Saúde dos adolescentes

Page 1

Pesquisa FAPESP outubro de 2016

Dezoito institutos privados fazem pesquisa sob encomenda em São Paulo outubro de 2016  www.revistapesquisa.fapesp.br

Obama nungara, o verme brasileiro que chegou à Europa Rios de metano líquido e ventos moldaram a paisagem de Titã Transitando entre ecologia teórica e de campo, Thomas Lewinsohn propõe estratégias de conservação Imigrantes italianos construíram no Brasil a noção de italianidade Pesquisadores brasileiros participam do desenvolvimento da rede de celular 5G

n.248

Saúde dos adolescentes exemplar de assinante venda proibida

n.248

Dois levantamentos nacionais indicam taxas elevadas de sobrepeso, hipertensão e colesterol, fatores que aumentam o risco de diabetes e doenças do coração


assine a revista cult

ASSINE POR 12 MESES

170,00

R$

ANUAL

ASSINE POR 24 MESES

317,00

R$

BIANUAL

W W W. R E V I S TA C U LT. C O M . B R 11 3 3 8 5 3 3 8 5 • 11 9 5 3 9 4 5 0 4 9

W H AT S A P P

A S S I N E C U LT @ E D I T O R A B R E G A N T I N I . C O M . B R

PERIDIOCIDADE MENSAL

A MAIS LONGEVA REVISTA DE CULTURA DO BRASIL SÓ TOMA UM PARTIDO: O DA INTELIGÊNCIA


fotolab

A beleza do conhecimento em imagens

Sua pesquisa rende fotos bonitas? Mande para imagempesquisa@fapesp.br Seu trabalho poderá ser publicado na revista.

Carga valiosa Ao visitar flores, as abelhas solitárias do gênero Tetrapedia não buscam apenas pólen. Elas são especializadas em recolher óleo, que transportam em meio às cerdas das estruturas das patas conhecidas como escopas e usam para alimentar as larvas e construir seu ninho. “Na maior parte das vezes elas coletam tanto óleo como pólen, que carregam misturados”, conta a ecóloga Paula Montagnana. Em seu doutorado, ela estuda o efeito da cobertura florestal na abundância dessas abelhas na serra da Cantareira, norte da metrópole paulistana. “A floresta é importante tanto por fornecer alimento como cavidades para ninhos.” Ao contrário das conhecidas colmeias construídas pelas abelhas sociais, estas aproveitam ocos em troncos e galhos.

Foto de Rafael Souza Cruz Alves enviada por Paula Montagnana, doutoranda no campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP)

PESQUISA FAPESP 248 | 3


outubro  248

TECNOLOGIA 74 Telecomunicações Pesquisadores brasileiros trabalham na formatação do sistema 5G para celulares

CAPA 16 Dois levantamentos nacionais sobre a saúde dos adolescentes alertam para níveis elevados de excesso de peso, hipertensão e colesterol total 24 Um terço dos adolescentes brasileiros apresenta sinais de sofrimento psíquico ENTREVISTA 28 Thomas Lewinsohn Ecólogo integra evolução a modelos físicos e matemáticos e influencia políticas de conservação

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA 34 Sistema de Ciência e Tecnologia Dezoito institutos privados de São Paulo fazem pesquisas sob encomenda para atender demandas 42 Difusão Relatório britânico avalia experiências criadas para ampliar o alcance de informações baseadas em evidências científicas 44 Efeméride Conferência marca os 50 anos do Science Policy Research Unit, da Inglaterra, referência em economia e política científica

CIÊNCIA 48 Astronomia Metano líquido cria cânions e lagos na superfície gelada de Titã, maior lua de Saturno ilustração da capa  daniel kondo

52 Geologia Pesquisadores divergem sobre como o mar invadiu há 115 milhões de anos o que hoje é o interior do Nordeste 56 Bioinformática Novos softwares analisam papel de redes de genes no desencadeamento de doenças 58 Zoologia Originária do Brasil, planária com nome do presidente norte-americano se espalha pela Europa 62 Biodiversidade Uma combinação de estudos genéticos e ecológicos revela processos evolutivos 66 Ecologia Degradação de hábitats pode ameaçar estabilidade da maior diversidade de peixes do mundo

78 Interconectividade Sem conexão com a internet, sistema permite que veículos troquem informações sobre tráfego 80 Engenharia química Polímeros naturais superabsorventes podem viabilizar culturas agrícolas em regiões áridas

HUMANIDADES 84 Imigração Italianos construíram no Brasil a noção de italianidade 88 Urbanismo Áreas urbanas demarcadas como prioritárias para habitação social funcionam apenas com medidas complementares, indica pesquisa

70 Câncer Ação de proteína pode favorecer progressão mais branda de tumor de pele 71 Imunologia Voluntários recebem as primeiras doses de duas formulações candidatas a vacina contra zika

seçÕes 3 Fotolab 5 Cartas 6 On-line 7 Carta da editora 8 Dados e projetos 9 Boas práticas 10 Estratégias 12 Tecnociência 92 Memória 95 Carreiras 98 Classificados


cartas

contatos Internet revistapesquisa.fapesp.br redacao@fapesp.br PesquisaFapesp PesquisaFapesp pesquisa_fapesp

Pesquisa Fapesp

Pesquisa Fapesp Opiniões ou sugestões Por e-mail: cartas@fapesp.br

Pelo correio: Rua Joaquim Antunes, 727 – 10º andar CEP 05415-012, São Paulo, SP Assinaturas, renovação

cartas@fapesp.br

Básica vs. aplicada

Muita tecnologia recente só pôde ser produzida a partir de teorias, conhecimentos e descobertas de tempos atrás (“Os impactos do investimento”, edição 246). Naquela época esse conjunto de achados científicos também poderia ser considerado “extravagante” sob a ótica do utilitarismo exacerbado.

assinaturaspesquisa@fapesp.br ou ligue para (11) 3087-4237, de segunda a sexta, das 9h às 19h Para anunciar  Contate:

Pesquisa básica é primordial para o desenvolvimento científico e tecnológico. É por meio do entendimento da base que podemos pensar na aplicabilidade. Além disso, o investimento em pesquisa científica constrói uma nação sustentável e desenvolvida. Mayara Rodrigues Barbosa

Pesquisa básica, imaginação ilimitada!

Por telefone: (11) 3087-4212 Edições anteriores Preço atual de capa acrescido do custo de

Pneus

Minha sugestão: vamos fazer piso com esse material (“Reciclagem de pneus”, edição 246). “Cerâmica” emborrachada para pavimentar parques infantis de praças públicas. Eduardo Carvalho

Licenciamento de conteúdo Adquira os direitos de reprodução de textos e imagens de Pesquisa FAPESP. Por e-mail: mpiliadis@fapesp.br Por telefone: (11) 3087-4212

Perfeito: perfil genético, individualidade e especificidade de treinamento. Carla Ribeiro

Espero mesmo que seja possível utilizar essa tecnologia a partir do período escolar. Creio que ajudará várias crianças a encontrar uma atividade física apropriada. Lucas Tavares

Ocultos, os fungos não deixam de ser patógenos perigosos, mas não recebem a devida atenção (vídeo “O ataque silencioso dos fungos”). César Duleba

Infecções por fungos são seriíssimas e merecem mais pesquisas. Jaquelini Ribeiro Dias

Um alerta aos órgãos públicos e à sociedade. Fernando Pereira

Excelente o perfil de Guido Levi, pena que as pessoas não se interessem pelo assunto. Abraão Caldas

Pequenas empresas

Existe vida inteligente fora da capital (“Terrenos férteis para inovação”, edição 246). Felipe de Castro Lopes

postagem. Peça pelo e-mail: clair@fapesp.br

William Braz Santos

Ricardo Lombardi

Paula Iliadis  Por e-mail: publicidade@fapesp.br

Sobre o vídeo “Genética do esporte”, é a ciência trabalhando para o melhor desempenho físico e prescrição de treino.

Cristian Wening

e mudança de endereço Envie um e-mail para

Vídeos

Dengue no mundo

Terrível esta realidade na qual se gasta US$ 8,9 bilhões por ano para o “combate” da dengue quando sabemos que os investimentos em saneamentos são as únicas formas de resolver definitivamente esse grave problema (nota “O custo da dengue no mundo”, edição 246). Dengue e doenças similares devem ser combatidas com saneamento, educação e moradias de qualidade para as populações. Roberto Barreto

Correções

Na reportagem “Simuladores para a medicina” (edição 247), o nome correto da neurocirurgiã pediátrica citada é Giselle Coelho e não Giselle Santos. O pesquisador Daniel Hogan (1942-2010) foi sociólogo e demógrafo, e não geógrafo, como foi publicado na reportagem “Reflexões sobre a população”, na edição especial Unicamp 50 anos. Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br ou para a rua Joaquim Antunes, 727, 10º andar – CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza. Via facebook.com/PesquisaFapesp Via youtube.com/user/PesquisaFAPESP

PESQUISA FAPESP 248 | 5


on-line w w w . r e v ista p e s q u isa . f a p e s p . b r

No site de Pesquisa Fapesp estão disponíveis gratuitamente todos os textos da revista em português, inglês e espanhol, além de conteúdo exclusivo

A mais vista do mês no Facebook capa

Os impactos do investimento

318 curtidas 8 comentários

Aaron O’Dea, STRI

313 compartilhamentos

Rádio Basaltos do Mioceno emergem do oceano na costa do istmo do Panamá

Exclusivo no site x O surgimento do istmo do Panamá, estreita porção de terra que liga a América do Norte à do Sul e separa o oceano Pacífico do Atlântico, teria ocorrido há cerca de 2,8 milhões de anos — e não entre 23 e 6 milhões de anos atrás, como alguns trabalhos recentes têm defendido. A conclusão é de um grupo de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Tropical Smithsonian do Panamá. Em um artigo publicado em agosto na Science Advances, eles fizeram uma reanálise de dados geológicos, paleontológicos, oceanográficos e moleculares. “As evidências de que a origem do istmo seria mais antiga do que essa data são inconclusivas”, afirma o paleontólogo Mario Cozzuol, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que contribuiu com o paper ao analisar a história evolutiva dos mamíferos na parte mais setentrional da América do Sul bit.ly/2dIfoR5 6 | outubro DE 2016

Geólogo Daniel Atencio explica como ocorre a descoberta de novos minerais no Brasil bit.ly/2cGFjs9

Vídeos do mês

youtube.com/user/PesquisaFAPESP

Assista ao vídeo:

Médico Anibal Faúndes fala sobre a importância de reduzir os abortos inseguros bit.ly/2dykekF

Assista ao vídeo:

Mutações em certos genes podem aprimorar rendimento esportivo bit.ly/2cP4OpP


fundação de amparo à pesquisa do estado de são Paulo

carta da editora

José Goldemberg Presidente Eduardo Moacyr Krieger vice-Presidente Conselho Superior Carmino Antonio de Souza, Eduardo Moacyr Krieger, fernando ferreira costa, João Fernando Gomes de Oliveira, joão grandino rodas, José Goldemberg, Marilza Vieira Cunha Rudge, José de Souza Martins, julio cezar durigan, Pedro Luiz Barreiros Passos, Pedro Wongtschowski, Suely Vilela Sampaio

Políticas públicas e pesquisas privadas Alexandra Ozorio de Almeida |

diretora de redação

Conselho Técnico-Administrativo Carlos américo pacheco Diretor-presidente Carlos Henrique de Brito Cruz Diretor Científico Joaquim J. de Camargo Engler Diretor Administrativo

issn 1519-8774

Conselho editorial Carlos Henrique de Brito Cruz (Presidente), Caio Túlio Costa, Eugênio Bucci, Fernando Reinach, José Eduardo Krieger, Luiz Davidovich, Marcelo Knobel, Maria Hermínia Tavares de Almeida, Marisa Lajolo, Maurício Tuffani, Mônica Teixeira comitê científico Luiz Henrique Lopes dos Santos (Presidente), Anamaria Aranha Camargo, Ana Maria Fonseca Almeida, Carlos Américo Pacheco, Carlos Eduardo Negrão, Fabio Kon, Francisco Antônio Bezerra Coutinho, Joaquim J. de Camargo Engler, José Goldemberg, José Roberto de França Arruda, José Roberto Postali Parra, Lucio Angnes, Marie-Anne Van Sluys, Maria Julia Manso Alves, Paula Montero, Roberto Marcondes Cesar Júnior, Sérgio Robles Reis Queiroz, Wagner Caradori do Amaral, Walter Colli Coordenador científico Luiz Henrique Lopes dos Santos diretora de redação Alexandra Ozorio de Almeida editor-chefe Neldson Marcolin Editores Fabrício Marques (Política), Márcio Ferrari (Humanidades), Marcos de Oliveira (Tecnologia), Ricardo Zorzetto (Ciência), Carlos Fioravanti e Marcos Pivetta (Editores espe­ciais), Bruno de Pierro (Editor-assistente) revisão Alexandre Oliveira e Margô Negro arte Mayumi Okuyama (Editora), Ana Paula Campos (Editora de infografia), Júlia Cherem Rodrigues e Maria Cecilia Felli (Assistentes) fotógrafos Eduardo Cesar e Léo Ramos Mídias eletrônicas Fabrício Marques (Coordenador) Internet Pesquisa FAPESP online Maria Guimarães (Editora) Rodrigo de Oliveira Andrade (Repórter) Jayne Oliveira (Redatora) Renata Oliveira do Prado (Mídias sociais) Rádio Pesquisa Brasil Biancamaria Binazzi (Produtora) Colaboradores Alexandre Affonso, André Julião, Christina Queiroz, Daniel Bueno, Daniel Kondo, Fabio Otubo, Igor Zolnerkevic, Marcelo Cipis, Pedro Hamdan, Ricardo Aguiar, Valter Rodrigues, Veridiana Scarpelli, Yuri Vasconcelos É proibida a reprodução total ou parcial de textos e fotos sem prévia autorização Para falar com a redação (11) 3087-4210 cartas@fapesp.br Para anunciar Paula Iliadis (11) 3087-4212 publicidade@fapesp.br Para assinar (11) 3087-4237 assinaturaspesquisa@fapesp.br Tiragem 29.700 exemplares IMPRESSão Plural Indústria Gráfica distribuição Dinap GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP PESQUISA FAPESP Rua Joaquim Antunes, no 727, 10o andar, CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP FAPESP Rua Pio XI, no 1.500, CEP 05468-901, Alto da Lapa, São Paulo-SP Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia Governo do Estado de São Paulo

A

saúde dos adolescentes foi objeto de dois amplos inquéritos nacionais: centenas de pesquisadores de dezenas de universidades ouviram milhares de pessoas de 12 a 17 anos. O mapeamento de hábitos alimentares, atividades físicas, alterações metabólicas, indicadores de saúde mental, entre outros, mostrou um quadro preocupante, embora esperado. Um dos levantamentos, voltado para identificar a frequência de riscos cardiovasculares, encontrou índices relativamente elevados de sobrepeso ou obesidade (25%), taxas de colesterol total acima do recomendável (20%) e hipertensão arterial (10%). Os dados sobre saúde mental também chamam a atenção. Um em cada três adolescentes apresenta sinais de algum grau de sofrimento psíquico, que afeta principalmente as meninas: 38,4% delas apresentavam sintomas de depressão e ansiedade, identificados em 21,6% dos meninos (ver reportagens às páginas 16 e 24). Igualmente preocupante foi o estilo de vida da maior parte dos ouvidos pela sondagem: a maioria (54,3%) é sedentária e passa duas ou mais horas por dia na frente da televisão (66,6%), frequentemente fazendo suas refeições diante da tela. Sua alimentação é desequilibrada e desregulada. Dados da Organização Mundial da Saúde mostram que o Brasil não é um ponto fora da curva. A proporção de adolescentes que apresentam problemas de saúde é semelhante à de outros países. Os estudos financiados pelo Ministério da Saúde (MS) oferecem dados nacionais essenciais para ajudar na elaboração de políticas públicas de saúde e educação que evitem que esses adolescentes se transformem em adultos doentes. ** Universidades e empresas são a resposta mais comum quando a pergunta é onde se produz pesquisa científica e tecnológica – mas não a única. Institutos privados que fazem pesquisa por encomenda são um caminho menos conhecido, mas não in-

comum, como mostra reportagem à página 34, que trata de 18 casos em São Paulo. A origem desses institutos é variada. O CPqD, antigo centro de pesquisa da extinta estatal de telecomunicações Telebrás, é o maior dos institutos privados paulistas em tecnologia da informação. Nessa área, surgiram centros em decorrência da Lei de Informática, que exige das empresas, em troca de benefícios, investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Parte dos investimentos precisa ser feita juntamente com instituições de pesquisa e de ensino nacionais – o que estimulou a criação de instituições sem fins lucrativos. Um exemplo é o Instituto Eldorado, fundado pela Motorola, que depois da crise da empresa norte-americana ampliou o número de clientes para os quais oferece seus serviços. Incentivos fiscais também motivaram hospitais a desenvolver atividades de pesquisa. Desde 2009, aqueles classificados como entidades beneficentes de assistência social em saúde podem fazer parcerias com o MS que permitem que os valores aplicados em projetos de pesquisa aprovados pelo ministério sejam abatidos do imposto de renda. Entre eles estão os hospitais Sírio-Libanês, Albert Einstein, HCor, Samaritano e Oswaldo Cruz. Outro grupo de institutos privados tem como tema a agricultura. O CTC, voltado para pesquisas sobre a cana-de-açúcar, foi criado em 1969 por iniciativa de usineiros que buscavam criar um centro coletivo de desenvolvimento tecnológico para seu setor. Reestruturado há alguns anos, o CTC é hoje uma sociedade anônima, concentrada em tecnologias disruptivas para a indústria sucroenergética. O fenômeno é relativamente recente e merece ser acompanhado com atenção, não apenas por ser um caminho alternativo às atividades de P&D, mas também pelo fato de a maioria contar com recursos públicos para financiar suas atividades. PESQUISA FAPESP 248 | 7


Dados e projetos Temáticos e Jovens Pesquisadores recentes Projetos contratados pela FAPESP em agosto e setembro de 2016 temáticos  Interação entre alvos terapêuticos emergentes e vias de desenvolvimento associadas à tumorigênese: Ênfase em neoplasias da criança e do adolescente Pesquisador responsável: Luiz Gonzaga Tone Instituição: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP Processo: 2014/20341-0 Vigência: 01/09/2016 a 31/08/2020

Vitor de Souza Filho Instituição: Instituto de Física de São Carlos/USP Processo: 2015/15897-1 Vigência: 01/08/2016 a 31/07/2021

Odontologia de Araraquara/Unesp Processo: 2015/23467-7 Vigência: 01/09/2016 a 31/08/2020

 Incidência de doença

Brazilians experiences of and learning about food-water-energy (FAPESP-NF-ESRC) Pesquisador responsável: José Antonio Perrella Balestieri Instituição: Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá/ Unesp Processo: 2015/50226-0 Vigência: 01/09/2016 a 31/08/2018

tireoidiana clínica, subclínica e de anticorpos antitireoperoxidase no Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil) Pesquisadora responsável: Isabela Judith Martins Bensenor Instituição: Hospital Universitário/ USP Processo: 2015/17213-2 Vigência: 01/09/2016 a 31/08/2020

 Redes regulatórias e

sinalização associadas à cana energia (Bioen) Pesquisadora responsável: Glaucia Mendes Souza Instituição: Instituto de Química/USP Processo: 2014/50921-8 Vigência: 01/09/2016 a 31/08/2021

 Fisiopatologia experimental:

Mecanismos centrais de controle cardiovascular e respiratório envolvidos em modelos experimentais de hipertensão e obesidade Pesquisador responsável: Eduardo Colombari Instituição: Faculdade de

 CherenkovTelescope Array – CTA Pesquisador responsável: Luiz

Processo: 2015/21866-1 Vigência: 01/09/2016 a 31/08/2020  Estudo das propriedades

 (Re)connect the nexus: Young

eletrofisiológicas e morfofuncionais de neurônios do núcleo central do colículo inferior envolvidas com a gênese e propagação das crises audiogênicas Pesquisadora responsável: Alexandra Olimpio Siqueira Cunha Instituição: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP Processo: 2015/22327-7 Vigência: 01/09/2016 a 31/08/2020

JOVENS PESQUISADORES  Regulação da célula-tronco hematopoética normal e neoplásica mediada por citocinas secretadas pelas células natural killer Pesquisadora responsável: Lorena Lobo de Figueiredo Pontes Instituição: Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto/SSSP

 Papel dos microRNAs na

regulação das células-tronco retinianas Pesquisadora responsável: Carolina Beltrame Del Debbio Instituição: Instituto de Ciências Biomédicas/USP Processo: 2015/24001-1 Vigência: 01/09/2016 a 31/08/2018

O ensino médio em debate Número de ingressantes no ensino superior supera o de concluintes do ensino médio regular desde 2006

Brasil

São Paulo 1.000

3.500

3.111

2.337

2.500 2.000

1.787

1.852 1.646

1.750

1.797

1.826

1.864

1.432

960 903

500

700 600

534

500 400

312

497 419

364

300

100

510

415

200

651

514

787

800

2.182

1.965 1.859

1.330

1.500 1.000

1.855

862

900

2.747 Milhares de pessoas

Milhares de pessoas

3.000

232

187

614

615

389

412

2008

2010

532 479

442

467

273

0

0 1996

n Transição

1998

2000

2002

2004

2006

2008

2010

2012

2014

n Concluintes ensino médio (ano anterior)  n Ingressantes ensino superior

1996

n Transição

1998

2000

2002

2004

2012

2014

n Concluintes ensino médio (ano anterior)  n Ingressantes ensino superior

Fontes: Censo da Educação Básica e Censo da Educação Superior, 1995-2014, Inep/MEC; elaboração da Coordenação de Indicadores, FAPESP

8 | outubro DE 2016

2006


Boas práticas

eduardo cesar

Rigor e transparência na pesquisa biomédica Em um artigo de opinião publicado na revista Cell Metabolism, o canadense Daniel Drucker enumerou cinco sugestões para ajudar a pesquisa biomédica a superar o que ele definiu como a “crise de reprodutibilidade na pesquisa translacional”, entendida como o abismo entre a esperança criada por testes pré-clínicos que sugerem a viabilidade de novas terapias e medicamentos e o posterior fracasso em convertê-los em conquistas concretas. Drucker, professor do Instituto de Pesquisa Lunenfeld-Tanenbaum do Hospital Monte Sinai, em Toronto, Canadá, conhecido por ter ajudado a desenvolver novos tratamentos contra o diabetes e contra uma doença conhecida como síndrome de intestino curto, sugere em primeiro lugar que se utilizem nos testes pré-clínicos as regras adotadas nos testes clínicos. Ele lembra que, nesses últimos, é proibido omitir resultados desfavoráveis e publicar apenas os positivos. Já nos testes pré-clínicos, é comum realizar uma grande quantidade de experimentos de ciência básica em animais e divulgar apenas aqueles que deram certo. “A maioria dos resultados negativos, contraditórios ou divergentes não é relatada”, escreveu Drucker, que propõe a apresentação desses resultados de testes de forma organizada, no momento em que o artigo é submetido a uma revista. “A transparência pode enquadrar os resultados promissores em um contexto mais amplo e realista.” O pesquisador também sugere que experimentos sejam feitos em diversos modelos animais antes de serem considerados em testes com células e tecidos humanos. Segundo ele, essa estratégia

tornaria a pesquisa mais lenta, mas diminuiria a possibilidade de um achado animador revelar-se uma falsa esperança. As demais recomendações têm caráter mais genérico. Uma delas é organizar painéis de discussão sobre os problemas relacionados à reprodutibilidade de pesquisas em congressos médicos e científicos, que mostrem as experiências recentes de cientistas, agências de financiamento e editores de revistas. “Os problemas mais comuns poderiam ser destacados e novas soluções, propostas”, afirmou Drucker no artigo. Outra sugestão é exigir que líderes de pesquisa apresentem, nos pedidos de subvenção submetidos a agências, os trabalhos mais citados que já publicaram e deem exemplos de como seus principais resultados foram validados em outros trabalhos.

Por fim, Drucker sustenta que pesquisadores deveriam fornecer mais detalhes sobre os experimentos no momento de publicá-los, descrevendo os reagentes e informando sua origem, assim como as linhagens de células e os modelos animais utilizados. Isso facilitaria o trabalho de quem buscasse reproduzir os resultados.

Dois plágios e um autoplágio Hossein Jafarzadeh e Karen Abrinia, pesquisadores da área de engenharia mecânica da Universidade de Teerã, no Irã, tiveram três artigos retratados nos últimos meses. Evidências de plágio foram responsáveis pelas duas primeiras retratações, ambas relacionadas a artigos divulgados em 2014: a dupla copiou dados e imagens de trabalhos publicados por um grupo da China, em 2013, e por colegas do próprio Irã, em 2011. Já no caso da terceira retratação, o Journal of Mechanical Science and Technology considerou que os dois pesquisadores cometeram autoplágio em um artigo publicado em 2015. O curioso foi a origem

das informações copiadas – eles reproduziram trechos e figuras justamente dos dois artigos de 2014 retratados por plágio. “Se você for plagiar seu próprio trabalho científico, evite utilizar papers que já plagiaram pesquisas dos outros”, ironizou o site Retraction Watch, ao noticiar o caso. Procurado pelo site, Abrinia justificou o plágio com o argumento de que as imagens e dados repetidos foram fornecidos por uma empresa de fotomicroscopia contratada para produzir material original e que ignorava se tratar de informação de segunda mão. Mas preferiu não dizer nada sobre o caso de autoplágio. PESQUISA FAPESP 248 | 9


Estratégias prêmio nobel

Autofagia, transições topológicas e máquinas moleculares A Real Academia de Ciências da Suécia anunciou, até o fechamento desta edição, os ganhadores do Prêmio Nobel deste ano em três categorias. Em Medicina ou Fisiologia, o vencedor foi o biólogo japonês Yoshinori Ohsumi, professor do Instituto Tecnológico de Tóquio, Japão, por suas contribuições para a elucidação dos mecanismos da autofagia, processo biológico em que as células digerem a si mesmas e se renovam, eliminando e rea-

1

2

3

Vencedores do Nobel de Física (da esquerda para a direita): Duncan Haldane, David Thouless e Michael Kosterlitz

proveitando proteínas. Visto antes apenas como um tipo de morte celular, essa for-

Os laureados em Física foram três

ma de autodestruição seletiva de compo-

britânicos radicados nos Estados Unidos:

nentes intracelulares passou a ser consi-

David Thouless, da Universidade de Wa-

derada pelos biólogos como um artifício

shington, Michael Kosterlitz, da Univer-

de sobrevivência sofisticado dos organis-

sidade Brown, e Duncan Haldane, da

mos. Mais recentemente, diante da pos-

Universidade de Princeton. Eles desven-

sibilidade de esse processo ser acelerado

daram as bases do que ficou conhecido

ou retardado, a autofagia tornou-se uma

como transições topológicas de fase e

estratégia promissora para impulsionar o

fases topológicas da matéria. A topologia

combate a doenças como câncer, Alzhei-

é o ramo da matemática que descreve

mer e Parkinson. Os estudos de Ohsumi

as propriedades que não mudam quando

tomaram fôlego a partir de 1988, quando

uma forma é alterada de modo gradual.

montou seu laboratório na Universidade

A teoria mostrou que as regularidades

Feringa, da Universidade de Groningen,

de Tóquio, onde se graduou e trabalhou

inesperadas no comportamento da ma-

na Holanda, e Jean-Pierre Sauvage, da

até meados dos anos 1990. Ele conseguiu

téria estão por trás das transições de fase,

Universidade de Estrasburgo, na França.

mostrar que a autofagia é controlada pela

como de sólido para líquido, e de materiais

Foram premiados por suas contribuições

produção em cascata de proteínas e com-

com propriedades extremas como super-

para a produção de sistemas de associa-

plexos proteicos, cada um deles respon-

condutores. Esse conhecimento ajuda na

ção de moléculas voltados à formação de

sável pela regulação de um estágio espe-

busca por novas fases da matéria, que

sistemas nanomecânicos, as “máquinas

cífico da formação dos chamados

podem ter usos tecnológicos, como com-

moleculares”. Eles desenvolveram siste-

autofagossomas. Graças às contribuições

putadores quânticos.

mas de moléculas com movimentos con-

Yoshinori Ohsumi, laureado na categoria Medicina ou Fisiologia

4

de Ohsumi, sabe-se hoje que a autofagia

Em Química, os vencedores foram

troláveis, capazes de desempenhar ati-

é essencial para o funcionamento ade-

Fraser Stoddart, da Universidade North-

vidades específicas quando estimuladas

quado das células.

western, nos Estados Unidos, Bernard

eletricamente ou com luz.

5

6

10 | outubro DE 2016

7

Os premiados em Química foram (da esquerda para a direita) Jean-Pierre Sauvage, Fraser Stoddart e Bernard Feringa


Novo diretor do Inpe

fotos 1 Denise Applewhite / Princeton University 2 University of Washington  3 Brrown University 4 Tokyo Institute of Technology  5 Université de Strasbourg  6 ucla  7 wikimediacommons  8 léo ramos  9 Arquivo Público do Paraná

Goldemberg, professor emérito da USP O Conselho Universitário

o pesquisador é um

da Universidade de

defensor do uso de

O físico Ricardo Magnus

São Paulo (USP) aprovou

novas tecnologias

Osório Galvão foi nomeado

a outorga do título de

para promover o

pelo ministro da Ciência,

professor emérito a

desenvolvimento

Tecnologia, Inovações e

José Goldemberg,

sustentável e

Comunicações, Gilberto

presidente da FAPESP.

detentor de prêmios

Kassab, para ser o novo

O reconhecimento é

internacionais, como o

diretor do Instituto

concedido a professores

Planeta Azul, da Asahi

Nacional de Pesquisas

que se distinguiram por

Glass Foundation, do

atividades didáticas e de

Japão. Foi reitor da USP

pesquisa ou que tenham

entre 1986 e 1990,

contribuído, de modo

presidente da

notável, para o progresso

Companhia Energética

da USP. Este é o

de São Paulo e da

17º título de professor

Sociedade Brasileira

importante de todo

de Física da Universidade

emérito concedido

para o Progresso

o trabalho que venho

de São Paulo (IF-USP),

pela universidade.

da Ciência, ministro da

realizando ao longo da

Ricardo Galvão foi diretor

Goldemberg é doutor

Educação, secretário

carreira. O título é

do Centro Brasileiro de

em ciências físicas pela

do Meio Ambiente da

concedido em nome de

Pesquisas Físicas (CBPF) e

USP e já era professor

Presidência da República

toda a universidade e

presidente da Sociedade

emérito do Instituto

e secretário do Meio

isso significa que, mesmo

Brasileira de Física.

de Física (IF) e do

Ambiente do Estado de

depois de aposentado,

Graduado em engenharia

Instituto de Energia e

São Paulo, entre outros

o professor não foi

de telecomunicações pela

Ambiente (IEE) da USP.

cargos. “Trata-se de um

esquecido”, disse

Universidade Federal

Especialista em energia,

reconhecimento muito

Goldemberg.

Fluminense, Galvão é

Espaciais (Inpe), com O presidente da FAPESP, José Goldemberg: contribuições reconhecidas

8

mandato de quatro anos. Ele substitui Leonel Perondi, à frente da instituição desde maio de 2012. Professor do Instituto

mestre em engenharia elétrica pela Universidade Estadual de Campinas

Acervo sobre integralismo doado à Unicamp

(Unicamp) e doutor em física pelo Massachusetts

Um acervo sobre o

denominação de

receber essa doação

Institute of Technology

movimento integralista

Coleção Helgio Trindade:

porque vem do maior

(MIT), com livre-docência

brasileiro, uma variante

Ação Integralista

estudioso brasileiro

do fascismo, foi doado à

Brasileira e Fascismo

sobre o tema. Trata-se

Universidade Estadual

Internacional.

de um material muito

de Campinas (Unicamp)

Considerado pioneiro na

pertinente ao AEL”, disse

e ficará à disposição de

pesquisa sobre o tema,

o coordenador-geral

pesquisadores e

Trindade é autor do livro

da Unicamp, Alvaro

estudantes. A doação foi

Integralismo: O fascismo

Penteado Crósta.

feita por Helgio Trindade,

brasileiro da década de

ex-reitor da Universidade

30, obra clássica no país,

Federal do Rio Grande

fruto de seu doutorado

do Sul (UFRGS). O

defendido em 1971 na

material é composto por

Universidade de

livros, entrevistas

Sorbonne, em Paris. “Eu

gravadas pelo doador

sabia que na Unicamp

em fitas cassete com

havia um arquivo

ex-dirigentes e militantes

de referência. O

da Ação Integralista

integralismo é um tema

Brasileira (AIB), coleções

de São Paulo, melhor do

de jornais e documentos.

que qualquer outro lugar

Ficará incorporado ao

é que esteja em São

Arquivo Edgard

Paulo”, disse Trindade à

Leuenroth (AEL) da

agência de notícias da

Unicamp, sob a

Unicamp. “É uma honra

em física experimental Plínio Salgado, líder da Ação Integralista Brasileira, em comício no Paraná na década de 1930

pela Universidade de São Paulo (USP). É membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo e da Academia Brasileira de Ciências.

9

PESQUISA FAPESP 248 | 11


Tecnociência Diferenças no DNA de neurônios

1

O DNA de cerca de metade dos neurônios saudáveis apresenta grandes inserções ou deleções de trechos em sua sequência. A

Reconstituição artística e parte da mandíbula do cinodonte Bonacynodon schultzi: comedor de insetos viveu há mais de 230 milhões de anos

conclusão se choca com o ensinamento de que todas as células contêm o mesmo material genético e faz parte de um trabalho recente coordenado por pesquisadores do Instituto Salk, da Califórnia (Nature Neuroscience, 12 de setembro). Uma das fontes dessas variações

Dois pré-mamíferos gaúchos

são os chamados L1 ou “genes saltadores”,

Duas novas espécies de

235 milhões de anos

cinodonte, vasto grupo

atrás. Dois crânios e

de animais que inclui os

mandíbulas achados em

ancestrais dos mamíferos,

1946 no município de

e africanos. “Os novos

de si mesmos ao longo

encontradas em solo

Candelária (RS), mas

fósseis ajudam a

do genoma. Essa

gaúcho, foram descritas

só agora estudados,

compreender mais

característica dos genes

na literatura científica

serviram de base para

detalhadamente a

saltadores já era

(Plos One, 5 de

descrever o Bonacynodon

evolução das formas

conhecida. A novidade

outubro). Ambas

schultzi. O nome do

pré-mamíferas que deram

é que, além de

representam pequenas

gênero, também novo,

origem ao grupo dos

promoverem inserções,

formas de cinodonte, com

é uma homenagem ao

mamíferos”, explica

comprimento entre 15 e

paleontólogo argentino

Agustín Martinelli,

30 centímetros, cuja

José Bonaparte e o da

doutorando da UFRGS e

aparência lembra ratos

espécie, ao colega

principal autor do estudo.

ou esquilos selvagens. As

paleontólogo da UFRGS

espécies foram batizadas

César Schultz. A

ajudará a entender o

por paleontólogos da

outra nova espécie,

papel dos L1 em cérebros

Universidade Federal do

Santacruzgnathus abdalai,

saudáveis e naqueles com

Rio Grande do Sul (UFRGS)

foi descrita a partir de

autismo e esquizofrenia”,

e do Instituto Federal de

uma mandíbula com

opina Fred Gage, do

Educação, Ciência e

dentes encontrada no

Instituto Salk. São

Tecnologia do Rio Grande

município de Santa Cruz

coautores do artigo os

do Sul, campus Porto

do Sul e sua designação

brasileiros Apuã Paquola,

Alegre, que analisaram

é uma referência ao

do Salk, Francisco Alves,

fósseis recuperados em

também paleontólogo

da Universidade de São

rochas do período

argentino Fernando

Paulo (USP), e Alysson

Triássico Médio Superior,

Abdala, especialista em

formadas entre 237 e

cinodontes sul-americanos

12 | outubro DE 2016

pequenos trechos de DNA 2

que se replicam e

os L1 podem provocar o Neurônios humanos: partes em vermelho são trechos de DNA

apagamento de segmentos do genoma. “O estudo revela uma nova variação que nos

Muotri, da Universidade 3

da Califórnia em San Diego.

fotos 1 Jorge Blanco  2 Plos ONE 3 Instituto Salk  4 léo ramos  5 Universidade de Kentucky

aparecem como cópias


Formação de uma quasipartícula A simulação da

100 attosegundos

formação de um tipo de

(1 attosegundo equivale

quasipartícula, uma

a 1×10−18 de 1 segundo).

perturbação coletiva

Na simulação com

em um meio que se

o gás, que trabalhou

comporta como se

com um sistema menos

fosse uma partícula, foi

denso, os polarons se

observada em tempo

formaram em alguns

real por uma equipe de

microssegundos.

físicos da Universidade

Rudolf Grimm,

de Innsbruck, Áustria

coordenador do estudo,

(Science, 7 de outubro).

faz uma analogia para

Depois de ser ministrada

associados ao uso da

Os pesquisadores

explicar o conceito de

durante dois meses a um

substância”, explica o

registraram o

quasipartícula. “Imagine

grupo de 10 pacientes

oncologista Paulo Hoff,

nascimento de polarons

um esquiador em um dia

com câncer, que

diretor-geral do Icesp e

de Fermi, uma forma de

com queda de neve”,

participaram da primeira

coordenador dos testes.

quasipartícula, em um

compara Grimm. “Uma

fase de testes clínicos

“A partir de agora, a

gás quântico ultrafrio,

nuvem de cristais o

em curso no Instituto

pesquisa determinará

formado por uma nuvem

circunda. Juntos, eles

do Câncer do Estado

se há eficácia da

de átomos de lítio na

formam um sistema que

de São Paulo (Icesp),

fosfoetanolamina,

qual estão embebidos

tem propriedades

a fosfoetanolamina

abrangendo um número

átomos de potássio.

diferentes do que o

sintética foi considerada

maior de pacientes.” A

Em sistemas com

esquiador sem a nuvem.”

uma substância segura,

próxima fase do estudo

matéria condensada,

Esse sistema é a

sem toxicidade

deverá durar seis meses

o processo dura cerca de

quasipartícula.

significativa. Embora

e fornecerá subsídios

seis pacientes tenham

sobre os efeitos,

abandonado o estudo

benéficos ou não,

devido à piora de sua

do uso do composto no

condição clínica, o

tratamento de 10 tipos

composto recebeu o

de tumores (cabeça e

sinal verde para ser

pescoço, pulmão, mama,

testado em mais pessoas

cólon e reto, colo uterino,

em uma segunda fase.

próstata, melanoma,

“A avaliação dessa

pâncreas, estômago e

primeira etapa foi

fígado). Para cada tipo

fundamental para

de tumor, o emprego da

assegurarmos que não

fosfoetanolamina será

havia risco de eventos

acompanhado em um

adversos graves

grupo de 20 pacientes.

