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ESPECIAL

INFRA-ESTRUTURA 1

Revolução silenciosa Programa especial da FAPESP reforça bases da pesquisa paulista ilenciosa e discretamente, um programa da FAPESP provocou, a partir de 199S, uma mudança radical nas bases físicas da pesquisa científica e tecnológica em São Paulo. E produziu, em conseqüência, um impacto positivo de tal ordem em seus resultados qualitativos e quantitativos que, embora ainda mal mensurado, pode-se apostar em suas repercussões a médio e longo prazos sobre a pesquisa paulista. O programa nasceu com um caráter emergencial que expressava a forte preocupação do Conselho Superior da FAPESP com o progressivo sucateamento dos laboratórios e outras instalações de pesquisa no Estado. Esse caráter foi explicitado no extenso nome com que foi batizado- Programa Emergencial de Apoio à Recuperação e Modernização da Infra-Estrutura de Pesquisa do Estado de São Paulo-, logo simplificado para Programa de Infra-Estrutura ou, melhor, Infra, como passaram a chamá-lo os pesquisadores (alguns milhares) que dele têm se beneficiado. Em seis anos, investindo em equipamentos para a recuperação e a modernização de centros de pesquisa de universidades públicas e particulares por todo o estado, reformando laboratórios, biotérios, bibliotecas, arquivos PESQUISA FAPESP

e museus e instalando redes de informática, o Infra aplicou R$ SOO milhões - boa parte deles investida quando real e dólar eram quase equivalentes. Assim, vale compará-lo, sem demérito para o programa paulista, com um programa similar nos laboratórios do Reino Unido, no qual foram investidos US$ 1,S bilhão- US$ 1 bilhão do governo britânico e US$ SOO milhões do Wellcome Trust -, de acordo com artigo do primeiro-ministro Tony Blair na revista Science de 21 de agosto de 1998. Os importantes resultados do Infra já há algum tempo demandavam uma apresentação mais sistemática, proposta, aliás, pelo Conselho Superior da Fundação. E é isso que pretende a série de suplementos especiais sobre o programa que começa a ser publicada nesta edição de Pesquisa FAPESP. Com reportagens de Maria Aparecida Medeiros e edição de Mário Leite Fernandes, iniciamos a série por bibliotecas, arquivos e museus, essenciais não apenas para a preservação e a circulação da cultura, mas para o próprio desenvolvimento da pesquisa. Quando o Programa de Infra-Estrutura foi lançado, em 1994, já era consenso que a situação do parque estadual de pesquisa impedia o avanço normal da atividade.


O sistema de financiamento da FAPESP sempre dera suma: 3.017 projetas inscritos, dos quais 1.261 foram aproporte aos custos diretos dos projetas de pesquisa, mas vados. Os recursos liberados foram de R$ 146,5 milhões. não havia mecanismos para garantir que os equipaPara o Infra III, de 1997, a única alteração foi a exclumentos fossem adequadamente instalados e mantidos. são do FAP-Livros, que se tornou autônomo. Inscreveram-se 1.825 projetas: 1.045 foram aprovados, totaliTampouco as instituições dispunham de recursos para isso. "Deveríamos conseguir condições até ótimas, zando investimentos de R$ 122,4 milhões. O Infra N, de 1998, teve novas mudanças: o financiamento de equipaquando possível, para grupos de excelência", diz José mentos multiusuários passou a integrar as linhas perFernando Perez, diretor científico da FAPESP, ao esclaremanentes de fomento da FAcer que os recursos do Infra não PESP e cinco módulos foram se destinavam a grupos emergendefinidos para os projetas instes e sua concessão foi sempre Programa já critos no Programa de Infra-Esprecedida de criteriosa avaliação liberou cerca trutura: redes locais de informápor especialistas de fora de São tica, bibliotecas, infra-estrutura Paulo, para que se garantisse a tode R$ 500 milhões geral, museus e arquivos. Para tal isenção no julgamento e a essa fase, foram inscritos 1. 798 credibilidade do programa. para dar suporte projetas, aprovados 1.054. Os Também a compreensão do material à pesquisa aprovados somaram investiConselho Superior sobre a necesmentos de R$ 136 milhões. sidade de financiar a adequação em São Paulo Ao final do Infra N, o Consede instalações de pesquisa termilho Superior e o Conselho Técnou ganhando caráter permanico Administrativo da FAPESP nente. O mecanismo da reserva técnica para os projetas financiados - mais 25% do vafizeram uma avaliação do programa e decidiram por lor concedido aos ordinários e mais 40% aos temáticos uma nova fase, dividindo os projetas em dois grandes módulos: tratamento de resíduos químicos, destinado a -é resultado dessa evolução. Assim, a FAPESP procurou investimentos na área de tratamento de resíduos de lase antecipar a futuros problemas. boratórios, e centros depositários de informações e doAlicerces- "Não investir no Infra teria sido como querer cumentos- incluindo os módulos bibliotecas, museus e construir uma casa sem seus alicerces", compara Joaarquivos. As solicitações para essa fase do programa totalizaram 570 projetas, todos ainda em fase de avaliação. quim José de Camargo Engler, diretor administrativo da FAPESP, responsável pela administração do programa. De fato, com o Infra a Fundação consolidou os alicerces PROGRAMA INFRA-ESTRUTURA do sistema estadual de pesquisa, sem jamais dotá-lo de (Situação em 31.03.01) uma concepção estática. E foi justamente sua flexibilidaOS NÚMEROS DO INFRA de para atender a novas necessidades do sistema que garantiu o sucesso do programa. PROJETOS INFRA I INFRA 11 INFRA III INFRA IV FAP-LIVROS IV TOTAL No início, o Infra podia financiar obras civis em labo1.825 1.798 209 7.952 Recebidos 1.103 3.017 ratórios para restauração, por exemplo, dos sistemas de 16 3.492 Denegados 247 1.745 750 734 eletricidade e de abastecimento de água; a recuperação de biotérios e estufas e a compra de equipamentos, incluAprovados 849 1.261 1.045 1.054 193 4.402 sive de informática. Os primeiros projetas inscritos na cha58 Cancelados 7 11 30 10 mada Fase I (ou Infra I), já em 1995, foram divididos em Concluídos 3.980 847 1.243 998 892 dois grandes módulos: infra-estrutura geral e biotérios. No total, havia 1.103 projetas inscritos, dos quais 849 foram aprovados, com investimentos de R$ 77,1 milhões. O INVESTIMENTO NO PROGRAMA O Infra II, de 1996, organizou-se em cinco módulos: equipamentos especiais multiusuários, redes locais de inPROJETOS APROVADOS VALORES RS formática, infra-estrutura para biblioteca, FAP-Livros (des77.118.021,80 849 tinado à aquisição de livros) e infra-estrutura geral. "Essa 146.471.035,30 INFRA 11 1.261 alteração no programa decorreu da experiência adquirida 122.407.125,53 INFRA III 1.045 na primeira etapa, que demonstrou ser necessário separar as principais áreas de auxílio à infra-estrutura, de modo a INFRA IV 1.054 135.993.849,59 permitir uma melhor avaliação das solicitações recebidas, 12.466.289,77 FAP-LIVROS IV 193 por meio de comitês específicos': diz Engler. A demanda 4.402 494.456.321,99 TOTAL verificada naquele ano justificava mais uma vez o progra2

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gero. Documentos, alguns deles com muitos séculos, foram restaurados e podem ser consultados pela Internet. Salas onde fios elétricos desencapados corriam entre livros valiosíssimos, com considerável risco de incêndio, foram restauradas. Áreas foram climatizadas, para proteção do material e maior conforto de funcionários e usuQuando se transferiu para sua nova sede, no campus ários. Portões eletrônicos ajudam a salvaguardar o acerda Universidade de São Paulo (USP), o Museu de Arte vo. No próprio MAC, onde obras preciosíssimas de Contemporânea (MAC) deixou para trás, em seu antigo Modigliani e Picasso eram separaprédio, no Parque do Ibirapuedas da rua apenas por uma parera, dezenas de pacotes e caixas, de de vidro, a segurança foi aumuitos deles nunca abertos. Era, Nas bibliotecas, museus mentada. basicamente, material doado e arquivos estão Essa revolução é ainda mais por pintores e outras pessoas liporque coincidiu significativa gadas às artes plásticas. Esse maos documentos com uma enorme transformaterial precisou esperar a chegada ção nos próprios conceitos de de uma verba de R$ 172,6 mil, e informações biblioteca, museu e arquivo, traum investimento do Programa indispensáveis à zida pela informatização e pela de Infra-estrutura da FAPESP, Internet. Uma biblioteca hoje para ser aberto. Simplesmente pesquisa de alto nível não é mais um local onde apenão havia dinheiro, antes, para nas se guardam livros e outros tratar e conservar adequadadocumentos. Ela é uma porta de mente o material. Valeu a pena. acesso à informação e bibliotecários e outros funcionáDocumentos, cartazes, objetos pessoais e outros materios fazem curso atrás de curso para se adaptar à nova riais de muitos artistas modernos brasileiros enriquecesituação. Pesquisadores agora podem fazer consultas peram significativamente o acervo do museu. las redes de suas universidades de suas salas ou laboratóPor todo o Estado de São Paulo, as verbas do Prograrios. Os bibliotecários, por sua vez, preparam-se para ma de Infra-estrutura da FAPESP estão provocando uma orientá-los na fartura de informações da Internet. revolução em bibliotecas, museus e arquivos. Não é exaA origem de toda essa transformação está, sem sombra de dúvida, no Programa de Apoio à Infra-Estrutura, INFRA-ESTRUTURA que já investiu R$ 84 milhões nas bibliotecas, arquivos e BIBLIOTECAS, ARQUIVOS EMUSEUS museus do Estado de São Paulo. O reconhecimento da A DEMANDA necessidade de recuperação e modernização das biblioPROJETOS INFRA 11 INFRA III INFRA IV tecas surgiu com o Infra II, de 1996, que criou um móBIBLIOTECA BIBLIOTECA BIBLIOTECA ARQUIVOS MUSEUS dulo específicE) para projetas dessa natureza: recebeu Recebidos 112 57 199 243 263 199 solicitações de auxílio, das quais 147 foram aprovaDenegados 52 46 59 18 93 das, com investimentos de R$ 17,8 milhões. O Infra III 147 170 51 Aprovados 193 38 recebeu, para esse módulo, 243 solicitações, aprovou 193 e liberou investimentos de R$ 22,2 milhões. O Infra IV, 4 1 2 Cancelados de 1998, finalmente incorporou os museus e os arquiConcluídos 144 184 129 37 30 vos, pelo entendimento da FAPESP de que eles são fundamentais no seu papel de apoio à pesquisa, quando não realizam, eles mesmos, relevantes pesquisas. Nessa fase, OS RECURSOS LIBERADOS o módulo bibliotecas recebeu 263 pedidos de investimentos, dos quais 170 foram aprovados, com recursos PROJETOS APROVADOS RS de R$ 24,8 milhões. O módulo referente a museus teve INFRA 11 57 pedidos, com 38 aprovados, totalizando investimen147 17.763.655,05 Biblioteca tos de R$ 8,3 milhões. O módulo referente a arquivos reINFRA III cebeu 112 pedidos de auxílio, dos quais 51 foram apro22 .170.612,68 Biblioteca 193 vados, correspondendo a investimentos de R$ 11 milhões. INFRA IV O Infra V, cujas solicitações de auxílio ainda se enconBiblioteca 170 24.750.203,60 tram em avaliação, reuniu os três módulos em um: cen10.973 .774,59 Arquivos 51 tros depositários de informações e documentações. Nas 8.261.577,53 Museus 38 páginas seguintes, conheça um pedacinho da história TOTAL 83 .919.823,45 599 que revolucionou a pesquisa paulista.

Sem memória não se constrói o futuro

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Uma mudança de conceito com bases tecnológicas Programa modernizou as principais bibliotecas do Estado Programa de Infra-Estrutura da FAPESP fez muito mais do que permitir a renovação das principais bibliotecas do Estado. Ele chegou num momento em que está ocorrendo uma verdadeira revolução no conceito de como deve funcionar uma biblioteca pública. "Está havendo uma mudança fundamental na filosofia de o que é uma biblioteca': diz Rosaly Favero Krzyzanowski, que, como coordenadora das bibliotecas da Universidade de São Paulo (USP), acompanhou boa parte dessas mudanças e hoje, aposentada, trabalha como coordenadora operacioBibliotecas: obras em papel agora convivem COfll as nal do Programa Biblioteca Eletrônica (ProBE) da FAPESP. Sem o apoio e os investimentos casa e obter a informação de que preda Fundação, dificilmente as bibliocisa de onde estiver. No caso de putecas públicas do Estado teriam coblicações e documentos antigos, isso diminui o manuseio e, conseqüentemo acompanhar essas modificações. mente, ajuda a conservar a obra. Essa revolução, em grande parte, tem bases na tecnologia. Por exemHá outras vantagens. Com a forplo, os arquivos deslizantes permimação da rede e a padronização dos recursos, uma universidade pode tem que muito mais documentos sejam guardados num espaço muito agora centralizar a aquisição de livros e revistas. Ou seja, em vez de menor. Houve avanços consideráveis nas técnicas e processos para a comprar um exemplar para cada restauração e conservação de livros e uma de suas bibliotecas, pode obter outros documentos antigos. As redes um exemplar, colocar a publicação de computadores, muitas vezes opena rede e, assim, torná-la acessível a rando por meio de fibras ópticas, todos. A administração, incluindo aí os setores de empréstimo e circulaabriram novas perspectivas para as ção, também é facilitada. "Eliminaconsultas. Hoje, o usuário pode enmos muitas etapas de trabalho destrar na rede de uma biblioteca de seu necessárias': conta a coordenadora próprio laboratório ou mesmo de sua 4

informações espalhadas pela Internet

do sistema de bibliotecas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), Maria Alice Rebello Nascimento. Com um único sistema, ela registra a compra de um livro, faz a catalogação com os dados já digitalizados, quando ele chega, e, depois, controla os empréstimos em todas as 19 bibliotecas do sistema. Extensão - Isso é extremamente útil para sistemas que funcionam em mais de uma cidade. A Unicamp, por exemplo, além de 17 bibliotecas em Campinas, tem mais duas unidades, em Limeira e em Piracicaba. Mas, em extensão, nada se compara ao sistema da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), que cobre o Estado de PESQUISA FAPESP


uma ponta à outra. A Unesp tem bibliotecas em nada menos de 16 cidades - Araçatuba, Araraquara, Assis, Bauru, Botucatu, Franca, Guaratinguetá, Ilha Solteira, Jaboticabal, Marília, Presidente Prudente, Rio Claro, São José dos Campos, São José do Rio Preto, São Paulo e São Vicente. O acervo sobe a mais de 800 mil itens.

Ou seja, o bibliotecário agora é um profissional que está disposto- e tem competência - para participar ativamente de uma pesquisa, indicando ao interessado os locais onde sua busca vai ser mais frutífera. Para isso, faz cursos constantes de atualização, algo que as reformas feitas com os investimentos da FAPESP

cia, as bibliotecárias de frente, que trabalham com o usuário", diz a professora. Elas organizam programas de treinamento dentro de suas unidades. Há casos em que são dados cursos também para os usuários. Esses cursos, quase sempre, servem para mostrar a melhor maneira de usar as bases de dados.

