Prêmio FCW 2012

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Especial Os vencedores do Prêmio Conrado Wessel de Arte, Ciência e Cultura 2012

p r ê m i o

fcw F u n da ç ã o

C o n r a d o

W e s s e l


coordenação desta edição José Moscogliatto Caricatti

Fundação Conrado Wessel Rua Pará, 50 - 15º andar Higienópolis - 01243-020 São Paulo, SP - Brasil Tel./fax: 11 3237-2590 www.fcw.org.br diretoria@fcw.org.br


Índice 4

FCW inicia nova década de patrocínio a benefícios sociais

8 Premiação leva em consideração, além do talento profissional, a contribuição à sociedade dada pelos ganhadores

14 Sergio Rezende concilia produção em física com a prática política de uma visão nacionalista da ciência

20 O cirurgião Marcos Moraes usa a legislação e cria estratégias de controle para combater o câncer

26 Conhecido como exemplo de superação, o maestro João Carlos Martins gosta mesmo é de ensinar música e tocar Bach

32 Veja os três ensaios fotográficos ganhadores em Arte de 2012

46 Conheça os premiados de Arte de anos anteriores de todas as edições do Prêmio FCW

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Um futuro ainda melhor Fundação Conrado Wessel inicia nova década de patrocínio a benefícios sociais

Q

uando Ubaldo Conrado Wessel retornou ao Brasil em 1913, ao final do estágio realizado na Casa Beissner & Gootlieb de Viena para concluir o curso de fotoquímica e clicheria iniciado em 1911, trouxe consigo uma gravura em clichê (imagem fotográfica negativa) de um jardim vienense. Esse exemplar, reproduzido ao lado, é mantido nos arquivos da Fundação Conrado Wessel. Feita por ele há 100 anos em papel Velox, produzido pela empresa de George Eastman, o melhor papel fotográfico da época segundo o próprio Wessel. Não foi por mera recordação de um emprego de sucesso na Áustria que Wessel trouxe a gravura para o Brasil. Desde quando chegou a Viena para se especializar no ramo da fotografia e clicheria, ele acalentava a ideia de criar nova fórmula para produzir papel fotográfico. Na época os papéis eram de qualidade inferior – Velox era o único aceitável – e o objetivo era produzir um melhor. Ele trouxe o modelo como uma referência ao que conseguisse inventar no Brasil. Aqui, após seis anos de pesquisa, no final de 1918, conseguiu definir a fórmula que encaminhou para ser patenteada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). A patente foi obtida por Conrado e por seu pai, Guilherme, em 1921 e, por ironia, por ele vendida posteriormente, em 1954, à empresa de Eastman, o mesmo proprietário do papel Velox, como se vê na foto da embalagem do “Papel fotográ­fico Kodak-Wessel”, que Conrado tem às mãos em 1949, ano em que construiu nova fábrica em São Paulo em parceria com a Kodak, cedendo a ela a opção de compra da patente, o que se formalizou em 1954. O traço histórico revelador dessas imagens é a busca, sempre, do melhor. Conrado o conseguiu, pois sua

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fotos acervo fundaรง รฃo conr ado wessel

Acima, a foto feita por Conrado Wessel em 1911, quando estagiava em Viena. Ao lado, ele mostra o papel desenvolvido jรก em parceria com a Kodak, em 1949


{

patente gerou a Fundação Conrado Wessel (FCW), o maior fenômeno nacional Neste ano, de apoio à arte, à ciência e à seis novos nomes cultura. Sua presença no cenário acadêmico brasileiro é ingressam na aclamada, desde quando, há galeria de 11 anos, foi lançado o Prêmio FCW de Arte, Ciência e Cullaureados com tura em eventos na Bienal, o Prêmio FCW na Casa da Cultura Brasileira e na Sala São Paulo. Agora a FCW inicia uma nova década de outorga dos maiores prêmios para a arte, a ciência e a cultura no Brasil. Neste ano, seis novos nomes ingressam na galeria de laureados em evento na Sala São Paulo, na capital paulista, com a apresentação do maestro João Carlos Martins, por mera coincidência o vencedor do prêmio de Cultura de 2012. A FCW continua a patrocinar publicações e eventos de algumas de suas parceiras como os Anais da Academia Brasileira de Ciências, a revista Journal of Aerospace Technology and Management (JATM) , do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), a Pes-

Prêmios FCW Total de ganhadores em todas as categorias

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Ano

Arte

Ciência

Cultura

Medicina

Total

2002

3

3

3

0

9

2003

3

4

1

1

9

2004

3

4

1

1

9

2005

3

4

1

1

9

2006

4

4

1

1

10

2007

4

2

1

1

8

2008

4

2

1

1

8

2009

4

2

1

1

8

2010

3

1

1

1

6

2011

3

1

1

1

6

2012

3

1

1

1

6

Total geral

37

28

13

10

88

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quisa Naval, da Marinha do Brasil, e esta edição anual com os ganhadores dos Prêmios FCW, que circula juntamente com Pesquisa FAPESP. Também banca três bolsas complementares das Grandes Teses Capes e o prêmio Almirante Álvaro Alberto, este último em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A

FCW premia na categoria Arte os três ensaios fotográficos vencedores de um conjunto expressivo de mais de 450 inscritos. Nas categorias Medicina, Cultura e Ciência são escolhidos grandes nomes, figuras cujo currículo revela uma exponencial dedicação à sociedade, além de indiscutível competência, conhecimento e valor acadêmico consagrado internacionalmente. A fundação considera, entretanto, que o grande beneficiário dos prêmios é o país, por não se deixar esquecer quem luta para fazê-lo melhor. O mesmo ocorre com as demais atividades da FCW, especialmente as doações, todas voltadas para entidades cujos fins sociais não se discutem: Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Fundação Antonio Prudente, Associação Benjamin Constant, Serviço Social do Exército de Salvação, Aldeias Infantis SOS Brasil e mais 27 outras entidades ligadas a atividades educacionais, com superlativo benefício social. Exemplo bastante expressivo dos objetivos dessas doações e demonstração do quanto elas de fato promovem a busca do apoio educacional dos beneficiados é o que ocorre com a cota destinada ao Corpo de Bombeiros. Entre os dias 6 e 14 de julho, sete integrantes da corporação estarão se aperfeiçoando no College Station do Texas, Estados Unidos, para trazer aos demais componentes informações, tecnologia e métodos para a melhoria permanente de atendimento à população. Depois deles, outros 30 bombeiros seguirão para a Irlanda do Norte e Londres, a fim de participar em Belfast dos Jogos Mundiais de Polícia e Bombeiros 2013. A cada ano, de 35 a 60 bombeiros participam de simpósios, encontros, jogos e cursos no exterior, sob o patrocínio da FCW.


Fernando Mucci / Pl atinum Photoimagem

Outra doação anual muito significativa é a atribuída à Fundação Antonio Prudente. Embora seja uma fração pequena dos recursos que ela destina às suas atividades, contribui de forma segura e sistemática para o esforço hoje despendido no intuito de dotar o país do maior centro de pesquisas oncológicas, em nível e padrão que rivalizam com os mais avançados do mundo. Ainda no plano de influência educacional, relevante é a contribuição anual à Associação Benjamin Constant, mantenedora do Colégio Benjamin Constant, onde Conrado Wessel estudou e se projetou ainda jovem no cenário da fotografia, vencendo em 1906 dois concursos oficiais de fotografia promovidos pela Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo.

