A HABITAÇÃO NO PERÍODO COLONIAL: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE MAPUTO, MOÇAMBIQUE E FLORIANÓPOLIS, BRASIL
A habitação no período colonial: um estudo comparativo entre Maputo, Moçambique e Florianópolis, Brasil
Maristela Moraes de Almeida e Vera Helena Moro Bins Ely [orientadoras] Rosivaldo Flausino [colaborador] Khiusha Kiener Uaila e Lis Moreira Cavalcante [bolsistas] maio 2009 a dezembro 2010 [período] Referência: ELY, Vera Helena Moro Bins; ALMEIDA, Maristela Moraes de; UAILA, Khiusha2009 Kiener; CAVALCANTE, Lis Moreira;2010 FLAUSINO, Rosivaldo. A maio a dezembro [período]
habitação no período colonial: um estudo comparativo entre Maputo, Moçambique e Florianópolis, Brasil. Florianópolis: PET/ARQ/UFSC, 2010. 66 p.
Universidade Federal de Santa Catarina Alvaro Toubes Prata Reitor
Yara Maria Rauh Müller Pró-reitora de Ensino e Graduação
Centro Tecnológico Edison da Rosa Diretor de centro
Departamento de Arquitetura e Urbanismo Sonia Afonso Chefe de Departamento
Lino Fernando Bragança Peres Coordenação do Curso
Grupo PET - Arquitetura e Urbanismo Vera Helena Moro Bins Ely Tutora do Grupo
Maristela Moraes de Almeida Vera Helena Moro Bins Ely
Ufsc
Orientadoras
Khiusha Kiener Uaila Lis Moreira Cavalcante Bolsistas
© 2011 - Grupo PET Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal de Santa Catarina
Rosivaldo Flausino Colaborador Foto: © Rodrigo Soldon Capa
SUMÁRIO 1
INTRODUÇÃO 1.1 Justificativa e Relevância..........................................................................................07 1.2 Objetivo da pesquisa..................................................................................................07 1.3 Delimitação do objeto de estudo...............................................................................08 1.4 Características bioclimáticas dos locais de estudo...................................................09 1.4.1 Florianópolis................................................................................................09 1.4.2 Maputo.........................................................................................................10 1.5 Materiais e Métodos..................................................................................................10 1.6 Limitações da pesquisa..............................................................................................12 1.7 Organização do caderno............................................................................................12
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DOS NÚCLEOS DE POVOAMENTO À URBANIZAÇÃO 2.1 Florianópolis..............................................................................................................15 2.1.1 Razões de ocupação......................................................................................15 2.1.2 Evolução da ocupação..................................................................................16 2.1.3 Análise Morfológica do Traçado Urbano do Núcleo Inicial........................19 2.2 Maputo.......................................................................................................................24 2.2.1 Razões de ocupação......................................................................................24 2.2.2 Evolução da ocupação..................................................................................25 2.2.3 Análise Morfológica do Traçado Urbano do Núcleo Inicial........................29 2.3 Discussão...................................................................................................................33
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DA CASA NATIVA À CASA DO COLONIZADOR 3.1 A habitação portuguesa.............................................................................................38 3.2 Florianópolis..............................................................................................................38 3.2.1 A casa nativa................................................................................................40 3.2.2 A casa do colonizador..................................................................................40 3.3 Maputo.......................................................................................................................47 3.3.1 A casa nativa.................................................................................................47 3.3.2 A casa do colonizador...................................................................................49 3.4 Discussão...................................................................................................................55
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CONCLUSÕES.....................................................................................................................58 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................59 ANEXOS................................................................................................................................60
capítulo 1 xx Fonte:
INTRODUÇÃO
1.1. Introdução Algumas poucas nações disputaram liderança no cenário internacional no início da Idade Moderna e, para alcançar os interesses da burguesia comercial, era fundamental o domínio das rotas comerciais. As expedições de navegação que se lançaram com este objetivo, resultaram na formação de inúmeras colônias no além-mar. Dentre essas nações, destaca-se Portugal, que estabeleceu colônias em diferentes continentes com assentamentos cujas características serão estudadas nesta pesquisa, para que se investiguem suas possíveis semelhanças. Portugal, um dos países mais antigos da Europa, está localizado estrategicamente numa península com extensa costa litorânea, próxima à África. Essa situação contribuiu para que a área se tornasse um importante ponto de trocas comerciais e, por isso, esteve sujeita a invasões de diversos povos ao longo do tempo - fenícios, gregos, cartagineses, romanos, mouros, povos nórdicos, entre outros -, o que resultou em significativas influências culturais, sociais e tecnológicas na formação da nação portuguesa. Formou-se, portanto, uma nação comerciante, que detinha domínio náutico e realizava muitas trocas comerciais com mercadores de diversos locais, como italianos, genoveses, venezianos, etc. O contato e a troca de conhecimentos permitiram que Portugal acumulasse ainda mais saberes náuticos. Porém, com o monopólio muçulmano das rotas comerciais do Mar Vermelho na segunda metade do século XIV, as relações comerciais entre Portugal e as Índias ficaram prejudicadas. Isso ocorreu devido aos altos impostos cobrados pelos muçulmanos e a sua oposição religiosa à nação portuguesa cristã, o que impossibilitava as negociações (DONATO, 2009). Para buscar o seu próprio caminho até as Índias, Portugal lança uma política expansionista. Além do conhecimento náutico acumulado até então, é feita também uma série de investimentos em estudos navais – tais como os desenvolvidos na Escola de Sagres – criada em 1417. Assim, foi possível buscar novas rotas de comércio que chegassem ao destino pretendido e, ao mesmo tempo ampliassem suas relações comerciais com novos mercados na África e na Ásia. A burguesia, ávida por lucros, e a igreja, visando difundir sua doutrina, patrocinaram essa grande aventura pelos mundos do além-mar. Nas diversas tentativas de alcançar a terra almejada, Portugal acabou conquistando vários territórios como Açores e Madeira – ilhas localizadas no Atlântico –, Guiné Bissau, Angola e Moçambique – na África –, Timor Leste, Macau e Goa (atual estado da Índia) – na Ásia e Brasil, na América do Sul.
1.2. Objetivo da pesquisa Com a conquista de tantos territórios em diferentes locais no mundo, surge um questionamento: como se deu a colonização portuguesa nesses diferentes lugares? Terá sido essa colonização tão forte a ponto de condicionar características urbano-arquitetônicas semelhantes, mesmo em locais tão distintos? Busca-se, portanto, com esta pesquisa, investigar se a ocupação de mesma origem, em diferentes continentes, condicionou elementos da morfologia urbana – arruamentos, macro e micro parcelas – semelhantes.
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1.3. Delimitação do objeto de estudo Para responder aos questionamentos da pesquisa, foram escolhidos como objeto de estudo dois países de colonização portuguesa, cujos descobrimentos foram contemporâneos: Moçambique, em 1498, na África e Brasil, em 1500, na América do Sul. Optou-se por focar a comparação em cidades que, além da colonização de mesma origem, apresentassem algumas semelhanças geográficas e climáticas. Escolheu-se, então, Maputo, capital do país africano, e Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, localizado na região do sul do Brasil. As cidades estão em latitudes próximas: Florianópolis entre os paralelos de 27°10'S e 27°50'S, e Maputo entre 25°49'S e 26°05'S. As características bioclimáticas semelhantes são a temperatura média anual, de 20° em ambos os locais e a umidade relativa anual, entre 70 e 85%. Ambas as situações são litorâneas e, embora Florianópolis seja banhada pelo Atlântico e Maputo pelo Índico,em ambas o oceano situa-se a leste, como é possível perceber na figura 1.1.
Figura 1.1: Localização de Florianópolis e Maputo Fonte: Elaboração dos autores
Além disso, nota-se, a partir das figuras 1.2 e 1.3 da página seguinte, que os dois sítios físicos da ocupação inicial se localizavam às margens de baías, em parcelas insulares do território, porém com dimensões e relevo diferenciados.
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Figura 1.3: Sítio inicial da ocupação portuguesa - a Ilha dos Portugueses (sem escala) Fonte: Elaboração dos autores
Figura 1.2: Localização da Ilha de Florianópolis (sem escala) Fonte: Elaboração dos autores
Outro aspecto que definiu a escolha dos objetos de estudo, além da colonização de mesma origem e das semelhanças geográficas e bioclimáticas, é o fato de todos os pesquisadores habitarem Florianópolis e um deles ser natural de Maputo. Pressupôs-se que desta forma garantir-se-ia maior facilidade de acesso aos dados necessários para o estudo, contato com instituições pesquisadoras e órgãos públicos, além de ser possível realizar levantamentos in loco. Devido à abrangência do tema estudado, além da limitação geográfica explicitada, foi necessária uma abordagem temporal. Para a análise específica das malhas urbanas e das edificações, foram analisados dados e iconografias dos séculos XVII, XVIII e início do XIX. Essas datas remetem aos primeiros séculos de ocupação portuguesa em cada local, quando as novas terras ainda eram colônias de Portugal. Enquanto o Brasil deixou de ser colônia no início do século XIX, Moçambique tem sua independência estabelecida somente em 1975. Para um maior panorama histórico, dados anteriores que remetem à chegada dos portugueses nessas colônias foram levantados.
1.4. Características bioclimáticas dos locais de estudo 1.4.1 Florianópolis Florianópolis localiza-se entre os paralelos de 27°10' e 27°50' de latitude sul e entre os meridianos de 48°25' e 48°35' de longitude oeste. A Ilha de Santa Catarina abrange uma área de 424,40 km² e possui forma alongada no sentido norte-sul (54/18 km); a leste é banhada pelo
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oceano Atlântico, a norte pela baía norte e a sul pela baía sul. 08
Pela classificação de Köpper, o clima da Ilha é classificado como mesotérmico úmido, com chuvas bem distribuídas durante todo o ano, com pluviometria caracterizada por homogeneidade. As frentes polares apresentam-se no território catarinense em diversas épocas do ano, acarretando repentinas mudanças no clima. O índice de precipitação anual é de 1600 mm no norte da ilha e de 1400 mm no sul e a umidade relativa anual é de 85%. A temperatura média anual é de cerca de 20°C junto à orla marítima e 22°C na área mais central da Ilha. Pode-se dizer que a oscilação térmica na Ilha é amena, devido às suas características naturais, à proximidade do mar e à nebulosidade. Em Florianópolis, os ventos predominantes variam de acordo com as estações e possuem um comportamento muito variável. Porém, se for observada a freqüência dos ventos em relação a sua direção, a norte é a predominante, e a sul possui a segunda maior freqüência. Já os ventos mais fortes são os provindos de nordeste, verificados durante todos os meses do ano. (CASA EFICIENTE, 2008)
1.4.2 Maputo Localizado entre os paralelos de 25°49' e 26°05' de latitude sul e entre os meridianos de 32°26' e 33°00' de longitude leste, Maputo caracteriza-se pelo clima tropical semi-úmido, influenciado pelo regime de monções do Índico, pelo qual é banhado a leste, e pela corrente quente do canal de Moçambique. Ao Sul, a área é banhada pela Baía de Maputo. Área atual do município de Maputo abrange 346,77 km². A estação das chuvas ocorre entre outubro e abril e a precipitação média é de 757 mm, apesar de ultrapassar os 2000 mm nas áreas montanhosas que cercam a cidade. A umidade relativa média é elevada situando-se entre 70 a 80%, embora os valores diários cheguem a oscilar entre 10 e 90%. Apesar do clima semi-úmido, a cidade apresenta estação seca de junho a setembro. As temperaturas médias na cidade variam entre os 13 - 24°C em julho a 22 - 31°C em fevereiro, enquanto que a temperatura média anual é de 20°C. O vento Leste é predominante na região.
1.5. Materiais e Métodos Definido o objetivo da pesquisa, lançou-se mão de revisão bibliográfica para uma etapa inicial de embasamento teórico. Isso permitiu realizar um resgate histórico do processo de colonização portuguesa e do surgimento e crescimento das cidades escolhidas. Este trabalho caracteriza-se, portanto, como uma pesquisa do tipo documental, com base iconográfica.
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Procurou-se levantar dados que permitissem a compreensão do contexto histórico dos dois locais durante o período de sua colonização, como o primeiro contato dos portugueses com o
território e povos nativos, iniciativas de ocupação, primeiras edificações e ações administrativas do governo. Esses fatos não podem ser desvinculados do processo de formação de assentamentos urbanos, uma vez que foram reflexo dos acontecimentos políticos, econômicos e sociais da época da colonização. A pesquisa foi efetuada em dois momentos: o primeiro abordou os traçados urbanos das cidades e o segundo as habitações. Para efetuar uma análise dos traçados urbanos, foi necessário identificar critérios que subsidiassem a comparação das duas ocupações portuguesas. A diferença dos critérios também norteou o foco dos pesquisadores na compilação dos dados históricos e no desenvolvimento das análises. São eles:
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Intenções de ocupação: busca-se interpretar o contexto econômico que levou Portugal a ocupar Florianópolis e Maputo, bem como os projetos e expectativas portuguesas para cada lugar;
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Características do sítio: são analisadas as características físicas de cada local - como relevo, ventos predominantes ou domínio visual do ponto inicial de ocupação;
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Características e evolução do núcleo urbano: a partir da história cronológica, da leitura morfológica do traçado urbano e da paisagem natural, são analisadas as configurações das primeiras ocupações e como ocorreu o seu crescimento. Também foram estudados aspectos como a configuração do traçado urbano, das macro e micro parcelas, as primeiras edificações e seu posicionamento no lote.
