Quando a Amazônia seca

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Pesquisa FAPESP dezembro de 2015

dezembro de 2015  www.revistapesquisa.fapesp.br

Exercícios físicos revertem danos da insuficiência cardíaca Resíduo da produção de etanol, a vinhaça pode gerar energia elétrica

Quando a

Amazônia seca n.238

Habitação social se tornou ativo financeiro no mundo todo Para Carlos Moedas, comissário europeu de Pesquisa, diversidade em parcerias faz ciência avançar

Experimento simula estiagem prevista em cenário de mudanças climáticas e provoca morte de árvores


Experimentos mostram que årvores gigantes da Amazônia, como essa maçaranduba, sucumbem a secas prolongadas e abrem clareiras na floresta


fotolab

O laser de Hórus O espalhamento da luz em diferentes tipos de filmes formados pela mistura de água e detergente pode produzir padrões ópticos singulares. Manipulando uma ponteira que emite um laser azul, os físicos Adriana e Alberto Tufaile controlaram o ângulo de incidência da luz sobre pontos distintos de bolhas de sabão e conseguiram sobrepor duas figuras: um conjunto de anéis concêntricos no interior de um halo, denominado tecnicamente círculo parélico. O centro da imagem final lembra o olho de Hórus, um símbolo do antigo Egito que significava poder e proteção. O processo de formação do padrão óptico é explicado pelos pesquisadores em artigo publicado em outubro no periódico Physics Letters A. Se você tiver uma imagem relacionada à sua pesquisa, envie para imagempesquisa@fapesp.br, com resolução de 300 dpi (15 cm de largura) ou com no mínimo 5 MB. Seu trabalho poderá ser selecionado pela revista.

Imagem enviada por Adriana e Alberto Tufaile, professores da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo (USP)

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dezembro  238

16

TECNOLOGIA 68 Engenharia química  Além de fertilizante, a vinhaça, resíduo do etanol, poderá ser utilizada para produzir eletricidade

CAPA 16 Experimento feito na Amazônia mostra colapso de árvores com ressecamento do solo

66

22 Ações adaptativas

reduziriam significativamente prejuízo provocado pela subida do mar em Santos até 2100

ENTREVISTA 26 Carlos Moedas Comissário europeu de Pesquisa, Ciência e Inovação diz que a ciência só avança com parcerias e o Big Data é parte essencial do novo jogo

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA 32 Biodiversidade Iniciativas testam soluções para recuperar a vegetação de áreas degradadas 36 Bibliometria Instituições brasileiras começam a adotar o identificador Orcid, assinatura digital global para autores científicos e acadêmicos 40 Recursos humanos Estudo sugere que disciplinas com alta presença feminina não garantem às pesquisadoras vantagem para chegar ao topo da carreira 44 Reconhecimento Prêmios para pesquisadores se multiplicam no Brasil e no exterior

foto da capa  rafael oliveira

66 Física Equipe internacional mede pela primeira vez o aumento da entropia em núcleos de carbono

48 Cooperação Torneio e conferência na Alemanha promovem propostas inovadoras de outros países

CIÊNCIA 50 Medicina Pesquisadores explicam como treinamento aeróbico e de resistência muscular reverte danos decorrentes da insuficiência cardíaca 56 Biologia Forma e tamanho das mitocôndrias influenciam o amadurecimento celular 58 Botânica Brasileiros propõem a existência de um código que regula a formação da parede celular das plantas 60 Paleontologia Cinodonte descoberto primeiro na África e agora no Brasil viveu durante o auge da diversidade dos animais precursores dos mamíferos 64 Astrofísica Grupo do Brasil e da Argentina explica como uma classe de pulsares evolui até consumir outros objetos celestes

72 Pesquisa empresarial BrPhotonics investe em P&D para criar dispositivos ópticos avançados e exportar 76 Indústria farmacêutica Biolab conclui o desenvolvimento de dois novos medicamentos e aposta neles para ampliar sua presença no mercado internacional

HUMANIDADES 80 Urbanismo Dos países desenvolvidos aos mais pobres, habitação pública se tornou ativo financeiro, indicam estudos 84 História Pesquisador recupera interesses políticos e econômicos nos cinejornais da era desenvolvimentista 88 Arqueologia Povo que viveu há mais de 2 mil anos na costa peruana tinha dieta de agricultor, baseada em muito carboidrato seçÕes 3 Fotolab 5 Cartas 6 On-line 7 Carta do editor 8 Dados e projetos 9 Boas práticas 10 Estratégias 12 Tecnociência 90 Memória 94 Arte 96 Resenha 97 Carreiras 99 Classificados

56


cartas

cartas@fapesp.br

Programa de rádio

Muito boa a opção de baixar o mp3 das entrevistas do programa de rádio Pesquisa Brasil.

CONTATOS Site  No endereço eletrônico www.

Brenda Teles

revistapesquisa.fapesp.br

Via Facebook

você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP, na íntegra, em

Vídeos

português, inglês e espanhol.

Sensacional o vídeo “Séculos de migração”. Sempre que vejo estas coisas fico faceiro por ter sido bolsista e pesquisador apoiado pela FAPESP.

Também estão disponíveis edições internacionais da revista em inglês, francês e espanhol Opiniões ou sugestões Envie cartas para a redação pelo e-mail cartas@fapesp.br ou para a rua Joaquim Antunes, 727 – 10º andar, CEP 05415-012, São Paulo, SP Assinaturas, renovação e mudança de endereço

Jeter Bertoletti

ou ligue para (11) 3087-4237, de segunda a sexta, das 9h às 19h Para anunciar Contate Júlio César Ferreira na Mídia Office, pelo e-mail julinho@midiaoffice.com.br, ou ligue para (11) 99222-4497 Classificados  Ligue para (11) 3087-4212 ou escreva para publicidade@fapesp.br Edições anteriores

Guy Barcellos Via Facebook

Humanidades

Quero parabenizar a equipe de redação pela densidade e interesse das matérias consignadas na edição de outubro (nº 236). O elenco talvez seja o mais instigante de todos os que eu há anos venho acompanhando. Quero especialmente destacar a reportagem sobre imigração (“As raízes da resistência”) e a entrevista de Boris Schnaiderman (“Memórias de um ex-combatente”), que, no nível de um Braudel, edificou o estudo das letras na USP. Justa homenagem.

acrescido do custo de

Luz

mpiliadis@fapesp.br

Instituto de Química/Unesp

de reprodução de textos e imagens

Estella Sillva Via Facebook

Via Facebook

Vanderlan Bolzani

Para adquirir os direitos

Tudo por uma medicina menos invasiva (sobre o vídeo “Um monitor para o cérebro”). A humanidade agradece!

Gislaine Augusto

(11) 3087-4212 ou envie e-mail para

de conteúdo

Via Facebook

Campinas, SP

de Pesquisa FAPESP ligue para

Licenciamento

Adriano Alves de Aquino Araújo

Rui Granziera

Parabéns ao Sidney José Lima Ribeiro pela pesquisa que foi objeto da reportagem intitulada “Químicos criam dispositivo flexível que emite luz”, no site da revista Pesquisa FAPESP, por divulgar a excelência das pesquisas desenvolvidas aqui no Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista.

clair@fapesp.br

Pesquisas nesse sentido são essenciais para o debate acerca do capital humano em potencial que temos no país (sobre o vídeo “Séculos de migração”).

Impressionante, espero que a Anvisa libere o mais rápido possível (sobre o vídeo “Um monitor para o cérebro”).

Preço atual de capa postagem. Peça pelo e-mail

Via Facebook

Merecido reconhecimento na entrevista com o grande “mestre dos museus”, Jeter Bertoletti, falando de sua brilhante carreira (“Semeador de arquivos”, edição 237). Vale a leitura. São raros os profissionais como ele.

Envie um e-mail para assinaturaspesquisa@fapesp.br

André Luiz Cavazzani

Araraquara, SP

Interessante observar na prática como a ciência aplicada pode ser uma poderosa ferramenta para compreender nosso ambiente (sobre o vídeo “Círculos do tempo”) João Filho Via Facebook

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br ou para a rua Joaquim Antunes, 727, 10º andar – CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

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on-line

Galeria de imagens

w w w . r e v i s ta p e s q u i s a . f a p e s p. b r

A mais vista do mês no Facebook política c&T

Doação de órgãos: a arte de dar más notícias

15.108 pessoas alcançadas 121 curtidas 4 comentários 37 compartilhamentos entre 18 e 24 de novembro no perfil de Pesquisa FAPESP

Exclusivo no site x Simulações feitas por um grupo internacional de pesquisadores estão reforçando o papel do ser humano na extinção de grandes animais como preguiças-gigantes, tigres-dentes-de-sabre e mastodontes há aproximadamente 10 mil anos nas Américas. Em um artigo publicado em setembro na revista Proceedings of the Royal Society B, o biólogo Matias Pires, da Universidade de São Paulo, e colaboradores descrevem o uso de modelos matemáticos para reconstruir o funcionamento das redes ecológicas da época. Os resultados sugerem que as comunidades de grandes mamíferos do Pleistoceno eram sensíveis ao acréscimo de um predador eficaz como o homem. x A ideia de notebooks dobráveis e papéis eletrônicos flexíveis parece estar mais próxima de se tornar realidade. Em um estudo publicado em novembro na capa da revista Journal of Materials Chemistry C, pesquisadores brasileiros relatam o desenvolvimento de um substrato flexível à base de celulose produzida por bactérias e poliuretano, obtido da síntese do óleo de mamona. O material foi usado como suporte para a obtenção de um diodo flexível emissor de luz, uma das mais promissoras tecnologias para vídeo e imagem. 6 | dezembro DE 2015

Rádio Professor Nélio Bizzo fala a respeito do conhecimento de estudantes sobre a teoria da evolução

Vídeos do mês Assista ao vídeo:

Confira o processo de coleta de amostras de árvores nas fotos de Léo Ramos

youtube.com/user/PesquisaFAPESP

Grupo Vertigem integra conhecimento científico à montagem de peças teatrais

Assista ao vídeo:

Autor Adelto Gonçalves comenta as raízes dos desmandos públicos no Brasil


carta do editor fundação de amparo à pesquisa do estado de são Paulo José Goldemberg Presidente Eduardo Moacyr Krieger vice-Presidente Conselho Superior Carmino Antonio de Souza, Eduardo Moacyr Krieger, fernando ferreira costa, João Fernando Gomes de Oliveira, joão grandino rodas, José Goldemberg, Maria José Soares Mendes Giannini, Marilza Vieira Cunha Rudge, José de Souza Martins, Pedro Luiz Barreiros Passos, Pedro Wongtschowski, Suely Vilela Sampaio Conselho Técnico-Administrativo José Arana Varela Diretor-presidente Carlos Henrique de Brito Cruz Diretor Científico Joaquim J. de Camargo Engler Diretor Administrativo

issn 1519-8774

Conselho editorial Carlos Henrique de Brito Cruz (Presidente), Caio Túlio Costa, Eugênio Bucci, Fernando Reinach, José Eduardo Krieger, Luiz Davidovich, Marcelo Knobel, Maria Hermínia Tavares de Almeida, Marisa Lajolo, Maurício Tuffani, Mônica Teixeira comitê científico Luiz Henrique Lopes dos Santos (Presidente), Anamaria Aranha Camargo, Carlos Eduardo Negrão, Fabio Kon, Francisco Antônio Bezerra Coutinho, Joaquim J. de Camargo Engler, José Arana Varela, José Goldemberg, José Roberto de França Arruda, José Roberto Postali Parra, Lucio Angnes, Marie-Anne Van Sluys, Mário José Abdalla Saad, Paula Montero, Roberto Marcondes Cesar Júnior, Sérgio Robles Reis Queiroz, Wagner Caradori do Amaral, Walter Colli Coordenador científico Luiz Henrique Lopes dos Santos diretora de redação Alexandra Ozorio de Almeida editor-chefe Neldson Marcolin Editores Fabrício Marques (Política), Márcio Ferrari (Humanidades), Marcos de Oliveira (Tecnologia), Ricardo Zorzetto (Ciência); Carlos Fioravanti e Marcos Pivetta (Editores espe­ciais); Bruno de Pierro (Editor-assistente) revisão Daniel Bonomo, Margô Negro arte Mayumi Okuyama (Editora), Ana Paula Campos (Editora de infografia), Alvaro Felippe Jr., Júlia Cherem Rodrigues e Maria Cecilia Felli (Assistentes) fotógrafos Eduardo Cesar, Léo Ramos Mídias eletrônicas Fabrício Marques (Coordenador) Internet Pesquisa FAPESP online Maria Guimarães (Editora) Rodrigo de Oliveira Andrade (Repórter) Renata Oliveira do Prado (Mídias sociais) Rádio Pesquisa Brasil Biancamaria Binazzi (Produtora) Colaboradores Alexandre Affonso, Daniel Bueno, Elisa Carareto, Evanildo da Silveira, Fabio Otubo, Heloisa Beraldo, Igor Zolnerkevic, Jayne Oliveira, Marcella Beraldo de Oliveira, Maria Hirszman, Salvador Nogueira, Voltaire Paes Neto, Valter Rodrigues, Yuri Vasconcelos É proibida a reprodução total ou parcial de textos e fotos sem prévia autorização Para falar com a redação (11) 3087-4210 cartas@fapesp.br Para anunciar Midia Office - Júlio César Ferreira (11) 99222-4497 julinho@midiaoffice.com.br Classificados: (11) 3087-4212 publicidade@fapesp.br Para assinar (11) 3087-4237 assinaturaspesquisa@fapesp.br Tiragem 36.200 exemplares IMPRESSão Plural Indústria Gráfica distribuição Dinap GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP PESQUISA FAPESP Rua Joaquim Antunes, no 727, 10o andar, CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP FAPESP Rua Pio XI, no 1.500, CEP 05468-901, Alto da Lapa, São Paulo-SP Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia Governo do Estado de São Paulo

Efeitos das alterações climáticas

Q

uando esta edição estiver impressa, a 21a Conferência das Partes das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP21) já terá terminado. Pesquisa FAPESP estava na gráfica no período em que ocorreu a COP21 e, por essa razão, não traz os resultados do que foi acordado em Paris. As informações já depuradas e calibradas pela análise cuidadosa de pesquisadores especializados da área estarão na edição de janeiro. A presente edição, no entanto, apresenta reportagens sobre projetos de pesquisa que investigam possíveis consequências nas alterações climáticas no Brasil. A primeira delas é um longevo experimento realizado na Floresta Nacional de Caxiuanã, na Amazônia (página 16). Uma equipe que inclui pesquisadores brasileiros e britânicos cobriu com 6 mil painéis de plástico, entre 1 e 2 metros do chão, 1 hectare de mata para evitar que 50% da água da chuva chegasse ao solo. A pergunta a ser respondida era: como a floresta reagiria se houvesse uma seca prolongada na região? Nos primeiros anos, a falta de chuva pareceu não afetar as árvores. Mas 13 anos depois veio a consequência: as grandes árvores, algumas enormes, com mais de 40 metros de altura, começaram a tombar vítimas do ressecamento do solo – das 12 mais altas, com diâmetro maior que 60 centímetros, sobraram três. O experimento Efeitos da Seca da Floresta (Esecaflor) já dura 15 anos e é o mais duradouro a avaliar o efeito da seca em uma floresta tropical. Outro projeto que também tem a ver com a Amazônia tratou da desastrosa combinação de queimadas com seca. Levado a termo por uma equipe de norte-americanos e brasileiros, o estudo avaliou um experimento com incêndios florestais controlados no Alto Xingu, a parte mais seca da Amazônia. Os resultados desse trabalho foram apresentados no ano passado e mostraram que as árvores resistiram bem à primeira queimada, em 2004. O grande prejuízo para a mata

aconteceu em 2007, quando houve uma estiagem prolongada. O fogo programado pelo experimento teve tal intensidade que destruiu tudo. Pouca água no solo, baixa umidade no ar, plantas ressecadas e um clima seco, juntos, mostraram ter alto poder de combustão, mesmo em regiões normalmente úmidas. Como reportagem coordenada à da Amazônia, contamos sobre os efeitos econômicos que o aumento do nível do mar traria para Santos, no litoral paulista, onde está o principal porto brasileiro (página 22). O estudo integra o projeto Metrópole, parte do Belmont Forum, mantido pelo International Group of Funding Agencies for Global Change Research (IGFA), que reúne agências de fomento à pesquisa de vários países e estimula trabalhos relativos às mudanças climáticas. As projeções sobre um mundo mais quente abrangeram dois outros municípios litorâneos, além de Santos: Selsey, balneário inglês, e o condado de Broward, na Flórida, que abriga a cidade de Fort Lauderdale, nos Estados Unidos. As estimativas para a cidade brasileira foram apresentadas às autoridades e à população e, de certo modo, confirmaram o que já se sabia: ações adaptativas reduziriam enormemente os prejuízos econômicos provocados pela elevação do mar até 2100. Para dar um exemplo: num cenário pessimista, se o nível da água subir 45 centímetros, os prejuízos chegariam à casa do R$ 1,3 bilhão. Com medidas paliativas – alargamento das praias, dragagem de áreas assoreadas, restauro e preservação de mangues e reforço de paredes de contenção do mar –, as perdas se restringiriam a R$ 200 milhões em oito décadas. Talvez a principal vantagem do Metrópole seja o fato de não se limitar à ciência: o projeto envolve pesquisa científica, discussão de políticas públicas e participação da população local. Não é pouco. Boa leitura. Neldson Marcolin | editor-chefe PESQUISA FAPESP 238 | 7


Dados e projetos Temáticos e Jovens Pesquisadores recentes Projetos contratados em outubro e novembro de 2015

temáticos  Desenvolvimento de novos materiais estratégicos para dispositivos analíticos integrados Pesquisador responsável: Lauro Tatsuo Kubota Instituição: IQ/Unicamp Processo: 2013/22127-2 Vigência: 01/10/2015 a 30/09/2020

 Plasticidade fenotípica de macacos-prego (gênero Sapajus): investigação sobre o efeito de trajetórias ontogenéticas distintas e de ativação contexto-dependente Pesquisadora responsável: Patricia Izar Instituição: Instituto de Psicologia/USP Processo: 2014/13237-1 Vigência: 01/11/2015 a 31/10/2020

Pesquisador responsável: Carlos Roque Duarte Correia Instituição: IQ/Unicamp Processo: 2014/25770-6 Vigência: 01/11/2015 a 31/10/2020

Pesquisador responsável: Eduardo Cesar Leão Marques Instituição: FFLCH/USP Processo: 2015/50127-2 Vigência: 01/09/2015 a 31/08/2017

 Efeitos plasmônicos e não lineares em grafeno acoplado a guias de onda ópticos Pesquisador responsável: Christiano José Santiago de Matos Instituição: CPAGN/UPM Processo: 2015/11779-4 Vigência: 01/10/2015 a 30/09/2019

Jovens pesquisadores  Sinalização parácrina mediada por microvesículas e proteínas entre células ósseas e endoteliais durante o desenvolvimento e regeneração do tecido ósseo Pesquisador responsável: Willian Fernando Zambuzzi Instituição: IB de Botucatu/Unesp Processo: 2014/22689-3 Vigência: 01/12/2015 a 30/11/2019

 Modulação de monócitos, macrófagos e pericitos pelos genes dos fatores estimuladores de colônia para tratamento de isquemia de membros em modelo murino Pesquisador responsável: Sang Won Han Instituição: EPM/Unifesp Processo: 2015/20206-8 Vigência: 01/12/2015 a 30/11/2020

 Novas fronteiras em reações de acoplamento cruzado mediadas por paládio. Associando catálise enantiosseletiva, ativações c-h, novos materiais e reações em fluxo visando alta eficiência e sustentabilidade em processos sintéticos

 Resolution: resilient systems for land use transportation (FAPESP-ESRC-NWO)

 Heteroestruturas em nanofios semicondutores: emissores de luz nanométricos estudados por microscopia de varredura de tunelamento Pesquisador responsável: Luiz Fernando Zagonel Instituição: IFGW/Unicamp Processo: 2014/23399-9 Vigência: 01/11/2015 a 31/10/2019

 Reconstrução filogenética de Gastrotricha baseada em dados moleculares e morfológicos Pesquisador responsável: André Rinaldo Senna Garraffoni Instituição: IB/Unicamp Processo: 2014/23856-0 Vigência: 01/11/2015 a 31/10/2019  Novas abordagens para melhorar a prospecção funcional de biocatalizadores em bibliotecas metagenômicas Pesquisadora responsável: Maria Eugenia Guazzaroni Instituição: FFCLRP/USP Processo: 2015/04309-1 Vigência: 01/10/2015 a 30/09/2019  Avaliação de técnicas e processos na fungicultura: suplementação de substrato e utilização do composto exaurido no meio agrícola Pesquisador responsável: Diego Cunha Zied Instituição: CE de Dracena/Unesp Processo: 2015/15306-3 Vigência: 01/01/2016 a 31/12/2018

Patentes concedidas no Brasil Número de concessões por país do primeiro depositante – INPI, 2000-2014 2.400 2.200

Número de patentes de invenção

2.000 1.800 1.600 1.400 1.200 1.000 800 600 400 200 0

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2.251

1.154

1.660

1.565

768

840

884

538

834

870

962

1.052

811

833

776

Alemanha

870

463

580

613

316

368

374

224

362

393

492

524

403

386

404

Brasil

649

379

337

403

279

247

231

198

233

340

313

380

363

385

374

Japão

288

122

156

206

89

92

132

102

166

175

271

244

197

204

192

França

346

200

291

296

152

185

221

125

182

197

257

239

191

211

164

Estados Unidos

2014

Obs.: As patentes com origem em outros países além do Brasil são majoritariamente (88% em 2014) processadas via o Patent Cooperation Treaty (PCT), que facilita o depósito em diversos países, além daquele no país de origem  Fonte: Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC)

8 | dezembro DE 2015


Boas práticas

Bill Dickinson / Flickr

Ética em pesquisas patrocinadas O Committee on Publication Ethics (Cope), fórum que fornece aconselhamento sobre ética e integridade para editores de revistas científicas, deu aval em novembro para o GPP3, a mais nova versão do código de boas práticas para a divulgação de pesquisas patrocinadas por empresas médicas, farmacêuticas e de biotecnologia. O guia foi lançado pela primeira vez em 2003, formulado por um pequeno grupo de profissionais com atuação em indústrias de medicamentos, e sofreu uma primeira atualização em 2009 com a colaboração de cerca de 200 editores e pesquisadores, na maioria norte-americanos. Desta vez, o escopo foi ampliado, com a contribuição de membros da Europa e da Ásia. O código traz novas seções que incorporam diretrizes consagradas em outros documentos, como a que condena o plágio ou a que especifica os tipos de contribuição que habilitam um pesquisador a assinar um artigo como autor. Também avança ao recomendar etapas precisas para o processo de publicação, como a formulação de um planejamento para assegurar que tanto os resultados positivos como os negativos sejam divulgados, que os dados sejam apresentados em congressos médicos relevantes na primeira oportunidade possível e que se evite a publicação dos achados em mais de um periódico. Outra novidade é o capítulo sobre o papel dos redatores médicos na confecção dos artigos. O guia recomenda que os autores tenham ajuda desses profissionais para melhorar a qualidade e a clareza dos textos. Essa contribuição, porém, apenas em casos excepcionais qualifica os redatores

a se tornarem coautores do trabalho. Mas a colaboração deve ser declarada no artigo e não se confunde com o trabalho de um ghost writer. Segundo Liz Wager, ex-presidente do Cope que ajudou a formular as três versões do código, o tom do documento é mais assertivo do que o dos anteriores. “Muitas das normas que eram precedidas com ‘nós recomendamos’ foram substituídas por afirmações sobre o que empresas, pesquisadores e autores ‘deveriam’ ou ‘devem’ fazer”, disse ela em seu blog. Tanto a nova versão do guia como as anteriores afirmam, com clareza, que “todos os resultados de um ensaio clínico devem ser reportados”. Se hoje essa afirmação está amparada por outros códigos de boas práticas e pela legislação dos Estados Unidos, na época em que o primeiro GPP foi lançado o assunto era cercado de controvérsia. Pouco antes da

divulgação da primeira versão do guia, a indústria farmacêutica norte-americana lançou diretrizes próprias, segundo as quais apenas os “resultados significativos” precisariam ser divulgados. O GPP3 admite que nem sempre os resultados de testes clínicos são apropriados para gerar um artigo. Mas recomenda que todos os dados de ensaios sejam divulgados em repositórios públicos.

Revisor sem qualificação Um artigo publicado em agosto na revista Antimicrobial Agents and Chemotherapy, da Sociedade Americana de Microbiologia, foi retratado em novembro sob a justificativa de que o periódico não foi capaz de verificar a identidade de um revisor que recomendou a publicação do manuscrito. A suspensão da publicação do paper, porém, não se enquadra nos escândalos recentes de manipulação de bancos de dados de revisores, com a inclusão fraudulenta de perfis fictícios. Ao site Retraction Watch, o editor da revista Louis Rice, professor da Universidade Brown, explicou que o revisor era real, mas não tinha qualificação

suficiente para avaliar o artigo. Segundo ele, o autor do manuscrito, o biólogo Abdul Mannan Baig, da Universidade Aga Khan, do Paquistão, sugeriu pesquisadores para revisar seu trabalho, sobre o funcionamento de um patógeno. Um dos nomes foi aceito, sem que a revista checasse suas referências. O problema só foi detectado quando o artigo já estava publicado on-line. Um novo processo de revisão foi deflagrado, que desaconselhou a publicação do paper. Ao admitir o erro, Rice isentou o biólogo paquistanês de culpa. “Não houve irregularidade por parte do autor, que foi encorajado a apresentar seus trabalhos no futuro”, disse. PESQUISA FAPESP 238 | 9


Estratégias

1

As doenças do desmatamento

Índios Baré se banham no rio Cuieiras, no Amazonas: estudo mediu impacto da retirada da vegetação na saúde humana

A aproximação entre

pesquisador do Centro

Cuba e Estados Unidos

de Pesquisa Marinha

começa a se traduzir

da Universidade de

em parcerias científicas.

Havana e professor

Numa recente

visitante da Universidade

conferência internacional

da Flórida, em Gainesville.

sobre oceanos,

Algumas espécies

representantes dos dois

endêmicas na região,

países anunciaram que

como o tubarão-

está sendo negociado um

-galha-branco-oceânico

acordo de cooperação

e o tubarão-mako-longfin,

envolvendo pesquisa e

foram dizimadas em

gerenciamento de áreas

outras regiões e estão

marinhas protegidas.

ameaçadas de extinção.

Um dos focos de interesse

O governo cubano criou

são as 100 espécies de

uma área de proteção

tubarões residentes no

ao longo de 20% de sua

mar do Caribe e no golfo

costa e quer expandi-la.

do México que habitam as

Pesquisadores de

águas cubanas. “Cuba é

organizações

uma espécie de epicentro

conservacionistas,

da biodiversidade para

como o Environment

Políticas para o

dengue e males

gerenciamento da

respiratórios. O estudo,

malária na Amazônia

feito pelo biólogo Nilo

precisam levar em conta

Saccaro Junior e os

o desmatamento na

economistas Lucas

os tubarões”, disse à

Defense Fund, sediado

região, concluiu uma

Mation e Patrícia

revista Nature Robert

em Nova York, querem

equipe do Instituto de

Sakowski, não investigou

Hueter, diretor do Centro

fazer inventário das

Pesquisa Econômica

como o desequilíbrio

de Pesquisa de Tubarões,

populações de tubarões

Aplicada (Ipea) que

leva ao aumento de

em Sarasota, Flórida,

e estão levantando

levantou o impacto da

algumas doenças e não

que está trabalhando

recursos para começar o

devastação da floresta na

de outras. Mas sugere

com pesquisadores

trabalho, promovendo, por

saúde da população.

que características dos

cubanos. “É tempo de

exemplo, o treinamento

Uma análise publicada

vetores podem explicar a

identificarmos objetivos

de profissionais de

em outubro relacionou

diferença. O mosquito

comuns e trabalharmos

barcos pesqueiros para

dados de desmatamento

Anopheles, causador da

juntos”, diz Jorge

identificar e registrar os

e estatísticas de doenças

malária, vive mais tempo

Angulo-Valdés,

tubarões que capturam.

em 773 municípios da

e viaja distâncias

Amazônia Legal entre

maiores que o Aedes

2004 e 2012. Constatou-

aegypti, que propaga a

-se que para cada 1% de

dengue, e com isso

floresta derrubada por

se deslocaria até áreas

ano viu-se um acréscimo

povoadas após a

de 23% nos casos de

devastação de seus

malária. A incidência de

hábitats. Também é

leishmaniose também

possível que espécies

cresceu com o avanço do

que transmitem a

desmatamento, com um

malária de forma mais

aumento entre 8% e 9%

efetiva, como o

de casos. Não foram

Anopheles darlingi,

registrados impactos da

tornem-se mais

retirada da vegetação

prevalentes do que

sobre doenças como

espécies mais benignas,

sarampo, diarreia,

dizem os autores.

10 | dezembro DE 2015

2

Tubarão: as águas de Cuba abrigam mais de uma centena de espécies

fotos 1 Daniel Zanini H / Flickr 2 Albert Kok / Wikicommons  3 e 4 EPPO  5 Pawel Dwulit / Feature Photo Service

Interesse nos tubarões


A praga que destrói as oliveiras

Para conhecer as escolas

A Comissão Europeia anunciou uma cha-

a interação entre a bactéria, a planta e

O Centro de Estudos da

mada de € 7 milhões para financiar pro-

o inseto que atua como vetor, a cigarri-

Metrópole (CEM), um

jetos de pesquisa para detecção e com-

nha-espumosa, nas oliveiras. “Vamos

dos Centros de Pesquisa,

bate da Xylella fastidiosa, bactéria que

submeter um projeto em parceria com

Inovação e Difusão

está destruindo as oliveiras centenárias

um grupo da Itália no âmbito do progra-

(Cepid) apoiados pela

da região de Puglia, no sul da Itália. A

ma Horizonte 2020, da União Europeia”,

FAPESP, criou uma

praga agrícola, que atinge, ainda, regiões

diz Alessandra Alves de Souza, pesqui-

ferramenta on-line com

da França, é apontada como grande

sadora do Centro de Citricultura Sylvio

informações sobre o

ameaça econômica para a União Euro-

Moreira do Instituto Agronômico de

desempenho e as

peia. O governo italiano também prome-

Campinas (IAC) que participa da colabo-

condições de operação

teu investir € 6 milhões em projetos de

ração com os pesquisadores italianos

das escolas públicas da

pesquisa. A Xylella é bastante conhecida

juntamente com Helvécio Della Coletta

Região Metropolitana de

no Brasil pelos prejuízos que causa nos

Filho, do IAC, e Joao Spoti Lopes, da Es-

São Paulo. A plataforma

laranjais e foi objeto do primeiro sequen-

cola Superior de Agricultura Luiz de

de livre acesso oferece

ciamento genético feito no país, em

Queiroz, da USP.

informações sobre

2000, com financiamento da FAPESP. Pesquisadores brasileiros têm colaborado com os europeus nas pesquisas sobre

notas obtidas em avaliações, as instalações

Oliveiras atingidas pela Xylella, em Puglia

(laboratórios, quadras de esportes, biblioteca) e as condições socioeconômicas dos alunos. “Nossa contribuição, além de tornar as informações de livre acesso ao público,

3

é agregá-las por escola. Qualquer cidadão poderá localizar a escola de seu interesse e obter de modo ágil dados sobre o histórico dessa escola e as condições em que ela funciona”, disse Marta Arretche,

4

coordenadora do CEM e professora da Faculdade

Ciência no gabinete canadense

de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da

Um dos primeiros atos

livro sobre a expedição

departamento de

Universidade de

do novo premiê do

que fez à Noruega

assuntos da indústria.

São Paulo (FFLCH-USP).

Canadá, o liberal Justin

para investigar a causa

O premiê indicou o

Segundo ela, a

Trudeau, foi criar o posto

da epidemia de gripe

analista financeiro

plataforma contou com

de ministro da Ciência

espanhola em 1918.

Navdeep Bains para

a combinação de

em seu gabinete. A

Entrou para a política em

a pasta da Inovação

conhecimentos no

geógrafa Kirsty Duncan,

2008, eleita parlamentar

e Desenvolvimento

campo das pesquisas

de 49 anos, professora

pelo Partido Liberal.

Econômico e a advogada

de ciências sociais,

da Universidade de

A decisão de Trudeau

Catherine McKenna

de geoprocessamento,

Toronto, foi indicada

foi bem recebida pela

para o Ministério do

de demografia,

para o cargo. Ela foi uma

comunidade científica,

Meio Ambiente e das

de estatística e de

das autoras do relatório

uma vez que o premiê

Mudanças Climáticas e

programação. As

de 2001 do Painel

anterior, Stephen

prometeu recriar o cargo

Intergovernamental de

Harper, colocara os

de conselheiro científico

Mudanças Climáticas

assuntos científicos

do gabinete, abolido

(IPCC) e escreveu um

na esfera de um

por Harper em 2008.

5

A geógrafa Kirsty Duncan, da Universidade de Toronto: nomeada para o ministério

informações podem ser consultadas no endereço centrodametropole.org. br/escolas/. PESQUISA FAPESP 238 | 11


Tecnociência Os carros e o ar de São Paulo e do Rio

pré-frontal ajustam a sensibilidade do cérebro

Cerca de 60% da

1

a estímulos sensoriais,

poluição atmosférica

enviando sinais que

das cidades de São Paulo

inibem e ativam

e do Rio de Janeiro é

neurônios do tálamo.

composta de material

No estudo, camundongos

particulado fino emitido

foram treinados para

pela frota de veículos

usar estímulos sonoros

automotores. Todas

e visuais como pistas

as demais fontes de

que os levariam a uma

poluentes atmosféricos

porta atrás da qual

– indústria, aerossóis

havia uma recompensa.

vindos do mar e a poeira

Os pesquisadores

do chão em suspensão –

observaram que, quando

respondem por

os camundongos se

aproximadamente 40%

concentravam na luz para

da poluição nas duas

escolher a porta certa,

grandes cidades. Os

os neurônios do tálamo inibidores dos sinais

resultados foram obtidos pelo projeto Fontes, financiado pela Petrobras

projeto, foram realizadas

e coordenado pelos

medições entre os anos

pesquisadores José

de 2011 e início de 2014

Marcus Godoy, da

em oito estações, quatro

Pontifícia Universidade

na capital paulista

Católica do Rio de Janeiro

(IF-USP, Escola de Saúde

(PUC-Rio), e Paulo

Pública da USP, Parque do

Artaxo, do Instituto de

Carros em São Paulo: estudo indica que 20% do material particulado fino é resultado da queima incompleta de combustíveis

visuais eram menos

Cérebro mais focado

ativos. Quando atentavam ao som e ignoravam a luz, os neurônios do tálamo

A capacidade do cérebro

associados à visão eram

de ignorar distrações

mais ativos, suprimindo

e se concentrar em

os sinais visuais, fazendo

Ibirapuera e Congonhas)

tarefas específicas

o cérebro focar no som

Física da Universidade de

e quatro na Região

pode estar associada

(Nature, 21 de outubro).

São Paulo (IF-USP).

