Prêmio FCW 2007

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especial

prêmio

fcw fundação

conrado

wessel

Os vencedores do prêmio Conrado Wessel de Arte, Ciência e Cultura 2007


conselho curador e diretoria da FCW

conselho curador

Presidente Dr. Antonio Bias Bueno Guillon Membros Dr. José Álvaro Fioravanti Dr. José Antonio de Seixas Pereira Neto Dr. José Hermílio Curado Capitão PM Kleber Danúbio Alencar Júnior Dr. Lélio Ravagnani Filho Dr. Reinaldo Antonio Nahas Prof. Stefan Graf Von Galen

diretoria executiva

Diretor Presidente Dr. Américo Fialdini Júnior Diretor Vice-Presidente Dr. Sérgio Roberto de Figueiredo Santos e Marchese Diretor Financeiro Dr. José Moscogliatto Caricatti

Assessor Científico Dr. Erney Plessmann de Camargo Assessor Cultural Dr. Carlos Vogt

coordenação desta edição

Dr. José Moscogliatto Caricatti

F undação C onrado W essel Rua Pará, 50 - 15º andar Higienópolis - 01243-020 São Paulo, SP - Brasil Tel./fax: 11 3237-2590 www.fcw.org.br diretoria@fcw.org.br


índice

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A rápida afirmação da FCW na arte, ciência e cultura no Brasil

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Como Conrado Wessel desenvolveu um novo papel fotográfico

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O Brasil foi quem mais ganhou até agora com a instituição dos Prêmios FCW

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Os melhores momentos da festa de premiação dos ganhadores

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Estudos de Iván Izquierdo desvendam os segredos da memória

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Hisako Higashi e suas batalhas por novas vacinas

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As técnicas de cirurgia plástica inventadas por Ivo Pitanguy

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Affonso Ávila, o poeta do Barroco, continua criando e pesquisando

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Veja quais os trabalhos vencedores em Foto Publicitária e Ensaio Fotográfico

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Conheça as sete instituições parceiras da FCW


Uma trajetória consistente A atuação da Fundação Conrado Wessel, em pouco tempo, tornou-se referência de arte, ciência e cultura no Brasil

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

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uando o Prêmio FCW começou a ser atribuído, em 2003, havia uma indagação e desconfiança comum nos meios acadêmicos brasileiros. Diante da constante oscilação nacional no apoio à arte, à ciência e à cultura, a dúvida era saber se uma fundação sem nenhum vínculo mercantil e sem a menor aspiração de retorno financeiro teria realmente condições para manter um bom nível de premiação. O tempo falou por si. No caso da Fundação Conrado Wessel (FCW), o que parecia extraordinário há cinco anos já não surpreende ninguém. Ao contrário, passou a inspirar, de pronto, segurança e confiabilidade. A FCW é considerada hoje a única entidade privada nacional que apóia de forma consistente, com muitos recursos, o Corpo de Bombeiros, a Fundação Antonio Prudente, o Exército da Salvação, as Aldeias Infantis SOS do Brasil, a Escola Benjamin Constant e as 2.800 famílias que recebem a grande cesta natalina todos os anos. Mas o principal, fora essas doações, é a posição que a tornou, no Brasil, a mais reconhecida entidade particular de apoio à arte, à ciência e à cultura. Nesse aspecto, sua trajetória é singular. Isso ocorreu em apenas cinco anos. Dois fatores funda-

mentais contribuíram para tal fenômeno – de um lado, o suporte financeiro; de outro, o esteio do mérito na escolha dos nomes a premiar. O primeiro fator, o embasamento financeiro do alto valor agregado aos prêmios de forma permanente, atual e gradativamente maior, resultou da atual gestão patrimonial imposta ao legado de Conrado Wessel, a partir do exercício de 2002. Entre 1993, ano de sua morte, e 2000, o patrimônio permaneceu sob inventário, num processo longo e sujeito à deterioração. Deve-se à gestão da presente diretoria executiva, apoiada pelo Conselho Curador, a transformação do ativo imobilizado da FCW, sua extraordinária ampliação e dinamização, capaz de gerar anualmente os recursos para premiar as categorias de Fotografia Publicitária, Ensaio Fotográfico, Ciência Geral, Ciência Aplicada (Água, Campo, Meio Ambiente), Medicina e Cultura (Literatura), num montante que é a maior premiação nacional, superior inclusive à grande maioria das premiações internacionais. O segundo fator, o mérito na escolha, é fruto – no campo da arte – da singular participação de jurados profissionais de tradição na área da fotografia;


fernando silveira

Orquestra Jazz Sinfônica toca em festa da FCW; escolha dos ganhadores é feita por “colegiado” de alto padrão

é fruto – no campo da ciência e da cultura – do vínculo gerado entre a FCW e suas parceiras, desde a primeira concessão dos prêmios, cabendo a elas o julgamento dos candidatos. Em outras palavras, formou-se no Brasil um “colegiado” de altíssimo padrão, reunindo ABC, ABL, Capes, CNPq, CTA, FAPESP e SBPC, responsável por escolher os alvos individuais a quem a fundação, ano a ano, outorga seus grandes prêmios (leia na página 38 mais informações sobre as instituições).

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o contexto dessa união, surgiu entre a FCW e es­­sas parceiras, individualmente, uma vertente específica de apoio à arte, à ciência e à cultura, que se define de forma con-

creta nas seguintes ações: com a FAPESP, a edição de outubro da revista Pesquisa FAPESP, à qual se adiciona este suplemento especial, hoje completando cinco edições; com a ABC, o registro da FCW como “associada institucional nº 1 da ABC” e o patrocínio das quatro edições anuais dos Anais da Academia Brasileira de Ciências; com a Capes, a concessão de três bolsas complementares de estudo de pós-doutorado para os Grandes Prêmios Capes de Teses; com o CNPq, o patrocínio do Prêmio Almirante Álvaro AlbertoCNPq/FCW; com a SBPC, a realização patrocinada de três “conferências Wessel”, no encontro anual promovido pela entidade; com a Universidade de Indiana, dos Estados Unidos,

a bolsa para talentos musicais. O registro de todas essas atividades ganha público com esta revista e com a edição anual de um livro onde se inserem, além das biografias dos premiados em Ciência e Cultura, todas as cem fotos finalistas do Prêmio FCW de Arte, com destaque para o primeiro e o segundo colocados em Fotografia Publicitária e Ensaio Fotográfico. O somatório de toda essa atividade é sem dúvida extraor­ dinário. A Fundação Conrado Wessel, passados cinco anos de atividade, se encontra entre os casos raros, pois de pronto inspira confiabilidade pela sua trajetória consistente e pelo empenho em sua missão maior que cristaliza um perfil de ética acima de tudo. n


Os caminhos de uma invenção Como Conrado Wessel desenvolveu um novo processo para fabricar papel fotográfico

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fórmula descrita, em 1921, como “novo processo para fabricação de material photographico, sensível à luz, para o processo positivo e negativo, à base de emulsões de saes de prata ou gelatina, albumina ou collodio, servindo de supportes para estas emulsões papel, vidro, celluloide ou qualquer outro supporte que seja appropriado” era o marco final de uma longa trajetória de pelo menos seis anos de pesquisa, mais cinco de aperfeiçoamento da descoberta e expectativa de aprovação oficial. Tratava-se da fórmula descoberta por Conrado Wessel (1891-1993) com a ajuda de seu pai e o apoio do professor de química da Escola Politécnica Roberto Hottinger. A história começa dez anos antes, em Viena, setembro de 1911. Conrado Wessel acabara de chegar à Áustria para estudar no famoso Instituto K.K. Lehr und Versuchsanstalt, avançadíssimo na tecnologia gráfica, especialmente em fotografia. Sua

pretensão era aperfeiçoar-se em fotoquímica e clicheria. Quem garantiu os recursos para isso foi o pai, Guilherme, que considerava a clicheria um segmento de muita perspectiva tendo em vista que em São Paulo, na época, só existiam três oficinas, a de João Baum, a de Wendel e a Riedel, todas com máquinas e processos primitivos. O pai de Conrado era dono da Guilherme Wessel – Casa Importadora de Artigos para Photographia, aberta na rua Direita, 20, em 1902, e depois transferida para a rua Líbero Badaró, 48, provavelmente em 1905. Filho de pais alemães imigrados para Buenos Aires no século XIX, Guilherme teve seus dois filhos na capital argentina, mas decidiu tentar a sorte no Brasil um ano depois do nascimento de Conrado, em 1892, inicialmente na cidade paulista de Sorocaba. Embora a família Wessel fosse uma tradicional fabricante de chapéus em Hamburgo, Alemanha, Guilherme

tinha fascínio por fotografia, paixão herdada por Conrado. Em 26 de dezembro de 1908, a morte do filho Georg Walter, auxiliar do pai na loja, leva-o a propor ao filho mais novo assumir o lugar do irmão. Conrado, no entanto, preferiu “trabalhar no ramo fotográfico por conta própria”. Guilherme decidiu fechar o estabelecimento e encerrar a atividade comercial. Mas convenceu Conrado a ajudá-lo de outra forma: aperfeiçoar-se na Europa e trazer o equipamento para ambos trabalharem em casa, com uma clicheria avançada. Enquanto isso, com o apoio de um amigo, H. Prault, Guilherme foi nomeado fotógrafo oficial da Secretaria da Agricultura, em 1909. Em meados de setembro de 1911, Conrado estava estudan-

Wessel em frente de sua fábrica, nos anos 1940: assédio de outras empresas



Conrado com os pais, Guilherme e Nicolina, e com equipamento fotográfico (página ao lado): apoio familiar

Meio ano mais tarde, como registrou em 3 de novembro de 1912, já conseguia um primeiro resultado. “Eu vou fazer na escola umas experiências como segue: emulsão com Farbstoff Auto, R, B, G, I [tipos de tinta]. Também vou comparar uma chapa feita com emulsão amarela e uma feita com agente banhado a collodion.Vai ser interessante estudo, que os professores mesmos não me podem dizer o resultado. Creio que esta experiência me dará um resultado que talvez aproveitarei na prática”, relatou.

