« Quando for grande, não quero ser médico, engenheiro ou professor. Não quero trabalhar de manhã à noite, seja no que for. Quero brincar de manhã à noite, seja no que for. Quando for grande, quero ser um brincador. »
Álvaro Magalhães
quero lá saber da poesia!.. . hoje ainda não me mandou nenhum SMS!
POEMAS A VÁRIAS VOZES
Junho de 2012
1 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados 1.
CONVITE ....................................................................................................................................................... 2 JOÃO PAULO PAES [1926-1998] – BRASIL ......................................................................................................................... 2 2. TEMPO DE POESIA ........................................................................................................................................ 3 ANTÓNIO GEDEÃO [1906-1997] – PORTUGAL.................................................................................................................... 3 3. VER CLARO ................................................................................................................................................... 4 EUGÉNIO DE ANDRADE [1923-2005] – PORTUGAL .............................................................................................................. 4 4. «QUE É A POESIA?» ...................................................................................................................................... 5 CASSIANO RICARDO [1895-1974] – BRASIL ....................................................................................................................... 5 5. «O BICHO ALFABETO» .................................................................................................................................. 6 PAULO LEMINSKY [1944-1989] – BRASIL .......................................................................................................................... 6 6. LÍNGUA-MAR ................................................................................................................................................ 7 ADRIANO ESPÍNOLA [1952-] – BRASIL ............................................................................................................................... 7 7. A POESIA É UMA PULGA ............................................................................................................................... 8 SYLVIA ORTHOF [1932-1997] – BRASIL ............................................................................................................................ 8 8. E TUDO ERA POSSÍVEL .................................................................................................................................. 9 RUY BELO [1933-1978] – PORTUGAL ............................................................................................................................... 9 9. O POEMA CANIVETE SUÍÇO ......................................................................................................................... 10 JOSÉ CARLOS VASCONCELOS [1940-] – PORTUGAL ............................................................................................................. 10 10. RETRATO QUASE APAGADO EM QUE SE PODE VER PERFEITAMENTE NADA ................................................ 11 MANOEL DE BARROS [1916-] – BRASIL ............................................................................................................................ 11 11. POEMA ....................................................................................................................................................... 12 VASCO GRAÇA MOURA [1942-] – PORTUGAL ................................................................................................................... 12 12. A PALAVRA IMPOSSÍVEL ............................................................................................................................. 13 ADOLFO CASAIS MONTEIRO [1908-1972] – PORTUGAL...................................................................................................... 13 13. AS COISAS ESCRITAS ................................................................................................................................... 14 INÊS FONSECA SANTOS [1979-] – PORTUGAL .................................................................................................................... 14 14. É FÁCIL TROCAR AS PALAVRAS .................................................................................................................... 15 FERNANDO PESSOA [1888-1935] – PORTUGAL................................................................................................................. 15 15. CONSTANTE DIÁLOGO ................................................................................................................................ 16 CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE [1902-1987] – BRASIL ................................................................................................. 16 16. SEM QUE SOUBESSES .................................................................................................................................. 17 FERNANDO ASSIS PACHECO [1937-1995] – PORTUGAL ...................................................................................................... 17 17. URGENTEMENTE ......................................................................................................................................... 18 EUGÉNIO DE ANDRADE [1923-2005] – PORTUGAL ............................................................................................................ 18 18. HÁ PALAVRAS QUE NOS BEIJAM ................................................................................................................. 19 ALEXANDRE O'NEILL [1924-1986] – PORTUGAL ............................................................................................................... 19 19. ESTE É O POEMA DO AMOR ........................................................................................................................ 20 ANTÓNIO GEDEÃO [1906-1997] – PORTUGAL.................................................................................................................. 20 20. CARTA DE UM CONTRATADO ...................................................................................................................... 