Família tipográfica inspirada nas pichações paulistanas
crédito para FOTOGRAFIA de capa
Douglas Nascimento Agência SP Fotos
Localização
Figura 1 - Antigo moinho, hoje abandonado, na região do Bom Retiro. Também conhecido como Moinho Central.
Pablo Esteter Gonzalez Trabalho de Graduação Interdisciplinar apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharel em Desenho Industrial - Habilitação em Programação Visual. Orientadora: Profª. M. Zuleica Schincariol São Paulo - novembro 2009
Agradecimentos Primeiramente agradeço à minha mãe pela educação e persistência, ao meu pai pela sabedoria, conhecimento e inspiração; À minha namorada Carol pela ajuda, apoio e carinho. Agradeço minha diretora Sandra Cabral pela compreensão; Agradeço à minha orientadora Zuleica, pelos puxões de orelha e por não ter desistido de mim. Obrigado àqueles que acreditaram em mim e na minha capacidade.
A feiúra, onde quer que esteja, tem sempre um lado belo; é fascinante descobrir beleza onde ninguém a consegue ver. (Toulousse Lautrec)
Resumo A pichação em São Paulo, apesar de ilegal, produz uma quantidade imensa de referências para a criação de novas tipografias. Este trabalho tem por objetivo criar uma família tipográfica baseada na vivência pessoal no mundo da pichação e expressar sua essência, com os ruídos deixados pelos materiais e suportes. A questão da legibilidade será tratada em baixo grau, mais próximo à decifração, pois a proposta do projeto é transmitir a grafia urbana como ela realmente é. Palavras-chave: pichação, tipografia, design gráfico experimental
Abstract São Paulo´s pichação is an illegal activity, but produces a great quantity of references for new typefaces designs.This project aims to create a typeface disign based on personal experience in the world of pichação and to express its essence, with the noises left by the materials and supports.The question of legibility will not be relevant, because this is an experimental project that aims to communicate the urban writing like it really is. Key-words: pichação, typography, experimental graphic design
Lista de Figuras Figura 01 - Antigo moinho, hoje abandonado, na região do Bom Retiro. também conhecido como Moinho Central. Diponível em <http://www.googlemaps.com> Acesso em 15.10.2009 Figura 02 - Esqueleto de rato encontrado em construção. Acervo pessoal Figura 03 - Identificação da pichação VGN. Disponível em <http://www.flickr.com/photos/> Acesso em 01.11.2009 Figura 04 - Identificação da pichação CORPUS. Acervo pessoal Figura 05 - Pôsteres de Wolfgang Weingart da década de 70. Reprodução do livro: No more rules, 2003, p. 22 Figura 06 - Pôster de show de banda punk americana do final da década de 70. Reprodução do livro: No more rules, 2003, p. 41 Figura 07 - Pôster do movimento psicodélico. Acervo pessoal Figura 08 - Matéria sobre Brody e capa da revista The Face. Disponível em <http://www. tipografos.net> Acesso em 01.11.2009 Figura 09 - Capa da revista Emigre nº 5, de Rudy VanderLans, 1986. Reprodução do livro: No more rules, 2003, p. 98 Figura 10 - Pôster ilustrativo da fonte Keedy Sans criada por Jeffery Keedy, 2002. Reprodução do livro: No more rules, 2003, p. 09 Figura 11 - Cartazes da revolta estudantil na França. Disponível em < http://news.webshots. com/album/> Acesso em 20.10.2009 Figura 12 - Pichações nos metrôs de Nova York. Reprodução do livro: Poesia do acaso, 1985, p.31 Figura 13 - O muro de Berlim. Disponível em <http://www.dwelle.de/popups/popup_imagegalleryimage/> Acesso em 20.10.2009 Figura 14 - “abaixo a ditadura”, foto do jornal Manchete da década de 80. Disponível em <http://www.graffiti76.com> Acesso em 03.11.2009 Figura 15 - Montagem de pichações em muros nos anos 80. Reprodução do livro: Poesia do acaso, 1985, p. 52 Figura 16 - Muro pichado da década de 80. Reprodução do livro: Poesia do acaso, 1985, p.65 Figura 17 - Pichações com nomes de bandas de rock dos anos 80. Reprodução do livro: Poesia do acaso, 1985, p.43 Figura 18 - Logos de bandas de rock. Disponivel em <http://mtv.uol.com.br/ideafixa/blog> Acesso em 28.10.2009 Figura 19 - Stencil de Alex Vallauri (destaque). Reprodução do livro: Poesia do acaso, 1985, p. 106 Figura 20 - Vista aérea da cidade de São Paulo. Disponível em < http://www.flickr.com/photos/roy0123> Acesso em 10.11.2009 Figura 21 - Formato da pichação (grife - pichação - assinatura - ano). Acervo pessoal Figura 22 - Significado dos nomes no muro, régua e proporção. Disponível em < http://www. flickr.com/photos/turco> Acesso em 23.10.2009 Figura 23 - Textos com a fonte Textura. Reprodução do livro: Tipografia, origens, formas e uso das letras, 2006, p.155 Figura 24 - Dizeres no muro do Clube Corinthians. Disponível em < http://bandsports.band. com.br> Acesso em 10.11.2009 Figura 25 - Dizeres referentes à prisão da Carol por pichar a Bienal em 2008. Disponível em < http://www.estadao.com.br/noticias/cidades> Acesso em 10.11.2009 Figura 26 - Dizeres sobre o caso do especialista em reprodução humana acusado de estuprar pacientes. Disponível em <http://www.estadao.com.br/noticias/cidades> Acesso em 10.11.2009 Figura 27 - Dizeres ligados ao processo da igreja Universal contra alguns jornais. Disponível em <http://www.estadao.com.br/noticias/cidades> Acesso em 10.11.2009
Figura 28 - Imagens atuais da pichação em São Paulo. Disponível em < http://www.flickr.com/ photos/choquephotos> Acesso em 12.11.2009 Figura 29 - Convites virtuais para os ataques comandados por Pixobomb. Disponível em < http://www.flickr.com/photos/choquephotos> Acesso em 12.11.2009 Figura 30 - Exposição na França com pichações de Djan (Cripta). Disponível em < http:// www.flickr.com/photos/criptadjan> Acesso em 12.11.2009 Figura 31 - Pôster da 33ª Mostra de cinema de São Paulo criada por OsGêmeos. Acervo pessoal Figura 32 - Cartaz de divulgação do documentário PIXO. Disponível em < http://www.flickr. com/photos/criptadjan> Acesso em 12.11.2009 Figura 33 - Foto do catálogo da Cavalera. Disponível em <http://www.cavalera.com.br> Acesso em 07.11.2009 Figura 34 - Tênis da marca DC. Disponível em <http://www.starpoint.com.br> Acesso em 07.11.2009 Figura 35 - Capa do Cd da Banda de Rap Contrafluxo. Disponivel em <http://mtv.uol.com. br/ideafixa/blog> Acesso em 08.11.2009 Figura 36 - Logo da marca Venon. Disponível em < http://www.venom.com.br/site/> Acesso em 08.11.2009 Figura 37 - Propaganda do seriado “9mm” da FOX. Disponível em < http://canalfox.com.br/ br/> Acesso em 08.11.2009 Figura 38 - Matéria na Veja On-line. Disponível em < http://veja.abril.com.br/> Acesso em 08.11.2009 Figura 39 - Estampas da marca Billabong. Disponível em <http://www.starpoint.com.br> Acesso em 07.11.2009 Figura 40 - Neville Brody, na revista The Face, vai desconstruindo a palavra de forma progressiva até chegar na última figura a direita. Reprodução do livro: No more rules, 2003, p. 49 Figura 41 - Pichação dos Os Cururu. Disponível em < http://www.flickr.com/photos/os_ cururu/> Acesso em 08.11.2009 Figura 42 - Fonte de Pete Mc Cracken, para Plazm Fonts, USA, 1993. Reprodução do livro: No more rules, 2003, p. 65 Figura 43 - Fonte House Industries, para a série Bad Nieghborhood, USA, 1995. Reprodução do livro: No more rules, 2003, p. 65 Figura 44 - Fonte Luc(as) de Groot, Alemanha, 1995. Reprodução do livro: No more rules, 2003, p. 65 Figura 45 - Estudos referentes aos caracteres. Acervo pessoal Figura 46 - Pichação de Lin. Disponível em < http://www.flickr.com/photos/osregistrados> Acesso em 18.11.2009 Figura 47 - Pichação Lixomania,Zé.Disponível em < flickr.com/photos/ mr_fran/3709098556/> Acesso em 18.11.2009 Figura 48 - Imagem do local escolhido. Acervo Pessoal Figura 49 - Imagens dos caracteres aplicados. Acervo pessoal Figura 50 - Caracteres fotografados separadamente. Acervo pessoal Figura 51 - Numerais sendo feitos manualmente com rolinho. Acervo pessoal Figura 52 - Imagens dos caracteres aplicados. Acervo pessoal Figura 53 - Caracteres fotografados separadamente. Acervo pessoal Figura 54 - Consoante “F” sendo feita manualmente por spray. Acervo pessoal Figura 55 - Telas do Photoshop. Acervo pessoal Figura 56 - Tela do ScanFont. Acervo Pessoal Figura 57 - Tela do FontLab. Acervo Pessoal Figura 58 - Tela do catálogo de fontes, a fonte já instalada. Acervo pessoal
