PLANADOURO Nº02 - VERÃO / OUTONO 2010
Magazine do Centro Internacional de Voo à Vela de Mogadouro
MS 893A RALLYE A LOCOMOTIVA DO VOO À VELA
REDBURROS FLY IN FESTA E ESPECTÁCULO NO CÉU DE MOGADOURO HIPERSU… DISPOSITIVOS AUMENTADORES DE SUSTENTAÇÃO
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DO EDITOR
BRINDES E FAVAS
REFLEXÕES SOBRE A ÉPOCA DE 2010 E PROJECÇÕES PARA A DE 2011
2010, um ano pleno voos memoráveis e de projectos que se concretizaram. Também ano de alertas de segurança e de condicionamentos que marcaram o voo à vela global, com reflexos sérios no CIVVM. Poderemos dizer, aludindo à época festiva que se avizinha, que, entre o desembrulhar de merecidos brindes, algumas favas nos saíram! Pilotos e alunos largados ampliaram significativamente o seu terreno de jogo e atingiram as metas a que se propuseram. Voaram-se largas centenas de horas e percorreram-se milhares de quilómetros em condições de voo à vela muito diversas, em função das rápidas e significativas variações meteorológicas que neste ano se verificaram na região de Mogadouro. O segundo curso de pilotos de planador do CIVVM avança com a largada de mais dois alunos e aguardamos o iminente primeiro voo solo de outros dois. Serão, em breve, pelas provas de dedicação e afinco que estes, e o aluno já largado, têm dado desde a sua inscrição, mais cinco pilotos formados neste curso, com grande potencial, a reforçar a actividade. O caminho a percorrer pelos restantes alunos do curso continua aberto. Sensibilizar a comunidade para a actividade do voo à vela permanece como um objectivo central, traduzido na promoção de eventos de divulgação, parcerias com entidades desportivas, educativas e sociais, e recepção de grupos de visitantes. Com âmbito local e internacional tivemos um conjunto de acções de colaboração com o Servizo de Deportes da Universidade de Vigo, com o Fórum Transfronteiriço de Jovens Rurais das regiões da raia de Castela, Leon e Portugal e com escolas e instituições particulares de solidariedade social da região de Mogadouro. Pelas reacções dos participantes nas actividades, estamos convictos de que muitas sementes vocacionais foram lançadas. Um evento especial foi a visita ao aeródromo de Mogadouro do núcleo de voo à vela da Academia da Força Aérea. Ao longo de 4 dias a comitiva do Departamento de Actividades Aéreas do Corpo de Alunos da Academia da Força Aérea desenvolveu a sua actividade de treino e apresentação pública no aeródromo de Mogadouro, em perfeita coordenação com a actividade local, explorando as condições que a região oferece para o aperfeiçoamento da pilotagem de planadores em condições de voo térmico. Sobressaiu o mútuo reconhecimento da importância deste intercâmbio de experiências e a determinação em reeditar e aprofundar estas jornadas. Com o festival “RedBurros Fly-In” estabeleceu-se uma plataforma de comunicação entre o grande público e o mundo da aviação desportiva, representado pelos pilotos portugueses e espanhóis que viajaram até Mogadouro. As exibições de performance e de acrobacia de planadores e aviões fizeram espectáculo, notas tónicas do ambiente festivo que marcou os reencontros e os novos contactos entre os participantes, coroando um evento em que organização, segurança, e a arte de bem receber pontificaram. A nível internacional continua na ordem do dia a progressiva aplicação das normativas europeias aos procedimentos de inspecção, manutenção e serviço das aeronaves e de licenciamento de pilotos. Também aqui há que perceber a acção das forças de centralização cujo objectivo é o reforço do controlo sobre o sector e, daí, a necessidade de se apoiarem as forças que se batem por uma maior responsabilização individual, associativa e local, com bases regulamentares proporcionais aos riscos e à necessária abertura do mundo da aviação à participação responsável dos cidadãos. Ocorreram alguns acidentes graves nos campeonatos mundiais de voo à vela de Prievidza, Eslováquia. Duas colisões de planadores, uma entrada em “vrille” de resultados fatais, planeios
finais a altura inferior às regras de segurança envolvendo toques em veículos circulando no exterior do aeródromo, aterragem fora dura com ferimentos na coluna vertebral do piloto, enfim, uma lista extensa que deverá provocar a reflexão sobre os valores desportivos, a ética e a gestão dos riscos na competição de alto nível. Fora dos campeonatos, um acidente com folha estrutural de um Blanik L13 determina a decisão da Agência Europeia para a Segurança Aeronáutica (EASA) de suspender de imediato todos os voos destes planadores. Eis uma medida que teve impacto directo no CIVVM. Efectivamente o CS-PBQ, mesmo depois de inspeccionado pela empresa de manutenção e pelo INAC continua no chão, aguardando as directivas do fabricante e da EASA. Estamos, portanto, com uma grave limitação de meios para a actividade da escola e para treino de pilotos. No final do Verão um relatório oficial, amplamente divulgado nos média, referia o aumento da sinistralidade envolvendo aeronaves em Portugal. Como factores determinantes na cadeia de circunstâncias que conduziram aos acidentes sobressaem as falhas de pilotagem e a incorrecta avaliação do impacto das condições aerológicas no voo. O nível dos comentários produzidos nos meios de comunicação social continua a ser baixo, faltando um mínimo de preparação técnica necessária ao claro enquadramento do assunto. Acaba-se inevitavelmente por clamar por mais regulamentação e fiscalização, a acrescentar à já existente, deixando de fora um ponto que nos parece fundamental, e que é o problema do crescente individualismo e falta de enquadramento associativo e organizativo na aviação. Há um papel fundamental das estruturas de acompanhamento próximo dos pilotos que tem sido negligenciado.
Vem a propósito referir que são necessários mais centros de voo à vela em Portugal que agreguem os pilotos em volta de organizações que os apoiem e fomentem a sua participação. Há que criar estruturas nas várias regiões do país, partindo da diversidade das comunidades e afinidades existentes, que proponham diferentes projectos de operacionalidade. A opção voluntária de cada piloto por um projecto específico é condição determinante para um forte espírito de equipa que é essencial na segurança e na eficiência em tudo o que diz respeito aos planadores. Também decorre deste espírito a socialização e o lazer que todos apreciam. Para fechar este editorial registamos o primeiro voo nocturno de uma aeronave autónoma a energia solar, o “Solar Impulse”, gigante motoplanador quadrimotor eléctrico de 64 m de envergadura. No dia 7 de Julho de 2010 o “Solar Impulse” descolou às 6:51H da manhã, às 11:00H atingiu os 9 200 m de altitude, e manteve-se em voo até às 9:00H da manhã do dia 8 de Julho. Foi um voo perfeito que demonstrou a exequibilidade de um voo totalmente autónomo, em que o tempo parece suspenso! Grandes expectativas quanto ao futuro deste projecto. Amigos, o melhor de todos os voos é o voo em segurança! Artur Moreira Gonçalves, Editor Contacto do Coordenador Editorial: planadouro@gmail.com
SUMÁRIO
Nº 02 do magazine PLANADOURO – edição dupla de Verão e Outono.
Dobrado o primeiro ponto da viagem, novos horizontes se perfilam ao leitor com mais secções e mais colaboradores. Pontifica um dossier sobre o MS 893-A RALLYE, avião rebocador do CIVVM, ao qual se seguem notícias sobre o festival RED BURROS, aprofundamentos técnicos sobre temas aerodinâmicos e de segurança na pilotagem, relatos de largada de novos pilotos, dicas práticas, poéticas, humorísticas e outras pequenas gemas do universo do voo silencioso.
NOTÍCIAS Balanço do Festival REDBURROS FLY-IN...........04
Memória do meu primeiro voo solo..................36
Destaques do REDBURROS FLY-IN...................06
Largada, em planador.................................38
Academia da Força Aérea no aeródromo de Mogadouro..........................................09 Visitas ao CIVVM – sensibilização ao voo à vela...11 COORDENAÇÃO EDITORIAL: Artur Moreira Gonçalves
ESCOLA
DOSSIER - MS 893A RALLYE
PRÁTICA Trabalhos no ASW 24 D-5161, campanha de 2010......................................40 Trança de cabo de reboque...........................42
COLABORARAM NESTE NÚMERO: Adriano Osório, Francisco Piqueiro, Gonzalves, João Corredeira, João
A locomotiva de alumínio..............................13
Henriques, José Carlos Fernandes, José Lourenço, Mathieu Neuforge,
Camilo Miranda sobre o RALLYE… e não só............20
Nicolas Jourdain, Paulo Cabral, Pedro Castanheira, Pedro João Ferreira, Quico Montenegro, Sérgio Mota Ferreira
Notas da minha experiência sobre o RALLYE......22 Rebocadores – Passado e futuro.....................24
Cerqueira Martins, Filomena Gouveia, Martins Bexiga
PB – RALLYE.............................................27
Dulce Gonçalves
Bouo Zem Metore.......................................43
RALLYE – Opinião de um jovem piloto..............23
AGRADECIMENTOS:
ESTRUTURA GRÁFICA:
HUMOR
TÉCNICA Ver e evitar – Introdução ao “See and Avoid”......28 Hipersu…
VER DO CÉU, VIVER EM TERRA Bemposta: corpo de granito, coração determinado.............44
SUGESTÕES Conhecimento e elegância em forma de livro......46
Dispositivos aumentadores de sustentação........30
INSPIRAÇÕES NÃO TENHO MAIS NADA SENÃO AS ASAS Voar como a Águia Real...............................32
Ingo Renner..............................................47 Na Capa: CS-DIV em voo com cabo de reboque. Imagem de J. Corredeira Na Contracapa: Aterragem do Sie3, D-9881, ao fim da tarde. Imagem de Filomena Gouveia
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NOTÍCIAS
31 DE JULHO DE 2010 O DIA EM QUE OS BURROS “VOARAM” EM MOGADOURO
Balanço do festival RedBurros Fly In, um evento inédito que mobilizou a comunidade e os entusiastas da aviação. Que factores concorreram para o sucesso do festival e que perspectivas existem para o seu futuro? Espaço para a palavra do Dr. João Henriques, Vice-presidente da Câmara Municipal de Mogadouro, entidade promotora do evento.
Vista geral do evento. Imagem da colecção de JCorredeira.
O dia 31 de Julho de 2010 ficará para a história do concelho de Mogadouro como o dia em que se celebrou o 5º aniversário do Aeródromo Municipal, mas também como o dia em que mais de três mil pessoas estiveram de olhos postos nos nossos céus. A 1ª edição do festival aéreo RedBurros Fly In, promovida pela Câmara Municipal de Mogadouro, foi um sucesso. Aliás, um êxito retumbante! E quem o afirma não somos nós, organização, mas sim a comunicação social, que mediatizou amplamente este evento, as dezenas de aviadores e pilotos, que atravessaram os céus nacionais e espanhóis para se juntarem a nós, as instituições civis e militares que, desde logo, aceitaram o repto de participar neste
evento inédito, os nossos munícipes, que acorreram com orgulho a esta exibição, e, finalmente, os cidadãos dos mais variados concelhos do país que se deslocaram propositadamente ao nosso planalto para assistir a um espectáculo aéreo que cativou, desde logo, pelo nome. Se é certo que o nome e o logótipo atribuídos ao evento caíram bem na opinião pública, também é certo que, por trás desta designação que à primeira vista pode parecer que nasceu para causar graça, existe uma explicação séria e que está intrinsecamente ligada a nós: o ‘Red’ significa o sangue, a alma e o empenhamento que incutimos a este festival e a palavra ‘Burros’ faz jus a um animal que sempre teve ligações à nossa região e, por contingência dos esforços de preservação da espécie, está ditosamente na moda. Foi, portanto, um feliz casamento de conceitos!
Abertura do evento com o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Mogadouro, Dr. António Moraes Machado; Público e aviões visitantes; YAK52 em voo invertido
Imagens da colecção de JCorredeira.
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Mogadouro, Dr. João Henriques Imagens da colecção de JCorredeira.
Esta edição, que acreditamos ser a primeira de muitas, juntou mais de 70 pilotos, oriundos dos mais variados pontos do país e até da nossa vizinha Espanha, e meia centena de aeronaves que aderiram, desde o primeiro momento, ao nosso desafio. Para além dos passeios de burro, que fizeram as delícias dos mais novos, e da exposição estática de vários modelos de aviões civis e militares e de um simulador de voo de helicópteros da Marinha Portuguesa, o público teve a oportunidade de assistir a alguns dos mais espectaculares momentos de exibições acrobáticas, protagonizados pela Patrulha Fantasma e Aerobática e pelos SmokeWings que fizeram subir os níveis de adrenalina. Apesar de o dia ser excepcionalmente quente, com as temperaturas a rondar os 40 º, a verdade é que as mais de duas mil pessoas que se apinharam no aeródromo resistiram estoicamente ao calor, prova inequívoca de que o espectáculo cativou pela qualidade. Mais do que um evento de entretenimento, o Festival Aéreo RedBurros Fly In distinguiu-se pelos momentos de grande convívio e de agradável confraternização, quer no próprio aeródromo, onde o público teve ao seu dispor as mais variadas facilidades, quer no Parque das Merendas Penas Róias, onde os convidados foram surpreendidos com um saboroso almoço campestre. É pois, com orgulho, que sublinho a opinião unânime de que o nosso primeiro RedBurros Fly In foi efectivamente um sucesso! A todos aqueles que, directa ou indirectamente, contribuíram para elevar a qualidade e o nome desta iniciativa, deixo o meu agradecimento público. Tenho consciência de que ultrapassamos as melhores expectativas e que a fasquia está agora elevada, talvez, para além dos limites dos céus que emolduram Mogadouro. Mas, para o ano prometemos mais e, seguramente, ainda melhor! Espero vê-los por cá! JH
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NOTÍCIAS
DESTAQUES DO
REDBURROS FLY-IN Foi uma jornada de festa que juntou a comunidade aeronáutica e a população da região à volta do espectáculo, dos planadores e dos aviões. Eis os destaques da primeira edição do evento, apresentados por João Corredeira, o dedicado “construtor” do festival.
YAK52-SmokeWings a descolar. Imagens da colecção de JCorredeira.