5

Pílulas do composto: sem efeitos adversos

4

Fosfoetanolamina não tóxica

O documento “aberto” pelo raio X e intacto (à direita da moeda)

Microtomografia “desenrola” virtualmente pergaminho Imagens de raios X tratadas digitalmente

de judaica por quase 14 séculos, até ser

tratamentos que as converteram para

permitiram decifrar o que estava escrito

destruída por um incêndio no final do

duas dimensões. Segundo os pesquisa-

em um frágil pergaminho hebraico que

século VI. Esse pergaminho e outros rolos

dores, foi como se tivessem desenrolado

havia sido carbonizado por volta do ano

estavam no interior da arca sagrada de

o documento virtualmente. Nele, está

600 da Era Cristã (Science Advances, 21 de

uma sinagoga. Usando um aparelho de

registrado em hebraico um trecho do

setembro). O documento, que facilmente

raios X, pesquisadores da Universidade do

Levítico, um dos cinco livros (Pentateu-

se desfazia em cinzas ao ser tocado, foi

Kentucky, Estados Unidos, e da Universi-

co) que integram o Antigo Testamento.

descoberto em 1970 por arqueólogos que

dade Hebraica de Jerusalém produziram

O pergaminho é o segundo manuscrito

trabalhavam em En-Gedi, um oásis em

imagens tridimensionais (microtomogra-

mais antigo do Pentateuco em hebraico.

Israel, localizado a oeste do Mar Morto.

fias computadorizadas) do pergaminho

O primeiro é a coleção de textos conhe-

En-Gedi abrigou uma grande comunida-

e depois as submeteram a uma série de

cida como os Manuscritos do Mar Morto.

PESQUISA FAPESP 248 | 13


1

Três vezes mais vírus nos oceanos Um amplo estudo internacional, coordenado por pesquisadores da Universidade Estadual de Ohio, Estado Unidos, encontrou o DNA de mais 15 mil vírus em 104 amostras de água, rasas e profundas, obtidas em todos os oceanos do planeta (Nature, 21 de

Via Láctea é mapeada em detalhe

setembro). A descoberta triplicou o número de

Em 13 de setembro, a Agência Espacial

também da ESA, os astrônomos con-

Europeia (ESA) liberou para a consul-

seguiram estabelecer com um nível de

ta de astrônomos e curiosos os dados

precisão jamais alcançado a distância e

preliminares do maior mapeamento já

o movimento de 2,5 milhões de astros da

realizado das estrelas da Via Láctea, a

Via Láctea. Cinco brasileiros participam

galáxia que abriga o Sistema Solar. Co-

do projeto Gaia, que deve disponibilizar

locado em uma larga órbita ao redor do

a distância precisa de mais estrelas até o

Sol, o satélite Gaia vem tirando fotos de

final de 2017. No início do mês passado,

importante papel no ciclo

altíssima resolução de todo o céu desde

outro grupo, que conta com os astrô-

global de nutrientes como

julho de 2014. Até setembro de 2015, a

nomos Silvia Rossi e Rafael Santucci,

nitrogênio e enxofre.

missão havia obtido imagens que permi-

da Universidade de São Paulo (USP),

Sua especialidade é

tem calcular a distância e o brilho de 1,14

publicou o cálculo das idades de 130 mil

infectar e matar bactérias.

bilhão de estrelas, aproximadamente 1%

estrelas da Via Láctea. O resultado, que

Ao fazer isso, livram

do total que se calcula existir na galáxia.

ajuda a entender a formação da galáxia,

diariamente os oceanos

Ao confrontar os dados coletados pelo

mostra que as estrelas mais antigas estão

de aproximadamente

Gaia com os do mapeamento do céu feito

na região central e as mais novas, na

40% de suas bactérias,

nos anos 1990 pelo satélite Hipparcos,

periferia (Nature Physics, 5 de setembro).

alteração que modifica

vírus marinhos conhecidos. A galáxia vista do hemisfério Sul: distância e brilho de 1,14 bilhão de estrelas

Entre os organismos cujo material genético foi identificado, destaca-se um conjunto de vírus, os bacteriófagos, que parece desempenhar um

todo o ciclo de nutrientes que circula nos mares. A ação desses vírus sobre as

Som faz esfera de isopor flutuar

bactérias marinhas deve fornecer pistas para um

A levitação acústica,

objetos bem maiores

Anne Bernassau, da

provocada por ondas

do que se acreditava”,

Universidade Heriot-

sonoras, ganhou

afirma o físico Marco

-Watt, da Escócia. Entre

um aprimoramento.

Aurélio Brizzotti

as possíveis aplicações

Três emissores de

Andrade, da

da nova abordagem

ultrassom dispostos

Universidade de São

dessa técnica aventadas

na forma de um tripé,

Paulo (USP), autor do

pelos autores do trabalho

e trabalhando na

estudo (ver edição 228).

estão a realização de

frequência de 25

Segundo Andrade, a

reações químicas sem

quilohertz (kHz), fizeram

levitação acústica com

contato, o transporte e

flutuar uma esfera de

o emprego de ondas

a manipulação de

isopor de 5 centímetros

de ultrassom tinha

substâncias corrosivas

de diâmetro (Applied

conseguido fazer flutuar

e a manipulação de

Physics Letters, julho).

até agora corpos de

substâncias líquidas sem

“Conseguimos

no máximo 4 milímetros.

que exista contato com

demonstrar que é

O trabalho contou

superfícies, além da

possível utilizar ondas

com a participação

produção de novos tipos

sonoras para levitar

da professora

de medicamentos.

14 | outubro DE 2016

Frequência de 25 quilohertz levita bolinha com 5 cm de diâmetro

melhor entendimento da circulação de nitrogênio e enxofre entre os oceanos.

2


3

Salamandra que se regenera

Chrysolaena obovata: espécie do Cerrado se adapta melhor à seca a 760 ppm de C02

fotos 1 a. fuji / eso 2 Applied Physics Letters  3 Maria Angela M. Carvalho  4 Debbie R. / Flickr

Planta resiste à seca no alto C02

Anfíbio ameaçado de

de genes e períodos

extinção que vive em

caracterizados por

canais e lagos ao sul da

uma relativa estabilidade

Cidade do México, a

no perfil de genes

salamandra da espécie

expressos. Em

Ambystoma mexicanum

três estágios,

desperta a atenção dos

os pesquisadores

cientistas por uma

encontraram picos de

característica biológica

expressão de genes:

rara. O axolotle, nome

na primeira vez em que

popular do animal, é

o genoma foi ativado,

capaz de reconstituir

no momento em que o

por completo partes do

intestino se constituiu

corpo, como rabo,

e quando o sistema

espinha e olhos. Por

nervoso se formou.

isso, tem potencial para

Os cientistas teorizam

se tornar um animal

que, quando reconstrói

modelo para a biologia

partes de seu corpo,

Se a concentração

ppm, situação prevista

regenerativa. Estudo

o anfíbio mexicano

atmosférica de dióxido de

para ocorrer até o fim

de pesquisadores do

deve apresentar um

carbono (C02), principal

deste século. Em ambos

Morgridge Institute for

padrão de expressão

gás responsável pelo

os ambientes, as

Research, dos Estados

de genes similar ao

efeito estufa que provoca

amostras de C. obovata

Unidos, analisou como

desses três estágios

o aquecimento global,

foram divididas em

embriões da salamandra

embrionários.

dobrar nas próximas

quatro subgrupos e cada

usam o DNA ao longo

“Acreditamos que a

décadas, é provável que o

um deles foi submetido,

de 17 estágios de seu

regeneração de

Cerrado passe a enfrentar

durante um mês, a um

desenvolvimento e

membros do axolotle

períodos de seca mais

regime particular de

encontrou um padrão

adulto se parece muito

severa. Os efeitos

irrigação. Uma parte das

de expressão de genes

com o início do processo

negativos de uma

plantas recebeu 100%

peculiar (Developmental

de desenvolvimento do

redução significativa nos

da quantidade de água

Biology, 27 de julho).

embrião”, diz o

níveis de água disponível

considerada ideal para

Há uma alternância

pesquisador Jeffrey

para as plantas

seu crescimento. As

entre fases marcadas

Nelson, principal autor

realizarem seus processos

outras três foram

por surtos de ativação

do trabalho.

fisiológicos poderiam, no

expostas a regimes de

entanto, ser compensados

rega que imitavam as

justamente pelos altos

condições de uma seca

índices de gás carbônico

leve (75% do total ideal

(Frontiers in Plant Science,

de água), moderada

14 de junho). Ao menos

(50%) e severa (25%).

foi isso o que ocorreu em

No final do experimento,

um experimento com

foi constatado que o uso

plantas de Chrysolaena

da água, a manutenção

obovata, espécie nativa

da fotossíntese e das

do Cerrado que pertence

reservas energéticas

à família das Asteraceae,

foram bem mais

feito por uma equipe do

eficientes nas plantas

Instituto de Botânica (IBt)

crescidas sob alto CO2.

de São Paulo. Os

“Esses resultados são

pesquisadores cultivaram

favoráveis à conservação

lotes de plantas da

dessa espécie nos

espécie em dois cenários

cenários previstos de

distintos, um com taxa de

mudanças climáticas”,

380 partes por milhão

comenta a botânica

(ppm) de CO2, próxima da

Maria Angela M.

atual, e outro com 760

Carvalho, do IBt.

Axolotle: ativação de genes em certos momentos pode ser a chave para regenerar membros

4

PESQUISA FAPESP 248 | 15


capa

A frÁgil saÚde dos adolescentes Dois levantamentos nacionais alertam para níveis elevados de excesso de peso, hipertensão, colesterol total e sedentarismo Texto

Carlos Fioravanti

Fotos

Léo Ramos

Quadro geral da rapaziada reflete a antiga visão de que crianças gordinhas são mais saudáveis 16 | outubro DE 2016


O

s adolescentes passam por tantas transformações que mesmo eventuais problemas de saúde podem ser vistos como passageiros. Algumas alterações são normais nessa fase, mas nem tudo pode se resolver mais tarde sem maiores dramas. Dois amplos inquéritos nacionais – um com 75 mil e outro com 100 mil adolescentes avaliados em todo o país – desenharam um quadro preocupante da saúde da rapaziada. Um em cada quatro adolescentes apresentou excesso de peso (sobrepeso ou obesidade) e um em cada dez, hipertensão arterial. De acordo com os exames de sangue feitos em um dos estudos, um em cada cinco apresentou taxas acima do recomendável de colesterol total. Essas alterações metabólicas ampliam o risco de morte por infarto e favorecem o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e diabetes. A obesidade, a inatividade física e o tabagismo, também encontrado entre os jovens em níveis que os especialistas consideram preocupantes, podem contribuir para o desenvolvimento de alguns tipos de câncer. O excesso de gordura em circulação no organismo pode prejudicar até mesmo o funcionamento do hipotálamo, a região do sistema nervoso central que, entre outras funções, controla o apetite (ver quadro). Um dos levantamentos, o Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (Erica), mobilizou cerca de 500 pesquisadores de 30 universidades do país. Em 2013 e 2014, os entrevistadores coletaram informações sobre 75 mil adolescentes de 12 a 17 anos em 1.247 escolas públicas e privadas de 124 municípios de todo o país. De acordo com esse estudo, financiado pelo Ministério da Saúde (MS), o sedentarismo, que pode levar ao ganho contínuo de peso, é alto. A maioria (54,3%) dos adolescentes avaliados não pratica atividades físicas regulares além das aulas de educação física, de modo a atingir as cinco horas semanais de exercícios, recomendáveis para essa faixa de idade. A maioria (66,6%) também passa duas ou mais horas por dia na frente da televisão, diante da qual prefere fazer as refeições, nem sempre regulares. Metade dos participantes do estudo relatou o hábito de tomar café da manhã e fazer as refeições com os pais, mas a outra metade, principalmente os estudantes de escolas públicas, não tem horários regulares e companhia dos familiares, e mantém uma alimentação desequilibrada e pouco nutritiva, com muitos alimentos industrializados, em geral muito calóricos, com níveis elevados de gordura e sal. “Temos de nos preocupar com os problemas de saúde e com os hábitos dos adolescentes, como o sedentarismo, o consumo de bebidas alcoólicas e o tabagismo, que dificilmente serão mo-

PESQUISA FAPESP 248 | 17


dificados depois”, comenta a médica Katia Vergetti Bloch, professora de epidemiologia do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora nacional do Erica, detalhado em 13 artigos publicados na edição de fevereiro da Revista de Saúde Pública. “O risco de se tornarem adultos com problemas crônicos de saúde é muito alto.” Muitos resultados do Erica são similares aos registrados na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense) 2015, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo MS a partir de informações sobre 109.104 adolescentes de 13 a 17 anos coletadas em 2015 de 2.842 escolas de todo o país. Divulgada em agosto deste ano no site do IBGE, a Pense registrou uma prevalência de 23,7% de excesso de peso, que corresponde a um total estimado de 3 milhões de escolares; na versão anterior, de 2012, a prevalência era de 20%. Apesar de algumas diferenças – a Pense avaliou em detalhes o acesso a quadras esportivas nas escolas, por exemplo –, nos dois levantamentos os adolescentes dos estados do Sul e Sudeste apresentaram as mais elevadas taxas de excesso de peso e hipertensão, e os do Norte e Nordeste, as menores (ver gráficos). As raízes do problema

“A saúde dos adolescentes reflete problemas profundos, que começam na infância, com a visão equivocada de que uma criança gordinha é mais saudável”, diz Elizabeth Fujimori, professora de enfermagem e saúde pública da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EE-USP) e uma das coordenadoras do Erica no estado de São 18 | outubro DE 2016

Metade dos adolescentes já experimentou bebida alcoólica, proibida para menores de 18 anos

Paulo. Um estudo publicado no Journal of Pediatric Nursing examinou a percepção de mães sobre o peso de seus filhos com até 3 anos de idade atendidos nas unidades de saúde de uma cidade do interior paulista. “Mais da metade das mães queria que os filhos pesassem mais, mesmo que já estivessem com sobrepeso”, comenta Luciane Duarte, doutoranda da EE-USP que realizou esse estudo, sob a orientação de Elizabeth. “Se a mãe não percebe que a criança está com excesso de peso, não vai procurar ajuda.” No Erica, Luciane, como uma das 12 supervisoras responsáveis pela coleta de dados nas 122 escolas da Grande São Paulo selecionadas para avaliação, fazia os primeiros contatos com os diretores e com os estudantes para explicar os objetivos do estudo e marcar as datas das entrevistas, avaliações físicas e coletas de sangue.

Maioria prefere alimentos industrializados e poucos levam frutas para a hora do lanche


contrastes

sobrepeso e obesidade (%) 23 20,5 23,6 25 26 24,8

NE CO SE

Fonte  erica e pense

Pense (amostra: 13 a 17 anos)

25,5 23,7

Brasil

Hipertensão

Nordeste

N

8,4%

NE

8,4%

CO

8,7%

SE ilustração Pedro Hamdan

nnnnnn

29,5 28,2

S

Norte

Erica (amostra: 12 a 17 anos)

21,9 21,2

N

Nos dois estudos, a região Sul apresentou a maior proporção de adolescentes com excesso de peso

nnnnnn

9,8%

S Fonte erica

Brasil

12,5% 9,6%

os mais inativos

(Menos de 300 minutos de atividade física por semana no tempo de lazer)

centro- oeste

Belo Horizonte

sudeste

Salvador Porto Alegre

sul Fonte erica

58% 56,9% 56,6%

Goiânia

52,5%

Belém

52,4%

Depois a equipe de campo entrava em cena. Em 2014, uma das supervisoras de campo, Renata Gonçalves, do time de Elizabeth, acordava às 4 horas, reunia os monitores portáteis com os quais a moçada respondia ao questionário sobre seus hábitos alimentares e de saúde, as balanças e outros aparelhos para medir pressão arterial, estatura e diâmetro abdominal e seguia para as escolas da capital e de cidades próximas com mais de 100 mil habitantes. As entrevistas, medições e coletas de sangue começavam às 7 horas.

Tão logo tinham os resultados dos exames de sangue avaliando os níveis de glicose, insulina, colesterol e triglicérides, além dos dados antropométricos e de pressão arterial, os supervisores voltavam às escolas, apresentavam um relatório geral ao diretor e, para cada adolescente que havia participado do estudo, entregavam os resultados de seus exames, em envelopes fechados. “Alguns perguntavam o que era colesterol, muitos se interessavam por mudar os hábitos e alguns diziam ‘estou bem assim’, mesmo não estando”, observou Luciane. Os pesquisadores encaminhavam para os serviços de saúde os casos mais graves, recomendando que começassem logo um tratamento para controlar a pressão arterial, a glicemia elevada ou o excesso de peso. Em todo o país, 25.787 adolescentes, o equivalente a 30,2% dos avaliados com algum parâmetro acima do normal, foram encaminhados para serviços de saúde. Os estudos publicados na Revista de Saúde Pública trazem também dados sobre o comportamento dos adolescentes em relação a bebidas alcoólicas e sexo. Do total de entrevistados, metade (54%) já havia experimentado alguma bebida alcoólica e 24,1% beberam pela primeira vez antes de 12 anos de idade. As bebidas à base de vodca e cerveja foram as mais consumidas. “O conhecimento desse padrão de preferência dos adolescentes pode ajudar na elaboração de estratégias de prevenção”, observa Katia. Na Pense, na PESQUISA FAPESP 248 | 19


Resposta ao açúcar Hipotálamo de adolescentes obesos reage mais lentamente que o dos magros à ingestão de uma solução superconcentrada de glicose

sinal do hipotálamo

0,12 0,1

Controles (magros)

0,08 0,06 0,04

Obesos

0,02 0 -0,02

6,3

10

16,6 minutos

-0,04

Pesquisadores da Faculdade de Ciências

participantes com peso normal foi ascendente

Médicas da Universidade Estadual de

e “o cérebro mandou rapidamente sinais de

Campinas (FCM-Unicamp) identificaram

saciedade”, ela observou (ver gráfico). Além

alterações – supostamente reversíveis – na

disso, o hipotálamo do grupo com excesso de

estrutura e no funcionamento do hipotálamo

peso apresentou menos conexões com o

de crianças e adolescentes obesos. Situado em

cérebro e outras regiões do sistema nervoso

uma área profunda do cérebro, o hipotálamo,

central que o do outro grupo.

entre outras funções, controla a produção de hormônios reguladores do apetite. As alterações foram detectadas por meio

“O estímulo inflamatório que causa a gliose persistirá enquanto se continua comendo muita gordura saturada”, diz Lício Velloso,

de exames de ressonância magnética do

professor da FCM-Unicamp e um dos

hipotálamo de crianças e adolescentes com

coordenadores do estudo, ligado ao Centro

9 a 17 anos, divididos em dois grupos: 12

Multidisciplinar de Pesquisa em Obesidade e

participantes tinham excesso de peso e 11,

Comorbidades (OCRC), um dos Centros de

peso normal. Os participantes com peso acima

Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados

do recomendável apresentaram um fenômeno

pela FAPESP. “Em consequência, os

conhecido como gliose, caracterizado pela

adolescentes com excesso de peso terão ainda

multiplicação e inflamação das células gliais,

mais dificuldade para controlar o apetite,

que, com os neurônios, integram o sistema

regulado pelo hipotálamo, e continuarão

nervoso. As células gliais formam uma espécie

comendo mais do que realmente precisam.”

de cicatriz, em resposta a uma lesão,

Talvez esse quadro seja reversível, ao menos

provavelmente causada pelo excesso de

em parte. Estudos com camundongos

lipídios (gorduras) em circulação no organismo,

indicaram que a redução da inflamação das

e param de funcionar como antes. A gliose é

células gliais favorece a perda de peso, e

uma das marcas de distúrbios mentais como o

ácidos graxos insaturados, como o ômega 3,

mal de Alzheimer, comum em pessoas idosas.

poderiam reverter danos causados pelo

“A inflamação das células gliais e as alterações funcionais do hipotálamo explicam

excesso de gorduras saturadas, como as da carne vermelha, e ajudar na restauração de

alguns fenômenos verificados no dia a dia,

neurônios (ver Pesquisa FAPESP nº 240).

como a compulsão alimentar, mais comum em

Além disso, o hipotálamo de pessoas obesas

pessoas com excesso de peso”, diz a pediatra

voltou a funcionar como desejável após se

Leticia Sewaybricker, que conduziu o estudo

submeterem à cirurgia bariátrica. Com base

como parte de seu doutorado, orientado pelo

nessas observações, os pesquisadores

pediatra da Unicamp Gil Guerra Junior e

acreditam que mudanças na dieta, com a

concluído em setembro. Ela também verificou

redução do consumo de gorduras saturadas e

que o hipotálamo de crianças e adolescentes

da taxa de glicose, possivelmente poderiam

com excesso de peso não reagiu após a

reverter essas alterações observadas do

ingestão de uma solução concentrada de

hipotálamo de crianças e adolescentes com

glicose. Em comparação, a resposta dos

excesso de peso.

20 | outubro DE 2016

Leticia Sewaybricker / Unicamp

Fonte unicamp

O excesso de gordura poderia prejudicar as células do hipotálamo (em verde acima), que controla a produção de hormônios reguladores do apetite


Jogar bola e suar mais para manter a forma: 20% dos adolescentes hipertensos poderiam normalizar a pressão se deixassem de ser obesos

qual esse tema foi pesquisado pela primeira vez, 26% dos adolescentes haviam consumido alguma bebida alcoólica e 21% tiveram algum episódio de embriaguez nos 30 dias anteriores à pesquisa. Entre os entrevistados do Erica, 28% tinham iniciado a vida sexual, uma proporção que aumentava com a idade, e aos 17 anos mais da metade dos entrevistados relatou ter iniciado a vida sexual. A maioria (82%) usou algum método contraceptivo na última relação sexual, principalmente o preservativo masculino (69%). “Essa proporção poderia ser maior”, diz Ana Luiza Vilela Borges, professora da EE-USP que analisou esses dados. O resultado que a intrigou foi o acentuado contraste regional para o uso da pílula anticoncepcional. Na região Sul, 27% das adolescentes relataram o uso desse método, enquanto na Norte, apenas 3%. Segundo Ana Luiza, uma explicação para essa diferença poderia ser a dificuldade de acesso, porque as adolescentes somente recebem a pílula após passarem por uma consulta médica nos centros de saúde. O que fazer?

“Não precisamos dizer para os adolescentes de Porto Alegre deixarem de lado o churrasco com a família, mas podemos sugerir que comam mais frutas, verduras e outros alimentos menos processados”, afirma Katia. Segundo vários estudos, a maioria dos adolescentes mantém uma dieta à base de alimentos tradicionais, como arroz, feijão e carne, mas consomem bebidas açucaradas e produtos ultraprocessados em excesso, além de sódio acima dos limites recomendados, tudo contribuindo para a hipertensão e excesso de peso.

“Para mudar os hábitos alimentares, como os adolescentes são por natureza contestadores e fazem o contrário do que os adultos sugerem, temos de lançar mão de estratégias de intervenção que levem em consideração os comportamentos dos grupos”, avalia Katia. “O grupo a que pertencem é que tem de achar bacana participar de competições esportivas em vez de ficar sempre na rua comendo batata frita e bebendo.” Um artigo publicado em julho deste ano na revista PNAS por pesquisadores das universidades de Chicago e do Texas corrobora a sugestão de Katia: um estudo duplo-cego com 536 estudantes de ensino médio indicou que a mudança de hábitos alimentares pode ser mais efetiva quando os adolescentes têm autonomia para fazer as escolhas mais saudáveis e veem no ato de comer melhor uma atitude de rebeldia contra a junk food. A moçada precisa suar um pouco mais, enfatizam os pesquisadores. Estima-se que 20% dos adolescentes hipertensos – o equivalente a 200 mil brasileiros nessa faixa de idade – poderiam normalizar a pressão arterial se deixassem de ser obesos, indicando que alguns efeitos do sedentarismo e da alimentação inadequada poderiam ser revertidos. “Apenas as duas aulas semanais regulares de educação física do ensino fundamental e médio, com 50 minutos cada uma, não são suficientes para tornar os adolescentes suficientemente ativos, considerando as recomendações internacionais de 60 minutos diários”, esclarece o educador físico Dilson Belfort, professor da Universidade Federal do Amapá (Unifap) e um dos coordenadores da equipe do Erica no estado. Por meio de um projeto de extensão, Belfort PESQUISA FAPESP 248 | 21


dá aulas de atletismo para cerca de 40 alunos da universidade e de comunidades próximas no centro esportivo da universidade três vezes por semana, das 7 às 8 da manhã. Em sala de aula, Belfort usa as conclusões do Erica para motivar os estudantes a se mexerem mais e a comerem melhor. O Guia alimentar para a população brasileira, publicado em 2014, tornou-se uma referência nesse campo, ao propor que as pessoas se reúnam para comer, valorizem os alimentos in natura (frescos) ou minimamente processados, limitem os processados, como extrato de tomate, carne-seca, toucinho, frutas em calda ou cristalizadas, e evitem os ultraprocessados como biscoitos recheados, salgadinhos de pacote, refrigerantes, macarrão instantâneo, salsichas e outros embutidos, que são pouco nutritivos e muito calóricos e tendem a ser consumidos em excesso. Preparar os próprios alimentos também favorece a alimentação saudável. Refazendo os hábitos alimentares

“Com os adolescentes, temos de ter muita humildade, ouvir mais e planejar com eles o que podemos fazer juntos”, diz a pediatra Maria Paula Albuquerque, diretora clínica do Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren), criado em 1994 como um projeto de extensão da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e atualmente apoiado financeiramente por organizações nacionais e internacionais. Há 10 anos o ambulatório do Cren atende adolescentes com excesso de peso, com as mães a cozinharem mais, uma redução de peso usando alimentos in natura, em 70% dos casos traa promoverem refeições em tados, ampliando a exfamília e a resgatarem antigas periência de quase 30 “Uma legislação receitas. “O confort food, que anos no tratamento de adequada traria propicia um prazer rápido, crianças desnutridas e geral são alimentos ultraobesas. um impacto imediato em processados, com muito sal, No hospital-dia das gordura e açúcar. O verdadeiduas unidades de atenem milhões ro confort food remete a laços dimento, nutricionisafetivos, à comida da mãe”, tas, psicólogos, assisde pessoas”, diz diz Maria Paula, enquanto tentes sociais, enferpesquisadora da ao seu lado passa um menino meiros, pedagogos e de 1,6 ano e 8 quilogramas de médicos atendem 144 Unifesp peso, acompanhado por uma crianças até 5 anos, nutricionista. “A subnutrição identificadas, em colaainda é um problema no país boração com o serviço público de saúde, em áreas de extrema pobreza e, diferentemente da obesidade, facilmente pasda cidade de São Paulo. Com o consentimento sa despercebida, porque boa parte das crianças é da família, as crianças com sinais de má nutrição apenas mais baixa que as outras da mesma idade.” Tratadas durante dois anos, as crianças em começam a frequentar o Cren, onde passam o dia, recebem cinco refeições por dia – incluindo leite geral ganham em estatura e massa muscular em sem açúcar, sucos naturais e, quando necessário, razão dos novos hábitos alimentares, que pareuma complementação vitamínica – e experimen- cem persistir ao longo dos anos, de acordo com tam verduras, legumes e frutas, em meio a ati- um estudo de 2006 na Journal of Nutrition. “As vidades pedagógicas. A equipe procura motivar crianças continuam nas favelas, mas se alimentam 22 | outubro DE 2016

1

Um dionulp utpatum sandrem volor am, volor . Re et aut lore vercipit wissim Nullum quismod ignissequam in veliquiscil elestrud min hent Enisiscing euissi. Delit auguerci ex eliquat


Nutricionista do Cren pergunta qual criança tem “o maior bigode” (ao lado) após prepararem e experimentarem vitamina de leite com frutas

melhor que outras da mesma idade, em razão da mudança dos hábitos da família”, afirma Maria Paula. Nos últimos anos a proporção de crianças com obesidade tem superado a de crianças com desnutrição, refletindo a maior oferta e a redução do preço dos alimentos e, ao mesmo tempo, a mudança de hábitos da população no mundo. “A obesidade tornou-se um problema de saúde pública a partir da década de 1980, quando as empresas produtoras de alimentos industrializados descobriram como conservar melhor e ampliar a distribuição de seus produtos, primeiramente nos Estados Unidos e Inglaterra e depois em outros países”, informa a bióloga Ana Lydia Sawaya, professora da Unifesp e uma das fundadoras do Cren, que dirigiu até 2006. “A obesidade está caindo nas classes mais altas, por causa do reconhecimento das causas, mas continua crescendo nas mais baixas. Em consequência, agora estamos vendo crianças com 12 anos com diabetes tipo 2, resultante do excesso de açúcar no sangue, e esteatose hepática, o acúmulo de gordura no fígado. Em 30 anos, nunca tinha visto casos assim”, diz ela, referindo-se aos primeiros exames de um

novo projeto do Cren para tratar 930 crianças obesas com 10 a 12 anos de idade que estudam principalmente em escolas públicas. “Não é difícil nem caro eliminar a desnutrição e a obesidade como problemas de saúde pública”, diz Ana Lydia. “O Estado já tem uma estrutura para passar conteúdo sobre boa alimentação de modo persuasivo, compreensível e adequado, por meio de campanhas em postos de saúde e formação em nutrição das equipes dos programas de serviço da saúde.” Para ela, a venda de alimentos ultraprocessados em escolas e para crianças com menos de 18 anos deveria ser proibida, como já se faz com cigarros. “Uma legislação adequada traria um impacto imediato em milhões de pessoas.” Segundo a Pense, metade dos estudantes de escolas públicas pode comprar doces, refrigerantes e salgadinhos industrializados nas cantinas de suas escolas e comer guloseimas quase todo dia. Alguns estados estão se mobilizando para mudar a situação. Na noite de 13 de setembro, o SPTV, boletim noticioso da Rede Globo em São Paulo, mostrou o início dos debates na Assembleia Legislativa paulista que poderão vetar a venda de doces, refrigerantes e outros alimentos muito calóricos em escolas do estado. “Estou no caminho certo”, comemorou Solange Tagliapietra, diretora do Colégio Pietra, escola particular da zona norte de São Paulo que participou do Erica, ao ouvir a notícia. Há anos ela proibiu que muitos desses produtos chegassem à cantina da escola, mas lá ainda se vendia salgados fritos, que ela também pretendia abolir. No intervalo entre as aulas desse dia, sentados em grupos nas laterais da quadra esportiva, os adolescentes conversavam e saboreavam seus lanches. A maioria matava a fome com pacotes de biscoitos ou batatas fritas com refrigerantes; poucos comiam frutas e sanduíches integrais. n

Artigos científicos BLOCH, K. V. et al. Erica: Prevalências de hipertensão arterial e obesidade em adolescentes brasileiros. Revista de Saúde Pública. v. 50, p. 1s-13s. 2016. DUARTE, L. S. et al. Brazilian maternal weight perception and satisfaction with toddler body size: A study in primary health care. Journal of Pediatric Nursing. v. 31, p. 490-7. 2016. BRYAN, C. J. et al. Harnessing adolescent values to motivate healthier eating. PNAS. v. 113, n. 39. 2016. DAS NEVES, J. et al. Malnourished children treated in day-hospital or outpatient clinics exhibit linear catch-up and normal body composition. Journal of Nutrition. v. 136, n. 3, p. 648-55. 2006.

Livros Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. 2a ed., Brasília: MS, 2014. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015. Rio de Janeiro: IBGE, 2016.

