Expediente Identidade! Periódico do Grupo Identidade da Faculdades EST/IECLB Vol. 13 janeiro-julho/2008 Apoio: Federação Luterana M undial - FLM / ELCA Periodicidade: Semestral Tiragem:2.000exemplares Revisão: Luis M. Sander Diagramação e Impressão: ConTexto Gráfica e Editora Capa: ConTexto Gráfica e Editora Coordenação/organização geral: Selenir C. Gonçalves Kronbauer Responsável por este número: Selenir C. Gonçalves Kronbauer Endereço para contato Grupo Identidade Faculdades EST Caixa postal 14 - Tel. (51) 21111400 - CEP 93001-970 - São Leopoldo E-mail: identidade@ est.edu.br Site: www.est.edu.br Obs: São de total responsabilidade dos autores os textos por eles escritos F u n d a ç ã o L u t e r a n a d e D ia c o n ia
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Editorial C onselho Editorial: A fonso M aria Logório Soares - PU C /SP A lceu R avanello Ferraro - U N IL A SA L L E /R S G eorgina H elena L im a N unes - U FP E L /RS José Ivo F ollm ann - U N ISIN O S/R S Eunice M aria N azarethe N onato - IPA M ETO D ISTA /R S M agna L im a M agalhães - FEEV A LE - RS M aricel M ena L opez - P ontifícia U niversidad Javeriana- C olôm bia M arga Janete Stroher - F aculdades E ST / RS P eter T heodore N ash - W artburg C ollege -EU A R icardo W illy Rieth - F aculdades E ST /R S e U L B R A /R S Indexação: Q ualis CA PES : A Local A rea de avaliação: Filosofia/T eologia: subcom issãoT eologia Q ualis C A PES: B Local Á rea de A valiação: E ducação
EDITORIAL
Através da temática Negritude e Educação, o décimo tercei ro volume de identidade! retoma as discussões sobre a questão ne gra e a educação. Após cinco anos da implementação da Lei 10.639/03 e das discussões acadêmicas em torno da temática, há várias décadas, a história do povo negro no Brasil ainda não está sendo contemplada, com legitimidade, nos currículos escolares. Os temas abordados, através dos artigos aqui apresentados, tem o propósito de subsidiar as ações na escola de educação básica e nas instituições de formação de profes sores, bem como fo m entar as discus sões levando as leito ras e os leitores a re flexões teóricas mais aprofundadas, v i sando práticas mais efetivas na sala de aula. Desejo a todos uma boa leitura!
Prof9. Ms. Selenir C. Gonçalves Rronbauer Coordenadora do Grupo Identidade da EST/IECLB
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Apresentação
Educação e cidadania: chaves para uma sociedade mais justa e igualitária
O Grupo Identidade tem se esforçado para promover a igual dade étnico-racial nos âmbitos eclesiásticos e sociais, através de ações educativas e de pesquisas que valorizam a cultura e a he rança afro-brasileira. Nesse sen tido, o presente número de iden tidade! é uma contribuição a esse objetivo, pois disponibiliza pes quisas na área de educação e negritude, com atenção especial aos conteúdos de ensino. O su cesso ou fracasso escolar está condicionado por diversas variá veis, entre elas elementos da cul tura do aluno ou da aluna no ambiente escolar. A ausência des ses elementos pode influir na auto-estima e, conseqüentemen te. no desempenho escolar. Atento a essa questão, Augusto César Pedro apresenta o artigo “O samba como instru mento de (re)valorização da iden
tidade negra”, com o objetivo de apresentar as potencialidades do samba como instrumento peda gógico em sala de aula, sobretu do em relação ao estudante ne gro. Aprincipal justificativa des sa utilização encontra-se no fato de esse gênero musical ser uma herança da população negra e, por isso, possuir um potencial de valorização da identidade negra. O autor explora as letras de duas canções, sugerindo temáticas para o trabalho em sala de aula. O segundo artigo é de Alfa Oumar Diallo e Cíntia Santos Diallo, que apresentam a “Vida e obra de Cheikh Anta Diop- o homem que revolucionou o pen samento africano”. O autor e a autora nos apresentam um pou co da vida desse grande intelec tual senegalês, que contestou te ses até então tidas como científi cas. Através de suas pesquisas, Cheikh Anta Diop contribuiu para a luta contra a colonização européia da África, sobretudo a colonização científico-cultural.
Vanísio Luiz da Silva refle democratização da sociedade te sobre as implicações do ensi brasileira. no da matemática para crianças Ezequiel de Souza negras em escolas públicas. Teólogo, mestrando em “Considerações acerca de educa Teologia na Faculdades EST, ção, etnomatemática, cultura ne Bolsista CNPq gra e escola pública” parte da compreensão da educação como um direito plural, problematizando a possibilidade de uma educação libertária que valorize as diferentes culturas. O autor defende a etnomatemática como instrumento válido de ensino da matemática para crianças ne gras a fim de encarar o mau de sempenho delas obtido nessa dis ciplina, pois traz o cotidiano da criança negra para a escola. O último artigo desse volu me, intitulado “Ações afirmati vas, educação e cidadania: uma ressignificação de paradigmas”, é de autoria de Luís Carlos Mello e Rogério Oliveira de Aguiar, que refletem sobre um tema bem atu al1o sistema de cotas em univer sidades públicas. Para os auto res, a desigualdade social é re sultado de uma série de mecanis mos e ocorre em diferentes esfe ras da vida, e restringi-la ao âmbito econômico constitui uma redução simplista. O acesso a uma educação de qualidade, em seu entendimento, pode dar ins trumentos para uma verdadeira
C a r t a s
Caro/a leitor/a,
Agradecemos aos leitores que têm nos envi ado mensagens com opiniões e solicitado exempla res do identidade! Para acessar as publicações ante riores, disponibilizamos os últimos volumes no site da Faculdades EST. Basta entrar no site: www.est.edu.br no setor Publicações/Revistas; os textos es tão em formato p d f. Convidamos para que enviem seus textos, resultados de pesquisas e/ou trabalhos científicos, (6 a 8 laudas com referências), para avaliação. Os textos deverão ser voltados para temáticas relacio nadas à questão negra. Enviar para identidade@est.edu.br e para selenir@est.edu.br Aguardamos correspondência com pareceres e su gestões! Prof*. Ms. Selenir C. Gonçalves Kronbauer
O samba como instrumento de (re)valorização da identidade negra Augusto Cesar Pedro1
Introdução
A representação positiva de um grupo étnico-racial tem papel fundam ental p a ra a cons trução de sua identidade. E essa re p re s e n ta ç ã o to rn a -s e a in d a mais im portante se pensarm os na população negra e todo o pro cesso de racismo que essa parce la da população brasileira histo ricamente sofre. Ao p a rtir do pressuposto de que a construção da iden ti dade de um a população envolve inúm eras variáveis —entre elas o modo de como os integrantes desse grupo étnico-racial se e n xergam, a partir das relações que m antêm com outros grupos étnico-raciais podemos analisar o papel da escola, como lu g a r onde essas relações ocorrem, na construção da identidade negra. Sobre essa construção, Gomes (2005, p .44) afirm a que “[...] a id e n tid a d e n e g ra tam b ém é construída duran te a trajetória escolar desses sujeitos e, nesse caso, a escola tem a responsabi lid a d e so cial e e d u c a tiv a de
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compreendê-la na sua complexi dade”. No entanto, percebemos que a população negra não é r e p re sen ta d a de fo rm a satisfatória, o que gera um a bai xa a u to -e stim a d o s(as) alunos(as) negros(as) e influi n e gativam ente no seu reconheci mento como integrantes do g ru po étnico-racial negro, como a r gumenta Cavalleiro, (apud SOU ZA, 2005, p. 116): “No que se re fere ao segmento da população negra no Brasil, esse sentim en to de auto-apreciação, de autoconceituação tem se a p re se n ta do de forma muito dúbia ou m es mo negativista, devido principal mente à ‘precariedade de mode los satisfatórios’.” Por isso, propomos o sam ba como instrum ento para a afir mação da identidade negra. Ao c o m u n g a r m o s da o p in iã o de M u n a n g a (a p u d LIMA e t al., 2005, p. 30) quando afirma “[...] que a identidade passa pela cor da pele, pela cultura, ou pela pro dução c u ltu ra l do negro [...]”, pensamos que o sam ba pode se transform ar em um in s tru m e n
to cle valorização da população negra, sobretudo se utilizarmos l e t r a s que a b o rd e m q u e stõ e s concernentes a essa população. Nossa intenção é m ostrar o alcance que o sam ba pode ter n a sala de aula, sobretudo se p e n s a r m o s no(a) e s t u d a n t e negro(a). Ao trab alh arm o s com um gênero musical que é h e ra n ça da população negra e apresen ta rm o s le tra s que exaltem as q u a lid a d e s d e s s a p o p u la çã o , acreditamos que caminharemos em direção ao fortalecimento do p e rte n c im e n to do(a) aluno(a) negro (a) e à construção da iden tidade negra positiva. Neste artigo serão a p re sentadas, em dois capítulos, al gumas possibilidades de se t r a balhar com letras de sam ba que abordam as questões referentes à população negra. No primeiro, escolhemos a le tra de sam b a “Id e n tid a d e ” como exemplo de composições que denunciam as injustiças so ciais de que a população negra é vitima. N essas letras, o precon ceito, a discrim inação racial e social serão tem áticas recorren tes. Na segunda parte, a p re sentamos a letra “Sorriso Negro”, como uma possibilidade de t r a balharm os com letras de sam bas que louvam os(as) negros(as) e exaltam suas qualidades, aux i
lia n d o n a c o n stru çã o de u m a imagem positiva do negro, para, assim , fortalecer a id en tid ad e negra. A conclusão, últim a p a r te desse trabalho, é um a síntese da im po rtância de tr a b a lh a r o sam ba na sala cle aula como uma forma de m o strar as contribui ções e dem andas do grupo é t n r co-racial negro e, ao mesmo te m po, a p re se n ta r formas nas quais a população negra é valorizada, como um a forma de potencializar o sentim ento de pertencim ento étnico-racial dos integrantes des se grupo. O sam ba é filho da dor
Podemos perceber, como u m a característica do samba, le tra s que funcionam como in s tr u mento de protesto contra as m a zelas sociais que a população negra sofre em virtude da discri minação racial. O sam ba to rn a se um veículo no qual são expos ta s criticamente as injustiças de que essa população é vítima. M uitos compositores d e nunciam , em seus sam bas, as d is c r im in a ç õ e s ra c ia is a que o s(a s) n egros(as) são freqüentemente sujeitados(as). E a exposição das conseqüências do racismo acontece como um a for m a combatê-lo já que, um a das causas da dificuldade no comba
te reside ju stam en te na caracte rística insidiosa que o racismo possui, se pensarm os no contex to brasileiro. Como exemplo de le tra s carregadas de crítica social, t e mos a letra composta por Jorge Aragão e intitulada “Identidade”. Com a letra, serão apresentados alguns tem as que podemos t r a balhar em sala de aula. Identidade
Composição^ Jorge Aragão Elevador é quase um templo Exemplo pra m inar teu sono Sai desse compromisso Não vai ao de serviço Se o social tem dono, não vai Quem cede a vez não quer vitória Somos herança da memória Temos a cor da noite Filhos de todo açoite Fato real de nossa história Se o preto de alm a branca pra você É o exemplo da dignidade Não nos ajuda, só nos faz sofrer Nem resgata nossa identidade. Nesse samba, percebemos uma busca do fortalecimento da identidade negra. U m a in te rp re tação possível orienta p a ra o lo
cutor2 que discorre sobre o t r a tam ento desigual de que as pes soas negras são vitimas. Tal t r a tam ento é simbolizado pela u ti lização do elevador de serviço, comum em prédios, sendo sua utilização destinada às pessoas que exercem algum tipo de a ti vidade nos apartam entos, dife renciando-as dos moradores do mesmo, que usam h ab itu a lm en te o elevador social. U m a forma de tra b a lh ar com essa letra seria explorar a crítica contida nela , principal mente com relação à desigualda de de que as pessoas negras são vitimas, no âmbito do mercado de trabalho, discutindo as conse qüências dessa discriminação. Essa discriminação faz com que, segundo Henriques (2001, p. 39), “o diferencial e n tre bran co s e negros no que diz respeito aos g r a u s de i n d u s t r i a l i z a ç ã o e modernidade dos postos de t r a balho au m en ta ao longo do te m po, em detrimento dos tr a b a lh a dores negros”. Outro tem a que podemos tra b a lh a r na letra de sam ba em questão refere-se aos ditados, pi adas, bem como outras formas de b r in c a d e ir a s que a c a b a m por p ro pagar o racismo, como, por exemplo, a expressão “preto de alm a b ra n c a ”. Com isso, pode mos questioná-las, mostrando as conseqüências dessas a titu d e s
ta n to p a ra a população n e g ra quanto p a ra a população não n e gra na construção de um a socie dade plural. O locutor faz referência ao tempo da escravidão em “filhos de todo açoite”. Assim, na letra, ocorre o resgate, é im p ortan te resgatarm os essa época em sala de aula, porém não mais sob a perspectiva do negro escraviza do e submisso, e sim mostrando todo o seu descontentamento pe ran te a situação em que se e n contrava. P a ra isso, faz-se indis pensável que resgatemos a im portância de toda a resistência negra à escravidão e a im p ortân cia dessa luta no processo de abo lição da escravatura. E s s a l e tr a , a s s im como m uitas outras, demonstra a im portância da música como auxí lio p a ra a lu ta contra o fim das desigualdades. Mostra, também, como a música pode ser, ao m es mo tempo, diversão e um in s tru mento p a ra conscientizar a po pulação em geral, sobretudo os estudantes, frente à situação da população negra. E pode mostrar como essa situação acaba se ser vindo de sutilezas, como o fato de utilizar o elevador de serviço, p a ra se m a n te r n atu ralizad a e, com isso, inalterada.