Realizou-se no passado dia 31 de Julho o Festival Aéreo do Aeródromo Municipal de Mogadouro, entitulado “RedBurros Fly-In”. Rapidamente se fará a analogia com o RedBull Air Race, no entanto, o nome foi pensado de forma a transmitir o esforço que tem sido realizado para que o projecto do Centro Internacional de Voo à Vela de Mogadouro continue a voar bem alto. Daí o nome “Red” (vermelho em inglês) significar a força e sangue dado a todo o projecto e o nome “Burros”, em homenagem à tradicional feira do burro, realizada anualmente na aldeia do Azinhoso, freguesia onde se localiza do aeródromo. O festival contou com 46 aeronaves nacionais e estrangeiras, entre aviões e ultra-ligeiros, os quais foram contemplados com um excelente almoço transmontano no parque de merendas da aldeia de Penas Róias situada a 3 Km do aeródromo. Como atracções, o festival contou com a presença da Academia da Força Aérea Portuguesa com um ASK-21, um L-23 SuperBlanik e um DHC-1 Chipmunk Mk.20, o simulador de voo do Lynx Mk.95 da Marinha, planadores do Centro Internacional de Voo à Vela de Mogadouro, SmokeWings, Aerobática com o Pitts S2B e Extra 300, Museu Aerofenix e Patrulha Fantasma. Durante a manhã teve lugar o descerramento de uma placa de homenagem dos pilotos do CIVVM ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Mogadouro, que desde o inicio apoiou o projecto do voo à vela, estando presente a Banda Filarmónica dos Bombeiros Voluntários de Mogadouro
As exibições tiveram início com uma demonstração de reboque de planadores, tendo sido realizado um passagem baixa do planador Twin Astir em reboque seguido de uma aterragem em reboque simulando uma situação em que o sistema de largada de cabo falhou obrigando a este procedimento. A segunda exibição foi uma passagem baixa de um planador ASW-24 a largar lastro. Seguiram-se as exibições da Academia da Força Aérea Portuguesa com os seus planadores e avião rebocador, nos quais efectuaram manobras acrobáticas, finalizando com uma passagem baixa à pista. De destacar que estas manobras foram comentadas em directo por um dos pilotos que seguia a bordo do planador. Após as demonstrações do voo à vela, foi finalmente a hora de ver e ouvir os motores das aeronaves da Patrulha Fantasma com o Vans RV-6 e o VaryEze, SmokeWings com o YAK-52 (avião de treino de fabrico Russo) e a Aerobática com o Pitts S2B e o Extra 300 cujas acrobacias mantiveram boquiabertos todos os presentes. A Marinha, marcou presença com um simulador de voo do helicóptero Lynx Mk.95, o qual fez as delicias de pequenos e graúdos numa forma diferente de voo. Para os spotters, foi facultado (mediante inscrição prévia) um local previligiado para poderem captar imagens sem interferências. A organização pensou também no público em geral, e possibilitou uma maior proximidade com as aeronaves e pilotos. Dentro do espírito do festival, e para quem gosta de “voar” mais perto do chão, foi possível, para todos os que assim o desejassem, fazer “rapadas” montados em burros, a velocidades estonteantes e totalmente grátis! JC
Passeios de burro; Exibição da Aerobática; Aproximação de avião e planador para aterragem em reboque. Imagens da colecção de JCorredeira.
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ECOS DO EVENTO NA COMUNICAÇÃO SOCIAL Os passeios de burros foram muito concorridos, fazendo jus ao nome do evento, o qual contou ainda com a colaboração do Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP). Fonte: http://www.rba.pt/noticias.php?id=1377ão
“É um evento de dignidade nacional. A iniciativa trouxe gente a uma vila do interior, o que veio mexer com a economia local. Vamos continuar a apoiar o evento que orgulha a região”, salientou o vicepresidente da instituição de turismo, Júlio Meirinhos. Fonte: http://www.correiodominho.com/noticias.php?id=32717
O evento serviu ainda para promover o voo planado. No AMM está em funcionamento uma escola que em três anos formou metade dos pilotos de planadores em Portugal, naquele período de tempo. Fonte: http://www.rba.pt/noticias.php?id=1377
Também o piloto acrobático Luís Garção considerou que “o nome dado ao evento foi feliz”, lembrando que “tal como o ‘Red Bull’, também se tratou de um festival com aviões que "chamou público”. Fonte: http://www.correiodominho.com/noticias.php?id=32717
O evento, no entender de Júlio Meirinhos, vice-presidente da Entidade de Turismo do Porto e Norte de Portugal, “provou” o “bom investimento” feito por aquela instituição no Aeródromo de Mogadouro. “Quando o Instituto de Turismo apoio esta infraestrutura em centenas de milhares de euros, estava ciente que tudo ia resultar e a prova está à vista: foi um evento de dignidade nacional, trouxe gente e rentabilidade”, considerou. Fonte: http://www.mensageironoticias.pt/noticia/3082
Contacto do Público com aviões, planadores e pilotos. Imagens de JCFernandes.
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NOTÍCIAS
Super Blanik L23 em voo; Montagem dos planadores; Briefing na sala de operações. Imagens de JCFernandes.
ACADEMIA DA FORÇA AÉREA NO AERÓDROMO DE MOGADOURO
A Academia da Força Aérea Portuguesa é um estabelecimento público universitário militar, cuja missão é formar os oficiais do quadro permanente da Força Aérea. À AFA estão atribuídos 6 aviões DeHavilland DHC-1 Chipmunk Mk.20 e 6 planadores bilugares (3 ASK-21 e 3 L-23 Super Blanik). Os cadetes (independentemente do curso) tem a oportunidade de frequentar o curso de planadores, como actividade extra-curricular. Por coincidência, os cadetes deste destacamento eram todos do curso de Piloto Aviador (PILAV). Sendo os planadores a forma mais simples de voar, revelam-se uma excelente plataforma de aprendizagem que permite adquirir competências que mais tarde se vão revelar de extrema importância ao passarem para aeronaves mais complexas e exigentes. A sensação de liberdade proporcionada pelo voo à vela, o ambiente de convivência e cooperação faz com que esta actividade seja muito popular entre os alunos da AFA que, para serem autorizados a praticar esta actividade, necessitam de ter mérito académico e militar. A presença da AFA no Aeródromo Municipal de Mogadouro foi marcada com um Schleicher ASK-21, um LET L-23 Super Blanik e um avião rebocador DeHavilland DHC-1 Chipmunk Mk.20 e uma excelente equipa. Tirando partido das condições físicas do Aeródromo de Mogadouro e disfrutarem ao máximo das condições metorológicas de Mogadouro, a comitiva, ao longo de 4 dias, aproveitou para dar instrução de voo aos cadetes da Academia.
Pela primeira vez a Academia da Força Aérea Portuguesa (AFA), esteve presente no Aeródromo Municipal de Mogadouro, através do Departamento de Actividades Aéreas do Corpo de Alunos da Academia da Força Aérea – Esquadra 802 “Águias”. João Corredeira regista os 4 dias memoráveis de actividade em que esteve patente a paixão dos militares presentes pelo voo à vela e a troca de experiências e o salutar convívio no ar e no solo com os pilotos e alunos civis. Objectivos da deslocação: treino de voo à vela e apresentação pública no RedBurros.
As previsões meteorológicas foram extremamente favoráveis para o voo à vela, permitindo treino de voo avançado, voo de distância (crosscountry) e treino de acrobacia, chegando a haver tectos de 2500 metros QFE. São incontáveis as vezes em que se pretendia colocar o planador em terra e, mesmo com os freios fora, era difícil trazê-lo para a pista. O último voo de sexta-feira, dia 30 de Julho, terminou cerca das 19:30 locais, quando ainda permanecia uma significativa actividade térmica. Foram condições perfeitas para ficar bem expressa a mestria e o profissionalismo da Academia da Força Aérea nas operações de voo à vela . No fim do dia era notório o cansaço em todos, após um dia extenuante de voos. Ao mesmo tempo estava estampado nos rostos, um enorme sorriso e a vontade de continuar a voar em terras transmontanas.
Durante a estadia em Mogadouro, efectuaram-se os briefings (reuniões) matinais em conjunto com a Esq.802 “Águias”, sobre meteorologia, operações de voo estipuladas para o dia, procedimentos operacionais, referências visuais relevantes o que propiciou um óptimo ambiente de intercâmbio e troca de informações. Estes briefings tiveram um papel crucial nas operações conjuntas da AFA e do Centro Internacional de Voo à Vela de Mogadouro (CIVVMM), uma vez que as terminologias e procedimentos operacionais destas duas entidades, apesar de serem basicamente iguais, apresentam ligeiras diferenças que convém esclarecer entre todos os pilotos. Mas porquê usar nomes diferentes para procedimentos iguais quando estamos todos no voo à vela? Os militares têm como função formar pilotos operacionais, enquanto que os civis tem o objectivo de fazer com que todas as pessoas compreendam o que se está a dizer e ao mesmo tempo fazer despertar o interesse pelo voo à vela. Antes do inicio das operações aéreas, o aeródromo recebeu cerca de 50 crianças (e quem sabe alguns futuros pilotos) que puderam ver de perto e sentar-se aos comandos das máquinas voadoras, incluindo nas aeronaves da Força Aérea Portuguesa. Ainda durante o dia, várias dezenas de transmontanos, acorreram ao aeródromo para poderem presenciar algo inédito e completamente fora do vulgar por terras de Trindade Coelho. JC
Chipmunk na pista; Preparação dos planadores na pista. Imagens de PJFerreira.
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NOTÍCIAS Universitários na Escola de Enxenheiros Industriais e Minas; Grupo no aeródromo de Mogadouro. Imagens da colecção de Quico Montenegro.
VISITAS AO CIVVM SENSIBILIZAÇÃO AO VOO À VELA
Durante a Primavera e o Verão de 2010 realizaram-se várias visitas ao CIVVM das quais se destacam as dos três grupos que adiante se noticiam. Realizadas de acordo com um programa preestabelecido proporcionaram, para além do fortalecimento dos laços entre a comunidade do voo à vela e as envolventes, momentos de emoção e informação de grande potencial na captação de vocações para o voo à vela. UNIVERSITÁRIOS DE VIGO Concretizou-se em Abril de 2010 uma das actividades previstas na parceria celebrada entre o CIVVM e o Servizo de Deportes da Universidade de Vigo. Na construção desta parceria teve papel preponderante o piloto de planador galego Quico Montenegro, grande entusiasta do voo à vela e dinamizador de grupos, que nos honra com a sua amizade e participação na actividade de planadores em Mogadouro. O arranque desta acção de sensibilização teve lugar nas instalações da Escola de Enxenheiros Industriais e Minas e na Escola de Enxenheiros Técnicos Industriais com a realização de conferências em que Quico Montenegro e Angel Martinez dialogaram com cerca de 50 estudantes. A exposição estática do planador Jantar Standard 3 foi um factor mobilizador deste bom número de participantes. Seguiu-se a visita do primeiro grupo de estudantes universitários inscritos no programa de parceria já referido. Razões meteorológicas e de agenda obrigaram ao adiamento da deslocação de um segundo grupo. As boas vindas foram asseguradas por pilotos do CIVVM, com destaque para o Angel Martinez que, expressando-se em galego, contribuiu muito para o tom familiar, descontraído e participativo em que toda a visita decorreu. Apresentadas as instalações passou-se, num contexto de proximidade com os planadores e com o contributo de vários pilotos, à sensibilização dos jovens para os fundamentos gerais do voo à vela e à tomada de contacto mais detalhado com as aeronaves, com referências breves à sua história, especificidades técnicas e de voo. O dia prometia boas condições de voo, o que impeliu o grupo a avançar para a prática, definindo a escala de voos de baptismo e fornecendo as “coordenadas” dos locais e a rotatividade de grupos para o almoço. Nos momentos de embarque nos planadores e no fim dos voos soltaram-se expressões de desafio e de humor materializando a subida da adrenalina no espírito dos universitários. Os disparos das máquinas fotográficas, as perguntas e comentários, a alegria e vivacidade apontam para se considerar como plenamente atingidos os objectivos da visita, na qual se pressentiu solo fértil para germinar o bichinho do voo à vela no espírito de alguns dos participantes.
ESTUDANTES DO ENSINO BÁSICO O Centro Internacional de VV de Mogadouro constitui-se como ponto de atracção nas visitas de estudo realizadas pelas escolas do ensino básico e secundário da região. De facto, entre as diversas que já se efectuaram, registamos a que ocorreu no dia 30 de Julho de 2010, véspera do festival “RED BURROS”, e que se integrava num programa de ocupação de tempos livres de uma IPSS. O grupo de jovens era heterogéneo em termos de idades, o que lhe conferia maior animação. Foram recebidos e guiados pelo Director de Aeródromo e Instrutor, Adriano Osório, que os desafiou e divertiu na visita às instalações, no contacto directo com os planadores e na observação das manobras de reboque e de voo livre dos planadores que decorriam em bom ritmo, aglutinando a actividade dos pilotos do CIVVM com a da Secção de Planadores da Academia da Força Aérea. Eis uma experiência pedagógica a repetir… muitas vezes! PC Grupo de Jovens Rurais; Jovens contempladas com um voo de baptismo. Imagens de PCastanheira.
Grupo de crianças de ATL em visita ao aeródromo. Imagens de JCFernandes.
FÓRUM TRANSFRONTEIRIÇO DE JOVENS RURAIS Na região fronteiriça de Castela/Leon e Portugal, que abarca as províncias de Salamanca, Zamora, Trás-os-Montes, Douro e Beira Interior Norte, estão implementados programas de cooperação e promoção social da União Europeia dirigidos aos jovens que visam aprofundar os laços entre as comunidades e esbater as fronteiras económicas, criando condições para o empreendedorismo comum e para o cabal aproveitamento das sinergias da região. Tal é o caso do programa JUVENTUDE EM ACÇÂO. Deste programa fez parte o Fórum Transfronteiriço de Jovens Rurais – “Salta a Raia”, cuja sessão de encerramento se realizou este ano em Mogadouro no dia 5 de Junho, e que já vai na sua 4ª edição. Integrada no programa do fórum, estava uma visita ao aeródromo de Mogadouro e ao CIVVM. Tratou-se de uma tarde de descoberta da actividade do voo à vela, na qual o grupo se organizou para sortear 4 jovens, de entre os 15 participantes, que tiveram a oportunidade de realizar o seu voo de baptismo em planador. As condições meteorológicas proporcionaram voos de descoberta excelentes, realizados pelo Pedro Mesquita e José Carlos Fernandes, coroados com condições de luz de fim de tarde de Primavera simplesmente magníficas. Destacaram-se do grupo alguns jovens, tanto portugueses como espanhóis, que, pela sua curiosidade e ânimo, demonstraram grande interesse pelo voo à vela e que fizeram questão de deixar referências para receberem informação sobre a abertura de futuros cursos de piloto de planador.
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DOSSIER - MS 893A RALLYE
O Rallye é uma aeronave multifunções, monomotor de asa baixa, trem de aterragem fixo, com capacidade de aterrar e descolar de pistas curtas (STOL – Short Take-off and Landing), de fabrico francês. Avião de turismo oferecendo 4 lugares, trabalho aéreo e reboque de planadores são as razões que, ao longo dos 50 anos de serviço deste modelo, aliadas à sua reconhecida robustez e facilidade de pilotagem, explicam seu o sucesso industrial e longevidade. Adiante seguem as notas de João Corredeira sobre a grande “locomotiva” dos centros europeus de voo à vela.
RALLYE A LOCOMOTIVA DE ALUMÍNIO NOTAS SOBRE O MS 893A
A Morane Saulnier foi uma empresa francesa fundada em 1911 por Léon Morane e Raymond Saulnier, tendo começado a produzir aeronaves em 1913 na Primeira Guerra Mundial para a “Armeé de L’Air”. No pós-guerra, a empresa necessitava de um novo mercado aeronáutico devido à quebra de encomendas de material militar. Mais tarde, já nos anos 50, o governo Françês solicitou o desenvolvimento de uma aeronave para o mercado civil. A Morane Soulnier desenvolveu o Rallye, tendo ganho o contrato para construir a aeronave.