PESQUISA FAPESP 248 | 23


capa

Tempos de

turbulência Um terço dos adolescentes brasileiros apresenta sinais de sofrimento psíquico Ricardo Zorzetto

Adolescentes consomem álcool em bar na zona oeste de São Paulo: fase de experimentação

P

eríodos de transição costumam gerar desconforto e podem ser conturbados. Se é assim em uma troca de emprego ou mudança de cidade, talvez não se devesse esperar algo diferente da adolescência, uma fase de transformações físicas, mentais e sociais intensas. Nessa época da vida, um em cada três adolescentes brasileiros já apresenta sinais de algum grau de sofrimento psíquico, segundo o mais amplo levantamento sobre a saúde de jovens já feito no país, o Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes ou Erica (ver reportagem na página 16). O trabalho também avaliou, por meio de um questionário de 12 perguntas, a ocorrência de sintomas de ansiedade e depressão em 75 mil estudantes de 1.247 escolas públicas e particulares de 124

24  z  outubro DE 2016

municípios com mais de 100 mil moradores. Esses sinais, agrupados sob o conceito único e abrangente de transtornos mentais comuns, foram bem mais frequentes nas garotas do que nos rapazes – algo já observado em estudos anteriores feitos no Brasil e no exterior, em geral com menos pessoas e em poucas cidades. No levantamento atual, em média, 38,4% das moças e 21,6% dos rapazes apresentaram queixas que se enquadravam na definição de transtorno mental comum no momento da pesquisa. Como também já era esperado, a proporção de casos cresceu com o avanço da idade: alcançou 34,1% entre os adolescentes na faixa etária de 12 a 14 anos e 40,4% entre aqueles que tinham de 15 a 17 anos. “Havia estudos de prevalência nesses grupos feitos em outros países, mas quem

trabalha com saúde mental sentia falta de ter dados nacionais representativos da população jovem”, conta a psiquiatra e epidemiologista Claudia de Souza Lopes, professora do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e responsável pela parte de saúde mental do Erica. “Esses dados sobre os transtornos mentais podem ajudar a orientar políticas públicas de saúde e educação”, afirma. Apresentados em fevereiro deste ano na Revista de Saúde Pública, os resultados do Erica indicam que, de modo geral, a prevalência dos transtornos mentais comuns praticamente não variou de uma região para outra do país, embora se note uma diferença importante de acordo com o sexo e o grupo etário (ver gráfico na página 26). As taxas foram especial-


foto  léo ramos

mente altas entre as adolescentes mais velhas das regiões Norte e Centro-Oeste. O fato de 30% dos adolescentes entrevistados apresentarem sinais de ansiedade e depressão chamou a atenção dos pesquisadores e de outros especialistas, mas esse dado deve ser interpretado com cautela. “Os números encontrados no Erica possivelmente servem como um indicador de sofrimento psíquico, mas não de doença mental”, explica a psiquiatra e epidemiologista Laura Andrade, professora do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq-USP). O objetivo do Erica nem era fazer o diagnóstico e definir quem tem ou não doença psiquiátrica, mas identificar prováveis casos do problema. Para isso, valeu-se de um questionário de rastreamento, que, por ser um instrumento mais

sensível e menos específico, pode incluir entre os suspeitos muitos indivíduos sem transtorno mental (falsos-positivos). Embora não permita o diagnóstico, o rastreamento pode indicar manifestações precoces de transtornos graves que só poderão ser plenamente caracterizados mais tarde. “Um instrumento desses indica quais são os indivíduos que é preciso acompanhar com mais atenção, completa o psiquiatra Wang Yuan Pang, pesquisador do grupo de Laura no Núcleo de Epidemiologia Psiquiátrica do IPq-USP. A maioria dos especialistas consultados nesta reportagem estima que uma proporção menor – talvez um terço dos adolescentes classificados como tendo transtornos mentais comuns, o equivalente a 10% do total – apresente, de fato, algum problema de saúde mental que exi-

ja acompanhamento médico e o possível uso de medicamentos. O restante poderia se beneficiar de sessões de psicoterapia ou mesmo de medidas de promoção de saúde, como o incentivo à prática de esportes. Quem acha o número do Erica exagerado toma como base o resultado de trabalhos anteriores, realizados com um número menor de participantes e o uso de ferramentas de diagnóstico. Um deles é o estudo conduzido entre 2010 e 2011 por pesquisadores de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul em quatro cidades brasileiras com mais de 50 mil habitantes e índice de desenvolvimento semelhante à média nacional – Caeté (MG), Goianira (GO), Itaitinga (CE) e Rio Preto da Eva (AM). Nesse levantamento, os pesquisadores usaram um questionário de diagnóstipESQUISA FAPESP 248  z  25


Um retrato da juventude Taxas de prevalência de transtornos mentais comuns (ansiedade e depressão) por sexo e faixa etária

n Masculino n Feminino

12 anos

13 anos

14 anos

18,5% 28,1%

19,0% 35,9%

20,2% 39,0%

No levantamento, feito com 75 mil adolescentes de 124 municípios brasileiros, 38,4%

15 anos

21,4% 42,3%

das moças e 21,6% dos rapazes apresentaram, no momento da pesquisa, queixas que se

16 anos

24,5% 42,5%

enquadravam na definição de transtorno mental comum

17 anos

27,7% 44,1%

Fonte  lopes, c. s. et al. revista de saúde Pública, 2016.

co para avaliar a saúde mental de 1.623 crianças e adolescentes com idade entre 6 anos e 16 anos e verificaram que 13,1% deles apresentavam algum transtorno psiquiátrico no momento da avaliação. Os problemas mais frequentes, segundo artigo publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria em 2015, foram os transtornos de ansiedade, marcados por medo, pavor ou apreensão excessivos, mesmo quando não há uma ameaça real. Nesse trabalho, os pesquisadores verificaram ainda que apenas uma em cada cinco crianças que receberam o diagnóstico de problema psiquiátrico – portanto, com indicação para passar por tratamento médico ou psicológico – havia tido acesso a algum especialista em saúde mental no ano anterior, em geral um psicólogo. “O uso de instrumentos de diagnóstico requer um treinamento mais complexo do entrevistador e torna o estudo muito caro”, explica a psiquiatra Isabel Bordin, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e uma das coordenadoras do estudo feito nas quatro cidades brasileiras. Por essa razão, grandes levantamentos costumam adotar questionários de rastreamento. 26  z  outubro DE 2016

Já há algum tempo se sabe que os transtornos psiquiátricos, além de crônicos e incapacitantes, manifestam-se relativamente cedo na vida. Um estudo publicado em 2005 pelo sociólogo Ronald Kessler, especialista em epidemiologia da saúde mental da Universidade Harvard, mostrou que metade dos casos começa antes dos 14 anos de idade e dois terços se instalam até os 24 anos. genes, ambiente e hormônios

Nos últimos tempos, essa constatação se somou à ideia, hoje aceita tanto pela medicina como pela psicologia, de que os transtornos mentais resultam de interações entre as características genéticas do indivíduo e as condições sociais, econômicas, culturais e psicológicas em que vive. Unidas, elas favorecem a noção de que os transtornos psiquiátricos são consequência de alterações no desenvolvimento do cérebro. As transformações por que o corpo passa após o início da puberdade podem tornar o adolescente mais vulnerável aos transtornos mentais. O aumento na produção dos hormônios sexuais faz o corpo amadurecer do ponto de vista reprodu-

tivo e, sob alguns aspectos, alcançar o ápice de seu funcionamento: os reflexos se tornam rápidos como jamais voltarão a ser e a memória encontra-se afiada como nunca. Nos rapazes, a testosterona aumenta a força física e impulsiona comportamentos agressivos, enquanto a progesterona deixa o humor das meninas mais sujeito a oscilações. É também nessa fase que o cérebro passa por um grande remodelamento: conexões frágeis entre suas células são eliminadas e as mais robustas, fortalecidas, definindo certos traços de personalidade. “É um período de muita vulnerabilidade, em que se está mais sensível aos estímulos ambientais”, afirma a psiquiatra especializada em infância e adolescência Sandra Scivoletto, professora do IPq-USP. Aumenta a necessidade de interagir com os amigos, ao mesmo tempo que se desenvolve a capacidade de compreender as intenções que existem por trás das relações sociais. Com o amadurecimento do chamado cérebro social, o adolescente aprende que os sinais não verbais da comunicação podem refletir o estado emocional. “A interação social também se torna mais complexa, exigin-


do mais habilidades cognitivas para uma integração adequada ao grupo”, conta Sandra. “A necessidade de se sentir pertencente à turma e o receio de rejeição aumentam o estresse, que se soma ao gerado pelas novidades e experimentações, podendo comprometer o funcionamento do adolescente e caracterizar o início de um transtorno psiquiátrico.”

Maus-tratos e abandono na infância e na adolescência aumentam o risco de transtornos mentais

fotos  léo ramos

traumas precoces

O que se manifesta na adolescência como problema de saúde mental pode, ao meA adolescência nos em parte, ser coné um período de sequência de eventos ocorridos muito vulnerabilidade, tempo antes. Está cada vez mais evidente em que se que a exposição repetida a maus-tratos está mais nos estágios iniciais sensível aos da vida aumenta o risco de desenvolver estímulos problemas psiquiátricos. E maus-tratos não ambientais significam necessariamente agressões extremamente intensas, como surras frequentes ou abuso sexual. Controle e Prevenção de Doenças (CDC) Podem ser eventos bem mais sutis, como dos Estados Unidos, estima que metao ato de negligenciar as necessidades fí- de das crianças e adolescentes – quase sicas ou emocionais da criança ou não 1 bilhão de pessoas com idade entre 2 estimular o seu desenvolvimento. “Pouco anos e 17 anos – seja vítima de violência mais da metade dos casos de depressão no mundo. Antes, outro grupo dos CDC são considerados decorrentes de maus- havia concluído que os maus-tratos na -tratos vividos na infância e adolescên- infância custam mais caro para o sistecia”, relata a psiquiatra Elisa Brietzke, ma público de saúde do que o câncer e as doenças cardíacas. Essa mesma equipe professora da Unifesp. O efeito dos maus-tratos sobre o cére- calculou que a hipotética erradicação dos bro pode ser profundo a ponto de alterar maus-tratos evitaria metade dos casos algumas de suas estruturas. Em um arti- de depressão e dois terços dos casos de go de revisão publicado este ano no Jour- alcoolismo, além de reduzir o suicídio, nal of Child Psychology and Psychiatry, o uso de drogas e a violência doméstica. Uma boa notícia é que em muitos casos o neurofarmacólogo Martin Teicher e a psicóloga Jacqueline Samson, ambos é possível reverter, ou ao menos amenipesquisadores do Hospital McLean, em zar, os efeitos das privações e dos mausBelmont, e professores na Universidade -tratos. Um dos exemplos de sucesso é Harvard avaliaram estudos de neuroima- o Programa Equilíbrio, projeto de reagem de pessoas com problemas psiquiá- bilitação de crianças e adolescentes que tricos realizados nas últimas décadas. haviam sofrido maus-tratos e viviam nas Eles concluíram que muitas das alte- ruas de São Paulo (muitos deles eram rações anatômicas antes atribuídas aos usuários de droga), desenvolvido por transtornos mentais na realidade podem Sandra Scivoletto. Em 2007, Sandra, com ser decorrentes de maus-tratos vividos a colaboração de sua equipe na USP, de na infância, algo comum no mundo todo. organizações não governamentais e da Outro trabalho de revisão deste ano, prefeitura de São Paulo, instalou em um feito por pesquisadores dos Centros de centro esportivo comunitário na região

central da cidade um programa de atendimento multidisciplinar – eram oferecidos tratamento médico, psicológico, fonoaudiológico, além de terapia ocupacional, apoio psicopedagógico e suporte social – para ajudar essas crianças e adolescentes a criar vínculos na comunidade e a melhorar a autoestima. Desde seu início, o programa atendeu pouco mais de 600 crianças e adolescentes. Dos 351 jovens que haviam ingressado na fase inicial do programa (58,4%, vítimas de violência física ou sexual), dois terços continuavam a participar dois anos mais tarde e 34% haviam voltado a viver com a família. “É inacreditável a capacidade de resiliência que essas crianças têm”, conta Sandra. n Artigos científicos LOPES, C. S. et al. Erica: Prevalence of common mental disorders in Brazilian adolescents. Revista de Saúde Pública. v. 50, p. 1-14s. 2016. PAULA, C. S. et al. Prevalence of psychiatric disorders among children and adolescents from four Brazilian regions. Revista Brasileira de Psiquiatria. abr/jun. 2015. TEICHER, M. H. e SAMSON, J. A. Enduring neurobiological effects of childhood abuse and neglect. Journal of Child Psychology and Psychiatry. v. 57 (3), p. 241-66. 2016. MARQUES, A. et al. Community-based global health program for maltreated children and adolescents in Brazil: The Equilibrium Program. Frontiers in Psychiatry. jul. 2015.

pESQUISA FAPESP 248  z  27


entrevista Thomas Lewinsohn

Amplitude para pensar Ecólogo integra evolução a modelos físicos e matemáticos e transpõe os muros acadêmicos para influenciar políticas de conservação Maria Guimarães

T

|

retrato

Léo Ramos

homas Lewinsohn desafia a estreiteza de um perfil. Na pesquisa, transita entre o trabalho de campo, modelos físicos e matemáticos, difusão de conhecimento e políticas de conservação. Para ele, não basta elaborar teorias sem entender como o organismo se comporta no ambiente. Parcerias com especialistas em várias áreas, de nacionalidades diversas, contribuem para ampliar os temas de pesquisa e as maneiras de tratá-los. Ele quase abandonou a biologia na graduação e pensou dedicar-se à fotografia, mas descobriu uma visão abrangente de ecologia, evolutiva, que o levou a integrar a primeira turma de mestrado do Programa de Ecologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 1976. Tornou-se professor na mesma universidade e este mês, 40 anos depois, aposenta-se antes da idade compulsória. A decisão, surpreendente até para ele, não vem de estar cansado da ciência. Não está. Pretende reconfigurar a relação com o trabalho e continuar a fazer pesquisa, orientar estudantes e ampliar o olhar, liberto das engrenagens administrativas da vida acadêmica. Um mês de residência acadêmica em 2014 no Centro Bellagio da Fundação Rockefeller, na Itália, o pôs em contato com pensadores e artistas de diversos países e áreas em uma paisagem deslumbrante, com ruínas medievais e edifícios renascentistas. Cenário ideal para ampliar horizontes e propor uma forma de repartir a biodiversidade e criar unidades tratáveis para orientar estudos e políticas, fugindo da tendência de usar espécies com apelo popular. É uma experiência que ele pretende repetir em outros lugares. 28 | outubro DE 2016

idade 64 anos especialidade Ecologia formação Graduação em biologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1975); mestrado e doutorado em ecologia pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp (1980 e 1988) instituição IB-Unicamp produção científica 80 artigos, 6 livros como autor ou organizador, 16 capítulos de livros, orientou 16 mestrados (1 em andamento) e 12 doutorados (1 em andamento)


PESQUISA FAPESP 248 | 29


Enquanto continua o trabalho, dedica-se também à fotografia e à música. Nascido em Niterói, filho de judeus alemães que fugiram do nazismo, Lewinsohn é casado com a jornalista Graça Caldas. Eles têm duas filhas e dois netos. Como você foi parar na Unicamp? Tive problemas na graduação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e tranquei a matrícula no terceiro ano com a intenção de não voltar. Viajei de mochila pela América do Sul, e na Venezuela assisti a um congresso de ecologia tropical e fiz um curso com Otto Solbrig, da Universidade Harvard. Queria me mudar para lá, mas voltei ao Rio porque estava fazendo fotografia de livros didáticos e conheci minha mulher, a Graça. Aí a vida mudou. De volta à UFRJ, fiz um curso que Woodruff Benson deu lá. Foi a primeira vez que vi alguém no Brasil falar dos temas de biologia evolutiva que eu tinha visto na Venezuela. Quando ele foi contratado no Programa de Ecologia da Unicamp, vim atrás. O que o atraiu na ecologia evolutiva? Entender como processos evolutivos se refletem nas estruturas ecológicas. Logo que vim para cá, li um trabalho sobre a mudança de características dos frutos do jatobá em Porto Rico, onde um predador de sementes importante estava ausente e a ecologia da planta – a morfologia dos frutos, o início de reprodução – era completamente diferente. Era um trabalho que saiu na Science, do Daniel Janzen, que estava na Universidade de Michigan, Estados Unidos. Ele atribuía a diferença entre Porto Rico e o continente à ausência do predador de sementes. No primeiro curso de campo que fizemos no Amazonas vi outra espécie de jatobá com marcas de broca e comecei a procurar predadores de sementes. Abri um fruto e logo caiu uma vespa. O Janzen nunca tinha encontrado um parasitoide em 10 anos na Costa Rica e afirmava que não era possível, porque o fruto era lenhoso. Fiz o mestrado nesse sistema dos jatobás trabalhando em ecossistemas diferentes – no Cerrado, em matas de terra firme, na beira do Tarumã, na Amazônia. Foram três anos de trabalho de campo. Por que você depois se especializou em espécies das asteráceas, a família das margaridas e dos girassóis? 30 | outubro DE 2016

Os grandes esforços de conservação envolvem organismos que mexem com o imaginário

Eu buscava uma família cosmopolita, com muitas espécies e distribuições divergentes, e a Unicamp tinha dois especialistas: Hermógenes Leitão Filho e João Semir. Eu queria saber qual a riqueza de espécies associada a plantas endêmicas em relação às amplamente distribuídas. Parte disso era a ideia de diversidade beta, que mede a diferenciação entre localidades geográficas ou entre plantas que abrigam larvas de insetos. Pouca gente trabalhava com isso, ninguém em ecossistemas tropicais, mas não me dei conta de que estava abrindo um território pouco conhecido. Agora você revisita áreas nas quais coletou há 20 anos. Naquela época fizemos um levantamento amplo de todas as asteráceas que conseguimos abranger. Fomos do Rio Grande do Sul ao norte de Minas Gerais, principalmente nas serras gaúchas e na serra do Espinhaço. Esbarramos na realidade cruel dos trópicos: a maioria das espécies é muito rara. Obtivemos mais de 600 espécies de plantas. De metade delas, apenas uma amostra. Agora buscamos as mesmas plantas nos mesmos lugares. Quero ver quanto as interações são di-

ferenciadas geograficamente, quais são os componentes espacial e filogenético. Agora temos uma filogenia para as plantas, que não existia na época. Mesmo assim tenho resultados daquela época que ninguém até hoje fez do mesmo jeito. De que tipo? Ver até onde a diversidade de dois grupos integrados por uma relação ecológica bem definida varia em conjunto. Nesses estudos de interações, a natureza da observação varia muito. Uma das frentes que mais avançou com a teoria de redes complexas, que tomou fôlego nos últimos 20 anos, foi o estudo de polinização. Uma rede de polinização inclui observações de visitantes florais, que podem ser polinizadores legítimos, ladrões de néctar, espertos, safados... Você está interessado no espectro todo? A rigor, quando se trata de mutualismo, a associação entre dois seres vivos, tem que haver polinização efetiva. Se observamos quem visita a flor sem verificar se transporta pólen, estamos misturando os que prestam um serviço à planta com outros que pegam carona ou que são parasitas do sistema. Os pesquisadores passam um puçá, usam inseticidas, aspiradores de campo, de alguma maneira coletam aqueles insetos sobre as plantas. Eu decidi ter segurança da associação e me concentrar em inflorescências, nas quais há uma diversidade grande de bichos. O protocolo que desenvolvi no doutorado era criar os bichos cujas larvas já estavam dentro das flores. Na minha primeira viagem, punha as flores em saquinhos de pipoca que pendurava no varal da pousada, só depois optei pelos frascos que uso até hoje. Na primeira noite já tinha bichos dentro deles. Essa rapidez dá uma ideia de ordem de grandeza da biodiversidade nos trópicos para organismos desse tipo. A base de dados que reunimos é só de insetos que se desenvolvem na inflorescência e são criados nela. Para um dia de coleta no campo, é preciso um mês para criar todos, um ano para montar e separar e 10 anos para identificar. Como comecei 30 anos atrás, tenho um nível de identificação muito grande para esses insetos. São principalmente moscas? Moscas, micromariposas e besouros. Investimos muito na identificação e na


arquivo Pessoal

Serra do Espinhaço: em 1995 com Bruno Buys, Paulo Inácio Prado e Vinicius Motta, e em 2016 com Leonardo Jorge, Camila Leal e Prado

maioria das famílias chegamos ao estado da arte, a melhor identificação disponível. Como fiz boa parte das identificações antes da legislação atual, fui várias vezes ao Museu Nacional de Washington com uma malinha pequena de roupa e uma grande cheia de material vegetal e animal coletado. Ia no terceiro andar tirar dúvidas de plantas, no sexto andar identificava os bichos e trabalhava uma ou duas semanas com especialistas de cada grupo. Na maioria deles o estado da arte é muito bom e chegamos às espécies, inclusive descrevendo espécies novas. Estamos enfocando um gênero de moscas para elucidar a variação genética e morfológica da associação com suas plantas hospedeiras, com a possibilidade de ver se bactérias do trato intestinal mediam essa história, em parceria com colegas da Alemanha. Isso é a linha de frente do que você está fazendo agora? Ao mesmo tempo estamos desenvolvendo a teoria, uma reconceituação da ideia de especialização ecológica. Desde o doutorado comecei a desenvolver uma generalização de modelo de entropia para diversidade de interações. Como funciona? Entropia é um conceito de física e tem a ver com a organização de níveis de energia. Na teoria matemática de comunicação desenvolvida no final dos anos 1940, a entropia era usada para avaliar incerteza e erros na transmissão de informação. Um sistema é mais diversificado se tem mais componentes, mas também se tiver

uma maior organização das ligações entre os componentes, das interações ecológicas entre eles. Se todas as espécies estiverem conectadas com todas as outras, forma-se uma rede intrincada sem propriamente uma estrutura. No entanto, os sistemas de seres vivos costumam ser altamente estruturados: a maioria das espécies tem interações fortes com um número bastante pequeno de outras espécies. É justamente a organização dessas interações que vem interessando a um número crescente de ecólogos. Essa ideia contrapõe dois modos de organização diferentes que resultam no que alguns colegas têm chamado de arquitetura da biodiversidade. São organizações diferentes de sistemas de interações, uma com muitas ligações entre elementos e outra em que as ligações sejam reduzidas e agrupadas. A dinâmica desses sistemas é muito diferente. O que isso tem a ver com a vulnerabilidade do sistema? Em princípio, se você perturbar uma ponta de um sistema altamente interligado, essa perturbação pode se propagar por todo o conjunto de espécies. Se as entidades interagem fortemente entre núcleos que são isolados entre si, isso restringe a propagação de uma perturbação. Quando falamos em alterações, pode se tratar da entrada de um patógeno em uma comunidade ecológica onde não havia essa doença. Quanto mais especializadas as relações, menos reservatórios ou predadores alternativos. Se houver um impacto forte de redução de uma espécie predadora, como a onça,

isso permite o aumento significativo das populações de outros animais que eram suas presas, como gambás. Os efeitos vão depender de quem é comido pelos gambás: quanto mais amplamente eles interagirem com outras espécies, comendo sementes ou outros animais, mais amplamente esses efeitos vão se propagar. O entendimento da estruturação dessas interações é um caminho para entender melhor e aumentar nossa capacidade de predizer efeitos de diferentes alterações. Qual a relação disso com seu estudo de interação entre insetos e plantas? Quero ver a configuração das interações. Posso ter uma planta comida por só um bicho e outra comida por vários, e vice-versa: especialização nas duas direções. Eu tinha muito claro, já no doutorado, que minha entidade de observação é a interação em si, mas coletava os organismos porque precisava identificá-los. Estou no Brasil, então boa parte deles é desconhecida ou são espécies novas. Isso obriga a depositar material, criar uma coleção de referência. Não são os organismos de maior sucesso público. Os grandes esforços de conservação são polarizados pelos organismos que mexem com o imaginário, rendem logomarcas e outras coisas. Isso acaba pautando iniciativas de conservação em torno dessas espécies. Você pode ter reservas biológicas com apoio popular voltadas para salvar uma espécie em particular, como a águia, símbolo dos Estados Unidos. Por outro lado, se você retorna à ConvenPESQUISA FAPESP 248 | 31


ção de Diversidade Biológica, existe um compromisso em preservar, recuperar e utilizar de forma sustentável sistemas ecológicos de modo a proteger processos e manter serviços. Isso em benefício de qualidade de vida humana. O panda é um ícone, mas não é necessariamente importante para serviços ecológicos. Os inventários de zoólogos e botânicos não nos fornecem as respostas de curto prazo de que precisamos, porque o planeta está se degradando rapidamente. Precisamos de outra coisa. Muitos trabalham com a premissa de que se salvarmos os grandes felinos estaremos preservando boa parte dos outros processos, porque eles funcionam como espécies guarda-chuva que abrigam outras espécies e processos ecossistêmicos. Mas as coisas não são bem assim. No que você trabalhou durante sua residência acadêmica em Bellagio, na Itália? Propus desenvolver uma entrada operacional para lidar com biodiversidade, algo que funcione para pessoas de outras áreas. A ideia é dividir a biota em três grandes recortes: macro, meso e micro. Os organismos grandes são essencialmente as plantas com flor e os vertebrados, com alguns sócios honorários como borboletas ou formigas. São organismos grandes em que a taxonomia está muito avançada e essencialmente completa. Na outra ponta, micro, se conhecia apenas a pontinha do iceberg, mas os métodos moleculares trazem uma revolução. Parte disso é entender diversidade microbiana por meio de bibliotecas moleculares e métodos centrados 32 | outubro DE 2016

em DNA ou RNA, sem depender de encaixar em uma classificação biológica convencional. O que está no bloco do meio é mais complicado, porque o procedimento é descrever espécies, mas o volume é gigantesco. Meu ponto é que cada um desses três recortes tem propriedades importantes para se entender e trabalhar com biodiversidade. Se você quer mapear espécies, tem que ir para os macrorganismos. Se quer se concentrar em processos e serviços ecossistêmicos, tem que priorizar a microbiota. Fungos e bactérias do solo e da água são fundamentais nesses processos, há relações diretas entre o perfil de diversidade do solo e as propriedades funcionais desse solo. A turma do meio, artrópodes e outros organismos pequenos visíveis a olho nu, é indispensável para apreender a arquitetura de interações e ir na pista de certos processos como polinização, dispersão e alimentação. Cada um dos grupos é informativo sobre uma escala do ambiente. Aves podem transitar facilmente entre fragmentos de floresta, que para elas não são isolados. Para organismos de solo, cada fragmento é uma ilha com dinâmica espacial diferente. Como isso se aplica a políticas de conservação? Em primeiro lugar é preciso entender o que está acontecendo, para depois formular maneiras de monitorar, intervir ou acompanhar os efeitos das intervenções. Tudo isso compõe não só o que seriam políticas públicas, mas políticas de uso de recursos. Públicas e privadas. Minha proposição básica é de que qualquer programa mais abrangente tem que ter

uma fatia alocada para microbiota, outra para mesobiota e outra para macrobiota. Qual grupo em cada caso, vai depender de oportunidades e de quem está disponível para o trabalho. E do ponto de vista internacional? É muito variável. Os Estados Unidos têm um bocado de diversidade e de ciência. No norte da Europa há uma densidade altíssima de conhecimento em biodiversidade, mas a biodiversidade é baixa. Entre os países megadiversos, há uma grande variação de recursos científicos. Alguns países nem sequer têm um sistema universitário de pesquisa. Podemos trocar experiências com países que têm alta diversidade, como o Brasil, e também ciência institucionalizada. Há muito tempo eu tinha uma listinha no bolso: México, África do Sul, Austrália e Índia. Na minha opinião, valeria a pena tentar organizar uma reunião Sul-Sul diferenciada com esses países. A África do Sul e a Austrália têm sistemas avançados de mapeamento de espécies. Isso está mais perto de nós do que o que os finlandeses fazem. É fácil estudar a biodiversidade da Finlândia. Na Austrália, nem tanto. Como se faz para usar o conhecimento que o corpo científico de cada país desenvolve para as políticas públicas? Existem duas figuras fictícias que é preciso quebrar. Uma é a ideia de que a ciência por si só resolve todos os problemas. O cientista diz aos outros o que fazer. Não funciona. Na outra ponta, essa noção quase anticientífica de que a ciência é uma narrativa como qualquer outra. Não é. Em algum lugar entre esses dois extremos existe uma arena onde podemos entrar com o conhecimento sólido, evidências confiáveis para o desenvolvimento de uma política. Acho que estamos muito longe disso. Veja a questão do Código Florestal. Temos lacunas brutais, mas ajuda se trabalharmos com conhecimento e evidências decentes, usando a ciência não como verdades reveladas, mas como modelos operacionais que façam uma ponte entre pesquisa teórica e experimental. O Código Florestal foi uma legislação bem-intencionada nos anos 1960. A atualização realizada na atual década era necessária, mas a ciência invocada foi um cenário de pavor, de crise iminente de produção de alimentos e econômica: ou a legislação ambiental

arquivo pessoal

Composição atual do grupo Zebu Trifásico, de música antiga (da esquerda para a direita): André Freitas, Lewinsohn, Luciana Castillo, Paulo Dalgalarrondo, Rafael Oliveira


é compatibilizada com as necessidades de produção de alimentos, com a crise da pequena propriedade e as necessidades de exportação, ou o Brasil afunda. Os estudos usados como sustentação desses argumentos não foram publicados em periódicos sérios, serviam para atender a interesses claros. A ciência que poderia aproveitar a ecologia para manter a produtividade no longo prazo foi ignorada? Foi marginalizada. Dizem que foi ouvida, mas não é verdade. A lista de pes­soas convidadas pelas comissões para falar no Congresso era muito grande, com uma série de cientistas. Mas, quando procurei os depoimentos, a lista é uma peça de ficção. A maioria dos pesquisadores não parece ter sido chamada. A ciência mais relevante não foi consultada. Uma das lutas de sempre é reivindicar que ecologia é ciência como todas as outras, pode ser boa ou má. Se uma pessoa fala sobre química de materiais, pode discutir se é um bom cientista ou não, mas ninguém contesta que seja cientista. Ecólogo costuma ser desqualificado como ecologista. Fizemos então um documento que está sendo distribuído para promotores, assessores parlamentares, secretarias. A informação precisa ser apresentada de formas mais efetivas e isso deveria atingir o ensino de ciências. Anos atrás eu trabalhei em livros de ciências, fazendo fotografia, isso teve uma importância grande na minha formação. Você continua fotografando? Estou voltando, mas preciso abrir espaço para fazer isso mais seriamente. Fotografo com prazer no pouco tempo disponível quando saio para campo. Também faço o que algumas pessoas chamam de fotografia autoral. Nos últimos seis ou sete anos comecei a fotografar principalmente em praias. Cresci na praia, andar descalço na areia com a máquina fotográfica é muito bom. Tenho duas tias artistas, uma falecida em 2001 e outra muito ativa apesar dos seus 82 anos. Esta, Anna Bella Geiger, é artista plástica, principalmente gravadora, mas trabalha com materiais mistos, esteve na vanguarda dos vídeos. Minha outra tia foi mais conhecida como gravadora, Fayga Ostrower. A obra delas está representada no acervo dos maiores museus do mundo. Convivi desde muito cedo mais com

É preciso quebrar a ideia de que a ciência por si só resolve tudo, que o cientista diz aos outros o que fazer

Fayga, que era irmã mais velha da minha mãe. Tenho memórias desde criança de ver seus trabalhos, porque fazia parte das visitas familiares, e perceber a evolução. Com Anna Bella cheguei a trabalhar em uma obra conceitual. Comecei a refletir sobre o que essa experiência muito inicial representa para a minha maneira de ver as coisas e fotografar. Tenho muito claro que não estou tentando fotografar à maneira de Fayga ou Anna Bella, mas minha maneira de ver embute essas influências. Estou pensando em intercalar algumas das gravuras das duas com minhas fotografias para comentar as marcas e essa influência na maneira de olhar para o mundo. Além disso, você é músico. Diletante. Mantemos um grupo de música antiga, sobretudo entre os séculos XV e XVII. Tenho muita música na minha formação, ouvia-se música clássica na minha família. Na adolescência fui escorregando pelo folk, comecei a ouvir MPB, me apaixonei por jazz e rock, passei tempo ouvindo outras coisas. Não se

tocava muito música antiga quando eu era criança. Mas tinha um grupo amador no Rio, vi uma apresentação quando tinha 8 ou 10 anos e me apaixonei pelos instrumentos. É uma música fácil para quem ouve, com muitas danças, peças curtas, agradáveis. Os timbres me agradam muito. Você foi pesquisando a música dessa época? Fui comprando discos. Estudei em um colégio experimental em Niterói, onde as outras atividades eram levadas muito a sério. Comecei a tocar flauta lá. Depois, por conta do jazz, caí num círculo de músicos extraordinários, nos anos 1960. Tinha um saxofonista, Vitor Assis Brasil, uma figura de ponta no jazz brasileiro, Luizinho Eça, que tinha fundado o Tamba Trio, e outros. Ganhei um saxofone quando prestei o vestibular, fiz as provas correndo porque queria sair para tocar. Comecei a ter aulas com um amigo, mas perdi o incentivo porque durante a ditadura esse pessoal foi embora do Brasil. Retomei a flauta doce, tive aulas com um flautista muito bom no Rio, que era do grupo do Roberto de Regina. Quando fui fazer o pós-doutorado na Inglaterra, me integrei a um grupo amador sério, que tocava junto havia muito tempo. Música renascentista, começo do barroco, alguma coisa de Idade Média. Foi aí que você começou a explorar outros instrumentos? Não, lá eu tocava só flauta. Quando voltei, formamos o núcleo de um grupo que vai variando, mas eu e o André [Freitas, professor no mesmo departamento] tocamos juntos há 25 anos. Começamos a comprar instrumentos, ganhar, pegar emprestado. Além das flautas (sopranino, soprano, tenor, baixo e contrabaixo), tocamos muito um instrumento chamado crumhorn, outras variantes dele, precursores do oboé. O André tem um precursor do clarinete, eu comprei um instrumento reconstruído a partir de gravuras do século XVII. Parece um oboé, mas tem um capuchão como os crumhorns. O André toca tudo, tem gaitas de fole equivalentes às medievais. No ano passado comprei três cornamusas, que são variantes de instrumentos de palheta. André e eu queremos fazer uma filogenia desses instrumentos. Até começamos a juntar material, mas faltou tempo. n PESQUISA FAPESP 248 | 33


política c&T  Sistema de ciência e tecnologia y

1

Desafios sob enco Dezoito institutos privados de São Paulo fazem pesquisas para atender demandas em saúde, tecnologia, agricultura e ciências sociais  |  Fabrício Marques e Bruno de Pierro 34  z  outubro DE 2016


A

menda

instituto eldorado

Laboratório do Instituto de Pesquisas Eldorado: investimento para validar sistemas de transmissão wireless

face mais notável do sistema de ciência e tecnologia do Brasil vincula-se à produção das universidades e instituições públicas e a inovações geradas por empresas. Mas há uma categoria pouco conhecida de organização que se desenvolveu recentemente e vem gerando contribuições: são institutos privados, em geral sem fins lucrativos, que fazem pesquisa por encomenda de empresas e órgãos públicos. No estado de São Paulo, há 18 institutos desse tipo, conforme mostrou um levantamento publicado no Relatório de Atividades 2015 da FAPESP (ver em www.fapesp.br/publicacoes/). Alguns deles estão ligados a hospitais privados e buscam transferir resultados de investigações clínicas para o tratamento de pacientes. Outros são centros de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) que se debruçam sobre desafios em áreas como tecnologia da informação, telecomunicações e agronomia. Um dos institutos privados mais antigos e com portfólio de produtos e serviços mais amplo é o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD). Antigo centro de pesquisas da estatal Telebras, tornou-se uma fundação de direito privado sem fins lucrativos há 18 anos, após a desestatização do setor de telecomunicações. Com 1.100 funcionários, trabalha em projetos em áreas como comunicação, computação, defesa, redes de dados e segurança, encomendados por empresas que utilizam recursos da Lei de Informática, do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel), do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e do Fundo Tecnológico do BNDES (Funtec). Também tem projetos em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e presta consultoria a empresas. O centro desenvolve pesquisas na fronteira do conhecimento. Recentemente, um grupo coordenado pelo engenheiro eletricista Jacklyn Dias Reis, do CPqD, estabeleceu um novo recorde de distância e taxa de transmissão de dados enviados por uma fibra óptica. Usando 10 canais na mesma fibra, cada um com capacidade de tráfego de 400 gigabits por segundo (Gbps), a equipe conseguiu fazer uma quantidade enorme de dados viajar por 370 quilômetros (km) de fibras ópticas e chegar íntegra ao destino (ver Pesquisa FAPESP nº 246). Uma peculiaridade do CPqD é que alguns projetos se tornaram empresas startups. Um caso recente é o da BrPhotonics, criada em 2014 com foco em desenvolvimento de sistemas de comunicações ópticas de alta velocidade (ver PesquipESQUISA FAPESP 248  z  35


O perfil das instituições Quais são os 18 institutos privados de pesquisa paulistas

Fundação CPqD Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações Sede: Campinas; Início: 1976 Áreas: soluções em tecnologia da informação e das comunicações, serviços tecnológicos

Instituto de Pesquisas Eldorado Sede: Campinas; Início: 1999 Áreas: software, hardware, sistemas, ensaios e testes de produtos eletrônicos

Flextronics Instituto de Tecnologia – FIT Sede: Sorocaba; Início: 2003 Áreas: software, hardware, ensaios

Venturus Inovação e Tecnologia Sede: Campinas; Início: 1995 Áreas: software, telecomunicações, TV digital

A.C.Camargo Cancer Center Sede: São Paulo; Início: 1983 Áreas: oncologia, medicina translacional, genética

Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Sede: São Paulo; Início: 1998 Áreas: envelhecimento, bem-estar, cardiologia, neurologia, gestão hospitalar

Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa Sede: São Paulo; Início: 2003 Áreas: obesidade, diabetes, oncologia, fisioterapia

Fundação Pio XII/Hospital do Câncer de Barretos Sede: Barretos; Início: 2003 Área: oncologia

FITec Inovações Tecnológicas

Centro Infantil de Investigações Hematológicas Dr. Domingos A. Boldrini

Sede: Campinas; Início: 1997 Áreas: software, equipamentos eletrônicos, telecomunicações

Sede: Campinas; Início: 1986 Áreas: oncologia, oncologia pediátrica, diagnósticos

Centro de Pesquisas Avançadas Wernher von Braun

Instituto de Educação e Ciências em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz

Sede: Campinas; Início: 1997 Áreas: semicondutores, softwares, produtos eletrônicos

Centro de Tecnologia Canavieira Sede: Piracicaba; Início: 1969 Áreas: melhoramento genético da cana, produção de energia

Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) Sede: Araraquara; Início: 1977 Área: doenças dos citros

Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) Sede: São Paulo; Início: 1969 Áreas: ciências sociais, filosofia, crítica literária e artística, políticas públicas

36  z  outubro DE 2016

Sede: São Paulo; Início: 2007 Áreas: cirurgia bariátrica e metabólica, obesidade, diabetes, endocrinologia, oncologia, dores

Hospital Beneficência Portuguesa Sede: São Paulo; Início: 2008 Áreas: oncologia, cardiologia, nefrologia

Instituto de Pesquisa da Santa Casa de São Paulo Sede: São Paulo; Início: 1963 Áreas: ortopedia, oftalmologia, pediatria

Instituto de Pesquisa do Hospital do Coração Sede: São Paulo; Início: 2007 Área: cardiologia

sa FAPESP nº 238). Antes dela, outras empresas saíram de costelas do CPqD. É o caso da Padtec, criada como unidade do centro em 1999, que se tornou uma empresa privada em 2001 (ver Pesquisa FAPESP nº 219). “Além do conhecimento transferido para a sociedade, uma parte da equipe costuma migrar para as startups”, afirma Alberto Paradisi, vice-presidente de inovação do CPqD, ressaltando que as empresas nascentes também se tornaram parceiras da fundação – tanto a BrPhotonics como a Padtec atuam com o instituto em projetos de comunicações ópticas encomendados por empresas e pelo governo.

