Volume
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Os Pioneiros da Habitação Social no Brasil Nabil Bonduki [coord] Ana Paula Koury [coord. adjunta]
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Apresentação
Este livro trata do processo de construção da política pública de habitação no Brasil, com ênfase nos aspectos relacionados com a arquitetura e urbanismo e foco no período entre 1930 e 1964, quando ocorrem, de acordo com as premissas que orientam este trabalho (Bonduki, 1998), as origens da ação do Estado na questão da moradia econômica. Baseada numa longa e abrangente pesquisa, que envolveu grande número de pesquisadores de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado, sob minha orientação e coordenação, ela procurou construir uma base empírica até então inexistente, capaz de dar suporte a uma análise aprofundada sobre uma etapa fundamental da formulação da política habitacional no país. A publicação não se limita, entretanto, ao período que foi o foco principal da pesquisa. Preliminarmente, objetiva-se situar este período num contexto histórico mais amplo: os cem anos de ação estatal na problemática habitacional que se completou em 2012, mostrando como se foram construindo os elementos essenciais de uma política habitacional no país. Desse modo, é possível enquadrar adequadamente a contribuição específica desse período, relacionada
com uma especial preocupação com a qualidade de projeto arquitetônico e inserção urbanística. O trabalho defende a tese de que, na segunda década do século XXI, alcançaram-se as condições para que o direito a habitação digna possa ser garantido para todos os cidadãos brasileiros. No entanto, a questão fundiária, a qualidade do projeto e a inserção urbana dos conjuntos habitacionais estão distantes das preocupações dos atuais governos no enfrentamento do problema, o que dá sentido e atualidade para este livro. Ao resgatar uma faceta pouco conhecida da história da arquitetura e do urbanismo do país, procura-se aqui contribuir, modestamente, para uma correção de rumos da atual política habitacional brasileira. Para desenvolver essa hipótese, foi necessário construir uma periodização da trajetória da ação do Estado na questão da habitação, procurando identificar como ela foi tratada em cada momento e sintetizar os avanços conquistados e as limitações e entraves encontrados, com ênfase nos aspectos arquitetônicos e urbanísticos. Este esforço não pretende, nem de longe, esgotar uma tarefa de maior folego, que consiste na elaboração de uma história das políticas públicas de habitação no país. O livro
3 Até então praticamente desconhecidos (com exceção da contribuição de A. E. Reidy), pela historiografia da arquitetura brasileira, marcada por uma trama interpretativa desvendada por Martins (1986), os projetos surpreenderam por sua qualidade urbanística e arquitetônica e por introduzirem questões fundamentais para o enfrentamento massivo do problema da habitação, como a produção seriada e estadardização, que foram incorporadas nas propostas desenvolvidas no país como uma repercussão do ideário moderno, em particular das teses formuladas no âmbito dos Ciams. O interesse sobre essa faceta da análise foi bastante expressivo entre os arquitetos e urbanistas, potencializado pelo fato que de a qualidade da produção habitacional deixou de ser um aspecto relevante no período seguinte, o da massiva produção financiada pelo Banco Nacional da Habitação (BNH), criado em 1964, e, a bem dizer, segue assim até hoje. Apesar da repercussão que esse aspecto ganhou, é necessário ter-se em conta que a pesquisa que fundamentou Origens da habitação social no Brasil não tinha como foco exclusivo nem principal uma análise aprofundada desses conjuntos residenciais. O objetivo era identificar como o Estado interveio na questão habitacional no contexto da construção de um projeto de desenvolvimento para o país na perspectiva de revelar o contexto em que o problema habitacional transformou-se em uma questão social no Brasil. De caráter eminentemente interdisciplinar, a tese envolvia, além de uma reflexão inovadora no âmbito da História da Arquitetura e do Urbanismo, análises de Economia Política, Sociologia e História Social sobre diferentes aspectos dos processos tratados, que iam muito além da produção estatal de habitação social. A importância que ganhou o subtema dos conjuntos residenciais e de sua relação como a arquitetura moderna acabou por obscurecer a análise de outras questões de grande importância que ainda não tinham sido investigadas, como as razões que levaram à promulgação em 1942 e manutenção por décadas da Lei de Inquilinato, objeto que, originalmente, era o objetivo principal da pesquisa.
