Prêmio FCW 2010

Page 1

Especial

p r ê m i o

fc w Fundação Conrado Wessel

Os vencedores do prêmio Conrado Wessel de arte, ciência e cultura 2010


Conselho c ura d o r e di reto r ia d a F C W

conselho curador Presidente Dr. Antonio Bias Bueno Guillon Membros Dr. José Álvaro Fioravanti Dr. José Antonio de Seixas Pereira Neto Dr. José Hermílio Curado Capitão PM Kleber Danúbio Alencar Júnior Dr. Reinaldo Antonio Nahas Prof. Stefan Graf Von Galen

diretoria executiva Diretor Presidente Dr. Américo Fialdini Júnior Diretor Vice-Presidente Dr. Sérgio Roberto de Figueiredo Santos e Marchese

superintendente Dr. José Moscogliatto Caricatti Coordenador Científico Dr. Erney Plessmann de Camargo Coordenador Cultural Dr. Carlos Vogt

coordenação desta edição Dr. José Moscogliatto Caricatti

F u n d a ç ã o Con ra do Wessel Rua Pará, 50 - 15º andar Higienópolis - 01243-020 São Paulo, SP - Brasil Tel./fax: 11 3237-2590 www.fcw.org.br diretoria@fcw.org.br


índice

investiu 60,5% de seu 4 FCW orçamento, por 10 anos, em prêmios e doações

4

8

Os caminhos que levaram Conrado Wessel a inventar um novo papel fotográfico

12

Fundação busca premiar personalidades cujo trabalho se volta para a sociedade

8

Dupont é um dos 18 Jairton 100 químicos mais influentes do mundo

as fotos das páginas 5-7, 14, 16-19 e capa são de autoria dos fotógrafos fernando silveira, pedro vertulli e polini prizmic

24 18

Angelita Habr-Gama alia o talento nas cirurgias às ações de prevenção contra o câncer de intestino

elson Pereira dos Santos 30 Né diretor de alguns dos filmes fundamentais do cinema brasileiro os ensaios 38 Veja fotográficos que

24

ganharam o Prêmio FCW de Arte

instituições parceiras 50 Adas fundação e o júri responsável pela seleção

30

38


Apoio ao desenvolvimento nacional Fundação Conrado Wessel investiu 60,5% de seu orçamento, por 10 anos, para premiar arte, ciência, cultura e fazer doações

N

os últimos 10 anos a Fundação Conrado Wessel (FCW) destinou, em média, 60,5% de seu orçamento bruto para o apoio à arte, à ciência e à cultura

e doações. Os restantes 39,5% foram usados em despesas de manutenção patrimonial, administração e apoio a entidades. Os números indicam como a fundação acredita na premissa exaustivamente confirmada de que não pode haver crescimento de um país sem a contribuição da

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

ciência. Também não se deve esquecer que a necessidade preliminar do investimento em ciência é o investimento em educação. Portanto, para o desenvolvimento nacional é preciso oferecer uma educação sólida a todos os cidadãos. Será o crescimento social de uma população educada e preparada que gerará as melhores formulações para o desenvolvimento nacional. A FCW tem dirigido a maior parte de seu orçamento para ajudar nessa evolução. Desde 2001 a fundação distribui anualmente os Prêmios FCW aos melhores cientistas, artistas e escritores do país. E desde 2007 patrocina o Prêmio Almirante Álvaro Alberto, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Também concedeu 15 bolsas de estudo complementares no exterior para os ganhadores dos Grandes Prêmios Capes de Teses e uma bolsa de graduação em música, de quatro anos, na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos. Bancou a publicação de 15 edições dos Anais da Academia Brasileira de Ciências e de seis livros, três científicos e três de 4


Cláudio etges

Moises Bonella: bolsa no exterior e apresentação na festa dos Prêmios FCW

ficção. Com a FAPESP, publica anualmente este suplemento especial, completando agora oito anos de parceria. Foi o fotógrafo, inventor e empresário da indústria fotográfica Ubaldo Conrado Augusto Wessel quem propôs esse apoio à arte, à ciência e à cultura e colocou seu patrimônio à disposição dessa ideia. Seus objetivos se concentraram em duas linhas de atuação. Uma delas era fazer “aporte de recursos para utilização educativa, cultural e científica”, mediante doações. Para isso, a fundação recebeu uma relação de entidades definidas por ele, por meio das quais ela destina anualmente os recursos à educação e à formação cultural e científica. São elas: Aldeias Infantis SOS do Brasil, Associação Benjamin Constant, Corpo de Bombeiros da Polícia Militar, Exército de Salvação, Fundação Antonio Prudente. As demais entidades são escolhidas pela diretoria da fundação e indicadas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. Outra meta de Conrado Wessel era distribuir prêmios a cientistas e artistas como forma de incentivo. A FCW tratou então de buscar parceria com instituições nacionais ligadas à ciência e à cultura. Essas instituições determinam os nomes a premiar mediante reunião de seus representantes na Comissão Julgadora dos Prêmios FCW. São elas: FAPESP, Academia Brasileira de Letras, Academia Brasileira de Ciências, CNPq (órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes, órgão do Ministério da Educação), Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pes-


quisa (Confap), Departamento de

rentabilidade patrimonial: des-

Ciência e Tecnologia Aeroespacial

concentrou, construiu novos e

(DCTA) e Sociedade Brasileira pa-

maiores prédios, fez aquisições

ra o Progresso da Ciência (SBPC).

e atualizou a carteira imobiliá-

As premiações distinguem pes-

ria. Hoje são 51 imóveis e mais

quisadores, escritores e artistas

de 22.000 m² construídos.

brasileiros reconhecidos inter-

Um Conselho Curador e uma

nacionalmente e é essa uma das

Diretoria Executiva formam a ad-

razões que levaram a fundação a

ministração da FCW. A gestão da

se tornar referência nacional no

primeira diretoria foi iniciada em

meio acadêmico.

1995 e para ela Wessel havia indi-

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

A

6

cado os seus testamenteiros como FCW nasceu oficialmente

diretores nos três primeiros anos

como instituição priva-

da fundação. O Ministério Públi-

da em 1994 para se cumprir o

co nomeou os dois testamenteiros

desejo de Wessel, expresso em

– um diretor administrativo e um

testamento feito em 1988, cin-

diretor gerente financeiro – que

co anos antes de sua morte. No

ocuparam a direção por tempo de

documento está determinada

mandato superior ao especificado

a criação da fundação à qual

pelo fundador Wessel. Eles per-

destinava “todos os bens” para

maneceram nos cargos não por

cumprir as duas incumbências

três, mas por cinco anos.

exigidas por ele. Como determi-

Para o Conselho Curador,

na a lei, a FCW funciona sob a

Wessel não indicou ninguém,

vigilância do Ministério Público

mas o Ministério Público nomeou

e é gerida por administradores

um afilhado dele em sua home-

que devem seguir o estatuto e a

nagem. Desse conselho também

legislação. Para evitar o colapso

fazem parte permanentemente

do patrimônio original, crescer

três representantes das entidades

e impedir que a organização se

beneficiárias, ou seja, aquelas que

torne insolvente é preciso que a

recebem uma doação significati-

administração seja eficiente e

va da FCW a cada ano. No caso,

parcimoniosa na gestão.

a Fundação Antonio Prudente, o

Wessel legou um patrimônio

Corpo de Bombeiros e a Associa-

inicial constituído de 41 imóveis

ção Benjamin Constant. Após o

na capital paulista, em grande

período de transição e auditoria

parte alugados, nos bairros da

dos bens houve a posse da nova

Barra Funda, dos Campos Elísios

Diretoria Executiva em fevereiro

e de Santa Cecília, que totalizavam

de 2000. A partir daí, o legado de

18.722 metros quadrados (m²) de

Wessel foi administrado de acor-

área construída. E seis outros imó-

do com os objetivos definidos para

veis em Higienópolis, onde deveria

o patrimônio da FCW.

ser erguido “um empreendimento imobiliário cuja renda seria destinada à concessão de prêmios”, de acordo com o testamento. A ges-

E

sses objetivos são dois, como já foi dito acima: doações e

prêmios à arte, à ciência e à cul-

tão de seu patrimônio demonstra

tura. As doações vêm dos recursos

um crescimento de 630% a partir

obtidos com as locações dos imó-

de 2000, quando terminou a tran-

veis. Os prêmios distinguem os

sição do espólio de Wessel para a

nomes reconhecidos na ciência

fundação e, simultaneamente,

geral, na ciência aplicada ao cam-

tomou posse a nova adminis-

po, à água, ao meio ambiente, à

tração, que imprimiu outra di-

tecnologia, à biologia; na medici-

nâmica para reverter o perfil de

na; e na cultura. Para esse fim, a


fundação usou os seis imóveis de

mo tinha 68% da área, a fundação

por fotógrafos e publicitários vin-

Higienópolis para transfor­­má-los

recebeu 17% das cotas (68% x 25%

culados à APP, Abrafoto, revista

no empreendimento Shopping

= 17%); e como a Obra Santa Zita

About, revista Fotografe Melhor, Bi-

Pátio Higienópolis.

detinha 32% da área, ficou com

blioteca Nacional, Clube de Cria-

Na época surgiram numerosas

8% das cotas (32% x 25% = 8%). O

ção de São Paulo, PUC-Rio, Fun-

propostas para os seis terrenos. A

Shopping Pátio Higienópolis foi

dação Armando Álvares Penteado

mais atraente delas foi construir

construído e é de seu movimento

(FAAP), Fotosite, Museu da Imagem

um shopping. Entretanto eram ne-

comercial que vem a maior parte

e do Som, Pinacoteca do Estado de

cessários no mínimo 15.000 m² de

da renda destinada aos vencedores

São Paulo, Universidade Estadual

área e a fundação tinha apenas

dos Prêmios FCW.

de Campinas e Universidade de

68% do necessário. Para chegar aos

Para conceder os prêmios de

100% foi preciso se unir a mais dois

Ciência e Cultura a personalidades

São Paulo.

proprietários vizinhos, a Obra de

ou entidades de reconhecimento

Santa Zita e a empresa Plaza. O

nacional, a fundação tem oito ins-

conjunto então formado atingiu

tituições parceiras (ver página 50).

