Prêmio FCW 2003

Page 1

E S P E C I A L prêmio

FCW

F u n d a ç ã o C o n r a d o We s s e l


CONSELHO CURADOR E DIRETORIA DA FCW Conselho Curador Presidente Dr. Antonio Bias Bueno Guillon Membros Dr. José Hermílio Curado Dr. Reinaldo Antonio Nahas Dr. José Antonio de Seixas Pereira Neto Stefan Graf Von Galen Dr. Homero Villela de Andrade Filho Dr. Lélio Ravagnani Filho Dr. José Álvaro Fioravanti Capitão PM Kleber Danúbio Alencar Júnior

Diretoria Executiva Diretor Presidente Dr. Américo Fialdini Júnior Diretor Vice-Presidente Dr. Sérgio Roberto de Figueiredo Santos e Marchese Diretor Financeiro Dr. José Moscogliatto Caricatti Diretor Administrativo Dr. Adilson Costa Macedo

Fundação Conrado Wessel Rua Pará, 50 - 15º andar Higienópolis - 01243-020 São Paulo, SP - Brasil Tel./fax: 11 3237-2590 www.fcw.org.br diretoria@fcw.org.br


índice

4

FCW apóia instituições e premia arte, ciência e cultura

10

Premiação é a maior já conferida por uma instituição no Brasil

33

Confira todas as datas do Prêmio FCW de 2004

12

Carlos Henrique de Brito Cruz se destaca na física e como articulador

16

Ficção sofisticada de Lya Luft é sucesso de crítica e, cada vez mais, de público

6

Inventor e empreendedor, Conrado Wessel criou a primeira fábrica brasileira de papel fotográfico

20

Maria Inês Schmidt desvendou a origem inflamatória do diabetes

26

Estudos de Dieter Muehe são essenciais para o litoral brasileiro

23

Jairo Vieira criou variedades de cenoura que expandiram a cultura

30

Philip Fearnside defende o desenvolvimento sustentado

Capa Hélio de Almeida - Fotos da capa: Maurício Torres (Meio Ambiente); Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem (Mar); Miguel Boyayan (Ciência Geral); Hélio de Almeida (Literatura); Sérgio Lima/Folha Imagem (Campo); Mari Cleide Sogayar/USP (Medicina)


Desejo

realizado Fundação Conrado Wessel apóia instituições filantrópicas e premia arte, ciência e cultura

A

Fun­da­ção Con­ra­do Wes­sel (FCW) ain­da é uma or­ga­ni­za­ção jo­vem, cri­a­da em 1994. Mas es­ses pou­cos anos de vida fo­ram su­fi­ci­en­tes para cum­prir fi­el­ men­te o de­se­jo de seu idea­li­za­dor, Ubal­do Con­ra­do Au­gus­to Wes­sel, de tor­ná-la uma ins­ti­tu­i­ção que car­reie re­cur­ sos com “ob­je­ti­vos fi­lan­tró­pi­cos, be­ne­fi­cen­tes, edu­ca­ti­vos, cul­tu­rais e ci­en­tí­fi­cos”. Hoje seis en­ti­da­des re­ce­bem uma do­a­ção anu­al re­le­van­ te que be­ne­fi­cia di­re­ta­men­te 1.600 jo­vens e cri­an­ças ca­ren­tes e 320 adul­tos. A fun­da­ção ofe­re­ce tam­bém, des­de 2002, o mai­or prê­mio des­ti­na­do à arte, à ci­ên­cia e à cultura no Bra­sil. Tudo isso sem ter uma em­pre­sa que vise ven­ der pro­du­tos com sua mar­ca. A FCW exis­te para fa­zer fi­lan­tro­pia e pre­mi­ar ar­tis­tas e pes­ qui­sa­do­res ou ins­ti­tu­tos de pes­qui­sa com tra­ba­ lhos re­le­van­tes no país. As en­ti­da­des que re­ce­bem do­a­ção são as Al­dei­as In­fan­tis SOS do Bra­sil, o Co­lé­gio Ben­ja­ min Cons­tant, o Cor­po de Bom­bei­ros da Po­lí­cia Mi­li­tar do Es­ta­do de São Pau­lo, a Fun­da­ção An­tô­nio Pru­den­te, a Pro­mo­ção So­ci­al do Exér­ ci­to da Sal­va­ção e uma ins­ti­tu­i­ção de aju­da a cri­an­ças ca­ren­tes es­co­lhi­da anu­al­men­te pe­los di­ri­gen­tes da FCW. Este ano, a uni­da­de que cu­i­ da de cri­an­ças ca­ren­tes do Ins­ti­tu­to do Co­ra­ção (In­cor) foi a es­co­lhi­da para re­ce­ber o apoio da

4 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL

fun­da­ção. Em 2003 fo­ram do­a­dos R$ 480 mil: em 2004, a doação é de R$ 640 mil. Os Prê­mi­os FCW de Arte, Ci­ên­cia e Cul­tu­ra ti­ve­ram a pri­mei­ra edi­ção em 2002. A se­gun­da edi­ção, em 2003, des­ti­nou prê­mio à Fo­to­gra­fia Pu­bli­ci­tá­ria, na ca­te­go­ria Arte. Em Ci­ên­cia e Cul­ tu­ra, os pre­mi­a­dos fo­ram pes­qui­sa­do­res em ci­ên­­cia e tec­no­lo­gia e uma es­cri­to­ra. Nes­ses dois úl­ti­mos que­si­tos, cada um ga­nhou um tro­ féu e R$ 100 mil – o mai­or va­lor para es­co­lhas do gê­ne­ro do país. No caso da Ci­ên­cia, o sis­te­ ma de se­le­ção dos ga­nha­do­res con­tri­bui sig­ni­ fi­ca­ti­va­men­te para sua cre­di­bi­li­da­de en­tre a co­mu­ni­da­de ci­en­tí­fi­ca. Os no­mes fo­ram es­co­ lhi­dos a par­tir de in­di­ca­çõ­es fei­tas por 24 uni­ ver­si­da­des fe­de­rais, cin­co mi­nis­té­ri­os, três uni­ ver­si­da­des es­ta­du­ais pau­lis­tas, além do Ins­ti­tu­to Tec­no­ló­gi­co de Ae­ro­náu­ti­ca (ITA) e do Hos­pi­tal do Cân­cer. Por to­das es­sas ca­rac­te­rís­ti­cas, a FCW acre­di­ ta es­tar con­tri­bu­in­do para o in­cen­ti­vo de ati­vi­ da­des que fa­rão o Bra­sil mai­or e mais va­lo­ri­za­do do que é hoje. A pre­sen­te edi­ção des­ti­na-se a di­vul­­gar as açõ­es da fun­da­ção para o pú­bli­co in­te­res­­sa­do – no caso, pro­vá­veis can­di­da­tos aos prê­mi­os no fu­tu­ro –, con­tar a his­tó­ria de Con­ra­ ­do Wes­sel (na pá­gi­na 6) e apre­sen­tar os ga­nha­ do­res do Prê­mio FCW de 2003 (a par­tir da pá­gi­na 12), co­nhe­ci­dos este ano. • PESQUISA FAPESP


EDUARDO CESAR ARQUIVO CORPO DE BOMBEIROS DO ESTADO E SÃO PAULO

Jovem trabalhando com madeira na Assistência e Promoção Social do Exército da Salvação, apoiada pela FCW

Bombeiros brasileiros, apoiados pela FCW, em Sheffield, na Inglaterra: prêmio aos melhores profissionais

PESQUISA FAPESP

ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 5


Re­tra­to de um inv ­ en­tor Conrado Wessel criou a primeira fábrica brasileira de papel fotográfico

C

on­ra­do Wes­sel era apai­xo­na­do pela ci­ên­cia e pela arte. In­ven­tor ina­to e em­pre­en­de­dor obs­ti­na­do, cri­ou a pri­mei­ra fá­bri­ca bra­si­lei­ra de pa­pel fo­to­grá­fi­co, no iní­cio dos anos 1920, uti­li­zan­do tec­no­lo­gia de­sen­vol­vi­da e pa­ten­te­a­da por ele. Con­quis­tou um mer­ca­do até en­tão do­mi­na­do por for­ne­ce­do­res es­tran­gei­ros e for­mou um pa­tri­mô­nio imo­bi­li­á­rio que, obe­de­ cen­do ao de­se­jo ex­pres­so em seu tes­ta­men­to, foi uti­­li­za­do como las­tro para cri­ar uma fun­da­ ção que apoi­as­se ati­vi­da­des edu­ca­ti­vas, cul­tu­rais e ci­en­tí­fi­cas de seis en­ti­da­des e in­cen­ti­vas­se a arte, a ci­ên­cia e a cul­tu­ra por meio de prê­mi­os. A fun­ da­ ção foi ins­ ti­ tu­ í­ da em 1994, um ano de­pois da sua mor­te, aos 102 anos. Con­ra­do Wes­sel nas­ceu em Bu­e­nos Ai­res, em 1891, fi­lho de fa­mí­lia tra­di­ci­o­nal de fa­bri­can­tes de cha­péus, em Ham­bur­go, na Ale­ma­nha, que imi­gra­ra para a Ar­gen­ti­na, em me­a­dos do sé­cu­lo 19, para se es­ta­be­le­cer como es­tan­ci­ei­ra. No ano se­guin­te ao seu nas­ci­men­to o pai, Gui­lher­ me Wes­sel, for­ma­do em fí­si­ca, mi­grou para So­ro­ca­ba e, pos­te­ri­or­men­te, para São Pau­lo, con­­vi­da­do a le­ci­o­nar na re­cém-fun­da­da Es­co­ la Po­li­téc­ni­ca, no bair­ro da Luz. A pai­xão pela fo­to­gra­fia Con­ra­do Wes­sel her­dou do pai, que, pa­ra­le­la­men­te às au­las na Po­li­téc­ni­ca, ad­qui­riu uma loja de ma­te­ri­al fo­to­ grá­fi­co onde ins­ta­lou um ate­liê de fo­to­gra­fia, na rua São Ben­to. Ain­da jo­vem, Con­ra­do Wes­sel

6 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL

ga­nhou dois prê­mi­os em con­cur­sos pro­mo­vi­ dos pela Se­cre­ta­ria da Agri­cul­tu­ra. O in­te­res­se pela fo­to­gra­fia le­vou-o ao es­tu­do da quí­mi­ca e, em 1911, Con­ra­do Wes­sel foi para Vi­e­na, na Áustria. Lá apren­deu fo­to­quí­mi­ca na K.K. Lehr und Ver­suchs Ants­talt, re­no­ma­da es­co­ la de fo­to­gra­fia, es­pe­ci­a­li­zan­do-se em cli­chês pa­ra jor­nais e re­vis­tas.Vol­tou ao Bra­sil, dois anos de­pois, cer­to de que o co­nhe­ci­men­to ad­qui­ri­do na Eu­ro­pa não era su­fi­ci­en­te para o seu “de­sen­ vol­vi­men­to téc­ni­co e co­mer­ci­al”, como ele mes­ ­mo ob­ser­vou em uma bre­ve au­to­bi­o­gra­fia. Seu pro­je­to era am­bi­ci­o­so: so­nha­va com a cri­a­ção de uma fá­bri­ca de pa­pel fo­to­grá­fi­co na­ci­o­nal. Na épo­ca, os fo­tó­gra­fos do Jar­dim da Luz, um dos prin­ci­pais lo­cais de la­zer da ci­da­de, tra­ba­lha­ vam com uma câ­me­ra-la­bo­ra­tó­rio: uma cai­­xa de ma­dei­ra com uma ob­je­ti­va so­bre um tri­pé. A câ­me­ra era di­vi­di­da em duas par­tes. A in­fe­­ri­or con­ti­nha os ba­nhos de re­ve­la­dor e fi­xa­dor uti­li­ za­dos para o pro­ces­sa­men­to quí­mi­co de fil­mes e pa­péis. O pa­pel uti­li­za­do era im­por­ta­do de fa­bri­can­tes como a Ko­dak, Agfa e Ge­vaert. Para re­a­li­zar seu pro­je­to de pro­du­zir pa­pel com qua­li­da­de equi­va­len­te ao do im­por­ta­do, e a pre­ços mais bai­xos, Con­ra­do Wes­sel ma­tri­­cu­louse como ou­vin­te na Es­co­la Po­li­téc­ni­ca.“Du­ran­te qua­tro anos fiz de tudo ali”, con­tou. “Des­de a pre­pa­ra­ção do ni­tra­to de pra­ta até os es­tu­dos das di­fe­ren­tes qua­li­da­des de ge­la­ti­nas. Da ação dos ha­lo­gê­ni­os como o bro­mo, o clo­ro e o iodo

PESQUISA FAPESP


FUNDAÇÃO CONRADO WESSEL

Conrado Wessel com aparelho fotográfico: paixão herdada do pai, professor da Politécnica

so­bre o ni­tra­to de pra­ta. Fiz inú­me­ras ex­pe­ri­ên­ ci­as mis­tu­ran­do o ni­tra­to de pra­ta ao bro­­me­to de po­tás­sio, ao clo­re­to de só­dio e ao io­de­to de po­tás­sio. Che­guei à con­clu­são de que a mis­tu­ra de uma pe­que­na dose de iodo ao bro­mo da­va mu­i­to me­lhor re­sul­ta­do, as­sim como a adi­ção do bro­mo ao clo­ro.” De­pois de cen­te­nas de ex­pe­­ri­ ên­ci­as, Con­ra­do Wes­sel che­gou a uma fór­­mu­la sa­tis­fa­tó­ria para o pa­pel, cu­jas pro­vas, co­mo ele su­bli­nhou, agra­da­ram mu­i­to ao seu pai.

O

pró­xi­mo de­sa­fio era ini­ci­ar a pro­ du­ção. Fal­ta­vam-lhe no en­tan­to di­nhei­ro, má­qui­nas e pa­pel. As má­­qui­nas, ele ad­qui­riu “por 8 con­ ­tos e 500” de um es­tu­dan­te de fo­to­quí­mi­ca que, tal como ele, ten­ta­ra fun­dar uma fá­bri­ca de pa­pel fo­to­grá­fi­ co. O ne­gó­cio não ti­nha dado cer­to e o equi­ pa­men­to es­ta­va dis­­po­ní­vel. As má­qui­nas fo­ram ins­ta­la­das num pe­que­no pré­dio de pro­pri­e­da­ de do pai, na Bar­ra Fun­da, em 1921. “As fór­mu­ las que eu ha­via ela­bo­ra­do pa­re­ci­am boas, mas não po­de­ria as­se­gu­rar que se­ri­am boas tam­bém na fa­bri­ca­ção”, ele re­gis­trou, pre­o­cu­pa­do.

PESQUISA FAPESP

Fal­ta­va-lhe, ain­da, o pa­pel ne­ces­sá­rio para os tes­tes, já que no Bra­sil não ha­via ne­nhu­ma fá­bri­­ca que pu­des­se for­ne­cer o pa­pel ba­ri­ta­do. O ma­­­te­ri­ al ti­nha que ser com­pra­do na Fran­ça, fa­bri­ca­do pela Ri­vers, ou na Ale­ma­nha, pela Schol­ler. Con­ra­ do Wes­sel saiu à cata de um im­por­ta­dor.“En­quan­ to a en­co­men­da não che­ga­va, es­tu­dei como pen­ du­rar o pa­pel emul­si­o­na­do para se­car no pe­que­no es­pa­ço de que dis­pu­nha”, dis­se. O aca­so, ele re­co­nhe­ceu, aju­dou-o a en­con­ trar a so­lu­ção. Con­ra­do Wes­sel es­ta­va na Ta­pe­ ça­ria Schultz, para a qual re­a­li­za­va um ser­vi­ço de pro­pa­gan­da, quan­do lhe cha­mou a aten­ção o sis­te­ma de cor­ti­nas que se mo­vi­am por cor­di­ nhas usa­das pe­los ta­pe­cei­ros. Fez um cro­qui do sis­te­ma uti­li­za­do na Schultz e ima­gi­nou que, em­pre­gan­do mé­to­do se­me­lhan­te, po­de­r ia se­car mais de 100 me­tros de pa­pel. O pa­pel che­gou e a pe­que­na fá­bri­ca ini­ci­ou sua pro­du­ção.“Foi um de­sas­tre”, re­su­miu Con­ra­ do Wes­sel. Não se apro­vei­tou mais do que 10 cen­tí­me­tros dos 10 me­tros de pa­pel emul­si­o­na­ dos. Nova ten­ta­ti­va, nova frus­tra­ção. O pa­pel, ele des­cre­veu, es­ta­va qua­se todo “ei­va­do de pe­que­ nas bo­lhas e ou­tras par­tí­cu­las in­de­se­já­veis”.

ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 7


Conrado Wessel foi premiado em concursos de fotografias no início do século 20

Parceria com a Kodak permitiu a construção de nova fábrica de papel fotográfico

En­quan­to “ma­tu­ta­va” so­bre o pro­ble­ma, mais uma vez o aca­so – e o olhar arguto – trou­ xe a so­lu­ção. Con­ra­do Wes­sel foi cha­ma­do à fá­bri­ca das Li­nhas Cor­ren­tes, no Ipi­ran­ga, para exe­ cu­ tar um ser­ vi­ ço de cli­ chês. Sozinho no sa­lão de es­pe­ra, re­pa­rou numa pe­que­na má­qui­ na uti­li­za­da para pas­sar goma no ver­so das eti­ que­tas. Ele des­cre­veu esse equi­pa­men­to: “Ha­ via uma cuba e um rolo imer­so den­tro dela. Com a má­qui­na em mo­vi­men­to, o rolo pas­sa­va uma cer­ta quan­ti­da­de da so­lu­ção, dei­xan­do es­tri­as so­bre o pa­pel, que tam­bém se­guia seu cur­so. Eu­re­ca, pen­sei, meu pro­ble­ma está re­sol­ vi­do”. Mais uma vez, fez um cro­qui e adap­tou a má­qui­na de emul­si­o­na­gem ao mo­de­lo da­que­la uti­li­za­da pa­ra go­mar eti­que­tas. E de­ta­lhou os re­sul­ta­dos: “A má­qui­na se re­su­mia no se­guin­te: uma cuba de bar­ro vi­dra­do (na­que­la épo­ca não exis­tia o aço ino­xi­dá­vel) cheia de emul­são e um rolo de ebo­ni­te que mer­gu­lha­va nela. O

8 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL

pa­pel pas­sa­va en­tre um ou­tro eixo fixo, re­gu­ la­do como o rolo. Des­sa ma­nei­ra, as bo­lhas fi­ca­ vam to­das na cuba. Mais tar­de esse sis­te­ma foi me­lho­ra­do, com mais de um rolo de ebo­ni­te, tor­nan­do im­pos­sí­vel o sur­gi­men­to de bo­lhas so­bre o pa­pel. Fi­ze­mos no­vas ex­pe­ri­ên­ci­as com ple­no êxi­to. Va­mos fa­bri­car e ven­der”, co­me­ mo­rou. Nas­ceu as­sim a Fá­bri­ca Pri­vi­le­gia­da de Pa­péis Pho­to­gra­fi­cos Wes­sel.

C

on­ra­do Wes­sel não ima­gi­na­va, no en­tan­to, que te­ria que en­fren­tar ain­ da a re­sis­tên­cia dos fo­tó­gra­fos, seus po­ten­ci­ais cli­en­tes. “Eles ex­pe­r i­ men­ta­ram o ma­te­ri­al, acha­ram bons os re­sul­ta­dos, mas jul­ga­ram me­lhor con­ti­nu­ar com o pos­tal da Ri­dax, da Ge­vaert, ape­sar do pre­ço do meu ser bem me­nor.” Foi nes­sa épo­ca que ele for­jou o lema que o acom­ pa­nha­ria por toda a vida: “In­sis­ta, não de­sis­ta”.

PESQUISA FAPESP


IMAGENS FUNDAÇÃO CONRADO WESSEL

Documento atesta “uso effectivo” do novo processo de produção de papel fotográfico patenteado por Conrado Wessel em 1921

Os ne­gó­ci­os iam mal até que a sor­te – ou tal­vez a his­tó­ria – re­ver­teu o ris­co do fra­cas­so. No dia 5 de ju­lho de 1924, Isi­do­ro Dias Lo­pes de­f la­grou o mo­vi­men­to co­nhe­ci­do como a Re­vo­lu­ção dos Te­nen­tes. São Pau­lo fi­cou si­ti­a­ da, iso­la­da do res­to do país. Aos fo­tó­gra­fos da Luz fal­tou pa­pel im­por­ta­do. “Numa ma­nhã de um dos pri­mei­ros dias de re­vo­lu­ção, apa­re­ceu um de­les em mi­nha casa e per­gun­tou se eu ti­nha pos­tais para ven­der”, con­tou Con­ra­do Wes­sel.A re­vo­lu­ção abriu-lhe o mer­ca­do.Ao fim de 29 dias de cer­co, os re­bel­des se ren­de­ram. O flu­xo de pa­pel im­por­ta­do foi res­ta­be­le­ci­do, mas a fá­bri­ca de pa­péis cri­a­da por Con­ra­do Wes­sel já ti­nha, de­fi­ni­ti­va­men­te, con­quis­ta­do a cli­en­te­la que lhe per­ma­ne­ceu fiel. Os gran­des fa­bri­can­tes es­tran­gei­ros, como a Ge­vaert, ten­ta­ram ain­da re­cu­pe­rar o mer­ca­do ofe­ ­re­cen­do pro­du­tos mais ba­ra­tos. Con­ra­do Wes­ sel tam­bém bai­xou os pre­ços.“Por in­crí­vel que

PESQUISA FAPESP

pa­­re­ça, es­tes pos­tais mais ba­ra­tos não fo­ram acei­tos pe­los am­bu­lan­tes. Nem os meus, nem os da Ge­vaert.”A pro­du­ção bra­si­lei­ra cres­ceu, Con­ ra­do Wes­sel com­prou um pré­dio mai­or, na mes­ ma rua, e con­so­li­dou sua po­si­ção no mer­ca­do. Não fal­­ta­ram pro­pos­tas de em­pre­sas es­tran­gei­ ras in­te­res­sa­das em par­ce­ria com a ago­ra prós­ pe­ra fá­­bri­ca bra­si­lei­ra de pa­péis, até que Con­ra­do Wes­sel fir­mas­se um con­tra­to com a Ko­dak. Fi­cou acer­ta­­do que a em­pre­sa nor­te-ame­ri­ca­na cons­ tru­i­ria uma fá­bri­ca nova em San­to Ama­ro, com ma­qui­ná­­rio mo­der­no, que se­ria ad­mi­nis­tra­da por Con­ra­do Wes­sel por um pe­rí­o­do de 25 anos ao fim do qual a fá­bri­ca e a pa­ten­te pas­sa­ ri­am à Ko­dak. Ao lon­ go des­ se pe­ rí­ o­ do, com o lu­ cro dos ne­gó­ci­os bem ad­mi­nis­tra­dos, Con­ra­do Wes­sel comprou imóveis nos bair­ros de Cam­pos Elí­­se­os, Bar­ra Fun­da, San­ta Ce­cí­lia e Hi­gie­nó­po­lis, que, no fu­tu­ro, se tornariam o pa­tri­mô­nio da fun­da­ção. • ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 9


Prêmio para

ciência e cultura FCW distribui o maior valor em dinheiro já conferido por uma instituição brasileira

O

Prê­mio FCW, lan­ça­do ofi­ci­al­men­ te em 2002, tem como ob­je­ti­vo in­cen­ti­var a arte, a ci­ên­cia e a cul­­­tu­ra. Na sua pri­mei­ra edi­ção, os prê­mi­os na área de Ci­ên­ci­as fo­ram dis­tri­bu­í­dos por meio de con­cur­so nas es­co­las da rede pú­bli­ca, no âm­bi­to de uma par­­ce­ria fir­ma­da com a Se­cre­ ta­ria Es­ta­du­al da Edu­­ca­ção. A FCW dis­tri­bu­iu 18 computadores e R$ 150 mil en­tre as es­co­ las, pro­fes­so­res e alu­nos pre­mi­a­dos. Na área de Li­te­ra­tu­ra, a FCW pre­mi­ou três au­to­res iné­di­tos, se­le­ci­o­na­dos por crí­ti­cos li­te­ rá­ri­os en­tre 94 con­cor­ren­tes: No­ê­mia Sar­to­ri Pon­ze­to, com o ro­man­ce So­nhos de ga­li­nhei­ ro; Ma­ria Fi­lo­me­na Bou­is­sou Le­pec­ki, com Cu­nha­taí – Um ro­man­ce da guer­ra do Pa­ra­ guai; e San­ti­a­go Na­za­ri­an, com Olí­vio. O prê­ mio foi a edi­ção da obra, com ti­ra­gem de 2 mil exem­pla­res, com di­rei­to a noi­te de au­tó­gra­fo no Mu­seu da Casa Bra­si­lei­ra, em São Pau­lo. Na se­gun­da edi­ção, em 2003, a pre­mi­a­ção ad­qui­riu novo for­ma­to para des­ta­car o tra­ba­ lho de pes­qui­sa­do­res e pro­fis­si­o­nais vin­cu­la­ dos a uni­ver­si­da­des e ins­ti­tu­tos de pes­qui­sa. O prê­mio foi di­vi­di­do em seis ca­te­go­ri­as: Ci­ên­cia Ge­ral, Ci­ên­cia Apli­ca­da ao Meio Am­bi­en­te, ao Cam­po, ao Mar, Me­di­ci­na e Li­te­ra­tu­ra. Para am­pli­ar a par­ti­ci­pa­ção dos ci­en­tis­tas, a FCW fir­mou acor­do com en­ti­da­des de fo­men­to à ci­ên­cia e tec­no­­lo­gia, en­tre elas a FA­PESP, que

10 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL

pas­sou a in­te­grar a co­mis­são de or­ga­ni­za­ção e ava­li­a­ção das can­di­da­tu­ras. Os 118 can­di­da­tos que dis­pu­ta­ram o Prê­ mio FCW em 2003 fo­ram in­di­ca­dos por 32 uni­ver­si­da­des e cen­tros de pes­qui­sa bra­si­lei­ ros. A lis­ta com o nome dos in­di­ca­dos foi sub­ me­ti­da à ava­li­a­ção de um júri for­ma­do por re­pre­sen­tan­tes da FA­PESP, da Sociedade Bra­si­ lei­ra para o Pro­gres­so da Ci­ên­cia (SBPC), da Aca­de­mia Bra­si­lei­ra de Ci­ên­ci­as (ABC), da Aca­ de­mia Bra­si­lei­ra de Le­tras (ABL), do Con­se­lho Na­ci­o­nal de De­sen­vol­vi­men­to Ci­en­tí­fi­co e Tec­no­ló­gi­co (CNPq), da Co­or­de­na­ção de Aper­ fei­ço­a­men­to de Pes­so­al de Ní­vel Su­pe­ri­or (Ca­ pes), do mi­ nis­ té­ rio de cada uma das áre­ as en­vol­vi­das – Cul­tu­ra, Saú­de, Agri­cul­tu­ra, Meio Am­bi­en­te, Ma­ri­nha e Pes­ca – e um re­pre­sen­ tan­te da FCW. Os ven­ce­do­res de cada ca­te­go­ria re­ce­be­ ram um prê­mio no va­lor de R$ 100 mil – o mai­or já con­fe­ri­do por uma ins­ti­tu­i­ção bra­si­ lei­ra – e uma es­cul­tu­ra as­si­na­da por Vla­vi­a­nos. O Prê­mio FCW na ca­te­go­ria Ci­ên­cia Ge­ral foi con­fe­ri­do ao rei­tor da Uni­ver­si­da­de Es­ta­du­al de Cam­pi­nas (Uni­camp), Car­los Hen­ri­que de Bri­to Cruz. En­ge­nhei­ro ele­trô­ni­co e fí­si­co, Bri­ to foi pre­mi­a­do por sua pes­qui­sa na área de fí­si­ca ex­pe­ri­men­tal, so­bre fe­nô­me­nos ul­tra-rá­ pi­dos, que ocor­rem em me­nos de 1 pi­cos­se­ gun­do (in­ter­va­lo de tem­po de 1 tri­li­o­né­si­mo de se­gun­­do), além de la­sers e se­mi­con­du­to­res.

PESQUISA FAPESP


MIGUEL BOYAYAN

Escultura do artista Vlavianos entregue aos seis ganhadores da edição 2003 dos Prêmios FCW, além dos R$ 100 mil

(Veja re­p or­t a­gens com os seis ven­ce­do­ res a par­tir da pá­gi­ na 12). Di­e­ter Carl Ernst Hei­no Mu­e­he, pro­fes­ sor do De­par­ta­men­to de Ge­o­gra­fia do Ins­ti­ tu­to de Ge­o­ci­ên­ci­as da Uni­ver­si­da­de Fe­de­ ral do Rio de Ja­nei­ro (UFRJ) e um dos pi­o­ nei­ros na pes­qui­sa so­bre a cos­ta bra­si­lei­ ra, ga­nhou o prê­mio Ci­ên­cia Apli­ca­da ao Mar. O agrô­no­mo Jai­ro Vi­dal Vi­ei­ra, pes­qui­sa­dor da Em­pre­sa Bra­si­lei­ra de Pes­qui­sa Agro­pe­cu­á­ria (Em­bra­pa), re­ce­beu o prê­mio Ci­ên­cia Apli­ca­da ao Cam­po por seu tra­ba­lho no me­lho­ra­men­to ge­né­ti­co de hor­ta­li­ças. O prê­mio Ci­ên­cia Apli­ca­da ao Meio Am­bi­ en­te foi con­fe­ri­do ao bi­ó­lo­go Phi­lip Mar­tin Fe­arn­si­de, pro­fes­sor nor­te-ame­ri­ca­no do Ins­ti­ tu­to Na­ci­o­nal de Pes­qui­sa da Ama­zô­nia (Inpa) e es­pe­­ci­a­lis­­ta na aná­li­se de im­pac­tos da agri­ cul­tu­ra, pe­cu­á­ria, sil­vi­cul­tu­ra e ma­ne­jo flo­res­ tal na re­gião. A des­co­ber­ta de que a in­fla­ma­ ção crô­ni­ca tem pa­pel re­le­van­te no apa­re­ci­men­to do di­a­be­tes tipo 2 ren­deu à en­do­cri­no­lo­gis­ta Ma­ria Inês Sch­midt, da Uni­ ver­­si­da­de Fe­de­ral do Rio Gran­de do Sul

PESQUISA FAPESP

(UFRGS), o prê­mio na área de Me­di­ci­na. A es­cri­to­ra Lya Luft, au­to­ra de Per­das e ga­nhos e Pen­sar é trans­g re­d ir, en­t re ou­tros tí­tu­­los, ga­nhou o prê­mio de Li­te­ra­tu­ra. For­ma­da em pe­da­go­gia e le­tras an­glo-ger­mâ­ni­ cas pela Pon­ti­fí­cia Uni­ ver­si­da­de Ca­tó­li­ca do Rio Gran­de do Sul, Lya é mes­tra em li­te­ra­tu­ra bra­si­lei­ra e por­tu­gue­sa pela UFRGS. A ce­ri­mô­nia de en­tre­ga do Prê­mio FCW 2003 foi realizada no dia 7 de ju­nho de 2004 na Sala São Pau­lo, na ca­pi­tal pau­lis­ta. Par­ti­ci­pa­ ram do even­to o mi­nis­tro da Cul­tu­ra, Gil­ber­to Gil, e a se­cre­tá­ria es­ta­du­al da Cul­tu­ra, Cláu­dia Cos­tin, e o vice-almirante Marcelio Carmo de Cas­tro Pe­reira, representando a Marinha, en­tre ou­tras per­­so­na­li­da­des. Na edi­ção 2004, a pre­ mi­a­­ção vai man­ter o mes­mo for­ma­to da an­te­ ri­or, iden­ti­fi­can­do os pes­qui­sa­do­res que mais se des­ta­ca­rem nas seis ca­te­go­ri­as ava­li­a­das. O nome do Prê­mio Ci­ên­cia Apli­ca­da ao Mar será subs­ti­tu­í­do por Ci­ên­cia Apli­ca­da à Água para am­pli­ar a es­co­po do prê­mio e per­mi­tir a can­ di­da­tu­ra de es­pe­ci­a­lis­tas em es­tu­dos so­bre re­cur­sos hí­dri­cos. • ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 11


CIÊNCIA GERAL

Carreira dupla

Além de física de laser, Carlos Henrique de Brito Cruz se destaca também como articulador de C&T

O

fí­si­co nor­te-ame­ri­ca­no Char­les Tow­nes, um dos cri­a­do­res do la­ser, cos­tu­ma­va ou­vir dos co­le­gas que sua des­co­ber­ta era uma so­lu­ ção à pro­cu­ra de um pro­ble­ma. Isso ocor­reu no co­me­ço dos anos 1960, quan­do não ha­via nem idéia das apli­ca­çõ­ es que essa luz pos­si­bi­li­ta­ria. Na­que­le mo­men­to, o ob­je­ti­vo dos ci­en­tis­tas era ape­nas “en­ten­der, ex­plo­rar e cri­ar”, nas pa­la­vras do pró­prio Tow­ nes. Al­guns anos de­pois, em 1976, três alu­nos de gra­du­a­ção do cur­so de en­ge­nha­ria ele­trô­ni­ca do Ins­ti­tu­to Tec­no­ló­gi­co de Ae­ro­náu­ti­ca (ITA) le­va­ ram ao pé da le­tra essa li­ção. Sem ori­en­ta­dor, de­ci­di­ram ten­­tar de­sen­vol­ver seu pró­prio la­ser, um ob­je­to de es­tu­do ain­da re­la­ti­va­men­te novo. Como havia pou­ cos pro­ fes­ so­ res no país que conheces­sem o as­sun­to, re­cor­re­ram à bi­blio­te­ca e des­co­bri­ram um tex­to na Sci­en­ti­fic Ame­ri­can que os aju­dou no pro­je­to.“Era uma se­ção cha­ma­ da Ama­teur Sci­en­tist, que en­si­na­va a fa­zer al­gu­ mas ex­pe­­ri­ên­ci­as ci­en­tí­fi­cas”, con­ta o en­ge­nhei­ ro e fí­si­co Car­los Hen­ri­que de Bri­to Cruz, atu­al rei­tor da Uni­ver­si­da­de Es­ta­du­al de Cam­pi­nas (Uni­camp). Os três jo­vens es­tu­da­ram o as­sun­to e con­se­gui­ram algo nada usu­al: so­zi­nhos, de­sen­ vol­ve­ram um la­ser de gás car­bô­ni­co. Em se­gui­da, pu­bli­ca­ram um ar­ti­go e até cri­a­­ram uma em­pre­ sa. O la­ser de gás car­bô­ni­co ser­via para pro­ces­ sar al­guns ti­pos de ma­te­ri­al úteis para em­pre­sas. Um in­dus­tri­al que es­ta­va qua­se com­pran­do uma

