E S P E C I A L prêmio
FCW
F u n d a ç ã o C o n r a d o We s s e l
Os vencedores do Prêmio Conrado Wessel de Arte, Ciência e Cultura 2004
Conselho Curador e Diretoria da FCW Conselho Curador Presidente Dr. Antonio Bias Bueno Guillon Membros Dr. José Hermílio Curado Dr. Reinaldo Antonio Nahas Dr. José Antonio de Seixas Pereira Neto Stefan Graf Von Galen Dr. Lélio Ravagnani Filho Dr. José Álvaro Fioravanti Capitão PM Kleber Danúbio Alencar Júnior
Diretoria Executiva Diretor Presidente Dr. Américo Fialdini Júnior
Diretor Vice-Presidente Dr. Sérgio Roberto de Figueiredo Santos e Marchese
Diretor Financeiro Dr. José Moscogliatto Caricatti
Diretor Administrativo Dr. Adilson Costa Macedo
Coordenação Desta Edição José Moscogliatto Caricatti
Fundação Conrado Wessel Rua Pará, 50 - 15º andar Higienópolis - 01243-020 São Paulo, SP - Brasil Tel./fax: 11 3237-2590 www.fcw.org.br diretoria@fcw.org.br
índice
4 10 12 34
6
17
FCW cumpre desejo de seu idealizador: faz filantropia e dá prêmios
Na terceira edição, Fundação aprimora formato da premiação A festa dos ganhadores reuniu cerca de 750 pessoas no Masp Conheça as sete instituições parceiras da Fundação
Pesquisas de César Victora moldaram políticas públicas
26
Museu Goeldi ajuda a manter a riqueza biológica da Amazônia
Wessel criou a primeira fábrica brasileira de papel fotográfico
14
Isaias Raw transformou o ensino da ciência e melhorou o Butantan
IAC desenvolveu 700 cultivares desde sua fundação
20
23
Estudos de Alberto Franco são fundamentais para a navegação
29
32
Capa Hélio de Almeida - Foto da capa: Miguel Boyayan
Ferreira Gullar faz verso e prosa com a mesma competência
As fotos publicitárias que ganharam o prêmio de Arte
Ideal
consolidado Fundação Conrado Wessel cumpre desejo de seu idealizador ao fazer filantropia e premiar arte, ciência e cultura
A
Fundação Conrado Wessel (FCW), cria da em 1994, em pou cos anos de vida já cum pre fielmente o desejo de seu idea lizador, Ubaldo Conrado Augus to Wessel, de torná-la uma insti tuição que carreie recursos com “objetivos filantrópicos, beneficentes, educativos, cul turais e científicos”. Hoje seis entidades recebem uma doa ção anual relevante que benefi cia diretamente 1.600 jovens e crianças carentes e 370 adul tos. A fundação oferece tam bém, desde 2002, o maior prê mio destinado à arte, à ciência e à cultura no Brasil. Tudo isso sem ter uma empresa que vise vender produtos com sua mar ca. A FCW exis te para fa zer filantropia e premiar artistas e pesquisadores ou institutos de pesquisa com trabalhos rele vantes no país. As entidades que recebem doação são as Aldeias Infan
tis SOS do Brasil, o Colégio Benjamin Constant, o Corpo de Bomb eiros da Pol íc ia Militar do Estado de São Pau lo, a Fundação Antônio Pru dente, a Promoção Social do Exército da Salvação e uma instituição de ajuda a crian ças carentes escolhida anual mente pelos dirigentes da FCW. Em 2003 foram doados R$ 480 mil; em 2004, R$ 640 mil; em 2005, R$ 720 mil. Os Prêmios FCW de Arte, Ciência e Cultura tiveram a primeira edição em 2002. Nesta terceira edição foi outorgado o prêmio à Foto grafia Publicitária, na catego ria Arte, distribuído a três fotógrafos, no total de R$ 140 mil líquidos; às respectivas agências foi concedido um diploma de honra ao mér ito. Em Ciência e Cultura, os pre miados foram pesquisadores em ciência e tecnologia e um poeta. Cada um ganhou um troféu e R$ 100 mil líquidos
4 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL
– o maior valor para escolhas do gênero do país. No caso da Ciência, o sistema de sele ção dos ganhadores contribui significativamente para sua credibilidade entre a comuni dade científica. Os nomes foram escolhidos a partir de indicações feitas por 104 uni versidades federais e estadu ais, academias, institutos e outras entidades de tradição no meio acadêmico nacional. Por todas essas caracterís ticas, a FCW acredita estar contribuindo para o incentivo de atividades que farão o Bra sil maior e mais valorizado do que é hoje. A presente edição destina-se a divulgar as ações da fundação para o público interessado – no caso, prová veis candidatos aos prêmios no futuro –, contar a história de Conrado Wessel (na pági na 6) e apresentar os ganha do res do Prê mio FCW de 2004 (a partir da página 14), conhecidos este ano. • PESQUISA FAPESP
FOTOS MIGUEL BOYAYAN
Alunos durante aula no Colégio Benjamin Constant e pesquisa no Hospital do Câncer, da Fundação Antônio Prudente: apoio da FCW
PESQUISA FAPESP
ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 5
Retrato de um inv ent or Conrado Wessel criou a primeira fábrica brasileira de papel fotográfico
C
onrado Wessel era apaixonado pela ciência e pela arte. Inventor nato e e mp r ee nd ed o r obstinado, criou a primeira fábrica brasileira de papel fotográfico, no início dos anos 1920, utilizando tecnolo gia desenvolvida e patenteada por ele. Conquistou um merca do até então dominado por fornecedores estrangeiros e formou um patrimônio imobili ário que, obedecendo ao dese jo expresso em seu testamento, foi utilizado como lastro para criar uma fundação que apoias se atividades educativas, cultu rais e científicas de seis entida des e incentivasse a arte, a ciência e a cultura por meio de prêmios. A fundação foi institu
ída em 1994, um ano depois da sua morte, aos 102 anos. Conrado Wessel nasceu em Buenos Aires, em 1891, filho de família tradicional de fabricantes de chapéus, em Hamburgo, na Alemanha, que imigrara para a Argentina, em meados do século 19, para se estabelecer como estancieira. No ano seguinte ao seu nasci mento o pai, Guilherme Wes sel, formado em física, migrou para Sorocaba e, posterior mente, para São Paulo, convi dado a lecionar na recémfundada Escola Politécnica, no bairro da Luz. A paixão pela fotografia Conrado Wessel herdou do pai, que, paralelamente às aulas na Politécnica, adquiriu uma loja de material fotográfi
6 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL
co onde instalou um ateliê de fotografia, na rua São Bento. Ainda jovem, Conrado Wessel ganhou dois prêmios em con cursos promovidos pela Secretaria da Agricultura. O interesse pela fotografia levou-o ao estudo da química e, em 1911, Conrado Wessel foi para Viena, na Áustria. Lá aprend eu fot oq uím ic a na K.K. Lehr und Versuchs Ants talt, renomada escola de foto grafia, especializando-se em clichês para jornais e revistas. Vol tou ao Bra sil, dois anos depois, certo de que o conhe cimento adquirido na Euro pa não era suficiente para o seu “desenvolvimento técnico e comercial”, como ele mes mo observou em uma breve autobiografia. Seu projeto era PESQUISA FAPESP
FUNDAÇÃO CONRADO WESSEL
Conrado Wessel com aparelho fotográfico: paixão herdada do pai, professor da Politécnica
ambicioso: sonhava com a cri ação de uma fábrica de papel fotográfico nacional. Na época, os fotógrafos do Jardim da Luz, um dos princi pais locais de lazer da cidade, trabalhavam com uma câmeralaboratório: uma caixa de madeira com uma objetiva sobre um tripé. A câmera era dividida em duas partes.A infe rior continha os banhos de revelador e fixador utilizados para o processamento quími co de filmes e papéis. O papel utilizado era importado de fabricantes como a Kodak, Agfa e Gevaert. Para realizar seu projeto de produzir papel com qualidade equivalente ao do importado, e a preços mais baixos, Conrado Wessel matriculou-se como PESQUISA FAPESP
ouvinte na Escola Politécnica. “Du ran te qua tro anos fiz de tudo ali”, contou. “Desde a pre paração do nitrato de prata até os estudos das diferentes quali dades de gelatinas. Da ação dos halogênios como o bromo, o cloro e o iodo sobre o nitrato de prata. Fiz inúmeras experiências misturando o nitrato de prata ao brometo de potássio, ao cloreto de sódio e ao iodeto de potás sio. Cheguei à conclusão de que a mistura de uma pequena dose de iodo ao bromo dava muito melhor resultado, assim como a adi ção do bro mo ao clo ro.” Depois de centenas de experi ências, Conrado Wessel chegou a uma fórmula satisfatória para o papel, cujas provas, como ele sublinhou, agradaram muito ao seu pai.