15.223,22 m². A participação no

A partir deste ano a Marinha do

possível apreciar um resultado

empreendimento foi estabeleci-

Brasil integrará permanentemen-

notável. Na festa da premiação

da em 25% das cotas para a FCW e

te a Comissão Julgadora dos Prê-

dos ganhadores de 2010, realiza-

a Obra de Santa Zita; e 75% para o

mios FCW de Ciência e Cultura.

da na Sala São Paulo em junho

investidor responsável pelo custo

Na concessão do prêmio de Arte,

de 2011, na capital paulista, hou-

de implantação e construção. Co-

a comissão julgadora é formada

ve a apresentação do violinista

D

epois de 10 anos de investimento em prêmios para

ciência e em bolsas de estudo, foi

Moises Bonella, acompanhado eduardo cesar

pelo pianista Ney Fialkow, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bonella, de 22 anos, ganhou bolsa de quatro anos (2007-2011) da FCW para cursar música na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, estimulado pelo pianista Arnaldo Cohen. Talentoso, em abril o jovem músico recebeu da própria universidade norte-americana o Artistic Excellence Award. Também em abril, durante a festa de aniversário de 60 anos do CNPq, a instituição federal homenageou a FCW com uma Menção Honrosa de Agradecimento aos serviços prestados no reconhecimento do valor científico no Brasil. Apenas uma parte das atividades da FCW está exposta nesta edição. O destaque é para os perfis dos ganhadores dos prêmios de Ciência, Medicina e Cultura (a partir da página 18), as fotos dos vencedores de Arte (página 38), além da biografia de Conrado Wessel (página 8). O livro com as peças de todos os fotógrafos finalistas será lançado no segundo

Diploma do CNPq que homenageia a FCW

semestre de 2011.


Insista, não desista Os caminhos que levaram Conrado Wessel a inventar um novo papel fotográfico

A

ugusto Ubaldo Conrado Wessel (1891-1993) era fotógrafo, inventor, empresário e tinha grande conhecimento de química. Também gostava de

escrever e deixou depoimentos datilografados contando seus tempos de fotógrafo amador, quando adolescente, e as batalhas que travou para conseguir erguer sua fábrica de papel fotográfico. Em um de seus rascunhos de memória ele anotou: “Já quando menino tinha tendência de querer saber como as coisas eram feitas, por exemplo, queria saber por que a fotografia em parte era executada no escuro, por que a chapa fotográfica, mesmo depois de exposta, não apresentava vestígios da imagem fotografada, somente com o revelador, como em seus menores detalhes”. A curiosidade aliada a suas próprias experiências o levou a ganhar, aos 15 anos, os três primeiros lugares em um concurso promovido pela Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo para as melhores fotos de animais, em 1907, mesmo competindo com profissionais. Wessel queria mais. Não bastava ser um excelente fotógrafo. Ele desejava criar um produto capaz de concorrer com as maiores empresas internacionais da época no ramo: a Agfa, a Gevaert e a Kodak. Por isso aproveitou todas as oportunidades não só para desenvolver suas habilidades com a máquina fotográfica, mas para aprofundar-se nas técnicas de gravação e revelação e no que mais tivesse a ver com fotos. Quando o governo de São Paulo começou a promover uma política agressiva de promoção do consumo de café, carro-chefe do desenvolvimento paulista no início do século XX, o presidente do estado, Jorge Tibiriçá, baixou um decreto determinando

8

fotos acervo fundação conrado wessel

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

num passe de mágica, aparecia o objeto fotografado


Conrado Wessel, aos 58 anos, o papel desenvolvido por ele e jรก em parceria com a Kodak


“exibições cinematográficas de

de muita perspectiva – em São

eletroquímica do curso de en-

vistas das fazendas e indústrias”

Paulo, na época, só existiam três

genharia química.

para fazer propaganda no exte-

oficinas, todas com máquinas e

rior. Para isso foi chamado um

processos primitivos.

cinegrafista da empresa francesa

Em Viena, Wessel iniciou seus

práticas e o incentivava a conti-

Gaumont – o senhor Colliot, se-

estudos no instituto em julho de

nuar sua pesquisa. Ao concluir

gundo Wessel – para filmar fa-

1911 e terminou em dezembro de

sua “fórmula satisfatória” para o

zendas. O jovem fotógrafo, que

1912. Fez o estágio profissional

papel que desejava sentiu o im-

falava francês, foi contratado

obrigatório em uma das mais

pacto da descoberta: o que fazer?

para acompanhá-lo pelo estado,

importantes empresas especia-

Não tinha recursos para insta-

auxiliando-o nas revelações e nas

lizadas na área de mídia, gráfi-

lar uma fábrica. “Havia pouco

filmagens. Quando o cinegrafis-

ca e fotografia, a casa Beissner

dinheiro, faltavam máquinas,

ta voltou para a França, deixou

& Gottlieb, finalizado em 1913.

papel etc.”, escreveu Wessel. Ou

com Wessel um certificado de

Quando voltou para São Paulo,

seja, faltava quase tudo. Por in-

cinegrafista concedido pela Gau-

em 1914, trazia na bagagem as

dicação de um cliente, porém,

mont no qual o considerava apto

máquinas e instrumentos que

ele soube de um professor que de-

a substituí-lo, se necessário.

conseguiu adquirir na Áustria,

sejava vender equipamentos de

“Insista, não desista”, di-

na França e na Alemanha, uma

uma fábrica de papel fotográfico

zia Wessel quando lhe pediam

clicheria completa que instalou

que não dera certo. Conrado Wes-

conselhos sobre situações difí-

para seu pai na rua Guaiana-

sel comprou as máquinas – “re-

ceis, aparentemente incontor-

ses, 139. Ele, no entanto, logo

gateando o máximo”, segundo

náveis. Ele investiu na própria

percebeu que precisava estudar

ele – e as instalou na propriedade

formação, trabalhou seis anos

mais. Conseguiu inscrever-se na

do pai, à rua Lopes de Oliveira,

pesquisando e levou outros cin-

Escola Politécnica como aluno

198, em 1921.

co aperfeiçoando sua invenção

ouvinte e a cursou entre 1915 e

Alguns anos antes, em 1916,

de um novo papel fotográfico.

1919. Lá se tornou amigo e au-

Guilherme Wessel havia contra-

Quando decidiu estudar no K.K.

xiliar de laboratório de Roberto

tado o escritório Moura, Wilson

Graphischen Lehr und Versu-

Hottinger, titular da cadeira de

& Co., do Rio de Janeiro, repre-

chsanstalt, em Viena, na Áus-

bioquímica, físico-química e

sentante da International Patent

tria, ele sabia que o instituto era avançado na tecnologia gráfica, especialmente em fotografia e clichês (placas de metal para impressão de imagens e textos). Sua pretensão era aprimorar-se em fotoquímica e clicheria. Quem Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

garantiu os recursos para isso

10

Hottinger confiava-lhe a preparação do laboratório nas aulas

foi o pai, Guilherme, que considerava a clicheria um segmento

Escritório Moura, Wilson & Co. comunica ao pai de Wessel a provável concessão da patente


Cartão-postal do viaduto do Chá, centro de São Paulo, em 1930, impresso no papel da fábrica Wessel

Agency, para requerer os direitos

fotógrafos em razão do conflito

da parceria por mais 10 anos com

pela invenção do papel fotográfi-

e eles começaram a usar aque-

opção de compra de sua patente.

co Wessel. Em carta de 4 de maio

le fabricado por Wessel. Quan-

Desse acordo surgiu nova fábrica,

de 1921, o escritório informava

do veio a paz, ele já estava com

em 1949, e a partir de 1954 a pa-

que o ministro da Agricultura

sua fábrica em plena atividade

tente passou definitivamente aos

despachara favoravelmente o

e um produto de primeira linha

norte-americanos, que difundi-

pedido de privilégio solicitado.

pronto, o cartão-postal Jardim.

ram o papel inventado por Wessel

Guilherme e Conrado estavam

Em pouco tempo ganhou o mer-

ao redor do mundo.

liberados para divulgar a inven-

cado e alcançou sua meta traça-

O tempo demonstrou a corre-

ção ou fazer qualquer negócio

da ainda adolescente, de ter um

ção da assertiva de Conrado Wes-

que desejassem com ela.

produto tão bom ou melhor que

sel – “insista, não desista”. E quem

os grandes fabricantes mundiais

ganhou com isso foi o país, pela

de papel fotográfico.

instituição da Fundação Con-

As dificuldades não pararam aí e outros obstáculos precisaram ser contornados. Foi preciso

A produção cresceu e com o

rado Wessel, destinatária do

aperfeiçoar a produção até con-

passar dos anos o empresário co-

patrimônio por ele amealhado

seguir um papel confiável para

meçou a ser assediado por empre-

a partir da sua fórmula de papel

o mercado e vencer a resistên-

sas do exterior. Tornou-se inicial-

fotográfico. Ele deixou a vontade

cia inicial dos fotógrafos, seus

mente fornecedor da Kodak e, em

de que ela fosse instituída com

clientes potenciais. Nos anos

4 de julho de 1936, garantiu para a

seus bens, pelo testamento la-

seguintes houve grande insta-

empresa norte-americana a tota-

vrado em 11 de maio de 1988. E,

bilidade política no país, como

lidade da produção de papel, que

com ela, devolveu à sociedade

os episódios da revolta dos 18 do

ficou conhecido por muito tempo

tudo o que conseguiu, porque

Forte de Copacabana, em 1922, e

com o nome Kodak-Wessel. O pra-

estabeleceu para a fundação a

a revolução paulista de 1924. Nes-

zo do contrato foi de 10 anos. Em

grande finalidade de incentivo à

se último ano, em particular, os

1947 visitou a sede da companhia

arte, à ciência e à cultura, que se

fornecedores tradicionais de pa-

em Rochester, nos Estados Uni-

realiza mediante prêmios, bol-

pel não conseguiam abastecer os

dos, para negociar a renovação

sas, publicações e apoios.


Eficácia social FCW busca premiar personalidades cujo trabalho se volta para a sociedade

O

s critérios adotados na premiação de Ciência, Arte e Cultura pela Fundação Conrado Wessel (FCW), ao longo dos já quase 10 anos de outor-

ga, demonstram o acerto de seu caráter fundamental: os ganhadores têm uma carreira profissional meritória reconhecida na sua especialidade, em nível internacional. Além disso, entretanto, há nos escolhidos alguns predicados que compõem um perfil voltado à eficácia

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

claramente social: trabalho incessante, integridade pessoal, inovação em produzir alternativas de qualidade de vida, de distribuição de benefícios acessíveis a todos. As entidades parceiras da fundação endossam tais critérios. Ano após ano, os responsáveis pela decisão de laurear os melhores cientistas, artistas e fotógrafos se esmeram em aprimorar as normas que regem o Prêmio FCW. Esse esforço tem levado a algumas mudanças, em especial nas subcategorias de cada área. O Prêmio de Arte é dirigido agora para o ensaio, após um período de privilégio à fotografia publicitária, até 2009. O Ensaio Fotográfico já estava presente antes, dividido entre Ensaio Inédito e Ensaio Publicado, mas de modo secundário. Tornou-se representativo da Arte e não se distingue mais entre publicado ou inédito. O total da premiação para os três primeiros colocados atinge R$ 200 mil, incluída a tributação. Os resultados de inscrições para o Prêmio FCW de Arte, que se realizam via internet, revelam uma intensa 12


fotos: 1 Leo Ramos/ 2 liane neves/ 3 eduardo cesar

Nelson

2010

Jairton

Angelita


2009

participação nacional. Entre as regiões, em virtude da concentração populacional, o Sudeste e o Sul correspondem ao maior número. Mas as inscrições retratam o país todo. Houve 207 inscritos, assim distribuídos: 38 dos estados do Nordeste, 7 do Norte, 8 do Centro-Oeste, 8 do Distrito Federal, 28 do Sul e 109 do Sudeste. A premiação de Cultura, a exemplo de Ciência e Arte,

