Hoje é dia de Maria Borralheira: intertextualidades do roteiro da minissérie televisiva

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MYRIAM PESSOA NOGUEIRA

Hoje é dia de Maria

Borralheira intertextualidades do roteiro da minissérie televisiva



Homenagem pĂłstuma a meu pai, professor JosĂŠ Nogueira da Silveira Reis, meu primeiro mestre em Literatura.



AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador de mestrado, Prof. Dr. Márcio de Vasconcellos Serelle, que com tanta paciência e detalhamento me guiou pelos caminhos acadêmicos. À minha mãe, por ter suportado o período de “incubação”. A Renata Soffredini, que com presteza e paciência me enviou tantos textos de seu pai, e à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), pelo contato com a filha de Carlos Alberto Soffredini e por me enviar uma das peças do dramaturgo. À Globo Universidade, por intermediar a entrevista por e-mail com Luís Alberto de Abreu, e a este, por sua boa vontade. À divulgação da Rede Globo, que por mais de vinte anos me ajudou a entrevistar profissionais da área, e a todos os entrevistados de dez anos atrás, por me concederem gentilmente seus depoimentos, os quais só agora utilizei. À Pontifícia Universidade Católica e ao Departamento da Pós-Letras, que me deram a chance de cursar o mestrado e me concederam uma bolsa CAPES para que eu pudesse me concentrar na realização deste trabalho, e aos professores que me iluminaram o caminho durante esses dois anos de pesquisa. A Deus, por ter me dado paz de espírito em meio às tempestades e tempo para realizar este livro.


SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO: “NO SOL LEVANTE”

14

CAPÍTULO 1: “NAS TERRAS DO PÔR-DO-SOL”

14

INTERTEXTUALIDADE, DIALOGISMO E POLIFONIA

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PARÓDIA, PARÁFRASE E ESTILIZAÇÃO

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DE COMO CARLOS ALBERTO SOFFREDINI SE TORNOU O MAIOR ESTILIZADOR DO TEATRO BRASILEIRO E COMO SUA OBRA SE TORNOU OBJETO DE ESTILIZAÇÃO TELEVISIVA

36

CAPÍTULO 2: “NO PAÍS DO SOL A PINO, EM BUSCA DA SOMBRA”

36

AS FORMAS BREVES OU SIMPLES

38

CARACTERÍSTICAS DOS CONTOS TRADICIONAIS

39

ORALIDADE E NARRATIVAS ÉPICAS

43 CONCISÃO-INTENSIDADE-RAPIDEZ 47

O MARAVILHOSO E O CONTO MARAVILHOSO


49

AS CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS E NARRATIVAS DO CONTO MARAVILHOSO

50 REPETIÇÃO 51

MORAL INGÊNUA E INDEFINIÇÃO HISTÓRICA

53

DESCONTINUIDADE ENTRE CAUSA E EFEITO

55 UNIVERSALIDADE 55

CONSTRUÇÃO EM ABISMO

56

O MITO DO HERÓI

61

ROTEIRO, ESTRUTURA EM MOVIMENTO

61

CAPÍTULO 3: “TERRA DOS SONHOS, ONDE O FIM NUNCA TERMINA”

66

INTERTEXTUALIDADES EM HOJE É DIA DE MARIA

68

CONTOS E CANTOS POPULARES EM HOJE É DIA DE MARIA

69 “Cinderela” 70

“A madrasta”

72

Dona Labismina

73

Outros contos de fadas em Hoje é dia de Maria

75

Villa-Lobos e o cancioneiro popular

77

LITERATURA BRASILEIRA EM HOJE É DIA DE MARIA

77

Cassiano Ricardo

79

Mário de Andrade: carnavalização e estrutura

88

Bandeira e Drummond

91

Monteiro Lobato

92

LITERATURA UNIVERSAL E MUSICAIS EM HOJE É DIA DE MARIA

93

Carroll, Cervantes, Hugo, Silva, Swift

95 Ésquilo/Dickens 96 Shakespeare 100 Hoffmann 100

O duplo em Hoje é dia de Maria

106 Brecht 110

Musicais norte-americanos

111

CONCLUSÃO: “NAS FRANJAS DO MAR”

115 REFERÊNCIAS


APRESENTAÇÃO

Neste livro, estudamos as estratégias intertextuais de construção do roteiro da microssérie Hoje é dia de Maria, primeira e segunda temporadas, transposto para livro, de autoria de Luiz Fernando Carvalho e Luís Alberto de Abreu. Para isso, identificamos as fontes literárias – que vão de contos populares orais compilados por Sílvio Romero e Câmara Cascudo a narrativas clássicas, tanto de nossa literatura como da universal –, analisando sua articulação na tessitura narrativa do roteiro do programa. Busca-se, assim, uma reflexão sobre o diálogo entre literatura e televisão, que envolve uma base intertextual oriunda do universo maravilhoso e mítico. O mosaico da trama dessa minissérie tem como referência primordial a adaptação da obra dramatúrgica de Carlos Alberto Soffredini e de seu modo de composição, fundado na estilização.


