Comunicação Política na Esfera Pública: Democracia, Eleições e Cidadania no Brasil
Sociedade Brasileira de Pesquisadores e Profissionais de Comunicação e Marketing Político – POLITICOM
Comunicação Política na Esfera Pública: Democracia, Eleições e Cidadania no Brasil
(Organizadores) Alessandra de Castilho Daniela Rocha Roberto Gondo Macedo
POLITICOM São Paulo | SP | Brasil 2013
Comunicação Política na Esfera Pública: Democracia, eleições e cidadania no Brasil Copyright © 2013 Autores Diretoria POLITICOM (Gestão 2011 – 2014) Presidente – Prof. Dr. Roberto Gondo Macedo (Mackenzie) Vice-Presidente – Profa. Dra. Luciana Panke (UFPR) Diretor Financeiro – Prof. Dr. Paulo Cezar Rosa (UMESP) Diretora Editorial – Prfa. Ms. Daniela Rocha (UMESP) Diretora de Planejamento – Profa. Gil Castilho (ABCOP) Diretor de Tecnologia e Documentação - Prof. Ms. Victor Kraide Corte Real (PUC, Campinas) Diretor Científico – Prof. Dr. Luiz Ademir (UFSJ) Diretor de Relações Internacionais - Prof. Ms. Carlos Manhanelli (ABCOP) Diretora Cultural – Profa. Ms. Rose Vidal (UVV)
Diretores Regionais Norte – Francisco Pinheiro (UFAC) Centro Oeste – Paulo Taques (ABCOP) Sudeste – Prof. Dr. Marcelo Serpa (UFRJ) Sul – Prof. Dr. Sérgio Trein (UNISINOS)
Assessoria de Comunicação POLITICOM - Coordenação Alessandra de Castilho (UMESP) Comitê Científico Adolpho Carlos Françoso Queiroz (Mackenzie) Luciana Panke (UFPR) Luiz Ademir de Oliveira (UFSJ) Roberto Gondo Macedo (Mackenzie) Sérgio Roberto Trein (UniSinos) Sylvia Iasulaitis (UFG)
Comunicação Política na Esfera Pública: Democracia, eleições e cidadania no Brasil Copyright © 2013 Autores
Créditos Institucionais Universidade Metodista de São Paulo Reitor: Marcio de Moraes Pró-Reitora de Graduação: Vera Lúcia Gouvêa Stivaletti Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa: Fábio Botelho Josgrilberg FACULDADE DE COMUNICAÇÃO DIRETOR: Paulo Rogério Tarsitano COORDENADOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL: Marli dos Santos
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciências, a Cultura Diretor Geral: Irina Bokova. Assistente do Diretor Geral para a Divisão de Comunicação e Informação: Abdul Waheed Khan
Cátedra UNESCO de Comunicação para o Desenvolvimento Regional Equipe Executiva Diretor Titular: Prof. Dr. José Marques de Melo; Assistente Acadêmica: Francisca Rônia Barbosa;
Capa: Victor Kraide Corte Real Diagramação: Daniela Rocha / Alessandra de Castilho Revisão: Roberto Gondo Macedo
As informações e opiniões emitidas nos artigos são de inteira responsabilidade dos seus autores, não representando, necessariamente, posição oficial da Sociedade de Pesquisa POLITICOM e Cátedra UNESCO de Comunicação para Desenvolvimento Regional.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
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CASTILHO, Alessandra de; MACEDO, Roberto Gondo; ROCHA, Daniela
PREFÁCIO
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SANTOS, Marli dos (UMESP)
PARTE I – DEMOCRACIA: O DEBATE CONCEITUAL NA POLÍTICA REPRESENTATIVA
A relação entre mídia e política à luz dos conceitos de indústria cultural e de esfera pública
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LEAL, Paulo (UFJF); TENÓRIO, Giiard (UERJ) Revisitando os conceitos de propaganda política em Jean Marie Domenach e seu impacto durante o governo
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militar de Costa e Silva QUEIROZ, Adolpho (Mackenzie); CIACCIA, Fábio (UMESP) Mobilizar é comunicar estruturas interpretativas: apontamentos para discussão e pesquisa sobre a comunicaçao dos atores coletivos
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PRUDÊNCIO, Kelly Cristina de Souza (UFPR) Por uma dialética da virtualidade: Reflexões sobre o uso de uma esfera pública virtual como conceito
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NARDIN, Daniel; ARAÚJO, Luisa (UnB) O letramento político construído pela mídia no Brasil
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TREIN, Sérgio (UNISINOS)
PARTE II – ELEIÇÕES: A LUPA SOB AS ESTRATÉGIAS
Blindagem como estratégia comunicacional em política PESSONI, Arquimedes (USCS); AMORIS, Valéria (USCS)
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Aspectos retóricos da atuação dos media training na campanha de Dilma Rousseff BAZANINI, Homero
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Memórias do Jornalismo Político no Governo de Fernando Collor de Mello CRUZ, Luciano; PERAZZO, Priscila
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“Telejornalismo e Eleições": o enquadramento de candidatos nos noticiários televisivos KUROVSKI, Alexandro
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A oligarquia perde o poder: o preço das sombras do passado! ROCHA, Daniela (UMESP)
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Características do discurso eleitoral no Facebook PANKE, Luciana (UFPR); THAUNY, Jeferson (UFPR)
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PARTE III – CIDADANIA: O QUE OS ESTUDOS EMPÍRICOS TÊM A DIZER?
Tecno-governança: a profusão tecnológica e o controle sociopolítico
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VIDAL, Rose (UVV) Desafios para uma comunicação política na administração pública de pequenos municípios brasileiros
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DALBOSCO, Vagner (UNOCHAPECÓ) Tu és Pedro, e sob esta pedra edificarei minha igreja: a bancada evangélica e a imposição da moral cristã em projetos de lei em trâmite no Congresso
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GANDIN, Lucas; BUBNIAK, Taiana Loise Comunicação governamental como base para a comunicação eleitoral: o caso de Guarulhos (2000 a 2012)
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ANDRELINO, Elaides Comunicação governamental, cidadania e novos hábitos: uma análise do projeto “respeite o pedestre” na
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cidade de São Paulo MACEDO, Roberto Gondo (Mackenzie) A esfera pública de comunicação online: perfis oficiais da Rio+20 nas mídias sociais da internet
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CASTILHO, Alessandra de (UMESP); MIAN, Mariella Batarra (UFABC) O ciberespaço como uma nova dimensão da esfera pública: a cobertura da campanha presidencial de 2010 nos blogs de Josias de Souza e Luis Nassif
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OLIVEIRA, Luiz Ademir de (UFSJ); NASCIMENTO, Wanderson Antônio do (UFSJ)
SOBRE OS AUTORES
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APRESENTAÇÃO Alessandra de Castilho Daniela Rocha Roberto Gondo
As ações comunicacionais na contemporaneidade estão cada vez mais convergentes e interligadas com o contexto tecnológico digital. Nesse sentido, as duas esferas de poder: pública e privada devem compreender os fenômenos de mudança da sociedade, com vistas em desenvolver ações factualmente exitosas e com grande capacidade para gerar resultados. O objetivo da obra é apresentar um panorama de investigações que versem acerca da comunicação política no dinamismo da Esfera Pública nacional. Com análises regionais, a Organização pretende corroborar para o fomento do debate científico na área comunicacional e amparada nos pilares da política e democracia. A obra também representa o esforço coletivo de pesquisadores participantes da Sociedade Brasileira dos Pesquisadores e Profissionais de Comunicação e Marketing Político – POLITICOM, provenientes de diversas Universidades de vários estados da federação brasileira, representando a importância de compreensão regional no momento de estabelecer análises da conjuntura política e importância da comunicação nesse cenário. A aliança com a Cátedra UNESCO de Comunicação para o desenvolvimento regional também representa uma coroação no trabalho de pesquisa, visto sua representatividade nacional e internacional. Poder desenvolver projetos editoriais integrados com a Cátedra UNESCO de Comunicação e uma forma de construir futuro sempre se relacionando com os bons momentos do passado, já que foi por estímulo do Catedrático José Marques de Melo, que a POLITICOM iniciou sua trajetória de trabalho, pelo articulador e atual Presidente de Honra da entidade, Adolpho Queiroz. As vertentes: democracia, eleições e cidadania foram colocadas em foco, visto a importância do conceito cidadão em sociedades democráticas que visam consolidação e aperfeiçoamento do processo de participação social. Ainda mais em um momento da história política brasileira tão representativa como as manifestações ocorridas no primeiro semestre de 2013, representando um novo olhar e compreensão no dinamismo político nacional. A leitura dos artigos nos remete em uma reflexão profunda acerca dos estímulos sociais mais importantes e necessários para a construção de uma sociedade mais integradora e participativa. As abordagens e focos específicos são de alta pertinência vista a importância das ações de análises regionais e compreensão das especificidades dos blocos e espaços. Desejamos uma ótima leitura e que nossa rede de pesquisa possa evoluir e crescer de modo sustentável e acolhedor, com vistas a promover uma qualidade de análise importante para o desempenho cívico de ser um agente multiplicador do senso democrático e participativo.
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PREFÁCIO Ao nos depararmos com o título desta obra, “Comunicação Política na Esfera Pública: democracia, eleições e cidadania no Brasil”, nos vem à mente, obrigatoriamente, o conceito de esfera pública proposto por Jürguen Habermas. A esfera pública surge após a revolução burguesa, no final do século XVIII e início do XIX, em que as relações de forças entre Estado e Sociedade se dão. A esfera pública, então, constitui esse lugar de debate, em que a sociedade civil organizada se coloca diante das questões públicas. É o berço da opinião pública tal qual a conhecemos hoje, um lugar em que as ideias, os argumentos, o direito da livre expressão devem ocorrer. Não à toa, o jornalismo ganha impulso nesse período. As publicações que surgiram nesse momento histórico ganharam força e importância por serem palco de disputas de ideias e de ações políticas e pela agilidade em disseminar tais ações. Embora o DNA da democracia tenha origem mais longínqua, na ágora grega, a opinião pública ganhou outro sentido a partir desses acontecimentos e foi crucial para a consolidação das democracias. Até chegar aos dias atuais, quando vemos surgir a internet, que influenciou o modo de se fazer política, de chegar à opinião pública. O pesquisador Massimo Di Felice, professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que a tecnologia digital e a internet nos levam a pensar em uma nova esfera pública. Talvez uma ágora virtual, na qual há um comportamento colaborativo, de adesão às causas de interesse público, e onde o cidadão pode se manifestar, sem recorrer unicamente aos veículos de comunicação de massa. Assim temos uma comunicação política mais colaborativa. Democracia, cidadania e esfera pública são condições preciosas para o exercício político, e esta obra, organizada por Roberto Gondo, Alessandra Castilho e Daniela Rocha, parte do princípio fundamental: discutir conceitos preciosos sobre e para a comunicação política. Nessa primeira parte, “Democracia: o debate conceitual na política representativa”, há o debate sobre a indústria cultural e a esfera pública; a respeito da propaganda política e seu impacto nos eleitores; o papel da comunicação na mobililização e engajamento político; e por fim reflexões acerca da “esfera pública virtual”. As tecnologias digitais estão presentes no dia a dia do brasileiro, porém, não há como negar a importância dos meios de comunicação de massa na formação da opinião pública no Brasil, especialmente da televisão. Não à toa as disputas pelo horário gratuito eleitoral no rádio e na TV pelos partidos políticos são acirradas. Os políticos se articulam rapidamente, sabem que é preciso se comunicar com o eleitor. Em um segundo momento no livro, “Eleições: a lupa sob as estratégias”, os organizadores reúnem autores que vão discutir as estratégias comunicacionais na política do dia a dia e em campanhas eleitorais. Blindagem, retórica, relacionamento com a imprensa, cobertura política, atuação em redes sociais, fora as oligarquias! São as estratégias comunicacionais focadas em disputar a atenção do cidadão. Mas nem sempre as estratégias dão certo, porque se não forem pautadas pela ética perdem o seu sentido fundamental. Não há democracia sem ética, sem respeito ao povo. No Brasil, apesar de muitos profissionais de marketing e de comunicação produzirem campanhas competentes e honestas, não há como esquecer dos “mensalões” e de tantos escândalos de corrupção relacionados a partidos, candidatos e representantes do povo nas diversas instâncias governamentais. A competência profissional tem levado comunicadores e marqueteiros a ter em mente que não se pode simplesmente “fabricar” candidatos. Há algum tempo os “magos” do marketing político saíram de moda, e o que deve valer mesmo nesse cenário tão robusto de informação e comunicação, é que os políticos precisam saber se comunicar, e que a comunicação
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política é essencial para o fortalecimento da democracia, não só em período eleitoral, mas como compromisso dos governos transparentes. Por fim, a obra nos remete às pesquisas de campo, ou seja, partimos dos conceitos para adentrar nas estratégias comunicacionais e em seguida saber o que efetivamente está acontecendo na prática. “Cidadania: o que os estudos empíricos têm a dizer?” Tem muito a dizer! Como demonstram os pesquisadores que compõem esta terceira e última parte do livro. Sob vários ângulos e circunstâncias, os autores dos artigos reunidos nessa seção mostram como a comunicação política ocorre em metrópoles, como São Paulo, em grandes cidades, como Guarulhos, ou mesmo em pequenas cidades, em momentos diferentes: períodos eleitorais, cotidiano ou mesmo relacionada a grandes eventos, como a Rio + 20. Redes sociais e a tecno-governança como forma de controle social e político também são temas desse bloco. Salta aos olhos a coerência na estrutura e nos temas propostos em cada artigo presente nesta obra. As três partes, que abarcam conceitos, estratégias e estudos de caso, propõem reflexões com base em análises comprometidas com o conhecimento já consolidado no campo da comunicação política e de novas abordagens sobre a área no espaço virtual. Parabéns aos autores.
Marli dos Santos, Jornalista e doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP. Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo
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A RELAÇÃO ENTRE MÍDIA E POLÍTICA À LUZ DOS CONCEITOS DE INDÚSTRIA CULTURAL E DE ESFERA PÚBLICA Paulo Roberto Figueira Leal Universidade Federal de Juiz de Fora Giliard Gomes Tenório Universidade Estadual do Rio de Janeiro
INTRODUÇÃO A interface surgida entre os campos da política e comunicação adquire particular importância nos dias atuais. Mediante os avanços tecnológicos contemporâneos, as mensagens veiculadas pelas mídias atingem um público cada vez maior, numa velocidade nunca antes imaginada. Mesmo as comunidades mais distantes têm hoje a possibilidade de se verem incluídas nos principais debates da atualidade, recebendo diretamente em suas casas as principais informações e notícias sobre o que ocorre no mundo político. O fazer político é cada vez mais associado e dependente do fazer comunicacional. Cada vez mais as rotinas de produção e de ação política passam a necessitar da linguagem e dos mecanismos dos meios de comunicação de massa. Assiste-se aqui a um aprofundamento da relação entre estes dois campos, trazendo como consequência a crescente necessidade de se estudar e compreender esta interface. O presente trabalho alinha-se a essa perspectiva de estudar as interconexões entre comunicação e política, tentando articular conceitos formulados em ambas as áreas a fim de compreender suas relações recíprocas. Diante da análise desse processo, permite-se a discussão dos imperativos que fizeram o campo político assumir de vez a utilização da linguagem e dos suportes comunicacionais como uma ferramenta para dar conta de seus objetivos - a tarefa de “conquistar corações e mentes”. A linguagem do mundo político utiliza-se de mecanismos tradicionalmente empregados no mercado publicitário convencional, paralelamente ao declínio do discurso ideológico e partidário, ou seja, dos elementos que (ao menos em tese) faziam da discussão política um exercício de racionalidade. A questão tratada diz respeito a como esse processo de transformação da política em mercadoria assemelha-se à lógica de produção industrial de bens culturais, tal como estudado pela Escola de Frankfurt - produtos marcados por características como estandartização e fabricação em larga escala. Que consequências estão associadas a esse fenômeno e que impactos isso traz para a
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constituição de uma verdadeira esfera pública, tal como conceituada por Habermas? É o que se discute a seguir. O DEBATE SOBRE MÍDIA E ELEIÇÕES À LUZ DOS CONCEITOS DE INDÚSTRIA CULTURAL E ESFERA PÚBLICA Os processos trazidos pela espetacularização da política têm em seu eixo central as mudanças ocorridas nos campos da comunicação e da política, e principalmente na interface que há entre ambos. O fenômeno eleitoral desenha-se hoje com a inegável hegemonia da mídia. Um primeiro fator de clara evidência nesse sentido é a mediação realizada pela comunicação entre os atores políticos e os cidadãos/eleitores. As mensagens políticas são emitidas aqui não mais como mero conjunto de informações, mas como produto planejado, construído em massa e com dados minuciosamente escolhidos em vista de um público já diagnosticado em suas características e, principalmente, em seus gostos e desejos. Estas mensagens surgem agora como mercadoria, especificadamente produzida em vista de um público consumidor. O fazer político passa a depender então dessa indústria a fim de atingir seus objetivos. Planejamento, produção em massa, projeção de mercado consumidor. Estas e outras características presentes na comunicação política guardam grande identidade com um outro conceito muito bem conhecido no campo comunicacional: o de indústria cultural. A mídia surge aqui, assim como na definição de Theodor Adorno e Max Horkheimer (1985), como uma verdadeira fábrica de conteúdos (informações, notícias etc.), tudo isso inserido num mercado maior, com produtores e consumidores bem definidos. Afinal, a participação política hoje pode ser definida como uma mera relação de consumo de mercadorias simbólicas previamente produzidas? Como, de fato, o público em questão, o coletivo de cidadãos que compõem a sociedade, se relaciona com as informações emitidas pelos atores políticos por meio da mídia, num contexto de produção industrial e consumo de massa da informação política? A lógica trazida por essa indústria da comunicação política pode ser considerada contraditória ao que inicialmente pensou-se ser sua meta. A comunicação na política surgiu com o objetivo claro de melhor informar os indivíduos que compõem a sociedade, a fim de que assim elas tivessem condições de pensar e discutir as posições colocadas e finalmente tomar uma posição. Teoricamente, através dos meios comunicacionais, abre-se a possibilidade de existência de contraditório, de debate, de um verdadeiro espaço público, a partir do qual os cidadãos/eleitores terão sua participação política definida e baseada numa postura reflexiva. Mas, para Adorno e Horkheimer, a hegemonia da racionalidade técnica não reconhece limites. Está presente em todas as formas de predomínio do homem sobre o mundo, sobre as coisas
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e sobre si próprio. Com a ascensão dos meios de comunicação, ela atingiu definitivamente a cultura, impondo a estas sua dominação e características. Sob "o louvor ao ritmo do aço", imprensa, rádio, cinema e TV se tornam um sistema da indústria cultural e, sob esta, aceitam-se como mercadoria, como produto de uma cultura única, que não permite variações. É a padronização imposta pela racionalidade de quem tem que produzir em massa. Todos os produtos culturais passam então a trazer dentro de si a marca dessa nova indústria. Qualquer que seja a obra, ela acaba por se inserir dentro da lógica de produção capitalista. Tudo é passível de cópia e reprodução em larga escala: "[...] apesar de toda a atividade trepidante, o pão com o que a indústria cultural alimenta os homens continua a ser a pedra da estereotipia" (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 139). Mesmo os objetos de arte não comunicam hoje outra coisa senão sua transformação em mercadoria. Inserida no regime econômico do capitalismo e produzida em larga escala, a cultura assume definitivamente seu caráter de mercadoria, mediando as relações entre a indústria cultural e o público, agora consumidor. Para atuar enquanto mercadoria, a cultura passa a necessitar de publicidade, não a fim de orientar sobre que produto buscar, mas para reiterar o quão importante é aquele bem para as pessoas. Da mesma forma intempestiva com que alcançou os bens culturais, assim também a indústria cultural procedeu com os homens. A estes coube primeiramente o papel do consumidor, aquele a quem os produtos e as mercadorias se destinam. "A violência da sociedade industrial instalou-se nos homens de uma vez por todas. Os produtos da indústria cultural podem ter a certeza de que até mesmo os distraídos vão consumi-los alertamente." (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 119). Além disso, o processo de produção visa fazer com que todos os tipos de gostos e desejos estejam previamente disponibilizados a todo o público no mercado. Para o consumidor, não há nada mais a classificar que não tenha sido antecipado no esquematismo da produção.(ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 117). Dessa forma, toda pessoa torna-se um potencial consumidor, reproduzindo mais uma vez a lógica de dominação da racionalidade: de estar em tudo e em todos. A partir de então, a indústria cultural, através principalmente dos meios de comunicação de massa, passa a ter um papel preponderante na vida cotidiana das pessoas. A dominação imposta pela racionalidade técnica foi facilmente assimilada pelas massas, obrigadas a se inserir nas engrenagens do capitalismo e do esclarecimento: "Quem não se conforma é punido com uma impotência econômica que se prolonga na impotência espiritual do individualista" (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 125). Os produtos dispostos no mercado cumprem a função de seduzir os homens, atraídos pela promessa de prazer, mas impedidos de usufruí-lo.
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A lógica dos produtos oferecidos pela indústria cultural muda completamente a forma como os homens interagem entre si e com o mundo. Uma vez tornados meros espectadores, perde-se qualquer possibilidade de reflexão sobre as obras. A imaginação e a espontaneidade das pessoas se atrofiam pela dominação imposta sobre a atenção. "Os próprios produtos – e entre eles em primeiro lugar o mais característico, o filme sonoro – paralisam essas capacidades em virtude de sua própria constituição objetiva" (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 119). Uma das melhores formas de mediação entre os produtos culturais de massa e o público é a diversão. Divertir-se significa esquecer-se do mundo e do que ele tem de pior: as obrigações do trabalho, baixos salários, problemas pessoais. Mas é também ela quem abre caminho para a dominação exercida. "A verdade em tudo isso é que o poder da indústria cultural provém de sua identificação com a necessidade produzida" (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 128). Dessa
forma,
conjuga-se
o
viver e
suas
dificuldades
com
a promessa
de
futuramente divertir-se, ou melhor, conjuga-se o viver com a busca pela diversão contida nas mercadorias oferecidas pela indústria cultural. "Divertir-se significa estar de acordo. [...] É na verdade uma fuga, mas não, como afirma, uma fuga da realidade ruim, mas da última ideia de resistência que essa realidade ainda deixa subsistir" (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 135). A diversão torna-se ainda um prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Surge então como uma forma de escape, procurada por aqueles que desejam distanciar-se, ainda que momentaneamente, do processo de trabalho mecanizado, a fim de pôr-se novamente em condições de enfrentá-lo.
O ESPAÇO PÚBLICO E O PAPEL DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Se os autores seminais da teoria crítica – os apocalípticos Adorno e Horkeimer – traçam o sombrio panorama acima discutido (de certo modo demonizando os meios de comunicação de massa e os conteúdos que por eles circulam), ainda na tradição frankfurtiana surgem outras perspectivas mais matizadas. É o caso de Jürgen Habermas. De suma importância na tentativa de compreensão da atual sociedade, os termos público e esfera pública guardam hoje em dia uma complexa multiplicidade de significados, sem que se consiga uma definição mais precisa. Eles fazem referência aquilo tudo que está aberto ou de pertencimento de todas as pessoas. Assim, diz-se que um evento é público quando não há restrições para sua participação; ou que determinado prédio é público por ele pertencer ao Estado, espécie de organismo dotado de poder por meio da concordância de todas as pessoas da sociedade, e com possibilidade de ação sobre a organização da vida das mesmas. Estas constituem assim uma esfera pública, e cada uma individualmente é portadora de uma opinião – opinião pública (HABERMAS, 1984, p. 14).
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Inicialmente, é difícil apontar quais são os limites que separam uma esfera pública de uma outra privada, referente à individualidade e à intimidade de cada pessoa, uma vez que no modelo clássico ou mesmo no moderno não há uma clara antítese entre estes espaços. Tais liames só começam a ser melhor percebidos por meio da análise da evolução histórica da sociedade. Uma das primeiras referências feitas a um “espaço público” está na ágora grega, local da definição comum, pública, dos destinos da pólis. Em contraposição a esta encontra-se a koiné, a casa onde reside a família do cidadão grego, esfera íntima mas que o credencia a participar das discussões públicas que constituem a cidadania grega. É nos tempos do feudalismo que a esfera pública começa a despontar com maior precisão. A partir de então, o elemento público passa a ser uma das principais chaves de compreensão da estrutura política e de sua justificação. Todos os adereços, toda a suntosidade, todo o cerimonial, revestem-se, a partir de então, de um caráter de publicidade. E o que se torna público é outra coisa senão a dominação exercida pelos príncipes e reis, que se assumem como “o país”. Mais: ao invés de fazer pelo povo, fazem-no perante o povo [grifos do autor] (HABERMAS, 1984, p.20). Uma vida propriamente pública passa a acontecer no entorno das autoridades, mas também em sua casa. Os palácios não representam a intimidade dos monarcas, mas sim onde a vida social do reino tem seu espaço, seja ele para decisões importantes, seja ele para festas. De toda forma, o conceito de publicidade vai cada vez mais ligando-se ao Estado, o que será determinante para sua compreensão frente aos conceitos de esfera privada. É este o momento quando, impulsionado pelo crescimento das cidades e, principalmente, da economia das cidades, o aparato estatal reage com a criação de estruturas de burocraciae mediação, tais como o dinheiro e os impostos. É este o momento de formação de um modo capitalista de produção. As medidas do Estado voltam-se para a administração e regulamentação dessa produção. As mercadorias produzidas ganham cada dia mais um público consumidor, e nesse sentido necessitam circular, sair de seu local de produção e atingir os “pontos de venda”. Concomitantemente às mercadorias, desenvolve-se também uma grande circulação de informações, a grande maioria delasa respeito mesmo de assuntos mercantis, e por isso mesmo de grande interesse dos mercantilistas. Uma imprensa se forma, dando conta dessa nova necessidade e de uma nova realidade para o conceito de espaço público. Assiste-se à transformação de jornais e informações em mercadorias. Estes adquirem uma maior importância à medida que se tornam veículo para a publicação dos decretos do poder público. Mas não se pode dizer que estas notícias atingissem uma grande quantidade de pessoas. Pelo contrário, “[...] comumente, ela não atinge, assim, o ‘homem comum’, mas, se muito, as ‘camadas cultas’” (HABERMAS, 1984, p.37). “Camadas cultas” fazem aqui referência a uma população predominantemente burguesa, seja a origem desta na burocracia estatal ou no mundo do comércio.
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Inicialmente, na sociedade capitalista, o ciclo de discussões ocorre em torno de uma esfera pública literária, e não propriamente política. Ela encontra espaço nos cafés, onde as discussões avançam sobre a arte e a literatura, encontrando grande força nas opiniões expressas nos primeiros veículos impressos, que nesta época começam a circular. Ali se instituiu o julgamento leigo sobre o teatro, a música e a pintura. Os debates possuíam critérios de participação, a fim de que isso possibilitasse acesso a todos. Pressupunha-se uma igualdade de status, que eliminava supostas diferenças que nobreza ou riqueza trariam; e universalização dos temas, além de pleno acesso aos locais das disputas. Este processo fez com que se aumentasse o consumo dos produtos culturais e de arte, criando para estes um “público consumidor”. Os críticos especializados dos cafés e dos jornais opinativos reivindicam-se como que o grande público destas obras, ou pelo menos “seu porta-voz, talvez até mesmo seu educador” (HABERMAS, 1984, p.53). Aos poucos, o público dos cafés torna-se também crítico da política e da economia do país. Seu primeiro foco é o controle dos desmandos da monarquia absolutista. “A tarefa política da esfera pública burguesa é a regulamentação da sociedade civil” (HABERMAS, 1984, p.69). A burguesia desenvolve um pensamento político que aprende a se “auto-afirmar”, ou melhor, afirmar seus interesses. A exigência básica é a de leis abstratas e genéricas, pautadas na opinião pública, única fonte legítima. Desde lá, a opinião pública surge como fonte legitimadora de toda e qualquer decisão sobre o Estado. Caracterizada como o senso do povo, a voz comum ou mesmo o espírito público, ela passa a ser assediada pelas diversas correntes de interesse e partidos de então, como forma de se garantir respaldo para a posição de cada um destes. Os jornais também aqui adquirem suma importância, constituídos num dos principais veículos de crítica ao poder público. De toda maneira, a opinião pública converte-se em elemento fundamental para todo posicionamento político. O passo seguinte foi garantir o direito ao exercício da opinião pública – o direito de pensar e expressar-se livremente – dentro da Constituição de cada país, considerando-a fundamental para o bom funcionamento deste. Não bastasse o Estado ver surgir o espaço público funcionando dentro e contra si, agora cabe a ele ser seu guardião legal. Toda posição colocada por esse public spirit deve ser levada a tal ponto em consideração que se torna impossível legislar ou governar sem que se consulte o posicionamento popular. O fim do século XIX marca uma profunda mudança na esfera pública burguesa. Um novo intervencionismo do Estado tem vez, acompanhado da conquista de uma competência de autoridade pública pela esfera privada, e de uma competência social por parte do poder público. É desta forma que se constitui então uma esfera pública politicamente ativa, ou seja, onde diversos conflitos e antagonismos econômicos privados, inclusive o das grandes massas, são levados para o âmbito
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político para disputa. Além disso, o Estado assume, “além das atividades administrativas habituais, inclusive prestações de serviços que até então eram deixadas à iniciativa privada” (HABERMAS, 1984, p. 176). É a partir da imprensa que se dá a reestruturação da esfera pública. Apaga-se por meio dela a delimitação entre esfera pública e privada, inclusive deixando de ser uma exclusividade desta última. Assim, estes meios têm sua principal atribuição alterada: “Os jornais passaram de meras instituições publicadoras de notícias para, além disso, serem porta-vozes e condutores da opinião pública” (HABERMAS, 1984, p. 214). Tornam-se assim um mecanismo a mais para a inserção das pessoas no mundo da política. As inovações técnicas não são a única novidade pela qual passa a imprensa neste momento. Assumindo-se enquanto mercadoria, ela ingressa no mundo da circulação comercial. Agora, não se vendem propriamente jornais, mas informações e opiniões, objetos de interesse do público consumidor. Mediante o estabelecimento do Estado burguês de Direito, ou seja, livre de qualquer pressão contra a liberdade de expressão, a imprensa pode definitivamente assumir seu papel de instituição de crítica e ao mesmo tempo “assumir as chances de lucro de uma empresa comercial” (HABERMAS, 1984, p. 216). Jornais se tornam assim empreendimentos comerciais, cuja parte vendável alicerça-se nas notícias e opiniões colocadas. Os anúncios surgem como uma outra forma de se a imprensa conseguir dinheiro com seu produto: “[...] o jornal acaba entrando numa situação em que ele evolui para um empreendimento capitalista, caindo no campo de interesses estranhos à empresa jornalística e que procuram influenciá-la” (HABERMAS, 1984, p. 217). As novas necessidades de mercado trazem profundas mudanças no jornalismo. O grande interesse por notícias bem apuradas, de um jornal mais bem elaborado e produzido, solapa o espaço da opinião e do artigo de fundo dos jornais. O fazer jornalístico deixa sua característica mais literária, assumindo-se de fato como agência empresarial. A função que a imprensa exercia de instância da esfera pública é então profundamente alterada. A partir deste momento, a publicidade tem cada vez mais importância e participação dentro das mídias. Por outro lado, não se pode afirmar que houve uma completa separação entre os interesses privados, sejam econômicos ou políticos, e a área do jornalismo. Prova disso é o surgimento da função de relações públicas, pela qual empresas e personalidades passam a interagir de forma muito mais profunda com a sociedade. Relacionar-se publicamente é "trabalhar a opinião pública", de modo a que esta lhe seja favorável. Aqui também cresce o desenvolvimento técnico da publicidade. No momento em que os mais diversos setores passam a se utilizar da publicidade e das relações públicas como forma de satisfazer seus interesses e conquista de prestígio, a esfera pública
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perde seu caráter de crítica e de espaço para desenvolver-se uma opinião pública pautada no debate. As pessoas que constituem a esfera pública tornam-se mera quantificação da aprovação ou reprovação a certa matéria, resumem-se a um sim ou não. Concorrendo com os interesses privados estão os interesses do Estado. Este insere-se na disputa que ocorre dentro da esfera pública política, porém de uma forma diferente. Ao tentar colocar suas opiniões perante a opinião pública, o Estado deixa de tratar esta como o agrupamento de cidadãos que constitui a sociedade, preferindo considerá-los mais uma massa de consumidores. Essa subversão do princípio de publicidade estende as mudanças para a própria disputa política. Os interesses privados, organizados numa configuração política, passam a concorrer com as ações do Estado. Uma série de acordos e decisões deixam de passar pelo processo institucionalizado da esfera pública. A discussão em torno da opinião pública é substituída pelo apelo argumentativo realizado feito por meio do recorte publicitário. "As organizações buscam conquistar junto ao público intermediado por elas uma entusiástica aprovação que ratifique formações de compromissos sujeitos ao crédito público" (HABERMAS, 1984, p. 234). Mesmo os processos políticos que ocorrem dentro do aparelho institucional, nos governos, tribunais e parlamentos, têm seus processos alterados por causa da esfera pública ampliada pelas mídias. Estas arenas políticas passam a ser espaço de disputas espetacularizadas, transformadas num "show", em vez de momentos para crítica (HABERMAS, 1984, p. 241). Nos períodos eleitorais, é atribuido ao eleitor um certo nível de capacitação, de modo a que ele "participe interessadamente em discussões públicas para, de forma racional e orientado pelo interesse geral, ele ajude a encontrar o certo e o correto como escala obrigatória para toda a ação política" (HABERMAS, 1984, p. 247). No entanto, a publicidade faz com que as disputas eleitorais já não transcorram no âmbito de uma esfera pública institucionalmente garantida, com a disputa plena de qualquer tipo de opinião. A propaganda torna-se a principal ferramenta para forjar opiniões favoráveis. Em vez de uma opinião pública crítica, o que se verifica na esfera pública manipulada é uma atmosfera pronta para a aclamação, um clima de opinião, sem que esta tenha sido de fato alcançada. As atribuições políticas originalmente previstas cessam. Público torna-se apenas um referencial distante a ser conquistado. Recuperar essa função crítica, no entanto, requer certas mudanças na própria organização dos interesses políticos. “Essa esfera pública só pode exercer funções de crítica política e de controle à medida que, além da co-gestão de compromissos políticos, está ela mesma sujeita, sem limitações, às condições de coisa pública e da "publicidade", ou seja, tornando-se novamente esfera pública em sentido estrito” (HABERMAS, 1984 p. 243-244).
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AS CONTRADIÇÕES DO ESPAÇO PÚBLICO MIDIATIZADO Democracia e esfera pública passaram por um processo em comum no último século. Auxiliados pela mídia, eles agora se colocam como de massas, atingindo um gigantesco espectro de pessoas, associações e organizações. Nesta situação a presença eficaz de um dos elementos é extremamente necessária para o outro. Como sustenta o autor francês Dominique Wolton: A democracia pressupõe a existência de um espaço público onde sejam debatidos, de forma contraditória, os grandes problemas do momento. Este espaço simbólico, inseparável do princípio de "publicidade" e de "secularização", é uma das condições estruturais do funcionamento da democracia (WOLTON, 1995, p. 167). Diferentemente de seu surgimento, quando estava localizado de modo restrito, ligado à existência de uma elite iluminada, diminuta, além de homogênea social e culturalmente, o espaço público coloca-se hoje num contexto urbanizado, de sociedade aberta, individualizada no plano do trabalho, do consumo, dos tempos livre e da educação. Trata-se de uma sociedade que oferece prioridade "a tudo aquilo que facilita a expressão, a identidade e a liberdade do indivíduo - mais que da pessoa - e ao mesmo tempo, uma sociedade que, no plano econômico, político e cultural, se baseia no grande número" (WOLTON, 1995, p. 168). Neste contexto, democracia e espaço público adquirem uma grande importância para a sociedade, na opinião de Wolton. Para ele, constituem-se uma série de contradições em torno dessa esfera, que prejudicam a formação e atuação de uma real opinião pública e de um local "onde sejam debatidos, de forma contraditória, os grandes problemas do momento" (WOLTON, 1995, p. 167). O autor lista dez situações onde a proeminência da mídia afeta a constituição da esfera e da opinião pública. Em primeiro lugar, Wolton destaca a tirania do acontecimento, particularmente percebida nas mídias eletrônicas. Define-se uma redução de todas as escalas de tempo ao acontecimento, à durabilidade do urgente. "É o imperialismo do news, do instante e do directo" (WOLTON, 1995, p. 169). Para o autor, este fenômeno advém da vitória da democracia, o que permitiu o livre trânsito de informações, especialmente as políticas, e do avanço técnico dos meios de comunicação. Dessa forma, o ideal do informar-se tornou-se para as pessoas o pão de cada dia, porém banalizado. A preponderância de um modelo de informação caracterizado pela urgência e pelo acontecimento tem necessariamente um impacto considerável sobre toda a concepção da informação: a honestidade de uma emissão seria avaliada simplesmente pelo facto de ser "em directo". A valorização do instante já é muito forte, visto que tudo o que é novo é privilegiado, enquanto tudo o que é lento e complexo tem tendência a ser abandonado (WOLTON, 1995, p. 167).
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Até que ponto essa velocidade é favorável à democracia? Para Wolton, só a duração permitiu àquela encontrar, pouco a pouco, as suas características. Ainda que não tenhamos encontrado um momento ideal de espaço democrático, fica claro que nesse triunfo da informação e do acontecimento "é extremamente difícil preservar o tempo da história e da sociedade" (WOLTON, 1995, p. 170). A segunda contradição exposta por Wolton refere-se a uma onipresença da mídia e de suas sondagens de opinião, o que garantiria um saber generalizado sobre tudo e sobre todos. Cada vez mais, há o sentimento que cada notícia trazida, cada reportagem, cada pesquisa de opinião estenderia o conhecimento de cada pessoa sobre o que há e acontece no mundo. No entanto, esta suposição é combatida pelo autor: O grau de conhecimento não se alargou proporcionalmente ao número de acontecimentos cobertos pelos media [grifo do autor], embora o acesso aos acontecimentos, fora do campo da experiência pessoal, seja, simultaneamente, maior do que antigamente e dependente da mediação jornalística. A esta distorção junta-se outra: a omnipresença dos media e da informação nada podem contra o facto de ser impossível saber tudo sobre a realidade (WOLTON, 1995, p. 171). A seguir, o autor aponta para o surgimento de uma reintrodução de limitações ao fazer comunicacional, na forma de regulamentações, normas e valores, principalmente no que se refere aos usos que se faz dele. A comunicação passou por um processo de grande liberdade para fazer-se, em muito auxiliada pelo liberalismo econômico, que ocasionou uma grande abertura de mercador e incremento das possibilidades técnicas. Wolton acredita que, devido à grande expansão obtida pela mídia, cresce cada vez mais a necessidade de sua regulamentação, principalmente na medida em que se percebe que ele "contribui, de forma directa, para a representação que os cidadãos têm da realidade histórica" (WOLTON, 1995, p. 173). É cada vez mais difícil reconhecer que o espaço público é o lugar central da democracia, em termos de emissão e discussão de mensagens, e não admitir a necessidade imperiosa de um mínimo de regulamentação no que diz respeito ao seu funcionamento e, em particular, no caso dos media [grifo do autor] (WOLTON, 1995, p. 173). Este tipo de regulamentação quer impedir ou ao menos reduzir as coações estatais e políticas, além dos interesses privados. Liberdade de imprensa não é o mesmo que liberdade total. "A comunicação não visa apenas vender técnicas e mensagens, mas também unir cidadãos e comunidades, reflectindo sobre as condições para que, ao lado dos receptores, exista uma possibilidade de interlocução” (WOLTON, 1995, p. 174).
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O quarto ponto trazido por Wolton é o da estandartização. Assiste-se aqui ao predomínio de um mesmo código na linguagem da comunicação, em particular da linguagem política, cobrindo todos os temas da sociedade. Isto contradiz uma noção de que a mídia provê um "enriquecimento cultural"; muito pelo contrário, os frutos disso são a limitação e o empobrecimento das opiniões, acentuação de oposições e desvalorização dos discursos, muitas das vezes colocados de forma dicotomizada, o que na maioria das vezes não reproduz com fidelidade a natureza das posições conflituais. Na verdade, o funcionamento do espaço público é indissociável da existência de conflitos, mas nem todos se traduzem necessariamente num vocabulário e num modo de acção políticos. Se é preciso falar, de certa maneira, a mesma linguagem para comunicar, a questão está em saber a partir de que momento esta predominância de um código - o político, por hipótese, já não será sinónimo de liberdade, mas de empobrecimento (WOLTON, 1995, p. 175). A personalização é a contradição seguinte apontada por Wolton. Percebe-se que cada vez mais partidos e ideologias são suplantados nas disputas políticas por indivíduos que passam a simbolizar as posições colocadas. O autor considera que este fenômeno é natural dentro da política, mas que foi acentuado com a ascensão das mídias. Para ele, há a possibilidade de perda de definição e de foco sobre qual é o tema das discussões, que acabam ficando atrás das pessoas que representam a disputa. "O que se ganha em personalização e no curto prazo, perde-se na complexidade e da duração dos problemas"(WOLTON, 1995, p. 177). A seguir, Wolton indica o fato de política e comunicação caminharem juntos, ou melhor, de que toda ação implementada deve ser acompanhada por ações de comunicação que a expliquem e justifiquem. Trata-se de uma busca de se atingir os cidadãos, para que estes compreendam as proposições dos políticos, mesmo com a incerteza trazida pela comunicação. No entanto, assiste-se ao crescimento exponencial da comunicação em vez da ação. O fazer político tornou-se muito mais o "dar visibilidade ao político" do que propriamente o agir. O resultado de que os políticos dedicam entre 20 e 40 por centro do seu tempo às estratégias da comunicação, seja para valorizar a sua acção, seja para expor e melhorar a sua imagem junto do público, seja ainda para neutralizar os concorrentes que também aderem a esta lógica da comunicação (WOLTON, 1995, p. 178). A sétima contradição exposta por Wolton refere-se ao tema da transparência. Cabe à mídia dar visibilidade às temáticas mais importantes para a sociedade, por meio da informação colhida e também por meio das pesquisas de opinião. Aqui se espera não exatamente uma transparência, mas no mínimo uma representação de como a sociedade funciona.
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Os números trazidos pela estatística são aceitos como a mais fiel explicação dos acontecimentos. A contradição aparece quando se espera que essa fotografia da realidade implique uma antecipação do que está por vir. Os media [grifo do autor] e as sondagens produzem as informações sobre o que acontece no momento, mesmo se, confusamente, esperamos também encontra, na sua informação, a antecipação dos problemas futuros, o que não sucede com frequência, porque não é essa a sua função (WOLTON, 1995, p. 180). O oitavo, nono e décimo pontos apontados por Wolton fazem referência a um mesmo tema: a necessidade de se constituir na democracia, por meio das mídias, uma verdadeira comunidade, onde exista uma linguagem em comum, uma compreensão em comum, uma partilha de valores em comum, de um espaço público sem fronteiras, tudo isso atingindo todas as pessoas. Somente assim, as oposições ideológicas teriam local para um real confronto, realizado de forma madura e em benefício da sociedade. Isso não pressupõe a extinção dos antagonismos, nem de que todos terão a obrigação de conhecer tudo o que ocorre, mas sim de que o espaço público finalmente cumprirá com sua função de levar as informações básicas, de modo a gerar o interesse sobre as temáticas mundiais, a discussão e uma conclusão em comum (WOLTON, 1995, p. 182-183). A existência desse espaço público, local onde se desenvolve verdadeiramente a opinião pública, é, por fim, o local privilegiado onde os cidadãos dos mais variados lugares poderão se encontrar, trocar informações e dessa forma, construir uma linha de pensamento e intervenção na sociedade: People who express the same opinion become aware of the similarity of their views, and thus gives them capacities for action that would have not been avaible had they kelt that opinion to themselves. The less isolated people feel, the more they realize their potencial strength, and the more capable they are to organize themselves and exercise pressure on the government. Awareness of similarity of views may not always result in organization and action, but it ir usually a necessary condition (MANIN, 1997, p. 171). Ou seja, à luz dos conceitos frankfurtianos clássicos, como os de indústria cultural (demonstrando como o conteúdo midiático pode estar empobrecido de verdadeira capacidade de reflexão) e de esfera pública (que pressuporia, para seu efetivo funcionamento, o contraditório que, na prática, nem sempre está devidamente ofertado pela mídia), Wolton e outros autores apontam os paradoxos em que se envolvem hoje mídia e política. Por um lado, é impossível pensar num modelo democrático sem a publicização de debates e discussões que os meios de comunicação permitiriam. De outro, percebe-se que eles nem sempre vêm cumprindo este papel.
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REFERÊNCIAS ALDÉ, Alessandra. A construção da política: cidadão comum, mídia e atitude política. Tese de doutorado, Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Rio de Janeiro, 2001. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1989. DOMENACH, Jean Marie. Propaganda Política. Rio de Janeiro: Difel (Difusão Européia do Livro), 1952. DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. 2º ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor; Brasília: Universidade de Brasília, 1980. GOMES, Wilson. Transformações da política na era da Comunicação de Massa. São Paulo: Paulus, 2004 HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública – Investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984 LEAL, Paulo Roberto Figueira. A nova ambiência eleitoral e seus impactos na comunicação política. In: Lumina, www.facom.ufjf.br. _______________. O PT e o dilema da representação política. Rio de Janeiro: FGV, 2005. LIMA, Venício Artur de Lima (org). A mídia nas eleições de 2006. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2007. MANIN, Bernard. The principles of representative government.Cambridge: Cambridge University Press, 1997. MIRANDA, José A. Bragança de. Espaço público, política e mediação. In: Revista de Comunicação e Linguagem. Lisboa: Edições Cosmos, 1995. SHUDSON, Michel. A “esfera pública” e os seus problemas. Reintroduzir a questão do Estado. In: Revista de Comunicação e Linguagem. Lisboa: Edições Cosmos, 1995. SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. O Estado espetáculo. São Paulo: Ed. Círculo do Livro S.A., 1977. WOLTON, Dominique. As contradições do espaço público mediatizado. In: Revista de Comunicação e Linguagem. Lisboa: Edições Cosmos, 1995.
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REVISITANDO OS CONCEITOS DE PROPAGANDA POLÍTICA EM JEAN MARIE DOMENACH E SEU IMPACTO DURANTE O GOVERNO MILITAR DE COSTA E SILVA Adolpho Queiroz Universidade Presbiteriana Mackenzie Fabio Ciaccia Universidade Metodista de São Paulo
INTRODUÇÃO A partir desta base teórica, procuramos inventariar, tendo como base a dissertação de mestrado de Fábio Ciaccia, “A festa da democracia autoritária”, defendida na UMESP em 2009, de que forma o governo militar do Marechal Artur da Costa e silva apoderou-se das dimensões teóricas de Domenach para comunicar-se com a sociedade brasileira naquele período. E confirmar, a partir de elementos empíricos, de que forma estas ideias foram apropriadas durante o regime militar no Brasil. Embora essa comunicação do poder na Antiguidade não tivesse ainda os instrumentais de planejamento e pesquisa presentes nas grandes campanhas do século XX, DOMENACH (1963, p.8) diz que “desde que existem competições políticas, isto é, desde o início do mundo, a propaganda existe e desempenha seu papel. Foram, por certo, uma espécie de campanha de propaganda, aquelas movidas por Demóstenes contra Filipe ou por Cícero contra Catilina”. Ao mesmo tempo, DOMENACH também demonstra que novamente a comunicação religiosa foi responsável pela utilização do termo que hoje usamos para os mais diversos tipos de comunicação persuasiva, seja ela a política, a de venda ou a religiosa: a propaganda. A palavra que a designa é ela também, contemporânea do fenômeno: propaganda é um dos termos que destacamos arbitrariamente das fórmulas do latim pontifical; empregada pela Igreja ao tempo da Contrarreforma (De Propaganda Fide) é mais ou menos reservada ao vocabulário eclesiástico até irromper na língua comum, no curso do século XVIII (DOMENACH, 1963, p.10).
Nota-se aí novamente a estreita relação histórica entre política e religião no desenvolvimento da comunicação persuasiva. Essa preocupação com a opinião pública e com a importância de conseguir o apoio popular através de uma comunicação bem desenvolvida foi também de enorme importância na França, já entre os séculos XVII e XVIII, quando o “Rei Sol” Luís XIV, em seu grande período no trono, desenvolveu táticas bastante arrojadas. BURKE (1992) diz que ele foi o precursor do marketing político moderno.
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QUEIROZ (1999, p.70) ressalta que Luís XIV, para isso, foi o. Indutor da criação de pinturas, tapeçarias, medalhas comemorativas, moedas, livros, construção de palácios, como o de Versalhes, ou monumentos, como o Arco do Triunfo, além de ter sido ator teatral, entre outras ações desenvolvidas como o objetivo de torná-lo popular perante a sociedade francesa da época.
Já no final do século XVIII, durante o movimento de independência e de formação dos Estados Unidos da América, a utilização da comunicação persuasiva, principalmente através da imprensa, foi muito grande, com o intuito desenvolver uma formação política ao povo norteamericano. Pode-se ainda verificar a utilização de aparatos de comunicação de massa para a conquista da população também durante a Revolução Francesa, pelos mais diversos grupos que a desenvolveram. De acordo com DOMENACH (1963, p. 20-21), Os primeiros discursos de propaganda, os primeiros encarregados de propaganda (entre outros, os comissários junto aos exércitos) partiram dos clubes, das assembleias, das comissões revolucionárias; foram eles que empreenderam a primeira guerra de propaganda e a primeira propaganda de guerra. Uma nação, pela primeira vez, libertava-se e organizava-se em nome de uma doutrina subitamente considerada universal. Uma política interior e exterior, pela primeira vez, fazia-se acompanhar pela expansão de uma ideologia e, por isso mesmo, segregava a propaganda. Surgiram, então, todos os recursos da propaganda moderna: a Marselhesa, o barrete frígio, a festa da Federação, a do Ser Supremo, a rede dos clubes jacobinos, a marcha sobre Versalhes, as manifestações de massa contra as Assembleias, o cadafalso nas praças públicas, as críticas violentas de L’Ami du Peuple, as injúrias de Père Duchêne.
Mais tarde, durante o século XIX, os diversos movimentos de caráter socialista usaram muito os veículos de comunicação de massa para conquistar trabalhadores de toda a Europa, o que resultaria num desenvolvimento ainda maior da propaganda no mais importante regime comunista resultante desse período, como se verá adiante. De acordo com Marx, era “preciso tornar a opressão real ainda mais dura, ajuntando-lhe a consciência da opressão, e tornar a vergonha ainda mais humilhante, dando-a publicidade” (apud DOMENACH, 1963, p.26). E, nesses regimes, a propaganda sempre foi de extrema importância, com a intenção de legitimar o poder, visando ainda à propagação de ideias do grupo que governava, a fim de que toda a população as aceitasse. A propaganda como “uma empresa organizada para influenciar a opinião pública e dirigi-la” (DOMENACH, 1963, p.13) surgiu no século XX, com o intuito de amparar esses regimes. Para isso, utilizou-se de uma evolução que trouxe seu campo de ação, a massa, e os meios de ação, representada pelas técnicas recém-inventadas de informação e comunicação. DOMENACH (1963, p.13-17) traz ainda alguns fatos fundamentais para que isso fosse possível: a formação de noções de estrutura e espírito cada vez mais unificados e ainda uma
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revolução na demografia e no hábitat. Com isso, e mais ainda com o progresso dos meios de comunicação, a formação de grandes conglomerados urbanos, a insegurança da condição industrial, as ameaças de crise e de guerra, a que se juntavam vários fatores de unificação, como a língua e os costumes, houve uma criação de massas famintas por informação. Essas massas recém-formadas eram facilmente influenciáveis, suscetíveis a reações coletivas das mais diversas. As inovações tecnológicas vinham dar uma dimensão aos três sustentáculos da propaganda: a escrita, a palavra e a imagem. O emprego deles, anteriormente limitados, pois a palavra não passava do alcance da voz humana ou de processos de impressão caros, assim como a reprodução de imagens, deu novas possibilidades à conquista das opiniões das massas. Para DOMENACH (1963, p.15), a difusão da escrita impressa no século XVIII possibilitou o emprego de panfletos, jornais, livros e até mesmo de uma enciclopédia como forma de propaganda revolucionária. Com a invenção da rotativa, os valores de impressão ficaram muito menores, com uma capacidade de tiragem muito superior a preços menores. Além disso, a utilização da publicidade comercial nos jornais fez com que houvesse maiores recursos para sua confecção, sem a necessidade de contar com ajuda governamental para realizálos. Quanto à distribuição, as estradas de ferro, os automóveis, e logo depois os aviões, possibilitaram a chegada de exemplares nos mais diversos cantos dos países e até mesmo do mundo, levando mensagens que anteriormente eram impossíveis de chegar. Também como inovação tecnológica, houve uma grande aceleração do tráfego de informações, com o telégrafo e o telefone, que substituíram os processos antigos dos correios e dos pombos-correios. Com isso, era criado o jornal moderno, “cujo baixo preço e cuja apresentação o transformam em um instrumento popular e uma formidável potência de opinião”. Então, ao mesmo tempo em que se popularizam, os jornais (juntamente com as agências de notícias) se tornam grandes negócios, a serviço também de seus anunciantes e dos detentores do poder (DOMENACH, 1963, p.16). Também com as inovações tecnológicas, não só a escrita chegou a todos os cantos. A palavra falada, que também era limitada, libertou-se. Segundo DOMENACH (1963, p.17), enquanto oradores antigos, como Demóstenes, tinham que competir nas suas falas com o barulho do mar, a invenção do microfone pôde ampliar a voz para grandes salas e estádios. Outra invenção fez com que as vozes do poder pudessem ser ouvidas em todos os cantos do mundo: o rádio. No início do século XX, um grande número de estações de rádio se formou e principalmente na formação do nazi-fascismo e durante a Segunda Guerra Mundial, sua utilização foi de extrema importância. Quanto à imagem, também as inovações tecnológicas fizeram com que ela fosse muito utilizada como peça de propaganda para as massas. Primeiramente, com novos processos de
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reprodução de gravuras, juntamente com a imprensa. Depois, com a invenção da fotografia e sua possibilidade de tiragens ilimitadas, o público passou a ter a sensação de presenciar a verdade, como se estivesse presente no momento dos acontecimentos. Ainda de acordo com DOMENACH (1963, p.18), “o cinema oferece uma imagem mais verídica e surpreendente, que se afasta da realidade apenas pela ausência do relevo”. Porém, a televisão ainda viria para realizar com a imagem a mesma mágica que o rádio realizou com o som: transmiti-la de forma instantânea à casa das pessoas.
TIPOS DE PROPAGANDA POLÍTICA A partir do novo momento e das possibilidades para desenvolver a propaganda política, TCHAKHOTINE (1967) demonstra dois tipos de propaganda política: a propaganda por persuasão (racio-propaganda) e a propaganda por sugestão (senso-propaganda) (apud PICOLIN, 2001, p.2021). Sobre a propaganda por persuasão, TCHAKHOTINE (1967, p.353) diz que. suas modalidades são conhecidas: jornais, discursos pelo rádio, reuniões com debates, brochuras e boletins, enfim, a propaganda pessoal ou de porta em porta, quando os propagandistas vão às portas das pessoas que lhes interessam para tentar demonstrar-lhes os fundamentos de seus programas e persuadi-las a se inscrever no partido que representam ou a votar nele.
Para isso, é necessário que haja um planejamento de acordo com os grupos que se quer influenciar, além de se estabelecer objetivos a ser atingido, formar órgãos para realizar as ações coordenadamente e controlar os resultados, verificando seus efeitos no público escolhido. Já a propaganda por sugestão é aquela utilizada de maneira mais direta em momentos de grande importância: Por meio de símbolos e ações que atuam sobre os sentidos, que causam emoções, procura-se impressionar as massas, aterrorizar os inimigos, despertar agressividade de seus próprios partidários. Além dos símbolos gráficos, plásticos e sonoros (...) são especificamente o emprego de bandeiras, uniformes, grandes manifestações, desfiles estrepitosos que caracterizam a propaganda deste tipo, empregada pelos ditadores (TCHAKOTINE, 1967, p.354).
Ainda nas definições de tipos de propaganda política, pode-se encontrar a tipificação definida por MUCHIAELLI (1978), como citada também por PICOLIN (2001, p.22): Propaganda de doutrinação, de expansão e de recrutamento – é a que visa conquistar a opinião pública e ampliar o espaço da doutrina política no momento em que conquistar o poder.Propaganda de agitação – tem a intenção de explorar as reivindicações e as aspirações frustradas dos grupos sociais, conhecendo bem suas necessidades.Propaganda de integração – tem
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como função criar uma unidade ideológica a fim de propiciar, ao grupo ou indivíduo que está no poder, legitimidade e autoridade, integrando o cidadão ao poder, fazendo-o sentir como mais um decisor.Propaganda de subversão – é a que visa realizar uma revolução tomando por base as condições psicológicas dos elementos do corpo social. DOMENACH (1963) também desenvolve uma divisão da propaganda política em dois tipos, a partir de dois grandes momentos da história do século XX: a Revolução Russa de 1917 e a ascensão do nazismo na década de 1930. São a propaganda de tipo leninista e a propaganda de tipo hitlerista. MEIOS, LEIS E TÉCNICAS DA PROPAGANDA POLÍTICA. Depois de relatar os diversos suportes para a propaganda política, DOMENACH (1963, p.40-45) desenvolve as principais leis de seu funcionamento, suas “regras de uso”: Lei de simplificação e do inimigo único – a propaganda deve sempre se empenhar na busca da simplificação, dividindo a doutrina e a argumentação em alguns pontos, definidos o mais claramente possível, traduzindo-os em slogans ou símbolos, para que sejam utilizados um de cada vez, atacando a cada fase um só objetivo e um só “inimigo”. Lei de ampliação e desfiguração – a ampliação exagerada de notícias, que é um processo jornalístico empregado de forma corrente pela imprensa de todos os partidos, colocando em evidência todas as informações favoráveis aos seus objetivos. As promessas, nesse caso, não devem ser pormenorizadas, mas sim desenvolvidas de modo mais surpreendente. Lei de orquestração – a repetição incansável das ideias simplificadas, através de formas diversas e em todos os meios possíveis, para que o receptor se veja cercado por elas. Também devem ser desenvolvidas versões para que todos os tipos de público compreendam plenamente o que está sendo afirmado. Lei da transfusão – a exploração, nos temas apresentados, do gosto popular, de sua mitologia, de seu complexo de preconceitos, de seus ódios, de seus amores, para que as pessoas vejam nas mensagens referências ao que elas, consciente ou inconscientemente, desejam ou concordam. Lei da unanimidade e de contágio – como as pessoas tendem a ter comportamentos e opiniões diferenciadas quando agem como indivíduos ou como membros de um grupo, deve-se preocupar para que haja na propaganda a impressão ou a ilusão de unanimidade, fazendo com que as pessoas creiam que estão ao lado da maioria de seu grupo. Isso também funciona com contágio, através de grandes manifestações populares.
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AS LEIS DE DOMENACH APLICADAS DURANTE O GOVERNO MILITAR DE COSTA E SILVA No livro “A propaganda política”, Jean-Marie Domenach apresenta as bases do pensamento do marketing político. É importante destacar que o autor não trata apenas de ações eleitorais, mas sim formas de controle da opinião pública e estratégias políticas para a chegada e manutenção do poder. O primeiro conceito que defende é a necessidade de concentrar os esforços da campanha em apenas um inimigo, deixando assim de gastar forças em várias frentes. Os militares tinham um alvo certeiro: os comunistas. As ações tomadas a partir do Movimento de 1964 são baseadas na luta para evitar que a esquerda chegasse ao poder, transformando o país em uma nova União Soviética ou China. Em discurso feito na convenção da Arena, partido pelo qual disputou as eleições, Costa e Silva defendeu o governo do Presidente Castello Branco citando como uma de suas vitórias a “dissolução do dispositivo comunista que, nos ameaçando, ameaçava todo o continente” (COSTA E SILVA, 1967, p. 171). O dispositivo comunista aparece em inúmeros discursos feitos pelo candidato, personificando o inimigo único. Para os militares todos os objetivos do Movimento de 1964 tinham como ponto central afastar da estrutura de poder as pessoas ligadas à esquerda, que colocavam em risco seu projeto de poder. Domenach (1955, p. 58) continua sua defesa apontando que “a forma simplificadora mais elementar e rendosa é evidentemente a de concentrar sobre uma única pessoa as esperanças do campo a que pertencemos ou o ódio pelo campo adverso”. Como exemplo de que os militares seguiram este aspecto da teoria do autor está o discurso de Costa e Silva feito às classes produtoras de Porto Alegre em julho de 1966. Neste, o candidato é duro no ataque ao antigo regime, acusando o governo deposto de aproveitador e corrupto: O que a Revolução teve, tem e terá em mira inflexivelmente é o combate à corrupção e à subversão. Não era possível que o país continuasse entregue a um bando de aproveitadores que, em vez de a ele servirem, serviam-se dele como de causa própria e, apesar de sua tenaz, irremediável reincidência, continuavam impunes e cada vez mais prestigiosos e prósperos. Não era possível, de outra parte, permitir a proliferação de focos subversivos, que tinham em mira a desagregação da forma constitucional do governo e, pior do que tudo, a sua substituição por um regime comunista (COSTA E SILVA, 1967, p. 173).
Domenach defende que “a boa propaganda não visa mais de um objetivo de cada vez. Tratase de concentrar o tiro em um só alvo durante dado período” (Domenach, 1955, p. 56). Para o autor a campanha não deve estar ligada a apenas um mote. Pelo contrário. Afirma apenas a necessidade de não dividir esforços, atacando vários pontos ao mesmo tempo. Em 1966 o Brasil enfrentava sérias dificuldades econômicas e o governo de Castello Branco enfrentava baixos índices de
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popularidade, como afirma Ronaldo Costa Couto (2003, p. 75), quando analisa a postura do Presidente Castello Branco, que trabalhava para aumentar a discussão a respeito do nome do futuro governante, adiando a decisão: [...] Ainda que a eleição fosse, de fato, um problema castrense – quem os militares indicassem seria eleito -, o comportamento do presidente pode ter sido influenciado pela impopularidade política do seu governo, decorrente, como visto, dos desgastes oriundos da política econômica recessiva e da própria ação revolucionária.
Assim, o discurso central da campanha tinha que ser pela defesa do país contra o comunismo, ponto de apoio do Movimento de 1964 e pela recuperação econômica, caminho seguido pelo candidato em seus discursos. Ainda na convenção da Arena, realizada em maio de 1966, no Rio de Janeiro, o candidato afirma que Castello recebeu do governo deposto uma herança catastrófica e mesmo assim conseguiu uma “retomada da marca do desenvolvimento econômico em bases mais conformes à realidade, mais estáveis e mais duradouras” (COSTA E SILVA, 1967, p. 172). Outro ponto defendido por Domenach (1955, p.61) que podemos verificar na campanha presidencial de Costa e Silva é a lei de amplificação e desfiguração. Segundo o autor,
A amplificação exagerada das notícias é um processo jornalístico empregado corretamente pela imprensa de todos os partidos, que coloca em evidência todas as informações favoráveis aos seus objetivos: a frase casual de um político, a passagem de um avião ou de um navio desconhecidos, transformam-se em provas ameaçadoras. A hábil utilização de citações destacadas do contexto constitui também processo frequente.
Os atos de violência adotados pela esquerda como forma de combater o regime em vigência foram aproveitados pelo governo como armas para a manutenção do poder. Após o atentado em Guararapes, a notícia foi amplamente veiculada e em seus discursos o candidato acusava a esquerda e reforçava a necessidade de luta contra o terrorismo. O atentado que tinha como objetivo atingir o futuro Presidente foi na verdade uma senha para que o governo acentuasse o discurso da necessidade de perseguição aos comunistas, taxados como pessoas que seguiam o interesse estrangeiro e apenas colaboravam para aumentar o sentimento de insegurança da população. A discussão deixava o terreno ideológico para ganhar as páginas policiais. Ronaldo Costa Couto (2003, p. 79) relata o conteúdo de uma entrevista com o General Leônidas Pires Gonçalves, ex-ministro do Exército no período de 1985 a 1990 em que a importância deste atentado é levantada: Nós fizemos uma revolução, não botamos ninguém no paredão, não matamos ninguém. O máximo que fizemos foi cassar, com dois “esses”. Quem é que começou com a violência? Guararapes, uma bomba colocada por eles! Mataram
32 um almirante, que era irmão do sogro de um general meu. Quem começa não sabe onde vai acabar. Isto é como se fosse uma avalanche. Nós tínhamos plena convicção de que estávamos fazendo o melhor para o Brasil.
Não cabe aqui a análise do que foi dito pelo General, mas sim a certeza de que com o atentado os militares sentiram-se no direito de revidar e ainda por cima passavam a ter uma justificativa para o uso da força. A partir de então as forças armadas eram as vítimas de um processo terrorista que não queria as mudanças que vinham sendo implantadas no sentido de evitar a ameaça comunista no Brasil. Curiosamente, passados mais de trinta anos do atentado um integrante de movimento esquerdista admitiu que a ação de Guararapes fosse realmente realizada por pessoas ligadas ao grupo. A organização era a Ação Popular e quem falou a respeito foi o sociólogo Herbert de Souza: O atentado foi obra de dois militantes que resolveram. Soubemos logo depois. Ficamos em pânico: morreu um almirante, morreu um jornalista. Se eles descobrem e vêm em cima, destroem a Ação Popular em dias. (MORAIS NETO, 1997, p. 240)Costa e Silva ainda explorou o atentado em discurso proferido em agosto de 1966 na cidade de Goiânia : Perturbar o processo revolucionário – eis o que tinha em mira o atentado do Recife – que foi, sem dúvida, um primeiro tempo de ação, a que outros se seguiriam ou – sabe Deus! – se seguirão. Perturbar o processo revolucionário equivaleria, em última análise, a perturbar a imensa obra de restauração nacional iniciada pelo insigne homem de Estado que é o Marechal Castello Branco e a regredir ao caos político, administrativo, econômico e financeiro (COSTA E SILVA, 1967, p. 19).
Costa e Silva destaca o estado de medo que a oposição tentava instalar no país por meio de atentados daquele tipo. Faz um aviso - quase soando como uma ameaça – de que as ações violentas por parte da esquerda tinham tudo para continuar. Esta afirmação reforça a ideia de que era necessário um governo forte para controlar esta situação de perigo iminente. E como dito anteriormente Costa e Silva se apresentava como o líder que conduziria o país à paz e prosperidade. Outro ponto a destacar é o elogio ao avanço conseguido pelo atual Presidente que recebera um país com enormes problemas e não podia voltar ao estado anterior ao Movimento de 1964. O país devia continuar seu caminho de ajustes e desenvolvimento e os militares estavam ali para garantir isso. Fica assim claro o uso da lei da ampliação. O atentado de Guararapes é apenas um exemplo de como os líderes militares buscaram fazer uma leitura dos acontecimentos que beneficiassem suas intenções e como detinham pleno controle da mídia tinham seu caminho facilitado. A terceira lei de Domenach (1955, p. 63) que encontramos na campanha de Costa e Silva é a Lei da Orquestração. Consiste da repetição exaustiva dos principais temas da campanha, como explica o autor: “A orquestração de dado tema consiste na sua repetição por todos os órgãos de propaganda, nas formas adaptadas aos diversos públicos e tão variadas quanto possível”. No entanto
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o autor destaca que o político deve cuidar para que a campanha não fique monótona, uma vez que poucos temas serão abordados com grande frequência. A diversidade de meios existente hoje colabora para que uma campanha consiga esta disseminação da mensagem de diferentes formas. O conteúdo é o mesmo, mas a forma como o tema é abordado no rádio, na televisão e cada vez mais na internet é absolutamente diferente. No entanto, tratamos aqui de uma eleição ocorrida em 1966, período no qual a televisão ainda não tinha grande penetração popular, os jornais eram destinados à elite intelectual, uma vez que a gama de analfabetos no país era muito alta, sobrando assim o rádio e os discursos do candidato nos eventos promovidos pela campanha. Assim, a forma do discurso pouco mudava, sendo apenas dada diferente ênfase de acordo com o público a ser atingido. O autor passa aqui dois pilares de uma boa campanha de comunicação eleitoral: a necessidade de fazer com que o tema central da campanha seja constantemente debatido pela sociedade, mas principalmente selecionar tal tema das questões que mais afligem os eleitores. O tema deve sair da população e não ser imposto pelo candidato. Por fim, Domenach (1955, p. 69) coloca que “a condição essencial para uma boa orquestração, em todos os casos, é a cuidadosa adaptação do tom e da argumentação aos diversos públicos”. Costa e Silva tinha esta habilidade. Seu discurso podia ter o mesmo tema, mas quando tratava com a tropa usava um tom, transformando-se no general; quando falava com o povo ajustava os detalhes para tornar-se próximo, era o futuro Presidente. Em junho de 1965, na formatura do curso da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, no Rio de Janeiro, Costa e Silva dá um exemplo do tipo de discurso que usava com a tropa. Nele, o então Ministro da Guerra indica aos jovens oficiais a importância do respeito à hierarquia na instituição militar. O recado era claro. Ninguém no exército deveria discutir as ordens dos superiores. Quando este discurso foi proferido, a candidatura de Costa e Silva ainda não era oficial. Mas, na posição de Ministro da Guerra, cabia a ele controlar o exército. A mesma instabilidade na tropa que desgastava a figura do Presidente Castello Branco, poderia tornar-se um problema em seu futuro governo. Como já destacado, Costa e Silva era um homem de tropa e sabia exatamente como se dirigir aos soldados ganhando assim sua confiança e apoio político e militar. Em um discurso proferido em sua cidade natal, Taquari, no Rio Grande do Sul, o então candidato à Presidência fala sobre a volta da democracia: Almejo, portanto, sem prejuízo dos interesses supremos da Revolução de março de 1964, que salvou o Brasil do pior que poderia acontecer-lhe, almejo, dizia, encaminhar o processo da redemocratização completa do país, de sorte que ao povo sejam restituídos tão rapidamente quanto possível os seus direitos primordiais, dele retirados em hora dificultosa, que exigia tal providência como medida de salvação nacional, a fim de evitar-se a desordem ardentemente desejada por aqueles que
34 armavam e continuam armando, por todos os meios, a impossível restauração de um ignominioso estado de coisas. Contai, pois, comigo e anotai o compromisso que assumo, aqui e agora, de promover a redemocratização completa do nosso sistema político e de resguardar decididamente as conquistas da Revolução (COSTA E SILVA, 1967, p. 164).
Observando os detalhes deste discurso podemos reparar que o candidato falava com seus dois públicos. Quando garantia que o Movimento de 1964 não regrediria estava mandando um recado aos militares que não aceitavam a volta aos quartéis, uma vez que na visão deles ainda existia o perigo comunista pairando na sociedade brasileira, fato este ressaltado por Costa e Silva quando cita a existência de algumas pessoas com interesse de tentar a retomada da situação prémarço de 1964. A quarta lei de Domenach (1955, p. 73) que podemos verificar na campanha de Costa e Silva é a da “unanimidade e de contágio”. Segundo o autor, A maioria dos homens tende, antes de tudo a “harmonizar-se” com seus semelhantes; raramente ousarão perturbar a concordância reinante em torno deles, ao emitir ideia contrária à ideia geral. Decorre desse fato que inúmeras opiniões não passam, na realidade, de uma soma de conformismos, e se mantém apenas por ter o indivíduo a impressão de que a sua opinião é esposada unanimemente por todos no seu meio. Em consequência, será tarefa de a propaganda reforçar essa unanimidade e mesmo criá-la artificialmente.
No regime militar a imprensa não seguiu um rumo único em suas ações e opiniões. Não são raros os exemplos de meios de comunicação que apoiaram o regime e outros que foram frontalmente contrários. Existem também os casos de veículos que passaram de um lado para o outro ao sabor dos acontecimentos. Um bom exemplo disso é o jornal Correio da Manhã, que defendera a posse de Jango, quando da renúncia do então Presidente Jânio Quadros, e lançou em 31 de março de 1964 um editorial com o título “Basta”, onde atacava as posições do governo, (GASPARI, 2002, p.64). Entretanto, com o passar do tempo à posição do jornal foi se afastando dos ideais militares e este sofreu forte perseguição do governo. Obviamente não podemos afirmar que a posição da mídia foi responsável pelos acontecimentos de março de 1964, porém sua participação foi importante, uma vez que afirmou o sentimento contrário ao crescimento do comunismo. Este efeito é mais forte na classe média, já que os mais pobres tinham pouco acesso aos jornais, principalmente por conta do analfabetismo. Os militares aproveitaram o vento a favor do período anterior à tomada do poder contando com o apoio de parte da mídia. Posteriormente, quando ocorreu o afastamento dos veículos de comunicação que discordavam das atitudes do novo regime usaram a censura como arma para controlar o conteúdo veiculado. Ora, a formação da opinião pública ficava toda ao lado das intenções dos militares, uma vez que a população ficou sem acesso às informações contrárias ao regime. O controle da mídia é essencial para a manutenção de um regime autoritário, caso contrário às ações que ocorriam nos
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porões da ditadura seriam divulgadas abertamente e dividiriam a opinião pública. Isto passou a ocorrer apenas no final do processo, quando o grupo militar chefiado pelo então Presidente Ernesto Geisel decidiu ser o momento de iniciar o processo de abertura do regime. O processo democrático prevê a existência de diferentes opiniões. Direita e esquerda, situação e oposição devem debater e usar a mídia e outras ferramentas de comunicação como forma de conseguir adeptos às suas ideias. Um regime de exceção trabalha de forma oposta. O papel da mídia era importante para criar a instabilidade do governo de João Goulart, mas precisava ser controlada para evitar que o mesmo processo ocorresse quando os militares tomassem o poder. O trabalho desse segundo momento segue o que Domenach (1955, p. 73) afirma na continuação de seu livro: Criar a impressão de unanimidade e dela servir-se como de um veículo de entusiasmo e de terror, tal é o mecanismo básico das propagandas totalitárias, conforme tivemos a oportunidade de vislumbrar a propósito do manejamento dos símbolos e da lei do inimigo único. Neste processo de consolidação da imagem de força, os militares contaram com a população, como vimos na Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Reunir em uma ação popular mais de um milhão de pessoas é um evento complicadíssimo até nos dias de hoje, mesmo com o apoio significativo das novas mídias existentes. A impressão passada por ações como esta era a de que o governo João Goulart estava pronto para ser derrubado e influenciava os indecisos a tomar o partido dos militares. Esta imagem de unanimidade recebeu a colaboração de parte da imprensa, que se mostrava frontalmente contrária às posições do governo, como vimos anteriormente no exemplo do jornal O Estado de São Paulo que defendia o fechamento do Congresso. A participação da imprensa é fundamental para criar a impressão de que a maior parte da sociedade apoia uma posição. Nas disputas políticas vemos isto acontecer a todo o momento. Não é à toa que os políticos lutam para conseguir concessões de rádio e televisão e montar grandes estruturas jornalísticas. A família Collor, em Alagoas, a família Magalhães na Bahia e outras, principalmente no nordeste detém grande força midiática para apoiar seus objetivos políticos. A população, com acesso restrito à informação é assim mais facilmente influenciada. .
CONSIDERAÇÕES FINAIS Vistas as leis que Domenach aponta como essencial para a boa execução do marketing político tem ainda outro ponto que o autor cita como importante de ser controlado pelos atores da política: a contrapropaganda. Por ela entendemos como a ação de combater as teses apresentadas
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pelos adversários, conseguindo assim sua desqualificação junto ao público (DOMENACH, 1955, p. 83). O autor apresenta sete regras para sua boa utilização. A primeira é observar e destacar quais pontos a propaganda adversária está utilizando. A isto se segue a classificação por ordem de importância dos temas abordados pelo adversário. Dessa forma a comunicação pode ser combatida mais facilmente. A segunda é concentrar os ataques aos pontos fracos da candidatura adversária. “Contra uma coalizão de adversários, o esforço incide naturalmente no mais débil, no mais hesitante e é nele que se concentra a propaganda” (DOMENACH, 1955, p. 83). Além do elo mais fraco, a contrapropaganda deve também centrar força nas teses mais fracas defendidas pelo adversário. No caso do regime militar brasileiro, a imagem de democracia era este ponto fraco e a oposição constantemente o acusou de destruir a liberdade democrática. A terceira regra tem relação com a força do adversário. O autor adverte para jamais atacar diretamente a comunicação adversária quando esta for poderosa. Quando a comunicação é bem recebida pelo público, o ataque frontal não desgastará o adversário, mas sim criará uma imagem de perseguição, o que não é bom para quem ataca. Por este motivo a regra anterior ganha força, ou seja, atacar apenas o que for fraco e nunca o que é forte. A quarta é atacar e desconsiderar o adversário. Este ataque deve ser bem planejado, usando principalmente declarações passadas como arma. Aqui podemos encontrar armas tanto para os militares quanto para a oposição. Os militares acusavam a esquerda de tentar destruir a democracia brasileira, baseados no crescimento da influência comunista no governo João Goulart, acusando os dirigentes dos partidos de esquerda de entregarem o controle do país ao partido comunista Russo, como podemos ver em discurso de Costa e Silva durante sua campanha: Exemplo mais claro, impossível de uso do próprio discurso de um adversário contra ele mesmo. Obviamente esta declaração do líder do Partido Comunista Brasileiro pode ter sido tirada de contexto para produzir maior efeito por Costa e Silva, mas o importante é que, ouvida dessa forma, coloca seu autor em má situação. O quinto ponto apresentado pelo autor é colocar a propaganda do adversário em contradição com os fatos. O discurso militar, principalmente durante o governo Castello Branco prometia a reabertura do sistema político. Entretanto os atos institucionais decretados por ele, as cassações de mandatos e a decretação das eleições indiretas deram à oposição material suficiente para contradizer o discurso e os fatos do governo. Este é um dos motivos para o desgaste do Presidente Castello, o que facilitou o caminho de Costa e Silva para chegar ao poder. O mais interessante é que a própria oposição, por meio dos ataques a Castello facilitaram a chegada do segundo general ao poder.