O sam ba com o o pai do prazer
A q u i e s tu d a m o s le t r a s que valorizam a população n e gra. Assim, buscamos apresentar sam bas que exaltam a população n e g r a e o im p a c to d e s s a exaltação p a ra os(as) negros(as), p rin c ip a lm e n te se p e n sa rm o s no(a) estu d an te negro(a). Se pensarm os no ensino escolar, sabemos que a imagem da população negra é apag ad a dos livros didáticos ou, então, ensinada de um a forma negati vamente distorcida, fruto do apagamento de que a população n e gra é alvo. Esse processo de apag a m e n to , que c u l m i n a n a ocultação e distorção da história do negro, tem como conseqüên cia a legitimação de preconceitos e um impacto negativo sobre o(a) estud an te negro(a). Sobre o efei to do impacto nos(as) estu dantes negros(as), M unanga (2001, p. 8) tem a seguinte afirmação^ “[...] deveríamos aceitar que a ques tão da memória coletiva, da h is tória, da cultura e da identidade dos alun os afro-descendentes, apagados no sistem a educativo b a s e a d o no m o delo e u ro p o cêntrico, oferece parcialm ente a explicação desse elevado índice de rep etên cia e evasão escolares . jj
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Ao buscar combater esses e ste re ó tip o s, a l e t r a “S o rriso Negro” vem valorizar a beleza negra. Segue a letra: S o rriso N e g ro
Pagode de Mesa do Terra Brasil Um sorriso negro, um abraço negro Traz felicidade Negro sem emprego, fica sem sossego Negro é a raiz da liberdade Negro é um a cor de respeito Negro é inspiração Negro é silêncio, é luto Negro é a solução Negro que já foi escravo Negro é a voz da verdade Negro é destino é amor Negro tam bém é saudade (um sorriso negro!) Nessa letra, podemos p e r ceber que a população negra é va lorizada — seu sorriso, sua cor, etc. - , com quase todos os versos da música possuindo o termo “n e gro”. Um tópico de estudo pode ser suscitado a p a rtir do verso “Negro é a solução”: as contribui ções da população negra na cons trução e desenvolvimento do B ra sil, nos diversos âmbitos, ta is como econômico, cultural (como o próprio samba) e educacional.
Outro tem a passível de de bate é a luta da população negra em b u sca de reconhecim ento. Através dessa música podemos destacar o papel de pessoas ne gras que buscaram dar visibili dade à população negra. Pode mos citar, entre outros, os nomes de Abdias do Nascimento, Solano Trindade, Laudelina de Campos Melo, entre outras personalida des que tiveram im portante a tu ação p a ra o reconhecimento da população negra. O sam ba tam bém exalta a p e rsistê n c ia e a p e rsev e ra n ça dessa população que não se dei xa desanim ar e continua lu ta n do por m elhores condições de vida. Servindo como um modo de valorização, o sam b a torna-se fo n te de i n s p i r a ç ã o e de explicitação do orgulho das ori gens, orgulho do pertencimento a determinado grupo étnico-racial. E ssa perseverança, mesmo com as já conhecidas desigualda des da quais é vítima, faz com que a população negra não per ca as esperanças com relação à melhora das condições de vida. Conclusão
N esse artig o b uscam o s dem onstrar os possíveis papéis do sam ba que podemos explorar em sala de aula. Foram destaca
das funções relacionadas à popu lação negra, dem onstrando a s sim que o sam ba pode servir de microfone p a ra que as injustiças que essa população sofre sejam denunciadas. Tam bém procuram os m ostrar como o sam ba pode se tornar um instrum ento p a ra que as qualidades das pessoas p e r tencentes a essa população sejam evidenciadas, como um a forma de acabar com o preconceito r a cial e com todos os estereótipos de que o grupo étnico-racial ne gro é vítima e, assim, fortalecer a auto -estim a do(a) e stu d a n te negro(a) e seu pertencim ento étnico-racial. Ao situ ar o sam ba como uma forma de resistência e in s trum ento através do qual a po pulação negra é (re)valorizada, uma vez que ainda sofre com es tereótipos que têm um impacto negativo na auto-estima da po pulação negra, pretendemos de m onstrar o grande potencial que o sam ba possui, principalmente se utilizado em sala de aula, p a ra o fortalecimento da autoe s t i m a d o s(a s) e s t u d a n t e s negros(as), auxiliando, assim, na construção da identidade negra E, ao auxiliar na constru ção da identidade negra positiva do (a) e stu d a n te negro(a), essa
h e ra n ça c u ltu ra l da população negra que é o sam ba transformase em um instrum ento na luta p a ra o fim do racismo e p a ra a in clu são efetiva da população n e g ra n a sociedade, buscando transform ar esta, enfim, em uma sociedade efetivamente democrá tica onde se respeite e valorize a diversidade étnico-racial. Referências bibliográficas
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(Footnotes) 1 Locutor entendido, neste tra b a lho, como, “a figura da enunciação que se rep re sen ta como eu na enunciação”(GUIMARÃES, 2002, p. 60). N otas
1 G raduando no 3o ano do curso de L etras-L icenciatura Plena em Português/E spanhol da U niversi dade F ederal de São Carlos - SP. 2 Locutor entendido, neste tra b a lho, como, “a figura da enunciação que se rep re sen ta como eu na enunciação”(GUIMARÃES, 2002, p. 60)
Vida e obra de Cheikh Anta Diop: o homem que revolucionou o pensamento africano Diallo, Alfa O um ar'Diallo, Cíntia Santos2 Introdução
Cheikh Anta Diop nasceu em 1923 num vilarejo senegalês cham ado Caytou. N a época, a África estava sob dominação co lonial européia, depois do perío do do tráfico negreiro que se ini ciou no século XVI. A violência da qual a África foi alvo não foi exclusivamente de natu reza mi litar, política e econômica. Mas teóricos (Voltaire, Hume, Hegel, Gobineau, Lévy Bruhl, etc.) e ins tituições européias (o Instituto de Etnologia da França, criado em 1925 por L. Lévy Bruhl, por exemplo) se empenham p ara ju s tificar estes atos abomináveis le gitimando, no plano moral e filo sófico, a inferioridade intelectu al do negro. A visão de um a Áfri ca sem história, cujos habitantes, os negros, nunca foram respon sáveis, por definição, por um único fato de civilização, impõese agora nos escritos e se fixa nas mentes. O Egito é, assim, arb i trariam ente, ligado ao Oriente e
ao mundo m editerrâneo geográ fica, antropológica e c u ltu r a l mente. E neste contexto singular mente hostil e obscurantista que Cheikh A nta Diop foi induzido a questionar, através de um a in vestigação científica, metodoló gica, os fundam entos da cultura ocidental em relação à gênese da hum anidade e da civilização. O renascim ento da África, que im plica a restauração da consciên cia h i s t ó r i c a , a p a r e c e p a r a Cheikh A nta Diop como um a t a refa inevitável à qual ele consa g rará toda a sua vida.
I - O s p rim eiros p a s s o s do C h eik h A nta D iop
O jo v e m C h e ik h A n ta Diop “corre o risco, pela má dis posição do seu professor, o S e nhor Boyaud, de repetir pela te r ceira vez o último ano do prim ei ro grau, o que m o tiv a ria sem
sombra de dúvida a sua exclusão do liceu. O Senhor Boyaud é um professor sin gu lar, sendo que tive a oportunidade, desde seus p rim eiro s passo s no liceu, de constatar sua hostilidade à nos sa raça, às autoridades. Suas te orias sobre a raça, que fazem dele um discípulo de Gobineau, são das m ais pern iciosas e fazem com que aum ente o abismo e n tre o negro e o branco cada dia
U..”3 E sta carta, redigida em agosto de 1941 por um dos re s ponsáveis pela adm inistração do liceu Van Vollenhoven de Dakar, foi endereçada p a ra o inspetor geral do ensino na África Ociden tal Francesa (AOF). O Senegal não existia ainda, e o clima que reinava no meio do ensino, assim como na pesquisa universitária, estava fortem ente im buído de c o lo n ia lism o e de r a c is m o antinegro. Cheikh A nta Diop vai peg ar o contrapé teórico deste meio soli damente estabelecido n a univer sidade francesa. Prim eiro pela apresentação da su a tese, que será recusada, depois pela publi cação do seu livro Nações negras e cultura, em 1954. O livro soa como um trovão no céu tranqüilo do “estabelecimen to” intelectual: o autor faz aí a
demonstração de que a civiliza ção do Egito antigo era negroafricana , justificando os objeti vos da sua pesquisa nestes termos^
A explicação da origem de um a civilização afri cana se to rn a lógica e aceitável, séria, objetiva e científica, somente se a gente chegasse, por q u a l q u e r via, a e ste branco místico em re la ção ao qual não temos a menor preocupação em justificar a sua chegada e instalação nessas regi ões. Entendem os, sem dificuldade, como os s á bios deviam ser condu zidos no seu raciocínio, nas suas deduções, lógi cas e dialéticas, à noção de “brancos de pele n e g ra ”, muito expandida no meio dos especialis tas da Europa. Tais sis temas são evidentemen te sem futuro, pois lhes faltam um a base real. Eles se explicam somen te pela paixão dos seus autores, a qual aparece sob as aparências de ob jetividade e de serenida de.4
Se a o b ra incom oda os guardiões do templo, isto acon tece não somente porque Chiekh A n ta Diop p ro p ô s uma “descolonização” da história afri cana, mas também porque o li vro cria uma “História” africana e se coloca n a s fr o n te ir a s do engajamento político, a n a lisa n do a identificação das grandes correntes migratórias e a forma ção das etnias! a delimitação da área cultural do mundo negro, que se estende até a Ásia Ociden tal, no Vale do Indus; a demons tração da aptidão das línguas africanas para suportarem o pen samento científico e filosófico, e fazendo, pela p rim e ira vez, a tra n sc riç ã o afric a n a n ão etnográfica destas línguas... Quando da sua pu b lica ção, o livro pareceu tão revoluci onário que poucos intelectu ais africanos tiveram a coragem de aderirem à causa. Somente Aimé Césaire se entusiasmou, no seu discurso sobre o colonialismo, evocando “o livro mais audacio so que um negro jam ais escre veu”5. Precisou-se tam bém espe ra r 20 anos p a ra que um a g ra n de parte das suas teorias fosse reconhecida, durante o colóquio internacional do Cairo de 1974, organizado pela UNESCO, re u n in d o os m a is e m i n e n t e s egiptólogos do mundo inteiro6.
Precisou-se esperar mais de 20 outros anos p a ra que sua obra fosse levada em consideração, isso após a sua morte. Algumas idéias de Cheikh A nta Diop, p rin cipalm ente a historicidade das sociedades africanas, a anterio ridade da África e a africanidade do Egito, não são mais discuti das7. II - O e m b a te a c a d ê m ic o
Em um a época em que jo vens intelectuais africanos, de cepcionados com o conceito de negritude, buscavam um a ideo logia negra e m ilitante de subs tituição, p a ra Cheikh A nta Diop, uma das c o n d iç õ e s da federalização do continente p a s sava pela consciência. R enovan do a história, um a consciência histórica p a ra os africanos, ele desejava sobretudo restabelecer su a dignidade. Quem poderia então acusá-lo de um a tal inicia tiva, assim como as ideologias que ele combatia? Ao lado do “e n ten dim en to cordial”, a controvérsia gira va em torno de três pontos im portantes: Cheikh A nta Diop era acusado p elo s e u egito centrismo, im portância a trib u í da à noção de raça e a grande influência do seu combate p o lítr
co sobre suas teorias científicas. Sua obra ficaria im pregnada de ideologia. E preciso relem brar, como fez o Senhor Aboubacary Moussa Lam, professor da Facul dade de Letras e Ciências H u m a nas da Universidade de Dakar, que “Cheikh A nta não escolheu seu terreno de combate; ele so mente respondeu aos debates da sua época”. Mesmo não conseguindo contestar as idéias do intelectu al sobre a origem africana da h u manidade, o professor e sociólo go P a th é D iag ne não “divide mais seu egito‘centrismo. Com este recuo, é como se o professor sociólogo não tivesse se e n g a n a do sobre o Egito, mas vislumbrase que ele tinha estudado somen te o Egito”. Um ponto de vista c o m p a r t i l h a d o pelo S e n h o r Amady Aly Dieng, professor e a n tigo c o m p a n h e iro de C h e ik h Anta Diop, é o segu inte: “Como Senghor, e talvez aí esteja o ú n i co ponto de convergência, ele con tinua m editerrâneo-centrista na sua análise da história africana. O professor P athé Diagne coloca a Grécia no centro enquanto que o professor Amady Aly Dieng cen traliza sobre o Egito. E se ele não desenvolve u m a visão t r a n s a tlântica. é para valorizar a cul tu ra negra. E por isso que ele si lencia sobre o tráfico negreiro.”
Uma crítica que se encon tra em Ibrahim a Thioub, histo riador moderno: “Mesmo que o tráfico e a colonização represen tem um segundo olhar da histó ria egípcia, é impossível fazer tábu a ra sa neles. Pois é a nossa história também e a nossa a tu a lidade, senegaleses e africanos. E por isso que suspeito que ele tenha atribuído m uita im portân cia ao Egito, em toda fé, sem se dar conta.” Num outro plano, se a di visão da hum anidade em raças e o fundam ento da distinção b r a n co/negro são considerados como provenientes de um a raciologia antiga refutada pelo desenvolvi mento da genética, pergunta-se em qual medida podemos acusar Cheikh A nta Diop de utilizar a term in o lo g ia da su a época. O Senhor Alain Froment, antropó logo na Orstom, explica que o fí sico “ficou du ran te muito tempo fiel à separação racial que exis tia na prim eira metade do sécu lo XX, o que a genética p ra tic a m e n te d e sm a n te lo u h á m uito tempo”8. Em relação à genética, ele evoca as datas de 1982 e 1984, ou seja, quatro e dois anos antes do falecimento de Cheikh A nta Diop, portanto muitos anos após a publicação das suas principais obras.