Jeferson Lima da Silva

vem sendo modificada com o objetivo de ser mais plural. Os organizadores dos Prêmios FCW sempre tiveram em mente que o ganhador dessa área não deveria vir apenas da literatura. Os escritores Lya Luft (2003), Ferreira Gullar (2004), Fábio Lucas (2005) e Ruth Rocha (2006) foram os primeiros vencedores. A partir de Affonso Ávila (2007) algumas mudanças se fizeram sentir. A principal contribui-

Ricardo Pasquini

ção para a cultura brasileira do poeta mineiro não está na excelência de sua poesia, mas na divulgação para o mundo do acervo barroco mineiro. Ele edita pesquisas sobre o tema, por exemplo, na revista Barroco, conhecida no exterior. Após Ávila, foram premiados o dramaturgo Ariano Suassuna ampla atuação cultural, e Antonio Nóbrega (2009), versado em música clássica e dança que faz um trabalho com grande participação popular no seu Instituto Brincante, em São Paulo. Em 2010 o ganhador Nelson Pereira dos Santos – que recebe o prêmio agora, em 2011 – vem do cinema. Nos próximos anos poderá vir da televisão, das artes plásticas ou da dança. A modificação mais significativa já definida para as próximas edições diz respeito à Comissão Julgadora, com o ingresso da representação do Comando da Marinha no grupo de jurados de 14

João de Oliveira

Antonio Nóbrega

fotos: 1 Leo Ramos/ 2 jader rocha/ 3 eduardo cesar/ 4 silvia machado

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

(2008), também um homem de


fotos 2007: 1 liane neves 2 eduardo cesar 3 fábio motta/AE 4 gláucia rodrigues  fotos 2008: 2 paulo soares/esalq

Leopoldo de Meis Iván Izquierdo

Ernesto Paterniani Hisako Higashi

Fulvio Pileggi Ivo Pitanguy

Ariano Suassuna

Affonso Ávila

2007

2008


Ciência, enfatizando a opção de

1

2

incentivo às pesquisas no mar. A decisão reporta ao primeiro Mar, em 2002, e à presença permanente a partir de então de um representante da Marinha entre os jurados. A presença de ora em diante vai traduzir um convênio ainda em esboço com a FCW para que novas atividades mútuas se

2006

prêmio de Ciência Aplicada ao

desdobrem entre a Marinha e a

Sergio Mascarenhas

Ricardo Brentani

Wanderley de Souza

Adib Jatene

Isaias Raw

César Victora

Brito Cruz

Maria Inês Schmidt

fundação, assim como está em elaboração igual entendimento com o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeronáutica (DCTA). Os laureados em Ciência, MediR$ 300 mil cada um. As personalidades da ciência e da cultura que tenham contribuído para a sociedade são o alvo preferencial da FCW. De 2002 a 2010 ganharam o prêmio 76 cientistas, escritores, artis-

2005

cina e Cultura recebem, por ora,

tas e fotógrafos (ver os ganhadores de Ciência e Cultura nas páginas 13, 14 e 15), além de cinco Prêmios Almirante Álvaro Alberto (este em parceria com o Conselho de Desenvolvimento Científico e Tectre a Pesquisa FAPESP e a FCW permitiu que todos tivessem seus principais trabalhos descritos em reportagens de edições coas imagens foram publicadas. Duas instituições, o Instituto Agronômico de Campinas e o Museu Paraense Emílio Goeldi, além de três escolas estaduais, também foram premiados. Ao reconhecer o talento de cada um com prêmios que chegam a R$ 300 mil e uma escultura do artista plástico Vlavianos, é possível notar a linha paralela por onde caminham a FCW e os laureados. As biografias mostram não apenas o mérito científico e cultural de cada um deles – indicam também o quanto o país vem ganhando com o trabalho de décadas realizado por eles. 16

2003

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

mo esta. No caso dos fotógrafos,

2004

nológico, CNPq). A parceria en-


crédito fotos 1 Miguel Boyayan 2 eduardo tavares 3 Marcos Esteves/Embrapa 4 Divulgação 5 Léo Ramos 6 ASCOM/INPA

crédito fotos 1 Miguel Boyayan 2 Arquivo pessoal 4 Léo Ramos 5 Eduardo Cesar

crédito fotos 1 Leo Ramos 2, 3 Eduardo Cesar 4, 5 Miguel Boyayan 6 Francisco Emolo/Jornal da USP

crédito fotos 1, 3, 4 Miguel Boyayan 2, 5 eduardo cesar 6 ÂNgelo abreu/ufla

3 4

Jairo Vieira

5 6

Aldo Rebouças Ruth Rocha Carlos Nobre Magno Patto Ramalho

Luiz Carlos Fazuoli Fábio Lucas José Galízia Tundisi Aziz Ab’Sáber

Ferreira Gullar Alberto Franco

Lya Luft

Dieter Muehe

Philip Fearnside


ciência geral

Fascínio pela descoberta Jairton Dupont, um dos 100 químicos mais influentes do mundo, diz que ainda há muito a descobrir na sua especialidade

E

m fevereiro deste ano o químico gaúcho Jairton Dupont, 52 anos, recebeu mais um reconhecimento público pela importância e consistência do seu

trabalho. Ele foi escolhido como um dos 100 químicos mais influentes da década pela agência internacional Thomson Reuters. Único brasileiro da lista, onde figura em 83º lugar, Dupont diz se sentir muito satisfeito, mas divide os créditos. “Qualquer um de nós quando tem o

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

seu trabalho reconhecido se sente recompensado, mas eu gosto de pensar que é um reconhecimento do trabalho de um grupo, uma ilha de excelência de que tenho o privilégio de estar à frente”, diz o professor do Departamento de Química Orgânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde coordena um grupo de pesquisa dedicado a estudos com líquidos iônicos orgânicos para aplicação principalmente no refino de petróleo na indústria petroquímica. A distinção se soma a muitos outros prêmios já recebidos pelo pesquisador, como o Humboldt Young Research Award, concedido pelo Ministério da Educação, Ciência e Tecnologia da Alemanha em 2005, honraria que ele descreve como uma das mais importantes. Em 2007 ganhou o prêmio Scopus da Elsevier-Capes e em 2008 a medalha do Journal of the Brazilian Chemical Society, o Prêmio Finep Inventor-Inovador e o World Intellectual Property Organization Award. A história de vida de Dupont é bastante parecida com a trajetória de muitos brasileiros do interior que se mu18


fotos liane neves

Dupont em sua sala, onde há um constante entra e sai de alunos

daram para a capital nas décadas

culdades materiais eram muitas,

tinha em aprender a matéria e en-

de 1960 e 1970. Nascido em um

mas ao relembrar a infância ele

siná-la aos colegas. Fez vestibular

pequeno vilarejo de imigrantes

parece viajar no tempo e a des-

na Pontifícia Universidade Católi-

suíços formado no final do sécu-

creve como maravilhosa. “As

ca do Rio Grande do Sul (PUC-RS)

lo XIX, chamado Desvio Blauth

lembranças são de uma infância

para licenciaturas curtas em ciên-

e hoje pertencente à cidade de

com a maior liberdade possível,

cias, curso de dois anos e meio de

Farroupilha, mudou-se aos 6

em que jogava taco, bola de gude,

duração, que permitia aos alunos

anos com a família para Canoas,

tomava banho de rio.” Começou

lecionar matemática, física, quí-

cidade-satélite de Porto Alegre,

a estudar à noite aos 13 anos pa-

mica e biologia.

já que a irmã mais velha havia

ra poder trabalhar durante o dia.

No final do primeiro semestre

ingressado na universidade. “A

Aos 14 anos teve o seu primeiro

foi convidado por uma das pro-

obsessão dos meus pais era que

registro em carteira como balco-

fessoras de pedagogia a dar aulas

os filhos estudassem”, relata. “E

nista de uma loja de ferragens.

em colégio particular de Porto

esse foi um dos maiores legados

Decidiu que seria professor de

Alegre. Pouco tempo depois,

que eles me deixaram.” As difi-

matemática pela facilidade que

começou a lecionar também em


um colégio estadual. Enquanto cursava ciências, passou a achar a matemática muito monótona e lógica. “A química era um fascínio, porque não tinha quase nada de equacionável, era tudo empírico e havia um mundo a descobrir”, lembra. Logo depois que decidiu fazer química começou a cursar a licenciatura plena, também na PUC. Uma das outras habilidades que sempre teve, ele conta, é o aprendizado de idiomas. Como falava com certa facilidade o francês, decidiu ao término do curso de graduação em 1982 ir para a França fazer

"Há preconceito

ainda não conhecia”, diz. A

na ciência.

bolsa de recém-doutor e, desde

Tivemos muita

para professor adjunto, está na

dificuldade

criado na universidade o grupo

para publicar os primeiros artigos científicos do grupo"

UFRGS. A partir dessa época foi de pesquisa em catálise, que hoje é referência mundial. “Em 1992, nós éramos o terceiro ou quarto grupo formado no mundo, não tinha mais ninguém trabalhando nessa área.” A descoberta do impacto das pesquisas produzidas só veio muito depois, quando os pesquisadores começaram a perceber que as citações aos trabalhos publicados havia au-

sem ter bolsa. “Na época, entre

mentado consideravelmente e pelos convites recebidos de todas minar, recebeu um convite para

as partes do mundo para fazer

render ao imperialismo norte-

fazer pós-doutoramento na Uni-

conferências. Para os jovens que

-americano”, diz, ressaltando

versidade de Oxford, na Ingla-

estão começando, Dupont alerta

que hoje ri quando se lembra

terra, período que deveria durar

que a ciência tem seus preconcei-

disso. “Ao chegar à França, a

um ano e foi esticado para três,

tos. “Sabemos muito bem disso

primeira coisa que me fizeram

porque conheceu a sua mulher, a

porque tivemos muita dificul-

aprender foi o inglês, porque é

colombiana Martha, com quem

dade para publicar os primeiros

a língua da ciência.”

teve depois de 23 anos de convi-

artigos científicos do grupo”, re-

vência a filha Isabel Cristina,

lata. Eles foram publicados em

ez o curso de especialização e

hoje com 2 anos e meio. “Fiquei

periódicos científicos de terceira

emendou com o doutorado,

esperando que ela terminasse

categoria. Agora grande parte

ambos na Universidade Louis

o doutorado para que pudésse-

desses artigos encontra-se entre

Pasteur de Strasbourg. Ao ter-

mos vir ao Brasil, que Martha

os mais citados nas publicações

arquivo pessoal / reprodução liane neves

querda, aprender inglês era se

F

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

1992, quando prestou concurso

uma especialização, mesmo alguns círculos estudantis de es-

20

volta se deu em 1990, com uma

Na Inglaterra, no dia do casamento com Martha


internacionais. Por isso ele faz uma recomendação: “Mesmo quando se recebe um não, é preciso persistir”.