A MORANE SAULNIER
Nos anos que se seguiram, a empresa foi sendo absorvida pela Sud Aviation. Em 1966 foi criada a Societé de Construction d’Avions de Tourisme et d'Affaires (SOCATA), como uma subsidiária da Sud Aviation. A SOCATA deu continuidade à produção e desenvolvimento do Rallye e outras aeronaves. As empresas SUD Aviation, Nord Aviation e SEREB, desenvolviam aeronaves comerciais, militares e veículos espaciais enquanto que a SOCATA concentrava-se no desenvolvimento de aeronaves civis.
A SOCATA EADS
O sucesso do Rallye não foi suficiente para distanciar a MoraneSaulnier da falência em finais de 1962. Após a Morane-Saulnier ter sido colocada em liquidação juntamente com a Potez e o grupo Sud-Aviation, uma nova companhia foi criada em 25 de Julho de 1966, a SOCATA - Société de Construction d'Avions de Tourisme et d'Affaires. Esta empresa era uma subsidiária do grupo Sud-Aviation, o famoso constructor do avião comercial Sud Aviation Caravelle e do SA330 Puma. Quando a Sud-Aviation, a NordAviation e a SEREB se fundiram para formar o grupo Aérospatiale em 1970, a SOCATA tornou-se famosa pela sua divisão de aeronaves ligeiras. A empresa começou a desenvolver aeronaves monomotores para substituir o Rallye, sendo designadas com o prefixo “TB”; relacionado com a fábrica de Tarbes (sul de França), onde eram construídos. O TB-9 Tampico e o TB-10 Tobago foram introduzidos no mercado em 1979. O TB-20 Trinidad, o TB-21 e o TB-30 Epsilon (treino militar) sairam da fábrica entre 1981 e 1984. Em 1989 a SOCATA anunciou o seu novo avião de treino, o TB-31 Omega. Esta aeronave era um avião ligeiro, bilugar em tandem, asa baixa, semelhante ao TB-30 Epsilon, mas com um motor turboprop, o Turbomeca TP319 e aviónicos melhorados. Em Novembro de 2000 a Aerospatiale-Matra junta-se à DaimlerChrysler Aerospace e à espanhola CASA, para criar a European Aeronautic Defence and Space Company – EADS. Passou então a SOCATA a ser designada EADS SOCATA. Em Junho de 2001 a EADS SOCATA contractou a Moravan-Aeroplanes para construir fuselagens para os seus modelos “TB”. Esta empresa foi também selecionada pela EADS para fornecer componentes para o Airbus A320.
Diagrama de três vistas de JCorredeira.
Observando a aeronave de frente, uma característica que salta à vista é o grande diedro das superficies sustentadoras principais. Esta característica, permite que durante as voltas, a aeronave não perca tanta sustentação, atrasando a entrada em perda. Ainda nesta perspectiva, de certeza que observará que o trem-de-aterragem do nariz, está desviado do eixo longitudinal da aeronave, uma característica derivada da gestão do posicionamento dos acessórios dos motor. Poderá passar despercebido, o relativo desalinhamento do eixo do motor com o eixo de simetria da aeronave. Este desalinhamento é característico das aeronaves de hélice, pois tem como objectivo compensar o efeito de torque do motor. Dificilmente encontrará dois Rallye com um cockpit igual, isto porque na década de 50 ainda não estavam implementados na Europa, protocolos nas linhas de montagem das aeronaves. Se reportarmos a aeronaves europeias da mesma época facilmente constatará isso.
RALLYE
O Rallye é uma aeronave multifunções, de asa baixa, trem-de-aterragem fixo, com capacidade de aterrar e descolar de pistas curtas (STOL – Short Take-off and Landing), tendo como lotação 4 lugares (dependendo do modelo), estrutura monocoque, totalmente construído em alumínio (excepto as coberturas do motor e canopy). A sua capacidade STOL, deve-se principalmente ao perfil aerodinâmico NACA 63A416, associado aos slats e aos flaps tipo “fowler”. Os slats são estendidos e recolhidos automaticamente assim que a aeronave entra em baixas velocidades ou em velocidade de cruzeiro. Têm como função manter o fluxo laminar na asa a velociades mais baixas. Relativamente aos flaps, como já referido, são do tipo “fowler”, conferindo um aumento de sustentação na ordem dos 90%. São accionados mecanicamente por meio de uma alavanca, contando com posições de 30º e 45º.
Imagens de JCorredeira.
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O sistema de travões que equipava os Rallye de série era o tradicional sistema de tambor, que se foi revelando pouco fiável e de delicada afinação e operação. Posteriormente, o fabricante lançou um sistema de travões de disco accionados hidraulicamente, que vieram ultrapassar estas questões e dar, ao piloto, tranquilidade e capacidade de controlo no solo. Durante a rolagem, o Rallye é direccionado com recurso a estes travões hidráulicos de disco, independentes, no trem-de-aterragem principal, uma vez que a roda de nariz é designada vulgarmente de “roda maluca” por não ser dotada de sistema de orientação. No entanto está equipado com um sistema anti-vibração, conhecido por “anti-shimming” que durante a descolagem, evita que a roda gire descontroladamente (o que pode levar ao colapso da estrutura).
MODELOS PRODUZIDOS
O modelo original da Morane Saulnier, o MS.880 Rallye fez o seu primeiro voo a 10 de Junho de 1959, tendo um motor Continental C-90, que mais tarde viria a ser re-designado de Continental O-200, tendo equipado o MS.880A e o MS.880B na versão de 100 Cv, iniciando-se a produção no ano seguinte, ficando conhecido como Rallye Club. Posteriormente surgiu o MS.881, com um motor Potez 4E20 de 105 Cv, o MS.883 equipado com um Lycoming O-235 de 115 Cv; o MS.885 com um motor Continental O-300 de 145 Cv conhecido como Super Rallye tendo o seu primeiro voo ocorrido em 1961. Seguiu-se o MS.886 com um motor Lycoming O-320 de 150 Cv e o MS.887 equipado com um motor Lycoming O-230 de 125 Cv. O modelo MS.890 Commodore foi equipado com um motor Lycoming de 150 Cv e foi o primeiro com capacidade de transportar 4 passageiros (incluindo o piloto). O MS.893 foi projectado como avião agrícola e avião rebocador de planadores, tendo sido equipado com um motor Lycoming O-360-A2A de 180 Cv. Seguidamente surgiu o MS.894A Rallye Minerva, equipado com um motor Franklin 6A350-C1 de 220 Cv e mais tarde, o MS.894E, como uma versão melhorada do MS.894A, equipado com o mesmo motor, tendo como principais diferenças, flaps eléctricos, quadrante de controlo do motor e yokes, sendo designado de Rallye Minerva 220GT. Mais tarde surgiu a versão mais potente do Rallye, o MS.235 que ao mesmo tempo representou o fim da série Rallye, sendo equipados com um motor Lycoming O-540 de 300 Cv. A designação Rallye foi descontinuada em 1979, quando a SOCATA decidiu introduzir outros nomes para o mesmo modelo. O S.O.C.A.T.A Galopin substituiu o Rallye 110ST com um motor Avco Lycoming de 110 Cv, seguido pelo Rallye 160ST redesignado como Garnement equipado com um motor Lycoming O-320 de 150 Cv. O Rallye 180T, projectado para o reboque de planadores, foi redesignado como Galérian, equipado com um motor Lycoming O-360 de 180 Cv. O Rallye MS.235GT com o potente motor Lycoming O-540 foi designado de Gabier. Este modelo foi ainda modificado para servir nas Forças Armadas em missões FAC (Forward Air Crontrol) e COIN (Counter Insurgery), tendo sido reforçada a estrutura e instalados suportes (cabides) nas asas para poder ser equipado com ninhos de rockets e metralhadoras, tendo o modelo sido designado de MS.235G Guerrier. Foi adquirido pelas Forças Aéreas do Djibuti, República Dominicana, El Salvador, Lybia, Marocos, Ruanda e Senegal. Actualmente o Guerrier está ao serviço da Força Aérea de El Salvador com 5 unidades. A Marinha Francesa conta com 9 unidades do modelo MS.893 na Esquadra 50S na Base Aérea de Lanvéoc-Poulmic. Os outros países à muito que retiraram os seus Guerrier do serviço.
CS-DIV na pista e no hangar do aeródromo de Mogadouro. Imagens de JCorredeira.
A partir dos anos sessenta do século XX, e considerando todas as versões do Rallye, foram produzidas no total, 3500 unidades desta aeronave para a qual, desde a sua introdução como rebocador de planadores, até aos dias de hoje, ainda não se encontrou um substituto à altura, tendo-se afirmado como a aeronave de eleição para esse serviço.
Avião com planador a reboque. Imagem de NJourdain.
Perfil lateral do CS-DIV em voo. Imagem de JCorredeira.
Nos finais da década de 70 a S.O.C.A.T.A, introduziu no mercado internacional os Trinidad, Tobago e Tampico, com vista a substituir os Rallyes, tendo licenciado os respectivos projectos à empresa polaca PZL. A PZL (Panstwove Zaklady Lotnicze) produziu o Rallye com a designação de Koliber tendo ainda esta empresa adquirido a licença de construção dos motores Franklin, com os quais veio a equipar PZL 110, que é um Rallye 100ST construído sob licença, equipado com um motor Franklin 4A-235-B1, tendo feito o seu primeiro voo em 18 de Abril de 1978. Em 1987 foi proposta uma nova versão, conhecida como Koliber 150 com um motor Lycoming O-320-E2A de 150 Cv, sendo posteriormente actualizado para a versão Koliber 160 tendo o protótipo (matrícula SPPHA) voado pela primeira vez em 27 de Setembro de 1988. Em 1991 foi anunciado o desenvolvimento do Koliber 235 com um motor Textron Lycoming O-540-B4B5. Para além das alterações com os motores, o Rallye também foi dotado de trem-de-aterragem convencional (roda de cauda) e com flutuadores para operar em meio aquático. O quadro 1, refere-se aos modelos do Rallye que foram produzidos, no entanto, segundo os modelos da Socata que estão registados na EASA (European Aviation Safety Agency), constam modelos como o MS.880A e B; MS.894; MS.897; MS.893A, B, E, E-D; MS.894A, C, E, Rallye 235A, C, E, E-D, F. Posto isto, na tabela apenas são referidos os modelos que foi possível apurar mais detalhes e que apresentavam diferenças significativas entre eles. Ao mesmo tempo não são contabilizados os modelos Rallye 100, 150, 180, 235, uma vez que são respectivamente os modelos MS.880, MS.885, MS.890, MS.893, e MS.235 apenas com nova designação.
O RALLYE EM PORTUGAL No que respeita ao cenário nacional actual estão registados 28 modelos do Rallye, se contarmos com as aeronaves com registo estrangeiro mas que são operadas por Portugueses e/ou empresas nacionais o número sobe para 36. Do modelo MS.880A existe 1 exemplar com a matrícula CSDIS e do modelo MS.880B existem 2 exemplares com as matrículas CS-AIT e CS-AIW, desconhecendo-se a situação deste último. Do modelo MS.883, temos o CS-AIN, CS-AIR e CS-AIZ, dos quais não foi possível obter nenhuma informação. O CS-AOH é o único exemplar do modelo MS.887, encontrando-se inoperacional no aeródromo de Coimbra. Do modelo MS.892A, temos o CS-AFP (situação desconhecida), o CS-AIK que mais tarde viria a ser registado como CS-AYP, estando este inoperacional no aeródromo de Coimbra, e o CS-AIM desconhecendo-se também a sua situação. O modelo MS.893A é sem dúvida o modelo mais numeroso em território Nacional. No total são 23 exemplares, sendo 14 com registo nacional CS-AGE, CS-AGI, CS-AID, CSAIJ, CS-AIL (mais tarde registado como CS-ARK), CS-AIQ, CSAIY, CS-AJB, CS-DBE, CS-DIV, CS-DCX, CS-DDE, CS-DPQ. Com registo estrangeiro temos o, D-EMZO, F-BONA (recentemente teve uma pane de motor à aterragem, ficando danificado e desconhecendo-se o seu estado), D-EKCD, F-BTIG, D-EHSH, DEJSF, D-EASE (inoperacional), D-EHSP e o F-BSAN que actualmente exibe a matrícula CS-DPP, perfazendo um total de 8 aeronaves com registo estrangeiro. Finalmente o MS.894A, conta com 3 unidades, com os registos CS-AGK (situação desconhecida), CS-AGV (situação desconhecida) e o CS-AGZ (sofreu recentemente uma pane de motor, da qual sofreu danos ligeiros e voltará a voar brevemente). No quadro 2 encontram-se resumidas as situações destas aeronaves de acordo com os dados que foi possível obter no decurso da investigação. Este quadro encontra-se sujeito a alterações, mediante novas informações. Uma vez que ao longo da investigação foram encontradas dados contraditórios, e dado que não existe uma fonte de informação cem por cento fidedígna, optou-se por simplificar ao máximo o aglomerado de informação. JC Agradecimentos: José Vilhena, Artur Gonçalves e José Carlos Fernandes
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CARACTERÍSTICAS
(MS.893A RALLYE COMMODORE 180) Tripulação: Quatro PAX Comprimento: 7.24 m Envergadura: 9.74 m Altura: 2.80 m Área alar: 12.3 m 2 Peso (vazio): 570 kg (1,257 lb) Peso máx. à descolagem: 1,050 kg (2,315 lb) Motor: 1 x Lycoming O-360-A2A de 180 Cv Combustível total: 226 litros (59 gal) Combustível utilizável: 220 litros (58 gal)
PERFORMANCE Velocidade máx.: 250 km/h (129 nós) Velocidade a não exceder: 290 Km/h (134 nós) Velocidade de cruzeiro: 225 km/h (121 nós) Velocidade de perda (sem flaps): 92 km/h (50 nós) Velocidade de perda (com flaps): 82 Km/h (44 nós) Alcance: 1,300 km (702 milhas náuticas) Tecto de serviço: 3,600 m (11,800 pés) Razão de subida: 3.85 m/s (758 pés/min) Carga alar: 85.4 kg/m 2 Relação peso-potência: 0.13 kW/kg (0.078 hp/lb) Máx. vento cruzado: 10 m/s (36 Km/h - 20 nós)
CS-DIV em Mogadouro. Imagem de PCastanheira.
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DOSSIER - MS 893A RALLYE
CAMILO MIRANDA
SOBRE O RALLYE E NÃO SÓ
É uma longa vida dedicada à aviação que está na base da opinião e do saber fazer de Camilo Miranda, piloto sénior que, aos comandos do Rallye CS-DIV, tem, com mão experiente e segura, assegurado os reboques dos planadores do CIVVM. Eis uma recolha de algumas dessas opiniões e saberes. Em 2005, Camilo Miranda participa como piloto no processo de recepção e avaliação do MS 893-A Rallye, que foi adquirido para a função de rebocador do CIVVM. Ficam aí bem patentes as qualidades e as limitações deste avião. Célula em bom estado geral, motor em excelentes condições, mas a actuação dos travões de tambor é totalmente inadequada aos aeródromos portugueses. Exige-se uma grande precisão e fiabilidade destes componentes para manobrar a aeronave no solo. Procedeu-se então à aplicação de um “kit” certificado de travões de disco e à revisão necessária ao registo aeronáutico nacional. Feitos estes trabalhos emerge o Rallye CS-DIV que manobra no solo em estrita obediência ao seu piloto! Para se chegar ao nível de proficiência patenteado por Camilo Miranda não basta frequentar o bar do aeroclube ao fim de semana e realizar as horas de voo para manter a licença válida. Na verdade há uma vida de entrega e paixão pela aviação comprovada pela participação em inúmeras actividades e eventos aeronáuticos que se realizaram no norte de Portugal ao longo de 62 anos de ligação contínua às coisas do ar.