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do no Instituto K.K. Lehr und Versuchs Antstalt. Catorze dias depois de ter começado suas aulas, casualmente estava no instituto o professor Josef Maria Eder, um especialista em química aplicada à fotografia, fundador do Instituto para Fotografia e Reprodução Técnica, hoje conhecido como Höhere Graphische Bundes-Lehr- und Versuchsanstalt. Seu professor havia perguntado se Wessel já trabalhara com chapas secas. Ele disse que sim. Ato contínuo, recebeu um original para reproduzir. Eram chapas que Wessel não conhecia, muito rápidas na

secagem. Ao observá-las, calculou apenas cinco segundos para exposição. Quando Wessel mostrava ao seu professor as reproduções que havia feito, Eder as viu e “disse que estavam muito boas e se via que eu já tinha trabalhado”.A partir disso, os trabalhos mais difíceis, em especial os destinados aos livros de Josef Maria Eder, quem passou a fazer foi Wessel. Ganhou a confiança do seu professor, que o convidou a ir aos sábados ajudá-lo no laboratório. Foi aí que ele encontrou a real oportunidade para iniciar a pesquisa de seu invento.

epois do período em Viena, ele voltou para São Paulo, antes da Primeira Grande Guerra, em 1914. Trazia na bagagem do navio as máquinas e instrumentos que conseguiu adquirir na Áustria, na França e na Alemanha, uma clicheria completa que aqui instalou para seu pai na rua Guayanases, 139. Wessel, no entanto, logo percebeu que precisava estudar muito mais do que o fizera na Europa. Conseguiu, por influência de Guilherme, inscrever-se na Escola Politécnica como aluno ouvinte e a cursou durante os anos de 1915 a 1919. Lá tornou-se amigo e auxiliar de laboratório do famoso médico veterinário e químico Roberto Hottinger, titular da cadeira de bioquímica, físico-química e eletroquímica do curso de engenharia química. Hottinger confiava-lhe a preparação do laboratório nas aulas práticas. E o incentivava a continuar em sua pesquisa.


Novamente, o laboratório foi-lhe extremamente útil – e a influência de Hottinger, providencial. Passado mais um ano, os resultados já eram suficientes para acreditar na fórmula. Como compartilhava sempre com o pai seus trabalhos, este se preo­cupou em patentear o invento o quanto antes, assim que a “fórmula” original se definisse, não obstante fosse necessário ir aperfeiçoando-a.

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á em 10 de novembro de 1916 seu pai consultava a empresa International Patent Agency, de Moura & Wilson, “agentes de privilégios” do Rio de Janeiro, para informar-se sobre como requerer a patente. Em 13 de novembro de 1916 a Moura & Wilson responde. A empresa se dispõe a se encarregar de requerer o privilégio desde que fossem remetidos, já preparados, “todos os papeis, como sejam relatorio, desenhos, etc., mediante a quantia de Rs 220$000”. É prometido “um abatimento de Rs 30$000” sobre o preço usual. “Junto lhe remettemos nossa circular a qual ministrará a V.S. todas as informações necessarias para o preparo dos papéis”, segundo respondeu a empresa. Todas as exigências foram, aos poucos, cumpridas. Levouse um tempo para a papelada ser devidamente preparada. No final de 1920 já fabricavam o novo papel com sucesso e originalidade. No dia 19 de fevereiro de 1921 foi depositado o “pedido de privilégio” no Ministério da Agricultura. E no

início de maio de 1921 o ministro da Agricultura despachou favoravelmente o pedido. Em 26 de outubro de 1921, Epitácio Pessoa, então presidente da República, assinou a carta-patente do novo papel fotográfico – no mesmo ano Wessel instalou a fábrica de papéis fotográficos na rua Lopes de Oliveira, 198. A caminhada para o total sucesso do empreendimento ainda não estava terminada. O inventor teve de aperfeiçoar a produção até conseguir um papel confiá­vel para o mercado e vencer a resistência inicial dos fotógrafos, seus clientes potenciais, o que ocorreu em definitivo a partir de 1924.

Uma vez ultrapassados os obstáculos, a produção cresceu o suficiente para que fosse comprado um prédio maior para a fábrica.Wessel começou a ser assediado por empresas estrangeiras até que em 1949 o inventor e empresário firmou um contrato com a Kodak garantindo para ela quase a totalidade de sua produção por muitos anos com o nome Kodak-Wessel. A partir de 1954 a patente passou definitivamente à companhia norte-americana. Naquele momento o pioneiro da indústria nacional já havia consolidado seu patrimônio, a raiz das ações que a Fundação Conrado Wessel desenvolve a favor da arte, da ciência e da cultura. n


O maior vencedor O Brasil foi quem mais ganhou até agora com todos os Prêmios FCW

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retrospecto de todas as edições do Prêmio FCW de Arte, Ciência e Cultura até a edição de 2007 engloba 48 escolhidos. Por área são 20 em Arte, 5 em Ciência Geral, 13 em Ciência Aplicada, 5 em Medicina, 5 em Cultura (Literatura). Algumas observações podem ocorrer quando se comparam as áreas, a respeito de sua quantidade desigual, procedência, divisão etc. Primeiro: há um número maior em Arte e em Ciência Aplicada e um número menor igual nas outras três áreas. Segundo: considerando a Ciência de modo abrangente com a inclusão da Medicina, há um total de 23 nomes, o maior grupo. Terceiro: no campo da Arte há um grande número de nomes profissionais de uma única área, a Fotografia. Quarto: no campo da Cultura há nomes apenas do segmento Literatura. Cada reparo desses tem sua justificativa no conjunto de critérios adotados pela FCW junto com suas parceiras, para definir as áreas a premiar e os respectivos vencedores. Em Arte, por exemplo, a área escolhida é a fotografia profissional; as modalidades são a Fotografia Publicitária e o Ensaio Fo-

tográfico. Nessa categoria houve uma escolha exclusiva da FCW para homenagear de forma perene seu instituidor, que era um excelente fotógrafo profissional, publicitário, cinegrafista e industrial pioneiro da fotografia na América Latina. Quanto ao total de premiados, 20, a explicação é que ganham de três a quatro fotógrafos por ano. Na categoria Ciência, cabe um esclarecimento. A Ciência Aplicada tem algumas subáreas, como Água, Campo, Meio Ambiente, Tecnologia, Biotecnologia, Nanotecnologia. Às vezes, no ano, a comissão julgadora define até três vencedores. Daí o total de 13. É oportuno conferir que a partir de 2006 já se verifica certa estabilidade, com quatro vencedores em Arte, três em Ciência e um em Cultura. Resta esclarecer que, realmente, até o momento o Prêmio FCW de Cultura foi atribuído apenas ao segmento Literatura. A fundação, entretanto, sempre informou que o prêmio de Cultura vem sendo destinado à Literatura temporariamente, mas outros segmentos do mesmo setor também serão agraciados. A comissão julgadora e a co-