O

interesse pelos compostos iônicos, um assunto prati-

camente desconhecido naqueles idos da década de 1990, envolve um dos colegas e grande amigo pessoal de Dupont, o professor Roberto Fernando de Souza, diretor do Instituto de Química da UFRGS. O pesquisador diz que ainda se lembra do dia em que, no corredor, ele perguntou: “Jairton, tu viste o artigo do Yves Chauvin, em que a dimerização de olefinas [hidrocarboneto] é feita com sal fundido?”, relata Dupont, que respondeu: “Você

Isabel Cristina, de 2 anos e meio: sempre com o pai

está louco?”. O uso de compostos iônicos orgânicos para acelerar as reações químicas era novidade na época. O francês, autor do artigo, ganhou o Prêmio Nobel de Química em 2005, mas por outra linha de pesquisa. O espanto de Dupont deu lugar à descoberta de que o assunto estava começando a entrar na pauta. Tanto que logo depois desse episódio os pesquisadores gaúchos foram procurados pela Petrobras com a proposta de montar um grupo de trabalho para estudar o tema que interessava à empresa. Esses sais, que são naturalmente líquidos à temperatura ambiente, não evaporam e são ótimos condutores de eletricida-

"Os cientistas que ficaram no país criaram

“Aprendemos a duras penas que é melhor primeiro patentear e depois publicar. Existem várias patentes no mundo baseadas em desenvolvimentos feitos pelo

esse sistema de

nosso grupo”, diz o pesquisador.

ciência que tem

grupo, ao qual pertenço, decidiu

muito mais valia

apesar de todas as dificuldades

para mim e para

elogia os cientistas que saíram

a sociedade"

ra, mas diz que valoriza muito o

de. Além do refino de petróleo,

“Isso só foi possível porque esse que era possível fazer ciência que se tinha na época.” Dupont do país e fizeram sucesso lá focientista brasileiro que fez carreira no Brasil. “Os que perma-

eles podem ser usados na produ-

A aplicação dos líquidos iô-

neceram criaram esse sistema de

ção de substâncias de interesse

nicos em catálise abriu um no-

ciência que tem muito mais valia

farmacêutico ou como lubrifi-

vo leque de oportunidades para

para mim e para a sociedade do

cantes de robôs e equipamentos

o grupo de pesquisa, que conta

que os outros que estão fora.”

enviados para o espaço. Alunos

atualmente com 25 professores.

da UFRGS foram enviados para

O grupo tem três patentes conce-

aprender com o grupo do profes-

didas e 10 depositadas, a maioria

sor Chauvin na França. “A pri-

em parceria com a Petrobras. As

meira patente brasileira de uso

patentes são ligadas à catálise,

ele, a cozinha é um laboratório.

de líquido iônico foi depositada

mas também para novas aplica-

“Eu não conheço nenhum bom

pelo professor Roberto quando

ções vislumbradas para líquidos

químico que não seja um bom

estava na França em um ano sa-

iônicos, como geração de hidro-

cozinheiro.” O segredo para se

bático”, conta Dupont.

gênio e energias alternativas.

sair bem é fazer com prazer. “Eu

A

escolha de Dupont pela química se revela também

no seu prazer em cozinhar. Para


me sinto dono de mim mesmo quando estou fazendo um prato e me sinto muito bem se os outros gostarem do que eu fiz”, atesta o gaúcho, que não esconde a imensa alegria de ter sido pai quase aos 50 anos. Dupont diz que ser cientista é maravilhoso para quem gosta de viajar e conhecer diferentes culturas. “Nos meus cinco anos de França e três de Inglaterra, aprendi todo o ritual de como se prepara um prato, como se serve e como se come.” Na universidade, Dupont se

Entre 2000 e

ressados em aprender mais sobre

2010, Dupont

“É difícil em um ambiente hostil

publicou 120 artigos científicos sobre química e obteve 6.964 citações

a linha de pesquisa que lidera. produzir algo novo, por isso ele tem que ser o mais diverso, onde o embate e as ideias fluam”, diz. Desde que foi anunciado como um dos 100 maiores químicos do mundo, em uma lista que tem 70 dos Estados Unidos, 7 da Alemanha e 4 do Reino Unido, o professor já deu muitas entrevistas para diversos veículos de comunicação. O que sobressai nelas é a sua postura extremamente

divide entre a sua sala de dimen-

politizada, em que ressalta o fato

sões acanhadas e os laboratórios

de ser o único ibero-americano – e

onde orienta os alunos, em sua

também o único pesquisador de

maioria bastante jovens, com

países emergentes como China e

um vaivém constante. O profes-

Rússia na lista. Para figurar na

sor gosta de estar cercado deles e

relação, os escolhidos deveriam

não se recusa a viajar para aten-

ter publicado pelo menos 25 ar-

der pedidos de estudantes inte-

tigos em uma década e recebido, no mínimo, citações em 50 diferentes publicações. Todas essas exigências foram superadas com folga por Dupont. Entre 2000 e 2010, ele publicou 120 artigos sobre química e obteve 6.964 citações, o que resultou em mais de 58 citações por artigo.

P

ara o pesquisador, o fato de a esmagadora maioria dos

figurantes da lista ser dos Estados Unidos resulta de o país ter

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

criado uma ilha de excelência em pesquisa. “As instituições brasileiras, principalmente as universidades, foram pensadas e criadas com outro papel, ao contrário das instituições norte--americanas onde trabalham esses pesquisadores”, diz Dupont. “No Brasil, ainda se acredita que a formação possa se dar na sala de aula, com quadro-negro, giz e livro. É uma formação livresca, em que a pesquisa passa ao largo”, observa. Ele ressalta que as instituições brasileiras não estão preparadas para atender a demanda da sociedade para ciência e tecnologia. “O marco legal a que as nossas universidades es22


Na cozinha da casa em Porto Alegre, Dupont faz suas experiências culinárias

tão submetidas é completamente

alega que essas universidades,

cos. “Só a cidade de Boston, nos

inadequado, porque somos tra-

em boa parte, em vez de fornecer

Estados Unidos, tem esse número

tados como uma simples repar-

os doutores de que o país neces-

de químicos”, compara. Dupont

tição pública.” Dupont diz que

sita nesse momento, preferem

diz que o país tem um proble-

esse modelo brasileiro não tem

criar mais cursos de graduação

ma de escala. “Para atacar esse

como responder à ciência, que

ou até cursos tecnólogos. É fun-

problema temos que investir

necessita de liberdade, agilidade

damental, na sua avaliação, que

desde o ensino fundamental

e facilidade para adquirir dados,

nesse momento de avanço na

até o mais elevado, mas é pre-

reagentes, equipamentos e até

economia o Brasil coloque mais

ciso que as instituições assu-

contratar pessoas.

densidade tecnológica e de co-

mam essa responsabilidade”,

“Se não houver uma mudan-

nhecimento nos produtos que

afirma. “Sem doutores, não

ça no marco legal onde se realiza

exporta. “A não ser que o Brasil

vamos conseguir universalizar

mais de 90% da ciência, tecnolo-

queira continuar a ser um eter-

um ensino de qualidade.” Para o

gia e inovação, não vamos conse-

no exportador de commodities com

pesquisador essa é uma oportu-

guir fazer frente aos demais paí-

muito pouco valor agregado aos

nidade única, que não pode ser

ses que compõem o BRIC”, diz.

seus produtos”, diz. Para isso o

desperdiçada. “O Brasil conse-

A sigla BRIC refere-se ao Brasil,

país precisa formar mais mes-

guiu montar algo exemplar no

Rússia, Índia e China, que se

tres e doutores.

mundo nos últimos 50, 60 anos,

destacaram no cenário mundial pelo rápido crescimento de suas

A

que foi a criação da pós-gradutítulo de exemplo, ele cita

ação brasileira. Temos alguns

que o sistema brasileiro fe-

programas de pós de excelên-

deral não tem mais do que 90 mil

cia no Brasil capazes de iniciar

as universidades com programas

doutores, segundo levantamento

o processo para responder a essa

de pós-graduação de excelência

do Ministério da Ciência e Tecno-

demanda de gente qualificada

assumam o seu papel.” Dupont

logia, dos quais 6 mil são quími-

do mais alto nível.”

economias em desenvolvimento. “Para isso também é preciso que


medicina

Alta-costura na sala de cirurgia Angelita Habr-Gama alia talento para operar às ações de prevenção de câncer

E

m outubro deste ano, quando estiver na sede da Sociedade Italiana de Cirurgia, em Firenze, para receber mais um prêmio internacional, a médica

Angelita Habr-Gama fará um discurso de agradecimento cujo título será “Tailored treatment of rectal cancer. Haute couture” (Tratamento individualizado do câncer retal. Alta-costura). A brincadeira misturando inglês e francês resume de certa forma o que ela pensa sobre sua atividade

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

como cirurgiã coloproctologista. Ao mesmo tempo que age para extirpar tumores e reparar cirurgicamente o intestino e o reto, Angelita usa a agulha e a sutura com a fineza de uma estilista. “A concentração, a manipulação precisa, a leveza e a delicadeza no operar são impressionantes”, relata Rodrigo Oliva Perez, médico que trabalha na equipe dela. “Quando a cirurgia acaba parece que foi trivial. Mas basta operar sem ela para sentir como é difícil.” Tal segurança e tranquilidade têm algumas origens. A primeira delas está na ampla experiência de Angelita como cirurgiã e na história construída por ela na medicina brasileira. O rol de conquistas é extenso: primeira mulher residente em cirurgia geral do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), em 1958; primeira cirurgiã a estagiar em coloproctologia no tradicional Saint Mark’s Hospital, de Londres, em 1961; primeira professora titular em cirurgia do Departamento de Gastroenterologia (FMUSP), em 1998; primeiro médico latino-americano e primeira mulher a 24


eduardo cesar

Angelita: "Não saio estressada das operações. Para mim, nunca foi um peso"

integrar o seleto grupo de 17 mem-

afirma ser privilegiada. Não tem

também que ela nasceu, em 1931,

bros honorários da European Sur-

problemas físicos que a atrapa-

assim como cinco de seus seis ir-

gical Association, em 2006, entre

lhem no dia a dia nem necessi-

mãos – só a caçula é paulistana.

numerosos outros títulos. Tam-

ta de óculos. “Só a vejo colocar

A decisão de ir para São Paulo foi

bém foi ela a responsável por tirar

óculos para ler cardápio com

tomada depois que um dos irmãos

a coloproctologia da subespecia-

letras miúdas de restaurantes

morreu em consequência de apen-

lização das cirurgias do aparelho

com pouca luz”, diz a arquiteta

dicite aguda, mesmo tendo recebi-

digestivo para transformá-la em

Maria Pia Barreira Marcondes,

do atendimento hospitalar. O de-

disciplina própria, em 1995.