Metropolitana do Rio de

ao funcionamento

Os resultados sugerem

“A boa notícia é que,

Janeiro (Duque de

orquestrado de circuitos

que o tálamo funcionaria

se adotarmos políticas

Caxias, Tijuca, Recreio

neurais de uma região

como uma central de

que incentivem a redução

dos Bandeirantes e

chamada tálamo.

controle, administrando

do uso do automóvel,

Taquara). A atmosfera

Pesquisadores das

a quantidade de

podemos diminuir

nas duas cidades se

universidades Stanford

informações que o

significativamente a

mostrou muito

e de Nova York, ambas

cérebro recebe, filtrando

poluição do ar nos centros

homogênea. A

nos Estados Unidos,

estímulos sensoriais

urbanos”, diz Artaxo.

composição química das

verificaram que os

nos quais ele deve ou não

O estudo constatou

amostras obtidas nas

neurônios do córtex

se concentrar.

também que cerca de

oito estações foi

20% do material

semelhante, embora

particulado fino

cada lugar tenha

corresponde ao chamado

particularidades. Outro

carbono negro (fuligem),

dado interessante: o

resultante da queima

nível de poluição medido

incompleta de

agora foi da mesma

combustíveis fósseis e

ordem do verificado

biomassa. Os veículos a

em 2004, quando a frota

diesel, como os ônibus,

motorizada nas duas

são os maiores emissores

capitais era menor. Isso

de carbono negro. Para

indica que os veículos

obter os dados do

novos poluem menos.

12 | DEZembro DE 2015


funciona desde 1998 em

Unidos pelo rio Doce

Malargüe com o propósito

fotos 1 eduardo cesar 2 miguel boyayan  3 AquaBounty Technologies   ilustraçãO daniel bueno

de investigar a origem Pesquisadores e outros

Giaia. “Temos amostras

e a natureza dos raios

cidadãos se uniram em

do rio antes da chegada

cósmicos, as partículas

resposta ao rompimento,

dos rejeitos e gente em

mais energéticas do

em novembro, das

campo.” O grupo

Universo, com energia

barragens da mineradora

pretende divulgar em

algumas ordens de

Samarco em Minas

breve no site um relatório

grandeza maior do que

Gerais. Começou no

do dano ecológico

as que podem ser

Facebook, quando o

causado, que vai além

alcançadas no Grande

biólogo Dante Pavan

do curso d’água. O

Colisor de Hádrons do

gerou um movimento

ornitólogo Renato Gaban

Cern, na Europa. O

que originou o Grupo

Lima, da Universidade

acordo prevê avanços na

Independente para

Federal de Alagoas

Avaliação do Impacto

(Ufal), por exemplo,

Ambiental (Giaia).

coletará amostras de

Em quatro dias, o grupo

aves locais. Nesta época,

obteve financiamento

aves migratórias visitam

coletivo para a primeira

a região para alimentar-

fase de análise. A página

-se. Outra iniciativa vem

do grupo na rede social

da Universidade Federal

orienta quem quiser

do Espírito Santo (Ufes),

coletar água do rio e

capacidade dos 1.660 detectores de superfície

2

Observatório na Argentina: mais 10 anos de experimentos em que partículas atravessam reservatórios de água no deserto

(reservatórios de água sensíveis à luz Cherenkov

Pierre Auger até 2025

gerada pelo chuveiro de partículas produzidas pela colisão dos raios cósmicos com a atmosfera) com

Em novembro foi

o acréscimo de

que montou um grupo

assinado um acordo

detectores de luz de

enviar ao laboratório da

com uma centena

internacional que

cintilação e a construção

toxicologista Vivian

de pesquisadores que

permitirá a continuidade

de outros detectores

Santos, na Universidade

vão definir ações e

da operação do

para diferenciar os

de Brasília. “Além das

montar um plano de

Observatório Pierre Auger

componentes do

análises sistematizadas,

monitoramento para o

até 2025. A assinatura do

chuveiro de partículas

seguimos um modelo de

baixo rio Doce e a região

documento ocorreu em

vindo do espaço. Os

ciência cidadã”, explica a

costeira afetada. Parte

um simpósio na cidade

pesquisadores brasileiros

bióloga Rominy Stefani,

do trabalho é feita em

de Malargüe, Argentina,

participam desse

da equipe gestora do

um navio da Marinha.

que reuniu pesquisadores

trabalho desde 1998

e representantes das

com apoio da FAPESP,

agências de financiamento

do Conselho Nacional de

à pesquisa dos vários

Desenvolvimento

países-membros do

Científico e Tecnológico

consórcio responsável

(CNPq), do Ministério

pela construção e

da Ciência, Tecnologia

funcionamento do

e Inovação (MCTI) e da

observatório. O Pierre

Fundação de Amparo

Auger reúne mais de 500

à Pesquisa do Estado

cientistas de 16 países e

do Rio de Janeiro (Faperj).

3

Empresa desenvolve peixe que cresce duas vezes mais rápido e consome menos ração

Salmão transgênico para alimentação humana Depois de uma rigorosa averiguação

cado que cresce duas vezes mais rápido

dois genes de dois outros peixes. Um,

científica, a Food and Drug Administra-

que os espécimes utilizados em criações

relativo ao hormônio de crescimento do

tion (FDA), a agência que regula o comér-

de cativeiro. Em vez de três anos, o peixe

salmão Chinook (Oncorhynchus tshawyts-

cio de remédios e alimentos nos Estados

chega ao tamanho para a comercialização

cha), do oceano Pacífico, que cresce bem

Unidos, aprovou em novembro o primei-

em até 18 meses e consome de 20% a

mais que o do Atlântico, e outro gene – da

ro animal transgênico para consumo hu-

25% menos ração. Em um comunicado,

enguia Zoarces americanus, dos mares do

mano daquele país. A empresa AquaBounty

a FDA afirma ser o salmão geneticamen-

Noroeste Atlântico – que codifica um

Technologies começou a de­senvolver o

te modificado tão seguro e nutritivo como

promotor de proteínas anticongelamen-

peixe há 20 anos. É um salmão do Atlân-

o tradicional. A engenharia genética para

to que deixa o salmão geneticamente

tico (Salmo salar) geneticamente modifi-

tornar o salmão mais produtivo utilizou

modificado crescer no inverno.

PESQUISA FAPESP 238 | 13


causada pelo fungo reaparecia. Agora, o tratamento combinado parece ter funcionado. Em 2009 e 2012, os girinos do sapo-parteiro-de-maiorca (Alytes muletensis), removidos de cinco lagoas de duas ilhas do arquipélago das Ilhas Baleares, localizado a leste da Espanha, 1

foram tratados com o antifúngico itraconazol

Estratégia contra fungo

e devolvidos ao seu ambiente. Depois, as rochas próximas às

Um grupo liderado pelo

lagos, que só acontece

glaciologista Jefferson

por um aumento

Simões, pesquisador do

significativo no degelo

Biólogos da Espanha e

Virkon S, à base

Centro Polar e Climático

e é, por isso, considerada

do Reino Unido podem

de monopersulfato de

da Universidade Federal

um indicador de aumento

ter encontrado uma

potássio. Em 2013,

do Rio Grande do Sul

da temperatura

forma de eliminar o

não havia sinais do fungo

(UFRGS), foi longe

atmosférica. Nos últimos

fungo Batrachochytrium

em quatro dos cinco

(ao menos remotamente)

anos a área dos lagos

dendrobatidis, ao qual

lugares onde a infecção

em busca de efeitos

teve uma ligeira

se atribui a extinção de

tinha sido registrada.

de mudanças

diminuição, que os

populações de cerca de

Embora não tenha sido

globais no clima.

pesquisadores da UFRGS

700 espécies de anfíbios

inteiramente eficaz,

Por meio de imagens

estão tentando explicar.

em todo o mundo (ver

porque foram

de satélite obtidas entre

A inversão na tendência

Pesquisa Fapesp

encontrados sapos

1978 e 2014, o grupo

parece ter relação

nº 196). A estratégia tem

mortos com sinais da

mapeou os lagos na

com a mudança de fase

duas frentes de ação: a

infecção, esta é uma

geleira Baltoro da

do fenômeno conhecido

aplicação de antifúngicos

das indicações de que a

cordilheira Caracórum,

como Oscilação Decadal

sobre os girinos e a

erradicação do fungo no

parte do Himalaia no

do Pacífico (ODP), que

desinfecção do ambiente

ambiente natural pode

norte do Paquistão.

afeta as temperaturas

em que vivem (Biology

ser viável. O possível

O grupo registrou um

sobretudo na parte norte

Letters, 18 de novembro).

impacto das substâncias

aumento gradual no

do oceano Pacífico.

As duas estratégias já

químicas sobre outras

número e na área dos

A expansão dos lagos

haviam sido antes

espécies e no ambiente

lagos até 2008, segundo

aconteceu em sua fase

testadas, separadamente,

deve ser avaliado pelos

artigo a ser publicado

quente, principalmente

mas não apresentaram

pesquisadores antes da

na edição de janeiro

no período em

os resultados esperados,

expansão dessa forma

de 2016 da revista

consonância com os

porque a infecção

de tratamento.

Geocarto International,

efeitos do El Niño.

já disponível on-line,

O estudo sugere a

cujo primeiro autor é o

necessidade de

indiano Bijeesh Veettil,

aprofundar as análises

aluno de doutorado no

sobre como o fenômeno

Centro Polar e Climático

ODP, que tem efeitos

da UFRGS. Nessa área a

semelhantes aos do El

cerca de 3.500 metros

Niño, mas com duração

acima do nível do mar,

de algumas décadas,

as geleiras são recobertas

afeta as geleiras asiáticas.

por pedregulhos e areia,

Os resultados mais

em vez do gelo liso que

completos poderão dar

normalmente se imagina.

pistas importantes sobre

Essa cobertura torna

as mudanças globais no

mais rara a formação de

clima do planeta.

14 | DEZembro DE 2015

lagoas foram lavadas com o desinfetante

2

Girinos do sapo-parteiro (Alytes muletensis) receberam antifúngico

fotos 1 guilhem vellut / Wikicommons 2 jaime bosch/museu nacional de ciências naturais  3 Hellen Perrone / Wikicommons  4 James Gathany / Wikicommons

Mais lagos no Himalaia

Geleira Baltoro, no norte do Paquistão: termômetro de mudanças climáticas


Segredos do bacuri da Amazônia Resíduos formados por

Universidade Estadual

mais me impressionou foi

cascas de frutas em

de Londrina (UEL).

constatar que a casca

indústrias de sucos, polpas

Ela participou do estudo

contém a moreloflavona,

e doces são, em grande

quando fez estágio de

o que não é comum”,

parte das vezes, um

pós-doutorado no

diz Vanderlan. “Cinco

problema que esconde

Departamento de

miligramas dessa

surpresas, como é o caso

Química da Universidade

substância custam em

do bacuri (Platonia

Estadual Paulista (Unesp)

torno de US$ 60”, diz

insignis), um fruto da

em Araraquara,

Maria Luiza. Ela diz que

região amazônica.

integrante do Centro de

o processo de extração

Indústrias de pequeno

Pesquisa e Inovação em

desse flavonoide das

porte ou familiares jogam

Biodiversidade e

cascas é simples e rápido,

no lixo as cascas desse

Fármacos (CIBFar), um

podendo ser facilmente

pequeno fruto rico em

dos Centros de Pesquisa,

reproduzido em escala

Universidade Victoria de

uma substância chamada

Inovação e Difusão

industrial. “Acredito que

Wellington, na Nova

moreloflavona. “Esse

(Cepid) da FAPESP, sob a

a pesquisa possa chamar

Zelândia, poderá ajudar

flavonoide possui ação

supervisão da professora

a atenção de empresas

a estimar os níveis de

antioxidante e anti-

Vanderlan Bolzani.

para o aproveitamento

estrogênio em fluidos

-inflamatória conforme

“O projeto sobre frutos

das cascas de bacuri com

corporais e em cursos

demonstrado por testes

endêmicos do Brasil vem

o objetivo de desenvolver

d’água, muitas vezes

enzimáticos in vitro”,

revelando uma riqueza

um antioxidante

contaminados com

diz Maria Luiza Zeraik,

molecular incrível.

natural para cosméticos”,

compostos estrogênicos

professora da

No caso do bacuri, o que

diz Vanderlan.

— vasto grupo de

3

Bacuri: a casca é maior que a polpa e rica em moreloflavona, substância com ação antioxidante

Sensor de hormônios Um sensor desenvolvido por pesquisadores da

hormônios geralmente eliminados na urina e

Consequências da febre zika

4

que trazem riscos aos seres vivos. O dispositivo combina o uso de aptâmeros, pequenos fragmentos de DNA que

No primeiro semestre de 2015, o aumen-

reconhecem e se ligam a

to do número de casos de pessoas com

vários tipos de moléculas,

erupções cutâneas no corpo chamou a

acoplados a nanotubos

atenção de pesquisadores do Departa-

de carbono. No estudo,

mento de Vigilância Epidemiológica de

publicado na Journal

Salvador, na Bahia, que, frente à situação,

of Vacuum Science and

implementaram um sistema de vigilância

Technology B, em

em Unidades de Pronto-Atendimento do

9 de novembro, os

município para identificar casos seme-

dengue (Emerging Infectious Diseases,

pesquisadores testaram

lhantes registrados no mesmo período.

12 de dezembro). Os resultados chamam

o sensor em uma solução

De fevereiro a junho deste ano, cons-

a atenção para a circulação simultânea

semelhante à

tataram que 14.835 casos da doença

dos três vírus em Salvador. Assim como

haviam sido registrados em Salvador.

os vírus da dengue e da chikungunya, o

Análises mais detalhadas sugeriam,

zika também é transmitido por mosqui-

porém, um cenário ainda mais preocu-

tos do gênero Aedes spp. Até agora, a

pante: o aumento do número de casos

Bahia é o estado com o maior número

de pessoas com erupções na pele se deu

de notificações de casos suspeitos de

uma semana após os primeiros diagnós-

zika e chikungunya. Recentemente, o

ticos de febre zika, causada pelo vírus

aumento na região Nordeste de casos de

sobre a superfície dos

ZIKV, terem sido registrados em cidades

microcefalia (cérebros menores do que

nanotubos. As moléculas

próximas a Salvador. Os pesquisadores,

o normal) foi relacionado à infecção de

de estrogênio capturadas

então, avaliaram amostras de soro de

gestantes pelo vírus. Até julho, a Bahia

pelos aptâmeros

alguns pacientes com essas erupções

havia notificado 115 casos da síndrome de

romperam a camada,

e identificaram a presença de trechos

Guillain-Barré, doença neurológica tam-

alterando a corrente

do RNA dos vírus zika, chikungunya e

bém suspeita de ser associada ao zika.

elétrica do dispositivo e

encontrada em fluidos Mosquito Aedes aegypti transmissor do vírus da dengue, da chikungunya e da zika

biológicos. Ao entrar em contato com o dispositivo, as moléculas na solução dispuseram-se na forma de uma camada eletricamente estável

gerando um sinal elétrico. PESQUISA FAPESP 238 | 15


capa

Seca ameaça a Amazônia Experimento feito na maior floresta tropical do mundo mostra colapso de árvores com ressecamento do solo

A

o tomar suco por um canudo é preciso cuidado para manter o tubo bem imerso. Do contrário, bolhas de ar se formam e rompem a estrutura do fio líquido que leva a bebida do copo à boca. Aumente a escala para a altura de um prédio de 10 andares e pode imaginar o fluxo de água dentro de uma das gigantescas árvores amazônicas. A transpiração pelas folhas dá origem à sucção que movimenta a água desde as raízes até as imensas copas das árvores, que podem ultrapassar os 40 metros de altura, e lança para a atmosfera uma umidade responsável por entre 35% e 50% das chuvas na região, com impacto importante na hidrologia global. Quando esse sistema falha, o ciclo da água não é o único afetado. As árvores,

16 | dezembro DE 2015

que até então pareciam funcionar normalmente, subitamente morrem. Um experimento liderado pelo ecólogo inglês Patrick Meir, da Universidade de Edimburgo, na Escócia, e da Universidade Nacional da Austrália, provocou 15 anos de seca numa parcela amazônica e revelou o papel desse mecanismo, de acordo com artigo publicado em novembro na revista Nature. Para construir o experimento foram necessários 500 metros cúbicos (m3) de madeira, 5 toneladas de plástico, 2 toneladas de pregos e 23 mil horas-homem (10 homens trabalhando de segunda a segunda por um ano), de acordo com o meteorologista Antonio Carlos Lola da Costa, da Universidade Federal do Pará (UFPA). O resultado são 6 mil painéis de plástico que medem 3 metros (m) por 0,5 m cada um, entremeados por 18

rafael oliveira / unicamp

Maria Guimarães


Do alto de uma torre de 40 metros, fica visível a mortalidade das árvores maiores, destacadas acima do dossel

calhas com 100 m de comprimento responsáveis por impedir que 50% da chuva que cai chegue ao solo numa parcela de 1 hectare na Floresta Nacional de Caxiuanã, no norte do Pará, onde o Museu Paraense Emílio Goeldi mantém uma estação científica. “O Patrick me procurou em 1999 com essa ideia maluca”, conta Lola. O meteorologista não sabia por onde começar, mas estudou as fotos que Meir lhe mandou de um experimento similar, o Seca Floresta, que estava sendo montado na Floresta Nacional do Tapajós, no oeste do estado, e saiu a campo. “Em um ano estava feito.” Não era um feito logístico trivial. Chegar a Caxiuanã envolve sair de Belém e passar 12 horas a bordo de um barco repleto de redes coloridas apinhadas, até Breves. Foi nessa cidade de

cerca de 100 mil habitantes que Lola conseguiu o material para sua empreitada, como os tubos de ferro galvanizado para montar duas torres com 40 m de altura. De lá, 10 horas em um barco menor levam a Caxiuanã, onde o material precisou ser carregado pelo meio da densa floresta. O experimento conhecido como Esecaflor, abreviação de Efeitos da Seca da Floresta, é o mais extenso e mais duradouro no mundo a avaliar o efeito de seca numa floresta tropical. O único comparável é o Seca Floresta, que abrangeu uma área similar e foi encerrado após cinco anos (ver Pesquisa FAPESP nº 156). Nesta última década e meia, Antonio Carlos Lola tem sido o principal responsável por monitorar a reação da floresta e manter o experimento de pé mesmo quando ele é PESQUISA FAPESP 238 | 17


Observação prolongada

Em linhas gerais os resultados dos dois experimentos amazônicos contam histórias semelhantes, como mostra artigo de revisão publicado por Meir e colegas em setembro na revista BioScience: nos primeiros anos a floresta parece ignorar a falta de chuva e mantém o funcionamento normal. Passados alguns anos de seca, porém, galhos começam a cair e árvores a morrer, sobretudo as mais altas e as menores. Experimentos em outros países analisaram uma área menor ou duraram menos tempo – o maior, na Indonésia, funcionou por dois anos. O estudo de Caxiuanã traz resultados inéditos por sua longa duração: o colapso das maiores árvores só aconteceu após 13 anos da seca experimental e pode representar um ponto de inflexão em que a floresta muda de cara. Desde 2001 os pesquisadores vêm fazendo medições fisiológicas nas árvores, comparando a área com restrição de

chuva e uma parcela semelhante sem intervenção. Nos últimos dois anos, começaram a registrar uma mortalidade drástica entre as árvores mais altas, raras por natureza, que caem causando destruição e transformando a floresta pujante numa mata de aparência degradada. “Das 12 árvores mais altas com diâmetro maior que 60 centímetros, restam apenas três”, conta Lucy Rowland, pesquisadora britânica em estágio de pós-doutorado no grupo de Meir na Universidade de Edimburgo que está à frente do projeto desde 2011. A surpresa foi identificar no sistema hidráulico a causa interna dessa mortalidade. Quando o suprimento de água no solo é reduzido, aumenta a tensão na coluna d’água no interior dos vasos condutores das árvores, o xilema. A integridade dessa coluna, que depende da adesão natural entre as moléculas de água, acaba comprometida por bolhas de ar, um processo que os especialistas chamam de cavitação. A consequência desse colapso, que acontece de repente, é a incapacidade de levar água das raízes às folhas e a morte súbita da árvore. Meir ressalta que essa falha hidráulica funciona como um gatilho que inicia o processo de morte, sem ser necessariamente a causa final – ainda desconhecida. Outra hipótese favorecida para explicar a morte de árvores em situações de seca é o que os pesquisadores chamam de “fome de carbono”. Quando as folhas fecham os estômatos (poros que permitem transpiração e trocas gasosas) para evitar o

Um experimento de longo prazo Foram necessários 13 anos para que o Esecaflor começasse a detectar uma mortalidade importante das árvores grandes, responsáveis por uma fração considerável da biomassa viva vegetal

foto  paulo brando / ipam  infográfico ana paula campos  ilustração  fabio otubo

constantemente derrubado por galhos e árvores que caem, uma empreitada que exige entre R$ 10 mil e R$ 15 mil por mês. Um valor que tende a subir, agora que mais árvores têm sucumbido à seca, destruindo parte da estrutura. “Passo por volta de seis meses do ano no meio do mato, com interrupções”, conta ele, que tem coordenado uma série de projetos de alunos de mestrado e doutorado no âmbito do experimento.

Com a morte progressiva de galhos, foi registrado um aumento na mortalidade de árvores médias e grandes, assim como do sub-bosque

Altura

2001

2002

18 | dezembro DE 2015

2003

2004

2005

2006

2007


ressecamento, também reduzem a absorção de carbono. O mais provável é que os dois processos aconteçam simultaneamente, mas no caso de Caxiuanã os pesquisadores descartaram a falta de carbono como fator principal ao verificar que as árvores continham um suprimento normal desse elemento e não pararam de crescer até a morte. “Medimos a vulnerabilidade do sistema hidráulico das plantas à cavitação e vimos que ela tem relação com o diâmetro da árvore”, conta o biólogo Rafael Oliveira, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), colaborador do projeto há dois anos. A observação condiz com a pre-

Fogo experimental no Mato Grosso: em condições normais de umidade, os incêndios têm baixa energia e são pouco destrutivos

ponderância de vítimas avantajadas: 15 árvores com diâmetro maior que 40 centímetros caíram na área experimental, em comparação com apenas uma ou duas na zona de controle, onde não há exclusão de chuva. O impacto é grande, porque essas árvores gigantescas concentram uma parcela importante da biomassa da floresta e do dossel emissor de umidade. Enquanto isso, as de tamanho médio estão crescendo até mais, graças à luz que chega até elas agora que a mata vai se tornando esparsa e cheia de frestas entre as copas. Oliveira tem estudado as relações entre o solo, as plantas e a atmosfera, e em uma revisão publicada em 2014 na revista Theoretical and Experimental Plant Physiology mostrou que mudanças no regime de precipitação podem causar um estresse hídrico letal por cavitação, mesmo que a seca seja compensada por um período de chuvas intensas, de maneira que o total anual de chuvas não se altere. Para ele, é preciso entender melhor o funcionamento fisiológico e anatômico das árvores nessas condições para prever sua reação às mudanças previstas no clima. Essas particularidades também devem explicar por que a reação varia entre espécies. O estudo de Caxiuanã, por exemplo, aponta o gênero Pouteria como muito vulnerável à seca e o Licania como o mais resistente, entre as árvores examinadas. Os mecanismos usados pelas plantas são diversos, como absorver água pela parte aérea – pelas folhas e até pelos ramos e tronco. “Precisamos ver quais árvores na Amazônia fazem isso”, planeja. Outro efeito da mortalidade das árvores é o acúmulo de mais folhas e galhos no solo da floresta. “Quem trabalha com fogo chama essa camada de combustível”, brinca o ecólogo Paulo Brando, A mortalidade de árvores médias e grandes iniciada em 2010 culminou na morte das maiores árvores, reduzindo a biomassa

2008

2009

2010

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Biomassa

2014

Fonte Lucy Rowland e Patrick meir

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pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e do Centro de Pesquisa Woods Hole, Estados Unidos. Um dos integrantes do Seca Floresta, cujo imenso banco de dados ainda está em análise quase 10 anos depois de encerrado o projeto, ele mais recentemente conduziu um estudo com incêndios florestais num experimento no Alto Xingu, a região mais seca da Amazônia. Segundo os resultados apresentados em artigo de 2014 na PNAS, as árvores resistiram bem à primeira queimada, em 2004, em parte porque a própria umidade da floresta impediu que o fogo atingisse proporções devastadoras. O resultado marcante veio em 2007, quando o incêndio programado coincidiu com uma seca acentuada e representou, na interpretação dos autores, um ponto de inflexão na floresta. “O que vimos foi fogo de grande intensidade que matou tudo, principalmente as árvores pequenas”, conta, concluindo que a interação entre seca e fogo potencializa as forças motrizes de degradação. Menos água no solo, menos umidade no ar e mais combustível no chão agem em conjunto e aumentam muito a probabilidade de fogo. E não se pode esquecer a ação humana nas fronteiras agrícolas, onde o fogo é comum para manejo e 20 | dezembro DE 2015

se soma aos efeitos do desmatamento, que criam ilhas de floresta com bordas vulneráveis. “A fronteira da floresta com uma plantação de soja, por exemplo, é 5 graus Celsius mais quente do que o interior da floresta, e mais seca”, diz Brando. Ele é coautor de um estudo feito pela geógrafa Ane Alencar, também do Ipam, que analisou registros de incêndios na Amazônia, por imagens de satélite, entre 1983 e 2007. Os resultados, publicados em setembro na Ecological Applications, mostram que já houve um aumento na ocorrência de fogo florestal em resposta a um clima mais seco. Comparando três tipos de mata no leste da Amazônia, o grupo verificou que a floresta densa é sensível a mudanças climáticas, enquanto as formações aberta e de transição estão mais sujeitas à ação humana por desmatamento.

Painéis de plástico impedem que metade da chuva chegue ao chão (acima) provocando queda de árvores (à direita, no alto); calhas levam a água embora (no detalhe ao lado) numa área de 1 hectare da Floresta Nacional de Caxiuanã

Futuro

Como não há bola de cristal para enxergar o que vem à frente, vários grupos buscam desenvolver modelos climáticos e ecológicos. Brando participou de um estudo liderado por Philip Duffy, do Woods Hole, que comparou a capacidade de modelos climáticos acomodarem as secas que aconteceram em 2005 e 2010 na Amazônia, tão

Ver também galeria de imagens no site www.revistapesquisa. fapesp.br


fotos rafael oliveira / unicamp

drásticas que não era esperado que se repetissem num período menor do que um século. Os resultados, publicados em outubro no site da PNAS, preveem um aumento significativo de secas, com um crescimento da área afetada por essas secas na região amazônica. O problema, segundo Brando, é que boa parte dos modelos lida com médias, e o que está em questão são extremos climáticos. Este ano, caracterizado por um fenômeno El Niño mais forte do que a média, a equipe do Esecaflor encontrou, em novembro, uma floresta praticamente sem chuva havia mais de dois meses. A expectativa é, nos próximos anos, acompanhar as consequências desse período. “O relatório de 2013 do IPCC ressaltou nossa falta de capacidade em prever a mortalidade relacionada à seca nas florestas como uma das incertezas na ciência ligada à vegetação e ao clima”, conta Meir. “Nossos resultados indicam qual mecanismo fisiológico precisa ser bem representado pelos modelos para prever a mortalidade das árvores”, explica. Nessa busca por reduzir

incertezas e antecipar o futuro, Lucy – que é especialista em usar dados de campo para alimentar modelos – vem trabalhando em parceria com o grupo de Stephen Sitch, na Universidade de Exeter, na Inglaterra, para aprimorar a representação das respostas das florestas tropicais à seca no modelo de vegetação conhecido como Jules. A Amazônia fala claramente sobre a importância de políticas que busquem reduzir as mudanças climáticas, tema que inundou as notícias nos últimos tempos por causa da Conferência do Clima em Paris (COP21), que ocorreu este mês. Os experimentos mostram efeitos localizados, mas secas naturais como as da década passada podem afetar uma área extensa da floresta. Meir ressalta a necessidade de quebrar o ciclo: ao se decomporem, imensas árvores mortas liberam na atmosfera uma quantidade de carbono que tende a agravar o efeito estufa. “É possível desenvolver regras de energia e uso da terra que sejam economicamente benéficas, sem danificar o ambiente no longo prazo”, completa. n

Projeto Interações entre solo-vegetação-atmosfera em uma paisagem tropical em transformação (n° 2011/52072-0); Modalidade Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) e Acordo FAPESP-Microsoft Research; Pesquisador responsável Rafael Silva Oliveira (IB-Unicamp); Investimento R$ 1.082.525,94.

Artigos científicos ALENCAR, A. A. et al. Landscape fragmentation, severe drought, and the new Amazon forest fire regime. Ecological Applications. v. 25, n. 6, p. 1493-505. set. 2015. BRANDO, P. M. et al. Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions. PNAS. v. 111, n. 17, p. 6347-52. 29 abr. 2014. DUFFY, P. B. et al. Projections of future meteorological drought and wet periods in the Amazon. PNAS. on-line. 12 out. 2015. MEIR, P. et al. Threshold responses to soil moisture deficit by trees and soil in tropical rain forests: insights from field experiments. BioScience. v. 65, n. 9, p. 882-92. set. 2015. OLIVEIRA, R. S. et al. Changing precipitation regimes and the water and carbon economies of trees. Theoretical and Experimental Plant Physiology. v. 26, n. 1, p. 65-82. mar. 2014. ROWLAND, L. et al. Death from drought in tropical forests is triggered by hydraulics not carbon starvation. Nature. on-line. 23 nov. 2015.

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capa

Prevenir vale a pena Ações adaptativas reduziriam significativamente prejuízo provocado pela subida do mar em Santos até 2100 Marcos Pivetta

I

mplementar medidas de adaptação às mudanças climáticas poderá reduzir consideravelmente os prejuízos eco­ nômicos causados às moradias dos habitantes de Santos, no litoral paulista, por inundações decorrentes da intensifi­ cação de eventos extremos previstos até o final deste século, como a elevação do nível do mar e, em menor escala, a ocor­ rência de fortes chuvas e de marés altas. Caso nada seja feito para minimizar a destruição provocada por esses eventos e o nível do mar suba 45 centímetros (cm) até 2100, conforme prevê o cenário mais pessimista de um estudo sobre o impacto das mudanças climáticas no balneário paulista, os prejuízos poderão atingir quase R$ 1,3 bilhão. Mas, se o município implementar um rol de ações paliativas, como o alargamento das praias, a dra­ gagem de áreas assoreadas, o restauro 22 | dezembro DE 2015

e a preservação de mangues e o reforço estrutural de paredes de contenção do mar, as perdas acumuladas poderão se restringir a R$ 200 milhões ao longo das próximas oito décadas. “Ficamos surpresos com a magnitude da redução do prejuízo econômico com o emprego das medidas adaptativas de acordo com nossas simulações compu­ tacionais”, afirma o climatologista José Marengo, chefe da Divisão de Pesquisas do Centro de Monitoramento de Desas­ tres Naturais (Cemaden), em Cachoeira Paulista, e coordenador do estudo sobre os efeitos do clima em Santos. Os custos de implementação das medidas seriam da ordem de R$ 240 milhões, bem menor do que a economia gerada pela redução dos danos. As projeções fazem parte do braço brasileiro de uma iniciativa inter­ nacional, o projeto Metrópole, que es­


fotos 1 Eduardo Amaro / Instituto EcoFaxina  2 Luiz fernando menezes / Fotoarena / Folhapress

Manguezal na pobre zona noroeste (à esq.) e muro de contenção do mar na rica zona sudeste de Santos: investir nessas duas regiões pode minorar os danos econômicos das mudanças climáticas

tuda estratégias de adaptação aos possí­ veis impactos das mudanças climáticas em três localidades costeiras do globo: Santos, no Brasil; Selsey, balneário de 11 mil habitantes no sul da Inglaterra; e o condado de Broward, na Flórida, que abriga a cidade de Fort Lauderdale. Além de cenários para 2100, o projeto também fez simulações para meados do século. O projeto Metrópole faz parte do Bel­ mont Forum, mantido pelo Internatio­ nal Group of Funding Agencies for Glo­ bal Change Research (IGFA), que reúne agências de fomento à pesquisa de todo o mundo e estimula estudos sobre ques­ tões ligadas às mudanças climáticas. A FAPESP financia os trabalhos feitos na cidade paulista. Os resultados dos estu­ dos foram apresentados em duas oca­ siões, em setembro e agora em dezembro, ao poder público local e a representantes

da sociedade civil de Santos. “O projeto mescla pesquisa científica, discussão de políticas públicas e participação da população local”, afirma a geógrafa Lu­ cí Hidalgo Nunes, do Instituto de Geo­ ciências da Universidade Estadual de Campinas (IG-Unicamp), outra parti­ cipante dos trabalhos. O possível custo econômico das mu­ danças climáticas em Santos só pode ser estimado porque os pesquisadores do Metrópole contam com uma ferramenta computacional, a plataforma Coast (si­ gla em inglês para Coastal Adaptation to Sea Level Rise Tool), capaz de simular as áreas permanentemente alagadas de acordo com o nível do mar e os prejuízos provocados pelo avanço das águas sobre as moradias da região. Desenvolvida nos Estados Unidos, a plataforma precisa ser abastecida com uma série de dados do

lugar a ser estudado, como informações meteorológicas e topográficas, o histó­ rico do nível do mar na região, o padrão de ocupação do solo, a localização geor­ referenciada e o valor dos imóveis. “Nos Estados Unidos, há uma cultura de se preparar para eventos extremos, como os furacões que atingem o país”, diz o engenheiro Eduardo Hosokawa, da Se­ cretaria de Desenvolvimento Urbano da prefeitura de Santos. “Aqui ainda es­ tamos no começo desse trabalho. Mas as informações do projeto Metrópole foram bem recebidas pela população.” Hosokawa e seu colega de prefeitura Ernesto Tabuchi forneceram os dados do município paulista sem os quais o Coast não poderia rodar. A rigor, o prejuízo econômico decor­ rente da elevação do nível do mar em Santos poderá ser maior do que o esti­ PESQUISA FAPESP 238 | 23


Acima, as zonas noroeste (em verde) e sudeste (azul) de Santos. Abaixo, mapas mostram áreas que seriam alagadas (verde) em diferentes cenários de elevação do mar

mado pelo projeto. A área abrangida pelo estudo não engloba todo o município e abarca apenas um quarto da população santista. Além disso, os custos contabili­ zados no modelo dizem respeito apenas aos danos estruturais causados pela subi­ da das águas nas habitações particulares. O prejuízo estimado é baseado no valor venal dos imóveis que aparece nos regis­ tros municipais, quase sempre inferior ao preço de mercado das propriedades. Também não estão incluídos nos cálculos do Coast danos a outros tipos de patri­ mônio privado, como carros e móveis, nem aos equipamentos mantidos pelo poder público ou, ainda, a destruição da infraestrutura existente. “No fundo,

as estimativas de prejuízo são conserva­ doras”, explica Lucí. Ainda assim, o estudo feito no balneá­ rio paulista, de caráter inédito no país, se mostra uma ferramenta importante para planejar o futuro das cidades costeiras mais vulneráveis à elevação do nível do mar, um dos principais efeitos atribuídos às mudanças climáticas. As duas regiões de Santos analisadas no trabalho, a rica zona sudeste e a pobre zona noroeste, são as que mais sofrerão os impactos das mudanças climáticas na cidade e formam um painel de contrastes e dife­ rentes vulnerabilidades. Embora tenha uma área total de 381 quilômetros qua­ drados (km2), Santos concentra a qua­

Região noroeste

2050 | Aumento de 23 cm no nível do mar

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2100 | Aumento de 45 cm no nível do mar


fotos  google earth / projeto metrópole

se totalidade de sua população de 420 mil habitantes em sua pequena porção insular. Mais de 99% de seus morado­ res vivem nos 39,4 km2 da Ilha de São Vicente que fazem parte do município (o restante da ilha pertence ao território da cidade vizinha, São Vicente). As duas áreas escolhidas para o estudo abrangem 12 km2 e 117 mil habitantes (10 km2 e 83 mil pessoas na zona noroeste e 2 km2 e 34 mil indivíduos na sudeste). As duas regiões são de caráter bastante distinto. A popular zona noroeste é uma área de invasão, com casas modestas, fa­ velas e palafitas distribuídas por 20 mil lotes fiscais. Em um cenário de mudanças climáticas, sua principal vulnerabilidade são as inundações de verão devido a tem­ pestades e à alta da maré. A zona sudeste inclui bairros verticalizados de classe média e abriga 1.400 lotes de uma área que começa no Canal 3 e vai até o bair­ ro da Ponta da Praia e o porto. É a área das praias. Há décadas essa zona sofre erosão costeira e sua faixa de areia está encolhendo. De acordo com as simula­ ções do Coast, os prejuízos econômicos em razão das mudanças climáticas na zona sudeste serão de três a quatro vezes maiores do que na zona noroeste. A dife­ rença decorre sobretudo do maior valor dos imóveis na área das praias. Em compensação, as mudanças adap­ tativas rodadas no modelo para a zo­ na sudeste (engordamento da faixa de areia das praias e reforço dos muros de contenção do mar) custariam cerca de R$ 36 milhões, quase seis vezes menos do que os procedimentos simulados pa­ ra a zona noroeste (dragagem de áreas assoreadas, restauração e conservação dos mangues e construção de diques e

de sistemas para drenar a água). “As si­ mulações mostram que vale a pena in­ vestir nessas medidas”, afirma Marengo. “Seus custos de implementação são bem menores do que a economia gerada por elas com a redução de danos à região.” A escolha de Santos para ser alvo do estudo não foi arbitrária. Deveu-se a dois fatores objetivos. A cidade tem enorme importância econômica para o país. Um quarto das importações e exportações brasileiras passa por seu porto, cuja área obviamente será afetada se o nível do mar subir em demasia nas próximas dé­ cadas. Um segundo ponto considerado, talvez mais importante do que o anterior, foi a existência de uma série histórica com registros dos níveis do mar desde a década de 1940 até hoje. Esse tipo de informação era imprescindível para que os pesquisadores pudessem rodar os ce­ nários que contabilizam as perdas eco­ nômicas decorrentes de diferentes níveis de subida das águas do Atlântico. marégrafo e satélite

Especialista no estudo da dinâmica de águas oceânicas, o professor Joseph Ha­ rari, do Instituto Oceanográfico da Uni­ versidade de São Paulo (IO-USP), uni­ ficou as informações históricas sobre o nível do mar no litoral de Santos. De 1945 até 1990, foram usados dados de um marégrafo, instrumento que mede o nível da superfície do mar em um pon­ to da costa, que estava instalado no cais do porto. “De 1993 até o presente, utili­ zamos dados de altimetria de satélite”, afirma Harari. As duas formas de medida apresentam diferenças metodológicas, mas os pesquisadores trataram os dados de modo que pudessem ser comparados.

