ReviStA PlumAS & PAetêS CultuRAl
9ª edição - abril 2018
tiragem: 20.000 exemplares
Circulação Gratuita - venda proibida www.plumasepaetescultural.com.br
/plumaepaetescultural/
PRODUÇÃO:
Diretor Executivo: José Antônio Rodrigues
Jornalista Responsável: tiago Ribeiro (ReG.4412/RJ)
REDAÇÃO:
Editor: tiago Ribeiro
Produtor e Projetista Gráfico: levi Cintra
Revisor: André Camargo (JP.24067-RJ)
Consultor de Marketing: Bruno Oliquerque
sambaécultura
Que Tiro Foi Esse?
Este ano, o carnaval carioca, com sua contribuição plural e incontestável na trajetória social, artística e cultural brasileira, trouxe de volta, o sentimento de que podemos, através dos temas de enredos que abordaram o que está preso na garganta, críticos, debater a nossa realidade. Que podemos deixar pra segundo, terceiro e últimos planos, assuntos de menor importância, muitas das vezes só abordados para satisfazer interesses comerciais do patrocinador.
Sob gestão da Secretaria Municipal de Cultura desde outubro de 2017, o Terreirão recebeu mais de 60 mil espectadores até abril deste ano, em uma programação que vai além da agenda de Carnaval.
Produção e Cobertura de Mídias: Bruno mariozz, Flávio Nogueira e Rafael Prevot
Textos: Alex de Oliveira, André Camargo, Gabriel Cardoso, José Antônio Rodrigues, José mauricio tavares, leandro Sampaio monteiro, leonardo Antan, manoel Gonçalves Filho, Ruidglan Barros e tiago Ribeiro.
Fotografias: Alexander Rodrigues, André melo de Andrade, Bruno motta, Dayse King, edimar Silva, José Antônio Rodrigues, maickell Abreu, marcos mello, Robson talber e Wigder Frota.
Foto de Capa: edimar Silva
Impressão: Nova Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro - Rua Professor Heitor Carrilho, 81 - Niterói - RJ CNPJ: 28.542.017/0004-32
Agradecimentos: Ana Paula Silva, Centro Cultural da Justiça Federal, Centro Cultural José Bonifácio, Daniele Amorim, Danielle Sant’Anna, Dominique marceau, Fabiano Freitas, Jorge Rodrigues, Kátia Nascimento Pinto, lucas Freitas, manoel Gonçalves Filho, Nilton César dos Santos, Ricardo lopes e thiago Silva magalhães.
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A linguagem do carnaval deve resgatar o seu papel de protagonista já esquecido pelo grande público, que vem se afastando cada vez mais da festa, por não se identificar com o perfil que, há muito tempo, vem sendo replicado. Devemos priorizar os amantes desta arte e atrair novos olhares. Como todo segmento de cultura, arte e entretenimento de nível mundial, o carnaval deve ser tratado e repensado, sempre que houver necessidade. Acredito ter sido o tiro certo, dado no momento exato, conduzido, sabiamente, por artistas que compartilham em suas carreiras e vidas pessoais o papel de cidadãos comprometidos com o legado a ser deixado para o debate saudável do coletivo.
Há muito tempo não assistíamos os foliões, na Passarela do Samba, com este prazer de cantar, pular, bater no peito, se arrepiar e chorar, com tamanha garra e vontade. O bom enredo e samba foram os protagonistas da festa popular, e foi gratificante saber que, desta vez, o samba não sambou, pelo contrário, sambou na cara dos inimigos. E ainda desfilou com os amigos, causou, afrontou e entrou no “trending topics mundial”.
“Chegou a hora de mudar, erguer a bandeira do Samba”. Vamos “desobedecer pra pacificar”, sejamos “sentinela da libertação” “onde a esperança sucumbiu”. Que em 2019, a Sapucaí seja, de novo, o divã do Brasil.
José Antônio Rodrigues Filho
Gestor do Prêmio Plumas & Paetês Cultural
A Secretaria Municipal de Cultura trabalha o ano inteiro para que tudo não acabe na Quarta-Feira de Cinzas. Porque o nosso papel é valorizar os saberes e tradições de quem tem a arte nas veias.
EDUARDO ROCHA ASCOM SMC
A Importância do Carnaval no Estado do Rio de Janeiro
OCarnaval do Rio de Janeiro é uma manifestação cultural e festa popular mundialmente famosa. talvez a festa popular mais conhecida no mundo, sendo uma atração que chama atenção por todos os diferentes tipos de manifestações, como desfiles de escola de samba, bailes de carnaval, carnaval de rua, bandas e blocos de rua.
Ao consultar várias fontes de pesquisa, pude notar que o Carnaval do Rio passou por inúmeras fases e transformações.
Na primeira metade do século XiX a brincadeira tinha características bem diferentes das manifestações que se sucederam e surgiram na segunda metade quando as manifestações de rua passaram a ser mais organizadas através de agrupamentos, clubes e associações.
em verdade, o Carnaval Carioca remonta do período da independência do Brasil, quando a elite carioca decidiu se afastar do passado lusitano e incrementar a aproximação com as novas potências capitalistas, chegando oficialmente ao Brasil no século Xvii, trazido pelos portugueses com o nome de entrudo, oriundo dos grandes bonecos do Carnaval de Portugal. Com o passar dos anos a festa mudou e surgiram na antiga
Avenida Central (atual Av. Presidente vargas) os cordões, que deram origem aos blocos e escolas de samba.
Portanto, trata-se de patrimônio imaterial de extrema importância cultural e econômica para o estado do Rio de Janeiro.
Para o Carnaval de 2018, o Governo do estado investiu
R$ 9.710.200,00, em carnaval de rua e escolas de samba através da lei estadual de incentivo a Cultura, o que além do enorme ganho econômico para o estado, incrementou o Fundo estadual de Cultura com R$ 1.942.040,00.
O investimento no Carnaval, sem dúvida nenhuma representa enriquecimento para o estado, e, obviamente merece ser um compromisso permanente do Governo, pois a diversidade de expressões, tradições e preciosos talentos nos municípios fluminenses, que formam a rica composição da arte e da cultura no mapa RJ, atestam a grande importância do Carnaval para o desenvolvimento do estado.
