PROCLAMAR LIBERTAÇÃO Volume 47
AUXÍLIOS HOMILÉTICOS LECIONÁRIO COMUM REVISADO DA IECLB – ANO A
Editado por FACULDADES EST da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil Coordenação: Verner Hoefelmann
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© Editora Sinodal, 2022 Rua Amadeo Rossi, 467 93030-220 São Leopoldo/RS Tel.: (51) 3037-2366 editora@editorasinodal.com.br www.editorasinodal.com.br Conselho editorial de Proclamar Libertação: Júlio Cézar Adam, Martin Volkmann, Paula Naegele, Robson Luís Neu, Sissi Georg, Verner Hoefelmann Coordenação editorial: Verner Hoefelmann Produção editorial e gráfica: Editora Sinodal Série: Teologia Prática – Auxílios Homiléticos Publicado sob a coordenação do Fundo de Publicações Teológicas/Programa de Pós-Graduação em Teologia da Faculdades EST. Tel.: (51) 2111 1400 est@est.edu.br Fax: (51) 2111 1411 www.est.edu.br Conselho editorial: Prof. Dr. Júlio Cézar Adam (coordenador), Prof. Dr. Flávio Schmitt, Prof. Dr. Oneide Bobsin, Prof. Dr. Marcelo Saldanha
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Proclamar libertação : auxílios homiléticos : lecionário comum revisado da IECLB – ano A / coordenação Verner Hoefelmann ; editado por Faculdades EST da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. -- São Leopoldo, RS : Editora Sinodal : Faculdades EST, 2022. ISBN 978-65-5600-042-8 1. Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil 2. Homilética 3. Teologia cristã I. Hoefelmann, Verner. II. Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil 21-82350
CDD-251 Índices para catálogo sistemático:
1. Homilética : Cristianismo 251 Aline Graziele Benitez – Bibliotecária – CRB-1/3129 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da editora.
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APRESENTAÇÃO
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ntão Deus falou todas estas palavras: Eu sou o SENHOR, seu Deus, que o tirei da terra do Egito, da casa da servidão (Êx 20.1-2). Essas palavras introduzem os Dez Mandamentos, que são o resumo daquilo que Deus espera do seu povo, ou seja, do que Deus espera de nós. A introdução não está ali por acaso, nem como enfeite. Ela é fundamental por dois motivos: ela diz quem é Deus e qual é a ação de Deus. A palavra “SENHOR”, escrita em letras maiúsculas, é uma representação do nome de Deus, formado por quatro consoantes hebraicas (YHWH). Esse nome divino, revelado a Moisés (Êx 3.14s), provavelmente tem o sentido de “eu sou aquilo que sou”. E nós sabemos aquilo que Deus é, ou quem Deus é, através da sua ação: Eu sou o SENHOR, seu Deus, que o tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Deus agiu em favor do povo de Israel e o libertou da escravidão. Essa ação de Deus determinou a forma de falar sobre Deus. No antigo Israel, quando alguém perguntava: “Qual é o seu Deus?”, a resposta era: O SENHOR, o Deus que nos tirou da escravidão do Egito e nos deu esta terra (Lv 25.38). O SENHOR (YHWH) é o Deus a quem nós adoramos e servimos. Esse é o Deus libertador, que tirou o povo da escravidão do Egito. Esse é o Deus libertador que, em Jesus Cristo, nos livrou do poder do pecado e da morte. Proclamar libertação é a nossa tarefa constante! Proclamamos um Deus que não tolera a violência, a mentira, o ódio, a opressão. Proclamamos um Deus que quer vida digna e salvação para todas as pessoas. Que este volume de Proclamar Libertação nos ajude a anunciar e a viver a vontade do SENHOR! Sílvia Beatrice Genz Pastora Presidente da IECLB
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PREFÁCIO
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âmpada para os meus pés é a tua palavra e luz para os meus caminhos, escreve o salmista (Sl 119.105). Ele sabe como é difícil avançar no escuro pelos caminhos pedregosos de sua terra. Mais que para os olhos, a lamparina é importante para orientar os passos e para permanecer no rumo que leva ao alvo da jornada. Assim é com a palavra de Deus. Ela não serve apenas aos olhos ou ao coração. Ela serve para orientar os passos. De pouco adianta nosso esforço se não soubermos para onde estamos caminhando e aonde queremos chegar. Sobretudo nos momentos de escuridão, é a palavra daquele que se autoproclamou como a luz do mundo que nos permite discernir os espíritos e seguir os passos daquele que se apresentou como o caminho, a verdade e a vida. É com essa certeza que entregamos a pregadores e pregadoras da palavra de Deus mais um volume de Proclamar Libertação. O presente volume disponibiliza 57 auxílios para o anúncio do evangelho, tomando por base o Lecionário Comum Revisado da IECLB relativo ao ano litúrgico de 2022/2023. Leitores e leitoras podem encontrar nos auxílios considerações exegéticas, meditações com vistas à prédica e sugestões litúrgicas para os cultos dominicais. Mas as contribuições também podem ser utilizadas para outras finalidades, como a preparação de estudos bíblicos ou mensagens para ocasiões diversas. Durante alguns anos, tive o privilégio de coordenar esse trabalho, com a prestimosa ajuda de colegas do Conselho Editorial. Reitero aqui meus agradecimentos pela prontidão, boa vontade e dedicação que encontrei entre ministros e ministras da igreja, seja da IECLB ou de outras denominações, que sempre corresponderam ao convite de colaborar com Proclamar Libertação. Graças à ajuda de vocês, chegamos ao 47º volume e nos aproximamos a largos passos de um jubileu. Acho que posso agradecer-lhes em nome de todas as pessoas que fazem uso de suas reflexões e meditações, na exigente tarefa de proclamar a boa nova do evangelho em meio aos tempos conturbados e tantas vezes insanos em que vivemos. Gratidão também à direção da IECLB, que nos últimos anos tem presenteado um volume deste material a ministros e ministras. Eventuais lacunas deste volume podem ser supridas com consulta a volumes anteriores. Lembramos que todas as contribuições anteriores estão disponíveis no portal da IECLB. Gratidão aos colegas do Conselho Editorial, a colaboradores e colaboradoras de Proclamar Libertação. Toda honra e toda glória sejam dadas a Deus. Verner Hoefelmann Coordenador
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SUMÁRIO AUXÍLIOS HOMILÉTICOS................................................................................ 9 1º Domingo de Advento – Isaías 2.1-5 Roger Marcel Wanke.......................................................................................... 11 2º Domingo de Advento – Mateus 3.1-12 Marli Lutz........................................................................................................... 19 3º Domingo de Advento – Tiago 5.7-10 Claiton André Kunz............................................................................................ 24 Noite de Natal – Gálatas 4.4-7 Felipe Gustavo Koch Buttelli.............................................................................. 29 Dia de Natal – Isaías 9.2-7 Carlos A. Dreher................................................................................................. 34 Ano-Novo (Nome de Jesus) – Números 6.22-27 Manoel Bernardino de Santana Filho................................................................. 38 Epifania de nosso Senhor – Mateus 2.1-12 Anelise L. Abentroth........................................................................................... 44 1º Domingo após Epifania (Batismo do Senhor) – Isaías 42.1-9 Norberto da Cunha Garin, Edgar Zanini Timm.................................................. 50 2º Domingo após Epifania – João 1.29-42 Astor Albrecht..................................................................................................... 54 3º Domingo após Epifania – 1 Coríntios 1.10-18 Paulo Roberto Garcia.......................................................................................... 60 4º Domingo após Epifania – Mateus 5.1-12 Ricardo Brosowski.............................................................................................. 66 5º Domingo após Epifania – Isaías 58.1-9a (9b-12) Gerson Correia de Lacerda................................................................................. 71 6º Domingo após Epifania – Mateus 5.21-37 Vera Maria Immich............................................................................................. 77 Último Domingo após Epifania – 2 Pedro 1.16-21 Erní Walter Seibert.............................................................................................. 81 Quarta-Feira de Cinzas – Mateus 6.1-6, 16-21 Bianca Bartsch.................................................................................................... 86 1º Domingo na Quaresma – Gênesis 2.15-17; 3.1-7 Teobaldo Witter................................................................................................... 91 2º Domingo na Quaresma – João 3.1-17 Vitor Hugo Schell............................................................................................. 100
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3º Domingo na Quaresma – Romanos 5.1-11 Léo Zeno Konzen.............................................................................................. 106 4º Domingo na Quaresma – João 9.1-41 Odair A. Braun...................................................................................................111 5º Domingo na Quaresma – Ezequiel 37.1-14 Leonídio Gaede................................................................................................. 116 Domingo de Ramos – Mateus 21.1-11 Rodolfo Gaede Neto......................................................................................... 122 Quinta-Feira da Paixão – 1 Coríntios 10.16-17 Scheila Janke..................................................................................................... 126 Sexta-Feira da Paixão – Mateus 27.33-50 Luiz Carlos Ramos............................................................................................ 130 Domingo da Páscoa – Mateus 28.1-10 Ana Isa dos Reis Costella, Irineu Costella........................................................ 136 2º Domingo da Páscoa – Atos 2.14a, 22-32 Gerson Acker.................................................................................................... 144 3º Domingo da Páscoa – 1 Pedro 1.17-23 Roberto N. Baptista........................................................................................... 149 4º Domingo da Páscoa – João 10.1-10 Janaina Schäfer Hasse....................................................................................... 153 5º Domingo da Páscoa – Atos 7.55-60 Renato Küntzer................................................................................................. 157 6º Domingo da Páscoa – João 14.15-21 Luís Henrique Sievers....................................................................................... 163 Ascensão do Senhor – Efésios 1.15-23 Hans A. Trein.................................................................................................... 168 7º Domingo da Páscoa – João 17.1-11 Werner Wiese.................................................................................................... 176 Domingo de Pentecostes – Números 11.24-30 Alberi Neumann, Paulo Sérgio Macedo dos Santos......................................... 181 1º Domingo após Pentecostes (Trindade) – Mateus 28.16-20 Gottfried Brakemeier........................................................................................ 185 2º Domingo após Pentecostes – Romanos 4.13-25 Wilhelm Sell..................................................................................................... 190 3º Domingo após Pentecostes – Mateus 9.35 – 10.8 Verner Hoefelmann........................................................................................... 198
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4º Domingo após Pentecostes – Jeremias 20.7-13 Marivete Zanoni Kunz...................................................................................... 207 5º Domingo após Pentecostes – Mateus 10.40-42 Alan S. Schulz................................................................................................... 212 6º Domingo após Pentecostes – Romanos 7.15-25a Joel Schlemper.................................................................................................. 217 7º Domingo após Pentecostes – Mateus 13.1-9, 18-23 Adélcio Kronbauer............................................................................................ 223 8º Domingo após Pentecostes – Isaías 44.6-8 Nilton Giese...................................................................................................... 228 9º Domingo após Pentecostes – Mateus 13.31-33, 44-52 Eliezer K. Evald................................................................................................ 232 12º Domingo após Pentecostes – Isaías 56.1, 6-8 Stéfani Niewöhner, Fernando José Matias........................................................ 238 13º Domingo após Pentecostes – Mateus 16.13-20 Uwe Wegner, Carla A. Grossmann................................................................... 244 14º Domingo após Pentecostes – Romanos 12.9-21 Jorge Batista de Oliveira................................................................................... 252 15º Domingo após Pentecostes – Mateus 18.15-20 Humberto Maiztegui Gonçalves....................................................................... 258 17º Domingo após Pentecostes – Mateus 20.1-16 Beatriz Regina Haacke...................................................................................... 262 18º Domingo após Pentecostes – Filipenses 2.1-13 Klaus A. Stange................................................................................................. 268 19º Domingo após Pentecostes – Mateus 21.33-46 Eduardo Paulo Stauder...................................................................................... 274 20º Domingo após Pentecostes – Isaías 25.1-9 Kurt Rieck......................................................................................................... 280 21º Domingo após Pentecostes – Mateus 22.15-22 Emilio Voigt...................................................................................................... 286 22º Domingo após Pentecostes – 1 Tessalonicenses 2.1-8 Gabrielly Ramlow Allende............................................................................... 292 Dia da Reforma – Gálatas 5.1-11 Flávio Schmitt................................................................................................... 297 Finados – Isaías 35.1-10 Ruben Marcelino Bento da Silva...................................................................... 303
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23º Domingo após Pentecostes – Mateus 23.1-12 Ramona Weissheimer........................................................................................ 310 24º Domingo após Pentecostes – 1 Tessalonicenses 4.13-18 Antonio Carlos Oliveira, Alesando Linhaus Binow......................................... 316 25º Domingo após Pentecostes – Mateus 25.14-30 Roberto E. Zwetsch........................................................................................... 322 Domingo Cristo Rei – Ezequiel 34.11-16, 20-24 Júlio Cézar Adam.............................................................................................. 330 ÍNDICES........................................................................................................... 335 Temas e textos nos volumes I – 47................................................................... 335 Perícopes dos volumes I – 47............................................................................ 341
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PRÉDICA: ISAÍAS 2.1-5 MATEUS 24.36-44 ROMANOS 13.11-14
1º DOMINGO 27 NOV 2022 DE ADVENTO
Roger Marcel Wanke
Advento – o convite para andarmos no caminho do Senhor
1 Introdução Como Igreja de Jesus Cristo, iniciamos um novo ano. Advento marca o início do calendário litúrgico da igreja cristã. Aliás, é interessante notar que o calendário litúrgico termina e inicia com o tema da esperança. O Domingo Cristo Rei, ou também conhecido como Domingo da Eternidade, termina o ano da igreja apontando para a esperança do Reino de Deus na pessoa de Jesus Cristo, o Rei dos reis e o Senhor dos senhores, que não apenas trouxe o seu Reino, mas também venceu a morte e o pecado. Já no domingo seguinte, no 1º Domingo de Advento, somos exortados a esperar pelo Dia do Senhor, o dia de sua volta, “para julgar os vivos e os mortos”, como diz o Credo Apostólico. Mesmo que os domingos de Advento nos levam para o Natal, no qual celebramos o nascimento de Jesus, a vinda do Salvador, os domingos de Advento também nos conduzem liturgicamente para a expectativa do grande Dia do Senhor, de sua segunda vinda como soberano Senhor. Essas duas dimensões, ou melhor, duas vindas, uma como bebê e outra como Senhor, são colocadas lado a lado nesse período do ano litúrgico, alimentando assim a fé e a esperança cristã. O texto previsto para a pregação deste 1º Domingo de Advento encontra-se no início do livro do profeta Isaías 2.1-5, no qual lemos a respeito do futuro glorioso de Sião. É um texto breve, também mencionado em Miqueias 4.1-3, contemporâneo de Isaías, o qual fala da exaltação da cidade de Jerusalém e de seu Templo, os quais serão no futuro um lugar de encontro de todas as nações para viverem reconciliadas com Deus, num reino de paz. Como leituras bíblicas estão previstas duas perícopes do Novo Testamento. A primeira é de Mateus 24.36-44, que trata da vigilância em relação à vinda do Filho do Homem, no contexto da parábola da figueira, um dos pontos centrais do grande sermão profético de Jesus (Mt 24 – 25). Esse é o quarto discurso de Jesus apresentado pelo evangelista Mateus e entrelaça dois temas principais: a) o anúncio profético da queda de Jerusalém, que foi destruída pelo exército romano no ano 70 d. C. por meio da ordem do imperador Tito; b) o anúncio profético da vinda do Filho do Homem como cumprimento das profecias de Daniel 7.13. Ou seja, a vinda do próprio Deus a este mundo. A segunda leitura nos leva para a Carta aos Romanos de Paulo. A perícope de Romanos 13.11-14 também nos fala da volta de Cristo. Após apresentar o conteúdo da obra salvífica de Deus em Jesus Cristo (Rm 1 – 11), Paulo exorta a
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comunidade de Roma a despertar do sono, já que eles conhecem o tempo, ou seja, eles sabem acerca dos últimos dias, o grande Dia do Senhor. Paulo tem convicção de que a consumação da salvação está cada vez mais perto do que quando eles começaram a crer (v. 11). Isso tem consequências concretas na vida da igreja. Quem tem esperança não anda mais nas trevas e nas obras das trevas (orgias, bebedices, perversidades, dissoluções, contendas, ciúmes), mas anda na luz, como filho da luz (v. 13). A relação desses dois textos com a perícope da pregação está no fato de eles apontarem para a esperança da vinda do Senhor e para o compromisso que essa esperança futura traz para a vida do povo de Deus no presente. A vigilância diante da vinda do Senhor, que não tem hora marcada publicada, mas acontecerá sem que as pessoas saibam, leva a um novo relacionamento com Deus e com as pessoas. O povo de Deus é convidado sempre de novo a andar na luz do Senhor (confira, neste mesmo sentido, 1Ts 5.1-22). Andar na luz do Senhor não é apenas experimentar a salvação, mas testemunhá-la concretamente em sua vida às demais pessoas. Em Proclamar Libertação, encontramos mais duas abordagens sobre a perícope delimitada em Isaías 2.1-5. Elas podem inspirar o seu preparo e a sua pregação: a) PL VI (1980), p. 225-232; b) PL XVIII (1992), p. 9-14. Vale a pena conferir.
2 Análise exegética O texto pode ser dividido em três partes principais: a) título [v. 1]; b) as nações e a profecia sobre o futuro de Sião [v. 2-4]; c) convite para a casa de Jacó andar na luz do Senhor [v. 5]. Quanto ao gênero literário, trata-se de uma profecia, ou anúncio de salvação. Contudo, essa profecia está inserida num bloco em que Isaías está denunciando a perversidade, a hipocrisia e anunciando o julgamento de Judá e Jerusalém. Isso é bem característico dos profetas. O anúncio da graça e da salvação de Deus nunca vem desacompanhado da denúncia do pecado e anúncio do juízo de Deus. O juízo de Deus, por sua vez, é sempre um convite para o seu povo se arrepender e experimentar a sua graça e salvação. Vejamos o texto a partir de alguns detalhes: O v. 1 pode ser entendido como título não somente da perícope em questão, mas de uma coleção, que provavelmente vai até o final do capítulo 5. Ele retoma a informação de que se trata de uma visão de Isaías, assim como em Isaías 1.1. Literalmente, no hebraico, significa que Isaías enxergou a palavra do Senhor. A palavra de Deus que vem ao profeta pode ser vista. Ela é a forma de ver do Senhor. O profeta não apenas fala o que Deus lhe põe em sua boca, mas vê o que o Senhor lhe diz. O que Isaías vê tem a ver com Judá e Jerusalém. Isso significa que é uma visão acerca do Reino do Sul e sua capital. Nos v. 2-4, temos a descrição do que Isaías viu. Sua visão é uma profecia de salvação que tem uma perspectiva universal, pois trata da vinda dos povos e nações até o monte Sião. Esse é um tema também encontrado no que podemos chamar de “salmos missionários” (Sl 47; 67; 93; 96; 97; 98; 99; 100; 117 e 150). Esses textos refletem o cumprimento da promessa que Deus deu a Abraão e Sara:
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em ti serão benditas todas as famílias da terra (Gn 12.3). Eles também refletem o que deveria ter sido o impacto da identidade do povo de Israel entre as nações como Reino de Sacerdotes e Nação Santa (Êx 19.6 e Dt 7.6). O v. 2 aponta para um novo tempo, descrito como os “últimos dias”. Trata-se de um grande período de redenção que está por vir. São os dias que completarão a história. Nessa plenitude e completude do tempo Isaías vê o monte da casa do Senhor. Trata-se do monte Sião, local onde está o Templo em Jerusalém, o lugar da habitação de Deus com o seu povo (cf. 1Rs 8). A visão aponta para duas realidades. A primeira é que o monte Sião será estabelecido como o monte mais alto, no cimo dos montes e se erguerá acima de todas as colinas. Ou seja, o monte do Templo será o principal dos montes, elevado acima de todos, de modo que todos possam vê-lo. Aqui é importante destacar que os montes eram os lugares dos templos dos ídolos. Também as colinas e os outeiros eram lugares considerados sagrados, nos quais se praticava culto aos ídolos. Isso significa que a visão de Isaías aponta para a supremacia do monte Sião. O local de culto ao Senhor é mais elevado do que as colinas e outros montes usados para os cultos das nações. Aqui fica clara também a segunda realidade apontada pela visão de Isaías. Pelo fato do monte do Templo do Senhor ser considerado o mais alto, os deuses dos povos e das nações não são mais suficientes nem eficientes. Eles não passam de ídolos. Por isso as nações fluirão em direção ao monte Sião, onde fica o Templo do Senhor, para adorá-lo, pois reconhecem sua soberania. A imagem aqui é impactante. Todas as nações (kol hagoyim) virão ao Templo como um rio caudaloso (fluir) que sobe o monte para adorar o Senhor. O verbo fluir é usado para o correr dos rios. Outro aspecto que impacta é que todas as nações reconhecerão o primeiro mandamento: Eu sou o Senhor teu Deus e não terás outros deuses diante de mim (Êx 20.3). Além do caráter universal da salvação, essas nações abandonam os ídolos adorados em seus montes, para servir e se render diante do Senhor, no monte Sião. Essa é uma das imagens mais impressionantes para se falar de missão no Antigo Testamento. A intenção missionária de Deus aqui é mais do que evidente. Há quem diga que o Antigo Testamento não fala de missão. Talvez, quem pensa assim, jamais se confrontou com um texto como esse. A visão de Isaías continua no v. 3. Desta vez, ele vê que todas essas nações, indo em direção ao monte Sião, têm algo a dizer. Elas têm um convite para elas mesmas: Venham (vinde) subamos ao Monte do Senhor, à Casa do Deus de Jacó. Mais um aspecto nos impacta aqui: as nações são missionárias. Elas convidam umas às outras para irem até Jerusalém, no monte Sião, no Templo, chamado aqui de casa do Deus de Jacó. Elas reconhecem que o Senhor se revelou a Jacó, também conhecido por Israel. Isso significa que as nações não encontrarão salvação em outro lugar. O único e verdadeiro Deus, revelado ao povo de Israel por meio de sua Torá, só pode ser encontrado na casa do Deus de Jacó. Essa imagem impactante nos lembra de um texto deuterocanônico muito importante da tradição sapiencial judaica que, inclusive, está no pano de fundo teológico do prólogo de João, o qual nos fala da encarnação do Verbo, um dos principais textos previstos para o Natal, ou seja, o ápice dos quatro domingos de Advento:
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A Sabedoria faz o seu próprio elogio, ela se exalta no meio do seu povo. Na assembleia do Altíssimo abre a boca, ela se exalta diante do seu poder. Saí da boca do Altíssimo e como a neblina cobri a terra. Armei a minha tenda nas nuvens. Só eu rodeei a abóboda celeste, eu percorri a profundeza dos abismos, as ondas do mar, a terra inteira, reinei sobre todos os povos e nações. Junto de todos estes procurei onde pousar e em qual herança pudesse habitar. Então o criador de todas as coisas deu-me uma ordem, aquele que me criou armou a minha tenda e disse: Instala-te em Jacó, em Israel recebe a tua herança. Criou-me antes dos séculos, desde o princípio, e para sempre não deixarei de existir. Na Tenda Santa, em sua presença, oficiei, deste modo, estabeleci-me em Sião e na cidade amada encontrei repouso, meu poder está em Jerusalém. Enraizei-me num povo cheio de glória, no domínio do Senhor se encontra minha herança (Eclesiástico 24.1-16 – Bíblia de Jerusalém).
Esse “rio missionário” das nações em direção a Sião tem, conforme o texto, duas finalidades expressas por meio de dois desejos, bem como uma clara e profunda fundamentação teológica. Num primeiro momento, há o desejo das nações de serem ensinadas em relação ao caminho do Senhor. Elas não conhecem o caminho do Senhor. Mais uma distinção é feita aqui em relação à idolatria das nações. No Antigo Testamento, a conversão ao Senhor significa uma mudança total de direção, ou seja, é o abandono do caminho dos deuses para seguir o caminho do Senhor. Israel é sempre exortado a andar nos caminhos do Senhor, não se desviando para a idolatria (Dt 8.6; 26.17). O salmista clama para que o Senhor lhe ensine o seu caminho (Sl 27.11; 86.11; 143.8). Além de conhecerem os caminhos do Senhor, as nações desejam também aprender a andar em suas veredas. Andar com Deus é discipulado. É a atitude de Enoque (Gn 5.24), de Noé (Gn 6.9) e de Abraão (Gn 17.1). A fundamentação teológica de conhecer e andar nos caminhos do Senhor é destacada no final do v. 3: porque de Sião sairá a lei [instrução], e a palavra do Senhor, de Jerusalém. Percebe-se aqui um paralelismo sinonímico: Sião e Jerusalém formam um paralelo e significam, em si, a mesma coisa. A “Torá” [instrução] forma outro paralelismo com a “palavra do Senhor” (dabar adonay). Chama a atenção que as nações não fluirão para o Templo, no monte Sião, porque lá seria o local dos sacrifícios e holocaustos, mas porque de lá sairá a palavra e a instrução do Senhor. A palavra do Senhor é sua instrução de vida, é palavra de juízo e salvação. É palavra para as nações. As nações trocam os seus deuses pela palavra e pela Torá do Senhor. Impressionante! No v. 4, Deus é apresentado como juiz e governante dos povos e nações. Seu governo se estabelece desde Sião e abrange todo o mundo. Seu governo promoverá a paz entre as nações. A guerra deixará de existir. A imagem apresentada aqui também é impactante: as espadas serão trituradas em lâminas de enxada (relhas de arados) e as lanças serão trituradas em lâminas de podadeiras. O que era usado antes como armas para guerras será transformado em ferramentas agrícolas. O que causava morte será transformado em instrumento de sustento. Quem aprende o caminho do Senhor anda no caminho da paz. Há uma mudança de mentalidade entre as nações. Precisamos considerar aqui que a guerra era, na época (infelizmente até o dia de hoje), a forma de nações resolverem suas causas
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e conflitos. Com o governo do Senhor sobre todas as nações, a paz, fruto de sua palavra e de sua Torá, será a sua característica principal. Por fim, no v. 5, vemos mais um aspecto impactante. As nações agora fazem um segundo convite. Desta vez, elas se dirigem ao povo de Jerusalém e Judá. Com a expressão casa de Jacó, o v. 5 faz um contraponto com a expressão casa do Deus de Jacó. A casa de Jacó parece não fluir para a casa do Deus de Jacó, a fim de conhecer os caminhos do Senhor, andar neles, porque de Sião sairão a instrução e a palavra do Senhor. A casa de Jacó está indo para outras colinas e altares, servindo outros deuses e andando nos caminhos dos ídolos. No Antigo Testamento, o termo luz significa revelação, salvação (Sl 27.1), mas também é o símbolo da presença salvadora de Deus. O povo de Deus deve andar na luz do Senhor. Ele havia se desviado de seu propósito: ser bênção e ser luz para as nações. Ele é agora convidado pelas nações para andarem na luz do Senhor, da qual Israel deveria ter testemunhado entre as nações. Parece irônico, mas é a triste realidade na qual pode cair o povo de Deus. O texto, de forma inusitada, apresenta Israel como espectador e convidado e não como protagonista e testemunha da salvação ou como um povo missionário. São as nações que cumprem a missão de Deus em favor de Israel! A que ponto se chega quando o povo de Deus se esquece de sua identidade missional e de sua tarefa missionária!
3 Meditação Advento é tempo de espera e de esperança. Por um lado, Jesus já veio. Ele cumpriu essa profecia de Isaías nascendo na manjedoura de Belém. Os sábios do Oriente, representando todos os povos e nações, vieram e se prostraram diante do Salvador (Mt 2.1-12). Interessante é que o cumprimento dessa profecia não se deu, num primeiro momento, no monte Sião, em Jerusalém. Os sábios até vão para o palácio real, na cidade santa, mas a estrela os guiou para a periferia, para Belém, e lá na estrebaria estava o Filho de Deus, deitado numa manjedoura. Dias mais tarde, Jesus é levado ao Templo, em Jerusalém. Um homem bastante idoso, justo e piedoso, chamado Simeão, aguardava com esperança os últimos dias. Simeão pegou Jesus no colo e diz, louvando a Deus: Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo, segundo a tua palavra, porque os meus olhos já viram a tua salvação, a qual preparaste diante de todos os povos: luz para revelação aos gentios e para a glória do teu povo de Israel (Lc 2.25-32). Advento é tempo de espera e de esperança. Espera pela salvação. Não se trata de uma libertação sociopolítica. Jesus não destronou Herodes, muito menos baniu o Império Romano. Pelo contrário, Herodes tentou matar Jesus e o Império Romano destruiu Jerusalém e o seu Templo em 70 d. C. A salvação da qual fala o tempo de Advento e o texto previsto para este seu primeiro domingo fala de salvação num âmbito muito maior. Fala-se da reconciliação de Deus com o mundo. Se todas as nações são convidadas a se colocarem na presença do Senhor e se o mesmo vale para o povo de Israel (casa de Jacó), então é porque se trata do perdão e da salvação do pecado. Trata-se da paz (shalom) de Deus, que é muito mais profunda do que apenas ausência de guerras, fim de poderes opressores. O
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trono de Jesus não é deste mundo. Seu Reino não é deste mundo. Mas este mundo recebe o convite para estar em seu Reino de paz. Somente a partir dessa perspectiva é que faz sentido falar de missão. O texto de hoje não fala de construirmos o Reino de Deus neste mundo, mas sim do mundo ser reconciliado com Deus e ser convidado a viver em seu Reino para além deste mundo. Por isso esperança cristã jamais pode ser confundida com utopias. O texto nos fala de uma realidade de Deus que vem de Deus e que não se conquista na terra. O texto nos fala da missão reconciliadora de Deus em favor deste mundo e não apenas de um melhoramento do mundo ou de sua transformação por meio de engajamentos humanos. O texto fala de uma mudança e de uma inversão da realidade, não por mecanismos humanos, mas pela palavra de Deus (v. 3). Esse é o ponto central do texto previsto para essa pregação. A palavra de salvação não vem deste mundo, mas vem da casa do Deus de Jacó, do lugar que o Senhor revelou a sua Torá, a sua vontade ao seu povo e às nações. Falamos bastante de missão na IECLB. A pergunta é se entendemos o que a Bíblia fala de missão. No Antigo Testamento, a missão de Deus tem dois fundamentos centrais. O primeiro é a iniciativa de buscar o ser humano pecador, que se distanciou dele. Em Gênesis 3.9, Deus pergunta: Adão, onde tu estás? Essa pergunta aponta para a inciativa salvífica de Deus de vir ao encontro e buscar o pecador para junto de si. O segundo é o chamado de Abraão e Sara, que saíram de sua terra e foram para a terra que o Senhor lhes mostrou, para serem bênção a todas as famílias da terra. O texto previsto para a pregação leva em consideração e tem como pressuposto esses dois fundamentos da missão de Deus no Antigo Testamento. As nações refletem a humanidade perdida e pecadora, que a partir da história de salvação de Deus, através dos descendentes de Abraão e Sara, serão alcançadas. A existência do povo de Israel como povo de Deus só se justifica se for para ser bênção para as famílias dos povos e luz para as nações. A Igreja de Jesus Cristo não é diferente. Ela está inserida dentro dessa grande missão de Deus. A igreja cristã só tem legitimidade para sua existência se for missionária, se for para anunciar o perdão dos pecados, a salvação em Jesus Cristo e a paz com Deus, que se reflete neste mundo. Caso contrário, ela estará sob o juízo de Deus. Sobre isso valeria a pena ler os três primeiros capítulos do livro de Apocalipse. O texto da pregação é um convite ousado, dirigido a um povo que se esqueceu que já havia se esquecido de Deus e de seus caminhos. O povo, que recebeu a Torá revelada de Deus e a partir dela deveria testemunhar e anunciar o amor de Deus, não conhecia mais a Deus e seus caminhos, muito menos andava com o Senhor. O povo de Deus desprezou a sua palavra, a sua Torá. Advento é um convite amoroso de Deus a abandonarmos os ídolos, a subirmos ao Calvário e nos colocarmos diante da loucura da cruz (1Co 1) e da loucura da manjedoura (Lc 2), dois locais onde Deus se revelou neste mundo em favor de todas as nações e do seu próprio povo. Será que essa realidade não pode, infelizmente, ser vista em nossa própria igreja? Muitas pessoas em nossas comunidades não conhecem os caminhos do Senhor e também não andam neles apesar de dizerem que são parte da nossa igreja. O texto da pregação apresenta o que poderíamos dizer, a partir da missio-
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logia, que a missão externa do povo de Deus deu certo: as nações estão vindo ao Senhor. Mas a missão interna precisa ser revitalizada: a casa de Jacó não anda na luz do Senhor. O povo de Deus recebe um convite das próprias nações para experimentarem, curiosamente, o que Israel conhecia desde a sua origem. Quem não é missionário acaba se tornando alvo da missão de Deus. Aqui valeria a pena ler e refletir sobre o livro de Jonas. É mais fácil converter os marinheiros e os ninivitas (representantes das nações e dos povos) do que o profeta de Deus (representante de Israel). Precisamos refletir urgentemente sobre isso na IECLB. Não vivemos mais num regime de cristandade. Não basta mais ser batizado. Sobre isso a história de Lídia em Atos 16 pode nos servir de inspiração. A pregação do 1º Domingo de Advento é um convite para pregarmos sobre isso em nossas comunidades.
4 Imagens para a prédica Introduzir a prédica situando o contexto dos domingos de Advento. Parece óbvio, mas não é. Não é mais possível pressupor em nossa igreja que seus membros saibam o que significa teológica e liturgicamente o Advento. Percebe-se que raramente se enfatiza em nossas pregações o tema da volta de Jesus. Pode-se também perguntar por imagens que remetem à esperança. O fato da visão de Isaías apresentar dois convites seria de forma homilética bem refletido, abordar o tema do Advento como tempo de esperança, mas também como tempo de convite ao discipulado, para andarmos no caminho e na luz do Senhor. Tema da pregação: Advento – o convite para andarmos no caminho do Senhor. O Senhor nos convida a abandonar os ídolos A visão de Isaías, mostrando nações indo para Jerusalém por causa da palavra de Deus é sinal claro e evidente de que elas abandonaram os seus ídolos, deixaram para trás os seus montes e se converteram ao Senhor. Neste primeiro tópico da prédica, pode-se trabalhar exatamente esse aspecto. Vinde e andemos no caminho do Senhor Enfatizar aqui os dois desejos (finalidades) e a razão teológica para as nações irem até o Templo do Senhor. Conhecer e andar nos caminhos do Senhor porque o Senhor é o único que tem palavras de salvação e de paz. Conhecer os caminhos e andar nos caminhos significa ser julgado e corrigido pelo Senhor, para que haja paz no mundo. Vinde e andemos na luz do Senhor Aqui se pode aplicar o texto fazendo um convite claro e convincente à comunidade para que ela desperte do sono das trevas e ande na luz do Senhor, que
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faça a diferença no contexto em que vive na esperança e na perspectiva da volta do Senhor. Aqui a ênfase recai sobre a identidade missional do povo de Deus e na sua tarefa missionária entre as pessoas.
5 Subsídios litúrgicos Vejamos algumas sugestões para a liturgia do culto: Liturgia de entrada: Como cântico inicial pode ser cantado o hino “Jesus em tua presença” (LCI 200). No momento da confissão dos pecados, pode-se cantar com a comunidade o hino “Se sofrimento te causei, Senhor” (LCI 36). Liturgia da palavra: Sugere-se aqui cantar hinos de Advento. Para isso, confira no LCI os hinos 353-366. Liturgia de despedida: Ao final do culto, sugere-se cantar o hino “Muitos virão te louvar” (LCI 579) ou o hino “Convite à liberdade” (LCI 586).
Bibliografia SCHÖKEL, L. Alonso; DIAZ, J. L. Sicre. Profetas I: Isaías, Jeremias. São Paulo: Paulinas, 1988. ANDIÑACH, Pablo R. Introdução Hermenêutica ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2015. MUELLER, Ênio R. Isaías 1-12. Belo Horizonte: Missão Editora; Curitiba: Encontrão, 1992. (Série Em Diálogo com a Bíblia, v. 19.1).
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PRÉDICA: MATEUS 3.1-12 ISAÍAS 11.1-10 ROMANOS 15.4-13
2º DOMINGO 04 DEZ 2022 DE ADVENTO
Marli Lutz
Advento é tempo de preparação, de abrir caminhos para o Deus criança (LCI 358)
1 Introdução Estamos no tempo de Advento. Tempo de preparação, de celebrações com um significado especial, preenchidas com uma simbologia que encanta e aquece os corações. Os hinos entoados são os mais belos, que fortalecem o sentido da nossa vida. Tempo de celebrar a presença de Deus que se tornou gente no Messias criança e habitou entre nós (Jo 1.1). Para o culto do 2º Domingo de Advento, somos convidados e convidadas a escutar a voz de quem clama a partir do deserto, apesar do deserto, motivando-nos através de um chamamento poderoso, de gratidão, alegria e aconchego (Rm) para uma vivência da fé no Messias criança. O texto de Mateus 3.1-12, indicado para a pregação, é encontrado também nos outros dois evangelhos sinóticos (Mc 1.1-8; Lc 3.1-20), e, em parte, também no Evangelho de João (Jo 1.19-28). As leituras bíblicas complementares são Isaías 11.1-10 e Romanos 15.4-13. Encontramos vários auxílios homiléticos em volumes anteriores de Proclamar Libertação com reflexões importantes para o estudo desses textos. Isaías 11.1-5(6-10), considerado a pérola da poesia hebraica (Milton Schwantes), retoma o projeto de esperança inspirado no tribalismo, período anterior à monarquia/reinado em Israel. Ali estão suas raízes, no tronco de Jessé. Importante retomar a tradução da ARA, pois a NTLH faz a inclusão de Davi. A referência a Jessé remete aos tempos de esperança e utopia. O futuro está ancorado nas raízes das vivências das famílias daquela gente simples do interior da região de Belém e Judá. A imagem do broto, a partir da qual é construído o conjunto de versículos posteriores (2-11), nos remete ao tema do ano de 1984: Jesus Cristo, esperança para o mundo. Esse broto promoverá justiça não a partir do “ouvir dizer”. Nele se dará a superação deste mundo de injustiças porque os ciclos de opressões, tanto das pessoas quanto das feras, passarão por uma grande transformação. Quem a promove é o sopro suave do Espírito (ruah) através da boca e dos lábios, na força da Palavra. No texto de Romanos é retomada a referência às raízes de Jessé, como aquele que se levanta para governar os gentios; nele os gentios esperarão (v. 12). Esse projeto de esperança está agora fundamentado na prática misericordiosa de
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Jesus. Nessa prática se cumprem as promessas. Há que se ter empatia (o mesmo sentir de uns com os outros) através da vivência no acolhimento (acolhei-vos uns aos outros). Trata-se de um projeto aberto e inclusivo, pois todos os povos estão nele incluídos. Inclusive, a prática da misericórdia é a motivação para a alegria e glorificação a Deus.
2 Exegese de Mateus 3.1-12 V. 1 – Naqueles dias… Essa expressão é usada aqui para situar o texto dentro do contexto dos acontecimentos. Muitas profecias bíblicas contêm essa frase (Am 5.18-20; Os 6.1-3; 9.7-9; Mq 4.6-7; Jr 4.9-12). João é apresentado como quem está proclamando no deserto da Judeia, distante dos centros sociais, políticos e religiosos. O deserto retoma a memória afetiva de momentos importantes da história do povo de Deus. João Batista a proclama após um período de experiência dolorosa, de opressão sob o jugo de Herodes. A esperança já quase esquecida do rei messiânico, que viria para libertar o povo da violência e da opressão, é agora retomada como projeto restaurador da vida. No profeta João se refaz, portanto, a memória do êxodo libertador. V. 2 – João convoca para o arrependimento: Arrependei-vos, pois se aproximou o reino dos céus. Esse mesmo chamamento caracteriza o início da missão de Jesus (Mc 1.14). O estar próximo deve ser interpretado não como expectativa futura, mas como estar ao lado, já presente em Jesus Cristo. V. 3 – João é identificado como aquele que grita no deserto para preparar o caminho. A citação de Isaías 40.3 indica que a proclamação de João está fundamentada na tradição e vinculada ao movimento profético. A profecia, que havia cessado (Sl 74.9; Lm 2.9; Dn 3.38), retoma agora a sua continuidade em sua proclamação e prática. João é identificado pelo próprio povo como profeta (Mt 11.9; 14.5; 21.26) e, como tal, anuncia que a chegada do Reino de Deus (v. 2) passa por caminhos aplanados, de arrependimento, de mudança de mentalidade e comportamento, de transformação (metanoia). Eis uma nova leitura dos fatos, em que o passado nutre a esperança pelo futuro. V. 4 – O despojamento pessoal de João nas vestes e na alimentação condiz com sua vivência na simplicidade e coerência com a radicalidade de seu discurso. Ele se veste tal qual Elias (2Rs 1.8), confirmando sua aproximação ao profetismo, como líder popular, entre tantas outras lideranças que surgiram em meio ao povo simples da época. V. 5-6 – Muitas pessoas de toda a Judeia enfrentavam os caminhos poeirentos e perigosos para chegar até as margens do Jordão, local do batismo. A referência ao rio Jordão, retomada nos v. 7 e 11, tem uma dimensão simbólica para o povo de Deus. Por exemplo, foi pelo rio Jordão que os hebreus entraram na terra prometida (Js 3.14-17). João pratica o batismo de arrependimento, que sela a mudança de vida através da confissão de pecados, do perdão. V. 7-9 – A alusão a animais peçonhentos é um indicativo dos perigos enfrentados pelos caminhantes nas estradas daquela região árida, expostos ainda ao perigo das queimadas devido às secas.
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Os fariseus e saduceus também procuram João e são diretamente mencionados. A presença deles motiva a radicalização da proclamação de João. Como lideranças, deveriam produzir frutos dignos de arrependimento e mudança (metanoia). João rompe com a convicção de terem um direito hereditário adquirido, pois até de pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão; propõe o arrependimento e uma vida que produza frutos. V. 10 – Aqui há um retorno à linguagem figurativa da árvore que será cortada na medida em que não produzir frutos bons. Em Mateus 7.19-23 encontramos a mesma linguagem figurativa, para apontar o discernimento entre os frutos bons (pelos frutos os conhecereis: 7.20) e os frutos maus, identificados como práticas que promovem a injustiça (7.23). V. 11-12 – João afirma que sua missão é preparar o caminho para aquele que virá depois dele, reconhecendo a sua superioridade, cujas sandálias ele não é digo de carregar. Ele não prega para si mesmo, nem se considera profeta. Ao se colocar como voz que clama do deserto, convoca para a realização do batismo como sinal de arrependimento e mudança, chamando para o juízo de Deus, que limpa a eira com a pá e recolhe o trigo ao celeiro. Já a palha ele queimará com fogo inextinguível. “O trigo é fruto produzido, é grão que vira alimento, mas a palha é vazia, seca, não serve para mais nada, a não ser queimar e desaparecer” (Neuenfeldt, 1995, p. 41).
3 Meditação Em Isaías 11, a imagem da árvore que está cortada é impactante. Em meio a esse cenário brutal, a vida vai tomando corpo (se refaz) a partir de um singelo broto, que faz ressurgir a esperança. Mas esse futuro não se materializa por meio de monarquias, impérios e templos. A experiência com esses deixou um rastro de violência e destruição. Isaías 11 entende que o futuro está alicerçado nas experiências comunitárias das famílias no tribalismo. Por isso remetem às raízes de Jessé e não a Davi. O espírito (ruah) de Deus cria e capacita essa vida nova nesse rebento que ali brota, que tem agrado no temor a Deus para promover a justiça, não no ouvir dizer, pela “convicção”, mas por uma prática condizente com o arrependimento e a transformação. O broto terá a tarefa de realizar “justiça” e “direito”, o que no concreto implica a defesa das pessoas empobrecidas. Esse projeto de esperança é retomado na perspectiva paulina a partir da prática misericordiosa e inclusiva de Jesus. O reaparecimento da profecia através da atuação de João Batista foi um passo importante dentro da mobilização popular contra a opressão. A tradição do êxodo é a fonte de inspiração para a proclamação de João que anuncia a chegada do Messias. Muitas pessoas o seguiam. O povo, desprezado pelas lideranças religiosas, empobrecido pelos tributos pagos aos romanos e pela arrecadação do templo, estava exausto. A proclamação de João reacendeu a esperança por novos caminhos. Enquanto isso, fariseus e saduceus são questionados quanto à sua compreensão de pertença ao povo de Deus através da etnia e da observância das leis. Suas leis, que excluíam e marginalizavam, não os salvam mais. Essa suposta
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identidade étnica e o apego às leis não garantem nada, pois até das pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão. Na verdade, seu horizonte de fé, reduzido a essa falsa segurança, fazia com que passassem de largo às necessidades e aflições do povo caído nas beiras das estradas, clamando por socorro, como no exemplo da narrativa do bom samaritano. Diante disso, João dirige a eles um chamado radical, de rompimento com o privilégio da hereditariedade, desafiando-os a uma mudança de mentalidade e de acolhimento da gratuidade do Reino, a fim de produzirem frutos bons, dignos de arrependimento e mudança. O arrependimento, enquanto mudança de atitude, é a referência para a prática do batismo de João. Quem se deixava batizar declarava arrependimento e disposição para a mudança. Nessa prática, João está alinhado às tradições do mundo judaico e inclusive de outras culturas que tinham rituais de purificação através da imersão. Ainda se têm notícias posteriores sobre a continuidade dessa prática batismal de João (At 19.1ss). A novidade de vida está no batismo com o Espírito Santo: O batismo com Espírito Santo, mais poderoso, provoca e capacita para a radical transformação da vida. Diante do juízo, se oferece a possibilidade de dar meia volta, para produzir frutos. A oferta da nova vida se torna concreta e visível em Jesus. O Espírito que queima como fogo capacita e impulsiona o ser humano. O fogo lembra a destruição, o poder de queimar, a ira, mas também simboliza a purificação, o novo que brota após a destruição (Neuenfeldt, 1995, p. 41).
João Batista mobiliza as pessoas em direção à periferia, fazendo o caminho oposto ao Templo e às forças pérfidas do poder, que mais tarde o golpeariam de morte. Há de se questionar os caminhos que tomamos hoje, se as periferias estão incluídas. É muito comum o conceito que favorece o retorno ao templo e a centralização no ministério. Como assim? As atividades de missão em boa medida enfocam o fortalecimento interno das comunidades e paróquias. O ministério não ordenado, entendo como a participação efetiva das lideranças nas atividades como ensino confirmatório, culto infantil e outras, está em grande parte centralizado nas mãos dos ministros e das ministras. Com essa centralização, sufocamos o engajamento das lideranças, que teriam muito a contribuir com seus dons na missão e edificação da comunidade. E nossa empatia acaba sendo seletiva, na medida em que não lançamos o olhar para além de nossas fronteiras eclesiásticas. Hoje vivemos sob a influência de uma mídia que promove a retórica do ódio, que veicula o preconceito, a violência, a homofobia, a misoginia... Sob o signo da desumanidade, estamos em um cenário preocupante de deterioração da vida, em que as pessoas clamam por justiça. Presenciamos a exaltação da tortura, as agressões aos direitos das mulheres, o assassinato brutal de indigenistas, a violência sexual contra crianças. Em 2021, mais de 30 mil crianças (meninas) foram estupradas no Brasil (Anuário Brasileiro de Segurança Pública). Urge o clamor da voz que clama nesses nossos desertos, para anunciar e viver a presença
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de Deus que se fez gente na criança de Belém. Como poderíamos vivenciar o abençoado tempo de Advento sem dar ouvidos ao grito de tanta gente oprimida? Não raro, nesses anos de pandemia, as pessoas não foram escutadas em seus clamores. Há muitos traumas pelas perdas de tantas vidas, quase 700 mil mortes em meio a uma falta de amor muito grande por parte de governantes, que faziam graça com as dores e os sofrimentos de quem padecia sob os efeitos da Covid-19. Tanta gente ainda hoje chora o luto pelos seus entes queridos. As pessoas tiveram que se reorganizar para manter os contatos, a continuidade das atividades, do trabalho. As escolas tiveram que se adequar ao estudo remoto, multiplicando horas de trabalho e cansaço acumulado para os e as profissionais da educação. No pós-Covid, encontramos as pessoas com baixa autoestima. Advento é tempo de acolher, como sugere o apóstolo Paulo, tempo de abraçar, tempo de retomar, de reconstruir relações de respeito e desconstruir o que impede a realização de uma vida nova e plena. É necessário reestabelecer vínculos de solidariedade, de amor como chamamento afetivo, restaurador, ético e transformador.
4 Imagens para a prédica Como imagem para a pregação, sugiro a figura do broto na árvore cortada. Essa figura de linguagem nos fornece vários elementos para falarmos em esperança, que brota da gratuidade de Deus, de seu Reino, onde são vivenciadas relações de amorosidade e justiça (Mt 6.33). Importante lembrar que o Reino de Deus se manifesta não na força dos centros de poder, mas no deserto e a partir de pessoas marginalizadas e excluídas da sociedade.
5 Subsídios litúrgicos Podem ser entoados os hinos LCI 356 e 358, fazendo deles uma ponte para a pregação.
Bibliografia NEUENFELDT, Elaine. Auxílio Homilético sobre Lucas 3.15-17,21-22. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 1995. v. 20. SCHWANTES, Milton. “E de suas raízes um renovo trará fruto”: o messias no Espírito em defesa dos pobres em 11.1-5(6-9). Revista Caminhando, v. 14, n. 1, p. 15-21, jan./jun. 2009.
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3º DOMINGO 11 DEZ 2022 DE ADVENTO
PRÉDICA: TIAGO 5.7-10 ISAÍAS 35.1-10 MATEUS 11.2-11
Claiton André Kunz
Paciência e perseverança
1 Introdução Para entender o texto de hoje, é necessário lembrar que Tiago foi líder da igreja de Jerusalém num período extremamente difícil. Esse foi um tempo de mudanças e um período no qual muitos cristãos judeus em Jerusalém estavam ligados de forma intensa à Lei do Antigo Testamento (At 21.20). Diante desse quadro, Tiago procurou, em sua carta, levar as pessoas cristãs que sofriam perseguições a perseverar e a não abandonar seus compromissos. A mensagem é que todas as injustiças deste mundo seriam corrigidas quando Jesus Cristo voltasse. Enquanto isso, as pessoas cristãs deveriam esperar com paciência. Em sua carta, três vezes Tiago lembra que o Senhor voltará (Tg 5.7-9). Essa é a bendita esperança da pessoa cristã. Na vida, nem tudo é fácil e confortável. João, o evangelista, relatou as palavras de Jesus: No mundo, passareis por aflições (Jo 16.33). Portanto é necessário suportar com paciência as aflições até a volta de Cristo. Pense em quais têm sido suas aflições e de que maneira você tem agido diante delas. Se você tem dificuldades, Tiago pode ser a luz para esses momentos, pois, em sua carta, ele traz palavras inspiradoras de perseverança.
2 Exegese V. 7 – O texto de Tiago, o qual está em destaque, tem proximidade com o início deste mesmo capítulo (5.1-6), pois evidencia a proeminência da consumação escatológica. Esses versículos são direcionados para a igreja de Cristo. No contexto de Tiago, é possível observar que havia, no ambiente, senhores poderosos e ricos que estavam preocupados somente com suas terras. Tiago condena a opressão que esses exercem nos justos (5.1-6) e, a partir do v. 7, há uma mudança de foco: a mensagem é direcionada para as pessoas cristãs, pois, nesse verso, ele passa a usar a expressão irmãos. Tiago, tendo por base a condenação dos ímpios opressores, já feita pelos profetas, procura animar as pessoas crentes a ter paciência. A expressão paciência é chave neste texto, pois aparece seis vezes. Essa expressão aparece de duas formas ou com raízes diferentes. Nos v. 7 (duas vezes), 8 e 10 com a raiz makrothym, e no v. 11 com a raiz hypomon (duas vezes). Em alguns textos bíblicos, a raiz makrothym é utilizada para incentivar uma atitude amorosa e de longanimidade para com o próximo, e a raiz hypomon é utilizada
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para incentivar atitudes fortes para enfrentar situações difíceis. No v. 7, a expressão makrothym parece descrever não forças em provações, mas atitude de esperar pacientemente em Deus. O lavrador é o exemplo de paciência que Tiago menciona. Há um incentivo para ser paciente até a vinda de Cristo, o que pode ser observado pela expressão grega heōs (até), que, embora complexa, pode ter a ideia de um alvo ou de um período de tempo. V. 8 – Neste versículo fica explícito que assim como o agricultor espera a semente crescer, as pessoas cristãs precisam esperar a volta de Cristo. Nesse tempo, precisam fortalecer seus corações. A ideia de fortalecer é expressa pelo termo grego stērizō. Esse fortalecimento também diz respeito a situações mais complexas, nas quais as pessoas cristãs precisam fortalecer-se umas às outras para vencer as lutas da vida. Em grego, neste versículo é utilizada a expressão parousia, traduzida pelo termo vinda (do Senhor) e significa literalmente presença ou chegada, que consiste na esperança da vida cristã, bem como no compromisso para a pessoa cristã, pois precisa estar preparada para esse momento. Quanto à parousia, Tiago cria que ela aconteceria em pouco tempo, o que evidencia que os primeiros cristãos criam que essa aconteceria em breve. Isso não significa que eles achavam que isso tinha que ocorrer naqueles dias, mas ensinavam as pessoas a viverem como se a sua geração fosse a última. V. 9 – A expressão grega stenazō é utilizada em sentido absoluto, mas aqui neste versículo ela tem um objeto, a saber: uns aos outros. Este versículo alerta para o problema das reclamações ou queixas dos outros. Em especial, a pessoa cristã não deve reclamar das dificuldades dos outros, mas isso é um problema real especialmente quando se vivencia momentos difíceis. Não se queixar consegue aquela pessoa que tem paciência e aquela que consegue suportar (ser apoio) o próximo. Neste versículo, Tiago afirma que falar contra os outros pode resultar em julgamento e, por isso, mostra que o julgamento está à frente como algo iminente, como um juiz à porta. Desta forma, este versículo conduz à reflexão para que cada pessoa cristã se examine e esteja preparada, pois Cristo virá. V. 10 – Este versículo menciona os profetas, os quais foram exemplos de paciência em meio às aflições. A palavra kakopatheia é aqui traduzida por sofrimento, indicando que os profetas resistiram à aflição, possivelmente até a perseguições. Não são somente as pessoas cristãs de hoje que vivem aflições. A história bíblica mostra que isso acontece em todos os tempos. Assim como os profetas perseveraram, cada pessoa cristã precisa perseverar em sua missão.
3 Meditação No mundo atual, muitas pessoas vivem em um profundo ativismo e, por influência e pressão da sociedade, por vezes, têm a tendência a querer que tudo seja resolvido imediatamente. Para isso, o texto de Tiago traz o alerta para que
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haja paciência. Paciência é fundamental em todas as situações, inclusive quando se fala em volta de Cristo. Tiago fala aos santos que se encontram aflitos e a esses dá um conselho: Sede, pois, irmãos, pacientes. Isso ele faz já início da carta (Tg 1.1-5), bem como no final. A pessoa cristã precisa ter esperança diante do que acontece no mundo, sabendo que Cristo voltará e tudo a seu tempo será resolvido; portanto devemos suportar e esperar com paciência tanto as resoluções como as soluções. O grande destaque do texto de Tiago 5.7-10 diz respeito à volta de Cristo e isso deve redundar em esperança na vida da pessoa cristã. Nem sempre a vida é tranquila. O texto de Tito 2.13 também alerta que no mundo teríamos aflições, e Paulo também traz esse alerta (At 14.22). No texto de destaque, o que significa realmente ter paciência? Qual é o ensino desse texto sobre paciência e qual a mensagem que Tiago queria transmitir com relação à paciência? 1. Ter paciência significa “permanecer sujeito a” e não julgar No texto de Tiago 5.7, 8, 10 e 11, encontramos as expressões perseveram e paciência, e tais expressões trazem a ideia de permanecer sujeito a. A compreensão de forma mais fácil seria de perseverar mesmo diante das grandes pressões e tribulações. Por vezes, diante das mazelas da vida, o desejo é fugir, mas Tiago alerta que exatamente nesses momentos é preciso permanecer firme. Perseverar e ter paciência, conforme Tiago expõe, envolvem situações e não dizem respeito à paciência em relação às pessoas, embora seja válido considerar a importância de também ser paciente com o próximo, pois, quanto ao próximo, também fica o alerta para não julgar. No v. 9, Tiago mostra que falar contra os outros pode resultar em julgamento e, por isso, ele mostrou que o julgamento aconteceria logo, como um juiz à porta. Portanto ficam o ensino e o incentivo à reflexão de forma que cada pessoa cristã deve examinar-se e estar preparada, pois Cristo virá. Permanecer sujeito e não julgar também envolvem visão e disposição para fazer o melhor em relação ao próximo. No v. 9, Tiago fala em contendas ou queixas e pede que o povo não se envolva com isso, antes, eles devem servir de suporte (apoio) ao próximo. Utilizando a figura do agricultor, Tiago mostra que, no geral, esse é um indivíduo que não tem tempo para envolver-se com rixas, mas, ao contrário, está sempre disposto a ajudar. Algumas ações levam ao julgamento (5.9); por vezes, a impaciência pode conduzir ao pecado, pois nos tornamos intolerantes com o próximo e com o próprio Deus; na verdade, somos reclamões. Fugir dessa conduta é o desafio deixado por Tiago, pois se agirmos de forma inadequada, diferente de um agricultor sábio, perderemos a colheita. 2. Ter paciência significa esperar O que você espera? A pessoa cristã espera a volta de Cristo, mas nem sempre é fácil permanecer firme nessa espera. Por isso Tiago, usando algumas imagens como a do agricultor, buscou dar ânimo para essa espera.
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Tiago mostrou como a pessoa cristã deve esperar usando a imagem do agricultor com maestria. Primeiramente, mostrou que o ser humano impaciente não pode fazer o trabalho de um agricultor. O agricultor sabe que a planta não cresce repentinamente e que ele também não é capaz de controlar as condições do tempo. Por isso, diante do clima, seja o excesso de chuva que apodrece a planta ou o excesso de sol que a machuca, ele precisa ser muito paciente. Ainda precisa ter paciência e esperar vários meses para fazer a colheita dos frutos. Diante dessa imagem de paciência do agricultor, que espera com alegria o fruto da terra (5.7), porque sabe que vale a pena esperar, Tiago mostrou que a pessoa cristã é como um agricultor. Mas a pessoa cristã espera uma colheita diferente, uma colheita espiritual! Há estação certa para cada coisa que é jogada ao solo, e na vida espiritual também não é diferente. Sede vós também pacientes e fortalecei o vosso coração, pois a vinda do Senhor está próxima (Tg 5.8). Por mais difícil que pareça, na vida espiritual e no que diz respeito à volta de Cristo, também necessitamos de paciência. É preciso ter um coração fortalecido (5.8) para fazer a colheita, porque isso é fundamental para o desfrute dessa colheita. Além da imagem do agricultor, Tiago também usou a imagem do profeta para trazer seu ensino ao povo. Essa figura certamente era de fácil compreensão, pois o povo sabia que esses indivíduos eram obedientes a Javé, mesmo diante de sofrimentos e perseguições. Entretanto, não é por obedecer a Deus que o ser humano está livre de sofrimentos. Timóteo também traz este alerta: Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos (2Tm 3.12). O próprio Cristo foi obediente e morreu na cruz. Os profetas sofreram tribulações e eram tementes a Deus. Alguns foram presos (Jeremias), alguns levados cativos (Daniel e Ezequiel), o que mostra que as tribulações também fazem parte da vida daqueles que servem a Deus. Mas tais sofrimentos ajudaram na pregação da mensagem dos profetas, pois viviam o que pregavam. Sendo assim, como foi com os profetas, diante de aflições é preciso lembrar que nossa forma de agir e nossa paciência poderão ser uma forma de testemunhar o amor de Cristo às pessoas que vivem em um mundo de aflição e sem paciência ou sem esperança. Sim, as imagens usadas por Tiago, do agricultor que permanece firme no seu labor e do profeta que permanece firme na sua missão, cada um diante de suas aflições, deve ser para cada pessoa cristã um estímulo para esperar o cumprimento da promessa da vinda de Cristo, o Salvador do mundo!
4 Imagens para a prédica A vida de Tiago é um exemplo vivo de esperança e paciência. Ele se tornou o líder da igreja em Jerusalém, a tal ponto que, em Gálatas 2.29, Paulo o chama de “coluna”. Além disso, quando Pedro foi libertado da prisão, foi a Tiago que ele mandou uma mensagem (At 12.17). Em outro momento, Paulo foi a Jerusalém e levou a Tiago a oferta de amor dos gentios (At 21.18-19). Além disso, embora não haja registro na Bíblia, a tradição afirma que Tiago foi martirizado no ano 62 d. C. e que os fariseus habitantes em Jerusalém tinham por ele tal desprezo e ódio, que o atiraram do alto do templo, além de o
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espancarem até a morte. Entretanto, há relatos de que, diante de todo esse sofrimento, ele morreu orando por seus assassinos.
Bibliografia MOO, Douglas J. Tiago: introdução e comentário. Tradução de Robinson Norberto Malkomes. São Paulo: Vida Nova, 1996. WIERSBE, Warren W. Comentário bíblico expositivo: Novo Testamento 2. Traduzido por Susana E. Klassen. Santo André: Geográfica, 2008.
4º DOMINGO DE ADVENTO PRÉDICA: MATEUS 1.18-25 ISAÍAS 35.1-10 ROMANOS 1.1-7
Pesquise: Proclamar Libertação, v. XVIII, p. 25; v. 24, p. 29; v. 30, p. 19; v. 35, p. 28; v. 41, p. 24 www.luteranos.com.br (busca por Mateus 1.18-25)
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NOITE 24 DEZ 2022 DE NATAL
PRÉDICA: GÁLATAS 4.4-7 SALMO 96 LUCAS 2.1-7
Felipe Gustavo Koch Buttelli
Viver na liberdade das filhas e dos filhos de Deus: o verdadeiro presente de Natal
1 Introdução Os textos previstos para esta celebração de véspera de Natal são muito propícios para refletirmos sobre a radicalidade da graça de Deus, que nos convida à liberdade diante do jugo da Lei e das formas de idolatria contemporâneas. O conjunto de textos previstos para hoje nos convida a abraçar esse Evangelho com alegria, positivamente, sem enfatizar o caráter de negação da outra pessoa, mas de abraço a um convite a uma nova forma de vida, proporcionada pela revelação histórica de Jesus em nosso mundo e pela presença do seu Espírito em nós, que nos liberta e nos garante a dignidade de filhas e filhos de Deus. Assim, essa dupla ênfase na celebração da novidade de vida oferecida por Deus e na realidade histórica da revelação de Deus em Jesus de Nazaré, que abraça nossa humanidade, é perceptível nos textos paralelos ao previsto para a pregação. O Salmo 96 convida ao canto e aos louvores, à alegria pelo que Deus fez e faz por nós neste tempo de Natal. O Evangelho de Lucas 2.1-7, por sua vez, é um texto muito comum para este dia de véspera de Natal, apresentando o testemunho histórico do nascimento de Jesus, que nos assegura a historicidade da encarnação de Deus, no tempo estabelecido por Deus. Portanto, celebremos a encarnação de Deus no nosso mundo com alegria, cantos e louvores, porque se compadeceu de nossa humanidade e veio solidarizar-se com nossa sofrida condição humana, nos trazendo liberdade e dignidade de filhas e filhos de Deus.