Se o passado recente for uma referên­ cia para o futuro próximo, os santistas têm motivo para preocupação. De 1945 até o início da década de 1990, o nível do mar subiu, em média, 1,3 milímetro (mm) ao ano em Santos. De 1993 até 2014, esse índice dobrou: foi de 2,7 mm ao ano. Quando se leva em conta apenas o período de 2003 a 2013, o número é ainda maior, de 3,6 mm ao ano, seme­ lhante à média global calculada pelo Painel Intergovernamental sobre Mu­ danças Climáticas (IPCC) e à média da elevação do nível do mar ao longo de toda a costa brasileira. Caso esse rit­ mo seja mantido até 2050, a subida do Atlântico na cidade paulista terá sido de 18 cm na primeira metade deste sé­ culo. Se essa taxa persistir até 2100, a elevação acumulada do nível do mar na cidade paulista no final do século XXI terá sido de 36 centímetros. Nesse cená­ rio, tido pelos pesquisadores do projeto Metrópole como mais realista do que as previsões genéricas e globais do IPCC, os prejuízos econômicos em Santos se­ riam de pouco mais de R$ 1 bilhão ao longo de todo o século XXI. “Quanto à subida do nível médio do mar, não há o que se discutir”, diz Harari. “As medi­ ções são inequívocas. Os cenários e as consequências nas próximas décadas dependerão das medidas que os gover­ nos vão colocar em prática.” n

Projeto Uma estrutura integrada para analisar tomada de decisão local e capacidade adaptativa para mudança ambiental de grande escala: estudos de caso de comunidades no Brasil, Reino Unido e Estados Unidos – Acordo FAPESP-Belmont Forum (nº 2012/51876-0); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável José Marengo (Cemaden); Investimento R$ 328.168,00.

Região sudeste

2050 | Aumento de 23 cm no nível do mar

2100 | Aumento de 45 cm no nível do mar

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entrevista Carlos Moedas

Só há excelência na diversidade Comissário europeu de Pesquisa, Ciência e Inovação diz que a ciência só avança com parcerias e o Big Data é parte essencial do novo jogo Fabrício Marques  |

retrato

Léo Ramos

O idade 45 anos especialidade Engenharia Civil formação Instituto Superior Técnico de Lisboa (graduação); Escola de Negócios de Harvard (MBA) instituição Comissão Europeia

engenheiro civil português Carlos Moedas, de 45 anos, assumiu no ano passado o cargo de comissário de Pesquisa, Ciência e Inovação da União Europeia, tornando-se responsável pelo Horizonte 2020, o principal programa científico do continente. Com orçamento de € 80 bilhões para o período de 2014 a 2020, o Horizonte 2020 investe em ciência básica, pesquisa de interesse de empresas e na solução de grandes desafios da sociedade, por meio de bolsas e projetos desenvolvidos por pesquisadores de seus 28 países-membros, e também atrai recursos nacionais e do setor privado. O programa é aberto a parceiros internacionais, como consórcios e pesquisadores interessados em colaborar com os europeus. No dia 17 de novembro, Moedas esteve no Brasil e proferiu uma palestra no auditório da FAPESP sobre as estratégias da União Europeia e do Horizonte 2020, envolvendo tópicos como o incremento de colaborações com cientistas de outros países, a mudança no modo de fazer pesquisa com a oferta de grandes volumes de informações, a importância de criar um ambiente regulatório que estimule a inovação e a necessidade de se ter normas para estimular a integridaPESQUISA FAPESP 238 | 27


de num ambiente científico em transformação. Ele elogiou a iniciativa da FAPESP de anunciar e oferecer recursos, por meio de projetos, a pesquisadores de São Paulo que queiram colaborar com colegas da Europa. “Trata-se do primeiro sistema de financiamento paralelo, que assegura uma maior participação do Brasil no Horizonte 2020. Espero que sirva de inspiração para outros estados brasileiros”, afirmou. Em março passado, a FAPESP estabeleceu um acordo de cooperação com a União Europeia para o Horizonte 2020 por meio do qual pesquisadores vinculados a universidades e instituições de pesquisa do estado de São Paulo podem usar modalidades de apoio oferecidas pela Fundação para financiar sua participação em propostas associadas ao programa, mas seguindo os prazos do programa europeu. Pouco antes da palestra de Moedas, o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, também anunciou uma chamada de propostas, lançada pela Comissão Europeia e a Fundação, juntamente com o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com o objetivo de apoiar pesquisas colaborativas internacionais em biocombustíveis de segunda geração. “Nós estudamos todos os tipos de energias renováveis e teremos o maior gosto de fazer isso com o Brasil”, disse o comissário. Filho de um dono de jornal com militância comunista e de uma professora, Carlos Moedas passou a infância e a adolescência em Beja, na região do Alentejo. Formou-se em engenharia pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa e trabalhou nos anos 1990 na gestão de projetos de um grupo francês. Depois de fazer um MBA na Escola de Negócios de Harvard, em 2000, trabalhou em Londres na área de fusões e aquisições do banco de investimentos Goldman Sachs. Regressou a Portugal em 2004 e criou sua própria empresa de investimentos. Em 2010, entrou para a política, tornando-se con-

selheiro econômico do Partido Social Democrata, e no ano seguinte foi eleito para o Parlamento português, mas logo assumiu a função de secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. Em 2014, foi indicado pelo governo português para a Comissão Europeia e tornou-se comissário de Pesquisa, Ciência e Inovação. Moedas é casado com uma professora universitária e tem três filhos. Logo após a palestra no auditório da FAPESP, em que respondeu a perguntas da plateia de forma bem-humorada e aprendeu, entre risos, o significado da palavra “xará”, o comissário europeu fez questão de reservar tempo em sua agenda para conceder à Pesquisa FAPESP a entrevista a seguir.

lência só se pode encontrar na diversidade e na capacidade do olharmos para o mundo como um todo e tentarmos encontrar os melhores pesquisadores. Nós sabemos que no Brasil existem esses cientistas e que eles podem ganhar em trabalhar conosco, assim como nós também ganharemos em trabalhar com eles. É uma relação de igual para igual, uma relação biunívoca. É exatamente com esse sentido que assinamos acordos com a FAPESP. Um pesquisador jovem que tenha a oportunidade de trabalhar numa equipe na Europa pode avançar na carreira. Isso pode transformá-lo. Assim como um europeu que venha trabalhar aqui com biocombustíveis pode progredir na carreira porque o Brasil está mais evoluído nessa área, sobretudo em termos da experiência que teve na chamada primeira geração de etanol. A ideia é desenvolver essa colaboração. Acredito profundamente que hoje em dia não se consegue inovar ou fazer ciência num só país ou numa só disciplina. Temos mais de 150 bolsistas [do programa da União Europeia] Marie Curie que são brasileiros. Temos três bolsistas do European Research Council que são brasileiros. Mas podemos fazer muito mais.

Estudamos todos os tipos de energia renovável e teremos o maior gosto de fazer isso com o Brasil

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Qual sua expectativa em relação a parcerias entre pesquisadores do Brasil e da União Europeia no âmbito do programa Horizonte 2020? A estratégia europeia define ciência aberta, inovação aberta e abertura para o mundo como essenciais para fazer uma ciência melhor. Nós não acreditamos que a Europa sozinha possa fazer ciência de excelência. Sozinha, a Europa não o fará. Portanto os nossos projetos são abertos ao mundo. Para o European Research Council, ou Centro Europeu de Investigação, que é o maior programa de bolsas mundiais de ciência fundamental, por exemplo, qualquer pessoa no mundo pode se candidatar. Ciência tem a ver com excelência. E essa exce-

Qual o interesse da União Europeia na pesquisa do etanol de segunda geração? A Europa tem investido em energias renováveis, mas há resistência ao etanol de primeira geração que o Brasil produz, pelo impacto atribuído na produção de alimentos. Quando passamos à segunda e à terceira geração do etanol, estamos buscando outras alternativas. Isso é importante para o Brasil porque o país também quer se diversificar. O problema energético tem que ser resolvido com diversificação de fontes. Aliás, eu diria que ele depende de eficiência energética, que no fundo é a energia não consumida, é como podemos ser mais eficientes, e depois temos que diversificar as fontes renováveis, as fontes não fósseis. A maior parte das fontes não fósseis são ainda muito caras. Então a maior parte da investigação que nós fazemos de certa forma tem esse objetivo,


fotos 1 Chamussy Laurent / Sipa Press / União Europeia 2 léo ramos

que é como podemos conseguir fazer ou diminuir o preço de tecnologias que são ainda muito recentes. Conseguiu-se aqui neste exemplo dos biocombustíveis um conjunto de vontades entre o Brasil e a Europa, mas nós gostaríamos de fazer muito mais. Ou seja, isso foi apenas um primeiro passo, um primeiro passo lógico. Veremos muito mais nas energias renováveis. Nós estudamos todos tipos de energia renovável e teremos o maior gosto de fazer isso com o Brasil, que é um país que está engajado, como vocês dizem. Como o senhor vê a iniciativa da FAPESP de anunciar e oferecer recursos, mediante projetos, a pesquisadores de São Paulo que queiram colaborar com colegas da Europa? Muito bem. Nós queremos realmente que os pesquisadores brasileiros possam participar mais do Horizonte 2020. E para isso é muito bom ter uma organização do nível extraordinário, como a FAPESP, que consegue olhar para os nossos editais e financiar pesquisadores brasileiros para participarem. Eu penso que foi muito bem visto na Europa o Brasil dar mais um passo de aproximação no caminho da excelência. O Horizonte 2020 hoje em dia é considerado uma marca de excelência. De excelência, porque os projetos que passam pelo filtro e recebem financiamento são aqueles nos quais todos os cientistas do mundo gostariam de participar. E até o fariam sem dinheiro, se fosse preciso, porque os grupos são muito fortes. Nesse aspecto, isso vai dar capacidade para muitos pesquisadores de São Paulo participarem de projetos europeus. Acho que é

1

Pesquisa em biocombustíveis na União Europeia: em busca de fontes de energia não fósseis mais baratas

uma filosofia importante. É uma filosofia bottom up, não top down. É de baixo para cima e não de cima para baixo. Os editais que são feitos para o programa não dão nenhum tipo de direção aos pesquisadores. São os cientistas que nos dizem o que querem fazer. Obviamente depois há um sistema de peer review, de revisão por pares, e são escolhidos os melhores projetos. Mas nós não impomos temas.

algo muito importante para a carreira de um pesquisador. Nós fizemos um estudo sobre pesquisadores que tiveram mobilidade de país, ou seja, que trabalharam em outros países. Eles são quase 20% mais produtivos em termos de publicação de artigos em relação aos que nunca mudaram de país. Ou seja, a mobilidade é importante. Como o Horizonte 2020 vê a pesquisa básica? Do total investido pelo programa, qual volume é aplicado na pesquisa básica? Um terço vai para a pesquisa básica. Temos dentro do investimento em pesquisa básica aquilo que achamos que é um dos melhores instrumentos do mundo, o European Research Council, que tem 2

O diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, e o comissário Carlos Moedas

Sem dirigismo, como o senhor ressaltou na sua apresentação na FAPESP. Sem dirigismo. Há dois pontos muito importantes na política de ciência. Um é que a política de ciência não deve permitir aos políticos fazer escolhas científicas. Ou seja, o político não deve escolher projetos. A FAPESP é um exemplo muito bom desse caminho, em que há o peer review. Esse é um primeiro passo para conseguir ter ciência de qualidade. E quando nós olhamos para essa ciência de qualidade e pensamos nas características dela, qual é o outro passo? É que ela seja bottom up e não top down. Que ela não tenha dirigismo, porque o político não é cientista, o político não pode escolher, não pode dar esse tipo de orientação. Eu acho que teremos cada vez mais políticas que são de baixo para cima e não de cima para baixo. E os outros dois terços do financiamento do Horizonte 2020? Destinam-se a que tipo de pesquisa? PESQUISA FAPESP 238 | 29


Sírios e iraquianos chegando à ilha na Grécia: União Europeia procura pesquisadores entre refugiados

Um terço vai para políticas para indústrias e pequenas e médias empresas. E outro terço é destinado para os chamados desafios da sociedade, os societal challenges. A ideia é dizer que, para nós resolvermos os desafios de hoje, não será só com pesquisadores de uma disciplina isoladamente. Agora lançamos o que chamamos de inducement prize, um prêmio para quem consiga inovações na área do envelhecimento, um desafio da sociedade. Essa é uma questão médica? Uma questão de química? Não, é tudo: sociológica, antropológica, médica. O ponto é como juntamos todas as disciplinas para resolver o problema, como é que pomos essa gente toda a falar uns com os outros. Numa palestra realizada recentemente, o senhor falou da dificuldade da Europa em transformar o conhecimento que produz em inovação, e como esse conhecimento acaba sendo apropriado e desenvolvido por países de outras regiões. Como enfrentar o problema? Acontece que, no fundo, a ciência básica é apenas um ingrediente. Ao mesmo tempo, inovação não depende só do investimento em inovação. Ela depende de uma série de condições do ecossistema regulatório. Isso tem a ver com as políticas públicas que permitem ou não que o investidor privado tenha confiança. Quais são as leis do trabalho? Qual é o sistema de Justiça? Como é que vamos conseguir atuar sem ter medo do 30 | dezembro DE 2015

futuro? O conceito de inovação aberta tem a ver também com essa parte, que é como nós olhamos para a regulação. Se regular demais, não dou incentivos à criação de novas indústrias ou de novos produtos. A ideia é conseguirmos ter uma regulação mais inteligente, reformas estruturais que aumentem a flexibilidade do mercado de trabalho e a capacidade de o sistema de Justiça ser rápido. Por exemplo, uma reforma simples: se criarmos em um país um sistema de liquidação de empresas de maneira que seja fácil acabar com uma empresa e começar outra, estaremos dando um incentivo enorme à inovação. E não é só uma medida de inovação. É uma medida do quadro legal. Estaremos a dizer: não há problema em fracassar. E não vai ficar 10 anos liquidando a empresa porque tudo é complicado. Isso tem a ver com inovação aberta, que procura envolver mais atores no processo de inovação, de pesquisadores aos empreendedores, aos usuários da inovação, à sociedade civil e aos governos. Nós precisamos disso para capitalizar os resultados da pesquisa e da inovação da Europa. O senhor abordou o conceito de ciência aberta, em que os pesquisadores colaboram intensamente aproveitando o potencial de recursos digitais. E uma de suas iniciativas como comissário de Pesquisa, Ciência e Inovação é criar uma nuvem para abrigar dados de pesquisa e facilitar colaborações entre pes-

Outra iniciativa em gestação é a criação de um código de boas práticas científicas da Europa. Quais são as ambições do código de integridade científica europeu? Estamos construindo um código que vai ser aplicado a todos os pesquisadores que entrem no Horizonte 2020. Espero que outras instituições na Europa possam aproveitar o código para ele se tornar realmente europeu. Como o Horizonte 2020 representa uma grande fatia de investimento para pesquisadores europeus, estamos dizendo: quem quiser participar do programa tem que respeitar as regras de integridade. E para isso é preciso que haja realmente um código. No mundo da ciência aberta, no mundo em que os dados são acessíveis, temos que ter um cuidado ainda maior com a integridade, pois os filtros são muito menores. Temos que ter uma responsabilidade individual superior. E essa responsabilidade individual pode começar por um código, mas depois passa pela pessoa. E, claro, pela instituição. Esse é um ponto que estamos discutindo na Europa. Muitas vezes a instituição aponta o pesquisador como responsável por sua própria integridade. E nós achamos que a instituição também é responsável

Ggia / Wikicommons

quisadores. Como será esse trabalho em nuvem? Essa é uma ideia em que estamos trabalhando: a European Science Cloud. Não tem propriamente a ver com ser europeia, mas em como desenvolver tecnologias para a construção de uma nuvem em que os cientistas possam, por um lado, utilizar essa nuvem, mas também terem serviços. É um bocadinho uma reflexão europeia de como podíamos ter um cloud europeu para a ciência, com normas para a gestão e qualidade de dados científicos. Queremos construir uma nuvem europeia para os pesquisadores terem um lugar seguro, um lugar em que eles possam, por exemplo, ter serviços de mineração de dados, entre outros. Vamos lançar um edital nesse sentido.


pela integridade do pesquisador. Isso precisa ser acentuado. Dentro de quatro ou cinco meses deveremos ter esse código. A ciência do futuro está assentada na qualidade e na quantidade de dados disponíveis. O Big Data será parte essencial desse novo jogo. Definimos uma política agressiva na Europa para acesso aberto e integridade científica porque queremos integridade para podermos estar abertos. O senhor se referiu a quatro grandes temas, que são segurança alimentar, água potável, energia e saúde pública, que sofrerão impacto nos próximos anos. Que mudança será essa? É o tema da fusão do mundo físico com o mundo digital. A fusão do digital com o físico vai fazer com que esses quatro temas sejam completamente transformados. A medicina no futuro vai passar não só pela ciência médica, mas também pela análise de grandes volumes de informação, o Big Data. Ou seja, o médico já não vai conseguir encontrar as soluções só pela sua disciplina e pelo estudo de medicina. Porque o Big Data, a análise dos dados, vai conseguir detectar e dar respostas de uma maneira que não está acessível ao médico, porque ele não tem todos os dados. A medicina, nesse aspecto, vai sofrer uma grande mudança. Se nós conseguirmos ter dados que acompanhem do princípio ao fim a vida do doente, a vida das pessoas, vamos conseguir através de uma meta-análise de dados chegar a conclusões e prevenir muitas doenças. Vamos conseguir tratar doenças quando elas ainda não são visíveis através dos testes normais. No caso do saneamento, hoje em dia alguns projetos estão colocando sensores na água dos esgotos. Com isso, será possível monitorar em tempo real várias questões de saúde pública. No fundo, estamos transformando, por meio de uma indústria cujo papel era apenas limpar a água ou limpar os esgotos, em algo importante para a medicina, detectando de forma imediata, por exemplo, um vírus que chega a uma cidade.

O senhor acha que isso vai mudar o jeito de fazer pesquisa? Acho que isso muda tudo, porque um pesquisador nunca vai poder estar sozinho. Terá que estar aberto a outras ciências e pesquisadores. Os cientistas do Big Data, um pesquisador de management of data, vai ter cada vez maior importância nas equipes de pesquisa. Tudo tem a ver com essa capacidade de analisar os dados. Acho que vamos passar do que hoje é chamado de internet das coisas, como alguém disse, para a era das coisas inteligentes. Como é que as máquinas falam entre elas? Como é que elas tomam decisões baseadas nessa informação? A nuvem será uma peça fundamental nesse novo ambiente.

sador é quando se paga duas vezes. Isso é que não pode ser: quando se paga para publicar e se paga para ler. Como se pode avançar na diplomacia da ciência? Como a União Europeia está pensando nesse assunto? A ciência é fundamental na criação de um ambiente para criar pontes onde as pontes muitas vezes não são possíveis. É um assunto fundamental para a resolução de tantos problemas que temos, mas é sobretudo a capacidade de nós conseguirmos ter projetos inclusivos, e ter projetos em que, por um lado, podemos dar sinais aos países que estão realmente num processo forte de estabilização e democratização, como é o caso da Tunísia, e dizer que esse país pode participar. Isso é um sinal muito forte de aproximação. Ou então ir à Ucrânia e buscar pesquisadores num país que tem grandes dificuldades que possam vir para Europa. Vi recentemente um projeto na Jordânia, o primeiro acelerador de partículas no Oriente Médio, que conseguiu fazer se sentarem em volta da mesa nacionalidades que de outra maneira não o fariam, como Israel, Palestina, Paquistão, Irã. Eles sentam e falam de ciência. Isso os aproxima. Quando os conflitos são tão duros e difíceis, a única maneira de provocar uma aproximação é colocar as pessoas em contato com outros temas que não sejam relativos ao conflito. São pequenos passos. Nós lançamos há pouco tempo no nosso website um projeto chamado Science 4 Refugees, para encontrar refugiados que são cientistas e que não sabem quem contatar. E pô-los em contato com as universidades, com centros de pesquisa que podem precisar desse tipo de talento.

A medicina no futuro vai passar pela análise de grandes volumes de informação, o Big Data O senhor mencionou também a questão do acesso aberto a trabalhos científicos. Como conciliar o acesso aberto com o atual modelo de negócios das editoras de revistas científicas? Quando passamos de um paradigma no qual quem lê paga para um paradigma em que quem publica paga – porque alguém tem que pagar –, é preciso ver qual é esse o serviço. Não queremos dizer que as editoras não tenham um valor a acrescentar. Elas têm um valor acrescentado e esse valor deve ser pago. Ele não deve é ser pago pelo leitor. E quem paga? Pode ser quem publica. Aliás, isso já ocorre com frequência. O que acontece muitas vezes e é injusto para o pesqui-

Encontraram muita gente? Muita gente e também muitas universidades interessadas. Já temos muitas pessoas que se inscreveram como refugiados e que são cientistas. Estamos falando num nicho, mas tudo pode ajudar num momento tão terrível como o que vivemos na Europa. n PESQUISA FAPESP 238 | 31


política c&T  Biodiversidade y

As etapas do processo

Modos de restaurar as florestas

1

raio x Pesquisadores fazem o diagnóstico da área devastada para levantar as causas do desmatamento e compreender as características do ecossistema local

Iniciativas testam soluções para recuperar a vegetação de áreas degradadas

O

s primeiros resultados de um projeto de restauração ecológica da fazenda Marupiara, no município de Paragominas, no Pará, começam a aparecer quatro anos depois de isoladas as áreas degradadas e plantadas as primeiras mudas de espécies nativas, como açaí e andiroba. Com emprego de técnicas como o enriquecimento artificial de florestas, que acrescenta novas espécies à vegetação em crescimento, conseguiu-se recuperar cerca de 60% do território parcialmente destruído pela exploração madeireira realizada nas últimas décadas. Dedicada 32  z  dezembro DE 2015

à pecuária de corte, a propriedade tinha 17 hectares em situação irregular em 2011. Essas terras deveriam funcionar como áreas de preservação permanente (APPs), protegendo os rios, o solo e a biodiversidade local. O programa de recuperação também ajudou a diversificar a produção da fazenda: açaí e madeira serão comercializados em breve. Casos como esse têm potencial para se multiplicar nos próximos anos. Em maio de 2014, o governo federal regulamentou o Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento criado para regularizar e monitorar cerca de 5,6 milhões de pro-

priedades rurais. Com a conclusão do cadastro, prevista para 2016, terá início o Programa de Regularização Ambiental, que obrigará proprietários rurais a restaurar áreas desmatadas ilegalmente no passado. “Isso deverá aumentar a demanda por projetos de restauração de formação natural no país”, diz o biólogo Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP). Um dos principais polos da pecuária na Amazônia, Paragominas encabeçou a lista negra do desmatamento do Mi-

fotos 1 Wilson Dias / Agência Brasil 2 esalq-usp  3 john liu / flickr 4 secretaria da agricultura sp / flickr 5 Ville de Montréal / Flickr

Bruno de Pierro


fase 1  0 a 3 anos

fase 2  a partir de 3 anos 2

resistência Avalia-se, em seguida, a resiliência local, ou seja, o potencial de autorrecuperação da área desmatada

Cobertura natural Se a capacidade de recuperação for alta, opta-se pela regeneração natural da vegetação, sem necessidade de intervenção

3

enriquecimento natural Se espécies de outras áreas chegam naturalmente, trazidas pelo vento ou por animais, apenas monitora-se a região

reavaliação Após três anos, os pesquisadores verificam se sementes de espécies nativas de outras áreas estão sendo trazidas à floresta em recuperação

5

4

Cobertura artificial Se a capacidade de regeneração for baixa, é feito o plantio de mudas e sementes de espécies capazes de atrair a fauna Fonte: esalq-usp

nistério do Meio Ambiente entre 2008 e 2010. Após pressões do Ministério Público, a cidade conseguiu sair da lista com o apoio da organização não governamental norte-americana The Nature Conservancy, que ajudou a registrar 80% das propriedades no cadastro ambiental rural do estado do Pará. Fora da lista, o dilema passou a ser outro: como evitar que o município voltasse para o rol dos grandes desmatadores? “A resposta não poderia ser outra: deveríamos adotar técnicas modernas capazes de transformar a pecuária praticada na região”, recorda-se Mauro Lucio Costa, dono da fazenda Marupiara e ex-presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas. O sindicato pediu ajuda a pesquisadores da Esalq-USP, que acumula expe-

riência em estudos de restauração florestal. “Nossos resultados de pesquisa são oriundos de estudos feitos no âmbito do programa Biota-FAPESP”, diz Ricardo Ribeiro Rodrigues, referindo-se à iniciativa lançada em 1999 para mapear a biodiversidade paulista. Rodrigues foi o coordenador do programa entre 2004 e 2009. Um dos resultados foi um documento de 2008 que apresenta diretrizes para conservação e restauração da biodiversidade no estado de São Paulo, tendo como base o conhecimento produzido pelo Biota-FAPESP. O trabalho recomenda, por exemplo, que os fragmentos remanescentes de vegetação nativa sejam considerados em projetos de recuperação, enfatizando as matas ciliares – a vegetação localizada às margens de

enriquecimento artificial Se a dispersão não acontece naturalmente, é realizada uma segunda etapa de plantio de mudas ou sementes na área em recuperação

nascentes, rios, córregos, lagos e represas que protege as águas do assoreamento causado principalmente pela erosão, além de atuar como núcleo de dispersão de sementes e corredores ecológicos. Havia um desafio extra: convencer os produtores de Paragominas avessos a mudanças. “O engajamento da maioria só aconteceu quando se viu que os projetos de restauração eram viáveis e poderiam diversificar a produção, gerando lucro”, diz Costa. Na fazenda Marupiara foram plantadas 12 espécies nativas em áreas de reserva legal, nas quais é permitido o manejo sustentável para o aproveitamento econômico. Entre elas estão o ipê, o freijó, o jatobá, plantas medicinais e também madeireiras, como a andiroba. Também foi realizado um trabalho de pESQUISA FAPESP 238  z  33


34  z  dezembro DE 2015

Com pecuária intensiva, foi possível liberar mais espaço para a restauração florestal em áreas degradadas há décadas em Paragominas, no Pará

A recuperação florestal em fazendas do interior paulista é uma das iniciativas realizadas no âmbito do Pacto. Em 2012, foram selecionadas três fazendas em Itu, nas quais têm sido feitas ações de restauração voltadas para a compensação ambiental. Funciona assim: o proprietário de uma plantação de cana-de-açúcar que não tenha áreas nas quais possa fazer recuperação florestal em reserva legal pode, por exemplo, investir em áreas naturais remanescentes localizadas em outra propriedade. “Também estamos colocando à venda terrenos de 10 mil metros quadrados em parte das fazendas. Metade da área é de vegetação nativa restaurada. O objetivo é formar um corredor de florestas em meio às construções”, diz a empresária e socióloga Neca Setubal, proprietária de duas fazendas na região. O atual Código Florestal permite a exploração controlada de APPs em pequenas propriedades, desde que sejam utilizadas espécies da região. Já em áreas em que é permitido o manejo sustentável, a lei autoriza o plantio de até 50% de espécies exóticas, como o eucalipto, em meio às nativas. No estado de São Paulo, a primeira resolução editada pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente indicava 247 espécies de árvores para serem usadas em projetos de restauração. O Instituto de Botânica, entidade responsável pela catalogação, anunciou recentemente a lista revisada e ampliada para 2.315 espécies, incluindo não só árvores, mas também samambaias,

arbustos, lianas, ervas, entre outros. “A floresta não é feita apenas de árvores. O sucesso da restauração depende da biodiversidade envolvida e da variabilidade genética”, diz Luiz Mauro Barbosa, diretor do instituto. Em 2001, a maioria das áreas de recuperação utilizava no máximo 30 espécies, quase sempre as mesmas. E os viveiros concentravam a produção em poucos tipos de árvores. Atualmente, há no estado 207 viveiros responsáveis pela produção anual de cerca de 40 milhões de mudas de 800 espécies arbóreas.

A

ampliação da lista de espécies será estratégica para o Programa Nascentes, iniciativa de conservação de rios a partir da restauração florestal lançada pelo governo do estado de São Paulo em 2015. O objetivo é proteger 6 mil quilômetros de cursos d’água e restaurar cerca de 20 mil hectares de matas ciliares. Três plantios já foram realizados nas cidades de Joanópolis, Piracaia e Jacareí, utilizando mais de 270 mil mudas. A organização não governamental Iniciativa Verde, que participará de projetos do programa paulista, é uma das entidades que já atuam na região do sistema Cantareira, que abastece parte da capital paulista e outras cidades. A participação da ONG se dá pelo Programa Produtor de Água, da Agência Nacional de Águas (ANA), por meio do edital Iniciativa BNDES Mata Atlântica. “Em três anos, conseguimos perceber que o plantio de mudas melhorou a qualidade da água”, diz Pedro Barral de Sá, diretor florestal da Iniciativa Verde. O município de Machadinho, no Rio Grande do Sul, também desenvolve há três anos um programa para aumentar a qualidade e a produção da água por meio da proteção de nascentes. Parte da ini-

fotos  reprodução do livro restauração florestal / editora oficina de textos

melhoramento das áreas de pastagem, que abrigam cerca de 2 mil cabeças de gado. O pasto foi melhorado e adensado nos terrenos mais planos e férteis. Com isso, foi possível colocar mais bois em menos espaço. Enquanto em 2003 a propriedade registrou 0,9 cabeça de gado por hectare, em 2015 a taxa subiu para 3 cabeças por hectare. Atualmente, Ricardo Rodrigues comanda um projeto de restauração de florestas ciliares, florestas nativas de produção econômica e fragmentos florestais degradados. O objetivo é simular e compreender os efeitos da aplicação do novo Código Florestal. O estudo quer, por exemplo, identificar o potencial de utilização e comercialização de produtos madeireiros e não madeireiros de espécies nativas e desenvolver métodos de baixo custo para a restauração. Paralelamente aos estudos acadêmicos, grupos de pesquisa, como o da Esalq, também se esforçam para testar na prática diversas técnicas disponíveis. Parte do que vem sendo feito no país está reunida no livro Restauração florestal, organizado por Rodrigues junto com Sergius Gandolfi e Pedro Brancalion, também professores da Esalq-USP. O livro foi lançado na 6ª edição do Simpósio de Restauração Ecológica realizado entre os dias 9 e 13 de novembro em São Paulo. A obra atualiza o referencial teórico elaborado em 2010 para dar suporte técnico ao Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, esforço que reúne 350 instituições públicas e privadas, empresas, órgãos de governos e proprietários. A meta é restaurar 15 milhões de hectares de Mata Atlântica até 2050. “Muitas iniciativas não tinham garantias de sucesso, em função de os projetos estarem sendo implementados de maneira equivocada”, diz Ricardo Rodrigues.


Riacho protegido pela mata ciliar em Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, e outro desprotegido em Piracicaba, no interior paulista: vegetação impede assoreamento dos cursos d’água

ciativa consiste em associar a produção de erva-mate com florestas em nascentes de rios e córregos. O projeto mobiliza diversos atores, entre eles a prefeitura da cidade e a Embrapa Florestas. “São mais de 50 propriedades envolvidas. Já conseguimos recuperar algumas nascentes e o caso se tornou uma referência para a proteção de nascentes e restauração ecológica, inclusive com a capacitação de técnicos”, diz Emiliano Santarosa, analista da Embrapa Florestas, responsável por ações de transferência de tecnologia na região. Outro método de recuperação implementado pela Embrapa é o sistema agrossilvipastoril, que integra lavoura, pecuária e florestas e é capaz de aumentar a produtividade no campo sem necessidade de expansão da área agrícola sobre a mata virgem. A Embrapa desenvolve projetos desse tipo principalmente com pecuaristas de leite ou de corte, que plantam árvores no pasto. O sombreamento parcial oferece conforto aos animais e, quando bem planejado, resulta em ganhos de produtividade de leite, por exemplo. No Paraná, há mais de 40

propriedades que são referência no uso desse sistema em trabalhos realizados pela Embrapa em parceria com o Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Paraná.