A missão da Secretaria de estado de Cultura é ampliar tal cenário para todos os municípios, nas dez regiões do estado
– Noroeste, Norte, Serrana, Baixadas litorâneas, leste Fluminense, metro Capital, Baixada Fluminense, médio Paraíba, Sul Fluminense e Costa verde.
Destaca-se a estratégica composição de parceria com a Assembleia legislativa do estado do Rio de Janeiro, através da Frente Parlamentar de valorização da Cultura – AleRJ, presidida pelo Deputado estadual André lazaroni, que vem empreendendo esforços na consolidação e apoio para a Cultura no estado.
A Secretaria de estado de Cultura está aberta aos 92 municípios do estado para avançar na busca por investimentos que apoiem todas as manifestações culturais, e, em especial o Carnaval, através da associação do fundamental conceito de que cultura é desenvolvimento, para, assim, promover em conjunto a efetivação da máxima “Cultura para todos”!
Leandro Sampaio Monteiro
Secretário de estado de Cultura do RJ
| Mensagem |
Há mais de 30 anos de vida pública, aprendi que não se faz nada sozinho. No carnaval, uma atividade marcadamente coletiva, não podia ser diferente. e como duas cabeças pensam melhor que uma, nada como a coletividade para estimular a criatividade. unindo forças, um ajuda o outro, dá suporte e motivação.
Sabemos que o país não vive os seus melhores momentos, mas a lição do carnaval revela o quanto, com a participação de todos, podemos avançar. mesmo antes de assumir a secretaria estadual de esporte, função que, com muito orgulho, exerci durante a Copa do mundo no Brasil, já tinha a certeza de que estas atividades culturais e esportivas, como as desenvolvidas pelas
escolas de samba, tanto na Avenida quanto em seus projetos sociais, são decisivas para o futuro dos nossos jovens e do país.
Da mesma maneira, o Prêmio Plumas & Paetês Cultural, que chega à sua 14ª edição, nos mostra, cada vez mais, a importância de tantos profissionais, na sua maioria anônimos do grande público, que, juntos, são responsáveis por um espetáculo conhecido mundialmente. uma prova de que quando a gente se une, o mundo inteiro se junta pra aplaudir.
Manoel Gonçalves Filho
assessor chefe do secretário de Cultura do estado do Rio de Janeiro
A história de vida e arte do carcereiro que cantou a liberdade
CoMISSÃo dE FRENTE: A doR E A dELÍCIA dE SER ExTRAoRdINÁRIo
O quesito que mais inova é também um dos que gera maior expectativa
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14 UM LAboRATÓRIo PARA oS ARTISTAS dA FoLIA
Conheça o carnaval virtual
20 MEMÓRIAS do CÁRCERE
A ARTE NEGRA dE WILSoN MoREIRA 10
O reencontro de Wilson moreira e Bira da mocidade, dois agentes penitenciários unidos pelo samba
RAZÃo E SENSIbILIdAdE No CARNAVAL
Conheça a trajetória de Alex Castro, premiado como melhor Gestor de Ateliê 2018
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eu SOu O SAmBA
A 14ª edição do Plumas homenageia aqueles que dizem no pé
EdiçõEs antEriorEs
bAIxE o QR REAdER
| Sumário |
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OS REIS DA FESTA: Os 50 anos do concurso oficial de Rei momo do Rio de Janeiro
| Mensagem |
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Confira as imagens dos premiados da 13ª edição do prêmio Plumas & Paetês Cultural, em homenagem ao compositor Zé Katimba. A premiação ocorreu em 01 de julho, no Teatro Carlos Gomes, e reuniu representantes das agremiações de todas as divisões dos desfiles.
8 9 Plumas & Paetês Cultural 2018 | Galeria
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2017
s ilva Foto: Wigder Frota
Fotos: e dimar
Eu sou o Samba
A 14ª edição do PlumAs exAltA
Aqueles que diZem no Pé
Eu sou o Samba. Herói da resistência. No pé, sou dança que afugenta dores, ginga que se esquiva de preconceitos. meu baile é na rua. minha folia contagia. E eu te desafio a ficar parado, quando aquele tambor começar a tocar. Seu corpo sacode involuntariamente por minha causa. estou na sua alma.
A história me fez DNA de uma escola. escola de Samba. Por lá, vieram até mim aqueles que nasceram pra me dominar: os passistas. Cabrochas e malandros. Que me defendem com paixão e levam a arte da minha dança para iluminar outras curimbas do mundo. em torno deles, criaram-se carnavais inteiros, as mais belas canções de amor.
Cabrochas e malandros que me levam a sério e lutam pelo resgate da minha essência. Pois sou parte deles. mas também sou parte de um morro inteiro. um morro que festeja comigo. Que precisa de mim. e me faz de escudo, espada e cruz. eu
existo pra eles. e enquanto houver passistas, resistirei; eles nunca me deixarão morrer. Pois sou o Samba. e eles também. este ano, o Prêmio Plumas e Paetês Cultural propõe a seguinte reflexão: será que ainda somos mesmo escolas de samba ou será que estamos perdendo a identidade do nosso patrimônio cultural? Nos desfiles de hoje, é frequente observar que muitas alas de passistas atravessam a Avenida coreografadas de ponta a ponta. logo a ala em que se faz necessária a apresentação da dança do samba, um dos únicos momentos no qual se identifica uma escola de samba. E ela passa justamente sem... samba? A escola passeia, a alegoria imponente brilha, o povo brinca, o folião pula. mas o passista samba. Precisa sambar.
Aldione
vencedora de nada me nos que dois estandartes de Ouro de melhor Passista (pela GReS unidos de vila isabel) e integrante de algumas das mais renomadas companhias de dança do Brasil, Aldione Senna levou o samba para países como Portugal, Japão, Argentina, Paraguai e Filipinas. Professora de dança, a passista já preparou candidatas à rainha do car naval e dá aulas no Projeto Social “Gente que samba é feliz”.
Celynho Show
Aos oito anos de idade, Célio Roberto de Oliveira Justino, o Celynho Show, já era “o menino que flutuava sambando”, conhecido por sua ginga suave e seu samba de gente grande. Depois de estrear pela Acadêmicos do engenho da Rainha, Celynho passou pelo Salgueiro, re cebeu convites para ser passista em várias escolas e conheceu o mundo graças ao samba. O passista se orgu lha também de ter feito parte do time da produtora do saudoso Joãosinho trinta.
