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PENSANDO SAO PAULO Desenvolvimento e Emprego Seminário aponta caminhos para ampliar a capacidade de inovação e a consequente competitividade das empresas
o ano passado, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo tomou uma iniciativa inédita. Criou um organismo destinado a debater e a organizar soluções para o futuro do Estado. Chamado de Fórum São Paulo Século 21, esse organismo não se limita a discutir problemas. Quer também definir um modelo de sociedade e traçar um roteiro para chegar a esse objetivo. "A busca na construção de um projeto estratégico de desenvolvimento para o nosso Estado foi o grande caminho traçado no início dos nossos trabalhos", diz o presidente da Assembléia, deputado Vanderlei Macris. Os trabalhos do Fórum foram divididos em 16 grupos temáticos. Um deles é dedicado à Ciência, à Tecnologia e à Comunicação. O primeiro seminário promovido por esse grupo teve como tema o Desenvolvimento e o Emprego
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no Estado de São Paulo. Participaram como expositores Roberto Sbragia, do Núcleo de Política e Gestão em Ciência e Tecnologia da Universidade de São Paulo (USP); Luiz Henrique Proença Soares, da Fundação Seade; Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP; e Antônio José Corrêa Prado, do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas e Sócio-econômicas (Dieese). Neste encarte, a revista Pesquisa FAPESP publicaresumos das quatro exposições. Mais do que simples discursos, os expositores buscaram explicações e apresentaram caminhos para a solução dos problemas que cercam a produção de inovações e sua aplicação em São Paulo, além de seus efeitos sobre o índice de desemprego no Estado. A conclusão: os problemas existem, mas não são insolúveis. Acordar para a sua existência já significa andar boa parte do caminho.
A capacidade de inovação será diferencial no futuro
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O foco desta apresentação é o comara o professor Roberto portamento tecnológico do setor produSbragia, coordenador tivo brasileiro, do qual São Paulo particicientífico do Núcleo pa em boa proporção, diante da força de de Política e Gestão em Ciência sua indústria. Tive oportunidade de fae Tecnologia da Universidade zer, recentemente, uma apresentação semelhante, num fórum internacional, o de São Paulo (USP), a diferença Conselho de Pesquisa Industrial das competitiva entre as empresas, Américas, o Cira. É uma instituição que no próximo milênio, vai ocorrer à luz congrega as principais entidades voltadas inovações em produtos das para a articulação tecnológica, no e processos. "Isso é um axioma, âmbito das empresas e do setor produtivo, do Canadá à Argentina. não se discute", afirma. O grupo mais conhecido entre os inteMas, para que as empresas grantes do Cira é o Instituto de Pesquisas brasileiras se tornem realmente Industriais, o IRI, dos Estados Unidos. competitivas, há muitas barreiras Esse instituto congrega 300 empresas a serem superadas. Especialmente, Roberto Sbragia americanas. Tem 60 anos de existência e suas empresas são responsáveis por 80% a postura do próprio empresariado. dos investimentos empresariais em desenvolvimento tecSbragia é professor titular do Departamento nológico nos Estados Unidos. Seu equivalente, no Brasil, de Administração da Faculdade de Economia, é a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Administração e Contabilidade da USP, das Empresas Industriais. Congrega, hoje, cerca de 55 na qual leciona desde julho de 1976. empresas, responsáveis por aproximadamente 25% dos investimentos empresariais em desenvolvimento tecnoÉ ainda assessor técnico lógico no Brasil. Portanto, está muito abaixo do que reda Associação Nacional de Pesquisa, presenta o IRI nos Estados Unidos. Desenvolvimento e Engenharia das Empresas O início da década de 90 foi um período no qual a Inovadoras (Anpei) e supervisor de projetas empresa brasileira procurou colocar a casa em ordem. na Fundação Instituto de Administração. Houve motivos para isso. A abertura económica, os planos de estabilidade e outros fatores marcaram o períoDepois de graduar-se pela USP, do. Vieram então uma certa estabilização económica, a em 1974, Sbragia obteve o mestrado abertura comercial, a atração de investimentos externos, e o doutorado em Política e Gestão a promoção da competição via valorização do consumida Inovação Tecnológica na mesma dor, a busca da eficiência e da qualidade e, também, a reuniversidade. Tem pós-doutorado novação de produtos. Esses fatos marcantes da década de 90 levaram as em Gerência de Pesquisa e Desenvolvimento empresas a uma grande evolução nos padrões de produno Instituto Tecnológico da Northwestern tividade e qualidade. Comparando os dados atuais com University, dos Estados Unidos, os do começo desta década, vemos que a indústria braobtido em 1986. No mesmo ano, teve sua sileira passou por um período de otimização produtiva. Houve uma grande elevação nos parâmetros. Melhoradissertação de livre-docência ram, por exemplo, os índices de refugos, de devolução aprovada na USP. de produtos pelos clientes e de reclamações. A diminuição dos prazos de produção e outros fatores revelam, em geral, uma otimização e uma busca de eficiência e produtividade. Esses fatores marcaram a primeira metade da década de 90. 2
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De acordo com estudos feitos pela Comissão EconôSe tomarmos como vértices de um triângulo o setor mica para a América Latina (Cepal), a indústria brasileiprodutivo, a infra-estrutura em ciência e tecnologia e o ra passou por um miniciclo de investimentos no período governo e suas agências promotoras, a integração, no de 1995 a 1997. Esses investimentos, porém, foram muisentido da promoção da inovação, deve partir da indústria. Ela é o segmento próximo do consumidor e, porto heterogêneos em termos de setores industriais. Seus efeitos foram pouco duradouros. Mas alguns setores obtanto, o elemento que reconhece as necessidades. É a tiveram maior rentabilidade, sobretudo os de transforpartir da indústria que a inovação deve passar por oumação e, nessa área, especialmente os relacionados com os tros elementos, com a agregação de valores, e retornar bens de consumo, devido a saltos tecnológicos e à adona forma de produtos e serviços melhores, mais baratos ção de novos produtos para tornar viáveis as exportações. e mais diversificados à disposição da comunidade. Na década de 1971 a 1980, os investimentos no BraEssa passagem, no Brasil, é bastante problemática. É sil representaram 8,4% do PIB. cheia de obstáculos que não perHouve, depois, decréscimos e mitem o funcionamento pleno acréscimos. Em 1997, com o audesse triângulo e de suas interfamento verificado nos estudos da ces. Examinemos, em primeiro ''Instrumentos Cepal, os investimentos chegalugar, o setor governamental. do governo, ram a 18% do PIB. Entre os setoApesar de alguns avanços recenres que tiveram crescimentos tes, o Brasil é caracterizado, nas quando existem, maiores estão a siderurgia e meáreas federal e estaduais, por inssão complicados talurgia, o setor de material de trumentos de política governatransporte e o setor de alimentos. mental pouco eficazes, quando se e de difícil Um fator importante são os trata de privilegiar a empresa investimentos diretos estrangeicomo foco de inovação tecnolóaplicação'' ros. Entre os países emergentes, o gica ou como carro-chefe da inoBrasil foi o que mais atraiu recurvação e da transferência de prosos durante a década de 90. Foi dutos e serviços inovadores para também o que menos perdeu investimentos no ano cría sociedade como um todo. tico de 1998, com relação à participação de cada país no Os instrumentos, quando existem, são muito comtotal dos investimentos mundiais das empresas transnaplicados e de aplicação difícil. São pouco transparentes cionais. A evolução foi notável. No início da década de e, muitas vezes, quase desconhecidos. Não ficam em vi90, o Brasil participava com 3,6% do fluxo mundial de gor por muito tempo e mudam a todo momento. Algucapitais estrangeiros. No fim da década, essa participamas vezes estão valendo, outras, não. Podem ser cortação subiu para cerca de 16%. No mesmo período, oudos e reeditados a qualquer momento, dependendo de tros países latino-americanos mostraram crescimento fatores externos. negativo. Esses instrumentos são excessivamente burocratizaHá muitas discussões sobre o valor real desses invesdos. Perde-se muito tempo para entendê-los e para usátimentos. As empresas transnacionais agregam valores los. Quando chegam a ser aproveitados, são pouco efiem diversas frentes. De um lado, há o investimento procazes, devido ao alto custo de utilização, o que acaba por dutivo, em fábricas e instalações. Do outro, o valor agreafugentar os usuários potenciais. Esses instrumentos gado em desenvolvimento tecnológico, emprego e ousão pouco participativos, no sentido de serem criados, tros fatores. Mas há quem seja pessimista com relação a testados e receberem o feedback dos usuários, serem reesses investimentos. Cita-se que os investimentos estranmodelados e melhorados ao longo do tempo. Acabam geiros muitas vezes se atêm à ciranda financeira e não influindo muito pouco no comportamento das empresignificam, necessariamente, uma soma de valor tecnosas. Não cumprem seu papel, assim, de alavancar o delógico. A questão tem vários pontos que merecem ser senvolvimento tecnológico no âmbito das empresas. discutidos. Mas o que interessa a este painel é o futuro. Existem vários exemplos disso. Vamos tomar apenas No novo milênio, a competitividade empresarial vai um, os incentivos fiscais para pesquisa e desenvolvimenestar cada vez mais atrelada à capacidade de inovação to tecnológicos empresariais, no âmbito da Lei 8661/93. das empresas. Ou seja, a diferenciação competitiva vai Essa legislação foi criada no Brasil depois de vários estuocorrer à luz das inovações em produtos e processos. dos, que começaram por volta de 1983 e 1984. Eles levaIsto é um axioma. Não se discute. É uma realidade. Mas ram a algumas leis, que foram sendo modificadas contemos, no País, uma série de barreiras que dificultam a forme novos governos tomavam posse. Finalmente, em relação entre empresa, governo e infra-estrutura cientí1993, os incentivos entraram em vigor. Pois bem. Essa lefica e tecnológica para a promoção da inovação. gislação, criada em 1993 e modificada recentemente, em PESQUISA FAPESP