12 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL

má­qui­na im­por­ta­da pa­ra quei­mar tu­bos de plás­ ti­co fi­cou sa­ben­do da ex­pe­­ri­ên­cia no ITA e su­ge­ riu aos es­tu­dan­tes fa­zer o equi­pa­men­to para ele. No Bra­sil, a so­lu­ção ti­nha acha­do seu pro­ble­ma. “Como o ins­ti­tu­to achou mu­i­to com­pli­ca­do fa­zer um con­vê­nio com ele, nós cri­am ­ os uma em­pre­sa e cons­tru­í­mos a má­qui­na com o la­ser ne­ces­sá­rio para a fá­bri­ca.” O in­dus­tri­al pa­gou um ter­ço adi­an­ta­do, um ter­ço quan­do eles ter­mi­na­ ram de cons­tru­ir e o res­to na ins­ta­la­ção. Para Bri­­ to, esse su­ces­so ini­ci­al foi um dos fa­to­res de­ter­mi­ ­nan­tes que ori­en­tou sua prin­ci­pal li­nha de pes­qui­sa nos anos se­guin­tes. Não pela apli­ca­ção ime­di­a­ta que a ex­pe­ri­ên­cia teve, mas pelo apren­­ di­za­do e fas­cí­nio que ela pro­por­ci­o­nou. Este ano, Bri­to, nas­ci­do no Rio de Janeiro e cri­a­do em São Pau­lo, foi um dos ga­nha­do­res do Prê­mio FCW na ca­te­go­­ria Ci­ên­cia Ge­ral por sua con­tri­bu­i­ção ao es­tu­do dos fe­nô­me­nos ul­tra-rá­pi­dos, que acon­te­ cem em um tem­po me­nor que 1 pi­cos­se­gun­do, ou seja, 1 mi­li­o­né­si­mo de mi­li­o­né­si­mo de se­gun­ do. “Che­guei aos fe­nô­me­nos ul­tra-rá­pi­dos por cau­sa do la­ser, só com ele é pos­sí­vel fa­zer ex­pe­ri­ men­ta­çõ­es em pe­rí­o­dos tão cur­tos”, diz. La­ser é um acrô­ni­mo de Am­pli­fi­ca­ção da Luz pela Emis­são Es­ti­mu­la­da da Ra­di­a­ção (Light Am­­pli­fi­ca­ti­on by Sti­mu­la­ted Emis­si­on of Ra­di­a­ ti­on, em in­glês). Sig­ni­fi­ca que é uma fon­te que uti­li­za a luz emi­ti­da por um áto­mo ou mo­lé­cu­la para es­ti­mu­lar a emis­são de mais luz por ou­tros áto­mos ou mo­lé­cu­las e, nes­se pro­ces­so, am­pli­

PESQUISA FAPESP


MIGUEL BOYAYAN

Brito em seu laboratório: só com o laser é possível fazer experimentos em tempo muito curto

fi­car a luz ori­gi­nal. Isso faz do la­ser uma luz pura, sem mis­tu­ra, di­fe­ren­te­men­te da luz co­mum, for­ma­da de vá­ri­os com­pri­men­tos de onda – ela não se dis­per­sa, ou seja, o úni­co des­ vio que so­fre é quan­do sai pela fen­da de seu emis­sor. Por isso pode ser di­re­ci­o­na­da para gran­des dis­tân­ci­as e con­cen­tra­da ape­nas num pon­to. Suas apli­ca­çõ­es são múl­ti­plas e con­tem­ plam mu­i­tas áre­as. As mais co­nhe­ci­das hoje es­tão na me­di­ci­na. Mé­di­cos já uti­li­zam essa tec­ no­lo­gia em ci­rur­gias e di­ag­nós­ti­cos há al­guns anos. A in­dús­tria foi quem pri­mei­­­ro des­co­briu

PESQUISA FAPESP

sua uti­li­da­de para fa­zer pe­que­nos ori­fí­ci­os em ma­­te­­ri­ais mu­i­to du­ros ou de ele­va­do pon­to de fu­são, como o aço e o di­a­man­te. O pro­ces­so é rá­pi­do e não al­te­ra a área em tor­no do ori­fí­ cio. As ar­tes grá­fi­cas e cê­ni­cas usam o la­ser em ho­lo­gra­­fi­as, shows e efei­tos es­pe­­ci­ais. Bri­to con­ti­nu­ou a tra­ ­ba­lhar com la­ser quan­do foi fa­zer seu mes­tra­do na Uni­camp, em 1979, ori­en­ta­do por Sér­gio Por­­­to, que mor­reu seis me­ses de­pois e foi subs­ ti­tu­í­do por Ar­te­mio Sca­ la­brin. A dis­ser­ta­ção ver­sou so­bre la­ser de gás car­bô­ni­co pul­sa­do, en­tão um pro­ble­ma téc­ ni­co so­fis­ti­ca­do. “O tema era bom por­ que re­que­ria mu­i­ta ci­ên­cia e al­g u­m as ar­t i­m a­n has para ser re­sol­vi­do”, lem­ bra ele. Foi nes­ se pe­rí­o­do que o pes­qui­ sa­dor de­pa­rou com os fe­nô­me­nos ul­tra-rá­pi­ dos, que con­ti­­nu­a­­­ram a ser es­tu­da­dos no seu dou­to­ra­do, pós-dou­to­ra­ do e, atu­al­men­te, no Cen­tro de Pes­qui­sas em Óptica e Fo­tô­ni­ca, fi­nan­ci­a­do pela FA­PESP. Ele co­me­çou, en­tão, a fa­­z er ex­p e­r i­m en­t os com la­ ser com pul­ sos de mi­cros­se­gun­dos (mi­li­o­né­si­ma par­te do se­gun­do), de pi­cos­se­gun­dos (mil ve­zes mais rá­pi­do que o mi­cros­se­gun­do) e de fem­tos­se­ gun­dos (1 qua­tri­lho­né­si­mo de se­gun­do). Quan­do ini­ci­ou sua car­rei­ra, Bri­to era um dos pou­cos no Bra­sil a fa­zer la­sers com pul­sos mu­ i­ to cur­ tos, no co­ me­ ço dos anos 1980. “Na­que­la épo­ca, fa­zí­a­mos tra­ba­lhos na Uni­ camp em que fo­mos pi­o­nei­ros em todo o mun­ do”, diz.“De­pois, já no meio da dé­ca­da de 1980, ha­via qua­tro gru­pos no mun­do ca­pa­zes de fa­zer la­ser com pul­sos de fem­tos­se­gun­dos.” A

ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 13


prin­ci­pal con­tri­bu­i­ção para o es­tu­do dos fe­nô­me­nos ul­tra-rá­pi­dos ocor­reu quan­do Bri­to pas­sou uma tem­po­ra­da no Bell Labs, nos Es­ ta­ dos Uni­ dos, em 1986 e 1987, de­pois do dou­to­ra­men­to. Lá tra­ba­lhou nas apli­ca­çõ­es em como usar la­ser com pul­sos ul­tra-rá­pi­dos para es­tu­dar al­guns fe­nô­me­nos que ocor­rem com ma­te­ri­ais di­ver­sos. Ele par­ti­ci­pou de for­ma de­ter­mi­ nan­te em um ex­pe­ri­men­to para fa­zer o la­ser com o pul­so mais cur­to que ja­mais ha­ via sido fei­ to. O re­ cor­ de, até en­ tão, eram 8 fem­tos­se­gun­dos. “De­mons­trei que era pos­sí­vel fa­zer pul­­sos de 6 fem­tos­se­ gun­dos.” A ex­pe­ri­ên­cia teve gran­de vi­si­bi­ li­da­de e se tor­nou mo­­de­lo para fa­zer pul­ sos cur­tos. Por mais de dez anos nin­guém con­se­guiu fa­zer pul­sos com me­nos de 6 fem­tos­se­gun­dos.

U

ma das boas coi­sas da ci­ên­ cia de pon­ ta é con­ se­ guir es­tu­dar e apren­der coi­sas que nin­guém con­se­gue vis­ lum­brar”, diz Bri­to.“O duro é que essa ex­clu­si­vi­da­de dura pou­co por­que tem sem­pre al­guém nos seus cal­ca­nha­res.” Na vol­ta ao Bra­sil, pas­ sou a ver seu ob­je­to de es­tu­do de for­ma di­fe­ren­te. Até aque­la épo­ca, ele vi­nha fa­zen­do ci­ên­cia. De­ci­diu, en­tão, abrir o le­que e cons­ti­tu­iu um gru­po que fa­zia pes­ qui­sa de olho nas co­mu­ni­ca­çõ­es óp­ti­cas. Na se­gun­da me­ta­de dos anos 1990 hou­ve um fato que deu mai­or im­por­tân­cia a essa li­nha de pes­qui­sa. An­tes da In­ter­net, as em­­pre­sas de co­mu­ni­ca­ção acha­vam que a lar­gu­ra da ban­da uti­li­za­da era su­fi­ci­en­te para tudo. Quan­do o uso das ima­gens co­me­çou a se tor­nar cor­ri­ quei­ro na rede, viu-se que era pre­ci­so uma lar­ gu­ra mu­i­to mai­or. O foco do tra­ba­lho fei­to na Uni­camp pe­lo gru­po de Bri­to ter­mi­nou por ali­ar a boa ci­ên­cia que já fa­zia com as pos­sí­veis apli­ca­çõ­es nas te­le­co­mu­ni­ca­çõ­es. Hoje Bri­to con­ti­nua um pes­qui­sa­dor ati­vo ori­ en­tan­do alu­nos, mas fre­qüen­ta me­nos seu la­bo­ra­ tó­rio em ra­zão do car­go de rei­tor da Uni­camp. Em 1991 tor­nou-se pela pri­mei­ra vez di­re­tor do Ins­ti­ tu­to de Fí­si­ca da Uni­camp.A par­tir des­se ano, não fi­ca­ria mais sem ocu­par um lu­gar den­tro da hie­ rar­quia da uni­ver­si­da­de e em ins­ti­tu­i­çõ­es como a FA­PESP. Em 1994 foi no­­me­a­­do pró-rei­tor de Pes­ qui­sa da Uni­camp; em 1995, mem­bro do Con­se­ lho Su­pe­ri­or da FA­PESP; em 1996, pre­si­den­te do Con­se­lho Su­pe­ri­or da mes­ma ins­ti­tu­i­ção, e em

14 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL

Experiência com laser: uso contempla da medicina às artes gráficas e cênicas

2002, rei­tor da Uni­camp. As no­vas exi­gên­ci­as o le­va­ram a se apro­fun­dar nos te­mas da po­lí­ti­ca ci­en­tí­fi­ca e tec­no­ló­gi­ca e da edu­ca­ção. “No pe­rí­o­do em que fui pró-rei­tor pas­sei a vi­ver uma es­qui­zo­fre­nia”, re­la­ta. “Na dis­cus­são de po­lí­ti­cas para pes­qui­sa via as idéi­as se­rem mais ou me­nos ‘chu­ta­das’, sem mu­i­ta base, que era o con­trá­rio do que eu re­a­li­za­va no la­bo­ra­tó­ rio: es­tu­dar e me­dir an­tes de fa­zer.” A fal­ta de pa­râ­me­tros o le­vou a pesquisar e com­pa­rar os ca­sos de po­lí­ti­ca ci­en­tí­fi­ca no Bra­sil e no ex­te­ri­ or, atividade que o aju­dou quan­do se tor­nou pre­­si­den­te da FA­PESP e na rei­to­ria da Uni­ camp. Nessa fase, Bri­to tam­bém per­ce­beu al­ guns equí­vo­cos his­tó­ri­cos. Em 1994 di­zia-se que a uni­ver­si­da­de era onde se de­via fa­zer tec­no­lo­gia para, de­pois, trans­fe­rir para a em­­pre­ sa. Ele cor­ri­giu o foco da dis­cus­são: na ver­da­­de, a pes­qui­sa fei­ta na em­pre­sa é tão im­por­tan­te quan­to na uni­ver­si­da­de. Elas ocor­rem nos dois lu­ga­res por ra­zõ­es di­fe­ren­tes. Na in­dús­tria, tem a ver com com­pe­ti­ti­vi­da­de e, na uni­ver­si­da­de,

PESQUISA FAPESP


MIGUEL BOYAYAN

com apren­di­­za­do e co­nhe­ci­men­to.“Esse de­ba­te es­ta­va en­ca­la­cra­do na­que­la épo­ca. Eu in­sis­tia, por exem­plo, que as pa­ten­tes de­vem nas­cer de pre­fe­rên­cia na em­pre­sa. E que a uni­ver­si­da­de é o lu­gar de se tra­ba­lhar com todo o co­nhe­ci­men­ to, in­de­pen­den­te­men­te de con­si­de­ra­çõ­es uti­li­ tá­ri­as que têm sido tão re­cor­ren­tes no Bra­sil.”

A

s po­si­çõ­es do pes­qui­sa­dor, ex­pres­sas em fre­qüen­tes reu­ni­õ­es com os ges­ to­res de ci­ên­cia e tec­no­lo­gia da épo­­ ca e por meio de as­sí­du­os ar­ti­gos em jor­nais e re­vis­tas, aju­da­ram a mu­dar as pers­pec­ti­vas fu­tu­ras para o se­tor. O mar­co foi a Con­fe­rên­cia Na­ci­o­nal de Ci­ên­cia e Tec­no­lo­gia de 2001, que, en­tre ou­tras coi­sas, es­ta­be­le­ceu a im­por­tân­cia da ati­vi­da­de de pes­­qui­sa e de­sen­vol­vi­men­to re­a­li­za­da no am­bi­en­te em­pre­sa­ri­al. A cri­a­ção dos pro­gra­mas Par­ce­ria para Ino­va­ção Tec­no­ló­gi­ca (PITE), em 1994, e Ino­va­ção Tec­no­ló­gi­ca em Pe­que­nas Em­­ pre­sas (PIPE), em 1998, am­bos da FA­PESP, tam­

PESQUISA FAPESP

bém au­xi­li­ou na mu­dan­ça de rumo nes­­te cam­po, sem nun­ca dei­xar de lado a im­por­ tân­cia cen­tral da pes­qui­sa fun­da­men­tal mo­ti­va­da pela cu­rio­si­da­de do ci­en­tis­ta. Nos úl­ ti­ mos dois anos, Bri­ to tem-se de­di­ca­do es­pe­ci­al­men­te à edu­ca­ção. O tema não é es­tra­nho para ele, co­or­de­na­dor de um dos pro­je­tos de Po­lí­ti­ca Pú­bli­ca da FA­PESP, numa par­ce­ria en­tre a Uni­camp e a pre­fei­tu­ra de Cam­pi­nas em que fo­ram se­le­ ci­o­na­das dez es­co­las mu­ni­ci­pais com o ob­je­ti­vo de des­per­tar vo­ca­çõ­es para as ci­ên­­ci­as en­tre os alu­nos. Ago­ra ele pro­cu­ra de­ba­ter a ne­ces­si­da­de do in­ves­ti­men­to nas uni­ver­si­da­des pú­bli­cas, a ques­tão da in­clu­ são nes­sas ins­ti­tu­i­çõ­es e pro­por al­ter­na­ti­ vas à po­lí­ti­ca de co­tas, que cha­ma de “so­lu­ ção pre­gui­ço­sa”. A dis­po­si­ção para en­ca­rar es­sas ba­ta­lhas vem, de acor­do com ele, do mé­­to­do ci­en­tí­fi­co usa­do des­de a gra­du­a­ ção. “Es­ses as­sun­tos de­vem ser tra­ta­dos do mes­mo modo que o ci­en­tis­ta tra­ta sua pes­ qui­sa: pri­mei­ro tem de es­tu­dar de­ti­da­men­ te a ques­tão para só de­pois pro­por uma saí­da”, afir­ma.“Mas não é des­se jei­to que se cos­tu­ma fa­zer po­lí­ti­ca no Bra­sil.” Um ve­lho ami­go, co­le­ga dos tem­pos do ITA, re­su­me a tra­je­tó­ria pro­fis­si­o­nal de Bri­ to: “Ele tran­si­ta com na­tu­ra­li­da­de en­tre os mais di­ver­sos ti­pos de in­te­li­gên­cia, ou se­ja, faz fí­si­ca de la­ser com a mes­ma com­pe­tên­ cia com que ana­li­sa e pro­põe po­lí­ti­cas mais efi­ci­en­tes para ci­ên­cia e tec­no­lo­gia”, diz Gil­ber­to Câ­ma­ra, co­or­de­na­dor-ge­ral de Ob­ser­va­ ção da Ter­ra do Ins­ti­tu­to Na­ci­o­nal de Pes­qui­sas Es­pa­­ci­ais (Inpe), es­pe­ci­a­lis­ta em in­for­má­ti­ca do se­tor es­pa­ci­al. “Essa ca­pa­ci­da­de é di­fí­cil de ser en­con­tra­da em qual­quer país do mun­do, não só no Bra­sil.” Câ­ma­ra ex­pli­ca que os pes­qui­sa­do­res são na­tu­ral­men­te in­tros­pec­ti­vos, ex­ces­si­va­men­ te con­cen­tra­dos no pró­prio tra­ba­lho em ra­zão do alto ní­vel de exi­gên­cia, co­mum na pes­qui­sa de pon­ta.“Eles se es­que­cem de olhar a sua vol­ta e ver o que está acon­te­cen­do, ou, en­tão, fa­zem ape­nas po­lí­ti­ca e co­lo­cam a ci­ên­cia de lado.” Se­gun­do Câ­ma­ra, o atu­al rei­tor da Uni­camp sem­ pre fu­giu des­se pa­drão e con­se­guiu fa­zer uma car­rei­ra du­pla. “Ele sem­pre ar­gu­men­ta ba­se­a­do em da­dos, de modo cla­ro, o que tor­na di­fí­cil re­ ba­ ter suas idéi­ as”, afir­ ma. Qua­ se 30 anos de­pois da pri­mei­ra ex­pe­ri­ên­cia com la­ser, Bri­to, 48 anos, ca­sa­do, com um fi­lho, ago­ra vi­rou um es­pe­ci­a­lis­ta em ar­ru­mar so­lu­­çõ­es para os pro­ble­ mas da fí­si­ca, da po­lí­ti­ca ci­en­tí­fi­ca e da uni­ver­si­ da­de pú­bli­ca. • ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 15