O próximo desafio era ini ciar a produção. Faltavam-lhe no entanto dinheiro, máqui nas e papel. As máquinas, ele adquiriu “por 8 contos e 500” de um estudante de fotoquí mica que, tal como ele, tenta ra fun dar uma fá bri ca de papel fotográfico. O negócio não tin ha dado certo e o equipamento estava disponí vel. As máquinas foram insta ladas num pequeno prédio de propriedade do pai, na Barra Funda, em 1921. “As fórmulas que eu havia elaborado pare ciam boas, mas não poderia assegurar que seriam boas também na fabricação”, ele registrou, preocupado. Faltava-lhe, ainda, o papel necessário para os testes, já que no Brasil não havia nenhu ma fábrica que pudesse forne cer o papel baritado. O materi al tinha que ser comprado na França, fabricado pela Rivers, ou na Alemanha, pela Scholler. Conrado Wessel saiu à cata de um importador. “Enquanto a encomenda não chegava, estu dei como pen du rar o pa pel emulsionado para secar no pequeno espaço de que dispu nha”, disse. O acaso, ele reconheceu, ajudou-o a encontrar a solu ção. Conrado Wessel estava na Tapeçaria Schultz, para a qual realizava um serviço de pro paganda, quando lhe chamou a atenção o sistema de corti nas que se moviam por cordi nhas usadas pelos tapeceiros. Fez um cro qui do sis te ma utilizado na Schultz e imagi nou que, empregando méto do semelhante, poderia secar mais de 100 metros de papel. O papel chegou e a peque
ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 7
Documento atesta “uso effectivo” do novo processo de produção de papel fotográfico patenteado por Conrado Wessel em 1921
na fábrica iniciou sua produ ção. “Foi um desastre”, resu miu Conrado Wessel. Não se apro vei tou mais do que 10 centímetros dos 10 metros de papel emulsionados. Nova tentativa, nova frustração. O papel, ele descreveu, estava quase todo “eivado de peque nas bolhas e outras partículas indesejáveis”. Enquanto “matutava” sobre o problema, mais uma vez o aca so – e o olhar arguto – trouxe a solução. Conrado Wessel foi chamado à fábrica das Linhas Correntes, no Ipi ranga, para executar um servi ço de cli chês. Sozinho no salão de espera, reparou numa pequena máquina utilizada para passar goma no verso das etiquetas. Ele descreveu esse
equipamento: “Havia uma cuba e um rolo imerso dentro dela. Com a máquina em movi men to, o rolo pas sa va uma certa quantidade da solução, deixando estrias sobre o papel, que também seguia seu curso. Eureca, pensei, meu problema está resolvido”. Mais uma vez fez um croqui e adaptou a máquina de emulsi onagem ao modelo daquela utilizada para gomar etiquetas. E detalhou os resultados: “A máquina se resumia no seguin te: uma cuba de barro vidrado (naquela época não existia o aço inoxidável) cheia de emulsão e um rolo de ebonite que mergulhava nela. O papel passava entre um outro eixo fixo, re gu la do como o rolo. Dessa maneira, as bolhas fica
8 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL
vam todas na cuba. Mais tarde esse sistema foi melhorado, com mais de um rolo de ebo nite, tornando impossível o surgimento de bolhas sobre o papel. Fizemos novas experi ências com pleno êxito.Vamos fabricar e vender”, comemo rou. Nasceu assim a Fábrica Privilegiada de Papéis Photo graficos Wessel. Conrado Wessel não imagi nava, no entanto, que teria que enfrentar ainda a resistência dos fotógrafos, seus potenciais clientes. “Eles exper imenta ram o material, acharam bons os resultados, mas julgaram melhor continuar com o pos tal da Ridax, da Gevaert, ape sar do preço do meu ser bem menor.” Foi nessa época que ele forjou o lema que o acom PESQUISA FAPESP
IMAGENS FUNDAÇÃO CONRADO WESSEL
Conrado Wessel foi premiado em concursos de fotografias no início do século 20
Parceria com a Kodak permitiu a construção de nova fábrica de papel fotográfico
pa nha ria por toda a vida: “Insista, não desista”. Os negócios iam mal até que a sorte – ou talvez a his tó ria – re ver teu o ris co do fracasso. No dia 5 de julho de 1924, Isidoro Dias Lopes def lagrou o movimento conhecido como a Revolução dos Tenentes. São Paulo ficou sitiada, isolada do resto do país. Aos fotógrafos da Luz fal tou papel importado. “Numa manhã de um dos primeiros dias de revolução apareceu um de les em mi nha casa e perguntou se eu tinha postais para vender”, contou Conra do Wessel. A revolução abriulhe o mercado. Ao fim de 29 dias de cerco, os rebeldes se renderam. O fluxo de papel importado foi restabelecido, PESQUISA FAPESP
mas a fábrica de papéis criada por Conrado Wessel já tinha, definitivamente, conquistado a clientela que lhe permane ceu fiel. Os grandes fabricantes estrangeiros, como a Gevaert, tentaram ainda recuperar o mercado oferecendo produ tos mais baratos. Conrado Wessel também baixou os preços. “Por incrível que pa reça, estes postais mais bara tos não foram aceitos pelos ambulantes. Nem os meus, nem os da Gevaert.” A produ ção brasileira cresceu, Conra do Wessel comprou um pré dio maior, na mesma rua, e consolidou sua posição no mercado. Não faltaram pro postas de empresas estran geiras interessadas em parce
ria com a ago ra prós pe ra fábrica brasileira de papéis, até que Conrado Wessel fir mas se um con tra to com a Kodak. Ficou acertado que a emp res a nort e-amer ic an a construiria uma fábrica nova em Santo Amaro, com maqui nár io moderno, que ser ia administrada por Conrado Wessel por um período de 25 anos ao fim do qual a fábrica e a patente passar iam à Kodak. Ao longo desse período, com o lucro dos negócios bem administrados, Conrado Wessel comprou imóveis nos bairros de Camp os Elíseos, Barra Funda, Santa Cecília e Higienópolis, que, no futuro, se tornariam o patrimônio da fundação. •
ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 9
Ciência,
arte e cultura FCW aprimora formato da maior premiação em dinheiro conferida por uma instituição brasileira
A
cada edição do Prê mio FCW de Arte, Ciência e Cultura, a Fundação vem aperf eiç oa nd o seu formato para torná-lo mais interessante e cobrir eventuais lacunas. Na terceira edição, de 2004, cuja cerimônia de entrega dos prê mios ocorreu em 30 de maio de 2005, houve uma mudan ça: agora, na categoria Arte, em que a FCW homenageia o fotógrafo publicitário, são lem bradas também as agências de publicidade às quais as fotos se vincularam – seus diretores recebem um diploma de hon ra ao mérito. O nome do prê mio Ciência Aplicada ao Mar foi substituído por Ciência Aplicada à Água para ampliar o escopo do prêmio e permitir a candidatura de especialistas em estudos sobre recursos hídricos. Na galeria de laureados pelo Prêmio FCW observa-se uma profusão de talentos bra sileiros. Na primeira edição,
Ciência Geral
em 2002, os prêmios na área de Ciência foram distribuídos por meio de con cur so nas escolas da rede pública de São Paulo. A FCW distribuiu 18 computadores e R$ 150 mil en tre as escolas, professores e alunos premiados. Na área de Literatura foram premiados três autores inéditos, selecio nados por críticos literários entre 94 concorrentes: Noê mia Sartori Ponzeto, Maria Filo mena Bouissou Lepecki e San tiago Nazarian. O prêmio foi a edição do livro inédito de cada um, com ti ra gem de 2 mil exemplares, com noite de autógrafo no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo. O prê mio de Arte foi conferido aos fotógrafos Klaus Werner Mit teldorf, Maurício Salomão Nahas Filho, Allard Willen Meindert van Wielink. Na segunda edição, em 2003, a premiação adquiriu novo formato para destacar o trabalho de pesquisadores vin culados a universidades e ins titutos de pesquisa. O prêmio
10 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL
Medicina
Ciência Aplicada ao Campo
foi dividido em seis categori as: Ciência Geral (Carlos Henri que de Brito Cruz foi o ganha dor), Ciência Aplicada ao Meio Ambiente (Philip Martin Fearnside), ao Campo (Jairo Vidal Vieira), ao Mar (Dieter Carl Ernst Heino Muehe), Medicina (Maria Inês Schmidt) e Literatura (Lia Luft). Na cate goria Arte ganharam os fotó grafos Bob Wolfenson, Leonar do Martins Vilela e Márcia Ramalho. Para ampliar a participação dos cientistas, a FCW firmou acordo com entidades de fomento à ciência e tecnolo gia, entre elas a FAPESP, que passou a integrar a comissão de organização e avaliação das candidaturas. Os vencedores de cada categoria recebem um prêmio no valor de R$ 100 mil líquidos – o maior já con ferido por uma instituição brasileira – e uma escultura de Vlavianos. A lista com o nome dos indicados foi submetida à avaliação de um júri formado por entidades parceiras da PESQUISA FAPESP
MIGUEL BOYAYAN
Literatura
Ciência Aplicada ao Meio Ambiente