ASCOM/INPA

Philip Fearnside

Aziz Ab’Sáber

2003

2004

2005

Miguel Boyayan

Léo Ramos

Dieter Muehe

Miguel Boyayan

Miguel Boyayan

José Galizia Tundisi

Francisco Emolo/Jornal da USP

Divulgação

Lya Luft

eduardo cesar

Alberto Franco

Jairo Vieira

Aldo Rebouças

Ricardo Brentani

Miguel Boyayan

Miguel Boyayan

Fábio Lucas

César Victora

Sergio Mascarenhas

Ruth Rocha

eduardo cesar

Ferreira Gullar

Isaias Raw

Carlos Nobre

ÂNgelo abreu/ufla

Leo Ramos Eduardo Cesar Eduardo Cesar

Luiz Carlos Fazuoli

Léo Ramos

Miguel Boyayan

Adib Jatene

Arquivo pessoal

Wanderley de Souza

Eduardo Cesar

Miguel Boyayan

Maria Inês Schmidt

Marcos Esteves/Embrapa

Brito Cruz

Eduardo Tavares

Os vencedores em seis categorias entre 2003 e 2006

Magno Patto Ramalho

2006


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fernando silveira

Convidados no evento da premiação

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missão de busca da FCW terão seu momento de escolha nessa outra linha. As informações acima não traduzem, porém, a grandeza oculta nas extraordinárias biografias de pesquisadores e escritores que se revelam ano a ano como suporte do desenvolvimento nacional. Haja vista Sérgio Mascarenhas, ganhador de 2006, antecipando o futuro em múltiplas áreas, em que pese sua especialidade em física; Carlos Henrique de Brito Cruz (2003), no comando da diretoria científi-

ca da própria FAPESP; Isaias Raw (2004), responsável pela gigantesca dimensão produtiva do Instituto Butantan; Iván Izquierdo (2007), respeitado e festejado estudioso da memória; e também Hisako Gondo Higashi (2007); e Wanderley de Souza (2005). Cometemos, sem dúvida, injustiça ao não nos aprofundar na citação de Adib Jatene, Maria Inês Schmidt, César Victora, Alberto Franco, Dieter Muehe, Philip Fearnside, Aziz Ab’Sáber, José Galizia Tundisi, Aldo Rebouças, Jairo Vieira,

Luiz Carlos Fazuoli, Carlos Nobre, Magno Ramalho, Ivo Pitanguy e o excepcional Ricardo Brentani. Renomados, esses cientistas orgulham o cidadão brasileiro pelo que fazem e têm feito, formando a galeria FCW junto com os literatos Ferreira Gullar, Lya Luft, Ruth Rocha, Fábio Lucas e Affonso Ávila; e Gustavo Lacerda, Tiago Santana, Julio Bittencourt, Maurício Nahas, Bob Wolfenson, Klaus Mitteldorf, Lalo de Almeida, artistas êmulos do fotógrafo Ubaldo Conrado Augusto Wessel. A análise dessas biografias responde a um só vencedor, o beneficiário de seus esforços e suas conquistas, o nosso país. Quando recebem, como pequeno reconhecimento a seu talento, prêmios da ordem de R$ 200 mil e uma escultura do artista plástico Vlavianos, identificam nas lâminas do Troféu FCW a emblemática energia que os irmana aos destinos da Fundação Conrado Wessel, cujo nome é indicativo de pioneirismo nacional. n


fernando silveira

Exposição das fotos na Sala São Paulo no dia da festa

Espaço de premiação e de imagens

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Orquestra Jazz Sinfônica foi o destaque na festa para os vencedores do Prêmio FCW de Arte, Ciência e Cultura 2007. Cerca de 900 pessoas compareceram à cerimônia na já tradicional Sala São Paulo, no centro da capital paulista, em 2 de junho, para prestigiar os ganhadores das três categorias de Ciência, uma de Cultura e duas de Arte (Fotografia Publicitária e Ensaio Fotográfico). Em uma das salas foi montada a exposição com as fotos que participaram do prêmio de Arte.Veja nas páginas seguintes alguns dos momentos do evento, com os ganhadores e autoridades presentes. ■


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1 Celso Lafer, presidente da FAPESP, Jacob Palis, presidente da Academia Brasileira de Ciências, Iván Izquierdo, ganhador em Ciência Geral, e Reinaldo Nahas, membro do Conselho Curador da FCW; 2 Domício Proença Filho, da Academia Brasileira de Letras, Celita Procópio de Carvalho, presidente do júri de Cultura, Carlos Vogt, secretário de Estado de Ensino Superior, Affonso Ávila, ganhador em Literatura; Fábio Lucas, ganhador em Literatura de 2006; 3 Ronaldo Bianchi, secretário adjunto de Estado da Cultura, Jorge Guimarães, presidente da Capes, Hisako Gondo Higashi, ganhadora em Ciência Aplicada, Marco

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Antonio Raupp, presidente da SBPC, José Caricatti, diretor financeiro da FCW; 4 Ivo Pitanguy, ganhador em Medicina, e Renata Fialdini, presidente do júri de Medicina; 5 Enrique Ricardo Lewandowski, ministro do STF, Celita, Yara de Abreu Lewandowski, esposa de Enrique, e Antonio Bias Bueno Guillon, presidente da FCW; 6 Gustavo Lacerda, segundo lugar de Foto Publicitária, e Américo Fialdini Jr., diretor presidente da FCW; 7 Lalo de Almeida e João Castilho, segundo e primeiro lugar de Ensaio Fotográfico, respectivamente, e Airton Grazzioli, da Promotoria de Fundações; 8 Adib Jatene, ganhador em Medicina de 2005, Fialdini e Pitanguy.

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fotos (1 a 4) gabriel vallejo/faap (5 a 8) fernando silveira

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ciência geral

O neurocientista que ninguém esquece Estudos de Iván Izquierdo são essenciais para o entendimento da memória

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á 35 anos, quando a situação política na Argentina se tornou por demais ameaçadora, com bombas explodindo cotidianamente e a repressão policial se intensificando, o médico e neurocientista Iván Izquierdo deixou a Universidade de Córdoba, onde era professor titular de farmacologia e montara um bem-sucedido laboratório de neuroquímica, e emigrou para a terra natal de sua mulher, Porto Alegre. Tinha dois filhos pequenos para criar, e o Brasil, embora também vivesse uma ditadura, era um lugar mais seguro para a família e o prosseguimento dos trabalhos científicos. Em 1973 Izquierdo - hoje com 71 anos e uma referência mundial quando o assunto são as estruturas anatômicas e as substâncias químicas envolvidas na formação, preservação e perda das memórias - já era um pesquisador em franca ascensão. Nascido na capital argentina, filho de um cientista de ascendência espanhola e de uma dona de casa croata, estudara medicina na Universidade de Buenos Aires no fim dos anos 1950. Na primeira metade da década seguinte obtivera seu doutorado em farmacologia na mesma instituição sob orientação de seu pai, Juan Antonio Izquierdo, e, em seguida,

fizera um pós-doutoramento na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Encerrado o período de estudos no exterior, voltara à capital argentina em 1964 e assumira, por concurso público, o cargo de professor adjunto na Universidade de Buenos Aires. Em 1966 mudara-se para Córdoba para dar aulas na universidade da cidade e montar o laboratório que o teria como chefe até 1973. Até o momento que o Brasil entrou de forma definitiva em sua vida. Primeiramente instalou-se na capital gaúcha, perto dos familiares de sua mulher. Mas logo percebeu que, naquele momento, não havia condições de fazer em Porto Alegre pesquisa de ponta em sua área. Mudou-se para São Paulo em 1975 e foi para a então Escola Paulista de Medicina, hoje Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Dois anos mais tarde, no entanto, fez o caminho de volta para nunca mais deixar a capital gaúcha. O panorama científico tinha melhorado no Rio Grande do Sul e a metrópole paulista não o encantara. “A qualidade de vida era melhor em Porto Alegre”, relembra o pesquisador, que se naturalizou brasileiro em 1981, assim que se “sentiu mais um da casa” no país que o acolheu.


tas internacionais; seus artigos foram, por ora, citados 12.037 vezes por trabalhos de outros cientistas; ganhou mais de 40 prêmios e distinções, aqui e no exterior, como o de Comendador da Ordem do Rio Branco, concedido no ano passado pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Um de seus orgulhos é a parceria de duas décadas com Jorge Horacio Medina, pesquisador da Universidade de Buenos Aires, que rendeu 197 artigos científicos (quase um terço de sua produção total) e 9 mil citações (quase três quartos do seu total).“Nosso trabalho conjunto é o mais citado no continente”, diz. Na pós-graduação, Izquierdo orientou mais de 80 alunos de mestrado e doutorado, que viraram professores em 18 universidades ou centros de pesquisa do Brasil e sete do exterior.