Com base nos critérios acima explicitados, e levando em consideração a contextualização histórica feita a partir da etapa de embasamento teórico, são utilizados documentos iconográficos para a análise morfológica. Para tanto, foram escolhidos três mapas para a leitura de Florianópolis – dos anos de 1774, 1868 e 1916 - e dois mapas de Maputo – dos anos de 1876 e 1892. Os primeiros mapas de ambas as cidades representam o início da ocupação de cada uma: mostram as primeiras edificações, arruamentos, fortificações e construções de caráter institucional. Nos mapas seguintes é possível perceber a evolução destes núcleos urbanos a partir do desenvolvimento de sua malha urbana, da construção de novas edificações, entre outras características. Além disso, foram produzidos croquis visando sintetizar o conteúdo abordado e servir de explicação complementar ao texto, facilitando a leitura e compreensão dos aspectos analisados. No que diz respeito ao segundo momento da pesquisa, a análise das habitações, também foram realizadas revisões bibliográficas com o objetivo de levantar aspectos relativos às casas nativas dos locais de estudo e às casas do colonizador, bem como seus costumes e modos de vida. Esse levantamento permitiu analisar as eventuais influências dos costumes, tantos dos portugueses quanto dos nativos, nas características construtivas das edificações. Para realização de análises iconográficas, buscaram-se plantas, cortes e fachadas de casas construídas no período estudado, desde a casa nativa até a casa do colonizador. As características
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básicas que nortearam a análise das casas, permitindo a posterior comparação, foram:
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Características formais: analisaram-se o telhado e as aberturas, avaliando suas dimensões, sua forma e seu ritmo. Também foram estudados os adornos, o número de pavimentos da edificação, a presença ou ausência de jardins e quintais, bem como de anexos ou edículas;
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Aspectos construtivos: buscou-se caracterizar os tipos de materiais implementados na construção, e os sistemas construtivos utilizados;
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Características funcionais: foram levantados aspectos como disposição e organização espacial interna, relação entre o espaço público e o privado, implantação da edificação no lote e relações dos ambientes com seu uso.
1.6. Limitações da pesquisa É importante mencionar que, inicialmente, o objetivo dos pesquisadores era realizar este estudo restringindo o enfoque na escala urbana. Alcançados os resultados esperados, surge outra pergunta de pesquisa sobre a influência do colonizador nas características das habitações, o que resultou numa segunda etapa a ser realizada. No entanto, todo o levantamento do material bibliográfico já havia sido realizado in loco e, na impossibilidade de retornar ao país para nova pesquisa bibliográfica, procurou-se trabalhar com aquela disponível, referente a outra localidade de Moçambique, a Ilha do Ibo. Tomando como base a afirmação de Carillho (2005) de que a arquitetura swahili se manifestou em toda a costa litorânea do Índico e o fato de a Ilha do Ibo ter sido também ocupada pelos portugueses, considera-se a comparação válida, uma vez que continuarão a ser analisadas as casas características desta colonização. Duas casas foram analisadas, construídas em 1721 e 1773. A primeira trata-se da Residência do Administrador da Ilha do Ibo, enquanto a segunda é uma casa popular comum. Já em Florianópolis, foram escolhidas duas casas, construídas em 1750 e 1780, localizadas em seu sítio histórico da cidade. Apesar de haver maior disponibilidade de material bibliográfico, escolheram-se esses dois exemplares por terem sido objeto de um estudo aprofundado por Hans Broos.
1.7. Organização do caderno
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A pesquisa foi dividida em três etapas, abordando tanto as questões urbanas quanto as relativas à habitação: levantamento histórico e bioclimático, estudos de caso e análise comparativa. Na primeira, foi compreendido o contexto histórico em que estavam inseridas as duas cidades na época colonial e fezse um estudo sobre o povo nativo, antecedente à colonização. Os estudos de caso foram baseados em iconografias encontradas na bibliografia: para a parte urbana utilizaram-se três mapas da cidade de Florianópolis, dos anos de 1774, 1868 e 1916 e dois mapas de Maputo, de 1876 e 1892. Já para a análise das habitação, escolheram-se dois exemplares de cada país, observando suas características formais, funcionais e sistema construtivo. No Brasil, as habitações localizavam-se em Florianópolis e em Moçambique, como explicado no item 1.6, foi necessário utilizar exemplares de habitação na Ilha do Ibo. A partir desse material, elaborou-se uma comparação entre os locais, apontando suas semelhanças e diferenças e as conclusões dos pesquisadores.
capítulo 2
DOS NÚCLEOS DE POVOAMENTO À URBANIZAÇÃO
2.1. Florianópolis 2.1.1. Razões de Ocupação A colonização no litoral catarinense, entre as cidades de São Francisco do Sul e Laguna, incluindo a Ilha de Santa Catarina, constitui uma história de ocupação com contornos cronológicos que promove debates e desentendimentos entre os historiadores, uma vez que a quantidade de documentos não é farta e suas origens nem sempre precisas. Um dos primeiros registros de ocupação européia ainda não organizada no litoral catarinense é relatado por Hans Staden, viajante alemão que passou pelo estreito de Yjurirémirim, nome dado na época ao canal entre a Ilha de Santa Catarina e o continente. É neste relato que se encontra a primeira imagem da região (figura 2.1) e algumas informações, que anunciam a existência de uma aldeia habitada por Carijós no lado continental (figura 2.2).
Fig. 2.1: Primeira imagem da região. Fonte: http://www.feriasfloripa.com.br/
Fig. 2.2: Carijós representados por Hans Staden. Fonte: http://www.feriasfloripa.com.br/
Segundo Veiga (2008), os primeiros europeus chegaram ao litoral catarinense no início do século XVI e consistiam em exploradores de madeira, aventureiros e estrangeiros de diferentes procedências. Outras fontes de pesquisa também apontam para a instalação na Ilha de Santa Catarina de europeus oriundos do naufrágio da embarcação liderada pelo espanhol Juan Dias Solis, que se dirigia à Bacia do Prata. Os onze náufragos da embarcação de Solis teriam iniciado, na futura Desterro, um profundo processo de miscigenação com os índios Carijó que ali viviam, os quais foram descritos pelo Padre José de Anchieta como “gentis” e “mansos”, dispostos e abertos para o processo de evangelização (COSTA, 2004). Esses primeiros europeus, ao se miscigenarem com os indígenas, adotaram parcialmente os modos de habitar dos nativos, construindo cabanas que eram inicialmente revestidas com cascas de árvores e folhas de palmeiras, protegendo-se do frio com pele de animais, dormindo em redes feitas de algodão, entre outros hábitos dos nativos. (DC Documentos, 1998).
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Apesar deste início aparentemente pacífico, Veiga (2008) argumenta que, no século XVII, ainda no início do povoamento, os índios teriam dificultado a ocupação colonial, prejudicando as benfeitorias e destruindo plantações. Logo, passaram a ser escravizados, perseguidos e vistos como adversários perigosos. E, mesmo existindo aqueles domesticados pelo colonizador, a maioria dos Carijó acabaram abandonando suas terras e fugindo pela Mata Atlântica devido às muitas perseguições a que estiveram sujeitos. O que de fato atraía as embarcações à Ilha era a excelente qualidade da água e da madeira e a abundância de frutas, caça e pesca, capaz de reabastecer as embarcações a caminho da região do Prata. Além dos víveres abundantes, a região apresentava portos naturais, o que protegia as embarcações contra tempestades. Porém, essas primeiras expedições eram de caráter temporário e não formaram núcleos estáveis (DIÁRIO CATARINENSE, 1998). O interesse de Portugal pelo Brasil só despertou quando o país luso já havia perdido a maior parte de seu Império no Oriente, em meados do século XVI. Portanto, foram estimuladas várias ações para ocupar e explorar sua colônia, como as expedições bandeirantes, que objetivavam predominantemente a captura de índios e a procura por pedras e metais preciosos. Porém, como as terras catarinenses não possuíam os atrativos tradicionais - como ouro ou diamantes - para que colonizadores e aventureiros ali se fixassem, foi necessário o incentivo do Governo para povoar e fixar o domínio no Sul. Foram, então, concedidas sesmarias para alguns bandeirantes e demais pessoas que demonstrassem interesse (BROOS, 2002). Entre os bandeirantes estava Francisco Dias Velho que, em 1673, enviou à Ilha de Santa Catarina mamelucos e escravos índios para iniciar a ocupação do local. Além de seus interesses particulares de expansão comercial, a ilha foi escolhida para a povoação por apresentar um excelente porto. Possuía também córregos abundantes, fornecia maior segurança em caso de ataques indígenas e apresentava topografia com significativas elevações, que proporcionavam soluções defensivas.
2.1.2. Evolução da Ocupação O modo como a Ilha vai sendo habitada, obedece ao mesmo padrão de ocupação portuguesa. Tal modo de ocupação, proteção e desenvolvimento colonial possui raízes no século VII quando os árabes invadem a península ibérica e são expulsos apenas no século XV. Os povos ibéricos seguiram uma linha de evolução em que a virtude de guerreiro se tornava a de maior destaque. Daí nascia a necessidade de construir um castelo, uma fortificação, onde quer que se estabelecia um lugar ou vila. A fundação de povoados portugueses no Brasil seguiu as tradições portuguesas: procurou-se concentrar o povo em aldeias, cujo plano consistia em uma praça com as casas ao redor, ficando o templo em local de relevo, o mais elevado possível. Os templos primitivos tomaram o lugar que competia à fortaleza e geraram um plano que lhes deu, na praça, o relevo que cabia ao Fórum romano. Em Desterro não foi diferente.