2 Exegese A Carta aos Gálatas foi escrita por volta de 53-55 d. C., após uma primeira visita de Paulo à região da Galácia, onde fundou comunidades. A Galácia não é uma cidade, mas uma região na Ásia Menor, hoje na região da Turquia, e constituída em um contexto que anteriormente seguia religiões pagãs. Tudo indica que, após a formação dessas comunidades, na ausência de Paulo, grupos judaizantes (judaico-cristãos) começaram a incidir na comunidade, questionando a autoridade do apóstolo Paulo e sugerindo que, para evitar perseguições do Império Romano, aquelas comunidades aderissem a práticas religiosas judaicas, em especial à circuncisão e à observância da Lei judaica e de seus calendários religiosos. Como
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o Concílio dos Apóstolos em Jerusalém (At 15) já havia decidido que comunidades gentílico-cristãs não precisavam se submeter à observância das leis judaicas, pode-se deduzir que esses missionários judaizantes não julgavam necessária a observância de todas as determinações da Lei, mas que elas seriam sadias e positivas para a vivência da fé e, sobretudo (no contexto de atuação do imperador Cláudio que havia se reconciliado com o judaísmo), providenciais para evitar a perseguição religiosa (Theissen, 2007, p. 50). Paulo, portanto, escreve com esta dupla finalidade: reafirmar sua autoridade como apóstolo e admoestar a comunidade diante do que considerava um retrocesso de uma condição de liberdade ao retorno a um legalismo. Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão (Gl 5.1). Evidentemente, a retomada da observância da Lei gerava novamente um contexto de distinção de valor entre os membros da comunidade. De um lado, aquelas pessoas que observavam a Lei, de outro, aquelas que visavam permanecer fiéis aos ensinamentos de Paulo. Por isso Paulo enfatizava que a experiência comunitária de uma vida em liberdade não permitia mais que se fizesse distinção entre as pessoas, como expressou em Gálatas 3.28: Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. Assim, a Epístola de Gálatas é conhecida como a “epístola da liberdade”, em que se apresenta o núcleo da mensagem da justificação por graça, mediante a fé. Em sua estrutura interna, nos dois primeiros capítulos, Paulo reapresenta o desenvolvimento histórico de seu ministério, justificando sua autoridade como apóstolo diante das acusações dos missionários judaizantes. Os capítulos 3 e 4 apresentam o núcleo do argumento teológico de Paulo, a saber, que em Jesus Cristo nos tornamos pessoas adultas e não requeremos mais a Lei como “pedagoga” na nossa condição de minoridade na fé, algo comparável à falta de autonomia de um escravo. Pela revelação de Deus em Jesus Cristo, somos libertados da Lei e nos tornamos filhas e filhos adotivos de Deus, herdeiras e herdeiros de sua promessa. Importante ênfase nesse núcleo argumentativo é dada à ação graciosa de Deus, que, em Cristo e pela presença de seu Espírito em nós, nos concede a liberdade, a dignidade da filiação, a promessa da herança, a justificação e salvação. Nada disso depende de nós, de nossas obras, de nossa observância de práticas religiosas exteriores. Nos capítulos 5 e 6, encaminhando o fim da carta, Paulo exorta a comunidade a permanecer na liberdade e a não regredir ao jugo da escravidão. Também apresenta outras admoestações, encerrando a carta com sua saudação de próprio punho. Importante dizer que essa carta, por mais circunstancial que fosse no contexto original, por ser um dos primeiros textos da fé cristã, teve importante impacto na visão teológica das comunidades primitivas, adquirindo um caráter dogmático para a fé cristã em formação. Num recorte mais amplo da perícope, os limites da nossa temática se iniciam em Gálatas 3.23 e se estendem até 4.11. No entanto, considerando a ocasião do Natal, o recorte de Gálatas 4.4-7 parece bem apropriado, não excluindo ao pre-
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gador ou à pregadora a importância da leitura preparatória da perícope completa, ainda que não seja usada como leitura para a pregação. Exegeticamente, não há grandes controvérsias nas traduções, sendo a NTLH adequada para a leitura em contexto comunitário. Para o preparo à pregação são suficientes as leituras da versão ARA e, sobretudo, a da Bíblia de Jerusalém. Analisando a perícope em sua estrutura interna, é possível perceber uma breve divisão temática: 4.4 – A revelação – Deus revela-se em Jesus no tempo por ele determinado (plenitude do tempo), revela-se em sua dupla natureza totalmente humana e divina. Sua encarnação é histórica (nascido de mulher, nascido sob a Lei). 4.5-6 – A filiação – A filiação é dádiva gratuita de Deus concedida em Cristo, não depende de nossos méritos e obras. Só pode ser recebida. A palavra grega apolabōmen, no v. 5, significa receber e adquire um caráter batismal. É no batismo que “recebemos” essa condição de filiação e que recebemos esse Espírito, que cria em nós a fé, nos sustenta na liberdade e nos concede uma nova condição. 4.7 – A liberdade – A condição de filhas e filhos de Deus nos liberta de toda escravidão e nos concede, por graça, a herança garantida a quem se torna filha ou filho.
3 Meditação O texto de Gálatas 4.4-7 nos permite compreender o significado, as consequências da revelação de Deus em Jesus Cristo. Enfatiza o tema da liberdade cristã e lembra que ela decorre da nova condição (que adquirimos por meio de Cristo) de filhas e filhos de Deus, que vivem na fé e na confiança em Deus, podendo chamá-lo de Aba, Pai, paizinho querido, exclusivamente pela ação e presença do Espírito de Cristo que habita em nós. O texto de hoje oferece, como mensagem de Natal, a síntese do Evangelho: não somos pessoas justificadas por obras, pelo cumprimento da Lei, por nenhuma forma de idolatria contemporânea, por nenhum ritualismo, mas pela graça de Deus, manifesta no Messias, que se encarna e se revela ao mundo. No Natal, somos lembradas e lembrados que o grande presente é concedido a nós pelo próprio Deus, na manjedoura. Presente que se renova hoje e a cada dia para nós pela ação do Espírito de Cristo, que cria em nós a fé que nos permite acolher a dignidade da condição de filhas e filhos de Deus. Livres de toda Lei, de todo moralismo e legalismo, de toda conduta meritocrata diante de Deus, somos chamadas e chamados a reconhecer na outra pessoa essa mesma dignidade e filiação que a nós também são concedidas. A expressão plenitude do tempo (4.4) refere-se ao tempo previsto por Deus para a realização do ápice da sua revelação. O nascimento histórico de Jesus Cristo estabeleceu um antes e depois. O Natal nos aponta para essa ruptura com o tempo em que a Lei cumpria o papel positivo de orientar-nos naquilo que Paulo chamava de “minoridade”. Enviou Deus seu filho, nascido de mulher, nascido sob a Lei. Essa expressão revela a concepção paulina da dupla natureza de Cristo, completamente divino e completamente humano. É nascido na condição histórica, na pobreza, na
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marginalidade, viveu sob a Lei deste mundo para que nós pudéssemos ser libertos de seu jugo. A encarnação de Deus em Jesus é a razão da nossa liberdade. Para além da libertação do jugo da Lei, a revelação em Jesus Cristo, filho unigênito de Deus, estende a toda humanidade a condição de filhas e filhos de Deus. É completamente graciosa conosco, nos concedendo a filiação, algo que não podemos conquistar, mas apenas receber. Ela estabelece a condição de herdeiras e herdeiros daquilo que nós mesmos não podemos produzir. A filiação, por não ser algo conquistado, só pode ser recebida e acolhida na fé, daí que o cumprimento da Lei de nada adianta em nossa relação com Deus. Essa condição de filhas e filhos de Deus torna-se verdadeiro presente de Natal a nós através da presença constante do Espírito de Cristo em nossas vidas. Esse Espírito hoje novamente oportuniza em nós uma nova conduta. Pela presença de Deus no coração humano pelo Espírito de Cristo, somos capazes de clamar Aba, Pai. O Espírito que nos concede nova mentalidade e nova postura de vida, que se dirige a Deus como Pai, nos permite viver em fé, confiança, entrega. Essa condição também nos encoraja e impulsiona a uma nova conduta ética: viver em liberdade, não insistindo no retorno à Lei. Acolhendo a dignidade que temos como filhas e filhos e compreendendo que as outras pessoas também dispõem da mesma dignidade e do mesmo amor que recebemos. Enquanto formulo este auxílio homilético, vivemos em um tempo de polarização política intensa em virtude do processo eleitoral. Não é de hoje que as relações têm se acirrado. A sociedade brasileira vive, há alguns anos, o recrudescimento da intolerância, do ódio, da exclusão e perseguição de quem pensa e vive de forma diferente. As relações pessoais e familiares estão desgastadas, quando não se vivenciou a ruptura de muitas relações. Isso não é nada diferente nas nossas comunidades de fé. Não é possível saber se, quando celebrarmos o Natal de Jesus Cristo neste ano, a sociedade se pacificou e se as relações passaram por um processo de cura e reconciliação. Requer muito tempo para mudar as bases da sociedade que têm se firmado na intolerância. Principalmente quando, no meio cristão, muitas igrejas – e comunidades da nossa IECLB – se deixaram seduzir por uma nova espécie de legalismo, de moralismo, que fundamenta a divisão entre as pessoas corretas e as erradas, as boas e as más, as que vivem de acordo com uma ideologia ou outra. Muitas igrejas se aprofundaram no uso de textos bíblicos para condenar pessoas que são julgadas como desviadas. Isso se transformou, nos últimos anos, numa forte distinção entre as pessoas, fundamentadas na distinção política, social, cultural, étnico-racial, de gênero e orientação sexual, para dar alguns exemplos.
4 Imagens para a prédica As pessoas que vão à igreja na véspera de Natal procuram uma mensagem positiva, que reforce sua fé e que lhes permita renovar, neste tempo especial, a esperança e a confiança de que na fé nós podemos encontrar um caminho bom de vida, em especial nos ciclos novos que se iniciam. Por isso eu não enfatizaria aspectos negativos ou um conteúdo moralizante na pregação. O texto de hoje
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anuncia liberdade! Diferente de muitos auxílios homiléticos anteriores, neste de hoje gostaria de sugerir uma ênfase na presença do Espírito de Cristo em nós. A novidade de vida que o Natal sugere não está exclusivamente relacionada ao evento histórico do nascimento de Jesus nas condições adversas em que ocorreu. Também está na contínua presença do Espírito Santo em nossas vidas, o que é enfatizado também no texto de hoje. Hoje, é o Espírito que nos renova a esperança. Hoje, é o Espírito de Deus que nos fortalece a fé diante dos desafios da vida. Hoje, é o Espírito Santo que nos transforma e nos liberta para viver nossa vida em família, em comunidade e na sociedade livres das leis sociais, do legalismo bíblico e das diversas formas de idolatria às quais a vida em sociedade hoje nos conduz. Por isso, penso que é uma mensagem alentadora saber que, neste natal, no dia de hoje, Deus opera novamente a libertação e atualiza em nós a consciência de que somos filhas e filhos de Deus, dignos e amados, assim como são as outras pessoas.
5 Subsídios litúrgicos Hino: LCI 168 – Vede que grande amor. Confissão dos pecados: Deus de bondade e amor! Agradecemos-te hoje pela tua revelação em Jesus Cristo. Em Jesus, na manjedoura, tu vieste nos trazer liberdade. Libertaste-nos do jugo da escravidão, da lei que cria distinção entre nós. No entanto, nós sempre caímos de novo na tentação de viver de acordo com essa lei. Rejeitamos tua graça e preferimos confiar em nós mesmas e nós mesmos, nos submetemos à idolatria deste mundo e aos seus valores. Pela nossa incapacidade de acolher a tua graça, manifesta no infante Jesus, nós nos ferimos, projetando sobre nós formas de justificação pelo trabalho, pelo mérito, pelo fundamentalismo e por tantas formas de cobrarmos a nós mesmas, nós mesmos. Ferimos as pessoas de nossa família e de nossa comunidade quando nos submetemos novamente a essa escravidão. Promovemos o ódio e a intolerância na sociedade, vivendo em violência e promovendo a morte. Perdoa-nos, te pedimos, e pelo poder do teu Espírito que habita em nós, ajuda-nos a abraçar nossa condição de tuas filhas e teus filhos, vivendo em liberdade e dignificando a vida de todas as pessoas e de toda a criação. Isso é o que te pedimos, em nome de teu filho Jesus, que por nós morreu na cruz. Amém.
Referências BRAKEMEIER, Gottfried. Natal 1. In: KILPP, Nelson; WESTHELLE, Vítor (Orgs.). Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 1989. v. XV, p. 106-111. LOHSE, Eduard. Introdução ao Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1974. THEISSEN, Gerd. O Novo Testamento. Petrópolis: Vozes, 2007.
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DIA DE NATAL
PRÉDICA: ISAÍAS 9.2-7
25 DEZ 2022
LUCAS 2.1-19* TITO 2.11-14
Carlos A. Dreher
Natal e a teimosia em anunciar a esperança pela grande luz
1 Introdução O texto previsto para a pregação, Isaías 9.2-7, já foi trabalhado, em maior ou menor extensão, por quatro vezes em Proclamar Libertação, a saber, nos volumes V, XVIII, 22 e 38. Na constelação atual, acompanhado dos textos de Lucas e Tito, uma vez, em PL XVIII. Lucas 2.1-19 relata a história do nascimento de Jesus e da visita dos pastores à manjedoura. Tito 2.11-14 acentua a graça salvadora de Deus que nos educa para uma vida sensata, justa e piedosa, apontando para a manifestação da glória de Jesus Cristo. Os três textos, cada qual à sua maneira, apontam para esperança.
2 O texto para a pregação: Isaías 9.2-7 O versículo anterior, Isaías 9.1, nos dá uma evidência clara sobre o lugar na história de nosso texto. A terra de Zebulom e a terra de Naftali foram tornadas desprezíveis. Trata-se do caminho do mar, além do Jordão, a Galileia dos gentios. Estamos no norte da Palestina, onde se localizam os territórios das tribos de Zebulom e Naftali. Desde que os assírios, em seu avanço a partir de 734 a. C., tomaram a região, ela passou a ser denominada Hagalil hagoyim, o distrito dos gentios, ou Galileia (círculo, distrito) dos gentios. O texto aponta, pois, para dominação estrangeira. A região está tomada pelas trevas dessa dominação. No entanto, em meio às trevas vai surgindo uma luz, que vai crescendo até tornar-se uma grande luz, uma luz do tamanho da esperança. Esse povo se alegra muito, como se alegra na colheita, ou como, ao vencer uma batalha, reparte os despojos. A alegria toma conta em meio ao sonho: o jugo foi quebrado, a vara que o feria foi quebrada, o cetro do opressor também. A bota do soldado inimigo e a sua veste serão queimadas. A derrota do inimigo fará lembrar o dia em que Gideão derrotou os midianitas (Jz 7). Esse sonho brota do fato de um menino haver nascido para esse povo; um filho lhe foi dado. Sobre seus ombros está o governo! Quem é esse menino? Enquanto os comentários e a maioria dos autores de Proclamar Libertação o veem como um novo rei sendo entronizado (veja, por exemplo, Michael Kleine *
O texto bíblico previsto pelo Lecionário Comum Revisado da IECLB é Lucas 2.1-14.
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em PL 38), para o que apontam os nomes que recebe: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz, Milton Schwantes, em PL V, vai contra a corrente, afirmando, com base nos textos anteriores de Isaías, tratar-se “da criança de um João qualquer”. Se há argumentos para os dois lados, verdade é que, diante do poder e da força militar dos assírios, ambos são fracos. Não é necessário explicar isso sobre a criança. Sobre o rei, que parece ser Ezequias (725-697 a. C.), há que lembrar que seu antecessor, Acaz, se havia tornado vassalo tributário dos assírios. Ezequias seguiu esse caminho, até 705 a. C. Nesse ano morreu o imperador assírio Sargão, e seu sucessor Senaqueribe ficou alguns anos lutando para estabelecer a ordem no império. Ezequias e outros reis da Palestina pensaram que havia chegado a hora de libertar-se do jugo assírio. Suspenderam o pagamento de tributos, retiraram os deuses assírios de seus templos e tentaram recuperar territórios perdidos. Estava aí a grande luz! Contudo, a grande luz minguou em seguida. Em 701 a. C., Senaqueribe havia assumido o controle na Assíria e voltou sua atenção para o oeste, retornando à Palestina com seus exércitos. Entre outras ações, cercou Jerusalém. Textos assírios dizem que Senaqueribe teria trancado Ezequias em Jerusalém como um passarinho em uma gaiola. O sonho havia acabado. A “grande luz” se havia apagado! O menino e o rei não eram páreo para os assírios. Tampouco os nomes cheios de significado dados ao rei ajudavam.
3 Refletindo sobre o texto Na noite de Natal, gosto de apagar todas as luzes da sala e, depois, ir acendendo uma a uma as velas do pinheirinho. A pequena luz da primeira vela acesa vai crescendo, à medida que se acendem as outras. Ao final, há uma boa luz, não tão grande, mas suficiente para que nos reconheçamos e possamos nos abraçar, Então, cantamos, olhamos o presépio montado sob a árvore e, diante da ansiedade dos pequeninos, começamos a distribuir os presentes. Aí acendemos novamente as luzes da sala, e a luz se torna grande. Em Gramado/RS, celebra-se, todos os anos, o Natal Luz, por ocasião da época de Natal. Em inúmeras cidades, se não em todas, há sempre uma árvore real ou artificial cheia de luzes. A partir de 06 de janeiro, essas luzes todas se apagam, e voltamos à realidade do dia a dia. Assim é com muitas das nossas esperanças. Esperamos que tudo mude para melhor, mas não é isso que acontece. A grande luz esmorece... O mesmo me ocorre quando olho para a história de Natal narrada em Lucas 2. Que esperança traz esse menino nascido numa estrebaria e deitado numa manjedoura? Os anjos não conseguem apagar a triste notícia da trágica morte desse menino na cruz de Gólgota. Sim, ele tem até uma coroa na cabeça, mas é uma coroa de espinhos. Sobre ele, no topo da cruz, está a inscrição, em diversas línguas: Jesus Nazareno Rei
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dos Judeus (INRI). A declaração de que é rei está ali como escárnio sobre esse pobre homem. Em sua vida, foi um Maravilhoso Conselheiro, foi visto como Deus Forte e Pai da Eternidade, foi declarado Príncipe da Paz. Contudo, não fosse a sua ressurreição, anunciada por seus seguidores, que restaria desse Jesus de Nazaré? Apenas uma pequena luz – não a grande! – prestes a apagar-se. As frustrações se acumulam desde o texto de Isaías até uma mirada histórica sobre a vida do menino da manjedoura. E, não obstante, o evangelho insiste em apoiar-se na fraqueza. Sim, nosso Deus é um Deus que vem de baixo. É o Deus dos escravos no Egito, é o Deus do povo dominado pelos assírios, passando a viver em trevas. É também, e muito mais, o Deus da manjedoura e da cruz! É nesse Deus que cremos, e cremos que ele nos levará à grande luz!
4 A pregação no Natal Após a saudação inicial, proponho convidar as pessoas presentes a fecharem os olhos por alguns instantes. Ideal seria se o culto fosse à noite – apagar todas as luzes e deixar o templo totalmente às escuras –, porém, o culto de 25 de dezembro raramente acontece à noite. De olhos fechados, a comunidade é convidada a lembrar de dificuldades, problemas, frustrações, aflições, morte e luto, angústias pessoais e ao redor do mundo. Depois de alguns instantes, proceder à leitura do texto de Isaías 9.2-7. Em seguida, pedir às pessoas que abram os olhos. Passo seguinte seria discorrer sobre o texto de Isaías em seu contexto histórico. Salientar que, apesar da beleza das palavras de esperança, nada daquilo se concretizou. As trevas continuaram a pesar sobre aquele povo. Em seguida, dever-se-ia fazer uma comparação com a narrativa do Natal em Lucas. O menino na manjedoura, pobre e humilde, terminará seus dias numa cruz. Será rei com uma coroa de espinhos na cabeça. Não fosse a mensagem de Páscoa, também a luz do Natal seria dominada pelas trevas. E é de se perguntar se, mesmo assim, a luz do Natal não parece utópica diante da realidade do mundo. Não vejo muito espaço para incluir aqui a mensagem de Tito 2. Isaías e Lucas são suficientes e suficientemente claros para destacar a mensagem da esperança natalina contra toda a esperança. O esforço final deveria ser exatamente este: Natal insiste teimosamente em anunciar e proclamar a esperança pela grande luz. É tarefa difícil! Não obstante, é aí que reside a nossa fé!
5 Subsídios litúrgicos Para versículo de introito, proponho Tito 2.13s: Aguardamos a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus, o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade.
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Em seguida, sugiro a leitura de Lucas 2.1-20 em parcelas alternadas com estrofes de hinos de Natal (1-5; 6-7; 8-9; 10-12; 13-14; 15-18; 19-20). A escolha dos hinos fica a critério da pessoa responsável pela liturgia. Para a oração de intercessão, seria oportuno pedir à comunidade que expresse suas angústias, dificuldades e frustrações sentidas ao fecharem os olhos anteriormente. A oração deveria expô-las diante de Deus e pedir por sua grande luz. O hino final poderia ser o LCI 262.
Bibliografia Ao longo deste estudo, utilizei os subsídios anteriores em Proclamar Libertação, a saber, nos volumes V, XVIII, 22 e 38. Além disso, importante foi SCHWANTES, Milton. Da vocação à provocação. Estudos exegéticos em Isaías 1-12. 3. ed. ampl. São Leopoldo: Oikos, 2011.
VÉSPERA DE ANO-NOVO PRÉDICA: MATEUS 25.31-46 ECLESIASTES 3.1-13 APOCALIPSE 21.1-6a
Pesquise: Proclamar Libertação, v. IV, p. 231; v. X, p. 472; v. XVIII, p. 298; v. 21, p. 302; v. 27, p. 291; v. 32, p. 51; v. 41, p. 44 www.luteranos.com.br (busca por Mateus 25.31-46)
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ANO-NOVO (NOME DE JESUS)
01 JAN 2023
PRÉDICA: NÚMEROS 6.22-27 LUCAS 2.15-21 FILIPENSES 2.5-11
Manoel Bernardino de Santana Filho
O Deus que abençoa e guarda
1 Introdução A bênção araônica, aarônica ou bênção sacerdotal, como é mais conhecida, expressa em seu conteúdo a bênção do Senhor em favor do seu povo. A repetição tríplice do nome divino antecipa o tríplice nome que Jesus usa na grande comissão de Mateus (28.18-20): Em nome do Pai, Filho e Espírito Santo, a base da doutrina trinitária. A primeira cláusula em cada linha da bênção invoca o movimento de Deus em favor do seu povo; a segunda invoca as suas atividades. O texto de Lucas exalta a manifestação de Deus aos pastores do campo. São eles que se dispõem a ir até Belém e lá ouvir sobre os acontecimentos que falam acerca do Deus que se deixa conhecer. Os relatos dizem respeito a Jesus, o menino nascido na simplicidade de uma manjedoura. Maria, a mãe jubilosa, guarda as palavras e medita sobre elas. Passados os dias conforme a lei, o menino é levado ao templo e apresentado ao Senhor. Mais tarde, na pregação apostólica, ele, Jesus, é anunciado pelo testemunho pós-pascal como o Kyrios, o Senhor. Por isso, no texto da Carta aos Filipenses, é dito que, pelo seu sacrifício voluntário, por sua entrega pessoal, ele será exaltado por todos e toda língua haverá de confessar que ele é o Senhor. Os textos se entrelaçam em torno do termo “Senhor”.
2 Exegese E falou o Senhor a Moisés para dizer: “Fala a Arão e a seus filhos, para dizer: ‘Assim abençoareis os filhos de Israel, dizendo a eles: Abençoará a ti, o Senhor, e te guardará. Resplandecerá o Senhor sua face sobre ti e (exercerá) misericórdia sobre ti. Levantará o Senhor sua face sobre ti e nomeará com (te dará) paz’”. (Tradução sugerida). O título Números, dado ao livro, provém da versão grega (Septuaginta) e da latina (Vulgata), as traduções antigas compiladas por estudiosos da Bíblia. O título grego antigo dado era arithmoi, que deu origem à palavra aritmética. Os tradutores latinos, mais tarde, deram ao livro o título de numeri, que originou a palavra “números”. Essa designação é baseada nas contagens, que são o foco principal dos capítulos 1 – 4 e 26. O título hebraico mais comum vem da quinta palavra do texto hebraico de 1.1, no deserto, nome esse que é muito mais descri-
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tivo do conteúdo total do livro, o qual relata a história de Israel durante quase 39 anos de peregrinação pelo deserto. Outro título hebraico, preferido por alguns antigos pais da igreja, baseia-se na primeira palavra do texto hebraico de 1.1: e ele falou. Essa designação enfatiza que o livro registra a palavra de Deus para Israel. A maioria dos acontecimentos do livro ocorre “no deserto” (palavra usada 48 vezes). O termo se refere à terra que contém pouca vegetação ou poucas árvores e, por causa do pequeno volume de chuva, não pode ser cultivada. Essa terra é bem mais aproveitada para apascentar rebanhos de animais. Em 1.1 – 10.10, Israel acampou no “deserto do Sinai”, mesmo local onde o Senhor firmou a aliança mosaica com Israel (Êx 19 – 24). De 10.11 a 12.16, Israel viajou do Sinai para Cades. De 13.1 a 20.13, os acontecimentos se deram em Cades e ao redor dessa cidade, que estava localizada no “deserto de Parã” (12.16; 13.3; 26), o “deserto de Zim” (13.21; 20.1). De 20.14 a 22.1, Israel viajou de Cades para as “campinas de Moabe”. Todos os eventos de 22.2 – 36.13 ocorreram enquanto os hebreus estavam acampados nas campinas ao norte de Moabe, que consistiam em uma área de terra plana e fértil no meio do deserto. Números relata as experiências de duas gerações do povo de Israel. A primeira geração participou do êxodo do Egito, com sua história tendo início em Êxodo 2.23 e continuando ao longo de Levítico, até os primeiros 14 capítulos de Números. Essa geração foi contada para a guerra da conquista de Canaã (1.1-46), porém, ao chegar à fronteira sul de Canaã, o povo se recusou a entrar na Terra Prometida (14.1-10). Por causa da sua rebeldia contra o Senhor, todos os adultos com mais de 20 anos (exceto Calebe e Josué) foram sentenciados a morrer no deserto (14.26-38). Nos capítulos 15 a 25, a primeira e a segunda geração se sobrepõem – a primeira se extinguia, enquanto a segunda se tornava adulta. Com a segunda contagem do povo, começou a história da segunda geração (26.1-56). Esses israelitas foram à guerra (26.2) e herdaram a terra (26.52-56). A história dessa segunda geração, que começa em Números 26.1, estende-se pelos livros de Deuteronômio e Josué. Três temas teológicos permeiam Números. Primeiro, o próprio Senhor se comunicava com Israel por intermédio de Moisés (1.1; 7.89; 12.6-8), de modo que as palavras de Moisés tinham autoridade divina, e a resposta de Israel a Moisés espelhava a obediência ou a desobediência do povo ao Senhor. Em Números, há três divisões distintas baseadas na resposta de Israel à palavra do Senhor: obediência (cap. 1 – 10), desobediência (cap. 11 – 25) e obediência renovada (cap. 26 – 36). O segundo tema é que o Senhor é o Deus do juízo. Ao longo de Números, a “ira” do Senhor foi provocada em resposta ao pecado de Israel (11.1,10,33; 12.9; 14.18; 25.3-4; 32.10,13-14). A terceira seção enfatiza a fidelidade do Senhor em guardar sua promessa de dar a terra de Canaã à descendência de Abraão (15.2; 26.52-56; 27.12; 33.50-56; 34.1-29). Na perícope para nossa reflexão (6.22-27), uma bênção surge logo após o Senhor estabelecer novos regulamentos para o acampamento dos hebreus. São censos, deveres dos levitas, atribuições dadas a cada tribo e, finalmente, a bênção sacerdotal. O Deus que fala e atribui deveres e responsabilidades é o mesmo que abençoa. Ao fazer isso, Deus mostra o seu favor gracioso. A repetição tríplice do
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nome divino: O Senhor te abençoe; o Senhor faça resplandecer o rosto sobre ti; o Senhor sobre ti levante o rosto (v. 24-26) antecipa o nome que Jesus usa em Mateus (28.19), Pai, Filho e Espírito Santo, o Deus da fé trinitária, presente na vida do seu povo desde os tempos antigos. A base da doutrina trinitária, o Deus Único, que é uma comunidade, já se encontra presente nas expressões de fé dos escritos do Primeiro Testamento. Ao dizer “o Senhor” de forma tríplice, o autor usa o termo no singular. Aquele que cuida e guarda é o Senhor. Não é “um senhor”. Existe somente Deus, e, no sentido cristão, não é possível que outros venham a existir. Tertuliano afirma: “Deus, si non unus est, non est” (Deus, se não é um, não é Deus). O teólogo medieval Pedro Damião, comentando as palavras pronunciadas pela serpente no Éden (vós sereis como deuses, Gn 3.5), afirma que o demônio foi o primeiro gramático, ao ensinar aos seres humanos o plural da palavra “Deus” (citado por Baillie, 2012). Não deveria ter plural nem artigo indefinido. Deus é nome próprio. Assim sendo, “Senhor” é nome singular. Senhor que é Uno, que carrega em sua substância a realidade de três pessoas divinas. A bênção sacerdotal pronuncia um único nome que anuncia a doutrina da Trindade. O que recebe a bênção do Senhor recebe também todos os benefícios concedidos pelo Pai, que é o doador do bem, que é redentor por meio do Filho e que concede o poder e a presença do Espírito Santo para a vida cristã em plenitude. Assim, o Deus que é Um se manifesta para a comunidade israelita de forma a expressar o cuidado do Deus Único, mas não solitário. Ele é o Deus “Eu Sou” (Êx 3.14), o único verdadeiro. Esse Deus, que se manifesta graciosamente na bênção sacerdotal, é aquele mesmo Deus que diz ao povo: Ouve, Israel! O Senhor, nosso Deus, é o Senhor, que é Um (Dt 6.4). Na Bíblia de Jerusalém, a tradução é: Ouve, ó Israel: Iahweh nosso Deus é o Único Iahweh. Outra tradução possível é: Ouve, ó Israel: Iahweh é nosso Deus, Iahweh somente.
3 Meditação
Ainda que fosse no deserto, na dispensação antiga, essa oração define uma gradação do Altíssimo em direção ao homem/mulher numa intensidade sempre mais próxima: “O Senhor te abençoe e te guarde” é genérico, a todos indistintamente, até aos gentios ele sempre caminha na direção da bênção; “Faça resplandecer rosto sobre ti” trata da intenção sempre presente em Deus de se revelar e amar intensamente (misericórdia); “Levantar o rosto e dar a paz” revela-se no cumprimento final dessa revelação em Cristo, quando Deus mostra sua face e concede paz por meio da justificação pela fé A ocasião específica para a bênção de Números 6 não é descrita. Ela talvez concluísse as celebrações regulares dos hebreus no tabernáculo. É certo, no entanto, que seu uso era frequente e isso é demonstrado pelos ecos achados nos salmos e por uma inscrição da bênção em amuletos de prata encontrados em uma sepultura em Ketef Hinnon, Jerusalém. Ao abençoar os filhos de Israel, os sacerdotes, por meio dessa bênção araônica, expressavam a atitude graciosa de Deus aos israelitas, nessa fórmula que
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Arão usou quando ele levantou as mãos para o povo e o abençoou (Lv 9.22). O rito de Levítico 9 era a consagração do sacerdócio araônico. A bênção de Deus contempla o cuidado que ele tem por cada um de nós. Ele guarda, protege, cuida, ampara. É Deus solidário com o que sofre, com o desamparado, o que sofre injustiça, o necessitado de toda forma de proteção. Dizer que ele guarda é falar do Deus presente nos caminhos da vida. É Dietrich Bonhoeffer quem afirma: “A Bíblia remete o ser humano à impotência e ao sofrimento de Deus; somente o Deus sofredor pode ajudar” (Bonhoeffer, 2003, p. 488). Esse Deus amoroso faz com que seu rosto resplandeça sobre seus filhos e filhas (v. 25). Aqui há uma metáfora a ser esclarecida. O Senhor advertiu Moisés que nenhum ser humano poderia ver o seu rosto e continuar vivo (Êx 33.20). Essa linguagem antropomórfica denuncia nossa incapacidade de falar desse Deus que se revela e se esconde ao mesmo tempo. É João que nos diz em seu evangelho que Deus é Espírito (4.24), portanto não pode ser visto. Podemos sentir sua presença, perceber sua ação e ter fé de que ele está sempre conosco. Karl Barth nos adverte da incapacidade da linguagem humana em falar de Deus. Nossa linguagem é inadequada, daí que, segundo Barth, é Deus quem fala de si mesmo. Ele aceita nossas tentativas por compreender nossa incapacidade. O finito não tem muito a dizer do Infinito; o temporal fica sem palavras diante do Eterno. Vemos Deus na pessoa de Jesus, o Cristo. Ele, conforme o escrito aos Hebreus, é o resplendor da glória, a expressão exata do seu ser (Hb 1.3). Ou ainda como diz João: Ninguém jamais viu a Deus; o Deus Unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou (1.18). Números 6.25 diz que a face de Deus brilha sobre seus filhos com grande bondade. Desta forma, seu povo, mesmo em meio às angústias da vida, segue em frente, abençoado. Pelas misericórdias e promessas da aliança, o povo, antes assustado pela presença do Senhor, agora começa a vê-lo como ele é por meio de seus atos de misericórdia e amor. Deus dissera a Moisés: Você não poderá ver a minha face. [...] quando a minha glória passar, eu porei você numa fenda da rocha e o cobrirei com a mão, até que eu tenha passado. Deus afirma: Quando eu tirar a mão, você me verá pelas costas (Êx 33.20-22). Não podemos ler a passagem literalmente. O texto tem uma mensagem, uma reserva de sentido, como afirma o teólogo argentino Severino Croatto. Esse Deus que é Espírito, Ruah (vento, sopro, procela), é o Deus que nos interpela, que nos manda olhar para trás e ver no passado da vida a sua ação libertadora, salvadora. Quando começarmos a achar que Deus nos abandonou, olhemos sua vida, sua história e encontremos ali, nas lembranças do tempo, o Deus sempre presente, que cumpre a sua promessa de jamais abandonar o seu povo. O Deus que levanta seu rosto (v. 26) é aquele que vê o homem e a mulher de forma favorável. Não o Deus visto como rancoroso, irado, da teologia medieval. Quando Lutero compreendeu isso, um fardo saiu de suas costas. Encontrou a graça de Deus. Ver alguém de forma favorável é a expressão de um sorriso, que tem a capacidade de levantar os cantos da boca. Quando o favor de Deus faz brilhar o seu olhar sobre qualquer um de nós, o resultado é paz, bem-estar, tranquilidade, plenitude.
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Portanto é isso que Deus, na pessoa do Pai, do Filho e do Espírito Santo, faz a cada um de nós. Ele não apenas diz essas palavras bonitas. Ele é o Deus que age, cuja palavra provoca acontecimentos. A palavra de Deus, uma vez pronunciada, é palavra que produz vida. Faz apenas alguns dias que celebramos o Natal, o nascimento de Jesus. O Verbo se fez carne. Ele, o Senhor crucificado, veio habitar entre nós. Ele que, em sua vida, anunciou o advento do Reino de Deus, a proximidade do Reino. Agora, na experiência pós-pascal, a comunidade de discípulos relê o Primeiro Testamento e ali o encontra, o Messias prometido, o Senhor, cuja ênfase passará doravante a fazer parte da proclamação dos primeiros cristãos. É Pedro quem afirma: Portanto, toda a casa de Israel esteja absolutamente certa de que a este Jesus, que vocês crucificaram, Deus o fez Senhor e Cristo (At 2.36).
4 Imagens para a prédica O ano de 2022 terminou ontem. As estações passaram, os meses se completaram, as semanas ofertaram seus dias sabáticos e os dias, cada um deles, presentearam-nos com uma chance nova. Mas o ano que chega vem cheio de apreensões. A esperança brota do coração. Mas o que será do amanhã? Lembro um romance com o nome Feliz Ano Velho, de autoria de Marcelo Rubens Paiva, lançado em 1982. Trata da experiência autobiográfica do autor, que relata o acidente que o deixou tetraplégico, depois de um mergulho, em 14 de dezembro de 1979, após bater acidentalmente com a cabeça no fundo de um lago em Barão Geraldo. Mostra a dificuldade que muitas pessoas enfrentam com essa situação e a força de vontade de que um ser humano precisa para se inserir novamente na sociedade, enfrentando seus problemas e medos. Compartilhe com a comunidade a questão das apreensões, dos medos, das inquietações quanto ao futuro. Mostre que a época do ano é propícia para a expressão dos nossos melhores desejos, da crença na provisão do Deus, que é Senhor absoluto, que projeta os melhores planos para a nossa vida. O texto que serve de base para a nossa reflexão hoje nos apresenta o Senhor, o Kyrios, aquele que vai adiante de nós, que nos cerca por todos os lados e nos doa palavras abençoadoras, palavras que são vida e esperança. Sim, é ele quem nos diz para o ano de 2023: O Senhor te abençoe e te guarde; o Senhor faça resplandecer o rosto sobre ti; o Senhor sobre ti levante o rosto e te dê paz. Destaque que hoje é o Dia Mundial da Paz! Dia de orar pela paz. Anime as pessoas a usarem branco, símbolo da paz. Não a paz da falsa segurança promovida por políticas tendenciosas, mas a paz que Jesus Cristo, o Senhor, pode dar a cada um. A paz que é Shalom, a paz de Deus que nos anima no caminho da esperança, da justiça, da fraternidade e paz duradoura entre todas as pessoas. Feliz ano novo!
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5 Subsídios litúrgicos Deus, nosso Senhor! Nossos anos vêm e passam. Nós vivemos e morremos. Tu, porém, és e permaneces. Teu reino e tua fidelidade, tua justiça e tua misericórdia não têm início nem fim. Assim, és a origem e o destino de nossas vidas também. És o juiz de nossos pensamentos, palavras e ações. Perdoa-nos por somente poder confessar, hoje também, neste exato momento e sempre de novo, que tantas vezes te esquecemos, negamos e ofendemos. Todavia, também hoje encontramos luz e consolo em tua Palavra, pela qual nos permites reconhecer que tu és o nosso Pai e nós os teus filhos e tuas filhas, pois teu amado Filho Jesus Cristo é nosso irmão e por nós tornou-se carne, morreu e foi ressuscitado. Queremos agradecer-te que hoje, primeiro dia do ano novo, podemos mais uma vez proclamar e ouvir essa boa nova. Concede-nos liberdade de falar o que é certo e também de ouvi-lo corretamente, para que esta hora possa trazer honra para ti e paz e salvação a todos nós! Amém. (Barth, 2013, p. 24).
Bibliografia BAILLIE, Donald. Deus estava em Cristo – Ensaio sobre a encarnação e a expiação. 3. ed. São Paulo: Aste, 2012. BARTH, Karl. Senhor! Ouve nossa oração! São Leopoldo: Sinodal, 2013. p. 24. Adaptado. BÍBLIA DE ESTUDO DA REFORMA. 2. ed. Almeida Revista e Atualizada. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017. BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e submissão. Cartas e anotações escritas na prisão. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2003. MACARTHUR, John. Manual bíblico. Tradução Érica Campos. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2015.
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EPIFANIA DE NOSSO SENHOR
06 JAN 2023
PRÉDICA: MATEUS 2.1-12 ISAÍAS 60.1-6 EFÉSIOS 3.1-12
Anelise L. Abentroth
Deixemo-nos guiar pela estrela
1 Introdução Epifania, a revelação de Deus, faz parte do ciclo de Natal. Nela, comemoramos o fato de que Jesus foi manifestado não somente ao seu próprio povo, mas a todos os povos e nações, representados pelos magos/sábios do Oriente. Esse dia proclama uma grande verdade da fé: que a salvação em Jesus é para todos os povos, sem distinção de raça, cor ou religião. A Carta de Paulo aos Efésios leva aos gentios a mensagem da coparticipação no corpo e nas promessas de Cristo por meio do Evangelho. Este não pertence aos judeus apenas, mas a todos os povos do mundo que esperam e se abrem à salvação dada por Deus. O profeta Isaías anuncia a luz da glória de Deus que se manifestará às nações que ora vivem na escuridão e nas trevas da opressão e maldade. Anuncia que filhos e filhas virão de perto e de longe para se unir no mesmo projeto de salvação que trará alegria, pois haverá abundância para aqueles que sofrem. O Evangelho provoca reações diversas. Por um lado, de alegria, naquelas pessoas que o procuram e escutam, que o acolhem com amor. Por outro, de medo, naquelas pessoas que se asseguram em seus privilégios e suas leis. Toda a humanidade é chamada a participar da mesma herança e formar o mesmo corpo e a participar da mesma promessa.
2 Exegese O Evangelho de Mateus tomou forma por volta do ano 85 d. C., após longo processo de compilação de tradições orais e escritas das palavras e práticas de Jesus. A destruição do Templo de Jerusalém pelo exército romano já havia acontecido (ano 70 d. C.). Os vários grupos judaicos que participaram dessa guerra foram massacrados. Os sobreviventes tiveram que fugir. Algumas comunidades foram para a Fenícia, Síria, até a região da Antioquia. Lá, as comunidades foram integradas por judeus da diáspora e de gentios convertidos. Nesse período, começam a se intensificar as perseguições das autoridades judaicas a grupos de judeus de tendências e tradições diferentes. Os destinatários desse evangelho provavelmente viviam na Síria, em Antioquia. O Evangelho de Mateus surge para animar essas comunidades que seguiam Jesus desde a Palestina.
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Epifania de Nosso Senhor
Com a destruição do Templo de Jerusalém, os grupos influentes, como saduceus, zelotes, sicários e herodianos, se desarticularam. Sem o templo, uma forte crise se desencadeou: o que é ser judeu? O que define o judaísmo? O judaísmo precisou se reorganizar para sobreviver. Especialmente os fariseus se empenharam em reunir os valores da fé judaica, centrados agora numa instituição central: a sinagoga. O conflito entre judeus fariseus e judeus cristãos cresce à medida que os judeus fariseus se consideram o verdadeiro Israel e os intérpretes legítimos da Lei de Moisés. Controlavam o povo a partir das sinagogas, de onde explicavam e interpretavam a Lei. Acreditavam que a libertação do povo só aconteceria através do cumprimento da Lei do puro e impuro (Lv 11 – 15). Desta forma, o número de pessoas excluídas das sinagogas era grande, como os pobres, doentes, estrangeiros e deficientes. De outro lado, os judeus cristãos também se consideravam como o verdadeiro Israel. Entre eles, os excluídos eram acolhidos, pois viam nas palavras e atitudes de Jesus uma nova interpretação da Lei, especialmente quando ele diz: Misericórdia é o que eu quero, e não o sacrifício (Mt 9.13; Os 6.6). Além do conflito externo com judeus fariseus, havia conflitos internos, já que a maioria que compunha as comunidades eram judeus cristãos que traziam consigo a tradição judaica e a observância da Lei. À medida que cristãos helenistas se integram, a influência da cultura grega faz com que haja uma posição mais aberta em relação à Lei. Além dos conflitos gerados pela sua interpretação, existe a ideia da superioridade dos judeus em relação aos gentios e a disputa pela liderança. Desta forma, as comunidades de Mateus tiveram que fortalecer sua unidade enfrentando divergências internas e externas, propondo um diálogo mais aberto e fraterno. Crê-se que o evangelho teve a intenção de servir para a catequese das comunidades, dando luz às palavras e atitudes de Jesus, animando todos a perseverarem no seu seguimento. A estrutura de Mateus é composta por cinco partes, mais uma introdução sobre as origens de Jesus e uma conclusão com a narrativa da morte e ressurreição de Jesus. Nosso texto faz parte da introdução e é material exclusivo desse evangelho. Para Mateus, Jesus de Nazaré é o Messias tão esperado pelo povo judeu. Vemos esse aspecto também no título messiânico que só Mateus apresenta dessa forma: Filho de Davi (cf. 12.23; 15.22; 21.9,15). Salta aos olhos, também, o fato de que a árvore genealógica em Mateus começa com Abraão, o homem com quem Deus iniciou a história de Israel (1.1ss). Segundo Mateus, se Jesus é o Messias, isso não significa que ele veio para abolir a Lei, mas para cumpri-la (5.17). O texto de Mateus 2.1-12 é altamente simbólico. Apresenta uma técnica da literatura judaica chamada “midraxe”, ou seja, uma releitura de passagens bíblicas com a intenção de atualizá-las. Assim, Mateus quer ensinar algo sobre Jesus usando figuras e símbolos tirados de diversos textos das Escrituras judaicas. O texto está subdividido em três cenas: 1) Nascimento de Jesus em Belém sob o poder do império opressor romano. A vinda dos magos do Oriente, que decifram os sinais para homenagear o rei dos judeus, é uma releitura da profecia de Balaão em Números 24.17. Ela
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reconhece em Jesus a estrela descendente de Judá, o Messias Deus conosco. A palavra mago (magoi) é traduzida por sábios do Oriente, que poderiam ser sacerdotes, talvez da Pérsia (hoje Irã/Iraque). Eles têm outra religião. O texto não diz que pelo fato de vir homenagear/adorar ao menino Jesus eles tenham mudando de religião. Eles não vieram visitar o menino Jesus porque reconheceram que a religião dos judeus era superior à religião deles. Eles apenas reconheceram que na religião dos judeus havia coisas boas que vale a pena conhecer e respeitar. E, provavelmente, ao voltarem para sua terra, continuaram praticando a sua religião. 2) Preocupado, Herodes convoca os chefes dos sacerdotes e mestres da Lei para encontrar o Messias. Eles confirmam que o rei dos judeus nascerá em Belém, conforme a profecia de Miqueias 5.2. Eis uma comparação importante: os magos sabem entender os sinais; Herodes, os sacerdotes e escribas, que apesar de terem a Lei e os profetas nas mãos, não reconhecem nem compreendem nada. Herodes procura uma solução: perseguir para eliminar essa ameaça. Age da mesma forma que o faraó do Egito diante da ameaça da força do povo hebreu (Êx 1 – 2). Para concretizar seu plano, pede aos magos que o mantenham informado da localização do menino para adorá-lo também. 3) Os magos partem, seguindo a estrela que agora ressurge e os guia até o menino. Eles chegam à casa onde ele está com sua mãe. Agora, não estão mais em uma estrebaria. Estão numa casa. Há lugar para eles e para todos que vierem homenageá-lo/adorá-lo. Os magos expressam o seu reconhecimento com preciosos presentes, com o melhor que há em suas terras. Os estrangeiros sabem discernir os sinais e são guiados pela estrela. Voltam para suas terras, avisados em sonho, para não permitir que o poder dominante mate a criança.
3 Meditação Por ser material exclusivo de Mateus, o texto chama a atenção para as reações diferentes diante do nascimento de Jesus. Os que deveriam reconhecer o Messias, pois são versados na Lei, ficam alarmados. Outros, pagãos do oriente, buscando sem ter certeza, arriscam muito para descobrir o Deus anunciado pelos profetas, o guia que apascentará o povo, para entregar-lhe presentes preciosos. A estrela que guiou os magos, normalmente, está presente nas imagens ou representações da cena do Natal. Sim, ela revelou aos magos a vinda do menino. Mas ela desaparece em Jerusalém. Quando os magos partiram para Belém, no caminho, ela os precedeu (v. 9). Por que ela não brilhou em Jerusalém? Lá estavam os principais sacerdotes, fariseus e mestres da Lei que compunham o Sinédrio e ditavam para o povo a interpretação da Lei e as regras para o comportamento da vida judaica. Porém nenhum desses viu a estrela ou a nenhum deles ela foi revelada. Para Mateus, o Reino dos Céus, que veio para restabelecer a autoridade soberana de Deus, será reconhecido no filho nascido em Belém, anunciado pela antiga aliança. Ele escreve entre os judeus e para os judeus, procurando mostrar na pessoa de Jesus o cumprimento da Escritura. Essa concretização da antiga aliança não foi revelada às autoridades judaicas, mas a pessoas de povos pagãos.
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Há nesse texto algo muito peculiar e importante: o sofrimento do povo sob regime autoritário, violento e corrupto, traz a memória da escravidão no Egito. Tanto lá como aqui, ao se dar conta ou ser avisado de um possível perigo de um “salvador” ou do Messias esperado, a reação do rei é de alarme, de medo pela perda do poder. Sentindo a ameaça, ele e o faraó buscam por alternativas que, na maioria das vezes, são violentas ou ardilosas: dissimular, enganar e mandar matar. E também não é por acaso que grandes sacerdotes e escribas (autoridades religiosas) se aliam ao poder político na identificação do lugar onde devia nascer Jesus, pois percebiam que, há séculos, sua religião oficial deixara de brilhar como luz profética na defesa da vida, do amor e da liberdade. Hoje, verificam-se as mesmas reações diante de Jesus e do seu Evangelho. Muitos querem reduzir a religião a algo folclórico com shows e eventos comoventes, mas que, de forma alguma, possa questionar a nossa sociedade e os seus valores. Em tempos de fake news, essa poderosa arma que governos usam para ludibriar o povo, argumentos como “querem acabar com a raça branca; os estrangeiros imigrantes estão ameaçando a nação; o cristianismo está em perigo; os opositores querem acabar com as famílias insuflando a ideologia de gênero” fazem com que uma grande parcela da população acredite nos profetas e sacerdotes do rei. Ameaças, discursos de ódio, perseguições pessoais e até assassinatos estão se tornando comuns e justificáveis por seus seguidores. Diante disso, o evento da Epifania, da revelação divina a povos e pessoas diferentes, em detrimento ao seu próprio povo, ou melhor, às suas lideranças religiosas e políticas, nos faz ver a luz da estrela no caminho, não na capital, não entre a segurança dos muros. A luz que se revela no caminho, ainda hoje nos dá a dimensão da busca, do movimento, É preciso soltar as seguranças que nos paralisam para ir, para seguir a estrela, para encontrar o que Deus prometeu ao seu povo. Povo que não é composto pela sua cor de pele, nacionalidade, classe social ou orientação sexual, mas que é plural, diverso, universal. Os magos nos convidam a abrir nossos olhos e nossas mentes, a fim de não sermos enganados e enganadas pelas mentiras dos poderosos através da mídia e, como eles, buscar caminhos alternativos para garantir a vida. A vida é o bem mais precioso. As parteiras desobedeceram ao faraó e não mataram os meninos; os magos voltaram por outro caminho para que o rei não encontrasse o menino. Assim como os magos, estejamos à procura de Jesus para segui-lo. Quantas pessoas, de modos diferentes, estão à procura de Jesus, que se manifesta de diversas maneiras na vida das pessoas, e que estão sedentas e à procura dessa luz? Jesus não precisa de presentes, mas do nosso esforço na vivência das relações do Reino de Deus. A salvação é para todos – uma mensagem mais do que nunca importante ao nosso mundo, no qual fervem sentimentos de divisão, de xenofobia, de ódio religioso e racial. Daí a importância de, enquanto Igreja de Jesus, sair ao encontro do mundo de hoje, multicultural e pluralista. Nossa preocupação não é primeiramente “converter” pessoas de outras religiões, mas é seguir a “estrela” que leva a experimentar o amor universal e misericordioso de Deus, manifestado em Jesus, através da nossa vivência como seus discípulos e suas discípulas.
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4 Imagens para a prédica 1. Henry van Dyke, pastor presbiteriano, escreveu uma lenda russa em 1896. Nela, os sábios não eram três, mas quatro. Essa lenda pode ser acessada em: <https://www.youtube.com/watch?v=tJ0Exgb4l14>. 2. Em grandes centros, as cidades se modificam rapidamente: casas onde havia grandes famílias bem situadas, em pouco tempo se transformam em revendas de carros ou prédios de escritórios e comércio. A comunidade percebeu a sua igreja e o centro comunitário distantes da moradia das famílias, que agora se mudaram para apartamentos e condomínios mais seguros. Ao lado do centro comunitário, num terreno desocupado, algumas famílias indígenas se instalaram quando vieram vender seus produtos na cidade. Ao ouvirem os cantos e o barulho das crianças no seu encontro do Culto Infantil, algumas crianças indígenas se aproximam. Uma das crianças foi até o portão e convidou as visitantes para participar. Foi uma grande festa! As crianças da comunidade estavam por demais curiosas para conhecer esses novos amigos e amigas. Uma das melhoras parte do encontro foi a hora do lanche. Uma mesa enorme com bolos, cachorro-quente, sucos naturais. Todos saíram felizes e foram contar a seus familiares a grande novidade. Qual foi a reação de pais, mães e avós? (Deixo para você continuar essa história conforme a vivência, os valores e a reflexão da sua comunidade.)
5 Subsídios litúrgicos Deus de muitos nomes Deus de muitos nomes! Vem e caminha conosco, para que possamos caminhar em tua graça e paz. Enche-nos de esperança para que possamos romper as barreiras. Inspira-nos em nossa caminhada ecumênica, tornando possíveis o encontro e o diálogo. Envia teu Espírito para nos fortalecer em nosso compromisso profético de proclamar libertação. Que teu Espírito seja uma suave brisa quando necessitamos de consolo e segurança, mas que seja vento forte quando estivermos demasiadamente acomodados e devamos falar com firmeza. Que tua paz vivificadora entre em nossos corpos e se expresse em ações de paz entre as pessoas, entre as igrejas e religiões e entre as nações. Que tua graça, que transforma o mundo, nos inspire a unir nossas mãos e a declarar a liberdade que teu amor nos dá. Derrama, Senhor, as tuas bênçãos sobre nós em nosso caminhar, anunciando a boa nova da justiça, do serviço e da aceitação. Amém. (Milton Schwantes e Elaine Neuenfeldt)
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Epifania de Nosso Senhor
Bibliografia NAKANOSE, Shigeyuki; MARQUES, Maria Antônia. Deus Conosco: o Messias da justiça e da misericórdia. Entendendo o Evangelho de Mateus. São Paulo: Paulus, 2014. GIESE, Nilton. Meditação sobre o Evangelho de Mateus 2.1-12. Disponível em: <https://cebi.org.br/noticias/coisas-boas-para-conhecer-e-respeitar-emoutras-religioes/>.
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1º DOMINGO APÓS EPIFANIA (BATISMO DO SENHOR)
PRÉDICA: ISAÍAS 42.1-9 08 JAN 2023
MATEUS 3.13-17 ATOS 10.34-43
Norberto da Cunha Garin Edgar Zanini Timm
1 Introdução
Novas coisas
Este é o domingo em que se celebra o batismo do Senhor. As leituras bíblicas apontam nessa direção e o texto de prédica enfoca o primeiro hino do servo de Javé. A ligação entre esses dois momentos é inevitável, ainda que não haja qualquer identificação do referido servo no contexto de Isaías. A leitura do evangelho (Mt 3.13-17) remete ao batismo de Jesus. A presença do Espírito ali narrada estabelece um paralelo com a unção que o servo de Javé recebe no texto da prédica. Diversos comentaristas associam Isaías 42.1-4 à investidura de Jesus como um Messias que vem para libertar a humanidade. Mesmo que não haja identificação do servo no texto veterotestamentário, a ligação com o Senhor parece compreensível. O texto de Atos (10.34-43) descreve o discurso do apóstolo Pedro, no qual se esclarece que Jesus é aquele que foi ungido com o Espírito Santo no batismo. Ele é o Messias que vem para redimir a humanidade, como já estava previsto pelos profetas. Dessa forma, o texto faz uma ponte entre o hino do servo de Javé e o Senhor. O texto da prédica está inserido na segunda parte do livro de Isaías (capítulos 40 a 55, entre 550-540 a. C.) e inicia com um cântico (42.1-4). Ainda que em sua origem esses textos tenham sido independentes, na redação final ficaram entrelaçados pelo tema do servo de Javé, sob o foco da volta do exílio no século sexto. Nesse texto, o profeta busca acender a esperança do povo, que estava cabisbaixo sob o jugo dos trabalhos cativos no exílio.
2 Exegese O texto contém um dos cânticos do servo do Javé (v. 1-4) e é acrescido de outras explicações, possivelmente posteriores à redação original. É provável que esse cântico tenha sido, originalmente, uma canção entoada pelo povo e, só mais tarde, transformada em texto. Esse servo tanto pode se referir a um indivíduo como pode representar uma comunidade toda. V. 1 – O texto inicia com uma apresentação: Eis aqui o meu servo (‘aḇdî), o que seria a figura de um messias. O profeta tenta animar o povo cativo, colocando uma expressão repleta de autoridade na boca de Javé. É dessa forma que o livro
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de Josué se refere a Moisés e suas leis em Josué 1.7. A expressão denota a chegada de alguém escolhido para uma missão. A apresentação é reforçada logo adiante, quando se diz o meu escolhido (bəḥîrî), e em quem a minha alma se compraz (rāṣəṯāh / nap̄ šî). O servo carrega o Espírito de Javé (rūḥî), porque a sua missão é promulgar a justiça (mišpāṭ). E faz lembrar a escolha de Davi (1Sm 16.13). V. 2 – O servo não irá promover uma revolução estrondosa, visto que não irá gritar (yiṣ’aq), não irá levantar sua voz (yiśśā), nem será ouvido na rua (baḥūṣ). Trata-se de um servo humilde, que não pretende chamar a atenção sobre si. O servo não irá utilizar espetáculos para desenvolver sua missão, também não utilizará qualquer meio que vise impor sua ideologia para alterar a consciência das pessoas. Sua tática será envolver o ser humano, para que ele entenda a profundidade do amor de Deus, que transforma a vida e a política. V. 3-4 – A forma como ele promulgará a justiça é diferente, porque não fará movimento ruidoso; a cana quebrada e a torcida que fumega (rāṣūṣ /ūp̄ištāh) apontam para símbolos antigos do direito e significam a pena de morte; o povo cativo corre risco de extinção. Ao contrário disso, o servo traz uma mensagem nova, pois Javé está disposto a esquecer o pecado de Israel; não se trata de destruir, mas de alimentar as energias combalidas de quem se desgastou no trabalho árduo. A missão do servo é alimentar esperanças. Essa promulgação da justiça e do direito indica que ambas estavam enfraquecidas ou negadas, não apenas pelos gentios, mas pelo próprio povo. A expressão e as terras do mar aguardarão (‘îyîm) tem um sentido de limites, extremos da terra, lugares distantes, lugares quase inalcançáveis, lugares onde o chão sai de debaixo dos pés, os não lugares – situação que os exilados estavam experimentando pela presença da ameaça de extinção. V. 5 – Neste versículo o profeta realiza uma introdução, apresentando quem está enviando ao servo; não se trata de qualquer divindade, mas de Javé, quem promoveu toda a obra da criação; a potência dessa apresentação descansa na afirmação de que ele dá fôlego de vida ao povo (nəšāmāh) e nele colocou seu espírito (wərūaḥ). V. 6 – O profeta salienta o chamado que fez ao servo, mencionando novamente a que foi chamado em justiça (ḇəṣeḏeq) e sua missão é de mediador da aliança (liḇrîṯ); o servo atuará como luz para os gentios (lə’ōwr). V. 7 – Continuando o versículo anterior, o profeta descreve as particularidades da missão: abrir os olhos aos cegos (‘ênayim / ‘iwrōwṯ); libertar o cativo (mimmasger / ‘assir). V. 8 – Identifica a divindade que está atuando sobre o povo para libertá-lo: Eu sou o SENHOR (‘ănî / Yahweh), para trazer à memória de que se trata daquele mesmo Deus que operou no Egito. Ao mencionar a expressão e minha glória (ūḵəḇōwḏî), está se reportando às manifestações do exílio egípcio (Êx 29.46; 33.22). Ao falar a expressão pois, não a darei a outrem (lə’aḥêr), lembra a todos que Israel lhe pertence como povo escolhido (Êx 3.7, 10; 5.1; Is 45.4). Ao falar que não se manifestará por imagens de escultura (lappəsîlîm), está apontando para outro momento do êxodo, quando são entregues ao povo as tábuas da Lei (Êx 20.4). V. 9 – Este versículo se propõe a alimentar as esperanças de libertação para o povo, visto que uma prova já foi manifesta: Eis que as primeiras predi-
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ções já se cumpriram (hārišōnōwṯ), ou seja, as promessas firmadas no Egito se confirmaram e o povo habitou a terra prometida; agora, uma nova libertação está para acontecer (waḥăḏāšōwṯ) e o povo vai poder escutar as notícias desse novo momento (‘ašmî’ / ‘eṯḵem); isso resume a missão do profeta.
3 Meditação O Brasil vive um momento singular com a posse de mandatários no âmbito federal, estadual e nas casas legislativas. Os eleitores foram às sessões depositar seu voto na esperança, mais uma vez, de que, com as suas escolhas, um novo tempo se estabeleça. Neste momento, as expectativas se dividem em dois grupos, pelo menos. De um lado, aqueles que procuram, nos escolhidos, um messias que traga a salvação para uma nação combalida por uma pandemia e por dificuldades provocadas por equívocos administrativos, entre outras mazelas. De outro, estão aqueles que já perceberam que o messias não vem das urnas, mas necessita ser construído pelas pessoas que compõem esta nação. Assim como não existem milagres caídos dos palácios e de casas legislativas. Mesmo que seja amarga, a construção da esperança passa pelo esforço, pelo entendimento e pela solidariedade na luta. É possível ouvir uma frase famosa na sociedade de mercado: “Não existe almoço grátis!”. Enquanto não se percebe que as escolhas e o trabalho que se realiza necessitam da dedicação e do empenho de cada pessoa e de todas na coletividade, a esperança dificilmente se concretiza. Cabe refletir sobre algumas questões tendo como contexto a pergunta pelo lugar do servo de Javé em toda esta realidade: o servo, aquele que veio para promulgar a justiça e ressaltar o direito, está em nós, pelo seu Espírito, como semente dessa missão? Conseguimos perceber, no exercício sério da moral e no entendimento comprometido da ética, a presença desse servo, Senhor da vida e da salvação para toda a humanidade? Conseguimos virar as costas para o jeitinho, recusar vantagens indevidas, abandonar facilidades arranjadas e cumprir o caminho que o servo de Javé, o Senhor, nos pede? Como está a nossa consciência de que o Espírito que habita em cada pessoa não se destina a facilitar o bem pessoal, egoísta, mas o desenvolvimento da justiça que engloba a coletividade? Quem sabe, examinando profundamente nossa prática evangélica, pessoal e coletiva, possamos melhorar a qualidade das respostas que temos dado para essas e outras tantas questões. E então, não nos contentando com repostas pré-fabricadas, protocolares, convencionais, liturgicamente ditas perfeitas, formais, assim possamos (nos) encontrar (com) a missão do servo de Javé, nosso Senhor Jesus Cristo, que continua agindo e nos convocando a trabalhar com ele na construção cotidiana do Reino de Deus. As “novas coisas” anunciadas pelo servo não aparecem com estardalhaços nos programas de auditório de TV, nem nas megarreportagens dos grandes e ricos canais de mídia. Também não aparecem nos famosos canais de YouTube, acompanhados por milhares de seguidores. Muito menos estão nas mídias sociais de famosos que granjeiam milhares de fãs. As novas coisas que o servo e Senhor
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anuncia, possivelmente, estão no silêncio das consciências, que decidem pelo direito e pela justiça, no recôndito individual e pessoal.
