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QUERIDOS AMIGOS NO SENHOR
O Caminho do Coração é o itinerário espiritual proposto pela Rede Mundial de Oração do Papa. É o fundamento da nossa missão, uma missão de compaixão pelo mundo. Inscreve-se no processo iniciado pelo Papa Francisco com a Exortação Apostólica Evangelii gaudium, «A Alegria do Evangelho»
Constitui o resultado de um longo processo impulsionado pelo P Adolfo Nicolás, então Superior Geral da Companhia de Jesus No início elaborou-se um esquema, designado então de marco referencial, com uma equipa internacional liderada pelo P Claudio Barriga SJ Este itinerário foi apresentado ao Papa Francisco num documento intitulado
Um caminho com Jesus em disponibilidade apostólica (agosto de 2014) Apresentava-se uma nova forma de compreender a missão do Apostolado da Oração, numa dinâmica de disponibilidade apostólica
O Santo Padre aprovou-o em dezembro de 2014
O Caminho do Coração é essencial para a recriação desta Obra Pontifícia como Rede Mundial de Oração do Papa Constitui um aprofundamento, para os nossos dias, da tradição espiritual do Apostolado da Oração, e articula, de uma forma original, elementos essenciais deste tesouro espiritual com a dinâmica do Coração de Jesus É a chave de interpretação da nossa missão Por isso apresentamos em 2017 um comentário a este itinerário espiritual, designado agora «Dinâmica interna do passo», para ajudar as equipas nacionais da Rede Mundial de Oração do Papa a entrar na dinâmica interior do Caminho do Coração e a aprofundá-lo
Com o desejo de desenvolver o processo de recriação, sentimos a necessidade de ampliar os conteúdos escritos. Assim, iniciamos em 2017 um trabalho de elaboração e organização dos materiais que constituem hoje os 11 livros de O Caminho do Coração. Este trabalho realizou-se com uma equipa internacional liderada por Bettina Raed, diretora regional da Rede Mundial de Oração do Papa na Argentina e Uruguai. Assim, a partir da pátria do Papa Francisco, e com o apoio de diversos companheiros, quer jesuítas quer leigos, foi articulado este trabalho. Agradeço de modo particular a Bettina por toda a sua disponibilidade e pelo seu trabalho de elaboração e coordenação.
Agradeço também a TeleVid, das Congregações Marianas da Colômbia, pelo seu apoio na conversão deste material num suporte acessível ao nível digital e visual. www.caminodelcorazon.church (em castelhano).
Espero que estes conteúdos ajudem a propor a missão de compaixão pelo mundo com criatividade (em retiros espirituais, sessões de formação, os encontros das Primeiras Sextas-feiras, etc.).
É o fundamento da nossa missão, o nosso modo específico de entrar na dinâmica do Coração de Jesus.
P. Frederic Fornos SJDiretor internacional da Rede Mundial de Oração do Papa – inclui o Movimento Eucarístico Juvenil Cidade do Vaticano, 3 de dezembro de 2019, Dia de São Francisco Xavier e dos 175 anos do Apostolado da Oração
Esquema para orientar o passo
Palavra-chave: DESCOBRIR
Objetivo: Contemplar as diversas dinâmicas do mundo e a minha participação nelas
Atitudes-chave: Colaborar num processo de humanização/encarnação O que tenho feito? O que continuo a fazer hoje? O que devo fazer por Cristo?
O que se pretende alcançar – Fruto: Humanização, sair de si Dinâmica interna do passo: Da «cumplicidade inconsciente» à «humildade que sai de si», abrir-se aos outros
Marco referencial
Contemplamos com admiração a beleza do nosso mundo e as grandes proezas alcançadas pela inteligência humana ao longo da história O mundo que habitamos, porém, também está ferido por dolorosas contradições que provocam morte e destruição A vida e o amor são sufocados, com frequência, pela violência e pelo egoísmo Os pequenos e os vulneráveis padecem a agressão dos poderosos, os recursos naturais são desprezados, reina a tristeza e a solidão Afastamo-nos dos caminhos do amor de Deus e do seu projeto para a humanidade
Dinâmica interna do passo
Os desafios do nosso mundo são numerosos: os reptos económicos, climáticos e sociais, os fundamentalismos religiosos e muitos outros Perante tais desafios, em vez de esperança, encontra-se, amiúde, o desencanto O homem ocidental parece obcecado pelo fim do mundo, do seu mundo Basta ver todos os filmes que abordam e revelam os medos de hoje sobre o progresso da ciência, da robótica e da inteligência artificial (Exerminador Implacável, Matrix), da biotecnologia ou dos vírus e mutações (Os Doze Macacos, Juízo Final, Guerra Mundial Z, O Contágio, O Filho do Homem, Prometeu), dos meteoritos (Armageddon, Impacto Profundo), ou de extraterrestres que pretendem destruir a humanidade (A Guerra dos Mundos, No Limite do Amanhã, Esquecido, etc ); e ainda todos os filmes que se desenrolam na sequência de um desastre global (Divergente, Os Jogos da Fome, etc ) O fim do mundo é quase sempre apresentado como um quase-aniquilamento ou destruição da espécie humana. Atualmente, antevê-se outro fim do mundo que parece mais verosímil: o aquecimento global (O Dia Depois de Amanhã, 2004). Prevê-se uma mudança global que dará lugar a consequências irreversíveis, em apenas uma ou duas gerações.
Embora cause menos estrépito, também existe esperança no nosso mundo, homens e mulheres solidários e generosos, afastados das câmaras de televisão e das
entrevistas, mas que, apesar disso, irradiam luz. Todos nós conhecemos alguém assim
O plano de Deus para com a humanidade é um propósito de amor «desde a criação do mundo» Não somente o Espírito do Senhor gera a humanidade ao longo dos séculos, mas, como diz São Paulo, toda a criação, o próprio universo «gemem e estão como que com dores de parto» «esperando a adoção de filhos (e filhas) de Deus» (cf Rm 8, 22-23) Participamos deste trabalho de geração de toda a história, que transforma não só a humanidade, mas o cosmos inteiro
Com a ressurreição, nada pode pôr entraves ao amor de Deus manifestado em Jesus Cristo! Este amor, vulnerável e frágil mas ainda mais forte do que a morte, revela um futuro novo para a humanidade. Pelo seu Espírito, que é amor, gera-nos para uma vida nova, tornando-nos semelhantes a Ele. O amor só se pode entender olhando e escutando Jesus e seguindo o seu caminho até ao fim. Ponhamos a nossa confiança n’Ele. Entremos com Ele neste processo de humanização a que nos convida. Para aprofundar. Recursos. Anexo quatro: «O bordado de Deus. Crescer em sabedoria».
Entrada segundo a perspetiva bíblica
A ambiguidade que habita o coração humano também se manifesta no mundo que habitamos. A beleza do mundo é inabarcável, desde a imensidão e as belezas de que a natureza está pejada, nos seus grandes expoentes como os mares, os rios, as planícies, os bosques, a diversidade de animais, os homens e as mulheres de diversas etnias, as cores, as culturas, com a sua variedade de dons e talentos, até às expressões mais ínfimas e aparentemente insignificantes, como os aromas, os sabores, os pequenos insetos, as flores e os seus matizes, e seriam necessárias várias páginas para descrever a beleza cultural com que o homem, graças ao seu engenho e criatividade, encheu este mundo, desde os tempos primordiais O bem, a bondade e a beleza conquistaram a terra, de modo imponente e de forma germinal O bem envolve-nos por todos os lados «Na grandeza e na beleza das criaturas se contempla, por analogia, o seu Criador» (Sb 13, 5) Deus deu-nos de presente este mundo, para que o habitemos e desfrutemos dele, e para que ele seja a nossa casa comum. «O que é invisível nele – o seu eterno poder e divindade – tornou-se visível à inteligência, desde a criação do mundo, nas suas obras» (Rm 1, 20). «Deus, vendo a sua obra, considerou-a muito boa» (Gn 1, 31).
Lançando um olhar à nossa volta, também nos saltam à vista os sintomas de enfermidade que germinam por toda a parte, no solo, nas águas, no ar: numerosas espécies em extinção, bosques arrasados sem possibilidades de recuperação, inundações, mares contaminados, dezenas de milhares de homens e mulheres habitando o mundo como se fossem sobreviventes indignos, como se o mundo pertencesse a um pequeno número que tivesse decidido que centenas de milhares de outros seres humanos só poderiam subsistir no modo de pedintes de uma licença para sobreviver Doenças incuráveis, como verdadeiras pragas, crianças que não chegam a ver a luz, outras que morrem sem saborear a beleza inigualável que supõe habitar este mundo de modo digno, de maneira humana Por outro lado, centenas de milhares de pessoas entregam diariamente a sua vida, com generosidade e sem medir esforços pessoais, para continuar a embelezar o mundo e a mitigar o mal e a dor, mesmo sem verem frutos imediatos, mas confiando que o amor e a misericórdia terão a última palavra. Dar uma volta pelo mundo, através das redes sociais e da comunicação virtual, não bastaria para avaliar a amplitude desta paleta de cores em situações em que a natureza, em todas as suas expressões, sofre as manifestações de vida e de morte, fruto da ambiguidade que habita o coração de homens e mulheres de todos os tempos
A Bíblia pode ajudar-nos a avaliar este mistério do mal e do bem que coexistem no mundo Assim repreende o Senhor os seus filhos: «O meu povo cometeu um duplo crime: abandonou-me, a mim, nascente de águas vivas, e construiu cisternas para si, cisternas rotas, que não podem reter as águas» (Jr 2, 13)
O mundo sofre as consequências da ilusão de posse, tendência que ameaça toda a humanidade, mas a respeito da qual podemos agir com liberdade, sentindo-nos administradores de um mundo dado de presente a todos os homens, e não apenas a alguns, para o fazer crescer, embelezar e levar à plenitude «Se encontrares no caminho, em cima de uma árvore ou no chão, um ninho de pássaros com filhotes, ou ovos cobertos pela mãe, não apanharás a mãe com a ninhada» (Dt 22, 6) «Irão errantes de um mar a outro mar, e do Norte até ao Oriente, em busca da palavra do Senhor, mas não a acharão» (Am 8, 12).