Bibliotecários e funcionários ganham nova função: trabalho, agora, inclui indicas:ão dos veios mais ricos aos pesquisadores

Estar longe, porém, não significa estar distante do conhecimento. Todas essas bibliotecas têm acesso a bases de dados eletrônicas, como a Athena, a · ERL, o ProBE e a Web of Science. Surge, assim, um problema agradável, mas um problema. Há dados demais circulando pela rede e o usuário, nem sempre, tem tempo para caçar aquilo do que precisa em longas buscas na Internet. Surge, então, um dos novos papéis do bibliotecário, o de poupar etapas e indicar caminhos para os veios mais ricos de dados. "O perfil do bibliotecário mudou", afirma Rosaly. "Sua principal função, agora, é a de trabalhar com o pesquisador na busca da informação': diz. PESQUISA FAPESP

não esqueceram de criar. Um ponto positivo é que a esmagadora maioria dos funcionários das bibliotecas renovadas, mesmo os mais veteranos, aceitou e aderiu com entusiasmo à nova situação. Foram raros os casos de não adaptação. Manual-padrão - "As próprias salas

em que são dados os cursos se tornaram viáveis com os investimentos da FAPESP': lembra Rosaly. Não se trata de enormes instalações. Identificado o problema, são formados os chamados agentes multiplicadores, que fazem um curso e recebem um manual-padrão pronto a servir de base para a fase seguinte. "Esse é o treinamento das bibliotecárias de referên-

As necessidades de formação também não esquecem o pessoal auxiliar. A instalação dos portões de controle eletrônico de saída de material, por exemplo, levantou a necessidade de o pessoal do balcão aprender a trabalhar com as etiquetas de códigos de barra. Mesmo a técnica de pegar e recolocar os livros nas estantes é alvo de cursos para os funcionários. Eles precisam aprender a pegar um livro pelo meio da lombada, não pelo alto, para conservar melhor a encadernação; a deixar espaços entre os livros, para melhorar o arejamento e impedir que as capas colem; e a manejar a espátula, o pincel especial com o qual os documentos são limpos, para evitar que o pó fique preso nos livros e revistas. 5


Esses cuidados simples convivem com equipamentos de alta tecnologia. A onda de renovação e os recursos tornados disponíveis pelo Programa de Infra-Estrutura levaram às principais bibliotecas de São Paulo máquinas que parecem ter saído de projetos espaciais. Numa delas, o livro é colocado numa mesa especial, com um armário transparente, e limpo com uma espécie de aspirador de pó, manejado por luvas que penetram no seu interior. Tem impacto importante também ensinar aos funcionários tarefas que antes eram feitas fora do local. Vários deles, por exemplo, fazem pequenos trabalhos de restauração em livros e outros documentos, o que poupa tempo e dinheiro para a biblioteca. Informática - "Um bom bibliotecário tem que ser também um pesquisador", declara a coordenadora Maria Alice, da Unicamp. A adaptação às mudanças na rotina de trabalho exigiu e continua a exigir grande empenho dos profissionais. Na Unicamp, todos os funcionários das bibliotecas participam, com freqüência, de cursos e workshops. A universidade montou também programas de treinamento para os usuários e, com esse objetivo, criou um laboratório de informática especial. Não foi só isso. "O trabalho desenvolvido hoje pelo bibliotecário requer uma interação mais ativa", declara Maria Alice. "Antes, ele simplesmente preparava o material, colocava na estante e esperava o público aparecer. Hoje, ele tem que tomar decisões, muitas delas sobre assuntos complexos." Ela cita um exemplo. Muitas vezes, cabe ao bibliotecário a palavra decisiva sobre a aquisição de um pacote de publicações. Não é uma escolha fácil. Ele deve levar em conta, por exemplo, se o material é importante para as linhas de pesquisa desenvolvidas pela universidade e pensar no seu custo/benefício, não só no 6

Os recursos tornados disponíveis pelo programa levaram também às bibliotecas modernas máquinas de conservação de Iivros valor da aquisição. "Para realizar um bom trabalho, o bibliotecário hoje precisa saber como estão a ciência e a tecnologia no país", diz Maria Alice. "Ele precisa dominar a política, para estar em consonância com esse contexto': acrescenta. Nada mudou mais a biblioteca do que a automação, diz Maria Alice. Mas a mudança exigiu muito mais que o domínio das ferramentas da informática. "Além de conhecer e saber usar as ferramentas à sua disposição, o bibliotecário foi obrigado a ampliar sua visão", afirma a coordenadora. Ele não lida mais apenas com seu acervo, fisicamente disponível na biblioteca, mas com um universo muito mais amplo, o espalhado pela rede. O papel do bibliotecário inclui o de saber indicar o melhor para o usuário dentro desse universo. Isso não é possível sem uma constante atualização, sem saber o que há de novo na rede, o que, por sua vez, exige muita pesquisa. As mudanças também trouxeram novas necessidades, entre elas a de melhorar a requalificação dos profissionais que já atuam na área e a formação de novos funcionários. "O mercado hoje carece de profissionais mais qualificados, especialmente dentro das universidades, que são o núcleo do desenvolvimento científico do país", diz Maria Alice. Isso não se aplica apenas a questões de curto prazo. "Estamos lidando com um universo novo e há dificuldades de várias ordens", ela prossegue. "Elas Atualização -

vão desde as novas técnicas operacionais na área de informática até uma melhor compreensão da política tecnológica do país e como a biblioteca se insere nesse contexto." A informatização também ampliou os contatos para a troca de documentos com bibliotecas do exterior. Maria Cristina Olaio Villela, diretora técnica da biblioteca da Escola Politécnica da USP, conta que seu organismo participa, por meio de um convênio com a Universidade do Novo México, nos Estados Unidos, de um consórcio chamado Istec (Ibero-American Science & Technology Education Consortium). Outro convênio a liga à British Library, considerada um modelo de eficiência, pois atende qualquer pedido em menos de 24 horas. Métodos diferentes - Formada na década de 1960, Maria Cristina confirma que houve uma revolução na sua área. "Quase tudo o que aprendi durante minha formação está ultrapassado': ela diz. "Os processos de catalogação e classificação de obras ainda são os mesmos, mas a forma de disponibilizar o acervo aos usuários é completamente diferente", acrescenta. A assistente técnica da Coordenaria Geral de Bibliotecas da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), Margarida Ferreira, formou-se em 1983 e aprendeu por iniciativa própria tudo o que sabe sobre informática. Mesmo assim, para ajudar os funcionários a trabalhar com os novos programas, traduziu para o português o manual de formato de registro eletrônico da Biblioteca do Congresso, o Marc 21. Esse formato, adotado pelas principais bibliotecas do mundo, padronizou a linguagem dos catálogos eletrônicos. A tradução foi publicada pela própria Unesp e está sendo adotada em outros lugares. "O universo da biblioteca cresceu e isso exige uma mudança de postuPESQUISA FAPESP


poníveis on-line e inra", afirma Margarida. Seu trabalho a faz manformações mais detalhadas, se necessário, ter contato com os funpoderiam ser obtidas cionários de todas as na biblioteca. Haveria bibliotecas da Unesp, um cuidado especial espalhadas pelo Estado. para otimizar a par"O ritmo acelerado do ticipação dos oriendesenvolvimento da informática faz com que tadores. todos os dias apareça uma novidade, algo a Padronização - A preocupação com as teses ser superado': ela conse explica. Elas estão ta. ''Alguns ainda não colocadas entre os doconsegmram comprecumentos mais imporender que essa agitação tantes das bibliotecas faz parte da nova dinâuniversitárias e sua dimica da profissão. Às gitalização está entre vezes, me perguntam: Rosaly: as mudanças devem atingir as cabeças das pessoas as prioridades dos noquando tudo vai voltar vos programas, agora que as neao normal? Mas a profissão mudou, e cupação com a possibilidade de que cessidades mais urgentes foram isso não tem volta!' os alunos de graduação usassem mal o atendidas. Esse trabalho envolve, acesso à Internet e, inclusive, foram também, uma nova filosofia. "Essa Número limitado - O importante é tomadas medidas para controlar seus noção envolve uma padronização que essas mudanças estão ao alcanpasseios pela rede. que é uma nova atitude das biblioce de todos, pelo menos no Estado. Hoje, essa preocupação praticatecas", explica Rosaly. Antes, uma Uma queixa freqüente, de pesquimente desapareceu. ''A conscientizarevista era apenas um documento a sadores de fora do Estado de São ção dos alunos de graduação está mais, que podia ser consultado. HoPaulo, é a de que muitas vezes são muito boa", afirma a professora. je, ela se transformou na origem de instalados em suas bibliotecas equi"Sentimos que seu trabalho está textos completos, que servem copamentos monousuários, que funcada vez mais consciente." Quanto à mo fontes de informação e são cocionam com CD-ROMs, ou pequepós-graduação, nunca houve granlocados de maneira independente nas redes nas quais os CD-ROMs des problemas. ''A pós-graduação é na rede. são instalados ou gravados num um dos grandes drenadores de todos Para chegar a isso, foi necessária computador principal e seus dados os produtos da nova biblioteca", ela uma mudança total nos métodos de ficam disponíveis apenas em um diz. "O aluno precisa produzir sua'S trabalho e na cabeça das pessoas. número limitado de micros. Isso, monografias e, como futuro pesqui"Passou-se de um mundo mais fealém de obrigar o pesquisador a ir à sador, procura trabalhar de maneira biblioteca para consultar as inforchado, dentro da unidade, para a eficiente em suas buscas e pesquivisualização de um contexto maior, mações, cria outro problema: o sas", acrescenta. Quanto aos pesquide padrão internacional", diz Rousuário precisa agendar previasadores, há alguns que ainda prefesaly. O padrão internacional não é mente sua visita, para ter certeza de rem ir à biblioteca para trabalhar. exagero. As reformas das biblioteque poderá acessar os dados no Mas a maioria somou o acesso oncas, arquivos e museus de São Paumomento em que chegar ao local. line ao seu dia-a-dia e busca inforlo estão inspirando não só outras Nas reformas feitas em São Paumações dos micros instalados em instituições brasileiras, mas também lo, o material está disponível inclusiseus próprios laboratórios. organismos da Argentina, do Uruve para os alunos de graduação. "O Entre os projetos para o futuro, aluno, dentro da universidade, acesguai e da Venezuela. E são aprovadas está a digitalização das teses diremesmo nas altas esferas mundiais. sa tudo o que está disponível", diz a tamente na rede. O mestrando ou O sistema de catalogação adotado professora Rosaly. Há a firme intendoutorando iria preparando seu pela USP, por exemplo, não é recoção de acostumar o estudante desde material na rede e, no momento em nhecido só no Brasil. Ele é oficialo início a fazer pesquisas na Internet, que sua tese fosse aprovada pela mente aceito pela própria Biblioteinclusive para seus trabalhos de curso. banca examinadora, o texto ficaria ca do Congresso de Washington, "Nossa intenção é a de que o aluno se imediatamente disponível na Interuma das mais importantes instituitorne um pesquisador': ela diz. Rosaly net. As indicações gerais para a reações da área no mundo. afirma que, no início, havia uma preolização do trabalho estariam disPESQUISA FAPESP

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Preservada a mais antiga biblioteca pública paulista Faculdade de Direito trabalha sem risco de incêndio ona Giacomina conpilhavam pelos cantos. Cerca de 6.500 aço, com mais de quatro metros de fessa: tinha tanto medo altura, e subir, sem nenhuma seguobras classificadas como raras, muique nem conseguia dorrança. Na biblioteca circulante, que to preciosas, não tinham nenhum mir direito. Entre as funcionava em duas salas no andar cuidado especial de preservação. grandes prateleiras de térreo, não era raro que usuários e ferro e madeira maciça, que guardafuncionários, carregando pilhas de Barulho do trânsito - Na parte reservam livros e documentos preciosos, livros, escorregassem em escadas esvada ao público, na sala de leitura da alguns feitos há vários séculos, cortreitas e íngremes. biblioteca central, a situação não era riam fios elétricos instalados 70 anos antes, praticamente BARTOLVS A SAXO FERRATO já sem nenhum isolamento. In P0 tmam ·Jnforttao ~arccm. C V~ Í 'uTEVc ~ A · ~-­ O risco de um incêndio, que Cu111 Adoot.ttiooibas AJa. A&cL Poma. Jou. Fr.onc.. R.o-. aléktnq, onttpis, •lll(b.-c:oncú.IJ 1 &:•nfrall:a. • fatalmente destruiria a maior 'fY.I/l_ ...pãu_,. . . ..._>'f'UCMn,..,..<..,.____.,,...... • DROGAS, E. parte do acervo, era constan.. ._:. cunoJasdomododef.rA:ro Affill"".lr; ...... ,I., o Tab;tco , tinrOurotbs:\lmas; & defcute. Não seria o primeiro. Em bar da Prata v ...... .. ~-&-·'-i,..._fo*_,_-- --~,.,t::;.~·'•dú nrul•nuct~s, IJ"'tji<A C•J•Jft• U Am~ru.c ~ frnJi,~:lll 1880, o fogo consumiu o an41ÍMR'}II• PO RTVGAL _,trht.nu~!W~::-·-:T:t;.:,_.+-. &c.,,..,,,.Rr..u. .._..,..,_M,;, ....-/dr......... OBRA_ tigo prédio do convento de DE ANDREJOAO ANTONIL São Francisco, onde funcio.. oeh.iadtjlSl' · Mrlf"·"anc,•ro'!*" · a-TI•• nava a faculdade. A biblioteca escapou por pouco. Dona Giacomina Faldini é diretora da biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), que funciona no largo de São Francisco, no centro de São Paulo. Trata-se da mais antiga biblioteca pública da capital do Estado. Sob sua guarda e Obras raras: antes empilhadas, ... condicionado e acesso restrito de sua equipe estão 320 mil agora guardadas em salas com ar .. . a visitantes com autorização especial itens, alguns do século 16. Desde sua construção, na década de 1930, o prédio erguido no Não é de admirar o alívio com muito melhor. Não havia espaço pamesmo local em que estava o antigo que Giacomina e os outros funciora os usuários, o barulho do trânsito convento destruído pelo fogo, onde nários da biblioteca receberam o intenso do largo de São Francisco funciona o Serviço de Biblioteca e apoio e financiamento da FAPESP. dominava tudo. Os freqüentadores Documentação da Faculdade de Diqueixavam-se da falta de computaDesde 1996, um investimento de reito, nunca passara por uma reforma. R$ 800 mil da Fundação contribuiu dores para pesquisas. Nas dez biblioO perigo de incêndio era apenas para salvar um tesouro de valor intecas departamentais, espalhadas um aspecto da questão. Nos bastidores calculável. A primeira medida a ser pelos segundo e terceiro andares do da biblioteca, os locais onde normalprédio, a situação era semelhante. tomada foi uma reforma completa mente entram apenas os funcionários, nas instalações elétricas. Mas o traSe alguém quisesse um livro que o cenário era trágico. A iluminação era balho não ficou nisso. Vieram outras estivesse no alto das imensas estantes precária, as estantes estavam abarroreformas nas instalações, a higienique cobriam todas as paredes, era pretadas, livros, jornais e revistas se emzação e reorganização do acervo, a ciso arrastar uma pesada escada de