FCW (veja a lis ta no fi nal desta edição). Em 2004, na terceira edi ção, o bioquímico Isaias Raw, presidente da Fundação Butantan, ganhou o prêmio de Ciência Geral. Raw tem uma extensa história como pesquisador na Universidade de São Paulo (USP) e em cen tros dos Estados Unidos, como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e a Uni versidade Harvard, e de Israel, como a Universidade Hebrai ca de Jerusalém. Exerceu importante papel na formação de pesquisadores e na difusão da ciência no Brasil e foi um dos fundadores da Fundação Carlos Chagas e do Centro de Biotecnol og ia do Inst it ut o Butantan (conheça o perfil dos ga nha do res de 2004 a partir da página 14). César Gomes Victora, pro fessor da Faculdade de Medi cina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), ganhou o prêmio de Medicina em razão de seus tra ba lhos para a PESQUISA FAPESP
Ciência Aplicada à Água
Arte
melhoria da saúde infantil no Brasil e em outros 40 países. Dos dez trabalhos mais cita dos sobre aleitamento mater no na América Latina, sete são de sua autoria ou co-autoria, de acordo com dados do Ins titute for Scientific Informati on (ISI). Na categoria Ciência Aplicada à Água ganhou o almirante Alberto dos Santos Franco, especialista na análise e previsão das marés, trabalho de grande importância para a Marinha e todo o transporte marítimo por permitir com pleta monitoração de navega bilidade do país. Em Ciência Aplicada ao Campo o escolhido foi o Insti tuto Agronômico de Campinas (IAC) por pesquisas sobre pro dução vegetal visando ao desenvolvimento socioeconô mico com qualidade ambien tal. O IAC é órgão da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e tem 118 anos – foi cri a do pe lo
imperador d. Pedro II. O Museu Paraense Emílio Goel di, de Belém, foi o premiado na categoria Ciência Aplicada ao Meio Ambiente. Primeira instituição científica da Ama zônia, o Emílio Goeldi produz e dif und e conhecimentos sobre a região, cataloga e ana lisa sua diversidade biológica e sociocultural, além de contri buir para a formação da memór ia cultural, para o desenvolvimento regional e educação. Ferreira Gullar, poeta maranhense radicado no Rio de Janeiro, foi o laureado em Literatura. Escritor versátil, é expoente da crítica e da dra maturgia nacionais. Poema sujo, Na vertigem do dia e Dentro da noite veloz são al guns de seus livros de poemas mais conhecidos. Por fim, os premiados na categoria Arte (Foto Publicitária) fo ram os fotógrafos Ricardo Cunha, em primeiro lugar, Paulo Vainer, em segundo, e Felipe Hell meister, em terceiro. •
ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 11
GABRIEL VALLEJO
Os ganhadores do Prêmio FCW de Arte, Ciência e Cultura 2004 durante a cerimônia no Masp FERNANDO SILVEIRA
Festa dos
vencedores no masp
12 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL
Antonio Bias Bueno Guillon, presidente do Conselho Curador da FCW, e Ferreira Gullar GABRIEL VALLEJO
A
cerimônia de entrega do Prêmio FCW 2004 de Arte, Ciência e Cultura foi realizada no dia 30 de maio de 2005 no Museu de Arte de São Paulo (Masp), na capital paulista. Os sete vencedores das áreas de Ciência, Cultura e Arte, os integrantes do júri que fez a escolha final, o Conselho Curador e os diretores da Fundação Conrado Wessel estiveram presentes no auditório do museu. Cerca de 750 pessoas assistiram à cerimônia. Na mesma ocasião foi aberta a Mostra de Fotografia Publicitária, que ficou no Masp até o dia 12 de junho. A exposição apresentou o que de melhor foi produzido pelos fotógrafos da área e que concorreram ao prêmio de Arte da FCW. Veja nestas duas páginas alguns flagrantes da festa.
Isaias Raw com Julio Neves, presidente do Masp, logo depois da cerimônia de premiação PESQUISA FAPESP
FERNANDO SILVEIRA
Almirante Alberto dos Santos Franco e Fernando de Arruda Botelho, da FCW
GABRIEL VALLEJO
GABRIEL VALLEJO
Secretário estadual da Cultura, João Batista de Andrade (esq.), Américo Fialdini Jr. e José M. Caricatti, da FCW, e Carlos Vogt, da FAPESP
FERNANDO SILVEIRA
FERNANDO SILVEIRA
Integrantes do júri que escolheu os vencedores (primeira fila), do Conselho Curador e da diretoria da FCW
Felipe Hellmeister, Ricardo Cunha e Paulo Vainer ganharam o prêmio de Arte com suas fotos
PESQUISA FAPESP
Visitantes observam fotos na abertura da Mostra de Fotografia Publicitária
ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 13
CIÊNCIA GERAL
A arte de
transformar Isaias Raw revolucionou o ensino da ciência e a produção de insumos para a saúde
I
saias Raw diverte-se fazendo ciência. E vive arquitetando meios e modos de compartilhar esse pra zer com as novas gerações. Ainda aluno do ginásio, na década de 1940, transformou a gara gem de sua casa em um labo ra tó rio que vir aria base de ope ra ção, no futuro, de um programa revolucionár io de educ aç ão em ciê nc ia: os famosos kits de Quím ic a, Elet ric id ad e e Biologia. Durante anos esses kits foram distribuídos em esco las e, posteriormente, passaram a integrar o port fólio de produtos da editora Abril. Estudante da Faculda de de Medicina da Universi dade de São Paulo (USP), aos
20 e poucos anos construiu um Museu de História Natu ral e fundou a revista Cultus para difundir informações sobre a biologia moderna entre profess ores. Aos 75 anos, tanto fez até que conse guiu inau gu rar, em 2002, o Museu de Microbiologia, no Instituto Butantan, cuja mis são é estimular a curiosidade científica entre alunos e pro fessores do ensino fundamen tal e médio. Um dos departa mentos mais concorr idos do museu é o seu laboratór io, equipado com microscópios individuais e modernas versõ es dos velhos kits de experi mentos científicos que inclu em, ent re out ros, a manipulação de organismos unicelulares.
14 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL
Não foram as iniciativas na área de educação em ciên cia que deram fama a Isaias Raw. No início da década de 1960, ele já era um bioquími co reconhecido internacio nalm ent e. “Ent rei na fac ul dade interessado em fazer pesquisa, não em ser médi co”, explica o cientista. Iso lou uma das enzimas do ciclo de oxidação de ácidos gra xos, obteve a cristalização da crotonase, enzima do ciclo de oxidação de ácidos graxos, demonstrou a existência de uma via alternativa de trans porte de elétrons na membra na externa da mitocôndria e – contribuição maior – pro vou que subpartículas mito condriais eram capazes de conservar energia química na PESQUISA FAPESP
MIGUEL BOYAYAN
Ainda aluno do ginásio, Raw transformou a garagem de casa num centro de produção de kits distribuídos em escolas
molécula de ATP. Suas obser vações confrontaram o dog ma de que a mi to côn dria dever ia estar intacta para haver fosforilação e incomo daram os papas da bioquími ca. A descoberta da existên cia de uma via alternativa de elétrons na membrana exter na da mitocôndria só foi re conhecida em 1967. Foi tam bém pioneiro na investigação de enzimas do metabolismo do Trypanosoma cruzi. Na épo ca, ele tam bém dava aulas na Faculdade de Medicina. “Isaias era desafia dor”, lembra Ricardo Brenta ni, diretor presidente da FAPESP e diretor do Instituto Ludwig de Pesquisa contra o Câncer, ex-aluno e discípulo de Isaias Raw. Na terça-feira, PESQUISA FAPESP
quando chegavam as revistas internacionais, Isaias com parecia à biblioteca bem antes do início do expediente – um privilégio exclusivo dos professores – e lia tudo que hav ia de nov id ade para depois instigar seus alunos com informações que eles não tinham. No laboratór io, estimulava-os a exper imen tar qualquer idéia, mesmo que a única conclusão fosse a de que só se apren de fa zen do errado. “Isaias foi fundamen tal na nossa formação como cientistas e como gente”, reconhece Brentani. O cientista-professor teve seu momento de empreende dor: criou na Fundação para o Desenvolvimento do Ensi no de Ciências (Funbec), en tão
sob sua direção, uma indústria de equipamentos médicos e científicos, de onde saíram os primeiros eletrocardiógrafos, monitores, cardioversores, pHmetros e fotocolorímetros produzidos no país. A qualidade da pesquisa credenciou-o para o cargo de professor de Química Fisioló gica da Faculdade de Medici na em 1964, logo depois de ter saído da prisão, acusado de subvers ivo. Isaia s Raw, aliás, foi preso duas vezes. A segunda, em 1969, o levou ao exílio. Desembarcou na Uni versidade Hebraica de Jeru salém, em Israel, que ele con siderava sua segunda pátria, com planos de contribuir para o ensino da ciência – mas a experiência foi frustrante. “É
ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 15
MIGUEL BOYAYAN
muito difícil interfer ir na educação de um outro país se você é estrangeiro”, reco nheceu. Um ano depois esta va no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos. Longe de seu grupo de pesquisa, deci diu dedicar-se à velha pai xão: a educação em ciência. O programa foi capa da pres tigiada Chemical News e virou livro.“Quando o progra ma morreu, fui convidado para ir para a Escola Pública da Universidade Harvard, no Departamento de Nutrição”, lembra. No exílio escreveu o liv ro From molecule to medicine-anemia, em que defendeu a idéia – colocada em prática anos antes, na USP – de integração da ciência básica e clínicas num curso de medicina experimental.