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A sexta regra apresentada por Domenach é a ridicularizarão do adversário, imitando seu estilo e argumentos, ou inventando anedotas que o envolvam. Costa e Silva foi vítima deste tipo de ataque durante sua campanha, como relata o General Jayme Portella de Mello (1979, p. 356) em seu livro: Houve, logo que deixou o ministério, um surto de “piadas” pré-fabricadas, partidas de elementos descontentes com a sua candidatura, umas tentando ridicularizá-lo e outras procurando dar-lhe uma falsa imagem de militar caudilho e, até mesmo, ditatorial. O uso das piadas é uma forma rápida de disseminar uma ideia junto à população. Domenach (1955, p. 86) aponta esse poder dessa técnica: Sem dúvida nenhuma, é a arma dos fracos, mas a rapidez com que se disseminam as pilhérias que jogam no ridículo os poderosos, a espécie de condescendência que elas encontram, por vezes, entre os próprios adeptos – fazem do escárnio um agente corrosivo cujos efeitos não são de desprezar. Em todos os tempos os cançonetistas têm tomado o partido da oposição. A sétima e última regra da contrapropaganda é fazer predominar o clima de força. Um dos pontos mais fortes de ataque é tentar empregar um determinado termo para denominar o adversário. No Brasil, a oposição se referia aos militares como ditadores. Em contrapartida, para o governo a oposição era formada por comunistas ou subversivos. Como podemos perceber todos os termos carregavam forte teor pejorativo. O candidato que consegue fixar esta imagem negativa no oposicionista terá grande vantagem. Por fim, é importante ressaltarmos que a propaganda política seja favorável, ou contrária, deve sempre ficar atenta à opinião pública. Domenach cita o papel importante que teve Goebbels, ministro da propaganda nazista da Alemanha, no poder do país. Os demais ministros do governo o consultavam sobre certas decisões que podiam causar problemas à imagem do governo. Este se posicionava contra quando percebia que os custos políticos seriam altos demais (DOMENACH, 1955, p 89). O domínio dos meios de comunicação confere ao poder central vantagem no controle do povo. Porém, o autor alerta que a repetição em excesso pode ser um problema para a propaganda política, uma vez que o público pode se cansar de sempre ouvir a mesma coisa. Observando os caminhos apontados pelos diversos autores, podemos perceber que o marketing político ou eleitoral guarda semelhanças e diferenças frente a seu ponto de origem, o comercial. Os caminhos que devem ser seguidos por um candidato dependem do tipo de eleição e de eleitorado que estão em questão. Costa e Silva tinha como seu real eleitorado os militares, que garantiram sua chegada ao poder. Entretanto como veremos no decorrer do trabalho sua campanha manteve sempre um foco na população, buscando assim o posicionamento adequado para conseguir chegar ao poder e manter-se nele pelos cinco anos de seu manto.
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MOBILIZAR É COMUNICAR ESTRUTURAS INTERPRETATIVAS: APONTAMENTOS PARA DISCUSSÃO E PESQUISA SOBRE A COMUNICAÇAO DOS ATORES COLETIVOS1
Kelly Cristina de Souza Prudencio Universidade Federal do Paraná
A noção de cidadania esteve por muito tempo associada apenas à luta pela afirmação de direitos junto ao Estado. Embora a compreensão do que venha a ser cidadania extrapole essa dimensão, geralmente a ideia é remetida a processos mais institucionalizados de relacionamento entre atores da sociedade civil, categoria entendida como locus da cidadania e reservatório de virtudes, e o Estado, sempre considerado reticente em relação aos direitos sociais. Essa dicotomia não ajuda a explicar a relação entre Estado e sociedade civil e ainda coloca a ação coletiva como representante de todas as boas intenções, produzida por agentes desinteressados e sem conflitos. Nesse sentido, oblitera também a discussão sobre cidadania. Outra consequência dessa redução do problema é a defesa de uma comunicação alternativa, atribuída aos atores sociais, como espaço de relações democráticas, solidárias e livres de disputa de poder. Este artigo pretende colocar algumas questões para reflexão. Em primeiro lugar, a crise ou redefinição da ideia de cidadania como consequência da intensificação do processo de individualização. Em segundo lugar, a emergência das redes sociais como enfrentamento dessa condição e, finalmente, a importância da comunicação como elemento de empoderamento de coletivos, considerando que esse fenômeno contém ambivalências às quais é preciso antentar . Por último, apresenta alguns aspectos a considerar na observação de iniciativas de atores coletivos na internet, espaço que tem sido bastante explorado para expressão das demandas coletivas, com base na frame analysis de Goffman.
CIDADÃOS, INDIVÍDUOS E ATORES COLETIVOS EM REDE A questão da cidadania está atrelada às discussões sobre emancipação humana. Uma idéia bastante difundida foi desenvolvida principalmente por Beck (1997) e Bauman (2001), os quais afirmam que o caminho da emancipação, no que eles chamam de primeira modernidade, era paralelo à busca de segurança. Uma das formas de aliar esses desejos modernos foi representada 1
Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Cidadania do XXI Encontro da Compós, na Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, de 12 a 15 de junho de 2012.
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pela ideia de classe. Para ambos, embora a identificação de classe tenha um lugar muito próprio na história, a ideia de emancipação que carregava era contraditória, na medida em que aprisionava seus membros numa identidade fixa (o sujeito histórico). Duas características, no entanto, fazem da situação atual (alta modernidade ou modernidade líquida) diferente: 1) o declínio da ilusão moderna sobre um fim do caminho, um estado de perfeição a ser atingido amanhã, ou seja, fim de uma visão teleológica da história; 2) a desregulamentação e a privatização das tarefas da “razão humana” para a auto-afirmação do indivíduo. O discurso ético-político se desloca da “sociedade justa” para o dos “direitos humanos”. No lugar da universalização - de referências culturais e de direitos - se instala a defesa da diferença. Os autores são enfáticos ao afirmar que essa virada do coletivismo para a individualização não foi uma escolha dos indivíduos. Beck fala dela como uma “solução biográfica das contradições sistêmicas” e Bauman como uma “autodeterminação compulsória”. Assim, não sendo uma escolha, a individualidade é uma fatalidade. A auto-suficiência é uma ilusão e uma crescente auto-atribuição de culpa pelo próprio fracasso, seja para conseguir um emprego ou para manter uma relação afetiva. Ironicamente, o outro lado da liberdade ilimitada é a insignificância da escolha. A impotência é sentida como mais odiosa, frustrante e perturbadora em vista do poder que se esperava que a liberdade trouxesse. Mas o ponto dessa discussão que nos interessa é o que Bauman (2001, p. 40-41) chama de abismo entre individualidade como fatalidade (de jure) e individualidade como capacidade realista e prática de auto-afirmação (de facto). Aí está, segundo ele, ao mesmo tempo a contradição e o desafio da nova cidadania: a transposição desse abismo. Mas como pensar a construção dessa ponte, se o outro lado da individualização parece ser a corrosão e a lenta desintegração da cidadania? Com base em Alexis de Tocqueville,Bauman sugere que o indivíduo é o pior inimigo do cidadão. O cidadão tende a buscar seu próprio bem estar através do bem estar de todos, enquanto o indivíduo tende a ser cético em relação ao bem comum. Cuidados e preocupações dos indivíduos enchem o espaço público até o topo. O que nos leva a aventurar-se no palco público não é tanto a busca de causas comuns, mas a necessidade desesperada de fazer parte da rede e formar comunidades “cabide”, frágeis e transitórias. É por isso que enfrentar as consequências da individualização é um trabalho coletivo, político. Se antes cabia aos cidadãos a defesa da esfera privada contra a invasão das tropas da esfera pública e do Estado opressor, hoje trata-se de defender o domínio público. Em outros termos, reequipar e povoar o espaço público desertado pelo cidadão interessado. A questão é que o indivíduo de jure (pacato cidadão da civilização) não pode tornar-se indivíduo de fato sem antes tornar-se cidadão. Para isso, é necessário repovoar a ágora, o lugar do encontro, debate e negociação entre o indivíduo e o público. Se a emancipação tem algum
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significado hoje é o de reconectar as duas faces do abismo. Ou seja, pensar formas de universalização de direitos num contexto de emergência de individualidades E aqueles que reapropriaram as ferramentas perdidas da cidadania são os únicos construtores à altura da tarefa de erigir essa ponte em particular. Esse artigo propõe pensar que um dos construtores dessa ponte sejam alguns atores sociais contemporâneos. A ação coletiva indica a forte presença de demandas de caráter individualista ressignificadas para o debate público. No vazio das instituições, há um renascimento não institucional do político. Isso não significa desengajamento, mas um engajamento múltiplo e contraditório (Beck, 1997). Isso mostra que a ação coletiva ainda é importante para anunciar as mudanças em curso na sociedade. Então, ao invés de lamentar as demonstrações de resignação diante de situações adversas, seria interessante voltar o olhar para a ambivalência dos processos sociais, como sugere Bauman. Esses atores não atuam como “blocos do eu sozinho”, mas se direcionam para a articulação em redes, como um tipo de resposta aos problemas gerados pela globalização. A ação coletiva, ainda que com uma nova qualidade, permanece como ponto de ligação, ou transposição do abismo, entre o indivíduo e o cidadão. Analisar a ação coletiva pela perspectiva das redes, implica em considerar algumas de suas diversas dimensões. As possibilidades levantadas por Scherer-Warren (2005) apontam para quatro dimensões de sociabilidade - reciprocidade, solidariedade, estratégia e cognição. A reciprocidade se constitui como princípio básico para a formação de redes e se expressa nas redes de vizinhança e de serviços e favores. A solidariedade já permite extrapolar os limites locais da ação e pode ser notada nas organizações voluntárias e mais recentemente no que ficou conhecido como economia solidária. A dimensão estratégica é o elemento organizativo, articulador e informativo das redes. Expressa-se nas redes de denúncias (campanhas específicas), de desobediência civil (acampamentos, marchas), de combate à exclusão e de negociação (agenda 21 e orçamento participativo). A dimensão cognitiva refere-se à construção de significados para a compreensão da sociedade. As mensagens implícitas das redes têm sustentado um discurso de desfundamentalização (abertura para a coexistência de diferentes projetos de sociedade), descentramento (fim da crença em um sujeito da transformação) e des-essencialização (reconhecimento do outro como igualmente legítimo). A dimensão estratégica tende a ser quase um sinônimo de rede, uma vez que se constitui como forma de apresentação dos atores coletivos na esfera pública. Possibilita a visualização dos coletivos articulados, atribuindo-lhes legitimidade política. É por essa dimensão que as redes adquirem visibilidade pública, recurso fundamental para a negociação dos interesses em jogo. A partir desse ganho simbólico, as redes podem então inserir sua interpretação dos rumos do desenvolvimento social, oferecendo novos sentidos para a realidade.
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Em virtude das características das redes, a ação coletiva contemporânea mantém um relacionamento estreito com os meios de comunicação, não apenas como instrumentos de difusão de informação, mas como elemento constitutivo que entra no planejamento da ação, ou seja, como estratégia de mobilização, tanto dos seus quadros como da opinião pública. A partir de Bauman (2003), significa pensar que eles oferecem uma oportunidade de participação e um foco compartilhado de atenção, pelos quais os indivíduos se identificam a outros, ainda que a distância. Nesse sentido, os meios de comunicação facilitam o acesso a uma “comunidade do mesmo”, abrigo contra a insegurança e os riscos da sociedade contemporânea. Dessa forma, o espaço criado pelos meios de comunicação se constitui como espaço de mediação e tradução das questões que importam aos atores sociais. Esse contexto também redefine a ação coletiva contemporânea, que passa a ter na relação com a comunicação um fator de empoderamento dos coletivos em rede. Assim, os embates em torno da produção de informação passa a ser uma das principais prerrogativas da ação coletiva contemporânea. Trata-se, portanto, de observar as formas pelas quais os atores coletivos se mobilizam em torno de suas questões a partir da e pela comunicação, na forma de agendamento e/ou de produção de significados, naquilo que comumente se chama de comunicação alternativa. Ambas as iniciativas podem ser consideradas como esforços para estabelecer discussões merecedoras de processos de deliberação pública. O que é preciso ter em conta é que nas sociedades contemporâneas um dos desafios políticos é justificar publicamente as demandas particularizadas dos atores sociais (SILVEIRINHA, 2009). Para isso, de acordo com o marco deliberacionista, os atores precisam ser capazes de construir argumentos racionais, que sejam publicamente válidos. Silveirinha (2009) reconhece, com base em Young (1996, 2000) os limites da teoria deliberacionista e do reconhecimento. Entre eles, Young ressalta que a linguagem pública exclui questões expressas sem o vocabulário por ela exigido, criando um constrangimento institucional. Para Young, é preciso considerar o direito de atores de participar do debate e reconhecer outras formas de expressão para além do argumento racional. Fraser (2000) argumenta que no lugar de erguer uma defesa de minorias identitárias, o que segundo ela pode levar à reificação da identidade e direcionar a ela equivocadamente o objeto do reconhecimento, é preciso atentar para desigualdades enraizadas nas estruturas de classe e nas hierarquias de status (o que chamou de teoria bifocal), sem reduzir uma à outra. Trata-se de lutar por redistribuição de poderes, de promover uma “paridade de participação” (FRASER, 2003), portanto, uma paridade comunicacional, para que haja condições para o debate público. Segundo ela, a diferença, a particularidade dos atores, devem ser pensados como recurso e não como
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obstáculo ao acordo coletivo (sobre o que deve ser objeto de deliberação, qual é a injustiça que se quer combater e como fazê-lo). Para enfrentar a assimetria que existe entre os atores no debate público, Fraser vai valorizar as arenas discursivas paralelas. Pois, segundo Silveirinha (2009, p. 51), é preciso então lidar com formas pelas quais relações de poder distorcem a deliberação. Considerando que os discursos são sempre distorcidos, trata-se então de considerar essas “distorções” como encaminhamentos interpretativos que os atores sociais dão aos seus argumentos. Ou seja, os frames, entendidos como formas pelas quais os atores mobilizam significados para a sua ação para disputar validades para suas discussões. É que propõe a frame analysis de Erving Goffman (1974), aqui aliada à teoria da mobilização política (MP).
COMUNICAR É MOBILIZAR ESTRUTURAS INTERPRETATIVAS Poucas teorias valorizam a comunicação midiática como um elemento importante na compreensão de fenômenos de ação coletiva, especialmente de movimentos sociais. Entre os principais autores que indicam a importância da comunicação e da mídia para a compreensão da mobilização política está Gamson (1990), que procura examinar o discurso da mídia e o processo de difusão e disseminação dos movimentos pela mídia. Embora não tratem da mídia diretamente, mas de comunicação, Sidney Tarrow e Bert Klandermans apontam para a construção da identidade como processo negociado entre os movimentos e seus interlocutores (GOHN, 1997), a partir do que é possível situar a mídia como um deles. Um ponto de partida interessante nesse sentido é a teoria da mobilização política (MP), que entende que o aspecto simbólico das ações dos atores coletivos não pode ser deixado de lado pelos pesquisadores na hora de analisar os movimentos sociais. Entre outras características, a MP busca na psicologia social e no interacionismo simbólico os elementos para compreender o comportamento coletivo dos movimentos sociais (GOHN, 1997). É principalmente em Ervin Goffman (1974) que a MP encontra apoio para suas análises. Ele consegue elaborar uma sociologia voltada essencialmente para o cotidiano, no qual a vida é um verdadeiro drama, com homens e mulheres lutando exaustivamente para moldar uma imagem de si mesmo convincente para os outros (GOHN, 1997:74). Para compreender melhor a dinâmica desse processo, o autor utiliza o conceito de frames, que no caso dos movimentos sociais pode ser entendido como sendo “marcos referenciais significativos e estratégicos da ação coletiva”. O conceito de frame no contexto dos movimentos sociais foi introduzido por Snow et al. (1986) e posteriormente aplicado e desenvolvido por outros como Gamson, Meyer, Gerhards,
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Rucht, Walgrave e Manssens. (VAN AELST e WALGRAVE, 2004). Refere-se genericamente à forma pela qual os atores coletivos organizam e expressam os significados da ação. Um dos lugares onde os frames de um movimento social podem ser identificados (e analisados) é a mídia. Praticamente todos os movimentos sociais contemporâneos utilizam a mídia estrategicamente como um espaço para obter visibilidade e debater suas demandas. É nesse espaço que os atores coletivos buscam inscrever no espaço público sua direção interpretativa. Desta forma, os frames podem ser reconhecidos nasações de visibilidade dos movimentos, como materiais de divulgação e nos próprios protestos, como sugere Tarrow (2009). Diante disso, a dimensão simbólica da ação coletiva não pode ser negligenciada pela análise sociológica. Ela é que auxilia na apreensão da ação como ela é definida pelos próprios atores, o que, tanto para Castells (2000) quanto para Melucci (1999) é a chave para a compreensão dos movimentos sociais contemporâneos e das estratégias de ação empregadas. Os movimentos contemporâneos são profetas do presente. Não têm a força dos aparatos, mas a força da palavra. Anunciam a mudança possível, não para um futuro distante, mas para o presente da nossa vida. Obrigam o poder a tornar-se visível e lhe dão, assim forma e rosto. Falam uma língua que parece unicamente deles, mas dizem alguma coisa que os transcende e, deste modo, falam para todos. (MELUCCI, 200, p. 21).
Por isso, o autor considera as formas de comunicação dos atores um dos níveis de análise significativos (junto com os processos de mobilização, formas organizativas, modelos de liderança e ideologias). É esse aspecto da ação coletiva que Scherer-Warren (2005) define como dimensão cognitiva das redes de movimentos sociais, a qual refere-se à faculdade dos atores em rede de atribuir novos significados para a ação. Assim, os atores sociais contemporâneos evidenciam esse caráter da sociedade contemporânea ao lutarem pela nomeação dos problemas discutidos de uma forma própria, orientada por seus interesses que, por sua vez, opõem-se aos significados estabelecidos pelas agências definidoras dos códigos e linguagens, principalmente a mídia. Esse conflito se estabelece numa relação de oposição entre dois ou mais atores que se confrontam para o controle de recursos, aos quais ambos atribuem valor (MELUCCI, 2001, p. 36). Os significados entram na constituição do campo de embate, estão abertos a interpretações múltiplas e, portanto, nunca sob total controle. Justamente nessas vulnerabilidades abertas pelos processos de atribuição de significado que Goffman (1974) localiza o trabalho dos frames. A conexão entre o particularismo do ator e certos valores gerais (verdade, liberdade, justiça, emancipação, etc.) é um mecanismo chave da atividade de frame de um ator coletivo.
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Mas estes frames são ambivalentes. Os adversários compartilham o mesmo campo de ação, mas o interpretam de maneiras diferentes, como parte do esforço de submeter o outro ao seu controle. Essa interpretação é também misinterpretation, na medida em que o outro é destituído de legitimidade. Para Melucci (1996, p. 356), a tarefa da análise sociológica é desvendar o campo além dos frames particulares dos atores e revelar suas tensões internas. Ou seja, a análise pode detectar a ambivalência desses discursos e reconhecer o campo de conflito comum aos adversários. Nesses termos, o uso estratégico da comunicação se encontra em todos os movimentos contemporâneos. Através dela, a percepção do mundo é alterada, na tentativa dos atores de tentar se livrar da codificação imposta pelos frames estabelecidos. Na perspectiva da frame analysis, esses embates são entendidos como framecontests. Na verdade, somente nos momentos em que um frame estabelecido é desafiado é que suas margens são reveladas. Na perspectiva da MP, a ação coletiva é o resultado do aproveitamento de oportunidades políticas. Segundo Kriesi et. Al. (citado por TARROW, 2009, p.99), essas oportunidades precisam ser conhecidas e, portanto, devem ser vistas. Mas para que a ação desemboque na formação de movimentos sociais, o processo exige que os atores (challengers) empreguem repertórios de confronto conhecidos, enquadrem suas mensagens e construam estruturas de mobilização unificadoras. As oportunidades oferecem informação para a mobilização quando revelam aliados e expõem fraquezas dos adversários. “Uma vez formados e ao informarem sobre suas ações, os movimentos criam2 oportunidades – para seus próprios apoiadores, para os outros, para os partidos e para as elites” (TARROW, 2009, p.100). A criação das oportunidades depende, portanto, da conquista de um certo espaço na mídia de massa, a única instituição capaz de espraiar os frames da ação coletiva de modo a construir uma imagem unificadora para os atores engajados naquela ação. Há nesse processo um conjunto de interações entre diferentes atores sociais, com resultados imprevistos. Koopmans (2002, p. 4) afirma que os movimentos precisam da mídia para mobilização, validação e alargamento do escopo do conflito; precisam introduzir seu discurso na esfera pública a fim de conseguir adesão; a mídia valida o fato que o movimento é um jogador importante; e a introdução ou subtração de jogadores altera relações de poder. Mas a mídia também é crucial para o fluxo de comunicação da direção inversa: o discurso midiático é fonte de informação estratégica nas quais os ativistas baseiam suas decisões e mesa de reuniões para avaliação de estratégias e, como tal, provê de informação para posteriores rounds de interação. A maneira pela qual essa interação se dá é pelo concurso de enquadramentos interpretativos dos atores em disputa (frame contest). Os frames são dispositivos enfatizadores de significados atribuídos pelos atores sociais às injustiças de uma condição que compartilham. É o trabalho de 2
Grifo do autor.
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nomear descontentamentos e construir quadros de significado mais amplos que orientem a ação em contextos particulares. O momento em que esses frames ficam visíveis é no confronto político aberto (TARROW, 2009). O processo de framing visa a mobilização do consenso em torno de um problema, o que seria inimaginável sem a interação com a mídia. De acordo com Klandermans (1988), a formação do consenso produz definições coletivas de uma situação, mas não produz ação coletiva. Para isso, é preciso difundir as perspectivas de um ator social entre partes de uma população. É aí que se instala a disputa de significados com outros atores sociais, entre eles, o sistema político e a própria mídia. A mídia é uma fonte difusa de formação de consenso, de difícil acesso para os movimentos (TARROW, 2009). Por isso, toda estratégia de framing recorre a sutis transformações, propiciadas pelas oportunidades políticas contingentes, do quadro interpretativo abrangente (master frame). É a combinação de novos quadros interpretativos inseridos numa matriz cultural que produz quadros interpretativos explosivosde ação coletiva. Combina-los depende dos atores envolvidos na luta, dos oponentes que enfrentam e das oportunidades para a ação coletiva. (TARROW, 2009, p, 158).
Daí que o jogo com a mídia não é suficiente. Justamente porque a disputa por enquadramento é assimétrica – os atores têm maior ou menor capacidade argumentativa e a mídia tende a obscurecer os argumentos dos atores sociais “fracos” –, cresce a necessidade de criar espaços alternativos de debate. Assim, ao mesmo tempo em que é preciso agendar a mídia para se inserir nos espaços formais de deliberação é também crucial produzir as tais arenas discursivas paralelas de que fala Fraser. É possível pensar esses espaços nas experiências de comunicação alternativa ou comunitária, de cunho popular ou não, que funcionam como mecanismo de empoderamento, de reconhecimento dos atores em disputa. Importante ressaltar que toda experiência de comunicação contém relações de poder e o simples fato de ser uma iniciativa de atores sociais não significa que seja “mais democrática” ou que esteja livre dos constrangimentos inerentes a qualquer relação social. De qualquer maneira, é válido pensar que essas iniciativas permitem reconhecer os aliados e adversários nas lutas e também extrapolar o processo de construção da identidade do grupo para uma luta por cidadania e reconhecimento público. Nesse sentido, a comunicação dos atores coletivos é essencialmente mobilização política. MOBILIZAÇÃO POLÍTICA NA/PELA INTERNET A internet facilita a expressão dos atores coletivos organizados em rede. Tem se mostrado um espaço importante como recurso comunicativo para compensar a desigualdade de capacidade
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daqueles que desejam entrar no fórum e garantir canais de expressão para as minorias (GOMES, 2001). O autor destaca que as iniciativas cidadãs na internet podem harmonizar a cultura tecnológica ao cidadão contemporâneo, sem que se caia na ilusão de que as iniciativas do que ele chama de democracia digital desmboquem necessariamente em participação política no sentido clássico. Gomes (2011, p. 35) vê na internet iniciativas para descolonizar espaço de cidadania. “(...) uma bem sucedida iniciativa de democracia digital pode fecundamente contribuir para que se materialize o objeto da participação, sem pressupor ou demandar participação massiva”. Isso vai ao encontro da afirmação de Melucci (1996), para quem a ação coletiva é mais exitosa quando conduzida por uma minoria ativa no lugar de uma idealizada maioria crítica. Por isso, no caso da comunicação dos atores sociais na internet parece mais interessante falar em mobilização – de simpatizantes, de sentidos e ações – que promove empoderamento dos sujeitos ao capacitá-los para o debate público. Pois, como frisa Gomes (2011), o problema não é a participação ou a falta dela, mas a assimetria de capacidade entre atores sociais. Maia (2011, p. 71) chama a atenção para o fato de que a internet não pode ser “destacada” do contexto mais amplo da vida das pessoas. Recorrendo a um conjunto de autores, ela afirma que a mera existência da internet não leva ao aumento da organização e da participação política e que a rede é mais utilizada para manter laços preexistentes do que para criar novos vínculos. Assim, os estudos das experiências de comunicação dos atores coletivos na internet precisam considerar essas lutas por inclusão nos espaços de deliberação como fenômenos ambivalentes, sujeitos a conflitos internos e não só com outros atores adversários.Nesse sentido, a seguir são apresentados alguns aspectos a considerar na pesquisa sobre ação coletiva na internet, como base nos resultados de estudos anteriores. APONTAMENTOS PARA A OBSERVAÇÃO DA AÇÃO COLETIVA NA INTERNET Essas experiências dos atores coletivos é comumente chamada de comunicação alternativa. Mas deve-se observar primeiramente o que há de “alternativo” na comunicação dos movimentos sociais na internet. Isso implica num cuidado conceitual para que, assim como se verifica nos estudos sobre movimentos sociais, qualquer iniciativa de comunicação provinda de atores coletivos seja considerada alternativa irrefletidamente. Uma pista foi dada por Downing (2002), que identificou diferenças nos projetos de mídia de variados atores sociais. Mídia alternativa deixa de ser um frame primário para ser entendida como resultado da negociação dos diferentes atores em disputa pelo significado. O alternativo da comunicação dos atores sociais contém variações, que vão do popular ao elitista, do progressista ao reacionário, do comunitário ao comunitarista.
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Um segundo aspecto trata de considerar o discurso presente nas manifestações e protestos como conjunto de argumentos competitivos na esfera pública, como forma de luta para fazer valer seu frame. O frame contest pode ser pensado como a estratégia dos atores coletivos para inscrever suas leituras da realidade no espaço midiático. Dessa forma, é possível entender as pequenas mobilizações de opinião como parte do processo de formação de esferas públicas alternativas (COSTA, 2003) ou arenas discursivas paralelas (FRASER, 1994). Ao identificar esses frames, é possível reconhecer não apenas qual imagem os atores reivindicam para si mas também os adversários contra os quais lutam. O terceiro aspecto se volta para a análise das linguagens que se hibridizam nas falas e materiais informativos utilizados para fins de mobilização da opinião pública. É o princípio segundo o qual todas as interpretações partem de um frame de referência para sobre ele produzir ajustes de significado, que configuram re-frames. Esse ponto é importante, na medida em que considera o caráter aberto das relações sociais e a natureza complexa do espaço midiático. Permite também identificar os adversários e os sentidos em disputa. Isso fica claro quando certos materiais informativos assumem uma linguagem mais próxima da linguagem científica, jornalística ou técnica, produzinho sobre elas uma “distorção”, que compõe o frame. Um quarto aspecto é a convivência de novas e “antigas” tecnologias, estas representadas principalmente pela televisão. O grande público ainda é o da TV. Assim, a internet, como “nova”, não esgota as possibilidades de pesquisa sobre a ação coletiva. Se ela é imprescindível para a construção do ativismo político contemporâneo, ela não é suficiente para a compreensão da relação entre mídia e movimentos sociais. Mesmo porque um confronto estabelecido na internet só alcança repercussão e força política quando transferido para a grande vitrine que é a televisão. Um último aspecto a verificar é a crescente utilização das chamadas “redes sociais” na internet. Os populares sites de relacionamento tem sido cada vez mais associados a práticas de ativismo político por facilitar o protesto à distância e mobilizar pessoas a produzirem manifestações presenciais. Neste caso, embora haja reconhecimento de uma certa força (ou velocidade) de mobilização, ainda é preciso observar que elementos compõem tais ações, para que não se retorne à defesa irrefletida da internet como redentora dos grupos ativistas. CONSIDERAÇÕES FINAIS As redes de comunicação são então canais de empoderamento dos atores sociais, diminuem a defasagem de recursos entre os adversários e abrem caminho para a inserção dos pontos de vista dos ativistas no debate público. Mas elas, as redes, não são desprovidas elas mesmas de disputa de poder, nem são absolutamente independentes das práticas que contestam. A frame analysis permite perceber a ambivalência dos discursos dos atores e diferenciar
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suas orientações, bem como identificar as oportunidades que tornaram possível tal ação coletiva. O frame sustenta a definição da situação, mas está sempre referenciado nas formas tipificadas de interpretação da realidade. O frame contest é, portanto, uma ação reflexiva, pela qual os atores têm que redefinir a situação na interação com o outro, porque a realidade nunca acontece de forma típica. A comunicação dos movimentos sociais oferece outras formas de tipificação, mas essa oferta só é possível porque houve um ajuste do frame contrário, subvertido para outra construção de sentido, com outro sistema de relevâncias. A teoria da MP aliada aos estudos de comunicação pode ajudar a revelar as bordas desses frames e com elas as chaves dos desejos de transformação social presentes nas ações dos movimentos sociais. Com os fóruns e outros espaços de discussão, organização e mobilização coletiva na internet, ainda que com as limitações apontadas, essas arenas se multiplicam, o que pode provocar tanto o empoderamento de minorias como a pulverização do debate. Emplacar ou não uma discussão vai depender de como se processa a comunicação pública, como forma de estratégia política. Observar se e como essa estratégia atinge os objetivos dos atores sociais é a sugestão da frame analysis goffmaniana, porque se os discursos são sempre distorcidos por relações de poder, essas distorções, em vez de serem consideradas um problema, podem auxiliar a compreensão sobre como os argumentos são enquadrados. Ingressar no fórum inserindo-se na pauta mainstream (espaços formais de deliberação) e criando mídias alternativas. Esse trabalho de frame é aqui entendido como a mobilização política que os atores sociais empreendem, no esforço de ampliar sua participação no debate público. Na sociedade contemporânea, a ação coletiva se desenvolve num contexto de individualização, mantendo seu caráter de ponte entre indivíduo e cidadão. A partir disso, é possível pensar a comunicação como aspecto fundamental da construção da cidadania, considerando todos os conflitos, dissensos e limites que a ação política envolve. REFERÊNCIAS BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
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POR UMA DIALÉTICA DA VIRTUALIDADE: REFLEXÕES SOBRE O USO DE UMA ESFERA PÚBLICA VIRTUAL COMO CONCEITO3 Daniel Nardin Tavares Universidade de Brasília Luisa Maranhão de Araújo Universidade de Brasília INTRODUÇÃO As inovações tecnológicas e as práticas sociais, juntas ou separadas, promovem questionamentos por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento. Na Comunicação, área em que esta pesquisa se insere, uma das problematizações se dá enquanto é observada a relação entre Internet, enquanto tecnologia de comunicação, e a Política, o ato de os indivíduos se unirem para discutir sobre os representantes eleitos pelo povo, em governos democráticos. Os indivíduos utilizam a Internet para promover discussões acerca de práticas políticas? A resposta esperada, contudo, não é nem sim, nem não. Esta etapa está desenvolvida por outros pesquisadores e, justamente, por não acreditar nesta dicotomia, o desafio proposto é apontar uma terceira via, onde a esfera pública habermasiana não seja vista nem com pessimismo, nem com otimismo. Mas, sim, com uma observação crítica da realidade tendo como base os argumentos anteriormente apresentados por outros autores, que serão desenvolvidos e citados posteriormente nesta pesquisa. O pressuposto inicial é a crença de que virtual não é antônimo de real, mas de atual (LÉVY, s/d). As informações e os conhecimentos inseridos na rede mundial de computadores não são dados imaginários. Eles constituem uma realidade tal quais os objetos concretos, presentes no ambiente atual. A diferença, contudo, consiste no fato de que, no virtual, a problematização das informações é constante, ao contrário do cenário atual, onde as discussões, delimitadas no tempo e no espaço, tendem a apontar deliberações definidas (LÉVY, s/d). O conceito de esfera pública, de Jürgen Habermas (2003), fundamenta a discussão promovida neste artigo. Em seguida, Rousiley Maia (2008) oferece as bases para a argumentação contrária aos posicionamentos de esfera pública virtual. Em “Mudança Estrutural da Esfera Pública” (2003), o autor alemão faz um resgate do processo histórico lastreado em meios de comunicação que veio a alterar a cultura e a própria sociedade, em boa medida em função também do intenso transporte de pessoas, mercadorias e informação. 3
Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Política do XXII Encontro Anual da Compós, na Universidade Federal da Bahia, Salvador, de 04 a 07 de junho de 2013.
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Para Habermas (2003), a sociedade da era moderna vivenciou alterações iniciadas ainda no século XVIII, e que são sentidas até hoje, como uma herança que é aprofundada. Entre essas alterações, está a abertura de forma mais intensa de um caminho com vias mais largas e com mais vicinais a entrecortando, tendo, então, o enraizamento da lógica comunicativa na sociedade. Um percurso onde os jornais passaram de instituições publicadoras de notícias e discursos políticos para se tornarem porta vozes da chamada opinião pública. Ao ampliar a tiragem e circulação, aumentando a quantidade do público leitor, essa lógica foi reforçada, uma vez que os veículos de comunicação de massa passaram a seros meiospelos quais os debates do jogo político são transmitidos para a sociedade. Assim então, o consumo de cultura também entra a serviço da propaganda econômica e política. Enquanto antigamente a relação da esfera pública literária com a esfera pública política era simplesmente constitutiva para a já citada identificação central dos proprietários com os “seres humanos”, hoje existe a tendência de absorver uma esfera pública política plebiscitária através da esfera pública do consumismo cultural. (HABERMAS, 2003. p. 209).
Com a mudança estrutural da esfera pública, baseada no modelo burguês de sociedade, as notícias tornam-se então mercadorias, assim como a cultura literária, a filosofia, as artes e as diferentes expressões e manifestações da sociedade. E, embasado nesse conceito habermasiano de esfera pública que se pretende, então, discutir a possibilidade de um conceito contemporâneo de esfera pública virtual.
A TÉCNICA COMO SOLUÇÃO PARA UMA ESFERA PÚBLICA PLENA Parafraseando Dominique Wolton4 e adaptando para o que propomos, é melhor dizer de saída: não é possível pensar em esfera pública hoje se não for considerada a influência, ou melhor, a pertinência da Internet em todos os processos estruturantes da sociedade contemporânea. A virtualização dos dados, a transferência de pacotes de informações em diversos os âmbitos da vida social e política é uma característica dos nossos dias, quer se queira ou não. Não se trata de uma abordagem integrada, deslumbrando a chegada de um mundo técnico e, por isso, melhor em termos acessibilidade de todos às decisões políticas e econômicas. Mas, de que se deve entender que a Internet – ou seja, a coexistência do virtual e do atual, como coloca Lévy (s/d) - é uma característica da sociedade em rede (Castells, 1999). Se a emergência dos veículos de comunicação e da visibilidade como parte integrante do sistema de representação da sociedade gerou mudanças estruturais na esfera pública burguesa, como
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“É melhor dizer de saída: a comunicação não é a perversão da democracia, é, antes, sua condição de funcionamento. Não há democracia de massa sem comunicação” (WOLTON, 2004. Pág. 197).
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aborda Jürgen Habermas (2003), esse mesmo movimento pode ser percebido de forma ainda mais clara com a chegada da rede mundial de computadores. Ao comentar que com a técnica comunicativa ocorreu a transformação da esfera pública para se tornar mais expositiva, com consequente queda da qualidade dos argumentos em circulação e da profundidade dos temas e debates, Habermas (2003) não aponta, no entanto, o desaparecimento da esfera pública. Mas, sim, sua transformação. Afinal, o conceito/modelo de esfera pública permanece o mesmo, mas com mudanças estruturais. Logo, se com a entrada em cena de elementos técnicos houve a manutenção do conceito e a ideia de esfera pública, diante da necessidade de espaço e visibilidade – só possível com os meios de comunicação – hoje, o mesmo pode ser percebido com a Internet, que é apenas mais uma técnica que mantém a lógica da visibilidade e da disputa de poder simbólico, porém com a novidade da emergência de um espaço virtual. Se, antes, as disputas eram travadas entre os jornais, emissoras de rádio e canais de televisão, a troca de mensagens e os debates de qualquer categoria passam a ser locados, hoje, também, no profundo oceano de informações e conhecimento que é a Internet. Ao longo das últimas décadas, Habermas (2003) manteve sua produção intelectual, acompanhou as transformações da sociedade e sofisticou o seu conceito de esfera pública, suas características e dos atores que dela participam. Em recente artigo publicado em 20065, o autor alemão chega a citar um palco virtual, que seria, portanto, componente de uma esfera pública. Jogadores do palco virtual da esfera pública podem ser classificados em termos de poder ou de capital que eles têm à sua disposição. A estratificação de oportunidades para transformar o poder em influência pública através dos canais de comunicação mediada revela, assim, uma estrutura de poder. (Habermas, 2006. p. 419).
Seguindo a construção teórica habermasiana, poderia então se considerar a perspectiva de que os estudos em comunicação e das práticas sociais consideram a Internet uma esfera pública virtual. Porém, uma relação direta apenas com a argumentação de Habermas (2003) seria insuficiente e, por isso, deve-se aprofundar mais no tema. Alguns dados, provenientes de pesquisas empíricas, podem contribuir para a argumentação. De acordo com o Ibope Nielsen Online6, o acesso à Internet no Brasil em qualquer ambiente (domicílios, trabalho, escolas, lan houses ou outros locais) atingiu 77,8 milhões de pessoas no segundo trimestre de 2012. Esse número cresce a cada dia com uma velocidade não observada em 5
O artigo “Political Communication in Media Society: Does Democracy Still Enjoy an Epistemic Dimension? The Impact of Normative Theory on Empirical Research” foi publicado por Jurgen Habermas em 2006 como resultado de conferência da Annual International Communication Association Conference, em Dresden, na Alemanha. Disponível em http://mt.educarchile.cl/MT/jjbrunner/archives/1-Habermas_Deliberation2006.pdf 6 Pesquisa realizada pelo Instituto Ibope Nielsen Online, divulgada em 09/09/2011. Disponível em http://www.ibope.com.br/ptbr/noticias/Paginas/Total%20de%20pessoas%20com%20acesso%20%C3%A0%20internet%20atinge%2077,8%20milh %C3%B5es.aspx
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outros meios de comunicação anteriores (Castells, 1999). Comparando esse número com o total da população brasileira, que é de 190,7 milhões de pessoas, segundo o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)7, então chegamos ao percentual de 42% da população nacional conectada. Para se ter uma ideia da velocidade em que mais pessoas passaram a ter acesso à Internet, em 2006, o mesmo Ibope afirmava que eram 32,2 milhões de brasileiros conectados à Internet, menos da metade do registrado recentemente, em 2012. Assim, outro lado desses mesmos dados poderia revelar aos mais céticos e críticos da Internet que se 42% da população brasileira está na chamada “vida online”, persiste no Brasil uma enorme massa – a maioria, inclusive – de 58% dos cidadãos que não foram convidados para esta festa. E que isso se dá por vários motivos, entre eles fatores econômicos – equipamentos tecnológicos ainda são relativamente caros, assim como o custo do acesso – e a ainda baixa infraestrutura virtual no País, sobretudo no interior da nação e nos Estados do Norte e Nordeste, conforme revelam os números de acessos em 2011 por usuários, monitorados e divulgados pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI). A internet tem tido um índice de penetração maior talvez do que qualquer outro meio de comunicação na história: nos Estados Unidos, o rádio levou trinta anos para chegar a sessenta milhões de pessoas. A Tv alcançou esse nível de difusão em quinze anos. A Internet o fez em apenas três anos após a criação da teia mundial (p. 439).
Além da difusão maior registrada da Internet, conforme aponta Castells (1999), uma das características dessa técnica é a possibilidade de participação, isto é, produção de conteúdo pelo usuário (NEGROPONTE, 1995; SANTAELLA, 2004). Com relação à participação, podemos verificar outro levantamento sobre a produção na Internet no Brasil, como o número de registros de sites, com o final “.br”, que indica aqueles criados no Brasil, ainda que este número não represente a totalidade de conteúdo produzido pelos brasileiros, que podem utilizar provedores estrangeiros, sem , portanto, o sufixo “.br”. Em 1996, quando o CGI passou a fazer esse registro, foram contabilizados 851 sites brasileiros. Em 2006, eram pouco mais de um milhão. No último levantamento, em setembro de 2012, aponta 3 milhões e 61 mil sites com registro no “.br”8. Mais de três milhões de canais com conteúdo, podendo ser acessado por qualquer pessoa e, claro, produzido por cidadãos de diferentes camadas da sociedade, abordando todo tipo de assunto: das questões dos problemas do bairro e da cidade, a comentários acadêmicos sobre uma área específica, análise da cobertura da imprensa, críticas ou apoios aos governos e, também, temas esportivos ou efemeridades do mundo das celebridades e do entretenimento. Logo, a política 7
Dados disponíveis em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm Acesso em 28/01/2013. 8 Dados disponíveis em www.cgi.br. Acesso em 28/10/2012.
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também está presente nessa esfera pública virtual, ainda que misturada numa massa ampla e complexa de ingredientes. Portanto, o conteúdo da rede é amplo, difuso e sem censuras estatais, no caso brasileiro. Tal como uma esfera pública atual (LÉVY, s/d) onde existe nela diversas esferas públicas de debate sobre temas dos mais variados. O fato é que a Internet criou uma cultura virtual onde todos podem produzir e/ou acessar os temas de seu interesse, fazendo com que as publicações circulem em uma profusão imensa de informações, em questão de segundos dos mais distantes pontos geográficos possíveis e imagináveis. Assim sendo, da mesma forma como não é possível tratar a esfera pública como uma só – o próprio Habermas (2003) faz distinção por áreas, como a esfera pública política, por exemplo – seria um erro conceitual esperar que a Internet gerasse apenas um ambiente de representação, visibilidade e de espaço para circulação dos debates de forma homogênea e única. Pelo contrário, em suas infovias está a possibilidade de ampliação da esfera pública, com consequente aprofundamento dos temas discutidos. A esfera política virtual, se assim for denominada, abrangeria, portanto, os sites com boa audiência, fóruns de debates em comunidades virtuais, espaços virtuais oficiais criados pelos governos e parlamentos e tantas outras iniciativas e ambientes as quais possibilitam pensar numa esfera pública política virtual em meio a tantos outros conteúdos. Aliás, essa esfera pública política virtual estaria muito além, portanto, das interações efêmeras e publicitárias de representantes para representados, sendo estes convocados apenas de tempos em tempos para expressar sua opinião por meios plebiscitários (Habermas, 2003). O debate no virtual, além de manter um teor expositivo, acrescenta a possibilidade de efetiva participação e o aprofundamento das questões pelos cidadãos. Sabemos que o destino da opinião pública encontra-se intimamente ligado ao da democracia moderna. A esfera do debate público emergiu na Europa durante o século XVIII, graças ao apoio técnico da imprensa e televisão (a partir dos anos 60) ao mesmo tempo deslocaram, amplificaram e confiscaram o exercício da opinião pública. Não seria permitido, então, entrever hoje uma nova metamorfose, uma nova complicação da própria noção de “público”, já que as comunidades virtuais do ciberespaço oferecem, para debate coletivo, um campo de prática mais aberto, mais participativo, mais distribuído que aquele das mídias clássicas? (LÉVY, 1999. p. 131).
Nas democracias representativas contemporâneas – cujo modelo é herdado da era moderna, sobretudo das revoluções liberais do século XVIII – a visibilidade ancora e condiciona as discussões na esfera pública, onde emerge a ideia de opinião pública (GOMES, 2008). Se antes a chamada opinião pública ou sentimento das massas havia sido saqueada pelos meios de
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comunicação tradicionais – restritivos de participação na produção desde sua origem – é com a Internet que poderíamos ter a emergência de um ambiente onde todos tem a chance de ter voz. Mesmo os impérios de comunicação estabelecidos, como as grandes redes de televisão – são alvos de duras críticas também nos ambientes virtuais, tal como abordou José Luiz Braga (2006) ao tratar de um sistema de dispositivos sociais de crítica midiática. Inclusive, movimentos criados no ambiente online podem ser componentes do agenda-setting da mídia tradicional, mostrando a força cada vez maior de um espaço público de debates, que por ser virtual, no entanto, deixa de ser também real. Pensada em conformidade com o seu padrão ideológico, uma esfera pública, não importa se segundo o modelo helênico ou burguês, deve ser compreendida como aquele âmbito da vida social em que interesses, vontades e pretensões que comportam consequências concernentes à comunidade política se apresentam na forma de argumentação ou discussão. Essas discussões devem ser abertas à participação de todos os cidadãos e conduzida por uma troca pública de razões. O primeiro requisito da esfera pública é a palavra, a comunicação: interesses, vontades e pretensões dos cidadãos podem ser levados em consideração apenas quando ganham expressão em enunciados. (GOMES, 2008. p. 35).
Como foi dito, em relação aos temas de base política, a rede possui inúmeros sites, blogs e mesmo comunidades virtuais criadas para este fim: discutir os rumos e o padrão da política atual. Por isso, conceitualmente, a Internet é uma esfera pública da sociedade contemporânea, onde a virtualidade é presente, intrínseca e faz parte do cotidiano de milhares de pessoas. Não importa se na sociedade em rede circulam mensagens com outras abordagens distantes da política. Isso existe desde a esfera pública helênica ou burguesa. As efemeridades e o entretenimento persistem em todos os aspectos na contemporaneidade e, sim, ganham contornos mais fortes com a chegada de um meio que privilegia o espetáculo. Porém, se for de interesse do cidadão participar da esfera pública, com a Internet finalmente ele possui os mecanismos técnicos para este fim, algo imprevisível e pouco provável até poucas décadas atrás. Menosprezar essa característica de dotar o indivíduo de poder de participação gerada com a rede mundial de computadores, ainda que o nível dessa participação esteja em construção e em pleno desenvolvimento, seria simplesmente acreditar que coexistem dois mundos antagônicos e separados: o virtual e o atual. E essa percepção seria um erro conceitual para compreender a dinâmica da recente sociedade em rede, com a coexistência de ambos. Coma Internet, sem limites de tempo ou espaço para publicação de conteúdos e mensagens, há o empoderamento do indivíduo comum, que argumenta e debate, promovendo o conceito e a existência de uma esfera pública virtual, mas, principalmente, a emergência de um novo espaço virtual e real. Portanto, estaríamos convivendo num novo ambiente onde todos têm voz e espaço
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para emitir sua opinião individual, convencendo e sendo convencidos por outros cidadãos, independentemente de suas diferenças geográficas e, agora, todos juntos num só ambiente virtual. Um ambiente com as características que atendem ao conceito de esfera pública e, por ser criado num espaço virtual, recebe essa denominação, sem, contudo, deixar de ser real (LÉVY, s/d).
A TÉCNICA COMO OUTRO OBSTÁCULO PARA UMA ESFERA PÚBLICA PLENA Os cientistas políticos, Leonardo Avritzer e Sérgio Costa (2004), iniciam a discussão, quando apresentam o conceito de esfera pública, no âmbito da comunicação: [...] diz respeito mais propriamente a um contexto de relações difuso no qual se concretizam e se condensam intercâmbios comunicativos gerados em diferentes campos da vida social. Tal contexto comunicativo constitui uma arena privilegiada para a observação da maneira como as transformações sociais se processam, o poder político se reconfigura e os novos atores sociais conquistam relevância na política contemporânea (p. 722).
Em conformidade com os pesquisadores, os atores da sociedade deveriam não só ter uma infraestrutura comunicativa, como também saber fazer uso delas. A simples aquisição de tecnologias da comunicação não garante o debate público. A expansão dos meios de comunicação formam novos públicos, novas percepções espaços-temporais, contudo, pertencer à esfera pública está relacionado ao acesso físico a qualquer tecnologia comunicativa, a discutibilidade e a racionalidade do tema abordado. Habermas delimitava, no início, o acesso à esfera pública, cujo público pré-definido, a priori, excluía a presença de mulheres e minorias étnicas, por exemplo. (AVRITZER; COSTA, 2004). Sim, nenhuma esfera pública é perfeita (MAIA, 2008). No entanto, a esfera pública virtual tida como ambiente universal (LEMOS; LÉVY, 2010) também não concede poder de fala às minorias. Castells (1999) aponta que a Internet reforça “a coesão da elite cosmopolita” (CASTELLS, 1999, p. 287). Sendo esta possuidora de capacidades cognitivas da técnica e da apropriação disponível das informações na rede mundial de computadores. Um público forte (MAIA, 2008), que possui recursos financeiros para o acesso contínuo à rede mundial de computadores, com tempo disponível para interagir com outras pessoas e com oferta de oportunidades para debates de temas políticos, podendo superar tempo e espaço de atuação (GOMES, 2008). Os excluídos, dessa forma, continuam existindo. Se o público fraco se une e forma “associações voluntárias, movimentos sociais ou membros de redes cívicas” (MAIA, 2008, p. 184), eles podem ter a chance de transformarem-se em público forte, garantir o direito à fala na esfera pública virtual. No caso, os subalternos (AVRITZER, COSTA, 2004) precisam, especificamente, de um indivíduo que tenha acesso físico, saiba utilizar a
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Internet e tenha interesse por discussões sobre práticas políticas. Caso contrário, o público prédefinido da esfera pública pode continuar a não debater assuntos políticos. Considerando que apenas o acesso já seria, portanto, um obstáculo que torna a esfera pública virtual imperfeita, avança-se quanto a outro obstáculo a ser superado: a discutibilidade. Ainda que se restrinja a sociedade aos usuários da Internet, estes podem não ter interesse por assuntos políticos, criando uma “auto-exclusão”, apesar de ter acesso à técnica. E, além disso, nem todas as culturas estão inseridas na rede mundial de computadores (GOMES, 2008). Outro obstáculo ainda pode ser verificado no fato de que a rede virtual pode apresentar informações de veracidade questionável, enquanto os meios de comunicação de massa ainda evidenciam maior credibilidade (GOMES, 2008). [...] se haverá ou não o processo de debate é algo que não pode ser decidido a priori, pois o debate depende da livre motivação e da ação dos próprios concernidos, que é contingencial e imprevisível. Além disso, é preciso cumprir certas condições. O “debate crítico-racional” é mais que uma pluralidade de vozes, pois é focado e se caracteriza por discussões singulares. Requer que os parceiros construam, de maneira coordenada e cooperativa, um entendimento partilhado sobre uma matéria comum. As pessoas devem expressar o que elas têm em mente; devem ouvir o que os outros têm a dizer e responder as questões e os questionamentos. Isso demanda, por sua vez, uma atitude de respeito mútuo. (MAIA, 2008, p. 287)
Aceitar posicionamentos diferentes, com naturalidade e rapidez, não é uma condição, particularmente, intrínseca ao ser humano (WOLTON, 2007). O autor ainda argumenta que o excesso de informação e de conhecimentos diversos estreitam as diversidades culturais, as quais não estão, em essência, prontas para serem aproximadas. “Quanto mais estão próximos uns dos outros, mais as diferenças são visíveis, tanto mais é necessário garantir certas distâncias para suportar as dessemelhanças e coabitar” (WOLTON, 2007, p. 11). Contrário a este pensamento, Castells (1999) acredita nesta proximidade e na afirmação da identidade própria, que não significa, em obrigatório, deixar de conviver com outras. Porém, também não significa a construção de uma esfera pública mundial, propiciada pela Internet (LEMOS; LÉVY, 2010). A mudança do paradigma tempo-espaço, advindo com a rede mundial de computadores, acelera a comunicação entre indivíduos distantes, e diminui o tempo de reflexão dos indivíduos acerca dos temas discutidos. As pessoas talvez não apenas deixem de aceitar o diferente, mas também o ignoram quando simplesmente afirmam não ter nenhuma opinião sobre o assunto. Avritzer e Costa (2004) apontam mais um empecilho para a esfera pública mundial. Este conceito adveio junto com o de nação e, por isso, ambos são delimitados por fronteiras geográficas. Ainda que a Internet tenha eliminado as demarcações limítrofes entre os países, os costumes culturais ainda existem e cada nação possui a respectiva esfera pública, a qual dialoga com outras
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em debates transnacionais, onde atuam movimentos transnacionais. Portanto, não seria possível ser concebida uma esfera pública mundial apenas pelo surgimento de cenário virtual sem fronteiras físicas geográficas. A razão, a qual fundamenta o argumento de cada indivíduo, no mundo, diferencia-se em cada contexto atual. Se não há acessibilidade, discutibilidade e racionalidade, também, não há um público-alvo para as mensagens publicadas, “com a Net, se está do lado da emissão, da capacidade de transmissão sem reflexão do receptor, que pode ser qualquer internauta do mundo” (WOLTON, 2007, p. 101). Discutir direitos feministas nas sociedades ocidentais não é igual a discutir o mesmo assunto nos países do Oriente-Médio, por exemplo. A internauta que publica um manifesto a favor do aborto, pode não provocar nenhum debate, caso as leitoras da mensagem corroborem com a opinião. Como também pode provocar discussões intermináveis sem nenhuma resolução final que venha a provocar alguma mudança na legislação sem que exista um debate na sociedade e, no caso das democracias representativas ocidentais, no parlamento. Ou seja, no mundo atual. Uma pessoa, ao observar as mudanças sociais, sob a perspectiva política, não garante, obrigatoriamente, a visibilidade aos demais membros da sociedade e, muito menos, a deliberação sobre qualquer assunto. Nos blogs de política, “os leitores estão preocupados em opinar, isto é, emitir, muito mais do que em deliberar” (ALDÉ; ESCOBAR; CHAGAS, 2007, p. 37). Antes de se pensar em esfera pública virtual, talvez seja apropriado pensar na real, não ansiando pela passagem rápida do tempo, por respostas prontas e soluções fáceis para as questões sociais. Para que poder e dinheiro não sejam mais fatores que influenciem na diferença entre os indivíduos, os debatedores devem “refinar instrumentos teórico-analíticos para avaliar a qualidade de participação de atores coletivos e seus efeitos democratizantes – que não podem ser negligenciados – na sociedade, em longo prazo” (MAIA, 2008, p. 348). Àquelas pessoas que se propõem a argumentar na esfera pública, estas “precisam ser forjadas para o atrito e a pressão contra e diante do sistema político (nem todas o são), que, portanto, “aguentem o tranco” de um sistema político pouco interessado nas (ou adversário das) reivindicações provenientes da esfera civil” (MAIA, 2008, p. 272). A construção de uma esfera pública virtual, de acordo com os preceitos habermasianos, precisaria de indivíduos interessados em debater e avançar nas atuações para a concretização dos objetivos almejados. Inclusive, a questão dos internautas anônimos, que se apresentam nas discussões de blogs políticos (ALDÉ; ESCOBAR; CHAGAS, 2007), não se assumem, não mostram a própria identidade. Independente da justificativa, se escondem por de trás da tela do computador e, assim, dificulta para o leitor saber com quem ele estabelece o diálogo. Emissor e receptor tornamse ainda mais indefinidos.
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Quando há discussões na Internet, a aceleração deste processo pode provocar também a execução de atitudes impensadas. Ir direto às ações vai de encontro à lição de Péricles (SANTOS, 1997), em que pensar depois de agir pode prejudicar o desenvolvimento do organismo social. A discussão e a deliberação, em comum acordo, permite que a sociedade progrida com objetivos de trazer maior benefício à sociedade, como um todo, e não apenas para uma classe específica. A solução para os problemas do mundo, possivelmente, não está nas mãos de todos discutirem todos os assuntos na web, mas cada grupo discutir, num cenário atual, suas demandas e, assim, avançar em debates transnacionais com outras nações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Como pôde ser visto, os argumentos e conceitos são utilizados conforme a percepção de cada pesquisador. Contudo, ao ser investigadas as práticas sociais, no interior de ambientes tecnologicamente operados, é estabelecida a definição primária de esfera pública virtual, sem a necessária reflexão da existência da mesma. Portanto, com a exposição dos autores e argumentos correlacionados acima, busca-se identificar o debate sobre o processo de discussão na esfera pública e aprofundá-lo, com a possibilidade de uma versão contemporânea, que seria a esfera pública virtual. A técnica condiciona a sociedade, embora não a determine. Isto é: não é, necessariamente, porque o indivíduo dispõe de um meio técnico, possibilitando-o de ser emissor e receptor da mensagem, que, consequentemente, haverá um debate mais aprofundado e plural, que faria emergir, então, uma esfera pública virtual. Os obstáculos permanecem, embora agora sejam outros. Se grupos minoritários eram excluídos da esfera pública atual, seja por gênero, seja por condições socioeconômicas, com o advento da Internet, a exclusão pode, inclusive, ser maior, pois a técnica continua a ser pré-condição para inserção na esfera da visibilidade pública. Por mais que sejam indivíduos organizados, dependem cada vez mais da técnica, de recursos financeiros e de estratégias midiáticas mais refinadas para alcançar a visibilidade. E, para tanto, muitas vezes os chamados grupos fortes possuem, então, ainda mais força para pautar os debates dessa esfera pública, onde a participação de grupos minoritários muitas vezes é inserida nas discussões apenas como uma forma de garantir credibilidade através de umapseudo-pluralidade. Afinal, ter voz não significa necessariamente que ela será imposta ou que poderá influenciar outras vozes pela sua simples existência ou emergência. O coro pode ter muitas vozes, mas o maestro, ou os maestros, é que indicam a tonalidade e as notas que serão determinantes, que aparecem com maior evidência e acabam por serem as mais marcantes. A técnica pode garantir a conexão, isto é, a inserção de uma pluralidade maior de segmentos da sociedade na esfera pública
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virtual. Mas, o espaço de cada um e a predominância de grupos com poder financeiro, político e social ainda persistem como obstáculos para um livre, amplo e profundo debate acerca de temas públicos. Porém, a contribuição da Internet para a sociedade não deve ser menosprezada ou, ao contrário, maximizada. Ela permitiu maior circulação de mensagens e mecanismos que podem vir a ser efetivas ferramentas de participação dos cidadãos na esfera pública, sobretudo política. E a diferença entre potencial e realidade para inserção de toda a sociedade nos debates sobre os temas públicos é equivalente aos mesmos obstáculos que perduram desde as revoluções liberais do século XVIII que fizeram emergir as democracias representativas. A técnica ainda não foi capaz de superar, mas pode vir a ser mais uma das ferramentas que acabaram por alargar a esfera, sem, contudo, resolver os desafios que são ainda inerentes a essa mesma participação efetiva, onde o cidadão realmente tenha voz e lugar determinante nos rumos através de sua inserção na esfera pública de debates. A conexão pode servir para ambos, uma participação ilusória ou efetiva. Negligenciar a existência dos mesmos obstáculos e crer numa esfera pública virtual como solução desses desafios seria mais próximo da primeira alternativa que a conexão técnica nos oferece.
REFERÊNCIAS ALDÉ, Alessandra; ESCOBAR, Juliana; CHAGAS, Viktor. A febre dos blogs de política. In.:Revista FAMECOS. Nº 33,Porto Alegre, Agosto de 2007. p. 29-40. AVRITZER, Leonardo; COSTA, Sérgio. Teoria Crítica, Democracia e Esfera Pública: concepções e usos na América Latina. In.:Revista de Ciências Sociais. Vol. 47, nº 4, pp. 703-728. Rio de Janeiro, 2004 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. GOMES, Wilson; MAIA, Rousiley. Comunicação e Democracia: Problemas e perspectiva. – São Paulo: Paulus, 2008. HABERMAS, Jurgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública: Investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Tradução de Flávio R. Kothe – Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O futuro da Internet: em direção a uma ciberdemocracia. – São Paulo: Paulus, 2010. – (Coleção Comunicação). LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa – São Paulo: Editora 34, 1999. ______, Pierre. Obra digitalizada: “O que é o Virtual?” – Tradução de Paulo Neves do original “Qu’est-ce le virtuel? (s/a). NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.
63 SANTOS, Joel Rufino dos. A Lição de Péricles. In.:Comunicação, Cultura, Cidadania e Mobilização Social. Série Mobilização Social, vol. 2. Org.: Tânia Siqueira Montoro. Brasília/Salvador. Universidade de Brasília, 1997. WOLTON, Dominique. Internet, e depois? Uma teoria crítica das novas mídias. Tradução: Isabel Crossetti – Porto Alegre, Sulina – 2ª Edição, 2007. (Coleção Cibercultura). _________, Dominique. Pensar a comunicação. Tradução de Zélia Leal Adghirni. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004.
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O LETRAMENTO POLÍTICO CONSTRUÍDO PELA MÍDIA NO BRASIL
Sérgio Roberto Trein Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)
INTRODUÇÃO Dono de um verdadeiro espírito enciclopédico, Aristóteles escreveu centenas de obras sobre os mais variados campos do saber, da poesia à biologia. Uma das áreas sobre as quais o autor se deteve, foi sobre esse elo de ligação entre os indivíduos, que o autor denominou de política. O termo, segundo Bobbio (2000), era derivado do adjetivo de polis (politikós); ou seja, tudo aquilo que era relativo à cidade e ao cidadão. Tanto a origem do termo, como essa relação com a cidade e o cidadão tinham uma explicação. Em toda sua produção, Aristóteles sempre se mostrou preocupado com o bem e, mesmo considerando a cidade como algo complexo, composto de elementos ou de partes, o autor deu grande destaque ao cidadão e a quem poderia usufruir desta condição, uma vez que, acima de tudo, o bem na política era a justiça. A preocupação maior de Aristóteles (1990, p. 89) era saber “quem seriam aqueles que deveriam compor a cidade, e que qualidades deveriam possuir para que ela fosse feliz e bem administrada”. Para tanto, segundo o autor, duas condições seriam necessárias para alcançar o bem geral: a primeira, que houvesse um ideal e que o fim que se propusesse fosse louvável; e, depois, que se encontrassem quais seriam os atos que levariam a este fim. Estas duas condições poderiam ou não concordar-se. Para que esta ideia lograsse êxito, entretanto, seria necessário que os indivíduos tivessem um conhecimento prévio sobre as condições da administração pública. Ao mesmo tempo em que enalteceu e valorizou a contribuição da visão aristotélica, Sartori (1981) considerou que Aristóteles definia muito mais o homem, e não a política. E era natural que isso acontecesse, afinal exprimia a concepção grega de vida; uma concepção segundo a qual a polis era a dimensão suprema da existência. Além disso, havia, nesta época, um olhar ideal sobre o tipo de sociedade a ser buscado. Pouco antes de Aristóteles, Platão (1990) – em sua obra, A República – fez uma descrição do que considerava uma república ideal a partir de uma composição harmônica e ordenada de três categorias de homens: os governantes-filósofos, os guerreiros e os que se dedicariam aos trabalhos produtivos. Tinha essa composição, porque o autor acreditava que cada um tinha a sua obrigação, conforme as aptidões individuais. Mesmo que fosse inspirada no modelo
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espartano de vida, onde Platão se criou, tratava-se de um Estado que nunca existiu em nenhum lugar. Para o autor, ainda não havia a opinião como um saber verdadeiro e, sim, a doxa, que era derivada das sensações, dos sonhos, e sobre as quais e os quais formavam-se as impressões. Considerando que Platão nem cogitou a participação da mulher neste tipo de sociedade, o modelo aristotélico ao menos já se mostrava mais enquadrado na realidade, pois incluía a família na base da sociedade e, ao demonstrar que o cidadão é quem deveria participar da administração da justiça e dos cargos públicos, não fazia nenhuma distinção quanto ao fato deste cidadão ser homem ou mulher. A preocupação de Aristóteles (1990) era apenas a de que o Estado deveria zelar pelo ideal de vida humana perfeita. Embora o mundo moderno tenha consagrado Platão e Aristóteles como os principais autores antigos, Bobbio (2000, p. 65) afirma que “a Antiguidade clássica ofereceu uma terceira obra fundamental para a teoria das formas de governo (...) um texto de autoridade que não pode ser considerado menor do que a obra de Platão e de Aristóteles”. Bobbio (2000) refere-se a Políbio. O autor viveu no século II a.C.. Grego de nascimento e deportado para Roma logo após a conquista da Grécia, Políbio fundiu as três hipóteses aristotélicas e aplicou-as no estudo das instituições políticas da Roma Republicana. Para o autor, a fusão harmônica da Monarquia, da Aristocracia e da Democracia foi a responsável pelo sucesso da política romana; sendo que, neste caso, Políbio utilizou o termo democracia para identificar a forma boa de governo e introduziu uma nova palavra para designar o governo popular na sua forma corrompida: oclocracia, de oclos, que significa multidão, massa, plebe (BOBBIO, 2000). Com o final do Império Romano e a fragmentação do poder político na Europa, que resultaram em um longo período de ruralização, segundo Pizarroso Quintero (1990), ocorreu o que Bobbio (2000) considerou de “intervalo”, pois somente muitos séculos depois – entre o final do século XIII e início do século XIV – é que surgiram novos pensamentos sobre o tema. Até então, segundo o autor, a Política, de Aristóteles, não era conhecida pelos escritores cristãos dos primeiros séculos. Os novos pensadores políticos surgiram, primeiro, através de Maquiavel (1998), que, baseado em Políbio, discutiu as formas de governo que poderiam ser exercidas por um, por alguns ou por muitos cidadãos. Em sua concepção, Maquiavel (1998) fazia, porém, uma distinção importante de que a estrutura política deveria ser ordenada por meio de uma república, em que haveria uma temporalidade do poder e seu exercício atribuído ao povo; ou por via da monarquia, em que o poder seria vitalício e confiado a uma única pessoa. O entendimento do autor, de acordo com Bobbio (2000), estava baseado no fato de que todos os Estados que existiam na época ou que existiram antes eram e sempre foram considerados repúblicas ou monarquias. O cenário europeu que se moldava neste período em que viveu Maquiavel, desde a dissolução do Império Romano, era o que Bobbio (2000) definiu como o espetáculo dos regna –
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como a Inglaterra, a França e a Espanha – que tinham se formado gradualmente e se expandido, a partir do domínio de territórios vizinhos. Foi quando surgiu outro importante pensador, que nasceu pouco depois da morte de Maquiavel: Jean Bodin, que entrou para a história do pensamento político como o teórico da soberania. Para Bodin, o poder absoluto era um poder perpétuo e ilimitado e só existia quando o povo o concedia totalmente ao governante (BOBBIO, 2000). Conforme o autor, o fato de ter passado muito tempo sem ser conhecido, não tira o grande mérito de Aristóteles, de que sua obra, Política, foi considerado o primeiro tratado sobre a natureza, as funções, as divisões do Estado e as várias formas de governo. Mesmo assim, continua Bobbio (2000), durante séculos o termo política foi empregado, predominantemente, para indicar obras dedicadas ao estudo daquela esfera de atividade humana, que fazia alguma referência às coisas do Estado. Segundo Sartori (1981, p. 167): durante quase dois milênios a palavra política caiu em desuso (...) Só com Althúsio, em 1603, surge um autor importante a empregar essa palavra num título: Política Metodice Digesta. Segue-lhe Spinoza, cujo Tractatus Politicus foi publicado, postumamente, em 1677, quase sem deixar rastro. Por fim, Bossuet escreveu Politique Tirée de l´Escriture Saint, em 1670, mas o livro só foi publicado em 1709.
De acordo com Sartori (1981), o termo não voltou a aparecer nos outros títulos de importância do século XVIII. No entanto, o autor afirma que durante todo esse tempo se continuou a pensar na política, até porque havia uma ideia de que o problema fundamental do mundo fosse o de amenizar e regular o domínio do homem sobre o homem. Para Bobbio (2000, p. 160), esta era a grande questão: “o conceito de política, entendida como forma de atividade ou práxis humana, sempre esteve estreitamente ligado ao conceito de poder”. O autor, entretanto, refuta esta ideia, ao afirmar que há várias formas de poder do homem sobre o homem, e que o poder político é apenas uma delas. O próprio Aristóteles (1990) já havia definido três formas de poder: o poder paterno, exercido no interesse dos filhos; o poder despótico, no interesse do senhor; e o político, no interesse de quem governa ou é governado. No sentido de encontrar o elemento específico do poder político, Bobbio (2000) considerou mais conveniente o critério de classificação que se baseava nos meios sobre os quais o sujeito ativo da relação utiliza para condicionar o comportamento do sujeito passivo. A partir deste critério, o autor distinguiu três grandes tipos de poder: o poder econômico, o poder ideológico e o poder político. Porém, Sartori (1981) questiona de que forma pode-se dividir a política, a economia, a ética etc., em comportamentos diferenciados, tangíveis e observáveis. E mais, “como distinguir um comportamento econômico de um comportamento moral ou de comportamento político. E, ainda, o que distingue os dois primeiros do comportamento político”. (SARTORI, 1981, p. 168)
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Para o autor, essa questão torna-se ainda mais complexa, uma vez que o critério dos comportamentos econômicos é a utilidade, pois a ação econômica se caracteriza, justamente, pela maximização da utilidade. No outro extremo, os comportamentos éticos têm como critério principal o bem, pois a ação moral persegue fins ideais e não vantagens materiais. Porém, a qual categoria pertencem, então, os comportamentos políticos? Bobbio (2000) entende que não há fins da política para sempre estabelecidos e, muito menos, um fim que compreenda todos os outros. Como já foi visto, na opinião de Aristóteles (1990) o fim da política não era o viver, mas o viver bem. Mas o que seria essa vida boa e como distingui-la da má, questiona Bobbio (2000). O autor vai além em seu ponto de vista: “se uma classe política tiraniza os seus súditos condenando-os a uma vida desgraçada e infeliz, não estaria por acaso fazendo política, e o poder que exerce por acaso não é um poder político?” (BOBBIO, 2000, p. 168). Talvez a explicação mais lógica para essa questão seja a afirmação de Sartori (1981, p. 169), para quem: há uma grande variedade de motivos que inspiram os comportamentos políticos e justamente aí reside o ponto crucial: a expressão ´comportamento político´não pode ser entendida estritamente, não indica um tipo particular de comportamento, mas todo um contexto.
O que determina, portanto, as diferenças entre política, ética, economia, direito etc., conforme o autor, são as diferenças de estrutura dos agrupamentos humanos. Ou seja, isso determina que não é tipo de organização política que se quer, mas o tipo de sociedade que se quer. Afinal, segundo Sartori (1981, p. 165), “a ideia de sociedade não é uma ideia que se formula e propõe com revoluções (...) não é uma revolta contra o soberano, mas o contrato com ele, estipulado em nome de uma parte depois chamada de sociedade”. É neste sentido que Hobbes (1999), um defensor do absolutismo, entendia que o Estado seria o resultado deste comportamento político, através de um pacto que os indivíduos assumem entre si para defender o estado natural das coisas. Para o autor, o Estado tanto poderia ser uma Monarquia, cujo representante é um só; uma Democracia, por meio de uma assembleia de todos os cidadãos; como por uma Aristocracia, em assembleias de apenas uma parte dos cidadãos. Em todas elas, entretanto, o soberano seria uma espécie de juiz da conduta de seus súditos. Compartilhando da ideia de Locke (1999), de que não há um modelo único de sociedade, Montesquieu (2000) entendia que por haver uma variedade de sociedades humanas, haveria, também, uma variedade de seus respectivos governos. E que, por isso, somente as leis poderiam regular as relações entre os indivíduos. Mas as leis, segundo o autor, tanto poderiam gerar formas de governo aristocratas e democratas, que colocariam a virtude cívica acima de tudo; ou o monárquico, em função de honra; como o governo despótico, que subjugaria as pessoas ao medo. Sendo assim, para evitar qualquer possibilidade de abuso do poder, este deveria ser distribuído de
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forma a proporcionar um equilíbrio entre diversos poderes parciais, através de uma tripartidação dos poderes, divididos em Legislativo, Executivo e Judiciário (MONTESQUIEU, 2000).Ou seja, enfim surgia um pensamento que estava totalmente alinhado à ideia de Aristóteles (1990) e sua preocupação de que tudo que se relacionasse à cidade deveria proporcionar o bem. Atualmente, esta é a função de um conceito chamado accountability, termo de origem inglesa que, na língua portuguesa, vem sendo utilizado como responsabilização ou fiscalização, segundo Baquero (2003). A justificativa para o emprego deste conceito, como afirma Krishna (2002) seria o fato de que a mera existência de instituições democráticas criadas de cima para baixo não seria suficiente para que os cidadãos se envolvam na política e saibam o que está sendo feito. Na prática, de acordo com Schedler (1999), accountability significa que quem governa deve explicar o que está fazendo, como está fazendo, porque está fazendo, quanto está gastando e quais os objetivos e resultados pretendidos. Entretanto, embora toda a preocupação de autores como Aristóteles, Platão, Bobbio, Hobbes, Locke, Rousseau, entre outros, que procuraram estabelecer normas de participação coletiva, o que se vê, conforme Hirst (2002), é um declínio cada vez maior da participação política dos indivíduos e a preferência dos cidadãos de se relacionar com o seu mundo via meios de comunicação. Nos dias de hoje, esta função de esclarecer os cidadãos e zelar pelo “bem” tem sido, em grande parte, da mídia. Na opinião de Alonso (1989), a mídia tem cumprido o papel de apresentar uma informação objetiva aos indivíduos; interpretar e explicar as informações; contribuir para a formação de uma opinião pública; fixar uma agenda política e controlar o Governo e outras instituições.Essa função de dizer a verdade permitiu aos meios de comunicação social adotar a teoria da responsabilidade social, baseada na ideia de que o público tem o direito de saber, remetendo à mídia a concepção idealista de “quarto poder” (MORETZSOHN, 2000). Segundo a autora, a teoriasurgiu nos Estados Unidos, adotada pela Comissão Hutchins, em 1947, que, entre outras coisas, recomendava que a imprensa deveria proporcionar um relato verdadeiro, completo e inteligente dos acontecimentos diários dentro de um contexto que lhes dê significado. Em outras palavras, não bastaria apenas relatar o fato verdadeiramente, mas relatar a verdade sobre os fatos. Porém, complementa Moretzsohn (2000), antes mesmo da Comissão publicaro seu relatório, vários jornalistas já estavam desenvolvendo uma nova doutrina conhecida como “o povo tem o direito de saber”, baseado na premissa de que o público tem o direito legal de saber o que o governo está fazendo e que a imprensa é a representante do público” na tentativa de obter essas informações (GOODWIN, 1993, p. 22). Entretanto, com base em um cenário de constantes notícias e denúncias de irregularidades e corrupção na política brasileira, a mídia – e, em especial, a cobertura política desenvolvida pela mídia no Brasil e o espaço que ela dá, permanentemente, a estas irregularidades, não estaria – ao
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invés de formar uma massa crítica e fiscalizante do poder público – contribuindo para afastar ainda mais os cidadãos da política, em função da desconfiança, da desilusão e da descrença dos indivíduos nos políticos e nas instituições políticas? E mais: o agendamento por meio de um fluxo contínuo de informações a respeito de constantes irregularidades na política não estaria criando um efeito de enciclopédia de que a política no Brasil é algo “sujo” e, assim, também provocaria este afastamento das pessoas e a baixa participação política? EMPODERAMENTO OU AFASTAMENTO ? A aproximação entre a política e a comunicação vem ocorrendo desde o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, ainda no século XIX. E, mais ainda, a partir dos efeitos de persuasão verificados. Na opinião de Moragas (1985, p. 10), “uma primeira série de estudos sobre comunicação e política se refere às práticas de dois movimentos: o nazismo e o leninismo”. Em torno destes movimentos e de sua grande transcendência, complementa o autor, gerou-se uma grande reflexão teórica que, junto com a História, intervieram outras disciplinas, como a Psicologia e, em especial, a Psicologia das massas. Mais tarde, na década de setenta, no século XX, a partir da utilização massiva das técnicas de comunicação - sobretudo, nos períodos de campanhas eleitorais – a relação entre a política e a comunicação ganhou uma nova dimensão, segundo Gingras (1998). Em especial, por causa do impacto causado pelas técnicas persuasivas, que modificaram consideravelmente as práticas políticas. Isso determinou, inclusive, como afirma a autora, uma visão distorcida do conceito de comunicação política, comparando-o a um conjunto de receitas que traria maior ou menor êxito àquele que pretendesse passar no “teste midiático”. Para Wolton (1999), as mudanças no conceito de comunicação política são normais, porque estariam baseadas no próprio desenvolvimento humano e das sociedades. Seria natural, portanto, que o conceito também sofresse evoluções em sua compreensão de sentido. De acordo com o autor, inicialmente, a definição de comunicação política referia-se ao estudo da comunicação feita a partir do governo – ou do poder constituído – para o eleitorado. Depois, referia-se, também, à troca de discursos entre a maioria e a oposição. Mais tarde, o estudo passou a envolver o papel da mídia na formação da opinião pública. E, por fim, à influência das pesquisas na vida política. Hoje, segundo o autor, o estudo da comunicação política tem um sentido mais amplo; afinal, a comunicação política refere-se a qualquer comunicação que tenha como objeto a política. O que é certo, porém, é que a comunicação política é o instrumento que liga a ação e o pensamento dos políticos com a sociedade civil. Segundo Wolton (1998, p. 177), “a política é inseparável da comunicação, sobretudo em democracia, onde os políticos devem explicar suas propostas para ganhar as eleições ou assegurar a reeleição”. Na verdade, este é um caminho de duplo sentido: enquanto as instâncias políticas informam o seu trabalho, também a sociedade informa as suas opiniões e necessidades.
