Maria Helena Bertolini Bezerra Marisa Aparecida Romeiro Noronha
O ENSINO DA LEITURA NO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO
Editores Eld Johonny Mônica Baltazar Diniz Signori Texto Maria Helena Bertolini Bezerra Marisa Aparecida Romeiro Noronha Revisão Daniel Perico Graciano Lívia Beatriz Damaceno Capa e Diagramação Eld Johonny
BEZERRA, Maria Helena Bertolini. Coeduca - O ensino da leitura no ciclo de alfabetização / Maria Helena Bertolini Bezerra, Marisa Aparecida Romeiro Noronha. São Carlos - PNAIC UFSCar, 2017. ISBN 978-85-923424-0-1 1. Alfabetização 2. Educação 3. Ensino Fundamental
Maria Helena Bertolini Bezerra Marisa Aparecida Romeiro Noronha
O ENSINO DA LEITURA NO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO
1ª edição
O ENSINO DA LEITURA NO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO Maria Helena Bertolini Bezerra - PUC/SP Marisa Aparecida Romeiro Noronha - PMSP
Este fascículo tem por objetivo apresentar resultados de um estudo colaborativo realizado em quatro escolas do município de São Paulo nos horários coletivos de estudos com professores alfabetizadores e coordenadores pedagógicos sobre o ensino da leitura para os estudantes do ciclo de alfabetização. Para o estabelecimento dos objetivos do estudo partiu-se da premissa de que as práticas pedagógicas, além de se basearem em diversas orientações, dentre elas as contidas nos currículos oficiais, também são resultantes de conhecimentos profissionais designados, por muitos autores, como saberes da experiência (Tardif, Lessard e Lahele, 1991) forjados no dia a dia escolar. Baseados na pesquisa colaborativa, foram realizadas ações formativas com os participantes dos horários coletivos de estudo durante cinco semanas, com o objetivo de indagar sobre os saberes e fazeres dos professores utilizados cotidianamente na sala de aula de modo a contribuir para que os estudantes se tornem leitores. Julgou-se importante partir das experiências docentes, pois se entende que normalmente os processos formativos de professores desconsideram os conhecimentos profissionais dos professores, prescrevendo novas práticas como se os professores não soubessem nada sobre o que e como ensinam. É importante dizer que a parceria colaborativa em questão se estabeleceu entre as quatro escolas, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e as Diretorias Regionais de Educação.
Durante as ações formativas foram escolhidos temas de estudo, dentre eles o ensino da leitura. No início de todos os encontros eram apresentadas práticas dos professores para ensinar leitura e, a partir de uma postura crítica, criava-se um ambiente onde os professores pudessem desnaturalizar seus fazeres de modo a reorganiza-los, aproveita-los, revisita-los, enfim, pensar o ensino no ciclo de alfabetização a partir das potencialidades e sobretudo de forma reflexiva. Durante as ações formativas foi utilizado um fragmento do livro de João Wanderley Geraldi, Portos de Passagem, como forma de trazer elementos teóricos de modo a contribuir para com as reflexões. Para desencadear as discussões sobre o ensino da leitura, a formadora designada pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo lançou mão de alguns resultados de pesquisas oficiais que apontam que na escola acontece um processo de “escolarização” da leitura. Tais estudos apresentam o modo pouco atraente com que a escola ensina a leitura, o afastamento dos estudantes dos diferentes portadores de texto, especialmente dos livros das salas de leitura, a inclusão na rotina de sala de aula da leitura feita na maioria das vezes pelos professores entre outros dados e análises. A seguir serão apresentados alguns episódios dos processos formativos nas quatro escolas, acompanhados de reflexões grupais. As quatro escolas foram designadas pela formadora por escola A, B, C e D. Com o questionamento acercada escolarização da leitura, uma professora da escola (C) apresentou a opinião de que tudo o que se faz na escola tem uma determinada intenção. Para a professora, os fazeres escolares se voltam para que os estudantes aprendam, por esse motivo ela não vê problema algum em a escola “escolarizar” a leitura, mostrando entender por meio da sua fala que “a escola tem a obrigação de escolarizar de forma positiva a leitura”.
