Coeduca 4 o trabalho com parlendas na alfabetização

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Gabriela Maria Fornaciari Juliane Dias Guillen Wuendy Fernanda Cardili

O TRABALHO COM PARLENDAS NA ALFABETIZAÇÃO: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA EM SALA DE AULA


Editores Eld Johonny Mônica Baltazar Diniz Signori Texto Gabriela Maria Fornaciari Juliane Dias Guillen Wuendy Fernanda Cardili Revisão Daniel Perico Graciano Lívia Beatriz Damaceno Capa e Diagramação Eld Johonny

FORNACIARI, Gabriela Maria. Coeduca - O trabalho com parlendas na alfabetização: relato de uma experiência em sala de aula / Gabriela Maria Fornaciari, Juliane Dias Guillen, Wuendy Fernanda Cardili. São Carlos - PNAIC UFSCar, 2017. ISBN 978-85-923424-1-8 1. Alfabetização 2. Educação 3. Ensino de Leitura


Gabriela Maria Fornaciari Juliane Dias Guillen Wuendy Fernanda Cardili

O TRABALHO COM PARLENDAS NA ALFABETIZAÇÃO: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA EM SALA DE AULA

1ª edição


O TRABALHO COM PARLENDAS NA ALFABETIZAÇÃO: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA EM SALA DE AULA Gabriela Maria Fornaciari Juliane Dias Guillen Wuendy Fernanda Cardili

O trabalho com parlendas em sala de aula é uma prática comum já realizada por muitos professores. O objetivo deste texto, portanto, não é trazer uma proposta inovadora de ensino, mas motivar uma reflexão a partir de práticas já consolidadas e que permitam ao professor construir um olhar crítico e reflexivo sobre a docência. Compreender a definição de parlendas enquanto gênero textual contribui para um olhar cuja intencionalidade pedagógica é direcionada a partir das práticas sociais e discursivas dos eventos de letramentos. Ao recitar uma parlenda, contar um conto ou até mesmo cantar uma cantiga, expomos os nossos ouvintes a uma realização textual à linguagem oral em sua plenitude. A parlenda é um texto universal que faz parte da tradição oral, caracterizase por uma expressão linguística de transmissão oral que ocorre em situações variadas, passando de boca em boca, percorrendo o tempo e os espaços. Não sabemos quem a inventou, o que podemos afirmar é que ela é do domínio popular, pois nelas estão expressas maneiras de pensar, sentir e agir de um povo. A comunidade que vivencia as parlendas considera aspectos relevantes à sua construção: o espaço onde vive, a ideologia dos indivíduos, os pretextos de seu uso, a intenção lúdica, a dinamicidade das palavras, a incertezas das verdades contidas no meio, portanto, suas esferas de realização.


Ao trazer este gênero para a sala de aula, os professores podem explorar diversos aspectos relevantes para a alfabetização e formação dos sujeitos, como a exploração oral, rítmica, auditiva, o conhecimento cultural, a socialização através dos jogos cantados, a exploração da compreensão do sistema escrito, as aptidões artísticas entre outras possibilidades. A parlenda, por ser um texto curto, possibilita a criança conhecê-lo de cor, condição didática para se debruçar sobre o sistema de escrita, tentando ajustar o falado ao escrito. No intuito de provocar no aluno o interesse pelo universo da leitura e da escrita, os profissionais da educação — Educação Infantil e do Ensino Fundamental — devem planejar situações didáticas que permitam à criança refletir sobre a língua, utilizando-se de textos que já façam parte do vocabulário e do universo lúdico da criança, facilitando, desta forma, a compreensão do sistema alfabético. De acordo com Heylen, As primeiras manifestações das parlendas são vivenciadas na intimidade do ambiente familiar pelos pais, parentes e agregados. Posteriormente, quando as parlendas são executadas nos grupos infantis, existe uma familiaridade no relacionamento dos participantes (HEYLEN, 1987, p. 152 – 153). Na sala de aula, ao trabalhar com os textos da tradição oral, além do valor cultural pelo fato de serem manifestações folclóricas, há o valor histórico da tradição e transmissão de geração a geração, consolidando um contexto significativo de aprendizagem. A este propósito, Muito antes de a criança vir para a escola, ela opera sobre a linguagem, reflete sobre os meios de expressão usados em suas diferentes interações, em função dos interlocutores com que interage, em função de seus objetivos nesta ação, etc. (GERALDI, 2003, p. 189).

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Portanto, o primeiro contato da criança com a linguagem não ocorre na escola, ao contrário, ela já traz suas experiências verbais, de mundo, para a sala de aula, para as interações com os interlocutores desta esfera social. Compreende-se então, que a oralidade é essencial na constituição do letramento: é a partir do contato com a linguagem escrita, via oralidade e nas interações com os outros que a criança constitui sua relação com a escrita. Na dimensão da valorização dos textos da tradição oral é preciso levar em conta que, para a organização do trabalho pedagógico no Ciclo de Alfabetização, esses gêneros constituem um rico repertório para as primeiras experiências de leitura e são privilegiados para a reflexão sobre a escrita alfabética, sendo muito produtivo mobilizar situações orais como ponto de partida para entender o funcionamento linguístico e discursivo da escrita. (ARAUJO, 2015.) Neste universo de leitura e escrita em que a criança começa a elaborar hipóteses sobre o sistema linguístico, o texto é utilizado como instrumento de aprendizagem. Dentre os inúmeros produzidos e utilizados normalmente, os textos que já fazem parte do repertório oral das crianças, tais como as parlendas, favorecem a reflexão sobre as características da escrita alfabética. Nesse sentido, a escolha do gênero popular se deu por suas características linguísticas e textuais, além da estratégia de repetição frequentemente usada na oralidade em cantigas, parlendas entre outras brincadeiras, pois contribui para uma melhor organização e compreensão discursiva por parte dos educandos, tanto no nível linguístico, quanto semântico e discursivo. No processo de aquisição da linguagem escrita, a repetição é importante por permitir a interação dos sujeitos com a linguagem, desta forma, as crianças podem compreender melhor o texto e apropriar-se deste.