INTRODUÇÃO

“NO SOL LEVANTE”

E a agulha do real nas mãos da fantasia Fosse bordando ponto a ponto nosso dia-a-dia Gilberto Gil

Este estudo dedica-se à intertextualidade na minissérie da Rede Globo Hoje é dia de Maria por meio do exame dos diálogos propostos em seu roteiro televisivo publicado em livro, o qual envolve literatura e outras mídias. Não se trata de uma análise do produto televisivo acabado, com suas leituras semióticas e citações visuais e sonoras, embora não seja de todo possível excluir esses signos, uma vez que nós, leitores, trazemos conosco toda uma gama de informações adquiridas de várias formas e através de várias mídias. Nosso objeto empírico é o livro publicado pela Editora Globo em 2006 com o roteiro das duas partes da minissérie, exibidas, respectivamente, em 2005 e 2006. O livro do roteiro de Hoje é dia de Maria traz o contato com a narrativa escrita em formato dramatúrgico, apresentando um texto da literatura contemporânea brasileira carregado de simbolismos, reconstruindo e revitalizando o manancial das raízes do imaginário popular e seus contos orais maravilhosos. A análise do roteiro possibilita o rastreamento mais preciso das relações intertextuais, notadamente as literárias, que podem ter passado despercebidas, mesmo para um espectador mais cultivado, quando da exibição da minissérie na televisão ou, ainda, quando se assiste hoje ao DVD. 9


Hoje é dia de Maria é, para Luiz Fernando Carvalho, uma “tentativa de penetrar na infância”.1 Conforme nos conta Renato Cordeiro Gomes, “o universo mágico da minissérie surgiu, em grande parte, dos esboços e textos criados pelo diretor em seus cadernos de anotações”.2 Em Hoje é dia de Maria temos a “legitimidade reforçada pelos intelectuais de renome”.3 Seus autores são o dramaturgo Carlos Alberto Soffredini,4 falecido em 2001, o diretor Luiz Fernando Carvalho5 e o também dramaturgo Luís Alberto de Abreu.6 Antes dessa minissérie, as experiências com o maravilhoso na televisão eram praticamente restritas às novelas escritas ou adaptadas por Dias Gomes, como Saramandaia e Roque Santeiro (de sua peça O berço do herói); às minisséries, com aparições de orixás no Pelourinho em Tenda dos milagres e a presença de Vadico em Dona Flor, ambas adaptações da obra de Jorge Amado, e Incidente em Antares, de Érico Veríssimo, adaptada do universo fantástico por Paulo José; aos seriados, nas aventuras do Sítio do Picapau Amarelo e do Castelo Rá-Tim-Bum; e a alguns “casos especiais”, notadamente os dirigidos por Luiz Fernando Carvalho. Mas, mesmo em face desses exemplos, é possível afirmar que a dramaturgia da televisão é predominantemente, assim como nossa ficção literária, voltada ao costeio do real. 1 2 3 4

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6

Entrevista concedida para o making of do DVD de Hoje é dia de Maria. GOMES. Matrizes culturais e formatos industriais: uma série brasileira de televisão, p. 2. GOMES. Matrizes culturais e formatos industriais: uma série brasileira de televisão, p. 4. Carlos Alberto Soffredini formou-se em Letras pela Faculdade de Filosofia de Santos; em 1967 ganhou o Prêmio do Serviço Nacional de Teatro (SNT) pelo texto O caso dessa tal de Mafalda, que deu o que falar, e acabou como acabou, num dia de carnaval (1967, inédita). O subcapítulo “De como Carlos Alberto Soffredini se tornou o maior estilizador do teatro brasileiro e como sua obra se tornou objeto de estilização televisiva” deste estudo é dedicado a sua obra – o subtítulo faz juz ao humor contido na extensão de seus títulos (de inspiração brechtiana). Escreveu uma novela para o SBT, Brasileiros e brasileiras, juntamente com Walter Avancini. Luiz Fernando Carvalho teve sua experiência em minisséries iniciada na década de 1980, como parte da equipe de direção de O tempo e o vento e Grande sertão: veredas. Dirigiu a minissérie Riacho doce e depois Os maias. Adaptou Ariano Suassuna, desde especiais como A farsa da boa preguiça e Uma mulher vestida de sol até a microssérie A pedra do reino, em que reafirmou sua pesquisa da linguagem épica em fusão com a dramaturgia lírica. Com quase 30 anos de dedicação ao teatro, Luís Alberto de Abreu é mais conhecido como o autor premiado de Bella Ciao, mas hoje tem sucessos como O livro de Jó. Seus textos, como os de Soffredini, abordam a temática do teatro popular, especialmente a comédia. Escreveu o roteiro dos filmes Kenoma e Os narradores de Javé, ambos de Eliane Caffé e ligados à temática da narrativa oral popular. Estreou na televisão com Hoje é dia de Maria. 10