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restauração de obras raras e a informatização dos serviços. Apesar de tudo isso, a reforma não tirou o caráter do que é um dos pontos mais tradicionais de São Paulo. Por exemplo, todas as mesas compradas para a ampliação dos lugares dos usuários foram fei"•• !&· tas sob encomenda, no mesmo estilo das já existentes. A velha chapelaria foi mantida na entrada da sala de leitura da biblioteinterna dá acesso a bancos de dados ca central. O salão mantém a impoda própria Faculdade de Direito, facilitando consultas a teses e artigos nência dos tempos em que a faculdade do largo de São Francisco já era de periódicos e tornando mais fácil a um dos grandes centros culturais e busca a referências bibliográficas. intelectuais do país. O pé-direito tem quase 5 metros de altura. A luz que Primeiro dia - A biblioteca ganhou uma home page. Por meio dela, uma entra pelas grandes janelas envidraçadas bate na madeira escura de mepessoa de qualquer parte do mundo sas e estantes. pode consultar o acervo e fazer pediUm velho carrinho sobre trilhos dos por telefone, fax ou e-mail. A sue o elevador usado para transportar os pervisora do Serviço de Atendimento ao Usuário, Maria Lúcia Beffa, diz que livros do depósito para o salão ainda funcionam. O ambiente é tradicioficou espantada com o aumento do nal, mas os equipamentos de infornúmero de pesquisas. Logo no primática, colocados num dos cantos meiro dia em que o si te entrou no ar, do salão, mostram que as coisas eschegaram dez pedidos por e-mail. tão mudando. Perto de compêndios As bibliotecas departamentais jurídicos editados em séculos passaforam agrupadas em seis salas num dos, os computadores dão acesso a informações de bancos de dados brasileiros e estrangeiros, como Web of Science, Probe, Scielo e outras bibliotecas virtuais. Dos 25 microcomputadores comprados para a informatização dos sistemas, 13 ficaram para os usuários. Com eles, fazem-se consultas a revistas e publicações jurídicas em CD-ROM e são feitas conexões pela Internet a sites esRevista de estudantes: muitas obras do século passado pecializados. Uma rede

Poema de Anchieta: acervo pode ser consultado de qualquer parte do mundo

Chapelaria -

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corredor do segundo andar. A entrada é protegida por um portão eletrônico. As salas ganharam novas mesas e : : cadeiras, aumentando ~ ;;: o número de lugares ~ disponíveis para os ~ ~ usuários, além de com§- putadores e impressoras. Não menos importantes são as escadas mais leves e seguras, destinadas a facilitar o acesso às prateleiras mais altas. Com o ar-condicionado, instalado em todas as salas, as ,janelas ficam fechadas, diminuindo o barulho da rua. No segundo andar, está outro resultado dos investimentos da FAPESP: duas salas foram completamente reformadas e agora servem para abrigar obras raras e jornais antigos. A reforma incluiu a instalação de ar-condicionado e de estantes deslizantes. Lá estão, por exemplo, 6.500 volumes de obras editadas entre os séculos 16 e 18. O acesso, porém, é restrito. Para consultar essas obras, só com autorização especial e na presença de um bibliotecário. A criação das novas salas ajudou a desafogar o grande depósito central, que agora tem uma organização bem melhor e já pode aceitar o crescimento do acervo, de 320 mil itens atualmente. Parte do acervo já foi submetido a um tratamento de limpeza e preservação. Além disso, foram restaurados 231 volumes dos séculos 16 e 17. Algumas dessas obras participaram, no ano pasObras raras -

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Mas é nos periódicos acadêmicos, os jornais e revistas editados por alunos da própria faculdade, que parece existir o maior potencial para novas pesquisas. Durante muito tempo, a faculdade do largo de São Francisco oferecia um dos únicos dois cursos de Direito existentes no Brasil- o outro funcionava em Olinda, em Pernambuco. Pessoas de todo o país vinham a São Paulo em busca de um título que era uma escada firme para os mais altos postos no governo central, no Império e nos primeiros anos da República. Novas instalações: tradição de uma faculdade que formou sete presidentes da República Não é exagero. No primeiro governo republicaPor exemplo, ainda não começaram no, nada menos de cinco ministros, sado, de exposições relativas aos SOO anos do Descobrimento do Brasil. os trabalhos de preservação e restauentre os quais Ruy Barbosa, eram A obra mais antiga da biblioteca ração de mais de 700 livros do sécuformados no largo de São Francisco. é uma edição italiana de 1520 da Divilo 17. Há ainda a preciosa coleção de Também passaram pelos seus banna Comédia, de Dante Alighieri. Os jornais e periódicos acadêmicos ancos sete presidentes da República: lugares seguintes são ocupados por tigos. A biblioteca tem coleções comPrudente de Moraes, Campos Salles, obras de caráter jurídico. As Anotações pletas de jornais antigos de São Paulo, Afonso Pena, Rodrigues Alves, Delsobre os 20 Livros das Pandectas, um como o Farol Paulistano, o primeiro fim Moreira, Wenceslau Brás, Artur trabalho de Guillaume Budé que trajornal impresso em prelo de madeiBernardes, Washington Luiz e Jânio ta da legislação do Império Romano, ra da cidade, e o Observador ConstiQuadros. A eles se somam 12 goveré de 1534. Há ainda o Compêndio do tucional, criado por Líbero Badaró. nadores do Estado de São Paulo. Direito Processual, de Andrea Alciato, Não faltam também coleções de jor-· Folheando os periódicos acadêmide 1537. Só existem mais dois exemnais mais modernos, como o Correio cos, não é difícil encontrar artigos plares desse livro no mundo. Um Paulistano, O Commercio e O Estado assinados por políticos famosos ou está em Paris, o outro, em Berlim. de S. Paulo. literatos, como Castro Alves, Álvares Em português, a obra de Azevedo, Fagundes Vamais antiga é um exemplar rella e José de Alencar. O de outro livro jurídico, as curso de Direito podia ser Ordenações Manuelinas, de sisudo e austero. Mas o di1539. Há também relíquias retório dos estudantes, o religiosas, como uma BíCentro Acadêmico XI de blia de 1584, impressa em Agosto, era um centro de hebraico, e um curioso reefervescência cultural. Prolato das riquezas do Brasil vavelmente, muitas obras endereçado à Corte Portuainda desconhecidas de guesa, o Cultura e Opulência grandes escritores e pensado Brasil, escrito pelo padre dores estão nesses periódiJoão André Antonil e edicos (o uso de pseudónimos tado em Lisboa em 1711. era comum no século 19). Preservá-los, diz GiacomiSéculo 17 - Muito, ainda, na, é o próximo passo da A diretora Giacomina: medo dos fios desencapados porém, está por ser feito. revitalização da biblioteca. lO

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Contra os efeitos do tempo e o descaso com obras raras Restaurar um livro antigo é caro e demorado oa parte dos recursos do Programa de Infra-Estrutura da FAPESP está indo para a restauração de obras raras e outras peças importantes para a memória do Estado e do país, como fotografias antigas. Não sem motivo. Esse patrimônio, muito rico em São Paulo, estava seriamente ameaçado. O problema não se encontrava apenas na ação do tempo. Faltavam políticas adequadas de preservação. Não era difícil encontrar livros com mais de 300 anos empilhados de qualquer maneira, cobertos de poeira e sujeitos à ação de insetos e fungos. As marcas do descaso eram claras. As obras tinham capas soltas, costuras desfeitas, folhas ressecadas e quebradiças. Fotografias tinham marcas profundas, perdiam a nitidez e ficavam amarelecidas. "A tarefa de restauro não é simples': diz a especialista Lucy Aparecida Luccas, que participou de vários projetos patrocinados pela FAPESP, inclusive o da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). "Exige pessoal especializado, material quase sempre importado e o trabalho é demorado", acrescenta.

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SUPPIJEMENT O AO

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documentos: é preciso ter ordem na casa

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Livro raro: restauração pode custar R$ 4 mil

Ordem na casa- É também um trabalho caro. Restaurar um livro antigo custa, em média, R$ 4 mil, dependendo do tamanho e do estado de conservação. Assim, só vale a pena se o material for mesmo raro e importante. Além disso, é um trabalho que só pode ser feito depois de se colocar ordem na casa. Se o livro restaurado não for guardado de forma adequada, o serviço é perdido. Ao contrário do que parece, é bom que o livro seja constantemente manuseado. O virar das páginas oxigena o material, impede a acumulação de microrganismos que atacam o papel e colabora para que as folhas não fiquem ressecadas e queII


bradiças. Um conselho prático: folheie rapidamente o livro sempre que for colocá-lo de volta na prateleira. Há mais. Um tratamento anual contra insetos, por exemplo, é muito importante. Além disso, como isso faz com que os livros sejam pegos um por um, serve como uma revisão geral do seu estado de conservação. Empurrar e puxar - Lucy dá outros conselhos. Não usar clipes como marcadores de páginas é um deles, pois o processo de oxidação do metal mancha e estraga o papel. Quando tirar um livro da prateleira, não o puxe pela parte superior da lombada, pois isso danifica a encadernação. O certo é empurrar os volumes

Política: boa parte da memória do país está nos arquivos de São Paulo Os restauradores tentam aproveitar ao máximo o material original. Mas nem sempre isso é possível. "Até hoje, nunca encontrei um livro antigo com a capa original", diz Lucy. O caminho dos restauradores é refazer a encadernação, seguindo os padrões da época em que o livro foi impresso.

O normal é dar ao livro uma capa nova, de pergaminho, com cordões amarrados, para protegê-los do calor. Os livros mais· raros ficam em caixas especiais, feitas de um papelão especial, de pH neutro. Vários materiais são usados. Para os livros impressos até o fim do século 18, é preciso buscar o papel usado na época, à base de linho. A restauração de livros e outros documentos antigos é prática relativamente recente no Brasil. Seu desenvolvimento coincidiu com o início dos investimentos da FAPESP. Há cinco anos, afirma Lucy, quando aceitou a incumbência de restaurar Trabalho de restauração: papéis especiais os primeiros livros, a Caixas especiais -

Obras: registres do crescimento do Estado dos dois lados e puxar o volume desejado pelo meio da lombada. "O problema mais comum é a perda de papel, provocada pela ação de insetos e mesmo pela mão do homem': diz a restauradora. Antigamente, era hábito comum guilhotinar as margens de páginas de livros e fotografias, especialmente na parte de cima. Com isso, perderam-se dados importantes, como números de página e mesmo títulos. 12

pedido do Sistema Integrado de Bibliotecas da USP, precisou viajar para a Itália a fim de especializar-se no assunto. "É uma tarefa cansativa, mas muito delicada", ela diz. Na Faculdade de Direito, tratou livros que não desciam das prateleiras há mais de 200 anos. As páginas estavam coladas e foi preciso separá-las uma a uma. Havia muitos tipos de sujeira, de pó a fezes de pombo. "É preciso muito cuidado para não danificar ainda mais essas obras", afirma. "Mas, no final, o trabalho é recompensado. Parece que o livro olha para nós e agradece:'

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Recursos para melhorar a pesquisa em todo o Estado Novos tempos nas universidades públicas oi preciso muito trabalho e muito dinheiro. Só a FAPESP investiu R$ 1,4 milhão e US$ 26,2 mil. Mas, depois de cinco anos de reformas e informatização, as oito bibliotecas que compõem o complexo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) ganharam vida nova e elogios constantes de funcionários e usuários. "É o melhor espaço da escola para o estudo, individual ou em grupo", diz um aluno. "A biblioteca não é mais aquele monstro assustador': acrescenta uma aluna. Antes da reforma, ela entrara apenas três vezes no local. Agora, é visitante constante. "Foi uma transformação total", afirma a diretora técnica Maria Cristina Olaio Villela, informando que a freqüência subiu de 300 mil alunos em 1996 para 458 mil em 1999, um aumento de 35%. Maria Cristina ocupa o cargo apenas há cerca de um ano, mas é funcionária desde 1989. Quando entrou para a Politécnica, o serviço de bibliotecas tinha passado por uma reestruturação, coordenada pela antiga diretora, Maria Alice Fernandes Carrera. Por ela, a biblioteca central manteve o acervo básico para os dois primeiros

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Engenharia Mecânica: fim da idéia do monstro assustador

Maria Cristina: transformação total

anos e as obras mais antigas. O restante foi distribuído por sete bibliotecas setoriais, que atendem aos 15 departamentos da escola. Em todas elas, o panorama era o mesmo: móveis muito antigos, espaços mal distribuídos, organização deficiente do acervo, equipamentos em falta. "Felizmente, recebemos da FAPESP todo o apoio necessário para reverter essa situação", diz Maria Cristina. Houve bibliotecas, como a de Engenharia Mecânica, Naval e Oceânica e a de Engenharia Elétrica, em que toda a antiga estru13


tura foi substituída. As instalações foram reformadas do teta ao piso. Ganharam móveis novos, computadores, ar-condicionado, portões eletrônicos e nova sinalização. Saletas - Um dos pontos fortes da reforma é o melhor aproveitamento dos espaços. A biblioteca de Engenharia Mecânica, por exemplo, ganhou quase 500 metros quadrados com o aproveitamento de um porão que servia apenas como depósito de móveis quebrados. Foram criados ambientes para tipos de atividades diversas, como pesquisas on-line, salas de vídeo e locais para Novas instalações: trabalhos que duravam um mês são feitos hoje em três dias pequenas palestras. Várias saletas foram dedicadas a eira e muitos se esfacelando. Maria o qual artigos e capítulos de livros são trabalhos em grupo. Isso solucionou Cristina tenta conseguir, agora, vero problema do barulho, que prejudicopiados por um scanner e convertibas para higienizar esse acervo, de cava a concentração, e aumentou a dos em arquivos. Podem, assim, ser maneira que ele possa ser examinaliberdade para a troca de informatransmitidos por correio eletrônico. do. Assim, serão identificadas as Um processo que antes levava um ções e discussões em grupo. obras mais indicadas para a restaumês dura hoje no máximo três dias. Formada na década de 1960, Maração. Será solucionado também ouria Cristina diz que assistiu a uma tro problema. Esse material provoca revolução nos serviços de biblioteca. Fundações - É mais um exemplo de tosses e espirros constantes em "Quase tudo o que aprendi está hoje pioneirismo na história da Poli, funultrapassado", afirma. Os novos médada em agosto de 1893. Ela foi a · quem trabalha no depósito de livros da biblioteca central. terceira faculdade de engenharia do todos de trabalho chegaram a assustar país, precedida apenas pela Politécalguns funcionários. Uma funcionáUnicamp - Não foram só as grandes ria, responsável pelo serviço de troca nica do Rio de Janeiro, de 1810, e escolas da capital que tiveram prode documentos entre bibliotecas, pela Escola de Minas de Ouro Preto, blemas para adequar as reformas a entrou em pânico quando os formude 1875. Seus professores e alunos um grande número de bibliotecas. lários preenchidos manualmente e são responsáveis por muitas obras imNa Universidade Estadual de Camenviados pelo correio foram substiportantes da cidade de São Paulo. A pinas (Unicamp ), por exemplo, o tuídos por um processo informatiPoli ajudou a verticalizar São Paulo movimento atingiu 19 bibliotecas, zado. "Ela ficou desesperada, achande diversas maneiras. Foi em seus labo17 das quais situadas em Campinas, do que não iria conseguir", lembra ratórios que se solucionaram probleuma em Piracicaba e outra em LiMaria Alice. Mas, afinal, conseguiu. mas de fundações surgidos durante a meira. Todas elas foram beneficiaA biblioteca da Poli foi pioneira construção do edifício Martinelli, das, em maior ou menor grau. Junto em vários métodos, inclusive o serentre 1925 e 1930, por exemplo. com as reformas, foi criada a infraDurante esses anos, a escola acuviço Comut-on-line. Seu sucesso estrutura para o desenvolvimento de chamou a atenção de outras bibliomulou um grande acervo, com lium plano de automação, que cobriu tecas da USP e serviu de modelo ao vros, periódicos, mapas, plantas e fodesde a adaptação da rede elétrica programa de informatização desentografias antigas. Nem todos estão para suportar a demanda maior de volvido pelo Serviço Integrado de disponíveis. Cerca de 23 mil voluenergia à instalação dos cabos para Bibliotecas (SIBi). O programa bames antigos não podem sequer ser os sistemas de comunicação. seia-se no uso do softwareAriel, com manuseados. Estão cobertos de po14