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Sendo assim, como ressalta Ochoa (1999, p. 4), “a comunicação política desempenha um papel fundamental no funcionamento dos sistemas políticos”. Incluem-se nestes assuntos de comunicação política, conclui o autor, todos aqueles aspectos da comunicação, cujo propósito seja fixar regras, normas, princípios, ordens e que sirva para legitimar as relações entre os participantes daquela mesma comunicação. É importante considerar que nos períodos antigos a distância entre os cidadãos e os representantes do poder era muito maior do que hoje; a grande massa não estava interada das eventuais sucessões do poder e tampouco participava delas. A opinião dos indivíduos não contava, conclui Ochoa (1999).Este cenário só passou a mudar, segundo Rubim (2000), a partir da revolução ocorrida nas comunicações, no final do século XIX. Já com a invenção da imprensa de tipos móveis, desenvolvida por Gutenberg, abriram-se novos caminhos para atividades propagandísticas. E, de fato, com os novos meios de comunicação que surgiam, esse fenômeno só aumentou. Para se ter uma dimensão disso, Pizarroso Quintero (1990) chega a afirmar que, se o século XIX ficou reconhecido como o século das grandes descobertas, o século XX tornou-se o século das massas. Parte disso, conforme Hohlfeldt (2001), pelo surgimento das novas mídias, mas muito também pelo intenso processo de urbanização. A conjunção dos dois fatores acabou criando quatro modelos de comunicação no sentido de aproximar os indivíduos das sociedades, de acordo com Miège (1998). O primeiro deles foi a imprensa de opinião, especialmente em oposição aos governos. O segundo modelo veio através da expansão da imprensa, de caráter mais comercial e mais voltado às massas. Com os meios audiovisuais, como o cinema, o rádio e a televisão, formouse um terceiro modelo. Por fim, o quarto e mais atual modelo da ação comunicação-política surgiu com a idéia da comunicação generalizada, que permite fluxos de toda a ordem. Por esse avanço verificado nos modelos, de fato, aumentou o leque de oportunidades de acesso à informação, sobretudo à informação política. Ochoa (1999) classificou uma série de gêneros e formatos que podem se transformar em canais de comunicação política para a população, como: as petições; os serviços de reclamações; os boletins de imprensa; as charges políticas; as histórias políticas em quadrinhos; os boatos; o humor político; o teatro político; os editoriais; as colunas diárias dos veículos sobre política; as entrevistas políticas; as cartas à redação ou correio de voz nas emissoras; as declarações e discursos; as conferências; os debates; os materiais promocionais dos candidatos; os cartazes de rua; a publicidade externa; os spots de rádioe televisão; os sites e páginas pessoais na internet; os panfletos; relatórios; monumentos; as canções; os anuários estatísticos, sociais ou políticos.Através de cada um destes gêneros e formatos, os indivíduos estão expostos às informações, acontecimentos e fatos sobre a política e os políticos, independente de seu maior ou menor interesse pelo tema.
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Entretanto, Fagen (1971) afirma que, apesar de sua importância na consolidação das sociedades, a informação política chega ao cidadão em meio a notícias de crimes, esportes e uma porção bastante grande de entretenimento. Sendo assim, os indivíduos acabam tendo um contato muito rápido com o mundo político, o que incide, consequentemente, na qualidade das mensagens a serem absorvidas pelas pessoas. E, assim, o que poderia servir como um importante instrumento de empoderamento dos cidadãos, acaba até mesmo afastando as pessoas da vida política. No Brasil, um dos fortes motivos para isso é a desconfiança dos cidadãos em relação às instituições políticas. Diversas pesquisas demonstram este distanciamento. E, quando comparadas a outras instituições públicas e privadas, as instituições políticas ocupam sempre os últimos lugares. Entre as causas deste afastamento, afirma Schmidt (2001), existem questões históricas de base, como a baixa participação das crianças nas decisões da família e a baixa participação política na escola. Esses fatores ajudariam, segundo o autor, a criar um cidadão pouco participativo e bastante alienado politicamente. Outra razão para isso, na opinião de Baquero (2003), seria o desencanto das pessoas com os programas sociais dos governos, principalmente em relação à pobreza, ao desemprego e à decadência comunitária. O empoderamento é um fenômeno social que oferece aos cidadãos a capacidade de decidir e libertar-se de problemas básicos, através da confiança, da reciprocidade e da solidariedade com a sociedade civil. De acordo com o autor (2003, p. 96), “a existência de confiança não só cria um ambiente de credibilidade e legitimidade, como fortalece o contrato social”. Segundo Wallerstein e Bernstein (1994), o empoderamento pode ocorrer nos níveis individual, organizacional e comunitário. O individual representa o aumento da capacidade dos indivíduos de influírem em sua própria vida. O organizacional significa contribuir com as decisões da organização empresarial em que atuam, com o objetivo de melhorar o seu desempenho. E, por fim, o empoderamento comunitário é aquele que capacita os diversos grupos sociais para a articulação de seus interesses, visando a conquista plena dos seus direitos de cidadania, da defesa de seus direitos constitucionais e de influenciar nas ações do Estado. Entretanto, o que se percebe não é isso e, sim, um esvaziamento dos indivíduos desta capacidade de se empoderar. Uma espécie de desilusão. É, portanto, justamente neste ponto que reside a questão principal deste estudo: embora a liberdade de imprensa seja um elemento fundamental do campo democrático e esclarecer os cidadãos seja uma forma de zelar pelo bem, ao associar permanentemente a política a irregularidades, mais do que empoderar os cidadãos a mídia não estaria empoderando a si própria? A própria lógica dos meios de comunicação, da velocidade da informação, da concorrência e da existência de um mercado que transforma leitores em consumidores, conduziriam a este comportamento e à construção do efeito de enciclopédia.
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PERSPECTIVAS DE LETRAMENTO POLÍTICO Ainda que o termo empowerment já existisse na língua inglesa, com o sentido de dar poder a alguém, para que este alguém realize uma tarefa sem precisar da autorização de outras pessoas, foi o educador brasileiro Paulo Freire quem definiu e trouxe, para a língua portuguesa, a expressão empoderamento. Para o educador, a pessoa, grupo ou instituição empoderada é aquela que realiza, por sim mesma, as mudanças e ações que a levam a evoluir e se fortalecer. Mais do que a tradução da expressão e uma busca por seu significado literal, Schiavo e Moreira (2005) têm outra preocupação: a de que empoderamento representa, então, a obtenção de informações adequadas, com vistas a um processo de reflexão e de tomada de consciência quanto à situação atual. A consequência disso, segundo os autores, seria uma mudança de atitude, que impulsione a pessoa, grupo ou instituição para a ação prática, metódica e sistemática, no sentido dos objetivos e metas traçados e desejados. Mais até do que isso, complementam Schiavo e Moreira (2005), cria-se uma figura política do sujeito e de seu meio. Essa ‘mistura’ e esse cruzamento de definições são naturais. Segundo Gohn (2004), o significado do termo empoderamento não tem um padrão universal e, em função disso, acabou recebendo uma variedade de interpretações. Mais ou menos na mesma linha de Schiavo e Moreira (2005), Lawson (2001) entende que empoderamento trata-se de um processo através do qual pessoas, organizações e comunidades adquirem controle sobre questões de seu interesse. Wallerstein e Berstein (1994), por sua vez, ainda aprofundam estas três dimensões e apresentam diferentes níveis para cada uma delas. Para os autores, podemos considerar o empoderamento uma questão individual, quando diz respeito ao aumento da capacidade dos indivíduos em se sentirem influentes nos processos que determinam suas vidas. Já o empoderamento organizacional possui uma abordagem que relaciona-se ao processo de trabalho, cujo objetivo é a delegação do poder de decisão, a autonomia e a participação dos funcionários na administração das empresas. A dimensão que mais nos interessa é o empoderamento comunitário. Tanto para os autores, como para Baquero e Baquero (2007), refere-se à conquista plena dos direitos da cidadania, à defesa dos seus direitos e à influência em ações desenvolvidas pelo Estado. E isso só se dá, através de iniciativas como a educação para a cidadania, a socialização e a problematização de informações, o envolvimento na tomada de decisões e no pleno conhecimento dos processos de diagnóstico, planejamento e execução de projetos e obras sociais. Neste sentido, a comunicação política cumpre um papel fundamental para a concretização destas iniciativas. Para chegar a esta condição, entretanto, antes disso é necessário que estes indivíduos, que serão empoderados, sejam submetidos a um processo de letramento, para que tenham a capacidade de compreender as mensagens que estão sendo transmitidas. De acordo com Piccoli (2010, p. 259), “a palavra letramento, no Brasil, teve sua origem documentada no campo das ciências linguísticas e
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da educação a partir da segunda metade dos anos de 1980”. Ainda segundo a autora, Paulo Freire é considerado o precursor brasileiro no desenvolvimento do conceito. Diferente do conceito de alfabetização, que presume a aquisição da leitura e da escrita, o letramento está mais relacionado às múltiplas possibilidades de utilização de tais habilidades, como afirma Piccoli (2010). E, de fato, basta pesquisar sobre o tema, para verificar que a grande maioria dos autores que estuda o letramento não se mostra tão preocupada com o ler e o escrever puramente e, sim, com o que os indivíduos fazem destas competências. Outra questão importante, que os autores apontam, e que, especialmente no campo da Comunicação torna-se bastante relevante, é a de que, além da leitura e da escrita, não se pode afastar a hipótese de que a fala e a audição também sejam elementos constitutivos do letramento. Por exemplo: uma pessoa pode não ser alfabetizada; porém, pode desenvolver a capacidade de letramento por meio de determinada tradição oral, através dos nomes dos programas de televisão, pela marca dos produtos, pelos slogans e frases promocionais repetidos com insistência pela publicidade ou pelos avisos de utilidade pública. Neste último caso, enquadram-se aqueles encontrados facilmente na vida cotidiana, tais como os sinais de Pare, de parada de ônibus ou mesmo de sinalização de banheiros públicos, identificados como Masculino ou Feminino. O domínio da escrita e da leitura permite que os indivíduos comecem, cada vez mais, a se defrontar com diversos cenários textuais novos, que são construídos e encontrados em toda a sua vida cotidiana. Estes cenários textuais dependem, naturalmente, da ambiência na qual a pessoa está inserida, tanto socialmente, como culturalmente. Em cada uma destas situações textuais, o indivíduo terá um tipo de letramento específico, que exigirá um esforço e uma compreensão também diferentes. Por exemplo, no preenchimento de determinados documentos ou formulários, o indivíduo deverá ter um conhecimento necessário para entender o que significa uma série de siglas, campos a serem respondidos e quais dados estão sendo solicitados. Por isso é que, muitas vezes, os serviços de atendimento ao público são demorados, pela falta de capacidade e de letramento suficiente das pessoas para este tipo de exigência. Na política não é diferente. As pessoas são solicitadas a votar, mas, para isso, precisam ter um mínimo de letramento para entender como funciona o processo eleitoral, escolher seus candidatos e suas propostas e criar um vínculo político que lhes permita empoderar-se e acompanhar se o trabalho das suas escolhas atende a suas necessidades e a de seu contexto social. Entretanto, como afirma Borba (2005), o baixo grau de informação e o caráter difuso e pouco estruturado das opiniões políticas da maioria do eleitorado brasileiro, acaba expressando uma racionalidade que se baseia em imagens fluidas e difusas a respeito dos políticos e dos partidos. A perspectiva de letramento político, nestas condições, acaba sendo aquela produzida pelo efeito de
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enciclopédia, das constantes notícias e denúncias de irregularidades e corrupção na política brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Desde a implantação da República, ainda no século XIX, o Brasil vem alternando ciclos autoritários com ciclos democráticos. O resultado destes fenômenos históricos se refletiu na falta de formação de uma cultura política mais sólida, na consequente ausência de uma maior participação coletiva e, em termos de contrato social, na pouca disposição do povo em cobrar mais responsabilidade dos seus representantes. Ao que tudo indica, com o final dos sucessivos Governos militares, o país parece finalmente ter encontrado a sua estabilidade política, vivendo uma nova fase, ainda de uma jovem democracia. Entretanto, esta jovem democracia ainda não foi o suficiente para reverter certos quadros de desconfiança e, também, de evitar as constantes crises e irregularidades na política brasileira. Por outro lado, o objetivo aqui não é desvalorizar o trabalho da mídia ou creditar pouca importância a esse papel de zelar pelo bem, como era a preocupação aristotélica. Porém, o que se percebe é a existência de um certo vazio político. As pessoas não frequentam os espaços de discussão política, como as Câmaras de Vereadores e as Assembleias Legislativas. Não lembram em quem votaram. Se lembram, muitas vezes sequer acompanham o trabalho desempenhado por aquele parlamentar. Preferem acompanhar tudo por intermédio dos meios de comunicação. Contudo, quando estes mesmos meios apresentam os fatos, parece produzir pouco ou quase nenhum efeito junto à população. O cidadão, que deveria se empoderar, não se empodera. Mas a mídia, no seu objetivo de dizer a verdade, cada vez sente-se mais poderosa ao fazer novas denúncias. A tal ponto que os agentes públicos denunciados não se sentem motivados a esclarecer a opinião pública; ao invés disso, eles acabam travando verdadeiras batalhas pessoais contra os veículos de comunicação. Por tudo isso, como já se disse antes, não se trata de censurar ou calar a mídia, mas talvez seja fundamental encontrar uma nova forma de tratar a política e as questões públicas. Para tanto, seria fundamental empoderar os cidadãos através da educação, mostrando a importância da leitura; revigorar os espaços públicos de participação e discussão política; e, principalmente, rever uma outra lógica importante, que é a forma como os veículos de comunicação são distribuídos no Brasil. Afinal, grande parte deles encontra-se na mão dos próprios políticos.
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BLINDAGEM COMO ESTRATÉGIA COMUNICACIONAL EM POLÍTICA
Arquimedes Pessoni Universidade Municipal de São Caetano do Sul Valéria Amoris Universidade Municipal de São Caetano do Sul
INTRODUÇÃO A partir de uma perspectiva crítica é possível visualizar a comunicação sob múltiplos fatores: sociais, econômicos, políticos e culturais; assim buscando compreender as transformações comunicacionais que norteiam a sociedade contemporânea, permitindo, também, considerar as influências exercidas sobre a elaboração normativa, do sistema político e ideológico dominante na sociedade, visto que há uma reconstrução constante da ciência a partir da movimentação histórica da sociedade e de um espaço onde o oculto é capaz de aparecer e assumir sua existência. Resgatamos, assim, a questão de “mudar conceitos”, talvez na época das eleições municipais, os indivíduos esperem uma quebra de paradigmas. Por que não? Quem sabe a troca de dirigentes municipais possa ofertar melhorias tanto aos munícipes quanto à população? E como fica o papel da comunicação no processo de transição de gestão? Nesse contexto, há que se pensar e ressaltar o papel da comunicação, afinal esta área é a que mais apresenta mudanças dinâmicas e significativas para a história contemporânea, em outras palavras, é a área que serve de exemplo geral, por trazer novos paradigmas no processo comunicacional. A configuração dessa realidade faz Armand e Michèle Mattelart (2000: p. 170), abordarem a amplitude do novo paradigma do setor público que interfere no espaço da comunicação: [...] essas novas redes sociais passam a fazer parte do debate sobre possibilidade de um espaço público em escala planetária. Em todas as latitudes, a problemática da transformação do espaço público, nacional e internacional, tende, aliás, a ocupar lugar de destaque nas abordagens críticas inspiradas pela sociologia, pela ciência política e pela economia política.
Muitas são as possibilidades comunicacionais na nova sociedade informacional, proposta por Castells (1999), como, por exemplo, vincular as políticas e os planos de ação das organizações, sejam elas públicas ou privadas; porém a harmonia de linguagens mencionada por Torquato (2002: p. 84) precisa ser trabalhada e analisada para que determinadas estratégias venham prospectar
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cenários, montar diagnósticos, enfim, avaliar novos métodos de atuação de, quem sabe, um novo assessor de imprensa que assiste à nova era. Justamente nesta perspectiva, a comunicação sempre foi importante para todos os setores, principalmente a área pública. Um dos pontos que vem chamando a atenção é o modo como a comunicação impacta nos governos municipais, estaduais e federais. Esse ímpeto se deu, em grande parte, com a implantação da democracia. Na realidade, a liberdade de expressão, o direito de interagir junto a esfera pública, o conhecimento sobre as ações dos governos foram aumentando em virtude da atual concepção que adquirimos diante do novo modelo de sociedade que vivenciamos. Nessa nova era norteada a informação, que nos chega numa velocidade imensurável, o processo de se comunicar tornou-se tão valioso quanto o ar que respiramos. Em meio a tantas transformações a comunicação conquistou espaço, importância e múltiplos entendimentos e funções. Assim, voltamos nossa atenção às estratégias da assessoria de imprensa da administração local – prefeitura. Essa pesquisa concentrou-se em analisar o gerenciamento e a operacionalização das diferentes tarefas de uma Assessoria de Imprensa (ou Assessoria de Comunicação)1 durante a transição de gestão na administração pública, especificamente, na cidade de Santo André, em 20082009. Ao estudarmos as trocas de equipes de dois partidos políticos diferentes, no âmbito do processo de comunicação, procuramos compreender se houve uma nova forma de comunicação interna e externa (no caso, externa refere-se ao contato com a mídia). Para tanto, tornou-se necessário questionar os profissionais da assessoria de imprensa sobre como foi trabalhada a informação, por essa virtude, foi imprescindível averiguar como aconteceram asmudanças comunicacionais do município andreense. Trata-se de uma pesquisa exploratória, de caráter qualitativo que, além do estudo decaso, também se valerá de técnicas que preveem entrevistas com profissionais especializados em comunicação política, com servidores públicos de Santo André e jornalistas da região do ABC. Dessa forma, o método de abordagem utilizado foi o dedutivo, já que a pesquisa envolveu levantamento de informações, também, por meio de entrevistas com os profissionais de comunicação que atuaram no processo transitório junto ao atual prefeito; e observaram a estratégia comunicacional adotada pela nova equipe da Prefeitura para lidar tanto com o público interno quanto o externo. A escolha pelos entrevistados se deu visto que neste caso eles possuem um domínio sobre o assunto que está sendo analisado.
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Neste caso, usaremos assessoria de imprensa como sinônimo de assessoria de comunicação.
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ESTUDO DE CASO Além de nos basearmos nos métodos acima, também, nos atentamos as observações de Robert K. Yin (2001: p.32), sobre o estudo de caso ser uma investigação empírica que “investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”. De forma similar, Yin (2001: p.31), foca como tópico principal para o estudo de caso a definição das “decisões”. A essência de um estudo de caso, a principal tendência em todos os tipos de estudo de caso, é que ela tenta esclarecer uma decisão ou um conjunto de decisões: motivo pelo qual foram tomadas, como foram implementadas e com quais resultados (SCHRAMM, 1971). No que se refere ao método de procedimento, ou como Yin costuma mencionar, é necessário que haja uma lógica de planejamento. Para essa técnica de pesquisa, compreendemos uma lista básica de cinco atributos (2001: p.81): 1. Capacidade de fazer boas perguntas – e interpretar as respostas; 2. O pesquisador deve ser um bom ouvinte e não ser enganado por suas próprias ideologias e preconceitos; 3. Capacidade de ser adaptável e flexível, de forma que as situações recentemente encontradas possam ser vistas como oportunidades, não ameaças; 4. Ter noção clara das questões que estão sendo estudadas, mesmo que seja uma orientação teórica ou política, ou que seja de modo exploratório. Essa noção tem como foco os eventos e as informações relevantes que devem ser buscadas a proporções administráveis; 5. Imparcialidade em relação a noções preconcebidas, incluindo aquelas que se originam de uma teoria. Assim, o pesquisador deve ser sensível e estar atento a provas contraditórias.
Em resumo, Marcia Yukiko M. Duarte (2009: p.234), afirma que o estudo de caso é o método que contribui para a compreensão dos fenômenos sociais complexos, sejam individuais, organizacionais, sociais ou políticos. É o estudo das peculiaridades, das diferenças daquilo que o torna único e por essa mesma razão o distingue ou o aproxima dos demais fenômenos.
ENTREVISTA SEMIABERTA Para uma melhor compreensão, encontramos na análise de Duarte (2009: p.65), que a entrevista semiaberta é essencialmente exploratória e flexível, não havendo seqüência predeterminada de questões ou parâmetros de respostas. Tem como ponto de partida um tema ou questão ampla e flui livremente, sendo aprofundada em determinado rumo de acordo com aspectos significativos identificados pelo entrevistador enquanto o entrevistado define a resposta segundo seus próprios termos, utilizando como referência seu conhecimento, percepção, linguagem,
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realidade, experiência. Desta maneira, a resposta a uma questão origina a pergunta seguinte e uma entrevista ajuda a direcionar a subseqüente. A capacidade de aprofundar as questões a partir das respostas torna este tipo de entrevista muito rico em descobertas. Valemo-nos da entrevista semi-aberta como técnica de coleta de dados porque se trata da melhor forma de realizar a pesquisa exploratória, a qual utilizamos com nossos entrevistados.
REALIDADE ESTUDADA Como analisar uma estratégia de comunicação que justamente vai contra tudo que se entende por comunicar-se? Foi isso que aconteceu em Santo André quando o novo prefeito, Aidan Ravin – Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), toma posse após suceder à gestão de 12 anos consecutivos de governos do Partido dos Trabalhadores (PT), na cidade. Alexssander Soares, secretário de comunicação da Prefeitura conta que, desde que ganharam a eleição, passando pela posse até os cem primeiros dias de governo, momento no qual é habitual ocorrer uma auditoria pública, o atual prefeito, Aidan Ravin, e ele – como gestor da Secretaria de Comunicação, assumiram uma estratégia comunicacional de não passar informações à mídia enquanto aconteciam esses processos. Ou seja, Aidan venceu a eleição no segundo turno, o que aconteceu no fim de outubro de 2008, deste momento até os cem primeiros dias de governo toda uma equipe omitiu informações aos jornalistas, melhor, optaram em não dar declarações sobre o que ocorreu no período transitório até o fim da auditoria pública que dura cerca de 90 dias a partir de 1º de janeiro de 2009. Soares tranquilamente justifica: “Nós assumimos com um governo cru do ponto de vista da comunicação. Totalmente calado, porque na transição, por orientação do novo prefeito, a ordem não era polemizar, a ordem era trabalhar. Foi uma estratégia dele e até minha, porque as pessoas que estavam na transição ainda não tinham a compreensão de que a comunicação poderia ajudálos e prejudicá-los e ele não queria polemizar com o João Avamileno”. No caso, o João Avamileno é o ex-prefeito da cidade que apoiava o candidato da oposição, no caso do PT – Partido dos Trabalhadores. A transição de gestão, a qual nos referimos foi realizada entre a equipe do Avamileno e a equipe do Aidan Ravin, do PTB – Partido Trabalhista Brasileiro, o candidato eleito. Para esclarecer, quando Soares diz “assumimos com um governo cru do ponto de vista da comunicação”, refere-se ao fato de a equipe montada por Aidan Ravin ser totalmente diferente das habituais. Normalmente, os indivíduos que exercem os cargos de secretários estão na vida pública há muitos anos, são profissionais que possuem experiência política e sobrevivem à custa da política. Aidan não quis inserir muitos profissionais com essa postura em sua equipe. Mais de 90% dos profissionais que assumiram os cargos de maior responsabilidade, os gestores das secretarias eram pessoas com pouca experiência política, para não dizer nenhuma, e muita experiência técnica. Cada
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um em sua área vinha de empresas privadas, com muito conhecimento técnico sobre a pasta que assumia, “alguns empresários, então, podemos dizer que foram ‘profissionais que não dependiam da política pra sobreviver’, cada um possuía uma carreira, fora da gestão pública”. Fato que chamou a atenção por fugir a regra comum. Voltando à questão da comunicação, ou da falta dela, Soares ressalta que o jornalista queria informação durante a transição. “Queriam falar, polemizar como: “o que você encontrou? Encontrou alguma coisa errada? Vai acertar? Vai mandar embora? Vai cortar contrato? Vai fazer auditoria? Vai fazer devassa? Vai denunciar o PT no Ministério Público?”. E o Aidan disse que queria manter a cidade trabalhando, não queria polemizar. E qual é o custo disso? Qual foi o ônus disso tudo? Os jornalistas ficaram putos. Quando você fecha a torneira de informação, eles têm que buscar. E eu avisava isso pro prefeito. Se ele não fala, eu não falo, alguém tem que falar. E ele queria ver quem estava falando, porque percebia que as pessoas falavam o que não devia. Então ele adorou esse período pra entender o que as pessoas estavam enxergando e o que esperavam dele”, esclarecendo o porquê de adotar tal estratégia. Nesse cenário, discute-se o papel das instituições em um tempo no qual imperam a instantaneidade e a abrangência. Afinal, “nas organizações que se estruturam como redes hiperconectadas internamente e com o ambiente externo, a visão de comunicação tende a mudar de mero instrumento e recurso para ser a essência da organização”, conforme lembra Curvello (2002: p. 134). O caso é que essasorganizações só existem porque uma rede de comunicação viabiliza a construção de suaidentidade. Daí a importância de entender a representação política regional, no nosso caso, e de a assessoria de imprensa perceber e dirigir a comunicação governamental de acordo com as transições de gestão. Questionado quanto ao plano de mídia, mesmo que continuasse a não fornecer dados à imprensa, Soares nos conta que tanto ele quanto a equipe da Secretaria de Comunicação – os assessores de imprensa - sofreram muito. “Aidan assumiu com uma estratégia cautelosa e, imagina, um governo que assume depois de 12 anos, 12 seguidos, com a responsabilidade e obrigação de mudar a cara da cidade. Aí você descobre que não tem verba de publicidade pra fazer isso. Você descobre que a única ferramenta que você tem, não tem contrato. Você começa a entender o jogo político dos veículos de comunicação da região, que isso não foge da realidade nacional. A conversa passa pelo plano de mídia, por verba. Então existe essa discussão. Eu não tenho dinheiro nem liberado e nem disponível pra fazer anúncio em nenhum jornal. O que você cria com isso? Uma antipatia em cima do seu governo. O que eu fiz? Durante nove meses, eu segurei a secretaria no peito. Era o marqueteiro, o secretario e o assessor junto com minha equipe. Tinha que trabalhar que nem um retardado”, avalia.
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A partir da declaração de Soares, essa questão interfere na “maneira” de se fazer comunicação, do ponto de vista prático do mercado. “Desculpem-nos os colegas: muitos são os jornalistas, mas pouco são os assessores.” Assim começa a análise de Maria Regina Estevez Martinez (2006: p. 218-219): Hoje toda informação a ser divulgada deve ser elaborada com muito cuidado e atenção, depois de passar por uma sondagem e discussão com as lideranças da empresa, instituição ou órgão governamental de forma a atender aos interesses dos públicos a serem atingidos, bem como aos interesses institucionais. Mais ainda: nem todo jornalista é um “assessor”, é que a grande maioria faz parte do corpo das redações e tem circulando nas veias a adrenalina da busca da informação, enfim, a busca competitiva de ser inédito e correr na frente. Esse profissional não tem as características necessárias para ser um assessor, um pensador estratégico da informação e de sua veiculação (MARTINEZ: 2006: p. 218-219).
Soares esclarece que como trabalhou a comunicação sem contar com a verba da publicidade teve que construir a imagem do Aidan na cidade divulgando releases. “Santo André hoje é a Prefeitura que mais tem textos divulgados e publicados na imprensa, no jornal. No mês de dezembro, a gente publicou o que equivale a 160 páginas no jornal Diário do Grande ABC. Percebi já que não tinha publicidade carreguei na informação. Nós divulgamos cerca de 12 a 13 textos por dia, com fotos, tem vídeos, tem áudios, assim você constrói uma imagem. Não é suficiente, mas ajuda, principalmente num momento de crise”. Uma crise, ainda que inevitável, pode ser gerenciada e a comunicação costuma desempenhar papel fundamental nesse processo. Na verdade o planejamento de comunicação para o gerenciamento de crises começa sempre muito antes da crise, conforme sugere Bueno (2009: p. 143-145): O gerenciamento atenua os efeitos da crise, contribui para que ela seja debelada em tempos mais curto e pode – o que é fundamental para os comunicadores – impedir que a imagem ou a reputação sofra abalos graves. [...] A organização que sabe gerenciar uma crise tem definido já previamente um plano de emergência. Evidentemente, ele não se limita ao relacionamento com a mídia em situações emergenciais, mas também o abrange. Tudo ficará menos complicado se o relacionamento da organização com a imprensa tem um passado positivo. Se, ao longo do tempo, esse relacionamento tem se caracterizado por um compromisso mútuo com a ética, a transparência e o profissionalismo, um bom caminho terá sido percorrido para evitar que a crise alcance proporções descabidas na mídia.
Ruth Alexandre de Paulo Mantoan, ex-secretária de Comunicação da Prefeitura de Santo André na época em que a cidade foi administrada por João Avamileno, do PT, fez a transição de cargo para Alexandre, pontua a entrevista, com uma visão positivista o momento da transição: “do ponto de vista da cidade nessa transição, inclusive, acho que você conversou com o Alexssander, para dizer pra você que nós fomos muitos elogiados pela forma que fizemos a transição. Foi muito profissional mesmo. Nós fizemos reuniões com as equipes”.
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Mantoan recorda-se de seus últimos meses trabalhando na Prefeitura e conta que os secretários receberam do prefeito João Avamileno a incumbência de passar todas as informações que a equipe do novo governo solicitasse. “De minha parte, pedi que cada supervisor de núcleo preparasse relatórios detalhados de seus trabalhos. Esses relatórios serviram de base para as reuniões de transição e ajudaram a equipe que assumiu a ter um panorama das demandas e produções diárias, bem como das pendências”, observa. Mantoan ressalta que, durante sua coordenação na Comunicação, convidou alguns funcionários de carreira, experientes, para ocuparem cargos de confiança. Ela acredita que a experiência desses profissionais foi imprescindível para os bons resultados obtidos no período. “Um desses funcionários era minha secretária, com quase 20 anos de casa, que desempenhava papel fundamental na condução do núcleo administrativo. Para lidar com documentos, prestações de contas, compras, controles do RH, entre outros, é necessário alguma experiência. O preenchimento errado de um documento pode trazer muitos problemas na prestação de contas. No processo de transição, detalhei a atuação de cada funcionário ao novo secretário e depois fiquei sabendo que ele manteve a mesma secretária responsável pela administração. Os relatórios devem estar arquivados na comunicação”, enfatiza. Parafraseando dito popular: nem tudo foi um mar de rosas como pensou Mantoan, Soares fez várias queixas quando assumiu o cargo no dia 1º de janeiro de 2009. “O que a Ruth passou pra mim? Ela falou assim: ‘Eu tenho 10 funcionários. Tá aqui o nome, a função e o salário do comissionado. Esses caras vão embora no dia primeiro’”. Soares ressalta que “passar informações para a equipe de transição é uma coisa que existe em todos os governos, em todas as cidades, mas ela não existe regulamentada, não tem um decreto, não tem uma lei. Ela é uma coisa informal. Ela é muito mais um gesto de cavalheirismo de quem perdeu pra quem ganhou”. Para que o processo transitório fosse tranquilo, Soares lembra que logo que Aidan venceu nas urnas “fez uma reunião com João Avamileno, que na época foi o candidato derrotado e selou um acordo de cordialidade, de paz política na transição, do tipo ‘eu não quero começar meu governo te atacando e não quero que você faça o mesmo’. Um acordo de cavalheiros políticos, que possibilitou que a equipe de transição entrasse na Prefeitura”. Apuramos que o processo transitório que normalmente acontece entre o secretário que entra, neste caso, de Comunicação, com o que sai, não passa de um “acordo de cavalheiros”, como diz Soares “não há lei alguma que diz que o governo que sai é obrigado a deixar relatórios e documentos que demonstre o andamento do órgão público”. Neste caso em especifico,“fornecer informações públicas se desejar” chega ser insultante a inteligência da população brasileira. Deixa
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de ser uma questão local, municipal e torna-se nacional. Acreditamos que este tipo de ação que ocorre nesse processo transitório; não parece uma prática inteligente dos governantes. Na sociedade informacional sugerida por Castells (1999: p. 497-499), a mídia constitui o grande reverberador das crises organizacionais; campo social no qual os interesses tornam-se visíveis na batalha pela conquista do apoio da opinião pública. Nesse novo modelo de sociedade, a rapidez e a abrangência ilimitadas de difusão da informação eliminaram os intervalos de tempo entre o momento dos acontecimentos e a sua divulgação. O ambiente de difusão das notícias está mudando como “num piscar de olhos”. Para Mamou (1992: p. 13), “a diferença entre o momento em que o acontecimento se produz e o de quando ele é difundido tende a se anular”. Cabe ressaltar, ainda de acordo com Castells, que a própria organização se estrutura em uma lógica de redes, concretizando a economia informacional, pois “fora das redes, a sobrevivência ficará cada vez mais difícil às organizações” (1999: p. 498).
MATERIAL DE TRABALHO: RELEASE Carlos Balladas, jornalista e proprietário do Jornal PontoFinal, lembra que na época do PT os release da assessoria de imprensa eram diferentes: “Na época do Avamileno, eles ressaltavam o fato, ressaltavam a ação que estava sendo divulgada e escondiam um pouco o prefeito”. Renan Fonseca, na época era repórter de política do jornal ABCD Maior, ressalta que nem release recebia porque os profissionais de comunicação foram proibidos de darem qualquer tipo de informação a eles:“Nós, do ABCD MAIOR, ficamos alguns meses, acho que oito meses a um ano assim. O primeiro ano sem conseguir informação oficial da prefeitura. Informações básicas, informações simples, que não eram passadas. E até mesmo o pessoal do funcionalismo público, me falava: ‘Olha, eu não posso te passar isso aí. Mesmo fazendo parte da Prefeitura e não do partido, como é o caso do Alex e de outros jornalistas, eu tenho que seguir uma linha e minha linha é: eu não falo com vocês’”. Para uma melhor compreensão, vale dizer que o jornal ABCD Maior pertence ao Sindicato dos Metalúrgicos, ligado à CUT, e apoiava o PT, dando pouco espaço a matérias positivas ligadas a administrações não petistas. Nesse sentido, as materialidades classificam-se como portadoras de formações ideológicas distintas. Possuem discurso ideológico, conhecidamente de esquerda, cuja preocupação maior é melhorar as condições trabalhistas, além disso, o jornal busca viabilizar, também, matérias com histórias de lutas e movimentos sociais. Leandro Amaral, jornalista da Rádio ABC e do jornal Repórter Diário, também, reclama da falta de material de divulgação que recebe da assessoria de imprensa e da forma com que eles passaram a trabalhar. Faz uma análise comparativa com o governo anterior: “Sinto muita diferença
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pelo seguinte, o PT tem total conhecimento da agenda do prefeito, a atual assessoria de imprensa não tem conhecimento da agenda do Aidan. Quantos releases nós recebemos falando que o prefeito iria estar presente e o prefeito não compareceu e quanto o release que o prefeito não constava como presente e ele compareceu e isso sem falar na quantidade de releases que a gente recebe dois, três, semanais quando muito, por exemplo, você, comparando com a prefeitura de São Bernardo, são dois, três releases por dia”. Amaral ainda reclama que chegou a receber aviso de pauta depois que a o evento havia acontecido. “Você não recebe o conteúdo ou a íntegra daquilo que aconteceu se, porventura, você não pôde ir. E nem preciso dizer que fotos para ilustrar a matéria, eles só enviam quando você pede, fora, eu não lembro qual foi o último que eu recebi da prefeitura de Santo André. Voltando a questão dos releases, você tem uma comunicação que não comunica as obras do governo, não tem agenda do prefeito, você liga, pede agenda, você nunca sabe o que o prefeito vai fazer ou não, como você vai previamente pautar uma redação se você não tem agenda do governo? Complicado. Aí depois vêm osreleases mais publicitários, com as reportagens mais publicitárias do que jornalísticas, você aproveita muito pouco daquele conteúdo, aí você liga pro prefeito para complementar, o prefeito não tem informação, a assessoria não te passa”. Para Torquato (2002: p. 119), a comunicação na administração pública comete o viés de privilegiar a pessoa e não o fato. A isso se chama “fulanização” comunicativa. Trata-se de uma visão distorcida, geralmente adotada por profissional sem formação adequada ou por um tipo de assessoria de louvação que mais prejudica. O fato é notícia, o agente é elemento reforçador. Quando o fato superpõe-se ao agente, a mensagem aparece de maneira mais crível e a fonte ganha em credibilidade e respeitabilidade. O texto de exaltação faz parte da cultura do passado. As informações de Soares não condizem com os trabalhos desenvolvidos pelas assessoras de imprensa entrevistadas tampouco com o material que a imprensa diz receber. Soares também ressalta que, além dos textos que divulgavam, ele utilizava fotos, vídeos com áudio, enfim, informação contraditória as declarações dos jornalistas. Célia Santos, assessora de imprensa da Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Santo André, recorda-se da dificuldade inicial de adaptar-se à forma de trabalho, pois tudo que vinha da imprensa tinha de passar pelo secretário para decidir se podia falar, se não podia falar, então naquele momento tinha se limitado. “A gente tinha se limitado e eu acho que o problema maior foi com a expectativa que era tanta. Já que mudou, vamos mudar para alguma coisa melhor, vamos virar a página e continuar tocando e, você viu, essa demora foi uma coisa muito grande, um período muito grande, para começar a ter um retorno que você pudesse trabalhar legal, o que houve foram muitas promessas, ou a vontade de fazer coisas que não saíram do papel”.
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“Principalmente para a comunicação, deveria ser mais aberta; em uma administração pública, sendo assessor de imprensa, você está ali para defender o seu cliente, mas você tem que ser honesta: se tiver algum problema, você tem que tentar amenizar o problema na hora de passar, você tem que atender os veículos de comunicação, todos, não importa se está mais para o lado de política ou não, você tem que atender. Você tem que fazer o seu serviço, você tem que informar a população sobre as coisas boas e as coisas ruins, fazer o trabalho preventivo, fazer campanhas sociais e esse trabalho não pode ser limitado, não pode desviar o foco”, critica Santos. Ana Paola Bonilha, assessora de imprensa da Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Santo André, diz:“é muito difícil, para mim, fazer um tipo de texto que faz muita propaganda mesmo que a coisa seja boa. Eu acho que a função da imprensa é informar e a publicidade tem que dar brilho, se você vender um release todo floreado e mandar para os jornalistas, eles nem leem porque é um release muito cheio de coisa”. Para tal tarefa, é necessário que se tenha um bom relacionamento com a mídia e “possuir antipatia em cima de seu governo, além de deixar os jornalistas putos”, não se pode dizer que seja uma boa maneira de iniciar um processo transitório do ponto de vista comunicacional. Torquato (2002: p. 121) explica que a relação com os profissionais da imprensa deve ser cordial, aberta, respeitosa, sem fazer prevalecer interesses de determinado jornalista ou de determinado veículo. Em tempos de intensa participação social, acompanhados atentamente pela lupa dos meios de comunicação, deve-se evitar a postura low profile. A administração pública, em qualquer esfera, mais do que a administração privada, precisa abrir portas e compartimentos, dando vazão à transparência, à clareza e à correção de atitudes. Quanto ao excesso de releases, Torquato (2002) esclarece que precisa haver bom senso e planejamento: O excesso de informação não é consumido em sua plenitude pelos públicos-alvo. Para se corrigir a falha, sugere-se o estabelecimento de um fluxo informativo, com marcações de ciclos para eventos institucionais. A identidade institucional deve estar sempre presente na visão do comunicador e no planejamento. A identidade agrupa os conceitos-chave que se quer passar, os valores, os princípios. Por exemplo: mudança, coragem, ruptura com métodos do passado, reorganização, modernização e avanço constituem eixos centrais que poderão balizar o noticiário rotineiro de uma instituição pública. A seleção de eixos de identidade deve ser ponto de partida de um programa de comunicação para a área pública (TORQUATO, 2002, p.120-121).
Ainda, seguindo essa linha para tentar compreender a contradição de Soares, podemos observar que ele diz que “construiu a imagem do Aidan na cidade divulgando releases”. Já constatamos, a partir de Torquato, que é falho o excesso de material e, ainda, podemos observar, também a partir de Torquato (2002: p. 119) que “não se constrói a imagem de um homem público desta maneira”.
87 Os homens públicos têm fundamentalmente se preocupado com a imagem. Prova disso está no incremento do mercado de assessorias e consultorias de imprensa. No entanto, cometem um erro grave, ao deixarem de lado seu eixo, a identidade. Ou seja, antes de se preocuparem com a imagem, deveriam atentar para o discurso, a essência, o conteúdo. A imagem é consequência, resultado (TORQUATO, 2002: p.119).
Graça Caldas (2006: p. 309), defende que o assessor consciente de seu papel nas políticas institucionais de comunicação, o jornalista-assessor, atua como gerente de todo um processo para garantir visibilidade e imagem da instituição. Espera-se deste profissional o autoconhecimento e a percepção clara do papel da instituição e de sua inserção na sociedade. Só assim poderá promover adequadamente sua divulgação e administrar eventuais conflitos dentro das expectativas institucionais. Para isso, deve gerenciar a cultura empresarial com transparência na comunicação interna e externa para que a organização possa adquirir uma postura de instituição cidadã no relacionamento com a comunidade.
ESTRATÉGIA COMUNICACIONAL Sergio Vieira, editor-chefe de redação do jornal Diário do Grande ABC, revela que “com o Aidan, a gente precisa criar estratégia, tentar acompanhar uma agenda. Nós percebemos que ele é muito blindado. Não sei te dizer se é por causa da equipe, ou se é... não de onde parte. Só posso te dizer que eu, como jornalista, como editor do Diário, entendo como uma estratégia equivocada. Porque, quando você tem uma notícia que aparentemente não é positiva pra administração, você se esconder é muito pior. E a administração de Santo André faz muito disso. Com muita frequência eles dizem: ‘Não vamos responder’”. Ainda, segundo Vieira, o mais interessante nesse processo transitório foi perceber o quanto o João era acessível. “As administrações petistas como um todo têm uma cultura de centralizar o acesso ao prefeito, de secretários na Secretaria de Comunicação e isso às vezes barra demais. Não que a gente não tenha acesso por telefone, eles mesmos dizem: ‘Olha, sobre isso eu não posso falar; tenho orientação pra não falar’. Historicamente as administrações petistas fazem isso. Mas, no caso do Avamileno, ele nos atendia quando a gente ligava. Nós tínhamos uma relação cordial com os secretários. Entendemos a filosofia da secretaria de comunicação, mas nosso papel é chegar nos políticos. Se a gente precisar ir na casa do prefeito, a gente vai e ele nos atendia. Mas o João nos atendia e atendia no celular”, analisa positivamente. “Com o Aidan, não, e nem mesmo os secretários. Aí normalmente dá nessa questão da máquina administrativa de que precisa inovar. A gente manda pedidos de entrevistas e na maioria das vezes não acontece”, compara Vieira.
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Leandro Amaral critica: “O Aidan não poderia ter sido blindado, como foi, pela assessoria de comunicação. A comunicação nesse ponto também foi culpada. Porque ela blindou o Aidan! Desde outubro. Agora uma pergunta que fica é a seguinte: foi blindado porque o Aidan quis e pediu ou assessoria blindou sem o Aidan ter conivência, por uma estratégia e o Aidan aceitou e em nenhum momento ele se deu conta? Eu diria que foi estratégia equivocada! Quantos fantasmas foram criados ao longo desse tempo ou quantas faltas negativas foram alimentadas na mídia por conta dessa blindagem do Aidan?”. Direto e objetivo, compartilhando da mesma opinião dos outros entrevistados, Fonseca ressalta: “O Aidan pegou a assessoria de imprensa, os comissionados da assessoria pra blindarem ele”. Com base nessa concepção, Fonseca conclui “o maior problema é que o Aidan foi muito mal-assessorado e esse problema ocorreu desde o início. E o que ele fez pra mudar? Nada”. Evidenciando as diferenças e semelhanças entre as duas gestões, Vieira diz que “o PTB não tinha planejamento. Não dá pra dizer pra que o PTB veio porque eles não disseram. Foi um governo que foi sendo montado. Foi um carro sendo consertado durante a viagem. A impressão que se tem é que ele é um prefeito que pouco assumiu o comando da administração. Em contrapartida, entendo que o governo do João, também não disse pra que veio porque foi um governo improvisado. Nesse sentido, Célia Maria Santos (2007: p. 73) esclarece que a imagem acumula aspectos cognitivos, afetivos, valorativos e expressa a “leitura” da identidade de um determinado candidato, manifestada pelos diferentes segmentos de públicos. Segundo a autora, os políticos hoje não estão somente preocupados com sua imagem eleitoral, mas também com sua identidade, que de uma forma ou de outra, vai refletir na imagem a todo momento. Portanto, ao tratarmos da imagem é preciso lembrar que ela sofre reflexos das atitudes e comportamentos do político, além de ser inseparável de sua imagem visual. É determinada em grande parte pela sua história política e social e pelo modo como a mídia compõe suas imagens produzidas. A formação de uma imagem inicia-se com a emissão de mensagens, mas só se concretiza na recepção dos públicos. Ela está vinculada à reputação e à identidade do candidato (SANTOS: 2007: p. 73).
Soares se encontrava tão preocupado em fazer seu trabalho, além de não deixar o prefeito passar por alguma situação constrangedora e, ainda, proteger seus amigos de equipe, que se tornou alvo fácil para os jornalistas que perceberam isso, para os funcionários públicos e para nós, que não podemos atingir nenhum objetivo, sem entender e questionar a “blindagem”, que em alguns casos foi fio condutor de severas críticas por parte da mídia.
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Portanto, para elucidar as questões que levantamos como sendo “discurso contraditório de Soares”, entendemos que, no período em que se deu a troca de dirigente municipal, diminuiu, como é normal, a comunicação, porque os novos ocupantes de cargos importantes ainda estavam tomando conhecimento da área e necessitavam de anuência do superior, no caso o prefeito, para falar sobre o governo. Será que eles tinham? Parece que não, pois Soares estava “blindando” o prefeito, assim como os demais secretários. Vale ressaltar que a “blindagem”, foi uma estratégia comunicacional traçada pelo próprio Soares, junto ao prefeito. Para esse feito, observamos que, de acordo com as informações de Soares, essa “blindagem” se deu porque “assumimos com um governo cru do ponto de vista da comunicação. Totalmente calado, porque na transição, por orientação do novo prefeito, a ordem não era polemizar, a ordem era trabalhar. Foi uma estratégia dele e até minha, porque as pessoas que estavam na transição ainda não tinham a compreensão de que a comunicação poderia ajudá-los e prejudicá-los”. A partir desse aspecto, Célia Santos desabafa: “Eles chegaram aqui, e aí? E agora? Um modo de governar totalmente diferente, eu vejo duas coisas: primeiro um secretário e o gabinete do prefeito. Você não tem liberdade pra descer, isso desde o primeiro dia que foi assim com o Aidan. Com o João você descia, as portas eram abertas, falava com a secretária, mas, se precisasse falar com ele alguma coisa, era só aguardar um pouquinho e já falava com ele. Você tinha acesso porque as portas eram abertas”. Ainda, segundo Santos, “desde o primeiro dia do Aidan, do governo dele, eles já fecharam as portas do gabinete e não entrava ninguém sem ser anunciado, sem ter passado antes por um, dois, três, quatro secretários. Mesmo assim, nós não tínhamos acesso ao prefeito, quem tinha era o secretário. Esse ponto foi horrível. Complicou mais o pessoal que fazia parte da política. Porque ele não falava, não aparecia, não tinha contato próximo à assessoria, como tinha com o João, e marcava entrevista e ele sempre chega atrasado em todos os lugares, nos compromissos internos e externos. Então a gente sempre ouvia críticas da imprensa por conta disso”. Jodelet (1995) considera, Uma forma de se interpretar a realidade erigida por um grupo social com o intuito de se conseguir uma uniformidade nas práticas sociais desse grupo. Pressupõe-se que a saturação da incompatibilidade entre procura e recusa faça com que haja êxodo no sentimento transversal (JODELET: 1995: p. 32).
Julio Bastos, fotógrafo da Secretaria de Comunicação, avalia que “essa administração do PTB é amadora no sentido de falta de que não há um plano de governo. Falta um objetivo, um foco. Parece que não sabe onde vai, amadorismo nesse sentido. Isso é uma questão, não por causa do pessoal que trabalha, é uma questão da direção política. Eles não assumiram muito confiantes. Santos (2007: p. 74), quando diz que a imagem pública de uma pessoa é a percepção desta pelos diferentes públicos, sua projeção pode ser baseada em anos de convivência, mas também pode
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ser formada com base num único fato, seja ele verdadeiro ou falso, recente ou não. Por sua vez a reputação se refere a uma representação social mais consolidada e amadurecida sobre a pessoa. Usando a explicação de Bueno (2009: p. 98), “quando eu tenho a imagem de um candidato, ‘eu acho que ele é’, ‘eu sinto que ele é’ ou ‘acredito que ele represente alguma coisa’; porém quando compartilho a reputação ‘eu sei que ele é’, ‘eu tenho certeza sobre o que ele é ou representa’”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Nota-se aqui uma enorme falha de estratégia de comunicação para um governo que teve tudo para firmar-se positivamente, principalmente pelo fato de estar sucedendo o desgaste de 12 anos de administração petista, como já dito anteriormente. Como pano de fundo, subsiste a tudo isso uma cultura política que não pode deixar de ser pelo menos mencionada. Como podemos perceber, pela importância da função, na atuação do dia a dia do assessor de imprensa da esfera pública, há acontecimentos muito distintos, por isso Torquato (2002: p. 122-123) pontua algumas funções da comunicação na administração pública que deveriam ocorrer na prática: •
a comunicação como base de cidadania: tem a função de atender o direito à informação. A comunicação deve ser entendida como um dever da comunicação pública e um direito dos usuários e consumidores dos serviços. Sonegar tal dever e negar esse direito são graves erros das entidades públicas. Os comunicadores precisam internalizar esse conceito, na crença de que a base da cidadania se assenta também no direito à informação;
•
a comunicação como forma de orientação aos cidadãos: tem função política. Compartilhar as mensagens é democratizar o poder. Pois a comunicação exerce o poder. Assim, detém mais poder quem tem mais informação. Nas estruturas administrativas, tal poder é maior nas altas chefias. E quando se repartem as informações por todos os ambientes e categorias de públicos, o que se está fazendo, de certa forma, é uma repartição de poderes;
•
a comunicação como instrumento a serviço da verdade: tem função ética. Não se deve transigir. A verdade deve ser a fonte inspiradora da comunicação pública. Até porque a mentira e as falsas versões acabam sendo desmascaradas. A comunicação precisa servir ao ideário da ética, valor básico dos cidadãos.
Quanto à blindagem acreditamos que nesse sentido obtivemos respostas bem objetivas com nossos entrevistados, principalmente com a imprensa que analisa veemente num modo de governar totalmente diferente. Primeiro um secretário e o gabinete do prefeito, o qual é blindado. Ao tocar nesse assunto, voltamos ao processo de transição, se compararmos o prefeito que saiu, João Avamileno (PT), com o que entrou Aidan Ravin (PTB), em que notamos que na nova gestão a
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comunicação não tem liberdade pra se expressar diretamente com o prefeito, isto desde o primeiro dia de mandato do Aidan. Com o João Avamileno, as portas do gabinete eram abertas para os funcionários da secretaria de comunicação e para a imprensa. Havia acesso. No caso do Aidan, o único a ter acesso direto é o secretário, em questão Alexssander Soares. Constatamos que os entrevistados compartilharam da mesma palavra para traduzir a estratégia comunicacional traçada pela equipe de comunicação do PTB e pelo próprio prefeito: “blindagem”. Acreditam que Aidan foi blindado para não dar entrevistas. Se nosso foco nesta pesquisa era verificar como se dá a atuação da assessoria de imprensa (ou assessoria de comunicação) no processo transitório de governo municipal após troca de equipes de dois partidos políticos diferentes, no âmbito do gerenciamento do processo de comunicação, questionamos veementemente Soares quanto ao fato de não querer comunicar-se. Partindo da proposição de Santos (2007: p. 75), a imagem em suas múltiplas manifestações, ocupa, entretém, aliena, seduz, polui, informa, decide, transforma, educa. Podemos dizer que ela “mexe” com o universo pessoal e social e contribui fortemente para a vida política das sociedades modernas. Logo, o discurso de Soares vai contra a prática, visto que entendemos como comunicação pública, a partir da visão de Pierre Zémor (1995: p. 57), aquela que tem como objetivo mostrar ao público o papel da organização, afirmando sua identidade e sua imagem, prestando contas do conjunto de suas atividades e, de modo geral, permitindo o acompanhamento da política da instituição. Nas instituições públicas, que são o foco do trabalho desse autor, ele diz que a comunicação é aplicada à divulgação do conjunto de registros (informação obrigatória ou cívica – aí incluída a informação de utilidade pública –, relação com usuários ou, ainda, promoção de serviços) que constituem os “fatos da instituição” e que, portanto, são o material de trabalho da assessoria de comunicação da instituição, devendo ser executada externa e internamente.
REFERÊNCIAS AMARAL, Leandro de Souza: depoimento [fev.2012]. Entrevistadora: V. C. AMORIS. Santo André: São Paulo, 2012. Tempo de gravação: 1h02min. Entrevista cedida ao Projeto de Mestrado em Comunicação da USCS – Universidade Municipal de São Caetano do Sul - “O papel da comunicação no processo de transição de gestão na administração pública”. BALLADAS, Carlos Alberto: depoimento [fev.2012]. Entrevistadora: V. C. AMORIS. Santo André: São Paulo, 2012. Tempo de gravação: 59min.17seg. Entrevista cedida ao Projeto de Mestrado em Comunicação da USCS – Universidade Municipal de São Caetano do Sul - “O papel da comunicação no processo de transição de gestão na administração pública”. BASTOS, Júlio Cesar Tavares: depoimento [fev.2012]. Entrevistadora: V. C. AMORIS. Santo André: São Paulo, 2012. Tempo de gravação: 1h31min. Entrevista cedida ao Projeto de Mestrado em Comunicação da
92 USCS – Universidade Municipal de São Caetano do Sul - “O papel da comunicação no processo de transição de gestão na administração pública”. BONILHA, Ana Paola M. Zanei: depoimento [fev.2012]. Entrevistadora: V. C. AMORIS. Santo André: São Paulo, 2012. Tempo de gravação: 57min.29seg. Entrevista cedida ao Projeto de Mestrado em Comunicação da USCS – Universidade Municipal de São Caetano do Sul - “O papel da comunicação no processo de transição de gestão na administração pública”. BUENO, Wilson da Costa.Comunicação Empresarial: políticas e estratégias. São Paulo: Saraiva, 2009. CALDAS, Graça. Relacionamento assessor de imprensa/jornalista: somos todos jornalistas. IN: DUARTE, Jorge (org). Assessoria de Imprensa e Relacionamento com a Mídia:teoria e técnica. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede – A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. Vol. I. São Paulo: Paz e Terra, 1999. CURVELLO, João José Azevedo. Legitimação das Assessorias de Comunicação nas Organizações. IN: DUARTE, Jorge (Org). Assessoria de Imprensa e Relacionamento com a Mídia: teoria e técnica. São Paulo: Atlas, 2006. DUARTE, Marcia Yukiko M.. Estudo de caso. IN: DUARTE, Jorge (org). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2009. FONSECA, Renan Ricardo M. G. B.: depoimento [mar.2012]. Entrevistadora: V. C. AMORIS. Santo André: São Paulo, 2012. Tempo de gravação: 1h12min. Entrevista cedida ao Projeto de Mestrado em Comunicação da USCS – Universidade Municipal de São Caetano do Sul - “O papel da comunicação no processo de transição de gestão na administração pública”. JODELET, D. Les représentations sociales. Paris: PUF, 1989. MAMOU, Yves. A culpa é da imprensa. São Paulo: Marco Zero, 1992. MARTINEZ, Maria Regina Estevez. Implantando e administrando uma assessoria de imprensa. IN: DUARTE, Jorge (Org). Assessoria de Imprensa e Relacionamento com a Mídia: teoria e técnica. São Paulo: Atlas, 2006. MATTELART, Armand; Michèle. História das teorias da comunicação. São Paulo: Loyola, 2000. MONTOAN, Ruth Alexandre de Paulo. 1ª Entrevista [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <valeria-amoris@uol.com.br> em 08/05/2011. _________________.depoimento [mar.2012]. Entrevistadora: V. C. AMORIS. São Paulo: São Paulo, 2012. Tempo de gravação: 1h19min. 2ª Entrevista cedida ao Projeto de Mestrado em Comunicação da USCS – Universidade Municipal de São Caetano do Sul - “O papel da comunicação no processo de transição de gestão na administração pública”. SANTOS, Célia Maria R. Godoy. A pesquisa de opinião na construção da imagem política. IN:IN: QUEIRÓZ, A.; MANHANELLI, C.; BAREL, M. S.; (Orgs). Marketing Político, do comício à Internet. São Paulo: Associação Brasileira de Consultores Políticos, 2007. SANTOS, Célia Sandreschi: depoimento [abr.2012]. Entrevistadora: V. C. AMORIS. Santo André: São Paulo, 2012. Tempo de gravação: 59min.08seg. Entrevista cedida ao Projeto de Mestrado em Comunicação da USCS – Universidade Municipal de São Caetano do Sul - “O papel da comunicação no processo de transição de gestão na administração pública”.
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SOARES, Alexssander de Paula: depoimento [fev.2011]. Entrevistadora: V. C. AMORIS. Santo André: São Paulo, 2011. Tempo de gravação: 1h12min. Entrevista cedida ao Projeto de Mestrado em Comunicação da USCS – Universidade Municipal de São Caetano do Sul - “O papel da comunicação no processo de transição de gestão na administração pública”. TORQUATO, Gaudêncio. Tratado de Comunicação Organizacional e Política. São Paulo: Thomson, 2002. VIEIRA, Sergio: depoimento [abr.2012]. Entrevistadora: V. C. AMORIS. Santo André: São Paulo, 2012. Tempo de gravação: 38min.39seg. Entrevista cedida ao Projeto de Mestrado em Comunicação da USCS – Universidade Municipal de São Caetano do Sul - “O papel da comunicação no processo de transição de gestão na administração pública”. YIN, Robert K. Estudo de Caso: planejamento e métodos. Tradução Daniel Grassi. 2ª ed. Porto Alegre: Bookman, 2001, p.31, 32,81. ZÉMOR, Pierre. La communication publique. Paris: Presses Universitaires de France, 1995.
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ASPECTOS RETÓRICOS DA ATUAÇÃO DOS MEDIA TRAINING NA CAMPANHA DE DILMA ROUSSEFF
Homero Leoni Bazanini Universidade Municipal de São Caetano INTRODUÇÃO O objetivo do texto está em apresentar a importância das atividades do media training na política. O caso escolhido faz referênciaao emprego dos procedimentos retóricos da candidata à Presidência da República, Dilma Roussef (Partido dos Trabalhadores – PT) nas eleições de 2010 na perspectiva da metodologia proposta pela Análise Retórica (Rhetorical Criticism). Esse instrutivo caso analisa as mudanças produzidas na imagem da candidata perante a opinião pública por intermédio da criação de uma nova identidade, o que resultou em vitória sobre o experiente candidato da oposição, José Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). A contribuição das análises e reflexões que serão desenvolvidas está em discutir os modos de dizer, as formas de interagir, as técnicas para seduzir na construção do discurso na comunicação mediática.
NASCIMENTO E UTILIDADE DA RETÓRICA O termo retórica tem recebido através dos séculos inúmeras definições e se diversificou em tipologias nos mais diferentes setores da atividade humana, desde seu surgimento na antiga Grécia,por volta do século V a.C. Historicamente, segundo o escritor francês Roland Barthes (1978, p. 24), o uso da retórica surgiu como eloquência jurídica para defender o direito de propriedade. “Dá gosto verificar que a arte da palavra está originariamente ligada a uma reivindicação de propriedade: começamos refletir sobre a linguagem para defendermos nossos bens”. O autor explica que ao ser restaurada a democracia em Siracusa (466 a.C.), as pessoas que haviam sido despejadas de suas terras começaram a voltar. E, como na época não havia documentos escritos que comprovassem legalmente a propriedade das terras, era preciso saber persuadir os juízes para reaver os bens espoliados. Neste panorama surgem dois sicilianos, Córax e Tísias (respectivamente mestre e discípulo), professores de arte de expor razões e defender causas.Em assim sendo, a retórica surge como instrumento reivindicatório de direitos espoliados. Da Sicília, segundo conta a tradição, posteriormente, os ensinamentos de Córax e Tísias chegaram à Grécia Continental, onde democracia havia sido implantada. E na democracia,
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diferentemente do que fora na oligarquia (onde o poder passava de pai para filho), saber colocar suas ideias perante a assembleia do povo era imprescindível para quem tivesse aspirações de ascensão política. Na antiga Grécia, a democracia transformara os homens livres em cidadãos, investidos do direito de deliberar, em assembleia sobre questões públicas, como bem acentua David Ross (1987, p. 39): (...) o nascimento da retórica ocidental explica-se pela própria peculiaridade do espírito político e litigioso do povo grego, daí a necessidade de aperfeiçoarem a arte de discursar para resolverem seus conflitos político-sociais. Os gregos antigos não aceitavam a hipótese do governante não ser também um excelente orador.
Originária da Sicília, na Magna Grécia, a ideia e a palavra retórica migraram para a Grécia Continental. Professores de técnicas de persuasão, conhecidos como sofistas começam a perambular pela cidade de Atenas, oferecendo seus conhecimentos a quem estivesse disposto a pagar por seus ensinamentos. Os sofistas tornaram-se influentes ideólogos da educação ateniense defendendo a retórica como a disciplina central do processo educativo. A eloquência, a arte de bem falar, na medida em que as Cidades-Estados gregas se estruturavam em termos políticos e sociais, tornava-se cada vez mais presente na educação dos meninos gregos na arte ou técnica de construir discursos persuasivos. De origem grega, as escolas de retórica atravessaram os diferentes períodos históricos, tornando-se essencial para aqueles que buscavam atuar na vida pública. Por volta do século XV, desde o surgimento do Estado moderno, a arte de conquistar e manter o poder proposta por Maquiavel recebeu as mais diferentes atualizações retóricas em decorrência das mudanças sociais presentes no período denominado de renascimento. Maquiavel, em sua obra “O Príncipe”, dava conselhos retóricos para se conquistar e manter o poder. (...) o que todo príncipe prudente deve fazer: não só remediar o presente, mas prever os casos futuros e preveni-los com toda a perícia, de forma que se lhes possa facilmente levar corretivo, e não deixar que se aproximem os acontecimentos (MAQUIAVEL, 1982, p. 49).
Desde então, além da política, a retórica se espalhou pelos diversos ramos do saber: na gerência de empresas, na educação, no direito, etc.. A retórica se torna inseparável da sabedoria que passa a fazer parte integrante da imagem do orador nas atividades comunicativas. Característica essa que será a própria visão utilitária do mundo contemporâneo com o primado da prática relativamente à teoria, o que faz com que, embora, o agente possa ser dotado de competências em seu campo de atuação, caso não domine as técnicas de persuasão, a eficácia se suas ações, certamente, serão limitadas. .
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CONCEPÇÕES SOBRE RETÓRICA Na concepção dos sofistas a retóricada demagogia política se caracteriza pela ação do líder carismático na condição de seu líder,comparável aos efeitos de uma droga. Com alguns remédios se eliminam do corpo alguns humores, e outros eliminam outros, e alguns põem fim à doença, outros à vida, assim também, das palavras algumas afligem, outras agradam, outras aterrorizam, outras dispõem quem ouve em um estado de ousadia, outras, por fim, com eficaz persuasão maligna, envenenam e enfeitiçam a alma (SOFISTAS, 2005).
Contemporaneamente, nessa mesma linha de raciocínio Lenharo (2006, p. 46) afirma: O chefe encaminha o seu povo, preservando-o da dissolução e evitando modificações na sua estrutura. Do amor a esse chefe derivam todas as exigências e objetivos do indivíduo. O chefe, por sua vez, seria o pai, que ama igualmente a todos os seus. E a Pátria, a mãe comum.
Avançando um pouco além desse caráter meramente oportunista,Aristóteles propõe uma visão mais racional ao definir a retórica“como a possibilidade de descobrir teoricamente em cada passo o que pode produzir a persuasão” (ARISTOTELES, 1956, p. 39). Vamos analisar: “...descobrir teoricamente em cada passo o que pode produzir a persuasão”. Ou seja, encontrar recursos verbais e não verbais capazes de formar opinião, gerar crença, despertar credibilidade, estabelecer nível de confiança e convencer, sem assumir necessariamente o compromisso de manifestar a verdade das coisas, mas sim provocar emoções e sentimentos nos ouvintes. As possibilidades de convencimento aumentam à medida que o orador conhece as características do público a quem seu discurso é dirigido,exatamente por saber a quem deve impressionar. Essa ideia originária da retórica de que o orador de saber exatamente a quem impressionar deu origem aos termos empregados no marketing, tais como: público-alvo, público potencial, grupo de referencias, targets, etc.. Na retórica política criou-se a ideia de fazer com que o público-alvo conceba o candidato comohomoserious, ou seja, articular os interesses do emissor na defesa das escolhas adequadas e julgamentos razoáveis. O orador deve ser capaz de transformar defeitos em virtudes, mentiras em verdades, erros em acertos, removem opiniões desfavoráveis e implantar decisões favoráveis aos seus objetivos e, nesse sentido, a retórica se confunde, às vezes, com o sofisma, o jogo propositado das palavras, os truques lógicos, a capacidade de tudo argumentar com o intuito de aproveitar todas as possibilidades para se alcançar a persuasão.
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Em termos acadêmicos, contemporaneamente,os estudos modernos sobre a arte de persuadir firmam-se em dois grande pilares:
a) Na tradição europeia voltada para a sociolinguística e semiótica com análises do discurso tipo “estrutural” alicerçados em Pécheux, Greimas, Barthes, Ricouer, Kristeva e outros.
b) Nas décadas de pesquisas que os departamentos de Speech Communication das Universidades norte-americanas realizaram, e ainda realizam, sob a rubrica RhetoricalCriticism. The RhetoricalCriticism (Análise Retórica) é um procedimento de pesquisa do discurso muito antigo utilizado, em seus primórdios, para avaliar peças de oratória e políticos e pregadores religiosos com base em seis passos.
OS SEIS PASSOS DA ANÁLISE RETÓRICA
1º. passo: Os Antecedentes da Situação. Inicialmente, reconstituem-se os elementos históricos, políticos e culturais que précondicionaram a instância como uma situação problemática. Segundo Campbell (1982, 37): nos antecedentes da situação busca-seidentificar a situação de momento com as variáveisde ameaças e oportunidades presentes numdeterminado contexto. A análise do contexto fornece o primeiro elemento para a estratégia de comunicação a ser implementada pelo profissional como foco para se atingir determinada audiência, por intermédio de atos retóricos. Um ato retórico é uma tentativa intencional, criadae elaborada para superar os obstáculos, numa dada situação, com uma audiência especifica, sobre determinada questão, para conseguir um determinado objetivo. Um ato retórico cria uma mensagem, cujo teor e forma, começo e fim são nela marcados por um autor humano, com um propósito para uma audiência (CAMPBELL, 1982, p. 7).
Esse primeiro passo constitui o diagnóstico inicial da situação é constituiapenas uma “tentativa” e “sendo tentativa, o ato retórico pode dar ou não dar certo”, como bem adverte Halliday (1986, p. 125). 2º. passo: O Problema Retórico. Com base nos antecedentes da situação é possível detectar o (s) conflito (s) ou desequilíbrio (s) entre a perspectiva ou posicionamento de um público face ao tema, questão ou situação e a perspectiva ou posicionamento que o retor gostaria que esse mesmo público tivesse, como esclarece Campbell (1982,p. 69):
98 Um problema é um hiato entre o que temos e o que queremos ter. Na ação retórica, um retor (o comunicador) confronta um público que percebe, entende, ou acredita de um jeito e (esse mesmo comunicador) quer que esse público perceba, compreenda ou acredite de outro jeito. O problema retórico é um conceito abrangente que inclui todos os obstáculos enfrentados por comunicadores.
3º. passo: Anatomia do Ato Retórico. Os conflitos e desequilíbrios detectados servirão de bussola para sua superação por intermédio da identificação dos arqui-argumentos e seus suportes: vocabulários, figuras de linguagem, especialmente as metáforas e slogans queconstituem a própria estrutura do discurso. Segundo Tereza Lucia Halliday (1986, p. 127):“(...) Faz- se necessário identificar cada parte do ato retórico, fazendo um levantamento de seu vocabulário, argumentos e figuras de linguagem, que constituem a anatomia do discurso” . 4º. passo: As Contingências do Discurso. As limitações encontradas pelo retor para realizar seu discurso. Segundo Tereza Lúcia Halliday (1986, p.128), “odo ato retórico sofre limitações e restrições que contribuem para limitar o conteúdo e a forma”. 5º. passo: Interpretação. A interpretação do ato retórico segundo determinado arcabouço teórico (HALLIDAY, 1986, p.129). 6º. passo: Julgamento. Nessa fase Analisa-se a validade do ato retórico sob a ótica da eficiência, qualidade e ética (HALLIDAY, 1986, p.130). Atualmente, a retórica recebe auxílio dos meios de comunicação de massa e dos aparatos que os constituem e, particularmente, relacionados aos discursos políticos, seu valor torna-se ainda maior, pois para persuadir os receptores aqueles que constroem os discursos políticos necessitam captar seu imaginário, construir inúmeras cenografias, enfim, estar preparado para se relacionar com as diferentes mídias. Diante dessa complexidade cada vez maior surgiu a figura do media training, profissional especializado que orienta e prepara pessoas para se relacionar adequadamente com a mídia por meio da comunicação eficaz.
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MEDIA TRAINING E RETÓRICA O media training é o profissional de comunicação que prepara pessoas físicas, como artistas, políticos, profissionais liberais e atletas para lidar e adquirir autocontrole para tratar com a mídia de maneira geral. O profissional de media training deve possuir a capacidade de desvendar os modos de dizer, os modos de interagir e os modos de sedução do discurso. Desde o surgimento do rádio nos anos 20, da televisão na década de 50, a Internet e as redes sociais a partir das últimas décadas do século XX, exigiu a formação de novas competências e habilidades no campo político, e, em consequência, as estratégias eleitorais pressupõem uma cultura política baseada principalmente no consumo de imagens públicas. O processo de produção e de veiculação de imagens e de disputa pela imposição das imagens predominantes assume posição de destaque na atividade estratégica da política, pois para persuadir os receptores aqueles que constroem os discursos políticos necessitam captar seu imaginário, construir inúmeras cenografias etc., o que conduziu a necessidade do profissional cada vez mais especializado na arte de persuadir para os diferentes meios. Burke (1966) aponta a função reparadora da retórica como estratégia de posicionamento num mundo repleto de facções e interessantes conflitantes, onde o dilema da convivência humana faz surgir uma situação retórica universal, situação essa que tentamos resolver por intermédio da comunicação. O cenário produzido a partir de meados do século XX passou a exigir uma nova postura daqueles que pretendiam usar o veículo televisão para transmissão de mensagens .Fraga Rocco (1988, p.32) ao diferenciar a comunicação impressa e radiofônica da comunicação televisiva: O timing da TV exige objetividade, precisão e economia verbal. Os processos de edição e reedição são rigorosos. No entanto, todo esse rigor deve ser passado ao público de forma bastante acessível; o texto deve ser fácil, não trazer sobrecarga de informações; o vocabulário precisa ser conhecido e a emissão, o mais possível, deve manter o tom de informalidade.
Para alcançar a comunicação eficaz é preciso unir forma e conteúdo nos procedimentos retóricos. A forma diz respeito principalmente às especificidades de cada meio e o conteúdo voltase para os elementos que devem estar presentes no processo de persuasão. Para Baccega (2000) novas tecnologias abrem espaço para o desenvolvimento de novas sensibilidades, novo modos de se relacionar, de estar junto, ou seja, novas formas de vivencia da identidade resultam em um novo sensório acentuadamente nas sociedades democráticas. Se, em meados do século XX, a televisão alterou radicalmente a forma de emissão das mensagens, a partir dos anos 90, com o vertiginoso desenvolvimento dos meios de comunicação e, principalmente, pelo surgimento da Internet e das redes sociais, propiciou um novo cenário, como esclarece (SOUSA, 2010).
100 O advento das tecnologias interativas, ferramentas e dispositivos que possibilitam a cibercultura, redimensionou as condições de expressão e publicização desse estar junto/estar com. O contexto de uma sociedade moderna em transição se coloca ao lado dessas novas condições das tecnologias interativas, oferecendo um cenário tão novo quanto complexo para assinalar distintos e simultâneos processos de mutação em curso.
No campo político, e, em consequência, as estratégias eleitorais pressupõem uma remodelação também cultura,baseada principalmente no consumo de imagens públicas, visto que, a mediação digital remodela certas atividades cognitivas fundamentais que envolvem a linguagem, a sensibilidade, o conhecimento e a imaginação inventiva (LEVY, 1998, p. 17). Assim, a retórica é ampla e nas sociedades democráticas possuem um valor sociológico como uma ferramenta da comunicação e éo instrumento de pressão por excelência do exercício dos discursos. ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2010 As eleições constituem espetáculos midiáticos nos quais a performancedo candidato será de fundamental importância para o sucesso ou fracasso de suas propostas. A mídia desloca a formação de opiniões da esfera participativa e publica para a intimidade e faz com que a comunicação midiática transforme-se no espetáculo quesubstitui a racionalidade que deveria estar presente no debate de ideias.Em que lugar e quem pode tomar decisões quando uma campanha eleitoral custa milhões de dólares e a imagem dos candidatos não se baseia em programas partidários, mas em adaptações oportunistas sugeridas pelas agencias de marketing político? Até as ações de estilização do produto (a cirurgia plástica do candidato, a troca de guarda-roupa e o preço pago pelos comunicólogos que os aconselham) são divulgados pela imprensa e televisão como parte distante do espetáculo eleitoral (CANCLINI, 1995, p. 241).
E é justamente esse espetáculo com nuances racional e afetivo baseadas no agradar, convencer e comover que a Análise Retórica busca desconstruir para explicar os procedimentos adotados em seis passos como será explicitado nos discursos da candidata Dilma Rousseff
ANÁLISE RETÓRICA DO DISCURSO 1. Antecedentes do ato retórico: Inexperiência política da candidata Dois candidatos nas eleições presidenciais de 2010 eram considerados protagonistas: a candidata Dilma Rousseff (PT) e o candidato José Serra (PSDB). a. Dilma Rousseff em publicação no site oficial do PT (25 de outubro de 2010) foi apresentada como candidata nascida no dia 14 de fevereiro de 1947, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Na sua juventude esteve envolvida na Polop e na VAR- Palmares, organizações clandestinas, no tempo da ditadura militar brasileira (1964-1985), tendo sido presa em 1970 foi
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presa em São Paulo, e levada ao presídio Tiradentes, onde permaneceu por três anos. Em 1973, Dilma se mudou para Porto Alegre e retomou aos estudos na Universidade Federal deMinas Gerais. Em 1975 passou a trabalhar como estagiária na Fundação de Economia e Estatística (FEE). No início dos anos 90 foi presidente da Fundação de Economia eEstatística. No ano de 1993 foi nomeada Secretária Estadual de Minas, Energias e Comunicação no governo Alceu Collares, no Rio Grande do Sul. Em 2003, passoua integrar o governo presidencial de Luís Inácio Lula da Silva como Ministra das Minas e Energia e, em 2005 assumiu o cargo ministra-chefe da Casa Civil. b. José Serra, em 1964, era presidente da UNE. Por ocasião do golpe militar de 1964, teve que se exilar no exterior. Inicialmente, foi para a França e depois para o Chile, onde ficou erradicado por 14 anos. Serra voltou ao Brasil em 1978. Foi Secretário de Planejamento do governo de São Paulo em 1982, fez parte da Assembleia Nacional Constituinte quando foi deputado federal pelo PMDB trabalhando no Plano Plurianual de Investimentos, na Lei de Diretrizes Orçamentárias e no Código de Finanças Públicas, que mais tarde daria origem à Lei de Responsabilidade Fiscal. Em 25 de junho de 2008 é fundado o PSDB com dissidentes insatisfeitos com o PMDB. José Serra, como figura representativa desse novo partido, no ano de 1990, foi reeleito deputado, em 19951996 Ministro do Planejamento, em 1998-2002 Ministro da Saúde, em 2004, prefeito de São Paulo e em 2006, governador do Estado de São Paulo. Em termos de capacidade de persuadir perante os meios de comunicação, as opiniões dos analistas politicos apontavam grande superioridadedo candidato José Serra desde o início da campanha. José Serra, candidato experiente, estava em sua quarta campanha eleitoral somente nessa década enquanto Dilma Roussef, pela sua inexperiência em relação àsaparições públicas, apresentava enormes dificuldades para lidar com câmeras e microfones, além de possuir uma imagem de gerente do governo Lula, portanto, uma pessoa não dotada de carisma para enfrentar o candidato da oposição, tão familiarizado com debates nos meios de comunicação. Além dessa desvantagem em termos de curriculum e de experiência, os grandes veículos da imprensa escrita, como “Folha de S.Paulo”,“O Estado de S.Paulo”,“Revista Veja” e a mídia eletrônica como a Rede Globo de Televisão manifestavam preferência pelo candidato José Serra. Diante dessas constatações evidenciou-se o problema retórico. O PROBLEMA RETÓRICO O profissional de media training João Santana identificou certas características em Dilma Rousseff que certamente criariam enormes dificuldades para vencer a eleição. Dentre essas dificuldades mereceram destaque: 1. Em 2009, ao ser lançada pelo presidente Lula como candidata à presidência da Republica, Dilma Rousseff era uma candidata desconhecida.
