O futuro da genômica no Brasil

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ESPECIAL

O futuro da genômica no Brasil Demonstrada a expertise dos paulistas, abrem-se novas chances para a pesquisa de genoma no país

~alizado e larga~ente reconhecido o feit? p~u­ hsta de seqüenCiar completamente o pnme1ro genoma de um fitopatógeno, o momento se apresenta fecundo para reflexões sobre o futuro da genômica no Brasil, contra o pano de fundo mais amplo do futuro da pesquisa científica neste país. E são reflexões nesse sentido que emergem dos textos reunidos neste encarte especial, mesmo quando, para traçar essas antevisões, as palavras esquadrinham muita coisa do passado recente e remoto do panorama da pesquisa brasileira - detendose no que significa São Paulo ter feito o projeto da Xylella ou nos esforços nacionais de acumulação de competência científica que floresceram, por exemplo, nesse projeto. O encarte reúne entrevistas do pesquisador George Simpson, coordenador de DNA do projeto Genoma Xylella fastidiosa, do pesquisador belga André Goffeau, membro do comitê consultivo externo do projeto, e do físico José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP; a transcrição dos discursos do governador paulista Má-

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rio Covas e do Ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Mota Sardemberg, proferidos durante a bela festa oferecida pelo governo estadual aos pesquisadores da Xylella, em 21 de fevereiro passado; e um artigo do professor Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP, originalmente publicado na Folha de São Paulo, de 22 de fevereiro e, gentilmente cedido pelo jornal para publicação neste encarte (por razões de espaço, fizemos alguns cortes na versão original). As visões apresentadas nesses textos são diferentes, multifacetadas e, em alguns pontos- especialmente naqueles que tratam do que deve ser feito daqui por diante para que o país consolide a posição de destaque que conquistou na pesquisa internacional de genômica -, francamente divergentes. E é natural que assim seja. Como bem diz o professor Perez, quando se olha do alto de um morro uma paisagem totalmente aberta, as visões são múltiplas. Daí, o desafio passa a ser precisamente definir qual o melhor caminho a tomar.


CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

Boa Ciência no Brasil conclusão do primeiro Projeto Genoma organizadurante décadas houve apoio do governo federal, principaldo pela FAPESP para determinar o código genétimente na forma de bolsas de estudo na pós-graduação, para co da bactéria Xylella fastidiosa representa uma a formação dos cientistas que hoje lideram e tocam o dia-a-dia das grandes realizações da Ciência e da Tecnologia (C&T) do projeto. Sua maioria esmagadora formou-se e trabalha no Brasil. Demonstra a capacitação científica desenvolviem universidades públicas, estaduais ou federais, e é auxida em São Paulo e sinaliza o domíliada por um exército de pós-granio de tecnologias essenciais ao duandos, muitos deles bolsistas de desenvolvimento econômico e soagências federais. Seria uma ilusão cial, num setor da economia que perigosa para a C&T em São Paulo resultado responde por milhares de emprecrer que o sistema paulista possa fundestaca o papel gos e por faturamento anual supecionar exclusivamente com os rerior a US$ 4 bilhões para este estacursos proporcionados pelo contriinsu bstitu ível do. A bactéria causa a praga do buinte paulista através da FAPESP. e essencial do Estado "amarelinho", que danifica laranPor outro lado, a FAPESP pôde jais inteiros. A determinação do realizar o projeto por dispor de reno desenvolvimento genoma da Xylella disponibiliza cursos para custeio de projetas de conhecimentos que poderão ser pesquisa, o que envolve outras descientífico'' usados para a identificação de mepesas e investimentos além de bolsas canismos de controle da praga. de estudo. A FAPESP soube reconheEsta realização mostra que a cer que havia uma capacidade insciência brasileira se tem desenvolvido ao longo dos últitalada e encontrou um problema cientificamente avançado mos 50 anos, devido ao apoio do Estado. O papel do see desafiador, que facilmente envolveu a comunidade cientor privado no desenvolvimento científico e tecnológico tífica. Houve no setor empresarial inusitado interesse. brasileiro ainda é mínimo, ao contrário do que ocorre O sucesso do Projeto Genoma FAPESP destaca que há nos países desenvolvidos e em outros .que são competidoboa ciência sendo feita no Brasil exatamente quando se res agressivos, caso da Coréia do Sul. inicia uma era na qual o desenvolvimento da economia e do É papel essencial e inalienável do Estado apoiar o dehomem será baseado em conhecimento. O resultado dessenvolvimento científico e criar as condições para que haja taca o papel éssencial e insubstituível do Estado no desendesenvolvimento tecnológico, este realizado por emprevolvimento científico. Mas somente com o envolvimento sas. Mas o apoio do Estado à C&T no Brasil tem sido marempresarial como elemento determinante no desenvolvicado por defeitos e erros. Os recursos hoje destinados ao mento tecnológico haverá qualquer chance de competitisetor, especialmente pelo governo federal, são insuficientes. vidade para o Brasil. Aliás, tecnologia para a competitiviAinda assim, é o apoio estatal que explica por que a produdade não se compra, se faz, ao contrário do que pensam ção de artigos científicos originados no país quintuplicou nossos planejadores econômicos. É bom lembrar o dizer de 1985 a 1999, ou como nossos cursos de pós-graduação de Lord Rutherford, citado no documento "Ciência e Peschegaram, em 1998, a formar mais de 4 mil doutores. quisa" que foi, em 1947, a base conceituai para a criação Duas são as razões fundamentais por que ciência no da FAPESP: "A ciência está destinada a desempenhar um Brasil deve ser ainda mais apoiada pelo Estado: porque há papel cada vez mais preponderante na produção induspesquisadores excelentes e porque mais ciência será bom trial. E as nações que deixarem de entender essa lição hão para o desenvolvimento do país. Para isto, é preciso que a inevitavelmente de ser relegadas à posição de nações esempresa no Brasil possa se apropriar desse conhecimencravas: cortadoras de lenha e carregadoras de água para os povos mais esclarecidos': Qual das duas queremos ser? to, tornando-se mais competitiva e gerando riqueza e empregos. Isto só acontecerá se ela valorizar o conhecimento, empregando cientistas e engenheiros voltados às CARLOS H ENRIQUE DE BRITO C RUZ É PROFESSOR TITULAR E DIRETOR atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). DO I NSTITUTO DE F!SICA G LEB W ATAGHIN, DA U N ICAMP, E PRESIDENTE O Projeto Genoma em São Paulo é um resultado do apoio DA FAPESP estatal à C&T. Mesmo que tenha sido estabelecido pela FAPESP, uma agência estadual, só foi possível fazê-lo porque A versão original deste artigo foi publicada na Folha de São Paulo de 22/02/2000

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Dificuldades superadas pela coragen1 de arriscar

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ô • Como o senhor se sentiu sendo pudoutor Andrew Simpson, ~ blicamente homenageado pelo goverum amável e firme inglês no paulista, em razão do sucesso do de 45 anos, começou a § projeto da Xylella? chegar ao Brasil há 11 anos. < Parece estranho, mas começou -Ninguém imaginava ser recebido com tanta cerimônia, e obviaé exatamente o termo que mente não há nada melhor do quer se aplica ao caso, porque, ser publicamente reconhecido. Em a princípio, ele veio duas alguns momentos, ao longo do proou três vezes, para desenvolver jeto, pensei que não haveria qualalguns trabalhos temporários quer comemoração, porque sempre Andrew Simpson trabalhamos com uma preocupade pesquisa e mantinha seu ção: "será que a gente vai conseguir?". Pessoalmente, é vínculo institucional com o National lnstitute uma coisa maravilhosa. for Medical Research, em Londres. Na última dessas viagens, na véspera de seu retorno, • Alguma vez o senhor imaginou esse tipo de grande homemuito triste ante a perspectiva de deixar nagem? Suponho que quando alguém começa uma carreira científica com garra se imagina recebendo um Nobel em alo país, colocou-se diante de uma questão gum momento. existencial crucial: "por que tenho que voltar?" Uma noite inteira de debate íntimo, solitário, - É claro. Qualquer jovem entrando em qualquer prolevou-o na manhã seguinte à decisão que fissão deve sonhar. Se começa no esporte, deve se imaimediatamente comunicou a seus perplexos ginar recebendo a Copa do Mundo ou o prêmio mundial de Fórmula 1. Não há nada de errado em estimular colegas ingleses e que transformaria a ambição das pessoas. Às vezes, temos de acordar às a sua vida: permaneceria no Brasil. cinco da manhã para trabalhar e precisamos de um soFoi uma escolha feliz para a pesquisa brasileira nho. Por outro lado, não acreditamos muito que esse ree absolutamente compreensível partindo conhecimento um dia chegue. Nossa festa não foi um de uma pessoa que, ao lembrar dos passos Nobel, foi muito mais importante porque foi uma afirmação de uma nação, da importância da Ciência. O prêiniciais para o desenvolvimento do projeto mio é o reconhecimento ao papel da Ciência no desenda Xy/e//a diz: "aposto que foi o projeto volvimento do país. de sequenciamento de genoma que começou pior preparado no mundo", para acrescentar • O senhor sentiu que enfrentaria desafios maiores no Brasil mais adiante: "quem quer chegar longe na vida do que na Inglaterra, devido à diferença de maturidade da pesquisa nos dois países? não faz somente as coisas que são garantidas". Na entrevista concedida a Pesquisa FAPESP, - No início, verifiquei que tudo aqui é um desafio. Até Simpson, pesquisador do Instituto Ludwig as coisas mais simples são mais difíceis de executar, mas de Pesquisa sobre o Câncer e coordenador senti muito entusiasmo dos pesquisadores para resolver de DNA do projeto Genoma da Xy/e//a os problemas. Nunca pensei que este país iria me oferecer a oportunidade de coordenar um projeto dessa magnitufastidiosa, falou detalhadamente das de, que é extremamente rara em qualquer país. dificuldades enfrentadas e superadas ao longo de sua execução. Abordou a importância • Existe uma grande expectativa em relação às aplicações científica do projeto e, de passagem, falou deste projeto. Ainda se está longe de intervir sobre a patogedas possibilidades comerciais que ele abre. nicidade da Xylella?