Como d e m o n stra ra m os S e n h o r e s M a m a d o u D io u f e Mohamed M’Bodj, dois intelectu ais senegaleses^ P o d e r-se -ia a d m itir a acusação de racismo [...] se os danos causados em nome da ‘raça’ se encon trassem de forma igual de um lado e do outro, o que evidentemente não foi o caso. O utrossim , este ‘racismo negro’ te ria um valor se ele p u desse criar um comple xo de culpabilidade nos europeus, o que não era o objetivo de C h e ik h A nta Diop. Diop, assim como ele não procurava c o n fo rta r u m a crença popular,' ele e sc re v eu p a r a u m a elite f o r te m e n te c o n v en c id a da igualdade da espécie h u m ana.9 Por isso, é incontestável que ele se utilizou das mesmas arm as que seus “adversários ci entíficos”; portanto, não podemos acusar Cheikh Anta Diop de r a cismo. Os testem unhos são u n â n im e s em a p r e s e n tá - lo como uma gran d e fig u ra do hu m an ism o : “O problem a, ele explica na sua intervenção no co lóquio de A te n as, o rg a n iz ad o
pela UNESCO, em 1981; é p re ciso reeducar a nossa percepção do ser humano, p a ra que ela se desprenda da aparência racial e se polarize sobre o homem des provido de todas as coordenadas éticas?.” “E u não gosto de u sar a noção de raça (que não existe) [...]. Não devemos dar uma im portância excessiva à noção de raça. E o acaso da evolução.”10 De fato, C h e ik h Anta Diop sonhava discretam en te com um a síntese entre a p u reza e a mestiçagem cultural. “A plenitude cultural torna um povo mais apto para contribuir ao pro gresso geral da h u m a n id a d e e p a ra se aproxim ar de outros po vos em conhecimento de causa.”11 Hoje os discípulos do “último dos f a r a ó s ” (T h é o p h ile O b e n g a , Aboubacary M oussa Lam, etc...) continuam a defender com brilho os resultados da sua pesquisai claramente, 53 anos após a p u blicação da obra “Nações negras e C u ltu ra”, os principais tem as desenvolvidos no seu livro são ainda de atualidade. E verdade que o contex to da época (1954) era um te rre no propício às m a n ip u la ç õ e s, pois, até 1848, a escravidão es ta v a ainda na p rática legal da Europa. Também a segregação racial estava ainda em vigor em ■ r
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países como os Estados Unidos da América ou a África do Sul, sem contar a colonização que es tava nos seus últimos anos. III - A África, b erço da civilização?
P a ra falar dos traços físi cos do negro, os argum entos de um cientista ocidental tão “sério” como Champollion-Figeac s u s tentavam, entre outros, não sem provocar o sorriso brincalhão de Cheikh Anta Diop, que “[...] es tas duas qualidades físicas (os cabelos crespos e a pele negra) não são suficientes para carac terizar a raça negra L.].”12 De fato, nesta iniciativa tão laboriosa quanto desespera da, Champollion-Figeac queria s u s te n ta r os resultados de um c ie n tis ta fran cês de boa-fé, o C om te [ t r a t a - s e de A u g u s to Comte] de Volney (1757-1820), que tinha observados nos coptas - o povo de onde se originaram os faraós - os mesmos traços da célebre esfinge d esco berta no Egito. “[...] A colonização de Volney, relativa à origem antiga da população egípcia, é forçada e inadmissível”, diria a rb itra ri amente Champollion sem a rg u mentos. “Este Champollion to r nou-se daltônico”, pensou o ho
mem que revolucionou o p e n sa mento negro, pois, com toda a evidência, estávamos longe das leis cientificas. E por isso que o cientista senegalês retrucou di zendo que “agora não bastava só ser negro da cabeça aos pés e ter cabelos crespos para ser negro!”. Champollion-Figeac era o irmão de Campollion o jovem - o p ri m eiro c ie n tis ta o c id ental que conseguiu decifrar os hieróglifos —, m as ele usou e sta fa ç an h a p ara contornar um a realidade da época: os traços negros dos a n ti gos egípcios. Estes seres selvagens que eram capturados no mato para serem a b arro ta d o s como gado n a s c a r a v e la s com d e stin o à América, “estes homens com os rostos sombrios”, segundo a ex pressão favorita dos racistas ig n o ra d o s e h u m ilh a d o s , são aqueles que deram ao mundo as bases da c iv iliz a ç ã o . In a c r e d itá v e l! I n a d m is s ív e l! Q uem acred ita ria n isso ? Champollion não foi o único, in felizmente, nesta tarefa de te n ta r provar cientificamente a in ferioridade intelectual e cultural dos negros. Os fatos relembrados e as provas trazidas por Cheikh Anta Diop não deixam nenhum a d ú vida de que são os negros que ex-
p an d iram a civilização nos ou tros povos do mundo, primeiro através da N úbia - atu al Sudão - (em torno de 6000 a.C.), e de pois no Egito (em torno de 4000 a.C.), portanto muitos milênios antes da Grécia em torno de 2000 a.C.) e mais tarde em Roma em torno de 700 a.C.). Não satisfeito, Comte de Gobineau, idealizador do nazis mo no estado bruto, com o seu pseudocientificismo, queria ex plicar o porquê da superioridade da raça branca sobre os negros e os o u tr o s 13. U m a c ele b rid a d e como Pierre Larousse, num a das suas teses sobre a arte africana, afirma de forma peremptória que “o cérebro dos africanos tem o mesmo desenvolvimento que o cérebro do macaco, um outro ele mento que comprova o seu lado anim al e sua fraqueza intelec tual”. E prossegue afirmando que “o cérebro dos negros é menor, mais leve e menos volumoso que o cérebro do branco, e como em toda a série animal, a inteligên cia tem uma ligação direta com as dimensões do cérebro, do n ú mero e da profundeza”. Outros “a f r i c a n i s t a s ”, como M au rice Delafosse, S u r e t C anale, etc., mesmo sendo mais cautelosos e m a is m o d e ra d o s do que Gobineau ou Larousse, negaram a evidência que Comte descrevia.
Neste contexto, não seria um a surpresa ver o mundo cien tífico ocidental perder a cabeça e ficar im potente diante da a n tí tese das suas teorias, trazida por um jovem negro. O c ie n t is ta Cheikh A nta Diop (matemático, físico, químico, egiptólogo, histo riador, lingüista, além de des tru ir as teses mais “sólidas” que pretendiam que a civilização vi esse do m undo ocidental. Diop provou que todos os homens são iguais, q u a lq u e r que seja su a raça, e, por conseqüência, a colo nização e, pior, a escravidão não podem servir p a ra ju stificar a sup eriorid ad e da ra ç a branca. Pois, além da dívida moral devi da aos n eg ro s e longe de um apagão do passado, é necessário reescrever a verdadeira história da humanidade. IV - O s te s te m u n h o s d o s s á b io s gregos
N u m a b u s c a lógica, Cheikh A nta Diop trouxe os te s te m u n h o s dos a n tig o s gregos Heródoto, Estrabo, Deodoro da Sicília, etc..., esses mesmos que são testem unhos oculares da ci vilização egípcia. Querendo ex plicar o fenômeno das in u n d a ções do Nilo, Heródoto, conside rado o pai da historiografia, es
creverá em relação ao Egito que “[...] a terceira razão vem do fato de que o calor do lugar torna as pessoas pretas L..]”14. O mesmo Heródoto prosseguirá, p a ra s u blinhar a origem egípcia na base grega, afirmando: “[...] E q u a n do eles acrescentam que esta si lhueta era negra, Heródoto nos faz e n ten d e r que esta mulher, isto é, C leóp atra, e ra egípcia [...]." O sábio grego diria o m es mo em relação aos h a b itan tes de Colchide nos arredores do atu al M ar Negro, perto da Turquia, pois queria sublinhar a sua ori gem egípcia. “[...] Os egípcios pensam que estes povos são des cendentes de um a parte das tro pas de Sésostris.15 Eu os exam i no com base em dois critérios: o primeiro é que eles são negros e que eles têm cabelos crespos U . ”1B
Outros cientistas gregos da a n tig u id a d e , E strab o , P i t á g o r a s , T a le s, E u c lid e s , Deodoro, cuja maioria iniciou-se no Egito, confirmarão os te s te munhos de Heródoto. Mesmo que a lgu ns o m ita m a inform ação, notadam ente Platão, sobre a fon te dos seus conhecimentos (reco nhecendo todos sua iniciação no Egito em todas as áreas das ci ências da época deles!), os p ap i ros redigidos pelos sacerdotes negros que resistiram ao tempo
provarão que foi atribuída, por engano, aos gregos a p a te rn id a de das descobertas do Egito a n tigo. C heikh A n ta Diop revela que u m a p e r s o n a g e m como Estrabo não hesitou em tr a ta r P itá g o ra s como “v u l g a r plagiador”.... Cheikh A nta Diop susten ta sua tese sobre os fu ndam en tos lingüísticos, então científicos, fazendo a demonstração do p a rentesco genético entre o Egito antigo e as línguas negro-african a s 17, colocando o acento sobre vários ritos, tradições, religiões e costumes negros que sobrevi veram além do Egito antigo. Buscar-se-ão, sem sucesso, os m es mos traços no Ocidente... Melhor ainda, são os argumentos forne cidos pelos próprios egípcios, que se representavam como negros, isso reforçado por novas técnicas de pesquisa, tais como o carbono 14 p a ra a datação, mas também a química, a antropologia, a a r queologia, a paleontologia. Alguns ideólogos ociden tais vão te n ta r elaborar uma n e b u lo s a te o r i a da c iv iliz a ç ã o ham ita ou camita, perdendo de vista a referência ao Cam (um dos filhos de Noé, o patriarca da Bíblia), um a personagem que foi amaldiçoada, segundo esses m es mos ideólogos. Segundo a Bíblia, Cam seria o primeiro negro... Os
ham itas seriam, segundo os de fensores da “civilização branca”, um a ramificação desta civiliza ção ocidental que eles queriam ap resen tar como precursora da civilização h um ana. Em outros termos, num momento em que o conceito de civilização não exis tia no espírito dos ocidentais, os ham itas tinham colocado as b a ses da civilização nos negros... antes de desaparecerem. O obstáculo p rin cip al a este tipo de masturbação intelec tual é que em nenhum lugar no mundo encontrou-se, pelo menos e n tr e os d e fe n so re s da “r a ç a branca”, traços de civilização que dominam ao mesmo tempo a ge ometria, a arquitetura, a a ritm é tica, a química, a astronom ia, etc., na época do Egito antigo negro e pelo menos dois milêni os depois do surgimento desta ci vilização. Pois, d u ra n te muito tempo, o Egito foi o único centro intelectual do mundo. A estas teses fantásticas do ham ita “civilizador”, a respos ta de Cheikh Anta Diop foi ta m bém fantástica^ “[...] Vê-se então que, dependendo da causa e da necessidade, Cam é maldiçoado, preto e se torna o ancestral dos negros. E o caso toda vez que se fala das relações sociais contem p o râ n e a s . M as ele é e m b r a n quecido toda vez que se busca a
origem da civilização, pois ele está presente no primeiro país ci vilizado do mundo.”18 U m a das m anobras mais grotesca por parte dos cientistas ocidentais foi, sem som bra de dúvida, a criação de todas as p e ças do crânio de um “hom em ”, para reforçar a tese da raça b ra n ca. V - A n ova a p ro x im a çã o
Até o seu falecimento em 1986, Cheikh A n ta Diop sempre defendeu a tese segundo a qual é o negro que migrou em direção aos outros continentes p a ra se a d a p ta r a estes locais, em todos os estágios da evolução do h o mem, inclusivo o Homo sapiens sapiens (que corresponde ao ho mem moderno). E assim que as outras raças teriam aparecido. O fóssil de Homo sapiens mais a n tigo da época, segundo Cheikh A nta Diop, é um negro (Omo I, em torno de 150.000 a.C.), e as outras descobertas sobre os con tin e n te s são do tipo negróide (Homem de Grimaldi, etc.). A tese de C h eik h A n ta Diop não foi d esm en tida pelas recentes descobertas. Segundo a revista “A História “ de dezem bro de 2004, os pesq uisad ores acharam em 2003 um novo fós
sil... na Etiópia! A revista indica que o fóssil se apresenta “sob a forma de centenas de fragm en tos, que são os restos de dois adultos e de uma criança sendo atribuídos por Tim White a um Sapiens: Homo Sapiens Idaltu esta últim a palavra significa ‘a n tigo’ na língua local... Ele foi d a tado de 160.000 anos.” Conclu são: “Eis e ntão o m ais antigo Homo S a p ie n s conhecido nos nossos dias.” Todavia, se a quase to ta lidade dos cientistas do mundo concordam hoje sobre a origem a fric a n a do hom em , eles não compartilham as vias escolhidas por Cheikh Anta Diop. U m a p e r sonalidade científica como o fran cês Yves Coppens, que fazia p a r te do grupo que descobriu o mais antigo esqueleto de astralopiteco até os nossos dias (3,2 milhões de anos), é adepto da teoria do policentrismo. Em outras p a la vras, o Sr. Coppens tende p a ra a teoria que quer dem onstrar que houve um a separação no estágio do homo erectus (“o homem de pé”, an terior ao Homo sapiens sapiens) e que muito centros h u manos se desenvolveram em v á rios lugares do mundo no e s tá gio do Sapiens...