O

Instituto de Pesquisas Eldorado, sediado em área contígua ao campus da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi criado pela Motorola, em 1999, sem fins lucrativos. Nos primeiros anos, trabalhou praticamente só para a empresa americana, com recursos proporcionados pela Lei de Informática. Em 2009, viveu uma mudança abrupta, quando a Motorola cortou dois terços dos projetos que patrocinava no instituto. No ano seguinte, a empresa foi vendida. “Foi um momento difícil, em que praticamente não tivemos faturamento e estávamos endividados com a construção de nossa sede”, lembra Jaylton Ferreira, superintendente do Instituto Eldorado. “A solução foi oferecer serviços para outras empresas de forma agressiva.” Hoje, o modelo é bem diferente. No ano passado, o instituto realizou cerca de 140 projetos de pesquisa com mais de 60 empresas diferentes, entre as quais a Dell, a Samsung, a IBM – e também a Motorola. Os projetos em curso utilizam recursos de fontes como o Fundo Tecnológico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), além de parcerias com a Embrapii. A equipe de cerca de 800 funcionários e pesquisadores trabalha em unidades em Campinas, Brasília e Porto Alegre, onde propõe novas tecnologias e adapta as existentes para celulares, tablets e outros dispositivos, além de realizar testes com esses equipamentos, verificando se atendem às normas brasileiras. Parte do faturamento é dedicada à pesquisa em áreas com potencial, como a Internet das Coisas (conexão à web de eletrodomésticos e automóveis), realidade virtual e tecnologia assistiva. Institutos como o CPqD e o Eldorado se dedicam tanto à pesquisa quanto ao desenvolvimento, mas a maioria dos centros, sobretudo os ligados à indústria de celulares, atua concentradamente na ponta do desenvolvimento, com destaque para os aplicativos. Leis e políticas públicas que incentivam o investimento de empresas em P&D sustentam as atividades de boa parte desses institutos. O principal exemplo é o da Lei de Informática, do início dos anos 1990, que concedeu incentivos


1

2

fotos 1 Adriano Carvalho / fundecitrus 2 ctc

Pesquisas sobre a praga do greening feitas em laboratório do Fundecitrus, em Araraquara, e variedade de cana desenvolvida pelo CTC, em Piracicaba

fiscais, na forma de redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), para empresas que aplicam parte de seu faturamento em pesquisa. No início da vigência da lei, a maioria das empresas usava os recursos em parcerias com universidades. Mais tarde, grandes corporações criaram centros, em geral na forma de fundações sem fins lucrativos, para aproveitar os recursos de forma mais flexível. Foi o caso por exemplo da Alcatel Lucent, que criou a FITec, instituto com unidades em Campinas, São José dos Campos, Recife e Belo Horizonte, ou o Venturus Inovação & Tecnologia, criado em 1995 por um consórcio liderado pela Ericsson. “Quem diz que a Lei de Informática não gerou empregos nem alavancou a tecnologia no país não sabe o que está falando. O volume de pesquisas produzidas graças ao incentivo da lei é enorme”, diz Marcelo Abreu, gerente de inovação e novos negócios do Venturus. Sediado em Campinas, o instituto tem hoje 300 funcionários e boa parte de seu faturamento vem de projetos encomendados por empresas que se beneficiam da Lei de Informática. Trabalha para vários clientes, alguns concorrentes entre si, e mantém salas e equipes dedicadas a cada projeto, a fim de garantir a confidencialidade.

Um dos principais focos é o desenvolvimento de aplicativos para telefonia móvel. “Fomos responsáveis por desenvolver os aplicativos de celular para as duas últimas Copas do Mundo de Futebol oferecidos pela Sony Mobile a seus clientes no mundo inteiro”, conta Abreu. Em um estudo publicado em 2010, Eva Stal, professora das Faculdades Metropolitanas Unidas, de São Paulo, mostrou que os institutos criados pelo estímulo da Lei de Informática desenvolveram competências inovadoras, diferentes das que costumam resultar de colaborações entre empresas e universidades. “Ao criar os institutos, as empresas tiveram a oportunidade de definir o que iriam fazer, desenvolvendo competências para atender às demandas dos fabricantes globais”, escreveu. A capacidade de gerar soluções novas persiste, observa Gedier Ribeiro, gerente de novos negócios do Instituto de Tecnologia FIT, fundado em 2003 pela indústria de produtos eletrônicos Flextronics, de Cingapura. “Quando uma empresa não encontra a solução que está precisando no mercado, criamos uma tecnologia customizada, que pode ser um robô para sua linha de produção, um conjunto de softwares ou um dispositivo de inteligência artificial”, explica. A instituição, com sede em Sorocaba, tem 260 colaboradores. pESQUISA FAPESP 248  z  37


Investimento em pesquisa ajuda hospitais a se tornarem centros de excelência, diz Ana Maria Malik

“Setenta por cento dos projetos baseiam-se em benefícios fiscais. Muitas empresas fazem encomendas e pagam com recursos próprios.” O modelo dos institutos privados de P&D brasileiros lembra o de organizações de pesquisa e tecnologia (RTOs, na sigla em inglês) criadas em países desenvolvidos. Tais centros cumprem o papel de gerar novas tecnologias e disseminá-las, financiando-se por meio de governos, clientes privados e prestação de serviços de consultoria. É o caso, por exemplo, da alemã IABG, criada pelo governo alemão em 1961 para desenvolver tecnologias para a indústria aeroespacial e privatizada em 1993, que hoje trabalha para a indústria automotiva e de telecomunicações. Um caso peculiar entre os institutos privados é o do Centro de Pesquisas Avançadas Wernher von Braun, em Campinas, que nasceu da iniciativa de um pesquisador, o físico Dario Sassi Thober. A ideia inicial era realizar pesquisa pura em física, com potencial de aplicação na indústria. Ao longo do tempo, a instituição sem fins lucrativos concentrou-se no desenvolvimento de softwares e semicondutores e no gerenciamento de sistemas que trabalham com um volume muito grande de informações. O centro concebeu o sistema de pagamento de pedágio, utilizado em rodovias do país inteiro, baseado numa etiqueta com um chip instalada em cada automóvel e em um dispositivo de detecção em praças de pedágio e estacionamentos. “Montamos uma operação fabril na Ásia para produção dos semicondutores que desenvolvemos, o que reduziu o custo de operação do cliente”, conta Dario Thober, que se ressente da perda de vários talentos que deixaram o instituto ao longo do último ano. “Vários deles foram trabalhar em empresas de semicondutores em outros países, com salários bem acima do nosso mercado.”

mento (ver Pesquisa FAPESP nº 237). O trabalho, coordenado pela geneticista Anamaria Camargo, foi feito no Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa (IEP), cujos laboratórios ocupam uma área de mil m2. O IEP e outros oito institutos ligados a hospitais no estado de São Paulo seguem um modelo que alia assistência, ensino e pesquisa. A pesquisa é organizada em duas categorias: clínica e experimental. A primeira investiga efeitos de medicamentos e terapias testados em pacientes. Tais estudos podem ser encomendados e patrocinados pela indústria farmacêutica. Já na pesquisa experimental, busca-se conhecimento para combater doenças ou aperfeiçoar tratamentos, ainda que os resultados não tenham aplicação prática em um primeiro momento.

A

Implantação de sistema de detecção de automóveis em praças de pedágio desenvolvido pelo Centro Von Braun: cada carro tem uma etiqueta com chip

na Maria Malik, médica e professora da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), explica que a estratégia de investir em pesquisa ajuda os hospitais a se tornarem centros de excelência. “Eles ganham protagonismo, conseguem absorver bons pesquisadores e isso ajuda a qualificar o quadro de funcionários”, esclarece. Em 2008, pesquisadores ligados ao Sírio publicaram 38 artigos em revistas indexadas. Em 2016, o número deve chegar a 170. “Uma parcela desses estudos parte de casos clínicos de pacientes internados”, informa Luiz Fernando Lima Reis, diretor do IEP-HSL. Em 2016, o Sírio investirá cerca de R$ 20 milhões em pesquisa. Metade vem do orçamento do hospital e o restante é obtido por meio de contratos com a indústria, em ensaios clínicos patrocinados ou projetos de validação de tecnologias. O montante vindo de agências, como a FAPESP e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), representa R$ 1 milhão. Outro R$ 1 milhão vem de doações.

Pesquisa em hospitais

Outro ambiente em que a pesquisa sob encomenda ganhou expressão é a área privada de saúde. O Hospital Sírio-Libanês (HSL), em São Paulo, anunciou em 2015 o desenvolvimento de testes genéticos para guiar a escolha do tratamento mais eficaz contra o câncer e para detectar de forma precoce a progressão da doença e o desenvolvimento de resistência às drogas utilizadas no trata38  z  outubro DE 2016

1


fotos 1 von braun labs 2 eduardo cesar

Laboratório do A.C.Camargo Cancer Center: 159 projetos de pesquisa em oncologia realizados em 2015

Todos participam do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde, o Proadi-SUS, e abatem do imposto de renda montantes aplicados em projetos de pesquisa aprovados pelo Ministério da Saúde. No caso do Hospital Oswaldo Cruz, 16 projetos realizados entre 2012 e 2014 foram financiados graças a uma renúncia fiscal de cerca de R$ 105 milhões. No Hospital Israelita Albert Einstein, a pesquisa sob encomenda representa 5% dos projetos realizados na instituição. “A maior parte de nossas pesquisas nasce de perguntas feitas por médicos”, conta Luiz Rizzo, diretor superintendente de pesquisa do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein. Atualmente o hospital tem 15 mil funcionários, dos quais 700 estão envolvidos em atividades científicas. No total, há 459 projetos em andamento. Hoje, a princi2 pal linha de pesquisa é sobre o envelhecimento. O orçamenNo Centro de Pesquisa da Beto voltado para a pesquisa no neficência Portuguesa de São hospital é de R$ 23 milhões Paulo são realizadas pesquisas ao ano. Em 2016, além dessa epidemiológicas, principalAlgumas quantia, o hospital conta com mente nas áreas de cardiologia instituições mais R$ 5 milhões de recure nefrologia, e estudos clínisos obtidos por meio da parcos financiados pela indústria recebem ticipação em editais lançados farmacêutica. Os trabalhos de por agências como FAPESP e acompanhamento de pacienincentivos para CNPq, e de parcerias com pestes cardiológicos submetidos quisadores estrangeiros em a procedimentos cirúrgicos de fazer pesquisas projetos apoiados por agênrevascularização e angioplasde interesse cias internacionais, como os tia datam de 2009. Nos últimos Institutos Nacionais de Saúde três anos, já foram publicados do SUS (NIH), dos Estados Unidos. mais de 107 artigos científicos, Entre os hospitais que deincluindo, em boa parte deles, senvolvem pesquisa em São pacientes acompanhados pelo Paulo, há aqueles que se deshospital. “Estamos buscando novas formas de fomento para a pesquisa”, diz tacam pela tradição em certas especialidades. É Luiz Eduardo Bettarello, superintendente-exe- o caso do A.C.Camargo Cancer Center, um dos cutivo de Desenvolvimento Técnico da Benefi- principais centros de pesquisa e atendimento cência Portuguesa de São Paulo. Já no Instituto especializados em oncologia no país. Em 2015, de Educação e Ciências em Saúde do Hospital o hospital realizou 35 milhões de atendimentos, Alemão Oswaldo Cruz, a maior parte dos recur- dos quais 62% foram pelo SUS. Cerca de 90 prosos para pesquisa é obtida por meio de parcerias fissionais se dedicam à atividade científica, sem com empresas, observa o neurologista Jefferson contar parte do corpo clínico e assistencial, que Gomes Fernandes, superintendente de Educação também desenvolve projetos em colaboração com e Ciências do hospital. “O instituto tem desen- o Centro de Pesquisa, localizado em um prédio volvido pesquisas clínicas com a participação de no bairro da Liberdade, em São Paulo, que foi inaugurado em 2010 na gestão do oncologista médicos de seu corpo clínico”, diz. Algumas instituições hospitalares dispõem de Ricardo Renzo Brentani. Diretor-presidente da incentivos fiscais para fazer pesquisa. “No Bra- FAPESP entre 2004 e 2011, Brentani presidiu sil, hospitais de excelência são incentivados pelo a Fundação Antônio Prudente, que mantém o governo a fazer estudos cujos resultados possam A.C.Camargo, e foi responsável por implementar, contribuir para a rede de saúde pública”, explica em 1997, o primeiro curso de pós-graduação em Ana Maria Malik, da FGV-SP. Hoje, seis hospitais um hospital privado no país. “O professor Brense enquadram nessa categoria: em São Paulo, o tani mostrou ao corpo clínico que é relevante Sírio-Libanês, o Albert Einstein, o do Coração fazer pesquisa, não apenas porque isso faz dife(Hcor), o Samaritano e o Oswaldo Cruz; no Rio rença na carreira, mas porque é essencial para Grande do Sul, o Hospital Moinhos de Vento. combater o câncer”, lembra Vilma Regina MarpESQUISA FAPESP 248  z  39


Referência em políticas públicas Cebrap se mantém com financiamento privado e de agências públicas Instituto de pesquisa dedicado às ciências sociais e às humanidades, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) foi fundado no final dos anos 1960 sob a liderança de um grupo de intelectuais e professores aposentados compulsoriamente pela ditadura militar, como o sociólogo e futuro presidente da República Fernando Henrique Cardoso e o filósofo José Arthur Giannotti. Financiado principalmente por fundações sediadas no exterior, como a Ford e a McArthur, o Cebrap, nos primeiros 15 anos, dedicou-se a

Quadros do Cebrap lideram iniciativas como o Centro de Estudos da Metrópole

estudos que se tornaram referência no campo da saúde, da demografia

Centros de Pesquisa, Inovação

e do desenvolvimento urbano.

e Difusão (Cepid), da FAPESP, a

Após a redemocratização, o

participação na Plataforma

financiamento externo minguou

Brasileira de Políticas de

e colocou em xeque o modelo.

Drogas, e avaliações de políticas

“Vários institutos com o mesmo

públicas para prefeituras.

perfil acabaram fechando,

Outra vocação são os projetos

mas nós conseguimos nos

encomendados por instituições

adaptar”, diz a socióloga Angela

privadas – um dos clientes atuais é

Alonso, professora da Faculdade

o Banco Itaú, que pediu ao Cebrap

de Filosofia, Letras e Ciências

estudos sobre a localização de

Humanas da USP e atual presidente

pontos de aluguel de bicicleta nas

do centro.

principais metrópoles brasileiras.

Foi necessário, contudo,

O financiamento público e privado

promover mudanças

tem mantido o vigor da pesquisa

organizacionais. O Cebrap

dentro do Cebrap que, no entanto,

incentivou seus pesquisadores,

ainda enfrenta gargalos.

que hoje são 38 fixos e mais de

A impossibilidade de usar recursos

uma centena de associados, a

de projetos de pesquisa para

prestarem concursos em

atividades administrativas fez com

universidades públicas e deixou

que o centro tivesse dificuldade,

de pagar salários a eles – os que

por exemplo, para fazer uma obra

são docentes nas universidades

simples de acessibilidade em sua

públicas trabalham de forma

sede. Uma campanha de doações,

voluntária. Os recursos obtidos com

direcionada a empresários e

as agências de fomento e

ex-alunos (www.cebrap.org.br/

organizações públicas financiam

endowment), está sendo lançada

grandes projetos, como o Centro de

para ajudar a financiar despesas

Estudos da Metrópole, um dos

fixas não relacionadas à pesquisa.

40  z  outubro DE 2016

tins, superintendente de Pesquisa e Ensino do A.C.Camargo Cancer Center. Em 2015, foram realizados no hospital 159 projetos e publicados 168 artigos em periódicos internacionais, abordando temas como diagnóstico e tratamento em oncologia, biologia tumoral e cuidados paliativos. O Centro Infantil Boldrini, em Campinas, também se dedica à pesquisa em câncer. Construído graças a doações, o hospital filantrópico foi fundado em 1978 e especializou-se no tratamento de câncer e doenças hematológicas da criança e do adolescente. Atualmente, trata cerca de 6 mil pacientes – a maioria (80%) é atendida pelo SUS. Na pesquisa clínica, o centro se destaca por ter coordenado, desde 1980, vários protocolos nacionais para tratamento da leucemia linfoide aguda da criança, que contribuíram para aumentar as chances de cura de 5% para 1 80%. “Com esses estudos cooperativos, congregando vários hospitais do país, o Boldrini conseguiu implementar tecnologias sofisticadas em exames, a citogenética e técnicas de biologia molecular”, diz a médica Silvia Brandalise, diretora-executiva do centro, que deverá inaugurar, em 2017, seu Instituto de Engenharia Molecular e Celular em uma área de 4 mil m² em Campinas, fruto de uma parceria com a Unicamp e o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). Agronegócio

Pesquisas aplicadas no campo do agronegócio impulsionam dois tradicionais institutos privados de pesquisa. Um deles é o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), criado em 1969. Em 2011, o CTC tornou-se uma sociedade anônima, tendo como principais acionistas as empresas Raízen e Copersucar, e saiu em busca de novas formas de financiamento para alavancar a pesquisa voltada à cana. Um diagnóstico feito na época mostrou que, embora a produtividade da cana tenha aumentado nas últimas décadas, havia gargalos que impediam ganhos de produtividade expressivos. “Definir um foco e aumentar os investimentos em pesquisa é essencial para ampliar a produtividade e o modelo adotado pareceu ser o mais adequado para responder a esse desafio, pois permite criar alianças estratégicas com outros grupos”, afirma Gustavo Teixeira Leite, presidente do CTC. “A complexidade genética da cana é muito alta: as pesquisas são mais complexas e caras, além


Equipamentos são compartilhados por pesquisadores, médicos e estudantes de pós-graduação no Hospital Albert Einstein, em São Paulo

fotos 1 léo ramos 2 eduardo cesar

2

associação privada, sem fins de demandarem tempo, o que lucrativos, mantida pelos cireduz o interesse das multinatricultores e pela indústria de cionais em investir no seu desuco. Fundado em 1977, o Funsenvolvimento”, diz Leite, que Centro de decitrus investe hoje R$ 23 foi presidente no Brasil da mulTecnologia milhões anuais em pesquisa tinacional Monsanto. para o controle de pragas agríA meta do CTC é, até 2025, Canavieira colas. Uma equipe de 15 pesintroduzir tecnologias que perquisadores trabalha em quatro mitam dobrar a produtividade quadruplicou laboratórios sediados em Arada cana, hoje na casa das 10 toneladas de açúcar por hectare. orçamento para raquara e 65 campos experimentais em três estados. Nos Para chegar lá, os cerca de R$ 50 aumentar anos 1990, com o agravamento milhões investidos anualmente da praga Clorose Variegada foram ampliados para R$ 200 produtividade dos Citrus (CVC), conhecida milhões por ano. Para dar início como “amarelinho”, criou seu ao plano, o centro vendeu 19% Departamento Científico, que de suas ações ao BNDES por R$ herdou os objetivos de uma 300 milhões, além de ter obtido créditos do próprio banco e da Financiadora fundação privada semelhante ao Fundecitrus, a de Estudos Projetos (Finep). Também mudou o Procitrus. O trabalho, na época, era voltado pamodelo de negócio, vendendo tecnologia para ra a vigilância e erradicação de plantas doentes. clientes e recolhendo royalties. Seu time de 450 “Chegamos a ter 4 mil inspetores e mil veículos, funcionários, sendo 300 na área de pesquisa, está que faziam inspeção e controle. Hoje, nos torinvestindo em várias frentes. O número de pro- namos um centro de inteligência”, diz Juliano gramas de melhoramento genético cresceu de Ayres, gerente do Fundecitrus. O esforço do fundo, que trabalha com universium para seis, a fim de criar variedades de cana que atendam às necessidades das seis regiões de dades, empresas e unidades da Embrapa, permitiu produção do país. “O tempo para obter uma nova reduzir a incidência do amarelinho de 50% das variedade, que era de 15 anos, foi abreviado para plantas nos anos 1990 para 3% este ano. O avanço oito anos.” O desenvolvimento de sementes arti- ocorreu em razão de um conjunto de pesquisas ficiais é outro programa de destaque. “Planta-se que buscaram compreender os mecanismos de cana hoje do mesmo jeito que se fazia no início ação da praga e controlá-la – o agente causador da colonização: cortam-se toletes, que são joga- da doença, a bactéria Xylella fastidiosa, foi alvo dos na terra, e espera-se que cresçam. A ideia é do primeiro sequenciamento genético de um produzir sementes a partir de um embrião da patógeno feito no mundo, com financiamento planta e semeá-la como se faz com os grãos, o da FAPESP e contribuição do Fundecitrus. “Nenhuma citricultura do mundo tem programas de que ainda não existe no mundo”, afirma. Se o CTC se tornou uma sociedade anônima, pesquisa como o nosso. Hoje, a principal ameaça, outra instituição voltada para a pesquisa agro- uma praga conhecida como greening, atinge 18% nômica, o Fundo de Defesa da Citricultura (Fun- dos nossos laranjais, enquanto na Flórida esse decitrus), desenvolve suas atividades como uma índice chega a 80%”, compara Ayres. n pESQUISA FAPESP 248  z  41


Difusão y

Como usar o conhecimento Relatório britânico avalia experiências criadas para ampliar o alcance de informações baseadas em evidências científicas

Bruno de Pierro

P

aíses como Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha criaram nas últimas décadas uma série de iniciativas para melhorar a comunicação pública de resultados de pesquisa, com o objetivo de ajudar autoridades e gestores a fazer o melhor uso possível de informações baseadas em evidências científicas. Agora, um grupo de pesquisadores britânicos decidiu debruçar-se sobre essas experiências para avaliar o que funcionou. O resultado desse esforço é o relatório “Using evidence – What Works?”, uma parceria da organização não governamental The Alliance for Useful Evidence com pesquisadores da University College London (UCL) e da fundação de pesquisa em saúde Wellcome Trust. A íntegra do documento está disponível em bit.ly/AUEvidence. “Boa parte das pesquisas é financiada com recursos públicos. Se não compreendermos como estimular o uso de seus resultados na formulação de políticas e programas eficientes, perderemos oportunidades”, explica David Gough, professor da UCL e um dos coordenadores do relatório.

42  z  outubro DE 2016

Foram avaliadas mais de 150 iniciativas descritas em artigos científicos e livros publicados nos últimos anos. Em pelo menos 30 exemplos foi possível observar algum sucesso na estratégia de ampliar a assimilação de informações científicas pela sociedade. Um exemplo mencionado é o dos chamados journal clubs, como são conhecidos os fóruns de leitura e discussão de artigos científicos criados em departamentos de universidades e instituições de pesquisa. Houve uma evolução no perfil desses clubes, antes utilizados principalmente por pesquisadores de uma determinada área. Agora, tais fóruns também estão se disseminando em redes sociais – hoje, há grupos de discussão sobre temas médicos e acadêmicos, sobretudo no Twitter, que trocam informações relacionando papers recém-publicados a uma hashtag comum. “Os journal clubs podem ajudar profissionais a encontrar o tipo certo de evidência que atenda suas necessidades”, diz o relatório. Ao compartilhar e analisar artigos científicos, profissionais de uma determinada área conseguem

compreender melhor como as evidências podem se encaixar no seu trabalho, em vez de apenas seguir conselhos abstratos sugeridos por especialistas. Também são mencionados exemplos bem-sucedidos de aproximação de instituições de pesquisa com o público leigo. A Universidade de Brighton, no Reino Unido, abriu um canal para a participação da população da região, pelo qual os cidadãos podem sugerir temas de pesquisa e participar de sua execução. Entre dezenas de projetos realizados conjuntamente por pesquisadores, estudantes e membros da comunidade, um destaque foi a criação de um sistema de alerta sobre a qualidade do ar, por meio de mensagens enviadas a telefones celulares. O relatório vê resultados positivos em programas de treinamento voltados para gestores e funcionários públicos. A Universidade Harvard tem um programa chamado Evidence for Policy Design, com cursos on-line que buscam capacitar profissionais a lidar com informações científicas. Outro exemplo é o da própria Alliance for Useful Evidence, que oferece


um curso para gestores. Essa organização é financiada por recursos de uma loteria e do Conselho de Pesquisa Econômica e Social do Reino Unido (ESRC).

ilustraçãO marcelo cipis

palavras certas

Outro destaque são as estratégias para ampliar a percepção do público sobre textos científicos. Contar histórias que cativem a audiência e evitar o jargão técnico são alguns recursos recomendados, além de lançar mão de ferramentas de divulgação como as redes sociais. Já a experiência do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) mostra a importância de encontrar as palavras certas para informar o público leigo sobre os resultados de pesquisas científicas. Nos dois últimos relatórios, o órgão preferiu utilizar termos como “provável” ou “altamente improvável” para comunicar suas previsões ao público. Embora distantes da precisão exigida no debate científico, essas expressões são mais compreensíveis pela população. Uma das contribuições do relatório, na avaliação do biólogo e professor da

Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Carlos Joly, é destacar a importância do trabalho conjunto de cientistas e gestores. “Os casos apresentados mostram que é possível criar ambientes de interação capazes de abarcar todos os atores envolvidos. Essa abordagem é trabalhosa, mas pode levar a soluções sólidas e duradouras”, afirma. Joly é coordenador do programa Biota-FAPESP, criado em 1999, cujos resultados de pesquisa inspiraram a legislação ambiental paulista, servindo de referência para a formulação de 23 resoluções e decretos estaduais. Ele lamenta que o exemplo do Biota seja pouco disseminado no país. “Mesmo em estados onde a comunidade científica é mais ativa, os pesquisadores enfrentam obstáculos para influenciar gestores públicos.” Com experiência na administração pública nas áres de ciência, tecnologia e educação, ocupando cargos no governo federal, e na formulação de relatórios do IPCC, do qual foi membro, o climatologista Carlos Nobre diz que o relatório apresenta boas ideias, mas faz ressalvas.

“O documento tem o mérito de apontar caminhos práticos para incentivar a comunicação entre cientistas e tomadores de decisão. No entanto, os casos têm alcance apenas local ou regional. Ele não toca na questão de como a ciência pode influenciar políticas nos níveis nacional e global, em assuntos como segurança nacional ou desenvolvimento sustentável”, avalia Nobre, que é membro da Rede Internacional para Aconselhamento Científico a Governos (Ingsa, na sigla em inglês). Outro aspecto destacado por Nobre é que muitos exemplos do documento são da área da saúde. “Quando se trata de salvar vidas, resultados de pesquisa tendem a ser absorvidos rapidamente. Já em outras áreas, como energia, isso é mais difícil identificar”, diz. Segundo ele, é necessário incluir cientistas na concepção das políticas. “O que se costuma fazer é pedir a opinião de pesquisadores quando algum projeto de lei já está tramitando no Congresso”, diz Nobre. “Isso não basta. É preciso que tomadores de decisão, cientistas e representantes da sociedade se envolvam desde os primeiros debates. Esse conceito é conhecido como codesenho”, diz Nobre. Um exemplo desse tipo de interação ocorreu na formulação do relatório “Bioenergy & sustainability: Bridging the gaps”, parceria entre a FAPESP e o Comitê Científico para Problemas do Ambiente (Scope, em inglês). Lançado em 2015, o documento baseou-se em cerca de 2 mil estudos feitos por 137 especialistas de 24 países. “O objetivo é influenciar as políticas em bioenergia em escala global. Por isso, durante a elaboração, foram realizadas várias reuniões envolvendo cientistas e autoridades”, conta Glaucia Mendes Souza, membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen) e coeditora do documento. O relatório do Scope fornece resultados de pesquisas combinados com uma análise do panorama atual da bioenergia e uma revisão crítica de seus impactos. “Para que nossas recomendações tenham impacto global, precisamos lidar diretamente com governos. Isso implica dialogar com ministérios, o que exige um esforço contínuo não só de comunicação, mas também de articulação com todos os atores envolvidos”, afirma Glaucia. n pESQUISA FAPESP 248  z  43


efeméride y

A hora da inovação

transformadora Conferência marca os 50 anos do Science Policy Research Unit, referência em economia e política científica

44  z  outubro DE 2016

C

erca de 500 pesquisadores, gestores e representantes de organizações da sociedade civil de diversos países se reuniram entre os dias 7 e 9 de setembro no campus da Universidade de Sussex, em Brighton, no Reino Unido, e foram desafiados a discutir como o processo de inovação pode ser transformado para se tornar mais efetivo e contribuir para a solução de problemas globais em temas como mudanças climáticas, energia e segurança alimentar. Além de discutir novas tendências, também houve bastante espaço para examinar o passado, uma vez que a conferência comemorava os 50 anos do Science Policy Research Unit (Spru) e contou com duas centenas de apresentações de ex-alunos e pesquisadores desse centro interdisciplinar, uma das principais referências internacionais em economia da inovação, política científica e tecnológica e estudos sociais da ciência. “Ao mesmo tempo que celebramos este marco, observamos que o mundo está enfrentando problemas persistentes e um número crescente de crises”, disse o historiador Johan Schot, atual diretor do Spru, que aproveitou a conferência

para anunciar o lançamento do Transformative Innovation Policy Consortium (TIPC), parceria com agências de fomento à pesquisa da Colômbia, da África do Sul e da Noruega. A agenda emergente de ensino e pesquisa, segundo Schot, parte de um pressuposto segundo o qual a inovação produz impactos negativos que, em determinadas situações, superam os positivos. O objetivo de uma “inovação transformadora”, tema da conferência, é ampliar o foco da pesquisa e do ensino em política científica e tecnológica e propor saídas originais para superar esses efeitos colaterais, conectando pesquisadores de vários lugares do mundo e disciplinas. “Precisamos de soluções novas e radicais”, afirmou Schot. A conferência resgatou temas que, de certa forma, estavam presentes na criação do Spru, observa o economista André Sica de Campos, professor de políticas públicas da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos brasileiros que participaram da conferência. “Logo que surgiu, a instituição produziu vários estudos prospectivos sobre o futuro da humanidade e já havia uma forte preo-


ilustraçãO andrew baker / getty images

cupação com as transformações tecnológicas. Mas aos poucos, como é natural, os temas de pesquisa se diversificaram. O enfrentamento da questão climática e o tema da sustentabilidade trazem de volta esses interesses”, diz Campos, cujo doutorado, defendido no Spru em 2006, abordou as relações entre universidade e indústria no Brasil. Um estudo publicado em agosto por Frederique Lang, professora da Universidade de Sussex, e por Jane Pujols e Nora

Blascsok, do corpo técnico da instituição, mostrou como os temas de pesquisa evoluíram. Nos primeiros anos, na década de 1960, os assuntos eram mais genéricos, em torno de tópicos como inovação industrial e política científica. Nessa fase, suas poucas dezenas de pesquisadores também se dedicaram a estudos pioneiros sobre o desenvolvimento econômico da China. Entre 1975 e 1985, houve uma clara inflexão para pesquisas relacionadas com mudanças tecnológicas,

desemprego e energia. O interesse por áreas como biotecnologia, indústria farmacêutica e tecnologia da informação e das comunicações marcou o período de 1985 a 2005, enquanto nos últimos 10 anos despontaram estudos envolvendo mecanismos regulatórios e governança. Recentemente, o interesse em energia evoluiu para estudos sobre sustentabilidade, assim como se observou uma ênfase maior em tópicos como empreendedorismo e crescimento industrial. influência

O Spru manteve-se influente ao longo de sua trajetória. “O centro nasceu nos anos 1960, numa época em que o próprio campo de pesquisa em política científica e tecnológica, em estudos sociais da ciência e em inovação estava se formando e o mundo, após a Segunda Guerra, começava a compreender e a dar atenção pESQUISA FAPESP 248  z  45


aos impactos da ciência e da tecnologia”, diz Sérgio Queiroz, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, que foi pesquisador visitante do Spru. “Além de pioneiro, tornou-se referência para pesquisadores e centros na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina”, afirma Queiroz, lembrando que o periódico Research Policy, vinculado à unidade, é até hoje um dos mais respeitados da área. Uma figura-chave na construção do Spru é o economista Christopher Freeman (1921-2010), homenageado no primeiro dia da conferência com uma palestra do economista britânico Nicholas Stern. Fundador e primeiro diretor da unidade, autor de obras de referência como A economia da inovação industrial, de 1974, Freeman contribuiu de forma decisiva para o renascimento de Joseph Schumpeter (1883-1950) como autor central dos estudos de inovação. Os campos de interesse do pesquisador envolviam temas como ciclos de longo prazo e sistemas nacionais de inovação. Sua contribuição para a padronização de metodologias e estatísticas relacionadas a pesquisa e desenvolvimento deu origem nos anos 1960 ao Manual de Frascatti, referência ainda hoje. A ideia de criar um centro interdisciplinar em política científica e tecnológica era discutida desde o início dos anos 1960 na então recém-fundada Universidade de Sussex, mas se viabilizou apenas em 1966 sob a liderança de Freeman. A abordagem era bastante inovadora para a época: tratava-se de uma instituição orientada para a resolução de problemas e formulação de políticas públicas, com a participação de economistas, sociólogos, cientistas políticos e especialistas de outras áreas. “Os pesquisadores se utilizavam de contribuições de disciplinas diversas e de várias metodologias dos economistas, na medida em que eram úteis para examinar um problema associado à ciência, à tecnologia ou à inovação”, diz João Carlos Ferraz, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos primeiros brasileiros a se doutorar no Spru – sua tese, de 1984, é sobre a indústria naval brasileira. “Ao longo do tempo foram construídas pontes com outras fontes de inspiração, como John Maynard Keynes, quando 46  z  outubro DE 2016

Os vínculos do Spru com a América Latina, e com o Brasil em particular, sempre foram estreitos

se estudava política e investimentos, e Hyman Minsk, quando se introduziu o tema do financiamento à inovação”, conta Ferraz, mencionando dois outros expoentes da heterodoxia econômica. O Spru contou, desde o início, com elevado grau de autonomia e garantia a maior parte de seu financiamento produzindo estudos por encomenda de governos, empresas e organizações. Tinha um corpo de pesquisadores permanentes, que recebiam pesquisadores visitantes de renome. No início dos anos 1980, criou seu próprio programa de pós-graduação, responsável até hoje por mais de mil teses, e seguiu produzindo contribuições originais, como as do italiano Giovanni Dosi que, sob orientação de Freeman, propôs um marco teórico capaz de explicar a natureza do processo de mudança tecnológica. Dosi formulou conceitos como paradigma tecnológico e trajetória tecnológica para explicar os mecanismos pelos quais surgem e se desenvolvem novas tecnologias. seminários

Os alunos de doutorado veem a unidade como um ambiente fervilhante. “Sempre às sextas-feiras, todos param o que estão fazendo e acompanham os seminários de que participam convidados de várias disciplinas e de outras instituições, nos quais se discutem novas ideias e abordagens, sem respeitar barreiras disci-

plinares”, lembra a economista Janaina Pamplona da Costa, professora do DPCT-­ -Unicamp, que se doutorou no Spru em 2012 com uma tese sobre governança de redes de inovação. “É uma tradição que vem pelo menos desde os anos 1980.” O processo de avaliação é rigoroso. “Os estudantes são avaliados anualmente e têm que demonstrar o que estão produzindo. A defesa de tese é um exame oral, do qual o orientador não participa, e que pode ter nove resultados diferentes. O mais raro é a aprovação sem nenhuma correção. Em geral, a banca pede correções e concede um tempo para que sejam feitas. Em alguns casos, é preciso não apenas refazer o trabalho como também convocar um novo exame”, diz. Os vínculos do Spru com a América Latina, e com o Brasil em particular, sempre foram estreitos. Um estudo recente feito para as comemorações do cinquentenário mostrou que o Reino Unido, com 99 teses, é o país mais estudado por alunos de doutorado – o Brasil aparece em segundo, com 26 teses, à frente da Alemanha, com 20. “Isso, na maior parte dos casos, é resultado do trabalho de estudantes brasileiros”, conta Janaina. O DPCT da Unicamp, criado nos anos 1980 como um núcleo de pesquisa interdisciplinar, inspirou-se na unidade britânica – o fundador do Instituto de Geociências, o geólogo argentino Amilcar Herrera, foi contratado pelo reitor Zefe-


Perez, pesquisadora honorária da unidade. Ali, ele fez doutorado com estudos de caso sobre a indústria automobilística norte-americana e, posteriormente, integrou-se à equipe de Mazzucato. cartão de visita

rino Vaz depois de passar três anos como pesquisador visitante do Spru. “Herrera era amigo do Christopher Freeman e o Spru se tornou uma referência muito forte para o DPCT, tanto que vários pesquisadores do departamento, como Léa Velho, Renato Dagnino, Janaina Pamplona da Costa e eu, passaram por lá”, diz Sérgio Queiroz, que trabalhou em Brighton com outro nome que marcou a trajetória do Spru, o inglês Keith Pavitt (1937-2002), criador de novos métodos para medir a inovação e as mudanças tecnológicas “Houve, na verdade, uma relação de mão dupla entre Unicamp e Sussex, pois Herrera também foi importante para levar os temas caros aos países em desenvolvimento para a agenda do Spru”, esclarece João Carlos Ferraz. A vinda de Christopher Freeman ao Brasil, no início dos anos 1980, para uma conferência realizada na Unicamp pelo economista Luciano Coutinho ampliou a aproximação, observa Ferraz. “Estudos de competitividade da indústria brasileira tiveram notável influência da abordagem do Spru, que ainda hoje é uma referência para políticas públicas no país”, afirma André Sica de Campos. Em abril passado, uma das mais influentes pesquisadoras da instituição, a economista ítalo-americana Mariana Mazzucato, autora do livro O Estado empreendedor, esteve no Brasil para apresentar as conclusões de um estudo, feito em parceria com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), que avaliou programas de inovação do governo federal. O trabalho analisou o desempenho de cinco áreas consideradas estratégicas pelo governo, que foram alvo de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), no progra-