21 ANTÓNIO JACINTO [1924-1991] – ANGOLA ..................................................................................................................... 22 21. A UM JOVEM POETA ................................................................................................................................... 23 MANUEL ANTÓNIO PINA [1943-] – PORTUGAL .................................................................................................................. 23 22. AS PALAVRAS.............................................................................................................................................. 24 MANUEL ALEGRE [1936-] – PORTUGAL ........................................................................................................................... 24 23. PÁTRIA ....................................................................................................................................................... 25 SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN [1919-2004] – PORTUGAL ...................................................................................... 25 24. O POEMA I .................................................................................................................................................. 26 HERBERTO HELDER [1930-] – PORTUGAL ......................................................................................................................... 26 25. O MEU ROSTO ............................................................................................................................................ 27 JOSÉ JOÃO CRAVEIRINHA [1922-2003] – MOÇAMBIQUE .................................................................................................... 27 26. HESITO MUITO ANTES DA PALAVRA ........................................................................................................... 28 VASCO GATO [1978-] – PORTUGAL ................................................................................................................................ 28 27. A PALAVRA ................................................................................................................................................. 29 ANTÓNIO RAMOS ROSA [1924-] – PORTUGAL ................................................................................................................... 29 28. CONSERTO A PALAVRA ............................................................................................................................... 30 DANIEL FARIA [1971-1999] – PORTUGAL ........................................................................................................................ 30 29. YOU ARE WELCOME TO ELSINORE .............................................................................................................. 31 MÁRIO CESARINY [1923-2006] – PORTUGAL ................................................................................................................... 31 30. O LIMPA-PALAVRAS .................................................................................................................................... 32 ÁLVARO MAGALHÃES [1951-] – PORTUGAL ...................................................................................................................... 33 31. RECEITA PRA LAVAR PALAVRA SUJA ........................................................................................................... 34 VIVIANE MOSÉ [1964-] – BRASIL ................................................................................................................................... 34 32. CARTA A MEUS FILHOS SOBRE OS FUZILAMENTOS DE GOYA....................................................................... 35 JORGE DE SENA [1919-1978] – PORTUGAL ...................................................................................................................... 36
2 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
1. CONVITE Poesia é brincar com palavras como se brinca com bola, papagaio, pião. Só que bola, papagaio, pião, de tanto brincar, se gastam. As palavras não: quanto mais se brinca com elas, mais novas ficam. Como a água do rio, que é água sempre nova. Como cada dia, que é sempre um novo dia. Vamos brincar de poesia?
João Paulo Paes [1926-1998] – Brasil
5º C
3 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
2. TEMPO DE POESIA Todo o tempo é de poesia Desde a névoa da manhã à névoa do outo dia. Desde a quentura do ventre à frigidez da agonia Todo o tempo é de poesia Entre bombas que deflagram. Corolas que se desdobram. Corpos que em sangue soçobram. Vidas qu’a amar se consagram. Sob a cúpula sombria das mãos que pedem vingança. Sob o arco da aliança da celeste alegoria. Todo o tempo é de poesia. Desde a arrumação ao caos à confusão da harmonia.
António Gedeão [1906-1997] – Portugal
Direção do Agrupamento
4 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
3. VER CLARO Toda a poesia é luminosa, até a mais obscura. O leitor é que tem às vezes, em lugar de sol, nevoeiro dentro de si. E o nevoeiro nunca deixa ver claro. Se regressar outra vez e outra vez e outra vez a essas sílabas acesas ficará cego de tanta claridade. Abençoado seja se lá chegar.
Eugénio de Andrade [1923-2005] – Portugal
Turma de PLNM
5 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
4. «QUE É A POESIA?» Uma ilha cercada de palavras por todos os lados.
Cassiano Ricardo [1895-1974] – Brasil
Aluna da Oficina de Palavras / 7º D
6 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
5. «O BICHO ALFABETO» o bicho alfabeto tem vinte e três patas ou quase por onde ele passa nascem palavras e frases com frases se fazem asas palavras o vento leve o bicho alfabeto passa fica o que não se escreve
Paulo Leminsky [1944-1989] – Brasil
6º F
7 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
6. LÍNGUA-MAR A língua em que navego, marinheiro, na proa das vogais e consoantes, é a que me chega em ondas incessantes à praia deste poema aventureiro. É a língua portuguesa, a que primeiro transpôs o abismo e as dores velejantes, no mistério das águas mais distantes, e que agora me banha por inteiro. Língua de sol, espuma e maresia, que a nau dos sonhadores-navegantes atravessa a caminho dos instantes, cruzando o Bojador de cada dia. Ó língua-mar, viajando em todos nós. No teu sal, singra errante a minha voz.