O recorte proposto para a construção teórica e o eixo analítico foi o da intertextualidade. O roteiro de Hoje é dia de Maria não foi construído a partir de uma adaptação de uma obra apenas, mas de um processo de reciclagem cultural,7 presente na estilização feita pelos autores da microssérie, adaptando à realidade e à cultura nacionais elementos da cultura universal e, ao mesmo tempo, resgatando da oralidade popular outros elementos, tidos como folclóricos, e consagrando-os num padrão considerado elitista dentro da televisão brasileira, determinado já pelo horário de exibição (22h30), pelo público a que se destina e pelos profissionais envolvidos. A ironia intertextual8 – referência a outra obra proposta ao leitor numa lógica de jogo intertextual – está presente nos diálogos e nos personagens citados; quanto mais informação tiver o público, mais citações ele poderá ter o prazer de desfrutar. Outras possíveis análises desse material pertencem ao terreno da semiótica, ou da hipertextualidade (no sentido de adaptação), uma vez que também na cenografia, no figurino, na iluminação, na interpretação dos atores e na direção musical estão presentes elementos que os profissionais da área chamam de “homenagem” aos grandes mestres da arte. Procuraremos, no entanto, nos manter no terreno literário, que, por si só, já abre diversos caminhos para investigação, demandando estudos, entre outros, acerca do conto maravilhoso e oral. Assim, poderemos fazer uma reflexão sobre o diálogo entre literatura e televisão, sobre o fazer literário e a escrita televisiva. Essa microssérie – termo usado para designar minisséries de televisão de menos de oito capítulos – já foi bastante analisada por comunicólogos quando de sua exibição na televisão, em 2005. Aos especialistas da área de Letras, porém, não concerne pesquisar os efeitos do impacto de um programa televisivo através da análise imediata, mas o seu efeito em longo prazo, tratando principalmente do interesse despertado no público em relação à leitura de clássicos da literatura adaptados ou, como é o nosso caso, o caminho inverso: o da transformação de uma obra televisiva ou cinematográfica em livro. Entre as cenas da microssérie que fazem homenagem à literatura, destaca-se a passagem em que Maria lê o livro de cabeça de Dom Chico Chicote, na intenção de avivar sua memória. Essa é a grande metáfora da 7 8

KLUCINSKAS; MOSER. A estética à prova da reciclagem cultural. ECO. Ensaios sobre literatura.

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minissérie, podemos dizer até uma das “morais” da estória – a passagem da literatura oral, representada pela figura da Narradora, à escrita, simbolizada pela figura de Dom Chico, e, por sua vez, à televisão, pela própria condição de produto audiovisual. Nosso objetivo principal é identificar os contos orais populares, as lendas, os poemas e as demais fontes da literatura brasileira e universal presentes nessa obra, ou seja, as intertextualidades no livro de Luiz Fernando Carvalho e Luís Alberto de Abreu, e compreender sua utilização na tessitura da obra. No primeiro capítulo, fizemos uma revisão teórica sobre o tema da intertextualidade, desde Mikhail Bakhtin e Gerard Genette, passando por Linda Hutcheon e Robert Stam, teóricos que, transitando entre literatura e formas audiovisuais, apontam importantes questões acerca do diálogo intermidiático. Ainda na primeira parte desse capítulo, vimos os conceitos de reciclagem cultural9 e de ironia intertextual.10 Na segunda parte do primeiro capítulo, estudamos a classificação que Affonso Romano de Sant’Anna fez da paródia, da paráfrase e da estilização, abrindo caminho para o estudo da obra do dramaturgo paulista Carlos Alberto Soffredini e de suas estilizações. No segundo capítulo, realizamos uma incursão no terreno do maravilhoso, gênero predominante de Hoje é dia de Maria, estudando suas teorias e conceitos, desde Jacques Le Goff até Tzvetan Todorov, diferenciando-o do fantástico, do realismo maravilhoso estudado por Irlemar Chiampi e do realismo mágico analisado por Wendy Faris e Louis Parkinson Zamora. Entramos nas definições do conto oral, desde as classificações de Luís da Câmara Cascudo e as categorizações de Vladimir Propp via Haroldo de Campos, as características das formas simples,11 revistas por Julio Cortázar e Italo Calvino, até as modernas teorias das formas breves de Ricardo Piglia e Jorge Luis Borges. Definimos o conto maravilhoso seguindo a moral ingênua e não histórica de André Jolles, procurando entender o que ele denomina de gesto verbal trágico na literatura e contrastando-o com o conceito de gesto social trágico do teatro brechtiano. Estudamos o mito do herói como parte importante da fábula, com Joseph Campbell e 9 KLUCINSKAS; MOSER. A estética à prova da reciclagem cultural. 10 ECO. Ensaios sobre literatura. 11 JOLLES. Formas simples. 12


Junito Brandão, via Carl Jung, e Flávio Kothe, que nos guiou no caminho das heroínas modernas e proletárias. No terceiro capítulo, investigamos o processo de produção do roteiro da série, desvendando os procedimentos literários, as estratégias narrativas utilizadas pelos autores. Nosso objetivo, nesse capítulo, foi identificar e refletir sobre as intertextualidades, a articulação entre as obras apropriadas e os diversos sentidos gerados a partir dos diálogos propostos pela obra. Foram analisadas, na minissérie, desde a presença dos contos de Cascudo e Sílvio Romero até as canções de Heitor Villa-Lobos; de Monteiro Lobato a Lewis Carroll; de Manuel Bandeira a Carlos Drummond de Andrade; de Shakespeare a Ésquilo; de Miguel de Cervantes a Antônio José da Silva, de E.T.A. Hoffmann a Jonathan Swift, de Cassiano Ricardo a Mário de Andrade, respeitadas as subdivisões como categorias analíticas estabelecidas nesse estudo entre literatura oral, literatura brasileira, literatura estrangeira e músicas. O duplo, característica da literatura fantástica, foi também abordado, já que encontrou grande repercussão em um personagem dessa microssérie, o diabo Asmodeu. Os nomes dos capítulos foram dados a partir dos nomes dos quatro blocos do episódio original de Soffredini e dos capítulos do roteiro de Abreu e Carvalho, numa busca de fusão criativa com o objeto. É uma proposta metodológica que fará sentido à medida que o conteúdo for desenvolvido dentro de cada subdivisão.