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1996, por força da crise fiscal, reduziu, na prática, os benefícios fiscais às empresas a patamares muito inferiores aos praticados no mundo desenvolvido. O Canadá é o país mais avançado na legislação fiscal para beneficiar os investimentos empresariais. Ele permite que as empresas reduzam do imposto de renda a pagar de 20 a 25% dos gastos comprovados em desenvolvimento. Os Estados Unidos concedem benefícios semelhantes. A Austrália permite uma dedução única na forma de dedução das despesas operacionais, com um impacto no imposto de renda a pagar. O Brasil permite uma redução muito pequena, limitada a 4% do imposto de renda a pagar pelas empresas. Nesse limite, porém, também entram programas como os subsídios à alimentação e ao transporte do trabalhador. Na prática, não existe nenhum benefício fiscal hoje para uma empresa que queira investir em pesquisa e desenvolvimento tecnológicos no Brasil. Isso acontece apesar de as boas empresas conhecerem a legislação. Numa pesquisa recente, feita pela Fiesp, 77% das empresas declararam conhecer esses incentivos. No entanto, 90% não utilizam a legislação. Como causa, foram citados diversos problemas, principalmente os custos envolvidos. O uso dos incentivos demanda, por exemplo, a contratação de consultores externos e a preparação de minuciosos projetos para serem aprovados pela máquina governamental. Na prática, exige muito mais tempo do que o prazo necessário para que uma inovação seja produzida com sucesso e chegue ao mercado antes dos concorrentes. Quanto ao papel das universidades e institutos, eles ainda estão vinculados a tradições nas quais o papel da empresa é pouco reconhecido como parte do sistema de inovação. Isso é particularmente destacado, caracterizado e evidenciado pela excessiva ênfase na produção de papers e não em patentes para o uso dos resultados da pesquisa. A produção de patentes no Brasil é baixíssima. Os investimentos do poder público para a inovação por meio das universidades são pouco orientados para a demanda. É uma atitude ainda muito ofertista, que pretende colocar o conhecimento à disposição de quem quiser fazer uso dele, mas sem estabelecer uma vinculação a priori com a demanda. Existem estudos mostrando que somente as grandes empresas interagem com as universidades e tiram proveito do trabalho dessas instituições. Isso ocorre em detrimento das pequenas e médias empresas. Por mais paradoxal que isso possa parecer, são justamente as pequenas e médias empresas as 4
que mais necessitam do apoio da infra-estrutura externa, devido à sua pouca capitalização. Mas são também aquelas com menos condições de usar esse apoio, em função de suas deficiências. Elas começam pela inexistência de pessoas capazes de articular, interagir e falar o linguajar mínimo necessário para colocar a empresa em condições de comunicar-se com a infra-estrutura científica. As grandes empresas, por sua vez, investem mais em desenvolvimento tecnológico e têm mais pessoas alocadas internamente para o esforço de inovação. Têm, assim, uma infra-estrutura mais capaz de aproveitar o esforço de pesquisa efetuado pelas universidades e institutos. Apesar desse ambiente pouco estimulante, as empresas mostram uma preocupação levemente crescente com relação ao futuro. No que se refere ao esforço em inovação, porém, ele tende mais à estabilidade do que ao crescimento. Isso fica evidente quando se analisa o histórico da alocação de recursos financeiros pelas empresas para a inovação e para o aumento da qualidade do esforço de inovação. De qualquer maneira, há uma certa preocupação em não diminuir as equipes técnicas mais do que proporcionalmente se diminuiu a força de trabalho global das empresas nestes últimos anos e, principalmente, em obter ganhos de competitividade com a introdução de novos produtos no mercado. Esses são fatores muito importantes. De qualqúer maneira, os dados sobre indicadores empresariais e inovação tecnológica entre 1993 e 1997 mostram números bastante estáveis. O gasto anual fica na faixa deUS$ 7 milhões por empresa, em média. Trata-se de um gasto bastante estável, sem muitas variações ao longo do período. A pequena tendência de aumento do investimento total ocorreu muito mais pela entrada de novos players e pelo reconhecimento de operações antes desconhecidas do que propriamente pelo aumento das despesas das empresas que já participavam do jogo. É assim que se explica o aparecimento, nas estatísticas governamentais, de um crescimento da participação do setor produtivo nos gastos em desenvolvimento tecnológico no Brasil. Por esses dados, essa participação passou de algo em torno de 15 a 20%, no início da década de 90, para 32% em 1997. É importante notar: as empresas que respondem por esses números representam apenas um terço do PIB industrial brasileiro. Isso significa que existem grandes possibilidades de expansão, se não ocorrerem grandes crises econômicas e os PESQUISA FAPESP
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governos colocarem em prática medidas de ordem políutilizado no País. Há a questão dos incentivos fiscais, que tica com esse objetivo. tendem a ser confundidos, muitas vezes, com subsídios e O futuro do comportamento empresarial e inovador doações. Isso cria uma atitude negativa, não só para a sono Brasil está atrelado à busca de uma competência inciedade, mas para o governo e o empresário. Os incentiternacional, não somente nacional. Ela pode ser obtida vos acabam por não ser utilizados, quando países desenpor meio de ganhos de produtividade, eficiência e quavolvidos, que competem com o Brasil, os usam e usam lidade e mediante outros fatores, como qualificação de muito bem. Aliás, é o único incentivo permitido no âmpessoal e interesse na busca do conhecimento. Isso deve bito da Organização Mundial de Comércio (OMC). ocorrer num ambiente de flexibilidade total, sob todos Outro problema é o da qualificação universitária e os pontos de vista, operacional, financeiro e outros. absorção de pessoal universitário pelas indústrias, espeEssa competência internacionalizada, por meio desses cialmente no nível de doutores. Já formamos 4 mil doufatores, é que permitirá ao Brasil tores por ano. Mas uma parcela atingir um estágio de sustentabiliínfima desse pessoal está na indade dinâmica. Ela depende de dústria. A formação básica profismuito mais do que do aumento da sional no Brasil é ruim. O ensino mercado eficiência produtiva e de otimizatécnico, para não falar da educabrasileiro ções de plantas e produtos. Essa ção básica, é apenas sofrível. No sustentabilidade dinâmica deve Brasil, há pouco pessoal de nível pouco crítico criar condições para que as emmédio trabalhando nas empresas. com relação presas brasileiras sejam capazes de Isso faz com que os PhDs, os poucompetir internacionalmente e se cos que existem, façam trabalhos aos produtos insiram na cadeia mundial. Isso de bancada, deixando de se connão se consegue apenas com a oticentrar no principal objeto do seu que consome'' mização de plantas e produtos, trabalho, o criativo. Nos países mas com conhecimento, qualificadesenvolvidos, há uma relação de ção e flexibilidade. um PhD para três técnicos de níPara que isso aconteça, o Brasil e principalmente vel médio. No Brasil, a relação é quase o inverso. seus Estados desenvolvidos, que querem progredir e Existe também uma questão cultural. O Brasil precitêm massa crítica para isso, vão ter de criar uma série de sa melhorar muito a interação e parcerias entre a emcondições. Elas passam por vários fatores que não são presa e as universidades e os institutos. Esta não é uma triviais, simples ou singulares. Uma das primeiras dessas crítica apenas os institutos e universidades. É também condições é a governabilidade, a capacidade mínima de uma crítica aos empresários, à sua postura imediatista e gestão do País. Há países ingovernáveis. Esses não têm à pouca credibilidade que dão a essas instituições. A sinenhuma possibilidade de progresso. tuação melhorou muito nesta década. Vários paradigNão se podem esquecer as condições económicas. Enmas foram rompidos. Mas ainda está distante o aparecitre elas estão a estabilidade e a liberalização. Elas são immento de uma relação profícua entre os dois setores. portantes, precisam ser mantidas e conquistadas. Os inA sociedade deve ser mobilizada em torno da inovavestimentos necessitam dessas condições. Há também ção. É necessário, particularmente, aguçar o espírito críuma série de políticas públicas que precisam ser aplicadas, tico do consumidor. O mercado brasileiro é pouco críprincipalmente na área das exportações. O Brasil é um país tico com relação aos produtos que consome. Agindo muito carente no setor das exportações, que são pequeassim, não estimula a competitividade e não apóia o nas e concentradas em pouquíssimas empresas. A grande diferencial competitivo das empresas. Aceita o que se massa de empresas pequenas e médias não exporta. coloca na mesa, sem rejeitar. Isso é importante. O merPara que as pequenas e médias empresas brasileiras poscado é um dos maiores indutores do investimento tecsam exportar, é necessário proteger a propriedade industrial nológico por parte das empresas. e intelectual e criar redes de excelência. O Brasil precisa Mas isso pouco adiantará se não houver uma mucapitalizar aquilo que sabe fazer melhor, o que conhece dança na postura empresarial. O Brasil ainda está longe bem e onde é diferente das grandes potências mundiais. de ter uma postura empresarial voltada para a inovação É preciso definir prioridades setoriais. O País não pode e para a valorização da tecnologia como instrumento de ser o melhor em tudo. É necessário selecionar setores e competitividade. Há ilhas de excelência, empresários potencialidades. Com os parcos recursos dos quais oBranotáveis, posturas dignas de nota. Mas isso é muito mais sil dispõe, é impossível atacar em todas as frentes. exceção do que regra. O Brasil ainda sente a necessidaÉ preciso tratar, também, da situação financeira, em de de uma classe empresarial com uma visão mais volparticular os desafios ao capital de risco, muito pouco tada para o futuro.