Contudo, o desejo de domínio provocou estragos e, assim, numa dinâmica perversa, o mundo dado de presente hoje tem um preço, compra-se e vende-se; alguns, poucos, sentindo-se donos, sujeitam outros a viver «pagando» para habitar o mundo. Perdemos de vista a mão que nos oferece o mundo e já só vemos o mundo, desejando-o desordenadamente e coisificando tudo – terra, água, vegetais, animais, pessoas – para poder submetê-lo e dispor dele a nosso bel-prazer
Ora, nesta dinâmica, todos nós somos prejudicados, visto que o mundo se vai desnaturando, enquanto nós vamos pondo em xeque e destruindo a nossa casa comum «Desperta, Senhor, porque dormes? Desperta e não nos rejeites para sempre! Porque escondes a tua face e te esqueces da nossa miséria e tribulação?»
(Sl 44, 24-25). «A maldade dos homens era grande na Terra» (Gn 6, 5) O livro do Levítico dá-nos a entender que no povo de Israel já existiam algumas regras de administração dos bens, inclusive em favor dos irmãos: «Quando procederdes à ceifa das vossas terras, não ceifareis as espigas até à extremidade do campo nem apanhareis as espigas caídas. Também não rebuscarás a tua vinha nem apanharás os bagos caídos. Deixá-los-ás para o pobre e para o estrangeiro» (Lv 19, 9-10).
Na sua Carta aos Romanos, Paulo fala-nos do sofrimento da criação, dilacerada, que põe a sua esperança em que nós, homens e mulheres, humanizemos o mundo, colaborando com o bem e a beleza «A criação se encontra em expectativa ansiosa, aguardando a revelação dos filhos de Deus. De facto, a criação foi sujeita à destruição – não voluntariamente, mas por disposição daquele que a sujeitou – na esperança de que também ela será libertada da escravidão da corrupção, para alcançar a liberdade na glória dos filhos de Deus. Bem sabemos como toda a criação geme e sofre as dores de parto até ao presente. Não só ela. Também nós,
que possuímos as primícias do Espírito, nós próprios gememos no nosso íntimo, aguardando a adoção filial, a libertação do nosso corpo» (Rm 8, 19-23)
Somos chamados a olhar e a escolher o nosso caminho, a decidir se seremos cúmplices ou colaboradores, geradores de vida ou de morte «Repara que coloco hoje diante de ti a vida e o bem, a morte e o mal. Assim, ordeno-te hoje que ames o Senhor, teu Deus, que andes nos seus caminhos e que guardes os seus mandamentos, preceitos e sentenças. Fazendo-o, viverás, multiplicar-te-ás, e o Senhor, teu Deus, te abençoará na terra em que vais entrar para dela tomar posse. Mas se o teu coração se desviar e não escutares, se te deixares arrastar e adorares deuses estranhos e os servires, declaro-vos hoje que, sem dúvida, morrereis» (Dt 30, 15-18)
«O meu povo cometeu um duplo crime: abandonou-me, a mim, fonte de água viva, e cavou para si cisternas, cisternas rotas, que não podem reter as águas»
(Jr 2:13)
● «Irão errantes de um mar a outro mar, e do Norte até ao Oriente, em busca da palavra do Senhor, mas não a acharão» (Am 8:12)
● «Desperta, Senhor, porque dormes? Desperta e não nos rejeites para sempre! Porque escondes a tua face e te esqueces da nossa miséria e tribulação?» (Sl 44:24-25)
● «Veio para o que era seu e os seus não o receberam» (Jo 1:11)
Para aprofundar. Recursos. Anexo dois: «Aprender a viver».
Entrada segundo a perspetiva da fé
«E era muito bom» (Gn 1:31)
Hoje, num mundo onde milhares de vidas são arrasadas por desastres naturais, onde milhões de pessoas vivem em situações de guerra, onde milhares de milhões nascem, vivem e morrem submersos em estados indignos de pobreza, é muito provável que nos perguntemos o que estava Deus a ver quando, ao completar a criação, disse que tudo era muito bom.
A resposta é simples: Deus olhava a criação e a nós, os seres humanos, criados à sua imagem e semelhança, coroando a sua obra com o mandato de «enchei e submetei a terra» (Gn 1, 28) Sendo nós imagem de Deus, somos seres livres, capazes de amar, e utilizando esses dons preciosos de que Deus nos dotou, somos cocriadores do universo Dizia Teilhard de Chardin que o aparecimento do homem tinha significado o início de hominização do universo, pois somos nós, seres humanos, que damos sentido a tudo o que existe
Ao longo das nossas vidas, os seres humanos – tu, eu, nós –, vamos descobrindo que o livre arbítrio nos coloca perante uma alternativa crucial; esta não consiste em escolher, no mesmo plano, o bem ou o mal A verdadeira alternativa que enfrentamos nas nossas decisões consiste em deixar ou não deixar passar a oportunidade de uma síntese mais rica de criatividade, desprendimento e amor, o que viria a ser uma síntese mais humanizadora. Por outras palavras, a verdadeira alternativa consiste em sermos mais livres nas nossas ações e, portanto, em sermos colaboradores do amor… ou não.
O mal nunca é escolhido como mal; a pessoa nunca escolhe aquilo que lhe parece mal, escolhe-o como bem, segundo uma visão errada Escolher «o mal», na realidade, consiste em deixar escapar sínteses difíceis, de maior empenhamento, ou, como diria Santo Inácio, «oblação de maior estima e valor», para seguir caminhos banais de energia pobre, simplista, moral ou mentalmente «baratos», ou seja, em retroceder no caminho de humanização do universo Ou então, o que resulta no mesmo, em rejeitar ou deturpar as possibilidades de sínteses mais ricas de amor, de um amor que respeita cada um tal como é
O amor, a força divina e humanizadora do homem, requer que se resolva uma tensão entre o conhecido e os novos espaços de criação Entre caricaturas do amor (caminhos conhecidos) e um amor criativo e entregue a um bem sempre maior.
As guerras que ceifam vidas, a pobreza desumanizante, os abusos de uns contra outros, o consumo descomedido que coisifica as pessoas, as respostas violentas frente àquilo que nos desagrada, o apego às nossas comodidades , são apenas o resultado de escolhas que, pondo de parte sínteses ricas em amor e humanidade, optaram pela própria comodidade, cedendo a medos profundos que nos impedem de ver a mão de Deus na criação
It is our lack of faith and trust in the God who inhabits us, that leads us to take accustomed paths, lacking in love and creativity with those with whom we collaborate, with or without awareness of them, with "evil" that we do not believe and do not want to choose
A nossa falta de fé e confiança no Deus que nos habita leva-nos a enveredar por caminhos habituais, pobres de amor e criatividade, devido aos quais colaboramos –de forma consciente ou não –, com «o mal» em que não acreditamos e que não queremos escolher.
De cada vez que julgamos os comportamentos de outros, olhando-os com pouco amor, centrados em nós mesmos, sem prestar atenção à nossa responsabilidade de cocriadores com Deus, estaremos, mesmo sem o querer, a bloquear as nossas possibilidades de escolher com maior criatividade e amor Das nossas escolhas quotidianas depende que no universo haja mais ou menos amor, todos e cada um de nós somos artífices do mundo em que vivemos Deus está presente e, por isso, podemos afirmar, hoje e agora, sem medo de nos enganarmos, que a criação é muito boa (Gn 1, 31) porque é manifestação d’Ele Das nossas escolhas depende que Deus se manifeste ou não na realidade concreta, no quotidiano, mediante a vida criada
Para aprofundar. Recursos. Anexo cinco: «A maior conquista».
Entrada segundo a perspetiva espiritual
O coração e o mundo: campos de batalha Numerosos autores espirituais verteram rios de tinta sobre o combate que a vida espiritual supõe A que nos referimos, porém, quando falamos de combate espiritual? Existe, porventura, alguma coisa pela qual devamos combater?
Quem decide tomar a sério a sua vida espiritual, deve saber que decide forjar para si um coração combativo, capaz de lutar contra qualquer obstáculo que o impeça de se deixar amar pelo Senhor, descobrindo, com a sua ajuda, as mentiras e artimanhas usadas pelo «inimigo da natureza humana» para impedir que nos aproximemos do amor do Senhor
Na tradição cristã, o mal assume diversas figuras, como a de Satanás – que em hebraico significa «adversário» –, ou de Diábolos em grego – o que divide ou semeia discórdia Na tradição bíblica e espiritual, também se fala de «sedutor do mundo», «pai da mentira», Lúcifer, aquele que se apresenta como anjo de luz, sob a aparência de bem, induzindo-nos em erro
Nisso consiste a verdadeira luta: que Deus conquiste o nosso coração e não nos deixemos enganar por aquilo que se apresenta com brilho e com aparência de vida, mas que conduz à morte É o combate contra o inimigo da natureza humana, o diabo (o que divide), pai da mentira, o acusador, o tentador, que não quer que nos aproximemos do Coração de Jesus. Nesse combate, é o Senhor que toma a iniciativa e nos assiste na luta, foi Ele que venceu a morte. Assim, somos nós que suplicamos a sua graça e a sua assistência neste combate, para reconhecer os sinais da vida e os sinais de morte, acolhendo os primeiros e rejeitando os segundos.