Esper Cavalheiro, neurocientista da Unifesp e ex-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), foi o primeiro aluno a ser orientado por Izquierdo, no mestrado e no doutorado, ainda na década de 1970. “Ele tem aquela característica do gênio, de olhar e ver o que os outros não vêem. Não é só uma questão de dedicação ao trabalho. Isso muitos pesquisadores têm”, relembra Cavalheiro. “A partir desse olhar curioso, ele desenha experimentos científicos para buscar respostas às perguntas que formulou. Faz diferença tê-lo em qualquer comunidade científica.” Com grande reconhecimento internacional, Izquierdo figura hoje como membro de inúmeras academias e entidades científicas, como a Academia Brasileira de Ciências, a

liane neves

No Brasil, Izquierdo fez longa e produtiva carreira na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em cujo quadro docente entrou na década de 1970 e de onde só saiu em 2003. Nesse ano aposentou-se do serviço público, mas não parou de trabalhar. Desde 2004 está à frente do Centro de Memória da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Até hoje sua rotina é dar expediente no laboratório da universidade das 9h às 17h. “E à noite em casa, no computador. Hoje mesmo troquei e-mails com sete alunos”, disse o pesquisador, às 19 horas de uma quinta-feira. Cinqüenta e dois anos de pesquisa rechearam seu currículo profissional com números impressionantes: publicou 620 artigos científicos em revis-

Iván Izquierdo: 620 artigos científicos e mais de 12 mil citações em 52 anos de carreira


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referência ao escritor portenho é mais do que um gosto pessoal. A família, o ambiente, os mestres e os colegas que conheceu em universidades na Argentina e no exterior – todas essas influências levaram o

jovem Izquierdo a se interessar pelo estudo da memória. Mas a leitura de um famoso conto de Borges, Funes, o Memorioso, dos anos 1940, também foi decisivo para a escolha de seu objeto de estudo. O personagem Funes era um prodígio mental: tinha uma memória perfeita. Podia se lembrar de um dia inteiro de sua vida. Mas, para recordar tudo o que se passara, precisava novamente de um dia inteiro de sua vida, durante o qual não podia fazer mais nada. Izquierdo diz que, por meio de uma situação absurda, o mestre dos contos quis mostrar que o cérebro se satura. Uma idéia que o neurocientista sempre abraçou e ajudou a demonstrar em seus trabalhos. “Somos o que lembramos e o que não queremos lembrar”, afirma o pesquisador. Segundo Izquierdo, o cérebro precisa, necessariamente, esquecer certas coisas. Caso contrário, não haveria espaço ali para serem armazenadas novas informações.

liane neves

Academia de Ciências Médicas da Argentina e a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Isso sem contar os livros e capítulos de livros que escreveu, às vezes tentando explicar ao público leigo um pouco dos mistérios da memória. Talvez inspirado por um de seus escritores favoritos, o argentino Jorge Luis Borges, mestre das histórias curtas, Izquierdo ainda escreveu cerca de 50 contos, boa parte deles tendo como pano de fundo os tempos da Segunda Guerra Mundial. São escritos permea­ dos por memórias da infância e adolescência, não raro tendo judeus e nazistas se movimentando entre os personagens.

Didático, Izquierdo divide sua contribuição para a compreensão do papel desempenhado por substâncias químicas e estruturas cerebrais na formação, preservação e perda das memórias em cinco grandes tópicos. O primeiro avanço diz respeito à determinação das bases moleculares da formação da memória em partes do cérebro, sobretudo na região do hipocampo (estrutura essencial para o processo de aprendizagem), e da ação moduladora exercida pelos neurotransmissores e hormônios nesse processo. Nesse campo, é verdade, vários grupos de pesquisa no mundo produziram estudos importantes nas últimas décadas – e o de Izquierdo foi um dos que mais se destacaram. A segunda contribuição de peso tem como foco central a elucidação da natureza de dois tipos de memória: a de curta e a de longa duração. Ao contrário do que se pensava, Izquierdo demonstrou que a memória de curta duração não é a parte inicial da memória de longa duração.Trata-se de duas divisões da memória formadas por processos que ocorrem em paralelo, desencadeados nas mesmas células nervosas, mas que utilizam mecanismos moleculares separados. Um terceiro campo em que o pesquisador brasileiro é referência internacional explora outra faceta do misterioso mundo das lembranças: a influência dos chamados estados endógenos (psíquicos ou químicos) sobre o processo de recuperação de uma memória.


Segundo Izquierdo, quando expostas a uma situação que, por exemplo, provoca medo, na qual o cérebro libera neurotransmissores como dopamina e noradrenalina, as pessoas tendem a se recordar de outras situações também ameaçadoras. “Dificilmente alguém se lembra de um momento feliz diante do medo”, afirma.A quarta contribuição do grupo de Izquierdo enfatiza a relevância dos mecanismos ligados à extinção das memórias, em especial as que causam desconforto. Nesse processo, que, se devidamente dominado, pode ser útil para o tratamento de estresses decorrentes de traumas, as memórias não desaparecem totalmente da mente. Apenas ficam confinadas num canto menos acessível do cérebro, represadas pelo predomínio de um comportamento apreendido. Essa linha de pesquisa é importante também para a questão do aprendizado, processo intimamente ligado à memória.

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ais recentemente, o pesquisador da PUC-RS voltou seus esforços para um quinto e novo tópico: a busca do entendimento da fase de persistência das memórias no hipocampo. Em outras palavras, o estudo dos mecanismos que fazem uma lembrança durar três dias ou a vida toda no cérebro de uma pessoa. “Por que os velhos se lembram de coisas antigas e se esquecem do que aconteceu ontem?”, pergunta Izquierdo. Talvez isso tenha a ver com a carga emocional e afetiva impressa em cada recordação, responde o

AFP

Borges: conto do escritor argentino sobre a memória inspirou Izquierdo

pesquisador. Os acontecimentos do dia anterior costumam ser triviais e dissociados de sentimentos mais profundos. Já as coisas da infância, o cheiro da mãe, os aromas de uma comida formam o território do prazer. Um território, por vezes, difícil de ser descrito em palavras, mas envolto de emoções. Franco e sem meias palavras, Izquierdo não esconde que seu português com acento espanhol foi, às vezes, alvo de preconceito no Brasil. “Se há pessoas que não gostam do sotaque, azar delas. Faço coisas pelo Brasil, mais do que muita gente que fala sem sotaque”, afirma.Torcedor do River Plate e do Grêmio, o neurocientista diz que a tão

decantada rivalidade entre Brasil e Argentina deve se limitar aos gramados. “Futebol não é tudo”, pondera. “Na ciência, na literatura, ou seja, na vida real, não há rivalidade entre os dois países.” Avesso a nacionalismos extremos, sentimento que considera uma idiotice, diz que todos os povos são formados por misturas.“Minha mãe era croata e, quando menino, havia 40% de estrangeiros em Buenos Aires”, recorda. Essa postura explica por que optou, há quase três décadas, pela adoção da cidadania brasileira. “Eu morava e trabalhava aqui. Por isso me naturalizei”, conta o neurocientista, que não tem planos de parar de trabalhar. Sorte do Brasil. n


ciência aplicada

Dedicação de corpo e alma Hisako Higashi trabalha há quatro décadas no desenvolvimento de vacinas e soros

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entusiasmo com que a pesquisadora Hisako Gondo Higashi fala do seu trabalho no Instituto Butantan, onde atualmente ocupa o cargo de diretora da Divisão de Desenvolvimento Tecnológico e Produção, é a mais perfeita tradução de uma vida dedicada ao desenvolvimento e fabricação de vacinas e soros. Hisako nasceu em Lins, no interior paulista, em 1943, descendente de imigrantes japoneses que trabalhavam na lavoura, e cresceu em São Paulo, para onde seus pais se mudaram pensando no futuro dos filhos. O primeiro contato com a centenária instituição paulistana se deu quando ela ainda era estudante de farmácia e bioquímica na Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara.“Passava praticamente as minhas férias aqui, fazendo estágios curriculares na área de fisiopatologia com a doutora Linda Nahas”, relembra Hisako, chamada de Hisa pelos colegas do instituto. Em 1967, quando se formou, foi convidada para fazer um estágio como bolsista na área de fisiopatologia. “Meu sonho na época, como o de todo estudante recém-formado, era trabalhar em pesquisa”, relembra. Mas uma mudança involuntária nos seus planos a conduziu para o laboratório de produção de

toxóide tetânico (vacina antitetânica), onde precisavam de recém-formados. “Quando fui para a área de produção imaginava que seria uma tarefa rotineira e não queria isso”, diz Hisako. Olhando em retrospectiva as quatro décadas dedicadas à produção, com alguns intervalos em que, por necessidade de mudanças no próprio instituto, ocupou cargos burocráticos e esteve afastada do que mais gosta de fazer, a pesquisadora não tem dúvida: “Fiz uma boa escolha, porque produção não é rotina”. E ressalta que é preciso sempre estar atenta às tendências, estudar, estar em contínua renovação para poder acompanhar a evolução constante dos produtos.“Uma das coisas de que eu mais gosto é avaliar e planejar quais modificações podem ser feitas para otimizar a produção.” Foi no laboratório de produção de toxóide tetânico que a pesquisadora efetivamente adentrou o universo das vacinas. Não a produção como é feita hoje, mas a de 40 anos atrás.“Praticamente eu e mais duas colegas montamos a produção da vacina tríplice bacteriana, ou DTP, no Butantan”, relata a pesquisadora. Na época o instituto produzia as vacinas contra tétano, difteria e coqueluche, ou pertussis, mas no Brasil ainda não havia