Sumário 1. Introdução
10
2. Vivência na pichação
11
3. Tipografia Pós-Moderna
14
4. Definindo a pichação paulistana 4.1 Origem / História 4.2 Análise dos caracteres da pichação 4.2.1 Ousadia 4.3 O movimento na atualidade 4.3.1 Impressões sobre o filme “Pixo” 4.4 Apropriação da pichação pelo mercado 5. Análise e comparação dos tipos de referência 5.1 Template Gothic (Berry Deck) 5.2 Brasil Pixo Reto (Tony de Marco) 5.3 1Rial (Crimes Tipográficos) 5.4 Textura Manuscrita 6. Projeto 6.1 A questão da legibilidade 6.2 Briefing
17 21 24 25 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37
6.3 Desenho dos caracteres 6.3.1 Rolinho 6.3.2 Spray 6.4 Gerando a família tipográfica 6.5 Análise - Atributos Formais da Fonte das Ruas
38 40 41 42
7. Cartazes conceituais de apresentação
46
8. Considerações finais
47
9. Referências Bibliográficas
48
10. Anexo
50
44
1. Introdução Pichação, estilo único, forma de expressão de jovens que querem chamar a atenção, agredir, protestar, deixar sua marca. Em São Paulo, no “rolê”, invadem casa, muros, beirais de prédios e lá desenham seus traços distorcidos, quase indecifráveis, interferindo na paisagem urbana. A diversidade e criatividade desses “tipógrafos” das ruas tem chamado a atenção do mundo todo, e são inúmeros os trabalhos feitos com base na pichação, tais como livros, documentários, exposições e reportagens. A ilegalidade do ato gera uma polêmica acerca dele poder ser considerado uma manifestação artística ou somente um ato de vandalismo. O objetivo deste projeto é a criação da família tipográfica experimental “Fonte das Ruas”, inspirada no movimento da pichação, na vivência pessoal do autor e todas as suas características, tais como forma dos traços e ruídos. Os caracteres são criados com material e suporte utilizados pelos pichadores, fotografados e retrabalhados em um programa de criação de fontes digitais. Os estudos para o projeto incluem pesquisas bibliográficas a respeito da história da pichação, seu cotidiano, aplicações, publicações e também um estudo sobre a tipografia, o pós-modernismo e análises de fontes tipográficas, bem como um relato de experiência pessoal. O projeto propõe a criação de uma forma tipográfica personalizada e caracterizada pela proximidade mais fiel possível à essência da pichação paulistana, em sua expressão gráfica, para que a sensação visual de Figura 02 - Esqueleto de rato encontrado em construção
um muro pichado possa ser trazida para a tela do computador ou para um impresso. 10
2. Vivência na pichação Minha relação com a pichação começou na época do colégio, mais
Passei a reparar que essa abreviação se repetia por vários lugares que
precisamente entre a 3ª e 4ª série do ensino fundamental, com rabiscos
passava, logo o trajeto de casa para o colégio se transformou em uma
em cadernos e cadeiras, meio que algum impulso e curiosidade me
galeria tipográfica ao ar livre, e consequentemente ao chegar na sala
levou a esse mundo das formas ilegíveis.
de aula o primeiro ato era abrir o caderno e copiar os caracteres visto nas ruas, tentando escrever o meu nome copiando o estilo , e logo
Morava na Vila Clementino, bairro da zona sul de São Paulo, uma
percebi que não era nada simples, havia uma disposição ordenada nas
rua bem movimentada que me fez abrir os olhos para a pichação,
formas e os traços de cada pichação, gangues ou nomes próprios se
pois frequentemente acordava, abria a janela e percebia que sempre
diferenciavam.
havia novos traços, e os mesmos ficaram ou estão lá nos muros até hoje. De tanto observar essas criações, elas se tornaram legíveis,
Até a 5ª série continuei apenas rabiscando carteiras e cadernos,
pois algumas usavam caracteres mais simples. Lembro que a primei-
quando um amigo de infância, o Pirulito (ele picha até hoje GDL -
ra pichação que distingui foi VGN, abreviação (muito utilizado pelos
Gang do Lixo), veio com uma novidade: o nugguet (graxa de sapato).
pichadores) das consoantes para Vagner e um dos grandes nomes
Fomos até o mercado mais próximo e juntando algumas moedas o
dessa cena paulistana.
compramos. No percurso do mercado até minha casa fizemos as primeiras letras. Naquele momento, enquanto dava cobertura, senti a real sensação da adrenalina e percebi o porquê da cidade estar tomada pelas pichações. Na época não tinha criado nada para deixar a minha marca, apenas fiquei alerta para avisar meu amigo caso houvesse algo que pudesse nos atrapalhar, como a polícia ou o dono do muro em questão. Como eu era novato e apenas sabia rabiscar meu nome com letras fáceis de serem decifradas, imaginei que poderia estar deixando pistas ao dono do muro. Depois disso não parava de pensar em criar algo para poder sair pelas
Figura 03 - Identificação da pichação VGN
ruas. Abreviando meu nome usando as iniciais, criei meu primeiro Tag 11
(assinaturas pessoais codificadas), e assim comecei a sair pelas ruas
quando procurávamos algo original, e passando em frente a um
rabiscando com giz de cera.
supermercado, vimos uma placa de oferta do Iogurte Corpus e não tivemos dúvida. Criamos uma tipografia com caracteres simples, pois
Quando mudei de colégio criei laços de amizade com pessoas que
o nome da “gang” era forte e queríamos que fosse lembrado pelo
também faziam tags e pichavam. Eles lançavam JQS (Jamiroquais, que
nome, e não pelas letras.
passou ser a abreviação de Jovens Que Sofrem) e um dos integrantes me fez o convite para entrar no grupo, já que estava com uma certa fama com os tags em giz de cera. Não tive dúvidas, era isso que eu queria, esperei o fim de semana chegar para poder fazer meus primeiros pichos. Eles foram feitos com rolinho e a tinta era cal diluído em água em um pote de sorvete. Fui sozinho, andando pela madrugada no bairro do Ipiranga, para o qual tinha me mudado há alguns meses. Felizmente na primeira saída consegui deixar algumas marcas do meu novo grupo nos muros sem sofrer nenhuma represália e nem ser pego pela polícia. Dias depois veio o reconhecimento: outras pessoas ligadas ao movimento comentaram sobre os “rolês”, e isso fez com que aumentasse minha vontade de continuar. O cheiro da tinta spray, os movimentos gestuais das letras, os lugares desejados que dessem mais visibilidade ao nome do grupo, a fama e a adrenalina, resultaram num grande vício. Saídas escondido de casa, mentiras para meus pais, tudo em
Figura 04 - Identificação da pichação CORPUS
nome da pichação.
Pichávamos religiosamente aos finais de semana, e com o passar do
No ano de 2000 acabei conhecendo mais pessoas envolvidas nesse
tempo queriamos aumentar nosso grau de dificuldade. O domínio
mundo, e assim eu e mais três amigos de bairro resolvemos criar a
sobre os materiais spray e rolinho aumentavam e valorizávamos cada
nossa própria “gang”, pois assim seríamos os “cabeças” (gíria dada
vez mais a estética dos nossos traços.
aos líderes dos grupos, que tem autoridade de tirar ou incluir in-
tegrantes). O nome escolhido foi CORPUS. Este nome foi criado
Subíamos em beirais de prédios, pontes em vias expressas com 12
movimento intenso, escalamos até topos de prédios. O “barato” era
valeu a pena pois eu aprendi a lidar com as diferenças sociais e a me
pichar mais alto que os outros, era deixar nossa marca visível, em
impôr limites, pois depois de um tempo meu grupo passou a se uti-
lugares onde elas não seriam apagadas facilmente, como por exem-
lizar de tóxicos e outras drogas de forma abusiva, e eu percebi que
plo muros baixos ou pintados de branco. Procurávamos lugares que
esse não seria meu destino. Fui parando de fazer parte desse grupo
tinham “agenda” (pichações antigas que não foram apagadas). Um de
aos poucos, e aos 18 anos abandonei a pichação.
nossos membros se mudou para a Zona Leste e lá recrutou novos integrantes, aumentando nossa área de abrangência.
Dos integrantes do meu grupo, mantenho contato com apenas um
deles, que continua na mesma vida, vive de empregos informais e
Nossa gang era parte da grife “Os nada consta”, que viviam na favela
temporários. Felizmente eu tive bases para concluir meus estudos e
de Heliópolis, e lá haviam encontros dos grupos, festas e trocas de
trabalhar.