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tenção de seqüenciar tudo. Quando se faz um shot-gun, - Sim. No começo dos anos 80, foi descoberta a Aids. Em poucos meses, foi identificado o vírus HIV, que cauem princípio só se seqüenciam as extremidades e, em cersa a doença. Depois, foi feita a seqüência inteira do vírus, tos casos, quando é inevitável, se seqüencia tudo, uma, um ser simples, com meia dúzia de genes. Vinte anos duas, três ou quatro cabeças (reads) de plasmídeos. Senão, mais tarde, ainda não temos nada que permita a cura deé muito trabalho para pouco resultado. finitiva. É errado pensar que apenas o conhecimento do genoma de um organismo leva imediatamente a qual• Tudo aquilo que está sendo usado internacionalmenquer intervenção ou cura. O importante é que o Brasil é te para seqüenciamento genético foi usado no projeto da suficientemente maduro e sofisticado para contemplar essa Xylella ou alguma técnica mais nova ficou fora? abordagem para o problema conhecido como "amarelinho': É muito sofisticado procurar conhecimento e fazer ciên- Uma técnica bastante utilizada em genomas grandes, cia como uma ferramenta para reque não utilizamos, foi a dos BACs solver problemas. Esse projeto, a (Cromossomos Artificiais da Bactémeu ver, reflete o amadurecimenria), um pouco antiga. Ela é a base do to da nossa comunidade. O Estado projeto Genoma Humano e de ouprêmio dado também tem de ser suficientementros projetos. pelo governo o te maduro para entender que essas descobertas não levam a uma soluEspecificamente, o que foi difícil nesreconheci menta ção imediata. Vai levar a uma soluse projeto? ao papel da Ciência ção e permitir a aplicação das ferramentas da biotecnologia, mas -Houve dificuldades a cada mono desenvolvimento não podemos esperar uma solução mento. Primeiro, foi difícil decidir para amanhã. O problema é comqual organismo seqüenciar. Levou do país'' plexo e leva mais anos de pesquisa. muito tempo. Foi difícil escolher os laboratórios, dos 100 inscritos apenas 35 foram escolhidos. Foi • Gostaria que o senhor comentasse também muito difícil aprender a lidar com os equipamenas técnicas que foram utilizadas no Brasil pela primeira vez tos, ninguém tinha muita experiência e até erramos ao num projeto de seqüenciamento que jamais havia sido feito. usar dois tipos de seqüenciadores, apenas um teria sido - Seqüenciamento em si é uma ferramenta básica da biomelhor. Então, não houve só dificuldades, houve erros, logia molecular que tem sido bastante utilizada no Brasil, também. Depois disso, a logística para importar, instalar mas para seqüenciar um gene, um plasmídeo ou um tree treinar todo mundo para usar as máquinas foi um procho pequeno, com um objetivo específico. A novidade é seblema enorme. Havia experiência em montar centros de qüenciar um genoma. É muito mais do que um aumenpesquisa, não ·em espalhar aparelhos em muitos lugares. to quantitativo. É uma mudança fundamental porque se Mas as equipes administrativas da FAPESP e do Instituto Ludwig conseguiram superar rapidamente as dificuldatem de seqüenciar uma coisa completa. Não pode haver buraco e é preciso pegar e anotar e decidir o que é o quê. No des, com muito trabalho e muito empenho. início, seguimos um caminho que foi ótimo para a aprendizagem e certamente garantiu, no final, um projeto mui• E na parte científica, propriamente? to bom, mas não é exatamente o que as pessoas fariam para seqüenciar um genoma, que são os cosmídeos (grandes - Quando começamos, ninguém conhecia a bactéria. pedaços clonados de genomas). Depois, complementamos Aposto que esse foi um projeto de seqüenciamento de gecom outras abordagens, como as bibliotecas de lâmbda, que noma que começou pior preparado do que qualquer ousão pedaços grandes de genoma, não tão grandes quanto os tro na história do mundo. Porque havia um coordenador cosmídeos. No final fizemos bastante shot-gun sequency, o que nunca seqüenciara um genoma, não trabalhara com arroz-com-feijão do seqüenciamento, e coisas complexas, bactéria e sequer sabia o que era a Xylella fastidiosa. Hacomo o PCR (reação de polimerase em cadeia). via um coordenador de informática que nunca havia lidado com um projeto de DNA na vida e uma equipe es• Quando se fala em plasmídeo e cosmídeo, a diferença é palhada por todo o Estado de São Paulo. Nenhum pesquisador havia seqüencionado nada e vários não sabiam basicamente de tamanho? quase nada de biologia molecular. Pior: ninguém no es- Sim. Usamos fragmentos de SOO a 5 mil nucleotídeos, tado tinha a bactéria viva, muito menos DNA, muito meenquanto o plasmídeo tem 40 mil nucleotídeos. A difenos ainda a biblioteca de DNA. Começamos sem qualrença é que quando se seqüencia um cosmídeo se tem a inquer evidência de que o trabalho iria funcionar.

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sérios conflitos, quando se dizia "preciso disso para hoje" e como resposta se ouvia "mas não pode':

• Como fizeram?

-Arrumamos a bactéria rapidamente. O que nos deu a confiança para iniciar o trabalho foi a promessa do professor José Bové (do Centro Nacional de Pesquisa Científica, da França) de fornecer a bactéria e o DNA que fosse necessário. E ele fez isso. No final, Marcos Machado, do Instituto Agronômico de Campinas, deu todo o DNA que eu logo usei no projeto. Esse não foi um problema, mas uma grande dificuldade, porque anunciamos que iríamos fazer uma coisa sem condições para fazer. • O senhor não achou que tudo era uma loucura de brasileiro?

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• A burocracia emperrou?

-Apesar de toda agilidade e qualidade, a FAPESP, corretamente, tem um sistema de checking and balances que não é muito ágil. A dificuldade da importação de reagentes e os processos de alfândega complicam a pesquisa. Já com as pessoas, não tive dificuldade nenhuma. Dado o tamanho do grupo, houve muito poucos conflitos. Não tive nenhum problema com a qualidade científica da equipe, de altíssimo nível. O projeto é que é complexo. Tudo o que estávamos fazendo era inédito. deve ser

-Não. Foi confiança na habilidamaduro para de da comunidade de executar • Um dos momentos mais desafianqualquer tarefa dada. Não há nada tes foi vencer os gaps que restavam entender que essas de loucura. Na vida, temos de are concluir o genoma da Xylella, não? descobertas não riscar. Quem quer chegar longe na vida não faz somente as coisas que - Foi a parte mais difícil do gelevam a uma são garantidas. Mas confesso que, noma, que ficou mais difícil ainda quando saiu o anúncio de que a para nós por dois motivos. Primeisolução imediata'' gente ia fazer esse projeto, sem ro, eu não tinha a menor idéia de DNA e sem bactéria, deu uma cercomo fazer. Nunca havia feito e os ta ansiedade. Aí, decidi levar o papers não contam exatamente coprojeto a sério, porque se não saísse iriam dizer que a mo fazer. Era preciso inventar uma solução. Segundo, tínhaidéia era boa, mas o coordenador era incompetente. Eu mos muito pouca informação sobre o genoma da Xylella nunca tinha organizado um grupo desse tipo e não sabia antes de começar o seqüenciamento. Não sabíamos secomo fazer. No final, quase não sei como fiz. Foi acontequer o tamanho dos gaps, porque não sabíamos o tamacendo no calor das coisas. nho total do genoma (2,7 milhões de pares de bases). Esse é um problema comum em projetas desse tipo, que acumu• Antes da Xylella, o senhor tinha coordenado grupos de lam muitos dados. Uma porção dos dados não está corquantas pessoas? reta e deve ser excluída. Às vezes faltam dados, mas não se sabe quanto e onde. Ou há dados repetidos que não de-Acho que o máximo foi tentar reunir minha família e vem ser repetidos ou mesmo que devem ser repetidos, ir para a praia, mas tenho de confessar que não consegui mas não se sabe isso. É um enorme quebra-cabeça. Mas o fazer muito bem ... Na área científica, coordenei só um laque me agrada muito são esses pontos finais, o dose, a boratório com meia dúzia de pessoas e não trabalhando anotation e o ato de escrever o paper, que também conseem grupo. Normalmente, cada projeto tinha dois ou três guimos fazer em grupo. Um ano atrás, quando já havíapesquisadores envolvidos. Mas outra dificuldade no promos completado os cosmídeos, minha idéia era que os jeto da Xylella foi ter muita gente dependendo da rede de coordenadores fechassem os problemas e escrevessem o informática, que no início era precária. Houve dificuldapaper, mas rapidamente vi que isso teria sido um enorme des para transmissão e muitos não tiveram uma ligação erro. Primeiro, porque tenho um grupo pequeno aqui no adequada à Internet. Eu mesmo não tive, pois ainda estaLudwig, e demoraria um tempo tremendo. É um perigo va usando modem, que é totalmente inadequado para em termos de dinâmica de grupo concentrar em poucos esse tipo de trabalho. Por estar fora da rede, eu tinha de ligar os esforços de muitos. Inevitavelmente, muitos começariam o telefone para saber se alguém havia seqüenciado algo a cobrar. Segundo, porque para acelerar essa parte final naquele dia. A distância era uma dificuldade. A FAPESP tive de envolver mais pessoas. Todo mundo se conheceu havia assumido um projeto que precisava de agilidade e e entrou com sua cabeça no problema. Foi muito agradámuito dinheiro para ser gasto num curto período de temvel. A idéia sempre foi que todo mundo participasse da po e não sabíamos realmente como fazer. Uma equipe pequeanotation, mas funcionou muito bem com várias pessoas na trabalhou muito para enquadrar as regras da FAPESP assumindo áreas que às vezes não eram de conhecimento dentro da necessidade do projeto. Tivemos momentos de delas, mas aprenderam e fizeram um excelente trabalho. PESQUISA FAPESP