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A ocupação também seguiu uma lógica que facilitava a sobrevivência na região. Ocorre primeiro próxima as fontes de água, desenvolvendo-se no início do século XVIII na direção da praia da Boa Vista, atual centro da cidade, onde o terreno é plano e possuía boas nascentes de água. O primeiro traçado urbano na Ilha de Santa Catarina possui data imprecisa, localizada entre os anos de 1650 e 1675, realizado sob as ordens de Francisco Dias Velho. Apesar da discordância entre pesquisadores sobre o grupo que acompanhou o bandeirante paulista, acreditase que foi no ano de 1673 que a Ilha recebeu sua primeira ocupação planejada, sem encontrar nenhuma resistência nativa. Alguns apontam para o fato de que toda a família de Dias Velho o teria acompanhado nesta empreitada, junto com um grande grupo de mamelucos e escravos índios. Outros indicam que apenas um filho do patriarca teria vindo junto com os escravos e mamelucos para a tarefa de ocupação. Dias Velho possuía grande interesse no desenvolvimento da Ilha, pois esta se localiza em ponto estratégico que, para a época, era rota de passagem de embarcações na direção do Rio da Prata e para o desenvolvimento da Colônia de Sacramento, atual Uruguai. Naquele momento, a ocupação buscava manter uma relação direta com as atividades que eram desenvolvidas pelos moradores, pescadores e marinheiros em sua maioria. Veiga (2008) afirma que desmatamentos em 1634 e 1635 pelos bandeirantes e em 1645 pelos moradores, formaram clareiras na mata que influenciaram posteriormente na escolha do sítio do povoado de Dias Velho, em um espaço distante cerca de 150m da costa oeste da Ilha. Neste local, existiam inicialmente apenas casas rústicas e roçados, e, em 1675, o bandeirante iniciou a construção de várias casas e de uma capela de pedra e cal, em homenagem a Nossa Senhora do Desterro (figura 6). Defronte à capela, criou-se uma grande praça com 400 palmos de largura que se estendia até o mar. Peluso (apud VEIGA, 2008) afirma que “a igreja foi sempre um elemento independente no plano de Desterro” e que “sua construção obedeceu exclusivamente às melhores construída por Dias Velho possibilidades de aproveitamento da colina em que foi Fig. 2.3: Capela Fonte: VEIGA, 2008 edificada”. Porém, com o fracasso da Colônia de Sacramento, a importância da Ilha se reduz. Em seguida, um violento ataque de piratas destrói as casas, ranchos e canoas de Dias Velho. Ele, a família e seus serviçais são mortos de modo violento, colocando fim ao primeiro ciclo da ocupação na Ilha de Santa Catarina. No ano de 1714 a Ilha é descrita, pelo engenheiro viajante Frézier, como um local sem nenhuma ocupação significativa, com uma vasta e densa floresta, havendo apenas algumas clareiras ocupadas por cerca de 147 brancos, além de negros e índios. Em 1725, o governador de São Paulo, Manuel Manso de Avelar, Capitão de Ordenanças, ordena que todas as casas deveriam ser cobertas por telhas. Esta iniciativa preparava a Ilha para a chegada de soldados e suas famílias, bem
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como dos primeiros casais açorianos que seriam enviados para povoar as terras de Santa Catarina. No ano seguinte, a Freguesia é transformada em Vila, de nome “Nossa Senhora do Desterro”, abrangendo as terras ao continente, com limites ao Norte até o Rio Camboriú, ao Sul até Garopaba estendendo-se até o planalto em Bom Retiro. No ano de 1737, D. João V eleva a Vila ao status de governo, nomeando-a como Capitania de Santa Catarina. Nesta data são contadas na Vila apenas duzentas casas, dentre estas dois sobrados. Dois anos depois, 1739, o governador Brigadeiro José da Silva Paes, vindo do Rio de Janeiro, solicita ao Rei o envio de quatro mil famílias para povoar a Ilha e o continente. O primeiro grupo de colonos, vindo do Arquipélago dos Açores, chega à Ilha em 1748. Outras levas de imigrantes portugueses, açorianos e madeirenses, foram enviadas às terras catarinenses até o ano de 1756. Nestes oito anos de densa imigração, a ilha passa por grandes transformações. A população, que podia ser contada a partir de algumas dezenas de habitantes, saltou para mais de cinco mil pessoas. Em pouco menos de cinqüenta anos (1797), contavam-se na Ilha 350 engenhos de farinha, 1 de açúcar, 38 fábricas de açúcar, 102 engenhos de água ardente, 67 atafonas, 1 de trigo e 2 engenhos de arroz (DC DOCUMENTOS, 1998). A cada casal destes imigrantes, que não poderiam ultrapassar a idade de 40 anos para os homens e 30 para as mulheres (BROSS, 2002,p.64), foram prometidos pela Coroa “1/4 de légua em quadro” para se estabelecerem em terras brasileiras. Porém, para que pudessem ficar mais perto uns dos outros, muitos aceitaram menos do que o combinado, o que, segundo Veiga (2008, p.26), resultou “numa planificação territorial típica, de corte minifundiário e implantação linear, baseada em lotes próximos ou vizinhos, com testadas bastante exíguas, e caracterizada pela cultura de subsistência, conforme o método rotativo”. Além das terras, também foram prometidos: (...) a cada mulher que para ele for [BRASIL] da ilha de mais de 12 anos e de menos de 25, casada ou solteira, se darão 2$400 réis de ajuda de custo, os casais, que levarem filhos, se lhes darão para o vestir mil réis por cada filho e logo que chegarem aos sítios que hão de habitar se dará a cada casal uma espingarda, 2 enxadas, um enxó, 1 martelo, 1 facão, 2 facas, 2 tesouras, 2 verrumas, e serra com a sua lima e travadeira, 2 alqueires de sementes, 2 vacas e 1 égua, e no primeiro ano se lhes dará a farinha que entender bastar para o sustento, que são três quartas de alqueire por mês para cada pessoa, assim dos homens como das mulheres, mas não as crianças que não tiverem sete anos, e aos que tiverem até 14 anos se lhes dará quarta e meia para cada mês. (BROOS, 2002, p. 64)
Foram muitas as promessas aos imigrantes e poucas as realizações satisfatórias, tanto durante o traslado destes colonos quanto em sua fixação no novo território. Já a partir da segunda leva de imigrantes faltava comida, o dinheiro prometido não fora pago, os utensílios não foram entregues e eles enfrentavam muitas dificuldades e perigos. Com isso, as exigências legais ditadas pelo Edital Régio de convocação à imigração não puderam ser mantidas, e “(...) as últimas levas compunham-se, por isso, de velhos e incapazes para o trabalho.” (BROOS, 2002, p.66)
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Apesar de todas as dificuldades e desilusões, a vida teve que seguir seu ritmo e os grupos de açorianos que aqui chegaram fundaram em 1750 a vila de São José da Terra Firme com 215 pessoas, atual São José. No decorrer de 1750, 450 pessoas fundam a Enseada do Brito; em 1751, com 140 açorianos mais as populações que surgiram na ilha e nas vizinhanças, funda-se Desterro, Santo Antonio (com a igreja da Nossa Senhora da Necessidade), Canasvieiras, Lagoa (N. S. da Conceição), Rio Tavares, Ribeirão da Ilha (N. S. da Lapa).
2.1.3. Análise Morfológica do Traçado Urbano do Núcleo Inicial O plano urbano da Ilha de Santa Catarina desenvolveu-se com tendência ao traçado em xadrez, sendo que o traçado das primeiras ruas do núcleo foi determinado pela linha da praia. O formato da praça da igreja, atual Praça XV, foi determinado por linhas perpendiculares à da praia. Por haver, justamente neste trecho, uma leve curvatura na costa, a Praça acabou assumindo uma forma trapezoidal (figura 2.4). Esse traçado irregular desafiava as Provisões Régias, que primavam pela regularidade e pela geometria.
Fig. 2.4: Croquis da Praça da Igreja. Fonte: Adaptado de VEIGA, 2008.
Nota-se, então, que a fundação do povoado seguiu as tradições portuguesas: procurou-se concentrar o povo em aldeias, cujo plano consistia em uma praça central (figura 2.5) que evidenciasse e fosse uma extensão da Igreja, estabelecida em local de relevo, o mais elevado possível. Esse primeiro assentamento, juntamente com o limite litorâneo da Ilha, foram os elementos que mais influenciaram o traçado urbano inicial da Vila do Desterro. As primeiras ruas foram abertas de modo a permanecerem perpendiculares a praia, medindo 40 palmos de largura. As mudanças de direção que se nota nas laterais da igreja, não se devem à intenção de adaptação ao sítio físico, mas sim à necessidade de unir dois planos criados a partir do traçado de um polígono irregular que configura a praça em frente a igreja. Possivelmente tal forma buscou manter a intenção inicial das primeiras vias de se manterem perpendiculares a praia.
Fig. 2.5: Croquis da Praça da Igreja e os primeiros arruamentos Fonte: Adaptado de VEIGA, 2008.
A Ilha de Santa Catarina tinha localização de importância estratégica para Portugal, pois o país visava desenvolver a Colônia de Sacramento (atual Uruguai). Porém, o período de declínio desta Colônia, no final do século XVII, comprometeu o desenvolvimento da primeira povoação da Ilha. Além disso, o ataque pirata que destruiu o assentamento de Dias Velho contribuiu para o abandono das terras.
Após estes fatos, houve uma posterior ocupação instável e lenta por novos moradores, “limitando-se às simples choupanas que nasciam junto à colina da ermida do fundador [Dias Velho]” (VEIGA, 2008. pág.24). Em 1726 o povoado foi elevado à condição de Vila, recebendo o nome de Nossa Senhora do Desterro, abrangendo também terras do continente.
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As vias abertas em seguida, desta vez perpendiculares ao comprimento da praça, criaram um tipo de malha ortogonal, que configurou quadras de tamanhos distintos, variando aproximadamente entre 3.600m² até 28.800m². Em 1737, D. João V elevou a Vila ao status de governo. Em 1739, o brigadeiro José da Silva Paes chega do Rio de Janeiro e, como governador, construiu os primeiros fortes da Ilha por determinação da Coroa Portuguesa, visando a defesa territorial. Primeiramente foram construídas fortalezas em pequenas ilhas da Baía Norte e, em seguida, fortes dispostos de maneira a proteger o sítio da ocupação inicial da Ilha. Na figura 2.6 percebe-se a distribuição uniforme dos fortes no território ocupado, uma vez que, por ser ponto estratégico na cobertura militar da Colônia do Sacramento, sua proteção era imprescindível. Ao sul havia o Forte Santa Bárbara, à oeste o Forte Sant'Anna e ao norte o Forte São Francisco e, posteriormente, o Forte São Luís.
Fig. 2.6: Croquis dos principais arruamentos e fortificações no primeiro núcleo urbano da Ilha. Fonte: Adaptado de VEIGA, 2008.
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Observa-se também a situação dos fortes no Mapa 1,na página seguinte, de 1774, marcados por circunferências tracejadas. É visível a concentração de edificações no primeiro núcleo urbano da Ilha, o que ocorreu devido ao pedido de Silva Paes à Coroa Portuguesa do envio de cerca de cinco mil pessoas, provenientes do arquipélago de Açores e da Ilha da Madeira, para colonizar a área. Esta ação foi desenvolvida entre 1748 e 1756, também visando implantar uma estrutura social e econômica para consolidar a nova estrutura política (DIÁRIO CATARINENSE, 1998). Com a vinda dos casais açorianos e madeirenses, a população aumentou, verificando-se um desenvolvimento agrícola e manufatureiro.
A partir do mapa 1, observa-se algumas características físicas do território. As principais elevações do sítio em questão, vistas em planta e em corte, são o Morro Rita Maria (A) e a Serra da Boa Vista (B), que protegiam a área tanto do vento nordeste – o mais freqüente na região – quanto de possíveis ataques provindos da baía norte. Esta situação condicionou a ocupação da Vila, que se desenvolveu nas áreas livres ao longo da praia, adequando-se ao relevo, geralmente abaixo da cota de 10 metros. Também foi o relevo que determinou a expansão da Vila primeiro para o leste, pois o terreno desse lado era essencialmente plano e localizado em enseada. No lado oeste o local era mais acidentado e desabrigado.
Mapa 1: Planta da Villa Capital de Santa Catarina, 1774. Fonte: Adaptado de VEIGA, 2008.
Figura 2.7: Corte aa' do mapa 1. Fonte: VEIGA, 2008.
Figura 2.8: Primeiro núcleo de povoamento. Ampliação do mapa 1. Fonte: Adaptado pelos autores de Veiga, 2008.
Nota-se também que o porto (C) foi instalado na parte mais protegida da costa litorânea e as edificações foram construídas próximas a ele. Além das fontes de água – às quais vários arruamentos se direcionaram –, as atividades de pesca e agricultura condicionaram a estrutura fundamental do núcleo urbano, desenvolvendo uma ocupação tipicamente linear.
Quanto às macro parcelas, não há representação clara de sua delimitação no Mapa 1, porém, devido ao posicionamento das edificações nas micro parcelas – às margens das ruas –, é possível fazer uma aproximação do formato das quadras e a formação dos primeiros arruamentos (figura 2.8).
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O mapa 2, de 1868, apresenta essa delimitação mais claramente.
Mapa 2: Cidade de Desterro. 1868 Fonte: VEIGA, 2008.
Em Desterro, a posterior criação de arruamentos paralelos ao mar – transversais aos primeiros – configurou a ortogonalidade da malha. Esse novo desenho, subordinado às laterais da Praça XV (no mapa “Praça do Palácio”), caracterizou o posicionamento de duas malhas ortogonais à linha da praia, porém deslocadas entre si. O Mapa 2 também exibe um maior número de construções na Praia de Fora (atual Baía Norte): aparecimento de edificações dispostas linearmente aos caminhos que direcionavam aos fortes e também ao longo dos que deles derivaram. É possível perceber que a malha ortogonal se concentra no sítio inicial da ocupação, enquanto que em direção à baía norte houve um crescimento espontâneo, sem qualquer planejamento prévio, configurando-se uma malha irregular, adaptada à topografia. Outra questão que o mapa de 1868 aponta é a concentração dos prédios públicos ao redor da Praça da Igreja, como mostra a figura 2.9, o Palácio do Governo (número 1), a Tesouraria da Fazenda (2), a Alfândega (4), a Cadeia (9), entre outros. Nesta época, contavam-se 12.000 pessoas em Nossa Senhora do Desterro.
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Fig. 2.9: Prédios públicos ao redor da praça. Ampliação do mapa 2. Fonte: Adaptado pelos autores de Veiga, 2008.
Cerca de 50 anos depois, já com o nome de Florianópolis, a capital do Estado de Santa Catarina apresentava mudanças relevantes. O mapa 3, de 1916, mostra um maior número de arruamentos, sendo alguns deles ligações da parte sul com a parte norte, com linhas geométricas que não obedeciam o relevo, mas desviavam-se das chácaras existentes. Ao mesmo tempo, as ruas definidas anteriormente de forma espontânea, consolidam-se.
Mapa 3: Planta da cidade de Florianópolis, 1916. Fonte: Adaptado de VEIGA, 2008.
Além disso, nota-se alguns espaços públicos na cidade, como a Praça XV (no mapa, em verde), a Praça 17 de Novembro (vermelho) e a Praça G. Osório (amarelo). Também há a representação de edificações importantes (o Hospital Menino Deus e o Hospital Militar) e a presença, em linha tracejada, do primeiro aterro projetado para a cidade, que só veio a ser implantado no governo de Colombo Salles (1972-75).
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2.2. Maputo 2.2.1. Razões de Ocupação A região que atualmente corresponde a Moçambique era originalmente ocupada por uma miscelânea de povos que migraram de diferentes locais. Havia povos vindos da região Psatine (atual Swazilândia), árabes, sudaneses, swahilis, entre outros. A partir dessa migração diversas tribos distintas e independentes surgiram, muitas vezes inimigas entre si. Lendas nativas relatam que o primeiro contato entre europeus – possivelmente marinheiros da tripulação dos navios de Vasco da Gama – e nativos da região da Baía de Maputo se deu entre o final do século XV e o início do século XVI, mas não há qualquer registro português sobre este acontecimento (CORVAJA, 2003). Oficialmente, Moçambique foi descoberto em 10 de março de 1498, quando a frota de Vasco da Gama chegou à Ilha de Moçambique. Há registros posteriores de outras paradas por parte de navegadores portugueses nas costas moçambicanas, mas o início da colonização portuguesa nestes territórios data de 1504, com a construção da Fortaleza de São Caetano em Sofala, ao norte da região onde hoje é a cidade de Maputo.