Eduardo Campista
Com quase 25 anos de carnaval na bagagem, eduardo Campista, mais conhecido no mundo do samba como Pelezinho, já passou por estácio de Sá, Porto da Pedra, Sossego, tradição e unidos da tijuca (nesta última venceu o estandarte de Ouro de melhor Passista, em 2009), e foi coordenador das alas da Renascer de Jacarepaguá, da Alegria da Zona Sul e da lins imperial. Atualmente, Pelezinho é coordenador da Ala de Passistas da estácio de Sá e realiza shows particulares para grandes eventos.
Apelidada por Joãosinho trinta pelo seu infernal samba no pé e seu rebolado de liquidificador, Sonia Capeta é passista desde os 10 anos de idade e um dos grandes nomes que marcaram a história da Beija-Flor. Aos 19 anos, sagrou-se rainha de bateria da agremiação, posto que defendeu por duas décadas. vencedora de inúmeros prêmios de melhor Passista (entre eles, o estandarte de Ouro), seu nome batiza o palco da agremiação e, através de laíla, ganhou o título de eterna rainha da escola.
Nilce Fran
Nilce Fran é daquelas que possui uma vida inteira dedicada ao samba. Começou como porta-bandeira mirim, foi rainha de bateria da Portela, venceu o estandarte de Ouro (2012), é presidente de honra da GReS Rosa de Ouro (RJ) e bailarina dos cantores Dudu Nobre, Serjão loroza e Zeca Pagodinho, levando sua arte para todo o mundo. Coordenadora da ala de passistas da Portela e da viradouro, é também instrutora de dança em projetos sociais e responsável pela formação de grandes nomes da arte de sambar, entre passistas, rainhas, musas e destaques.
Coordenador da Ala de Passistas da unidos do viradouro e ganhador de vários prêmios (entre eles dois estandartes de Ouro), valci Pelé é um dos mais conceituados passistas do Carnaval. Criador do Projeto Primeiro Passo, é idealizador da lei que cria o dia do passista, comemorado em 19 de fevereiro. Atualmente, o passista participa de eventos pelo Brasil inteiro, relativos ao mundo do samba.
10 Revista Plumas & Paetês Cultural 2018
| Gestão de Carnaval |
Por: Gabriel Cardoso
GABRIEL CARDOSO é jornalista, escritor, compositor e ritmista.
Valci Pelé Senna Sonia Capeta
Passistas defendem seu pavilhão sambando. São responsáveis por impedir que nossa cultura seja confundida com qualquer outro espetáculo de entretenimento do mundo: nada se compara ao samba no pé. É por isso que, em sua 14ª edição, o Prêmio Plumas e Paetês passa a premiar os passistas da Série A e do Grupo especial, além de homenagear, com o troféu “eu Sou o Samba”, seis daqueles que são considerados alguns dos mais importantes profissionais da arte de sambar do carnaval, e que dedicam suas vidas a propagar (e a resgatar) a cultura sambista. São eles: Aldione Senna, Celynho Show, eduardo “Pelezinho” Campista, Nilce Fran, Sonia Capeta e valci Pelé:
Comissão de Frente: A dor e a delícia de ser extraordinário
Entre os segmentos de uma escola de samba, seguramente um dos que mais ganharam destaque, nos últimos anos, foi a Comissão de Frente. inicialmente criada, de forma despretensiosa, as comissões traziam integrantes ilustres da escola, carregando bastões, dando boas vindas ao público e apresentando a agremiação. De lá pra cá, estas funções se mantiveram intactas, mas a forma como estas apresentações vêm sendo feitas ganharam ares de um espetáculo à parte. Ainda na primeira metade de século XX, as escolas de samba já procuravam inovar nas comissões de frente, mas, somente na década de 1980, pôde-se observar um maior rigor técnico ao unir a criatividade de artistas plásticos e coreógrafos. A este apuro visual seria acrescido, nos anos seguintes, um certo “elemento surpresa” que daria a este quesito, a função primeira de impactar o público. e, talvez, resida aí uma questão nevrálgica às comissões de frente atuais: estariam elas tornando-se, pouco a pouco, vítimas de si mesmas por não conseguirem acompanhar o ritmo da exigência de serem sempre incríveis?
quesito que mAis inovA é tAmbém um dos que GerA mAior exPeCtAtivA
Olhando para o carnaval atual, é notória a expectativa que se coloca sobre a comissão de frente. Não somente em relação aos 40 pontos que ela pode representar, mas, sobretudo, pela quase obrigação de trazer sempre algo “extraordinário” para a avenida. um efeito, uma surpresa, algo novo e diferente. Assim, a comissão de frente tornou-se sinônimo de inovação e impacto, pondo em segundo plano os demais elementos que compõem uma boa apresentação (bailarinos e atores profissionais, coreografia apurada, encenação competente, figurino adequado).
Há tempos que a dança vem sendo carro-chefe das comissões, seguida de muito perto pelo teatro, daí serem julgadas pela sincronia e pela beleza plástica dos movimentos, além da interpretação dos personagens. mas, de uns tempos para cá, os próprios coreógrafos foram acrescentando elementos de outras linguagens, como truques ilusionistas, trocas de roupas ultrarrápidas, luzes em forma de raios, elementos pirotécnicos e até voos por cima do público. esta criatividade desenvolveu-se de maneira tão rápida que agora parece voltar-se contra
si mesma, exigindo dos criadores uma inovação constante em uma velocidade difícil de acompanhar. e agora coreógrafos? Como ser extraordinário sempre?
O campo da criatividade humana é infinito, no entanto, não podemos aprisioná-la no universo da técnica, ou seja, a criatividade é talento, mas também fruto de uma conjugação de fatores como ambiência, inteligência, oportunidade e coragem de assumir riscos. e tudo isso já vem fazendo parte do quesito.
Quando percebemos que chegamos ao “topo” e, no entanto, precisamos avançar, podemos nos perguntar: Para onde ir?