Nova frente de pesquisa busca apoiar a tomada de decisões em segurança alimentar, energia e ambiente ma Inova Empresa. Constatou-se que o retorno de cada uma delas foi desigual: enquanto as indústrias de fármacos e de açúcar e álcool tiveram desempenho satisfatório, as de defesa, petróleo e aeroespacial responderam de forma mais tímida. “No estudo, procuramos apontar os fatores que colaboraram para a consistência de cada programa”, diz Caetano Penna, pesquisador associado do Spru e professor do Instituto de Economia da UFRJ, que participou da elaboração do estudo – e apresentou seus resultados, ao lado de Mariana Mazzucato, na conferência de setembro. Penna chegou a Sussex em 2009, depois de trabalhar como assistente da venezuelana Carlota

As relações entre o Spru e a Universidade de Sussex tiveram mais altos do que baixos. “Nas primeiras décadas, o Spru ganhou grande reconhecimento internacional e se tornou um cartão de visita para a própria universidade”, diz Ferraz. Um primeiro momento de tensão veio no início dos anos 1980, quando uma reportagem do jornal francês Le Monde sugeriu que o Spru era mais conhecido no exterior do que no Reino Unido e que sua relevância para os ingleses, responsáveis por boa parte do financiamento, era restrita. A fase mais difícil aconteceu entre 2008 e 2013, quando o Spru foi forçado pela universidade a integrar-se à Escola de Negócios, Administração e Economia e acabou desalojado de seu endereço desde 2002, o Freeman Centre – hoje, funciona no Jubilee Building. “Deve-se notar que durante esse processo um patrimônio se perdeu: sua renomada biblioteca foi desmontada e parte do conteúdo, descartado”, escreveu a historiadora portuguesa Ângela Ferreira Campos, pesquisadora do Spru, em um estudo recente sobre a história da instituição. Segundo a historiadora, nessa fase o diretor Gordon MacKerron chegou a iniciar negociações para transferir a unidade para a University College London (UCL), que não foram adiante. Em 2014, com a chegada do holandês Johan Schot, professor de história da tecnologia e de estudos sobre transições para a sustentabilidade, o Spru engajou-se em frentes como a rede Nexus, parceria com a Universidade de East Anglia e o Instituto para a Liderança em Sustentabilidade da Universidade de Cambridge, criado pelo governo britânico para realizar projetos que apoiem a tomada de decisões sobre segurança alimentar, energia e ambiente. Na avaliação de João Carlos Ferraz, a conferência mostrou que o Spru segue contribuindo de modo relevante para o debate sobre ciência, tecnologia e inovação. “Isso decorre dos princípios em que foi fundado o Spru: orientação por problemas, disposição em renovar os programas de pesquisa, multidisciplinaridade e rigor científico”, afirmou. n Fabrício Marques pESQUISA FAPESP 248  z  47


ciência  ASTRONOMIA y

Paisagens de Titã Metano líquido cria cânions e lagos, enquanto ventos moldam dunas e planícies na superfície gelada da maior lua de Saturno Igor Zolnerkevic

P A poeirenta superfície de Titã, fotografada pelo módulo de pouso Huygens

1

48  z  outubro DE 2016

revista para terminar em setembro de 2017, a missão espacial Cassini-Huygens orbita o planeta Saturno e suas luas desde julho de 2004. Durante a missão, um dos principais alvos da espaçonave não tripulada Cassini foi Titã, o maior satélite natural de Saturno, uma vez e meia maior que a Lua da Terra. Em 2004, em um dos primeiros sobrevoos a Titã, a nave lançou a sonda espacial Huygens, que pousou no gélido satélite. As fotos feitas então revelaram uma superfície repleta de poeira e pedregulhos, cujas formas arredondadas sugerem a erosão pela correnteza de um rio já seco. Análises de imagens divulgadas em agosto deste ano, porém, comprovaram que grandes rios ainda correm em Titã, confirmando que, com base no que se conhece até o momento, essa lua é, além da Terra, o único corpo celeste do Sistema Solar com líquidos fluindo constantemente em sua superfície. “Assim como na Terra, a água circula nos estados sólido, líquido e gasoso, em Titã é o metano que pode existir nesses três estados físicos”, sugere a astrôno-

ma Rosaly Lopes, chefe da Divisão de Ciências Planetárias do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) da agência espacial norte-americana (Nasa), a única pesquisadora brasileira que participa da missão. “Em Titã, vemos nuvens, neve, chuvas, rios e lagos de metano.” A maior lua de Saturno possui uma atmosfera muito densa. Segundo Rosaly, isso dificulta que as câmeras que captam a luz visível ou que os espectrômetros, aparelhos que identificam a composição química das substâncias, enxerguem bem a sua superfície a partir do espaço. “O melhor instrumento para penetrar esse nevoeiro é o radar”, conta a astrônoma. Após dezenas de sobrevoos a essa lua, o radar da Cassini obteve dados que permitiram a Rosaly e sua equipe internacional de colaboradores mapear o relevo de cerca de 60% da superfície. Publicadas em uma série de artigos na edição de maio da revista Icarus, as conclusões resumem tudo que se sabe sobre a geologia de Titã até o momento. O mapeamento realizado por Rosaly e seus colaboradores indicou que chuvas e rios de metano, composto formado por


fotos 1 ESA / NASA/JPL / University of Arizona 2 NASA / JPL-Caltech / SSI

Titã e Saturno, vistos pela sonda espacial Cassini

um átomo de carbono e quatro de hidrogênio (CH4), esculpem as paisagens das regiões próximas aos polos norte e sul de Titã. Já os relevos do restante do satélite são determinados principalmente pela ação dos ventos. Em Titã, os ventos não sopram constantemente nem são tão fortes como na Terra – lá as velocidades variam de 1 metro por segundo (m/s) a 10 m/s, enquanto aqui podem ultrapassar os 100 m/s. Ao longo de décadas, porém, o efeito cumulativo é suficiente para moldar grandes campos de dunas no equador e nos trópicos da lua. As imagens da Cassini tam-

bém sugerem que ventos que alcançam escala planetária carregam parte da areia dos trópicos e dos sedimentos polares para as imensas planícies de relevo suave situadas nas zonas temperadas. Um astronauta que explorasse a superfície de Titã seria capaz de caminhar facilmente em um mundo onde a força da gravidade é cerca de 10 vezes mais fraca que a da Terra, embora precisasse usar um traje especial para se proteger das temperaturas geladas (em torno de 180 ºC) e da atmosfera sem oxigênio, composta principalmente de nitrogênio e nuvens de metano. Quem puses-

se os pés por lá também precisaria de lanternas, uma vez que essa lua recebe apenas um décimo da luz solar que chega à Terra, e de um visor infravermelho para enxergar através de uma espessa névoa alaranjada. Diversos compostos de carbono e hidrogênio, como etano, propano, acetileno e outros hidrocarbonetos, formam essa névoa. Reações químicas desencadeadas pela luz solar convertem esses compostos em uma fuligem escura de polímeros orgânicos chamados tolinas, que recobre toda a superfície de Titã, cuja crosta, com montanhas, vales e ba-

2

pESQUISA FAPESP 248  z  49


Na imagem de radar da Cassini, os campos de dunas de Titã aparecem como linhas escuras, ao norte das montanhas de Xanadu (centro). À direita, a cratera KSA

cias, é formada por água congelada, dura como rocha. A fórmula exata da mistura que compõe as tolinas ainda é um mistério, pois o metano na atmosfera de Titã funciona como uma barreira para o espectrômetro da Cassini. “Só conseguimos analisar a luz emitida pela superfície em poucos comprimentos de onda, então não é possível definir a composição química das substâncias que estão ali”, explica Rosaly. Ela colabora com Anezina Solomonidou, geóloga planetária que atualmente faz um estágio de pós-doutoramento no JPL, para combinar os dados do espectrômetro com os do radar da Cassini. “Enquanto o espectrômetro dá pistas da composição química em cada ponto da superfície, os três modos diferentes de operação do radar fornecem a temperatura, a topografia e uma ideia da dureza e da textura do material em cada um desses pontos.” Especialmente nas regiões polares, a temperatura em Titã se torna baixa o suficiente para que o vapor de metano encontrado na atmosfera caia sobre a superfície como chuva ou neve. Ali, próximo aos polos, um astronauta poderia usar um barco para navegar por rios de metano – o maior deles, situado no polo norte, tem a extensão do Nilo, na África. Os rios de Titã correm no fundo de desfiladeiros de gelo, com paredões íngremes de mais de 500 metros de altura – uma paisagem que lembra a do Grand Canyon, nos Estados Unidos, como confirmaram pesquisadores italianos em um estudo publicado em agosto na Geophysical Research Letters. Esses rios alimentam lagos de metano, alguns deles com dimensões comparáveis às dos 50  z  outubro DE 2016

1

Grandes Lagos, na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá. “Imaginamos que os cânions de Titã tenham sido formados pela erosão provocada por rios”, explica Rosaly. “A maioria desses rios, porém, hoje está seca e forma terrenos que chamamos de labirintos polares.” Já no equador e nos trópicos de Titã, o astronauta contemplaria vastos campos de dunas, que ocupam todo o horizonte. Nesse satélite de Saturno, as dunas alcançam até 180 metros de altura e

Nas regiões polares, rios criaram labirintos de cânions com centenas de quilômetros de extensão

formam campos que devem lembrar os que existem no Egito e na Namíbia, na África. A diferença é que, em Titã, a areia das dunas não é feita de silicatos, mineral formado por compostos químicos inorgânicos, mas por grãos de hidrocarbonetos (compostos orgânicos) semelhantes às tolinas. “A areia das dunas é produzida na zona equatorial, mas não sabemos como”, conta Michael Malaska, pesquisador do JPL e um dos colaboradores de Rosaly. “É fascinante como a composição de gases, líquidos e sólidos na superfície de Titã é diferente da dos encontrados na Terra, apesar de as formas da paisagem de lá serem parecidas com as daqui”, conta Rosaly. Titã é uma lua muito dinâmica, diferente do satélite natural da 2


3

fotos  1 e 2 NASA / JPL-Caltech/ASI 3 NASA / JPL-Caltech/ASI / Cornell

Vulcões de Titã expelem mistura de água, amônia e metano com consistência de sorvete

Terra, onde não acontece praticamente nada há bilhões de anos. “As mudanças que observamos de ano para ano com a Cassini são pequenas, mas temos indícios de que, ao longo de décadas, as reações químicas na atmosfera e na superfície de Titã, somadas à erosão pelo metano líquido e pelos ventos, fazem o seu relevo mudar muito.” Rosaly estuda a geologia de planetas e luas do Sistema Solar no JPL desde 1989. Ela colaborou com a missão Galileo, que explorou Júpiter e seus satélites entre 1995 e 2003, e descobriu dezenas de vulcões na lua Io. Até hoje ela analisa os dados obtidos pela missão (ver Pesquisa FAPESP nº 160). Foi seu interesse especial por vulcões que a levou a colaborar também com a missão Cassini. Rosaly identificou terrenos montanhosos nessa lua de Saturno que parecem ser o produto da atividade de vulcões de gelo ou crio-vulcões, hoje aparentemente adormecidos. Diferentes dos vulcões da Terra e de Io, que expelem lava de rocha incandescente, os crio-vulcões são montanhas de gelo que, durante suas erupções, expelem uma mistura de água, amônia e metano, com uma consistência semelhante à de sorvete. “Estudos medindo pequenas diferenças na órbita da Cassini ao redor de Titã sugerem que há um oceano de água líquida sob a crosta de gelo que forma a superfície dessa lua”, explica. É provável que os crio-vulcões tragam material do oceano interior para a superfície. Se ocorresse o contrário e parte do material orgânico da superfície pudesse penetrar no oceano interior de Titã e se misturar às suas águas, haveria ali um ambiente propício ao surgimento de

Ligeia Mare, o maior lago de Titã, ocupa 130 mil quilômetros quadrados e tem mais de 200 metros de profundidade

formas de vida, arrisca Malaska. “A superfície de Titã é muito fria e muitas das reações químicas que caracterizam a vida terrestre não funcionam em temperaturas tão baixas”, explica o pesquisador.

Cânions, labirintos e planícies

Crio-vulcões são bastante raros na superfície de Titã, sendo menos frequentes que os labirintos de cânions polares, o quarto tipo de terreno mais comum por lá. Em terceiro lugar ficam as cadeias de montanha de gelo, a maioria delas situada logo ao sul do equador, em uma região chamada Xanadu. A segunda paisagem mais comum são os campos de dunas, concentrados na região de Shangri-lá. A paisagem predominante em Titã, entretanto, são os terrenos indiferenciados, vastas planícies de relevo muito suave, concentradas nas zonas temperadas, entre os campos de dunas e os labirintos de cânions. “A maioria dos meus colegas não queria estudar esses terrenos, porque são achatados e não parecem ter nada de interessante”, conta Rosaly. Mas ela

pensa de modo distinto. “Se esses planos cobrem a maior parte da superfície, não podemos entender a geologia de Titã sem conhecer a origem deles.” Por parecerem muito lisos e planos, Rosaly suspeitou de início que os terrenos indiferenciados fossem grandes planícies de gelo, resquícios de derrames de crio-lava ancestrais. Sua pesquisa, porém, mostrou que o chão dessas planícies era feito de uma camada com dezenas de metros de profundidade de sedimentos de composição semelhante à das areias das dunas equatoriais. Examinando a orientação das formas das dunas e outros relevos, ela e sua equipe reconstituíram a direção preferencial dos ventos em Titã, concluindo que as planícies da zona temperada devem mesmo ter sido preenchidas por sedimentos trazidos dos trópicos e dos polos por meio dos ventos. “A investigação de Titã ainda está na infância”, diz Rosaly. “As melhores imagens têm uma resolução relativamente baixa e, mesmo assim, não vamos conseguir mapear toda a sua superfície até o final da missão em setembro de 2017.” n

Artigos científicos LOPES, R. M. C. et al. Nature, distribution, and origin of Titan’s undifferentiated plains. Icarus. v. 270, p. 162-82. 15 mai. 2016. MALASKA, M. J. et al. Material transport map of Titan: The fate of dunes. Icarus. v. 270, p. 183-96. 15 mai. 2016.

pESQUISA FAPESP 248  z  51


GEOLOGIA y Serra do Tonã, na Bahia: vestígios de invasões marinhas

A conturbada formação de um oceano Pesquisadores divergem sobre como o mar invadiu há 115 milhões de anos o que hoje é o interior do Nordeste e uniu o Atlântico Norte ao Atlântico Sul

52  z  outubro DE 2016

O

geólogo Mario Assine vê as camadas de rochas sedimentares que afloram na chapada do Araripe, na divisa do Ceará com Pernambuco, como as páginas de um livro que registra parte da história do planeta. “As rochas mais profundas e antigas são as primeiras páginas, preservadas sob camadas de rochas mais jovens, que contam o que ocorreu depois”, explica o pesquisador, que estuda a região há 30 anos e é professor na Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro. Assine considera as camadas de rochas com fósseis marinhos do Araripe a melhor pista geológica do que ocorreu entre 125 milhões e 100 milhões

de anos atrás na região que hoje é o Nordeste brasileiro. “Suas rochas guardam marcas de eventos importantes que ajudam a entender como a América do Sul e a África terminaram de se separar e permitiram que o oceano Atlântico Norte se conectasse ao Atlântico Sul”, conclui. Naquela época, a distribuição dos continentes era bem diferente da atual. No início do Aptiano, que durou de 125 milhões a 113 milhões de anos atrás, os imensos blocos rochosos que hoje formam a América do Sul e a África estavam soldados no supercontinente Gondwana, do qual já haviam feito parte a Antártida, a Austrália e Madagascar (ver mapa na página 55). Depois de muito tempo uni-


fotos  mario assine / unesp

dos, eles começaram a sofrer rupturas causadas por forças do interior do planeta e a se afastar. Aos poucos, as águas de oceanos primitivos ocuparam o espaço entre os continentes e contribuíram para o nascimento dos oceanos atuais. À medida que América do Sul e Áfri­ca se afastavam, em um processo de separação que começou na porção austral, desenhava-se o futuro Atlântico Sul. Enquanto isso, próximo ao equador terrestre, ao norte de Gondwana, o proto Atlântico Norte recebia as águas de um oceano chamado Tethys e ganhava corpo com o distanciamento entre a América do Norte, a Europa e a porção setentrional da África. Passaram-se milhões de anos até que o afastamento se completasse e existisse um oceano Atlântico único, pois o que hoje é o Nordeste brasileiro permanecia conectado à África. As rochas do Araripe contam parte da história do surgimento do Atlântico, mas não mostram todos os detalhes. Faltam informações para responder a questões fundamentais. Uma delas é definir os caminhos da entrada das águas marinhas naquela região do planeta, conectando o Atlântico Norte ao Sul, por volta de 115 milhões de anos atrás. Por ora, os fósseis marinhos encontrados no Araripe sugerem apenas que a origem dessas águas é o Atlântico Norte. Em busca de mais informações sobre o que teria ocorrido nesse período, Assine e seus colaboradores estenderam a busca por vestígios dessas invasões para os afloramentos rochosos da serra do Tonã, na Bahia, a 200 quilômetros a sudeste do Araripe. Os resultados dessa busca compõem a dissertação de mestrado do geólogo Filipe Varejão, feito sob a orientação de Assine, e foram publicados em julho na revista Cretaceous Research. Nesse trabalho, Assine e seus colaboradores mostraram que os estratos rochosos daquela época preservados na serra do Tonã sugerem que as águas de Tethys teriam, primeiro, avançado para o sul por algum caminho desconhecido, a leste da costa brasileira. Ao alcançar a região onde hoje é o sul da Bahia, elas teriam sido desviadas para noroeste e invadido o interior do Nordeste. Essa interpretação se baseia no registro geológico preservado nas bacias sedimentares, recuperado em marcas petrificadas que o fluxo dos rios então existentes deixou na região. Essa con-

clusão contradiz a reconstituição paleogeográfica (das paisagens antigas) proposta pelo geólogo especializado em paleontologia Mitsuru Arai a partir do estudo de fósseis marinhos encontrados no Nordeste. Arai e Assine concordam que as águas que ocuparam a região vieram do Atlântico Norte. Eles divergem, porém, quanto ao percurso que teriam feito no interior do antigo continente. “A meu ver, a conclusão de que a invasão marinha do Nordeste teria ocorrido a partir de águas vindas do sul é um absurdo”, diz Arai, que trabalhou 37 anos na Petrobras e hoje é professor na Unesp em Rio Claro. O geólogo-paleontólogo apresentou o seu cenário paleogeográfico

em 2014 no Brazilian Journal of Geology. “O mar veio do norte”, afirma. O impasse já rendeu debates acalora­ dos entre eles. Para ambos, é preciso fazer estudos mais aprofundados em afloramentos do Aptiano na bacia sedimentar do Parnaíba, para resolver de vez essa questão. Conexão com o pré-sal

A pesquisa de Assine no Araripe e na serra do Tonã foi realizada com financiamento de projetos da FAPESP e da Petrobras. A indústria petrolífera se interessa em conhecer melhor as rochas do final do Aptiano no Nordeste porque elas têm a mesma idade, composição química e

Equipe da Unesp analisa afloramento de calcário no topo da serra do Tonã: rochas formadas entre 125 milhões e 113 milhões de anos atrás

pESQUISA FAPESP 248  z  53


geológica das rochas que abrigam as reservas de petróleo do pré-sal nas bacias sedimentares de Santos e do Espírito Santo, na margem continental brasileira. “A formação das rochas dessa época no Nordeste e na margem continental guardam registros da mesma sequência de eventos”, explica Assine. “O Araripe e a serra do Tonã funcionam como modelos para entender a sucessão de rochas do pré-sal, a que temos acesso limitado.” O geólogo Webster Mohriak, especialista em tectônica de sal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), conta que no Aptiano, entre 125 milhões e 113 milhões de anos atrás, o Atlântico Sul era um oceano aberto da Argentina até a atual bacia sedimentar de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Ali uma cadeia de montanhas vulcânicas chamada Elevação Rio Grande guardava a entrada de um estreito golfo marinho, que terminava ao norte onde hoje é o litoral de Sergipe e Alagoas (ver Pesquisa FAPESP nº 224). O golfo tinha contornos semelhantes ao do golfo do Mar Vermelho, que vem se abrindo entre a África e a península Arábica – em 2014 e 2015 Mohriak apresentou em conferências internacionais evidências de que o mecanismo de formação de ambos tenha sido idêntico. No fim do Aptiano, o clima da Terra se tornou mais árido e o golfo marinho do interior de Gondwana, entre o que viria a ser a América do Sul e a África, pode ter secado totalmente. Com a evaporação da água, o sal precipitou e formou uma espessa camada que selou matéria orgânica nas camadas de sedimentos

Para geólogos, águas do Atlântico Norte ocuparam o Nordeste via rota ao sul da região; para paleontólogo, vieram do Norte

existentes logo abaixo, criando as reservas de petróleo do pré-sal. Acima da camada de sal das bacias da costa brasileira, os geólogos encontraram camadas de calcário marinho, típico de águas salobras rasas, cobertas por camadas de sedimentos depositadas em um ambiente de mar profundo. Essa sucessão indica que, após secar, o golfo voltou a se encher, abrindo-se cada vez mais até a crosta continental entre Brasil e África rasgar-se completamente há 100 milhões de anos, no fim do Albiano. Diferentes interpretações

Segundo Assine, as principais reconstituições de como eram os continentes

no passado, como as feitas pelo geólogo Christopher Scotese, da Universidade do Texas em Arlington, nos Estados Unidos, indicam que as águas do Atlântico Norte e do Atlântico Sul só se encontraram depois que a América do Sul se separou de vez da África. “Essas reconstituições, no entanto, não levam em conta que o mar invadiu o interior de Gondwana no Aptiano, por volta de 115 milhões de anos atrás”, explica. “As camadas de folhelhos contendo fósseis marinhos que existem sobre os depósitos de sal e de calcários laminados da chapada do Araripe são evidências claras dessa invasão.” Mais recentemente, Assine reuniu indícios de que o Araripe já fez parte de uma bacia sedimentar maior. Os depósitos de calcário encontrados por lá seriam sobras de sedimentos que se acumularam em uma região bem mais vasta, que abrangia ao menos o Araripe e a serra do Tonã. Quase toda essa área foi erodida nos últimos 65 milhões de anos pelos rios, depois que o Nordeste se elevou acima do nível do mar. Assine compara os depósitos do Araripe ao que restou de um bolo de festa: “É o maior pedaço, que sobrou no centro da bandeja”. Nos anos 1960, o geólogo Oscar Gross Braun já havia identificado dois pedaços menores desse bolo: a serra Negra, em Pernambuco, e a serra do Tonã, na Bahia. Agora, Assine, Varejão e os geólogos José Perinotto e Lucas Warren, também da Unesp, revisitaram essas formações para analisá-las em detalhe com ferramentas modernas. Em colaboração com os geólogos Bernardo Freitas, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Renato Paes de Almeida, da Universidade de São Paulo (USP), e Virgínio Neumann, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), eles identificaram duas sequências de camadas de rochas do Aptiano idênticas às sequências de mesma idade existentes no Araripe. Para Assine e colaboradores, essa coincidência confirma que a chapada do Araripe e a serra do Tonã já integraram a mesma bacia. Essas sequências de camadas começam como depósitos de ambientes flu-

Pedreira em Nova Olinda, na bacia do Araripe no Ceará: calcários laminados do Aptiano usados como pedra de revestimento 54  z  outubro DE 2016


O nascimento do Atlântico

foto  mario assine / unesp

mapa christopher r. scotese / universidade do texas

Há 120 milhões de anos, o Atlântico Sul só era aberto até a bacia de Pelotas, no Rio Grande do Sul

viais e são sucedidas por rochas carbonáticas e argilosas formadas em estuários de rios e lagos. A partir das estruturas e das formas das camadas de arenito do Tonã, os pesquisadores identificaram o sentido de correntes fluviais antigas (paleocorrentes) e definiram para onde corriam as águas dos rios que existiram ali nesse passado distante. “As águas fluíam em direção ao sul, sugerindo que havia terras mais altas ao norte do Araripe”, afirma Assine. “Fica claro que o interior do Nordeste tinha um relevo alto que funcionava como um divisor de águas entre a bacia do Parnaíba, no Maranhão, e a formação da qual faziam parte as bacias do Araripe e do Tucano, onde está a serra do Tonã. Com essa barreira natural, o mar que invadiu a região só pôde ter vindo do sul para o norte, entrando no continente pelo fundo dos vales fluviais, na direção contrária à do fluxo dos rios.” Como as análises de fósseis de microrganismos e de peixes sugerem que a fauna marinha do Araripe e do Tonã eram aparentadas de espécies do oceano Tethys (uma indicação de que as águas teriam vindo do norte), Assine tenta conciliar as evidências conflitantes. Ele especula que poderia haver uma passagem na margem equatorial do Brasil, região

do litoral que vai da atual foz do rio Amazonas ao Rio Grande do Norte, pela qual as águas de Tethys teriam entrado e percorrido a região hoje formada pela costa do Rio Grande do Norte, de Alagoas e de Sergipe, para então finalmente se encaminharem para o sul e invadirem o interior do Nordeste até o Araripe. “Essa é uma questão em aberto”, admite. “A margem equatorial brasileira, assim como a bacia do Parnaíba, ainda é pouco conhecida e podemos ter surpresas.” Mitsuru Arai discorda da existência do divisor de águas entre as bacias do Parnaíba e do Araripe. “O conteúdo fossilífero das rochas encontradas em uma bacia e em outra é muito parecido”, diz. “Se tivesse existido um divisor de águas, a fauna e a flora das duas bacias seriam diferentes entre si.” Arai também questiona o sentido das correntes dos rios primitivos do Tonã proposto por Assine e colaboradores. Para o paleontólogo, os depósitos de arenito não se formaram pela ação de rios, mas de correntes de maré que teriam existido quando a bacia do Parnaíba e a do Araripe foram invadidas pelas águas do oceano. Essas águas, vindas do norte, teriam formado um imenso canal marinho no interior do continente, seme-

lhante ao canal da Mancha, que separa a Grã-Bretanha da França. “Precisamos medir como eram as paleocorrentes dos rios e das marés na bacia do Parnaíba também”, sugere Arai. “Se as paleocorrentes de lá se dirigirem para o sul, eu ganho a parada. Se correrem para o norte, o Assine pode continuar me questionando.” n Igor Zolnerkevic

Projetos 1. Reavaliação da geologia da bacia do Araripe, Nordeste do Brasil (nº 2004/15786-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Mario Luis Assine (Unesp); Investimento R$ 78.939, 46. 2. Desenvolvimento de modelos de fácies para grandes rios: Processos e produtos em barras ativas na Amazônia brasileira e implicações para as reconstruções paleogeográficas do Neógeno na Amazônia e do Mesozoico gondwânico no NE-Brasil e E-Austrália (nº 2014/16739-8); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Renato Paes de Almeida (IGc-USP); Investimento R$ 224.884,80.

Artigos científicos VAREJÃO, F. G; et al. Upper Aptian mixed carbonate-siliciclastic sequences from Tucano Basin, Northeastern Brazil: Implications for paleogeographic reconstructions following Gondwana break-up. Cretaceous Research. v. 67, p. 44-58. jul. 2016. ARAI, M. Aptian/Albian (Early Cretaceous) paleogeography of the South Atlantic: A paleontological perspective. Brazilian Journal of Geology. v. 44 (2), p. 339-50. jun. 2014. ASSINE, M. L. et al. Comments on paper by M. Arai “Aptian/Albian (Early Cretaceous) paleogeography of the South Atlantic: A paleontological perspective”. Brazilian Journal of Geology. v. 46 (1), p. 3-7. mar. 2016.

pESQUISA FAPESP 248  z  55


Bioinformática y

Programas para uma biologia integrada Novos softwares analisam papel de redes de genes no desencadeamento de doenças Ricardo Aguiar

C

om a evolução das técnicas de sequenciamento genômico, uma quantidade cada vez maior de dados é gerada. Desenvolver novas formas de analisar esse grande conjunto de informações é um desafio para a biologia computacional. Essa é a proposta do NetDecoder, software que integra dados e consegue extrair deles informações relevantes. O programa, desenvolvido no ano passado pelo cientista da computação e biólogo molecular brasileiro Edroaldo Lummertz da Rocha quando realizava pós-doutorado na Clínica Mayo, nos Estados Unidos, não analisa apenas o perfil de expressão gênica, ou seja, como cada gene é ativado e pode contribuir individualmente para o desenvolvimento de uma doença. Ele aponta quais redes de interação gênica – conjuntos de genes que se interrelacionam – afetam mais uma determinada condição. “O diferencial do NetDecoder é permitir a comparação entre essas redes de interação fenótipo-específicas”, diz Rocha, que atualmente faz pós-doutorado na Universidade Harvard. Ao determinar as redes associadas a uma patologia, o programa consequentemente indica quais vias de regulação ou sinalização do organismo estão alteradas em uma população com uma doença genética em relação a um grupo de pessoas saudáveis. “Também é possível comparar diferentes estágios de desenvolvimento de uma 56  z  outubro DE 2016

mesma doença e ver se a rede de interação gênica permanece inalterada ao longo do tempo.” O software tem como ponto de partida a identificação de genes expressos (ativados) de forma diferenciada em pes­soas com doenças genéticas. Por meio de um algoritmo projetado para integrar informações de banco de dados, ele verifica se o gene ligado à doença tende a interagir com outros genes e a formar uma rede com potencial para afetar alguma via de sinalização. Para validar a ferramenta computacional, o pesquisador e sua equipe analisaram os transcriptomas – conjunto de RNAs mensageiros que são produzidos em um tecido – de pessoas com câncer de mama, Alzheimer e dislipidemias (distúrbios nos níveis de gordura no sangue). Após identificar as vias alteradas, eles as compararam com a literatura e obtiveram resultados consistentes. Para o câncer de mama, por exemplo, o NetDecoder identificou a via de sinalização Braf, já conhecida por sua relação com a doença. Em pacientes com Alzheimer, encontraram alterações em vias relacionadas ao citoesqueleto celular, comum em doen­ças neurodegenerativas, e no caso da dislipidemia, alterações em vias metabólicas. Os resultados apareceram em artigo publicado em março na revista científica Nucleic Acids Research. Rocha afirma que a ferramenta computacional pode ser utilizada em estudos

de qualquer tipo de doença humana. Há outros soft­wares que também analisam redes de genes, mas, segundo o pesquisador, uma particularidade do NetDecoder é permitir a comparação entre redes de interação que atuam em pacientes com dois fenótipos distintos, com manifestações clínicas diferentes de uma mesma doença. Essa particularidade torna possível descobrir novas relações entre genes, vias de sinalização (sistema de comunicação que coordena as ações básicas das células) e as patologias estudadas. “Assim podemos gerar novos e melhores alvos para tratamentos”, diz Rocha. “É mais fácil produzir medicamentos que atuem em uma via do que em um gene específico.” Crescimento exponencial

A biologia computacional, embora relativamente recente, apresentou nos últimos anos um crescimento exponencial. A vertiginosa expansão da área pode ser vista pelo projeto de colaboração internacional Bioconductor, coordenado por pesquisadores do Fred Hutchinson Cancer Research Center, dos Estados Unidos. Iniciado em 2001, a iniciativa reúne e dá acesso a diversos softwares de código aberto para análise de dados genômicos. Em 2002, contava com apenas 20 ferramentas registradas. Neste ano, contabiliza mais de 1.200. Desde o ano 2000, quando foi criado, o setor de bioinformática do Labora-


ilustraçãO  daniel bueno

tório de Genômica e Expressão (LGE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveu sete ferramentas de computação que podem ser empregadas em diversas áreas, como genômica, transcriptômica, biologia estrutural e identificação de enzimas. Entre elas, destaca-se o Integrated Interactome System (IIS), concebido em 2014. “A motivação para o desenvolvimento dessa ferramenta foi integrar dados da genômica, proteômica, transcriptômica e metabolômica que eram produzidos e analisados de forma independente”, diz o físico Marcelo Falsarella Carazzolle, responsável pelo setor. “Com uma visão integrada e mais ampla de como se dão as interações entre proteínas e entre proteínas-metabólitos, é possível observar conexões antes não tão claras e chegar a novos resultados.” A ferramenta permite a integração de dados genômicos depositados em bancos públicos de seres humanos, animais ou plantas. Hoje, é utilizada por 247 usuários. Para Mauro Castro, pesquisador do Laboratório de Bioinformática e Biologia de Sistemas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a área de biologia computacional representa uma grande oportunidade para laboratórios brasileiros produzirem pesquisas de nível internacional. “Gerar dados pode exigir recursos financeiros muito altos, mas analisá-los e extrair informações rele-

vantes pode ser feito de forma competitiva em laboratórios com orçamento modesto, mas pessoal qualificado”, opina Castro. Recentemente, ele desenvolveu o software RTN, com o objetivo de mapear múltiplos fatores de risco genético do câncer de mama. Em vez de focar no papel de um único gene, o programa faz uma análise combinada de múltiplas variantes genéticas que podem influenciar o funcionamento de reguladores tumorais. “Cada um desses reguladores pode se tornar um alvo em potencial para o desenvolvimento de novos marcadores ou medicamentos”, explica. Como a maior parte das ferramentas computacionais da área, o RTN pode ser utilizado para o estudo de diferentes doença genéticas. Para o professor da UFPR, um grande obstáculo para o desenvolvimento da bioinformática é a falta de mão de obra especializada. “São raros os profissionais capacitados para lidar com a enorme quantidade de dados biológicos”, comenta Castro. “Talvez o maior desafio seja formar profissionais que efetivamente consigam entender e analisar esse dados.” n

Artigo científico DA ROCHA, E. L. et al. NetDecoder: A network biology platform that decodes context-specific biological networks and gene activities. Nucleic Acids Research. 14 mar. 2016.

pESQUISA FAPESP 248  z  57


zoologia y

Obama nungara

Obama atravessa o Atlântico

Obama marmorata

Originária do Brasil, planária com nome do presidente norte-americano se espalha pela Europa Marcos Pivetta

C

onhecida por ser um paraíso fiscal no Canal da Mancha, a ilha de Guernsey virou a morada adotiva de um imigrante clandestino há oito anos. Vindo do Brasil, o visitante sorrateiro instalou-se em jardins e viveiros dessa dependência da coroa britânica nos primeiros meses de 2008. Tempos depois, provavelmente em meio a um tour europeu, também foi avistado em lugares similares na Grã-Bretanha, Espanha, Itália e França. Inicialmente, o refugiado misterioso foi confundido com um parente próximo, de traço similares, chamado Obama marmorata. Em abril deste ano, a verdadeira identidade do viajante foi desvendada, salvo melhor julgamento futuro, com o emprego de análises genéticas e imagens em raio X por microtomografia computadorizada. Obama nungara é o nome da espécie de planária terrestre de 58  z  outubro DE 2016