Conclusão
Mesmo que o debate este ja aberto neste estágio da pesqui sa, ele não resolve o problema da origem da civilização. Querendo s a n a r todas as dúvidas sobre os traços negros de Ramsés II (uma das m úm ias mais conservadas), apesar das provas trazidas hoje p e la a r q u e o lo g ia ( p i n t u r a , estatuetas, língua, etc.), Cheikh A nta Diop revelou na sua obra “Civilização e barbárie” que soli citou às autoridades egípcias, por ocasião do congresso científico de 1974, alguns milímetros da pele do fa ra ó p a r a f a z e r t e s t e s laboratoriais. Ele não teve êxito, sob a alegação de que não queri am tocar na integridade física da múmia... D urante toda a sua vida, o pesquisador senegalês se con frontou com este tipo de m ano bras. O seu principal objetivo era de provar a raça negra dos a n ti gos egípcios que fundaram a p ri meira civilização do mundo.
Referências bibliográficas
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(Footnotes) 1 L e t t r e d a té e d u 7 a o û t 1941, Dossier Cheikh A nta Diop, Archives Nationales du Sénégal, Dakar. 2 Cheikh A nta Diop, Nations nègres et culture, t. I, Présence africaine, Paris, 1979. 3 Aim é C é sa ire , D iscours s u r le colonialisme, Présence africaine, Paris, 1955. 4 KIZERBO, Joseph.
Histoire générale de 1 Afrique'E tu d e s et documents, v. I. Paris: Unesco, 1978. 5 Actes du colloque “L ’oeuvre de C heikh A n ta Diop: la renaissance de 1 ’A f r iq u e a u s e u il d u t r o i s iè m e m i l l é n a i r e ”, D a k a r - C a y t u , 26 février-2 m ars 1996. 6 F R O M E N T , A la in . O rig in e e t évolution de l’homme dans la pensée de Cheikh A nta Diop : une analyse critique.
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império. O nome egípcio, Sénousert, significa “a deusa O usert”, que fa zia p a rte da composição do título real como nome de As-Rê ou nomen. 14 Hérodote, Livre II. 15 P a ren té génétique de 1 ’é g y p t i e n p h a r a o n i q u e e t des langues né gro-africaine s, IFAN Edi tora NEA, Dakar, 1977. 16 Nations Nègres et Culture.
Notas 1 Doutor em Direito Internacional pela UFRGS, Coordenador do Curso de R e la ç õ e s I n t e r n a c i o n a i s do U N IL A S A L L E /R S , m em bro fundador do Instituto Brasileiro de Estudos Africanos - IBEA. 2 G r a d u a d a em H i s t ó r i a e Pedagogia, M e stre em Educação p ela U N ISU L/SC , p ro fe sso ra da R ede P ú b lic a do E s t a d o de Rio Grande do Sul e membro fundadora do Instituto Brasileiro de Estudos Africanos —IBEA. 3 Lettre datée du 7 août 1941, Dossier Cheikh A nta Diop, Archives Nationales du Sénégal, Dakar. 4 Cheikh A nta Diop, Nations nègres et culture, t. I, Présence africaine, Paris, 1979. 5 Aimé Césaire, Discours sur le colonialisme. Présence africaine, Paris, 1955. 6KIZERBO, loseph. Histoire générale de l ’Afrique: Etudes et documents, v. I. Paris: Unesco, 1978. 7Actes du colloque “L'oeuvre de Cheikh Anta Diop: la renaissance de 1’Afrique au
seuil du troisième millénaire”, DakarCaytu, 26 février-2 mars 1996. 8 FR O M EN T , A la in . O rig in e e t évolution de l’homme dans la pensée de Cheikh Anta Diop: une analyse critiq u e . C a h ie r s D ’é tu d e s Africaines, Paris, n. 121-122, 1991. 9 D IO U F, M a m a d o u ; M B O D J, Mohamad. The Shadow of Cheikh A nta Diop. In: The S u rrep titio u s Speech•' Présence africaine and the Politics of O therness, 1947-1987. Chicago: The University of Chicago Press, 1992. p. 135 . 10 Conférence du Centre GeorgesPompidou, 7 ju in 1985, N om ade, P a r i s , n. 1-2, 19901 B E R N A L , M a r t i n . B la c k A t h e n a ■' The A f r o a s i a t i c R oots of C l a s s i c a l C iv iliza tio n , tom os I e II. New B ru n s w ic k : R u t g e r s U n i v e r s i ty P re ss , 1988-1991. Veja ta m b é m OBENGA, Théophile. Cheikh Anta Diop, Volney et le Sphinx. Présence africaine et Khepera, Paris, 1996. Revue Ankh, éditions Khepera, BP 11, 91192 Gif-sur-Yvette Cedex. 11 Cheikh Anta Diop, Antériorité des civilisations nègres: mythe ou vérité h is to r iq u e ? P ré se n c e a fric a in e . Paris, 1967. p. 185. 12 CH A M P OLLI O N -F IG E AC, E g yp te A n cien n e. P a ris: Firm inDidot, 1950, Un Volume In-8°, 500 P13 GOBINEAU, Joseph-Arthur (Comte de) (1816-1882). Essai sur l ’inégalité des races hum aines (1853-1855). Paris: Éditions Pierre Belfond, 1967. 878 p. 14 HÉRODOTE. H istoire, trad, du grec par Larcher.: avec des notes de
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Considerações acerca de educação, etnomatemática, cultura negra e escola pública
Vanisio Luiz da Silva 1
A educação plural como direito
A C a rta de São F ran cisco é o docum ento que deu vida à O r g a n iz a ç ã o d a s N açõ es U n id a s (ONU), m arcan d o u m m om ento de tran sição e construção coleti v a im p o rta n te p a r a a h is tó ria da h u m a n id a d e , que reg istro u , n a verdade, a necessidad e de p r e se rv a r e re g u la r as relações de in te rd ep en d ên c ia e n tre os E s t a dos. P or in te rm é d io de a s s e m bléia geral aprovou, em d eze m bro de 1948, a D eclaração U n i v e r s a l dos D ir e ito s H u m a n o s (DUDH - 1948), contendo 30 a r tigos que tr a t a m dos direitos fu n d a m e n ta is da pessoa h u m a n a . F r e n te a essas colocações, vale le m b ra r que as bom bas a tô micas sobre o céu de H iro sh im a e N a g a s a k i são m o s tra d a s como heroísm o nos filmes sobre a S e g u n d a G u e r r a . E s t a ó ti c a , freq ü en tem en te a p re s e n ta d a p e los vencedores, omite c u id a d o sa m e n te p rá tic a s e discursos que as le m b ra n ç a s dos te r r o r e s de A u s c h w i tz t e i m a m em fa z e r
lem brar. Adorno (1995), em seus escritos a esse respeito, oferece, de fato, u m a e x tra o rd in ária opor tu n id a d e de reflexão acerca da capacidade que grupos atrelados ao poder tê m de se a p ro p ria re m do co nh ecim ento e do discurso científico p a r a co ndu zir à d e s truição de pessoas, ideais e c u l tu ra s , pela ação ou pela omissão. Como é sabido, os líderes n a z is ta s se f u n d a m e n ta ra m n as t e o r i a s d a e u g e n i a e do determ inism o biológico p a r a con duzir o povo alem ão à crença de que, por direito, s e ria m eles os re s p o n s á v e is pelos d estino s do m un do e das “raça s in ferio res”, reconhecidas n a construção d e s ta s teorias como dan o sas ao d e senvolvim ento da espécie h u m a n a e ao progresso das sociedades. Tam bém p aíses de grande po d er econômico e tecnológico, como os E sta d o s Unidos, a t r i b u íram -se o direito de, em nome d a paz, a r b it r a r sobre a v ida de m ilh a re s de pessoas, p a r a im por ao m u n do s u a lid eran ça e pode rio bélico. F ato s como estes, em
geral, re v e la ra m a necessidade de e ao livre desenvolvi de as nações se u n ire m n a i n t e n m ento da s u a p e r s o n a ção de proteger-se das inv estidas lidade co n tra os direitos básicos dos i n divíduos, dos grupos e das c u ltu P a r a as c o m u n id a d e s n e ras. g ras do Brasil, a p r im e ir a m e ta A C a rta de São Francisco, de do século XX ficou m a rc a d a d a qu al vários países foram sig pelos e s ti g m a s d a e s c ra v id ã o , n a t á r io s , foi a s s i n a d a em um pelas te o rias raciais e pelas con m om ento de comoção m u n d ia l — dições sociais do período pós-aboaflorada em razão dos milhões de lição. E s te s fatos serão a b o rd a ju d e u s assassin ad o s nos cam pos dos com m ais d e ta lh e s p o s te r i de concentração da A le m a n h a e o rm ente. Foi n este cenário que a dos m ilh ares de japon eses m o r educação escolar a p are ceu como tos p e la s b o m b a s a m e r i c a n a s a m elhor possibilidade de in c lu d u ra n te a S egunda G u e rra M u n são n a sociedade. N a São P aulo dial. E la aborda, em diversos t r e da v ira d a do século, h a v ia u m chos, o compromisso dos países pequeno grupo de negros que, por m em bros n a lu ta co n tra os p ro te r gozado do privilégio de fre cessos discriminatórios, por meio q ü e n ta r e escola formal, co n sti da educação e da cultura, confor tu iu u m a elite respo nsável pela me descrito no p reâm b u lo e no ativação de m ovim entos sociais artigo XXII da D eclaração U n i ligados à educação dos negros. v e r s a l dos D ir e ito s H u m a n o s P o r s u a vez, os m o v im e n to s , (DUDH - 1948). além das reivindicações, p ro m o v e ra m in d iv id u a lm e n te ações de Todo hom em , su p eração das b a r r e ir a s raciais como m em bro da socie por in term éd io da educação e da dade, tem direito à seg u c u ltu ra. ra n ç a social, à r e a liz a A exp eriên cia educacional ção, pelo esforço nacio d a F r e n t e N e g r a B r a s i l e i r a nal, pela cooperação i n (FNB), in stitu ição fu n d a d a 16 de setem b ro de 1931 em São P aulo te rn a cio n al e de acordo com a organização e r e e que, a p e s a r de s u a relação con cursos de cada Estado, tr a d itó r ia com o Estado, é v ista dos direitos econômicos, como u m a referên cia d essas ex sociais e c u ltu ra is in d is p eriên cias de superação. O T ea pensáveis à su a dignida t r o E x p e r i m e n t a l do N e g r o
(TEN), criado no Rio de J a n e iro em 1944 p a r a a te n d e r as nece s sidades de u m te a tro de negros e p a r a negros, por força d as c ir cun stân cias, alfabetizou m ais de 600 p esso as e é outro exem plo dessas experiências, assim como o u tras experiências pelo país afo ra. No tocante à educação formal, a lei 4024/612 iniciou os esforços de superação, g aran tin d o o d irei to de acesso das crian ças o r iu n das dos grupos de m in o ria s 3 ao ensino p rim ário n a escola p ú b li ca, m esm o que em condições a d v ersas, pois a r e f e r id a lei não g a r a n tiu as condições m ín im a s de p e rm a n ê n c ia dessa nova cli entela, e a escola não se p r e p a rou p a r a recebê-la. E m seguida, a XI Conferên cia da U NESCO , em 1962, a p ro vou a Convenção contra a D iscri m in a ç ã o n a E d u ca ção . E la foi a s s in a d a pelos países m em bros, e n tre eles o Brasil, que só veio a ratificá-la em 1968. Esse docu m e n to foi, p a r a a e n t id a d e , o de se n c a d e a d o r das o u tr a s p r o po stas de com bate a essas p r á t i cas d is c rim in a tó ria s : a D e c la ra ção so b re R a ç a e P re c o n c e ito Racial, em 1978; a D eclaração sobre P rincípios de Tolerância, em 1995,' a D eclaração U n iv e r s a l sobre D iversid ad e C u ltu ral, em 2001, apro v ad a n a C on ferên cia M u n d ial co n tra o Racismo, a
Discrim inação, a Xenofobia e a I n to lerân cia C o rrela ta (D urban, África do Sul). M ais re c e n te m e n te, em 2005, a U N E SC O aprovou a Convenção sobre a Proteção e P ro m o ç ã o da D iv e r s id a d e d a s Expressões C ultu rais. As convenções e os p ro to colos gerados a p a r ti r das ações da ONU, da U N E SC O e dem ais in stitu içõ es c o rrelatas d e m o n s tr a m os esforços feitos pelas n a ções, no campo da educação, p a ra s u p e ra r os obstáculos e b a rre ira s im peditiv as ao desenvolvim ento das potencialidades de pessoas, povos e cultu ras. No Brasil, p a r a as com u nidades negras, o dia 7 de julho 1978 ficou m arcado por ato público n a e scad a ria do Tea tro M unicipal de São Paulo. E ste ato, que legitim ou o M ovimento Unificado co n tra a D is c rim in a ção Racial (MUCDR), agregou as instituições lig ad as às lu ta s d e s sas c o m u n id ad es no B ra sil em u m a nova instituição, b a tiz a d a de M ovim ento Negro Unificado (MNU). Ele tin h a como objetivo congregar em torno de si as l u ta s con tra as p ráticas ra c ista s da sociedade brasileira, que ain d a configura u m a grave t r a n s g r e s são aos direitos fu n d a m e n ta is da p essoa h u m a n a e impõe aos go vernos, sociedades e indivíduos a obrigação e o dever de am p lia r
esforços p a r a que ta is im p e d i m entos sejam superados. A não-superação de tais im ped im ento s im plica a co-responsabilidade pelos a tra so s no d e senvolvimento, pela m iséria, p e l a s c u l t u r a s e x t e r m i n a d a s e, princip alm en te, pelas vidas p e r didas. Contudo, os esforços pela erradicação das p rá tic a s racistas g a n h a r a m s ta t u s de política de E stado som ente n a década de 80, quand o o Brasil, que é s ig n a t á rio da c arta de intenções de 1962, a ssu m iu a Declaração sobre Raça e Preconceito R acial de 1978. A p a r ti r da ação dos m ovim entos sociais, s u r g ir a m as p r im e ir a s políticas públicas visando a a t e n der a especificidades dos grupos m in o ritá rio s nos cam pos da s a ú de e da educação, e n tre outros. D esse modo, vêem -se i n ten sificad as as p rop ostas de t r a b a lh o s c ie n tífic o s p r o d u z in d o dados estatísticos e co nhecim en tos teóricos p a r a serem u tiliz a dos como base de su ste n ta ç ã o no t r a t a m e n to das especificidades dos negros. N a legislação educacional, f o ra m i m p l e m e n t a d a s v á r i a s ações conseqüentes deste proces so. A LDB n° 9394/96 é u m ex em plo, pois, pela p rim e ir a vez n a h istó ria do país, u m a lei p ro cu ra co n tem p la r a p lu ra lid a d e c u ltu ra l que compõe a sociedade b r a