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Esforço de inovação ainda restrito a poucas empresas ~ No ano passado, a Fundação Sistema s números transmitidos § Estadual de Análise de Dados (Seade) diao grupo de trabalho pelo 0 vulgou os resultados de uma pesquisa sodiretor-adjunto de Produção " bre a atividade econômica do Estado de de Dados da Fundação Sistema São Paulo que trouxe dados inéditos soEstadual de Análise de Dados bre o panorama empresarial. Trata-se da Pesquisa da Atividade Econômica Paulis(Seade), Luiz Henrique Proença ta (PAEP). A metodologia desta pesquisa Soares, não deixam dúvidas: foi criada no início da década de 90. Ela o interior está crescendo, surgiu da percepção da Fundação Seade, mas a parcela da capital e das como órgão produtor de informações socidades próximas na atividade bre o Estado de São Paulo, de que faltavam estatísticas econômicas sobre oBraeconômica do Estado de São Paulo sil e, especificamente, sobre o Estado. O continua a ser de enorme maioria. último censo econômico do IBGE fora Com base numa minuciosa pesquisa realizado em 1985; em 1990, não houve realizada pela Fundação, censo econômico; em 1994, finalmente o Proença Soares levantou também Luiz Henrique Proença Soares IBGE começou a aplicar uma nova estratégia de produção de estatísticas econôdois aspectos muito importantes micas, sem, no entanto, contemplar indicadores qualitapara o futuro da capacidade inovadora tivos. do Estado: a pesquisa e o desenvolvimento Todo o processo de mensuração econômica em relaestão concentrados em apenas umas poucas ção às atividades produtivas estava, assim, bastante deempresas; e a maioria das empresas fasado e carente. Além de o Censo de 1990 não ter sido realizado, as pesquisas anuais do IBGE, sobre indústria, usa a inovação apenas como atividade comércio, construção civil e transportes, estavam com defensiva, para manter fatias de mercado, sua divulgação atrasada. Isso era resultado de uma renão como instrumento para o futuro. forma admini:Strativa, na minha opinião bastante desasProença Soares formou-se em 1977 em trada, que no início dos anos 90 e final dos anos 80 atinCiências Sociais pelo Instituto de Filosofia, giu a administração pública federal e penalizou sensivelmente o IBGE . Ciências e Letras da Universidade A Fundação Seade e um conjunto de usuários de inde São Paulo (USP). Em 1979, obteve formações econômicas identificaram três focos de preoo diplôme d'études approfondies pelo Instituto cupação em relação às estatísticas econômicas. Um dede Urbanismo de Paris, da Universidade les era a mensuração econômica propriamente dita, de Paris XII, e, em 1982, um doutorado tradicionalmente coberta pelo censo econômico e pelas pesquisas anuais, as quais, apesar de serem amostrais, tiem Urbanismo pelo mesmo instituto. Entre nham cobertura bastante expressiva. suas áreas de atuação, estão administração Além da mensuração, havia uma preocupação sobre pública, planejamento urbano e regional, a questão da reestruturação produtiva, que, nos primeipolíticas públicas e sistemas de informações ros anos da década de 90, já se anunciava na economia sacio econômicas. Suas atividades brasileira. Havia, nessa época, muito pouca, ou mesmo nenhuma, informação estatisticamente representativa na Fundação Seade incluem a supervisão sobre os vários aspectos envolvidos nesse processo, nem geral da homepage e de toda a política sobre sua abrangência, intensidade, distribuição setorial de informática da entidade. e outros fatores.
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Em terceiro lugar, no caso do Estado de São Paulo, era muito importante acompanhar uma dinâmica socio6
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e mais do que 5, foi feita uma amostragem. No caso do econômica territorial que as pesquisas anuais do IBGE comércio, foram investigados todos os estabelecimentos não mostram. A partir dessas pesquisas, só é possível secom mais de 20 empregados e, abaixo disso, feita uma parar dados para a Região Metropolitana e para o resamostragem, até os que contavam apenas 1 empregado. tante do Estado. A economia regional no Estado de São Além disso, foram investigados dois segmentos no setor Paulo é bastante dinâmica e significativa em determinade serviços, as empresas produtoras de serviços de infordos aspectos. Era, assim, uma questão fundamental ter mática e os bancos. No caso dos bancos, todos os grandes uma idéia dessa representatividade no âmbito regional. e médios bancos responderam à pesquisa. A PAEP cobriu indústria, comércio e serviços, sendo No setor de informática, foram investigadas todas as que, dentro da indústria, houve uma extração específica empresas com mais de 20 empregados e, abaixo disso, para a construção civil. Foi criada também uma abordaf~ita uma amostra. Tanto as empresas maiores como o gem específica para a agroindústria, que no Estado de São universo amostral das empresas Paulo é um segmento econômico de menor porte respondem por bastante importante e significativo. uma proporção de 80 a 85%, tanPara todas as variáveis, espeto com relação ao valor adicionacialmente as que dizem respeito à ''No setor do como ao pessoal ocupado no reestruturação produtiva, procude informática, Estado de São Paulo. Portanto, os rou-se obter dados capazes de seresultados da pesquisa puderam rem comparados com os resultanforam investigadas ser expandidos para todo o unites dos sistemas estatísticos de todas as empresas verso de empresas do Estado de âmbito nacional, especialmente a São Paulo, com bastante proprienova Classificação Nacional das com mais de Atividades Econômicas (CNAE), dade e tranqüilidade. A tarefa era bastante complexa e toda a série de procedimentos 20 empregados'' e inovadora e precisou ser partilhametodológicos adotada pelo da com outros parceiros. A FunIBGE. Também foram consideradação procurou de imediato as dos os procedimentos internacioprincipais universidades e centros de pesquisa paulistas, nais, especialmente os ancorados nos procedimentos reem busca de apoio metodológico e teórico. Em seguida, comendados pela OCDE e consubstanciados no Manual foi às entidades do empresariado - Fiesp, Federação do de Oslo. Assim, os resultados são altamente comparáveis Comércio, Associação Comercial, Sinduscon - buscar o com os produzidos por outras pesquisas em todo o seu apoio institucional, a divulgação por meio de sua roímundo. Essas comparações estão sendo feitas e esperamse alguns resultados bastante interessantes. dia específica e também um diálogo, para verificar se as questões estavam adequadamente formuladas e se se conNa mensuração econômica, algumas variáveis básicas foram investigadas. Em relação à reestruturação seguiria nívei~ de compreensão adequados por parte do universo empresarial. O objetivo era reduzir as recusas e produtiva, procurou-se gerar indicadores para itens aumentar o nível de confiabilidade das respostas obtidas. como inovação tecnológica, novas formas de gestão, fuFoi mantido um contato constante com o IBGE e sões, automação, informática e requisitos para contrataobtido o apoio extremamente importante da agência fição de pessoal. nanciadora de pesquisas no Estado de São Paulo, a FAHá uma abordagem importante na área de requisitos de contratação, já que a Fundação Seade, juntamente PESP, responsável pelo financiamento do trabalho de com o Dieese, realiza pesquisas de emprego e desemprecampo da pesquisa. A FAPESP respondeu por uma parcela importante do custo total. A Fundação recebeu, go. Havia uma percepção muito nítida das mudanças no também, um financiamento da Finep para a realização mercado de trabalho ao longo dos quase 13 anos de desse trabalho. Ambas arcaram com cerca de um terço existência da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). do custo total da pesquisa, sendo o restante financiado No entanto, não havia nada em relação ao universo empelo orçamento da própria Fundação. presarial, sobre a visão das empresas em relação à mudança do mercado, seja do ponto de vista do aumento Essa articulação foi muito interessante, porque enriquedos índices de desemprego, seja do ponto de vista da ceu a pesquisa e a tirou dos muros da Fundação Seade, que, precarização dos vínculos e das relações de trabalho. por mais capacitada que possa ser, jamais poderia dar conta, sozinha, de uma tarefa tão complexa. Na disseminaEm relação às indústrias, foram investigados todos os ção dos resultados, foi adotada uma postura inovadora, no estabelecimentos com mais de 30 empregados. Realizousentido de divulgar os microdados, preservando-se o sise, portanto, um verdadeiro censo em todos os estabelegilo da fonte. Os microdados são divulgados para que os cimentos de maior porte do Estado de São Paulo. Nos estabelecimentos industriais com menos de 30 empregados próprios pesquisadores possam construir suas tabulações. PESQUISA FAPESP