Na sua Carta aos cristãos de Éfeso, São Paulo explica-nos, por meio de uma analogia, em que consiste esse combate espiritual e como nos devemos preparar para ele: as armas de Jesus Cristo serão as nossas armas «Tornai-vos fortes no Senhor e na sua força poderosa. Revesti-vos da armadura de Deus, para terdes a capacidade de vos manterdes de pé contra as maquinações do diabo. Porque não é contra os seres humanos que temos de lutar, mas contra os Principados, as Autoridades, os Dominadores deste mundo de trevas, e contra os espíritos do mal que estão nos céus. Por isso, tomai a armadura de Deus, para que tenhais a capacidade de resistir no dia mau e, depois de tudo terdes feito, de vos manterdes firmes. Mantende-vos, portanto, firmes, tendo cingido os vossos rins com a verdade, vestido a couraça da justiça e calçado os pés com a prontidão para anunciar o Evangelho da paz; acima de tudo, tomai o escudo da fé, com o qual tereis a capacidade de
apagar todas as setas incendiadas do maligno. Recebei ainda o capacete da salvação e a espada do Espírito, isto é, a palavra de Deus Servindo-vos de toda a espécie de orações e preces, orai em todo o tempo no Espírito; e, para isso, vigiai com toda a perseverança e com preces por todos os santos» (Ef 6:10-18)
No coração do homem habitam forças que se fazem sentir São pensamentos, sentimentos, movimentos interiores que disparam em direções diferentes – e por vezes contrárias Essas forças interiores lutam, enredam-se e movem-se dentro de nós e, em virtude dos seus movimentos, impelem-nos numa ou noutra direção É importante sabermos reconhecer essas forças, «senti-las» no nosso interior e reconhecer para onde nos conduzem Para conhecer esses pensamentos, desejos e sentimentos profundos devemos aprender a olhar o nosso interior, gastar tempo para entrar em contacto com essas forças, sentir como são, como se movem, aonde nos conduzem, sem tomar partidos, olhando-as apenas, sem as julgar nem rejeitar. Pelo menos nesse primeiro momento. É um caminho de meditação, de fazer silêncio, de nos determos, de aprendermos a escutar o nosso coração. Eis uma graça que devemos pedir insistentemente na oração O discernimento no combate espiritual é um dom do Senhor Esse caminho não se faz num abrir e fechar de olhos, nem se aprende de um momento para o outro Requer um processo gradual de ir travando amizade com o nosso mundo interior e uma atitude de súplica para recebermos essa luz e essa graça do Senhor
Olhando, aprenderemos a aceitar as forças que nos habitam e a reconhecê-las pelo nome; então, aprendendo a aceitá-las, poderemos distinguir aquilo que nos ajuda a deixarmo-nos amar pelo Senhor Para aprender melhor o discernimento, consulta a Entrada espiritual do passo 2: «Conhecer os movimentos da nossa interioridade»
Se verdadeiramente desejamos que o Senhor acampe no nosso coração, devemos deixar que as forças que nos orientam para Deus e que Ele apoia fluam dentro de nós. Para isso é necessário que sejam as armas do Senhor a lutar no nosso coração.
E quais são as armas do Senhor? A Carta de São Paulo constitui uma boa orientação para sabermos reconhecer os critérios de Deus:
● A fortaleza provém do Senhor, que vem em ajuda da nossa debilidade O mal supera as nossas forças, por isso, devemos apoiar-nos no Senhor
● Somos habitados por Jesus, e a semente do Reino, com todo o seu potencial de justiça e compaixão, luta por prevalecer em nós
● A fé que nos salva consiste em crer n’Ele, naquilo que Ele nos promete e no facto
de Ele desejar acampar no nosso coração. Jesus tem a vitória nas suas mãos e acreditar firmemente nisso é a nossa segurança, para lá de todos os combates
● A oração simples e confiante, deixando-nos abraçar por Ele, constitui a nossa arma poderosa A oração resume-se a esse encontro sem barreiras, no qual só procuramos estar disponíveis para o Senhor, na sua presença, para que Ele nos conquiste e nos abrace
Cada pessoa constitui uma unidade, amada por Deus, com essas forças que habitam o seu interior e que não desaparecerão, porque a vida espiritual traduz-se sempre num combate para escolher a vida A vitória dá-se quando damos espaço ao Senhor para que Ele reine no nosso coração
O mundo é também um lugar de combate dessas forças que reconhecemos no coração do ser humano e que Jesus quer conquistar para si e para o seu Reino. Não haverá possibilidade de transformação do mundo que não comece primeiro no nosso coração e no coração de cada pessoa. A paz e o bem por que ansiamos no mundo devem ser acolhidos primeiro dentro de nós, mediante o combate interior, deixando que Jesus nos transforme à sua imagem Os nossos comportamentos, as nossas atitudes para com os irmãos, as nossas decisões podem entrar em cumplicidade com o mal que vemos, ou acompanhar as forças de vida que vão germinando no mundo
Aprender a discernir estas forças, olhar e identificar no nosso interior aquilo que nos impele a atuar, ajudar-nos-á, com a graça do Senhor, a escolher aquilo que nos abre à vida Dizemos, por isso, que o mundo é o lugar em que o combate interior ganha vida concreta, em que nos podemos associar à missão de compaixão de Jesus pelo mundo ou, então, tornarmo-nos cúmplices das forças que a destroem Cabe-nos a nós decidir
Na Exortação Apostólica Gaudete et exsultate, o Papa Francisco dá-nos algumas pistas para este combate espiritual.
«A vida cristã é uma luta permanente. Requer-se força e coragem para resistir às tentações do demónio e anunciar o Evangelho. Esta luta é magnífica, porque nos permite cantar vitória todas as vezes que o Senhor triunfa na nossa vida. Não se trata apenas de uma luta contra o mundo e a mentalidade mundana, que nos engana, atordoa e torna medíocres, sem empenho e sem alegria Nem se reduz a uma luta contra a própria fragilidade e as próprias inclinações (cada um tem a sua: para a preguiça, a luxúria, a inveja, os ciúmes, etc.). Mas é também uma luta constante contra o demónio, que é o príncipe do mal. O próprio Jesus celebra as nossas vitórias. Alegrava-se quando os seus discípulos conseguiam fazer avançar o anúncio do Evangelho, superando a oposição do Maligno, e exultava: "Eu via Satanás cair do céu como um relâmpago" (Lc 10, 18)» (158-159)
«Então, não pensemos que [o demónio] é um mito, uma representação, um símbolo, uma figura ou uma ideia Este engano leva-nos a diminuir a vigilância, a descuidarmo-nos e a ficar mais expostos O demónio não precisa de nos possuir Envenena-nos com o ódio, a tristeza, a inveja, os vícios E assim, enquanto abrandamos a vigilância, ele aproveita para destruir a nossa vida, as nossas famílias e as nossas comunidades, porque, "como um leão a rugir, anda a rondar-vos, procurando a quem devorar" (1 Pd 5, 8)» (161)
«A Palavra de Deus convida-nos, explicitamente, a resistir "contra as maquinações do diabo" (Ef 6, 11) e a "apagar todas as setas incendiadas do maligno" (Ef 6, 16) Não se trata de palavras poéticas, porque o nosso caminho para a santidade é também uma luta constante Quem não quiser reconhecê-lo, ver-se-á exposto ao fracasso ou à mediocridade. Para a luta, temos as armas poderosas que o Senhor nos dá: a fé que se expressa na oração, a meditação da Palavra de Deus, a celebração da Missa, a adoração eucarística, a Reconciliação sacramental, as obras de caridade, a vida comunitária, o compromisso missionário. Se nos descuidarmos, facilmente nos seduzirão as falsas promessas do mal. Ora, como dizia o Santo Cura Brochero, " que importa que Lúcifer prometa libertar-vos e até vos atire para o meio de todos os seus bens, se são bens enganadores, se são bens envenenados?" Neste caminho, o progresso no bem, o amadurecimento espiritual e o crescimento do amor são o melhor contrapeso ao mal Ninguém resiste, se escolhe arrastar-se em ponto-morto, se se contenta com pouco, se deixa de sonhar com a oferta de maior dedicação ao Senhor; e, menos ainda, se cai num sentido de derrota, porque " quem começa sem confiança, perdeu de antemão metade da batalha e enterra os seus talentos ( ) O triunfo cristão é sempre uma cruz, mas cruz que é, simultaneamente, estandarte de vitória, que se empunha com ternura batalhadora contra as investidas do mal"» (162-163)
«Como é possível saber se algo vem do Espírito Santo ou se deriva do espírito do mundo e do espírito maligno? A única forma é o discernimento. Este não requer apenas uma boa capacidade de raciocinar e sentido comum, é também um dom que é preciso pedir. Se o pedirmos com confiança ao Espírito Santo e, ao mesmo tempo, nos esforçarmos por cultivá-lo com a oração, a reflexão, a leitura e o bom conselho, poderemos certamente crescer nesta capacidade espiritual» (166)
Em suma: O que é o discernimento espiritual?