N

o caso da assistência social, merece referência o trabalho feito pela FCW em parceria com o Ministério Púbico, distribuindo a crianças e famílias carentes grandes cestas natalinas. Desde 2005, quando se iniciou esse programa,

foram atendidas 21.379 famílias. Aliam-se a esse programa, pelo prisma de assistência a carentes ou abandonados, os programas executados pelo Serviço Social do Exército de Salvação e pelas Aldeias Infantis SOS do Brasil, ambas as instituições donatárias de uma expressiva cota anual da fundação. Com todas essas ações, nesta nova década consolidam-se os resultados já obtidos pela presença nacional da fundação. A tendência é também de expansão porque, da gestão patrimonial que assumiu o legado de Conrado Wessel em 2000, um patrimônio que representava 18.727 metros quadrados de área construída, e o ampliou com novas unidades e projetos, deve-se esperar metas mais ambiciosas de imobilização, resultados mais consistentes, uma estimativa de agregar outros 100% de área construída, para mais oferecer em prol dos objetivos estatutários: incentivo à educação, incremento à arte, à ciência, à medicina e à cultura, caminhos do futuro para o Brasil. n

João Carlos Martins rege a Filarmônica Bachiana no Teatro Positivo, em Curitiba (2009): dupla presença na festa de premiação da FCW

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Os valores de cada um Premiação leva em consideração, além do talento profissional, a contribuição à sociedade dada pelos ganhadores

O

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2012 ciência

Sergio Rezende medicina

Marcos Moraes cultura

João CArlos Martins

fotos  Léo R amos

s Prêmios FCW já contemplaram quase uma centena de personalidades que fazem ciência, medicina, cultura e arte. Em 11 anos, foram concedidos 88 esculturas de Vlavianos, símbolo do prêmio, além de valores em dinheiro que vêm crescendo desde a primeira edição, realizada em 2002. Atualmente são distribuídos R$ 1,1 milhão: R$ 300 mil para cada um dos ganhadores nas categorias Ciência, Medicina e Cultura e R$ 200 mil a serem divididos entre os três primeiros lugares da categoria Ensaio Fotográfico. Em Ciência, Medicina e Cultura são sempre escolhidos personagens com um currículo de realizações que não se limitam a sua área de atividade. Os júris reunidos pela FCW são orientados a analisar não apenas a obra acadêmica, científica ou cultural dos profissionais indicados pelas instituições parceiras da fundação (conheça todas na página 48), mas também para as realizações que tenham a ver com benefícios trazidos à sociedade em qualquer âmbito. A área mais fácil para enxergar essa qualidade dos ganhadores é a de Medicina. Todos, sem exceção, deram contribuições que redundaram em ganhos concretos para a sociedade – o que não é pouco em se tratando de um setor responsável pela saúde do brasileiro. Basta ler o perfil de Marcos Moraes na presente edição (página 20) para se ter uma ideia da importância do trabalho desses profissionais. A contribuição social dos pesquisadores na categoria Ciência é menos óbvia pela própria natureza de sua atividade. Trata-se de trabalhos de pesquisa, que visam ampliar o conhecimento humano em todas as áreas do conhecimento, feitos por alguns dos principais cientistas brasileiros, como comprova a reportagem sobre o físico Sergio Rezende (página 14).


Fotos léo r amos

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No primeiro ano em que foram escolhidos os primeiros seis ganhadores, em 2003, havia cinco subcategorias dentro de Ciência: Ciência Geral, Ciência Aplicada ao Campo, Ciência Aplicada ao Mar, Ciência Aplicada ao Meio Ambiente e Medicina. Em 2007, o número de subcategorias diminuiu para três (Ciência Geral, Ciência Aplicada e Medicina) e em 2010 e 2011 para duas (Ciência, que engloba todas as outras, e Medicina). Essa mudança veio em decorrência do aperfeiçoamento natural dos critérios que regem os Prêmios FCW, a cargo da administração da fundação com a colaboração de seus parceiros. A categoria Cultura premiou apenas escritores e poetas até 2007 e começou a diversificar-se nas edições seguintes, escolhendo talentos da música, do cinema, da dança e do teatro. O maestro João Carlos Martins, com sua rica história de vida dedicada à música erudita, ganhou em 2012 (página 26). Por fim, a categoria Arte também sofreu mudanças. No começo, apenas as fotos publicitárias eram premiadas. Desde 2011, o foco está dirigido aos ensaios fotográficos (página 32). As inscrições para Arte são feitas via internet pelo endereço eletrônico www.fcw.org.br e despertam o interesse de fotógrafos de todo o Brasil. Sempre no segundo semestre do ano de outorga dos prêmios a FCW edita seu tradicional livro com as fotos de todos os finalistas. Nas páginas seguintes pode-se conferir a lista com os ganhadores em todas as edições dos Prêmios FCW. n

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Ciência

ciência Geral

Jorge Kalil

Jairton Dupont

Imunologista

Químico

medicina

medicina

Miguel Srougi

Angelita Habr-Gama

Urologista

Coloproctologista

Cultura

cultura

Paulo Vanzolini

Nelson Pereira dos Santos

Compositor e zoólogo

Cineasta

2011 2010

fotos 2011  Léo R amos  fotos 2010  1 Leo R amos 2 liane ne ves 3 eduardo cesar

{

São sempre escolhidos personagens com vasto currículo de realizações em mais de uma área


fotos 20 09  1 Leo R amos  2 jader rocha  3 eduardo cesar  4 silvia machado  fotos 20 08  2 paulo soares/esalq  fotos 20 07  1 liane ne ves  2 eduardo cesar  3 fábio mot ta /AE  4 gl áucia rodrigues

Ciência Geral

Ciência Geral

Ciência Geral

Jerson Lima da Silva

Leopoldo de Meis

Iván Izquierdo

Bioquímico

Bioquímico

Neurocientista

Ciência Aplicada

Ciência Aplicada

Ciência Aplicada

João Gomes de Oliveira

Ernesto Paterniani

Hisako Higashi

Engenheiro mecânico

Geneticista de plantas

Bioquímica

Medicina

Medicina

Medicina

Ricardo Pasquini

Fulvio Pileggi

Ivo Pitanguy

Hematologista

Cardiologista

Cirurgião plástico

Cultura

Cultura

Cultura

Antonio Nóbrega

Ariano Suassuna

Affonso Ávila

Músico e dançarino

Dramaturgo

Poeta e ensaísta

2009

2008

2007 e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l   |   p e s qu i s a fa p e s p

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Medicina

Ciência Geral

Medicina

Sérgio Mascarenhas

Ricardo Brentani

Wanderley de Souza

Adib Jatene

Oncologista

Físico

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Cardiologista

Parasitologista

Ciência Aplicada ao Meio Ambiente

Ciência Aplicada ao Campo

Ciência Aplicada ao Meio Ambiente

Ciência Aplicada ao Campo

Carlos Nobre

Magno Ramalho

Aziz Ab’Sáber

Luiz C. Fazuoli

Climatologista

Geneticista de plantas

Geógrafo

Agrônomo

Ciência Aplicada à Água

Cultura

Ciência Aplicada à Água

Aldo Rebouças

Escritora

Ruth Rocha

Galizia Tundisi

Geólogo

Biólogo

2006

2005

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Cultura

Fábio Lucas Crítico e ensaísta

fotos 20 06  1, 3, 6 Miguel Boyayan  2 ,4 eduardo cesar  5 ÂNgelo abreu/ufl a  fotos 2005  1 Leo R amos  2 Fr ancisco Emolo/Jornal da USP  3, 6 Miguel Boyayan  4, 5 Eduardo Cesar

Ciência Geral


fotos 20 04  1 Miguel Boyayan  3 Eduardo Cesar  4 Arquivo pessoal  6 Léo R amos   fotos 2003  1 Miguel Boyayan  2 ASCOM/INPA  3 Léo R amos  4 eduardo tavares  5 Marcos Esteves/Embr apa  6 Divulgaç ão

Ciência geral

Medicina

Ciência Geral

Medicina

Isaias Raw

Cesar Victora

Bioquímico

Epidemiologista

Carlos Henrique de Brito Cruz

Maria Inês Schmidt

Físico

Epidemiologista

Ciência Aplicada ao Meio Ambiente

Ciência Aplicada ao Campo

Ciência Aplicada ao Meio Ambiente

Ciência Aplicada ao Campo

Museu Paraense Emílio Goeldi

Instituto Agronômico

Philip Fearnside

Jairo Vieira

Biólogo

Agrônomo

Ciência Aplicada à Água

Cultura

Ciência Aplicada ao Mar

Cultura

Alberto Franco

Ferreira Gullar

Dieter Muehe

Escritora

Oceanógrafo

Poeta

Geógrafo

2004

Lya Luft

2003 e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l   |   p e s qu i s a fa p e s p

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ciência

O físico integral Sergio Rezende concilia sua produção científica com a prática política de uma visão nacionalista da ciência brasileira