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Biblioteca da Unicamp: acervo de 500 mil livros cresce 10% ao ano "Saímos da Idade Média para ensignifica 50 mil livros a mais num trar na Modernidade': declara a coperíodo de 12 meses. ordenadora do sistema de bibliotecas da Unicamp, Maria Alice Rebello Área física - O que quase sempre Nascimento. O número de microacontece é que, com isso, o acervo computadores saltou de 139 para vai invadindo as áreas destinadas aos 420. Um impacto enorme teve a usuários e diminui o espaço para as aquisição de um software de última consultas. Na Unicamp, ocorreu o geração para o gerenciamento de bicontrário. Com o melhor aproveitabliotecas. Com ele, todas as bibliotemento dos espaços e a adaptação d'e cas foram interligadas. Serviços que eram feitos em sistemas independentes foram integrados na nova plataforma. "Eliminamos muitas etapas de trabalho desnecessárias", destaca Maria Alice. Não foi só isso. As bibliotecas ganharam móveis mais adequados. Foi solucionado também, pelo menos temporariamente, o crônico problema da falta de espaço. "Tratase de um problema muito comum", afirma Maria Alice, "pois, afinal de contas, as bibliotecas crescem". O acervo da Unicamp aumenta, em média, 10% ao ano. Para Maria Alice: saindo da Idade Média quem tem SOO mil livros, isso PESQUISA FAPESP

um anexo de 1.000 metros quadrados no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, a área física das bibliotecas cresceu de 19.308 para 21.488 metros quadrados. Um passo importante foi a adoção de estantes deslizantes, para a guarda de coleções especiais e obras raras. De acordo com Maria Alice, esse tipo de estante não pode ser usado para obras de grande circulação ou de livre acesso. Mas seu emprego, mesmo em áreas especiais, ajuda a ganhar espaço e conserva melhor o material. Quanto às obras raras, elas agora estão mais bem tratadas, graças a uma leitora-copiadora, com a qual os documentos podem ser copiados em microfilme ou em papel. Com isso, reduz-se sensivelmente o manuseio dos originais. O novo sistema de arcondicionado ajuda a preservar essas obras, muitas das quais vindas de coleções recebidas de intelectuais falecidos, como os historiadores Sérgio Buarque de Hollanda e Peter Isenberg. O trabalho deve aumentar com a criação de um laboratório de encadernação, restauro e higienização na própria universidade. Isso significará uma grande economia, já que esses trabalhos são hoje contratados a terceiros. Uma das preocupações de Maria Alice é completar a digitalização do catálogo, pois cerca de metade das obras ainda não está disponível em meios eletrônicos. Outra é um upgrade no sistema de gerenciamento, instalado há quatro anos. Mas, enquanto isso, medidas aparentemente pequenas, mas de grande impacto, já estão em curso. Para este ano, está prevista a adequação das bibliotecas aos portadores de deficiências físicas, o que inclui desde a construção de rampas para cadeiras de rodas à aquisição de equipamentos de inforIS


Com sua ampla base geográfica, a Unesp tinha problemas próprios. Na biblioteca de Ilha Solteira, por exemplo, com clima tropical úmido, o calor que chega freqüentemente a 41 graus fazia com que usuários e funcionários mantivessem as janelas abertas, facilitando a entrada de poeira, fungos e isentos. "A climatização do local solucionou o problema", afirma Mariângela. A temperatura agora é mantida em 20 graus e a umidade do ar em 50%, o que é considerado ideal para a conservação do acervo. De qualquer maneira, os planos futuros das bibliotecas da Unesp incluem Acervo resguardado: temperatura e umidade do ar ideais para a conservação das obras um aperto na segurança. "O furto de livros era uma verbas recebidas da FAPESP foi a insprática que se tornava cada vez mais mática destinados a deficientes vifreqüente", lembra Mariângela. A talação de um sistema de pesquisa insuais. "Muitas vezes, essas pessoas chegam a interromper seus cursos formatizado, comparável aos melhores instalação de portões eletrônicos e a diante das dificuldades que encondo mundo. "Decididamente, o espaço magnetização do acervo parecem ter tram", afirma Maria Alice. solucionado esse problema. A unida biblioteca é multidisciplinar e mulversidade quer, agora, espalhar câtimídia': diz Mariângela. O número de meras de TV pela biblioteca, para diconsultas, que podem ser feitas a disUnesp - Em matéria de número de minuir os casos de pessoas que bibliotecas, porém, é difícil que tantas tância por todos os alunos e profesrabiscam livros ou arrancam págisores da universidade, aumentou bastenham sido beneficiadas como as que fazem parte do sistema da Unitante. "Eles são atraídos pelo conforto · nas e fotografias. "Isso é fruto de uma cultura que versidade Estadual Paulista (Unesp ). e pelos equipamentos muito rápidos': infelizmente ainda não aprendeu a A verba de R$ 12,3 milhões investida ela destaca. "Não encontram esses respeitar os livros como parte do parecursos em nenhum outro lugar." pela FAPESP contribuiu para mudar trimônio cultural da humaa paisagem em nada menos de 23 bibliotecas, três nidade': lamenta Mariânna capital e o restante em gela. Mas, enquanto isso, a outras cidades do Estado. Unesp se preocupa em ajudar os usuários a aproveitar "O aspecto geral era de abandono", diz, lembranbem seu acervo, promovendo cursos para ensinádo o período anterior, a los a usar da melhor maneicoordenadora de bibliotecas da Unesp, Mariângela ra os programas de busca. "A intenção da biblioteca é Spotti Lopes Fujita. Hoje, ela afirma, os visitantes fifacilitar ao máximo o desenvolvimento científico", cam impressionados com afirma. "Para isso, ela prea estrutura existente. "Princisa dar aos pesquisadores cipalmente os pesquisadocondições de obter o máres estrangeiros': destaca. ximo de informação com Não é para menos. Um Mariângela: medidas contra livros rasgados e rabiscados o mínimo de esforço." dos trabalhos feitos com as 16

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Investimento em instalações mais seguras e eficientes PUC prepara a base para passos mais amplos ão são só as instituições públicas que recebem o apoio do Programa de InfraEstrutura da FAPESP. Muitas universidades e outros organismos particulares estão recebendo investimentos para ampliar e melhorar seus serviços. Um dos maiores investimentos feitos pela Fundação na área das bibliotecas cerca de R$ 1,8 milhão - foi para a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. A verba permitiu que fossem totalmente reformados, mobiliados e equipados os 4.350 metros quadrados da biblioteca e do Centro de Documentação e Informação Científica (Cedic) na rua Monte Alegre, no bairro de Perdizes, na capital. "Para acompanhar o desenvolvimento tecnológico, foi necessário um grande investimento em reformas físicas", explica a bibliotecáriachefe, Ana Maria Rapassi, para explicar por que só agora, com verbas da FAPESP, está em curso a informatização da biblioteca. A primeira fase da reforma, terminada em setembro de 1999, já serviu para tornar mais confortáveis, seguras e eficientes as instalações. Foi criada, também, uma infra-estrutura tecnológica que vai permitir a implantação de sistemas mais modernos de suporte à pesquisa, como o acesso a bases de dados científicos e periódicos eletrônicos. O primeiro obstáculo estava na rede elétrica precária. O sistema era tão ruim que não tinha condições de suportar um número razoável de computadores. Por isso, só parte dos serviços administrativos estava in-

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formatizada. Uma parte do acervo estava catalogada por meios eletrônicos, mas, como não havia meios para instalar um sistema de rede, as consultas ficavam limitadas ao espaço da biblioteca. Havia outros problemas sérios. As instalações hidráulicas, por exemplo, também estavam muito ruins. E o forte calor no interior do prédio exigia um sistema de ar-condicionado, para que os equi-

ça e preservação. Entre essas preciosidades está uma primeira edição de Os Sermões, do padre Antônio Vieira, de 1679. O Cedic, atormentado pela falta de espaço, foi deslocado do térreo para o subsolo. Com isso, a biblioteca ganhou uma grande área livre na entrada, onde foi montado um pequeno auditório para exposições e lançamentos de livros. O auditório,

Ana Maria: preparada para instalar sistemas mais modernos de apoio à pesquisa

pamentos não fossem danificados pelas altas temperaturas. Pri meira edição - Com os primeiros trabalhos, já foi possível unificar o acervo, que estava dividido em duas bibliotecas. "As duas já estavam com seus espaços saturados", conta Ana Maria. Também foi possível reunir o acervo de obras antigas e raras numa sala especial. Restringir o acesso a essas obras era um passo essencial para garantir sua seguran-

chamado Centro Cultural Monte Alegre, é um sucesso. Tem sempre agenda lotada para os seis meses seguintes. Quanto ao Cedic, tem agora 300 metros quadrados, em vez dos 100 metros anteriores. A ampliação do espaço permitiu a instalação de um laboratório de microfilmagem e outras instalações, como um laboratório de áudio que permite a reprodução de gravações com qualidade digital. Nada que lembre as antigas e apertadas instalações. 17


A renovação de um centro de referência em zoologia Obras dão sobrevida a prédio do museu no Ipiranga nde, no Brasil, é possível encontrar um exemplar da raríssima obra Metamorphosis des Insectes, editada na França em 1705? Trata-se de um trabalho sobre a fauna do Suriname, ilustrado com muitas aquarelas, de tanto valor que é considerado patrimônio

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clui o Brasil e outras partes das Américas do Sul e Central. ''A verba da FAPESP serviu até para reformar as instalações do museu, todas em péssimo estado e algumas mesmo sem condições de uso", afirma o diretor, Miguel Trefaut Rodrigues. Trata-se de um enorme avanço com relação ao es-

tecer quando o museu mudar-se para um novo prédio, já em projeto, no próprio campus da USP. Mas não há dúvidas de que as condições melhoraram bastante. Por enquanto, o museu vai enfrentando uma situação peculiar: seu próprio sucesso como instituição de ensino e de pesquisa está aumentando em

Coleções: um dos maiores centros· de pesquisas sobre a zoologia neotropical do mundo

da humanidade pela Unesco. Uma cópia está no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), ao lado de preciosidades como obras de Georges Cuvier (1769-1832), considerado o pai da paleontologia, todas elas ilustradas à mão. Com a ajuda da FAPESP, o museu, instalado num antigo edifício do bairro do Ipiranga, em São Paulo, está recuperando suas instalações e cumprindo com cada vez maior vigor sua função de ser um dos principais centros mundiais de ensino e pesquisa da fauna da região neotropical, que in18

tado anterior das instalações que abrigam o museu desde sua fundação, em 1939, quando pertencia à Secretaria da Agricultura, e que continuaram após sua transferência para a USP, em 1969. Há alguns anos, até a biblioteca fora obrigada a mudar de lugar, pois a estrutura da parte do prédio onde ela funcionava começou a ceder e a situação das instalações elétricas e hidráulicas eram precárias. Os problemas não estão todos resolvidos e, de acordo com o professor Rodrigues, isso só vai acon-

escala acelerada suas coleções. Isso faz com que o espaço dedicado às coleções avance cada vez mais sobre o reservado às exposições públicas. ''A exposição tinha originalmente 1.500 metros quadrados e foi reduzida a cerca de 700 metros quadrados", admite o professor Rodrigues. A solução, segundo ele, só virá quando for inaugurado o novo prédio. Degeneração - "O museu vem apresentando uma produção científica cada vez mais intensiva': explica o PESQUISA FAPESP


diretor. "Os pesquisadores estão coletando mais e temos que armazenar esse material, diante da degeneração dos hábitats dos animais, tanto no Estado de São Paulo como no resto do Brasil", acrescenta. Exemplos não faltam. A coleção do museu inclui vários exemplares da borboleta Morpho menelaus, de cor azul, apanhados em Cubatão em 1966. Não se tratava de uma espécie rara. Podia, na época, ser encontrada em regiões de mata de todo o Brasil. Hoje, sumiu de São Paulo. Só existe na Amazônia. Espécies típicas da Mata Atlântica, como o mutum Mitu mitu, uma ave aparentada com as galinhas, não existem mais na natureza. Só é encontrada em cativeiro. E, com

incomparáveis a quaisquer outras no mundo e indispensáveis para fazer qualquer tipo de trabalho nas áreas de ecologia, evolução e sistemática no Brasil e para resolver problemas sobre grandes grupos em âmbito mundial", afirma o diretor. Recursos humanos - Além do material recolhido por pesquisadores e estudantes de pós-graduação da USP, o museu também recebe animais coletados por pesquisadores de outras instituições brasileiras, material de permuta e doações, além de comprar coleções de particulares, quando surge uma boa oportunidade. "Este museu sempre teve um caráter de museu científico, com coleções

do foi instalado com um investimento da FAPESP. Quanto à biblioteca, continua a ser a maior e mais completa do gênero no Brasil, com 89.573 volumes e com séries completas das revistas de zoologia mais usadas nos trabalhos· de pesquisa. O fato de a biblioteca ser tão completa tem uma explicação. O museu edita anualmente duas revistas especializadas, Papéis Avulsos de Zoologia e Arquivos de Zoologia. Como há interesse nessas obras por parte de outras instituições, isso rende para o museu cerca de 700 acordos de permuta e significa, nos cálculos de Rodrigues, uma economia de cerca de R$ 200 mil por ano em assinaturas para a USP. Em compen-

Mamíferos e insetos: borboletas encontradas com facilidade em Cubatão hoje só sobrevivem na Amazônia

a progressiva destruição de seus hábitats naturais, dificilmente poderá voltar a desenvolver-se nas matas. Isso torna o Museu de Zoologia um centro muito importante de pesquisas, não só para zoólogos, mas também para ecólogos e profissionais de outras áreas. Seu acervo, hoje com 7 milhões de exemplares, é o maior da região neotropical. Sua coleção de insetos neotropicais é a maior do mundo. O mesmo acontece com as de aves, répteis e anfíbios. Só a de mamíferos está em segundo lugar. "São coleções absolutamente PESQUISA FAPESP

científicas", explica Rodrigues. "Seu impacto na formação de recursos humanos qualificados, na pós-graduação do Brasil, vem sendo muito grande. Todos os grandes zoólogos brasileiros tiveram treinamento científico neste museu." Quando houve o problema com a parte do prédio onde funcionava a biblioteca, aproveitou-se para mudar algumas coisas. O solo foi nivelado e no local construiu-se um mezanino, onde foram abrigadas mais coleções. A construção foi feita com verba da USP, mas o ar-condiciona-

sação, o espaço reservado às revistas cresce, em média, entre 20 e 25 centímetros por dia. Deslizantes - As verbas da FAPESP foram empregadas, em grande parte, na compactação das coleções, a começar pela de invertebrados. Com a compactação, o acervo é colocado em armários deslizantes, o que significa uma enorme economia de espaço. ''A compactação de várias coleções nos deu um horizonte de crescimento de mais quatro anos", diz Rodrigues. "Sem isso, 19


teríamos sido obrigados a fechar completamente a seção de visitação!' A reforma das instalações elétricas permitiu a aquisição de um microscópio eletrônico de varredura, também com o apoio da FAPESP. Com ele, o museu tem um dos laboratórios de microscopia eletrônica mais modernos da USP. Parte dos animais é conservada a seco, parte em álcool. Cada qual tem

pêlo, sua distribuição ao longo do corpo, dentes, ossos, crânio e características da anatomia interna e da biologia molecular, será possível responder a diversas perguntas sobre o animal e sua ecologia. Relação - "O sistemata, o pesquisa-

dor que trabalha no museu, parte de características, morfológicas, ecológicas ou moleculares, para sistemati-