Por esta razão, o levantamento e análise da produção habitacional realizada no período não foram exaustivos em naquele livro. O estudo foi desenvolvido a partir de um número relativamente pequeno de empreendimentos, embora fossem alguns dos mais significativos do ponto de vista dos projetos arquitetônicos. Ainda não era possível identificar com clareza as diferentes políticas de projeto desenvolvidas por cada um dos órgãos promotores, nem as especificidades das suas organizações; as influências internacionais não estavam suficientemente mapeadas. Até mesmo detalhes importantes dos projetos revelados eram desconhecidos. A investigação realizada até aquele momento era suficiente para desenvolver as hipóteses principais daquela tese, em especial, o papel da habitação no âmbito da política de redução do custo de reprodução da força de trabalho e de proteção aos trabalhadores com carteira assinada e a importância desse ciclo de conjuntos residenciais para a arquitetura moderna brasileira. No entanto, era necessário um aprofundamento substancial da investigação para que se pudesse chegar a conclusões mais definitivas sobre o que foi a ação estatal na questão da habitação no período que antecedeu a criação do BNH e sobre quais seria sua contribuição para o aperfeiçoamento da política habitacional brasileira.
Arquitetura moderna e habitação econômica no Brasil Para aprofundar o estudo desse objeto foi proposta uma nova investigação, que deu as bases empíricas para este livro. O objetivo principal da pesquisa foi realizar um levantamento completo dos empreendimentos habitacionais realizados por órgãos estatais no período de 1930 e 1964, analisar detalhadamente os mais significativos e enquadrar esse ciclo no âmbito da trajetória mais geral do enfrentamento do problema habitacional no Brasil no século XX. A primeira etapa dessa investigação foi desenvolvida entre 1997 e 2001, no antigo Departamento de Arquitetura da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP), onde fui
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Cem anos de construção da política pública de habitação no Brasil: o desafio frustrado de uma arquitetura para a maioria
13 A construção da história da política de habitação social no Brasil é uma tarefa coletiva de grande envergadura, que requer um esforço continuado de inúmeras investigações que possam aprofundar o estudo dos diferentes períodos, dar conta de uma multiplicidade de agentes atuantes nos vários níveis de governo e analisar a questão sob os diferentes enfoques pertinentes ao caráter multidisciplinar desse objeto. A intenção da primeira parte do volume 1 não é, e nem poderia ser, a de suprir integralmente essa lacuna, muito sentida pelos que estudam o tema. Não é esse o foco da pesquisa que originou esse livro, que, como já foi enfatizado, aprofunda o estudo de um período específico, contribuindo para o esforço coletivo de construção da história da habitação social no Brasil. O objetivo é mais modesto: pretende-se, a partir de um conjunto de investigações, pesquisas e estudos já realizados pelo autor e por outros investigadores, traçar uma periodização da maneira como o Estado interveio na questão da habitação, de modo a situar o período estudado em profundidade no contexto histórico mais amplo e a evidenciar qual foi sua contribuição para o atual estágio de desenvolvimento da política habitacional brasileira. Parte-se da hipótese de que foi na esfera das soluções arquitetônicas e urbanísticas que essa produção se destacou. Segundo a interpretação adotada nessa pesquisa, a política de habitação social no Brasil deve ser dividida em cinco períodos, excluindo a longa fase colonial e imperial, quando prevaleceu, durante quase quatro séculos, a escravidão. Nesse período, nenhuma iniciativa foi sequer ensaiada para enfrentar as necessidades de habitação dos escravos, considerados pelo Estado como meros instrumentos de trabalho, sem qualquer direito. Nessa perspectiva, a Abolição da Escravatura e a constituição de um mercado de trabalho livre, que praticamente coincidem com a República, marcam o momento em que alguma ação pública, embora ainda muito tímida, pode ser notada, dando início ao primeiro período da política habitacional, que vai até a década de 1930, quando o Estado passa a intervir, de fato, na questão social. Essa fase, que, a grosso modo, coincide com a República Velha, caracterizou-se
