta obra é referência essencial para a comunidade científica internacional ao dissecar, em todos os seus aspectos, o ecossistema tipicamente brasileiro: o cerrado, de sua origem a sua fauna e flora. O livro também trata de como evitar sua destruição.
Humanitas FFLCH/USP: u n 3091-2920 www.fflch.usp.br/humanitas
Columbia University Press www.columbia.edu/cu/cup
Animais Peçonhentos no Brasil: Biologia, Clínica e Terapêutica dos Acidentes Vida I Haddad Jr., João Luiz Costa Cardoso, Fan Hui Wen, entre outros Editora Sarvier/FAPESP 468 páginas I R$ 98,00
Partindo da imensa diversidade de serpentes, aranhas, insetos e peixes do Brasil, um grupo de pesquisadores se reuniu para estudar como se pode lidar com as perigosas toxinas liberadas por essas espécies. Segundo os autores, é notório o desconhecimento dos profissionais de saúde sobre esses parâmetros, essenciais para o manejo de acidentados. Sarvier Editora de Livros Médicos Ltda.: (11) 5571-3439 e-mail:sarvier@uol.com.br
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Violência, Saúde e Trabalho: Uma Jornada de Humilhações Margarida Barreto EDUC/FAPESP 233 páginas I R$ 29,00
A médica do trabalho Margarida Barreto decidiu mostrar o que havia de concreto por trás de um assunto polêmico: a violência moral no trabalho. Em 97 grandes empresas, ela descobriu que, dos trabalhadores consultados, 42% apresentaram histórias de humilhação. Editora Educ: (11) 3873-3359 e-mail: educvendas@pucsp.br
Existências Fascinadas: História de Vida e Individuação Maria Paula Bueno Perrone Annablume/FAPESP 180 páginas I R$ 28,00
A psicóloga pretendeu mostrar toda a riqueza teórica que se esconde por trás da vida e do discurso dos narradores. Daí, a história de um indivíduo é transformada em expressão de subjetividade que, ao mesmo tempo, é a história de todos os homens, em todos os tempos. Annablume Editora Comunicação: www.annablume.com.br
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3031-9727
Macrófitas, Aquáfitas e Perifíton: Aspectos Ecológicos e Metodológicos Marcelo Luiz Martins Pompêo e Viviane Moschini-Carlos RiMalFAPESP 124 páginas I R$ 18,00
O livro traz um histórico sobre os estudos de ecologia aquática no Brasil, em especial sobre os tópicos das determinações de biomassa e a decomposição de macrófitas. Entre os capítulos: Ecologia de Ecossistemas Aquáticos Continentais e as Macrófitas Aquáticas no Brasil; Biomassa das Macrófitas Aquáticas: o Método do Quadro; etc. Rima Editora: (16) 272-5269 www.rimaeditora.com.br
PESQUISA FAPESP 93 • NOVEMBRO DE 2003 • 95
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VAGA PARA DOCENTE
VAGAS PARA DOCENTES
Estarão abertas, no período de 17/9 a 15/12/2003, as inscrições ao processo seletivo de provas para a contratação de um docente, na categoria de Professor Doutor, Referência MS-3, em Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP), na área de Planejamento e Modelagem de Recursos Hídricos, junto ao Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) - Universidade de São Paulo (USP).
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP)
Maiores informações podem ser obtidas na Assistência Técnica para Assuntos Acadêmicos da EESC·US~ pelo telefone (Oxxl6) 273-9154.
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Edital do processo seletivo pode ser acessado pelo link: http://www.shs.eesc.usp.br
ESCOLA DE ENGENHARIA
DE SÃO CARLOS
(EESC)
Estão abertas, de 16/9 a 14/11/2003 (D. O. Executivo, Seção I, 12/9/2003, Vol. 113, N° 173), as inscrições ao processo seletivo para a contratação de três docentes na categoria de Professor Doutor, Referência MS-3, em Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP), no Departamento de Engenharia de Materiais, Aeronáutica e Automobilística conforme os editais a seguir:
Edital: EESC/USP-27/2003 Área de Conhecimento: Materiais Compostos
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Edital: EESC/USP-28/2003
MUSEU DE ZOOLOGIA DA USP VAGA PARA DOCENTE
Área de Conhecimento: Manutenção e Homologação de Aeronaves
Edital: EESC/USP-29/2003 Área de Conhecimento: Projeto de Aeronaves
Estão abertas pelo prazo de 90 dias, a contar de 07/10/2003 a 4/01/2004, as inscrições ao Processo Seletivo de Provas para Contratação de 01 Docente na categoria de Professor Doutor, referência MS-3, junto à Divisão de Difusão Cultural do MZUSP. Mais informações www.mz.usp.br
Maiores informações, bem como as normas pertinentes ao processo seletivo, encontram-se à disposição dos interessados na Assistência Técnica para Assuntos Acadêmicos da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, sito à Av. Trabalhador Sancarlense, 400, São Carlos-SP, ou pelo telefone (OxxI6) 273-9154.
e-mail mz@edu.usp.br
Os editais também poderão ser acessados no sítio do D. O. E. de São Paulo www.imprensaoficial.com.br
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Pós-Graduação em Geofísica Estão abertas as inscrições para os cursos de Mestrado e Doutorado em Geofísica no IAG, com os seguintes prazos: Mestrado: até 10/12/2003 (início março/04) Doutorado: a qualquer tempo. Mais informações:
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Vagas para professor titular • I - Área - Materiais e Processos de Fabricação Faculdade de Engenharia Mecânica Departamento de Engenharia de Materiais Inscrições - Até 1/12/2003, publicação D.O.E., 30/8/2003,pág.77 Disciplinas - Estrutura e Propriedades dos Materiais, Solidificação dos Metais, Transformação de Fase dos Materiais • 11- Área - Energia, Térmica e Fluidos e Petróleo Faculdade de Engenharia Mecânica Departamento de Engenharia Térmica e Fluidos Inscrições - Até 05/11/2003, publicação D.o.E., 07/8/2003, pág. 96 Disciplinas - Métodos dos Elementos Finitos Aplicados em Fenômenos de Transporte, Métodos Computacionais de Mecânica dos Fluidos Mais informações - Margarida Seixas Maia Supervisora da Seção de Pessoal margarid@fem.unicamp.br - (19) 3788-3209
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Inscrições Até 15/12/2003, publicação 12/9/2003, pág. 54
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Disciplinas Tópicos Especiais em Recreação e Lazer I
Mais informações Laisez Iael Cabral Puya - ATU laisez@fef.unicamp.br (19) 3788-6603
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Estudos mostram que aranhas são capazes de aprendere aperfeiçoar instintos básicos
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