Adriano Espínola [1952-] – Brasil
9º BS
8 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
7. A POESIA É UMA PULGA A poesia é uma pulga, coça, coça, me chateia, entrou por dentro da meia, saiu por fora da orelha, faz zumbido de abelha, mexe, mexe, não se cansa, nas palavras se balança, fala, fala, não se cala, a poesia é uma pulga, de pular não tem receio, adora pular na escola... Só na hora do recreio!
Sylvia Orthof [1932-1997] – Brasil
5º F
9 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
8. E TUDO ERA POSSÍVEL Na minha juventude antes de ter saído da casa de meus pais disposto a viajar eu conhecia já o rebentar do mar das páginas dos livros que já tinha lido Chegava o mês de maio era tudo florido o rolo das manhãs punha-se a circular e era só ouvir o sonhador falar da vida como se ela houvesse acontecido E tudo se passava numa outra vida e havia para as coisas sempre uma saída Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer Só sei que tinha o poder duma criança entre as coisas e mim havia vizinhança e tudo era possível era só querer
Ruy Belo [1933-1978] – Portugal
11º A
10 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
9. O POEMA CANIVETE SUÍÇO “O poema é antes de tudo um inutensílio” Manoel de Barros E no entanto, Manoel, eu uso-o de nuvem, faca, canário amarelo, escova de dentes, papel de embrulho, rio sem foz, búzio adejante, chave de fendas, manteiga, mel. Em vez de canivete suíço, o mais completo, uso poema, Manoel, teu antes de tudo inutensílio, poema todo serviço, remédio santo contra dor, resfriado, picada de inseto, poema pedra, ponte, rouxinol, vento, veia, vício vário, árvore no deserto, relógio de sol, joelho feminino para um triste solitário.
José Carlos Vasconcelos [1940-] – Portugal
10º A
11 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
I
10. RETRATO QUASE APAGADO EM QUE SE PODE VER PERFEITAMENTE NADA
Não tenho bens de acontecimentos. O que não sei fazer desconto nas palavras. Entesouro frases. Por exemplo: - Imagens são palavras que nos faltaram. - Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem. - Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser. Ai frases de pensar! Pensar é uma pedreira. Estou sendo. Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo) Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos. Outras de palavras. Poetas e tontos se compõem com palavras.
Manoel de Barros [1916-] – Brasil
12º D
12 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
11. POEMA silenciosamente aproximo-me do poema circundo-o duma palavra e faço nela uma incisão deliberada e exponho a ferida ao ar sem protegê-la para que infecte e frutifique de resina ainda com gosto a papel húmido o poema cresce e ramifica-se comovidamente do cerne para a casca inteiro liso adstringente sinuoso mas todo o poema é perfeitamente impuro
Vasco Graça Moura [1942-] – Portugal
12º C
13 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
12. A PALAVRA IMPOSSÍVEL Deram-me o silêncio para eu guardar dentro de mim A vida que não se troca por palavras. Deram-mo para eu guardar dentro de mim As vozes que só em mim são verdadeiras. Deram-mo para eu guardar dentro de mim A impossível palavra da verdade. Deram-me o silêncio como uma palavra impossível, Nua e clara como o fulgor duma lâmina invencível, Para eu guardar dentro de mim, Para eu ignorar dentro de mim A única palavra sem disfarce A Palavra que nunca se profere.
Adolfo Casais Monteiro [1908-1972] – Portugal
9º C
14 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
13. AS COISAS ESCRITAS Tenho as coisas escritas no peito, o teu nome. Nada tem que ver com o coração, muito menos com sentimentos. O teu nome está-me escrito nos sinais, sobre a pele. A tinta, desenho de círculos castanhos assinalando lugares. O meu mapa genético tem uma única localidade. Dizer o nome dela é chamar-te. Chamar-te é encontrar a minha morada.