LITERATURA

A ci­en­tis­ta dos sent ­ im ­ en­tos Não deve cau­sar es­tra­nhe­za a pre­sen­ça de Lya Luft en­tre os pes­qui­sa­do­res pre­mi­a­dos

D

e iní­cio até cau­sa uma cer­ta es­tra­ nhe­za quan­do se lê, na lis­ta dos pre­mi­a­dos da Fun­da­ção Con­ra­do Wes­sel, a ca­te­go­ria Li­te­ra­tu­ra e o nome da ven­ce­do­ra, a es­cri­to­ra Lya Luft. Afi­nal, a seu lado es­tão no­mes re­no­ma­dos da ci­ên­cia apli­ca­da ao mar, ao cam­ po, ao meio am­bi­en­te e à me­di­ci­na.A es­tra­nhe­za lo­go de­sa­pa­re­ce ao se ler um pou­co de sua pro­ sa ou ao se co­nhe­cer me­lhor o per­fil des­sa gaú­ cha de San­ta Cruz do Sul, nas­ci­da em 15 de se­tem­bro de 1938 e au­to­ra de 16 li­vros. “Ten­to en­ten­der a vida, o mun­do e o mis­té­rio e para isso es­cre­vo. Não con­se­gui­rei ja­mais en­ten­der, mas isso me dá enor­me ale­gria”, cos­tu­ma di­zer Lya. Tudo, en­tão, fica cla­ro: essa pro­fis­são de fé deve, com cer­te­za, ser a mes­ma dos ou­tros ci­en­ ­tis­tas que com­par­ti­lham com ela a hon­ra­ria. Lya Luft, a seu modo, é tam­bém uma pes­qui­sa­do­ra. Mas dos sen­ti­men­tos, da vida e da mor­te. E nis­so ela, em to­dos os seus li­vros, está mu­i­ ­­to pró­xi­ma de to­dos nós. Não sem ra­zão, num país em que o me­ti­ê de es­cri­tor é para pou­cos e com pou­cos, ela, com sua fic­ção so­fis­ti­ca­da, é um su­ces­so de crí­ti­ca e de ven­das. Nis­so há um cu­ri­os­o pa­ra­do­xo. Quem a lê logo quer achar, nas suas pa­la­vras, es­cor­re­ga­de­las au­to­bi­o­grá­fi­ cas, con­fis­sõ­es fei­tas sob a más­ca­ra do ro­man­ce, da crô­ni­ca, da po­e­sia. No mes­mo mo­vi­men­to, esse lei­tor sen­te que está di­an­te de al­guém que sabe ex­pres­sar me­dos, dú­vi­das e ale­gri­as que

16 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL

são tam­bém as suas.“Cada li­vro meu é uma dan­ ça de se­du­ção en­tre mim e meus per­so­na­gens; en­tre mim e meus lei­to­res. Meu lei­tor tem de ser meu cúm­pli­ce. O que pos­so di­zer é que ten­ to mer­gu­lhar na cha­ma­da alma hu­ma­na: se­res per­se­gui­dos e per­se­gui­do­res, os su­ga­dos e seus vam­pi­ros, os de­se­jo­sos e os de­se­ja­dos, os mor­tos e os vi­vos, os aman­tes e os de­sa­ma­dos”, ex­pli­ca. Seus te­mas são, efe­ti­va­men­te, uni­ver­sais e em suas obras po­de­mos ver (e nos ver) a luta en­tre ho­mens e mu­lhe­res, en­tre fa­mi­li­a­res e de que for­ma o tem­po nos aju­da e des­gra­ça. Para isso, Lya usa uma lin­gua­gem que mis­tu­ra po­e­sia e pro­sa, num bate-papo que soa ao lei­tor como uma con­ver­sa ao pé do ou­vi­do com al­guém que pa­re­ce nos co­nhe­cer a fun­do. “Vida é esse pro­ces­so mis­te­ri­o­so da gen­te es­tar jo­ga­do no mun­do. Esse apren­di­za­do ma­ra­vi­lho­so. Des­de cri­an­ça te­nho o de­se­jo de en­ten­der um pou­co esse mis­té­rio das re­la­çõ­es hu­ma­nas, da na­tu­re­ za, do des­ti­no do ho­mem. Sou mu­i­to to­ca­da pela sen­sa­ção do mis­té­rio, da trans­cen­dên­cia da vi­da. Acho que a vida é mis­té­rio, trans­cen­ dên­cia e pro­ces­so.” Essa cri­an­ça que que­ria en­ten­der a má­gi­ca do vi­ver cres­ceu numa ci­da­de­zi­nha de co­lo­ni­ za­ção ale­mã for­te e, na es­co­la, lia, em ale­mão, po­e­mas de Go­e­the e Schil­ler. Fi­lha de um ad­vo­ ga­do, cres­ceu cer­ca­da de li­vros.“Meu quar­to de dor­mir era de­co­ra­do por es­tan­tes chei­as e bas­ta­va es­ten­der a mão, na cama, para pe­gar

PESQUISA FAPESP


DIVULGAÇÃO

Lya: “Ten­to en­ten­der a vida, o mun­do e o mis­té­rio. Por isso es­cre­vo”

algo para ler.” O amor pela lín­ gua e pe­ los pe­que­nos a le­vou a Por­to Ale­gre, onde se for­ mou em pe­da­go­gia e le­tras an­glo-ger­mâ­ni­cas.

A

té hoje Lya he­ si­ ta em se in­ ti­ tu­ lar “es­cri­to­ra”, pre­fe­rin­do afir­mar que sua pro­fis­são é tra­du­to­ra, que vê como es­pé­cie de mis­são ao apre­ sen­tar para os bra­si­lei­ros a gran­ de li­te­ra­tu­ra es­tran­gei­ra. Tem em seu cur­rí­cu­lo mais de cem ver­sõ­es, en­tre as quais obras de Ro­ bert Mu­ sil, Tho­ mas Mann, Gun­ther Grass, Bo­tho Strauss, Vir­gi­nia Wolf, Her­mann Hes­se, Do­ris Les­sing e, com des­ta­que, do po­e­ta ale­mão Rai­ner Ma­ria Ril­ke, a quem deu o hon­ro­so lu­gar de úni­co au­tor a fre­qüen­ tar a sua exi­gen­te ca­be­cei­ra. Ao se es­for­çar para re­cri­ar cada um des­ses au­to­res, Lya foi apren­den­do a en­ten­der o me­ca­nis­mo da es­cri­ ta. A ti­mi­dez di­an­te dos mes­tres, no en­tan­to, a afas­tou da ex­pres­são pes­so­al. O amor deu a ela o em­pur­rão que fal­ta­va. Aos 24 anos, numa pro­va de ves­ti­bu­lar, apai­xo­ nou-se pelo pro­fes­sor, o ir­mão ma­ris­ta e fi­ló­lo­go Cel­so Luft, en­tão com 42 anos. O lin­güis­ta dei­ xou a Igre­ja para se ca­sar com a moça e foi pai

PESQUISA FAPESP

de seus três fi­lhos. E tam­bém de seus “fi­lhos” au­to­rais. “Cel­so ti­nha uma bi­bli­o­te­ca gran­de. Sem­pre quis es­cre­ver ro­man­ces, mas ti­nha uma ti­mi­dez in­te­lec­tu­al. Acha­va que iria me­xer em as­sun­tos in­ten­sos, como mor­te, lou­cu­ra, do­en­­­ ças da fa­mí­lia, coi­sas que nun­ca ti­ve­ram a ver co­mi­go, mas que fa­zi­am par­te das mi­nhas fan­ta­ si­as des­de a in­fân­cia.” Em 1964 es­cre­veu seu pri­mei­ro li­vro de po­e­mas, Can­çõ­es do li­mi­ar, e, em 1972, lan­çou Flau­ta doce. Aos pou­cos, ga­nha­va con­fi­an­ça e en­vi­ou a um edi­tor pau­lis­ ta al­guns con­tos, re­ce­ben­do uma res­pos­ta po­si­ ti­va. Em 1978 sur­giu seu pri­mei­ro li­vro de con­ tos, Ma­té­ria do co­ti­di­a­no. No ano se­guin­te, um aci­den­te de car­ro a fez ver o mun­do e a mor­te com ou­tros olhos. Imo­bi­li­za­da em casa por qua­ se um ano, re­viu o de­se­jo de ser pro­fes­so­ra uni­ver­si­tá­ria e ven­ceu a in­se­gu­ran­ça para cri­ ar o seu pri­mei­ro ro­man­ce, As par­cei­ras, de 1980. Gos­tou dele e os crí­ti­cos tam­bém: em 1981 es­cre­veu A asa es­quer­da do anjo e não lar­gou mais da fic­ção.“Nun­ca pa­rei para pen­sar se es­cre­via mais so­bre ho­mens ou mu­lhe­res. Con­ta­va a his­tó­ria para mim mes­ma, an­tes de tudo: para mim mes­ma pre­pa­ra­va ar­ma­di­lhas, le­van­ta­va dú­vi­das, mon­ta­va que­bra-ca­be­ças

ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 17


A

que ten­ta­va re­sol­ver mais adi­an­ te”. cada nova obra, Lya re­a­fir­ma­ va sua te­má­ti­ca que mis­tu­ra­va me­mó­ri­as, a fa­mí­lia como um du­plo das re­la­çõ­es hu­ma­nas, a so­li­dão, a li­nha qua­se in­vi­sí­vel en­tre fan­ ­ta­sia e re­a­li­da­de, a luta eter­na con­tra a hi­po­­cri­sia e a opres­são, a aná­li­se su­a­ve da ex­­pe­ri­ên­cia fe­mi­ni­na. Isso, sem nun­ca acei­tar ró­tu­los de gê­ne­ros. “Eu que­ro es­cre­ver com o vi­gor de uma mu­lher. Não me in­te­res­sa es­­cre­ver como ho­mem.” Daí seus li­vros que to­cam os dois se­xos, em­bo­ra es­pe­ci­ais na dis­cus­são da con­di­ção fe­mi­ni­na.“Os ho­mens me co­mo­vem, pois nem sem­pre per­ce­be­mos o ta­ma­nho da so­­li­dão de­les. Não se abrem com os ami­gos, nem mes­mo com a mu­lher. Eles tam­bém têm medo de en­ve­lhe­cer e de per­der a po­tên­cia, não só a se­xu­al, mas a eco­nô­mi­ca, a ca­pa­ci­da­de de se sus­ten­tar e man­ter o seu pa­pel na fa­mí­lia.” Lya, ao con­trá­rio, não teme o tem­po. “A ma­tu­ri­da­de traz ga­nhos. Ao in­vés de se afli­gir com o ni­nho va­zio e com a apo­sen­ta­do­ria, as pes­so­as de­ve­ri­am se ori­en­tar para cur­tir essa eta­pa como um pri­vi­lé­gio. Se pode ler, pas­se­ar, fa­zer no­vas ami­za­des e re­a­tar as ve­lhas. Acho que a vida é um pro­ces­so. É como su­bir uma mon­ta­nha. Mes­mo que no fim não se es­te­ja tão

18 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL

“Vida é esse pro­ces­so mis­te­ri­o­so da gen­te es­tar jo­ga­do no mun­do, esse apren­di­za­do ma­ra­vi­lho­so”, diz a escritora

for­te fi­si­ca­men­te, a pai­sa­gem vi­su­a­li­za­da é me­l­ hor.” A de­fe­sa apai­xo­na­da pela ida­de e o pra­zer de con­ver­sar a le­va­ram a cri­ar, com a te­ra­peu­ta Mar­tha Herz­berg, em Por­to Ale­gre, gru­pos de dis­cus­são so­bre a ma­tu­ri­da­de, que ela ori­en­ta, reu­nin­do ho­mens e mu­lhe­res. “Uma pes­soa ma­du­ra pode ser tão bo­ni­ta quan­to um jo­vem. É mais tran­qüi­la, mais har­mo­ni­o­sa, mais na­tu­ral. A vida é fei­ta de per­das e ga­nhos e de­pen­de mu­i­to da gen­te sair da pos­tu­ra de ví­ti­ma. De­fron­tar-se com a gen­te mes­ma, na ma­tu­ri­da­de, é um sus­to. Mas pode ser um mo­men­to de re­des­co­ber­ta.” Des­sa for­ma, Lya apren­deu a en­ca­rar per­das e se­pa­ra­çõ­es com cal­ma. Em ape­nas oito anos, a es­cri­to­ra so­freu duas gran­des per­das. Em 1985 se­pa­rou-se de Cel­so Luft, após ter vi­vi­do com ele dos 25 aos 47 anos, dei­xou o Rio Gran­de do Sul e par­tiu para o Rio para vi­ver com o psi­ca­na­­lis­ta

PESQUISA FAPESP


DIVULGAÇÃO

e es­cri­tor Hé­lio Pel­le­gri­no. Mas o novo amor du­rou ape­nas três anos, en­cer­ra­do com a mor­te de Pel­le­gri­no. Em 1992, Lya vol­tou a se ca­sar com Luft e, três anos de­pois, fi­cou vi­ú­­va no­va­ men­te.“Acho que a mor­te é algo na­tu­ral como a vida. Mas nun­ca es­ta­mos pre­pa­ra­dos. Essa é a gran­de fra­gi­li­da­de hu­ma­na. Es­ta­mos pou­co pre­ pa­ra­dos para as coi­sas na­tu­rais. A ci­vi­li­za­ção nos tor­nou se­res pou­co na­tu­rais. Esse afas­ta­men­to da na­tu­re­za traz aqui­lo que Freud cha­mou de mal-es­tar da ci­vi­li­za­ção. Daí a mor­te ser tão es­tra­ nha para nós, que não so­mos mais na­tu­rais.” Guar­dou lem­bran­ças pre­ci­o­sas dos dois com­pa­nhei­ros.“Há mu­i­to de­les na mi­nha per­so­ na­li­da­de e na mi­nha li­te­ra­tu­ra. O Cel­so foi meu pro­fes­sor e foi ele que me en­si­nou a ler com dis­cer­ni­men­to e me aju­dou na bus­ca de um tex­ to trans­pa­ren­te. Foi um ho­mem sá­bio que me

PESQUISA FAPESP

em­pur­rou a es­cre­ver”, con­ta. “O Hé­lio que ti­nha uma per­so­na­li­da­de bar­ro­ca, um ver­da­dei­ro fu­ra­cão, me abriu para a to­le­ rân­cia e para a ou­sa­dia. Co­men­ta­va al­guns ca­sos co­mi­go e me per­gun­ta­va:‘O que diz dis­so o seu es­pí­­ri­to de ro­man­cis­ta?’ E tudo era um pra­to cheio para mim.” Isso se per­ce­be na pu­bli­ca­ção con­tí­­nua de no­vos tí­tu­los: Reu­ni­ão de fa­mí­lia, em 1982; Quar­to fe­cha­do (que foi edi­ta­do nos Es­ta­dos Uni­dos como The is­land of the dead) e Mu­lher no pal­co, am­bos em 1984; Exí­ lio, em 1987; O lado fa­tal, em 1989; O rio do meio, em 1996; Se­cre­ta mi­ra­da, em 1987; O pon­to cego, em 1999; His­tó­ri­as do tem­po e Mar de den­tro, am­bos em 2000; Per­das e ga­nhos, em 2003; Pen­sar é trans­gre­dir, ago­ra em 2004; e já tem pron­to para edi­ção um li­vro de po­em ­ as, um re­tor­no cu­ri­o­so na ma­tu­ri­da­de, com Para não di­zer adeus. “To­dos os meus ro­man­ces abor­dam a fa­mí­ lia, o afe­to, o va­lor da vida e a mor­te. A vida é mu­i­to pre­ci­o­sa. Sou oti­mis­ta. O hu­mor faz com que a gen­te se di­vir­ta um pou­co con­si­go mes­ mo, pois per­de­mos mu­i­to tem­po e não cur­ti­mos os mo­men­tos di­ver­sos, pre­sen­tes, que po­dem ocor­rer aos 20, aos 40, aos 80 anos, por­que se fica em bus­ca de ima­gens im­pos­sí­veis”, avi­sa. • ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 19


MEDICINA

Caprichos de ­ nç­ a uma doe Como a curiosidade de Ma­ria Inês Schmidt des­ven­dou a ori­gem in­fla­ma­tó­ria do di­a­be­tes