S

ergio Machado Rezende está feliz. “Estou no auge de minha carreira científica”, ele contou no dia 15 de maio em sua sala – ou gabinete, como ele chama – no segundo andar do Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em Recife. “Posso ser pesquisador em tempo integral, como nunca antes tinha conseguido ser no Brasil, e tenho a satisfação de ter feito muita coisa.” Ele não parou de fazer pesquisa e escrever arti­ gos científicos mesmo quando ocupava cargos administrativos: com responsabilidades crescentes, foi chefe do Departamento de Física, que ajudou a formar, na década de 1970, diretor do Centro de Ciências Exatas e Naturais da UFPE, primeiro di­ retor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Pernambuco (Facepe), secretário de Ciência e Tecnologia de Pernambuco, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e ministro da Ciência e Tecnologia. Quando era ministro, de 2005 a 2010, Rezende publicou 26 artigos em respeitadas revistas de física – uma média de cinco por ano ou um a cada dois meses. Seis deles ele assinou sozinho, como autor único. “Em 2007 vi alguns estudos expe­ rimentais e achei que poderia encontrar as explicações para os resultados”, ele diz. Como conseguia trabalhar em Brasília e ao mesmo tempo se deixar levar pelas equações matemáticas sobre o comportamento dos elétrons em materiais condutores? “Organizando o tempo e a cabeça para manter a motivação pa­ ra a pesquisa. E o que é pesquisa? É fazer o que ninguém fez! Quando sai algo bacana em uma revista, é a mesma satisfação de fazer um gol de bicicleta!” Um quadro em sua sala é uma fotografia em que Rezen­ de está entre o presidente Lula e Pelé, com uma dedicatória

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Rezende: “Agora posso ser pesquisador em tempo integral”


lĂŠo r amos


{

de Pelé: “Gol é alegria!”. “Até o ginásio, o que eu mais gostava era jogar futebol”, conta Re­ “Lembro-me zende. Duas semanas depois de da primeira vez chegar a Recife, em 1972, ele e um bedel montaram um cam­ em que subi a po de futebol em frente à Es­ escada do MIT: cola de Engenharia, então um dos únicos prédios da univer­ ‘Será que vou sidade, e durante anos os estu­ conseguir?’” dantes e professores do Depar­ tamento de Física se reuniam toda quarta-feira à tarde para jogar. “Voltávamos zerados no dia seguinte”, recorda-se o bo­ tafoguense que armava o jogo e também fazia gols – ele só dei­ xou o gramado aos 54 anos por causa de um problema no joelho. Sem solenidade, atencioso e gentil, Rezende tem 72 anos. Não parece ter mais de 60. “Disfarço bem. A explicação é genética. Meu pai, Leo, morreu com 92 anos e minha mãe, Elsa, tem 100 anos.”

Nascido no Rio, Rezende trabalha em física há quase 50 anos. Há quase 10 ele se dedica à spintrônica, uma área da microe­ letrônica fundamentada na perspectiva de propagação de informações por meio do spin, o movimento de um elétron ao redor de si mesmo. Por meio de trabalhos teóricos e experimentais feitos com seus estudantes e colegas, ele procura entender e ampliar a interação de spins de materiais condutores como ferro, níquel, manganês e cobalto. Foi um professor do Colégio de Aplica­ ção da Universidade do Brasil, Luiz Eduar­ do Machado, astrônomo do Observatório Nacional, que o fez começar a gostar de física. “Aquele professor valorizava o ra­ ciocínio como forma de resolver os proble­ mas”, lembra-se. A contragosto do pai, um advogado que queria que ele fosse médico, Rezende foi estudar engenharia eletrôni­ ca, a área que lhe parecia mais próxima da física, na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. Logo ele se des­ tacou como um dos melhores da turma.

U

Jornal do Brasil de 27 de dezembro de 1967: notícia do retorno

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m dos professores, Luiz Carlos Bahiana, incentivou-o a ir para o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, onde ele pró­ prio tinha feito o doutorado. O rapaz hesi­ tou: “Mas será que vou ser aceito?”. O pro­ fessor garantiu: “Claro que vai!”. Rezende se inscreveu e, com base no currículo e em uma carta de recomendação de Bahiana, o MIT o aceitou, levando-o a outro pro­ blema: não tinha como se manter lá. Ele havia perdido o prazo para pedir bolsa de estudos para uma agência federal e outra não lhe deu, argumentando que só apoiava estudantes de universidades públicas. Em seguida ele viu em um jornal um anúncio da Fundação Fullbright para estudantes brasileiros, inscreveu-se e foi o único do Brasil a conseguir. “Lembro de quando subi a escadaria do MIT pela primeira vez”, ele recorda, “sentindo o peso da responsabili­ dade. ‘Será que vou conseguir?’” Aos poucos ele acertou o passo com seu trabalho sobre as propriedades mag­ néticas de ferrites, um material usado em eletrônica, e tirou nota máxima em várias disciplinas, até mesmo em uma conduzida por um professor que havia se recusado a orientá-lo quando chegou: foi o único


Fotos aquivo familiar

10 da turma, que o deixou mais confiante. Ele terminou o mestrado e emendou com o doutorado, dessa vez com uma bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Quase quatro anos depois, já casado e com duas filhas pequenas, achou que era hora de re­ tornar ao Brasil. Nessa época o Itamaraty reuniu estudantes e pesquisadores bra­ sileiros nos Estados Unidos, motivando­ -os a voltar. Rezende recebeu um convite para ir a uma dessas reuniões, não pôde, mas já tinha decidido: “Além da pressão familiar”, ele conta, “eu achava que vol­ tar era uma obrigação minha”. Em 1967 o Jornal do Brasil o entrevistou e noticiou: “O primeiro que veio do Norte”. “Oportunidade histórica”

Rezende lecionou no Departamento de Física da PUC durante três anos, depois se mudou com a família para Campinas, co­ mo professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Seis meses depois

mudaram-se outra vez, agora para Recife, com a missão de ajudar a formar o Depar­ tamento de Física da UFPE. “Vim para ficar três anos e fiquei, porque as coisas começaram a dar certo”, conta Rezende. Ele guarda até hoje um bilhete em que o físico Sérgio Marcarenhas, professor da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, lhe escreveu em 1970: “Esta­ mos vibrando que você possa aceitar esta oportunidade histórica”. Depois de con­ vencer o Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica (CNPq) a apoiar o novo grupo em Recife, Mascarenhas ar­ gumentou que Rezende faria o meio de campo entre os outros cinco professores mais jovens e físicos mais experientes, que trabalhavam nos Estados Unidos e, Mas­ carenhas apostava, aceitariam se mudar para Recife. Rezende entrevistou cinco dos seis supostos interessados, mas ne­ nhum aceitou o convite. Durante alguns anos ele foi o único doutor do grupo que ocupava o terceiro andar do prédio da en­ genharia e havia se organizado para dar aulas pela manhã e fazer pesquisa à tarde. “Aprendemos a fazer barulho, come­ moramos quando saiu o primeiro paper do grupo, mas também passamos por muitos embates”, Rezende relata. “Diziam que nós nos julgávamos elitistas e PhDeuses.” A credibilidade científica facilitou a apro­ vação de um financiamento para construir o prédio atual, inaugurado em 1982. Do atual corpo de 40 professores, três outros do grupo inicial – Cid Araújo, José Rios Leite e Maurício Coutinho Filho – con­ tinuam no departamento.

Em novembro de 1947, na primeira comunhão, com os pais, Léo e Elsa, e a irmã mais velha, Eliza. Ao lado, em 1967, com David Bullock, no MIT. Acima, em 1972, no laboratório do então nascente Departamento de Física da UFPE, Rezende (o terceiro, da esq. para a dir. ), Maurício Coutinho e Cid Araújo

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Em 1998, Rezende com Arraes (acima à esq.) e Mascarenhas (acima à dir.), em campo em 1982 (primeiro agachado à direita) e em 2013, no lababoratório

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O Departamento de Física da UFPE, um dos melhores do país, se expandiu para além do magnetismo, a área inicial, e hoje abriga equipes em outros campos, como óptica, supercondutividade, políme­ ros, semicondutores e ressonância magné­ tica; cada grupo expõe as primeiras pági­ nas dos artigos mais recentes em murais na entrada dos respectivos territórios, o que não é muito comum em universida­ des e institutos brasileiros. “Sergio Rezende foi um pioneiro em levar a ciência brasileira para o Nordeste”, comenta Sérgio Mascarenhas. O Depar­ tamento de Física foi o núcleo a partir do qual se fez o Centro de Ciências Exatas e da Natureza (CCEN), que reúne também os departamentos de Química, Matemá­ tica e Estatística. Como terceiro diretor do centro, Rezende exercitou sua habili­ dade de conciliador, bastante valorizada por quem o conhece: “O CCEN é o resul­ tado de um processo de convencimento de lideranças potenciais, para formarmos um grupo com objetivos semelhantes. Se

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não trabalharmos de modo coletivo, não conseguiremos fazer um bom trabalho”. Em 1987 Rezende tentou ser reitor, não foi eleito, mas descobriu algo importante: não poderia ser político nem concorrer a cargos eletivos. “Não sei fazer promessas e depois não cumprir. Prefiro dizer não quando necessário, explicando por que não.” Em 1989, o governador Miguel Arraes o convidou para assumir a diretoria cien­ tífica da recém-criada Facepe, instalada em três salas do Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep), em frente à UFPE.