V
oltou ao Brasil, em 1980, e não aceitou ser rein tegrado aos qua dros da USP. Alegou que o Departamen to de Bioquímica que, na práti ca, tinha ajudado a fundar não necessitava mais dele. Foi aco lhido por amigos no Laborató rio Lavoisier de Análises Clíni cas até ser contratado pelo Instituto Butantan. Aí come çou outra empreitada: a de modernizar o instituto e trans formá-lo num órgão de Estado com a missão de produzir insumos para a promoção da saúde. Sob a liderança de Isaias Raw, o instituto ampliou seus quadros, investiu no desen volvimento de pesquisa e nas plant as de novos prod u tos. Hoje o Butantan produz 200 milhões de doses de vacina por ano, entre elas a tríplice (coqueluche, difter ia
O bioquímico levou o Instituto Butantan a produzir 200 milhões de doses de vacinas anualmente
e tétano), a dupla (difteria e tétano), as vacinas contra hepatite B, contra a tubercu lose e gripe, além de um sur factant e para prot eger cri anç as prem at uras. Isso sem fal ar no projeto de constru ção de uma fábrica de hemo derivados, proteínas obtidas a partir do plasma, utilizadas no tratamento de doenças como a he mo fi lia A e B e como matéria-prima na pro dução de vacinas. Walt er Coll i, profess or titular do Instituto de Quí mi ca da USP, as ses sor da
16 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL
dir et or ia cie nt íf ic a da FAPESP, ex-aluno e compa nheiro de Isaias Raw, teste munhou o seu esforço trans formador. “Em tudo o que tocou Isaias foi revolucioná rio”, ele afirmou no discurso em homenagem aos seus 75 anos. “Fez a sub ver são da inteligência contra a medio cridade; da provocação inte lectual contra a acomoda ção; da verdade no discurso contra a impostura da retór i ca vazia; da modernidade progressista contra a tradi ção reacionár ia.” • PESQUISA FAPESP
PAULO ROSSI/DIÁRIO POPULAR
MEDICINA
A
bênção do leite materno Pesquisas de César Victora moldaram políticas públicas
O
epidemiolog is ta gaúcho César Gomes Victora, de 53 anos, ven cedor do Prê mio FCW na categoria Medi cina, vive há mais de duas décadas em Pelotas, cidade a 250 quilômetros de Porto Ale gre. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel),Vic to ra li de ra o mai or e mais duradouro estudo de acompa nhamento de uma população já feito nos países em desen volvimento. Desde 1982, seu grupo acompanha a saúde das cer ca de 6 mil pes so as que nasceram na cidade naquele ano. Perto de 80% desse uni verso, hoje formado por jovens adultos, continua sendo moni torado e, do trabalho, já brota ram algumas dezenas de pes quisas, a maioria sobre o impacto de problemas ocorri dos na gravidez e nos primei ros anos de vida na saúde de indivíduos adultos. A pesqui PESQUISA FAPESP
Victora: maior estudo populacional já feito em países em desenvolvimento
sa demonstra o efei to du ra douro das condições adversas, notadamente a desnutrição, no risco de desenvolver patolo gias como a obe si da de, a hipertensão ou o diabetes. Mas as tarefas de pesquisa dor e de professor são freqüen temente interrompidas por um outro trabalho que Victora desenvolve, bem longe do Bra sil. Desde 1994, ele é um dos coordenadores internacionais de um programa da Organiza ção Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) que implementa ações de comba
te à desnutrição e a doenças prevalentes em crianças de áre as rurais paupérrimas, onde a mortalidade infantil é elevada. Neste programa, conhecido como Avaliação Internacio nal do Impacto do Programa AIDPI (Atenção Integral à Saú de da Criança), Victora planeja ações, como o treinamento de agentes comunitár ios ou a reformulação do atendimen to em postos de saúde, e depois acompanhando os resultados. Só neste ano esteve na Tan zânia, nas Filipinas e no Peru, e se prepara para ir a Bangla desh. E isso é apen as uma
ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 17
ARQUIVO PESSOAL
O pesquisador em área rural do Camboja: viagens freqüentes a regiões miseráveis como emissário da OMS
amostra dos 40 países onde já trabalhou. Mas também costu ma viajar para grandes cida des, como Londres, Genebra e Nova York, onde participa de reuniões da OMS e do Unicef. O convite para integrar-se a esse projeto internacional resultou de sua experiência no tema no Brasil. Entre 1986 e 1994 realizou trabalho semelhante em cidades do Nordeste brasileiro, cenário de várias de suas pesquisas. “Pas so no ex te ri or uns dez dias por mês e o restante eu fico em Pelotas, onde me fixei logo que foi criada a universidade federal. Já recebi convites para sair daqui, mas optei por per manecer. Em Pelotas reúno as melhores cond iç õe s de rea liz ar meu trabalho”, diz, refe rindo-se às oportunidades de pesquisa, como o estudo com os nascidos em 1982. Casado pela segunda vez, Victora tem
dois filhos adultos – um deles seguiu a carreira de pesqui sador na área da saúde: é imu nologista – e uma enteada adolescente.
S
eu interesse pela epi demiologia despon tou logo no início da carreira de médico. Quando concluiu o curso de medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, Victora foi trabalhar num servi ço de medicina comunitária numa favela da cidade, o Morro da Cruz.“Me preocupavam mui to aquelas crianças desnutridas, macérrimas, que não ganhavam peso devido a uma dieta inade quada, falta de aleitamento e infecções repetidas, principal mente a diarréia. A população tinha um termo para descrever esta doença,‘a míngua’, que em termos médicos corresponde
18 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL
ao marasmo, ou desnutrição severa”, recorda-se o médico. “Eu tratava aquelas crianças repetidas vezes, e elas acabavam retornando sempre, em sua mai oria sem apresentar melhora. Foi então que surgiu meu inte resse em estudar saúde pública, para descobrir como prevenir essas doenças. E, dentro da saú de pública, escolhi a epidemio logia, disciplina que identifica as causas das doenças nas popula ções, propõe e testa intervençõ es contra estas doenças. Escolhi também a epidemiologia porque sempre gostei muito de matemática e estatística“, diz. Em três décadas de carreira, acumula na biografia a publi cação de cerca de 300 traba lhos científicos sobre a saúde da criança e do adolescente, com destaque para o papel do aleitamento materno na pre venção das doenças e mortali dade na infância. De acordo PESQUISA FAPESP
ARQUIVO PESSOAL
Com crianças em Níger, país africano que ostenta um dos piores níveis de desenvolvimento humano
com o Institute for Scientific Information (ISI), que indexa os melhores periódicos científi cos do planeta, dos dez traba lhos mais citados sobre aleita mento materno na América Latina, sete são de autoria ou co-autoria de Victora, incluin do-se aí a pesquisa que ocupa o primeiro lugar, Evidence for a strong protective effect of breast-feeding against infant deaths due to infectious dise ases in Brazil, publicado no jornal Lancet em 1987. Com 234 citações em outras revistas científicas até o final de 2004, este artigo foi o primeiro com métodos epidemiológicos modernos a mostrar uma forte associação entre a mortalida de infantil por diarréia, pneu monia e outras doenças infec ci o sas, com a fal ta de aleitamento materno. O risco de morrer por diar réia em crianças desmamadas revelou-se 14 vezes maior do PESQUISA FAPESP
que naquelas que tomavam lei te materno e mais nada (nem água, nem chazinhos, nem leite em pó). Para pneumonia, o ris co dos desmamados é quatro vezes superior. Em 2000, Victo ra coordenou um grupo de trabalho da OMS que analisou dados de seis países diferentes, comprovando a importância do aleitamento materno para evitar a mortalidade de crian ças menores de 2 anos de ida de. Esse estudo, com 106 cita çõ es no ISI, foi tam bém publicado na revista Lancet. Suas pesquisas serviram de las tro para as novas diretrizes da OMS e do Uni cef, ado ta das pelo Ministério da Saúde do Brasil, recomendando o aleita mento materno exclusivo até os 6 meses de idade, e a conti nuidade do aleitamento, com plementado por outros alimen tos, até o segundo ano de vida. Seu campo de interesse não se li mi ta à ques tão do