A

epi­de­mi­o­lo­gis­ta Ma­ria Inês Schmidt, ven­ ­ce­do­ra na ca­te­go­ria Me­di­ci­na do Prê­ mio FCW, cos­tu­ma tra­ba­lhar de­fron­ te de um com­pu­ta­dor e co­or­de­na equi­pes de au­xi­li­a­res, es­tu­dan­tes e co­la­bo­ra­do­res que qua­se sem­pre se con­tam às cen­te­nas. Mes­mo dis­tan­te da ro­ti­ na de la­bo­ra­tó­ri­os e das ma­ze­las dos pa­ci­en­tes, a pro­fes­so­ra do De­par­ta­men­to de Me­di­ci­na So­ci­al da Uni­ver­si­da­de Fe­de­ral do Rio Gran­de do Sul é res­pon­sá­vel por uma das mais des­ta­ca­ das con­tri­bu­i­çõ­es na com­pre­en­são do di­a­be­ tes que a ci­ên­cia bra­si­lei­ra já pro­du­ziu. Seu es­tu­do Mar­kers of in­flam­ma­ti­on and pre­dic­ ti­on of di­a­be­tes mel­li­tus in adults: a co­hort study, par­ce­ria com ou­tros cin­co pes­qui­sa­do­ res pu­bli­ca­do na re­vis­ta The Lan­cet em 1999, es­ta­be­le­ceu um vín­cu­lo en­tre pro­ces­sos in­f la­ ma­tó­ri­os e a eclo­são do di­a­be­tes tipo 2. Mos­ trou que a mo­lés­tia en­do­cri­no­ló­gi­ca que atin­ge mi­lhõ­es de bra­si­lei­ros tem ori­gens me­ta­bó­li­cas co­muns à do­en­ça ate­ros­cle­ró­ti­ca, aquela que for­ma pla­cas nas pa­re­des das ar­té­ri­as. Cu­ri­o­sa­men­te, o gru­po li­de­ra­do por Ma­ria Inês che­gou a tal con­clu­são va­len­do-se de uma base de da­dos de pa­ci­en­tes de ou­tro he­mis­fé­rio: o Aric Study (Athe­ros­cle­ro­sis Risk in Com­mu­ni­ ti­es), que acom­pa­nhou 15 mil nor­te-ame­ri­ca­nos ao lon­go de nove anos em bus­ca das cau­sas da ate­ros­cle­ro­se, suas se­qüe­las e fa­to­res de ris­co. A des­co­ber­ta veio à tona quan­do Ma­ria Inês usou

20 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL

a base para re­la­ci­o­nar mar­ca­do­res de in­f la­ma­ção ge­né­ri­cos, como o nú­me­ro de leu­­có­ci­tos, ao di­a­ be­tes. A pes­qui­sa, ao lon­go dos úl­ti­mos cin­co anos, foi ci­ta­da em ou­tros 130 ar­ti­gos ci­en­tí­fi­cos, o que mos­tra sua re­per­cus­são aca­dê­mi­ca. Como o Aric Study con­ge­lou plas­ma san­güí­neo dos pa­ci­en­tes acom­pa­nha­dos, o gru­po po­de­rá usar es­sas amos­tras para me­dir mar­­ca­do­res in­f la­ma­ tó­ri­os mais so­fis­ti­ca­dos, co­mo a adi­po­nec­ti­na e a in­ter­leu­ci­na-6, e con­fir­mar a re­la­ção. A pes­qui­ sa é im­por­tan­te por mos­trar que há uma in­tri­ca­ da rede de me­ca­nis­mos me­ta­bó­li­cos e in­f la­ma­ tó­ri­os na ori­gem do di­a­be­tes, a qual tem pon­tos em co­mum com a obe­si­da­de e o sur­gi­men­to da do­en­ça ate­ros­cle­ró­ti­ca. A me­lhor no­tí­cia nes­se cam­po, na ver­da­de uma no­tí­cia an­ti­ga, diz res­ pei­to à for­ma de pre­ven­ção do di­a­be­tes.“O per­ fil in­f la­ma­tó­rio me­lho­ra com a per­da de peso e o exer­cí­cio fí­si­co”, diz Ma­ria Inês. “Mes­mo a re­du­ção de ape­nas 5% da gor­du­ra cor­po­ral já tem um gran­de im­pac­to na pre­ven­ção do di­a­be­ tes”, afir­ma. Em ou­tra gran­de con­tri­bu­i­ção na com­pre­en­ são do di­a­be­tes, a epi­de­mi­o­lo­gis­ta co­or­de­nou, no iní­cio dos anos 1990, uma pes­qui­sa em seis ca­­pi­tais bra­si­lei­ras so­bre as cau­sas e con­se­qüên­ ­ci­as do di­a­be­tes ges­ta­ci­o­nal, do­en­ça que sur­ge na gra­vi­dez e, na mai­o­ria dos ca­sos, vai em­bo­ra de­pois do par­to, mas re­ve­la uma pre­dis­po­si­ção para o apa­re­ci­men­to da mo­lés­tia em for­ma crô­ ni­­ca numa ida­de mais tar­dia. O es­tu­do mul­ti­cên­

PESQUISA FAPESP


EDUARDO TAVARES

Ma­ria Inês Schmidt: li­de­ran­ça para enfrentar desafios científicos

tri­co, en­co­men­da­do pelo Mi­nis­té­rio da Saú­de, acom­pa­nhou 5 mil mu­lhe­res, do iní­cio do préna­tal até sete dias de­pois do par­to. Em duas ci­da­ des, Por­to Ale­gre e For­ta­le­za, o mo­ni­to­ra­men­to das mães teve se­qüên­cia por até sete anos. Por isso, al­gu­mas das duas de­ze­nas de te­ses aca­dê­mi­ cas pro­du­zi­das com base no es­tu­do só te­nham sido con­clu­í­das re­cen­te­men­te.

C

ons­ta­tou-se, na pes­qui­sa, que 8% das grá­vi­das com mais de 20 anos so­frem da do­en­ça. O es­tu­do tor­nou-se re­fe­ rên­cia in­ter­na­ci­o­nal ao vin­cu­lar a hi­­ per­gli­ce­mia com com­pli­ca­çõ­es na gra­vi­dez (há mais ris­cos na ges­ta­ção e a mor­ta­li­da­de dos be­bês é mai­or) e tam­bém por des­ven­dar o pa­pel da gor­du­ra con­cen­tra­da na par­te cen­tral do cor­po como in­di­ca­dor do ris­co de di­a­be­tes. Ao con­trá­rio do que se vê em paí­ses mais de­sen­vol­vi­dos, há um tipo de mu­l­ her no Bra­sil, com es­ta­tu­ra bai­xa e gor­du­ra acu­ mu­la­da no tron­co – as “re­don­das e bai­xi­nhas’ –, cujo per­fil se re­ve­lou par­ti­cu­lar­men­te pro­pen­so a de­sen­vol­ver o di­a­be­tes. O fe­nô­me­no, diz Ma­ria Inês, não tem ori­gem ge­né­ti­ca, mas so­ci­al. Co­mo tais mu­lhe­res, se­gun­do a pes­qui­sa, têm ní­vel de

PESQUISA FAPESP

es­co­la­ri­da­de bai­xo, o mais pro­vá­vel é que te­n­ ham bai­xa es­ta­tu­ra por de­fi­ci­ên­ci­as nu­tri­ci­o­nais in­tra-ute­ri­nas ou na in­fân­cia, fa­tor que pre­dis­­põe ao di­a­be­tes e à obe­si­da­de.A pes­qui­sa ser­viu para mu­dar cren­ças so­bre o di­a­be­tes ges­ta­ci­o­nal. An­tes, os mé­di­cos ten­di­am a va­lo­ri­zar mu­i­to in­di­ca­do­res como ní­veis de gli­ce­mia dis­cre­ta­ men­te ele­va­dos nas pa­ci­en­tes e sub­va­lo­ri­zar o ga­nho de peso. O es­tu­do mos­trou que a obe­si­da­ de e o au­men­to ex­ces­si­vo de peso são fa­to­res de ris­co mais pe­ri­go­sos. Ma­ria Inês não sabe di­zer com cer­te­za por que de­ci­diu ser mé­di­ca. Acre­di­ta que a mor­te do pai, aos 34 anos, de um cân­cer no esô­fa­go de rá­pi­da evo­lu­ção, pode ter in­f lu­í­do.“Eu via os mé­di­­cos ten­tan­do ate­nu­ar a dor de meu pai, dar con­for­to à fa­mí­lia e ao mes­mo tem­po in­for­mar, e acho que aqui­lo me mar­cou”, diz ela, que fi­cou órfã de pai aos 10 anos. No fi­nal dos anos 1960, deixou a ci­da­de de Novo Ham­bur­go para cur­ sar me­di­ci­na na Fa­cul­da­­de de Ci­ên­ci­as Mé­di­cas de Por­to Ale­gre, vin­cu­la­­da à San­ta Casa de Mi­se­ ri­cór­dia. Lá, fez re­si­dên­cia em me­di­ci­na in­ter­na e en­do­cri­no­ló­gi­­ca. A car­rei­ra deu um sal­to em 1976, quan­do se mu­dou para os Es­ta­dos Uni­dos e ini­ci­ou suas pes­qui­sas na Uni­ver­si­da­de Johns

ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 21


EDUARDO TAVARES

Hop­kins, es­pe­ci­a­li­ am­b u­l a­t o­­r i­a l: zan­do-se em pe­di­a­ con­du­tas de tria en­do­cri­no­ló­­gi­ aten­ção pri­má­ A pes­qui­sa­do­ra e seu com­pên­dio de prá­ti­cas ca. “Acho que meu ria ba­se­a­das mé­di­cas, re­cém-atu­a­li­za­do in­te­res­se pelo di­a­ em evi­dên­ci­as, be­tes foi despertado de 1.600 pá­gi­ pelo fato de que, nas, reú­ne um na­que­la épo­ca, era uma do­en­ça di­fí­cil de con­ con­jun­to de si­tu­a­çõ­es que o mé­di­co de am­bu­ tro­lar e exi­gia uma ava­li­a­ção com­ple­xa e uma la­tó­r io pode en­con­trar, no tra­ta­men­to de sin­to­nia fina com o pa­ci­en­te”, diz ela. pa­ci­en­tes e do­en­ças de todo tipo, e as de­ci­sõ­es que deve to­mar – com a des­cri­ção da evi­dên­cia ci­en­tí­fi­ca que am­pa­ra cada con­du­ta. Ma­ria Inês oi na Johns Hop­kins Uni­ver­sity que co­or­de­na equi­pes de mé­di­cos es­pe­ci­a­lis­tas, res­ Ma­ria Inês co­nhe­ceu o ma­ri­do, Bru­ce pon­sá­veis pe­los tex­tos bá­si­cos dos 31 ca­pí­tu­ Dun­can, seu par­cei­ro nas pes­qui­sas e los, de­pois os sub­me­te a mé­di­cos ge­ne­ra­lis­tas, hoje pro­fes­sor da Fa­cul­da­de de Me­di­ que ava­li­am a pra­ti­ci­da­de dos con­se­lhos. Es­tu­ ci­na da UFRGS. Ca­sa­ram-se em 1979, dan­tes de pós-gra­du­a­ção são res­pon­sá­veis mu­da­ram-se para Cha­pel Hill e com­bi­ pelo em­ba­sa­men­to te­ó­ri­co das con­du­tas. Cada na­ram que, en­cer­ra­do o dou­to­ra­do na Uni­ver­si­ tex­to che­ga a pas­sar por 12 re­vi­sõ­es, até al­can­ da­de da Ca­ro­li­na do Nor­te, pas­sa­ri­am jun­tos çar a ver­são fi­nal. Como a expansão dos co­nhe­ uma tem­po­ra­da no Bra­sil para de­pois de­fi­nir o ci­men­tos no cam­po da me­di­ci­na, o li­vro se rumo que da­ri­am às res­pec­ti­vas car­rei­ras. Os de­sa­tu­a­li­za ra­pi­da­men­te. A idéia é fa­zer edi­çõ­es dois aca­ba­ram se fi­xan­do em Por­to Ale­gre. Têm no­vas a cada dois anos.A pri­mei­ra ver­são do li­vro dois fi­lhos, Mi­chael, de 23 anos, es­tu­dan­te de foi pu­bli­ca­da no iní­cio dos anos 1980. A se­gun­ me­di­ci­na, e Lau­ra, de 17, es­tu­dan­te do en­si­no da, em 1996. E a ter­cei­ra, em 2004. O tra­ba­lho mé­dio. Na vol­ta ao Bra­sil, a pes­qui­sa­do­ra pas­sou exi­ge da pes­qui­sa­do­ra Ma­ria Inês um ta­len­to a se dis­tan­ci­ar do tra­ta­men­to clí­ni­co do di­a­be­tes que ela tem de so­bra: a ca­pa­ci­da­de de co­or­de­ para se de­di­car à epi­de­mi­o­lo­gia da do­en­ça. nar gran­des equi­pes.“Te­nho enor­me pra­­zer em A par­ce­ria de Ma­ria Inês e Dun­can se es­ten­ co­or­de­nar gru­pos com es­pí­ri­to de luta, cu­ri­o­si­ de a ou­tro pro­je­to aca­dê­mi­co que dura mais de da­de em bus­car in­for­ma­çõ­es no­vas e ale­gria duas dé­ca­das e re­sul­tou num res­pei­ta­do com­ em ven­cer de­sa­fi­os”, ela afir­ma. pên­dio de prá­ti­cas mé­di­cas. O li­vro Me­di­ci­­na •

F

22 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL

PESQUISA FAPESP


CIÊNCIA APLICADA AO CAMPO

Semeador tropical

SÉRGIO LIMA/FOLHA IMAGEM

Jairo Vidal Vieira, da Embrapa, desenvolveu variedades de cenoura para todo o país

S

e o Bra­sil, e quem sabe o mun­do, fos­ sem do­mi­na­dos pe­los co­e­lhos, cer­ta­ men­te o en­ge­nhei­ro agrô­no­mo Jai­ro Vi­dal Vi­ei­ra se­ria acla­ma­do rei ou no mí­ni­mo o prin­ci­pal men­tor de ci­ên­cia e tec­no­lo­gia en­tre a po­pu­la­ção des­se pe­que­no ma­mí­fe­ro que tem na ce­nou­ra seu pra­ to pre­di­le­to. É que esse pes­qui­sa­dor da Em­pre­sa Bra­­si­lei­­ra de Pes­qui­sa Agro­pe­cu­á­ria (Em­bra­pa) de­sen­­vol­veu, ao lon­go dos úl­ti­mos 18 anos, va­ri­ e­da­des de ce­nou­ras que pro­pi­ci­a­ram a ex­pan­são e a adap­ta­ção des­sa hor­ta­li­ça para o cli­ma tro­pi­ cal bra­si­lei­ro com mais ofer­ta do pro­du­to e pre­ ços mais bai­xos. Um tra­ba­lho que foi re­co­nhe­ci­ do com o Prê­mio FCW na ca­te­go­ria Ci­ên­cia Apli­ca­da ao Cam­po de 2004. Aos 52 anos, esse mi­nei­ro da pe­que­na ci­da­de de Rio Pom­ba, per­to de Juiz de Fora, ga­nhou no­to­ri­ed ­ a­de em uma área que tem ga­ran­ti­do a ex­pan­são da agri­cul­tu­ ra no país nos úl­ti­mos anos, a de me­lho­ra­men­to ge­né­ti­co con­ven­ci­o­nal por meio de se­le­ção de va­ri­e­da­des e de es­pé­ci­mes. A fase de maior pre­sen­ça de ce­nou­ras nos pra­tos bra­si­lei­ros foi ini­ci­a­da em 1975, quan­do Jai­ro, re­cém-for­ma­do em en­ge­nha­ria agro­nô­mi­ ca na Uni­ver­si­da­de Fe­de­ral de Vi­ço­sa (UFV), em Mi­nas Ge­rais, foi con­tra­ta­do pela Em­bra­pa co­mo pes­qui­sa­dor. “A em­pre­sa me deu uma bol­sa de mes­tra­do”, lem­bra Jai­ro. Nesse curso, tam­bém feito na UFV, ele de­sen­vol­veu uma dis­ser­ta­ção na área de fi­to­tec­nia, com a cul­tu­ra de re­po­lho.

PESQUISA FAPESP

Jairo em uma plantação de cenoura: 18 anos aclimatando a hortaliça ao clima tropical

An­tes de en­trar na Em­bra­pa, ele ha­via re­ce­ bi­do vá­ri­os con­vi­tes para tra­ba­lhar. “Na­que­le tem­po ti­nha mu­i­to em­pre­go, re­ce­bi oito pro­pos­ ­tas, en­tre uni­ver­si­da­des, uni­da­des da Em­pre­sa de As­sis­tên­cia Téc­ni­ca e Ex­ten­são Ru­ral (Ema­ ter) em Mi­nas Ge­rais, Ba­hia e Goi­ás, e até de um ban­co.” Na Em­bra­pa, logo após o tér­mi­no do mes­tra­do, foi in­di­ca­do para tra­ba­lhar no Cen­tro Na­ci­o­nal de Pes­qui­sa com Al­go­dão, em Cam­pi­ na Gran­de, na Pa­raí­ba. “Foi o che­fe da área do Cen­tro de Hor­ta­li­ças da Em­bra­pa em Bra­sí­lia, Flá­vio Au­gus­to de Araú­jo Cou­to, que me se­gu­

ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 23


rou em Bra­sí­lia e me di­re­ci­o­nou para o tra­ba­lho com ce­nou­ras por­que eu ti­nha fei­to mes­tra­do na área de hor­ta­li­ças.”Até en­tão o co­nhe­ci­men­to de Jai­ro so­bre a Dau­cus ca­ro­ta, nome ci­en­tí­fi­co da plan­ta, era qua­se zero. “Eu só ti­nha vis­to pé de ce­nou­ra na uni­ver­si­da­de”, con­ta Jai­ro, fi­lho de pro­du­tor ru­ral. “Meu pai ti­nha um sí­tio com cer­ca de 30 al­quei­res, uma pro­pri­e­da­de pe­que­ na em que o prin­ci­pal pro­du­to era o lei­te.”