Por qual caminho? voltar? estas e outras perguntas devem estar circulando nas mentes criativas e criadoras do carnaval. talvez a resposta esteja em outra questão: Quais os caminhos que as Comissões de Frente ainda não percorreram para que possam continuar a ser extraordinárias?
| Gestão de Carnaval |
Por: ruidglan barros
o
RuIDGLAn BARROS é doutorando em educação, professor de teatro, coreografo e julgador do quesito comissão de frente.
Foto: Wigder Frota
Um laboratório para os artistas da folia
ConheçA o CArnAvAl virtuAl
Quantos jovens pensam em ser carnavalescos, intérpretes, compositores e ingressar no mundo das escolas de samba, mas não sabem como? A dificuldade de realizar esse sonho afasta muitas pessoas de um evento ainda marcado pela informalidade. O caminho pra atingir esse objetivo é tortuoso, já que não existe uma graduação específica ou receita pronta. Com isso, surgem novos espaços que simulam a folia e suas dificuldades, funcionando como um verdadeiro laboratório para novos profissionais. Um desses exemplos é o chamado “Carnaval virtual”.
entre agosto e setembro, a alegria carnavalesca ganha as telas dos computadores, aproveitando um período mais “morno” da folia da Sapucaí, reunindo apaixonados pelo samba e criando um lugar de experimentação. As escolas virtuais estão atualmente divididas em duas ligas: a mais antiga é a lieSv (liga das escolas de Sambas virtuais) fundada em 2003, que conta com 22 agremiações atualmente. A outra entidade é uma dissidência da liga original, chamada apenas de “Carnaval virtual”, que já reúne os principais nomes do mundo cibernético. Segundo o presidente Gustavo Wilman, a nova organização “surgiu do desejo de criar uma liga mais
estruturada e organizada em um ambiente democrático”.
Para fundar uma agremiação, três funções básicas são exigidas: presidente, carnavalesco e intérprete, que podem ser exercidos pela mesma pessoa, caso você seja multitalentoso. Os desfiles são formados pelos “croquis” de alegorias e fantasias organizados num website, onde estão em julgamento enredo, samba, alegorias, fantasias e conjunto. No júri, profissionais e pesquisadores do carnaval “real”, firmando um diálogo entre as duas festas ao longo do ano.
Neste cenário, as entidades virtuais se tornaram um lugar de experimentação, um ambiente mais aberto à criatividade e menos engessado que as decisões pragmáticas da Avenida de concreto. É um ambiente para a criação de um repertório, explica o carnavalesco (dos mundos “virtual” e “real”), Jorge Silveira: “me apaixonei pela ideia e passei a usar isso como um portfólio, que eu recomendo para a garotada que quer testar os seus conhecimentos”.
O artista é hoje um dos mais bem-sucedidos exemplos de egressos da folia da web. Protagonizou, em 2018, um marco: o enredo da São Clemente em homenagem à escola de Belas Artes já havia sido apresentado, por ele mesmo, na GReSv mocidade, em 2012, marcando esse trânsito das duas folias.
Além do lado artístico, o virtual também permite a quebra das distâncias geográficas, reunindo apaixonados de todo Brasil que sonham chegar ao mundo dos barracões e quadras. um desses exemplos, é leonardo Bora, atual carnavalesco
da Cubango. Natural do Paraná, ele ingressou na folia virtual há dez anos, quando ainda não tinha nenhum contato com o carnaval da Sapucaí. A experiência de oitos desfiles na GRESV Pura Soberba lhe deu a bagagem inicial necessária para tentar a sorte no Rio, em 2012. De lá pra cá, integrou comissões, trabalhou para outros profissionais e atualmente faz dupla com Gabriel Haddad, que também já criou para escolas virtuais, como a GReSv Apoteose.
Outro caso de sucesso mais recente é Guilherme estevão, o jovem formado em Arquitetura dá expediente na folia virtual há dez anos, oito deles na GReSv Ponte Aérea, onde já foi bicampeão. Atualmente, é assistente e desenhista não só dos principais grupos da folia carioca (como Porto da Pedra e Renascer), mas também em São Paulo e uruguaiana. O longo currículo foi conquistado através da bagagem na grande rede: “eu nunca ofereci meu trabalho, as pessoas me procuraram por conhecer meus desenhos e minha trajetória no carnaval virtual”, explica. Já Gustavo Wilman e Ailson Picanço formam uma parceria de compositores iniciada na web e que já disputa em escolas reais do Rio e São Paulo, provando que este processo não se restringe ao âmbito plástico-visual.
Consolidando o intercâmbio entre as duas folias, o carnaval virtual mostra que, além de uma brincadeira séria de apaixonados e um laboratório para os pretensos artistas, a distância entre as folias real e virtual pode ser menos uma diferença de suporte e mais uma questão de tempo.
14 Revista Plumas & Paetês Cultural 2018 | Gestão de Carnaval |
Por: leonardo Antan
LEOnARDO AntAn é mestrando em arte, redator do site Carnavalize e presidente/carnavalesco da escola de samba virtual Pindorama
Alegoria do desfile da são Clemente, de 2018, inspirada na ilustração (da página ao lado) do enredo homônimo, desenvolvido pelo mesmo carnavalesco, Jorge silveira, para a G.r e s v mocidade, em 2012
Foto: Wigder Frota
Por: tiago ribeiro eu gostava muito de jogar bola, mas minha mãe reclamava muito. Saía de manhã, jogava minha pelada até meio dia”.
A arte negra de Wilson Moreira
A históriA de vidA e Arte do CArCereiro que CAntou A liberdAde
Dono de sucessos como “Goiabada Cascão” e “Judia de mim”, membro das alas de compositores da mocidade e Portela, fundador do G.R.A.N.e.S Quilombo, Wilson moreira é também autor de um dos hinos pelas Diretas Já, “Senhora liberdade”. Com tanta história pra contar, nos reunimos com nosso homenageado, que nos recebeu com o seu firme aperto de mão – que lhe deu o apelido de alicate – e muita cantoria.
Nascido pelas mãos de uma parteira, na rua mesquita, em Realengo, em 12 de dezembro de 1936, Wilson moreira Serra morou naquele mesmo bairro até 1992. Filho de Hilda moreira Serra - do lar, lavadeira e que trabalhou em pensão –e de Francisco Moreira Serra - Wilson é o segundo dos seis filhos do casal. Arteiro, gostava muito de brincar na rua: “Joguei bola de gude, soltei pipa, graças a Deus joguei meu futebol. eu era beque central, joguei no time ipiranga de Realengo.