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car, do leite, do fumo e das conservas. São Paulo é o priHá um CD-ROM com os dados à disposição dos meiro produtor nacional de cana-de-açúcar e o maior usuários na Fundação Seade. A intenção é que uma pesprodutor mundial de suco de laranja, produzindo soziquisa desse tipo seja realizada a cada quatro anos. Esta foi a primeira e estabelece um patamar de comparação nho mais suco de laranja do que os Estados Unidos. Do ponto de vista da distribuição da agroindústria para toda uma série de indicadores. Há a intenção de no território paulista, um dado que salta à vista é, tamproduzir uma nova pesquisa no ano 2001, relativa à sibém, a forte concentração da atividade agroindustrial tuação do ano 2000. na Região Metropolitana. Quase 25% da agroindústria Ocorreu outro fato muito importante na questão das parcerias. O Consórcio Intermunicipal do ABC manipaulista está concentrada na Região Metropolitana. Somando-se a participação da região de Campinas, chegafestou interesse em conhecer melhor sua realidade. Prese à metade. No resto do Estado, a distribuição regional tendia fazer um censo econômico. Acabou tornando-se é bastante menos expressiva, apeum parceiro regional. Financiou sar de importante na estrutura uma expansão da amostra, de econômica regional. maneira que há dados específicos As atividades ligadas ao copara a região do ABC e cada um ''A concentração mércio estão melhor distribuídos seus municípios, sobre o proda atividade das. Existe uma proporcionalidacesso de reestruturação produtiva de maior, que quase acompanha a na região. produtiva distribuição populacional. Isso só O Estado de São Paulo tem na Região não ocorre com o comércio atauma estrutura bastante diversificadista, que ainda está fortemencada quanto às suas empresas. Há Metropolitana te concentrado na Região Metroconcentrações que variam conpolitana e pela existência de forme o tipo de análise. Mas, do fortíssima'' comércio mais sofisticado na · ponto de vista de qualquer um Grande São Paulo. dos três enfoques usados na pesNo caso dos serviços de inforquisa, confirma-se de que se trata de uma economia bastante complexa, diversificada e mática, considerados nobres no processo de reestruturação produtiva, a concentração na Região Metropolitana com a presença de praticamente todos os setores signié infinitamente maior. É um setor de apoio à produção ficativos da indústria de transformação. Do ponto de vista regional, o que se nota, em prifortemente associado ao processo de modernização tecnológica e de reestruturação produtiva. Nada menos do meiro lugar, é uma fortíssima concentração da atividaque 79% das unidades, 85% do pessoal ocupado e quase de econômica na Região Metropolitana de São Paulo. 91% do valor adicionado estão concentrados na Região Ela representa quase 57% dos empregos e mais de 60% Metropolitana. Fora dessa área, há apenas duas particido valor adicionado do Estado. Há uma expansão despações dignas de nota: a região de Campinas, em que há sas atividades para a região imediatamente próxima. Se traçarmos um círculo com raio de 150 quilômetros a um grande número de locais e pessoal ocupado, mas um partir da capital, os valores chegam de 80 a 85% do toíndice baixo de valor adicionado, e a região de São José tal do Estado. Entram nessa área, basicamente, cidades dos Campos, onde ocorre o inverso. É interessante notar a existência, no Estado, de um como Jacareí, São José dos Campos, Jundiaí, Campinas, grande número de empresas industriais de pequeno Americana, Limeira, Sorocaba, Votorantim e seus enporte, responsáveis por parcelas muito pequenas do vatornos. lor adicionado e do pessoal ocupado. Inversamente, Essa forte concentração da atividade econômica, num raio de alguns quilômetros a partir da praça da Sé, existe um pequeno número de grandes empresas, resocorre apesar de todo o processo de interiorização veriponsáveis por uma parcela extremamente significativa do valor adicionado e também do emprego. ficado ao longo dos anos 70 e no começo dos anos 80, Essa é a distribuição das unidades industriais no noscomo fruto da política de atenuamento de desigualdaso Estado. A análise por porte que se seguiu à coleta de des regionais do segundo PND. A interiorização acontedados mostrou que a estrutura salarial das empresas do ceu. Grandes investimentos públicos foram realizados Estado tem forte assimetria. Os salários médios pagos no interior, levando indústrias e empresas para fora da capital. Mas, paralelamente, continuaram a ocorrer inpelas grandes empresas chegam a ser o triplo dos pagos vestimentos muito fortes na atividade industrial dentro pelas empresas menores. Mesmo assim, há algumas surda Região Metropolitana. presas. Das grandes empresas, 8% por exemplo, não têm programas de alimentação para os funcionários e 23% A agroindústria tem uma situação específica. Existe não têm programas de transporte. um peso muito grande da agroindústria da cana-de-açú-
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contratam pessoal para Pesquisa e Desenvolvimento. A forte assimetria existente com relação ao porte das Mas, em termos absolutos, sua participação na estrutuempresas industriais no Estado de São Paulo foi repetida com freqüência em vários indicadores produzidos ra econômica do Estado como um todo é baixa. Um interesse da pesquisa foi o de conhecer os motipela pesquisa, não deixando dúvidas de que ele reprevos considerados importantes ou muito importantes senta uma variável capaz de explicar vários aspectos da pelas empresas para a realização de inovações. Os moperformance de uma empresa. tivos mais freqüentemente mencionados para as inovaA pesquisa investigou também, do ponto de vista da ções, tanto de produtos como de processos, estão ligaorigem do capital, a questão do controle patrimonial das dos a razões defensivas, para a manutenção de fatias de empresas. Entre as empresas de capital estrangeiro, o líder participação no mercado. Portanto, as variáveis de entre os investidores é a União Européia, tomada como mercado pesam mais que uma postura pró-ativa, destium bloco. Isoladamente, os Estados Unidos ocupam o nada a antecipar novas tecnoloprimeiro lugar. Mas a União Eurogias ou novos processos tecnolópéia, tomada como um todo, supera os Estados Unidos, ficando a gicos, ampliar o mix de produtos da empresa ou substituir produAlemanha, membro desse bloco, ''os motivos tos obsoletos. Essas razões, muium pouco abaixo dos Estados mais mencionados tas vezes importantes, estão entre Unidos: . as menos mencionadas ou entre Em relação à competitividade, para as movaçoes as consideradas menos imporforam selecionados, para esta estão Iigados apresentação, quatro indicadores: tantes. A pesquisa tentou conhecer exportações, treinamento, técnia razoes também as fontes da inovação, as cas de gestão de qualidade total e áreas onde as empresas mais freinovação, aqui entendida tanto defensivas'' qüentemente buscam conhecicomo de produto como de promentos para suas inovações. Oucesso. Os quatro mostraram comportamento semelhante, fortetra vez, ficou claro que as fontes mente explicado pelo porte das empresas. ligadas ao mercado, como clientes, fornecedores, concorrentes e feiras, têm um peso muito grande. O porte da Outro trabalho foi o de analisar a distribuição de aspectos ligados às estratégias de reestruturação produtiempresa é significativo para explicar algumas respostas. va pelos diversos segmentos empresariais. Um exemplo As grandes empresas aparecem com muito mais freqüêndisso é dado pelo setor de alimentos e bebidas, que recia entre as que têm departamento próprio de pesquisa e presenta uma parcela bastante expressiva do setor indesenvolvimento. O trabalho confirmou uma participação relativamente dustrial paulista, aparecendo em penúltimo lugar com baixa dos ins~itutos de pesquisas e das universidades nesrelação ao número de empresas consideradas inovadoras, mas no qual o valor produzido por essas empresas se processo de geração de inovação das empresas. É inteinovadoras é proporcionalmente elevado. É possível diressante notar que há uma forte corroboração das concluzer que na