10 centímetros de comprimento, um tipo de verme achatado, encontrada em áreas verdes da ilhota entre a Inglaterra e a França. “Ela é a primeira espécie de planária neotropical [oriunda da região que abrange o sul do México, a América Central e a do Sul] encontrada na Europa”, explica o biólogo Fernando Carbayo, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), principal responsável pela atribuição taxonômica dada ao verme flagrado em Guernsey. A descrição oficial da nova espécie foi feita em um trabalho publicado na edição de maio do periódico Zoological Journal of the Linnean Society. No estudo, são listadas 10 características anatômicas que diferenciam as duas espécies de Obama, que costumam dividir o mesmo ambiente. “Debaixo de uma pedra na Mata Atlântica em Santa Catarina, é possível encontrar as duas espécies,

lado a lado”, compara o pesquisador. A O. nungara é geralmente menor do que a O. marmorata. Seu corpo equivale, em média, a 72% do tamanho da outra espécie. Sua cor é mais escura. A O. nungara apresenta tons de amarelo-dourado ou cor de mel, com diminutas estrias pretas. A O. marmorata é marrom-claro, com estrias em tom verde-amarronzado. Os olhos das planárias, que não enxergam, mas funcionam com sensores de claro e escuro, estão distribuídos de forma distinta pelos seus corpos. Afora esses traços mais evidentes para os taxonomistas, o trabalho lista outras discrepâncias, ainda mais específicas, entre as duas formas de planária, algumas delas ligadas aos aparelhos reprodutores masculino e feminino, traços que só podem ser estudados por meio de cortes histológicos, feitos no tecido do animal, ou da microtomografia computadorizada de raios X. É interessante


fotos Fernando Carbayo

Encontrada agora em jardins e viveiros da Europa, a espécie Obama nungara era até recentemente confundida com a Obama marmorata. As planárias desse gênero, como a Obama fryi (acima), lembram folhas

notar que a maior parte das planárias é hermafrodita. Nesse quesito, as do gênero Obama não são exceção. Também foi constatado que seu DNA apresenta particularidades que apoiam a classificação das duas formas de planárias como espécies distintas. O esforço científico para determinar a espécie da planária brasileira, originária da Mata Atlântica e encontrada agora na Europa, não deriva apenas da curiosidade acadêmica dos especialistas nesses vermes. A globalização de pessoas e mercadorias facilitou a dispersão mundo afora de plantas e animais, antes restritos a certas partes do planeta. “Basta um vaso de plantas com uma planária para introduzir uma espécie exótica em um ambiente novo”, exemplifica Carbayo. A chegada de espécies em lugares em que nunca estiveram antes provoca preocupações de ordem ecológica e econômica. Na lista das 100 espécies de organis-

mos invasores mais perigosos formulada pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, em inglês), figura um tipo de planária terrestre, a Platydemus manokwari, originária da Nova Guiné. No início de 2014, ela foi encontrada em uma estufa em Caen, no norte da França, e provocou apreensão nos criadores de escargô e ambientalistas. Motivo: a P. manokwari se alimenta basicamente de lesmas e caracóis terrestres e costuma dizimá-los por onde passa. Hoje já há registros da espécie em 22 países, inclusive na Flórida, nos Estados Unidos. No Brasil, ainda não foi encontrada. Comida de Verme

O temor é que a O. nungara possa repetir os passos da planária da Nova Guiné. O cenário é possível. “A O. nungara parece ser uma planária generalista, que come diferentes tipos de animais”, explica

a bióloga Ana Maria Leal-Zanchet, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), de São Leopoldo (RS). Em estudo publicado na revista científica Zoology em junho deste ano, o doutorando Piter Boll, orientado por Ana Maria, comparou os hábitos alimentares de seis espécies de planárias, quatro do gênero Obama. A O. nungara foi a que se nutriu de mais tipos de comida: caracóis, lesmas, minhocas e até outras planárias. Em tese, o verme tem capacidade de se instalar em diferentes ambientes, visto que não depende de apenas um tipo de alimento para sobreviver. Ela habita lugares com vegetação modificada pelo homem, como parques, viveiros e jardins. Parece piada ou provocação existir um gênero de verme que carrega o nome do presidente dos Estados Unidos. O pesquisador da USP foi o principal responsável pela blague, como ele mesmo admite, artifício espirituoso para chamar pESQUISA FAPESP 248  z  59


a atenção para um grupo de animais que não desperta paixões no grande público. Mas há uma justificativa científica para a adoção de tal designação, que passou a ser empregada em 2013. Nesse ano, Carbayo e outros pesquisadores, a partir de análise de três regiões do DNA nuclear e de um marcador do DNA mitocondrial, subdividiram o antigo gênero Geoplana, que acomodava mais de 100 espécies neotropicais, em seis novos gêneros. Um deles era o Obama, hoje abrigando 36 espécies. As planárias desse gênero são bem achatadas, planas quase como uma folha, característica extremamente evidente na espécie Obama fryi (ver foto na página 59). Na antiga língua tupi, “oba” quer dizer folha e “ma”, animal. Daí a justificativa para o nome do gênero, Obama. O termo nungara, que designa a espécie de planária agora encontrada também na Europa, vem igualmente do tupi e significa similar, parecido. Ou seja, a planária Obama nungara foi assim denominada devido à sua semelhança com a Obama marmorata, com a qual era até recentemente confundida, como ilustra a história de Guernsey. Concentração na mata Atlântica

Essa é a explicação oficial para a adoção do nome do presidente norte-americano para um gênero de planárias terrestres. “Deixo a vocês a responsabilidade de pensar o que quiserem das motivações verdadeiras daqueles que escolheram esse nome. Mas acho que temos o direito de ter bom humor ...”, escreveu em seu blog o especialista em planárias Jean-Louis Justine, do Instituto de Sistemática, Evolução e Biodiversidade do

Museu Nacional de História Natural, da França. Foi Justine quem descobriu a predadora planária de Nova Guiné em Caen há dois anos. O Brasil é considerado um importante centro da diversidade de planárias terrestres, que costumam ter hábitos noturnos, locomover-se lentamente e viver em lugares úmidos devido à incapacidade de retenção de líquidos. Das 900 espécies conhecidas, cerca de 190 são originárias do país, a maior parte delas oriunda da Mata Atlântica. Normalmente, são encontradas no solo de florestas, embaixo de troncos, pedras

ou folhas, o que não as torna uma visão frequente para olhos não treinados em procurá-las. Às vezes, dezenas de espécies de planárias podem dividir uma mesma área. “Já encontrei 40 espécies diferentes em apenas um fragmento de floresta de araucárias do Rio Grande do Sul”, afirma Ana Maria. “Algumas dessas espécies estavam representadas por um único exemplar.” As poucas espécies de área mais urbanizada podem ser confundidas com lesmas. Em sua famosa viagem à América do Sul a bordo do navio Beagle na década de 1830, Charles Darwin deparou-se com planárias. No Rio de Janeiro, coletou um exemplar extremamente bonito e colorido na Mata Atlântica, com o corpo majoritariamente laranja, com duas finas listras brancas e uma listra preta mais larga. Em 1844, o naturalista inglês

Planária Platydemus manokwary da Nova Guiné (acima): espécie invasora que come caracóis. Ao lado, corte histológico de um verme para analisar suas estruturas 60  z  outubro DE 2016


A planária descrita por Darwin, Geoplana vaginuloides (acima), deve ser desmembrada em várias espécies intimamente aparentadas, como a que aparece na imagem à direira

deu a esse espécime o nome científico de Planaria vaginuloides (hoje alterado para Geoplana vaginuloides), baseado na aparência externa do animal e em sua similaridade com lesmas do gênero Vaginulus. Desde então, diferentes formas de planárias com um padrão de cores parecido, mas nem sempre igual, têm sido consideradas como exemplares dessas espécies.

Existem cerca de 900 espécies de planárias terrestres conhecidas, das quais 190 são originárias do Brasil

fotos  Fernando Carbayo

Planária de Darwin desmembrada

A equipe de Carbayo acaba de terminar uma revisão taxonômica da espécie descrita por Darwin, hoje presente apenas no Parque Estadual da Pedra Branca, no oeste do município do Rio de Janeiro, e propõe a divisão da G. vaginuloides em várias espécies. Segundo Ana Laura Almeida, que apresentou dissertação de mestrado sobre o tema no mês passado, a espécie original pode ser desmembrada em mais de cinco novas espécies. “Uma delas apresenta um padrão de cores que é exatamente o inverso da G. vaginuloides”, diz. Ela é preta, com duas finas listras brancas e uma listra laranja mais larga (ver imagens nesta página). Outros exemplares de planárias normalmente classificados como G. vaginuloides também exibem essas cores, mas apresentam uma distribuição distinta de tons pelo

corpo, peculiaridade que justifica, segundo Carbayo, a sua classificação como outra espécie. A equipe da USP ainda não diz em quantas espécies será desmembrado o verme terrestre originalmente descrito por Darwin, nem pode divulgar seus novos nomes científicos por que o trabalho com essas novidades ainda não foi publicado. A taxonomia é importante não só para os especialistas em planárias. Como o trânsito global desses vermes parece estar aumentando, conhecer bem os tipos existentes de planárias que agora circulam pelo planeta interessa também à vigilância sanitária e aos encarregados de proteger a biodiversidade. Segundo

artigo de divulgação publicado na edição de setembro da revista American Scientist pelo especialista em planárias Ronald Sluys, da Universidade de Leiden, na Holanda, pelo menos 16 espécies desses vermes podem ser consideradas invasoras de hábitats. O caso da planária da Nova Guiné comedora de caracóis é o mais grave, ao lado da história de uma espécie da Nova Zelândia (Arthurdendyus triangulatus), que se alimenta de minhocas e também foi achada na Europa. A descoberta do verme brasileiro com nome de presidente norte-americano que chegou ao velho continente é um dos episódios mais recentes da dispersão das planárias. Aliás, os pesquisadores de platelmintos, filo a que pertence as planárias e outros vermes, parecem ser admiradores do atual ocupante da Casa Branca. No mês passado, um verme que infecta tartarugas da Malásia foi batizado de Baracktrema obamai, dupla homenagem ao homem mais poderoso do planeta. n

Projeto Revisão taxonômica das planárias terrestres de Geoplana (Platyhelminthes, Tricladida) (2014-13661-8); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Fernando Carbayo (EACH-USP); Investimento R$ 87.241, 45.

Artigos científicos CARBAYO, F. et al. The true identity of Obama (Platyhelminthes: Geoplanidae) flatworm spreading across Europe. Zoological Journal of the Linnean Society. v. 117, n. 1, p. 5-28. mai. 2016. BOLL, P. K. e LEAL-ZANCHET, A. M. Preference for different prey allows the coexistence of several land planarians in areas of the Atlantic Forest. Zoology. v. 119, n. 3, p. 162-8. jun. 2016.

pESQUISA FAPESP 248  z  61


Biodiversidade y

As aparências enganam Uma combinação de estudos genéticos e ecológicos revela processos evolutivos Maria Guimarães

F

lores de um vermelho-vivo penduradas às árvores podem premiar a visão de quem passeia pelo Parque Estadual de Ibitipoca, no sudeste de Minas Gerais. São orquídeas de um gênero muito comum até em supermercados. O curioso é que especialistas atentos veem ali algo como bonecos com peças intercambiáveis: folhagens características de uma espécie com flores mais assemelhadas a outra. É sinal de que, apesar de chamativas e por isso sujeitas a serem coletadas para comércio, ainda resta muito a descobrir e compreender sobre essas plantas. Não é novidade que a natureza misture partes de organismos diferentes, em geral por meio da formação de híbridos. Era essa a expectativa quando a bióloga Bárbara Leal decidiu investigar o enigma durante o mestrado sob orientação do botânico Eduardo Borba, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A partir de identificações anteriores, ela esperava encontrar as orquídeas Cattleya coccinea e C. brevipedun-


Ibitipoca: partes vegetativas típicas de C. coccinea (ao lado) e de C. brevipedunculata (na outra página)

hibridação, um processo que pode levar ao surgimento de uma nova espécie (ver Pesquisa FAPESP nº 212), em seguida investigada e refutada por Bárbara.

fotos  bárbara leal / unesp

Versatilidade

culata, além de híbridos entre as duas. Não foi o que ela encontrou por meio de análises genéticas, e por um motivo simples. Apenas a segunda dessas espécies existe em Ibitipoca e tem uma aparência variável conforme o ambiente, como ela e colegas descrevem em artigo publicado em agosto na revista Botanical Journal of the Linnean Society. A proposta de que a presença de plantas com características misturadas das duas espécies poderia ser explicada pela formação de híbridos veio de trabalho coordenado pela botânica Samantha Koehler, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp), parte do doutorado da ecóloga Jucelene Rodrigues na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), orientada pela engenheira-agrônoma Elizabeth Veasey. Ao investigar a delimitação das espécies C. coccinea e C. mantiqueirae, usando dados genéticos, o grupo detectou que a população de Ibitipoca, no município de Lima Duarte, parecia ter maior parentesco com C. brevipedunculata, conforme mostraram em artigo publicado no ano passado na revista Plant Systematics and Evolution.

Várias fontes de informação se somam para chegar a uma delimitação das espécies “Vários estudos florísticos mostram que a vegetação dali tem semelhanças com a da serra do Espinhaço”, diz Samantha. Segundo ela, a composição do solo define um ambiente de campo rupestre propício à vegetação do interior do estado. “A distribuição de C. brevipedunculata se expandiu e chegou à Mantiqueira, onde achou um ambiente favorável.” É curioso porque C. coccinea ocorre numa região bem mais próxima, na serra do Mar no Rio de Janeiro. “Em uma hora se chega a Lima Duarte”, conta a botânica. Surgiu daí a sugestão de uma possível zona de

As catleias vermelhas de Ibitipoca são na verdade da espécie C. brevipedunculata, habitante dos tórridos campos rupestres da serra do Espinhaço. “A espécie era conhecida apenas em ambientes abertos e não havia indícios de que desenvolvesse características similares às da outra espécie quando posta à sombra”, diz Borba. A sombra enriquecida de umidade é o ambiente natural de C. coccinea, da Mata Atlântica. Além da cor, rosa para as orquídeas afeitas ao sol e vermelho para as de floresta, a característica mais marcante para diferenciar as duas espécies é o pseudobulbo, uma estrutura de armazenamento de água que fica na base das folhas. Em C. coccinea eles são alongados e em C. brevipedunculata são esféricos, um formato mais eficaz em situações de escassez hídrica. As plantas que vivem nas áreas mais ensolaradas também têm folhas mais espessas e duras, muitas vezes com uma coloração avermelhada graças a pigmentos que protegem da luz solar, em oposição a folhas longas e flexíveis. Mais uma estratégia de defesa a condições adversas. Encontrar uma espécie disfarçada de outra foi uma surpresa que deixa bem claro que se fiar apenas na aparência pode levar a equívocos, uma constatação que pode ser óbvia, mas é com frequência ignorada. “Centenas de híbridos são inferidos apenas com base na morfologia”, afirma Borba. “A lição que se tira é que as diferenças podem ser produto de plasticidade fenotípica.” Ele se refere a características cuja variação é uma resposta às condições ambientais, independentemente da genética. Ibitipoca, na serra da Mantiqueira, é um terreno fértil nesse caso, por seu mosaico de áreas pedregosas com vegetação típica de campos rupestres entremeadas por manchas de floresta densa e úmida de Mata Atlântica. Para Borba, os resultados chamam a atenção para a necessidade de se expandir os procedimentos de classificação das plantas para além de uma técnica. Não basta estudar as características visíveis, ou fenótipo. Também não basta considerar a distribuição geográfica. Para plantas fica claro que várias fontes de informação, pESQUISA FAPESP 248  z  63


Variações graduais Aspectos da aparência de orquídeas e pererecas estão mais ligados ao ambiente do que a distinção de espécies n C. coccinea n Intermediário n C. brevipedunculata

BA Campo Rupestre

Mata Atlântica

O que parecem ser híbridos na verdade são adaptações às condições locais: no caso das orquídeas (acima), uma espécie de áreas abertas se altera quando à sombra; no caso das pererecas (à direita), defesa contra predadores

como a genética, a fisiologia e a química, se somam para chegar a uma delimitação melhor das espécies, e o mesmo vale para a maior parte dos organismos. O que pode ser chamado de taxonomia integrativa está longe de ser uma ideia nova, mas com grande frequência não é o procedimento adotado, como tinha acontecido até agora com as catleias de Ibitipoca. O professor da UFMG alerta para a preocupação com conservação no caso das orquídeas, frequentadoras habituais das listagens de espécies ameaçadas de extinção – seja por destruição de hábitat ou coleta excessiva para o comércio de plantas ornamentais. Ou, ainda, uma soma dos dois fatores. “Uma delimitação mais adequada das populações e das espécies nos permite elaborar planos para conservar e preservar as orquídeas, em bancos de germoplasma ou in situ”, explica. Encontros e desencontros

A situação taxonômica de C. coccinea também está passando por uma análise mais aprofundada, de acordo com Samantha. O estudo de 2015 mostrou uma divergência acentuada entre as populações do Rio de Janeiro, nos municípios de Petrópolis e Nova Friburgo, e uma já no estado de São Paulo, em São José do Barreiro. Pode significar que sejam linhagens já completamente separadas. Mais ou menos na mesma região, uma perereca verde com manchas amarelas 64  z  outubro DE 2016

MG

SP

n Serra do Mar n Serra da Mantiqueira n Serra do Espinhaço

n P. bahiana n Intermediário n P. burmeisteri

Fonte  eduardo borba / ufmg e tuliana brunes / usp

na lateral do corpo e na parte traseira das coxas azuis também parece esconder uma nova espécie, de acordo com a bióloga Tuliana Brunes, atualmente em estágio de pós-doutorado na USP. Análises genéticas feitas durante o doutorado na Universidade do Porto, em Portugal, sugerem que Phyllomedusa burmeisteri é restrita a uma região na serra do Mar do Rio de Janeiro onde se supõe ter havido um refúgio de floresta por volta de 1,3 milhão de anos atrás. “A população dessa área teria se diferenciado dos indivíduos no restante da distribuição”, explica. Ela afirma que são necessários estudos mais aprofundados, tanto do ponto de vista genético como reprodutivo (o canto específico é essencial para que as fêmeas encontrem os machos correspondentes), para confirmar que as pererecas atualmente classificadas como P. burmeisteri em São Paulo, em Minas Gerais, no Espírito Santo e no sul da Bahia na verdade correspondem a uma espécie distinta.

Outro aspecto curioso dessas pererecas, que permite traçar mais um paralelo com as orquídeas, é uma variação no padrão de coloração da parte posterior das coxas entre P. burmeisteri e P. bahiana, duas espécies muito aparentadas, que ocorrem desde São Paulo até Sergipe. A observação tem quase 25 anos, quando os zoólogos José Pombal Jr., do Museu Nacional do Rio de Janeiro, e Célio Haddad, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro, descreveram uma tendência sul-norte nessas pererecas. As de São Paulo tinham as coxas muito manchadas de amarelo, enquanto as baianas não tinham manchas. Entre as duas pontas da distribuição, uma gradação de intermediários que sugeria uma zona de hibridização no meio do caminho. Por meio de uma amostragem mais extensa e mais intensiva, Tuliana e colegas, Haddad entre eles, agora verificaram que a distribuição do padrão de coloração não respeita os limites das espécies. Ao contrário

fotos 1 célio haddad / unesp 2 tuliana brunes / usp  ilustraçãO  fabio otubo

Mata Atlântica


1

P. bahiana

Híbrido

P. burmeisteri

2

Adaptações ao ambiente são essenciais à sobrevivência e nem sempre dão origem a novas espécies do que se verificou com as orquídeas, as pererecas de fato formam híbridos, conforme mostra artigo publicado em 2014 na Zoologica Scripta. Tuliana encontrou sinais genéticos de uma hibridação antiga no Espírito Santo, ao sul do rio Doce, e outra atual no sul da Bahia. O surpreendente foi que essas zonas híbridas não parecem ser responsáveis pela coloração considerada intermediária nas coxas dos animais: o estudo indica que é um padrão comum nas duas espécies. Mais uma vez, a aparência não ajuda. “Acreditamos que a seleção natural seria responsável, as bolas amarelas serviriam como aviso a predadores de que aquela perereca tem toxinas na pele”, explica. E são muitas toxinas – uma série de substâncias químicas com potencial farmacológico já foram isoladas nesses animais (ver Pesquisa FAPESP nº 133). Uma cobra pode chegar a engolir a perereca e regurgitar o bicho ainda vivo ao sentir as substâncias nefastas na

boca. Segundo Tuliana, a coloração fica em uma parte das coxas normalmente escondida, mas as pererecas Phyllomedusa têm um sistema de comunicação visual em que esticam as pernas traseiras e expõem as cores. As vantagens para a sobrevivência explicariam uma tendência para o padrão amarelo tomar conta, uma proposta que ainda requer mais estudos que a corroborem. Tomando os estudos em conjunto, orquídeas e pererecas estão chamando a atenção para um aspecto que muitas vezes não recebe atenção em tempos de se sequenciar material genético para organizar animais e plantas em compartimentos: adaptações ao ambiente acontecem com frequência, são essenciais à sobrevivência e não necessariamente dão origem a novas espécies. n

De sul para norte: manchas amarelas em P. burmeisteri paulista (acima) e as coxas azuis de P. bahiana (ao lado)

Projetos 1. Sistemática molecular, padrões de diversificação e conservação de orquídeas brasileiras (2006/55121-3); Modalidade Programa Jovem Pesquisador; Pesquisadora responsável Samantha Koehler (Unicamp); Investimento R$ 266.360,99. 2. Filogeografia, genética de populações e delimitação de espécies do complexo Cattleya coccinea (Orquidaceae) (2011/18532-3); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Elizabeth Ann Veasey (USP); Investimento R$ 112.022,18. 3. Biogeografia, filogeografia e diversificação de anuros endêmicos da Mata Atlântica do Brasil (2005/52727-5); Modalidade Programa Jovem Pesquisador; Pesquisador responsável João Alexandrino (Unifesp); Investimento R$ 307.302,27. 4. Especiação de anfíbios anuros em ambientes de altitude (2008/50928-1); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Célio Haddad (Unesp); Investimento R$ 1.407.985,13.

Artigos científicos LEAL, B. S. S. et al. When hybrids are not hybrids: A case study of a putative hybrid zone between Cattleya coccinea and C. brevipedunculata (Orchidaceae). Botanical Journal of the Linnean Society. v. 181, n. 4, p. 621-39. ago. 2016. RODRIGUES, J. F. et al. Species delimitation of Cattleya coccinea and C. mantiqueirae (Orchidaceae): Insights from phylogenetic and population genetics analyses. Plant Systematics and Evolution. v. 301, n. 5, p. 134559. mai. 2015. BRUNES, T. O. et al. Species limits, phylogeographic and hybridization patterns in Neotropical leaf frogs (Phyllomedusinae). Zoologica Scripta. v. 43, n. 6, p. 586-604. nov. 2014.

pESQUISA FAPESP 248  z  65


ecologia y

América

aquática Degradação de hábitats pode ameaçar estabilidade da maior diversidade de peixes do mundo André Julião

66  z  outubro DE 2016

A

América do Sul tem uma diversidade de peixes ainda maior do que se pensava. Enquanto há menos de 20 anos era considerada exagerada a estimativa de 8 mil espécies, as mais de 100 descrições de novas espécies por ano na última década permitem agora estimar a ictiofauna do continente em cerca de 9 mil espécies. Dessas, um número relativamente baixo, entre 4 e 10%, está ameaçado de extinção, enquanto na América do Norte e Europa as taxas são de 27 e 37%, respectivamente. Aqui, porém, o avanço do desmatamento, da urbanização, do barramento de rios, entre outros fatores, ameaça esse relativo conforto. É o que mostra o artigo do biólogo Roberto Reis, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), publicado em uma edição especial do Journal of Fish Biology lançada em julho, que traz dados inéditos acerca da conservação de hábitats aquáticos: não só de rios e do mar, mas também de manguezais, estuários, lagoas costeiras, lagos e riachos. Mais sensíveis a alterações provocadas pelo homem do que grandes corpos d’água, os estuários são importantes locais de reprodução e berçário de peixes que vivem nos rios ou no mar. Além disso, lagoas e riachos abrigam espécies endêmicas que, por não existirem em outro lugar, podem ser extintas quando esses hábitats são alterados. “Especialmente na costa do Nordeste e Sudeste do Brasil, muitas lagoas nem sequer mapeadas se converteram em brejos ou secaram completamente por conta da drenagem e do assoreamento, tornando impossível saber se havia espécies endêmicas”, diz a bióloga Ana Cristina Petry, do Núcleo em Ecologia e Desenvolvimento Socioambiental de Macaé, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em colaboração com uma equipe de pesquisadores do Piauí a Mar del Plata, na Argentina, Ana Cristina compilou dados de 103 lagoas na costa atlântica do continente, que somaram cerca de 5.400 quilômetros quadrados (km2) de superfície e um número variável de espécies: de apenas uma até 76. Uma informação alarmante é que cerca de 80% das lagoas investigadas estão fora de unidades de conservação. “As lagoas


fotos  léo ramos , feitas no aquário de são Paulo

costeiras prestam serviços ecossistêmicos importantes como locais de reprodução e crescimento não só para peixes marinhos e de água doce, como para insetos, anfíbios, répteis e aves, além de serem locais de pesca”, explica. Várias das lagoas estudadas ao longo de décadas sofreram profundas modificações em área e diversidade de espécies. Uma ameaça é a introdução de espécies exóticas, que competem por alimento e áreas de reprodução com as nativas e causam desequilíbrio ao sistema. Nas pequenas lagoas costeiras nordestinas, com menos de 1 km2 de área, essas forasteiras representam 50% das espécies. Outros ambientes aquáticos sensíveis à ação humana são os riachos. Com dimensões menores que os rios, eles estão normalmente próximos à floresta, e os organismos que vivem em suas águas dependem do alimento que ela fornece na forma de folhas, frutos e insetos. Alguns riachos formam microbacias independentes das grandes bacias hidrográficas e são ainda mais ameaçados pelo desmatamento e pela poluição. É o caso do rio Mato Grosso, que apesar do nome é um

Pirarucu: pesca controlada na Amazônia, embora não se saiba quantas espécies estão ameaçadas

riacho e fica no Rio de Janeiro. A bióloga Rosana Mazzoni, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), analisou a fauna de três diferentes trechos desse riacho: um bem preservado, com águas transparentes e sem penetração de luz por conta da copa fechada das árvores, um segundo com a floresta parcialmente removida e o terceiro totalmente desmatado, com bastante incidência de luz e águas turvas devido ao excesso de algas e à erosão das margens. Impacto

A bióloga e seus colaboradores detectaram diferenças significativas entre os locais na densidade de peixes e seu padrão alimentar. Enquanto cinco espécies de peixes estão presentes em cada um dos três locais, a área sem floresta favoreceu

a ocorrência de animais tolerantes a sedimentos, no caso o cascudinho-pintado (Hypostomus punctatus) e o limpa-vidro (Parotocinclus maculicauda), duas espécies de cascudo. Além disso, enquanto na área preservada a principal fonte de alimento dos peixes eram invertebrados como larvas, nas partes desmatadas essa dieta era substituída por detritos, matéria orgânica e algas – que se tornam abundantes na ausência de cobertura florestal, devido à incidência maior de luz para fotossíntese. “Pelo menos nesse caso a remoção da floresta não eliminou espécies, que conseguiram se adaptar”, diz Rosana. “No entanto, a densidade de algumas varia bastante de acordo com as condições locais.” Da mesma forma que os cascudos estão presentes em maior quantidade em áreas degradadas, os lambaris Astyanax taeniatus e Characidium vidali, abundantes na área preservada, vão se tornando mais raros à medida que aumenta o desmatamento. O biólogo Mário Barletta, editor da edição especial do Journal of Fish Biology e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), chama pESQUISA FAPESP 248  z  67


68  z  outubro DE 2016

Lagoas e riachos abrigam espécies endêmicas, que podem se perder quando esses hábitats são alterados

No estudo do estuário da baía de Paranaguá, importante área de pesca artesanal e local de reprodução e berçário de peixes marinhos e estuarinos, espécies importantes economicamente como a betara (Menticirrhus americanus) e a pescada-branca (Cynoscion leiarchus) praticamente desapareceram durante e logo depois da obra. Ao mesmo tempo, atraídos pelos animais mortos, os bagres Cathorops spixii e Aspistor luniscutis aumentaram em até 10 vezes em densidade durante a obra. Barletta e outros pesquisadores envolvidos na pesquisa concluíram, portanto, que as dragagens devem ser feitas entre o final da estação chuvosa e início da seca, quando não há atividade reprodutiva na área. “Graças ao estudo prévio, determinamos a melhor época para realizar a obra e reduzir o impacto”, conta. plástico

Tambaqui: diversidade genética pode ser alterada por interferências na Bacia Amazônica

Mesmo quando a época de reprodução dos peixes é respeitada, uma ameaça crescente afeta o início da vida desses animais: a presença de plástico nos corpos d’água. Em outro estudo publicado no mesmo volume, Barletta procurava determinar as espécies presentes nos manguezais do estuário do rio Goiana, na costa de Pernambuco, de acordo com as fases da lua. Segundo o biólogo, estudos de populações de peixes normalmente levam em conta escalas de tempo de meses a anos, raramente ciclos lunares ou períodos de dias e semanas. No entanto, é nesses intervalos curtos que se percebe uma relação mais direta entre o ambiente e seus recursos (alimentação, abrigo, proteção de predadores e outros comportamentos). Além de quantificar as espécies, em todas as áreas analisadas foram encontrados micro e macroplásticos (pedaços menores e maiores do que 5 milímetros, respectivamente), em densidades similares às dos ovos e larvas da terceira espécie mais abundante, a sardinha (Rhinosardinia bahiensis). Na lua minguante, quando há menos zooplâncton (larvas e animais muito pequenos), é justamente o período em que se encontra mais microplástico, resultado da degradação de garrafas pet, sacolas, cordas e redes de pesca pelo sol e pela água. A presença desse lixo nos manguezais é especialmente preocupante, pois nesses ambientes larvas, filhotes de peixe e de outros animais aquáticos vivem até

fotos  léo ramos, feitas no aquário de são Paulo

a atenção para a necessidade de embasar as políticas de conservação em dados científicos, algo que nem sempre é feito. “O desenvolvimento econômico é necessário, mas ele sempre deve levar em conta o impacto que causa no ambiente”, recomenda. Barletta se refere principalmente às grandes obras de infraestrutura, cuja realização nem sempre é precedida de pesquisa. Em um dos casos em que isso ocorreu, ele conseguiu fazer o levantamento da fauna de uma área de estuário antes, durante e depois de uma dragagem para a construção de um terminal portuário no complexo estuarino da baía de Paranaguá, no Paraná. Transição entre rio e mar, o gradiente de salinidade dos estuários favorece peixes e crustáceos. A dragagem, retirada de sedimentos do fundo, ocorre em áreas portuárias para aumentar a profundidade e permitir que grandes navios possam atracar. “O acúmulo de sedimentos no fundo ocorre, em parte, porque as margens dos rios foram desmatadas. A floresta faz o trabalho de segurar esse material e não deixar que ele vá para a água”, explica Barletta. Sem vegetação ao redor, algum tempo depois de feita a dragagem, ela pode voltar a ser necessária, pois o sedimento tende a acumular-se no leito outra vez.


chegar numa idade segura para migrar para um rio, estuário ou mar. “Como o microplástico divide o hábitat com os peixes e as larvas, ele pode ser ingerido e entrar na cadeia trófica, junto com os poluentes contidos nele como cádmio, cobre e zinco”, explica Barletta. Isso significa que os poluentes não só ficarão nos seres que comerem o microplástico como passarão para os predadores destes e, sucessivamente, para os que se alimentarem deles, chegando aos seres humanos. pesca

Por essa razão, projetos de conservação precisam levar em conta o fator humano. O pirarucu (Arapaima sp.), por exemplo, apesar de ter a pesca proibida no Amazonas, é largamente comercializado naquele estado. Uma solução possível é o chamado manejo comunitário. O biólogo Thiago Petersen, atualmente doutorando no Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), acompanhou de perto a recuperação da população de pirarucus da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus, um dos poucos lugares onde o peixe, que vive em lagos, pode ser pescado no Amazonas. “No manejo é feita a contagem da população de pirarucus de cada lago, em seguida cria-se um plano de gestão com

Pirarara: dieta inclui outros peixes, aumentando o risco de contaminação por mercúrio

a comunidade, no qual se definem quais lagos terão pesca para comercialização, para consumo da comunidade e em quais não se pode pescar”, diz Petersen. Em locais onde esse modelo de gestão existe há mais tempo, como a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, também no Amazonas, é permitida a retirada de até 30% da população por ano. Em áreas que estão começando a fazer uso do manejo, como a Piagaçu-Purus, é estipulado um limite mais conservador, entre 8 e 10%. O esforço deu resultado nesse caso: de 2008, quando o manejo foi implementado, até 2014, o aumento das populações de peixe variou de 62 a 99%. Apesar de algumas tentativas bem-sucedidas de preservação, Leandro Castello, coautor do artigo sobre pirarucus e professor do Virginia Polytechnic Institute and State University, nos Estados Unidos, alerta que faltam informações para saber com mais precisão quantas espécies estão ameaçadas. “Na Amazônia, por exemplo, a degradação desses ecossistemas é relativamente baixa, mas isso está mudando

rapidamente e é uma questão de tempo até que o panorama seja completamente alterado”, afirma. Um dos fatores que afetam diretamente os peixes amazônicos são as hidrelétricas. “Eles até passam pelas barragens para pôr os ovos na parte alta do rio”, conta Roberto Reis. “Quando os ovos estão descendo o rio e chegam a um lago de hidrelétrica, porém, acaba a correnteza e eles afundam para a parte sem oxigênio e morrem. Os que restam acabam sendo comidos pelos milhões de piabas que habitam os reservatórios.” n

Artigos científicos REIS, R. E. et al. Fish biodiversity and conservation in South America. Journal of Fish Biology. v. 89, p. 1-16. jul. 2016. LOBÓN-CERVIÁ, J. et al. Effects of riparian forest removal on the trophic dynamics of a Neotropical stream fish assemblage. Journal of Fish Biology. v. 89, p. 50-64. jul. 2016. BARLETTA, M. et al. Effects of dredging operations on the demersal fish fauna of a South American tropical-subtropical transition estuary. Journal of Fish Biology. v. 89, p. 890-920. jul. 2016. LIMA, A. R. A. et al. Changes in the composition of ichthyoplankton assemblage and plastic debris in mangrove creeks relative to moon phases. Journal of Fish Biology. v. 89, p. 619-40. jul. 2016. PETERSEN, T. A. et al. Recovery of Arapaima sp. populations by community-based management in floodplains of the Purus River, Amazon. Journal of Fish Biology. v. 89, p. 241-48. jul. 2016. PETRY, A. C. et al. Fish composition and species richness in eastern South American coastal lagoons: Additional support for the freshwater ecoregions of the world. Journal of Fish Biology. v. 89, p. 280-314. jul. 2016.

pESQUISA FAPESP 248  z  69


Câncery

menos severo Ação de proteína pode favorecer progressão mais branda de tumor de pele

Metástase de células de melanoma: ativação do receptor B1 possibilitaria melhor prognóstico do câncer de pele

A

com o emprego de fármacos. A relação dos receptores com o desenvolvimento de cânceres ainda não está bem estabelecida. No caso do B2, os estudos existentes sugerem que ele pode favorecer o desenvolvimento de alguns tumores, como o de próstata e o de pulmão. “Existe a possibilidade de o B2 estar aumentado nos camundongos transgênicos que não produzem B1, mas não avaliamos a quantidade desse segundo receptor”, explica o biólogo molecular João Bosco Pesquero, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), coautor do trabalho e responsável por produzir os roedores geneticamente modificados. O possível papel do B1 em tumores é menos pesquisado do que o do B2. Mas, segundo o novo estudo, sua presença no organismo pode funcionar como uma proteção ao desenvolvimento do melanoma. Apenas 10% dos tumores dos camundongos que mantiveram a versão funcional do receptor apresentaram ulceração, indicador da agressividade do tumor. Esse índice foi de 50% nos roedores transgênicos. A presença de grandes colônias de metástase pulmonar foi três vezes maior nos animais sem a proteína do que nos do grupo de controle. O próximo passo da pesquisa, que faz parte de projeto temático financiado pela FAPESP, é testar a ação de compostos desenhados para estimular a ativação do B1. Há sempre o risco de essa estratégia ser benéfica para o controle do câncer de pele, mas também produzir um dano inesperado. “Hoje, no entanto, podemos criar compostos capazes de se ligar em receptores de forma seletiva e específica”, pondera Costa-Neto. “Assim poderíamos, em tese, minimizar possíveis efeitos colaterais.” n Marcos Pivetta

Projeto Desenvolvimento de novos ligantes/drogas com ação agonística seletiva (biased agonism) para receptores dos sistemas renina-angiotensina e calicreínas-cininas: Novas propriedades e novas aplicações biotecnológicas (nº 2012/20148-0); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Claudio Miguel da Costa-Neto (FMRP-USP); Investimento R$ 1.893.525,25.

Artigo científico MARIA, A.G. et al. Host kinin B1 receptor plays a protective role against melanoma progression. Scientific Reports. 22 fev. 2016.