aleitamento. Também partici pa de pesquisas nas áreas de Avaliação de Serviços de Saú de, Desigualdades em Saúde, Sexualidade na Adolescência e Estudos Antropométricos, en tre ou tros. Em 1996 foi indicado pela OMS para pre parar o protocolo de um estu do que irá estabelecer novas curvas de crescimento infan til, baseadas em crianças ama mentadas, que têm padrão de crescimento diferente das cri anças que recebem outros tipos de leite. A Universidade Federal de Pelotas foi o pri meiro centro a coletar dados para o Estudo Multicêntrico de Curvas de Crescimento, seguido de Davis (Califórnia, EUA), Oslo (Noruega), Nova Delhi (Índia), Omã (Omã) e Accra (Gana). As novas curvas de crescimento estão em fase final de preparação e serão publicadas pela OMS no início de 2006. •
ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 19
CIÊNCIA APLICADA AO CAMPO
Conhecimento repartido
Desde sua criação, em 1887, IAC colocou 700 novas espécies vegetais nas mesas dos brasileiros
C
riado com o apoio dos barões do café no fin al do século 19, preocu pados em melho rar o cul ti vo da planta, o Instituto Agronômi co (IAC) já colocou desde a sua fundação 732 variedades vegetais à disposição da agri cultura brasileira com base em pesquisas de café, arroz, feijão, soja, milho, trigo, canade-açúcar, seringueira, frutas, hort al iças, citros e fibras. Esses resultados só foram alcançados porque o instituto tem como rotina um intensivo e contínuo trabalho de melhoramento genético de plan tas, por meio de cru za mentos nos laboratórios ou nas casas de vegetação. “Para obter uma nova cultivar de fei jão ou soja são necessários de oito a dez anos de pesquisas”, diz Orlando Melo de Castro, diretor-geral do IAC, órgão da Agência Paulista de Tecnologia
dos Agronegócios (Apta), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.As atividades do ins tituto criado por d. Pedro II em 1887, chamado então de Imperial Estação Agronômica de Campinas, não se resumem apenas ao melhoramento genético de espécies vegetais que geram novas cultivares. Dois importantes progra mas genômicos, o do café e o dos citros, encerrados em 2004, foram coordenados pelo IAC, que também participou do pro jeto de seqüenciamento da bac téria Xylella fastidiosa, causa dora da praga do amarelinho, que traz grandes prejuízos às plantações de laranja. Nesse mesmo ano, a descoberta feita no ins ti tu to de um tipo de café naturalmente descafeina do, o cafeeiro arábica, ganhou espaço nas páginas da revista Nature. Para che gar ao café descafeinado, os pesquisado res do IAC, em parceria com a
20 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), analisa ram 3 mil plantas de cafeeiro arábica da Etiópia. O trabalho, que teve início em 1999, con sistiu da análise de planta por planta em busca de baixa quantidade de cafeína. Foram identificadas três plantas com traços mínimos dessa substân cia nas sementes – elas apre sentam 0,07% de cafeína, enquanto o café comum tem em tor no de 1%. O ín di ce encontrado é próximo da quantidade existente no café descafeinado encontrado no mercado, só que obtido por processos químicos. A descoberta do café des cafeinado só foi possível por que o instituto mantém bancos de germoplasma das culturas de interesse. “Esse é o maior patrimônio que um país tem, porque é a base para qualquer programa de melhoramento”, diz Castro. Não por acaso o IAC, que ao longo de sua tra PESQUISA FAPESP
EDUARDO CESAR
Frutos de café arábica cultivados em fazenda do IAC
jetória não pára de render bons frutos, foi premiado pela Fundação Conrado Wes sel na categoria Ciência Aplica da ao Campo. Embora o conceito de melhoramento genético nem existisse na época em que a primeira estação agronômica do Brasil foi criada em Campi nas, já existia a preocupação em melhorar o cultivo do café, principal produto agrícola cul tivado na região, que havia migrado do Vale do Paraíba por conta do esgotamento do solo.“Não por coincidência o primeiro diretor do instituto, o austríaco Franz Wilhelm Dafert, era especializado em química aplicada na agricultu ra”, ressalta Castro. Os primei ros ensaios realizados na épo ca eram focados em adubação, porque já se sabia na Alema nha, onde esses estudos esta vam mais avançados, que o solo se esgotava por falta de nutrientes. PESQUISA FAPESP
ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 21
EDUARDO CESAR
Clonagem de plantas pela técnica de reprodução in vitro utiliza pequenas porções de tecido para fazer a micropropagação
A crise do café no final dos anos 1920 con tri bu iu para a diversificação da agricultura paulista. Os estudos ainda inci pientes sobre cana, uva, algo dão e outras culturas ganharam força. Em 1928 o instituto havia criado a estação de São Roque para estudar a uva e em 1932 ampliou suas pesquisas com a inauguração da estação experi mental de Jundiaí, hoje Centro de Frutas do IAC. Com a diver sificação da agricultura, era pre ciso criar variedades adaptadas às condições brasileiras. Foi quando efetivamente começou o trabalho de melhoramento de plantas, com a criação de uma área de genética no insti tuto. “A criação de variedades para as nossas condições tropi cais fez a nossa agricultura for te”, diz Castro. Nos anos 1940 e 50 foram feitos porta-enxertos tropicalizados de uvas originá
rias de climas temperados. Esses porta-enxertos deram ori gem às uvas plan ta das no Vale do São Francisco, no semiárido nordestino, que têm como principal destino o mer cado externo. Se antes os programas de melhoramento tinham como foco a resistência da planta a doenças e pragas por motivos econômicos, para que os pro dutores tivessem menos gastos com defensivos agrícolas, hoje esse objetivo decorre também da pressão ambiental. Dentro dessa linha de atuação, o IAC lançou este ano quatro novas variedades de feijão que, pela resistência às principais doen ças do feijoeiro, dispensam ou reduzem o uso de defensivos e, conseqüentemente, dimi nuem o custo de produção e o impacto ambiental. En tre os lançamentos que merecem
22 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL
destaque encontram-se tam bém uma nova variedade de gi ras sol com 42% de óleo, ideal para produzir biodiesel, além de quatro novas varieda des de arroz e quatro novas variedades de cana-de-açúcar, que têm como característica o fato de serem adaptadas para determinadas regiões. O conhecimento adquiri do nesses 118 anos de ativida de tem sido desde 1999 repas sado para os interessados tanto por meio de um curso de pós-graduação referenda do pela Coordenação de Aper feiçoamento de Pessoal de Ní vel Superior (Capes), dividido pelas áreas de Gestão de Rec urs os Agroambientais, Melhoramento Genético Vege tal e Tecnologia da Produção Agrícola, como por cursos a dis tân cia, dias de cam po e palestras para produtores. • PESQUISA FAPESP
FOTOS LÉO RAMOS
CULTURA
O poeta
múltiplo Ferreira Gullar faz verso e prosa com a mesma competência
E
le é conhecido pela pluralidade: fez, e faz, teatro, televisão, pintura, crítica de arte e, é claro, poesia. Mas o próprio Ferreira Gullar gosta mesmo de se reconhecer em sua dua lidade: “Sou um poeta que estabelece uma conversação constante com seu alter ego: José Ribamar Ferreira, nascido em São Luís do Maranhão em 1930. Sempre que o seu esta do existencial está propício para fazer nascer um poema, José Ribamar se transforma em Ferreira Gullar. Se esse está frio, se não é capaz de escre ver poesia, ele deixa que seu lugar seja ocupado pelo homem comum, José Riba mar. Quando este último per cebe que a temperatura sobe e que é tempo de escrever, é ele que dá lugar ao poeta: eis que nasce, com freqüência, Ferreira Gullar”, explica ele, considerado um de nossos maiores poetas. PESQUISA FAPESP
Gullar: “Poderia virar pintor, qualquer coisa assim, mas virei poeta”
Essa alternância de perso nas co me çou com um fato prosaico: aos 18 anos, Gullar leu no jornal de São Luís um poema assinado com seu nome verdadeiro, Ribamar Ferreira (em verdade, a poesia era de um tal Ribamar Perei ra). Mas a visão não agradou ao jovem e ele trocou o nome, usando como inspiração Gou lart, da mãe. Não foi sua única decisão drástica. Mais jovem, ao se apaixonar pela vizinha, Tereza, e não ser correspondi do, trancou-se em casa para ler o que po dia e es cre ver poemas. Não parou por aí. Na escola, em 1945, escreveu
uma redação em que ironiza va que, no Dia do Trabalho, não se trabalhava e ganhou um 9,5, por cau sa de dois erros de português. Outra decisão ousada que o levou a só estudar gramática por dois anos e, depois, a publicar o seu primeiro poema, O traba lho, de inspiração parnasiana. O fascínio pelo verso antiqua do continuou até 1949, quan do editou seu primeiro livro, Um pou co aci ma do chão. Era o “rei dos poetas” mara nhen se, mas um crí ti co do Rio, ao ler o que escrevera, desancou o jovem pelo seu passadismo.
ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 23
O choque o levou a procu rar a modernidade. Teve bons guias e lei tu ras: Má rio de Andrade, Murilo Mendes e Drummond. Mudou-se para o Rio em busca de novos hori zontes e encontrou amigos fundamentais, entre eles o crí tico de arte Mário Pedrosa seu mestre nas artes plásticas, e Oswald de Andrade, seu tutor de vanguarda.Virou poeta pro fissional.“Eu descobri a poesia talvez por não ter o que fazer da vida. Eu rejeitava as ocupa ções normais das pessoas. Poderia virar pintor, qualquer coisa assim, mas virei poeta”, conta. E o parnasiano se ren deu ao novo. A partir de um galo presente num anúncio de sal de frutas, escreveu o poe ma O galo, que vence o con curso do Jornal de Letras, com um júri que incluía Manu el Bandeira. Em 1954 publica A luta corporal, com um pro jeto visual ousado que quase o obrigou a fazer jus ao título do livro em briga com os gráficos da revista O Cruzeiro, onde o tex to foi im pres so. Em São Paulo, os concretistas nascen tes, os irmãos Campos e Décio Pignatari, adoraram a coragem do jovem e o chamaram para integrar seu grupo. Gullar par ticipa da Primeira Exposição de Arte Con cre ta no Masp, mas em pouco tempo se cansa do “cerebralismo teórico” dos paulistas e rompe com o gru po, criando a sua vanguarda, o movimento neoconcreto, em parceria com Amílcar de Cas tro, Lygia Clark e Lygia Pape. Em 1959 escreve o Manifesto neoconcreto. Em 1961, durante o gover no de Jânio Quadros, dirigiu a Fundação Cultural de Brasília e, no ano seguinte, passou a integrar e fundar o Centro Popular de Cultura (CPC), da
UNE, ao lado de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha. Começa o seu namoro dilemá tico com a arte social. De iní cio, se irrita com a “necessida de” de fazer “poesia política”, como pregado pelo Partidão, o Partido Comunista. A resposta que se deu foi: “A poesia tem que mudar alguma coisa. A úni ca ra zão de ela exis tir é mu dar algo, nem que seja a mim mesmo”. Era o meio-ter mo ideal de um artista sincero. A leitura de Marx, num livro escrito para desestimular padres a aderir ao comunismo, o encantou. “Quando li Marx, vi uma coisa concreta, densa, real. Não era aquele negócio lá das idéias. Eu virei marxista por causa da concretude e pelo elogio do trabalho.”
N
o sintomático dia 1º de abril de 1964 fi lia-se ao Partido Comunis ta. Mais tar de, pa ra se opor, como moderado, ao grupo radical de Carlos Marighela, decide se candidatar a um cargo de direção, apenas para defender suas idéias. Vence. E perde. Pois com a chegada do AI-5 Gullar, que pouco tinha de dirigente comunista, passa a ser uma presa valiosa para a ditadura. Assim, vê-se obri gado a se exilar. Vai para Mos cou, aprende marxismo na faculdade e, depois de idas e vindas, acaba em Buenos Aires. Lá, só, isolado num apartamen to, vendo os amigos sendo pre sos pelos militares argentinos, decide escrever Poema sujo (que acaba de completar 30 anos), com o espírito de estar pondo no papel a sua obra derradeira. Daí o peso de res gate de toda uma vida e de sua desilusão com a injustiça
24 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL
social do Brasil. Segundo Gul lar, o poema era sujo porque não tinha reserva moral, por que rompia com valores esté ticos (inclusive os seus) e por que falava da miséria de seu país na tal. Com mais de 70 páginas, a poesia chegou ao Brasil contrabandeada em uma fita cassete trazida por Vinicius de Moraes. Quando foi lançada em livro, em 1976, por Ênio Silveira, o autor, exi lado, não estava presente. De pois de sete anos na Argentina, volta ao Brasil, onde é preso e torturado. PESQUISA FAPESP
O poeta em casa: sem tempo para polêmicas, Gullar prefere apenas criar
Livre, passou a escrever para o jornal O Pasquim, com o pseudônimo maroto de Fre derico Marques (homenagem a Engels e Marx). Aos poucos, vai ocu pan do seu lu gar na cena cultural nacional, como crítico, dramaturgo e poeta. Chega mesmo a trabalhar na Rede Globo, escrevendo séri es especiais e uma novela, Araponga, com Dias Gomes. Em 1990 perde o filho mais novo. No Dia de Finados do ano seguinte vai ao cemité rio, pega um pedaço de papel e escreve: “Eu te amo, meu PESQUISA FAPESP
filho”. A morte não deixará mais de participar de sua poesia.“A poesia me ajudou a enfrentar problemas, me aju dou a viver. Sem ela não sei o que seria de mim. A poesia nos dá a capacidade de nos indignarmos e, ao mesmo tempo, mantermos a nossa dignidade humana”, explica. Quando o poeta descansa, surge o crítico preciso de arte, capaz de provocar fris son ao decretar a morte das vanguardas em Argumenta ção contra a morte da arte, uma assertiva interpretada
erradamente por muitos. “Não acho que a vanguarda, desde o seu início até hoje, seja charlatanismo. O proces so que deu origem à vanguar da, o questionamento das lin guagens artísticas existentes, gerou uma experiência nova na arte. Só que, exatamente porque produziu o que pro duziu, esgotou-se”, analisa Gullar. Não gosta de perder tempo em polêmicas e prefe re usá-lo para criar. De quan do em quando, volta, tranqüi lo, a ser o ci da dão José Ribamar Ferreira. •
ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 25
CIÊNCIA APLICADA AO MEIO AMBIENTE
O coração
de uma floresta Museu Goeldi revela e ajuda a preservar a riqueza biológica e cultural da Amazônia
N
o final de 2003, sociólogos e antropólogos do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), em conjunto com biólogos e geó grafos, revelaram que em uma região central do Pará conheci da como Terra do Meio havia uma rede de atividades ilícitas: trabalho escravo, tráfico de dro gas e de armas e venda ilegal de terras e de madeira. Foi um dos primeiros resultados da Rede Temática de Pesquisa em Modelagem Ambiental da Ama zônia (Rede Geoma), que havia sido cri a da em 1999 pelo Ministério da Ciência e Tecno logia, com a participação de cinco outras instituições, com
o propósito de acompanhar a ocupação territorial, detectar problemas e auxiliar na formu lação de políticas públicas para a região amazônica. O alerta sobre os conf litos la ten tes da Ter ra do Meio é também uma amostra da diver sidade de ações do museu cri ado em 1866 para zelar pela diversidade de culturas, de plantas e de animais da Amazô nia. Uma das mais antigas insti tuições científicas do país, o Museu Paraense Emílio Goeldi concilia um intenso trabalho de atendimento ao público (cerca de 400 mil visitantes por ano) com uma atividade científica que se expressa por uma média de 90 artigos cien tíficos publicados anualmente
26 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL
em revistas especializadas do Brasil ou do exterior. Os especialistas do MPEG tratam de temas tão diversos como a classificação de ara nhas, a identificação de um composto químico em alguma planta ou a gramática de uma língua indígena. A tarefa de estudar a diversidade natu ral e cultural amazônica pode hoje parecer ampla, embora no final do século 19, quando o museu foi criado, tenha sido necessária, por falta de insti tuições de pesquisa que tratas sem da Amazônia. Com o tem po, o MPEG foi ganhando mais atribuições, sem abdicar das antigas. Seus especialistas são freqüentemente convocados para avaliar as propostas de de PESQUISA FAPESP
REPRODUÇÃO ARTE RUPESTRE NA AMAZÔNIA/EDITHE PEREIRA
marcação de terras indígenas ou de unidades de conserva ção, ou os impactos de empre endimentos de grande porte, como as hidrelétricas. A contribuição científica do Museu Goeldi exibe-se tam bém pela habilidade em inter vir na realidade amazônica. “É preciso que a ciência se apro xime da realidade e ajude a resolver problemas”, comenta Ima Vieira, agrônoma com doutorado em ecologia que trabalha no museu desde 1988 e em setembro tomou posse como diretora. “A taxa de conhecimento sobre a região amazônica ainda está aquém da taxa de destruição”, diz ela. Ao Museu Goeldi, ganha dor do Prêmio FCW 2004 na PESQUISA FAPESP
categoria Ciência Aplicada ao Meio Ambiente, cabe também um amplo trabalho de inventário e monitoramento da biodiversidade amazônica. Em boa parte, tais pesquisas são conduzidas na Estação Científica Ferreira Penna, a mais recente de suas três bases físicas. Inaugurada em 1993, ocupa uma área de 33 mil hec tares (ha) em meio à Floresta Nacional de Caxiuanã, a 400 quilômetros de Be lém. A ela soma-se um campus de pes quisa com 10 ha na periferia da cidade e o Parque Zoobotâ nico, uma síntese da Floresta Amazônica encravada no cen tro da capital do Pará, com 5,3 ha, cem espécies de animais e 3 mil de plantas.