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• Dr. Simpson, para nossos leitores não biólogos, daria para lembrar novamente o que é anotation? - Anotation é o trabalho de identificar um pedaço da seqüência do genoma que representa um gene, que codifica uma proteína e, em seguida, decidir qual tipo de proteína é e qual sua função. Desse modo, descobrimos as prováveis funções biológicas da bactéria com a interpretação das seqüências do genoma. • Existe algum conjunto de gene em processo de patenteamento? - Sim. São genes que achamos que podem ter alguma relação com a clorose variegada dos citros ou algum valor comercial. Independentemente disso, estamos fazendo o pedido de patente. Estamos pedindo primeiro nos Estados Unidos.

• Como o senhor situaria o Brasil no quadro internacional da pesquisa em genômica a partir do projeto da Xylella?

tratégico para o Brasil. Esse trabalho demonstra que a sociedade pode contar conosco. O fato de o projeto ter sido financiado mostra que, se a gente trabalha bem, há lugar para a ciência no Brasil. Nunca tive dúvidas, e no mundo inteiro também não há muita discussão, sobre a qualidade do cientista brasileiro. Temos uma comunidade de pessoas jovens, inteligentes e motivadas que ainda estão optando por fazer ciência. A surpresa, se houve, foi o Brasil colocar US$ 12 milhões num projeto científico. Essa decisão implica coragem, investimento e visão estratégica- agora, sabemos que existem. O complemento já sabíamos que existia: é o talento científico.

''Podemos criar uma capacidade de serviços ou de comércio internacional de tecnologias''

-O Brasil torna-se um país participante. Já estávamos participando, porque há projetas genoma cooperativos, principalmente de parasitas, que contam com grupos brasileiros. Hoje não é mais notícia o seqüenciamento de uma bactéria, que já foi feito dezenas de vezes, mas em poucos países. Essa certamente é uma condição sine qua non para demonstrar que o Brasil é um país onde a genômica está sendo feita. Esse trabalho, na comunidade de especialistas em patógenos de planta, é muito bem visto. Estamos, sim, numa posição de liderança, mas a Xylella por si não é de grande importância. O fato de o projeto ter sido feito em um país do Mercosul vai chamar um pouco a atenção, mas não tanto. Seria notícia muito maior se Angola tivesse realizado um feito desse. Não creio que seja visto com tanta surpresa o fato de o Brasil tê-lo feito. Trata-se de um processo de desenvolvimento natural de nossa comunidade científica, que já publica bastante em revistas internacionais.

• Qual é a importância económica do projeto para o País?

-A importância econômica potencial desse projeto apresenta dois aspectos. Um é o domínio do conhecimento sobre genomas e sua aplicação em agricultura, medicina e meio ambiente. É uma maneira de agregar valores a esses setores e de ajudá-los a se desenvolver. Torna-se possível monitorar melhor a pureza genética dos animais ou realizar testes genéticos em humanos, por exemplo. O outro aspecto é que a tecnologia por si é uma semente de uma nova vertente comercial, que é a própria biotecnologia. Hoje se pode pensar em criar uma capacidade de serviços ou de comércio internacional de tecnologias. Fora do Brasil já há interesse em alugar a ONSA (Organização para Seqüenciamento e Análises de Nucleotídeos), que chamou atenção também de indústrias brasileiras.

• Na medida em que o Brasil é um país rico em biodiversidade, esse conhecimento se torna mais estratégico, não? - Certamente. Vamos ver como tudo se desenvolve, mas possivelmente se pode contemplar, com grande êxito, a aplicação de genomas em biodiversidade de plantas ou para preservação de espécies, mas não de imediato.

• Qual é o lugar da genômica na ciência do século XXI? • E qual é o impacto na comunidade científica brasileira? - O astral dos participantes é excelente. Dá uma grande confiança à comunidade científica saber que a sociedade como um todo está nos apoiando, dando os recursos necessários e a infra-estrutura suficiente para realizar projetas de maior porte, comemorando junto quando temos sucesso e percebendo que ciência faz parte do plano es6

-Uma das ciências-chave do século XXI será a biotecnologia e biologia molecular, cuja base será a genômica. Em alguns anos, como já disseram, não haverá nenhum projeto de pesquisa de biologia que não utilize de uma maneira ou de outra o genoma. A genômica será uma das bases da ciência neste século. E vai mudar nossa vida. PESQUISA FAPESP


Un1a proposta de especialização en1 genon1a de patógenos

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~ O projeto da Xylella fastidiosa foi belga André Goffeau, ~ concluído com êxito. O que o senhor respeitado pesquisador ~ poderia acrescentar à opinião que deu do Instituto Curie, " sobre ele, em novembro passado? em Paris, foi o coordenador do projeto de seqüenciamento - Em novembro, a seqüência já estava completa, os buracos já tinham do genoma da levedura, feito sido fechados, portanto nós estávamos por uma grande rede de cerca bastante satisfeitos. Restava a incerde 100 laboratórios europeus, teza sobre a capacidade de a rede fae concluído em 1996. Quando zer uma anotação correta dos genes, a FAPESP começou a discutir, André Goffeau quer dizer, a determinação da função de genes por análise informática. ainda no primeiro semestre de 1997, a possibilidade de realizar • Mas ainda faltava seqüenciar uma base em novembro, em São Paulo o seqüenciamento de um não é mesmo? microorganismo, Goffeau foi o primeiro especialista estrangeiro chamado a opinar - Não, na última vez em que estive no Brasil antes da conclusão do projeto, os pesquisadores me disseram que sobre o assunto. E sua avaliação, naquele dia mesmo fechariam a última lacuna. Portanto, de que São Paulo estava preparado para o que era preciso era ter uma confirmação da segunda o empreendimento, teve um grande peso parte. Não se sabia como a anotação havia se desenrolana decisão da FAPESP de propor do, sobretudo porque era um trabalho feito por uma o seqüenciamento da X. fastidiosa. rede, com muitos laboratórios, e isso jamais havia sido feito no Brasil ou em qualquer outro país. Normalmente, Como se poderá ver por sua entrevista, as anotações vão para um número limitado de pessoas. Goffeau jamais encontrou razões para Desde então - não faz muito tempo: dezembro, janeiro, se arrepender de sua opinião. Ele se mostra fevereiro- tcrrnou-se claro que a anotação é muito boa. um entusiasta absoluto do feito realizado pelos pesquisadores paulistas, não poupa adjetivos • E o senhor já viu os resultados da anotação? de louvação à estrutura montada para - Não de maneira detalhada, mas eu vi as duas versões o primeiro seqüenciamento completo de um do manuscrito. Li em detalhe e, para mim, está muito clagenoma no Brasil, nem à FAPESP, cuja eficácia ro que a anotação foi bem-feita e, inclusive, apresentou qualifica de extraordinária, identificando-a resultados ao mesmo tempo totalmente inesperados e incomo o primeiro fator de sucesso do projeto. teressantes, no sentido de que se definiu uma série de regiões e de genes possivelmente relacionados à virulência Sua idéia sobre o que o Brasil deve fazer e à patogenicidade da Xylella fastidiosa. daqui por diante em genômica é, com certeza, polêmica. O país, aconselha ele, deve • Há nove genes encontrados na bactéria que estão relaciose concentrar em genomas bacterianos nados à clorose variegada dos citros (CVC), não é mesmo? patogênicos, realizando um projeto desses -Já não sei mais se são nove, mas há toda uma série de a cada ano, e dessa forma se consolidar genes que podem estar relacionados, quer seja com a vicomo a liderança mundial nesse campo. rulência, quer seja com a goma (N.R. - a goma xantana, "Por ora - incentiva - vocês já bateram que, nas laranjeiras afetadas pela CVC, bloqueia o xilema os Estados Unidos. Eles não têm um genoma da planta, prejudicando a circulação da seiva) . H á o operon, que sintetiza a goma, que não é um gene, mas vários fitobacteriano. O de vocês é o primeiro".