4 Imagens para a prédica Uma história ouvida, que ilustra a negação do servo do Senhor na vida da pessoa, fala de um gestor de recursos humanos que era visto como alguém profundamente cristão e espiritualizado. Certa ocasião, ele ordenou o desligamento de um dos trabalhadores. O funcionário encarregado de realizar essa demissão perguntou-lhe: “Vamos pagar o percentual relativo ao 13º salário, correspondente ao tempo trabalhado na empresa?”. O gestor pensou por um minuto e respondeu: “Se ele reclamar, paga, se não, esquece!”. Onde está a justiça, onde está o direito, onde está o servo, Senhor e Salvador daquele gestor?
5 Subsídios litúrgicos: Litania D: Bendito Senhor, que o nosso fazer cotidiano contemple o teu direito e a tua justiça, vividos pelo Senhor Jesus e assumidos por todas as pessoas que amam a Deus sobre todas as coisas. T: Deus de amor, nunca permita que nossa consciência se incline para buscar privilégios escusos em prejuízo do direito e da justiça, principalmente dos mais necessitados. D: Deus Eterno, livra-nos da tentação de buscar facilidades em proveito pessoal, com prejuízo de pessoas que esperam pela efetividade da justiça e do direito para continuarem mantendo sua dignidade. T: Deus de amor, nunca permita que nossa consciência se incline para buscar privilégios escusos em prejuízo do direito e da justiça, principalmente dos mais necessitados. D: Bendito Senhor, que nosso fazer cotidiano sempre se paute pelo respeito moral e o cumprimento da ética a fim de que, do nosso agir, emanem somente atos de justiça e de amor. T: Deus de amor, nunca permita que nossa consciência se incline para buscar privilégios escusos em prejuízo do direito e da justiça, principalmente dos mais necessitados.
Bibliografia CROATTO, J. S. Isaías: a palavra profética e sua releitura hermenêutica. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Imprensa Metodista; São Leopoldo: Sinodal, 1989. v. 1. STANGE, Klaus A. Isaías 42.1-9. 1º. Domingo após Epifania. In: Proclamar Libertação: auxílios homiléticos. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2016. v. 41.
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2º DOMINGO APÓS EPIFANIA
15 JAN 2023
PRÉDICA: JOÃO 1.29-42 ISAÍAS 49.1-7 1 CORÍNTIOS 1.1-9
Astor Albrecht
Surpreendidos!
1 Introdução O texto de leitura de Isaías 49.1-7 é o segundo dos chamados “cânticos do servo”, que caracterizam essa parte do livro de Isaías. A identidade desse servo não está bem definida. Às vezes, parece ser o povo todo; às vezes, um indivíduo do meio do povo. Segundo o Novo Testamento, o que essas passagens dizem do servo cumpre-se em Jesus Cristo. Aqui, quem fala é o próprio servo, que se dirige a todos os povos do mundo. A missão do servo é ser luz para todos os povos (v. 6). 1 Coríntios 1.1-9 contém uma saudação e uma oração de gratidão a Deus pela graça concedida para essa comunidade. Os membros da igreja receberam de Deus tudo o que precisavam para viver uma vida dedicada ao seu serviço (v. 5). Dessa maneira, o evangelho é confirmado através do testemunho que é dado pela igreja. A igreja tem uma missão e, para isso, seus membros são santificados em Cristo Jesus (v. 2), isto é, são separados por Deus para um propósito especial. O texto de pregação trata do ministério de João Batista, o início do serviço de Jesus e os seus primeiros discípulos. O encontro de Jesus com João Batista é apresentado como um episódio grandioso, que surpreende: João Batista não o conhecia (v. 31, 33), agora o conhece e sobre ele dá firme testemunho. Muito antes da cruz, João Batista aponta para Jesus como aquele que tira o pecado do mundo (v. 29). Ele é o “cordeiro” que Deus mesmo preparou para a salvação de todas as pessoas. Assim se expressa a magnitude abrangente do sacrifício de Jesus.
2 Exegese No dia seguinte (v. 29), é um dia depois que João teve o encontro com a delegação de Jerusalém (v. 19-28), que veio lhe perguntar quem ele era e qual sua missão. Quando João começou a anunciar a chegada daquele que vem, ele ainda não o conhecia; agora, como irá explicar, já pode identificá-lo como uma pessoa específica. A descrição com que saúda Jesus é surpreendente! Para nós, a caracterização de Jesus como o cordeiro de Deus é conhecida. Mas como terá soado a quem a ouviu pela primeira vez? Há quatro imagens que podem contribuir para entendermos o que João anunciava ao usar esse título para Jesus: 1) João poderia estar pensando no cordeiro pascal: o sangue do cordeiro sacrificado tinha protegido a casa dos israelitas na noite em que abandonaram o Egito (Êx 12.11-13). Paulo também pensava em Jesus como o cordeiro pascal (1Co 5.7).
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2) No ritual do templo, cada manhã e cada tarde, era sacrificado um cordeiro pelo pecado do povo (Êx 28.39-42). 3) Há duas grandes imagens do cordeiro nos profetas. Jeremias escreve: Eu era como manso cordeiro, que é levado ao matadouro (Jr 11.19). E Isaías tem a grande imagem daquele que foi levado como cordeiro ao matadouro, e que se deu como oferta pelo pecado (Is 53.7,10). Esses dois profetas tiveram a visão de alguém que redimiria o seu povo mediante seus sofrimentos e seu sacrifício. 4) Ouvintes de João poderiam estar familiarizados com figuras apocalípticas em que o campeão messiânico era retratado por um cordeiro. No Apocalipse, Jesus é o cordeiro que obteve a vitória ao ser morto e prover a redenção (Ap 5.6-14). O cordeiro de Deus converteu-se em um dos títulos mais apreciados para designar Jesus: resume o amor, o sacrifício, o sofrimento e o triunfo de Cristo. Ele é o que tira o pecado do mundo (v. 29): Jesus é o “cumprimento” daquilo que os cordeiros sacrificiais de Israel apenas prenunciavam. Ele é o cordeiro que o próprio Deus oferece e, por isso, é capaz de realizar o que nenhum sacrifício humano consegue: levar embora o pecado. O testemunho de João no v. 30 é o mesmo do v. 15. Antes, João falava em termos gerais, agora pode apontar para aquele que vem depois de mim (v. 15). João fala de seu ministério de batismo como se fosse uma cortina que se abre para a revelação pública daquele que vem (v. 31). Esse é o único evangelho que não diz claramente que João batizou Jesus. O que temos aqui é o testemunho de João a respeito do que ele viu naquela ocasião (v. 32-34). João repete que não sabia quem seria aquele que vem até aquele momento, mas reconheceu o sinal do qual Deus lhe tinha falado quando viu a pomba descer sobre ele. Agora aparece o contraste com o testemunho de João Batista a respeito de si mesmo: eu vim batizando com água (v. 31, 33), o vindouro batiza com Espírito Santo (v. 33). Seu batismo não é mero sinal, como se Deus ainda tivesse que confirmar e completar. Seu batismo confere a salvação e a nova vida em realidade plena, ao suceder no Espírito e conceder o Espírito. Jesus é o que regenera a humanidade no Espírito Santo. A descida da pomba confirmou para João a verdade, que, ao mesmo tempo, foi anunciada pela voz do céu, Jesus é o Filho amado de Deus. Esse título expressa o relacionamento essencial que ele tinha com Deus como seu Pai. João Batista aponta para além de si mesmo (v. 35), e dois de seus discípulos seguem a Jesus (v. 37). Era André (v. 40) e o outro era João, que não cita seu nome, como faz em todo o evangelho. Jesus percebe que o seguem e volta-se para eles (v. 38). Aqui temos um símbolo da iniciativa divina: sempre é Deus quem dá o primeiro passo! Quando a mente humana começa a procurar e o coração humano começa a desejar, Deus vem ao nosso encontro muito mais que a metade do caminho. “Nós nem sequer teríamos podido começar a procurar a Deus se Deus não nos tivesse encontrado antes” (Agostinho). Quando nos dirigimos a Deus, não vamos ao encontro de alguém que se esconde e se mantém a certa distância; nós nos dirigimos a alguém que nos está esperando e que inclusive toma a iniciativa ao sair e nos encontrar no caminho. Que buscais? (v. 38). Essa palavra tão simples é a primeira palavra no evangelho que ouvimos dos lábios de Jesus. A palavra eterna pode falar de forma tão objetiva e neutra! Contudo, a pergunta é, ao mesmo tempo, cheia de profun-
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didade e poder. Será que vocês realmente já sabem o que querem? Vocês sabem o que estão buscando junto de mim e o que pode ser achado em mim? Isso foi às 16 horas. Trata-se de um testemunho pessoal de quem estava ali (João). Vinde e vede, foi o convite de Jesus. Não é relatado o que viram e nem o que Jesus lhes disse, mas foi o suficiente para convencê-los de que João Batista não estava enganado: Jesus era de fato aquele que vem, o Messias esperado (v. 41). Notícias tão maravilhosas não podiam ser guardadas para si; outras pessoas precisavam saber delas. Ele achou primeiro (v. 41) está baseado em alguns manuscritos gregos que trazem a palavra prōton, que significa primeiro. Em outros manuscritos aparece prōi, que significa cedo pela manhã. A segunda versão se encaixa mais ao relato, ao ver esse evento ocorrendo no dia seguinte. André fala para seu irmão Pedro que encontrou o Messias. João explica essa palavra hebraica para ajudar seus leitores gregos, a quem escrevia, a compreender melhor: Messias (hebraico) e Cristo (grego) são a mesma palavra e significam ungido. Quando André levou Pedro até a presença de Jesus, este o olhou (embleptein) (v. 42): essa palavra descreve um olhar concentrado, profundo. Significa o olhar que não se limita a ver as coisas superficiais, mas sim que vê dentro do coração. Jesus não só vê o que a pessoa é, mas também no que ela pode se tornar. Não vê somente a pessoa no momento atual, mas também suas possibilidades. Jesus “vê” de modo bem diferente do que nós: vê numa pessoa aquilo que ele mesmo visa fazer e fará dela. Jesus fala para Simão a mudança de seu nome: de Simão para Cefas, que quer dizer Pedro. Pedro é a palavra grega e Cefas a palavra aramaica que significa rocha. A mudança de nome assinala uma nova relação com Deus, como se a vida voltasse a começar.
3 Meditação Somos surpreendidos quando temos ou somos alvo de uma grande surpresa. Ficamos espantados com alguma coisa inesperada. Pode ser que no seu aniversário poucas pessoas ligaram para cumprimentá-lo e, ao chegar em casa, uma festa surpresa foi preparada! Seus amigos e suas amigas estavam aguardando, ansiosos, você chegar! Você se surpreende! Fica feliz! Emocionado! Cada uma dessas pessoas está num lugar especial em seu coração. A vida precisa de boas surpresas! Imagino isso como se estivesse à noite por duas horas sem energia elétrica. Então, de repente, a energia elétrica volta e a casa fica cheia de luz. Que bom! Agora posso fazer melhor minhas tarefas e a criança pequena não está mais com medo. Foi uma boa surpresa. Também faz bem para a vida cristã esse ingrediente de surpresa! Ver-se como uma pessoa surpreendida por Deus e, ao mesmo tempo, surpreender outras pessoas com o que Deus tem para lhes dar. Nós, de fato, ocupamos nesta história um lugar muito especial. Nossa vida não é qualquer esboço, mas uma bela história com grandes surpresas. Não percamos a essência de que o evangelho é boa notícia. Jesus é aquele que viria. É o prometido de Deus! Ele é o ungido, o escolhido por Deus que traz vida e salvação. Jesus é aquele que surpreende! Ele vem ao nosso encon-
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tro e transforma a vida. O Evangelho de João relata vários encontros de como as pessoas foram surpreendidas pelo Senhor. Por exemplo, podemos lembrar quando acabou o vinho na festa de casamento e Jesus surpreendeu o mestre-sala (Jo 2.10); surpreendeu Nicodemos ao lhe falar das verdades do Reino de Deus (Jo 3.4); surpreendeu a mulher samaritana que falou de Cristo para sua cidade (Jo 4.28-29); o que foi feito de cinco pães e dois peixinhos foi maravilhoso (Jo 6.9,11); a surpresa de Maria Madalena diante de Jesus que venceu a morte (Jo 20.16); o próprio Tomé que passou da incredulidade para a fé (Jo 20.28). Perceber-se como uma pessoa surpreendida pela graça e pelo amor de Jesus deveria estar sempre bem firmado no coração. Toda a história e o evento de nossa redenção nunca devem se limitar a afirmações dogmáticas, trata-se, antes de todas as coisas, daquele que veio ao nosso encontro. Que nos amou primeiro! Que nos alcançou, perdoou e dá vida nova! Assim como o Senhor, ao olhar para Pedro, viu o seu coração, assim também seu olhar nos alcança e dá direção à vida. Dá-nos um lugar muito especial na obra de Deus. Por isso, na comunidade cristã ninguém deveria sentir-se menor nem maior que seus irmãos e irmãs. Fomos alcançados pelo mesmo Senhor e Salvador. Precisamos de Cristo! A fé, a esperança e o amor que experimentamos tem sua origem em Cristo que nos enriquece para darmos bom testemunho a seu respeito (1Co 1.5). Como consequência de sermos surpreendidos por Cristo, temos o chamado para surpreendermos o nosso próximo. Depois de ser encontrado e surpreendido por Jesus, no dia seguinte, André logo falou com seu irmão Pedro a respeito dele. André assumiu esse serviço e levou Pedro até Jesus. Veja como cada crente pode prestar um serviço decisivo para seu próximo. Lembro-me de uma senhora que toda semana participava da OASE. Ela contou que, enquanto esperava o ônibus na parada, conversou com uma senhora. Percebeu que ela estava triste e conversaram a respeito. Ao final, disse que estava indo para a igreja e a convidou a ir também. Que lá ouviria a palavra de Deus, poderia conversar e orar por sua vida. Ela foi junto. O que aconteceu depois? Ela começou a participar do grupo. Mas, independente disso, importa que o testemunho foi dado e a comunhão na igreja testemunhou a respeito de quem é Cristo. Ali, naquele encontro e naquela comunhão, uma pessoa foi surpreendida. Será que, às vezes, não somos críticos demais? Normativos demais? Quando tudo precisa estar dentro de uma caixa sobre a qual eu tenho controle, será que ainda resta possibilidade de ser surpreendido? Será que a pergunta: Que buscais? (v. 38), não deveria dar oportunidade ou prioridade à necessidade de quem busca? Será que o convite vinde e vede (v. 39) não deveria nos reunir mais em torno de Cristo e sua vontade? Não seria justamente um pouco mais de Jesus, aquele que foi dado como luz para os gentios (Is 49.6), que o mundo descrente precisa ver no povo do Senhor? A sugestão é partilhar a imagem para a prédica. Destacar que cada irmão e irmã em Cristo é alguém surpreendido pelo amor e graça de Deus. É bom lembrar isso, tal como Paulo lembrou os membros da comunidade de Corinto em sua oração. Assim também, individualmente e como igreja, nosso chamado é passar
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adiante o que temos recebido do Senhor. Vamos surpreender? O Espírito Santo assim nos ajude. Amém.
4 Imagens para a prédica A comunidade de Corinto enfrentava problemas. Paulo trata de assuntos como imoralidade na igreja, processos na justiça contra irmãos na fé, dons do Espírito Santo que estavam causando dificuldades. Mas ele inicia com louvor e gratidão a Deus. Ele próprio não deixa de ver as coisas boas e também chama a igreja para deixar-se surpreender pela graça de Deus. Segue uma ilustração com uma referência a uma história do Antigo Testamento. Claudia insistiu com seus filhos para que acreditassem que valia a pena colocar o equipamento de mergulho e espiar o fundo do mar. Depois do mergulho, eles emergiram e falaram cheio de surpresa: “Há milhares de peixes de todos os tipos! É lindo! Nunca vimos peixes tão coloridos!”. Como a água parecia com a de um lago que tinham perto de casa e que era por eles conhecido, achavam que ali não tinha nenhuma novidade. Se não tivessem mergulhado, teriam perdido a beleza escondida sob aquela superfície. Quando o profeta Samuel foi a Belém para ungir um dos filhos de Jessé como próximo rei, ele viu o mais velho, Eliabe, e impressionou-se com a sua aparência. Ele pensou que já havia encontrado a pessoa certa, mas o Senhor via de modo diferente. Deus lembrou a Samuel: O Senhor não vê as coisas como o ser humano as vê. As pessoas julgam pela aparência exterior, mas o Senhor olha o coração (1Sm 16.7). Samuel, então, perguntou se havia mais filhos. Davi, o mais novo, não estava ali, pois cuidava das ovelhas. Ele foi chamado e o Senhor ordenou que Samuel o ungisse. Podemos olhar para nós mesmos ou para as outras pessoas de forma superficial e, com isso, não nos dar conta da beleza interior. Nem sempre valorizamos o que Deus valoriza. Mas se tomarmos tempo para espiar debaixo da superfície, poderemos encontrar um grande tesouro.
5 Subsídios litúrgicos Sugestão de palavra inicial e versículo de acolhida: Surpresa é reagir a algo inesperado. Pode haver situações que nos surpreendem de forma positiva ou negativa. Podemos ser pegos de surpresa por um fato que estava fora dos planos. Da mesma forma, podemos ser surpreendidos com uma notícia redentora ou por um milagre que muda a nossa sorte. Só Deus tem a capacidade de nos surpreender de verdade. Quando tomamos ciência de que Jesus se entregou para nos redimir do pecado e nos livrar da morte eterna, somos pegos de surpresa por esse amor! Surpresa maior é sabermos que ele fez tudo por nos amar! Felizes somos ao crermos e reconhecermos o seu sacrifício. Acolhemos vocês neste culto com as palavras de João 5.20: Pois o Pai ama o Filho e lhe mostra tudo o que está fazendo. E vai mostrar a ele coisas ainda maiores do que essas, e vocês vão ficar admirados.
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Sugestão de hinos: Amanhecer – LCI 341; Deus está presente – LCI 14; Alto preço – LCI 601; Foi na cruz – LCI 585; Tal qual estou – LCI 587.
Bibliografia BÍBLIA DE ESTUDO NOVA TRADUÇÃO NA LINGUAGEM DE HOJE. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2005. BOOR, Werner de. Evangelho de João. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2002. (Comentário Bíblico Esperança). SCHLATTER, Adolf. Das Evangelium nach Johannes. Stuttgart: Calwer Verlag, 1987.
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3º DOMINGO APÓS EPIFANIA
22 JAN 2023
PRÉDICA: 1 CORÍNTIOS 1.10-18 ISAÍAS 9.1-4 MATEUS 4.12-23
Paulo Roberto Garcia
Quando lideranças são mais importantes que Cristo
1 Introdução A fé cristã, herdeira da Bíblia judaica, nosso Antigo Testamento, vive em torno da expectativa da consolidação do Reino de Deus. Desse modo, o texto de Isaías 9.1-4 anuncia a esperança em torno da luz que irá brilhar nas trevas. O texto de Mateus 4.12-23 retoma essa promessa e anuncia a concretização da esperança, que se dá com o início do ministério de Jesus. Ou seja, Jesus e seu ministério são o centro do anúncio e da fé da comunidade de seus seguidores e seguidoras. Porém, quando lemos o texto de Paulo aos coríntios, encontramos a comunidade vivendo na contramão dessa expectativa e desse cumprimento. De repente, Cristo já não é mais o centro da vida de fé de grupos da comunidade, afinal, eles passam a se identificar como aqueles que são de Paulo, Apolo, Pedro e Cristo. Isso gera divisões e, na perspectiva paulina, isso se constitui em um afastamento dos paradigmas da fé e acaba por invalidar a cruz de Cristo. Nossa perícope, então, vai questionar essa prática e, mais do que isso, a reprodução dos critérios de honra e vergonha do mundo dominado por Roma e apontar caminhos diferentes para a vida de fé dos seguidores e seguidoras de Cristo. Esse é o desafio de mudança que nossa perícope apresentará.
2 Exegese A igreja de Corinto era uma igreja dividida. Essa afirmação é um consenso na leitura dessa carta de Paulo. Também se têm mapeado as diversas tendências que havia na igreja: cristãos judaizantes (os de Pedro); cristãos helenistas elitizados (os de Apolo); cristãos helenistas das classes mais pobres (os de Paulo) e cristãos helenizados influenciados pelos cultos de êxtase (os de Cristo). O último grupo é o mais complicado na pesquisa; quanto aos demais há um consenso. A novidade na pesquisa, hoje, não se dá em torno do pensamento desses grupos, e sim por que eles se formam. Por que se consegue perceber tão claramente grupos que se organizam em torno de nomes de lideranças em que pelo menos de uma delas – Pedro – não se tem nenhuma informação de sua presença em Corinto? Como pessoas se identificam com uma liderança que não é parte do cotidiano da comunidade? Aqui temos o fio condutor que pode nos ajudar a pensar nesse texto e a encontrar caminhos e desafios para as comunidades cristãs hoje.
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a) Líderes e seguidores: escolas cristãs? O mundo greco-romano era caracterizado por escolas que se formavam em torno de filósofos. Essas escolas eram apresentadas como algo estruturado, com características que as distanciavam dos movimentos internos do cristianismo primitivo. Porém, em algumas linhas de pesquisa, se apontam que mesmo não tendo as estruturas formais das escolas consolidadas, há uma tendência de se formarem agrupamentos em torno de pensamento de líderes que determinam a concepção de pertença ao movimento. Ou seja, a pluralidade de movimentos no cristianismo primitivo tem também nas figuras das lideranças carismáticas um elemento catalizador de identidades cristãs. É comum, inclusive, falar em “cristianismos originários” para marcar essa pluralidade. Nossa perícope de 1 Coríntios nos apresenta essa pluralidade dentro de uma mesma comunidade (ou um conjunto de comunidades dentro da cidade de Corinto). Deste modo, ao se falar em “Eu sou de Paulo”, “Eu sou de Apolo”, “Eu sou de Cefas”, “Eu sou de Cristo”, encontramos códigos de pertencimento que definem o que é ser cristão para cada um desses grupos. Ou seja, desenvolve-se uma identidade que determina a forma de ser, de um lado, e a negação das outras formas de se viver a fé, de outro. Isso gera o conflito. Frente a esse conflito, nosso texto reflete sobre como superar as divisões. Aqui temos não apenas um desafio para a unidade, mas uma discussão sobre a organização das comunidades cristãs. Poderemos perceber isso ao trabalhar com o texto. b) A perícope O texto está estruturado da seguinte forma: Tema da súplica: unidade (v. 10) V. 10 – Irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, peço-lhes que todos estejam de acordo naquilo que falam e que não haja divisões entre vocês; pelo contrário, que vocês sejam unidos no mesmo modo de pensar e num mesmo propósito. Realidade da comunidade (v. 11-13) V. 11 – Pois, meus irmãos, fui informado a respeito de vocês por alguns membros da casa de Cloe de que há brigas entre vocês. V. 12 – Refiro-me ao fato de cada um de vocês dizer: “Eu sou de Paulo”, “Eu sou de Apolo”, “Eu sou de Cefas”, “Eu sou de Cristo”. V. 13 – Será que Cristo está dividido? Será que Paulo foi crucificado por vocês ou será que vocês foram batizados em nome de Paulo? O propósito da vida de fé (v. 14-18) a) não para batizar (v. 14-17a) V. 14 – Dou graças a Deus por não ter batizado nenhum de vocês, exceto Crispo e Gaio, V. 15 – para que ninguém diga que vocês foram batizados em meu nome.
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V. 16 – Batizei também a casa de Estéfanas. Além destes, não me lembro se batizei algum outro. V. 17a – Afinal, Cristo não me enviou para batizar, b) e sim para pregar o evangelho (17b-18) V. 17b – mas para pregar o evangelho, não com sabedoria de palavra, para que não se anule a cruz de Cristo. V. 18 – Certamente a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, ela é poder de Deus. O texto inicia com uma exortação (literalmente: Eu vos exorto, irmãos, pelo nome do nosso Senhor Jesus Cristo). Ao abrir com essa expressão, nossa perícope se insere nos gêneros de textos exortativos, que tinham a finalidade de corrigir os erros das comunidades ou de apontar caminhos. Ou seja, nossa perícope aponta um problema da comunidade que precisa ser corrigido. O problema não é apenas a falta de unidade. O problema é que essa divisão se dá em torno de figuras importantes do cristianismo primitivo: Paulo, Apolo, Pedro e até o próprio Cristo. Ou seja, o que era para ser um movimento que caminhava em torno de Cristo, sem um grupo se achando os únicos que faziam isso, a comunidade de Corinto apresentava as marcas de divisões nas quais lideranças do movimento passavam a conferir identidade a determinados grupos. A exortação aparece não apenas por aquilo que já é comum encontrar nas pesquisas e que mencionamos acima sobre as características do grupo. Aqui temos lideranças do movimento sendo definidas como modelo de vida de fé. Nesse ponto, a argumentação de Paulo denuncia os desvios dessa prática. Em primeiro lugar, Paulo faz uma afirmação estranha ao cristianismo: Cristo não me enviou para batizar. É lógico que ele faz uma prestação de contas para a comunidade de quem ele batizou. Mas por que Paulo faz uma afirmação dessas? O batismo, como uma marca de ingresso na comunidade das famílias alcançadas pelo evangelho, será uma característica muito valorizada no cristianismo primitivo, e o é até hoje. Nesse ponto, é preciso entender que Paulo não foi enviado para batizar como objetivo último de seu chamado. Ou seja, batizar para ter seguidores batizados por ele. O grande objetivo é anunciar o evangelho. O batismo é em nome de Cristo, que foi crucificado por todos. Nenhuma liderança pode ocupar esse lugar que é de Cristo. Em segundo lugar, Paulo, ao anunciar o seu chamado, acrescenta que sua pregação não é com sabedoria de palavra. Novamente uma expressão estranha. Por que questionar uma pregação que tenha “palavras de sabedoria”? Novamente, uma crítica a um mundo em que as pessoas eram valorizadas pela eloquência. Plínio, o Jovem, em uma carta para Titínio, afirma: “E ainda, estou bastante satisfeito com a fama que a história sozinha me promete. Pois da oratória e da poesia só se colhe uma pequena recompensa, a menos que nossa eloquência seja realmente de primeira classe”. As pessoas com uma oratória respeitável (como Apolo) tinham um respeito muito grande, eram acolhidas nas cidades por patronos que financiavam esses oradores. Paulo afirma, em 2 Coríntios 11.5, que a
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única coisa que o diferenciava dos “superapóstolos” era que ele não foi pesado para a igreja. Ou seja, as pessoas mais estimadas eram financiadas pela igreja. Nesse segundo ponto, o anúncio de Cristo não é para gerar prestígio, senão, isso invalida a cruz de Cristo. Ou seja, o esvaziamento daquele que morreu por todos se perde na busca de prestígio dos líderes e, também, dos seguidores, que querem se identificar com um orador com palavras de sabedoria. Finalmente, Paulo encerra com a inversão de valores muito comum em suas cartas. As palavras da cruz são loucura para os que se perdem. Ou seja, ela não preenche os critérios de honra de uma sociedade que não entendeu a mensagem da cruz. Para os salvos, essa “loucura” do esvaziamento e da negação da honra é poder. Uma inversão da lógica. Nessa exortação presente em nossa perícope, o problema maior não é a falta de unidade. É a falta de unidade baseada no surgimento de lideranças que passam a conferir identidade aos seus seguidores. Com isso, já não se batiza mais em nome de Cristo, mas sim em nome dessas lideranças. Isso invalida a cruz de Cristo.
3 Meditação Em tempos de valorização exacerbada de líderes, percebida em todos os segmentos da sociedade, em nossas igrejas também acabamos espelhando isso. E, ao espelhar os valores da sociedade, espelhamos também os conflitos e as divisões. Deste modo, igrejas e sociedade são levadas e passam a vivenciar a exacerbação de lideranças que devem ser aceitas incondicionalmente, imitadas, defendidas, e suas decisões aceitas sem nenhum questionamento. A valorização exacerbada dessas lideranças gera divisões e conflitos. O mesmo acontece nas comunidades de fé. E por isso a comunidade deixa de ser palavra profética de denúncia das divisões e anúncio do Cristo que quer que todos sejam um para que o mundo creia. Essas divisões na sociedade e na igreja têm trazido marcas de dor e de desesperança em nosso mundo. Aqui, nosso texto traz uma luz para que as comunidades de fé possam discernir sua natureza, herança e desafios. Para Paulo, quando uma liderança passa a determinar a vida de fé das pessoas, isso invalida o sacrifício de Cristo. Paulo, usando uma linguagem pedagógica da época, caracterizada pela ironia, pergunta se Paulo foi crucificado por alguém. Ao fazer essa pergunta, ele questiona esse modelo de seguimento que distorce o sacrifício e o esvaziamento de Cristo por uma valorização e uma exaltação daqueles que seguem o crucificado e lideram seu movimento. Por isso Paulo questiona inclusive o batismo. Ao fazer isso, ele não questiona o sacramento. Ele questiona o fato de pessoas se identificarem por quem elas foram batizadas ou em nome de que grupo foram batizadas. Assim, nessa perspectiva que gera divisão, o batismo em nome de Cristo cede lugar ao batismo em nome de Pedro, Paulo, Apolo e, também, em nome de Cristo, mas possivelmente se referindo a um grupo que se apresenta como portador de um acesso privado e direto ao próprio Cristo. Paulo então reafirma a convicção de que todos os cristãos e as cristãs são anunciadores do evangelho, um anúncio que não acontece nos padrões de honra do mundo que o cerca, no qual as palavras de sabedoria geram prestígio, mas com
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palavras de loucura, onde o esvaziamento do que anuncia, aponta para a cruz de Cristo, não a inviabilizando. O grande desafio que Paulo coloca então é uma vida centralizada no testemunho de Cristo, que morreu por cada um, uma vida que não visa ao prestígio próprio nem a aceitação e valorização pelo mundo das lideranças que falam em nome de Cristo. Se Cristo é o centro do anúncio e do compromisso, todos e todas são iguais, unidos e unidas em torno de um mesmo anúncio, que é loucura para quem não entende esse novo código de honra e vergonha que deve marcar o movimento cristão. Um código de igualdade e unidade em torno de Cristo e de esvaziamento e loucura para todos que se unem à fé.
4 Imagens para a prédica Ao navegarmos na internet, encontramos informes sobre conflitos entre lideranças evangélicas. Muitas vezes, tem-se a impressão de que há uma verdadeira guerra em torno de lideranças. Um exemplo disso foi uma matéria publicada pela BBC News em 28 de abril de 2020, intitulada “Como a crise do coronavírus expõe racha entre evangélicos no Brasil”. Nela, a repórter Letícia Mori da BBC Brasil em São Paulo relata: O teólogo Kenner Terra, do Espírito Santo, teve que lidar com uma enxurrada de críticas e comentários agressivos de outros evangélicos quando publicou um texto defendendo o isolamento social para combater o coronavírus. Coordenador do Fórum Evangelho e Justiça no Espírito Santo, Terra é pastor de uma igreja batista que está entre as que defendem as medidas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para evitar a disseminação da Covid-19.
Nos momentos de maior angústia, que marcou o auge da pandemia, alguém que apresentava uma perspectiva teológica que defendia um procedimento que visava proteger a vida, em vez de diálogo ou até mesmo um debate, foi alvo de uma enxurrada de críticas agressivas. Esse é um exemplo do que encontramos em diversas leituras. As divisões presentes na sociedade se refletem na igreja e isso gera quebra de unidade e violência, deixando de lado o anúncio do Cristo e a esperança para a sociedade. Essa imagem ou outras do gênero podem nos ajudar a refletir com a comunidade sobre quando as lideranças se tornam mais importantes que o anúncio do Cristo. O resultado é a divisão e a violência.
5 Subsídios litúrgicos Credo da não violência Cremos que a Paz é para todos e que a violência não é de Deus. Cremos que a resistência pode ser não violenta quando praticada por olhos críticos e amorosos,
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braços fortes e solidários, mãos hábeis e carinhosas, pés firmes e libertadores. Cremos que a superação da violência se dá pela substituição revolucionária da palavra ofensiva pelo ouvir compreensivo, do gesto ríspido pelo silêncio eloquente, da ânsia de vingança pela bênção da reconciliação. Cremos na transformação dos que praticam a violência por meio da ação consciente, solidária e colaborativa de toda a sociedade organizada, segundo os princípios do Amor e da Paz, que são os outros nomes de Deus. (Luiz Carlos Ramos, Brasília (GNRC), 12.11.2011) Fonte: <https://www.luizcarlosramos.net/credo-da-nao-violencia/>.
Bibliografia SAMPLEY, J. Paul. Paulo no mundo greco-romano – um compêndio. São Paulo: Paulus, 2008. NOGUEIRA, Sebastiana Maria Silva; MACHADO, Jonas. Lendo as cartas aos Coríntios – unidade, diversidade e autoridade apostólica na comunidade cristã. São Paulo: Paulus, 2021.
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4º DOMINGO APÓS EPIFANIA
29 JAN 2023
PRÉDICA: MATEUS 5.1-12 MIQUEIAS 6.1-8 1 CORÍNTIOS 1.18-31
Ricardo Brosowski
Um paradoxo
1 Introdução O texto das bem-aventuranças é um dos mais conhecidos da Bíblia. Em Mateus 5.1-12, temos a primeira grande pregação de Jesus Cristo. Um anúncio que, ao mesmo tempo que quer transmitir paz e calma para o dia a dia, também gera um saudável desconforto, que deveria impulsionar a sua comunidade a uma prática ética de amor. Em 1 Coríntios 1.18-31, encontramos a inversão da lógica que acontece na cruz de Cristo. Na cruz, a loucura ganha contornos de poder que gera salvação. Em Miqueias 6.1-8, encontramos um Deus que se preocupa com o seu povo. Um Deus que ensina a justiça e a misericórdia. Esse conjunto de textos se apresenta como muito atual. As pessoas procuram alguém que as ajude. As pessoas estão sofrendo, ansiosas, depressivas, esquecidas. Jesus Cristo olhou para elas, viu suas necessidades. Esses textos nos convidam a fazer o mesmo. Não por mérito ou como forma de autopromoção, mas como resposta ao amor de Deus, manifesto na cruz. Ser comunidade na atualidade é reconhecer os sinais de sofrimento do mundo contemporâneo, e neste mundo sofrido, anunciar e viver a loucura da cruz, que culmina em justiça e misericórdia. Ou seja, viver as bem-aventuranças, acolhendo-as como consolo, porém, também lutando para que elas sejam praticadas no dia a dia. No volume 38 de Proclamar Libertação (p. 85-90), a pastora Ana Isa dos Reis reflete de modo detalhado sobre cada uma das bem-aventuranças. Recomendamos a leitura.
2 Exegese Estamos no início do sermão do monte. Essa fala abre o primeiro grande discurso de Jesus Cristo. Esse discurso compreende os capítulos 5 a 7. Rienecker (1998, p. 25) relata que Jesus se apresenta, nesse discurso, como sendo o novo legislador da sua comunidade. Talvez possamos dizer que, nesse primeiro discurso, Jesus mostra para seus discípulos e para todos que ali estavam qual era a sua vontade para o mundo. Nesse primeiro bloco de ensinamentos feitos por Jesus, podemos notar um grande teor ético. A ética nada mais é do que uma busca pelo conhecimento daquilo que é, para que, a partir desse ser, seja construído aquilo que deveria ser.
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Ou seja, a ética é o estudo do comportamento humano a partir de noções como: o bem e o mal; o que é justo e o que é injusto. Ela busca elaborar princípios capazes de orientar a vida humana para ações moralmente corretas. E, ao mesmo tempo, refletir sobre os sistemas morais que estão ou estiveram em vigor na humanidade. Nosso texto pode ser dividido em duas partes: uma breve introdução (v. 1-2) e a descrição das bem-aventuranças (v. 3-12). Na introdução, torna-se claro que essas palavras têm um destino duplo. Primeiramente os seus discípulos mais próximos, que se aproximaram dele e receberam instrução. No paralelo de Lucas (Lc 6.20-23), nos é dito: E ele (Jesus) tendo erguido os olhos para os seus discípulos dizia [...]. Contudo, como um segundo destinatário, que não é indireto, temos a multidão que os seguiu. É diante dessas pessoas que Jesus ensina aquilo que espera de seus seguidores. Para Lutero (2005, p. 25), Jesus mostra a seriedade de seu discurso ao subir o monte, sentar e abrir sua boca. Seu comentário contém um conselho sempre pertinente: “Pois esses são os três pontos, como se diz, que fazem um bom pregador: primeiro, que se apresente, segundo, que abra a boca e diga algo, terceiro, que também saiba quando terminar”. Temos, nos v. 3-12, oito bem-aventuranças. O termo grego utilizado para descrever o bem-aventurado é makarioi. Lucas utiliza a mesma palavra. Esse termo pode ser traduzido como bem-aventurado, feliz, bendito, um privilegiado que é recebedor do favor divino. Abbagnano (2018, p. 123-124), em seu dicionário de filosofia, escreve que felicidade e bem-aventurança, apesar de serem sinônimos, podem conter, de modo implícito, uma diferença interessante. A felicidade (eudaimonia) é o estado de satisfação de alguém com a sua situação no mundo. Já a bem-aventurança (makaria) é um ideal de satisfação independente da relação do ser humano com o mundo. Enquanto o conceito de felicidade é mundano e humano, a ideia de bem-aventurança está ligada ao jeito contemplativo e/ou religioso de viver. A bem-aventurança é um estado de satisfação total, completamente independente das vicissitudes mundanas. Não existe um consenso sobre como se devem interpretar essas bem-aventuranças. Podem elas ser interpretadas como uma caracterização da vida imanente dos discípulos de Jesus? Ou serão promessas escatológicas, que vislumbram uma forma esperançosa de vivenciar o dia a dia de sofrimento nesta vida? Podemos perceber, no anúncio das bem-aventuranças, duas coisas. A primeira é a contraposição de uma forma de sofrimento existente com um modo misericordioso de tratá-lo. A segunda é um aparente paradoxo moral. Beltrand Russell, em sua filosofia do atomismo lógico, escreve assim: “O objetivo da filosofia é começar com uma coisa tão simples que não parece merecer atenção e terminar com outra tão paradoxal em que ninguém acreditará”. É mais ou menos isso que as bem-aventuranças fazem. Existem aqueles que são misericordiosos. Esses, muitas vezes, abrem mão de si mesmos, não levando em consideração as suas dores, as suas mágoas, as suas crises. O que normalmente ocorre com pessoas assim? São pisoteadas, chacoteadas. Mas, quase como um projeto contracultural, o texto bíblico nos diz: es-
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ses alcançaram misericórdia. Ou seja, também serão perdoados, alguém também abrirá mão da vingança, das próprias dores para que ele possa ser suprido. Talvez as bem-aventuranças ganhem um status ético justamente por, em sua forma paradoxal de se apresentar, se mostrarem essenciais para não apenas almejar o futuro, mas também para possibilitar a vida e a convivência humana já agora. Na sua forma de viver e agir, Jesus Cristo concretizará aquilo que ensina em todo o sermão do monte. A tarefa dos discípulos é colocar em prática aquilo que Jesus ensinou e viveu. Rienecker (1998, p. 75) reflete que é a partir desse primeiro grande discurso de Jesus que a sua mensagem deve encontrar eco na vida dos discípulos, ou seja, que deve ser transformada de discurso em ação, que a comunidade de Jesus Cristo se tornará palpável e observável. A comunidade de Jesus Cristo nada mais é (creio que o termo mais correto seja “deveria ser”) do que a continuação da vida de Jesus em todos os lugares e através de todos os tempos, até que ele mesmo venha. Podemos dizer que esse texto serve de instrução prática: console, tenha misericórdia, não haja com ira ou violência, viva a paz, não espere nada deste mundo, viva a justiça. Essa é uma árdua tarefa. Contudo, Lutero (2005, p. 276) conclui que essas palavras também são um consolo para as pessoas cristãs. As palavras ditas aqui servem para que as pessoas cristãs não se importem com a ingratidão, o ódio, a inveja e o desprezo do mundo, e sim para que se olhe para o próprio Deus.
3 Meditação É impossível dizer que a vida é fácil. As pessoas tendem, no cotidiano, a se deparar com as dores e os sofrimentos causados por situações difíceis, que nem sempre resultam de escolhas próprias. Estamos todos sujeitos aos infortúnios, à entropia e ao suspiro derradeiro. C’est la vie. Em nossos cultos, temos um espaço muito especial na liturgia em que clamamos pelas dores do mundo. Esse é um grande reconhecimento de que as coisas ao nosso redor não são tão boas quanto gostaríamos que fossem. O coronavírus ainda nos assusta. Surge uma hepatite misteriosa e, ao mesmo tempo, o retorno da varíola; ocorrem guerras e fome. As pessoas estão ansiosas, solitárias, depressivas, com medo, angustiadas com o futuro. Para piorar, em muitas situações, essas pessoas não encontram quem olhe para elas, quem as escute sem julgamentos, não há quem as acolha. Essa crise não é só dos outros! É minha também! Eu não sou visto, ninguém me escuta, não sou acolhido! A ideia da felicidade presente também está cada vez mais distante. E isso é curioso. As conquistas tecnológicas nos aproximaram de quem estava longe, avanços na medicina fazem a nossa expectativa de vida aumentar, produção em alta. Contudo, mesmo assim, vivemos em um período de infelicidades, de vazio e de grandes crises. Lembramos que o conceito de felicidade nos diz que ela é o estado de satisfação de alguém com a sua situação no mundo. Isso está cada vez mais raro.
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É justamente nesse ponto que o texto do evangelho começa a fazer sentido. Jesus Cristo não jogou ao vento palavras que não faziam sentido para as pessoas. Ele não fez um discurso para ser recortado e postado no TikTok. A primeira coisa que ele faz é olhar para as pessoas. Ao olhar para elas, Jesus Cristo percebe quem é o seu interlocutor. Pode ver seus rostos, sua feição de espanto, de alegria, de tristeza, de dor, de pressa, também de indiferença. Além disso, as situações de sofrimento, de opressão, de choro, de acusação, de perseguição, de injustiças, de pobreza ficam perceptíveis. Estamos com muita dificuldade em olhar e ver o que nos cerca. Não conseguimos observar os sinais de nosso tempo. Não conseguimos ver as pessoas que passam ao nosso lado. Não enxergar significa não conhecer. Olhar para as pessoas e buscar compreendê-las é um ato de diaconia. É importante notar que as palavras expressas por Jesus trazem não só um consolo, mas também uma ressignificação. Com isso lembramos de Vigotski: “Uma palavra sem significado é um som vazio; o significado, portanto, é um critério da palavra, seu componente indispensável. Pareceria, então, que o significado poderia ser visto como um fenômeno da fala”. Após ver aquelas pessoas, Jesus forneceu, pela fala, um sentido a elas. E é nesse interim que o termo bem-aventurança começa a fazer sentido. A bem-aventurança é um ideal de satisfação independente da relação do ser humano com o mundo. Em outras palavras, compreender a bem-aventurança é compreender que a realização daquilo que ela carrega não está embasada, num primeiro momento, naquilo que ser humano pode e consegue fazer. Mas está para além dele! Por isso é importante notar, na explicação dada, que ela é uma característica dos seres contemplativos e religiosos. É preciso lembrar, antes de qualquer coisa, que o sermão de Jesus é discurso. Não é da prática que advém a teoria, pelo contrário, da teoria que se vai para a prática. Não são as pessoas que servem para justificar o discurso, como a política partidária faz. Mas é o discurso que é orientado para chegar ao ponto vivencial das pessoas. É por isso que ele pode ser considerado de status ético. Ele detecta o problema e oferece uma solução. Ele sai do mero discurso e se torna prática, se torna ato diaconal e missionário. Aqui se apresenta novamente o paradoxo. Se os aspectos nitidamente problemáticos da vida se revelam com algum benefício no todo, isso representa realmente um problema? Chorar e prantear é algo ruim, mas ser consolado é bom! Então chorar realmente é um problema? É justamente nesse ponto que o ensino de Jesus se torna práxis dentro da igreja. Chorar faz parte da vida. O chorar sozinho é que é problema. Estar sedento por justiça é algo comum. Não ter esperança de ser saciado é que gera crise. Conforme Rienecker (1998, p. 76), “por isso a comunidade de Jesus Cristo torna-se uma grandeza absolutamente real. Vale inteiramente para ela a característica da visibilidade”. Que nosso discurso vire prática!
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4 Imagens para a prédica As palavras de Jesus Cristo também são destinadas à comunidade do dia de hoje. Nossas comunidades são formadas por pessoas bem-aventuradas. E ao mesmo tempo responsáveis por espalhar as bem-aventuranças por onde passam. Lembramos os artigos IV, V e VI da Confessio Augustana. Ganhamos a salvação – a maior bem-aventurança de todas, como presente, sem mérito nosso. Isso nos é anunciado em todo o momento pela palavra de Deus, para isso foi instituída a pregação, anunciando-nos um Deus gracioso. Após isso vem a nova obediência, que nos ensina que “devemos” produzir bons frutos e boas obras, por causa do amor de Deus, porém sem confiar que elas nos tragam algum mérito. Desse modo, podem ser apresentadas, na fala ou visualmente, situações que denotam o infortúnio humano. Situações de miséria, de violência, de corrupção, de desespero e choro. Depois, pode-se explanar sobre o caráter ético do anúncio feito por Jesus Cristo e sobre a busca pela vivência das bem-aventuranças, como prática atual e também como esperança escatológica. Também se pode diferenciar o conceito de felicidade, como sendo algo que eu conquisto para mim, contraposto ao conceito de bem-aventurança, quando algo me é dado, mesmo que eu não mereça. Um sorvete de baunilha no caminho para o culto é felicidade. O abraço verdadeiro de uma criança na porta do templo é bem-aventurança. Também se pode usar o paradoxo da cruz como exemplo. Aquilo que parecia o fim de tudo trouxe recomeço. O símbolo de morte gerou vida!
5 Subsídios litúrgicos Na oração de intercessão, lembrar as dificuldades e bem-aventuranças ocorridas na comunidade. Antes da oração, podem ser levantados motivos especiais de agradecimento e intercessão.
Bibliografia ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: WWF Martins Fontes, 2012. LUTERO, Martinho. Prédicas semanais sobre Mateus 5 – 7. In: ______. Obras selecionadas. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia; Canoas: ULBRA, 2005. v. 9, p. 15-279. RIENECKER, Fritz. O Evangelho de Mateus. Curitiba: Esperança, 1998. (Comentário Esperança).
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PRÉDICA: ISAÍAS 58.1-9a (9b-12) MATEUS 5.13-20 1 CORÍNTIOS 2.1-12
5º DOMINGO APÓS EPIFANIA
05 FEV 2023
Gerson Correia de Lacerda
Um novo êxodo
1 Introdução O texto básico da prédica deste domingo já foi abordado, no todo ou em parte, nos seguintes números de Proclamar Libertação: IX, XII, XV, 24, 33, 39 e 46. Todas essas abordagens têm importantes contribuições a oferecer. O texto da prédica, Isaías 58.1-12, faz parte do Trito-Isaías, composto pelos capítulos finais do livro de Isaías (56 – 66). Não se trata de obra de um único autor, mas de diversos autores, entre 520 e 470 a. C. O assunto principal do texto da prédica diz respeito à prática do jejum. É apresentado o tipo de jejum praticado pelos judeus. Eles se privavam da alimentação, mas não eram solidários com os que sofriam privações e injustiças. O profeta proclama que o jejum requerido pelo Senhor é a prática da justiça e da solidariedade no relacionamento com os oprimidos e os necessitados. Pela boca do profeta, Deus proclama que somente com a colocação em prática desse tipo de jejum, a luz da minha salvação brilhará e a escuridão em que vocês vivem ficará igual à luz do meio-dia (Is 58.10). É também disso que Jesus fala no sermão do monte, quando proclama aos seus discípulos: Vocês são a luz para o mundo [...] A luz de vocês deve brilhar para que os outros vejam as coisas boas que vocês fazem e louvem o Pai (Mt 5.14, 16). E, após dizer isso, Jesus discorreu sobre a Lei de Moisés, com uma aplicação voltada para os relacionamentos sociais. É do mesmo assunto que trata o apóstolo na Primeira Carta aos Coríntios, ao distinguir a sabedoria deste mundo e a sabedoria secreta de Deus. Aquela valoriza aparências exteriores. Esta, porém, revela-se no Deus crucificado, poder do Senhor para a salvação do ser humano.
2 Exegese a) Contexto histórico A partir da constatação de que o texto da prédica pertence a uma época posterior ao exílio do povo judeu na Babilônia, focalizamos dois salmos do Antigo Testamento. O primeiro é o Salmo 137, que reflete o que sentiam os judeus durante o exílio. Eles se sentiam completamente arrasados. Tinham saudades de Jerusalém e choravam. Seus dominadores zombavam deles e ordenavam que cantassem as can-
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ções de Sião, a fim de ridicularizarem a cultura exótica e considerada inferior pelos babilônios. Contudo, os judeus não se sentiam capazes de cantar e desejavam até nunca mais cantar longe de Jerusalém. Estavam dominados pelo ódio e ansiavam que as cabeças das crianças babilônias fossem esmagadas contra as pedras. Muito diferente era o sentimento dos judeus, quando Ciro, rei dos medos e persas, conquistou a Babilônia, em 538 a. C. O retrato desse sentimento aparece no Salmo 126. Os judeus estavam exultantes. Parecia que estavam sonhando. A seus olhos, o Senhor Deus havia feito um milagre, ao providenciar que Ciro baixasse um decreto permitindo que regressassem para a sua terra. Além de exultarem, os judeus oravam suplicando que o Senhor fizesse com que prosperassem novamente. Nas palavras do salmista, rogavam que os que semearam chorando, voltassem cantando cheios de alegria trazendo nos braços uma grande colheita (Sl 126.5-6). Nas palavras de John Bright, “uma nova era gloriosa e um luminoso futuro de esperança parecia raiar para Israel” (Bright, 1977, p. 377 – tradução própria). Não era para menos. Afinal, Ciro não somente permitiu o retorno como também garantiu recursos para a reconstrução do templo de Jerusalém (Ed 1.2-4). Entretanto, a esse sonho contrapôs-se a dura realidade do retorno. Essa apresentava diversos desafios. Em primeiro lugar, o decreto de Ciro indicava que ele empregava uma nova forma de dominação. Diferentemente do que proclamara o Segundo-Isaías, que apresentara Ciro como o ungido do Senhor para restaurar o templo e a cidade de Jerusalém, na verdade, o rei dos medos e persas estabelecia uma nova forma de dominação. Enquanto a Babilônia desterrava e escravizava os povos conquistados, Ciro libertava os vencidos, respeitava sua cultura e permitia que administrassem sua província. Tudo isso não ocorria por bondade do rei ou por especial simpatia para com o judaísmo. Ciro, simplesmente, preferia contar com o apoio dos judeus, na extremidade do seu império, como garantia contra o Egito. Nesse contexto, as expectativas dos judeus que voltaram para a sua terra de contarem com o apoio do governo persa nem sempre se cumpriram. O segundo desafio estava no fato de que nem todos os judeus exilados na Babilônia voltaram para Judá. Muitos deles, que já estavam bem estabelecidos no exílio, preferiram ali permanecer ao invés de retornar para a pátria pobre e com pouco solo fértil. O terceiro desafio enfrentado pelos que retornaram foi a presença de pessoas que estavam ocupando o território de Israel e que impunham dificuldades de todo tipo para repartir a terra com os repatriados. Além disso tudo, consta que as primeiras colheitas dos que retornaram não foram tão abundantes quanto esperavam (Ag 1.9-11). Diante de todos esses desafios, não é de admirar a informação obtida por Neemias a respeito da situação dos repatriados: Eles me contaram que aqueles que não tinham morrido e haviam voltado para a província de Judá estavam passando por grandes dificuldades. Os estrangeiros que moravam ali por perto os desprezavam. As muralhas de Jerusalém ainda estavam caídas e os portões que haviam sido queimados ainda não tinham sido consertados (Ne 1.3).
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b) Comentário sobre o texto Em tal contexto, podemos destacar o seguinte sobre os 12 primeiros versículos do capítulo 58 do Trito-Isaías V. 1-2 – Deus ordena que o profeta denuncie, em alto e bom som, o pecado dos judeus repatriados. Esse pecado era a hipocrisia religiosa, ou seja, eles adoravam a Deus e buscavam a sua vontade, quando, na realidade, não obedeciam às leis do Senhor. Em outras palavras, eram tementes e fiéis a Deus só aparentemente. V. 3a – O questionamento dos judeus repatriados era que eles praticavam o jejum, mas Deus não estava dando nenhum valor a essa prática considerada por eles como uma manifestação religiosa da mais alta importância. Isso quer dizer que a prática do jejum era individualista e, ao mesmo tempo, mercantilista, visto que jejuavam para receber em troca bênçãos divinas para serem desfrutadas por eles mesmos. V. 3b-5 – Por meio do profeta, Deus denuncia os pecados cometidos por meio do jejum. Enquanto jejuavam, exploravam seus empregados e cultivavam dissensões. Deve-se lembrar aqui que o texto de Levítico 16.29 estabelecia a seguinte lei para ser obedecida para sempre: No dia dez do sétimo mês, todos os israelitas e os estrangeiros que moram no meio do povo não comerão nada o dia inteiro e não farão nenhum trabalho. No entanto, os praticantes do jejum não davam descanso algum para aqueles que eram seus empregados. Além disso, o jejum era uma prática a ser observada especialmente no Dia do Perdão (Lv 16; 23.26-32). Contudo, o fato de ocorrerem discussões e dissensões no dia de jejum deixava claro que não se observava o perdão no relacionamento com o próximo. V. 6-7 – Aqui temos a apresentação do verdadeiro jejum requerido por Deus, isto é, a prática da justiça com presos vítimas da injustiça, a libertação dos oprimidos e a solidariedade para com os famintos, pobres e desabrigados. V. 8-12 – Esses versículos contêm a promessa da bênção divina com a observância do jejum requerido por Deus. Se houvesse justiça, liberdade e solidariedade, a luz da salvação do Senhor iria resplandecer e, ao mesmo tempo, as orações haveriam de ser ouvidas e respondidas. A partir daí, Deus iria providenciar a mudança nas condições de vida dos repatriados: Em cima dos alicerces antigos, vocês reconstruirão cidades. Vocês serão conhecidos como o povo que levantou muralhas de novo, que construiu novamente casas que tinham caído (Is 58.12).
3 Meditação No mundo de hoje, estamos vivendo tempos tenebrosos. No momento em que escrevo (meados de 2022), há uma guerra em andamento, na qual a Ucrânia foi invadida e está sendo massacrada pela Rússia. Continua-se a viver a pandemia. No Brasil, cerca de 33 milhões de pessoas passam fome, apesar da enorme produção agrícola do país. Além disso, vive-se o clima eleitoral e teme-se pelo fim da frágil democracia brasileira, aliás, de curta duração.
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Do ponto de vista religioso, ocorre o fenômeno do crescimento do chamado segmento evangélico. No ano de 2020, o antropólogo Juliano Spyer lançou o livro “Povo de Deus – Quem são os evangélicos e por que eles importam”, no qual defende a ideia de que os evangélicos brasileiros se tornaram o nosso elefante na sala, isto é, o fenômeno de massas mais importante das últimas décadas, que tem sido tratado como se não estivesse ali. Grupo minoritário até pouco tempo, hoje o povo evangélico representa um terço da população brasileira. Também até pouco tempo, o povo evangélico acreditava que sua presença iria ajudar a tornar o país melhor. Hoje, porém, apesar do aumento do número de evangélicos, constata-se que quase nenhuma alteração foi produzida no nosso lamentável quadro político e social. Foi mais ou menos isso o que ocorreu quando Ciro proporcionou a volta dos judeus que estavam no cativeiro na Babilônia. Os repatriados estavam como quem sonha. Sentiam-se vivendo como o povo libertado do cativeiro no Egito, rumando para a terra prometida, que mana leite e mel (Êx 33.3). A realidade, porém, foi muito mais trágica. Diante disso, os repatriados recorreram às práticas religiosas, observando o jejum, na esperança de que Deus iria transformar para melhor a realidade. É nesse contexto que a prédica pode explorar a prática do jejum, palavra-chave do texto, em que aparece sete vezes, abordando os seguintes pontos: a) O povo questiona Deus perguntando por que a prática do jejum não estava produzindo bons resultados. Era isso que se esperava. O jejum era entendido como um sacrifício pessoal que conquistava a benevolência de Deus. No entanto, isso não estava funcionando. Apesar do jejum, a situação dos repatriados continuava muito precária, exatamente como no Brasil de hoje, em que a maior presença evangélica, com seus incontáveis templos e cultos, não tem mudado a realidade do povo. b) A denúncia divina desmascara a falsa piedade da observância do jejum. Para isso, o Senhor vocacionou um profeta, cujo nome desconhecemos, mas cuja mensagem foi preservada e permanece atual. Diferentemente do assim chamado “Livro da Consolação de Israel” (Is 40 –55), o tom da palavra divina é polêmico. Deus questiona a observância de um jejum sem implicações sociais. Desqualifica a prática do jejum sem mudança da vida em sociedade. Tal denúncia vale para o segmento evangélico da população brasileira. Nossos evangélicos consideram-se melhores aos olhos de Deus por causa da observância de um comportamento puritano ou por causa do cultivo da reta doutrina. Parecem-se com aquele fariseu da parábola de Jesus que orava exaltando suas próprias virtudes e desprezava o publicano pecador. Um exemplo do pecado do povo evangélico brasileiro são as suas dissensões e divisões cada vez mais acentuadas, ao lado do enfraquecimento do movimento ecumênico. Aplica-se aos evangélicos brasileiros o cultivo de uma religiosidade repleta de dissensões. O escândalo das divisões denunciado no início do movimento ecumênico continua presente mais do que nunca entre nós. c) A apresentação do jejum que verdadeiramente é requerido por Deus e agrada a ele. Como afirmam Schökel e Diaz, os jejuadores, “em lugar de morti-
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ficar-se ou afligir-se a si próprios, devem sentir a aflição do próximo. Mortificação própria e voluntária, unida à crueldade e inclemência, destrói o ser humano, tornando-o desumano. Aquilo que enobrece o ser humano é sentir como própria a dor alheia forçada” (Schökel; Diaz, 1988, p. 368). d) Se os jejuadores hipócritas adotarem o jejum da justiça e da solidariedade, a promessa divina é a de que a luz da salvação do Senhor brilhará como o sol. Então, eles passarão pela experiência de um novo êxodo, sendo guiados sempre, tendo o que comer até mesmo no deserto e sendo como um jardim bem regado (Is 58.11). É interessante observar que já tinham ocorrido dois êxodos na história de Israel. O primeiro foi o êxodo da libertação da escravidão no Egito; segundo, o êxodo da libertação do cativeiro babilônico. Faltava acontecer o terceiro: o êxodo da libertação do egoísmo e da injustiça; o êxodo da libertação da falta de compaixão e de misericórdia. Esse é o novo êxodo que precisa acontecer conosco!
4 Imagens para a prédica a) O templo do Castelo de Elmina Trata-se de um templo localizado em Gana, dentro do Castelo de Elmina, também conhecido como Castelo de São Jorge da Mina, que foi edificado no ano de 1482 pelos portugueses. Posteriormente, foi conquistado pelos holandeses, no ano de 1637, passando para o domínio britânico em 1872. Para o subsolo do castelo eram levados os negros capturados que depois eram enviados para a escravidão nas Américas. Em cima do local onde os negros ficavam depositados em péssimas condições à espera do embarque nos navios negreiros, foi edificado um templo. Nele, os “fiéis” religiosos cristãos, primeiramente católicos romanos e, depois, protestantes, se reuniam para adorar a Deus. Consta que os piedosos reformados holandeses cantavam mais alto durante seus cultos a fim de não serem incomodados pelas lamentações dos negros no porão do templo. Sem dúvida, algo semelhante ao jejum condenado pelo profeta do capítulo 58 do livro de Isaías. b) Os meios necessários e próprios para plantar o reino de Jesus Cristo no Brasil É esse o título de um documento escrito pelo missionário presbiteriano Ashbel Green Simonton, em 1867, pouco antes de seu falecimento. Escreveu ele: “A boa e santa vida de todo crente é uma pregação do evangelho. Toda pregação feita por palavras pode ser rebatida por outras palavras. Mas uma vida santa não tem réplica. Debalde esperaremos colher frutos dos nossos trabalhos se as nossas palavras não forem reforçadas e confirmadas por uma vida santa” (Simonton, 1980, p. 209).
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Suas palavras estão de acordo com a mensagem profética do Trito-Isaías, que proclamava a necessidade de um jejum na vida em sociedade.
5 Subsídios litúrgicos Oração – Rompe as correntes Rompe as correntes e as peias que nos atam, Senhor, e vem salvar-nos. Quebra o jugo que nos oprime, que não nos deixa viver na tua paz. Quebra o pesado jugo da incultura e do analfabetismo. Quebra a carga horrível da fome de muitos, o fardo absurdo da morte do ser humano pelo ser humano, a injustiça capital das desigualdades vergonhosas. Quebra, ó Deus da salvação, as correntes que atam e aprisionam: as nações entre si, os povos entre si, os exploradores e os explorados, o rico e o pobre, o branco e o negro, o europeu, o americano, o brasileiro, a nós, a todos... Rompe, Senhor, tudo o que não nos deixa realizar-nos como irmãos dignos de ti, pela força do teu amor que sempre nos manifestas. Amém. (Fonte: CENTRO DE EVANGELIZAÇÃO E CATEQUESE. Salmos Latino-Americanos. São Paulo: Paulinas, 1987. p. 45.) Litania de confissão (dirigente e congregação) D – Senhor, nem sempre compreendemos tua luz. C – Criamos outras luzes que brilham e ofuscam na busca de poder, fama e riqueza. D – Diante de tantas luzes que não iluminam, recorremos a ti! C – Querido Deus, acolhe nossos corações contritos e pequenos diante da tua luz! (ALVES, Rubem (Org.). CultoArte – Celebrando a Vida – Tempo Comum. Petrópolis: Vozes, 2000.)
Bibliografia BRIGHT, J. La Historia de Israel. 4. ed. Bilbao: Desclée de Brouwer, 1977. LODS, Adolphe. Los Profetas de Israel y los comienzos del judaísmo. México, DF, 1958. (Coleção La Evolution de la Humanidad, v. 42). SCHÖKEL, L. Alonso; DIAZ, J. L. Sicre. Profetas I – Isaías e Jeremias. São Paulo: Paulus, 1988. (Grande Comentário Bíblico). SIMONTON, A. G. Diário – 1852-1867. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1980. SPYER, Juliano. Povo de Deus – Quem são os evangélicos e por que eles importam. São Paulo: Geração Editorial, 2020. VV.AA. The Interpreter’s Bible. New York; Nashville: Abingdon, 1956. v. 5.