EDUARDO CESAR

Hisako Higashi foi protagonista de vários avanços científicos desde que iniciou sua carreira no Butantan

sido feita a mistura das três.“Foi muito difícil, porque tivemos que partir praticamente do zero até chegar a uma formulação correta”, diz Hisako. “Mas foi uma grande conquista, porque contribuímos para a redução do número de vacinas aplicadas nas crianças”, diz. Em vez de três ou quatro injeções, elas passaram a receber uma única. Depois disso participou da formulação da vacina dupla bacteriana, para adultos. Nesse laboratório, onde ficou durante 18 anos, Hisako foi protagonista de vários avanços científicos. Um deles, ainda na década de 1960, começou com um estudo realizado para os estudantes de odontologia que participavam do Projeto Rondon. Pelo projeto, iniciado em 1967, estudantes universitários passavam um período, durante as férias

escolares, em regiões carentes do país, atendendo as populações locais. Como os estudantes de odontologia levavam os materiais para o mato, onde eram feitos os atendimentos, eles não tinham certeza se realmente conseguiam esterilizá-los com o aquecimento. Na época não havia produção suficiente de vacinas para atender o país inteiro nem programa de imunização e ainda ocorriam muitas mortes no Brasil em decorrência do tétano, doença causada por uma bactéria encontrada em vários tipos de solo. Por isso havia o risco de os materiais usados nos tratamentos dentários, como agulhas de anestesia e de sutura, ficarem contaminados com esporos do bacilo causador da doença.“Tivemos a idéia de esterilizar o material em panela de pressão, que nada mais é

do que uma pequena autoclave doméstica”, diz Hisako. Para avaliar se o processo era de fato eficiente e qual o tempo gasto na tarefa, a panela de pressão foi adaptada com manômetros para medir a pressão interna. Antes de serem esterilizados, os produtos eram contaminados com uma suspensão de bactérias com esporos do tétano. Com base nesse teste e em outros, foi estabelecida uma tabela de tempo e temperatura para esterilização dos instrumentos dentários utilizados nas campanhas do projeto.“Esse trabalho, um dos primeiros de que participei no Butantan, resultou em aplicação imediata”, relata a pesquisadora. Na década de 1980, quando foi criado o controle nacional de produtos biológicos e imunobiológicos no Rio de Janeiro,


eduardo cesar

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Vacinas passam por inspeção visual depois de prontas no Butantan: controle de qualidade em todas as etapas

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Hisako deixou a área de produção de vacinas para dirigir o laboratório de produção de soros no Butantan, uma área estratégica na nova política do governo federal. Com a implementação do controle nacional, todos os imunobiológicos fabricados no país começaram a ser avaliados e muitos foram rejeitados. O rigor na fiscalização resultou na falta de soros e vacinas no país e na decisão do Ministério da Saúde de criar, em 1985, o Programa Nacional de Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos. O objetivo era fazer com que o país voltasse a fabricar soros e vacinas de qualidade e em quantidade, para atender à demanda necessária dos programas públicos de imunização sem depender das importações. Os 17 produtores convidados,

entre os quais o Butantan, receberam verbas para montar uma infra-estrutura adequada para a produção. Na época, o instituto fabricava soros e vacinas, mas apenas para atender à demanda paulista. “Venho colaborando, após a inserção do instituto no programa, como coordenadora, trabalho iniciado com a remodelação e a implantação de modificações no Butantan”, diz Hisako. O foco inicial das mudanças foi o laboratório de produção de soros, porque as vacinas podiam ser importadas, mas os soros antiveneno não, já que eram muito específicos.

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ata dessa época a primeira planta edificada com equipamento em circuito fechado e garantia de processo asséptico. Outra modificação importante no processo foi a

introdução de bolsas plásticas na coleta de sangue dos cavalos imunizados. Antes essa tarefa era feita a céu aberto, com grande risco de contaminação do material colhido.“A montagem desse laboratório nos deu know-how para montar os laboratórios de vacinas em circuito fechado”, diz a pesquisadora. As vacinas eram produzidas, até então, dentro de garrafas. As bactérias eram semeadas nas garrafas e depois filtradas, processo que exigia constante manipulação. “No caso do toxóide tetânico, para produzir 100 mil doses era necessário manipular de 60 a 80 frascos”, conta Hisako. Além do risco de contaminação do material, existia também o de acidentes no laboratório se algum desses frascos quebrasse. Hoje o Butantan tem um pólo industrial em cir-


EDUARDO CESAR

cuito totalmente fechado desde o início até o final. O produto biotecnológico é uma fração da vacina ou do soro concentrado, que irá compor a formulação farmacêutica. Da formulação, segue para a área de envase, que conta com duas máquinas – cada uma com capacidade para 10 mil frascos de vacina/hora. Como cada frasco comporta dez doses, uma única máquina consegue envasar cerca de 1 milhão de doses por dia.

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Butantan produz atualmente cerca de 160 milhões de doses por ano de antígenos vacinais – o princípio ativo das vacinas responsável pela indução da resposta imune do organismo. “Cerca de 85% dos antígenos usados no programa nacional de vacinação saem do Butantan”, diz Hisako. De 1985 a 1995, o Brasil tornouse auto-suficiente na produção de vacina DTP (tríplice bacteriana), da dupla bacteriana para adultos, da antitetânica e de todos os soros que são distribuídos para a parte terapêutica. A contribuição do Butantan – e da pesquisadora Hisako – foi fundamental para que o país atingisse, no final da década de 1990, a auto-suficiência na produção das vacinas obrigatórias no programa de imunização. O Brasil também hoje é auto-suficiente na produção da vacina recombinante contra a hepatite B, um desenvolvimento interno da instituição paulistana.“A produção anual, de cerca de 25 milhões de doses, supre a necessidade do Ministério da Saúde”, explica Hisako. “Estamos caminhando para a auto-suficiência na produção da vacina contra a raiva.” A pesquisadora, que já esteve em todas as linhas de frente do Butantan, além de cuidar

da parte do desenvolvimento de produtos, que incluem pesquisas, formulações, ou seja, a parte científica, também atua como planejadora na parte industrial da produção. A construção de um prédio novo para a produção de hemoderivados, por exemplo, necessita de uma logística que só um profundo conhecedor de todo o sistema tem condições de elaborar. “A planificação precisa levar em conta desde a matéria-prima que será colocada na fermentação até o produto que vai para a prateleira”, diz Hisako. Sem contar que o prédio necessita de um sistema de dupla filtração do ar introduzido nas salas, a produção tem que seguir estritas regras de segurança e o produto final precisa ser fabricado em condições extremamente assépticas. “Durante a fase de

produção, é preciso estar sempre renovando e introduzindo novas técnicas para melhorar a qualidade do produto final”, ressalta. Isaias Raw, diretor presidente da Fundação Butantan, que trabalha com Hisako desde 1984, quando chegou ao instituto no meio da crise criada pela falta de soros antipeçonhentos, resume essa convivência: “Numa parceria de mais de 20 anos, em que nos reunimos todas as manhãs às 7 horas, reconstruímos o setor de produção. Hisa tornou-se a especialista, sem competição no país, capaz de projetar uma planta, escolher e adquirir os equipamentos, treinar técnicos, criando uma verdadeira escola que não existia no país”. Para Raw, a parceira Hisa tornou-se essencial e insubstituível. n


medicina

O formador de uma escola Ivo Pitanguy inventou técnicas que fizeram avançar a cirurgia plástica e propagou-as a seus discípulos

Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

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vo Pitanguy transformou o Brasil numa espécie de meca da cirurgia plástica ao atrair ricos e famosos de todos os cantos do planeta à clínica que comanda há mais de quatro décadas no Rio de Janeiro. Ele não renega o glamour associado a seu sobrenome, embora ressalve que os colunáveis e os chefes de Estado sejam minoria entre os cerca de 50 mil pacientes particulares já atendidos nos dois casarões contíguos da rua Dona Mariana, no bairro de Botafogo. A origem de quem está precisando de ajuda não lhe importa. Pitanguy dedica idêntico apuro técnico aos pacientes de sua clínica e às centenas de pessoas humildes operadas todos os anos na 38ª enfermaria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, sob seu comando há mais de meio século e onde ele maneja seu bisturi todas as quartas-feiras, acompanhado por uma equipe de 40 médicos. Da mesma forma, o cirurgião não vê diferença entre a aflição de uma vítima de uma queimadura ou de deformidade congênita e o desconforto de um paciente com um nariz proeminente ou uma papada flácida. Acha que todos esses pacientes estão em busca de harmonia e de paz de espírito e são legitimamente merecedores de ajuda médica.

Mas o legado que mais orgulha Pitanguy é a escola que criou para propagar suas técnicas e idéias e para seguir empurrando as fronteiras da cirurgia plástica. Em 1960 ele fundou um curso de pós-graduação em cirurgia plástica na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Hoje já se contam 45 turmas formadas, num total de 500 alunos oriundos de mais de 50 países. A concorrência é acirrada: são mais de cem candidatos para preencher as dez vagas abertas anualmente. No curso, que também é vinculado ao Instituto de Pós-Graduação Médica Carlos Chagas, os alunos têm a chance de, ao longo de três anos, conhecer todos os ramos da cirurgia estética e reparadora, fazendo estágios tanto na clínica particular de Pitanguy quanto em serviços de atendimento a pacientes com deformidades congênitas, seqüelas de trauma, queimaduras e tumores em diversos hospitais públicos conveniados. “Sempre gostei de transmitir meus conhecimentos e de aprender com o dos outros numa espécie de missão que continuo levando adiante. Ensinar, criar uma escola, é responsabilidade inerente a quem acredita deter algum saber”, afirma Pitanguy. Em 1974 os egressos dessa escola criaram a Associação dos Ex-alunos do Prof.