sileira. Os PC N s, p o r s u a vez, t r a t a r a m e s ta q u estão como t e m a s tr a n s v e r s a is a serem inco r porados pelos currículos escola res e pelas p r á tic a s pedagógicas. D en tro da te m á tic a d a p lu r a l i dade, os afro -d escendentes (ne gros) g a n h a m u m t r a t a m e n t o específico pelo e n te n d im e n to da p r o b le m á tic a como u m a e m e r g ên c ia n a c io n a l, o fe re c e n d o a oportunidade de debates sobre as circ u n stân cias históricas da i n clusão p e rv e rs a do negro n a so c i e d a d e . A L e i n° 1 0 .6 3 9 /0 3 c o m p lem e n ta a LDB, propondo o ensino de h istó ria da África e dos afro-descend entes no ensino básico. O p arec er CN E/CP n° 03/ 04, do Conselho Nacional de E d u cação, e a resolução do MEC, e n tr e o u tr a s p ro p o s ta s , d e t e r m i n a m aos centros de formação em ed ucação a o b rig a to rie d a d e de capacitar os g rad u an d o s de todas as á re a s do conhecim ento p a r a o tr a to com as diferenças. Por uma pedagogia libertária e plural no século XXI
In d e p e n d e n te m e n te das ações legais, é im p o r ta n te r e l a c io n a r p e n s a m e n t o s de P a u lo F re ire e U b ir a ta n D A m brosio a u m a reflexão sobre o negro e a educação, não so m ente pela le g itim id ad e a ca d êm ica ou pelos
notáveis saberes acum ulados por ambos ao longo dos anos, m as por serem in te le c tu a is que t r o u x e ra m g ra n d e s contribuições p a r a a educação do século XXI e p a r a a Educação M atem ática. D e n tr e as m u i ta s c o n t r i buições de ambos, destaco, n e s te a r t i g o , a s d i s c u s s õ e s e teorizações acerca do valor dos saberes do e d u c a n d o na escolarização; a im p o rtâ n c ia de levar em conta o convívio e n tre os diferentes n a construção do co nhecim ento; a com p re en são do indivíduo como agente do próprio destino, como d e te n to r de s a b e res r e s u lta n te s das experiências de vida, como herdeiro dos conhe cimentos acum ulados ao longo de gerações em seu a m b ien te e g r u po social. Tais fatores não podem ser esquecidos n a sala de a u la e n a escola, pois são r e s u lta n te s das elab o raçõ es e re p re s e n ta ç õ e s pessoais, refletindo os valores do universo que circunda: a família, o bairro, a cidade, a religiosida de e, principalm ente, o s e n tim e n to de p ertença. Eles são f u n d a m e n ta is n a construção de como ver, ser, e, por isso, devem ser considerados pela educação esco lar. Esse complexo de emoções e s a b e r e s n ã o -a c a d ê m ic o s g a nhou vulto no in s ta n te em que
foi reconhecido por edu cadores como F re ire , fazendo eco a r as vozes das m inorias políticas, que sem pre tiv eram violentado o d i reito u n iv e rs a l de to m a r as r é d eas do próprio destino em su as mãos. A lu ta das m in o rias pela ig u a ld ad e n a diferença tem sido r e s p a ld a d a n a s reflexões sobre u m a ed u ca ção l i b e r ta d o r a no sentido de que “a educação como p rá tic a da liberdade, ao c o n trá rio d a q u ela que é p rá tic a da do m inação, im plica a negação do ser abstrato , isolado, solto, d es ligad o do m u n d o , a s s im como u m a realid ad e a u s e n te nos h o m e n s ” (FREIRE, 2002, p. 70). Ao d i s s e r t a r s o b r e a universalização da m a te m á tic a proposta pela sociedade m o d e r na e suas c a ra c te rístic a s r a c i o n a l i s t a s d e s e n v o lv id a s a p a r tir do século XVI, D’Ambrosio (2005, p. 77) a define como um i n s t r u m e n t o s e le c io n a d o r d a s elites e, portanto, a serviço dos processos de exclusão e seleção social. E s ta interpretação m o stra um im p o rta n te com ponente po l í tic o n a c o n f i g u r a ç ã o d a e tn o m a te m á tic a . Nos re fe rim o s a u m a “m a te m á tic a dom i n a n te ”, que é u m i n s t r u m ento desenvolvido nos países cen trais e m u ita s
v e z e s u t i l i z a d o com o in s tru m e n to de d o m in a ção. E s s a m a te m á tic a e os q ue a d o m i n a m se a p re s e n ta m com p o s tu r a s de s u p e r i o r i d a d e , com o poder de deslocar e m esm o e lim in a r a “m a t e m á t i c a do dia-adia”. O mesmo se dá com o u tras form as culturais. A etnom atem ática, por su a vez, é u m a das v e rte n te s da E d u cação M a te m á tic a que se volta p a r a as m inorias políticas e a s sum e com elas a lu ta em favor do reconhecim ento e valorização desses sab eres étnicos como for m a de gerar, d ifundir e u tiliz ar conhecimentos m atem áticos. Ela tem m ostrado, e n tre o u tra s coi sas, que existe u m a forte relação e n tre os saberes lógico-matemáticos, té cn ica s de m e n su ra ç ã o , avaliação de p ossibilidades d e senvolvidas por esses grupos e a a p ren d izag em dos conh ecim en tos validados pela escola. E n t r e tanto, D A m brosio (2005, p. 43) ad v erte que “conhecer e a s s im i la r a c u l tu r a do d o m in a d o r se t o r n a p o s iti v o d e s d e q u e a s raízes do dom inado sejam fortes. N a educação m a te m á tic a , a e tn o m a te m á tic a pode fortalecer e s ta s raízes.”
Q u e s tio n a d a acerca do l u g ar d a form ação de professores n a educação m a te m á tic a do s é culo XXI, D om ite e t al. (2004) fazem u m a sín te se do m o v im en to das p esq u isas nesse sentido e d e s ta c a m o fato de que v á rio s p e s q u is a d o re s têm -se dedicado ao tem a, re s s a lta n d o o p a p e l do professor como sujeito de s u a s ações sociais. Porém , as relações e n tre a form ação profissional e a diversidade c u ltu r a l a in d a dei x am ab erto s m u ito s espaços de problem atização. As a u to ra s r e conh ecem a n e c e ss id a d e de os e du cad ores fo rm adores co m p re en d ere m e a v a lia re m m a is p ro fu n d a m e n te o po tencial de lev ar em conta o conhecim ento p rim e i ro (étnico) do edu cando nos p ro cessos de e n s in o /a p re n d iz a g e m (de m a te m á tic a ) n a escola, de form a a to rn á -la m ais d em o crá tica. De fato, o c o n h e c im e n to p rim eiro do educando é um v a lor ad quirid o e u m direito f u n d a m e n ta l, o que p ressu p õ e en te n d ê -lo s ta m b é m como i n s tr u m e n to s de com bate às p r á t i cas r a c is ta s e d iscrim in atórias, com o m e io de p r o m o ç ã o d a s po tencialid ades h u m a n a s , como afirm ação das diferenças n a s so ciedades p lu rais, como rec o n h e cim ento e respeito à a lte n d a d e , e n tre outros.
E s te s pressupostos, no e n t e n d i m e n t o de D o m ite e t al. (2004), são questões que se im p õem à ed u ca ção c o n t e m p o r â nea, e, neste sentido, p a r a a p r á tica docente do século XXI, serão desejáveis “le itu r a s de m u n d o ” que reflitam a com plexidade e as v iv ê n c ias c o tid ia n a s dos educandos com o v alo re s so cio cu ltu ralm en te co nstru ído s e, p o r ta n t o , como r e f e r ê n c i a s centrais n as abo rd agens dos con teúdos acadêmicos pela escola. O desafio que se coloca a p a r ti r d es ses p ressu posto s é difundir e n tre os educadores esse leque de possibilidades n a expectativa de a p ren d izag en s significativas no a m b ie n te escolar, a f e ta d o por u m a h eran ç a na formação de pro fessores que m a n te v e /m a n té m a crença de que o domínio dos con teúdos m a te m á tic o s clássicos é suficiente p a r a u m a com petente p r á ti c a docente. D o m ite e t al. (2004) concluem re a firm a n d o a posição de que a formação cons titu i um lu g a r de forte concen tração ideológica. A e tn o m ate m ática, por s u a vez, é co n stitu íd a por u m p e q u e no grupo que, em s u a s reflexões acerca da formação de professo res de M atem ática, coloca a d i v ersidade c u ltu r a l no centro das atenções, voltando as s u a s p re o cupações p a r a o e n te n d im e n to
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dos valores, das emoções, das ló gicas e o lid ar com o conhecim en to m atem ático (primeiro) do e d u cando. E, neste sentido, as p e s qu isas e os estu do s do P ro g ra m a de E tn o m atem ática têm dem ons trad o m u ita eficiência n a p r e te n são de tr a z e r p a r a o am b ie n te acadêmico as elaborações e p r á ticas m a te m á tic a s dos diversos gru p o s étnicos, d e n tro d a s d i mensões referidas, como: ab o rd a gem didática, p o s tu ra pedagógi ca e p ro g ra m a de pesquisa. Pelos motivos expostos, e n tendo os olhares e com prom issos é tico s do program a de e tn o m a te m á tic a de D ’Ambrosio e as p ro p o s ta s de F re ire como p en sam e n to s confluentes com as l u t a s em favor de u m a escola com prom etida com a d iv e rsid a de e a alteridad e. A p a r ti r daí, reafirm o a possibilidade de um encontro prom issor e n tre as p e s q u is a s em e tn o m a te m á tic a e o raciocínio m atem ático desenvol vido pelos negros escravizados e seus descen den tes no Brasil. N a dinâm ica desse encontro reside a certeza de processos m ais d e mocráticos n a s relações e n tre os d iferen tes grupos h u m a n o s que c o n s titu e m a nação b ra s ile ira , seguindo as orientações e o esp í rito do docum ento assin ad o em 26 de ju n h o de 1945, d e n o m in a do “C a r ta de São Francisco”.
ü m a leitura da cultura crioula na educação do século XXI
M attoso (2001), ao descre v er as perspectivas h istó ricas e psicológicas do s e r escravo no Brasil, d e m o n stra situações de afetividade que auxiliam no e n te n d im en to do processo ed ucaci onal imposto aos negros na colo nização, assim como as conseqü ên c ia s dele n a c o n s tru ç ã o d as cu ltu ras, das resistências e das id e n tid ad e s negras. E la faz con siderações acerca do sofrim ento que se impõe ao africano re c é n r inserido n a sociedade. E s s a inserção foi conceitu a d a por S aw aia (2001) como i n c lu sã o p e r v e r s a , a q u i to m a d a como 0 prim eiro m om ento de in clusão do negro n a sociedade b r a sileira, envolvido por um a m b i e n te e s tra n h o , hostil, adverso, re p re ssiv o e, so b re tu d o , av iltante. P a r a o re c é m -d e s e n r b a rc a d o da Á frica, 0 p r im e ir o desafio era a d m in is tr a r os con flitos de se in te g r a r s im u lta n e a m e n te a dois un iv erso s c o n tra ditórios e e s tra n h o s ao seu c a m po de conhecimento. De u m lado, h a v ia a neces sidade de se a d a p t a r ao m u nd o do senhor, no qual a sobrevivên cia d e p e n d ia da a p re n d iz a g e m dos códigos e com andos nos e n g e n h o s de a ç ú c a r b a i a n o s e
p ern a m b u c a n o s, p a r a os q uais a mão-de-obra do africano esc ra v i zado foi fu n d a m e n ta l. Os e n g e nh o s a d o t a v a m de 80 a té 100 pessoas, de origens diversas, p r e fe r e n c ia lm e n te n a in te n ç ã o de dificultar revoltas. P a r a o e s c r a vizado, esse s is te m a educacional se r e s t r i n g i a ao m a n u s e io dos in s tr u m e n to s de tra b a lh o n a l a v o u ra, n a p ro d u ção do açúcar, n a s ta re fa s d a casa g ran d e e nos tra b a lh o s de ofício. A pedagogia aplicad a se referia à força, não s o m e n te física, m a s p r in c i p a l m e n te a aviltação moral, que e ra e m p r e g a d a n a a d a p t a ç ã o dos africanos e dos crioulos4. Do ou tro lado, os laços de infortúnio, f r a te rn id a d e e a n e cessidade de tr a n s c e n d ê n c ia fa ziam com que 0 africano e sc ra v i zado optasse pelo m und o co n sti tuído nos s u b te r r â n e o s da s e n zala, a in d a que este ta m b é m fos se co m p letam en te estran ho, pois lá os m a is an tig o s de cativeiro elab oravam sis te m a s de co m u n i cação oral, em geral, compostos por u m a m is tu r a d as lín g u as e dialetos africanos, p rin cip alm en te do tronco iorubano, com as lín guas in d íg en as e a lín g u a p o r tu guesa. Os vocabulários serv iram à com unicação e aos prim eiros m o delos e p rá tic a s da religiosidade a fro -b ra s ile ira , co m p o sta t a n v
bém da religiosidade africana, da re lig io sid ad e in d íg e n a , sincretizad as no catolicismo. E s ta s p rá tic a s dav am às Ialorixás não só o p ap el de lideres e s p iri tual, m as p rin c ip a lm e n te o po der decisório dentro dessas fam í lias fra te rn a is e n a sociedade p a ra le la que se constituía, já que as fam ílias de sa n g u e e ra m im p o s s i b i l i t a d a s p e lo s i s t e m a escravista. Tais fatos p arecem e v id e n ciar que, n a senzala, forjaram -se e s t r u t u r a s de s o c ie d a d e com modelos próprios de linguagem , família, religiosidade, poder e os elem entos básicos das id e n tid a des c u ltu ra is n e g ra s b rasileiras, que d e te rm in a ra m a s u a ex istên cia, a re s is tê n c ia , a t r a n s c e n dência e os modos próprios de li d ar e con trolar as ações no a m biente, assim como [as s u a s for m a s de se rela cio n ar com o t e m po e o espaço, f u n d a m e n t a d a s nos p rin c íp io s e v a lo re s da afric a n id a d e que M u n a n g a (2007) co n ce itu o u d a s e g u in te m a n e i r a : “N a d iv e rs id a d e que caracteriza o m undo africano, há, tam bém , n u m e ro s a s s e m e lh a n ças. Podem ser observadas em di versos aspectos da v id a : do uso da p a la v ra e do gesto à co nd uta social, da relação com o sagrado à concepção de m orte.”