É a arte de interpretar em que direção nos conduzem os desejos do coração, sem nos deixarmos seduzir por aquilo que leva aonde nunca desejaríamos chegar O discernimento é o termo genérico para a prática de tomada de decisões na minha situação concreta de vida, quando procuro a vontade de Deus
Seis coisas que precisas de saber acerca do discernimento espiritual:
1 No que sentimos atuam duas forças que devemos reconhecer: o bom espírito e o mau espírito
2 Devemos reconhecer aonde nos conduzem as moções (sentimentos, pensamentos)
3 Cada uma dessas forças move-se na sua própria direção: umas abrem-nos à Vida, outras fecham-nos, conduzindo-nos por caminhos de morte
4 As influências exteriores encontram conivência em nós e reconhecemo-las como atuação ou do bom ou do mau espírito pelo «aonde me levam»
5 O bom espírito move-nos para a liberdade e para o amor de Deus e dos irmãos, e o mau espírito move-nos à escravidão.
6. Para escolher bem é indispensável aprender a distinguir estas forças e ter liberdade interior.
Para aprofundar. Recursos. Anexo sete. «Palavras do Papa, atenção aos "demónios educados": conduzem ao espírito de mundanidade»
Entrada segundo a perspetiva do Papa
«A humanidade vive, neste momento, uma viragem histórica, que podemos constatar nos progressos que se verificam em vários campos. São louváveis os sucessos que contribuem para o bem-estar das pessoas, por exemplo, no âmbito da saúde, da educação e da comunicação Todavia não podemos esquecer que a maior parte dos homens e mulheres do nosso tempo vive o seu dia a dia precariamente, com funestas consequências Aumentam algumas doenças O medo e o desespero apoderam-se do coração de inúmeras pessoas, mesmo nos chamados países ricos A alegria de viver frequentemente se desvanece; crescem a falta de respeito e a violência, a desigualdade social torna-se cada vez mais patente É preciso lutar para viver, e muitas vezes viver com pouca dignidade Esta mudança de época foi causada pelos enormes saltos qualitativos, quantitativos, velozes e acumulados que se verificam no progresso científico, nas inovações tecnológicas e nas suas rápidas aplicações em diversos âmbitos da natureza e da vida Estamos na era do conhecimento e da informação, fonte de novas formas de um poder muitas vezes anónimo.
Assim como o mandamento "não matar" põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer "não a uma economia da exclusão e da desigualdade social". Esta economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa Isto é exclusão Não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome Isto é desigualdade social Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco Em consequência desta situação, grandes massas da população veem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspetivas, num beco sem saída O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora Assim teve início a cultura do "descartável", que aliás chega a ser promovida Já não se trata simplesmente do fenómeno de exploração e opressão, mas de uma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são "explorados" mas resíduos, "sobras"» (Evangelii gaudium, 52-53).
Para aprofundar. Recursos. Anexo seis: «Palavras do Papa. Alguns desafios do mundo atual»
Entrada segundo a perspetiva da oração
Admirar
«A minha alma glorifica o Senhor; e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque pôs os olhos na humildade da sua serva» (Lc 1:46-48)
Admirar é uma ação profundamente quotidiana. É uma atitude simples, oculta aos olhos dos outros, porque acontece dentro de nós. Há quem diga que é a qualidade dos santos, que saboreavam as coisas, como fazia Maria, mãe de Jesus, e as guardavam no seu coração. De facto, a «sabedoria», que tem a sua raiz na palavra «sabor», refere-se àquele que saboreia as coisas no seu interior. Os que admiram, saboreiam e se deliciam com os acontecimentos da sua vida são capazes de ultrapassar o limite do conhecimento linear, para se unirem misticamente a Deus
De que depende a admiração? Da capacidade para olhar os acontecimentos da nossa vida com disponibilidade interior para agradecer e aprender É uma recetividade ativa que permite compreender de que modo os factos, os acontecimentos e as situações que nos envolvem ressoam dentro de nós A admiração torna possível que a vida quotidiana ressoe no nosso interior com uma nova luz, nos faça compreender como somos influenciados e mobilizados por tudo aquilo que sucede à nossa volta A «nova inteligência» que brota ajuda-nos a compreender como reagimos aos acontecimentos da vida quotidiana Quebra, de certo modo, a casca da realidade que estava oculta aos nossos olhos, para nos revelar até que ponto nos deixamos envolver por aquilo que vemos e observamos.
Existem à nossa volta dinâmicas quer de vida, quer de morte. Há tantas pessoas cheias do Espírito de Deus, que desejam colaborar com o projeto do Reino, como outras que parecem procurar apenas a degradação do ser humano e a sua destruição Onde te situas perante esta realidade? O amor, no mundo, mobiliza-nos para praticar o bem, seduzindo-nos e convocando-nos, mas existem também outras forças capazes de colonizar o nosso coração e de impelir-nos para a morte
A atitude de admiração ajuda-nos a situar-nos numa das grandes batalhas da nossa vida: viver segundo o projeto de Deus ou morrer mediante a degradação do ser humano É uma batalha espiritual, aquela que temos de travar no mundo O mundo padece das mesmas doenças que o coração humano, visto serem as nossas desordens interiores que fazem adoecer o mundo Por exemplo, uma das forças mais destrutivas e mortíferas para o ser humano e o reino de Deus é a inveja
Esta doença da alma, como é conhecida na tradição monástica, constitui uma forma degenerada da admiração Diz Jesus no Evangelho: , «A lâmpada do corpo são os olhos; se os teus olhos estiverem sãos, todo o teu corpo andará iluminado. Se, porém, os teus olhos estiverem doentes, todo o teu corpo andará em trevas. Portanto, se a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão essas trevas!»
(Mt 6:22-23)
O invejoso sofre de uma doença que lhe obscurece a alma Assim como a pessoa que sabe admirar fica maravilhada perante a grandeza, a majestade e a beleza daquilo que contempla, o invejoso também fica fascinado, mas o objeto desse fascínio constitui um peso para ele O invejoso não consegue transcender aquilo que vê, porque, na realidade, só se vê a si mesmo sem aquilo que pode admirar, mas não pode possuir. O invejoso é um ególatra que olha o mundo através do orifício do seu umbigo. Não acredita que exista alguma coisa boa fora de si mesmo. A inveja é um sentimento tão amargo para a alma que lhe faz perder o sabor da vida. «A inveja é um sentimento que, desgraçadamente, nasce já na infância, sobretudo nas relações familiares e, de modo particular, quando há irmãos ou irmãs. A Bíblia oferece-nos numerosos exemplos: Caim tem inveja de Abel (cf Gn 4, 3-5), os filhos de Jacob invejam o seu irmão José (cf Gn 37, 5-8) O invejoso é aquele que se sente excluído de um bem possuído pelo outro que está a seu lado: o bem do outro é experimentado como um mal pessoal Quem é cativo desta patologia olha com maus olhos (inveja, de in-videre) a felicidade, o bem, a virtude do outro, até ao ponto de desfigurar a sua imagem e a sua realidade, concentrando todos os seus desejos naquilo que os outros possuem Em suma, o que é a inveja senão a contradição do mandamento: "Não cobiçarás os bens do teu próximo"? (cf Ex 20, 17; Dt 5, 21)» – (Enzo Bianchi, Lucha por la vida, Santander, Sal Terrae, 2012, p 157)
Segundo muitos sociólogos, a inveja é o mal social, altamente generalizado, da época atual.