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2. Guarda-roupa inadequado, uso de óculos. 3. “Pavio curto elinguajar empolado, cheio de termos técnicos e fraco em imagens. Era preciso, pois, alcançar um novo foco: exibir a candidata como mulher competente e simpática, que, como Lula, também fala a linguagem do povo. Melhorar sua dicção e o poder de síntese, uma vez que Serra, pela sua experiência em debate possuia evidente vantagem num confronto direto. Então, para que o problema retórico fosse solucionado, a candidata Dilma necessitava passar uma imagem totalmente diferente daquilo que até então, constituia o seu perfil: mulher autoritária, decidida e prolixa demais nas respostas. Em decorrência da necessidade dessas mudanças na personalidade da candidata surgiram algumas discordâncias entre os profissionais envolvidos na construção de sua imagem pública. João Santana propunha uma alteração radical nos modos da candidata. Duda Mendonça, por sua vez afirmava: “Não adianta desvirtuar a Dilma. Tem de deixar a Dilma ser como ela é. As pessoas vão entender como ela é ou não. Pegá-la e fazer outra pessoa… Vai ficar numa vestimenta que não é confortável, vai ficar escorregando volta e meia”. Olga Curado apontava que Dilma usa muito as palavras certas para completar suas falas, mas um discurso deve ser instantâneo para dar a sensação de dinamismo (BOMBING&ROCHA, 2010). ANATOMIA DO ATO RETÓRICO Nesse passo, a questão está em encontrar vocabulários que solucionem a questão retórica. Os atos retóricos possuem como funções objetivas: agradar, convencer e comover. Agradar se refere o impactar os cinco sentidos, causar uma primeira boa impressão. Logo no início da campanha, em 2009, Dilma substituiu os óculos por lentes de contato ainda no ano passado e hoje usa uma cor para cada ocasião. Usou vermelho em cerimônias do PT, recorreu a cores mais sóbrias em solenidades com empresários, religiosos e políticos e preferiu tons mais claros, como o verde, no contato nas ruas com o povo. Convencer se refere ao aspecto mental do público e para isso era preciso apresentar provas de sua competência. O estereótipo de "durona", colado em Dilma, foi apresentado na propaganda eleitoral como capacidade de comando e gerenciamento. Comover diz respeito ao apelo em relação aos sentimentos desse mesmo público. Para se aproximar do público feminino, a ministra também aprendeu a bater na tecla do preconceito contra a mulher e abusa da retórica sobre o "aconchego do lar" quando apresenta o programa Minha Casa, Minha Vida, que foi utilizada como plataforma de campanha. O treinamento dos media training buscou fazer com que Dilma por meio de técnicas do condicionamento operante se aproximasse bastante do "lulês", como ficou conhecida a linguagem
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coloquial usada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seus discursos. A partir de então, Dilma substituiu o tradicional "senhores e senhoras" por "companheiros e companheiras", esforçouse se por traduzir os números do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para o cotidiano da população, incorporou também o bordão marcante do presidente Lula "nunca antes neste país". O alerta dado pela media training Olga Curado para a candidata no emprego de seu vocabulário marcadamente burocrático: “Nada de frases longas, nada de tecnicismos, nenhum destempero. Dilma não pode errar na tevê” (MENEZES, 2010).
CONTINGÊNCIAS Não se podia dissociar a imagem de Dilma Rousseff da luta armada. Antecipando-se aos ataques de terrorista, a candidata apresentou fotos de sua prisão e de seu combate à ditadura militar. Interpretação do Ato Retórico. As técnicas do condicionamento operante e as teorias do imaginário popular podem ser usados como referenciais para análise dos discursos da candidata. Para os propósitos de análise da formação da imagem da presidenta Dilma será utilizado o referencial teórico do condicionamento operante desenvolvido originariamente por Skinner. Uma resposta que já ocorreu não pode, é claro, ser prevista ou controlada. Apenas podemos prever a ocorrência futura de respostas semelhantes. Desta forma, a unidade de uma ciência preditiva não é uma resposta, mas sim uma classe de respostas. Para descrever-se esta classe usar-se-á a palavra "operante". O termo dá ênfase ao fato de que o comportamento opera sobre o ambiente para gerar consequências (SKINNER, 1967, p. 71).
Nessa mesma linha de raciocínio Schick (1971, p. 422) complementa: Operantes podem ser definidos por propriedades da resposta de diferentes tipos: propriedades de terem certos efeitos, propriedades de ter certas formas, e propriedades de ocorrer na presença de certos estímulos.
Essas propriedades incluem a produção do reforço e os estímulos presentes quando a resposta é reforçada em decorrência das contingências presentes no ambiente. [...] reconhecer que as contingências que determinam o comportamento dependem, elas mesmas, da estrutura do ambiente é reconhecer o papel central e vital das contingências. Afinal, ao servir de mediador entre a estrutura do ambiente e a estrutura do comportamento, as contingências definem o próprio objeto de estudo da análise do comportamento (CATANIA, 1996, p.10).
Ocorre que, a não resposta pode agravar a situação ou amenizá-la como propõe Melo e Franco (2006, p. 14). (...) a opinião muda (silenciada) contribui para que um assunto não se discuta, não se debata e assim, não ganhe relevância (ou saliência). Quanto menos relevante se torna - ou é percepcionado como tal - menos merece ser tratado.
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Nesse particular, a orientação do media training, conhecedor da característica da candidata de ser incisiva e direta, era para contar até dez e respirar fundo antes de responder a perguntas incômodas. Julgamento do Ato Retórico – Eficiência. A atuação dos media training foi eficiente. Dilma Rousseff ganhou as eleições por uma diferença ampla, de 56 a 44 por cento dos votos. Obteve mais de 55 milhões de votos, 12 milhões a mais que José Serra. Em nível mundial, considerando os países que são governados por eleições livres e o número de votantes, é a maior vitória de uma coalizão de partidos dirigida por uma força de esquerda. Se a campanha do PT foi vitoriosa, em 2002, ocasião em que o Brasil elegeu um operário pela primeira vez como presidente, em 2010, elegeu a primeira mulher presidenta de sua história. Ética. Pelo critério ético avalia-se o valor social da mensagem analisada, isto é, suas implicações sociais e morais. Valor, nesse caso, tem o sentido da palavra inglesa “worth”dignidade. Nesse sentido pode-se afirmar que na política inexiste a ética ou é possuidora de uma ética diferente da ética social. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os aspectos retóricos presentes na atuação dos media training na campanha de Dilma Rousseff foram determinantes para a vitória da candidata do Partido dos Trabalhadores (PT). Apesar da disputa entre um candidato experiente e uma candidata inexperiente em eleições, Dilma foi vencedora. A atuação dos profissionais de media training foi decisiva para a eleição candidata. A imagem de radical e gerente do governo Lula foi transformada na propaganda eleitoral em capacidade de comando e gerenciamento e exibida como mulher competente e simpática que, como Lula, também fala a linguagem do povo, Os grandes veículos da imprensa escrita, como “Folha de São Paulo”, “O Estado de S.Paulo” e Revista Veja não conseguiram fazer com que as contínuas publicações sobre o aborto, o autoritarismo de Lula ou da eternização antidemocrática do PT, derrotasse a candidata. Após a confirmação da vitória nas urnas, na noite de domingo, em seu discurso da vitória, Dilma disse o que pensa o PT e procurou demonstrar uma superioridade moral: “As críticas do jornalismo livre são essenciais para assinalar os erros do governo”, disse. “Prefiro o ruído da imprensa livre ao silêncio das ditaduras”, disse a candidata, que foi estigmatizada por seu passado guerrilheiro. Dessa forma, a pesquisa aponta que as orientações dos profissionais de media training podem contribuir para que os políticos, pensados nas eleições como “produtos” de mídia, tenham sua imagem melhorada a fim de atingir os objetivos do processo eleitoral. Ações que reúnam
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treinamento, mudança no discurso, na postura frente às câmeras e ao eleitor, somadas, agregam valor à imagem do candidato, fazendo que esse comunique valores que vão ao encontro do que aqueles que votam buscam no candidato idealizado. A metodologia proposta pela Análise Retórica, embora tenha sido desenvolvida no início do século XX, continua sendo utilizada com bastante frequência em nossa contemporaneidade em virtude de seu caráter holístico, pois envolve, o perfil do emissor, o discurso proposto e as expectativas do público a ser alcançado. No que tange ao relacionamento com a mídia propriamente dito, a mudança de postura do candidato em treinamentos dirigidos por profissionais de media training pode ajudar na sua busca por uma nova imagem frente ao público por meio da técnica do condicionamento operante. A técnica do condicionamento operante, na prática de alguns media training, envolve desde sabatinas, práticas de aikidô, yoga até representações de arte dramática. Entender como se relacionar e atuar em entrevistas para os diversos formatos – mídia impressa, rádio, TV, debates, etc – ajuda numa melhor performance do candidato e o transforma em “produto” de melhor qualidade, apto a receber os votos que tanto busca. Ações de media training são, nesses casos, imprescindíveis para a obtenção do sucesso dos assessorados. REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. São Paulo, Difusão Européia doLivro, 1.956. BACCEGA, M.A. Novas tecnologias, novas sensibilidades. Comunicação e Educação. São Paulo. N18, p. 7-14. maio/agosto 2000. BARTHES, R.A Retórica Antiga(in Jean-Cohen et alii Pesquisas Retóricas, Rio deJaneiro, Vozes, 1.975. BURKE, K.A rhetoric of motives. Berkeley, University California Press, 1966. BOMBING, A; ROCHA, L. (01/05/2010). Os problemas na comunicação de Dilma Rousseff. Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI13739818176,00OS+PROBLEMAS+NA+COMUNICACAO+DE+DILMA+ROUSSEFF.html Acesso em 28/04/2013. CAMPBELL, K.K. The rhetorical act.New York, Wadsworth, 1982. CANCLINI, N.G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização.Rio de Janeiro:URFJ, 1995. CATANIA, A. C. On the origins of behavior structure.Em T. R. Zentall& P. M. Smeets(Orgs.), Stimulus class formation in humans and animals. New York: Elsevier, 1996, pp 3-12. FRAGA ROCCO, M. T. A linguagem autoritária: televisão e persuasão. São Paulo, Brasiliense, 1990. HALLIDAY, T. L.Atos Retóricos. São Paulo, Summus, 1988. LENHARO, A. Nazismo: o triunfo da vontade. 7ª. Ed., SP, Ática, 2006.
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MEMÓRIAS DO JORNALISMO POLÍTICO NO GOVERNO DE FERNANDO COLLOR DE MELLO1
Luciano Cruz Universidade Municipal de São Caetano do Sul Priscila Perazzo Universidade Municipal de São Caetano do Sul
INTRODUÇÃO Nos últimos anos da década de 1980, uma nova conjectura se abria à atuação do profissional de imprensa no Brasil. O ambiente de liberdades propiciado pela concretização da lenta e gradual despedida do governo militar, os compromissos democráticos da recém estabelecida Nova República e os direitos ratificados na Constituição de 1988, desenhavam um novo cenário para as coberturas jornalísticas, sobretudo as de fatos políticos e econômicos. O contexto internacional também fornecia ingredientes impactantes. A queda do muro de Berlim abriu uma enorme fenda na “espessa camada de gelo” que, desde o fim da Segunda Guerra, mantinha a geopolítica mundial prisioneira de ideologias patrocinadas por superpotências arquiinimigas. O discurso neoliberal ganhava, com isso, cada vez mais força, lançando bases para uma iminente hegemonia capitalista, enquanto o mundo assistia atônito à desintegração do socialismo no Leste Europeu (DOBBS, 1998). É nesse cenário que ocorreu, no Brasil, a primeira eleição direta à Presidência da República em 29 anos, seguida do inédito processo de impeachment que depôs, por meio de vias democráticas, o presidente Fernando Collor de Mello. Logo no primeiro dia do mandato do novo presidente, em 16 de março de 1990, veio o anúncio de como o governo pretendia acabar com a inflação, mal que assolava a sociedade brasileira há décadas e que fora um dos grandes motes do processo eleitoral. Entre uma série de medidas, o novo plano econômico congelaria os ativos bancários de milhões de brasileiros: configurava-se a “maior intervenção na propriedade privada já vista no país” (CONTI, 1999, p. 9). Este foi só o primeiro ato de um conturbado governo, que teve seu ponto derradeiro no dia 29 de setembro de 1992, quando por 441 votos a favor, a Câmara dos Deputados autorizou a abertura do processo de cassação do Presidente da República. Já afastado da Presidência, Collor
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Parte da dissertação: Memórias de Jornalistas: Narrativas de profissionais da grande imprensa sobre a eleição, o governo e o impeachment de Fernando Collor. PPGCOM-USCS, 2013.
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renunciou, no dia 12 de dezembro do mesmo ano, horas antes do início de seu julgamento no Senado Federal. A imprensa esteve presente em todos esses momentos. Jornalistas, dos mais diversos veículos, repercutiram e analisaram os atos do governo e também os desdobramentos que precipitaram sua queda. Na euforia dos dias que se seguiram ao impeachment, o senso comum chegou mesmo a cristalizar a noção de que a imprensa “elegeu e derrubou o presidente”. Passados, porém, vinte anos do processo que culminou com a queda de Fernando Collor de Mello, o que os próprios jornalistas guardam na memória a respeito de todo aquele trabalho da imprensa? O que podemos, então, reviver daquele período por meio da memória de jornalistas, percorrendo suas experiências e lembranças relatadas na forma de narrativas de histórias de vida? Como arcabouço teórico deste estudo, temos os passos metodológicos da História Oral e os preceitos que embasam os Estudos Culturais e o campo de pesquisa da Memória Social.
REFERENCIAL TEÓRICO Beatriz Sarlo (2007, p.21), defende que é possível atingir o passado “sob a perspectiva de um sujeito e reconhecendo à subjetividade um lugar”. Para a autora, a ciência, assim como já o faz a literatura “desde meados do século XIX”, inova ao reconhecer a importância de recursos de “dimensão subjetiva”, como o do relato em primeira pessoa. Não nos surpreende a atual tendência da academia e do mercado de bens simbólicos que se propôs a reconstruir a textura da vida e da verdade alojados na rememoração da experiência, a revalorização do ponto de vista da primeira pessoa, a reivindicação de uma dimensão subjetiva, que hoje se expande em estudos do passado e estudos culturais presente. (SARLO, 2007, p. 21, tradução livre).
Já Perazzo e Caprino (2008, p. 119), afirmam que “retomar a memória pela possibilidade narrativa das pessoas, permite, de forma inovadora na sociedade pós-moderna, recolocar o papel do comunicador social”. Para as pesquisadoras, em lugar de “informante ou meramente emissor ou reprodutor”, o comunicador passaria a atuar como mediador do processo. Mais adiante relacionam, nesse contexto, o estudo da memória com a construção da identidade dos indivíduos. A memória resgata o sujeito e sua subjetividade. A rememoração de sua história de vida o reafirma como sujeito da ação, recria e reconstrói suas diferentes identidades ou possibilidades de identificações. A identidade, por sua vez, promove um processo de reconhecimento das similitudes e afirmação de diferenças que situa o individuo como sujeito histórico nos grupos sociais com os quais se relaciona. (PERAZZO; CAPRINO, 2008, p. 119).
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Le Goff (2003, p. 469) explicitou essa relação entre memória e identidade, situando a memória como “elemento essencial do que se costuma chamar de identidade, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje”. Sarlo (2007, p. 25) afirma que a emergência das identidades que se observa atualmente pode ser vista como uma mudança que “reflete a primazia do subjetivo e o papel que a ele se atribui na esfera pública”. Essa quebra de paradigma em relação ao papel do sujeito nos estudos da área da comunicação nos remete ao campo dos Estudos Culturais. Nesse sentido, não poderíamos nos furtar a uma rápida contextualização histórica para melhor compreensão do tema: surgidos no século XIX, como consequência da implementação do sistema capitalista industrial, tanto o pensamento Positivista quanto o Materialismo Histórico, embora com sinais invertidos, abordaram, em seus estudos, a Comunicação e suas consequências sociais (SANTOS, 2003). O papel do indivíduo, no entanto, era deixado em segundo plano, já que ambos tinham nas massas o centro de suas preocupações. De acordo com Mendonça (2006, p. 27) “essa dicotomia conduziu a um empobrecimento das análises”, evidenciando uma dificuldade em “apreender a especificidade da dinâmica cultural e a multiplicidade de elementos que a conformam”. A formação dos Estados Nacionais e a necessidade de atender aos interesses de grupos que ascendem ao poder no período pós-revoluções burguesas são simbólicos para entendermos a urgência do discurso então vigente de submissão do indivíduo diante da grandeza do Estado. O século XX levou ao extremo uma série de ideias surgidas no Renascimento e que ganharam novo fôlego com o Iluminismo, como a supremacia da razão, a valorização da ordem e do pensamento linear, entre outros (PRYSTHON, 2003). O pêndulo que partiu da metafísica obscura da Idade Média chegava ao extremo oposto e extremos, geralmente, prenunciando transformações. É nesse contexto de extremos que alguns autores propõem uma reorganização do mundo. É preciso começar a desmontagem das teorias de pensamento da modernidade, pois elas não dão mais conta da sociedade e suas complexidades. Há novas questões a serem debatidas. Insere-se nesse quadro o afloramento de discussões sobre o conceito antropológico de cultura (o homem como produtor de sua própria cultura), a retomada do cotidiano em detrimento à supremacia da macro história, a valorização do sujeito, enfim, ideias que permeiam os estudos de Comunicação e Cultura tal qual hoje observamos. Martín-Barbero (2009, p. 28), por exemplo, alerta que a comunicação não está restrita às mídias. Ou seja, é possível estudá-la para além dos meios de comunicação de massa. “A comunicação se torna questão de mediações mais que de meios, questão de cultura e, portanto, não só de conhecimento, mas de reconhecimento”.
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Essa nova forma de olhar a comunicação, também colocou em xeque visões esquemáticas, que tendem a simplificar, em demasia, realidades complexas e repletas de singularidades. É o que nos lembra Maria Luiza Mendonça (2006, p. 28): Ao se pretender associar processos comunicativos à constituição de sujeitos sociais é necessário superar as proposições teóricas que encaram a comunicação a partir de modelos construídos com base em um fluxo emissor-canal-mensagem-receptor, entre outras razões por que nessas análises existe a tendência de privilegiar e, muitas vezes, isolar um dos termos.
Este novo eixo, centrado no indivíduo como sujeito da ação, também está presente nos estudos da memória e do imaginário. François Laplantine e Liana Trindade (1997) evidenciam esse universo simbólico próprio de cada indivíduo ao exemplificarem os mecanismos que compõem o imaginário social. A imagem que fazemos de uma pessoa que conhecemos na atualidade ou no passado de nossa existência, não corresponde ao que ela é para si, ou para outrem que também a tenha conhecido, pois sempre é uma imagem marcada pelos sentimentos e experiências que tivemos em relação a ela. Atribuímos a essa pessoa qualidades físicas ou morais que, embora ela possa em parte possuir, são aumentadas ou denegridas, mutáveis, transformadas e plenas de significados que lhe fornecemos no percurso de nossas experiências e lembranças vividas e concebidas nos encontros e desencontros que com ela estabelecemos (LAPLANTINE e TRINDADE, 1997, p. 3).
Esse conceito também integra o posicionamento metodológico que embasa esteestudo, dado pela História Oral. Segundo Meihy (1996, p. 10), a História Oral implica uma “percepção do passado como algo que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado”. Depois de se firmar em países como o Reino Unido, Estados Unidos, México e Itália, também no Brasil a História Oral ganhou força, mostrando-se uma alternativa à chamada história oficial: [...] num primeiro instante, grupos conservadores duvidam da história oral, como se fosse insuficiente para explicar o conjunto social, como mais uma novidade e por isto algo passageiro. Na medida em que ela mostra a que veio, mudanças acontecem. Atualmente a história oral já se constitui parte integrante do debate sobre o conhecimento histórico e atua em uma linha que questiona a tradição historiográfica centrada em documentos oficiais (MEIHY, 1996, p. 10).
Na segunda metade do século XX, algumas correntes acadêmicas resgataram o uso da História Oral em trabalhos científicos. Contribuiu para essa revitalização o que Alberti (2005, p. 19) descreve como “uma espécie de insatisfação dos pesquisadores com os métodos quantitativos que, no pós-guerra, começaram a ceder lugar para os métodos qualitativos nas investigações” e o crescente desenvolvimento de novas tecnologias, como o gravador de áudio portátil, que, a partir dos anos 1960, permitiu aos pesquisadores “congelar o depoimento”. Isso não significa, porém, que a História Oral tenha a pretensão de reproduzir “a verdade”. É o que alerta Ecléa Bosi (2003, p.18) ao afirmar que a oralidade “também tem seus desvios, seus
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preconceitos, sua inautencidade”. Talvez a melhor explicação nesse caso esteja em Alberti (2005, p. 30), para quem a História Oral possibilite “recuperar o passado, conforme concebido pelos que o viveram”. E coloca-se como um campo multidisciplinar, que busca a ampliação do conhecimento acerca do passado (ALBERTI, 2005) e que tem na realização de entrevistas sua fase central. Ao admitir a existência de uma realidade complexa e multifacetada, a História Oral permite que se recriem diferentes pontos de vista (THOMPSON, 1998, p. 26) que podem ser analisados e contrapostos. Ao conduzir a entrevista de História Oral, as perguntas devem ser amplas, sempre colocadas em grandes blocos, de forma indicativa dos grandes acontecimentos e na sequência cronológica da vida do entrevistado. [...] Deve ser dado ao depoente espaço para que sua história seja encadeada segundo sua vontade. [...] Quanto menos o entrevistador falar, melhor. A participação do entrevistador deve ser sempre estimuladora e jamais de confronto. (MEIHY,1996, p 35-36).
Ecléa Bosi (2003, p. 55) segue a mesma linha, salientando a importância de se dar ao depoente “a liberdade de encadear, e compor, à sua vontade, os momentos de seu passado”. Neste estudo, foram utilizados procedimentos que se baseiam, sobretudo, nas teorias de História Oral de Alberti (2005) e de Meihy (1996), adaptados pelo Memórias do ABC, núcleo de pesquisas e laboratório de produções em comunicação e memória, que integra o Laboratório de Hipermidias da USCS, vinculado ao programa de pós-graduação stricto senso em comunicação da Universidade. O Memórias do ABC foi criado em 2003 e integrado ao Laboratório de Hipermídias em 2011. Concentra pesquisa e produção em comunicação e inovação que relacionem temas como: memória, imaginários, cultura, subjetividades, narrativas de histórias de vida, mídias e novas tecnologias.Cada uma das entrevistas realizadas neste estudo contou com duração de cerca de 120 minutos. Elas foram gravadas em vídeo digital e ficarão disponíveis para consulta do público no HiperMemo - Acervo Hipermídia de Memória da USCS2. Como critério para a escolha dos entrevistados, optou-se por profissionais que, durante a chamada “Era Collor” (1989 – 1992), tenham atuado por grandes órgãos de imprensa do país. Estes veículos, além de contarem com elevados números em termos de circulação e de audiência, deveriam apresentar outras características próprias da grande imprensa, como grande estrutura empresarial, dependência de financiamento publicitário e esquema nacional de distribuição (AQUINO, 1999, p. 37). Foram, então, entrevistados seis jornalistas, notadamente do “eixo Rio-São Paulo”. São eles: Augusto Nunes (O Estado de S. Paulo); Clóvis Rossi (Folha de S. Paulo); Bob Fernandes (Revista
http//memoriasdoabc.uscs.edu.br/hipermemo
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ISTOÉ); Roberto Pompeu de Toledo (Revista Veja);Wianey Pinheiro (Rede Globo de Televisão) e Bóris Casoy (SBT).
O CONFISCO Depois que Jânio da Silva Quadros recebeu a faixa presidencial de Juscelino Kubitschek, em janeiro de 1961, o Brasil precisou esperar por quase 30 anos para acompanhar novamente uma cerimônia de posse de um Presidente da República eleito pelo voto direto, o que só voltou a ocorrer no histórico dia 15 de março de 1990, quando Fernando Affonso Collor de Mello recebeu a faixa presidencial das mãos de José Sarney. Os ataques que sofreu durante a campanha eleitoral, não impediram que Sarney atendesse a uma solicitação da equipe de transição de Collor. Dois dias antes da cerimônia, o presidente em fim de mandato decretou feriado bancário no país (CARNEIRO, 1999, p 55). Os serviços só seriam reestabelecidos no dia 19 daquele mês. Não foi preciso esperar até lá, no entanto, para saber como o novo governo iria colocar em prática uma de suas principais promessas de campanha: o combate à inflação. Já no dia seguinte à posse, em meio a uma tumultuada entrevista coletiva, a nova equipe econômica anunciou o que ficou conhecido como Plano Collor3. Entre as vinte medidas provisórias e os três decretos anunciados, o que causou mais polêmica, compreensivamente, foi o congelamento, por 18 meses, dos ativos excedentes a 50 mil cruzados novos (cerca de 1.250 dólares na época). Na prática, o governo efetuava o confisco de dinheiro depositado na caderneta de poupança e em contas-correntes em todo o Brasil. O jornalista Roberto Pompeu de Toledo, ao buscar em sua memória lembranças sobre o governo Collor, foi taxativo: foi um governo grotesco, desarticulado e que recebeu seu golpe de morte no primeiro momento ao adotar o plano econômico errado, com pessoas erradas. Augusto Nunes foi outro jornalista que falou sobre o assunto. Ele lembrou aspectos positivos em termos de abertura econômica, mas destaca, assim como Toledo, que Collor e sua equipe não estavam preparados para o essencial: o combate à inflação: O Collor teve um lado modernizador muito bom e interessante, porque ele era um cara cosmopolita, o Brasil não tinha nem cartão de crédito, não valia no exterior, ele abriu isso, ele abriu, ele abriu a economia, mas não tinha um plano contra a inflação e quem não tivesse plano contra a inflação estava condenado, tanto que a coisa só se resolveu com o Plano Real”. Para entendermos melhor a afirmação de Nunes, é preciso contextualizar o que a inflação representava para a população brasileira naquele momento. Mirian Leitão, em sua obra Saga 3
Carvalho (1996, p. 286) lembra que o programa econômico tinha o nome oficial de Plano Brasil Novo, quase nunca utilizado. Plano Collor foi o nome que prevaleceu, em geral designando só o bloqueio dos haveres financeiros, sem referência ao amplo leque de medidas de finanças públicas, política de rendas, política cambial, comércio exterior e administração pública.
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Brasileira – a longa luta de um povo por sua moeda (2010) utiliza uma série de exemplos retirados do cotidiano de pessoas comuns para dar dimensão ao que significava conviver com uma taxa inflacionária que atingiu inacreditáveis 1.764,9% ao ano durante o governo Sarney. Por incrível que pareça, o plano que desorganizou a vida e anarquizou projetos pessoais de todos os que tinham dinheiro aplicado no banco acabou sendo aceito, no primeiro momento, com certo fatalismo. Collor disse que aquela era a última e única medida possível para livrar o país do pesadelo inflacionário. Os brasileiros estavam exaustos daquela inflação. Prisioneiros de escolhas trágicas, aceitavam aquele horror econômico como pacientes de câncer que aceitam quimioterapia. Depois do sonho desfeito do Cruzado, tinham aprendido que não há cura sem dor. Só que aquela dor era demasiada e não levou à cura (LEITÃO, 2010, p. 171).
Bóris Casoy, ao falar sobre as medidas econômicas - e também administrativas - colocadas em prática por Collor, segue a linha de Augusto Nunes, lembrando os benefícios que a abertura trouxe ao país. Casoy, porém, não cita a inflação e sim os atritos com o empresariado local como uma, dentre muitas outras, causas que levariam à derrocada do governo pouco menos de dois anos depois. O Brasil era um país fechado para o exterior, com grande parte do empresariado muito acomodado. Você não importava uma agulha, nada, era rígido, você não importava nada [...]. Todo mundo se acomodou, a indústria no exterior ficou anos luz acima do Brasil. Então ele abriu uma frente de luta efetivamente econômica contra a Federação das Indústrias de São Paulo, que era o órgão representativo, a CNI ainda é mais fraco que a FIESP, abriu uma guerra contra a FIESP, que foi inclusive verbalizada contra o presidente da FIESP, que era o Mário Amato, tiveram brigas. Abriu uma frente contra a Federação do Comércio, porque essa abertura comercial para importação, que ele fez, era vitriólica para esse pessoal, esse pessoal não tinha condições de concorrência com o que vinha do exterior, até porque os custos de produção aqui eram altos. A indústria estava estagnada. O anúncio oficial do Plano Collor foi transmitido ao vivo por emissoras de TV. Segundo Leitão (2010, p. 167), “jornalistas de economia no Brasil já viram muitos erros de comunicação no Ministério da Fazenda. Nada foi pior do que a entrevista concedida naquele dia 16 de março”. Os caras são loucos. É assim que Clóvis Rossi descreve o que pensou ao acompanhar o anúncio da equipe da ministra. Ele ressalta ter estranhado que o Congresso Nacional tenha compactuado com medidas tão pouco afeitas aos preceitos que regem o liberalismo econômico. É curioso. Alguns parlamentares que se dizem liberais, portanto totalmente contra qualquer intervenção do Estado ou no que quer que seja, votaram a favor de um plano que era uma maciça intervenção do Estado na economia de todo mundo, meteram a mão no bolso de todos os cidadãos brasileiros, no entanto votaram a favor. É um país tão... esse pessoal é tão sem... sei lá como dizer para não parecer excessivamente ofensivo, mas tão sem noção das coisas, que vota a favor daquilo que contraria profundamente o que eles, da boca para fora, dizem que o Estado não deve fazer.
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Observa-se que nenhum dos entrevistados incluiu em sua narrativa a própria experiência pessoal com o confisco, ou seja, que consequência prática o episódio que mexeu com milhões de brasileiros teve em suas vidas particulares. Durante a entrevista, quando foram instigados a falarem de suas próprias vidas, notamos que as narrativas tinham um maior teor descritivo. Ao passar a tratar do governo Collor, nossos depoentes passaram a ser mais analíticos, opinando não apenas sobre a atuação da imprensa, bem como sobre a do próprio governo. Ao trabalhar com lembranças, não podemos perder de vista que “lembrar não é reviver, mas re-fazer. É reflexão, compreensão do agora a partir do outrora: é sentimento, reaparição do feito e do ido, não sua mera repetição” (CHAUÍ, 1979, p. 20).A memória é, então, construída no presente. Hoje, até pelo momento em que se encontram em suas carreiras, nossos depoentes estão mais acostumados a fazer análises do que reportar acontecimentos.
PC FARIAS NAS CAPAS DAS REVISTAS O jornalista Bob Fernandes iniciou seu relato sobre o governo Collor lembrando os passos que o levaram a confirmar a existência de casos de corrupção envolvendo o novo governo. Às vésperas da posse, eu estava em férias na Bahia. Quando eu volto na redação, o Negreiros, que era meu sub, e o Inácio Muzzi, estavam lá, acho que os dois, e eles falaram assim: "Bob, tem um cara aqui, um empresário, ele quer falar contigo por causa de uma matéria, chama Luiz Estevão”. Eu falei:“quem é?”. "A gente publicou uma matéria quando você estava de férias e ele quer se explicar". Eu falei: “tudo bem, eu falo com todo mundo, eu recebo todo mundo, manda o cara entrar”. Aí entra e eu não tinha cabelo grisalho, eu tinha cabelo preto, magrelo, o Negreiros tinha o cabelo já grisalho, o outro era careca. Então ele entrou e falou "Bob", se dirigindo a um dos dois, achando que o chefe era um dos mais velhos. Esclarecida a confusão, Fernandes, que aos 35 anos dirigia a sucursal de Brasília da ISTOÉ, prosseguiu a conversa. Ele:"veja bem, eu não quero reclamar, mas quero fazer uma observação e colocou as coisas dele lá", e eu falei: "tudo bem, o que você quer?". E ele: "só queria que você soubesse...". Aí começou a ser um cara que era fonte de vez em quando. Passado algum tempo, Fernandes conta que recebeu uma ligação de Estevão. Sexta ou sábado me liga Luiz Estevão dizendo: "Bob, o Claudio Humberto está se queixando..." e iria tomar posse na semana seguinte, ou dali a 15 dias "está se queixando, dizendo que vocês são inimigos, que vocês não falam com ele". Eu falei: “amigo, eu falo até com o inominável se ele abrir a porta do inferno. Eu vou lá falar com ele cara, eu só não falo com quem não quer falar comigo, os caras não querem falar a gente não fala. Se quiser falar, a gente fala com todo mundo. Agora, falar não significa publicar notícias a favor”.
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Por fim, Estevão acabou por convidar Bob Fernandes para um almoço que seria realizado em sua residência. "Vou fazer um almoço em casa, então eu te espero lá, você podia ir". “Vou”. Resumindo: as dez e meia da noite, o jantar ainda continuava, o almoço, churrasco e tal, e o Claudio Humberto falou barbaridades sobre o que era aquilo, como funcionava, quer dizer, ele contou, no papo de amigo, ali entre eles e eu ouvindo, e ele contando, e ele contando história da campanha e eu: “nossa, isso é um puta bando de loucos”. Saí de lá, me lembro até hoje, o Mino4 sabe disso, pergunta para ele, falei: "Mino, esse negócio não vai dar certo nunca, é uma puta coisa de louco, está tendo maior guerra dentro da família, o PC [...] não há chance disso acabar bem”. Tai o Mino que é testemunha dessa história. Eu fiquei muito mais ligado ainda, tanto que com seis meses de governo eu fiz a primeira capa do PC Farias. Fernandes se refere à edição de 24 de outubro de 1990 da revista ISTOÉ, que traz na capa foto de Paulo Cesar Farias, ex-tesoureiro da campanha de Collor, acompanhada do título: Ele complica a vida do governo. A matéria, assinada por Bob Fernandes tem como ponto de partida denúncias de fraudes no processo eleitoral para o governo de Alagoas. Naquele ano, dois aliados do presidente Collor se enfrentavam nas urnas: Geraldo Bulhões e o deputado Renan Calheiros. Havia suspeitas que PC Farias estivesse agindo em favor do primeiro. Esses e outros textos que passaria a publicar a partir de então, desvendando o submundo do governo Collor, de acordo com Fernandes, são resultado direto dos meses em que ele ficou “na cola” de PC. O jornalista explica que elaborar matérias investigativas nem sempre é fácil e tem um custo, não só financeiro, mas também em termos de dedicação pessoal. Isso custa. Para ficar, como eu fiquei, por exemplo, antes da quarta ou quinta capa, eu fiquei 15 dias morando no Vitória Flat, ali no Itaim. Tinha o restaurante do Sergio Arno, o Vecchia Cuccina, e o que eu fiquei fazendo? Eu fiquei morando porta com porta com o PC Farias. Eu ia lá, virava o lixo, aquelas coisas que você faz, ele ia tomar café da manhã, eu ia para lá almoçar, jantar. Eu via ele com os empresários. Por que eu fui? Porque aquilo era uma consolidação das coisas que eu tinha tido como informação: eles se reúnem com não sei quem, não sei o que e tem um escritório na JuscelinoKubitschek, ali perto. Então ele saía, eu ia até lá, via onde era o escritório, falava com o guardador do carro, aquela coisa de você ir fechando o jogo e tudo batia. "Ele vai receber amanhã de manhã tal pessoa", no outro dia de manhã, estava lá tal pessoa. “Amanhã de manhã vai falar com não sei quem”, você ia lá, estava lá. Ele não está mentindo para mim, as pessoas não estão mentindo pra mim. Esse jogo é esse jogo mesmo, era uma maneira de eu ficar checando as coisas, amarrando as coisas.
4 Mino Carta era o diretor de redação da revista ISTOÉ no período.
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Naquele mesmo fim de semana em que ISTOÉ publicou a matéria de Fernandes, a revista Veja, em sua edição 11535, apresentou a reportagem: “Bomba na saída: Motta Veiga se demite da Petrobrás falando de intrigas, mentiras e negócios escusos no governo”. Na capa, aparecem pequenas fotos de Zélia Cardoso de Mello, Cláudio Humberto e PC Farias. A base da matéria é a entrevista coletiva que Luiz Otávio da Mota Veiga, então presidente da Petrobrás, concedeu ao se desligar da empresa. O Jornal do Brasil já noticiara, no início de outubro, que havia pressões internas para que Mota Veiga usasse a estatal de modo a favorecer interesses particulares de pessoas próximas ao governo (CONTI, 1999, p. 406). Ao se demitir, ele confirmou essas acusações. Entre outros exemplos, disse que o empresário Paulo Cesar Farias buscava intermediar um negócio junto à estatal, visando ajudar o também empresário Wagner Canhedo a comprar a VASP, companhia em processo de privatização. Roberto Pompeu de Toledo falou sobre este momento em que PC “começou a sair das sombras”, lembrando um episódio que viveu quando ainda atuava no Jornal do Brasil e que nos remete às relações entre os donos dos veículos de imprensa e os interesses ligados ao poder político e financeiro. Acompanhemos a narrativa de Toledo: eu me lembro - outro flash assim que eu me lembro - de uma vez, o Brito6, a gente tinha reuniões diárias com ele para os editoriais, a reunião dos editoriais, em que participava a direção da redação com os editorialistas para escolher os temas e mais ou menos a linha que iríamos seguir. Ele fala, depois que termina a reunião, numa conversa informal, ele fala: "esse PC Farias...", (...) "coisa de louco, eu estou querendo conhecer". Me acendeu uma luz ali, pensei: “ele está querendo se aproximar, está querendo fazer alguma coisa” E realmente acho que ele estava querendo ver se o governo ajudava o jornal. O jornal estava com muitas dívidas, muitos problemas e ele queria ver se o Banco do Brasil, Caixa Econômica, alguma coisa assim, abria as burras para o jornal. PC Farias chegou a dar alguns depoimentos dizendo que gostaria de comprar o Jornal do Brasil. Embora afirme não ser improvável uma aproximação entre PC e a cúpula do JB, Toledo lembra que isso não significaria um automático alinhamento do jornal em favor do governo. Agora tudo isso é complexo, é mais complexo do que a vã filosofia imagina, que o diretor vai lá e: "é só apoiar...", não é assim porque tem momentos em que...olha: saiu o escândalo da LBA e foi dado pelo Jornal do Brasil. OJornal do Brasil, deixa eu me lembrar bem, acho que foi o JB que começou a dar o negócio do escândalo da LBA, Legião Brasileira de Assistência, que era aquele órgão beneficente que estava ali junto à presidência, que geralmente era comandado pelas primeiras damas, no caso era comandado pela Rosane Collor e lá começou um negócio de desvio de dinheiro
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Disponível em: <http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx.>. Último acesso em: 21 nov. 2012. Manuel Francisco do Nascimento Brito esteve á rente do Jornal do Brasil por mais de 50 anos.
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para família dela, para pessoas de Alagoas, especialmente familiares, até familiares e pessoas próximas a ela Embora a grande maioria dos órgãos de imprensa tenha noticiado e repercutido as irregularidades na gestão da LBA, foi mesmo oJornal do Brasil, como citado por Toledo, quem deu em primeira mão a informação. Abaixo, Conti (1999, p. 474)resume a matéria assinada pelo jornalista Mário Rosa, publicada em agosto de 1991: A reportagem, toda fundamentada em documentos oficiais, contava que a verbas destinadas pela LBA de Alagoas a Canapi, Inhapi e Mata Grande eram proporcionalmente muito superiores às distribuídas a outros municípios do mesmo porte. Tratava-se de verbas com o objetivo de prover água e organizar cursos profissionalizantes para costureiras e criadores de cabra. Não foram feitas licitações para a escolha das empresas que realizariam os serviços de assistência. Usou-se o artifício de que as ações eram “urgentes” a fim de evitar as concorrências públicas. O dinheiro, um total de 11 milhões de dólares, chegou às entidades, cujos donos eram parentes da primeira-dama, mas não foi empregado para os fins a que se destinava. A água não chegou aos necessitados nem se ministraram os cursos. (CONTI, 1999, p 474)
A denúncia contribuiu para disseminar ainda mais outro tema que vinha sendo explorado pela imprensa naquele período: os problemas conjugais existentes entre o Presidente e sua mulher, Rosane. Bóris Casoy se referiu ao assunto em seu depoimento. A relação dele com a mulher, a relação da ministra Zélia com o Bernardo Cabral, essas confusões do governo, ele aparecer sem aliança, com aliança, bobagens. Eu acho que ajudaram a um desgaste muito forte do governo dele. Para Francisco José (1996), esse tipo de exposição por parte de Collor não ocorreu por acaso. Seria uma forma de fabricar fatos que chamam a atenção da imprensa e assim desviar o foco das reportagens. Collor, ainda em 1991, dará mostra de sua capacidade de envolver a imprensa, de fazê-la encantar-se com ele. Subitamente exibe o dedo sem aliança de casamento: a família do presidente está em crise. A imprensa se delicia. Collor, depois de oferecer o corpo à exposição, apresenta agora, em vários capítulos, a crise conjugal para que com ela o jornalismo se deleite. Deixa no ar a possibilidade de ele ter tido um caso com a atriz Cláudia Raia. Por algum tempo, a imprensa se transforma numa grande Contigo. Collor sabia que ela gostava disso. Zélia e Bernardo Cabral haviam lhe dado régua e compasso”. (JOSÉ, 1996, p. 46)
Mário Sergio Conti (1999, p 337) ressalta a forma como Collor buscava construir sua imagem, por meio da manipulação de símbolos, sejam de juventude (fotografado de camiseta, tênis e abrigo), de esportista (corria, jogava futebol e vôlei), de religioso (aparecia contrito ao lado de Frei Damião), de ecologista (visitando a Amazônia), de playboy (pilotando motocicleta e Jet-ski), de intelectual (carregando um livro de Norberto Bobbio), de soldado (uniformizado como Rambo) e de rico consumista (usando gravatas Hermès, tomando uísque Logan e fumando charutos cubanos).
118 A espetacularização da presidência tinha duas cerimônias semanais. Na tarde de sexta-feira, Collor descia a rampa do Palácio do Planalto acompanhado de atletas, comediantes, ministros e atores. Na manhã de domingos, corria nas imediações da casa da Dinda vestindo camisetas com mensagens antidrogas, ecológica e pseudofilosóficas, como: “o tempo é o senhor da razão” (CONTI, 1999, p. 337).
Clóvis Rossi lembrou o tema em um trecho de sua narrativa: não dava para levar a sério. Então você olha o cara fazendo aqueles discursos, aquelas coisas das camisetas escritas “o tempo é o senhor da razão” e coisas assim, até escrevi uma coluna quando ele saiu com uma dessas camisetas, dizendo: “prefiro o Faustão”, que foi um passeio dominical que ele fez, então eu escrevi uma coluna cujo título era:“basta por si mesmo, prefiro o Faustão”. Mesmo buscando pautar a imprensa com recursos como os descritos por Rossi, naquele segundo semestre de 1991, o governo federal já havia sofrido duros golpes em sua imagem. Depois de Motta Veiga, Renan Calheiros, derrotado na eleição para o governo de Alagoas, também foi à mídia para fazer acusações contra PC Farias e o tráfico de influência que envolvia o empresariado e a máquina pública em negócios escusos. Além disso, Zélia Cardoso de Mello havia deixado o governo. O plano econômico fracassara em seu objetivo de domar a inflação e a economia não dava sinais de superar o desemprego crescente (NEVES; FAGUNDES, 1993, p. 119). É interessante analisar, neste ponto, os mecanismos que envolvem a construção da notícia por parte da imprensa. Cremilda Medina, em sua obra Notícia: um produto a venda, lembra que “a notícia é um produto comercializado e industrializado” (1988, p. 30). Collor, herdeiro do maior grupo de comunicação de Alagoas - a Organização Arnon de Mello, que inclui o jornal A Gazeta de Alagoas, e a TV Gazeta, retransmissora da Rede Globo de Televisão, entre outras empresas - e já tendo atuado na juventude como repórter do Jornal do Brasil, conhecia bem esse mecanismo e soube “fazer-se” notícia, sobretudo no período entre posse como Governador de Alagoas, em 1987, e a campanha das eleições presidenciais de 1989. No entanto, é preciso considerar que no conjunto de tensões a pulsar a prática jornalística, há também aspectos como a busca por credibilidade e a urgência de estar à frente da concorrência. É nesse contexto em que se têm a urgência do jornalismo investigativo, a busca pela informação exclusiva. Mesmo aqueles veículos que apoiavam o governo, na medida em que se avolumam os indícios de corrupção, são instados à também partir em busca de seu “furo”7.
A QUEDA Clóvis Rossi considera que foi o binômio denúncias de corrupção/crise econômica o que deu novo rumo ao governo na medida em que o tempo passava. Ele, no entanto, ressalta que está na 7
Jargão jornalístico para matéria envolvendo a revelação de informações exclusivas.
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economia o elemento decisivo para a queda do governo. O Collor se entalou na coisa da corrupção. Fracassou o Plano Collor, a recessão veio e a economia acabou derrubando o cara muito mais do que a corrupção. Se o desempenho da economia tivesse sido bom, provavelmente teria completado seu mandato. Roberto Pompeu de Toledo Roberto concorda: o Plano Collor matou o Collor. Se há corrupção, mas o governo é bem sucedido, mesmo que venha toda a corrupção... Augusto Nunes também compartilha a opinião. Na construção de sua narrativa, ele uma vez mais busca no presente o ponto de apoio de seu argumento. É a economia que determina. Ele gerou um ódio nacional com o confisco e a inflação foi lá para o espaço. Ele estava condenado. Ai vem a roubalheira, mas como mostram os tempos atuais, se vem a roubalheira com a situação econômica favorável... Agora que a Dilma tem que se preocupar, a indústria cai de novo, agora fique esperto, porque a consequência disso é o desemprego e o cara desempregado doutor, esse não está a fim de apoiar picas. Logo na sequência, Nunes lembra de um fato relacionado ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para mais uma vez embasar sua opinião. O Fernando Henrique, quando eu conversei com ele no começo de 1994, ele falou para mim: “Augusto, se eu continuar no Congresso eu vou disputar uma vaga de deputado federalporque só tem uma vaga de senador, não tem chance”. E ele vira presidente da República! [...]. Por quê? Por causa da economia. Bóris Casoy, que já havia apontado a “rota de colisão” de Collor com o grande empresariado do país como um dos fatores que desestabilizou o governo, também inclui o modo como o presidente se relacionou com o Congresso Nacional no conjunto dos itens que contribuíram para sua queda. Ele hoje mesmo reconhece que não tratou bem do Congresso. Ele desconheceu o congresso. Erro! Desconheceu o Congresso. Para os padrões de honestidade do Congresso ele poderia ter evitado um processo de impeachment, ele descuidou disso. No momento em que se criou a comissão ele poderia ter evitado, mas com tranquilidade. Eu perguntei para ele: “Por quê?”. Ele disse: “eu achei que custaria muito caro para o Brasil e eu não quis fazer”. Foi trocado um membro da comissão que deu maioria para as pessoas que eram contra ele, puseram um governador de Santa Catarina8, que ele tinha negado uma construção de alguma coisa em Santa Catarina, quer dizer, um rolo. A falta de apoio no Congresso Nacional também aparece na narrativa de Augusto Nunes como um dos motivos que contribuíram para a queda de Collor. A falta de apoio ao Congresso e a 8
A indicação do parlamentar do PDS (Partido Democrático Social) na CPI coube ao senador Esperidião Amin, que pouco antes havia solicitado ao governo federal verbas para combater uma enchente que assolara o estado. O pedido não foi aceito. Amin, então, indicou o senador José Paulo Bisol, do PSB (Partido Socialista Brasileiro), que havia sido o candidato à vice-presidente na chapa de Lula em 1989.
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idade. É a maldição dos 40 anos, eu escrevi isso na capa do Jânio, os três presidentes que se elegeram, que chegaram ao poder com um pouco mais de 40 anos, Jango, Jânio e Collor caíram porque não se entenderam com o Congresso. Você, com menos de 50 anos, você é inevitavelmente prisioneiro do voluntarismo. O povo votou em mim e tal...Então veja só. Ele fez uma c... monumental no primeiro dia, confiscar a poupança do povo é um negócio que eu nunca vou entender. Então, para deputado ficar a favor dele... Ele tinha um partido, que não existia, PRN, e não se compôs com ninguém, todo mundo tem que se compor com o Congresso. Em outro momento, Casoy elenca uma série de fatores que, a seu ver, formaram um contexto propício à queda do governo. Ele tinha uma oposição forte, desconheceu o Congresso, abriu uma guerra com a Federação das Indústrias, abriu uma guerra com a indústria automobilística, começou a permitir a importação e chamou a indústria de carroça, e era carroça mesmo, não permitia o uso de computadores. Todas essas coisas que seguravam o Brasil da época, você tem que se transportar, ele começou a liberar, e tinha uma arrogância muito grande em relação ao congresso e em relação a dialogar com essas forças. Essas forças o viam como inimigo, então começaram a fuçar a vida dele e encontraram... Tudo o que foi encontrado era verdade. Um irmão dele, com quem ele brigou na disputa lá de um butim, eles se desentenderam, o irmão dele fez as denúncias, que eram verdadeiras e que permearam outros governos também [...]. Era verdadeiro. E você tinha um ambiente propício e realmente as pessoas se revoltaram com o que viram e foram partindo para cima. O PC, a figura do PC, uma espécie de Rasputim do governo dele. Se formou um quadro muito... E ele arrogante, achando que não iria acontecer nada. Neste bloco, o caráter analítico mais uma vez predominou. Como afirmamos em outro momento, ao relembrar o passado os depoentes o fazem a partir do que são no presente e conforme o contexto que vivem nesse mesmo presente. Lembramos que a grande maioria das entrevistas foram realizadas no segundo semestre de 2012, quando o bom momento econômico que o Brasil atravessava era contrastado por discussões ligadas a valores éticos e morais, suscitadas pelo julgamento do “mensalão”9.
PEDRO E ERIBERTO Desde pelo menos o final de 1991, Pedro Collor já vinha levando ao conhecimento da imprensa seus atritos com Paulo Cesar Farias. A revista Veja, na edição 113, de 18 de dezembro de 1991, trouxe o assunto em reportagem, com o título: “Collor versus Collor: Jornal do PC afasta presidente do irmão10”. 9 10
Como ficou conhecido o esquema de compra de votos no Congresso Nacional. Disponível em: http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx (p. 20). Acesso em: 10 fev. 2013.
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Entre os motivos da disputa, estava o fato de PC Farias ter adquirido um jornal - A Tribuna de Alagoas - que passaria, por sua vez, a disputar mercado com a Gazeta de Alagoas, dirigida pelo irmão do presidente. A questão, no entanto, começou a ganhar outro patamar quando Pedro Collor entregou à revista um dossiê, publicado na edição de 13 de maio de 199211, demonstrando que PC Farias movimentava contas em paraísos fiscais e era o dono de pelo menos sete empresas no exterior. Abaixo segue trecho inicial da matéria, assinada pelo jornalista Luis Costa Pinto. O empresário Pedro Collor de Mello, diretor das Organizações Arnon de Mello, que controla um jornal, uma emissora de TV e três de rádio em Alagoas, embrenhou-se numa luta de morte com o empresário Paulo Cesar Cavalcanti Farias, 46 anos, mais conhecido pela alcunha de PC. Pedro Collor quer impedir, a todo custo, que PC lance o jornal A Tribuna de Alagoas e ameace a Gazeta de Alagoas, o matutino que há quarenta anos é líder de vendas no Estado. “Se o careca montar o jornal dele, quebra a gazeta, e não vou assistir impassível ao desmonte do patrimônio da família” diz o diretor das Organizações Arnon de Mello. (revista Veja, 13/05/1992).
Na semana seguinte, a mesma revista trouxe as declarações de renda de PC Farias entre 1987 e 199112, evidenciando a diferença entre o estilo de vida do tesoureiro de campanha de Collor e seus rendimentos declarados. No entanto, é a edição que chegou às bancas no dia 23 de maio de 199213 da revista que causou a maior repercussão, tendo como consequência a instalação, três dias depois, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional visando apurar as denúncias contidas na publicação. Segundo o que relata no livro Passando a limpo – a trajetória de um farsante, (MELLO, 1993, p. 231), depois de ser afastado do comando das Organizações Arnon de Mello, Pedro Collor aproveitou uma entrevista agendada dias antes pelo jornalista Luis Costa Pinto para detalhar tudo o que sabia sobre os negócios escusos envolvendo Fernando Collor e PC Farias. O resultado desta conversa é a matéria de capa: Pedro Collor conta tudo - o vídeo e a entrevista com os ataques do irmão do presidente. Abaixo segue um trecho da reportagem: O Brasil inteiro sabe que PC foi o gerente da caixa de campanha de Collor á Presidência. Desde a posse, em 15 de março de 1990, não há roda de políticos e empresários que não comente exemplos de como, com o beneplácito do presidente, Paulo Cesar Farias transita pelos meandros do governo nomeando altos funcionários do Estado e, através dele, fechando toda a sorte de negócios. Mas eis que surge um brasileiro, maior de idade, casado, pai de um casal de filhos, dizendo em público o que todos comentam na surdina. Ele fala com a autoridade de quem conhece Fernando Collor desde a infância e tem contatos com PC Farias a mais tempo que o presidente. (revista Veja, 27/05/1992)
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Idem Disponível em: http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx. Acesso em: 10 fev. 2013. 13 Idem 12
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A crise se agravara. Começava ficar evidente que o momento era delicado. Clóvis Rossi, que estava na Espanha, lembra que a publicação da denúncia do irmão de Collor fez com que retornasse ao Brasil. Eu pedi, pedi não, a Folha me designou correspondente em Madri em 1992, no começo do ano, o que eu agradeci profundamente, porque - eu até escrevi na coluna de despedida da função - eu queria ir para não me transformar, de cético, que é uma característica que todo jornalista deve ter, em cínico, porque era tão escandaloso aquele modelo de governo, aquela gente no poder, que você só podia virar cínico. Então eu estava em Madri. Quando sai a entrevista do Pedro Collor me chamaram para cobrir o episódio. Já Roberto Pompeu de Toledo, ao abordar o assunto, ressalta o fato de ter sido as revistas semanais e não os jornais, a darem os grandes furos de reportagem que desestabilizaram o governo. Outra coisa que eu acho que é preciso ressaltar, que eu acho muito curioso no caso Collor, hoje em dia não tanto, é que ao contrário do que os padrões internacionais sugerem, as revistas foram na frente dos jornais. Não é assim, o natural não é isso. No escândalo Watergate, que é o mais emblemático de todos, são os jornais [...]. É fora de norma, fora do padrão natural das coisas, que as revistas saiam na frente dos jornais, a começar pela periodicidade, as revistas são meras rebatedoras de informação. [...]. E de repente no Brasil as revistas semanais, no caso do Collor, a Veja e a ISTOÉ, é que concorriam pelo furo, e os jornais vinham à reboque, com contribuições secundárias ao que as revistas traziam. Os jornais ficavam esperando a revista sair: era assim: "o que será que a Veja vai dar?". É o que a redação da Folha e a redação do Estado ficavam se perguntando: "o que será que vem agora?". Toledo prossegue: Eu atribuo isso à falta de investimento dos jornais em equipes que trabalhem fora do dia-a-dia, quer dizer, os jornais trabalham com redações muito enxutas, em que todo mundo está atolado até aqui de tarefas no dia-a-dia para se preocupar em sair delas. Como lembrou Toledo, foi uma revista que, mais uma vez, pautou não apenas os demais órgãos de imprensa com o resultado de suas investigações, como também a própria Comissão Parlamentar de Inquérito que, ao encontrar um elo entre o presidente e PC, fazia do impeachment uma realidade já não tão distante. Trata-se da edição número 1188 de ISTOÉ, que chegou às bancas no dia 27 de julho de 1992, trazendo o depoimento de Eriberto França. Nela, o motorista que prestava serviços para a secretária de Collor, Ana Acioli, afirmou, entre outras coisas, que Paulo Cesar Farias pagava as despesas do presidente. Conti (1999) explica a importância da matéria de ISTOÉ para o desenrolar do processo que levou ao impeachment: Tinha-se conhecimento, até então, de que Farias defendia os interesses de empresas privadas no governo (como relatara Luís Octávio da Motta Veiga); apresentava-se
123 como representante do presidente junto a elas (contara Pedro Collor); o presidente sabia disso (segundo Renan Calheiros); PC tinha empresas não declaradas ao Fisco (conforme os documentos levantados por Pedro Collor); ele sonegava impostos e enriquecera exponencialmente desde a campanha presidencial (como mostravam suas declarações de renda). Com a chegada de ISTOÉ às bancas, na noite de sábado, 27 de julho, descobriu-se que PC pagava as contas particulares de Collor e o aluguel de carros para a Presidência. O circulo se fechara. (CONTI, 1999, p. 600).
Bob Fernandes, que na época era o correspondente de ISTOÉ nos EUA, falou sobre a capa com Eriberto, relatando em que contexto teve início a reportagem. O Eriberto é a consequência da cobertura toda anterior. Eu estava em Washington, a ISTOÉ tinha um certo incômodo porque a Veja tinha feito o Pedro Collor, e “me ajuda aí”, não sei o que, fui fazer algumas coisas e fiquei fuçando em tudo, descobri como é que o PC Farias tinha aberto a sua empresa, como é que foi o processo, tudo aquilo, aí uma hora eu mandei um fax para redação de Brasília com 25 temas, que dizia o seguinte: “é a Miami Leasing14, portanto só pode ser a Brasil Jet, e os caras foram, foi na Brasil Jet que ele encontrou, dias depois, o motorista Eriberto, então nada veio do acaso, quer dizer, a cobertura é uma construção, é isso. Aí estavam lá o João Santana, o Augusto e o Mino Pedrosa15, que fizeram um belíssimo trabalho. O depoimento de Eriberto à CPI foi transmitido ao vivo e na íntegra pela TV Bandeirantes. Um dos pontos altos foram as repostas do motorista ao ser interrogado por Roberto Jefferson, do PTB, deputado que pertencia à base de apoio de Collor, base esta apelidada pela imprensa como “tropa de choque”. Conti (1999) reproduz um desses diálogos: - O senhor disse que é pobre, mas abriu mão de um bom emprego. Vai viver de quê? O senhor tem recursos? – perguntou o deputado. - Não, mas não me falta força de vontade para trabalhar, respondeu Eriberto França. Roberto Jefferson insistiu: - O senhor vai querer dizer que está agindo só por patriotismo? - E o senhor acha isso pouco? – retrucou o motorista. (CONTI, 1999, p. 620).
Sobre esses momentos que antecederam a queda do governo, Bóris Casoy destacou:quando começou o processo do Collor, a queda do Collor, eu me senti muito sozinho. A Globo é produto de um jornal, a Band, tinha uma tradição jornalística, o SBT não, eu fazia o que eu queria, então era uma responsabilidade em relação à própria emissora e responsabilidade em relação ao país, porque o meu jornal tinha audiência, tinha credibilidade e audiência. Lembro que eu andava, a cada telejornal que eu apresentava, que tinha novidades, era um caminho longo da redação até o estúdio, eu usava aquele caminho para dar uma meditada, de vez em quando me telefonava alguém, por exemplo, um Brizola, um Ulysses Guimarães, um Tancredo: “toma cuidado, cuidado” sempre alertando para alguma possibilidade, todos eles, de um retrocesso, era essa a palavra. 14 15
Miami Leasing e Brasil Jet eram empresas de propriedade de Paulo Cesar Farias. Jornalistas que assinam a matéria da revista ISTOÉ.
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Embora relate essa preocupação, Casoy completa sua narrativa deixando claro que, naquela oportunidade, não sofrera nenhum tipo de pressão seja por parte do SBT ou por parte do próprio governo. A televisão nunca me pressionou, nunca. E mais, o Collor jamais moveu uma palha para pressionar, o que o Palácio pediu para o SBT, uma coisa que parecia justa: “ouça, por favor, o nosso pessoal”, mas ninguém do pessoal dele queria se manifestar, eles diziam para o Collor que estavam com ele, por que ele podia ficar, mas já tinham pulado, já tinham fugido do navio há muito tempo. Então nós pedimos uma lista, veio a lista, só um cara, naquela lista de 10, 12 pessoas, só um cara, um senador que andava de sandálias, chapéu de cangaceiro, esqueci o nome dele, um nordestino, nesse instante me falha o nome, só esse senador é que falou, só, ninguém queria falar, ninguém.Até que o espaço era correto, você dá um espaço, nós não conseguíamos fazer com que alguém falasse. Aí o Palácio pediu, eu não sei quem telefonou, não importa, o Palácio pediu, era justo. Ah, o Roberto Jeferson também se manteve fiel, Roberto Jeferson e esse cara. A partir de agosto de 1992, uma série de manifestações populares tomam as ruas do país pedindo a saída de Collor. Pacíficas e com forte característica de humor, as passeatas eram formadas, em sua maioria, por jovens estudantes, que ficariam conhecidos como “caras-pintadas”. Em uma dessas manifestações, os estudantes levaram cartazes com os dizeres: Anos rebeldes, próximo capítulo: Fora Collor, Impeachment. A frase faz menção á minissérie Anos rebeldes, da Rede Globo, que teria seu último capitulo apresentado na sexta-feira, 14 de agosto. No fim de semana, a Revista Veja, em sua edição número 1248, trouxe na capa uma foto da passeata, com o título: Anjos rebeldes: colegiais na rua pedem a saída de Collor16. Nesse momento em que os “caras-pintadas” apareciam com destaque na imprensa, o governo tentou criar um contraponto que demonstrasse algum apoio popular. A estratégia adotada, no entanto, revelou-se desastrosa (SKIDMORE, 2000, p. 38). A resposta da população veio no dia 16 de agosto de 1992, um domingo. O mais sensacional erro de avaliação de Collor foi o apelo feito em 1992 aos brasileiros para que demonstrassem apoio a ele trajando verde e amarelo, as cores nacionais. A reação foi espantosa: enormes multidões surgiram em todo o Brasil usando preto. (SKIDMORE, 2000, p. 38).
A queda começou a se concretizar com a finalização dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), em agosto de 1992: Na terça-feira, 25 de agosto, o senador Amir Lando, do PMDB, leu o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito, que em menos de três meses se reunira 35 vezes, ouvira 25 pessoas, e investigara 40 mil cheques, quarenta declarações de renda, noventa notas fiscais e a movimentação de milhões de dólares [...] O presidente aparece como passível de indiciamento em cinco crimes: prevaricação, advocacia administrativa, corrupção passiva, formação de quadrilha e estelionato. (CONTI, 1999, p. 653). 16
Disponível em: http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx. Último acesso em: 20 dez. 2012.
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No dia 29 de setembro, a Câmara dos Deputados, em sessão transmitida ao vivo por emissoras de TV, aprovou, com base no relatório da CPI, a abertura do processo de impeachment e o afastamento temporário de Collor da Presidência da República. Foram 441 votos favoráveis e 38 contrários (SOUZA, 2000, p. 143). Por fim, no dia 29 de dezembro de 1992, Fernando Collor de Mello apresentou sua carta de renúncia. Mesmo assim, o Senado Federal deu andamento a seu julgamento. Ao ser declarado culpado, Collor ficou proibido de exercer qualquer função pública até o ano 2000 (CONTI, 1999, p. 682).
O LEGADO Mas o que aquele episódio deixou como legado para a imprensa brasileira? De acordo com Roberto Pompeu de Toledo, a queda de Collor deu início a um novo momento no qual se intensificam as coberturas dos grandes escândalos ligados ao poder público. Aquilo foi um corte na história do Brasil, pois vínhamos da ditadura. Foi a inauguração de uma imprensa, eu iria chamar de investigativa, mas não sei se é investigativa, ela teve aspecto investigativo, mas, enfim, é uma imprensa denunciadora de escândalos, de escândalos de alto coturno, de escândalo lá da cúpula do poder. É o momento também que fixa um padrão de concorrência da imprensa em busca do seu escândalo. O prestígio dos jornais e das revistas fica vinculado à sua capacidade de denunciar escândalo, às vezes de uma maneira que leva a equívocos.[...]. A “Era Collor” fixou padrões, tanto para a política brasileira, quanto para a imprensa. Vinte anos se passaram e é uma coisa que ainda nos rege. Para Bob Fernandes, a principal fonte de aprendizado a ser considerada está nos erros cometidos ainda durante o período eleitoral. A primeira lição é o seguinte, deveriam ter feito antes, deveriam ter feito quando o cara era governador, se você foi fazer uma matéria do cara governador, você não pode só dizer que o cara era um “caçador de marajás”, você tem que dizer o que significa isso, em que contexto aquilo está, o que o cara estava planejando com aquilo, qual eram as suas intenções e o que ele estava escondendo, porque, por exemplo, quando nego faz as matérias para o Jornal do Brasil e Veja sobre o caçador de marajás, a concordata do PC Farias já estava sendo suspensa, já tinha sido suspensa, por quem? Pelos caras que dirigiriam depois Banco Central, Banco do Brasil e Caixa Econômica. Fernandes entende que a atuação da imprensa durante o impeachment não pode apagar os erros cometidos no período eleitoral. A imprensa roga-se um papel extraordinário. Na verdade, foi um papel tardio, em quase todas as redações, porque não fez o que deveria ter feito antes [....]. A
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lição ali é o seguinte: ali, a imprensa atuou tardiamente, depois, como ela é a imprensa, vendeu-se como a coisa extraordinária, fantástica, mas não foi. É só você pegar as capas do Jornal do Brasil de dois, três anos antes da eleição e as capas da Veja de dois, três anos antes e você ver os inúmeros telejornais e matérias sobre o caçador de marajás, você vai ver o que foi aquilo ali. Teve quem cobriu direito? Teve. A Folha fez um papel legal boa parte do tempo, teve um jornalista aqui, um jornalista ali, mas agora, na massa, não foi isso. Clóvis Rossi também abordou o tema em sua narrativa. Para ele, esta diferença entre a atuação da imprensa brasileira durante o período eleitoral e depois, durante o processo de impeachment, pode ser explicada pelos distintos contextos por que o mundo passava naquelas oportunidades. A eleição do Collor se dá quase que simultaneamente à queda do muro de Berlim. Uma boa parte da imprensa brasileira se dedicou quase toda a vida a combater o comunismo, tentar curar o comunismo internacional, “onipresente”, “oniciente”, “ameaçador” etc. e tal. Com a queda do muro de Berlim e o fim do comunismo, você não tem mais necessidade de combater o comunismo porque ele se autoimolou. Então, essa imprensa que tinha essa missão divina de combater o comunismo passa a ser jornalística simplesmente, passa a noticiar o que acontece, com limitações pelos interesses comerciais, ideológicos, posições ideológicas, que são legítimas e compreensíveis, você ser de direita, de esquerda, conservador, de cima, de baixo, enfim, o que você quiser ser, é tudo legítimo, desde que você não deixe que as suas posições tapem os fatos, como se fez na campanha de 1989 sem dúvida nenhuma. Então é difícil dizer se aprendeu alguma coisa, ou seja, se aprendeu que respeitar os fatos é o único caminho que o jornalismo tem para sobreviver, ou se coincidiu o fato de que deixou de ser necessário você combater o comunismo. Augusto Nunes também vê o período eleitoral de 1989 como fonte de ensinamentos valiosos. A militância jornalística é o maior veneno para uma cobertura, porque ela mata a verdade, lá nós aprendemos que o maniqueísmo é uma coisa de primitivo, você não pode tratar uma eleição como uma final de campeonato brasileiro, coberta por torcedores. [....]O Brasil ficou muito estranho, partido ao meio, como ficou no golpe militar, agora no golpe você tinha torturadores de um lado, militares de extrema direita, e do outro você juntava todo mundo que era contra isso. No meio dessa turma estava cheio de assassino também, como soubemos. Eram contra o governo e a favor do governo. No segundo turno de 89, contra o Collor, a favor do Lula. Era Palmeiras e Corinthians, Flamengo e Fluminense, desse jeito. Na sequência, Nunes resumiu o que achou da cobertura da imprensa. Na eleição a cobertura foi prejudicada pelo maniqueísmo. Não dá para analisar nada. Durante o governo foi bem. E no impeachment também, porque todos os órgãos de imprensa fizeram descobertas importantes, apuraram. Wianey Pinheiro, que, entre outros cargos, ocupou a direção do jornalismo da Rede Globo em São Paulo e foi o responsável pela supervisão dos telejornais da emissora durante a cobertura
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das eleições de 1989, segue a mesma linha de Augusto Nunes, porém, situa como a causa das distorções não a atuação dos jornalistas e sim a dos donos dos grandes veículos de comunicação do país.
A lição é a mesma ao longo do tempo: não acredito que seja um bom empresário um
empresário que faz do seu órgão de imprensa um instrumento para ganhar dinheiro senão através da noticia. O que é ganhar dinheiro através da notícia? É ter um órgão com independência do conjunto da empresa capaz de fazer com que o que se produz para entregar ao leitor seja uma coisa capaz de fazer ele ser fiel ao órgão [...] e ter consciência de que na hora em que ele lê um editorial, que ele não está lendo o que a redação pensa. Na hora de ler uma coluna, que ele não tá lendo o que o jornal pensa. Na hora de ler o noticiário ele está sabendo que ali é onde ele pode formar a opinião dele [...] é o noticiário que vai dar balizamento para ele achar o que é certo, o que é errado. Acho que essa é a lição sempre: noticia, noticia, noticia. Wianei completa mais adiante: Patrão inteligente deixa a redação produzir notícia, ponto. [...]. A minha critica aos grandes proprietários da imprensa brasileira é essa: se tivessem deixado fazer jornalismo direito com o Collor, teria se sabido quem é aquele Collor antes de ele ser eleito. O impeachment de Fernando Collor foi um importante momento da imprensa brasileira, tanto por expor seus méritos, como também suas fragilidades. O trabalho investigativo, a busca de fontes e informações exclusivas, que contribuíram com o processo que levou à queda do Presidente da República, não por acaso, suscitou comparações com Watergate, e o papel que as matérias assinadas pelos jornalistas americanos Bob Woodward e Carl Bernstein tiveram para a renúncia do presidente Nixon. Por outro lado, seria um erro fechar os olhos para os interesses que permeiam o fazer jornalístico e que, é claro, interferiram naquelas coberturas, como, de resta, interferem no diaa-dia da profissão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo como fio condutor as lembranças de Augusto Nunes, Bob Fernandes, Bóris Casoy, Clóvis Rossi, Francisco Wianey Pinheiro e Roberto Pompeu de Toledo traçou-se um painel com alguns dos acontecimentos marcantes relacionados ao período. É sempre bom lembrar que este estudo realiza-se sob a égide metodológica e conceitual fornecidas pelas Narrativas Orais de Histórias de Vida. Nesse contexto, a emergência do sujeito como protagonista da história não poderia ser ignorada. Admite-se, então, e compreende-se, que cada indivíduo possui características próprias, permitindo diferentes pontos de vista e maneiras singulares de refletir e se expressar.Nesse contexto, tem-se de antemão que não era pretensão desta pesquisa apresentar um pormenorizado histórico dos anos em que Collor esteve à frente da Presidência da República, ou mesmo chegar a “verdades” absolutas sobre este ou aquele episódio. O confisco da poupança, as denúncias de corrupção e o impeachment aparecem neste trabalho sob a
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ótica das narrativas dos jornalistas que protagonizam este estudo, mas que foram, no segundo momento, também deste pesquisador. O trabalho que se desenvolve sobre as Narrativas Orais de Histórias de Vida desses sete jornalistas já foi, pois, definido como aquele que ocorre a partir de um encontro de subjetividades, presentes tanto na figura do depoente, o entrevistado colaborador, quanto do próprio pesquisador. Há complexos interesses a interferirem no exercício do jornalismo. Seria um grave erro entender um órgão de comunicação, seja ele qual for, como um bloco homogêneo. Há, no seu interior, diferentes, e por vezes contraditórias, formas de agir e de pensar. Há seres humanos, enfim. Isso faz com que as tensões estejam sempre presentes, podendo permanecer menos ativas em determinados períodos e se intensificarem em outros. Entende-se, então, o desconforto que emerge de narrativas sobre o período. Ao ocupar cargos de chefias nas redações, ao jornalista cabe um papel intermediário entre os donos das empresas e os demais profissionais de imprensa a quem gerencia. O discurso é o da isenção, porém seu exercício diário é o da edição. Aliás, é curioso como essa função de editar está explicitada até na denominação de alguns dos cargos que compõe uma redação: “assistente de edição”, “editor”, “editor chefe” etc. Mas como já se afirmou aqui: é preciso fugir das simplificações e entender que são complexos os fatores que permeiam o exercício jornalístico. Ao acompanhar os relatos sobre as coberturas dos escândalos de corrupção, que levaram ao processo de impeachment de Collor, é possível constatar que mesmo os órgãos de imprensa que apoiaram o Presidente da República no momento da campanha, assumiram uma postura extremamente crítica algum tempo depois. Isso ocorre porque, no já citado conjunto de tensões a pulsar a prática jornalística, há também aspectos como a busca por credibilidade e a urgência de estar à frente da concorrência. É sintomático notar, por exemplo, como duas matérias de capa produzidas por um mesmo veículo, no caso a revista Veja, ilustram dois momentos distintos: no início de 1989, a capa: “Collor de Mello – o Caçador de Marajás” retrata bem a construção do personagem colocada em prática pela grande imprensa brasileira. Passados pouco mais de dois anos, em maio de 1992, outra matéria de capa, desta vez com o título: “Pedro Collor conta tudo” inverte os sinais, e coloca a publicação, diante da concorrência, na vanguarda do que se entende como jornalismo crítico e investigativo. A ISTOÉ já havia denunciado o envolvimento de PC Farias em negócios escusos desde o início do governo Collor, em 1990. No entanto, a força da fonte de Veja (o próprio irmão do presidente) e o momento pelo qual o país atravessava (a expectativa positiva da população nos primeiros meses de governo, havia já dado lugar à decepção com os destinos da economia e casos de corrupção) foram decisivos para a repercussão da matéria e a mudança de postura de outros veículos.
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A partir de então, tendo a sociedade como esteio, o que se viu foi uma busca pelo “escândalo da vez” conforme chamou a atenção Roberto Pompeu de Toledo ao analisar o comportamento da imprensa naquele momento final do governo Collor. Quem não estivesse contra o governo corria o risco de ver sua credibilidade manchada. Ao falar sobre o legado daquele período para a imprensa brasileira, acabam por fazer análises.A melhor forma de aprender seria, então, não mais repetir os erros colocados em prática durante, principalmente, a eleição de Fernando Collor. Naquela oportunidade, segundo a maioria das narrativas, uma série de interesses acabou por deturpar o que seria o ideal do trabalho jornalístico: a busca pela verdade. Do mesmo modo, o “mito da isenção” surgiu como aquela narrativa que sempre se repete, de diferentes formas, diversas vezes, e parecia então o “antídoto” capaz de fazer com que o leitor/telespectador pudesse ser informado, de fato, sobre o que ocorrera à sua volta.
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TELEJORNALISMO E ELEIÇÕES: O ENQUADRAMENTO DOS CANDIDATOS A PREFEITO DE CURITIBA NOS TELEJORNAIS LOCAIS NAS ELEIÇÕES DE 2012
Alexandro Kurovski Universidade Federal do Paraná
INTRODUÇÃO As eleições são o espaço e o momento no qual a participação da sociedade ganha amplitude e importância no campo político, uma vez que é nesse período que os cidadãos outorgam poder político aos seus representantes através do voto. Uma de suas principais características é justamente a intensificação da visibilidade social, tanto da política quanto de seus atores. Motivo pelo qual as eleições se constituem como um processo marcantemente midiático, onde sua proeminência termina por incorrer na efetivação do agendamento temático da política na sociedade (RUBIM, 2000). Nesse cenário, o telejornal ocupa um papel de destaque. Nas últimas décadas, a televisão impôs-se como o meio predominante de comunicação de massa e, por consequência, o telejornal desponta como uma das mais acessíveis fontes de informação política1. A política em si assume um caráter predominantemente visual, promovendo uma grande mudança no ser e no agir político, que são moldados estritamente pela e para a televisão. A tela firma-se como um novo espaço de disputa. Gomes (2004) explica que os meios de comunicação atuam dentro da lógica da visibilidade pública, na qual só circulam materiais e conteúdos segundo códigos característicos das instituições midiáticas que a controlam. Isso inclui desde a oralidade das mensagens até a movimentação de câmera, enquadramentos, adição de trilha sonora entre outras técnicas. A própria profissionalização das campanhas políticas decorre das exigências desse novo espaço, das especificidades de suas linguagens e também dos novos componentes que surgem nas sociedades ambientadas pela mídia, como as sondagens de opinião e a personalização da política. Do mesmo modo, ao selecionar acontecimentos, personagens, avaliar e criticar ideias e comportamentos ou simplesmente transmitir notícias, a mídia acaba por hierarquizar questões e 1
Vale a ressalva de que a política em si ocupa um espaço bastante restrito no tempo total dos telejornais, onde normalmente predominam as variedades e o entretenimento – como se verá nesta análise. Dizer que a TV é a fonte mais acessível de informação sobre questões políticas não significa, portanto, que ela seja a melhor nem a mais completa.