Desenho esculpido na rocha em um dos 111 sítios arque ológicos já mapeados: a arte de antigos habitantes do Pará
O Museu Goeldi tem sido um exemplo notável sobre como o trabalho científico pode retornar à população – e não é de hoje. Conta-se que há cerca de 40 anos apareceu por lá um artesão conhecido como Mestre Cardoso, que trabalhava no pólo ceramista da Vila de Icoaraci, em Belém. Naquela época, a produção artesanal de vasos e potes não guardava mais vín cu los com as princi pais tradições ceramistas da região – a marajoara e a tapa jônica –, pois as populações que as haviam criado já esta vam extintas. Caboclo curioso,
ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 27
MPEG
Mestre Cardoso pediu para ver as peças de que apenas ouvira falar. Os técnicos do museu lhe abriram as portas do acervo – hoje com cerca de 17 mil peças etnográficas e 80 mil peças e fragmentos arqueológicos – e o ensinaram como fazer répli cas dos vasos e potes fabrica dos antes da chegada dos euro peus. O interesse se espalhou entre outros artesãos. Há pou cos anos a demanda por esse tipo de informação se tornou tão intensa que o MPEG se uniu ao Serviço Brasileiro de Apoio às Mi cro e Pe que nas Empresas (Sebrae) para publi car um catálogo e oferecer um curso para os ceramistas de Icoaraci, ampliando o resgate dos padrões históricos do arte sanato local.
JANDUARI SIMÕES/ MPEG
Floresta Amazônica do Pará: pesquisadores do MPEG detectam e ajudam a resolver problemas
R
esultados seme lhantes emergem do Grupo de Lin güística Indígena do Mu seu. Os especialistas dessa área não se contentaram em apenas conhecer as línguas faladas na região – e já registr aram, por meio de audiovi suais, 52 línguas ameaçadas de extinção. Também elaboram gramáticas, dicionários e mate riais pedagógicos que ofere cem aos educadores indígenas para manter vivas essas cultu ras à beira do desaparecimen to. Um caso extremo é a língua poruborá, falada por apenas duas pessoas no município de Costa Marques, em Rondônia. O MPEG foi criad o em 1866 a partir da Associação Philomáti ca. Dirigido inicialmente por Domingos Soares Ferreira Pen na, o então chamado apenas Museu Paraense fechou as por tas em 1889 e só reabriu em 1891. Foi quando che gou a Belém, aos 34 anos, o zoólogo
Ponta de lança (esq.) e ponta de machado: instrumentos dos primeiros habitantes da Amazônia
suíço Emílio Goeldi, vindo do Rio de Janeiro para transformar a instituição em um centro de pesquisa de renome internacio nal. Foi ele quem coordenou a coleta de informações científi cas sobre o Amapá, de 1895 a 1900, que permitiram ao gover no brasileiro pleitear a posse de um largo trecho desse estado em um tribunal internacional. O episódio imortalizou o zoólogo suíço, cujo nome então se incor porou ao do museu.
28 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL
O MPEG está reabrindo a área de exposições da Roci nha, uma construção que é um mar co arquitetônico do século 19 e esteve fechada por nove anos. O primeiro instituto da América do Sul a ser dirigido por uma mulher – a alemã Emile Snethlage, de 1914 a 1921 – chega aos 140 anos, em outubro de 2006, sob a tutela de outra mulher – e, pela primeira vez, uma paraense. • PESQUISA FAPESP
EDUARDO CESAR
CIÊNCIA APLICADA À ÁGUA
Mestre das mar és Estudos de Alberto dos Santos Franco são fundamentais para a navegação
O
ingresso na Escola Naval do Rio de Janei ro aconteceu aos 16 anos, em 1930, por inspi ração da família. O avô materno e dois tios tinham percorrido a mesma trajetória. Já apaixona do pelos oceanos, encantou-se pela matemática. “Não é nada complicada, mas mal ensinada. É fascinantemente racional”, diz o almirante Alberto dos San tos Franco. E decidiu usar os números para estudar o com portamento das marés. Nas últi mas seis décadas, os trabalhos de Franco foram – e continuam sendo – fundamentais para que se pudesse compreender e analisar com mais detalhes fenômenos como as altas e as baixas das marés, a inf luência da Lua e de efeitos meteoroló gicos sobre esses movimentos, bem como as recentes elevaçõ es do nível dos oceanos, infor mações estratégicas para a navegação. Esses estudos ren deram ao almirante o Prêmio
PESQUISA FAPESP
Almirante: referência na oceanografia e reconhecimento internacional
FCW na categoria Ciência Apli cada à Água. A primeira grande contri bu ição veio ain da nos anos 1940. Preocupado com as teo rias, e não apenas com a apli cação de conceitos, Franco investiu seu tempo na investi gação do método de análise e comportamento de marés que havia sido idealizado por Arthur Doodson, do Tidal Insti tute, ligado à Universidade de Liverpool, Inglaterra. Naquela época, o inglês analisava a maré com um engenhoso algoritmo de sua autoria, que considerava 62 componentes
de origem puramente astronô mica. As demais componentes eram geradas por efeito hidro dinâmico da pequena profun didade. Essa estratégia repre sentava uma espécie de padrão mundial e era o que de melhor se podia realizar com as calculadoras da época. Mas, além disso, adverte Franco, era um modelo extremamente rígido, pois admitia que aque las componentes eram as que deveriam ser consideradas em diferentes locais do planeta. Sua tarefa foi mostrar as limita ções e apontar a necessidade de formulação de novos méto
ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 29
EDUARDO CESAR
Tides: fundamentals, analysis and prediction, livro de Alberto Franco publicado no exterior, que deve sair em português em breve
dos.“Ainda estávamos presos a conceitos e técnicas de análise do século 19”, explica. As máquinas eram lentas, compa radas com as de hoje.” O desafio estava coloca do: encontrar outras formas de análise, que utilizassem toda a potencialidade dos computa dores que começavam a ser de uso corrente. Naquele momento, o obstáculo a ser vencido era a tecnologia – ou a falta dela. Paciente, aprovei tou a década seguinte para aprofundar-se nos conheci mentos sobre o fenômeno. O reconhecimento no Brasil não de mo ra ria. Em 1961, já como almirante da reserva, e cada vez mais especializado no assunto, foi indicado pela Marinha para concorrer às eleições para o cargo de dire tor do Bureau Hidrográfico Internacional, com sede em Mônac o, dir ig id o por um comitê com três integrantes de diferentes países. Foi elei to e assumiu o posto em 1962. Foram cinco anos ines
quecíveis. “Fiquei conhecen do a elite da oceanografia mundial. Travei contato com assuntos corriqueiros para a com un id ad e internacional, mas que para mim eram novi dades.”
A
volta ao Brasil, em 1967, foi traumática. Franco perdeu a primeira esposa no ano seguinte, víti ma de câncer. Pas sou tam bém a ded ic ar mais atenç ão ao fi lho mais moço, com pro blemas psicológ icos. Não fossem o trabalho e a vont a de de comp ree nd er as marés, admite, talvez não tivesse suportado os percal ços. Du ran te 1968 e 1969 esteve no Instituto Nacional de Pesq uis as Esp ac ia is (Inpe). No início de 1970 foi convidado para assumir a diretor ia do Instituto Ocea nográfico da Universidade de São Pau l o (IO/USP). Embora ainda não soubesse
30 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL
mex er com as máquinas, tinha à disposição enormes computadores e pôde final mente avançar na formula ção de um modelo de análise mais flexível que o de Dood son. Melhor ainda: a técnica ideal iz ad a pelo alm irant e não mais trabalharia diret a ment e com os dad os obser vados, e sim com o resulta do da análise desses dados. Ele ex pli ca: as ma rés são constituídas por vários gru pos de componentes: um gru po que realiza um ciclo por dia, outro que efetua dois ci clos diários e assim por diante até 12 ciclos diários. Finalmen te, há grupos de variação len ta, desde um ciclo trimestral até um anual. Até então era usual separar aqueles grupos usando filtros matemáticos. Com base em um sofisticado sistema de equações, Franco conseguiu criar um algoritmo de análise refinado, capaz de separar todos aqueles gru pos, oferecendo ainda infor mações úteis sobre possíveis PESQUISA FAPESP
EDUARDO CESAR
anomalias. “Os resultados co me ça ram a sair em al guns minutos”, diz. A passagem pelo IO/USP terminou em 1974, quando o almirante foi contratado pelo Instituto de Pesquisas Tecno lógicas (IPT) para assessorar a área de engenharia naval. Em 1976 defendeu a tese de doutorado, sem necessidade do mestrado, na Escola Poli técnica da USP, sobre as marés em águas rasas. Foi uma espé cie de sistematização de boa parte dos estudos desenvolvi dos até aquele momento. Em meados dos anos 1980, deci diu sair do IPT e trabalhar em casa. E é assim que atua até hoje. Casado pela segunda vez, o almirante procurou refúgio no sossego da Gran ja Viana – distante da rotina acelerada do centro da capi tal paulista. Em seu escritório recorre agora a um PC para rodar seus programas.“Vamos ver como estavam as marés na re gião de Ca na néia, no litoral norte de São Paulo, há PESQUISA FAPESP
dez anos.” A resposta aparece na tela em menos de um minu to. “É fantasticamente rápido.” Mesmo distante das uni versidades e dos centros de pesquisa, Franco não parou de produzir. Aproveitando os avanços tecnológicos, criou, no início da década de 1990, um método de análise extre mamente rápido para o trata mento de longas séries de observações capaz de sepa rar 1.014 componentes, sem perder as vantagens dos métodos anteriores. Quando os estudos sobre as marés oceânicas, por exemplo, são feitos com equipamentos baseados em acústica subma rina, há variações indesejá veis que alteram alguns valo res importantes. “Com meus métodos de análise para perí odos curtos é possível detec tar as causas de contamina ção dos resultados finais”, explica. Ele conta que outra vantagem é poder trabalhar com períodos de análise mais longos.