Do samba sua mãe também não era muito fã, foi pela influência de outros parentes maternos que tomou gosto pelo batuque. Oriundos de Minas Gerais, seus tios se fixaram no interior do estado do Rio de Janeiro, nas regiões de Avelar e Paraíba do Sul, para onde ia com dona Hilda, de tempos em tempos, quando ficava com saudades. Com primos calangueiros e violeiros, um tio tocando sanfona de oito baixos e uma tia jongueira, que traziam a herança dos pais tocadores de caxambu, o gosto pela música aflorou. Aos 13 anos, de maneira ainda inocente, compôs sua primeira canção. mas antes de se aventurar em versos e melodias, foi preciso ajudar em casa, já que seu pai, cardíaco, faleceu quando Wilson tinha oito anos. Aos 12, trabalhou numa pensão entregando marmitas, foi engraxate por um tempo e vendeu muita laranja e amendoim na ponte de Realengo. Aos 13, por intermédio de uma vizinha, tornou-se guia de cego, na Aliança dos Cegos, na São Francisco Xavier - um trabalho que durou cerca de um ano, do qual guarda belas recordações de seu Adelino de Jesus: “eu não conhecia direito a cidade, ele sabia tudo, praticamente ele que me guiava. Aprendi muito com esse português” – aos 14 foi trabalhar numa oficina de estamparia: “Eu trabalhei em várias coisas. Minha profissão é bombeiro hidráulico, que aprendi no ginasial. Só não fiz faculdade porque não deu”. enquanto ganhava uns trocados, não deixava de acompanhar o que havia se tornado sua paixão: as escolas de samba. No fim dos anos 40 já assistia aos desfiles das escolas no bairro, como a voz do Orion, três mosqueteiros e unidos de Curitiba: “eu ia lá pra ver aqueles sambistas cantando, a poeira levantando, os sambas de terreiro. Cada enredo bonito, era gente à beça, coisa boa.
A gente ia pra casa e ficava com o samba na mente”. Logo ingressou na unidos da Água Branca, que era próxima de sua casa. Nela, se aventurou na bateria: “Cheguei a pegar um surdo pra tocar, mas era muito grande, demorava muito pra carregar. tocava bem mesmo o tamborim”.
e foi nesta agremiação que teve a oportunidade de conhecer aquela que marcaria para sempre a sua vida: “Numa reunião na Água Branca, um diretor da mocidade apareceu e convidou para que os componentes se juntassem aos da escola, após o nosso desfile no chamado Coletivo. Acabada nossa apresentação em Realengo, pegamos o trem e fomos para a Praça Onze, onde hoje é a estátua do Zumbi, ajudar a mocidade”. O ano era o de 1957, o enredo era “O Baile
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Fotos:
e dimar s ilva
das Rosas”, era a estreia da mocidade fora do seu local de origem, ainda pelo segundo grupo. Wilson moreira estava como expectador, mas logo seu envolvimento seria maior.
Por mais que fosse ritmista na unidos da Água Branca, na mocidade não se aventurou nos instrumentos “eu gostava de tocar meu pandeiro, mas sair na bateria do André (que na época ainda não tinha alcunha de mestre) era muita responsabilidade”. Por isso, inicialmente, desfilou na ala dos boêmios (mas jura que ninguém bebia), numa época em que os próprios integrantes confeccionavam suas fantasias. logo em seguida, formou um trio como passista e fundou quatro alas (lordes, baixareis do samba, boêmios e mocidade unida de Realengo), para finalmente ingressar na ala de compositores: “eu fazia umas músicas, mas não acreditava. e a turma da mocidade (compositores) era muito boa. Até que fiz um samba, que mostrei pro Paulo Brasão (compositor da vila isabel) e ele falou pra mostrar lá no terreiro que dava pé. todo mundo cantou, aí eu acreditei. Cheguei em casa e falei: ‘mamãe, sou compositor’”.
e ele, que se considera um dos fundadores da mocidade (por acompanha-la desde o seu primeiro desfile oficial), teve, em 1962, a honra de ter um samba seu (em parceria com Arsênio e Jurandir) cantado na avenida, levando a escola a um honroso 5º lugar entre as grandes do carnaval. O enredo era “Brasil no Campo Cultural”. No ano seguinte, repetiu o feito com o seu primeiro parceiro de música, ivan Pereira (mais conhecido como “Da volta”), num enredo que cantava o lugar de origem dos seus parentes que o influenciaram na música, “As Minas Gerais”.
Pelo sucesso como compositor, foi agraciado com uma bolsa de estudos para representar a escola em um curso com o maestro Guerra-Peixe, no museu da imagem e do Som (miS), já que fora o mais votado pela diretoria. Porém, o presidente da ala, na época, foi contra, o que entristeceu Wilson, que acabou fazendo o curso e se afastando da mocidade. Depois de fazer
aulas de canto, violão e divisões rítmicas, ingressou em um curso com maria luisa Priolli, patrocinado pela Ordem dos músicos do Brasil (OmB). Foram dois anos estudando música, mas como tinha que sustentar a casa, não conseguiu prosseguir.
Neste meio tempo passou a atuar como cantor, na tv Continental, e lançou seu primeiro disco “Acossante”, em 1967. No ano seguinte, entrou para o conjunto Os Cinco Só (com Zuzuca do Salgueiro, Zito, Jair do Cavaquinho e velha), mas a vida inconstante da música ainda o obrigava a ter outras fontes de renda. Na busca por trabalho, Wilson moreira foi prestando provas para concursos públicos,
até passar para guarda de presídio, em Bangu (antes da construção dos famosos complexos presidiários do bairro), onde se aposentou após 35 anos de serviço. Distante da mocidade, foi parar na Portela, em 1968, após comparecer a uma reunião na azul e branca, levado por um amigo, que coincidentemente reencontrou, no trem, vindo da Central do Brasil, indo para madureira. Wilson resolveu ir junto após lembrar uma frase dita por Natal, em uma visita à mocidade, quando o viu cantar: “a hora que você quiser ir pra Portela, as portas estão abertas”.