Sobre as noções de cultu ra, D ’Ambrosio (2005, p. 77) afirm a
que:
Os indivíduos, de u m a comunidade, de um grupo c o m p a rtilh a m se u s co n h ec im e n to s, tais como a linguagem , os s istem as de explica ções, os mitos e cultos, a c u lin ária e os costumes, e tê m s e u s c o m p o r t a m e n to s c o m p a tib ili zados e su bo rdin ado s a s i s t e m a s de v a l o r e s a c o rd a d o s pelo grupo, dizemos que esses in d i víduos pertencem a um a m e sm a cultu ra. A inda sobre resistência e cultura, M u n a n g a (2007, p. 13) defende o s e g u in te : Colocar a questão da a fric a n id a d e n as díásporas equivale a co locar a questão das r e sistên cias c u ltu ra is que por s u a vez d esem boca ra m em iden tidades cul tu r a is de resistên c ia em todos os p aíses do m u n do que foram beneficia dos pelo tráfico n eg rei ro. O B rasil é um deles, ou melhor, é o m aio r dos
países beneficiados pelo tráfico tra n s a tlâ n tic o e ta m b é m aquele que ofe rece diversas e x p e riê n cias da africanidade em todas as suas regiões, do norte ao sul, do leste ao oeste. E possível concluir daí que a s e n z a la forjou p e n s a m e n to s m a tem á tic o s próprios e capazes de d a r conta da necessidade de co n tag em , in fe rê n c ia s, m ensurações e avaliações, d esen volvidas a p a r ti r da n ec e ssid a de de resolver as questões de so b r e v i v ê n c i a e, s o b r e t u d o , de tran scendência, fu n d a m e n ta d a s n a africanidade brasileira. Isso t a m b é m p a r e c e p o s s ív e l p e l a existência de influências desses conhecimentos, procedim entos e lógicas, fruto das circ u n stân cias histó ricas e sociais da p rim e ira fase da colonização, n a co n stitu i ção de u m a racionalid ad e criou la. H. S an to s (2001, p. 277) ex p lora a possibilidade de o dife rencial do jogador de futebol b r a sileiro ser a relação do corpo com o tem po e o espaço, o que pode se c o n stitu ir em m ais u m a h e r a n ça tra z id a da capoeira e das t r a dições africanas e afro -b rasilei ras, q uando a firm a que:
Os dois pontos de m aior reco nhecim ento d a c u ltu r a b r a s i l e i r a no m u n d o são^ o futebol e a música, que não por acaso são os setores onde o B ra sil p e r m itiu que a d iv e rs id a d e acontecesse de form a i n te n sa, associando os v alo re s e c u l t u r a s a fr ic a n a s com as o u tra s tr a z id a s da E u ro p a pelas m u ita s colô n ia s de im ig ran tes. A afirm ação de H. S an to s (2 0 0 1 ) faz a flo ra r o q u e s tio n a m e n to acerca dos o u tros sab eres e fazeres desen vol vidos pelos negros, assim como as po ssibilidades de uso destes como o rien tad o res de ações p e dagógicas, objetivando a a p r e n dizagem significativa de c o n te ú dos de m atem á tic a. As lógicas, as técnicas, as tecnologias de uso do corpo desenvolvidas n a s re s o lu ções dos prob lem as podem con t r i b u i r p a r a a c o n s t r u ç ã o de id e n tid a d e s m a te m á tic a s b r a s i leiras, a p a r t i r d as m a n e ir a s de rela cio n ar o tem po e o espaço e u m a cosmovisão própria. N a E ducação M a tem ática, no artigo sobre e tn o m a te m á tic a e c u ltu r a negra, C osta & Silva (2005) a n a l is a r a m a existência de u m a lógica negra, de m a triz africana, n a form ação d a capoei-
r a de Angola, um in s tr u m e n to de defesa e a ta q u e constituído por u m in tr in c a d o jogo de p e rn a s , braços e m ov im en to s do corpo. No jogo, construções geom étricas e relações de tem p os e espaços objetivam confundir a m e n te do adversário, n a busca de um p o n to frágil n a g u ard a do outro p ara, assim, poder aplicar o golpe cer teiro e d e s e q u ilib ran te —con sti tuindo um jogo c ere b ra l de nego ciação do espaço. E la tr a z u m for te acento d a relig io sidade, por meio da qual o uso do ‘‘C O R PO ” c o n s titu i o e le m e n to m a io r da expressão, pois toda a h e r a n ç a tra z id a das tradições africanas, n a d iá s p o r a do povo n eg ro no co ntin en te am ericano, teve nele o elem ento de expressão e r e s is tência cultural. “Toda a religio sidade e c u ltu r a do povo negro no B ra sil se c a r a c te r iz a m pelo uso do corpo e de seus m o v im en tos, seja pela dança, pela m ú s i ca, pela religiosidade, ou mesmo, pela lu ta .” (TAVARES, 1997, p. 216). Tom ando como exem plo o jogo dos bú zio s — c o m u n s n a s p rá tic a s cotidianas daqueles que a s s im ila ra m a religiosidade n e g ra - p ercebem os b a s ic a m e n te u m a com posição de 16 contas, que são lançadas duas vezes p a ra cada resp o sta p rete n d id a. U m a d a s p o ssív eis l e i t u r a s do jogo es tá r e p re s e n ta d a pela co m bina
ção dos búzios abertos com os fe chados (p ara cim a ou p a r a b a i xo) nos dois lançam en to s. Se d en otarm os por X o n ú m ero de búzios fechados, tem os que X pode a s s u m ir os valores de 0 até 16, isto é,X = {0,1,2,3,...,16}. D essa forma, p a r a d e t e r m in a r mos a probabilidade de aco n te cer cad a u m a destas co nfig ura ções, devemos observ ar que, ao la n ç a r os búzios, não se leva em c o n s id e ra ç ã o a o rd e m em que eles aparecem , e, como são l a n çados todos jun tos, eles se to r n a m in d e p en d en te s e n tre si. A s sim, p a r a calcular a p ro b ab ilid a de de sair e x a ta m e n te um búzio fechado, devem os ad ic io n a r as probabilidades de todas as pos síveis disposições d e s ta configu ração e m ultiplicar a p ro bab ili d a d e dos r e s u l t a d o s em c a d a u m a das disposições, isto é:
P(X=1) = P(FAA...A) + P(AFA...A) + P(AAF...A) +...+P (AAA...F) = [P(F)P(A)P(A)...P(A)J + [P(F)P(A)P(A)... P(A)] +...+ [P(A)P(A)P(A)...P(F)]
- [qpp - p] + [pqp...p] +...+ [ppp...q]
= 16qpl5 Assim, P(X=0)= pl6, P(X=1)= 1Gap 15 P(X=r)= C16,r qrpl6r,..., P(X=15)= 16ql5pl, P(X=16)= q!6,
o n d e C 1 6 ,r é o n ú m e r o de c o m b in a ç õ e s de 16 e l e m e n t o s t o m a d o r a r. E m v a l o r e s n u m é r i c o s te m o s , e n t ã o , q u e c a d a b ú z io te m p r o b a b i l i d a d e p = l / 2 de e s t a r a b e r t o e q = (lp ) = l / 2 de e s t a r fe c h a d o . P(X = 0)= (1/2)16 = 0,000015 P(X = 1)= 16(1/2)16 = 0,000244 P(X = 2)= 120(1/2)16 = 0,001831 P(X = 3)=560(1/2)16 = 0,008545 P(X = 4)= 1820(1/2)16 = 0,027770 P(X = 5)= 4368(1/2)16 = 0,066650 P(X = 6)= 8008(1/2)16 = 0,122192 P(X = 7)= 11440(1/2)16 = 0,174560 P(X = 8)=12870(l/2) 16 = 0,196380 P(X = 9)= 11440(1/2)16 = 0,174560 P ( X = 10)= 8008(1/2)16 = 0,122192 P(X= 11)= 4368(1/2)16 = 0,066650 P ( X = 12)= 1820(1/2)16 = 0,027770 P ( X = 13)= 560(1/2)16 = 0,008545 P ( X = 14)= 120(1/2)16 = 0,001831 P ( X = 15)= 16(1/2)16 = 0,000244 P(X = 16)= (1/2)16 = 0,000015
E s s a f o r m u l a ç ã o n ã o se propõe ser o foco das an álises a serem rea liz a d a s aqui; o objeti vo não é d e ta lh a r as elaborações m a te m á tic a s e x is te n te s n e s s a s p ráticas, e m b o ra sejam n e c e s s á rios estu d o s m ais d etalh ad o s so bre elas. O objetivo é en ten d ê-las como conhecim entos m a t e m á t i cos que são c o n s titu in te s da r e sistên cia c u ltu ral, que vêm s e n do tr a n s m itid o s a tra v é s de g e ra ções d en tro das instituiçõ es por p ro cesso s pedagógicos de b ase a n cestral, onde os mitos d a re li giosidade in te rfe re m n a c o n s tru ção d a m a n e ir a p ró p ria de p e n s a r as relações de tem po e e s p a ço, p rin c ip a lm e n te pelo uso do “C O R PO ”. P e rc e b e r como esses p r o cessos se constroem pode ser um g ra n d e desafio p a r a o e n t e n d i m en to de o u tr a s m a n e ir a s de li d a r com o p e n s a m e n to m a t e m á tico n a sala de a u la e, assim, con tr i b u ir p a r a a re c o n s tru ç ã o da p o s tu r a do edu cad or m a te m á t i co e p a r a a desconstrução do a l u no ideal, tão d is ta n te d as g entes b rasileiras. C o n sid erar a r iq u e za da p lu ra lid a d e de p e n s a m e n tos, de c o m p o r t a m e n t o s e de crenças no processo educacional a fe ta rá p o sitiv am en te a c o n s tr u ção d a a u to -e stim a do educando e o reencontro com as id e n tid a des p rim e ira s, livres dos e s te r e -
ótipos que, nesses 500 anos, co locaram essas crianças o riu n d a s das m inorias n a condição de ci dadãos de te rc eira categoria. A seriedade e o respeito são e x p l i c i t a d o s p o r D ’A m b r o s io (2005, p. 80) n a afirm ação de que “a r e s p o n s a b ilid a d e m a io r dos teóricos da ed ucação é a l e r t a r p a r a os danos irreversív eis que se podem c a u s a r a u m a cu ltura, a um povo e a um indivíduo se o processo for conduzido le v ia n a mente, m u ita s vezes até com boa in te n ç ã o ”. F u n d a m e n t a d o n a s reflexões a p re s e n ta d a s , entendo que os estudos desenvolvidos nas relações corpo e espaço n a busca da a p ren d izag em e de p rá tic a s m a te m á tic a s possam co n trib u ir de modo significativo, n ão so m ente p a r a a a p ren d izag em das crianças negras, m a s da gran d e m aio ria dos educandos da escola pública, se e n te n d e rm o s que v a lores das c u ltu r a s n e g ra s b r a s i leiras estão a m p la m e n te d ifu n didos e incorporados ao co tidia no das populações pobres. E por e s ta s razõ e s que defendo a e tn o m a te m á tic a como possibili dade, não só pelo com prom isso com a seried ade e o rigor, mas, principalm ente, pelo respeito aos diferen tes n a construção de seus saberes e visão do mundo. A constatação de ta is pos sibilidad es p ro p o s ta s pelo p r o
g ra m a de e tn o m a te m á tic a face ao m a u d e s e m p e n h o dos educandos negros n a disciplina me levou a p e n s a r n a s f u n d a m entações d esta p esq u isa a p a r tir de trê s m om entos im p o r ta n tes de inserção d as populações n e g ra s no contexto social b r a s i leiro, tendo como pano de fundo os p ro je to s ed u c a c io n a is adotados no B rasil colonial, B r a sil do século XIX e ao longo do século XX e v isando , assim , a a n a l i s a r o u tr a s c irc u n s tâ n c ia s que possam rev elar indícios d e s se m a u d e s e m p e n h o dos educandos negros. 5. Referências bibliográficas
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(Footnotes) 1A lei 4024/61 é considerada como a prim eira lei de diretrizes e bases da educação brasileira. Um a curiosidade sobre ela é o fato de ter tram itado por um período de 13 anos no Congresso Nacional. - Fica aqui entendido que o term o “m inorias” e “m inoritários” faz referência às m inorias de repre sentação econôm ica e política. 3 Crioulo —termo usado no Brasil-colôma para designar os negros n asci dos em terras brasileiras.