E

m São Paulo, experiências que integram plantio de cana-de-açúcar com preservação de mata nativa indicam uma via para que a produção de bioenergia e florestas convivam no mesmo espaço. Um estudo feito em 2012 por pesquisadores brasileiros e norte-americanos mostrou que a mata nativa tem capacidade de armazenar 18 vezes mais carbono do que a cana. Já em um levantamento mais recente, pesquisadores da USP junto com colegas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostraram que o estado de São Paulo tem um déficit de 800 mil hectares de florestas que deveriam ser recuperadas. “Uma saída é fazer o plantio da cana no entorno de florestas, ou vice-versa”, sugere Marcos Buckeridge, um dos autores da pesquisa e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) do Bioetanol. “Em restauração florestal,

as dificuldades são no sentido de fazer as experiências ganharem escala”, observa. Ricardo Rodrigues, da Esalq-USP, concorda com esse diagnóstico. “Os projetos colocados em prática no país até agora ainda são muito pontuais”, avalia. A ampliação das iniciativas, afirma Rodrigues, depende de estratégias para reduzir os custos dos projetos de restauração florestal e permitir ganhos econômicos. Em Itu, por exemplo, a recomposição florestal nas três fazendas custou cerca de R$ 20 mil por hectare. Em função do elevado grau de degradação foi necessário fazer o plantio total de sementes ou mudas. “São projetos caros, que precisam ser barateados com uso do conhecimento científico”, diz Rodrigues. n

Projeto Restauração ecológica de florestas ciliares, de florestas nativas de produção econômica e de fragmentos florestais degradados (em APP e RL), com base na ecologia de restauração de ecossistemas de referência, visando testar cientificamente os preceitos do Novo Código Florestal Brasileiro (nº 2013/50718-5); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Programa Biota – Projeto Temático; Pesquisador responsável Ricardo Ribeiro Rodrigues (Esalq-USP); Investimento R$ 1.115.645,02.

pESQUISA FAPESP 238  z  35


Bibliometria y

RdeGpesquisador Instituições brasileiras começam a adotar o identificador Orcid, assinatura digital global para autores científicos e acadêmicos

N

os próximos meses, os 3,5 mil docentes da Universidade Es­ tadual Paulista (Unesp) serão convocados a se cadastrar no Orcid (sigla para Open Researcher and Contributor ID) e passarão a ter um nú­ mero de identificação que servirá como uma assinatura digital no ambiente cien­ tífico global, sem risco de confusão com homônimos. Quando forem submeter um artigo a uma revista científica, por exemplo, precisarão apenas informar sua sequência particular de 16 números, como a de um cartão de crédito, para que suas informações, tais como nome, assinatura padronizada e afiliação, sejam preenchidas no formulário. Essa é um das utilidades mais palpá­ veis do registro, mas suas aplicações são mais amplas. Cada usuário pode, se qui­ ser, construir um perfil reunindo sua produção acadêmica, numa espécie de currículo acadêmico certificado. Seus novos papers serão automaticamente recuperados, pois o número de iden­ 36  z  dezembro DE 2015

tificação único se conecta com bancos de dados de revistas científicas e repo­ sitórios de instituições que se afiliaram ao sistema. A produção científica pre­ gressa também pode ser resgatada. O usuário pode intercambiar dados entre perfis acadêmicos e profissionais, tais co­ mo o ResearcherID, da empresa Thom­ son Reuters, o Scopus e o Mendeley, da editora Elsevier, ou o LinkedIn. Dessa forma, um currículo com informações certificadas pode se tornar acessível a editores e revisores de revistas cientí­ ficas, agências de fomento e programas de avaliação. O registro de autores é gratuito, mas instituições podem se afiliar à platafor­ ma, pagando uma taxa anual para inte­ gração de sistemas e suporte. A intenção da Unesp é aperfeiçoar a identificação dos seus afiliados no repositório insti­ tucional, que reúne dados sobre 92 mil itens da produção científica de docentes e pesquisadores da instituição. A cons­ trução do repositório partiu do zero há

pouco mais de dois anos e buscava aten­ der a uma demanda da FAPESP para reu­ nir, preservar e dar acesso aberto à pro­ dução científica dos pesquisadores das três universidades estaduais paulistas. Esse esforço, diz Flavia Maria Bastos, coordenadora das bibliotecas da Unesp e do programa de repositório institucional da instituição, exigiu um trabalho minu­ cioso de tratamento das informações dis­ poníveis em bases de revistas científicas e no currículo Lattes dos docentes para identificar a produção de cada um deles, a despeito de não usarem uma assinatu­ ra padronizada em todos os artigos – é comum, principalmente quando o autor tem vários sobrenomes, que assinaturas apareçam com abreviações diferentes. “Agora, quando um docente da Unesp publicar um artigo científico, nosso siste­ ma conseguirá recuperar imediatamente os dados sobre esse paper e vinculá-lo à sua produção científica”, diz Flavia. “Com isso, teremos dados de qualidade sobre a produção de cada pesquisador,

fonte orcid.org / content / orcid-ambassadors-1 / outreachresources

Fabrício Marques



de cada unidade da Unesp e da universi­ dade como um todo. Ainda hoje, apesar dos esforços para criar o repositório, te­ mos parte da nossa produção oculta por ambiguidade de nomes de pesquisadores e da própria Unesp, cuja sigla às vezes é confundida com a da USP e até da Uni­ versidade Paulista, a Unip.”

ORC

trabalho de coleta

A Unesp é a primeira instituição brasi­ leira a se afiliar ao Orcid, mas em breve deverá ter companhia. A Universida­ de de São Paulo (USP) também planeja afiliar-se em 2016. Com um repositório criado em 1985 que congrega mais de 700 mil registros da produção intelec­ tual de seus pesquisadores, inclusive cópias físicas, a USP pretende, com o cadastro universal, tornar automática a recuperação da produção científica, facilitando o trabalho de coleta. Hoje, a equipe do Sistema Integrado de Biblio­ tecas (SIBi) da USP cadastra o nome de cada um dos pesquisadores em bases de dados de publicações científicas pa­ ra receber mensagens de alerta quando seus artigos científicos são publicados. O passo seguinte é baixar uma cópia do documento e preservá-lo no repositório. “Queremos usar o Orcid para facilitar o rastreamento e trazer os metadados das várias fontes que se interligam por meio de número de identificação único, como o ResearcherID. Essa ferramenta possi­ bilitará que a universidade monitore sua produtividade intelectual por meio dos indicadores”, diz Maria Fazanelli Cresta­

38  z  dezembro DE 2015

Ambiguidade de nomes de pesquisadores é dramática na china, onde 85% da população compartilha pouco mais de 100 sobrenomes

na, coordenadora do Sistema Integrado de Bibliotecas da USP. O Orcid é uma organização sem fins lucrativos que reúne registros de 1,78 mi­ lhão de pesquisadores, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. Cerca de 28 mil brasileiros já se cadastraram. Em maio passado, a organização criou um escritório em São Paulo para ampliar sua presença na América Latina que, além do acordo recente com a Unesp, já obteve afiliações da biblioteca virtual Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal (Redalyc), sediada no México, e do Con­ sejo Nacional de Ciencia, Tecnologia e Innovación Tecnológica, órgão de pla­ nejamento científico do governo do Peru que quer integrar o Orcid ao currícu­ lo dos pesquisadores do país. “Estamos conversando com autoridades brasileiras sobre a possibilidade de integrar ao Or­ cid os dados da Plataforma Lattes, que

reúne mais de 4 milhões de currículos de pesquisadores e estudantes brasileiros”, diz Lilian Pessoa, historiadora formada na USP que se tornou representante do Orcid para a América Latina. A plataforma foi criada nos Estados Unidos em 2011 com a intenção de con­ tornar um problema que atrapalha uni­ versidades, editoras de publicações cien­ tíficas e bibliotecas: a dificuldade de dis­ tinguir autores com sobrenomes muito comuns e identificar sua contribuição acadêmica. O peso crescente da China na ciência internacional tornou ainda mais desafiadora a tarefa de identificar a pro­ dução de homônimos. Ocorre que 85% da população chinesa compartilha um conjunto de pouco mais de uma centena de sobrenomes. “O Orcid resolve o pro­ blema da ambiguidade, pois não há dois pesquisadores com o mesmo número de identificação”, diz Lilian Pessoa. “Se uma pesquisadora muda de sobrenome quando se casa, seu Orcid vai permane­ cer o mesmo e ela não terá dificuldades em identificar sua produção”, explica Antonio Álvaro Ranha Neves, professor da Universidade Federal do ABC, entu­ siasta da nova plataforma que se regis­ trou em 2013 e se tornou embaixador da iniciativa no Brasil. A função, de caráter voluntário, consiste em disseminar seu uso no ambiente acadêmico. “É possível usar o Orcid inclusive para identificação de autores em seus sites pessoais e blogs.” A ideia de um cadastro individual pa­ ra os pesquisadores não é nova. A em­ presa Thomson Reuters criou em 2008 o ResearcherID, código que identifica pesquisadores e congrega sua produ­ ção científica registrada na base de re­ vistas Web of Science (WoS). A editora Elsevier, que mantém a base de revistas Scopus, lançou o similar Scopus Author Identifier, assim como o Google desen­


volveu o Google Scholar ID, que captura a produção científica de várias fontes na internet e constrói perfis de pesquisa­ dores, oferecendo inclusive indicadores como citações e índice-h. “Essas inicia­ tivas tinham uma limitação. No caso do ResearcherID e do Scopus, pertencem a empresas que buscam vender serviços e indicadores e seus resultados são abertos só para assinantes”, diz Neves. “Além dis­ so, baseiam-se num conjunto específico de revistas, as indexadas em cada base de dados, e não em toda a produção.” egressos

A vantagem do Orcid sobre os outros sistemas é ter um registro capaz de re­ cuperar dados de qualquer fonte que aceite o identificador como referência, incluindo os bancos de dados de revistas indexadas, repositórios institucionais, bancos de teses e até perfis de redes so­ ciais acadêmicas. A plataforma foi cria­ da com o apoio de editoras científicas, como as do grupo Nature, interessadas em melhorar o fluxo e fidedignidade dos metadados (dados sobre os dados) de ar­ tigos científicos e facilitar o trabalho dos editores e revisores na avaliação de ma­ nuscritos. Várias universidades se junta­ ram à iniciativa, como Harvard e o Ins­ tituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos. “A Boston University adotou o Orcid não só para seus professores e pesquisadores, mas até mesmo para alunos de graduação. Com isso, busca avaliar a produção dos egressos e acompanhá-los em sua traje­ tória profissional”, diz Antonio Neves.

A consolidação do orcid é lenta, segundo abel packer, porque muitos pesquisadores preferem divulgar sua produção em perfis de redes sociais científicas Em países como Portugal e Itália, o Orcid foi adotado por órgãos de gover­ nos para identificar a produção dos pes­ quisadores. O recurso ganha adeptos no Reino Unido, onde o Higher Education Funding Council for England (Hefce), um dos órgãos responsáveis pela cara e minuciosa avaliação das universidades que acontece a cada cinco anos, passou a encorajar pesquisadores a criarem seus registros e tornarem mais visível sua pro­ dução. Instituições de fomento, como os Institutos Nacionais de Saúde, dos Estados Unidos, e o Welcome Trust, do Reino Unido, introduziram o registro em seus sistemas de avaliação e passaram a exigir o número de identificação dos pesquisadores que apresentam pedidos de financiamento. Para Abel Packer, coordenador da bi­ blioteca digital brasileira SciELO, que reúne 280 revistas em regime de aces­ so aberto, a adoção do Orcid é uma ten­ dência irreversível, mas a velocidade com que isso acontece ainda é lenta. “O crescimento tem sido constante, mas não foi o boom que se esperava”, afirma. O formulário de submissão de manuscritos de mais de uma centena de revistas do SciELO tem um campo opcional para a

inclusão do Orcid. “Mas apenas 5% dos autores informam seus dados, propor­ ção que se repete em revistas de outros países”, afirma. O ideal, diz Packer, é que revistas científicas e agências de fomento tornassem obrigatória a inclusão do re­ gistro. “O Orcid só se tornará consenso, como o sistema de identificação DOI se tornou para identificar artigos científi­ cos, se for obrigatório. A grande adesão à Plataforma Lattes se deu quando ela se tornou mandatória para os estudantes de pós-graduação e docentes”, afirma. “Mas muitas revistas científicas resis­ tem em exigir o registro porque temem espantar autores.” A consolidação do Orcid é lenta, na avaliação de Packer, porque muitos au­ tores ainda não perceberam a utilidade no uso do registro assim como as univer­ sidades, editoras e agências. “Um gran­ de contingente de pesquisadores man­ tém perfis em redes sociais científicas, como o ResearchGate, a Academia.edu e o Mendeley, onde reúnem e tornam públicos seus trabalhos científicos. Pa­ ra muitos deles, inscrever-se no Orcid é apenas uma tarefa a mais para atingir o mesmo objetivo”, diz. Para Packer, um passo fundamental para disseminar o Orcid no Brasil é in­ tegrá-lo à Plataforma Lattes. “Para os pesquisadores brasileiros, seria bastante útil se a informação que eles já registra­ ram no currículo Lattes fosse recuperada de forma automática pelo Orcid”, afirma o coordenador do SciELO, para quem o Lattes precisa urgentemente se rein­ ventar. “A plataforma brasileira precisa de uma inovação radical para não ficar para trás. Desenvolveu-se como uma base de currículos única e exemplar no mundo, mas nos últimos anos deveria ter se tornado uma rede social por meio da qual os pesquisadores pudessem fa­ zer networking e trabalhar em redes, a exemplo do que aconteceu com Mende­ ley ou ResearchGate. A perda de espaço do Lattes e as barreiras que se impõem ao acesso e intercâmbio de dados é algo trágico e revela a dificuldade do Brasil em inovar”, afirma. n pESQUISA FAPESP 238  z  39


40  z  dezembro DE 2015

ilustraçãO elisa carareto


Recursos humanos y

As chances das

mulheres na universidade Estudo sugere que disciplinas com alta presença feminina não garantem às pesquisadoras vantagem para chegar ao topo da carreira

U

m artigo publicado na revista Dados sugere que desigualdades de gênero têm efeitos mais complexos na carreira acadêmica no Brasil do que a literatura sobre o assunto costuma contemplar. Assinado pela socióloga Marília Moschkovich e por sua orientadora, a professora Ana Maria Fonseca de Almeida, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o trabalho analisou dados sobre a trajetória de professores e professoras da Unicamp e fez alguns achados surpreendentes. Um deles é que o fato de as mulheres serem maioria em determinadas áreas do conhecimento não necessariamente as ajuda a alcançar o topo. O estudo analisou as chances de homens e mulheres chegarem ao nível mais alto da carreira docente da Unicamp em cada uma das 27 unidades da instituição. Constatou-se que professores do sexo feminino têm menos chance que os do sexo masculino de alcançar o topo nos cursos de Linguística, Educação e Medicina, nos quais as mulheres são maio-

ria no corpo docente. Ao mesmo tempo, professoras têm possibilidade maior de chegar ao cume nos cursos de Engenharia Mecânica e Agrícola, nos quais, paradoxalmente, elas são franca minoria. “Os padrões de desigualdade variaram nas diferentes disciplinas, sugerindo que outros fatores também podem ter influência sobre a carreira dos docentes segundo seu gênero”, diz Marília Moschkovich. A próxima fase da pesquisa, que se debruçará sobre os dados de mais três universidades públicas, ainda não definidas, vai comparar outros aspectos da carreira, como o padrão de publicação e a relação da área com o mercado de trabalho não acadêmico, por exemplo, para verificar se isso influencia a trajetória docente de modo peculiar em cada disciplina. “A carreira acadêmica talvez não desempenhe o mesmo ‘papel’ no mercado de trabalho em geral de cada área. Há estudos documentando como o mercado de trabalho corporativo para engenheiros, que têm salários maiores do que a carreira acadêmica na área, por exemplo, impõe diversas barreiras às mulheres. É possível que as

mulheres que têm um bom desempenho na graduação em algumas engenharias se direcionem à carreira acadêmica enquanto homens na mesma condição se direcionem para o mercado de trabalho corporativo, mais aberto a eles. Isso poderia, ao menos em tese, contribuir para que o ambiente de trabalho acadêmico tenha certo ‘clima’. Com essa primeira etapa da pesquisa verificamos, porém, que a carreira acadêmica não é necessariamente menos competitiva ou mais amigável às mulheres”, diz Ana Maria F. Almeida, que também é coordenadora-adjunta de Ciências Sociais e Humanas da FAPESP. “Como isso se observa em certas áreas mas não em outras, há necessidade de estudos específicos mais aprofundados.” Outra dimensão que será investigada é o efeito da origem social dos pesquisadores na velocidade da ascensão na carreira. Segundo as autoras, é razoável supor que um docente oriundo de um ambiente próximo do ambiente universitário – filho de professores do ensino superior, por exemplo – esteja mais familiarizado com as regras do universo acadêmico e pESQUISA FAPESP 238  z  41


A

busca de igualdade de gênero no ambiente acadêmico, além de sua relevância no contexto dos direitos civis, é importante para dinamizar a universidade. “Garantir o acesso de pesquisadores e docentes com origem e experiências diferentes ajuda cada disciplina a diversificar seus problemas e objetos de pesquisa, suas abordagens e modos de trabalho”, diz Ana Maria F. Almeida. Mulheres são maioria entre os novos doutores (51,5% entre os titulados no Brasil em 2008) e também entre os docentes do ensino superior (55%), de acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Nas universidades públicas brasileiras, a proporção é menor, com 45% de mulheres entre os docentes. Na Unicamp, elas são 35%. “Há quem diga que essas diferenças são assim mesmo, que resultam da forma tardia com que as mulheres ingressaram na carreira acadêmica e que a realidade está mudando para as gerações mais novas, mas a verdade é que não se trata de um problema apenas geracional”, pondera Elizabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e uma estudiosa da profissão acadêmica. “Existem entraves importantes para a inserção e a ascensão da mulher na carreira acadêmica e há evidências de que esses entraves estão piorando à medida que a carreira fica mais competitiva”, afirma. 42  z  dezembro DE 2015

Entraves para as mulheres estão piorando à medida que a carreira acadêmica fica mais competitiva, diz Elizabeth Balbachevsky

As autoras escolheram o universo de docentes da Unicamp porque vislumbraram nesse recorte – o de uma universidade pública brasileira – potencial para contribuir com o debate internacional sobre a relação entre gênero e carreira científica. Ocorre que, nesse contexto, é possível controlar variáveis que estão no centro da discussão de políticas para promover a igualdade em universidades de outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, há um debate em torno da ampliação para as mulheres do período probatório, de forte dedicação ao trabalho, ao final do qual os pesquisadores são avaliados para só aí gozar de estabilidade. Avalia-se que elas são prejudicadas em relação aos homens por estarem em idade reprodutiva e serem responsáveis por cuidar dos filhos. Na universidade pública brasileira, é possível controlar o impacto da estabilidade para as mulheres, pois elas a conquistam imediatamente após a admissão por concurso, assim como os homens. Em outros países, como os da Europa e a Austrália, discute-se como garantir salários equânimes para homens e mulheres num ambiente em que as pesquisadoras têm dificuldade em negociar promoções e remuneração de forma tão eficiente quanto os homens, sofrendo desvantagens. Na universidade pública do Brasil é possível

analisar o que acontece num ambiente em que essa variável praticamente não tem peso, pois os salários de homens e mulheres em posições iguais da carreira são idênticos e definidos por lei, e as regras de promoção são aplicadas a todos igualmente, sendo definidas em colegiados compostos pelos próprios docentes. Por fim, observam as autoras, a desigualdade econômica na sociedade brasileira permite às docentes contar com empregadas domésticas para ajudar em tarefas socialmente atribuídas às mulheres, como os cuidados com os filhos e com a casa, algo que não se vê tanto em países desenvolvidos. “Trata-se de uma carreira que pode, pelo menos hipoteticamente, oferecer condições mais favoráveis para superar a desvantagem feminina em relação a outros contextos”, diz Moschkovich. A pesquisa debruçou-se sobre três perguntas específicas. A primeira avaliou as chances dos docentes de cada sexo chegarem ao posto mais alto da carreira e a cargos de gestão na Unicamp. A segunda foi a velocidade com que os docentes de cada sexo chegam ao topo. E a terceira foi se tanto as chances de ascensão quanto a velocidade com que isso acontece variam de acordo com a proporção de mulheres em cada faculdade ou instituto, já que em algumas áreas, como Dança e Letras, as mulheres são maioria esmagadora e em outras, como Engenharia Elétrica, elas mal chegam a 10% dos docentes (ver quadro). A principal constatação é que as mulheres sofrem desvantagem. Nos três níveis da carreira, a proporção de mulheres é inferior à de homens, mas a desvantagem é superior no nível mais alto, o MS6, com 73,8% de homens para 26,2% de mulheres. Já em relação às chances de alçar a cargos administrativos, os homens estão em vantagem quando os cargos são de direção da unidade e coordenação de pós-graduação, enquanto as mulheres têm mais possibilidades de se tornarem coordenadoras de graduação. Nunca uma mulher assumiu a reitoria da Unicamp. “Isso mostra o quanto as professoras têm mais dificuldade de ocupar cargos que acumulam maior poder universitário”, afirma Ana Maria F. Almeida. Um desenvolvimento recente envolveu as cinco pró-reitorias: três delas são ocupadas hoje por docentes do sexo feminino. Para calcular a velocidade de ascensão, as autoras utilizaram como referência o

ilustraçãO  elisa carareto

consiga se afirmar mais rapidamente entre seus pares do que outro com pouca experiência com o mundo acadêmico, que custaria um pouco mais a compreender o que é preciso fazer para se impor e galgar etapas da carreira. “Essa competência para lidar com a carreira pode ser adquirida durante a pós-graduação ou até antes, na própria graduação, mas os códigos necessários para compreender as exigências da carreira nem sempre são disponibilizados para todos, o que pode ter influência na ascensão na carreira”, diz Ana Maria F. Almeida. As pesquisadoras pretendem acompanhar jovens professoras e professores para avaliar os desafios que enfrentam no início da carreira e ver se a situação mudou em relação à dos mais velhos. “A ideia é compreender o que elas e eles precisam fazer para se inserir e ganhar respeito”, diz Moschkovich.


Presença e ascensão desiguais Chances de docentes da Unicamp dos sexos masculino e feminino chegarem ao nível mais alto da carreira em algumas unidades, em %

Mulheres Homens Economia

0 22,2

Engenharia Elétrica

0

Física

0 40,4

Midialogia

0 50

63,8

Matemática Aplicada

12,5

29,4

Engenharia Civil

33,3

52,9

Filosofia

100 100

Computação

33,3 31,6

Matemática

40 36,8

Engenharia Agrícola

50

42,3

Engenharia Mecânica

60

31,3

Biologia

37,8 59

Teoria Literária

50

75

Engenharia de Alimentos

38,5

53,3

Odontologia

53,3 71,9

Química

41,2 54,3

Ciências Sociais

85,7

Geociências

50 47,1

História

100 62,5

90

Engenharia Química

60

33,3

Educação Física

100

50

Farmácia

100 33,3

Estatística

50 12,5

de docentes do sexo feminino

de docentes do sexo feminino

Unidades com predominância masculina Unidades com predominância feminina

Medicina

18,5 30

Educação

45,5 55,6

Linguística

60 66,7

Arquitetura

66,7 0

Letras

55,6 0

de docentes do sexo feminino

de docentes do sexo feminino

Unicamp

54,1 55,1

ano mais recente em que docentes no nível mais alto da carreira defenderam o doutorado – e partiram do pressuposto de que todos os outros docentes titulados naquele ano ou antes teriam hipoteticamente chance de atingir o topo. A quantidade de docentes estudados em cada unidade variou, chegando a 79% em Engenharia Agrícola e mais de 50% em dois terços das 27 unidades. O dado mais surpreendente surgiu na avaliação das chances de ascensão na carreira. A proporção dos docentes que alcançaram o nível mais alto, entre os considerados com condição de chegar lá, foi semelhante para homens (55,1%) e mulheres (54,1%) para o conjunto da universidade. Mas oscilou entre as áreas – e nem sempre isso estava relacionado à presença maior ou menor de mulheres. Docentes do sexo feminino chegam ao nível mais alto com mais rapidez que os do masculino em sete unidades, na mesma velocidade em duas e em 14 os homens chegam ao topo mais rápido. Para Marília Pinto de Carvalho, professora da Faculdade de Educação da USP que estuda diferenças de desempenho entre meninos e meninas no ensino fundamental, um dos méritos do artigo é mostrar com clareza que a presença de mais mulheres numa carreira não tem relação direta com possibilidades de ascensão. “Em alguns casos, ocorre o contrário. O tipo de dado levantado não permite se aprofundar nas razões, mas mostra um quadro desafiador”, diz. O fato de o estudo restringir-se a uma universidade, diz Marília, é mais um mérito do que uma fraqueza. “Se elas buscassem dados mais genéricos, talvez não conseguissem captar esses fenômenos.” Elizabeth Balbachevsky diz que a originalidade do trabalho está em mostrar como as culturas de diferentes disciplinas incidem tanto sobre a incorporação das mulheres no mundo acadêmico quanto na perspectiva de carreira. “Há uma tendência de afirmar que as ciências duras são difíceis para as mulheres e as humanidades, mais amigáveis. Os dados mostram que não funciona bem assim”, afirma. “Um dado relevante do trabalho é que ele mostra o nível de competição na carreira acadêmica no Brasil. A competição existe, é notável numa universidade de pesquisa e pode variar de acordo com o perfil da área disciplinar”, afirma. n Fabrício Marques pESQUISA FAPESP 238  z  43


Reconhecimento y

Trabalho recompensado Prêmios para pesquisadores se multiplicam no Brasil e no exterior

A

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a empresa brasileira de cosméticos Natura lançaram no dia 11 de novembro o Prêmio Capes Natura – Campus de Excelência em Pesquisa para reconhecer os melhores artigos científicos sobre sustentabilidade e biodiversidade. A cerimônia de premiação será no dia 5 de junho, dia do meio ambiente, e os vencedores receberão R$ 25 mil, além de certificados. O objetivo é estimular a publicação de papers em revistas científicas de alto impacto e valorizar pesquisadores no início da carreira. A iniciativa se soma a outros prêmios que homenageiam pesquisadores no país, como o Almirante Álvaro Alberto e o FCW de Arte, Ciência, Cultura e Medicina, patrocinados pela Fundação Conrado Wessel (FCW). “O Brasil ainda tem poucas experiên44  z  dezembro DE 2015

cias desse tipo, quando comparado com países como os Estados Unidos”, afirma Carlos Nobre, presidente da Capes. “Os premiados tornam-se modelos, ajudam a difundir os valores da ciência na sociedade e inspiram as novas gerações.” No âmbito internacional, tem também surgido novos prêmios científicos, alguns deles distribuindo quantias milionárias. No ambiente científico e tecnológico, honrarias têm uma função que não se restringe a prestar homenagens. “O efeito mais importante dos prêmios é sobre a reputação dos pesquisadores”, diz Elizabeth Balbachevsky, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). “Um pesquisador premiado ganha respeito entre seus pares e isso o ajuda a obter recursos para pesquisas relevantes”, afirma a professora, lembrando que

existem outros mecanismos que rendem reconhecimento, como publicar artigos de alto impacto. Os benefícios do prêmio nem sempre são imediatos: “Ganhar um prêmio não faz alguém subir de patamar na carreira de uma hora para outra. Mas contribui para aumentar a notabilidade e a credibilidade do pesquisador, alimentando um processo cumulativo e de longo prazo”. Eventualmente, essas distinções atraem a atenção dos candidatos pelas quantias que oferecem. É o caso do Prêmio Breakthrough, que no dia 8 de novembro entregou US$ 3 milhões a cada vencedor nas áreas de Ciências da Vida, Matemática e Física Fundamental. Criado em 2012, é patrocinado por grandes empresários, como Mark Zuckerberg, do Facebook, e Sergey Brin, do Google. O valor oferecido é quase três vezes superior ao pago pelo Nobel, mas os idealizadores afirmam


Steve Jurvetson

Cerimônia de entrega do Prêmio Breakthrough de 2015, nos Estados Unidos: estrutura lembra a do Oscar

não querer concorrer com a honraria mais importante da ciência, concedida há 114 anos. “O objetivo é reconhecer o trabalho coletivo na ciência. Hoje a pesquisa é internacional, diversificada e envolve muita gente”, disse o bilionário russo Yuri Milner, outro patrocinador do prêmio, durante a cerimônia de entrega aos laureados em um centro da agência espacial norte-americana, Nasa, na Califórnia. O Nobel seleciona no máximo três pesquisadores por categoria científica.

O prêmio de Física do Breakthrough foi dividido entre o chinês Yifang Wang, o japonês Atsuto Suzuki e mais 1.380 colaboradores. Eles fizeram parte de uma ampla pesquisa que chegou a descobertas sobre a oscilação de neutrinos, partículas elementares da matéria. Um mês antes, a pesquisa sobre neutrinos rendera o Nobel de Física ao japonês Taka­ aki Kajita, da Universidade de Tóquio, e ao canadense Arthur B. McDonald, da Queen’s University. Uma característica dos novos prêmios internacionais é que boa parte deles enfatiza aplicações da ciência e desdobramentos do conhecimento na solução de problemas da sociedade. Em 2014, por exemplo, os cientistas James Alison, da Universidade do Texas, Estados Unidos, e Tasuku Honjo, da Universidade de Kyoto, no Japão, receberam cerca de US$ 1,6 milhão pelo descobrimento de

moléculas com potencial para tratar o câncer. O montante fazia parte do Prêmio Tang, criado em 2012 pelo empreendedor chinês Samuel Yin, conhecido por promover ações filantrópicas. Segundo Yin, o compromisso do prêmio é mais com a pesquisa do que com o pesquisador, ou seja, o objetivo é apoiar estudos promissores e não necessariamente homenagear cientistas pelo trabalho desenvolvido na carreira. “É a maneira que encontrei de contribuir para o desenvolvimento mundial”, explicou Yin à revista Nature. Outro prêmio que chama a atenção pelo montante destinado a cada laureado (aproximadamente US$ 1,5 milhão) é o Queen Elizabeth Prize for Engineering, criado em 2013 pela Academia Real de Engenharia do Reino Unido com o apoio de patrocinadores privados. Na primeira edição, foram agraciados cinpESQUISA FAPESP 238  z  45


co pesquisadores da França, Inglaterra e dos Estados Unidos. Em 2015, apenas um cientista foi premiado, o americano Robert Langer, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Autor de mais de 1.300 artigos científicos na área de bioquímica e nanotecnologia, ele foi um dos primeiros pesquisadores no mundo a utilizar polímeros para controlar o transporte de grandes moléculas no organismo humano para o tratamento de doenças mentais e câncer. Na noite de entrega do prêmio, Langer recebeu uma medalha das mãos da rainha Elizabeth. niciativas como essas têm despertado críticas. Entrevistado para uma reportagem publicada em 2013 pela Nature, Jack Stilgoe, professor de política científica do University College London, disse que grandes prêmios como o Breakthrough costumam trazer mais benefícios aos patrocinadores, que se promovem como apoiadores da ciência, do que propriamente à pesquisa. O físico Frank Wilczek, professor do MIT e um dos vencedores do Nobel em 2004, também questionou os “prêmios glamourosos”. Segundo ele, é preciso avaliar se as iniciativas de fato contribuem para o desenvolvimento científico ou não passam de espetacularização. O comentário de Wilczek repousa no fato de que as cerimônias do Breakthrough, por exemplo, costumam lembrar as do Oscar: têm exibição ao vivo pela televisão, tapete vermelho e são apresentadas por personalidades de Hollywood, como

I

“Os premiados tornam-se modelos e ajudam a difundir os valores da ciência”, diz Carlos Nobre

o ator Morgan Freeman. Para Carlos Nobre, da Capes, isso não representa necessariamente um problema. “Celebridades dos esportes e do entretenimento são as grandes referências hoje, especialmente entre os jovens. Por que não usar esse mesmo modelo para ampliar o alcance da ciência na sociedade?”, pergunta. Entre as controvérsias, uma pergunta inevitável é: qual o impacto real dos prêmios na carreira daqueles que os recebem? A resposta pode ser diferente, dependendo do país. Nos Estados Unidos, o sistema universitário é altamente competitivo e permite a mobilidade de pesquisadores entre as instituições. Nesse contexto, um pesquisador que apareça na TV recebendo um prêmio milionário pode ter um poder de barganha maior na hora de obter financiamentos e negociar salários. Já no Brasil e em alguns países europeus, como França e Alemanha, em que o sistema universitário é mais rígido e as condições de trabalho geralmente são estipuladas por níveis de carreira, o peso de um prêmio no currículo do pesquisador é mais simbólico.

“No Brasil, o docente contratado como servidor público tem estabilidade na carreira, o que contribui para sua fixação numa instituição muito cedo”, explica Elizabeth Balbachevsky. Aqui, ela acredita que prêmios científicos têm mais a capacidade de identificar trajetórias exemplares do que fazer o pesquisador subir na carreira. “A tradição das premiações brasileiras é homenagear cientistas já consagrados. Isso é uma forma de dizer aos pesquisadores mais novos o que a comunidade científica espera deles.” A cirurgiã e pesquisadora Angelita Habr-Gama, professora da Faculdade de Medicina da USP, conta que depois de receber o Prêmio FCW 2010 na categoria Medicina passou a ser mais valorizada também fora da comunidade científica. “Alunos de graduação e pós-graduação passaram a me ver como um modelo a ser seguido. Fico muito honrada com isso”, diz ela. Já a arqueóloga Niède Guidon, fundadora e diretora da Fundação Museu do Homem Americano, destinou parte dos R$ 300 mil que recebeu do Prêmio FCW em 2013 para acelerar a construção das obras do aeroporto de São Raimundo Nonato, no Piauí, que estavam atrasadas há anos e eram responsabilidade do governo estadual. O aeroporto era uma das condições para que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) liberasse uma verba para a construção do Museu da Natureza, na cidade vizinha de Coronel José Dias. “O maior impacto do prêmio foi eu ter conseguido ajudar a comunidade onde trabalho e vivo”, diz Niède.

A educadora Magda Becker Soares, da UFMG, recebeu o Prêmio Almirante Álvaro Alberto em 2015

1

46  z  dezembro DE 2015


Alline Cristina de Campos, uma das vencedoras do Prêmio L’Oréal para Mulheres na Ciência: honraria financiará pesquisa

A arqueóloga Niède Guidon doou parte dos R$ 300 mil que ganhou do Prêmio FCW para as obras de um aeroporto no município de São Raimundo Nonato, no Piauí

2

fotos 1 CRISTINA LACERDA / ABC 2 arquivo pessoal  3 andré pessoa

Lançado em 2002, o Prêmio FCW é destinado a personalidades ou entidades nos campos da arte, ciência, medicina e cultura. Atualmente, o vencedor de cada uma das categorias recebe R$ 300 mil. Em 13 anos, foram 100 agraciados, escolhidos por uma comissão formada por representantes de 10 instituições científicas parceiras da fundação, entre elas a FAPESP, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC). “A Fundação Conrado Wessel é a instituição que mais premia personalidades científicas no Brasil”, explica José Caricati, superintendente da FCW. “Patrocinamos outros prêmios. Temos convênios com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [CNPq], que, junto com a Marinha do Brasil, concede o Prêmio Almirante Álvaro Alberto, e com a Capes, no Grande Prêmio Capes de Tese.”