pelo reconhecimento de que a habitação dos trabalhadores era um problema público. Prevalecia, entretanto, a concepção liberal de que o Estado não deveria intervir diretamente na produção e nas regras de locação da moradia, que eram consideradas questões de mercado. Com o predomínio dessa visão, o poder público acabou por ter uma presença insignificante no enfrentamento do problema, limitada a ações tímidas, como favorecer, com isenções fiscais, a produção rentista privada e a exercer o poder de polícia sanitária, em uma perspectiva higienista. A produção direta de moradia pelo governo e o controle dos aluguéis eram combatidos pela ordem liberal e as poucas iniciativas tomadas nesse sentido praticamente não tiveram efeito prático. Apesar da pequena presença do Estado, essa fase foi importante na medida em que se consolidou, no âmbito da produção privada, uma concepção de vila operária que é precursora do conjunto residencial, que se consolidou no período seguinte, no âmbito de uma promoção pública estatal. Nessa concepção de vila, a habitação não era pensada exclusivamente como a unidade de moradia individual, mas como um núcleo autônomo coletivo, que incluía equipamentos sociais e a ideia de produção seriada. De maneira muito tímida, ocorre nesse período a primeira ação do governo federal destinada a produzir habitação, com o início da implantação do Bairro Operário Marechal Hermes, projeto formulado em 1912, no Rio de Janeiro. Assim, é possível afirmar que a produção de conjuntos habitacionais promovidos pelo governo federal no Brasil se iniciou há um século. A Revolução de 1930 e, sobretudo, a revisão da legislação que regulamentava a produção de moradias pelas carteiras prediais dos institutos e caixas de Aposentadoria e Pensões (IAPs e CAPs), marca o início do segundo período, que se estende até o golpe militar de 1964. Essa fase, que é o foco principal da pesquisa que originou este livro, marca o reconhecimento da habitação como uma questão de Estado, que intervém no mercado de locação, com o objetivo de proteger o inquilino e desestimular a produção rentista, cria mecanismos para facilitar a compra do lote em prestações e o autoempreendimento da casa própria e inicia uma significativa
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Habitação modelar e controle patronal: as vilas operárias Moradia sã, com bastante sol e luz, e os cômodos de acordo com as necessidades das famílias operárias mais comuns. Dois, três e quatro quartos foram os tipos adotados, dando-se a eles um aspecto alegre e convidativo, construindo as casas em um só pavimento e em ruas largas, tirando assim em aparência e de fato, qualquer ideia de promiscuidade. Jorge Street, industrial que edificou a Vila Maria Zélia (Street, 1942))
As vilas produzidas por companhias privadas, destinadas aos seus operários, chamadas de núcleo fabril ou vila operária de empresa, embora fossem exceções, atendiam a necessidades específicas da fase inicial de implantação do capitalismo no país (Blay 1982). Várias explicações podem ser procuradas para explicar a emergência dessas vilas: filantropia de empresários favoráveis à harmonia entre o capital e o trabalho; estratégia para atrair operários em um mercado de trabalho incipiente; forma de disciplinar o tempo livre dos operários, submetendo-os à ordem burguesa e mantendo-os sob permanente controle; necessidades da própria produção. Como procuravam estar próximas às fontes de energia, muitas empresas se estabeleceram em locais isolados, onde inexistia um mercado de trabalho organizado. Necessitaram criar verdadeiras cidadelas para atrair e alojar os trabalhadores livres. Nesses casos, a industrialização ocorreu simultaneamente à urbanização, gerando pequenos núcleos urbanos em torno de grandes fábricas capazes de concentrar a força de trabalho e oferecer o mínimo de serviços e equipamentos. Pedra (AL), Paulista (PE), Votorantim (SP) e Biribiri (MG) são alguns entre muitos exemplos desse tipo de empreendimento (Correia, 1998). Nas cidades onde já existia um mercado de trabalho constituído, vilas como a Maria Zélia, em São Paulo, e a Luís Tarquínio, em Salvador, se justificavam em alguns ramos industriais, como o têxtil, por atrair profissionais especializados e possibilitar a prática de empregar mulheres e crianças, altamente rentável para as empresas.
