Esgoto ocioso contracena com a
realidade de quem ainda vive a espera do serviço Dayane Leice e Thalita Vieira
Mais de 25 mil imóveis não fizeram ligação de esgoto em Campo Grande, enquanto isso 27% sofrem com a falta
O saneamento básico é um dos pilares que sustentam um país. Serviços de água tratada, coleta e tratamento de esgoto levam à melhoria na qualidade de vida da população. Diante desse conceito , imagine a cena... Depois de uma noite merecida de sono, acordar, abrir a janela do quarto e ter como cenário esgoto a céu aberto exalando constantemente um mau cheiro terrível. É, o que era para ser motivo de um bom dia, acaba se tornando pesadelo. Agora se você imaginou, mas acredita que ela está bem longe da nossa realidade, afinal estamos em pleno século XXI, você está enganado. Essa cena que acabamos de descrever é exatamente o que a dona de casa Katlen Santana (24) encontra no quintal de casa todos os dias. Sem condições de pagar o aluguel da casa em que morava na região das Moreninhas, ela, o marido e os dois filhos de sete e seis anos resolveram mudar de endereço e fixaram residência no Jardim Noroeste, região leste de Campo Grande. Como a economia era pouca, o jeito foi aceitar alguns “poréns” que o local impôs, como o esgoto a céu aberto. “Toda a água que utilizamos em casa desce para o quintal e segue para o terreno dos outros vizinhos. Apenas a que utilizamos para descarga vai para a fossa que meu marido fez aqui do lado, a situação não é nada fácil”. O mau cheiro também é outro obstáculo para a vizinha da Katlen, Adriana Batista (24) que sabe como ninguém descrever a sensação de conviver com esse problema. “Tem dias que o cheiro se torna ainda mais insuportável, principalmente nos dias de chuva forte, as fossas acabam transbordando e água suja se espalha pelo quintal, único lugar onde as crianças têm para brincar”. E claro, como toda mãe, a preocupação das duas é unânime, como fica a saúde dos filhos que têm como opção de lazer o quintal poluído de casa?! A preocupação é plausível, segundo a médica infectologista, Priscilla Alexandrino, as crianças são as mais vulneráveis, principalmente as que vivem em zona de poluição e periferia.
“O contato com o esgoto a céu aberto pode causar diarreias, hepatite A e doenças de pele. As crianças são mais imunocomprometidas porque seu sistema imunológico não está completamente amadurecido e uma tarde brincando na terra contaminada já é suficiente para contrair uma enfermidade”. Mas, se por um lado há famílias nessa condição, obrigadas por diversas circunstâncias a conviverem com a falta de esgoto tratado, por outro, quase 24 mil imóveis em Campo Grande possuem a rede disponível, mas ainda não realizaram a ligação. E se falarmos em habitantes esse número mais que triplica, são mais de 77 mil pessoas que, por razões diversas, não utilizam o esgoto tratado. E quais seriam essas razões? Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Trata Brasil, o principal motivo para essa ociosidade, seria a resistência ao pagamento da tarifa, seguido da falta de informação e até a alegação de que o morador não quer danificar o piso de casa. E se jogarmos esse valor a nível de Brasil, os números chamam ainda mais atenção. Segundo o Instituto, são quase 193 milhões de m³ de água consumidos todos os meses por 47 municípios brasileiros. Se 80% dessa água retornasse como esgoto, ao final de cada mês daria uma média de 154 milhões de m³, mas apenas 113 milhões de m³ de esgoto são tratados pelas empresas responsáveis, ou seja, mais de 40 milhões de m³ de esgoto que deveriam passar pelas redes de tratamento são lançados à natureza sem qualquer tipo de tratamento e controle.
Campo Grande 100% até 2025 Essa é a meta que a Águas Guariroba, empresa responsável pelo tratamento de esgoto e água de Campo Grande tem até 2025: uma Capital livre do esgoto doméstico e clandestino. Dentro de 10 anos, quem ainda não possui esgoto terá a oportunidade de se conectar à rede.
100%
de esgoto tratado em Campo Grande
até
2025
“Vamos investir pesado para conseguir a universalização da rede de esgoto e atingir os 170 mil imóveis que ainda faltam”, afirma José João Fonseca, presidente da Águas Guariroba.