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genes, e depois há toda uma série de outras seqüências • E o senhor crê que essa política deveria continuar nos próque poderiam estar relacionadas com a adesão da bactéximos anos? ria ao inseto (N.R.- a cigarrinha transmissora da CVC) e com a virulência em geral. Então, tudo isso é verdadeira- Eu diria que sim, porque é sempre perigoso pensar mente exciting, como se diz em inglês. Em paralelo, há que se pode formar pesquisadores localmente tão bem mecanismos de patogenicidade que eram esperados, coquanto nos EUA ou na Europa. Pois mesmo na Europa mo a secreção pelo complexo três, e que não se confirmaeu exijo que todos os meus estudantes que querem fazer pesquisa façam um curso nos EUA, de maneira a aprenram, da mesma forma que os genes da virulência clássica em patógenos de animais não foram encontrados. Ao der outros métodos, outras abordagens, outras formas de mesmo tempo, encontramos toda uma série de genes que trabalhar, e estou convencido de que é indispensável condão verdadeiramente uma imagem interessante da patotinuar a fazer isso. É preciso continuar e o projeto genoma da Xylella é uma demonstração de genicidade e pelo menos duas classes de genes que não estão presenque isso não é dinheiro perdido. A outra coisa que é preciso dizer: tes que não foram encontrados em outros patógenos, sobretudo anitodos os pesquisadores brasileiros ''Não se trata de um mais. Isso é muito interessante e proproclamam que sua limitação não milagre. Tudo ocorreu va que a anotação foi bem-feita, na é o conhecimento científico e, no minha opinião, justamente porque porque havia uma reserva Estado de São Paulo, nem mesmo é o dinheiro, mas a burocracia. ela trouxe resultados. É isso que é de competência em São novo nesses últimos meses: o interesse e, provavelmente, a qualida• A burocracia? Paulo que foi mobilizada de da anotação, com a detecção de uma seqüência de candidatos age- Em particular, eles dizem que para o projeto'' nes relacionados à virulência. não têm acesso aos produtos e aos equipamentos que vêm quase to• Podemos falar sobre o começo do dos dos EUA, às vezes da Europa, projeto? Quer dizer, o que o levou a pensar, em 1997, que porque os procedimentos aduaneiros são extraordinao Brasil seria realmente capaz de realizar um projeto geriamente ineficazes; e a burocracia universitária, assim noma? como a do governo, exige que se faça o planejamento das despesas com mais de um ano de antecedência. -Há duas coisas a dizer. O Brasil manteve por pelo menos dez anos, ~as talvez por mais tempo, uma política de • E no caso da Xylella? enviar pesquisadores ao estrangeiro- aos Estados Unidos e à Europa - para pós-doutoramento, quase todos, ou a - No caso da Xylella, processou-se um curto-circuito maioria deles, com uma bolsa financeiramente excelente, sobre esse sistema graças à ação da FAPESP, que interveio oficialmente ou oficiosamente para acelerar esse procespor três anos. Era, assim, uma política geral, que o Brasil so. Mas na vida cotidiana essas mesmas regras continuam liquidou há muitos anos. Essa política foi às vezes criticada num certo sentido, dizia-se que custava muito caro, a existir e são sempre um fator limitante da pesquisa braos melhores nem sempre voltavam, e, uma vez que tivessileira. Não posso ficar fazendo julgamentos, mas é uma sem voltado, ficavam sem meios para trabalhar, quer dicomédia. zer, sem ter como utilizar o conhecimento adquirido. Mas para mim ficou muito claro, pela primeira vez, que • E como poderemos, em sua opinião, resolver o problema foi graças a essa política, que durou muitos anos, que o da burocracia? Brasil teve a capacidade de assimilar quase instantanea-Creio que a primeira coisa é ser muito claro em relamente uma tecnologia relativamente nova, para o país, ção a esse problema, que nunca foi realmente exposto pelo menos, que é o seqüenciamento genético. E em topela imprensa. Dizer claramente isso: "É nosso fator lidos os seus aspectos: o da seqüência, mas também o da informática, o de mapeamento do genoma e, agora, o da mitante"; e agir no nível dos governos e dos políticos dianotação. E, portanto, não se trata de um milagre. Tudo zendo: "É isso que limita nossa pesquisa, não é nossa ocorreu porque havia competência, uma reserva de comcompetência, não é nem mesmo o dinheiro; são os papetência no Estado de São Paulo, que foi mobilizada logo péis que os senhores nos fazem preencher com coisas em seguida para esse novo projeto. Foi, portanto, uma inúteis". Como estrangeiro, posso dizer isso facilmente, demonstração de que aquela política foi útil e isto deve porque não estou envolvido, mas para os brasileiros talvez seja muito difícil, não sei. Em todo caso, eu queria ser dito claramente. 8

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sublinhar muito claramente esses dois pontos relevantes: um, o fecundo resultado da política de enviar brasileiros ao exterior; dois, os problemas burocráticos que, no caso da Xylella, foram resolvidos eficazmente graças a uma ação pontual da FAPESP. • Podemos usar a conclusão do Projeto Xylella como um marco, algo que poderá dividir a ciência brasileira num antes e num depois do genoma? Como o senhor vê essa questão?

não fez mais que dez genomas bacterianos em quatro anos. O que mostra que o Brasil pode rapidamente ocupar esse nicho do genoma bacteriano patogênico de plantas, animais ou humano, em vez de se dispersar. • Como pensar nisso, quando já há projetas genoma de outra natureza em curso?

- Sei que é muito difícil agora, quando já há projetas como o da cana-de-açúcar e o do câncer. São projetas que, -Para mim- e não tenho nenhuma dúvida- se o Prona minha opinião, terão menos impacto porque não são de um genoma inteiro; são aquilo jeto Xylella for de fato publicado na Nature (e acho que o será, porque chamamos de ESTs, etiquetas. que o artigo é muito bom), será São úteis, mas provocam menos como um tiro de canhão na cena impacto psicológico e científico ''só quatro países internacional. Há só quatro paíque o genoma inteiro - talvez não haviam feito um genoma ses no mundo que fizeram um científico, mas decerto psicológico. genoma completo dentro de seu Como estratégia, eu diria, se esticompleto em seu próprio país - desde a obtenção vessem em jogo o meu dinheiro e próprio território: do DNA até a análise informática, o meu país: "especializemo-nos no passando pelas seqüências: os Esgenoma bacteriano fitopatogênico EUA, Japão, Alemanha e outros': tados Unidos, o Japão, a Alemanha (com um genoma) e a Suécia e Suécia'' (também com um genoma). Nem • Terminado o projeto da levedura, a França, nem mesmo a Inglatera rede de laboratórios europeus forra, com o enorme Sanger Center, mada para desenvolvê-lo também fizeram, que eu saiba, um genoma inteiro sozinhas. Foi acabou. Mas no Brasil a ONSA deverá continuar seu percurso. Qual a sua opinião sobre isso? sempre um trabalho de colaboração. Creio que o Brasil marca de verdade um ponto importante, porque está realmente na ponta da competição. E isso será bastante -Eu repito o que disse: com a infra-estrutura que foi considerado durante um tempo. Geralmente essas coiconstruída e a competência que foi estabelecida, o Brasas têm um efeito psicológico durante uns meses, um sil deve se especializar em genomas bacterianos patogêano, talvez, mas, se o Brasil vai manter esse lugar que alnicos. E, por exemplo, apresentar todos os anos um cançou, vai depender do que será feito e publicado no novo genom~ de bactéria fitopatogênica, de maneira a futuro. ocupar esse campo como líder mundial bem antes dos Estados Unidos. É possível fazer isso mantendo a rede de laboratórios. A competência existe, o dinheiro existe, • Quais as suas expectativas quanto ao futuro do Brasil na a única coisa que impediria esse caminho seria o foco genômica? das estratégias. Penso que é claro como resposta: eu aconselho fazer um genoma fitobacteriano a cada ano, -O Brasil pode se tornar muito competitivo nesse domínio, diante da Suécia, Japão, Alemanha, França e Reino como objetivo. Unido. Mas para isso é preciso que faça outros genomas com a mesma eficácia, isto é, genomas bacterianos pato• Em algum momento o senhor duvidou da possibilidade de gênicos. O país pode ocupar muito bem esse campo, dessucesso do projeto? de que se especialize. Tem toda a estrutura para fazê-lo e há um segundo genoma similar em curso, o Xanthomo- Na verdade não, mas o período difícil, que tomou nas. Eu diria muito claramente que em vez de diversificar, quase seis meses, foi o fechamento dos últimos 14 gaps. Naquele momento pensamos que talvez fosse mesmo imem vez de estudar outros genomas de plantas, de parasitas, e mesmo de doenças humanas, o Brasil deveria se espossível fechá-los. A rede brasileira respondeu a isso tenpecializar em genomas bacterianos patogênicos. Poderia tando, em paralelo, todas as abordagens prováveis. Tentase especializar nisso tudo que os pesquisadores já sabem ram de tudo ao mesmo tempo, de modo que no Brasil o shot-gun, uma biblioteca lâmbda, lâmbda dúplex, crofazer bem e, portanto, podem fazê-lo rapidamente, tanto que tem um segundo projeto sendo feito. Mesmo a Tiger, mossoma walkinge, finalmente, cada uma dessas abordaque é a grande estrela do seqüenciamento americano, gens foi útil e pôde fechar uma lacuna. Em novembro, fePESQUISA FAPESP