“folhinhas” (modelo reduzido, em folha de papel, das pichações realizadas no espaço urbano). Esta é uma forma de preservar a memória
O fato de eu ter algum dia pichado não interferiu na minha vida
dos trabalhos, de guardar recordações das marcas. Os grupos assi-
profissional ou pessoal, mas eu continuo a admirar e acompanhar a
nam o nome que picham pela cidade e trocam entre si nos encontros,
evolução de traços e a transformação ocorrida na arte urbana no
e estes são guardados em pastas como um conjunto de fotografias.
decorrer dos anos, e apesar de saber que é uma atividade ilegal, en-
Alguns pichadores tem verdadeiros acervos em suas casas. Esse é um
tendo sua essência como forma de expressão e originalidade, e por
jeito de “eternizar” essas marcas, que fatalmente um dia serão apa-
isso escolhi esse tema como referência e tema da criação de minha
gadas. Já fomos enquadrados e agredidos pela polícia, tivemos nosso
família tipográfica, a “Fonte das Ruas”.
material apreendido, e nos arriscamos em nome de nosso grupo, mas
13
3. Tipografia Pós-Moderna As diversas manifestações da tipografia pós-moderna, tanto no
para isso. (...) Os tipógrafos da época nunca colocariam as letras em uma
design de tipos quanto nos layouts, nasceram, segundo Priscila Farias
curva, nem deixariam tanto espaço entre elas. Era algo proibido. Eu tentei
(2000, p. 29) “do embate das influências dos experimentalismos de
fazer o oposto porque o desafio de explorar os materiais me pareciam
décadas precedentes, somados ao avanço tecnológico ligados à área
interessante”
do design gráfico”.
(Weingart apud Farias, 2000, p.28)
A tipografia deixava de ser funcional para ser parte de uma composição, e padrões como legibilidade e linearidade foram deixados de lado para criar composições mais expressivas e experimentações. Ainda, segundo Farias (2000), o layout passou a ser complexo, empregando elementos posicionados em diversas camadas sobrepostas e formas fragmentadas, arranjadas de uma forma que desafiasse os padrões racionalistas de leitura, e empregando fontes de acordo com o mesmo princípio. Os trabalhos desenvolvidos por Wolfgang Weingart, segundo Jacques (2002), tiveram contribuição importante nas criações gráficas pósmodernas, na virada dos anos de 1960 para os de 1970. Ele rejeitou o ângulo reto como princípio organizacional, estabelecendo um arranjo
Figura 05 - Pôsteres de Wolfgang Weingart da década de 70
de elementos subjetivo e intuitivo. O peso da fonte era alterado aleatoriamente no meio das palavras, que eram distorcidas até quase a
As novas proposições visuais possuíam mais atitude, carregavam mais
ilegibilidade. A justaposição de imagens e texturas criavam intencio-
expressividade e expandiam a significação. Atribuíam papéis simbó-
nalmente ruídos visuais e a tipografia passou a ser mais que informa-
licos aos elementos gráficos, para que estes assumissem maior en-
tiva no conteúdo verbal do texto, distanciando-se da neutralidade.
volvimento com o conteúdo das mensagens, muitas vezes exigindo maior esforço por parte do leitor para sua interpretação.
“Eu sentia uma necessidade de mudar, mas não tinha regras específicas
14
O contexto social dos anos de 1960 e 1970 teve papel importante
Com o surgimento na década de 1980 do computador e seus novos
para as novas expressões no design.
recursos gráficos, que permitiam ao designer criar novos tipos de composição e de tipografias, outros designers se destacaram. Dentre
“As décadas de 60 e 70 presenciaram o surgimento de uma série de
eles, podemos citar o designer Neville Brody e sua atuação como
movimentos de fundo político/social que acabaram por influenciar de for-
diretor de arte e designer de tipos na revista londrina The Face. De
ma decisiva o design e a tipografia, entre eles o movimento estudantil, o
acordo com Heitlenger (2006, p.266), a revista tinha “uma simetria
psicodelismo e o punk.”
arrojada, perfeitamente (des)equilibrada”. Os layouts eram rebeldes, e usavam a tipografia
(Farias, 2000, p.26)
com liberdade e expressividade. As fontes criadas para a The Face foram comercializadas posteriormente. Mesmo com toda essa Figura 08 - Matéria sobre Brody e capa da revista The Face
face
tecnológica
dos
anos 80, muitos desig-
ners resistiam ao recém surgido computador pessoal, pois os recursos, ainda precários, resultavam em layouts grosseiros. Outros Figura 06 - Pôster de show de banda
Figura 07 - Pôster do movimento
punk americana do final da década
psicodélico
de 70
Nessa época havia um descontentamento, principalmente da parte de jovens, com tudo o que havia sido estabelecido pelas gerações anteriores como regras de comportamento, com o chamado “sistema”. Isso gerou movimentos de protesto, e eles tinham em comum uma certa cultura underground, como alternativa à cultura “oficial” do “sistema”. Essas referências são nítidas no design produzido após esse período, que mostrava a rebeldia, a desconstrução dos padrões, a quebra de regras.
tiravam proveito explorando tipografia bitmap, texturas criadas por impressoras matriciais e inúmeras possibilidades de justaposição e sobreposições de textos e imagens. (Jacques, 2002). Na década de 1990 de acordo com Farias (2000), o rápido desenvolvimento das tecnologias digitais e do surgimento de programas de diagramação eletrônica, abriu grande espaço para a criação e manipulação de letras, e a era digital parece ter permitido que o design tipográfico passasse a ser menos influenciado por convenções tradicionais a respeito de legibilidade e harmonia. 15
Duas publicações se destacam nesse período: a revista Fuse, editada
Concluindo, a tipografia pós-moderna questiona a neutralidade da
por Brody, concebida para ser utilizada como reflexão a respeito de
comunicação visual e dos padrões defendidos pela escola moder-
tipografia como linguagem, de possibilidades geradas pela tecnolo-
nista. De acordo com Jacques (2002), para designers como Brody
gia digital, e a revista californiana Emigré, criada em 1984 por Rudy
ou Jeffery Keedy, criar fontes para o uso pessoal é assegurar-se de
VanderLans e Zuzana Licko, que segundo Heitlinger (2006) era uma
que cada trabalho tenha sua própria identidade, seu tom, sua voz e a
revista que ignora fronteiras. A Emigre é considerada por muitos
possibilidade de desenvolver um comentário sócio-cultural para cada
designers e especialistas da época como um marco em conceito
caso. É importante valorizar a tipografia por suas falhas e imperfei-
gráfico pela experimentação tipográfica digital que a caracterizou,
ções, como representação de um mundo imperfeito: “Fontes imper-
com forte presença do design de tipos realizado por Zuzana Licko.
feitas para um mundo imperfeito” (Barry Deck).
Figura 09 - Capa da revista Emigre nº 5
Figura 10 - Pôster ilustrativo da fonte Keedy Sans criada por Jeffery Keedy
16
4. Definindo a pichação paulistana 4.1 Origem/História “Escrever seu nome sobre uma folha de papel ou sobre um muro com
Em maio de 68, na França, segundo Fosenca (1985), inscrições picha-
tinta spray significa, de certa forma, afirmar sua existência. Por meio da
das nas paredes em torno de universidades foram gritos de liberdade
caligrafia, assim como dos grafites das pichações nos muros da cidade,
dos estudantes da época, revoltados contra o DEFENSE D’AFFICHER
expressões de uma espécie de contra-poder, o homem procura construir
(proibido colar cartazes), característicos da “ordem estabelecida” e
um rosto, uma identidade.”
espalhada por toda Paris desde o século XVIII. (Mandel, 2006, p.187)
Inscrições de protestos e expressão de idéias nas paredes e muros já eram conhecidas e praticadas há muito tempo pela humanidade. Uma das manifestações mais antigas da pichação data de 79d.C., na cidade de Pompéia, vítima do Vulcão Vesúvio. Foram preservados (devido à erupção) todos os tipos de pichação, como xingamentos, propagan-
Figura 11 - Cartazes da revolta estudantil na França
das políticas, anúncios, poesias e desenhos. (Souza, 2007) Esses cartazes tinham teor proibitivo, e segundo o “Guia ilustrado Na Idade Média, padres da época da Inquisição escreviam nas paredes
de graffiti e quarinhos”, os estudantes protestavam contra o auto-
dos conventos rivais, expondo suas ideologias e criticando doutrinas
ritarismo e o imperialismo, com frases como essas: “É estritamente
contrárias, governantes e todo tipo de pessoa ou instituição a quem
proibido proibir”; “Você está sendo intoxicado: rádio, televisão, jor-
se queria difamar.
nal, mentira”; “Corra camarada, o velho mundo quer te alcançar”; “Sejamos realistas. Exijamos o impossível” e “Eu não gosto de escre-
Após a Segunda Guerra Mundial, houve uma evolução, com a pro-
ver sobre os muros”. Segundo Fonseca (1985), as citações não eram
dução de materias em aerosol (tinta spray), que deram mobilidade
assinadas, era a celebração de um anonimato que participa.
e agilidade aos traços. Movimentos ocorridos em alguns lugares do mundo inspiraram e contribuíram para a chegada da pichação em São
Em junho a limpeza de cal cobriu tudo, e ao invés dos protestos
Paulo e com a formação da identidade da mesma. (Souza, 2007)
franceses, surgiu uma manifestação expressiva de “guerrilha” através 17
da linguagem em Nova York, em 1972. Jovens negros ou porto-
Em 1961, Segundo o “Guia ilus-
riquenhos usavam pichações contra as perseguições raciais e as
trado de graffiti e quadrinhos”,
péssimas condições dos guetos. Eles escreviam nos muros e ta-
o Muro de Berlim foi constru-
pumes de guetos, em ônibus, elevadores, galerias, monumentos e
ído, e dividiu a cidade em dois
caminhões, atingindo sua radicalidade máxima, enquanto forma, nos
lados. O lado Leste era branco,
metrôs (Fonseca, 1985, p. 27).