casada com um dos sobrinhos do

sapontamento do pai, Kalil Nader

também médico Joaquim Gama

Habr, o levou a vender o empório

utra razão que faz seu

Rodrigues, marido de Angelita.

que tinha para arriscar uma vida

trabalho parecer simples

“De fato, ela opera sem óculos e

melhor na capital paulista, onde

se gaba disso”, conta Perez.

a família se instalou na Vila Ma-

O

é atribuída ao prazer em realizá-lo. “Não saio estressada das

Angelita é filha de libaneses

riana e abriu uma mercearia na

operações. Para mim, nunca foi

que se conheceram e casaram na

frente da antiga estação de bon-

um peso”, diz. Além disso, ela

Ilha do Marajó, no Pará. Foi lá

des. Angelita tinha então 7 anos.


fotos arquivo pessoal

Angelita ainda menina na Ilha do Marajó, onde nasceu, e com o professor Alípio Correa Netto, que a conduziu ao altar

O

s estudos foram todos completados em escolas públi-

cas estaduais: Marechal Floriano, Caetano de Campos e Presidente Roosevelt. Neste último ela fez o científico – um dos cursos do período, em paralelo ao clássico, atual ensino médio – e fundou com sua turma um clube de voleibol, o Adamus, que existe até

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

hoje. “No momento de escolher

26

a profissão decidi que não que-

No 6º e último ano do curso

do médico mais velho indicava

ria fazer o magistério e tentaria

ela entrou em uma cirurgia co-

que ela logo se casaria, teria fi-

a medicina, ao contrário do que

mo acadêmica auxiliar. Um dos

lhos e acabaria abandonando a

desejavam meus pais”, recorda--

residentes que havia participado

cirurgia. “Disse a ele que quem

-se Angelita, que fez um ano de

da operação mandou que Angeli-

decidiria a minha vida seria eu.

cursinho preparatório antes de

ta fizesse a sutura da parede ab-

Fiz o concurso e passei em pri-

ser aprovada em 7º lugar e come-

dominal do doente. Ela disse que

meiro lugar.”

çar o curso em 1952.

nunca havia feito, mas ele insis-

E

Uma vez na faculdade, a jo-

tiu. “Quando comecei a costurar

vem começou a observar as clí-

percebi imediatamente: é disso

nicas que poderiam interessá-la

que eu gosto”, contou, mais de

em uma futura especialidade.

50 anos depois dessa primeira

Correa Netto, ex-reitor da USP,

“Quando passei pelo setor de

cirurgia. “Eu havia aprendido

um médico que se tornou lendá-

cardiologia, com o professor

corte e costura quando menina

rio no HC pela competência como

Luiz Décourt, participei de mi-

e tinha habilidade manual pa-

cirurgião, professor humanista e

nha primeira pesquisa científica,

ra aquilo.” O problema é que só

no trato com alunos e pacientes.

no 3º ano”, conta. Angelita pas-

havia oito vagas na residência

Foi ele quem dividiu a cirurgia

sou também períodos em outros

de cirurgia para cerca de 30 can-

geral em especialidades médicas

setores, como no de nefrologia,

didatos. Quando foi se inscrever

no hospital, como gastroentero-

com Tito Ribeiro de Almeida –

para fazer o concurso, o profes-

lógica, cardíaca, plástica, pediá-

pioneiro do rim artificial –, e no

sor responsável a censurou: ela

trica etc. “Ele entendeu que o

de gastroenterologia, com José

não deveria tentar tomar a vaga

cirurgião-geral não podia fazer

Fernando Pontes.

de outro cirurgião. A experiência

tudo. E colocou as pessoas mais

ra, então, o momento de escolher a especialidade. Ela

optou por trabalhar com Alípio


habilidosas nessas áreas”, diz Joaquim Gama Rodrigues, que fez carreira junto com Angelita na universidade, onde se conheceram. A jovem médica tinha simpatia especial pela cirurgia plástica. Alípio Correa, porém, a estimulou a ir para a gastroenterologia. “Ele dizia que a gente sente mais que está atuando como médico na área de gastro, as doenças são mais graves e ajudamos mais as pessoas”, conta ela. Depois da residência, Angelita e o futuro marido foram trabalhar na clínica do eminente cirurgião Arrigo Raia, no Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Em 1960 ocorreu em São Paulo um congresso internacional de coloproctologia, sob a presidência de Daher Cutait. Um dos convidados presentes era Basil Morson, então diretor do Saint

Vida familiar intensa: 28 sobrinhos e sobrinhos-netos no total

Mark’s Hospital, o principal centro hospitalar do mundo especializado em coloproctologia da época. “Aquele encontro médico

mo Lockhart-Mummery, Alan

de rádio e quimioterapia. Essa é

me entusiasmou e sugeri ao pro-

Parks e com o próprio Morson,

uma grande vantagem porque em

fessor Alípio passar um período

renomado patologista. “Voltei

boa parte dos casos o tumor desa-

no Saint Mark. Ele concordou.”

com a cabeça aberta e comecei

parece sem operação. “Ora, se é

Começou então uma longa cor-

a aplicar aqui o que aprendi lá”,

possível curar o câncer de ânus,

respondência com Morson. No

diz. Em 1964 casou-se com Joa-

por que não o de reto baixo?”, in-

início o médico britânico res-

quim e, na ausência do pai, já

dagava ela, na época. Começou

pondeu dizendo que aquele era

morto, foi levada ao altar por

então a tratar doentes com radio-

um hospital de médicos homens,

Alípio Correa Netto.

quimioterapia antes da cirurgia

não de mulheres. Alípio e Ange-

Embora sempre tenha feito

e não operava de imediato quan-

lita insistiram e o pesquisador

pesquisas, seus trabalhos cientí-

do o tumor desaparecia. Outros

inglês acabou cedendo. Quando

ficos ganharam maior relevância

médicos do Brasil e do exterior

chegou lá, com jeito, trabalho e

a partir da década de 1990. Ange-

indicam sempre a cirurgia após

talento, ela conquistou a todos,

lita dedicou boa parte de seus

o tratamento mesmo quando há

incluindo as enfermeiras. Era

esforços ao combate ao câncer de

regressão total do tumor.

no vestiário delas que Angelita

reto, tanto na prevenção como no

trocava de roupa porque na épo-

tratamento. Em relação ao cân-

ca não existia vestiário feminino

cer de reto, desde 1991 acredita-

para médicas no hospital.

va – como acredita até hoje – que

E

la explica: “Quando o câncer é no reto alto, não é preciso,

em geral, fazer radioquimiote-

No Saint Mark ela aprendeu

muitos doentes que tinham esse

rapia e operamos de imediato.

sobre as doenças inflamatórias

tipo de câncer não precisavam fa-

Agora, quando o câncer é bem

do intestino, muito mais co-

zer a colostomia definitiva após

perto dos esfincteres, para curar

muns na Europa e nos Estados

a retirada de todo o reto, ânus e

o doente, se não fizer radioqui-

Unidos do que no Brasil, onde

esfincteres. Em 1974 o cirurgião

mioterapia, tem de se amputar

ainda se conhecia pouco sobre

norte-americano Norman D. Ni-

o reto e fazer a colostomia defini-

essas patologias. Também tra-

gro criou o conceito de que câncer

tiva. Quando se faz radioquimio-

balhou com os melhores médi-

de ânus pode ser tratado, de iní-

terapia, de início, neoadjuvante

cos pesquisadores do setor, co-

cio, com uma terapia combinada

[sem cirurgia] em cerca de 25% a


eduardo cesar

arquivo pessoal

O marido Joaquim Gama e Angelita durante cirurgia

30% das vezes o tumor desapare-

do consumo de muitos alimentos

tíficos de Angelita têm hoje

conservados, corados artificial-

uma repercussão maior do que no

mente e processados. “No ano

de ânus, 70% desaparece; de reto

passado graças, em parte, à siste-

passado foram registrados 26 mil

baixo, 30%. Ela operou alguns

matização dos dados científicos.

casos, mas até há pouco tempo

desses doentes com regressão

“Ela sempre publicou muito, mas

eram 10 mil. Nos Estados Uni-

clínica considerada completa

o impacto das publicações mu-

dos chegam a 100 mil por ano”,

e viu que na peça cirúrgica não

dou, para melhor, nos últimos

avisa. A Associação Brasileira de

havia tumor. “Decidi não mais

15 anos”, explica Rodrigo Perez.

Prevenção ao Câncer de Intestino

operar doentes se houver re-

“Antes ela era reconhecida como

(Abrapreci) foi fundada por ela e

gressão clínica do tumor.” Para

uma grande cirurgiã, de técnica

um grupo de colegas e demais pro-

confirmar o desaparecimento

refinada, e pelo conhecimento.

fissionais da saúde em 2004 com a

do tumor, ela segue os pacien-

De vários anos para cá Angelita

preocupação de conscientizar mé-

tes de perto. Sempre avisa que

passou a ser muito conhecida

dicos e alertar a população para

o tumor pode voltar e, se isso

também pela pesquisa científi-

a doença. A entidade criou um

ocorrer, não há solução fora da

ca que realiza.” Os convites para

intestino gigante, com mais de

cirurgia. A aceitação desse novo

conferências e aulas internacio-

20 metros, e o expôs em parques

procedimento foi difícil. Os mé-

nais tiveram então um cresci-

e shopping centers. O "intestinão",

dicos resistiam e diziam que não

mento brutal. Hoje há um grupo

como Angelita o chama, é uma

operar de imediato não era ético

de médicos e pesquisadores jo-

réplica ampliada do cólon para

porque havia a possibilidade de

vens que trabalham diretamen-

exposição pública. As pessoas

recidiva. “Mas o que é ético para

te com Angelita e Joaquim Gama

andam por ele e, em uma visita

o doente?”, argumenta Angeli-

na clínica de ambos, atuam na

monitorada, ficam conhecendo

ta. “Seria operar quem clinica-

cirurgia, colaboram na organi-

doenças como hemorroidas, di-

mente não tinha mais tumor,

zação de cursos nacionais e in-

vertículos, pólipos, câncer etc. As

fazer uma colostomia definitiva

ternacionais, e na publicação de

informações são transmitidas por

e na peça cirúrgica que foi re-

trabalhos científicos e resultados

meio de um vídeo de três minutos

movida não encontrar tumor?”

das pesquisas.

que informa sobre prevenção do

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

de de operar”. No caso de câncer

28

O

s numerosos trabalhos cien-

ce sem, a meu ver, a necessida-

Hoje a radioquimioterapia para

Em 1978, Angelita e Joaquim

câncer colorretal e as doenças re-

câncer de reto baixo é consenso.

Gama organizaram um congres-

lacionadas. “O intestinão já rodou

A conduta de não operar é que

so de prevenção de câncer de

por muitas cidades brasileiras do

não é aceita em consenso, sendo

estômago e intestino, este últi-

Amazonas, Bahia, Pernambuco,

reservada apenas para centros

mo com incidência crescente no

Minas Gerais, Brasília etc. Foi

de pesquisa.