Outra dinâmica do mundo que faz o ser humano e o projeto do reino de Deus adoecer e degradar-se é a tristeza. A tristeza – definida por Evágrio como «o verme do coração»
insinua-se no coração do homem e, lentamente, vai corroendo toda a sua vida, qual roupa comida pela traça (cf. Pv 25, 20): se não for combatida, acaba por se instalar dentro de nós como um inquilino permanente e cada vez mais difícil de desalojar Sim, a tristeza é o «não-prazer» por excelência: ela «despoja-nos de todo o prazer, tornando árido o nosso coração»; a tristeza está na raiz da depressão nervosa, porque conduz ao sentimento de falta de sentido da vida, a um estado de letargia nervosa em que a vida parece carecer de luz e de esperança: numa palavra, a vida torna-se não-vivível É significativo que dois salmos tenham por refrão o versículo: «Porque estás triste, minha alma, e te perturbas?» (Sl 42, 6 12; 43, 5) Por que motivo
permanece a tristeza como uma sombra no mais profundo de nós mesmos, como um zumbido que incessantemente nos atormenta? Por vezes, são os sofrimentos padecidos injustamente, as contradições reais da nossa vida, a constatação da frustração dos nossos desejos, mesmo dos mais nobres e justos, que geram a tristeza em nós (Enzo Bianchi, 2012)
Como lutar contra a tristeza? A vida e a realidade trazem consigo inúmeras contrariedades, é certo, mas ai daquele que julga poder viver num mundo dourado e isento de frustrações! Ai daquele que se alimenta de nostalgias imaginárias ou de expectativas impossíveis! Pelo contrário, se nos exercitamos em aceitar as contrariedades quotidianas, se, apesar dos nossos sofrimentos, sabemos acolher e elaborar as nossas feridas, então poderemos abrir-nos a essa consolação que vem de Deus e da comunhão com os irmãos. Além disso, devemos recordar que, para os cristãos, a alegria não é fruto de uma disposição interior de caráter psíquico, mas conjuga-se no imperativo, constitui um mandato apostólico: «Alegrai-vos, estai sempre alegres» (2 Cor 13, 11; Fl 2, 18; 3, 1; 4, 4; 1 Ts 5, 16; cf. Rm 12, 12.15; 1 Cor 12, 26). Não se trata, pois, de um sentimento vago e espontâneo, mas de um estado que se deve procurar com esforço e empenho É alegria «no Senhor» (Fl 4, 4 10), em primeiro lugar, enquanto alegria do Senhor, do Deus que se alegra e comunica a sua alegria àqueles que ama; no cristão, por seu lado, essa alegria brota de ele viver «em Cristo», de saber que Cristo vive nele (cf Gl 2, 20)
Devemos obedecer decididamente ao mandamento da alegria e exercitar-nos nele, vivendo plenamente o momento presente e experimentando, assim, que nem o passado nem o futuro podem determinar a nossa vida, mas somente o hoje de Deus Na realidade, o cristão deveria inaugurar cada jornada, iniciar cada dia com as palavras do salmista: «Oxalá ouvísseis hoje a sua voz!» (Sl 95, 7), dispondo-se, ao mesmo tempo, a dar graças a Deus por ter sido criado (Enzo Bianchi, 2012)
Existe algum antídoto contra a inveja? Sim, a gratidão, ou seja, sabermos dar graças, sermos capazes de nos maravilhar com o bem, seja quem for que o pratique, saber ver com bons olhos tudo aquilo que floresce à nossa volta… Só quem sabe reconhecer e sentir-se grato pelo bem praticado pelos outros é capaz de «fazer o bem», de purificar o seu modo de agir, de elevar a sua ação de graças a Deus por tudo o que realiza na história e na vida de cada ser humano Já aniquilou o sentimento de inveja dentro de si quem souber dizer: «Todo o bem que consegui fazer, fi-lo graças aos outros que estão comigo: sem estes meus irmãos, sem estes meus amados, não teria conseguido praticar o pouco bem que realizei»
A avareza é outra das doenças da alma que atacam a vida das pessoas e destroem o projeto de amor aos outros O consumismo constitui uma das modalidades da
avareza. É uma desordem que transforma uma pessoa num ser ávido por obter coisas e acumular tudo o que puder O avarento é uma pessoa que vive «entalada» e insensível às necessidades dos outros Não tem a capacidade de saborear ou de gozar aquilo que alcança, estando sempre à procura de «algo mais para engolir»
Vive receoso de que «se lhe escape» o que entesoura e de que se esvaziem os seus alforjes, por isso é incapaz de compartilhar o que tem A avareza é uma doença da alma que se manifesta pela cobiça de possuir bens materiais, mas também está presente no desejo de adquirir «bens espirituais», com o único objetivo de alcançar prestígio aos olhos dos outros O avarento «espiritual» caminha na vida procurando ser considerado santo! Julga-se uma pessoa segura, mas na realidade é muito frágil e vulnerável, procurando apoiar-se naquilo que possui
O homem e a mulher materialistas arrancam o coração ao mundo. Extirpam dele o mais maravilhoso que possuem. O mundo é o lugar criado por Deus para experimentarmos, saborearmos e desfrutarmos dos bens com os outros. É um lugar para aprendermos o que significa «amar». Quem tem medo de perder aquilo que possui decidiu entregar às coisas poder sobre si mesmo. É um escravo dos seus bens, um ser possuído pelas coisas O avarento «espiritual» pode ser exteriormente austero mas, na realidade, exige que o considerem «especial» Julga que deve ser tratado de maneira diferente das restantes pessoas devido às riquezas espirituais que encerra dentro de si O avarento «espiritual» apoia-se nas adulações e na consideração dos outros para se sentir seguro
A avareza, material ou espiritual, é uma das escravidões mais comuns O avarento é um homem miserável, disfarçado de rico É um rico-pobre É uma pessoa que se percebe frágil e que precisa de recorrer ao poder que lhe conferem os seus bens Tem uma imagem corrompida e enegrecida de si mesmo, e por isso oculta a sua fealdade por detrás das suas conquistas Estas três doenças – entre as nove que existem na tradição monástica, segundo o padre do deserto Evágrio Pôntico –, são as que causam mais dano às nossas relações, vínculos, ambientes e, por fim, ao mundo. Reconhecê-las simultaneamente em nós e no mundo ajuda-nos a tomar a decisão de as descartar e a escolher as dinâmicas de vida que «dão verdadeira alegria e gozo espiritual, o que é próprio de Deus e dos seus anjos» (EE 329)
Para aprofundar. Recursos.
Anexo um: «Aprender a desaprender».
Anexo Três: «Aprender a sabedoria».
Exercício – Prática da releitura
Aprofundamento do terceiro momento da releitura
Contemplar o mundo – Considerar o amanhã
Nos Exercícios Espirituais, Santo Inácio de Loiola apresenta-nos Deus a contemplar o mundo: como «as três Pessoas divinas» olhavam «toda a planície ou redondeza de todo o mundo, cheia de homens, e como, vendo que todos desciam ao inferno, determinaram, na sua eternidade, que a segunda pessoa se fizesse homem, para salvar o género humano E, assim, chegada a plenitude dos tempos, é enviado o anjo São Gabriel a Nossa Senhora»
«E o Verbo fez-se carne e habitou entre nós» (Jo 1, 14)
Também nós somos convidados a contemplar o nosso mundo com os seus desafios, alegrias e sofrimentos, temores e esperanças, e a incluí-lo nas nossas orações
Diante da cruz, como fez Santo Inácio, posso interrogar-me e meditar: «O que tenho feito por Cristo? O que faço por Cristo? O que devo fazer por Cristo?»
Prática da releitura temática
Buscas, desejos e futuro
Propomos-te um exercício de releitura para orientar as tuas buscas e bons propósitos Será um momento de oração perante o futuro próximo
Procura um lugar tranquilo e aquieta o teu coração, as ideias dispersas; e respira pausadamente
Deixa que o Senhor te olhe, estás na sua presença Agradece-lhe por te acompanhar neste tempo de oração
Há alguma coisa que desejes agradecer de modo especial?
Olha o teu coração e deixa que ressoe nele uma pergunta de Jesus: «O que procuras?». Põe nesta pergunta as pessoas, lugares, atividades que preenchem o teu dia. Deixa que faça eco no teu coração.
Depois fala com o Senhor acerca dos teus desejos e anseios relativos à tua família, amigos, estudos, trabalhos ou diversões
Dá lugar e tempo para que o Senhor te dê uma palavra sobre aquilo que trazes à sua
presença.
À luz desta releitura, põe nas mãos do Senhor o dia de amanhã, com as decisões que desejas tomar para passares a viver mais segundo o seu espírito
Agradece o momento, toma nota do que ficou no teu coração e conclui a tua oração
Para aprofundar. Recursos. Anexo oito: «Como fazer uma releitura»
Recursos
Anexo um – O bordado de Deus
«"O reino do Céu é semelhante a um tesouro escondido num campo, que um homem encontra. Volta a escondê-lo e, cheio de alegria, vai, vende tudo o que possui e compra o campo. O reino do Céu é também semelhante a um negociante que busca boas pérolas. Tendo encontrado uma pérola de grande valor, vende tudo quanto possui e compra a pérola. O reino do Céu é ainda semelhante a uma rede que, lançada ao mar, apanha toda a espécie de peixes. Logo que ela se enche, os pescadores puxam-na para a praia, sentam-se e escolhem os bons para as canastras, e os ruins, deitam-nos fora. Assim será no fim do mundo: sairão os anjos e separarão os maus do meio dos justos, para os lançarem na fornalha ardente: ali haverá choro e ranger de dentes. Compreendestes tudo isto?". "Sim" – responderam eles. Jesus disse-lhes, então: "Por isso, todo o doutor da Lei instruído acerca do Reino do Céu é semelhante a um pai de família, que tira coisas novas e velhas do seu tesouro"» (Mt 13:44-52)
Muitas vezes, a partir de então, tenho olhado o céu e perguntado: «Pai, o que estás tu a fazer?»
Ele responde: «Estou a bordar a tua vida Um dia hei de trazer-te para o Céu, sentar-te-ei ao meu colo e verás o plano aqui de cima Então compreenderás »
Anexo dois – Aprender a sabedoria
Vivemos numa época em que cada vez sabemos mais acerca de tudo Há cada vez mais especialistas acerca de tudo, de tal modo que podemos chegar a saber um pouco de muitas coisas, mas não com muita profundidade Em meu entender, hoje dispomos de muito mais informação, de mais conhecimentos, de mais dados do que no passado Vivemos com maior informação disponível, mas com muito pouca profundidade em termos de reflexão Os nossos juízos e raciocínios são superficiais Refletimos pouco e opinamos com muita rapidez acerca de tudo
Perante esta realidade, não devemos esquecer uma coisa Os conhecimentos contidos nos relatórios, nos dados, nas análises que fazemos são quase estritamente científicos São transmissíveis e ensinamo-los nas nossas escolas e universidades Contudo, a informação não torna as pessoas sábias. Nós, a humanidade inteira, devemos aprender a partir das nossas experiências, para nos tornarmos homens e mulheres sábios. O que torna um homem sábio?