Em outros casos, os empreendimentos se justificavam pela necessidade de manter os trabalhadores sempre próximos do local de trabalho, de modo que pudessem ser convocados a qualquer momento, como nas numerosas vilas criadas por companhias ferroviárias, de energia elétrica, mineração e siderurgia, que tinham altos-fornos. Essa condição, porém, não foi específica desse período e continuou presente até recentemente, gerando inúmeras “cidades novas”, como Volta Redonda (1942), Ipatinga (1958), Caraíbas (1980) e Carajás (1985). Nas vilas operárias, os patrões procuravam garantir as regras da moral burguesa, contando com equipamentos coletivos − escolas, igrejas, enfermarias, clubes, pequenos comércios − administrados e sustentados pela empresa, que procuravam moldar o trabalhador, em geral imigrante recém-chegado ao país, segundo a ideologia dominante, além de manter os funcionários e sua família sob controle da empresa, inclusive nas horas livres.
Texto para legenda. Texto para legenda. Texto para legenda. Texto para legenda.
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Em 1905, o prefeito Pereira Passos enviou à Câmara Municipal mensagem solicitando “autorização para a construção de casas para operários [...] em sobras dos terrenos para a abertura da Avenida Salvador de Sá e outras constantes do plano” (Reis, 1977). O alcaide procurou com essa ação responder às fortes críticas e mobilizações, como a Revolta da Vacina, geradas pelo violento “bota-fora” promovido pela administração do Distrito Federal para a abertura da Avenida Central e outras obras viárias no centro da cidade. As intervenções urbanas provocaram a demolição de grande número de cortiços e pequenas moradias populares, despejando, sem nenhuma alternativa, milhares de moradores do centro da capital federal. De acordo com Reis (1977), a prefeitura edificou, no total, 120 unidades, somando 12,7 mil metros quadrados, sendo sessenta unidades na Avenida Salvador de Sá e o restante no Beco do Rio (atual Rua Mendes Campos) e na Rua Leopoldo. O núcleo mais conhecido e documentado foi implantado em nesgas de terrenos remanescentes da desapropriação necessária para rasgar a Avenida Salvador de Sá, para onde estão voltadas todas as unidades. Com dois pavimentos, o conjunto é formado pequenos blocos em vários quarteirões, implantados de acordo com a disponibilidade de terrenos. Os blocos são formados por um ou dois módulos geradores, cada um com quatro unidades. Os apartamentos do andar superior são acessados através de uma escada central e uma varanda aberta, localizada junto à avenida, o que dá uma feição bastante pitoresca a esse pequeno conjunto urbano.
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O Bairro Operário Marechal Hermes se origina de uma iniciativa mais ambiciosa e inovadora do presidente Hermes da Fonseca (1911-1914). Primeira ação do governo federal voltada para a construção de conjuntos habitacionais para os trabalhadores, o marechal enfrentou a oposição do Congresso Nacional e de forças políticas conservadora, contrárias à intervenção do Estado na questão habitacional. Implantado junto à estação Marechal Hermes, da Central do Brasil, o bairro foi projetado pelo tenente engenheiro Palmiro Serra Pulcheiro e previa a construção de 1.350 casas de vários tipos e uma gama de equipamentos, como as escolas profissionalizantes edificadas ao redor da Praça XV de Novembro e o Hospital Carlos Chagas, inaugurado em 1o de maio de 1913, junto com a estação ferroviária. O projeto de Pulcheiro procurou criar uma monumentalidade marcada por uma grande via arborizada de pista dupla (Avenida General Oswaldo Cordeiro), que corta o conjunto e tem uma perspectiva com foco na estação ferroviária. Ao longo dessa avenida e das suas praças foi implantada a maior parte dos equipamentos coletivos. No governo do marechal, foram construídas apenas 165 unidades junto à estação, que se caracterizavam por uma fachada eclética e pela ausência de recuos frontais, e foram ocupadas por funcionários públicos e apadrinhados do governo. Com o final do governo, as obras foram paralisadas e surgiram moradias populares no seu entorno. Após a Revolução de 1930, o projeto foi retomado pelo governo Vargas e, posteriormente, o empreendimento foi incorporado ao Instituto de Pensões e Aposentadoria dos Servidores do Estado (IPASE), que construiu blocos com tipologias modernas, como pode ser visto no volume 2. A forte reação política e de setores da imprensa contra a iniciativa do governo revela a posição das elites dominantes contra uma maior presença do Estado na produção habitacional. O marechal Hermes da Fonseca, presidente eleito contra o esquema político dominante na Primeira República, representava os setores médios urbanos que viam com simpatia uma maior intervenção do governo nos questões sociais. Nesta perspectiva, pode-se considerar a proposta do Bairro Operário uma ação precursora, ainda muito tímida, da promoção pública de habitação, que ganhou impulso com a ação desenvolvida por Vargas nos anos 1930.