Na nova casa, sentiu-se muito bem recebido. integrado à ala de compositores, apresentou o samba “O mais Belo Requinte”, muito elogiado, que acabou entrando na primeira faixa do disco lançado pelo seguimento: “Não teve inveja, não teve rebuliço, não teve nada. Peguei o disco e fiquei andando com ele debaixo do braço em Padre miguel”. Na Portela não conseguiu levar samba para a avenida, mas voltou a vencer a disputa no Grêmio Recreativo de Arte Negra escola de Samba Quilombo, que ajudou a fundar, junto do Candeia: ele disse que ia fazer uma escola e perguntou: “tá comigo?”. Respondi: “contigo eu tô, só não vou sair da Portela. No Quilombo eu era diretor de harmonia ao lado do Jorginho Pessanha, do império Serrano”.
Foi no Quilombo que iniciou a sua mais famosa parceria musical, com Nei lopes, apresentado por Délcio Carvalho como “aquele que coloca música até em bula de remédio”. Com Nei compôs sucessos como Goiabada Cascão, Gostoso veneno (sucesso na voz de Alcione) e Senhora liberdade, espécie de hino na
campanha das Diretas Já. É também da dupla o disco “A Arte Negra de Wilson moreira e Nei lopes”, um marco na luta em defesa do povo negro e do samba de raiz.
Foi ainda na escola do Candeia que sua primeira esposa, Nilcrê, foi porta-bandeira (função que já tinha desempenhado anteriormente na Santa Cruz).
Com ela, que faleceu em 1981, teve dois filhos, Andréa Cristina e André Luiz. Cinco anos depois, com outra mulher, foi pai da vanessa. Dos três, apenas Andréa se envolve com música: “ela é o meu brinco. Com 10 anos já ia pra Portela”. Desde 1996 é casado com Ângela Nenzy, que conheceu também na época do Quilombo, quando foi tirar uma dúvida no miS, onde ela trabalhava, para composição do samba da escola. mas o romance só começou anos depois, quando se reencontraram.
É de autoria de Ângela a única biografia de Wilson Moreira, narrada em quadrinhos, com ilustrações do cartunista Ykenga, lançada em 1997. Sua esposa também dirige o Centro Cultural Solar de Wilson moreira, inaugurado em 2011, na Praça da Bandeira, bairro em que moram há 20 anos. O espaço já abrigou oficinas de instrumentos musicais, culinária, artesanato, reciclagem, espetáculos de teatro, dança e shows. Além disso, serviu de concentração do bloco carnavalesco Amigos de Wilson Alicate, criado em 2013, para homenagear o compositor.
em 2017, viveu a alegria de ver as duas escolas de samba do seu coração serem campeãs, juntas: “A mocidade é um negócio que está no meu coração, mas sou portelense desde criança,
sempre gostei daquele azul e branco de Oswaldo cruz. A mocidade é onde comecei, onde as pessoas me entenderam, sempre torceram por mim. Até hoje tem um diretor, o Geraldinho, que vai lá em casa. O pai dele tá fazendo um documentário sobre mim”.
Hoje, após mais de 60 anos de carreira, comemorados em 2017, Wilson moreira acumula inúmeras parcerias de sucesso. Além dos já citados, compôs com Zeca Pagodinho, Candeia, Nelson Cavaquinho, Grande Otelo, Carlos Cachaça, Sérgio Cabral, moacyr luz e muitos outros. Suas canções foram gravadas por artistas como Zezé motta, Clara Nunes, Beth Carvalho, João Nogueira, eliseth Cardoso, Roberto Ribeiro e outros tantos. Já Jamelão, está entre os que quase gravaram uma de suas canções, neste caso, o samba “Fulana de tal”, (composto com seu primeiro parceiro, conhecido como Da volta) e que estará no próximo disco de Wilson moreira, ainda em pré-produção. Com mais de 80 anos de idade, o artista continua cantando, mesmo sob as dificuldades motoras após o AVC sofrido em 1997. Com mais de 400 canções no currículo, muitas delas ainda inéditas, o homenageado do Plumas & Paetês Cultural 2018 segue entoando seus sambas, jongos, lundus e ijexás, sob as bênçãos de seus orixás, exercendo, toda a propriedade de sua arte negra.
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tIAGO RIBEIRO é carnavalesco, jornalista, mestrando em Artes e editor da revista do prêmio Plumas & Paetês Cultural.
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Memórias do Cárcere
O próprio Wilson moreira lembra que, quando Zezé motta gravou “Senhora liberdade” um dos presos, que ouvia a gravação em seu radinho de pilha, achou que a música era de algum parceiro de crime, pelo conteúdo da letra. Quando o radialista informou o nome de Wilson, após a execução da faixa, o interno correu ao seu encontro e lhe abraçou, dizendo que também sabia compor “e tinha cada coisa bonita...” conta. Após algum tempo, quando já estava de saída, o ex-detento recebeu do compositor famoso a dica de onde levar suas canções: “Ali no largo da Carioca, de vez em quando vai o Agepê, o Nazinho da ilha, o Bezerra da Silva, vai lá. Aí um dia nos encontramos no centro da cidade e ele me mostrou o lP de Bezerra da Silva, que tinha gravado uma de suas músicas”.
trabalho no complexo penitenciário renderam-lhe inúmeras histórias, muitas engraçadas e outras tristes. muitas ele fez questão de esquecer, mas algumas ficaram na lembrança, entre elas os versos que o cárcere lhe inspirou a compor:
Uma amizade nascida no árduo ambiente de trabalho. Dois compositores e agentes penitenciários. uma dupla de componentes da mocidade que só foram se conhecer anos depois, dentro do complexo presidiário em que trabalhavam. Para conhecer um pouco mais desses amigos de ofício e poesia, fomos ao encontro de ubiratan Rodrigues vieira atrás das lembranças dos tempos áureos de sua convivência com o homenageado do prêmio Plumas & Paetês Cultural 2018.
enquanto Wilson moreira cresceu em Realengo, ubiratan passou a infância no bairro vizinho, Padre miguel, praticando a paixão compartilhada pelo amigo famoso: o futebol. Com os amigos André (que se tornaria o célebre mestre de Bateria), Wandyr (o vô macumba, atual presidente da escola) e tiãozinho (compositor), fundaram o time independente Futebol Clube, que logo virou bloco carnavalesco, embrião do que se tornaria a escola de samba mocidade.