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PRÉDICA: MATEUS 5.21-37 DEUTERONÔMIO 30.15-20 1 CORÍNTIOS 3.1-9
6º DOMINGO APÓS EPIFANIA
12 FEV 2023
Vera Maria Immich
“Antigamente foi dito, eu, porém, lhes digo!”
1 Introdução O belo e inspirador texto de Deuteronômio 30.15-20 nos ensina que há dois caminhos à nossa frente e que somos nós, e não Deus, que fazemos as escolhas. Os caminhos são a vida e a morte, a vida e a maldição. Somos desafiados a escolher o caminho do bem para que vivamos muito sobre a terra. A ordem é para escolher o caminho do bem e amar a Deus, andar nos seus caminhos e guardar os seus mandamentos, decretos e ordenanças. No texto de 1 Coríntios 3.1-9, Paulo exorta a comunidade a renunciar à inveja, às fofocas e à discórdia. Ele deixa claro que o espírito do mundo não é bom conselheiro, que divisões não edificam e não levam a igreja a crescer, que vaidades acirram ânimos e são contrárias ao Evangelho de Jesus Cristo. Mateus 5.21-37 nos ensina que aqueles que amam a Deus, desejam servi-lo e guardam seus mandamentos com alegre obediência, esforçando-se para viver uma vida agradável ao Senhor, não medem suas ações pela lei, mas respondem em amor. São pessoas de coração puro e buscam controlar pensamentos de ira e desvios para viverem de acordo com os ensinamentos. O mal escraviza o ser humano, mesmo quando ele não o pratica, mas quando julga outrem, sem misericórdia e sem piedade. É difícil compreender a radicalidade das recomendações de Jesus para arrancar os olhos que procuram o mal, as mãos que o executam, para não perder a salvação. Mesmo arrancando, podemos continuar pecando se não cortarmos o mal pela raiz, ou seja, se não afastarmos radicalmente pensamentos e ações que, apesar de agradáveis e prazerosos, nos afastam de Deus e do caminho.
2 Exegese Nas comunidades destinatárias desse evangelho, Mateus encontra dois grupos: um que desejava que a lei de Moisés fosse cumprida nos mínimos detalhes, e outro, que entendia que Jesus não mais desejava cumprir essa lei. Mateus 5.21-22: A relevância da frase: Antigamente foi dito, eu, porém, lhes digo! deve ativar em nós o desejo de contextualizar e atualizar a Palavra, dando-lhe vida. Para dar muita ênfase a essa frase, Jesus a repetiu cinco vezes, enfrentando o conflito com os fariseus que consideravam que ele estava acabando com a lei. Mas ele deixa bem claro que sua postura é de ruptura com a interpre-
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tação errada, quando levada ao pé da letra, e de obediência, quando o objetivo da lei é alcançar a justiça e o amor entre as pessoas. O versículo que antecede o trecho em questão já nos apresenta uma chave geral daquilo que segue sobre justiça. E logo teremos vários exemplos da vida diária e seus desdobramentos aos olhos de Jesus. O primeiro refere-se à preservação da vida: não somente não matando, mas também ao alimentar sentimentos negativos de ódio, de ira e de vingança, o ser humano se tornará réu de um tribunal. Sentimentos negativos que diminuem a outra pessoa, que atacam suas fragilidades e/ou diferenças podem conduzir a desfechos trágicos e indesejados. Não morre apenas quem perde a vida, morre também quem mata; morre para o amor e para a eternidade. Mateus 5.23-24: O verdadeiro culto que Deus quer. Ofertar com generosidade e com o coração puro. Não por acaso, a confissão dos pecados precede a Ceia do Senhor e o recolhimento das ofertas do dia. Não é possível levar uma vida de piedade e odiar o irmão e a irmã, cultivar desavenças, o que seria, nos dias atuais, distribuir fake news com o carimbo verdade, tão falso quanto a própria fake. Mais do que não fazer, a orientação é deixar a oferta e buscar a reconciliação. Mateus 5.25-26: Mateus traz as palavras de Jesus sobre reconciliação como condição para pertencer à comunidade. Reconciliar-se o quanto antes para não criar uma bola de neve que somente cresce e nos afasta de Deus. Reconciliar-se ante a menor controvérsia, porque não é possível seguir adiante carregando desavenças, ódio e conflitos. Mateus 5.27-30: E seguem os mandamentos de não adulterar nem com o desejo, para não pecar e contaminar o coração. Desejar é abrir caminho para a tentação e colocar-se acima de Jesus. A continuidade do texto não nos permite leitura literal, mas chama para a interpretação. Em nenhum momento Jesus sugeriu mutilar partes do corpo para não pecar, mas extirpar pensamentos, desejos, preconceitos, fofocas e juízos a respeito de outrem. Quer dizer, cortar fora os pensamentos, os sentimentos e as ações que nos são agradáveis e prazerosos, mas que nos afastam dos propósitos de Deus. Mateus 5.31-32: O desejo de Jesus em relação ao casamento parece-nos simples e claro: que não haja rompimento e, se houver conflitos, que se busque a reconciliação. Essa busca, todavia, deve ser partilhada por ambos. A resolução de conflitos, sempre respeitosa, deve ser empreendida e renovada pelo casal. Quando isso não acontece, o divórcio pode ser inevitável e certamente causará dores e sofrimento, tanto para o casal quanto para filhos e filhas. Esse processo deve ser administrado com zelo, respeito, cuidado, ética e muita oração, tanto para que Deus perdoe pelos erros e a fraqueza, quanto para vencer a tentação de abrir guerra contra o cônjuge e atingir filhos e filhas. Reconstruir a vida com outra pessoa está no plano de Deus; é uma segunda chance, que deve ser acolhida com alegria e humildade. Mateus 5.33-35: Viver e andar retamente, em conformidade com os mandamentos, reinterpretados com base na lei do amor e da justiça – tão cara que aparece sete vezes no Evangelho de Mateus –, indica que devemos prezar pela
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coerência entre a fé e a nossa vida, de tal forma que sejamos reconhecidos e respeitados por essa coerência. Que nosso sim seja sim, e não seja não.
3 Meditação Ainda no contexto do sermão do monte, Jesus segue ensinando sobre o valor do caráter. Ele deseja que seus seguidores e suas seguidoras sejam pessoas agradáveis a Deus e busquem viver corretamente no mundo. Jesus propõe o cumprimento da lei na perspectiva de Deus, e não na perspectiva humana, como estava acontecendo. Ele convida para o cumprimento da lei visando ao diálogo, a relacionamentos respeitosos, que evitem a ira e a discórdia, que sempre promovem mais ira e mais discórdia. Atritos familiares são muito comuns, discórdias com vizinhos e/ou pessoas com quem trabalhamos. Ninguém quer ser explorado, ser feito de bobo e humilhado. Jesus lembra que não dá para estar em conflito com o irmão ou a irmã e, ao mesmo tempo, dar ofertas generosas no templo para aplacar a ira de Deus. Ele propõe restabelecimento das relações rompidas e ou estremecidas; ele ordena que primeiro se busque a reconciliação com o próximo e, depois, se volte para ofertar. E que as questões conflituosas não fiquem para depois, que sejam enfrentadas, buscando solução e paz, antes que seja necessária a interferência da justiça humana. Para Jesus, o diálogo e o entendimento precoces evitam desgastes desnecessários e rompimentos. É seu desejo que busquemos a concórdia e o perdão. Que nossas palavras sejam sinceras e sejamos conhecidos por essa sinceridade e por nosso caráter. Que não seja necessário jurar sob testemunho, mas que, com seriedade e constância, sem mudanças de ideia a cada momento, tenhamos credibilidade aos olhos do mundo. É próprio do ser humano, desde os primórdios, promover vinganças, dar o troco, instaurar contendas, discussões e armar armadilhas ao inimigo. Jesus sugere outro jeito de viver e resolver diferenças e conflitos. Ele convida para a tolerância, o exercício do amor e a promoção da cooperação entre as pessoas, em que os mais fortes não usam sua força para oprimir e ferir, mas para proteger e cuidar. Ao ensinar que o casamento é bênção e está no propósito de Deus, se expressa o desejo que não acabe, que se cuide dele como presente de Deus, com amor intencional e persistência. Em um relacionamento, ambos devem ceder pelo bem comum, abrir mão e evitar desavenças infindáveis, que adoecem o casal e os filhos e as filhas, além de ser péssimo exemplo de resolução de conflitos, de humildade e de capacidade de diálogo.
4 Imagens para a prédica Uma criança pergunta à sua mãe sobre o tamanho de Deus. A mãe olha para o alto, vê um avião passando entre as nuvens, e pergunta à criança: Qual o tamanho daquele avião? O filho responde: É pequeno.
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Ela o leva ao aeroporto e lhe mostra o avião de perto e pergunta: Qual o tamanho do avião? Ele olha e diz: Nossa, é muito grande! Assim é o tamanho de Deus. Quando estamos perto dele, ele é grande. Quando estamos longe, ele fica pequeno. O avião é do mesmo tamanho. Nós é que estamos perto ou longe dele. Nas controvérsias e brigas, normalmente, empurramos os ensinamentos de Deus para longe, diminuindo sua importância, e permitimos que as mágoas e os rancores ocupem todo o espaço de nossos pensamentos, de nosso coração e de nossa vida. Isso pode acontecer no matrimônio, nas relações familiares e/ou profissionais. Deus continua grande, amoroso, conselheiro e Príncipe da Paz. Ele não muda só porque nos convém.
5 Subsídios litúrgicos Se possível, o hino a seguir não deveria faltar. Ele é bastante popular, inspirado em parte de nosso texto. Sua partitura encontra-se no Portal Luteranos. Se ao trazeres a oferta, a tua oferta perante o altar, e se ali te lembrares que teu irmão tem algo contra ti, deixa ali tua oferta e vai depressa buscar teu irmão. /: Deus não aceita oferta de quem não quer ofertar perdão. :/ (Disponível em: <https://www.luteranos.com.br/textos/se-ao-trazeres-a-oferta>)
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PRÉDICA: 2 PEDRO 1.16-21 ÊXODO 24.12-18 MATEUS 17.1-9
ÚLTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIA
19 FEV 2023
Erní Walter Seibert
Viva o que a Bíblia ensina
1 Introdução Este Último Domingo após Epifania encerra um dos períodos do Ano Eclesiástico mais voltado à evangelização. Epifania significa manifestação. Nesse período, a igreja se dedica a meditar e a mostrar como Jesus se manifestou Salvador de todos. Na quarta-feira depois deste domingo, começa o período da Quaresma. O foco de atenção da igreja se move para meditar sobre os acontecimentos que levaram para a paixão e a morte de Jesus Cristo. Este, portanto, é um domingo de transição. No Brasil, este domingo fica bem antes dos feriados de Carnaval. O domingo fica em meio a um feriadão. Muitos cristãos aproveitam a oportunidade para descansar e fazer algum passeio. Mas também há muitas igrejas e organizações cristãs que aproveitam os dias de feriado para fazer um retiro, quando vão se dedicar de forma especial ao estudo da palavra de Deus. A existência do Último Domingo após Epifania, no entanto, nem é tão lembrada. Além disso, muitos não compreendem bem o sentido da celebração da transfiguração. Não é tão comum nas igrejas de nosso país dar uma ênfase especial à glória de Deus e falar de sua importância. Na tradição ortodoxa oriental, essa é uma das grandes celebrações. No entanto, é possível fazer uma ligação entre alguns dias de retiro com a manifestação da glória de Deus que tanto os textos do evangelho, do Antigo Testamento e da epístola mencionam. Deus se manifestou de forma especial a Moisés, durante muitos dias, no deserto. Jesus se manifestou de forma especial, também num monte, a Pedro e mais dois discípulos. E, como o texto em destaque neste estudo mostra, Deus continua se manifestando em nossa vida e na sua Palavra de forma muito especial.
2 Exegese A autoria dessa carta é atribuída a Pedro. Quase não há divergência sobre isso. Também é aceito que a carta foi escrita pouco tempo antes do martírio de Pedro, em Roma, em algum momento entre os anos 64 e 67 da era cristã. Pelo texto da carta, não é possível identificar definitivamente a quem ela estava inicialmente dirigida. Mas o propósito da carta é claro: o apóstolo Pedro quer exortar os cristãos, leitores de sua carta, a que, a partir do recebimento da graça de Deus, se dediquem a viver a vida cristã. Isso fica claro de maneira notável no bonito texto de 2 Pedro
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1.5-8: Por causa disso, concentrando todos os seus esforços, acrescentem à fé que vocês têm a virtude; à virtude, o conhecimento; ao conhecimento, o domínio próprio; ao domínio próprio, a perseverança; à perseverança, a piedade; à piedade, a fraternidade; à fraternidade, o amor. Porque essas qualidades, estando presentes e aumentando cada vez mais, farão com que vocês não sejam nem inativos, nem infrutíferos no pleno conhecimento do nosso Senhor Jesus Cristo. Vamos agora examinar o texto que queremos enfocar neste domingo. O apóstolo Pedro começa o texto explicando a fonte de seu ensino. Ele primeiro diz qual não é sua fonte. Ele não ensinou baseado em fábulas engenhosamente inventadas. O texto grego utiliza palavras que são usadas na língua portuguesa. As “fábulas”, em grego, eram mitos. “Engenhosamente inventadas” eram sofismas. Aí há uma questão muito discutida nos dias de hoje. Com o relativismo instaurado em nossa sociedade, as pessoas estão acostumadas a ouvir sobre “narrativas” e “opiniões”, em contraste com “verdade absoluta”. O nosso mundo foi definido como o mundo da pós-verdade. Isso significa que verdade não é algo muito aceito. As pessoas reconhecem muitas interpretações. O apóstolo Pedro afirma que ele não ensinou baseado em fábulas engenhosamente inventadas. Ou seja, ele afirma que não fez “narrativas” ou seguiu “mitos” ou “sofismas”. Mas, se o apóstolo Pedro não ensinou baseado em fábulas engenhosamente inventadas, qual era a sua base para ensinar? E a resposta tem dois aspectos. A primeira fonte do ensino de Pedro foi uma experiência da qual ele foi testemunha ocular: a transfiguração de Jesus. Ele diz: nós mesmos fomos testemunhas oculares da sua majestade. Pedro se refere com detalhes à experiência que ele teve no monte, com Jesus. Não foi uma experiência só dele. Estavam com Pedro mais dois discípulos – Tiago e João. Além disso, estavam lá Jesus Cristo, e todos viram Moisés e Elias. Ou seja, não foi uma experiência apenas pessoal. Foi uma experiência coletiva. A importância do acontecimento foi tão grande, que ele está descrito nos três evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas). Em outras palavras, o ensino de Pedro também não é nem algo imaginário, nem algo apenas teórico. É algo baseado em sua experiência de vida. A experiência de vida não é algo definitivo. Alguém pode se enganar a partir de sua experiência. Mas a experiência da transfiguração de Jesus, com toda a sua grandiosidade, está cercada de detalhes que, segundo Pedro, não podem deixar dúvidas quanto à sua veracidade. Ele coloca ali um dos alicerces de seu ensinamento. O segundo ponto sobre o qual o apóstolo Pedro firma seu ensino é o ensino da Escritura. Ele não diz que primeiro vem um e depois vem outro. Mas ele coloca o ensino da Escritura como comprovação da experiência. A experiência pode vir antes ou depois do ensino da Escritura. Mas o ensino da Escritura sempre vai confirmar a experiência. Se a experiência não for confirmada pelo ensino da Escritura, haverá um problema. Em 1 Pedro 1.20-21, o apóstolo Pedro diz: [...] saibam que nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação pessoal; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo.
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Em outras palavras, Pedro argumenta com seus ouvintes da seguinte maneira: O que eu ensinei para vocês, eu pessoalmente vi. Sou testemunha ocular. Além disso, o que eu ensinei para vocês está nas Escrituras. Certamente, como pano de fundo do texto de Pedro, estão os acontecimentos narrados em Êxodo 24. Moisés e os anciãos do povo de Israel também haviam subido ao monte. Lá Moisés havia recebido as tábuas da Lei das mãos de Deus. De certa forma, Moisés foi transfigurado. Além disso, pelo fato de também Elias ser mencionado na cena da transfiguração, sua subida maravilhosa ao céu fica como pano de fundo. Aquilo que Pedro vivenciou estava descrito nos textos do Antigo Testamento. O ensino da graça de Deus estava no Antigo Testamento. Agora, baseado nas Escrituras e na sua própria experiência, Pedro ensina os membros da igreja. Não podia haver dúvida sobre esse ensinamento. Quando vemos a dinâmica da argumentação do apóstolo Pedro, ficamos pensando na realidade de nossos dias. Será que as pessoas aceitam uma argumentação dessa natureza? Esse, sem dúvidas, será um ponto a ser falado na pregação. Apesar de todas as discussões sobre o que é verdade e sobre a questão das narrativas, em que as pessoas fundamentam seu comportamento? A experiência pessoal e o ensino ainda exercem algum valor importante para a tomada de decisões e para nortear a vida? Será que a argumentação do apóstolo Pedro está dentro ou fora da realidade atual? Será que existe verdade?
3 Meditação Uma das grandes discussões de nossa sociedade é sobre a existência da verdade. Verdade é um valor precioso. Mas as pessoas colocam as verdades apresentadas em dúvida. Quando alguém diz que alguma coisa está na Bíblia e, por isso, é verdade, a resposta rápida que surge é que o papel aceita tudo. Se alguém diz que teve uma experiência com Deus, a resposta rápida é que a experiência de um não vale para o outro. Em nosso tempo se diz que cada um deve procurar a sua verdade. Os argumentos das pessoas sobre a ausência de verdades absolutas têm eco no raciocínio e na experiência das pessoas. Se isso é assim na sabedoria popular, não é muito diferente nas altas esferas da academia. As teorias criadas nos últimos séculos sobre hermenêutica e sua aplicação na exegese fazem eco à sabedoria popular. Escolas de pensamento, como a de Frankfurt, criaram uma instabilidade nas convicções em muitas áreas do conhecimento. É mais fácil falar sobre as dúvidas do que sobre os fundamentos. Qual será, então, a tarefa de um pregador ou pregadora ao se preparar para fazer uma prédica? Como ele/ela irá ensinar? Qual a base de sua pregação? Aí o texto bíblico nos pode ajudar muito. A primeira coisa que o texto bíblico fala é da experiência humana. Pedro viveu a experiência da transfiguração de Jesus. Ele não a imaginou. Ele esteve no monte com Tiago e João. Ele viu Jesus. Ele viu Moisés e Elias. Ele viu o Salvador transfigurado. Ele ouviu a voz que dizia: Este é o meu Filho amado em quem me
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agrado. Podemos até interpretar a experiência de maneiras diferentes, mas não podemos negar a experiência. Em nossa vida de fé, temos diferentes experiências. Nas nossas memórias certamente estão alguns momentos marcantes. Podem ser experiências de confirmação da fé ou experiências de dúvida. Mas as experiências que tivemos mexem conosco. Podemos lembrar experiências de cerimônias religiosas. Cerimônias como a do batismo, da confirmação, do casamento, do sepultamento, são algumas que marcam definitivamente a vida das pessoas. A marca da experiência nem sempre é igual. Mas ela sempre é marcante. Quantos de nós já percebemos, em algumas situações, com muita clareza, a mão de Deus? Pode ser que outros não viram nada, mas para nós a experiência foi marcante. Esse é o problema da experiência. Ela é percebida de forma diferente pelas pessoas. É por isso que o apóstolo Pedro coloca como ponto de referência e validação para a experiência as Escrituras. Para os cristãos, esse sempre foi um caminho. A experiência é validada pelo ensino das Escrituras. Se as Escrituras não validam a experiência, vale a pena reexaminar a experiência. Alguém poderá argumentar, nesse ponto, que as Escrituras não têm o mesmo valor para todos. Mas essa é a fragilidade da percepção humana. Confiar apenas em nosso raciocínio, apenas em nossa experiência, não é muito seguro. E, como pessoas que confiam na revelação de Deus em Cristo Jesus conforme está na Bíblia Sagrada, a validação das Escrituras é o ponto que traz segurança para a vida cristã. Foi esse o argumento que Pedro utilizou.
4 Imagens para a prédica Uma das dificuldades que as pessoas encontram nos dias de hoje é estabelecer o fundamento de sua fé. Com que base podemos falar para alguém que vale a pena crer em Jesus Cristo? O texto bíblico nos anima a fazê-lo com base em dois pilares que dialogam um com o outro. De um lado, está a experiência de fé. De outro lado, está a Escritura Sagrada. Uma ilustração: uma pessoa tinha abandonado a vida de fé. Aí sua mãe, que vivia em uma casa sozinha, mas que sempre ia à igreja, ficou doente. O filho, pela sua situação de vida, não podia dar atenção constante à sua mãe. Mas ele viu que os membros da igreja se organizaram e cada dia a visitavam. Eles proviam o que ela precisava. A partir dessa experiência, o filho reavaliou sua atitude em relação à fé. Durante tempos de crise, como a pandemia que vivemos nos últimos anos, muitas pessoas procuraram um caminho para dar sentido a suas vidas. Literalmente bilhões de capítulos foram lidos da Bíblia Sagrada. A Sociedade Bíblica do Brasil, que coloca gratuitamente seus textos bíblicos em português em alguns aplicativos, recebeu a informação de que, no ano de 2021, foram lidos mais de dois bilhões e 500 milhões de capítulos. Isso foi apenas leitura em português, apenas dos textos sobre os quais a Sociedade Bíblica do Brasil detém os direitos autorais. Para tentar dar uma explicação a esse fenômeno, alguém disse que as pessoas fizeram um test drive com a Bíblia. Assim como pessoas experimentam
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um carro antes de comprá-lo, muitas pessoas testaram a Bíblia para dar sentido a suas vidas. Essa experiência com a Bíblia, quando encontra eco na vida das pessoas, transforma muitas existências. Experimentar a leitura bíblica é uma experiência que faz sentido para muitas pessoas. Na leitura bíblica, a experiência de vida se encontra com o ensinamento do texto. A explicação teológica para esse encontro entre a palavra de Deus e a experiência da pessoa é que a ação do Espírito Santo aí acontece e conduz à fé em Jesus Cristo. A fé deve ser experimentada e deve ser confrontada com o ensinamento bíblico.
5 Subsídios litúrgicos Durante a liturgia, o ensino e a experiência fazem parte do culto. Nas leituras bíblicas, na pregação, no conteúdo dos hinos e até das orações, há sempre ensinamento bíblico. Mas na ação de orar, nas ofertas, na participação da Santa Ceia, no louvor, há a experiência da fé ligada com o ensino bíblico. O culto não fala apenas para a razão. Ele também atua nas emoções, nas atitudes e na prática de ações. O culto integra experiência e ensino. O culto faz a integração de toda a experiência humana de fé.
6 Esboço para a pregação Tema: Viva o que a Bíblia ensina 1. A experiência da vida cristã se dá ligada à palavra de Deus 2. A palavra de Deus orienta e respalda a vida cristã
Bibliografia BÍBLIA DE ESTUDO NOVA ALMEIDA ATUALIZADA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2018. HAUSBECK, Wilfrid; SIEBENTHAL, Heinrich von. Nova Chave Linguística do Novo Testamento Grego. São Paulo: Hagnos, 2009.
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QUARTA-FEIRA DE CINZAS
22 FEV 2023
PRÉDICA: MATEUS 6.1-6, 16-21 JOEL 2.1-2, 12-17*
Bianca Bartsch
Um olhar para nossa piedade
1 Introdução Quarta-Feira de Cinzas. Diz-se popularmente que agora começa o ano no Brasil. Passados os festejos carnavalescos, com suas cores e seus adereços, é chegado o momento cinza e das cinzas. O texto proposto para as celebrações neste dia é um convite para tirar as máscaras da falsa piedade em nossas obras, que tantas vezes podem ocultar um coração ansioso por receber o reconhecimento das pessoas ao redor. No calendário litúrgico, o início do tempo de Quaresma, que aponta para os quarenta dias que antecedem a Páscoa (descontando-se os domingos), é o período marcado na igreja antiga como tempo de jejum, oração e reflexão. Permanece sendo um período oportuno, não para práticas esvaziadas de sentido, mas para as pessoas que formam a igreja em tempos pós-modernos refletirem acerca de quais motivações estão por trás de suas práticas. O texto sugerido para leitura, em Joel 2.1-2, 12-17, está em perfeita consonância com a indicação do texto para a pregação contida no Evangelho de Mateus. No Antigo Testamento, a convocação é para a oração e jejum como sinal de arrependimento e marco de mudança no comportamento das pessoas. Jesus, por sua vez, aborda a motivação para a prática, que ao que parece, caiu em mera repetição, vazia de significado. Se em Joel o soar das trombetas convocaram o povo, Jesus agora pede que as ações de misericórdia e devoção não dependam de alaridos.
2 Exegese O primeiro evangelho do Novo Testamento, Mateus, foi o que mais influenciou a história da igreja cristã. No segundo século ele já era conhecido em todas as comunidades. Era a base para a instrução sobre palavras e vida de Jesus Cristo. Por essa razão era lido nos cultos e era uma espécie de referência para a orientação no preparo dos candidatos ao batismo (catequese). Mesmo que ao longo da história da igreja os outros evangelhos tenham ganhado maior influência, o Evangelho de Mateus continuou com sua importância e predominância. Afirmações sobre a pregação de Jesus se orientam ainda hoje
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Conforme o Lecionário Comum Revisado da IECLB, também está prevista a leitura de 2 Coríntios 5.20b – 6.10.
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primeiramente por Mateus, pois contém o sermão do monte, do qual a perícope indicada faz parte, também as parábolas sobre o Reino de Deus, as orientações de Jesus para a sua igreja e o discurso sobre o juízo final. Uma das possibilidades para o contexto e surgimento do evangelho é que Mateus é um evangelho lecionário. É um registro da vida e do ministério de Jesus para ser lido nos cultos da igreja primitiva. O aspecto principal no Evangelho de Mateus é o ensino sobre Jesus, ou seja, a cristologia. O que importa para Mateus é demonstrar que Jesus de Nazaré é o Messias tão esperado pelo povo judeu. Talvez até por isso o registro detalhado de quando Cristo chama a atenção ao verdadeiro significado e proceder das obras de misericórdia. Quanto ao texto em questão, está localizado em meio ao famoso sermão do monte, logo após a lista das bem-aventuranças e a reinterpretação de algumas leis. Em Mateus 6.1 inicia o trecho que serve como um desfecho perfeito ao que o antecede no capítulo 5. Embora todas as atitudes práticas determinadas anteriormente digam respeito às relações entre as pessoas, é para com Deus que a verdadeira justiça deve ser exercitada. No Reino de Deus, o seu governo assume uma forma pessoal profunda. Deus não imporá sua justiça na sociedade, mas é nas pessoas que o ouvem que Deus criará uma justiça interior insuperável. A justiça que a Lei, se devidamente interpretada, sempre exigiu. O texto inicia a partir de uma proibição, uma seção de indicações a respeito da conduta adequada dos discípulos de Jesus quanto à prática da esmola, da oração e do jejum. Anteriormente Jesus já havia alertado aos discípulos quanto à necessidade de que sua justiça excedesse, “em muito”, a dos escribas e fariseus (Mt 5.20). Agora, ao darem esmolas, seus discípulos não deveriam proceder semelhante aos hipócritas (Mt 6.2). A palavra hypokritēs é a palavra grega para alguém que interpreta num palco, ou seja, um ator. A palavra não significa necessariamente impostura intencional. Descreve uma religião exteriorizada e ritualista. Na oração, do mesmo modo, o discípulo é instruído que o faça em secreto, de modo a não ser visto pelos seres humanos, mas tão somente por Deus. Na prática do jejum, de igual modo, o discípulo tem de proceder contrariamente aos hipócritas, que fazem questão de demonstrar a todos as pessoas o que estão fazendo (Mt 6.16-18). A afirmação de Jesus, por três vezes (Mt 6.2,5,16), de que certamente eles (os hipócritas) já receberam a recompensa em virtude da forma como sua justiça é praticada, combina perfeitamente com a exposição da consequência pelo exercício inadequado da justiça feita em Mt 6.1, ou seja, Jesus afirma, com outros termos, que esses hipócritas não têm recompensa junto do Pai Celeste. Praticam uma justiça ou exercem uma religiosidade inútil. E não só inútil, mas prejudicial. Na segunda parte do texto indicado, abre-se novo assunto a partir do v. 19. Servem, sim, tais versículos como conclusão ao assunto, visto que a recompensa da prática da justiça acontece na plenitude do Reino de Deus, porém, ao mesmo tempo, são introdução para uma nova temática. O texto grego apresenta mē thēsaurizete hymin thēsaurous, no v. 19, um jogo de palavras que pode ser traduzido como deixem de entesourar os seus tesouros. A sabedoria desse mandamento é vista quando consideramos três coisas: os tesouros terrenos são deterioráveis
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ou perecíveis; os tesouros terrenos corrompem-se; e as coisas materiais competem com a completa lealdade a Deus.
3 Meditação Jesus, em sua fala, evoca as formas como o judeu demonstra seu amor a Deus. São três atitudes: esmola, oração e jejum. Essas três realizações são consideradas obrigações cultuais judaicas. A prática da doação de esmolas era muito difundida entre os judeus. O doador era forçado a essa generosidade ao ter de fazer doações em público. Por estar sendo observado, o ofertante sentia-se medido enquanto religioso, ou no termo que nos é trazido no v. 1, em sua “justiça”. Era hábito após o encontro na sinagoga as pessoas levantarem e anunciarem qual valor pretendiam ofertar. Se a doação era expressiva, o ofertante poderia sentar próximo ao rabino. O auxiliar da celebração na sinagoga tocava uma trombeta, com o propósito de chamar a atenção dos seres celestiais, porque havia acontecido um ato de beneficência especial. A condenação de Jesus está justamente voltada para o espetáculo que se tornava a ação de misericórdia. A mão esquerda não deve saber o que a direita faz, ou seja, o impulso para a atitude deve ser o fruto do autêntico amor. Dietrich Bonhoeffer, quando fala acerca da questão, afirma que “nesse amor que a si mesmo se esquece, o velho ser humano deve morrer com todas as suas virtudes e qualidades [...] comprometido apenas com Cristo” [Bonhoeffer, 2016, p. 99]. Quem pratica a misericórdia sem olhar para si mesmo, mas voltado para a necessidade do próximo, em segredo, receberá retribuição de Deus. Não é a recompensa como mero aplauso meritório das pessoas. Essa expectativa de ganho de prestígio é condenada por Cristo. Mas Jesus fala de certa recompensa que pode ser comparada com o “reconhecimento” que o pai concede ao seu filho dedicado. A “recompensa celestial” é o acolhimento divinal. Também a oração deve estar no âmbito do que é privado. Entre os judeus, a prática da oração era semelhante à da concessão de esmolas. Como havia horários determinados para a oração, era comum que a pessoa fizesse sua oração no meio da rua. Desse modo cumpriria pontualmente o horário da oração. Em tais circunstâncias, a oração era um murmúrio, ou recitada em voz alta, acompanhada de performance corporal. Na mentalidade de muitos da época, as orações seriam um método mágico para merecer o céu. Pois acaba sendo o mais importante apenas cumprir a regra. Jesus condena veementemente a oração vazia, repleta apenas de vãs repetições, permeada de superstição. Por outro lado, Cristo não pensa de modo algum em interditar uma oração longa, fervorosa e confiante. Apesar disso, continua válido que a oração sem cessar é e permanecerá sendo o ofício do cristão. Pois orar não significa apenas dedicar de manhã e à noite alguns minutos à oração. Orar significa que a vida toda se tornou um diálogo com Deus. Quem vive nesse diálogo incessante não recebe sem refletir os acontecimentos de sua vida. A pessoa que ora recebe tudo de Deus e relaciona tudo com ele, o acontecimento maior e o menor.
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Jesus ainda lança luz para a prática do jejum. Em seu tempo, os judeus observavam dois dias de jejum para todo o povo: o dia da expiação (Lv 16) e o nono dia do mês abib. Também acontecia o decreto de jejuns coletivos em situações de calamidades. O mais severo era o jejum no dia da expiação. Nesse dia sequer era permitido lavar-se. Também se devia deixar de ungir o corpo. As pessoas se aspergiam com cinzas, andavam descalças e adotavam uma expressão facial triste. Normalmente o jejum durava do nascer ao pôr do sol. Alguns devotos espontaneamente se encarregavam de outros jejuns particulares. Esse jejum espontâneo era tido em altíssima consideração. Acreditava-se que, com o jejum, se conquistaria junto de Deus um mérito especial. Por isso se jejuava também pelos pecados do povo, a fim de afastar do povo a ira de Deus! Muitas vezes essa atividade do jejum era feita para chamar a atenção, para concentrar sobre si os olhares das pessoas. Jesus afirma: Um jejum desses é hipocrisia, e por isso condenável! O jejum correto é um pensamento íntimo de arrependimento e um coração curvado diante de Deus. O que significa, então, para a situação de hoje aquele jejuar? Por exemplo, que muitos praticam em tempos quaresmais? O jejum voluntário consiste em todo tipo de renúncias que a gente se impôs, na simplicidade da comida e bebida, simplicidade na vestimenta e moradia, gastar com moderação, desistir de alguns prazeres. Porém, é preciso sondar os motivos que levam ao jejum. Seria para maior possibilidade de ofertas aos objetivos do Reino de Deus? Ou queremos estabelecer uma regra com essas limitações, a qual deve determinar que somente uma vida frugal é uma vida de fé autêntica? A intenção de Jesus, no que fala acerca do manter-se exteriormente disposto quando da prática do jejum, é para que permaneçamos verdadeiramente humildes no exercício voluntário das atitudes de misericórdia. Que não seja imposto a ninguém, mas que sejamos gratos e alegres no exercício das práticas de fé.
4 Imagens para a prédica A partir de uma vida em Cristo, o ser humano é liberto do jugo da lei e da escravidão de si mesmo. Os efeitos da condução de Cristo na vida de quem crê geram novas perspectivas. O esboço sugerido para a pregação é adaptado da proposta de Fritz Rienecker: – Olhar para fora move para o serviço-doação (“esmola”) de nossa mão perante o próximo. – Olhar para cima move para a oração de nossos lábios perante Deus. – Olhar para dentro move para a moderação (jejum) de nossa alma perante suas lutas interiores. (Por exemplo, a necessidade de aprovação ou visibilidade.)
5 Subsídios litúrgicos A sugestão é celebrar a Quarta-Feira de Cinzas a partir da proposta de um Culto de Tomé, como forma de um caminho de volta ao coração, desvelando, no sentido de tirar o véu ou as máscaras que usamos, para que em Cristo vivamos com mais verdade e coerência no caminho do seu discipulado. (Caso você não
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tenha conhecimento acerca do Culto de Tomé, sugiro a leitura da tese de mestrado da Pa. Me. Ana Isa dos Reis Costella em: <http://dspace.est.edu.br:8080/jspui/ bitstream/BR-SlFE/487/1/reis_ai_tmp12.pdf>.) Há propostas litúrgicas para o Culto de Tomé no Portal Luteranos (https:// www.luteranos.com.br/) que podem ser facilmente adaptadas para a temática do culto na Quarta-Feira de Cinzas. Por exemplo, uma das estações pode ser para oração de confissão, com a proposta de orações serem escritas e queimadas ao final da celebração, transformando-as em cinzas. Uma estação também pode ser o convite à reflexão do que tem sido feito com o que Deus tem nos concedido (tempo, recursos, dons). Também pode ser bem-vinda a proposta para o engajamento em jejum diaconal, promovido em alguns sínodos, ou para a prática de um jejum pessoal, no tempo quaresmal (desde que devidamente refletido e com a correta motivação).
Bibliografia BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. 13. ed. rev. São Leopoldo: Sinodal, 2016. HÖRSTER, Gerhard. Introdução e Síntese do Novo Testamento. Curitiba: Evangélica Esperança, 1996. RIENECKER, Fritz. Evangelho de Mateus. Curitiba: Evangélica Esperança, 1998. (Comentário Esperança).
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PRÉDICA: GÊNESIS 2.15-17; 3.1-7 MATEUS 4.1-11 ROMANOS 5.12-19
1º DOMINGO NA QUARESMA
26 FEV 2023
Teobaldo Witter
A serpente na vida da humanidade
1 Introdução O ano litúrgico nos insere no tempo na Quaresma. Do total de cinco, hoje é o primeiro Domingo na Quaresma. Os três textos bíblicos indicados partem da boa criação divina, atravessam pela destruição provocada pelo ser humano, conforme os textos de Gênesis. Apresentam a boa criação: Deus colocou o ser humano em sua boa criação para que a cuidasse e cultivasse. No entanto, houve desconfiança por parte do ser humano. A serpente é instrumento de sabotagem do sistema de vida digna pertinente ao ato de criação divina. Neste sentido, os textos das leituras são emblemáticos. Em Mateus 4.1-11, Jesus se encontra em tempos difíceis, de sofrimento, fome, dúvidas. Entra em cena outro personagem (tentador, v. 33; diabo, v. 5 e v. 8; satanás, v. 10). Parece ser sempre o mesmo personagem. Apesar de aqui não ser mencionada a serpente, a argumentação é idêntica nos dois casos. Mas as posturas são diferentes. No primeiro caso, o ser humano (mulher) permite ceder às argumentações da serpente. Com isso, o caos se instala. No segundo caso, Jesus Cristo não cede. Por isso é servido por anjos. Romanos 5.12-19, em resumo, expressa a condição humana e a generosidade de Deus, que nos oferece a nova oportunidade de amor, que se efetiva em Jesus Cristo, o novo Adão. Portanto, assim como uma só desobediência resultou na condenação de todos os seres humanos, assim também um só ato de justiça resultou na justificação que traz vida (Rm 5.18). Pela desobediência de Adão e Eva, a humanidade se fez pecadora, assim também por meio da obediência de Jesus Cristo muitos serão feitos justos. Agora, a misericórdia divina é o principal valor fundante do governo de Deus. No tempo na Quaresma, consideramos importante meditar sobre a trajetória humana a partir dos relatos da inserção na criação e da misericórdia divina. Portanto os textos nos confrontam com dois mundos, dois governos: o governo de Adão, seduzido pela serpente, fora do paraíso (o velho Adão e velha Eva), que nos faz seres pecadores pela desobediência; e o governo de Jesus Cristo (o novo Adão), o Justo, que nos liberta por sua obediência e nos leva de volta para a casa do Pai.
2 Exegese O texto indicado para a pregação, segundo estudiosos críticos, faz parte do conjunto conhecido por narrativa da criação, atribuída a tradições javistas (do
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hebraico Yahweh). Moldura do bloco é Gênesis 2.4b – 3.24, cuja composição aconteceu entre 960-930 a. C. Se esse for o caso, seria no tempo do reinado de Salomão. Em 1938, Gerhard von Rad colocou o javista na corte de Salomão (ano 950 a. C.). Argumentou que seu propósito ao escrever era fornecer uma justificativa teológica para o estado unificado criado pelo pai de Salomão, o rei Davi. Quanto à datação, há controvérsias. Alguns estudiosos suspeitam de sua existência e datam sua composição para o período do cativeiro babilônico (597-539 a. C.) ou talvez um pouco mais tarde. Mas, seja como for, tratava-se de um escritor que contava com o apoio real, e sua narrativa exaltava a epopeia do reinado a partir da visão de Judá. O conhecimento constitui uma exclusividade de Deus, que teria sido usurpado pelo ser humano. O Sitz im Leben (lugar vivencial do texto) seria o reinado. Na época, os jardins enormes e bonitos dos palácios estavam na onda e eram muito valorizados. As princesas, por sua vez, bonitas e charmosas, serviam de objetos de negócios e barganhas dos reis. Gênesis 2.15: E tomou o Senhor Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar. As sagas da criação em Gênesis 1 e 2, em duas versões, narram atos divinos extraordinários. A terra era sem forma, vazia, dominada por trevas sob a face do abismo (Gn 1.1) isto é, do caos. Deus, por sua palavra e atos, criou vida e as melhores condições para que ela fosse possível ser vivida com dignidade e respeito. A raça humana ganhou a missão de continuar a sinergia na criação. Após a criação do ser humano do pó da terra (2.7), de ter formado um jardim do Éden entre quatro rios, com árvores de todo tipo, frutas boas para se comer e do conhecimento do bem e do mal (v. 2, 8-14), Deus colocou o ser humano para administrar, cultivar e cuidar. Éden está relacionado, originalmente, a uma área de abundância e riqueza de provimentos. Também hoje, segundo a cultura popular, no Éden se encontra tudo o que é bom, desde alimentos à vontade e demais elementos para a vida. É o paraíso, não tem nada melhor. Perfeito, é o lugar ideal. Pela descrição, o Éden é uma planície localizado entre os rios Tigre e Eufrates, com muitos canais e fluxos de água abundante. Tem abundância de mantimentos e demais condições de vida abundante. Gênesis 2.16: E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente. Após incluir a humanidade na sua criação, de forma contundente, Deus toma as providências para que o caos não retorne (Gn 1.1). Atribui ao ser humano a prática agrícola de semear, cuidar e preservar o jardim. Permite a liberdade de se relacionar bem e se alimentar abundantemente dos frutos da terra. Parece o sonho humano de viver em plena segurança alimentar, sem escassez e sem especulação financeira, com a produção de alimentos. Todos tinham o suficiente para viver com dignidade. Gênesis 2.17: Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás. No versículo 9b, o texto menciona que, no meio do jardim, havia uma “árvore da vida”. Não é somente o javista que se refere a uma árvore da vida. A árvore da vida é um símbolo que atravessa gerações. Em diversas e antigas cultu-
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ras ocidentais, como celtas, gregos, romanos, persas, até culturas orientais, como a chinesa e a japonesa, a narrativa literária a registra. A expressão “árvore da vida” provoca imaginações diversas em diferentes culturas, áreas de conhecimento como a religião, psicologia, sociologia, economia, filosofia, astrologia, yoga, cabala e outros. E tem seus significados próprios. A árvore da vida tem múltiplas ramificações. O símbolo da árvore da vida é uma metáfora de expansão, de edificação e crescimento dos seres. Pode ser como uma fonte da vida, generosidade e gratidão, sendo fonte que alimenta a vida. A árvore perpassa a Bíblia do início ao fim. O Apocalipse de João retoma o assunto e faz referência à árvore da vida. No meio da sua praça, e de ambos os lados do rio, estava a árvore da vida, que produz doze frutos, dando seu fruto de mês em mês; e as folhas da árvore são para a cura dos povos (Ap 22.2). No Reino de Deus (na Nova Jerusalém), no projeto divino, está a árvore da vida, que tem frutos que alimentam, em todo tempo, e tem folhas que curam todos os povos. No versículo 9c, de Gênesis 2, o texto narra que tem uma árvore do conhecimento do bem e do mal. Quando Javé apresenta o jardim aos humanos, simplesmente menciona que há essa árvore. Ao apresentar a árvore do conhecimento do bem e do mal, nesse passeio pelo jardim, Deus apresenta a árvore, nada mais. Não há menção a problemas. Gênesis 2.17: Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás. Agora, sim, tem problemas. Dentro de toda boniteza e fartura no Éden, está uma árvore do conhecimento do bem e do mal. Em relação a essa árvore está o mandamento divino de não comer dela. Tem limites. As lutas justas pela vida digna contam com limites. A literatura traz poucos registros a respeito dessa árvore do conhecimento do bem e do mal. É entendimento pertinente que há um problema humano no sentido de fidelidade no cuidado na vida no jardim. O texto está conectado ao mandamento: não comerás. Alerta: “Se dele comeres, morrerás”. A proposição não pode ser refutada, questionada. O que está proposto pelo criador não se pode refutar, discutir, colocar em causa. É irrefutável. A fórmula utilizada pelo texto corresponde à mesma dos mandamentos, por exemplo, Êxodo 20.1-17. A redação é comum nos textos apodíticos. Para Garin (2011, p. 3): “Essa ordem vem acompanhada de outra fórmula: a condicionante da desobediência no dia em que dela comeres, certamente morrerás. É perceptível a força da palavra divina que ordena e não permite questionamentos”. O projeto divino da criação não pode ser mudado na sua raiz, porque se mudar, morre. Nesse projeto da boa criação (Gn 1.31) divina não há esculhambação. Se houver, será o caos (Gn 1.1). Em semelhança, pode-se afirmar: para viver com dignidade não pode haver desobediência. Gênesis 3.1: Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o Senhor Deus tinha feito, disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim? Três elementos que estão na composição desse texto são significativos lembrar: a serpente, o jardim e a humanidade. A serpente faz parte da tradição de Israel e é mencionada em diferentes contextos, mas também em diferentes culturas religiosas, políticas, sociais, econômicas. Não podemos esquecer que a
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serpente é o símbolo do poder do Faraó, o poder da maior potência mundial da época. Os reis Davi e Salomão, entre outros, alimentam-se da fonte de sabedoria e do poder egípcio. O jardim faz parte do território do palácio. E as princesas são importantes para assegurar o poder do rei. A monarquia de Israel cedeu aos encantos dos grandes impérios da época. Nesse contexto é que se realiza a idolatria da monarquia em Israel. A acumulação da terra, as guerras com os povos, vizinhança, expansão do território, a exploração do próprio povo. Gênesis 3.2-3: Respondeu-lhe a mulher: Do fruto das árvores do jardim podemos comer, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais. Não houve contestação por parte da mulher, nem defesa contundente do projeto da criação, mas disposição para dialogar. Deus é a medida de todas as coisas. Comer do fruto da árvore que está no meio do jardim significa usurpar a ordem da criação. Não se cogita isso. A mulher, ao responder a indagação da serpente, repete a ordem que Deus havia dado ao casal, além de reforçar e ampliar a proibição que Deus fez em Gênesis 2.17: nem tocareis nele (fruto). Ela amplia a dimensão da proibição. Percebe Deus como aquele que dá uma proibição, empurrando para o valor menos importante o aspecto da promessa. A narrativa humana cria condições para que a serpente construa a sua interpretação e argumentação da ordem de proibição, negativamente. Afinal, “Deus só proíbe”. E o faz para enganar vocês. Essa é uma conclusão possível. Gênesis 3.4-5: Então, a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal. Com sábia estratégia de comunicação e de convencimento, a serpente, esperta, sedutora, sagaz, sem agredir, contra-argumenta. Ela inicia sua fala pelo final da afirmação da mulher: É certo que não morrereis. Vocês estão sendo enganados. Deus tem algo muito importante que ele esconde de vocês. Dessa forma, a serpente cancela a afirmação de Deus, em Gênesis 2.17. E coloca dúvida no raciocínio da mulher. Essa semente da dúvida nasce e cresce. Para Garin (2011, p. 3), pode-se perceber que, tanto no discurso de Deus como no da serpente, há um jogo de sentido entre a morte “mediata” e morte “imediata” (3.6 e 3.19). A certeza dada pela serpente de que o casal não morreria não se efetiva (22-24). Entretanto, agindo dessa forma, a serpente coloca sob suspeita a ordem de Deus, afasta o respeito provocado pela ameaça e prepara o caminho para a satisfação do desejo, pois coloca no seu raciocínio a possibilidade de conhecer o bem e o mal. Além dessa possibilidade, a serpente desperta na mulher o desejo de ser deus, viver eternamente. Os grandes impérios precisam dessa desobediência para garantir o poder em outra ordem: o rei conhece, manda e exige obediência. Essa medida quer considerar que o ser humano deseja agir no mesmo nível de Deus no cenário do conhecimento. Dessa forma, a serpente nivela-se a Deus ao demonstrar que sabe tanto quanto ele sobre o certo e o errado. Essa narrativa está presente também em mitos de outras culturas, como no caso do mito de Prometeu, na Grécia.
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Gênesis 3.5: Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal. O bote, o lance fatal da serpente: Deus está enganando vocês. Deus tem estratégia que não revelou para vocês. A serpente semeou a desconfiança. Ser conhecedor do bem e do mal significa, nesse contexto, ser deus. A serpente prega o golpe, a usurpação contra Deus. O projeto da serpente é projeto idólatra. Estão conjugados egoísmo, idolatria e desconfiança em relação a Deus e ao projeto da criação divina. Gênesis 3.6: Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu. Em sua tomada de decisão, a mulher é seduzida pela serpente para fundamentar sua visão de que a árvore era boa para se comer e seu fruto era agradável. Em segundo lugar, pela beleza da árvore, que era agradável à vista. Esses dois atributos correspondiam às outras árvores do Éden (2.9; 3.2). Para Garin (2011, p. 3), o terceiro argumento distingue-a das demais árvores do Éden: desejável para dar entendimento. Assim, a serpente argumenta com a visão (agradável à vista), o sabor (frutos bons) e o entendimento (ética). O processo de autoconvencimento, que a leva a uma dupla decisão: comer e dar ao companheiro. Os dois primeiros argumentos são construídos pela própria mulher – são autoconvencimento. Porém o terceiro é o argumento construído pela serpente e destina-se ao desejo humano. Outro aspecto que chama a atenção é que na narrativa não aparece qualquer menção ao diálogo travado entre homem e mulher. Garin (2011, p. 3) entende ser estranho que a decisão dela (mulher) representa a decisão dele (homem). Esse silêncio da narrativa pode estar associado ao fato de que 3.1-6 seja a continuação de 2.17, material proveniente de outra fonte. Gênesis 3.7: Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si. Consequência da ação de comer do fruto efetiva-se como estava descrito em 3.5b: abriram-se, então, os olhos de ambos, e o resultado não tem a ver com a alerta divina de Gênesis 2.17: certamente morrerás, nem com o restante da promessa da serpente em 3.5b: sereis conhecedores do bem e do mal. Ao contrário disso, descobrem a própria nudez. Porém o v. 22 relata a aquisição desse conhecimento, que deveria estar em 3.7. A narrativa parece localizar na constatação da nudez a aquisição do conhecimento ético, visto que, em 3.8, a narrativa apresenta a capacidade de distinção entre o certo e o errado. Para Garin (2011, p. 4), tudo isso aponta para a possibilidade dessa narrativa focar uma explicação etiológica da vestimenta humana, mas isso é desmontado pelo v. 21: Fez Deus vestimenta de pele para Adão e sua mulher e os vestiu. Outro elemento estranho é que a nudez descrita em 2.25 constituía um elemento importante de aproximação entre homem e mulher, de tal sorte que constituía sua intimidade. Agora, no v. 7, a nudez passa a ser um elemento que afasta um do outro, a tal ponto que fazem disfarces para cobrir-se. A nudez parece não ser o problema, mas a desconfiança construída pela serpente e que, agora, faz parte das relações com Deus e entre os humanos. Não apenas separa o casal, como separa ambos da companhia divina, conforme
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v. 10. É importante notar que o conjunto 3.1-7 não inclui Deus em nenhum momento; aparece apenas em 3.1, na boca do narrador.
3 Meditação 1. Cultura religiosa: Fui ao Sul do Pará, seguindo pela BR 163. Próximo à divisa entre MT e PA, na época, havia grandes florestas, rios e igarapés. No rio Braço Sul, havia alguns posseiros que ocupavam uma pequena área e possuíam suas lavouras. Não era expressivo. Tudo feito com machado, foice, facão e serrote. Como saí de madrugada de casa, em Sinop, cheguei ao local ainda antes do almoço, aí pelas 10h. Depois do culto, alguns homens vieram conversar comigo. Cobraram, porque não mencionei o “fruto da forquilha” que Eva deu para Adão. Não entendi imediatamente, mas um deles fez o gesto de que estavam se referindo ao ato sexual entre os humanos. Minha argumentação foi que essa narrativa não é pertinente ao texto (Gn 3.1-7). Não chegamos bem a um consenso. Os homens possuíam vários argumentos a favor deles. Mas dialogamos em “alto nível”. Depois de um tempo razoável de discussão e reflexão, inclusive durante o almoço comunitário debaixo das árvores, concluímos temporariamente o tema. Depois disso, um dos homens disse: Agora o senhor pode continuar com a pregação. O significado dessa sua conclusão e afirmativa é que até aquele momento ele estava procurando somente o “fruto da forquilha” na mensagem. Tudo o que foi ensinado até então ele simplesmente não captou. O tema suscitado pelos textos esbarra em conclusões fechadas e sedimentadas na cultura popular religiosa. A pregação deve contar com essa realidade. No caso por mim enfrentado, eu voltei a pregar e dialogar em outros momentos com base no texto em questão. Sugiro que quem ensina/prega a partir desse texto verifique o contexto cultural religioso da comunidade. E procure seu jeito para que a pregação encontre corações mais leves e livres de conceitos que atrapalhem. 2. Desobediência/obediência: O texto escolhido para pregação está carregado de significados. Por isso é importante estudar sobre significados e pensamentos gerais que são transmitidos pela cultura. O mesmo se pode afirmar sobre o evangelho. Mateus 4.1-11 contém elementos bem conhecidos. E metem medo: tentador, diabo, satanás. Há, ainda, o ambiente da sedução, debate. Enquanto que a discussão em Gênesis 3 era, de maneira geral, sobre conhecimento do bem e do mal, os temas são atuais como fome, pão, pedras, anjos, poder, arriscar a vida. Mas tem muito em comum como, por exemplo, desobediência, tornar-se poderoso, ser dono do próprio negócio. Nos dois casos, são apresentados projetos alternativos ao Reino de Deus. A resposta à sedução da serpente foi dada pelos seres humanos, inclusive nós. Caímos para valer. A resposta à sedução do tentador, diabo, satanás foi dada por Jesus Cristo. Venceu, assim como venceu a morte. O velho Adão cedeu, caiu e continua caindo. O novo Adão foi simples e radical: “somente a teu Deus prestarás culto”. Romanos 5.19 conclui que pela desobediência de um só homem (Adão: nós, humanidade) muitos se tornaram pe-
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cadores, assim, também, pela obediência de um só homem (Jesus Cristo) muitos se tornarão justos. 3. Cancelamento do Éden: O projeto de vida digna para o ser humano e a natureza foi pensado e criado por Deus. Estava perfeito. Era o paraíso, ou seja, lugar, território de bem-aventurança e plena felicidade. Deus, o Criador, estabeleceu alguns limites para que a vida funcionasse como pensado em seu princípio. Isso exige fidelidade ao princípio de não comer dos frutos da árvore que está no meio do Éden. Mas o ser humano entra em cena e confronta-se com um projeto diferente daquele traçado por Javé. Está aí a novidade: o projeto da serpente. Faz parte da criação divina. Ela é personagem estranha, mas conhecida do ser humano. Ela se apresenta para cancelar a ordem do Criador. Esse versículo está diretamente relacionado a 2.16-17 ao recuperar os “mandamentos” ali declarados. Nessa narrativa, a serpente apenas relembra as instruções dadas por Deus. Portanto ela conhece o texto sagrado e faz uso dele para seduzir, enganar e transformar os termos dos valores. A serpente faz parte da tradição de Israel e é mencionada em diferentes contextos. Nos textos das Escrituras ela é mencionada mais de vinte vezes. Mas também em diferentes culturas religiosas, políticas, sociais, econômicas ela não é apenas um animal ágil, prudente, sagaz, esperta, de sentidos aguçados. Sua imagem é símbolo de poder, glória e honra. A serpente é o símbolo do poder do soberano do Egito, Faraó, a maior potência mundial da época. Os reis Davi e Salomão, entre outros, alimentam-se da fonte de sabedoria e poder egípcio. O jardim faz parte do território do palácio. E as princesas representam um sentido de sedução, no jardim. São importantes para assegurar o poder do rei. A monarquia de Israel cedeu aos encantos dos grandes impérios da época. A humanidade, representada em Adão e Eva, cedeu às palavras, às melodias e aos encantos da serpente e dos impérios. 4. Gabinete paralelo: A serpente montou um gabinete paralelo no governo de Deus. Esse gabinete cresceu e criou suas próprias estratégias para impor seus interesses. A argumentação para o convencimento envolve o belo, agradável e desejável. De qualquer forma, Eva e Adão se deixaram convencer pela serpente, que apresentou a tese sobre Deus que teria suas estratégias e mantém oculto o que há de melhor. E não permite que eles tenham parte plena no reino divino. De qualquer forma, eles têm tudo, mas querem mais. O que querem não são direitos à vida, direitos humanos, mas privilégios de dominar, de explorar, de ser deus, de ter todo domínio sobre a natureza. Quando conseguiram, se tornaram seres naturais, sem condições de viverem no paraíso de Deus. E veio a condição humana que exige atividades próprias: a vida biológica, a mundanidade, a natalidade, a mortalidade, o condicionamento e o cuidado. O campo de luta, que seria batalha pelo conhecimento do bem e do mal e se tornar deus, não deu certo. Contudo, Deus permitiu que o ser humano tivesse continuidade. O conhecimento, nessa realidade pós-serpente, significa a capacidade humana de entender, apreender e compreender as coisas e viver na realidade de conflitos, de morte e de vida. Para Arendt, “o conhecimento é capacidade humana de apreender algo. A partir do
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que for apreendido, pode criar as condições de vida. O homem quando nasce precisa de cuidados, precisa aprender e apreender, para sobreviver”. Portanto as condições humanas são as condições nas quais a vida é dada ao ser humano na Terra, e cada uma gera e exige atividades próprias. Tocar a vida excluída do Éden significa vida natural, sujeita às leis da natureza. Por vida natural, a Confissão de Augsburgo exclui Jesus Cristo (Nota 12 do Artigo 2: Do pecado original). Desse abismo ninguém sai sozinho, nem por forças humanas ou da natureza, somente pela ação na vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo, mediante o Batismo e o Espírito Santo. Portanto o gabinete paralelo da serpente deu golpe em Deus e jogou a humanidade no abismo da morte e do sofrimento. 5. Confiança: O texto não tem nenhum fundamento para ser pensado e interpretado como texto do “fruto da forquilha”. Mas, sim, a confiança em Deus que proporciona sua criação de vida digna. A confiança é necessária e fundamental em todas as relações. Não há relações livres se não forem construídas com base na confiança. O verbo confiar tem origem no latim confidere, que significa “acreditar plenamente, com firmeza”. O sufixo “fidere” significa fé, por isso a palavra confiar é usada, também, como sinônimo de fé. A palavra fé tem origem no grego pistis, que indica a noção de acreditar e no latim, fides, que remete a uma atitude de fidelidade. No Éden, Deus criou todas as coisas para que a bem-aventurança fosse possível, completa e plena. Mas a serpente, sagaz, desconstruiu as relações de confiança, lançando as dúvidas na cabeça e no coração humano. A esperança, hoje, é reconstruir a confiança em Deus. Jesus, o novo Adão, ensina: Tenham fé em Deus (Mc 11.22b). E Deus confirma: Este é meu Filho amado, a ele ouviu (Mc 9.7). O paraíso não é somente saudade, mas também esperança. Em nossa obediência à Palavra, Deus possibilita nosso acesso ao novo céu e à nova terra (Ap 21.1ss).
4 Imagens para a prédica Pode ser elaborado um cartão para ser entregue pelos grupos de confirmandos e confirmandas às pessoas que entram pela porta da igreja. Num dos lados do cartão, desenhar ou escrever a ÁRVORE DA VIDA. E no outro lado, desenhar ou escrever ÁRVORE DO CONHECIMENTO DO BEM E DO MAL. As pessoas são convidadas a escreverem seu nome nos dois lados do cartão. No momento da confissão dos pecados, cada pessoa traz seu cartão e o coloca debaixo da cruz, no altar. Um dos sentidos do cartão é a afirmação de que todas as pessoas são, ao mesmo tempo, justas e pecadoras. Somos o velho Adão e a velha Eva. Mas em Cristo Jesus somos feitas novas criaturas. O perdão de Deus as acolhe em seu reino de justiça e paz.
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5 Subsídios litúrgicos Confissão comunitária Deus Criador, tu criaste todas as coisas belas, agradáveis, desejáveis. Mas eu quero tudo para mim mesmo. E quero sempre mais acumular, acumular, acumular. Por que não? De qualquer jeito, importa minha felicidade. Por acumular para mim mesmo, tem piedade de mim, Deus. Deus Salvador, tu me pedes prática da misericórdia. Mas estás pedindo algo muito pesado. Não vejo sentido em sofrer por causa das dores dos outros e das outras. Eu tenho minhas próprias dores, meus próprios problemas. Não posso ser misericordioso. Por te desobedecer, tem piedade de mim, Deus. Deus Santificador, tu me pedes fé e confiança em ti. Mas eu tenho minha própria fé, minha própria vida, meus sonhos, minhas estratégias e minha própria santidade. Tu queres me tolher no meu pensar, agir e fazer. Por isso não posso ir contigo. Por não confiar em ti, tem piedade de mim, Deus. Deus Trino, tem muita miséria e sofrimento no mundo. E já não posso sair de casa que sou importunado por essa gente sem caráter e preguiçosa. Foste tu que criaste esse vale da sombra da miséria. Por não assumir meus compromissos de fé e vida com a tua criação, tem piedade de mim, Deus. Deus, eu, pobre e miserável ser humano, confesso todos os meus pecados que cometi em pensamentos, em pronunciamentos, em ações e em omissões. Todos eles te ofendem e me oprimem. Peço, por tua infinita misericórdia e graça, pelo amor de Jesus Cristo, perdoa-me e transforma minha vida. Assim seja.
Bibliografia GARIN, Norberto da Cunha. Gênesis 2.15-17; 3.1-7. In: Proclamar libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2011. v. 35. CABRAL, João Francisco Pereira. Teogonia e a origem dos deuses gregos. Brasil Escola. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/mitologia/teogoniaorigem-dos-deuses-gregos.htm>. Acesso em: 10 jun. 2022. CONFISSÃO DE AUGSBURGO. Do Pecado Original. Disponível em: <https:// www.luteranos.com.br/textos/a-confissao-de-augsburgo>.
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05 MAR 2023
PRÉDICA: JOÃO 3.1-17 GÊNESIS 12.1-4a ROMANOS 4.1-5, 13-17
Vitor Hugo Schell
Nascer do alto, nascer da água e do Espírito
1 Introdução Em Gênesis 12.1-4a, lemos a respeito do chamado do Senhor a Abrão para que saísse de sua terra e da casa de seu pai em direção à terra que lhe seria indicada pelo próprio Deus. A intenção de Deus é abençoar Abrão, engrandecer seu nome e a partir disso fazer dele uma bênção para todos os povos da terra. Todas as famílias da terra estão, portanto, no horizonte da promessa a Abrão (v. 3). Estabelecendo um claro contraste frente à narrativa da construção da torre de Babel (Gn 11), onde o desejo de chegar até os céus e tornar célebre o nome por conta própria faz colocar a mão na massa para a construção da torre, a bênção a Abrão vem do alto, lhe é concedida pelo próprio Deus e o faz agir por fé. Na sua Carta aos Romanos, o apóstolo Paulo retoma a história de Abrão, então já Abraão, para embasar sua argumentação sobre a justiça da fé. No texto da Carta aos Romanos indicado para leitura (4.1-5; 13-17), Paulo cita Gênesis 15.6, que afirma que Abraão creu no SENHOR, e isso lhe foi imputado para justiça. O relato de Gênesis atesta adiante como Abraão age, movido por sua fé, antes de qualquer mandamento da lei. A justiça que vem de Deus provém da fé e é segundo a graça (Rm 4.16). Na conversa com o fariseu Nicodemos, Jesus afirma que ver o Reino de Deus depende de um nascimento “do alto”, como evento sobrenatural possibilitado pelo agir do próprio Deus por meio de seu Espírito Santo. Nisso se estabelece a conexão clara entre o agir de Deus na vida de Abraão, sua alusão na argumentação de Paulo na Carta aos Romanos e o texto indicado para a prédica.