F

oi no dou­to­ra­do, quan­do vol­tou no­va­men­te a Vi­ço­sa no fi­nal de 1981, que ele se es­pe­ci­a­li­zou na área de me­lho­ra­men­to ge­né­ti­co, de­fen­ den­do a tese in­ti­tu­la­da “Her­da­bi­li­da­ des, cor­re­la­çõ­es e ín­di­ce de se­le­ção em ce­nou­ra”.“Na ver­­da­de, an­tes eu ha­via es­tu­ da­do so­zi­nho e, quan­­do che­guei em Vi­ço­sa para fa­zer o dou­to­ra­­do, já pos­su­ía uma boa base por­que já tra­ba­lha­va com me­lho­ra­men­to.” Esse es­tu­do e a ex­pe­­ri­ên­cia que ad­qui­riu na Em­bra­ pa se so­ma­ram pa­ra que Jai­ro, em ple­na efer­ ves­cên­cia tec­no­ló­gi­ca do fi­nal de sé­cu­lo 20, le­vas­se o cul­ti­vo da ce­nou­ra mais adi­an­te e para ou­tras pa­ra­gens se­guin­do uma li­nha de con­ti­nu­ a­ção do me­lho­ra­men­to des­sa plan­­ta que, de for­ ma em­pí­ri­ca, co­me­çou há mi­lha­res de anos na re­gião onde hoje é o Afe­ga­nis­tão, na Ásia, ber­ço ori­gi­ná­rio da D. ca­ro­ta.“A ce­nou­ra es­pa­lhou-se para a Chi­na, Ín­dia e Eu­ro­pa, ha­ven­do re­gis­tros de cul­ti­vo eu­ro­peu no sé­cu­lo 11. No Bra­sil, ela che­gou com imi­gran­tes por­tu­gue­ses que trou­ xe­ram se­men­tes eu­ro­péi­as para a Re­gião Sul. Es­sas se­men­tes, em de­cor­rên­cia das con­di­çõ­es de cli­ma de Rio Gran­de do Sul, fo­ram mul­ti­pli­ ca­das por vá­ri­as ge­ra­çõ­es, ape­nas no âm­bi­to des­sas fa­mí­li­as, pro­pi­ci­an­do uma me­lhor adap­ ta­ção às con­di­çõ­es bra­si­lei­ras. No iní­cio da dé­ca­da de 1970, qua­se to­da a se­men­te de ce­nou­ra uti­li­za­da no Bra­sil era im­por­ta­da. “Em 1978 re­ce­bi a in­cum­­bên­cia de de­sen­vol­ver va­ri­e­da­des para todo o país”, lem­ bra Jai­ro. Na­que­la épo­ca, os pro­ble­mas a se­rem re­sol­vi­dos eram o de­sen­vol­vi­men­to de cul­ti­va­ res com adap­ta­ção às con­­di­çõ­es de cul­ti­vo do ve­rão bra­si­lei­ro, re­sis­ten­tes ao ca­lor, a do­en­ças e com boa pro­du­ti­vi­da­de. O ob­je­ti­vo era ter ce­nou­ra o ano todo, por­que a sa­fra era res­tri­ta: de maio a ju­lho ou, no má­xi­mo, até ou­tu­bro. O tra­ba­lho de me­lho­ra­men­to co­me­çou com a co­le­ta de se­men­tes no Rio Gran­de do Sul, por pes­qui­sa­do­res da Em­bra­pa, de mais de 60 po­pu­­la­çõ­es de ce­nou­ra. Mas, como em mu­i­tos ou­tros ex­pe­ri­men­tos ci­en­tí­fi­cos, a sor­te tam­ bém es­ta­va pre­sen­te nas ati­vi­da­des de Jai­ro na

24 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL

Em­bra­­pa. Den­tre as se­men­tes co­le­ta­das em solo gaú­cho, ele iden­ti­fi­cou três po­pu­la­çõ­es com as ca­rac­­te­rís­ti­cas de in­te­res­se que ser­vi­ ram para a for­­ma­ção, após um tra­ba­lho de se­le­ ção, de um no­vo cul­ti­var. “Foi um acha­do.” A nova va­ri­e­da­de foi li­be­ra­da para cul­ti­vo em 1981 e re­ce­beu o nome de Bra­sí­lia. Ela fez su­bir em 50% a pro­du­ti­vi­da­de de ce­nou­ra no país no pe­rí­o­do do ano em que foi lan­ça­da até 1984. Daí para a fren­te, a pro­du­ção des­sa hor­ta­li­ça rica em vi­ta­mi­na A cres­ce a uma taxa de 4 a 5% ao ano no Bra­sil.“A pro­du­ti­vi­da­de au­men­tou de 1984 até hoje, de 12 to­ne­la­das por hec­ta­re (t/ ha) para 28 a 30 t/ha. É a mes­ma da Aus­trá­lia, da Eu­ro­pa e dos Es­ta­dos Uni­dos.” Atu­al­men­te, a Bra­sí­lia é plan­ta­da em Mi­nas Ge­rais, São Pau­lo, Per­nam­bu­co, na Ba­hia e no Ce­a­rá, além dos três es­ta­dos da Re­gião Sul e de todo o Cer­ra­do. “Hoje pode-se plan­tar e co­lher ce­­nou­ra em qual­quer épo­ca do ano e lo­cal des­te país. Isso é um or­gu­lho para qual­quer bra­si­lei­ro.” Em 1999, uma nova va­ri­e­da­de foi lan­ça­da pe­la Em­bra­pa cha­ma­da de Al­vo­ra­da. O ob­je­ti­vo era for­ ne­cer ao mer­ca­do uma ce­nou­ra com raiz de ex­ce­ len­te qua­li­da­de e com mai­or por­cen­ta­gem de ca­ro­te­no, subs­tân­cia que se trans­for­ma em vi­ta­mi­ na A.“Mas os agri­cul­to­res con­ti­nu­am plan­tan­do a Bra­sí­lia, que res­pon­de por qua­se 80% da ce­nou­ra bra­si­lei­ra. Acre­di­to que eles não que­rem dei­xar essa va­ri­e­da­de usa­da há 15 anos.” Na Bra­sí­lia o mi­o­lo é mais cla­ro, qua­se bran­co, en­quan­to na Al­vo­ra­da o mi­o­lo é qua­se da mes­ma cor da par­te ex­ter­na, rica em ca­ro­te­no. O pró­xi­mo pro­du­to de ce­nou­ra da Em­bra­pa Hor­ta­li­ças que está sen­do de­sen­vol­vi­do sob a co­or­de­na­ção de Jai­ro é uma nova va­ri­e­da­de, que pro­va­vel­men­te se­gui­rá o nome li­ga­do ao Dis­tri­to Fe­de­ral e de­ve­rá se cha­ mar Es­­pla­na­da.As pri­mei­ras se­men­tes co­mer­ci­ais es­­ta­rão dis­po­ní­veis em mar­ço de 2005. “É uma va­­ri­e­­da­de mais atra­ti­va para as ne­ces­si­da­des da in­dús­tria de pro­ces­sa­men­to, que pro­duz ce­nou­­ ras pequenas (as mi­ni­ce­nou­ras) de for­ma ar­re­ don­da­da, para sa­la­das e pe­tis­co.” Ou­tro or­gu­lho de Jai­ro é a ca­pa­ci­da­de de as va­ri­e­da­des Bra­sí­lia e Al­vo­ra­da ne­ces­si­ta­rem de pou­ca pul­ve­ri­za­ção con­tra do­en­ças ou, como ele pró­prio diz, de ve­ne­no. “An­tes da Bra­sí­lia fa­zi­am-se duas pul­ve­ri­za­çõ­es por se­ma­na, hoje são fei­tas duas por ci­clo de três me­ses, mais co­mo um pre­ven­ti­vo.” Com isso, o país eco­no­ mi­za 280 to­ne­la­das por ano (t/ano) de ve­ne­no para as do­en­ças de fo­lhas e mais 550 t/ano para as do­en­ças do solo. “Acre­di­to que es­ta­mos co­men­do ce­nou­ra com o me­nor teor de agro­ tó­xi­co do mun­do”, diz.

PESQUISA FAPESP


SÉRGIO LIMA/FOLHA IMAGEM

Jairo na estufa da Embrapa em Brasília, onde nasceu a variedade presente em 80% das plantações

Para de­sen­vol­ver as no­vas se­men­tes, Jai­ro per­cor­re vá­ri­as re­giões do país, vi­si­tan­do prin­ ci­pal­men­te pro­du­to­res co­nhe­ci­dos dele e da Em­bra­pa. Leva con­si­go se­men­tes experimen­ tais e pede para os agri­cul­to­res plan­tarem num canteiro ao lado do local onde já pro­du­zem ce­nou­ra. “Plan­ta­mos as se­men­tes em sete ou oito lu­ga­res. De­pois fa­ze­mos a co­lhei­ta de raí­ zes e ana­li­sa­mos os re­sul­ta­dos.” Jai­ro não dei­ xa de elo­giar os agri­cul­to­res que co­la­bo­ram com esse tra­ ba­ lho. “Tem pro­ du­ tor que nos re­ce­be há 14 anos e tra­ba­lha de for­ma anô­ni­ma para o me­lho­ra­men­to da agri­cul­tu­ra.”

A

s con­tri­bu­i­çõ­es de Jai­ro para a pro­du­ ção agrí­co­la bra­si­lei­ra vão além da ce­nou­ra. A mais re­cen­te está no cul­ ti­vo da me­lan­cia. “A Em­bra­pa me so­li­ci­tou há qua­tro anos que eu de­sen­vol­ves­se uma me­lan­cia re­sis­ten­te a uma vi­ro­se cha­ma­da de ví­rus-domo­sai­co-da-me­lan­cia. Essa do­en­ça ata­ca tan­to essa fru­ta como o ma­mão e o ma­ra­cu­já.” Para che­gar a uma me­lan­cia re­sis­ten­­te, Jai­ro está cru­ zan­do es­pé­ci­mes com pol­pa ver­­me­lha e com pol­pa bran­ca (es­pé­cie sil­ves­tre re­sis­ten­te ao ví­rus). “É um tra­ba­lho de pa­ci­ên­cia.” O tra­ba­lho de um me­­lho­ris­ta, se­gun­do Jai­ro, está sem­pre vin­cu­la­do ao ape­lo de mer­ca­do.“Ho­je va­lo­ri­zamos os cha­ma­dos ali­men­tos fun­ci­o­nais pos­su­i­do­res de subs­tân­ci­as que exer­cem um pa­pel fa­vo­rá­vel em al­gum pon­­to do or­ga­nis­mo.” Exem­ plos são a vi­ta­mi­na A, es­sen­ci­al para o bom fun­­ci­o­

PESQUISA FAPESP

na­ men­ to da vi­ são, e o li­co­pe­no, uma subs­tân­cia abun­dan­te no to­ma­te que pode pre­­ve­nir o cân­ cer de prós­ta­ta. “Teve uma épo­ca, que já pas­sou, em que a ên­fa­se eram os pro­du­tos para con­ge­la­ men­to como as er­vi­lhas. Exis­tem tam­bém pro­du­ tos cuja épo­ca ain­da não che­gou ao Bra­sil, co­mo os trans­gê­ni­cos, pos­sui­dores de bar­rei­ras pa­ra a acei­ta­ ção no mer­ca­do.“Eu acre­ di­to que da­qui a 20, 30 anos os ali­men­tos se­rão in­di­ca­dos até por mé­di­ cos, para de­ter­mi­na­dos ti­pos de pro­ble­ma ou pa­ra re­vi­go­rar cer­tas fun­ çõ­es or­gâ­ni­cas.” O fu­tu­ro do pes­qui­sa­dor ain­da tem mu­i­to chão.“Em cin­co ou seis anos po­de­rei me apo­sen­ ­tar, mas não sei se agüen­to fi­car lon­ge do tra­ba­ lho.”A úni­ca vez em que ele pa­rou na Em­bra­pa foi du­ran­te o pós-dou­to­ra­do na Uni­ver­si­da­de Te­­xas A&M, nos Es­ta­dos Uni­dos, que du­rou dois anos, en­tre 1995 e 1996. “Fui a con­vi­te do pro­fes­sor Le­o­nard Pike, que es­te­ve no Bra­sil em 1987 e co­nhe­ceu a va­ri­e­da­de Bra­sí­lia. Ele le­vou al­gu­mas amos­tras e o cru­za­men­to com ou­tras va­ri­e­­da­des resultou em uma ce­nou­ra roxa por fora e ver­me­ lha por den­tro, que só tem mer­ca­do como en­fei­te ou em cu­li­ná­ria so­fis­ti­ca­da.” Para o Te­xas, Jai­ro foi com a mu­lher, Rita de Cás­sia, e os três fi­lhos, dois ra­pa­zes e uma me­ni­ na. Rita, eco­no­mis­ta que tra­ba­lha na sede da Em­bra­pa em Bra­sí­lia, tam­bém fez pós-dou­to­ra­ do na mes­ma uni­ver­si­da­de e os três fi­lhos se apri­mo­ra­ram no in­glês. Ma­ri­do e es­po­sa con­ti­ nu­a­ram, no Te­xas, uma se­qüên­cia em co­mum des­de a épo­ca que se co­nhe­ce­ram, ain­da es­tu­ dan­tes de gra­du­a­ção na UFV. Jai­ro, que pos­sui mais de 30 tra­ba­lhos pu­bli­ca­dos em re­vis­tas ci­en­tí­fi­cas na­ci­o­nais e in­ter­na­ci­o­nais, pen­sa ain­­ da em tra­ba­lhar como pro­fes­sor quan­do se des­li­ ­gar da Em­bra­pa. Hoje atua como co-ori­en­ta­dor de alu­nos da Uni­ver­si­da­de de Bra­sí­lia e par­ti­ci­pa de ban­cas de tese em ou­tras uni­ver­si­da­des. Ele acre­­di­ta que ain­da tem mu­it­ o a en­si­nar e a apren­ ­der. E cita o en­si­na­men­to do pro­fes­sor Vi­cen­te Wag­ner Dias Ca­sa­li, ori­en­ta­dor de seu dou­to­ra­ do:“Se a pes­soa pre­ci­sa de aju­da, eu aju­do. E eu me sin­to bem em aju­dar os ou­tros”. • ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 25


CIÊNCIA APLICADA AO MAR

O ci­en­tis­ta que ador ­ a a praia Es­tu­dos de Di­et­ er Mu­eh ­ e são es­sen­ci­ais para con­ci­li­ar o uso com a pre­ser­va­ção do li­to­ral

C

om a ha­bi­tu­al dis­cri­ção, o ge­ó­gra­fo Di­e­ter Mu­e­he acom­pa­nhou du­ran­ te 15 anos, como re­pre­sen­tan­te da co­mu­ni­da­de ci­en­tí­fi­ca, os es­tu­dos para de­fi­ni­ção dos li­mi­tes da pla­ta­ for­ma con­ti­nen­tal bra­si­lei­ra, apre­ sen­ta­dos a uma co­mis­são da Or­ga­ni­za­ção das Na­çõ­es Uni­das (ONU) reu­ni­da em Nova York du­ran­te duas se­ma­nas, de 30 de agos­to a 17 de se­tem­bro. Li­de­­ra­do pelo al­mi­ran­te Lú­cio Fran­co de Sá Fer­nan­des, o gru­po bra­si­lei­ro – o se­gun­do do mun­do, de­pois dos rus­sos, a apre­ sen­tar o le­van­ta­men­to hi­dro­grá­fi­co e ge­o­ló­gi­ co con­for­me as re­gras es­ti­pu­la­das pela ONU – está rei­vin­di­can­do uma pla­­ta­for­ma con­ti­nen­tal a uma dis­tân­cia de até 350 mi­lhas (650 qui­lô­ me­tros) da li­nha da cos­ta. É uma su­per­fí­cie equi­va­len­te à dos três es­ta­dos do Sul do Bra­sil so­ma­da à do Es­ta­do de São Pau­lo, com áre­as no­vas para ex­plo­ra­ção de pe­tró­leo, gás e mi­né­ ri­os que o Bra­sil po­de­rá ex­plo­rar com ex­clu­­si­ vi­da­de – e na qual qual­quer ati­vi­da­de de ex­plo­ ra­ção mi­ne­ral por ou­tro país só po­de­rá ser fei­ta com au­to­ri­za­ção do go­ver­no bra­si­lei­ro. “Se há algo re­al­men­te ad­mi­rá­vel em Di­e­ter é sua ple­na cons­ci­ên­cia do pa­pel que ele re­pre­ sen­ta para a so­ci­e­da­de”, co­men­ta o ge­ó­lo­go ma­ri­nho Moy­sés Tess­ler, do Ins­ti­tu­to de Oce­a­ no­gra­fia da Uni­ver­si­da­de de São Pau­lo (USP), que vi­a­jou com Mu­e­he em ex­pe­di­çõ­es pelo li­to­ral bra­si­lei­ro.“E ele não se gaba des­se sen­so

26 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL

de ci­da­da­nia.” Mas esse ge­ó­gra­fo bai­a­no – de Ma­ra­go­gi­pe, ci­da­de do Re­côn­ca­vo Bai­a­no em fren­te a Sal­va­dor – não olha só para o mar. Pro­ fes­sor do De­par­ta­men­to de Ge­o­gra­fia do Ins­ti­ tu­to de Ge­o­ci­ên­ci­as da Uni­ver­si­da­de Fe­de­ral do Rio de Ja­nei­ro (UFRJ) des­de 1968, Mu­e­he ini­ci­ou há 40 anos suas pes­qui­sas so­bre as trans­for­ma­çõ­es do li­to­ral bra­si­lei­ro, hoje fun­da­ men­tais quan­do se pen­sa em con­ci­li­ar o uso e a pre­ser­va­ção das prai­as – como ele de­mons­ trou, a li­nha de cos­ta os­ci­la fei­to uma san­fo­na, à me­di­da que os ban­cos de areia se des­lo­cam. Para que esse ci­clo na­tu­ral seja res­pei­ta­do e os de­sa­ba­men­tos de ca­sas e mu­ti­la­çõ­es das pai­ sa­gens se tor­nem me­nos fre­qüen­tes, Mu­e­he pro­pôs uma fai­xa de pro­te­ção de 50 me­tros a par­tir da li­nha do mar nas áre­as ur­ba­nas e de 200 me­tros nos tre­chos não ur­ba­ni­za­dos do li­to­ral, em um tra­ba­lho fei­to a pe­di­do do Mi­nis­ té­rio do Meio Am­bi­en­te e pu­bli­ca­do em 2001 na Re­vis­ta Bra­si­lei­ra de Ge­o­mor­fo­lo­gia. Se­ria uma for­ma de evi­tar o ce­ná­rio de­so­la­dor que to­mou con­ta de uma praia em Bar­ra de Ma­ri­cá, no li­to­ral do Rio, há três anos, de­pois de uma for­te tem­pes­ta­de ter der­ru­ba­do um con­jun­to de ca­sas er­gui­das à bei­ra-mar. Seus pro­pri­e­tá­ri­ os re­fi­ze­ram as cons­tru­çõ­es e er­gue­ram mu­ros de de­fe­sa numa ten­ta­ti­va pro­va­vel­men­te vã de lu­tar con­tra o mar. “A lar­gu­ra exa­ta da fai­xa de pro­te­ção pre­ci­ sa­ria ser sin­to­ni­za­da com as ten­dên­ci­as lo­cais

PESQUISA FAPESP


LÉO RAMOS

O geógrafo do mar: atlas de erosão indica os pontos mais frágeis do litoral brasileiro

de mo­di­fi­ca­ção da li­nha de cos­ta”, diz Mu­e­he, que fez o tra­ba­lho com­ple­to: um le­van­ta­men­to na­ci­o­nal que ele co­or­de­nou in­di­ca jus­ta­men­te os tre­chos mais vul­ne­rá­veis à ero­são ou à pro­ gra­da­ção – como é cha­ma­do o pro­ces­so in­ver­ so, de de­po­si­ção de areia – ao lon­go dos 8 mil qui­lô­me­tros de cos­ta bra­si­lei­ra. O Di­ag­nós­ti­co de ero­são e pro­gra­da­ção cos­tei­ra, que con­tou com qua­se R$ 50 mil da Se­cre­ta­ria da Co­mis­são In­ter­mi­nis­te­ri­al para os Re­cur­sos do Mar (Se­cirm) e deve ser pu­bli­ca­do nos pró­xi­mos me­ses, re­ve­la que 40% das prai­as bra­si­lei­ras es­tão en­co­lhen­do, en­quan­to ou­tros 10% ga­n­ ham areia e se alar­gam.