Armários deslizantes e o professor Rodrigues: cada animal tem um tipo de conservação diferente

um método específico. Os morcegos, por exemplo, devem ser conservados em álcool. Se forem conservados a seco, ficam com o pêlo ressecado, prejudicando a aparência. Rodrigues explica que essas coleções têm uma importância enorme para diversos tipos de estudo, como os que procuram determinar a evolução das espécies. Se um pesquisador quiser acompanhar a evolução dos sagüis, por exemplo, encontrará no museu exemplares de diversas regiões, como Mata Amazônica, Mata Atlântica, Cerrados, Caatinga e Mata de Araucária. Comparando características como a cor do pêlo, o tipo do 20

zar o conhecimento e responder a questões como quantas espécies existem num grupo e qual sua relação de parentesco': comenta Rodrigues. "Só quando essas perguntas são respondidas é possível seguir adiante e fazer indagações e procurar explicar fatos sobre por que um animal é arborícola ou não, ou se vive em terra ou na água." Por enquanto, a visitação pública está suspensa, em conseqüência de

outro problema grave. O telhado estava danificado, houve uma infiltração de água da chuva e placas de estuque começaram a cair sobre os armários do acervo. O telhado e boa parte do forro foram trocados, com verba da USP, em paralelo aos projetas de infra-estrutura financiados pela FAPESP. Mas o perigo de que uma placa de estuque caísse sobre um visitante levou à interdição. O museu pretende reabrir as portas em meados do ano, com novas instalações, como catracas e melhor iluminação. De qualquer maneira, o que está exposto representa menos de um milésimo das coleções do museu. As coleções têm ênfase na fauna brasileira, mas incluem animais de várias partes do mundo. O acervo do museu é considerado um dos mais completos da zoologia mundial. Mas é devido ao paciente trabalho de coleta realizado nas últimas décadas que muita coisa se sabe sobre a fauna brasileira e, especialmente, da Mata Atlântica. O que não livra os pesquisadores de algumas surpresas. Julgava-se antes que o mutum desaparecido da Mata Atlântica era o mesmo encontrado na Amazônia. Não mais. Agora, sabe-se que o mutum amazônico é uma espécie diferente. Enquanto houver devastação, o papel do museu continuará a crescer. Outra espécie de ave que só existe em cativeiro é a ararinhaazul ( Cyanopsita spixii). O último espécime solto na natureza estava sendo monitorado por biólogos, no norte da Bahia. Mas desapareceu no ano passado. Outros animais, mesmo de grande porte, correm perigo. O exemplar existente no museu do macaco-danoite (Patos flavus), também conhecido como jupará, foi recolhido num pequeno trecho de Mata Atlântica no Estado de Alagoas. Hoje, essa região está completamente devastada. Não se sabe quando será possível dispor de outro macaco-da-noite para estudos. PESQUISA FAPESP


Estação de Boracéia: biólogos trabalham para preservar e para conhecer mais a fauna da Mata Atlântica

No meio da mata, um centro de pesquisas FAPESP ajuda a recuperar estação biológica

ada de terra está relativaente livre de buracos. Mesmo assim, é tão sinuosa que dificilmente o trajeto de cerca de 50 quilômetros até a farmácia ou o pequeno supermercado mais próximos dura menos de uma hora. O acesso difícil é proposital. Desestimula os coletores clandestinos de palmito e de bromélias. Essa é a via de acesso à Estação Biológica de Boracéia, uma área de 96 hectares de Mata Atlântica, no litoral norte do Estado de São Paulo, pertencente ao Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP).

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Não é uma simples área de preservação. É, também, um importante centro de pesquisas. Ali, também, se vê a mão do Programa de Infra-Estrutura da FAPESP. Até há pouco, a estação estava seriamente comprometida pela falta de recursos. As instalações eram muito antigas e não recebiam manutenção. Mal podiam abrigar oito pesquisadores de cada vez. Não havia laboratórios, as salas de aula eram improvisadas. Hoje, os três prédios da estação foram reformados. Eles são modestos, mas confortáveis - algo importante

para quem fica até mais de uma semana no isolamento da estação que nem tem telefone- para fazer uma pesquisa. De certa maneira a estação é característica de uma nova filosofia de trabalho. Antes, os cientistas, em grande parte, procuravam conhecer para preservar. Hoje, infelizmente, é preciso preservar antes de conhecer. "Os biólogos trabalham contra o tempo, concorrendo com interesses econômicos da indústria madeireira e extrativista e com os interesses das comunidades locais, que, por necessidade e ignorância, contri21


ção, na maior parte sobre insetos ou anfíbios. Além disso, a estação recebeu 60 pesquisadores de outras instituições, 15 deles estrangeiros. Vários pesquisadores vêm de organismos particulares, como a professora Izaura Bezerra Francini, da Universidade Católica de Santos, participante do projeto Levantamento da Fauna de Coleópteros da EBB. "Seria difícil fazer um trabalho dessa envergadura em outro local", ela afirma. Quinino - A estação foi criada em

Prédio reformado: instalações agora podem receber até 25 pessoas buem para a degradação ambiental", diz Sônia Casari, chefe da seção de Apoio à Estação Biológica de Boracéia.

sem que seja preciso entrar nas picadas. À noite, basta acender uma lâmpada especial, instalada na frente de um dos alojamentos, para atrair uma multidão de insetos. Só no ano 2000, pesquisadores da USP concluíram nove projetos com base em coletas feitas na esta-

Bromélias - A estação está situada numa área de mata primitiva, de 16.450 hectares, preservada pela Cia. de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp ), a Adutora do Rio Claro, situada no município de Salesópolis, cerca de 11 O quilômetros a leste da capital. Ao contrário do que ocorre em áreas mais freqüentadas, bromélias e orquídeas, muito procuradas pelos coletores clandestinos, são vistas com facilidade nas árvores. Há muitos pássaros e insetos. Marcas de pequenos animais aparecem no chão das picadas. Tanta vida selvagem chega a trazer desconforto para os pesquisadores. Apesar do forte calor, eles só entram na mata com roupas de mangas compridas e botas de borracha de cano longo. É uma forma de proteção contra os mosquitos e cobras. Mas muiAs professoras Sônia e lzaura: sem telefone tas pesquisas podem ser feitas 22

1938, como um centro experimental para o estudo do cultivo da quina do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). A quina, um arbusto dos Andes, era a origem do quinino, um remédio muito usado na época para a malária. A partir de 1941, pesquisadores do então Departamento de Zoologia da Secretaria de Agricultura, hoje o Museu de Zoologia da USP, passaram a organizar expedições à área para coletar material científico. Em 1952, o IAC encerrou os trabalhos com a quina e, em 1954, a estação foi oficialmente transformada em centro de estudos. A estação não serve apenas para pesquisas. Também é importante ponto de apoio para a formação de mãode-obra qualificada para trabalhos de campo. No ano passado, 86 alunos e 11 professores participaram de seis cursos oferecidos pela EBB. Isso se tornou possível com a criação da nova sala de aula e do laboratório, com capacidade para receber 25 alunos. Mesmo o laboratório não tem equipamentos sofisticados. Não há computadores na estação. Mas biólogos que trabalham no campo estão acostumados a longos períodos apenas com o básico. Há outra vantagem nessa maneira austera de pesquisar: ela diminui o lixo que cada um é obrigado a trazer de volta para a cidade. Uma das regras da estação é a de que cada um deve levar embora o lixo que produz. ''A estação deve permanecer intacta, para garantir a vida das plantas e animais e o futuro das pesquisas biológicas", sublinha Sônia. PESQUISA FAPESP


Uma instituição que se tornou modelo Reforma muda a face do Herbário da Unicamp uando foi formado, em 1975, o Herbário da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) contava apenas com dois armários, nos quais guardava algumas duplicatas doadas pelo Instituto de Botânica de São

Hoje, o Herbário da Unicamp está entre os mais importantes do Brasil. Tem um acervo de 116 milespécies. Anualmente, recebe mais 7 mil, fruto de coletas feitas por equipes da própria Unicamp, de doações e de permutas com museus de várias partes do mundo. Não é só; ele é re-

Brasil uma organização tão bem estruturada e equipada': diz Luiza Sumiko Konoshita, professora-assistente do Departamento de Botânica da Unicamp. Essa boa impressão não vem do nada. O Herbário da Unicamp é um exemplo de organização e eficiên-

Amostras conservadas no Herbário da Unicamp: ambiente era tão insalubre que pessoas pensavam em desistir da profissão

Paulo, com as quais começou sua coleção. Esse início modesto, hoje, é apenas uma distante recordação. O herbário ganhou impulso com a criação dos cursos de pós-graduação em Biologia Vegetal, em 1976, e com a necessidade, cada vez mais premente, de recolher e preservar amostras da flora do Estado, especialmente da Mata Atlântica, antes que seus hábitats fossem completamente destruídos. PESQUISA FAPESP

conhecido como uma das mais importantes instituições de pesquisa da sua área no mundo e ponto de parada freqüente para pesquisadores vindos de várias regiões do planeta. Sua estrutura, moderna e bem equipada, serviu de modelo para a reforma de outros herbários, inclusive o do respeitado Jardim Botânico do Rio de Janeiro. "Os pesquisadores estrangeiros ficam admirados ao encontrar no

cia. A coleção está toda compactada em armários deslizantes, que ficam em duas salas do andar térreo do Departamento de Botânica. Tem um bom sistema de ar-condicionado, fundamental para a preservação do material. Conta ainda com equipamentos para a observação do material, como lupas com capacidade de aumento de 40 vezes, e para o preparo das plantas, como estufas e freezers. 23


Insalubre - Nem sempre, a USP de Ribeirão Preporém, foi assim. Há to, a Escola Superior de Agricultura Luiz de pouco tempo, nem havia uma bancada adeQueiroz (Esalq) de Piraquada para o trabalho cicaba e mesmo instituide estudantes e pesquições de fora do Estado, sadores. O velho aparecomo a Universidade lho de ar-condicionado Federal de Londrina, funcionava precariano Paraná. mente e servia apenas Novas iniciativas fouma das duas salas. ramtomadas.PorexemQuando chovia, a água plo, o museu passou a entrava pelo aparelho e patrocinar um projeto escorria pelas paredes. de educação ambiental, Com o alto teor de dirigido por Luiza, do umidade, os fungos proqual participam alunos liferavam de tal maneido primeiro e segundo Lupas especiais permitem exames rápidos no material ra que o ambiente, além graus não só de Campide representar um perinas, mas também de go para as coleções, se São Paulo, Santos e São tornou insalubre até paCarlos. Nesse prograra as pessoas. ma, uma equipe da "Ninguém suportaUnicamp visita escolas va ficar mais de uma públicas e promove atihora lá dentro e não era vidades em sala de aula raro um estudante ou e passeios no campo. "A professor sofrer uma comunidade é um agencrise de asma", lembra te fundamental da preLuiza. "Alguns professervação': diz a professores e alunos chegasora. "O resultado é ram a pensar em desismuito gratificante, pois tir da carreira, para não os estudantes começam agravar seus problemas a respeitar mais as plande saúde", acrescenta. tas': acrescenta. Os fungos não eram o A reforma veio em único problema. Duas boa hora. O projeto Flodetetizações por ano A professora Luiza: projeto de formação nas escolas primárias ra, que está mapeando não conseguiam mais todos os vegetais exisresolver o caso dos insetos, que ententes no Estado de São Paulo, tem Ela veio com um investimento de R$ contravam ambiente propício no caparticipação ativa dos pesquisado416,9 mil do Programa de Infra-Eslor e umidade. res da Unicamp e o herbário recebe trutura da FAPESP. O dinheiro deu A isso, se somavam outras quesamostras de praticamente todas as para reformar pisos e paredes, instalar tões. Os armários não eram suficiencoletas feitas dentro do projeto. um novo sistema de ar-condicionado, tes. Materiais preciosos se empilha"Com isso, o acervo ainda vai crescer comprar armários deslizantes adevam pelo chão. Chegou-se a um muito", diz o curador do Herbário, quados para a guarda de espécies veponto em que nem mesmo no chão Washington Marcondes Ferreira Negetais e até obter duas lupas especiais havia espaço para o material que to". Hoje, o museu abriga 140 tipos para exames rápidos do material. chegava. "Isso dava uma impressão nomenclaturais, ou seja, espécies noOs armários antigos, substituítão grande de desorganização que fivas, descobertas por pesquisadores dos pelos deslizantes, ainda estavam cávamos envergonhados quando repaulistas, cujas amostras-tipo estão em bom estado. Mais de 200, com cebíamos pesquisadores estrangeiguardadas no local. Poucos herbários, valor estimado em R$ 600 cada um, ros", diz a professora Luiza. mesmo os mais tradicionais, chegam foram doados a instituições como o a tanto. Nada mau para um organisHerbário do Instituto de Botânica, o Pisos e paredes - Ou seja: havia a nemo com pouco mais de um quarto Herbário da Unesp em Rio Claro, o cessidade de uma reforma completa. de século de existência. Instituto Agronômico de Campinas, 24

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Um acervo muito valioso agora protegido MAC ganha mais segurança e conforto para os visitantes com luminárias comuns, as mesmas vida de visitantes e funcionários. Tecouve um tempo em nologicamente bastante avançado, ele que o terceiro museu usadas em fábricas e escritórios, controla eletronicamente não só a em importância da francamente desaconselháveis para América Latina primatemperatura, mas também a umidaum ambiente de exposições. va pela segurança zede relativa do ar, algo importantíssiro. Apenas uma porta de vidro sepaUmidade - Felizmente, as mudanças mo para a preservação das obras. rava o ambiente externo, a rua, da Não foi um trabalho fácil pôr começaram. Em boa parte, com o uso de uma verba de R$ 2,6 milhões esse ar-condicionado em funcionaárea da exposição, onde se encontram obras de autores valorizadíssimos, do Programa de Infra-Estrutura da mento. A infra-estrutura para a inscomo Picasso, Modigliani e Matisse. FAPESP. Mais da metade dessa vertalação dos equipamentos já existia. "O risco de ocorrer um roubo era ba foi aplicada na instalação de um Mas as tubulações eram imensas e, sistema de ar-condicionado que não em certos casos, chegavam a cobrir grande", admite o diretor da instimetade de uma parede. A solução foi tuição, o Museu de Arte Contempose limita a tornar mais confortável a rânea (MAC) da Universiinstalar paredes falsas de dade de São Paulo (USP), placas de gesso, correndo ao longo das paredes de alJosé Teixeira Coelho Netto. venaria. Com isso, ficaram Mais problemas? O cobertas as imensas bocas prédio fora projetado para ter um sistema de ar-conde ar. Ganhou o museu. O equipamento ficou totaldicionado, mas ele nunca mente embutido e as nofora instalado. Assim, o edifício não tinha nem vas paredes estão livres mesmo ventilação natural, para a colocação de quapor mais precária que fosdros, sem poluição visual. se. "O calor era insuportáPara melhorar a seguvel, o prédio era uma verrança, a área de exposições dadeira estufa, as pessoas foi recuada e agora fica isolada do saguão de entrada, não conseguiam ficar meia hora no museu': diz Coeprotegida por portas mais resistentes. O MAC ganhou, lho Netto. O problema não também, um sistema de ficava nisso. O forte calor combate a incêndios muito ameaçava a própria integrieficiente, semelhante ao dade das obras. A lista continua. O sisinstalado no Museu do Louvre, em Paris. Se um tema de proteção contra sensor detecta um foco de incêndios era pouco mais incêndio, o sistema lança do que alguns extintores automaticamente na área espalhados pelo edifício, afetada um gás inerte presnada adequado para um surizado, o FM-200, que museu desse porte. O mínimo que se podia dizer apaga as chamas sem caupara a distribuição de essar danos a pessoas ou às obras. A liberação do gás paços era que se tratava de algo muito ruim. A ilumisó se limita à área identifiFachada do MAC: maior coleção de arte moderna do Brasil nação, precária, era feita cada pelos microprocessa-