C

onsiderado a principal honraria da ciência e da tecnologia do país, o Prêmio Almirante Álvaro Alberto também segue os moldes da FCW e reconhece todos os anos um pesquisador de renome. Em 2015, a vencedora foi a educadora Magda Becker Soares, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No pacote de honrarias do prêmio, que inclui diploma, medalha e R$ 200 mil, Magda ganhou uma viagem para a Amazônia. Lá, embarcou em um navio hospitalar da Marinha, que atende populações ribeirinhas. “Sou aposentada, ganhei o prêmio mais pelo que fiz do que pelo que

3

“O maior impacto do prêmio foi eu ter conseguido ajudar a comunidade onde trabalho e vivo”, diz Niède Guidon

eu venha fazer. Mesmo assim, teve um impacto na minha vida, porque nunca havia ido para a Amazônia. Voltei de lá me sentindo mais brasileira”, relata a professora. Enquanto a maioria dos prêmios científicos no Brasil reconhece trajetórias de sucesso na ciência, outros buscam condecorar pesquisadores em início de

carreira. É o caso do Prêmio L’Oréal para Mulheres na Ciência, uma parceria entre a multinacional francesa, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e a ABC. Além de destacar a atuação de mulheres na pesquisa, o prêmio seleciona projetos, e não trabalhos já concluídos. “Recebi um telefonema do professor Jacob Palis, presidente da ABC, dizendo que eu havia vencido na categoria Ciências da Vida. Pensei que fosse trote”, conta Alline Cristina de Campos, 33 anos, professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP e uma das vencedoras do Prêmio L’Oréal 2015. Ao longo de 2016, Alline receberá US$ 20 mil em recursos para serem usados em uma pesquisa sobre o uso de canabinoides, como o canabidiol, no tratamento de ansiedade e depressão. Em dezembro, outro braço do projeto começa a ser financiado pela FAPESP na modalidade Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes. “Embora o prêmio esteja em meu nome, toda a minha equipe será beneficiada. O dinheiro será usado para adquirirmos equipamentos, insumos e financiar a divulgação de nossos resultados em congressos no Brasil e no exterior”, diz ela. n Bruno de Pierro pESQUISA FAPESP 238  z  47


Cooperação y

Terra de novas ideias Torneio e conferência na Alemanha promovem propostas inovadoras de outros países Carlos Fioravanti, de Berlim *

U

m torneio internacional e uma conferência que reuniu cientistas, políticos e empresários nos dias 8 e 9 de novembro em Berlim indicaram que a Alemanha, um dos maiores produtores de ciência e tecnologia do mundo, está ampliando seu papel e promovendo trabalhos inovadores de outros países que ajudem a resolver problemas de alcance global. Organizados pela Falling Walls, fundação criada em 2009 com apoio do Ministério da Educação e Pesquisa da Alemanha, os encontros coincidem com o aniversário da queda do Muro de Berlim para enfatizar a necessidade de derrubar barreiras também no mundo da ciência. A Little Sun, luminária portátil movida a energia solar apoiada pela fundação, sugere que essa meta é viável. Criada pelo artista Olafur Eliasson e pelo engenheiro Frederick Ottesen, a lâmpada em forma de girassol foi adotada por 200 mil moradores de regiões da África sem acesso a energia elétrica. Outros muros são mais resistentes, como a diferença de gêneros apontada por uma conferencista de Bangladesh como um obstáculo ao desenvolvimento de países pobres. Os encontros de novembro em Berlim ajudaram a moldar “a futura visão da Europa”, fundamentada na cooperação internacional, ressaltou a ministra de Educação e Pesquisa, Johanna Wanka, na abertura da conferência. Ao dar voz para

* O jornalista viajou a convite da Falling Walls Foundation

48  z  dezembro DE 2015

pesquisadores criativos, observados por empresários e representantes do governo, o torneio e a conferência integravam-se a outras ações de fortalecimento da ciência na Alemanha, complementando os acordos internacionais de cooperação entre as instituições de pesquisa e os incentivos para pesquisadores alemães instalados nos Estados Unidos retornarem ao país. Com o apoio da chanceler Angela Merkel, física de formação, o investimento em ciência e inovação tem crescido continuamente, passando de € 9 bilhões (R$ 35 bilhões) em 2005 para cerca de € 14,4 bilhões (R$ 57 bilhões) em 2013. O Pacto para Pesquisa e Inovação tem incentivado reformas em universidades, a criação de novos centros de pesquisas e o desenvolvimento de projetos colaborativos com empresas.

“Sou um exemplo da internacionalização da ciência alemã”, comentou Marcos Lana, agrônomo catarinense que desde 2009 trabalha no Centro de Pesquisa da Paisagem Agrícola, em Müncheberg. Ele colabora com o Centro Brasileiro de Tecnologia do Etanol (CBTE), de Campinas, e coordena um projeto de agricultura de subsistência em uma região semiárida do interior da Tanzânia. Lana foi um dos quatro brasileiros entre os 100 finalistas que se apresentaram na quinta edição do torneio Falling Walls Lab. Os participantes tinham apenas três minutos para expor seus trabalhos e convencer os jurados de que se tratava de algo realmente relevante. A diversidade dos trabalhos expostos foi grande. Um pesquisador de Israel apresentou uma técnica que permite a detecção de risco


fotos 1 Kay Herschelmann / FWF​ 2 GERARD MALIE / AFP

Fórum durante os intervalos da conferência em Berlim e, ao lado, a queda do Muro, em 1989: inspiração para a ciência

de autismo em bebês de 1 mês por meio da reação a sons; e outro, o protótipo de um filtro de água para favelas da Índia. Alguns trabalhos eram conceituais, como o uso de músculos artificiais ou de nanocompostos para desintoxicação de pessoas viciadas. “Estou procurando financiamento”, disse Joshua Lee, da Universidade de Alberta, Canadá, após apresentar sua técnica de reparo de genes, expressando a dificuldade da maioria dos inovadores ali reunidos. No início da noite foram apresentadas as três melhores ideias inovadoras propostas por pesquisadores e estudantes de até 35 anos de 40 países selecionados pelo júri: um aparelho para diagnóstico precoce do risco de nascimento prematuro durante a gestação, desenvolvido na Escola Politécnica de Zurique, na Suíça; uma técnica para detecção de metástases de câncer de próstata elaborada na

Universidade de Alberta, Canadá; e uma proposta para a produção de hidrogênio a partir da reação do alumínio com a água, do Instituto de Tecnologia Technion, de Israel. No dia seguinte, a Falling Walls Conference reuniu cientistas seniores e empresários para tratar de temas de alcance global. Diante de uma plateia de 700 pessoas, Saskia Sassen, professora de sociologia da Universidade Colúmbia, Estados Unidos, falou das transformações das grandes cidades causadas pelos movimentos migratórios e pela valorização dos espaços antes ocupados por moradores pobres em áreas periféricas. Depois, em uma conversa mais informal – os palestrantes detalhavam suas ideias em debates com os interessados em fóruns realizados durante os intervalos entre as apresentações –, ela levantou esta dúvida: “E se as ondas imigratórias de refugiados não representarem um fenômeno passageiro, mas o início de uma nova história, como resultado da perda de território causada por guerras, pelo avanço de plantações ou pela desertificação?”.

Ao subir ao palco, June Andrews, professora da Universidade de Stirling, Inglaterra, perguntou à plateia: “Quem de vocês quer chegar aos 90 anos?”. Vendo os braços erguidos, ela comentou que metade das pessoas com mais de 90 anos tinha demência, problema marcado pelo lento declínio das habilidades físicas e mentais. Ela defendeu a implantação de medidas práticas urgentes para facilitar a vida das pessoas com demência, que, ela resumiu, “se veem em um lugar sem saber que lugar é nem entender o que as pessoas falam”. O físico Andrea Accomazzo, um dos diretores da Agência Espacial Europeia, comentou que a sonda europeia Rosetta, ao aterrissar em um cometa, em novembro de 2015, após uma viagem de 10 anos, pode ter marcado o início de uma nova fase da exploração do espaço. “Um dia talvez precisemos deixar este planeta”, observou. Ele não está inteiramente sozinho nessas cogitações. No dia anterior, um pesquisador chinês, como um dos finalistas do Falling Walls Lab, havia proposto a criação de um ambiente artificial para viver na Lua, obtendo oxigênio por meio de plantas. n pESQUISA FAPESP 238  z  49


ciência  MEDICINA y

Exercícios para restaurar o coração Pesquisadores explicam como treinamento aeróbico e de resistência muscular reverte danos decorrentes da insuficiência cardíaca Ricardo Zorzetto

M

ário Pedro Bernardes é um homem grande e forte. Com 1,90 metro de altura, sempre esteve habituado a executar tarefas que exigiam força física. Foi cinegrafista de uma rede de TV durante anos e, nas reportagens, carregava uma câmera de 7 quilos nos ombros. Mas em 2012, aos 47 anos, ele teve de se aposentar. Mário fez um exame para participar como voluntário saudável de um estudo e descobriu que seu coração não andava bem. Uma infecção por vírus, provavelmente antiga, havia causado lesões no músculo cardíaco e o órgão já não bombeava mais o sangue como deveria. Ele havia desenvolvido insuficiência cardíaca, um problema complexo que reduz a capacidade do coração de distribuir o sangue pelo corpo e é uma das principais causas de morte no Brasil. Um infarto ocorrido meses mais tarde deixou Mário internado por uma semana em uma UTI e agravou o quadro. Ao receber alta, foi aposentado por invalidez e seu cardiologista à época recomendou que não fizesse atividade física. Deveria tomar os medicamentos para auxiliar o funcionamento do coração e poderia, no máximo, realizar “caminhadas leves”.

50  z  dezembro DE 2015


Imagens  Jacques Gamelin (1739-1803) / National Library of Medicine e Leonardo da Vinci

Mas nem isso ele conseguia. “Eu andava um quarteirão e tinha de parar para descansar; se eu falasse, cansava antes disso”, contou Mário em uma manhã de novembro deste ano, logo após uma sessão de treino em que pedalou por 40 minutos uma bicicleta ergométrica em um dos laboratórios do Instituto do Coração (InCor) da Universidade de São Paulo (USP). Mário é um dos quase 150 voluntários que nos últimos anos passaram por um programa de treinamento no InCor destinado a avaliar o efeito do exercício físico sobre a saúde de pessoas com insuficiência cardíaca. Dirigido pelo fisiologista Carlos Eduardo Negrão, o programa vem ajudando a demonstrar que, ao lado do uso de medicamentos, a prática regular de exercício físico é fundamental para restaurar a saúde de quem está com o coração doente. “Das pessoas que participaram do treinamento, a grande maioria melhorou”, conta a pesquisadora Lígia Antunes-Corrêa, integrante do grupo. Só participa do programa quem se encontra em condição clínica estável, obtida com o auxílio de medicamentos. Os pesquisadores avaliam a capacidade cardiorrespiratória de cada indivíduo e preparam um plano progressivo de treino

até que seja alcançado o nível desejado de exercício físico. A meta é realizar 40 minutos de exercício aeróbico e outros 20 de exercícios de resistência muscular e flexibilidade três vezes na semana. O treinamento dura quatro meses, tempo suficiente para começar a resgatar a qualidade de vida e a capacidade de desempenhar muitas das atividades diárias, como tomar banho sozinho ou fazer uma caminhada até o supermercado, perdidas com a insuficiência cardíaca. “Depois que fiz o treinamento pela primeira vez, senti mais disposição”, disse Mário, que, agora aos 50 anos, participa de um segundo estudo conduzido pelo grupo de Negrão. Boa parte dessa disposição, porém, desapareceu quando Mário deixou de fazer exercício físico. “O efeito do exercício é perdido quando o treinamento é descontinuado”, explicou Lígia. “A prática regular de exercício físico é mandatória para as pessoas com insuficiência cardíaca com controle clínico adequado”, afirma Negrão, diretor da Unidade de Reabilitação Cardiovascular e Fisiologia do Exercício do InCor. Desde fins dos anos 1990 ele e sua equipe vêm demonstrando que o exercício ajuda a estabilizar – e muitas vezes a reverter – as pESQUISA FAPESP 238  z  51


sedentário

treinado

Fragmentos de músculo de pessoas com insuficiência cardíaca observados ao microscópio: as fibras musculares (vermelho e preto) de um sedentário apresentam degradação acentuada de proteínas e são mais

alterações que a insuficiência cardíaca provoca no organismo, funcionando de modo complementar aos medicamentos. Nesses quase 20 anos, o trabalho de seu grupo, em paralelo ao de equipes na Europa e nos Estados Unidos, identificou algumas das modificações nos níveis bioquímico, celular e tecidual induzidas pelo exercício. São alterações que reequilibram o funcionamento dos sistemas muscular, vascular e endócrino e ajudam a explicar como o exercício físico praticado regularmente melhora o bem-estar de quem tem insuficiência cardíaca.

A

s evidências acumuladas nesse período levaram o exercício físico a ser incorporado às estratégias de tratamento da insuficiência cardíaca recomendadas pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), pelo Colégio Americano de Cardiologia e pelo Colégio Americano de Medicina do Esporte. “Até os anos 1990, havia dúvidas sobre os benefícios dos exercícios e recomendava-se repouso”, conta Dirceu Rodrigues de Almeida, presidente do Departamento de Insuficiência Cardíaca da SBC e responsável pela Divisão de Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). De lá para cá, muito disso mudou. “Ainda nos anos 1990 começaram a surgir evidências de que o exercício físico aumentava o bem-estar dos pacientes e na década seguinte passou-se a compreender como ele minimizava e, eventualmente, até revertia as alterações causadas pela insuficiência cardíaca.” Nos Estados Unidos, onde cerca de 3% da população tem insuficiência cardíaca, a maior parte dos casos decorre do infarto. No Brasil, onde surgem cerca de 200 mil novos casos por ano, o padrão é um pouco distinto, como mostra estudo 52  z  dezembro DE 2015

conduzido pela SBC com 1.263 pacientes atendidos em 51 centros do país. Aqui, 30% dos casos são consequência do infarto, 20% da hipertensão arterial não tratada e outros 11% da doença de Chagas, principal causa na região Centro-Oeste do país (ver dados na página 54). Todas essas situações terminam por lesar o músculo cardíaco – em especial, do ventrículo esquerdo, que impulsiona o sangue para todo o corpo – e comprometer a capacidade de bombeamento do coração. Quando o sangue não tem a força necessária para penetrar nos órgãos e nos músculos, mecanismos de compensação são imediatamente acionados. Os rins liberam no sangue a proteína renina, que dispara uma sequência de reações químicas que acabam gerando o fragmento de proteína (peptídeo) angiotensina II. Esse peptídeo causa a retenção de líquidos no corpo e reduz o calibre dos vasos sanguíneos. Ao mesmo tempo, estimula o sistema nervoso simpático a enviar comandos que fazem aumentar a força de contração e a frequência de batimentos do coração, além de reduzir ainda mais o calibre dos vasos nos órgãos menos vitais. É um mecanismo adaptativo, que ajuda a restabelecer o equilíbrio hemodinâmico. Por algum tempo, esse efeito é bom e até desejável porque compensa, em parte, a falta de força do coração. Ele garante o fornecimento de sangue e nutrientes para os músculos de quem sobe um lance de escadas ou realiza outras atividades diárias. “Mas manter o sistema ativado é custoso para o organismo, além de deletério”, explica Igor Lucas Gomes-Santos, da equipe do InCor. Esse esforço provoca alterações anatômicas e funcionais no coração doente. Ele se torna mais esférico e bombeia sangue de modo ainda menos eficiente. Outro problema é a perda acentuada de massa muscular (caquexia). Quase metade das pes-

imagem de anatomia u. s. National Library of Medicine  detalhes wikicommons, flickr e pixabay infográfico ana paula campos

finas (à esquerda); quem pratica exercício físico reverte a perda proteica e tem fibras mais espessas


Uma doença complexa Redução na capacidade do coração de bombear sangue gera alterações nos sistemas muscular, nervoso, endócrino e vascular

Coração Fragilizado por uma infecção ou por um infarto, perde parte da sua capacidade de bombear sangue Redução no fluxo sanguíneo

pulmões A atividade exacerbada do sistema nervoso simpático aumenta movimentos respiratórios, mais difíceis por causa da perda de massa muscular

sistema nervoso A angiotensina II estimula o sistema nervoso simpático a enviar comandos para aumentar a contração cardíaca e estreitar os vasos sanguíneos

ativação do sistema nervoso simpático Diminui fluxo de sangue

Diminui fluxo de sangue

Angiotensina II

Rins Com a redução do fluxo sanguíneo, liberam renina, proteína que leva à produção de angiotensina II

Fonte Lígia Antunes-Corrêa e Igor gomes dos santos – Incor-usp

músculo esquelético Privados de oxigênio e nutrientes, músculos desenvolvem inflamação e degradam proteínas. Também estimulam a ativação do sistema nervoso simpático


soas com insuficiência cardíaca emagrece muito porque seus músculos começam a definhar, razão da fraqueza e do cansaço que sentem. O excesso de angiotensina II na circulação e o sistema nervoso simpático ativado, enviando estimulações contínuas para os vasos sanguíneos se manterem com o calibre reduzido (vasoconstrição), acabam por modificar o suprimento de oxigênio e nutrientes (glicose) para as células musculares. Elas contornam o problema acionando uma fonte alternativa de produção de energia. Passam a consumir suas próprias proteínas, numa série de reações químicas que não dependem de oxigênio e levam ao acúmulo de ácido lático, o mesmo composto responsável pela dor muscular após um treinamento físico intenso. “Essas pessoas vivem como se estivessem em constante exaustão física”, diz a cardiologista Maria Janieire Alves, da equipe de Negrão. “Algumas delas sentem cansaço e falta de ar só de pentear o cabelo”, completa Lígia.

N

ão é só. Além de usar proteínas para gerar energia, os músculos apresentam outro desequilíbrio, constatou em 2012 a equipe da pesquisadora Patrícia Chakur Brum, colaboradora de Negrão. Em seu laboratório na Escola de Educação Física e Esporte da USP, ela e as pesquisadoras Aline Villa Nova Bacurau e Telma Cunha analisaram o funcionamento de células musculares esqueléticas de roedores e de seres humanos com insuficiência cardíaca e verificaram que, em ambos os casos, essas células mais degradavam do que sintetizavam proteínas, levando à atrofia muscular. Investigando mais, Patrícia observou um aumento na inflamação e na produção de espécies reativas de oxigênio, moléculas que danificam as proteínas do músculo. Um sistema de controle de qualidade identifica as proteínas defeituosas e as encaminha para uma linha de desmontagem, contribuindo para a perda de massa muscular. Ainda em 2012, Júlio Cesar Ferreira, ex-aluno de doutorado de Patrícia e hoje professor no Instituto de Ciências Biomédicas da USP, verificou também que havia problemas com o controle de qualidade das proteínas do músculo cardíaco. Analisando células do coração de roedores e de seres humanos operados para substituir as válvulas cardíacas, ele constatou que as proteínas produzidas por elas eram de pior qualidade e comprometiam a capacidade de contração do órgão. Patrícia e duas pesquisadoras orientadas por ela no doutorado – Alessandra Medeiros, da Unifesp na Baixada Santista, e Natale Rolim, da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia – demonstraram que o exercício físico aeróbico reverteu as alterações no funcionamento do músculo cardíaco. Por dois meses, elas colocaram 54  z  dezembro DE 2015

A insuficiência cardíaca no Brasil Infarto é a principal causa nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul, já a hipertensão é a mais comum na Norte e Chagas, na Centro-Oeste

37,2

20,1 16,5

31,9 12,2 6,7

7,3

19,6 16,3

0

norte

14,4 9,6

6,2

1 0,5

0

nordeste

42,4

Centro-oeste

22,8 10,6 6,1 0

0,5

12,1 3

sudeste

3

32,6

14,3 15 12,3 12,3

sul

11,3

0,3 0,8

0

1,1

33,6 32,6

14 8,7

7 Fonte albuquerque, d. c. arquivos brasileiros de cardiologia. 2015

0

roedores com insuficiência para correr em uma esteira durante uma hora por dia, cinco vezes na semana. Após o treinamento, houve melhora no controle de qualidade nas proteínas das células do coração, que passaram a se contrair melhor. Já na musculatura esquelética, diminuiu a degradação de proteína. “O exercício melhora o condicionamento físico por aprimorar o funcionamento da musculatura cardíaca e esquelética”, diz Patrícia. A prática regular de exercício físico também desfaz o desequilíbrio provocado pela angiotensina II nos músculos. Roedores treinados produzem em suas células musculares compostos que transformam a angiotensina II em uma molécula menor: a angiotensina 1-7. Essa versão da angiotensina faz os vasos sanguíneos se dilatarem e reduz o remodelamento cardíaco. “Os efeitos do exercício são complementares aos dos medicamentos, que não conseguem, por exemplo, inibir por completo nem de modo duradouro a ação da angiotensina II”, conta Gomes-Santos. O exercício também restabelece o fluxo sanguíneo nos músculos por reduzir a atividade do

2,3

0,6 1,2

n Infarto n  Causa desconhecida

(idiopática) n Hipertensão n  Doença de Chagas n  Danos nas válvulas n  Causada por medicamentos n  Inflamação do músculo

cardíaco (miocardite) n Outras causas n Sem informação


Léo Ramos

Mário Bernardes, durante sessão de treinamento no InCor: mais disposição para realizar as atividades diárias

sistema nervoso simpático. Em um estudo com 26 pessoas com insuficiência cardíaca, Lígia comparou o funcionamento do sistema nervoso simpático de 13 que treinaram uma hora por dia três vezes na semana durante quatro meses com o de outras 13 que haviam apenas recebido recomendação de manter seus hábitos de vida. Ela constatou que o exercício restaurou o funcionamento de células que detectam movimento (receptores mecânicos) e compostos químicos (receptores químicos) localizadas na musculatura e próximo aos vasos sanguíneos. Esses receptores controlam a ativação do sistema nervoso simpático durante as contrações musculares e estão desregulados na insuficiência cardíaca. Como resultado do treinamento, o coração das pessoas batia menos acelerado e a respiração era menos ofegante durante o esforço físico. “O exercício parece normalizar tudo o que está alterado”, avalia Gomes-Santos.

A

pesar das evidências favoráveis, o exercício físico feito com regularidade ainda está longe de ser parte da vida de quem tem insuficiência cardíaca, segundo Dirceu de Almeida, da SBC. Três razões contribuem para isso: muitos médicos ainda desconhecem os benefícios do exercício e mandam o paciente repousar; faltam centros de reabilitação cardiovascular nos hospitais brasileiros; e os pacientes não têm noção da gravidade da doença. “Antes de se adotarem os betabloqueadores no tratamento da insuficiência cardíaca, que reduzem a atividade do sistema nervoso simpático, a expectativa média de vida era de um ano após o diagnóstico; hoje, essas pessoas vivem até 10 anos”, conta Maria Janieire. “O desafio é, com o treinamento,

melhorar a qualidade de vida delas e reduzir as descompensações cardíacas.” Ela acompanhou um grupo de pessoas com insuficiência cardíaca avançada que fizeram atividade física por um ano e depois receberam orientação para se manterem ativas. Só 40% continuaram a fazer exercício. “No grupo que treinou, 10% morreram”, conta. No que não fez exercício físico, a mortalidade foi de 50%. n

Projetos 1. Bases celulares e funcionais do exercício físico na doença cardiovascular (nº 2010/50048-1); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Carlos Eduardo Negrão (InCor-USP); Investimento R$ 2.428.870,57 (para todo o projeto). 2. Efeitos do treinamento físico aeróbio associado ao treinamento muscular inspiratório na miopatia esquelética em pacientes com insuficiência cardíaca (nº 2013/15651-7); Modalidade Bolsas no Brasil – Pós-doutorado; Pesquisador responsável Carlos Eduardo Negrão (InCor-USP); Beneficiária Lígia de Moraes Antunes-Corrêa (InCor-USP); Investimento R$ 150.763,78. 3. Contribuição das células precursoras miogênicas na miopatia esquelética induzida pela insuficiência cardíaca: perspectiva terapêutica do treinamento físico aeróbico (nº 2014/23703-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Patrícia Chakur Brum (EEFE-USP); Investimento R$ 369.007,10.

Artigos científicos NEGRÃO, C. E. et al. Effects of exercise training on neurovascular control and skeletal myopathy in systolic heart failure. American Journal of Physiology – Heart and Circulatory Physiology. v. 308, p. H792-H802. fev. 2015. ALBUQUERQUE, D. C. et al. I Brazilian registry of heart failure – Clinical aspects, care quality and hospitalization outcomes. Arquivos Brasileiros de Cardiologia. v. 104 (6), p. 433-42. jun. 2015. CUNHA, T. F. et al. Exercise training prevents oxidative stress and ubiquitin-proteasome system overactivity and reverse skeletal muscle atrophy in heart failure. PLoS One. 3 ago. 2012. CAMPOS, J. C. et al. Exercise training restores cardiac protein quality control in heart failure. PLoS One. 27 dez. 2012. GROEHS, R. et al. Exercise training prevents the deterioration in the arterial baroreflex control of sympathetic nerve activity in chronic heart failure patients. American Journal of Physiology – Heart and Circulatory Physiology. v. 308 (9), p. H1096-H1102. 1º mai. 2015.

pESQUISA FAPESP 238  z  55


Biologia y

O destino das células Forma e tamanho das mitocôndrias influenciam o amadurecimento celular Rodrigo de Oliveira Andrade

56  z  dezembro DE 2015

N

ão são apenas os genes que definem o destino das células. Nem só o ambiente em que se desenvolvem. Algumas de suas estruturas internas, sabe-se agora, parecem influenciar a função que as células vão desempenhar depois de maduras. Uma dessas estruturas capazes de alterar os rumos das células são as mitocôndrias, organelas responsáveis pela produção de energia. Um grupo de pesquisadores brasileiros e norte-americanos coordenado pela médica Alicia Kowaltowski e pela bióloga Maria Fernanda Forni, ambas do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), verificou que a forma e o tamanho das mitocôndrias ajudam a definir o tipo de tecido que as células-tronco adultas podem originar. Em experimentos realizados em laboratório, os pesquisadores extraíram da pele de camundongos células-tronco adultas e, por meio de estímulos químicos, as induziram a se transformar em células de osso, cartilagem ou gordura. Durante esse processo de amadurecimento, chamado diferenciação ou especialização celular, eles acompanharam as transformações por que passavam as mitocôndrias. Os resultados, apresentados em dezembro em um artigo na revista Stem Cells, sugerem que a forma e o tamanho das mitocôndrias, ora maiores e bastante alongadas, ora pequenas e arredondadas, seriam um dos fatores determinantes para a diferenciação celular. O amadurecimento das células é um processo complexo, e em grande parte ainda desconhecido, em que diversas vias moleculares interagem e muitas vezes se influenciam mutuamente. É por meio dele que as células adquirem características específicas — as células de gordura, por exemplo, tornam-se especializadas em estocar energia. Para entender um pouco mais esse evento complicado, Alicia e Maria Fernanda decidiram analisar a dinâmica das mitocôndrias, organelas que atraem a atenção de pesquisadores nos últimos anos por estarem associadas ao desenvolvimento de doenças neu-

rodegenerativas, ao diabetes e também ao aumento do apetite e do acúmulo de gordura (ver Pesquisa FAPESP nº 212). Por muito tempo julgou-se que as mitocôndrias permaneciam estáticas e imutáveis no interior das células. Na última década, no entanto, estudos diversos mostraram que elas são bastante dinâmicas. As mitocôndrias podem se fundir umas com as outras e gerar mitocôndrias maiores e mais alongadas. Podem ainda se dividir e originar mitocôndrias menores e de formato arredondado. Várias proteínas coordenam essa dinâmica mitocondrial. Uma delas, a mitofusina 2, ajuda essas organelas a se unirem e se alongarem. Já a proteína DRP1 é fundamental para as mitocôndrias se dividirem e originarem organelas menores. Mitocôndrias mais longas produzem proporcionalmente mais energia na forma de trifosfato de adenosina (ATP), uma molécula que acumula muita energia em suas ligações químicas. As menores são menos eficientes na produção de ATP. Especialização

No estudo publicado na Stem Cells, o grupo da USP induziu as células-tronco a se especializarem e avaliou como variavam a forma e a função das mitocôndrias e a produção de mitofusina 2 e DRP1. Os pesquisadores também analisaram o metabolismo energético das células ao medir o consumo de oxigênio pelas mitocôndrias. Por meio de um processo chamado respiração celular, essas organelas usam o oxigênio para quebrar moléculas de açúcar (glicose), gerando energia na forma de ATP. Os pesquisadores observaram que, durante a diferenciação celular, a produção de mitofusina 2 e DRP1 variava de acordo com o destino da célula. “As células que viravam osso e gordura produziam mais mitofusina 2 e tinham mitocôndrias alongadas, enquanto as que se transformavam em cartilagem sintetizavam mais DRP1 e tinham mitocôndrias menores e arredondadas”, diz Maria Fernanda. As células com mitocôndrias mais


Rotas de especialização Alterações nas mitocôndrias ajudam a definir o papel das células

Núcleo Mitocôndrias

CAUSA OU CONSEQUÊNCIA?

Célula-tronco

imagens Maria Fernanda Forni / iq-usp infográfico ana paula campos  ilustraçãO  Kelvinsong (Own work) / Wikimedia Commons

alongadas respiravam mais — e produziam mais energia — do que aquelas com mitocôndrias esféricas. De acordo com algumas hipóteses, as mitocôndrias mais alongadas produziriam mais energia porque teriam mais cópias das enzimas envolvidas no ciclo de Krebs, a sequência de reações químicas que produz ATP.

Fusão mitocondrial

Fissão mitocondrial

As células que se transformam em osso e gordura têm mitocôndrias mais alongadas (abaixo) devido à produção da proteína mitofusina 2

As células que se tornam cartilagem têm mitocôndrias menores e arredondadas (abaixo) por conta da síntese da proteína DRP1

Mas ainda restavam dúvidas. Esses resultados não permitiam saber se a mudança na forma e no tamanho das mitocôndrias estava direcionando o destino da célula ou se, ao contrário, era a função final da célula que definia a morfologia das mitocôndrias. Para desfazer a dúvida, foram necessários novos experimentos. Alicia e Maria Fernanda decidiram, então, restringir a síntese de mitofusina 2 nas células com mitocôndrias alongadas e bloquear a produção de DRP1 nas células em que essas organelas eram pequenas e arredondadas. Para a surpresa de todos, quando as mitocôndrias pararam de se fundir ou de se dividir, as células perderam a capacidade de se diferenciar. “Elas não conseguiam mais se transformar em células maduras”, diz Alicia. “Isso significa que a alteração na forma das mitocôndrias é essencial para a diferenciação das células-tronco”, conclui. Segundo as pesquisadoras, essa mesma influência deve ocorrer com outros tipos de célula-tronco. O grupo agora pretende comparar camundongos submetidos a diferentes tipos de dieta, uma livre, em que os animais podem comer quando e o quanto quiserem, e outra, controlada, para verificar o impacto da alimentação no metabolismo mitocondrial e se isso interfere na diferenciação das células-tronco. n Projetos 1. Bioenergética, transporte iônico, balanço redox e metabolismo de DNA em mitocôndrias (nº 2010/51906-1); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Temático; Pesquisadora responsável Alicia Juliana Kowaltowski (IQ-USP); Investimento R$ 2.219.960,89. 2. Efeitos da restrição calórica sobre a morfologia, dinâmica, bioenergética e estado redox mitocondriais (nº 2013/04871-6); Modalidade Bolsas no País – Pós-doutorado; Pesquisadora responsável Alicia Juliana Kowaltowski (IQ-USP); Bolsista Maria Fernanda Pereira de Araújo Demonte Forni (IQ-USP); Investimento R$ 244.304,00.

Célula do tecido adiposo

Artigo científico Célula óssea

Fonte forni, m. f. et al.

Célula de cartilagem

FORNI, M. F. et al. Murine mesenchymal stem cell commitment to differentiation is regulated by mitochondrial dynamics. Stem Cells. dez. 2015.

pESQUISA FAPESP 238  z  57


Botânica y

Receita de celulose Brasileiros propõem a existência de um código que regula a formação da parede celular das plantas Marcos Pivetta

58  z  dezembro DE 2015

Imagem de microscopia de fluorescência da parede celular da cana-de-açúcar: código glicômico determinaria sua arquitetura

“A

parede celular das plantas tem um código?” A pergunta, com um quê de retórica, é o título de um artigo publicado em 1º de novembro na revista científica Plant Science por uma dupla de botânicos do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), o professor Marcos Buckeridge, especialista em fisiologia vegetal, e Eveline Tavares, que faz estágio de pós-doutorado na instituição. Segundo a dupla, a resposta é sim: um código, por eles chamado de glicômico, fornece as instruções para que a parede – uma camada flexível, geralmente rígida que serve de apoio estrutural e proteção a certos tipos de células – apresente uma dada arquitetura, mais ou menos rígida ou resistente, por exemplo. Se a genômica estuda os genes e a proteômica trata das proteínas, a glicômica analisa o papel dos carboidratos, moléculas orgânicas compostas de carbono, hidrogênio e oxigênio. Esse grupo, também denominado sacarídeos, inclui os açúcares, o amido e a celulose. A parede celular representa entre 50% e 60% da biomassa dos vegetais e é rica em carboidratos complexos (os polissacarídeos celulose, hemiceluloses e pectinas), além de proteínas estruturais e lignina, polímero que lhe confere rigidez. “A forma com que os monossacarídeos, os carboidratos mais simples, se juntam e formam os polissacarídeos, moléculas maiores, presentes na parede celular das plantas não é aleatória”, afirma Buckeridge. “Ela contém informação


Foto Debora Leite, Utku Avici, Michael Hahn e Marcos Buckeridge  ícones freepik.com

importante sobre como a parede se estrutura e como pode ser decomposta.” Um código é um conjunto de regras que estabelece uma correspondência entre dois mundos independentes e formados por elementos distintos: o dos signos, da informação básica, e o do significado, da informação codificada. Um terceiro elemento, os adaptadores, faz a ponte entre os dois mundos e confere um sentido ao código. “O significado de um signo pode ser um processo, uma ação ou até uma estrutura que tenha um papel biológico”, afirma Eveline. Um paralelo entre o código glicômico e o código mais conhecido da biologia, o genético, pode ser útil para entender a proposta dos pesquisadores da USP. O DNA é composto por uma sequência de nucleotídeos, que podem ser de quatro tipos, as bases nitrogenadas adenina (A), citosina (C), guanina (G) ou timina (T), mais o monossacarídeo desoxirribose e um fosfato. Os nucleotídeos são os signos do código. Por meio da ação de enzimas, eles se juntam e ocorre a síntese (adaptador) de uma molécula maior, o próprio DNA. Os genes, que são formados pelos nucleotídeos e se encontram agrupados em longas sequências de DNA (cromossomos), representam o significado do código. Cada gene tem uma função biológica distinta e é responsável por produzir uma certa proteína. “Os nucleotídeos isolados têm propriedades completamente diferentes das exibidas pela molécula de DNA, ainda que esta seja composta por aqueles”, diz Buckeridge. A mesma lógica governaria o funcionamento do código glicômico. Nesse caso, os signos seriam os monossacarídeos, as formas mais simples de carboidratos, como a glicose, a frutose e a galactose. Um grupo de enzimas promove a união dessas pequenas moléculas de açúcares e ocasiona a síntese (adaptador) de moléculas maiores, os polissacarídeos, que funcionam – agora vem o significado – como reserva energética (amido) ou componente estrutural da parede celular das plantas. Há três tipos conhecidos de parede em vegetais. Cada variante é caracterizada por uma combinação distinta de três classes de polissacarídeos principais, celulose, pectinas e hemiceluloses. As distintas combinações e quantidades dessas grandes moléculas de carboidratos geram estruturas com arquiteturas particu-

lares e, portanto, diferentes propriedades químicas e mecânicas. “A exemplo da relação entre os nucleotídeos e o DNA, os monossacarídeos são moléculas com propriedades totalmente distintas das dos polissacarídeos presentes na parede celular”, diz o botânico. Até hoje, 14 tipos de monossacarídeos foram isolados como blocos constituintes dos polissacarídeos que formam a parede de vegetais. Etanol de segunda geração

A proposta de um código glicômico capaz de regular as características da parede celular das plantas deriva dos trabalhos em bionergia feitos pelo pesquisador nos últimos 20 anos. O botânico da USP, que publicou um primeiro esboço sobre o tema em um artigo impresso em 2014 no periódico BioEnergy Research, é um conhecido estudioso das possibilidades de obtenção do chamado etanol de segunda geração, biocombustível que seria extraído da quebra da parede celular das plantas, ou seja, do bagaço de cana-de-açúcar, do sabugo de milho ou da própria madeira. Diferentemente dos açúcares simples – os monossacarídeos – presentes no suco da cana, que estão prontos para fermentar e se transformar em etanol, os polissacarídeos do bagaço da cana estão estocados em uma estrutura praticamente inacessível. As enzimas encarregadas de fazer a hidrólise, a quebra de polissacarídeos não fermentáveis em monossacarídeos fermentáveis por meio da adição de água, não conseguem penetrar na parede celular e fazer seu trabalho de desconstrução. “A teoria sobre o código glicômico é uma proposta muito interessante”, diz o bioquímico Edivaldo Ximenes Ferreira Filho, do laboratório de enzimologia da Universidade de Brasília (UnB). “No caso da bionergia, entender melhor como a parede celular de plantas como a cana se forma pode ser útil para aprendermos a desconstruir essa estrutura e produzir etanol de segunda geração.” n

Projeto Uso da abordagem de biologia de sistemas para desenvolver um modelo de funcionamento em plantas (nº 2011/52065-3); Modalidade Programa Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) e Acordo FAPESP-Microsoft Research; Pesquisador responsável Marcos Buckeridge (IB-USP); Investimento R$ 547.964,97.