Inês Fonseca Santos [1979-] – Portugal
10º F
15 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
14. É FÁCIL TROCAR AS PALAVRAS É fácil trocar as palavras, Difícil é interpretar os silêncios! É fácil caminhar lado a lado, Difícil é saber como se encontrar! É fácil beijar o rosto, Difícil é chegar ao coração! É fácil apertar as mãos, Difícil é reter o calor! É fácil sentir o amor, Difícil é conter sua torrente! Como é por dentro outra pessoa? Quem é que o saberá sonhar? A alma de outrem é outro universo Com que não há comunicação possível, Com que não há verdadeiro entendimento. Nada sabemos da alma Senão da nossa; As dos outros são olhares, São gestos, são palavras, Com a suposição De qualquer semelhança no fundo.
Fernando Pessoa [1888-1935] – Portugal
Alunos da Oficina de Palavras
16 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
15. CONSTANTE DIÁLOGO Há tantos diálogos Diálogo com o ser amado o semelhante o diferente o indiferente o oposto o adversário o surdo-mudo o possesso o irracional o vegetal o mineral o inominado Diálogo consigo mesmo com a noite os astros os mortos as ideias o sonho o passado o mais que futuro Escolhe teu diálogo e tua melhor palavra ou teu melhor silêncio. Mesmo no silêncio e com o silêncio dialogamos.
Carlos Drummond de Andrade [1902-1987] – Brasil
8º BS
17 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
16. SEM QUE SOUBESSES Falei de ti com as palavras mais limpas, viajei, sem que soubesses, no teu interior. Fiz-me degrau para pisares, mesa para comeres, tropeçavas em mim e eu era uma sombra ali posta para não reparares em mim. Andei pelas praças anunciando o teu nome, chamei-te barco, flor, incêndio, madrugada. Em tudo o mais usei da parcimónia a que me forçava aquele ardor exclusivo. Hoje os versos são para entenderes. Reparto contigo um óleo inesgotável que trouxe escondido aceso na minha lâmpada brilhando, sem que soubesses, por tudo o que fazias.
Fernando Assis Pacheco [1937-1995] – Portugal
7º C
18 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
17. URGENTEMENTE É urgente o amor É urgente um barco no mar. É urgente destruir certas palavras, Ódio, solidão e crueldade, Alguns lamentos, Muitas espadas. É urgente inventar alegria, Multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e risos e manhãs claras. Cai o silêncio no pano e a luz impura, até doer. É urgente o amor, é urgente permanecer. Até amanhã
Eugénio de Andrade [1923-2005] – Portugal
7º AS
19 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
18. HÁ PALAVRAS QUE NOS BEIJAM Há palavras que nos beijam Como se tivessem boca. Palavras de amor, de esperança, De imenso amor, de esperança louca. Palavras nuas que beijas Quando a noite perde o rosto; Palavras que se recusam Aos muros do teu desgosto. De repente coloridas Entre palavras sem cor, Esperadas inesperadas Como a poesia ou o amor. (O nome de quem se ama Letra a letra revelado No mármore distraído No papel abandonado) Palavras que nos transportam Aonde a noite é mais forte, Ao silêncio dos amantes Abraçados contra a morte.
Alexandre O'Neill [1924-1986] – Portugal
8º AE
20 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
19. ESTE É O POEMA DO AMOR Este é o poema do amor. O poema que o poeta propositadamente escreveu só para falar de amor, de amor, de amor, de amor, para repetir muitas vezes amor, amor, amor, amor. Para que um dia, quando o Cérebro Eletrónico contar as palavras que o poeta escreveu, tantos que, tantos se, tantos lhe, tantos tu, tantos ela, tantos eu, conclua que a palavra que o poeta mais vezes escreveu foi amor, amor, amor. Este é o poema do amor.