2 Exegese Após a realização do seu primeiro milagre, de acordo com o relato de João, em uma festa de casamento em Caná da Galileia, onde manifestou a sua glória transformando água em vinho, Jesus permanece com sua mãe, seus irmãos e seus discípulos ainda por poucos dias na região da Galileia, em Cafarnaum, até que então, estando próxima a festa da Páscoa dos judeus (Jo 2.13), sobe a Jerusalém. Confrontado com a realidade do Templo, que havia sido transformado em casa de negócio (2.16), e consumido pelo zelo pela casa de seu pai (2.17), Jesus expulsa os que ali exploravam os fiéis. O relato de João deixa clara, então, a associação do templo de Jerusalém com o verdadeiro santuário, a saber, o corpo de Jesus, que seria destruído e reconstruído em três dias, como sinal que comprovaria sua
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autoridade messiânica. O relato faz questão de apontar para a incompreensão dos interlocutores de Jesus e para a fé na Escritura e na palavra de Jesus (Jo 2.22), resultante da lembrança daquelas palavras após a sua ressurreição. É em Jerusalém que acontece o encontro narrado em João 3.1-17 e bem de acordo com o estilo do quarto evangelho, ao diálogo conecta-se um “discurso teológico” mais longo, que elucida a missão de Jesus. Nicodemos, identificado por João como integrante do grupo dos fariseus e um dos principais dos judeus, procura por Jesus à noite, pois o reconhece, a partir dos sinais realizados, como mestre vindo da parte de Deus. No relato, as palavras de Nicodemos resumem-se a esse reconhecimento de Jesus como mestre (v. 2), à pergunta pela possibilidade de um segundo nascimento a partir do ventre materno, ou seja, de modo natural (v. 4), e à pergunta pela possibilidade de um nascimento a partir do Espírito (v. 9). O fato do encontro com o fariseu Nicodemos acontecer à noite (v. 2) estabelece uma conexão contrastante com o capítulo seguinte, com o relato do encontro com a mulher samaritana junto ao poço de Jacó, à hora sexta, ou seja, ao meio-dia (Jo 4.6). A reação de Jesus ao reconhecimento de Nicodemos à sua autoridade de mestre, no v. 3, não esclarece, em um primeiro momento, se tal reconhecimento já seria o resultado do agir sobrenatural de Deus em sua vida. Teria Nicodemos já recebido um novo nascimento do alto, que o fizera enxergar os sinais e reconhecer a Jesus como Mestre? Seria, porém, suficiente reconhecer Jesus como Mestre em Israel e que Deus estava com ele? As perguntas de Nicodemos (v. 4) atestam sua ignorância quanto à verdadeira identidade de Jesus. É típica do quarto evangelho a incompreensão dos interlocutores de Jesus quanto à sua identidade messiânica, assim como o gradativo desvelamento dessa identidade. As imagens utilizadas por Jesus para elucidar a realidade do Reino de Deus seus interlocutores interpretam de forma literal (v. 4 – compare com Jo 4.11-12, 15). No v. 5, o discurso de Jesus sobre ver o Reino de Deus é expandido para a necessidade de nascer da água e do Espírito para poder entrar no reino de Deus. No prólogo do evangelho, em Jo 1.12-13, afirma-se que aquela pessoa que recebe o Verbo de Deus encarnado, que crê em seu nome (sua identidade como Cristo), recebe o poder de tornar-se filho de Deus, o que não acontece por vontade da carne, nem [...] do homem, mas de Deus. Também a Nicodemos a mesma lógica é afirmada. As coisas de Deus não são compreensíveis ao ser humano natural. A pergunta do v. 9 sublinha a incompreensão de Nicodemos, à qual Jesus reage com outra pergunta: Tu és mestre em Israel e não compreendes estas coisas? Para além da ênfase na incredulidade em relação ao testemunho de Jesus, os v. 11-13 enfatizam também a origem de tal testemunho. Jesus testemunha a respeito do Pai, daquilo que sabe e tem visto. Suas credenciais como Deus unigênito, que está no seio do Pai e que a esse revela (1.18), assim como a autenticidade do testemunho do próprio evangelista sobre a habitação do Verbo entre nós, cheio de graça e de verdade e da sua glória, glória como do unigênito do Pai (1.14), já haviam sido enfatizadas no prólogo. O v. 14 inicia uma nova etapa do discurso de Jesus. A missão do Filho do Homem (já identificado como descido do céu no v.13) é interpretada à luz do episódio relatado em Números 21.4-9. O caminho providenciado pelo próprio
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Deus para a salvação nos tempos de Moisés se torna em ponto de contato para o caminho providenciado por Deus por meio do seu próprio Filho. O olhar para a serpente de bronze como meio de salvação frente ao terror da morte causada pelas serpentes no deserto torna-se analogia para o olhar da fé para Jesus de Nazaré, o Filho do Homem, levantado na cruz como meio de vitória sobre a morte, meio de acesso à vida eterna (v. 14-15). O v. 16 deixa ainda mais claros o motivo e a finalidade da entrega do Filho unigênito de Deus. Ela é motivada pelo amor ao cosmos e tem a finalidade de conceder vida eterna aos crentes. A conversa com o fariseu Nicodemos se transforma, por fim, em um discurso sobre o amor de Deus por todo o mundo. Sobre o fariseu Nicodemos, o Evangelho de João voltará a falar apenas no contexto da controvérsia entre os guardas, os principais sacerdotes e fariseus, após a festa dos Tabernáculos (7.50) e ainda por ocasião do sepultamento de Jesus (19.39). Antes de João dar sequência ao relato, contando sobre o tempo de permanência de Jesus juntamente com seus discípulos na região da Judeia (v. 22), os v. 18-21 encerram o discurso sobre o envio de Jesus e sua missão apontando para a realidade presente do julgamento, no qual se encontram os que amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más (v. 19; compare também Jo 1.8-11).
3 Meditação Nicodemos segue algumas pistas e sinais miraculosos que constam no “currículo de Jesus”. Ele havia purificado o Templo e é bem provável, ainda que João não entre em detalhes a esse respeito, que soubera dos eventos ocorridos na “casa de oração”. Como fariseu, alegra-se pela reprovação do mestre à espiritualidade formal e vazia do Templo, dos líderes aristocratas da classe sacerdotal, maculada por conchavos políticos com Roma em troca de favores. Sua turma dava o dízimo da hortelã, do endro e do cominho (Mt 23.23) e queria ver a espiritualidade ativa no dia a dia, que a lei tivesse efeito na vida real e em detalhes, nas ruas, casas e praças, e não somente no Templo. Para Nicodemos, a simpatia para com Jesus pode ter tido a ver com isso: dá para ver sua piedade, os sinais que realiza. Ele combate a bagunça instaurada no culto oficial do Templo com seus vendilhões. Se a partir do episódio do Templo, por um lado, seria positivo ser visto com Jesus, a partir da crítica do mestre à piedade de fachada dos fariseus, por outro lado, isso não pegaria tão bem! Na dúvida, para não se expor, ele vai a Jesus à noite. A Nicodemos o Mestre reage de forma um tanto enigmática. Ninguém poderia ver o Reino de Deus se não nascer de novo. Jesus não estava dizendo a Nicodemos: “Se estás vendo que faço verdadeiros milagres, é porque já enxergas o Reino de Deus, assim como ele é!” Não. Mesmo tendo reconhecido o mestre que realiza sinais, Nicodemos ainda não tinha visto o Reino, não havia reconhecido o Cristo. Nicodemos chama Jesus de Mestre e o procura à noite! Os milagres ainda não o convenceram que estaria diante do Messias! O que seus olhos viram ainda não o levaram a crer que Jesus era o próprio Messias e não somente mais um mestre!
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É claro que ninguém poderia voltar ao ventre materno sendo velho! Tão impossível quanto voltar ao ventre materno é a compreensão das coisas de Deus, sem que essa seja presenteada pelo próprio Deus, de forma sobrenatural, vinda do alto! Tão ridículo e ingênuo quanto pensar em entrar na barriga da mãe para receber a chance de uma vida nova e justa deveria ser ao ser humano imaginar-se capaz de ver o Reino de Deus, de ver em Jesus o Messias, por seus próprios esforços. Na explicação do terceiro artigo do seu Catecismo Menor, Lutero escreve: “Creio que, por minha própria inteligência ou capacidade, não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem chegar a ele. Mas o Espírito Santo me chamou pelo Evangelho, iluminou com seus dons, santificou e conservou na verdadeira fé [...]”. Nascer de novo, do alto, não é uma questão de escolha humana, mas de receber de forma sobrenatural o presente de Deus, e ter os olhos abertos à fé. Ler a Bíblia pode ser uma escolha humana, mas compreender a Bíblia de forma existencial é obra que o Espírito realiza em nós! Compreender um texto bíblico com a razão ainda não significa experimentar sua realidade de forma concreta. Não basta ser mestre em Israel! São interessantes textos como o de Lucas 24.24-25 e 31, que enfatizam os olhos fechados dos discípulos e a demora em crer em tudo o que os profetas falaram! O próprio conceito neotestamentário de fé foge da ideia de comprovações, empirismos, do ver para crer! Antes, a fé bíblica é apresentada como certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos (Hb 11.1). Jesus diz aos discípulos após o encontro com Tomé: Felizes os que não viram e creram (Jo 20.29). Como ninguém pode entrar novamente no ventre materno, assim também ninguém pode entrar no Reino se não nascer da água e do Espírito. Em outros momentos se fala do Batismo com Espírito Santo e com fogo – não com água. O Espírito traz nova vida e o fogo queima, é juízo que consome o que é mau. Ao falar da água e do Espírito, é possível que Jesus esteja lembrando Nicodemos, ou pelo menos tentando fazê-lo lembrar, das palavras de Ezequiel 36.25-27, às quais como “mestre em Israel”, deveria conhecer: Darei a vocês um coração novo e porei um espírito novo em vocês; tirarei de vocês o coração de pedra e lhes darei um coração de carne. Porei o meu Espírito em vocês e os levarei a agirem segundo os meus decretos e a obedecerem fielmente às minhas leis. Na visão profética de Ezequiel, os ossos secos recebem nova vida quando o Espírito é soprado! A água afoga o velho ser humano e o Espírito de Deus capacita para um novo viver! A água afoga, mata e o Espírito Santo ressuscita, vivifica. O dilúvio lava a terra do pecado e a pomba anuncia que um novo começo é possível! Se é certo que não precisamos ver para crer e que o Espírito Santo nos abre o entendimento e nos chama à fé, também é preciso ressaltar que importa “olhar para o lugar certo”. A história de Jesus precisa ser contada e a partir disso o Espírito abre os olhos para a realidade de que Jesus, o filho do homem (bem humano, muito humano, que morre na cruz como ladrão) é, de fato, o Filho Unigênito de Deus, por intermédio de quem tudo foi feito, sem o qual nada do que existe teria sido feito (Jo 1.3) e por meio de quem Deus prova o seu tão grande amor pelo mundo. Se a história de Jesus fosse contada por fotografias no Instagram e no Facebook, não teria como acreditar que aquela imagem era do filho
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Unigênito de Deus! Nenhuma foto no palácio de Herodes em um grande banquete! Melhor encontrá-lo, de fato, na surdina da noite! Nenhuma foto de viagens à Roma, capital do império. Haveria fotos dele com gente bem comum! Alguns maquiados ou mascarados também estariam lá! Mas não seria bonito de ver! Não curtiríamos! Como acreditar que ali estava o Messias? A loucura do Evangelho é justamente essa! Na cruz está o Filho de Deus e o caminho ao céu passa por essa cruz, inevitavelmente! O que é dito em João 3.14 quer ajudar Nicodemos a entender! Ele deveria olhar para aquele que seria crucificado, deveria olhar na direção certa. Olhar para a serpente no deserto salvaria da morte pelo veneno das serpentes. Olhar para o Jesus crucificado, o Filho Unigênito feito pecado por nós (2Co 5.21), salvaria da morte eterna como salário do pecado! Que do alto nos seja concedido este olhar. Amém.
4 Imagens para a prédica De forma muito elucidativa podem ser contrastados os encontros com Jesus nos capítulos 3 e 4 do Evangelho de João. Enquanto Nicodemos, o homem fariseu de reputação ilibada, mestre em Israel, encontra-se com Jesus à noite, uma mulher samaritana com um passado de desilusões amorosas encontra-se com Jesus ao meio-dia. Também a incompreensão de Nicodemos em relação às coisas do Reino de Deus pode ser comparada à incompreensão da mulher samaritana a respeito da água que se torna em uma fonte a jorrar para a vida eterna no capítulo seguinte do evangelho (Jo 4.10-15) ou ainda em tantos outros episódios relatados nos evangelhos, de forma geral, os quais deixam clara a falta de compreensão até mesmo dos próprios discípulos de Jesus em relação ao Reino de Deus. A água e o Espírito, de onde se nasce para a entrada no Reino de Deus, são agentes constantes nas narrativas da história da salvação de Deus. Desde as narrativas mais antigas do Antigo Testamento até os textos proféticos mais recentes, a água e o Espírito estão presentes. A água que afoga (no dilúvio, no mar Vermelho, p. ex., no batismo) também lava, purifica e mata a sede. O Espírito que purifica, queimando como fogo, também sopra livremente como o vento, dando nova possibilidade de vida ao que está morto.
5 Subsídios litúrgicos Confissão de pecados: A confissão de pecados deve reconhecer a incredulidade revelada em tentativas de conquista “de uma nova oportunidade de vida” por esforços próprios (por boas obras, por superstições e crenças das mais variadas, pelo consumo, por dinheiro ou fama, por exemplo), assim como a dificuldade em enxergar as situações e pessoas com os olhos da fé, com o olhar de Jesus. Liturgia da palavra: O hino 170 do LCI lembra a história narrada pelo texto da prédica e incentiva ao encontro pessoal com o Senhor, enquanto o hino 462 do LCI pede que o Espírito Santo, como grande ensinador, revele a Cristo, o Salvador.
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Bibliografia BEASLEY-MURRAY, George R. John. In: HUBBARD, David A.; BARKER, Glenn W. (Eds). Word Biblical Commentary. Waco, Texas: Word Books, 1987. v. 36. BOOR, Werner de. Evangelho de João I. Curitiba: Evangélica Esperança, 2002. (Comentário Esperança).
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3º DOMINGO NA QUARESMA
12 MAR 2023
PRÉDICA: ROMANOS 5.1-11 ÊXODO 17.1-7 JOÃO 4.5-42
Léo Zeno Konzen
“Senhor, dá-me dessa água!”
1 Introdução Quaresma é um tempo especial, uma espécie de retiro de preparação para a Páscoa. Tempo de afinar nossa identificação com Cristo, que caminha rumo à vivência do mistério de sua paixão, morte e ressurreição, o mistério pascal, centro de nossa fé cristã. Tempo de beber da água que brota da rocha da qual bebeu o povo de Israel a caminho da terra prometida (Êxodo 17.1-7). Tempo de pedirmos como fez a samaritana: Dá-me desta água, para que eu não tenha mais sede e não precise mais voltar para buscar água (João 4.5-42). O 3º Domingo da Quaresma nos coloca em contato mais próximo com aquilo que aguardamos, pela graça de Deus, vivenciar na Páscoa do Senhor e na renovação de nosso batismo. Somos convidados a experimentar a paz que nos vem pela fé em Cristo Jesus. Mais ainda: mergulhamos na capacidade que a água viva de Cristo nos oferece para sermos capazes de nos orgulhar não só na esperança que visualizamos no horizonte, mas também das tribulações, sabedores que somos de seus bons frutos.
2 Exegese O texto de referência para a prédica deste domingo é Romanos 5.1-11. Bem estruturada, essa carta apresenta partes bastante definidas: a) uma introdução que contém uma espécie de “credo primitivo” e a formulação da “tese” da justificação pela fé (1.1-17); b) a argumentação da “tese”, que inicia com a apresentação da condição de pecadores de todos, pagãos e judeus (1.18 – 4.25); c) a vida nova, conforme o Espírito, que brota da ação graciosa de Deus, por meio de Jesus Cristo, que acolhemos pela fé e que transforma radicalmente a condição de pecadores (5 – 8); no início dessa parte encontra-se nosso texto de referência; d) a esperança de que a vocação dos não judeus ajudará os judeus a entrarem também na dinâmica da graça e, assim, alcancem a salvação (9 – 11); e) orientações práticas para a vida cristã, a vida no Espírito, e saudações e notícias pessoais (12 – 16). Essa estruturação da Carta aos Romanos é, obviamente, uma das possíveis, pois há outras com lógicas um pouco distintas. A carta, com efeito, foi muito estudada e diversas perspectivas de leitura estão disponíveis na rica bibliografia
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sobre a mesma. É desnecessário dizer que esse texto bíblico ocupa um lugar muito especial na história das igrejas da Reforma do século XVI, e serviu também de “teste” (com ampla aprovação, diga-se de passagem) para uma tradução ecumênica da Bíblia, uma feliz realidade hoje. A perícope em questão apresenta uma interessante evolução de ideias: começa relacionando os capítulos anteriores com a paz com Deus que a justificação trouxe, lembrando que temos acesso a essa paz pela fé (5.1-2); fala que nos gloriamos e orgulhamos nessa graça e da esperança da salvação final e também da participação nas tribulações e dos seus frutos benéficos (5.2-5); explicita, a seguir, a grandeza e a profundidade do amor de Deus que, em Cristo, morreu por nós quando não tínhamos nenhum mérito, porque ainda vivíamos na condição de pecadores (5.6-8); conclui afirmando nossa nova condição de justificados e reconciliados, com a consequente certeza de que seremos salvos (5.9-11). Nesse texto, o autor não menciona os dois grandes grupos que estavam em questão nos capítulos anteriores, ou seja, os judeus e os “pagãos”. Isso porque já ficou evidenciado que ambos se encontravam na mesma condição de pecadores e foram, igualmente, amados e agora estão justificados pela graça de Deus, bastando acolher essa salvação mediante a fé e caminhar correspondendo ao inefável amor de Deus, em meio a tribulações e na firme esperança da salvação definitiva. Judeus e pagãos, justificados e reconciliados com Deus, podem então conviver nas comunidades sem preconceitos e respeitando as diferenças entre os grupos. Talvez Paulo tenha mesmo tido como um dos objetivos na Carta aos Romanos essa respeitosa e agradecida convivência entre os membros de origens diferentes nas comunidades. Não há mais motivos para ares de superioridade ou discriminações, nem de ressentimentos entre judeus e gregos, entre homens e mulheres, entre escravo e livre, como o autor lembra na Carta aos Gálatas (3.28). A paz com Deus é a nova condição dos justificados por Jesus Cristo. Paz é muito mais do que um estado de espírito; ela é o grande bem messiânico que inclui todas as dimensões da vida e da realidade, com base no amor transformador de Deus. Não se trata, portanto, de um bem apenas individual; nas palavras de Jesus, nos evangelhos, é o Reino de Deus acontecendo na realidade humana. A graça da paz nos vem por Jesus Cristo, mediante a fé, individual e comunitária. Por enquanto, nós a experimentamos presente na caminhada, já estamos estabelecidos nela, mas ainda de modo parcial, pois a aguardamos na esperança. A paz definitiva já é motivo de nos gloriarmos, porque temos a certeza da mesma. Mas ela é ainda um tesouro escondido que envolve tribulações. Essas tribulações (sofrimentos decorrentes de renúncias, desprezos, calúnias, perseguições, violências e aparente ausência de Deus) também são motivos de um saudável orgulho e autoestima, porque produzem perseverança, fidelidade comprovada e esperança que não engana. O motivo da esperança não é necessariamente uma conjuntura favorável que promete dias melhores, mas o amor de Deus que foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo. A esperança também não é vencida quando não vislumbramos no horizonte sucessos e progressos e quando nossa realidade social e política apresenta muitos sinais de morte. A base de nossa esperança é outra!
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Sim, nossa esperança tem raízes no amor transformador de Deus que se manifestou na morte/ressurreição de Cristo. Ninguém tem maior amor do que aquele que se despoja da vida por aqueles a quem ama, ou, noutra tradução, Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos – diz Jesus no evangelho (Jo 15.13). E esse amor, sem merecimentos de nossa parte, se renova em todos os tempos da caminhada da humanidade. Agora que já estamos justificados, tanto mais seremos acompanhados e amados por Deus! Vale lembrar a Primeira Carta de João, que afirma nossa condição de filhos e filhas como prova do amor de Deus (1Jo 3.1). E o diálogo de Nicodemos com Jesus, no qual este diz: Deus, com efeito, amou tanto o mundo que deu o seu Filho, o seu único, para que todo que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo 3.16). É nesse amor de Deus que nos orgulhamos e gloriamos. Nosso motivo de orgulho e de nos gloriarmos não somos nós com eventuais méritos nossos, mas o amor de Deus que nos colocou numa nova condição, a condição de reconciliados com ele. O desafio é acolher pela fé essa nova condição e corresponder a ela por uma vida no Espírito.
3 Meditação O sonho da paz no mundo continua sendo perturbado, também em nossos dias. Como é difícil criar e manter uma cultura de acolhida, respeito, solidariedade e mútua colaboração entre países, povos, tendências políticas, culturas, religiões. As guerras são as expressões maiores dessa cultura discriminatória e violenta. Mas não são as únicas. A meritocracia, quando levada a extremos, também contribui para as divisões, na mentalidade e na prática, entre grupos humanos. Aos inteligentes, competentes e esforçados, tudo; aos demais, pouco ou nada. E pensa-se que isso é mais do que justo. E, junto, vem uma “teologia” que se diz cristã, mas que é altamente questionável: a “teologia da retribuição”. Segunda essa visão das coisas: quem merece, recebe; quem não merece, que se dane. Quem dá muito para Deus, dele recebe até iates, carros de luxo e mansões; quem dá pouco, passa fome. Quanto cinismo! Não deixa de ser verdade que a gente colhe o que semeia. Mas isso não pode ser entendido apenas no plano individual, precisa ser considerado também no plano social e global. É possível remar contra essa corrente? Como? O texto da Carta aos Romanos sobre o qual meditamos neste domingo pode socorrer-nos. Ele lembra a importância da fé em Cristo, mediante a qual estamos em paz com Deus. Judeus e gregos estão na mesma condição. Também hoje os grupos divididos entre si se encontram na mesma condição diante de Deus. A justificação e a consequente paz estão ao alcance de todos, não por seus merecimentos, mas porque Deus ama todos os seus filhos e filhas. A fé como aceitação e adesão ao modo de ser e de agir de Deus proporciona-nos o acesso à justificação e à paz com ele.
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Somos portadores de uma mensagem de vida e de esperança. Já estamos na condição de reconciliados e vislumbramos a glória final, obra de Deus, que esperamos com firmeza e perseverança. O mundo precisa ver em nós essa condição e essa esperança. Somos testemunhas disso. Nosso testemunho é desafiado pelas tribulações, pelas violências sofridas, pela indiferença que nos cerca. Precisamos, por isso, compreender que as dificuldades assumidas produzem perseverança, e esta faz crescer e comprovar a fidelidade, e a fidelidade provada produz a esperança. Esperança que não é sinônimo de conjuntura favorável, mas espiritualidade do amor e da presença de Deus em nossa caminhada. Quaresma é tempo de beber das águas do amor de Deus que nos justifica e redime. É retornar ao deserto, onde o amor de Deus fez brotar água para os peregrinos sedentos e quase desanimados. É fazer-se samaritana que vê saciar sua sede no encontro com Jesus. Assim, saciados e alimentados, num processo de constantes renovações de nossa espiritualidade, avançaremos no testemunho da alegria do Evangelho e do respeito e da acolhida fraterna de nossos irmãos e irmãs, tornando-nos sinais do amor de Deus que experimentamos e no qual cremos com todo o nosso ser.
4 Imagens para a prédica Pode-se aproveitar a imagem da água que Deus faz jorrar no deserto para o povo sedento e da água que Jesus oferece à samaritana. Tem-se, dessa forma, um vínculo entre as leituras bíblicas do domingo. O texto da Carta aos Romanos pode representar essa água que cura e mata a sede. O amor de Deus que nos justifica e redime, amor derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, amor inaudito porque Cristo morreu por nós quando ainda éramos pecadores. É importante que abramos mais e mais nossa boca, neste tempo da Quaresma, para bebermos dessa água saudável. Pessoas que dão a vida por outros, na maternidade, na defesa dos direitos dos mais frágeis, no serviço de preservação e restauração da natureza ou em outras tantas atividades de risco, também podem servir como imagens para falar do amor de Deus indescritível, manifestado em Cristo. Inesquecível deve ser também a imagem da caminhada ou preparação para a Páscoa. Afinal, Quaresma é isso. Nessa caminhada, somos chamados à reeducação com base no amor de Deus que, afinal, celebraremos na paixão, morte, ressurreição/glorificação de Jesus e sua presença entre nós.
5 Subsídios litúrgicos Pode-se criar uma simbologia. Por exemplo: uma grande bacia com água, uma pedra (rocha) dentro dela e uma cruz ornada com pano branco, plantada dentro dessa bacia. Facilmente se perceberá a relação dessa simbologia com o tema da justificação e remissão pelo amor de Deus, que é água a sustentar nossa caminhada.
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Hinos que cantam a água viva, o amor transformador de Deus e nossa condição de filhos e filhas podem ajudar na vivência da unidade temática do culto.
Bibliografia BÍBLIA. Tradução Ecumênica. São Paulo: Loyola, 1994. BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB. 3. ed. Brasília: CNBB, 2019. PERROT, Charles. Epístola aos Romanos. São Paulo: Paulinas, 1993.
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PRÉDICA: JOÃO 9.1-41 1 SAMUEL 16.1-13 EFÉSIOS 5.8-14
4º DOMINGO NA QUARESMA
19 MAR 2023
Odair A. Braun
Luz e ação
1 Introdução João 9.1-41 já foi trabalhado em edições anteriores do Proclamar Libertação. Tais abordagens são importante fonte de pesquisa na preparação para a pregação. Uma questão a ser definida é sobre o uso das leituras e do texto de pregação indicado (ao todo 60 versículos), que é bastante longo. Sua leitura na integral pode ser pouco proveitosa para a comunicação com o público. Uma possibilidade seria fazer uso do evangelho, lendo os versículos de João 9.1-11 como leitura bíblica ao lado de Efésios, usando a segunda parte do evangelho na leitura no começo da pregação. Outra possibilidade é resumir os 41 versículos, escolhendo destaques para a caminhada em direção à pregação, embora isso possa prejudicar a grandiosidade do texto e seus ensinamentos. Uma terceira possibilidade é dividir a passagem do evangelho, ao longo da pregação, em cenas: 1ª cena: v. 1-7, a cura; 2ª cena: v. 8-12, reação do povo; 3ª cena: v. 13 a 17, o interrogatório; 4ª cena: v. 18-23, a acareação; 5ª cena: v. 24-34, o cego curado e Jesus; 6ª cena: v. 35-38, Jesus no centro da história; 7ª cena: v. 39-41, o curado sai de cena. Há risco de muitos temas serem despertados, sem condição de aprofundar a reflexão. Outra opção, natural, é fazer a leitura dos textos na íntegra, apostando que o seu conteúdo mantenha os ouvintes conectados. Cada qual deve adotar uma fórmula, tendo presente a preocupação em manter a atenção do público. A conexão entre as passagens indicadas pode ser observada naquilo que 1 Coríntios 1.27 define como as coisas loucas do mundo, escolhidas para chamar a atenção das grandes e fortes. 1 Samuel 16.1-13 apresenta o rejeitado que é escolhido por Deus para ser rei, mesmo tendo seus irmãos uma aparência mais imponente. Observa-se um paralelo com o cego, personagem central do texto de pregação. Efésios 5.8-14 fala da luz, destacando que o fruto da luz é bondade, justiça e verdade. Evidencia que caminhar sob a luz de Deus é se afastar da escuridão. Efésios desafia a seguirmos os frutos dessa luz.
2 Considerações exegéticas O Evangelho de João é perpassado por imagens que trazem significados também para os nossos dias. Vejamos exemplos: luz e trevas, noite e dia, ver e não ver, cego e enxergar.
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Nas suas inserções por vilas e povoados, Jesus encontra um cego que pedia esmolas, sendo cego, segundo o texto, desde o nascimento. Logo se apresenta uma discussão de cunho teológico bastante intensa sobre culpa e pecado e de quem era a responsabilidade pela situação enfrentada por esse cego. Neste aspecto, deve ser destacado um princípio valoroso: Jesus, no seu dia a dia, olhava para as mazelas do povo e, partindo dessas situações, buscava promover ensinamentos e quiçá levar pessoas, daquele tempo e dos nossos dias, a olhar para as situações com olhar de amor e sem pré-julgamentos. Na discussão teológica que se estabelece, Jesus afirma que ninguém pecou. Mas não fica nisso. Jesus aplica sobre os olhos do cego um emplastro de barro produzido com a sua saliva e terra e dá uma orientação de caráter prático, ou seja, vá se lavar no tanque de Siloé. Siloé, derivado do hebraico shilôah, tem significado de águas enviadas. Siloé é uma referência a uma obra realizada no tempo de Ezequias, com a finalidade de levar água da fonte de Giom (1Rs 1.33) para um reservatório localizado na parte interna das muralhas da cidade de Jerusalém (2Rs 20.20). Ter água na parte interna das muralhas era fundamental quando se pensa na possibilidade de um cerco visando à tomada. Água era fundamental para a sobrevivência. O cego segue as orientações de Jesus e começa a ver. Sua vida sofre transformação e sua dignidade é restituída. Chama a atenção que a ação de Jesus faz uso de coisas do contexto das pessoas. Também é importante retomar a afirmação de Jesus: ninguém pecou. Jesus não deixa margem para julgamentos, como é comum acontecer frente a situações nas quais as pessoas se perguntam e avaliam qual a razão de determinados acontecimentos. A cura que ocorre faz aprofundar a discussão em torno do fato. Pela lógica, dever-se-ia estabelecer um espaço de gratidão e alegria pela vida transformada. Mas não é isso que ocorre. Interrogações, discussões, investigações e mesmo discussões entre os fariseus são observadas. O cego, ao ser questionado sobre o que tinha a dizer sobre quem lhe abriu os olhos, é assertivo: é um profeta, ou seja, alguém que anuncia a palavra do Senhor, denuncia mentiras e injustiças e se contrapõe a sistemas injustos. O profeta deve anunciar desígnios de Deus e denunciar aquilo que se opõe à vontade do criador. O Evangelho de João apresenta importantes reflexões teológicas. A passagem prevista para este final de semana é exemplo disso. Na discussão que se apresenta, diante da pergunta de quem pecou, deve estar claro que, no contexto judaico, enfermidades e situações como a cegueira eram atreladas ao pecado (Lv 26.15ss) e à ação do demônio (Mt 9.32-34). Faz-se necessário destacar que Jesus não considera a doença ou situação semelhante como castigo de Deus. Inclusive dá uma conotação oposta, afirmando que tais situações podem ser espaço ideal para a manifestação da obra e da ação de Deus. O cego, em nenhum momento, apresenta objeção aos indicativos de Jesus, ou seja, de ir e se lavar. Observação e seguimento à palavra de Deus requerem confiança, entrega, dedicação. Requerem seguir os caminhos apontados por Jesus com fé e temor. Importante observar que o seguimento adotado pelo cego gerou a transformação de sua vida, promoveu discussões, permitindo a ampliação dos pontos de vista em torno da questão que se havia colocado. Essa reflexão mais
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ampla gerou uma acareação. Os pais foram chamados para certificar de que o filho de fato era cego de nascença. A dúvida e descrença estavam presentes. A luta de não reconhecer o senhorio de Jesus era grande. Chama a atenção que parece ser estabelecida uma luta desenfreada para impedir que o poder de Deus seja manifesto. Literalmente se tratava de um embate entre as trevas e a luz, assim como é comum observar em nossos dias. Nesse embate se observam as afirmações de parte dos fariseus: diga a verdade diante de Deus; nós sabemos que esse homem é pecador. A luz, representada na fala do cego afirma: se é pecador não sei. Uma coisa sei: eu era cego e agora vejo. A vida, dom e desejo maior de Deus, é destacada na fala do cego curado. O cego passou a ver com os olhos de modo biológico, mas também passou a ver com os olhos da fé. Mais importante do que falar da situação do cego é fazer algo por ele. Sabemos de situações que nos constrangem, que atingem a criação de Deus, que prejudicam a vida plena, digna e abundante. Mas, de modo pessoal e comunitário, o que fazemos para transformar tais situações? É importante questionar: quem é o cego hoje e onde o encontramos no dia a dia? Como nos relacionamos com ele? Damos atenção como feito por Jesus? Quando sou eu que não vejo, tenho a coragem de clamar por Jesus, tenho a força de vontade de ir me lavar na água? Posso ter a mesma atitude dos fariseus, dos discípulos, posso querer imitar Jesus ou aprender a viver como Jesus propõe, mas também posso ser eu a pessoa cega que clama por enxergar. O que fazemos para que as pessoas enxerguem ou vivam na luz de Jesus, especialmente nos tempos atuais, de extremos? Como lidar com as posições extremadas a partir desse texto? Como trazer tudo à luz?
3 Meditação O evangelho e os textos de leitura são passagens que têm como pano de fundo aquilo que é bem definido em Efésios: o fruto da luz e o fruto das trevas. Como pessoas cristãs, temos diante de nós esses dois caminhos. Qual seguimos? Como o seguimos? Com quem desejamos seguir? Quais os frutos que desejamos deixar? Os textos têm como pano de fundo a luz. Falam do poder de Jesus em transformar pessoas, libertá-las para a autonomia e dignidade, assim como se deu com o cego. Jesus, enquanto luz, não ilumina simplesmente, mas aquece e acende em nós o desejo de mudança, de ação e de busca. Jesus, como luz do mundo, não nos deixa parados. Ele põe em movimento, gera ação, requer atitudes. A atitude de Jesus foi fazer um emplastro com um pouco de barro e aplicar sobre os olhos do cego. O movimento do cego foi obedecer e ir ao tanque lavar seus olhos. O resultado foi à transformação, a cura. O cego decidiu seguir pelo caminho da entrega, da confiança e fé, pelo caminho de Jesus. Optou pelo caminho do bem, da vida e da verdade. Optou por caminhar na presença de Jesus e como consequência teve a sua vida renovada passando por significativa transformação. Os discípulos não falam com o cego, mas sobre ele. O cego, para os discípulos, existe como um ponto demonstrativo para a pergunta que traziam nas suas reflexões: “quem é o culpado”, eles desejam saber. Jesus se desvia desse questionamento. Para Jesus, o cego era uma pessoa em necessidade e precisava
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de ajuda. Não podia ser visto como um objeto, mas como irmão. E desta forma o cego é indagado por Jesus. Ele precisa participar da cura. Ele mesmo tem que se dirigir ao tanque de Siloé. Lá ele precisa lavar aquilo que Jesus colocou sobre seus olhos. Ele atua concretamente em sua cura. Jesus conduz o cego à fé. Jesus é o Salvador. Somente a cura do corpo não é o suficiente para Jesus. Ele quer a cura total, revelada e concretizada no ato de lavar os seus olhos no tanque. O cego aceita o amor de Deus demonstrado em Jesus Cristo. E esse amor transforma e dá nova vida. Esse amor faz o cego afirmar: ele é profeta (v. 17). E mais enfaticamente ainda, no v. 25: Uma coisa sei: eu era cego e agora vejo. O calor, o amor e a luz que saem de Jesus fazem do cego uma pessoa que enxerga. O amor de Jesus pela humanidade o faz afirmar: Sou a luz do mundo (v. 5). E isso é verdade válida para cada um nós hoje. Que a luz de Jesus também persista ao lado das comunidades, nos desafios que elas têm diante de si. E que assim, juntos, permeados por confiança, possamos viver na luz de Jesus, anunciando a sua graça e bondade. Enquanto ministros e ministras das comunidades da IECLB, enquanto lideranças de setores de trabalho e grupos, enquanto comunidades cristãs que se alimentam e desejam viver da e na luz de Jesus, devemos testemunhar tal como feito pelo cego, que ao ser questionado responde dizendo: Sou eu (v. 9). E perante mais um questionamento testemunha: O homem chamado Jesus fez lodo, untou-me os olhos e disse-me: Vai ao tanque de Siloé e lava-te. Então, fui, lavei-me e estou vendo (v. 11). Jesus e a luz que ele lança sobre a vida nos aquece, fortalece, anima a viver e dar testemunho. A partir da luz vinda de Jesus somos chamados a viver, pregar, testemunhar e seguir em confiança. A luz não somente aquece e ilumina. Ela põe as coisas às claras. Lança luz sobre aspectos que não são visíveis. Jesus ilumina e põe a descoberto o que se encontra por trás do questionamento dos discípulos sobre os supostos pecados do cego ou de sua família. Quando Jesus é questionado, há em jogo um julgamento da pessoa atingida. É uma pergunta sobre o passado e que não deixa caminho para o futuro. Jesus incentiva os discípulos para que perguntem pelo futuro. Eles não podiam ficar de longe daquela situação, como se nada tivessem a ver com aquilo. A pergunta tinha que ressoar: o que eu posso fazer com aquele que se encontra em necessidade, para que ele sinta o amor de Deus em sua vida? Aquilo que Jesus faz ao cego torna-se luz para a falta de visão das pessoas. Jesus aplica barro nos olhos do cego. E quando esse obedece e lava o barro, volta a enxergar. Sinal de amor. Sinal do Reino. Sinal de um novo tempo e de novas possibilidades. Sinal de como Jesus quer transformar a vida de pessoas, sem fazer julgamentos. Quanta cegueira há entre nós? Como se manifesta essa cegueira? Como pessoas cristãs, como Igreja de Cristo, somos chamadas a não nos omitir diante das mazelas, somos chamadas a lançar fachos de luz a partir de ações, sejam elas pessoais ou comunitárias. Como igreja que segue e deseja testemunhar Jesus, não se pode ficar calado e passivo diante do que ocorre. Precisamos elevar a voz profética, anunciando e denunciando para que a justiça seja preservada, para que
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o direito seja algo que vale para todos. Jesus, a luz do mundo, aquece, ilumina e faz ver. Qual é então o nosso compromisso? Nós temos em Jesus a luz do mundo. Nosso compromisso é fazer essa luz brilhar para que todos possam ver. É nosso compromisso não se preocupar e perguntar sobre o passado ou a culpa que eventualmente uma pessoa tenha. É nosso compromisso tratá-la de forma tal, que sinta o amor de Deus e que esse seja visível para todos.
4 Imagens para a prédica É salutar explorar a imagem da luz e das trevas/luz e ação e seu significado em nosso dia a dia. Um marca-página da comunidade com uma imagem de luz e um versículo do texto ajudará na fixação da mensagem.
5 Subsídios litúrgicos Oração: Bondoso Deus, Senhor da luz e da esperança! Caminha conosco e ilumina nossos caminhos. Caminha ao nosso lado, concedendo esperança e confiança. Guarda-nos com tuas mãos generosas diante de cada dificuldade e tropeço. Ilumina nosso viver e permite que possamos dar bom testemunho da tua graça e do teu amor pela humanidade. Amém. Confissão de pecados: Bondoso Deus, criador da vida e da humanidade! Chegamos a tua presença e confessamos nossas falhas, pecados e omissões. Confessamos que julgamos precipitadamente pessoas e situações. Confessamos que calamos diante de injustiças. Confessamos que viramos os olhos para outra direção a fim de não ver e enxergar situações que pedem nosso envolvimento. Confessamos que, às vezes, somos ingratos diante das muitas bênçãos que de ti recebemos. Por isso, perdoa-nos. Renova a nossa vida e caminhada. Que a luz do teu Santo Espírito seja conosco. Amém.
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26 MAR 2023
PRÉDICA: EZEQUIEL 37.1-14 JOÃO 11.1-45 ROMANOS 8.6-11
Leonídio Gaede
Quase um drone
1 Introdução Ezequiel tomou sua dose de espinafre e viajou. Esse profeta é uma loucura! Seria esquizofrênico (Kuhl, 1956, p. 102)? Viajava mentalmente? Praticou um autoexílio? Viajar, para ele, parece ter duplo sentido. Quando comeu o espinafre, aliás, o livro, não se engasgou, mas achou doce como mel (3.3). Mudou sua vida. Pegando emprestada a linguagem do apóstolo Paulo, podemos dizer que mudou sua vida de carnal para espiritual. Essa viagem ou, digamos, mobilidade é um assunto que faz parte da obra do profeta Ezequiel. Podemos perceber isso durante o relato de seu exercício profético e especialmente quando descreve a teofania que vivenciou. Na Babilônia ou em Jerusalém, no templo ou na beira do rio, em Sião ou Quebar, no céu ou na terra, que importa? Na teofania, Javé tem rodas que podem ir em qualquer direção (1.16ss; 10.9ss). Sim, Deus apareceu a Ezequiel num protótipo de drone, ensinando que a mudança sempre é possível. No Evangelho de João 11.1-45, Jesus viaja para o lugar onde estão as pessoas enlutadas pela morte de seu amigo. Lázaro tinha morrido há quatro dias e já cheirava mal. Jesus foi alertado a respeito dos perigos da viagem e, especialmente quanto a Lázaro, foi-lhe dito que já era tarde demais. Como Ezequiel, Jesus, porém, não era preso, era móvel. Então viajou. Até o pessimista Tomé se rendeu: Vamos lá, gente, vamos morrer com ele (Jo 11.16). Paulo, em Romanos 8.6-11, também faz sua viagem. Se ficarmos com a imagem do drone, usando, porém, o nome brasileiro, VARP – Veículo Aéreo Remotamente Pilotado, vamos perceber que ele acentua a importância da pilotagem: podemos ter a mente “controlada” pela natureza humana ou pelo Espírito de Deus, diz ele na versão da NTLH. Sendo assim, existe uma pilotagem remota. Há, porém, controvérsia. A versão da ARA fala em “pendor da carne” e “pendor do Espírito”. A versão NAA usa a palavra “inclinação” no lugar de pendor. Achei que o termo grego fronēma afirma que a pilotagem não é remota. O espírito e a carne não são controladores remotos, mas características de uma mentalidade. Assim sendo, esse drone é mais parecido com “zangão” mesmo. Este voa por si só e tem pendor, tendência, inclinação, que pode ser carnal ou espiritual.
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2 Viajando do nosso jeito Depois que Ezequiel comeu o livro, basicamente não pronunciou mais palavras próprias. Seu falar se misturou com o falar de Javé. Sua denúncia, seu anúncio e seu movimento extrapolaram os limites de um profetismo, digamos, convencional. Quero dizer que não se restringiu a denunciar o mal e anunciar a salvação mediante o arrependimento. Para Ezequiel, os bons podem ser piores que os maus (veja o subsídio 1). A derrota está na lógica do comportamento de Israel, que se rebelou (2.2) contra os juízos e os estatutos de Javé, sendo mais perverso do que as nações e os países ao seu redor (5.6). Significa que a sua denúncia não aponta só o mal que ameaça o bem, mas também o bem que se rebela. Em outras palavras, a eleição por Deus não anula possibilidade da perdição. Então não há salvação? Sim, há: um resto escapará da espada (6.8). Ezequiel maldiz e bendiz com a mesma intensidade o bem e o mal, o lado de cá e o lado de lá. Consequentemente, não há mais possibilidade de fixar Deus no templo ou em qualquer outro lugar. Não é mais possível enquadrar a ação de Deus em um roteiro pré-estabelecido. Que se exploda o templo (cap. 9), pois Deus pode estar na beira do rio com os exilados na Babilônia. Só essa forma de pensar pode nos dar a ideia de que um profeta – filho de sacerdote e, portanto, criado no templo – saiu voluntariamente de Jerusalém para se juntar aos acampados às margens do rio Quebar, com a finalidade de ser triste com os tristes. Assentei-me ali, perplexo, no meio deles (3.15), diz ele. Ou terá sido uma presença virtual? No contexto da discussão sobre a importância do retorno ou não de missas e cultos aos templos durante a pandemia de 2020, bem poderíamos ter recorrido aos argumentos de Ezequiel, quando fala da presença de Deus junto aos acampados da Babilônia (cap. 10). Vendo o povo secar na beira do rio, como se a única maneira de se hidratar fosse o monte Sião, o profeta vai à loucura e demonstra a possibilidade de ingerir a palavra que faz viver. A vontade de viver e de servir a Deus não pode ser adiada para depois do milagre da salvação (quer dizer: para depois da volta ao monte Sião). Numa transposição dessa ideia para o contexto do Novo Testamento, podemos dizer que é possível celebrar culto em qualquer lugar, mas lembremos sempre que para a comunidade cristã o templo é o local para matar a saudade das coisas boas que Jesus fazia e dizia e de reencontrar com ele depois de sua ascensão. Não menosprezemos a onipresença de Cristo após a sua ascensão nem o distinto local de culto! Lembremos que foi em local especial, onde os discípulos se reuniam aos domingos, com portas trancadas, que o Cristo ressurreto apareceu e deu origem à maravilhosa confissão de Tomé, chamando o mestre Jesus de Senhor meu e Deus meu (Jo 20.24-29). V. 1 – A Bíblia na versão NAA traz sobre o capítulo 37 de Ezequiel o título a visão de um vale de ossos secos. Considero o título incompleto, pois o profeta não tem só uma visão do cenário da destruição em massa. V. 2 – Deus faz Ezequiel caminhar pelo cenário do vale de ossos. O profeta não é um espectador. Ele é inserido na cena. Ele passa a fazer parte do cenário. É como se fosse uma antecipação da metodologia de “Teatro do Oprimido”, arte
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criada por Augusto Boal. Vale mais uma vez lembrar que a mobilidade é tema em Ezequiel. É graças à mobilidade que lhe dá o Espírito de Deus que ele não só tem visões, mas pisa o chão quando denuncia e anuncia. Assim como, por ocasião do Natal, as comunidades criam a encenação do presépio vivo, aqui o profeta cria uma encenação viva entre ossos secos. Está presente a cena de caminhar entre ossadas e uma vez e outra, sem querer, chutar um fêmur ou crânio e ouvir o som da batida de osso com osso (subsídio 2), como se fossem baquetas. V. 3 – Num contexto assim é que Deus pergunta: “Será que esses ossos podem reviver?”. Trata-se, na verdade, de uma afirmação. Ela vem em forma de pergunta porque denuncia a incerteza do povo quanto às possibilidades de agir que Javé tem. A cautela que transparece na resposta do profeta com as palavras tu o sabes é uma confissão de fé que coloca o deixar Deus ser Deus acima da afirmação da certeza de quem crê. V. 4 – Deus convida o profeta a intervir. Profetize [...] e diga-lhes quer dizer “atue no caso”. No v. 11 virá a explicação do sentido dessa intervenção. Há que se ter o cuidado de não interpretar o vale dos ossos secos como uma alucinação com um significado simbólico. O caminhar entre ossos (v. 2) chama para a compreensão de que de fato existia um lugar como um depósito de cadáveres humanos. É uma vala comum sem vala. Por causa dessa realidade “toda a casa de Israel” está morta. O v. 11 amplia a compreensão do processo de destruição do povo. O exílio não é unicamente causa de destruição, é também consequência da rebelião do povo contra Deus. Houve acontecimentos anteriores que levaram a mais essa forma de destruição experimentada no exílio. V. 5-10 – O conteúdo da profecia traz à lembrança cenas do relato da Criação em Gênesis. Deus cria pela palavra (Gn 1.3). Na criação da humanidade, Deus usa a terra como material. Esse material ganha fôlego pelo assopro de Deus. O profeta Ezequiel está em meio a ossos secos. Esse material ganha vida através de palavras proféticas. Primeiro vem a palavra: profetize para esses ossos e diga-lhes. Depois vem o espírito dos quatro ventos: profetize ao espírito. O poder criador da palavra é algo que merece reflexão num tempo em que há constantes manifestações de descrédito: “falar é fácil, quero ver cumprir”; “a gente fala, fala, mas ninguém ouve”; “os filhos não ouvem seus pais”. V. 11-14 – No último trecho do texto, a imagem e a realidade do vale dos ossos secos são substituídas pela realidade das sepulturas. No século VI antes de Cristo, a ressurreição dos mortos ainda não fazia parte do credo israelita. O assunto abordado por Ezequiel e a maneira de desenvolvê-lo mostram, porém, que já circulavam ideias a respeito (Brakemeier, 2004). Esse Deus que aparece ao profeta, que anda em qualquer direção (1.16ss; 10.9ss), inclui a dimensão da vida após a morte. Se existia gente desesperançada no caos do exílio, é preciso ser dito: Deus pode ressuscitar esqueletos despedaçados. Não podemos, porém, incorrer no erro de pensar que a ressurreição de Cristo tem paralelos. Não, o Cristo ressurreto é as primícias dos que dormem (1Co 15.20). Isso, no entanto, não impede o profeta, que raciocina com a ajuda da fé em um Deus Criador, de concluir que quem cria pode renovar a partir do nada.
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3 Deixando voar O Grupo de Jovens de Itati – JECI, em seu encontro no Dia da Juventude Evangélica (21/04/2022), leu e comentou o texto de Ezequiel 37.1-14. Expliquei brevemente a tarefa de elaborar este auxílio para a pregação. Após a leitura em grupos, os relatórios trouxeram comentários e considerações como as seguintes: É um texto que trata do assunto da fé e da confiança. Por mais que as circunstâncias apontem o contrário, não podemos desacreditar. Dentro de uma negatividade, é preciso apontar para uma positividade. Quando se tem fé em Deus, nada parece impossível. A vida não se resume a osso, tendão e músculo, que, no caso, estão deteriorados; a casa de Israel (v. 11) está como o vale de ossos, mas nela tem possibilidade de regeneração. Precisamos pensar e agir na convicção de que tudo o que queremos é alcançável. Cheguei à ideia de solicitar essa leitura aos jovens depois da experiência, na semana anterior, com mais uma Vigília Pascal. A vigília consistiu em passar a noite entre o Sábado de Aleluia e o Domingo de Páscoa acordados, mantendo uma fogueira e momentos de oração nas horas pares (20:00, 22:00, 24:00, 02:00, 04:00 e 06:00). Às 02:00 h recorremos à oração nº 25 “Medo e Tristeza”, que consta nos Auxílios do adendo da Bíblia da IECLB. Após a oração, refletimos sobre os medos e as tristezas de jovens no tempo presente. Ansiedade, insegurança, incertezas, desamparo, depressão foram algumas respostas dos 22 jovens reunidos. Senti algo como uma espécie de grito de “terra arrasada” na manifestação dos jovens. Por isso resolvi recorrer ao texto de Ezequiel como um espelho. E então fui surpreendido com essa confissão de fé a partir da imagem do vale dos ossos secos. Acho que o profeta Ezequiel é mestre na quebra de lógica de pensamento. O que é isso? É o que o bom contador de anedotas faz. Ele inicia a contagem da história e seus ouvintes vão construindo uma lógica no jeito de pensar. Surpreendentemente o contador muda a lógica no desenvolvimento de sua narrativa e os ouvintes caem na risada. Digamos que os filhos de Israel no exílio tinham seu pensamento baseado em política de resultados. No contexto da expectativa de um retorno do exílio da Babilônia para Jerusalém, notamos que o profeta quebra essa lógica. Um simples retorno não resolverá magicamente a desgraça que o povo vive e que se apresenta de forma horrível no exílio. Percebemos isso bem quando o profeta aborda o assunto do falso provérbio (cap. 12). Então aparece Ezequiel dizendo que a glória de Deus abandona o templo e vai para a beira do rio (cap. 10) ou que os ossos secos ganham vida a partir de uma profecia (37.10). É assim que a negatividade traz positividade, como disse um dos jovens citados.
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4 Imagem
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/06/22/senadores-manifestam-solidariedadepelos-mais-de-50-mil-mortos-por-covid-19
O Site Senado Notícia trouxe essa imagem no dia 22/06/2020, quando o número de pessoas mortas por Covid-19 chegava a 50 mil no Brasil. Em seguida, esse número representaria apenas 10% das mortes ocorridas. Hoje, estamos nos aproximando de 700 mil mortes. Isso, em termos de horror, compete com a imagem bíblica do vale dos ossos secos em Ezequiel 37. Quer me parecer que, segundo a mensagem do profeta, essa imagem forte não tem a última palavra. A mensagem do profeta é profetize para esses ossos secos e profetize ao Espírito [...] : venha dos quatro ventos, ó Espírito. Aqui o chamamento não é para pregar o aspecto horroroso do cenário atual, mas a mobilidade de Deus. Tudo se move, inclusive os conceitos. O pendor, a inclinação, pode migrar da carne ao espírito. A estagnação é inadmissível. A imobilidade, espera passiva por um grande milagre final (retorno para Jerusalém ou salvação depois da morte), não representa perspectiva na mensagem dos três textos de Ezequiel 37, João 11 e Romanos 8. A sede de Sião se sacia no rio Quebar. O Espírito dos quatro ventos traz vida aos ossos secos, que ganham carne e tendões com a profecia.
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5 Subsídios litúrgicos 1) Deus me proteja Canção de Chico César e Dominguinhos Deus me proteja de mim e da maldade de gente boa Da bondade da pessoa ruim Deus me governe e guarde ilumine e zele assim Caminho se conhece andando Então vez em quando é bom se perder Perdido fica perguntando Vai só procurando E acha sem saber Perigo é se encontrar perdido Deixar sem ter sido Não olhar, não ver Bom mesmo é ter sexto sentido Sair distraído espalhar bem querer 2) Acesse a canção de Tales Roberto e Fabiano “O Vale dos Ossos Secos” em <https://www.facebook.com/watch/?v=680156425930444>. Um dia o Senhor me mostrou um lugar, que eu jamais esqueci. Milhares de ossos espalhados no chão, então sua voz eu ouvi. Pediu que eu profetizasse ali e que orasse com fé. Enquanto eu orava um barulho escutei, eram os ossos ficando de pé. Ossos com ossos eu vi criando pele e tendões. Deus lhes deu a respiração. Vinham muitos de todas as direções Há muitos que hoje se sentem assim, vazios sem força e sem fé Precisam de amor, de carinho e de paz, não importa quem era ou quem é Somente tu, ó Senhor, conhece o povo que é teu, Jamais esquece porque existe somente um Senhor e Deus
Bibliografia KUHL, Curt. Israels Propheten. Bern; München: Francke, 1956. BRAKEMEIER, Gottfried. Auxílio homilético para Ezequiel 37.1-3,11-14. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2004. v. 30, p. 89-93.
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DOMINGO DE RAMOS
PRÉDICA: MATEUS 21.1-11
02 ABR 2023
SALMO 118.1-2, 19-29 FILIPENSES 2.5-11
Rodolfo Gaede Neto
Quem é este?
1 Anotações exegéticas Excelentes estudos sobre o texto de Mateus 21.1-11 encontram-se nas edições de Proclamar Libertação v. III (p. 310-328), v. 38 (p. 140-145) e v. 44 (p. 133-138). Na estrutura do Evangelho de Mateus, o capítulo 21 marca o início do relato da Paixão. Isso equivale a dizer que, para o evangelista, o evento da entrada em Jerusalém está diretamente ligado às causas da paixão e morte de Jesus. O relato de Mateus está carregado de forte tensão quando afirma ter Jesus entrado na cidade-sede dos poderes político, econômico e religioso montado num jumento. A narrativa, corajosamente, denuncia a existência de um contraste de realidades e coloca um contraponto a uma realidade dada. Isso podemos verificar em fatos como os que seguem. 1. O monte das Oliveiras, mencionado como local de chegada de Jesus, é uma referência à expectativa de que justamente nesse local se daria o advento do Messias. Sendo Jesus identificado e aclamado pelo povo como o Messias, ele passa a representar ameaça aos poderes centralizados em Jerusalém. 2. A aclamação de Jesus é feita não pelos habitantes do centro de Jerusalém, comprometidos com esses poderes, mas pelos peregrinos que acompanhavam Jesus desde a Galileia (uma região periférica do Estado) e pelo povo das periferias de Jerusalém. Essa gente conhecia Jesus muito bem a partir do que ele ensinava e realizava. 3. O jumento emprestado, animal de carga utilizado nesse evento, é um flagrante contraste aos cavalos de batalha do Império Romano e de seus representantes em Jerusalém. 4. Jesus está indo a Jerusalém para participar da festa da Páscoa, assim como muitos outros romeiros. A cidade estava se enchendo de gente. Os chefes militares também se dirigiam para lá, com todo o seu aparato (soldados, cavalos, armaduras, espadas) para garantir a paz romana durante os festejos. Enquanto Jesus entrava na cidade pelo lado das aldeias pobres, da periferia, montado num jumento mendigado, do outro entravam os militares, montados em cavalos de guerra. 5. As pessoas envolvidas no episódio dividem-se em dois grupos: o grupo dos que aclamam Jesus como o bendito que vem em nome de Deus e o grupo dos que saúdam o cortejo militar.
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A tensão contida na narrativa se deve ao fato de ela estampar a possibilidade de uma alternativa radical ao sistema político, econômico e religioso vigente. Em jogo estão dois projetos opostos: um identificado com o Império Romano e o outro com o Reino de Deus. Mateus consegue montar sua narrativa e formulá-la de tal modo a deixar claro que não se trata de uma briga entre duas tendências partidárias, mas da irrupção de uma realidade extraordinariamente grandiosa para dentro deste mundo. Para expressá-lo, o evangelista se vale dos seguintes recursos: 1. A narrativa está estrategicamente colocada no início da história da Paixão para anunciar que o episódio da entrada em Jerusalém faz parte da obra salvífica de Deus através da paixão e morte de seu Filho. Portanto não se trata de um fato comum, mas de um testemunho referente à intervenção de Deus na história da humanidade. 2. A aclamação das pessoas que acompanham Jesus é expressão da alegria pela chegada do rei prometido pelos profetas e que se caracteriza pela humildade e mansidão (Zc 9.9). Ele não é um rei como os outros reis; é esperado como aquele que vem para ajudar. Este é o sentido original do termo hosana: “queira ajudar”. O povo simples, humilde e pobre jubila porque assiste à chegada do enviado de Deus, que vem para providenciar socorro. 3. A entrada de Jesus em Jerusalém causou, segundo Mateus, um grande alvoroço em toda a cidade. Segundo Grundmann, o verbo empregado em grego para alvoroçar é o mesmo que Mateus utiliza na narrativa da crucificação: tremeu a terra (27.51). Ou seja, o que está acontecendo não é algo comum: cria alvoroço, faz tremer a terra. Cabe ressaltar a expressão toda a cidade, pois Jerusalém representa o Israel inteiro. A entrada triunfal de Jesus em Jerusalém é um evento que mexe com todo o povo de Deus. 4. A pronta disposição dos discípulos para atender ao pedido de buscar o animal e a pronta disposição do dono do animal para emprestá-lo sem questionamentos remetem à ideia de que a chegada do Messias é algo tão extraordinário, que mobiliza toda gente para contribuir de alguma forma na causa e dispensa perguntas e dúvidas. 5. A natureza participa do evento: na narrativa há a participação de animais, dos ramos de palmeiras, do monte das Oliveiras, e há a insinuação de um tremor de terra. São indicações de que se trata de um evento cósmico, assim como também está narrado no evento da crucificação. Trata-se de um acontecimento que afeta o mundo todo.
2 Meditação O contraste de realidades está em toda parte. Centros e periferias. Poder e fraqueza. Riqueza e pobreza. Jerusalém e Galileia. Por que o sistema gerador dessa realidade entra em alvoroço quando Jesus entra em Jerusalém montado num jumento? A pergunta central do texto é: Quem é este? (v. 10). Para Mateus está claro: este é o mesmo da cruz. A utilização de um animal de carga como montaria para uma entrada triunfal na cidade que centraliza o poder é um escândalo. Es-
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cândalo é também a manjedoura, um cocho de madeira que servia para alimentar os animais e que serviu de berço para a encarnação de Deus. Escândalo definitivo é a cruz, que serviu de instrumento para eliminar o Filho de Deus. Vítor Westhelle lembra que se trata do Deus nudus – Deus nu, exposto aos olhos de todos para a radicalização do escândalo; e lembra que esse cenário de um Deus nu causa horror vacui, ou seja, medo do vazio (Westhelle, 2008, p. 114). É desse escândalo que o apóstolo Paulo fala em 1 Coríntios 1.23-29, assim como também no Salmo de Cristo – Filipenses 2.5-11 –, previsto como leitura para o Domingo de Ramos. Embora esse Deus gere o medo do vazio, é justamente ele que causa alvoroço e faz tremer a terra. Esse é o Deus que, quando se manifesta, mexe com o universo inteiro, porque inverte a lógica das coisas; pois quem poderia se deixar servir, serve; quem era grande será servo; quem era o último será o primeiro (Mc 10.43-45). Essa é a causa da tensão no texto. Se o império for chamado a aderir a essa ideia, haverá alvoroço. O império não suporta o medo do vazio. Na lógica do império, o vazio precisa ser preenchido com poder, domínio, vitórias e glórias. A pregação do Domingo de Ramos, naturalmente, não antecipa a prédica da Paixão. Entretanto, a entrada de Jesus em Jerusalém, assim como Mateus a apresenta, já nos coloca na atmosfera dos acontecimentos que virão. Não há como fugir de temas como: 1. A entrada de Jesus em Jerusalém montado num animal de carga emprestado já nos revela quem é o Deus de Jesus: é o mesmo que estava deitado no cocho do curral e pendurado nu na cruz de Gólgota. 2. Testemunhar esse Deus gera tensão. É um escândalo. O motivo da tensão é que esse Deus, quando se manifesta, mexe com a cidade inteira, porque inverte a lógica das coisas. O império não suporta o medo do vazio. 3. Seguir a esse Jesus na sua entrada em Jerusalém montado em jumento é também uma experiência de extraordinária alegria e satisfação. Quem o fez manifestou essa alegria de forma muito concreta, cantando, aclamando, bendizendo, colocando ramos de palmeira na rua, o que equivale a bater palmas. O motivo dessa grande alegria é a clara percepção de que o Reino de Deus está chegando; Deus está intervindo na história da humanidade. Agora há esperança porque esse que vem em nome do Senhor é aquele que ajuda, que socorre (hosana). 4. O evento da entrada de Jesus em Jerusalém traz consigo também, de forma irresistível, a disposição para servir. Na certeza de que aqui e agora Deus está agindo em favor da humanidade, discípulos colocam-se a serviço, o dono dos animais se dispõe a colaborar do seu jeito e o povo preparou a rua estendendo suas vestes e ramos de palmeira para que o profeta Jesus de Nazaré da Galileia pudesse se apresentar à cidade e ao mundo. A diaconia faz parte da realidade do reino de Deus.
3 Passos para a prédica A. Quem é este? Aquele que está montado num jumento emprestado é o mesmo da manjedoura e da cruz. É o Deus que se esvazia de si mesmo (Fp 2.7 – kénosis). Não é o Deus que ama o poder, mas é o poder do amor.