FABIO MOTTA/AE

Pitanguy: legado transmitido em curso de pós-graduação que já formou mais de 500 cirurgiões plásticos

Ivo Pitanguy (AExPI), que se reúne a cada ano num encontro e a cada dois anos num congresso para discutir os avanços da cirurgia plástica. Em comum, os discípulos comungam de uma mesma formação técnica e de um conjunto de convicções acalentadas pelo mestre, como aquela idéia de que qualquer desconforto com a própria imagem merece ser corrigido, embora exageros e expectativas irreais dos pacientes não devam ser fomentados. “A associação é uma espécie de confraria que compartilha a base técnica, princípios humanísticos e regras de exercício profissional”, diz o cirurgião plástico Carlos Alberto Jaimovich, atual presidente da AExPI. Formado na turma de 1975, desde 1995 ele trabalha no

curso de pós-graduação como professor assistente de Pitanguy. Com mais de 400 membros ativos, a associação congrega atual­ mente também jovens cirurgiões formados por ex-alunos da escola.“Já há vários casos de filhos de cirurgiões formados que também ingressam no curso”, diz Jaimovich.

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ão numerosas as contribuições de Pitanguy à cirurgia plástica. Depois de se formar médico pela Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1946 e aperfeiçoar-se nos Estados Unidos, França e Inglaterra nos anos 1950, tornou-se conhecido pelo pioneirismo no atendimento a queimados e também por desenvolver uma técnica de redução

de mamas num tempo em que poucos cirurgiões se arriscavam a operar os seios. Conhecida como “técnica em quilha invertida de navio”, é utilizada no mundo inteiro para diminuir e levantar mamas grandes e caídas. Só a equipe de Pitanguy acumula uma casuística de 10 mil operações. “A hipertrofia mamária deve ser corrigida a partir dos 16 anos de idade. A técnica nos deu grande satisfação porque permite preservar as funções das mamas e verificar sua saúde posteriormente”, diz o cirurgião. Para entender a importância da contribuição de Pitanguy, é preciso levar em conta o contexto da cirurgia plástica quando ele começou a atuar. Ainda longe de ser considerada uma especialidade médica, limitava-


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Marizilda Cruppe/Agência O Globo

Com seus cães no jardim da casa na Gávea, onde vive

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se a um conjunto de técnicas a princípio voltadas para o tratamento de mutilados de guerra, queimados e vítimas de deformidades congênitas. “Havia cirurgiões capazes, mas tinham um perfil autodidata e muitas vezes suas técnicas só davam certo quando executadas por eles próprios”, afirma o discípulo Carlos Jaimovich.“O grande mérito de Pitanguy não reside apenas em haver desenvolvido técnicas originais, mas também em conseguir que essas técnicas fossem divulgadas e obtivessem bons resultados nas mãos de outros cirurgiões a quem foram

generosamente ensinadas”, diz Jaimovich. “Não adianta criar uma técnica que, de tão complexa, só o seu inventor consegue utilizar. O importante na pesquisa clínica é a feasibility, a possibilidade de ser praticada por outros”, reforça Pitanguy. Diversas técnicas criadas ou aperfeiçoadas pelo cirurgião são voltadas para a harmonização do contorno corporal. Uma delas é a toracobraquioplastia, que refaz o contorno do tórax e dos braços em pacientes que perderam muito peso. Descrita na revista Plastic and Reconstructive Surgery muito tempo atrás, ga-

nhou novo fôlego nos últimos anos, com o avanço das cirurgias de redução de estômago que promovem grandes perdas de massa corporal. Sua contribuição para a cirurgia estética nasal rendeu-lhe uma homenagem. O cirurgião descobriu que a secção de um ligamento situado entre as cartilagens das narinas, cuja função é prender o músculo que reprime a ponta do nariz, tinha o condão de levantá-lo alguns milímetros, melhorando a sua aparência. A literatura médica passou a descrever o tal ligamento como “ligamento de Pitanguy”. Para engrossar lábios muito finos, desenvolveu uma cirurgia conhecida como “confecção do arco de cupido de Pitanguy”, que é realizada através de uma incisão na linha de demarcação da mucosa do lábio superior, aumentando seu contorno. O cirurgião também deixou sua marca em intervenções para a correção de orelhas de abano, de fissuras labiais, de mamilos invertidos ou hipertróficos ou ainda de aumento do queixo. Autor de mais de 800 trabalhos científicos, entre artigos, livros e capítulos de livros, Pitanguy manteve entre 1971 e 1997 uma publicação bimestral de divulgação da produção acadêmica de sua equipe, o Boletim de Cirurgia Plástica. Uma de suas obras mais conhecidas é Aesthetic and Plastic Surgery of the Head and Body, lançada em 1981, na


Feira de Frankfurt. Dotado de 1.800 ilustrações em aquarela, foi fruto de uma paciente parceria entre Pitanguy e um desenhista alemão que, ao longo de quatro anos, se incumbiu de registrar diversas técnicas criadas pelo cirurgião. A experiência que mais marcou sua carreira foi uma grande tragédia ocorrida na cidade de Niterói no dia 17 de dezembro de 1961. Um incêndio no Gran Circo Norte-Americano, instalado próximo à estação das barcas que conduz milhares de pessoas ao Rio todos os dias, matou 500 pessoas e deixou 2.500 feridas, na maioria crianças. Pitanguy ouviu a notícia quando ia de carro para a Santa Casa, desviou o roteiro, tomou a barca e organizou uma equipe para dar os primeiros socorros no meio do caos. O Hospital Antônio Pedro, fechado por uma greve de funcionários, foi reaberto para atender as vítimas. Com o Hospital Bethesda, em Washington, Pitanguy conseguiu um suprimento de 33 mil centímetros cúbicos de pele liofilizada, reserva destinada aos feridos da Marinha dos Estados Unidos, utilizada como enxerto numa técnica nunca antes realizada na América do Sul. Durante muitos anos, ele e sua equipe cuidariam das seqüelas daquele exército de pacientes. “Resultados como os obtidos durante aquela tragédia permitiriam reconhecer o valor da luta pela

valorização da cirurgia plástica”, diz Pitanguy. Ele se refere ao desdém que enfrentou no Rio de Janeiro dos anos 1950, após ter se especializado nos Estados Unidos, França e Inglaterra. Seus apelos pela criação de serviços de cirurgia estética e reparadora demoraram a encontrar eco entre gestores de hospitais e autoridades da saúde, que alegavam falta de dinheiro mas, na verdade, viam a nova especialidade com preconceito.

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os 82 anos de idade, Pitanguy segue com o fôlego de sempre.Viaja ao exterior com freqüência, opera duas vezes por semana em sua clínica e uma na Santa Casa e atende os pacientes no consultório no restante do tempo. Também reserva tempo para outras atividades, como encontros e reuniões da Academia Nacional de Medicina e da Academia Brasileira de Letras, onde desde 1990 ocupa a cadeira 22, cujo patrono é o patriarca José Bonifácio. Num dia típico, acorda às seis horas da manhã e se lança à piscina fria de sua casa no bairro da Gávea, hábito adquirido quando era nadador na adolescência em Belo Horizonte, cidade onde nasceu. “Meus netos já sugeriram que eu tivesse uma piscina aquecida, mas esse choque térmico de manhã é muito saudável”, diz o cirurgião, que ainda mantém um espaço para a prática de ca-

ratê – ele e a mulher, Marilu, casados desde 1955, são faixaspretas – e uma quadra de tênis para treinos freqüentes, também com os netos. Quando está na clínica, divide uma jornada em geral de 12 horas diárias entre o centro cirúrgico, o consultório e uma biblioteca de dois andares, onde dá aulas e prepara conferências. Atualmente toda sua produção acadêmica está sendo digitalizada, mas, apesar dos recursos tecnológicos, Pitanguy não se desvencilha de hábitos arraigados. Mantém, por exemplo, uma sala para preparação de slides de técnicas e cirurgias, embora o resultado final levado a conferências seja transferido para práticos CDs. A única concessão que fez em sua rotina foi deixar de trabalhar às sextas-feiras, dedicadas à mulher, aos quatro filhos e aos netos na casa de Itaipava, região serrana do Rio, ou na ilha particular que mantém em Angra dos Reis, que converteu em um criadouro de animais silvestres licenciado pelo Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Preocupado em deixar sucessores também na clínica particular, há tempos deixou de fechá-la quando viaja ao exterior – quatro médicos afinados com suas idéias atendem pacientes mesmo na sua ausência, enquanto sua filha Gisela, psicoterapeuta, coordena o trabalho de toda a equipe. n


literatura

Uma mineirice toda universalista Nos seus 80 anos, o poeta, ensaísta, pesquisador e jornalista Affonso Ávila vence prêmio