mas o lado Oeste, a partir de
Ainda segundo Fonseca (1985), a pichação no metrô foi uma rebelião
Figura 13 - O muro de Berlim
1985/86 passou a ser usado como instrumento de protes-
estética de altíssimo nível, onde a qualidade luminosa da tinta spray
to e expressividade. Frases de
interferia e transformava as inscrições em espécies de neon ambu-
manifestação de apelos pelo seu fim ou sustentação foram escritas
lantes. Eram inscrições coloridas e criativas, que chegavam a atingir
por todo o muro. Pessoas de todas as partes do mundo e de todas
um metro de altura e algumas vezes ocupavam toda a extensão de
as classes sociais dividiam espaço no muro numa pacífica competição
um vagão. Eles escreviam nomes e sobrenomes retirados de quadri-
criativa. Em 9 de novembro de 1989 o muro foi fisicamente derruba-
nhos underground, seguidos pelo número de sua rua (EDDIE KOLA
do em uma ação da população de ambos os lados. Construído com
135, DUKE SPIRIT SUPERCOOL). Alguns usavam números em alga-
propósito de segragação política, sua queda não significou seu fim. As
rismos romanos (SNAKE I, SNAKE II). A qualidade estética era tão
imagens foram registradas em fotos catalogadas como testemunho
surpreendente que provocou artigos elogiosos em revistas de arte.
da história da vergonha ocidental. “Que tivemos influência de Maio de 68 na França não há dúvida. Das pichações dos metrôs de NY também. Os caminhos da experimentação estão abertos.” (Fonseca, 1985, pag.72)
Figura 12 - Pichações nos metrôs de Nova York
No Brasil, foi durante a ditadura militar que os muros da cidade receberam as primeiras letras. Segundo Lassala (2007), era a pichação
Nota-se que a pichação brasileira teve Nova York como grande fonte
na sua forma inicial, que chegava como uma alternativa de expressão
de inspiração, já que aqui se inicia uma preocupação estética e os
para os jovens sem os filtros da censura que vigorava.
autores passam a assinar seus nomes e endereços, querem reconhecimento.
A pichação nesse ponto ainda não tinha estética própria - eram ape18
nas palavras escritas de forma
Frases de sentido ambí-
rápida por jovens sem habilida-
guo surgiram em muros
des com a tinta em aerosol.
de ruas, avenidas e vilas. Tinham caráter enigmático e
Figura 14 - “abaixo a ditadura”
Segundo Fonseca (1985) a pi-
um certo lirismo. Surgiam
chação no Brasil surgiu perto
então palavras em forma
das universidades, nos bairros
de trocadilhos, como por
de melhor situação sócio-eco-
exemplo ÉDIFICIL, que
nômica de São Paulo e com um
tinha um acento na letra
índice de alfabetização intensa.
E, e o O final trocado por
Mesmo com as tentativas do
Figura 16 - Muro pichado da década de 80
um L, formando EDIFICIO/
setor público de conter a picha-
ÉDIFICIL, querendo deno-
ção, aplicando multas, autuando
tar a dificuldade de se viver
em flagrante e limpando os muros, ninguém ficava indiferente e os
numa cidade grande e vertical como São Paulo. (Fonseca, 1985)
adeptos foram aumentando de ano para ano, surgindo em outras áreas e zonas da cidade.
Outra forma eram frases, uma forma de poesia concreta, escritas em muros. Eles se utilizavam de títulos de livros, poemas e jogos de palavras, como “amanhã, manhã, amanhecer”. Segundo Felisette (2006), foi só nos anos 80 que a pichação como conhecemos hoje começou a tomar forma, sob forte influência musical de bandas de rock e metal, como Slayer, ACDC, Iron Maiden entre outros. Com o passar dos anos, a tipografia da pichação foi evoluindo para um lado cada vez mais original e transcendente à escrita comum, e hoje compõe uma escrita paralela que é marcada por letreiros verti-
Figura 15 - Montagem de
cais e pontiagudos, em sua maioria escrita com tinta preta.
pichações em muros nos anos 80 19
Depois dessa primeira fase, a pichação atingiu classes mais pobres, moradores de favelas e periferias, que viam nesse ato uma forma de transgressão, de marcar sua presença. Na percepção do designer e artista plástico inglês Tristan Manco (2005), pesquisador de arte de rua nos cinco continentes o autor do livro Graffiti Brazil (2005), a pichação é mais um estilo de intervenção urbana tipicamente brasileiro cujas motivações tem raízes Figura 17 - Pichações com nomes de bandas de rock dos anos 80 (esquerda) Figura 18 - Logos de bandas de rock (direita)
no próprio ambiente físico das grandes cidades brasileiras, refletindo questões como migração, especulação imobiliária e planejamento urbano. Nas palavras do autor (p.16) a partir de seu passeio pela cidade de São Paulo,
“A pichação é uma forma de expressão gráfica com letras de grande impacto visual, para intervir na paisagem urbana com uma enorme variação
“A pichação decolou por uma razão simples: São Paulo é indubitavelmente
de estilos, obedecendo a regras próprias, somando à adrenalina do proibi-
uma das mais feias cidades do mundo. A partir de 1970 sua população
do, desafiando o design e a arquitetura.”
foi acrescida de mais de quinze milhões de pessoas. Isto representa apro(Gustavo Lassala)
ximadamente duas vezes a população dos cinco distritos de Nova Iorque. O crescimento de São Paulo continua, e cada horizonte na cidade hoje em
Em São Paulo, em 1978, o ar-
dia termina em incontáveis e altos blocos concretos de apartamentos.”
tista Alex Vallauri desenhou utilizando técnicas de máscaras ou stencil em muros pela cidade, e já na década de 80 o criador de cães Antenor Figura 19 - Stencil de Alex Vallauri (destaque)
Lara Campos, o Tozinho, escrevia “Cão Fila - km 26 do
Alvarenga”, frase para divulgar seu negócio e que se tornou conhecida pelo Brasil afora, impressa em muros, casas, árvores, postes, etc, segundo o site da Prefeitura de São Bernardo do Campo.
Figura 20 - Vista aérea da cidade de São Paulo 20
4.2 Análise dos Caracteres da pichação A cidade de São Paulo é cheia de contrastes, diferenças sociais,
Alguns colocam o ano quando picham em locais difíceis de serem
culturais e financeiras. A pichação surgiu com a intenção de protesto
removidos, pois sabem que a escrita vai durar por algum tempo. A
e logo se expandiu, tornando-se uma forma de expressão, de demar-
pichação é efêmera. A marca deixada no muro pode ser apagada no
cação de território, de dizer “eu existo”. O que começou com es-
dia seguinte, e quanto mais velha a pichação mais respeitada será.
tudantes da elite paulistana, se difundiu em camadas mais pobres ou
Outra indicação é a da região ou bairro da cidade de onde vêm seus
periféricas da cidade. O tom de protesto ainda continua, mas agora,
autores, e por esta razão é comum ver as siglas Z-S, Z-N, Z-L, ou Z-O
além de comunicar, ela também quer agredir e ocupar espaço.
(Zona Sul, Zona Norte, Zona Leste, Zona Oeste) sinalizando o local de origem daqueles pichadores.
Analisando os caracteres utilizados nas pichações, notam-se alguns “padrões”, que se caracterizam, no geral, por possuir três elemen-
Existem diversos tipos de pichações, e todas se diferem, até por uma
tos: a “grife”, que reúne diversos grupos de pichadores, representada
questão de identidade pessoal de quem as cria, mas podemos notar
geralmente através de um emblema, o “picho”, nome dado ao grupo
alguns pontos em comum: geralmente condensados, os traços são
de pichadores ou nomes próprios de pessoas, e por último, de forma
em sua grande maioria retos, alguns mesclam o curvo com o reto,
abreviada e menor, o nome ou apelido dos indivíduos que integram
as bordas são angulosas, muitas vezes desenhadas na proporção de
aquele grupo, e que estavam presentes no momento da ação. Nessa
três terços.
inscrição está presente do mais geral ao mais particular. Encontramos também algumas formas mais arredondadas, e as pichações em geral são muito bem feitas, devido à prática dos autores. Segundo Souza (2007), os traços retos tem muito a ver com a perspectiva retilínea dos prédios de São Paulo, seus aglomerados de construções de concreto e suas cinzentas áreas urbanas e é fato que a altura da letra é medida de sua base até a linha superior da mesma (caixa alta). Estas se deram com o auxílio da arquitetura das fachadas e prédios, chamada de régua pelos pichadores, e por esta razão não existe um padrão quanto a altura das fontes, os pichadores procuram se utilizar de toda a superfície, fazendo com que as letras caibam e Figura 21 - Formato da pichação (grife - pichação - assinatura - ano) 21
preencham a dimensão do local, talvez para que não haja espaço para que outros invadam seu pedaço, já que o atropelo é meio que proibido nesse meio, uma forma de desrespeito ao trabalho alheio.
ANACONDA
TURCO
Figura 23 - Textos com a fonte Textura
DANADOS
Normalmente os pichadores utilizam dois materiais para a produção das letras: o spray aerosol e o rolinho de tinta. As cores mais utili-
BITUCAS
zadas são preto, branco e cinza (ou prateado). Quando o rolinho é utilizado, a base é de tinta látex, que mesmo tendo custo inferior é Figura 22 - Significado dos nomes no muro, régua e proporção
menos utilizada do que o spray. Adiciona-se corante a tinta para obter novas colorações.