70  z  outubro DE 2016

Julio C. Valencia / NCI Center for Cancer Research

Melanoma

ação de uma proteína, o receptor B1 do hormônio bradicinina, pode ser importante para o desenvolvimento de formas mais ou menos graves de melanoma, um tipo de câncer de pele muito agressivo devido ao alto risco de se espalhar por outras partes do organismo. Pesquisadores de São Paulo e da França induziram a doença em dois grupos de roedores e registraram tumores de pior prognóstico e metástases mais disseminadas nos camundongos que foram geneticamente modificados para não apresentar o receptor. Nos animais normais, que mantiveram o B1 funcional, o câncer de pele se mostrou menos severo e com maior possibilidade de controle. “A presença do receptor B1 parece melhorar a resposta imunológica do organismo contra a progressão do melanoma”, comenta o bioquímico Claudio Miguel Costa-Neto, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), principal autor do trabalho, publicado em fevereiro deste ano no periódico Scientific Reports. Os receptores da bradicinina (há o B2, além do B1) fazem parte do sistema calicreína-cinina, importante para a regulação de uma série de processos do organismo, como a vasodilatação, a resposta inflamatória e a sensação de dor. Esse sistema pode ser modulado


IMUNOLOGIA y

Vacinas contra zika Voluntários nos Estados Unidos e no Canadá recebem as primeiras doses de duas formulações candidatas a imunizante contra o vírus  |  Ricardo Zorzetto

National Institute of Allergy and Infectious Diseases / NIH

N

as últimas semanas, duas possíveis vacinas contra o vírus zika foram administradas a umas poucas dezenas de pessoas nos Estados Unidos e no Canadá. Essa é a primeira vez que potenciais imunizantes contra o zika são testados em seres humanos. Ambas as formulações são o que os pesquisadores chamam de vacina de DNA e apresentam composição semelhante: elas contêm cópias sintéticas de um trecho do material genético do vírus que codifica duas proteínas que o recobrem externamente, a partir das quais as células de defesa do organismo identificam o invasor. Essa é a primeira das três fases de testes em seres humanos que medicamentos e vacinas têm de cumprir antes de serem liberados para comercialização e uso amplo na população. Na etapa atual, as duas formulações estão sendo administradas a voluntários saudáveis com o objetivo de verificar se são seguras e não causam reações indesejáveis graves. Uma foi desenvolvida por pesquisadores do Centro de Pesquisas em Vacinas dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos; a outra pelas empresas Gene­One Life Sciences, sul-coreana, e Inovio Pharmaceuticals, norte-americana. Pouco se sabe sobre a vacina da GeneOne e da Inovio. Identificada pela sigla GLS-5700, ela está sendo testada nos Estados Unidos e no Canadá, mas até o momento não foram divulgados os resultados dos experimentos com animais. A formulação dos NIH, a VRC-ZKADNA085-00-VP, que está sendo aplicada apenas nos Estados Unidos, mostrou-se eficaz em experimentos com roedores e macacos. Dados apresentados em 22 de setembro na revista Science mostram que 17 dos 18 macacos que receberam

Vacina de DNA produzida pelos NIH: testes iniciais em seres humanos, após proteger do zika roedores e macacos

duas doses da vacina dos NIH ficaram protegidos da infecção por zika. “Verificamos que há uma concentração mínima de anticorpos necessária para conferir proteção”, conta a pesquisadora brasileira Leda dos Reis Castilho, que participa do estudo. Formada em engenharia química, Leda é professora do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde vinha desenvolvendo uma vacina contra a febre amarela antes de a epidemia de zika eclodir. Atualmente ela passa uma temporada como pesquisadora-visitante nos NIH para atuar no desenvolvimento de vacinas e anticorpos contra o zika. “Com base nesses resultados com animais, obtidos em julho, os NIH conseguiram aprovação para iniciar os ensaios clínicos em seres humanos”, conta Leda. Em agosto e setembro, as equipes dos NIH aplicaram a primeira dose da vacina em 55 pessoas com idade entre 18 anos e 35 anos. Nessa fase, 80 indivíduos devem receber de duas a três doses. Tanto a vacina dos NIH como a das empresas GeneOne e Inovio guardam pequenas diferenças em relação à va-

cina de DNA desenvolvida pela equipe de Dan Barouch na Escola Médica Harvard, nos Estados Unidos. Seu grupo foi o primeiro a comprovar que esse tipo de imunizante era capaz de proteger roedores e macacos da infecção por zika (ver as reportagens goo.gl/dUSjqm e goo. gl/9oiSsC no site de Pesquisa FAPESP). “Estamos apostando que a vacina de DNA dos NIH será segura e de rápido desenvolvimento”, afirma Leda. A segunda fase de testes clínicos deve começar em janeiro de 2017 e ser realizada em vários países, entre eles o Brasil. Se tudo correr como esperado, em alguns anos essa vacina pode estar disponível para a população. Em São Paulo, o Instituto Butantan, um dos principais centros produtores de soros e vacinas no Brasil, estuda produzir a vacina de DNA dos NIH. “Essa é uma vacina que poderá ser produzida no Butantan em um primeiro momento”, conta o biólogo Paulo Lee Ho, diretor da Divisão de Desenvolvimento e Inovação Industrial do Butantan. n

Artigo científico DOWD, K. A. et al. Rapid development of a DNA vaccine for Zika virus. Science. 22 set. 2016.

pESQUISA FAPESP 248  z  71


CHEGOU A HORA DE CAÇAR NOVOS CONHECIMENTOS Vem aí a 13ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, com o tema Ciência Alimentando o Brasil. Se você tem fome de conhecimento e sede de novidades, participe.

17 A 23 DE OUTUBRO


Acesse semanact.mcti.gov.br e conďŹ ra os eventos no seu estado.


tecnologia  telecomunicações y

Mais rápido e interativo Pesquisadores brasileiros trabalham na formatação do sistema 5G para celulares, previsto para a década de 2020 Marcos de Oliveira

N

a próxima década, os telefones celulares não servirão apenas para conversar, mandar mensagens e acessar conteúdo digital. Conectarão os usuários aos seus aparelhos domésticos, a sistemas de transporte e de segurança e até mesmo às suas roupas. Para que a chamada Internet das Coisas se torne realidade, são necessárias redes de celulares que processem maior quantidade de dados com mais rapidez, além de um novo sistema de comunicação que leva o nome de 5G, ou a quinta geração de telefonia móvel, atualmente em desenvolvimento e padronização. A previsão é de que, no início da próxima década, estejam disponíveis telefones celulares com conexão à internet, pelo menos mil vezes mais rápida, com alta capacidade de processamento de dados e menor gasto de energia da bateria. Os celulares são basicamente sistemas de rádio que utilizam frequências eletromagnéticas capazes de transmitir voz, dados e vídeo. Esses sistemas demandam padrões de codificação digital para que os celulares possam fazer a conexão com as estações de rádio base (ERB), obter conteúdo da internet e se comunicar com as operadoras de telefonia móvel. A rede 5G prevê a utilização de frequências muito altas para disponibilizar velocidades

74  z  outubro DE 2016


ilustraçãO fabio otubo

de transmissão da ordem de 10 gigabits por segundo (Gbps.). Isso só será possível com tecnologias inovadoras e novas formas de codificação e configuração, além de novos equipamentos nas estações radiobase como antenas adequadas para frequências superiores a 24,0 Gigahertz (GHz). O atual 4G está situado na banda de 2,6 GHz. As antenas são instaladas nas estações radiobase e no interior de grandes construções como metrô, shoppings e aeroportos. Mesmo com a perspectiva de operação do 5G na década de 2020, o 4G continua a ser implantado em várias partes do mundo. A primeira rede 4G entrou em atividade na Suécia, em 2007. No Brasil, a implantação começou em 2011, e, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), até dezembro deste ano todas

as cidades acima de 100 mil habitantes deverão contar com o 4G. Os sistemas dedicados aos celulares passaram por uma transformação nos últimos anos, quando esses aparelhos se transformaram em pequenos computadores de mão, com uma variada plêiade de sensores, tarefas e funcionalidades. Para atender ao novo sistema 5G, várias tecnologias estão sendo experimentadas e desenvolvidas em muitos países, por empresas, universidades e institutos. Dessa vez, ao contrário dos sistemas anteriores, o Brasil participa do desenvolvimento dessa tecnologia. “Pesquisadores brasileiros estão contribuindo para a elaboração do novo sistema”, informa o engenheiro Arismar Cerqueira, coordenador do Laboratório Wireless and Optical Convergent Access (Woca) do

Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), de Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas Gerais. Ele lidera um grupo no Inatel que contribui para o futuro 5G, junto com equipes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Embora várias empresas façam demonstrações com equipamentos e softwares que poderão compor a tecnologia 5G, a padronização final do sistema só será aprovada em todos os seus detalhes pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para a área de tecnologias da informação e comunicação, que tem sede em Genebra, na Suíça. A entidade começou a se preparar em 2012 e em setembro de 2015 apresentou pESQUISA FAPESP 248  z  75


Avanços tecnológicos com o 5G Será mil vezes mais rápido que o 4G

Experimentos com antena para rede de celulares 5G no Inatel. Serão instaladas em áreas internas, como metrôs e shoppings

Sistema também será usado para comunicação da chamada Internet das Coisas, que deverá interligar aparelhos domésticos, sistemas de transporte, sistemas de segurança e até roupas, que deverão contar com sensores e processar dados

Demandará mais antenas espalhadas pelas cidades e locais como metrô e shoppings. Esses dispositivos serão menores e haverá maior densidade

Vai diminuir a latência, que é o tempo de o sistema carregar um vídeo ou TV, por exemplo

Menor gasto da energia da bateria do celular

Possibilidade de monitoramento ambiental com informações sobre temperatura ambiente, ventos e condições de luminosidade

Equipamentos de rede mais simples e menores, que gastem menos energia

76  z  outubro DE 2016

um plano de trabalho a ser executado até 2020 com os parâmetros técnicos iniciais e recomendações. Por exemplo, foi definido que a taxa de dados mínima para o usuário final deverá ser de 10 Gbps; no sistema atual, o 4G, é de, no máximo, 10 Mbps. A densidade deverá ser de 1 milhão de dispositivos que podem funcionar ao mesmo tempo em 1 quilômetro quadrado (km2) – na atual é de 100 mil. A proposta de eficiência energética das baterias indica um aumento de 100 vezes em relação ao 4G. O consumo das baterias não fica restrito ao aparelho em si, mas também acontece na interconexão com o sistema. Novas propostas de configuração e equipamentos começarão a ser apresentadas no final de 2017 e uma avaliação das tecnologias desenvolvidas deverá acontecer em um congresso internacional em 2019. As últimas especificações serão definidas nos primeiros meses de 2020. “Estamos participando, como outros pesquisadores do mundo, de iniciativas que poderão ou não ser incorporadas a um sistema de comunicação avançada como é o 5G”, diz o engenheiro Michel Daoud Yacoub, coordenador do Wireless Technology Laboratory (WissTek), o laboratório de tecnologia sem fio da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp. “Os pesquisadores ficam livres para aprofundar temas que possam interessar ao sistema”, diz Cerqueira, do Inatel, instituição que coordena o maior projeto brasileiro para o 5G, de R$ 20 milhões, financiado

pelo Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel). O instituto é mantido pela Fundação Instituto Nacional de Telecomunicações (Finatel) e 55% da receita vem de projetos de prestação de serviços e desenvolvimento com centenas de empresas. Além da Unicamp e da PUC-Rio, também participam empresas como Ericsson, fabricante de equipamentos, TIM e Algar, operadoras de telefonia celular. captar e distribuir

O grupo do Inatel desenvolveu e depositou quatro patentes no Brasil relativas à tecnologia 5G: duas antenas, um amplificador e um conversor de radiofrequência. Com a nova tecnologia, trabalham no instituto nesse projeto e em mais quatro outros de menor vulto 15 doutores, 20 mestres e 55 engenheiros contratados. As antenas desenvolvidas por eles são de uso interno (indoor) para lugares como shoppings e metrôs. Elas têm a função de captar e distribuir os sinais de celulares para a rede. “É um desafio porque elas devem contemplar, além das transmissões em 5G, os sistemas anteriores, de terceira e quarta geração, que vão conviver durante algum tempo com o sistema mais recente”, explica Cerqueira. Outra característica do novo sistema, devido às frequências eletromagnéticas de transmissão e recepção de sinais em que vai operar, será o uso de mais antenas – menores que as atuais –, que deverão ser instaladas pelas operadoras de telefonia celular, espalhadas pelas cidades


fotos  inatel  ilustraçãO fabio otubo

e rodovias. A criação da antena indoor do Inatel teve à frente o engenheiro de telecomunicações Igor Feliciano da Costa, que desenvolveu o dispositivo durante parte de seu doutorado na Universidade Técnica da Dinamarca (DTU). O trabalho ganhou o segundo lugar no Momag 2016, evento da Sociedade Brasileira de Micro-ondas e Optoeletrônica (SBMO) e Sociedade Brasileira de Eletromagnetismo (SBMag). Agora os pesquisadores do Inatel trabalham no desenvolvimento de um modem com conexão USB para notebooks e em um amplificador de radiofrequência para uso nas centrais radiobase que funcionam junto às antenas da rede de celulares, instaladas em locais altos, como no teto de edifícios. Apenas em São Paulo são milhares de estações radiobase que fazem a conexão de cada celular com a rede conforme ele se movimenta pela cidade. Na Unicamp, os estudos se desenvolvem em quatro campos. “O primeiro é o das aplicações emergentes, como a Internet das Coisas. Estamos analisando três novos processos de transmissão digital porque as técnicas convencionais se mostraram inadequadas para fazer frente aos requisitos dessas aplicações”, conta Yacoub. O aumento vertiginoso no volume de tráfego pela internet, principalmente com aplicativos como YouTube e Netflix, também é objeto de estudo dos pesquisadores. Eles investigam a possibilidade do uso de sistemas que utilizam um grande número de antenas extras para ajudar em regiões cada vez mais densas em termos de demanda de troca de dados. O WissTek da FEEC também mira nos sistemas device-to-device (D2D),

A Internet das Coisas vai exigir maior densidade de antenas para interligar sensores e celulares

ou aparelho para aparelho, sem passar por uma estação radiobase. Esse sistema permitirá que dois aparelhos de celular que operem em 5G possam se comunicar diretamente, o que poderá facilitar a comunicação e economizar baterias. O quarto item dos estudos na Unicamp é a modelagem de canal que faz o mapeamento dos fenômenos de propagação das ondas em ambientes urbanos ou suburbanos cheios de obstáculos, como prédios e morros. Os pesquisadores utilizam ferramentas matemáticas para tentar superar essas barreiras para que o sistema tenha as frequências mais adequadas para a transmissão. “O desafio do 5G é acomodar um tráfego elevado de dados e um número maior de usuários. As taxas de transmissão de dados deverão ser muito altas e ao mes-

Equipamentos das redes 5G serão menores e vão gastar menos eletricidade

mo tempo a latência deve ser melhor”, prevê Yacoub. Latência é o tempo de carregamento de um vídeo, por exemplo. No 5G, o requisito é que esse tempo seja de 1 milissegundo (ms), contra 10 ms do 4G. “O maior problema no 4G é a constante necessidade de recarregar a bateria do celular. É um uso muito intenso do sistema, com muitos recursos de rádio (transmissão e recepção)”, explica Rodrigo de Lamare, do Centro de Estudos em Telecomunicações (Cetuc) da PUC-Rio. Ele coordena um grupo que tem o objetivo de estudar a codificação para os pontos de acesso, que estão nas estações radiobase. “Esses pontos terão que ser mais densos, com antenas capazes de se comunicar com celulares e muitos sensores em casa, no trabalho, principalmente em prédios inteligentes, dotados de tecnologias de acesso a vários dispositivos da Internet das Coisas, como iluminação e ar-condicionado”, diz Lamare. Outra linha de estudo está na simplificação de dispositivos do sistema de rádio que sustenta a rede de celulares. “Amplificadores, roteadores de wi-fi e outros equipamentos precisam ficar menores e custar menos para que possam inclusive ser compartilhados por várias operadoras”, afirma. Hoje, é necessário que cada empresa tenha um desses equipamentos, nas estações radiobase. Se apenas um deles servir a todas, o custo cairá muito e diminuirá o gasto de energia. Vários exemplos de experimentos no mundo já foram divulgados e estão em desenvolvimento. Na Finlândia, a Universidade de Oulu realizou em setembro um experimento com tecnologia 5G para controlar um robô para uso industrial. A mesma universidade foi selecionada para demonstrar a tecnologia 5G durante os Jogos Olímpicos de Inverno de 2018, em Pyeongchang, na Coreia do Sul. O projeto será financiado pela União Europeia e terá a colaboração do governo coreano. Nos Estados Unidos, o pesquisador Theodore Rappaport, da Universidade de Nova York, disponibilizou um programa no site do seu grupo, o NYU Wireless, em março deste ano. É um simulador para desenvolvedores de telefones celulares 5G com infraestrutura de estação radiobase. Outros pesquisadores têm à disposição os resultados de quatro anos de medições feitas nas frequências de rádio que devem ser usadas na tecnologia 5G. n pESQUISA FAPESP 248  z  77


Interconectividade y

Trânsito em rede Sem conexão com a internet, sistema permite que veículos troquem informação sobre condição de tráfego em cidades Rodrigo de Oliveira Andrade

A

vanços recentes em áreas da tecnologia da informação e da comunicação estão ampliando as possibilidades de desenvolvimento de sistemas de transporte inteligentes. Muitos fabricantes têm investido na concepção de veículos com computador de bordo, dispositivos de comunicação sem fio, câmeras, sensores e sistemas de navegação que permitem a coleta de informações em tempo real sobre consumo de combustível, condições meteorológicas, entre outras. Diante das possibilidades de aplicação dessas tecnologias, um grupo de pesquisadores brasileiros desenvolveu um modelo computacional para ajudar a detectar, informar e gerenciar o tráfego de veículos em grandes cidades. O Incident, como foi batizado, baseia-se na troca de dados entre veículos por meio de uma rede Wi-Fi projetada especificamente para redes veiculares. O modelo não precisa de conexão com a internet e permite o intercâmbio de informações em tempo real sobre as condições de trânsito em cidades e rodovias. Com base em dados relacionados ao índice de aceleração e de velocidade média, o computador de bordo de cada veículo classifica o grau de congestionamento em um determinado trajeto e propõe rotas alternativas a partir da localização atual e do destino final no GPS, sistema de geolocalização por satélite já disponibilizado por alguns fabricantes como item de série. “Diferentemente de aplicativos como Waze, Beat the Traffic e Inrix, o Incident, além de não precisar de conexão com a internet, não depende da ação do motorista para abrir o aplicativo ou alimentá-lo com informações sobre a intensidade do congestionamento”, diz o cientista da computação Jó Ueyama, pesquisador do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade

78  z  outubro DE 2016

de São Paulo (ICMC-USP) de São Carlos e um dos desenvolvedores do sistema. O modelo computacional arquitetado pelos pesquisadores brasileiros apoia-se em um conceito relativamente novo, chamado Redes Ad Hoc Veiculares (Vanet na sigla em inglês). Esse sistema compreende a integração e a comunicação de sensores a bordo de automóveis com componentes fixos dispostos à margem de ruas, avenidas e rodovias. O Incident é uma das aplicações possíveis dentro dos Vanets. Nele, cada carro se transforCustos de tempo ma em um roteador sem fio, de perdido no modo que veículos distantes 1 quilômetro (km) se conectem trânsito na uns aos outros, criando uma rede ampla, dinâmica e móvel. capital paulista Nos últimos anos, os Vanets começaram a chamar cada vez saltaram para mais a atenção de pesquisadoR$ 30,2 bilhões res da área de Redes Veiculares Inteligentes por serem em 2012 uma solução viável para mitigar os congestionamentos em grandes cidades. Em 2014, um estudo elaborado pelo economista Marcos Cintra, professor da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, estimou que as despesas geradas pelos engarrafamentos na capital paulista — como desgaste de materiais, acidentes, manutenção viária etc. — passaram de R$ 7 bilhões em 2002 para R$ 10 bilhões em 2012, enquanto os custos de tempo perdido no trânsito saltaram de R$ 10,3 bilhões para R$ 30,2 bilhões no mesmo período. Para o cientista da computação Leandro Villas, pesquisador do Instituto de Computação da Uni-


No Incident, os carros se transformam em roteadores sem fio, de modo que veículos próximos se conectem uns aos outros e troquem informações

versidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos desenvolvedores do Incident, o custo gerado pelos congestionamentos poderia ser reduzido com os Vanets, uma vez que eles forneceriam informações atualizadas e dinâmicas sobre as condições de tráfego, dando mais fluidez ao trânsito. Para ele, contudo, demorará alguns anos para que o potencial dos Vanets possa ser mais bem explorado. “Ainda assim, o Brasil tem capacidade técnica para produzir inovação em software para veículos conectados”, diz.

ilustração  júlia cherem rodrigues

Sistema autônomo

Os resultados das primeiras simulações feitas com o Incident foram apresentados em um artigo publicado em agosto na revista PLoS One. O sistema está arquitetado com base em técnicas computacionais inspiradas em estruturas neurais de organismos inteligentes, as chamadas Redes Neurais Artificiais (RNA). “Sistemas baseados em RNAs são capazes de adquirir conhecimento pela experiência. Quando exposto a novas situações em vias públicas, o sistema absorve as informações e se aprimora sozinho”, explica o cientista da computação Rodolfo Meneguette, pesquisador do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), campus Catanduva, e autor principal do estudo. Para testar o modelo, os pesquisadores rodaram o sistema em programas que simulam o fluxo de tráfego de veículos, as emissões de dióxido de carbono (CO2) e o consumo de combustível com base na aceleração e na velocidade de cada um deles. Os programas tomaram como base dois mapas: o de Manhattan, em Nova York, Estados Unidos, e o da rodovia Dom Pedro I, no interior paulista. Segundo Meneguette, o sistema conseguiu determinar com uma precisão superior a

90% o nível de congestionamento nesses mapas, o que, segundo ele, sugere um comportamento bastante estável, independentemente do cenário. O Incident também manteve um fluxo estável e constante de envio de dados a veículos dentro de um raio de até 30 km. A ideia, segundo os pesquisadores, é que o sistema seja um componente de fábrica embarcado no computador de bordo de todos os veículos produzidos. O problema é que, hoje, veículos com esse tipo de tecnologia ainda são muito caros no Brasil. Desse modo, eles trabalham no desenvolvimento de versões do modelo que possam ser instaladas em dispositivos móveis, como celulares e tablets, aproveitando o receptor GPS. Um protótipo desse sistema para esses dispositivos deve estar disponível para download gratuito até junho de 2017. Para que o sistema funcione adequadamente em áreas com uma ampla malha viária, contudo, será preciso transpor alguns obstáculos, segundo os pesquisadores, como aumentar o raio de comunicação entre os veículos e integrar o Incident a outras tecnologias de rede — não necessariamente a internet —, de modo a melhorar seu desempenho. n

Projeto Um framework para redes veiculares em auxílio na gestão de grandes cidades (nº 2015/11536-4); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Rodolfo Ipolito Meneguette (IFSP); Investimento R$ 27.928,00.

Artigos científicos MENEGUETTE, R. I. et al. Increasing intelligence in inter-vehicle communications to reduce traffic congestions: Experiments in urban and highway environments. PLoS One. ago. 2016. MENEGUETTE, R. I. A vehicular cloud-based framework for the intelligent transport management of big cities. International Journal of Distributed Sensor Networks. v. 12, n. 5, p. 1-9. mai. 2016.

pESQUISA FAPESP 248  z  79


ENGENHARIA QUÍMICA y

Combate à terra seca Polímeros naturais superabsorventes misturados ao solo podem viabilizar culturas agrícolas em regiões áridas Yuri Vasconcelos

Hidrogel feito de goma gelana, produzida por uma bactéria, e quitosana, substância extraída da casca de crustáceos

80  z  outubro DE 2016

U

m dos desafios da agricultura moderna é gastar menos água no campo sem perder a produtividade, objetivo esse que pode contar com a contribuição tecnológica de polímeros com alta capacidade de absorção e retenção de líquidos. O químico Rodrigo César Sabadini desenvolveu durante o seu doutorado no Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (IQSC-USP), com orientação de Agnieszka Joanna Pawlica Maule, um hidrogel superabsorvente para uso em lavouras cultivadas em solos áridos que sofrem com a seca ou em plantações irrigadas, reduzindo o consumo de água. Misturado ao solo, o produto tem capacidade de absorver grande quantidade de água – da chuva ou da irrigação –, servindo como uma reserva hídrica em períodos de estiagem (ver infográfico). O hidrogel ou polímero hidrorretentor é feito a partir de polímeros naturais. A pesquisa rendeu um pedido de patente, relacionada à síntese do produto. Os hidrogéis foram criados nos anos 1950 nos Estados Unidos e desde então têm sido usados na agricultura. “A maior parte da pesquisa e desenvolvimento desses materiais se baseia na utilização de


No Instituto de Química de São Carlos da USP: análises microscópica e termogravimétrica do hidrogel para verificar a perda de massa pela temperatura

aquática, chamada elodea. Produzida em meio de cultura de laboratório, a goma está disponível comercialmente e foi escolhida pelo alto poder de absorção de água.

fotos  léo ramos

ESPONJA MOLHADA

polímeros sintéticos. A vantagem dos nossos é que eles são biodegradáveis, não deixam resíduos”, explica a química Agnieszka. “Os sintéticos, além de se acumularem no ambiente, por não se degradarem naturalmente, podem ser lixiviados para rios e cursos d’água. E seus resíduos de monômeros de acrilatos podem ser tóxicos para o solo e os rios.” Lixiviação é o processo de extração de uma substância (no caso, os acrilatos) de um meio sólido (o solo das lavouras) por sua contínua dissolução. Os hidrogéis comerciais sintéticos podem reter

água por um período de três meses a um ano. Segundo Sabadini, ainda não foram feitos testes de durabilidade do hidrogel biodegradável. Para tornar realidade o projeto de um novo hidrogel, Sabadini desenvolveu e testou durante seu doutorado várias fórmulas, entre elas uma composta por quitosana e goma gelana. “O processo de obtenção e purificação da quitosana, extraída da casca de crustáceos, é simples”, diz o pesquisador. A goma gelana, por sua vez, é gerada por bactérias que vivem na raiz de uma planta

Tanto os hidrogéis sintéticos quanto os naturais são semelhantes aos usados na fabricação de fraldas infantis e absorventes íntimos femininos. Na versão agrícola, os géis podem ter diferentes formatos. Quando seco, o polímero superabsorvente criado na USP parece caco de plástico pouco maleável. Ao ser molhado, assemelha-se a uma esponja encharcada. Já o polímero hidrorretentor comercial Hydroplan-EB, do grupo francês SNF, líder mundial na fabricação de poliacrilatos, é um produto granulado, com diferentes tamanhos de partículas, que assume a forma de um gel transparente depois de hidratado. A empresa francesa exporta o produto para o Brasil de uma de suas fábricas nos Estados Unidos. No mundo, as empresas Evonik, Sanyo e Basf também fabricam hidrogéis. “O gel distribuído pela Hydroplan-EB é um copolímero de acrilato de potássio e acrilamida e funciona como um reservatório junto às raízes, armazenando água e o que nela estiver dissolvido, como defensivos e fertilizantes”, explica o engenheiro químico Loremberg Fernandes de Moraes, gerente comercial da Hydroplan-EB. O produto pode absorver de 200 a 400 vezes o seu peso e aumentar 100 vezes o tamanho. “As raízes da planta captam a água do gel por osmose, da mesma forma que a capturam do solo.” Moraes destaca que a grande vantagem da tecnologia é reduzir a frequência e o volume de água usado na irrigação. “Se em condições normais o agricultor precisa molhar a lavoura a cada dois dias, com o nosso gel ele repete a operação a cada três ou quatro dias”, afirma Moraes. pESQUISA FAPESP 248  z  81


Por dentro dos hidrogéis Saiba o que são e como funcionam os polímeros superabsorventes que ajudam a reter no solo, por mais tempo, a água da chuva ou da irrigação

Seco

Hidratado

1 Os hidrogéis são materiais

poliméricos em forma de pó,

2 Os modelos comerciais são feitos de poliacrilatos, um

3 Na hora do plantio, o hidrogel, ainda seco, é misturado ao

4 Quando a lavoura é

hidratada, seja pela chuva ou

grão ou fragmentos semelhantes

derivado da acrilamida,

solo onde será colocada a muda

irrigação, o polímero absorve

a pedaços de plástico maleável.

composto sintetizado em

ou semente. A tecnologia é

o líquido e passa a liberá-lo

Quando hidratados, eles

laboratório. Um hidrogel

usada no país principalmente

gradualmente. As raízes da

absorvem a água e adquirem

criado na USP usa matérias-

em florestas de eucalipto, mas

planta retiram a água do gel

uma consistência esponjosa

-primas naturais, como a

estudos comprovaram sua

por osmose, da mesma forma

ou gelatinosa

quitosana e a goma gelana

viabilidade na cafeicultura

que captam o líquido do solo

sintetizada da quitina, substância extraída da casca de crustáceos

“As poliacrilamidas não são degradadas biologicamente, por isso, uma vez aplicadas ao solo sofrem uma paulatina degradação ou dissociação por ação do cultivo, dos raios ultravioletas do sol e de um contínuo fracionamento, que gira em torno de 10% em solos cultivados continuamente por meio dos implementos agrícolas”, explica Moraes. “A deterioração do polímero ocorreu de forma acelerada. Em experimentos científicos, durante três meses, o polímero foi colocado em soluções que continham sais de cálcio, magnésio e ferro. Esse tipo de deterioração também pode acontecer em solos adubados anualmente com fertilizantes completos.” Ele se baseia em estudos publicados na década de 1980, em artigos científicos de Reda Azzam, da Autoridade de Energia Atômica, do Egito, e de pesquisadores do Instituto de Pesquisa em Horticultura, da Austrália, e da Universidade da Califórnia em Los Angeles. 82  z  outubro DE 2016

obtida do processo fermentativo da bactéria Sphingomonas elodea

O Brasil, de acordo com Moraes, é o segundo maior consumidor de hidrogéis para agricultura do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, onde o produto é usado também em jardins. “Aqui, a principal aplicação dos géis superabsorventes é em plantações de eucalipto, que exigem muita água. Estimamos que a demanda do produto pela agricultura gire em torno de 500 toneladas por ano. Em uma plantação de eucalipto, por exemplo, com cerca de 1.200 pés, são utilizados 1,5 quilo por hectare. O preço do Hydroplan-EB varia segundo o volume encomendado pelo produtor, mas fica entre R$ 25 e R$ 30 o quilo”, esclarece Moraes. O alto custo do hidrogel natural à base de quitosana e goma gelana é, de acordo com Agnieszka Maule, do IQSC-USP, a maior desvantagem da inovação. “Nossa matéria-prima tem um custo elevado em relação à dos polímeros sintéticos, cerca de 100 vezes maior. Esperamos que as

matérias-primas naturais tenham uma redução de preço à medida que a demanda por elas aumentar”, avalia. Antes do início da fabricação comercial, o produto ainda precisa passar por testes em pequena escala. “Normalmente, os testes são desenvolvidos em parceria com empresas interessadas na produção ou com laboratórios de instituto de tecnologia.” Alface e CAFÉ

Durante o desenvolvimento do produto, Sabadini testou o hidrogel no plantio de alface a fim de avaliar sua eficácia. Sementes foram colocadas em pequenos potes para germinar em substrato de casca de coco. Em alguns recipientes foram misturadas amostras de hidrogel seco e em outros, com fertilizante. Um terceiro lote foi montado com amostras-controle, somente com as sementes. Todas os potes receberam a mesma quantidade de água de uma só vez. “Depois de alguns dias foi observada a germinação das sementes que receberam hidrogel apenas e hidrogel com fertilizante. Nas amostras-controle, não houve germinação”, conta Sabadini. As primeiras pesquisas no Brasil sobre a tecnologia começaram a ser feitas


Vantagens do hidrogel O hidrogel permite o cultivo em regiões áridas, com pouca chuva. Em lavouras irrigadas, reduz a frequência da irrigação. Além disso, diminui a chance de mudas morrerem em função da estiagem e favorece

foto  Rodrigo César Sabadini infográfico ana paula campos  ilustraçãO alexandre affonso

o crescimento das plantas

As raízes podem crescer por dentro do hidrogel e ganhar maior superfície de contato entre a água e os nutrientes

por volta de 2000. Em princípio, os hidrogéis podem ser usados em qualquer tipo de cultura agrícola ou florestal e em diferentes tipos de solo. “Não existe limitação para a aplicação do produto, já que a ideia é prolongar a presença de água no solo ou promover sua fertilização. Mas eles seriam mais bem aproveitados em terrenos áridos e arenosos, que não têm a capacidade de reter a água”, afirma Agnieszka.

Na USP, experimento com plantio de alface mostrou que nos potes com hidrogel as sementes germinaram. Em potes sem hidrogel, elas não prosperaram

A Universidade Federal de Lavras (Ufla), em Minas Gerais, desenvolve pesquisas sobre essa tecnologia desde 2009. O engenheiro-agrônomo Rubens José Guimarães investiga os benefícios dos hidrogéis sintéticos em plantações de café. O estudo tem o apoio do Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café, com sede em Brasília, e deu origem a quatro dissertações de mestrado e uma tese de doutorado, que, segundo o pesquisador, confirmaram a eficácia do produto. Embora os hidrogéis sejam uma tecnologia consagrada, é importante estabelecer parâmetros de seu uso, que varia conforme a cultura, o solo, o clima e as características meteorológicas da região. O estudo também buscou identificar a granulometria ideal do gel, que é o Hydroplan-EB, a ser usado em cafezais, além da quantidade do produto usada em cada pé, entre outras variáveis. “A otimização da água com esse produto pode ocorrer tanto em regiões de cafeicultura de sequeiro [não irrigadas e com baixo índice pluviométrico] quanto em áreas irrigadas. No caso das lavouras de sequeiro, o emprego do polímero pode garantir o ‘pegamento’ das mudas enquanto a chuva não vem. Já nas plan-

tações irrigadas, os hidrogéis permitem um tempo maior entre as irrigações”, esclarece Guimarães. “O produto pode ser um aliado dos cafeicultores em períodos de estiagem prolongada, reduzindo as perdas.” Os estudos da Ufla mostraram que os pés de café que tiveram adição do polímero hidrorretentor apresentaram uma evolução 10% maior do que os demais. Outro resultado surpreendente foi o detectado nas raízes, que cresceram 40% mais que as das plantas que não receberam o produto. O hidrogel, segundo Guimarães, deve ser utilizado para que o agricultor não perca as mudas e sementes plantadas em caso de estiagem. Dessa forma o produto é uma garantia que a plantação vai prosperar mesmo na falta de chuvas. “O uso dos géis é uma opção viável porque as plantas têm facilidade em extrair do polímero a água necessária para sua sobrevivência. Isso foi evidenciado nos trabalhos que destacaram a evolução das raízes por dentro dos grânulos do polímero hidratado, promovendo maior superfície de contato entre elas, a água e os nutrientes essenciais ao crescimento da planta”, explica Guimarães. Segundo o pesquisador, a tecnologia reduziu a mortalidade dos pés de café e, consequentemente, o percentual de replantio, uma prática que onera os custos da produção. “Mas outras tecnologias devem ser igualmente incentivadas, como o manejo adequado das plantas invasoras, a adubação verde, a irrigação localizada, entre outras práticas.” n pESQUISA FAPESP 248  z  83


humanidades   IMIGRAÇÃO y Família de imigrantes na zona rural de Rio Claro, entre 1904 e 1908

União na distância De início apegados à cultura de suas regiões de origem, italianos construíram no Brasil a noção de italianidade Christina Queiroz

84  z  outubro DE 2016

O

s italianos imigrados para o interior de São Paulo entre o final do século XIX e o começo do século XX não se reconheciam como pertencentes a uma pátria. Estavam mais identificados com as tradições e os dialetos de suas regiões de origem e vieram a construir sua “italianidade” no Brasil. O processo de descoberta da identidade italiana por imigrantes que atuaram nas zonas cafeeiras do estado foi estudado em quatro projetos de pesquisa e está descrito no livro Italianidade no interior paulista – Percursos e descaminhos de uma identidade étnica (1880-1950), de Oswaldo Truzzi, engenheiro com doutorado em ciências sociais na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor dos Programas de Pós-graduação em Sociologia e Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).


fotos  Centro de memória unicamp (CMU), coleção secretaria de agricultura, comércio e obras pÚBlicas do estado de São Paulo (sacop)

Trabalhadoras em cultura de algodão, em Americana, entre 1907 e 1910

No final do século XIX, a Sociedade Promotora da Imigração – criada por fazendeiros do interior paulista com a finalidade de fomentar a chegada de imigrantes para atuar no cultivo de café – e o governo de São Paulo fizeram acordos com o governo italiano para trazer pessoas que substituíssem a mão de obra escrava na cafeicultura. Havia interesse da Itália em aliviar as próprias pressões sociais por meio da emigração. Principalmente nas zonas rurais, o país enfrentava uma crise de desemprego por causa do processo de industrialização. Em 1886 a população de São Paulo, segundo dados compilados pelo Núcleo de Estudos da População da Universidade Estadual de Campinas (Nepo-Unicamp), era de

1,2 milhão. Os imigrantes representavam 4,74% desse total. A maioria era de italianos, com 13.490 (37%), espanhóis 9.853 (27%) e alemães 4.838 (13%). Dos 4,1 milhões de estrangeiros que entraram no Brasil entre 1886 e 1934, 56% se estabeleceram no estado de São Paulo, também com os italianos em maior número. Em 1902, o governo da Itália cortou as subvenções das passagens aos imigrantes após concluir que as condições de trabalho nas fazendas de café brasileiras não eram boas. Mesmo assim, segundo o censo de 1920, havia 389 mil italianos no estado, dos quais 308 mil fora da capital. Os italianos representavam então 48% dos estrangeiros no estado, seguidos dos espanhóis (21%) e dos portugueses (20%).