Planador Grunau Baby do Aeroclube do Porto; Avião Auster-160 do Aeroclube do Porto. Imagens da colecção de CMiranda.
Camilo Miranda e casal de visitantes. Imagem de PCastanheira.
Descolagem em asa delta; Monoplano Miles Magister do AcPorto; Biplano D. H. Tiger Moth também do AcPorto; Entrevista na primeira aterragem do Piper Cub no aeródromo de Vilar de Luz. Imagens da colecção de CMiranda.
Efectivamente é em 1948 que o jovem Camilo se inicia no aeromodelismo, enquadrado na secção desta modalidade do Aeroclube do Porto. Serão seis anos de vivências e aprendizagens à volta dos modelos de planadores de voo livre, que eram o foco da secção, em contacto directo com os planadores e aviões “a sério”. O curso de piloto de avião (PPA) foi, naturalmente, o passo seguinte, realizado na dinâmica escola existente no seio do Aeroclube do Porto. A licença é alcançada em 1954, e desde então, voou na vasta frota de aviões do clube, nas mais variadas e exóticas missões que se colocavam aos pilotos na época. A vertente desportiva da aviação a motor foi bastante importante, com a participação em eventos como as Voltas Aéreas ao Norte de Portugal e Galiza, onde alcançou os melhores resultados. Nos registos de voo e na memória constam voos nos célebres D.H. Tiger Moth, avião biplano de motor de 4 cilindros invertidos em linha, máquina que deixou a Camilo Miranda recordações maravilhosas, no monoplano de asa baixa Miles Magister, equipado com o mesmo motor, nos clássicos Piper Cub e Super Cub, assim como no saudoso Auster D8-160, avião fabricado sob licença em Portugal pelas OGMA, e que, como avião rebocador, foi a coluna vertebral do voo sem motor português dos anos 80 e 90 do século XX. Embora o voo a motor tenha um lugar proeminente na sua vida como piloto, Camilo Miranda é uma pessoa dedicada e aberta ao voo no seu todo, em especial ao voo de planador. Dois anos após a sua formação PPA, ou seja, em 1956, realiza o curso de Piloto de Planador (PP), participando num curso da Secção de Voo sem Motor do Aeroclube do Porto, enquadrado pela Direcção Geral da Aeronáutica Civil (DGAC).
Tivemos o piloto Camilo Miranda na primeira grande viagem que o Rallye CS-DIV realiza como avião rebocador em terras portuguesas, em Julho de 2005: a viagem de Braga ao aeródromo de Santa Cruz, em Torres Vedras, e o longo voo de ligação entre Santa Cruz e Mogadouro, rebocando o planador Blanik CS-PBQ, tudo isto realizado com eficiência e segurança e coroado com a justa festa de recepção no novíssimo aeródromo transmontano. O curso é ministrado em Slingsby T21 Sedbergh, uma espécie de “barca” bilugar, lado-a-lado, descapotável e de asa alta com a imensa área alar de quase 20m2, e também em Ka4 Rohnlerche, planador de escola de origem alemã, robusto, compacto e estável, apelidado pelos pilotos de planador alemães de “Rohnestein” (pedra do Rohn), aludindo ao seu baixo coeficiente de planeio! Camilo Miranda conserva uma grande saudade do planador monolugar Grunau Baby 3 do Aeroclube do Porto, máquina que refere como muito manobrável, dócil e estável em térmica. Mantevese activo como piloto de planador, voando no Blanik L13 CS-PBD, até à paragem da actividade da secção o Aeroclube do Porto em meados dos anos 80. Por esta altura a prática do voo em asa delta estava a nascer. Camilo Miranda integra o grupo de pilotos do Aeroclube do Porto que foram os pioneiros da modalidade no norte de Portugal, e que explora os locais disponíveis para o voo livre nas primitivas asas do tipo “Rogalo”. A ponte entre as duas modalidades da aviação, com e sem motor, foi estabelecida na sua qualificação como piloto rebocador e na longa prática que se seguiu, voando no já citado Auster D8-160, máquina que qualifica como fantástica e verdadeira “escola” da boa pilotagem. E esta ligação ao voo à vela não podia deixar de passar pelos voos de reboque de planadores em MS 893-A Rallye, aeronave ubíqua nesta função em toda a Europa. Assegurando as funções de piloto rebocador no CIVVM, Camilo Miranda dá continuidade a uma carreira de pilotagem de uma profundidade e alcance muito raros. Sobre o Rallye, avião que considera honesto, fácil e tolerante, com potência algo limitada para reboques em condições de elevada temperatura, o piloto sénior é sintético e contundente deixando implícita a sua aposta pessoal na excelência da pilotagem: “É uma coisa que voa. Não ensina ninguém a voar!” PC
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DOSSIER - MS 893A RALLYE Tendo em conta o orçamento exíguo para a sua aquisição, após uma selecção de várias alternativas, planeámos uma viagem de prospecção que incluiu a França e a Alemanha, onde se encontravam as melhores oportunidades pré-selecionadas. Em França testámos um bom exemplar usado habitualmente em reboque de manga, todo revisto, pintado de novo e com um hélice de passo fino, ou seja já muito bem adaptado para reboque de planadores. Um único inconveniente; o preço. Mantivemolo debaixo de olho mas seguimos viagem para a Alemanha.
A experiência que tive com o Rallye revelou-me quão extraordinária é esta aeronave. Acima de tudo é um avião muito robusto fiável e dócil. Não espanta por isso a enorme vida activa deste modelo e a sua utilização nas mais diversas actividades lúdicas e profissionais. Quando em 1998, juntamente com um grupo de amigos pilotos de planador decidimos adquirir um Rallye para ser utilizado como rebocador fiquei a conhecer muito bem este avião e a ter uma relação emocional com o mesmo. No norte da Alemanha, em Osnabruck, ao mesmo tempo que nós, estava a chegar de Berlim por nossa causa o D-EASE. Embora tal pareça absurdo, diria que houve amor à primeira vista. As suas cores grenat e branco, o estado geral exterior e interior assim como a quantidade e qualidade da aviónica fizeram-nos logo imaginar um excelente regresso a Portugal, pelo ar. O voo de experiência, com quatro pessoas a bordo, confirmou as características de robustez, potência e manobrabilidade deste “todo-o-terreno” dos ares. Estava decidido. Tratada a papelada e a verificação técnica, há que planear a viagem para Vilar de Luz, Maia. Auxerre seria a primeira etapa, seguida de Biarritz e finalmente a Maia. Quando, durante a perna de Auxerre-Biarritz, concluí que o ETA estava ficar demasiado próximo do pôr-do-sol, decidi aterrar no aeródromo alternante La Réole, já considerado no plano de voo. Aterrámos nesta pequena pista de relva, com terreno irregular quase sem sinalização. O Rallye comportou-se muito á vontade, com a sua “personalidade” segura e versátil, demonstrando as características que deram a este modelo o sucesso e a fama honestamente merecidos. Tive aí a certeza de que tínhamos tomado a decisão certa. JCF
O Rallye D-EASE na viagem da Alemanha para Portugal.
Imagens da colecção de JCFernandes.
Piloto de avião e de planador, José Carlos Fernandes relata-nos um encontro entre homem e máquina ocorrido no contexto de um projecto, sempre renovado, de investimento na sua modalidade de eleição: o voo à vela.
NOTAS DA MINHA EXPERIÊNCIA COM O RALLYE
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DOSSIER - MS 893A RALLYE
RALLYE OPINIÃO DE UM JOVEM PILOTO O que tem um “maçarico” da pilotagem de aviões a dizer sobre o modelo do avião rebocador do CIVVM? Pedro João Ferreira faz o exercício de recuar onze anos e deixa-nos a sua opinião.
CS-DIV na placa do aeródromo. Imagem de PCastanheira.
O meu primeiro contacto a voar o Rallye aconteceu no ano de 1999. A minha pouca experiência à época levou-me a querer voar e ganhar mais conhecimento de aeronaves diferentes, para além dos já habituais Cessnas 152 e 172 existentes nas escolas e aeroclubes. No “encontro” com o Socata Rallye de 180 cavalos, o que me surpreendeu foi todo o espaço disponível a bordo. O facto de ter quatro lugares é uma importante mais-valia. Quando estamos sentados confortavelmente dentro da aeronave, reparamos também na excelente visibilidade que nos foi proprocionada pelos engenheiros da Socata, factor de extrema importância para uma aeronave muito vocacionada para operações VFR. A estes técnicos se deve também a engenhosa solução da asa com “slats” de operação automática. Considero o Rallye uma aeronave acessível para pilotos de vários níveis de experiência, sem grandes complicações a nível de operação, pois todos os procedimentos e modos de operação, apesar de não ser uma aeronave fabricada nos Estados Unidos da América, tem procedimentos standard com os quais a maioria dos pilotos estão familiarizados. Em voo, quanto a mim, é uma aeronave bem equilibrada e de fácil operação, capaz de operar eficazmente numa variada gama de velocidades e com boa capacidade para efectuar voo lento, devido à sua característica, pouco usual, de estar equipada com slats (superfície hiper-sustentadoras) de operação automática em funcão da velocidade e ângulo de ataque, os quais são pouco comuns em aeronaves desta categoria de peso. Como conclusão, o Rallye é uma aeronave polivalente e de operação relativamente simples, muito agradável de voar, muito eficaz de comandos, robusta, e com uma boa autonomia. É por esses motivos frequentemente usada para reboques de planadores, mangas publicitárias ou mesmo os simples passeios com amigos. Neste caso, voar muito sabe sempre a pouco... PJF
O Rallye, apesar de não ser uma aeronave considerada STOL (short take off and landing), tem uma boa capacidade de operação em pistas mais limitadas, no que diz respeito a comprimento e características do piso. É uma aeronave na qual o manual de operação permite descolagens com uma configuração de dois pontos de flaps, contrariamente à maioria dos Cessnas. Mas claro que, como com qualquer outro avião, não nos podemos esquecer das limitações de performance que são fruto da altitude e da densidade do ar.
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No contexto europeu o avião de reboque mais utilizado continua a ser o Morane Saulnier 893 A Rallye. As características que o levaram a este ponto foram bem salientadas noutros contributos que constam desta edição. Utilizando uma frase comum, teremos que reconhecer que há mais vida para além do Rallye, que outros aviões têm desempenhado o papel de rebocadores e que as suas prestações merecem estudo e ponderação. Naturalmente um dia chegará em que se colocará a necessidade de substituir um avião concebido nos anos 50 do século XX. Nesse dia terá que estar feito o trabalho de resposta aos cadernos de encargos mais exigentes do centros de voo à vela e a condensação do progresso tecnológico que entretanto se verificou, tudo isto integrado na diversidade da oferta que o mercado se encarregará de produzir. São os factores combinados da economia, eficiência e versatilidade que, tal com a experiência o demonstra, continuarão a reger as escolhas a fazer. Chipmunk do Aeroclube de Portugal em voo; Imagem de FPiqueiro.
Chipmunk do Aeroclube de Portugal em Sintra; Imagens da colecção de MBexiga.
OUTROS AVIÕES REBOCADORES
Um modelo de avião que está a realizar reboques de planadores, com sucesso, há décadas leva-nos a reflectir sobre o universo dos aviões rebocadores, perspectivando o panorama passado e presente e as alternativas que se ensaiam para o futuro, num sector crítico em termos de equipamento dos clubes e centro de voo à vela. Artur Moreira Gonçalves disserta.
PASSADO E PRESENTE
É bem conhecido de muitos pilotos de planador portugueses o avião AUSTER D8160, rebocador principal dos aeroclubes a partir do final dos anos 70. Este avião entra nas frotas materializando o apoio do estado ao sector da aviação, canalizando os equipamentos desmobilizados da Força Aérea, neste caso, aeronaves produzidas sob licença em Portugal pelas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico – OGMA. O AUSTER. Trata-se de um avião de design clássico de asa alta rectangular, dotada de montantes, e trem convencional, reconhecido como capaz na missão de reboque de planadores, com um custo de operação que era, atendendo a que não havia a parcela do investimento inicial, muito competitivo. Os pilotos que o voaram testemunham as magníficas qualidades de voo, a eficiência dos “split flaps” para descolagens e aterragens curtas e a robustez estrutural que tais performances impõem. Certificado para 3 ocupantes este AUSTER apresenta uma pequena área frontal para um avião com 2 lugares lado a lado, factor que favorece o bom rendimento do grupo motopropulsor, disponibilizando mais energia para a descolagem e subida. As aterragens com vento cruzado constituíam o grande desafio à proficiência dos pilotos de AUSTER. Ora, no reboque de planadores, os ciclos de aterragem sucedem-se numa cadência alta, logo, elevado risco de entrar em “cavalo de pau”! Especificações muito semelhantes a estas são as do PA 150 SUPER CUB, cujo peso em vazio é mais baixo do que o do AUSTER. Este modelo de avião foi pouco utilizado em reboque de planadores em Portugal. Tal não é o caso do De Havilland Canada DHC-1 CHIPMUNK
Originalmente equipado com o motor D.H. Gipsy Major de 4 cilindros invertidos, as actuais versões do DHC-1 CHIPMUNK em serviço de reboque dispõem agora dos motores Continental de 4 cilindros horizontais e opostos que disponibilizam mais potência e simplificam os procedimentos de operação. O exemplar operado pelo Aeroclube de Portugal poderia ser considerado como epítome da eficiência do avião rebocador, não fosse a exigência de um alto e constante nível de proficiência aos pilotos que um avião de trem convencional coloca. No que à estética diz respeito, o “CHIP” é um vencedor!
Auster 160 CS-AMZ;
Imagem da colecção de CMiranda.
Chipmunk da Academia da Força Aérea; Imagem de PJFerreira.
Mais aparentados com o RALLYE são os ROBIN DR 300 e 400, modelos de concepção francesa que descendem da bela e venerável criação de Jean Delmontez – o JODEL. Os DR são aviões de turismo para 4 ocupantes, de alto rendimento, que se impuseram com máquinas rebocadoras de planadores. A combinação das duas utilizações é um factor de versatilidade muito importante num aeroclube, potenciando uma elevada taxa de utilização. Peso baixo e trem triciclo são trunfos de um avião rebocador. Os DR têm-nos. Contudo, a estrutura em madeira deixa alguns potenciais operadores pouco à vontade… Um caso mais exótico é o do PA-25 PAWNEE, da PIPER, modelo de avião rebocador derivado de uma aeronave monolugar de trabalho agrícola. Configuração de asa baixa de grande diedro e trem de aterragem convencional, exibe uma carlinga proeminente no centro da fuselagem que proporciona uma visibilidade perfeita ao piloto. Deste avião são de esperar elevadas performances de reboque, só possíveis devido ao seu carácter especializado.