indústria do Estado convivem empresas com sões a que o professor Roberto Sbragia, que falou antes de mim, chegou com relação à falta de mecanismos para estrutura empresarial e tecnológica antigas com empreuma adequação entre oferta e demanda de novas tecnosas modernas e avançadas. logias, entre produção de teses e registro de patentes. Outro aspecto importante é que, entre as estratégias Há ainda na pesquisa um bloco de questões voltadas da gestão de produção mais freqüentemente adotadas para a relação das empresas com meio ambiente e a pelas empresas, há uma ocorrência maior de respostas voltadas para os novos métodos de organização do traidentificação de oportunidades de negócios ou de riscos balho, os quais, entre outros aspectos, comportam um para a atividade desenvolvida, a partir de seu envolviaumento do desemprego. mento nessa área. Os dados sobre pessoal alocado em Pesquisa e DeNós, na Fundação Seade, estamos à disposição para senvolvimento mostram que o esforço de inovação é aprofundar esta reflexão e trazer novos aspectos inexbastante desigual. Uma presença muito forte da Emplorados. Mais que isso: contamos com a comunidade de usuários, no sentido de utilizar essa pesquisa e nos braer, por exemplo, pode elevar um índice até torná-lo muito superior ao de outros setores. Quando se exclui a dar retorno em relação à realização da próxima PAEP. A Embraer, há uma queda para um patamar inferior. Exisprodução de estatísticas é assunto eminentemente pútem, assim, empresas que elevam os indicadores para blico, financiado pelo setor público, e não deve haver patamares mais elevados, mas de um ponto de vista nenhuma ilusão quanto a este aspecto. Ela deve ter reapenas relativo. São empresas que alocam recursos e torno para os usuários.
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Como o Brasil pode • • se manter competitivo
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Dizem que a anedota seguinte nasceu
z uando estabelece g no curso de Economia da Universidade ~ as diferencas entre ~ Harvard. Dois sujeitos estão fugindo de universidade e empresa, ~ um tigre. Na floresta, um deles pára para calçar o tênis. O outro diz: "Não adianta o professor Carlos Henrique calçar o tênis, você nunca vai conseguir de Brito Cruz fala com correr mais do que o tigre': O que está calconhecimento de causa. çando o tênis responde: "Não, mas vou O presidente do Conselho Superior correr mais do que você". da Fundação de Amparo à Pesquisa Competitividade vem da capacidade de agregar conhecimento ao que se faz. do Estado de São Paulo (FAPESP) Para analisarmos a situação paulista, usae titular da área de Eletrônica rei algumas comparações internacionais. Quântica da Universidade Estadual Assim, poderemos situar os dados que tede Campinas (Unicamp) trabalhou mos e ver se está boa ou ruim. É a história num dos mais conceituados do tigre. Estamos correndo mais depressa ou mais devagar do que os competidores? centros de pesquisas particulares Carlos Henrique de Brito Cruz Já conseguimos, tanto no Brasil quando mundo, os Laboratórios Bell, to em São Paulo, um notável desenvolvida AT&T, de março de 1986 mento da capacidade de fazer ciência. O número de proa agosto de 198 7. A isso se soma duções científicas originadas do trabalho feito no Brasil a experiência de ter sido diretor do Instituto publicadas em revistas internacionais praticamente quadruplicou. Pouco mais que a metade dessa produção é de Física da Unicamp, de 1991 a 1994, feita no Estado de São Paulo (figura 1). e em seguida pró-reitor de pesquisa Ao lado desse aumento na capacidade de se produzir da mesma universidade, até 1998. ciência, simultaneamente, houve também um aumento Na sua exposição, ele demonstrou na capacidade de formar pessoas com a qualificação neque o Brasil e São Paulo ainda têm muito cessária para trabalhar com pesquisa e desenvolvimento. Ou seja, pessoas com conhecimento, que é o objeto do o que caminhar para se tornarem nosso assunto. Estamos formando mais de 4 mil doutoverdadeiramente competitivos, mesmo res por ano no Brasil. com relação a países como Israel e Coréia É importante registrar que o crescimento dessa capado Sul. Mas também citou fatos positivos, cidade deve-se, praticamente, ao esforço do Estado, na escomo o aumento da formação de doutores fera federal e estadual, que fez os investimentos necessários. Podemos, porém, discutir se esses investimentos e a publicação cada vez maior de papers deveriam ser maiores. Minha conclusão, com base nos pelas universidades brasileiras. dados que vou mostrar a seguir, é a de que os investimenBrito Cruz é engenheiro eletrônico formado tos deveriam ser mais intensos. pelo ITA de São José dos Campos, Na análise da capacitação tecnológica a situação nos é em 1978. Fez mestrado e doutoramento mais desfavorável. É possível dimensionar essa capacidade por meio do número de patentes que o Brasil registra nos pelo Instituto de Física Gleb Wataghin, Estados Unidos. Em 1996, a soma de todas as patentes orida Unicamp, onde iniciou sua carreira ginárias de pessoas do Brasil e lá registradas foi de 56. A de professor em 1982. soma das originárias da Coréia do Sul, foi de quase 1.500,
um número 30 vezes maior. Se olharmos para o tigre, o tênis deles está melhor do que o nosso. As empresas e as indústrias sul-coreanas estão mais capazes de gerar e trabalhar com conhecimento do que as do Brasil. lO
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No Brasil há alguns mal-entendidos, quando se fala de outros 99%. É mais ou menos com isso que o Brasil prepatentes. Tem-se a impressão de que pesquisa é assunto cisa preocupar-se. Por outro lado, na capacitação tecnológica nossa participação é muito menor. Países que prode universidade. Isso é um equívoco. Pesquisa é assunto de duzem ciência tanto quanto nós, como Coréia do Sul e universidade, sim, mas é, talvez muito mais, assunto de emIsrael, têm situação bem superior na tecnologia. presa. É um equívoco achar que o Brasil produz poucas paOs investimentos totais em pesquisa e desenvolvimententes porque nossas universidades não fazem e não prito feitos pelos países são medidos em percentagem do PIB, vilegiam fazer patentes. Vamos considerar o número de não em volume. Assim, São Paulo costuma aparecer acima universidades nos Estados Unidos e quantas patentes fazem do Brasil. A percentagem do PIB paulista investido em pespor ano. Tomando o conjunto de todas as universidades quisa e desenvolvimento é maior do que o percentual brados Estados Unidos, vê-se que há dez universidades responsileiro. Se São Paulo fosse um país, estaria situado até um sáveis por duas patentes por ano e 25 universidades com 20 pouco acima da Espanha. patentes por ano. Quando se fala em investiO primeiro destaque é o FIGURA I seguinte: no ano de 1996, tomentos totais, porém, somaNúmero de artigos científicos cadastrados mado como exemplo, foram se o dinheiro que vem do gono Science Citation Index originados no Brasil de 1980 a 1999 verno com o das empresas. registradas 53 mil patentes nos Quando se considera apenas Estados Unidos. Delas, apenas -10.000 o dinheiro investido pelas in9.000 1.600, ou seja, 3%, vieram 8.000 dústrias, a situação fica dide universidades. Isso mos7.000 ferente. Há uma diferença tra que o produtor de paten6.000 5.000 avassaladora entre o que tes em massa não é a univer4.000 sidade, mas a empresa. O acontece em São Paulo e no 3.000 segundo destaque é assinaBrasil com relação ao resto do • I 2.000 1.000 mundo. O Brasil investe muilar que os números relativos I I I I I I I I I I o to menos que os outros países. à produção de patentes, mesÉ novamente a história mo no sistema universitário de que eles estão com o tênis, norte-americano, são medinós não e o tigre vem atrás. dos em dezenas. Há poucas Essa diferença nos investimentos se traduz diretamente universidades que fazem mais do que 100 patentes por nos locais de trabalho dos cientistas. Uma norma de clasano. Talvez apenas seis instituições estejam nesse caso. sificação usada internacionalmente é o local onde estão É muito importante ter a noção de que, ao mesmo temos cientistas engenheiros. O Brasil tem 60 mil cientistas enpo em que registra 20 ou 25 patentes, uma universidade pugenheiros trabalhando em universidades e 12 mil em insblica 3, 4 ou 5 mil papers em um ano. Esses, sim, são o protitutos de pesquisa, como o Instituto Agronômico, o IPT duto mais característico da instituição universitária. Esse e o INPA da Amazônia. Os que trabalham para empresas destaque