Brasil, provavelmente em razão

também exposto no Canadá.”


N

o ano passado, com a asses-

troenterologista da clínica de Joa-

soria da equipe de Angelita,

quim e Angelita Gama e chefe

o Hospital Oswaldo Cruz inaugu-

do setor de motilidade digestiva

rou um centro de saúde no bairro paulistano da Mooca com o objetivo de detectar e prevenir câncer no intestino. Visitadores vão às casas das pessoas e levam um envelope com o teste para pesquisa de sangue oculto nas fezes. Os moradores colhem amostras de fezes e o pessoal do centro retira o material para análise. Os testes positivos indicam necessidade de se fazer colonoscopia. Se for constatado pólipo, ele é removido, e, se for câncer, o paciente é ope-

Seus esforços foram dedicados a combater o câncer de reto, tanto na prevenção como no tratamento

da Universidade Federal de São Paulo. “Lê os artigos no iPad, usa iPhone e prepara aulas caprichadíssimas no Mac. E quando viaja sempre traz o que há de mais moderno em conhecimentos científicos e em informática para aplicar aqui”, diz Luciana.

A

ngelita é assumidamente vaidosa, com cabelos,

roupas e unhas sempre impecáveis, estas pintadas de vermelho. Houve época em que ela só

rado gratuitamente no Oswaldo

usava esmalte de cores claras, o

Cruz. O projeto tem o patrocínio

que era ruim porque o povedine,

do Ministério da Saúde e apoio da

substância presente no desinfetante usado para lavar as mãos

prefeitura de São Paulo. Com esse número de ativi-

diu que não teria filhos antes

antes da cirurgia, manchava as

dades e projetos pode-se imagi-

mesmo do casamento. “Foi

unhas. Até descobrir que a cor

nar o pouco de tempo que resta

uma decisão consciente”, con-

vermelha, sua preferida, não é

para a vida social de Angelita e

ta Angelita. Nenhum dos dois

afetada pelo povedine. “Agora

Joaquim. “Eles são grandes par-

se arrepende. Os 28 sobrinhos e

só uso vermelho. É importante

ceiros, embora diferentes. Ele é

sobrinhos-netos garantem uma

cultivar os pequenos prazeres,

calmo; ela é agitada, quer fazer

vida familiar calorosa.

pois quando passam os anos

Uma característica que cha-

alguns dos grandes prazeres se

to ele chama a atenção para os

ma a atenção dos colaboradores

reduzem”, diz Angelita, enquan-

riscos”, diz a sobrinha Maria

de Angelita é seu interesse pela

to mira sua pequena e adorada

Pia. Prevendo a intensidade da

informática, segundo a médica

coleção de objetos de cristal sobre

vida profissional, o casal deci-

Luciana Camacho Lobato, gas-

a mesa do consultório.

abrapreci

e experimentar tudo, enquan-

Estudantes dentro do intestino gigante: foco na conscientização


cultura

Dos sonhos às cenas do Brasil Diretor de alguns dos filmes fundamentais do cinema brasileiro, é mestre na articulação de grupos e expressões culturais

N

elson Pereira dos Santos iniciou, nos anos 1950, “o cinema moderno no Brasil a partir do diálogo com o neorrealismo italiano e com escritores

brasileiros”. Ou não? Na verdade, ele teria dado à luz o “proto-Cinema Novo” em Rio 40 graus (1955) e Rio Zona Norte (1957), lado a lado com Roberto Santos em O grande momento (1958), a partir de “um diálogo maior com o neorrealismo e a comédia popular brasileira”. Faz sentido? A uma

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

conveniente distância do veredicto de seu colega Glauber Rocha em Revisão crítica do cinema, de 1963, e da avaliação do crítico Ismail Xavier, em Cinema brasileiro moderno, de 2001, ainda que sejam ambos respeitáveis comentários, Nelson Pereira dos Santos, 82 anos, finaliza neste primeiro semestre de 2011 dois filmes sobre Tom Jobim, A luz do Tom e A música do Tom, enquanto esboça um novo projeto em torno de uma grande personagem da história do Brasil – por enquanto um segredo. É um homem em pleno domínio da sua capacidade de realizar. Tomado por impressionante vitalidade, o diretor dos dois Rios mais famosos do cinema brasileiro, e também de Vidas secas (1964), Como era gostoso o meu francês (1971), O amuleto de Ogum (1974), Tenda dos milagres (1977) e Memórias do cárcere (1984), para ficar apenas nos títulos mais memoráveis de quase três dezenas de filmes que fez em 60 anos de carreira, é capaz de alimentar por horas uma conversa fascinante sobre o cinema brasileiro, sua história, seus desafios, mazelas político-culturais, suas arti30


leo ramos

Nelson Pereira dos Santos, em pleno domínio da sua capacidade de realizar

culações com outras expressões e

baseadas em obras de Jorge Ama-

de trabalho que o filme de Nel-

dimensões da cultura e suas possi-

do, agitam o ambiente cultural

son Pereira dos Santos abria aos

bilidades futuras. Com otimismo,

de Salvador: Dona Flor e seus dois

talentos locais. Os consagrados

mesmo quando desfia queixas,

maridos, de Bruno Barreto, Os pas-

atores do teatro baiano Nilda

com humor, mesmo quando pa-

tores da noite, de Marcel Camus,

Spencer e Arildo Deda, por exem-

rece não haver muitas razões para

e Tenda dos milagres, dirigido por

plo, iriam contracenar com Hugo

risos, Nelson Pereira dos Santos

Nelson Pereira dos Santos. Mais

Carvana e Nildo Parente, entre

alterna, a visões críticas gerais,

que as outras, esta nova filma-

colegas levados do Rio. O cineasta

deliciosas micro-histórias de suas

gem do já celebrado diretor de

baiano Agnaldo Siri Azevedo iria

filmagens Brasil adentro e de suas

três extraordinários clássicos do

dividir a assistência de direção

conquistas mundo afora.

cinema brasileiro, Rio 40 graus, Rio

do filme com o ator Emmanuel

Sua invejável fluência abre-

Zona Norte e Vidas secas, espalha

Cavalcanti e trabalhar lado a lado

-se à recuperação de antigas me-

um indisfarçável frisson entre os

com o diretor de fotografia Hélio

mórias que ajudam a elucidar

intelectuais e a pequena classe

Silva, seus assistentes e a jovem

que personagem ele mesmo é.

média intelectualizada da capi-

cenógrafa Tizuka Iamasaki, en-

E vale aqui um retorno a mea-

tal baiana.

tre tantos outros técnicos trans-

dos do ano 1975. Três produções

Em parte, esse clima buliçoso

plantados do Rio para Salvador.

cinematográficas simultâneas,

explica-se pelas oportunidades

Mas a abertura de postos tempo-


vantoen pereira

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

Grande Otelo (esq.) em Jubiabá. Com Nelson Pereira ele fez também Rio Zona Norte

32

rários de trabalho em área tão

palhaço de circo na pequena Pal-

energia para transitar, fluir por

difícil, embora animadora, não

meira dos Índios, o notável ator

entre esses grupos, absorvendo a

basta para compreender o clima

brasileiro Jofre Soares. Foi do

particular atmosfera de cada um,

fervilhante que se instaura em

convite de Nelson Pereira para

fazendo-as convergir por vezes,

torno da Tenda. Afinal, também

que Jofre vivesse um fazendeiro

para, no final, apresentar-se ín-

convocavam alguma mão de obra

em Vidas secas, baseado na obra-

tegro naquilo que criava por meio

local as produções de Dona Flor e

-prima homônima de Graciliano

dessa convivência, guiado por seu

de Os pastores da noite.

Ramos, que o ator surgiu para a

foco original.

Certamente contribui para

cinematografia nacional. Traba-

De certa forma é essa mes-

a alegre agitação a experiência

lhar com amadores era, portanto,

ma dinâmica que ele traz hoje à

inusitada que Tenda dos milagres

coisa normal para ele.

cena, quando escapa a rótulos,

prometia a conhecidas figuras da

P

reduz a dimensão de seu víncuode-se certamente apostar

lo ao neorrealismo italiano e diz

que o ambiente eufórico tam-

que é sempre preciso “sair fora

bém reflete o poder de atração do

dos estreitos caminhos da histó-

viver ninguém menos que o pro-

cineasta de talento várias vezes

ria do cinema”. O neorrealismo,

tagonista Pedro Archanjo, em sua

comprovado. Mas, talvez, o gran-

ensina ele, o professor de cinema

fase madura. Insólito? Não para

de agente da oxigenação do am-

de algumas universidades em

Nelson Pereira dos Santos, que já

biente soteropolitano naqueles

diferentes oportunidades, “era

trouxera do Rio o compositor Jards

dias seja uma marca personalíssi-

uma lição de produção, não de

Macalé, destinando-lhe também

ma de Nelson Pereira dos Santos,

conteúdo”. Era um movimento

o mesmíssimo papel de Pedro Ar-

ou seja, sua capacidade de articu-

fundado “na ideia de que qual-

chanjo, o sábio bedel da Faculdade

lar com leveza, graça e um sedu-

quer um, sem grandes estrelas

de Medicina, na fase jovem. E que

tor sorriso nos lábios, os grupos

e sem tecnologia sofisticada,

muito tempo antes, no começo

culturalmente mais distintos,

podia fazer filmes e assim se

dos anos 1960, ajudara a desentra-

sem se distanciar jamais de seu

espalhou pelo mundo, incluin-

nhar de um oficial aposentado da

objetivo original, nem sempre

do os Estados Unidos”. Munido

Marinha, 43 anos, àquela altura

claro para os interlocutores. Ou,

dessa indicação do caminho, a

às voltas com o teatro amador e

dito de outro modo, sua imensa

cada um cabia “procurar sua rea-

terra sem nenhuma intimidade com o palco, caso do artista plástico Juarez Paraíso, escalado para


lidade, buscar conteúdos em seu próprio contexto”. Nelson Pereira observa um tanto impaciente a vacuidade que haveria em um cineasta brasileiro prender-se, por exemplo, ao conteúdo moralista de um Vittorio de Sica, “à escassez da grana, à família que foi destruída na guerra”. Ora, no primeiro romance brasileiro, argumenta, referindo-se a Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, “o cara é simplesmente um tremendo bandido e vai ser polícia!”