Piper PA-25 PAWNEE.
Dyn Aero MCR
ACBA Midour III.
E O FUTURO?
Recentemente as federações europeias têm reflectido no processo de substituição dos actuais aviões rebocadores, produzindo relatórios e estabelecendo parcerias de exploração de novas soluções com os construtores. O mercado também não está parado, havendo empresas que arriscam no desenvolvimento de aeronaves rebocadoras, seja pela adaptação de modelos existentes, seja na concepção de modelos específicos. Na Alemanha e nos países de leste há duas linhas de desenvolvimento: uma delas aposta nos rebocadores ligeiros derivados dos aviões da classe ultraleve e das novas classes estabelecidas pela EASA, ELA1 e ELA2, geralmente máquinas de estrutura compósita onde pontificam os polímeros reforçados com fibra de carbono, equipadas com os motores de nova geração da marca ROTAX, havendo avaliações que apontam para bons resultado em termos de custos de operação e de eficiência e facilidade de operação, quando aplicado no reboque de planadores monolugares e bilugares ligeiros. A outra linha, aposta na adaptação de motoplanadores, aeronaves familiares no contexto dos centros de voo à vela, também com avaliações muito positivas nas condições atrás referidas. Estas abordagens revelam limitações no reboque de planadores bilugares pesados. Em França há um outro conceito que tem evoluído de há mais de 12 anos até ao presente. Trata-se do projecto “MIDOUR”, actualmente na sua 3ª declinação, e que, em linhas gerais, retoma a configuração do CHIPMUNK, isto é, cabina bilugar em tandem e asa baixa, com um trem de aterragem triciclo devidamente reforçado para a exigente sequência de ciclos de aterragem e descolagem que são característicos dos aviões rebocadores. Equipado com o motor Lycoming de 180 CV e com um sistema de silenciador de escape Chabord e hélice de baixo ruído, o MIDOUR afirmase como um rebocador amigável para as populações vizinhas dos aeródromos. Este é um projecto de construção de natureza não industrial que se realiza no âmbito do famoso Réseau du Sport de l’Air – RSA, entidade organizativa e representativa dos designers e construtores amadores franceses. Neste momento os MIDOUR estão a rebocar em vários centros de voo sem limitações e com resultados muito bons. Um novo parente dos ROBIN também tem chamado à atenção. Trata-se
do MCR R180, projecto de Michel Colomban e da francesa Dyn Aero, conhecida pela sua participação numa empresa do sector da construção aeronáutica portuguesa, modelo que se baseia num dos produtos da gama MCR, o MCR 4S, avião concebido com recurso aos conceitos aerodinâmicos e construtivos de última geração. A Federação Francesa de Voo à Vela – FFVV exerce um papel de parceira neste projecto, consciente que está do iminente esgotamento das soluções actuais baseadas nos RALLYE. O MCR 4S é um avião de 4 lugares equipado com um grupo motopropulsor com tecnologia turbo derivado dos já referidos motores ROTAX. Na versão para reboque, o MCR R180, em lugar do ROTAX, a Dyn Aero instala o bem conhecido grupo Lycoming de 180 CV e redesenha o trem de aterragem triciclo para resistir ao impiedoso tratamento a que é sujeito nos incontáveis ciclos de reboque e nas pistas dos mais rústicos centros de voo à vela. Performances excelentes e previsão de custos operacionais baixos, têm sido reportados. Sobre o futuro destes voluntariosos projectos paira uma questão fundamental, que é a compatibilização dos desafios industriais e económicos que a produção implica, com as estritas normas de classificação e certificação das aeronaves nos organismos reguladores da actividade aeronáutica. Da evolução desta equação sairão os rebocadores que, nas décadas vindouras, continuarão a lançar os planadores nos braços das ascendentes. AMG
Scheibe SF25.
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DOSSIER - MS 893A RALLYE
O REBOCADOR A REBOQUE
PB - RALLYE
A preparação das folhas de pista, a escala das descolagens e a rolagem das aeronaves do hangar para a placa. Aí, a reverenciada “locomotiva” MS 893-A Rallye tem direito a, ela própria, ser rebocada… Dois pilotos séniores asseguram o impulso correcto, o rumo ideal e as indispensáveis comunicações terra-terra durante o reboque! CENA DE ARRANQUE DA JORNADA DE VOO À VELA NO CIVVM, A PRETO E BRANCO. DESENHO A TINTA DE P. CASTANHEIRA
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TÉCNICA
VER E EVITAR
INTRODUÇÃO AO “SEE AND AVOID”
Pedro João Ferreira recoloca na ordem do dia uma questão fundamental que deverá estar sempre presente no espírito de todos os pilotos: Havendo duas aeronaves a voar no mesmo espaço aéreo, há sempre o risco de colisão.
A prática de See and avoid (ver e evitar) é o método principal de que o piloto de planador dispõe para minimizar o risco de colisão ao voar em condições meteorológicas de voo visual (VFR), e está directamente relacionada com a capacidadade do mesmo de olhar para o exterior do cockpit e tornarse consciente do ambiente visual em que opera a sua, e todas as outras, aeronaves. A sua eficácia poderá ser significativamente melhorada se o piloto adquirir todas as competências necessárias para compensar as muitas limitações da visão humana, e usar todos os recursos disponíveis. Mas isso exige algum estudo, treino e habituação. Este texto tem como principal objectivo tornar os pilotos de planador mais conscientes das competências e recursos necessários, para fazer uma vigilância mais segura e eficaz do espaço aéreo no qual operam. Vários estudos de relatos de acidentes e incidentes relacionados com colisões em voo mostram que as mesmas podem ocorrer nas mais variadas fases do voo, independentemente do nível de experiência do piloto. Surpreendentemente, muitas das colisões em voo ocorrem durante o dia e em excelentes condições meteorológicas de voo visual e a maioria delas ocorre devido à grande concentração de aeronaves nas imediações dos aeródromos, ou em zonas de térmicas onde poderá existir um volume de tráfego considerável. Mas mesmo em zonas de pouco tráfego, nunca deveremos baixar o nosso estado de alerta e consciência situacional.
Não é difícil para os pilotos aprenderem a evitar as colisões em voo. Os resultados dos estudos indicam que há sintomas (atitudes) tipícos que servem de alerta aos pilotos dos mais variados níveis de experiência. Sintomas tais como o facilitismo, no que diz respeito à observação de todas as regras e procedimentos obrigatórios durante as operações de voo à vela. É importante sabermos ver convenientemente. Nunca é suficiente darmos com os nossos olhos uma simples “varridela” ao nosso espaço aéreo envolvente e procurar pelas aeronaves em potencial rota de colisão com o nosso planador. É necessário aprender a ver e ter total consciência das limitações da nossa visão.
CAUSAS DAS COLISÕES EM VOO
Ilustração de PCastanheira.
Sem dúvida que as causas principais para a ocorrencia de colisões em voo são o congestionamento do tráfego, as variadas velocidades de operação das aeronaves e o facilitismo por parte dos pilotos. Estes são, de facto, os três maiores factores de risco. Por exemplo: um planador e um avião bimotor em rotas convergentes de sentido oposto podem ter uma velocidade de aproximação de cerca de 460 km/h. E são, no mínimo, necessários menos de 10 segundos para o piloto se aperceber que há um risco de colisão e, por sua vez, reagir a tempo de evitar a aeronave em conflito. Por isso mesmo, a razão mais frequentemente observada nos relatórios de incidentes ou acidentes relacionados com colisões em voo é a falha do piloto em conseguir ver a tempo e de reagir à aproximação das outras aeronaves. Na maioria dos casos, um dos pilotos envolvidos poderia ter visto o outro a tempo de evitar a colisão correcta e atempadamente. Podemos, portanto, dizer que, realmente, a visão é o principal factor fisiológico para a existência das colisões em voo.
LIMITAÇÕES DA VISÃO
O olho humano é um sistema muito complexo. A sua função é receber as imagens na retina e transmiti-las ao cérebro para serem processadas pelo nosso cerebro. Estima-se que 80 por cento do nosso consumo de informação total seja feito através da visão, isto é, a visão é o nosso principal meio de identificar o que está acontecer à nossa volta. Por isso mesmo, é o nosso principal órgão sensorial. Em voo sabemos que nós, pilotos, dependemos dos nossos olhos para nos fornecer a maioria da informação necessária para pilotarmos um planador, como, por exemplo, a atitude da aeronave, altitude, velocidade, direcção e proximidade com o tráfego aéreo e obstáculos. Com a densidade do tráfego aéreo a aumentar e aeronaves com velocidades cada vez mais elevadas, o problema do aumento do risco de colisões em voo aumenta consideravelmente, o que, consequentemente, aumenta cada vez mais a importância de uma detecção atempada e adequada nas potenciais situações de risco. Uma compreensão básica das limitações da visão no contexto do ambiente aeronáutico é, sem dúvida, a melhor salvaguarda que um piloto pode ter contra os riscos de colisão em voo e também no solo, onde o mesmo também existe e não pode ser negligenciado. A nossa visão é vulnerável às poeiras, cansaço, emoções, bactérias, idade, ilusões de óptica, ao efeito de álcool e certos medicamentos, utilização correcta do sistema de oxigénio e as forças de aceleração (G). Em voo, a visão é também influenciada pelas condições atmosféricas, brilho, iluminação, distorção causada pela forma e materiais das canopies, design dos planadores, a temperatura da cabine. Mas mais importante ainda é o facto de a visão ser vulnerável aos mais variados caprichos da mente, pois nós só podemos "ver" e identificar apenas aquilo que a nossa mente nos permite ver. Um piloto “sonhador” e complacente a olhar para o espaço é, provavelmente, um forte candidato a envolver-se numa potencial situação de colisão em voo. Um dos problemas inerentes à visão é o tempo necessário para a sua acomodação ou reorientação ocular; por exemplo, os
nossos olhos adaptam-se automaticamente para acomodar objectos a várias distâncias e até com uma certa rapidez, mas a mudança de algo próximo, como um painel de instrumentos escuro a dois metros de distância, para um objecto bem iluminado ou uma aeronave alvo a voar a uns quilómetros de distância, leva cerca de 1 a 2 segundos e isso pode ser o tempo precioso para o piloto avaliar que precisa de cerca de 10 segundos para processar as informações necessárias para evitar e agir perante uma potencial colisão em voo. Outra das limitações ocorre quando não há nada no qual a visão se possa focar especificamente, e que acontece geralmente no voo a altitudes mais elevadas, voos em neblina, ou quando não existe uma linha do horizonte bem definida ou com nuvens no céu. A Isto chama-se "empty field miopia”, ou seja, olhamos, mas não vemos nada, nem mesmo o tráfego que cruza o nosso campo visual. Os efeitos do que é chamada de "visão binocular" têm sido estudados durante as investigações de colisões em voo, com a conclusão de que este é também um factor causal bastante frequente. Para realmente aceitarmos tudo o que vemos, nós temos a necessidade de receber informações de ambos os olhos. Se um objecto é visível para apenas um olho, mas escondido do outro por uma qualquer obstrução, a imagem total é difusa e nem sempre é aceitável para ser processada pela nossa mente. Portanto, é essencial que os pilotos tenham a devida consciência destas limitações. Outro dos problemas inerentes ao olho humano é o nosso estreito campo de visão, porque embora a nossa visão tenha a capacidade de processar imagens a partir de um arco de quase 200 graus, ela está limitada a uma área relativamente pequena (cerca de 10-15 graus), em que se pode realmente focar e identificar um objecto. Embora o movimento na periferia possa ser percepcionado, não nos é possível identificar claramente o que lá acontece, e nós temos tendência a não acreditar, ou a duvidar do que se passa para além do nosso reduzido campo de visão. Movimento e contraste são também necessários para atrair a atenção dos nossos olhos, até porque, por exemplo, uma aeronave a uma certa distância e em rota de colisão parecerá imóvel aos nossos olhos. A aeronave permanecerá numa posição aparentemente estática, sem qualquer tipo de movimento aparente, sem aumentar de tamanho por um período relativamente longo, e repentinamente floresce como uma massa enorme, quase instantaneamente e preenchendo todo o nosso campo visual e esse é o momento em que de repente sentimos uma valente pancada. Isto é conhecido como o efeito "blossom” (florescer). Para além de todos os problemas que lhe estão associadas, sabemos que a visão também é limitada severamente pelas condições de visibilidade na atmosfera, e as propriedades da mesma alteram a aparência das aeronaves e a forma como as identificamos, especialmente em dias nublados ou com bruma. Aliás, "Limited visibility", na verdade, significa visão limitada. Podemos estar a voar legalmente em condições VMC (condições metereológicas de voo visual), mesmo com as distâncias
legais (anexo 2 Regras do ar) num dia nublado, ou num dia de verão com a existência de bruma ou fumo e, mesmo assim, poderemos ter alguma dificuldade na detecção de tráfego. Nessas condições, apesar de outra aeronave em rota convergente poder ser visível do ponto de vista teórico e legal, uma colisão pode ser inevitável por causa das altas velocidades envolvidas ou das mais variadas condições de visibilidade, pois em condições VFR (regras de voo visual) não significa que nos seja sempre fácil detectar uma potencial situação de risco de colisão em voo. A luz também é um dos factores que afecta consideravelmente a eficácia visual. O brilho é geralmente pior num dia ensolarado próximo de uma camada de nuvens ou durante o voo com rumo voltado para o sol, tornandose bastante difícil ver os objectos, assim como a própria procura e identificação de tráfego torna-se bastante desconfortável e por vezes inútil, daí a importância de termos um bom par de óculos de sol e um pára-brisas limpo. Assim, e como podemos concluir, a nossa percepção visual é afectada por vários factores. Os pilotos, por norma, têm tendência a sobrevalorizar toda a sua capacidade visual e não têm consciência de todas as limitações da visão no ambiente aeronáutico. Desde que uma das principais causas das colisões em voo é a falta de adesão às práticas do “see and avoid”, pode-se concluir que a melhor maneira de evitar as colisões em voo é aprendermos a ver eficazmente, e de forma consciente, não chega “varrer” os céus com um simples olhar por vezes altivo e demasiado confiante ao estilo dos “pilotaços” das produções cinematográficas de Hollywood, pois desse tipo de pilotos só devemos reter principalmente o uso do bom velhinho par de óculos de sol, pois os mesmos são um item muito importante para todas as actividades aeronáuticas. Pondo em prática todas as regras douradas do “see and avoid”, a elas está, claro, associado o uso correcto de todos os procedimentos standard, uso adequado do rádio e procedimentos de chegada e de saídas dos aeródromos. Desta forma, estamos a salvaguardar-nos de uma potencial colisão em voo, mas nem por causa de todos essas boas dicas devemos pensar que estamos imunes ao acidente/incidente e que podemos “baixar a guarda” durante as operações de voo. PJF
Imagens da colecção de PJFerreira.
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TÉCNICA
HIPERSU...