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e alerta poeta que a p/i te espreita/ desestruturou o discurso e embaralhou as letras/ e aleart paeto que o pc te recrimina/ barroquizou a linguagem e descurou da doutrina/ te alaert peota que o sni te investiga/ parodiou o sistema e ironizou a política.” Esse trecho, do poema Patrulha ideológica, dá uma visão do trabalho notável do poeta, ensaísta, pesquisador e jornalista Affonso Ávila: ousadia formal, humor, engajamento, perfeição estética e um sentido brasileiro de barroco que reúne o local ao universal com maestria. Difícil reconhecer no autor desses versos tão intensos, em conteúdo e forma, o editor octogenário (anos recém-completados) da vetusta revista de pesquisa Barroco. Essa discrição, aliás, é sua marca, que o faz ser reconhecido pelos pares, mas, infelizmente, pouco conhecido pelos leigos. “Discretamente, de maneira incessante e tenaz, você construiu uma obra e desenvolveu uma ação que aparecem como uma das mais importantes da nossa cultura contemporânea. Sobretudo levando em conta a sua capacidade de cultivar ao mesmo tempo as artes do poeta, os deveres do intelectual e a concentração erudita do estudioso.Você teve a sabedoria, em nosso país, de dispersão e fôlego curto, de se concentrar para

aprofundar”, afirmou o crítico Antonio Candido em carta a Ávila, elogiando, rasgadamente, a sua enfim lançada integral poética, Homem ao termo (UFMG, 669 páginas), celebração por seus 80 anos, a maioria de produção contínua e ainda não interrompida. “Affonso Ávila é um mestre. Em Minas, é o cara que consegue fundir a tradição, a cabeça no ano 2000. Barroco-ficção científica. Ele mistura futurismo com necrofilia, numa forma única. Ele é dessa geração fantástica que o Brasil produziu neste século”, escreveu sobre ele o colega de métier, Paulo Leminski. Quanta admiração por um criador de que se ouve falar tão mansamente? E que, modesto, gosta de definir sua obra nos seguintes termos: “O poeta declarou que toda criação é tributária de outras criações no permanente processo de linguagem da poesia/(...)/ O poeta é um deslavado apropriador de linguagens/ O poeta é um plagiário”. Nascido em Belo Horizonte, em 1928, Affonso Celso Ávila publicou seu primeiro livro, O açude e sonetos da descoberta, em 1953. “Mineiro de poucas palavras no verso e na vida, sempre voltado para as suas ancestrais raízes em Itaverava, nunca desatento à trama iluminista dos Inconfidentes de Vila Rica


tal fizesse dele um regionalista. “Minas é um microcosmo do Brasil e há uma cortina de ferro em Minas de 300 anos que precisa ser rompida e isso só acontecerá quando o estado tiver uma voz nacional.Você não precisa ler um jornal do Rio ou de São Paulo para fazer sua cabeça.Você tem que ter cabeça própria”, acredita Affonso.

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ua obra é um mergulho nessa dicotomia entre a Minas “conservadora” e as questões universais.“Nos meandros da dita mineiridade, procurei identificar as raízes de Minas, a dicotomia mineira, os lados contrastantes que há na alma mineira, que às vezes é aberta, esperançosa, progressista, livre; às vezes, é reacionária, rancorosa, repressiva, obscurantista. Procurei, então, na poesia e no ensaio, sublinhar esses dois pólos

do paradoxo mineiro”, explica. Nisso é “filho” da geração de 45, embora menos nas questões formais (à exceção de sua paixão pelo soneto) e mais nas políticas, na sensibilidade pelos assuntos polêmicos da sociedade brasileira. “A depuração ascética na arte de escrever só veio a delinear-se em sua obra no período histórico ‘quente’, entre 1954 e 1967, ao cabo de uma busca teórica, em torno do nexo da palavra poética com a ação política, então demandadas pela pressão ideológica da realidade”, anota Nunes. Daí sua ação na revista Tendência, plena de referenciais sociológicos acrescidos de outros extraídos da realidade próxima, mineira, “em estado de alienação econômico-política, mas feita modelo ou miniatura da realidade brasileira maior, a ser reconhecida, assimilada, recriada e transfor-

fotos gláucia rodrigues

como barroco das igrejas e cidades setecentistas do Ciclo do Ouro, começou a poetar, como a maioria de seus companheiros da geração de 1945, no berço esplêndido de um estilo rico em mergulhos introspectivos”, observou o crítico Benedito Nunes. Então era auxiliar de gabinete do na época governador de Minas Juscelino Kubitschek e colaborador de jornais como Diário de Minas, Estado de Minas e a revista Tendência, estruturada por Affonso e que congregava a intelectualidade mineira da época. Acompanharia JK na sua campanha à Presidência, quando começou a se aproximar dos poetas concretistas paulistas, entre os quais os irmãos Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari. Mas Minas seria um eterno paradigma de sua produção, sem que esse amor pelo estado na-

Affonso Ávila: obra e ação das mais importantes da cultura contemporânea, de acordo com Antonio Candido


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O poeta também edita a revista Barroco e é pesquisador do tema. Aos 80 anos, segue produzindo

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mada pela palavra poética”. A poesia, porém, nunca foi utilizada por Affonso como mero veículo político; antes era parte do “processo de descoberta, de reformulação da realidade”, como escreveria em 1963, como um dos signatários do Manifesto da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, também assinado pelos concretos paulistanos, que se viam como engajados. A chegada da ditadura militar fez com que Ávila se voltasse cada vez mais para o grande referencial a seu redor, o Barroco mineiro, que, nota Nunes, “foi redescoberto não apenas como estilo artístico, mas expandido no que teve de estilo de vida, insinuante desde o século XVII, de concepção do mundo e de norteamento poético, em especial por intermédio do livre uso do jogo verbal”. O encontro com o Barroco se deu quando da criação dos livros Código de Minas e Resíduos seiscentistas, escritos entre 1967

e 1969.“Acho que é uma questão de gênese, de cultura familiar, tribal, já que sou de uma região marcada pela formação histórica mais remota de Minas, muito impregnada do espírito barroco. Pesquisava um apoio documental para certo tipo de pensamento meu na área de poesia e esbarrava com uma série de informações e de provas de que havia alguma coisa a mais para estudar na linha de nossa ancestralidade”, explica. Assim, a visão crítica passou a alimentar a visão poética e viceversa. Ambas na direção de um sentimento “neobarroco” ou “pós-moderno”. “O homem barroco e o do século XX são um único e mesmo homem agônico, perplexo, dilemático, dilacerado entre a consciência de um mundo novo e as peias de uma estrutura anacrônica que o aliena das novas evidências da realidade, ontem a contra-reforma, a Inquisição, o absolutismo, hoje o risco de

guerra nuclear, o subdesenvolvimento das nações pobres e o sistema cruel das sociedades altamente industrializadas”, escreveu Affonso em O poeta e a consciência crítica, de 1969.

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poeta chega a propor uma “linha de tradição brasileira”, que iria de Aleijadinho a Niemeyer, um elo inventivo que uniria e espelharia a nossa cultura. Para ele, nesse contexto, a grande obra de ficção moderna nacional seria Grande sertão: veredas, “de compleição nitidamente barroca em sua grandeza cervantina”. João Cabral, continua,“teria um remordimento formal barroco”; Jorge de Lima faria uma “poesia de desinência barroquista”; a “angústia barroca da paixão contida” poderia ser identificada mesmo em Carlos Drummond de Andrade e no neoclássico Cláudio Manoel da Costa.“O Barroco foi o primeiro traço de tradição real­ mente válido para nossa pre-


tendida arte brasileira”, acredita Ávila. De olhos no passado, mas com os sentidos no futuro, o poeta tentou um diálogo com o concretismo, tendo em vista a formação de uma “vanguarda participante”. Mas, ainda nos anos 1960, já temia uma “involução” das vanguardas pela acomodação dos futuros criadores. “Os jovens poetas precisam estar atentos aos perigos da mistificação estagnadora da arte, ao aceno de facilidade e de promoção e divulgação. É preciso resguardar o processo de nossa poesia de todas as possíveis modalidades de dopagem”, escreveu. Prova de que ele seguiu seus próprios conselhos está no caráter sempre inovador de suas obras: Código nacional de trânsito, de 1972; Cantaria barroca, de 1975; Discurso de difamação do poeta, de 1978; Delírios dos cinquent’anos, de 1984. Ao mesmo tempo, não descuidou da pesquisa e do ensaísmo, como revela a criação, em 1969, da revista Barroco, publicada pela UFMG, e de obras como O lúdico e a projeção do Barroco, de 1971, e O Modernismo, de 1975. Em 1991 Affonso recebeu o Prêmio Jabuti de Poesia pelo livro O visto e o imaginado, e sua poesia torna-se progressivamente mais experimental, em termos formais e de conteú­ do. “Em crise, o poeta de hoje procura mostrar o que a poesia enuncia. E que outro meio melhor de mostrar do que fazer ver? Essa maneira de fazer da leitura uma maneira textual de ver (ou de ler como se víssemos o que as palavras significam), da poesia de Affonso Ávila, é a marca de sua originalidade, no que tem de inimitável e sem parecença com qualquer outra”, anota Nunes. Mesmo quando, diz Affonso, o “poeta é um plagiário”. ■