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produzir enquadramentos favoráveis ou desfavoráveis. Capacidade que revela o potencial da mídia em atuar, em certa medida, como instrumento de orientação política. Neste estudo, buscamos identificar os enquadramentos adotados pelos telejornais de Curitiba ao retratar os candidatos a prefeito da cidade durante o primeiro turno da campanha de 2012. A hipótese inicial de trabalho era de que o tema eleições receberia grande destaque nos telejornais locais durante o período de campanha e que os enquadramentos adotados ao retratar os candidatos tivessem isonomia, o que acabou não se confirmado na análise do material. O corpus do estudado é constituído pelas edições dos telejornais Bom dia Paraná, da Rede Paraense de Televisão (RPC) – afiliada à Rede Globo – e Paraná no Ar, da Rede Independência de Televisão (RIC) – afiliada à Record – exibidos entre o dia 10 de julho e 5 de outubro de 2012, período que compreende o primeiro turno de campanha das eleições municipais da capital paranaense. Os telejornais são exibidos em rede estadual, de segunda à sexta-feira, no período da manhã. Ou seja, são responsáveis por veicular as primeiras notícias locais do dia na televisão ou a repercutir com maior detalhamento fatos ocorridos no final do dia anterior. Ao todo, foram analisadas 128 edições de telejornal (64 de cada emissora), totalizando mais de 118 horas de gravações, a fim de elucidar aspectos do processo de produção dos noticiários e da cobertura das eleições pelos veículos de comunicação. O estudo utiliza métodos de análise quantitativa para exame dos dados. Para alguns autores é fundamental incluir medidas dessa natureza, já que a quantidade de tempo ou espaço dedicada a determinados enquadramentos é um aspecto importante da sua centralidade (PORTO, 2004). Os telejornais foram gravados durante sua exibição nos canais de origem e decupados em duas tabelas, uma contendo data, tempo total do noticiário, tempo destinado aos assuntos políticos e tempo destinado aos assuntos ligados diretamente a eleição; e outra contendo data, nome do candidato, tempo destinado a eventuais menções ao candidato no telejornal, a valência da menção, o formato, a retranca (assunto principal abordado). Sendo que o tempo é computado em minutos e segundos. Posteriormente foi constituído um segundo banco de dados com os totais gerais segmentados por períodos para verificar possíveis variações durante os meses de campanha. Também foram confrontados os dados dos dois noticiários para verificar possíveis diferenças e/ou semelhanças em suas coberturas.
ENQUADRAMENTOS NA POLÍTICA Um enfoque interessante sobre o papel dos meios de comunicação em processos políticos é o presente no conceito de enquadramento. Essa corrente de pensamento chama atenção para o fato
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de que, ao tratar de temas políticos, a mídia acaba incutindo valores e ideologias (principalmente dos próprios jornalistas) e isso acaba interferindo no relato dos fatos. Dessa forma, o conteúdo da mídia pode desempenhar um papel político e ideológico importante, não apenas quando existe ou fala, mas também quando este conteúdo é produzido a partir de uma matriz ideológica limitada (PORTO, 2004). Um dos primeiros autores a apresentar uma definição mais clara e sistemática do conceito de enquadramento foi Todd Gitlin (1980), segundo o qual: Os enquadramentos da mídia [...] organizam o mundo tanto para os jornalistas que escrevem relatos sobre ele, como também em um grau importante, para nós que recorremos às suas notícias. Enquadramentos da mídia são padrões persistentes de cognição, interpretação e apresentação, de seleção, ênfase e exclusão, através dos quais os manipuladores de símbolos organizam o discurso, seja verbal ou visual, de forma rotineira (GITLIN, 1980, p. 7) (citado e traduzido por PORTO, 2004, p. 80).
Há uma outra definição, porém, que sintetiza melhor os aspectos centrais do conceito e de sua aplicação na análise de conteúdo da mídia. Ela está presente em uma revisão sistemática dos estudos sobre enquadramento feito por Etman (1994). O enquadramento envolve essencialmente seleção e saliência. Enquadrar significa selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e fazê-los mais salientes em um texto comunicativo, de forma a promover uma definição particular do problema, uma interpretação causal, uma avaliação moral e/ou uma recomendação de tratamento para o item descrito (ETMAN, 1994, p. 294) (citado e traduzido por PORTO, 2004, p. 82).
Outras pesquisas investigaram o impacto dos enquadramentos da mídia nos entendimentos da audiência sobre temas políticos a partir de grupos focais. Algumas chegam a apontar que a mídia é um dos recursos disponíveis mais importantes, mas que as pessoas negociam suas mensagens de forma complexa, dependendo do assunto. Um dos problemas mais sérios dos estudos sobre enquadramento, segundo Porto, é o forte “indeterminismo conceitual”: o conceito é usado de diversas formas, com sentidos distintos e designando objetos diferentes. Isso acontece porque o conceito de enquadramento é bastante abrangente. Uma alternativa para os estudos é definir de forma mais clara os diferentes tipos de enquadramento. Usualmente, autores dividem em dois tipos principais de enquadramento que visam distinguir os enquadramentos que a mídia simplesmente “relata” daqueles que ela “impõe”. Porto os classifica como “enquadramentos noticiosos” e “enquadramentos interpretativos”. Sendo que o primeiro corresponde aos padrões de apresentação, seleção e ênfase utilizados por jornalistas para organizar seus relatos. No jargão dos jornalistas seria o “ângulo” ou “enfoque” da notícia, o ponto de vista adotado pelo texto noticioso que destaca certos elementos de uma realidade em detrimento de outros. Uma característica importante do enquadramento noticioso é o fato de que
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eles são resultados das escolhas feitas por jornalistas na elaboração das matérias, escolhas que têm como consequência a ênfase seletiva de uma realidade percebida. Já o enquadramento interpretativo se refere aos padrões de interpretação que promovem uma avaliação particular de temas e/ou eventos políticos, incluindo definições de problemas, avaliações sobre causas e responsabilidades, recomendações de tratamento, entre outras. Essas interpretações são relativamente independentes dos jornalistas e são promovidas por atores sociais diversos. Trata-se aqui de interpretações oriundas de um contexto mais amplo que podem ser incorporadas ou não pela mídia. Dessa forma, “O processo de enquadramento não é uma via de mão única através da qual as elites manipulam o público. Enquadramentos não se referem apenas a processos de manipulação, mas são parte de qualquer processo comunicativo, uma forma inevitável através da qual atores fazem sentido de suas experiências” (PAN; KOSICKI, 2001, p.60) (citado por PORTO, 2004).
A ausência de métodos sistemáticos para análise de conteúdo da mídia constitui um dos principais problemas dentro do conceito de enquadramento. Diante da complexidade das mensagens dos meios de comunicação se torna trabalhoso fazer uma análise e difícil evitar alguns erros. Para suprir um pouco essa debilidade o autor propõe uma classificação sobre a “forma” das mensagens televisivas. A presença ou ausência de mais de um enquadramento é um dos parâmetros usados para se fazer essa distinção. Assim, segmentos “restritos” são aqueles que incluem um único enquadramento interpretativo sobre um evento ou tema político, enquanto que segmentos “plurais”, por sua vez, podem ser subdivididos em “plurais-fechados”, onde um dos enquadramentos é privilegiado, e “plurais-abertos”, onde nenhum enquadramento é apresentado como mais válido ou verdadeiro. Finalmente, segmentos com uma forma “episódica” não incluem enquadramentos interpretativos, adotando um estilo mais descritivo de reportagem (PORTO, 2001 e 2002) (citado em PORTO 2004). Nesse sentido, a teoria do enquadramento fornece um aparato teórico bastante adequado para a análise do papel do telejornalismo nas eleições para prefeito em Curitiba. A partir dessas premissas, podemos verificar os enquadramentos adotados pelos noticiários ao incluírem notícias sobre os candidatos em sua programação. A identificação de diferenças de tratamento pode indicar o possível favorecimento de determinado candidato em detrimento de outros, da mesma forma que a ausência ou a baixa frequência de temas relacionados à eleição tendem a indicar um esvaziamento da discussão política no telejornal.
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AGENDAMENTO DE ATRIBUTOS Numa lógica bastante semelhante a observada nos contexto de enquadramento, Maxwell McCombs (2002), considera o fenômeno do agendamento de atributos como um complemento ao conceito de enquadramento. Em sua acepção, o enquadramento pode ser definido como a ideia central que organiza o conteúdo noticioso, fornece um contexto e indica sobre que assunto trata através do uso de seleção, ênfase, exclusão e elaboração. Termos nos quais o “enquadrar” significa selecionar algum aspecto de uma realidade percebida e torná-lo mais saliente num texto comunicativo, de forma a promover alguma definição do problema, interpretação causal, avaliação moral, ou mesmo recomendação de tratamento. Esse aspecto será bastante evidente na análise do telejornal exibido pela RIC, o Paraná no Ar, que assume um caráter predominantemente opinativo em seu conteúdo. Nesse caso o enquadramento aparece de forma bastante nítida e direta, diferente do que vamos observar no telejornal da RPC, o Bom dia Paraná, que assume características mais analíticas e onde o enquadramento surge de forma muito mais sutil na tela. Nos termos da saliência o enquadramento converge ainda com o agendamento de atributos, que se refere ao fato das pessoas tenderem a enquadrar objetos colocando vários graus de ênfase nas características de pessoas, nos temas públicos ou em outros objetos quando elas pensam ou falam sobre eles. Essa descrição pode variar desde atributos muito simples, como a idade da pessoa ou o local de nascimento, até atributos muito complexos como sua ideologia conservadora, muito presentes na cobertura jornalística. Não é a toa que rótulos amplos para esses atributos dos temas, para os candidatos políticos e para outros objetos, constituem a matéria prima das manchetes (McCOMBS, 2002). Em suma, a teoria do agendamento de atributos aprofunda o conhecimento sobre a influência dos meios de comunicação de massa. A convergência do agendamento de atributos com o conceito de enquadramento oferece novos entendimentos sobre a influência mantida por vários padrões de atributos encontrados nas notícias. Essas influências incluem um amplo conjunto de atributos que descrevem os vários aspectos de um objeto, atributos específicos que definem enquadramentos dominantes, e atributos específicos que funcionam como argumentos marcantes. As ideias de enquadramento e agendamento de atributos apresentadas aqui em linhas gerais constituirão o aparato teórico central na avaliação do papel do telejornalismo local nas eleições para prefeito de Curitiba.
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ENQUADRAMENTO DOS CANDIDATOS A PREFEITO DE CURITIBA NOS TELEJORNAIS LOCAIS NAS ELEIÇÕES 2012 Vimos que o enquadramento é uma forma de avaliar como se dá a relação mídia e política, ou seja, como a televisão, no caso, é usada como instrumento de poder e não como ferramenta de transmissão de informação de forma objetiva e imparcial. Se por um lado um candidato pode apresentar o mesmo número de inserções nos noticiários televisivos, por outro pode ter recebido menos tempo. Da mesma forma, tempos equivalentes não significam necessariamente equilíbrio, uma vez que as valências das inserções podem apresentar distinção. Além disso, para se obter uma análise mais clara é preciso levar em consideração também os temas abordados, já que um candidato, apesar de ter tido mais tempo ou aparecido mais vezes durante os telejornais, pode não ter sido privilegiado por isso. Esses são os aspectos que iremos explorar com o intuito de identificar quais foram os enquadramentos adotados por dois dos telejornais curitibanos ao mencionar/mostrar os candidatos à prefeitura da capital durante o período de campanha do pleito de 2012.
A COBERTURA DOS TELEJORNAIS LOCAIS Ao analisar a cobertura dos telejornais Bom dia Paraná, exibido pela RPC TV (afiliada à Rede Globo) e Paraná no Ar, exibido pela RIC TV (afiliada a Record) durante as eleições 2012 para prefeito de Curitiba sob a ótica do Enquadramento e do agendamento de atributos, poderemos verificar a possível existência de diferenças no tratamento dado às matérias que fazem referência aos candidatos. Para isso vamos levar em conta elementos como o tempo das matérias, o número de menções (aparições ou menções em reportagens, notas e/ou entrevistas), a valência do conteúdo (positivo, negativo, neutro). O Bom dia Paraná é exibido das 6h30 até às 7h30 da manhã e é composto por quatro blocos proporcionais com duração média de 10 minutos cada um. Descontando-se o tempo destinado aos intervalos comerciais, o telejornal matinal da RPC possui em média 48 minutos de duração. Com perfil mais analítico, o noticiário não emite opinião de forma explícita sobre as notícias que veicula. Líder absoluta de audiência na capital paranaense, a emissora possui os telejornais locais mais vistos pelos curitibanos. O Paraná no Ar, exibido das 7h30 até às 8h45 apresenta estrutura um pouco diferente. Além da duração média maior, 1 hora e 4 minutos (desconsiderando os intervalos comerciais), ele
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se divide em três blocos2 com duração desproporcional, sendo que o primeiro apresenta duração média de 35 minutos – podendo exceder os 40 minutos – e os dois últimos duram em torno de 15 minutos cada. De cunho mais opinativo, o telejornal da RIC é caracterizado pela exposição direta de opinião pelos apresentadores, que não se eximem em dar seu parecer sobre os fatos apresentados. A emissora disputa o segundo lugar em audiência local com a Rede Massa (afiliada do SBT, controlada pelo apresentador Ratinho, pai do candidato Ratinho Junior. Ao longo dos últimos anos as duas tem se alternado na vice-liderança3. O volume de notícias sobre política observado nos dois telejornais durante o período de monitoramento revela que o tema teve maior destaque no Paraná no Ar. No telejornal da RPC elas somaram pouco mais de 4 horas e 27 minutos em 13 semanas. O equivalente a 8,8% do tempo total das edições. Já no telejornal da RIC, a política ocupou 8 horas e 48 minutos no mesmo período, o que representa quase 13% do total. Foram consideradas como matérias políticas todas as inserções que normalmente são classificadas pelos próprios telejornais como de competência da editoria de política, tais como denúncias, atividades parlamentares, escândalos, partidos políticos, cargos governamentais, fatos relacionados às câmaras de deputados e vereadores, prefeitura, etc. Já como temas eleitorais foram classificados as reportagens sobre gastos de campanha, a quantidade e a preparação das urnas, o treinamento dos cidadãos que trabalhariam nas mesas de votação e de apuração dos votos, a propaganda nas ruas, jovens que vão votar pela primeira vez, idosos que continuam votando mesmo sem obrigação, sondagens de opinião, entre outros. Fatos relacionados à saúde, economia, educação, segurança pública e afins só foram computados como políticos nos casos em que a matéria fazia referência direta a responsabilidade governamental ou cobrava alguma tipo de atitude por parte dos governantes. Embora esses temas dependam diretamente da ação da administração pública, normalmente os enfoques adotados em ambito local se limitam a mostrar os problemas, sem estabelecer relações com a esfera governamental. Por serem telejornais estaduais, vale lembrar que o tempo destinado à política relacionado aqui não diz respeito apenas à cobertura da capital, mas contém registros de notícias com teor político de outras cidades paranaenses. Como o objetivo era, num primeiro momento, o de mensurar o tempo destinado à política como um todo dentro dos telejornais, optou-se por não se fazer uma distinção geográfica dos temas.
2
No decorrer do segundo mês de monitoramento houve uma mudança na estrutura do telejornal, que passou a contar com quatro blocos. No entanto, manteve-se a desproporcionalidade de tempo, com o primeiro bloco durando em torno de 30 minutos e os demais variado entre 7 e 15 minutos sem um padrão definido. 3 Dados do IBOPE (2012).
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No Gráfico 1 é possível visualizar a evolução do tempo por semana concedido aos assuntos políticos em cada telejornal durante o período monitorado:
GRÁFICO 1 – TEMPO DEDICADO AOS TEMAS POLÍTICOS POR TELEJORNAL POR SEMANA
Tempo Política
01:12:00 00:57:36 00:43:12 00:28:48
Bom dia Paraná
00:14:24
Paraná no AR
00:00:00 1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
Semana
Fonte: o autor (2012)
Os meses de julho, agosto e setembro de 2012 foram marcados pelo grande número de reportagens sobre as greves nas universidades federais, correios e bancos. Também foi dado grande destaque a situação da prefeitura de Londrina, que vivia um escândalo após a descoberta do envolvimento do então prefeito, Barbosa Neto, com um esquema de propina na aquisição de uniforme escolar. O vice-prefeito, José Joaquim Ribeiro assumiu a prefeitura de Londrina, mas logo foi também acusado de participação no esquema fraudulento. Foi preso e renunciou. Isso garantiu um espaço considerável da política londrinense nos dois telejornais, sempre com maior destaque no Paraná no AR. O gráfico 1 mostra bem o destaque que os temas políticos tiveram no telejornal da RIC. Que além do maior média de tempo absoluto, também apresentou a maior proporção de tempo dedicada à política em relação ao tempo total. No Paraná no Ar, nota-se um aumento gradual do tempo de política ao longo do período monitorado. Na última semana de setembro (12ª), porém, houve uma queda significativa, nesse tempo. Embora os temas políticos continuassem presentes em praticamente todas as edições, o tempo médio das reportagens diminuiu. Em parte porque não havia fatos novos e significativos nesse período, e também porque as reportagens sobre o escândalo na prefeitura de Londrina, que vinham recebendo relativo destaque, saíram da pauta após a renúncia de José Joaquim Ribeiro. Na semana que antecedeu a votação, os tempos de política registrados para os dois telejornais foram bastante próximos, fato que se deve pelo grande destaque dado aos preparativos para o pleito, as últimas pesquisas de opinião e repercussão dos debates realizados nas emissoras.
139
Considerando-se apenas o tempo dedicado ao tema “eleições” essa diferença entre telejornais se reafirma, principalmente a partir da 6ª semana (GRÁFICO 2), quando o Paraná no Ar passa a dar mais tempo ao assunto, ainda que com matérias genéricas, sem a participação dos candidatos. As eleições representaram cerca de metade das inserções sobre política veiculadas nos dois noticiários de TV entre Julho e a primeira semana de Outubro de 2012. No Bom Dia Paraná, foram 2 horas e 2 minutos (4% do total do telejornal e 48% do tempo de política), já no Paraná no Ar, foram 5 horas (7,4% do tempo total do telejornal e 54% do tempo de política). Isso demonstra que as eleições tiveram um relativo destaque em ambos os programas.
Tempo Eleições
GRÁFICO 2 – TEMPO DEDICADO ÀS ELEIÇÕES POR TELEJORNAL POR SEMANA 00:57:36 00:50:24 00:43:12 00:36:00 00:28:48 00:21:36 00:14:24 00:07:12 00:00:00
Bom dia Paraná Paraná no AR
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
Semana
Fonte: o autor (2012)
Essa análise preliminar de tempos evidencia os diferentes níveis de importância conferidos por cada um dos telejornais, tanto aos temas políticos quanto eleitorais. No mês de Julho falou-se pouco de eleições nesses noticiários. A partir de Agosto o tema apareceu praticamente todos os dias no Paraná no Ar, com média de duas inserções por edição e tempo médio de mais de 2 minutos por inserção. Já no Bom Dia Paraná, a média de inserções sobre eleições se manteve baixa durante todo o período. Foram registradas em média três inserções semanais, com média de um minuto e meio de duração.
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O tempo das matérias é um dos indicadores segundo os quais se pode inferir a importância atribuída ao tema pelos produtores dos telejornais. Normalmente os VTs4 comuns não chegam a dois minutos de duração, conforme as normas adotadas e preconizadas nos manuais de redação ou produção do telejornalismo. Por isso, quando esse tempo é extrapolado, há um forte indício de que o tema mereceu maior destaque. Na última semana, às vésperas da votação, como era de se esperar, o tema ganhou grande destaque em ambos os telejornais. Mas embora as eleições tenham recebido certa visibilidade durante o período de campanha, os candidatos em si tiveram poucas aparições. No telejornal da RPC foram só 3 minutos e 20 segundos para os quatro principais candidatos em todo o período. O equivalente à 2,7% de todo o tempo dedicado às eleições. No noticiário da RIC a participação dos candidatos foi consideravelmente maior, 39 minutos e 16 segundos, o que representa 13% do total de tempo das inserções de matérias sobre eleições. A aparente ausência dos candidatos no telejornal da afiliada da Globo se deve em parte pelas próprias determinações da rede. Essa constatação vai de encontro aos resultados obtidos por Miguel (1999), que verificou a ausência de temas políticos no Jornal Nacional durante a Campanha de reeleição de Fernando Henrique Cardoso para a presidência da república. Para o autor, a postura adotada pelo JN foi conivente com a estratégia do candidato Fernando Henrique. Ao eliminar de sua pauta questões importantes, o Jornal Nacional transmitiu uma visão distorcida da realidade brasileira e sonegou de seus espectadores dados relevantes para que eles fizessem suas escolhas políticas. Negando espaço para enquadramentos divergentes das questões públicas contribuiu para esvaziar o debate e, portanto, para degradar o exercício da democracia no Brasil. E o comportamento do restante da grande mídia brasileira foi semelhante (MIGUEL, 1999). O que se observou na cobertura do Bom Dia Paraná durante o período eleitoral para prefeito de Curitiba foi algo muito parecido. Além dos candidatos quase não aparecerem, suas participações nada diziam sobre seus planos de governo ou sequer forneciam informações que pudessem servir para aumentar o conhecimento sobre os concorrentes. No campo da cobertura política mais ampla, que compreende os escândalos do poder e os atos políticos, também não foi observado nenhum assunto significativo sobre a capital nesse período. As notícias relacionadas a cassação do prefeito de Londrina, e depois do curto mandado de seu vice, foram os únicos escândalos que mereceram destaque. A sucessão de notícias sobre o interior do estado criava a sensação de que tudo transcorria em ordem em Curitiba e que os problemas ligados ao poder estavam restritos ao interior do estado. 4
VT – Vídeo Tape: Equipamento eletrônico que gravava o sinal de áudio e vídeo gerado por uma câmera e indicado também para indicar a fita dos equipamentos mais antigos onde as matérias eram gravadas. No telejornalismo, convencionou-se usar a palavra VT para designar uma reportagem com sonora e passagem do repórter.
141
Apresentado o panorama da cobertura dos telejornais locais no período eleitoral, avançamos agora para a análise dos enquadramentos observados nos noticiários que compõem o corpus.
Enquadramento dos Candidatos no Bom dia Paraná Como já mencionado, os candidatos a prefeitura de Curitiba quase não apareceram no Bom Dia Paraná por determinação da própria Rede Globo às suas afiliadas. As únicas menções aos candidatos5 ocorreram durante a divulgação das pesquisas de intenção de voto. Foram divulgadas quatro pesquisas, totalizando quase um minuto de menção para cada candidato conforme indicado na tabela 1. A única exceção foi o tempo de Rafael Greca, que foi consideravelmente menor que o dos concorrentes. Isso se explica facilmente pelo fato de que Rafael Greca, por estar atrás nas pesquisas, não era cotado nas projeções para um segundo turno, portanto, sendo mencionado um número menos vezes durante as matérias. TABELA 1 – NÚMERO E TEMPO DE INSERÇÕES POR CANDIDATO BOM DIA PARANÁ (RPC) Candidato
Número de inserções
Percentual do total
Tempo das matérias
Ratinho Junior
5
25%
59s
Gustavo Fruet
5
25%
57s
Luciano Ducci
5
25%
55s
Rafael Greca
5
25%
22s
Total de
20
100%
Inserções Fonte: o autor (2012)
Além das quatro pesquisas, os candidatos foram mencionados apenas mais uma única vez no telejornal da RPC, foi na edição de 5 de outubro, durante a matéria que tratou do debate realizado na noite anterior. A reportagem se limitou a mencionar a realização do confronto ao vivo, sem exibir trechos editados do debate e sem fazer qualquer menção ao desempenho dos candidatos. 5
Foram sete os candidatos na disputa pela prefeitura de Curitiba em 2012, no entanto, a legislação eleitoral vigente não exige que candidatos sem representação no Congresso Nacional recebam o mesmo espaço na cobertura jornalística. A título de recorte, optou-se aqui pelo monitoramento apenas os quatro principais concorrentes ao pleito de 2012:Ratinho Junior, Luciano Ducci, Gustavo Fruet e Rafael Greca.
142
O número de menções de cada candidato, em todo o período analisado, foi o mesmo (TABELA 1). Cada um foi mencionado cinco vezes nas treze semanas. A diferença mais significativa ficou mesmo por conta do tempo menor dado a Rafael Grega, pelos motivos já explicados. Um olhar sobre as valências das citações, nesse caso, não acrescenta muito. Todas as inserções registradas se enquadravam como “neutra”. Ou seja, se restringiam a apresentar os dados das pesquisas e do debate sem incorrer em citações com avaliação moral, política ou pessoal sobre os candidatos. TABELA 2 – VALÊNCIA DAS INSERÇÕES / CANDIDATO – BOM DIA PARANÁ (RPC) Valência das inserções/ Porcentagem Candidato Positiva
Negativa
Neutra
Ratinho Junior
0
-
0
-
5
100%
Gustavo Fruet
0
-
0
-
5
100%
Luciano Ducci
0
-
0
-
5
100%
Rafael Greca
0
-
0
-
5
100%
Fonte: o autor (2012)
Os candidatos a prefeito foram retratados de maneira superficial no telejornal da manhã da RPC. Foi enfatizado o aspecto de “corrida de cavalos” da campanha com a divulgação apenas das sondagens de opinião.A baixa ocorrência de citações e ausência de variação nas valências inviabiliza a realização de testes estatísticos mais complexos. Nessa primeira perspectiva podemos considerar a cobertura eleitoral do Bom Dia Paraná como superficial, caracterizada por um enquadramento neutro, próximo tanto da isenção quanto da omissão. Telespectadores do Bom dia Paraná não receberam informações relevantes sobre os candidatos, sendo obrigados a buscar dados em outros noticiários, ainda que da mesma emissora. Nesse caso, não se confirmou a premissa de que o telejornal funciona como um importante disseminador de informação política, principalmente durante as eleições, pois quem assistiu apenas o noticiário matinal da RPC ficou alheio às propostas e planos de governo. Ainda que a ausência de enquadramentos significativos se justifique pelas restrições impostas pela Rede Globo às suas afiliadas, e também às limitações impostas pela legislação, fica
143
evidente a força das relações de poder dentro da própria emissora, e sua influência sobre a informação isenta e imparcial.
Enquadramento dos Candidatos no Paraná no AR No telejornal da RIC, a cobertura das eleições foi completamente distinta da apresentada por sua concorrente na mesma faixa de horário. Além do tempo maior dedicado aos candidatos e do maior número de inserções, o Paraná no Ar também apresentou maior pluralidade de valências, caracterizando enquadramentos muito mais consistentes, ainda que submetidos ao mesmo efeito restritivo da legislação. Juntos, os quatro principais candidatos tiveram 62 inserções no noticiário da manhã da afiliada da Record. Três vezes mais que as do Bom Dia Paraná. Gustavo Fruet foi o candidato que mais apareceu, com um total de 17 inserções. Seguido de Luciano Ducci, 16; Ratinho Junior, 15; e Rafael Greca com 14 aparições (TABELA 3). Embora Gustavo Fruet tenha tido maior número de menções, Ratinho Junior foi o candidato com maior tempo. A diferença foi de um minuto. Luciano Ducci teve 2 minutos a menos que Ratinho, e Greca menos três minutos (TABELA 3).
TABELA 3 – NÚMERO E TEMPO DE INSERÇÕES POR CANDIDATO – PARANÁ NO AR (RIC) Candidato
Número de inserções
Percentual do total
Tempo das matérias
Ratinho Junior
15
24,20%
11m 19s
Gustavo Fruet
17
27,40%
10m 20s
Luciano Ducci
16
25,80%
9m 15s
Rafael Greca
14
22,60%
8m 22s
62
100%
Total de Inserções Fonte: o autor (2012)
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Além das pesquisas de opinião, a RIC incluiu em seu noticiário fatos como a divulgação de um panfleto apócrifo, que envolveu Ducci, Ratinho e Fruet. Os gastos de campanha de cada candidato; a presença de Dilma Rousseff na campanha de Fruet e Ducci; a proteção recebida por Ratinho Junior de seu pai, o apresentador Ratinho; a agenda dos candidatos na última semana antes da votação; repercussão das entrevistas concedidas em outro telejornal da emissora com exibição de trechos editados; repercussão do debate realizado pela RIC também com a exibição de trechos editados; alianças políticas dos candidatos; entre outras. Todas as participações dos candidatos veiculadas no Paraná no Ar vinham também carregadas de juízo de valor, caracterizando maior diversidade de valências, na maioria das vezes determinadas pelas falas da própria apresentadora como no exemplo: Apresentadora: É minha gente, o tom da campanha mudou de vez sabe que aqui em Curitiba aquela coisinha do paz e amor foi embora, e agora quem se protegia começou a atacar. Você sabe que teve um artigo escrito pelo candidato Rafael Greca do PMDB, muito pesado batizado de o Rato e o Flautista que é a bola da vez. Reca foi pra cima do candidato ratinho Junior do PSC e diz no artigo que Curitiba sofre uma infestação de ratos que saem dos anais políticos e do bueiro das pesquisas e finaliza dizendo que é preciso chamar o flautista de Amelin. O que é estranho nessa história é que até agora o candidato do PMDB meio que protegia o caçula dessa disputa, o candidato Ratinho Junior (..) (Paraná no Ar, 26/09/12).
Essa constatação faz do Paraná no Ar um exemplo de telejornal constituído de esquemas explicativos normativos, conclusivos e moralizantes, definidos e simplificados, que possam servir de guia para ação, como descreve Aldé (2004). Dirigido a um público bastante diversificado, o noticiário da RIC ressalta o lado “feio” da política, dando destaque especial aos escândalos e falhas, que não se exime em criticar. Há até um quadro específico para isso, onde a apresentadora distribui “sapatadas” simbólicas aos corruptos e incompetentes do poder. Avaliando-se as valências, nota-se que, apesar do grande número de inserções, o candidato Gustavo Fruet não foi necessariamente beneficiado, uma vez que teve maioria de menções negativas (41,18%) e neutras (47,06%). Já Ratinho Junior, que teve o maior tempo no telejornal da RIC, apresentou grande número de inserções positivas (60%). Luciano Ducci também teve mais aparições positivas (31,25%) e neutras (43,75%), enquanto que Rafael Greca teve mais reportagens neutras (57,15%) e negativas (28,57%) (TABELA 4).
145
TABELA 4 – VALÊNCIA DAS INSERÇÕES POR CANDIDATO – PARANÁ NO AR (RIC) Valência das inserções/ Porcentagem Candidato Positiva
Negativa
Neutra
Ratinho Junior
9
60%
2
13,34%
4
26,66%
Gustavo Fruet
2
11,76%
7
41,18%
8
47,06%
Luciano Ducci
5
31,25%
4
25%
7
43,75%
Rafael Greca
2
14,28%
4
28,57%
8
57,15%
Fonte: o autor (2012)
Olhando o quadro de valências percebe-se um nítido enquadramento favorável ao candidato Ratinho Junior, que coincidentemente ou não, aparecia em primeiro nas pesquisas de intenção de voto. Luciano Ducci foi o segundo melhor avaliado, com predominância de inserções positivas e neutras, sendo que ele também era o segundo colocado nas pesquisas. Gustavo Fruet, em contra partida, foi menos valorizado pela predominância de aparições neutras e negativas. Enquanto que Rafael Greca, com grande número de participações neutras, foi retratado de forma menos tendenciosa. A produção do Paraná no Ar, visivelmente aderiu ao ritmo da “corrida de cavalos” pontuada pelas sondagens de opinião e reproduziu em sua programação as preferências apontadas nas pesquisas, ainda que de forma sutil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A televisão é ainda um meio de comunicação com grande impacto na sociedade. No Brasil ela predomina não só pela capacidade de penetração, mas por ser o veículo que mais recebe investimentos publicitários. O telejornal, por sua vez, aparece como um dos programas mais relevantes da televisão e de maior credibilidade. Os elementos e características próprias de um telejornal possibilitam aos apresentadores ou editores a transmissão de mensagens com o enquadramento e/ou seleção de acordo com o ponto de vista do emissor. Ao selecionar uma fala de uma sonora ou entrevista é possível escolher palavras positivas ou negativas, enquadrar um ponto de vista favorável ou desfavorável e usar dois pesos e duas medidas inserindo o “corte” ideal.
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Na pré-produção da matéria, quando é produzida a pauta, o pensamento e orientação podem estar explícitos na cobertura. Em muitos casos, o próprio repórter informa o entrevistado sobre o fato que quer repercutir usando uma carga de intencionalidade nas perguntas, sendo determinante no objetivo de captar uma resposta negativa ou positiva. A maneira como o texto é lido e as palavras utilizadas empregando expressividade, ênfase, entre outros, ou o uso de vocábulos com sentidos negativos ou positivos pode ser prejudicial ou desfavorecer fatos ou pessoas das quais se refere. Além disso, sabemos que a linguagem corporal do apresentador pode transmitir mensagens nem sempre condizentes com o texto ou com a carga opinativa. Se em um programa de entretenimento o objetivo é ter audiência, no telejornalismo existem outras demandas além dessa, como noticiar o inédito e divulgar o que é de interesse público, por isso, os recursos técnicos da edição também podem selecionar falas, imagens e colocalas de forma que tal objetivo seja cumprido. Os resultados da coleta de dados com valências negativas e positivas mostraram que algumas abordagens foram significativas no decorrer da campanha eleitoral em Curitiba. Notamos que o telejornal da RPC quase não mencionou os candidatos e que as fortes relações de poder que atuam nos bastidores tiveram um papel determinante para a ausência dos concorrentes no noticiário. Verificamos também que o telejornal da RIC teve um papel muito mais atuante na divulgação dos candidatos e planos e governo. A análise das valências das matérias revelou, porém, um enquadramento favorável ao candidato Ratinho Junior, que recebeu um grande contingente de matérias positivas e neutras, enquanto foi desfavorável ao candidato Gustavo Fruet, que embora tenha aparecido por mais tempo na tela, teve maior número de inserções negativas que os demais concorrentes. Este estudo traça um panorama bastante amplo da cobertura televisiva das eleições em Curitiba, revelando enquadramentos tendenciosos. Se por um lado o telejornal da afiliada da Globo se revelou omisso e alheio aos candidatos, por outro, o noticiário da concorrente não prezou muito pela busca da imparcialidade e isenção que se espera do jornalismo. Em meio a tantas pesquisas com olhares voltados para os grandes telejornais do país, o presente trabalho traz para o âmbito local os conceitos importantes e contribuiu, sem dúvida, para mostrar a dimensão prática das teorias. Obviamente a cobertura eleitoral feita pelas TVs locais merece ainda estudos mais aprofundados, que tentem responder qual a importância dos enquadramentos e qual seu grau de participação na escolha dos candidatos.
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Sabe-se que, quando se fala de eleições locais, a proximidade dos temas políticos e a proeminência de outras fontes de informação que não a televisiva (jornais, cabos eleitorais, conversas com vizinhos e familiares, contato mais próximo com os candidatos, etc.) tendem a diluir o peso da TV na disseminação de informação política e em especial eleitoral. Esse é um tema que merece ainda novas investigações, talvez mais focadas na questão da recepção, que possam trazer dados mais consistentes sobre o papel da televisão como meio de comunicação massivo em âmbito local. O estudo aqui realizado reforça o questionamento sobre a televisão e mostra que ela deve ser relativizada, principalmente quando se fala em eleições locais, onde perde força diante de outras fontes de informação e da própria proximidade dos candidatos e fatos políticos, que independe desse meio para chegar ao conhecimento do eleitor.
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A OLIGARQUIA PERDE O PODER: O PREÇO DAS SOMBRAS DO PASSADO! Daniela Rocha Universidade Metodista de São Paulo
AS PECULIARIDADES DA CIDADE DAS ROSAS Localizada na região Centro-Leste do Estado de São Paulo e a 150 quilômetros da capital paulista, Cerquilho é uma cidade interiorana povoada por 39.617 habitantes1, 94,83% residente na zona urbana e os demais 5,17% na zona rural. Deste total, segundo dados do último censo do IBGE realizado no município, 35.518 já são alfabetizados. O município conta com quatro veículos de comunicação impressos, sendo: o Jornal de Cerquilho, a Folha de Cerquilho, o Jornal Nossa Cidade e O panorama. Cidade com apenas 64 anos de história, graças à lei estadual nº 1440 datada de 19 de dezembro de 1944 e a emancipação datada de 3 de abril de 1949, que transformou o bairro tieteense em cidade de Cerquilho. Conta-se, inclusive, pelos moradores mais antigos de Cerquilho, que o crescimento da cidade deu-se com o desenvolvimento econômico promovido pela expansão ferroviária que fomentou a chegada de imigrantes portugueses, espanhóis e italianos ao município. Hoje, Cerquilho tem a economia municipal ancorada em 80% na atividade industrial, 10% na atividade comercial, 5% na agropecuária e 5% na prestação de serviços, destacando-se como um dos únicos municípios do Estado de São Paulo em que não possui favelas, tem 100% de abastecimento de água tratada, energia elétrica, 100% de esgoto coletado e tratado e vias públicas asfaltadas em toda a cidade. Tomando como base essa conjuntura municipal, analisaremos no presente estudo as estratégias e os desdobramentos do pleito eleitoral majoritário de 2012, em que o então ex-prefeito Aldo Sanson (PTB) pleiteara, pela quarta vez, o retorno ao Poder Executivo da cidade, tendo como adversário o Dr. Antônio (PSD), mais conhecido como Dr Tó. Vale ressaltar que desde a emancipação do município, em 1949, a cidade sempre contara com prefeitos que pertenciam ao mesmo
grupo
político,
ligados
ao
comando
industrial
e
canavieiro
da
cidade.
A ESCOLHA DO NOME Segundo o staff de campanha de Aldo Sanson, o nome do ex-prefeito foi sugerido nas eleições de 2012, uma vez que a atual administração não teria chances de reeleição, por parte dos eleitores, devido à resistência a continuidade de poderio político. Tais constatações foram pautadas 1
Dados do Censo 2010 do IBGE obtidos no www.ibge.gov.br/cidades
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por pesquisas quantitativas contratadas pelos financiadores da campanha antes da oficialização da campanha. De acordo com Bourdieu (2004): “A posição na estrutura das relações de força, inseparavelmente econômicas e simbólicas, que definem o campo da produção, ou seja, na estrutura da distribuição de capital específico (e do capital econômico correlato) orienta, por intermédio de uma avaliação prática ou consciente das oportunidades objetivas de lucro, as características dos agentes ou instituições, assim como as estratégias que eles acionam na luta que os opõe”. (p.31-32)
Nesse caso, a busca era se manter no poder, subsidiando o processo eleitoral do candidato escolhido pela coligação, na tentativa de descaracterizar a associação do poderio oligárquico a então administração municipal e aos empresários mantenedores, históricos, das campanhas na cidade. Assim, no dia 26 de junho foi lançada a coligação “Cerquilho a Caminho do Progresso” tendo como líderes o ex-prefeito e empresário, Aldo Sanson, e o farmacêutico e comerciante, Rodrigo Modanez. Já a coligação “Cerquilho para Todos” era encabeçada pelo médico Dr. Antônio (Tó) e o organizador de eventos, Izael Grando.
O START DA COMUNICAÇÃO ELEITORAL Cerca de um mês após a convenção partidária, o staff de campanha de Aldo Sanson formalizou a contratação de empresa especializada e responsável pela criação da identidade visual da campanha, além da elaboração de estratégias e roteiros para a propaganda eleitoral gratuita radiofônica. Nesse momento, a análise da pesquisa quantitativa se fez necessária, pois a conjuntura social e o imaginário coletivo da população merecia ser interpretado, já que: “O princípio da eficácia de todos os atos de consagração não é outro senão o próprio campo, lugar da energia social acumulada, reproduzido com a ajuda dos agentes e instituições através das lutas pelas quais eles tentam apropriar-se dela, empenhando o que haviam adquirido de tal energia nas lutas anteriores”. (BOURDIEU, 2004, p.25)
Desta forma, a identidade visual da campanha passou a ser discutida e a captação, a seleção e a programação dos roteiros dos programas eleitorais produzidos, concomitantemente. Optou-se por uma comunicação visual limpa tomada pelas cores vermelha e azul. O jingle fomentava a ideia de continuidade e de competência administrativa do candidato petebista, além de atrelá-lo à imagem do homem comum, digno, que não promete, mas que faz. Com o jingle pronto, a campanha era ancorada pelos seis carros de som da coligação, que ficavam diariamente rodando as oito regiões da cidade, além do cumprimento de agendas dos candidatos ora em escolas, ora em empresas e demais estabelecimentos. Com a ação “Aldo que fez... e vai continuar fazendo”, começou a ser incitado o contraponto entre a experiência e o risco, uma vez que Aldo Sanson representava ao imaginário coletivo dos cerquilhenses a experiência
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administrativa e o Dr. Tó poderia ser um risco à administração pública, já que não tinha conhecimento prático no assunto. Charadeau (2006) esclarece que: É preciso que o político saiba inspirar confiança, admiração, isto é, que saiba aderir à imagem ideal do chefe que se encontra no imaginário coletivo dos sentimentos e das emoções. Muitos pensadores o afirmaram e alguns grandes homens o colocaram em prática: a gestão das paixões é a arte da política. (CHARADEAU, 2006, p.80).
FIGURA 1 - Anúncio propagado em mídia convencional municipal e nas redes sociais do candidato. FONTE – Acervo do candidato (2012)
Os candidatos da coligação “Cerquilho para todos” também passaram a liberar carros de som enaltecendo os entraves jurídicos do ex-prefeito Aldo Sanson, além de utilizar-se de um dos quatro periódicos semanais da cidade, Jornal de Cerquilho, para propagar a mensagem de que o petebista era Ficha Suja, denotando o regresso que a cidade passaria ao eleger um candidato que não atendia às exigências da mais nova lei eleitoral nacional: a Ficha Limpa. Dentro dessa conjuntura é importante ressaltar que ficava nítida a aplicação da contrapropaganda, que segundo GARCIA (1986) é uma das estratégias de propaganda ideológica passível de utilização em um processo politico e eleitoral “A contrapropaganda, na prática, se concretiza através da emissão de mensagens, que associadas aos argumentos ou à personalidade dos adversários, despertam reações negativas”. (p.60)
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Vale salientar que dentro do campo político, Bourdieu (1989, p.15) esclarece como estrutura-se essa propaganda ideológica: “o que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das palavras”. A estratégia surtiu efeito! Na primeira semana de setembro, fez-se possível a análise conjuntural do município de Cerquilho, através de pesquisa de opinião, que apontava que 48,5% da população esperada por melhoria na área de saúde, 26,6% buscava novas oportunidades de emprego e cerca de 16% objetivava maior segurança pública. Nessa mesma pesquisa, o petebista aparecia com 21,9% das intenções de voto espontâneas, contra 30,1% do Dr. Tó. A discrepância era ainda maior na intenção de voto estimulada, onde Aldo aparecia com 30,9% e Dr. Tó com 42,2%. Apesar disso, a fidelização de votos era maior entre os eleitores de Aldo do que do Dr. Tó. 74,4% contra 67%, respectivamente. Entretanto, a rejeição de Sanson que era de pouco mais de 8% em junho, passou para 20,9% em setembro contra 16,3% do adversário Dr. Tó. As condições de argumentação podem ser consideradas em sua perspectiva persuasiva, isto é, não se trata tanto do desenvolver um raciocínio lógico com abordagem explicativa ou demonstrativa, que tende a elucidar ou a fazer existir uma verdade, mas de mostrar a força da razão. O desafio aqui não é o da verdade, mas o da veracidade: não o que é verdade, mas o que eu creio ser verdadeiro e que você deve crer verdadeiro. (CHARADEAU, 2006, p.101).
Creditou-se o aumento de rejeição de Sanson ao sucesso dos adversários, ou melhor, à veracidade das mensagens propagadas pelos que se utilizaram de ações de contrapropaganda que questionavam a idoneidade do candidato petebista. Nesse aspecto, Bourdieu (2004) nos rememora que o discurso difundido ora pelo Jornal de Cerquilho, ora pelos programas eleitorais radiofônicos, só surti efeito quando um crítico “exerce influência sobre seus leitores na medida em que estes lhe atribuem tal poder porque estão estruturalmente afinados com ele em sua visão de mundo social, suas preferências e todo o seu habitus”. (p.57) Sabendo disso, a manchete do Jornal de Cerquilho, datado de 7 de setembro de 2012, enaltecia: “O Tribunal Eleitoral adverte: voto sujo faz mal! Então vote certo. Vote limpo!”. Nessa matéria de capa foram comparados os nomes que faziam parte de cada coligação e o histórico administrativo-político de cada um. Além disso, o semanal de 12 páginas carregava no editorial daquele dia, um texto intitulado “Promessas falsas de um político que no passado agiu diferente” assinado, anonimamente, por A.B. O texto iniciava: “Gente! Como pode ter político cara de pau? Essa semana chegou à minha casa um jornal do candidato Aldo dizendo que vai fazer verdadeira revolução na saúde (...). Isso é lorota cabeluda, ele está subestimando cerquilhenses. Quem não fez em 12 anos fará em quatro? [...] Um político que foi condenado 5 vezes por improbidade administrativa, precisou de liminar para ser candidato a prefeito, merece sua
153 confiança? Queremos mudança, mudança para melhor, não queremos retroceder jamais”.
A nota explicativa na capa da mesma publicação, continha: “O Jornal de Cerquilho é um jornal independente como qualquer imprensa livre do país e tem a função e obrigação de publicar matérias de interesse público. Em se tratando de um pleito eleitoral democrático, é necessário que as informações cheguem a população, para que o eleitor tenha clareza da realidade dos fatos que ocorrem e ocorreram na circunstancia do município para decidirem a melhor opção para a escolha dos candidatos de Cerquilho. No mesmo sentido, as empresas sérias como a Rede Globo de Televisão e outras emissoras, também vem seguindo orientações do TSE, no sentido de alertar o eleitor para analisar os candidatos antes de depositar o voto na urna, recomendando insistentemente para que todos os brasileiros votem LIMPO e o Jornal de Cerquilho está na mesma linha. (grifo do periódico)
No transcorrer das demais dez páginas do seminário, matérias intituladas “Cuidado com promessas falsas, pesquisas fraudulentas e uso da máquina pública”, “Em 2008 “bandidos deitaram e rolaram” em Cerquilho”, “Sujeiras de um político que não respeita as leis e o dinheiro público”, “Em comício no bairro Parque Alvorada Izael se defende das falsas acusações”, fomentaram a discussão sobre o processo eleitoral e o passado político dos membros da coligação petebista, inclusive enumerando cada um dos cinco processos em andamento do candidato Aldo Sanson. A mesma edição continha, na página 9, no enunciado, “Jornal em busca de notícias sobre as eleições 2012 de Cerquilho”. O texto discorre sobre o intento da redação do jornal saber a opinião dos candidatos à Prefeitura de Cerquilho sobre a legalidade da propaganda eleitoral realizada em muros, prevista pela legislação eleitoral brasileira. De acordo com a matéria, não houve posicionamento por parte do comitê da coligação de Aldo Sanson “provavelmente, por terem sido multados por não respeitarem as leis eleitorais e os eleitores de Cerquilho”, referindo-se, nesse caso, às placas residenciais que estavam acima do tamanho exigido por lei. Entretanto, a coligação do Dr. Tó, ponderava: “Por vivermos num momento em que se prega a natureza, a não poluição visual e se propõe o Limpo, optamos então em não retroceder para não poluir os muros da cidade, pois entendemos que a pintura de muro é coisa do passado, e entendemos que os eleitores não querem mais esse tipo de propaganda SUJA”. (grifo da publicação)
A matéria discorria que os cavaletes explicativos com o plano de governo da coligação “Cerquilho para todos” serviam de atração aos candidatos às Prefeituras da região. “O candidato Tó está fazendo um trabalho inovador, apresentando as propostas de governos em cavaletes explicativos com seu plano de governo com uma ilustração fácil de entender e panfletos explicativos. Existem placas explicativas espalhadas nos bairros também”. A página era encerrada com 20 perguntas destinadas ao candidato Aldo Sanson que inqueriam desde as acusações de
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improbidade administrativa ao valor de patrimônio. De medidas administrativas em gestões passadas à escolha de membros de confiança, numa eventual vitória. Vale ponderar que para MELO (1994) nas publicações jornalísticas “A distinção entre a categoria informativa e a opinativa corresponde a um artifício profissional e também político. Profissional no sentido contemporâneo, significando o limite em que o jornalista se move, circulando entre o dever de informar (registrando honestamente o que observa) e o poder de opinar, que constitui uma concessão que lhe é facultada ou não pela instituição que atua. Político no sentido histórico: ontem, o editor burlando a vigilância do Estado, assumindo riscos calculados nas matérias cuja autoria era revelada (comments); hoje, desviando a vigilância do público leitor em relação às matérias que aparecem como informativas (news), mas na prática possuem vieses ou conotações.” (MELO, 1994, p.24)
A ausência de um meio de comunicação que contra-argumentasse com a mesma velocidade fazia a diferença. O processo de produção, criação, aprovação, impressão e distribuição de peças publicitárias era mais lento, obviamente, que a periodicidade instituída no Jornal de Cerquilho, uma vez que este caracteriza-se enquanto empresa jornalística antes do processo eleitoral, e também por isso possuía toda a engrenagem passível de utilização ideológica. Melo (1994) já vislumbrara após a derrocada, aparente, do período ditatorial brasileiro: “O fim da censura prévia constituiu um fator preponderante para que o jornalismo assumisse fisionomia peculiar – a de uma atividade comprometida com o exercício do poder político, difundindo ideias, combatendo princípios e defendendo pontos de vista. Nesses primeiros momentos da sua afirmação, o jornalismo caracteriza-se pela expressão de opiniões” (p.21)
Tratando-se de um processo eleitoral municipal marcado pela continuidade de nomes que representavam o mesmo grupo político e de que todos os ocupantes de cargos majoritários tomam, também, decisões que não agradam a totalidade civil, a contrapropaganda era intensificada e os números atestavam problemas. Além disso, o receio em contra-argumentar os adversários era muito presente, apesar dos 12% de aumento de rejeição no período de três meses mostrarem que o então ex-prefeito cerquilhense, Aldo Sanson, estava com a imagem pública manjada. Para Bourdieu (2004), essa postura é justificável por que: “Os dominantes têm compromisso com o silêncio, discrição, segredo, reserva; quanto ao discurso ortodoxo, sempre extorquido pelos questionamentos dos novos pretendentes e imposto pelas necessidades da retificação, não passa nunca da afirmação explícita das evidências primeiras que são patentes e se portar melhor sem falar delas”. (p.32)
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GERENCIANDO A CRISE DE IMAGEM Frente à conjuntura que era apresentada, uma nova estratégia de comunicação e de marketing deveria ser empregada. Num primeiro momento, a medida tomada foi chamar todos os membros da coligação para uma reunião que visara esclarecer os boatos que tomavam corpo na cidade. O candidato à Prefeitura de Cerquilho foi enfático: “Eu tenho tempo e vontade para isso! Quer fazer a melhor administração de Cerquilho e eu só conseguirei isso com o apoio de vocês”. Os pré-candidatos à vereança foram incitados a tomarem às ruas junto aos candidatos que pleiteavam o posto majoritário de Cerquilho e a nova estratégia passara a ser implantada no segundo final de semana do mês de setembro. Assim, teve início a nova estratégia eleitoral voltada à consolidação da imagem paternal de Aldo Sanson, enaltecendo que este quisera fazer ainda mais pelo cerquilhense e que era o único homem capacitado e preparado para proporcionar independência àquela sociedade. Schwartzenberg (1978) explica como essa manipulação acontece sem a percepção do público receptor: A autoridade paternal representa, em suma, o Superego político. Dela emanam os apelos à abnegação, ao sacrifício devido à pátria ou ao partido. Mas essa autoridade repressiva nada conseguiria se não encontrasse indivíduos dispostos a acolhê-la, por inclinação pessoal ou por condicionamento social. (SCHWARTZENBERG, 1978, p.90). De acordo com Charadeau (2006) essa estratégia eleitoral estimula o imaginário coletivo da população: Esse imaginário é sustentado pelos discursos que se referem a um mundo, atual ou em construção, onde o povo reina como responsável por seu bem-estar. [...] Três discursos correlatos se inscrevem nesse imaginário: o discurso do direito à identidade, o do igualitarismo e o da solidariedade. (CHARADEAU, 2006, p.227228).
As diretrizes estratégicas da campanha passavam a mudar de rumo e estavam focadas nas passeatas diárias nas ruas e nas carreatas aos finais de semana, afinal os eleitores tinham que ver, de perto, o candidato, a fim de terem a possibilidade de inqueri-lo, podendo assim desmentir os boatos na cidade. A ação estratégia culmina com as ponderações de Charaudeau (2006) “Isso faz com que ao espaço de discussão que determina os valores responda um espaço de persuasão no qual a instância política, jogando com argumentos da razão e da paixão, tenta fazer a instância cidadã aderir à sua ação” (p.19) A associação da imagem do jovem farmacêutico, Rodrigo Modanez, como “solução para a saúde”; a aplicação de treinamento aos cabos eleitorais e pré-candidatos, a fim de serem propagadas mensagens da coligação encabeçada por Aldo; os carros de som desmentindo, em tom emocional as acusações; a produção de informativo e de anúncio publicitário A Hora da Verdade, contendo as
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respostas às perguntas publicadas pelo Jornal de Cerquilho no dia 7 de setembro e a setorização de visitas por região com maior rejeição eram apontadas como ações que fomentariam a melhoria conjuntural. “O rigor da correspondência entre os dois espaços depende, sem dúvida, em grande parte, da intensidade da concorrência, quer dizer, antes de mais do número de partidos ou das tendências que comanda a diversidade e a renovação dos produtos oferecidos obrigando, por exemplo, os diferentes partidos a modificar os seus programas para conquistarem as novas clientelas”. (BOURDIEU, 2010, p.177)
FIGURA 2 - Anúncio veiculado na mídia convencional da cidade e nas redes sociais do candidato. FONTE - Acervo do candidato (2012)
Desta forma, spots e inserções radiofônicas foram liberadas às rádios e aos carros de som da coligação, esclarecendo aos eleitores a verdadeira situação jurídica de Sanson. Abaixo uma das mensagens que foram propagadas no início de setembro nas ruas da cidade:
Locutor: A justiça de Cerquilho determinou: Aldo é candidato a prefeito de Cerquilho!!! O Tribunal Regional Eleitoral determinou por 7 votos a zero que Aldo está apto para disputar as eleições de 2012! Sonora Aldo: Eu já havia falado para as pessoas que me perguntaram na rua e quem me conhece sabe que eu sou homem de uma palavra só: “só teria um jeito deu não ser prefeito de Cerquilho: se eu não ganhasse nas ruas! Juridicamente é impossível! Por isso, eu peço, mais uma vez, o seu voto de confiança, para que a gente consiga fazer a melhor administração que Cerquilho já teve! Locutor: Não seja enganado por esses políticos que jogam sujo e querem conquistar voto contando mentiras! Vote em quem já provou que construiu muito por Cerquilho! E vai construir ainda mais, com o seu
157 apoio. no dia 7 de outubro vote 14. Aldo Sanson e Rodrigo Modanez: esses a gente conhece e sabe que falam a verdade!
Propagando a ação “Jogo Sujo x Trabalho Sério”, praguinhas foram produzidas para endossar a irrelevância dos boatos jurídicos e administrativos, além da publicidade sob a vitória jurídica quanto à apreensão do Jornal de Cerquilho, após veiculação do dia 7 de setembro.
FIGURA 3 - Jornal O Panorama, 13 de setembro de 2012, página 3. FONTE – Acervo do candidato (2012)
A repercussão e a aceitação nas ruas eram crescentes. Conforme as passeatas diárias eram expandidas, os munícipes passavam a sair às ruas para cumprimentar ou mesmo inquerir o candidato que se mostrava desolado com as acusações, entretanto disposto a reverter a situação. E isso começou a acontecer. Com pouco mais de dez dias de mudança de estratégia de campanha, os números das pesquisas quantitativas de opinião eram mais animadores, apesar do ex-prefeito se manter em desvantagem. No voto espontâneo, 34,1% diziam preferir o Dr. Tó contra 30,3% de Aldo e 32,6% de indecisos. Já na simulação de voto estimulado, 43,5% preferiam Dr. Tó e 36,6% Aldo, tendo 15,4% de indecisos. Com relação à aprovação da máquina administrativa, 43,3% dos cerquilhenses consideram o governo ótimo/bom, 32,4% regular e 21,8% ruim/péssimo, sendo que um dos dados que mais chamada a atenção era o alto índice de desconhecido da população sobre a história do vice Rodrigo Modanez: mais de 50% da população afirmava não o conhecer. Também por isso, o jovem
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farmacêutico foi instruído a frequentar unidades de saúde da cidade com o coordenador da equipe de rua, membro ativo e popular na cidade de Cerquilho. Concomitantemente, as agendas eram expandidas e um clamor era criado com as passeatas. A briga jurídica entre as coligações não tinha limites, ao ponto de serem protocolados, num mesmo dia, mais de dez processos. Entretanto, os números que pareciam assustadores no início de agosto, passavam a dar um acalento, de instabilidade é verdade, nas semanas que antecediam o pleito. A última pesquisa aplicada no mês de setembro, mais especificamente no dia 29, apontavam na simulação de voto espontânea, 32,2% para Aldo e 31,1% para Dr. Tó, consagrando 32,2% de indecisos, que definitivamente, decidiriam a eleição.
AS SOMBRAS DO PASSADO SOB OS HOLOFOTES Na primeira semana de outubro, e última do processo eleitoral de 2012, a decisão crucial que permeou rumores no transcorrer de toda a campanha, teve que ser tomada. Existiam duas possibilidades estratégicas: associar a imagem de Dú Pilon à campanha de Aldo Sanson e Rodrigo Modanez, através de anúncio de jornal, além da produção do panfleto “É chegada a hora da decisão”, ou a não associação à máquina administrativa com a produção do jornal A Hora da Verdade 2, que retomaria e enalteceria respostas às acusações proferidas no transcorrer da campanha, além de incitar a adequação de discurso dos adversários, quando o assunto eram os melhores projetos para a cidade. A diferença estratégica de cada coligação para a execução do pleito 2012 também seria desmistificada. Entretanto, as pesquisas realizadas no final de setembro apontavam 61,8% de aceitação à imagem do então prefeito, sendo 46,2% de aprovação da então corrente gestão municipal e 37,5% dos entrevistados caracterizavam como regular o mandato de Dú Pilon. O mesmo levantamento apontava que 36,2% dos entrevistados qualificavam Aldo Sanson como o candidato mais preparado e 6,9% consideram Dr. Tó o candidato mais apto a comandar o Poder Executivo cerquilhense. Nesse momento, o então prefeito Dú Pilon mostrava-se mais maleável com a aparição na campanha de Aldo Sanson, já que o ex-prefeito e o então mandatário do município, já haviam tido divergências. Além disso, rumores afirmavam que ele esperava, ansiosamente, para que a situação ficasse em suas mãos, como aparentara. Essa conjuntura é facilmente interpretada com base às ponderações de Bourdieu (2010): “O campo político é pois, o lugar de uma concorrência pelo poder que se faz por intermédio de uma concorrência pelos profanos ou, melhor, pelo monopólio do direito de falar e de agir em nome de uma parte ou da totalidade dos profanos. O quer dizer, na maioria dos casos, do seu silêncio, mas também da força desse mesmo grupo, para cuja produção ele contribui ao prestar-lhe uma palavra reconhecida como legítima no campo político. A força das ideias que ele propõe mede-se, não como no terreno da ciência, pelo seu valor de verdade (mesmo que elas devam uma parte da sua força à sua capacidade para convencer que ele detém
159 a verdade), mas sim pela força de mobilização que elas encerram, quer dizer, pela força do grupo que as reconhece, nem que seja pelo silêncio ou pela ausência de desmentido, e que ele pode manifestar recolhendo as suas vozes ou reunindo-as no espaço”. (p.185)
A expectativa positiva quanto à aparição de Dú Pilon na campanha de Aldo Sanson e Rodrigo Modanez era grande por parte dos financiadores da campanha. Entretanto, a associação gerava receios ao staff que não se mostrava seguro para tomar a decisão. Assim, por orientação de um dos financiadores de campanha, a decisão a ser tomada partiria das interpretações dos últimos números de pesquisa, analisados por um dos proprietários do instituto de pesquisa que há anos atua com o grupo político. E assim foi feito. O panfleto “É chegada a hora da decisão!” encerrou a produção de peças publicitárias de Aldo e Rodrigo e o anúncio de apoio de Dú Pilon foi propagado. Em contrapartida, os candidatos Dr. Tó e Izael Grando optaram por mais uma edição do Jornal de Cerquilho, o qual trazia na capa a notícia do pedido de recolhimento do Jornal “A hora da verdade”, sob o argumento de “conteúdo ofensivo à pessoa do candidato Dr. Tó, incluindo até mesmo a sua esposa”, discorria a publicação. Mas apesar da notícia, nenhum material foi apreendido, uma vez que quando houve a determinação judicial, os jornais já haviam sido distribuídos. Analisando a diferença de posturas entre as coligações, é válido salientar que: “Trata-se de demonstrar que o conformismo está do lado da vanguarda e que a verdadeira audácia pertence a quem tem a coragem de desafiá-lo, mesmo correndo o risco de receber, assim, aplausos burgueses... Tal reviravolta do a favor pelo contra que não está ao alcance de qualquer burguês faz com que o intelectual de direita possa viver a dupla meia-volta que o reconduz ao ponto de partida, mas distinguindo-o (pelo menos, subjetivamente) do burguês, como o supremo testemunhado da audácia e coragem intelectuais”. (BOURDIEU, 2004, p.55)
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FIGURA 4 - Anúncio veiculado em mídia convencional e em redes sociais. FONTE – Acervo do Candidato (2012)
O retorno foi imediato nas redes sociais. Há dois dias do pleito eleitoral, a peça teve que ser tirada do ar, uma vez que as propagações e os detalhes quanto à associação de Aldo e Dú Pilon passaram a ser depreciados abertamente. No dia 6 de outubro, ou seja, no sábado que antecedeu a eleição, a cidade lia na página 4 do Jornal de Cerquilho matéria intitulada “Inauguração, parcerias & sombras!” O texto desacortinava as relações entre antigos membros do poderio cerquilhense, entre eles o ex-presidente do sistema de água e esgoto da cidade acusado de improbidade administrativa e o ex-prefeito e empresário William Nicolau.
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FIGURA 5 - Jornal de Cerquilho, 5 de outubro de 2012, página 4. FONTE – Acervo do candidato (2012)
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FIGURA 6 - Jornal de Cerquilho, 5 de outubro de 2012, página 8. FONTE – Acervo do Candidato (2013)
Na mesma publicação, o jornal mostrava o entrave vivido pela coligação “Cerquilho a caminho do progresso” que obteve o registro da candidatura, através de recurso decorrente de erros em atas partidárias. Além disso, a edição do final de semana eleitoral ensinava os eleitores ao método correto de votação, fomentando em matéria intitulada “Ficha Limpa: candidatos disputam eleição sem garantia de assumir”, as diretrizes da mais recente lei complementar eleitoral. “Assim, são condenados a promoverem revoluções parciais que deslocam as censuras e transgridem as convenções, mas em nome dos próprios princípios reivindicados por elas. É a razão pela qual a estratégia por excelência é o retorno às fontes que se encontra na origem de todas as subvenções heréticas e de todas as revoluções letradas porque permite voltar contra os dominantes às armas em nome das quais eles haviam imposto sua dominação e, em particular, a ascese, a audácia, o ardor, o rigorismo e o desinteresse”. (BOURDIEU, 2004, p.32-33)
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FIGURA 7 - Jornal de Cerquilho, 5 de outubro de 2012, página 6. FONTE – Acervo do Candidato (2012)
Ainda assim, a passeata programada para ocorrer no sábado que antecedia a eleição foi executada. Ao passo que a principal avenida comercial da cidade foi tomada por ambas as coligações equipadas com bandeiras, carros de som e material de campanha. Os membros da coligação de Aldo Sanson e Rodrigo Modanez pintaram os rostos com o número da legenda, 14, e faziam apitaço quando carros passavam comemorando a manifestação da coligação. Os membros da coligação do Dr. Tó e Izael também ateavam bandeiras e cantavam o jingle de campanha, além de, vez ou outra, minar o som dos adversários por meio de trio elétrico que trazia spots de contrapropaganda utilizados no transcorrer da campanha. Assim, no dia 7 de outubro de 2012, o resultado: Dr. Tó teve 12.422 votos, ou seja, 54, 80% dos votos válidos e Aldo Sanson teve 10.248 votos, 45,20% dos votos válidos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS O pleito de 2008 já apontava que a necessidade de mudança por parte dos cerquilhenses era notória. Na ocasião, apesar da pesquisa de opinião atestar diferença de mais de 15% do candidato Dú Pilon sobre o candidato Dr. Tó, a vitória de Pilon se deu graças à margem de 159 votos. Também por isso, a escolha de relançar o nome de Aldo Sanson em detrimento da reeleição de Dú Pilon.
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Entretanto, o candidato foi alterado, mas os financiadores e os membros do grupo político foram mantidos e enquanto a coligação “Cerquilho a caminho do progresso” receava atacar os adversários, estes aproveitaram a ampla divulgação sobre a Lei de Ficha Limpa, utilizando-se de um dos quatro periódicos da cidade para desvelar ora factóides ora veracidades que corroboram para a decisão do eleitor. Vale salientar que apesar de pequena territorialmente, a população de Cerquilho é altamente politizada, graças aos altos desempenhos e resultados educacionais do município, e também por isso, ao passo em que as denúncias eram feitas, nas páginas do Jornal de Cerquilho, eram rememoradas. Não há dúvidas que todas as ações de contrapropaganda foram focadas em desconstruir a imagem de bom administrador, adquirida por Aldo Sanson, já que a experiência do candidato frente ao concorrente era irrefutável. O desconhecimento da história de vida do jovem farmacêutico e candidato a vice, Rodrigo Modanez, também fez diferença. Porém, estranhamente, apesar da decisão do nome de Aldo ocorrer em detrimento da falta de força política e eleitoral do então prefeito Dú Pilon, a decisão de associação de imagem foi realizada e os 32% de eleitores indecisos, que decidiriam à eleição, decidiram: optaram pela derrocada das sombras!
REFERÊNCIAS BOURDIEU, Pierre. A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. São Paulo: Zouk, 2004. ________________. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz. 14ªed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. CHARAUDEAU, Patrick. O discurso político.São Paulo: Editora Contexto, 2006. GARCIA, Nelson Jahr. O que é propaganda ideológica. 6ª ed. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1986. MELO, José Marques de. A opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1994. SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. O Estado Espetáculo. Rio de Janeiro: Difel/Difusão Editorial, 1978.
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CARACTERÍSTICAS DO DISCURSO ELEITORAL NO FACEBOOK
Luciana Panke Universidade Federal do Paraná Jeferson Thauny Universidade Federal do Paraná
INTRODUÇÃO Pesquisadores e profissionais questionam-se sobre a eficácia e os formatos da comunicação eleitoral realizada pela Internet. Entre as diversas plataformas possíveis, está a utilização do Facebook que, atualmente, é a rede social online com mais usuários, contabilizando mais de um bilhão de pessoas conectadas. Mesmo tendo sido criado há quase 10 anos, em 2004, não há como afirmar que exista uma “gramática” para os textos publicados ali. Deste modo, quais seriam as características do discurso eleitoral veiculado nas páginas oficiais dos candidatos no Facebook? O capítulo pretende, assim, propor uma discussão sobre o tema, apresentando exemplos para ilustrar uma possível esquematização do discurso veiculado por esta ferramenta. Iniciamos aqui uma proposta de análise apontando os elementos discursivos próprios deste espaço com o intuito de orientar novos estudos. O discurso eleitoral apresenta algumas características peculiares como projeção do futuro ideal e a exacerbação de recursos emocionais. Conforme o local de veiculação do discurso há uma adaptação, devido ao formato, tempo e outros recursos disponíveis de linguagem, além do código linguístico. Partimos, agora para a especificação de cada um desses pontos aplicando as reflexões à veiculação no Facebook. Enquanto características linguísticas, o discurso dos candidatos apresenta uma característica mais personalizada: o candidato, aparentemente, aparece conversando com seu eleitor; usa verbos em primeira pessoa; há divisão entre o que supostamente seria escrito pelo candidato e o que seria publicado por sua equipe. Além disso, são textos curtos mesclados com outros elementos, geralmente imagéticos ou audiovisuais. Junto com a personalização, há a possibilidade de segmentação de público. Com isso, vemos, idealmente, a materialização de uma ligação simbólica entre os recursos linguísticos e os imagéticos. Está presente, portanto, o uso, de cores dos partidos, imagens positivas, emotivas e que representam liderança.
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A possibilidade de retroalimentação instantânea da comunicação é uma das características mais evidentes nessa plataforma. Uma postagem pode ser comentada por outros usuários e, consequentemente, respondida tanto pelo candidato quanto por outras pessoas que acompanham o perfil. Aqui cabe a ressalva em relação à postura dos candidatos e suas equipes: vários deixam os debates ocorrerem sem dar um retorno aos que comentam. Como a comunicação nesta plataforma favorece um contato mais horizontalizado, permanecer apenas com o lançamento de uma ideia e depois ignorar a repercussão pode indicar um uso limitado da ferramenta. Nesse sentido, os conteúdos veiculados no Facebook podem ganhar outras formas de visibilidade, apoio e propagação: são os “compartilhamentos” e os apoios manifestados pelo ato de “curtir” determinada mensagem. Enquanto as mensagens compartilhadas por amigos podem ganhar um curtir para mostrar que o conteúdo foi lido, em uma candidatura eleitoral, presume-se que o ato de um seguidor curtir determinado post significa apoio às ideias e à candidatura em si. Deste modo, pode-se conceituar como característica do discurso eleitoral no Facebook o fenômeno chamado de “índice de adesão”: apoios explicitados pelos apoiadores ao “curtir” conteúdo veiculado pelo candidato no Facebook. Por sua vez, o compartilhamento não necessariamente explicita um apoio, pois, como o conteúdo está disponível para qualquer usuário, pode, também, ser compartilhado por inimigos políticos para provocar críticas ou questionamentos. A possibilidade de compartilhamento, portanto, é uma das características desta plataforma, sendo usada tanto para apoiar quanto para denegrir candidaturas. Até metade de 2013, as hashtags1 eram usadas apenas no microblog Twitter, mas eram divulgadas também no Facebook. Há pouco tempo, iniciou-se a utilização do recurso também no FB. Em campanhas eleitorais, observa-se como um recurso para conseguir adesão, divulgar slogan de campanha e também para manifestar críticas aos adversários. Uma página no Facebook, além disso, é considerada uma central para distribuir conteúdo on e offline, conforme exemplos que veremos a seguir. É local de distribuição de material de campanha específico para o ambiente virtual como avatares2e covers3, bem como para outras peças gráficas (cartazes e santinhos), jingles, programas de televisão, de rádio, clipes, divulgação de entrevistas e outras participações midiáticas. Um candidato sem verba para produzir uma plataforma virtual própria, pode usar a página do Facebook como um meio de centralizar a campanha na web. 1
“Hashtags” são palavras-chave utilizadas na webantecedidas pelo símbolo "#", termos que marcam o assunto que está se discutindo em tempo real nas redes sociais. 2 “Avatar” é uma denominação para foto do perfil no Facebook. 3 “Covers” são imagens de capa para o Facebook. Imagens retangulares que ficam posicionadas atrás da foto de perfil dos usuários (ou avatar) e são visualizada por todos os usuários conectados quando acessam aquele perfil.
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Deste modo, o que apresentamos inicialmente como características do discurso eleitoral no Facebook são as seguintes: personalização, ligação simbólica manifestada por diversos códigos de linguagem, segmentação de público,compartilhamento e participação, eintegração entre candidatos e eleitores.
OBSERVAÇÕES NA PRÁTICA Para a realização deste trabalho, realizamos uma pesquisa exploratória por amostragem em páginas de candidatos eleitos em capitais das cinco regiões do país, pertencentes a partidos políticos distintos: no sul, o prefeito eleito de Curitiba, Gustavo Fruet (PDT); no sudeste, Fernando Haddad (PT) em São Paulo; no centro-oeste: Mauro Mendes (PSB) de Cuiabá; no nordeste, análise da campanha em Salvador, com ACM Neto (DEM); e, na região norte, o novo prefeito de Manaus, Arthur Virgílio (PSDB), sendo quetodas as campanhas eleitorais analisadas recorreram ao pleito de 2012. As fanpages4 oficiais de todos os candidatos foram analisadas durante o período eleitoral e nelas observamos, de maneira geral: quantidade e formato dos posts mais os códigos de linguagem possíveis de serem adotados naquela plataforma. Importante destacar que, sempre levamos em consideração, o cenário eleitoral de cada disputa. Assim, partimos para a contextualização das eleições em 2012 nas praças analisadas.
Região Sudeste – São Paulo/SP Fernando Haddad foi a aposta do PT para as eleições na capital paulista em 2012. Ainda desconhecido do eleitorado, o ex-ministro da Educação começou a campanha somando apenas 8% das intenções de voto, no entanto conquistou espaço durante o primeiro turno e alcançou 20% das intenções na última pesquisa do turno (UOL, 2012). Apesar do crescimento, Haddad ainda aparecia como o terceiro candidato, atrás do favorito José Serra (PSDB) com 24%, e Celso Russomano (PRB) com 23%. Contradizendo as pesquisas, Haddad ultrapassou o candidato do PRB no pleito e garantiu vaga no segundo turno contra José Serra, somando 28,98% dos votos válidos contra 30,75% do candidato tucano. Durante o 2º turno, o proponente petista conquistou a posição de favorito ao pleito, enquanto Serra decaia nas intenções de voto, levando o candidato do PT a vitória, com 55,57% dos votos válidos contra 44,43% do oponente.
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“Fanpages”são páginas específicas dentro do Facebook, direcionadas para divulgação de empresas, marcas, pessoas públicas, entre outros.
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Região Sul – Curitiba/PR Situação semelhante aconteceu em Curitiba, quando o então candidato Gustavo Fruet despontava como terceira força até a última pesquisa eleitoral, realizada pelo Ibope, na véspera do primeiro turno (UOL, 2012). Na época, os números revelavam 19% das intenções de voto no candidato do PDT contra 26% de Luciano Ducci (PSB) e 35% de Ratinho Júnior (PSC). A exemplo de São Paulo, o terceiro colocado superou as expectativas no pleito, garantindo uma vaga na disputa no turno final contra o favorito, no caso, Ratinho Júnior. Nova semelhança com SP é destacada quando o candidato Gustavo Fruet ultrapassou o favorito do primeiro turno e venceu as eleições, sagrando-se prefeito da capital.
Região Norte – Manaus/AM Forte oposicionista aos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente Dilma Rousseff, Arthur Virgílio (PSDB) conquistou o pleito em Manaus com ampla vantagem contra Vanessa Grazziotin (PC do B). Ex-prefeito da cidade, durante 1989 e 1992, Virgilio acumulou três mandatos como deputado federal e foi senador de 2003 a 2011, cargo do qual se licenciou para se dedicar à corrida eleitoral. As disputas na capital do Amazonas foram marcadas por várias denúncias e clima ríspido entre os candidatos, no entanto Virgílio confirmou as pesquisas e venceu a candidata comunista.
Região Centro-Oeste – Cuiabá/MS Liderança do início ao fim da campanha também foi um fato percebido na quarta capital analisada, Cuiabá, Mato Grosso do Sul. Mauro Mendes (PSB) foi eleito com 54,65% dos votos válidos no turno final contra Lúdio Cabral (PT), com 45,35%. As eleições, igualmente marcadas por ataques entre os candidatos, evidenciaram forte variação eleitoral, que embora confirmando Mendes sempre como favorito, demonstrou oscilações nas intenções de voto para o candidato, hora se aproximando de 50% das intenções no primeiro turno, hora caindo para 38% no mesmo turno (UOL, 2012).
Região Nordeste – Salvador/BA O embate em Salvador, Bahia, reuniu uma disputa entre dois grupos historicamente militantes em campos opostos da política no Estado, protagonizando uma das disputas mais acirradas entre as capitais brasileiras. A vitória de ACM Neto (DEM) contra Nelson Pelegrino (PT) marcou o retorno do grupo político do ex-senador Antônio Carlos Magalhães à capital baiana. Mesmo com a notória participação de lideranças do Partido dos Trabalhadores apoiando fortemente o candidato Pelegrino, ACM conseguiu manter a liderança das pesquisas e confirmou sua vitória ao
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final do segundo turno, atingindo 53,51% dos votos válidos contra 46,49% do candidato petista (UOL, 2012).