Nelson Pereira

tas, ele próprio incluído, tinham

buscava uma

da realidade, uma espécie de

visão popular

termos quase científicos”. Matiza

da realidade, fora da antiga posição autoral despreocupada com o público

“uma visão muito distanciada condensação dessa realidade em um pouco: “Não muito, mas se pretendia científica. Assumimos em primeiro lugar a posição de cientista e, em segundo lugar, a posição de autores de filmes ligados ao povo, com o qual queremos ter uma posição íntima e generosa”. A primeira posição, falsa, porque os cineastas não tinham a condição de adquirir o

Tudo é muito diverso. E não seria

instrumental científico, àquela

possível fazer nada culturalmen-

altura lhe parecia eliminada. “E

te relevante sem essa busca de

e todo um desejo de reproduzir

nos entregamos diretamente à

um conteúdo próprio, original

um modelo de sociedade ora eu-

chamada cultura popular.” Ele

de uma sociedade, sem descar-

ropeu, ora americano. E o que

apela à divisão vislumbrada na

tar, ao mesmo tempo, as lições

acho que está acontecendo agora

sociedade brasileira pelo críti-

de uma outra sociedade.

é que nenhum modelo mais está

co Paulo Emílio Sales Gomes

nos engraçando.”

entre ocupados e ocupantes,

N

a verdade, já em fevereiro

Nessa mesma entrevista a

cultura e cultura popular, para

de 1975, em entrevista ao

Bernardet, que está publicada

falar de sua opção: “Saber um

crítico Jean-Claude Bernardet

com revisões na segunda edição

pouco mais a respeito do nosso

motivada por O amuleto de Ogum,

de Cinema brasileiro: propostas para

ser cultural, se ligar mais a ele,

Nelson Pereira dizia não existir

uma história (Companhia das Le-

praticar uma observação mais

mais “aquela idealização” que

tras, 2009), ele diz que os cineas-

aberta, menos facciosa”.

houve em sua geração: “Partir pois voltar à nossa realidade”. Ele procurava naquele momento tornar seus os valores populares, fazer um filme, inclusive no tratamento dado aos ritos umbandistas, que trouxesse uma visão popular da realidade, fora da antiga posição autoral que levava os cineastas brasileiros a não se preocuparem com o público. “A tradição que sempre pinta para um intelectual brasileiro, para uma pessoa das classes médias, é de ser diferente do povo, de se desligar do que acha negativo no povo. Isso vai mesmo desde a posição racial até usos e costumes,

Um jeito novo de olhar o morro, o samba, o povo brasileiro

leo ramos

para um modelo de fora e de-


se reflexiva em permanente

revisão que Nelson Pereira dos Santos seguirá para seus próximos filmes, Tenda dos milagres logo ali à frente. E, claro, tomado por sua intensidade de artista, por sua visível energia criativa, traços completamente fascinantes de sua personalidade no olhar de sua mulher, Ivelise Ferreira. “É essa intensidade que vejo no processo de criação de Nelson, quando ele fica muito consigo mesmo, conhecendo, desenvolvendo, aprimorando um proje-

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

to”, ela diz. Mas é também essa

34

2000, vocaliza com tranquilidade

Para o

o que tantos amigos têm repetido dele ao longo dos anos: “Nelson é

cineasta, é

carinhoso, generoso, brincalhão, e em tamanho grau que viver com

preciso

ele é uma coisa muito boa”. Mais

"sair fora

que otimista, ainda que manten-

dos estreitos

diatribe contra a cegueira do Esta-

caminhos

do cinema e da cultura em geral,

da história

gundo Ivelise, “uma pessoa mui-

do cinema"

essa sensação de felicidade, um

do a língua sempre afiada em sua do brasileiro no trato das questões Nelson Pereira dos Santos é, seto feliz”. E ele de fato transmite tanto rara entre seus pares. Tal-

intensidade que se apresenta na

vez a felicidade, ela arrisca uma

capacidade que ele tem “de juntar

explicação, seja alimentada em

grupos com muita simplicidade”.

parte pelo reconhecimento ao seu

Ivelise, que forma com Nelson Pe-

trabalho, que ao mesmo tempo

reira um casal desde 1991, embora

lhe dá imensa energia para criar

só tenham passado a viver juntos

sempre, para seguir criando.

no eterno apartamento dele, no

O cinema existe na vida de

Humaitá, bairro tradicional da

Nelson Pereira dos Santos, ele diz,

1

2

4

3

5

1. Arduíno Colasanti (Como era gostoso meu francês) 2. Jece Valadão e Grande Otelo 3. Ana Beatriz (Rio 40 graus) 4. Glória Pires e Carlos Vereza (Memórias do cárcere) 5. Roberto Bataglin e Glauce Rocha (Rio 40 graus)

SilviaMachado

É

Zona Sul do Rio de Janeiro, em

munido, portanto, dessa ba-


Acervo Regina filmes

Nelson assistindo e dirigindo cena de Fome de amor com Irene Stefânia e Leila Diniz

desde sempre. Irmão mais novo

O futuro cineasta também

participar dos intensos debates

de Saturnino, Maria Antonieta e

frequentava assiduamente o ci-

de revisão do realismo francês.

José, ele é Nelson simplesmente

nema e, militante comunista

Tinha decidido estudar cinema

porque seu pai gostara muito da

desde adolescente na Escola Es-

no Instituto Superior de Estudos

personagem Lord Nelson, num

tadual Presidente Roosevelt, lhe

Cinematográficos (Idhec) e lá

filme sobre o famoso almirante

pareceu simplesmente natural,

conheceu Rodolfo Nanni, para

inglês. Helena Salem precisa a

estudante de direito na famosa

quem faria, dois anos mais tarde,

história, em sua indispensável

faculdade do largo São Francis-

a primeira assistência de direção

biografia do cineasta, Nelson Perei-

co, vinculada à Universidade de

em O saci. Mas passados alguns

ra dos Santos: o sonho possível do cinema

São Paulo, preparar em 1950 (em

meses, ele, que queria ficar al-

brasileiro (Record, 1996). O filme era

1949, insiste Nelson, contrarian-

guns anos em Paris, voltou a São

o mudo The divine lady (1927), “muito

do os dados de sua biógrafa) um

Paulo. Compromissos inadiáveis

bonito”, e seu Antonio Pereira dos

documentário sobre os trabalha-

o chamavam. Aos 21 anos, preci-

Santos, pai de Nelson, gostara de-

dores de São Paulo para o Festival

sava terminar o curso de direito

le demais, segundo a mãe, dona

da Juventude de Berlim, valendo-

e reencontrar Laurita Sant’Anna,

Angelina Binari dos Santos, que

se de um laboratório improvisado

sua namorada desde os 16 anos

preferia para o filho o nome de

no porão da casa de um amigo.

e que seria sua mulher por mais

Marco Antonio. “Só que o Santos

“Tinha uma boa sequência, uma

de 40 anos. Ela estava grávida do

numa balança tinha a educação,

relação fluente entre os planos”,

primeiro dos três filhos do casal

ele era muito educado, e noutra a

ele diz.

(Nelson, Ney e Márcia).

teimosia. Só fazia o que ele queria. O Nelson ficou idêntico, educadís-

A

Confusões de data à parte, a ntes, em 1949 (de novo, se-

rigor, a primeira incursão cine-

gundo Helena Salem. Para o

matográfica de Nelson Pereira

cineasta, a viagem foi posterior

dos Santos foi mesmo Juventude,

contou a Helena. Ficou Nelson,

ao documentário), Nelson che-

o documentário de 45 minutos

portanto, o nome do menino

gara à Europa e, com o apoio do

preparado para o Festival de Ber-

nascido em 22 de outubro de 1928,

pintor Carlos Scliar e de outros

lim em 1950 – uma tarefa partidá-

filho de um alfaiate, caipira pau-

intelectuais brasileiros ligados

ria. O parceiro da empreitada foi

lista, e de uma dona de casa, filha

ao Partido Comunista que se en-

Mendel Charatz, um estudante de

de italianos do Veneto ancorados

contravam em Paris, conheceu

engenharia apaixonado por cine-

no Brás, na capital paulista. “O ci-

Henri Langlois, o responsável pe-

ma, que tinha uma distribuidora

nema estava praticamente dentro

la Cinemateca Francesa, e uma

de filmes estrangeiros de 16 milí-

da minha casa, meus pais iam ao

espécie de grande pai da cinefilia

metros e um laboratório completo

cinema três vezes por semana”,

francesa do meio do século, que

num porão da avenida Angélica.

Nelson conta.

iria gerar a nouvelle vague. Ali pôde

Depois veio o trabalho em O saci,

simo, não desdiz ninguém, mas só faz o que quer”, dona Angelina


produção do neorrealismo italia-

quando conheceu Ruy Santos e Alex Viany que, em seguida, o convidaria para ser assistente de direção em Agulha no palheiro.

C

omeçava assim a mudança do paulista para o Rio de

Janeiro. Veio em seguida a assistência de direção em Balança mas não cai, de Paulo Vanderlei, que lhe trouxe algum dinheiro e a possibilidade de conhecer de perto o subúrbio carioca – a família foi morar em Jacarezinho, perto das filmagens. “Em Jacarezinho vi pela primeira vez uma roda de samba nas feijoa-

Rio 40 graus é a fundação do cinema

no, sobre a filmagem com amadores etc., se apresenta ali para olhar de um jeito novo o morro, o samba, os pequenos vendedores de amendoim, o povo brasileiro, em oposição a Copacabana, à ex-

de Nelson

ploração capitalista, à corrupção

Pereira e um

rios episódios que se interpene-

grande marco

veis de produção foram vencidas,

do cinema

Comunista foram ignoradas, tu-

brasileiro

se tornasse uma vitória impres-

dos coronéis, distribuídos em vátram. Dificuldades intransponías críticas e a oposição do Partido do para que o filme fosse feito. E sionante, inclusive com reconhecimento internacional.

das para as quais era convidado. E depois disso preparar o roteiro

“Foi Rio 40 graus que mais mo-

e a produção de Rio 40 graus não

vimentou a área de cinema”, diz Nelson falando sobre seus filmes

foi uma aventura de uma garotada, mas alguma coisa feita

Araújo, como continuísta, é a

preferidos. “Segundo Glauber Ro-

com seriedade e método”, Nel-

fundação do cinema de Nelson

cha, Rio 40 graus foi a revolução que

son Pereira diz.