C

oube a ele a tarefa de elaborar as mo­ dalidades e os formulários de pedidos de apoio financeiro para pesquisadores e estudantes, com base no que havia visto nas fundações de São Paulo (FAPESP) e do Rio de Janeiro (Faperj). Em julho de 1990, no auditório do Itep, Rezende apresentou os formulários e as modalidades de apoio, agradeceu aos políticos de Pernambuco, que haviam incentivado a criação da fun­ dação, e lembrou que qualquer pedido seria


Plano do governo

Rezende conheceu o então candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na reunião anual da Sociedade Brasileira pa­ ra o Progresso da Ciência (SBPC) de 1998, em Natal. Rezende o ajudou a elaborar o plano de governo, Lula gostou de sua visão nacionalista sobre ciência e tecnologia, que implicava a valorização e integração das instituições de ensino e pesquisa, e o convidou para ser ministro assim que as­ sumiu a Presidência. Rezende disse que ainda não estava preparado para um cargo tão alto, mas não escapou inteiramente: em 2003 ele assumiu a presidência da Finep, o que lhe permitiu, diz ele, “ver o ministério por dentro, não por cima, e interagir com os institutos de pesquisa”. Em 2005 ele foi para o ministério e co­ meçou a trabalhar com sua equipe em um plano de ação de ciência e tecnologia. “Eu dizia: ‘Se não fizermos, alguém vai fazer’. Desde o início eu dizia que era para ser um plano do governo, não do MCT, com a participação indispensável dos outros ministérios. Lula falou com os outros mi­ nistros e fizemos tudo sem dizer que era do MCT.” Anunciado em 2007, o Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação – Pacti 2007-2010 previa investimentos de

R$ 41 bilhões e promovia a inte­ gração entre as ações do gover­ no federal em cooperação com “É um cientista os governos municipais e esta­ que encara como duais. Uma das iniciativas mais obrigação moral a visíveis foram os 122 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnolo­ necessidade de gia (INCTs), criados dentro do tirar o país CNPq. Rezende acredita que os INCTs contribuíram para des­ de nosso atraso centralizar a produção científi­ centenário”, diz ca nacional. “Cinco INCTs estão no Amazonas”, ele diz. “O maior Mascarenhas gargalo ainda são empresas. A maioria ainda não acredita que podemos inovar e que a inovação pode mudar a vida delas.” “Acompanhei a criação do ministério, conheci todos os ministros e posso afir­ mar, por experiência própria, que Sergio Rezende mudou a ciência e tecnologia no país”, diz Mascarenhas. “Sergio Rezende é um exemplo que merece ser mostrado não só à juventude como aos políticos, por ser um cientista que encara como obriga­ ção social a necessidade de tirar o país de nosso atraso centenário.” Pouco antes de sair do ministério, Rezende reuniu seus artigos e reflexões sobre política científica e tecnológica, publicados desde 1970, no livro Momentos da ciência e tecnologia no Em 2013, com a família no Rio: em pé, as Brasil – Uma caminhada de 40 anos pela filhas Cláudia, Isabel C&T (Vieira e Lent, 2010). Em 2010, ao e Marta, Adélia, a mulher, e Elsa, a mãe; retomar a vida de pesquisador em tempo sentados, os netos integral, ele chegava às oito da manhã à Sebastião, Francisco, universidade. “Hoje minha inquietação Julieta (no colo), Olívia, Pedro e João. está voltada inteiramente para a ciência. Abaixo, de férias com Quero fazer mais coisas novas.” n

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Fotos aquivo familiar e léo ramos (l abor atório)

julgado por especialistas com base no mé­ rito das propostas, “não por bilhetinhos de pessoas influentes”, ele ressaltou. Arraes o procurou em seguida para dizer que os co­ legas haviam se surpreendido com tamanha franqueza e que ele próprio jamais pediria uma bolsa para quem quer que fosse.

Adélia no Laos

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medicina

Combate em duas frentes Marcos Moraes extirpa tumores na sala de cirurgia e luta para diminuir o número de casos de câncer usando a legislação e criando estratégias de controle

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urante uma das numerosas homenagens que recebeu, o médico-cirurgião Marcos Moraes discursou sobre as dificuldades enfrentadas pelos hospitais filantrópicos, que tratam mais de um terço de todos os casos de câncer do país. Sugeriu que eles deveriam ter uma lei de renúncia fiscal própria, similar à Lei Rouanet para cultura. Lançada em 2010, a ideia germinou rapidamente e em 2012, por meio de medida provisória, foi instituído o Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (Pronon) com o objetivo de captar e canalizar recursos para prevenção e combate ao câncer. Em abril de 2013 a lei foi regulamentada por decreto presidencial. Marcos Moraes é atualmente presidente da Fundação do Câncer, da Academia Nacional de Medicina e coordenador do Programa de Oncobiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A homenagem descrita acima ocorreu em agosto de 2010 durante a primeira edição do prêmio Octavio Frias de Oliveira, concedido pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) a personalidades de destaque no combate à doença no Brasil. O prêmio foi entregue pelo então vice-presidente, José de Alencar, que travava uma luta contra o câncer havia 13 anos. “Depois da cerimônia, ele me disse: ‘Quero ser o padrinho dessa história’”, conta Moraes. O cirurgião uniu-se então a Paulo Hoff, professor titular de oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e diretor-geral do Icesp – além de médico de Dilma Rousseff –, e a Aristides Maltez Filho, da Associação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Combate ao Câncer, e encomendou ao advogado Sérgio de Andréa, redator da Lei Rouanet, um projeto nos mesmos moldes para conseguir recursos con-

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Moraes: amplo histórico de sucesso na gestão de instituições


lĂŠo r amos


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tra o câncer. Depois que Dilma foi eleita, os três conseguiram uma audiência e a presidente se “Conseguimos a apoiar a iniciativa – por aprovar a primeira dispôs ser uma lei que envolve renúncia fiscal, ela tem de partir do lei que contempla Poder Executivo. Quando chea saúde por meio gou ao Congresso, a lei recebeu da renúncia fiscal”, algumas mudanças e Moraes, Hoff e Maltez se envolveram no diz Moraes corpo a corpo com deputados e senadores para convencê-los da necessidade de a medida ser publicada sem muitas modificações. Foram bem-sucedidos. Batizada de Lei José de Alencar, ela permitirá a pessoas jurídicas e físicas fazer doações a projetos de pesquisa de combate ao câncer e abater do imposto de renda. “É a primeira lei que contempla a saúde através da renúncia fiscal”, diz Moraes, ainda surpreso diante da rapidez com que tudo aconteceu. Essa foi a última conquista que Marcos Fernando Oliveira Moraes, de 77 anos, se tornou protagonista. A primeira talvez tenha sido quando saiu adolescente da alagoana Palmeira dos Índios para estudar no que era considerada a melhor esCom as quatro irmãs e um irmão cola do país, o Colégio Pedro II, no Rio ainda em Palmeira de Janeiro. “Meu pai viu um anúncio no dos Índios, Alagoas, onde nasceu, jornal informando que a escola oferecia e na formatura bolsa integral para dois estudantes de cado ginásio, em 1953

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da estado brasileiro, por meio de uma seleção rigorosa”, conta. “Muito inteligente, ele me propôs o desafio de tentar estudar lá.” Moraes topou, estudou e passou. Foi para a capital da República em 1950 e cursou o colegial (atual ensino médio) como aluno interno.