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chou-se o último buraco graças a uma seqüência de shot gun. Mas alguns também foram fechados por lâmbda, outros por dúplex, cromossoma walking, primer extension. Isso mostra, mais uma vez, que a competência

teve uma atitude que favorecia acima de tudo a colaboração, e não a impressão de que alguns estariam tirando proveito em particular do projeto. Assim, repito: a eficácia da FAPESP, o financiamento do qual depende a infraestá presente no Brasil. Ela não é aparente, não sei por estrutura, o comitê externo, a informática de Campinas e a ação do coordenador do ponto de vista psicológico, que que, mas fazer o fechamento do genoma, com todas as é mais importante que o técnico. E havia, enfim, a comabordagens ao mesmo tempo, mostra uma competência petência necessária para fazer todas as abordagens ao que estava no país e não era utilizada. mesmo tempo. Havia sempre alguém, em algum lugar, que tinha a competência. A receita do milagre é tudo isso. • O senhor quer acrescentar mais alguma coisa? Não sei se vai continuar. Agora os outros estados brasileiros também vão tentar fazer geno- Na minha opinião, são cinco os ma (o Rio de Janeiro vai tentar... ), elementos do sucesso do projeto não sei se vai dar certo por muitas brasileiro - e estamos falando de razões, mas uma delas é que os um verdadeiro sucesso, quase úni''concentrem-se em co, para além dos esforços eurooutros estados vão ter dificuldade genomas bacterianos de fazê-lo sem contar com a eficápeus de seqüenciamento em rede da levedura e do Bacilus suptilis. E da FAPESP. cia patogênicos e sejam é preciso ser muito claro sobre esos mais fortes do • Isso é um problema para o Brasil? ses cinco elementos: número um, A eficácia dos outros laboratórios... e é o principal, como eu jamais mundo; por ora, vocês havia visto antes, é a eficácia da - Para mim não são os laboratóFAPESP. É uma coisa extraordinájá bateram os EUA'' rios, mas a estrutura, eles não têm ria e, nesse caso, foi algo fenomenal. a FAPESP, não têm dinheiro sufiPodemos nos perguntar por quê. ciente, não têm acordo, foco. De É devido a fatores humanos, com todo modo eles vão fazer, mas não sei se vai dar certo. certeza, e o empenho pessoal determinou que se fizesse Aqui em São Paulo o objeto a ser seqüenciado foi muito isso muito rapidamente e de maneira eficaz, e se escapou da burocracia. A segunda razão é que o financiamento esbem escolhido: é um pequeno genoma. E, entretanto, ele mostrou ser muito difícil de seqüenciar. E ele tem uma tava disponível e não foi jamais um fator limitante. Essas grande importância para a economia. Os outros estados são as duas razões principais do sucesso. A terceira, talvez, é que o projeto teve um comitê de consultores independificilmente escolherão tão bem. O que quero dizer é que os outros estados somente copiarão e, assim, o Estado de dente da política local. Escapou-se da política local porSão Paulo contribuiu mostrando muito bem o exemplo. que havia esse board de pessoas que davam conselhos, que nem sempre foram seguidos, mas que permitiram um processo de tomada de decisões alheio à influência da • O Rio de Janeiro já declarou sua intenção de seqüenciar o política local do país. Penso que isso foi importante na Trypanosoma cruzi. eficácia da FAPESP, que pôde sempre dizer "sim, nossos - Creio que isso será difícil, porque o genoma é bem conselheiros estrangeiros disseram isso e aquilo e, portanto, não podemos nos deixar levar por considerações maior. De outro lado, há muitos outros países do mundo locais". Compreende? Houve esse board independente, que vão fazer o Trypanosoma ou uma parte dele, quer dicujas opiniões foram muito consideradas. A quarta razão zer, será um esforço muito diluído no tempo e também é realmente extraordinária e inesperada, acho que foi geograficamente, e poderá não ter o mesmo impacto. Acho que não é uma escolha tão boa quanto foi a de São mesmo uma sorte: vocês tiveram uma informática rigorosa, um pessoal de informática rigoroso. É um verdadeiPaulo. Certamente é importante ter esse genoma, mas isso tomará vários anos e, além disso, ele não será totalro milagre! Isso também é resultado da política a longo mente brasileiro como o daXylella; será 30%, 10% brasiprazo de enviar pessoas ao exterior. E essas pessoas foram leiro, uma vez que há outros países que também fazem muito determinantes. Seu rigor, sua competência e sua determinação são um verdadeiro milagre. O último fator outros cromossomas do genoma do Trypanosoma. É por isso que digo: não cometam esse mesmo erro. Concendo sucesso foi a boa vontade reinante entre todos os pesquisadores. Não houve muitas, aliás, quase nenhuma pestrem-se em pequenos genomas bacterianos fitopatogêsoa que puxasse o tapete. Não sei se isso vai continuar no nicos e sejam os mais fortes do mundo; por ora, vocês já futuro, mas durante esses três anos a coesão foi exemplar. bateram os Estados Unidos: eles não têm um genoma fiE isso acho que se deve ao coordenador do projeto. Ele tobacteriano, o de vocês é de fato o primeiro. 10

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No cenário aberto, o desafio é escolher betn os próxitnos passos ;::;;:::::;:;;;;;;;;;;;;;;::::=::======:::;;;;;;;;::::::::; ~ • O que significou para o senhor, proominado por um ~ fissionalmente sempre ligado à acadeentusiasmo irreprimível mia, ver-se num grande palco, aplauque o sucesso do projeto dido por mais de mil pessoas de pé? da Xylella fastidiosa só fez expandir, o físico -Acho que aquele aplauso destinava-se ao sucesso de uma iniciativa. José Fernando Perez, 55 anos, Não era dirigido à minha pessoa, mas diretor científico da FAPESP, à FAPESP e a todas as instâncias da olha para o futuro com instituição que estiveram nesse proalgumas certezas, muitas jeto de forma exemplar. Eu disse ali, esperanças e umas tantas mas gostaria de ter enfatizado mais: José Fernando Perez o sucesso da iniciativa deve-se ao Conindagações. Uma das certezas: selho Superior da Fundação, que aceitou a proposta de um ele está convencido de que há um antes projeto de natureza singular, que envolvia uma ousadia e um depois no panorama da pesquisa enorme, riscos e a exigência de um volume de recursos sem científica no país, demarcados exatamente precedentes na história da ciência brasileira; o sucesso depela êxito do trabalho com a X. fastidiosa, ve-se à diretoria e às outras instâncias da FAPESP que também assumiram o risco. Outro ponto muito importante que constitui, em sua avaliação, "uma para o sucesso foi o gerenciamento do projeto pela Internet, afirmação da ciência brasileira em escala". desde quando as solicitações chegavam por e-mail e... Entre suas esperanças, inclui-se a de o Brasil apresentar, num horizonte de apenas cinco • ... E o que acontecia, então? anos, um quadro novo no campo da ciência - ... Chegavam as solicitações por e-mail, e tudo ia sene da tecnologia, com o sistema acadêmico do pilotado na diretoria científica pelo (assessor de infordando contribuições ainda de maior impacto mática) Carlos Pian, que teve um desempenho notável, ao desenvolvimento do país, e o sistema uma dedicaÇão e um entusiasmo impressionantes pelo de inovação tecnológica revelando-se vigoroso projeto. Todo o processamento seguia em ritmo acelerano ambiente empresarial. Mas ele mesmo do, até mesmo para os padrões normalmente ágeis da FAPESP, com destaque para a importação sob o controressalva que há algumas pré-condições le da (gerente) Rosely Prado, para as contratações tocadas macroeconômicas para que isso aconteça, pelo pessoal da diretoria administrativa, sob o comando às quais fez referência na entrevista do professor (Joaquim José de Camargo) Engler, e para o concedida a Pesquisa FAPESP. excelente trabalho de divulgação feito pelo pessoal da Finalmente, entre as indagações que se Comunicação, sob a coordenação do diretor-presidente Francisco Romeu Landi. impõem ao raciocínio fervilhante de Perez estão: dentre tantas possibilidades, qual • A importação era principalmente dos seqüenciadores. o melhor caminho a tomar agora para o desenvolvimento da pesquisa genômica - Sim. E devo relatar que, quando fizemos a primeira no Brasil? e qual o melhor modelo para reunião do grupo de participantes do projeto e informei da decisão da FAPESP de processar a importação, porque institucionalizar a rede ONSA, sem cair em não podíamos correr o risco de sofrer os percalços que normecanismos tradicionalmente pouco eficazes malmente se sofre quando ela é feita por outros órgãos, para viabilizar uma interação entre a FAPESP, houve aplausos. E o pessoal da importação esteve à altura instituições de pesquisa paulista, eventuais da expectativa. Depois veio a decisão de investir mais ftmdo no genoma, de transformar o projeto em programa, e parceiros e os próprios pesquisadores?