Outro ponto a ser mencionado é que todos os caracteres são do
O suporte, por muitas vezes é irregular, como azulejos e paredes, ou
mesmo tamanho e as letras possuem um espacejamento muito pró-
com tijolos aparentes ou sem acabamento de massa corrida. Além
ximo entre si. A grande maioria dessas assinaturas é praticamente
disso existem algumas paredes texturizadas (as preferidas dos picha-
ilegível para leigos, mas a composição gráfica é sempre harmoniosa,
dores são as de pedra ou quartzo, mais difíceis de remover a tinta),
com unidade visual. Podemos traçar um paralelo com o estilo gótico
ou desgastadas, com falhas e desníveis. Este fato faz com que haja
da fonte Textura, enquanto caractere isolado, e que quando somada
ruídos nas fontes, como por exemplo falhas no traçado. A escrita
as demais letras da assinatura do “picho” produz um efeito de imagem,
acompanha o muro e seus desníveis. O tipo de material também
embora a legibilidade fique comprometida. (Felisette, 2006, p.214)
pode causar algumas imperfeições: tinta escorrida, borrões ou falhas no preenchimento da letra. 22
Os pichadores ainda escrevem mensagens de protesto ou indignação, mas estes não tem o cuidado estético das assinaturas, e são possíveis de serem lidas por não-pichadores. Alguns procuram a mídia como forma de aparecer e ganhar mais “ibope” entre eles.
Figura 26 - Dizeres sobre o caso do especialista em reprodução humana acusado de estuprar pacientes
Figura 24 - Dizeres no muro do Clube Corinthians
Figura 25 - Dizeres referentes à prisão da Carol por pichar a Bienal em 2008
Figura 27 - Dizeres ligados ao processo da igreja Universal contra alguns jornais
23
4.2.1 Ousadia Com o passar do tempo, os muros mais baixos ficaram completa-
novas técnicas de alpinismo, e eles acabaram se especializando em
mente pichados, o que gerou a necessidade de os pichadores subi-
determinados tipos de suporte. Podemos notar a predominância de
rem cada vez mais alto, arriscando suas vidas, para encontar espaço.
traços de determinados grupos nos topos de prédios e outras cons-
Essa busca por novos lugares acabou obrigando os grupos a criarem
truções altas.
Figura 28 - Imagens atuais da pichação em São Paulo
24
4.3 O movimento na atualidade Atualmente o movimento tem ganhado um destaque nunca visto
Meses depois, segundo o site Folha de São Paulo (9 de setembro
em outros tempos, não só no Brasil, mas também internacionamente.
de 2008), no dia 6 de setembro ocorreu uma nova invasão, outro
Nota-se um interesse geral pela prática da pichação e suas motivações,
ataque comandado por Pixobomb, agora na galeria Choque Cultural,
e uma admiração pela criatividade dos traços criados. Foram feitos
em Pinheiros, que expõe obras de artistas que vem da rua, como gra-
documentários, livros, exposições, tudo inspirado na pichação, o que
fiteiros e ilustradores. “Foi uma manifestação contra a domesticação
fez com que a mídia divulgasse muitas matérias a respeito do tema.
da arte de rua, transformada em mercadoria”, interpreta o fotógrafo Choque, que não ousa dizer o nome e que documenta, desde 2006, a
Infelizmente também tivemos alguns atos de vandalismo noticiados, o
cena dos pichadores em São Paulo. De acordo com o site do Estadão,
que mostra uma certa polaridade entre arte e transgressão/agressão
Choque, cujo apelido nada tem a ver com a galeria Choque Cultural,
causada pelo impacto dessa intervenção. Segundo o jornal O Estado
esteve presente e fotografou os dois ataques, e diz que Pixobomb é
de São Paulo (anexo 01), Roberto Oliveira (produtor do documentá-
tido como herói na comunidade de jovens que escalam fachadas e
rio Pixo) disse que pichar é crime, e isso é certo mesmo com o de-
edifícios para proclamar sua versão particular da frase: picho, logo
bate se é arte ou não, mas que sem dúvida é um movimento cultural.
existo.
No dia 11 de junho de 2008, um grupo de pichadores, convidados
Três meses depois, dia 26 de dezembro, houve mais um ataque, na
pelo pichador Rafael denominado PixoBomb, invadiram a Faculdade
Bienal de São Paulo, e novamente organizado por PixoBomb. Picha-
de Belas Artes, e em poucos minutos cobriram de tinta a fachada, a
dores invadiram e picharam um saguão que estava vazio com as mes-
recepção, as escadas e as salas de aula. Houve briga com seguran-
mas ideias e críticas sobre a arte. Isso demonstra o tom de contes-
ças e funcionários. De acordo com o site globo.com (12/06/08), ele
tação e insatisfação desses grupos e a necessidade de “agredir”, de
era bolsista da faculdade, havia se formado um dia antes do ato e já
se fazer ouvir.
tinha cumprido todos os créditos para se formar. Após o ocorrido, foi expulso e o TCC (Trabalho de conclusão de curso), que segundo ele disse visava discutir os limites da arte e concluiu dizendo que foi uma ação performática e de protesto para discutir os limites e o conceito de arte, pois ele julga a pichação como uma forma de arte.
25
A seguir traduções dos convites elaborado pelos Pixadores
Porém, não só de protestos a pichação é lembrada.Algumas pessoas já tem um novo olhar sobre esta forma de expressão urbana, como por
ATTACK PIXAÇÃO Artistas e Arteiros, no dia 11 de junho, quarta feira, reuniremos no terminal ao lado do metrô vila mariana as 9 da noite, para levantarmos a bandeira da Pixação, marcando historia e envadindo o circuito artistico. DEVASTAREMOS no pixo o Centro Academico renomeado, e o mais antigo de São Paulo. “Se possível resgatem frases de protesto” VIVA A PIXAÇÃO, ARTE COMO CRIME, CRIME COMO ARTE 2008
exemplo estudiosos em antropologia e artes visuais em todo o mundo, que vêm para o Brasil para analisar, entender o movimento em si, nos aspectos não apenas sociais ou penais, mas também como um tipo de expressão popular através de tipografias, interferindo na paisagem urbana e a utilizando como “tela” para sua arte. Como exemplo, podemos citar o antropólogo italiano Massimo Canevacci(1993) escreveu um livro sobre a comunicação urbana na cidade de São Paulo. O graffiti, uma vertente mais elitizada dentro do movimento, aos
ATACK PART 2 : A CAMINHO DA REVOLUÇÃO 2008 Evadiremos com nossa Arte Protesto uma bosta de galeria de arte CHOQUE CULTURAL. Segundo sua ideologia abriga artistas do UNDERGROUND, então é TUDO NOSSO ! Declararemos TOTAL PROTESTO. Local de encontro: Praça Benedito Calixto Rua Cardeal ArcoVerde com Rua Lisboa, próximo dos Metrôs Clinicas e Sumaré. Horário: 15:00hs > SÁBADO 06/09/08 RESGATEM FRASES ! VIVA A PIXAÇÃO ARTE COMO CRIME, CRIME COMO ARTE “TODOS PELO MOVIMENTO PIXAÇÃO”
poucos conquistou reconhecimento como manifestação artística e assim, a pichação está deixando de ser associada apenas ao que o Código Penal brasileiro chama, no artigo 163, de crime de dano contra o patrimônio. Segundo o site Folha de São Paulo 04/07/2009, “Djan Ivson, de 25 anos, foi de São Paulo a Paris com uma missão: pichar um museu”. Ele foi convidado pela Fundação Cartier, como parte da mostra “Né dans la rue” - Nascido nas Ruas. Centro de arte ao sul de Paris que já
ATACK BIENAL 2008 Nada do que suposto o natural, a simbolica e singular Pixação Paulistana, espancar na tinta Galerias e Museus de Arte, transcendendo “ALÉM DO BEM E DO MAL”, prestando seu papel aos “Confortaveis”, contribuindo com a Arte e a Humanidade. PROGRESSO Espancaremos na Tinta a Bienal de Arte esse ano conhecida como Bienal do Vazio. DIA - 26/12/2008 - Domingo LOCAL: Pq do Ibirapuera PONTO DE ENCONTRO: Ponto de onibus em frente o “Detram” HORARIO: 18:00 horas Submeteremos e ao mesmo tempo protestaremos,resgatem frases pelo povo. HUMANISMO. “Contamos com a presença de todos os Pixadores” “TODOS PELA PIXAÇÃO” Figura 29 - Convites virtuais para os ataques comandados por Pixobomb
expôs a brasileira Beatriz Milhazes e o cineasta americano David Lynch, para abrir uma retrospectiva mundial de grafite, onde a pichação paulistana também ganhou destaque com um documentário inédito e uma mostra de “folhinhas” com assinaturas de pichadores famosos. “É difícil dizer se é arte ou não. O que é arte nos dias de hoje?”, disse à Folha por telefone o diretor da fundação, Hervé Chandès. “Sei que é um fenômeno grande o suficiente, uma coisa única, muito específica de São Paulo, selvagem, que queremos mostrar dentro 26
do contexto do mundo do grafite.” Djan, de acordo com a Folha, começou a pichar aos 12 anos e parou em 2004, quando passou a registrar a ação de seus colegas em vídeo. Ele diz que tem mais de 200 horas de imagens e que já vendeu 3.000 cópias de seus oito DVDs, e foi daí que saiu quase metade das imagens do documentário “Pixo”, dos irmãos Roberto T. Oliveira e João Wainer. Esse filme foi exibido na 33ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e possui ilustrações no projeto gráfico de OsGêmeos, Otávio e Gustavo Pandolfo, dupla de irmãos grafiteiros conhecidos internacionalmente.