é importante para evitar o equívoco de gerar exsão talvez 9 mil. Em São Paulo, são perto de 4 mil. pectativas de que a universidade, além de educar os estuA fração de pesquisadores trabalhando para empresas dantes e fazer ciência, também tem que fazer patentes e inovação tecnológica, resolvendo o problema. no Brasil é extremamente baixa. Nos Estados Unidos, a relação é inversa. Enquanto no Brasil 11% dos cientistas Uma comparação entre os investimentos que as empresas de vários países fazem em pesquisa e desenvolvimenengenheiros trabalham em empresas, nos Estados Unidos to e o número de patentes que esses países registram nos a participação chega a 80%. Esse percentual vai contra a Estados Unidos mostra uma correlação muito notável. opinião comum de quem pensa em ciência e tecnologia Quanto mais a empresa investe em pesquisa, mais patentes, no Brasil. Ele mostra que considerar ciência e tecnologia tecnologia, conhecimento e competitividade consegue. como assunto de universidade é um vício. Como se pode Além disso, pode-se dizer que um volume de investiver no caso dos Estados Unidos, o papel principal das universidades é educar e formar as 800 mil pessoas que vão mentos de milhões de dólares corresponde a empregos para milhares de pessoas, porque o maior custo de fazer fazer as empresas americanas serem competitivas. Essa distribuição é bastante desfavorável para o Brasil. pesquisa é o salário das pessoas que fazem a pesquisa. O valor dos investimentos, então, pode ser traduzido no núOs Estados Unidos têm um milhão de cientistas engenheiros. Às vezes, as pessoas pensam: "É demais. Não é mero de pesquisadores que trabalham, no total de assalariados que geram conhecimento para a empresa. possível que haja lugar para caber mais". Não é o caso. Uma notícia publicada na revista Science, em agosto de A presença dos artigos científicos originados no Brasil na produção científica mundial é superior a 1%. Com 1998, se referia a reclamações de que o Congresso norteesse 1%, o País consegue educar pessoas capazes de ler os americano saiu de férias sem votar assuntos considerados
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importantes. Um desses assuntos era uma autorização é uma parte da solução, mas não pode ser a solução inteipara aumentar o n úmero de vistos de entrada que os Esra, porque não é possível assumir, a partir dos dados existados Unidos concediam anualmente para cientistas ententes, que a universidade possa ser o único responsável genheiros estrangeiros. Estava sendo solicitado um aupor gerar desenvolvimento tecnológico numa nação. mento de 65 mil vistos para 115 mil. Quem está perto do desenvolvimento tecnológico é a Lembrem-se que o número de cientistas engenheiros empresa. Em todos os lugares do mundo, isso é tarefa cenque mostrei para o Brasil era próximo a 77 mil. Os Estatral da empresa, embora a universidade possa contribuir dos Unidos estavam discutindo a admissão, por ano, de bastante. Digo que a universidade não pode resolver esse duas vezes mais do que isso, ou seja, dois Brasis em termo problema completamente com base em dados que serede ciência e tecnologia. Um destaque que precisa ser feiferem, novamente, ao caso dos Estados Unidos e ao que deto é que quem estava solicitando esses cientistas não eram nomino o mito do investimento privado na universidade. as universidade nem os insNo Brasil, existe o costutitutos de pesquisa dos Estame de dizer que os pesquisaFIGURA 2 dos Unidos, mas o lobby das dores não querem buscar a Número de cientistas na empresa, empresa e deveriam fazer empresas. São elas que prena universidade e em institutos de pesqusia no Brasil e na Coréia do Sul cisam desses 115 mil cientiscomo nos Estados Unidos, tas engenheiros para funcioonde todas as pesquisas das • Empresas narem, serem competitivas e universidades são financiaO Universidades e"' ganharem espaço. 'iii das pelas empresas. Os da..c .,c Talvez seja exagero fazer dos mostram que isso não é ""c UJ verdade. Os números refeuma comparação com os Es., tados Unidos. Mas, mesmo rentes a 1994 indicam que E . ., "' quando fazemos uma correnesse ano foram assinados .,c lação com a Coréia do Sul, a contratos no valor total de u situação é bastante desfavoUS$ 21 bilhões para a realiBrasil Coréia rável para o Brasil. No País, zação de projetos de pesquihá 9 mil cientistas engenheisa em todas as universidades ros nas empresas. Na Coréia do país. Desse total, US$ 1,4 do Sul, são 75 mil (figura 2) . Novamente, se fizermos bilhão, ou 6,8%, correspondiam a contratos com empresas. aquele exercício esquisito de imaginar São Paulo como Ou seja, a participação das empresas foi inferior a 7%. um país, com população mais ou menos semelhante à da A maior parte dos financiamentos veio do governo feCoréia do Sul, veremos que a quantidade de cientistas enderal, com US$ 14 bilhões, dois terços do total. Além disgenheiros trabalhando em atividade de pesquisa e desenso, uma parte apreciável veio dos fundos institucionais volvimento em São Paulo é insuficiente para competir das próprias úniversidades. Na contabilidade norte-amecom um país como a Coréia do Sul. ricana, o dinheiro de uma universidade pública, como a Como, assim, a empresa vai conseguir gerar conheciUniversidade da Califórnia, é da própria universidade, não do Estado da Califórnia. Assim, os fundos instituciomento para ser competitiva? Uma distorção do sistema de ciência e tecnologia brasileiro e, também, do sistema nais são compostos em boa parte de dinheiro dos goverpaulista, é o fato de o número de cientistas engenheiros nos locais, estadual e, às vezes, municipal. nas empresas ser extremamente reduzido. Esse talvez seja É uma ilusão a que existe no Brasil de que os contrao principal problema da ciência e tecnologia no Brasil. tos com empresas sustentam a pesquisa nas universidaEmpresas geram riquezas. No Brasil, somos capazes de fades norte-americanas. Na maioria dos casos, a proporção zer ciência, mas não de converter ciência em riqueza. fica entre 4% e 5%. São números semelhantes aos que O contribuinte que está pagando impostos começa existem hoje na Unicamp, na USP, na Universidade Fedecada vez mais a questionar, preocupado, porque está danral de Santa Catarina. Nessas universidades, a proporção do dinheiro e quer ver algum benefício, que não seja apeestá entre 2% e 6%, dependendo da maneira como se faz nas aumento do conhecimento para a humanidade. Ele a conta. A interação da universidade com a empresa, emquer emprego, quer uma vida melhor e que seus filhos tebora seja extremamente importante, é limitada a esses nham mais oportunidades. Existe no Brasil uma situação 7%, no caso dos Estados Unidos. na qual a ciência tem avançado, mas a competitividade da Por outro lado, esses 7% podem parecer pouco mas não empresa avança muito menos. são. São ainda mais importantes porque esses contratos Quando se faz essa afirmação, geralmente aparece alpermitem que as universidades eduquem seus estudantes guém dizendo que a solução é fazer a universidade intenum ambiente no qual existe uma convivência com a'emragir com a empresa para gerar tecnologia. Creio que isso presa, onde vão aprender que pesquisa, ciência e tecnologia 12
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não são aquelas coisas de torre de marfim, mas têm aspecIsso leva à questão da diferença, do tipo de pesquisa tos práticos do dia-a-dia. que se adapta melhor à universidade. Provavelmente, é a Outro fator importante é o representado pelos trapesquisa de natureza mais básica, embora haja espaço ços culturais. Eles existem, embora hoje em dia estejam para outras atividades e para o tipo de pesquisas mais nemais fracos. Há 10 anos, era considerado pecaminoso, cessário para a empresa, que é o desenvolvimento tecnonuma universidade como a USP ou a Unicamp, dizer lógico e a pesquisa aplicada. que iria ser feito um convênio com uma empresa. Hoje Em 1991, o professor Edward Mansfield fez uma pesem dia, é uma coisa até propagandeada. Mas ainda exisquisa em empresas norte-americanas com a pergunta: de tem barreiras. Um exemplo interessante desses obstácuonde vem o conhecimento para se fazer a inovação? As emlos é uma lei estadual que proíbe as universidades públipresas responderam que, em cada 10 vezes, nove vezes ele cas de fazerem convênios com empresas que pertençam vinha de dentro da empresa ou dos fornecedores e uma a pessoas que já foram funcionávez da universidade. Outra pesquirios públicos. Assim, se um professa, feita em 1996, chegou à mesma conclusão. No