«Sabedoria», segundo José António Garcia-Monge, «é lucidez e força para viver a realidade; sermos nós mesmos, sabermos relacionar-nos, compreender e, sobretudo, compreendermo-nos no mais profundo do nosso ser, de uma maneira autêntica e profunda Uma fonte muito importante da sabedoria é a própria experiência: se a soubermos escutar, se, inclusivamente, aprendermos a partir dos nossos próprios erros, a nossa experiência será uma fonte luminosa de sabedoria A sabedoria ilumina-nos, despertando-nos para uma mudança coerente com o nosso itinerário vital, mas implica uma conversão para o SER A sabedoria é luz para aprendermos a ver e a contemplar Em suma, para aprendermos a viver»
Como surge então a sabedoria em nós, se não se pode ensinar? Como «prender» a sabedoria para a «a-prender»? «Nesta altura da nossa vida» temos no nosso ativo tantos êxitos como fracassos, tantos acertos como erros e tantas metas alcançadas como caminhos abandonados. Sendo assim, até que ponto temos refletido sobre os nossos êxitos e sobre os nossos fracassos? Até que ponto temos meditado sobre os nossos acertos e sobre os nossos erros?
Anexo três – Aprender a viver
A realidade que nos toca viver é complexa e isso acentua-se, por vezes, quando se combina com a nossa história ou experiência vital, que a torna ainda mais difícil
Viver de modo cristão significa peregrinar com tudo aquilo que somos, abrindo espaços na nossa vida para conciliar a humanidade débil e a graça de Deus, sempre presentes Só começaremos a caminhar se deixarmos de esperar que se verifiquem todas as condições; caso contrário, ficaremos resignados, aguardando que «desça algum anjo», capaz de mudar a nossa vida Devemos aprender a viver com tudo aquilo que há em nós, com as nossas feridas e fracassos Não é importante que a tua vida tenha sido dura como a pedra, fria como o mármore ou frágil como o barro; o que importa é aquilo que tu decidas fazer com isso
Estimar a própria vida significa confiar que Deus realizará de novo a sua encarnação em mim, voltando a unir os extremos opostos numa só pessoa. Devemos libertar-nos das ilusões enganadoras que nós próprios forjamos sobre como «deveria ser a vida». O nosso valor deriva do reconhecimento da nossa dignidade de seres forjados à imagem do Filho amado de Deus. Amar o próximo como a si mesmo é um mandamento de Jesus e isso significa reconciliarmo-nos com a nossa própria história de vida
Anexo quatro – Aprender a desaprender
A mudança ou o amadurecimento, seja em que dimensão for, não consiste somente em adquirir novos conhecimentos, informação ou ideias, mas na substituição do modelo de aprendizagem feito a partir de experiências cognitivas, afetivas ou vitais que já deixaram de servir, por dimensões pessoais ajustadas à nova e mais adequada perceção da realidade Como Jesus recomendou a Nicodemos, precisamos de nascer do alto: «Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus» (Jo 3, 5) Todos nascem de pais humanos, mas os filhos de Deus nascem apenas do Espírito
Esta dinâmica da mudança na aprendizagem origina conflitos entre o antigo e o novo, o de «sempre» e o atual Este conflito não é gerado apenas pela moda (o que seria banal, frívolo e até desprezível), mas pela adaptação, eficácia, sobrevivência, libertação e justiça relativamente à realidade.
Devemos aprender a desaprender, se quisermos adaptar-nos, evoluir, crescer e abrir-nos adequadamente à realidade. Há verdades provisórias úteis para uma fase da nossa vida, verdades enlatadas (esquecemo-nos de reparar no seu prazo de validade) e, para preservar o dinamismo da verdade, temos de aprender a dizer-lhes adeus, se quisermos continuar a ser profundamente fiéis à realidade em todas as suas dimensões Dizer adeus equivale a despedirmo-nos, a desaprender Por outras palavras, a desapegarmo-nos do modelo de conhecimento que tínhamos – os nossos próprios pensamentos –, para acolhermos a voz e a Palavra de Deus que nos revelam uma perspetiva diferente da nossa vida, que não tínhamos considerado anteriormente
Esta atitude aberta é difícil e nunca nos deve conduzir a uma relativização universal Antes aprendíamos para toda a vida; agora, vivemos para aprender, porquanto o aprendido nos dá vida Isto não significa cair num pragmatismo superficial – só é verdade aquilo que serve –, mas naquilo que faz justiça à vocação do ser humano.
Há pessoas que guardam tudo; custa-lhes imenso desprender-se de algo que jamais utilizarão. Outras desprendem-se rapidamente de quase tudo: usam e deitam fora. O que eu pretendo indicar é que o mesmo se passa com as nossas aprendizagens: ideias, comportamentos, emoções, informações, interpretações, etc Ora, muitas vezes é imaturo considerar que qualquer coisa não serve porque assim o decide a
moda ou a pressa. O importante é conhecer, avaliar, distinguir e discernir o que já não é válido e dar lugar ao fluxo da vida responsavelmente vivida
Anexo cinco – A maior conquista
Há tempos, enquanto desfrutava de uma boa leitura, encontrei o provérbio latino que diz: «Quem deseje um cavalo sem defeito, ande a pé». Pareceu-me, pura e simplesmente, maravilhoso.
Há pessoas que julgam que o caminho da vida espiritual consiste em livrar-se dos seus defeitos, em arrancar o joio ou em serem perfeitas, não na misericórdia e na compaixão, como Deus, mas para se sentirem melhores que os outros e para poderem censurar com «autoridade» os defeitos alheios Devemos reconhecer que ninguém nasce sem defeitos e que a vida espiritual não consiste em arrancá-los ou em atacar determinados vícios, mas em cultivar o amor, a misericórdia, a compaixão, em suma, em revestirmo-nos dos sentimentos de Jesus, porque, se procuramos o Reino e a sua justiça, tudo o mais virá por acréscimo (Mt 6, 33)
Devemos ser humildes e sensatos e reconhecer que talvez consigamos arrancar alguns defeitos da nossa vida e do nosso modo de proceder, mas dificilmente conseguiremos arrancá-los por completo da alma ou, pelo menos, não o conseguiremos se nos deixarmos obcecar por eles
Infelizmente, há quem julgue que a santidade é o resultado da conquista de virtudes pessoais e de momentos heroicos, independentemente do amor e do serviço em favor dos mais pobres e necessitados. Esforçam-se por ser melhores, mas não saem de si mesmos. Vivem centrados nos seus defeitos e pecados, girando à volta deles e convertendo as suas misérias no centro da sua vida espiritual O centro da vida espiritual não deve ser ocupado pelos nossos defeitos, mas por Jesus Cristo
Também há aquelas pessoas que se refugiam e «escudam» em finíssimos raciocínios para maquilhar a sua mediocridade e falta de autocrítica, tão necessária para amadurecer de forma saudável As pessoas que assim procedem aprendem a conhecer melhor as suas misérias, mas não crescem, nem humana nem espiritualmente
Os nossos defeitos, limitações, debilidades só são ameaças quando não nos deixam cultivar o amor Não te centres neles Centra a tua vida em Jesus e recorda aquilo que o Senhor respondeu a São Paulo quando este lhe pediu que o livrasse da debilidade
que o afligia: «Basta-te a minha graça, porque a força manifesta-se na fraqueza» (2 Cor 12, 9)
Por isso, responde como o Apóstolo: «Portanto, prefiro gloriar-me nas minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo» (2 Cor 12, 9)
O grande desafio da nossa vida espiritual consiste em assumir como nossos os sentimentos e o estilo de vida de Jesus Consiste em reconhecer que aquilo que nos torna verdadeiramente seres humanos e herdeiros do Reino é a capacidade de amar, na sua dupla vertente, a nós mesmos e aos outros, porque é o resultado de amar a Deus «com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento» (Lc 10, 27)
Anexo 6 – Palavras do Papa – Alguns desafios do mundo atual
«Neste contexto, alguns defendem ainda as teorias da "recaída favorável" que pressupõem que todo o crescimento económico, favorecido pelo livre mercado, consegue por si mesmo produzir maior equidade e inclusão social no mundo. Esta opinião, que nunca foi confirmada pelos factos, exprime uma confiança vaga e ingénua na bondade daqueles que detêm o poder económico e nos mecanismos sacralizados do sistema económico reinante Entretanto, os excluídos continuam a esperar Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o mercado oferece algo que ainda não comprámos, enquanto todas estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que não nos incomoda de forma alguma
Uma das causas desta situação está na relação estabelecida com o dinheiro, porque aceitamos pacificamente o seu domínio sobre nós e sobre as nossas sociedades. A crise financeira que atravessamos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano. Criámos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex 32, 1-35) encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano A crise mundial, que acomete as finanças e a economia, põe a descoberto os seus próprios desequilíbrios e sobretudo a grave
carência de uma orientação antropológica que reduz o ser humano apenas a uma das suas necessidades: o consumo
Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira Por isso, negam o direito de controlo dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem comum Instaura-se uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe, de forma unilateral e implacável, as suas leis e as suas regras Além disso, a dívida e os respetivos juros afastam os países das possibilidades viáveis da sua economia e os cidadãos do seu real poder de compra A tudo isto vem juntar-se uma corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões mundiais. A ambição do poder e do ter não conhece limites. Neste sistema que tende a devorar tudo para aumentar os benefícios, qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa perante aos interesses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta.
Por detrás desta atitude, escondem-se a rejeição da ética e a recusa de Deus Para a ética, olha-se habitualmente com um certo desprezo sarcástico; é considerada contraproducente, demasiado humana, porque relativiza o dinheiro e o poder É sentida como uma ameaça, porque condena a manipulação e degradação da pessoa Em última instância, a ética leva a Deus, que espera uma resposta comprometida, que está fora das categorias do mercado Para estas, se absolutizadas, Deus é incontrolável, não manipulável e até mesmo perigoso, na medida em que chama o ser humano à sua plena realização e à independência de qualquer tipo de escravidão
A ética – uma ética não ideologizada – permite criar um equilíbrio e uma ordem social mais humana Neste sentido, animo os peritos financeiros e os governantes dos vários países a considerarem as palavras dum sábio da antiguidade: "Não fazer os pobres participar dos seus próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Não são nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos".