António Gedeão [1906-1997] – Portugal
7º OI
21 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
20. CARTA DE UM CONTRATADO Eu queria escrever-te uma carta amor, uma carta que dissesse deste anseio de te ver deste receio de te perder deste mais que bem querer que sinto deste mal indefinido que me persegue desta saudade a que vivo todo entregue... Eu queria escrever-te uma carta amor, uma carta de confidências íntimas, uma carta de lembranças de ti, de ti dos teus lábios vermelhos como tacula dos teus cabelos negros como dilôa dos teus olhos doces como macongue dos teus seios duros como maboque do teu andar de onça e dos teus carinhos que maiores não encontrei por aí... Eu queria escrever-te uma carta amor, que recordasse nossos dias na capôpa nossas noites perdidas no capim que recordasse a sombra que nos caía dos jambos o luar que se coava das palmeiras sem fim que recordasse a loucura da nossa paixão e a amargura da nossa separação... Eu queria escrever-te uma carta amor, que a não lesses sem suspirar que a escondesses de papai Bombo que a sonegasses a mamãe Kiesa que a relesses sem a frieza do esquecimento uma carta que em todo o Kilombo outra a ela não tivesse merecimento... Eu queria escrever-te uma carta amor, uma carta que ta levasse o vento que passa uma carta que os cajus e cafeeiros que as hienas e palancas que os jacarés e bagres
22 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados pudessem entender para que se o vento a perdesse no caminho os bichos e plantas compadecidos de nosso pungente sofrer de canto em canto de lamento em lamento de farfalhar em farfalhar te levassem puras e quentes as palavras ardentes as palavras magoadas da minha carta que eu queria escrever-te amor... Eu queria escrever-te uma carta... Mas, ah, meu amor, eu não sei compreender por que é, por que é, por que é, meu bem que tu não sabes ler e eu - Oh! Desespero - não sei escrever também!
António Jacinto [1924-1991] – Angola
10º E
23 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
21. A UM JOVEM POETA
Procura a rosa. Onde ela estiver estás tu fora de ti. Procura-a em prosa, pode ser que em prosa ela floresça ainda, sob tanta metáfora; pode ser, e que quando nela te vires te reconheças como diante de uma infância inicial não embaciada de nenhuma palavra e nenhuma lembrança. Talvez possas então escrever sem porquê, evidência de novo da Razão e passagem para o que não se vê.
Manuel António Pina [1943-] – Portugal
10º A
24 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
22. AS PALAVRAS Palavras tantas vezes perseguidas Palavras tantas vezes violadas que não sabem cantar ajoelhadas que não se rendem mesmo se feridas. Palavras tantas vezes proibidas e no entanto as únicas espadas que ferem sempre mesmo se quebradas vencedoras ainda que vencidas. Palavras por quem eu fui cativo na língua de Camões vos querem escravas palavras com que canto e onde estou vivo. Mas se tudo nos levam isto nos resta: estamos de pé dentro de vós palavras. Nem outra glória há maior do que esta.
Manuel Alegre [1936-] – Portugal
9º D
25 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
23. PÁTRIA Por um país de pedra e vento duro Por um país de luz perfeita e clara Pelo negro da terra e pelo branco do muro Pelos rostos de silêncio e de paciência Que a miséria longamente desenhou Rente aos ossos com toda a exatidão Dum longo relatório irrecusável E pelos rostos iguais ao sol e ao vento E pela limpidez das tão amadas Palavras sempre ditas com paixão Pela cor e pelo peso das palavras Pelo concreto silêncio limpo das palavras Donde se erguem as coisas nomeadas Pela nudez das palavras deslumbradas — Pedra rio vento casa Pranto dia canto alento Espaço raiz e água Ó minha pátria e meu centro Eu minha vida daria E vivo neste tormento
Sophia de Mello Breyner Andresen [1919-2004] – Portugal
7º F
26 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
24. O POEMA I Um poema cresce inseguramente na confusão da carne. Sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto, talvez como sangue ou sombra de sangue pelos canais do ser. Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência ou os bagos de uva de onde nascem as raízes minúsculas do sol. Fora, os corpos genuínos e inalteráveis do nosso amor, rios, a grande paz exterior das coisas, folhas dormindo o silêncio, – a hora teatral da posse. E o poema cresce tomando tudo em seu regaço. E já nenhum poder destrói o poema. Insustentável, único, invade as casas deitadas nas noites e as luzes e as trevas em volta da mesa e a força sustida das coisas e a redonda e livre harmonia do mundo. – Em baixo o instrumento perplexo ignora a espinha do mistério. – E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
Herberto Helder [1930-] – Portugal
10º B
27 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
25. O MEU ROSTO Logo pela manhã dizem-me carrancuda a expressão da minha face. Escarninho não respondo. Para quê as palavras ante a evidência das rugas? A esferográfica escreve o que sinto e explícita a face hostil reduz a mim mesmo a tristeza do que nos sucede. Depois... é só passar à máquina.