DISPOSITIVOS AUMENTADORES DE SUSTENTAÇÃO No nº01 do magazine PLANADOURO foi abordado o papel dos “flaps” na força de sustentação produzida pelas asas das aeronaves que deles dispõem. Neste número concentramos a atenção nos “slats”, dispositivos instalados no bordo de ataque das asas e que também contribuem para a sustentação. Como funcionam e que vantagens têm estes dispositivos? Mathieu Neuforge, jovem piloto comandante de linha aérea da TAP – Air Portugal, orienta-nos numa “visita” ao tema, num rumo marcado, por um lado, pelo rigor das ideias, e, por outro, pelas facetas práticas, em busca das necessárias respostas.
Flaps e Slats em acção num Rallye de trem convencional.
Confesso que acho o termo “hipersustentação”… excessivo. Falar de “hiper” implica a existência de “super” sustentação; e isso é simplesmente sustentação a mais. Penso ter cativado a sua atenção para agora desenvolver um pouco sobre dispositivos aumentadores de sustentação (do inglês: Lift Augmentation Devices). Declaradamente, o que faz voar o avião é a sua asa. A parte da mesma que mais contribui para o voo é a sua face superior, o extradorso. Um fluxo de ar sobre a sua superfície curva produz uma depressão que resulta numa força chamada sustentação; a essência do milagre do voo. Importante reter para este artigo é a necessidade do fluxo de ar se manter “colado” ao extradorso sob pena de destruirmos a depressão aí criada provocando a perda de sustentação (ou simplesmente “perda” para os amigos); esta palavra tem a capacidade curiosa de provocar desde indiferença para o instrutor de PPA’s (Piloto Particular de Avião) até um leve arrepio para um velho comandante de linha aérea. Uma asa em “perda” não produz sustentação suficiente para equilibrar o peso. A sustentação tem um ponto de aplicação na asa da mesma maneira que o peso tem como ponto de aplicação o centro de gravidade. A posição do ponto de aplicação da sustentação varia em função do ângulo de ataque ou seja do ângulo formado entre a linha recta que une o bordo de ataque ao bordo de fuga da asa e o vento relativo; se o ângulo de ataque aumenta, este desloca-se para a frente, se o ângulo diminui desloca-se para trás. Ao reduzir a velocidade de um avião em voo e para produzir sustentação suficiente para equilibrar o peso, o ângulo de ataque da asa irá aumentar. Infelizmente, para além de um determinado ângulo de ataque, ocorre a “perda” impedindo assim a continuação de redução da velocidade. Afirmo com alguma certeza que os aviões, na sua generalidade, são feitos para voar depressa. Acontece porém que uma asa desenhada para ser eficiente a altas velocidades (tipicamente encontrada em aviões comerciais) manifesta-se descontente quando lhe é exigida a produção de sustentação às baixas velocidades necessárias para que as fases de descolagem, aproximação e aterragem sejam realizadas com segurança. Fruto da necessidade de voar mais lentamente aparecem os flaps e mais tarde os slats. Os flaps são superfícies articuladas, localizados no bordo de fuga da asa que aumentam a curvatura da asa e em alguns casos a área da mesma. Estes permitem a produção da mesma sustentação com um ângulo de ataque inferior através de uma modificação local da forma da asa. Os slats são superfícies moveis que materializam o bordo de ataque da asa. Ao serem extendidos dão origem a uma fenda, chamada “slot”, que permite a passagem de ar da parte inferior do bordo de ataque para o extradorso. O ar vindo do “slot” energiza o fluxo de ar que esta em contacto com a asa e que, por esse motivo, está mais sujeite á sua fricção. Essa “energização” geral sobre o extradorso melhora a “adesão” do fluxo de ar permitindo voar a ângulos de ataque elevados. Efectivamente, os slats permitem que uma asa voe a ângulos de ataque superiores ao ângulo de perda dessa mesma asa sem os slats.
Assim, a próxima vez que olhar para uma asa de avião, planador ou de ave (estas ultimas merecem uma atenção especial), com ou sem dispositivos aumentadores de sustentação, aprecie o que ali acontece quando acariciada por um fluxo de ar. Verá que para além de física, mais concretamente aerodinâmica, o que ali ocorre é também um pouco…magia.
Fluxo de ar num Slat.
Ao contemplarmos o Socata MS-893 Rallye (verdadeiro laboratório aerodinâmico com a forma aproximada de um avião) que é utilizado para o reboque de planadores no Centro Internacional de Voo a Vela de Mogadouro verificamos que está equipado com slats e flaps contrariamente á maioria dos aviões ligeiros que são equipados apenas com flaps. Os seus slats são inteiramente automáticos sendo extraídos, com o aumento do ângulo de ataque da asa, pela depressão neles e através deles criada (lembre-se que o ponto de aplicação da sustentação deslocase para a frente ao aumentarmos o ângulo de ataque). Ao voltarmos a reduzir o ângulo de ataque, acelerando o avião, o pico da depressão que origina a sustentação move-se para trás na asa e o ponto de estagnação (essencialmente, um ponto móvel no bordo de ataque onde o ar se divide entre a parte de cima e parte de baixo da asa) sobe no bordo de ataque provocando a recolha dos slats. No caso do Rallye, os flaps são imponentes e particularmente necessários precisamente pela existência dos slats. A franca deslocação do ponto de aplicação da sustentação para a frente, consequência dos elevados ângulos de ataque permitidos pelos slats, resulta em fortes atitudes de nariz em cima que diminuem a visibilidade do piloto e reduzem a eficiência do arrefecimento do motor. A utilização de flaps em conjunto com os slats permite diminuir o ângulo de ataque mantendo a elevada produção de sustentação melhorando a visibilidade e arrefecimento do motor. É por esse motivo que não teremos facilidade em encontrar asas equipadas com slats que não tenham também flaps. MN
Geometria de uma asa com Slat e Flap; Ilustrações de JCorredeira.
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NÃO TENHO MAIS NADA SENÃO AS ASAS
VOAR COMO A ÁGUIA-REAL
As aves desde sempre provocaram no Homem um grande fascínio devido à sua faculdade de voar. A sustentação no ar era algo que só estaria ao alcance de alguns animais e dos Deuses. Mas a humanidade sempre ambicionou poder cruzar os céus. Quem não se viu já envolvido num estado onírico protagonizando a capacidade de voar?! Fascinado com o voo, o Homem desde sempre apreciou a audácia de certas aves, sendo a Águia aquela que melhor personaliza esse traço de carácter. Paulo Cabral dá continuidade a um "certo olhar" sobre as aves planadoras.
De facto o Homem sempre desejou voar como as aves, não sendo por isso surpreendente que as primeiras tentativas de voo se baseassem em dispositivos que imitavam o bater das asas destes animais alados. Remonta à Mitologia Grega o registo desta ambição humana. A história de Daedulus e do seu filho Icarus, que utilizaram o voo como forma de escapar da Ilha de Creta, onde se encontravam aprisionados. Para o conseguir criaram asas nos braços, colando penas de aves com cera. Icarus, sendo jovem e impetuoso, bateu as asas tão fortemente e voou tão alto que se aproximou demasiado do Sol. O calor acabaria por derreter a cera, provocando a perda das asas e a subsequente queda de Icarus no mar, naquele que viria a ser o primeiro acidente aéreo da Humanidade, pelo menos de acordo com a Mitologia Grega! A tentativa de voar, imitando o bater de asas das aves, foi perdurando ao longo do tempo na mente de todos aqueles idealizavam voar. O próprio Leonardo da Vinci, que todos conhecemos como tendo prestado contributos válidos para o conhecimento científico da sua época, esteve também obcecado com a ideia de voar, criando um modelo que transformava a força muscular humana em sustentação através do bater de asas.
A queda de Icarus.
Ornitóptero de Leonardo da Vinci.
Escusado será dizer que as tentativas de voar desta forma acabariam por nunca resultar. Fascinado com o voo, o Homem desde sempre apreciou a audácia de certas aves, sendo a Águia aquela que personaliza melhor esta simbologia. Não é por acaso que o Homem utiliza a Águia como símbolo em heráldica e estandartes desde tempos imemoriais. À águia está associada a força, grandeza e majestade. A águia é símbolo da vitória da luz sobre as trevas. Todos os grandes Impérios que o nosso Mundo viu nascer utilizaram a Águia como simbologia. Os Romanos utilizaram-na como símbolo do seu vasto império, bem como Napoleão. E quem não recorda, de memória tão recente, a águia pousada, de asas bem abertas, em cima da suástica do III Reich? Também os Estados Unidos da América, considerados durante bastante tempo como a 1.ª Potência Mundial, utilizam a Águia como símbolo da nação.
A Águia encontra desde há muito no nosso imaginário colectivo a representação da força. A águia é indubitavelmente a rainha dos céus, sendo a Águia-real o expoente máximo desta magnificência. Propõe-se assim, nesta segunda edição deste artigo “Não tenho nada mais senão as asas”, que conheçamos um pouco melhor a Águiareal. A Águia-real encontra-se ausente na maior parte de Portugal, mas aqui no Nordeste Transmontano, onde temos o fortúnio de voar, temos também o privilégio de poder observar e voar com esta magnífica ave, apresentando mesmo nesta zona do país a maior densidade registada em todo o país.
ÁGUIA-REAL (AQUILA CHRYSAETOS)
A Águia-real pertence ao género das águias e é uma das maiores aves que existem em Portugal, sendo a maior águia existente no nosso país. Nome científico: Aquila chrysaetos Dimensões: 79-90 cm (pousado); até 230 cm (envergadura) Estatuto migratório: Sedentário e dispersivo.
DISTRIBUIÇÃO:
Global: A Águia-real é uma espécie Holárctica, concentrando-se em maior número no Paleárctico Oriental e na zona Oeste da América do Norte. Na Europa encontra-se na Albânia, Alemanha, Andorra, Áustria, Bielorússia, Bulgária, Croácia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Itália, Letónia, Liechtenstein, Lituânia, Noruega, Polónia, Portugal, Reino Unido, Roménia, Rússia, Suécia, Suíça, Turquia e Ucrânia. A maioria das aves são residentes, mas nas latitudes mais setentrionais, sobretudo juvenis e imaturas migram do Norte da Fenoscândia para a Europa Oriental, no Inverno. Nacional: A população nacional de Águia-real encontra-se distribuída por cinco núcleos - serras do Noroeste, serras do Alvão e do Marão, Alto Douro e Nordeste Transmontano, Alto Tejo e Vales do Guadiana. Encontra-se extinta na região das serras Algarvias desde 1995.
Distribuição e Abundância Absoluta da Águia-real em Portugal.
TENDÊNCIA POPULACIONAL:
O principal núcleo populacional desta espécie situado no nordeste do país, que concentra actualmente cerca de 60 dos casais, vem sendo recenseado regularmente desde meados dos anos 80, tendo sido possível observar que a espécie apresenta nessa região alguma estabilidade e até um ligeiro incremento, também detectado em Espanha. Concretamente o número de casais nidificantes encontrase em aumento no Nordeste Trasmontano e Alto Douro, Alto Tejo e Vales do Guadiana e em decréscimo nas Serras do Noroeste e Serras do Alvão e do Marão, sendo provável que se tenha extinguido recentemente nas Serras do Sudoeste do país.
ABUNDÂNCIA:
De acordo com o recenseamento nacional realizado em 1997, foram detectados 61 a 66 casais desta ave de rapina em território nacional, dos quais 46 a 48 estão localizados no nosso pais e 15 a 18 se encontram a nidificar nas margens espanholas.
REQUISITOS ECOLÓGICOS:
Habitat: Esta ave ocupa vastas áreas vitais, preferencialmente instaladas em espaços pouco humanizados, com encostas declivosas e agrestes, em geral com escarpas rochosas, situadas em zonas montanhosas e vales de grandes rios. Evita águas interiores e zonas húmidas, assim como florestas densas, preferindo áreas abertas com vegetação baixa ou dispersa, especialmente declives e planaltos que possibilitam uma extensa área de visão e uso de correntes de ar quente. Utiliza rochedos, árvores e outros pontos de observação como poleiros. O habitat tem de proporcionar permanentemente locais seguros para a construção de ninhos alternativos, de forma a poder transportar presas relativamente pesadas. Nidifica em afloramentos rochosos, em saliências, em escarpas no interior ou litoral, por vezes parcialmente suportado por arbustos que proporcionam sombra e ocasionalmente em árvores (5 a 10% dos casais). O seu habitat de alimentação corresponde a matos abertos e zonas com escassa vegetação nas cumeadas das serras e em encostas de pendente suave mas com orografia intricada, normalmente associados ao aproveitamento extensivo de gado, nomeadamente o ovino e caprino. A subsistência desta espécie em locais onde a presença de presas é baixa, está associada à capacidade de explorar extensas áreas em busca de alimento, mas também é devida à sua autonomia competitiva e dieta pouco especializada. Durante o Inverno dorme próximo do ninho, em saliências rochosas ou em árvores. Utiliza ninhos desocupados durante e fora da época de nidificação. O macho dorme no ninho perto da fêmea que está a incubar, após o nascimento das crias, a fêmea dorme num poleiro nas imediações. Durante o dia, as aves passam longos períodos nos poleiros (rochas ou árvores) que proporcionam um bom ponto de observação. O macho e a fêmea estão usualmente separados, cada um tendo sítios preferidos distintos. Alimentação: Em termos tróficos esta espécie apresenta uma certa plasticidade
na escolha de presas, comportando-se simultaneamente como predadora e como necrófaga. Como predadora baseia a sua dieta nas presas de média dimensão, principalmente lagomorfos, grandes répteis, aves diversas e carnívoros. Em períodos de menor disponibilidade alimentar é frequente recorrer a cadáveres de ovinos e caprinos, dependendo em grande medida das formas tradicionais de pastorícia. Cada casal possui extensos territórios de vários quilómetros quadrados e a sua dimensão depende da abundância e disponibilidade de presas. Reprodução: Espécie monogâmica. A ligação entre o macho e a fêmea pode durar vários anos, sendo quebrada somente com a morte de um deles. Ambos os progenitores cuidam dos descendentes. Crias nidícolas. Os ninhos são reutilizados em anos sucessivos. Cada território possui um número variado de ninhos que o casal ocupa alternadamente todos os anos. Produz 1 a 2 crias por ano, e o processo nidificante decorre no nosso país entre Março e Julho.