Brasil, a Confederasor da Unicamp ou da USP, deção Nacional das Indústrias fez tampois de aposentado, abrir uma ''Empresa e empresa de alta tecnologia, não bém uma pesquisa e chegou exauniversidade são tamente à mesma conclusão. Ou poderá por lei fazer um convênio com a Unicamp ou a USP. seja, a maior parte do conhecimeninstituições Há ainda alguns fatores que dito que a empresa precisa vem da prócom m1ssoes zem respeito à natureza das instipria empresa e de seus fornecedores tuições. Há coisas que não podem e clientes. Se pensarmos sobre isso, e objetivos veremos que é uma coisa totalser mudadas, pois a troca ou vai estragar a empresa ou a universimente natural, pois são essas pesdiferentes'' dade. São instituições com missoas que estão perto do produto. Em conclusão, o que eu quis dessões e objetivos diferentes. Não se tacar aqui foram os seguintes pontos: pode querer integrar uma na outra. Um desses aspectos é a questão do sigilo. Ele é impora. Existe em São Paulo uma enorme capacidade para a tantíssimo para a empresa. Para a universidade, não é tão geração de ciência, instalada em nossas melhores uniimportante assim. Aliás, para a universidade, há ocasiões versidades. em que ele até atrapalha, pois o projeto da pesquisa na b. A pequena quantidade de cientistas e engenheiros fauniversidade precisa ser um projeto que sirva para ensizendo atividades de P&D como empregados de emnar um estudante. presas compromete a capacidade da empresa em São Não se pode dizer a um estudante que ele será obriPaulo de gerar inovação tecnológica. gado a atrasar a sua tese por mais três anos, porque a emc. No Sistema Estadual de C&T é preciso reconhecer presa que contratou o projeto está pedindo esse prazo que cada organização tem missões diversas e complepara ter vantagens sobre o competidor. Esse estudante mentares. d. A universidade é primariamente responsável pela eduestará com a carreira arruinada se não puder publicar seus papers, ir a conferências, preparar teses. De qualquer cação, e só poderá fazê-lo bem ao desenvolver atividamaneira, é um problema que pode ser resolvido. Aprendes de pesquisa científica e tecnológica. di no MIT que a cláusula de sigilo é, para o instituto, e. Para que haja desenvolvimento econômico é impresmotivo de rompimento da discussão. O MIT pára de cindível que a empresa seja o ator principal na ativiconversar com a empresa na mesma hora, se a empresa dade de inovação tecnológica. Há, hoje, importantes razões porque ela não pode fazer isto eficazmente: judisser que quer colocar uma cláusula de sigilo no convênio. Mas, como me explicaram, sempre se consegue preros altos, instabilidade e carga tributária. parar os contratos e seus termos de tal maneira que essa f. A colaboração universidade-empresa é desejável cocláusula não é necessária. mo instrumento para melhorar a educação que a universidade faz e para trazer a cultura da pesquisa Outra questão é o tempo disponível para a realização da pesquisa. Tem a ver com a diferença que é pesquisar para dentro da empresa. Mas só pode haver estacoensinando. Não se pode perder de vista que o papel funlaboração quando a empresa tem suas próprias atividamental da universidade é educar, formar pessoas. Fazer dades de P&D. uma pesquisa ensinando estudantes é completamente diA Fapesp tem dado contribuição destacada a todos os ferente de fazer uma pesquisa para ser encerrada da maobjetivos destacados acima e convido o leitor a conhecer neira mais rápida, para colocar o produto no mercado ou mais sobre os programas da Fundação em nossa homeatender a pedidos do departamento de reclamações. page em http:/ /www.fapesp.br. PESQUISA FAPESP
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Política governatnental e o autnento do desetnprego Em 1997, o Departamento Intersinsituação do desemprego dical de Estudos e Estatísticas Sóciopoderia não estar tão séria econômicas (Dieese), iniciou uma pesse o País estivesse passando quisa sobre as relações entre o emprego por uma fase de expansão e o desenvolvimento tecnológico, com o econômica, afirma o coordenador apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico de Produção Técnica (CNPq). No momento em que essa pesdo Departamento lntersindical quisa se iniciava, ocorria um debate sigde Estudos e Estatísticas nificativo no Brasil sobre a questão do Sócio-econômicas (Dieese), desemprego. Antônio José Corrêa do Prado. Até o final de pezembro de 1996, o País passou por uma situação bastante Ele lembra que Estados Unidos curiosa. Oficialmente, o governo federal e Europa também passaram dizia que o Brasil não tinha problemas de por uma fase de profundas desemprego e a taxa de desemprego era modificações tecnológicas próxima da dos Estados Unidos. no período que se seguiu ao fim Antônio José Corrêa do Prado A partir de 1997, porém, até mesmo a taxa de desemprego oficial, calculada da Segunda Guerra Mundial. pelo IBGE, apresentou um salto significativo. A questão Mas uma soma de crescimento econômico do desemprego tornou-se ainda mais candente. Essa com políticas governamentais manteve pesquisa do Dieese, assim, ficou bastante condicionada o índice de emprego em níveis pela conjuntura do desemprego. adequados e levou até a uma melhor O Brasil tem hoje uma taxa de desemprego que é praticamente o triplo da que existia em dezembro de distribuição da renda. 1989. A taxa na Região Metropolitana de São Paulo está Prado combina seu trabalho no Dieese, entre 19 e 20% e vem flutuando nesse patamar. Em deonde é membro da direção técnica zembro de 1~89, a taxa na mesma região era de 6,7%. e economista sênior, com o papel Assim, o desemprego na capital de São Paulo triplicou de professor do Departamento de Economia na década de 1990. A busca das causas desse aumento na taxa de deseme de professor e coordenador técnico prego levou ao desenvolvimento de uma das linhas do do curso de especialização em Economia projeto, que procurou verificar os efeitos do desenvolvie Gestão das Relações de Trabalho mento tecnológico sobre o emprego. No debate que da Pontifícia Universidade Católica (PUC) vem ocorrendo a partir de 1997, é muito comum atride São Paulo. Ele é formado em Economia buir o desemprego a causas estruturais amplas, como, por exemplo, a questão da globalização e as mudanças pela Faculdade de Economia, Administração estruturais do ponto de vista tecnológico e organizacioe Contabilidade da Universidade de São Paulo nal. A pesquisa do Dieese procurou investigar as dimen(USP) e tem mestrado em Economia sões reais desses fatores. pelo Instituto de Economia da Universidade O primeiro passo foi o de tentar verificar, a partir da Estadual de Campinas (Unicamp). análise das séries das taxas de desemprego da Região Me-
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tropolitana de São Paulo, se o comportamento dessas séries era coerente com o que seria esperado da mudança na taxa de desemprego provocada por razões estruturais. Verificamos que, de janeiro de 1990 a 1999, a taxa de desemprego cresceu continuamente, mas com uma característica muito específica. Em determinados momen14
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Tailândia, Coréia e Malásia. A política adotada pelo gotos, apresentava saltos nos seus patamares. Ou seja, não se verno foi outra vez a de fazer um choque de juros e converificou um crescimento acelerado contínuo em todo o ter o crédito e a economia, como forma de manter as reperíodo, mas uma série de saltos concentrados no tempo. servas internacionais e interromper a fuga de capitais. Essa característica do comportamento da série impeOu seja, o choque foi usado como forma de defesa de de que o crescimento do desemprego seja associado diuma moeda sobrevalorizada. retamente a mudanças estruturais. As mudanças estruEm 1998, depois da moratória russa, o mesmo expeturais ocorrem no decorrer do tempo de forma lenta e diente foi utilizado a partir de novembro, com a diferennão ficam concentradas em períodos curtos. Assim, não se pode associar os saltos nas taxas de desemprego no ça de que, dessa vez, não funcionou. Mas essa é uma outra dimensão da análise. O importante para o problema do Brasil a mudanças estruturais, sejam elas relacionadas à desemprego é que a partir de novembro de 1998 foi adoabertura da economia brasileira a partir de 1990, a mutado outro choque de juros e ele danças tecnológicas ou a inovaestá claramente associado à muções organizacionais. dança do patamar da taxa de dePor outro lado, esses saltos podem ser associados, claramende 18 