José João Craveirinha [1922-2003] – Moçambique
11º F
28 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
26. HESITO MUITO ANTES DA PALAVRA hesito muito antes da palavra. porque um precipício se abre nela e não tem sentido, vibra apenas. porque pode ser a morte ou o nascimento para um lugar de cores e fadas e barcos de sol. porque me doem as mãos cada vez que tento segurar o mundo em traços redondos quadrados por isso te digo: hesito e morro e nasço. e corro para a rua com a força de quem vai anunciar gritar chamar dizer. mas lá fora sorrio apenas enquanto caminho para um banco de jardim, devagarinho, como se por um momento eu soubesse o nome de tudo e tudo tivesse o mesmo nome
Vasco Gato [1978-] – Portugal
8º B
29 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
27. A PALAVRA A palavra é uma estátua submersa, um leopardo que estremece em escuros bosques, uma anémona sobre uma cabeleira. Por vezes é uma estrela que projeta a sua sombra sobre um torso. Ei-la sem destino no clamor da noite, cega e nua, mas vibrante de desejo como uma magnólia molhada. Rápida é a boca que apenas aflora os raios de uma outra luz. Toco-lhe os subtis tornozelos, os cabelos ardentes e vejo uma água límpida numa concha marinha. É sempre um corpo amante e fugidio que canta num mar musical o sangue das vogais.
António Ramos Rosa [1924-] – Portugal
9º B
30 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
28. CONSERTO A PALAVRA Conserto a palavra com todos os sentidos em silêncio Restauro-a Dou-lhe um som para que ela fale por dentro Ilumino-a Ela é um candeeiro sobre a minha mesa Reunida numa forma comparada à lâmpada A um zumbido calado momentaneamente em exame Ela não se come como as palavras inteiras Mas devora-se a si mesma e restauro-a A partir do vómito Volto devagar a colocá-la na fome Perco-a e recupero-a como o tempo da tristeza Como um homem nadando para trás E sou uma energia para ela E ilumino-a
Daniel Faria [1971-1999] – Portugal
10º C
31 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
29. YOU ARE WELCOME TO ELSINORE Entre nós e as palavras há metal fundente entre nós e as palavras há hélices que andam e podem dar-nos a morte violar-nos tirar do mais fundo de nós o mais útil segredo entre nós e as palavras há perfis ardentes espaços cheios de gente de costas altas flores venenosas portas por abrir e escadas e ponteiros e crianças sentadas à espera do seu tempo e do seu precipício Ao longo da muralha que habitamos há palavras de vida há palavras de morte há palavras imensas, que esperam por nós e outras, frágeis, que deixaram de esperar há palavras acesas como barcos e há palavras homens, palavras que guardam o seu segredo e a sua posição Entre nós e as palavras, surdamente, as mãos e as paredes de Elsinore E há palavras noturnas palavras gemidos palavras que nos sobem ilegíveis à boca palavras diamantes palavras nunca escritas palavras impossíveis de escrever por não termos connosco cordas de violinos nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar e os braços dos amantes escrevem muito alto muito além do azul onde oxidados morrem palavras maternais só sombra só soluço só espasmos só amor só solidão desfeita Entre nós e as palavras, os emparedados e entre nós e as palavras, o nosso dever falar
Mário Cesariny [1923-2006] – Portugal
8º DS
32 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