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O PROJETO PARLENDAS EM SALA DE AULA O projeto com parlendas foi desenvolvido durante o ano de 2016 com uma sala de 1º ano de uma escola pública do município de São Carlos. No início do 2º bimestre, dói desenvolvido o trabalho de alfabetização dos alunos do 1º ano com parlendas e cantigas de roda. Na primeira etapa as crianças ouviram e recitaram várias parlendas e cantigas, para que pudessem escolher dez a serem trabalhadas em sala de aula. Após essa seleção, foi combinado com os alunos que cada uma das parlendas seria trabalhada uma vez por semana, e, ao final, seria elaborado um livro de parlendas e cantigas da turma. A segunda etapa consistiu na oralidade e escrita em interface com a ludicidade. O trabalho com cada uma das parlendas era acompanhado de brincadeiras e posteriormente, na sala de aula, eram realizados os agrupamentos produtivos com propostas de escrita referentes à sua hipótese de escrita. A finalização do projeto ocorreu com o lançamento do livro de parlendas e cantigas de roda do 1º ano na biblioteca da escola, em que os pais puderam assistir a apresentação das parlendas e cantigas. Para a realização deste trabalho, a organização da turma foi pensada a partir dos agrupamentos produtivos, que consiste em reunir os alunos de acordo com os níveis de desenvolvimento próximos. A partir da psicogênese da leitura e escrita, proposta por Emília Ferreiro, considerouse também as hipóteses de escrita dos alunos, permitindo a interação entre os sujeitos e a linguagem, além de contribuir para os avanços cognitivos de ambos. Embora a aprendizagem da criança se inicie muito antes de ela frequentar a escola, o aprendizado escolar introduz elementos novos no seu desenvolvimento. Deste modo, o ambiente escolar é responsável por criar condições para a zona de desenvolvimento proximal, na medida

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em que, em interação com outras pessoas, a criança é capaz de colocar em movimento vários processos de desenvolvimento que, sem a ajuda externa, seriam mais difíceis de ocorrer. Assim, de acordo com Vygotsky, o nível de desenvolvimento de uma criança é caracterizado por aquilo que ela consegue fazer de forma independente e por aquilo que ela consegue fazer com a ajuda de outras pessoas, Há tarefas que uma criança não é capaz de realizar sozinha, mas que se torna capaz de realizar se alguém lhe der instruções, fizer uma demonstração, fornecer pistas ou der assistência durante o processo (OLIVEIRA, 1993, p. 59).

As propostas de atividades de produção de textos, reescritas em conjunto, em duplas ou individuais foram realizadas com o objetivo de levar as crianças a pensarem sobre a escrita. Portanto, é preciso compreender a linguagem a partir de uma perspectiva enunciativa, em que a linguagem apenas se realiza e constrói sentidos através da interação, compreendendo esta interação entre os sujeitos e os textos. Em consonância a estas palavras, de acordo com Smolka, considera-se a alfabetização como um processo discursivo e a produção de textos (orais e escritos) como fio condutor do processo de ensino-aprendizagem. Ainda segundo a autora, observar a reflexão das crianças no trabalho com as parlendas nos permite “observar os modos de participação das crianças na cultura; os modos de apropriação da forma escrita de linguagem pelas crianças e as relações de ensino.” (Smolka, 2012, p.13).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo deste trabalho foi possível observar que os alunos avançaram em suas hipóteses de escrita a partir da participação em eventos de letramento. A apresentação final do livro e recitação das parlendas foi muito significativa por permitir aos alunos o trabalho com a oralidade e escrita enquanto gêneros do discurso, assim como a compreensão de suas interfaces, em que a linguagem oral não é a tradução da linguagem escrita, pois pressupõe outras regras e modalidades de comunicação. A presença de um público alvo também foi fundamental por consolidar interlocutores reais desta interação. Por fim, a entrega de um livro à biblioteca escolar revela a importância da circulação dos gêneros discursivos nas esferas sociais, em que os textos dos alunos passaram a ter leitores efetivos, cumprindo a função social da linguagem que apenas se realiza e constrói sentidos através da interação. Pensar o ensino da escrita e da aquisição da linguagem escrita sob a perspectiva enunciativa nos permite deslocar o olhar do produto para o processo, para o trabalho linguístico e discursivo realizado pelos sujeitos, cuja enunciação revela as singularidades dos indivíduos.

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REFERÊNCIAS ARAUJO, L. Inter-relações entre oralidade e escrita no componente curricular língua portuguesa In: BRASIL. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – Caderno 5 A oralidade, a leitura e a escrita no Ciclo de Alfabetização. Brasília, MEC/SEB, 2015. GERALDI, W. Portos de Passagem. São Paulo: Martins Fontes, 2003. HEYLEN, J. Parlenda, riqueza folclórica: base para educação e iniciação à música. São Paulo: Hucitec/Pró-memória, 1998. OLIVEIRA, M.K. Vygotsky - Aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. Scipione, 1993. (Coleção Pensamento e Ação do Magistério). SMOLKA, A. L. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo. 13. Ed. São Paulo: Cortez, 2012.

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