para 20%. semprego, ''os saltos podem Esse elemento mais conjuntute, à gestão da política econômica ser associados ral de gestão da política econômino período. Comecemos por ca explica os saltos muito concen1992. Nesse ano, a taxa de desemclaramente trados da taxa de desemprego em prego médio na Região Metropogestão determinados períodos de tempo. litana de São Paulo teve um salto Esses saltos ocorrem em períodos de cerca de 40%. Ela saiu de 10 o/o da política curtos, de seis meses a um ano. para chegar a 14%. Em 1995 e 1996, a taxa, que Isso não significa, de forma aleconômica'' havia recuado alguns pontos, duguma, que não exista também um elemento de natureza estrutural rante o período inicial da chamada fase expansiva do Plano Real, para explicar o comportamento da série de desemprego ao longo do tempo. A primeira voltou a se acelerar, até atingir o patamar de 16% em 1996. Em 1997, saltou novamente, de 16 para 18%, e, indicação disso decorre de um questionamento muito em 1998, chegou a 20%. simples. Se os choques de juros explicam os saltos na Em 1992, 1995, 1997 e 1998, a economia brasileira taxa de desemprego, por que, quando o choque de juros é revertido, a taxa de desemprego não volta para trás? experimentou os choques de juros. Os choques de juros foram usados pela primeira vez como abordagem da É aí que se pode associar esse elemento conjuntural política econômica em 1992, pelo então ministro Marda gestão da política econômica ao elemento de natureza estrutural.. cílio Marques Moreira. Seu objetivo era atrair capitais Basicamente, a idéia é a seguinte: a partir de 1994, internacionais tipicamente especulativos para reforçar as reservas internacionais do País e tentar conter o proem cada momento em que houve uma atuação no sentido de defender a moeda sobrevalorizada por meio de cesso de desestruturação que se verificava naquele moum choque de juros, era emitida uma sinalização para o mento de crise política na economia brasileira. Inaugusetor privado de que a moeda se manteria sobrevalorirou, porém, um padrão de intervenção na política zada por mais um determinado tempo. Portanto, ao seeconômica que consiste em utilizar os choques de juros como mecanismo para ampliar as reservas internaciotor privado cabia aproveitar a oportunidade desse período, em que as importações estariam relativamente nais e, de alguma forma, defender a moeda. mais baratas, por conta da moeda sobrevalorizada, para Em 1995, após alguns meses de Plano Real, ocorreu um evento semelhante, em termos de abordagem de poampliar as compras no exterior, tanto de insumos como lítica econômica. Em dezembro de 1994, com a quebra de máquinas e equipamentos. Esse tipo de mecanismo ajudou a acelerar, em deterdo México, o País experimentou uma grande fuga nas minados momentos, o processo de reposição e moder~ reservas cambiais. Então, a partir de março e abril de nização dos equipamentos que fazem parte da estrutura 1995, houve uma mudança na política cambial, principrodutiva brasileira. Existe uma relação entre os dois fepalmente na política monetária e de crédito. O Brasil nômenos. Ao adotar uma política econômica para passou por um novo choque de juros, que foi aprofundado no segundo semestre de 1995. Isso explica a muapoiar a moeda sobrevalorizada, o governo sinaliza, com isso, que haverá mais um período de tempo para as dança de patamar da taxa de desemprego. empresas continuarem seu processo de modernização, A partir de outubro de 1997, novamente ocorreu o com um câmbio altamente favorável. processo, após a quebra dos tigres asiáticos, Hong Kong,
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PENSANDO SAO PAULO: DESENVOLVIMENTO E EMPREGO
Um segundo indicador usado para verificar essa quesmercado de trabalho como um todo. Oque vai detertão mais estrutural foi a comparação entre dois períodos minar se essa mudança tecnológica e organizacional de crescimento da economia brasileira na história recenresulta em desemprego líquido no mercado de trabate. Um é o período do Plano Cruzado, de 1986 e 1987, e lho como um todo é basicamente a taxa de cresoutro o período expansivo do Plano Real, em 1994 e cimento da economia. 1995. Para essa análise, o período do Plano Real foi diviNeste momento, o Brasil passa por uma mudança dido em duas fases, uma expansiva e a outra recessiva. tecnológica dentro de limites estreitos. A taxa de invesNa fase expansiva do Plano Real, nos dois anos consetimento está em cerca de 18% do PIB. Na década de 70, cutivos de 1994 e 1995, o Brasil teve um crescimento de essa taxa era de 24%. O Brasil está muito longe de taxas cerca de 10% do PIB, tanto no âmbito nacional quanto de investimento que impliquem mudanças tecnológicas no Estado de São Paulo. Em 1986 e 1987, ocorreu amessignificativas. Hoje, o padrão de mudança tecnológica ma coisa. O País e o Estado tivecontinua a ser mais seletivo. Não ram um crescimento semelhante, é tão abrangente como se houvesde 10% do PIB. se, novamente, uma taxa de inÉ interessante associar a taxa vestimento de 24%. ''A capacidade de crescimento do PIB à do cresciMas, nas circunstâncias atuais, de o crescimento mento da ocupação e à taxa de em que a mudança tecnológica se queda no desemprego nos dois soma à recessão, o resultado lído PIB gerar períodos. No biênio 1986-1987, quido, infelizmente, é de desempostos de prego tecnológico. Esse ponto para um crescimento de 10% no PIB, houve um crescimento da deve ser destacado porque se tortrabalho caiu ocupação na Região Metropolitana necessária outra abordagem na de São Paulo também de 10%. de política económica, uma aborpela metade'' Portanto, ocorreu uma relação de dagem capaz de permitir que a um para um no que se referia à mudança tecnológica ocorra gesensibilidade da ocupação ao cresrando ganhos do ponto de vista cimento do PIB. A taxa de desemprego, conseqüentesocial. Na abordagem que existe hoje no Brasil, a soma mente, caiu nesse período. da mudança tecnológica com o processo recessivo gera Em 1994 e 1995, porém, isso não ocorreu. Para uma desemprego. taxa de crescimento do PIB de 10%, o crescimento da Com uma política econômica expansiva, seria comocupação ficou em torno de 5%. Ou seja, a sensibilidapletamente viável a realocação dos trabalhadores demide da ocupação ao crescimento do PIB caiu pela metatidos em determinados setores, nos quais o processo de de. A taxa de desemprego não diminuiu 20%, como mudança é mais acelerado do que em outros, para áreas ocorreu no Plano Cruzado, mas sim 9%. menos atingidas. Certamente, essa diminuição, tanto no coeficiente Um aspecto muito interessante do caso e que vale a que relaciona o crescimento do PIB com o da ocupação, pena ser lembrado é o período de quase 30 anos de como no coeficiente que relaciona o crescimento do PIB crescimento econômico que Europa e Estados Unidos com a queda na taxa de desemprego, é resultante de muexperimentaram no pós-guerra. Nesse período, ocordanças estruturais e não de abordagens ou da forma de reram mudanças tecnológicas significativas. Elas, pogestão da política económica. Significa que houve uma rém, tiveram lugar num período de crescimento ecoperda bastante significativa. Caiu pela metade capacinômico e foram acompanhadas pela estruturação de dade de o crescimento do PIB gerar postos de trabalho mecanismos macroeconômicos institucionais. Isso e reduzir a taxa de desemprego. permitiu que a mudança tecnológica e o aumento de O debate sobre a relação entre o desemprego e tecprodutividade fossem realimentando o processo de nologia é bastante estimulante, mas o problema do Bracrescimento, gerando aumento de emprego e melhor sil, neste momento, é o de que o crescimento da produdistribuição de renda. tividade industrial e o processo de mudança tecnológica Uma política de inovação tecnológica, de ampliação organizacional ocorrem em um contexto macroeconôda geração e adoção de novas tecnologias para as emmico completamente adverso do ponto de vista da gerapresas, teria um enquadramento mais adequado se fosção de postos de trabalho. se considerada dentro de um contexto de política ecoSob a ótica do desemprego tecnológico, as mudannômica mais geral, capaz de permitir que os aumentos ças tecnológicas e organizacionais, com freqüência, de produtividade sejam transformados, de fato, em gaimplicam a ampliação do desemprego em níveis setanhos efetivos de bem-estar para os trabalhadores e para riais. Mas isso não é verdade, necessariamente, para o a sociedade em geral.
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