P

ro­pos­to pelo Pro­gra­ma de Ge­o­lo­gia e Ge­o­fí­si­ca Ma­ri­nha (PGGM), uma as­so­ ci­a­ção de gru­pos de pes­qui­sa das uni­ ver­si­da­des cos­tei­ras do país, esse le­van­ta­men­to das áre­as de ris­co do li­to­ral re­sul­ta do tra­ba­lho de 16 gru­ pos de pes­qui­sa, do Ama­pá ao Rio Gran­de do Sul, que Mu­ e­ he con­ se­ guiu reu­ nir com um raro po­der de mo­bi­li­za­ção e um res­pei­to ao tra­ba­lho alheio que lhe ren­deu a apa­ren­te­men­te unâ­ni­me ad­mi­ra­ção dos co­le­gas e dos alu­nos. “Esse atlas

PESQUISA FAPESP

será a base para o mo­ni­to­ra­men­to con­tí­nuo de prai­as, para sa­ber­mos se a ero­são ou a pro­gra­da­ ção re­f le­tem um de­se­qui­lí­brio mo­men­tâ­ne­o ou uma ten­dên­cia de lon­go pra­zo”, co­men­ta Mu­e­ he, que tem 67 anos, mas nin­guém de boa-fé lhe da­ria mais de 50. Gen­til e aten­ci­o­so, ado­ra pôr a ve­lha san­dá­lia de cou­ro e boné, aco­mo­dar-se a bor­do de bar­cos in­flá­veis ou de pes­ca e ob­ser­ var as su­tis va­ri­a­çõ­es da li­nha da cos­ta. É um tra­ba­lho que exi­ge pa­ci­ên­cia, mas que pode ser ex­tre­ma­men­te pro­vei­to­so. Com sua equi­pe da UFRJ, Mu­e­he examinou por três anos as mu­dan­ças em uma das prai­as de Ma­caé, no li­to­ral flu­mi­nen­se, até che­gar à con­clu­são de que a ero­são que pre­o­cu­pa­va tan­to era ape­nas a face mais vi­sí­vel de um pro­ces­so de re­e­qui­lí­ brio es­pon­tâ­neo – a areia que su­mia vol­ta­va de­pois. Como re­sul­ta­do, a pre­fei­tu­ra eco­no­mi­ zou cer­ca de US$ 1,5 mi­lhão que pre­ten­dia gas­tar em obras para con­ter um fe­nô­me­no que por si só se re­sol­ve­ria. Du­ran­te mais tem­po ain­ da – oito anos,“sem fa­lhar um mês”, or­gu­lha-se –, ele tem acom­pa­nha­do os cor­pos de areia cres­cen­do ou en­co­lhen­do em um cam­po de du­nas pró­xi­mo a Cabo Frio, tam­bém no li­to­ral flu­mi­nen­se, a duas ho­ras de vi­a­gem da ci­da­de

ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 27


do Rio. Já fez o le­van­ta­men­to nú­me­ro 102, que re­pre­sen­ta até ago­ra cer­ca de 31 mil qui­lô­me­tros ro­da­dos en­tre o Rio e a área de es­tu­do. Os da­dos apu­ra­dos in­di­ cam pro­vá­veis efei­tos do aque­ci­men­to ou es­fri­a­men­to das águas do Pa­cí­fi­co – o El Niño e a La Niña – e que o li­to­ral por lá está re­cu­an­do. “Nada gra­ve”, diz, “se o ní­vel do mar não su­bir.” O pro­ble­ma é que mu­i­tos es­tu­dos no mun­do in­tei­ro aler­tam para a ele­va­ção do ní­vel do mar.

A

mai­o­ria das pes­so­as atri­bui pou­ ca im­por­tân­cia às di­fe­ren­ças de cor, tex­tu­ra ou ta­ma­nho dos grãos de areia das prai­as – o que im­por­ta mes­mo é o sol, cer­to? Ele, não. Com um pu­nha­do de areia nas mãos, esse ge­ó­ gra­fo do mar ima­gi­na o pas­sa­do e o fu­tu­ro de uma praia, do mes­mo modo que um pa­le­on­tó­lo­go re­cons­ti­tui um ani­ mal ex­tin­to a par­tir de um osso fos­si­li­za­ do. Há cer­ca de 20 anos, Di­e­ter Mu­e­he pro­pôs uma me­to­do­lo­gia de es­tu­dos cos­tei­ros, mos­tran­do onde e como co­l­ her amos­tras e que tipo de in­for­ma­ção ti­rar de um pu­nha­do de areia ama­re­la­da ou aver­ me­ lha­ da, fina ou gros­ sa. Com men­te aber­ta, mos­trou tam­bém que às ve­zes é me­lhor es­que­cer a areia, como acon­te­ceu ao apli­car uma fór­mu­la cri­a­ da por oce­a­nó­gra­fos aus­tra­li­a­nos para de­ter­mi­nar co­mo uma praia fi­ca­rá em al­guns anos. A re­cei­ta ori­gi­nal se apoi­a­va em três va­ri­á­veis: a al­tu­ra e o pe­rí­o­do da onda e a gra­nu­lo­me­tria da areia. “Mu­i­tas ve­zes”, ele con­ta,“essa fór­mu­la não cor­res­pon­ dia ao que era ob­ser­va­do”. Mu­e­he de­sen­vol­veu en­tão ou­tra fór­mu­la, tro­can­do a gra­nu­lo­me­tria da areia pela de­cli­vi­da­de da praia, para de­fi­nir o es­ ta­ do da praia no pró­ prio mo­ men­ to da ob­ser­va­ção. Pu­bli­ca­da há cin­co anos na Re­vis­ ta Bra­si­lei­ra de Oce­a­no­gra­fia, essa fór­mu­la tem aju­da­do a iden­ti­fi­car o per­fil de uma praia e ava­li­ar sua sen­si­bi­li­da­de a va­za­men­tos de óleo e ris­co po­ten­ci­al para os ba­nhis­tas. “Di­e­ter é um gran­de pro­fis­si­o­nal, ex­tre­ma­ men­te sé­rio e dis­ci­pli­na­do, com quem é mu­i­to tran­qüi­lo tra­ba­lhar”, co­men­ta o ge­ó­gra­fo da USP Ju­randyr Ross, que fez com seu co­le­ga do Rio ou­tro es­tu­do im­por­tan­te so­bre o li­to­ral – o atlas do ma­cro­di­ag­nós­ti­co cos­tei­ro do Bra­sil. Edi­ta­do há cer­ca de seis anos pelo Mi­nis­té­rio do Meio Am­bi­en­te, esse le­van­ta­men­to é con­si­

28 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL

Baiano, filho de alemães, apaixonado pelo mar desde a adolescência: olhar apurado para as mudanças da costa

de­ra­do uma obra fun­da­men­tal para usar em con­jun­to com o atlas de ero­são quan­do na hora de pla­ne­jar a ocu­pa­ção do li­to­ral sem sen­tir mais tar­de a re­van­che da na­tu­re­za. “De­pois de to­dos es­ses es­tu­dos”, afir­ma Ross, “se as ca­sas ain­da de­sa­bam no li­to­ral não é por fal­ta de in­for­ma­ção, mas por fal­ta de uso da in­for­ma­ção”. Não é exa­ge­ro di­zer que ele tra­ba­lhou nes­ ses pro­je­tos com de­di­ca­ção ger­mâ­ni­ca. Di­e­ter Carl Ernst Hei­no Mu­e­he – eis seu nome com­ ple­to – é o fi­lho úni­co de um ca­sal de ale­mães, Vic­tor Carl Mu­e­he e Ger­da Min­na Emma Mu­e­ he. Os dois che­ga­ram ao Bra­sil em 1936 fu­gin­ do da re­ces­são eco­nô­mi­ca que to­mou con­ta da Ale­ma­nha após a Pri­mei­ra Guer­ra Mun­di­al. Vic­ tor, que ha­via ser­vi­do como ofi­ci­al no Exér­ci­to du­ran­te a guer­ra, se­guiu o mes­mo des­ti­no de

PESQUISA FAPESP


LÉO RAMOS

ou­tros ale­mães que imi­gra­vam para o Bra­sil: foi tra­ba­lhar como con­ta­dor em uma fá­bri­ca de cha­ru­tos, a Su­er­dick, em Ma­ra­go­gi­pe, no Re­côn­ ca­vo Bai­a­no. Foi ali que Di­e­ter Mu­e­he nas­ceu, em abril de 1937.

S

eu pai mor­reu em 1939, pro­va­vel­men­ te de in­fec­ção hos­pi­ta­lar. Sua mãe de­ci­diu vol­tar para a Ale­ma­nha, ima­gi­ nan­­do que lá con­se­gui­r ia dar uma edu­ca­ção me­lhor ao fi­lho en­tão com 1 ano e meio. Mas logo veio ou­tra guer­ ra, dei­xa­ram Ber­lim, onde pre­ten­di­am vi­ver, e ti­ve­ram de se mu­dar às pres­sas mu­i­tas ve­zes, fu­gin­do das bom­bas que des­truí­am as ci­da­des e os pla­nos. Vol­ta­ram ao Bra­sil em 1947, dois anos de­pois de ter­mi­na­da a guer­ra, e se ins­ta­la­ ram em Nova Fri­bur­go, na re­gião ser­ra­na do

PESQUISA FAPESP

Rio. Para o ga­ro­to de 10 anos, que mal fa­la­va por­tu­guês, fo­ram tem­pos di­fí­ceis. Mas foi quan­do aflo­rou a cu­ri­o­si­da­de ci­en­tí­fi­ca e ele co­me­çou a co­le­ci­o­nar bor­bo­le­tas, be­sou­ros e ro­chas re­co­lhi­das nas lon­gas ca­mi­nhadas pe­las mon­ta­nhas. Só em Vila Ve­lha, no Es­pí­ri­to San­to, para on­ de se fo­ ram qua­ se dois anos de­pois, o en­tão ado­les­­cen­te cons­tru­iu um for­te cír­cu­lo de ami­gos, ser­­viu no Exér­ci­ to du­ran­te um ano e co­me­çou a mer­­gu­ lhar, com más­ca­ras que ma­chu­ca­vam o na­riz e fa­zi­am os ou­vi­dos do­e­rem com fre­qüên­cia. Apai­xo­nou-se pelo mar. “En­quan­to mer­gu­lha­va e pes­ca­va la­gos­ ta”, re­cor­da ele,“eu ti­nha von­ta­de de fa­zer ci­ên­cia e es­tu­dar me­lhor tudo aqui­lo.” Em 1960, na hora do ves­ti­bu­lar, op­tou por ge­o­­gra­fia na Uni­ver­si­da­de Fe­de­ral do Es­pí­ri­to San­to (Ufes) como for­ma de con­ci­li­ar seu in­te­res­se por oce­a­no­gra­fia e ge­o­lo­gia. Nes­sa épo­ca, já es­ta­va tra­ba­ lhan­do na Com­pa­nhia Vale do Rio Doce – pri­mei­ra­men­te na equi­pe de to­po­gra­fia na es­tra­da de fer­ro, de­pois como téc­ni­co em me­câ­ni­ca dos so­los. Di­e­ter Mu­e­he mu­dou-se para o Rio de Ja­nei­ro em 1964 para tra­ba­lhar na Do­ce­na­ve, a re­cém-cri­a­da em­pre­sa de na­ve­ga­ção da Vale do Rio Doce, mas aca­ bou fi­can­do mes­mo na em­pre­sa ma­triz. Foi tam­bém quan­do se trans­fe­riu para o de­par­ta­men­to de ge­o­gra­fia da en­tão Uni­ver­si­da­de do Bra­sil, re­ba­ti­za­da de Uni­ver­si­da­de Fe­de­ral do Rio de Ja­nei­ro (UFRJ). Em seu mes­ tra­ do, que du­ rou qua­tro anos, pro­pôs uma clas­si­fi­ca­ção das prai­as en­tre o Rio de Ja­nei­ro e Cabo Frio de acor­do com seu per­fil to­po­grá­fi­co e da zona sub­ma­ri­na ad­ja­cen­te, o tipo de se­di­men­to e a ener­gia das on­das do mar que che­gam à praia. Era o iní­cio da pós-gra­du­a­ção no de­par­ ta­men­to de ge­o­gra­fia. “Foi uma épo­ca di­fí­cil”, con­ta ele. “Ti­nha dois ou três tra­ba­lhos para apre­sen­tar por se­ma­na e fi­ca­va mu­i­tas noi­tes sem dor­mir.” O dou­to­ra­do ele fez na Ale­ma­nha, já se apro­fun­dan­do em oce­a­no­gra­fia e ge­o­lo­ gia ma­ri­nha. Nes­sa épo­ca já ha­via dei­xa­do a Vale do Rio Doce para tra­ba­lhar ape­nas na uni­ ver­si­da­de, pro­cu­ran­do equi­li­brar a de­di­ca­ção à ci­ên­cia e à fa­mí­lia. Pa­re­ce ter con­se­gui­do. É sua úni­ca fi­lha, a mé­di­ca ra­di­o­lo­gis­ta In­grid En­gel­ ke Mu­e­he De Si­mo­ne Alon­so, mãe de Ma­teus, de 8 anos, e de Ni­co­le, de 2, quem diz: “Ele é ad­mi­rá­vel”. • ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 29


CIÊNCIA APLICADA AO MEIO AMBIENTE

O ami­go da ­ est­ a flor O biólogo Philip Fearnside de­fen­de o de­sen­vol­vi­men­to sus­ten­tá­vel da Ama­zô­nia

A

s­sim que con­clu­iu a gra­du­a­ção em bi­o­ lo­gia no Co­lo­ra­do Col­le­ge, uma uni­ ver­si­da­de pri­va­da do Es­ta­do do Co­lo­ ra­do, o ca­li­for­ni­a­no Phi­lip Mar­tin Fe­arn­si­de par­tiu para a Índia. En­tre 1969 e 1971 foi vo­lun­tá­rio da Pe­ac­ e Corps, uma agên­cia fe­de­ral dos Es­ta­ dos Uni­dos que pro­mo­ve aju­da hu­ma­ni­tá­ria e tec­no­ló­gi­ca para paí­ses po­bres. No Es­ta­do do Ra­jas­tão, no­ro­es­te da Índia, não mu­i­to lon­ge da fron­tei­ra com o Pa­quis­tão, acon­se­lhou o go­ver­ no lo­cal no ma­ne­jo de pei­xes em re­ser­va­tó­ri­os. Ter­mi­na­da a tem­po­ra­da asi­á­ti­ca, re­tor­nou a seu país para co­me­çar o dou­to­ra­do na Uni­ver­si­da­ de de Mi­chi­gan. Não que pre­ten­des­se fi­car mu­i­ to tem­po por ali. Sua idéia era vol­tar em 1973 para a na­ção de Gan­d­hi e ad­qui­rir o tí­tu­lo aca­ dê­mi­co por meio de um tra­ba­lho so­bre o nú­me­ro de pes­so­as que po­dem ser sus­ten­ta­das in­de­fi­ni­da­men­te em uma área com o em­pre­go da tec­no­lo­gia agrí­co­la exis­ten­te. Foi quan­do os re­f le­xos de uma guer­ra mu­da­ram o des­ti­no do ex-vo­lun­tá­rio da paz. Em 1971, os Es­ta­dos Uni­ dos ha­vi­am apoi­a­do o Pa­quis­tão no con­f li­to que le­vou à cri­a­ção do Es­ta­do de Ban­gla­desh e os in­di­a­nos, ini­mi­gos dos pa­quis­ta­ne­ses, num ato de re­ta­li­a­ção, fe­cha­ram as fron­tei­ras para os pes­qui­sa­do­res nor­te-ame­ri­ca­nos. En­tão Fe­arn­si­ de re­cor­reu ao pla­no B: Ama­zô­nia. Não há como sa­ber se o bi­ó­lo­go, ven­ce­dor do Prê­mio FCW na ca­te­go­ria Ci­ên­cia Apli­ca­da