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B. Testemunhar esse Deus gera tensão, porque esse testemunho mexe com a cidade toda, cria alvoroço. Há quem não suporta o medo do vazio. C. Participar do testemunho, por outro lado, gera uma alegria extraordinária, porque o testemunho trata daquele que vem para ajudar (hosana). D. A fé nesse Deus gera disposição para o serviço, dispensando qualquer questionamento. Todos e todas querem colaborar do seu jeito. Mobiliza toda gente. A diaconia é parte natural da vivência do Reino de Deus.
Bibliografia GRUNDMANN, Walter. Das Evangelium nach Matthäus. 6. Aufl. Berlin: Evangelische Verlagsanstalt, 1986. SCHWEIZER, Eduard. Das Evangelium nach Matthäus. 2. Aufl. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1976. WESTHELLE, Vítor. O Deus escandaloso: o uso e abuso da cruz. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2008. p. 114
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QUINTA-FEIRA DA PAIXÃO
06 ABR 2023
PRÉDICA: 1 CORÍNTIOS 10.16-17 ÊXODO 24.1-11 MATEUS 26.36-56
Scheila Janke
Comunhão em Cristo – comunhão entre as pessoas
1 Introdução Nas celebrações de Quinta-Feira Santa, a Ceia é central. Nesse dia, recordamos sua instituição e a celebramos conforme a ordem de Cristo fazei isto em memória de mim (1Co 11.24, 25). Neste sentido, o texto indicado para a prédica se tornará bastante palpável na celebração da Ceia que ocorrerá em seguida. Tanto o texto de Êxodo 24.1-11 quanto o de Mateus 26.36-56, indicados como leituras, fazem referência ao sangue. No caso de Êxodo, o sangue dos sacrifícios oferecidos ao Senhor é aspergido sobre o povo, simbolizando a aliança de Deus com o povo. Apesar de o texto de 1 Coríntios 10.16-17 não fazer referência à aliança, tanto os evangelhos quanto 1 Coríntios 11 falam da nova aliança no sangue de Cristo. Já o texto de Mateus lembra o cálice amargo, ou seja, o sacrifício que Cristo está prestes a oferecer ao derramar o seu sangue para cumprir a vontade do Pai. Com isso é selada a nova aliança. A celebração da Ceia nos torna partícipes da nova aliança e nos une em comunhão no corpo e sangue de Cristo.
2 Exegese O contexto maior no qual o texto de 1 Coríntios 10.16-17 está inserido (1Co 8.1 – 11.1) trata do impasse causado pelo consumo de carne que originalmente havia sido sacrificada a ídolos conforme os rituais pagãos no mundo gentílico. Importante destacar que os cristãos e as cristãs a quem Paulo se dirige perfaziam uma minoria nesse universo majoritariamente pagão. Muitos deles, convertidos do paganismo, não viam problema no consumo de carne antes sacrificada a ídolos. Paulo, no entanto, fala da importância de pessoas cristãs se afastarem da idolatria. E faz isso lembrando o exemplo da história do povo de Israel, que em diferentes momentos havia se afastado de Deus e praticado a idolatria, sofrendo, assim, as consequências. A experiência do povo de Israel servia como advertência às comunidades. Em diferentes estudos percebeu-se uma inversão na ordem costumeira ao se abordar a Ceia. O texto de 1 Coríntios 10.16-17 fala primeiramente da comunhão do sangue, ao invés da comunhão do corpo, como nos demais textos que abordam a Ceia, inclusive o próprio Paulo quando trata da instituição da Ceia (1Co 11.23ss). É possível que aqui o apóstolo queira ressaltar o derramamento do sangue de Cristo, já que o cálice tinha, nas cerimônias de sacrifício pagãs, uma
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importância significativa, enquanto o pão era considerado insignificante nesses rituais. Nesse sentido, Paulo estaria colocando ênfase na comunhão no sangue justamente dentro do contexto da controvérsia da carne sacrificada a ídolos (Morris, 1992, p. 117). No entanto, provavelmente as duas formas chegaram a ser usadas: 1. em alguns casos primeiramente o cálice era distribuído e depois o pão (o texto de Lc 22.14 parece sugerir isso); 2. em outros, aparentemente em sua maioria, primeiramente o pão era partido e em seguida distribuído o cálice (Champlin, 1995, p. 156). De qualquer forma, a ordem dos elementos aparentemente nunca diminuiu a importância do sacramento, principalmente se pensarmos numa celebração no contexto de ágape. O cálice é abençoado antes de ser distribuído. Isso indica uma palavra de oração proferida sobre esse elemento, que era separado, ou seja, consagrado para um uso santo. Esse era um hábito litúrgico herdado dos judeus, que proferiam uma oração de ação de graças antes das refeições. Os cristãos dão continuidade a essa prática, adaptando-a. O termo koinonia (comunhão), por sua vez, refere-se à participação que a pessoa comungante tem em Cristo. Ou seja, ao participar da Ceia, a pessoa tem participação em Cristo, recebe a Cristo. Não se trata aqui, em primeiro lugar, de uma associação com outras pessoas, mas da participação em algo de que essas outras pessoas também participam. Nesse sentido, a comunhão com Cristo é a origem da comunhão entre as pessoas comungantes. Cristo é, por assim dizer, a ligação e o eixo central do qual deriva a comunhão com outras pessoas. Na Ceia, participamos de tudo quanto Cristo é, juntamente com as demais pessoas que dela comungam (Champlin, 1995, p. 156). O sangue de Cristo (no sangue está a vida, conforme Lv 17.11) é a referência por excelência à morte expiatória de Cristo por nós. Ao comungarmos da Ceia, participamos em tudo que foi adquirido por Cristo quando ele derramou seu sangue na cruz para nos salvar. O v. 17, por sua vez, acentua a unidade do corpo. Nas celebrações da Ceia usava-se um pão único que era partido em vários fragmentos. Mas, apesar da partilha do pão em vários pedaços, o pão continuava sendo um único pão, assim como as pessoas que comungam da Ceia, apesar de serem muitas, formavam um só corpo. Uma versão siríaca desse texto bíblico inclusive traduz essa passagem como: assim como o pão é um, assim também somos um só corpo (Champlin, 1995, p. 157). Em Cristo, as pessoas que comungam da Ceia formam uma unidade, um corpo, o corpo de Cristo. E a participação das pessoas comungantes no corpo e no sangue de Cristo garante a unidade entre elas. E é justamente essa unidade em Cristo que não permite uma unidade na adoração de outra coisa, ou seja, a idolatria. É nesse sentido que todos os vestígios de idolatria precisavam ser eliminados da comunidade cristã, incluindo a carne sacrificada a ídolos pagãos. Pois a participação em Cristo não permite uma participação em outra forma de adoração.
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3 Meditação O culto de Quinta-Feira Santa sempre é uma boa oportunidade para uma pregação sobre a Ceia, até porque reina bastante desconhecimento por parte dos membros das comunidades sobre a importância desse sacramento. Na prática, muitas pessoas, ainda que se confessem luteranas, têm uma compreensão reformada da Ceia, ou seja, entendem que pão e vinho apenas “simbolizam” corpo e sangue de Cristo. E nós, como ministros e ministras e como igreja evangélica luterana, somos responsáveis por possíveis compreensões equivocadas, já que um assunto tão essencial para a nossa fé cristã e para nossa confessionalidade é tão pouco abordado. Obviamente que a temática da presença real de Cristo na Ceia, como defende Lutero (o pão é o corpo e o vinho é o sangue de Cristo, conforme constam nas palavras de instituição), não é tratada no texto bíblico em questão. Mas, partindo de uma realidade diferente, o apóstolo Paulo aqui aborda a importância de uma compreensão clara a respeito da Ceia diante das dúvidas bastante concretas das pessoas de sua comunidade. E essa deveria ser a nossa preocupação em relação às dúvidas que as pessoas manifestam sobre a Ceia, seu significado e seu proveito. A pregação do texto bíblico em questão se torna ainda mais relevante por ele perfazer o momento litúrgico da Fração dentro da Liturgia da Eucaristia. Ou seja, nós repetimos essas palavras a cada celebração da Ceia. Nada mais justo do que explicar para a comunidade o que de fato elas significam. Na Ceia, nós temos comunhão com Cristo. Lutero inclusive falava da troca alegre, referindo-se ao fato de que, na Ceia, Cristo assume sobre si nosso pecado, nossa culpa, nossas injustiças e, em troca, nos concede o perdão, a salvação e a vida eterna, obtidas por meio do sacrifício (o derramamento do seu sangue) na cruz por nós. A partir dessa comunhão com Cristo, nós também temos comunhão com as pessoas comungantes. Nossa dor, nosso sofrimento, nossa angústia e nossos problemas se tornam delas. E a dor, o sofrimento, a angústia e os problemas delas se tornam nossos. Nesse sentido, a participação na Ceia não permite que continuemos indiferentes à dor que há no mundo. Nós participamos mutuamente das nossas “cruzes”. Isso nos leva a refletir sobre como a nossa comunhão é fraca. As pessoas comungam da Ceia, mas não querem saber dos problemas e da dor que há no mundo. Pelo menos não de forma ativa, no sentido de engajamento para sua diminuição. Pouco importa se há pobreza no mundo, não sendo nós as pessoas atingidas ou alguém conhecido, não faz mal. Nem a noticiários as pessoas querem assistir mais, pois é melhor nem ficar sabendo de tanta desgraça. Porque conhecimento compromete; desconhecimento, por sua vez, possibilita uma fuga da realidade. Mas no corpo de Cristo não pode ser assim. Nós participamos juntos de Cristo. E Cristo não foi indiferente à dor das pessoas. Não mandou pessoas embora com fome depois de suas pregações; não fugiu das multidões que, desesperadas, pediam ajuda para alguém doente; e não aceitou ficar no monte da trans-
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figuração, longe dos problemas das pessoas. Cristo se envolveu. Ele conheceu a miséria das pessoas, desceu até elas e deu a vida por elas. Na Ceia, participamos de tudo que Cristo fez por nós. E participamos disso com as pessoas que dela comungam conosco. Não se celebra a Ceia de forma privada. Ela é e sempre será comunitária, porque pressupõe comunhão. Nós somos um só pão, um só corpo. Alegramo-nos e também sofremos juntos. Esse aspecto da comunhão seria, a nosso ver, um importante destaque para a prédica e o principal ponto de intersecção entre a época na qual o texto foi escrito e nossos dias. A Ceia não é rito, nem mágica, nem tradição. Ela é comunhão física, concreta, presente, ativa e engajada. Não podemos espiritualizar a Ceia, como se ela tratasse de um mistério que acontece apenas no céu e de forma abstrata. Deus vem a nós na concretude dos elementos: nós ouvimos, vemos, pegamos, cheiramos e saboreamos. A comunhão com Cristo é tão intensa que envolve até mesmo o nosso corpo e os nossos sentidos. Sendo assim, a nossa comunhão uns com os outros não pode ser apenas de palavras vazias. Ela precisa envolver todo o nosso ser. Uma comunhão plena com Cristo e entre as pessoas também concentraria nossos esforços na unidade e na solidariedade, protegendo-nos do perigo da idolatria a nós mesmos, aos falsos deuses – bens, moda, dinheiro, fama –, às disputas por poder que produzem tantas guerras e desigualdade e ao uso indevido da criação de Deus, que tem produzido tanto sofrimento na forma de catástrofes naturais e pandemias. Afinal, não é possível beber o cálice do Senhor e o cálice dos demônios (1Co 10.21).
4 Subsídios litúrgicos Confissão de pecados: Sugiro abordar as consequências da falta de comunhão entre as pessoas: guerras, refugiados, violência no campo, na cidade e dentro do que deveria ser um lar, pobreza, fome, solidão, depressão, desigualdade social e desemprego. E pedir perdão pela falta de engajamento pela paz, pela segurança, pela reconciliação, pela falta de disponibilidade em repartir, pela indiferença com as pessoas. Kyrie: Pelas dores deste mundo. Nas comunidades que dispõem de recursos para projeção de imagens, sugiro projetar as situações de dor no mundo durante o hino.
Bibliografia CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo: Candeia, 1995. v. IV. LUTERO, Martinho. Um sermão sobre o venerabilíssimo Sacramento do santo e verdadeiro corpo de Cristo e sobre as irmandades [1519]. In: Obras Selecionadas. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2004. v. 1, p. 425-444. MORRIS, Leon. 1Coríntios. Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão, 1992.
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SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO
07 ABR 2023
PRÉDICA: MATEUS 27.33-50 ISAÍAS 50.4-7 2 CORÍNTIOS 5.19-21
Luiz Carlos Ramos
A morte de Deus
1 Introdução A Sexta-Feira da Paixão é a mais solene e consternada efeméride do calendário cristão. Não fosse a compreensão de que esse fatídico dia se inscreve no âmago da história da redenção, seria praticamente insuportável recordar, que dirá, celebrar essa data. O texto de Mateus 27.33-50, indicado para essa solenidade, narra o período que compreende o ato da crucificação até o momento da morte de Jesus na cruz. A leitura selecionada do AT para este dia se encontra em Isaías 50.4-7. Ela reforça a interpretação que haveria de ficar consagrada pela tradição cristã de que Jesus era o escolhido, o Messias, que haveria de cumprir a vontade de Deus, ainda que para isso tivesse que enfrentar indizível afronta e humilhação. E a leitura complementar de 2 Coríntios 5.19-21 sugere que toda dor e sofrimento impingidos a Jesus fizeram parte do grande propósito de Deus, a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo (v. 19). Essa interpretação expiatória e sacrificialista tem sido alvo de profundas e, ao meu ver, pertinentes críticas. Afinal, é óbvio que Jesus não “morreu”, ele foi morto! E por que o mataram? Foi por que Deus quis? Lendo os relatos evangélicos, fica claro que a morte de Jesus resulta de sua proclamação e encarnação do reinado (império) de Deus. Os valores desse novo mundo anunciado e vivenciado por Jesus conflitam e desafiam frontalmente a hierarquia político‑econômica e religiosa do seu tempo. No dizer de Warren Carter, “Jesus morre por causa do seu compromisso com a ordem de mundo diferente de Deus, presente e futura” (Carter, 2002, p. 617).
2 Exegese Voltemos, portanto, um renovado olhar para o texto de Mateus 27.33-50. Tenhamos em mente que a perícope em questão se inscreve na narrativa da paixão que já vem desde o capítulo 26 e que, no capítulo 27, compõe a seguinte sequência (cf. Carter, 2002, p. 643): 17.1-2: Jesus é entregue a Pilatos 27.3-10: O dinheiro de Judas 27.11-26 O “processo” de Jesus Perante Pilatos 27.27-44: Jesus é crucificado
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27.45-56: 27.57-66:
Jesus morre O sepultamento de Jesus
Jesus é crucificado Comecemos considerando a unidade que narra a crucificação de Jesus (17.27-44). O v. 33 aponta o lugar da crucificação: um local cujo nome macabro (Gólgota) já confere o clima tétrico do que está para se passar ali. Gólgota, do aramaico, significa “lugar da caveira” e passou para o acervo das figuras de linguagem como “lugar de suplício”. A morte por crucifixão estava entre as mais cruéis e dolorosas formas de castigo e de aplicação da pena capital. Trata-se de uma execução crudelíssima, precedida de indizíveis torturas físicas, morais e psicológicas, reservada apenas para não cidadãos e pessoas de pouco status, tais como os escravos e para os insurgentes políticos. O clima macabro é adensado com a menção do oferecimento ao crucificado de vinho misturado com fel, no v. 34. Trata-se de uma referência a um salmo de lamentação (Sl 69.21). Jesus se recusa a beber aquela bebida amarga que era mais veneno do que analgésico. Do alto da cruz, Jesus assiste seus algozes tirando a sorte para ver qual deles ficaria com suas vestes (v. 35). Outra referência a um salmo de lamentação (Sl 22.18). Essa é mais uma evidência de que os condenados eram crucificados nus como parte da humilhação moral imposta por uma sociedade calcada em rígidos códigos de honra-e-vergonha. A nudez, na Bíblia, é sempre associada à vergonha. A pretensa sentença condenatória está publicada por cima da sua cabeça [...] ESTE É JESUS, O REI DOS JUDEUS (v. 37). Tal tabuleta soa como um escárnio: que rei é esse que em lugar de estar assentado em um trono está pregado em uma cruz? Soa também como um aviso: esse é o destino reservado a qualquer um que se arvore a confrontar o poderio de Roma. Nos v. 38-43 são apontadas três categorias de pessoas que, muito diferentes de súditos leais que honram o seu rei, se põem a zombar e escarnecer do “Rei crucificado”: os ladrões, os transeuntes e as autoridades religiosas. O v. 38 menciona os dois “ladrões” que foram crucificados, um de cada lado de Jesus, e, depois, o v. 44 descreve como esses vociferavam contra ele os mesmos impropérios tais como os demais. O termo grego lestes, embora convencionalmente traduzido por “ladrão”, era empregado para se referir a bandidos ou, antes, a terroristas armados que defendiam a derrubada do sistema por vias violentas. Jesus, notório pacifista, enfaticamente contrário ao porte de armas e manifesto defensor da resistência não violenta que era, encontra-se aqui equiparado a esses bandidos. Em que pese a diferença substancial quanto ao método, Jesus se enquadra, sim, na categoria dos oponentes do império. O segundo grupo, formado pelos que iam passando, o ridicularizava meneando a cabeça (v. 39). Essa atitude é considerada blasfema porque acusa o
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Filho de Deus de ser uma fraude: se és Filho de Deus, e desce da cruz! (v. 40). Ecos distorcidos e deturpados também do Salmo 22. O terceiro grupo de escarnecedores é formado pelos principais sacerdotes, com os escribas e anciãos (v. 41). Aqui aparecem algumas categorias teológicas relevantes: salvação – Salvou os outros, a si mesmo não pode salvar-se; fé/crença – Desça da cruz, e creremos nele (v. 42); cristologia – Confiou em Deus; pois venha livrá-lo agora, se, de fato, lhe quer bem; porque disse: Sou Filho de Deus (v. 43). Os eventos futuros se encarregarão de confirmar justamente o que os líderes religiosos tentavam negar a respeito de Jesus: ele é, de fato e de verdade, o Salvador; ele é, de fato e de verdade, aquele em quem devemos crer; porque ele é, de fato e de verdade, o Filho de Deus. A morte de Jesus Atentemos, agora, ao relato de Mateus acerca dos derradeiros momentos de Jesus na cruz (27.45-56). Os risos e as zombarias seriam abruptamente interrompidos pelo que estava para acontecer. De repente, as trevas cobriram a terra... e perdurou do meio-dia até às três da tarde. Escuridão, nesse contexto, pode ter diferentes sentidos simbólicos, como uma alusão ao caos primordial, à opressão e à tirania imperial, ao exílio, à injustiça e ao julgamento final (cf. Carter, 2002, p. 659). Escuridão também pode sugerir aqui a tristeza profunda que toma conta da criação e do Criador diante das consequências tenebrosas resultantes da ideologia perversa que infectou mortalmente a humanidade. Do coração das trevas ouve-se um grito excruciante: “Eli, Eli, lamá sabactâni?” Expressão do mais profundo e aterrorizante abandono, ainda ressoando o Salmo 22: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (v. 46). Não bastasse o servo sofredor ver-se abandonado pelos discípulos e pelas multidões que por tanto tempo o acompanharam, agora se sente desabitado do próprio Deus. Os poucos que permaneciam junto às cruzes, ouvindo aquele urro, ficaram perplexos. Não conseguiam entender se invocava Elias, o venerável profeta veterotestamentário, ou dizia alguma outra coisa (v. 47). Decidem então deixá-lo à sua própria sorte, agonizando e delirando, à espera, quem sabe, de que Elias viesse salvá-lo (v. 49). Nos estertores, outros lhe oferecem, como último gesto de misericórdia (?), uma esponja embebida em vinagre, fixada na ponta de um caniço, para que sorvesse o líquido que, quem sabe, pudesse lhe trazer algum alívio (v. 48). Seguiu-se, então, outro grito lancinante e aterrador. Era Jesus entregando o espírito (v. 50). Depois disso, o silêncio profundo...
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3 Meditação Hoje é Sexta-Feira Santa e recordamos, consternados, aquela outra sexta-feira na qual as trevas cobriram a terra. Quando o cosmos se uniu no lamento desconsolado e chorou a dor mais dolorosa de todas, a do sofredor que do alto da sua dor contempla o seu abandono: abandonado pelos seus, abandonado por todos, abandonado pelo próprio Deus. Humilhado, ultrajado, envergonhado... exposto à execração pública, lá está alguém que ousou enfrentar o poderoso império do ódio com as singelas armas do amor. Nu e desamparado, ali jaz, pregado à cruz, o servo sofredor, homem de dores, aquele que compreendeu o que é padecer, como poucos, talvez, como ninguém. No Gólgota, lugar de suplício e tormentos indescritíveis, o que se ouve, a princípio, são risos zombeteiros e sarcásticos de gente que foi possuída de tal forma pela ideologia da morte, que a veem como motivo de zombaria e matéria para piadas. Que bandidos milicianos truculentos se burlem de um torturado é assustador, mas até esperado. Que soldados, torturadores profissionais, façam piada com os torturados não surpreende. Mas é difícil engolir que religiosos, homens de fé, frequentadores de igreja, façam o mesmo. As risadinhas, pilhérias e gargalhadas, de repente, são interrompidas pelo mais terrível grito que jamais se ouviu. Do alto da cruz, o torturado rasga a escuridão da dor, traspassa as trevas da cumplicidade dos comensais da morte, para, num brado lancinante, entregar seu espírito. O único eleito de Deus também é o único preterido, abandonado (como teologava Karl Barth). Deus, em Cristo, se vê face a face com a morte. Naquele grito indizível, muitos haverão de ver concentrado todo o peso dos pecados do mundo, muitos haverão de identificar-se com a agonia da mais autêntica e incontestável condição humana. Alguém que entregue assim o espírito, em tal estado de desolação e em total abandono, só pode ser divinamente humano. Aquele grito tão divinamente humano, ao mesmo tempo sublime e ínfero, fez cessar os risos, os gracejos, as zombarias... e o cosmos o ouviu, e a própria terra mergulhou no silêncio mais profundo, solene e reverente como jamais se viu. Deus está morto! O cosmos suspendeu a respiração, e assim permaneceu, aguardando... até que o silêncio mortal venha a ser quebrado pelo cântico novo da ressurreição.
4 Imagens para a prédica O culto deste dia pressupõe reverente solenidade, culminando com um momento de silêncio profundo. Os gestos devem ser comedidos e as palavras, moderadas. A música deve favorecer a introspecção e condizer com o tema. Sugerimos que, durante a leitura do Evangelho de Mateus 27.33-50, quando for lido o v. 45 (Desde a hora sexta até à hora nona, houve trevas sobre toda
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a terra.), as luzes do templo sejam apagadas e permaneçam assim até o final da leitura (deve-se providenciar uma luz de púlpito, se não houver uma). As luzes podem permanecer apagadas mesmo depois do final da leitura, durante um período em que se deve guardar profundo silêncio (sem fundo musical, sem comentários...). Sugerimos que o tempo de silêncio perdure por três minutos, numa alusão aos três dias que Jesus permaneceu sepultado. Ao final dos três minutos de silêncio profundo, a oração que está transcrita logo abaixo nos subsídios litúrgicos poderá ser projetada e lida por toda a comunidade em uníssono. Caso a comunidade não possa projetar, mas tenha a liturgia impressa em mãos, então as luzes deverão ser acesas para que todos possam ler. Outra alternativa é escolher uma pessoa da comunidade para fazer a leitura em nome de todos os demais.
5 Subsídios litúrgicos Oração para sexta-feira [A seguir, trechos de uma oração escrita pelo Reverendo John Wesley em 1733, que deveria ser lida pelos metodistas sempre nas sextas-feiras (trad.: Luiz C. Ramos)] [...] Ó Jesus, pobre e humilhado, desconhecido e desprezado, tem misericórdia de mim e permite que não me envergonhe de seguir-te. Ó Jesus, odiado, caluniado e perseguido, tem misericórdia de mim e não permitas que me envergonhe de acompanhar-te. Ó Jesus, traído e vendido a um preço vil, tem misericórdia de mim e concede-me estar satisfeito em ser como meu Mestre. Ó Jesus, blasfemado, acusado e condenado iniquamente, tem misericórdia de mim e ensina-me a suportar a oposição dos pecadores. Ó Jesus, vestido com o hábito da reprovação e da vergonha, tem misericórdia de mim e permite que não busque minha própria glória. Ó Jesus, insultado, escarnecido e cuspido, tem misericórdia de mim e permite que corra com paciência a carreira que me está proposta. Ó Jesus, arrastado ao pelourinho, açoitado e banhado em sangue, tem misericórdia de mim e não me deixes desmaiar no extremo da provação. Ó Jesus, coroado com espinhos e insultado com zombarias. Ó Jesus, sobrecarregado com os nossos pecados e as maldições do povo. Ó Jesus, insultado, ultrajado, esbofeteado, pleno de injúrias, dores e humilhações. Ó Jesus, crucificado no lenho maldito, inclinando a cabeça, entregando o espírito, tem misericórdia de mim e conforma minha alma a teu santo, humilde e sofrente Espírito. Ó tu, que por amor a mim sofreste tamanhos padecimentos e humilhações, permite-me esvaziar-me de mim mesmo para que possa alegrar-me ao tomar tua cruz cada dia para seguir-te. Capacita-me também a suportar a dor, o desprezo e a vergonha e, se for tua vontade, a resistir até à morte. [...] Ó Pai misericordioso, ouve minhas súplicas, pelo nome do teu Filho Jesus, e leva-nos, com todos aqueles que te hão agradado desde a fundação do mundo, à glória do reino do teu Filho. A quem contigo e o Santo Espírito, seja toda a glória pelos séculos dos séculos. “Pai nosso…”.
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Bibliografia BARCLAY, William. El Nuevo Testamento comentado por William Barclay: Mateo II (capítulos XI al XXVIII). Buenos Aires: La Aurora, 1973. CROSSAN, John Dominic; BORG, Marcus J. A última semana: um relato detalhado dos dias finais de Jesus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. WARREN, Carter. O Evangelho de São Mateus: Comentário sociopolítico e religioso a partir das margens. São Paulo: Paulus, 2002.
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DOMINGO DA PÁSCOA
PRÉDICA: MATEUS 28.1-10
09 ABR 2023
ISAÍAS 25.6-9* COLOSSENSES 3.1-4
Ana Isa dos Reis Costella Irineu Costella
Amor: a grande força salvadora!
1 Introdução “Jesus está vivo! Ele ressuscitou!” Esse anúncio da Páscoa atravessa os continentes e traz alegria e esperança, coragem e ânimo às pessoas cristãs que ouvem essa mensagem. Se essa mensagem nos enche de vida nova ainda hoje, talvez possamos imaginar o que foi para aquelas pessoas que testemunharam a morte de Jesus. Não conseguimos entender e precisar o impacto que a morte, a execução de Jesus causou sobre seus seguidores e suas seguidoras. Mas podemos imaginar que foi mais do que medo e insegurança. A execução de Jesus trouxe desespero, crise, aniquilação de sonhos, dúvidas, uma dor de injustiça (causada a alguém tão amado) e perigo. Foi o anúncio “Jesus está vivo”, foi o encontro com o Ressuscitado que transformou o total caos e desolação. Aquelas pessoas desconcertadas, desoladas e desesperadas foram arrancadas de sua fuga, de seus medos, de sua covardia, de suas dúvidas e transformadas em pessoas que proclamaram que aquele homem injustiçado e morto dias antes está vivo, que a morte não pôde com Jesus. A Páscoa é o evento fundante da fé cristã, expressão da força salvadora do amor de Deus, que ressuscita Jesus. A Páscoa aprofunda a radicalidade do amor. É imperativo resgatar a profundidade da Páscoa. Se a ressurreição não tivesse acontecido, a morte teria a última palavra. Para as pessoas seguidoras de Jesus, a ressurreição significou a grande alegria de descobrir que Deus não abandonou Jesus. Com a ressurreição, Deus confirmou a mensagem e a vida de Jesus e lhe fez justiça. Hoje, diante da morte, confessamos a força da ressurreição, alento, consolo e esperança para as pessoas. Crer na ressurreição é bálsamo diante da dor e do luto provocados pela morte. A reencarnação tenta apresentar-se como consolo às pessoas diante da morte. Mas que consolo há quando a morte não é vencida? Perguntadas sobre o que cremos, há quem não saiba diferenciar ressurreição, reencarnação ou imortalidade da alma, facilmente, acreditando nas duas últimas. A Páscoa nos desafia a falar de forma compreensível que cremos na ressurreição. As primeiras pessoas cristãs se valeram de diversos modelos para explicar a loucura da cruz e a vitória *
Conforme O Lecionário Comum Revisado da IECLB, a leitura prevista é Jeremias 31.1-6.
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na ressurreição. Elas tiveram que lidar com perguntas árduas sobre a morte e ressurreição de Jesus e tentaram encontrar respostas que testemunhassem sua fé. A ressurreição as obrigou a aprofundar a vida e morte de Jesus à luz do amor. Encontramos excelentes recursos preparados por colegas em: PL VI (Silvio Meincke, p. 167s), PL 24 (Guilherme Lieven, p. 139s), PL 35 (Gottfried Brakemeier, p. 176s) e PL 41 (Leonídio Gaede, p. 147s).
2 Exegese 2.1 – Observações gerais A perícope está inserida no bloco Paixão, morte e ressurreição de Jesus, que abarca os capítulos 26.1 a 28.20. O trecho conclusivo compõe-se de duas partes: a) narra os fatos em torno do sepulcro: mulheres que se deslocam ao túmulo, terremoto com a aparição do anjo às mulheres e desmaio dos guardas (v. 1-8), aparição de Jesus às mulheres (v. 9-10) e trama das autoridades judaicas para explicar ao povo o sepulcro vazio (v. 11-15); b) narra a aparição de Jesus (e a missão confiada) aos apóstolos na Galileia (v. 16-20). A ressurreição é narrada nos quatro evangelhos, com notáveis diferenças. Mas todos confessam a mesma coisa: nem mesmo a morte pôde com Jesus, o Crucificado está vivo, Deus ressuscitou Jesus. Nenhum evangelista narra diretamente a ressurreição, o momento exato em que Jesus ressuscitou e como aconteceu, mas todos são unânimes na constatação das mulheres, do sepulcro vazio, da aparição de anjos e da aparição do próprio Jesus que a ressurreição é realidade. 2.2 – Olhando os versículos V. 1: Sábado: Mateus não deixa claro o horário em que as mulheres foram ao túmulo. Contudo, a narrativa paralela de Marcos não deixa dúvidas de que foi ao despontar do sol do primeiro dia da semana, domingo. Intenção das mulheres: Mateus omite a declaração que aparece em Marcos quanto à intenção das mulheres de ungirem o corpo de Jesus. É certo que elas sabiam onde Jesus havia sido enterrado, mesmo tendo olhado de longe, pelo que sugerem vários autores. Jesus não teve um enterro com as honras fúnebres, tudo foi muito rápido, pois era necessário acabar antes que a noite chegasse, quando começaria o solene sábado da Páscoa. Penso nas mulheres discípulas que nada puderam fazer pelo seu Mestre, nem para evitar sua morte, nem para realizar o último gesto de carinho e atenção por meio dos cuidados fúnebres. O tempo de pandemia escancarou a dor de não poder prestar o último adeus, de não poder escolher a roupa, de não ter tempo para velar e chorar a morte. Parece-me que, para essas mulheres, não houve tempo o suficiente para a despedida, faltou fazer algo, estão cheias de uma sensação de incompletude, dor e abandono e, quem sabe, de um quê ao qual não se consegue descrever com palavras, mas que mexe com as entranhas quando a morte atinge quem amamos.
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Nomes das mulheres: Quanto às mulheres testemunhas da mensagem da ressurreição, os quatro evangelhos apresentam nomes diferentes, talvez – como sugerem alguns estudiosos – “para enfatizar mais uma pessoa do que outra” (Champlin, 1986, p. 646). Mateus traz Maria Madalena e a outra Maria como testemunhas da ressurreição de Jesus. Ēlthen: é um verbo aoristo ativo na 3ª pessoa do plural, do verbo erchomai = vir ou ir. O aoristo descreve uma ação sem limitação de tempo. A maioria das traduções aposta em: foram ver o túmulo. Quão interessante seria a tradução vieram ver o túmulo, colocando a ênfase em Jesus, ainda que morto e sepultado: eis uma perspectiva que abraça o protagonismo do Ressuscitado. Ou seja, leríamos a partir do túmulo, cujo ventre guardou Jesus. V. 2: Terremoto: Assim como na morte de Jesus, Mateus aponta para um sinal de teofania: a transcendência irrompe na imanência. Parece que a intenção de Mateus é que o terremoto anunciaria a ressurreição de Jesus assim como um terremoto anunciara sua morte. Anjo: Mateus apresenta um anjo e o coloca assentado sobre a pedra que fechava o sepulcro. A Bíblia apresenta os anjos como portadores de uma mensagem de Deus às pessoas. O texto de Mateus parece sugerir que o anjo removeu a pedra naquele momento do terremoto (provocado pela descida do anjo). Mateus nada menciona sobre a preocupação das mulheres sobre quem removeria a pedra da entrada do sepulcro. V. 3: O aspecto do anjo: Sua descrição traz elementos da tradição apocalíptica veterotestamentária para apresentar manifestações divinas. Com a descrição, o autor sugere que o anjo tenha vindo de um ambiente celestial. V. 4: A menção aos guardas é própria de Mateus e harmoniza com a narração anterior sobre a ordem do Sinédrio para haver guardas no sepulcro e com a narração posterior sobre a corrupção dos guardas no relato do ocorrido. Os guardas foram totalmente surpreendidos com o ocorrido, pois como poderiam cogitar acontecer algo extraordinário vigiando um cadáver? Os guardas seriam soldados romanos, acostumados a batalhas, e já deveriam ter visto muitos acontecimentos incomuns e espantosos. Mas a morte traz sempre consigo o drama da vida humana e a total nulidade do ser humano diante dela. Ao trazer esse relato, Mateus parece enfatizar o tremor dos guardas diante da manifestação do “sagrado” e a vitória do Ressuscitado sobre os inimigos derrotados. V. 5: O que foi motivo de terror para os guardas serviu de mensagem de esperança e poder para as mulheres. O anjo dirige-se às mulheres e inicia com a fórmula característica não temais, típica das mensagens de salvação. O anjo fala às mulheres, afirmando saber quem elas estão procurando e identifica Jesus como o Crucificado.
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V. 6: Ressurgiu: É o anjo quem anuncia a mensagem que tirou as mulheres da perplexidade e, certamente, surpresa e susto com tudo o que presenciaram: Jesus ressuscitou. As mulheres, conforme relata Mateus, são testemunhas da remoção da pedra, mas não da ressurreição em si. A mensagem da ressurreição de Jesus sustenta a igreja até hoje, que celebra todo domingo como uma Páscoa semanal, justamente por causa dessa mensagem anunciada na aurora do primeiro dia da semana. Como ele havia dito: Quantas vezes Jesus falou sobre sua morte e ressurreição. Na maioria das vezes, fugimos de assuntos que envolvem a morte, pois apontam a finitude da vida e nossa fragilidade e nulidade. Podemos imaginar como agora essa menção as transporta para aqueles dias em que estavam na companhia de Jesus e quando essas palavras foram mal entendidas ou nada compreendidas. Agora, essa menção evoca tão sagradas e carinhosas memórias, cheias de significação. Vinde ver onde ele jazia: A fala sobre o sepulcro vazio deve ter iniciado por volta do ano 70, pois as primeiras confissões e hinos litúrgicos nada mencionam sobre o assunto. Mais tarde, esse lugar se torna sagrado. É onde Jesus esteve morto. Mas, agora, está vazio. Mateus não menciona os panos de linho que foram deixados no sepulcro e que, até hoje, suscitam estudos, debates e teorias intituladas “o santo sudário”. O túmulo vazio nunca foi refutado por nenhuma das polêmicas surgidas acerca da ressurreição. Daria para dizer que é unânime o reconhecimento de que o túmulo estava vazio. Contudo, a mensagem do anjo Jesus ressuscitou é mais importante do que o sepulcro vazio e é essa mensagem que está no fundamento da fé cristã. V. 7: Ide depressa e dizei: O anjo volta a arrancar as mulheres do inédito, da perplexidade, do que mais parece sonho que realidade. Ao enviá-las, o anjo as incumbe de uma tarefa. Elas foram as primeiras a receber a mensagem revolucionária e a elas foi confiada a grande tarefa missionária de levar adiante a boa nova, primeiramente aos discípulos. A mensagem que elas deveriam proclamar é a ressurreição de Jesus: anúncio do mais inédito, a maior mensagem já proferida pela boca de alguém. O que tinha a dizer: O anjo conclui sua tarefa. Essa expressão repete uma fórmula provavelmente conhecida no Antigo Testamento com que Deus garantia as comunicações proféticas e divinas. V. 8: Mateus relata que as mulheres partiram rapidamente. E como esperar? A mensagem é maravilhosa demais para esperar ser anunciada. Ela enche as mulheres de tal forma que transborda delas. Não é possível deixar essa mensagem trancada dentro de si mesma. Ela precisa ser repartida. As mulheres assumem, de imediato, a missão a elas confiada. Enquanto escrevo, imagino essas mulheres! Eu me imagino com elas para tentar entender o misto de sensações, sentimentos, pensamentos e emoções que tomou parte delas. Mateus relata que elas estavam cheias de temor e grande alegria. Jesus, aquele com quem tinham convivido, de quem tinham aprendido, com quem tinham criado vínculos, que viram ser
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morto da forma como foi morto, por quem nada puderam fazer a não ser chorar e enlutar-se, ele tinha ressuscitado! Vieram ao sepulcro cheias de dor e lamento, com aquele gosto de morte que remexe as entranhas da gente, suspende o ar, retira o chão debaixo dos pés. E agora iam com a mensagem mais transformadora, da qual eram portadoras, que as enchia de vida nova, de entusiasmo, de brilho, de gratidão, urgência para a partilha. V. 9: Jesus vem ao encontro e diz “alegrem-se”: Jesus é o protagonista, é ele quem vem ao encontro das mulheres. Quantas vezes Jesus veio ao encontro. Agora, faz o mesmo. Só que agora é em um momento totalmente outro. Ele estava morto, as mulheres presenciaram sua morte injusta e terrível na cruz, estiveram lá quando fora sepultado, ainda que de longe. Mas agora ele estava lá, vivo de novo! A mensagem do anjo torna-se concreta e palpável nesse encontro com Jesus. Agora, um Jesus ressuscitado, que já não está mais sob o domínio do tempo e do espaço, mas que continua sendo aquele que vem ao encontro, que transforma vidas. Com sua palavra, Jesus expressa o que se passa dentro delas: alegria. Não qualquer alegria, mas uma alegria contagiante, que faz o coração bater acelerado, que transborda de dentro da gente, que faz sentir o céu no aqui e agora. Elas, se aproximando, abraçaram-lhe os pés: As mulheres respondem imediatamente. Parece que Jesus estava a uma certa distância delas, o que levou com que se aproximassem. Elas abraçaram seus pés não para se certificar que não fosse um fantasma, mas inundadas de alegria, alívio, gratidão, felicidade: aquele a quem tanto amavam, o Jesus amado, estava ali com elas. Era uma nova chance, uma nova oportunidade, um momento indescritível de felicidade. Se eu tivesse a chance de estar mais um minuto com quem tanto amo e que faleceu, como reagiria? Penso naquelas pessoas que, como eu, tivemos que sepultar pessoas queridas e amadas em caixões lacrados, que não as viram mais depois da ida ao hospital. Mais um minuto, mais um momento: desejos profundos tão humanos e carregados de sentimentos. Essas mulheres tiveram a oportunidade que vale mais do que se consegue imaginar. Elas derramaram todo coração e toda mente e tudo o que eram aos pés de Jesus, a quem amaram, a quem seguiram, por quem arriscaram tudo para cumprir a missão a elas confiada. O encontro com Jesus é realização, plenitude, vida nova, justiça realizada; a morte foi vencida; a força está na ressurreição, no fazer viver, e não no matar. V. 10: Não temais: Jesus volta a falar com as mulheres. Não tenhais medo são palavras messiânicas. O que elas não precisavam temer? Estavam a seus pés, não estavam com medo de Jesus. Mas certamente ainda há medos. Todas as pessoas têm seus medos. Naquele tempo, assim como hoje, mulheres têm medo. Temos medo em ser desacreditadas: “Isso é conversa de mulher, elas se impressionam demais e inventam coisas, veem coisas que não existem”. Medo de não ser ouvidas: “Mulheres falam demais, não dê ouvidos a elas”. Medo de ser silenciadas. Medo de ser ignoradas. Medo de ser violentadas. Medo de ser perseguidas. Medo de ser mortas. Medo de não conseguir fazer o que desejamos, o que precisamos. Jesus as conhece e sabe de seus medos. Ele se faz solidário, como já
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fizera antes, e essa sensibilidade, empatia e compaixão, essa postura de cuidado e zelo as encoraja, as fortalece. Ide... dizer a meus irmãos... me verão na Galileia: Jesus repete a missão que o anjo já lhes dissera. Mas agora é Jesus quem confia a elas a missão de levar a boa nova. Essas mulheres, as primeiras testemunhas da ressurreição, se tornam também as primeiras evangelistas, as primeiras anunciadoras de que Jesus está vivo, que a vida vence a morte, que a justiça aconteceu, que o poder está na força que traz vida e não nas formas diabólicas de morte. As mulheres são chamadas a levar a mensagem aos irmãos, expressão de ternura para se referir às pessoas achegadas a Jesus, pessoas discípulas. Muitas dessas pessoas discípulas, especialmente os doze, haviam abandonado Jesus, mas o Ressuscitado, que já os tinha chamado de amigos, agora os chama de irmãos, estende o perdão que reconecta, restabelece o vínculo. O evangelista Mateus apresenta a Galileia como o lugar para o encontro, onde a missão de Jesus teria começado. Autores (identificados entre parênteses) interpretam o convite para a Galileia de diversas formas: ponto de partida da missão da igreja a todos os povos (Evans), lugar do seguimento evangélico de Jesus (Beasley-Murray), símbolo da vida cristã vivida dia a dia (Léon-Dufour), lugar da parúsia (Lohmeyer, Lightfoot, Marsen).
3 Meditação A Páscoa destrói aquilo que se pensava ser a força mais forte que existia. Acreditava-se que a morte era a maior força, capaz de intimidar e demonstrar com quem estava o poder. E não qualquer poder, mas o poder sobre o viver e o morrer. A partir da Páscoa acontece uma subversão. Deus tira o poder do tirar a vida ao devolver a vida. Revela que a verdadeira força está na ressurreição. Forte é quem traz vida e não morte ou caos, é quem constrói e não quem destrói. A Páscoa muda o foco. Já não é mais matar e, sim, viver, é romper com violência e morte e compactuar com vida digna, perdão e não violência ativa. Ao ressuscitar Jesus, Deus expressa, mais uma vez, o seu amor. A Páscoa testemunha um Deus que estava com Jesus no sofrimento e na vitória sobre a morte. Deus não quis o sofrimento de Jesus e tampouco estava castigando Jesus. A cruz é sinal da rejeição de pessoas que se opõem ao Reino. Jesus é executado por pessoas que não querem e não acreditam nos valores do Reino de Deus, que compactuam com aquilo que traz benefícios para elas próprias e não vida digna para todas as pessoas. Deus não tira Jesus da morte, mas o salva na morte. A ressurreição mostrou que Deus estava com o crucificado de maneira real, sem intervir contra seus verdugos, mas assegurando seu triunfo final. Este é o aspecto mais grandioso do amor de Deus: que ele tem poder para aniquilar o mal sem destruir os maus. Faz justiça a Jesus sem destruir os que o crucificaram (PAGOLA, 2010, p. 518).
Não é o sepulcro vazio que atesta a força da Páscoa. Mas a mensagem da ressurreição, o encontro com o Ressuscitado, mais cheio de vida do que nunca.
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Encontrar-se com Jesus é uma vivência de plenitude e realização, de ânimo e coragem, de ajustar o foco para o que realmente importa, de sentir-se chamado e impulsionado a anunciar a boa nova de Jesus e a viver comprometido com o Reino de Deus, com os valores do Evangelho. Jesus é quem toma a iniciativa. Ele é quem vem ao encontro, cheio de vida. Jesus surpreende com sua presença viva. Ele se faz presente na vida das pessoas, ultrapassando todas as suas expectativas. O encontro com Jesus é carregado de emoções, sensações, sentimentos, reflexões, impulsos. Ao vir ao encontro, Jesus promove transformação. A dor da morte, a dor de terem abandonado Jesus, a dor de não terem conseguido absolver Jesus, a dor de não terem provado sua inocência, a dor da injustiça: são dores que trazem mais do que apenas tristeza, trazem a dor da culpa, da inutilidade, da injustiça. No encontro com Jesus é possível experimentar o perdão e a justiça. A experiência do encontro com o Ressuscitado é de reconciliação, de reconectar-se com o sagrado, de paz e novo ânimo, de justiça e vida nova. O encontro com Jesus obriga a romper com a incredulidade e perplexidade, leva ao inusitado, à graça. Páscoa é recuperar o mais importante: Jesus vive e está conosco. O encontro com Jesus é decisivo. É nesse encontro protagonizado por Jesus que acontece a transformação. As mulheres foram as primeiras a reencontrar-se com seu Salvador, aquele que defendeu sua dignidade e as acolheu em sua companhia, aquele que conversava sobre teologia, vida e fé com elas, aquele que se deixava cuidar por elas. Elas tiveram a alegria de experimentar de novo a proximidade amorosa e terna com Jesus. No encontro com Jesus, elas assumem o protagonismo de evangelistas, missionárias, testemunhas. Se já tinham provado transformação na primeira vez que tinham encontrado Jesus em sua vida, agora experimentam a grande transformação ao encontrá-lo como o Ressuscitado, capazes de abraçar a missão de levar adiante o Evangelho e de viver conectadas com o Reino.
4 Imagens para a prédica Como traduzir a força da ressurreição, a transformação que a Páscoa promove? Se pensarmos a partir das mulheres, eis algumas perguntas que podem suscitar boas ideias e imagens: a) Vir ao túmulo: quais são as dores que carregamos? Quais são os sinais de morte no local/território onde vivemos? b) Os guardas tremeram: que poderes ou que formas asseguram/promovem/estimulam a morte, a injustiça, o caos? A Páscoa revela que esses não têm a verdadeira força, além de romper e denunciar essas formas de maldade, propondo um caminho de paz e amor, justiça e vida digna para todas as pessoas. c) A mensagem do anjo: quais são as boas novas que ouvimos e que renovam a esperança? Em tempos de polarizações e ódios, quais vozes nós ouvimos e que promovem um novo tempo? d) Jesus vem ao encontro e elas o abraçam: também hoje Jesus vem ao encontro (de tantas formas!), e como respondemos? Nós o reconhecemos? Esse encontro nos transforma? Ou somos nós quem queremos transformar Jesus a par-
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tir de nós mesmos? Parece-me, em alguns momentos, através de certas posturas e falas, que tiramos de Jesus o protagonismo e colocamo-nos como os senhores de Jesus, apontando o que ele deveria dizer, cooptando-o a “alguns escolhidos” e colocando-o ao lado do reino deste mundo. O encontro com o Ressuscitado é o encontro com o Crucificado (como o identifica o anjo) e, nesse encontro, já não é mais possível sair como se chegou: o amor revelado na Páscoa é transformador. e) As mulheres respondem à missão: experimentar a Páscoa em sua radicalidade é assumir a missão de levar a boa nova e de viver comprometido com o Crucificado Ressuscitado.
5 Subsídios litúrgicos As celebrações do Tríduo Pascal propõem que, no Domingo de Páscoa, os sinais da morte (chicote, coroa de espinhos, o pano preto) sejam rompidos e colocados os sinais da Páscoa (velas, paramentos brancos ou dourados, flores). A pia/fonte batismal pode estar especialmente enfeitada: ela é, ao mesmo tempo, “tumba do passado – velha natureza – e útero materno de onde nasce a vida – vida nova em Cristo” (Tríduo Pascal, p. 75). O Círio Pascal simboliza Cristo, a luz do mundo, que ressuscita vitorioso e dispersa as trevas da morte, nos chamando ao compromisso de ser luz de Cristo. Oração do dia: Deus de amor, que ressuscitaste Jesus, rompendo com os poderes da morte, nós te agradecemos por nos amares de forma tão profunda e plena. Teu amor, revelado na Páscoa, é força criadora. Compromete-nos com esse amor transformador e ensina-nos a colocar sinais da Páscoa. Que o encontro com Jesus nos encha de tanta alegria, coragem e disposição como foi com as mulheres e, assim como elas, nos anime na missão. Por Jesus Cristo, nosso Salvador, que morreu, mas ressuscitou; que rompe com as formas de mal, protagonizando a força salvadora do amor; que vive e reina contigo e com o Espírito Santo hoje e sempre. Amém. Bênção da Páscoa: Através do teu poder, Deus, transformaste a cruz de Cristo em árvore da vida. Através do teu poder, Deus, transformas nosso medo em confiança, nossa paralisia, em novo ânimo. Assim nossa vida será uma parábola para a ressurreição da morte para a vida. Abençoa nossa árvore da vida, para que o tronco morto comece a brotar e a florir (Hanna Strack).
Bibliografia CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo: Milenium, 1986. LANCELOTTI, Angelo. Comentário ao Evangelho de São Mateus. Petrópolis: Vozes, 1985. PAGOLA, Antônio. Jesus, aproximação histórica. Petrópolis: Vozes, 2010.
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2º DOMINGO DA PÁSCOA
16 ABR 2023
PRÉDICA: ATOS 2.14a, 22-32 JOÃO 20.19-25 1 PEDRO 1.3-9
Gerson Acker
Quem é Jesus?
1 Introdução A comunidade discipular de Tomé se reúne de portas trancadas (Jo 20.19). É um grupo desanimado, sem coragem, preocupado com sua segurança diante do futuro incerto num contexto hostil. Após o horror da crucificação, há temor diante do que autoridades judaicas podem fazer. Então o Jesus ressurreto chega trazendo alegria e paz: Que a paz esteja com vocês. Somos surpreendidos com uma “antecipação” do Pentecostes no Evangelho de João. Jesus vai dizer: Recebam o Espírito Santo (Jo 20.22b) e perdoem os pecados (v. 23). Os discípulos, outrora medrosos, agora são enviados a proclamar o evangelho da reconciliação. A Primeira Epístola Pedro, segundo alguns exegetas, foi escrita por volta do ano de 64 d. C., no início da grande perseguição aos cristãos, para as comunidades cristãs espalhadas pela Ásia. Percebemos isso, pois, no recorte previsto (1 Pedro 1.3-9), há uma ênfase nos muitos tipos de provações que vocês estão sofrendo (v. 6b). A carta busca dar sentido à resistência na provação. Como o ouro é provado pelo fogo, assim também a fé, que vale mais do que ouro, precisa ser provada para que continue firme (v. 7). Em meio ao sofrimento, a ressurreição é palavra de ânimo e de esperança (v. 3) para quem segue o Cristo. A perícope de Atos 2.14a, 22-32, prevista para a pregação neste 2º Domingo da Páscoa, aproxima a festa da Páscoa e de Pentecostes. Aquele que morreu e ressuscitou, que havia prometido que não deixaria os discípulos sós, mas que enviaria o Auxiliador, cumpre a promessa na festa de Pentecostes. A mensagem da ressurreição é tão potente, é tão inspiradora, que aqueles discípulos, outrora amedrontados e trancafiados dentro de casa, agora testemunham sua fé. O porta-voz desse testemunho é Pedro.
2 Exegese O livro de Atos dos Apóstolos é uma continuação do Evangelho de Lucas (At 1.1-2), no qual o autor relata o início da igreja cristã em Jerusalém e seus arredores, bem como a difusão do evangelho pelo Ocidente até Roma. Há um paralelismo entre o Evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos. No início do evangelho, Lucas descreve como Jesus nasce pela ação do Espírito Santo (Lc 1.35). No início dos Atos, ele descreve como a comunidade nasce pela ação do Espírito Santo.
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2º Domingo da Páscoa
No primeiro capítulo de Atos, narra-se o início da igreja, incluindo a comunidade de Jerusalém e seus bastidores antes de Pentecostes. No segundo capítulo, onde está inserida a perícope em estudo, narram-se o Pentecostes, o discurso de Pedro e a narrativa quase que romantizada de como vivia a protocomunidade cristã (At 2.43-47). O discurso de Pedro pode ser estruturado em três partes: 1ª parte: Atos 2.14-15 – Pedro atua como porta-voz dos demais apóstolos e passa a explicar os sinais (ventania, línguas de fogo, glossolalia) para o povo que se aglomerou diante da porta da casa. O mesmo discípulo que, dois meses antes, por medo, tinha negado Jesus, agora fala diante de uma multidão. Pedro começa seu discurso desfazendo os argumentos dos que interpretavam o fenômeno como fruto de bebedeira. 2ª parte: Atos 2.16-21 – Pedro interpreta o fenômeno usando o texto do profeta Joel 3.1-5. Segundo ele, o vento, o fogo e o falar em línguas eram um sinal de que o tempo messiânico estava chegando. 3ª parte: Atos 2.22-36 – Aqui Pedro chega ao ponto central do seu discurso. O Espírito estava sendo dado naquele momento por causa de Jesus de Nazaré. Assim interpretado por Pedro, o Pentecostes torna-se uma prova da ressurreição de Jesus, uma denúncia do crime que foi cometido contra Jesus e um anúncio do perdão e da misericórdia de Deus para com o povo. Portanto a ressurreição é sinal identificador do Messias. Quando tocamos no assunto “messias”, não é possível fugir da figura do rei Davi. Esse monarca de Israel está intimamente associado à ideia messiânica do Antigo Israel e das esperanças messiânicas do mundo contemporâneo do Novo Testamento. Provavelmente Pedro cita Davi para dar autoridade ao conteúdo do seu discurso, uma vez que busca adesão por parte de ouvintes de origem judaica. A intencionalidade é provar que, através da ressurreição, Jesus e, não Davi, é o Senhor que governará nos céus e o Cristo enviado para salvar Israel. A palavra grega chisthos traduz o termo hebraico mashiah (messiah), cuja raiz significa “o ungido”. No Antigo Israel, ungiam-se profetas, sacerdotes e, especialmente, o rei. O rei era considerado alguém apontado por Deus. O termo “messias” passou a ser ligado às expectativas do futuro de Israel, à ideia da vinda de um novo rei que, como Davi, reinaria sobre todo o Israel e expulsaria os ocupantes romanos. Importante destacar que os sentimentos nacionalistas cresceram intimamente ligados à expectativa messiânica no período da ocupação romana. Jesus era considerado por alguns como potencial libertador político, que reuniria seu povo para acabar com o domínio romano. Porém, se Jesus considerava a si mesmo como messias, isso não se revestia de caráter político, como defendiam os zelotes e outros grupos nacionalistas. O antigo Israel esperava um messias vitorioso; o sofrimento e a crucificação de Jesus vão contra essa expectativa. Se Jesus era o messias, ele não era o tipo de messias que o povo estava esperando. Essa é a desconstrução proposta pelo discurso de Pedro. Segundo ele, a ressurreição era a prova da messianidade de Jesus. Nos v. 25-28, temos a inserção do Salmo 16.8-11, de autoria atribuída Davi, para mostrar que Jesus não podia ficar na sepultura, entregue à corrupção (apodreça na sepultura – v. 27 NTLH), mas
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que deveria ressuscitar. O evangelista Lucas argumenta que essa profecia sobre a não decomposição no túmulo (v. 29) não pode se aplicar ao próprio Davi, pois seu corpo nunca saiu de seu bem conhecido túmulo em Jerusalém (1Rs 2.10). O discurso de Pedro testemunha de maneira convidativa sobre o evento que cria a igreja. No centro da pregação missionária encontrava-se o testemunho pascal (v. 22-24) testificado pela Escritura (v. 25-28) e pelo testemunho (v. 32). Os eventos da Páscoa e de Pentecostes são sinais de que o evento escatológico havia se iniciado. O término de discurso é um contundente testemunho: Deus ressuscitou Jesus e nós somos testemunhas disso (v. 32). Jesus deve ser considerado o cumprimento das expectativas judaicas clássicas, lançando os fundamentos para um entendimento de uma continuidade entre o judaísmo e o cristianismo. O testemunho ao longo dos séculos sobre o messias é que permitiu essa continuidade e, como efeito, a chegada do evangelho até os tempos atuais.
3 Meditação Uma questão tem sido fundamental nas reflexões sobre a cristologia ao longo dos séculos: Quem é Jesus Cristo e como um evento que aconteceu em um tempo e lugar específicos podem ser relevantes para todas as pessoas e todas as épocas? É uma pergunta-geradora que dificilmente se esgota em uma resposta simplista. Creio que a perícope de Atos 2.14a, 22-32 pode auxiliar a iniciar algumas reflexões. No discurso de Pedro, somos colocados diante do Deus que se dirige à humanidade: encarna-se em Jesus Cristo, o Filho. Jesus é verdadeiro Deus e verdadeiro ser humano. O Cristo é uma figura histórica, pessoa que caminhou e sentiu na pele a difícil vida na Palestina sitiada por romanos, e verdade da fé, maneira pela qual o próprio Deus entra na história, cumprindo as profecias do Antigo Testamento. Jesus não é uma figura abstrata e inatingível, como nos aponta frei Betto: Deus se revela em sua negação e nós o sentimos quando entramos em contato com aquele que nos revela Deus, Jesus Cristo. E o que encontramos? O onipotente? Não, alguém tão fraco que não foi capaz de resistir à prisão. O onisciente? Não, pois tão imprevisivelmente aconteceu a Paixão que teve medo, não estava preparado. O todo-poderoso? Não, pois teve que dobrar-se e ser esmagado diante do poder romano e judeu. Em Jesus Cristo, não há apenas uma identificação com os últimos dos homens, com os oprimidos [...], vai além disso, chega ao ponto de ser solidário com aqueles que se sentem abandonados por Deus (Betto, 1982, p. 221).
Jesus, através de toda a sua vida, morte e ressurreição, revelou a face amorosa de Deus. Sua obra redentora pode ser sintetizada em amor (Mt 22.34-40) e serviço/diaconia (Mt 20.28). Esse é o convite para aquelas pessoas que desejam ser cristãs: amar a Deus e ao próximo e servir aqueles que necessitam. A morte redentora de Cristo é consequência da fidelidade ao projeto do reinado que Deus quer para sua criação. Jesus não realiza esse reinado apenas nos seus discursos, mas na sua existência como um todo. Em decisão livre, lança mão
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da sua vida para que a vida prevista e guardada por Deus vire realidade (Gl 4.4). Cristo nos convida a viver de forma diferente e a ser, assim como ele, consequentes até o final na defesa do Evangelho. Jesus Cristo mostrou com palavras e ações que uma nova humanidade é possível. Sua palavra convida para mudança de atitude, arrependimento e conversão diária. Lutero afirmou, a partir do Batismo, que toda a nossa vida é um processo constante de morte e ressurreição. A “velha pessoa” em nós deve morrer diariamente para ressurgir, em Cristo, a “nova pessoa”, que ama a Deus e ao próximo, zela pela integridade da criação e se alegra com o milagre da vida. Jesus caminha conosco em meio ao sofrimento. Segundo Bonhoeffer, um Deus que não sofre não pode nos libertar. Assim esse Deus, ao encarnar-se em Cristo, se torna patético, ou seja, assume o pathos, o sofrimento de seu povo (Boff, 1986, p. 36-37). A encarnação de Deus em Cristo revela toda a sua empatia e simpatia para com a humanidade pecadora. Tal ato revela a fonte inesgotável de seu amor. Deus não fica calado diante da dor. Ele mesmo sofre, assume a causa dos martirizados e sofredores. A dor não lhe é alheia. Mas se a assumiu, não foi para eternizá-la e tirar-nos a esperança. Pelo contrário, Deus quer eliminar todas as “cruzes” da humanidade (Boff, 1978, p. 141).
4 Imagens para a prédica O discurso de Pedro discorre sobre quem é Jesus para aquela multidão reunida na festa de Pentecostes. Pedro fala de Jesus como o “Nazareno” (apontando sua humanidade); dos “milagres, prodígios e sinais” (apontando sua divindade); do “plano de Deus”; da morte e da ressurreição em paralelo ao rei Davi. Permitam-me ser “clichê”: Quem é Jesus para você? Sugestão 1: Penso que seria uma abordagem provocante e instigante, no início da pregação, fazer a seguinte pergunta para a comunidade: Quem é Jesus? Permitir um tempo de partilha. Certamente surgirão formulações clássicas e “decoradas” conforme a ortodoxia. Definições que, muitas vezes, sequer são refletidas a fundo. Por exemplo, os termos “messias”, “Cristo”, “Salvador”. É uma oportunidade do pregador ou da pregadora desmistificar um pouco esses conceitos tantas vezes abstratos. Há também a possibilidade de surgirem respostas criativas e inesperadas, às quais devem ser acolhidas e incorporadas à fala. Em seguida, pode-se falar de como Pedro fala de Jesus no texto de Atos. Sugestão 2: Preparar alguns cartazes com características de um personagem (no caso, Jesus), e pedir que as pessoas ajudem a descobrir de quem se trata. Sugestão 3: Outra abordagem interessante pode ser iniciar ou inserir em algum momento da pregação a reflexão sobre a distinção entre o “Jesus histórico” e o “Cristo da fé”. Importante frisar que tal divisão é meramente pedagógica e, dependendo do contexto da comunidade, a reflexão pode ser muito produtiva.
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5 Subsídios litúrgicos Oração do dia: Senhor, contigo estão o amor e a misericórdia. O barro é moldado pelo oleiro; o metal é moldado pelo artífice. Assim, nós somos moldados por ti. É bem verdade que há momentos de tristeza e dificuldade, mas cremos que essa é apenas uma etapa no teu plano de nos dar alegria e plena salvação. Fortalece-nos na fé e dá-nos a alegria que brota da Páscoa, para que nossas palavras, pensamentos e ações reflitam a certeza da tua vitória sobre a morte. Por Cristo, na unidade contigo e o Santo Espírito hoje e sempre. Amém.
Bibliografia BETTO, Frei. Deus brota na experiência da vida. In: ASSMANN, Hugo (Org.). A luta dos deuses: Os ídolos da opressão e a busca do Deus libertador. São Paulo: Paulinas, 1982. (As notas entre colchetes “[ ]” são minhas inserções.) BOFF, Leonardo. Como pregar a cruz hoje numa sociedade de crucificados? 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1986. ______. Paixão de Cristo, paixão do mundo: Os fatos, as interpretações e o significado ontem e hoje. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1978. GOPPELT, Leonhard. Teologia do Novo Testamento. Petrópolis: Vozes; São Leopoldo: Sinodal, 1983. v. 1.