De família humilde, ubiratan conseguiu conciliar sua paixão pelo futebol e pelo carnaval até os 20 anos de idade, quando passou no concurso para agente de segurança penitenciária da Polícia Civil, indo trabalhar no presídio de Bangu (antes da construção dos famosos complexos presidiários do bairro) onde conheceu Wilson moreira. Os tempos árduos de
Bira da mocidade, como gosta de ser chamado, relembra com carinho e admiração a amizade com o homenageado do Plumas de 2018. Ao falar destas memórias, relata que várias composições do amigo Wilson moreira foram feitas dentro do presídio. “O ambiente era pesado. Não sei como conseguia compor lindas canções. Algumas com relação direta com o dia a dia dos presos como ‘Senhora liberdade’, bordão conhecido pelos detentos quando chegava o alvará de soltura; ‘Goiabada Cascão’, era constantemente a sobremesa lá dentro. ‘mamão com Açúcar’ foi a primeira a ser apresentada no ambiente de trabalho e custou uma suspensão de 60 dias ao Wilson. era amigo de todos, dava conselhos e escutava os presos. ‘Gotas do Sereno’, música que marcou minha vida, a minha alma, entre outros grandes sucessos, e que, até hoje, é cantada por grandes interpretes da música popular brasileira”.
Com o passar dos anos – e as merecidas aposentadorias -, ubiratan e Wilson foram, pouco a pouco, perdendo o contato, mas Bira continuou acompanhando o amigo pelas mídias enquanto compunha mais alguns sambas como terapia - registrou apenas um deles, com o título “musa do Samba”, guardado a sete chaves na Biblioteca Nacional. Quando soube que alguns artistas organizaram um show beneficente para ajudar o cantor, vítima de um AvC, Bira não teve dúvida, comprou vários ingressos e camisas para ajudar o ex-companheiro de labuta.
Hoje, ao falar dessa amizade que a distância não apagou, se emociona. e ao imaginar o seu reencontro com o velho amigo, após 40 anos, no palco do Plumas & Paetês Cultural, os olhos ficam cheios de lágrimas: “Será emoção pura.
Acredito que Deus preparou este momento para mim. estive perto do outro lado da vida por duas ou até mais vezes, ficava imaginando o que estava por vir, me perguntando se ainda tinha alguma missão a ser cumprida nesta terra, mas não conseguia ter respostas. Hoje eu sei. Deus não me levou porque eu precisava reencontrá-lo, homenagear meu amigo e irmão”. Quatro décadas depois, essa emoção, aprisionada, vai ganhar sua liberdade.
AnDRé
| Homenagem | Por: André
Camargo
“Aurora, você me abandonou, Aurora, você me desprezou. você me deixou sofrendo Atrás das grades desta prisão isso não se fez não”.
CAmARGO é Jornalista, graduado em letras e revisor da revista do prêmio Plumas & Paetês Cultural.
o reenContro de Wilson moreirA e birA dA moCidAde, dois AGentes PenitenCiários unidos Pelo sAmbA
Foto: José Antônio
r odrigues
Por: Alex de oliveira
Os Reis da Festa
os 50 Anos do ConCurso oFiCiAl de rei momo do rio de JAneiro
Personagem da mitologia grega, símbolo da irreverência, o Rei Momo é a figura emblemática da maior festa popular do mundo. Durante os dias de folia, com posse da chave da cidade, governa os súditos sambistas ao lado da Rainha do Carnaval. um cargo de muita responsabilidade e orgulho, que desperta o interesse e a torcida de milhares de cariocas, todos os anos, num concurso que se tornou oficial há meio século.
Filho da deusa Nix – personificação da noite – Momo é o deus grego da galhofa e do delírio, expulso do Olimpo por seu comportamento zombeteiro. Na Roma Antiga, era personificado no mais belo dos soldados, coroado por ocasião das saturnais, tratado como verdadeiro senhor, comendo, bebendo e se divertindo à exaustão, até ser sacrificado no altar de Saturno, no final da festa. Posteriormente, passou-se a escolher o homem mais obeso da cidade, para servir de símbolo da fartura, do excesso e da extravagância. Na espanha, surge na literatura no século Xvi e, sob a forma de um boneco, era queimado para simbolizar a morte de Cristo. em 1888, aparece no carnaval de Barranquilla, na Colômbia, sob a forma de um personagem alegre e simpático que autorizava a desordem carnavalesca com bumbos, pratos e maracas.
No Brasil, após ser retratado pelo caricaturista Henrique Fleiuss, em 1862, e pelo palhaço Benjamim de Oliveira, em 1910, surgiu a ideia de torna-lo símbolo do carnaval carioca. em 1933, o jornal “A Noite” deu-lhe forma plástica, chamado de Rei momo i e Único, esculpido em papelão pelo artista Hipólito Colomb, desfilando em carro aberto, num animado
cortejo pela Avenida Rio Branco. Feliz com o sucesso, mas ainda insatisfeito, no ano seguinte, o jornal elegeu o seu redator de turfe, moraes Cardoso – um homem muito gordo – como o primeiro Rei momo, em carne e osso, do carnaval carioca. Sempre presente nos desfiles carnavalescos, ovacionado com serpentinas, confetes e jatos de lança-perfume, seu reinado durou até a sua morte, em 1948. A partir daí a escolha do Rei momo passou a ser feita por entidades carnavalescas e jornalísticas, até tornar-se oficial, em 1968, através de lei estadual.
Já a figura da Rainha do Carnaval surgiu em 1950, através do sistema de voto vendido (parecido com a eleição da rainha do rádio), coroando a vedete elvira Pagã como a primeira soberana da folia carioca. este sistema se manteve até 1960, substituído pelo voto de qualidade. Durante muitos anos a beldade eleita desfilou em carros alegóricos confeccionados por consagrados artistas da escola de Belas Artes (eBA) e, a partir de 1986, num bugre, em companhia do Rei momo, por ocasião da abertura de todos os desfiles oficiais dos carnavais.
Reunindo representantes de vários clubes e grêmios carnavalescos, o concurso de Rainha do Carnaval tornou-se amparado por uma lei municipal de 1985 (assim como a figura do Rei momo).