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em todo esse processo o apoio da instituição foi determinante. Portanto, a sensação que tive na hora dos aplausos foi de que ali estava um reconhecimento de clara dimensão institucional. Eu representava a FAPESP, não formalmente, digamos, mas em sua face de interlocução com os cientistas, que é uma das responsabilidades da diretoria científica.

• Mas há sempre uma gratificação pessoal.

• Quais, por exemplo? -Já fomos consultados por uma empresa norte-americana sobre a possibilidade de fazermos, sob encomenda, o seqüenciamento de uma variante da própria Xylella. Também um grupo australiano, que está seqüenciando a Clavibacter Xyli, uma bactéria que ataca a cana-de-açúcar e que já era uma hipótese para um futuro projeto nosso, nos propôs uma parceria, considerando que assim o projeto será concluído em velocidade muito maior. Refiro-me apenas aos desdobr.amentos do Projeto Xylella. Acredito que a publicação, em breve, do trabalho da Xylella deve aumentar muito toda essa repercussão.

-Veja, eu acho que é um privilégio, realmente uma honra muito grande, estar aqui na FAPESP durante todo esse tempo, participar desse projeto desde a sua concepção e chegar a esse ponto culminante, do projeto terminado, com sucesso, dentro do praprojeto da Xylella zo, dentro do orçamento. Há, então, foi possível graças base uma sensação de realização muito grande e eu obviamente fico muito de recursos humanos honrado em ter tido esse privilégio.

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• Numa visão sem ufanismo, como o sucesso desse projeto situa o Brasil no contexto internacional da ciência?

que vem sendo construída no país ao longo dos últimos 35 anos''

-A visibilidade internacional do projeto Xylella e do Programa Genoma começa a ficar muito grande. O fato de a X. fastidiosa ser o primeiro patógeno vegetal que se iria seqüenciar já havia sido ressaltado pela Nature, na notícia que publicou quando começamos. Depois, em meados de 1998, a revista publicou o trabalho escrito pelo Andrew Simpson e por mim, a convite da própria Nature, em que descrevemos a arquitetura inovadora do projeto. Isso também mostra o interesse que suscitaram o projeto, a estratégia traçada para executá-lo e o fato de ele estar sendo feito fora do eixo tradicional, digamos, das grandes potências científicas e tecnológicas.

• Mas e a repercussão internacional depois da conclusão do projeto? - Em janeiro, quando a conclusão foi anunciada, em San Diego, Califórnia (no I Encontro de Genomas Microbianos Relevantes para a Agricultura), a repercussão foi muito grande. Logo em seguida, a Sociedade Americana de Fitopatologia convidou o doutor Simpson para falar da Xylella, e o professor (Fernando) Reinach, do projeto Xanthomonas, em sessões plenárias de seu congresso, em agosto próximo. E a presença dos dois não esgota a participação brasileira no evento, porque haverá outras contribuições derivadas de estudos que estão sendo realizados no projeto funcional da X. fastidiosa. Além disso, eu fui convidado para um encontro de genômica da Comunidade Européia, na França. Mas há outros desdobramentos. 12

• O interesse despertado pela Xylella na área política pode servir de alavanca a um maior investimento nacional em genômica e na pesquisa científica em geral?

-Estou convencido de que temos um antes e um depois desse projeto, também nesse aspecto. Faço uso das palavras do professor Paulo Arruda, um pesquisador de primeiríssima qualidade que, em seu depoimento no vídeo sobre o Projeto Xylella, disse que sua vida científica tem um antes e um depois do projeto. Penso que temos a mesma demarcação do ponto de vista da política científica, porque esse projeto propiciou uma afirmação da ciência brasileira em escala, e isso pode ser até mais importante do que se tivéssemos ganhado o Prêmio Nobel. Porque há a dimensão coletiva da realização, que está ausente em premiações. Essa dimensão tem que ser sublinhada, porque ela mostra que temos um potencial muito grande para dar saltos em nossa competência. E o fato de o governo do Estado encampar essa realização lhe confere uma dimensão maior, uma dimensão política.

• A Xylella então repõe a ciência na pauta da política nacional? - Exatamente. E acreditamos que a ciência entrar na pauta da política é o primeiro passo para ela ser incorporada numa visão estratégica de país. Então, realmente é importante a dimensão que o projeto adquiriu, sua divulgação, o passo acertado do governo, feliz passo, ao lhe atribuir uma grande dimensão pública.

• Concluído o projeto, alguns estados se mobilizaram para estabelecer parceria com São Paulo em pesquisa genômica, não é mesmo?. - Sim, o que mostra a percepção de que há uma forma nova de fazer ciência, cooperativa e, ao mesmo tempo, PESQUISA FA PES P


competitiva internacionalmente. Ciência que produz grande visibilidade científica, que remete a problemas nacionais e cujo papel estratégico, portanto, a classe política começa a perceber. Mas há o perigo de se concluir que, daqui por diante, deve-se fazer só projetas dessa natureza, o que sena um erro. • É preciso todo tipo de projeto para consolidar a base científica no país...

ma Cana e o projeto Biota têm relação com isso. Mas aos três elementos do Dyson eu junto a questão do trabalho coletivo na ciência. • Parece-me que sua visão de uma dinâmica completa de pesquisa científica e tecnológica, num estado ou num país, pressupõe simultaneamente grandes projetas sendo feitos em cooperação, projetas tocados por equipes menores e projetas individuais; pesquisa sendo feita no ambiente acadêmico e pesquisa, sobretudo tecnológica, na empresa. Em quanto tempo esse será o quadro rotineiro no Brasil?

- Exatamente. Aliás, o projeto da Xylella só foi possível, desde sua concepção, graças à base de recursos humanos em ciência que vem sendo construída neste país ao longo dos últimos 35 anos. ''Em cinco anos teremos E é importante perceber que o um novo panorama projeto chegou ao fim apresentando entre seus principais parâmede pesquisa científica tros de sucesso exatamente a ame tecnológica no Brasil, pliação dessa base de competência - gente formada e treinada na se houver uma retomada fronteira do conhecimento e novas lideranças científicas. de crescimento'' • Estão previstos convênios com outras fundações estaduais de amparo à pesquisa para treinar pessoal de outros estados em genômica?

-Já temos convênios assinados com Pernambuco e Alagoas para o projeto da cana. Novos convênios podem ser estabelecidos com outras Faps, e até com órgãos federais, no sentido de articular um grande esforço nacional na área de genômica, principalmente na parte de informática. A competência para a cooperação tem que ser desenvolvida, sem o que não conseguiremos processar eficientemente o enorme volume de dados que começa a ser gerado pelos projetas genoma.

- Acho que em cinco anos teremos um novo panorama de pesquisa científica e tecnológica no Brasil, determinado por alguns fatores que devem convergir nesse sentido: primeiro, a própria necessidade de inovar para competir, de que as empresas começam a tomar consciência, e, em segundo lugar, o estímulo que novas condições de desenvolvimento do país devem exercer para a ampliação de nossa base já existente de produção de ciência e tecnologia. É claro que as coisas serão assim se houver, de fato, uma retomada significativa de crescimento nos próximos anos, uma diminuição da taxa de juros, a entrada de mais capital de risco no país, e uma forma mais efetiva de organização desse capital de risco. Nesse caso, como acho que já estamos com uma base preparada para essa ampliação, penso que o governo poderá exercer o papel de articular novas iniciativas em C&T - e a própria FAPESP também pode, eventualmente, ter algum tipo de atuação nessa dimensão. Vejo bons sinais vitais. Por isso acho que em cinco anos vamos ver o sistema científico acadêmico dando contribuições ainda de maior impacto e um sistema de inovação tecnológica forte em ambiente empresarial, ou pelo menos muito mais forte do que atualmente.

• A impressão, para um leigo, é de que o século XXI será orientado pela informática e pela genética. Pergunta-se até onde o computador vai transformar a vida cotidiana e quanto as conquistas da genética molecular vão transformar a vida humana. Qual é a sua visão?

• A rede ONSA terminou um projeto genoma e está tocando mais três. Ela está pronta agora para deixar de ser virtual e se tornar institucional?