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PRÉDICA: 1 PEDRO 1.17-23 SALMO 116.1-4, 36-41* LUCAS 24.13-35
3º DOMINGO DA PÁSCOA
23 ABR 2023
Roberto N. Baptista
Somos chamados para o amor
1 Introdução Estamos no 3º Domingo da Páscoa, que recebe o nome de misericordias domini. A ênfase nesse domingo é a capacidade de Deus em olhar para o mundo com uma atitude de misericórdia, um coração voltado ao mísero, ao pobre, ao necessitado. Os textos da nossa tríade são exclusivos, diferente dos outros comentários do PL. O texto de Lucas 24 aparece em outros comentários. Temos aqui o conhecido relato dos discípulos no caminho de Emaús, a ênfase de um Jesus que caminha conosco e nos orienta. Já o Salmo 116 é exclusivo mesmo. Esse retrata o louvor do salmista a Deus por ouvir o seu clamor e livrá-lo da morte. Entende-se o papel do Salmo 116 nessa tríade: o resgate por um preço alto valoriza o valor da vida.
2 O texto A Primeira Carta de Pedro era dirigida a cristãos gentílicos das regiões do Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia, como nos indica o primeiro verso dessa carta. Esses cristãos e cristãs são novos convertidos e, agora, divergem no ambiente em que vivem. Por isso sofrem acusações e calúnias. A carta procura levar conforto a essas pessoas É sempre bom rever o que já foi trabalhado sobre o texto de pregação nos volumes de Proclamar Libertação. Reparto com você os cinco trabalhos que já foram publicados. Com a facilidade que temos de consultar esses textos no site da IECLB, basta aqui breve revisão. Apontarei apenas os pontos mais relevantes do texto de 1 Pedro em cada trabalho. O primeiro texto trabalhado foi o de Rudi Kich, no PL XIII, destinado para o 3º Domingo na Quaresma [Oculi]. A perícope está delimitada de modo pouco diferente (1 Pedro 1. [1-17] 18-21). Após uma breve exegese, Kich sugeriu concentrar a prédica principalmente nos versos 18 e 19, chamando a atenção para o valor da vida humana e o preço com que todos fomos resgatados por Deus. O segundo trabalho é o de Wilfrid Buchweitz, no PL XVIII, previsto para o 3º Domingo da Páscoa. Buchweitz chama a atenção para a mudança de foco de acordo com a mudança de período litúrgico. Enquanto no PL XIII o destino *
Conforme o Lecionário Comum Revisado da IECLB, a leitura prevista é Salmo 116.1-4,12-19.
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era o período da Quaresma, agora o texto se destina ao período depois da Páscoa. O autor chega à conclusão de que, ao ler o texto de 1 Pedro, passamos de uma reflexão na Quaresma para uma prática ativa das recomendações feitas no texto. No PL 30, temos o trabalho de Pedro Kalmbach sobre a perícope, também prevista para o 3º Domingo da Páscoa. Ele aponta para a mesma ênfase que Rudi Kich, ao dizer que o feito salvífico de Jesus expresso nos v. 18-19 é o tema central do nosso texto. Odete Liber Adriano trabalha o texto no PL 35 previsto para o mesmo 3º Domingo da Páscoa. Aqui ela aponta para o tema central dessa porção de 1 Pedro, ou seja, o renascimento e a nova conduta. Por último, o comentário no PL 41 elaborado por Manfredo Siegle para o mesmo período da Páscoa. Percebe-se que a partir do primeiro comentário no PL XIII, o texto de 1 Pedro 1.17-23 migrou da Quaresma para o 3º Domingo da Páscoa. Siegle faz uma exegese pormenorizada, desde a preocupação com a data da carta, destinatários, autoria, contexto, até a uma análise verso a verso. Sua avaliação e suas pistas são ricas. Ele sugere a seguinte estrutura para a elaboração da prédica: Mundo confuso – Cristo rejeitado – Deus cuida – Nossa missão. V. 17 – Orar a Deus e chamá-lo de Pai tem consequências. Primeiro, deve-se saber que o Pai é um Deus que julga com equidade, com isonomia. Esse saber aponta para uma ênfase bastante luterana: cada um é responsável diante de Deus pela sua conduta. Segundo, é preciso ter respeito, consideração, valorização a esse Deus. V. 18-19 – Esse conjunto foi muito enfatizado em outros comentários do PL. É justo. Tradicionalmente, concentra-se aqui o resumo do sentido do sacrifício de Jesus. A ênfase desses dois versos é a valorização da vida humana atribuída por Deus. No mundo em que vivemos, onde se mata por causa de um par de tênis, Deus aqui abre os nossos olhos para que percebamos o enorme valor que a minha e a sua vida de fato têm. Um preço imensurável, muito maior que o que temos de mais valioso. Muito mais que ouro e prata. V. 20 – Os dois versos anteriores já parecem bastante claros sem esse acento no v. 20. O que era oculto desde os primórdios do tempo agora é revelado. Esse verso é muito conhecido nos textos neotestamentários, conforme 2 Timóteo 1.9ss; Tito 1.2ss; Colossenses 1.26; Efésios 3.5, 9; Romanos 16.25. V. 21-23 – Os versos apontam para a conduta decorrente de toda a teoria até aqui elaborada. O v. 21 mostra que a fé e a esperança que esses cristãos aprenderam não seriam possíveis soltas no nada. Tudo isso tem como alicerce o Deus chamado de Pai. No v. 22 está o centro da conduta: amem uns aos outros com todas as forças e com um coração puro. Não podemos realizar esse amor sincero sem o conhecimento da verdade nos dada por Jesus. O v. 23 nos fala desse novo nascimento não de um pai mortal, mas do Pai que é imortal.
3 Pistas para a prédica Tudo que vimos até aqui necessita desembocar na realidade em que vivemos. Eu dou uma sugestão. Sim, apenas uma sugestão. Você pode ponderar se
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ela é adequada à sua comunidade e ao momento em que você vive. A meu ver, a sugestão que segue é tão importante, que poderia dizer que esse conteúdo faz parte da essência da fé cristã. Sim, estou reforçando os sentidos do v. 22. E explico como o enxergo no nosso texto de 1 Pedro 1. Veja o verso: Agora que vocês já se purificaram pela obediência à verdade e agora que já têm um amor sincero pelos irmãos na fé, amem uns aos outros com todas as forças e com um coração puro. Acho interessante que ele dá entender que tudo que antecede nos versos anteriores tem a função de apontar para o amor ao próximo. Em outras palavras, fé e teologia não fariam sentido apenas como uma teoria. Estou exagerando, eu sei. O fazer teologia é lindo como prática teórica. Entretanto, pensando na fé cristã, no testemunho de Jesus e na sua prática de vida, somos chamados para o amor. Portanto, acredito que podemos aproveitar em nossa mensagem essa ênfase para repartir com a comunidade. Poderíamos até “abrir os olhos e os corações” dos nossos ouvintes para uma avaliação de sua espiritualidade. Não no sentido moral, mas naquilo que Lutero enfatizava de uma “conversão diária”. Resumindo em uma simples frase a nossa mensagem: todos nós devemos e precisamos nos converter sempre ao amor ao próximo, ao mais simples, ao mais pobre. Que Deus me ajude. E ajude, principalmente, as nossas comunidades.
4 Subsídios litúrgicos Oração de confissão de medos e falhas: Deus, sabemos que somos falhos e dependemos de ti. A cada instante da nossa vida, necessitamos nos rever e perceber os momentos em que precisamos reagir diante dos nossos erros, dos nossos medos. Confiamos sempre no seu amor para nos ajudar nessa dura tarefa que todos e todas enfrentamos. Gratos pela sua orientação e sejamos sinceros contigo e conosco mesmos, sempre. Amém! Sugestões de canções: 1) Caminhamos pela luz de Deus (LCI 305) 2) Nada te turbe (LCI 595) 3) O Senhor é a minha força (LCI 166)
Bibliografia ADRIANO, Odete Liber. Subsídio homilético para 1 Pedro 1.17-23. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2011. v. 35. Disponível em: <https://www.luteranos.com.br/conteudo/1 Pedro 1.17-23>. BUCHWEITZ, Wilfrid. Subsídio homilético para 1 Pedro 1.17-22. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 1993. v. XVIII. Disponível em: <https://www.luteranos.com.br/conteudo/1 Pedro 1.17-22>. KALMBACH, Pedro. Subsídio homilético para 1 Pedro 1.17-21. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2005. v. 30. Disponível em: <https:// www.luteranos.com.br/conteudo/1 Pedro 1.17-21>.
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KICH, Rudi. Subsídio homilético para 1 Pedro 1. (1-17)18-21. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 1988. v. XIII. Disponível em: <https:// www.luteranos.com.br/conteudo/1-pedro-1-1-17-18-21>. SIEGLE, Manfredo. Subsídio homilético para 1 Pedro 1.17-23. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2017. v. 41. Disponível em: <https://www.luteranos.com.br/conteudo_organizacao/governanca-rede-derecursos-auxilios-homileticos/1-pedro-1-17-23-2>.
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PRÉDICA: JOÃO 10.1-10 ATOS 2.42-47 1 PEDRO 2.19-25
4º DOMINGO DA PÁSCOA
30 ABR 2023
Janaina Schäfer Hasse
A porta da esperança
1 Introdução A perícope do 4º Domingo da Páscoa traz a revelação de Jesus Cristo como o Senhor que chama, conhece e traz vida em abundância para as suas ovelhas. Essas são orientadas a ouvir o seu pastor e a se deixar guiar por aquele que é a “porta”, a saber, o próprio Cristo, refutando o direcionamento e o pastoreio de mercenários. Os dois textos auxiliares nos remetem aos aspectos da vida de discipulado de quem entra pela verdadeira “porta” e é guiado pelo verdadeiro “pastor”. O trecho de 1 Pedro 2.19-25 aponta para Cristo como o exemplo para seus seguidores, para a vida de discipulado. Relata a abnegação que essa vida traz e o rebanhar das ovelhas pelo pastor, que dedica cuidado em seu sacrifício. Atos 2.42-47, que relata os primórdios da igreja cristã, fala-nos do modo de viver do rebanho do bom pastor. Como vivem as ovelhas que ouvem a sua voz e a diferença em ser guiado para um bom aprisco. Jesus veio para trazer vida em abundância, uma vida plena que nos é prometida para a eternidade, mas que também pode ser experimentada em partes, já agora, na comunhão dos santos, quando o discipulado também traz um cuidado de maneira integral pela vida do próximo.
2 Exegese Durante o período da Semana da Paixão e também da Páscoa, somos aconchegados pelo texto do Evangelho de João, que fala da revelação de Jesus para os seus (13 – 17). Para este domingo, voltamos o olhar para outro bloco desse evangelho tão rico. O texto-base da pregação faz parte do discurso de testemunho público de Jesus diante do mundo. Ou seja, após falar da encarnação da Palavra (cap. 1) e sobre o preparo do caminho para a chegada do salvador, agora João se preocupa em narrar os discursos de Jesus que o revelavam como o Salvador, cuja salvação se estende ao mundo (cap. 3). A revelação pública de Jesus inicia com o milagre nas bodas de Caná, perpassando outros milagres, curas e diálogos profundos de Jesus com pessoas diversas. Nesses primeiros capítulos já aparecem os outros “eu sou” (ego eimi) de Jesus, maneira joanina de falar da revelação do Filho de Deus. Na sequência da revelação de Jesus como Salvador, encontramos a recusa dessa mensagem pelo mundo e até mesmo pelos seus (10.22-42; 11.45-55; 12.36-43; 18.15-18).
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Apesar do primeiro título encontrado nas versões da Nova Tradução da Linguagem de Hoje ser “Jesus, o pastor verdadeiro”, a perícope se concentra na afirmação de Jesus “Eu sou a porta”, quando limitada aos v. 1-10 do capítulo 10. A imagem do pastor perpassa todos os dez versículos, porém, se fôssemos eleger um termo principal nessa perícope, seria thyra/porta. Esse substantivo que aparece no discurso de Jesus logo no início é o mesmo usado para definir como ele se revela: Eu sou a porta! A seguir, algumas observações quanto aos versículos da perícope. V. 1-2 – Jesus apresenta o cenário típico do contexto de criação de ovelhas: um curral, um aprisco coletivo. Não existia um sistema de estábulos como hoje. Ovelhas de diversos pastores se encontravam juntas no mesmo espaço. Nesse espaço coletivo, se alguém pula o muro, é ladrão. Afinal, qual o objetivo de entrar em um lugar senão pela porta? O portão era o único lugar por onde os que queriam apascentar as ovelhas entravam. O rebanho que está nesse curral são ovelhas, por vezes, um animal de fácil domínio. Possuem falta de iniciativa, ou seja, facilmente são levadas por um movimento maior. Neste texto a humanidade é comparada a um rebanho de ovelhas. Sozinhos e sozinhas, somos seres indefesos e influenciáveis. Por nossas próprias capacidades não conseguiríamos nos salvar dos perigos. Precisamos do pastor verdadeiro para não andarmos mais como ovelhas perdidas (Lc 15.1-7). V. 3 – O porteiro é aquele que abre e fecha a porta. Jesus, apesar de ser aquele que abre o caminho, não resume a sua missão a essa figura. Sabemos pela continuidade do texto que ele mesmo também é o pastor verdadeiro que entra pela porta. V. 4-5 – As ovelhas, o rebanho, conhecem a voz do seu pastor. Não apenas identificam o proprietário, mas confiam na voz daquele que as chama. São cientes de que esse que chama é quem as pode conduzir em segurança. Não se trata apenas de um sentimento de pertença, mas de saber que estão seguras. Ao reconhecer a voz do pastor verdadeiro, as ovelhas, outrora influenciáveis e de fácil domínio, tornam-se fiéis à voz daquele que verdadeiramente cuida delas e as protege. V. 7-9 – Jesus nos diz: Eu sou a porta. E nos promete: quem entrar por ele, ou seja, passar pela única entrada, será salvo. Aqui a revelação de Jesus é uma promessa maravilhosa de salvação e sustento. V. 10 – Os falsos líderes que vieram antes de Jesus apenas usavam as ovelhas para o “abate”. O verdadeiro pastor não! Esse quer que permaneçam com vida e alimentadas, que tenham uma vida abundante, plena e completa. O pastor verdadeiro quer uma vida em abundância, ou seja, até mais do que o esperado ou merecido para uma ovelha. A ovelha pode se sentir segura ao ser conduzida por aquele que traz salvação do caminho lógico da morte. A ovelha, além de ser salva da morte, receberá alimento e sustento.
3 Meditação Jesus nos diz claramente na perícope quem nós somos e quem ele é. Nós somos ovelhas! Ele é a porta e o pastor!
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a) Portas e vidas fechadas! Quantas pessoas já não encontraram portas fechadas em suas vidas? Ao procurar um emprego, ao se perder em um endereço, ao errar o dia ou a hora de uma prova, ao retornar para casa depois de um desentendimento. Sim, em nosso mundo, todos os dias pessoas passam por situações assim. Também ao olhar para nós, pessoas podem encontrar portas fechadas, sejam em nossas vidas ou mesmo em nossas comunidades. Será que em nossas comunidades isso tem acontecido? Será que pessoas têm voltado para seus lares com a impressão de encontrarem as portas fechadas? Nós não somos as portas! E longe de nós querermos assumir esse papel que não é nosso! Pois se assim o fizermos, estaremos agindo como ladrões, salteadores ou bandidos. A porta verdadeira é uma só: Jesus Cristo! Mas, por vezes, podemos não apontar para essa porta verdadeira ou não ser uma placa de direcionamento. Ao olhar para nós, será que as pessoas conseguem ler: “Entre, a porta está aberta”? Cristo nos chama pelo nome, e nós podemos ouvir a sua voz. A partir da vida de discipulado, somos enviados e enviadas a viver uma vida plena, a testemunhar e agir para que todas as pessoas possam olhar para a “porta da vida eterna”. Se ouvirmos os relatos de como viviam os primeiros cristãos, perceberemos que a sua vida era como uma placa escrita: “Entre, a porta está aberta”. b) Portas da esperança Quantas vezes também batemos em portas que nos trazem a esperança da salvação. Entretanto, colocamos todas as nossas expectativas em portas aqui deste mundo: dinheiro, emprego, relacionamentos, sucesso pessoal. E nada disso nos sustenta. Somente Cristo é a porta verdadeira. Somente ele traz a vida plena, vida eterna, perdão dos pecados e salvação. Toda vez que tentarmos chegar a Deus ou conquistar uma vida com sentido por outros lugares ou por outras vozes que anunciam que são o pastor, estaremos perdidos e perdidas, estaremos dando ouvidos aos ladrões e salteadores. c) Olhar para verdadeira porta e ouvir a voz Ao olharmos para a verdadeira porta, nossas esperanças podem ser renovadas. Mesmo que durante o caminho desta vida venhamos a passar por dias difíceis ou percalços, temos a segurança e a confiança na voz do pastor verdadeiro, que nos guia. Um pastor que está longe do seu rebanho dificilmente terá sua voz reconhecida. O conhecimento do verdadeiro pastor, da verdadeira porta, não é obra da ovelha que se achega ao aprisco ou abre a porta, mas é obra do verdadeiro pastor. Ele é quem mostra o caminho, abre a porta e faz reconhecida sua voz. Mesmo como ovelhas do pastor verdadeiro, não tomamos a iniciativa. É ele quem nos
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chamou e amou primeiro, e as ovelhas respondem a esse amor. A partir do momento em que nossos ouvidos forem abertos, reconheceremos aquele que sempre esteve a nos chamar. Assim, estaremos cientes que somente dele vem a nossa segurança. Enquanto estivermos surdos, seremos como todos aqueles que rejeitaram Jesus, como o Messias.
4 Imagens para a pregação – Ao ouvir o texto do evangelho, veio-me nitidamente a imagem de uma família cantando em nossa comunidade, com os raios de sol das 8h30 entrando pelas vidraças das janelinhas emperradas da igreja e iluminando a sua gaita, enquanto ouvíamos: Deus é tão bom, pois abriu a porta para você passar, e a porta é Jesus... E como uma criança com muita imaginação, eu pensava no próprio Deus abrindo aquelas janelinhas. E pensava: como pode ele mesmo ser também a janela? – Fixar logo na entrada do espaço de culto a frase: Entre, a porta está aberta! – Outra ilustração que pode ser usada é uma comparação com o quadro “Porta da esperança”, do Programa de TV de Silvio Santos, nos anos de 19841996, que consistia em prestar assistência e renovar as esperanças das pessoas em seus sonhos e suas necessidades. O programa oferecia a esperança para as pessoas que estavam desanimadas.
5 Recursos litúrgicos Hinos: Um só rebanho, um só pastor – LCI 578; Pelos prados e campinas – LCI 90; Que segurança, sou de Jesus – LCI 624.
Bibliografia BOOR, Werner de. Evangelho de João. Curitiba: Evangélica Esperança, 2002. (Comentário Esperança). RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave Linguística do Novo Testamento Grego. São Paulo: Vida Nova, 1995. BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000.
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PRÉDICA: ATOS 7.55-60 JOÃO 14.1-14 1 PEDRO 2.2-10
5º DOMINGO DA PÁSCOA
07 MAIO 2023
Renato Küntzer
O Espírito Santo não se cala diante dos ídolos da morte
1 Introdução A comunidade do Espírito é uma comunidade envolvida em conflitos. São várias as disputas que envolvem a vivência da fé, o testemunho e a pregação pública do Evangelho. O livro de Atos dos Apóstolos foi escrito entre os anos 80 e 90, tendo como conteúdo o período apostólico (anos 30 a 70). O autor, reconhecido pela tradição como Lucas, o mesmo autor do terceiro evangelho, trata de reconstruir um período de 40 anos, desde a ressurreição de Jesus até a formação institucional das igrejas. É o tempo de atuação do movimento de Jesus, animado pelo Espírito, formado por seguidoras e seguidores de Jesus oriundos das comunidades domésticas. Há três espaços que marcam esse período: o caminho, a casa e a mesa. Fundamental para os relatos de Atos é a ação do Espírito Santo, presente na atuação das seguidoras e seguidores de Jesus e que serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria até os confins da terra (1.6-8). Esse Espírito se manifestou em homens e mulheres que continuaram o caminho, tendo como espaço a pequena comunidade doméstica e a mesa. É nesse tempo e lugar em que encontramos o nosso texto. Para o autor do livro de Atos, há questões fundamentais que impactam a vida das comunidades. A primeira é: Senhor, é agora que vais restaurar o Reino de Israel? (At 1.6). É a pergunta dirigida a Jesus ressurreto. Essa pergunta esteve presente na vida das comunidades e acompanhou o movimento de Jesus, no mínimo, por 40 anos. A resposta de Atos é que o Reino não surgirá inesperada e surpreendentemente de uma hora para a outra. Ele será resultado do testemunho dado, desde Jerusalém até os confins do mundo. A segunda questão é: Mas o Espírito Santo descerá sobre vocês, e dele receberão forças para serem minhas testemunhas [...] (At 1.8). O testemunho se dá no conflito com as autoridades que procuravam calar o testemunho de que Jesus Cristo, de Nazaré, aquele que vocês crucificaram e que Deus ressuscitou dos mortos, é pelo seu nome [...] e não existe outro nome dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos (At 4.10-12). Estão colocados frente a frente, de um lado, o projeto de Deus, que tem por base a ressurreição de Jesus de Nazaré e a presença do Espírito que motiva o caminho desse testemunho cristão, do outro lado, o projeto humano, presente e enraizado na sociedade e na religião, identificado pelo poder, pela repressão e violência. É essencialmente um período de conflitos
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e confrontos. Nem mesmo as comunidades domésticas estavam livres de queixas, atitudes de exclusão e preconceito (At 6.1-2). Mesmo assim, afirma o autor: a Palavra do Senhor se espalhava e o número dos discípulos crescia (At 6.7).
2 Exegese Estêvão é liderança cristã que se forma no contexto dos conflitos internos da comunidade cristã. Ele é escolhido, em conjunto com outros seis, como homens de boa fama, cheios de Espírito e sabedoria para atender as necessidades de uma parcela pobre e excluída na comunidade: as viúvas dos cristãos helenistas. Elas eram deixadas de lado no atendimento de suas necessidades diárias, diferente das viúvas de judeus cristãos. Não era descuido, mas um conflito envolvendo questões de pureza ritual. Os cristãos judeus tinham repugnância em aceitar às suas mesas as viúvas impuras, compartilhando com elas a fração do pão. Para atendê-las, foram instituídos sete diáconos a pedido dos doze apóstolos, que assim poderiam continuar exclusivamente na tarefa de anunciar a palavra de Deus. Dentre os sete estava Estêvão, cheio de graça e poder, que fazia grandes prodígios e sinais no meio do povo. Era inteligente e versado nas Escrituras. Estêvão era judeu-cristão helenista e fazia parte do grupo dos sete, que se identificava como um grupo carismático de pregadores itinerantes. A existência desse grupo, crítico à religião tradicional judaica, provocou a perseguição por parte dos religiosos judeus, que viam questionadas a sua identidade de fé e a tradição religiosa. Assim chegamos ao testemunho público de Estêvão diante do Sinédrio, sua condenação e seu martírio, narrados em Atos 6.8 – 8.1a. A oposição a Estêvão surge nas sinagogas de língua grega. Havia várias delas em Jerusalém. O conflito era com os “membros da sinagoga dos Libertos”, formada de estrangeiros convertidos ao judaísmo (cireneus, alexandrinos, da Cilícia e da Ásia). Não conseguindo lidar com Estêvão, subornam alguns indivíduos que testemunham contra ele, afirmando que blasfemava contra Moisés e contra Deus, contra o Templo e contra a Lei. Ouvimos que ele dizia que Jesus de Nazaré destruirá esse lugar e subverterá os costumes que Moisés nos transmitiu (At 6.14). Segue um longo discurso (At 7.1-53), no qual Estêvão se defende. Na sua defesa, acusa o povo de Israel liberto de resistir contra Moisés, pelo que Deus os condena (At 7.42b-43). Depois acusa Salomão de desobediência a Deus por construir o Templo e argumenta com as palavras de Deus em oposição ao Templo. O discurso de Estêvão exprime o modelo comunitário desejado por Lucas. Não há necessidade do Templo e nem das leis de pureza que dificultam a comunhão. Há uma defesa da comunidade helenista que se mostra mais fiel a Moisés e na condição de verdadeiros seguidores de Moisés. E isso provoca os conflitos com as autoridades das sinagogas, especialmente os sacerdotes. O texto de Atos 7.54-60 Acrescentei ao texto proposto o v. 54. Ele colabora para percebermos a situação de contradição que há entre os dois projetos (das autoridades da sinagoga
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dos Libertos e da comunidade dos Sete) que estão em jogo quanto à expectativa do Reino de Deus. Com Estêvão, o clima esquenta. Estêvão, repleto do Espírito Santo, afirma que a salvação vem por Jesus, o Filho do Homem. Não é a primeira vez que palavras que apontam para Jesus enfurecem os membros do sinédrio (At 5.33). Sua fúria e ranger dos dentes são uma reação aos argumentos usados por Estêvão ao proferir a sua pregação. A pregação de Estêvão provoca fúria e raiva nos sacerdotes, doutores da Lei e fariseus. Estão a serviço de um projeto de morte que manipula o nome de Deus. É ilegítimo, violento e excludente. Eles ficaram enfurecidos e rangeram os dentes (v. 54). Repleto do Espírito Santo, Estêvão olhou para o céu viu a glória de Deus e Jesus de pé à direita de Deus (v. 55). Se antes o Espírito Santo havia se manifestado em Pedro (At 4.8), agora ele estava com Estêvão, conferindo autoridade à sua palavra e ao seu testemunho. O dom do Espírito Santo capacita Estêvão a ver a glória de Deus. O autor do texto recorre a uma expressão semítica (Ez 9.3; 10.19), comum na experiencia visionária dos profetas, que os coloca diante da presença majestosa de Javé. Assim descreve Lucas a visão de Estêvão. Tudo o que o Sinédrio e a religiosidade judaica diziam representar e que lhes dava poder está com Estêvão e dá autoridade à sua pregação e ao seu testemunho em favor de Jesus, o Filho do Homem. E a visão do Filho do Homem em pé do lado direito de Deus é a confirmação e a defesa da veracidade do testemunho de Estêvão. Estou vendo os céus abertos e o Filho do Homem de pé a direita de Deus (v. 56). Pela terminologia, esse versículo é teologia própria de Lucas: theōrein – ver (usado 21 vezes); dianoigein – abertos (usado oito vezes) e o plural ouranoi – céus (como em 2.34). A visão que Estêvão contempla recorda Lucas 22.69, onde as palavras de Jesus são uma referência ao Filho do Homem (Dn 7.13) e desse estar sentado à minha direita (Sl 110.1). Há aqui o testemunho de uma cristologia antiga do Filho do Homem, com a qual Jesus se identificou durante sua vida. Estêvão testemunha essa tradição em sua fala profética e carismática: a visão dos céus abertos, do Filho do Homem de pé é anúncio de que o Reino de Deus está presente (At 1.6). Está presente onde a ação de Jesus é continuada. Juntamente com o Reino de Deus, o julgamento do Filho do Homem se realiza na história, pois dele depende a salvação de cada pessoa. Serão salvos aqueles que, como Jesus, fazem da própria vida dom para as outras pessoas. Estêvão vê Jesus ressuscitado, exaltado e numa posição de honra junto a Deus. É a visão profética, carismática que agride os ouvintes de Estêvão. Ela é vista como uma blasfêmia contra Deus. A reação contra Estêvão é narrada pelo texto como de raiva descontrolada e de extrema violência: [...] deram fortes gritos, taparam os ouvidos, avançaram todos juntos contra Estêvão [...] arrastaram-no para fora da cidade e começaram a apedrejá-lo (v. 57-58). A execução não poderia se dar dentro dos limites da cidade (Lv 24.11-13; Nm 15.35). O fato de o arrastarem para fora da cidade aponta para uma ação
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desautorizada, um linchamento. Não há nenhum julgamento ou veredito formal contra Estêvão. O apedrejamento era o castigo sofrido pelos profetas. Atiravam pedras em Estêvão, que orava: Senhor Jesus, recebe o meu espírito. Depois dobrou os joelhos e gritou forte: Senhor, não os condenes por este pecado. E, ao dizer isso, adormeceu (v. 59-60). Assim como Jesus entregou o seu espírito ao Pai (Lc 23.46), assim Estêvão entrega o seu espírito ao Senhor Jesus. A oração dirige-se a Jesus, o que mostra a confiança para recebê-lo. Impressiona como a execução de Estêvão se assemelha à execução de Jesus. Estêvão invoca: Senhor Jesus, recebe o meu espírito (v. 59). Depois dobra os joelhos e grita forte: Senhor, não os condenes por este pecado. E ao dizer isso adormeceu (v. 60). Suas últimas palavras são as palavras proferidas por Jesus (Lc 23.34,46). Antes da morte, Estêvão, a exemplo de Cristo, entrega o Espírito e pede o perdão para seus algozes. No martírio Estêvão vê Jesus, vê Deus. Isso lhe dá uma morte suave, adormecendo, sendo fiel até o fim de sua vida. Sua morte servirá de exemplo para tantas outras pessoas martirizadas, que foram testemunhas até os confins da terra. Especialmente para um jovem de nome Saulo (v. 58b; 8.1).
3 Meditação Em seguimento ao seu Mestre e Senhor, Estêvão foi testemunha, vitimado por violência e sofrimento até a morte pela verdade de uma causa, o Evangelho de Jesus de Nazaré. Vivenciou as palavras de Jesus: Bem aventurados são vocês quando os odiarem, os rejeitarem, os insultarem e os amaldiçoarem por causa do Filho do Homem (Lc 6.22). A morte de Estêvão, o primeiro mártir da fé cristã, se assemelha à morte de Jesus. Seguiu o seu Mestre. Foi fiel ao seu chamado e discipulado. A perseguição e o martírio tornaram-se uma característica dos discípulos de Jesus (Lc 21.12-18). Seus seguidores e suas seguidoras serão perseguidos, presos, torturados, julgados e até mortos por continuarem a ação de Jesus de Nazaré. Desde os tempos antigos, os cristãos conheceram o martírio. Lucas, o autor de Atos, justifica o testemunho segundo a promessa de Jesus: mas o Espírito Santo descerá sobre vocês, e dele receberão forças para serem minhas testemunhas [...] (At 1.8). O testemunho de Estêvão, cheio de graça, poder, conhecimento e carisma, é prova de que está cheio do Espírito Santo. Repleto do Espírito Santo, olhou e viu a glória de Deus, o céu aberto e o Filho do Homem de pé à direita de Deus. Diante da ameaça à sua vida, o Espírito expõe claramente a contradição com os seus oponentes. Estêvão vê a glória de Deus e seus opositores veem motivos para o ódio, a raiva e a violência. A presença do Espírito Santo de Deus não se identifica com a violência, a exclusão, a injustiça e a indiferença. Diante de qualquer uma dessas situações, o Espírito Santo age expondo os conflitos, sejam religiosos, sociais ou étnicos. O martírio é o testemunho com a própria vida do amor de Deus, que se estende às pessoas e não aceita as injustiças sociais e as opressões sofridas pelo povo de Deus. Ser cristão é, além de professar a fé em Cristo, lutar contra a injustiça social e religiosidades legalistas e excludentes.
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Destaco uma afirmação do padre Luiz Espinal: “O povo não tem vocação de mártir. Quando o povo cai em combate, ele o faz simplesmente [...] não é necessário dar a vida morrendo, mas trabalhando [...] se um dia lhes toca dar a vida, eles o farão com a simplicidade de quem cumpre mais uma tarefa e sem gestos melodramáticos”. O padre Luiz Espinal foi assassinado pouco depois de escrever essas linhas, no dia 21 de março de 1980, em La Paz, Bolívia. Nesses dias em que preparei este estudo, ocorreram os assassinatos do sertanista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, como um eco do trágico grito de socorro da floresta amazônica e de seus habitantes originais. Duas vidas em defesa de vidas coletivas, sob a fúria e o ranger de dentes de garimpeiros invasores, pescadores ilegais, narcotraficantes e missionários religiosos, inescrupulosos defensores de um deus da morte. A preservação da Terra Indígena Vale do Javari só poderia ser feita com a exposição para todo o mundo do drama humanitário e ambiental ali presentes. Ali se trava uma luta de vida ou morte, de preservação ou destruição, de respeito às culturas originárias ou idolatria ao deus mercado. Ambos foram vítimas do projeto de morte que persiste perigosamente. Também recebi nesses dias o livro “A audácia de servir. Irmã Doraci: vida e morte pela missão”, de Walter Altmann. A Irmã Doraci Julita Edinger, diaconisa da IECLB, foi assassinada em 21 de fevereiro de 2004 em Mampula, Moçambique. Ela relata a realidade de uma guerra civil e de suas consequências: Aqui por todos os lados que se olhe, se vê a marca da guerra [...] A pobreza é assustadora. As condições de moradia é algo desumano [...] Ou ver como as famílias foram destruídas. Como os filhos e as filhas, crianças e jovens, foram mortos ou levados para os campos de batalha. Ouvir como mulheres perderam os seus maridos e filhos perderam suas mães [...] Matar quem? Quem é o inimigo? Se somos primos, irmãos, amigos, se somos moçambicanos? A lei era matar ou [...].
Foi essa mesma lei, movida pela fúria e pelo ranger de dentes, que tirou sua vida por causa da idolatria ao dinheiro e da sede de poder que resultou em conflitos internos da Igreja Evangélica Luterana em Moçambique. Irmã Doraci escreve a respeito de seu ministério antes de ser assassinada em seu apartamento: Agradeço a Deus por nunca me defender, mas lutar para defender a causa de Jesus Cristo. Isso significa lutar por justiça. Fazer tudo pelo bem do próximo, falar sempre a verdade, mesmo que isso traga sofrimento. Ser honesta e responsável diante de Deus e das pessoas. A missão a mim confiada não sei para onde irei e vou. Só uma coisa sei, que a minha vida está nas mãos de Deus. Posso dizer que sempre ouvia na voz do vento Jesus me dizendo: Não tenhas medo, eu estou contigo. Nesta certeza quero segui-lo sempre, aquele que nunca me deixa só, Jesus Cristo.
Concluindo: é inaceitável e imperdoável aos poderosos que o Espírito Santo questione e se manifeste contra os ídolos que enchem a cabeça das pessoas. E são muitos os nossos ídolos que usurpam o lugar do Deus da vida e do Senhor Jesus. Os adoradores desses ídolos se enchem de raiva, violência, fúria e ranger de
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dentes quando os profetas cheios do Espírito ousam expor a verdade da realidade, ao analisar suas causas e propor as melhores soluções.
Bibliografia COMBLIN, José. Atos dos Apóstolos. Petrópolis: Vozes; São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista; São Leopoldo: Sinodal, 1987. (Comentário Bíblico NT). FITZMYER, Joseph A. Los Hechos de Los Apóstoles I. Salamanca: Sígueme, 2003.
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PRÉDICA: JOÃO 14.15-21 ATOS 17.22-31 1 PEDRO 3.13-22
6º DOMINGO DA PÁSCOA
14 MAIO 2023
Luís Henrique Sievers
Quem ama será amado
1 Introdução O texto da prédica está inserido numa longa fala de Jesus aos seus discípulos com tom de despedida. Esse contexto é teologicamente denso. Entrelaça-se com o texto da prédica. Há conexões esclarecedoras, que enriquecem sua compreensão. O discurso começa no capítulo 13.1, com o lava-pés, e termina em 17.26, com uma oração (“oração sacerdotal”). Jesus ora não apenas pelos seus seguidores de primeira hora, mas pelas pessoas que vão crer em mim por meio da mensagem deles (17.20). Na sua despedida, ele faz uma promessa consoladora: Eu pedirei ao Pai, e ele lhes dará outro Auxiliador para ficar com vocês para sempre (Jo 14.16). As leituras bíblicas relacionam-se com o texto da prédica. Auxiliam em sua compreensão. Atos 17.22-31 relata o discurso de Paulo na reunião da Câmara Municipal de Atenas. A mensagem do Evangelho está seguindo o seu curso. Sua proclamação tem levado mais pessoas à fé em Jesus Cristo, confirmando a presença e a ação do Espírito Santo prometido por Jesus. O texto de Atos também revela uma metodologia: o respeito e a consideração de Paulo pela religiosidade dos seus ouvintes. Ele dialoga com ela. Não atropela, mas encontra uma “brecha” (o altar ao Deus Desconhecido) para dar o seu próprio testemunho. 1 Pedro 3.13-22 faz referência aos riscos que os seguidores e as seguidoras de Jesus correm no anúncio da sua mensagem: Como vocês serão felizes se tiverem de sofrer por fazerem o que é certo! (v. 14). A perseguição e a ameaça de morte, porém, não são motivos para abandonar a educação e o respeito: Tenham sempre a consciência limpa. Assim, quando vocês forem insultados, os que falarem mal da boa conduta de vocês como seguidores de Cristo ficarão envergonhados (v. 16).
2 Exegese A tradução da Bíblia Almeida Revista e Atualizada (ARA) coloca o versículo 15 no final do bloco anterior. A Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH), por sua vez, posiciona-o no início do conjunto de versículos da prédica. O presente estudo segue a versão da NTLH. V. 15 – “Se” é uma conjunção condicionante para que algo se realize. Nesse caso, o amor a Jesus é a condicionante para que os seus mandamentos sejam realmente guardados. Também a obediência aos Dez Mandamentos tem como
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condicionante o amor: Portanto, amem o Senhor, nosso Deus, com todo o coração, com toda a alma e com todas as forças (Dt 6.5). Jesus, portanto, é consequente: A pessoa que não me ama não obedece à minha mensagem (v. 24). Sem amor, não há obediência e seguimento, no sentido prático do verbo guardar. V. 16 – Jesus vai pedir ao Pai por “outro Auxiliador”, “outro Consolador”, “outro Defensor”. Esses são títulos possíveis contidos no significado da palavra grega paraklētos. Os discípulos conhecerão o Espírito Santo e terão a sua companhia para sempre, bem como a de Jesus e a do Pai, através do amor correspondido: E meu Pai e eu viremos viver com ela (v. 23). As funções do Espírito Santo também são definidas por Jesus no seu discurso de despedida: ensinará e fará lembrar (14.26), falará de Jesus (15.26), convencerá as pessoas (16.8). No contexto joanino, “o Espírito da verdade” é uma referência a Jesus: A Palavra se tornou um ser humano e morou entre nós, cheia de amor e de verdade (1.14). O paraklētos tem a missão de apontar para o caminho, a verdade e a vida (14.6). V. 17 – Nem todos podem receber esse Espírito. Apenas os poucos que creram e receberam a Palavra (1.12). A falta de fé e de amor em Jesus cria uma espécie de cegueira, barreira, que impede o reconhecimento da presença do Espírito. Contudo, é a presença dessa mesma fé e desse mesmo amor que faz com que o Pai e o Filho venham viver com a pessoa crente (v. 23) e fará com que o Espírito seja conhecido e habite no interior dos discípulos. V. 18 – Jesus não quer que seus discípulos entendam sua despedida como abandono e privação da sua presença (grego: orfanos – órfãos). Não se trata de um estado de orfandade, mas de um tempo de espera pelo seu retorno, um “até logo”: “Voltarei para ficar com vocês”. Encontramos no v. 29, do mesmo capítulo, a motivação para antecipar sua despedida: Digo isso agora, antes que essas coisas aconteçam, para que quando acontecerem, vocês creiam. V. 19 – As palavras iniciais deste versículo se repetem, quase literalmente, em 16.16. O contexto é de dúvida e cochichos entre os discípulos: O que será que ele quer dizer? (16.17). Em resposta, Jesus comparou a situação dos discípulos com a de uma mulher grávida, triste por ter chegado a hora do parto, mas muito alegre após o nascimento da criança. Ele segue dizendo que assim acontece também com vocês: agora estão tristes, mas eu os verei novamente. Aí vocês ficarão cheios de alegria [...] (16.21-22). Essa alegria é a visão do ressuscitado e a promessa contida nela: porque eu vivo, vocês também viverão. V. 20 – Quando chegar aquele dia, naquele dia ou naquele tempo, conforme a tradição profética, faz referência ao momento em que Deus intervém na história e promove a realização das suas promessas. Um tempo determinado apenas por ele. A sequência do versículo aponta para o período após a ressurreição. A promessa de vida, expressa no verso anterior, está vinculada à união, estar em: Jesus no Pai, os discípulos em Jesus e, ele, por sua vez, nos discípulos. A figura da
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videira, no capítulo seguinte, serve como exemplo: Eu sou a videira verdadeira, e o meu pai é o lavrador [...] e vocês são os ramos (15.1 e 5). V. 21 – Nosso texto começa se dirigindo aos discípulos (Se vocês me amam...) e termina com uma ampliação: A pessoa que me ama... Aqui já aparecem as pessoas que vão crer em Jesus por meio da mensagem dos discípulos, segundo a “oração sacerdotal” (17.20). Para ambos os grupos vale o mesmo critério: amar a Jesus para guardar seus mandamentos e guardar seus mandamentos como sinal de amor a ele. São duas coisas interdependentes e vinculadas. Esse amor será correspondido. A pessoa que vir a crer, assim como os discípulos da primeira hora, será amada pelo Pai e por Jesus, que se dará a conhecer nessa relação.
3 Meditação Não fiquem aflitos. Creiam em Deus e creiam também em mim. Com essas palavras de Jesus começa o capítulo dentro do qual se encontra nosso texto de prédica. Comentando João 14.1, Lutero escreve: “Ele profere este sermão a fim de consolá-los e fortalecê-los duplamente: contra a tristeza presente, causada pela sua partida, e contra o sofrimento futuro, que lhes sobreviria” (Lutero, 2010, p. 45). A promessa de outro Auxiliador, o Espírito Santo, revela os cuidados de Jesus para com os seus seguidores no presente e no futuro. As aparições de Jesus ressurreto realizaram a promessa do v. 19: daqui a pouco o mundo não me verá mais, mas vocês me verão. A prisão e a morte de Jesus não representaram o fim. Para a alegria dos discípulos, Jesus ressurreto foi avistado e tocado. No Evangelho de João, ele aparece a Maria Madalena: Vi o Senhor! (20.18). Jesus aparece aos discípulos: E eles ficaram muito alegres ao verem o Senhor (20.20). Também foi o momento de soprar sobre eles o Espírito Santo (v. 22). Após tocar nas feridas de Jesus, Tomé exclamou: Meu Senhor e meu Deus! (v. 28). Jesus ainda aparece a mais sete discípulos, no início do capítulo 21. Com essas aparições não havia, portanto, razões para os discípulos se sentirem órfãos. Jesus coloca a sua morte numa outra perspectiva: não de um fim, mas de um novo começo, um novo período da caminhada de seus seguidores e suas seguidoras, da igreja, até a sua segunda vinda, com a plenitude do Reino de Deus. A marca desse período é a prática dos mandamentos de Jesus como sinal do amor a ele. O Espírito Santo estará presente e viverá em cada pessoa que o ama e guarda seus mandamentos: Quem está unido comigo e eu com ele, esse dá muito fruto porque sem mim vocês não podem fazer nada (15.5). Marcos (16.19-20) e Lucas (24.50-53) relatam a ascensão de Jesus. Mateus e João não. Mas, de alguma forma, também para a comunidade joanina a alegria das aparições de Jesus teve um fim. Passou o período de ver e tocar o Senhor. Por isso, felizes são os que não viram, mas assim mesmo creram! (20.29). Essa é a obra do paraklētos, que ensina as coisas a respeito de Jesus e faz os discípulos lembrarem de tudo, de geração em geração, convencendo e levando outras pessoas à fé. Esse movimento é possível perceber nas palavras do apóstolo Paulo: Porque recebi do Senhor este ensinamento que passei para vocês (1Co 11.23).
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Quem não viu, quem não foi testemunha ocular, mas mesmo assim chegou à fé em Jesus Cristo, pelo testemunho dos apóstolos e a pregação da palavra, cheia de amor e de verdade, tem a promessa da presença do Pai e do Filho: A pessoa que aceita e obedece aos meus mandamentos, prova que me ama. E a pessoa que me ama será amada pelo meu Pai, e eu também a amarei e lhes mostrarei quem sou [...] E o meu Pai e eu viremos viver com ela (14.21 e 23). Essa pessoa se encontra sob as mesmas condições dos discípulos da primeira hora, que viram e tocaram em Jesus. Também para ela, ele se mostrará, se revelará. Os olhos da fé são diferentes. Eles são abertos por vários modos. Talvez o primeiro e mais importante seja aquele referido pelo apóstolo Paulo: Portanto, a fé vem por ouvir a mensagem, e a mensagem vem por meio da pregação a respeito de Cristo (Rm 10.17). Lutero destaca os sacramentos do Batismo e da Santa Ceia como atualização da mensagem de Jesus e veículos da graça de Deus. E, não por último, a prática do mandamento do amor tem a capacidade de abrir os olhos da fé: Se tiverem amor uns pelos outros, todos saberão que vocês são meus discípulos (13.35).
4 Imagens para a prédica O capítulo subsequente ao texto da prédica fornece uma imagem, utilizada pelo próprio Jesus, para exemplificar a unidade no amor. Trata-se do lavrador, da videira, dos ramos e dos frutos (15.1-10). Caso a ênfase seja a despedida, no sentido de um “até logo!”, um sofrimento passageiro, a imagem sugerida pelo próprio contexto é o da mulher grávida (16.21-22). A alegria do nascimento da criança faz esquecer todo o sofrimento. A promessa de retorno de Jesus faz aguentar os sofrimentos do presente. E essa alegria ninguém pode tirar.
5 Subsídios litúrgicos Oração do dia: Deus de amor, ensina-nos a amar para que sejamos reconhecidos como discípulos e discípulas de teu filho Jesus Cristo. Sopra sobre nós o Espírito Santo, para que possamos guardar seus mandamentos. Dá-nos forças para um testemunho de vida coerente, em palavras e ações. A tua Palavra seja como semente que cai em terra fértil e produza frutos em nossa vida. Fica com todos nós, juntamente com Jesus e o Espírito Santo. Faz em nós morada. Assim te pedimos, por Jesus Cristo, nosso Senhor. Amém Cantos: LCI 508: Amor que nos salva; LCI 588: Quem quer cantar do amor; LCI 572: No Espírito, unidos; LCI 568: Nem só palavra é o amor; LCI 461: Espírito, verdade.
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Bibliografia LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia; Canoas: Ulbra, 2010. v. 11. NOVO TESTAMENTO INTERLINEAR GREGO-PORTUGUÊS. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2004. O NOVO COMENTÁRIO DA BÍBLIA. 3. ed. São Paulo: Vida Nova, 1997.
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ASCENSÃO DO SENHOR
18 MAIO 2023
PRÉDICA: EFÉSIOS 1.15-23 1 REIS 8.22-24, 26-28 LUCAS 24.44-53
Hans A. Trein
Na igreja, Corpo de Cristo, a fé só pode ser comunitária
1 Introdução Como pode sobreviver um grupo minoritário com uma proposta social, política e econômica revolucionária dentro de um império estruturado para a dominação e o consumo de vidas? Compreendendo-se como parte de algo muito maior, cósmico! É isso que a ascensão de Jesus Cristo significa. Jesus, Messias judaico, passou a ser Cristo de toda a humanidade. Deus o ressuscitou, fazendo-o sentar-se à sua destra nos lugares celestiais; o céu não é um lugar geográfico, é todo lugar, onde a igreja é verdadeiramente Corpo do Cristo ressurreto, acima de todo o poder, notadamente do poder imperial, cobrindo presente e futuro. Para enfrentar o problema da individualização e intimização da fé, em nossos dias, os textos de leitura afirmam a comunidade, o povo, a nação, a consciência da grandeza indisponível de Deus, razão pela qual não pode ser contido pela igreja visível. Cristo é cósmico! Onde existe amor, ali Deus está. O amor de Cristo potencialmente preenche, completa a igreja – é isso que Jesus Cristo já conquistou. Mas a igreja visível precisa crescer em direção a essa plenitude de Cristo.
2 Exegese Quero incentivá-los a ler o texto no original grego, pois o efeito do estranhamento pode ser benéfico para a humildade que nos é exigida para sua interpretação e a atualização. A Epístola aos Efésios já foi considerada a Constituição da igreja. Ao que tudo indica não é da mão de Paulo, nem de um secretário seu. Paulo conhecia bem a comunidade de Efésios, viveu temporadas lá; portanto é estranho que ele tenha ouvido falar (v. 15) da fé e do amor dos efésios. O estilo é solene e impessoal, quase um tratado; faltam questões específicas, interpelações; talvez nem mereça o nome de epístola, pois não menciona autor e destinatários específicos, não contém as fórmulas iniciais e finais típicas das mãos de Paulo. Possivelmente tenha sido escrita por um discípulo tardio para uma comunidade estabelecida, talvez Laodiceia, vizinha de Colossos, em vista de várias formulações idênticas/semelhantes nas duas cartas. Deve ser datada ao redor do ano 90. Os cristãos da Epístola aos Efésios já não são mais os marginalizados dos evangelhos, nem os pobres e os miseráveis, numerosos nas comunidades paulinas. O fermento revolucionário dos evangelhos esvaneceu-se; aceita-se o
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patriarcalismo da família romana, com a dependência da mulher, dos filhos e dos escravos. A concepção de igreja em Efésios é única no NT. Compreende-se como grandeza mística mais ampla (kat’ holēn tēn gēn), “global”, que administra a plenitude de Cristo na economia da salvação. A ekklēsia é una e é corpo que media fisicamente a pertença a Cristo. O pertencimento pessoal a essa igreja, via batismo, é caminho para a salvação: resultou em extra ecclesiam, nulla salus. Nela, transparecem pretensões de hegemonia, aspirações de cristandade, através da integração das nações (gentílicas); essas perdem sua identidade, adquirindo a nova identidade, formando o Corpo de Cristo. A fase é de consolidação. Por essas semelhanças contextuais, Efésios fala a nossas igrejas. Os santos (v. 15) deve ser entendido pelo hebraico antigo (qadosh) como separados. São as pessoas separadas por Deus para uma missão especial. A metáfora bíblica que mais bem explicita essa condição é a do pedaço de massa de pão que é separada para, depois de fermentada, cumprir a função de levedar toda a massa restante. Até hoje, agricultores têm ferramentas para executar ações especiais: a faca para matar porco era só para isso. Na minha casa, a tesoura para cortar tecido não podia ser utilizada para outra coisa! Portanto a palavra santo precisa ser desconstruída de seu significado moralizante e receber o significado de pessoas escolhidas para uma tarefa especial. O que vem a ser o αἰών – éon (hebraico – olam, )םלועpresente e vindouro (v. 21b)? Essa questão mereceria um estudo à parte. Aqui só algumas pinceladas. Aqui fala em éon presente e vindouro. Os aiones devem ser compreendidos como tempos de mundo completos em si mesmos. A sucessão infinita desses tempos de mundo constitui o que se entendia por eternidade. Uma possibilidade de compreensão é relativa à qualidade desses tempos. De um para o outro, está implícito um salto de qualidade. Poderiam referir-se às sucessivas formações sociais: tribalismo, monarquia, (escravagismo), feudalismo, capitalismo. Ou também aos períodos imperiais: Egito, assírios, persas, gregos, tomanos... com suas especificidades econômicas, políticas, sociais e religiosas. “Em lugar de αἰών, também se pode dizer καιρός [...] ou também κόσμος [...]; é o caso especialmente dos escritos joaninos (Kittel; Friedrich, 1933, v. 1, p. 206/15ss). Concepções de espaço e tempo se confundem. Quando Jesus diz que o seu Reino não é deste mundo (Jo 18), isso pode significar que o seu Reino não se insere na sucessão de tempos até então conhecidos de formação social e política. O αἰών vindouro é de outra qualidade! Seja como for, o éon presente é o espaço de tempo que se está vivendo e que está findando; o éon vindouro é um novo espaço de tempo. É algo ainda inimaginável, utópico, que a gente só pode ilustrar por metáforas ou parábolas: com uma figura retirada da história como “Reino de Deus”, com uma figura espacial retratada com “novos céus e nova terra”, na categoria de tempo, como “novo tempo de mundo”, talvez como tempo escatológico. O verbete αἰών, no Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament (ThWNT) (Kittel; Friedrich, 1933, v. 1, p. 207/40-50), o descreve assim: Na visão dos dois aiones, a visão do NT coincide essencialmente com a apocalíptica do primeiro século. Só que o esquema das concepções escatológicas está rompi-
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do pelo fato de que o αἰών vindouro não está mais localizado no futuro. As pessoas de fé já estão redimidas agora do atual αἰών mau (Gl 1.4) e provaram das forças do αἰών futuro (Hb 6.5). Se é assim que, segundo a doutrina da escatologia judaica e cristã primitiva, a ressurreição dos mortos significa a mudança dos aiones, o início da nova, eterna criação, então, o novo αἰών começou com a ressurreição de Cristo, à medida que ela é o início da ressurreição geral (1 Co 15.20,23), mesmo que ainda esteja oculto aos olhos dos seres humanos (tradução própria).
Nos v. 20-23 está explicitado o lugar que Cristo ocupa: acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio de todo nome que se possa proferir... Essa afirmação reflete uma explícita noção política: Cristo está “já agora” acima (ideia da ascensão) de estruturas, pessoas, entidades que dominam no presente e também está acima delas no “ainda não”, no éon vindouro. Supera em muito a forma como autoridades políticas e espirituais governam o mundo. Entretanto, o texto ainda fala em autoridade, poder, domínio, força... sujeitar todas as coisas debaixo de seus pés (isso se faz com inimigos); são tudo atitudes imperiais evidentes (antropomorfismos necessários para a comunicação?). Talvez tenha tido a clara intenção de confrontar o Império Romano, mas vai se contaminando do contrário que Jesus propunha a seus discípulos em vida: quem quiser ser o primeiro entre vós, seja o que sirva a todos (Mc 10.43). O Mestre lava os pés dos discípulos; e o discípulo não está acima do seu Mestre! Contaminação semelhante à de hoje? Πλήρωμα “abunda” em significados: plenitude, abundância, completude, integralidade, preenchimento, perfeição. As outras referências à plenitude em Efésios elucidam melhor o que ela significa: Efésios 3.19: Conhecer o amor de Cristo, estar alicerçado e arraigado em seu amor, para ser preenchido inteiramente, ser totalmente tomado de toda a plenitude de Deus. Efésios 4.13: tornar-se adulto na fé é alcançar o status da plenitude de Cristo, seguir a verdade em amor e crescer em tudo naquele que é o cabeça, Cristo (4.15) (Wegner, 2010, p. 184). Se em Cl 1.18 o πλήρωμα está em Cristo, em Ef está na Igreja. O acento mudou. Na Igreja (Invisível, segundo a Reforma) reside a mesma abundância da força divina que já estava em Cristo, o poder que realizou sua ressurreição. A quase identidade de Cristo com a Igreja já transparece na passagem do v. 19 para o v. 20. A Igreja, Corpo de Cristo, “é a plenitude daquele que plenifica tudo em todas as coisas” (tradução da Bíblia Pastoral para o v. 23); a BLH traduz: “Pois a Igreja é o corpo de Cristo; é nela que Cristo está completamente presente, ele que completa todas as coisas em todos os lugares”; Almeida Revisada e Atualizada traduz: “a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas”. Toda a plenitude que estava em Jesus Cristo – O portador histórico da plenitude divina – passou para o seu corpo, a Igreja. Pois, toda a plenitude dos bens que Deus envia para o mundo passam pela mediação da Igreja (1.23) (Comblin, 1987, p. 37).
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“A Igreja é o corpo, cuja cabeça é nada menos do que a suprema autoridade do universo. Cada membro da Igreja se sente dignificado pelo fato de estar sob uma cabeça tão forte” (Comblin, 1987, p. 38). Contudo, é problemático quando a igreja visível se apodera dessa delegação. Não é de admirar que, de posse dessa concepção de Deus e Cristo, os continentes do Sul global tenham sido colonizados e missionados pela igreja, assim empoderada, da forma trágica que foram! Além disso, em anos mais recentes, a concepção de Todo-Poderoso tem conduzido a equívocos de mortíferas consequências. Por essas semelhanças contextuais, Efésios fala a nossas igrejas.
3 Meditação Um pressuposto para entender esse texto: Jesus Cristo não ressuscita apenas pessoalmente. A ekklēsia das pessoas batizadas “na morte e ressurreição de Cristo” são o Corpo do Cristo ressurreto neste mundo, nem mais, nem menos! Hoje se diria: “Jesus Cristo, presente!”. Que responsabilidade, que compromisso! Ninguém deve ser obrigado, tampouco constrangido a participar desse corpo. Mas ai daquelas pessoas que metem a mão no arado e olham para trás ou que fazem tropeçar ou iludem um dos pequeninos irmãos de Jesus! Os textos deste domingo enfatizam a comunidade, o povo, a nação. Em 1 Reis 8.22, Salomão está diante do altar na presença de toda a congregação de Israel. Em sua oração, frisa a indisponibilidade de Deus que não pode ser contido por um templo construído por mãos humanas – hoje seria a igreja com “i” minúsculo, instituição humana. Em Lucas se fala até de nações. Não há nenhuma ênfase no indivíduo e seus pecados, muito antes: [...] que em seu nome se pregasse arrependimento para a remissão de pecados a todas as nações [...] (Lc 24.47). Indivíduos podem iludir-se com idolatria. Numa comunidade isso já é bem mais difícil. Com o advento da modernidade, com a industrialização, a urbanização, a intensificação do consumo de bens, tudo acompanhado pela respectiva construção jurídica, sub-reptícia e silenciosamente entrou no cristianismo a fé individual e a ideia de que a salvação é uma questão individual. A fé cristã foi perdendo sua dimensão comunitária, sua dimensão de corpo. Com isso entregou também a dimensão política e social que a fé cristã implica. Em nossa igreja, que, em grande parte, ainda se concebe como uma associação de serviços religiosos, temos exatamente essa postura ainda amplamente disseminada de indivíduos/famílias associadas, consumidoras dos antropológicos ritos de passagem. Até onde esse processo de individualização pode chegar fica evidente nas empresas mercantis neopentecostais, que oferecem muito mais do que apenas ritos de passagem: você entra, consome, paga e sai; se gostou ou se valeu o “produto” adquirido, você volta. Caso contrário, existem outras empresas se oferecendo no mercado. O Brasil virou um grande shopping center religioso a céu aberto. As pessoas não são mais membros; na melhor hipótese, são clientes fidelizados. Em troca de dízimo, recebem acesso a bens religiosos, e se as promessas compradas não funcionam, é culpa de sua fé que é fraca. A teologia da prosperidade
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aí veiculada casa perfeitamente com o discurso de sucesso e a ideologia da classe dominante. E não é acaso que aparecem as mesmas adjetivações do mundo econômico: as igrejas históricas são pesadas em suas estruturas, pouco ágeis em sua governança democrática (como o Estado) diante das necessidades candentes da atualidade, ao passo que as empresas neopentecostais – a gestão empresarial é uma construção essencial do capitalismo – são leves e eficientes, focadas nas demandas da clientela. Como compreender esse fenômeno da individualização? Busquei inspiração em Marilena Chauí, filósofa e professora da USP, que em sua fala e em seu PDF sobre “O que é ideologia” pode nos ajudar a como se deu esse processo de individualização. a) Dentro da lógica das ideias da classe dominante, desde a passagem para o capitalismo, somos todos indivíduos livres e iguais, membros de uma mesma nação e cidadãos do mesmo Estado, participando de uma história única e contínua, chamada progresso. Não há classes sociais, nem história que as tenha formado. Os indivíduos se relacionam uns com os outros por uma decisão voluntária, por meio de contratos legais e lícitos. b) A ideologia dominante – que cada vez mais pessoas confundem com fé – consiste em admitir que de fato temos divisões sociais, mas que de direito somos uma sociedade una, indivisa, homogênea, harmoniosa. O fato de haver divisões e desigualdades se deve aos indivíduos: maus sujeitos sociais, facções, maus governantes, rebeldes, bandidos, maus patrões, preguiçosos, migrantes, maus trabalhadores, pobres ignorantes, mau uso da sexualidade... A causa é moral, refere-se ao mau comportamento de indivíduos e neles deve ser corrigido. c) A ideologia dominante centrada nos indivíduos é a operação clássica para ocultar os verdadeiros interesses da classe econômica e politicamente dominante, fazendo com que ela apareça para todos os segmentos sociais como única e universal. Além disso, o ídolo mercado precisa de indivíduos, consumidores, preferencialmente isolados. Quanto mais nucleares forem as famílias (de preferência cada um morando sozinho), mais geladeiras e fogões se podem vender. Os algoritmos mercantis aumentam a eficiência comercial, pois estão talhados para o indivíduo consumidor. O capitalismo não se dá bem com grupos, muito menos pensantes. Tem ojeriza a sindicatos e comunidades civis organizados que possam desvelar o que a ideologia procura esconder. Por isso as igrejas cristãs também são visadas, pois, inspiradas em seu Cabeça, podem desmascarar os projetos de morte dentro da sociedade. São pressionadas a se conduzir dentro da ideologia dominante, a não ser “santas no sentido de separadas para a sua tarefa especial”. Sua cooptação, dentro do capitalismo, é uma tentação autodestrutiva constante: pois o acento no indivíduo e em seu bem-estar espiritual, ou sua salvação, é um sinal de alerta, de que está se desistindo da essência da igreja como Corpo de Cristo. Não custa lembrar que há uma crítica recorrente de que esse processo já começou com a Reforma. Obviamente a fé tem uma dimensão pessoal. Mas não individual! A fé não é uma questão entre o indivíduo isolado e “seu” Deus, mas sim entre a pessoa vin-
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culada ao Corpo de Cristo e Deus. Uma fé que permanece no nível individual não é fé em Jesus Cristo. É idolatria! É o deus privatizado para experimentar o bem-estar espiritual; fazê-lo “em nome de Jesus Cristo” em nada muda isso! O centro da fé cristã são as massas empobrecidas. Formulações discursivas e hinológicas de “meu Deus” ou “meu Jesus” sinalizam que a ideologia individualizante já tomou conta, e a gente vai resvalando, lenta e imperceptivelmente, para dentro da ideologia dominante. Ao contrário, no Evangelho é “Pai nosso” e “pão nosso”! Pessoas interessadas apenas em seu bem-estar (além de econômico e social) espiritual individual estão se colocando praticamente fora do Corpo de Cristo. Além do mais, o indivíduo fica sem ação diante das maiorias empobrecidas, dos problemas de segurança, das crises climáticas, frutos de injustiça e opressão. Mas o Corpo de Cristo pode agir. Portanto, vamos prestar atenção se já não se inseriu entre nós, sub-repticiamente, a ideologia individualizante que quer ocultar a realidade e criar entre nós “um condomínio espiritual com cercas elétricas”, nas quais a gente se sente seguro. Falsa segurança! Ser igreja para os outros e não associação para si mesmos, amar, ser solidários, ajudar, defender, resistir... só podemos com o corpo, com as mãos e os pés, executando tarefas que nos são dadas pela Cabeça. A igreja como Corpo de Cristo executa no mundo o que seu Cabeça determina. E o que é isso, senão imitá-lo em suas posturas, durante sua vida no mundo: defesa das pessoas vulneráveis, perdão e cura de doentes, luta contra a injustiça, combate – até mesmo com chicote – da mercantilização da religião, empenho pela justiça econômica e para que todos tenham vida em abundância. E na governança: servir em lugar de buscar o poder. Pois Seu Reino não é como os reinos deste mundo. Quem quiser ser o primeiro, seja servo de todas as pessoas. A igreja tem o potencial de ser portadora plena do amor de Cristo. A igreja visível tem de ser permanentemente lembrada disso, pois constantemente cai em tentação.