Fig. 2.10: Costa da Africa Austral – Baía de Maputo em destaque Fonte: Acervo UEM
Entre 1544 e 1545 o navegador e comerciante português Lourenço Marques iniciou a exploração da região junto à baía que ele nomeou “Santo Espírito” (posteriormente Baía Lourenço Marques e atual Baía de Maputo). Nessa altura o objetivo era o comércio de marfim (sobretudo ao sul da baía), que era trocado por tecidos, trastes e escravos principalmente, mas outros produtos como âmbar, mel, manteiga, chifres e unhas de rinoceronte, dentes de cavalo marinho também eram procurados. Os povos ribeirinhos de etnia ronga foram os primeiros a estabelecer relações comerciais com navegadores e comerciantes portugueses, que nessa fase não manifestavam nenhuma intenção de ocupação do território, visando apenas as transações comerciais. Esse desinteresse na fixação permanente na baía se deu pelo fato de ela ficar fora da linha normal de navegação, que era entre a Ilha de Moçambique (onde os portugueses já haviam se fixado) e o Cabo da Boa Esperança, linha essa que implicava num afastamento da costa (MONTEZ, 1948). Com isso, os portugueses implantavam no local apenas acampamentos temporários, que consistiam em palhotas1 para a proteção das tempestades e para trocas comerciais, que eram abandonadas após as transações.
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Palhotas: casa nativa, geralmente cilíndrica com cobertura cônica. Os materiais de construção eram caniços e palha.
Iniciou-se, assim, o processo de ocupação que, como em outros casos de estabelecimentos coloniais, se deu em quatro fases: a primeira caracterizada pelas trocas comerciais com nativos, a segunda fase, na qual são construídas feitorias usadas como ponto de recolha e distribuição de mercadorias; a terceira, quando começa a penetração territorial, quando os portugueses deixam de se limitar apenas às praias e regiões litorâneas; e finalmente a última fase, quando de fato são construídos abrigos permanentes. Com o tempo, não só os portugueses frequentavam a região, mas também comerciantes e navegadores ingleses, franceses, austríacos e holandeses. Num período em que os portugueses tinham interrompido as viagens à região, entre 1703 e 1781, holandeses chegaram a construir, no ano de 1721, uma fortificação onde se encontra hoje a praia de Maxaquene ao qual deram o nome de Forte da Lagoa. Porém, no ano de 1730, eles destruíram o forte e abandonaram a baía. Isso se deu provavelmente devido à insalubridade do lugar (que tinha provocado vários óbitos) e à decadência das relações comerciais dos holandeses com as tribos locais. Por volta da metade do século XVIII, os franceses e os ingleses disputaram o domínio da região, e em 1777 a Áustria tentou estabelecer-se de forma estável nos territórios da baía. Os austríacos chegaram a construir uma feitoria, mas a sua ocupação acabou em 1781, quando uma expedição portuguesa vinda de Goa tomou e destruiu a feitoria e restabeleceu a posição hegemônica lusa no comércio dos europeus com a região. Em 1781 o então governador provisório de Moçambique, Vicente Caetano de Maia Vasconcelos, teve a iniciativa de construir uma feitoria e casa fortificada, que foi denominada “presídio”. Essa denominação, normalmente interpretada de modo diferente, significa, na realidade, força militar que guarnece estrutura fortificada (CORVAJA, 1998). Essa aldeia primitiva era constituída por palhotas, semelhantes à dos indígenas, cujos principais materiais de construção eram a madeira extraída da mafurreira (Trichilia emetica vahl) e a argila. Em 1782 os portugueses se instalaram definitivamente no lugar onde antes era a feitoria holandesa. A fortificação foi concluída em 1787 e consistia, segundo relatos locais, “[n]um quadrado formado de grossas estacas e faxinas2 já bem pobres, as quais cercam a capela, os quartéis e o armazém que cobre o presídio [...]" (LOBATO, 1949) porém nem se tinha acabado com a fortificação e já a guarnição tinha de fazer face às lutas com as tribos locais e rechaçar ataques estrangeiros. A consolidação da ocupação lusa se deu apenas depois do ano de 1805, com a chegada de outra força militar, que num primeiro momento se estabeleceu próximo ao presídio e posteriormente se deslocou sucessivamente a dois quilômetros da ponta Vermelha, no lugar onde seria edificada a Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, quase no mesmo sítio onde se localiza a atual fortaleza de mesmo nome, construída na primeira metade do século XIX.
2.2.2. Evolução de Ocupação
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Faxinas: feixes de ramos ou paus.
Com a criação da Companhia Comercial de Lourenço Marques e Inhambane, que se fixou no núcleo urbano entre 1825 e 1826, surge a necessidade de promover o povoamento da região. O objetivo era atrair portugueses para ocupar e desenvolver a região ao sul do rio Save. O então governador da Baía, José Antônio Leite de Barros, relata, em 23 de junho de 1826: “ Encontra-se
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este aglomerado, situado na margem esquerda do rio de São Francisco, o rio Espírito Santo, numa zona baixa dominada pelos relevos e rodeada por depressões contínuas do terreno [pântanos], que tornam muito difícil a vida dos seus habitantes[...] actualmente, nele se encontram cinco casas de madeira e outros edifícios comerciais com 160 palmos de frente, na sua maioria construídos em pedra”. Em 1830 o aglomerado urbano já contava com igreja e escola. A ocupação lusa enfrentou várias dificuldades para assegurar o seu domínio sobre a região: devido à disputa pelo território, o presídio sofre contínuas investidas, principalmente pela tribo Vátuas, que o saquearam e queimaram várias vezes. Em 1835 a Companhia Comercial foi extinta para dedicar-se apenas ao comércio de escravos, mais rentável na época. Devido às dificuldades, impostas não só pelo povo nativo como também por Ingleses (que a partir de 1843 se Fig. 2.11: Vista do aglomerado urbano. Fonte: CORVAJA, 2003. fixam no vizinho Natal – atual Kwazulu Natal e visavam o domínio sobre as terras ao sul da baía) o ritmo de crescimento do aglomerado urbano foi lento e, em 1841, o governador Rodrigo Luciano Abreu e Lima descreve em um relatório “um conjunto de construções constituído por dezenove casas e cento e vinte e sete palhotas” (CORVAJA, 2003). A primeira configuração da estrutura proposta para a vila, datada de 1857 e da autoria de António Pedro Batista Gonçalves, apresenta um plano esquemático, marcado por seis traços paralelos ao rio, e a noroeste da fortaleza (MORAIS, 2001).
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Fig. 2.12: Planta do aglomerado urbano de 1857 Fonte: Acervo UEM
Em 1867 foi construída uma barreira de defesa que tornava difícil o acesso dos nativos para dentro do aglomerado urbano, o qual se estendia pela zona baixa pantanosa até a margem onde hoje se localiza o cais. A partir de 1870 acentuou-se o desenvolvimento urbano, sem que a população ultrapassasse a linha de defesa anteriormente construída: até 1887 a cidade permaneceu confinada em uma ilhota de areia e lodo, cercada de pântanos, tanto doces quanto salgadiços, a oeste e da enseada da Maxaquene (figura 2.13).
Fig. 2.13: Lourenço Marques - Vista das dunas da Maxaquene Fonte: CORVAJA, 2003
Em 10 de Novembro de 1887, Lourenço Marques é elevada à categoria de cidade e, com isso, chega à área uma expedição das Obras Públicas de Lisboa. É a primeira revolução urbanística do povoado, cujos êxitos ainda são perceptíveis. Desse ano encontra-se registrada uma planta da vila com o projeto de drenagem do pântano, elaborada pelo engenheiro inglês Richard T. Hall e copiada, posteriormente, por Augusto de Castilho (figura 2.14). Em 1887, antevendo o futuro papel do porto na estrutura urbana, o Major António José Araújo apresenta a proposta de um novo plano que dá continuidade à estrutura do traçado pré existente e, em sessão camarária em 1891, Araújo propõe um plano para dotar a cidade alta de Avenidas extensas inspirado na cidade de Paris, num sonho visionário, com as melhores Fig. 2.14: Plano Urbano de 1886. Fonte: Acervo UEM
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intenções. O Plano Araújo, aprovado oficialmente em 1892 (fig. 17), por portaria de 1 de Dezembro desse ano, teve algumas alterações aconselhadas durante a sua execução, no entanto, quando executado, foi considerado o plano urbano mais regular da África do Sul e dos melhores de qualquer parte do mundo na época.
Fig. 2.15: Plano Araújo. Fonte: Acervo UEM
A sua proposta é um traçado de aparente rigidez que marcaria significativamente a malha urbana da cidade, ditada pela sucessão contínua de módulos (áreas para a ocupação) em grandes quarteirões, que poderiam se subdividir formando outros quarteirões. Esta sucessão, apesar de rígida, permitia flexibilidade, uma vez que os módulos puderam ser manipulados, ao longo do tempo, respeitando a malha inicial. É de se considerar que a “gênese de todo esse processo de assentamento não deixa de ter como suporte o quadro disciplinar formativo dos intervenientes, pois a estrutura de organização em quadricula, e o uso do traçado regular surge, naturalmente, como modelo de engenharia militar.” A vila, que durante tantos anos se concentrou ao longo da praça 7 de Março e dentro das chamadas portas da cidade, expande-se com toda a força para além dos antigos e ao longo da costa. O que determina o desenvolvimento da cidade de forma dinâmica é a regularização do funcionamento da linha-férrea entre a capital do Transvaal - na África do Sul - e Lourenço Marques, condição fundamental para o desenvolvimento da cidade.
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A construção do caminho-de-ferro traz uma nova dinâmica à vila justificando assim a sua elevação à categoria de cidade em 10 de Novembro de 1887. No ano seguinte, é aprovado um plano de ampliação da cidade, em portaria nº 598 de 1 de Dezembro de 1888, tendo sido publicado quatro
2.2.3. Análise Morfológica do Traçado Urbano do Núcleo Inicial O Mapa 4, a seguir, é o mais antigo ao qual se teve acesso e representa a ocupação portuguesa em 1876, quando já há um crescimento urbano mais relevante devido às iniciativas do governo para povoar a colônia. Embora não represente a vila nos seus primeiros anos de fundação, permite distinguir a estrutura que teria correspondido às fases iniciais do desenvolvimento do núcleo urbano.
Mapa 4: Mapa da Vila de Lourenço Marques em 1876 Fonte: Acervo UEM
Fig. 2.16: Arruamentos iniciais: paralelos à linha da praia. Fonte: Adaptação dos autores do Mapa 4.
Fig. 2.17: Edificações voltadas para os primeiros arruamentos. Fonte: Adaptação dos autores do Mapa 4.
A partir desse mapa é possível perceber que a linha da praia foi delimitadora do primeiro traçado, uma vez que os arruamentos foram implantados de forma paralela, favorecendo o eixo longitudinal da ilhota: formam-se quatro principais arruamentos, sendo um coincidente com a costa, como ilustra a figura 2.16. Como evidência de que os arruamentos iniciais foram realmente os citados, pode-se observar, tanto no Mapa 4 quanto no esquema da figura 2.17, que as edificações estão na sua maioria com a frente voltada para as referidas vias.
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Observa-se, próximo à Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição – assinalada nas imagens como Praça de Nossa Senhora da Conceição – um vazio que cria um eixo transversal na Ilhota, ligando a ponte que dá acesso ao continente e o cais, ao lado da Fortaleza. A localização desse vazio configurava a Praça Sete de Março e valorizava a Fortaleza - primeira edificação dos assentamentos – de concentrar os edifícios administrativos, que foram erguidos posteriormente à sua volta. Fig. 2.18: Vazio em frente à Fortaleza Nossa Senhora da Conceição (em vermelho). Fonte: Adaptação dos autores
Por conta do traçado inicial, com as vias longitudinalmente implantadas na ilhota, as macro parcelas são alongadas e tendem a ser retangulares, mas não há homogeneidade, resultado da irregularidade do traçado da malha. Com o desenvolvimento da ocupação urbana, algumas transformações ocorrem na malha: pequenas vias transversais surgem dividindo as quadras alongadas. Percebe-se claramente que há uma hierarquização, pois essas vias possuem dimensão consideravelmente menor que as longitudinais e não apresentam continuidade. Quanto às micro parcelas, em sua maioria, ocupavam toda a extensão da quadra, possuindo testada para duas ruas. Suas dimensões e formatos são variados e não seguem nenhum padrão. Muitas vezes os lotes são tão grandes que configuram sozinhos uma quadra inteira. As edificações dentro das micro parcelas estão implantadas, na sua maioria, às margens das ruas e configuram uma linearidade que as delimita fortemente, mas há também situações em que as edificações estão soltas no lote. Como se observa na figura 2.19, a margem norte da ilhota, voltada para o continente, apresenta maior fortificação: muralhas ao longo de toda a costa e quatro fortes distribuídos a noroeste do acesso ao continente. Na porção leste da Ilhota não há fortes, porém, a representação de uma área pontilhada sugere a existência de uma barreira física natural que restringia o acesso. Esse reforço na fortificação da margem norte é resultante da intenção de proteger a área dos constantes ataques dos povos nativos do continente. Na margem sul havia apenas um ponto fortificado: a Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição. Sua localização, à sudeste da ilhota, era estratégica, pois pela configuração física da baía, era possível ter o domínio visual da rota utilizada pelos navegantes para chegar à ilhota. Assim, acredita-se que mesmo havendo apenas um ponto fortificado, este era suficiente para a proteção da margem sul.