OsGêmeos, marco da ’street art’, ficaram famosos ao pintarem espaços públicos e foram convidados a mostrar sua arte no museu Tate Modern de Londres.
Figura 31 - Pôster da 33ª Mostra de cinema de São Paulo criada por OsGêmeos Figura 30 - Exposição na França com pichações de Djan (Cripta)
27
4.3.1 Impressões sobre o filme “Pixo” Fui assistir ao documentário no primeiro dia de exibição da Mostra. Estavam presentes pessoas famosas, como cantores de Rap e outras personalidades ligadas ao movimento, assim como participantes ativos, que aparecem nas filmagens do documentário, e por fim os diretores. A sala do Shopping Frei Caneca estava lotada. Após a exibição do filme aconteceu um bate-papo com os diretores, alguns pichaFigura 32 - Cartaz de divulgação do documentário PIXO
dores e o público, e uma coisa que ficou muito clara é que o fato de a pichação ser
ilegal é o que dá graça ao ato. Se fosse permitida perderia seu sentido ou função, pois ela tem um objetivo social de representar as vozes das ruas, da periferia marginalizada, que vive nos morros e faz disso seu objetivo de vida e seu jeito de mostrar que está aqui. O público estava muito interessado em entender e conhecer a pichação, já que elas estão tão inseridas no espaço urbano, que acabam por fazer parte dele, do cotidiano de nós, milhões de paulistanos que transitamos diariamente pelas ruas e acompanhamos, às vezes com atenção e outras desapercebidos, a evolução desses traços crescendo na proporção do crescimento da cidade.
28
4.4 Apropriação da pichação pelo mercado Outro campo onde a pichação merece destaque é no design na área de propagandas, estampas de roupas e acessórios, catálogos de moda, logotipos de programas de TV e seriados. Nota-se um ponto em comum em todas elas: o público é sempre jovem e voltado para algum tipo de estilo mais alternativo. Segundo Labras (2005, p.21) o traço radical do artista é colocado a serviço do produto,” para evocar valores como atitude, juventude e suposta rebeldia”. Figura 33 - Foto do catálogo da
Figura 34 - Tênis da marca DC
Cavalera
Figura 35 - Capa do Cd da Banda de Rap Contrafluxo / Figura 36 - Logo da marca Venon
Figura 39 - Estampas da Figura 37 - Propaganda do seriado “9mm” da FOX
Figura 38 - Matéria na Veja On-line
marca Billabong 29
5. Análise e comparação dos tipos de referência Para uma análise mais minuciosa sobre os tipos, foram selecionadas
• Caracteres chave: caracteres que tem especificidades que
algumas famílias, que serão avaliadas segundo o aspecto dos atribu-
diferem uma fonte da outra
tos formais, no sistema de descrição proposto por Catherine Dixon.
• Decoração: motivos e recursos ornamentais que são usadas
(Baines, 2002).
para realçar tipos já existentes.
Dixon define atributos formais como unidades básicas de descrição
Por fim o padrão é um conjunto de fontes com atributos formais
que se referem á construção dos tipos e ao design, os atributos se
iguais, formando uma relação fixa entre elas. O padrão pode conter
dividem em:
apenas uma ou diversas fontes tipográficas.
• Construção: são as várias partes que compões cada caractere, os elementos que compõe o tipo • Forma: tratamentos e variações possíveis para cada curva ou linha • Proporção: dimensões básicas da letra no espaço • Modulação: espessura e variedade das linhas que compõe o tipo
As fontes selecionadas tiveram como critério de escolha o fato de terem alguma relação com a fonte que será criada: vernacular, urbana, gótica ou pós-moderna, que será explicado com mais detalhes a seguir.
• Peso: grossura dos caracteres. Ex: light, regular, bold - terminação: variedade de arremates (terminações) e como se aplicam
Template Gothic
Textura Manuscrita
1Rial
Brazil Pixo Reto
30
5.1 Template Gothic
aecCgDE FGPRl
Criada em 1990 pelo designer Berry Deck, esta tipografia sem serifa foi criada pra contrariar a falta de personalidade das sem serifas suíças, segundo Heitlinger (2006). Este tipo parte do desenho de letras vazadas em máscara (stencil), e possui uma transição gradual de espessura, similar aos traços das pichações paulistanas. Outra característica similar é a imprecisão, como desvios nos traçados e acúmulo de tinta nos cantos da letra, o que demonstra mais personalidade, expressividade.
linha de base
Spray e Rolinho
ascendente
altura-x descendentes
Construção: Continua;
das nas pontas, terminais arredondados;
Forma: Sem Serifa, miolo ovalado, hastes verticais levemente irre-
Caracteres chave: “a” com abertura larga, miolo grande e peque-
gulares;
na projeção, “e” com abertura larga e miolo pequeno, “c” e “C” com
Proporção: Largura normal, ascendentes com a mesma altura das
abertura pequena, “g” com incisão ovalada, miolo grande ovalado e
maiúsculas, grande altura-x;
arco com pequena abertura, “D”, “E”, “F”, “G” e “P” com junção in-
Modulação: Baixo contraste vertical e horizontal, transição gradu-
terna curvilínea e pontiaguda, “R” miolo aberto, perna diagonal reta
al de espessura;
e junção interna curvilínea e pontiaguda, “I” ascendente com termi-
Peso: Médio, variação de normal e bold;
nação horizontal;
Terminação: Sem serifa arredondada levemente estreitada na
Decoração: não há.
ponta, ascendentes arredondadas, descendentes levemente estreita31
5.2 Brazil Pixo Reto (Tony de Marco) A tipografia é um dos grandes interesses de Tony de Marco, tanto que edita, desde 2001, junto com o designer Cláudio Rocha, a revista Tupigrafia, uma publicação que aborda as diversas formas de manifestações da tipografia, esteja ela presente na pintura, fotografia, cinema, história e no próprio design gráfico. É autor de diversas fontes, algumas para texto e projetadas diretamente para editoras, outras mais voltadas para uso em títulos. Da observação das manifestações visuais nas ruas da cidade de São Paulo, surgiu outro interesse. Segundo o próprio De Marco (Revista Publish, 2007, p. 25): “O Pixo é a minha mais nova paixão. Depois de estudar muito sobre esta arte, cheguei à conclusão que ela é o futuro do design. Há seis anos, fiz
com os grafiteiros, eles faziam algo incrível. Aqueles desenhos eram rabiscados com letras, mas passavam uma mensagem. A pixação são letras feitas por pessoas sem conhecimento e sem lazer, então elas fazem o que der na telha, ou seja, eles não conhecem as regras, portanto, não tem regras para criar. O fato de não ter informação, mas experimentação faz com que esses artistas criem muitas variações“. A sua paixão pelo grafismo, o levou a criar uma fonte: Brazil Pixo Reto. Embora a fonte de Tony mantenha uma legibilidade razoavelmente boa, a referência à pichação fica nítida devido às letras alongadas, de caixa alta e seus traços retos.
uma matéria para a Tupigrafia sobre este tema e fiquei impressionado ascendente
linha de base
Construção: Descontínua, feita com referência à pichação somen-
“B” com barriga inferior no formato de losango e não termina com
te caixas altas com variações acessíveis pela digitação de maiúsculas
a barriga superior; “G” com terminação da perna pontiaguda em for-
e minúsculas;
ma de seta; “I” possui uma barra horizontal na base e o pingo um
Forma: Linhas retas, miolo pontiagudo, angular, barras elevadas;
asterisco; “j” possui uma haste vertical na cauda; “J” com base pontia-
Proporção: Condensada;
guda apontada para cima; “K” e “R” barriga inferior sem terminação
Modulação: Nenhum contraste;
na barriga superior; “M” e “W” com vértice aguda e sangrando nas
Peso: Regular;
hastes; “m” e “w” com traço inclinado na haste; “x” com braço hori-
Terminação: Sem serifa, sem remate;
zontal e “X” com traços verticais nas terminações;
Caracteres chave: “a” com barra elevada e pontiaguda vazando
Decoração: não há;
pelas hastes; “A” com barra baixa e pontiaguda vazando pelas hastes; 32
5.3 1Rial (Crimes Tipográficos) Criada em 2000 em Recife pelo projeto colaborativo Crimes Tipo-
podendo ser realizada por qualquer um. É o design do não designer.
gráficos, voltado à criações gráficas e de tipografias vernaculares e
Produzidas manualmente, esse tipo de escrita surge em qualquer lu-
experimentais, ela foi desenvolvida a partir da observação de placas e
gar onde haja demanda de comunicação, como beiras de estrada,
muros na cidade pernambucana. É uma tipografia vernacular, voltada
paredes de estabelecimentos comerciais, muros, edifícios, objetos,
á cultura popular.
dentre outros. Não existem regras de estilo ou posição no espaço.