AMEAÇAS:
A colisão e electrocussão em linhas aéreas de distribuição e transporte de energia uma vez que espécie utiliza frequentemente apoios eléctricos como poiso de caça e dormitório; A perseguição humana através do abate a tiro, da utilização de iscos envenenados e da pilhagem de ninhos, motivada por conflitos associados ao seu comportamento predatório, constitui um importante factor de mortalidade desta espécie; A rarefacção das populações de Coelho-bravo provocado pelas epizootias mixomatose e pneumonia viral hemorrágica; O abandono e alteração de diversas práticas agro-pecuárias tradicionais, caso da cerealicultura, pastoreio extensivo, conduzem a uma diminuição das populações de presas; A perturbação humana em zonas de nidificação e durante os períodos mais sensíveis, provocada por actividades agro-silvicolas, actividades cinegéticas, turismo e lazer, conduz a um abaixamento da produtividade da população e até mesmo ao abandono de territórios; A degradação dos habitats de nidificação e/ou alimentação devido à construção de infra-estruturas (barragens, estradas, etc.), instalação de regadios, produção florestal, actividade de extracção de inertes; A instalação de parques eólicos nas proximidades dos locais de nidificação da espécie está considerada como uma ameaça importante devido à perturbação provocada quer durante a fase de construção (ao nível da abertura de acessos e colocação de infraestruturas), quer durante a fase de exploração, dada a possibilidade de aumento da presença humana associada à abertura de acessos. Essas unidades de produção de energia eléctrica, dependendo da tipologia e localização dos aerogeradores podem ainda, durante a fase de exploração, constituir uma causa de mortalidade desta espécie devido à colisão nas pás dos aerogeradores. Em especial, se forem instalados nas zonas importantes em termos de nidificação e dispersão de juvenis, ou ainda nas zonas de alimentação situadas nas cumeadas das serras. Os traçados eléctricos que estão associados aos parques eólicos constituem outro problema importante devido aos subsequentes riscos de colisão e electrocussão. A falta de sensibilidade ambiental por parte de alguns sectores da população rural, como caçadores, criadores de gado, columbófilos, gestores florestais, que vêem nesta espécie um certo entrave para algumas actividades é a causa de conflitos que levam à perseguição da espécie.
ORIENTAÇÕES DE GESTÃO:
- Implementar ferramentas de decisão legal acerca da instalação de traçados eléctricos nas zonas importantes para espécie (nidificação, invernada/dispersão); - Corrigir e sinalizar traçados e apoios da rede de distribuição de electricidade que sejam muito perigosos para a espécie; - Monitorizar o impacte das linhas eléctricas de transporte de energia sobre os núcleos mais importantes da espécie; - Ampliar as sanções legais para os prevaricadores em matéria de perseguição/abate de espécies protegidas; - Condicionar acessos nas áreas de nidificação durante os períodos mais sensíveis; - Aumentar eficácia dos meios e esforços de fiscalização e vigilância nas áreas de nidificação durante os períodos mais sensíveis; - Garantir a confidencialidade de localizações sensíveis; - Elaborar e implementar planos de gestão nas Zonas de Protecção Especial (ZPE) mais importantes para a espécie; - Promover a manutenção e valorização do mosaico agro-florestal nas áreas classificadas através de aplicação de programas de medidas agro-ambientais nos principais núcleos da espécie; - Impedir a introdução de espécies não autóctones e controlar as existentes; - Aumentar a disponibilidade alimentar associada às explorações agro-pecuárias através da criação e gestão de campos de alimentação de aves necrófagas; - Estabelecer programas de recuperação das populações de coelho-bravo através da implementação de técnicas de repovoamento e reforço dos efectivos com controlo sanitário; - Promover as práticas agro-pecuárias tradicionais, como a cerealicultura e pastoreio extensivos; - Compatibilizar a gestão cinegética com a conservação da espécie, em zonas de caça através do estabelecimento de protocolos e implementação de manuais de gestão ambiental; - Implementar um programa nacional de erradicação do uso de venenos; - Condicionar ou excluir a instalação de parques eólicos nas áreas mais importantes para a espécie no nosso país; - Todos os parques eólicos devem ser equipados com sinalizadores anti-colisão e armações de apoios seguras para aves; - Desenvolver estudos de monitorização do impacte dos aerogeradores já existentes, tendo em conta a sua localização geográfica, a sua situação em termos de habitats e a sua tipologia de equipamento, de forma a conhecer o seu efeito na população nacional destas aves; - Realizar uma campanha nacional de sensibilização e educação ambiental da população rural relativamente às aves de rapina; - Estabelecer sistemas eficazes de monitorização da população nas áreas problemáticas e/ou especialmente importantes para a população nacional; - Colaborar em programas internacionais de conservação e estudo da espécie; Águia-real.
OBJECTIVOS DE CONSERVAÇÃO:
Assegurar a manutenção e recuperação da população nacional da espécie. Conservar as áreas de reprodução, alimentação e invernada/dispersão.
OUTRA INFORMAÇÃO RELEVANTE:
Em zonas onde a espécie é residente, permanece na mesma área durante todo o ano, e se possível em contacto com o território de nidificação durante o Inverno, mas poderá ser forçada por condições climatéricas adversas ou pela ausência de alimento a caçar numa área mais extensa. Para sobreviver esta espécie depende de territórios de caça muito extensos, apenas possíveis em áreas selvagens ou de agricultura marginal, pouco perturbadas pelo Homem. Em consequência da escassez actual daquele tipo de habitat, os núcleos da espécie que ainda restam na Península Ibérica apresentam densidades populacionais comparativamente baixas. PC
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ESCOLA
MEMÓRIA DO MEU PRIMEIRO A memória que guardo deste dia é inesquecível. Penso que todos os alunos pilotos anseiam subir esta “escadaria” e chegar finalmente a este “patamar”, para logo descobrir que a seguir a este patamar a escadaria continua, e sobe, sobe bem mais alto e é mais longa do que a que nos possibilitou chegar até ali... … mas quanto mais subimos mais deslumbrantes são as vistas: afinal aqui, não se pode dizer que o céu seja o limite!
VOO SOLO Crónica de Paulo Cabral
5 de Junho de 2010, Sábado, dia típico primaveril. Faço o 1.º voo do dia com o instrutor Osório “à pendura”, como é usual. Descolagem sem qualquer reparo do Comandante. O reboque decorre bem, como vinha sendo habitual nos últimos voos. Deparámo-nos com alguma turbulência, surgindo o primeiro comentário do instrutor: “gostei dessa correcção”. Atingidos os 600 metros QFE recebo a instrução de soltar cabo: “planador livre” reporto pelo rádio ao Comandante Camilo. Volto pela direita para sair da esteira do avião rebocador, como aconselham as regras. Olho o céu, e na ausência de cúmulos que me aconselhassem o rumo a dar ao planador, voo a direito para sentir o “pulso” à atmosfera. Tento enrolar uma ou outra vez quando havia indicação ténue de térmica, mas ainda é cedo, fraca actividade convectiva e pouco ou nada se consegue subir. Umas transições de um lado para o outro e atingimos a altitude aconselhada para entrada em circuito. Aterragem normal. Durante a rolagem o instrutor Osório efectua a 1.ª observação: “fizeste quase tudo bem, mas tens de utilizar os freios com um bocado mais de suavidade”. Fico satisfeito com a apreciação e concluo ter de treinar mais as aterragens. Deixo rolar o Grob Astir até ao final da pista onde estava calmamente o Sérgio Mota à espera da asa. Já imobilizados, ouço o som do desapertar dos cintos no banco de trás e da canopy a abrir. O Instrutor Osório ergue-se e, ainda dentro do avião, diz: “agora vais sozinho”. Só pode estar a gozar comigo, pensei imediatamente. Eu andava com a impressão que as coisas me estavam a sair um bocadinho melhor, mas estar em condições de ir para cima sozinho?! Nem pensar! Olho para a asa direita e o Sérgio estava já com um sorriso que deixava transparecer um misto de surpresa e encorajamento. Volto a pensar no facto de voar sozinho: já? Não me parece. O Inverno tinha sido severo. Sempre a chover. Os intervalos entre instrução foram longos, por vezes de meses. A evolução da aprendizagem nestas condições não pode ser muito favorável. Havia pequenos avanços e recuos na minha curva de aprendizagem. Felizmente os fins-de-semana imediatamente anteriores a este dia tinham sido favoráveis meteorologicamente e no meu desempenho, mas decididamente sentia que ainda necessitava mais tempo para ir para cima sozinho! “Osório deixe-se lá de brincadeiras e esteja mas é aí sentadinho” disselhe. Retorquiu com a frase típica: “Fazes tudo como se eu estivesse sentado aí atrás. Só vou fazer peso, não precisas de mim a atrapalhar”.
O tão ansiado e simultaneamente temido dia tinha chegado. Ansiado porque é aquela experiência única que sonhamos desde que existimos: voar como as aves, nós e a máquina como se fôssemos apenas um. Temido porque é um mundo incógnito que se nos depara abruptamente: como vamos reagir? Será que conseguimos fazer tudo bem? Não temos o Santo António sentado atrás para o caso de algo correr mal e na aviação os equívocos costumam custar caro, a margem de erro é reduzida. É este turbilhão de ideias que nos assalta devastadoramente em fracção de segundos quando este momento é chegado. A reacção seguinte é a da decisão. É para isto que estamos aqui, é isto que desejamos. O facto do instrutor tomar esta difícil opção também nos transmite alguma confiança. Decido avançar. Concentração total. Efectuo o check-list. Tudo ok. Uma última olhadela para a manga para verificar o vento. Dou indicação para levantar a asa e pressiono o PTT: - India Victor, Bravo Hotel pronto para descolar. - Bravo Hotel, India Victor a descolar na 03 em Mogadouro. Inicia-se a rolagem, vou corrigindo o nivelamento das asas e o alinhamento com a pista, numa questão de segundos estou no ar. Aguento o planador a cerca de 2 metros do solo esperando que o avião rebocador vá para o ar também. Tudo bem até agora. Tenho bem presentes os procedimentos. Reporto a altitude de 100 metros. Pela frequência começam as palavras encorajadoras do nosso estimado Camilo que seguia aos comandos da aeronave que me rebocava. Incansável a zelar pelo bem de nós todos, transmitia: Está tudo impecável, está a ver que não custa nada?! E lá vamos subindo. Atingidos os 600 metros QFE recordo os procedimentos e solto o cabo. Planador livre. Ali estava eu, sozinho, concretizando o sonho de voar silenciosamente pelo céu. Apesar de durante a instrução já termos voado muito acompanhados, a sensação de voar solo é inarrável. Cruzo o céu sempre com a pista à vista. Deparo-me com uma corrente ascendente e enrolo, mas tomo imediatamente a decisão de abandonar a térmica, não era para isso que este 1.º voo a solo devia servir. A vontade de estar lá por cima é grande, mas não tão grande como a ansiedade de terminar com êxito esta jornada e pisar Terra firme. Algum tempo depois atinjo a altitude aconselhada para entrar em circuito, estabilizo a velocidade nos 100 Km/h. Reporto vento de cauda para a pista 21, entro na perna base e depois alinho para a final. Aplico os freios e alivio-os um bocado antes de tocar, faço o arredondamento e toco na pista. Correu bem. Durante a rolagem aplico novamente freios para retirar velocidade e deixo depois seguir, indo imobilizar o planador um pouco à frente da taxiway. Pode haver quem pense que a imobilização neste local foi por ter aplicado freios com mais intensidade do que seria necessário! Nada disso. A intenção foi obrigar o instrutor Osório a caminhar umas centenas de metros, retirando assim força aos pontapés da praxe que aí vinham. Posso confidenciar que a estratégia resultou em pleno . PC
Seguiu-se o banhinho em frente ao hangar com água a ferver, pois alguém teve o cuidado prévio de estender a mangueira ao sol, na placa. As queimaduras foram prontamente acalmadas com um balde de água fria, rica em nutrientes, de composição secreta e guardada até hoje no segredo dos Deuses (leia-se Osório), permitindo-me recuperar e terminar o dia em jantar comemorativo, bem regado por liquido borbulhante, na companhia de quem compareceu nesse dia em LPMU.
Imagens da colecção de PCabral.
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ESCOLA
LARGADA EM PLANADOR Pedro João Ferreira
Imagens da colecção de PJFerreira.
Domingo dia 23 de Maio de 2010, o dia da minha LARGADA em planador. Uma largada é sempre uma largada, mesmo depois dos quase 20 anos passados em que me meti nas andanças da aviação, e posso seguramente afirmar que é sempre um dia muito especial, principalmente quando nem sequer estamos à espera que seja aquele o dia em o instrutor dá ordem para descolarmos sózinhos a bordo de um planador por nossa conta e risco rumo ao céu azul. Uma largada, para mim, já não é bem uma novidade, pois tenho brevet de avião há já alguns anos, mas mesmo assim não deixa de ser um momento muito especial como é também para qualquer piloto. Recentemente voltei-me mais para o voo à vela por ser uma actividade aeronáutica que traz muitas mais-valias para um piloto de avião, pois quebra uma certa dose de rotinas, às quais os pilotos de avião estão habituados, e, acima de tudo, ajuda a melhorar a nossa performance como pilotos, pois deixamos de andar “pendurados” no motor do avião. É uma espécie de “back to basics” - somos ainda obrigados a “soltar” mais os pés e a usá-los de uma forma mais eficiente, pois os pilotos de avião tem tendência para serem um pouco estáticos de pés o que nem sempre é muito positivo. Além disso toda a envolvência social própria da actividade do voo à vela também é de valorizar. O dia 23 de Maio começou como habitualmente, com todos os procedimentos rotineiros próprios da actividade: fazer as inspecções 360º, Briefing diário, meteorologia, verificações aos pára-quedas e tudo aquilo a que a segurança obriga e a qual nunca pode ser descurada.