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Fig. 2.19: Fortificações e barreira física natural da ilhota. Fonte: Adaptação dos autores do Mapa 4.
No Mapa 5, de dez anos mais tarde (1886), percebem-se mais edificações, que muitas vezes chegam a ocupar quase totalmente o perímetro da quadra. O vazio que demarcava um forte eixo transversal na ilha é reduzido a uma parcela retangular delimitada por edificações e pelo mar. As transformações não são significativas na configuração da malha, a não ser pelo surgimento de mais uma ponte que dá acesso ao continente. Esta ganha continuidade na Ilhota através de uma via transversal já existente, que fazia ligação com o mar e que teve sua largura aumentada e traçado corrigido, ficando claramente marcada na malha a sua relevância.
Mapa 5: Mapa de Lourenço Marques em 1886 Fonte: Acervo da UEM
Desde 1870 o desenvolvimento do aglomerado urbano passou a ser mais acentuado, mas a cidade permaneceu confinada em uma ilhota de areia e lodo, cercada por uma muralha e por pântanos doces e alagadiços ao norte e pelo mar ao sul (LOBATO, 1949). Em 10 de Novembro de 1887, com a elevação de Lourenço Marques à categoria de cidade, e com a chegada de uma expedição das Obras Públicas de Lisboa, a primeira revolução urbanística ocorre no povoado. Havia a intenção de transferir a cidade para uma zona mais alta que apresentava melhores condições de salubridade, mas optou-se por manter a cidade no local onde surgiu o primeiro núcleo. Para isso obras de saneamento e drenagem dos pântanos foram efetuadas e, em 1888, a linha de defesa que cercava a cidade foi derrubada para permitir a sua expansão.
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Em 1892 foi aprovado um novo plano para a cidade, o Plano Araújo (figura 2.20), que se inspirou nas grandes reformas da cidade de Paris, visando fazer “de uma aldeia insignificante e desordenada, uma cidade que ocupava a área de cento e mais hectares, larga, aberta, ventilada e harmoniosa [...]” (NORONHA, 1895). A sua proposta previa a organização da cidade sobre uma malha ortogonal, com largas avenidas de até 20m de largura, formava rótulas, alargava praças, criava jardins. Além disso, previa a remoção das casas precárias, a construção de um dique de terra e pedra, e a plantação de eucaliptos, conquistando-se áreas edificáveis, avançando em direção ao mar.
Fig. 2.20: Plano Araújo. Fonte: Acervo UEM
É esse plano que vai moldar e definir a estrutura urbana da cidade nos decênios seguintes, permitindo o explosivo crescimento de Lourenço Marques, mesmo não tendo sido totalmente implantado, por dificuldades financeiras. A vila, que durante tantos anos se concentrou ao longo da Praça Sete de Março e dentro das muralhas da cidade, expande-se consideravelmente. É de realçar que, por volta de 1897, o Plano Araújo estava na sua fase final de implementação apesar de as suas avenidas serem materializadas apenas por pavimentos de areia e não calçamento e acompanhadas de edificações dispersas. Entre 1885 e 1902, Lourenço Marques é provida de água canalizada, telégrafo, de um poderoso sistema de iluminação e de um serviço de carros elétricos, na época condições de infra-estrutura fundamentais para o inicio de uma urbanização crescente.
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O projeto de ampliação teve que superar problemas de ordem geográfica, como o aterro e a secagem do pântano, para ligar a parte baixa da cidade a todo o terreno de expansão situado ao norte. Enfrentou também problemas de ordem política e administrativa na expropriação de terrenos privados, o que era imprescindível para a implementação desse plano urbano. Com a gradual expansão da cidade para fora da linha de defesa, cria-se, já no planalto, o Bairro Alto, destinado a ser a nova vila. Para o local mudou-se muita gente, até porque a Cidade Baixa se tornava incômoda e pequena, ocupada pelo comércio, bares e armazéns. A cidade inicia o seu crescimento na direção de Sul-sudeste para Norte-noroeste subindo o planalto através de uma malha urbana ortogonal de implantação e a área reservada ao Conselho Municipal foi delimitada pela portaria de 20 de Abril de 1895. Foi inicialmente traçado, para noroeste, um arco de circunferência de 2017 metros, definindo-se os limites da zona suburbana. Posteriormente, com a expansão da ocupação, novos limites foram delimitados através de num novo arco, concêntrico ao anterior, com uma abertura de mais de 5.000 metros. Na expansão geral do tecido urbano, o traçado sofreu poucas alterações e, assim, a cidade cresceu em todas as direções, dentro do limite da circunclavação e condicionada à malha urbana projetada.
2.3. Discussão A partir dos dados apresentados para cada cidade, cabe agora uma discussão sobre semelhanças e diferenças encontradas. Ao fazer a análise descritiva das intenções portuguesas para ocupação de cada local, percebeu-se que, em ambos os casos, houve um desinteresse inicial pelas novas terras. Portugal só realizou iniciativas para uma fixação efetiva a partir do momento em que o território passa a ter alguma relevância em termos econômicos ou geopolíticos, o que desencadeia disputas pela sua ocupação por outras nações. A Ilha de Santa Catarina, por muito tempo, era frequentada apenas para abastecer embarcações portuguesas. Porém, com o desenvolvimento do comércio na Bacia do Prata, a Ilha tornou-se importante estrategicamente, pois era um conhecido entreposto para outros navegadores e comerciantes concorrentes que iam em direção ao sul. Isso impulsionou Portugal a ocupá-la mais definitivamente em meados do século XVII. Na antiga Lourenço Marques, esse descaso foi mais duradouro, pois até o século XVIII, o local era utilizado somente para trocas comerciais e chegou a haver a interrupção das expedições portuguesas. Durante esse período, várias nações exerceram temporariamente o domínio sobre a área, o que motivou Portugal a expulsá-las e fixar-se nas novas terras. Observa-se, portanto, que a intenção de ocupação em ambos os locais tinha como objetivo
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garantir o domínio português sobre os novos territórios para, assim, permitir sua livre prática comercial nessas áreas. Quanto ao sítio físico, deve-se levar em consideração o processo de formação da cultura e do povo português: as invasões árabes na península ibérica, no século VII, com sua expulsão apenas no século XV, fez com que os povos ibéricos assumissem a virtude de guerreiro como a de maior destaque (PELUSO, 1953). Daí nascia a necessidade de estabelecer vilas ou cidades fortificadas, com a construção de castelos ou fortalezas, em locais protegidos pela natureza. Portanto, seguindo a tradição portuguesa, buscou-se nos dois territórios, um conjunto de características geofísicas que facilitassem ou completassem o controle militar da área. Havia metas semelhantes a serem alcançadas, porém, como cada local apresentava características típicas, lançava-se mão de diferentes estratégias visando o mesmo objetivo. Foram buscados terrenos planos e protegidos por alguma barreira natural: no caso de Florianópolis, o acentuado relevo ao norte do sítio inicial; e em Maputo, a área pantanosa, também ao norte do assentamento original na ilhota. Além disso, os sítios deveriam permitir um bom domínio visual dos possíveis acessos por mar. Quanto aos processos de implantação e evolução das malhas urbanas, há muitas semelhanças entre as cidades. Em ambos os locais a linha da praia foi um elemento definidor dos traçados urbanos: em Florianópolis os primeiros arruamentos foram perpendiculares à costa e em Maputo foram paralelos. Indaga-se o porquê da disposição oposta dos primeiros traçados em relação à linha da praia nos dois assentamentos. Um motivo pode ser a disparidade na escala dos sítios: em Maputo, a pequena Ilhota permitia um domínio geral do território, fazendo com que a intenção fosse de ocupá-lo por completo, configurando-se uma implantação de traçados que otimizaram ao máximo essa ocupação. Já em Florianópolis, onde as dimensões da ilha são bem maiores, o traçado perpendicular sugere a exploração para o interior do território. Um segundo motivo, talvez associado ao primeiro, diz respeito às diferenças topográficas. Em Florianópolis, há um aclive da linha da praia para o interior, o que favorece arruamentos perpendiculares em relação à costa, permitindo o controle visual do acesso pelo mar. Já em Maputo, como o sítio era essencialmente plano, este controle é mais eficaz ao longo da linha da praia, que corresponde à dimensão maior da ilhota. Também nas duas cidades, os arruamentos iniciais eram todos no mesmo sentido (paralelos entre si) e com o seu crescimento, traçaram-se vias transversais, formando uma malha que tendia à ortogonalidade. Apesar da preferência pela malha ortogonal – além da simplicidade, era mais um recurso para o controle militar –, em Florianópolis esse traçado só foi implantado até onde não havia grandes declividades.
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Observando o traçado desenvolvido até o final do século XIX nas duas cidades, percebe-se que Florianópolis apresentava macro parcelas de dimensões e formatos regulares, devido a uma implantação inicial melhor sucedida dos ordenamentos das Provisões Régias. Já em Maputo, não foi alcançada a ortogonalidade ideal, uma vez que as quadras eram de diferentes formatos e dimensões, devido à ausência de regularidade no espaçamento dos arruamentos e porque alguns
desses seguiam a linha curva do litoral da ilhota. O mesmo ocorre com as micro parcelas: regulares, de pequena testada e grande comprimento em Florianópolis, e irregulares, de formatos e dimensões variadas em Maputo. As edificações em Florianópolis se encontram essencialmente nas testadas dos lotes, o que se repete em Maputo, onde também se observam casos em que as construções estão soltas no lote. Na antiga Desterro, no entorno do vazio da Praça XV, concentravam-se os edifícios públicos mais importantes, assim como na Praça 7 de Março em Maputo. Essa característica é tipicamente portuguesa: a praça configurava uma importante centralidade no núcleo urbano, concentrando as principais atividades sociais, econômicas e políticas (PELUSO, 1953). Em relação à ocupação observaram-se, essencialmente, mais semelhanças que diferenças, mas notam-se divergências num aspecto relevante na evolução das malhas. Em Florianópolis a expansão se deu de forma lenta e gradual, sem planejamento, avançando sobre o relevo de maneira espontânea, resultando numa malha irregular a partir do momento em que a topografia se tornou mais acentuada e que havia a necessidade de desviar os arruamentos das chácaras já existentes. No entanto, em Maputo, o crescimento da cidade esteve restrito às suas muralhas por muito tempo. Quando a cidade ultrapassou esses limites (1888), já havia um maior conhecimento sobre planejamento urbano e, a partir de referências européias, foi traçado um plano para ordenar a expansão, assegurando a ortogonalidade da malha. Os principais fatos históricos e relativos ao traçado urbano, apresentados neste capítulo, foram sintetizados em uma linha do tempo. Nela, é possível compreender simultaneamente os acontecimentos em Florianópolis e em Maputo de forma sucinta e didática. Este material gráfico se encontra no capítulo «Anexos», p. 66.
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capítulo 3 DA CASA NATIVA À CASA DO COLONIZADOR
3.1. A Habitação Portuguesa Os imigrantes portugueses trouxeram às colônias aspectos da cultura européia. Porém, com as diferenças encontradas, como o clima, os materiais e até o tipo de política implantada pela gestão administrativa em cada colônia, foi necessária uma adaptação nas formas construtivas e decorativas. Estas diferenças representaram um desafio aos colonizadores, não só no que diz respeito à arquitetura, mas também aos seus hábitos e costumes. No entanto, para poder entender as obras dos colonizadores, é preciso saber no que consiste a tradição de Portugal, como é definida a casa portuguesa e quais elementos deste país foram transferidos à casa colonial. Raul Lino, citado por Hans Broos (2002), afirma que a habitação de Portugal, se analisada por sua disposição interna, não apresenta um tipo único que a represente (diferentemente da casa romana ou da inglesa). O mesmo autor afirma que desde o século XV, Portugal teve várias influências formais, desde a “delicadeza refinada da arquitetura dos mouros vencidos”, passando pelo período Clássico, a época Barroca de D. João V, o Naturalismo e a Renascença. Broos (2002) relata que todas as influências atingem apenas as formas decorativas exteriores da casa portuguesa. Os pavimentos en carrilage são quase a regra. As peças e as escadas são estreitas e o plano geral é confuso. Uma parte da cobertura frequentemente é construída com um terraço descoberto, ao qual se sobe por uma escada. Devido à raridade de madeira e às exigências do clima, a alvenaria domina o edifício inteiro a custo da carpintaria. Nas casas mais importantes a decoração se encontra mais presente, são tijolos decorativos, azulejos monocromáticos em relevo, etc. No exterior encontram-se belas aberturas geminadas e frequentemente são bastante ornadas por portas sequenciais nas esquinas. A casa era comumente coroada por pedra lavrada, por tijolos de várias formas e por nichos em estilo árabe. As chaminés se salientam para fora, característica da arquitetura meridional de Portugal. Até a segunda metade do século XV a casa portuguesa era rudimentar, mas, nesse momento, com a introdução dos elementos orientais, oriundos do Marrocos e da Índia, começou a se desenvolver um estilo comum denominado Mourisco, o qual predominou no Sul e no centro de Portugal.
3.2. Florianópolis A zona litorânea – de São Francisco do Sul a Laguna – onde se localiza a Ilha de Santa Catarina, foi ocupada por portugueses e paulistas entre meados dos séculos XVII e XVIII. Existem diversas construções desse tempo em vários locais do Estado, como fortalezas, igrejas e casas de câmara e cadeia. As casas residenciais típicas desta época também são encontradas em algumas partes do litoral catarinense.