Pereira dos Santos e um grande

antecedeu a Revolução Cubana”,

Rio 40 graus, com Hélio Silva

marco do cinema brasileiro. Tudo

ele completa, sorriso nos lábios.

como diretor de fotografia e o

que Nelson estudara, discutira,

Mas a crítica aplaudiria muito

histórico organizador das jorna-

aprofundara, deglutira, nos anos

os seguintes Rio zona norte e Vidas

das de cinema na Bahia, Guido

anteriores, sobre os processos de

secas, que foi filmado no sertão

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

ivelise ferreira

Nelson e equipe na filmagem de A música do Tom

36


Acervo Instituto Antonio Carlos Jobim

Dirigindo o programa de TV A música segundo Tom Jobim, de 1984, entre Dorival Caymmi e Jobim

alagoano porque em Juazeiro da Bahia, primeira locação escolhida, as chuvas haviam feito o sertão florir – circunstância aproveitada por Nelson Pereira para fazer Mandacaru vermelho (1961). O cineasta inclui entre seus preferidos o notável Memórias do cárcere (1984), outro filme baseado na obra de Graciliano Ramos, que fala de uma ditadura anterior, a do Estado Novo, quando o país está saindo da ditadura dos militares. No ano de sua estreia,

Para o diretor, "o cinema brasileiro

honoris causa e à cadeira número 7 da Academia Brasileira de Letras, conquistados ao longo de uma vida extraordinária, não termina sem que ele elogie a qualidade do atual cinema bra-

está condenado

sileiro. Ou reclame dos imensos

a ser marginal

vantando contra a exibição dos

por razões

“o cinema brasileiro é vitorioso

mercadológicas"

da forma, mas está condenado a

obstáculos que continuam se lefilmes nacionais e declare que do ponto de vista do conteúdo e ser marginal por razões mercado-

Memórias do cárcere arrastou ao ci-

lógicas”. Tudo com muita razão

nema 1,5 milhão de espectadores,

e paixão. Até porque, como diz

um estrondoso sucesso em termos

Ivelise, que o conheceu na época

brasileiros. Mas também inclui

de formação do Polo de Cinema

Tenda dos milagres e Jubiabá que lhe

para dar aulas na Universidade

de Brasília, que pretendia se

permitiram devolver ao público to-

Federal Fluminense.

contrapor ao fechamento da Em-

do o prazer que a leitura de Jorge

A conversa com Nelson Pe-

brafilme e à desastrosa política

Amado lhe propiciava desde seus

reira dos Santos, motivada pelo

de Fernando Collor de Mello, e

tempos de adolescente. E Como era

Prêmio Conrado Wessel, que se

ali mesmo, jovem mulher de 28

gostoso o meu francês, cujo roteiro ele

soma a muitos outros prêmios

anos, se apaixonou para sempre

começou a imaginar em conver-

nacionais e internacionais – co-

pelo homem de 61 anos, Nelson

sas com a antropóloga Laurita,

mo o Prêmio de Crítica do Fes-

Pereira dos Santos é um homem

numa época que atravessava com

tival de Cannes por Memórias do

irremediavelmente apaixonado

frequência a Baía de Guanabara

cárcere –, aos títulos de doutor

e apaixonante.


arte

Realidade em preto e branco

O

repórter fotográfico gaúcho Tadeu Vilani ficou com o primeiro lugar do Prêmio FCW de Arte. Ele ganhou com o ensaio fotográfico intitulado

TV P&B, que retrata a retirada de moradores de uma favela próxima ao aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, onde eles eram fotografados com molduras de aparelhos velhos de TV. “Captei o momento daquelas pessoas como uma manifestação inconsciente de serem vistos, na esperança de uma vida melhor para a comunidade”, disse Vilani. O ensaio Drom, o caminho cigano deu o segundo lugar para o mineiro Gui Mohallem, radicado em São Paulo. Kenji Arimura, também residente na capital paulista, levou o terceiro lugar com Índios contemporâneos. Vilani receberá R$ 114 mil e os outros dois R$ 42,8 mil. Eles foram escolhidos entre 15 finalistas de 207 inscritos. O tema foi “O Brasil e os brasileiros”. A seleção foi feita por sete jurados coordenados pelo professor Rubens Fernandes Junior, crítico de fotografia e diretor da Faculdade de Comunicação da

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP).

38

Fotógrafos finalistas Adriana Medeiros André Vieira Araquém Alcântara Breno Rotatori João Roberto Ripper Lalo de Almeida Márcio Vasconcelos Marco Mendes Paulo Pereira Ricardo Teles Rodrigo Zeferino Yêda Bezerra de Mello


ensaio fotogrรกfico 1ยบ lugar TV P&B, de Tadeu Vilani


40

Especial PrĂŞmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp



42

Especial PrĂŞmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp



44

Especial PrĂŞmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp


ensaio fotogrรกfico 2ยบ lugar Drom, o caminho cigano, de Gui Mohallem


46

Especial PrĂŞmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp



48

Especial PrĂŞmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp


ensaio fotográfico 3º lugar Índios contemporâneos, de Kenji Arimura


Instituições Parceiras da FCW Fun­da­ção de Am­pa­ro à Pes­qui­sa do Es­ta­do de São Pau­lo – FA­PESP Ligada à Se­cre­ta­ria do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, é uma das prin­ci­pais agên­ci­as de fo­men­to à pes­qui­sa ci­ en­tí­fi­ca e tec­no­ló­gi­ca. Des­de 1962 con­ce­de au­xí­lio à pes­qui­sa e bol­sas em to­das as áre­as do co­­nhe­ci­men­to, fi­nan­ci­an­do ati­vi­da­des de apoio à in­ves­ti­ga­ção, ao in­ter­câm­bio e à di­vul­ga­ção da ci­ên­cia e tecnologia em São Paulo.

Co­or­de­na­ção de Aper­fei­ço­a­men­to de Pes­so­al de Ní­vel Su­pe­ri­or – Capes Vin­cu­la­da ao Mi­nis­té­rio da Edu­ca­ção, pro­mo­ve o de­sen­vol­vi­men­to da pós-gra­du­a­ ção na­ci­o­nal e a for­ma­ção de pes­so­al de alto ní­vel, no Bra­sil e no ex­te­ri­or. Sub­si­dia a for­ma­ção de re­cur­sos hu­ma­nos al­ta­men­te qua­li­fi­ca­dos para a do­cên­cia de grau su­pe­ri­or, a pes­qui­sa e o aten­di­men­to da de­man­da dos se­to­res públicos e privados.

Con­se­lho Na­ci­o­nal de De­sen­vol­vi­men­to Ci­en­tí­fi­co e Tec­no­ló­gi­co – CNPq Fun­da­ção vin­cu­la­da ao Mi­nis­té­rio da Ci­ên­cia e Tec­no­lo­gia para apoio à pes­ qui­sa bra­si­lei­ra, que con­tri­bui di­re­ta­men­te para a for­ma­ção de pes­qui­sa­do­res (mes­tres, dou­to­res e es­pe­ci­a­lis­tas em vá­ri­as áre­as do co­nhe­ci­men­to). É uma das mais só­li­das es­tru­tu­ras pú­bli­cas de apoio à ci­ên­cia, tec­no­lo­gia e ino­va­ção dos paí­ses em desenvolvimento.

So­ci­e­da­de Bra­si­lei­ra para o Pro­gres­so da Ci­ên­cia – SBPC Fun­da­da há mais de 50 anos, é uma en­ti­da­de ci­vil, sem fins lu­cra­ti­vos, vol­ta­da prin­ci­pal­men­te para a de­fe­sa do avan­ço ci­en­tí­fi­co e tec­no­ló­gi­co e do de­sen­vol­ vi­men­to edu­ca­­ci­o­­­­­­­­­­­­­nal e cul­tu­ral do Bra­sil.

Aca­de­mia Bra­si­lei­ra de Ci­ên­ci­as – ABC So­ci­e­da­de ci­vil sem fins lu­cra­ti­vos, tem por ob­je­ti­vo con­tri­bu­ir para o de­sen­vol­vi­ men­to da ciência e tecnologia, da edu­ca­ção e do bem-es­tar so­ci­al do país. Reúne seus membros em 10 áre­as das Ciências: Ma­te­má­ti­cas, Fí­si­cas, Quí­mi­cas, da Ter­ ra, Bi­o­ló­gi­cas, Bi­o­­­­­mé­di­cas, da Saúde, Agrárias, da Engenharia e Humanas.

Aca­de­mia Bra­si­lei­ra de Le­tras – ABL Fun­da­da em 20 de ju­lho de 1897 por Ma­cha­do de As­sis, com sede no Rio de Ja­ nei­ro, tem por fim a cul­tu­ra da lín­gua na­ci­o­nal. É com­pos­ta por 40 mem­bros efe­ti­vos e per­pé­tu­os e 20 mem­bros cor­res­pon­den­tes es­tran­gei­ros.

Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial Criado na década de 1950, é uma organização do Comando da Aeronáutica que tem como missão o ensino, a pesquisa e o desenvolvimento de atividades aero­ náuticas, espaciais e de defesa, nos setores da ciência e da tecnologia.

Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa Organização sem fins lucrativos que tem por objetivo maior articular os interesses das agências estaduais de fomento à pesquisa em todo o país. Criado oficialmente em 2007, o conselho já agrega fundações de 22 estados mais o Distrito Federal.


Jú ri dos prêmi o s FC W de 2 0 1 0

ciência parceira que indicou Jacob Palis Jr. | Presidente

ABC

Adalberto Ramon Vieyra

Capes

Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho

CNPq

Carlos Alberto Pereira Tavares

Confap

Carlos Vogt

FCW

Eduardo Moacyr Krieger

Fapesp

Erney Plessmann de Camargo

FCW

Glaucius Oliva

CNPq

Jorge Almeida Guimarães

Capes

José Galízia Tundisi

FCW

José Oswaldo Siqueira

CNPq

José Roberto Drugowich de Felício

FCW

Marco Antonio Raupp SBPC Marco Antonio Sala Minucci

DCTA

Wanderley de Souza

FCW

medicina Renata Caruso Fialdini | Presidente

FCW

Eliete Bouskela

Confap

Erney Plessmann de Camargo

FCW

Guilherme Suarez Kurtz

Capes

Helena Bonciani Nader SBPC Marco Antonio Zago

CNPq

Mario José Abdalla Saad

FAPESP

Protásio Lemos da Luz

FCW

Wanderley de Souza

FCW

cultura Celita Procopio de Carvalho | Presidente FCW Ana Mae Tavares Bastos Barbosa

FCW

Carlos Vogt

FCW

Celso Lafer

ABC

Domício Proença

ABL

João Grandino Rodas

FCW

José Murilo de Carvalho

ABC

Maria Manuela Carneiro da Cunha SBPC Martha Tupinambá de Ulhôa

Capes

Wrana Panizzi

CNPq

arte / ensaio fotográfico Rubens Fernandes Junior | Presidente FCW Joaquim Marçal Ferreira de Andrade

Biblioteca Nacional/Iconografia

Luiz Braga

Fotógrafo/Belém

Márcio Rodrigues

Premiado em Ensaio Fotográfico 2009

Ricardo de Leone Chaves

Editor de Fotografia do Zero Hora

Ronaldo Entler

Unicamp e FAAP

Tiago Sobreira de Santana

Premiado de Ensaio Fotográfico 2006


Cronograma da premi a ç ã o 2 0 1 1

Prazo para recebimento

15 de novembro de 2011

das indicações (Ciência e Cultura)

Preparação dos dossiês

15 a 20 de novembro de 2011

dos indicados (Ciência e Cultura)

Julgamento e escolha dos premiados

24 e 25 de novembro de 2011

(Ciência e Cultura)

Prazo para recebimento

10 de março de 2012

das inscrições (Arte)

Escolha dos premiados (Arte)

Cerimônia de premiação

19 a 23 de março de 2012

25 de junho de 2012

Fundação Conrado Wessel | www.fcw.org.br


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.