Para Afrânio Rubens de Mes quita, professor do IO/USP, o almirante é um pioneiro. “Co meçou a trabalhar pratica mente sozinho, em condições inóspitas, decifrando artigos publicados no exterior e pro curando adaptá-los à realidade brasileira”, diz. “Graças a esses estudos, transformou-se em referência na área e o Brasil passou a ser reconhecido pela oceanografia internacio nal”, completa. Aos 91 anos, Alberto Franco aproveita o tempo livre com a leitura, principalmente de obras que tratem de história e religião. Quando pode, não perde a chance de manter contato di re to com o mar. Tem um veleiro guardado no Iate Clu be de Santo Amaro, às mar gens da rep res a de Guara pi ran ga, em São Paulo. “Por conta da idade, não me arris co mais a velejar sozinho. Pre ciso de companhia. Quando a oportunidade aparece, não a desperdiço. O mar é minha grande paixão.” •
ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 31
RICARDO CUNHA/GIOVANNI, FCB
1º lugar: Irado, de Ricardo Cunha, para a agência Giovanni, FCB
ARTE
As fotos
escolhidas
32 ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL
R
icardo Cunha, carioca, foi o grande vencedor do Prêmio FCW de Arte 2004 (fotografia publicitária). Sua foto Irado integra a campanha da agência Giovanni, FCB para a revista Vizoo. Ele ganhou o troféu criado por Vlavianos e R$ 80 mil. Paulo Vainer, de São Paulo, ficou com o segundo lugar e R$ 40 mil com a foto Borboleta, estrelada pela modelo Gisele Bündchen, para a campanha da Grendene, da W/Brasil. E Felipe Hellmeister, também da capital paulista, ganhou em terceiro mais R$ 20 mil, com a foto Gordinha, para os Sucos Camp, da agência Age Comunicações. • PESQUISA FAPESP
PAULO VAINER/W/BRASIL FELIPE HELLMEISTER/AGE
2º lugar: Borboleta, de Paulo Vainer, para a W/Brasil
3º lugar: Gordinha, de Felipe Hellmeister, para Age Comunicações PESQUISA FAPESP
ESPECIAL PRÊMIO CONRADO WESSEL 33
Instituições Parceiras
da
FCW
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP Ligada à Secretaria de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo, é uma das principais agências de fomento à pesquisa científica e tecnológica do país. Desde 1962 a FAPESP concede auxílio à pesquisa e bolsas em todas as áreas do conhe cimento, financiando outras atividades de apoio à investigação, ao intercâmbio e à divulgação da ciência e tecnologia em São Paulo.
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes Fundação vinculada ao Ministério da Educação, tem como missão promover o desen volvimento da pós-graduação nacional e a formação de pessoal de alto nível, no Brasil e no exterior. Subsidia a formação de recursos humanos altamente qualificados para a docência de grau superior, a pesquisa e o atendimento da demanda dos setores público e privado.
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq Fundação vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), para apoio à pesquisa brasileira, que contribui diretamente para a formação de pesquisadores (mestres, dou tores e especialistas em várias áreas do conhecimento). Desde sua criação, é uma das mais sólidas estruturas públicas de apoio à ciência, tecnologia e inovação dos países em desenvolvimento.
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC Fundada há mais de 50 anos, é uma entidade civil, sem fins lucrativos, voltada principal mente para a defesa do avanço científico e tecnológico e do desenvolvimento educa cional e cultural do Brasil.
Academia Brasileira de Ciências – ABC Socied ade civil sem fins lucrativos, fundada em 3 de maio de 1916, tem por objetivo contribuir para o desenvolvimento da ciência e tecnologia, da educação e do bem-estar social do país.Atualmente reúne seus membros em dez áreas: Ciências Matemáticas, Ciên cias Físicas, Ciências Químicas, Ciências da Terra, Ciências Biológicas, Ciências Biomé dicas, Ciências da Saúde, Ciências Agrárias, Ciências da Engenharia e Ciências Humanas.
Academia Brasileira de Letras – ABL Fundada em 20 de julho de 1897 por Machado de Assis, com sede no Rio de Janeiro, tem por fim a cultura da língua nacional. É composta por 40 membros efetivos e per pétuos e 20 membros correspondentes estrangeiros.
Centro Técnico Aeroespacial – CTA Criado na década de 1950, é uma organização do Comando da Aeronáutica que tem como missão o ensino, a pesquisa e o desenvolvimento de atividades aeronáuticas, espaciais e de defesa, nos setores da ciência e da tecnologia.
JÚRI DOS PRÊMIOS FCW CIÊNCIA GERAL INSTITUIÇÃO DE ORIGEM Erney P. Camargo – Presidente do Júri CNPq Luiz Rodolpho R. Gabaglia Travassos Unifesp Helena Bonciani Nader Escola Paulista de Medicina Walter Colli USP Hugo Aguirre Armelin USP Marco Antonio Sala Minucci IEAv
FCW Capes SBPC FAPESP ABC CTA
CIÊNCIA APLICADA AO CAMPO Joaquim J. de C. Engler – Presidente do Júri FAPESP João Lúcio de Azevedo UMC José Oswaldo Siqueira UFLA Mariza Marilene Tanajura Luz Barbosa Embrapa Ernesto Paterniani USP Esalq
FCW CNPq Capes Min. da Agricultura ABC
CIÊNCIA APLICADA AO MEIO AMBIENTE José Galizia Tundisi – Presidente do Júri IIE Monica F. A. Porto USP Umberto Giuseppe Cordani USP Bráulio Ferreira de Souza Dias
FCW FAPESP ABC Min. Meio Ambiente
CIÊNCIA APLICADA À ÁGUA Fernando de Arruda Botelho – Presidente do Júri FCW Belmiro Mendes de Castro Filho USP Arthur Germano Fett Neto UFRGS Rolf Roland Weber USP Luiz Fernando Palmer Fonseca IEMAPaulo Moreira José Galizia Tundisi IIEcologia Odmir Andrade Aguiar
FCW CNPq Capes FAPESP Marinha do Brasil ABC Sec. Esp. Aqüi. e Pesca
MEDICINA Renata Caruso Fialdini – Presidente do Júri FCW Manoel Barral Netto CNPq Emmanuel de Almeida Burdmann USP Rib. Preto Marco Antonio Zago USP Rib. Preto Mario José Abdalla Saad Unicamp Protásio Lemos da Luz InCor
FCW CNPq Capes SBPC FAPESP ABC
LITERATURA Celia Procopio Araujo Carvalho – Presidente do Júri FCW Marisa Philbert Lajolo Unicamp Carlos A. Vogt Unicamp Antonio Carlos Secchin UFRJ e A. B. de Letras José Ephim Mindlin Carlos Alberto Ribeiro De Xavier Sérgio Sá Leitão
FCW CNPq FAPESP ABL ABC Min. Educação Min. Cultura
PARCEIRA QUE INDICOU
Cronograma da Premiação 2005
Divulgação para a imprensa e convite oficial para que as instituições e entidades encaminhem à FCW suas indicações
Outubro de 2005
Prazo para recebimento das indicações pela FCW
31 de dezembro de 2005
Preparação dos dossiês dos indicados
Janeiro a março de 2006
Julgamento e escolha dos premiados
Março de 2006
Divulgação dos trabalhos
Abril de 2006
Premiação
Maio de 2006
F u n da ç ã o C o n r a d o W e s s e l www.fcw.org.br