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Farias (2002) afirma que a arquitetura na Ilha de Santa Catarina (atual Florianópolis) não é diferente daquela encontrada no litoral brasileiro. Segundo o autor, as principais características das vilas no Brasil setecentista são a uniformidade e a influência barroca: há a delimitação do traçado urbano pelas fachadas, que adquirem intensidade estética e unidade na composição, e edificações caiadas de branco, de um ou dois pavimentos. Broos (2002) dividiu as residências catarinenses como:
ð Casa térrea da época colonial: casa pequena, de uma porta e uma ou duas janelas, em geral construída em fila na rua.
Fig. 3.1: Habitações em Florianópolis. Fonte: BROOS, 2002.
ð Sobrado da época da Independência: casa de dois andares, em geral em três eixos.
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Fig. 3.2: Sobrado em Florianópolis. Fonte: BROOS, 2002.
Nesta pesquisa, delimitou-se o estudo às casas térreas, por se constituírem como o elemento essencial da composição urbana das cidades antigas do litoral catarinense. Os sobrados apareceram somente após a Independência, ainda que apenas em cidades maiores, como São Francisco, São José, Florianópolis e Laguna. Durante dois séculos e meio do desenvolvimento da casa térrea, nota-se diferentes variações: desde aquelas menores, de pau-a-pique, até a residência do rico armador; desde aquelas situadas na fileira da rua até as em situação isolada.
3.2.1. A Casa Nativa O primeiro povo registrado na Ilha de Santa Catarina foram os índios Carijó, retratados pelo viajante Hans Staden, em 1540. Segundo ele, no lado continental havia uma aldeia habitada por carijós que conviviam pacificamente com um espanhol oriundo de Bilbao, João Fernandez Biscainho. Outras descrições dizem também que estes indígenas, encontrados do litoral de São Paulo até o extremo sul de Santa Catarina, eram “um gentio doméstico, pouco belicoso, de boa razão. [...] Não comem carne humana, [...] sustentam-se de caça e peixe que matam e de suas lavouras que fazem, onde plantam mandioca e legumes.” (Gabriel Soares de Souza, “Tratado descritivo do Brasil”, 1597). Os Carijó protegiam-se do frio em moradias tapadas por cascas de árvores, bem como usando peles de animais para se cobrir. Dormiam em redes feitas com fios de algodão e contavam com o arco e flecha para a busca de alimentos. Quando a presença européia na região limitava-se a algumas dezenas de náufragos e marinheiros infratores abandonadas pelos capitães de navios, estes homens, na maioria dos casos, integraram-se ao modo de vida dos índios Carijó, uniram-se às suas mulheres e iniciaram um longo processo de miscigenação racial. Porém, ao longo da ocupação do território catarinense e o posterior abandono das terras pela maioria dos Carijó, pode-se afirmar que a influência indígena nas habitações da Ilha de Santa Catarina não foi muito relevante. Da mesma forma, os primeiros povoadores europeus, abandonados pela embarcação de Solis – final do século XVI –, entre outras, pouco contribuíram para a tipologia das moradias coloniais, por terem se apropriado do modo de viver dos índios, o qual não foi adotado pelo colonizador português. A primeira iniciativa definitiva de fixação na Ilha partiu de Francisco Dias Velho, que construiu casas em sua maioria feitas de pau-a-pique1, enfileiradas, mantendo porta e janela com acesso direto para a rua, não importando a orientação solar. Essa tipologia foi mantida pelos poucos moradores que restaram, mesmo após o ataque de piratas que dizimou o pequeno povoado, no final do século XVII. Tais construções são descritas por viajantes estrangeiros que lá estiveram no século XVIII, como uma arquitetura singela, realizada à beira-mar, junto ao chão, cobertas com folhas de bananeira ou fumo. (PACHECO, 2001 p.88) 1
Pau-a-pique: Técnica de construção que constitui-se em barro aplicado sobre um entramado de bambu.
3.2.2. A Casa do Colonizador De acordo com Farias (2002), a distância da ilha catarinense dos centros de decisão e sua ocupação
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por povoadores do meio rural, fez com que a arquitetura encontrada fosse de características mais singelas. Broos (2002, p.61), chama atenção para um modelo de edificação que frutificou a partir destas choupanas iniciais e vigorou aproximadamente entre os anos de 1650 até 1780. Tratavam-se de construções feitas de pedras e cal ou pau-a-pique, cobertas com telhas cerâmicas do tipo capa-canal, medindo de duas a quatro braçadas de largura. A parte principal, com telhados de duas águas, contém: na direção da rua, a sala de estar, da qual em frente da entrada, em geral um eixo daquela sala, se encontra um corredor, conduzindo à sala de jantar em direção ao quintal. O corredor corresponde às alcovas no meio da casa (sem luz direta). As dependências com telhado a uma água contém a varanda, a cozinha e o rancho. O rebordo do telhado levantado é guarnecido de uma ou duas filas de telhas a canal convertidos. Os caixilhos de madeira, ao redor das janelas e portas, são de verga curva, mais tarde de verga reta, o reboco interno e externo liso, sem qualquer ornamentação. (BROOS, 2002, p.62).
Broos (2002) também considera que as casas de pau-a-pique já representam um grande desenvolvimento, pois reúnem elementos formais que, mais tarde, serão encontrados na casa térrea definitiva, como a verga e o caixilho de madeira para as janelas.
Fig. 3.3 e 3.4: Casa de pau-a-pique. Fonte: BROOS, 2002.
A casa antiga de Santa Catarina se apresenta como uma tipologia pequena, predominando o estilo porta-janela, ou ainda, janela-porta-janela. Neste início as moradias são casas térreas, um modelo já experimentado e aprovado pelo tipo de vida que se constituía na colônia, respondendo às necessidades da sociedade local. Broos (2002) afirma que, por volta de 1750, havia 183 casas em Laguna, 100 em Desterro e 150 em São Francisco do Sul, confirmando que a casa térrea era a tipologia adotada na nova terra.
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O sistema construtivo era basicamente de paredes portantes e, nesta época, já se utilizava o tijolo queimado de 25x25x4cm tanto nas residências como nos fortes instalados ao redor de
Desterro. Construído com este material, em 1744, o Forte de Anhatomirim já apresentava janela de verga reta, elemento comum das casas da época, possibilitado pelo uso do tijolo como elemento estrutural (figura 3.5). Já as residências feitas com pedras ajuntadas, exigiam a construção de vergas curvas. O uso simultâneo destes dois tipos de verga é característico de meados do século XVIII (BROOS, 2002).
Fig. 3.5: Forte de Anhatomirim. Fonte: Google Imagens.
Martins (apud FARIAS, 2002) afirma que durante o período de povoamento da Ilha pelos casais açorianos (1748-56), não há referências de que tenha havido uma tipologia residencial característica. Um exemplo é a chaminé, elemento muito presente na paisagem açoriana que não é encontrado na catarinense. Na Ilha de Santa Catarina, o fogão geralmente se localiza na edificação principal, ou naquela agregada aos fundos da casa, o “puxado”. Farias (2002), partindo do pressuposto que os exemplares mais difundidos de arquitetura regional das ilhas dos Açores eram o palheiro e a casa de pedra de dois pisos, afirma que não houve, na ilha catarinense, arquitetura semelhante. A primeira habitação registrada do imigrante foi construída de pau-a-pique. O autor também argumenta que não há a possibilidade de um reconhecimento de uma influência açoriana direta com o que na Ilha se construiu, uma vez que a origem das edificações açorianas é a mesma que a de Portugal continental. Aos açorianos, então, podem ser creditadas alterações sem muita relevância, pois ao chegarem, pouco modificaram o modelo existente de moradia (BROOS, 2002 p.76). Detalhes como o uso de elementos decorativos mouriscos, tais como a pomba ou a folha no rebordo do telhado e o rebordo elevado foram modestas influências açorianas que podem ser encontradas em muitas das habitações coloniais do litoral catarinense.
Fig. 3.6 e 3.7: Telhados de casas catarinenses. Fonte: BROOS, 2002.
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Juntamente com a inserção destes elementos decorativos surge também a casa axial, dotada de porta centralizada e ladeada por janelas.
Fig. 3.8 e 3.9: Casas catarinenses. Fonte: BROOS, 2002.
Broos (2002) considera todos os elementos decorativos encontrados nas casas residenciais de Santa Catarina, até 1830, como heranças da tradição portuguesa, por exemplo, o plafond esculpido, o azulejo, a madeira esculpida em geral, as figuras decorativas e o rebordo elevado nos telhados, as pseudo-pilastras e outros elementos. Além da decoração, são influências portuguesas os elementos construtivos que utilizam a pedra como material de construção, como o rebordo do telhado e as aberturas das janelas e portas. No entanto, tais elementos tradicionais representavam apenas a parte superficial da casa residencial, a qual era determinada pela regularidade da disposição interna e pela fixação das medidas, admitindo-se assim, a planta como parte essencial da composição arquitetônica. Pode-se dizer que a planta da residência não se originou em Portugal, e sim que é resultado da nova pátria, obedecendo ao desenvolvimento das relações sociais que aqui se estabeleciam, bem como o manejo com os escravos e agregados da família. As distinções sociais pouco poderiam ser percebidas a partir do aspecto inicial destas moradias. Pessoas menos favorecidas, assim como militares e intelectuais as usavam inicialmente, mas com o passar do tempo foram desenvolvendo as formas decorativas já mencionadas, bem como uma subdivisão interna diferenciada, ao mesmo tempo em que surgem os primeiros sobrados, geralmente ocupando as esquinas das ruas.
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Tudo isso aconteceu sob as novas condições locais, juntamente com a formação da sociedade e com o emprego de novos materiais de construção. A pedra foi substituída pela madeira - como material de estrutura e para detalhes importantes da construção - e o barro foi usado antes da adoção do reboco.
Fig. 3.10: Sobrado catarinense. Fonte: BROOS, 2002
Além desta influência sobre a maneira de construir, outra herança portuguesa é a tendência de conceber tudo pela superfície, particularidade à qual se atribui o desenvolvimento do azulejo e as obras de pintura decorativa e de cerâmica nas construções. O pouco interesse pelo volume e pelo claro-escuro em Portugal também se reflete na arquitetura catarinense: são poucos os relevos das casas, o beiral é pequeno e o teto é colocado sobre os ângulos da casa. De todas as variações, a construção típica possui cerca de duas braças de largura e é situada na fileira da rua. Compõe-se de duas partes: “a parte principal em direção à rua, com os quartos residenciais e o telhado de duas águas, e a parte anexa em direção ao quintal, com a cozinha e as dependências, e o telhado de uma só água”. As casas vizinhas podiam ser contrapostas de modo que os telhados de uma água juntavam-se formando unidades de duas águas (figura 3.11). Permitem a iluminação da parte principal na direção do quintal por serem salientes para dentro. (BROOS, 2002, p.123)
Fig. 3.11: Junção dos telhados. Fonte: BROOS, 2002
Na planta baixa a seguir, apresenta-se uma casa situada na Rua Conselheiro Mafra, nº1750, no Centro de Florianópolis. A edificação é tipo colonial, com duas braças de largura com dois eixos e a alvenaria é parte em pau-a-pique, em parte de tijolos.
Fig. 3.12: Planta baixa – edificação no Centro de Florianópolis. Fonte: BROOS, 2002.
Fig. 3.13: Corte AA – edificação no Centro de Florianópolis. Fonte: BROOS, 2002.
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Nos núcleos urbanos, conforme Faria (2002), os lotes possuíam testada estreita, grande profundidade e localizavam-se no alinhamento da rua. Por questões de segurança e economia, as casas eram geminadas, configurando uma contínua fachada de edificações semelhantes.
Fig. 3.13: Casas em fita. Fonte: BROOS, 2002.
A correspondência das aberturas nas paredes externas com as das paredes internas é outra característica típica da planta da casa térrea colonial. A exatidão desta correspondência é notada quanto mais rica for a edificação. Esta regularidade permitia a fácil subdivisão da planta de maneira a conseguir os cômodos necessários (BROOS, 2002 p.123). Por volta de 1790, no final do século XVIII, a sociedade já se encontrava modificada, pois os grupos sociais já haviam se estabelecido e as diferenças sociais surgiam não apenas no modo de organização da sociedade, mas também correspondendo a uma nova forma de habitar. Os comerciantes passaram a ter não apenas suas casas na zona urbana, mas também a manter moradias em chácaras fora da cidade. Estas residências se tornaram moradia definitiva da nova classe economicamente dominante (BROOS, 2002 p.89). A respeito da casa urbana pequena, o historiador Oswaldo Cabral, sobre a, com uma porta e uma ou duas janelas, afirma que o interior era bastante simples, possuindo geralmente três ou quatro peças. A peça da frente, com a porta e a meia-porta, possuía uma entrada, uma sala e, quando a família era numerosa, também um quarto. Segundo Cabral, o mobiliário era escasso, contando com uma pequena mesa tosca e um ou dois bancos. Nas paredes eram pendurados registros de diversos santos. Desta peça de entrada, ia-se para a alcova escura, onde se encontravam esteiras ou camas toscas alinhadas e encostadas às paredes encardidas. Lá descansavam os moradores, curavam-se as doenças, davam à luz aos filhos, etc. Guardavam-se as roupas em baús e arcas de madeira, que também eram usadas como banco.