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CAPÍTULO 1

“NAS TERRAS DO PÔR-DO-SOL”

Com a minissérie Hoje é dia de Maria, Luiz Fernando Carvalho conseguiu levar para a tela uma das coisas mais imponderáveis da narrativa: o maravilhoso [...] uma espécie de quarta dimensão, que é onde a obra de arte fala ao inconsciente de todos. Affonso Romano de Sant’Anna12

INTERTEXTUALIDADE, DIALOGISMO E POLIFONIA

Para rastrear as fontes autorais de um roteiro de televisão, meio assumidamente derivativo, teremos de voltar pelo caminho do cinema, da literatura local, da literatura mundial, dos séculos, até dos milênios. Dentre as mais bem-sucedidas produções dramatúrgicas, tanto da televisão quanto do cinema, estão as adaptações literárias. “Adaptação” significa, em sentido amplo, o trabalho de adequação de um texto a outro veículo. A obra de um autor literário, seja um só livro, seja todo o conjunto da obra, é transmutada de suas fontes para outra mídia. Quando falamos, no entanto, como é nosso caso, de uma colcha de retalhos de inúmeras citações, tão rica quanto for o universo do leitor, não é uma única obra que está sendo revisitada, mas várias que, juntas, formam um amálgama ou um mosaico, para usar imagem mais bela. Mesmo que, como afirma Hutcheon, “as adaptações [sejam] obviamente multilaminadas para o público – direta e abertamente conectadas com outros trabalhos

12 Epígrafe do DVD Hoje é dia de Maria. 14


[…]


nos quais elas se baseiam, uma vez que são relançados depois nas bancas.70 Uma microssérie, porém, como Hoje é dia de Maria introduz algo novo a esse público anestesiado pelas novelas e pelos noticiários de televisão. O que seria esse “novo”? Apesar do horário bastante avançado das 22 horas – outras minisséries são exibidas ainda mais tarde, no verão –, essa minissérie conseguiu chamar a atenção por seu enfoque considerado diferente: sua proposta não naturalista e a relação declarada justamente com a literatura. DE COMO CARLOS ALBERTO SOFFREDINI SE TORNOU O MAIOR ESTILIZADOR DO TEATRO BRASILEIRO E COMO SUA OBRA SE TORNOU OBJETO DE ESTILIZAÇÃO TELEVISIVA

Carlos Alberto Soffredini, premiado dramaturgo paulista, monta, em 1972, na Escola de Arte Dramática de São Paulo (EAD), uma adaptação da Farsa de Inês Pereira, intitulada Mais quero asno que me carregue que cavalo que me derrube. Esse título foi o mote que o teatrólogo português Gil Vicente teve de seguir para provar ser o autor de seus textos. Tendo como guia a investigação da estrutura desse texto clássico da língua portuguesa, Soffredini, em 1977, já com o Grupo de Teatro Mambembe, monta a própria Farsa de Inês Pereira num processo de criação coletiva. A montagem incorporava números de canto e dança inspirados nas “revistas” – teatro de variedades musical carioca do fim do século XIX e início do século XX – e entrou em cartaz no teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, em 1978. Soffredini introduz a própria peça como “comédia quase opereta, cuja história também já foi contada pelo mestre Gil Vicente”.71 A paródia está em adaptar a peça medieval para o contexto cultural brasileiro popular, em pensar quem seria essa mocinha fantasiosa (Inês) no Brasil do século XX. É dividida pelo autor em entrequadros, à moda dos autos vicentinos, tendo prólogo (abertura) e epílogo (happy end). Poderíamos chamar Mais quero asno que me carregue que cavalo que me derrube de paródia, em termos de intertextualidade bakhtiniana, ou seria mesmo uma paráfrase? Ou estilização, engendrando movimento tanto de repetição como de diferença? O que vemos aqui, de todo modo, é uma transcriação: a transposição de época e costumes, 70 Entrevista concedida pelo ator Ney Latorraca em 1988, no Rio de Janeiro, para o vídeo Minisséries brasileiras: da história e da produção. A carreira do ator começou ao lado de Soffredini, em Santos, e depois na EAD. 71 SOFFREDINI. Mais quero asno que me carregue que cavalo que me derrube, [s.p.]. 26