ESTRATÉGIAS UTILIZADAS PELOS CANDIDATOS NO FACEBOOK
1. Personalização do discurso Quando nos referimos à personalização discursiva, destacamos dois aspectos: o texto ser redigido em primeira pessoa e ser dirigido a um leitor único. Aqui, vemos um exemplo de redação voltada ao leitor, publicada na página de ACM Neto (DEM/BA): “Se você acredita que juntos podemos transformar Salvador, compartilhe com seus amigos!” post de 25 de setembro. O texto em primeira pessoa pode estar em imagens para compartilhamento, não apenas no formato meramente linguístico, como no exemplo demonstrado na FIGURA I, abaixo:
FIGURA I – PERSONALIZAÇÃO DE DISCURSO, ACM NETO (DEM/BA).
FONTE: https://www.facebook.com/acmnetooficial?fref=ts
Junto com textos mais personalizados – escritos em primeira pessoa e dedicadas a um leitor individual – há também popularização da linguagem. Mauro Mendes (PSB/MS) é um exemplo nesse quesito. O avatar de sua página é um coração – símbolo máximo emocional – com a expressão #tamojunto. A expressão tornou-se popular e traz o idioma escrito como se fosse versão oral. Apesar de usar o slogan “tamo junto”, o candidato tinha um discurso onde se colocava distante da população, como por exemplo, se referindo às pessoas como “o povo”. Por exemplo, o post de 22 de outubro: “Quem sabe realmente o que Cuiabá precisa, é o povo. Está próximo, junto, ouvindo, dialogando, é mais do que um dever, é uma grande satisfação, pois somente assim
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saberemos como vamos construir um novo caminho para a nossa cidade”. Aqui, ao contrário do que se recomenda em termos de personalização do texto, vemos um candidato distante da população e que se posiciona, de certa forma, como superior aos demais. O texto em primeira pessoa, indicando uma fala do candidato ao seu eleitor, pode gerar aproximação. Por sua vez, o material produzido pela equipe da campanha deve ser assinado em nome do grupo, para evitar que se crie a falsa impressão de falar com o candidato, quando, na verdade é outra pessoa quem publica. Um dos erros mais frequentes que vemos na utilização de perfis em redes sociais na internet é a manutenção da página sem conteúdos após o período eleitoral. Nos casos analisados, o prefeito eleito de Cuiabá, Mauro Mendes (PSB/MS), postou o último comentário no Natal de 2012, por exemplo. Para difundir trechos de debates realizados em TV com as frases mais relevantes, vários candidatos adotaram a criação de artes específicas, conforme vemos no conteúdo publicado em 27 de outubro pelo candidato Arthur Virgílio (PSDB/AM), na FIGURA II, abaixo: FIGURA II – PERSONALIZAÇÃO DE DISCURSO, ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB/AM).
FONTE: https://www.facebook.com/SouArthur45
2. Ligação simbólica Uma página eleitoral bem elaborada recorre à ligação entre diversos códigos de linguagem como cores, imagens e símbolos culturalmente conhecidos. Adotar as cores do partido na produção gráfica das peças e da própria página, reforçando os atributos relacionados faz como que se gere memorização. A FIGURA III abaixo, publicada em 27 de outubro na página de Mauro Mendes (PSB/MS), une as cores do partido, a linguagem popular no slogan, hashtag para compartilhamento e também o
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símbolo mundial de emoção: o coração. Além disso, a cor do partido no endereço da internet está em verde, o que pode significar relação de brasilidade entre as cores verde e amarelo.
FIGURA III – LIGAÇÃO SIMBÓLICA, MAURO MENDES (PSB/MS).
FONTE: https://www.facebook.com/agoraemauromendes?fref=ts
ACM Neto (DEM/BA), por sua vez, publicava fotos de locais simbólicos de Salvador, valorizando a cidade e a relação fraterna entre seus moradores. Além disso, no exemplo abaixo publicado em 27 de setembro, vemos a equipe promover o aplicativo da campanha, junto com um dos cartões postais da cidade.
172 FIGURA IV – LIGAÇÃO SIMBÓLICA, ACM NETO (DEM/BA).
FONTE: https://www.facebook.com/ACMNetoOficial?fref=ts
Neste tópico ainda destaca-se o uso de fotos, peças gráficas e textos curtos para gerar dinamismo. Conforme veremos adiante, a integração de plataformas é uma das principais atribuições de uma página no Facebook. É de suma importância ter a imagem principal do Facebook com informações que devem ser reforçadas durante a campanha: nome e número do candidato, partido, slogan e síntese do seu conceito. No exemplo a seguir, temos, além do próprio candidato, os principais avalistas de sua candidatura: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma Rousseff.
FIGURA V – LIGAÇÃO SIMBÓLICA, FERNANDO HADDAD (PT/SP).
FONTE: https://www.facebook.com/fernandohaddad13?ref=ts&fref=ts
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3. Segmentação O candidato Fernando Haddad (PT/SP) carregava o desafio de comunicar tanto a um público com forte identificação partidária, quanto a um público que simpatizava com o candidato sem necessariamente grande identificação com o partido. A possibilidade de segmentação de públicos foi explorada pelo candidato em algumas oportunidades através do Facebook, quando, por exemplo, dedicou um álbum de fotos na fanpage oficial para distribuição de material de campanha digital. O álbum “Você é Haddad? Escolha seu avatar e apoie” apresentou 98 opções de avatares que serviam a todo tipo de público, como explicitado na figura abaixo:
FIGURA VI – SEGMENTAÇÃO ATRAVÉS DE MODELOS DE AVATARES DISPONÍVEIS NA FANPAGE,
FERNANDO HADDAD (PT/SP). FONTE: http://www.facebook.com/fernandohaddad13
A FIGURA VI destaca 28 dos 98 avatares disponibilizados na fanpage do candidato, demonstrando uma grande variedade de opções que correspondiam a diferentes públicos de eleitores. As opções trabalhavam com elementos gráficos que variavam desde a imagem clássica da
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estrela vermelha do PT, presente no 2º avatar da linha 3, como soluções que nem sequer aplicavam a cor do partido, como as figuras 2 e 4 da linha 6. Destaque ainda para opções mais identificadas com elementos gráficos de luta e conquista, como a 2º da linha 7; linha jovem, 2º da linha 4; e ainda opções geeks, como o 3º elemento da linha 6, demonstrando possibilidade de manifestar adesão à campanha para diversos grupos de eleitores distintos. A segmentação por público, possível na customização dos usuários do Facebook, também foi visualizada na campanha de Gustavo Fruet (PDT/PR), principalmente quando convidava os seguidores a compartilhar imagens de apoio personalizadas de acordo com profissões, times de futebol ou convicções partidárias, conforme explicitado no álbum “Eu sou... e voto Gustavo Fruet 12 - Compartilhe!” destacado na figura abaixo:
FIGURA VII – SEGMENTAÇÃO ATRAVÉS DE MODELOS DE IMAGENS PARA COMPARTILHAMENTO DISPONÍVEIS NA FANPAGE, GUSTAVO FRUET (PDT /PR).
FONTE: https://www.facebook.com/gustavofruet
A Figura VII exibe 21 das 54 personalizações possíveis no álbum do candidato. A estratégia de segmentação desenvolvida na fanpage de Fruet abrangia várias profissões como “funcionário público, feirante, jornalista, médico, biólogo”, além de associações com os principais times de
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futebol da cidade: “paranista, atleticano e coxa-branca”5, aqui posicionados na linha 4, e identificações partidárias que compunham a coligação, como “petista e partido verde” na linha 6, demonstrando aderência do candidato a diversos nichos de eleitores. Ainda dentro dos álbuns disponíveis na fanpage do candidato para a capital paranaense, existiam opções de imagens prontas para divulgação de apoio, como modelos de covers para Facebook, capas para Twitter e imagens de “essa pessoa vota Gustavo Fruet” com seta para o perfil - quando compartilhada pelo eleitor a seta (na ponta esquerda, alto) apontava para a foto do seguidor, demonstrando apoio público desse para o candidato. A página de Fruet veiculou inclusive uma postagem explicando passo a passo como alterar a cover do Facebook, conforme Figura VIII, explorada no próximo tópico.
4. Compartilhamento e participação Necessário pontuar que a solicitação para compartilhamento de imagens de apoio aos candidatos e inclusão de elementos nos perfis não foi exclusividade de Fruet, sendo uma característica comum a maioria dos postulantes analisados, conforme complementos destacados na FIGURAVIII, abaixo: FIGURA VIII – MODELOS DE IMAGEM PARA COMPARTILHAMENTO E COVERS DE FACEBOOK.
AUTOR: (PANKE, THAUNY, 2013) COM BASE NAS FANPAGES DOS CANDIDATOS ANALISADOS. 5
Como são chamados popularmente torcedores dos principais times da cidade: Paraná Clube, Clube Atlético Paranaense e Coritiba Foot Ball Club, respectivamente.
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Geralmente as imagens apareciam dentro de álbuns que convidavam os seguidores a compartilhar conteúdo virtual, como o álbum “Personalize Suas Redes Sociais“ de Fruet (PDT-PR) e “KIT Militante Virtual” de Haddad (PT-SP). Destaque para a peça no canto inferior direito, presente no álbum do candidato petista em SP, que recorreu à linguagem moderna e jovem parodiando o famoso meme virtual “Keep calm andcarry on”6. Ainda utilizando o espírito colaborativo da web 2.0, principalmente no que se refere ao período pós-web (GOMESet al., 2009) da utilização da internet pelas campanhas eleitorais, que convoca e pressupõe “a participação dos internautas na produção dos conteúdos e nos procedimentos de difusão viral de informações e de mobilização.” (GOMES et al, 2009, p. 32), em 03 de outubro, a campanha de Haddad (PT/SP) convocou seus seguidores a participar de uma enquete no Facebook, questionando de que maneira os seguidores gostariam de ajudar São Paulo a vencer as eleições e eleger Haddad. A FIGURAIX, na sequencia, explicita os números obtidos com a pesquisa virtual: FIGURA IX – ENQUETE REALIZADA NA FANPAGE DO CANDIDATO, FERNANDO HADDAD (PT/SP).
FONTE: http://www.facebook.com/fernandohaddad13
Além de permitir interações e proximidade com o eleitor, a presença da enquete demonstrada na FIGURA IX permitiu aos profissionais envolvidos nas campanhas eleitorais do candidato a possibilidade de traçar estratégias alinhadas aos interesses dos seguidores, como divulgar local para retirada de material impresso (FIGURA X), dada a demanda de que 87 pessoas indicaram ter interesse em divulgar propostas no ambiente offline. Vale destacar que a pesquisas online realizada é uma ferramenta gratuita disponibilizada pelo próprio Facebook.
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Explicação do meme em http://super.abril.com.br/blogs/historia-sem-fim/conheca-a-origem-do-keep-calm-and-carryon/
177 FIGURA X – PEÇA CHAMANDO ELEITORES A PARTICIPAR NO ONLINE E OFFLINE, FERNANDO HADDAD (PT/SP).
FONTE: http://www.facebook.com/fernandohaddad13
A FIGURAX, publicada uma semana depois da realização da pesquisa divulgada na figura anterior (IX), revela peça solicitando aos seguidores que engrossem a campanha, buscando material de militância em comitês eleitorais para divulgação offline, expandindo a campanha online para ambiente fora do virtual. A utilização da fanpage virtual para encaminhamentos de divulgação offline foi mais uma tônica frequente percebida em outros candidatos. Arthur Neto (PSDB/AM), por exemplo, não somente divulgou locais e contatos para retirada de material de campanha como publicou constantemente sua agenda de passeatas, convidando os seguidores da rede social a participar das manifestações de rua em apoio à sua campanha. Outro exemplo vem de ACM Neto (DEM/BA), que divulgava fotos de apoiadores populares também passíveis de compartilhamento. Essas imagens, além de serem porta-vozes de determinada camada da população, serviam também como argumento, demonstrando que a candidatura possuía apoio popular, conforme FIGURA XI, na sequencia.
178 FIGURA XI – PEÇA PARA COMPARTILHAMENTO, ACM NETO (DEM/BA).
FONTE: https://www.facebook.com/ACMNetoOficial?fref=ts
5. Integração Outro aspecto percebido no estudo foi a integração entre várias redes sociais dentro da plataforma online, convidando os seguidores a participar também através de outras mídias digitais. Arthur Neto (PSDB/AM), ACM Neto (DEM/BA) e Mauro Mendes (PSB/MS) foram candidatos que divulgaram o Trendind Topics7 no Twitter dentro do Facebook, por exemplo, conclamando os seguidores a continuar utilizando as hashtags para que suas temáticas se mantivessem no foco da rede. Na divulgação das hashtags estavam os slogans das campanhas, como #tamojunto de Mauro Mendes (PSB/MS), ou o mote de ACM, que adotou a estratégia de “herói” popular com #defendersalvador. Candidato que apresentou uma das leis da propaganda política, segundo Domenach (2005), que é a exposição de um inimigo para ser combatido. Outro exemplo são os aplicativos para oferecer: foto, rádio, televisão e participação. Arthur Virgílio (PSDB) postou dicas de como editar a imagem do perfil inserindo tarja de apoio. ACM Neto (DEM/BA), um aplicativo no Facebook, cuja aplicação solicita que os dados do usuário sejam compartilhados. Atualmente, há apenas 100 usuários ativos, o que sugere não ser a melhor tática para se aproximar do internauta. Mauro Mendes (PSB/MS) apresentava diversas opções de conteúdo, conforme FIGURA XII abaixo, entretanto, quando acessado, o link “participe” aparece com erro, o que demonstra que não está mais ativo.
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“Trending Topics”é uma lista publicada em tempo real revelando os assuntos mais recorrentes no Twitter. Os assuntos são contabilizados através da utilização dehashtags (#) e nomes próprios. Para o caso especificado, Arthur Neto divulgava hashtags, como #ArthurNeto45.
179 FIGURA XII – INTEGRAÇÃO, MAURO MENDES (PSB/MS).
FONTE: https://www.facebook.com/agoraemauromendes?fref=ts
A utilização da rede social para disseminação de conteúdo eleitoral, convidando os seguidores a participar da campanha, naturalmente obedeceu a algumas aplicações previsíveis como pesquisas online, imagens para compartilhamentos e personalização inserindo elementos dos candidatos, utilizando ações facilitadas pelas ferramentas disponíveis na plataforma. Porém, o estudo também apontou algumas utilizações diferenciadas da rede. Arthur Neto (PSDB/AM), por exemplo, aproveitou a linha do tempo para divulgar ações realizadas antes mesmo da criação do Facebook, veiculando imagem datada de 1989 e foto de sua gestão nos anos 90, conforme FIGURA XIII, que evidencia trajetória política do candidato.
FIGURA XIII – TIMELINE DE ARTHUR NETO (PSDB-AM) COM IMAGEM DE 1990.
180 FONTE: https://www.facebook.com/SouArthur45
Outra utilização atípica foi veiculada na fanpage de Fruet (PDT/PR), quando o candidato divulgou o evento do Facebook “Votar Gustavo Fruet 12” com a data das eleições. Na página, convidava seus eleitores a participar do evento e colaborar com a campanha, divulgando para que seus contatos fizessem o mesmo. Tal estratégia, além de possibilitar ferramentas para que o seguidor colaborasse com a campanha, evidenciava o voto do eleitor em sua própria rede, demonstrando aos contatos do eleitor que ele apoiava Fruet. Neste item também pode-se classificar o processo de ancoragem da página para os demais conteúdos da campanha, como os programas do HGPE. Em várias páginas analisadas, o convite vinha a partir de textos curtos ou de imagens mais motivacionais, como no exemplo abaixo, publicado na página de ACM Neto (DEM/BA) em 15 de outubro. FIGURA XIV – DIVULGAÇÃO DO HGPE, ACM NETO (DEM/BA).
FONTE: https://www.facebook.com/ACMNetoOficial?fref=ts
CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo apresentou categorizações iniciais para a observação do discurso eleitoral na plataforma de veiculação Facebook. A destacada possibilidade da utilização da rede para aproximação do candidato com eleitor, permitindo a interação direta do postulante para com eleitor foi um dos principais campos explorados pelas campanhas analisadas. A presença nas categorizações propostas, como estudo inicial, da veiculação de mensagens que buscassem personalização do discurso, segmentação de público e ligação simbólica, e integração são exemplos da apropriação das tecnologias virtuais pelas campanhas eleitorais para estreitamento entre as
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esferas. Para tal aproximação, destaca-se ainda a recorrência a discursos voltados ao perfil da rede, como o uso de textos curtos, predomínio de imagens e chamada para outros conteúdos. Potencializada pelas características colaborativas do período Web 2.0, o fenômeno de integração do postulante com o eleitor, quando o primeiro conclama o segundo a participar da campanha através da produção de conteúdo, divulgação de material eleitoral ou ainda assumindo publicamente a identificação e voto exploram outras características da plataforma, como produção independente e possibilidade de que qualquer usuário possa se manifestar, contrapondo a rigidez dos meios massivos. A categorização envolvendo solicitação de compartilhamento e participação para divulgação de conteúdo é um exemplo da utilização das plataformas nesse sentido. A forte presença das redes sociais nas campanhas atuais (NORRIS, 2000) não pode ser ignorada nos planejamentos de marketing eleitoral, a necessidade de recorrer a mídias virtuais para fortalecimento de campanha eleitoral deve ser observada, principalmente quando evidenciada utilização do Facebook para distribuição de conteúdo on e offline, assim como repositório de conteúdo veiculado em outras mídias. A possibilidade de utilização de uma plataforma de abrangência nacional considerável, a um custo baixo de investimento, faz do Facebook uma mídia essencial para campanhas eleitorais e uma vertente a ser ainda mais explorada para as próximas eleições. Os apontamentos evidenciados nesse capítulo ainda se encontram em fase de categorização temática e início de estudos, conforme evidenciado anteriormente, no entanto apresentam indícios de investimentos nas mídias e retorno possível através da utilização de ferramentas simples, dispostas pela plataforma, ainda que de forma tímida. O trabalho inicial desenvolvido sugere aprofundamento de levantamentos sobre a mídia para as eleições, permitindo ampliação à categorização sugerida a outros municípios, tal como a verificação de novas classificações, a fim de engrossar os estudos sobre discursos utilizados nas tecnologias virtuais por campanhas eleitorais.
REFERÊNCIAS DOMENACH, Jean-Marie. A propaganda política. ebookLibris: 2005. <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/proppol.html>, 2005. Acesso em 10/01/2008.
Disponível
em
GOMES,et al. “Politics 2.0”. A campanha on-line de Barack Obama em 2008. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v17n34/a04v17n34.pdf>, 2009. Acesso em: 13.fev.2013. NORRIS, Pipa. A Virtuous Circle. Political Communications in Postindustrial Societies. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. UOL. Pesquisas eleitorais. Disponível em <http://eleicoes.uol.com.br/2012/pesquisas-eleitorais/>, 2012. Acesso em: 12.jun.2013.
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TECNO-GOVERNANÇA: A PROFUSÃO TECNOLÓGICA E O CONTROLE SOCIOPOLÍTICO Rose Mara Vidal de Souza Universidade de Vila Velha
INTRODUÇÃO O domínio da tecnologia sempre foi sinônimo de poder na civilização humana. As decisões que norteiam o nosso cotidiano são debatidas na esfera governamental influenciada por sistemas técnicos liderados por executivos, militares e cientistas. O progresso técnico e cientifico deriva de um sistema de coordenação e dominação. O sistema é desigual em sua origem, pois envolve o domínio dos meios tecnológicos de produção, nas mãos de uma minoria, e aqueles que dependem do sistema para tomar suas decisões. Como o problema está na base e não na relação, prescreve Marx (1996) que somente uma iniciativa contundente de transformação social irá reverter esse quadro. No entanto, a complexidade atual do sistema coíbe qualquer reação, pois a relação deixa de ser direta e afeta as noções de público e privado. Marcuse supõe que esse tipo de contenção seja, talvez, “a mais singular realização da sociedade industrial desenvolvida” (MARCUSE, 1967, p. 16). Assim o pensamento de neutralidade tecnológica não se sustenta, pois, não pode ser desvinculada do uso que a sociedade lhe dá. Temos como exemplo o caso da Bomba Atômica e o físico alemão Albert Einstein3 que em 1933, um ano após visitar universidades e instituições de pesquisas nos Estados Unidos, renunciou a seus cargos na Alemanha, onde os nazistas já estavam no poder, e fixou residência em território americano.
Durante esse período, o desenvolvimento de armas nucleares e as manifestações cada vez mais frequentes de racismo no mundo constituíram as principais preocupações de Einstein. Os físicos alemães Otto Hahn e Lise Meitner tinham descoberto como provocar artificialmente a fissão do urânio. Na Itália, as pesquisas de Enrico Fermi indicavam ser possível provocar uma reação em cadeia, com a liberação de um número cada vez maior de átomos de urânio e, em conseqüência, de enorme quantidade de energia. Fermi, que acabara de chegar aos Estados Unidos, e os físicos húngaros Leo Szilard e Eugene Wigner pediram então a Einstein que entrasse em contato com a Casa Branca. Ele escreveu então uma carta ao presidente Franklin Roosevelt em que alertava para o risco que significaria para a humanidade a utilização pelos nazistas da tecnologia nuclear na fabricação de armas de grande poder destrutivo. Logo após receber a mensagem, o chefe de estado americano
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deu início ao projeto Manhattan, que tornou os Estados Unidos pioneiros no aproveitamento da energia atômica em todo o mundo e resultou na fabricação da primeira bomba atômica (PEPE, 2012, p.03). Partindo deste pressuposto vimos que a evolução tecnológica se expandiu em proporções globais pela necessidade de oferecer noções de progresso, não respeitando as condições autorais e nem territoriais. Mesmo Einstein tendo fugido da Alemanha para os EUA com o intento de não ter seu trabalho usado para fins bélicos, suas pesquisas foram utilizadas na II Guerra Mundial (19381945). Assim, ao longo do tempo o uso da tecnologia a favor do poder é mostrado nas brechas da história humana. Destarte, este artigo pretende refletir sobre esta questão tão latente na sociedade atual, enfocando a governabilidade e o uso da profusão tecnológica no controle sociopolítico.
A QUESTÃO TECNO-CIENTÍFICA É inegável que a tecnologia tem mudado radicalmente nossa vida cognitiva, a ideia da ciência, dos métodos e lógicas nas sociedades (RIDLEY, 2001). A tecnologia sempre é vista como algo extraordinário, inovador e moderno pela sociedade. A palavra tecnologia vem do grego "tekhne" que signfica "técnica, arte, ofício" juntamente com o sufixo "logia" que significa "estudo". Levando ao conceito tradicional, tecnologia é um produto da ciência e da engenharia que envolve um conjunto de instrumentos, métodos e técnicas que visam a resolução de problemas. No entanto, existem muito mais por trás deste conceito e suas implicações na vida do humano. Segundo Lima (2007), as concepções de técnica como transgressão ou como um instrumento de libertação parecem atravessar a história: A antiguidade clássica, por exemplo, testemunha a convivência de uma noção técnica como transgressão – apoiada no sacrilégio da origem divina como roubo, no mito de Prometeu – com outra Aristotélica, que concebe a neutralidade da técnica a partir do modo artificial como a matéria é enformada (o que permite distinguir objetos naturais de artificiais) e que serve de instrumento para que o homem realize plenamente seu ser (LIMA, 2007, p.01).
Observa-se desde as tecnologias primitivas como a descoberta do fogo, a invenção da roda, a escrita, passando pelas medievais como os armamentos bélicos, prensa móvel e os instrumentos que facilitaram as grandes navegações até a Revolução Industrial (séc. XVIII) que afetou e rompeu com vários paradigmas humanos, que a ciência e a tecnologia partem da observação empírica e conhecimento da causalidade natural. Segundo Feenberg (2003), a tecnologia está relacionada com a utilidade. Grosso modo, observamos este fato no cotidiano. A televisão, por exemplo, desde sua invenção em 1920, evoluiu até aparelhos portáteis embutidas em celulares, ou mesmo tantos outros equipamentos que facilitam nosso modo de comer, vestir, pensar e agir, nos causando uma sensação de que “tudo ficou melhor e pode ser facilitado mais ainda”.
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A problemática da técnica moderna e da modernidade como a época da técnica é um tema largamente discutido por Heidegger em suas obras. Heidegger (2002) enfatiza que a técnica em si mesma (biogenética, parafernálias eletrônicas, energia nuclear, etc.) não é perigosa, mas o destino de desvelamento do ser que rege a técnica. “O que há, na verdade, é o mistério de sua essência. Sendo um envio de desencobrimento, a essência da técnica como armação (Gestell) é o perigo” (PEPE, 2012, p.124). Há uma dependência da máquina, criando uma nova ordem moral em que o indivíduo se torna pertencente ao espaço social em comunhão com a máquina, tecnologia, desenvolvimento, progresso. O indivíduo é chamado a participar dessa esfera social tecnológica. O Estado ao disponibilizar as informações por meio do portal eletrônico, assegura que o cidadão seja informatizado. Originalmente, a técnica era uma projeção da physis [“natureza”] e, em essência, portanto, muito mais um modo de ser do que pensar, o que ainda é a partir do momento em que passa a depender do que Heidegger chama de o matemático. Esse elemento do cálculo, o matemático, corresponde ao que, em relação à técnica, acabará sendo chamado de armação [Gestell], de modo que a técnica não é um problema em si mesmo, mas à essência (ou o sentido) da técnica de natureza histórica e filosófica a qual está ligada ao termo Gestell, que Heidegger nomeia de armação. Na visão de Heidegger, a técnica em si mesma (as máquinas, a energia nuclear, os computadores, a biotecnologia, etc.) não é perigosa, mas o destino de desvelamento do ser que rege a técnica. O que há, na verdade, é o mistério de sua essência. Sendo um envio de desencobrimento, a essência da técnica como armação (Gestell) é o perigo (PRADO, 2011, 112).
Esta crítica gera perspectivas acadêmicas como vimos anteriormente, principalmente após a II Guerra Mundial. Neste contexto Hannah Arendt examina as consequências da transição das ferramentas - subordinadas ao homem – às máquinas subordinadoras do homem. As frequentes queixas que ouve-se quanto à perversão de meios e fins na sociedade moderna, de homens que se tornam escravos das máquinas que eles mesmos construíram e são ‘adaptados’ às necessidades dessas máquinas, ao invés de usá-las como instrumentos para a satisfação das necessidades e carências humanas, têm suas raízes na situação fatual do labor. Nesta situação, Arendt (2005) analisa a condição do homem à luz do que ela considera as três dimensões da vida ativa, ou seja, atividades humanas: o labor, o trabalho e a ação. A primeira é o sustentáculo do processo biológico e que, consequentemente, garante a manutenção da espécie. Nesse sentido, é a atividade que mais aproxima o homem dos outros animais, e é atribuída ao Animal Laborans. No tocante ao trabalho, a filósofa diz que é a atividade que nos associa à artificialidade do mundo, à mundanidade. Ao contrário da primeira, não se preocupa com o ciclo vital, mas com a criação de artefatos e, paulatinamente, o engenho de objetos que intermediam a relação do homem com a natureza. Esta atividade é atribuída ao Homo Faber. No que se refere à ação, terceira e última dimensão das atividades humanas, Arendt pontua que é a única atividade exercida diretamente entre os homens, sem mediações das coisas ou da matéria. Trata-se, então, da condição política – bios politikos - dos
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homens, que abarca a liberdade enquanto competência para reger o próprio destino. A ação é, assim, condição humana fundamental, já que quando o homem cria organismos políticos, cria algo que o imortaliza, que ultrapassa a sua morte. A ciência busca o saber e a tecnologia o controle. Este “saber” está ligado ao homo sapiens (conhece a realidade, tem a consciência do mundo e de si mesmo) e o “fazer” ao homo faber (tem a capacidade de fabricar utensílios que transformam a natureza). Homo sapiens e homo faber são dois aspectos da mesma realidade humana. Pensar e agir são inseparáveis: o homem é um ser técnico porque tem a consciência e tem consciência porque é capaz de agir e transformar a realidade (LEE, 2009, p. 38). Se esses dois homos se complementam, como pensar que a tecnologia é apenas definida numa esfera física? Segundo Dusek (2006), existem casos que a tecnologia não usa ferramentas e nem máquinas. Ele cita como exemplo a tecnologia comportamental do psicólogo B. F. Skinner4 (1904-1990) sobre os seus estudos de condicionamento. Uma manobra relacionada é a inclusão geral da “tecnologia psicológica” como parte do aparelho motivacional das atividades tecnológicas, como o cântico nas sociedades de caça e coleta, ou várias crenças políticas nas sociedades industriais (propagadas pela propaganda, compreendida como um tipo de tecnologia por Ellul), apagando a distinção entre tecnologias e cultura com a inclusão de toda a cultura na tecnologia (DUSEK, 2006, p. 47).
Esta ideia é compartilhada por Mumford (1967) que considera a manipulação, orientação verbal ou interpessoal do comportamento sendo também uma espécie de tecnologia. Ele cita a “megamáquina” como sendo a mais antiga de toda a humanidade e que ainda resiste nos tempos atuais, claro com diferenciais. (pílula) Neste tipo idealizado por Mumford, a sociedade é regida por princípios contrários a uma visão humanística, as funções do governo delegadas em aglomerados imensos, uma máquina centralmente dirigida, onde, a longo curso, as pessoas passam a existir sem capacidade crítica, tornandose fracas, passivas e anseiam por um dirigente que “saiba” o que fazer. O pensador usa como exemplo a civilização egípcia ou o antigo império chinês. No Egito a figura do Faraó era a personificação de “deus” e governo. Esta massa homogênea de seguidores era separada por aqueles que realmente acreditavam no poder do Faraó (os egípcios) e os escravos (que por meio do poder coercitivo seguiam também a megamáquina). Em outras obras (1934-1941), Mumford advertiu que a sociedade tecnológica deveria entrar em harmonia com o desenvolvimento pessoal e as aspirações culturais regionais, ou seja, não poderia ser apenas mecanizado ou tecnicista, mas vivendo em uma sociedade que valorizasse o ser e suas particularidades. Não podemos exigir, por exemplo, de um indígena os mesmos anseios que um homem que vive em São Paulo. Ideia compartilhada por Foucault (1977) que fala sobre saber-poder. O poder que observa, investiga e que visualiza os detalhes, sabe também da necessidade de se sentir parte de um todo, inserido na sociedade como pertencente a ela. O saber-poder está nas mãos do sistema capitalismo que com a sutileza da tecnologia do poder, envolve a cúpula política que induzida e seduzida pelo fascínio do
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poder, leva a massa para onde for conveniente ao sistema. O discurso saber-poder é feito com base naquilo que os indivíduos querem ouvir conforme suas necessidades vitais e não naquilo que os indivíduos precisam saber para se libertarem das representações imaginativas.
GOVERNANÇA ALTERNATIVA Utilizando os conceitos de Mumford podemos exemplificar a megamáquina no livro homônimo “1984”, um clássico distópico do autor inglês Eric Arthur Blair, mais conhecido pelo pseudônimo de George Orwell. Um dos cernes da obra gira em torno da governança e o uso da tecnologia a seu favor. Apesar de ser uma obra de ficção nos motiva a uma reflexão realista sobre o funcionamento de uma sociedade midiatizada. Segundo Huntington (1965), governança é a competência do governo de praticar as decisões tomadas ou, em outras palavras, a capacidade de governo do Estado. Governança é transformar o ato governamental em ação pública, articulando as ações do governo. Ressaltamos aqui a diferença de governabilidade. O termo governabilidade é o conjunto de condições necessárias ao exercício do poder. Para Michael Focault (2004, p. 286), governabilidade no sentido de regulação do indivíduo é conceituada como o "conjunto das práticas pelas quais é possível constituir, definir, organizar, instrumentalizar as estratégias que os indivíduos, em sua liberdade, podem ter uns em relação aos outros". Assim, governar é tanto dirigir condutas individuais ou coletivas que envolvam poder e liberdade, conhecer é dominar. Como no passado a Igreja Romana conduziu o povo pela política dos detalhes dos “olhos de Deus que tudo vê” (FOUCAULT, 177, p.138), e dessa forma controlava todo Império, o Estado assume este papel do poder que vem evoluindo em técnicas cada mais sutis, sofisticadas, com aparente inocência, tomando corpo social em sua quase totalidade. Orwell na obra 1984, que foi concluída em 1948 e publicado em 8 de junho de 1949, enfatiza os riscos e consequências que uma sociedade sob um governo totalitário causa na sociedade. Através da expansão tecnológica no contexto, o governo controla o movimento e vocabulário de todos os habitantes da Oceania, país fictício no livro. Enfim, o governo autoritário manipula a grande massa de acordo com seus interesses, sendo uma máxima fictícia recortada para a realidade no conceito de governança e governabilidade. Podemos transpor esse recorte fictício para a realidade apresentada no Brasil, especificamente no cenário de crise da segurança pública no estado de São Paulo. O governo de Geraldo Alckmin (PSDB) após a série de ataques entre a Polícia Militar e criminosos está com problemas de governança. Pois os métodos tecno-científicos empregados até agora pela Polícia do Estado de São Paulo parece não surtir efeitos. Assim, dia 1º de novembro de 2012, quase um mês após o início dos ataques de violência em SP, os governos federal e de São Paulo decidiram atuar juntos para conter a onda de violência que atinge o estado. De acordo com a Agência Brasil (on line) subiu para 89, o número de policiais assassinados no estado de São Paulo este ano. O total de
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policias militares mortos de janeiro a outubro já é 57% maior do que em todo o ano passado, quando foram registradas 56 mortes. No entanto o acordo só foi firmado depois da troca de acusações entre os dois governos sobre a situação da segurança pública em São Paulo. Veja a tabela com a média de assassinatos em São Paulo: Ao aceitar a ajuda do governo Federal, Alckimin afirmou que o governo enfrenta dificuldades com a onda de violência. "Nós reconhecemos as dificuldades que estamos passando e vamos nos empenhar de forma redobrada neste trabalho", disse Alckmin em entrevista ao portal UOL5. Outra consequência foi a queda no índice de aprovação do governo Geraldo Alckmin (PSDB), segundo pesquisa do Datafolha: O índice de paulistanos que consideram o governo ótimo ou bom caiu de 40% em setembro deste ano para 29% na última quinta-feira. Nesse período, o percentual dos que avaliam que a gestão é ruim ou péssima subiu de 17% para 25%. O governo é regular para 42% -esse índice era de 40% há dois meses. A avaliação de Alckmin no quesito segurança é pior do que a do então governador Cláudio Lembo durante os ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital) em maio de 2006, quando 154 pessoas morreram em oito dias. Para 63%, a atuação do governador na área de segurança é ruim ou péssima. Em 2006, 56% tinham essa mesma avaliação sobre Lembo. O índice de 63% é o maior desde 1997. Há 15 anos, quando Mário Covas (1930-2001) governava o Estado e os homicídios passavam por uma explosão, 57% classificaram a atuação dele na segurança como ruim ou péssima (PORTAL UOL, 2012, on line).
Este índice de reprovação somatiza a perda da governança de Alckmin. A crise gerada por esta lacuna pode levar ao fracasso da governabilidade, pois uma boa governança pode aumentar a legitimidade que um povo confere a seu governo, aumentando, assim, a governabilidade do mesmo. A inoperância do Estado frente ao uso das tecnologias, onde o departamento que é responsável por pensar em formas de combater a violência e criminalidade utiliza apenas o poder coercitivo, sem usar o sistema de inteligência. A visibilidade da facção criminosa PCC não é surpresa, pois fora dos períodos eleitorais, não há representação política reconhecida na periferia que dê voz aos que se encontram na linha de fogo. Não é surpresa que "a sigla" ameace ocupar esse espaço, utilizando a Megamáquina (manipulação, orientação verbal ou interpessoal do comportamento), mecanismo este, que o governo de São Paulo perdeu o controle. A mídia ao inserir na sua programação nacional, recortando para cena da novela das 21 horas (maior índice de audiência) está legitimando a megamáquina, condicionando seus telespectadores a entenderem que a governança do Estado funciona ou não. Os ônibus incendiados, os assassinatos, depredação, toque de recolher, tudo foge do controle do Estado, que teoricamente teria que regular estas condutas para não causar desordem. Este pensamento vai ao encontro aos conceitos de Thomas Hobbes (2002, p. 127-128) quando nos diz que mesmo com as leis naturais existentes e que cada indivíduo respeita quando da vontade de respeitar e poder fazer isso com mais segurança: "se não for instituído um poder
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suficientemente grande para nossa segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade, como proteção contra todos os outros". Aqui observamos que o Estado deve utilizar o poder para regular a segurança dos indivíduos em sociedade, se este se sentir privado deve procurar outro poder, no caso o PCC. O OLHO QUE TUDO VÊ OU QUE QUER SER VISTO O uso da tecnologia “tradicional” pelo estado, como exemplificado no livro 1984, onde previa teletelas espalhadas por todo território da Oceania (território esse que conta com um governo nos moldes de socialismo totalitário). As teletelas, que são os olhos do Big Brother, ou seja o sistema personificado em uma figura masculina, são uma espécie de televisão, que ao mesmo tempo que transmitem informações, também são responsáveis por capturar áudio e vídeo de quem passa por elas. Assim sendo, todos os seus movimentos são vigiados. Agir diferente ao sistema é crime. Na sociedade contemporânea vivenciamos de uma certa forma isso também. O dispositivo panóptico, descrito por Michel Foucault (1977) em Vigiar e Punir constitui uma ‘máquina’, idealizada por Bentham no século XVIII, cuja arquitetura é formada por uma torre central e uma construção circular periférica. Nesta se encontram indivíduos a serem vigiados – prisioneiros, loucos, escolares, trabalhadores, isolados em células, formando “uma coleção de individualidades separadas” – enquanto naquela se encontram os vigias. As salas da construção periférica são determinadas por janelas externas (por onde entra a luz) e por janelas internas (frente à torre central). E é justamente essa a eficiência do dispositivo panóptico: “ver sem ser visto”; à torre é possível ver tudo o que acontece no prédio externo, ao passo que este nem sabe se é, ou não, vigiado. “A visibilidade é uma armadilha”. Somos vigiados a todo momento, na escola, nas ruas, no trabalho, seja por câmeras, por gravadores e por outros indivíduos (policiais, monitores, seguranças, etc). Segundo a ONG Observatório da Segurança nos EUA está em andamento o projeto (US$ 2,1 bilhões) de construção de muro virtual contra imigrantes, formado por sensores, câmeras e outros equipamentos eletrônicos, com o objetivo de aumentar a vigilância nos seus 12 mil km de fronteira comum com o México e o Canadá. O jornal Folha de São Paulo divulgou que a cidade de Londres é uma das mais vigiadas do mundo, pois conta com cerca de 4,2 milhão de câmeras nas ruas. Em todo o Reino Unido há uma câmera para cada 14 habitantes. No Brasil, as estatísticas nesse setor são pouco confiáveis. Por exemplo, o IBGE calcula, para o ano de 2005, a existência de 400 mil pessoas empregadas em empresas legalizadas de segurança privada: escolta armada, segurança patrimonial, transporte de valores, segurança pessoal e cursos de formação. Calcula-se que a cada trabalhador de segurança empregado em empresas legais há em torno de 3 em empresas não registradas.
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Calculando por cima, isso pode representar algo em torno de 2 milhões de pessoas empregadas no setor. Se calcularmos o número de policiais que atuam no Brasil, segundo dados do Ministério da Justiça, que gira em torno de 483 mil profissionais e de guardas municipais que é em torno de 38 mil profissionais, teríamos, num dado evidentemente subestimado, mais de 3 milhões de pessoas empregadas em serviços de segurança, ou seja, uma pessoa armada para cada grupo de 63 brasileiros. Por baixo isso significa que, apenas nas mãos de pessoas ligadas diretamente com a segurança, sem contar os guardas de presídio, os promotores públicos, juízes e militares, existem 3 milhões de armas de fogo, cujo controle está longe de ser efetivo. Em matéria de 21/05/2006, a Folha de São Paulo revela que as classes médias estão gastando 113 dias de trabalho apenas para pagar despesas com saúde, educação, previdência privada, segurança e pedágio, segundo estudo do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário). Esses gastos representavam nos anos 1970 algo em torno de 7% da renda familiar. Em 2006, comprometem 31% do total do orçamento. Na média da população brasileira, o gasto com segurança compromete 10 dias de trabalho por ano, ou 2,69% da renda bruta. Na classe pobre são 7 dias, ou 1,95% da renda; na média, 16 dias, ou 4,31%; e na alta, 27 dias, ou 7,28%. Os gastos com segurança pública e privada superaram os com educação e saúde. Em 2005, o Brasil gastou com segurança pública R$ 60 bilhões. No mesmo ano, foram gastos com segurança privada R$ 70 bilhões. A soma de R$ 130 bilhões supera o gasto do Estado com educação e saúde (OBSERVATÓRIO, 2012, online). Segundo o governo do Estado de São Paulo após os ataques do PCC em 2006, a demanda por equipamentos de vigilância cresceram entre 15% e 20%. De acordo com Tomaz (2008) traficantes ligados ao PCC monitoravam a ação da polícia numa área de 500 m2 em uma favela na zona leste de São Paulo. Usando dez televisores dentro de um barraco, os criminosos podiam conectar microcâmeras instaladas nos postes de energia elétrica. Partindo deste pressuposto, podemos observar que apesar da profusão tecnológica, o Estado tenta em um esforço de governança atingir o controle sociopolítico de seus cidadãos. No entanto o desequilíbrio na tecnologia comportamental, anunciada por Mumford (1967) permite a entrada desta governança paralela, exemplificada neste artigo, pelo PCC. Locke (2002, p. 28) aponta para que o Estado ainda teria como missão ser pacificador, ajudando o indivíduo a ter segurança e qualidade de vida, utilizando para isso a regulamentação das normas: "concordo que o governo civil seja o remédio correto para os inconvenientes do estado de natureza, que devem certamente ser grandes, se os homens têm de ser juízes em causa própria."
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No entanto, ao se deparar com estatísticas que apontam 345 pessoas vítimas de homicídios dolosos e latrocínios (roubos seguidos de morte) na Grande São Paulo, segundo o próprio Estado, a função de pacificador desmorona e o controle passa a ser observado em outras instâncias.
CONSIDERAÇÕES FINAIS O controle exacerbado propiciado pelos adventos científicos reafirma o que Arendt (2007) diz sobre a sobreposição de esferas pública e privada. Tal transposição coloca em cheque a essência da política, lócus de discussão, debate e deliberação para o bem comum, propiciado na esfera pública, e abre brecha para o pensar em si mesmo, o pensar no íntimo do outro, o entrar nada tímido na esfera privada das relações sociais. Sendo assim, o controle gera mais descontrole, já que não se debate as aflições de todos, mas defende-se os interesses privados, pensamento este defendido por Mumford (1967) no conceito de Megamáquina. A inoperância de um sistema de segurança público falido é reflexo de um sistema arcaico e retrógrado que prima pela discrepância social. O Brasil figura como sendo um país em franco desenvolvimento, no entanto suas políticas públicas de base não contemplam as classes menos favorecidas. Entre as estatísticas que comprovam isto é o índice de analfabetismo na população brasileira 7,9% segundo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Ao pensar um controle sociopolítico apenas por tecnologia e sem levar em conta a parte humana o Estado além de perder a governabilidade, cai na descrença da governança. Thoreau (1854) nos chama a atenção para o fato de estarmos, simplesmente, agindo mecanicamente quando lidamos com as novas tecnologias: Nossas invenções costumam tornar-se bonitos brinquedos que distraem nossa atenção das coisas sérias. Elas são tão-somente meios aperfeiçoados para um fim não aperfeiçoado, um fim que já era fácil demais atingir, como estradas de ferro que levam de Boston a Nova York. Nós estamos com enorme pressa em construir um telégrafo magnético do Maine para o Texas; mas pode ser que o Maine e o Texas nada tenham de importante a comunicar. [...] É como se o objetivo principal fosse falar depressa e não falar sensatamente. Estamos nos tornando adoradores da velocidade, precisamos, então, falar menos depressa e com mais sensatez, entender o potencial das tecnologias que utilizamos e das que não utilizamos. Só assim não seremos escravos de uma sistemática complexa que condensa variadas esferas e setores. A aceleração contemporânea é por isso mesmo um resultado também da banalização da invenção.
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Desafios para uma comunicação governamental na administração pública de pequenos municípios brasileiros Vagner Dalbosco Universidade Chapecó
UMA INTRODUÇÃO À COMUNICAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O avanço da comunicação política nas administrações públicas é visível no Brasil, sobretudo após a redemocratização do país. De José Sarney a Dilma Rousseff, passando por Fernando Collor de Melo, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Lula, a gradativa profissionalização no sentido de aperfeiçoar os fluxos comunicativos com a sociedade e potencializar a imagem dos governos junto ao cidadão/eleitor tornou-se um caminho sem volta. Com experiências bem ou mal sucedidas, o fato é que este cenário inicialmente verificado nas administrações federais da República expande-se Brasil afora, chegando até os governos estaduais e municipais. Percebe-se, no entanto, que o exercício de uma comunicação profissional, efetiva e ética na administração pública de pequenos municípios brasileiros encontra inúmeros desafios, uma vez que estas têm características peculiares, sejam elas de ordem administrativa, organizacional e financeira. A partir de algumas experiências vivenciadas nos últimos anos junto a governos de pequenas cidades catarinenses, cuja população varia entre 10 mil e 20 mil habitantes, é possível identificar algumas situações as quais, isoladamente ou de forma conjunta, contribuem para tal cenário. Antes, porém, faz-se necessário uma abordagem sobre os conceitos de comunicação pública e de comunicação política por vezes utilizados indistintamente em referência à comunicação praticada por órgãos governamentais os quais constituem uma instituição de natureza pública, mas ao mesmo tempo política. Inicialmente parto do entendimento de que, neste caso, a comunicação pública é aquela voltada para o interesse público e a cidadania, a qual deve compor uma política de Estado independentemente do governo que está no Poder; enquanto a comunicação política é aquela praticada pelos diferentes governos com vistas a estabelecer fluxos informativos com a sociedade e um discurso que lhe confira identidade, legitimidade e imagem pública positiva junto ao eleitor/cidadão. No entanto, a questão não é tão simples assim. Referência na área, o professor francês Pierre Zémor menciona que a comunicação pública assume diferentes formas nas instituições públicas. Ela é encarregada de tornar a informação disponível ao público, de estabelecer a relação e o diálogo capazes de tornar um serviço desejável e preciso, de apresentar os serviços oferecidos pela administração, pela coletividades territoriais e pelos
195 estabelecimentos públicos, de tornar as próprias instituições conhecidas, enfim, de conduzir campanhas de informação e ações de comunicação de interesse geral (ZÉMOR, 2009, p. 214).
Este entendimento de comunicação pública é corroborado por Duarte (2009), que reforça haver todo um esforço para caracterizar essa expressão com um significado específico diante de suas diferentes interpretações. Ele argumenta que a centralidade do processo de comunicação pública está no cidadão, tendo a informação e o diálogo como seus principais instrumentos no sentido de fortalecer a cidadania. Neste caso, o autor entende a comunicação pública como um direito de natureza coletiva e que ocorre em diferentes espaços da sociedade, “envolvendo tudo o que diga respeito aparato estatal, ações governamentais, partidos políticos, movimentos sociais, empresas públicas, terceiro setor e, até mesmo, em certas circunstâncias, às empresas privadas” (DUARTE, 2009, p. 61). Portanto, percebe-se aqui que a comunicação pública não pode ser compreendida apenas no espaço das instituições públicas. Em importante contribuição para este debate, Brandão (2009) identifica na literatura e em cursos acadêmicos cinco áreas em que a comunicação pública ocorre: 1) a comunicação organizacional, que trata de analisar a comunicação no interior das organizações e entre ela e seus públicos, buscando estratégias e soluções; 2) a comunicação científica, cujo objetivo maior é criar canais de integração entre da ciência com a vida cotidiana das pessoas; 3) a comunicação doEstado e/ou governamental, em que se estabelece um fluxo informativo e comunicativo com seus cidadãos, ou seja, uma comunicação voltada para a cidadania; 4) a comunicação enquanto estratégias de comunicação da sociedade civil organizada, desenvolvida por membros da comunidade, terceiro setor e movimentos sociais e populares; e 5) a comunicação política, sendo esta tratada pela autora sob dois ângulos. O primeiro seria a utilização de técnicas e instrumentos da comunicação para a expressão de ideias, crença e posicionamentos políticos, tanto nos governos quanto nos partidos; já o segundo aspecto diz respeito às políticas públicas de comunicação, ou seja, a relação entre Estado, meios de comunicação e a sociedade (BRANDÃO, 2009). Embora Brandão separe a comunicação política das demais classificações, apontando suas especificidades as quais concordo, entendo que o caráter político também está nas demais formas mencionadas de se fazer comunicação. Talvez em menor escala na comunicação científica, mas especialmente na comunicação organizacional, governamental e naquela promovida pela sociedade civil organizada, sempre quando haver o intuito de expressar ideias, crenças e posicionamentos, incluindo aí a mídia, uma vez que estes são espaços de produção e disseminação do discurso político e do debate público. Portanto, indissociáveis do campo da política.
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Importante neste contexto o pensamento de Jürgen Habermas (1997apud SILVEIRINHA, 2010), para quem o conceito de esfera pública diz respeito à vida social em que os cidadãos agem para exprimir e dar publicidade às suas perspectivas quando tratam de matérias de interesse geral onde, portanto, a opinião pública irá se formar. Já quando as discussões públicas são relativas ao Estado, afirma Habermas, esta pode ser considerada uma “esfera pública política”. Ao analisar a esfera pública sob o prisma de Habermas e Foucault, Haje (2007) alerta para o fato de Habermas ser mal interpretado ao localizar o poder principalmente nas esferas econômicas e no Estado, gerando, portanto, um entendimento que a esfera pública esteja relacionada a um espaço físico. O próprio Habermas mostra que a esfera pública não denota um local, mas todas as condições de comunicação sob as quais pode haver formação discursiva e racional de opinião e vontade por parte de um público composto por cidadãos de um Estado. Surge uma esfera pública quando e onde os afetados por uma normal social, política ou ação empreendem um discurso prático para avaliar sua validade (HAJE, 2007, p. 142).
Haje recorre a Foucault para reforçar que o poder está difuso em todo o corpo social e, portanto, não condiciona um local privilegiado para a ação política. “Existem, sim, múltiplas possibilidades de ação, múltiplos espaços públicos que podem ser criados e redefinidos constantemente, sem precisar de suporte institucional, sempre que os indivíduos se liguem por meio do discurso” (HAJE, 2007, p. 141). Silveirinha reforça este entendimento, ao mencionar que as sociedades de hoje não podem dispensar a abertura democrática no discurso público para exprimir suas necessidades, fazendo deste uma matéria de interesse coletivo que envolve o Estado. “As democracias modernas não podem prescindir de uma arena de participação política, onde as ideias, as alternativas, as opiniões e outras formas de discurso traduzam as atividades dos movimentos sociais e da sociedade civil como uma acção coletiva, trazendo às discussões questões que tenham sido até esse momento excluídas, ou pelo menos marginalizadas. O espaço ocupado por estas interacções – localizada entre o Estado e a sociedade – não é uma instituição política nem uma instituição social, mas uma instância onde estas instituições são vigiadas, e a sua legitimidade é comunicada de uma forma racional e crítica, mantendo sempre uma ligação ao que a sociedade civil assinala como importante” (SILVEIRINHA, 2010, p. 33-34).
Isso não significa, assim como afirma Hage, negar uma distinção entre público e privado, mas sim “pressupor que nenhuma instituição ou prática social deve ser excluída a priori como sendo questão própria para discussão e expressão pública” (HAJE, 2007, p. 142). Portanto, compreendo a comunicação política em diferentes espaços da esfera pública, seja ele organizacional (instituições públicas e privadas), governamental (União, Estados e Municípios) e da sociedade civil organizada; e em diferentes tempos, seja no período eleitoral ou pós-eleitoral. De fato, o caráter político da comunicação na esfera pública é inerente ao regime democrático, sobretudo naquelas instituições em que a natureza política está no cerne de sua própria existência e de sua atividade
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cotidiana, como é o caso das administrações públicas municipais em que o gestor público é eleito pelo voto direto. É neste contexto que afloram as divergências conceituais entre a comunicação pública e a comunicação política. Zemor explica que entre as diferentes formas que a comunicação assume nas instituições públicas está a de natureza mais política, ou seja, “da comunicação do debate público que acompanha os processos decisórios” (ZEMOR, 2009, p. 214). Para Duarte, é no setor público que a própria comunicação pública tem maior potencial de desenvolvimento, pois ela “incorpora o pressuposto da transparência em um tema historicamente relacionado à busca da visibilidade e legitimidade e que às vezes assume viés claramente político de culto à personalidade ou promoção institucional” (Duarte, 2009, p. 60). De fato, está cada vez mais difícil dissociar a política do personagem. Segundo Neusa Gomes (2004a), a tendência inata da comunicação política é a personalização que ocorre em caráter universal, independente do estágio de desenvolvimento social do país. Com o passar dos tempos, vemos que o poder democrático vem se degenerando novamente para a personalização, ou seja, a identificação do Poder com quem o encarna, no sentido mais pleno da palavra, o que resultaria numa personalização ou vedetização dos políticos e a criação do ‘Estado espetáculo’ (GOMES, 2004a, p. 42).
Entendo que este crescente processo de personalização da política é pouco saudável para as sociedades democráticas, pois supervaloriza o papel de líderes políticos em detrimento das instituições que compõem os pilares do Estado Democrático de Direito, entre elas os próprios partidos políticos. Ao mesmo tempo, é da própria democracia que a comunicação política constituise em instrumento legal para dar visibilidade e legitimar o exercício de mandatários eleitos pelo voto popular. Ao abordar as relações entre mídia e política, Lima associa o conceito de política à ideia de público, lembrando que há dois significados para a palavra público: No primeiro, em oposição ao que é privado, público refere-se à coisa pública, ao Estado; no segundo, em oposição ao que é secreto, público refere-se ao que é manifesto, evidente, visível. Pode-se dizer, portanto, que a democracia é – em tese – o regime do poder visível da coisa pública. Dessa forma, a política, nas democracias, seria a atividade pública (visível) relativa às coisas públicas (Estado) (LIMA, 2006, p. 53).
Assim, corroboro com o entendimento de Lima ao entender a política como atividade eminentemente pública e visível das democracias. Em interessante obra sobre as transformações da política na atualidade, Wilson Gomes (2004b) fala sobre uma esfera de visibilidade pública, em que passa a existir um fluxo contínuo, intenso, acelerado e multidirecional da informação política entre a esfera civil (cidadão) e a esfera política (agentes da política) que culmina no que ele chama de uma eleição interminável.
198 Quando a esfera civil, que determina quem participa e quem está excluído da esfera política, pode formar durante todo o tempo dos mandatos a sua opinião sobre os partidos, sobre os governo e sobre os sujeitos políticos, a sua decisão ganha a mesma extensão dos mandatos. Os mandatórios, então, passam a cortejar a esfera civil e a buscar reconhecer os seus humores e as suas tendências e a satisfazer os seus desejos [...] Neste sentido, a campanha agora se confunde com o mandato, solicitando da esfera política um dispêndio subsidiário e constante de energia. Os mandatários não apenas governam ou legislam, mas o fazem como se estivessem o tempo todo em campanha. A campanha agora é permanente, a eleição é interminável (GOMES, 2004b, p. 114).
Isso ocorre, sobretudo, na comunicação institucional dos governos, uma vez que esta tem por objetivo “apresentar o papel do organismo, de afirmar sua identidade e sua imagem, de prestar contas do conjunto de suas atividades e, de modo mais geral, de acompanhar a política da instituição (ZEMOR, 2009, p. 234). Sendo assim, a comunicação exercida nas instituições públicas das sociedades democráticas acaba, necessariamente, assumindo um caráter político, em boa parte dos processos e canais de comunicação, a fim de dar visibilidade e legitimar a identidade de quem está no poder. Uma das principais referências profissionais e acadêmicas da comunicação política no país, Torquato do Rego (1985, p.13) há muito tempo mencionava que o conceito de legitimidade é essencial para a prática da política, sendo esta compreendida como “o processo pelo qual os eleitores ou os governados consideram os valores políticos compatível com seus valores”. O que não podemos concordar, no entanto, é que tal prática remonte a períodos ditatoriais, em que o caráter persuasivo da comunicação e do marketing governamental personalista era utilizado para assegurar o controle ideológico ou uma visão unilateral dos governos sobre a sociedade e os cidadãos. Justamente por isso uma das polêmicas que envolve a prática da comunicação dos governos é uma linha tênue entre a informação e a persuasão, pois a questão é: quais os limites da comunicação que utiliza-se de métodos, ferramentas e processos com o intuito de dar visibilidade aos atos e ações de um agente político, a exemplo de um governo, para legitimar sua identidade e gerar uma imagem pública positiva junto ao cidadão/eleitor com vistas à sua manutenção no Poder? Por isso é importante que avancem cada vez mais as políticas públicas de Estado que garantam mecanismos os quais coloquem o cidadão no centro no processo de comunicação, garantindo sua participação nos debates e decisões, viabilizando assim seu acesso às informações de interesse público geradas no interior das instituições públicas, como é o caso da recém criada Lei de Acesso à Informação. Corroboro com Duarte, para quem oportunizar que o cidadão tenha acesso às informações de interesse público deve ser uma iniciativa do poder: “quaisquer instituições, ao lidar com o interesse público, devem fazer esforços para se adaptar às possibilidades do cidadão, criando mecanismos adequados à situação de cada interessado” (DUARTE, 2009, p. 68).
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Ao mesmo tempo, embora Duarte (2009) diferencie comunicação governamental da comunicação política, considerando a primeira aquela que trata dos fluxos de informação e padrões de relacionamento envolvendo o Poder Executivo e a sociedade; e a segunda a que trata do discurso e da ação na conquista da opinião pública; entendo que o caráter político da comunicação ocorre em todos estes processos. No caso da comunicação governamental, os fluxos de informação e o relacionamento entre o Poder Executivo e a sociedade também agem para legitimar o mandato popular, dar visibilidade às suas ações e, a partir da sua identidade, criar determinada imagem pública junto ao eleitor. É neste contexto que serão apresentadas as reflexões a seguir sobre os desafios para uma comunicação profissional, ética e efetiva em administrações de pequenos municípios brasileiros. Não há, aqui, a intenção de caracterizá-la enquanto comunicação pública ou política, mas simplesmente tratando-a de comunicação governamental, por entendermos que esta possui caráter tanto público (interesse público) quanto político (identidade de governo), ambos legítimos nas sociedades democráticas como é o caso do Brasil. Aliás, nas sociedades contemporâneas este entendimento passa a assumir uma visão mais abrangente que é do marketing político permanente, neste caso o marketing governamental.
SITUAÇÃO
1:
CONOTAÇÃO
ELEITORAL
DO
TERMO
‘MARKETING
GOVERNAMENTAL’ O estabelecimento de métodos, processos e instrumentos de comunicação e marketing governamental nas administrações municipais de pequenos brasileiros encontra resistências na conotação pejorativa do termo “marketing governamental”, ainda associado erroneamente como sinônimo de propaganda eleitoral enganosa. Investir recursos públicos nesta área pode representar, em alguns casos, uma afronta à própria imagem do prefeito. Afinal, não faltam exemplos na própria história política do Brasil que coloca o marketing político governamental muito mais como um instrumento a serviço de interesses eleitorais do que comprometido com o exercício de um governo aberto, transparente e efetivamente voltado para o interesse público e a cidadania. De fato, Queiroz (2006) afirma que a expressão “marketing político” começou a ser utilizada por profissionais dos Estados Unidos relacionadas a ações de comunicação estratégica aplicada em eleições democráticas em todos os níveis. Referência nos estudos da área no Brasil, Queiroz possui uma série de produções científicas especialmente com foco na propaganda política eleitoral, mas entende que o marketing político ocorre de forma permanente e não apenas no período eleitoral, seja o marketing governamental, partidário ou pessoal dos candidatos. Há quase três décadas, o professor Gaudêncio Torquato do Rego já afirmava que o marketing político deve ser entendido “como o esforço planejado para se cultivar a atenção, o
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interesse e a preferência de um mercado de eleitores” (1985, p. 14). No entanto, em obra mais recente, Torquato (2010) lamenta que no Brasil o marketing político tem sido, muitas vezes, entendido apenas sob a ótica das campanhas, o que segundo ele é um grave erro de visão. Para Torquato (2010), os avanços nesta área fazem com que o termo “marketing político” deva ser compreendido e aplicado não apenas em períodos eleitorais, mas sim em mandatos do Executivo e Legislativo de forma permanente. No caso do Executivo, chamado de marketing governamental. “O correto emprego do marketing político significa o uso tanto para viabilizar candidaturas proporcionais e majoritárias quanto para estabelecer, preservar e aperfeiçoar o conceito das administrações públicas (TORQUATO, 2010, p. 147). Esta visão é compartilhada por Dantas, para quem o marketing eleitoral é uma forma de marketing político, mas não a única. Segundo ele, também há o marketing político propriamente dito, realizado permanentemente quando o político está preocupado em sintonizar sua gestão administrativa com os desejos da população. Trata-se da fase pós-venda, ou seja, a aplicação de técnicas de marketing aplicadas no período posterior à eleição. No caso do marketing governamental, trata-se da aplicação de técnicas mercadológicas pelo núcleo do poder, com vistas a atender as expectativas da população. Nas sociedade democráticas, essas atividades devem caracterizar-se como cumprimento ao programa de governo proposto em campanha eleitoral (DANTAS, 2010, p. 48).
Outra confusão comum é a relação entre marketing e comunicação. Em prefácio do livro Na Arena do Marketing Político (Queiroz, 2006, p. 7), Torquato afirma que “o marketing não se restringe ao eixo da comunicação, como se tem feito entender no país. Abriga, além da vasta rede de comunicação, outros vetores como a pesquisa, o discurso, a articulação social e política e a mobilização das massas”. Sob o aspecto científico, Queiroz (2006, p. 30) explica que “o marketing político configura-se como uma atividade multidisciplinar”, tendo interfaces com a administração, a psicologia, com a própria dimensão política e, por fim, com a publicidade eleitoral. No caso dos governos, Torquato defende há muito tempo que a comunicação governamental, posteriormente com a incorporação do termo marketing governamental, é importante para os sistemas democráticos, uma necessidade social: “por sua rede, os segmentos sociais tomam conhecimento do que se passa nos diversos setores do governo e, por seu intermédio, transmitem aos governantes suas expectativas e desejos” (TORQUATO, 1985, p. 44). O problema, segundo ele, é o mau uso da comunicação governamental nos regimes autoritários, que resume-se na “propaganda unilateral, repetitiva, retumbante, destinada a arregimentar multidões”, diferente dos regimes democráticos em que há “um intercâmbio entre governo e governados, num fluxo constante de ideias, bilateral, aberto, livre”.
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O autor explica que a comunicação governamental e o marketing político avançaram após a redemocratização do país, nos anos 80, estimulados por um novo espírito de cidadania surgido de uma sociedade civil mais organizada e ciente de seus direitos e deveres. Neste sentido, Torquato afirma que os poderes Executivo e Legislativo já dividem força e mando com as organizações sociais, uma vez que, segundo ele, a dinâmica social brasileira conduz a uma democracia mais participativa. “Qualquer estratégia de marketing eleitoral e de marketing político permanente (suporte e estruturas de marketing para parlamentares e governos), doravante, haverá de contemplar a dinâmica social” (TORQUATO, 2010, p. 25). É neste aspecto que a comunicação e o marketing governamental, de natureza política, assumem, ao mesmo tempo, um caráter público. É o que se espera. É verdade que, como menciona Torquato (2010), ao longo de anos o Brasil se acostumou com o oficialismo informativo, com mensagens viciadas e responsável por verdades não comprovadas. No entanto, no atual contexto em que a comunicação política na esfera pública ganha contornos participativos através de instrumentos que permitem ao cidadão participar deste processo, será cada vez mais difícil separar a comunicação política da pública. Quero dizer que cada vez mais teremos não apenas o governo influenciando o cidadão, mas o cidadão influenciando os governo através de diferentes instrumentos de comunicação. Podemos dizer, neste caso, que o marketing governamental é um termo mais abrange do que a comunicação governamental e inerente às democracias modernas, uma vez que agregou técnicas para além do fluxo informativo entre o governo e a sociedade, a exemplos de pesquisas de opinião, programas governamentais, planejamento estratégico e gestão da imagem pública, entre outros. Este debate, no entanto, ainda precisa ser levado com maior intensidade e propriedade aos gestores públicos das pequenas cidades brasileiras, sobretudo àqueles que ainda consideram a comunicação e o marketing como meros instrumentos coadjuvantes de “divulgação” em período eleitoral e préeleitoral, e não como mecanismos fundamentais ao próprio exercício da governabilidade democrática.
SITUAÇÃO 2: IMPROVISO E INTUIÇÃO DO GESTOR PÚBLICO Torquato diz que “se há, porém, vetores imutáveis e intransferíveis nas etapas históricas do marketing político desenvolvido entre nós, certamente incluem-se entre eles a improvisação, a intuição, a relatividade” (apud QUEIROZ, 2006, p. 8). Certamente o improviso e a intuição são etapas ainda muito presentes na comunicação governamental dos pequenos municípios analisados. Neste caso, observa-se duas possíveis causas, ambas contraditórias. O improviso ocorre sobretudo diante da inexperiência do gestor público ou do núcleo central do governo, especialmente em início de mandato. Nestes casos, há dificuldade em perceber a
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comunicação como uma política pública ou de governo que precisa ser pensada e colocada em prática. O resultado são deficiências na estruturação física e de pessoal desta área, ou mesmo na ausência dela em muitas administrações municipais, sendo que as ações inerentes à comunicação acabam sendo desenvolvidas por servidores públicos de outras áreas do governo. Por outro lado, em outros casos há uma situação inversa, em que a experiência do gestor público tem se revelado um empecilho quando este aposta todas suas fichas na intuição e no excesso de confiança advinda de experiências anteriores, dispensando o emprego de maior profissionalização e de instrumentos científicos na condução da comunicação, seja ela interna ou externa. Entre as principais deficiências está a ausência de pesquisas de opinião permanentes para orientar as ações de governo e a dificuldade em perceber a comunicação e o marketing como uma área estratégia. Tem-se então uma comunicação de governo limitada ao relacionamento com a imprensa e carente de mecanismos próprios no sentido de estabelecer o diálogo com o cidadão, sem intermediários. Não são poucos os exemplos de administrações municipais cujo único canal de comunicação com a sociedade são os espaços editoriais e comerciais dos veículos de comunicação locais ou regionais. Embora estes veículos sejam fundamentais no processo do debate público, é importante compreender que a mídia é caracterizada pela sua unidirecionalidade, pela centralidade e pela padronização de seus conteúdos (LIMA, 2006). Sobre a relação entre mídia e política no Brasil, Venício Lima (2006) apresenta sete teses, das quais destaco duas importantes diante deste debate. Uma delas é que a mídia 1) está exercendo várias das funções tradicionais dos partidos políticos, e que, portanto 2) se transformou, ela própria, em importante ator político, com interferência no processo político por sua capacidade de produzir e distribuir capital simbólico e pela ação direta de seus proprietários que são atores econômicos. Aqui, mais uma vez, tem importante contribuição Torquato (2010, p. 147), para quem a evolução pela qual tem passado a comunicação governamental nos últimos anos faz com que o ciclo do processo de comunicação restrito à operação clássica da assessoria de imprensa, em que a atividade central é a cobertura de atos rotineiros da administração pública e o relacionamento com as mídias locais, esteja esgotado. Considerando as demandas sociais diferentes e o caráter fiscalizador que passou a exercer a sociedade, Torquato acredita que este processo está condenado ao fracasso, por isso ele defende que o sistema de comunicação e marketing seja condizente com estas mudanças. Ou seja, fechar os olhos para estas possibilidades é um erro estratégico para qualquer agente político, especialmente um governo. Verifica-se, então, a importância das administrações públicas dos pequenos municípios brasileiros avançarem em uma comunicação com instrumentos próprios no sentido de estabelecer fluxos informativos efetivos entre governo e sociedade, promover a
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transparência na administração pública com vistas ao exercício da cidadania e criar uma identidade de governo com vistas a construção de sua imagem pública, o que é legítimo.
SITUAÇÃO 3: LIMITAÇÃO FINANCEIRA DOS MUNICÍPIOS Em meio a este cenário, há administradores públicos com visão estratégica e que compreendem o papel da comunicação e do marketing governamental, mas esbarram na limitação financeira do município. Com a União concentrando a maior fatia das receitas, as políticas públicas essenciais consomem quase todo o orçamento público, a exemplo da Saúde e Educação, restando poucos recursos para as chamadas áreas “meio”, como é o caso da comunicação. Ao propor um roteiro para um programa de comunicação e o marketing de governos e prefeituras, Torquato defende ser fundamental que este tenha recursos e meios necessários para sua operação. Não adianta querer ter sucesso no marketing se não há recursos e se as condições são precárias. Marketing não é jogo de palavras, não é utopia, não é abstração. É pesquisa, é comunicação, é articulação, é promoção, é mobilização social. Isso tem um custo, e nem sempre baixo (TORQUATO, 2010, p. 152).
Entre as consequências desta limitação financeira de boa parte dos pequenos municípios está a dificuldade em atrair profissionais capacitados para a gestão da comunicação e do marketing governamental. Embora muitas prefeituras contem com profissionais de comunicação atuando em suas assessorias e buscando maior qualificação para tal função, por outro lado uma prática ainda corriqueira em pequenos municípios analisados é o emprego de profissionais da imprensa local para atuarem paralelamente na assessoria de imprensa de prefeituras. Isso ocorre sobretudo quando estes já possuem uma imagem pública conhecida junto à população ou manifestam simpatia político-partidária pelo governo. Neste caso, o problema aqui não é financeiro. Sem discutir aqui as questões éticas que envolvem estas relações, o fato é que muitos destes profissionais desconhecem as habilidades e instrumentos para uma comunicação governamental efetiva, eficaz e ética. Tais conhecimentos são importantes pois, segundo Torquato (2010), a comunicação na administração pública de prefeituras deverá oferecer condições para que o governante administre suas relações com o meio ambiente externo e interno. O marketing político vai ajudá-lo a ampliar as pontes de comunicação com as comunidades, a prestar contas periódicas, a criar climas de aproximação e simpatia, a abrir fluxos de acesso, a identificar anseios, expectativas e demandas sociais e, sobretudo, a estabelecer um clima de confiança e credibilidade, fatores importantes, porém cada vez mais raros (TORQUATO, 2010, p.147).
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SITUAÇÃO 4: DIFICULDADES DE ADEQUAÇÃO À LEI DA PUBLICIDADE A Constituição Brasileira de 1988 tornou a publicidade um dos princípios da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Ou seja, é dever dos agentes públicos utilizarem-se de mecanismos de comunicação para levar ao conhecimento dos cidadãos os atos e ações existentes no âmbito da administração pública e que são de interesse público. Para isso, é importante considerar que a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizam promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos (BRASIL, 2004, p. 40).
Para atender a estes preceitos constitucionais, a administração pública, em diferentes esferas, têm hoje à disposição instrumentos advindos de diferentes campos comunicacionais, como é o caso do Jornalismo, das Relações Públicas, da Propaganda e das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), entre outras. No entanto, as administrações dos pequenos municípios ainda carecem de maior formação, discussão, conhecimento e dotação orçamentária para avançar nesta seara. Nos municípios analisados, percebe-se que as informações de caráter legal que envolvem a administração pública (publicidade oficial) é feita a partir de contrato diretamente com os próprios veículos de comunicação locais, principalmente jornais e rádios, como forma de garantir suas publicações independente do espaço jornalístico. O conceito de publicidade legal, segundo a Lei 11.652/08, é “a publicação de avisos, balanços, relatórios e outros a que os órgãos e entidades da administração pública federal estejam obrigados por força de lei ou regulamento” (MOTTA, 2010, p. 73). Neste caso, Motta deixa claro que a publicidade legal “não necessita ser processada por intermédio de agência de publicidade”, podendo os municípios firmarem contratos diretamente com os veículos de comunicação, como ocorre nos municípios em questão. Já a chamada publicidade institucional, aquela destinada à “divulgação dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos”, conforme prevê a Constituição de 1988, ocorre principalmente sob duas formas nos municípios analisados. Naquelas administrações em que não há assessoria de comunicação, membros de diferentes áreas do governo produzem textos e fotos ou fazem contato direto com veículos de comunicação locais/regional solicitando a cobertura jornalística. Algumas contratam empresas de assessoria externa. Já nas administrações em que há um departamento de assessoria de comunicação, geralmente composta por um único profissional, este produz os releases e estabelece contato com a imprensa local a fim de pautá-la para a cobertura jornalística.
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Algumas destas administrações municipais também investem na produção de peças gráficas, anúncios para jornal e spots para rádio – os principais meios de comunicação nestas pequenas cidades. Geralmente auxiliadas pela assessoria de comunicação da prefeitura, pequenas empresas de design gráfico, empresas de impressão gráfica ou os próprios veículos de comunicação locais acabam atendendo diretamente à demanda de criação deste tipo de material. A contratação de agências de propaganda full service para cuidar da publicidade governamental é pouco presente nestes pequenos municípios. Assim também é comum a contratação direta de mídia para a publicidade institucional junto aos veículos de comunicação locais. É para resolver situações como estas que, desde 2010, está em vigor a Lei 12.232/10. Ela estabelece normas gerais para licitações e contratação de serviços de publicidade prestados necessariamente por intermédios de agências de propaganda pela administração pública. A norma traz importantes contribuições para a qualificação e o exercício ético da publicidade por parte da administração pública e, portanto, deve ser aplaudida. Primeiramente porque consolida o modelo de “agência completa” ao tornar claras todas as etapas que envolvem os chamados serviços de publicidade, denominando-os como o conjunto de atividades realizadas integradamente que tenham por objetivo o estudo, o planejamento, a conceituação, a concepção, a criação, a execução interna, a intermediação e a supervisão da execução externa e a distribuição de publicidade aos veículos e demais meios de divulgação, com o objetivo de promover a venda de bens ou serviços de qualquer natureza, difundir ideias ou informar o público em geral (BRASIL, 2010, s/n.).
A lei ainda estabelece os critérios de “melhor técnica” e “melhor preço” como critérios do processo licitatório e reconhece o Conselho Executivo de Normas Padrão (CENP) como órgão normativo da atividade. Exige, portanto, que a agência tenha tal certificação, o que certamente contribuirá para uma melhor triagem das agências participantes dos processos licitatórios. Como se vê, a lei busca reduzir problemas históricos da publicidade na administração pública brasileira, entre eles o uso incorreto do rótulo serviços de publicidade para contratar outros serviços, inclusive de forma mal intencionada. No entanto, ao não considerar as especificidades dos pequenos municípios brasileiros, sua aplicação é tema de insegurança jurídica e gera diferentes interpretações pelos gestores púbicos e até mesmo por profissionais e empresas de comunicação que atuam no interior do país. Embora o texto da Lei 12.232/10 defina serviços de publicidade como um “conjunto” de atividades realizadas “integradamente”, em que medida a administração pública é obrigada a contratar uma agência de propaganda devidamente certificada no CENP para realizar serviços pontuais elencados nesse hallde itens? Poderão as prefeituras seguirem contratando mídia diretamente junto aos veículos de
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comunicação, ou qualquer ação nesse sentido deve, obrigatoriamente, ser realizada por intermédio de agência? Essa insegurança ocorre principalmente dada a escassez de receita destes pequenos municípios, pois são poucas administrações municipais em condições econômicas para contratar uma agência full service nos termos da Lei 12.232/10, a maioria delas localizadas nas cidades de médio e grande porte. Embora entendo que a Lei 12.232/10 veio para profissionalizar e qualificar a atividade publicitária na administração pública brasileira, é preciso maior debate e clareza sobre sua aplicação no contexto dos pequenos municípios. Mesmo com tais dificuldades, é importante registrar que existem experiências positivas de pequenos municípios quanto à profissionalização na comunicação. Alguns, inclusive, contam com agências full services quais atendem os termos da Lei 12.232/10. O problema, neste caso, é a falta de expertise em comunicação política por parte de algumas agências. Há exemplos de agências que desempenham importante trabalho na iniciativa privada, mas aplicam concepções sob o prisma empresarial e têm dificuldades em compreender o complexo universo da esfera pública e política, especialmente o comportamento do eleitor e uma comunicação política voltada para a cidadania.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Tais reflexões aqui expostas a respeito da comunicação e marketing governamental em pequenos municípios do estado de Santa Catarina podem, num primeiro momento, apontar para um cenário pessimista com relação a estas administrações de pequeno porte, dada suas características e peculiaridades. Trata-se, ao contrário, de um campo aberto o qual representa uma série de possibilidades para profissionais e pesquisadores desta área, mas que precisa, antes de tudo, ser melhor compreendido, inclusive sob a ótica das diferenças regionais características de nosso país. Um desafio para todos aqueles que têm um compromisso com a qualificação da comunicação pública e política, visando o interesse público e coletivo, a participação cidadã e o fortalecimento da nossa jovem democracia.
REFERÊNCIAS BRANDÃO, Elizabeth. Conceito de Comunicação Pública. In: Comunicação Pública: Estado, mercado, sociedade e interesse público. Jorge Duarte, organizador. São Paulo: Atlas, 2009. BRASIL. Lei 12.232, de 29 de abril de 2010. Presidência da República: Casa Civil/Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12232.htm>. Acesso em: 16 jun. 2013.