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Nos fundos, um cômodo com mais ou menos o mesmo tamanho, com mesa, banco prateleiras, fogão primitivo, negro e enfumaçado. Comportava cozinha e refeitório, mas às vezes
servia também como quarto de dormir dos maiores. Uma porta e uma janela davam para o quintal, que era um simples terreiro cheio de pedras, de poças de excrementos de galinhas e cabras. No entanto, Broos (2002) considera que essas casas em que o refeitório servia como cozinha não eram típicas, eram tão raras quanto as casas mais ricas. As casas ricas são descritas também por Cabral (apud BROOS, 2002), que afirma que eram mais confortáveis, com várias janelas, um amplo salão, sala de visitas e um mobiliário mais adequado. “A porta da rua, quando não era lateral, dando para um pequeno pátio aberto, abria-se para um amplo corredor que seguia até a sala de jantar, a fim de que não houvesse necessidade de passar pela sala de visitas, a peça de honra da casa. A sala de jantar era tão espaçosa e ampla quanto a de visitas, abrindo três ou quatro janelas para o quintal”. As casas mais ricas geralmente se situavam nas esquinas ou fora das fileiras. Suas salas principais (visita e jantar) cercavam os dormitórios e, quando a situação era isolada, recebiam em parte luz direta. O sistema construtivo era mais elaborado, com a utilização de tijolos e pedra. A planta baixa a seguir representa uma casa térrea de esquina, de cerca de 1780, do tipo colonial, com quatro braças de largura. Situa-se na esquina da Travessa Urussanga e da Rua General Bittencourt, em Florianópolis. Fig. 3.14: Planta baixa – casa de esquina. Fonte: BROOS, 2002.
Como a estrutura era feita de acordo com as dimensões e as condições financeiras dos proprietários, as casas mais pobres eram de pau-a-pique ou pedra ajuntada com tijolos de barro secado. O teto era sempre feito de madeira e telhas de canal, mas às vezes o madeiramento era de peças não preparadas, com o formato natural, geralmente redondo. O assoalho muitas vezes não existia, as casas eram apenas de chão batido, bem duro e impermeável. Muitas não tinham forro nas salas principais. As mais pobres tinham seus caibros aparentes, enegrecidos pela fumaça do fogão. As mais ricas tinham o teto executado como plaflond de madeira esculpida conforme o gosto e situação econômica.
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3.3. Maputo 3.3.1. A casa nativa No que diz respeito à habitação na África antiga, o que se entendia por casa não era uma edificação que concentrava todos os cômodos e no qual todos os membros da família se instalavam, mas sim um conjunto de edifícios, cada qual destinado a um núcleo da família (BRUSCHI,2001). Além da articulação dos espaços abertos, da disposição e da relação entre as edificações, a forma dos edifícios que constituem a moradia caracterizavam os tipos de casa utilizados em diferentes épocas e povos. Antes de qualquer explicação a respeito da casa nativa moçambicana é necessário o entendimento do processo de formação de seu povo: como em diversos países africanos, a população descende de uma mistura de povos de inúmeras origens, mas no caso de Moçambique basicamente duas bases se destacam: inicialmente o povo Bantu e posteriormente o povo Swahili. No sul da região que atualmente corresponde à Moçambique, a casa bantu era composta por vários edifícios circulares, de diâmetro maior que a altura, com cobertura cônica e varanda a toda a volta, dispostos ao redor de um pátio. No lado oposto à entrada principal do pátio, geralmente se localizava o edifício destinado ao chefe, podendo ele morar sozinho ou com a primeira esposa. Ao lado, por ordem hierárquica, ficavam os edifícios destinados aos demais membros da família, até alcançar a área próxima à entrada, onde localizavam-se as edificações nas quais viviam, divididos por sexo, os filhos e filhas já crescidos mas ainda não casados (CARRILHO, 2005).
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Fig. 3.15: A casa nativa bantu. Fonte: Elaborado pelos autores.
O formato do pátio era circular e ao centro encontrava-se ou o recinto destinado ao gado, ou o local de reunião dos mais velhos da família. A posição de destaque e centralidade do recinto do gado está relacionada com a sua importância para os povos antigos do grupo Bantu, cuja economia familiar era pecuarista. Com a prática da agricultura e consequente diferenciação dessa economia, os agricultores passaram a dispor desse espaço central para um lugar de reunião ou de convívio comum. Utilizava-se, para as paredes, uma estrutura similar de pau-a-pique rebocada manualmente com terra. A cobertura possuía estrutura independente das paredes, com fechamento de capim ou folhas de palmeira. Geralmente a construção era edificada sobre uma base de argila e pedra. Com o tempo e com a dominação do povo Swahili, os edifícios mantiveram sua única abertura frontal, evoluíram de um quarto circular para um espaço retangular, mas ainda sem nenhuma divisão interna e com telhado em duas águas.
Fig. 3.16: Esquema da evolução da casa no sul de Moçambique. Fonte: Adaptado de CARRILHO, 2005)
Como afirma Carrilho (2005), a arquitetura Swahili se manifestou em toda a costa litorânea do Índico. Portanto, embora o objeto de estudo desta pesquisa seja a cidade de Maputo, devido ao restrito material disponível, faz-se necessário adotar como exemplo casas localizadas em outra cidade do país: Ilha do Ibo. A ilha faz parte do Arquipélago das Quirimbas, ao norte de Moçambique, localizado entre a baía de Pemba e a baía de Tungue junto ao rio Rovuma, numa extensão de cerca de 400 Km². A Ilha do Ibo localiza-se entre os paralelos 12° 19' 28” e 12° 24' 24” Sul e os meridianos 40° 32' 40” e 40° 37' 32” Leste e está separada 375 m do continente, no seu ponto mais próximo. Rodeiam-na recifes de coral no quadrante nordeste/sudoeste e grandes manchas de mangue a sul e sudoeste. É uma das maiores ilhas do arquipélago, a quarta em extensão (BENTO,1997), sendo maior se for considerada a área periodicamente inundada pelas marés.
Fig. 3.17 (esq.): Imagem de satélite da Ilha do Ibo. Fonte: CARRILHO, 2005. Fig. 3.18 (dir.): Mapa de 1884 da ocupação portuguesa na Ilha do Ibo. Fonte: CARRILHO, 2005.
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3.3.2. A casa do colonizador Por volta de 1500, com a chegada dos colonizadores portugueses, as influências externas resultaram em mais transformações na estrutura da edificação nativa, como mostra a figura 3.19. Observa-se, portanto, que a casa que anteriormente era circular e passou a ser retangular, mas ainda sem nenhuma divisão interna, evolui para um núcleo habitacional de múltiplas compartições articuladas a um espaço de circulação/distribuição, que se expande, se subdivide e que funciona, na maior parte dos casos, como eixo de uma composição espacial interna simétrica. A cobertura utilizada é de quatro águas e se projeta para o exterior formando uma varanda que, ao mesmo tempo que cria espaços de convivência cobertos e externos, permite que as paredes da edificação tenham um maior isolamento da água da chuva, uma vez que seu material não oferece muita resistência à degradação (argila e madeira). A varanda frontal é a interface com o espaço público e a posterior constitui um espaço de transição funcional e ambiental para um quintal quadrangular privado e fechado. Trata-se portanto, de um processo de modernização da tipologia habitacional e da tecnologia nela empregada. Esse processo ocorre lentamente ao longo do tempo e conduz à consolidação de algumas soluções formais, construtivas, de imagem e de ambiente urbano que passam a constituir a tipologia habitacional fixa cujos exemplos serão estudados a seguir. Essa tipologia foi adotada não só pelas classes menos favorecidas da sociedade, mas também foi usada como base para as habitações das classes abastadas: as edificações eram maiores e dispunham de mais ambientes que a tipologia original, mas o que ocorria era basicamente a duplicação, espelhamento e sobreposição da planta, conforme mostra a figura 3.20. Além disso a diferenciação também era feita pelos materiais implementados (os menos nobres como o pau-a-pique, ou os mais nobres, como a alvenaria). Fig. 3.19: Evolução da casa nativa com a chegada dos portugueses. Fonte: CARRILHO, 2005.
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Fig. 3.20: Evolução da casa popular Swahili à casa da elite portuguesa colonial. Fonte: CARRILHO, 2005.
Os materiais usados histórica e tradicionalmente na construção eram inicialmente, e em alguns casos ainda o são, aqueles que a natureza local oferecia com abundância. No Ibo usaram-se, para a construção, principalmente os seguintes materiais:
ð pedra coral, para as alvenarias: a pedra bruta, arrumada à mão ou talhada em blocos. Esse material, pelas suas características de resistência e técnica de utilização, implicou na construção de paredes de grande espessura. Mas também, por sua vez, permite um maior isolamento e proteção do interior das edificações, devido à sua maior inércia térmica; ð madeira de diversas espécies do mangue, em varas para vedações, em tronco cru, para os barrotes, e em pranchas para a estrutura, para as coberturas, para as caixilharias e até para o mobiliário; ð cal fabricada artesanalmente a partir do coral e de conchas, para as argamassas e para a pintura; ð tronco e as folhas de coqueiro (Cocus nucifera), com os quais se fabricam elementos de cobertura chamadas de coberturas de “macúti”;
ð folhas de uma espécie de palmeira brava de pequeno porte, que se utilizam inteiras e que resultam numa cobertura mais durável do que as construídas com as folhas de coqueiro; ð fibras vegetais, principalmente as obtidas a partir do coqueiro (a partir do receptáculo da inflorescência), e do entrelaçado feito com as fibras envolventes do coco, sendo as cordas obtidas deste modo usadas não só na construção, mas também na navegação; ð resinas vegetais de uma planta local rastejante, cujo nome popular é N'tamba ou N'tamba n'tamba, a partir da qual se produz um líquido viscoso que era utilizado para a fabricação de argamassa dura. A partir de meados do século XIX, houve um maior desenvolvimento do comércio e passou-se a exigir edificações com mais durabilidade. Aliado a esse fato houve a introdução de uma norma que definia que as coberturas deviam ser construídas com material não-combustível, para evitar incêndios. Portanto, nas casas dos mais abastados, as coberturas dos edifícios passaram a ter uma estrutura de madeira do mangue (usando-se árvores de espécies diferentes de acordo as necessidades de envergadura dos elementos construtivos), sobre a qual assentavam as telhas de tipo marselhesa, não só produzidas na França, mas também provenientes de Mangalore, na Índia. Foi também nessa época que foram introduzidos os elementos forjados e fundidos de ferro, que eram importados e foram utilizados nos guarda-corpos das varandas, nas colunas e nas abas de remate das coberturas. Algumas das características típicas da casa que são de influência portuguesa são cornijas e platibandas superiores cobrindo o remate dos telhados (fig.3.21); o emolduramento externo em relevo das janelas (fig. 3.22); os bancos internos localizados à beira das janelas (fig. 3.23); elementos de suporte e decoração em ferro fundido ou forjado nas varandas (fig. 3.21).
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Fig. 3.21: Residência no Ibo - cornijas e platibandas superiores e elementos em aço fundido na varanda. Fonte: CARRILHO, 2005.
Fig. 3.22: Moldura da janela em relevo na parte exterior da casa. Fonte: CARRILHO, 2005.
Fig. 3.23: Residência no Ibo - bancos junto à janela. Fonte: CARRILHO, 2005
Um dos elementos marcantes e característicos das casas é a varanda. Ela é um elemento construtivo que se destaca do núcleo principal da construção. Sua cobertura, na maior parte dos casos, era independente, mas raras vezes, era resultante do prolongamento da cobertura geral da casa nas fachadas frontais, suportada por colunas de desenho relativamente variado, normalmente espaçadas regularmente. As portas eram para a civilização swahili de uma importância particular na sua arquitetura. Elas eram normalmente ricamente ornamentadas e esculturais, marcando um contraste com as superfícies limpas do edifício e traduzindo, com um forte simbolismo, o status social do residente. Mesmo com a apropriação portuguesa a que estiveram sujeitas, as portas mantiveram o simbolismo e suas formas particulares, integrando-se com cuidado especial ao edifício. As janelas, de um modo geral, apresentavam verga reta e moldura externa em relevo, eram feitas de madeira e podiam ser tanto de abrir, quando guilhotina. Apresentavam, em sua maioria, bandeiras com vidro fixo. Vale ressaltar que de uma maneira geral as portas e janelas apresentavam uma certa coerência de desenho, de ornamentação e de cor, como pode ser observado nas figuras 3.24, 3.25 e 3.26, na página seguinte.
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Fig. 3.24, 3.25 e 3.26: Correspondência no tratamento da porta e janela em residência do Ibo. Fonte: CARRILHO, 2005.