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Na reflexão da professora, a escolarização da leitura é entendida como uma das formas de os professores agirem e que estão engendradas na ação docente, constituídas historicamente, ou seja, muitos dos fazeres e saberes docentes são efetivados independentemente de decisões conscientes e refletidas. As reproduções das ações didáticas, de uma forma ou de outra, representam traços culturais do trabalho docente. Segundo a perspectiva de análise que trata da cultura escolar, as ações diárias de seus agentes se desenrolam de uma maneira muito específica, ou seja, certas formas de agir e de lidar com materiais diversos, muito provavelmente acontecem na maioria das escolas. Estudantes sentados em fileiras é um exemplo clássico da cultura escolar. Em relação ao ensino da leitura, na maioria das vezes, há a obrigatoriedade de o estudante ler determinados textos escolhidos pelos professores, sequencialmente, com determinadas posturas corporais etc. Não se está desconsiderando as mudanças presentes nas ações pedagógicas em torno do ensino da leitura. Hoje é comum encontrar escolas onde se desenvolvem projetos para o ensino de leitura muito interessantes, os estudantes se sentem mais livres em relação às suas escolhas ou quanto ao lugar onde podem escolher e ler os textos. Uma professora que é orientadora da sala de leitura da escola (A) afirmou que o trabalho quefaz com os estudantes do ciclo de alfabetização é mais fácil, porque todos querem pegar livros gostam de estar na sala de leitura, mas com os estudantes dosciclos posteriores tem sido mais difícil. A professora disse ter escolhido um romanceque para ela é muito legal para ler junto com as turmas das salas de aula do 4º ano em diante, entretanto, os resultados esperados quando da efetivação da leitura com os estudantes que frequentam suas aulasparecem lentos demais. A mesma professora entende que é preciso buscarsoluções para fazer com que os estudantes mais velhos saibam encontrar informações nos livros, mas questiona formas que ela considera ultrapassadas para envolver os jovens
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leitores: uso de fichas de leitura ou de qualquer estratégia escolar que afaste os estudantes dos livros. As professoras alfabetizadoras das quatro escolas participantes da ação formativa afirmaram que o número de empréstimos de livros entre os estudantes com menos idade é muito maior que o dos estudantes mais velhos, confirmando a preocupação da professora orientadora de sala de leitura da escola (A) de que os alunos mais velhos apresentamum crescente desinteresse pela leitura. As discussões em torno do interesse pela leitura preocupam os professores de modo geral, o que os fazem pensar se de fato a “escolarização” da leitura não seria o motivo determinante para o desinteresse crescente dos estudantes. Percebeu-se, com a ação formativa colaborativa, que quando as professoras são motivadas à discussão de determinados temas, acontece um processo reflexivo que pode contribuir para mudanças em práticas pedagógicas cristalizadas. As formações decorrentes do estudo em tela ajudaram na construção de opiniões mais alargadas quanto ao potencial formador das horas coletivas de trabalho dos professores, permitindo que se diga que nos encontros de estudo coletivos deve haver a preocupação quanto ao respeito às experiências docentes, além de um ambiente democrático onde os participantes possam opinar sobre o que precisam estudar ou planejar, e que estão diretamente relacionadosàs suas ações em sala de aula, As reflexões em torno do ensino da leitura fez com que as professoras se pensassem como leitoras. A coordenadora pedagógica da escola (A) afirmou que antes achava que se começasse um livro deveria ir até o fim, mesmo que não estivesse gostando da leitura. Foi com um alerta de um amigo que fez com que ela repensasse sua postura em relação à leitura. Hoje considera a leitura é um ato livre, o leitor é quem decide se quer ou não continuar lendo um determinado texto.