Com o passar do tempo, vários destes reis e rainhas se tornaram parte do imaginário carioca. Abraão Reis é o recordista dos concursos, reeleito por 14 mandatos (1958-1971); Edson Serafim Sant’Anna, reeleito 12 vezes, tornou-se jurado do programa do Chacrinha; Reynaldo de Carvalho, conhecido como Bola, depois de anos como Rei momo em Curitiba, foi
FICHA TÉCNICA:
Fotos e Produção: edimar Silva.
Figurinos: Bruna Bee e acervo particular.
maquiagem: Fabiane leiroza e luiz Otávio Cabral.
Acessórios: DmD Strass
22 Revista Plumas & Paetês Cultural 2018 | Capa |
eleito no Rio de Janeiro, em 1987, e reinou até a sua morte, em 1995. Já Wilza Carla (eleita entre 1957 e 1959) ficou famosa ao interpretar a Dona Redonda na novela Saramandáia, da tv Globo.
entre os vencedores que mais se destacaram recentemente, a Revista Plumas & Paetês Cultural escolheu para ilustrar a sua matéria de capa: o eleito para 2018, milton Júnior (tam bém vencedor entre 2009 e 2013); o tricampeão Wilson Neto (2014-2016); o atual carnavalesco da unidos de Bangu, Alex de Oliveira (Rei momo por 10 mandatos, entre 1997 e 2003 e 2006 a 2008), que foi homenageado pela câmara de vereadores com a medalha Pedro ernesto; a atual musa da unidos da tijuca, Ana Paula evangelista (rainha do carnaval entre 2005-2006); Clara Paixão, bicampeã em 2015 e 2016 (foi também 1ª princesa 2014 e 2ª princesa 2013); e Jéssica maia, eleita em 2009 e 2018.
Ao longo destes 50 anos muita coisa mudou. Se antes glutão, o Rei momo não precisa mais ser gordo (como o Bola, que chegou a pesar 302 quilos e faleceu em uma clínica para emagrecer). Atualmente os requisitos são: desembaraço, sociabilidade, facilidade de expressão, simpatia e
domínio da arte de sambar. Para as meninas, ainda contam a beleza de rosto, harmonia de linhas físicas e desembaraço. Ambos precisam residir na cidade do Rio de Janeiro, possuir o ensino fundamental completo e ter entre 18 e 55 anos (ele) e entre 18 e 40 anos (ela). Os prêmios incluem coroa, faixa, cetro e até 30 mil reais por pessoa, numa disputa que é muito mais que um concurso de beleza ou de simpatia, mas sim uma maneira de ficar imortalizado na história do carnaval carioca.
24 Revista Plumas & Paetês Cultural 2018
(21) UMURAHPRODUCOES@HOTMAIL.COM
ALEx DE OLIvEIRA é arquiteto, carnavalesco e foi, por 10 anos, rei momo da cidade do rio de Janeiro.
Desde 2014, o Plumas & Paetês Cultural é o responsável pela confecção da coroa do rei momo da cidade do rio de Janeiro
Razão e Sensibilidade no Carnaval
ConheçA A trAJetóriA de Alex CAstro, PremiAdo Como melhor Gestor de Ateliê 2018
Quantas vezes nos deparamos com a dúvida entre nos arriscar numa nova profissão ou continuar num trabalho mais estável? Ao invés de rivalizar razão e emoção, Alex Castro uniu as duas características, levando a sua experiência em gestão e liderança do mundo corporativo para o universo carnavalesco, conquistando a confiança de grandes nomes como laíla, Alexandre louzada e Fernando magalhães, numa trajetória de mais de 10 carnavais.
O grande passo foi dado em 2007, quando Alex teve a sua primeira oportunidade em um barracão de escola de Samba. O desafio de mudar de ramo era grande, mas o sonho de trabalhar e viver exclusivamente da sua arte falou mais alto. No barra-
cão, aprendeu todas as etapas da construção de um desfile, mas foi como aderecista das fantasias de composição (componentes de carro alegórico) que sua identificação com o fazer carnavalesco se tornou mais evidente, servindo para direcionar a sua afirmação como criador. Mas, Alex sabia que precisava apurar seu fazer artístico. Por isso, em 2008, se dedicou à função de figurinista de uma companhia circense, uma etapa que considera muito importante para a sua carreira. em 2009, de volta ao carnaval, se viu diante de um novo desafio: assumir a criação e confecção dos figurinos das alegorias para o carnaval da Beija-Flor de Nilópolis. Após o sucesso na empreitada, Alex Castro alçou um voo ainda mais alto em sua carreira. Com a ida de Alexandre louzada para a vai-vai, recebeu o convite para assumir tanto a gestão do barracão e a confecção dos protótipos da agremiação paulista, quanto das fantasias de destaques e musas da Beija-Flor, do Rio de Janeiro. Foi um ano em que o seu trabalho como figurinista ganhou grande visibilidade, pois estrelas do carnaval, da televisão e da música, como Hebe
| Gestão de Carnaval | Por: José maurício tavares
Fotos: José Antônio rodrigues
Camargo, Ana Hickmann, maria Rita, Camila Silva, entre ou tras, apareciam na mídia com roupas confeccionadas por ele, chamando a atenção para a beleza e requinte das suas obras. Diante da afirmação do seu trabalho no mundo carnava lesco, Alex Castro inaugurou, em 2013, o seu próprio ateliê, atualmente localizado em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Atende, além de musas, artistas e personalidades do carna val, clientes dos segmentos da moda (Animale) e casas no turnas (the Week RJ e SP) do Brasil, euA e europa, produ zindo figurinos personalizados e para shows temáticos. Além disso, atua como cenógrafo, todos os anos, no miss Angola e confecciona as fantasias da Copa Samba team, escola de samba Japonesa. ele, que se orgulha de poder ajudar muitos profissionais que estão começando, se torna, ao receber o prêmio de melhor Gestor de Ateliê do Plumas & Paetês Cul tural 2018, um símbolo de que é possível dar razão ao que toca ao coração.
JOSé mAuRíCIO tAvARES é historiador, com especialização em arte, cultura, figurino e carnaval.
Foto: Arquivo pessoal
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