mas a moral e o humor da estória permanecem. Ele procura a revelação do universo poético presente em Gil Vicente, fazendo uma ligação entre a herança cultural portuguesa – os imigrantes portugueses no Brasil, em peças como Vacalhau e Binho, por exemplo – e os signos da representação dos intérpretes populares televisivos. Para os textos, pesquisava o sotaque português utilizando dicionários como o Schifaizfavoire, de Mário Prata. Outra incursão pelo universo vicentino feita por Soffredini foi o Auto de Natal caipira, baseado nos autos de Natal de Gil Vicente, principalmente no Auto da Sibila Cassandra. Até sua morte, em 2001, Soffredini teve como premissa a investigação dos signos e da estrutura de textos famosos transpostos para o universo popular, como em Vem buscar-me que ainda sou teu – para a qual se inspirou na canção de Vicente Celestino, “Coração materno” e em peça homônima de Alfredo Viviani. Na dedicatória dessa peça, que começou a escrever em Salvador em 1978, ele diz: “Este trabalho é o resultado de um contato sincero com o artista ambulante. Fui lá procurando a essência da linguagem teatral brasileira”.72 Outra peça adaptada é A vida do grande Dom Quixote de La Mancha e do gordo Sancho Pança, estilização da peça de Antônio José da Silva, o Judeu, Dom Quixote e Sancho Pança, feita originalmente para marionetes. Soffredini, sempre buscando não a representação realista, mas a pesquisa do universo poético da cultura popular brasileira, criou sua premiada peça Na carrera do divino através de pesquisa de Antonio Candido, em Os parceiros do Rio Bonito, e da obra de Amadeu Amaral Dialeto caipira. A busca da oralidade da peça de Soffredini é explorada na sua versão para o cinema realizada por André Klotzel, intitulada A marvada carne. Ao contrário de Luís Alberto de Abreu, coautor de Hoje é dia de Maria, Soffredini já havia trabalhado para a televisão, no SBT, com a novela Brasileiros e brasileiras, juntamente com Walter Avancini. Como estudioso e experimentador, também fez incursões na literatura nacional, recriando O guarani, de José de Alencar, em versos brancos; na literatura estrangeira, com sua peça O pássaro do poente, que tem origem na lenda japonesa A mulher grou, transcrita por Ookawa Essei; e na música popular brasileira, com Trem da vida, que tem como base “Encontros e

72 SOFFREDINI. Vem buscar-me que ainda sou teu, p. 2. 27


despedidas”, canção de Milton Nascimento e Fernando Brant.73 Podemos utilizar para o trabalho de Soffredini a mesma expressão usada por Marly C. B. Vidal e Jane Marques sobre Ariano Suassuna: ele promove um diálogo com as mesmas fontes populares de onde bebera.74 De acordo com Renata Soffredini, filha do autor, a dramaturgia soffrediana “se configura nessa relação essencial com uma obra anterior, que ela não esconde, antes revela, e com a qual dialoga em permanência”.75 Segundo Renata, para Eliane Lisboa, que escreveu uma tese de doutorado sobre Carlos Alberto Soffredini, [...] essa pluralidade de vozes da cultura da qual faz parte mostra-se como experiência de linguagem – no seu próprio caráter teatral. Não se trata simplesmente de uma adaptação, para o teatro, de um texto que originalmente não o era. O trabalho de Soffredini extrapola este passo simples e vai se constituir num exercício de efetiva criação dramatúrgica onde uma obra primeira pode funcionar como estopim e também como elemento aglutinador de outros que serão incorporados a ela em seu processo criativo.76

Soffredini escreveu uma peça, A madrasta, encenada postumamente por sua filha no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, que fala de uma relação incestuosa entre pai e filha, além de inverter os papéis de vilã e mocinha entre a madrasta e a enteada. O pai, algumas vezes, participava de um jogo com a filha para desestabilizar a madrasta. Ou seja, trata-se de uma livre adaptação dos contos de fadas, nesse caso, para adultos. O próprio autor afirma ter utilizado, “para os contos e formas de narrá-los”,77 os Contos populares do Brasil de Sílvio Romero.78 Ele também afirma ter extraído da oralidade brasileira contos infantis “de cópias xerografadas, sem data e sem editora”.79 Ainda, “para os termos e imagens e jeito de falas dos personagens de Maria e do Capineiro, no início”, ele utilizou Leréias: histórias contadas por eles mesmos, de Waldomiro Silveira. Criou 73 Informações obtidas na postagem de 4 de dezembro de 2007 no blog do Núcleo Estética de Teatro Popular, fundado por Soffredini e dirigido por sua filha. Disponível em: <http:// nucleostep. blogspot.com/2007/12/com-direo-de-renata-soffredini-minha.html>. Acesso em: 10 dez. 2008. 74 VIDAL; MARQUES. Porque Hoje é dia de Maria, todos os dias são dias de Maria. 75 <http://hojeediademaria.globo.com>. Acesso em: 23 nov. 2008. 76 <http://hojeediademaria.globo.com>. Acesso em: 23 nov. 2008. 77 SOFFREDINI. A madrasta, [s.p.]. 78 ROMERO, Silvio. Contos populares do Brasil. 79 SOFFREDINI. A madrasta, [s.p]. 28