Artigo científico TAVARES, E. Q. P. e BUCKERIDGE, M. S. Do plant cell walls have a code? Plant Science. 1º nov. 2015.

Informação na forma de carboidrato O modo de armazenar informação no código glicômico seguiria os mesmos princípios presentes no DNA

Código glicômico

DNA

As unidades básicas do código seriam os monossacarídeos, as formas mais simples de carboidratos (açúcares). Quatorze tipos distintos de monossacarídeos foram encontrados na parede celular de plantas, como glicose, frutose e galactose

Cada nucleotídeo de DNA é composto por uma das quatro possíveis bases nitrogenadas – adenina (A), citosina (C), guanina (G) ou timina (T) – mais um monossacarídeo (desoxirribose) e um fosfato

A junção de pelo menos 10 monossacarídeos resulta em moléculas maiores, denominadas polissacarídeos, que funcionam como reserva energética (amido) ou componente estrutural das plantas (celulose, pectinas e hemiceluloses)

Todos os trechos de DNA são formados pela união dos quatro tipos distintos de nucleotídeos. Os genes são segmentos da molécula de DNA com a informação necessária para fabricar proteínas. Os demais trechos da sequência regulam o funcionamento dos genes, entre outras funções estruturais

Há três tipos conhecidos de parede celular nas plantas. Cada variante é caracterizada por uma combinação distinta de três polissacarídeos principais, celulose, pectinas e hemiceluloses. A combinação desses elementos gera cada tipo de parede, cuja arquitetura determina funções importantes para a defesa e o desenvolvimento dos vegetais

Os genes estão agrupados em longas sequências de DNA, os cromossomos. As espécies vivas costumam ter um número característico de cromossomos. O homem tem, por exemplo, 46 cromossomos (23 pares) e os macacos, 48

pESQUISA FAPESP 238  z  59


PALEONTOLOGIA y

A era de ouro dos cinodontes Espécie descoberta primeiro na África e agora no Brasil viveu durante o auge da diversidade dos animais precursores dos mamíferos Igor Zolnerkevic

60  z  dezembro DE 2015

Paisagem do Triássico: à beira d'água, o cinodonte Menadon besairiei com filhotes, seguido por um bando de Santacruzodon hopsoni. À esquerda, um Dagasuchus santacruzensis, réptil carnívoro como o Chanaresuchus bonapartei (atrás da árvore)


ilustraçãO  Voltaire Paes Neto

D

ezenas de milhões de anos antes de os dinossauros dominarem a Terra, reinava sobre os continentes uma fauna peculiar. Entre esses animais havia um grupo grande e diverso que guarda uma curiosa semelhança com os mamíferos atuais. Esses animais primitivos eram os cinodontes, grupo que começou a desenvolver as características que hoje são exclusivas dos mamíferos: sangue quente, pelos sobre o corpo e diferentes tipos de dentes na boca – em latim, cinodonte significa dentes de cão. Por um longo período, havia em todos os continentes cinodontes carnívoros e herbívoros, como o Menadon besairiei, que vigia seus filhotes na ilustração destas páginas e, agora se sabe, também viveu onde hoje é o Sul do Brasil. Com cerca de 1 metro de comprimento (o tamanho de um cachorro grande), o Menadon possivelmente teria a aparência de um descendente do cruzamento impossível de um jacaré com capivara. Era um integrante da linhagem dos traversodontídeos, a

mais diversa dos cinodontes e já extinta. Havia muitas outras linhagens e uma delas, a dos mamaliamorfos, deu origem aos mamíferos. Os paleontólogos Tomaz Melo e Marina Soares, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em colaboração com o paleontólogo argentino Fernando Abdala, da Universidade de Witwatersrand, África do Sul, descobriram que o Menadon besairiei, cujo fóssil foi primeiramente encontrado em rochas da Ilha de Madagascar, na costa leste da África, também viveu na mesma época, há cerca de 230 milhões de anos, na região que hoje ocupa o interior do Rio Grande do Sul. O Menadon existiu, portanto, em meados do chamado período Triássico, entre 250 milhões e 200 milhões de anos atrás, quando América do Sul, África (Madagascar inclusa) e os demais continentes estavam unidos em um único supercontinente, a Pangeia. O estudo, publicado on-line em setembro no Journal of Vertebrate Paleontology, confirma que traversodontídeos como o Menadon povoaram a pESQUISA FAPESP 238  z  61


Crânio de Menadon besairiei achado no Rio Grande do Sul: o animal tinha cerca de 1 metro de comprimento e integrava a linhagem dos traversodontídeos

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Pangeia de uma ponta a outra. “A maioria dos fósseis de traversodontídeos foi encontrada na América do Sul e no sul da África, mas também há registros na América do Norte e na Europa”, explica Marina, que orientou Melo em seu mestrado sobre o Menadon na UFRGS. “Como não havia grandes barreiras geográficas à fauna na Pangeia, os traversodontídeos e outros grupos de animais da época tinham essa distribuição cosmopolita.” de santa cruz a madagascar

Abdala, considerado um dos principais especialistas em cinodontes no mundo, já havia notado em 2001 uma semelhança entre a fauna fossilizada de uma camada de rochas areníticas que aflora no município de Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, e a fauna fóssil da camada rochosa de Isalo II, encontrada em Madagascar e descrita por paleontólogos norte-americanos em 2000. Um dos traversodontídeos descobertos em Isalo II, o Dadadon isaloi, lembrava muito o Santacruzodon hopsoni, encontrado em Santa Cruz do Sul (ele aparece na ilustração atrás do Menadon nas páginas 60 e 61). Da mesma forma, o Menadon besairiei apresentava semelhanças com o crânio de uma espécie encontrada em Santa Cruz, mas que ainda não havia sido identificada. Coube a Melo esclarecer a questão no seu mestrado, comparando o crânio descrito por Abdala com materiais adicionais – mais crânios, pedaços de mandíbula e alguns fragmentos de ossos do corpo – da espécie não identificada, coletados posteriormente no mesmo local e preservados por pesquisadores da UFRGS e da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. “Podia ser uma espécie muito próxima, mas ao final da 62  z  dezembro DE 2015

análise não encontramos nenhuma diferença entre ela e o Menadon besairiei”, explica Melo, que está na metade de seu doutorado sobre os traversodontídeos, orientado por Marina. “Deve ser a mesma espécie de Madagascar.” A descoberta ajuda a encaixar melhor duas peças do quebra-cabeças geológico que os paleontólogos precisam montar para reconstituir a história da vida no Triássico. “Nem todos locais do mundo têm rochas preservadas de uma mesma idade”, explica Marina. A semelhança entre as faunas fósseis do Rio Grande do Sul e de Madagascar, grande a ponto de compartilharem uma espécie, confirma que as camadas de arenito de Santa Cruz do Sul e de Isalo II devem ter quase a mesma idade, entre 232 milhões e 228 milhões de anos, as únicas rochas sedi2

mentares com essa idade preservadas na América do Sul e na África. “Cada novo achado permite reforçar correlações temporais entre as camadas de rocha de diferentes partes do mundo.” Há lacunas na história do Triássico em todos os continentes. No sul da África, por exemplo, os paleontólogos já identificaram rochas sedimentares que se formaram a partir de lama ou areia no final e no início do período, mas não há rochas preservadas do meio do período, como acontece na Argentina e no Brasil. Melo explica que é raro os pesquisadores conseguirem datar a idade das rochas sedimentares do Triássico de maneira absoluta. Algumas camadas da Argentina, por exemplo, foram datadas por meio do decaimento de isótopos radiativos de cinzas vulcânicas. “Mas, em geral, dependemos da comparação dos fósseis encontrados em camadas diferentes para saber se possuem a mesma idade”, diz Melo. Para determinar as idades relativas das camadas de rochas, os pesquisadores usam em geral comparações entre fósseis microscópicos como grãos de pólen e esporos de pteridófitas, que são abundantes em todas as épocas. “Nosso problema é 3

Botucaraitherium belarminoi: cinodonte carnívoro um pouco maior que um rato, dotado de dentes pontiagudos (acima), adaptados a uma dieta à base de insetos


O carnívoro Trucidocynodon riograndensis, que chegava a 1,20 metro: um dos mais completos esqueletos de cinodontes já encontrados no país

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fotos 1 Tomaz Melo / ufrgs 2 jorge blanco 3 Luís Flávio Lopes  4 Téo Oliveira / UEFS 5 Adolfo Bittencourt

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que as rochas do Triássico do Rio Grande do Sul se depositaram em margens de rios e planícies de inundação, ambientes bem aerados”, Melo explica. “O oxigênio acabou com o pólen e os esporos. A única maneira de datar as rochas é por meio dos fósseis de vertebrados.” O grupo de cinodontes que mais se diversificou em meados do Triássico foi o dos traversodontídeos. Diferentes dos demais cinodontes, geralmente carnívoros ou onívoros, os traversodontídeos eram herbívoros, com dentes especializados para comer raízes, folhas ou qualquer outra matéria vegetal disponível no clima quente e semiárido que prevalecia no interior da Pangeia. competição entre herbívoros

Os traversodontídeos deviam competir por alimento com os outros grandes herbívoros da época: os dicinodontes, grupo aparentado dos cinodontes, mas sem características de mamíferos; e os rincossauros, que eram répteis. Os grandes predadores desses herbívoros eram os pseudossúquios, répteis semelhantes a crocodilos gigantes. Um dos pseudossúquios que viveram no Rio Grande do Sul foi também descoberto em rochas de Santa Cruz do Sul. É o Dagasuchus santacruzensis, descrito por Marcel Lacerda, da UFRGS, e colegas, em um artigo publicado este ano na revista PLoS One. As camadas de rocha do Triássico mais jovens que as de Santa Cruz do Sul, porém, sugerem que todos os traversodon-

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tídeos conhecidos foram extintos muito antes de o período acabar. Outras espécies de cinodontes, no entanto, persistiram até o fim do Triássico, com formas extraordinárias como as do Trucidocynodon riograndensis, um cinodonte com caninos protuberantes, que tinha 1,20 metro de comprimento e possivelmente era carnívoro. Encontrado em 2009 em rochas de 220 milhões de anos do município de Agudo, também no Rio Grande do Sul, o esqueleto fóssil de Trucidocynodon é um dos esqueletos de cinodonte mais completos já descobertos. Outro grupo interessante de cinodontes, encontrado apenas nas rochas do Triássico Superior (entre 230 milhões e 200 milhões de anos) da formação Santa Maria, Rio Grande do Sul, é composto de animais pequenos, com cerca de 10 centímetros de comprimento e dentes serrilhados, úteis para uma dieta à base

de insetos. “Não existe outro grupo de cinodontes no mundo que seja tão parecido com um mamífero quanto os descobertos no Rio Grande do Sul”, afirma Marina. Desses pequenos cinodontes conhecidos como mamaliamorfos, a espécie mais recentemente descrita por ela e seus colaboradores é o Botucaraitherium belarminoi, encontrado no ano passado no município gaúcho de Candelária. “Temos mais três novas espécies sendo analisadas”, conta Marina, que espera descobrir alguma espécie dos primeiros mamíferos, que surgiram no final do Triássico e devem ter convivido com os cinodontes. “Um dia vamos encontrar.” n Artigo científico MELO, T. P.; ABDALA, F.; SOARES, M. B. The Malagasy cynodont Menadon besairiei (Cynodontia; Traversodontidae) in the Middle-Upper Triassic of Brazil. Journal of Vertebrate Paleontology. No prelo.

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ASTROFÍSICA y

Estrelas canibais Grupo do Brasil e da Argentina explica como uma classe de pulsares evolui até consumir outros objetos celestes Salvador Nogueira

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espaço sideral é um zoológico de espécies curiosas. Dentre elas, uma das mais intrigantes é a dos pulsares, objetos compactos que giram depressa e emitem pulsos regulares de ondas de rádio. Um modelo desenvolvido por pesquisadores do Brasil e da Argentina ajuda a explicar como evoluem algumas das mais exóticas variedades de pulsares, que, como seria apropriado num zoológico, receberam nomes de animais: as aranhas redback e viúva-negra. Os pulsares fascinam os astrônomos desde a sua descoberta em 1967. Quando os astrônomos Jocelyn Bell e Antony Hewish observaram pela primeira vez as emissões pulsadas que deram o nome desses objetos, eles as acharam tão intrigantes que não descartavam serem transmissões de civilizações extraterrestres. Com bom humor, Bell e Hewish batizaram o objeto que descobriram como LGM-1, sigla para little green men ou homenzinhos verdes. Mas não tardou para que se descobrisse que os pulsares são uma categoria de estrelas de nêutrons, espécie de cadáver de uma estrela de massa elevada que, após esgotar seu combustível nuclear, explode como uma supernova. Estrelas com massa oito vezes maior que a do Sol, ao explodir, ejetam suas camadas mais exteriores, enquanto seu núcleo sofre tamanha compactação que os elétrons mergulham na direção dos prótons e os convertem em nêutrons –

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daí o nome estrela de nêutrons. São objetos muito compactos, em que a massa restante, equivalente à de um a dois sóis, é comprimida numa esfera com 10 a 30 quilômetros de diâmetro. Quando seu poderoso campo magnético está desalinhado em relação ao eixo de rotação, o feixe de radiação emitido por essas estrelas gira realizando um movimento de precessão. Da Terra, essa radiação é vista de modo intermitente, na forma dos pulsos que caracterizam esses objetos. Muitos desses pulsares têm estrelas companheiras girando em torno deles. Alguns são acompanhados por uma estrela cuja massa corresponde de 20% a 40% da massa do Sol e formam sistemas conhecidos como redback, aranha australiana que tem uma listra vermelha no abdômen negro. Já os pulsares acompanhados de estrelas menores, com 5% da massa solar, são chamados viúva-negra. Os sistemas receberam esses nomes porque, neles, a estrela de maior massa e também mais densa – o pulsar – contribui para “evaporar” a de menor massa. É algo semelhante ao que ocorre com essas aranhas: as fêmeas, bem maiores que os machos, os matam depois da cópula. “Os norte-americanos e os australianos usaram esses apelidos e pegou”, conta o astrofísico Jorge Horvath, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). “Agora esses sistemas são conhecidos como spiders [aranhas].”

O trabalho que Horvath desenvolveu com os colegas argentinos Omar Benvenuto e María Alejandra De Vito, ambos da Universidade Nacional de La Plata, dá um importante passo para compreender a evolução desses sistemas. O modelo do trio mostra que há uma relação evolutiva entre os sistemas redback e viúva-negra. Em ambos os casos os pulsares consomem parte da massa de suas companheiras por um mecanismo chamado acréscimo ou acreção. Bem mais densos, os pulsares apresentam um intenso campo gravitacional que atrai a massa da estrela companheira. Eles funcionam como um aspirador de pó que suga os pedaços da vizinha que se esfarela. Mas esses sistemas aranhas também podem assumir uma configuração bem mais interessante: a órbita de suas estrelas pode evoluir até que a distância entre as duas seja inferior à da Terra à Lua. Nesses casos, quando a massa da companheira se torna muito pequena (5% da massa solar), típica dos sistemas viúva-negra, ela acaba consumida por um segundo mecanismo: evaporação. A radiação e as partículas emitidas pelo pulsar varrem parte da massa da companheira para longe, como um sopro que afasta a poeira da mesa. “Nas simulações, descobrimos que em alguns casos haveria tempo suficiente para o pulsar causar a evaporação total da companheira”, conta Horvath. “Vimos também que, em outros casos, poderia restar, a uma distância


Evolução de um sistema aranha Com maior massa e mais denso, pulsar contribui para evaporar a estrela companheira

Viúva-negra em ação Imagem feita pelo telescópio Chandra do sistema binário B1957+20,

Estrela companheira

em que o feixe de

Órbita da estrela companheira

radiação e partículas do pulsar consome a estrela companheira (detalhe) Fonte  jorge e. horvath / iag-usp

imagem  X-ray: NASA/CXC/ASTRON/B.Stappers et al.; Optical: AAO/J.BlandHawthorn & H.Jones  infográfico ana paula campos

Pulsar

maior do pulsar, um ‘caroço’ com massa equivalente à de um planeta”, diz. Os pesquisadores detalharam essas trajetórias evolutivas em um artigo no periódico Astrophysical Journal Letters. Nesse trabalho, eles mostraram ainda que o comportamento desses sistemas depende tanto da distância inicial entre o pulsar e a estrela companheira quanto da massa inicial desta. Quando a companheira está em uma órbita próxima ao pulsar, que ela completa em menos de um dia terrestre, sua massa é consumida por acreção e alguns desses sistemas evoluem para se tornar os redback. Já se a distância for menor, equivalente a uma órbita de menos de três horas, a estrela companheira é consumida por evaporação, típica dos sistemas viúva-negra. Os pesquisadores viram ainda que, sob certas condições, o primeiro sistema pode se converter no segundo.

“Nesses sistemas, a massa dos pulsares aumenta muito, algo importante para compreender a natureza da matéria que os compõe”, explica Horvath. Na modelagem, Horvath e colegas incluíram os efeitos das emissões de radiação e partículas do pulsar sobre a evolução do sistema. “A emissão influencia de duas maneiras: ela pode arrancar camadas de gás da companheira [evaporação] e a matéria atraída para o pulsar gera raios X intensos o suficiente para afetar a estrutura da companheira”, afirma Marcelo Allen, professor do Instituto Federal de São Paulo, que não participou do estudo. A compreensão completa de redbacks e viúvas-negras exigirá novos esforços. “Estamos longe de uma formulação teórica satisfatória para explicar o comportamento observacional em longas escalas de tempo”, avalia Flavio D'Amico, astrofísico do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. n

Feixe de radiação e partículas

Projeto Matéria superdensa no Universo (nº 2013/26258-4); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Manuel Máximo Bastos Malheiro de Oliveira (ITA); Pesquisadores principais Jorge Ernesto Horvath (IAG-USP) e João Braga (Inpe); Investimento R$ 222.701,00.

Artigo científico BENVENUTO, O. G., DE VITO, M. A. e HORVATH, J. E. Understanding the evolution of close binary systems with radio pulsars. Astrophysical Journal Letters. v. 786 (L7). mai. 2014.

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Desordem irreversível no mundo dos átomos Equipe internacional mede pela primeira vez o aumento da entropia em núcle os de carbono

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ísicos brasileiros e europeus demonstraram, pela primeira vez, que um minúsculo núcleo atômico também sofre um fenômeno comum, bem conhecido dos seres humanos: os efeitos irreversíveis da passagem do tempo. Usando equipamentos de um laboratório no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, eles registraram um aumento irreversível no grau de desordem no interior de um átomo do elemento químico carbono. Em física, o grau de desordem é medido por uma grandeza chamada entropia, que quase sempre é crescente nos fenômenos do mundo macroscópico – no máximo ela se mantém estável, mas nunca diminui em um sistema dito isolado. Uma das consequências de a entropia sempre aumentar é que, quanto maior a desordem, mais difícil se torna reverter um fenômeno perfeitamente. “Não é possível desfazer a mistura entre o café e o leite depois de misturá-los, por exemplo”, diz o físico Roberto Serra, pesquisador da Universidade Federal do ABC (UFABC) e integrante da equipe que fez os experimentos no CBPF. Isso acontece porque o café e o leite – e tudo o mais no mundo macroscópico – são feitos de quantidades absurdamente elevadas de átomos se movimentando

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das maneiras as mais variadas possíveis, a maioria delas aleatórias e incontroláveis. Ante número tão elevado de combinações possíveis, até existe a probabilidade de os átomos de café se separarem dos de leite, mas ela é próxima a zero. É também por isso que não se veem os pedaços de um prato que se parte voltarem a se unir espontaneamente. No dia a dia, os seres humanos associam a irreversibilidade desses fenômenos à passagem do tempo e às noções de passado e futuro. Em condições normais, café e leite só existem separados antes de se misturarem e um prato perfeitamente íntegro só existe antes de se quebrar. A noção de irreversibilidade levou o astrônomo e matemático inglês Arthur Eddington a afirmar em 1928, no livro A natureza do mundo físico, que a única seta do tempo conhecida pela física era o aumento da entropia no Universo, determinado pela segunda lei da termodinâmica – a única lei irreversível da física. O conceito de seta do tempo expressa a ideia de que a passagem do tempo ocorre num sentido preferencial: do passado para o futuro. “Embora a percepção de que o tempo não para e caminha sempre para o futuro seja óbvia em nossa experiência cotidiana, isso não é trivial do ponto de vista da

física”, diz Serra. Essa dificuldade ocorre porque as leis que regem a natureza no nível microscópico são simétricas no tempo – e, portanto, reversíveis. Isso significa que não haveria diferença entre ir do passado para o futuro e vice-versa. Muitos físicos pensavam que o aumento da entropia pudesse ser um fenômeno exclusivo do mundo macroscópico porque no século XIX o físico austríaco Ludwig Boltzmann explicou a segunda lei da termodinâmica pelos movimentos de um número elevado de átomos. Há 60 anos, porém, muitos pesquisadores tra­balham para ampliar a teoria de Boltzmann para sistemas feitos de poucos ou mesmo um só átomo. E teorias atuais já estabelecem que uma única partícula deve obedecer à segunda lei da termodinâmica. A equipe de Serra foi a primeira a medir variações de entropia em um sistema tão pequeno que só podia ser descrito pelas leis da mecânica quântica, que regem o mundo submicroscópico. O físico Tiago Batalhão, aluno de doutorado de Serra na UFABC e atualmente em um estágio de pesquisa na Áustria, realiza desde 2014 experimentos em parceria com Alexandre Souza, Roberto Sarthour e Ivan Oliveira, do CBPF, além de Mauro Paternostro, da Queen's University, na Irlanda, e Eric Lutz, da Universidade de Erlangen-Nuremberg, na Alemanha. Os experimentos usam campos eletromagnéticos para manipular os núcleos de átomos de carbono de uma solução de clorofórmio (ver Pesquisa FAPESP nº 226). Os núcleos possuem uma propriedade chamada spin, que funciona como a agulha de uma bússola e aponta para cima ou para baixo – cada sentido com uma energia diferente. Os testes começavam com os spins dos trilhões de núcleos apontando em alguma direção – a maioria para cima e uma fração para baixo, dependendo da temperatura. Em seguida, disparava-se um pulso de ondas de rádio no tubo com clorofórmio. Com duração de um microssegundo, o

léo ramos

FÍSICA y


no Aumento grau de dos desordem torna sistemas os fenômen eis e é v í s r e v e r ir pelos o d a i c o s as nos à a m u h s e ser noção de m do passage tempo

pulso era curto demais para que cada núcleo interagisse com os vizinhos ou o ambiente. Assim, o pulso afetava cada núcleo isoladamente. “É como se cada um deles estivesse isolado do resto do universo”, explica Serra. Formado por ondas cuja amplitude aumentava no tempo, o primeiro pulso perturbava os spins de cada núcleo, que flutuavam rapidamente e mudavam de direção. Após algum tempo, os pesquisadores disparavam um segundo pulso, idêntico ao primeiro em quase tudo, exceto pelo fato de a amplitude de suas ondas decrescer com o tempo. Com o segundo pulso, que representava uma versão do primeiro pulso invertida no tempo, esperava-se fazer o spin de cada núcleo retornar ao estado inicial. De fato, os spins retornaram a um estado bem próximo ao do início. Mas medidas precisas mostraram que os estados final e inicial não eram iguais. Havia uma discrepância decorrente das transições entre os diferentes estados de energia dos spins, associadas à entropia produzida no processo de aumentar e diminuir a amplitude das ondas, segundo artigo publicado na Physical Review Letters. Vlatko Vedral, físico da Universidade de Oxford, Reino Unido, que faz experimentos semelhantes usando laser, considera o trabalho uma bela demonstração do que a termodinâmica quântica prevê. “Mas não é surpreendente”, afirma. Ele diz que gostaria de saber se a entropia medida na escala subatômica é produzida por fenômenos descritos pelas leis da física ou se uma parte decorre de algum fenômeno desconhecido atuando sobre a seta do tempo. n Igor Zolnerkevic

Projeto Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Informação Quântica (nº 2008/57856-6); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Amir Ordacgi Caldeira (Unicamp); Investimento R$ 1.977,654,30 (para todo o projeto).

Exemplo de aumento de entropia: é impossível reverter o estilhaçamento do prato completa e espontaneamente

Artigo científico BATALHÃO, T. B. et al. Irreversibility and the Arrow of Time in a Quenched Quantum System. Physical Review Letters. 6 nov. 2015.


tecnologia  Engenharia química y

Vinhaça para gerar energia Além de fertilizante, resíduo do etanol poderá ser utilizado para produzir eletricidade Evanildo da Silveira

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m 2014, foram gerados no Brasil cerca de 280 bilhões de litros de vinhaça, um resíduo da produção de etanol. Quase a totalidade desse volume (97%) foi usada como fertilizante e irrigação nas próprias lavouras de cana-de-açúcar. O problema é que essa prática causa impacto ambiental e desperdiça potenciais usos mais nobres do produto, como, por exemplo, a geração de energia elétrica. A transformação da vinhaça em biogás por meio de biodigestores pode vir a mudar esse panorama, como mostram dois projetos em desenvolvimento, um na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), da Universidade de São Paulo (USP), e outro no Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). A vinhaça é um resíduo do etanol que começou a se tornar importante depois da criação do Programa Nacional do Álcool, mais conhecido com Proálcool, em 1975. Para produzir álcool, é utilizado o caldo da cana. O que sobra é a vinhaça, material orgânico rico em potássio, cálcio e magnésio. Como o volume desse resíduo das cerca de 400 usinas existentes no país é muito grande, por razões econômicas, ele é usado de modo ex68  z  dezembro DE 2015

cessivo como fertilizante. A utilização exagerada causa danos ambientais, como contaminação do lençol freático com potássio, salinização do solo, lixiviação de metais e sulfatos, liberação de mau cheiro e emissão de gases do efeito estufa, como o óxido nitroso (N2O), que é cerca de 300 vezes mais poluente do que o dióxido de carbono (CO2). O projeto que busca um melhor aproveitamento da vinhaça é coordenado pelo professor Marcelo Zaiat, da EESC da USP. As pesquisas começaram no início de 2011 e envolvem nove pesquisadores, da EESC, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), de São Caetano do Sul. “O nosso principal objetivo é desenvolver uma nova geração de biodigestores anaeróbios, mais compactos, robustos e estáveis, que tenham alta eficiência de conversão de matéria orgânica da vinhaça em biogás”, diz Zaiat. Ele explica que esse tipo de equipamento é projetado para que ocorram reações catalisadas por bactérias e arqueias. O processo anaeróbio ocorre na ausência de oxigênio por meio da fermentação autorregulada da matéria orgânica promovida por um consórcio de microrganismos que vivem nesses ambientes.


fábio colombini

“O que queremos é transformar a matéria orgânica da vinhaça por meio de uma cultura de microrganismos em biogás”, diz Zaiat. O biogás é composto prioritariamente por metano, além do dióxido de carbono e outros gases em pequenas quantidades. Após tratamento adequado, o biogás pode ser utilizado para geração de energia elétrica ao movimentar a turbina de um gerador. Além disso, a produção de biogás minimiza o impacto ambiental do uso do resíduo como fertilizante na cultura da cana-de-açúcar, uma vez que a vinhaça biodigerida contém menos matéria orgânica. Não há biorreatores em grande escala no Brasil, apenas um de pequeno porte da década de 1980 em uma usina na região de Ribeirão Preto, que biodigere uma pequena parte da vinhaça, produzindo biogás usado na secagem de levedura. No caso do equipamento que sua equipe está desenvolvendo, Zaiat diz que o avanço no conhecimento científico dos últimos 30 anos sobre os

fundamentos do processo anaeróbio ajudou na concepção do biorreator. “Embora o processo seja o mesmo, em essência, os reatores que são desenvolvidos hoje estão muito mais avançados tecnologicamente, tornando possível maior eficiência de conversão, com maior estabilidade de processo, em sistemas mais compactos e seguros”, diz Zaiat. O grupo trabalha com várias configurações de biodigestores. “Há várias técnicas para isso, mas a mais usada na nossa área é a de fornecer uma superfície de um material inerte, ao qual as bactérias e arqueias aderem, formando o que chamamos de biofilme”, explica Zaiat. “Aproveitamos a capacidade natural que elas têm de aderir a superfícies e ter a vinhaça como meio de cultura.” O biogás produzido no biorreator, com menor concentração de CO2, pode ser, por exemplo, usado para cogeração de energia nas caldeiras da usina, liberando o bagaço – hoje utilizado para ser

Estocagem de vinhaça em usina no município de Porto Ferreira, no interior paulista

pESQUISA FAPESP 238  z  69


queimado e gerar eletricidade – para a produção de etanol de segunda geração. O gás também pode ser usado para substituir parte do diesel nos motores dos caminhões e tratores, tornando o processo produtivo da cana mais sustentável. A vinhaça biodigerida, líquida, pode ainda ser utilizada como fertilizante, com baixo teor de matéria orgânica, mas preservando praticamente todos os nutrientes originais do resíduo. Ou ainda pode ser concentrada e utilizada como base para a formulação de um fertilizante organomineral para a cultura de cana-de-açúcar, de acordo com as necessidades da planta. Nesse caso, a água retirada do processo de concentração pode retornar à usina para vários usos. “Isso é o que chamo de integração: os resíduos são usados no próprio processo produtivo”, diz Zaiat. USINA VIRTUAL

Lavoura de cana-de-açúcar é irrigada e fertilizada com a vinhaça, em fazenda no Paraná

70  z  dezembro DE 2015

Em outro projeto, sob a coordenação do CTBE, que conta com a participação de Zaiat, se busca, por meio de modelos matemáticos, criar uma usina mais eficiente em todas as suas operações. “Nós estamos desenvolvendo os modelos matemáticos para as diversas operações de uma usina, como recepção e preparo da cana, extração do caldo, fermentação, cristalização [açúcar], destilação e desidratação [etanol], cogeração de energia e biodigestão da vinhaça”, explica o coordenador do projeto, o engenheiro químico Antonio Bonomi. “Esses modelos tornarão possível otimizar o processo, ou seja, definir as condições operacionais em que a biorrefinaria deve trabalhar para maximizar seu rendimento e retorno econômico.”

O que o grupo de Bonomi faz nesse projeto é construir uma usina virtual de primeira geração. Para isso, os modelos matemáticos de cada operação são inseridos em um software de simulação chamado Environment for Modeling, Simulation and Optimization (Emso). “No caso da operação de biodigestão da vinhaça, por exemplo, o modelo matemático vai indicar com que vazão é possível alimentar o biodigestor para conseguir a maior produção de biogás possível”, explica Bonomi. Um dos objetivos é também produzir um gás com maior teor de metano, com 96,5%: o biometano. Hoje o máximo que se consegue em reatores comuns é de 60%. Com isso seria possível, além de substituir o diesel nos caminhões e máquinas agrícolas, injetá-lo na rede pública de distribuição de gás natural. Quem trabalha no modelo matemático e nas avaliações da unidade de biodigestão, sob a coordenação do professor Rogers Ribeiro, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da Universidade de São Paulo (USP), é a pesquisadora Bruna de Souza Moraes, do CTBE. “Nosso trabalho busca avaliar a inclusão da produção de biogás em usinas a partir de seus resíduos e as possibilidades de seu uso para promover a otimização energética e a sustentabilidade ambiental no setor”, explica Bruna. “A ideia é apresentar as vantagens desses cenários com números, por meio da avaliação técnica, econômica e ambiental, de forma que a aplicação real dessa nova configuração de biorrefinaria seja estimulada.” Segundo Bruna, os resultados obtidos até agora mostraram que a produção de biogás a partir da vinhaça é mais vantajosa nos casos em que ele


Aproveitamento total de resíduos A partir de um biorreator, a vinhaça se transforma em biogás para gerar eletricidade, gás natural e fertilizante

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2

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aproveitamento do biogás

Gerador

Eletricidade

concentrador de matéria orgânica residual

foto  ALF RIBEIRO / AE ilustraçãO alexandre affonso

Fonte CTBE

Combustível veicular

Biogás

4

Da usina (1), a vinhaça é levada para o biorreator (2), onde microrganismos transformam a matéria orgânica do resíduo em biogás. Esse gás é levado para a produção de energia elétrica em um gerador (3). Se purificado, pode ser usado como gás natural em veículos ou em cozinhas. Ainda sobram da biodigestão a matéria orgânica residual (4), possível de ser utilizada como fertilizante, e a água do processo, que pode ser levada de volta à usina para usos variados

Gás de cozinha

biorreator

Usina

Vinhaça in natura

Gás natural

Fertilizantes organomineral para plantação de cana

Condensados recuperados

é convertido em biometano (gás contendo pelo menos 96,5% de metano). “Nesses cenários, sua venda para a rede pública de gás natural e o uso na substituição do diesel apresentaram os melhores indicadores econômicos e ambientais”, diz. “A mais recente avaliação revelou que é possível reduzir em até 42% as emissões de gases de efeito estufa na produção de cana-de-açúcar por meio da substituição parcial do combustível fóssil.” A taxa interna de retorno anual do investimento para esse cenário é de 25% para uma biorrefinaria com capacidade de processamento de 4 milhões de toneladas de cana por safra. Bruna tem também números do potencial de geração de energia elétrica da vinhaça. Em uma usina que produz 50% de etanol e 50% de açúcar, com capacidade de moer 4 milhões de toneladas de cana por ano, é possível produzir anualmente cerca de 2 milhões de metros cúbicos (m3) do resíduo. Considerando que 1 m3 de vinhaça tem potencial para gerar até 14 m3 de biogás, essa biorrefinaria teria capacidade de fornecer 28 milhões de m3 desse gás por ano. Esse valor corresponde a uma capacidade anual de 65 mil megawatts hora (MWh) de eletricidade. “Isso significa que a energia gerada com a produção de biogás a partir da vinhaça de uma usina poderia suprir a demanda de eletricidade de uma cidade de cerca de 260 mil habitantes”, diz

Bruna. “Se toda a vinhaça do Brasil fosse biodigerida, o potencial de geração de energia elétrica no país seria equivalente a 7,5% da capacidade da hidrelétrica de Itaipu.” Para a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), representante dos produtores de açúcar e etanol, a utilização da vinhaça na irrigação é uma forma de economizar água com a fertilização. “A fertirrigação com vinhaça também possibilita economia na aplicação de fertilizantes químicos”, diz Alfred Szwarc, consultor de emissões e tecnologias da Unica. “Existem novas formas de aproveitamento da vinhaça, mas elas ainda estão em pequena escala. Também existem projetos para concentrar e transformar a vinhaça em fertilizante comercial”, diz Szwarc. n

Projetos 1. Produção de bioenergia no tratamento de águas residuárias e adequação ambiental dos efluentes e resíduos gerados (nº 2009/159840); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Marcelo Zaiat (USP); Investimento R$ 1.855.372,36 e US$ 428.142,36. 2. Simulação da biorrefinaria de cana-de-açúcar de 1a geração na plataforma Emso (nº 2011/51902-9); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Antonio Bonomi (CTBE); Investimento R$ 2.410.414,09 e US$ 926.930,50. 3. Biodigestão anaeróbia de vinhaça e de licor de pentoses em biorrefinarias integradas de 1ª e 2ª geração (nº 2012/00414-7); Modalidade Bolsa de Pós-doutorado; Bolsista Bruna de Souza Moraes (CTBE); Pesquisador responsável Marcelo Zaiat (USP); Investimento R$ 302.095,11.