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os dois anos seguintes continuou no Pedro II, mas como inspetor de alunos. “Tinha cama e comida, o suficiente para me ajudar durante os primeiros anos do curso de medicina na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj)”, relata. Aquele foi um bom período para o jovem universitário. Quando já não tinha mais o colégio para abrigá-lo, Moraes dividiu um conjugado com Oduvaldo Viana Filho e Luiz Eça – respectivamente, dramaturgo e pianista, ambos de grande talento –, no início dos anos 1960, que ele conheceu no Centro Popular de Cultura (CPC). “Vianinha e Luizinho Eça me apresentaram à rica e boêmia vida cultural da cidade”, escreveu o médico por ocasião de sua posse como professor honorário da UFRJ, em 2012. “Tempos da bossa nova, do Beco das Garrafas, da Fiorentina, do Zum-Zum e do meu lindo Rio explodindo de felicidade.” À alegria dos tempos de estudante seguiu-se a dura vida de médico pro­curando se afirmar na profissão no Hospital Silves-


Fotos aquivo familiar

tre e no Hospital Ipanema. “Nos anos 1970 voltei a trabalhar no Ipanema, que era o melhor centro de cirurgia gastroenterológica do país”, conta. Antes de partir para sua primeira experiência em instituições no exterior, ele ainda passou três anos no Hospital Santa Rita de Palmeira dos Índios. “Era uma experiência pela qual eu achava que tinha de passar.” Do Rio e do interior de Alagoas, Moraes saltou para a Universidade de Illinois, em Chicago, Estados Unidos, onde ficou entre 1975 e 1977. Foi um período fundamental na sua vida profissional ao trabalhar com dois grandes cirurgiões, Lloyd Nyhus e Tapas Das Gupta, e aliar a pesquisa científica à formação em cirurgia oncológica. Suas principais áreas de atua­ção como cirurgião são: tubo digestivo, mama, sarcoma, pélvis e melanoma. Hoje ele ainda interna e opera seus pacientes no Hospital Samaritano. Quem o conhece um pouco mais não mede elogios. “Ele foi um dos pioneiros na cirurgia oncológica moderna no Brasil, ajudou a internacionalizar a medicina do país e é extremamente capaz”, diz Paulo Hoff. controle de câncer

Quando voltou dos Estados Unidos chefiou o Departamento de Cirurgia do Hospital Universitário da Universidade Gama Filho e reuniu um bom time de cirurgiões, como Armando de Oliveira e Silva, José Reinan Ramos e Florentino Cardoso. Certa noite de dezembro de 1989, o telefone tocou em sua casa às 23 horas. Do outro lado, o recém-eleito Fernando Collor de Mello, que ele não conhecia, disse que tinha boas informações sobre ele e o convidou a escrever o Programa Nacional de Controle de Câncer do governo. “Aceitei e por dois meses trabalhei no edifício Bolo de Noiva em Brasília”, conta. No programa foi especificado que a política de controle da doença deveria ser feita pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), que, segundo Moraes, não passava de um hospital comum na praça da Cruz Vermelha. Graças ao programa o instituto se tornou um departamento do Ministério da Saúde e passou a orientar a política de combate ao câncer no Brasil. Moraes foi nomeado seu diretor e ficou no cargo por

Maratonista amador até os 59 anos, aqui Moraes aparece com o Rio ao fundo, vestido com a camiseta de sua última maratona, realizada em Boston

nove anos, tempo suficiente para implementar as mudanças necessárias. A Fundação do Câncer surgiu por sua iniciativa, em 1991, para dar suporte financeiro ao Inca. Era preciso contratar médicos, técnicos e equipar melhor o prédio. Os programas já em andamento foram ampliados e outros criados, como o de detecção precoce do câncer e o de combate ao tabagismo. Alguns hospitais, como de

Contra o fumo Alguns avanços do Programa Nacional de Controle do Tabagismo

Número de fumantes acima dos 15 anos 1989 32% 32%

Estados com leis antifumo

Roraima

2008 17,2% Amazonas Paraíba Rondônia

São Paulo Paraná

Rio de Janeiro

Fonte: Inca

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No Hospital Samaritano, no Rio, em 2011. É lá onde ele ainda interna e opera seus pacientes

Oncologia, o Luíza Gomes de Lemos e o Pro-Onco, foram incorporados ao Inca. Em 20 anos, a fundação investiu mais de R$ 1,5 bilhão no instituto. “O mais importante de minha gestão foi a implantação de uma política obstinada de combate ao tabagismo”, orgulha-se. De fato, os números impressionam. Em 1989, 32% da população acima dos 15 anos fumava; em 2008, 17%. Pelo menos sete estados brasileiros adotaram leis antifumo que proíbem o cigarro em ambientes coletivos, além de outras medidas que desestimulam o hábito de fumar (ver quadro na página 25). A revista médica britânica The Lancet publicou estudo em junho de 2011 indicando uma redução das doenças crônicas degenerativas no Brasil e relacionando essa queda ao controle do tabagismo nos últimos anos. O trabalho de Moraes – ex-maratonista amador e pai de Marcelo e Marcos – tem relação com dois outros temas de extrema importância para ele: a pesquisa científica e os cuidados paliativos. Como diretor do Inca e presidente da Fundação do Câncer, apoiou a pesquisa no hospital, concedeu bolsas para pesquisadores e recursos para estudos, além de criar mecanismos para

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formalizar contratos com a indústria farmacêutica e receber doações. “Sem a fundação, não haveria pesquisa laboratorial consistente nem a parte translacional”, diz Jerson Lima da Silva, professor titular do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). “O Marcos foi importantíssimo nesse processo”, corrobora Paulo Hoff.

A

coordenação do Programa de Oncobiologia da UFRJ também é parte das atribuições de Moraes. Criado em 2000 para agregar grupos de pesquisa em câncer de várias universidades e centros científicos, começou com 13 cientistas e hoje reúne 27 grupos de pesquisa, com cerca de 300 integrantes. A dotação orçamentária vem da Fundação do Câncer. “Ele estimula a cooperação entre os grupos e tem um efeito catalisador enorme”, testemunha Jerson Lima. Hoje Moraes também ocupa a presidência da Academia Nacional de Medicina (ANM) pela segunda vez e trabalha para torná-la sustentável. “Estamos terminando o retrofit do prédio antigo


e concluímos um edifício novo, para dar amparo econômico à instituição”, conta ele. “E recentemente estabelecemos o planejamento estratégico para a ANM com o auxílio da Fundação Dom Cabral.” As intervenções certamente ajudam a mudar o futuro da academia.

U

Restrições legais ao cigarro no Brasil conseguidas nos últimos anos dos limites máximos de alcatrão, nicotina e 1 Fixação monóxido de carbono para cigarros vendidos no país do uso de descritores de produtos como light, 2 Proibição ultralight, suave, baixos teores etc., que dão a falsa impressão de serem mais “saudáveis”

3 Proibição da propaganda de cigarro na mídia do patrocínio de eventos culturais e esportivos 4 Proibição pela indústria do tabaco 5 Proibição do fumo em ambientes coletivos fechados de imagens e mensagens de advertência sobre 6 Inclusão os malefícios do fumo nos maços dos produtos derivados do tabaco vendidos no Brasil criação de taxa anual de registro de todos os produtos 7 Aderivados do tabaco vendidos no Brasil, com a obrigatoriedade da informação por parte da indústria do fumo sobre a composição deles Fonte: Inca

frase que Marcos Moraes repete várias vezes quando fala dos cuidados paliativos. A Fundação do Câncer investe, no momento, na construção de um prédio térreo para onde os pacientes terminais sem recursos poderão ir de modo a aproveitar o resto da vida. É o conceito de hospice, como é chamado no exterior, palavra que significa acolhida, hospedagem. “É um local com 300 mil metros quadrados no bairro de Vargem Pequena, no Rio, que deverá ser bonito, com portas e janelas voltadas para jardins floridos onde o paciente com pouco tempo de vida deverá estar integrado à família e não isolado na UTI”, diz Moraes. Um jeito, enfim, de partir com dignidade. n

Moraes entre Tapas Das Gupta (esq.) e Lloyd Nyhus, em 1998. Ambos foram seus chefes em Chicago. Abaixo, com as irmãs Maria Aparecida (esq.) e Maria de Oliveira e os filhos Marcelo e Marcos, ainda jovens, em 1990