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Na escola A uma das professorascitou o livro A Menina que Roubava livros para dizer que não gostou da forma como o autor narra a história, convidando o leitor a esperar para saber sobre o que está dizendo em momentos posteriores, incomodando bastante a leitora. O episódio fez ela refletisse que é possível abandonar uma obra quando quiser, principalmente quando não se está satisfeita com determinado texto. A opinião da professora mostrou haver um movimento reflexivo no horário coletivo de estudo quando de fato o assunto em discussão diz respeito diretamente ao ensino, pois para ela, como leitora, é possível criticar e abandonar o texto e ela diz: “então porque exigir dos estudantes que leiam certos livros sem que eles estejam interessados”. A ação didática da escola em obrigar a leitura para que posteriormente se cobrem o conteúdo dos livros por meio de provas é reprovada contundentemente pelas professoras das quatro escolas participantes do estudo/ação formativa. Muitas professoras afirmaram que passaram a odiar certas obras exatamente porque foram obrigadas a ler para fazerem provas. As discussões em torno da obrigatoriedade da leitura evidenciou haver um senso bastante crítico a esse respeito por parte das professoras. É muito importante olhar para a contra face da constituição da profissão docente prestando atenção para o que as professoras contam sobre suas experiências pregressas como estudantes. Uma coordenadora pedagógica da escola (B) contou que, por estudar em colégio de freira, certas leituras eram proibidas como era o caso da obra Dona Flor e seus Dois Maridos, de Jorge Amado, e que ela e mais quatro amigas revezavam a leitura do livro às escondidas. Foi interessante notar que certos momentos de discussão na escola remetem à vida das professoras como estudantes, possibilitando que contradições como estas, - leituras obrigatórias,porque consideradas importantes para a formação do estudante e as leituras proibidas- trazem aspectos da vida escolar aos grupos de professores, possibilitando a reflexão sobre como
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e por que determinados conhecimentos são selecionados pela escola e validados, e outros conhecimentos ficam à margem do espaço escolar. Na escola (C), uma das professoras contou que a instituição escolar foi fundamental para sua formação como leitora (a professora estudou na escola onde hoje trabalha). Lembrou que a professora coordenadora de sala de leitura lia fragmentos dos livros da coleção “Para Gostar de Ler” entre outras coleções. Quando a professora à sua época como aluna leu um trecho do livro A Marca de Uma Lágrima, de Pedro Bandeira, sentiusemuito motivada a ler, entrando realmente no mundo da leitura. Os encontros sobre o ensino da leitura nas quatro escolas promoveram importantes questionamentos quanto a serem determinadas obras literárias ou não. Os livros de autoajuda foram questionados por algumas professoras da escola (A), pela superficialidade com que se apresentam. Ao dizer “não gosto de livros de autoajuda, às vezes só a vida do autor tá resolvida”, a professora desta escola apresenta ao grupo a possibilidade de selecionar com maior critério o que quer ler. A insistência com que as professoras das quatro escolas falaram sobre a importância da participação das famílias na formação dos leitores mostrou entendimentos de que os estudantes precisam ser incentivados em casa para se tornarem leitores. Entretanto, as próprias professoras ponderaram a falta de condições concretas para que os pais e familiares colaborem com atitudes leitoras por inúmeros motivos, dentre eles os sociais. A relação entre as ações das famílias e a formação de leitores foi motivo de grandes discussõesreflexões nas escolas participantes da ação formativa. A formadoraapresentou dadosde uma pesquisa recente sobre a formação de leitores e os agentes que mais contribuam para que isso de fato aconteça:
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A pesquisa mostra que 33% dos respondentes declararam que tiveram influência de alguém para começar a ler. A figura materna – mãe ou responsável do gênero feminino – é a maior influenciadora nesse quesito. Professores e professoras representam 7% e a figura paterna, 4%. (“Retratos da Leitura” mostra melhoria no perfil do leitor brasileiro PUBLISHNEWS, LEONARDO NETO, 19/05/2016)