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pesquisa empresarial y

Mercado global é a meta BrPhotonics investe em P&D para criar dispositivos ópticos avançados e exportar Yuri Vasconcelos

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om pouco mais de um ano de existência, a BrPhotonics, focada na pesquisa e no desenvolvimento de sistemas de comunicações ópticas de alta velocidade, comemorou há pouco tempo o fechamento do primeiro negócio com um cliente internacional. A empresa vendeu um modulador óptico, equipamento essencial em redes de transmissão de dados, para o Instituto Nacional Tyndall, da Irlanda, um dos principais centros europeus de pesquisa em Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Do ponto de vista financeiro, a venda de uma única unidade não é expressiva, mas está carregada de simbolismo. A BrPhotonics nasceu 72  z  dezembro DE 2015

com o objetivo de tornar-se uma grande competidora internacional na área de comunicações ópticas e essa primeira transação no exterior, em certa medida, abre as portas do mercado global. Localizada em Campinas, no interior paulista, a empresa é uma joint venture entre a Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD) e o grupo norte-americano GigOptix, com sede em San Jose, na Califórnia. Antigo centro de pesquisa da Telebras e desde 1998 uma entidade de direito privado instalada em Campinas, o CPqD detém 51% do negócio; a parceira GigOptix, uma das maiores fornecedoras mundiais de componentes semicondutores de alta velocidade, é dona dos 49% restantes.

“A BrPhotonics foi criada em 2014 para ser líder no mercado global de dispositivos fotônicos e microeletrônicos para sistemas de comunicações ópticas de alta velocidade, acima de 100 gigabits por segundo [Gbps]”, afirma Júlio César Rodrigues Fernandes de Oliveira, ex-gerente de Tecnologias Ópticas do CPqD e atual presidente da BrPhotonics. “Nossa empresa tem como objetivo verticalizar a produção com a convergência entre os campos da fotônica e da micro­ eletrônica, com foco nas aplicações em comunicações ópticas.” Segundo ele, os investimentos diretos e indiretos (como patentes e equipamentos) para viabilização do negócio somaram mais de US$ 30 milhões e o faturamento deste ano,


Júlio César, primeiro à esquerda, presidente da nova empresa, junto a integrantes da equipe de Pesquisa e Desenvolvimento

léo ramos

empresa quando a empresa ainda se encontra em fase de startup, será de US$ 1,5 milhão. O setor da economia em que a BrPhotonics atua não para de crescer. O avanço da internet, em conjunto com a computação em nuvem e a proliferação de soluções smart em celulares, tablets e televisões, tem como consequência direta o aumento do tráfego de informações (voz, dados, filme e música), o que exige um esforço incessante de expansão das vias de transmissão. A maior parte desses dados trafega em redes de fibra óptica, dispositivos com diâmetro similar ao do fio de cabelo e que levam as informações por meio da luz de lasers. Além dos cabos, a infraestrutura das redes também é composta por amplificadores, receptores

(fotodetectores) e transmissores (lasers e moduladores ópticos), responsáveis por transformar o sinal da internet de elétrico para óptico, convertendo as informações em sinais de luz. A BrPhotonics é especializada no fornecimento de dispositivos que compõem os transmissores e receptores ópticos que integram as redes projetadas para operar a taxas de transmissão de 100 Gbps até 1 terabit por segundo (Tbps), que deverá ser atingido nos próximos anos. Hoje, o pico do tráfego de internet diário na Região Metropolitana de São Paulo é de 877 Gbps, de acordo com dados do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto br (NIC.br), coordenado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil.

br photonics

Centro de P&D Campinas, SP

Nº de funcionários 28

Principais produtos Dispositivos que compõem transmissores e receptores ópticos que integram as redes de transmissão de alta velocidade

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O cliente da empresa não é o usuário final da internet, mas sim as companhias e operadoras de telecomunicações que fornecem o serviço de banda larga. “Os diferenciais de nossa empresa são o domínio da tecnologia de lasers, moduladores e receptores, nas tecnologias de silício e polímeros, em conjunto com a capacidade de projetar chips microeletrônicos”, destaca Júlio César. Para alcançar seus objetivos e se inserir com sucesso no mercado internacional, a BrPhotonics dedica especial atenção às atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D). Nessa fase inicial de operação, o gasto tem sido mais significativo e equivale a 60% do investimento total. O plano de negócios da companhia sinaliza que o investimento em P&D será contínuo ao longo dos anos, da ordem de 25% da receita bruta. “Essa área é essencial para nós. É o coração da empresa, que tem por meta disputar o mercado com produtos inovadores”, diz Júlio César.

Alinhamento de fibra óptica (acima) e detalhes do transmissor óptico de alta velocidade da empresa, chamado de Tosa

Para isso, a BrPhotonics também investe em mão de obra qualificada. Metade do quadro de pessoal, composto por 12 funcionários diretos e 16 pesquisadores indiretos, é de mestres ou doutores. Os empregados indiretos trabalham por meio de contratos de prestação de serviço no Brasil, nos Estados Unidos e na Itália. A equipe, diversificada, é composta por pesquisadores experientes, como o físico Wilson de Carvalho Júnior, de 58 anos, diretor de Microfabricação que já

Formação dos pesquisadores da empresa Júlio César Rodrigues Fernandes de Oliveira, engenheiro eletricista, presidente da BrPhotonics

Universidade Federal de Campina Grande (UFCG): graduação Universidade Estadual de Campinas (Unicamp): mestrado e doutorado

Wilson de Carvalho Júnior, físico, diretor de microfabricação

Universidade Federal do Paraná (UFPR): graduação Unicamp: mestrado

Felipe Lorenzo Della Lucia, engenheiro eletricista, pesquisador sênior da área de microfabricação

Unicamp: graduação, mestrado e doutorado

Alexandre Passos Freitas, engenheiro eletricista, gerente da área de projeto de circuitos fotônicos

Unicamp: graduação e mestrado

Luis Henrique Hecker de Carvalho, engenheiro eletricista, diretor de sistemas avançados

UFCG: graduação Unicamp: mestrado e doutorado (em andamento)

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trabalhou no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e na Fundação Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), ambos em Campinas. Outros têm menos tempo de mercado, como os engenheiros elétricos Alexandre Passos Freitas, 28, e Felipe Lorenzo Della Lucia, 31, ambos formados na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e o engenheiro mecânico Luis Henrique Hecker de Carvalho, 26, graduado na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba. Todos eles têm pelo menos o título de mestrado, com exceção de Felipe, que, junto com Júlio César, tem o doutorado. TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIAS

Uma vantagem competitiva da BrPhotonics é o fato de a empresa já possuir domínio de tecnologias ópticas, apesar de ser uma empresa tão jovem. Isso porque o acordo firmado entre o CPqD e a GigOptix previu a transferência de conhecimento, propriedade intelectual e de tecnologias já desenvolvidas pelos dois parceiros para o novo negócio. A GigOptix deslocou para o Brasil sua


fotos  Léo ramos

Laboratório de fabricação de chip fotônico: salas limpas para componentes sofisticados

linha de produção instalada na cidade de Bothell, no estado norte-americano de Washington, e compartilhou com a BrPhotonics sua tecnologia Thin Film Polymer on Silicon (TFPS) – ou filme fino de polímero sobre silício. Já o CPqD repassou a tecnologia de fotônica em silício (Silicon Photonics ou SiPh), além de sua experiência em encapsulamento óptico e recursos de projetos e testes nessa área. Também forneceu espaço para instalação da empresa em seu parque tecnológico, a Pólis de Tecnologia. Pelo acordo, a BrPhotonics recebeu 17 patentes da GigOptix e quatro do CPqD. As instalações industriais da empresa foram oficialmente inauguradas em agosto deste ano. A fábrica abriga toda a cadeia de produção do chip fotônico, da concepção ao encapsulamento e teste. De acordo com Júlio César, apenas dois países do mundo, Alemanha e Suíça, fabricam chips fotônicos desse nível. “Acreditamos que, com a nossa fábrica, o Brasil

tem uma oportunidade para substituir importações e gerar emprego e renda em nosso território”, diz ele. Para produção de componentes tão sofisticados, as instalações possuem laboratórios com áreas limpas classe 100 – nas quais podem haver apenas 100 partículas maiores que 0,5 mícron (1 mícron é igual a 1 milionésimo de metro) por pé cúbico de ar – e classe 10 mil. Enquanto a área limpa classe 10 mil abriga a infraestrutura de empacotamento dos chips, a área classe 100, montada com os equipamentos transferidos pela GigOptix dos Estados Unidos, reúne as etapas de fabricação dos chips fotônicos. Por enquanto o principal produto da BrPhotonics é a plataforma integrada Tosa (sigla em inglês de Transmitter Optical Sub-Assembly). Trata-se de um transmissor óptico de alta velocidade (100 Gbps), miniaturizado, que integra laser e modulador óptico. Segundo o presidente da BrPhotonics, o Tosa foi pro-

jetado para atender à demanda de fabricantes de transceptores (transmissores e receptores) destinados a aplicações de longo alcance e altas taxas de transmissão. “Seu preço é competitivo frente ao de competidores internacionais, que costumam cobrar por volta de US$ 3,5 mil por unidade em lotes com grandes volumes, a partir de 2 mil peças”, diz Júlio César. Além do Tosa, outros dois itens já foram desenvolvidos pela empresa: um modulador óptico e um equipamento de testes, batizado de Lab in a Box. O modulador é o componente do transmissor responsável por converter o sinal elétrico de dados no feixe luminoso que irá trafegar pelos cabos de fibra óptica. O dispositivo foi construído em um substrato polimérico e com a tecnologia de fotônica de silício (SiPh). O outro produto, o Lab in a Box, é um aparelho de medição para habilitar a transmissão e recepção óptica, assim como o seu processamento digital de sinais, em ambientes laboratoriais. “Esse equipamento é inédito no Brasil e tem poucos concorrentes globais, entre eles as norte-americanas Tektronics e Coherent Solutions”, diz Luis Carvalho. A empresa tem também um projeto no Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP aprovado no segundo semestre de 2015 e coordenado por Wilson Carvalho, cujo objetivo é desenvolver no país um tipo de laser usado em transmissores ópticos. “Hoje nós compramos esse laser de fornecedores externos e o integramos ao Tosa. Com auxílio da FAPESP, queremos desenvolver nosso próprio laser”, destaca o pesquisador. “Dessa forma, teremos maior domínio tecnológico sobre o dispositivo e tornaremos o Tosa mais competitivo no mercado global.” n

Projeto Laser de cavidade externa em fotônica em silício com faixa de sintonia ultralarga para aplicações em sistemas DWDM (nº 2014/21731-6); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Wilson de Carvalho Júnior (BrPhotonics); Investimento R$ 144.037,27 e US$ 282.901,75.

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA y O

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Biolab conclui o desenvolvimento de

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dois novos medicamentos e aposta neles para

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ona de um portfólio formado por mais de 100 medicamentos, a Biolab Farmacêutica com­ pletou 18 anos de atividade em 2015 com bons motivos para comemorar. Em novembro deste ano, o laboratório, 100% nacional, com sede em São Paulo, encaminhou à Agência Nacional de Vi­ gilância Sanitária (Anvisa) a solicitação de registro do medicamento Zilt, feito a partir de uma nova molécula totalmente criada em seus laboratórios, a BL 123. O pedido de registro desse medicamento, destinado ao tratamento de infecções por fungos, veio somar-se a outro que havia sido feito no final de 2014, relativo ao Nanorap, um nanoanestésico tópico desenvolvido em parceria com pesqui­ sadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Todo o processo de desenvolvimen­ to da molécula BL 123, que recebeu o nome de dapaconazol, foi realizado por nossos cientistas, desde sua modelagem, passando pela síntese e chegando ao an­ timicótico Zilt. É a primeira vez que is­ so acontece na Biolab”, diz o cientista­-chefe da Biolab, Dante Alario Junior. “Esse fato coloca o Brasil como forne­ cedor de moléculas inovadoras.” A far­ macêutica conta atualmente com 38 no­ vas moléculas em teste e 259 patentes

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requeridas para aprovação, além de 79 projetos de inovação incremental e cin­ co de inovação radical. Segundo a Reso­ lução da Diretoria Colegiada de nº 37 da Anvisa, publicada em julho de 2014, a inovação incremental “resulta em uma nova forma farmacêutica, nova concen­ tração, nova via de administração ou no­ va indicação para uma entidade mole­ cular já registrada no país”. Enquanto a radical é descrita como uma “inovação que resulta em uma nova molécula não registrada no país”. Segundo Dante Ala­ rio, “o dapaconazol é uma inovação ra­ dical, pois trata-se de uma nova entida­ de química não descrita em literatura ou patenteada no país e no mundo”. O Zilt foi formulado com o objetivo de oferecer ao mercado uma nova opção de antimicótico. Medicamentos dessa classe, em razão de seu uso continua­ do e frequente, perdem com o tempo a eficiência na prevenção ou inibição da proliferação de fungos. Isso ocorre por causa da resistência que os microrganis­ mos adquirem em relação à droga. “O dapaconazol vai servir principalmente para quem tem resistência ao miconazol, um antifúngico comercializado há anos”, destaca Gilberto De Nucci, professor do Instituto de Ciências Biomédicas e da Faculdade de Medicina da Univer­

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sidade de São Paulo (USP), responsável pela condução dos testes pré-clínicos e clínicos da droga. A Biolab espera obter o registro do Zilt em um ano. O remédio tem pedi­ dos de patente concedidos nos Estados Unidos, Japão, Austrália, África do Sul, Singapura e Ucrânia. No Brasil, o regis­ tro da patente ainda está sob análise do Instituto Nacional da Propriedade In­ dustrial (INPI). As pesquisas para a cria­ ção da droga foram iniciadas em 2007 e ela será vendida inicialmente na forma de creme e loção dermatológica. Outras formulações estão em desenvolvimen­ to, entre elas versões em comprimido, spray, creme e óvulos vaginais. “Esta­ mos testando também uma versão in­ jetável, mas não sei se passaremos nos testes de toxicidade. Se conseguirmos, será um medicamento bem sofisticado”, afirma De Nucci, acrescentando que as pesquisas iniciais do fármaco geraram uma tese de doutorado, duas dissertações de mestrado e vários artigos científicos. Segundo o pesquisador, o dapacona­ zol é realmente inovador, mas o mais correto é que seja classificado como um me-too, definição usada no meio farma­ cêutico para designar moléculas que dão origem a medicamentos novos de uma classe já existente. “As moléculas me-too

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não representam uma quebra de para­ digma, mas trazem vantagens excepcio­ nais.” Ele mesmo elaborou a molécula do carbonato de iodenafila, que tem o no­ me comercial de Helleva, do laboratório nacional Cristália, com sede em Itapira, no interior de São Paulo. O medicamen­ to, que tem indicação contra a disfunção erétil, é um me-too do Viagra (citrato de sildenafila), da Pfizer. Para a professora Bartira Rossi Bergmann, do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Zilt é uma molé­ cula nova de uma classe conhecida de antifúngicos, os imidazóis. “Mas é uma descoberta importante e, pelo que li em artigos publicados pelo próprio grupo, ele parece ter resultados melhores do que o miconazol, um outro antifúngico já consolidado no mercado”, diz Bartira. Nanoanestésico encapsulado

ses. No Brasil e na Europa, o pedido ain­ da está sob análise. A principal vantagem do fármaco em relação aos anestésicos tópicos semelhantes é a ação ultrarrá­ pida. O Nanorap começa a surtir efeito em 10 minutos, um sexto do tempo dos medicamentos convencionais não inje­ táveis. A ação rápida reduz o tempo de espera entre a aplicação do anestésico e o início da intervenção. A farmacêutica Sílvia Guterres ex­ plica que a velocidade de ação do Na­ norap deriva de sua nanoarquitetura, que garante melhor permeabilidade na pele. “A droga tem velocidade e alcance predeterminados. Por isso, seu efeito é mais rápido e duradouro, o que o torna mais eficaz diante de outros medica­ mentos convencionais”, diz Sílvia. As nanocápsulas são formadas a partir de um polímero biodegradável. Elas pene­ tram na camada córnea da pele, a mais superficial, e ficam ali localizadas por um período programado, liberando de forma contínua o fármaco. Em segui­ da, as nanocápsulas são biodegradadas ou simplesmente removidas durante o

Por dentro do Nanorap Conheça a composição e o modo de ação do nanoanestésico da Biolab NAnocápsula

Princípio ativo

Núcleo oleoso Parede polimérica

Como é o fármaco O Nanorap é formado por nanocápsulas feitas de um polímero 100% biodegradável. Dotadas de paredes semipermeáveis,

elas possuem um núcleo oleoso contendo Assim como o Zilt, o Nanorap também os princípios ativos prilocaína e lidocaína foi desenvolvido em conjunto com pes­ quisadores acadêmicos. As farmacêuticas Sílvia Guterres, professora da Faculda­ Fonte  Sílvia Guterres/UFRGS de de Farmácia da UFRGS, e Adriana Pohlmann, do Ins­ tituto de Química da mesma insti­ de nanoencapsulação tuição, foram as de filtros químicos or­ Além dos novos medicamentos, o grupo responsáveis pela gânicos. Assim como de pesquisa da UFRGS já colaborou tecnologia de en­ o Nanorap, o Photo­ capsulamento dos foi feito com um em um protetor solar com nanotecnologia prot princípios ativos polímero 100% bio­ usados na formu­ degradável. Sua fór­ lação do medica­ mula contém os filtros mento, a prilocaína solares avobenzona e e a lidocaína. Os dois princípios ativos banho ou com uma simples fricção no octocrileno, que absorvem a radiação são velhos conhecidos da comunidade local. “Essa nova formulação confere solar UVA e UVB, e óleo de buriti, um médica. “Fizemos o desenho e o desen­ novas propriedades aos princípios ati­ importante agente antioxidante. volvimento das nanocápsulas, que são vos tornando-os mais eficazes. É uma o meio para transportar e entregar os abordagem de alta tecnologia. O grupo Mercado internacional princípios ativos à região do organismo que o desenvolveu, da UFRGS, está na Uma das 10 maiores farmacêuticas do desejada”, explica Sílvia. Segundo ela, vanguarda nessa área de nanoencapsu­ país, a Biolab aposta no sucesso de seus as nanocápsulas são esféricas, com diâ­ lamento. Estão bem à frente de qualquer dois novos medicamentos para aumentar metro médio de 200 nanômetros – um outro grupo de pesquisa no Brasil e no sua participação no mercado brasileiro nanômetro equivale à milionésima parte exterior quanto ao domínio da produ­ e elevar as vendas no exterior. A empre­ do milímetro. Para efeito de compara­ ção daquelas nanocápsulas”, diz Barti­ sa lidera o segmento de remédios para ção, a espessura de um fio de cabelo é de ra, da UFRJ. tratamentos cardiológicos, com 17% do A parceria entre a Biolab e a UFRGS mercado, e é a quarta colocada no setor aproximadamente 50 mil nanômetros. O Nanorap é um anestésico tópico em para a criação de medicamentos com na­ de dermatologia. Seu Centro de Pesquisa, forma de creme destinado à aplicação na notecnologia começou em 2005 e resul­ Desenvolvimento e Inovação (P&D&I), pele de pacientes que vão se submeter a tou, quatro anos depois, no lançamento situado em Itapecerica da Serra, municí­ pequenas intervenções dermatológicas, do primeiro fotoprotetor solar brasileiro pio a 33 quilômetros de São Paulo, conta como retirada de verrugas ou tratamen­ com soluções nanotecnológicas, o Photo­ com uma equipe de 120 profissionais. Por tos a laser. Sua patente já foi concedida prot (ver Pesquisa Fapesp nº 167). Com ano, entre 7% e 10% da receita é destina­ nos Estados Unidos, Japão, Austrália, fator de proteção solar 100, o cosméti­ da à atividade de inovação. Em 2015, seu México e África do Sul, entre outros paí­ co foi elaborado com uma tecnologia faturamento deve chegar a R$ 1,35 bilhão, 78  z  dezembro DE 2015


infográfico  ana paula campos  ilustração  daniel das neves foto  léo ramos  ilustraçãO daniel das neves

produto normal

50 mil nanômetros

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produto nanoencapsulado

Núcleo oleoso e parede polimérica

epiderme

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Princípio ativo

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Como ele age

Quais são suas vantagens

O Nanorap atua na parte mais

Devido ao seu tamanho, as nanopartículas

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conseguem ultrapassar a pele com maior rapidez.

córnea. As paredes poliméricas

Com isso, sua ação anestésica é mais duradoura

semipermeáveis e o tamanho diminuto

e veloz. Os efeitos do anestésico começam

das nanocápsulas controlam a

a ser sentidos em apenas 10 minutos diante de

velocidade de liberação do fármaco

60 minutos dos medicamentos convencionais

aumento de 16% em relação ao ano ante­ rior. No geral, o setor farmacêutico deve crescer 8%, o que significa que a Biolab irá elevar sua participação no mercado. O mercado brasileiro para o Nanorap é estimado em US$ 60 milhões e para o antimicótico Zilt, em US$ 450 milhões. Nos Estados Unidos, que representam 45% da demanda mundial de fármacos, o potencial comercial das duas drogas é seis vezes maior. Isso explica os esfor­ ços da companhia em fortalecer a atua­ ção internacional e atingir os consumi­ dores norte-americanos. Atualmente, as exportações se destinam a países do Oriente Médio e da África e respondem por menos de 5% da receita. Neste ano, a Biolab abriu um escritório em Miami, como foco na ampliação de parcerias com multinacionais, e começou a mon­ tar, em agosto, um braço de P&D&I em Toronto, no Canadá. O investimento é de US$ 40 milhões nos próximos dois anos. “Não vamos desativar a pesquisa no Brasil, mas reforçá-la com o centro no Canadá. As duas unidades vão realizar trabalhos complementares”, explica Dante Alario Junior, destacando que, inicialmente, o laboratório canadense vai ter um papel fundamental na ade­

quação do Zilt e do Nanorap ao merca­ do norte-americano. Com ele, a Biolab estará mais capacitada para montar os robustos dossiês sobre novos medica­ mentos exigidos pelas autoridades regu­ latórias dos Estados Unidos, do Canadá e da Europa. O centro de pesquisa de Toronto, construído no principal polo de inovação canadense, terá uma área de mil metros quadrados e será o primeiro de uma indústria farmacêutica brasileira naquele país, segundo a Biolab. Ele está programado para começar a funcionar nos primeiros meses de 2016. Uma terceira unidade fabril está sen­ do construída, em Estiva, no interior de Minas Gerais, a fim de suportar os pla­ nos de expansão global do laboratório. As duas fábricas em atividade ficam em Jandira e Taboão da Serra, ambas na Região Metropolitana de São Paulo. A planta mineira vai receber investimen­ tos de R$ 350 milhões. “Ela está sendo projetada para atender a demanda mun­ dial. Vai ter uma elevada capacidade de produção e já nasce adequada a padrões internacionais. Nossa expectativa é de que fique pronta em 2018, mesmo ano que nossos dois novos medicamentos, o Zilt e o Nanorap, devem entrar no mer­

Os princípios ativos do medicamento já são velhos conhecidos dos médicos. A inovação está nas nanocápsulas

cado”, conclui o cientista-chefe da Bio­ lab. “As duas inovações farmacêuticas da Biolab são importantes. É interessante para o Brasil ter medicamentos de al­ ta tecnologia e qualidade. Eles podem ajudar a quebrar um paradigma de que os produtos farmacêuticos brasileiros são inferiores aos importados. Imagino que o próximo grande desafio da Biolab, depois que obtiver o registro da Anvi­ sa, vai ser no campo do marketing. Eles precisam colocar os dois produtos no mercado e mostrar aos consumidores que eles são inovadores, bons e acessí­ veis”, diz Bartira. n Yuri Vasconcelos

Artigos científicos Moraes, F. C. et al. Quantification of dapaconazole in human plasma using high-performance liquid chromatography coupled to tandem mass spectrometry: Application to a phase I study. Journal of Chromatography B. v. 258, p. 102-7. mai. 2014. Gagliano-Jucá, T. et al. Pharmacokinetic and pharmacodynamic evaluation of a nanotechnological topical formulation of lidocaine/prilocaine (Nanorap) in healthy volunteers. Therapeutic Drug Monitoring. v. 37, n. 3, p. 362-8. jun. 2015. Gobbato, A. A. et al. A randomized double-blind, non-inferiority Phase II trial, comparing dapaconazole tosylate 2% cream with ketoconazole 2% cream in the treatment of Pityriasis versicolor. Expert Opinion on Investigational Drugs. v. 24, n. 11, p. 1399-407. nov. 2015.

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humanidades   URBANISMO y

Moradia como produto Dos países desenvolvidos aos mais pobres, habitação pública se tornou ativo financeiro, indicam estudos

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urante seis anos, de 2008 a 2014, a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik exerceu a função de relatora para o direito à moradia adequada na Organização das Nações Unidas (ONU), o que a levou a realizar duas missões de observação por ano em países com diversos contextos, políticas e situações relacionados à habitação. Apesar das diferenças, Raquel, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), pôde estabelecer nexos de um processo global que qualificou como financeirização das cidades, quadro que não exclui o Brasil. A reflexão despertada pela experiência do trabalho com a ONU está no livro recém-lançado Guerra dos lugares: A colonização da terra e da moradia na era das finanças (Boitempo Editorial), com dois capítulos dedicados ao cenário mundial e um terceiro ao Brasil. Uma das primeiras missões de Raquel foi nos Estados Unidos, em 2009, no auge da crise habitacional iniciada dois anos antes, que ficou conhecida como “crise do subprime”, nome dado

ao crédito bancário oferecido a pessoas de baixa renda. Era uma camada social que antes não tinha acesso ao financiamento para comprar casas por serem consideradas “de alto risco”. O desmoronamento do sistema de hipotecas, ou estouro da bolha imobiliária, epicentro de uma crise econômica mundial, forneceu a Raquel um fio de meada. “Foi possível perceber que o paradigma mundial hegemônico das políticas habitacionais é a ideia da moradia como bem individual obtido por meio do mercado”, diz a urbanista. “Mais do que mercadoria, a produção de habitações tornou-se um ativo financeiro, uma nova fronteira de ganhos para o mercado de capitais.” No caso dos Estados Unidos, o crédito imobiliário, com a permissão do governo, veio acompanhado de um processo de securitização – lançamento de outros produtos financeiros, como títulos e obrigações, lastreados nas hipotecas e gerando um lucrativo mercado secundário para os bancos. O fenômeno também provocou o au-

juan carlos rojas / notimex

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Márcio Ferrari


“Despejos: um crime organizado”, diz o cartaz no protesto de 2013 em Madri: alguns detentores de hipotecas ficaram sem as casas e com dívidas pESQUISA FAPESP 238  z  81


Condomínio do Minha Casa Minha Vida em Londrina (PR): projeto com fundos públicos e lucros privados

mento da oferta de recursos para o financiamento, a procura de propriedades mais caras e o crescimento dos preços dos imóveis, criando, em muitos casos, a necessidade de novos empréstimos. Quando a escalada de valorização se esgotou (o estouro da bolha), as prestações aumentaram, as dívidas se acumularam e começaram as execuções hipotecárias. Dada a natureza transnacional dos mercados financeiros, situações semelhantes se reproduziram pelo mundo, inclusive em países distantes e com processos históricos muito diferentes, como o Cazaquistão e a Croácia, ambos pertencentes ao antigo bloco comunista. “Nos Estados Unidos as pessoas perderam suas casas para os bancos e em outros lugares, como a Espanha, foram despejadas e ainda ficaram com dívidas a pagar”, relata Raquel.

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mbora o impacto maior e mais imediato desse processo incida sobre o direito à terra e à moradia dos mais pobres e socialmente vulneráveis – aqueles a quem se destinam as iniciativas de produção de habitações sociais –, os reflexos atingem a sociedade inteira. “Gradativamente, o modelo de financeirização substitui todas as outras políticas habitacionais e formas de produção de moradia”, diz Raquel. Mesmo em lugares como o Reino Unido, em que, graças a políticas de bem-estar social do pós-guerra, o problema de escassez de moradia era apenas residual, o capital financeiro avança.

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Saindo do sistema baseado no aluguel social das residências, o país passou por um processo de transferência de propriedade aos moradores e hoje é um dos casos de países desenvolvidos em que o mercado de hipoteca residencial representa mais de 50% do produto interno bruto. No mundo todo, não se trata de ações governamentais transferidas para a iniciativa privada em nome da desoneração do Estado. Embora possam parecer, e os próprios discursos oficiais sejam nesse sentido, os processos são conduzidos e regulamentados pela máquina pública, com recursos públicos (diretamente ou via isenção de impostos, como ocorreu no Reino Unido no período de transferência da propriedade das habitações a baixo preço para os moradores). “Na versão desse modelo em países como o México, o Chile, a África do Sul e o Brasil, o Estado oferece diretamente às famílias o subsídio à compra de produtos do mercado imobiliário criados em massa em periferias homogêneas que se transformaram em cidades-dormitórios”, diz Raquel. Embora os vínculos entre as políticas habitacionais pelo mundo sejam articulados pelo caráter globalizado e expansionista dos mercados de capitais, a pesquisadora alerta para o perigo de se considerar o processo de financeirização como algo imposto de cima para baixo, como uma força imperialista. “É muito importante ressaltar que a experiência de cada país é singular”, afirma Raquel. “A lógica do modelo depende de uma hegemonia políti-

fotos 1 Olga Leiria / olhar imagem 2 justin sullivan / afp

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cional. Nesse período, muitas empresas da construção civil abriram seu capital em bolsas de valores. “O êxito foi tão grande que Impacto da municípios e estados abriram financeirização mão de seus projetos e o Minha Casa Minha Vida tornouafeta primeiro -se a única política habitacional do Brasil”, diz Raquel. as camadas Essa afirmação foi verificada em campo por uma pesquimais pobres, sa realizada com apoio da mas reflexos FAPESP e pela participação em uma investigação finanatingem toda ciada pelo CNPq/Ministério das Cidades. Os “poucos a sociedade municípios paulistas que tinham um sistema próprio de habitação social” se desfizeram de seus sistemas. Raquel relaciona ainda o egundo Raquel, a política pública de ha- processo de financeirização às reformulações bitação no período pós-ditadura militar urbanísticas baseadas em remoção, como as que continuou seguindo o esquema básico que ocorrem em função das obras relacionadas aos orientou a fundação, em 1964, do Banco megaeventos esportivos no Brasil. Com o pretexto Nacional de Habitação (BNH). Articula- de desapropriar áreas para fins considerados priodo com a indústria de construção civil, o Estado ritários pelo poder público, terrenos altamente prometia “fazer de cada trabalhador um pro- valorizados ocupados por assentamentos inforprietário”. Desde 1967, o sistema é financiado mais são entregues ao capital privado. “Acredicom um fundo público, o Fundo de Garantia do távamos que a tendência política em relação às Tempo de Serviço (FGTS). No período anterior favelas do Rio de Janeiro, por exemplo, não era ao Minha Casa Minha Vida, criado em 2009, Ra- mais remover, mas levar melhorias”, lamenta Alex quel observou a existência de articulações entre o Ferreira Magalhães, do Instituto de Pesquisa e capital financeiro e líderes do PT, especialmente Planejamento Urbano e Regional da Universios ligados ao movimento sindical e a fundos de dade Federal do Rio de Janeiro (Ippur-UFRJ). É esse o sentido da expressão “guerra dos lugapensão, e a criação de vínculos desses grupos com o setor imobiliário “corporativo”, aquele ligado res”, que dá título ao livro de Raquel Rolnik. Vera a torres de escritórios, shopping centers e hotéis, Telles, professora do Departamento de Sociologia o mais vinculado ao capital financeiro interna- da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, compara esse conceito 2 à ideia de “acumulação por despossessão”, criado pelo geógrafo britânico David Harvey, que vê nas políticas públicas hegemônicas uma “lógica de expropriação”. E vai mais além, citando a socióloga holandesa Saskia Sassen, para quem essa lógica é, na realidade, de expulsão: por meio de guerras, degradação ambiental e situações que criam o fenômeno dos refugiados, entre outros fenômenos, “destravam” territórios que, ao serem reconstruídos, “criam mercados poderosos”. n

ca construída localmente.” Cada país adapta seus procedimentos para não afastar os recursos de que necessita para seus projetos. “Isso ajuda a entender como a financeirização da moradia e da terra urbana se implanta no Brasil, via Minha Casa Minha Vida, num governo de coalizão liderado pelo PT, com um discurso antineoliberal e uma proposta desenvolvimentista”, prossegue a urbanista, que foi secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades entre 2003 e 2007, durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

S Moradia embargada na crise do subprime nos Estados Unidos em 2009, após o “estouro da bolha”

Livro ROLNIK, R. Guerra dos lugares: A colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2015, 424 p.

Projeto Planejamento territorial e financiamento do desenvolvimento urbano nos municípios do estado de São Paulo: marchas e contramarchas (nº 2010/18636-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Raquel Rolnik (FAU-USP); Investimento R$ 55.197,00.