Uma reforma financeira que tivesse em conta a ética exigiria uma vigorosa mudança de atitudes por parte dos dirigentes políticos, a quem exorto a enfrentarem este desafio com determinação e clarividência, sem esquecer naturalmente a especificidade de cada contexto O dinheiro deve servir e não governar! O Papa ama a todos, ricos e pobres, mas tem a obrigação, em nome de Cristo, de lembrar que os ricos devem ajudar os pobres, respeitá-los e promovê-los Exorto-vos a uma solidariedade desinteressada e a um regresso da economia e das finanças a uma ética propícia ao ser humano
Hoje, em muitas partes, reclama-se maior segurança. Mas, enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível desarreigar a violência Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há de provocar a explosão Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade Isto não acontece apenas porque a desigualdade social provoca a reação violenta de quantos são excluídos do sistema, mas porque o sistema social e económico é injusto na sua raiz Assim como o bem tende a difundir-se, assim também o mal consentido, que é a injustiça, tende a expandir a sua força nociva e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema político e social, por mais sólido que pareça. Se cada ação tem consequências, um mal embrenhado nas estruturas duma sociedade sempre contém um potencial de dissolução e de morte.
É o mal cristalizado nas estruturas sociais injustas, a partir do qual não podemos esperar um futuro melhor Estamos longe do chamado "fim da história", já que as condições de um desenvolvimento sustentável e pacífico ainda não estão adequadamente implantadas e realizadas
Os mecanismos da economia atual promovem uma exacerbação do consumo, mas sabe-se que o consumismo desenfreado, aliado à desigualdade social, é duplamente daninho para o tecido social Assim, mais cedo ou mais tarde, a desigualdade social gera uma violência que as corridas armamentistas não resolvem nem poderão resolver jamais Servem apenas para tentar enganar aqueles que reclamam maior segurança, como se hoje não se soubesse que as armas e a repressão violenta, mais do que dar solução, criam novos e piores conflitos Alguns comprazem-se simplesmente em culpar, dos próprios males, os pobres e os países pobres, com generalizações indevidas, e pretendem encontrar a solução numa «educação» que os tranquilize e transforme em seres domesticados e inofensivos. Isto torna-se ainda mais irritante, quando os excluídos veem crescer este cancro social que é a corrupção profundamente radicada em muitos países – nos seus Governos, empresários e instituições – seja qual for a ideologia política dos governantes ( )
O mundo está dilacerado pelas guerras e a violência, ou ferido por um generalizado individualismo que divide os seres humanos e põe-nos uns contra os outros, visando o próprio bem-estar Em vários países, ressurgem conflitos e antigas divisões que se pensava em parte superados Aos cristãos de todas as comunidades do mundo, quero pedir-lhes de modo especial um testemunho de comunhão fraterna, que se
torne fascinante e resplandecente. Que todos possam admirar como vos preocupais uns com os outros, como mutuamente vos encorajais, animais e ajudais: "Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros" (Jo 13, 35) Foi o que Jesus, com uma intensa oração, pediu ao Pai: "Que todos sejam um só (…) em nós [para que] o mundo creia" (Jo 17, 21) Cuidado com a tentação da inveja! Estamos no mesmo barco e vamos para o mesmo porto! Peçamos a graça de nos alegrarmos com os frutos alheios, que são de todos
Para quantos estão feridos por antigas divisões, resulta difícil aceitar que os exortemos ao perdão e à reconciliação, porque pensam que ignoramos a sua dor ou pretendemos fazer-lhes perder a memória e os ideais Mas se virem o testemunho de comunidades autenticamente fraternas e reconciliadas, isso é sempre uma luz que atrai. Por isso me dói muito comprovar como em algumas comunidades cristãs, e mesmo entre pessoas consagradas, se dá espaço a várias formas de ódio, divisão, calúnia, difamação, vingança, ciúme, a desejos de impor as próprias ideias a todo o custo e até perseguições que parecem uma implacável caça às bruxas. Quem queremos evangelizar com estes comportamentos?
Peçamos ao Senhor que nos faça compreender a lei do amor Que bom é termos esta lei! Como nos faz bem, apesar de tudo, amarmo-nos uns aos outros! Sim, apesar de tudo! A cada um de nós é dirigida a exortação de Paulo: "Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem" (Rm 12, 21) E ainda: "Não nos cansemos de fazer o bem" (Gl 6, 9) Todos nós provamos simpatias e antipatias, e talvez neste momento estejamos irritados com alguém Pelo menos digamos ao Senhor: "Senhor, estou irritado com este, com aquela Peço-vos por ele e por ela" Rezar pela pessoa com quem estamos irritados é um belo passo rumo ao amor e é um ato de evangelização Façamo-lo hoje mesmo Não deixemos que nos roubem o ideal do amor fraterno!»
(Papa Francisco, Evangelii gaudium, 54-60 99-101)
Anexo sete – Palavras do Papa. Atenção aos «demónios educados»: conduzem ao espírito de mundanidade
O Papa Francisco insta-nos a estar vigilantes sobretudo contra os «demónios educados», que entram na alma sem nos darmos conta. A essência do demónio é destruir: ou o faz diretamente, mediante vícios e guerras, ou tenta fazê-lo «educadamente», levando-nos a viver segundo o espírito de mundanidade.
Quando o demónio toma posse do coração de uma pessoa, instala-se aí, como em sua casa, e já não quer sair Quando Jesus expulsa os demónios, eles tentam arruinar
a pessoa liberta, fazer-lhe mal, «inclusive fisicamente». Muitos têm sido os demónios expulsos pelo Senhor, seus e nossos verdadeiros inimigos Por vezes, «a luta entre o bem e o mal parece demasiado abstrata» O verdadeiro combate é a luta primordial entre Deus e a antiga serpente, entre Jesus e o diabo
E essa luta é travada dentro de nós Cada um de nós está em luta; talvez nem sequer o saibamos, mas estamos em luta
A essência do demónio é destruir, a sua vocação é, precisamente, destruir a obra de Deus Existe o risco de sermos como as crianças que chupam o dedo, julgando que isto não é verdade, que são apenas invenções dos padres O demónio, porém, destrói e, quando não consegue destruir cara a cara, porque se depara com a força de Deus que defende a pessoa, como é mais esperto que uma raposa, tenta voltar a tomar posse dessa pessoa.
«Quando um espírito maligno sai de um homem, vagueia por lugares áridos em busca de repouso; e, não o encontrando, diz: "Vou voltar para minha casa, de onde saí"», tendo sido expulso por Jesus (Lc 11, 24)
Quando fala também se apresenta educadamente, dizendo «saí», quando, na realidade, foi expulso Além disso, quando o diabo não pode destruir uma pessoa por meio dos vícios, ou um povo mediante guerras e perseguições, pensa noutra estratégia, «a estratégia que usa com todos nós»:
«Nós somos cristãos, católicos, vamos à missa, rezamos Parece tudo em ordem Sim, temos os nossos defeitos, os nossos pequenos pecados, mas tudo parece estar em ordem E ele faz-se de "educado": vai, vê, procura um belo bando de amigos, convocando-os para a guerra – "Com licença, posso entrar?" – toca à campainha E estes demónios educados são piores que os primeiros, porque, sem te dares conta, já os tens em casa. Este é o espírito mundano, o espírito do mundo. O demónio, ou destrói diretamente com os vícios, com as guerras, com as injustiças, ou destrói educadamente, diplomaticamente, como diz Jesus. Não fazem barulho, fingem ser amigos, persuadem-te – "Não, vai-te embora, não faças assim tanto, não… até aqui, basta" – e levam-te pelo caminho da mediocridade, tornam-te um "tíbio", no caminho da mundanidade»
Devemos estar atentos ao perigo de cair nesta mediocridade espiritual, neste espírito do mundo, que nos corrompe a partir de dentro Devemos ter mais medo destes demónios do que dos primeiros, quando alguém diz: «Precisamos de um exorcista porque aquela pessoa está possessa do diabo, não te preocupes tanto como quando
vires essa gente que abriu a porta aos demónios educados, aos que persuadem a partir de dentro, que não são inimigos»
«Interrogo-me muitas vezes: qual é a pior coisa na vida de uma pessoa? Um pecado claro ou viver segundo o espírito do mundo, da mundanidade? Que o demónio te atire para cima um pecado – ou, em vez de um, vinte, trinta pecados, mas óbvios, daqueles que te deixam envergonhado – ou que o demónio esteja sentado à mesa contigo, viva contigo, parecendo tudo normal, mas aí te lance as suas insinuações e te possua com o espírito de mundanidade?»
Por último, o espírito de mundanidade é isto: «Aqueles que levam dentro de si os demónios educados» Recordemos a oração de Jesus na Última Ceia – «defende-os do espírito do mundo» – exortando os discípulos a estarem atentos e calmos:
«Diante destes demónios educados que querem entrar pela porta de casa como convidados de bodas, dizemos: "Vigilância e calma". Vigilância: esta é a mensagem de Jesus, a vigilância cristã. O que sucede no meu coração? Porque sou tão medíocre? Porque sou tão tíbio? Quantos "educados" vivem em minha casa, sem pagar uma renda?»