Para uma professora da escola (D) a figura da mãe é muito forte para esta formação, lembrando que as crianças de sua turma contam que suas mães leem ou contam histórias para eles. Muitos foram os depoimentos das professoras sobre gostar de ler para os outros, especialmente para suas turmas, mostrando saberem que não adianta ler livros que não prendam a atenção das crianças. Para crianças menores é preciso selecionar livros que realmente prendam suas atenções, “escolhi contar o livro da Dona Baratinha e percebi que as crianças ficaram em silêncio, muito atentas”, contou a professora da escola (A). Algumas dúvidas surgiram nas ações formativas, uma delas relacionada à leitura que se faz por ler, sem comprometimento, ou com algum objetivo claro de passar algum conteúdo para os estudantes. Muitas professoras das quatro escolas mostraram entendimentos de que a escola leva muito pouco em conta o interesse dos estudantes na escolha dos textos que lhes proporcionam. Várias professoras afirmaram que as crianças trazem para escola conhecimentos que muitas vezes não são incorporados, seja na leitura feita em voz alta pelas professoras ou mesmo a leitura livre. Para ilustrar esse procedimento muito comum nas escolas, uma professora que trabalha com uma turma de 4º ano contou o caso de uma criança que queria saber sobre os Estados Unidos, mas o assunto não foi para frente porque a própria professora não tinha conhecimentos o suficiente para lidar com o assunto.
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Em um dos dias de formação, uma professora da escola (A) fez a seguinte afirmação: “a gente escolhe a maioria das coisas para ocupar o tempo, para a contenção dos corpos, a linguagem oral deveria ganhar mais espaço dentro da sala de aula, mesmo no leituraço é difícil deixar falar”. Entende-se que tal afirmação só foi possível porque houve um ambiente favorável para essa discussão reflexiva sobre o cotidiano escolar. Para que tais discussões e opiniões venham à tona entre os agentes escolares, é necessário criar condições de possibilidades, o que talvez possa contribuir para se pensar em outros temas cotidianos da escola, como o da “escolarização da leitura”. A prática de leitura em voz alta feita pelas professoras aos estudantes é muito comum. É a chamada leitura compartilhada ou, na versão atual prescrita nos documentos curriculares como os do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), a leitura deleite. Durante os encontros formativos foi questionado sobre se este tipo de ação pedagógica realmente atinge o objetivo de tornar os estudantes leitores proficientes. Muitos foram os questionamentos das professoras no sentido de dizer que esse tipo de leitura, além de ter se tornado uma ação praticamente obrigatória – os programas formativos como o Programa de Formação de Professores (PROFA) e o Ler e escrever indicama leitura de livros literatura infantil e diversos gêneros textuais diariamente e em voz alta pelos professores – causando desinteresse por parte dos professores e estudantes. É preciso lembrar, como nos alerta Sacristán (2006), da importância de se entender a mediação dos professores no processo de ensino. Embora prescrições sejam feitas, principalmente por órgãos educacionais centrais, os professores tomam determinadas decisões e o fazem na relação direta com o grupo social com o qual trabalham. A leitura em voz alta dos professores aos estudantes pode provocar como já se tem notado, a substituição de uma leitura autônoma dos estudantes pela leitura feita pelos professores. Tal constatação fez com que