30. O LIMPA-PALAVRAS Limpo palavras. Recolho-as à noite, por todo o lado: a palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor. Trato delas durante o dia enquanto sonho acordado. A palavra solidão faz-me companhia. Quase todas as palavras precisam de ser limpas e acariciadas: a palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar. Algumas têm mesmo de ser lavadas, é preciso raspar-lhes a sujidade dos dias e do mau uso. Muitas chegam doentes, outras simplesmente gastas, estafadas, dobradas pelo peso das coisas que trazem às costas. A palavra pedra pesa como uma pedra. A palavra rosa espalha o perfume no ar. A palavra árvore tem folhas, ramos altos. Podes descansar à sombra dela. A palavra gato espeta as unhas no tapete. A palavra pássaro abre as asas para voar. A palavra coração não pára de bater. Ouve-se a palavra canção. A palavra vento levanta os papéis no ar e é preciso fechá-la na arrecadação. No fim de tudo voltam os olhos para a luz e vão para longe, leves palavras voadoras sem nada que as prenda à terra, outra vez nascidas pela minha mão: a palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão. A palavra obrigado agradece-me. As outras não. A palavra adeus despede-se. As outras já lá vão, belas palavras lisas e lavadas como seixos do rio: a palavra ciúme, a palavra raiva, a palavra frio. Vão à procura de quem as queira dizer, de mais palavras e de novos sentidos. Basta estenderes um braço para apanhares a palavra barco ou a palavra amor. Limpo palavras. A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra.
33 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados Recolho-as à noite, trato delas durante o dia. A palavra fogão cozinha o meu jantar. A palavra brisa refresca-me. A palavra solidão faz-me companhia.
Álvaro Magalhães [1951-] – Portugal
7º E
34 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
31. RECEITA PRA LAVAR PALAVRA SUJA Mergulhar a palavra suja em água sanitária. Depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio-dia. Algumas palavras quando alvejadas ao sol adquirem consistência de certeza. Por exemplo a palavra vida. Existem outras, e a palavra amor é uma delas, que são muito encardidas pelo uso, o que recomenda esfregar e bater insistentemente na pedra, depois enxaguar em água corrente. São poucas as que resistem a esses cuidados, mas existem aquelas. Dizem que limão e sal tira sujeira difícil, mas nada. Toda tentativa de lavar a piedade foi sempre em vão. Agora nunca vi palavra tão suja como perda. Perda e morte na medida em que são alvejadas soltam um líquido corrosivo, que atende pelo nome de amargura, que é capaz de esvaziar o vigor da língua. O aconselhado nesse caso é mantê-las sempre de molho em um amaciante de boa qualidade. Agora, se o que você quer é somente aliviar as palavras do uso diário, pode usar simplesmente sabão em pó e máquina de lavar. O perigo neste caso é misturar palavras que mancham no contato umas com as outras. Culpa, por exemplo, a culpa mancha tudo que encontra e deve ser sempre alvejada sozinha. Outra mistura pouco aconselhada é amizade e desejo, já que desejo, sendo uma palavra intensa, quase agressiva, pode, o que não é inevitável, esgarçar a força delicada da palavra amizade. Já a palavra força cai bem em qualquer mistura. Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras sob o risco de perderem o sentido. A sujeirinha cotidiana, quando não é excessiva, produz uma oleosidade que dá vigor aos sons. Muito importante na arte de lavar palavras é saber reconhecer uma palavra limpa. Conviva com a palavra durante alguns dias. Deixe que se misture em seus gestos, que passeie pela expressão dos seus sentidos. À noite, permita que se deite, não a seu lado mas sobre seu corpo. Enquanto você dorme, a palavra, plantada em sua carne, prolifera em toda sua possibilidade. Se puder suportar essa convivência até não mais perceber a presença dela, então você tem uma palavra limpa. Uma palavra limpa é uma palavra possível.