Fotos aquivo familiar

ma preocupação que vem dos primeiros tempos de Moraes no Inca é com os cuidados paliativos dos doentes terminais. Quando começou a trabalhar no Plano Nacional de Controle de Câncer, ele recrutou profissionais da área para ajudá-lo. Entre os integrantes estava a oncologista Magda Rezende, então responsável pelo Grupo Especial de Suporte Terapêutico Oncológico (Gesto), organização criada em 1986 e registrada em cartório para poder se organizar, arrecadar fundos e trabalhar com menos burocracia. Ao assumir a direção do Inca, Moraes colocou o Gesto para prestar serviços ao instituto. “O princípio do cuidado paliativo da organização é dar conforto psicológico, material e toda assistência ao doente no final da vida. Ele não precisa passar suas últimas semanas ou meses entubado e sedado em uma Unidade de Terapia Intensiva, sem nenhum poder de decisão”, explica Magda. Pelo contrário: o ideal é que fique perto da família, vivendo seus últimos momentos em um lugar acolhedor. Hoje o Inca atende 300 doentes em casa com direito a oxigênio, remédios e treinamento das pessoas próximas. Os mais carentes recebem assistência extra, como cestas básicas. “Quando não há mais nada a fazer, sempre há alguma coisa a fazer”, é uma

Ajuda da legislação

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Cu ltur a

João, um pianista Hoje mais conhecido como exemplo de superação, João Carlos Martins gosta mesmo é de ensinar a paixão pela música aos jovens e de tocar Bach

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a Bíblia, Jó perde os filhos, a fortuna e os bens. E aguentou firme. Deus permitiu ainda que Satanás o ferisse de úlceras malignas, desde a planta do pé até o alto da cabeça. Ele continuou em frente. Após suportar tudo, enfim Jó foi premiado pelo Criador. Hoje, porém, ninguém se lembra de que, antes de tudo isso, ele era um homem único pela sua integridade. Só falam da sua superação. O pianista e regente João Carlos Martins, longe da retidão da figura bíblica, é humano, demasiado humano, como todos nós. O seu maior terror é justamente ser conhecido, como Jó, apenas pelas mazelas de sua vida, que são muitas, e não pelas conquistas como artista. “Eu recebi um talento de Deus e várias vezes não soube dar valor a esse presente. Há, porém, muita gente que fala que eu quero me dar bem com a minha história de superação, com o fato de ter aparecido no final da novela Viver a vida e dar autógrafos nos aeroportos e tirar foto com as pessoas”, conta João, cujo nome, curiosamente, lembra o de Jó. “Na verdade, a história de superação só me serve para eu poder espalhar a música pelos brasileiros. É um crime tocar a Quinta sinfonia, de Beethoven, no Domingão do Faustão se consigo, com isso, alcançar 10 milhões de pessoas ao vivo?”, pergunta o maestro. Martins faz cálculos rápidos das apresentações da sua orquestra, a Bachiana Filarmônica, que fundou em 2004: são 2 milhões de pessoas nos concertos fechados, 3 milhões em apresentações abertas e 5 milhões de espectadores nos megaeventos, como no show do réveillon de São Paulo no final de 2012. “Onde no Brasil há um público desse para música clássica?” Para além dos números de pessoas que ouvem música, Martins é responsável por um grupo crescente de crianças que apren-

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João Carlos Martins: “Nasci pianista e quero morrer pianista”


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de a tocar música. “Temos 4 mil crianças que são introduzidas nesse universo pela Fundação “Você consegue Bachiana. Temos núcleos de esmudar a vida tudo com o método ‘à la corda’, que trabalha, num primeiro mode toda uma mento, a formação de grupos de comunidade por cordas, já que, nas orquestras, 60% dos instrumentistas são desmeio da música”, se naipe. Quero formar mil orfala o maestro questras até fazer 80 anos”, fala. “Você consegue mudar a vida de toda uma comunidade por meio da música. Um exemplo: se você está vendo um jogo de futebol e o Messi faz um gol pela Argentina, a vontade é de matar os argentinos. Mas, na mesma noite, se você ouvir um tango a sensação é de pura beleza. A música serve, justamente, para reunir as pessoas”, acredita o maestro. Por isso, no dia 24 de dezembro, Martins planeja tocar Jesus, alegria dos homens, da cantata de Bach, com 70 orquestras espalhadas pelo Brasil que seriam reunidas pela internet, com ele regendo de algum monumento, talvez, sonha, o Cristo Redentor. “Sou adepto de uma sabedoria chinesa que diz que para multiplicar você precisa dividir”, observa Martins. “Villa-Lobos queria fechar o Brasil em forma de coraCom Heitor Villa-Lobos ção em torno da música. Imagine o que (abaixo, à esq.) ele faria hoje com a internet e a televisão.” e com a pianista Guiomar Novaes

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E

sse entusiasmo acompanha o músico desde criança, quando, aos 8 anos, o pai o inscreveu num concurso para tocar Bach e ele venceu seu primeiro desafio. O autor do Cravo bem temperado virou a obsessão de Martins, que já gravou toda a sua obra para teclado, pelo selo americano Concord, em 19 CDs, numa leitura que foi comparada, pela originalidade, às versões radicais do canadense Glenn Gould. “Com Bach, eu procurei ter a relação de um compositor europeu que pegou uma caravela e veio conhecer o Brasil. Respeito o texto original, mas dou a visão de um brasileiro sobre a obra de Bach. E para isso você precisa ter uma coragem danada. A concepção rítmica e melódica de um pianista brasileiro certamente não é a de um europeu”, explica. Para Martins, Bach foi a síntese e a profecia de tudo e ele continua caminhando através dos séculos. Qual seria o Bach de hoje? “Primeiro, ele se encontraria com o Bill Gates e diria: ‘Bill, não adianta você tentar fazer um computador com alma. O único fui eu e Deus guardou essa fórmula para outro sistema planetário, não para a Terra’. Bach foi um computador – e um computador com alma. A música de hoje seria feita com todas as alternativas musicais de hoje, combinando a matemática precisa e a alma”, acredita o pianista e regente. “Quando Bach escrevia nova


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música, ou quando Beethoven, mesmo surdo, fazia música, no consciente eles se julgavam menores do que eram. No subconsciente, tenho certeza de que eles sabiam estar deixando um legado para a humanidade. Eles sabiam que eram melhores. Mas todo cara que é muito bom tem uma certa timidez.” conselho de dalí

Reza a lenda que, há muitos anos, durante um jantar com a atriz Mia Farrow, Martins ouviu um conselho maroto de Salvador Dalí: “Comece a dizer que você é o maior intérprete de Bach, e em 30 anos o mundo vai acreditar em você”. Mas músicos sérios afirmam que ele sabe o que toca. “A identificação, a compreensão e o amor de João por Bach é inquestionável, comovente e autêntico. E ele não parou por aí. Sua exploração do repertório revela inteligência, originalidade e dedicação. A arte dele é consequência direta de sua imensa humanidade”, elogia o colega pianista Jean-Louis Steuerman. “Ele traz uma mensagem muito bonita, em especial para aqueles que enxergam além do óbvio”, concorda o também pianista Nelson Freire. Aos 12 anos, após um concerto, recebeu um bilhete de uma admiradora especial: Guiomar Novaes. “Raramente no

curso de um século aparece uma pessoa tão predestinada como você, João Carlos.” Mas o “talento que ganhou de Deus” foi submetido a muitas provas. Numa partida de futebol feriu-se e, como diz, não teve a maturidade para ficar na música e se afastou. Quando resolveu voltar, o segundo baque: uma lesão por esforço repetitivo o tirou novamente da música e ele, mais uma vez, confessa que lhe faltou a maturidade para ficar. Vendeu todos os pianos e chegou a virar empresário de boxe. Na terceira vez, ao tentar um retorno ao teclado, foi espancado durante um assalto na Bulgária, onde estava gravando um disco, o que tirou dele novamente parte do movimento das mãos. “Aí eu vi que precisava lutar com todas as forças para permanecer na música.” Lutando contra dores fortes, precisou fazer uma reprogramação cerebral e tentou tocar só com a mão esquerda. Sonhou uma noite com o maestro Eleazar de Carvalho, seu velho amigo, e decidiu, aos 64 anos, se transformar em regente. Teve apenas poucas aulas e, em oito anos, passou da marca dos mil concertos. “Foi uma mudança na minha vida: procurar a excelência musical com responsabilidade social. Vi que era hora de retribuir o fato de ter conseguido permanecer na música ainda que pela regência”,

João Carlos Martins, de frente, toca Bach em dueto com o colega jazzista Dave Brubeck no Lincoln Center, em Nova York

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João Carlos quer voltar a tocar com as duas mãos em 2015 num concerto de Mozart

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diz Martins. Apesar de ter penado como Jó, ao contrário do personagem bíblico, o pianista reconhece seus muitos erros. “Nunca deveria ter entrado para a política. Vejo, agora, que um artista não pode se envolver nessas coisas quando recebe um dom divino”, fala. Por isso também fala sem rodeios que não se arrepende de ter colocado sua orquestra para tocar com sertanejos, para ele uma estratégia para atingir um bem maior. “Eu queria que o público do sertanejo entendesse a força da música clássica. Se tocamos Beethoven com Chitãozinho e Xororó foi para que, hoje, pudéssemos fazer o que bem entendêssemos. A orquestra ficou conhecida e estou radicalizando a programação”, revela. O maestro diz que, dos mil concertos, apenas 30 foram nessa direção mais pop, o que representaria, segundo ele, menos de 2% do total de apresentações. A sua nova solista, numa apresentação em São Paulo, em novembro, também é polêmica: a secretária de Estado do governo Bush, Condoleezza Rice, que tocará o Concerto para piano, de Schumann, com a Bachiana.