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A Negra, de Tarsila do Amarai: pintado em 1923, é considerado por muitos críticos o quadro mais representativo do Modernismo brasileiro Auto-retrato de Modigliani: obra do museu mais requisitada para exposições no exterior

dores do sistema como a do foco de fogo. Não chega a outros lugares. Movimentos - Exagero? Provavel-

mente, não, se for considerado ovalor do acervo do MAC. "O museu tem a maior e mais importante coleção de arte moderna e contemporânea do Brasil", declara o diretor Coelho Netto. Entre óleos, gravuras e esculturas, o MAC tem cerca de 8 mil obras, mais, por exemplo, do que o Museu de Arte Moderna de São Paulo (Masp). O acervo fixo representa praticamente todos os principais movimentos artísticos do século 20, tanto os aparecidos no exterior como no Brasil. Entre os artistas estrangeiros com obras no MAC estão, por exemplo, Picasso, Modigliani, De Chirico, Léger, Matisse, Kandinsky, Max Ernst, Morandi, Appel, Albers, Vasarely, Fontana, Calder, Rauschenberg e Wasselman. Entre os brasileiros, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Portinari, Goeldi, Flávio de Carvalho, Waldemar Cordeiro, Lygia Clark, Hélio Oi26

ticica, Volpi, Mario Zanini, Bonadei, Gomide, Antônio Henrique Amaral, Nelson Leirner, Tomie Ohtake, Manabu Mabe, Aguilar, Paulo Pasta, Evandro Jardim e Regina Silveira. Quando aparece uma oportunidade de um acesso mais fácil, mesmo em condições menos ideais, · esse acervo é bastante apreciado pelo público. Uma exposição realizada pelo MAC na Galeria da Fiesp, em São Paulo, entre abril e agosto de 1999, atraiu nada menos de 90 mil pessoas, recorde para exposições de um acervo nacional. Outra medida do valor do acervo do MAC é a freqüência com a qual suas obras são solicitadas para exposições em grandes museus internacionais. Já foram formalizados empréstimos, por exemplo, para instituições como o Museu de Arte Moderna de Nova York (Morna), o Museu Nacional da Alemanha, de Berlim, e a Fundação Antoni Tapies, de Barcelona. Modigliani - Uma das obras mais re-

quisitadas pelos museus estrangeiros

Bandeirinha, de Alfredo Volpi : tela de 1958

é um dos destaques do museu, o único auto-retrato pintado pelo pintor e escultor italiano Amedeo Modigliani. "Trata-se de uma obra fundamental para qualquer exposição desse artista': diz Coelho Netto. Outra obra muito requisitada é A Negra, de Tarsila do Amaral, considerado o quadro mais representativo do Modernismo brasileiro. Mas o acervo tem outras preciosidades, como algumas dezenas de obras deDiCavalcanti, 21 telas de Volpi e mais de 100 gravuras de Renina Katz. Na última Bienal de São Paulo, em 1998, havia nada menos do que 40 obras do MAC nas paredes de exposição. Mas algumas das preciosidades existentes no museu ainda estão sendo descobertas. O MAC tem um arquivo permanente. Parte do seu conteúdo ficou guardada em pacotes, ignorada, quando o acervo foi transferido do prédio antigo, no Parque do Ibirapuera, para o edifício novo, no campus da USP. Para organizar e tornar esse material acessível, composto principalmente por cartazes e PESQUISA FAPESP


Figuras, de Pablo Picasso: obra de 1945,

valorizada pelo novo sistema de iluminação

O Implacável, bronze de Maria Martins: esculturas também ganharam espaço Nu, de Ismael Nery: destaque

para obras contemporâneas brasileiras

objetos doados por artistas, era preciso especialmente verba - e, mais uma vez, ela foi conseguida com a ajuda do Programa de Infra-Estrutura da FAPESP. "O que tínhamos antes, guardado na USP ou no Ibirapuera, era um arquivo morto, empilhado em condições inadequadas, dentro de caixas ou pacotes, como veio quando foi doado pelos artistas': diz a especialistá em documentação Silvana Karpinski, uma das responsáveis pelo trabalho, em conjunto com a diretora da Biblioteca do MAC, Dina Elizabeth Uliana. "Agora, temos um arquivo vivo, em condições de receber pesquisadores, com fácil acesso ao que quiserem consultar", prossegue Silvana. Armários especiais - O trabalho de abertura do arquivo revelou muitas surpresas, como, por exemplo, os documentos pessoais do artista Ernesto de Fiori, espalhados entre o material. Todos os documentos foram tratados e a maioria está guarPESQUISA FAPESP

dada em arquivos deslizantes de aço. Alguns cartazes e outros documentos de manuseio difícil foram para armários especiais. O acervo foi digitalizado e gravado em CD-ROM. "Não há mais o risco de parte se perder ou se deteriorar': afirma Silvana. A reforma feita no prédio do campus da USP também melhorou o arranjo das áreas de exposição. Antes, o museu funcionava num único salão. Agora, está dividido em oito seções. Com isso, ganhou -se fie-

xibilidade na hora de distribuir as obras a serem expostas. A iluminação também mudou. Todas as antigas luminárias foram substituídas. As novas foram especialmente projetadas para o museu. É possível, com elas, direcionar e controlar a quantidade de luz em cada uma das seções do MAC. A readequação de espaços permitiu a duplicação da reserva técnica, os locais onde ficam as obras que não estão em exposição naquele momento. Com isso, foi possível trazer parte do material que continuava no prédio do Ibirapuera - cerca de metade do acervo-, onde as condições de segurança continuam a ser ruins. "Ainda faltou espaço para acomodar todo o acervo no prédio da USP, mas agora o museu está muito mais tranqüilo com relação à segurança': declara Coelho Netto. As principais obras estão todas no MAC. Grande Galeria - Das oito galerias em

que está agora dividido o prédio novo, quatro ficam na Ala Oeste do 27


Obras de Henri Matisse, Fernand Léger, Cândido Portinari, Nelson Leirner, Hélio Oiticica e Emil iano Di Cavalcanti: museu mais avançado do Brasil

edifício e duas, gêmeas, no centro. O grupo se completa com uma Alta Galeria, para peças de parede de maior porte, e uma Grande Galeria, preparada como um espaço especialmente adequado para a apresentação de obras contemporâneas. As mudanças parecem estar agradando. O museu que reabriu as portas em dezembro do ano passado, depois de sete meses de reforma, decididamente não é o mesmo. A média de visitantes, que era de 30 pessoas por dia antes da reforma, passou para 80. No primeiro dia de reinauguração, recebeu 2 mil pessoas, número nunca antes atingido na sua história. A entrada envidraçada permanece, chamando a atenção entre os outros prédios da rua da Reitoria, no campus da USP. O concreto aparente tratado e a instalação de painéis de vidro fumê e de uma marquise de proteção da entrada principal deram uma nova aparência à fachada. O saguão de entrada ganhou uma pequena loja para a venda de lem28

branças, a exemplo de outros grandes museus do mundo. Em breve, estarão funcionando também locais para a venda de café e lanches. Os domos de fibra de vidro da cobertura foram substituídos por lajes de concreto, aumentando a segurança e a resistência à água da chuva.

vados com a renovação do MAC que decidiram contribuir para o acervo do museu. Em poucas semanas, foram feitas mais de 20 doações, inclusive por parte de artistas tão conhecidos como Cláudio Tozzi, Ubirajara Ribeiro, Maria Bonomi, Archangelo Ianelli e Renina Katz.

Obra Nova - Coelho Netto conta que as reformas tiveram grande repercussão também no meio artístico. Dos cem artistas convidados para a inauguração da Obra Nova, a mostra que marcou a reabertura do museu depois da reforma, 97 confirmaram imediatamente a presença e os outros justificaram a ausência, com problemas pessoais ou viagens ao exterior. "Os artistas também têm comparecido mais ao museu", afirma o diretor. "Muitos chegaram a ficar impressionados com o aspecto moderno e agradável do prédio", acrescenta. Houve casos em que esse reconhecimento teve caráter mais prático. Vários artistas ficaram tão mo ti-

Obras em papel - Depois da iniciativa da FAPESP, outras doações importantes começaram a chegar ao museu. Por exemplo, a Vitae, uma associação que apóia projetas nas áreas da cultura e da educação, encaminhou R$ 98 mil para o organismo da USP. A verba foi usada para pagar parte das despesas de instalação de uma sala especial para a preservação de obras em papel. A empresa de marketing Thompson está preparando gratuitamente um projeto de divulgação do museu. E uma empresa de transportes, a Alves Tegan, leva gratuitamente as obras do MAC para exposições em outros locais. A sala das obras em papel, o Gabinete de Papel, levou especialmente em PESQUISA FAPESP


FAPESP esteve presente, com investimentos em projetas de caráter científico. Também é importante lembrar que o MAC tem uma divisão de ensino e de ação cultural, que atua junto com as escolas públicas de São Paulo. São freqüentes, por exemplo, as visitas monitoradas de alunos de escolas primárias às suas instalações. O MAC organiza, no momento, um manual para os professores, destinado a ajudá-los a preparar seus alunos para visitas desse tipo. Há também programas orientados para crianças com deficiências físicas e menInterior do MAC: museu mantém laboratórios e estrutura de apoio a pesquisadores tais, contando inclusive com materiais e conta as necessidades dos pesquisaAlém de suas obras e de uma estruatividades dirigidos para esse públidores, além do interesse do público. tura de apoio a pesquisadores, o co especial. As obras não ficam propriamente exMAC mantém, também, um conpostas, mas guardadas em gavetas junto de laboratórios de conservaDoação - Coelho Netto afirma que a especiais. Assim, cabem no local 400 ção e restauro. Também nessa área a participação da FAPESP vem sendo obras, quando, numa exposidecisiva para a vida do museu. Ele ção comum, não seria possível declara que o primeiro grande moguardar a décima parte desse mento do MAC ocorreu em 1963, total. O museu coloca o Gabiquando o casal Francisco Matarazzo nete de Papel num conceito que Sobrinho e Yolanda Penteado doou chama de atendimento variaas obras de arte de suas coleções pardo, atendendo simultaneamenticulares e as que constituíam o ente pesquisadores, artistas, edutão Museu de Arte Moderna (MAM) cadores e o público em geral. à USP. A universidade, em troca, se comprometeu a criar o MAC e a Estrutura de apoio - "Tecnoloconstruir um prédio para abrigar gicamente, o MAC é hoje o esse acervo. Esse prédio é o atual, na museu mais avançado doBrarua da Reitoria, inaugurado em ousil': afirma Coelho Netto, "e, tubro de 1992. em termos de agradabilidade O segundo grande momento da e de adequação de espaço, está instituição, na opinião do diretor, foi entre os melhores da América quando o MAC, com o apoio da FAdo Sul". O diretor lembra que PESP, pôde montar uma infra-esessas qualidades são fundatrutura comparável à dos grandes mentais para um organismo museus internacionais. "Sem dúvicriado não só para apresentar da, trata-se do segundo acontecibelas exposições, mas também O diretor Coelho Netto: estrutura pode ser mento mais marcante da vida do comparada à dos maiores museus estrangeiros para dar apoio à pesquisa. museu", declarou. PESQUISA FAPESP

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Um mergulho em 280 anos de história paulista Arquivo do Estado guarda documentos desde 1721 trabalharam de modo improvisado segundo maior acervo o material que começou a ser orgae enfrentando as novas situações de documentos histórinizado por Leite Rabelo. Ganhou conforme iam aparecendo. Com cos do Brasil, superado então o nome de Repartição de Esisso, foram criados até alguns mistétatística e do Arquivo do Estado da apenas pelo Arquivo rios, como o caso das latas. Até o coSecretaria do Interior. Foi o basNacional, fica em São meço da década de 1950, os docuPaulo. É o Arquivo do Estado (AE), tante para que começasse a chegar, mentos eram arquivados na forma que existe desde 1721, quando o secree a ser empilhado, material de tode maços de papel. Foi então que altário do Governo da então capitania dos os tipos. de São Paulo, Gervásio ~------, z guém teve a idéia de Leite Rabelo, começou a ~ guardar os documentos em latas fechadas, organizar os documen=: ~ achando que eles assim tos oficiais. Os recursos ficariam mais bem pronunca foram muitos. Ao longo de 280 anos, tegidos. O mistério está num o arqmvo passou por pó que foi colocado nas seis sedes diferentes. latas, junto com os paMesmo assim, seus dopéis. A princípio, pencumentos sempre sersava-se que se tratava de viram de base para imum veneno para comportantes pesquisas bater traças, brocas e sobre São Paulo. fungos. Mas, antes de A situação começou começar a trabalhar a melhorar em 1997, com esse material, o arquando o Arquivo do quivo pediu ao InstituEstado recebeu uma to Adolfo Lutz que ananova sede, na rua Volisasse o pó, para ter luntários da Pátria, em Documentos: acervo aumentado por doações de diversos tipos certeza de que não faria Santana, na zona Norte mal aos funcionários. da capital. Pela primeira vez na história, o arquivo deixou O resultado foi que o pó era compleImpério - Encontram-se no arquivo, de ocupar instalações improvisadas tamente inócuo, nada tendo de vepor exemplo, papéis das secretarias do e passou para um prédio aproprianeno. "Depois de tanto tempo, não governo estadual, do Poder Judiciário, conseguimos mais saber o que era o do, planejado para suas necessidade cartórios e de governos municital pó", conta o coordenador-geral des. No ano seguinte, ele começou a pais. Não faltam, também, documendas Áreas Técnicas do Arquivo, Laureceber verbas do Programa de Intos de origem particular. Ao longo do fra-Estrutura da FAPESP. Um invesra Ávila Pereira. tempo, o arquivo foi recebendo doatimento de R$ 565 mil está ajudando ções, inclusive de material referente ao período colonial e ao Império. Isso o AE a recuperar e tornar acessível Manutenção - Um dos pontos prinseu acervo com mais tecnologia e cipais da reforma é a informatizapode ser uma mina de ouro para os menos precariedade. ção. Do total investido pela FAPESP, pesquisadores, que consideram o O trabalho está apenas começanarquivo uma referência na historiocerca de um terço, aproximadamendo, mas dá sinais de imensa riqueza. te R$ 200 mil, destina-se a essa área. grafia de São Paulo e do Brasil. Mas Oficialmente, o arquivo foi formado Só com a criação de um sistema coné um pesadelo para os arquivistas. em 1891, no prédio da Secretaria do fiável e a digitalização dos documenDurante praticamente toda a hisGoverno, tendo como núcleo inicial tos será possível servir bem os pestória do arquivo, seus funcionários

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quisadores e o restante do público. Já houve uma iniciativa, em 1994, que se mostrou desastrosa, de acordo com Pereira. Uma empresa contratada montou uma rede interna, com 16 pontos. Mas os programas escolhidos não eram adequados e a manutenção dos equipamentos não se mostrou à altura das necessidades.