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HISTÓRIA y

Jogos

de poder nas telas Pesquisador recupera interesses políticos e econômicos nos cinejornais da era desenvolvimentista

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A “feira do candango”, o governador Cid Sampaio com o senador Ted Kennedy, Jango com os militares e Carlos Lacerda numa recepção: pauta conservadora

fotos reprodução

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ntre meados dos anos 1930 e 1980, todo espectador de cinema no Brasil, cada vez que foi assistir a um longa-metragem estrangeiro, teve também a oportunidade de ver uma compilação de atualidades, o cinejornal. Segundo o pesquisador Rodrigo Archangelo, da Cinemateca Brasileira, em São Paulo, os cinejornais correspondem quase à metade de tudo o que foi filmado no Brasil até a época em que deixaram de ser produzidos – mais de 13 mil entre os 40 mil títulos registrados na Cinemateca, somados à estimativa de coleções conhecidas mas ainda não incorporadas à sua base de dados. “Os cinejornais são uma fonte histórica muito importante que nunca recebeu a devida atenção”, afirma Maria Luiza Tucci Carneiro, professora do Departamento de História da Faculdade de Filo-

sofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e orientadora de Archangelo em suas pesquisas de mestrado e doutorado. Nesses estudos, o pesquisador revelou as marcas dos jogos de poder envolvendo políticos do primeiro time, entre eles os presidentes Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart. A constância da produção dos cinejornais se deve às leis de obrigatoriedade de exibição de um “complemento nacional” nas sessões cujo programa principal era um filme estrangeiro. O espaço era destinado a curtas-metragens de qualquer espécie, embora os noticiosos rapidamente tenham se tornado o prato principal, por diversos fatores, entre eles o custo relativamente baixo e a oportunidade de assumir funções pESQUISA FAPESP 238  z  85


Cópias e negativos de filmes marcados pelo tempo e o material impresso usado no trabalho de pesquisa

de propaganda de interesses políticos e econômicos. A demanda pelos cinejornais também vinha a calhar para que as empresas produtoras se exercitassem e se mantivessem na ativa. “Eles garantiam uma arrecadação segura e faziam os técnicos praticarem para os filmes de ficção, que eram o grande objetivo”, diz Eduardo Morettin, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Archangelo, que começou na Cinemateca como estagiário e hoje é pesquisador no Centro de Documentação e Pesquisa, conjuga em seus estudos a investigação do conteúdo dos cinejornais com a verificação do material arquivado na instituição. O baixo número de estudos históricos feitos com base nos cinejornais no Brasil se deve às dificuldades de acesso e preservação de todo e qualquer arquivo em filme – mais o imediatismo com que eram tratados pelos próprios produtores. A deterioração dos negativos e cópias, dificuldade de armazenamento, falta de 86  z  dezembro DE 2015

mão de obra para catalogação e de verbas para recuperação, além de disputas judiciais, são alguns dos obstáculos que dificultam o acesso dos pesquisadores. propaganda

No entanto, estão ali testemunhos de pelo menos meio século de história do Brasil, incluindo as imagens de si próprios que os governantes gostariam de passar para a posteridade. O potencial propagandístico dos cinejornais foi percebido por líderes políticos antes mesmo da lei de obrigatoriedade. No início dos anos 1920, o governador de São Paulo e futuro presidente Washington Luís encomendou ao pioneiro realizador Gilberto Rossi a produção de noticiosos. Outro político paulista – o prefeito e governador Adhemar de Barros – e sua imagem promovida pelo cinejornal oficial Bandeirante da tela (1947-1956) foram objeto da dissertação de mestrado de Archangelo, que está sendo publicada em livro pela

editora Alameda com o título Um bandeirante nas telas: o discurso adhemarista em cinejornais. Nesse caso, tratava-se de um acervo menor, com variadas lacunas, mas que se encontrava relativamente bem conservado, até por ter chegado à Cinemateca a tempo (no início dos anos 1970), e o pesquisador pôde realizar sua intenção de analisar o modo como Adhemar era apresentado em seu “ritual do poder” – expressão cunhada pelo crítico e professor Paulo Emílio Salles Gomes, fundador da Cinemateca Brasileira, para se referir à imagem dos homens públicos nos filmes de “cavação” (material de propaganda paga) nos primórdios do cinema no país. Em seu doutorado, Archangelo fez uma pesquisa inédita sobre os cinejornais Notícias da semana e Atualidades Atlântida, que estão guardados na Cinemateca desde 2009 e foram produzidos pelo Grupo Severiano Ribeiro (GSR), muito atuante nos ramos de distribuição e exibição cinematográficas. O pesquisador estudou o período entre 1956 e 1961. Além de analisar o ritualismo em torno dos presidentes Juscelino, Jânio e Jango, a pesquisa abordou o modo como o GSR trabalhou o noticiário de modo a oferecer visibilidade a homens públicos e entidades que representavam seus interesses de distribuidor e exibidor. “O pano de fundo são as escolhas do produtor pelas melhores oportunidades políticas e econômicas no ápice do período nacional-desenvolvimentista e também no seu esgotamento e no rearranjo das forças decisórias em 1961”, diz Archangelo. Os cinejornais do GSR apresentam similaridades com o Cine Jornal Brasileiro, produzido pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) da ditadura de Getúlio Vargas – hoje uma das coleções mais conhecidas entre as arquivadas na Cinemateca, por ser também a mais bem preservada. “A presença de Juscelino nos cinejornais retoma do Estado Novo a imagem de um país e de um herói nacional que caminhavam para a modernidade e a emancipação econômica”, observa Maria Luiza Tucci Carneiro. “Mesmo sendo uma iniciativa privada, os


fotos  eduardo cesar

cinejornais do GSR lidam com o ritualismo da agenda presidencial de modo semelhante ao dos cinejornais do período getulista”, prossegue Archangelo. E a apresentação ganhava credibilidade pela presença de Herón Domingues na locução, famosa voz que comandava o radiofônico Repórter Esso e que seria chamada para narrar a inauguração de Brasília à frente de um consórcio de emissoras de rádio, então o meio de comunicação de maior alcance do país. Nos cinejornais produzidos pela GSR, destacam-se em particular os Estados Unidos e sua cultura. Como distribuidor e exibidor, o grupo precisava manter boas relações com a produção de Hollywood, que na época mantinha um “embaixador” (hoje se diria lobista) no Brasil, Harry Stone – representante da Motion Pictures Association of America. “Num contexto de ambição de modernidade, o GSR cobria inaugurações de fábricas e dava ênfase à presença de convidados internacionais e do seu próprio presidente, Luiz Severiano Ribeiro

Jr., nos festejos oficiais da inauguração da nova capital”, diz Archangelo. As atividades da Associação Comercial do Rio de Janeiro, cujos dirigentes eram referidos como “classes produtoras”, recebiam cobertura jornalística com regularidade. E a presença do governador do estado da Guanabara, Carlos Lacerda (1961-1965), um dos principais opositores de João Goulart, tornou-se cada vez mais frequente no final do período estudado. “O GSR mobilizou cinegrafistas para acompanhar Lacerda numa viagem a Miami, onde falou para famílias cubanas fugidas do comunismo”, relata o pesquisador. O elemento popular, ao contrário, pouco foi documentado. “Na abertura da fábrica da Volkswagen, os operários não aparecem e, na inauguração de Brasília, menciona-se um desfile dos candangos que não é mostrado em imagens”, diz Archangelo. Uma reportagem sobre a “feira do candango”, onde moradores de cidades distantes sofriam com a falta de transporte para comprar mantimentos na nova capital, mostra o evento como

algo pitoresco. Segundo o pesquisador, a desapropriação do Engenho Galileia (PE) foi retratada como concessão do governador conservador Cid Sampaio, sem mencionar que a medida se seguia a uma intensa mobilização de agricultores ligados às Ligas Camponesas. Para pesquisar o conteúdo dos dois cinejornais do GSR, Archangelo usou como guia a documentação escrita que acompanha o material fílmico nos arquivos da Cinemateca. Os papéis incluem os roteiros de locução e as pautas semanais de notícias. As surpresas desagradáveis vieram na comparação com o conteúdo das latas. Muito material requisitado por documentaristas – no período anterior a ser guardado na Cinemateca – foi simplesmente cortado e tirado dos rolos de negativos. “Tive que montar um quebra-cabeça”, conta Archangelo. As pesquisas em cinema exigem esse mergulho. “Todo historiador precisa ver o material original para verificar a autenticidade e se há enxertos de imagens, por exemplo”, diz José Inacio Melo Souza, um dos pioneiros das pesquisas com cinejornais. O trabalho de Archangelo chegou aos elementos mínimos (os fotogramas dos filmes e os snapshots da pequena parcela de material que já estava digitalizado). “Peguei plano a plano, fiz a captação das imagens e salvei em pastas de arquivo eletrônico”, diz. O trabalho resultou em aproximadamente 15 mil imagens captadas e cerca de 60 laudos de descarte, procedimento instituído por lei para a destruição de material que já não tem condições de uso. n Márcio Ferrari

Projeto Imagens da nação: Política e prosperidade nos cinejornais Notícias da semana e Atualidades Atlântida (19561961); Modalidade Bolsa no País – Regular – Doutorado; Pesquisadora responsável Maria Luiza Tucci Carneiro (FFLCH-USP); Bolsista Rodrigo Archangelo (FFLCH-USP); Investimento R$ 147.778,30.

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Arqueologia y 1

O inusitado cardápio dos Paracas Povo que viveu há mais de 2 mil anos na costa peruana tinha dieta de agricultor, baseada em muito carboidrato Marcos Pivetta

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or cerca de 900 anos, entre os séculos IX a.C. e I d.C., os membros da antiga civilização Paracas habitaram uma faixa litorânea entre o vale de Cañete e a bacia do Rio Grande de Nazca, no centro-sul do Peru. Distante 270 quilômetros ao sul de Lima, a área em torno da península de Paracas, com grande potencial pesqueiro, foi o cenário dos achados mais importantes dessa cultura na década de 1920, quando foram descobertos grandes cemitérios. Os Paracas são conhecidos por sua arte têxtil, em especial os mantos, cerâmica polida e técnicas de trepanação craniana para tratar traumatismos encefálicos causados por batalhas e outras doenças neurológicas. Os trabalhos arqueológicos mais antigos costumam descrever os Paracas da península como um povo cuja alimentação se baseava em peixes e frutos do mar e era apenas complementada por cultivos agrícolas.

Um estudo feito por arqueólogos do Brasil e do Peru inverte a visão dominante sobre os hábitos alimentares desse povo, que antecedeu e influenciou a cultura Nazca. “Embora alguns de seus sítios arqueológicos se situassem a apenas 400 metros do Pacífico, os Paracas não tinham uma dieta típica de pescador, mas de agricultores”, afirma o principal autor do trabalho, o peruano Luis Pezo-Lanfranco, que concluiu o mestrado e o doutorado no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), onde hoje faz estágio de pós-doutorado. “Eles cultivavam e comiam muito carboidrato, primeiramente tubérculos e legumes e, mais tarde, essencialmente milho.” A participação de alimentos do mar em sua dieta decresceu ao longo do tempo enquanto a de carboidratos aumentou. Ao lado da compatriota Delia Aponte, da Universidade Nacional Maior de São Mar-


fotos 1 Proyecto Fundación Telefónica 2 Juliana Gomez Mejia  3 Luis Pezo-Lanfranco  mapa  sandro castelli

cos, de Lima, e de sua orientadora na pós-graduação, Sabine Eggers, coordenadora do Laboratório de Antropologia Biológica do IB-USP, Pezo-Lanfranco publicou artigo na edição de junho da revista Ñawpa Pacha: Journal of Andean Archaeology sobre a alimentação dos Paracas. O trio analisou a incidência de cáries e a conservação de 690 dentes de 56 indivíduos oriundos de três fases distintas da ocupação na península e em seu entorno: Karwas, de 700 a 550 a.C.; Paracas Cavernas, de 550 a 260 a.C.; e Paracas Necrópolis, de 260 a.C. a 100 d.C. Os pesquisadores constataram a presença de ao menos uma cárie em, no mínimo, 70% dos indivíduos de cada período de ocupação e altos índices de cáries de superfícies lisas ou não retentivas. Esses dados sugerem que os Paracas, ao longo de séculos de ocupação costeira, consumiram regularmente carboidratos fermentáveis, tipo de comida que favorece a incidência de cáries. Os dentes também se mostraram pouco desgastados, indício de que sua dieta devia ser rica em comidas macias, como cozidos de vegetais. O consumo de peixes e frutos do mar, cujos vestígios são abundantes na região, pode não ter sido tão alto quanto o esperado. Antigas populações litorâneas que comiam grandes quantidades de alimentos de origem marinha, como as dos sambaquis encontrados em partes da costa brasileira, costumam apresentar dentes desgastados pelo constante atrito mecânico com comida envolta por restos de areia e conchas, um padrão distinto do encontrado em Paracas.

Os Paracas eram famosos por seus mantos (página ao lado). Abaixo, dentes de membros desse povo: dieta com mais tubérculos, legumes e milho do que peixe

PERU

PERU

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A partir de amostras da proteína colágeno e do mineral apatita extraídas de dentes de 11 indivíduos representativos das três fases de ocupação, os arqueólogos ainda analisaram a ocorrência de diferentes formas, os chamados isótopos, de três elementos químicos: carbono, nitrogênio e oxigênio. A concentração dos elementos reflete o caráter da dieta no momento em que os dentes se formaram, durante a infância dos antigos Paracas. Os dados das análises evidenciaram que o peso dos carboidratos era maior do que se pensava e que sua importância aumentou com o passar do tempo, sobretudo entre os séculos V e II a.C. De onde vinham os legumes, os tubérculos e o milho consumidos cotidianamente? Há duas possibilidades, não excludentes: do cultivo feito por eles mesmos em seu território desértico à beira-mar ou de trocas comerciais com povos que plantavam em áreas mais férteis dos vales andinos vizinhos. “De qualquer forma, o estudo mostra que os Paracas tinham um desenvolvimento agrícola e uma complexidade social mais antiga do que se imaginava, um dado que pode ter

Vista do Pacífico a partir do antigo território dos Paracas. No mapa, a península ocupada por essa cultura

Punta Pejerrey Disco Verde

Puerto Nuevo

Baía de Paracas

Paracas Cabezas Largas Arena Blanca Langunillas

Warkayan

Paracas

Cerro Colorado

PENÍNSULA DE PARACAS Falda

repercussões sobre a cronologia de ocupação das regiões vizinhas”, comenta Sabine. Em um primeiro momento, a ideia de que a agricultura pode ter prosperado naquele ponto do atual Peru há mais de 2 mil anos parece um devaneio. Praticamente não chove ali (hoje a média anual é de 2 milímetros), há risco de terremotos e tsunamis e o vento é inclemente. “Mas existem evidências de que no passado o clima era menos seco e o lençol freático se encontrava em um nível mais superficial”, comenta Pezo-Lanfranco. “Isso deve ter permitido o estabelecimento de sistemas de irrigação para o cultivo mediante o aproveitamento de águas superficiais no próprio deserto.” n

Projeto Padrão de subsistência e complexificação social: uma perspectiva bioantropológica comparativa entre populações pré-históricas de ecossistemas litorâneos da América do Sul (nº 2011/50339-9); Modalidade Bolsa no Brasil – Doutorado; Pesquisadora responsável Sabine Eggers (IB-USP); Bolsista Luis Pezo-Lanfranco; Investimento R$ 165.547,00.

Artigo científico

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LANFRANCO, L. P. et al. Aproximación a la dieta de las sociedades formativas tardías del litoral de Paracas (costa sur del Perú): evidencias bioarqueológicas e isotópicas. Ñawpa Pacha, Journal of Andean Archaeology. v. 35, n. 1, p. 23-55. jun. 2015.

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Ilustração detalhada de Joaquim Franco de Toledo revela diversidade de manchas em laranjas


memória

Uma intersecção entre ciência e arte Publicação do Instituto Biológico ressalta importância

Técnicas diversas: doenças de aves estudadas por José Reis, no desenho de Lilly Althausen, e insetos pintados por Edgar Barretta

da ilustração científica Maria Guimarães

reprodução das pranchas originais  eduardo cesar

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o ápice da produtividade do Serviço de Desenho do Instituto Biológico, que funciona num imponente prédio rosado considerado um dos maiores expoentes do estilo art déco do país, na zona sul da capital paulista, 17 desenhistas produziam uma profusão de ilustrações de plantas, animais e suas doenças para dar visibilidade à pesquisa integrando artigos científicos, aulas e folhetos de divulgação, entre outros. “Havia uma camaradagem

entre os pesquisadores, que em geral eram médicos, e os ilustradores”, conta a bióloga Márcia Rebouças, uma das autoras do Catálogo do acervo de ilustradores do Museu do Instituto Biológico, lançado em novembro. “Um dependia do outro para dar visibilidade ao seu trabalho, não havia uma percepção de que um fosse mais importante do que o outro.” O acervo é resultado, em grande parte, do esforço de Silvana D’Agostini,

contratada em 1977 como desenhista no serviço que então contava apenas com duas profissionais. O volume de trabalho vinha diminuindo e, quando as colegas se aposentaram, ela perseguiu outros rumos e se especializou em museologia. No final dos anos 1990 o Serviço de Desenho se extinguiu, quando Silvana passou à equipe do Museu do Instituto Biológico e, em seguida, ao Centro de Memória. Foi nesse contexto que começou a PESQUISA FAPESP 238 | 91


garimpar ilustrações em geral destinadas à lixeira e formar o conjunto que hoje conta com cerca de 2.500 desenhos de 37 ilustradores. “A percepção desses originais como documentos históricos é recente”, explica. No passado, a maior parte era descartada depois de enviada à gráfica para compor publicações, ou acabava em pilhas de papéis sem importância na sala ou na casa de pesquisadores. Agora recuperadas e em parte expostas no livro recém-publicado, que pode ser retirado gratuitamente na própria instituição, essas obras trazem à tona a

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frutífera parceria entre ciência e arte. Silvana explica que, apesar do avanço da fotografia, a ilustração ainda é insubstituível pela possibilidade de ressaltar detalhes que interessam ao pesquisador, eliminando ruídos desnecessários, e de reunir em uma imagem todos os elementos que compõem uma descrição. “Muitas vezes nem é necessário legenda, tal a riqueza de detalhes.” Silvana conta que os pesquisadores solicitavam os serviços de um dos desenhistas quando precisavam registrar alguma imagem de sua pesquisa e com frequência acompanhavam o trabalho apontando os detalhes relevantes. Era comum ilustradores terem mais afinidade com um tipo de objeto e formarem parcerias mais frequentes com algum cientista, embora pudessem variar de tema. A alemã Lilly Ebstein, por exemplo, na verdade funcionária da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), era colaboradora frequente de José Reis, que pesquisava doenças de aves no Instituto Biológico (além de profundamente empenhado em divulgação e educação científicas). A variedade de técnicas e recursos correspondia à diversidade de objetos a serem retratados. “Usávamos aparelhos especiais para desenho como câmara clara e normógrafo, instrumentos ópticos como microscópios”, lembra Silvana, que antes de passar no concurso público estava habituada a técnicas completamente diferentes de desenho à mão livre. O material incluía nanquim, guache, lápis

A broca-do-café (acima, por Juventina dos Santos) foi um dos motivos para a criação do Instituto Biológico. À esquerda, anomalia em osso de mula por Lilly Althausen

de cor, aquarela e pastel. “Apelávamos para a técnica mista com frequência, usando vários desses recursos para um mesmo trabalho”, conta, lembrando-se do desespero de uma das desenhistas ao pintar uma borboleta de asas iridescentes que mudavam de cor a cada vez que olhava. “Era azul, depois roxa, de repente era verde!” Por vezes as estruturas eram tão delicadas que não havia pena fina o suficiente e era preciso escurecer o papel e retirar a tinta com gilete, as antigas lâminas de barbear. “Mas só servia a Gillette preta, que depois deixou de existir; a de inox não funcionava.” Além das publicações científicas, as ilustrações eram essenciais para a


reprodução das pranchas originais  eduardo cesar

Helena Franco do Amaral (louva-a-deus, no alto) atuou até os anos 1990; Joaquim Franco de Toledo (verrugose do limão, acima) era botânico, além de ilustrador

comunicação mais ampla que integra a razão de ser do Instituto Biológico, fundado em 1927 graças ao sucesso de uma comissão criada para elucidar e combater a praga da broca-do-café, que deixava ocos os frutos e ameaçava a safra (e a atividade econômica) paulista. Trata-se de um minúsculo besouro cuja larva entra na cereja do café por um furinho e come todo o interior do fruto, deixando a casca oca. Originária da África, a praga não tinha predador natural no Brasil. Numa ação precursora do controle biológico, termo ainda não usado na época, um funcionário do instituto foi a Uganda buscar a vespa predadora, para criar aqui e distribuir nos cafezais. Mas nada disso surtiria efeito sem informar a população rural e os trabalhadores das plantações, que muitas vezes deixavam frutos contaminados no chão, onde as larvas se desenvolviam e acabavam infectando outras plantas. “Havia filmes projetados dentro de vagões de trem”, conta a bióloga Márcia Rebouças, que há 56 anos

entrou no Biológico como estagiária e depois foi técnica de laboratório, pesquisadora, diretora do museu e fundadora do Centro de Memória. “O trem parava perto das fazendas e os proprietários e funcionários iam assistir aos filmes.” As publicações distribuídas incluíam as minuciosas ilustrações, mas também recorriam a humor e formas didáticas de expor as questões, como no livreto História de um bichinho malvado, feito para ser distribuído em escolas. Hoje o acervo mantido por Silvana e Márcia pode ser consultado e vale tanto como arquivo histórico como ainda pode ser referência para ilustrar doenças de laranjais (outra praga enfrentada pela pesquisa ali realizada) e uma variedade de outros fins. Embora os departamentos de pesquisa não costumem mais ter ilustradores no corpo fixo, a atividade se mantém importante. “Usamos ilustrações com frequência, principalmente nas publicações que descrevem espécies novas”, conta a botânica Lúcia Lohmann, da USP. Mas ela explica que os desenhistas são contratados por trabalho e já não têm segurança de quando serão solicitados. Além de ser mais difícil viver apenas de ilustração científica, é provável que a relação esporádica deixe de lado a cumplicidade entre os profissionais ressaltada por Silvana. “Não queremos que a ilustração seja vista como acessória, mas como ferramenta fundamental e uma colaboração entre artista e cientista”, afirma. n PESQUISA FAPESP 238 | 93


Arte

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Diálogo com um passado remoto Exposição reúne arqueologia e artistas contemporâneos Maria Hirszman

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ensar a produção contemporânea a partir de nossa arte mais ancestral. Esse é o enigma proposto pela 34ª edição do Panorama da Arte Brasileira, em cartaz até 18 de dezembro no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP). O núcleo central da exposição, intitulada Da pedra da terra daqui, é um conjunto representativo de 60 esculturas em pedra polida, realizadas entre 4 mil e 1 mil anos antes de Cristo, na região costeira que hoje corresponde ao sul do Brasil e norte do Uruguai. A maioria delas foi encontrada em escavações feitas nos sambaquis, como são chamados os grandes acúmulos de conchas, com múltiplos usos (de residência a monumento funerário), dispersos ao longo desse litoral. Para dialogar com a síntese formal das peças indígenas, foram convidados seis artistas contemporâneos: Cildo Meireles, Cao Guimarães, Miguel Rio Branco, Berna Reale, Erika Verzutti e Pitágoras Lopes. “Para mim, essa exposição fala do artista que observa seu ambiente, seja há 6 mil anos ou nos dias de hoje”, explica a curadora Aracy Amaral, professora titular de História da Arte da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Há mais de 20 anos ela busca dar visibilidade à coesão, beleza e unidade estilística que caracterizam as peças arqueológicas agora em exposição. O público interessado em arte no Brasil que conhece bem a obra do romeno Constantin Brancusi (1876-1957), por exemplo, dificilmente teve a possibilidade de ver de perto essas esculturas de pedra polida, em sua maioria representando animais (zoólitos), que tanto lembram a elegância das formas do mestre modernista. “O fascinante é o enigma que rodeia essas peças que resistiram à depredação dos séculos”, diz Aracy. “Sua presença em locais de túmulos assinala igualmente a religiosidade que rodeia esses povos milenares, desaparecidos séculos antes da chegada dos europeus.” O interesse da historiadora em divulgar o acervo em pedra remonta aos anos 1980, quando vi-

Esculturas em pedra de tempos anteriores a Cristo e obra da artista contemporânea paraense Berna Reale: reflexão sobre os desafios atuais

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fotos  1 e 5 Karem Kilim 2, 3, 4 e 6 rômulo fialdini

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sitou quase todos os museus que abrigam essas peças em seus acervos. Em 1981, no texto “A escultura brasileira”, ela afirmou que a produção indígena em pedra “alcança elevado nível de solução plástico-visual, ao mesmo tempo que harmoniosamente vinculada ao contexto local, por sua inspiração e material”. Desde o início dos anos 2000, quando o desejo de reuni-las numa exposição se transformou em projeto, a historiadora buscou a assessoria do arqueólogo André Prous, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor do livro O Brasil antes dos brasileiros (Jorge Zahar Editor, 2007). A decisão de convidar, entre os artistas contemporâneos, apenas um pequeno grupo, e sem a obrigatoriedade de contemplar artistas jovens, interrompe a tendência seguida pelo Panorama da Arte Brasileira nas últimas décadas de alinhavar um número grande de artistas em torno de uma tese curatorial. Os participantes foram escolhidos por Aracy Amaral e seu curador adjunto, Paulo Miyada, de maneira intuitiva, mas também por serem presenças fortes no cenário atual. Cada um celebra, de algum modo, o resgate de um passado distante e as implicações estéticas de pensar criticamente a cultura nacional a partir de uma base muito mais ampla do que a da costumeira cronologia a partir do descobrimento. Cao Guimarães, em um vídeo-ensaio de 15 minutos, cria um tempo dilatado e descobre em pe-

Vestígios de uma cultura que não deu certo na obra de Miguel Rio Branco (acima) e peça indígena que lembra Brancusi (direita)

Abaixo, cenas do projeto de Cildo Meireles, Elevar a estatura do Brasil, executado no pico da Neblina pelo fotógrafo Edouard Fraipont

regrinação pela região onde existiam sambaquis, em Santa Catarina, algo como o elo perdido com as tradições e costumes dos povos que criaram esses tesouros pré-cabralinos. Hoje, como ontem, há pessoas que sobrevivem da pesca e separam moluscos das valvas (conchas). Já Berna Reale fala não do tempo pregresso, mas dos desafios e encruzilhadas do mundo atual. Tanto na instalação O tema da festa quanto no vídeo Habitus, a artista e perita criminal de Belém (PA) expõe a naturalização da violência na sociedade brasileira. Pessimista, Miguel Rio Branco reconstrói uma representação do mundo pós-humanidade, na qual a natureza toma conta dos vestígios de uma cultura que não deu certo, representada por carcaças de televisões e restos de material retorcido. Erika Verzutti e Pitágoras Lopes trazem os trabalhos que lidam de forma mais literal com o universo dos homens que criaram os zoólitos. A obra mais ousada e complexa da exposição é a de Cildo Meireles. O artista concretizou um projeto idealizado em 1969, Elevar a estatura do Brasil, acrescentando no topo do pico da Neblina, montanha mais alta do território nacional, uma pedra tirada do fundo da terra. O projeto demandou parcerias, sobretudo a com o fotógrafo Edouard Fraipont, incumbido de realizar a ação, e uma intensa negociação com os índios Ianomâmi, que consideram o pico da Neblina, ou Yaripo (como o chamam), território sagrado. n 6

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resenha

A química e suas origens no Brasil

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Origens da química no Brasil Carlos Alberto Lombardi Filgueiras Editora Unicamp / SBQ / CLE-Unicamp 504 páginas | R$ 120,00

96 | dezembro DE 2015

egundo Carlos Alberto Lombardi Filgueiras: “O sortilégio da musa Clio é universal, pois não há homem sem história, mas ele se revela particularmente agudo entre homens de ciência”. Em Origens da química no Brasil, Filgueiras descreve não somente as origens da química, mas também as origens das ciências e das técnicas em nosso país. Fruto de cuidadoso trabalho de pesquisa em história da ciência empreendido pelo autor, o livro é ricamente ilustrado com figuras que coletou em museus e bibliotecas no Brasil e em Portugal, ou com material de sua própria coleção. Começando com uma introdução sobre a natureza da história da ciência, o autor passa em seguida a um capítulo sobre a mundialização do conhecimento ocorrida nos séculos XVI e XVII, em que descreve as trocas de ideias, livros, plantas, animais e mercadorias, como resultado das grandes navegações e da exploração de novas terras. Descreve também o impacto da mundialização no acúmulo do conhecimento e na revolução científica, que a partir de então não pôde mais ser considerada um fenômeno puramente europeu, em razão das influências trazidas da América, da Ásia e da África à Europa. O autor menciona o efeito dos novos conhecimentos sobre os princípios da ciência existentes até então e comenta o papel fundamental que a periferia – o mundo extraeuropeu – exerceu sobre o fenômeno maior da história da ciência, a revolução científica. Segue-se uma seção sobre o Brasil colonial e a química, que descreve as técnicas envolvidas na produção da cana-de-açúcar e de aguardente. O autor aborda ainda a terceira fase econômica colonial, a partir do final do século XVII, com os ciclos do ouro e dos diamantes, na qual serão necessários conhecimentos científicos de mineralogia e geologia. Há também uma análise da influência dos jesuítas na educação no Brasil Colônia e finalmente é discutida a contribuição científica dos holandeses durante seu domínio no Nordeste (1637-1644). Um capítulo dedicado à ciência e às técnicas no século XVIII compreende a descrição de técnicas militares na produção de pólvora, de conhecimentos metalúrgicos e químicos relacionados à mineração e uma abordagem da medicina praticada no Brasil no mesmo período.

As contribuições de Vicente Coelho de Seabra Silva Telles (1764-1804), o primeiro químico moderno brasileiro, são tema de um capítulo, que se refere inicialmente à sua primeira obra, Dissertação sobre a fermentação (1787). Nesse trabalho, Seabra introduz a teoria do oxigênio de Lavoisier na literatura química portuguesa. A seguir o autor analisa duas obras publicadas por Seabra em 1788, um ano antes da publicação do Traité élémentaire de chimie, de Lavoisier: Dissertação sobre o calor e Elementos de química. Nelas, as interpretações da natureza da combustão e da redução alinham-se com as ideias do químico francês. Um capítulo é dedicado às contribuições científicas de José Bonifácio de Andrada e Silva, os trabalhos publicados por ele e suas descobertas de novos minerais, entre os quais a petalita, um mineral de lítio. José Bonifácio tornou-se o único brasileiro diretamente envolvido nos eventos que levaram à descoberta de um novo elemento químico – o lítio. Há um capítulo que trata das implicações da vinda da Corte portuguesa para o Brasil, tais como a institucionalização do ensino de ciências e o início da siderurgia no país. O gosto de dom Pedro II pela ciência é matéria de um outro capítulo, que contém informações sobre a formação científica que o imperador deu às suas filhas, e sobre o interesse da princesa Isabel pela química. Um capítulo aborda as origens da universidade brasileira desde a vinda dos jesuítas, a fundação das primeiras faculdades de medicina depois da chegada da Corte portuguesa e o início das atividades de ensino superior, sem interrupção, com a criação da Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho (1792), núcleo do que viria a constituir a atual Universidade Federal do Rio de Janeiro. O autor optou por enfatizar o período compreendido entre os séculos XVI e XIX, reservando o capítulo final para nos dar sua visão da história da química e da modernização científica do país no século XX. O texto, de leitura agradável, interessa não exclusivamente a químicos, mas também a cientistas de outras áreas e a historiadores. Heloisa Beraldo é professora do Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

eduardo cesar

Heloisa Beraldo


carreiras

Empreendedorismo

Como convencer um investidor

ilustraçãO  daniel bueno

Uma boa apresentação é fundamental para startups conseguirem financiamento O maior desafio de novos empreendedores, sobretudo aqueles que saem direto da universidade, é apresentar a própria empresa de forma objetiva e clara em poucos minutos para que todos os possíveis interessados em apoiá-la possam entender. Isso acontece em eventos de inovação e empreendedorismo, como concursos, mostras de tecnologias, conferências, incubadoras, principalmente para investidores. Essa prática se desenvolveu em encontros de aceleradoras de empresas e é chamada de pitch – expressão inglesa para uma curta apresentação de vendas. As aceleradoras são empresas ou instituições que oferecem programas de treinamento e mentoria para o empreendedor avançar na formatação do negócio. A maioria das apresentações ou pitches é realizada em até

sete minutos, o que exige muita concisão e clareza do negócio, do mercado, dos concorrentes, além de mostrar que o empreendedor ou a equipe são capazes de desenvolver determinada tecnologia ou inovação. “O mais difícil é contar uma história linear; se conseguir, já é meio caminho andado”, diz André Fossa, treinador de pitches no Desafio Unicamp, uma competição realizada anualmente pela Agência de Inovação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A ideia é estimular novos empreendimentos baseados em tecnologias desenvolvidas na universidade. André é administrador de empresas, fez MBA pela Columbia Business School e fundou o Agenda Pet, um portal de serviços para animais de estimação. Ele tem também um blog (www.milliondollarpitches.com) que traz dicas para apresentações.

“Eu relaciono 11 tópicos para um pitch que começa com a abertura e apresentação pessoal e vai até o fim quando é preciso apresentar algum resultado”, diz André. “Sugiro que a pessoa inicie o treinamento com duas vezes o tempo que terá na apresentação principal. Faz, grava e revisa, se policiando para ser o menos prolixo possível”, ensina. Para Alan Leite, administrador de empresas e sócio da aceleradora de empresas Startup Farm, o empreendedor deve expor de modo claro a capacidade de transformar o projeto em algo com resultado. A Startup Farm realizou um programa de aceleração em junho deste ano em parceria com o Instituto de Matemática e Estatística (IME) da Universidade de São Paulo (USP) (ver Pesquisa FAPESP nº 233). “No pitch é preciso demonstrar uma paixão enorme e um conhecimento profundo do que se pretende fazer e do mercado”, diz Alan. “Muitas vezes, um empreendedor mais técnico pensa naquilo que faz mais sentido na cabeça dele, mas para os outros isso não está exposto de forma clara e objetiva”, comenta. “Na fase de treinamento é que se percebe quando a estrutura do negócio tem problemas, que falta um raciocínio lógico”, diz. “O problema aí não é o pitch, mas a falta de entendimento do negócio”, afirma André. Outra recomendação que Alan faz é que todos devem ser transparentes com os números apresentados, como tamanho de mercado, por exemplo. Em apresentações mais reservadas como aquelas feitas com possíveis investidores, o ideal, segundo André, é ser flexível porque o empreendedor vai ser interrompido e as respostas têm que ser imediatas, não deixar para depois ou falar que “isso eu vou apresentar mais à frente”. n Marcos de Oliveira PESQUISA FAPESP 238 | 97


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Foco e determinação Doutora em Bioquímica pela USP abre escritório que presta serviços de assessoria em propriedade intelectual Ao assistir a uma palestra de um bioquímico que falava sobre patentes no segundo ano da graduação, a então estudante de 19 anos, Leonor Magalhães Galvão, resolveu que gostaria de tratar desse assunto profissionalmente. “Liguei para casa e falei para a minha mãe que tinha descoberto o que queria fazer pelo resto da minha vida”, lembra Leonor. “Nesse seminário, chamado ‘Patent Law for Academics’, eu esperava um advogado, mas apareceu um bioquímico que explicou o básico sobre patentes e a importância de uma formação técnica para atuar na área”, conta Leonor. A palestra foi no Imperial College of Science, Technology and Medicine, da Universidade de Londres, na Inglaterra, onde ela, portuguesa de Lisboa, cursou a graduação em Bioquímica entre 1996 e 2000. Mesmo pensando em patentes, ela experimentou a bancada de laboratórios em projetos de iniciação científica, o que só reforçou sua decisão. “No laboratório a velocidade é muito lenta, as coisas demoram para acontecer, ficar observando uma molécula por quatro anos não é para mim”, diz. “Na área de patentes, não se veem os experimentos que deram errado, só chega para nós o que deu certo e podemos contribuir de forma muito positiva para que a ciência desenvolvida durante tantos anos chegue finalmente ao mercado.” Mesmo decidida, ela achou que valia a pena se doutorar. “Na Europa, o fato de ter o doutorado ajuda muito porque os escritórios de patentes querem profissionais com essa titulação, especialmente na área de ciências da vida.” Em 2000, ela solicitou à Fundação para a Ciência e Tecnologia de Portugal uma bolsa 98 | dezembro DE 2015

para fazer o doutorado na mesma instituição inglesa. Mas, em 2001, ela conheceu seu futuro marido em uma viagem ao Brasil e resolveu mudar o seu doutorado. O governo português concordou e Leonor ingressou no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) para fazer o doutorado, sob a orientação do professor Shaker Chuck Farah. Na época, no Brasil, o sequenciamento dos genomas de vários organismos ganhava impulso. Seus estudos sobre a bactéria Xanthomonas axonopodis citri, por exemplo, foram utilizados no Projeto Genoma Estrutural, iniciado em 2001, que tinha o objetivo de analisar as funções das proteínas descobertas nos genomas das bactérias Xylella fastidiosa e Xanthomonas spp, por exemplo. Paralelamente, ela estudava sobre a legislação de patentes por conta própria e prestou exame para se credenciar no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). Depois atuou como consultora em alguns escritórios de patentes. Em 2005, antes de defender a tese em 2007, desistiu da bolsa e começou a trabalhar, em São Paulo, no escritório de propriedade intelectual Monsen Leonardos. Em fevereiro de 2015, aos 37 anos e já com três filhos, Leonor montou com mais três sócios a Magellan IP, um escritório que presta serviços de assessoria em processamento administrativo e consultoria em todas as áreas de propriedade intelectual. Leonor atua na área de patentes, com especial enfoque em biotecnologia, e representa clientes nacionais e internacionais interessados em explorar a sua propriedade intelectual no país e no exterior. “A vivência da

Leonor Galvão: experiência de bancada ajuda a entender melhor o pesquisador

bancada me ajuda hoje a entender o pesquisador e indicar a ele o que é necessário para que uma patente proteja uma determinada invenção da melhor forma possível”, conta. Além do trabalho no escritório de patentes, ela participa desde 2005 da coordenação da Comissão de Estudos de Biotecnologia da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, que reúne escritórios e empresas interessadas no tema. O grande desafio para ela agora é ser empresária e cuidar da gestão da empresa que inclui a folha de pagamento dos 17 colaboradores, marketing e financeiro. Leonor acredita que o desafio para o Brasil é entender que propriedade intelectual é investimento. “Já melhorou muito, nas universidades e empresas brasileiras, mas ainda é preciso educar as pessoas para que elas compreendam o valor e as demandas de uma patente.” Ela acredita que a disseminação de palestras como aquela que assitiu aos 19 anos na Inglaterra é da maior importância para alcançar esse objetivo. O primeiro passo foi dado na FAPESP, em outubro, quando ela foi uma das palestrantes do seminário “O valor de suas ideias: como proteger a sua propriedade intelectual no Brasil e nos Estados Unidos”. n M. O.


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