“Vernáculo 1.próprio da região em que está; nacional. 2. Diz-se da
Vale lembrar que essas intervenções que nos circundam nas cidades
linguagem pura, genuína. sem estrangeirismos.” (Dicionário Barsa,
e nos perímetros urbanos, são uma forma de manifestação gráfica
p.1176)
vernacular, e isso inclui a pichação. Estes sinais anônimos, para o ti-
Segundo Priscila Farias, o design vernacular é uma forma de comunicação eficiente, “que cumpre seu propósito de levar informação àqueles que habitam no entorno do sapateiro, do dono do bar, do homem do povo” (Farias, 2003, s/p.). Segundo Dohmann(2006) ela tem caráter democrático de produção,
pógrafo e designer inglês Herbert Spencer, “representam duas motivações fundamentais do ser humano: o desejo de deixar sua marca e a necessidade de comunicar-se”. Spencer explica que, dessa forma os grafiteiros “procuram mostrar que o público pode modificar e controlar seu meio ambiente, tanto quanto os produtos do design profissional” (Spencer apud Farrelly, 1991, p. 65). ascendente
linha de base
Construção: Continua, feita através de pincel de ponta quadrada,
Terminação: Irregular, sem serifa;
sem caixa baixa;
Caracteres chave: “A” sem vértice com terminação em barra,
Forma: Sem serifa vernacular, quinas levemente arredondadas, cur-
“M” e “N” levemente inclinados nas hastes verticais, “O” quadrado
vas contínuas e irregulares, hastes verticais irregulares;
com as quinas levemente arredondadas, “S” com a espinha irregular,
Proporção: Irregular, apresenta caracteres em largura normal e
“Y” com cauda abaixo da linha de base, “Z” com hastes horizontais
outros mais condensados;
inclinadas;
Modulação: Nenhum contraste, nenhuma transição;
Decoração: não há.
Peso: Extra bold, sem variação; 33
5.4 Textura manuscrita Segundo Heitlinger (2006) essa escrita gótica librária, usada desde
escritas a mão, elas têm uma riqueza muito grande de detalhes e
o século XIII, anulou radicalmente as traços curvilíneos, utilizando
ruídos, mas a precisão de quem as escrevia é impressionante, o que
formas quebradas, com tendência a juntar letras contíguas e pouco
levou à escolha desse tipo para análise.
espacejamento entre as letras. Eram utilizadas para escrever livros manualmente. A fraca legibilidade, para o leitor contemporâneo é uma característica
O estilo dessa fonte é o Gótico, e alguns historiadores o atribuem à influência do arco ogival das catedrais, que se assemelha à influência da arquitetura verticalizada de São Paulo nos traços da pichação.
forte, mas as letras juntas formam uma espécie de imagem. Por serem
Construção: Descontínuas, feita com pena reta inclinada, empu-
to na haste vertical superior esquerda e serifa estilizada na montante
nhadura com a mão direita;
da direita, “E” base cortada, sem terminação, “F” ornamento na haste,
Forma: serifada, serifa retangular inclinada, traços manuscritos an-
“h” perna com terminação pontiaguda, “j” com descendente pon-
gulosos, elementos irregulares, curvas cortadas, miolo levemente
tiagudo, “J” ornamento na haste e cauda pontiaguda, “L” haste com
pontiagudo, mescla de formas;
detalhes triangulares e ornamento vertical solto a direita, “M” e “N”
Proporção: Largura normal, alturas de ascendentes distintas, altura
ornamento na haste e duas barras inclinadas, “O” base cortada, não
grande de x;
fecha, “P” duas barras horizontais no miolo, “s” ganchos fechados, “S”
Modulação: Baixo contraste vertical e horizontal, transição gradu-
gancho fechado na parte superior e losango no miolo inferior, “U”
al de espessura, alto contraste nas diagonais;
duas barras horizontais no miolo e uma semi circunferência na base,
Peso: Extra Bold, sem variação;
“W” duas barras horizontais no miolo, “Y” três formas pontiagudas
Terminação: Remates pontiagudos e oblíquos na linha de base,
no braço esquerdo,
ascendentes com pontas bifurcadas e pontiagudas;
Decoração: não há.
Caracteres chave: “a” com terminal fechado, “A” com ornamen34
6. Projeto
12
6.1 A questão da legibildade Segundo Heitlenger (2006), a legibilidade é a facilidade em desempenhar a decodificação de caracteres em conceitos numa página impressa. Quanto mais rápida essa interpretação, mais eficiente é a leitura. Esse era o conceito utilizado pela tipografia moderna Com o surgimento do design desconstrutivo ou pós-moderno, uma de suas características mais marcantes foi a ilegibilidade, que não é só um efeito, mas também uma intenção, um propósito de prejudicar a eficiência funcional da leitura, de negar os dogmas modernistas. (de Figura 40 - Neville Brody, na revista The Face, vai desconstruindo a
Paula, 2008)
palavra de forma progressiva até chegar na última figura a direita
De acordo com Farias (2000), diversos experimentos no campo da legibididade sugeriram que o reconhecimento das palavras é mediado pela identificação de seus componentes (caracteres), e isso justifica um comentário do documentário “Pixo”, onde um dos pichadores diz não conseguir ler, pois não foi alfabetizado, mas que consegue ler as pichações. Isso ocorre devido a familiaridade com os caracteres estilizados das ruas, com o hábito de observar esses trabalhos. O reconhecimento de algo “ocorre quando um dado novo se equipara com um dado da memória perceptiva, e assim sabemos que o Figura 41 - Pichação dos Os Cururu
objeto nos é familiar”. (Farias, 2000 pg. 68)
36
6.2 Briefing Segundo Farias (2000), fontes experimentais são classificadas assim devido à sua ostensiva excentricidade, é onde uma ferramenta comercial se torna um meio de pura expressão, feitas para usuários
Figura 42
específicos que compartilhem, simpatizem com visão de quem as criou. A “ Fonte das ruas” terá como principais características todos os aspectos da pichação pauistana, com a maior fidelidade possível. Os caracteres serão desenhados em suporte real, um muro de uma residência abandonada, e terão duas versões em relação ao material utilizado: o spray e o rolinho com tinta látex. Figura 44
Figura 43 Figura 42 - Fonte de Pete Mc Cracken, para Plazm Fonts, USA, 1993 Figura 43 - Fonte House Industries, para a série Bad Nieghborhood, USA, 1995 Figura 44 - Fonte Luc(as) de Groot, Alemanha, 1995
As duas fontes serão fotografadas e repassadas ao programa gráfico Photoshop para tratamento das imagens. Depois disso, no programa ScanFont, os caracteres serão vetorizados, e por fim, serão trabalhadas no software FontLab para ajustes e adequação, e assim serão geradas as duas famílias do tipo Opentype, reconhecidas tanto na plataforma Windows quanto na Macintosh.
37
6.3 Desenho dos caracteres Quando foi decidido o tema do projeto, foram utilizadas todas as refêrencias adquiridas durante a vivência e as pesquisas realizadas para este trabalho, o que originou na presente família tipográfica. Estudos referentes aos caracteres do alfabeto a ser desenvolvido foram feitos e alguns elementos, como terminações, curvas, entre outros foram criados para caracterizar e dar unidade visual, para que as letras fossem identificáveis como pertencentes à mesma fonte tipográfica.
38
Os caracteres I e o M foram escolhidos em homenagem a grandes
Após os estudos e definição do alfabeto inteiro, foi preciso encon-
nomes da pichação paulistana, que estão ativos até hoje. O I veio dos
trar um local para traçar os caracteres. O local escolhido foi uma
traços de Lin (figura XX) e o M do Zé do Lixomania. (figura XX)
casa abandonada no bairro do Ipiranga com condições boas para a excecução do projeto: paredes sem pichações e sem acabamento em massa corrida.
Figura 46 - Pichação de Lin
Figura 48 - Imagem do local escolhido
Figura 47 - Pichação Lixomania, Zé
39
6.3.1 Rolinho O primeiro alfabeto foi feito com rolinho e tinha látex branca, com corante preto diluído. A superfície escolhida foi uma parede de azulejos, para que o rolinho deslizasse melhor e as letras ficassem mais destacadas. Além disso devido à pequena absorção da tinta pelo azulejo, foi conseguido o ruído da tinta escorrendo, característico desse tipo de pintura. Houve um cuidado no posicionamento do rolinho ao traçar os planos verticais e horizontais para que a espessura do traço ficasse semelhante em todos os caracteres.
Figura 49 - Imagens dos caracteres aplicado
Figura 50 - Caracteres fotografados separadamente (acima) Figura 51 - Numerais sendo feitos manualmente com rolinho
40
6.3.2 Spray O segundo alfabeto foi feito com tinta spray preta, e a superfície escolhida foi um muro de concreto, sem acabamento em massa corrida, para que a tinta não escorresse muito. O traço com tinta spray é ascendente, o que faz com que a base seja de menor espessura do que a parte superior, criando um traço afunilado. Isto ocorre devido ao tipo de técnica. Quanto mais alto, mais impreciso o traço e mais espalhada fica a tinta spray, devido ao gestual humano de ter que levantar os braços para alcançar a altura desejada.