A população estadual era de 4.592.188, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do mesmo ano. Ainda segundo o IBGE, entre 1870 e 1920, os italianos corresponderam a 42% do total de imigrantes no país, totalizando 1,4 milhão de pessoas. Nas fazendas, os italianos trabalhavam lado a lado com imigrantes de outros países – como Portugal e Espanha – e também com ex-escravos e seus descendentes que permaneceram nas áreas rurais após a libertação. Os imigrantes procuravam, logo de início, diferenciar-se da população de origem negra, identificada com o trabalho escravo. E o contato dos italianos com outras nacionalidades e etnias foi um dos impulsos para vir à tona pESQUISA FAPESP 248  z  85


uma identidade comum – uma italianidade –, já que no Brasil não eram identificados pelas suas origens regionais. Em vez de calabreses, romanos, napolitanos ou vênetos, eram chamados de italianos.

1

“O

s estudos de Truzzi são os primeiros a revelar um panorama de todo o interior paulista, que recebeu 70% dos imigrantes italianos para o Brasil”, afirma Angelo Trento, professor italiano aposentado de história da América Latina na Universidade Oriental de Nápoles, na Itália. Pesquisas anteriores sobre a imigração italiana já abordaram os grandes centros urbanos, as áreas rurais e cidades do interior. Truzzi consultou jornais, registros civis, câmaras municipais, acervos de associações comerciais e museus de imigrantes das cidades de São Carlos, Araraquara, Catanduva, Bauru, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto e Franca, além de ter recorrido a estudos realizados por outros pesquisadores sobre Jaú, Limeira, Jaboticabal, Rio Claro, Descalvado, Bebedouro e Pedrinhas. Truzzi propõe que esses imigrantes construíram o sentimento de pertencimento a uma nação de origem antes mesmo do que seus conterrâneos na Itália. A unificação italiana ocorreu pouco antes da grande imigração para o Brasil. Até então a Itália era composta por vários reinos, com sistemas monetários e políticos próprios. O reino do Piemonte-Sardenha, mais rico e industrializado e com interesse em ampliar mercado e influência, liderou a guerra pela unificação

Acima, time de futebol do clube Palestra Itália (sem data) e, abaixo, classe de escola italiana, em 1910, ambos em Araraquara

italiana. Apesar de o reino da Itália ter nascido em 1861, o processo só se concluiu após os conflitos que resultaram na anexação de Veneza (1866), Roma (1870) e, bem depois, Trento e Trieste (1918). Truzzi defende que a resistência de certas partes do território da península em tomar parte do projeto de nação teria

2

86  z  outubro DE 2016

postergado a construção do sentimento de italianidade na Itália, enquanto no Brasil esse processo teria se iniciado logo nos primeiros anos do século XX. A diversidade cultural italiana se refletiu no Brasil. Segundo a historiadora Rosane Siqueira Teixeira, pós-doutora em ciências sociais pela Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara, nas primeiras décadas da imigração somente uma minoria letrada falava a língua vernácula, idioma nativo de um país. Independentemente disso, o sentimento de pertencer a uma origem comum foi mais forte. “Estar em um lugar cheio de ‘outros’ propicia a construção de um ‘nós’”, afirma o historiador João Fábio Bertonha, professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá (PR), que concorda com o argumento de que o sentimento de pertencer a uma nação italiana nasceu no Brasil, com a ressalva de que havia também um sentimento nacional em plena construção na própria Itália. Ele considera que já havia uma identidade protonacional entre esses imigrantes, estimulada pelo processo de unificação. Após o contato com populações de diferentes nacionalidades nas plantações de café, Truzzi explica que parte dos italianos migrou para as cidades após a crise agrária de 1930 – quando o aumento da produção de café coincidiu com uma redução das exportações – e a proximidade física estimulou a união entre os imigran-


foto 1 Museu da imagem e do som – Araraquara  2 Lopes, L.V. , memória fotográfica de araraquara  3 fundação pró-memória (FPM), são carlos

3 tes, colaborando com o pais das cidades estudadas, processo de construção Truzzi observou a presença, do sentimento de italiaa partir de 1948, de italianos nidade. Nas cidades, os e descendentes no cargo de italianos já atuavam em vereador, o que sugere um ofícios como os de ferprocesso de ascensão soreiro, mecânico, maquicial e integração à sociedanista, carpinteiro, serrade brasileira. lheiro, pedreiro, latoeiro Segundo Angelo Trento, e funileiro. Imigrantes pesquisas recentes indicam de várias origens pratique a descoberta da italianicamente monopolizaram dade no estrangeiro se deu tais funções, favorecidos de forma diferente em oupela fidelidade da clientros países da América. Nos tela conterrânea e pelo Estados Unidos, por exempreconceito em relação plo, o governo se esforçava à população brasileira para americanizar os imide baixa renda, formagrantes. Por conta disso, a da por antigos escravos e italianidade foi construída moradores da área rural, como forma de defesa, e os que eram vistos como italianos permaneceram despreparados. Truzzi mais tempo fechados em afirma que os estrangeisuas comunidades. ros e seus descendentes Com alguns grupos de ocuparam o vazio decorimigrantes, como os japonerente de uma estrutura ses, ocorreu o contrário dos social anterior polariitalianos. Em relação ao senzada entre senhores e timento de pertencimento escravos. “Como a ecoà nação, o governo japonês nomia estava em crescicultivou a identidade naciomento, havia oportuninal entre os cidadãos desde dades para os imigrantes o século XVII, afirma Shose inserirem sem ter de zo Motoyama, docente no Periódico semanal (7 de junho de 1908) de Rio Claro, escrito em italiano: assuntos de interesse da comunidade disputar espaço”, conta Departamento de História o pesquisador. da Faculdade de Filosofia, A afirmação como grupo se manifestou das primeiras décadas do século XX, que Letras e Ciências Humanas da Univercom a criação de associações, fossem as adotavam o italiano vernáculo, tiveram sidade de São Paulo (FFLCH-USP). O mutualistas, que ofereciam serviços de papel fundamental para enfraquecer os nacionalismo foi revigorado com o adatendimento à saúde, ou as esportivas e vínculos regionalistas e unificar a língua vento do período Meiji em 1868, quanculturais. Paralelamente, surgiu uma im- italiana. Quando Benito Mussolini as- do os governantes forjaram o mito da prensa étnica, que publicou periódicos sumiu o poder, em 1922, despendeu um origem divina do monarca. Com a vitóem italiano a partir da década de 1880. enorme esforço para efetivar a língua ita- ria nipônica na Guerra Sino-japonesa Esses jornais veiculavam notícias da Itá- liana dentro e fora da Itália”, diz Rosana. (1894-1895) e na Guerra Russo-japonesa (1904-1905), essas convicções foram relia e assuntos de interesse dos imigrantes no Brasil, atuando como porta-vozes dos partir de 1937, com o advento do forçadas, e com isso os imigrantes vindos anseios da comunidade, entre eles melhoEstado Novo, Getúlio Vargas quis para o Brasil desde os primeiros anos res condições de trabalho nas fazendas. incentivar o nacionalismo brasi- do século XX tinham forte identificaOutro fator citado por Truzzi foi a rede leiro, inibindo a existência de associa- ção nacional. No entanto, a distância e a de representantes consulares que, por ções de caráter étnico. Vargas estimulou dificuldade de comunicação com o país iniciativa do governo italiano, foi instala- a criação de sindicatos e associações de de origem motivaram uma abertura à da em cidades médias do interior paulis- classe, que promoviam a convivência cultura local, permitindo a formação ta a partir dos primeiros anos do século entre trabalhadores, independentemen- de uma cultura japonesa mais flexível e XX. Tais representantes formavam um te de sua procedência. Por constatarem híbrida no Brasil. n elo com o vice-consulado de Campinas, que a exaltação da identidade italiana que por sua vez se dirigia ao consulado na não caberia no novo contexto políticocapital e tal rede foi criada porque mais -econômico brasileiro, os imigrantes e Livro de 3/4 dos italianos residiam em áreas descendentes teriam deixado de enfaTRUZZI, O. Italianidade no interior paulista – Percursos do interior. “Os periódicos em italiano tizar os laços com a antiga pátria. Por e descaminhos de uma identidade étnica (1880-1950). São Paulo: Unesp, 2016, 138 p. e as escolas fundadas no Brasil a partir meio de pesquisas nas câmaras munici-

A

pESQUISA FAPESP 248  z  87


urbanismo y

Áreas urbanas demarcadas como prioritárias para habitação social funcionam apenas com medidas complementares, indica pesquisa Márcio Ferrari

Luz, centro de São Paulo: degradação da região começou na década de 1970

88  z  outubro DE 2016

léo ramos

Um lugar para morar

A

lgumas regiões das grandes cidades passam por processos de degradação das condições de vida e moradia, em geral provocada tanto pela falta de investimentos em melhorias urbanas quanto pela realização de investimentos na construção de grandes obras viárias que desfiguram o entorno. Foi o que aconteceu com o distrito do Bronx, em Nova York, nos anos 1960 e 1970, e com a região da Luz, em São Paulo, que nos 1940 abrigava moradores e comércio de classe média alta e começou a decair na década de 1970. Apesar da degradação, esses lugares desenvolveram um comércio popular e mantiveram algumas moradias de classe média, mas também acabaram se transformando em áreas de cortiços e moradias precárias, de acordo com o urbanista Kazuo Nakano, professor da Fundação Getulio Vargas Direito (FGV) em São Paulo. Sem a intervenção do poder público, o processo tende a se aprofundar e a se perpetuar. No Brasil, a determinação de que a propriedade tenha função social e o estabelecimento do direito universal à moradia, estabelecidos pela Constituição de 1988, amparam, por exemplo, a cobrança do IPTU progressivo, ações de desapropriação de imóveis não utilizados ou subutilizados e a regularização fundiária de assentamentos precários. Nas legislações municipais, começaram a ser previstos instrumentos de política urbana para que isso possa ocorrer. Um deles são as Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), objeto de estudo da arquiteta e urbanista Simone Gatti, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). As Zeis são demarcações feitas pelas administrações municipais, que passam a ter condições legais para produzir novas moradias, urbanizar favelas e loteamentos irregulares, reformar imóveis encortiçados, realocar moradores de áreas de risco, dentre outras ações voltadas às necessidades habitacionais da população de baixa renda, permitindo a destinação de fundos públicos para isso e, se necessário, a flexibilização de parâmetros urbanísticos. Na cidade de São Paulo, há cinco tipos de Zeis. As mais utilizadas, em extensão de áreas demarcadas na capital, são as Zeis 1, áreas ocupadas por favelas e loteamentos irregulares. Já as Zeis 3 são regiões subutilizadas e centrais destinadas à reurbanização e reassentamento da população local, evitando que as melhorias provoquem alta exagerada dos preços dos terrenos e imóveis. Tendo como estudo de caso uma das duas Zeis 3 do projeto Nova Luz, de reurbanização do bairro da Luz, distrito de Santa Ifigênia, no centro de São Paulo, Simone Gatti defendeu na FAU-USP, em abril de 2015, a tese de doutorado “Entre a permanência e o deslocamento: Zeis 3 como instrumento para a ma-


pESQUISA FAPESP 248  z  89


Prédios na Luz: implementação das Zeis 3 pressupõe operações de grande complexidade

nutenção da população de baixa renda em áreas centrais”, e prossegue agora em sua pesquisa no pós-doutorado “Zonas especiais de interesse social: Implementação e atuação de políticas públicas para a efetivação do instrumento”. Os processos a serem desencadeados pela implantação das Zeis 3 pressupõem operações complexas, uma vez que são regiões com populações e atividades urbanas heterogêneas, imóveis com várias destinações e infraestrutura urbana de boa qualidade. “A Santa Ifigênia do século XXI”, na descrição de Simone, “é caracterizada pelo polo comercial de eletroeletrônicos, pela concentração de edifícios históricos e culturais nos seus arredores, pela presença de uma população de baixa renda residente em cortiços e quartos de hotéis e pela região estigmatizada como ‘cracolândia’, onde usuários de crack ocupam o espaço público de algumas quadras”. Após analisar a utilização da Zeis 3 durante 10 anos desde sua implementação em São Paulo pelo Plano Diretor Estratégico de 2002, Simone concluiu que o instrumento representa um importante avanço na regulamentação urbanística, mas é insuficiente para uma política efetiva de reurbanização. “As Zeis 3 tornaram-se o principal estímulo à produção de habitação social bem localizada e ao repovoamento das áreas centrais”, afirma a urbanista. No entanto, sua aplicação no projeto Nova Luz não deu resultados. Simone identificou no estudo de caso os desafios para que as Zeis 3 em geral cumpram de fato seu papel. Um dos principais, segundo ela, é a adoção de políticas que assegurem a permanência da população reassentada. DEMOLIÇÕES

Para que os objetivos das Zeis sejam alcançados, a pesquisadora aponta três caminhos: revisões na regulamentação atreladas à necessidade de uso articulado com outros instrumentos de democratização da terra urbana, a participação efetiva da sociedade nas decisões de intervenção na região demarcada e o es90  z  outubro DE 2016

1

tabelecimento de formas alternativas de acesso à moradia, como a locação social. Para ela, o projeto Nova Luz, anunciado em 2005, baseou-se na ideia de que a demarcação das Zeis 3 era considerada pelo poder público como suficiente para legitimar o projeto como uma ação social, sem que houvesse discussão prévia com os moradores. “Até agora nenhum projeto para a região da Luz avançou porque não houve um processo democrático e contínuo com articulação sociopolítica e participação popular, um estudo minucioso sobre os locais públicos e privados que podem e precisam receber intervenções e melhorias urbanas e regulação da produção imobiliária de modo a evitar processos de expulsão de moradores de baixa e média renda”, analisa o urbanista Kazuo Nakano. Nas duas últimas décadas do século XX a região havia sido objeto de iniciativas na área cultural que pretenderam, sem sucesso, “requalificá-la”. Entre elas, a inauguração, em 1999, da Sala São Paulo, destinada a concertos de música erudita, que ocupa parte das instalações da estação ferroviária Júlio Prestes. “O projeto Nova Luz apontava rumos inéditos para a transformação do centro”, diz Simone. “Previa-se a demolição massiva do volume construído existente e a reconstrução de parte do distrito de Santa Ifigênia.” Enquanto vigorou o projeto, segundo ela, a demolição havia atingido alguns terrenos em uma das duas áreas da Zeis 3.

Simone esteve no Conselho Gestor da Zeis como representante da associação de moradores Amoaluz, criada em 2011. Levantamento feito por ela nos arquivos do Programa de Cortiços da Secretaria Municipal de Habitação “resultou na informação de que dezenas de famílias estavam sendo expulsas de suas casas, sem nenhum atendimento habitacional, para dar lugar às obras do projeto Nova Luz”. Em 2012, o projeto foi anulado em atendimento a uma ação civil movida pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo por desrespeito ao princípio de gestão democrática da cidade. Uma das limitações que impediram o atendimento da população mais pobre nas Zeis, durante os 10 anos de sua implementação, foi a destinação que o mercado imobiliário deu a seus empreendimentos. A porcentagem de construções para as faixas de renda determinadas na Lei de Uso e Ocupação do Solo ficou próxima do teto máximo. “As habitações oferecidas pelo mercado atenderam a população de renda entre cinco e seis salários mínimos, e quase não houve empreendimentos para baixíssima renda, de zero a cinco salários mínimos”, afirma Simone. No entanto, o cadastro dos moradores da Zeis estudada, inserida no perímetro do projeto Nova Luz, indicou que 85,27% das famílias tinham renda inferior a três salários mínimos. A permanência dos moradores beneficiados pelas políticas de regulamen-


fotos 1 léo ramos 2 Carlos Ezequiel Vannoni / Ag. JCM/Fotoarena / Folhapress

2

Porto de Pesca do bairro Brasília Teimosa, no Recife, foi inspiração para as Zeis

nismo, o poder público é o proprietário dos imóveis, que passam a ser alugados com preços mais baixos do que os cobrados pelo mercado, o que permitiria mitigar os efeitos especulativos do mercado.

tação e assentamento das Zeis constitui um problema inerente aos processos de recuperação de áreas urbanas – a valorização imobiliária afasta moradores com poucos recursos. “O maior desafio da efetivação das Zeis é o impacto causado nas condições socioeconômicas da área e o consequente assédio aos moradores para que vendam os imóveis e abandonem a região”, afirma Nakano. “No caso de uma Zeis 3 inserida em área onde se prevê a realização de um grande projeto urbano, a mudança é mais violenta e rápida: o simples anúncio do projeto já provoca valorização imobiliária e, com isso, um movimento de especulação.” Segundo Nakano, com a melhoria urbana, a chegada de moradores de classe média e a reforma e regularização dos imóveis, há elevação do custo de vida no local. Uma das soluções para preservar o acesso dos moradores aos imóveis seria o sistema de aluguel social, adotado em vários países da Europa. Por esse meca-

BRASÍLIA TEIMOSA

As Zeis surgiram no Recife, incluídas na lei municipal de uso do solo de 1983. “A ideia era atender regiões de moradia precária para preservação dos moradores, regulamentação jurídica e integração à malha urbana”, diz a urbanista Amélia Reynaldo, docente da Universidade Católica de Pernambuco, que coordenou a elaboração do Plano de Urbanização da Zeis da Nova Luz. Segundo ela, o projeto foi uma resposta à pressão exercida pelos movimentos sociais, Igreja e academia contra a expulsão dos moradores de baixa renda dos seus locais de moradia. As Zeis só foram regulamentadas em 1987, com a estruturação da Empresa de Urbanização do Recife. “A área que sintetiza melhor a efetividade do instrumento é o bairro Brasília Teimosa”, diz Amélia. A região, na praia de Boa Viagem, ocupa um local privilegiado pela paisagem e era assediada pelo mercado imobiliário e também objeto de propostas de reocu-

pação pelo poder público. O sucesso do assentamento ajudou a disseminar por todo o país o uso das Zeis. O instrumento chegou à legislação federal com o Estatuto das Cidades, aprovado em 2001 pelo Congresso, que obriga os municípios com mais de 20 mil habitantes a ter planos diretores e demarcar áreas de Zeis. Segundo Simone, até 2011 apenas 30% dos planos diretores haviam demarcado Zeis fora de assentamentos precários, em áreas vazias ou subutilizadas, para a reserva de terrenos bem localizados para habitação social. n

Projeto Entre a permanência e o deslocamento: Zeis 3 como instrumento para a manutenção da população de baixa renda em áreas centrais (o caso da Zeis 3 c 016 (Sé) inserida no perímetro do Projeto Nova Luz) (nº 2011/183643); Modalidade Bolsas no Brasil – Doutorado Direto; Pesquisador responsável Nabil Bonduki (FAU-USP); Bolsista Simone Ferreira Gatti (FAU-USP); Investimento R$ 116.700,47.

Artigo científico GATTI, S. F. Politicas de vivienda para los territorios de Zeis 3 en São Paulo: Financiarización y las limitaciones para el acesso a la vivienda para los más pobres. In: Congreso Internacional Contested Cities: Del Conflicto Urbano a la Construcción de Alternativas – Diálogos Criticos. Universidad Autónoma de Madrid, Madri, Espanha, 2016. Disponível em: goo.gl/ZhPj5L.

pESQUISA FAPESP 248  z  91


1

Cachoeira de Paulo Afonso, E. F. Schute 1850, óleo sobre tela

memória

O rio do Império Engenheiro alemão radicado no Brasil fez o primeiro levantamento científico do São Francisco para o governo de dom Pedro II Carlos Fioravanti

92 | outubro DE 2016

“A

povoação de Pirapora é composta de 30 a 35 casinhas cobertas de capim ou palha de coqueiro, habitadas por pescadores e suas famílias, que se ocupam em apanhar peixe, secá-lo ao sol sobre varais, e vendê-lo às tropas que o vão procurar, e levá-lo na maior parte para as cidades, vilas, arraiais e serviços de mineração do distrito de Diamantina.” O engenheiro alemão Henrique Guilherme Fernando Halfeld (1797-1873) descreve dessa forma o povoado – hoje uma cidade de 60 mil habitantes – de onde ele partiu com sua equipe para fazer um meticuloso levantamento cartográfico do rio São Francisco, de 1852 a 1854, a pedido do governo imperial. Publicado em 1860, seu relato e os mapas retratam com precisão as diferenças entre os diversos trechos do rio e apresentam as obras necessárias para torná-lo mais navegável.


fotos 1 Acervo Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, reprodução João Musa 2 Biblioteca do Senado 3 reprodução O engenheiro halfled, wilson bastos

2

“São mapas de estudo ou projeto de viabilidade, que serviram para estimar custos de obras, como ele fez em alguns trechos”, afirma Jorge Pimentel Cintra, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) especializado em cartografia histórica, que examinou o trabalho de Halfeld a pedido de Pesquisa FAPESP. “Os mapas não possuem coordenadas geográficas, o que encareceria a obra e não se justificava nessa fase, além de torná-la mais demorada, mas estão em escala rigorosa, orientam-se pelo norte verdadeiro e cumprem bem a função de representação, o importante nessa fase de estudo.” “O São Francisco era um rio estratégico para o Império, por ser capaz de integrar as províncias do sul, especialmente Minas Gerais e Rio de Janeiro, com as do norte, sobretudo Bahia e Pernambuco”, conta o historiador Gabriel Oliveira, que concluiu em 2015 na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) um

Mapa da cachoeira de Paulo Afonso feito por Halfeld

Desde 1825 no Brasil, Halfeld comprou terras ricas em minério de ferro e foi vereador em Juiz de Fora

3

estudo sobre o principal rio do Nordeste. Os homens do governo imperial viam o rio com otimismo porque o conheciam pouco e o imaginavam sempre calmo e favorável à navegação a vapor, o que não se confirmou. Halfeld chegou ao Brasil em 1825 para integrar o Imperial Corpo de Estrangeiros do Exército do Império brasileiro e fazer trabalhos científicos e técnicos. “Ele é um bom exemplo de como a engenharia e o conhecimento militar se mesclavam no século XIX para ajudar o Império brasileiro a se afirmar como uma nação moderna”, diz a historiadora Regina Horta Duarte, professora da UFMG que orientou o estudo de Oliveira. Contratado como engenheiro-chefe de Minas Gerais em 1836, Halfeld se destacou como especialista na construção de estradas e o governo imperial o nomeou para mapear os trechos navegáveis do rio entre Pirapora e a foz, na divisa das províncias de Sergipe e Alagoas.

O engenheiro percorreu 382 léguas marítimas ou cerca de 2,1 mil dos 2,8 mil quilômetros de extensão do rio. Descreveu os tipos de embarcações e de peixes de cada trecho, detalhou a variação da altura dos barrancos (de 12 a 60 palmos; um palmo equivale a 22 centímetros) e assinalou os trechos mais estreitos e mais largos, mais profundos e rasos, mais calmos e mais agitados. As margens eram mais baixas e as águas mais velozes nas proximidades da cachoeira de Paulo Afonso, com uma queda de 80 metros, em boa parte desfeita com a construção das cinco usinas do Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso, inaugurado um século depois, em 1955. Diante das dificuldades de navegação, ele concluiu que o trecho encachoeirado do rio exigia “um corretivo do qual resulte uma segura e fácil passagem” e propôs a construção de eclusas e a canalização e a retirada de rochas de um braço do rio. PESQUISA FAPESP 248 | 93


Mapa de 1848 de Marcos Macedo propondo a transposição das águas do São Francisco para o Ceará

No final do Atlas e relatorio concernente a exploração do rio de S. Francisco, desde a cachoeira da Pirapora até ao Oceano Atlantico (título original), ele propôs o aproveitamento dos “matos existentes em ambas as margens daquele rio e dos seus tributários” como combustível para as futuras embarcações a vapor. Ele terminou de escrever o relato em 20 de julho de 1858 na vila de Santo Antonio de Paraibuna, atual Juiz de Fora, em Minas Gerais, onde viveu, comprou terras ricas em minério de ferro a preço baixo, já que não serviam para agricultura, foi vereador por três mandados seguidos e morreu, aos 76 anos, deixando viúva a terceira esposa (as duas anteriores tinham morrido) e 16 filhos. Em 1862, também a pedido do governo imperial, 94 | outubro DE 2016

Piranhas, em Alagoas, à margem do São Francisco, e a Estrada de Ferro de Paulo Afonso em construção, em 1870

2

do século XIX. “O governo imperial priorizou a construção de ferrovias e o fortalecimento do porto do Rio de Janeiro em vez de levar adiante a proposta de Halfeld de transpor as águas do São Francisco para o Jaguaribe, no Ceará, já sugerida desde o fim do século XVIII e apresentada por um jurista do Crato, Marcos Antonio de Macedo, em um mapa publicado em 1848”, diz Oliveira. O custo, as limitações técnicas e as disputas políticas impediam o avanço de uma obra cuja discussão foi retomada nos governos de Getúlio Vargas (1930-1945), João Figueiredo (1979-1985), Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) e Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010). As obras para levar água para as regiões mais secas do Nordeste finalmente começaram em 2007 e ainda não terminaram. n

fotos 1 Biblioteca Nacional 2 F. Ignácio Mendo / Biblioteca Nacional

1

o astrônomo francês Emmanuel Liais (1826-1900) completou o trabalho de Halfeld, mapeando o rio de Pirapora até a nascente. No final do século XIX o engenheiro baiano Theodoro Sampaio (1855-1937), como um dos integrantes da Comissão Hidráulica do Império, fez o caminho inverso, da foz a Pirapora, retornando por terra pela Chapada Diamantina, igualmente mapeando os rios e os povoados (ver Pesquisa FAPESP nº 214). “Esse trabalho de Sampaio serviria também para o estudo de uma alternativa ao rio, a Estrada de Ferro, como de fato se implantou, em outro trecho, de Salvador a Juazeiro”, observa Cintra. No São Francisco, apenas as obras menores, como a retirada de pedras do leito do rio, foram implementadas ao longo


carreiras

Mercado de trabalho

Orientação para futuros profissionais

ilustração  veridiana scarpelli

Universidades brasileiras investem em serviços de apoio à carreira de alunos e ex-alunos

A transição da universidade para o mercado de trabalho pode ser marcada pela dificuldade de encontrar um emprego condizente com as expectativas profissionais e salariais alimentadas ao longo da graduação. Trata-se de um processo delicado, por vezes associado à falta de clareza sobre suas aptidões individuais e à necessidade de se construir uma identidade profissional. Diante disso, muitas universidades brasileiras estão investindo na criação de centros de serviços de apoio à carreira, oferecendo a alunos e ex-alunos aconselhamento, palestras e oficinas sobre planos de desenvolvimento profissional e informações sobre o mercado de trabalho, além de orientação sobre como elaborar um currículo e se preparar para uma entrevista de emprego. A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) conta com um escritório de carreiras desde 2007.

Voltado ao atendimento de alunos de graduação, pós-graduação, diplomados e intercambistas em estadia na universidade, o escritório oferece orientação sobre planejamento profissional por meio de discussões sobre aspectos relacionados às carreiras dos estudantes, de modo que eles avaliem suas possibilidades de atuação no mercado de trabalho e ganhem mais segurança em suas escolhas. A Universidade de São Paulo (USP) também resolveu investir nesse modelo de aperfeiçoamento profissional. Inspirado nos offices, comuns em universidades do exterior, sobretudo nos Estados Unidos, a USP lançou em março deste ano seu próprio Escritório de Desenvolvimento de Carreiras, órgão ligado à Pró-reitoria de Graduação da universidade. “O objetivo é assessorar os alunos na reflexão, na preparação e no planejamento de suas carreiras a curto, PESQUISA FAPESP 248 | 95


96 | outubro DE 2016

ilustraçãO  veridiana scarpelli  foto  arquivo pessoal

médio e longo prazo, considerando não só sua vida profissional, mas também aspectos diversos relacionados à sua vida pessoal e à sua contribuição à sociedade”, diz Tania Casado, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP e diretora do escritório. Ela explica que muitos estudantes não compreendem as características dos próprios cursos ou as possibilidades de aplicação do conhecimento adquirido no mercado de trabalho. O escritório, ela explica, vai além da intermediação do contato entre os alunos e possíveis empresas contratantes. A ideia é orientar os estudantes para que obtenham conhecimento sobre o mercado e desenvolvam habilidades que lhes permitam explorar seu potencial. O escritório conta com a ajuda de 30 voluntários, todos ex-alunos da USP com mestrado, doutorado ou experiência de mercado — alguns são executivos de empresa na área de gestão de carreiras. “Eles desenvolvem atividades de mentoria, quando uma pessoa com experiência orienta outra, com menos experiência”, ela explica. “Eles também nos ajudam a preparar oficinas de carreiras e palestras sobre o mercado de trabalho, cenários econômicos, alternativas de atuação em cada área, entre outros assuntos envolvendo a carreira dos alunos.” Em 2008, a Universidade do Vale do Itajaí (Univali), em Santa Catarina, apostou em outro modelo de serviço de apoio à carreira e lançou um banco de vagas de empregos exclusivo para alunos e ex-alunos. Nele, as empresas da região e os estudantes da universidade se cadastram pela internet. “Os alunos recebem por e-mail informações sobre vagas que mais se aproximam do perfil de seu curso ou área de conhecimento”, explica Márcia Roseli da Costa, Gerente de Atenção ao Estudante da Univali. Segundo ela, a contratação é feita diretamente pela empresa em contato com os alunos por meio dos currículos que os estudantes anexam às vagas cadastradas. Já o Banco de Talentos da Escola de Extensão (Extecamp) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) é um sistema on-line, automatizado e dinâmico, dirigido exclusivamente a profissionais graduados que fizeram Cursos de Extensão na Escola de Extensão da universidade. Criado em 2012, o sistema permite que departamentos de recursos humanos de empresas façam uma busca específica

1

Voltado a alunos de graduação, pós-graduação, diplomados e

2

Escritório de Desenvolvimento

intercambistas, o Escritório

de Carreiras da USP, criado em

de Carreiras da PUC-RS

2016, orienta estudantes

oferece orientação sobre

para que obtenham

planejamento profissional

conhecimento sobre o

desde 2007

mercado e desenvolvam habilidades que lhes permitam explorar seu potencial

3

Criado em 2008, banco de vagas de emprego da Univali, em Santa Catarina, oferece oportunidades de

4

Desde 2012, o Banco de Talentos da Escola de Extensão

trabalho em empresas

da Unicamp permite que

da região aos seus alunos

empresas façam buscas

e ex-alunos

específicas de acordo com a habilidade de seus profissionais

de acordo com as habilidades preenchidas pelos profissionais formados pela Extecamp. Ao mesmo tempo, permite que as empresas possam se cadastrar, informar sobre oportunidade de vagas e escolher qualidades e competências esperadas dos candidatos. “Os alunos dos cursos de extensão, incluindo especializações, desenvolvem habilidades muito específicas em áreas como economia, engenharia, humanidades e biológicas”, diz Pedro Carvalho, diretor associado da Extecamp. “Os alunos que tiverem as habilidades predefinidas pela empresa no cadastro são avisados por e-mail sobre a abertura da vaga.” Caso o candidato tenha interesse, pode entrar em contato com a empresa, mas não o contrário. n Rodrigo de Oliveira Andrade


Evento estimula a inovação na universidade Empresários, pesquisadores, estudantes e profissionais das áreas de inovação de 49 países se reunirão em São Paulo em novembro para a sétima edição do Business Innovation Network São Paulo (BIN@SP). Promovido pela Universidade de São Paulo (USP), por meio da Agência USP de Inovação (Auspin), em parceria com as universidades do Porto, em Portugal, e de Sheffield, na Inglaterra, o evento se propõe a criar um espaço de discussão e cooperação entre empresas, universidades e setor público para estimular a inovação e o empreendedorismo no ambiente acadêmico. A ideia é que representantes de empresas de base tecnológica, parques de ciência e tecnologia, investidores e agências de desenvolvimento econômico compartilhem suas experiências, formem redes de colaboração e discutam soluções inovadoras para áreas de interesse comum. “A inovação e o empreendedorismo precisam ser internacionalizados, e a melhor forma de fazer isso é reunir em um mesmo ambiente atores de culturas diferentes para interagir”, diz o físico Vanderlei Bagnato, professor do Instituto de Física de São Carlos da USP e coordenador da Auspin. O BIN@SP terá painéis, exposições de empresas com tecnologias desenvolvidas no âmbito do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP e visitas guiadas a empresas incubadas no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), na cidade universitária. Já no Centro de Difusão Internacional da USP, a European and Latin American Business Services and Innovation Network (Elan) reunirá representantes de companhias brasileiras e de países europeus para discutir possíveis oportunidades de negócio. Mais informações em bit.ly/2day10f. n R.O.A.

perfil

Campos experimentais Agrônomo Marcos Lana deixou o Brasil para se estabelecer como pesquisador na Alemanha e desenvolver um projeto na África Em agosto de 2007, aos 26 anos, o agrônomo catarinense Marcos Lana acompanhava no Brasil uma comitiva de pesquisadores do Centro de Pesquisa da Paisagem Agrícola de Müncheberg, na Alemanha, quando foi convidado para participar de um projeto financiado pela União Europeia sobre os impactos das mudanças climáticas na agricultura. À época professor substituto de agronomia e mecanização na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ele aceitou a proposta e, em 2009, se mudou para a Alemanha, onde iniciou seu trabalho como pesquisador no Instituto Leibniz de Pesquisas da Paisagem Agrícola. Em 2010, iniciou o doutorado na Universidade de Kiel sobre os impactos das mudanças climáticas na agricultura no Sul do Brasil. “Sempre quis ter uma vivência como pesquisador no exterior”, diz. Em 2011, envolveu-se em outro projeto, financiado pelo Ministério da Educação e Pesquisa da Alemanha, sobre segurança alimentar em uma região semiárida da Tanzânia, na África, envolvendo mais de 900 famílias de pequenos agricultores. “Introduzimos campos experimentais para testar práticas que pudessem melhorar as condições de manejo, produção, armazenamento e comercialização de produtos agrícolas”, explica. Com isso, ele diz, pôde aplicar na prática o conhecimento adquirido no Brasil e na Alemanha. Em 2013, Lana concluiu seu doutorado. Em seguida, começou a trabalhar como professor na Universidade de Potsdam, próximo

a Berlim. Um semestre depois foi convidado para ministrar uma disciplina sobre métodos de pesquisa para produção vegetal no curso de agronomia na Universidade Humboldt, uma das mais antigas da Alemanha. Aos 32 anos, Lana passou a orientar alunos de mestrado e doutorado alemães e brasileiros que faziam intercâmbio. Durante o período em que está na Alemanha, mantém redes de colaboração com pesquisadores brasileiros. Em 2015, Lana foi um dos quatro brasileiros entre os 100 finalistas que se apresentaram na quinta edição do Falling Walls Lab, torneio internacional de ideias inovadoras em que os participantes têm apenas três minutos para expor sua pesquisa, projeto, plano de negócio ou iniciativa social e convencer os jurados de sua relevância. Ele apresentou um projeto que busca delinear novas formas de criar zonas específicas de manejo de culturas de cana-de-açúcar, de modo que cada área seja tratada segundo suas características físico-químicas. A ideia, segundo ele, é reunir informações sobre fatores que possam afetar o desempenho da planta em determinada área do campo. “Com esses dados, consigo fazer um diagnóstico mais preciso de cada área”, explica. “Desse modo, é possível fazer uma fertilização ou manejo específico para cada parcela do campo, barateando os custos de produção e reduzindo os danos ambientais, já que o adubo não será depositado em excesso.” Apesar de não ter vencido o torneio, Lana fez contatos importantes com pesquisadores e empresários. “Sou um exemplo da internacionalização da ciência brasileira”, afirma. n R.O.A.

PESQUISA FAPESP 248 | 97


classificados

98 | outubro DE 2016

­_ Anuncie você também: tel. (11) 3087-4212 | www.revistapesquisa.fapesp.br


CAMPANHA

#febracevaleapena

Ajude a semear curiosidade e criatividade para colher inovação e empreendedorismo. Conheça algumas histórias inspiradoras e faça parte dessa rede Acesse febrace.org.br/valeapena e contribua Acompanhe a FEBRACE:

ORGANIZAÇÃO / REALIZAÇÃO

www.febrace.org.br


UNICAMP E SHELL, PARCERIA QUE OFERECE O MAIS IMPORTANTE PARA SE CHEGAR AO SUCESSO: ENERGIA E CONHECIMENTO. A Shell tem orgulho de fazer parte da história da Unicamp, uma das maiores instituições de ensino e pesquisa do País. Desde 2012, por meio do Programa Embaixadores, temos uma parceria que já promoveu mais de 20 eventos conjuntos. Essa união também reflete no mercado de trabalho: a Shell conta com diversos ex-alunos em seu quadro de funcionários. Além disso, em 2013, inauguramos o Laboratório de Biocombustíveis da universidade, em parceria com a FEQ (Faculdade de Engenharia Química), por meio do Programa de Incentivo à Pesquisa e Desenvolvimento da ANP.

A Shell parabeniza a Unicamp pelos seus 50 anos e deseja sempre muito sucesso à instituição.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.