uma personagem nessa peça, Purnica, baseada na “Moura Torta”, de uma citação de Cascudo no livro supracitado de Romero. Já a Primeira Jornada da microssérie Hoje é dia de Maria foi baseada em um especial para televisão de uma hora e meia, escrito por Soffredini por encomenda de Luiz Fernando Carvalho, em 1995. Ele se inspirou em um conto popular sobre uma “menina que é enterrada viva” – nome do conto em Cascudo,80 mas que em Romero chama-se “A madrasta” –, no conto “Dona Labismina”, sobre incesto, e também na estória de “Maria Borralheira”. O projeto acabou convertido em uma minissérie de 13 capítulos. Quando Luiz Fernando Carvalho procurou Renata Soffredini, detentora dos direitos autorais de Carlos Alberto Soffredini, após o falecimento deste, para lhe pedir autorização para transformar esse especial em uma minissérie, ela lhe indicou o dramaturgo e diretor teatral paulista Luís Alberto de Abreu. Familiarizado com o universo soffrediano e pesquisador do mundo folclórico e mítico presente nos contos populares compilados por Cascudo e Romero, ele aceitou prontamente o convite. Os dois primeiros blocos (partes entre intervalos comerciais) do especial para televisão escritos por Soffredini, “No sol levante” e “No país do sol a pino”, foram totalmente mantidos e se converteram nos dois primeiros episódios da minissérie. Já os blocos “Nas terras do pôr-do-sol” e “As franjas do mar” sofreram adaptações por Luís Alberto de Abreu e Luiz Fernando Carvalho para virarem episódios com outros nomes. Na versão de Soffredini, Maria é sempre criança e não chega ao mar, continua “andando, andando, andando...”.81 É importante salientar, aqui, que o nome dos episódios no livro não tem sincronia com os capítulos editados e que foram ao ar, pois houve cortes na edição, e cenas que seriam de um capítulo, por exemplo, foram incorporadas a outro, mudadas de lugar, indicando as usuais operações nesse tipo de adaptação. No especial escrito por Soffredini, temos a personagem da Vó Nenê, que está numa roda de crianças, contando a estória de Labismina, e depois a da própria Maria: VÓ NENÊ

...antonce diz-que no lugarzico mermo que a dita madrasta meteu a povre da menina enterrada na terra... justo por riba nasceu um capinzar... 80 CASCUDO. A menina enterrada viva. 81 Fala da Narradora inserida durante gravação da Primeira Jornada de Hoje é dia de Maria. 29


Essa personagem é retirada na adaptação, mas fica a voz da Narradora (inserida na gravação durante a primeira jornada), que se converte, ao final, na avó de Maria, símbolo do inconsciente coletivo: NARRADORA (Off)

...E diz-que era que nem se fosse um lago de capim verdico que só, alumiando ao sol como se fosse de vidro...

Lembramos que, segundo Cascudo, a literatura oral “[é] uma força obscura e poderosa, fazendo a transmissão, pela oralidade, de geração a geração. [...] As mulheres são as narradoras de estórias para os filhos e netos”.82 Essa narradora conversa, na minissérie, com o leitor, ou mesmo com outras personagens. Maria não ouve sua voz, apesar de ela tentar fazer-se ouvir. Outras diferenças entre a adaptação de Abreu e Carvalho e o original de Soffredini são as seguintes: 1

Desenvolvimento das frases do Maltrapilho, que não existem no original: MALTRAPILHO

E ocê tome tento, menina, que esse é um mundo que tá pra ser feito e, no fundo de tudo, um defeito é degrau importante na escada do perfeito. Torto, pobre ou malfeito, todo vivente pode andar reto, porque humano não é ruim nem bom, humano é ser incompleto.83

2

A ação e o texto dos retirantes são alterados para apenas a fala de um personagem: MARIA

Pra donde é que vão? A MÃE

Nossa Senhora do Monte hai de ajudá nói a encontrá esse perarte a toa que robô a noite... 82 CASCUDO. Literatura oral no Brasil, p. 168. 83 ABREU; CARVALHO. Hoje é dia de Maria, p. 57. Nas citações de Hoje é dia de Maria – tanto do roteiro da minissérie, de Luís Alberto de Abreu e Luiz Fernando Carvalho, como do roteiro do especial para TV, de Carlos Alberto Soffredini –, a disposição dos nomes de personagens e rubricas segue o alinhamento centralizado, conforme o padrão estabelecido para roteiros de TV e cinema. 30


FILHO MAIOR

Daí noi esbordoa tudinho esse mardiçoado e nói dexa ele nem que fosse um farrapo... e antonce nói pega a noite de vorta. MARIA

E vanceis sabe em que fundo de mato é que ele habita, o dito cujo? [...] Vancês sabe ao meno quem é que é ele? Que nome leva o tar?... PAI

(afastado) Ara... fisse sussegada que nói acha ele, pode escrevê o que le digo. Nóis é ainsim: quando nóis se esbarra numas teima, num tem esse que tire nóis de nosso prepósito.84 MARIA

Que é da noite desse mundo? RETIRANTE

Num sabe que foi roubada? MARIA

E quem fez um desatino desse, gente? RETIRANTE

E a gente sabe? Se soubesse, desancava o tal! E você tá indo pra onde? MARIA

Tô percurando o rumo do mar. RETIRANTE

Nóis também tava, mas desistimos. Sem noite ninguém consegue cruzar esse sertão.85

3

Na minissérie, Maria faz tudo certo na Fazenda, mas larga o príncipe no altar. No especial, a Mucama não aprova as tarefas que Maria cumpre, e ela então desiste do príncipe antes do casamento. A fala da Mucama também vira música no roteiro da minissérie. Segue o trecho do especial:

84 SOFFREDINI. Hoje é dia de Maria, p. 31-32. 85 ABREU; CARVALHO. Hoje é dia de Maria, p. 70-71. 31


A MUCAMA se aproxima, vê uma ruguinha no lençol e faz que não com a cabeça e amassa todo o lençol... [...] Com uma concha, MARIA serve um prato e passa pra MUCAMA, que experimenta e faz que não com a cabeça e joga fora a comida... [...] A MUCAMA se aproxima e toma a esponja de MARIA e experimenta a sua maciez passando-a pela mão. Diz que não com a cabeça e fala muito brava com MARIA. [...] MUCAMA

A cama é dele. Vancê é pra sirvi. O gozo é dele. Que nem uma moça de preceito e juízo, vancê num deve de sintí. Aliás, si vancê sintí argum argo, isso qué dizê que vancê num passô na prova da cama. [...] De repente, MARIA levanta-se da cama, apressada, e vai em direção à porta. MUCAMA

Donde vai? MARIA

Ali. Eu se alembrei de uma coisa munto importatíssima que eu careço de fazê lá em casa...

4

No especial, a Madrasta e Joaninha querem saber como ela conseguiu o sapatinho, e ela lhes manda fazer tudo ao contrário do que ela fizera no encontro com o Maltrapilho: MARIA

[...] Daí vancês pega uma manguara, cada quar a sua, e destrambéia esse dito home de paulada... Mai tome tento: carece de não tê ninhuma piedade, tá me escuitando? Ninhum, ninhumica dó que seje. E vancês faiz um destrago no home de munto maió monta que aquele que o dito já tava. [...].86

Dessa forma, Maria se vinga da Madrasta e de sua filha, como nos contos africanos que veremos adiante. Já no roteiro da microssérie ela simplesmente dá o vestido de noiva para Joaninha, que voa nele como num balão. Também serviram de texto-fonte para o episódio único de Soffredini suas peças O grande Dom Quixote de La Mancha e o gordo Sancho Pança e 86 SOFFREDINI. Hoje é dia de Maria, p. 57. 32


Vem buscar-me que ainda sou teu. Desta, por exemplo, o diálogo do Canastra e da Mãezinha é aproveitado na fala da Senhora em Hoje é dia de Maria, a qual depois repetida pela própria Maria: CANASTRA – Aquilo é o que tem de ser. MÃEZINHA – Eu tenho medo. CANASTRA – E o que tem que ser tem muita força.87 SENHORA

“E o que há de ser tem muita força!”.88 MARIA

“O que tem que ser tem muita força!”.89

Em diversas outras passagens da minissérie, encontramos referências ao contexto da obra de Soffredini: O personagem Pierrôt Azul de Minha nossa é encontrado num momento de caracterização de Quirino, em Hoje é dia de Maria. O coração do Pássaro Amado, nas mãos de Maria, é o mesmo “coração materno” kitsch feito de veludo de Vem buscar-me que ainda sou teu.90 A família circense dessa peça está citada nos “Saltimbancos”, escrita por Abreu. Em Na carrera do divino, há um personagem mascate turco, como no roteiro de Hoje é dia de Maria (que na produção vira português). Esse mascate/fada madrinha da minissérie ouve perguntas de Maria sobre o amor e lhe presenteia com um sapatinho vermelho; a cor vermelha continua presente, passando do tecido “encarnado” que o Mascate de Na carrera do divino dá para a personagem Mariquinha para o sapatinho de “Cinderela”. No especial de Soffredini, Maria já teria um pé de sapato vermelho, deixado pelo Maltrapilho, mas isso não ocorre na minissérie. Vemos claramente a autotextualidade que Soffredini faz de sua peça anterior. Abreu e Carvalho mantiveram a passagem. Comparemos os três trechos: CIDADÃO

Olha aqui. (Tira um pano vermelho e brilhante) 87 88 89 90

SOFFREDINI. Vem buscar-me que ainda sou teu, p. 73. ABREU; CARVALHO. Hoje é dia de Maria, p. 153. ABREU; CARVALHO. Hoje é dia de Maria, p. 175.

E que vai aparecer novamente na obra de Luiz Fernando Carvalho, com roteiro de Luís Alberto de Abreu e direção de arte de Lia Renha, Capitu (2008). 33


MARIQUINHA

Nosso Cristo! Lindo cumo os amor!.91 MARIA

O nhor num havera de trazê aí um vestido lindo como os amor...? E tomém um sapatinho encarnado. Só carece de um suzinho.92 MARIA

O senhor num havera de trazê aí um vestido lindo como os amor... E tomém um par de sapatinho encarnado.93