30 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL

ao Meio Am­bi­en­te, te­ria sido tão bem-su­ce­di­do na Índia como aca­bou sen­do no Nor­te do Bra­ sil. Hoje, três dé­ ca­ das após de­ sem­ bar­ car na re­gião, Fe­arn­si­de acu­mu­la ex­pe­ri­ên­cia de cam­ po – mo­rou até em agro­vi­las à bei­ra da Tran­sa­ ma­zô­ni­ca para fa­zer seu dou­to­ra­do – e sa­ber ci­en­tí­fi­co so­bre a Ama­zô­nia ra­ra­men­te en­con­ tra­dos em bra­si­lei­ros. Seu nome é re­fe­rên­cia in­ter­na­ci­o­nal em mu­i­­ tos dos te­mas que tor­nam a gran­de mata tro­pi­ cal um as­sun­to im­por­tan­te e po­lê­mi­co, como a pos­sí­vel re­la­ção do des­ma­ta­men­to da flo­res­ta com as mu­dan­ças cli­má­ti­cas no pla­ne­ta e o im­pac­to da im­plan­ta­ção de es­tra­das, bar­ra­gens e pro­je­tos agro­pe­cu­á­ri­os na re­gião. Por seus tra­ba­lhos em prol do de­sen­vol­vi­men­to sus­ten­tá­ vel, con­tra pro­je­tos ofen­si­vos ao meio am­bi­en­ te, como a cons­tru­ção da usi­na hi­dre­lé­tri­ca de Bal­bi­na nos anos 1980, cos­tu­ma ser ata­ca­do pe­los de­fen­so­res do pro­gres­so a todo cus­to, às ve­zes com tin­tas xe­nó­fo­bas. Desde 1978 ci­en­ tis­ta do Ins­ti­tu­to Na­ci­o­nal de Pes­qui­sas da Ama­ zô­nia (Inpa), de Ma­naus, Fe­arn­si­de, aos 57 anos, já se acos­tu­mou com as crí­ti­cas e re­fu­ta a ima­ gem sim­plis­ta de de­fen­sor da tese de que a Ama­zô­nia deve ser tra­ta­da como san­tu­á­rio. “Ao con­trá­rio do que afir­mam al­guns po­lí­ti­cos, não exis­te mais gen­te di­zen­do que a Ama­zô­nia é in­to­cá­vel, que de­ve­ria ser um mu­seu”, afir­ma. Há qua­se duas dé­ca­das, o pes­qui­sa­dor de­fen­de a idéia de que a re­gião deve se tor­

PESQUISA FAPESP


MAURÍCIO TORRES

O pesquisador norte-americano, do Inpa: a fa­vor de que a re­gião se es­pe­ci­a­li­ze em ven­der ser­vi­ços am­bi­en­tais

nar uma ven­de­do­ra de ser­vi­ços para o pla­ne­ta. De ser­vi­ços am­bi­en­tais, bem en­ten­di­do. Um tipo de vi­são em que a flo­res­ta é mais va­li­o­sa para os ha­bi­tan­tes da Re­gião Nor­te em pé do que quei­ma­da ou des­ma­ta­da, tan­to do pon­to de vis­ta da eco­lo­gia como da eco­no­mia. Não se tra­ta ape­nas de pre­ser­var a mata por que esse com­ple­xo ecos­sis­te­ma é mo­ra­da de uma rica bi­o­di­ver­si­da­de de es­pé­ci­es ve­ge­tais, que, em tese, po­de­ria ser ex­plo­ra­da sem gran­de agres­ são ao meio am­bi­en­te por (agro)in­dús­tri­as lim­ pas ou la­bo­ra­tó­ri­os far­ma­cêu­ti­cos. Para Fe­arn­si­ de, a flo­­res­ta pre­ser­va­da, além de dei­xar de emi­tir po­lu­en­­tes de­cor­ren­tes da quei­ma­da de suas ár­vo­res, re­ti­ra da at­mos­fe­ra gran­des quan­ ti­da­des de car­bo­no. O gás di­ó­xi­do de car­bo­no (CO2) é o prin­ci­pal po­lu­en­te acu­sa­do de au­men­tar o efei­to es­tu­fa, ano­ma­lia que já está al­te­ran­do o cli­ma em vá­ri­as par­tes do glo­bo. Mais dia, me­nos dia, pre­vê o bi­ól­o­go, os paí­ses ri­cos, que des­pe­jam o gros­so dos po­lu­en­tes at­mos­fé­ri­cos, te­rão de pa­gar para os bra­si­lei­ros man­te­rem a mata pre­ser­va­da. Essa se­r ia uma das for­mas de as na­çõ­es de­sen­vol­vi­das evi­ta­ rem mais agres­sõ­es ao cli­ma da Ter­ra. “Ven­der ser­vi­ços am­bi­en­tais é como ven­der soja”, com­

PESQUISA FAPESP

pa­ra.“É um co­mér­cio.” No jar­gão do meio am­bi­ en­tal, es­sas hi­po­té­ti­cas tran­sa­çõ­es cos­tu­mam ser cha­ma­das como o mer­ca­do in­ter­na­ci­o­nal de car­bo­no. Como qua­se toda idéia re­fe­ren­te à Ama­zô­ nia, ven­der ser­vi­ços am­bi­en­tais é uma pro­pos­ta con­tro­ver­sa. Al­gu­mas ques­tõ­es pre­ci­sam ser de­ba­ti­das e equa­ci­o­na­das an­tes de a Ama­zô­nia se tor­nar uma ven­de­do­ra de ser­vi­ços am­bi­en­ tais. Quan­to cus­ta­rão es­ses ser­vi­ços? Qual será o me­ca­nis­mo co­mer­ci­al que vai re­gu­lar esse co­mér­cio? Re­ce­ber di­nhei­ro do ex­te­ri­or para não quei­mar e cor­tar a Ama­zô­nia não fere a so­be­ra­nia na­ci­o­nal? Os paí­ses ri­cos con­cor­da­ rão em pa­gar um im­pos­to am­bi­en­tal em prol da Ama­zô­nia e ou­tras áre­as ver­des do pla­ne­ta? As per­gun­tas não in­ti­mi­dam o bi­ó­lo­go do Inpa. “Nin­guém sabe quan­to po­de­ria ser co­bra­do de um hi­po­té­ti­co im­pos­to am­bi­en­tal, mas é ver­da­ de tam­bém que nin­guém diz que a taxa de­ve­ ria ser de 0%”, pon­de­ra. Para Fe­arn­si­de, o mer­ ca­do in­ter­na­ci­o­nal de car­bo­no só ten­de a se va­ lo­ ri­ zar com o tem­ po. Por quê? Por­ que as ou­tras for­mas de re­ti­rar CO2 da at­mos­fe­ra se­ri­ am ain­da mais ca­ras, e por­que o efei­to es­tu­fa ten­de cada vez mais a se agra­var. E o Bra­sil, se

ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 31


MAURÍCIO TORRES

Fearnside numa ma­dei­rei­ra do Pará: a flo­res­ta é mais va­li­o­sa em pé do que quei­ma­da ou des­ma­ta­da

vi­es­se a ade­rir a esse me­ca­nis­mo, não es­ta­ria abrin­do mão do con­tro­le so­bre um pe­da­ço de seu ter­ri­tó­rio. “Os con­tra­tos se­ri­am por tem­po de­ter­mi­na­do e o país po­de­ria não re­no­vá-los de­pois de 10 ou 20 anos”, diz. Tal­vez não seja pru­den­te adi­ar por mais tem­ ­po esse de­ba­te na so­ci­e­da­de bra­si­lei­ra, o que não quer di­zer, ne­ces­sa­ri­a­men­te, to­mar par­ti­do a fa­vor da ven­da de ser­vi­ços am­bi­en­tais.“Fe­arn­ si­de é um dos pes­qui­sa­do­res lí­de­res na ques­­ tão es­tra­té­gi­ca dos flu­xos de car­bo­no na Ama­ zô­­nia, com gran­de con­tri­bu­i­ção ci­en­tí­fi­ca na quantificação de gases de efeito estufa prove­ nientes de queimadas”, afir­ma Pau­lo Ar­ta­xo, do Ins­ti­tu­to de Fí­si­ca da Uni­ver­si­da­de de São Pau­lo (USP). “Mas ain­da é um pou­co cedo para uma ava­li­a­ção eco­­nô­mi­ca e po­lí­ti­ca so­bre a ade­ qua­ção para o Bra­sil dess­e polêmico me­rcado­ in­ter­na­ci­o­nal de car­bo­no. Os vá­ri­os agen­tes na­ci­o­­nais ain­da têm que dis­cu­tir me­lhor essa im­por­tan­te e delicada ques­tão.” Como Fe­arn­si­ de,Ar­ta­xo par­ti­ci­pa do Ex­pe­ri­men­to de Gran­de Es­ca­la da Bi­os­fe­ra-At­mos­fe­ra na Ama­zô­nia (LBA), me­ga­pro­je­to in­­ter­na­ci­o­nal de US$ 80 mi­lhõ­es que, des­de 1999, reú­ne mais de 300 pes­qui­sa­do­res da Amé­ri­ca La­­ti­na, Es­ta­dos Uni­ dos e Eu­ro­pa, sob a li­de­ran­ça do Bra­sil.

32 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL

C

er­ca de 16% da co­ber­tu­ra ve­ge­tal ori­gi­nal da Ama­zô­nia já foi cor­ta­da. Se­gun­do o bi­ól­o­go do Inpa, as áre­ as des­ma­ta­das são mais do que su­fi­ ­ci­en­tes para se man­ter uma agro­ pe­cu­á­ria vol­ta­da à pro­du­ção de ali­men­tos para os 20 mi­lhõ­es de ha­bi­tan­tes do Nor­te do país – e não para o mer­ca­do ex­ter­no. “Não po­de­mos es­ti­mu­lar a pro­du­ção de soja e gado para ex­por­ta­ção. Isso leva à cons­tru­ção de obras de in­ fra-es­ tru­ tu­ ra que agri­ dem o meio am­bi­en­te”, opi­na Fe­arn­si­de. Ape­sar das re­sis­tên­ci­as às suas idéi­as e das di­fi­cul­da­des de ser ci­en­tis­ta no Bra­sil, ain­da mais na Ama­zô­ nia, fora do rico eixo Sul-Sudeste, o pes­qui­sa­ dor nor­te-ame­ri­ca­no nem pen­sa em vol­tar em de­fi­ni­ti­vo para sua ter­ra na­tal. “Quan­do vou aos Es­ta­dos Uni­dos, me sin­to por fora das coi­ sas”, diz.“Na ques­tão das mu­dan­ças cli­má­ti­cas, eles são mu­i­to atra­sa­dos. Uma im­por­tan­te par­ te da po­pu­la­ção não acre­di­ta no efei­to es­tu­fa.” La­ços fa­mi­li­a­res tam­bém o pren­dem à ter­ra que o aco­lheu há 30 anos. Sua mu­lher, a en­to­ mo­lo­gis­ta Neu­sa Ha­ma­da, tam­bém pes­qui­sa­ do­ra do Inpa, é bra­si­lei­ra, a exem­plo das duas fi­lhas. “Não é um sa­cri­fí­cio mo­rar no Bra­sil”, ava­lia. • PESQUISA FAPESP


Cronograma da Premiação 2004 Na edição 2004 os Prê­mios FCW de Arte, Ciência e Cultura se­rão con­ce­di­dos a per­so­ na­li­da­des re­si­den­tes ou a en­ti­da­des se­di­a­das no Bra­sil que se te­nham des­ta­ca­do nas se­guin­tes áre­as: Fotografia Publicitária*, Li­te­ra­tu­ra, Me­di­ci­na, Ci­ên­cia Ge­ral, Ci­ên­cia Apli­ca­da ao Cam­po, Ci­ên­cia Apli­ca­da à Água e Ci­ên­cia Apli­ca­da ao Meio Am­bi­en­te. As indicações deverão ser feitas conforme orientação contida no site da fundação: www.fcw.org.br.

Abai­xo, as da­tas da pre­mi­a­ção Divulgação para a imprensa e convite oficial para que as instituições e entidades encaminhem à FCW suas indicações

Segunda semana de outubro de 2004 durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia

Prazo para recebimento das indicações pela FCW e convite aos jurados

Final da primeira quinzena de março de 2005

Preparação dos dossiês dos indicados

Segunda quinzena de março de 2005

Julgamento e escolha dos premiados

Primeira semana de abril de 2005

Divulgação dos trabalhos

Segunda semana de abril de 2005

Premiação

Dia 20 de maio de 2005

* Para o Prêmio FCW de Fotografia Publicitária o cronograma e o regulamento constam no site.

PESQUISA FAPESP

ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 33


Instituições Parceiras

da

FCW

Fun­da­ção de Am­pa­ro à Pes­qui­sa do Es­ta­do de São Pau­lo – FA­PESP Li­ga­da à Se­cre­ta­ria de Ci­ên­cia, Tec­no­lo­gia, De­sen­vol­vi­men­to Eco­nô­mi­co e Tu­ris­mo, é uma das prin­ci­pais agên­ci­as de fo­men­to à pes­qui­sa ci­en­tí­fi­ca e tec­no­ló­gi­ca do país. Des­de 1962 a FA­PESP con­ce­de au­xí­lio à pes­qui­sa e bol­sas em to­das as áre­as do co­nhe­ ci­men­to, fi­nan­ci­an­do ou­tras ati­vi­da­des de apoio à in­ves­ti­ga­ção, ao in­ter­câm­bio e à di­vul­ga­ção da ci­ên­cia e tec­no­lo­gia em São Pau­lo.

Co­or­de­na­ção de Aper­fei­ço­a­men­to de Pes­so­al de Ní­vel Su­pe­ri­or – CA­PES Fun­da­ção vin­cu­la­da ao Mi­nis­té­rio da Edu­ca­ção, tem como mis­são pro­mo­ver o de­sen­ vol­vi­men­to da pós-gra­du­a­ção na­ci­o­nal e a for­ma­ção de pes­so­al de alto ní­vel, no Bra­sil e no ex­te­ri­or. Sub­si­dia a for­ma­ção de re­cur­sos hu­ma­nos al­ta­men­te qua­li­fi­ca­dos para a do­cên­cia de grau su­pe­ri­or, a pes­qui­sa e o aten­di­men­to da de­man­da dos se­to­res pú­bli­co e pri­va­do.

Con­se­lho Na­ci­o­nal de De­sen­vol­vi­men­to Ci­en­tí­fi­co e Tec­no­ló­gi­co – CNPq Fun­da­ção vin­cu­la­da ao Mi­nis­té­rio da Ci­ên­cia e Tec­no­lo­gia (MCT), para apoio à pes­qui­sa bra­si­lei­ra, que con­tri­bui di­re­ta­men­te para a for­ma­ção de pes­qui­sa­do­res (mes­tres, dou­ to­res e es­pe­ci­a­lis­tas em vá­ri­as áre­as do co­nhe­ci­men­to). Des­de sua cri­a­ção, é uma das mais só­li­das es­tru­tu­ras pú­bli­cas de apoio à ci­ên­cia, tec­no­lo­gia e ino­va­ção dos paí­ses em de­sen­vol­vi­men­to.

So­ci­e­da­de Bra­si­lei­ra para o Pro­gres­so da Ci­ên­cia – SBPC Fun­da­da há mais de 50 anos, é uma en­ti­da­de ci­vil, sem fins lu­cra­ti­vos, vol­ta­da prin­ci­pal­ men­te para a de­fe­sa do avan­ço ci­en­tí­fi­co e tec­no­ló­gi­co e do de­sen­vol­vi­men­to edu­ca­­ ci­o­nal e cul­tu­ral do Bra­sil.

Aca­de­mia Bra­si­lei­ra de Ci­ên­ci­as – ABC So­ci­ed ­ a­de ci­vil sem fins lu­cra­ti­vos, fun­da­da em 3 de maio de 1916, tem por ob­je­ti­vo con­tri­bu­ir para o de­sen­vol­vi­men­to da ci­ên­cia e tec­no­lo­gia, da edu­ca­ção e do bem-es­tar so­ci­al do país.Atu­al­men­te reú­ne seus mem­bros em dez áre­as: Ci­ên­ci­as Ma­te­má­ti­cas, Ci­ên­ ­ci­as Fí­si­cas, Ci­ên­ci­as Quí­mi­cas, Ci­ên­ci­as da Ter­ra, Ci­ên­ci­as Bi­o­ló­gi­cas, Ci­ên­ci­as Bi­o­­mé­ di­cas, Ci­ên­ci­as da Saú­de, Ci­ên­ci­as Agrá­ri­as, Ci­ên­ci­as da En­ge­nha­ria e Ci­ên­ci­as Hu­ma­nas.

Aca­de­mia Bra­si­lei­ra de Le­tras – ABL Fun­da­da em 20 de ju­lho de 1897 por Ma­cha­do de As­sis, com sede no Rio de Ja­nei­ro, tem por fim a cul­tu­ra da lín­gua na­ci­o­nal. É com­pos­ta por 40 mem­bros efe­ti­vos e per­ pé­tu­os e 20 mem­bros cor­res­pon­den­tes es­tran­gei­ros.




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.