207 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais n. 1/92 a 44/2004 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão n. 1 a 6/94. – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2004. 438 p. DANTAS, Edmundo Brandão. Marketing Político: técnicas e gestão no contexto brasileiro. – São Paulo: Atlas, 2010. DUARTE, Jorge. Instrumentos de comunicação pública. In: Comunicação Pública: Estado, mercado, sociedade e interesse público. Jorge Duarte, organizador. São Paulo: Atlas, 2009. GOMES, Neusa Demartini. Formas persuasivas de comunicação política: propaganda política e publicidade eleitoral. – Porto Alegre: EDIPUCRS, 3 ed. 2004a. GOMES, Wilson. Transformações da política na era da comunicação de massa. – São Paulo, Paulus, 2004b. (Comunicação). HAJE, Lara. Comunicação, esfera pública e poder. In: Políticas de comunicação: buscas teóricas e práticas. Murilo César Ramos e Suzy dos Santos (orgs.). – São Paulo, 2007. (Coleção Comunicação). LIMA, Venício A. de. Regulação das comunicações: história, poder e direitos. – São Paulo: Paulus, 2011. – (Coleção Comunicação) LIMA, Venício A. de.. Comunicação e Política. In: DUARTE, Jorge (org.). Comunicação Pública: Estado, mercado, sociedade e interesse público. São Paulo: Atlas, 2009. LIMA, Venício A. de. Mídia: crise política e poder no Brasil. – São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006. 176p. MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Divulgação Institucional e contratação de serviços de publicidade: legislação comentada. Belo Horizonte: Fórum, 2010. QUEIROZ, Adolpho. Na arena do marketing político: ideologia e propaganda nas campanhas presidenciais brasileiras. – São Paulo: Summus, 2006. REGO, Francisco Gaudêncio Torquato do. Marketing político e governamental: um roteiro para campanas políticas e estratégias de comunicação. – São Paulo: Summus, 1985. SILVEIRINHA, Maria João. Esfera Pública. In: Conceitos de Comunicação Política. João Carlos Correia, Gil Baptista Ferreira e Paula do Espírito Santo (Orgs.). – Covilhã, LabCom Books, 2010. TORQUATO, Gaudêncio. Tratado de comunicação organizacional e política. 2 ed. – São Paulo: Cengage Laearning, 2010. ZÉMOR, Pierre. As formas de comunicação pública. In: Comunicação Pública: Estado, mercado, sociedade e interesse público. Jorge Duarte, organizador. São Paulo: Atlas, 2009.
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TU ÉS PEDRO, E SOB ESTA PEDRA EDIFICAREI MINHA IGREJA – A BANCADA EVANGÉLICA E A IMPOSIÇÃO DA MORAL CRISTÃ EM PROJETOS DE LEI EM TRÂMITE NO CONGRESSO Lucas Gandin Universidade Federal do Paraná Taiana Loise Bubniak Universidade Federal do Paraná EM NOME DO PAI Já se caminhava para o quarto dia em que os portugueses se encontravam nas “recémdescobertas” terras de Vera Cruz quando aconteceu episódio que marcaria uma das facetas mais importantes da influência lusitana na cultura brasileira: a primeira missa rezada no Brasil. O evento, ocorrido em 26 de abril de 1500, num domingo de Páscoa, soma-se a vários outros que revelam a intrínseca relação entre as questões político-sociais com as religiosas no país. Aliás, o primeiro nome dado às terras “achadas” pelos portugueses também fazia referência à religião. Passado os séculos de domínio português, a disseminação da religião católica pelos jesuítas mediante a catequização dos povos nativos, a primeira constituição brasileira, promulgada por dom Pedro I, em 1824, “em nome da Santíssima Trindade” instituía o catolicismo como religião oficial do Império. Foi somente com a primeira constituição republicana que se promoveu a separação entre religião e Estado, inaugurando na lei maior brasileira o conceito de Estado laico. Laico é a qualidade daquele que não possui religião definida, respeitando todas as manifestações de credo religioso e de fé. Ou seja, num Estado laico, o governo não pode impor religiões a seus cidadãos, nem discriminá-los em razão de alguma ideologia religiosa, bem como favorecer ou impedir as atividades de alguma delas. Contudo, o que se percebe na prática é um favorecimento tácito às religiões cristãs, sobretudo a Igreja Católica. Ao longo do ano, constam como feriados nacionais a Quarta-Feira de Cinzas, a Páscoa, o Corpus Christi, o dia da Padroeira do Brasil e o Natal1. É comum estar afixado nas repartições públicas a cruz ou o crucifixo. Entende-se, porém, que algumas tradições cristãs que estão marcadas no cotidiano brasileiro – desde os feriados até expressões idiomáticas, como “ai meu Deus” e “Deus o livre”, por exemplo – são fruto da colonização e predominância da Igreja Católica nos primórdios do país, mas permanecem arraigadas por causa da influência cultural e talvez não tenham o mesmo peso religioso que outrora. 1
Desses citados, apenas o dia da Padroeira e o Natal ocorrem em datas fixas: 12 de outubro e 25 de dezembro, respectivamente. Os demais variam de ano a ano; a Páscoa ocorre no primeiro domingo de lua cheia após o equinócio de outono; quarenta dias antes ocorre a Quarta-Feira de Cinzas, que marca o início da Quaresma, período no qual a Igreja Católica se prepara para a Páscoa. Nesse dia, é feriado nacional até as 12 horas. Por fim, o Corpus Christi ocorre na segunda quinta-feira após a festa de Pentecostes, que por sua vez ocorre cinquenta dias depois do domingo de Páscoa.
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Ademais, tem-se percebido ao longo dos últimos uma mobilização social impetrada pelos grupos minoritários da sociedade em busca de direitos que, fazem parte dos direitos humanos inalienáveis de qualquer indivíduo, mas que na prática estão alienados de parte dos indivíduos da sociedade, como o casamento homoafetivo, a eutanásia, a liberação do consumo de determinados entorpecentes e o direito da mulher à realização de aborto, para citar alguns exemplos. Essa mobilização tem entrado em choque com um grupo de parlamentares designados como “bancada evangélica”. Esse grupo – formado por uma aliança entre políticos de diversos partidos – tem se mostrado contrário à extensão desses direitos a todos que os reclamam. Entre as ações da bancada, está também a articulação para a aprovação do projeto da cura gay2 e, chegando ao limite, tem perpetuado preconceitos quando o deputado Marcos Feliciano, pastor da igreja Assembleia de Deus e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados declarou que os africanos seriam um povo amaldiçoado por Noé. É diante deste contexto que propomos o presente artigo. O objetivo é demonstrar de que maneira os partidos políticos brasileiros mantêm relações com entidades religiosas em face das permissões ou proibições previstas do documento constitucional. Para isso, analisaremos a nomenclatura e os estatutos ou carta de princípios dos partidos que possuem representatividade no Congresso Nacional, apontando se essas relações ocorrem de maneira implícita ou explícita. É diante deste contexto que propomos o presente artigo. O objetivo é demonstrar de que maneira os partidos políticos brasileiros mantêm relações com entidades religiosas em face das permissões ou proibições previstas do documento constitucional e nos documentos de cada agremiação. Para isso, analisaremos os estatutos ou carta de princípios dos partidos que possuem representatividade no Congresso Nacional, apontando se essas relações ocorrem de maneira implícita ou explícita. Para compreender melhor como a religião pode influenciar o debate em torno dos projetos de leis, bem como motivá-los, escolhemos analisar dois projetos que estão em discussão nas comissões internas da Câmara dos Deputados e do Senado: o Projeto de Decreto Legislativo n. 234 de 2011, que visa sustar artigos da Resolução n. 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia, devolvendo aos psicólogos a possibilidade de promover tratamentos que envolvem a orientação sexual de seus pacientes – popularmente conhecido como projeto da “cura gay” – e o Projeto de Lei n. 478 de 2007, que estabelece o Estatuto do Nascituro, protegendo o ser humano durante o período de gestação.
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O projeto de lei do deputado João Campos (PSDB) visa sustar dois artigos da Resolução nº 001, de 22 de março de 1999, do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que hoje impede que psicólogos se envolvam em tratamentos de homossexuais ou participem de manifestações públicas que reforçassem a crença de que homossexualidade é uma desordem psíquica.
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A CESAR O QUE É DE CESAR, A DEUS O QUE É DE DEUS Embora seja notório que o Brasil é um Estado laico, o adjetivo não é usado em nenhum momento na redação da constituição. No preâmbulo do documento, a força sobrenatural divida é invocada para referendar a outorga das leis máximas do país: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil. (BRASIL, 2013, grifo nosso).
No trecho grifado, percebe-se a vinculação da promulgação da constituição com o maravilhoso, como se, depois de duas décadas de regime autoritário, nada pudesse impedir a Assembleia Constituinte de entregar ao país as novas e tão desejadas leis democráticas. Não há ameaças à outorga da constituição ao povo brasileiro, pois a proteção de Deus afastará qualquer possibilidade que venha a pôr em cheque o ato da promulgação. A primeira referência à laicidade do Estado brasileiro aparece no artigo 5º, contido no capítulo I que versa sobre os direitos e deveres coletivos e individuais: Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei. (BRASIL, 2013).
A obrigação legal de que fala o inciso VIII é o serviço militar, que é melhor regulado no artigo 143: Art. 143 - O serviço militar é obrigatório nos termos da lei. § 1º - às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar. (BRASIL, 2013).
Nos dois últimos artigos citados, pode-se conferir o caráter laico do Estado, permitindo ao cidadão brasileiro a liberdade religiosa e a expressão de sua fé ou crença, mesmo diante de uma
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obrigação imposta pela lei. O respeito à liberdade de credo pode ser inferido do artigo 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 2013, grifo nosso). Embora não esteja no rol de formas de preconceitos que não serão praticados, o trecho grifado permite que se coloque a religião ou a crença religiosa nessa listagem. Ou seja, para concretizar o objetivo de promover o bem de todos, o Estado brasileiro se compromete a eliminar todas as formas de preconceito, inclusive o de religião. Além do preâmbulo, que insinua uma relação do Estado com o ente sobrenatural divino, o artigo 226 coloca que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (BRASIL, 2013) e afirma, no parágrafo 2º que “o casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei” (idem). Mesmo que o artigo 226 não demonstre um vínculo explícito a alguma religião específica, pode-se inferir que há um favorecimento implícito, uma vez que o efeito não é outorgado a outras organizações da sociedade civil. Por exemplo, se ONGs ou sindicatos celebrarem casamentos, por mais improvável que possa parecer, o ato não terá efeito civil legal. Isto é, tal prerrogativa é concedida apenas às entidades que celebram casamentos religiosos. Além disso, pelo artigo 150, é vedado ao poder Executivo cobrar impostos ou tributos de templos de qualquer culto. Tal proibição deve compreender o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas e que não se apliquem aos tributos previstos nos arts. 148 I; 153 I, II, IV e V; e 154 II3 (BRASIL, 2013). Nesse dispositivo, não fica claro quais características um templo deve possuir, o que em última instância não permite saber se o templo ou o espaço de culto de todas as manifestações religiosas com atividades no Brasil gozam desse direito. Contudo, o artigo 19, que legisla sobre a organização político-administrativa, veda à União, Estados, Distrito Federal e Municípios “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público (BRASIL 2013, grifo nosso). Há uma indefinição no artigo 19: não fica claro como essa relação de dependência e aliança não deve ocorrer. Num primeiro momento, pode-se inferir que a restrição é imposta ao Poder Executivo das três instâncias, impedido a relação de dependência ou aliança entre as
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Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I - importação de produtos estrangeiros; II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; IV produtos industrializados; V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; Art. 154. A União poderá instituir: II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.
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instituições ou órgãos públicos e as entidades religiosas4. Porém, se pensarmos que compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios legislar sobre matérias de competência exclusiva de cada instância, pode-se inferir a regência das atividades dos agentes políticos pelo artigo 19. Como é sabido, cabe ao Poder Executivo governar o povo e administrar os interesses públicos, cumprindo as ordenações e as previsões legais. Ou seja, não lhe cabe o ato de legislar. Tal ato é reservado ao Poder Legislativo, que elabora as leis que regulam o Estado. Portanto, se cabe à União, Estados e Distrito Federal e Municípios legislar, pressupõe-se que fazem parte das três instâncias do Estado os poderes executivos, legislativos federal, estadual e municipal5. Desse modo, fazem parte das três instâncias não só a área territorial e a população, como também as instituições e órgãos públicos e os agentes dos três poderes: o presidente, governador e prefeito no âmbito do Executivo e os senadores, deputados federais e estaduais e vereadores no âmbito do Legislativo. Assim, esses atores políticos também seriam impedidos de relações de dependência ou aliança com igrejas ou cultos religiosos. Tal pressuposto também se aplicaria aos partidos políticos, uma vez que as agremiações partidárias reúnem as personalidades da administração do Estado.
PELA LEI DE DEUS E PELA LEIS DOS HOMENS O presente artigo tem por objetivo analisar na nomenclatura e no estatuto dos partidos políticos se há vinculações das legendas com alguma entidade religiosa. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, atualmente existem 30 partidos políticos registrados no Brasil6. Os partidos com representatividade no Congresso são: Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido dos Trabalhadores (PT), Democratas (DEM), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Partido Trabalhista Cristão (PTC), Partido Popular Socialista (PPS), Partido da Mobilização Nacional (PMN), Partido Social Cristão (PSC), Partido Republicano Progressista (PRP), Partido Verde (PV), Partido Trabalhista do Brasil (PT do B), Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), Partido Progressista (PP), Partido Humanista da Solidariedade (PHS), Partido Social Liberal (PSL), Partido Republicano Brasileiro (PRB), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido da República (PR), Partido Ecológico Nacional (PEN)e Partido Social Democrático (PSD). Já os partidos sem representantes 4
Aqui o sentido de instituição ou órgão público é genérico, englobando qualquer pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público. 5 Na constituição não foi previsto o poder judiciário municipal. Embora o município ou um agrupamento deles sejam juridicamente organizados em comarcas, que por sua vez estão sob a jurisdição de um juiz de direito, não podemos afirmar que tal organização se configura no poder judiciário municipal. 6 Embora a listagem no site do TSE esteja atualizada até 26 de abril de 2013, desde o dia 17 de abril foi oficializado o partido Mobilização Democrática, que se originou da fusão do Partido Popular Socialista (PPS) com o Partido da Mobilização nacional (PMN). Assim, uma lista atualizada contaria 29 partidos registrados.
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eleitos são: Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Social Democrata Cristão (PSDC), Partido da Causa Operária (PCO), Partido Trabalhista Nacional (PTN) e Partido Pátria Livre (PPL). Para que um partido político possa exercer influência na atividade parlamentar da Câmara de Deputados e do Senado, obviamente, é preciso que eles possuam representantes eleitos. Por esse motivo, restringiremos nossa análise apenas no que toca os partidos com representatividade no congresso. Para fazer o diagnóstico, analisamos o texto da Constituição e dos documentos (estatuto, código de ética, princípios, diretrizes, etc.) dos partidos com representatividade no Congresso Nacional. Pinçamos destes textos as informações ligadas à religião ou religiosidade, a fim de inferir em que grau a relação entre a política e o “sagrado” está explícita. Daí, fomos capazes de inferir que a proximidade entre parlamentares e a religião fica mais evidente na prática do que na teoria: além da formação da “bancada evangélica”, recentes declarações de deputados e senadores sobre as decisões do Legislativo mostram que a religiosidade tem força e pode minar a luta pela conquista de direitos das minorias.
IDE E EVANGELIZAI! Se fosse um partido político regular no Brasil, a Frente Parlamentar Evangélica teria o terceiro maior número de representantes no Congresso Nacional: 76 deputados e 3 senadores, ficando atrás do número de parlamentares do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e do Partido dos Trabalhadores(PT). Mesmo que pareça pouco, o número de deputados representa em torno de 15% do total. A Frente Parlamentar Evangélica, popularmente conhecida como bancada evangélica, é um grupo de parlamentares vinculados a religiões evangélicas, muitos deles pastores ou bispos. De acordo com Severo (2011), a bancada evangélica tem monitorado os projetos de lei em tramitação na Câmara e no Senado, “agido não de acordo com o programa dos seus partidos, legalmente constituídos e pelos quais foram eleitos, mas sim pelas orientações religiosas a que professam”. O autor ainda afirma que os projetos monitorados versam sobre questões de direitos humanos individuais a grupos minoritários da sociedade. A influência dos grupos religiosos também extrapola as atividades parlamentares, como foi visto na campanha eleitoral de 2010, quando as igrejas evangélicas, sobretudo a Assembleia de Deus e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), órgão da Igreja Católica no país, pautaram a questão da legalização do aborto na agenda dos candidatos à presidência (SEVERO, 2011). Os Gráficos 1, 2 a seguir trazem, ilustrativamente, a divisão da bancada evangélica por partidos e por igrejas, respectivamente.
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GRÁFICO 1 – DIVISÃO DA BANCADA EVANGÉLICA POR PARTIDOS Fonte: MOURA; SEVERO, 2011.
GRÁFICO 2 – DIVISÃO DA BANCADA EVANGÉLICA POR IGREJAS Fonte: MOURA; SEVERO, 2011.
Em 2013, foram considerados os líderes da Frente Parlamentar Evangélica: João Campos (PSBD-GO), Anthony Garotinho (PR-RJ), Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Magno Malta (PR-ES) e Lincoln Portela (PR-MG).
O SAGRADO E O PROFANO Desde 2011 e até 2015 está em vigor a 54ª legislatura da Câmara Federal e do Senado. Nas duas casas, 594 membros – 81 senadores e 513 deputados – articulam, votam e decidem sobre as regras, direitos e deveres dos brasileiros. Esses parlamentares pertencem a 21 diferentes partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão máximo do setor no país. Para tentar entender de que forma a religiosidade se apresenta nos documentos dos partidos, foi realizada a leitura dos arquivos disponíveis nos sites das agremiações. A intenção era
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pinçar destes textos o que pode ter relação com a conduta religiosa e que, por consequência, influenciaria o comportamento dos filiados e eleitos por aquele partido. A forma de organização das agremiações partidárias compreende a determinação de diretrizes que devem ser seguidas pelos filiados e também a organização do partido, o que inclui a formação de grupos, conselhos e até os critérios para a indicação de candidatos às eleições. Os textos que compõem os apontamentos sobre os partidos recebem vários nomes: podem ser chamados de estatutos, ideários, código de ética, carta de princípios, programa partidário, resoluções, valores ou manifesto. Todos incluem questões de ordem prática para a organização do grupo e listam assuntos a serem defendidos ou refutados pelos agremiados. A análise desse tipo de documento de 21 partidos brasileiros, que possuem representação no Congresso, apontou que a menção explícita às questões religiosas é quase nula. Nos textos de seis partidos não há nenhum trecho que faça menção às questões de cunho pessoal. São eles: PV, PSD, PRP, PRTB, PHS e PDT. Treze agremiações partidárias, por meio de seus documentos, asseguram que entre seus preceitos fundamentais está a defesa irrestrita a liberdade para as preferências pessoais e manifestam-se contrários a qualquer tipo de opressão com relação àquilo que é diferente. Como, por exemplo, expressa o DEM no artigo 30º do seu Código de Ética: O Democratas assegura aos seus filiados as mesmas garantias e os mesmos direitos em igualdade de condições, especialmente: a) na participação das atividades políticas e partidárias; b) na liberal manifestação do seu pensamento, mesmo que discordante; c) no exercício da democracia, qualquer que seja o regime de governo; d) na prática da justiça; e) no resguardo da privacidade individual (CÓDIGO DE ÉTICA DO DEMOCRATAS)
Outro trecho, do programa do PCdoB, também explicita a intenção de que os filiados ao grupo tem liberdade para suas crenças e escolhas e devem atuar politicamente na defesa desta mesma possibilidade: Luta prioritária contra o racismo e por políticas de promoção da igualdade social para os negros; proteção, harmonização, efetivação e garantia dos direitos das etnias indígenas. O Estado combaterá as opressões e discriminações que desrespeitem a liberdade religiosa, e a livre orientação sexual. Garantia dos direitos de crianças, adolescentes, jovens e idosos, e políticas de acessibilidade universal para as pessoas com deficiência. Tratamento das tensões e diferenças no âmbito do povo sempre em prol do fortalecimento da unidade da Nação. (PROGRAMA PARTIDÁRIO DO PCdoB)
Outros grupos, de maneira diversa, mas com a mesma intenção, incluem em seus documentos a defesa pela liberdade no que tange ao foro íntimo do cidadão e confirmam que amparam todas as minorias e ideias discordantes, como bem explicita o programa de princípios
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básicos do PRB: “É intolerável toda forma de discriminação entre os cidadãos, seja de natureza econômica, social, de raça, religiosa ou de qualquer outra espécie”. Assim, seria possível depreender que os correligionários de partidos que afirmam defender a liberdade adotariam essa postura na vida parlamentar e questões de direitos das que estão exclusivamente ligados a decisões individuais, como a união homoafetiva, eutanásia e o direito à realização do aborto, por exemplo. No entanto, não é essa a prática dos parlamentares. Isso porque outro trecho de discurso comum nos documentos das agremiações partidárias é a possibilidade de, por crer ou defender algo muito particular, os congressistas poderem dar voto diverso àquele da bancada do partido. Para a votação das questões em discussão no Congresso Nacional, é de praxe que os representantes do mesmo partido sigam a orientação da liderança do grupo na Casa. Porém, em questões de cunho pessoal ou que dizem respeito à defesa da vida, o deputado ou senador poderá se posicionar de acordo com as suas posições pessoais. As questões de foro íntimo que são discutidas e votadas no Legislativo passam então, pelo crivo particular de cada parlamentar e não pela discussão de grupo com base no bem comum, que deveria ser gerada pelo partido. Os partidos que possuem artigos ou menção à possibilidade de abandonar a opinião do grupo para fechamento de questão quando esta interfere em crenças pessoais são: PMDB, PMN, PSDB, PSOL, PT e PTdoB. Para demonstrar a questão, é possível reproduzir aqui o que pode fazer um filiado do PT quando o que foi decidido pelo grupo fere suas decisões particulares. Ele pode: ser dispensado do cumprimento de decisões partidárias, em caráter excepcional, sempre que demonstrada a existência de graves objeções de natureza ética, filosófica, religiosa ou de foro íntimo, por decisão da Comissão Executiva do Diretório correspondente, ou, no caso de parlamentar, em decisão tomada em conjunto com a respectiva bancada parlamentar, precedida de debate amplo e público (CÓDIGO DE ÉTICA DO PT)
Assim como no trecho exposto acima, outros grupos partidários adotam a mesma postura. Como a ascensão a um cargo no Congresso Nacional é comum a políticos mais velhos e donos de uma tradição política extensa, há mais parlamentares com perfis conservadores nas Casas de Leis mais importantes do país. Nesses casos é possível imaginar que, mesmo que o partido defenda uma posição – por exemplo, a descriminalização do aborto – poderá ter parlamentares que sejam contrários a essa perspectiva e, dessa forma, esse direito continuará renegado àquela minoria que o exige. Aí é provável que esteja uma das razões para a formação de ampla e poderosa bancada evangélica, que se envolve em questões estritamente pessoais, que costumam ter grande apelo diante do eleitorado, principalmente em um país onde a religião é um ingrediente relevante. O
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Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que 64,6% da população brasileira se considera católica e 22,2% determinam-se evangélicos. Com esta possibilidade, é plausível que a ação parlamentar fique à mercê de decisões pessoais e não do grupo político. A bancada evangélica não está concentrada em um partido, mas possui representantes de várias agremiações. Em 2013, foram considerados os líderes da Frente Parlamentar Evangélica: João Campos (PSBD-GO), Anthony Garotinho (PR-RJ), Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Magno Malta (PR-ES) e Lincoln Portela (PR-MG). Os textos e documentos de todos os partidos analisados contêm indicações sobre o “fechamento de questão” e indicam que, em casos específicos de crença, os deputados poderão votar de acordo com o que diz a sua consciência. Essa prerrogativa pode enfraquecer as decisões dos partidos – que afirmam defender o direito a toda e qualquer opinião – e tornar a figura do político cada vez mais personalista, sem que entenda-se que o representante faz parte de um grupo mais amplo do que aquele que ele defende. Enquanto a maioria dos partidos, em teoria, menciona o respeito às religiões e minorias e defendem em seus programas e ideários, que seus filiados são livres para professar qualquer crença, dois grupos deixam claro, pelo discurso, que tem alguma ligação com entidades religiosas. O recém-criado Partido Ecológico Nacional (PEN), que é representado no congresso pelo deputado paranaense Fernando Francischini, ainda não tem seu estatuto e código de ética, que, de acordo com o site da entidade, estão em construção. Os filiados podem acessar apenas os chamados “10 mandamentos” do partido e um deles é o agradecimento diário à Deus pela beleza e perfeição da natureza. O título dos preceitos já faz clara alusão a passagem bíblica que diz que os mandamentos divinos foram enviados por Deus à Moisés. Além disso, um dos preceitos cita o agradecimento à entidade divina específica. O texto dá margem ao entendimento de que um ateu, por exemplo, não compartilharia dos mesmos mandamentos, ou seja, não estaria seguindo a cartilha do partido. O único partido com representação no Congresso Nacional que claramente se declara religioso é o Partido Social Cristão. O nome do partido já especifica que o grupo segue a “Doutrina Social Cristã, onde o Cristianismo mais do que um religião, representa um estado de espírito que não segrega, não exclui nem discrimina, mas que aceita a todos” (Estatuto do PSC). O partido, oficializado em 1990, cinco anos depois da reabertura política do país, usa o slogan “o ser humano em primeiro lugar” e diz se inspirar nos valores da religião cristã para atuar de forma justa, solidária e fraterna. A definição está descrita no estatuto do partido, disponível no site da agremiação. Esse documento faz menção à questão religiosa apenas quando apresenta a ideologia que rege o partido.
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Os demais trechos tratam da organização do grupo e citam outros dois textos que balizam a ação dos adeptos do PSC – manifesto e programa – mas não é possível acessa-los pela internet. POLÊMICAS E PECADOS O caminho percorrido até aqui evidencia que as relações entre as instituições legislativas brasileiras e a religião ocorrem de maneira velada. Como se viu, não é possível afirmar que os partidos políticos atuem na tentativa de impor a prática dos preceitos religiosos à sociedade brasileira. Essa atitude é realizada pelos próprios políticos. Ou seja, por mais que determinado deputado ou senador defenda a moral cristã ou religiosa no Congresso, não se pode afirmar, em momento algum, que os partidos respaldem tal comportamento. E, como os políticos são livres, de acordo com a maioria dos documentos normativos analisados, para expressar opiniões diferentes às da legenda, observa-se também o auto silenciamento e inércia dos partidos para coibir as imposições de cunho religioso, preservando assim as normas constitucionais. Desse modo, para compreender melhor como ocorre essa relação simbiótica entre a moral religiosa-cristã e o comportamento de determinados políticos, escolheu-se analisar dois projetos de lei e a repercussão de suas discussões no Congresso e na sociedade. O primeiro é o Projeto de Decreto Legislativo (PDL)n. 234 de 2011, que visa suspender a aplicação do parágrafo único do Art. 3º e o Art. 4º, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) nº 1/99, que estabelece normas de atuação para ospsicólogos em relação à questão da orientação sexual, popularmente conhecido como o projeto da cura gay. Já o Projeto de Lei n. 478 de 2007, que versa sobre o Estatuto do Nascituro, dando proteção integral aos direitos da criança por nascer.
E DEUS CRIOU O HOMEM E A MULHER... Considerado doença ou pecado, o homossexualismo somente deixou de ser reconhecido como transtorno psicológico em 1970 pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Em 1990, a Organização Mundial da Saúde retirou o homossexualismo da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados com a Saúde (CID 10). Nove anos depois, Conselho Federal de Psicologia, em acordo com a OMS, aprovou a Resolução n. 01/1999, que proíbe os psicólogos de ‘curar’ a homossexualidade e tratá-la como doença: Art. 3° - os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados. Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades. Art. 4° - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 1999)
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O PDL n. 234 de 2011 tem por objetivo sustar os artigos acima, devolvendo aos psicólogos a possibilidade de promover tratamentos que toquem à orientação sexual de seus pacientes, quando por eles solicitados. No texto do projeto, não há menção à questão da cura da orientação homossexual de um indivíduo. Sua justificativa se sustenta na argumentação de que a resolução do CFP restringe o trabalho dos profissionais e o direito da pessoa de receber orientação profissional, por intermédio de uma norma, que teria extrapolado o seu poder regulamentar. De acordo com o autor do projeto, o deputado federal João Campos, “a competência para legislar sobre direitos e deveres, é do Poder Legislativo, conforme estabelece o art. 22, 23 e 24 da Constituição Federal”(PDL 234, 2011), cabendo ao CFP, entidade vinculada ao Poder Executivo, a publicação de atos normativos que visem à correta aplicação da lei. Ou seja, para o autor, o PDL n. 234 aborda uma questão de legitimação do ato de legislar e não a orientação sexual. Em defesa, o autor afirma que o projeto devolve aos profissionais a possibilidade de atender o indivíduo homossexual em aflição por causa de sua orientação sexual e que não se trata de atribuir ao desejo sexual por uma pessoa do mesmo sexo o status de doença. O projeto teria começado motivado pela experiência da psicóloga Marisa Lobo, que defende o direito do profissional de psicologia apresentar ao paciente a possibilidade ser gay ou não. “O projeto do deputado João Campos surgiu por causa do meu caso. Eu o procurei e contei minha situação, pois sou a favor da família. Eu fui o pivô da história” (O HOJE, 2013, grifo nosso). A declaração de Marisa Lobo traz alguns elementos importantes para a compreensão da polêmica. A psicóloga é filiada ao PSC e em seu blog defende os direitos da família e da religião, condenando o casamento homoafetivo e afirmando os valores morais cristãos e a defesa da fé. Destaca-se que na sua página pessoal, Marisa Lobo traz várias postagens alertando o leitor sobre uma espécie de “ditadura gay” instaurada na sociedade, que tem realizado atos de ridicularização da fé cristã, o que ela chamou de “Cristofobia” (LOBO, 2013). O autor do projeto, por sua vez, é pastor auxiliar da Igreja Assembleia de Deus. Em sua página pessoal, é destacada sua trajetória na vida cristã: em 1973 converteu-se à Igreja Evangélica Assembleia de Deus na Cidade de São Miguel do Araguaia. Em 1980 foi consagrado Diácono, em 1988 Presbítero, em 1989 Evangelista e em 1996 Pastor Auxiliar da Igreja Assembleia de Deus de Vila Nova. Presidente da Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional – FPE. (CAMPOS, 2013).
Ao defender os valores da família (como é possível ver no grifo acima), a comunidade evangélica se ampara no texto bíblico, repetindo a máxima de que Deus criou o homem e a mulher, dotou-os de órgãos específicos especialmente destinados à reprodução e os tornou casal: “assim Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou. Macho e fêmea os criou”
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(GÊNESIS 1,27). O ser homossexual, segundo a doutrina cristã-evangélica teria surgido em decorrência da rebeldia do homem, motivado pelo Diabo a se rebelar contra Deus, como fez no jardim do Éden. O que se subentende é que a PDL 234, embora não toque na questão da orientação sexual, diante da discussão de cunho religioso, ganha aura de um projeto que tem por objetivo curar gays e lésbicas, devolvendo-lhes o estado de heterossexuais, habilitando-os construírem a idealizada família cristã, composta pelo homem, pela mulher e pelos filhos. Ademais, é possível inferir que a discussão do projeto é motivada por uma questão de ordem religiosa, trazendo à lume a relação de dependência ideológica dos parlamentares favoráveis ao PDL com as religiões que frequentam ou representam. Por fim, a título de exemplificação trazemos a imagem que ilustra a chamada para a reportagem “Não é doença, afirma OMS, mas virou grande polêmica”, publicada pelo jornal O Hoje, de Goiânia, e disponível no site pessoal do deputado federal João Campos.
FIGURA 1 – IMAGEM DA CAPA DO JORNAL O HOJE AUTOR: JORNAL O HOJE, 2013. A imagem, veiculada na capa do jornal, encena uma situação em que alguém com alguma inquietação busca ajuda profissional. Contudo, a ilustração não é neutra; reproduz estereótipos ao representar o personagem homossexual como franzino, medroso e melindroso, com dúvida de suas atitudes, enquanto o personagem heterossexual é musculoso, forte, arrojado e confiante. O simbolismo é ainda maior pelo fato daquele entrar na terapia com problemas a serem trabalhos e sair dela com as demandas atendidas.
NÃO MATARÁS Os direitos do ser humano que já foi concebido, mas ainda não nasceu podem ser definidos se o Projeto de Lei n. 478 de 2007 for aprovado no Congresso Nacional. O texto, conhecido como
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Estatuto do Nascituro, é um compêndio de direitos que protege o ser humano no útero materno, desde a concepção até o nascimento. Entre as previsões dispostas no Estatuto do Nascituro, está em seu artigo 4º que é
dever da família, da sociedade e do Estado assegurar ao nascituro, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, ao desenvolvimento, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à família, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (ESTATUTO DO NASCITURO, 2010)
Além de garantir que o nascituro passe a ter direitos, como à vida, atendimento pelo Sistema Único de Saúde e políticas sociais que garantam que nascerá sadio; o texto também aborda questões polêmicas, como o futuro do nascituro que é concebido em caso de estupro, por exemplo. Uma das versões do projeto chegou a prever que o aborto de nascituro, em qualquer caso – inclusive estupro – poderia acarretar condenação criminal e pena de um a três anos para quem o cometesse de forma culposa. Essa determinação, que contrariaria legislação vigente no país desde 1940, foi retirada do estatuto em sua última atualização. O Artigo 12 do estatuto prevê que o Estado e particulares não podem causar qualquer tipo de dano ao nascituro em razão de um ato delituoso cometido por algum dos genitores. Também prevê que, se for identificado o genitor, ele será obrigado a pagar pensão alimentícia. Caso isso não ocorra, nem a mãe tenha condições financeiras para sustentar a criança, caberá ao Estado o pagamento. Outro artigo polêmico trata da ajuda financeira para garantir a gravidez em decorrência de estupro. O texto defende, em seu 13º artigo: O nascituro concebido em decorrência de estupro terá assegurado os seguintes direitos, ressalvados o disposto no Art. 128 do Código Penal Brasileiro: I – direito à assistência pré-natal, com acompanhamento psicológico da mãe; II – direito de ser encaminhado à adoção, caso a mãe assim o deseje. § 1º Identificado o genitor do nascituro ou da criança já nascida, será este responsável por pensão alimentícia nos termos da lei. § 2º Na hipótese de a mãe vítima de estupro não dispor de meios econômicos suficientes para cuidar da vida, da saúde do desenvolvimento e da educação da criança, o Estado arcará com os custos respectivos até que venha a ser identificado e responsabilizado por pensão o genitor ou venha a ser adotada a criança, se assim for da vontade da mãe. (ESTATUTO DO NASCITURO, 2010)
O estatuto é de autoria dos ex-deputados Luiz Bassuma (PV-BA) e Miguel Martini (PHSMG). A relatoria da questão, até 2011, esteve a cargo da deputada Solange Almeida (PMDB-RJ). Todos ocuparam cargos eletivos até 2011. O texto tramita no Legislativo desde 2007 e estava parado na Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados há três anos, pois não havia consenso para a votação. Porém, no último dia cinco de junho a proposta foi aprovada pela comissão. Depois,
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para valer, o projeto de lei precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado e, por fim, por sanção presidencial. Não há prazo ou previsão para que isso aconteça. Os autores e a relatora do projeto não estão mais ocupando cargos públicos, porém, mantém sites e informações na internet que tornam clara a predileção pessoal dos políticos pela questão da defesa à vida e contra o aborto. Em um blog, Solange Almeida disponibiliza artigos de sua autoria que tratam sobre o início da vida – que para ela, seria no momento da concepção – e sobre a ação da Frente Parlamentar de Defesa à Vida. A biografia de Luiz Bassuma disponível no site da Câmara dos Deputados mostra que ele participou de congressos e seminário onde a temática de defesa da vida era a tônica mais relevante. Espírita, Bassuma deixa claro que é contrário ao aborto, como em postagem no microblog Twitter do dia 10 de dezembro de 2012: “é dia dos direitos humanas Oro pelas crianças mortas antes de nascer. Mais de 100 mil abortos por dia no mundo. Holocausto silencioso” (BASSUMA, 2012). Miguel Martini também aparece em sites pró-vida e em listas de políticos favoráveis à criminalização do aborto. Controversa, a tramitação do Estatuto do Nascituro gerou reações contrárias e favoráveis. Grupos adeptos à descriminalização do aborto e de defesa dos direitos das mulheres organizaram protestos em todo o país por causa da aprovação do texto na comissão de finanças. Já os partidários das mudanças propostas pelo estatuto comemoraram o passo dado na direção da sanção das medidas. Em uma ação que os jornais e colunistas classificaram de orquestrada, deputados e personalidades ligadas à causa evangélica e de direito a vida – como o pastor Silas Malafaia – comemoraram aprovação do estatuto no mesmo dia da aprovação da matéria. Uma manifestação em frente ao Congresso em defesa “da vida, da família e contra o aborto” foi realizada. O atual relator da proposta, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), integrante da bancada evangélica, declarou, que o projeto serve também para que os parlamentares evangélicos marquem sua posição nesse assunto. Para a bancada evangélica, representada de modo mais intenso pelo PSC, o pilar da manifestação feita depois da aprovação do Estatuto do Nascituro na comissão, foi a defesa da “família tradicional”7, a favor da vida e contra o aborto. Em sua página pessoal, Cunha expressa sua posição, logo depois de noticiar a aprovação do Estatuto do Nascituro na Comissão de Finanças e Tributação: “Não adianta acharem que a gente vai ficar calado e não vamos à luta. Aborto, não! Vamos ter de intensificar a nossa luta, orar e vigiar” (CUNHA, 2012)8. A declaração dá clara conotação religiosa à questão. Em defesa de sua 7
http://www.psc.org.br/comunicacao-psc/todas-as-noticias/2492-psc-comemora-aprovacao-do-estatuto-do-nascituro Declaração dada em matéria disponível no site oficial de Eduardo Cunha. Disponível em <http://www.portaleduardocunha.com.br/aprovado-na-comissao-de-financas-e-tributacao-da-camara-parecer-de-eduardo-cunha-paraestatuto-do-nascituro/11/1157.html> Acesso em 16/06/2013. 8
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opinião e do grupo que representa, o deputado deixa claro que vai incluir orações em sua rotina a fim de juntar forças à causa. Para o jornal Folha de São Paulo, Cunha e outro deputado evangélico, João Campos (PSDB-GO), no dia da aprovação da proposta, afirmaram que a intenção do grupo que vota a favor da proposta é defender os possíveis interesses da mulher que está grávida e do ser humano que foi concebido. “Se temos a compreensão que a vida começa na concepção, o princípio da proteção integral deve se estabelecer já concepção do ser humano”, disse Campos em entrevista. A defesa de que a vida começa na hora da concepção é defendida por políticos adeptos das tradições cristãs, uma vez que, para critérios científicos e pessoais – mesmo que ainda não unanimes – a origem da vida não está definida e portanto, não poderia fazer parte de regulamentos.
ASSIM SEJA É inegável que questões religiosas estão – de variadas formas – no cotidiano. A presença de aspectos religiosos, em especial da cultura cristã, se apresenta para toda a sociedade em aspectos corriqueiros como feriados, festas tradicionais, símbolos arquitetônicos das cidades, elementos religiosos no idioma, entre outros. Mesmo com os evidentes traços de religiosidade no cotidiano, o Estado, teoricamente, é laico, ou seja, não deve expressar religião específica e precisa acolher todas as crenças. Mesmo assim, dia após dia, vê-se a força e a ação de parlamentares – eleitos para serem representantes da sociedade neste mesmo Estado que não deveria professar religiosidade – que atuam a favor da causa religiosa. Denominada Frente Parlamentar Evangélica, o grupo tem defendido e trabalhado a favor das causas que acreditam. No entanto, essas causas tocam em direitos pleiteados por minorias e que, em sua maior parte, implicam questões de cunho estritamente pessoal, como a união homoafetiva e o aborto. Para entender de que forma é possível que a atuação desses parlamentares – que acaba sendo nociva para alguns grupos da sociedade civil – se fortaleça, ganhe espaço na mídia e nas decisões política do país, é que se propôs esse texto. Para isso, buscou-se verificar na Constituição Federal, carta maior de leis do Brasil, se havia alguma norma que revelasse permissões, limitações ou vedações acerca da relação de políticos com igrejas ou cultos religiosos. O que se identificou foi que a Constituição de fato estabelece o Estado laico e proíbe à União, Estados e Distrito Federal e Municípios qualquer vínculo de dependência ou aliança. Contudo, o texto não especifica se tal proibição recai sobre os políticos em exercício de mandatos. Paralelamente, foram analisados os documentos que regem as ações dos partidos políticos com representação no Congresso Nacional, tais como estatutos, cartas de princípios e códigos de ética. A análise desses conteúdos mostrou que as recomendações também são generalistas e
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implícitas: ao permitir que o político vote de forma contrária às decisões do partido, abre-se a possibilidade dele incorporar em suas ações e discursos a orientação religiosa. Além disso, no texto desses documentos, embora a laicidade domine o discurso, há trechos em que fica manifesta a presença dos traços cristãos. Esses elementos já demonstram que a ação da bancada evangélica está respaldada. Por isso, buscamos casos que ratificassem essa atuação, unilateral. Foram escolhidos dois temas que atualmente ocupam espaço nas discussões parlamentares, nos meios de comunicação e na sociedade civil. Foram analisados o texto e a repercussão do Projeto de Lei n. 478 de 2007, conhecido como Estatuto do Nascituro, que dá direitos ao ser humano que já foi concebido, mas ainda não nasceu; e o Projeto de Decreto Legislativo n 234 de 2011, o projeto da “cura gay”, que possibilitaria a psicólogos oferecer tratamentos para a homossexualidade, que poderia ser tratada como doença. As duas propostas são de autoria ou tem a relatoria de deputados ou ex-deputados integrantes da Frente Parlamentar Evangélica. Em ambos, a defesa das ideias sempre passa por argumentação favorável a valores como família e tradicionalismo, dando a entender que a aprovação dos projetos tornaria a sociedade mais sadia. Porém, as duas propostas tratam de questões pessoais: a mulher que decide abortar ou a pessoa que decide se relacionar com pessoas do mesmo sexo estão fazendo escolhas que dizem respeito ao seu próprio corpo. Dessa forma, utilizando rótulos como “defesa da vida” e “defesa da família”, os parlamentares ganham e garantem adesão. No entanto, as denominações são fantasiosas, uma vez que não há grupos contrários a vida ou a família e sim, minorias que buscam direitos ou lutam por reconhecimento. A análise dos documentos e casos aponta para o seguinte panorama: a atuação dos deputados da bancada evangélica pode minar a luta por direitos das minorias. Podendo apelar para questões religiosas e que envolvem a moral, os parlamentares – que ocupam cargo público – atuam em defesa de causas particulares e que ferem a individualidade dos cidadãos. Uma atuação mais objetiva e menos pessoal dos políticos poderia tornar as votações e propostas discutidas no Congresso Nacional mais efetivas para questões que de fato afligem a sociedade, sem que causas particulares e de cunho religioso ocupem a pauta das casas de leis mais importantes do país. REFERÊNCIAS AZEVEDO, D. A Igreja Católica e seu papel político no Brasil. Revista Estudos Avançados. Volume 13, nº 52, São Paulo, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/ scielo.php?pid=S010340142004000300009&script=sci_arttext> Acesso em: 13 mai. 2013. BÍBLIA. Português. Tradução de Ludovico Garmus. Petrópolis: Vozes, 1982, p. 29-30 Gênesis cap. 1, vers. 27.
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COMUNICAÇÃO GOVERNAMENTAL COMO BASE PARA A COMUNICAÇÃO ELEITORAL: O CASO DE GUARULHOS (2000-2012)
Elaides Basilio Andrelino Univeridade da Flórida
INTRODUÇÃO Nos últimos anos a comunicação no setor público tem crescido largamente em nosso país. Esse crescimento se deu com o processo de redemocratização, após o período ditatorial, quando a sociedade brasileira apresenta um novo quadro, buscando o fortalecimento, a independência política e ideológica dos mais variados setores populares, especialmente dos trabalhadores. Antes, porém, a comunicação existia em seu formato fechado, controlado pelo Estado e a serviço da propaganda, enquanto o país vivia sob forte censura. A partir de 1984 surge a necessidade de os governos estabelecerem dinâmicas comunicacionais mais eficientes em busca de um melhor relacionamento com a população. Não somente no sentido de prestar contas aos cidadãos sobre de que forma estão sendo gastos os impostos arrecadados, mas informações sobre ações e serviços, com a finalidade de aumentar o conhecimento do cidadão sobre seus direitos de utilização desses serviços, além de trabalhar o viés educativo, promovendo a conscientização e o incentivando a ações positivas. Para Jorge Duarte (2011 apud KUNSCH), em seu artigo Sobre emergência dos conceitos de Comunicação Pública, esse relacionamento do cidadão com a estrutura pública vai mais além, ele (...) deve possuir informação consistente, rápida e adaptada às suas necessidades. Ele precisa saber quando pagar impostos, onde e quando buscar uma vacina, como discutir políticas públicas, conhecer as mudanças na legislação, como usufruir de seus direitos e expressar sua opinião. Deve conhecer a opinião dos governantes sobre cada assunto, os planos das autoridades a respeito da gestão do Estado. Precisa ser atendido, orientado, ter possibilidade de falar e saber que prestam atenção ao que ele diz (DUARTE, 2011, p.129).
Mas o que se pretende com o presente artigo não é provocar uma discussão sobre o dever do Estado e os direitos da sociedade, porque muitos autores tratam desse assunto com muita competência. O que queremos abordar é o papel da comunicação governamental e sua utilidade para a comunicação eleitoral num processo de construção de uma imagem positiva do espaço onde vivem os cidadãos, gerando oportunidades de novos investimentos e de alavancagem da autoestima da sociedade. O foco do artigo será a administração municipal, esfera em que a proximidade entre governo e munícipes é maior em função das ações e repercussões, que se dão em âmbito local.
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O que se tem visto nos últimos anos, apesar de todo o desenvolvimento tecnológico e da criação de novas ferramentas de comunicação que possibilitam interação entre sociedade e poder público, como por exemplo, as mídias sociais digitais, é que algumas instituições ainda fazem uso de sua comunicação com um viés exclusivo do emissor. Nesse sentido, Alessandro Rovinetti (1992 apud HASWANI, 2010) considera a questão da comunicação pública com profundidade abrindo um leque que possibilita uma multiplicidade de funções como “direito, serviço, imagem, diálogo, conhecimento, organização”. Do mesmo modo, Haswani endossa que esse processo de comunicação deve
(...) antes de tudo, informar os cidadãos, garantindo o reconhecimento, não só formal, do direito a serem informados. Da informação, deve-se passar à construção de um diálogo, sabendo-se que não existe um cidadão médio, mas cidadãos diversos; é necessário, portanto, conhecer os próprios públicos de referência, endereçando mensagens focadas e solicitando a possibilidade de resposta (HASWANI, 2010).
Apesar de a comunicação pública ser considerada ainda um processo em andamento e que precisa ser melhorada no sentindo de trazer mais qualidade de interação na relação entre instituições públicas e cidadãos, algumas instituições já traçam caminhos no esforço de que essa comunicação tenha participação direta na construção satisfatória e duradoura da relação governos e sociedade. Essa forma de relação, sem sombra de dúvida, se faz necessária diante das emergências de um novo olhar para a comunicação pública. Nos últimos anos as revoluções comunicativas vêm alterando a sociedade de maneira significativa na forma de pensar, agir e sentir. Com as inovações tecnológicas surgem novas possibilidades e diferentes ferramentas comunicacionais que propiciam a interação e ampliam o acesso às informações. Nesse sentido, é possível verificar que não há mais emissores que atuam de forma unidirecional, pois o poder de diálogo abre novas formas de informar, debater e interpretar o mundo. Por isso, vem sendo criadas estruturas comunicacionais que prezam por um sistema integrado de comunicação que assegure, segundo Vignudelli (1992 apud HASWANI, 2010), “em primeira instância, publicidade e compreensão das produções normativas” (VIGNUDELLI, 1992) e que assegure “serviços de informação ‘capazes de satisfazer específicas necessidades dos usuários’” (ROLANDO, 1992 apud HASWANI, 2010). Contudo, há de se ter como base os requisitos mínimos que propiciem que essa atividade seja “contínua, inserida em uma estratégia de intervenção com o objetivo de evitar o risco de ações fragmentadas, não coordenadas e incoerentes, e que seja realizada por um quadro dotado de profissionalismo específico” (HASWANI, 2010), para que a comunicação governamental seja
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direcionada de maneira transparente, traduzindo assim, o retrato da ética do governo perante os seus cidadãos. Dentro dessa perspectiva é possível considerar que o bom uso da comunicação governamental não depende, exclusivamente, do desempenho e da disposição do governante, mas principalmente da equipe responsável pela gestão das políticas de comunicação, pois quanto mais qualificado for o trabalho desenvolvido por esses departamentos estatais, melhor o resultado e eficiência na disseminação das políticas, programas e ações (LASSANCE apud HASWANI, 2010, p. 167).
OS DOIS FOCOS DA COMUNICAÇÃO GOVERNAMENTAL A comunicação governamental possui dois focos. De um lado ela é responsável pela construção da agenda pública, com o compromisso de prestar contas de suas ações, propiciando o acesso aos serviços disponíveis à população. Sua finalidade não é simplesmente informar sobre o que está sendo feito no governo, mas principalmente educar, promover a conscientização, a mobilização, assegurar a cidadania, buscando sempre democratizar a informação de interesse social. Visando não somente o uso racional dos recursos municipais, mas, principalmente, cumprir o papel como agente meio na construção de uma efetiva mudança na qualidade de vida da sociedade. Do outro lado, essa comunicação tem o papel de focalizar suas ações visando também a construção da imagem do governo, sem desmerecer o processo de formação de um relacionamento direto com o cidadão tendo em vista que este é o principal agente que contribui para esse processo de construção. Aliás, as ações de interesse público e institucional devem caminhar juntas, sempre respeitando os direitos do cidadão e o princípio constitucional da impessoalidade no que se refere aos gestores. Dentro dessa configuração, a comunicação governamental tem o desafio de atender os dois lados buscando os meios adequados, necessários, para que a estratégia de comunicação não seja feita de forma desmedida, desmerecendo outros pontos centrais que devem ser destacados no planejamento da comunicação governamental.
CONSTRUÇÃO DA IMAGEM O sistema de comunicação do Estado tem como uma de suas principais atribuições garantir a visibilidade da esfera pública. A visibilidade, aliás, é ponto essencial da estratégia de comunicação, pois deve levar à comunidade o espírito da administração. Segundo Gaudêncio Torquato (2004) deve “preservar sua identidade”, que é sinônimo de caráter, diferentemente de imagem, que é o que o governante pretende passar à opinião pública. Há aí o risco de esta imagem cair no exagero, o que poderá comprometer até a sua identidade, pois certamente o cidadão se questionará se aquilo que está sendo passado é realmente verdadeiro. Torquato defende que para definir o discurso da
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comunicação pública, dentro do conceito de “marketing permanente” – marketing político –, ou seja, de fazer de programas de governos a base para a comunicação eleitoral, é preciso saber o que se quer passar à opinião pública. “Na administração pública, trabalha-se com muitos aspectos, muitas ideias. O resultado é uma colcha de retalhos. A identidade acaba sendo canibalizada pela multiplicidade de ângulos. E as administrações não transmitem a essencialidade dos programas” (TORQUATO, 2004, p. 139-140). Por isso é necessário selecionar áreas prioritárias para delas extrair “ideias-síntese” que irão balizar o programa de comunicação da administração. Não se pode deixar de lado a constatação de que o discurso visa a construir a imagem pública e, nesse processo, deverá considerar que o cidadão, receptor desse discurso, geralmente mediado pelos meios de comunicação, formulará sua própria visão a partir de fatores como o seu repertório cultural, psíquico e informativo. Somente daí é que irá aderir ou não a essa formulação. Assim, se trata de um processo que carece de ser permanente e não temporário, com o risco de cair na armadilha que o senso comum qualifica da seguinte forma: “no período eleitoral todo candidato diz ser do povo” (TORQUATO, 2004, p. 142). Uma vez firmada a imagem pública durante o exercício da administração, por meio de um discurso apoiado em “ideias-síntese”, se escapará ao imediatismo oportunista do marketing político eleitoral de última hora. Esse princípio visa, por fim, uniformizar o discurso público com benefício futuro, pois manterá um posicionamento harmonizado, de modo que, no período eleitoral, o trabalho de campanha ecoará o mesmo discurso. É a essência do marketing político, que o ajudará a “ampliar as pontes de comunicação com as comunidades, a prestar contas periódicas, a criar climas de aproximação e simpatia, a abrir fluxos de acesso, a identificar pontos de estrangulamento nas estruturas burocráticas, a identificar anseios, expectativas e demandas sócias e, sobretudo, a estabelecer um clima de confiança e credibilidade” (TORQUATO, 2004, p. 141). Nesse ponto toca-se um aspecto que, segundo alguns pesquisadores, é um dos pontos essenciais dentro do processo eleitoral, especialmente aquele que trata das reeleições, que é o recall. O termo em inglês pode ser traduzido com “chamar de volta” e no jargão do marketing político se refere à memória retida pelo eleitor da persona do candidato. Segundo Alberto Carlos Almeida, o eleitor, em seu processo de escolha, passa por três etapas: avaliação do governo, identidade dos candidatos e lembrança (recall). Nesse sentido, ele defende que numa corrida eleitoral sai na frente quem é lembrado pelo eleitor. No caso de uma candidatura para reeleição, pesquisas apontam que sua vantagem é muito mais em função do seu bom recall do que do fato de ter a máquina administrativa na mão. “O recall não aumenta repentinamente numa eleição. Não tem mágica. O processo de aumento do recall vem da carreira
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política. (...) Os candidatos com alto recall que perdem a eleição são os que saíram de governos mal avaliados, o que é um indicador indireto de rejeição.”1
O CASO DE GUARULHOS Na busca por um caso concreto para exemplificar aquilo que, em geral se baseia somente em conceitos teóricos, trouxe a experiência da cidade de Guarulhos para tentar deixar a questão mais palpável. O município de Guarulhos é a segunda maior cidade do Estado de São Paulo ficando atrás apenas da Capital. Conta com uma população de mais de 1,2 milhão de habitantes e um território com área de mais de 300 quilômetros quadrados. Possui características e carências que requerem uma atenção especial dos governantes, principalmente, quando o assunto é a realização de campanhas de comunicação institucional. Por estar territorialmente ligado à Capital, o município tem dificuldades em desenvolver mais plenamente a comunicação direta com o cidadão, muitas vezes prejudicada pelo fato de não possuir uma TV aberta (própria), ficando sujeito à programação televisiva passada nas redes de televisão do município de São Paulo ou tendo que buscar outros meios, como a TV a cabo, por exemplo, o que não atende a grande parte da população guarulhense. O mesmo caso acontece com a mídia impressa. A cidade conta com apenas três jornais “relevantes”2, que possuem baixo alcance, e distribuição feita basicamente na região central da cidade, enquanto os bairros mais afastados são desprivilegiados por não receberem informações. Do mesmo modo é a restrição das emissoras de rádio segmentadas. A cidade possui somente duas e, além disso, sua frequência é apenas na faixa AM. Nesse sentido, quando o acesso à informação é difícil, a solução é buscar a criação de novos meios, ou seja, meios próprios, levando em conta que o acesso aos meios de comunicação é vital para a expansão de uma causa (NUNO VAZ, 1995, p. 158). Nessa perspectiva a comunicação governamental, além de buscar soluções, criatividade e inovações para atingir o seu público, precisa estar atenta à responsabilidade no cumprimento de seu papel enquanto aparelho de Estado, garantindo o compromisso de prestar um serviço de qualidade aos cidadãos.
CENÁRIO POLÍTICO E ELEITORAL Para tentar entender e analisar o processo de construção do recall aliado ao desenvolvimento da comunicação governamental e sua utilidade na construção de uma imagem perante os cidadãos e
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Palestra ministrada durante o curso de especialização “Marketing Político e Propaganda Eleitoral”, da ECA/USP, em: 31/03/ 2012. 2 Considerando-se periodicidade e tiragem.
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o benefício que leva para uma disputa eleitoral, é necessário reconstituir o quadro político da cidade de 2000 até 2012. As três últimas eleições majoritárias no município de Guarulhos revelam a hegemonia do Partido dos Trabalhadores (PT), que em 2000 rompe um ciclo de domínio de agremiações conservadoras, como o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), e de nomes de ex-prefeitos como Paschoal Thomeu e Néfi Tales. Ao tornar-se prefeito, naquele ano com 213.838 votos (50,13% contra 49,87% obtidos por Jovino Candido, do Partido Verde, em segundo turno), Elói Pietá inaugura uma série de três mandatos petistas, que passa por sua reeleição em primeiro turno em 2004 com 278.555 votos (53,59% contra 30,36% de Jovino Candido). Concluindo seu mandato com 80% de aprovação pela população da cidade, consegue eleger seu sucessor em 2008, Sebastião Alves de Almeida, em segundo turno com 320.472 votos (56,68% contra 43,32% de Carlos Roberto, do PSDB). Este se reelege em 2012, também em segundo turno, com 344.238 votos (60,73% contra 39,27% do mesmo Carlos Roberto, do PSDB). Antes da vitória, em 2000, Elói Alfredo Pietá tinha sido vereador de Guarulhos entre os anos de 1983 e 1990. Foi eleito Deputado Estadual em 1990, sendo reeleito por mais duas vezes (1994 e 1998). Durante o seu mandato de Deputado, em 1992, foi candidato a prefeito de Guarulhos pela primeira vez, contudo não obteve sucesso eleitoral nessa disputa. Em fevereiro de 2000 disputou as prévias do partido com Orlando Fantazzini, sendo escolhido o candidato à Prefeitura com a missão de vencer o então prefeito Jovino Cândido (PV) e o ex-prefeito Paschoal Thomeu (PTB). No início da disputa Elói aparecia somente com 9% nas pesquisas de intenção de voto. A reação se deu em setembro, quando atingiu os 40% de intenção de voto. “Nas vésperas do primeiro turno os promotores públicos entraram com uma denúncia eleitoral contra Thomeu, que repercutiu na TV Globo, e que, se ao final do processo não deu em condenação, alterou o quadro eleitoral. Vencemos por pequena margem no segundo turno”, afirma Elói em artigo publicado em seu blog.3 A margem foi de 0,13%, pouco mais de mil votos num colégio eleitoral de 522 mil votantes. O que impulsionou sua vitória e a virada sobre o candidato até então preferido pelo eleitor foi um fato ocorrido na última semana de campanha. O Ministério Público pediu a cassação da candidatura de Thomeu, o que não se confirmou. Entretanto, o fato foi repercutido em reportagem veiculada pela TV Globo, o que impactou negativamente na campanha do candidato. Já o candidato Jovino, à época prefeito, havia assumido no lugar de Néfi Tales, dois anos e meio antes, pois era seu vice. Tales perdeu o mandato por improbidade administrativa, enriquecimento ilícito e irregularidades no repasse de verbas para a Câmara Municipal, sendo cassado por 16 votos a 5. Após o evento, Pietá teve atuação destacada como deputado estadual ao 3
Disponível em: <http://www.eloipietavereadoraeneide.com.br>. Acesso em: 20/07/ 2012.
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denunciar no Ministério Público casos de corrupção na Câmara. Outro fator que contribuiu para a eleição de Pietá foi o mau desempenho de Jovino à Prefeitura. “De nossa parte, nos empenhávamos em divulgar o nosso programa de governo para a cidade, mostrar a ligação de nosso adversário com o prefeito cassado, e a paralisia da administração”, conta Elói. A análise dos votos que deram a vitória a Elói em 2000 mostra que havia uma nítida divisão na cidade, tanto na classe média como nas classes populares. O foco da campanha foi em cinco pontos: saúde, educação, trânsito, habitação e orçamento participativo. Além da mais evidente, a moralização política. Se naquele período a divisão e a vitória por ínfima margem prometia um novo período político, na eleição de 2004, o quadro era completamente outro. Tanto que a vitória se deu no primeiro turno: com 53,6% dos votos derrotou novamente Jovino, desta vez com 30,4% dos votos. Durante sua administração ele havia conseguido construir uma imagem positiva, tanto que, conforme já mencionado, sua aprovação final havia batido os 80%. Parte desse desempenho foi propiciado pela eleição em 2002, de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência, o que permitiu a assinatura de convênios e parcerias nas áreas de saúde, educação e habitação. Além disso, investiu na infraestrutura e no desenvolvimento urbano. Reequilibrou as finanças do município e o colocou entre as dez cidades com maior Produto Interno Bruto do país. Sua reeleição contou com a votação maciça da Zona Leste da cidade, região formada por trabalhadores do setor industrial, enquanto o voto conservador se restringiu à região central. Isso comprova que ele soube construir a imagem de governo e fazê-la alcançar a base eleitoral do seu partido. Além disso, duas contribuições para a região onde a votação no candidato foi concentrada impulsionaram esse desempenho: a construção do campus da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Hospital Pimentas-Bonsucesso. Durante a sua segunda gestão foi criada a Secretaria de Comunicação, que centralizou as ações de planejamento estratégico de comunicação e divulgação de informações dos demais órgãos e secretarias de governo. Com isso a comunicação foi uniformizada, se tornando menos suscetível às crises políticas e cumprindo ações estratégicas de modo a garantir o direito do cidadão de ter acesso às informações do governo, se beneficiando das realizações governamentais. Ao final do seu segundo mandato, Elói tinha mais um desafio, o de fazer o seu sucessor. A tarefa, como veio a se confirmar, não era fácil. Jovino, mais uma vez, disputa a prefeitura e tem a preferência no início da corrida eleitoral. E o PSDB apostava no vereador Carlos Roberto. As prévias do PT polarizou a disputa entre o nome apoiado por Elói, Eneide Moreira Lima, sua vice-prefeita, e Sebastião Almeida, vereador eleito em 2000, nomeado por Elói como superintendente do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAEE), foi eleito deputado estadual em 2002, sendo reeleito em 2006. As bases do partido escolheram Almeida, que obteve o apoio de Elói. O programa de governo do candidato petista trazia em sua capa a inscrição: “Elói Pietá apresenta o
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seu candidato a prefeito”, e o depoimento: “Apoio o Almeida para prefeito porque ele é o candidato mais preparado para continuar o nosso trabalho na Prefeitura”.4 Enfim, o mote seria a continuidade. Tanto que o mesmo documento comparava realizações da administração de Elói e o programa de governo do candidato, sempre enfatizando a continuidade. Foram privilegiados quatro temas: cidadania e desenvolvimento social, qualidade de vida urbana, gestão eficaz da cidade e participação e controle popular. Almeida chegou ao final do primeiro turno com 47% dos votos e, não fosse o bom desempenho de Carlos Roberto (23%), que desbancou Jovino nas intenções de voto, liquidaria a disputa. No segundo turno, a vantagem se confirmou: Almeida se elegeu com 56% dos votos contra 43% de Carlos Roberto, o que, de alguma forma, manteve a divisão política do eleitorado de Guarulhos. A vantagem nas três disputas em que prevaleceram os candidatos petistas foi justificada pelo recall, no caso de Elói, e no projeto de continuidade no caso de Almeida. Dada a pouca margem nos casos apresentados, a importância da comunicação governamental se torna fator estratégico na definição da disputa política na cidade. A análise da votação mostra que os votos que Jovino obteve nas eleições anteriores foram afetados pelo candidato do PSDB, Carlos Roberto. E a vantagem petista na região onde prevalecem as classes populares foi mantida, o que fez a diferença na disputa. As eleições municipais de 2012, com a candidatura de Almeida à reeleição, trouxeram um panorama em que a oposição se unificou, de modo a fortalecer a polarização entre PT e PSDB que se repete nas disputas aos governos estadual e federal. Mais uma vez, o peso da comunicação governamental no processo despontou como fator essencial para garantir o recall de Almeida pela população. Tanto que por muito pouco o candidato não venceu o pleito já no primeiro turno, em que obteve 49,65% dos votos (283.864) contra 29,37% do candidato do PSDB (167.894). No segundo turno, a vantagem foi ampla: 60,73% contra 39,27%. Certamente, o bom recall fez a diferença. Isso se deu, em grande parte, pelo trabalho em conjunto de comunicação governamental aliado com a comunicação eleitoral, onde foram utilizadas estratégias de comunicação de microtargeting5, necessárias para estimular a lembrança dos guarulhenses das ações do governo Almeida, e assim, obter o recall necessário para decidir o pleito. CONSIDERAÇÕES FINAIS Num cenário onde a comunicação governamental tem um peso tão importante na disputa eleitoral, a construção da imagem e a importância de fixar o recall disputam espaço com o propósito primeiro da comunicação pública, que é atender o direito à informação do cidadão. Ao 4 5
Disponível em:<http://download.uol.com.br/eleicoes2008/guarulhos-almeida.pdf>. Acesso em: 20/07/2012. Estratégia de marketing direto que envolve a análise segmentada (ou por cluster) da base de dados dos eleitores.
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alinhar os dois propósitos dessa comunicação, opta-se por um processo ao mesmo tempo mais completo e complexo, portanto mais abrangente politicamente. Imagem pública não é uma entidade fixa, definitiva, sempre igual à si mesma e assegurada para todos os seres reais. Ao contrário, a existência real não é garantia de imagem pública, imagens podem deixar de existir sem que as pessoas ou objetos a que pertençam também o façam, imagens podem alterar-se para melhor ou pior com relação àqueles a quem pertencem ou mesmo de forma absolutamente independente destes, imagens podem ser construídas, destruídas, reconstruídas num processo sem fim e sem garantias. (GOMES, 2004, p. 264-265).
Algo distinto do senso comum, que costuma jogar qualquer ação de comunicação governamental na vala comum da expressão “uso da máquina”. Saber conjugar esses propósitos é função de profissionais especializados e dedicados a essa função, com o compromisso de apoiar e ter a visão global de todo o processo. Somente eles podem e têm meios de redefinir a imagem pública, construir, desconstruir e reconstruir sem perder a visão de conjunto, pois o impacto de um mau resultado implica na perda da representação pública. E o do bom resultado é o exercício pleno da política, em sua melhor acepção dentro do contexto democrático.
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COMUNICAÇÃO GOVERNAMENTAL, CIDADANIA E NOVOS HÁBITOS: UMA ANÁLISE DO PROJETO “RESPEITE O PEDESTRE” NA CIDADE DE SÃO PAULO Roberto Gondo Macedo Universidade Presbiteriana Mackenzie
INTRODUÇÃO Promover um equilíbrio no planejamento de ações públicas necessárias, aliadas com potencial de fortalecimento de identidade da gestão com a população é um desafio presente em todas as esferas governamentais. Todavia, quanto maior for a cidade, estado ou país, as exigências naturais de maior investimento e estrutura dificultam as implantações e acompanhamentos. Com grande aumento populacional no planeta, diversos atores sociais da sociedade incorporam novos parâmetros para comportamento e hábitos de vida, principalmente em representativos centros urbanos. Essas práticas normalmente são tidas como referências e aprovadas por mecanismos e organismos internacionais de relevância, como a Organização das Nações Unidas, com seus pilares para um mundo melhor. Diante desse contexto, reduções de índices urbanos de violência civil e melhorias nas condições sociais das populações são fortemente considerados na avaliação de indicadores de desenvolvimento humano, com parâmetros internacionais instituídos por organizações continentais, como o IDH6. Uma boa avaliação desses indicadores pode corroborar para o fortalecimento do trabalho de comunicação governamental e em ampliação da base de fundamentação das campanhas de propaganda da gestão, reportando em maior aprovação do governo por parte da população. Programas que são desenvolvidos para promover uma ampliação do senso de conscientização social devem ser planejados de modo equilibrado, evitando serem interpretados como ações comuns e, portanto não relevantes para o indivíduo. Em contrapartida também não é aconselhável ser um processo traumatizante para o usuário ou cidadão, trabalhando apenas conceitos estatísticos de conotação negativa, como número de mortos ou exposição explícita de cenas trágicas.
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O Índice de Desenvolvimento Humano possui finalidade representativa no universo público global, porque analisa por intermédio de indicadores, quais são os países que estão mais bem avaliados no conceito de desenvolvimento econômico e no nível de qualidade de vida proporcionado para a população. Foi elaborado e controlado pela ONU, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. (PNUD).
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Ações sob o escopo publicitário ou propagandístico devem ser adequadas para o contexto regional a que pertencem. Campanhas com características frias e racionais, normalmente não são bem assimiladas pelos brasileiros, muito decorrente de seu comportamento mais emotivo, comparado com o universo europeu ou demais regiões do planeta, cujo grau de instrução e comportamento é diferenciado de muitos países emergentes, com representativas dificuldades de crescimento. Países e cidades com grande visibilidade estratégica para o cenário econômico internacional devem focar esforços para a construção de sua identidade comunicacional e fortalecimento de sua marca diante de seus pares sociais, embasados no conceito de brand. A cidade de São Paulo, por ser uma referência internacional e grande liderança econômica latina americana, desenvolve projetos em duas frentes de estratégia pública: ações vinculadas a um pragmatismo de cidades, com obras e intervenções para melhoria estrutural, como também projetos que possam promover novas práticas de comportamento da população, contribuindo para um contexto mais agradável e cidadão dos munícipes. A relevância da temática apresentada nessa pesquisa é decorrente de ser um projeto desenvolvido exclusivamente para a melhoria da conscientização de pedestres e demais envolvidos da cadeia de controle de tráfego, como motociclistas, motoristas de automóveis e veículos pesados, dentre outros. De modo consequente, a melhoria dos hábitos dos indivíduos de uma região indubitavelmente promoverá novas melhorias de comportamento social e com representativas chances de redução de dados estatísticos preocupantes, como no caso do Projeto “Respeite o Pedestre”, o número de pessoas que são atropeladas por negligência de atravessar nas faixas de pedestres. A descrição da ação versa como que a campanha utilizou de viés humorístico e ameno para tratar de um assunto de grande importância e repercussão, como também as estratégias apresentadas na campanha de propaganda governamental, visando interagir a sociedade com a discussão em foco e propiciar maior arcabouço informacional para o cidadão.
PRÁTICAS CIDADÃS E POLÍTICAS PÚBLICAS NA ERA INFORMACIONAL Em uma realidade temporal de intensas desigualdades sociais e de estilos de vida individualistas e centrados na conquista de objetivos predispostos pelo consumo capital, principalmente nos grandes centros urbanos, planos comunicacionais de governo para conscientização cidadã sempre correm altos riscos de não obterem efetividade real. A sociedade contemporânea brasileira, em sua maior representatividade não possui o hábito de participar ativamente dos macros debates relacionados às melhorias sociais e políticas. Esse
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comportamento é negativo com o decorrer dos anos, porque permite que gerações mais recentes não tenham vínculos mais reflexivos no viés regional, econômico e social de onde vivem. É notória a importância de ações governamentais factuais para o desenvolvimento econômico e regional das cidades e países: seja na construção de infraestrutura que permita o crescimento dos índices de empregabilidade, ou na construção de meios para assistir a população nos seus anseios básicos de vida, como saúde, moradia, educação, lazer, dentre outros. Em contrapartida, também é necessário que ações públicas sejam elaboradas para ampliar a interação social de classes, bem como difundir o pensamento colaborativo na rede social física que envolve toda a população. Ações como respeito no trânsito: leis e comportamentos, melhoria da qualidade de vida, por intermédio de ações estabelecidas em parceria com os poderes e preocupação com o contexto global e ambiental são vertentes internacionais que devem ser desenvolvidas regionalmente, mobilizando grupos sociais a viverem com hábitos cidadãos mais saudáveis e integradores. Esse ponto fica fortalecido com o posicionamento de Coelho; Favareto (2007, p.42), onde a “valorização do fator social na emergente concepção do desenvolvimento confere cada vez mais atenção à efetividade da política pública”. Campanhas realizadas na contemporaneidade devem ser embasadas em pilares informacionais das redes sociais, visando envolver toda a sociedade, que a cada ano que passa, está mais integrada à novas mídias e começando a incorporar um hábito de acesso à informação sob uma égide de mobilidade, por intermédio de seus equipamentos eletrônicos e de telefonia, como smartphones e tablets. O processo de formação para o cidadão tem perspectiva de uma profunda mudança que foi acelerada pelo uso crescente da tecnologia e redes de comunicação interativas que acompanham e ampliam uma mutação na relação do saber com as capacidades cognitivas, redefinindo possibilidades, oportunizando a criação coletiva distribuída, aprendizagem cooperativa e colaboração em redes oferecidas pelo ciberespaço. (LEVY, 1999, p. 78).
A inspiração para o desenvolvimento de políticas públicas que permitam que o governo estimule e interaja com a população não somente com aspectos de infraestrutura e pragmatismo operacional é compreendida por diversos autores como uma composição e prática de um “governo educador”. Vale salientar que apesar de uma vertente analítica deveras complexa de ser implantada em grandes proporções, o conceito é pertinente e pode ser mais detalhado nas concepções fundamentalistas de Bernet (1999) onde o governo de uma cidade ou país, pode e deve se preocupar com ações que propiciem um aprendizado cidadão para os indivíduos e que esse cenário não deve ser responsabilidade somente das escolas, mas sim do sistema como um todo.
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Usando de todos os recursos possíveis e disponíveis, o poder público deve sempre promover inserções que ampliem a capacidade reflexiva da população, desenvolvendo um ambiente salutar de integração e crescimento intelectual com relação ao contraponto de direitos e deveres: da esfera pública e do cidadão. O planejamento de campanhas que conscientizem um melhor comportamento social, como exemplo da pesquisa, dentro do escopo de violência no trânsito é um contexto que pode perfeitamente incutir novos hábitos e reflexões para a população, perfazendo novos formatos de dinamismo regional, diminuindo problemas acentuados de violência e permitindo amplitude de atitudes cidadãs. O poder privado também pode ser ator social contribuinte de ações macro, normalmente de acordo com suas práticas e segmentos de mercado. A campanha nacional estabelecida pela companhia de seguros Porto Seguro, denominada “Trânsito mais Gentil”, que teve início no ano de 2010, possui efeito contributivo em campanhas públicas de mesmo tema, envolvendo o indivíduo na realidade de consumidor de uma prestação de serviço, mas integrado com ações promovidas pela gestão pública. Em um cenário integrado, para Araújo (2011, p.63) “o conceito de governo integrador tem diversos significados, é versátil, adquire uma função retórica e consiste no reconhecimento de que as cidades educam”. De todo modo, o senso convergente das novas tecnologias da informação, mais acentuadamente nas duas últimas décadas, promoveu um vertiginoso crescimento do uso das redes sociais e demais canais de comunicação para o trânsito e potencialização de movimentos sociais regionais e internacionais, amenizando o processo de desinteresse dos cidadãos para o exercício de suas práticas éticas e saudáveis. A informação tem sido um elemento fundamental para o desenvolvimento da humanidade, desempenhando um papel determinante ao marcar os ritmos e os padrões de desenvolvimento em diferentes áreas da sociedade, ao mesmo tempo que vem impondo uma nova dinâmica nas relações sociais, nos processos de produção e nas relações de poder. [...] tal comunicação não deve apenas fazer que dados circulem de maneira eficiente, mas também gerar capital social e atitudes de colaboração que mantenham vivas práticas mais democráticas de convivência entre diferentes atores sociais. (BARROS; MOURA, 2011, p. 334).
A sociedade atual demanda uma necessidade de que o poder público também possa integrar essas soluções e recursos eletrônicos em tempo real. Segundo Castells (2002, p.98) os atores estruturantes na sociedade “devem introduzir produtos, práticas, fórmulas e métodos no mercado que expliquem as concentrações de produção e inovação, colaborando com a mudança de paradigmas e com uma real interface de diferentes áreas do conhecimento”. As redes sociais e demais interações tecnológicas são recursos atualmente necessários nas campanhas de comunicação, seja em caráter de informação, mercadologia ou entretenimento.
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Utilizar as ferramentas disponíveis no Internet Marketing é sine qua non para potencializar o sucesso de uma ação comunicacional, tanto no poder público como no privado.
COMUNICAÇÃO E PROPAGANDA GOVERNAMENTAL Em um contexto atual, o papel da comunicação no poder público exerce forte influência estratégica na avaliação da gestão pela sociedade regional, podendo ser equiparado em grau de importância, como o planejamento de governabilidade e apoios de grupos políticos. De modo velado, os dois cenários estão ligados porque nenhum grupo político local possui interesse em ficar na base governista de uma gestão fadada ao fracasso e perda de credibilidade diante da sociedade. É notório afirmar que a comunicação e propaganda governamental atuam como aliada com boas práticas de políticas públicas. A comunicação governamental pode ser interpretada como um processo de potencialização da relação do poder público com os atores sociais vinculados com a opinião pública. Fica sob responsabilidade solidária da comunicação de governo, promover um elo das ações de uma determinada gestão, visando informar e consequentemente construir uma identidade positiva de governo, favorecendo em futuros pleitos eleitorais. Para Beaudoux et al (2011, p.82) a instrumentalização da comunicação governamental requer a organização de diversos planos. Precisa controlar a vinculação dos meios massivos de comunicação e seu correto uso, estimando os efeitos que poder produzir tal informação, sabendo o momento de reposicionar uma campanha por outra e prever a resposta dos públicos nessa comunicação estratégica.
Uma grande vantagem para o desenvolvimento de uma campanha de propaganda política e uma gestão pública é a possibilidade de utilização dos recursos pré-estabelecidos para atribuições da comunicação. Apesar de ser destinado para a finalidade informacional para a população, determinadas campanhas de modo institucional e velado, visam também aproveitam o ensejo e melhorar a credibilidade do mandato, contribuindo também para a aprovação da gestão do grupo político em questão. Campanhas relacionadas à melhoria de comportamentos sociais, tais como: redução de acidentes no trânsito, maior controle na comercialização de bebidas para população em geral e especialmente para menores, controle de doenças e prevenção sanitária, normalmente também são amparadas por movimentos maiores que transcendem o território de controle e devem ser observadas com precisão, evitando fortuitos e possíveis crises de imagem no governo.