termediários, ou seja, que podem ser descartados depois de certo tempo. Imagens - Como parte do programa de informatização, informa Pereira, o arquivo está criando no momento três segmentos de fundos fechados, ou seja, a digitalização de documentos dentro de estruturas que não vão

terial também está sendo publicado em papel, com quatro volumes já prontos da série Arquivo em Imagens - série última Hora. O segundo segmento é constituído por cartas, mapas e plantas, com destaque para cerca de mil fotografias que documentam, passo a passo, a construção do prédio do Museu do

Material que nunca será descartado cobre quatro quilômetros

Com a verba da FAPESP, foi criado um sistema de digitalização. O arquivo ganhou também mais computadores, inclusive para consultas do público, e um servidor de rede. Os pontos da rede aumentaram de 12 para 62. O objetivo agora é microfilmar e digitalizar todo o acervo. Não é pouca coisa. Somente no prédio de Santana, são 4 mil metros lineares de documentação permanente, ou seja, que nunca será descartada. A eles se somam outros materiais, como os vindos do Departamento de Ordem Política e Social (Deops), classificados como documentos inPESQUISA FAPESP

crescer. O primeiro é constituído por imagens vindas do antigo jornal última Hora. São cerca de 2 mil imagens, de entre 1951 e 1971, com destaque para caricaturas dos cartunistas Nássara, Jaguar e Lan. Esse material vem do acervo do fundador do jornal, Samuel Wainer, comprado de sua filha, Pinky Wainer, pela Secretaria da Cultura do Estado, em 1989, e entregue à guarda do Arquivo do Estado. São 170 mil cópias de fotografias, 800 mil negativos e 2 mil caricaturas, além de 246 volumes encadernados, com as edições paulista e carioca do jornal. Esse ma-

Ipiranga. O terceiro reúne material de revistas ilustradas do começo do século 20, como A Cigarra, Revista Feminina e A Lua, com cerca de 40 mil imagens. Liquidificador - Os investimentos da FAPESP, no entanto, não se limitam à área da informática. Uma boa parte foi aplicada na reforma do laboratório de conservação do arquivo. "Sinto como se estivesse saindo de um barraco para um belo apartamento", afirma a conservadora do arquivo, Maria Amélia Arraes de Alencar Pinheiro de Castro. Para 31


Documentos antigos: de acordo com os conservadores, qualidade do papel sofreu uma grande piora a partir de 1928 tratar os documentos do AE, muitos dos quais tão deteriorados que se esfarelam a um simples toque, Maria Amélia tinha apenas luvas, máscara, mesa, estilete e cola. A cola de metilcelulose, usada na restauração de documentos, era preparada num liquidificador comum, de cozinha. Agora, o arquivo conta com equipamentos como a Máquina Obturadora de Papel, usada para restaurar as fibras do papel. O papel é feito de fibras, que se rompem quando ele é atacado por uma broca ou outro tipo de inseto, por exemplo. A Máquina Obturadora recompõe as fibras e tampa com celulose os buracos feitos pelos insetos. Outro exemplo é a cabine Preparando a restauração: laboratório respeitado de segurança biológica, usada para evitar que o restaurador tenha contato com produtos tóxiCelulose - A conservadora comenta cos, os usados para remover resíque a qualidade do papel usada hoje duos de cola e fita adesiva ou os veé muito inferior à dos documentos nenos colocados antigamente nos mais antigos. No século 19 e começo do século 20, usava-se principalpapéis para combater insetos ou microrganismos. Uma novidade é a camente papel feito de trapos, com bine de sucção, usada na limpeza destaque para o linho. "De 1928 em dos documentos. ''Antes da chegada diante, começou-se a usar polpa de dessa cabine, trabalhávamos com madeira e a qualidade piorou': ela capelas improvisadas em papelão, comenta. De qualquer maneira, os que nós mesmos fazíamos", conta conservadores pensam no futuro. A Maria Amélia. cola de metilcelulose, por exemplo, 32

preparada no próprio laboratório, é feita de forma a poder ser retirada com facilidade em restaurações futuras. O laboratório do AE é tão respeitado que costuma ser procurado por organismos públicos ou particulares em busca de conselhos sobre como preservar documentos antigos. O Esporte Clube Pinheiros, por exemplo, foi recentemente ao laboratório, para saber como conservar sua coleção de fotografias, algumas com mais de cem anos. "Conservar significa prevenir a deterioração e prolongar a vida do documento", ensina Maria Amélia. "É necessário intervir o mínimo possível no documento e as intervenções inevitáveis devem ser aparentes. Já a restauração usa técnicas que reparam o material danificado': completa. Inventário - Ao todo, o Arquivo do Estado guarda mais de SOO toneladas de documentos. Eles incluem 50 mil livros, 12 mil exemplares de jornais, 1 milhão de imagens e centenas de milhares de outros papéis, oficiais e particulares. O mais antigo documento existente no arquivo é o inventário do sapateiro Damião Simões, de 1578. Ele faz parte de um PESQUISA FAPESP


Material pronto: de inventários e testamentos do tempo colonial a registras da vida cultural de São Paulo Graças a uma parceria fundo, ou setor, chamado com a Imprensa Oficial do Inventários e Testamentos, Estado, o trabalho do AE que vai de 1578 a 1801 e é não se limita à guarda de muito importante para o documentos. Ele já editou estudo de São Paulo no pevários estudos sobre a hisríodo colonial. tória do Estado e guias soSobre o período do Imbre seu acervo. Uma série pério, guardou-se toda a semelhante à feita com o correspondência emitida e arquivo da última Hora recebida pelos governadoestá sendo preparada com res da província, além de o material dos Diários Asregistras de atos do goversociados, também incorno. Uma leitura interessanporado ao AE. Ele edita te é a da correspondência também uma revista, chaentre o chefe de polícia e o mada Histórica, com artigovernador e o registro dos gos de pesquisadores, e atos policiais, tratando, por Mapa: documento mais antigo é de sapateiro morto em 1578 tem uma série, Como Faexemplo, de escravos fugizer, que trata de trabalhos dos. O material não se limide conservação preventiva em arta, porém, a atos oficiais. Pessoas imapenas uma página remete para mais quivos e bibliotecas. de 150 fichas. Por exemplo, o docuportantes na política deixaram seus mento sobre o congresso da União Outra atividade do AE é a prepadocumentos pessoais para o AE. Enração de kits com material didático Nacional dos Estudantes (UNE) em tre eles estão Washington Luís, Júlio para professores de história e visitas Ibiúna leva a fichas da maioria dos Prestes e Armando Salles Oliveira. estudantes presos no local. monitoradas de estudantes de primeiro e segundo graus para conheAs buscas nesse fundo não são reaDossiês - Nos últimos tempos, porém, cer o acervo. Recentemente, foi feito lizadas apenas por interesse histórico. o que mais vem atraindo a atenção um acordo com o campus da Unesp "Parentes de pessoas mortas durande visitantes e pesquisadores é o funde Assis para que estudantes da unite a repressão política ou atingidas de do do Deops. Ele cobre o período de versidade façam estágios nas instaoutra forma pelo regime, ou que pre1924 a 1983, mas a época que tem o cisam de documentos para a aposenmaior número de consultas é a refelações de São Paulo. O Arquivo do Estado não se limita a cumprir com tadoria, fazem pesquisas no nosso rente à última fase do período milicompetência a tarefa de guardar Arquivo': comenta o coordenador. tar. Ao todo, explica o coordenador grande parte da memória de São Uma certidão emitida pelo Arquivo do Pereira, o fundo Deops tem 1,1 miPaulo. Permite, também, que o coEstado é reconhecida como prova em lhão de fichas nominais e 9 mil pasnhecimento chegue com maior facicasos de pedidos de indenização ou tas com dossiês. Os dossiês são telidade aos interessados. máticos e às vezes um documento de de justificativa de inatividade forçada. PESQUISA FAPESP

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Espaço para a política em arquivo Na Unicamp e na Unesp, a história das esquerdas a de formar um arquivo são limpos, com a eliminação de pó Araújo, do Departamento de Ciênbre assuntos políticos brae insetos, era improvisada. "Com o cia Política do IFCH. Ângela Maria dinheiro do Infra, compramos as meileiros surgiu no início da era diretora do arquivo em 1998, sas corretas, atualizamos a rede de indécada de 1970. Um gruquando começaram a chegar os informática, trocamos as estantes fixas po de professores do Insvestimentos do Programa de Infratituto de Filosofia e Ciências Humanas por deslizantes, climatizamos o prédio Estrutura da FAPESP. O financia(IFCH) da Universidade Estadual de inteiro e estabelecemos um sistema mento recebido pelo AEL, de R$ 619 Campinas (Unicamp) decidiu criar mil, foi um dos maiores do prograde segurança': lembra Ângela Maria. um centro de documentação adequado para as pesquisas que começavam a ser feitas nos programas de pós-graduação. O ponto de partida foi a FRENTE POPULA R aquisição do material acumulado ao longo da vida pelo líder anarquista Edgar Leuenroth (1881 -1968).A Unicamp comprou a coleção de jornais, revistas, panfletos, cartas e outros documentos. O arquivo, que recebeu o nome de Leuenroth, surgiu em 1974. Foi o ponto de partida de um dos maiores conjuntos de documentos existentes sobre os movimentos operários e a esquerda em geral no Brasil. O material de Leuenroth logo ganhou a companhia de ou- Jornais esquerdistas: ... companhia de documentos vindos tros documentos, adquiridos material brasileiro ganhou ... da Holanda, Itália e Estados Unidos por permuta, doações ou compras. Do exterior, veio material do Internationaal ma. Com ele, o material recebeu Uma parte importante da reforInstituut voor Sociale Geschiedenis, acomodação adequada, o prédio do ma do arquivo foi o cuidado extrede Amsterdã, do Archivio Storico arquivo foi recuperado e equipamo do pessoal da Unicamp com o del Movimento Operaio Brasiliano, mentos necessários para a manutendinheiro recebido. A conservadora e de Milão, do Ministerio degli Affari ção do acervo foram instalados. restauradora Maria Aparecida ReErsteri, de Roma, e do National Armédio, por exemplo, foi uma das enchives, de Washington. No Brasil, carregadas de esticar ao máximo a Mesas corretas - O trabalho comedeu-se atenção especial à repressão verba. Ela mesma mediu os espaços, çou com a informatização do acervo política no regime militar. desenhou estantes e prateleiras e nee a recuperação da rede de computa"O AEL cresceu muito e o espaço dores. "Fomos equipando o local gociou com fornecedores. original ficou de tal maneira reduzicom o que era necessário", lembra a Maria Aparecida chegou a acomdo que era difícil trabalhar", conta a professora. Por exemplo, a mesa de panhar a fabricação de peças feitas professora Ângela Maria Carneiro higienização, onde os documentos por encomenda. Isso teve enorme

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MAICIIÂ~

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PESQUISA FAPESP


utilidade. No meio do caminho, descobriu que algumas prateleiras iriam vergar sob o peso de livros e documentos. "Como conhecia bem as normas técnicas, convenci o fabricante a refazer tudo, dentro das especificações, para que o dinheiro não fosse perdido': recorda.

como partes dos arquivos do líder comunista Luiz Carlos Prestes e do jornal Voz da Unidade, do PCB; as pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública (Ibope), entre 1942 e 1987; e a coleção Brasil Nunca Mais, com mais de 700 processos de presos políticos.

Nitrogênio - Maria Aparecida também criou um sistema de desinfestação de insetos, para o qual pediu patente, para evitar que a Unicamp venha a pagar royalties por um trabalho desenvolvido lá mesmo. O processo consiste, basicamente, em colocar documentos em sacos plásticos, nos quais ficam em gás carbôni-

Memória da Unesp - Não se trata, porém, do único arquivo dedicado a temas políticos que teve o apoio decisivo da FAPESP. Quando foi criado, em 1987, o Centro de Documentação e Memória (Cedem) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) tinha como objetivo preservar a memória da universidade.

atual PPS. Ao mesmo tempo, o Cedem recebeu o Archivio del Movimento Operaio Brasiliano, que estava sob custódia da Fundação Feltrinelli, em Milão, na Itália. A eles se juntaram os arquivos do Centro de Documentação Mário Pedrosa (Cemap), sob custódia da Universidade de São Paulo (USP), e o Centro de Documentação da Cidade de São Paulo (Cedesp), com documentos relativos ao período em que Luiza Erundina foi prefeita, de 1989 a 1992. O Cedem via-se, assim, diante de dois desafios: organizar toda essa documentação e cumprir a tarefa original, de registrar a história da Unesp.

Site na Internet - O investimento feito pela FAPESP no PaPtldu Comunista do Bmll Cedem foi de R$ 413,6 mil. r.IIIIQIIIII - IIilifllilliliiiQ . ... - . .. _ . ..,... c - . "Solicitamos recursos para Circular _ - • · "" organizar documentos e para •e-o.--.... ,.._ ............ comprar móveis, arquivos deslizantes, leitora de micro., . ... ....,.._ ..-·-··--· .. ......... filmes e copiadoras", lembra a coordenadora Anna Maria Martinez Correia. Antes, a documentação não era aberta ao público. Hoje, qualquer pessoa pode obter informa~.".. ções a distância, no site ce~~-,~·· dem. unesp.br. •. O arquivo tem informações extremamente valiosas sobre as origens do Partido dos Trabalhadores (PT), por exemplo. Há outros docu... para eliminar insetos que mentos de valor, como a ata, atacam documentos das bibliotecas redigida em russo, da reunião da Internacional Comunista que aprovou o levante de Hoje, ele se transformou num dos 1935 no Brasil. mais importantes centros de docuAgora, os pesquisadores do Cementação sobre a história das esdem se dedicam a organizar um querdas no Brasil. O momento decisivo veio em acervo referente ao Movimento dos Sem-Terra (MST), com mais de 50 1994, quando o Instituto Astrogildo Pereira transferiu para o Cedem, em mil fotografias e outros documentos, e a reunir a memória dos 31 insregime de custódia, parte do arquivo titutos e centros de estudo, espalhado Partido Comunista Brasileiro (PCB). O material continha a maior dos por 15 cidades do Estado, que compõem a universidade. Para isso, parte da documentação relativa às além do material escrito, já foram décadas de 1980 e 1990, mostrando, gravadas 165 entrevistas. assim, a transição do PCB para o

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Material recuperado: Unicamp desenvolveu método simples e barato ... co por cinco dias e em nitrogênio por dez dias. "Isso é suficiente para matar piolhos de livros, brocas e cupins': afirma. O processo, além de simples, é barato e não deixa resíduos que possam prejudicar funcionários ou usuários. O processo é aplicado também nos chamados "documentos bastardos': aqueles deixados em caixas, na porta do prédio do arquivo, por pessoas que não querem se identificar. Eles se juntam a preciosidades PESQUISA FAPESP

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Obras das bienais terão acesso eletrônico O arquivo reúne 50 anos da mostra paulista de arte urante muito tempo, ele ficou praticamente esquecido. Mas poucos arquivos têm material tão interessante como o Wanda Svevo, da Fundação Bienal de São Paulo. Onde encontrar, por exemplo, um registro das complicadas negociações que permitiram a vinda, para o Brasil, do quadro Guernica, de Pablo Picasso, em 1953? Com uma verba de R$ 130 mil do Programa de InfraEstrutura da FAPESP, o arquivo da Bienal está organizando seu acervo e preparando o lançamento de novas iniciativas. "Todo o acervo já está acondicionado em caixas de arquivos apropriados e desacidificados, armazenados em armários deslizantes, que ganham muito espaço", diz a coordenadora da instituição, Sílvia Castelo Branco. Os recursos da FAPESP permitiram ainda O acervo a contratação como estagiários de estudantes de História, que estão organizando os documentos, e a aquisição de equipamentos de informática, a partir do qual foi criado um banco de dados. O arquivo foi criado em 1955, como Arquivo de Arte Contemporânea do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM). Recebeu, então, documentos relativos às bienais que eram realizadas em São Paulo desde 1951, livros de arte e dossiês de artistas. As negociações sobre a vinda do Guernica foram difíceis pelo fato de o quadro, na época, estar sob custó-

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dia do Museu de Arte Moderna de Nova York (Morna). Picasso não permitia sua entrega à Espanha enquanto o país fosse governado pela ditadura do general Francisco Franco. Só depois da morte de Franco, em 1975, o quadro pôde ir para Madri.