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A Lei do Inquilinato e crise da produção rentista de habitação O sr. Getúlio Vargas, atendendo a situação de momento e a fim de garantir o povo contra especulações criminosas, proibiu o aumento dos aluguéis das casas residenciais.. Correio Paulistano, 29/8/1942
O Decreto-Lei que instituiu a Lei do Inquilinato, em 1942, regulamentou as relações entre locadores e inquilinos, provocou um forte impacto na produção e acesso a habitação. A medida, tomada por Vargas no momento em que o país entrou na Segunda Guerra Mundial, determinou o congelamento dos valores locativos e a proibição dos despejos, rompendo a tradição liberal que rejeitava qualquer interferência do Estado no mercado de locação. Conforme amplamente demonstrado em pesquisa anterior (Bonduki, 1998), a Lei do Inquilinato procurou, simultaneamente, ampliar as bases de apoio popular ao varguismo, no âmbito do populismo, reduzir o custo de reprodução da força de trabalho e desestimular o investimento em casas de aluguel de modo a concentrar a aplicação de capitais nos setores considerados mais estratégicos para o projeto desenvolvimentista, em especial na indústria. Como, até a década de 1940, o aluguel consumia cerca de 30% do orçamento mensal da imensa maioria dos assalariados, incluindo a classe média, seu congelamento teve forte impacto social, contrapondo-se aos altos índices de elevação do custo de vida no país durante e após a Segunda Guerra Mundial. Este objetivo da legislação – “defesa da economia popular” – foi sempre enfatizado pelo governo em um momento em que todos os itens de necessidade básica do trabalhador sofriam forte elevação, em índices até mesmo superiores aos verificados na habitação.
A análise da política de desenvolvimento nacional implementada durante o período varguista revela que outros aspectos, além de defesa da economia popular, pesaram para manutenção do congelamento dos valores nominais dos aluguéis entre 1942 e 1964. Como se sabe, no período procurou-se impulsionar um processo de industrialização sem que se contasse com uma base de acumulação prévia nem com disponibilidade de capitais externos. Seria, portanto, necessário mobilizar capitais internos, canalizando para a empresa industrial recursos que normalmente se inclinariam para outros setores da economia. Movido por essa lógica, o governo tomou uma série de medidas de controle administrativo, que substituíam os mecanismos de mercado, visando fazer a economia funcionar de forma não automática. A Lei do Inquilinato foi fixada, pelo menos complementarmente, com este objetivo. O congelamento dos aluguéis em 1942 e as sucessivas renovações dessa regulamentação ao longo de mais de vinte anos, que faziam com que as novas construção passassem a sofrer as mesmas restrições da lei, criaram um clima desfavorável ao investimento em moradias de aluguel. E, ainda, estimulavam os proprietários a vender as suas casas de renda, como forma de reaver o capital desvalorizado por aluguéis desatualizados, em um momento de inflação crescente. O investimento em casas de aluguel, até então atraente, deixa de ser interessante, liberando recursos e estimulando a aplicação de capitais na indústria (Oliveira 1971). O congelamento dos aluguéis se situa, ainda, entre as medidas tomadas por Vargas para reduzir o custo de reprodução da força de trabalho objetivando elevar o patamar de acumulação de capital sem afetar exageradamente as condições de vida dos trabalhadores, uma das estratégias utilizadas para intensificar o processo de crescimento industrial, salvaguardando o pacto de classes (Oliveira, 1971).