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O uso de imagens é fundamental para facilitar a assimilação e potencializar resultados. Para Barba (2009, p.32) “as imagens proporcionam ao cidadão comum uma informação muito mais fidedigna do que a palavra escrita. Não se pode mentir sobre as imagens”. As campanhas de comunicação devem focar estrategicamente os públicos que receberão as mensagens e prever de que modo podem compreender as abordagens. Essa previsibilidade normalmente se difere da comunicação propagandística convencional porque não possui claro interesse em comercializar algo ou conduzir o indivíduo para um viés de consumo. Todavia a preocupação do poder público com campanhas de propaganda governamental é que o cidadão assimile as informações e se conscientize do que está se passando ao seu redor, como também que seja um agente multiplicador do conhecimento diante de seus pares. Uma propaganda de governo deve ser permanente, sempre visando que o período a ser observado para a aprovação da campanha ou mote comunicacional do plano de comunicação não deve se limitar somente aos anos vinculados à gestão vigente. Na visão de Elizalde (2006, p.48) essa campanha pode ser apresentada de diversos modos “os governos pode valer de diversas políticas de comunicação, entendidas como padrões de organização de meios, recursos e táticas para alcançar os fins comunicativos definidos estrategicamente” É pertinente salientar que no contexto político não existem momentos isolados, mas sim uma correlação de ações e períodos que podem construir positivamente o ator político e seu grupo de interesse e apoio, como também pode limitá-lo e envolve-lo em um processo de descrédito acentuado e dificuldades de se manter no poder ou conquistar novos pleitos eletivos. A comunicação de governo deve estar alinhada com o perfil dos seus habitantes. Essa lógica pode ser analisada durante o mandato, por intermédio de pesquisa de opinião e mapeamento de perfil da população, porém é aconselhável que levantamentos de dados mais apurados sejam desenvolvidos logo no início de gestão, evitando possíveis erros de comunicação com os grupos sociais. Em um posicionamento detalhado de Torquato (2002, p. 149) os novos padrões sociais exigem dos modelos administrativos, decisões como: maior rapidez no processo decisório; mais qualidade nos serviços públicos; menos burocracia; maior descentralização; mais clareza na administração; maior coerência entre membros da equipe; maior rigor e rapidez na apuração de denúncias; critérios de justiça e bom senso e equilíbrio.
A comunicação de governo, bem como as campanhas de propaganda pode ser direcionada para a construção de uma marca, unindo as ações para um objetivo comum, que é o fortalecimento da cidade, estado ou país na interpretação de sua população e demais atores envolvidos no contexto social dessa região.
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Analisando o cenário de cidades, muitas delas utilizam estrategicamente essa ferramenta de marca para fortalecer sua indústria local ou caracterizar a sua região como um polo específico de consumo de um determinado bem ou serviço. Essa prática favorece a captação de recursos, desenvolvimento econômico e o aumento de credibilidade da gestão incentivadora dessas aplicações. Diante do composto de marca, Chaves (2011, p.57) posiciona que uma composição estratégica de marca requer critérios de gestão e análise para o desenvolvimento do projeto visando interesses únicos e exclusivos da região e não de interesses próprios dos gestores. Cidades de grande porte apresentam muitas diversidades culturais e sociais, que por consequência exigem da comunicação de governo planejamento de campanhas que possam informar e interagir com a população tanto nos projetos estabelecidos previamente em momentos eleitorais, normalmente alicerçados em um plano de governo, como também promover campanhas que visem à melhoria dos índices de qualidade da cidade, diante de avaliação nacional e internacional. Sem dúvida, na grande cidade temos muitas pressões de espaço, de tempo, de dinheiro e quem mais, quem menos, temos exigências competitivas. Muito vamos pelo mesmo e isso gera uma carreira de individualismos onde os compromissos coletivos são mínimos. O que era compromisso moral de comportar-nos e interessar-nos pelo próximo, tão próprio da nossa cultura latina, evoluciona para uma face negativa, também característica e lamentável desta mesma cultura: a indisciplina, a agressividade e a violência. (BORRETO, 2009, p.73).
Campanhas para melhoria da convivência social são prioridades no que tange análises de políticas públicas, porém devem ser equilibradas com ações de comunicação que também informem de feitos mais pragmáticos e projetos estruturais que normalmente reportam visibilidade e credibilidade direta com o indivíduo, independente do seu grau de instrução ou reflexão política, como por exemplo, a inauguração de pontes, entrega de escolas, material escolar, espaços para entretenimento, dentre outros.
PROJETO “RESPEITE O PEDESTRE” Apesar de ser uma temática global, projetos de conscientização de motoristas e pedestres para conviverem em harmonia no trânsito de grandes centros urbanos é uma política pública necessária no intento de promover redução de números relacionados com acidentes no cotidiano das cidades. Todavia, assuntos como esse não apresentam um senso de ineditismo ao cidadão contemporâneo, que possui maior acesso informacional e observa com mais facilidade os riscos de agir com má conduta, seja moral ou operacional. Nesse caso, planejar campanha e ações de
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propaganda para conquistar o interesse da população é um desafio representativo e deveras estratégico. São Paulo é considerada o maior cidade da América Latina, tanto em densidade populacional como na diversidade cosmopolita que é estruturada para oferecer milhares de opções de gastronomia, cultura e lazer, além de ser a capital latino americana de negócios internacionais, sendo integrante do circuito internacional de rota para negócios globais. Segundo estatística do IBGE (2011), a cidade está muito próxima de chegar ao patamar de 11 milhões de habitantes. Se considerar a região metropolitana paulista, esse universo populacional compreende o número de 19 milhões de habitantes. Como toda cidade de características globais, além de propiciar políticas públicas de inclusão social e infraestrutura, deve envolver a sua comunicação de governo com campanhas de conscientização cidadã, como no caso do Projeto “Respeite o Pedestre”, com início de implantação no ano de 2011. Baseada no principio de redução de acidentes por intermédio de mudanças de comportamento dos pedestres principalmente, a campanha foi desenvolvida nos pilares de utilização dos mais diversos tipos de canais de comunicação existentes, objetivando o envolvimento de grande parcela da população da cidade, cuja diversidade cultural e de classes de renda é acentuada. No âmbito da comunicação, para uma melhor fixação da campanha com o público estabelecido, normalmente são criados símbolos ou personagens que possam auxiliar na transmissão da informação e atração da atenção de muitos indivíduos que, por si só não seriam direcionados para assimilar informações provenientes do poder público. No caso da campanha em questão foi desenvolvido um personagem intitulado “Homem Faixa”, com analogia direta para o respeito da faixa de pedestres. De modo humorado e não agressivo, o escopo da campanha foi de reportar a conscientização das pessoas sem transformar a informação em uma conotação fria e imparcial.
FIGURA 1 – Personagem principal da campanha FONTE – Hotsite do Projeto “Preferência à vida” (2012, online)
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Com um personagem incorporado as ações de envolvimento com o público se tornaram mais dinâmicas e diretas no conteúdo da campanha, pois o elemento de interação da mensagem com o cidadão não era um locutor ou um ator diferente do próprio elemento central do projeto todo, a própria faixa de pedestres. Foram desenvolvidas ações em ambientes públicos com atores fantasiados, conforme Figura 1, fortalecendo o personagem para a sociedade, bem como as ações convencionais de estratégias de propaganda, usando dos meios eletrônicos, impressos, seja de grande impacto ou mídias segmentadas. A abordagem nas Redes Sociais interage com as informações do site, sempre usando o personagem como testemunhal de como é sua relação com os moradores da cidade, sempre denotando discriminação diante do seu uso e solicitando ao cidadão atenção nos momentos de trânsito nas ruas e ao atravessá-las. Além dos perfis sociais, foi disponibilizado três hotsites da campanha, denominados: preferenciaavida.com.br; eagorapedestre.com.br e faixadepedestre.com.br, cada um dos portais com direcionamento de públicos e segmentação informacional. O portal preferenciaavida.com.br é a primeira relação do departamento de trânsito de São Paulo com a campanha, pois desse site que são direcionados e estimulados demais vertentes de propaganda, estabelecidas no escopo do projeto de conscientização. Os dados mais estatísticos e estruturais do projeto estão alocados no endereço eletrônico faixadepedestre.com.br. Nessa interface é demonstrada a preocupação de envolver usuários de redes sociais e propiciar recursos que permitem integração com o portal, como a possibilidade de papéis de parede específicos da campanha, serviços de inserção de fotos no modelo do personagem “Homem Faixa”, dentre outros. Existe um canal denominado resultados, onde fornece aos interessados resultados da campanha na redução de acidentes, em detalhamentos de atropelamentos e mortes decorrentes dos mesmos. Os números revelam uma representativa diminuição nas ocorrências, com uma redução de 38% no número de mortes por atropelamento nas áreas de proteção ao pedestre e 9,8% em todo o município. Essa diferença estatística também comprova a relevância de monitoramento e conscientização em todas as regiões do município. Além do personagem, eram alocados estrategicamente colaboradores do Controle de Tráfego do município nas faixas de pedestres orientando os procedimentos de segurança para uma travessia segura nas ruas e avenidas de São Paulo.
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FIGURA 2 – Página principal “Faixa de Pedestre” FONTE –Portal faixadepedestre (2012, online)
O hotsite eagorapedestre.com.br envolve o usuário de modo diferente do descrito no portal principal do projeto, porque oferece uma interação no sentido do usuário poder montar um ambiente desejado para a cidade de São Paulo, inserindo palavras e elementos que podem ser inclusos em um cenário de trânsito com maior respeitabilidade. Utilizar de ferramentas eletrônicas de modo inovador permite maior interesse do público das redes sociais e pré-dispostos tecnologicamente. Um dos critérios mais relevantes diante de um planejamento de interfaces web é de não propiciar ao usuário somente estruturas básicas e sem curiosidades ou novidades para acesso e interação. O público que acessa o portal é integrado em um conceito de interação de elementos que fazem uma São Paulo melhor e possui um tutorial testemunhal de explicação do recurso com o personagem principal da campanha, o “Homem Faixa”. Podendo transitar com os mais diversos públicos etários, esse portal apresenta direcionamento para o público infantil, que são potenciais elementos de conscientização para uma cidade mais ética e equilibrada no viés cidadão.
FIGURA 3 – Página principal “E agora pedestre” FONTE –Portal eagorapedestre (2012, online)
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Além das mídias eletrônicas, a campanha também fez uso de mídias impressas e com inserções no rádio e TV, utilizando sempre o personagem “Homem Faixa” como um elemento que interage como sendo um morador da cidade e necessita de mais atenção e respeito. Utilizou cantores e dançarinos para promover o uso da faixa de pedestres e a valorização da vida. A cantora Wanderléa, popularmente conhecida no Brasil desde o movimento da Jovem Guarda, na década de 60, foi uma das protagonistas da ação, gravadas em pontos turísticos da cidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em uma visão de gestão pública, promover campanhas que fomentem o senso cidadão é necessário e relevante para o contexto social e democrático. Em grandes centros, problemas de violência urbana, desigualdades sociais e econômicas, são presentes e devem ser combatidos pelos governantes. Em uma visão de comunicação de governo, ações de estímulo ao cidadão são informacionais e não possuem um impacto tão representativo na aprovação de um governo do que investimento em projetos de infraestrutura e desenvolvimento de áreas com maior visibilidade para a população, como educação, habitação e saúde. Em contra partida, um governo que propicia um equilíbrio de investimento nas duas vertentes apresentadas, pode conseguir maiores chances de ampliar a sua visibilidade diante da população local. O Projeto “Respeite o Pedestre”, promovido pela prefeitura da cidade de São Paulo pode ser considerado como uma proposta relevante e pertinente no contexto cosmopolita do município por combater o aumento dos números de atropelamentos e mortes em decorrência do mesmo, estimulando um novo comportamento do cidadão no tratamento das regras de trânsito e respeito da faixa de pedestres. O uso de diversos canais de comunicação da campanha de propaganda do projeto e a criação de um personagem direcionado para representar a faixa de pedestres, se mostrou funcional e estratégico, porque de modo menos impactante e deveras criativo, envolve os mais diferenciados perfil de grupos sociais presentes na cidade. O “Homem Faixa” foi criado e se tornou um elo da conscientização do cidadão no uso da faixa de pedestre para valorizar a vida e promover um ambiente mais saudável e respeitoso na cidade. Os três hotsites criados para intensificar a campanha de propaganda são interativos, informacionais e funcionais, oferecendo ao interessado informações do projeto, bem como novidades e entretenimentos para públicos de diversas faixas de idade. A comunicação de governo, portanto, é um mecanismo estratégico que o poder público possui para posicionar suas ações para a compreensão e acompanhamento da população das cidades.
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O cidadão está cada vez mais exigente no que tange o acesso às informações, rapidez e funcionalidade no desempenho de atividades públicas. Nesse contexto, o ator político que utilizar dessa vertente com parcimônia e coerência, pode potencializar suas ações de governo e aumentar a visibilidade de sua gestão e provavelmente o aumento de sua aprovação no mandato.
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A ESFERA PÚBLICA DE COMUNICAÇÃO ONLINE: PERFIS OFICIAIS DA RIO+20 NAS MÍDIAS SOCIAIS DA INTERNET
Alessandra de Castilho Universidade Federal do ABC Mariella Batarra Mian Universidade do ABC
INTRODUÇÃO Uma pesquisa realizada em 2011 pelo instituto Sensus, tentando descobrir os hábitos dos brasileiros na internet, mostrou que a internet é fonte de informação para 16% dos brasileiros, o que representaria, segundo a pesquisa 21 milhões de eleitores. O que difere a divulgação nas mídias tradicionais, da realizada na internet, não por jornalistas formadores de opinião, mas sim pela sociedade em geral, é que ela não tem compromisso com a isenção opinativa e parte para expressão de opiniões que trazem em seu cerne manifestações, por vezes irônicas, ou em defesa de posições partidárias. É por isso que esse artigo tratará uma análise qualitativa da participação dos internautas em um dos assuntos de extrema relevância que foram discutidos no âmbito internacional, a Rio+20. A escolha pela pesquisa qualitativa justifica-se pelo interesse em ter uma compreensão mais aprofundada do fenômeno em estudo, contextualizando seu caráter dinâmico. Neste contexto, o número de componentes da amostra é menos importante que a relevância para o problema de pesquisa, de modo que os elementos da amostra passam a ser selecionados deliberadamente, conforme apresentem as características necessárias para a observação, percepção e análise das motivações centrais da pesquisa (FRAGOSO, RECUERO E AMARAL, 2011, p. 67).
Neste caso, mais do que a quantidade de “compartilhamentos”, avalia-se a Internet como um espaço público para o debate de questões voltadas ao bem estar social. Além disso, a análise também aborda a contextualização do surgimento da internet e o advento das mídias sociais digitais. O SURGIMENTO DA INTERNET Ainda que a população mundial não tenha alcançado um nível pleno de acesso à internet, é incontestável sua função transformadora na sociedade contemporânea. Em um comparativo sóciohistórico, a capacidade que a internet possui em distribuir força da informação por todo o domínio da atividade humana se equipara ao que a eletricidade e suas redes elétricas representaram na Era Industrial. (CASTELLS, 2003).
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Diante desse fenômeno, é importante pontuar, brevemente, as premissas que embasaram o surgimento da rede mundial de computadores, assim como os processos de mudanças que definem seu papel na realidade atual. Esse recorte permite uma compreensão mais clara do patamar de relevância alcançado pela internet na contemporaneidade. Num contexto de pós Segunda Guerra Mundial e início da Guerra Fria, a União Soviética, com o lançamento do satélite Sputinik, desafiou os Estados Unidos e mostrou-se pioneira na luta pela conquista espacial. A partir de então, os norte-americanos viram a necessidade de emergir uma categoria específica de analistas com a capacidade de entender, antecipar fatos e discorrer a respeito de um mundo em transformação e repleto de incógnitas a serem respondidas. A nação Americana, consolidou-se, ainda mais, como grande potência em investimentos - com caráter político, econômico e social- nas tecnologias, protagonizadas principalmente, pelas tendências de fluxo de informação por meio de redes. Diante desse contexto, “[...] com a missão de mobilizar recursos de pesquisa [...]” e “[...] com o objetivo de alcançar superioridade tecnológica militar [...]” (CASTELLS, p. 13, 2003) surge o protótipo do que hoje conhecemos como internet: a rede Arpanet. Foi por intermédio dessa rede que se desenvolveu a ideia de sociabilidade informacional. (MATTERLAT, 2002). Ao final do segundo milênio e com o desfecho da Guerra Fria, economias por todo o mundo se viram diante de uma revolução tecnológica, cujo foco era o desenvolvimento das tecnologias da informação. Nesse período, a internet começou a se popularizar como importante ferramenta de comunicação em meio a um cenário que se mostrava a cada dia mais globalizado, com influências significativas na vida social humana.
O ADVENTO DAS MÍDIAS SOCIAIS NA INTERNET Com a chegada da internet ocorreram mudanças expressivas nos meios de interação social, principalmente, a partir da década de 1990 em que esse fenômeno transcendeu seus objetivos militares e começou a ser incorporado pela sociedade como um todo (LAMBLET, 2012). A partir desse período, as pessoas passaram a se comunicar, buscar e produzir informações no ambiente online. Esse momento representa um marco nos processos de interação da humanidade, principalmente diante do surgimento das mídias sociais digitais. Para Santos (2012), a internet deixou de ser uma rede de computadores e passou a ser uma rede de pessoas. Mainieri e Ribeiro (In OLIVEIRA e MARCHIORI, 2012, p.248) complementam esse pensamento: “[...] observa-se que o surgimento das mídias sociais acarreta mudanças nas formas de se pensar e de se fazer a comunicação e, consequentemente, nas formas de interação social.”.
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Contudo, antes de aprofundar a discussão proposta para esse tópico torna-se pertinente um breve adendo sobre o tema em questão. Redes Sociais ou Mídias Sociais? Mesmo sendo comumente utilizados como sinônimos, esses dois termos se diferem conceitualmente. De maneira sucinta pode-se dizer que as redes sociais representam uma prática humana muito antiga (CASTELLS, 2003), referem-se aos relacionamentos de grupos com interesses semelhantes e não estão limitadas a uma estrutura ou meio. Já as mídias sociais são, exatamente, os meios pelos quais as pessoas exercem esses relacionamentos. Compreende-se, portanto que as redes sociais virtuais ocorrem por meio das mídias sociais digitais (DEGÁSPERI, 2012). Diante desses esclarecimentos, contempla-se neste trabalho, a compreensão do contexto e da dinâmica das mídias sociais difundidas, essencialmente, por meio da internet. Mesmo durante seus momentos menos interativos, as mídias sociais online já permitiam processos comunicacionais, entre usuários e rede, mais dinâmicos e inovadores do que aqueles proporcionados pelas mídias tradicionais (TV, Rádio, Revistas etc.). Neiva, Bastos e Lima dizem que: [...] a comunicação e a interação não podem ser considerados fenômenos novos. Desde o surgimento da linguagem e da vida em sociedade, são atividades inerentes aos seres humanos. A inovação está na utilização cada vez mais intensa, das tecnologias da informação e comunicação para a produção e circulação de mensagens (NEIVA, BASTOS E LIMA, p. 191, 2012)
Porém alguns autores, ao proporem a contextualização histórica da internet, definem seu primeiro momento como uma mídia estática e praticamente descartam os processos interativos existentes nesse período.
Em contrapartida a esses pensamentos, Lemos e Santaella (2010)
propõem uma visão evolutiva dos níveis de relacionamento existentes na internet. De forma concisa, fazem uma contextualização dos avanços dessas mídias destacando suas peculiaridades, usos, funções e níveis de interação. O processo descrito pelas pesquisadoras refere-se à evolução, do que elas denominam como mídia social monomodal à mídia social multimodal. Enquanto a mídia social monomodal é classificada como o acesso a uma rede de informação que liga um ponto fixo a outro, representando basicamente o relacionamento instantâneo entre usuários, a mídia social multimodal traz à tona um patamar de interação mais complexo, caracterizando-se, principalmente pela convergência de diversas mídias em uma mesma plataforma, a participação ativa dos usuários e o amplo fluxo de informações (LEMOS E SANTAELLA, 2010). Alguns exemplos de mídias sociais monomodais são o ICQ e a Sixdegress. Criado em 1996 o ICQ, em referência a pronuncia em inglês da expressão “I Seek You” (em português “Eu procuro você”) foi uma das primeiras ferramentas capazes de promover o diálogo em tempo real e criação de grupos de relacionamento no ambiente online. Um ano depois foi criada a Sixdegress, primeira
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mídia social que, de acordo com Oliveira (2012), “permitiu a criação de um perfil virtual, bem como a publicação e listagem de contatos [...]” e “passou a permitir a visualização de perfis de terceiros”. Seguindo a evolução embasada nos estudos de Lemos e Santaella (2010), em um segundo momento - final do século XX e início do século XXI - emergem as mídias de caráter mais interativo que essas primeiras e se aproximam das características da mídia multimodal. São àquelas que permitem compartilhamento de arquivos, entretenimento, contatos profissionais e marketing social. Exemplos clássicos dessas mídias são: Napster e Blogger em 1999, My Space, Second Life e Linkedin em 2003 e Orkut em 2004 (DANTAS, 2012). De modo a consagrar o conceito evolutivo das mídias sociais online, surgem, a partir de 2005, as chamadas multimodais, em que os usuários são os produtores de conteúdo, atuando como fonte de informação para todas as pessoas presentes em suas redes de contato. Para MARTINI (apud ROSSI, 2011) as mídias sociais contemporâneas, assim como as ágoras de Atenas, porém em uma plataforma virtual, são espaços em que os indivíduos expõem suas ideias, debatem e trocam experiências. Dentre as diversas mídias sociais existentes atualmente, é possível destacar algumas mais utilizadas nos processos de interação entre os usuários, são elas: Facebook, Twitter e You Tube. Para Lemos e Santaella (2010) o processo de convergência existente entre essas mídias sociais multimodais é um dos principais fatores que as diferem das monomodais. Isso significa que, além das peculiaridades interativas existentes em cada uma, elas ainda possuem a capacidade de se interligarem. Outro aspecto enfatizado pelas autoras é a questão temporal dessas mídias sociais e sua mobilidade contínua. Elas denominam a tendência de “always on” e esclarecem que a conexão ao digital é onipresente e contínua. A cultura do “always on” reforça o conceito da internet colaborativa e representa exatamente a participação ativa dos usuários na internet, não mais apenas como observadores, mas sim como coautores e críticos das informações. Assim, Terra apresenta um conceito esclarecedor sobre o perfil do usuário participativo nas mídias sociais, ela o denomina “usuário-mídia” e define: Entendemos que o usuário-mídia é um heavy user tanto da internet como das mídias sociais e que produz, compartilha, dissemina conteúdos próprios e de seus pares, bem como os endossa junto às suas audiências em blogs, microblogs, fóruns de discussão on-line, comunidades em sites de relacionamento, chats, entre outros. Acreditamos que existam níveis de usuário-mídia: os que apenas consomem conteúdo e replicam; os que apenas participam com comentários em iniciativas online de terceiros; e os que de fato produzem conteúdo ativamente. (TERRA In CORREA, p. 53, 2012)
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Diante dos aspectos apresentados, percebemos a forte tendência dos usuários em utilizarem as mídias sociais como forma de expressar livremente suas ideias e de se aproximarem ativamente de questões globais de âmbitos políticos, econômicos, culturais, sociais e ambientais. AS NOVAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS E SUA INFLUÊNCIA NA COMUNICAÇÃO Neste trabalho a internet é muito mais que a representação de um avanço tecnológico e é compreendido como fenômeno social, uma vez que tem sido responsável pela formação de novas interações sociais, antes impossibilitadas pelas limitações geográficas. A internet é a única mídia que permite combinar o poder da comunicação de massa de emitir uma mensagem e alcançar grande audiência com as possibilidades de interação e feedback. A internet oferece meios de anunciar produtos, vende-los, responder a solicitações dos consumidores e finalmente fideliza-los; os pontos fortes dessa nova mídia são: a interatividade, flexibilidade, monitoramento e segmentação. (Castro, 2000, p.3)
Essa é a principal diferenciação da internet para as demais mídias tradicionais, e o que exatamente a coloca como objeto de estudo de pesquisadores que buscam por mais informações sobre as novas redes de relacionamento que são geradas sobre essa nova plataforma de comunicação que abre um espaço para discussões e debates. Recuero (2004, p.7) defende que “funcionam com o primado fundamental da interação social, ou seja, buscando conectar pessoas e proporcionar sua comunicação e, portanto, podem ser utilizadas para forjar laços sociais”. Essa interação pode ser interpretada como exemplo de sociedade organizada de Castells, que tem a tecnologia como mediadora da comunicação entre humanos através da rede. Para Nunes (2009), as redes sociais fizeram com que as pessoas tivessem maior liberdade de expressão. (...) as pessoas poderiam usar isso de forma mais interessante. Existem na rede movimentos bastante positivos, por exemplo, em apoio à saúde da mulher. Então, utilizar as redes sociais para dar vazão à indignação pode ser ruim, mas tem lados positivos. As redes sociais têm essa dimensão que é muito boa. É a possibilidade de expressão.
Porém uma corrente teórica da comunicação, em que fazem parte Wolton e Dahlgren, tem se dedicado a analisar de forma crítica as mudanças que as novas tecnologias da comunicação estão ocasionando na forma de se relacionar em grupos. Apesar da visão crítica destes pesquisadores, vale ressaltar que ambos reconhecem que antes da chegada das mídias digitais, por conta das barreiras de espaço, estes grupos teriam poucas chances de se encontrar e manter relacionamentos por afinidades. Por outro lado, analisam os malefícios que essa nova forma de se comunicar, livre e sem mediações, tem ocasionado a própria convivência em sociedade. O “falar” teria conquistado uma
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desejada autonomia ao prescindir da intermediação dos processos e da propriedade da mídia clássica. Ninguém mais aceitaria hoje em dia uma sociedade excessivamente hierarquizada, autoritária, em que não se tivesse a possibilidade de exprimir-se, falar, dar sua opinião.Esta é a mudança: todo mundo acha normal dar a sua opinião, mesmo se admitimos cada vez mais rapidamente a necessidade de aprender a coabitar com opiniões divergentes (WOLTON, 2006, p. 101)
Essa overdose de comunicação funcional banaliza a comunicação e a torna um incômodo, uma vez que a liberdade de expressão e de acesso à informação, antes vista como uma conquista democrática, agora vê a importância do seu papel social sendo corroído enquanto sujeita-se à superficialidade dos conteúdos da sociedade do espetáculo. Silveira (2009, p.84) lembra que a extinção dos gatekeepers (cancelas ou filtros presentes no modelo de comunicação de massa), está intrínseco na regra universal da Internet, graças à chamada cultura hacker (Castells, 1999). Dahlgren (2009) em seus estudos também leva em conta tanto as transformações proporcionadas pela internet nas práticas sociais, quanto os limites que constrangem o pleno uso democrático das redes ancoradas na tecnologia. O autor mostra-se preocupado com a concretude do potencial cívico da internet diante da constatação de que o cenário da política continua o mesmo, ancorado no sistema formal e tradicional. As adesões a campanhas eleitorais, as ações da militância engajada, o lobby transparente e argumentativo mostram-se ativos na internet, com alcances provavelmente mais extensos. É constante a realização de pesquisas com relação às implicações da internet através de estudos sobre as estruturas econômicas, os modelos de interação social, as práticas culturais e a geração de participação política. A perspectiva de espaço e lugar merecem tratamentos especiais. “As ciências sociais e humanas têm se preocupado sensivelmente com os espaços ocupados pelos processos sociais e culturais”, afirma Dahlgren (2009, p. 151). Silveira (2009, p.72) salienta que a nova noção desse espaço de comunicação (virtual e abstrato) é antagônico à rigidez do local geográfico, mas esclarece que mais importante do que reconhecer essas diferenças é compreender “como o poder se manifesta em um espaço físico e em um espaço lógico”. A este novo espaço Bauman (2003, apud Costa, 2005) associa a ideia de comunidades, onde a segurança de pertencer às comunidades reguladas por relacionamentos face a face teria se perdido, sucumbido a relações mais extensivas, sem vínculos claros de solidariedade e confiança. O avanço das tecnologias de comunicação que descaracterizam as relações teriam então conduzido os indivíduos à perda daqueles laços de pertencimento. Costa (2005, p. 238-239) defende que
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presenciamos hoje a complexificação dessas relações e a “transmutação do conceito de ‘comunidade’ em ‘rede social’.”. Neste novo conceito, redes são criadas e recriadas a todo momento, uma vez que para que isso aconteça, basta “a capacidade de interação dos indivíduos, seu potencial para interagir com os que estão a sua volta” ou ainda “...a capacidade de os indivíduos produzirem suas próprias redes, suas comunidades pessoais” (Costa, p. 239). Dahlgren (2009, p. 158-159) argumenta que podemos viver praticamente a maior parte do tempo entre redes sociais que se interconectam. A ESFERA PÚBLICA NO AMBIENTE ONLINE E A PARTICIPAÇÃO CIVIL Antes de abordar a questão da participação civil na esfera pública online, convém esclarecer o que neste trabalho reflete o conceito de esfera pública. Para isso recorremos a Gomes (2006, p. 56) que apresenta como proposta de interpretação para seu significado: “esfera pública como o domínio daquilo que é público, isto é, daquilo sobre a qual se pode falar sem reservas e em circunstâncias de visibilidade social”. Tem-se, portanto, a esfera pública como local de discussão em que todos os atores civis podem não apenas opinar sobre questões públicas relevantes, como também participar de forma deliberativa de tais questões. É o espaço onde se propõe exercer a plenitude da democracia como sistema que cuida do que é comum ao coletivo. Gomes (2011, p. 26) pontua como aspectos essenciais da democracia: [...] o princípio da igualdade política, o corolário das liberdades, os procedimentos da deliberação livre e da aplicação do princípio da maioria na tomada de decisão política, o corolário de que o Estado é posse da cidadania e de nenhum outro soberano.
A questão que discutimos é se essa esfera pública pode ser transferida para o ambiente online uma vez que estamos vivendo a era da comunicação digital. Seria possível haver uma democracia online com as mesmos elementos que a caracterizem no ambiente off-line? Haveria então uma nova democracia digital? Recorremos novamente à Gomes (2011, p. 27) para compreender este novo termo: Entendo por democracia digital qualquer forma de emprego de dispositivos (computadores, celulares, smart phones, palmtops, ipads...), aplicativos (programas) e ferramentas (fóruns, sites, redes sociais, medias sociais...) de tecnologias digitais de comunicação para suplementar, reforçar ou corrigir aspectos das práticas políticas e sociais do Estado e dos cidadãos, em benefício do teor democrático da comunidade política.
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Veremos que a ação analisada neste trabalho, da Rio+20, demonstra ser uma tentativa do Estado neste sentido, uma vez que fomentou a participação popular nas esferas de decisão sobre políticas públicas do governo. Vale lembrar que outras iniciativas públicas já foram realizadas no sentido de tornar uma realidade a democracia digital, entre elas estão: o projeto de petições online do parlamento britânico, a cidade digital de Hoogeveen, o projeto Youngscot, o Minnesota e-democracy, o projeto E-democracia da Câmara dos Deputados, o Portal Transparência Brasil e Contas Abertas.
RIO + 20 EM EVIDÊNCIA NAS MÍDIAS SOCIAIS Em 1992, o Rio de Janeiro foi, pela primeira vez, palco da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio-92. Passadas duas décadas, em junho de 2012, a cidade maravilhosa acolheu novamente líderes de todo o mundo na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio + 20. Assim como em 1992, foram discutidos e reavaliados os rumos que o planeta deve tomar para alcançar o equilíbrio entre desenvolvimento econômico, social e a preservação do meio ambiente. Contudo, diferente de 1992, em que a internet dava seus primeiros passos no Brasil, a Rio+20, contou com um enorme aparato de tecnologias da informação e comunicação em sua realização: Duas décadas atrás, a Eco 92 assistiu à operação de uma imensa rede que, à época, era nobre desconhecida da maioria da sociedade. A Internet (assim mesmo, com o I maiúsculo) era apenas uma “sub-rede”[...] a Rio 92 marcou a transição para a vida adulta da internet brasileira[...] Vinte anos depois, no entanto, a internet é outra – colaborativa, participativa, ela já se consolidou como ferramenta cidadã e aliada de primeira hora das causas sociais. (MONTEIRO, 2012)
A começar por sua agenda de eventos, a Rio+20 se posicionou a favor dos diálogos sociais online protagonizados principalmente por meio de ações interativas nas mídias sociais. Contemplou, com o Rio+Social, uma discussão entre grandes personalidades do meio político e social sobre como as mídias sociais e as novas tecnologias podem auxiliar no combate a problemas ligados ao meio ambiente e a sustentabilidade. Além disso, com a proposta de enfatizar a participação ativa da sociedade e fomentar discussões em tempo real acerca dos temas discutidos no evento, foram criados perfis oficiais da Rio+20 nas principais plataformas de mídias online: Facebook, Twitter e YouTube. Sobre a importância dessas mídias, no site oficial do evento encontramos a seguinte explanação: O papel das mídias sociais no reforço da participação global é bem conhecido, mas também precisa contribuir para conduzir um processo mais transparente,
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Além da interação por meio desses perfis oficiais, outras ações também movimentaram a internet e despertaram o envolvimento da sociedade com o evento. A ONU se empenhou em promover via twitter diversas hash tags1 relacionadas ao evento, “a hashtag Rio+20 apareceu mais de 1 bilhão de vezes” (LEITÃO,2012). Criou também a campanha “Eu sou Nós” em que os usuários, por meio do site “O Futuro que Queremos” compartilharam vídeos, fotos e ideias que, posteriormente, foram exibidos na internet e durante uma exposição na Cúpula dos Povos. (ONU, 2012) Outra ação online, envolvendo a Rio+20, foi o concurso cultural “O futuro a gente faz agora”. Promovido pela equipe do Instaforfun e com apoio do Planeta Sustentável, da National Geographic Brasil e da Veja Rio, o concurso mobilizou mais de sete mil pessoas e premiou as 40 melhores fotografias, tiradas por usuários do Instagram, inspiradas pelos temas terra, ar e água. (VASTAG, 2012) Essas e outras ações interativas via internet, repercutiram em milhares de citações da Rio+20 nas mídias sociais e cumpriram o papel de aproximar a sociedade aos acontecimentos decorridos durante o evento. O site Idgnow, do portal UOL, monitorou as mídias sociais na semana do evento e apontou dados reflexivos e adversos sobre as informações compartilhadas referentes à Rio+20. O primeiro fato interessante refere-se ao volume de menções, que segundo o site “foi quase 10 vezes maior do que a repercussão da morte de Bin Laden no Brasil” (IDGNOW, 2012). Esse levantamento de dados mostrou que a mídia social mais utilizada pelos usuários foi o Twitter, e que, apesar da participação ativa dos usuários-mídia acerca da Conferência, apenas 4,5% discutiam os temas socioambientais. O Idgnow (2012) mostrou que as informações periféricas – aquelas que não foram oficialmente debatidas no evento - apareceram em volume muito mais expressivo. De acordo com o site, 95% das menções não se referia diretamente aos objetivos principais propostos pela Rio+20. Ao finalizar sua análise e mensuração sobre a presença da conferência nas mídias sociais, o site Idgnow relatou o seguinte: [...] de tão falada nas mídias oficiais e sociais, ao menos uma semente de vital importância tenha sido plantada na sociedade: fazer as pessoas pensarem mais sobre a preservação do meio ambiente. 1
Na prática, o uso da hashtag, iniciado de forma espontânea por usuários do Twitter, serve para categorizar as mensagens. Quando o internauta clica em uma hashtag colocada em qualquer mensagem postada no Twitter, vê todas as outras mensagens enviadas sobre aquele assunto para o Twitter. (QUARTO, 2012)
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Nessa linha, Severn Suzuki2, durante a Rio+20 disse que: “As mídias sociais são um megafone para aqueles que estão comprometidos em denunciar problemas globais e encontrar soluções em conjunto para eles”. Afirmação comprovada por números oficiais do Portal Rio+20 que indicavam que, após uma semana no ar, a página criada na rede social da internet Facebbok já contava com mais de 2,5 mil “curtidores”, enquanto que o Twitter alcançou, no mesmo período, o número de 1,3 mil seguidores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho possibilitou compreender que as ações provindas das mídias sociais, especificamente no caso da Rio+20, se mostraram pouco capazes de influenciar as discussões e de deliberar resultados e decisões sobre os temas abordados durante o evento. Entretanto, não se pode desconsiderar que, diferente da Rio-92, o conteúdo abordado na Rio+20 esteve fortemente presente no cotidiano da sociedade, e que tamanha repercussão deu-se principalmente por sua forte presença nas mídias sociais digitais. Porém, seguindo a reflexão do que foi apresentado até aqui, para que haja um a esfera pública é preciso que os usuários desempenhem um papel deliberativo por meio das mídias sociais, mais do que participarem ativamente no ambiente online, devem estar engajados, cobrando mudanças por parte das autoridades e externarem suas ações, transpondo o mundo virtual. Ainda que não tenham resultado em deliberações, ações e discussões fomentadas por meio das mídias sociais, como “A Primavera Árabe”, as reivindicações populares em praças públicas na Espanha e, no Brasil, o novo Código Florestal, a construção da usina de Belo Monte, no Pará, e a repercussão da Rio+20, evidenciam a capacidade irrefutável que as mídias sociais digitais possuem em mobilizar, influenciar e articular rapidamente pessoas de diferentes localidades em prol de objetivos comuns. Portanto, olhando do ponto de vista da Internet como espaço de discussão, uma consideração final valida é de que, ainda que falte maturidade em sua utilização, começam a surgir exemplos de manifestações da sociedade com o poder de gerar discussões públicas importantes para o bem estar social. Os atores que antes não tinham voz estão percebendo que é possível sim despertar a opinião pública para temas relevantes pautando a mídia mais tradicional, que até pouco tempo era quem pautava as discussões.
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Com apenas 12 anos, em 1992, Severn Suzuki calou os principais líderes mundiais durante quase cinco minutos. As imagens da época mostram governantes de olhos vidrados e quase constrangidos frente à menina representante de um grupo de crianças que queriam reivindicar o direito de opinar sobre o próprio futuro. O Rio de Janeiro recebia a primeira conferência de Meio Ambiente da cidade, a RIO-92. Vinte anos depois, ecóloga formada pela Universidade de Yale, Severn discursou novamente em prol dos objetivos socioambientais discutidos na Rio+20. (GLOBO, 2012)
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Como defende Silveira (2009, p.82), “as ferramentas tecnológicas não criam a participação, mas são construídas exatamente porque um conjunto crescente de cidadãos está disposto a discutir e a participar do debate sobre diversos assuntos, inclusive os políticos. São construções sociotécnicas que beneficiam simultaneamente a interação e a diversidade.” Parece haver, portanto, entendimento sobre as possibilidades inovadoras dessa tecnologia que transforma o cidadão em autor e o credencia, tecnicamente, ao debate.
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O CIBERESPAÇO COMO UMA NOVA DIMENSÃO DA ESFERA PÚBLICA: A COBERTURA DA CAMPANHA PRESIDENCIAL DE 2010 NOS BLOGS DE JOSIAS DE SOUZA E LUIS NASSIF Luiz Ademir de Oliveira Universidade Federal de São João Del Rei Wanderson Antônio do Nascimento Univeridade Federal de São João Del Rei
INTRODUÇÃO A mídia apresenta-se como instância central na atualidade e, com as inovações tecnológicas na área da comunicação, percebe-se a ampliação desse cenário, devido à velocidade e volatilidade no fluxo de informações. Em época de eleição, a mídia e, especialmente o jornalismo, desempenham papel importante na cobertura da campanha eleitoral. No entanto, a imparcialidade e objetividade jornalística se apresentam como um mito, uma vez que as empresas jornalísticas possuem interesses e seguem uma lógica mercadológica e há também outros fatores que influenciam na cobertura dos fatos e na produção das notícias. As eleições presidenciais de 2010 apresentaram um cenário em que Dilma Rousseff (PT), candidata escolhida pelo presidente Lula, liderou as pesquisas desde a homologação de sua candidatura sendo, inclusive, cogitada sua vitória já no primeiro turno. José Serra (PSDB), como candidato de oposição, aparecia em segundo lugar nas pesquisas e iniciou sua campanha tentando vincular sua imagem à do presidente Lula, o que fracassou, fazendo assumir uma postura mais ofensiva, na tentativa de desconstruir a imagem da adversária. Marina Silva (PV) aparecia em terceiro nas pesquisas, raramente ultrapassando os 10% de intenção de voto, mas que se revelou como uma surpresa, ao encerrar o primeiro turno com 19,33% dos votos. Esse crescimento fez com que Marina tivesse seu apoio muito disputado por Dilma e Serra para o segundo turno, porém, a candidata decidiu-se pela neutralidade. A campanha do segundo turno teve enfoque nos valores morais, assim como aconteceu no primeiro turno. Os candidatos procuraram construir sua própria imagem calcada nos valores morais cristãos, o que acarretou diversas críticas na mídia. O índice de abstenção foi recorde, superando os 20 milhões no segundo turno. Dilma foi eleita a primeira mulher presidente do Brasil, com 56,05% dos votos, vencendo em 15 estados e no distrito Federal, enquanto Serra venceu em 11 estados, com 43,95%dos votos.
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REVISÃO DE LITERATURA A centralidade da mídia para a política e a cobertura jornalística É na instância comunicativa midiática que os demais campos sociais buscam visibilidade e formas de legitimar seus discursos (Rodrigues, 1990). Nesta mesma perspectiva, Lima (2006) aponta sete teses para explicar a centralidade da mídia para a política: (1) a mídia ocupa uma posição de centralidade nas sociedades contemporâneas; (2) não há política nacional sem mídia, pois cabe aos mass media definirem o que é público, (3) hoje a mídia exerce várias funções tradicionais dos partidos políticos, (4) a mídia alterou radicalmente as campanhas eleitorais, (5) a mídia interfere no andamento das campanhas e no agendamento das eleições; (6) as características históricas específicas do sistema de mídia no Brasil e (7) as características históricas e sociais sobre as precariedades sociais e econômicas que potencializaram o poder da mídia no processo político brasileiro. Gomes (2004), por sua vez, afirma que, numa democracia de massas, a política se vê obrigada a recorrer à mídia para se manter, por isso se torna uma política espetacularizada, já que os meios de comunicação têm uma natureza espetacular. Conforme explica o autor, o espetáculo significa acionar os três subsistemas da mídia: (a) o drama; (b) a diversão; e (c) a ruptura das regularidades. As formas de representação política também passam por transformações. Manin (1995) afirma que, a partir dos anos 80, há um declínio dos partidos políticos e emerge a “democracia de público”, com ênfase nos líderes personalistas e uma preponderância do papel mediador da instância midiática. Os eleitores tendem a tomar posturas mais voláteis nas disputas e as eleições, que se tornam mais plebiscitários. Thompson (1998), por sua vez, analisa o fenômeno da administração da visibilidade dos líderes políticos. Se, por um lado, ficou mais fácil administrar a visibilidade com a contratação de especialistas em marketing, profissionais de comunicação, por outro lado, a mídia deixa o político vulnerável aos riscos da exposição pública, por meio de escândalos, gafes, acessos explosivos e vazamento de informações. JORNALISMO POLÍTICO Jornalismo e objetividade A imprensa, ao contrário do que prega a objetividade jornalística, é um ator político que interfere nas eleições. Para Rodrigues (1990), o discurso midiático serve como referencial de mundo para os indivíduos, tendo em vista que cabe aos meios de comunicação organizar os
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fragmentos de um mundo caótico e construir um sentido. Esta visão é compartilhada por Motta (2005) que afirma que a notícia, ao se inserir no cotidiano dos indivíduos, rompe com as regularidades, porque aciona a novidade. Os critérios de noticiabilidade podem interferir também na objetividade, visto que a empresa jornalística tem autonomia para selecionar o que e quem terá visibilidade, dentro de seus critérios, e como será abordado um fato ao ser transformado em notícia. Rodrigues (1990) afirma que a natureza da informação é a imprevisibilidade. O autor aponta como critérios de noticiabilidade: (a) a falha; (b) a inversão; (c) o excesso. Wolf (1999) complementa a discussão, ao afirmar que a noticiabilidade é constituída por um conjunto de regras exigidas dos acontecimentos para que se transformem em notícias. Como principais critérios de noticiabilidade, Wolf (1999) ressalta o que ele chama de “substantivos” (conteúdo da notícia), definidos por quatro fatores: o nível hierárquico dos envolvidos no fato, o impacto sobre as pessoas, a quantidade envolvidos no fato e o interesse humano. Ao discutir o jornalismo como processo de produção da notícia, Traquina (2001) questiona o modelo norte-americano de jornalismo de que a imprensa se pauta pela neutralidade. Os jornalistas não são observadores neutros da realidade e atuam na construção da realidade dos fatos. Traquina aponta ainda a teoria estruturalista em que os jornalistas ficam dependentes das fontes primárias que estão relacionadas às instituições. O jornalismo reproduz a estrutura social ao legitimar as fontes oficiais. Por fim, o autor apresenta a teoria etnoconstrucionista. O processo de produção de notícias envolve uma complexidade de fatores, como a linha editorial do veículo, o caráter mercadológico, a dependência das fontes, as rotinas de produção, entre outros. Tuchmann (1993) afirma que os jornalistas, para tentar amenizar as pressões do fator tempo e seus respectivos prazos de fechamento diário dos jornais (o dead line), os possíveis processos judiciais de difamação, calúnia e as repressões antecipadas dos superiores, criam o argumento de quem são objetivos. Disso decorre a ideia da objetividade como um ritual estratégico no campo jornalístico. Ritual deve ser encarado com um procedimento de rotina adotado como uma técnica. A autora aponta quatro procedimentos relacionados ao ritual da objetividade: 1) a apresentação de possibilidades conflituais: o chamado “ouvir os dois lados”. O jornalista apresenta a versão dos dois lados envolvidos. Mas a questão é mais complexa, porque um acontecimento pode ter vários lados envolvidos; 2) apresentação de provas auxiliares: quando tem acesso a documentos que possam reforçar a notícia que estão publicando; 3) O uso judicioso das aspas: os jornalistas entendem as citações de opiniões de outras pessoas como uma forma de prova suplementar (o chamado jornalismo declaratório); e 4) a estruturação da informação numa sequência apropriada: utilizar a
264
técnica do lead, da pirâmide invertida. Isso remete a ideia de que a narrativa segue uma lógica objetiva ao relatar os fatos. A parcialidade é muito evidente na cobertura política e eleitoral. Seabra (2006) afirma que o jornalismo político brasileiro sempre acompanhou o roteiro traçado pelos grupos dominantes que almejam asseguram o poder e cita o exemplo das eleições de 1989: “a primeira eleição direta dividiu o país, mas não as redações. Na chamada grande imprensa... (...) os jornalistas em peso apoiavam Lula da Silva, candidato do PT, mas os patrões penderam a gangorra para a candidatura de Fernando Collor” (p. 135). Porém, em seguida, Collor foi obrigado a renunciar para evitar o processo de impeachment, devido às denúncias da imprensa sobre “as ligações perigosas entre ele e o empresário Paulo César Farias” (p. 136). Já na eleição de 2002, Seabra (2006) argumenta que foi realizada uma ampla cobertura pela imprensa, que tratou os candidatos com equilíbrio, o que fez da referida eleição “um modelo de atuação para o jornalismo político” (p. 136) e que em quase 200 anos de jornalismo, pela primeira vez vimos uma coincidência total entre política e jornalismo. CIBERCULTURA, BLOGOSFERA E WEBJORNALISMO A partir da revolução tecnológica iniciada na década de 1950, com a criação da ARPANET, uma rede utilizada para interligar centros de comando e de pesquisa bélica e, posteriormente, com o desenvolvimento de uma rede capaz de conectar todos os nós criados pela ARPANET e que era interligada a pesquisadores de todo os EUA, segundo Castells (1999), a tecnologia digital passou a permitir o empacotamento horizontal de todos os tipos de mensagens, inclusive de som, imagens e dados. A internet passou, então, a ser apropriada por indivíduos e grupos no mundo inteiro e a partir de diferentes objetivos e ganhou novas aplicações, bem diferentes das preocupações bélicas e militares do contexto da Guerra Fria. Com essa efervescência de conceitos a partir do surgimento da internet como principal produto da revolução tecnológica, a cibercultura passa a desempenhar papel crucial na sociedade. Pierre Lévy (1999) define cibercultura como conjunto de técnicas, práticas, atitudes, modos de pensamento e de valores que se desenvolvem com o crescimento do ciberespaço, que por sua vez é o espaço de comunicação criado pela conexão de computadores a partir do surgimento da internet, apresentando-se como uma estrutura social que tem como base o processo de comunicação interativa, numa rede global de interconexão, que permite aos indivíduos acessar informações, armazenar e estabelecer interações a partir de um espaço democrático.
265
O ciberespaço acarreta ampliação da esfera pública. Correia (2004) argumenta que, com base na concepção de espaço público presente nas obras de Arendt e Habermas, os novos meios de comunicação, decorrentes das tecnologias digitais, abrem novas oportunidades e criam esferas públicas múltiplas. De acordo com Lévy (1999), três princípios básicos nortearam o crescimento do ciberespaço: a interconexão, a criação de comunidades virtuais e a inteligência coletiva (p. 127). Passamos, então, a viver, segundo Castells (1999), um novo paradigma tecnológico, que apresenta as seguintes características: (a) a informação é a sua matéria-prima; (b) penetrabilidade dos efeitos das tecnologias digitais, ou seja, são mudanças que atingem os processos da nossa existência individual e coletiva; (c) à lógica de redes – trata-se de uma comunicação que não possui mais um centro de controle, mas está espalhada; (d) a flexibilidade, já que os processos são reversíveis, organizações e instituições podem ser modificadas, e até mesmo fundamentalmente alteradas, pela organização de seus componentes; (e) a crescente convergência de tecnologias específicas para um sistema altamente integrado. Como parte desse paradigma, a blogosfera integra o novo cenário midiático e os blogs podem ser considerados um fenômeno social, como dispositivos que servem de complementação aos meios de comunicação tradicionais. Os blogs surgiram no final da década de 1990, timidamente foram sendo popularizados e hoje seu uso se expande cada vez mais. Nascidos como guias de navegação, passaram a ser usados como diários virtuais, sendo parte de uma importante evolução da internet como espaço de participação e colaboração dos usuários na construção do conteúdo. Essa posição dos blogs como mídia social que estimula a participação dos cidadãos na criação de conteúdos, constrói o que Lévy (2004) chama de inteligência coletiva: “Es una inteligencia repartida en todas partes, valorizada constantemente, coordinada en tiempo real, que conduce a una movilización efectiva de las competencias”. (2004, p. 20). Segundo Antonio Graeff (2009, p. 6), entende-se por mídias sociais aquelas que “permitam a comunicação ‘de muitos para muitos’, e a criação (individual ou colaborativa), o compartilhamento e a distribuição de conteúdo (...) em uma ou mais plataformas”. Posteriormente os jornalistas também se apropriaram desse meio, como ferramenta para suprir a busca cada vez mais crescente da população por informação, com segmentos especializados do jornalismo, como política, esportes, economia, entre outros.
266
METODOLOGIA Como primeiro procedimento metodológico, foi feito um estudo bibliográfico a partir dos eixos temáticos: i) centralidade da mídia para a política e a cobertura jornalística; ii) jornalismo político; iii) cibercultura, blogosfera e webjornalismo. Num segundo momento, partiu-se para a pesquisa documental com a coleta das postagens do blogjosiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/ do dia 17 de agosto, quando teve início o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) a 31 de outubro de 2010, data do 2º turno. Em seguida, foi realizada a análise quantitativa das postagens, que procurou investigar a relação visibilidade/valência dos três candidatos, contabilizando o número de aparições e a valência (positiva, negativa ou neutra) tanto como fonte, quanto como personagem, evidenciando, assim, a imagem dos presidenciáveis construída nos dois blogs analisados. A análise de conteúdo dos posts parte da classificação proposta por Penteado et alii (2006). “Um post poderá ser classificado quanto ao seu conteúdo. Poderá ser informativo direto, informativo indireto, opinativo, crítico, irônico, ideológico, propositivo e avaliativo” (p. 10). De acordo com os autores, um mesmo post poderá pertencer a mais de uma categoria e essa classificação pode orientar a pesquisa no sentido de que pode revelar a intencionalidade do blogueiro e as possibilidades políticas da informação. Um post informativo é aquele que se restringe à informação de um fato, sem emissão de juízos ou reflexões. Pode ser informativo direto, quando o próprio autor fornece a informação, ou indireto, quando essa informação é fornecida por terceiros. Os posts opinativos são aqueles em que o autor traz uma opinião, argumentada ou não, acerca de um fato. Se esta opinião for argumentada a partir de uma cadeia lógica reflexiva, apresentando hipóteses, avaliando argumentos e recuperando informações, o post será classificado como crítico. Caso o autor faça uso de ironia como recurso seja para convencimento, provocação, seja para encerramento de uma discussão, classificar-se-á o post como irônico. Um post é classificado como ideológico quando o autor argumenta sua opinião a partir de elementos ideológicos ou também partidários e propositivo, se o autor propõe soluções para determinado problema ou demonstra a ineficácia de uma ação que poderia ser diferente. E como última classificação, um post poderá ser avaliativo, quando revela, além da opinião, um julgamento do autor, ou uma posição moralista e dogmática.
267
ANÁLISE DOS RESULTADOS – DADOS QUANTITATIVOS E QUALITATIVOS Análise de conteúdo – tratamento dado aos candidatos Blog Josias de Souza A análise quantitativa das postagens do bloghttp://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/ resultou nos seguintes dados, a fim de investigar o tratamento dado aos candidatos:
Dilma Rousseff
José Serra
Marina Silva
Aparições como fonte / Valência
Aparições como fonte / Valência
Aparições como fonte / Valência
Positivas: 62 (28,05%)
Positivas: 98 (50,25%)
Positivas: 10 (19,6%)
Negativas: 67 (30,31%)
Negativas: 58 (29,75%)
Negativas: 0 (0%)
Neutras: 92 (41,62%)
Neutras: 39 (20%)
Neutras: 41 (80,4%)
Total: 221
Total: 195
Total: 51
Aparições personagem / Valência
Aparições personagem / Valência
Aparições personagem / Valência
Positivas: 177 (9,54%)
Positivas: 210 (14,78%)
Positivas: 86 (30,28%)
Negativas: 1252 (68,64%)
Negativas: 585 (41,19%)
Negativas: 6 (2,11%)
Neutras: 425 (22,92%)
Neutras: 625 (44,01%)
Neutras: 192 (67,60%)
Total: 1854
Total: 1420
Total: 284
Gráfico I – visibilidade/valência como fonte
98
100
92
90 80 70
67 62
60
58 Positivas
50
41
39
40
Negativas Neutras
30 20
10
10
0
0 Dilma
Serra
Marina
268 Gráfico II – visibilidade/valência como personagem
1400 1252 1200 1000 800
Positivas
585
600
625
Negativas Neutras
425 400 200
177
210
192 86 6
0 Dilma
Serra
Marina
A mídia, como já foi citado, ocupa lugar central na política. No blog de Josias de Souza foram analisadas 403 postagens sobre as eleições de 2010, realizadas em um período de dois meses e meio, o que mostra a intensa e extensa cobertura do processo eleitoral. Por meio da tabela e do gráfico, percebe-se que José Serra (PSDB) foi o candidato com maior porcentagem de valências positivas como fonte (50,25%), enquanto em relação às valências negativas, obteve um índice próximo ao de Dilma Rousseff (PT). Marina Silva (PV) obteve a maior porcentagem de valências neutras (80,4%). Já como personagem, Dilma foi quem obteve maior número de valências negativas (68,64%). Serra obteve 41,19% de aparições com valências negativas, o que representa um número expressivo. Já Marina Silva obteve 67,60% de valências neutras. Portanto, esse desequilíbrio na cobertura das eleições pelo jornalista Josias de Souza revela a importância da mídia como ator político e comungando com a ideia de que os jornalistas não são observadores neutros e trabalham, pois, na construção da realidade.
Blog Luís Nassif No blog de Luís Nassif, no período de 17 de agosto a 31 de outubro de 2010, foram analisadas 280 postagens relativas às eleições presidenciais de 2010. O número de postagens é inferior ao do blog de Josias de Souza devido ao fato de Luis Nassif não fazer a cobertura apenas da política, mas também da editoria de cultura. O blog de Josias de Souza trata apenas de política, o que faz com que tenha um numero maior de postagens sobre as eleições presidenciais de 2010.
269
Os
resultados
obtidos
com
a
análise
quantitativa
das
postagens
do
blog
http://www.advivo.com.br/luisnassif, a fim de avaliar o tratamento dado aos candidatos, foram os seguintes:
Dilma Rousseff
José Serra
Marina Silva
Aparições como fonte / Valência
Aparições como fonte / Valência
Aparições como fonte / Valência
Positivas: 17 (17%)
Positivas: 2 (1,13%)
Positivas: 4 (13,8%)
Negativas: 0 (0%)
Negativas: 60 (34,09%)
Negativas: 0 (0%)
Neutras: 83 (83%)
Neutras: 114 (64,77%)
Neutras: 25 (86,2%)
Total: 100
Total: 176
Total: 29
Aparições personagem / Valência
Aparições personagem / Valência
Aparições personagem / Valência
Positivas: 786 (51,10%)
Positivas: 44 (2,30%)
Positivas: 81 (39,32%)
Negativas: 150 (9,75%)
Negativas: 1407 (73,66%)
Negativas: 1 (0,48%)
Neutras: 602 (39,14%)
Neutras: 459 (24,03%)
Neutras: 124 (60,19%)
Total: 1538
Total: 1910
Total: 206
Gráfico III – visibilidade/valência como fonte
114
120 100 83 80
Positivas
60
60
Negativas Neutras
40 25 20
17 0
4
2
0
0 Dilma
Serra
Marina
Gráfico IV – visibilidade/valência como personagem
270
1600 1407 1400 1200 1000 Positivas
786
800
Negativas
602
Neutras
600
459
400 150
200
44
124
81
1
0 Dilma
Serra
Marina
Em relação às aparições como fonte, José Serra obteve 34,09% de aparições com valências negativas, enquanto as outras duas candidatas não obtiveram aparições negativas. Como personagem, prevaleceram as valências negativas em relação ao candidato do PSDB (73,66%), enquanto Dilma Rousseff obteve a maioria da aparições com valências positivas (51,10%). Constata-se, portanto, um desequilíbrio na cobertura feita pelo blog de Luís Nassiff, privilegiando uma candidatura em detrimento de outra. Em ambos os blogs, Marina Silva foi tratada de forma mais neutra, uma vez que sua candidatura não representava uma ameaça iminente à liderança de Dilma e à segunda posição de Serra.
ANÁLISE E DESCRIÇÃO DOS BLOGS
Histórico e descrição dos blogs e perfil do blogueiro O
blogJosias
de
Souza
–
Bastidores
do
Poder
(http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/)existe desde o dia 15 de outubro de 2005, período agitado pelas denúncias do “mensalão” no governo Lula. O blog é hospedado no Portal UOL de propriedade do grupo Folha, ao qual também pertence o jornal Folha de S. Paulo e apresenta como principais temáticas a política e a economia. Em sua primeira postagem, intitulada “Termo de Compromisso”, o jornalista descreve, em sete tópicos, os objetivos de seu blog e os princípios nos quais está apoiado, com compromisso baseado em sua experiência como repórter e na cultura editorial do jornal Folha de S. Paulo. O jornalista destaca que seu blog “será escravo de dois senhores: a verdade e o interesse público” e que nele se praticará “um jornalismo crítico, pluralista eapartidário” e “sem alinhamento
271
automático com interesses específicos”. Josias ressalta ainda a importância da interatividade, proporcionada pelo formato blog e as regras para a publicação de comentários, além de advertir sobre a possibilidade de incorrência de erros e imprecisão das informações, devido ao “regime de pressa que marca o universo da informação em tempo real”. Josias de Souza tem 45 anos e é jornalista desde 1984. Trabalha na Folha de S.Paulohá 20 anos. Nesse período, ocupou diferentes funções - de repórter a Secretário de Redação do jornal. Hoje, é colunista da Folha. Publicou em 1994 o livro "A História Real" (Editora Ática), em coautoria com Gilberto Dimenstein. O trabalho revela os bastidores da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2001, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de "Os Papéis Secretos do Exército"1. O blogLuís Nassif Online(http://www.advivo.com.br/luisnassif), que antes era hospedado no Portal iG, é hospedado no Portal Brasilianas.org com postagens periódicas desde 30 de maio de 2006, no período que antecedeu as campanhas oficiais das eleições daquele ano. Na primeira postagem, o jornalista explica que, depois de algum tempo de resistência, resolveu aderir aos blogs. “Em parte, por acreditar que o futuro do jornalismo está na Internet. Em parte, devido à enorme e revitalizante interação com o público leitor”. Nassif também mostra a forma como será o formato do blog, com prevalência de comentários políticos e econômicos durante a semana e, nos fins de semana, crônicas e comentários sobre músicas, além de trechos de livros dele já publicados. Em seu perfil, o jornalista apenas cita os prêmios que recebeu: Introdutor do jornalismo de serviços e do jornalismo eletrônico no país. Vencedor do Prêmio de Melhor Jornalista de Economia da Imprensa Escrita do site Comunique-se em 2003, 2005 e 2008, em eleição direta da categoria. Prêmio iBest de Melhor Blog de Política, em eleição popular e da Academia iBest2. Nassif foi colunista de economia e membro do conselho editorial do jornal Folha de S. Paulo.
Classificação dos blogs Para classificar os blogs estudados, parte-se da metodologia sugerida por Penteado et alii (2009), no artigo Metodologia de pesquisa de blogs de política: análise das eleições presidenciais de 2006 e no movimento “cansei”. De acordo com os autores, os blogs de política podem ser classificados de acordo com a localização e com o perfil e a formação do profissional “blogueiro”. Localização e autoria Segundo a classificação proposta pelos autores, ambos os blogs aqui analisados – “Luís Nassif Online” e“Josias de Souza – Bastidores do Poder”, são escritos por jornalistas profissionais, 1 2
Perfil disponível em http://josiasdesouza.folha.sites.uol.com.br/perfil.html. Acesso em 17 de maio de 2011. Perfil disponível em http://www.advivo.com.br/luisnassif. Acesso em 17 de maio de 2011.
272
o que lhes confere um caráter mais informativo e, quanto à localização, ambos são blogs institucionais, localizados em portais de internet. No caso de Josias de Souza, seu blog está localizado no portal UOL e também abrange outra classificação proposta por Penteado et alii (2009), uma vez que também está localizado em sítio de mídia tradicional (Folha.com). Essas classificações são muito próximas. Segundo Penteado et alli (2009), os blogs localizados em sítios de mídias tradicionais são semelhantes aos de portais. “Os sítios das empresas de mídia oferecem aos seus visitantes links para os blogs, seguindo o formato jornalístico. No entanto, a influência da linha editorial da empresa de mídia, nesse caso, é mais clara, assim como o apelo jornalístico do próprio blog em sua dinâmica de funcionamento.” (p. 165). Em relação ao Luís Nassif Online, está localizado no portal Brasilianas.org (http://www.advivo.com.br/) que possui o link para o blog. Nassif também apresenta um programa de debate político com o mesmo nome do portal na TV Brasil.
Análise da estrutura dos blogs O blog Josias de Souza – Bastidores do Poder está hospedado no endereço http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/ e apresenta layout padrão simples dos blogs da Folha de S. Paulo. No topo da página vem o cabeçalho com o nome do blog e logo abaixo já vêm as postagens, em ordem cronológica das mais atuais para as mais antigas. À direita, o perfil do jornalista, com uma pequena foto e mais à direita, publicidade da Livraria da Folha. Abaixo do perfil de Josias de Souza há uma barra de busca no blog e marcadores de gênero das postagens e outras páginas: Página principal; Colunas; Entrevistas; Reportagens; Secos e Molhados; Regras. Abaixo dos marcadores, links do twitter do jornalista e de assinatura de feeds do blog. Em seguida, a lista com todos os blogs da Folha e o arquivo do blog, com links de acesso às postagens anteriores. O
blog
Luís
Nassif
Online
é
hospedado
no
endereço
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/ e também apresenta um layout de estrutura simples, característica dos blogs. Abaixo do cabeçalho com o nome do blog vêm dois links, um para postagens recentes e outro para os vídeos do blog. Em seguida, as postagens, em ordem cronológica das mais atuais para as mais antigas. À direita, é exibido o perfil do jornalista com sua foto e abaixo seguem um pop-up de publicidade do portal Brasilianas.org e uma barra de busca. Abaixo, uma lista de links dos posts mais lidos da semana e mais abaixo uma janela de publicidade variada, seguida por uma lista marcadores de categorias, com temáticas e blogs do portal. Em seguida, uma lista de tags com assuntos tratados no blog.
273
Posts e Hipertextualidade Em ambos os blogs, as postagens são diárias, porém, sem número fixo. Os posts de Josias de Souza são apresentados na íntegra ao abrir a página do blog. Já dos de Luís Nassif são exibidos apenas o título e uma parte do texto. Se o leitor se interessar em ler o post inteiro deve clicar em “Leia mais” para ter acesso ao texto na íntegra. Quanto à temática das postagens, o blog Luís Nassif Online apresenta temáticas variadas, desde política e economia até cultura. Porém, foram selecionadas como objeto de pesquisa apenas aquelas relacionadas à política e, especificamente, à eleição presidencial de 2010. Já o blog Josias de Souza – Bastidores do poder se restringe à cobertura da política e, por isso, o recorte foi menor, se restringindo às postagens que tratam da eleição de 2010 à Presidência da República. No que se refere à hipertextualidade, grande parte dos posts apresenta links que direcionam o leitor a outras páginas da web, geralmente de outros sites jornalísticos, inclusive, no caso do blog de Josias de Souza, a maioria dos links direcionam a reportagens do site do jornal Folha de S. Paulo, portal ao qual está vinculado. No caso de Luís Nassif, há links de vídeos do YouTube, com um link exclusivo para os vídeos do blog, além de outros sites jornalísticos e blogs, porém, em menos quantidade que o blog de Josias de Souza. Interatividade
Pierre Lévy (1999), segundo Kátia Fonseca Aguiar, em seu artigo “Blog-jornalismo: interatividade e construção coletivada informação”, apresenta cinco eixos por meio dos quais se pode analisar o grau de interatividade de um dispositivo de comunicação, no caso, os blogs: as possibilidades de apropriação e de personalização da mensagem recebida; a reciprocidade da comunicação; a virtualidade, que enfatiza o cálculo da mensagem em tempo real em função de um modelo de dados de entrada; a implicação da imagem dos participantes na mensagem; a telepresença. A interatividade, em ambos os blogs, se dá por meio de comentários e da possibilidade de o leitor enviar e-mail diretamente ao blogueiro. Essas opções aparecem abaixo de cada post. No blog de Josias de Souza, estão acessíveis as regras para comentários no blog, que são regras genéricas para todos os blogs do portal UOL. As regras específicas para seu blog estão na primeira postagem, intitulada “Termo de compromisso”, do dia 15 de outubro de 2005. Segundo Josias de Souza, “O repórter estimulará a diversidade de opiniões, absorverá as críticas e aproveitará as sugestões pertinentes. De outro lado, não tergiversará em excluir mensagens que contenham expressões inapropriadas ou que possam vir a ser tipificadas como caluniosas e/ou injuriosas.”
274
(http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/arch2011-05-01_2011-05-31.html).
Já
no
blogLuís
Nassif Online não são exibidas as regras para postagem de comentários. Nas postagens analisadas, a média de comentários por postagem foi a seguinte: O blog de Josias de Souza recebeu uma média de 66 comentários por postagem. No total, foram 25.946 comentário nas 393 postagens analisadas. Ressalta-se que esses números podem ter sofrido alterações, uma vez que as postagens são permanentes no arquivo dos blogs e essas estatísticas são o período em que a análise foi realizada (Janeiro de 2011) em ambos os blogs. Já o blog de Luis Nassif obteve 15.446 comentários nas 278 postagens analisadas, uma média de 55 comentários por postagem. Constata-se, portanto, que o grau de interatividade foi superior no blog de Josias de Souza.
Referências a outras mídias A plataforma da web, tanto em relação aos sítios, quanto aos blogs, permite uma multimidialidade ou convergência midiática que, segundo Palacios (2003): No contexto do Jornalismo Online, multimidialidade, refere-se àconvergência dos formatos das mídias tradicionais (imagem, texto e som) na narração do fato jornalístico. A convergência torna-se possível em função do processo de digitalização da informação e sua posterior circulação e/ou disponibilização em múltiplas plataformas e suportes, numa situação de agregação e complementaridade.
Em ambos os blogs que são objetos desta pesquisa, observou-se essa característica como preponderante para a complementação das informações. Josias de Souza utiliza mais imagens do que vídeos e essas imagens, em sua maioria, complementam o enquadramento crítico que o autor confere às suas postagens. As charges aparecem com frequência diária no blog e a grande maioria delas, no período analisado, faz referência à eleição presidencial e à política nacional. São poucos os vídeos utilizados pelo jornalista e a maioria deles estão hospedados no YouTube, e alguns são do próprio sítio da UOL, a que o blog é afiliado. Já Luis Nassif utiliza bastantes vídeos e poucas imagens. A maioria dos vídeos também se encontram hospedados no YouTube, mas também é frequente o uso do Twitcam, recurso disponível no microblog Twitter em que o próprio autor grava seus vídeos com uma webcam e os posta na internet. Com relação a esse aspecto, Nassif incrementa a interatividade de seu blog, mesmo que não recíproca, uma vez que o leitor tem acesso ao próprio autor na forma de vídeo. O Twitcam foi utilizado por Nassif na maioria dos debates dos candidatos à Presidência da República, quando o leitor podia acompanhar o autor do blog ao vivo fazendo comentários sobre os debates.
275
Análise do conteúdo dos posts A análise qualitativa das postagens, baseada na metodologia proposta por Penteadoet alli (2003) gerou os seguintes dados (em números percentuais): Classificação dos posts
Josias de Souza
Luís Nassif
Informativo Direto
24,80%
5,07%
Informativo Indireto
30,84%
47,10%
Opinativo
21,89%
21,01%
Crítico
19,40%
18,84%
Irônico
15,42%
14,49%
Ideológico
4,02%
0,72%
Propositivo
0,99%
0,07%
Avaliativo
9,45%
6,52%
Nota: As porcentagens têm por base a totalidade de ocorrências da amostra e sua somatória excede 100% pelo fato de ser possível o acúmulo de mais de um enquadramento para o mesmo texto. CONCLUSÕES A partir desta pesquisa, constatou-se o papel estratégico da mídia como ator político na cobertura da campanha eleitoral à Presidência da República em 2010. Tal constatação foi possível por meio da análise quantitativa e qualitativa da cobertura dos jornalistas Josias de Souza e Luis Nassif, que apresentaram-se tendenciosos, favorecendo uma candidatura em detrimento das outras, o que rompe com o mito da objetividade jornalística. Os blogs, apesar de supostamente se apresentarem como espaço de maior liberdade, percebe-se que as páginas analisadas revelam que os dois blogs estão atrelados à postura editorial de grandes conglomerados de mídia ou a grupos que tradicionalmente ligados a partidos políticos, o que, segundo Venício de Lima (2006) é um entrave à cobertura jornalística isenta no Brasil, principalmente no que diz respeito à cobertura política.
REFERÊNCIAS CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1, Cap. 5, p. 353-401. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1, Cap. 5, p. 353-401. CORREIA, João Carlos. “De que modo a noção de espaço público altera-se na rede e afeta conceptualmente o webjornalismo digital?”. In: BRASIL, André. Cultura em fluxo. Belo Horizonte: Ed. PUC-Minas, 2004. GOMES, Wilson. As transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004.
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SOBRE OS AUTORES Adolpho Carlos Françoso Queiroz – Pós-Doutor pela UFF Doutor em Comunicação Social. ExPresidente da INTERCOM e Presidente de Honra da POLITICOM. Docente do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Email adolpho.queiroz@mackenzie.br. Alessandra de Castilho - Mestranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (bolsista Capes), especialista em Comunicação Empresarial pela UMESP. Chefe de Assessoria de Comunicação e Imprensa da Universidade Federal do ABC e Coordenadora de Comunicação da Sociedade Brasileira de Pesquisadores e Profissionais de Comunicação e Marketing Político - POLITICOM. E-mail: ale_castilho@hotmail.com Alexandro Kurovski - Jornalista, especialista em Sociologia Política e mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: sandroalki@gmail.com Arquimedes Pessoni - Docente do Programa de Mestrado em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (PMC/ USCS) – Doutor em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo. E-mail: pessoni@uscs.edu.br Daniel Nardin Tavares - Mestrando na linha de pesquisa Teorias e Tecnologias da Comunicação, do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Formado em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Pará. nardin.daniel@gmail.com Daniela Rocha - Consultora Política, Mestre em Propaganda Política, Diretora Editorial da Rede POLITICOM, jornalista. Email danis..rocha@yahoo.com.br Elaides Basilio Andrelino - Pós-graduanda em Global Strategic Communication, na área de Arts in Mass Communicationpela University of Florida – EUA. Especialista em Marketing Político e Propaganda Eleitoral pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECAUSP) e em Treinamento e Desenvolvimento de Pessoas pela UniFAI. É diretora de comunicação da Prefeitura de Guarulhos. Fabio Ciaccia – Jornalista, Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo – UMESP. Atualmente pesquisador do IBOPE/SP. Email fabio.ciaccia.3@facebook.com. Giliard Gomes Tenório – Doutorando Iesp, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Homero Leoni Bazaninié jornalista e mestrando no Programa de Mestrado em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul. E-mail: homerolbazanini@yahoo.com.br Jeferson Thauny - Publicitário, mestrando em Comunicação (PPGCOM/UFPR), integrante do grupo de Pesquisa “Comunicação Eleitoral”. Bolsista Reuni. Email jefersonth@gmail.com Lucas Gandin - Mestre em Comunicação. Jornalista e Relações Públicas. Professor Substituto na UFPR. lucaswlk@yahoo.com.br Kelly Cristina de Souza Prudencio - Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná. Coordena o grupo de pesquisa Comunicação e Mobilização Política. Email: kellyprudencio@ufpr.br
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Luciana Panke - Doutora em Ciências da Comunicação (USP); Professora da Universidade Federal do Paraná no curso de graduação em Comunicação Social (Publicidade e Propaganda) e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Profissionais e Pesquisadores de Marketing Político (POLITICOM) e líder do grupo de Pesquisa “Comunicação Eleitoral”. Email panke@ufpr.br Luciano Cruz - Jornalista. Mestre em Comunicação pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Pesquisador do Laboratório de Hipermídias/Memórias do ABC da USCS. Luisa Maranhão de Araújo - Mestrando na linha de pesquisa Teorias e Tecnologias da Comunicação, do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Formado em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal de Goiás. luisa_maranhao@hotmail.com Luiz Ademir de Oliveira - Doutor em Ciência Política pela SBI/IUPERJ, é professor e pesquisador do Curso de Comunicação Social - Jornalismo do Departamento de Letras, Artes e Cultura da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Atualmente, é Diretor Científico da Sociedade Brasileira de Pesquisadores e Profissionais de Marketing Político (POLITICOM). E-mail: luizoliv@ufsj.edu.br Mariella Batarra Mian - Pós-graduanda em Gestão de Marketing pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP. Graduada em comunicação social - habilitação em Relações Públicas -, pela Universidade Estadual Paulista - UNESP. Relações Públicas na Universidade Federal do ABC. Email: mariellabm@gmail.com Paulo Roberto Figueira Leal – Jornalista, Mestre e Doutor em Comunicação, professor do PPGCOM da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF. Email pabeto@uol.com.br. Priscila Perazzo - Doutora em História Social pela FFLCH-USP. Docente do Programa de PósGraduação em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (PPGCOM-USCS); Coordenadora do Laboratório de Hipermídias/Memórias do ABC da USCS. Roberto Gondo Macedo – Doutor em Comunicação Social, com Pós-doutorado em Comunicação Política (desenvolvimento) pela ECA/USP. Docente do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Presidente da POLITICOM. Email r.gondomacedo@gmail.com Rose Vidal - Doutoranda e mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, MBA em Marketing Político pela Universidade Católica do Tocantins e Jornalista pela Universidade Federal do Tocantins. Professora da Universidade de Vila Velha. rosevidal@yahoo.com.br. Sérgio Trein – Doutor em Comunicação Sociopolítica pela PUCRS, Coordenador do curso de Publicidade e Propaganda da UNISINOS. Diretor Regional da POLITICOM. Email sergiotrein@uol.com.br Taiana Loise Bubniak - Mestre em Comunicação. Jornalista. taianabub@gmail.com Vagner Dalbosco - Jornalista, Mestre em Ciência da Informação (UFSC), docente na graduação e pós-graduação (Unochapecó/SC) e consultor em comunicação pública e marketing político. Email dalbosco.vagner@gmail.com
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Valéria Amoris - Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (PMC/ USCS) – pesquisa desenvolvida com auxílio de Bolsa CAPES. Email: valeria-amoris@uol.com.br Wanderson Antônio do Nascimento - Graduado em Letras pela UNIPAC em 2008, graduando em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei e bolsista de iniciação científica pelo PIBIC/CNPq. E-mail: wanderson_bso@ig.com.br