Notas
1 M estre em Educação (M atem áti ca) pela U niversidade de São P au lo, professor da Rede M unicipal de E nsino de São Paulo. Membro do Grupo de E studos e P esq u isas em E tnom atem ática da Faculdade de Educação da U niversidade de São Paulo (GEPEm) e do Grupo de E s tu d o s e P e s q u is a s em E tnom atem áticas N egras e Indíge n as da U n iv ersid a d e F ed era l do Mato Grosso (GEPENI). 2A le i 4024/61 é considerada como a primeira lei de diretrizes e bases da educação b r a s ile ir a . Uma curiosidade sobre ela é o fato de ter tram itado por um período de 13 anos no Congresso Nacional. 3 Fica aqui entendido que o termo “m inorias” e “m inoritários” faz referência às m inorias de repre sentação econômica e política. 4 Crioulo - term o usado no Brasilcolônia para designar os negros nascidos em terras brasileiras.
.ções afirmativas, educação e cidadaniauma ressigmficação de paradigmas
Luís Carlos Mello1 Rogério Oliveira de Aguiar2
Por preconceito de cor morrem todo dia mil. Há fome, há violência, descaso e impaciência. Há ódio a cada segundo, se afunda m ais esse m undo Se acha superior, magoa a mãe que é santa Bate na cara que é minha, homem m altrata criança Pecado de pecador, é preconcei to de cor.
(Margareth Menezes)
A importância da educação em nossa sociedade
Uma das principais finali dades de uma educação de qua lidade é formar cidadãos consci entes e participativos. Nisso con siste um dos papéis fundam en ta is de u m a edu cação libertadora3 e formadora de in divíduos críticos/as, oferecendolhes condições para o seu desen volvimento pessoal e coletivo en quanto cidadãos e cidadãs cons cientes da sua im portância e compromisso na construção de um a sociedade mais justa. Pes soas capazes de buscar as possi
bilidades de mudanças significa tivas, sendo protagonistas da sua própria história. Em uma socie dade em que o povo tem acesso a um a educação de qualidade, evi denciam-se constantes m udan ças no campo político, social, eco nômico e cultural. A desigualdade social não se mede apenas pelo fator fi nanceiro, mas também pela fal ta de oportunidades e condições de crescimento material, intelec tual, emocional e de oportunida des de exercer liderança. P ara se ter um a vida digna, vida digna, que cabe a qualquer cidadão e cidadã de um Estado Democrá tico e de Direito, é importante, acima de tudo, o respeito às ne cessidades mais básicas, como alimentação, acesso à saúde e educação, liberdade de expressão e culto, entre outros fatores. Não se pode considerar cidadão ou ci dadã a pessoa que tem negados esses direitos fu n d a m e n ta is1. Isso são marcas de um a desigual d ad e que c o n trib u i p a r a a marginalização e discriminação social.
P ara jovens que exercem um a p rá tic a profissional, na maior parte das vezes mal rem u nerada, com um a carga horária de no mínimo 40h semanais, res ta a opção de freqüentar o curso noturno. Muitos e m uitas não conseguem retornar aos respec tivos lares após o trabalho, des locando-se do trabalho direto para a escola. Estudar, mesmo após longas jornadas de trab a lho, algumas vezes sem se ali m en tar adeq uad am ente e em salas superlotadas, chegar após o horário e não encontrar lugar nem cadeira para se sentar, ter que sair mais cedo para conse guir embarcar no último ônibus de volta para casa, entre muitos outros problemas, reflete a rea lidade de grande parcela de jo vens das periferias dos grandes centros urbanos. O consumo e a venda de drogas ilícitas, a influência do tráfico na com unidade local, acrescido do crescimento da vio lência, entre outros fatores, são os principais a g rav a n te s que impedem essas pessoas de u su fruírem de um a vida digna e de uma maior inserção na socieda de enquanto cidadãos e cidadãs. Porém, em meio a esse caos em que estamos m ergulha dos e mergulhadas, existem al guns sinais de mudança em al
gumas escolas da rede pública de ensino. Somos um a nação em constante desenvolvimento eco nômico, em constantes m udan ças. Isso deveria também se re fletir na educação e saúde públi cas. As escolas públicas que ob têm bons resultados nas avalia ções realizadas por órgãos gover namentais são exatamente aque las que possuem uma maior es tabilidade do corpo docente, pro gramas de reforço escolar e uma maior interação entre docentes, discentes, escola e comunidade local. No entanto, esses casos in felizm ente ain d a con stitu em uma exceção5. Frente a essa realidade, podemos concluir que as condi ções de vida, o contexto, a falta de oportunidades e a herança histórica deixam marcas profun das de desigualdade e exclusão social. Os afro-descendentes e povos indígenas, entre outras etnias e pessoas marginalizadas, encontram-se nessa parcela da sociedade visivelmente prejudi cada pelo sistema vigente. Fal tam a esses grupos étnicos m ar ginalizados um a educação de qualidade e condições que favo reçam a ascensão social dos mes mos. Vivemos quase que num regime de castas, porém, cam u flado e tra v e stid o de um a
pseudodemocracia, na qual as oportunidades dependem quase que exclusivamente do grupo ét nico do qual se faz parte. Isso não se aplica apenas à educação, mas se estende ao campo profissional e à imagem das pessoas negras passada pela mídia. Políticas públicas afirmativas, urgentes e necessárias
As “ações afirmativas”6 normalmente são seguidas de po lêmicas e muitos debates. Exis tem pessoas que são a favor e outras que são contra. E cada grupo apresenta as suas explica ções, algumas plausíveis, outras nem tanto, para m ostrar a sua satisfação ou insatisfação com o assunto em pauta. Dentre as ações afirm a tivas, poucas g eraram tan tos debates como as cotas destinadas a afro-descendentes, indígenas e egressos da rede pública de en sino, com vista à universidade pública. Intelectuais, artistas, políticos e a população em geral dividem-se diante de argum en tos favoráveis e contrários a essa medida adotada por universida des federais, antecipando o que e stá previsto no E sta tu to da Igualdade Racial. E cle se adm i rar que quem protesta contra a implantação desse sistema de co tas use como principal argum en
to o critério de mérito ou êxito. Por outro lado, outras pessoas afirm am que se tra ta de uma atitude “racista”, alegando que as cotas subestimam a capacida de do negro e da negra, que são tão capazes quanto pessoas bran cas. Essas e outras afirmações fazem com que alguns afro-descendentes fiquem em dúvida em relação à implantação desse sis tem a e, conseqüentemente, se jam constrangidos a acreditarem que através do sistema de cotas se tornam inferiores aos demais estudantes. São estratégias, uti lizadas com o intuito único de mais um a vez fechar “portas e janelas” para o povo negro, como tantas vezes já foi feito em epi sódios vergonhosos da nossa his tória enquanto povo brasileiro re conhecido por sua diversidade cultural e por sermos um país com uma invejável “democracia racial”. Em uma sociedade cada vez m ais in d iv id u a lis ta e etnocêntrica, é comum alguns grupos beneficiados fazerem o possível para m anter tudo como está. A regra é “sobreviva quem puder e conseguir”. Dizer que a implantação de cotas caracteri za um a atitude racista é exata mente fechar os olhos e favore cer a invisibilidade da realidade.
Atitudes ditas “racistas” são co metidas todos os dias na escola, no trabalho, na igreja, no bar, no clube, na rua e em todos os lo cais da sociedade onde as pesso as que compõem os grupos étni cos marginalizados, como afrodescendentes e indígenas, são impedidas de exercerem a sua cidadania de forma plena. Portanto, a condição afrobrasileira não passa apenas pelo esforço individual de buscar uma cidadania plena,' é necessário que haja políticas afirmativas, sim. Somente com um resgate da pessoa marginalizada enquanto ser hum ano, cidadão e cidadã brasileiros, será possível, então, um a reparação do grande mal causado a essas etnias num pas sado não tão distante. Observar a história de forma superficial ou, na maioria das vezes, nem analisá-la resul ta em julgam entos e opiniões equivocados. Pessoas afro-des cendente« realmente têm as mes mas capacidades intelectuais que uma pessoa de outra etnia. A capacidade, a inteligência e a determinação não passam pelo fator cor de pele, traços físicos ou identidade étnica. Porém, as con dições e oportunidades são influ enciadas de acordo com o grupo étnico a que cada pessoa é per tencente. O simples fato de ser
afro-descendente em uma socie dade como a nossa, onde o pre conceito é disfarçado, pode sig nificar ser discriminado sem nem mesmo perceber que isso está acontecendo de fato. As a titu d e s discriminatórias do cotidiano são rapidam ente esquecidas ou nem são percebidas por se tratar de algo “comum” e rotineiro. Acre* dita-se que o lugar do negro e da negra seja nos serviços subalter nos e mal remunerados. Não que remos com isso desvalorizar ou menosprezar qualquer função ou trabalho. Todas elas têm o seu valor e im portância para um a boa m anutenção da sociedade, ainda que seja questionável a re m uneração m u itas vezes não condizente com a jornada de tra balho. Queremos chamar a aten ção para o fato de que a própria sociedade desestimula a busca de ascensão social por parte do povo negro. Isso é fruto de cultura exeludente que se estende ao lon go de muitos anos e em que, de vido à má educação que recebe mos, acabam os sim plesm ente re p ro d u z in d o conceitos discriminatórios sem ao menos levantarmos questionamentos. Tanto o povo negro quan to os povos indígenas almejam a valorização e reconhecimento da
con tribu ição d ad a por essas etnias para a construção desse país. Quando isso finalm ente acontecer, as opoi’tunidades po derão se equiparar e poderemos, então, falar em mérito e êxito. Não se trata de uma batalha en tre etnias e classes sociais; m ui to pelo contrário, aspiram -se oportunidades para todos e to das, in d e p e n d e n te m e n te da etnia, cultura ou credo. E essas condições realmente serão justas quando as pessoas se derem con ta dos fatores que conspiram con tra essa igualdade. O preconcei to, a d isc rim in a çã o e a vulnerabilidade social são ape nas algumas entre as inúm eras razões pelas quais essa desigual dade tem tomado proporções ab surdas. Oportunidades, justiça social e cidadania
O Estatuto da Igualda de Racial, de autoria do senador Paulo Paim, é considerado por muitos e m uitas a verdadeira carta de alforria. O Estatuto foi aprovado no Senado e aguarda aprovação na Câmara dos Depu tados. Existem expectativas de que seja aprovado em 2008, quando são comemorados os 120 anos da abolição da escravatura no Brasil - Abolição considera da parcial e incompleta.
O dia 20 de novembro foi instituído pela comunidade ne gra como um dia significativo para os negros e negras do B ra sil. Essa data expressa a luta por liberdade e a resistência à opres são! não foi um a data imposta pelo poder opressor. Por isso, é cham ada “Dia da Consciência Negra”. O próprio autor do pro jeto diz que vivemos uma falsa democracia racial, pois essa não é a realidade brasileira7. P ara a historiadora M aria Aparecida da Silva, o principal objetivo da ação afirmativa é o combate ao racismo e seus efei tos. “P ara que um program a de ações afirm ativas seja efetivo, oferecer oportunidades é apenas um dos primeiros passos.”8 As ações afirmativas devem promo ver a conscientização das pes soas, além de criar condições para que quem sofre preconceito e discriminação tenha a chance de se tornar o sujeito de suas próprias ações. Esse processo é gradativo e lento, mas, se feito com responsabilidade, os resul ta d o s se rã o c o n s is te n te s e satisfatórios. O pedagogo Paulo Freire, em seu livro Pedagogia do oprimido, afirma que o oprimido deve libertar a si mesmo e ao opressor. A libertação constitui um processo coletivo9.