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Especial PrĂŞmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp


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Fotos premiadas

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lexandre Salgado, do Rio de Janeiro, foi o ganhador do Prêmio FCW de Fotografia Publicitária 2007 com Caminhos do coração – menina loira. O trabalho de Salgado, para a agência DPZ, é a campanha para a novela do mesmo nome da Rede Record. O segundo lugar foi para Gustavo Lacerda, de São Paulo, para a campanha

do Bradesco, 120 razões para ser cliente completo. Nas páginas seguintes estão os vencedores de Ensaio Fotográfico. O primeiro lugar ficou com João Castilho, de Belo Horizonte, por Redemunho. Lalo de Almeida, de São Paulo, ganhou em segundo, com O homem e a terra. Eles dividiram prêmios num total de R$ 286 mil. ■

foto publicitária

1º lugar Caminhos do coração, de Alexandre Salgado 2º lugar 120 razões para ser cliente completo, de Gustavo Lacerda


Especial Prêmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp

ensaio fotográfico

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1º lugar Redemunho, de João Castilho



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Especial PrĂŞmio Conrado Wessel | Pesquisa Fapesp


ensaio fotogrรกfico

2ยบ lugar O homem e a terra, de Lalo de Almeida


I nstituições P arceiras

da

FCW

Fun­da­ção de Am­pa­ro à Pes­qui­sa do Es­ta­do de São Pau­lo – FA­PESP Li­ga­da à Se­cre­ta­r ia de Ci­ên­cia, Tec­no­lo­gia, De­sen­vol­vi­men­to Eco­nô­mi­co e Tu­r is­mo, é uma das prin­ci­pais agên­ci­as de fo­men­to à pes­qui­sa ci­en­tí­fi­ca e tec­no­ló­gi­ca do país. Des­de 1962 a FA­PESP con­ce­de au­xí­lio à pes­qui­sa e bol­sas em to­das as áre­as do co­­ nhe­ci­men­to, fi­nan­ci­an­do ou­tras ati­vi­da­des de apoio à in­ves­ti­ga­ção, ao in­ter­câm­bio e à di­vul­ga­ção da ci­ên­cia e tec­no­lo­gia em São Pau­lo.

Co­or­de­na­ção de Aper­fei­ço­a­men­to de Pes­so­al de Ní­vel Su­pe­ri­or – Capes Fun­da­ção vin­cu­la­da ao Mi­nis­té­r io da Edu­ca­ção, tem como mis­são pro­mo­ver o de­ sen­vol­vi­men­to da pós-gra­du­a­ção na­ci­o­nal e a for­ma­ção de pes­so­al de alto ní­vel, no Bra­sil e no ex­te­r i­or. Sub­si­dia a for­ma­ção de re­cur­sos hu­ma­nos al­ta­men­te qua­li­fi­ca­dos para a do­cên­cia de grau su­pe­r i­or, a pes­qui­sa e o aten­di­men­to da de­man­da dos se­to­res pú­bli­co e pri­va­do.

Con­se­lho Na­ci­o­nal de De­sen­vol­vi­men­to Ci­en­tí­fi­co e Tec­no­ló­gi­co – CNPq Fun­da­ção vin­cu­la­da ao Mi­nis­té­r io da Ci­ên­cia e Tec­no­lo­gia (MCT), para apoio à pes­ qui­sa bra­si­lei­ra, que con­tri­bui di­re­ta­men­te para a for­ma­ção de pes­qui­sa­do­res (mes­tres, dou­to­res e es­pe­ci­a­lis­tas em vá­r i­as áre­as do co­nhe­ci­men­to). Des­de sua cri­a­ção, é uma das mais só­li­das es­tru­tu­ras pú­bli­cas de apoio à ci­ên­cia, tec­no­lo­gia e ino­va­ção dos paí­ses em de­sen­vol­vi­men­to.

So­ci­e­da­de Bra­si­lei­ra para o Pro­gres­so da Ci­ên­cia – SBPC Fun­da­da há mais de 50 anos, é uma en­ti­da­de ci­vil, sem fins lu­cra­ti­vos, vol­ta­da prin­ci­ pal­men­te para a de­fe­sa do avan­ço ci­en­tí­fi­co e tec­no­ló­g i­co e do de­sen­vol­vi­men­to edu­ca­­ci­o­­­­­­­­­­­­­nal e cul­tu­ral do Bra­sil.

Aca­de­mia Bra­si­lei­ra de Ci­ên­ci­as – ABC So­ci­e­da­de ci­vil sem fins lu­cra­ti­vos, fun­da­da em 3 de maio de 1916, tem por ob­je­ti­vo con­ tri­bu­ir para o de­sen­vol­vi­men­to da ci­ên­cia e tec­no­lo­gia, da edu­ca­ção e do bem-es­tar so­ci­al do país. Atu­al­men­te reú­ne seus mem­bros em dez áre­as: Ci­ên­ci­as Ma­te­má­ti­cas, Ci­ên­­ci­as Fí­si­cas, Ci­ên­ci­as Quí­mi­cas, Ci­ên­ci­as da Ter­ra, Ci­ên­ci­as Bi­o­ló­gi­cas, Ci­ên­ci­as Bi­o­­mé­di­cas, Ci­ên­ci­as da Saú­de, Ci­ên­ci­as Agrá­ri­as, Ci­ên­ci­as da En­ge­nha­ria e Ci­ên­ci­as Hu­ma­nas.

Aca­de­mia Bra­si­lei­ra de Le­tras – ABL Fun­da­da em 20 de ju­lho de 1897 por Ma­cha­do de As­sis, com sede no Rio de Ja­nei­ro, tem por fim a cul­tu­ra da lín­gua na­ci­o­nal. É com­pos­ta por 40 mem­bros efe­ti­vos e per­ pé­tu­os e 20 mem­bros cor­res­pon­den­tes es­tran­gei­ros.

Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial ­– CTA Criado na década de 1950, é uma organização do Comando da Aeronáutica que tem como missão o ensino, a pesquisa e o desenvolvimento de atividades aeronáuticas, espaciais e de defesa, nos setores da ciência e da tecnologia.


JÚRI dos Prêmios FCW CIÊNCIA GERAL PARCEIRA QUE INDICOU Jacob Palis – Presidente do Júri FCW Adalberto Ramon Vieyra Capes Eduardo Moacyr Krieger FAPESP Erney Plessmann Camargo FCW Gerhard Malnic FCW José Roberto Drugowich de Felício CNPq Marco Antonio Raupp SBPC Cel. Marco Antonio Sala Minucci CTA Wanderley de Souza ABC CIÊNCIA APLICADA FCW Jorge Almeida Guimarães – Presidente do Júri Ana Tereza Vasconcelos SBPC Carlos Vogt FCW Contra-almirante Sergio Roberto Fernandes dos Santos Marinha do Brasil Eric Arthur Bastos Routledge Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca Hernan Chaimovich ABC José Galízia Tundisi FCW José Oswaldo Siqueira CNPq Monica Ferreira do Amaral Porto FAPESP Sergio Mascarenhas FCW medicina Renata Caruso Fialdini – Presidente Erney Plessmann de Camargo Marco Antonio Zago Marcos Boulos Mario José Abdalla Saad Protásio Lemos de Luz Reinaldo Felippe Nery Guimarães Ricardo Renzo Brentani

do Júri FCW

literatura Celita Procopio de Carvalho – Presidente Alfredo Bosi Benjamim Abdala Júnior Carlos Vogt Carlos Alberto Ribeiro de Xavier Cecília de Cristo Garçoni Domício Proença Fábio Lucas Marisa Lajolo

Capes FCW FCW FAPESP ABC Ministério da Saúde SBPC

do Júri FCW

Fotografia publicitária André Porto Alegre (app) Ana Lucia Mariz (abrafoto) Gisele Centenaro (about) Juan Esteves (fotografe melhor e fotosite) Gilberto dos Reis (clube de criação de são Rubens Fernandes Junior (coordenador do

FAPESP Capes FCW MEC Ministério da Cultura ABL FCW SBPC

paulo) prêmio e faap)

Ensaio fotográfico Helouise Costa (mac-usp) João Wainer (fotosite) Juan Esteves (fotografe melhor e fotosite) Ricardo de Leone Chaves (jornal zero hora) Ronaldo Entler (multimeios da unicamp) Rubens Fernandes Junior (coordenador do prêmio e faap) Tiago Sobreira de Santana (vencedor do prêmio fcw de arte 2006)


cronograma da premiação 2008

Até 27 de fevereiro de 2009

Prazo para recebimento das indicações e inscrições (Arte)

27 de março de 2009

Preparação dos dossiês dos indicados

Julgamento e escolha dos premiados

Divulgação dos trabalhos

30 de março a 3 de abril de 2009

Última semana de abril de 2009

1º de junho de 2009

Premiação

Fundação Conrado Wessel www.fcw.org.br


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