Para as próximas obras, investimento será de R$ 636 milhões
Ainda segundo o presidente, estão previstos mais de R$ 636 milhões para cumprir o contrato que viabiliza a cidade conectada 100% à rede de esgoto. R$ 150 milhões já foram investidos em obras de esgoto nos 20 bairros contemplados com as obras de pavimentação do PAC II (Programa de Aceleramento e Crescimento do Governo Federal).
“Hoje, Campo Grande pode ser considerada uma Capital com um ótimo saneamento básico, 99% da população campo-grandense tem água tratada e 73% tem coleta de esgoto, o que falta mesmo é a conscientização”, destaca o presidente. E esse vem sendo o maior desafio enfrentado. A falta de conexão com a rede ainda faz com que muita gente use fossas e poços irregulares em Campo Grande, o que acaba gerando outro problema. São aproximadamente 125 mil fossas, e por dia apenas 40 caminhões procuram a empresa para descarregar o lixo acumulado. “As pessoas não se preocupam com isso e fazem apenas um buraco no chão. Imagina como está a contaminação do nosso subsolo?”, indaga Fonseca.
125
mil fossas e APENAS
40
caminhões/dia
Ligado a esse problema, está a existência de poços ilegais na Capital. São 30 mil das mais variadas profundidades espalhados por toda a cidade. Imagine só, se você ou seu vizinho não fizeram a ligação à rede, todo o material descartado pela fossa começa a permear o subsolo e, provavelmente, irá alcançar a água do poço que, em muitos casos, não possui uma tubulação específica e resistente à contaminação.
E o que acontece depois do ralo? A equipe do Portal Educação visitou a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Imbirussu e vai responder a esse questionamento. A Águas Guariroba é a responsável por fazer todo esse serviço de transporte de esgoto através de uma rede coletora, levando esses resíduos às estações de tratamento. Ramais, terminais de ligação, redes coletoras, interceptores, estações elevatórias, estações de tratamento e emissários fazem parte do sistema de esgotamento sanitário.
No Imbirussu são 120 litros de esgoto por segundo. Com o modelo “separador absoluto”, incluindo canais de captação para águas pluviais e esgotos residenciais, o sistema de coleta realiza primeiro o processo físico por meio de um interceptor. “Dentro do esgoto, infelizmente, tem muito lixo – papel, plástico – e o nosso trabalho aqui é retirar todo esse material que é encaminhado para o lixão. Todos os dias sai uma caçamba com lixo da ETE”, explica o engenheiro químico, Edilson Omoto. Após essa separação do material sólido, o esgoto inicia a etapa de tratamento, momento em que acontece a depuração da matéria orgânica. Aqui, entram em cena os personagens principais de toda a transformação: as bactérias. Elas são responsáveis por realizar estrategicamente o sistema aeróbio, reduzindo a carga de poluentes existentes na água sem gerar nenhum tipo de odor. Os modelos dos tanques encontrados nessa ETE Imbirussu são os únicos do Brasil. São nesses tanques que as bactérias entram em ação e realizam a aeração. São 24 minutos nesse processo. Ao todo, são sete ciclos intercalados entre aeração e agitação. Neste momento, o esgoto só entra. Após isso, acontece um repouso de 1 hora. Feito todo o tratamento de digestão anaeróbia, clarificação e controle de odor, além da desidratação de iodo, o esgoto agora é água tratada e volta direto para o córrego Imbirussu. “A qualidade da água que mandamos para a natureza é muito boa. Em termos de turbidez, podemos dizer que fica em torno de 5. Consideramos que é mais limpo que os próprios mananciais. Devolvemos numa qualidade que não vai trazer prejuízo ambiental”, enfatiza Omoto. Esgoto tratado e de volta à natureza. Vale ressaltar que essa água daria para ser reutilizada, porém, ainda há um custo muito alto para colocar esse projeto em prática. A principal inviabilidade é o armazenamento e transporte da água tratada.
Leis Muita gente não sabe, mas a obrigatoriedade está prevista na Lei Municipal nº 2.909/92 (art. 61) e também na Lei Federal nº 11.445/07 (art.45). Se há conexão à rede de esgoto, a ligação torna-se obrigatória e o morador tem o prazo de até três meses para solicitá-la. E quem não liga à rede, pode levar multa, pois se trata de crime ambiental. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano (Semadur) é conveniada à Águas Guariroba e responsável por realizar as notificações e multas em propriedades irregulares.
A partir de 30 dias corridos da notificação, o morador recebe uma multa em torno de mil reais. Caso o consumidor ainda não tenha tomado uma providência, o caso é encaminhado para o Ministério Público
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