Soffredini foi, portanto, um pesquisador que, sem buscar a representação realista das formas populares, mas pesquisando a linguagem visual das formas cênicas brasileiras, criou um método de construção de dramaturgia, unindo os recursos musicais também resgatados do folclore brasileiro à oralidade dos contos populares. Adaptou clássicos da literatura, como estratégia intertextual; utilizou a técnica da estilização para chegar à paráfrase; não utilizou a paródia como negação do texto-fonte, criticando-o, satirizando-o, como os teóricos russos prenunciavam, mas adaptando-o à nossa realidade, procurando torná-lo acessível ao público brasileiro, pensando, talvez, na inclusão social dessa imensa massa de não leitores. Para isso, usou e abusou da autorreferenciação. Ou, para usar termo cunhado por Affonso Romano de Sant’Anna, da “autotextualidade como sinônimo de intertextualidade. É quando o poeta se reescreve. Ele se apropria de si mesmo, parafrasticamente”.94 Dias Gomes já o fizera, igualmente, trazendo seus textos do rádio e do teatro para a telenovela. Ariano Suassuna, por exemplo, de acordo com Vidal e Marques, tem seu texto “aberto à retomada, como o texto oral. Ele reescreveu Uma mulher vestida de sol, sua primeira peça, que sofreu nova reescritura quando de sua adaptação para a TV Globo, em 12/07/1994, dirigida por Luiz Fernando Carvalho”.95 O método de Soffredini foi seguido pelos coautores na confecção do roteiro de Hoje é dia de Maria, em que se percebe uma continuidade desse 91 92 93 94 95

SOFFREDINI. Na carrera do divino, p. 54. SOFFREDINI. Hoje é dia de Maria, p. 45. ABREU; CARVALHO. Hoje é dia de Maria, p. 164. SANT’ANNA. Paródia, paráfrase e cia, p. 62. VIDAL; MARQUES. Porque Hoje é dia de Maria, todos os dias são dias de Maria, p. 9.

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universo. Até mesmo na Segunda Jornada, a da cidade, quando outros elementos que não pertencem ao mundo rural são associados, a trama de citações, como paradigma soffrediniano, permanece. A intertextualidade como construção consciente é a raiz da microssérie. Muita pesquisa, evidentemente, também feita pelas equipes de direção de arte, de fotografia e de direção musical, criou o universo de sonho da minissérie. Ou, parafraseando as palavras da diretora de arte da minissérie, Lia Renha,96 o universo da “representação emocional de uma realidade”. A narrativa de Hoje é dia de Maria nos parece fresca, infantil, primitiva, e a linguagem do caipira escolhida por Soffredini reforça esse primitivismo. Tende-se, na estrutura fabular, a uma concentração em locações rurais, como acontece na Primeira Jornada. Houve um estudo dialetal para a produção do roteiro, revelando a expressão do campesino por meio de seu universo, seus causos e seu vocabulário específico. Além do já citado Leréias, usado por Carlos Alberto Soffredini em A madrasta, nesse “diálogo com o passado”,97 Luís Alberto de Abreu também admite ter utilizado pesquisa desenvolvida por Amadeu Amaral e Cornélio Pires,98 estudiosos paulistas da primeira metade do século XX que se debruçaram sobre o universo caipira de São Paulo – os mesmos que Soffredini usara em Na carrera do divino.

96 Depoimento concedido para o making of do DVD de Hoje é dia de Maria. 97 VIDAL; MARQUES. Porque Hoje é dia de Maria, todos os dias são dias de Maria, p. 6. 98 PIRES. Patacoadas: anedotas, simplicidades e astúcias de caipiras, 1927. 35


© MINEIRIANA, 2014 © MYRIAM PESSOA NOGUEIRA, 2014

EDITORES GABRIEL CAMPOS CUNHA JULIANA MIRANDA SOARES CAMPOS MARIANA CARVALHO CUNHA SOUZA

PREPARAÇÃO DE ORIGINAIS ALINE SOBREIRA (Pi Laboratório Editorial)

PROJETO GRÁFICO E CAPA PRISCILA JUSTINA (Pi Laboratório Editorial)

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

Nogueira, Myriam Pessoa Hoje é dia de Maria Borralheira - intertextualidades do roteiro da microssérie televisiva / Myriam Pessoa Nogueira. – 1ª ed. – Belo Horizonte : Mineiriana Editora, 2014. ISBN 978-85-67707-00-6

1. Comunicação  2. Adaptação literária  3. Crítica televisiva

MINEIRIANA EDITORA RUA PARAÍBA, 1.419 30130-141, BELO HORIZONTE, MG  31 3223-8092 WWW.LIVRARIAMINEIRIANA.COM


Myriam Pessoa Nogueira é natural de Belo Horizonte, MG. Graduou-se em Radialismo, na UFMG, depois especializou-se em Cinema, Vídeo, TV e Novas Mídias pela UCLA. É mestre em Literaturas em Língua Portuguesa pela Faculdade de Letras da PUC Minas e doutoranda em Artes, na área de Cinema, da Escola de Belas Artes da UFMG, com doutorado sanduíche na Wayne State University de Detroit, Michigan, EUA. Myriam tem sido bolsista da Capes. Ganhou dois prêmios de dramaturgia, o Prêmio Estímulo da FunarteMinC, em 1995, com “O Videofone”, e o prêmio do site “Culturanoar” com “Faz-de-Conta Que é Pra Criança”, em 2008. Poeta, é também roteirista e professora de adaptação literária, interpretação para a câmera e storyboarding.


Composto em Chaparral Pro e impresso sobre Pรณlen Soft 80 g/m2 em abril de 2014 pela Grรกfica O Lutador.




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