- Há um livro do físico norte-americano Freeman Dyson, The Sun, the Genome and the Internet, muito provocativo, que propõe esses três ingredientes - o sol, o genoma e a Internet- como os que terão o maior impacto na vida do homem nas próximas décadas. Eu concordo. E acho que em São Paulo, dos três elementos, só não estamos usando na pesquisa, como poderíamos, o sol, que nesse contexto está posto como o grande gerador de novas energias. De todo modo, o projeto Geno-

- Temos hoje, como disse, vários contatos internacionais sendo feitos, seja para seqüenciamento de bactérias, para cooperações na área do genoma cana ou para verificar as possibilidade de uso do método ORESTES em identificação de genes. Isso mostra que o potencial da ONSA para participar ou liderar projetas, tanto acadêmicos quanto de natureza mais empresarial, poderá exigir uma nova configuração da rede. Acho que a estrutura virtual vai continuar existindo, mas talvez tenhamos que achar

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pressão gênica. Essa parte é essencial. E é bom observar um formato institucional que não seja simplesmente o de que, como ocorreu no mundo, está começando aqui em um conjunto de projetos, que é, de fato, o que hoje a São Paulo um processo cultural de migração de jovens ONSA é. Temos 54 laboratórios trocando informações que tiveram sua formação na área de física, matemática entre si, com uma visão integrada e integradora conferie tecnologia da informação para laboratórios de genétida pela ação da FAPESP, que não está formalizada, escrica. Esse é um fenômeno importante, inclusive porque a ta, nada- é apenas uma ação. Talvez se possa pensar num migração, além de física, tem de ser de atitude. Dos conformato diferente da interação da FAPESP com a rede e ceitos e da competência. Ao longo das últimas décadas, a em maneiras criativas de redefinir o relacionamento da competência de trabalhar com um grande volume de daFundação com os pesquisadores. É uma coisa compledos se acumulou, em astrofísica, xa, porque esses pesquisadores física de partícula elementar, menão estão em qualquer lugar; estão teorologia, e agora ela precisa se em instituições de pesquisa. Enpotencial da ONSA transferir para o ambiente da getão, trata-se de uma relação que tem de envolver a FAPESP, as insnética. para participar ou liderar tituições e eventuais parceiros, sem • O senhor diria que persiste um cair em mecanismos tradicional''gap" entre as exigências das novas mente pouco eficientes para viabiou empresariais poderá áreas da biologia e aquilo que os cu rlizar a interação. sos de graduação oferecem? ex1g1r uma nova • Para quando o senhor espera a configuração da - Sim, e mesmo nos países deconclusão do Genoma Humano do senvolvidos isso só começa a ser Câncer, do Genoma Xanthomonas e do Genoma da Cana-de-Açúcar? corrigido agora. Os cursos de biologia precisam treinar mais seus estudantes em matemática, não só em matemática estatística, que era a úni- O genoma da Xanthomonas é duas vezes maior que o da Xylella, tem 5,4 milhões de pares de bases, está sendo ca formação nesse campo exigida tradicionalmente de feito com pessoal duas vezes menor e vai gastar o mesmo um biólogo. Hoje, um biólogo precisa pelo menos dialogar de forma eficiente com quem faz matemática e fítempo. Como o cronograma está adiantado, nossa previsica. Do mesmo modo, os matemáticos e os engenheiros são é de que o projeto esteja terminado dentro de um ano. O genoma do câncer também está muito avançado, têm de incorporar em sua formação básica mais biolojá foram obtidas 170 mil seqüências que continuam sengia. Chegamos à necessidade de uma formação mais integrada e a universidade brasileira, as universidades do verificadas, então a meta de 500 mil seqüências vai ser paulistas têm de se preparar para isso. Sinto uma dispofacilmente atingida antes do fim deste ano. No que diz respeito à anotação, ou seja, à identificação dos genes, a sição das lideranças nesse sentido, que nem sempre corcoisa demora um pouco mais, mas estamos finalizando responde a igual capacidade de ação institucional. A o acerto com o Instituto Ludwig relativo a um investiuniversidade tem seus rituais, que precisam ser agilizamento para acelerar a bioinformática. E, finalmente, o dos para responder rapidamente a esse desafio. projeto da cana também está indo num ritmo muito acelerado, tanto que acho que antes do fim do ano tere• Qual o passo mais importante a ser dado nesse momento mos a parte de seqüenciamento. pela FAPESP para criar o futuro na direção que o senhor apontou ao longo da entrevista? • Comentam-se outros desdobramentos do projeto Xylella na área de bioinformática. O senhor pode falar sobre isso? -O que fazer nesse instante? Veja, estamos na curiosa situação de uma pessoa que sobe o morro e do alto vê um - Queremos ter uma visão articulada da tecnologia cenário completamente novo à sua frente, com um núnova de microarrays e a FAPESP, além da parceria com o mero enorme de opções. Ao olhar isso, sua primeira senLudwig para a expansão da bioinformática, está finansação é de prazer por contemplar esse novo cenário. Mas ciando um grande centro na USP liderado pelo profeso cenário existe e vai continuar existindo como oportusor Hugo Armelin. É um projeto muito ambicioso, que nidade, se agirmos rapidamente. É difícil dizer o que exavai envolver a utilização dessa tecnologia de microarrays tamente temos de fazer agora. Acho que nosso primeiro em todos os projetos genoma já em curso. É importante passo essencial é consolidar nossa liderança em certas aumentar nossa competência em todas as novas tecnoloáreas, demonstrar essa competência, porque isso é que gias que tornam mais eficiente detectar quais são os gevai nos permitir fazer as opções que são reais dentro desnes que se expressam mais, investigar a questão da exse cenário, e não apenas miragens.

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projetas acadêmicos

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um formato institucional que não seja simplesmente o de pressão gênica. Essa parte é essencial. E é bom observar um conjunto de projetas, que é, de fato, o que hoje a que, como ocorreu no mundo, está começando aqui em ONSA é. Temos 54 laboratórios trocando informações São Paulo um processo cultural de migração de jovens entre si, com uma visão integrada e integradora conferique tiveram sua formação na área de física, matemática da pela ação da FAPESP, que não está formalizada, escrie tecnologia da informação para laboratórios de genétita, nada- é apenas uma ação. Talvez se possa pensar num ca. Esse é um fenômeno importante, inclusive porque a migração, além de física, tem de ser de atitude. Dos conformato diferente da interação da FAPESP com a rede e em maneiras criativas de redefinir o relacionamento da ceitos e da competência. Ao longo das últimas décadas, a Fundação com os pesquisadores. É uma coisa complecompetência de trabalhar com um grande volume de daxa, porque esses pesquisadores dos se acumulou, em astrofísica, não estão em qualquer lugar; estão física de partícula elementar, meem instituições de pesquisa. Enteorologia, e agora ela precisa se potencial da ONSA tão, trata-se de uma relação que transferir para o ambiente da genética. tem de envolver a FAPESP, as inspara participar ou liderar tituições e eventuais parceiros, sem cair em mecanismos tradicional• O senhor diria que persiste um projetas acadêmicos mente pouco eficientes para viabi''gap" entre as exigências das novas ou empresariais poderá lizar a interação. áreas da biologia e aquilo que os cu rsos de graduação oferecem? ex1g1r uma nova • Para quando o senhor espera a configuração da conclusão do Genoma Humano do - Sim, e mesmo nos países desenvolvidos isso só começa a ser Câncer, do Genoma Xanthomonas e do Genoma da Cana-de-Açúcar? corrigido agora. Os cursos de biologia precisam treinar mais seus estudantes em matemática, não só em matemática estatística, que era a úni- O genoma da Xanthomonas é duas vezes maior que o da Xylella, tem 5,4 milhões de pares de bases, está sendo ca formação nesse campo exigida tradicionalmente de feito com pessoal duas vezes menor e vai gastar o mesmo um biólogo. Hoje, um biólogo precisa pelo menos diatempo. Como o cronograma está adiantado, nossa previlogar de forma eficiente com quem faz matemática e físão é de que o projeto esteja terminado dentro de um sica. Do mesmo modo, os matemáticos e os engenheiros ano. O genoma do câncer também está muito avançado, têm de incorporar em sua formação básica mais biolojá foram obtidas 170 mil seqüências que continuam sengia. Chegamos à necessidade de uma formação mais indo verificadas, então a meta de SOO mil seqüências vai ser tegrada e a universidade brasileira, as universidades facilmente atingida antes do fim deste ano. No que diz paulistas têm de se preparar para isso. Sinto uma disporespeito à anotação, ou seja, à identificação dos genes, a sição das lideranças nesse sentido, que nem sempre corcoisa demora um pouco mais, mas estamos finalizando responde a igual capacidade de ação institucional. A o acerto com o Instituto Ludwig relativo a um investiuniversidade tem seus rituais, que precisam ser agilizamento para acelerar a bioinformática. E, finalmente, o dos para responder rapidamente a esse desafio. projeto da cana também está indo num ritmo muito acelerado, tanto que acho que antes do fim do ano tere• Qual o passo mais importante a ser dado nesse momento mos a parte de seqüenciamento. pela FAPESP para criar o futuro na direção que o senhor apontou ao longo da entrevista? • Comentam-se outros desdobramentos do projeto Xylella na área de bioinformática. O senhor pode falar sobre isso? -O que fazer nesse instante? Veja, estamos na curiosa situação de uma pessoa que sobe o morro e do alto vê um - Queremos ter uma visão articulada da tecnologia cenário completamente novo à sua frente, com um núnova de microarrays e a FAPESP, além da parceria com o mero enorme de opções. Ao olhar isso, sua primeira senLudwig para a expansão da bioinformática, está finansação é de prazer por contemplar esse novo cenário. Mas ciando um grande centro na USP liderado pelo profeso cenário existe e vai continuar existindo como oportusor Hugo Armelin. É um projeto muito ambicioso, que nidade, se agirmos rapidamente. É difícil dizer o que exavai envolver a utilização dessa tecnologia de microarrays tamente temos de fazer agora. Acho que nosso primeiro em todos os projetas genoma já em curso. É importante passo essencial é consolidar nossa liderança em certas aumentar nossa competência em todas as novas tecnoloáreas, demonstrar essa competência, porque isso é que gias que tornam mais eficiente detectar quais são os gevai nos permitir fazer as opções que são reais dentro desnes que se expressam mais, investigar a questão da exse cenário, e não apenas miragens.