"Já começamos um projeto para criar um site na Internet com o acervo do arquivo", informa o presidente da Fundação Bienal, Carlos Bratke. Sílvia, por sua vez, considera as obras já feitas apenas a primeira parte de um processo de reestruturação. "Vamos dar continuidade", promete.

foi reestruturado, ganhou armários deslizantes e criou-se um banco de dados

A bienal foi realizada no Museu de Arte Moderna até 1993. Nesse ano, o conde Francisco Matarazzo Sobrinho extinguiu o MAM, doou seus quadros para o Museu de Arte Contemporânea (MAC) da Universidade de São Paulo (USP) e criou a Fundação Bienal. Os documentos passaram para o acervo da fundação. O nome de Wanda Svevo vem de uma secretária-geral da fundação que morreu em 1962, num desastre de avião, quando ia ao Peru, para tratar de uma exposição de arte pré-colombiana.

A professora Ana Maria de Almeida Camargo, do Departamento de História da USP, responsável pelo projeto de reforma do arquivo, acha que um ponto fundamental é chamar a atenção do público e dos pesquisadores para o potencial informativo do acervo da instituição. "Seria interessante ter um guia ou catálogo que desse visibilidade a esses documentos", sugere. O acervo do arquivo, de qualquer maneira, será a base de uma exposição que vai comemorar, este PESQUISA FAPESP


ano, os 50 anos da Bienal. Bratke informa que será editado um livro, a partir desse acervo, para contar a história das bienais e mostrar a personalidade do conde Matarazzo, responsável por várias outras iniciativas culturais em São Paulo, como a criação do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC).

lhão de desenhos, foram fornecidos pela FAPESP. Verificou-se, então, um problema. O investimento prometido, de R$ 300 mil, mostrou-se inadequado diante da mudança do câmbio, ocorrida justamente no processo de liberação. Uma suplementação acabou saindo -fato não muito raro, pois normalmente uma mudança de patamar gera novas demandas. De qualquer maneira, era um trabalho importante. "Trata-se de preservar a memória técnica do saneamento ambiental do Estado de São Paulo, um patrimônio da nação brasileira", diz o professor Tsutiya.

revelações sobre as complicadas negociações que permitiram a vinda para o Brasil do quadro Guernica, de Picasso

Há muitas outras preciosidades espalhadas pelos arquivos do Estado de São Paulo. A FAPESP está contribuindo para aproximá-las de pesquisadores e outros interessados. Na Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp ), por exemplo, um dos problemas era alterar a forma de arquivar desenhos, guardados em enormes mapotecas de aço, que demandam muito espaço e não conservam adequadamente os originais. Além disso, conta o responsável pelo arquivo, o professor Milton Tomoyuki Tsutiya, da USP, o simples manuseio já representava um risco para o material. A solução encontrada foi informatizar o controle da documentação, com um software específico para as necessidades da própria Sabesp. Os recursos para a compra dos equipamentos necessários apenas numa primeira etapa, abrangendo 300 mil de um total de 1 miPESQUISA FAPESP

Em Campinas, uma ação iniciada em 1983, por professores da Unicamp, transformou-se numa referência para os moradores de toda a região, o Centro de Memória da Unicamp (CMU). Um contato entre professores e dirigentes dos tribunais de Justiça de Campinas e Jundiaí, apoiado pela reitoria da universidade, chegou a um acordo pelo qual o acervo das instituições passou para a Unicamp. Vieram logo depois os arquivos do Corpo de Bombeiros local e várias doações de particulares. O centro transformou-se em realidade em 1985. "O espaço físico foi conquistado gradualmente", conta o coordenador do centro, Paulo Miceli, lem-

brando que sua sede funciona onde era antes a da Faculdade de Educação da Unicamp e que, além dos três andares do local, tem instalações espalhadas por vários pontos da universidade. O apoio da FAPESP, obtido em 1998, foi fundamental para que esse espaço fosse mais bem aproveitado. Só a instalação de estantes deslizantes significou uma economia de 70o/o de espaço. Aproximadamente 60o/o dos livros da biblioteca estão digitalizados e à disposição do público na Internet. Dos 50 mil artigos da coleção de jornais e outros periódicos, que começa em 1920, 20 mil estão na mesma situação. A maior parte do investimento de R$ 475 mil, porém, foi para os arquivos históricos. Com a instalação de um elevador de carga, todo o acervo passou para a parte inferior do prédio. A parte de catalogação ganhou assim 80 metros quadrados. O acervo do centro tem materiais importantes, como os mapas, desenhos e diários das viagens do naturalista Langsdorff ao Brasil entre 1824 e 1829 e a correspondência pessoal do abolicionista Francisco Glicério. Mas entre os mais procurados estão os registras de 1882 a 1922 da Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo. "As pessoas querem documentos que permitam requerer a dupla cidadania", conta Miceli. Enquanto isso, o centro vai desenvolvendo um trabalho especial com várias cidades, para resgatar sua memória. O trabalho, normalmente, dura dois anos e envolve principalmente professores, que divulgam suas descobertas em programas de rádio e artigos de jornal. Em Jarinu, o trabalho levou a uma exposição pública, a pedido dos próprios moradores. No dia da inauguração, estavam presentes nada menos do que 5 mil dos 12 mil habitantes da cidade. 37


Registro de transformações históricas Arquivo da Assembléia mostra como Estado evoluiu ificilmente alguém poderá fazer uma pesquisa de peso sobre a política brasileira no Império e nas primeiras décadas da República sem consultar o Arquivo Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. É uma das melhores fontes de documentos sobre o período que vai de 1824, pouco depois da Independência, até 9 de julho de 1947, quando a Assembléia retomou suas atividades, depois de um fechamento de dez anos, em conseqüência do Estado Novo. A Assembléia tam-

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São Paulo antigo: governadores nomeados pelas autoridades do Rio de Janeiro

bém tem um riquíssimo material sobre o período a partir de 1947. Mas ele fica no arquivo normal, não no Arquivo Histórico. O material, só no Arquivo Histórico, soma 480 mil páginas de documentos, 90 mil negativos de fotografias, 25 mil livros e 1O mil textos de emendas parlamentares, explica o diretor da Divisão do Acervo Histórico da Assembléia, Dainis Karepous. O investimento feito pela FAPESP no arquivo foi muito importante para preservar tudo isso. Ele ajudou, por exemplo, a digitalizar 150 mil páginas de documentos e fotografias e, ainda, a restaurar 5.020 livros. Os documentos originais, agora, estão em arquivos deslizantes, o que facilita seu manuseio e economiza espaço. O apoio da Fundação permitiu, ainda, a instalação de uma rede de computadores, com um ser38

vidor, quatro estações de trabalho, um scanner e três impressoras. Ou-' tra iniciativa tomada com a verba da FAPESP foi a organização de pequenas exposições, especialmente destinadas a visitas de grupos de alunos de escolas públicas. Prado Júnior- Essas exposições se centralizam num tema, geralmente um período da história de São Paulo ou em um parlamentar específico. Não há problemas para que sejam incluídos, na mesma exposição, materiais do Arquivo Histórico e do arquivo normal. Nos próximos meses, será realizada, por exemplo, uma exposição sobre o escritor Caio Prado Júnior, deputado estadual em 1947 e 1948. "Estamos agora pleiteando novos recursos, para concluir a digitalização dos documentos': diz Karepous.

Ele explica que a digitalização é muito importante por dois motivos: torna as consultas mais ágeis e, como não há mais contato físico com os documentos, prolonga sua duração. Numa etapa posterior, ele pretende colocar todo o material digitalizado na Internet, permitindo assim a realização de consultas a distância. Se isso acontecer, será possível acessar documentos anteriores, inclusive, à constituição da Assembléia Legislativa, em 1835. O Arquivo Histórico tem documentos que remontam a 1824, quando foi organizado o Conselho Geral da província de São Paulo. Naquele período, os presidentes, ou governadores, da província eram nomeados pelo governo central. Os conselhos eram órgãos consultivos, compostos por 21 membros. Os conselheiros podiam elaborar leis, que PESQUISA FAPESP


~ aumentado para 50.

eram encaminhadas ao presidente, mas não tinham poderes exatamente legislativos. Esses pertenciam aos membros de outro organismo, a Câmara Geral.

~ Os senadores passa~ ram a ser 24, com ~ mandatos de nove ~ ~:J

anos. Todo esse movi-

~ mento se reflete nos

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Paraná - As Assembléias

Legislativas das províncias, com poderes legislativos, só seriam criadas na Regência, com o Ato Adicional de 1834. Na época, São Paulo era bem maior que hoje. Seu território abrangia todo o Estado do Paraná e partes de Santa Catarina. A separação do Paraná só viria em 1853.AAssem- São Paulo bléia Legislativa de São Paulo foi instalada oficialmente no dia 2 de fevereiro de 1835. Funcionava num prédio vizinho ao do palácio do governador, no Pátio do Colégio, no centro de São Paulo. Os deputados passavam mais tempo em suas casas e fazendas do que no plenário. Os trabalhos legislativos ocupavam apenas entre três e quatro meses por ano, geralmente no princípio do ano. O Arquivo Histórico mantém os registras da atividade parlamentar até 1889, quando ela foi interrompida, com o fim do Império. Os trabalhos recomeçariam em 1891, já na República.

documentos do Arquivo Histórico. "Até ~ 1935, o Executivo :J g era proibido de S. apresentar projetos ~

~ ~~~~!: t~~sa:i:::r~~ Assembléia", lembra Karepous. A atividade parlamentar reflete, também, as em 1836: Paraná e partes de Santa Catarina mudanças na economia. "Temos dode 1 milhão de habitantes, no início da cumentados, por exemplo, os condécada de 1890, para 5 milhões, em tratos de imigração, realizados por iniciativa do senador Nicolau Ver1930, dos quais 1 milhão na capital. gueiro': afirma o diretor. Por outro Mudança ainda mais profunda, lado, surgem constantemente projeSão Paulo transformou-se no Estado mais importante do país. A Repúblitas de emergência, preparados à últica eliminou as exigências de renda ma hora, para contornar crises em para quem quisesse ser eleitor. Mas torno do preço do café no mercado continuaram outras restrições: analinternacional. fabetos, mendigos e parte dos miliModernidade- O voto não era obritares e dos padres não podia votar. No começo, a Assembléia tinha 40 gatório e não faltavam campanhas deputados, com mandatos de três de incentivo ao alistamento, com caranos, e 20 senadores, com mandatos tazes, por exemplo, que misturavam de seis anos. Isso logo mudou. Em as tradições paulistas, como o bandeirante, com toques de modernida1906, o número de deputados foi

Transformações -Em 1891,

a Assembléia Constituinte determinou que o Legislativo de São Paulo seria bicameral, com Assembléia e Senado estadual. Cada Estado, na ocasião, pôde escolher como seria seu parlamento. Ao contrário da administração muito centralizada do Império, a nova República queria aumentar a autonomia dos Estados. A República Velha foi cenário de enormes transformações. Nesse período, a população do Estado saltou de pouco mais PESQUISA FAPESP

Covas, Quércia, Montoro, Fernando Henrique: fotografias também estão preservadas

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de, como os arranha-céus que ~oo::::::--.::::::::""':::::--o::::oo::::"""~~='f7777="'7"~,..::;..;;.;:::;,...J tentativas de mobilização po. pular. Os moradores de uma começavam a surgir na capi----_-_-_-_-"11., ::!g localidade, quando queriam a tal e outras cidades importantes. O interessado, de qualquer ~ instalação de uma escola púmaneira, tinha muito o que - - - - • ~ blica na área, se organizavam apresentar: prova de ter mais § para preparar um abaixo-as~ sinado, que era então enviado de 21 anos, atestados mos~ trando que morava há mais ~ à Assembléia com o pedido. de dois meses (mais tarde, g quatro) no município e uma ~ Corporativismo - A Assemg bléia voltou a suspender seus prova de que tinha meios de trabalhos em 1930, com a visubsistência. Para demonstrar tória da revolução liderada que sabia ler e escrever, escrevia seu nome e dados pessoais por Getúlio Vargas. O Legislanum livro especial. tivo só foi reaberto em 1935, Os dados do Arquivo Hispara ser novamente fechado tórico permitem acompanhar em 1937, com a chegada do Charge: caça ao eleitor valoriza o pobre características do processo Estado Novo. Karepous acha a eleitoral que hoje soam documentação sobre estranhas. Por exemesses dois anos extremamente significativa. plo, o voto era s.ecreto, De um lado, alguns demas não obrigatoriaputados já começam a mente secreto - quem quisesse (ou fosse presapresentar projetas de sionado a tal) podia voiniciativa popular, romtar a descoberto. Havia pendo o domínio quase absoluto das elites soumas tão estreitas que bre o plenário. De outro, os votos se empilhavam um sobre o outro, peraparecem propostas mitindo que, pela orclaramente inspiradas dem de votação, fosse no corporativismo e no descoberto quem votaregime fascista de Beniva em quem. E, especialto Mussolini na Itália. Época de eleições: críticas dos jornais também são preservadas mente, havia a chamaSeja como for, o Arda "degola". Por uma lei quivo Histórico, mesvinda do Império, mas mo sem fazer concorque foi usada especialmente na Prirência ao arquivo normal, é um meira República, os resultados das campo de estudos que ultrapassa o eleições deviam ser confirmados ano de 1947, quando foram reiniciapela própria Assembléia. Não é nedas as sessões depois do Estado cessário dizer que muitos eleitos inNovo. Tem, por exemplo, uma coledesejáveis para o partido dominante ção de negativos de fotografias sobre viam sua carreira interrompida anos trabalhos da Assembléia, no perítes até de assumir o cargo. odo de 1950 a 1992, e cópias de proMas o acervo do arquivo da Asnunciamentos feitos de 1948 a 1996. sembléia não se limita a dar inforIsso cobre um período importante mações sobre a política. O exame da história brasileira, inclusive a redos trabalhos legislativos dá impordemocratização depois do regime tantes informações sobre a educamilitar. A isso se somam 25 volumes, ção, a saúde e sobre as grandes quesque guardam os trabalhos do ConCEIHR.O DE ALISTAHEWTO tões sociais. Por exemplo, durante o gresso Legislativo, e toda a biblioteca ELE ITOlA L- R. DO THESOUl0.2. Império, a Assembléia era a responde José Carlos Macedo Soares, minissável pelo trato dos índios, que aintro das Relações Exteriores e da Jusda dominavam grandes trechos do tiça de Getúlio Vargas e Juscelino Alistamento: toques de modernidade Estado. E há sinais das primeiras Kubitschek, recebida em 1965. 40

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