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ada mais natural para um grupo que já fez dupla com a bateria da escola de samba paulista Vai-Vai, que, em 2011, homenageou o regente com o enredo A música venceu, levando o estandarte do Carnaval daquele ano com a história de Martins. “Foi a vitória da música clássica, do nome de Bach do Sambódromo. Eu tive uma vida cheia de altos e baixos e é um reconhecimento da seriedade dos meus trabalhos, tanto na música quanto na parte social”, avalia o pianista. Martins gosta de lembrar que faz concertos para crianças da periferia na “inatingível” Sala São Paulo. “Levei quase 2 mil crianças num concerto outro dia. Quando perguntei quem teve vontade de chorar, quase 80% da garotada levantou a mão. Ter acesso à boa música é um direito de todos os segmentos da sociedade.” Em reconhecimento a essa atenção dispensada às crianças, o cartunista Mauricio de Sousa criou o Maestrinho Joca, personagem inspirado em João Carlos Martins que, até o final do ano, irá incentivar as crianças a ouvir “boa música”. “Quem mexe com música sabe. Criança adora música clás-


tava na plateia. Em homenagem ao jazzista, Martins tocou como bis Thank you, tributo a Chopin composto por Brubeck, que foi dar o seu “thank you” no camarim do brasileiro. “O seu Bach é tão enérgico que tive de mandar meus filhos pararem de bater os pés no chão para acompanhar você como se fosse jazz”, elogiou o colega americano. “Não nego que a regência tenha me dado muita coisa boa, mas nasci pianista e quero morrer pianista. Acordo todos os dias pensando nisso”, revela. Em novembro, ele vai tocar o Concerto para mão esquerda, de Ravel, com Roberto Minczuk à frente da Orquestra Sinfônica Brasileira. Se tudo continuar bem, em 2015 quer se submeter a uma nova cirurgia para retirar um tendão da perna e implantar na mão direita e, enfim, tocar novamente um concerto, de Mozart, com as duas mãos. Infelizmente, basta uma busca rápida pela internet para perceber que há poucas referências ao seu nome como grande intérprete de Bach e muitas como um “exemplo de superação”. No passado, era o oposto: além de matéria de muitas críticas elogiosas e entrevistas, Martins foi assunto de três páginas do prestigiado jornal americano The New York Times. Aplaudir apenas a sua força de vontade não é a melhor forma de elogiá-lo, pedindo a ele que tenha uma “paciência de Jó” até que o público volte a falar apenas do talento de João, um artista. n

“A pessoa quando nasce é como uma flecha que tem que alcançar o seu destino”, diz Martins

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Fotos  aquivo familiar

sica, os pais é que geralmente não gostam tanto. Se deixar, ela vai embora ouvindo”, afirma Mauricio, seu amigo de longa data. Além disso, está programado um filme em sua homenagem, em que o ator Marcelo Serrado irá interpretá-lo. Milagre das mãos, com direção de Bruno Barreto, começa a produção em dezembro e está previsto para circular em 82 países. “O Marcelo Serrado irá emagrecer alguns quilos. Ele tem a vantagem de tocar piano. Eu li o roteiro e garanto que, depois de seis minutos de filme, vai ter muita gente com lágrimas nos olhos”, acredita o pianista. Após amargar um ostracismo forçado, Martins está de volta com toda a força. “A pessoa quando nasce é como uma flecha, ela tem que alcançar o seu destino. Ela pode ter desvios, mas ela vai alcançar o seu destino. Na vida você pode ter erros e acertos, os erros você corrige e os acertos você procura aprimorar”, avisa. “Ele é um símbolo de que foi programado para não desistir, como ensinava o nosso pai. Se todos tivessem 10% da visão social que ele tem, talvez o Brasil tivesse menos problemas com seus jovens. Eu sou o irmão mais velho, ele, o caçula, mas sempre vou admirar a grandeza e energia em criar talentos e ajudar as pessoas”, diz o jurista Ives Gandra Martins. Apesar desse entusiasmo, Martins não se conforma em ter parado de tocar piano, uma dor que não o abandona. Suas histórias com o piano são sempre memoráveis, como quando tocava no Alasca, em 1970, as partitas de Bach e alguém lhe avisou que o pianista Dave Brubeck es-

Regendo a Bachiana e, abaixo, à frente da escola de samba Vai-Vai como enredo vencedor de 2011

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arte

O sufoco das espécies nativas

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ensaio Sufocamento é a mais pura expressão de um sentimento guardado há muito tempo por Pedro David. O fotógrafo natural de Santos Dumont, município de Minas Gerais, nunca se conformou com os reflorestamentos feitos exclusivamente com eucaliptos para alimentar os fornos de siderúrgicas. Ao deparar com raríssimos exemplares de outras espécies de árvores nativas em meio a grandes extensões de plantações de eucaliptos ele conseguiu dar concretude àquela sensação de sufoco provocada pelo predomínio de uma única espécie. O ensaio feito em janeiro de 2012 ganhou o prêmio de Arte 2012. O segundo lugar ficou com o paulista de São José do Rio Pardo Mauro Restiffe, com Planos de fuga, e o terceiro com o paulistano Bob Wolfenson, com Belvedere. Os três receberão R$ 200 mil: o primeiro colocado ganhará R$ 114,3 mil e o segundo e o terceiro R$ 42,8 mil cada um. Eles serão presenteados também com a já tradicional escultura representando o prêmio, de autoria do artista plástico Vlavianos. Em 2012 o prêmio de Arte recebeu trabalhos de 468 fotógrafos, um número recorde. Foram cerca de 7 mil imagens de ensaios fotográficos inéditos e publicados de 21 dos 26 estados brasileiros, além do Distrito Federal. Os ganhadores foram escolhidos por um júri de nove professores de universidade e fotógrafos, presidido por Rubens Fernandes Junior, curador de fotografia da FCW e diretor da Faculdade de Comunicação e Marketing da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap).

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2012 finalistas Ana Carolina Fernandes Claudia Jaguaribe Daniel Moreira Dirceu Maués Gilvan Barreto José Diniz Marcelo Argolo Marcos Muniz da Silva Mazzo Nilmar Lage Roberto Wagner Valdemir Cunha


ensaio fotogr áfico 1º lugar Sufocamento, de Pedro David

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Árvores solitárias completamente envolvidas pela floresta de eucaliptos inspiraram Pedro David a fazer o ensaio como uma denúncia. “O eucalipto cobra um alto preço para realizar seu milagre desenvolvimentista: esgota a água e os nutrientes do solo, seca nascentes próximas e espanta totalmente a fauna, que não suporta seu odor”, diz ele, que realizou o trabalho em janeiro de 2012

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2º lugar Planos de fuga, de Mauro Restiffe

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As fotos da série retratam o entorno do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) no centro financeiro de São Paulo. Os personagens daquele espaço são os trabalhadores dos bancos e instituições similares. “As imagens foram feitas em meados de 2012 como proposta para a exposição do mesmo nome que aconteceu no CCBB, que questionava os parâmetros da instituição como espaço expositivo”, conta Mauro Restiffe

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3º lugar Belvedere, de Bob Wolfenson