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RONALDO MOTA SARD EMBERG

Resultado da cooperação Hoje, a biotecnologia se inscreve num quadro amplo grande feito alcançado pelos pesquisadores do Proem que dominam novas tendências com relação à ciência jeto Genoma muito orgulha a ciência brasileira e confirma, mais uma vez, a capacidade de nossos e tecnologia, à globalização e à sustentabilidade. Essas são cientistas. Congratulo-me com a FAPESP e demais instiquestões-chave no plano internacional e continuarão, tuições participantes do projeto, bem como com toda a ainda por longo tempo, a dominar os debates públicos equipe envolvida na pesquisa. dentro e fora do País. É com satisfação que registro o Os avanços da biotecnologia têm nítido interesse para os países apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia, ainda na etapa inicial em desenvolvimento, devido a seu ''A biodiversidade potencial de enfrentar os desafios do projeto, quando o Subprograe a base científica associados ao incremento da proma de Biotecnologia do PADCT financiou seis Plataformas Tecnodutividade agrícola e a conquisinstalada nos lógicas na área de citricultura no tas na área da saúde. Com efeito, beneficiam rumo Estado de São Paulo. Como resuluma de suas promessas é contritado, surgiu o interesse e a base buir para o atendimento das neao desenvolvi menta técnica para o estudo da Xylella cessidades de nossos países, como fastidiosa, que foi assumido pela pobreza, fome e doenças, o que sustentável'' FAPESP em colaboração com ourequererá a conjugação de esfortros parceiros de São Paulo. O Proços para a promoção de políticas grama Agronegócios do CNPq públicas que as privilegiem, além de considerável reorientação dos atuais padrões de deapoiou diversas ações resultantes das recomendações senvolvimento tecnológico. dessas Plataformas, entre elas o Projeto Genoma que, Por outro lado, a ausência de benefícios claramente posteriormente, também recebeu bolsas de desenvolviidentificáveis leva-nos, algumas vezes, a perceber essa tecmento tecnológico e bolsas de apoio técnico. Mais do que fato isolado, essa conquista deve ser examinologia em termos dos riscos - reais ou imaginários - e dos potenciais danos que a ela possam estar vinculados. nada sob uma perspectiva mais abrangente, como o ápice de Para superar essa percepção negativa, são necessárias esum esforço exemplar de cooperação que congregou comunidade científica, setor empresarial, instituições públicas tratégias que permitam maximizar os benefícios reais da de amparo e fomento à pesquisa e órgãos governamentais. biotecnologia e controlar e minimizar seus riscos. A capacitação do Brasil na área da biotecnologia figuPara isso, a Comissão Técnica Nacional de Biosseguranra entre os principais propósitos da política de ciência e ça- que o Dr. Andrew Simpson ajudou a estruturar e intetecnologia do governo do presidente Fernando Henrique grou durante sua fase inicial- mobiliza, desde 1996, seus Cardoso. Mais que em outros domínios do conhecimenmelhores esforços no sentido de oferecer à sociedade a mais to, a biologia e a biotecnologia são setores onde as transcriteriosa análise, sob o ponto de vista da saúde humana formações são mais evidentes e atingem de forma mais e animal e da proteção ao meio ambiente, de todos os proprofunda o ser humano individualmente e a coletividade. jetas envolvendo organismos geneticamente modificados. Por essa razão, a biotecnologia está incluída entre as A conquista que hoje celebramos deve sinalizar, para prioridades do Avança Brasil (2000-2003). O Ministério da nossa sociedade e para a comunidade internacional, que Ciência e Tecnologia e os órgãos a ele vinculados, em partisomos parceiros viáveis em projetas de desenvolvimento cular o CNPq e a FINEP, juntamente com a Embrapa, do de médio e longo prazos - nesta e em outras áreas. A riMinistério da Agricultura, e a Fiocruz, do Ministério da queza de nossa biodiversidade, associada à base científica Saúde, estão envolvidos no processo de implementação do de pesquisadores e laboratórios aqui existente e aos invesPlano Plurianual de Biotecnologia e Recursos Genéticos. timentos nacionais em pesquisa e desenvolvimento, perMais de 270 milhões de reais serão aplicados nos mite que aspiremos a uma participação ativa nessa tranpróximos quatro anos, com os objetivos de desenvolver sição rumo ao desenvolvimento sustentável. produtos e processos biotecnológicos relevantes para a produção industrial, a agropecuária e a saúde humana e conservar recursos genéticos. R ONALDO M OTA S ARDEMBERG É MIN ISTRO DA CiENCIA E T ECNOLOGIA

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MÁRIO COVAS

Utna grande conquista biotecnologia está na confluência da química, da física e argumento era decisivo: se Deus parou o Sol, para permitir que os hebreus, chefiados por Joda biologia. O fato ressalta a importância do Estado como articulador desses setores não apenas entre si, mas sué, continuassem a combater os amoritas, era também com a iniciativa privada. evidente que o grande astro- e não a Terra- é que estaria em movimento. O argumento não foi suficiente para Não há, hoje, como pensar em crescimento econômico sem competitividade. Para interromper a trajetória do planeque nossos produtos sejam comta, que continuou a girar em torpetitivos, é necessário tecnologia. no ao Sol. Eppur, si muove. São Paulo dispõe de um vasto Anos antes, em 1609, Galileu ''Não faltará aparato criador de ciência e tecassestara seu telescópio contra os a este governo nologia. Mantém uma grande encéus. E descobrira os anéis de Satidade fomentadora de seu desenturno, as luas de Júpiter, as mondeterminação volvimento, que é a FAPESP. É tanhas da Lua. O universo em para apoiar projetas dotado de profissionais altamente movimento... Contou mais de especializados. Conta, por fim, quarenta estrelas ali, no aglomerade pesquisa do que forma as Plêiades - onde com a vontade política do Governo de facilitar o acesso à tecnoloa olho nu os antigos viam sete e semelhantes'' gia, inclusive para as micro e peonde hoje se distinguem milhares. quenas empresas. E São Paulo No mesmo século em que o quer continuar a ser multiplicahomem se voltava à imensidão do dor de conhecimentos para o país, universalizando o cosmos, debruçou-se também sobre a micrographia, os pequenos traçados, descobrindo e batizando as células. progresso e o bem-estar por todo o território nacional. A liberdade do homem se fundamenta em três prinPor um prato de lentilhas, Esaú vendeu a Jacó seus dicípios: a justiça, a cultura e a ciência. Todo governo dereitos de progenitura. Com uma semente da mesma famímocrático tem a obrigação de garantir o seu exercício. lia- a ervilha- o padre Gregor Mendel começou a decifrar as leis da hereditariedade. Da modéstia de um pomar Para tanto, necessita do concurso de toda a sociedade. A FAPESP, os 35 laboratórios envolvidos no Projeto Gee de algumas plantas chegamos aos 3 bilhões de caracteres componentes dos 100 mil genes dos seres humanos. nomaXylella é os 192 profissionais premiados fizeram e continuarão a fazer a sua parte. E não faltará a este Governo Tem uns poucos que são amigos-da-onça, e que, por determinação para apoiá-los e a projetas semelhantes. isso mesmo, são um autêntico perigo. Mas tem muita Nos últimos cem anos, "desconstruiu-se" a matéria gente que é amiga da ONSA e, então, é verdadeiramente amiga. É o caso dos 192 pesquisadores e dos 35 laborapara melhor construir-se a vida, perscrutou-se o microtórios que se integraram em uma rede de conhecimencosmo para que mais completamente fosse atingido o tos e experiências que resultou em dos mais brilhantes universo: um movimento que surpreendeu no infinitafeitos científicos da atualidade: o seqüenciamento do gemente pequeno o incomensuravelmente grande. Os cientistas de São Paulo, cuja contínua presença no noma da Xyllela fastidiosa. É uma honra para São Paulo oferecer à comunidade inque Isaac Newton chamou de "vasto mar do conheciternacional os frutos da sua competência. É motivo de espemento" é uma distinção para todos brasileiros, merecem cial alegria ter propiciado ao nosso país essa grande cono .reconhecimento por mais um êxito. São Paulo tem orquista. Um sucesso que decorre da inequívoca excelência gulho dos seus cientistas. Não aquela vaidade que é a bem-aventurança dos tolos, mas o justificado orgulho de dos nossos cientistas- muitos deles formados em outros esquem admira no outro as virtudes, o empenho e os métados, resultando, por isso, do acervo de conhecimentos acumulado por toda a nossa terra. Daí a satisfação de compartiritos do conhecimento. lhar esse avanço com os demais centros de pesquisa do Brasil. Em nome do povo de São Paulo, recebam nosso muiO êxito obtido trouxe consigo duas outras importo obrigado. tantes conseqüências: qualificou ainda mais os recursos humanos que se dedicam à genética e conferiu maior experiência a nossos profissionais da bioinformática. A MÁRIO COVAS É GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO

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