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fossem questionados certos fazeres escolares, incluindo poucas iniciativas em relação às escolhas das crianças quanto aos livros que querem ler ou mesmo o desinteresse gradual para leitura individual, provocando o afastamento da leitura por parte dos estudantes mais velhos. As reflexões sobre ações que levam a uma maior aproximação das crianças da leitura não fez com que as professoras pensassem em abandonar a leitura em voz alta feita por elas, mas as fizeram expor a ideia de que é preciso estabelecer uma rotina de leitura e escrita com suas turmas de estudantes, mesmo com aqueles que ainda não dominam o sistema alfabético de escrita. Segundo os grupos participantes das ações formativas, tais medidas tendemao fortalecimento do gosto pela leitura.. Questiona-se a relação direta estabelecida pelas professoras entre o que fazem e propõem em relação à leitura e o desenvolvimento de um possível “gosto” pela leitura. Talvez, o mais provável de acontecer é a maior familiaridade com os textos escritos. Gostar ou não de ler envolve uma complexidade de aspectos como, por exemplo, outros contextos além do escolar. Lembra-se que não é sem motivo o uso da expressão “escolarização da leitura”. Sobre o desenvolvimento do gosto pela leitura entre os estudantes, a coordenadora pedagógica da escola (C) afirmou que quando exercia a docência leu mais de 200 livros para seus alunos de certo ano, mas atualmente considera que estasua ação pode ter ajudado as crianças a desenvolverem uma série de conhecimentos e habilidades como, por exemplo, refletir sobre determinado tema, relacionar o assunto do livro com a vida etc. Porém, não percebeu em sua experiência docente que seus alunos desenvolveram o gosto pela leitura. O trabalho indicado por vários programas formativos e currículos a respeito dos gêneros textuais foi questionado por uma professora orientadora da sala de leitura da escola (B). A professora pretendia
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desenvolver um projeto com poesias com os 3º e 4º anos, mas as crianças só aceitavam leitura se fosse conto de terror. Depois de insistir bastante, os estudantes acabaram aceitando a ideia, levando a professora a promover sessões de poesias. Quando narrado o episódio relacionado ao gênero textual, foram questionadas certas indicações curriculares ou mesmo ação oriunda da própria escola, em que é estabelecido um tempo determinado tempo para se trabalhar com cada gênero textual. Sobre este assunto, a formadora procurou evidenciar que nas práticas sociais os gêneros textuais estão misturados, seja na escrita ou na leitura e que, portanto, trabalhar exclusivamente um gênero textual, por determinado tempo, não produz o efeito de os estudantes saberem escrever em um determinado tipo de gênero. Certas práticas de leituraarraigadase muito presentes na cultura escolar permanecem nas ações cotidianas da escola com a justificativa da pretensa formação do leitor. É o caso da leitura simultânea de um mesmo livro (caso haja um número do mesmo título em sala de leitura para toda a turma). Bezerra (2009) mostrou em seu estudo de doutorado, que esta prática atravessa os tempos. Foram relatados nas ações formativas casos em que as professoras se utilizam de um mesmo texto (livro) em número suficiente para todos os estudantes façam a leitura ao mesmo tempo: a professora indica quando um estudante deve parar e outro dar continuidade à leitura. Tal ação pode contribuir para constituição de certas habilidades como, por exemplo, a capacidade de saber sobre a linearidade do texto, entretanto, pesa a dúvida se este tipo de ação realmente produz efeitos positivos na constituição de leitores. A ação formativa em tela mostrou que na maioria das vezes os professores selecionam as leituras para suas turmas de acordo com a idade das crianças e com o interesse que tais leituras despertam.Uma professora da escola (B) afirmou a necessidade de encontrar os canais para “entrar” com determinados tipos de livro ou leitura. Segundo a mesma professora
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é importante que os estudantes realizem leituras silenciosas de livros didáticos para que consigam a compreensão do que leem, por isso indica que marquem partes do texto consideradas mais importantes, contribuindo para a elaboração dos significados. O uso do dicionário é considerado de extrema importância nesta ação didática. Para as professoras da escola (B), a leitura sem compreensão é o principal motivo que faz com que os estudantes abandonem determinados textos, portanto questionam como é possível ensinar a compreensão e a construção de sentidos. As dificuldades dos estudantes em relação à leitura ficam mais visíveis, segundo as professoras, quando são oriundos de lares com