Fonte Vatican News, 12 10 2018
Anexo oito – Como fazer uma releitura (pausa)?
«Se na tua vida queres gerir bem o tempo, a única coisa de que precisas talvez seja algo tão simples como fazer uma pausa».
Tomás Moro, O cuidado da alma
Vivemos num tempo que nos oferece os elementos necessários para vivermos distraídos, como que ausentes, com o olhar um pouco perdido no horizonte É verdade que olhamos um pouco mais à nossa volta, mas não propriamente por termos consciência do valor dos outros – embora não possamos negar que há muita gente que a tem, interessando-se genuinamente por ajudar e servir os mais necessitados No entanto, muitas vezes olhamos para os outros na ânsia de fazer comparações Admiramos os outros, todavia, nem sempre com a intenção de nos alegrarmos pelos seus êxitos, mas com inveja e ciúmes Também é certo que estamos mais voltados «para dentro», não necessariamente mais conscientes do nosso mundo interior, mas mergulhados nos nossos pensamentos, dando voltas e mais voltas sobre nós mesmos, completamente atolados, incapazes de encontrar
uma saída. Embora haja pessoas que descobriram o seu valor pessoal e se dedicam a cultivar o seu mundo interior, onde se encontra a fonte da vida, também há quem ainda ignore que tem uma alma
Ao homem agrada aquilo que é «mais rápido», «mais novo», «mais espetacular»
Julga que teria uma vida melhor que a presente se conseguisse satisfazer todas as suas expetativas, mas não se apercebe suficientemente da vida que tem e não toma minimamente consciência de como faz as coisas
Há pessoas que parecem ter medo do «vazio na agenda» Passam o dia ocupadas, sempre lamuriosas, queixando-se de que: «o tempo não me chega» O que temos conseguido, vivendo assim? Uma vida baseada na pressa e no êxito pessoal; mas a produtividade tem um preço elevado. Sacrificamos muitas coisas valiosas por estarmos muito ocupados. Devido às ocupações, dizemos «não tenho tempo» às pessoas mais importantes da nossa vida e dedicamos o melhor do dia a quem, por vezes, nem sequer nos conhece, e tudo por não nos sabermos deter para fazer uma pausa. Queremos continuar a viver assim? Estás disposto a pagar o preço respetivo?
Segundo Terry Hershey, a pausa é um convite a «fazer menos para ser mais». Diz Terry, citando Joseph Campbell, em O poder do mito: «Deves ter um lugar no teu coração, na tua mente, no teu lar, ao qual possas acorrer quase diariamente, um lugar no qual não devas nada a ninguém nem ninguém te deva nada a ti, um lugar que permita, pura e simplesmente, o florescimento de algo novo e cheio de esperança»
Podemos dizer que existem dois momentos na pausa Num primeiro momento, mais passivo, detenho-me, descontraio e expiro É o momento para tomarmos consciência da nossa respiração Ao fazê-lo, damo-nos conta que não nos apercebemos o suficiente de uma coisa tão essencial e vital como é a respiração E o mesmo sucede com muitas outras coisas essenciais, que a pausa nos ajudará a descobrir.
Num segundo momento, mais ativo, prestaremos atenção aos nossos sentidos, tomando consciência do momento afetivo em que nos encontramos (gasta o tempo necessário para o caracterizares, reconhecendo, por exemplo: cansaço, aborrecimento, preocupação, felicidade, tranquilidade, relaxamento, etc ); depois inspira
Santo Inácio insistia muito com os seus filhos sobre a necessidade de fazerem uma pausa ou o exame De tal modo que chegava a dispensar da oração diária os seus filhos mais ocupados, mas nunca do exame ou da pausa de cada dia Tão grande importância dava este Santo à realização da pausa ou do exame que, no fim da sua
vida, examinava cada hora e cada uma das suas atividades ao longo do dia, tentando descobrir de que modo Deus o habitava e como se tinha feito presente no espaço de tempo e durante a tarefa examinados
Santo Inácio ensina-nos, mediante a pausa, que devemos tomar consciência de Deus, da sua passagem pela nossa vida Isto supõe «procurar e encontrar a Deus em todas as coisas» Este desejo requer espírito, atitude e método de discernimento A pausa não é uma balança que nos informa, no fim do dia, sobre o peso ou a densidade daquilo que fizemos bem ou mal Também não é um momento para registarmos os nossos erros e acusar-nos do mal que fizemos, ou para procurarmos a nossa própria «perfeição» neurótica Se não estás certo de já te teres libertado destes dois possíveis erros relacionados com a pausa, recomendo-te que não a faças Com efeito, não há nada mais contrário ao objetivo de Inácio do que um método destinado a gerar sentimentos de culpa e neuroses. Esta ferramenta dos Exercícios Espirituais convida-nos a cultivar e a fomentar uma relação próxima e íntima com Deus, vendo como Ele vai atuando em nós e como nós vamos assumindo o seu estilo de vida na nossa vida comum e corrente.
A pausa transmite uma energia à nossa consciência em que o conhecimento das moções suscitadas na alma e das opções que tomamos faz realmente a diferença
1. Conscientes da presença de Deus
● Procura um lugar para fazer a pausa Podes fazê-lo em qualquer lugar, mas ao princípio precisarás, certamente, de um espaço onde te sintas tranquilo
● Descontrai Começa a respirar por um momento, enquanto tomas consciência daquilo que estás a fazer Em seguida, faz o sinal da cruz para sentires que estás a iniciar uma oração e que te encontras na presença de Deus Se te ajudar, poderás repetir várias vezes, como jaculatória, enquanto respiras: «Senhor, Tu estás aqui comigo, agora».
● Recorda algum facto muito importante. Agrade-te ou não o estado espiritual, afetivo, físico ou psicológico em que te encontras no momento da pausa, dá graças por ele.
Permite o acesso da tua consciência a tudo o que tens vivido, mas ainda sem aprofundar nada Por que razão devemos também dar espaço aos momentos desagradáveis do dia? Porque precisamos de aprender a procurar e a encontrar Deus em todas as coisas e não apenas onde o queremos encontrar
2. Agradecer: prestar atenção
● Repassar o dia Num primeiro momento, para identificar o estado espiritual (afetivo, físico ou psicológico) em que te encontres 1 – Começa por te interrogares: como estou agora? Faz uma pausa enquanto respiras Em seguida poderás interrogar-te: com que palavra identifico aquilo que estou a experimentar aqui e agora? Não te apresses a responder às perguntas Deixa que a resposta brote do teu interior Entre uma pergunta e outra, faz uma pausa e respira 2 – Também podes fazer a ti próprio as seguintes perguntas:
O que fiz hoje? Com quem estive? Das conversas que tive, de qual me lembro de modo especial? Por que lugares andei? Que imprevistos tive? Como reajo quando sinto que perco o controlo? Lembra-te de fazeres sempre uma paragem depois de cada pergunta, para respirar e escutar. Presta atenção às respostas que brotarão do teu interior. Encontramo-nos na etapa de repassar com a imaginação aquilo que vivemos ao longo do dia e de dar graças pelos momentos agradáveis ou não. Não faças juízos morais (agi bem ou mal), limitando-te a repensar naquilo que viveste. Deves permitir que a tua vivência do dia dê acesso à tua consciência
● Identificar os pensamentos e os sentimentos A nossa vida quotidiana, tal como a oração, tem um início, um desenvolvimento e um fim, e tudo isso constitui matéria de discernimento, para descobrirmos por onde é que Deus nos vai conduzindo Por isso é importante recordar como iniciei o dia e como o terminei 1 – Ao iniciar o dia Com que pensamentos e sentimentos comecei o dia? Para e respira Ficou-te algum ressaibo afetivo do dia anterior? Que pensamentos ou sentimentos rondaram o dia inteiro dentro de ti? Durante o dia Presta atenção aos teus pensamentos e sentimentos Os pensamentos e sentimentos da véspera influenciaram o teu dia? Suscitaram alguma coisa nova que te tenha acompanhado durante toda a jornada? Registaste alguma mudança afetiva significativa ao longo do dia? Houve algum facto que depois tenha influenciado (quase) tudo aquilo que fizeste? Reconheces alguma reação «desproporcionada» à realidade? Consegues determinar a sua origem? O que suscitou no teu interior? Ao fim do dia. Notas alguma mudança em ti, neste momento de pausa? Como descreves o que sentes «aqui e agora»? A que se deve essa diferença, caso exista? Poderá dever-se de algum modo ao processo da pausa? Que nome darias a «isso» que sentes? Lembra-te de parar e de respirar entre uma pergunta e outra, reservando algum tempo para escutares aquilo que te ditar o coração
3. Pedir perdão e propósito de emenda.
● Ao chegar a este passo da pausa, dar-te-ás conta de que já tens mais consciência daquilo que tens vivido E todo o percurso que fizeste culmina numa atitude, moção, estado ou sensação interior, que poderias resumir interrogando-te, por exemplo, sobre o seguinte: de que é que Deus me fez tomar consciência durante esta pausa? Alguém precisa que eu lhe peça perdão? Preciso de emendar alguma coisa amanhã? Com que pensamentos e sentimentos terminas? Se tivesses de dar um título ao teu dia, qual escolherias?
4.- Concluir o dia e agradecer
Dá graças pelo dia, pelas tuas vivências, experiências, encontros, lugares, pessoas, etc. A riqueza da vida reside na sua diversidade e a sabedoria interior brota de sabermos reconhecer a passagem de Deus pela nossa vida. Recorda a afirmação de Santo Inácio: «Não é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e saborear as coisas interiormente»