O dia estava bom, apesar de não ser um daqueles dias ideais para as actividades “cross-country” do voo à vela, pois não havia muitas térmicas e instabilidade, ao contrário do que é normal em Mogadouro, e lá chegou o momento de me equipar para efectuar um voo com o meu instrutor no banco de trás. Seria mais um daqueles voos normais, próprios da fase pré-largada, e sem eu sequer imaginar a largada estava já bem próxima. Já bem instalado no cockpit da frente do Twin Astir, eu fiz, como de costume, o checklist e briefing da descolagem em voz alta, logo a seguir confirmo com o instrutor que ele também está pronto; faço o sinal Thumbs up ao meu amigo Sérgio Mota, também ele aluno piloto que me segurava na ponta da asa. Rapidamente chegou o momento de informar o avião de reboque, pilotado (e muito bem) pelo Cmdt. Camilo Miranda, piloto e amigo com larga experiência a fazer reboques. “India Victor…grifo 1 pronto a descolar”, disse eu pelo rádio. O Sr. Camilo responde como de costume: “India Victor a descolar da pista 03 em Mogadouro”, e lá começou a nossa corrida de descolagem ao longo da pista. Uns segundos depois faço o meu call out, já muito interiorizado dentro da minha “checklist” mental… “Airspeed alive”, digo eu à primeira indicação de velocidade no velocímetro do Twin Astir; sei que tenho o instrumento a funcionar e não terei, por esse motivo, que abortar a corrida de descolagem, pois, como devem calcular, na hipótese remota de tal suceder não é muito bom ir para o ar com o velocímetro inoperativo. Já no ar, tudo normal, após uma descolagem rotineira e dentro dos requesitos que me são exigidos pelo instrutor. Nos primeiros minutos da fase de subida em reboque há arestas a limar, depois apanho o ritmo e o balanço do reboque…um pequeno “abanão” da parte do instrutor sentado no banco de trás e eu “acordo” e imediatamente tudo melhora. Na instrução de voo já é assim há muitos anos e continuará a ser, independentemente do nosso nível de experiência ou da tecnologia a bordo, quase sempre os ditos “abanões” ou chamadas de atenção por parte do instrutor são sempre muito úteis mesmo que os mesmos por vezes possam “ferir” o ego do aluno em questão. O resto do voo resumiu-se ao standard, tudo normal e mais uma vez dentro dos requisitos exigidos. Passados uns cinquenta minutos de um agradável passeio no ar, chegou uma das fases mais exigentes de um voo deste tipo - a aterragem - a qual no meu caso específico, foi a que me consumiu mais tempo enquanto tentei adquirir uma certa proficiência com o uso dos freios aerodinâmicos, pois como sou piloto que veio das máquinas com “barrote” (aviões com hélice, na gíria aeronáutica) não estava muito à vontade com a operação dos mesmos, tinha uma certa tendência a usar a mais ou a menos (overcontrol), mas, apesar disso, correu tudo muito bem. Já no chão, o instrutor disse-me “Pedro, agora, fazes outro voo igual”, e disse-me isso enquanto saía do planador! Eu, surprendido nem tive tempo, nem vontade de reagir quando ele me disse também: “…Pedro agora vais sozinho. Faz igual ao que fizeste até agora…não custa nada, pois já sabes tudo o que tens de fazer”. E pronto, foi o momento tão esperado, o momento da “clearance” por parte do instrutor. Aquilo que todos os pilotos querem ouvir, e que acabam por ouvir um dia. Uns demoram mais, outros menos, mas regra geral esse momento chega para todos eles e é um dia marcante para qualquer piloto, o dia em ouvem da boca do instrutor a tão desejada frase que os autoriza a descolar sozinhos aos comandos de uma aeronave rumo ao imenso céu azul. E posto isto, é chegado o grande momento, o do meu voo solo. Sozinho e já amarrado pelo cintos no banco da frente do Twin, repito todos os procedimentos de forma disciplinada como habitualmente. Tudo se repete vezes sem conta, pois muita coisa na aviação vive da repetição e da rotina. Temos de estar bem preparados e treinados para
lidar com o inesperado; por isso mesmo, preparo-me mentalmente com o briefing da descolagem. Revejo mentalmente as possíveis emergências e também todas as alterações de performance, que são fruto da diminuição de peso, devido à ausência do instrutor, pois o planador estará mais leve, irá para o ar mais cedo após uma menor distância percorrida em pista e existirá uma maior tendência para o overcontrol durante as várias fases do voo. Tecnicismos à parte, posso garantir-vos que é sempre muito especial quando olhamos para trás e sabemos que estamos sozinhos aos comandos e entregues a nós próprios e que todo o treino e as longas horas de estudo deram frutos. Após a descolagem e fase de reboque, ainda tive algum tempo para desfrutar daquele momento muito especial e pude relaxar um pouco enquanto me pus a apreciar a belíssima paisagem primaveril do nordeste transmontano, e tudo isto sem estar a ouvir o som de um motor, sem ter o peso dos auscultadores na cabeça e sem ter a preocupação constante de verificar temperaturas e pressões de um motor barulhento.
Depois do Twin parar em segurança na soleira da 03 após a aterragem na pista 21, lá chegou o momento de mais uma vez se cumprir a tradição. Após os apertos de mão e parabéns dos pilotos presentes, pela segunda vez na vida vez fui submetido ao famoso ritual próprio de todas as largadas: os pontapés no traseiro e o banho, tudo isto feito de forma saudável entre amigos e boa camaradagem. O que vale é que estava um dia bem quente, por isso o banho dado a preceito com a mangueira até foi agradável, e a roupa secou rapidamente sob o sol e com os 30º de temperatura que se faziam sentir no aeródromo. Há que dar o devido valor, pois outros alunos não tiveram a mesma sorte que eu e tiveram direito a um banho bem geladinho com vento de cortar à faca. Por isso, não me posso queixar. Deixo o meu agradecimento público a todas aquelas pessoas que me acolheram em Mogadouro e, principalmente, ao meu instrutor Adriano Osório, também a toda a equipa do centro de voo à vela, pois todos eles têm feito um óptimo trabalho em prol da aviação desportiva em Portugal e do voo à vela em particular. Espero ver muitas mais largadas como a minha, para além daquelas que já vi no Centro Internacional de Voo à Vela de Mogadouro, espero que cada vez mais surjam novos alunos, pilotos e entusiastas para completarem a já excelente moldura humana que existe nas actividades de voo à vela em Mogadouro. E a história técnica da minha largada fica nesta linhas. As sensações e emoções ficam comigo. PJF
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PRÁTICA
TRABALHOS NO ASW 24 D-6151
CAMPANHA DE 2010 Pilotar o planador de que se é proprietário é uma fonte de liberdade e muitas alegrias, mas também é fonte de trabalho considerável para quem deseja conservar a sua máquina em óptimo estado sem passar pelo xadrez de uma “oficina certificada”. Cada planador tem um programa de manutenção anual. No entanto a aplicação deste programa obrigatório é também uma oportunidade para melhorar o existente e para renovar o que o puder ser. Este ano, a lista de itens intervencionados foi bastante extensa e centrou-se, sobretudo, na fuselagem, como segue: Instalação de um sistema integrado de navegação CLEARNAV; Pintura exterior; Pintura Interior; Substituição dos pictogramas; Instalação de uma bateria suplementar; Substituição e modificação das cablagens eléctricas;
Meter ombros aos trabalhos de manutenção anual de um planador é, já em si, um desafio à responsabilidade e determinação de um piloto. Nicolas Jourdain foi muito para além disso: concretizou um vasto programa de renovação e personalização do seu ASW 24 que nos surge agora no seu pleno esplendor…
Um dos desafios de eleição foi a integração do sistema de navegação, que implicou o estudo de uma nova distribuição dos instrumentos no painel, a fabricação de um novo painel, a remanufactura das cablagens eléctricas, e a estratificação de compósitos que se não é tão simples como o que poderíamos pensar! Enfim, uma experiência exigente mas também enriquecedora. No final, o resultado parece estar à altura dos esforços desenvolvidos. Resta proceder à pesagem do planador e produzir uma nova ficha de peso e centragem, tarefa cujo relato ficará para outro momento. Entretanto é tempo de usufruir do resultado…até ao próximo ano onde nos esperam novos trabalhos. NJ
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Desmontagem dos instrumentos; Renovação do manche; Novo painel de instrumentos; Pintura exterior; Pictogramas em vinil.
Imagens de NJourdain.
O ASW24 está muito bem concebido e, tirando algumas zonas de difícil acesso, tudo se pode desmontar sem recorrer a ferramentas especiais. Contudo, a desmontagem de certos componentes pode, rapidamente, encher a garagem de peças. Ordem e organização são absolutamente necessárias para evitar os nós no cérebro aquando da remontagem.
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TRANÇA DE CABO DE REBOQUE
PRÁTICA
Guia prático da técnica de fazer a trança para arrumação de um cabo de reboque de planadores. Dica de Sérgio Mota Ferreira
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Arrumar o cabo de reboque é uma tarefa que, aparecendo trivial e inofensiva, envolve questões importantes na cadeia da segurança que, obrigatoriamente, devem ser ponderadas e realizadas com plena consciência. Desta operação quotidiana depende, em parte, o bom estado do cabo e a facilidade e a funcionalidade da sua colocação ao serviço. Existem relatos da utilização de dispositivos mecânicos como as bobinas em metal de accionamento manual, dimensionadas de acordo com as características e dimensão do cabo. Ao peso próprio do cabo, que não é pequeno, somava-se o da bobina, que também não era nada leve, formando um conjunto pouco simpático para ser transportado para os pontos de descolagem dos planadores, isto para não falar do ruído irritante da fricção do eixo da bobine nas respectivas sedes! Consta que o procedimento de realização de uma trança do cabo foi lançado por um piloto de origem austríaca que participou na actividade de planadores no norte de Portugal nos anos noventa. Cremos que foi um daqueles intercâmbios de conhecimentos práticos que acontecem espontaneamente sem a intenção deliberada de ensinar ou “inventar” novos procedimentos. São rotinas que se impõem por contágio natural, a partir da evidência das suas vantagens. Vantagens que, em nossa opinião, são muito claras: - Facilidade de realização da trança; - Baixo atravancamento na arrumação; - Rapidez na colocação em serviço; - Qualidade estética… Mais do que as palavras que se poderiam produzir para descrever o procedimento de realização da trança de um cabo de reboque, ficam as fotos com os passos principais para se alcançar uma trança perfeita.
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Imagens de SMFerreira.
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HUMOR
BOUO ZEM METORE
“Bouo zem metore”... Atenção, não se trata de mirandês!
BANDA DESENHADA DE GONZALVES
Incidência da saga do piloto Gonzalves durante a época de verão de 2010
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VER DO CÉU, VIVER EM TERRA No planalto da raia transmontana, encostado a Castela, estendido entre as arribas do rio Douro e da ribeira de Bemposta, sente-se a energia que emana do chão granítico, esculpido a golpes de guilho pelo clima de extremos. As Faias da Água Alta e do Cuco teimam neste labor, onde impera o rumor e o deslumbramento da corrente de água que se precipita das alturas. Um laivo desta energia é convertido em acção no monumental aproveitamento hidroeléctrico que corta o passo ao Douro. No alto de uma escarpa, pairando sobre a margem do rio, vestígios dos muros do Castro de Oleiros são sinais de povoamento ancestral. Mais além, nos interstícios da fraga, manchas de mato, zimbral, olival e vinha compõem um panorama intimamente selvagem, onde nidifica, entre outras, uma frágil população de cegonhas negras. Vista aérea geral de Bemposta.
BEMPOSTA
Núcleo da antiga muralha e igreja matriz.
CORPO DE GRANITO, CORAÇÃO DETERMINADO
Rio Douro - Barragem de Bemposta.
Pombais na margem da ribeira de Bemposta.
Estalagem Solar dos Marcos.
Aí temos a vila de Bemposta, aglomerado industrioso alicerçado em ruas de trabalho – rua da Máquina, da Prensa, dos Fornos, da Barreira… No bairro do Castelo trechos da muralha coeva de D. Diniz, o Rei Poeta, resistem, tal como o Pelourinho da terra, às vagas da mudança. Adiante, o delicado lirismo do enlace das ruas da Amargura e do Paraíso reportam um tempo de pendor literário e pictórico patente nas pinturas quinhentistas da capela do Santo Cristo.
Pelourinho de escudo invertido.
É Outono. No ar o aroma pungente de uvas maduras e a agitação das gentes nas lides das vindimas. Cachos, galelos e bagos, da mão passam para o cesto, para o saco ou contentor plástico, para, enfim, se sujeitarem à prensa, ao lagar e à cuba onde ocorre a magia da vinificação. Resultam daqui vinhos solares e poderosos.
Dos prósperos tempos setecentistas chegam traços de um património rico de que é estandarte o Solar dos Marcos, entretanto reanimado em acolhedora estalagem. Chegam também as primeiras chuvas. Entre a folhagem caída no solo húmido despontam os boletos e os “lactarius”, esses tesouros micológicos, apontamentos de subtileza de uma gastronomia chã mas retemperadora. E pouco falta já para o Natal e Ano Novo, tempo para a reedição de uma das mais ancestrais tradições desta terra de poder. A saída do “Chocalheiro”, personagem que enverga a máscara do enigma da existência humana, do paradoxo de se acreditar e duvidar de que o dia de amanhã será… um bom dia. PC
Máscara de Chocalheiro.
Imagem do Arquivo da CM Mogadouro.
Frontaria barroca da Capela de Santa Rita.
Adega Vitivinícola. Imagens de PCastanheira.
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SUGESTÕES
CONHECIMENTO E ELEGÂNCIA EM FORMA DE LIVRO Uma proposta de leitura de uma obra especializada que se instituirá, com toda a certeza, como a grande referência bibliográfica da presente geração de pilotos de planador. De Bernard Eckey, “Advanced soaring made easy”. Não são frequentes as edições de livros dedicadas ao voo à vela. As novidades aparecem raramente, como que a fazer crer que tudo já foi dito antes pela palavra das autoridades de reconhecido mérito que se dedicaram ao tema. O autor, Bernard Eckey, é um piloto de origem alemã que se radicou na Austrália onde se dedica profissionalmente à distribuição das mais prestigiadas marcas europeias de planadores no hemisfério sul. Embora não sendo um nome sonante do circuito competitivo internacional, deixou marcas relevantes nesse campo e, em concreto, acumulou mais de 3000 horas de voo, nas quais cobriu para cima de 200000Km, ou seja, metade da distância da Terra à Lua! Mas é como instrutor, mentor e agente associativo que o curriculum de Bernard se institui como de excepção. Os objectivos que o autor traça para a sua obra são bem claros: Encorajar os novos entusiastas da actividade ao prosseguimento do seu aperfeiçoamento como pilotos, motivando-os e propondo-lhes um guia bibliográfico para alargar o seu “terreno de jogo” e, assim, atingirem o seu pleno potencial. Com este rumo o livro propõe ao leitor o embarcar numa curva de aprendizagem que parte da técnica de voo local, se abre ao voo no grande local e desagua no pleno voo de distância, o “cross country”. Atingido este patamar os desafios ao leitor continuam com a participação em competições e toda a preparação mental e sensorial, que, mais do que rituais de tribo, são dados enquanto factores de optimização da segurança e da performance. Deste ponto em diante o autor partilha as técnicas de mestria das aterragens fora, do voo em montanha e em onda, enfim, o recreio dos grandes pilotos e o voo nos limites do homem e da máquina.
Quem espera encontrar neste livro um conhecimento livresco e académico, engana-se. O que encontrará é a transmissão de uma experiência e uma informação gerada pelo genuíno envolvimento pessoal no voo à vela. Mas, se a partir desta vivência espera uma récita de improviso produzida num lampejo de paixão, também se enganará. Na verdade terá perante si um livro focado, organizado e aprofundado que apoiará os pilotos no terreno concreto da sua “curva de aprendizagem”, ou seja, e sem evasivas, no puro voo à vela.
Qualidade no conteúdo… mas também qualidade na forma. Este livro é, em nossa opinião, um dos mais felizes em temos gráficos que têm sido publicados. Há uma estrutura visual rigorosa, sóbria e lógica, ilustrada com fotos e esquemas de excelência, para conduzir o leitor a uma experiência onde estética e conhecimento se encadeiam. Texto em inglês. Edicões EQIP HYPERLINK "http://www.eqip.de" www.eqip.de PC
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INSPIRAÇÕES
PERTENCER, PERCEBER, JOGAR “Os pilotos de planador podem imaginar-se como fazendo parte da natureza atmosférica e das grandes forças que ela possui, que estão aí para serem, com paciência e saber, dominadas. Certas ascendentes são suaves e fracas. Outras, ao contrário, são fortes e turbulentas. Por vezes aparecem isoladas, outras vezes alinhadas por longas distâncias. Se os pilotos jogarem as cartas certas, podem, em certos dias, combinar diferentes fontes de ascendência para realizar voos espantosos, tirando partido máximo de todas as horas de luz do dia.” Ingo Renner
Ingo Renner, piloto de planador australiano de origem alemã com 33 500 horas de voo, foi 4 vezes campeão do mundo, e trabalhou como instrutor e mentor em vários centros de voo à vela. IMAGEM DE SÉRGIO MOTA FERREIRA
PLANADOURO Magazine do Centro Internacional de Voo Ă Vela de Mogadouro