Para estudar a tipologia habitacional resultante da miscigenação entre arquitetura nativa e do colonizador, foram escolhidas duas casas, localizadas na ilha do Ibo. A primeira habitação a ser estudada é um exemplo da já mencionada linha de absorção e desenvolvimento da tipologia habitacional popular por parte da elite colonial portuguesa: a residência do administrador da Ilha do Ibo. Esta, apesar das exigências de escala e monumentalidade, próprias de um edifício simbólico do poder estabelecido, mantém claramente na planta, elementos de caracterização da casa nativa: um espaço central de circulação e serventia, ligando diretamente o exterior frontal com o quintal privado; distribuição simétrica e em sequência dos compartimentos, tendo como eixo o espaço central (neste caso subdividido) de circulação e serventia; acesso comum direto ao quintal através de uma entrada de serviço lateral aberta no muro de vedação perimetral; varanda frontal em todo o comprimento da habitação e varanda posterior encaixada (com compartimentos fechados nos
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extremos, como Ê comum ver-se nas casas populares quando se pretendia ampliar o espaço habitacional interior). Os elementos espaciais principais se organizam num volume retangular compacto.
Fig. 3.27: Plantas e fachadas da Casa do Administrador da Ilha do Ibo Fonte: Acervo UEM
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Abaixo um exemplo de habitação comum, de uma família de classe média, na Ilha do Ibo.
Fig. 3.28: Plantas e fachadas de uma casa de classe média na Ilha do Ibo Fonte: Acervo UEM
Apesar de, ao contrário da Residência do Administrador, ser uma casa mais simples, sem pretensão à monumentalidade, a casa número 32 apresenta características cujos princípios se repetem na residência estudada anteriormente: há um eixo de simetria que, embora subdividido em dois cômodos, se configura como corredor de ligação entre a parte frontal e a posterior do lote. Há varandas configurando espaços de transição entre o interior e o exterior tanto na parte frontal – ocupando toda a extensão da fachada da casa – quanto na parte traseira da habitação – desta vez não se estendendo inteiramente ao longo da fachada, uma vez que parte desse espaço foi aproveitado para ampliação da área interna da residência. Os cômodos apresentam aberturas em todos os lados e quando não são para o exterior, servem de conexão com outro cômodo da casa.
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3.4. Discussão Com base nos critérios de comparação já explicados no item “Materiais e Métodos” – a casa nativa, sistemas construtivos, características formais e funcionais – faz-se agora a comparação dos aspectos levantados sobre a habitação. Nos dois locais de estudo, há uma diferença significativa quanto a influência da habitação nativa na construção da casa do colonizador. Na Ilha de Santa Catarina, a casa indígena teve pouca ou nenhuma influência sobre a casa do colonizador. Os índios, de caráter dócil, geralmente evitavam o confronto com aqueles que chegavam e muitas vezes fugiam pela mata. Assim, houve pouca miscigenação com os indígenas na época da colonização e pouca influência no modo de vida. Além disso, o modo de viver dos nativos era bastante primitivo, sem organização formal ou funcional, não representando qualquer “evolução” para os colonizadores. Já em Moçambique, a casa do colonizador resultou de uma evolução da casa nativa a partir da incorporação de características habitacionais portuguesas. Inicialmente, em ambos os lugares, o sistema construtivo era o pau-a-pique com cobertura de palha ou folhas de coqueiro, utilizando materiais locais, dado o caráter efêmero da fixação dos colonizadores, que vinham apenas por um curto e determinado período. Com a intenção de fixação definitiva nas novas terras, surge a necessidade de construir edificações mais duráveis e que refletissem uma melhor condição de vida. Para isso, materiais mais nobres passaram a ser implementados, o que implicou em alterações nos sistemas construtivos adotados. Para o fechamento das construções, substituiu-se o pau-a-pique pela alvenaria – em tijolos, em Florianópolis, e em pedra coral, na Ilha do Ibo. Para a cobertura também passaram a utilizar materiais mais resistentes e que conferissem status. Como exemplo, no lugar da palha, implementou-se a telha cerâmica, feita no local ou, no caso da Ilha do Ibo, também importada da França e da Índia. A casa do colonizador em Florianópolis se caracterizava pela fachada de uma porta e uma ou duas janelas, testada estreita alinhada à rua, grande profundidade e aberturas com verga reta, possibilitadas pelo uso do tijolo. Havia, na maior parte das vezes uma edificação anexa à casa, que abrigava a cozinha e as dependências. A cobertura da edificação principal era em duas águas enquanto que a parte anexa em direção ao quintal, possuía telhado de uma água.
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Já na Ilha do Ibo, as casas eram edificadas em um nível superior ao da rua, e apresentavam fachadas mais largas do que as habitações em Florianópolis, mas também apresentavam aberturas com vergas retas, simetricamente dispostas. A presença das varandas, destacadas do corpo principal da casa e com colunas que acompanhavam o ritmo das aberturas, enriqueciam a composição volumétrica da edificação. Além disso, serviam como espaço de transição entre exterior e interior, o que não acontecia comumente em Florianópolis. Quanto a ampliações do espaço interno da casa, enquanto na lha de Santa Catarina eram construídas edificações anexas, em Moçambique apropriava-se de parte do espaço da varanda posterior.
CONCLUSテグ
capテュtulo 4
4. Conclusão Cabe, neste momento, responder ao questionamento proposto por esta pesquisa e concluir se, de fato, a colonização portuguesa foi tão forte a ponto de condicionar características urbanoarquitetônicas semelhantes, mesmo em locais tão distintos. Quanto à parte urbana, pode-se afirmar que a colonização portuguesa imprimiu características semelhantes aos assentamentos. As similaridades são observadas não só na configuração de seus núcleos urbanos iniciais, mas também nos acontecimentos históricos que influenciam em sua formação, relacionados à sociedade, à economia e à política. Percebe-se que estas características se sobrepuseram aos modos de vida locais, implantando-se de maneira hegemônica. Já em relação às habitações, foram observados elementos que, isoladamente analisados, são semelhantes, tais como a verga reta, a planta axial e as alcovas. Porém, a assimilação ou não dos elementos da casa nativa fez com que a casa do colonizador fosse diferente nos dois locais. Outro aspecto é a constante reprodução do modelo consolidado, tanto na cidade brasileira quanto na moçambicana. O conjunto resultante deste modelo implantado repetidamente na cidade resulta numa imagem urbana diferenciada em cada local, apesar da organização da malha ser semelhante, como concluído anteriormente. Como exemplo, em Florianópolis, as casas alinhadas à rua configuravam uma imagem urbana diferente da seqüência de varandas observadas nas casas do Ibo.
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VEIGA, Eliane Veras da. Florianópolis – Memória Urbana. Florianópolis: Fundação Franklin Cascaes, 2008.
ANEXOS
1. Banner para a VIII SEPEX - Semana de Ensino, Pesquisa e Extens達o da UFSC (2008):
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2. Resumo e Banner para apresentação oral na 62ª Reunião da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) - 2010. Ciências Sociais Aplicadas / Arquitetura e Urbanismo / Arquitetura e Urbanismo O TRAÇADO URBANO RESULTANTE DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE MOÇAMBIQUE E BRASIL Khiusha Kiener Uaila kika_uaila@hotmail.com Bolsista PET/Arquitetura e Urbanismo – UFSC Lis Moreira Cavalcante Bolsista PET/Arquitetura e Urbanismo – UFSC Vera Helena Moro Bins Ely Profª. Drª./Orientadora – Depto. de Arquitetura e Urbanismo – UFSC Maristela Moraes de Almeida Profª. Drª./Orientadora – Depto. de Arquitetura e Urbanismo – UFSC INTRODUÇÃO Portugal, nos séculos XV e XVI, conquistou vários territórios pelo mundo. Para assegurar e dar suporte a sua colonização nas novas terras implantavam-se assentamentos, os quais estavam sujeitos a algumas condicionantes que variavam de um local para outro, como características do clima, relevo, tipo de solo ou povos nativos. Busca-se, nesta pesquisa, investigar se a ocupação de mesma origem em diferentes locais condicionou traçados urbanos semelhantes. Para isso, foram escolhidos como objetos de estudo dois países de colonização portuguesa, cujos descobrimentos foram contemporâneos: Brasil, em 1500 e Moçambique, em 1498. Focou-se o estudo nas cidades de Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, no sul do Brasil e Maputo, capital do país africano, devido às semelhanças nas características geográficas e bioclimáticas. Ambas estão em latitudes próximas (entre os paralelos 27°10'S e 27°50'S, e entre 25°49'S e 26°05'S respectivamente), suas temperaturas médias anuais são de 20° e a umidade relativa anual está entre 70 e 85%. Suas situações são litorâneas e, embora uma seja banhada pelo Atlântico e outra pelo Índico, ambas estão voltadas para o mesmo lado do oceano. Os dois sítios físicos iniciais se localizavam às margens de baías, em parcelas insulares do território. MÉTODOS A pesquisa se constitui de três etapas. A primeira, de revisão bibliográfica, permitiu fazer um resgate histórico do processo de colonização portuguesa e do surgimento e crescimento das cidades escolhidas, além da compreensão das características bioclimáticas de cada local. Nesta etapa também identificaram-se critérios nos quais se baseou a comparação das duas ocupações e que nortearam as análises: intenções de ocupação; características do sítio físico; e características e
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evolução do núcleo urbano. Na segunda etapa, utilizaram-se documentos iconográficos para a análise morfológica de cada cidade separadamente. Escolheram-se mapas de Florianópolis – dos anos de 1774, 1868 e 1916 - e de Maputo – dos anos de 1876 e 1892 –, contendo informações que permitiram o estudo da configuração inicial da ocupação e da evolução destes núcleos urbanos através do desenvolvimento da malha, da construção de novas edificações, entre outras características. Também foram feitos croquis para sintetizar o conteúdo abordado e complementar o texto, facilitando a leitura e compreensão dos aspectos analisados. Já a terceira etapa consiste no cruzamento dos dados levantados na análise realizada na etapa anterior, resultando numa comparação de caráter conclusivo, buscando responder as questões da pesquisa. RESULTADOS E DISCUSSÃO Em Florianópolis, a colonização foi tardia, já que somente a partir do progresso da Colônia de Sacramento (atual Uruguai), no século XVII, que a localização da Ilha se tornou estratégica: era um ponto de abastecimento antes da Bacia do Prata. Portugal, para assegurar o seu domínio, ocupou o local. O sítio da ocupação inicial se localizava na baía sul da Ilha, numa área plana, protegida pelo relevo ao norte, de frente para o mar, permitindo o domínio visual da baía. Os primeiros traçados eram perpendiculares à linha da praia enquanto que os seguintes eram paralelos, resultando numa malha ortogonal. Com a expansão da cidade os arruamentos passaram a se adaptar à topografia. Em Maputo, houve um desinteresse inicial dos portugueses, sendo que eram feitas apenas trocas comerciais na área até 1781, quando, com a ameaça de ocupação de outras nações, Portugal se estabelece visando o domínio sobre o local. A ocupação inicial foi na “Ilha dos Portugueses”, sendo esta uma pequena porção de terra plana, entre o mar e uma área pantanosa, num ponto que permitia o domínio visual da baía. Os arruamentos iniciais eram paralelos à linha do mar e definiram quadras alongadas que, posteriormente, subdividiram-se com o surgimento de pequenas ruas transversais, configurando uma malha ortogonal. CONCLUSÕES Através da comparação realizada, dentre outros aspectos, percebe-se que em ambos os locais, Portugal só demonstrou interesse de fixação a partir do momento em que havia a ameaça de invasão de suas terras. Portanto, nos dois casos a intenção de ocupação visava garantir o domínio sobre o território. Portugal estabelecia diretrizes semelhantes para ocupação de suas colônias, porém como cada local apresentava características típicas, era necessário modificar a estratégia para alcançar o mesmo objetivo. Nota-se que os portugueses procuravam terrenos planos e protegidos por alguma barreira física, no caso de Florianópolis havia o relevo e em Maputo, a área pantanosa. Buscava-se também um domínio visual dos possíveis acessos para evitar ataques. Quanto ao traçado urbano, buscou-se implantar a malha ortogonal até onde o relevo permitia. Porém, enquanto em Florianópolis a expansão se deu em cotas mais altas e os arruamentos se adaptaram ao relevo, em Maputo o crescimento ficou restringido pelos muros até o final do século XIX, quando houve um planejamento de sua expansão, garantindo a ortogonalidade da malha. Instituição de fomento: Programa de Educação Tutorial – PET/Arquitetura e Urbanismo/UFSC – Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação – SESu/MEC
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Palavras-chave: Ocupações portuguesas, Urbanismo, Colonização de Moçambique e do Brasil
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3. Banner para a IX SEPEX - Semana de Ensino, Pesquisa e Extens達o da UFSC (2009):
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Ver no cd em anexo as publicações nos Congressos: - SHCU 2010 (Seminário da História da Cidade e do Urbanismo) - não aceito - PNUM 2012 (Portuguese network of Urban Morphology / Morfologia Urbana nos Países Lusófonos) - aceito
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Portugal foi uma das poucas nações que se destacou nas expedições de navegação no cenário mundial. Conquistou vários territórios e estabeleceu colônias em diferentes continentes, como Açores e Madeira – ilhas localizadas no Atlântico –, Guiné Bissau e Angola – na África –, Timor Leste, Macau e Goa (atual estado da Índia) – na Ásia.
Ufsc
Maputo, em Moçambique e Florianópolis, no Brasil, também são cidades de colonização portuguesa, cuja cultura influenciou o traçado das cidades e a arquitetura colonial. Sabe-se também, que esses países se diferenciam por populações nativas distintas. Considerando essa divergência cultural, busca-se investigar, nesta pesquisa, se a ocupação de mesma origem, em diferentes locais, condiciona traçados e edificações habitacionais semelhantes.