Viviane Mosé [1964-] – Brasil
9º AS
35 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados
32. CARTA A MEUS FILHOS SOBRE OS FUZILAMENTOS DE GOYA Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso. É possível, porque tudo é possível, que ele seja aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo, onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém de nada haver que não seja simples e natural. Um mundo em que tudo seja permitido, conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer, o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós. E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto o que vos interesse para viver. Tudo é possível, ainda quando lutemos, como devemos lutar, por quanto nos pareça a liberdade e a justiça, ou mais que qualquer delas uma fiel dedicação à honra de estar vivo. Um dia sabereis que mais que a humanidade não tem conta o número dos que pensaram assim, amaram o seu semelhante no que ele tinha de único, de insólito, de livre, de diferente, e foram sacrificados, torturados, espancados, e entregues hipocritamente à secular justiça, para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.» Por serem fiéis a um deus, a um pensamento, a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas à fome irrespondível que lhes roía as entranhas, foram estripados, esfolados, queimados, gaseados, e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido, ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória. Às vezes, por serem de uma raça, outras por serem de uma classe, expiaram todos os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência de haver cometido. Mas também aconteceu e acontece que não foram mortos. Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer, aniquilando mansamente, delicadamente, por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus. Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror, foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha há mais de um século e que por violenta e injusta ofendeu o coração de um pintor chamado Goya, que tinha um coração muito grande, cheio de fúria e de amor. Mas isto nada é, meus filhos. Apenas um episódio, um episódio breve, nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis) de ferro e de suor e sangue e algum sémen a caminho do mundo que vos sonho. Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la. É isto o que mais importa – essa alegria.
36 – POEMAS A VÁRIAS VOZES / Antologia de poemas gravados Acreditai que a dignidade em que hão de falar-vos tanto não é senão essa alegria que vem de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém está menos vivo ou sofre ou morre para que um só de vós resista um pouco mais à morte que é de todos e virá. Que tudo isto sabereis serenamente, sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição, e sobretudo sem desapego ou indiferença, ardentemente espero. Tanto sangue, tanta dor, tanta angústia, um dia – mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga – não hão de ser em vão. Confesso que muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos de opressão e crueldade, hesito por momentos e uma amargura me submerge inconsolável. Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam, quem ressuscita esses milhões, quem restitui não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado? Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes aquele instante que não viveram, aquele objeto que não fruíram, aquele gesto de amor, que fariam «amanhã». E, por isso, o mesmo mundo que criemos nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa que não é nossa, que nos é cedida para a guardarmos respeitosamente em memória do sangue que nos corre nas veias, da nossa carne que foi outra, do amor que outros não amaram porque lho roubaram. Lisboa, 25/6/1959
Jorge de Sena [1919-1978] – Portugal
Professores e funcionários
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Convida-se toda a comunidade escolar a estar presente nas exibições programadas para o Auditório da Escola B. Prof. Lindley Cintra ●●●●●●●
Poemas de autores lusófonos lidos por alunos, professores e funcionários do Agrupamento
Rui machado
« Mesmo calado, penso em ti e consigo ver-te. Apesar de olhar para a frente, é para dentro que eu vejo. Poderias ficar infinitamente assim: tu.»
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Promessa
Sophia de Mello
Breyner
« És tu a Primavera que eu esperava A vida multiplicada e brilhante, Em que é pleno e perfeito cada instante. »
Andresen
quero lá saber da
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« Há palavras feitas p’ra voar num céu de maio. »
João Pedro
Mésseder
Mostruário « Joguei de porta com a vida, a vida fechou-ma na cara.(…) »
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Adolfo
casais monteiro
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EDUARDO
PITTA
« É pela música que chego e vos digo do insubordinado pulsar de outra vontade. »
V « Nos teus dedos nasceram horizontes e aves verdes vieram desvairadas Eugénio de beber neles julgando serem fontes. » Andrade quero lá saber da poesia!... hoje ainda não me mandou nenhum SMS!
« Beijo pouco, falo menos ainda. Mas invento palavras Que traduzem a ternura mais funda E mais cotidiana. Inventei, por exemplo o verbo teadorar. Intransitivo; Teadoro, Teodora. »
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