pouco acesso à leitura. Na escola (C ) uma professora falou que os estudantes estrangeiros – bolivianos – passam por maiores dificuldades em relação à leitura e, consequentemente, tem maiores dificuldades em interpretar texto. Com a discussão sobre compreensão do que se lê, a formadora trouxe para reflexão a obra de Chartier, Clesse e Hébrard (1996), em que os autores discutem como é possível ensinar os estudantes a compreenderem o que leem. Os autores indicam estratégias de ensino para transformação de leitores frágeis em leitores proficientes. O processo de aquisição da capacidade de compreensão do funcionamento do sistema alfabético de escrita exige muito esforço dos estudantes. À medida que os estudantes se deparam com textos maiores e mais complexos, é necessário desenvolver estratégias de leitura que só serão adquiridas mediante o trabalho criterioso da escola. Para o desenvolvimento da capacidade de compreensão de textos, estratégias como jogos deentre outras ações didáticas são propostas para que os estudantes possam fazer inferências, antecipação entre habilidades requeridas para a compreensão. Apesar das dificuldades apontadas pelas professoras participantes da ação formativa em relação ao ensino da leitura, foi também lembrado
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que a rede municipal de ensino de São Paulo possui condições muito favoráveis para o desenvolvimento de ações relacionadas ao ensino da leitura. O contato das crianças com os livros vem desde muito cedo por serem inseridas na escolarização desde pequenas - Centro de Educação Infantil ou na Escola Municipal de Educação Infantil. Essas crianças tem contato com livros e outros portadores de texto assim que entram na escola, diminuindo as diferenças de acesso aos bens culturais entre as crianças de diferentes grupos sociais.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES: Com a ação formativa foi possível detectar certo movimento de mudanças em relação à tarefa colocada para as escolas quanto à formação de leitores, principalmente quanto às salas de leitura da rede. Das quatro escolas participantes da formação, em três delas foi afirmado pelos presentes que o acervo de sala de leitura tem circulado na escola, não apenas por meio dos empréstimos, mas por uma nova configuração de “arrumação” dos livros. Geralmente as professoras orientadoras das salas de leitura destinam às salas de aula parte do acervo, de modo a possibilitar cada vez maior acesso aos livros. Tanto nas salas de aula quanto em outros lugares da escola como nos pátios, por exemplo, são montados cantos de leitura ou são feitos arranjos nos corredores para que os estudantes possam pegar os livros quando quiserem. Nota-se um novo entendimento dos professores em relação à formação do gosto pela leitura:o leitor deve ter liberdade para optar pelo que quer ler. Desse modo, a configuração da sala de leitura vem sendo alterada. Das quatro escolas em que se desenvolveu a presente formação,apenas uma mantém mesas e cadeiras onde os alunos devem se sentar para ler silenciosamente – não se está negando a leitura silenciosa como ação didática - os livros disponibilizados pelas professoras ou ouvirem leituras
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de textos. Tapetes, almofadas e sofás passaram a compor o espaço da sala de leitura e de algumas salas de aula, mostrando haver novos entendimentos para se produzir um ambiente aconchegante aos estudantes em formação, muito embora ainda persistam estantes em que os livros ficam inacessíveis, ou prateleiras onde os livros parecem estar intocados, especialmente oslivros especializados para os professores. Conclui-se com a ação formativa nas quatro unidades escolares, a necessidade de momentos formativos em que as professoras alfabetizadoras possam se debruçar sobre temas que realmente estejam presentes em seu cotidiano e que seus saberes e fazeres sejam considerados, caso isso não aconteça, se estará fazendo o movimento de Sísifo: grandes esforços são dispendidos em determinadas direções, para depois, quando se chega ao topo, ter recomeçar a percorrê-lo, pois se considera que é preciso começar do que os professores não sabem e não do que sabem.
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