É impressionante o im pacto que a adoção de cotas por algumas universidades públicas tem causado na classe média e alta do país. A mobilização de intelectuais, políticos e artistas é um sinal de que as cotas cons tituem um assunto de interesse de todos e todas. O mais im pres sionante é o fato de que, quando a educação de qualidade era res trita apenas aos filhos e filhas da classe dominante, poucas pesso as se manifestavam em prol de um a boa educação acessível à maioria. E stava tudo como os mais ricos gostariam que estives se. O povo negro pobre em seu “devido lugar”, segundo o pensa mento etnocêntrico da maioria, negando abertam ente o mito da “democracia racial” brasileira. A alegação de que existem pessoas negras que ingressaram na uni versidade sem o auxílio de cotas e que isso mostra ser desneces sário o uso de ações afirmativas mostra, nesse sentido, o quanto o povo brasileiro ainda nega o seu passado e a herança escravocrata legada pelos antepassados. Afir mam que basta, apenas, que a pessoa negra se esforce um pou co mais para obter êxito. A escritora gaúcha Lya Luft, que assina uma coluna na revista Veja, tem a concepção de que as cotas reforçam a idéia da
incapacidade de afro-descendentes. Também diz que jovens be neficiados com as cotas constitu em uma m assa de manobra para um governo populista e interes seiro, além de serem vítimas de desinformação e de um a visão estreita, e que isso os deixa em má posição. Em nenhum momen to foi lembrado ou mencionado o fato de que são jovens afro-descendentes que estão em má po sição devido às oportunidades negadas historicamente, através da discriminação e do preconcei to em relação à sua cultura, reli giosidade, arte, música e costu mes. Percebe-se uma intenção de inverter os papéis sociais. As vítimas do sistema agora passam a ocupar o lugar de usurpadores das vagas daquelas pessoas cujos pais e mães tiveram como inves tir mais. No seu artigo para a re vista Veja, a escritora expressa a sua insatisfação com o progra m a de cotas afirmando^ “Nas universidades inicia-se a batalha pelas cotas. Alunos que se saíram bem no vestibular - só quem já teve filhos e netos nessa situa ção conhece o sacrifício, a disci plina. o estudo e os gastos impli cados nisso —são rejeitados em troca de quem se saiu menos
bem, mas é de origem africana ou vem de escola pública.”10 Frente a isso, contrapo mos alguns comentários feitos por Jurem ir Machado da Silva” , em sua coluna diária em um con ceituado jornal de Porto Alegre. Ele trata como ingenuidade ou hipocrisia a afirmação de algu mas pessoas de que vivemos em uma sociedade onde a desigual dade é meramente econômica e que não existe discriminação por etnia no Brasil. Ele atesta que, quando a exceção é tomada como regra, no caso da pequena p ar cela de afro-descendentes que conseguem ingressar nas univer sidades públicas, isso é irrespon sável e inconseqüente. O mérito não escolhe necessariamente os mais inteligentes, mas os mais preparados. O pressuposto de que os “m elhores” devem ter preferência é falacioso. A questão é: por que eles são os “melhores”? Por que são natu ralm en te mais inteligentes? Por que n e c e ssa ria m e n te tra b a lh a ra m mais? O que significa ser m e lhor? Em linhas gerais os melhores são aqueles
que tiveram melhores oportunidades de prepa ração ao longo de toda a infância e adolescência. Ou seja, no caso da soci edade brasileira profun dam ente hierarquizada e desigual, os brancos mais aquinhoados. Para usar o vocabulário libe ral, não há igualdade de oportunidades. A idéia de mérito, nesse tipo de situação, acaba por re produzir a desigualdade social existente.12 Acreditamos que a soci edade brasileira tenha negado os direitos de cidadãos e cidadãs ao povo negro durante séculos de história mal contada e, quando chega o momento em que esse trágico episódio da nossa histó ria pode ser revisto e os seus da nos amenizados, a sociedade do minante vira as costas novamen te. Aqueles grupos que estão no topo da pirâmide social se negam a rever seus conceitos e posições, optam por deixar tudo como está. Os pobres ficam cada vez mais pobres, enquanto que os ricos cada vez mais cheios de privilé gios e oportunidades. Essa desi gualdade comprova que somos um país de cultura escravocrata
que isso está enraizado na nossa Referências sociedade e na mentalidade das APPLE, Michael W. Política cul pessoas. tu ra l e educação. São Paulo: Um dos caminhos para Cortez, 2000. realizar mudanças significativas B LA N Q U ER , Jean -M ich el; nesse contexto, impregnado de TRINDADE, Hélgio. Os desafi preconceitos e etnocentrism os os da educação na América La exacerbados, é uma educação de tina. Petrópolis: Vozes, 2002. qualidade voltada especialmen CARVALHO, José Murilo de. Ci te para uma cultura de respeito dadania no Brasib o longo cami à pluralidade e à diversidade. Es nho. Rio de Janeiro: Civilização peram os que a implementação Brasileira, 2002. da Lei 10.639/03, que prevê o CASTILHO, Alceu L.; CAS ensino da história e cultura afro- TRO, Fábio. A m arca da brasileira e indígena no currícu desigualdade. Revista E du lo das escolas públicas e priva cação, ano 10, n. 110, 2004. das, possa render “bons frutos” p. 42-52, a longo e médio prazo. As crian CHOMSKY, N oam ; ças e jovens terão a oportunida DIETERICH, Heinz. A socieda de de estudar e conhecer a reali de global, educação, mercado e dade, a cultura, os costumes e a democracia. Blum enau: Editora história dos afro-descendentes da FURB, 1999. brasileiros, podendo desenvolver DEMO, Pedro. Desafios moder uma mentalidade e ideologia di nos da educação. Petrópolis: Vo ferente dessas já enraizadas nas zes, 1993. cabeças de jovens e adultos atu DUSSEL, Enrique. Ética comu almente. A mudança é possível n itá r ia lib e rta o pobre. através da reflexão, do bom sen Petrópolis: Vozes, 1986. so e da ética. Esta última nem ESPERANDIO, Mary R. G. Póssempre está presente quando in m o d ernid ad e. São Leopoldo: teresses pessoais são colocados Sinodal, 2007. em jogo e surge a ameaça de rom FAVERO, Osmar; SEMERANO, per com o monopólio educacional Giovanni (orgs.). Democracia e existente no Brasil. construção do público no pensa m ento educacional brasileiro. Petrópolis: Vozes, 2002.
GENTILI, Pablo (org.). Pedago gia da exclusão. Petrópolis: Vo zes, 1995. HERKENHOFF, João Baptista. Ética, educação e cidadania. Por to Alegre: Livraria do Advogado, 1996. IMBERNON, F. (org.). A educa ção no séc. XXP os desafios do mundo imediato. Porto Alegre: Artmed, 1999. LUFT, Lya. Ponto de vista. Veja, p. 21 , 06 fev. 2008. NORDSTOKKE, Kjell. Diaconia: fé em ação. São Leopoldo: Sinodal, 1998. REICHERT, Luciana. Em busca da igualdade. Novolhar, ano 6, n. 21, p. 24-25, mai./jun. 2008. SILVA, Jurem ir M. da. Jornal Correio do Povo, p.4 , 02 fev. 2008. SILVA, M aria A parecid a da. Ações afirm ativas p ara o povo negro no Brasil. In: Racismo no Brasil. São Paulo: Petrópolis, 2002 . (Footnotes) 1Para João B. Herkenhoff, a edu cação libertadora deve levar em conta as contribuições do educan do. A experiência cotidiana é im portante no processo de apren dizagem. Deve-se recusar a idéia de que o educador sabe tudo.
Essa é uma reflexão baseada no educador Paulo Freire, que designa isso como um a edu cação bancária, quando existe o imaginário de que o/a estudante não tem nada a contribuir, ape nas a aprender. Isso é negar o/a outro/a como sujeito/a, como pes soa e como cidadão/ã, impedindo a su a p articip ação . H E R K E NHOFF, João Baptista. Ética, educação e cidadania. Porto Alegre: Livraria do Advo gado, 1996. 2 Segundo o artigo XXV da De claração Universal dos Direitos Humanos: Toda pessoa tem di reito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive ali mentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e serviços so ciais indispensáveis, e direito a segurança em caso de desempre go, doença, invalidez, viuvez, ve lhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em cir cunstâncias fora do seu contro le. 3 Os repórteres sociais Alceu Luis Castilho e Fábio de Castro trazem um a reflexão sobre a si tuação dos estudantes do ensino noturno em escolas públicas da periferia dos grandes centros u rb a n o s, q u e stõ e s u rb a n o s.
Questões como violência, tráfico de drogas e assédio sexual são fatores d eterm in an tes p ara a evasão escolar. Dificuldades de aprendizagem em conseqüência de longas jornadas de trabalho, entre outros problemas, são abor dadas nessa m atéria sob o titulo de “A marca da desigualdade”. Revista Educação, ano 10, n. 110, p. 42-52, 2004 Ações afirmativas são medidas especiais e temporárias, tomadas ou determ inadas pelo Estado, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de elim inar desigualdades historicam ente acumuladas, garantindo a igual dade de oportunidades e tra ta mento, bem como de compensar perdas provocadas pela discrimi nação e marginalização, decor rentes de motivos raciais, étni cos, religiosos, de gênero e ou tros. Portanto, as ações afirm a tivas visam a combater os efei tos acumulados das discrimina ções ocorridas no passado. 5 REICHERT, Luciana. Em busca da igualdade. Novolhar, ano 6, n. 21, p. 24‘25, maio/jun. 2008. 6 SILVA, Maria Aparecida da. Ações afirmativas para o povo negro no Brasil.
In : Racismo no Brasil. São Paulo: Petrópolis, 2002. 7 NORDSTOKKE, Kjell. Diaconia: fé em ação. São Leopoldo: Sinodal, 1998, p. 63. 8 Trecho extraído de LUFT, Lya. Ponto de vista. Veja, 06 fev. 2008, p. 21.® E doutor em Sociologia pela U ni versidade de Paris V René Des cartes. Em Paris, de 1993 a 1995 , foi colunista e correspondente do jornal Zero Hora. Atualmente, é profes sor do curso de Jornalism o da Faculdade de Comunicação So cial da PUC-RS e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da mesma univer sidade. Também assina uma co luna seis vezes por semana (de quinta a terça-feira) no jornal Correio do Povo de Porto Alegre/ RS. 10 SILVA, Jurem ir M. da. Correio do Povo, 02 fev. 2008, p. 04. Nota 1Músico e Bacharel em Teologia pela Faculdades EST em São LeopoldoRS, integrante do Grupo de Pesqui sa Identidade. Desenvolve pesquisas
na área da Música B rasileira e A fricanidade na Bíblia, e-maiP luisctmello2000@yahoo.com.br 2 Acadêmico do Curso de Bachare lado em Teologia com ênfase em Diaconia na Faculdades EST, em São Leopoldo-RS, integrante do Grupo de Pesquisa Identidade. De senvolve pesquisas nas áreas: His tória e cu ltu ra afro -brasileira, Diaconia e homossexualidade. e mail: roaguiar2005@yahoo.com.br 3 Para João B. Herkenhoff, a educa ção libertadora deve levar em conta as contribuições do educando. A ex periência cotidiana é importante no processo de aprendizagem. Deve-se recusar a idéia de que o educador sabe tudo. Essa é uma reflexão ba seada no educador Paulo Freire, que designa isso como uma educação bancária, quando existe o imaginá rio de que o/a estudante não tem nada a contribuir, apenas a apren der. Isso é negar o/a outro/a como sujeito/a, como pessoa e como cida dão/ã, impedindo a sua participação. HERKENHOFF, João Baptista. Éti ca, educação e cidadania. Porto Alegre^ Livraria do Advogado, 1996. 4 Segundo o artigo XXV da Declara ção Universal dos Direitos H um a nos : Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-es tar, inclusive alimentação, vestuá rio, habitação, cuidados médicos e serviços sociais indispensáveis, e direito a segurança em caso de de
semprego,. doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circuns tâncias fora do seu controle. 5 Os repórteres sociais Alceu Luis Castilho e Fábio de Castro trazem uma reflexão sobre a situação dos estudantes do ensino noturno em escolas públicas da periferia dos grandes centros urbanos, questões urbanos. Questões como violência, tráfico de drogas e assédio sexual são fatores determ inantes para a evasão escolar. Dificuldades de aprendizagem em conseqüência de longas jornadas de trabalho, entre outros problemas, são abordadas nessa m atéria sob o titulo de “A marca da desigualdade”. Revista Educação, ano 10, n. 110, p. 42_52, 2004 . 6Ações afirmativas são medidas es peciais e temporárias, tomadas ou determinadas pelo Estado, espontâ nea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garan tindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como de compen sar perdas provocadas pela discri minação e marginalização, decor rentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros. Por tanto, as ações afirmativas visam a combater os efeitos acumulados das discriminações ocorridas no passa do.
I REICHERT, Luciana. Em busca da igualdade. Novolhar, ano 6, n. 21, p. 24'25, maio/jun. 2008. 8 SILVA, Maria Aparecida da. Ações afirmativas para o povo negro no Brasil. In: Racismo no Brasil. São Paulo: Petrópolis, 2002
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9 NORDSTOKKE, Kjell. Diaconia: fé em ação. São Leopoldo: Sinodal, 1998, p. 63. 10 Trecho extraído de LUFT, Lya. Ponto de vista. Veja, 06 fev. 2008, p.
21.
II É doutor em Sociologia pela U niversidade de P aris V: René Descartes. Em Paris, de 1993 a 1995, foi colunista e correspondente do jornal Zero Hora. Atualmente, é professor do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social da PUC-RS e coordenador do Program a de Pós-Graduação em Comunicação da m esm a univer sidade. Também assina uma coluna seis vezes por semana (de quinta a terça-feira) no jornal Correio do Povo de Porto Alegre/RS. 12 SILVA, Jurem ir M. da. Correio do Povo, 02 fev. 2008, p. 04.
Aconteceu em 2008. I JORNADA ECUMÊNICA SUL Diversidade e Convivência: Sonho Ecumênico Com os objetivos de prom over a troca de experiências entre m ovim entos e entidades ecum ênicas da região Sul do Brasil, fortalecer as redes de solidariedade e cooperação entre igrejas, organizações e m ovim entos ecum ênicos é que acontecerá a IJO R N A D A E C U M Ê N IC A O SUL. O tem a é “D iversidade e Convivência: Sonho E cum ênico” . A jornada contará com palestras e oficinas sobre os eixos tem áticos abaixo, que serão abordados nas perspectivas bíblica, teológica e sociológica: • • • • • • •
Justiça e Paz; Gênero; M eio Am biente; Inclusão; Raça e Etnia; Juventude; D iversidade Religiosa
H averá tam bém um a Feira da D iversidade, onde serão apresentados mais de 30 trabalhos e projetos realizados entre os três estados da região Sul e tam bém dois projetos de países da A m érica Latina. As vagas são limitadas, e as inscrições estarão abertas até o final de A gosto/08 no site w w w .ceca-rs.org.
DAI A: 07 a 09 de novem bro de 2008. LOCAL: Recanto da P a z -J o in v ille -S a n ta C atarina PROM OÇÃO: CEA M IG - Centro de A tendim ento ao Imigrante; CECA - Centro Ecum ênico de C apacitação e Assessoria; ITESC - Instituto Teológico de Santa Catarina; M OV EC - M ovimento Ecum ênico de Curitiba