Figura 52 - Imagens dos caracteres aplicados
Figura 53 - Caracteres fotografados separadamente (acima) Figura 54 - Consoante “F” sendo feita manualmente por spray
41
6.4 Gerando a família tipográfica Todas as letras foram fotografadas separadamente.
Esses caracteres foram vetorizados no ScanFont, que é o mais apropriado para detectar as linhas de contorno com maior exatidão.
O tratamento das imagens foi feito no programa Photoshop para deixar em preto e branco, ajustar brilho e contraste e retirar o fundo,
A tentativa com o Illustrator não obteve qualidade satisfatória.
deixando apenas a letra.
Figura 56 - Tela do ScanFont
Figura 55 - Telas do Photoshop 42
traço, o kerning não é meramente repetido, ou mecânico. Ele se adéqua a cada pareamento de caracteres e tenta se aproximar ao máximo da forma como um pichador separaria essas letras. A última etapa foi deixá-la em extensão de arquivo pronta para uso. Foi escolhido para o projeto o formato OpenType, criado em parceria pela Machintosh e Microsoft. Esse formato de fonte permite que ela seja utilizada nas duas plataformas.
Figura 57 - Tela do FontLab
Após essa etapa, todos os caracteres foram eviados ao FontLab, software que edita e gera a fonte, e foi trabalhado o kerning: Espaço entre pares específicos dos tipos, é uma das etapas mais importantes na edição de uma tipografia. A relação harmônica das formas com as contra-formas determina o ritmo que o tipo será entendido e lido. Foi tomado cuidado para que os caracteres da “Fonte das Ruas” não ficassem sobrepostos ou grudados demais, mas não foi aprofundado o tema, pois a fonte é experimental e não tem intenção de servir para leitura de textos correntes. Os tipos tem no kerning a mesma relação de “harmonia instável” da escrita manual, e como seu desenho contém irregularidades no
Figura 58 - Tela do catálogo de fontes, a fonte já instalada
Para este trabalho será criado o alfabeto em letras maiúsculas, números, glifos estilizados, acentuação gráfica brasileira (acentos agudo, crase, circunflexo e til) e cedilha.
43
6.5 Análise - Atributos Formais da Fonte das Ruas ROLINHO
aef gij mn oq z
spray e rolinho
ascendente
linha de base
Construção: descontínua, feita através de rolinho de tinta, sem
como braço, “F” na haste superior há uma ligação em forma circular
caixa baixa;
para a barra horizontal e uma semi-circunferência como braço, “G”
Forma: sem serifa, vernacular, curvas contínuas e cortadas, elemen-
semi-circunferência na ligação da haste vertical da direita com a cau-
tos irregulares, mescla de formas;
da, “I” base estilizada em forma de N e pingo contínuo centralizado
Proporção: largura normal;
em forma de asterisco, “J” cauda estilizada cortando a haste com
Modulação: alto contraste horizontal, transição abrupta;
duas barras horizontais, “M” com ombro pontiagudo e mescla de
Peso: extra bold sem variação;
formas, “N” haste esquerda pontiaguda cortada no ombro, “O” jogo
Terminação: irregular sem serifa;
da velha no miolo, “Q” com cauda estilizada, “Z” com dois traços
Caracteres chave: “A” barra no formato de semi-circunferên-
verticais na barra horizontal;
cia cortando a haste vertical da direita, “E” uma semi-circunferência
Decoração: não há.
44
SPRAY ascendente
linha de base
Construção: descontínua, feita através de spray de tinta, sem caixa
cia cortando a haste vertical da direita, “E” uma semi-circunferência
baixa;
como braço, “F” na haste superior há uma ligação em forma circular
Forma: sem serifa, vernacular, curvas contínuas e cortadas, elemen-
para a barra horizontal e uma semi-circunferência como braço, “G”
tos irregulares, mescla de formas;
semi-circunferência na ligação da haste vertical da direita com a cau-
Proporção: largura normal;
da, “I” base estilizada em forma de N e pingo contínuo centralizado
Modulação: baixo contraste vertical e horizontal, transição gradu-
em forma de asterisco, “J” cauda estilizada cortando a haste com
al de espessura;
duas barras horizontais, “M” com ombro pontiagudo e mescla de
Peso: bold sem variação;
formas, “N” haste esquerda pontiaguda cortada no ombro, “O” jogo
Terminação: irregular levemente estreitada na ponta descenden-
da velha no miolo, “Q” com cauda estilizada, “Z” com dois traços
te, sem serifa;
verticais na barra horizontal;
Caracteres chave: “A” barra no formato de semi-circunferên-
Decoração: não há.
45
7. Cartazes conceituais de apresentação
-*@#$=+• áâàã éêè íì óôòõ úù ç 1234567890
46
8. Considerações finais Após meses de pesquisas e análises constatou-se que a pichação paulistana é muito rica em diversidade e criatividade. Deixando de lado toda a polêmica sobre o fato de ser uma prática ilegal, ela contribuiu muito para que o mundo desse atenção a essa forma de expressão genuína de pessoas que vivem numa cidade tão grande e cheia de contrastes.A vivência auxiliou muito na hora da confecção dos caracteres, pois os materias e formas de utilização já eram conhecidos. Sempre pensando em trazer as referências da pichação de São Paulo da forma mais fiel possível chegou-se à presente hipótese. Duas fontes foram criadas e juntas elas formam a família tipográfica “Fonte das Ruas”. O processo entre a criação e a execução do projeto demandou tempo e dedicação, e o resultado final foi satisfatório, embora a fonte de spray tenha ficado com mais ruídos do que o planejado. Todas as características dos traços e ruídos permaneceram, o que faz com que o projeto tenha a personalidade dessa escrita urbana.
47
9. Referências Bibliográficas ARANDA, Fernanda. Pichação, como o grafite, busca status
FELISETTE, Marcos Corrêa de Mello. Pichação: escrita, tipo-
de arte urbana. O Estado de São Paulo, São Paulo, 06.nov. 2009.
grafia e voz de uma cultura na cidade de São Paulo no
Cidades/Metrópole, p. 01.
século XXI. São Paulo: Mackenzie, 2006. 258f. Programa de pósgraduação Stricto Sensu em educação, arte e história da cultura, Uni-
BAINES, Phil; HASLAM, Andrew. Tipografia: Función, forma y
versidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2006.
diseño. Barcelona: Gustavo Gili, 2002. FONSECA, Cristina. A Poesia do Acaso. São Paulo: T.A. QueiCANEVACCI, Massimo. A cidade polifônica: ensaio sobre a
roz, 1985.
antropologia da comunicação urbana. São Paulo: Studio Nobel, 1993.
HEITLENGER, Paulo. Tipografia: origens, formas e uso das letras. Lisboa:Dinalivro, 2006.
DE PAULA, Marcus Vinicius. Sombra da iluminura: uma análise iconológica da ilegibilidade. Rio de Janeiro: PUC-RIO, 2008.
JACQUES, João Pedro. Tipografia pós-moderna. 3º ed. Rio de
110 f. Programa de Pós-graduação em
Janeiro:2AB, 2002.
Design do Departamento de Artes & Design, PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2008.
LABRAS, Fabiana. Graffiti: o spray está nas galerias. BIEN’ART, São Paulo, ano 1, n°09, out.2004.
DOHMANN, Marcus. Os pintores de letras: um olhar etnográfico sobre as inscrições vernaculares urbanas. Rio de
MANCO, Tristan. Graffiti Brazil. London, Thames and Hudson,
Janeiro: UFRJ, 2006. Revista do programa de pós-graduação em artes
2005.
visuais EBA, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
MANDEL, Ladislas. Escritas, espelho dos homens e da sociedade. São Paulo: Rosari, 2006.
FARIAS, Priscila. Tipografia digital, o impacto das novas tecnologias. Rio de Janeiro: 2AB, 2000.
PEREIRA, Alexandre Barbosa. De rolê pela cidade: os pichadores em São Paulo. São Paulo: USP, 2005. 127f. Programa de
48
pós-graduação em antropologia social, Universidade de São Paulo,
http://www.flickr.com - Acesso em 02.11.2009
Faculdade de Filosofia, letras e ciências humanas, São Paulo, 2005.
http://www.folha.uol.com.br/ - Acesso em 08.11.2009
POYNOR, Rick. No more rules. Califórnia: Yale University Press, 2003. POZOLLI, Thereza Cristina. Dicionário Barsa da língua portuguesa. São Paulo: Barsa Planeta, 2008.
http://www.globo.com - Acesso em 02.11.2009 http://www.googlemaps.com - Acesso em 15.10.2009 Guia ilustrado de graffiti e quadrinhos. Disponível em <http://www. graffiti76.com> - Acesso em 03.11.2009 http://www.gustavolassala.com.br - Acesso em 10.10.2009 http://www.professionalpublish.com.br - Acesso em 03.11.2009
SOUZA, David da Costa Aguiar. Pichação carioca: etnografia e
http://www.tipografos.net - Acesso em 01.11.2009
uma proposta de entendimento. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007.
http://news.webshots.com/album - Acesso em 20.10.2009
123f. Programa de pós-graduação em Sociologia e antropologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências
Filme
sociais, Rio de Janeiro, 2005.
WAINER, João; OLIVEIRA, Roberto. PIXO, Brasil, 2009.
Sites http://www.abcdesign.com.br - Acesso em 02.11.2009 http://www.estadao.com.br/noticias/cidades - Acesso em 10.11.2009
49
10. Anexo
50