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“Belvedere é um posto de observação privilegiado. Dele enxergo vultos do passado e do presente fundidos numa atmosfera de baixa temporada, tão comum ao turismo de certa fatia da classe média na qual fui gerado e cresci”, escreve Bob Wolfenson. O projeto de ensaio nasceu quando o fotógrafo viajava entre as cidades mineiras de Caxambu e Tiradentes, em 2011. “Foi esse sentimento evocativo – embaralhado à fotogenia dos ambientes vazios e/ou decadentes – que norteou a organização desta sequência de fotografias”

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fotogr afia publicitária 1º lugar Cantora de ópera, de José Luiz Pederneiras fotogr afia publicitária

ensaio fotogr áfico

1º lugar Ousadia ímpar, de Denise Wichmann

1º lugar Albinos, de Gustavo Lacerda

ensaio fotogr áfico publicado

2º lugar Negros paroxismos, de Lucio Adeodato 3º lugar Panoramas, de Cassio Vasconcellos

1º lugar Caminhos do coração, de Alexandre Salgado ensaio fotogr áfico publicado 1º lugar A curva e o caminho, de André François

2º lugar 120 razões para ser cliente completo, de Gustavo Lacerda

ensaio fotogr áfico 1º lugar TV P&B, de Tadeu Vilani

1º lugar O sol no céu de nossa casa, de Marcio Rodrigues e Marco Mendes 2º lugar Imagens humanas, de João Roberto Ripper ensaio fotogr áfico inédito

2º lugar Drom, o caminho cigano, de Gui Mohallem 3º lugar Índios contemporâneos, de Kenji Arimura

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3º lugar Sem título, de Ricardo Barcellos

2º lugar Vi elas, de Francilins Castilho Leal ensaio fotogr áfico inédito

ensaio fotogr áfico 1º lugar Redemunho, de João Castilho

1º lugar Cidadão X, de Júlio Bittencourt

2º lugar O homem e a terra, de Lalo de Almeida

2009 2008 2007


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fotogr afia publicitária 1º lugar Existem chances de cura..., de Maurício Nahas

fotogr afia publicitária 1º lugar Tim: viver sem fronteiras, de Gustavo Lacerda 2º lugar Abraço, de Ricardo de Vicq

2º lugar Gol. Sempre fiel a você..., de Andreas Heiniger 3º lugar Lonas Alpargatas: o superpoder do caminhoneiro, de Gustavo Lacerda

1º lugar Irado, de Ricardo Cunha 2º lugar Borboleta, de Paulo Vainer 3º lugar Gordinha, de Felipe Hellmeister

fotogr afia publicitária 1º lugar Campanha do produto giz, de Bob Wolfenson

fotogr afia publicitária 1º lugar Colorama, de Klaus Mitteldorf 2º lugar AXE, de Maurício Nahas 3º lugar ISA - Projeto Água Viva, de Allard

Ensaio fotogr áfico 1º lugar O chão de Graciliano, de Tiago Santana 2º lugar Numa janela do edifício Prestes Maia, 911, de Julio Bittencourt

2º lugar Píer, de Leonardo Martins Vilela, para G’Staff 3º lugar Menino com bola, de Márcia Ramalho

2006 2005 2004 2003 2002 e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l   |   p e s qu i s a fa p e s p

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Instituições Parceiras da FCW Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP

Ligada à Secretaria do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, é uma das principais agências de fomento à pesquisa científica e tecnológica. Desde 1962 concede auxílio à pesquisa e bolsas em todas as áreas do conhecimento, financiando atividades de apoio à investigação, ao intercâmbio e à divulgação da ciência e tecnologia em São Paulo. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes

Vinculada ao Ministério da Educação, promove o desenvolvimento da pós-graduação nacional e a formação de pessoal de alto nível, no Brasil e no exterior. Subsidia a formação de recursos humanos altamente qualificados para a docência de grau superior, a pesquisa e o atendimento da demanda dos setores públicos e privados. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq

Fundação vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia para apoio à pesquisa brasileira, que contribui diretamente para a formação de pesquisadores (mestres, doutores e especialistas em várias áreas do conhecimento). É uma das mais sólidas estruturas públicas de apoio à ciência, tecnologia e inovação dos países em desenvolvimento. Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC

Fundada há mais de 50 anos, é uma entidade civil, sem fins lucrativos, voltada principalmente para a defesa do avanço científico e tecnológico e do desenvolvimento educacional e cultural do Brasil. Academia Brasileira de Ciências – ABC

Sociedade civil sem fins lucrativos, tem por objetivo contribuir para o desenvolvimento da ciência e tecnologia, da educação e do bem-estar social do país. Reúne seus membros em 10 áreas das Ciências: Matemáticas, Físicas, Químicas, da Terra, Biológicas, Biomédicas, da Saúde, Agrárias, da Engenharia e Humanas. Academia Brasileira de Letras – ABL

Fundada em 20 de julho de 1897 por Machado de Assis, com sede no Rio de Janeiro, tem por fim a cultura da língua nacional. É composta por 40 membros efetivos e perpétuos e 20 membros correspondentes estrangeiros. Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial

Criado na década de 1950, é uma organização do Comando da Aeronáutica que tem como missão o ensino, a pesquisa e o desenvolvimento de atividades aeronáuticas, espaciais e de defesa, nos setores da ciência e da tecnologia. Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa

Organização sem fins lucrativos que tem por objetivo maior articular os interesses das agências estaduais de fomento à pesquisa em todo o país. Criado oficialmente em 2007, o conselho já agrega fundações de 22 estados mais o Distrito Federal. Marinha do Brasil

Integrante do Ministério da Defesa. Contribui para a defesa do país e atua na garantia dos poderes constitucionais e em apoio à política externa do país.

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Júri dos prêmios FCW de 2012 ciência parceira que indicou Jacob Palis Jr. / Presidente abc Arnaldo Niskier ABL Carlos A. Vogt fcw Erney Plessmann de Camargo Fcw Glaucius Oliva Cnpq Jorge Almeida Guimarães Capes José Roberto Drugowich de Felício Fcw Marco Antonio Sala Minucci FCW Mario Neto Borges Confap Regina Pekelmann Markus Sbpc Vilson Rosa de Almeida DCTA Walter Colli Fapesp Wilson Barbosa Guerra Marinha do Brasil cultura Celita Procopio de Carvalho / Presidente Fcw Ana Lucia Almeida Gazzola Capes Ana Mae Tavares Bastos Barbosa Fcw Carlos A. Vogt Fcw Celso Lafer Fapesp Domício Proença Filho Abl Guilherme Sales Soares de Azevedo Melo CNPq José Murilo de Carvalho Abc Odenildo Teixeira Sena Confap Rute Maria Gonçalves de Andrade SBPC medicina Renata Caruso Fialdini / Presidente Fcw Andy Petroianu Confap Eduardo Moacyr Krieger fapesp Erney Plessmann de Camargo Fcw Guilherme Suarez Kurtz Capes Ivo Pitanguy ABL José Luiz de Medeiros Amarante Júnior Marinha do Brasil José Osmar Medina Pestana SBPC Marcelo André Barcinski FCW Marco Antonio Zago Fcw Manoel Barral Netto CNPq Rubens Belfort Mattos Júnior ABC Arte / ensaio fotográfico Rubens Fernandes Junior / Presidente Fcw Cláudia Guilmar Linhares Sanz UnB Eugênio Sávio Lessa Baptista Festival de Fotografia de Tiradentes / PUC-MG Helouise Costa MAC-USP Joaquim Marçal Ferreira de Andrade Puc-Rio José Afonso da Silva Júnior UFPE Juan Esteves Revista Fotografe Melhor Ricardo de Leone Chaves Fotógrafo e colaborador do jornal Zero Hora Ronaldo Entler Facom-Faap Silas José de Paula Fotógrafo e professor da Ufce

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Cronograma da premiação 2013 Prazo para recebimento das indicações (Ciência e Cultura)

11 de novembro de 2013

Preparação dos dossiês dos indicados (Ciência e Cultura)

11 a 22 de novembro de 2013

Julgamento e escolha dos premiados (Ciência e Cultura)

27 e 28 de novembro de 2013

Prazo para recebimento das inscrições (Arte)

Escolha dos premiados (Arte)

2 de dezembro de 2013 a 10 de março de 2014

24 a 28 de março de 2014

Cerimônia de premiação

Fu n d a ç ã o C o n ra d o We s s e l | w w w. f c w. o r g. b r

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9 de junho de 2014




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