4 Imagens para a prédica • A ascensão de Jesus Cristo não o elevou a um local geográfico imaginário, fora da terra, mas o promoveu de Messias de Israel a Messias da humanidade com presença ilimitada. • Jesus Cristo ressuscitou na igreja, inaugurando um novo éon. A igreja recebeu a plenitude de Cristo. A igreja é corpo, conjunto de membros, ação comum. Celebração é apenas um elemento de sua vida. Sua tarefa é imitar Jesus no servir. Nisso residem sua herança, seu poder e sua glória. • A propaganda nos imprime diariamente que somos indivíduos isolados, como se membros pudessem viver à parte do Corpo. Na crise climática, ou nos salvamos em conjunto ou perecemos em conjunto. Não há salvação individual. Essa pode ser uma imagem eloquente. • Em nossa identidade cristã, estamos no mundo, mas não somos do mundo. Se quisermos ser santos, fermento na massa, tenhamos consciência de que Deus nos separou para uma tarefa especial. Ser Cristo para as pessoas mais necessitadas.
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5 Subsídios litúrgicos Hino inicial: Jesus, Pastor Amado (LCI 576) Confissão de pecados: pecados da comunidade, ajuntamento de indivíduos interessados apenas em seu bem-estar espiritual, igreja apenas celebrativa, apartada da vida cotidiana... Evitar formulações como “perdoa se, às vezes... ou “nem sempre correspondemos...”. Oração de coleta: Deus Todo-Amoroso, que através da ascensão de Jesus Cristo agraciaste toda a humanidade com o potencial da salvação e do compromisso com a justiça, nós te pedimos: ilumina os olhos do nosso coração, para que vejamos em que consiste a esperança da nossa escolha e quão grande tesouro de glória reside em sermos herdeiros dos santos, para que sejamos cada vez mais uma comunidade atuante em favor da justiça e da paz e assim proclamemos incessantemente a tua glória. É o que te pedimos, por Jesus Cristo, teu Filho, que contigo e com o Espírito Santo vive e reina de eternidade a eternidade. Amém Hino da pregação: Da Igreja é Fundamento (LCI 573) Oração de intercessão: Deus misericordioso, agradecemos por tua Palavra, pelas advertências, pela esperança. Pedimos que tua Palavra se espalhe por nosso país e por toda a terra, principalmente em ação solidária para os necessitados. Pedimos que o governo de nosso país se coloque a serviço dos segmentos mais vulneráveis da nossa sociedade, que trabalhe pela justiça social e pela paz. Pedimos por todas as pessoas que sofrem por doença, por necessidades e por perdas; dá-lhes tu mesmo a certeza de que nada escapa ao seu olhar amoroso e solidário. Pedimos também por nós: que não sejamos pessoas cristãs mudas e tranquilas, enquanto o mundo se arrebenta; que enxerguemos nossa fé comprometida com a vida, assim como foi a de Jesus; que nos unamos aos protestos contra as injustiças sociais e sejamos libertos de toda a indiferença e do medo de nos manifestar sem rodeios ou covardias. Dá-nos a percepção de que a plenitude de Cristo está disponível para a igreja, e que servir a todas as criaturas em amor é a medida de Jesus Cristo.
Bibliografia CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. Disponível em: <https://youtu.be/ q7I9V6aO06A>, em especial os minutos 3ss e 22ss. Acesso em: 23 maio 2022. Veja também o texto em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile. php/388158/mod_resource/content/1/Texto%2014%20-%20O%20que%20 %C3%A9%20ideologia%20-%20M.%20Chau%C3%AD.pdf> . São Paulo: Brasiliense, 2008. Acesso em: 30 maio 2022. COMBLIN, José. Epistola de Efésios. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Imprensa Metodista; São Leopoldo: Sinodal, 1987. 111 p. (Comentário Bíblico ao NT).
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KITTEL, G.; FRIEDRICH, G. (eds.). Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament (ThWNT). Stuttgart: Kohlhammer, 1933/1959. v. 1, p. 197-207; v. 6, p. 297-304. WEGNER, Uwe. Ascensão do Senhor. Auxílio homilético para Efésios 1.15-23. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2016. v. 41, p. 181-190.
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7º DOMINGO DA PÁSCOA
21 MAIO 2023
PRÉDICA: JOÃO 17.1-11 SALMO 68.1-10, 32-35 1 PEDRO 4.12-14; 5.6-11
Werner Wiese
Uma oração conecta tempo e eternidade
1 Introdução No ministério de Jesus, oração ou orar foi assunto central. Por exemplo: Jesus deu orientações claras sobre o orar e como orar (Mt 6.5-8); incentivou a orar (Lc 11.5-13; 18.1-8) e inclusive o que orar (Mt 6.9-15), dando, dessa forma, diretrizes essenciais para a oração. Aliás, o próprio Jesus orou e orou em circunstâncias distintas umas das outras (Mt 11.25-27 [cf. Lc 10.20-21]; Mt 14.23; Mc 1.35; 6.46; Lc 3.21; 5.16; 6.12; 9.18, 28; 22.39ss; Jo 11.41-43; 17.1ss). No entanto, a maioria desses textos silencia sobre o conteúdo das orações de Jesus. Exceções são: a oração dominical, momento em que Jesus ensinou a orar; à vista de incontestável incredulidade de pessoas que tinham ouvido as suas palavras (Mt 11.25-27); por ocasião da ressurreição de Lázaro; em Jo 17; no Getsêmani, antes de ser preso e condenado; e na cruz antes de morrer. O capítulo inteiro de João 17, do qual foi selecionado o texto para a pregação no 7º Domingo da Páscoa, é uma oração. É a mais longa de todas as orações de Jesus registradas no Novo Testamento. A delimitação do texto para a pregação não é óbvia. Seria possível fazer ainda delimitações diferentes que, inclusive, poderiam ser utilizadas para outros momentos no calendário litúrgico da comunidade de fé em Jesus Cristo. No que se refere aos três textos previstos para leitura no culto, é possível relacioná-los entre si a partir de duas questões centrais: a vinculação de Deus com seu povo e o povo de Deus que vive em meio a perigos. No texto de João 17.1-11, Jesus se dirige a Deus – seu Pai celeste – e pede que esse o glorifique com a glória que (o Filho) tinha antes de o mundo ter existido. Além disso, Jesus pede nessa oração pelos seus discípulos e pelas pessoas que Deus lhe deu e ainda dará através do testemunho dos discípulos. O Salmo 68 é uma oração composta de um misto de confissão e louvor a Deus e conclamação para que se reconheça quem Deus é: Pai dos órfãos e juiz das viúvas... Faz que o solitário more (habite) em família... tira (livra) os cativos. Nesse salmo, inclusive, se convida para que reinos da terra cantem louvores a Deus. Dito em outras palavras: nos versículos destacados do Salmo 68 convida-se para que Deus seja reconhecido como Deus e, como tal, ele seja glorificado na terra. Por fim, 1 Pedro 4.12-14 e 5.6-11 elucida os sofrimentos presentes por causa do seguimento a Jesus Cristo no horizonte da manifestação plena do reino de Deus como esperança que não ilude nem confunde. Aqui é possível fazer a
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ligação principalmente com o texto de João 17, mas também com o Salmo 68, como expressão de reconhecimento de quem Deus é. De uma ou de outra forma, as três leituras bíblicas nos aproximam do mistério de Deus que quer relampejar para dentro da realidade humana, tantas vezes desprovida de sentido, principalmente por conta de sofrimentos. Não por último, sofrimentos causados por causa do compromisso com o evangelho que a comunidade de fé em Jesus Cristo assumiu e do qual não quer abrir mão.
2 Exegese 2.1 Notas gerais Uma comparação com os evangelhos sinóticos demonstra diferenças. Algumas dessas diferenças dizem respeito a momentos cruciais na reta final do ministério terreno de Jesus, por exemplo: João 17 não tem paralelos diretos nos sinóticos, exceto de ser uma oração. O Evangelho de João não contém a oração dominical (que também não consta no Evangelho de Marcos). Além disso, João também não registra o episódio da transfiguração de Jesus, omite as palavras clássicas da instituição da Ceia do Senhor e também a oração no Getsêmani registrada nos sinóticos. Inversamente, os sinóticos não trazem o lava-pés, os discursos de despedida com menção destacada ao parákletos (que é fundamental para a compreensão do Evangelho de João). Os sinóticos não possuem da mesma forma a oração sacerdotal. Sobre a razão de todas essas diferenças pode-se fazer apenas suposições, nada mais. Por outro lado, há quem diga que por trás de João 17 esteja a oração dominical sem que isso estivesse explícito, e que o Evangelho de João pressupõe que seus leitores tenham conhecimento da existência dos sinóticos (Cf. Wilckens, 2005, p. 213-216). 2.2 Notas de contexto e de estrutura O texto está inserido entre os blocos que compõem os “discursos de despedida” de Jesus (João 13 – 16) e a traição e prisão dele no jardim do Getsêmani, que culminou com sua condenação à morte (João 18 – 19). Entre pesquisadores há quem afirme que João 17 hoje não se encontra no seu lugar original, e há também quem afirme o contrário (Voigt, 1982, p. 173). O capítulo inteiro forma uma unidade perpassada pela intercessão pela unidade entre o Pai (Deus), o Filho e a comunidade de fé. Para fins didáticos, é possível dividi-lo como segue: a) v. 1-5 – Jesus ora e pede por sua glorificação. b) v. 6-19 – Jesus intercede a favor de seus discípulos. Aqui não é mais tão simples destacar um assunto central apenas, até porque há redundâncias de pensamentos, o que é típico do estilo joanino e sobressai em vários lugares do evangelho e nas cartas joaninas, principalmente em 1 João. Nesses versículos Jesus intercede, grosso modo, pelos seus, que permanecem no mundo. Igual ao próprio Jesus, eles são enviados ao mundo, ou seja: Jesus foi enviado ao mundo pelo Pai e os discípulos foram (são) enviados ao mundo pelo Filho (v. 18).
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c) v. 20-23 – Jesus ora pela unidade das pessoas que ainda vierem a crer nele por meio da palavra anunciada pelos discípulos, ou seja: Jesus intercede pela igreja futura. d) v. 24-26 – Jesus intercede pela consumação derradeira (escatológica) das pessoas que nele creem (Schneider, 1976, p. 283, 285, 289 e 291). A delimitação do texto para pregação não causa prejuízo para a compreensão do todo da oração, mas é recomendável que se leve em consideração o capítulo inteiro. 2.3 Notas exegético-teológicas O capítulo todo de João 17 é como uma prestação de contas de Jesus sobre o ministério que Deus lhe deu para que o exercesse na terra. A argumentação teológica do capítulo é comparável a uma avenida de duas vias opostas: uma se move de Deus em direção aos seres humanos; a outra se move dos seres humanos de volta para Deus. Nas duas direções existe um e mesmo mediador: Jesus Cristo – o Filho (cf. também Jo 1.11-13; 14.6 etc.). Na verdade, essa lógica de argumentação perpassa o quarto evangelho todo, por exemplo: na primeira parte (cap. 1 – 12) é destacado o investimento de Deus nos seres humanos por meio de Jesus Cristo, o logos encarnado, prefigurado já no prólogo (cap. 1.1-18). A segunda parte (cap. 13 – 20/21) foca na via de volta para Deus, com destaque aos discursos de despedida. Nessa segunda parte, o capítulo 17 tem função semelhante ao do prólogo na primeira parte. O específico da argumentação é que aqui está condensado todo o ministério de Jesus em forma de oração dirigida a Deus. V. 1-5 – Nestes versículos, Jesus (o Filho) presta contas a Deus (o Pai) da obra que ele consumou e pede para que o Pai glorifique o Filho com a finalidade de o Filho glorificar o Pai (v. 1). No v. 4 Jesus afirma que ele já glorificou o Pai na terra. Isso aconteceu pela afinidade irrestrita com o Pai em tudo que o Filho disse e fez. Pai expressa “noção de afinidade” (familiaridade). Nos evangelhos, para se referir a Deus, a palavra Pai ocorre em torno de duzentas vezes, na maioria dos casos no Evangelho de João. Não é por acaso que a palavra Pai ocorre cinco vezes em João 17 (v. 5, 11, 21, 24, 25). Trata-se de uma maneira nova e singular de se dirigir a Deus, é a forma mais familiar de todas (Silva, 2019, p. 260). Obviamente, ao se referir a Deus, não se deve associar ao termo Pai qualquer conotação de gênero ou masculinidade. Fazer isso não passaria de uma caricatura de Deus perigosa. No v. 5 Jesus repete o pedido já externado no v. 1 e especifica que se trata da glória que o Filho tinha antes da fundação do mundo. Dessa glória o Filho se despojou ao tornar-se pessoa humana (cf. Fp 2.5-8) – ao tornar-se o logos encarnado (cf Jo 1.1ss, esp. o v. 14). Como logos encarnado, Jesus tinha glória, mas essa era glória encoberta, perceptível apenas por aqueles que criam nele (Jo 1.14; 2.11; 11.4, 40), ou glória perceptível por alguns instantes e que não podia ser detida pelo ser humano (Mt 17.1ss; cf. também Êx 3.14). A glória pela qual Jesus (o Filho) pede não é a do reconhecimento público, porém a glória de sua origem na eternidade.
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V. 6-11 – Nestes versículos, Jesus pede a Deus duas coisas para os discípulos: uma é para que eles sejam guardados no nome de Deus. A outra, ele pede pela unidade dos discípulos. Também nesses versículos, intercessão e o prestar contas a Deus se perpassam mutuamente. Primeiro, Jesus menciona que ele manifestou o nome de Deus às pessoas que Deus lhe deu do mundo. Essas, por sua vez, receberam e guardaram a palavra de Deus, reconheceram o vínculo indissolúvel entre Deus e Jesus, e que ele de fato foi enviado por Deus (v. 6-8). Assim foi gerada a fé nessas pessoas, o que misteriosamente não aconteceu com a maioria dos conterrâneos de Jesus (cf. Jo 1.10-13; 6.41-42 etc.). A partir do v. 9, Jesus passa a interceder concretamente pelas pessoas que Deus lhe deu. Chama a atenção que Jesus não intercede por todo o mundo indistintamente. Esbarra-se aqui com um mistério não distinguido pela palavra. E o que a palavra não distingue não cabe a intérpretes fazer. Também paira aqui um mistério em torno da questão da unidade global no mundo globalizado.
3 Reflexões para a pregação Em várias Bíblias e mesmo em comentários bíblicos, o capítulo inteiro de João 17 tornou-se conhecido como oração sacerdotal de Jesus a favor do seu povo – a igreja cristã. Melhor seria falar de oração de despedida, que transcende limites de tempo e de espaço. Em todos os casos, o texto para pregação no 7º Domingo da Páscoa é um verdadeiro tesouro de cuidado pastoral do bom pastor que dá sua vida pelas ovelhas. E da mão do bom pastor ninguém pode arrebatar o que o Pai celeste confiou ao Filho (Jo 10.27-29). Esse tom de cuidado pastoral vale para quem ouve a pregação deste domingo, mas antes disso é consolo também e principalmente para quem tem a tarefa de proclamar a palavra de Deus neste domingo. Como dicas para a prédica do texto previsto, vale lembrar a unidade do capítulo todo e das circunstâncias para as quais essa oração sacerdotal foi proferida/registrada: a despedida da presença visível de Jesus. Isso poderia ser brevemente destacado no início da pregação. Além disso, vale lembrar também da singularidade dessa oração de Jesus. Especialmente no quesito da intercessão pela sua igreja e mesmo para situações particulares individuais, textos como Romanos 8.26-27, 34 e Lucas 22.28-32 servem como subsídios auxiliares valiosos para a elaboração e meditação da prédica. Nossas comunidades ainda sofrem com as consequências diretas que a pandemia da Covid-19 trouxe. Não bastassem as perdas dolorosas de entes queridos, muitas pessoas ainda não acharam o caminho de volta para a comunhão cristã nos cultos. A esperança de que com a pandemia as pessoas se tornariam mais humanas e solidárias não se confirmou. Pelo contrário. Como se não bastasse a crescente solidão de muitas pessoas das nossas comunidades, a situação agravou-se ainda mais com as enxurradas e os bombardeios quase que ininterruptos de informações que invadem muitos de nossos lares e mais confundem do que orientam de forma sadia. A confusão e desorientação religiosa cristã mediada por redes sociais tornam difíceis a “fidelização” comunitária cristã, de maneira que muitas pessoas e várias comunidades sentem sua existência literalmente ameaçada.
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À vista disso e de outras ameaças, a pregadora ou o pregador não precisa sentir-se sob forte pressão para dizer alguma coisa para dentro dessa situação, mas pode exercer sua tarefa de forma convicta e alegre a partir do socorro que advém do cuidado do bom pastor tal qual ele ecoa no nosso texto. A invisibilidade de Cristo na igreja no ínterim entre a ascensão dele e a consumação do povo de Deus e da história da humanidade é suprida pelo parákletos prometido nos discursos de despedida em João 13 – 16. O parákletos/Espírito Santo não é nada diferente do que a presença invisível e o agir de Cristo na sua igreja e no mundo; aqui está incluída a intercessão de Cristo por sua igreja.
Bibliografia BERGER, Klaus. Kommentar zum Neuen Testament. München: Gütersloher Verlagsanstalt, 2011. SCHNEIDER, Johannes. Das Evangelium nach Johannes (Sonderband). Berlin: Evangelischer Verlagsanstalt, 1976. (Theologischer Handkommentar). SILVA, Rodrigo. Enciclopédia Histórica da Vida de Jesus. São Paulo: Pae Editora, 2019. VOIGT, Gottfried. Die bessere Gerechtigkeit. Homiletische Auslegung der Predigttexte der Reihe V. Berlin: Evangelische Verlagsanstalt, 1982. WILCKENS, Ulrich. Theologie des Neuen Testaments. Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, 2005. (Band I. Teilband 4. Die Evangelien, die Apostelgeschichte, die Johannesbriefe, die Offenbarung und die Entstehung des Kanos.)
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PRÉDICA: NÚMEROS 11.24-30 JOÃO 20.19-23 1 CORÍNTIOS 12.3b-13
DOMINGO DE PENTECOSTES
28 MAIO 2023
Alberi Neumann Paulo Sérgio Macedo dos Santos
Voz profética que clama no deserto
1 Introdução O livro de Números é o quarto livro do conjunto da Torá, não devendo ser considerado como uma obra isolada. Ele tem similaridades com narrativas contidas nos livros de Gênesis, Êxodo e Levítico, e prepara para o desfecho da história de Moisés, que se dará em Deuteronômio. O nome atribuído ao livro se justifica pelo censo mencionado no início dele (Nm 1.20-54). No hebraico, é chamado “No deserto”, que constitui o ambiente no qual as narrativas são situadas. São três os desertos citados: Sinai (Nm 1.1), Farã (Nm 10.12) e as planícies de Moabe (Nm 22.1; 36.13). As narrativas tratam do período da história em que Israel recebe a Lei, indicando que, para ocupar a terra prometida, os princípios e as atitudes de comportamento são condições prévias para a posse e o desfrute dela. A condição de escritos de deserto é determinante para a compreensão das narrativas constantes no livro de Números. Deserto é aqui entendido também como espaço de desterro e de reflexão. Seu conjunto de textos pode ser dividido em três partes: a) A primeira parte inicia-se nas proximidades do Sinai (Nm 1.1 – 10.10), onde o recenseamento e a organização do acampamento sugerem a estruturação de uma hierarquia sacerdotal. b) A segunda parte (Nm 10.11 – 36) inicia-se com a saída do Sinai até o deserto de Farã, uma jornada de três dias, com a nuvem de Javé guiando o povo, entre os murmúrios do povo que contestam a liderança de Moisés. Este envia espiões para explorar a terra e, por causa da fraqueza desses, com exceção de Calebe e de Josué, o povo se revolta e atrai a ira de Javé, que pune essa geração com a permanência de quarenta anos no deserto, indicando que ela não entrará na terra prometida (Nm 14). A segunda parte encerra-se com o povo em Cades, onde Miriam é sepultada, e com o episódio das águas de Meribá, em que Moisés e Aarão são punidos. c) A terceira e última parte traz questões que dizem respeito à terra e que serão essenciais nesse último bloco. A expansão de limites com as tomadas de Horma e da Transjordânia, bem como a definição desses limites, caminham ao lado de regras que observam o uso da terra. Estão presentes o direito a herdar as terras pelas mulheres (Nm 27), o voto feminino (Nm 30) e a partilha dos despojos
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da guerra (Nm 31 – 32). Nesse último bloco, também se configura a liderança de Josué como sucessor de Moisés.
2 Exegese A perícope de Números 11.24-30 consta no segundo bloco do livro e mostra o contexto em que Israel inicia a segunda etapa da marcha pelo deserto rumo às fronteiras de Canaã. Ela está inserida na jornada que narra a caminhada rumo à terra prometida, em que carregam a arca da aliança e sob a presença da nuvem de Javé, que pairava sobre o povo com a função de orientá-lo nas partidas e nas chegadas. Podemos delimitar a narrativa da seguinte forma: O versículo 11.23 delimita o início da perícope em questão pelo enredo da narrativa e também pelo tema. Nota-se, nos v. 11-23, um diálogo entre Moisés e Javé. Moisés se queixa do peso de liderar o povo, pois não sabe de onde tirará carne para dar de comer a ele (v. 11-14), e também apresenta certa dúvida quanto à intervenção de Javé (v. 21-22). Por sua vez, Javé promete a Moisés que o peso da liderança será dividido com os setenta anciãos e que dará carne ao povo, e convida-o a confiar na sua palavra (v. 16-20, 23). A mudança da narrativa se dá a partir do v. 24, quando o termo “saiu” tem a posição de mudança de tema dando início ao tema dos setenta anciãos. Números 11.24-30 possui duas subdivisões: a primeira compreende os v. 24-25, e a segunda, os v. 26-29, tendo o v. 30 como conclusão. As ações de Moisés são essenciais para a compreensão do texto: saiu (v. 24a), falou (v. 24b), reuniu (v. 24c) e colocou (v. 24d). O v. 25 indica outras ações: retirou, falou, desceu e pôs. Esses dois versículos introdutórios cumprem o que foi anunciado nos v. 16-17. A partir das ações de Moisés, o texto descreve as consequências das ações de Javé, o repouso sobre os setenta anciãos e o dom de profetizarem. Os v. 26-29 iniciam outra subseção com os personagens Eldade e Medade. Esses estavam entre os inscritos para irem à tenda, mas, mesmo não indo, profetizaram no acampamento. Tal situação causou uma agitação no acampamento, e um jovem correu para comunicar a Moisés o que havia acontecido com Eldade e Medade (v. 27). Josué, ao ouvir o fato, sente ciúmes e pede a Moisés que os impeça (v. 28). A história se encaminha para seu desfecho com a advertência de Moisés a Josué por causa dos ciúmes dele (v. 29b) e com o desejo de Moisés de que todo o povo o receba e se torne profeta. O v. 30 encerra a perícope relatando que Moisés e os setenta anciãos se retiraram da tenda, retornando para o acampamento.
3 Meditação O centro de preocupação da perícope de Números 11.24-30 é oferecer uma palavra desafiadora: vencer os ciúmes nas relações humanas por meio da partilha dos dons, da descentralização de poder, apostando na sinergia e na cooperação dos muitos saberes. Na narrativa, Moisés compartilha o dom de sua liderança
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com os setenta anciãos e não se sente ameaçado com o profetismo de Eldade e Medade, pois não se deixa “contaminar” com o ciúme de Josué. A partilha não fragilizou nem diminuiu a liderança de Moisés, pelo contrário, revelou a sua habilidade e sabedoria em envolver mais pessoas, que, capacitadas pela rûaḥ (Espírito) de Deus, foram reconhecidas como importantes cooperadoras. Assim, as pessoas são chamadas a deixar de lado as disputas pelo poder, as hierarquias, as vaidades de se considerarem mais íntimas de Deus, e ampliar a sua ação e visão agindo como Moisés, valorizando a sinergia, a cooperação de outros saberes, o trabalho em equipe, a liderança democrática e compartilhada. O texto propõe que a pessoa cristã tome maior consciência de sua vocação profética que recebeu em seu batismo. Isso significa denunciar as injustiças e o ódio e anunciar a justiça e a paz. Assim como Moisés desejou que todo o Israel se tornasse profeta (v. 29), o batismo nos vocaciona como povo profético da nova aliança. Dessa forma, cada pessoa cristã é convidada a viver o seu profetismo, não de maneira extática, tampouco como adivinho do futuro, mas sim na experiência viva do Evangelho. Agindo, orando e meditando-a, com ouvidos de profeta, para anunciar uma palavra de vida e esperança para a sociedade, principalmente para os que vivem às suas margens. Num mundo dividido e ameaçado pelas desavenças, o texto de Números 11.24-30 tem uma palavra provocativa, pois mostra, na soberana liberdade proposta por Deus, um ir além das estruturas eclesiásticas, fora de templos e igrejas, assim como na narrativa de Eldade e Medade (v. 26). Seguir esse chamado proposto pelo texto é desejar que cada pessoa cristã seja uma emissária da mensagem proposta por Cristo. É buscar ser uma igreja que não se apequena em seus templos e não cristaliza em seus dogmas, mas que se preocupa com a oikumene, com a casa comum, com a criação como um todo. Deus não limita sua manifestação a espaços predeterminados pelo ser humano. Ele se manifesta nos encontros do povo de fé. Urge sermos uma igreja que dialogue cada vez mais com o mundo, com outros saberes e com outras religiões. Consciente de seu papel profético, a igreja é chamada a ser uma igreja “em saída”, em caminhada, construtora de pontes, descentralizadora, diaconal, envolvente, que convida pessoas para compor um grande mutirão pela vida, valorizando os diferentes saberes, respeitando a diversidade, a pluralidade religiosa e promovendo a paz, a justiça e o amor na sociedade. A igreja é chamada a ter o seu júbilo no anúncio da palavra de vida para o mundo conectada com as demandas sociais, que busca a sua transformação, que articula bem a relação entre fé e vida, que não atua nos limites dos seus templos.
4 Subsídios litúrgicos Hinos: LCI 605 – Deus chama a gente pr’um momento novo – Momento novo; LCI 566 – Que estou fazendo?; LCI 25 – Quando o povo se reúne; LCI 56 – Pelas dores deste mundo, ó Senhor.
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Bibliografia ANDRADE, Carlos Alberto Mesquita de. A rûaḥ YHWH: análise exegética de Nm 11.24-30. 2020. 103 p. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020. SKA, J. L. Introdução à leitura do Pentateuco: chaves para interpretação dos cinco primeiros livros da Bíblia. São Paulo: Loyola, 2003.
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PRÉDICA: MATEUS 28.16-20
1º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
GÊNESIS 1.1-24a 2 CORÍNTIOS 13.11-13
04 JUN 2023
(TRINDADE) Gottfried Brakemeier
“Ide” ou “vinde”?
1 Introdução A Bíblia não contém ainda uma doutrina da Trindade. O que há são formulações que prenunciam o que mais tarde vai constituir o dogma. De tais passagens fazem parte os textos que acompanham a prédica. No primeiro capítulo do livro de Gênesis, chama atenção a menção do Espírito de Deus que pairava sobre as águas dos inícios. O Espírito, pois, participa já da criação. Deus é sempre o mesmo, seja como criador, seja como mantenedor ou redentor. Justaposição semelhante encontra-se no voto com que o apóstolo Paulo se despede da comunidade de Corinto em sua segunda carta a essa comunidade. Ele fala da graça do Senhor Jesus Cristo, do amor de Deus e da comunhão do Espírito Santo. Embora ainda faltasse o dogma, ou seja, a definição da relação entre as manifestações de Deus, a proclamação cristã jamais deixou de relacionar as obras divinas em sentido trinitário. Existem outras passagens relevantes para o assunto, como 1 Coríntios 12.4-6 e Efésios 4.4-6. É o que vai estar em pauta também na prédica neste domingo especialmente dedicado à comemoração da Santíssima Trindade.
2 Observações exegéticas O texto em pauta constitui o que se chama “a grande comissão”. Ele fala da aparição de Jesus a seus discípulos na Galileia e do envio desses a todos os povos da terra. Ainda estamos na época da Páscoa. Interessante é a observação que entre as testemunhas havia quem duvidasse. A ressurreição de Jesus foi acontecimento de tal modo espetacular, que não deixou de levantar suspeitas. Será verdade que o crucificado venceu a morte e se apresentou como vivo? Fé na ressurreição existe somente como incredulidade vencida. Mas o impacto foi mais poderoso do que a dúvida. Ele teve a força para inaugurar a missão universal da igreja. Pois este é o primeiro eixo desse texto. A ressurreição de Jesus significou sua entronização como senhor universal. Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. São essas as suas palavras. Elas sintonizam com o que diz o “hino cristológico” da carta do apóstolo Paulo aos filipenses, no segundo capítulo (2.5-11). Esse celebra a exaltação de Cristo, ante cujo nome irá dobrar-se todo joelho no céu, na terra e debaixo da terra. Desde a Páscoa, Jesus Cristo é o “senhor”, ou seja, o plenipotenciário de Deus em todo o mundo.
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Segue o envio dos discípulos. Este é o segundo eixo do texto. A missão cristã tem em Jesus Cristo seu “mandante”, sua origem, seu autor. Sua finalidade é o discipulado de todas as nações. Não se trata de converter algumas pessoas, nem mesmo o maior número possível, e, sim, os povos em sua totalidade. Isso sem discriminação de raças, nacionalidade ou gênero. Assim como é universal a autoridade de Jesus, assim o é o alcance da missão. Trata-se de um projeto ambicioso. Sabe-se que a inclusão dos gentios na comunhão cristã provocou alguma polêmica na primeira cristandade. Isso apesar de que a ideia da evangelização global de todas as nações está em perfeita sintonia com a práxis de Jesus. O amor de Deus não exclui ninguém. Verdade é que a participação no povo de Deus já não se estriba no cumprimento da lei, e, sim, na fé em Jesus Cristo. Mas esse princípio demorou a se impor, apesar de que saísse vitorioso. O senhorio de Jesus Cristo não ficou restrito ao âmbito do cristianismo judaico. Adquiriu dimensões universais. Discipulado se concretiza, entre outras coisas, no batismo. Eis o terceiro eixo do texto. O envio de Jesus implica o batismo em nome de Deus Pai, do Filho e do Espírito Santo. Foi essa a praxe geral na primeira cristandade. Não sabemos onde se originou, visto que Jesus não submeteu seus seguidores a esse rito. Trata-se aparentemente de uma herança de João Batista. De acordo com uma observação do evangelista João (4.2), foram os discípulos de Jesus, não ele mesmo, que a praticaram. De qualquer maneira, pessoa cristã é pessoa batizada. E isso em nome do trino Deus. Assim também o lemos num dos primeiros catecismos cristãos, chamado Didaquê (capítulo 7). Eis outra incógnita: quais eram os grupos cristãos que pela primeira vez falaram desse jeito? A formulação segue uma lógica interna do discurso cristão. Ela compila o que a partir da experiência da fé com Jesus Cristo se deve dizer sobre Deus. Isso significa que a comunidade cristã aprendeu a invocar Deus como Pai, que se compadece da criatura; que se revela em Jesus de Nazaré, seu Filho; que agradece por um novo Espírito orientador da conduta. Assim é Deus. O batismo acontece “em nome” desse trino Deus, sendo o “nome” nada mais do que a própria presença das pessoas invocadas. Com o batismo se vincula quase organicamente a catequese. Este o quarto eixo deste texto. Aquele que ressuscitou dos mortos manda seus discípulos ensinar [...] a guardar todas as coisas que tenho ordenado vocês. O batismo deve estar acompanhado da consciência do discipulado cristão, o que exige um mínimo de conhecimento doutrinal. Jesus Cristo permanece sendo o “mestre”, cujas palavras e cujos gestos permanecem tendo validade vinculante para a comunidade. A catequese cristã, pois, necessita do olhar retrospectivo. Ela precisa conscientizar-se da história de Jesus, respectivamente lembrar o que ele fez e disse para permanecer fiel ao evangelho. Nesse afã ela pode contar com a presença permanente do ressuscitado. Esse promete não abandonar a comunidade, assistindo-a todos os dias até o fim dos tempos.
3 Pensamentos meditativos A missão cristã está em crise. Isso vale com particular pertinência para a IECLB. Ela costuma se contentar com o atendimento de seus membros, sem
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tentar penetrar no miolo da sociedade brasileira. Para tanto é responsável, uma vez, sua herança histórica. Os primeiros evangélicos de confissão luterana vieram como imigrantes, não como missionários. A germanidade era mais importante do que a confessionalidade. Aliás, por imposição da poderosa igreja católica, a essa gente até mesmo se proibiu a divulgação de seu credo. Não podiam fazer missão. E mesmo depois de declarada a liberdade religiosa no Brasil, a inibição missionária permaneceu. Na IECLB continua prevalecendo a convicção de que o jeito luterano de ser igreja se destina predominantemente a descendentes alemães. É claro que nessas condições a IECLB não cresce. Ela estagna, perde membros. Ide a todos os povos, diz Jesus, ensinando-lhes a viver o discipulado. Junta-se a isso o preconceito. Missão passou a ser atividade suspeita. Associa-se com ela a ideia da violência cultural, do autoritarismo, do colonialismo. Será verdade que o evangelho reprime expressões autóctones dos povos e os priva de sua identidade? Os primeiros cristãos não tinham tais escrúpulos. É claro que o evangelho necessita de enculturação, ou seja, da adaptação às respectivas tradições culturais. Mas isso não era problema nos primeiros tempos. Por que o seria hoje? O evangelho é por demais precioso para ser enterrado como tesouro em campo. Precisa ser proclamado de viva voz entre os povos. É o que a IECLB é chamada a aprender. Ela tem clara consciência disso. Mas os progressos são poucos. Para tanto falta uma cultura do “ide”. Estamos por demais presos a uma cultura do “vinde”. Hoje já não basta esperar as pessoas chegar. Elas precisam ser buscadas, para o que a internet oferece valiosa ajuda. Eu sonho com uma IECLB mais agressiva no mercado religioso brasileiro. Creio não haver em absoluto motivos de vergonha de pertencer a essa igreja. Ela é modesta, sim. Mas é igreja “evangélica” no bom sentido da palavra. Proponho estudar mais intensivamente sua proposta. E veremos o quanto há para dela se orgulhar. Ter uma imagem positiva da igreja, à qual a gente pertence, é o pré-requisito fundamental da missão. Então: “Ide a todos os povos e fazei propaganda da IECLB”. Ela proclama o trino Deus. Somente esse é o Deus verdadeiro. Quem fala de Deus sem falar de Jesus Cristo corre o risco de propagar um Deus abstrato, fictício, propenso a atitudes até mesmo violentas. O Deus de Jesus Cristo é misericordioso, que perdoa o pecado e ama a criatura. Quem fala de Jesus de Nazaré sem falar de Deus vai reverenciá-lo como nobre exemplo de conduta, mas não poderá enxergar nele a ação de Deus. Quem fala do Espírito Santo sem falar de Jesus, ficará confuso diante da quantidade de espíritos. Já não terá como identificá-lo como Deus, ao qual nos dirigimos como “Pai nosso”. Isso significa que a Trindade estabelece critérios de autenticidade para a “teologia”. Para tanto um só exemplo: ela não legitima racismo de qualquer espécie. Pois multiformidade é a marca do Deus criador. E qual seria a sorte dos incrédulos? Será verdade que serão condenados à perdição eterna? Ora, o trino Deus não legitima tal crueldade. Aliás, o Espírito Santo se identifica não tanto em demonstrações carismáticas, e, sim, em obras de caridade. Em nossos dias, o “fenômeno pentecostal” fascina muita gente. O falar em línguas, por exemplo, não deixa de impressionar. Mas ele será autêntico somente caso for expressão do trino Deus. A Trindade coloca o arcabouço para todo falar autêntico de Deus. Pois também Deus é termo
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polivalente, ambíguo, suscetível de abuso. Existem muitas imagens de um ser divino, muitas delas altamente conflitantes. Não existe em absoluto unanimidade no que diz respeito ao discurso sobre Deus, nem entre as religiões nem mesmo numa só igreja. Já o apóstolo Paulo julgou necessário disciplinar o carismatismo em Corinto (cf. 1Co 14). A mesma necessidade se verifica hoje. Uma religião do oba-oba não faz jus ao Deus que apregoa o Jesus crucificado como revelação de Deus. Portanto, Pai, Filho e Espírito Santo descrevem as manifestações do mesmo Deus. Importante é que elas constituem somente em conjunto a plenitude do que se pode e deve dizer de Deus. Isso não significa, em absoluto, o abandono do monoteísmo. Deus permanece sendo um só. Acusar a Trindade como sendo abominável “triteísmo” é sinal de um grosseiro mal-entendido. É o que o credo cristão sempre afirmou. Ele não dilui a “monarquia” de Deus. Afirma, isto sim, três expressões básicas da mesma. Deus se revela num tríplice falar e agir do mesmo Deus. Seja admitido ser difícil explicar esse mistério. Como entender que três é um e um é três? Ora, existem o que se chamam “vestígios” da Trindade. São sinais que ilustram o mistério. Um deles é o triângulo, formado por três lados. Faltando um não há triângulo. Outro, e este é o mais significativo, é a “tridimensionalidade” dos corpos. Todos os corpos têm três dimensões, a saber comprimento, largura e profundidade. Somente o conjunto é o que constitui o todo. Assim é Deus. Ele tem três “dimensões”, a saber, a paternidade de Deus, sua expressão histórica em Jesus Cristo e a manifestação dinâmica no Espírito Santo. Portanto ele se revela como Pai, Filho e Espírito Santo. É esse o mistério em pauta neste domingo.
4 Imagens para a prédica Proponho para a prédica a imagem de um cubo. Pois ele ilustra muito bem as três dimensões que o constituem. Na verdade, todo e qualquer corpo serve para a finalidade. Pois a tridimensionalidade é fundamental para tudo o que ocupa espaço. E, no entanto, o cubo é exemplo particularmente instrutivo. Assim é a Trindade. Também ela é “tridimensional, revelando-se como Pai, Filho e Espírito Santo. Com isso ela não deixa de se referir ao mesmo e único Deus. Pois o credo cristão é enfático: [...] para nós não há senão um só Deus (cf. 1Co 8.4s). Esse atua tanto na criação quanto na salvação, bem como na nova criação a ter lugar no futuro. Em tudo deixa as suas marcas. O mesmo vale para o batismo, bem como, aliás, para os cultos realizados em nome de Deus Pai, do Filho e do Espírito Santo. Então: Ide e proclamai as obras do trino Deus a todo o mundo.
5 Subsídios litúrgicos Confissão dos pecados: Senhor, queiras perdoar-nos as falsas ideias que a respeito de ti propagamos. Abusamos do teu nome para justificar interesses particulares e causas injustas. Não há como legitimar guerra nem lucro excessivo em teu nome. Tu queres a paz, tu queres a justiça, tu queres o bem-estar de todos. Os conflitos
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neste nosso mundo ofendem teu nome. Ajuda-nos a cumprir a tua vontade. Tem compaixão de nós! Oração de coleta: Senhor, nós te agradecemos por tua palavra que neste domingo lembra com especial insistência a Santíssima Trindade. Tu queres ser reverenciado como Pai que se compadece de seus filhos e suas filhas perdidos. Tu queres ser reconhecido em Jesus Cristo que veio como luz a este mundo e sacrificou sua vida por nós. Tu queres renovar nossa sociedade através da força de teu Espírito. Nós te pedimos: queiras fazer com que as pessoas ouçam a tua voz e se convertam em fiéis discípulos e discípulas de Jesus Cristo. Dá-nos coragem para uma nova caminhada e juízo para fazer o certo com o fim de aumentar o bem em nossa sociedade. Ajuda-nos, Senhor! Intercessão: Senhor, nós te rogamos pelo fim das guerras e das atrocidades que elas causam. Nós te rogamos pelo fim da violência em nosso próprio país, com especial atenção para a violência contra as mulheres. Mas também crianças e desempregados são vítimas da marginalidade e do ódio. Este nosso mundo sofre sob aguda falta de paz. Ouve o clamor das pessoas que sofrem. Entre essas nos lembramos das pessoas doentes e das que se encontram à beira da morte. Sê-lhes amparo e dá-lhes força para resistir. Desperta em nós a disposição para socorrer quem precisa. Fortalece em especial a tua igreja para que siga os passos de Jesus Cristo e contribua para aumentar o bem-estar entre as pessoas. Ansiamos por uma sociedade mais justa e harmônica, na qual todos os membros tenham garantido o seu lugar. Não procuramos nossa própria glória, mas a do teu reino. Amém!
Bibliografia BRAKEMEIER, Gottfried. O mistério da Trindade. In: Sabedorias da fé. São Leopoldo: Sinodal, 2014. p. 33-46. SCHWEIZER, Eduard. Das Evangelium nach Matthäus. Das Neue Testament Deutsch. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1973.
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2º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
11 JUN 2023
PRÉDICA: ROMANOS 4.13-25 OSEIAS 5.15 – 6.6 MATEUS 9.9-13, 18-26
Wilhelm Sell
A graça de Jesus Cristo: promessa de Deus que quer conduzir e determinar a nossa vida
1 Introdução Estamos nos preparando para a homilia do 2º Domingo após Pentecostes. Pentecostes é uma das três maiores celebrações da fé cristã. Lembramos com gratidão e louvor do Deus que continuamente se movimenta e se faz presente na igreja como Paráclito, ou seja, como aquele que consola, conforta, anima e encoraja o corpo de Cristo a vivenciar sua vocação no mundo, vocação essa que tem como base a justiça de Deus em e por meio de Jesus Cristo. Como textos paralelos para as leituras, temos Oseias 5.15 – 6.6 e Mateus 9.9-13, 18-26. No texto do profeta Oseias, encontramos uma crítica contundente a uma fé inoperante que não se desdobra para a vida pública. A corrupção e injustiça social são incompatíveis com a fé e a memória da história de Deus com seu povo. Os líderes de Israel, governantes e sacerdotes, são religiosos (8.3). Mas essa religiosidade é oca, de fé inoperante e pessoalmente utilitarista. Para Oseias, a fé pessoal não está desvinculada de seus desdobramentos públicos, para dentro das questões políticas, sociais e econômicas. Por isso, para o profeta, está claro que Deus quer misericórdia, não sacrifício, conhecimento de Deus, mais que holocaustos (6.6). A religiosidade vazia é também a acusação do próprio Jesus Cristo na leitura indicada de Mateus. Diante do inquirimento dos fariseus sobre a sua presença em meio a publicanos e pecadores, Jesus responde com a mesma passagem de Oseias 6.6. O problema daqueles que se acham justos por causa de ritos religiosos para fins privados de autojustiça é que esses não conhecem Deus – aquele que é misericordioso, e se faz presente no mundo. A manifestação de sua presença é o próprio Jesus Cristo e essa presença é curadora e restauradora, como foi na história das duas mulheres relatadas por Mateus. Algo que chama atenção na cura e na ressurreição da filha do chefe da sinagoga relatadas por Mateus, mas também por Lucas, é que com a primeira mulher Jesus faz questão de tornar algo “particular” público, assim a mulher poderia ser inserida socialmente, visto que, por causa da hemorragia, ela era considerada impura e inapta a viver normalmente com outras pessoas. Já com relação à morte da filha do chefe da sinagoga, Jesus faz algo público (os tocadores de flauta e uma multidão estão presentes) se tornar privado, evitando assim que a menina de 12 anos fosse estigmatizada com estranheza pelo
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resto de sua vida por ter “voltado dos mortos”. O cuidado de Jesus Cristo com relação a essas duas mulheres é surpreendente e encantador. Como texto de prédica, temos Romanos 4.13-25. A seguir, uma breve análise exegética.
2 Exegese No capítulo 3 da Carta aos Romanos, Paulo discorre acerca da justificação pela fé em Jesus Cristo e, no capítulo 4, objetiva explicar como essa justificação deve ser compreendida. Paulo afirma que a justificação (v. 1-8) não acontece por meio de obras ou méritos próprios. Para exemplificar, ele retoma a história da relação de Deus com Abraão, encontrada no livro de Gênesis a partir do capítulo 12. A justificação de Abraão e as bênçãos prometidas a ele estavam fundamentadas na justiça pela fé. Ou seja, as bênçãos não lhe foram concedidas por meio de algum esforço pessoal, mas imputadas por graça. Ele creu e isso foi atribuído para a justiça. Nessa direção, nos v. 9-12, Paulo utiliza a palavra grega logizomai, que tem como significado algo que foi imputado, contado, creditado, colocado na pessoa para que possa se tornar algo legalmente dela. Abraão não praticou algum rito religioso ou obra para se tornar justo diante de Deus. Paulo deixa claro que o rito da circuncisão era crucial para os que estavam sob a lei. No entanto, Abraão foi primeiramente justificado e somente depois circuncidado (v. 11). A justiça foi imputada a Abraão antes da lei, ou seja, a graça de Deus se torna o ponto de partida e não de chegada por meio de obras a serem cumpridas. Dito isso, percebe-se que o rito da circuncisão nada tem a ver com a obra da justificação, ou seja, ela não é causa, mas consequência da justificação. Para esclarecer ainda mais, o texto e o contexto dos v. 13-25 mostrarão de uma forma mais estruturada e minuciosa o que Paulo entende sobre justificação imputada mediante o crer por meio da promessa de Deus. No v.13, Paulo ressalta que não é a lei que fez com que Abraão se tornasse “herdeiro do mundo” (Gn 12.3; 18.18; 22.18), assim como os judeus entendiam quando pregavam a justiça a partir da observância da lei. Pelo contrário, foi mediante a justiça da fé atribuída a Abraão no início da sua longa caminhada com Deus. Na Epístola aos Gálatas 3.17, Paulo fala que a lei foi dada 430 anos após a promessa de Deus feita para Abraão. Desta forma, Abraão não poderia ter sido justificado pela lei, mas o foi pela fé, crendo na promessa de Deus: de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome (Gn 12.2). Assim Paulo enfatiza um aspecto muito importante da história relacional de Deus com Abraão: a promessa. Mas, afinal, o que significa essa promessa de Deus? Há duas palavras gregas para promessa. A primeira palavra do grego é hypochese, que significa uma promessa que é feita sob alguma condição, por exemplo: “eu prometo fazer isso ou aquilo se eu receber algo em troca”. A segunda palavra do grego é epangelia, que significa uma promessa feita a partir do coração, por bondade/graça, sem exigir algo em troca. Paulo utiliza o termo epangelia durante todo o texto para
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falar do real sentido da promessa de Deus, já feita a Abraão desde o início. Deus não disse a Abraão: eu farei isso para ti, se tu fizeres isso para mim. Deus fez a promessa e Abraão confiou, ou seja, viveu a partir dessa promessa. Para Paulo, assim está claro que a promessa de Deus não depende de uma obra humana, nem de uma troca, mas inteira e somente da graça divina. É Deus que torna possível o impossível aos olhos humanos. Portanto a questão crucial para Paulo era que a promessa para Abraão não depende da lei, mas sim da justiça efetuada pela fé. Paulo não contrasta a lei com a fé, mas com a justiça pela fé. Isso significa que a justiça de Deus é recebida pela fé e, nesse sentido, sendo livre graça, ela representa a ação de Deus contra a lei. É por isso que Paulo argumenta, no v. 14 e 15, que se somente o povo da lei, isto é, aqueles que justificam a própria existência e identidade pela lei, fossem os herdeiros da promessa, então a fé seria desvalorizada e essa promessa de Deus não teria sentido. A lei não dá vida, pelo contrário, ela causa punição e promove a ira. Desta forma, o v. 16 começa com uma excelente formulação: essa é a razão por que provém da fé, para que seja segundo a graça. Isso significa que essa promessa é feita e recebida com base na fé para que a graça de Deus permaneça decisiva. Paulo também afirma que a fé não é algo que Deus aceita como substituta quando as pessoas falham em cumprir a lei. Ao contrário, a fé é a forma como a pessoa se abre para viver a graça de Deus. É por isso que a promessa permanece viva e confiável para toda a posteridade de Abraão. Assim, essa promessa (por meio da graça) se estende para todos, não somente para o povo da lei (Israel), mas para com aqueles que mantêm e vivem a mesma fé de Abraão. Com isso, Paulo não está deserdando Israel, mas enfatiza que Deus é o pai de todos (cf. Gn 17.5), incluindo judeus e cristãos. Por pai de muitas nações te constitui (v. 17): Paulo lembra o cumprimento da promessa que Deus havia feito lá no início para Abraão. Em Gênesis 17.5, a tradução literal do hebraico para essa frase é: fiz de ti pai de uma multidão. A palavra original do hebraico ‘ab hamown para “multidão” está ligada à última sílaba do novo nome Abraãm, o qual significa: pai de uma grande multidão. É também justamente a partir dessa promessa que Deus passa a chamar Abrão de Abraão. Adiante, ainda no mesmo versículo, Paulo diz: perante aquele no qual creu, o Deus que vivifica os mortos e chama à existência as coisas que não existem. Paulo assim destaca que Abraão permaneceu (fitou) os olhos em Deus e não desviou seu olhar em momento algum. Ou seja, Abraão, ao ouvir a promessa, permaneceu atento e buscou viver a partir da face daquele que lhe fez a promessa. Paulo vê a amplitude da grandiosidade daquilo que Deus pretendeu fazer com essa promessa a Abraão. Paulo faz dois cruciais apontamentos a respeito da fé de Abraão que se tornaram muito importantes para a comunidade cristã de seu tempo. Primeiro, Abraão creu naquele que pode dar vida aos mortos, e, segundo, que chama à existência o que não é, para vir a ser. A ideia de Deus ressuscitar os mortos só aparece mais para o final do Antigo Testamento (Is 26.19; Dn 12.2) e era algo que estava tomando mais corpo no Novo Testamento. Isso é evidenciado pelos argumentos relatados no Evangelho de Marcos 12.18-27 e em Atos 23.6-8. Esse Deus em que Abraão confiou e creu é o mesmo Deus de toda a criação e que, a partir do nada,
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criou todas as coisas (Gn 1), e da morte ele trouxe novamente a vida (ressurreição de Jesus Cristo). Ou seja, a criação e a ressurreição são as duas mais significativas manifestações de seu poder criador, mantenedor e redentor. Deus chama à existência toda a descendência de Abraão (visto que eles já tinham uma idade avançada: v. 19) mesmo quando ainda nem sequer existiam. Já nos v.18-21, Paulo retoma a questão da fé e esperança de Abraão diante da promessa de Deus. O crer de Abraão é caracterizado como um paradoxo: esperando contra a esperança, creu, para vir a ser pai de muitas nações, segundo lhe fora dito: assim será a tua descendência (v. 18). Ou seja, quando já não havia mais esperança, Abraão ainda sim creu que Deus faria dele pai de muitas nações, conforme a promessa dada. Ele creu na palavra de Deus e foi por isso também que sua fé foi contada para a justiça. Não é a obra da lei, mas é a fé confiante que estabelece a relação entre Deus e o ser humano. A essência da fé de Abraão, neste caso, era que ele acreditava que Deus podia fazer do impossível algo possível. E, sem enfraquecer na fé, embora levasse em conta o seu próprio corpo amortecido, sendo já de cem anos, e a idade avançada de Sara, não duvidou, por incredulidade, da promessa de Deus (v. 19-20). Abraão estava ciente de que seu corpo já não lhe dava mais condições próprias, por conta da velhice, e o ventre de Sara era estéril, mas mesmo assim ele não perdeu a fé. Mesmo diante de todas as incertezas a partir da perspectiva humana, a certeza proveniente da palavra de Deus permaneceu regendo seu crer. Com isso, Paulo não está dizendo para simplesmente fechar os olhos para as dificuldades ou não atentar para elas. Pelo contrário, a fé como graça prevalece apesar de quando as circunstâncias parecerem o contrário ou trazerem dúvidas. Apesar de Abraão ter todos os motivos para ficar contra a esperança, ele não descreu na promessa do Senhor. Todavia, como percebido ao final do v. 20, a clareza da fé de Abraão é indicada por Paulo pela expressão na forma passiva: mas (Abraão) foi fortalecido na fé dando glória a Deus. Deus age e vem ao encontro dele e lhe promete uma numerosa descendência. Deus fortalece Abraão e ele o glorifica, estando plenamente convicto de que ele era poderoso para cumprir o que prometera (v. 21). Nessa convicção, Abraão deixa Deus ser Deus. Ele se coloca à disposição e se deixa fortalecer na fé, honrando o seu Senhor por meio da palavra, como bem lembra Paulo em Romanos 10.17: a fé vem pelo ouvir da Palavra. Pelo que isso lhe foi também imputado para a justiça (v. 22). Paulo se refere aqui à justiça que é de Deus, ou seja, justiça que somente Deus pode imputar no coração dos remidos (Rm 3.24). Deus imputa sua justiça à pessoa para que ela se torne aceitável diante dele. Ele tornou o justo (Jesus Cristo) injusto para que os injustos pudessem ser tornados justos. Por isso a justificação inclui essencialmente o arrependimento e o perdão dos pecados (Rm 4.7). E não somente por causa dele está escrito que lhe foi levado em conta, mas também por nossa causa, posto que a nós igualmente nos será imputado, a saber, a nós que cremos naquele que ressuscitou dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor (v. 23-24). Paulo vai além. Ele não apresenta o caso de Abraão como algo isolado no tempo. Pelo contrário, conforme leitura desses versículos, ele justamente utiliza toda essa história para trazê-la como exemplo vivo e concreto para
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a comunidade cristã. Da mesma forma que todos os planos de Deus se cumpriram para com o povo de Israel desde Abraão, também o novo povo de Deus recebe e faz parte dessa mesma promessa (Rm 15.4; 1Co 10.6, 11). Paulo diz claramente: mas também por nossa causa, ou seja, para toda a descendência de Abraão, para todas as pessoas que vivem a mesma fé, por causa da justiça de Deus. O apóstolo se refere assim às pessoas que creem, por meio da fé em Jesus Cristo e na sua obra, naquele que foi morto e ressurreto. Essa é a confissão original do cristianismo primitivo (cf. At 3.15; 4.10). Esse mesmo Deus de quem foi dito no v. 17, aquele que deu origem a toda a criação e chamou à existência todas as coisas que não são, para que viessem a ser, é também o mesmo Deus que justifica o ímpio (v. 5). É nessa direção que Paulo, no v. 25, lembra a comunidade cristã dessa importante confissão de fé: o qual foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação. A preposição do grego original dia, traduzida aqui como “por causa de”, chama atenção para o motivo da morte e ressurreição de Cristo. Deus, por meio do derramamento do sangue de Cristo, reestabeleceu a nossa justiça (Rm 5.9). Mas para de fato ter grande efeito, além da morte de Cristo, Deus em seguida o ressuscita de dentre os mortos. Essas duas ações, morte e ressurreição de Cristo, significam a obra redentora de Deus consumada na cruz (Jo 19.30). Outro sentido da preposição dia (no acusativo) “por causa de” dá um sentido de “final/finalidade”. Ou seja, as ações (morte e ressurreição de Cristo) são dois aspectos de um evento definitivo e único. Se Cristo não tivesse sido ressuscitado, sua morte se tornaria inútil para a justificação do ser humano. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados (1Co 15.17). A promessa de Deus se cumpriu de forma completa e perfeita para que os injustos pudessem se tornar justificados diante do Senhor. Jesus Cristo foi ressuscitado com a “intenção/finalidade” de reestabelecer, preservar e sustentar a justiça para toda a humanidade.
3 Meditação A vida de toda pessoa é determinada por valores que influenciam suas decisões e os caminhos percorridos. Alguns psicanalistas, a exemplo do francês Charles Melman, afirmam que os valores que mais determinam a vida na contemporaneidade são o prazer, os bens de consumo, o sucesso e a influência. Para alcançar os objetivos baseados nesses valores, as pessoas investem seu tempo e, muitas vezes, sacrificam sua paz, saúde e até mesmo relacionamentos. São valores compartilhados e endossados por uma busca comum que cria uma “lei” que determina a vida, formando uma cultura da qual, por sua vez, se ouve a promessa de realização pessoal, de prazer e felicidade. A vida passa a ser determinada por obras por meio das quais se quer dar sentido à existência. O ponto de partida não importa muito, os caminhos são diversos, as possibilidades para se alcançar a realização, o prazer e a felicidade são muitas. O mais importante é o ponto de chegada. A lei exige o sacrifício e promete recompensar aquele que for fiel. Nesse sentido, torna-se uma busca religiosa pela tentativa de se re-ligar ao que se está desconectado e que dá sentido e plenitude à vida. Não é por acaso que a ansiedade é um dos grandes males
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de nosso tempo. Também não é por acaso que discursos religiosos que seguem a mesma lógica encontram ressonância, enchendo templos por um público afoito em descobrir os melhores macetes para alcançar a plenitude. A justiça apresentada por Paulo vem na contramão dos caminhos comuns e religiosos de todos os tempos. Para ele, Abraão é o exemplo claro de como Deus age. A justiça não vem por meio de algum esforço pessoal, mas é imputado, creditado, por graça, por causa do amor de Deus. É importante que, como pessoas cristãs, entendamos que a salvação, a graça, a justiça de Deus não é o ponto de chegada, após perseguirmos um longo caminho de fidelidade a Deus, mas é ponto de partida. Aliás, essa é a grande diferença da fé cristã daquilo que outros credos trazem. A promessa de Deus é feita a cada um e a cada uma, por meio do batismo, por causa da sua divina bondade/graça, sem necessitar de algo. Portanto a caminhada de fé da pessoa cristã inicia com sua promessa de salvação, de companhia e de contínua transformação. Para ilustrar a importância dessa mensagem e seu poder transformador, conto uma visita pastoral que fiz a uma família que veio participar de um culto na comunidade de Palhoça. Essa família participava já alguns anos de uma igreja neopentecostal bem “famosa” e despojada. Mas o casal estava cansado das necessidades impostas pelos líderes religiosos para que estivessem sob a graça de Deus e a proteção espiritual do “pastor”. Nessa conversa, após muitas dúvidas terem sido compartilhadas, eu percebi que a questão-chave era eles entenderem a graça e o amor de Deus. Por isso lhes perguntei se eles amavam seus filhos. Obviamente disseram que sim. Então disse que sabia o motivo do amor: só os amavam e os acompanhavam porque eram excelentes alunos na escola e porque eram filhos obedientes. E perguntei: é isso, certo? Olharam-me fixamente e após pensarem um pouco, responderam que não, que amavam os filhos desde sempre. Então lhes disse: isso é amor gratuito! Se nós amamos nossos filhos por “graça”, muito maior e intenso é o amor de Deus por nós. Sua graça, a salvação, não é o alvo, o ponto de chegada, mas o ponto de partida. As nossas boas obras são o resultado de uma vida em Cristo. Justamente porque Deus ama, ele tem a intencionalidade de caminhar conosco para que vivamos sendo verdadeiramente humanos, conforme sua criação, sendo sua imagem e semelhança. Viver a fé, nesse sentido, é viver a partir da consciência do que Deus preparou para cada pessoa e na certeza da sua graça. Mas essa vida na graça não tem somente um impacto nas questões pessoais, mas também públicas da vida. Como percebemos nas leituras bíblicas, a fé irradia para a vida de forma integral. A dicotomia que se faz entre religião e política (entendendo aqui política como vida na cidade, vida como comunidade, onde se tem a consciência de que cada pessoa exerce uma vida comunitária) é altamente prejudicial ao bom testemunho do que significa viver uma vida a partir da promessa da graça de Deus. Numa realidade em que a vida é pautada na lei, a partir de valores que foram estabelecidos para a realização pessoal, a vida a partir da liberdade, ofertada na promessa pela graça de Deus, tem um poder transformador sem igual. A sociedade, mesmo nas questões não religiosas, se mostra demasiadamente religiosa quando estabelece uma lei como caminho para se ter aquilo que só o eterno pode dar e preencher.
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Como disse Santo Agostinho: Todavia, o homem, partícula de tua criação, deseja louvar-te. Tu mesmo que incitas ao deleite no teu louvor, porque nos fizestes para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso. Além disso, com Abraão, o apóstolo Paulo ensina que, mesmo diante de todas as dúvidas e motivos que nos geram desesperança em meio aos cenários que vivemos, a promessa de Deus foi selada por meio de Jesus Cristo de modo definitivo e único. Nada nos arranca das mãos de Deus (Rm 8.39).
4 Imagens para a prédica Compartilho uma fala de Dietrich Bonhoeffer que pode ser usada na pregação, se possível projetada numa tela: Creio que Deus pode e quer converter tudo, mesmo o pior mal, em bem. Para isso ele precisa de pessoas que saibam tirar o melhor de todas as coisas. Creio que em toda situação de necessidade ou aflição Deus nos quer dar tanta resistência quanto necessitamos. Mas Ele não a dá antecipadamente, para que não confiemos em nós mesmos, e sim somente Nele. Uma fé assim deveria ter superado todo o medo do futuro. Creio que nem mesmo nossas faltas e nossos erros são em vão e que para Deus não é mais difícil lidar com eles do que com nossas supostas boas obras. Creio que Deus não é um destino atemporal, mas ele espera por orações sinceras e ações responsáveis e responde a elas (Bonhoeffer, 2003, p. 37).
5 Subsídios litúrgicos Oração do dia: Querido e bondoso Deus, te agradecemos pela tua maravilhosa graça. Quão misericordioso és por teres enviado teu filho Jesus Cristo para nos justificar e nos salvar de nossas transgressões. Senhor, que a tua obra prevaleça sobre todas as coisas, e que saibamos reconhecer que nenhuma obra a qual tentamos fazer para te agradar é suficiente e eficaz diante da grandeza de tudo aquilo que fizeste por nós por meio da morte e ressurreição do teu Filho, Jesus Cristo. Que mesmo diante do caos no qual vivemos neste mundo, mesmo diante de todas as coisas que não te agradam e que tentam nos afastar da tua presença, que a fé em ti possa nos fortalecer e saciar diariamente para que nada nos desvie do teu amor e cuidado. Problemas e provações muitas vezes também podem nos fazer duvidar das tuas promessas. Mas, que assim como tu fizeste com Abraão ao fortalecê-lo por meio da fé, também nos assegura das tuas promessas e nos ajuda a confiar e crer em tudo aquilo que podes fazer em nossas vidas. Tu és o Deus da consolação e te somos gratos por todo amor, graça e bondade que tu nos dás por meio da tua Palavra. Ajuda-nos a esperar somente em ti, Senhor. Que toda a tua promessa prevaleça e que, de fato, ela conduza e determine o sentido de nossas vidas enquanto aguardamos a tua volta. Amém.
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Confissão de fé com Credo Niceno-Constantinopolitano: Cremos em um Deus, Pai Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra, e de todas as coisas visíveis e invisíveis. E em um Senhor Jesus Cristo, o unigênito Filho de Deus, gerado pelo Pai antes de todos os séculos; Deus de Deus, Luz da Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus; gerado, não feito, de uma só substância com o Pai, pelo qual todas as coisas foram feitas; aquele que, por nós, homens, e por nossa salvação, desceu dos céus, foi feito carne pelo Espírito Santo da virgem Maria e foi feito homem; e foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos; ele padeceu e foi sepultado; e no terceiro dia ressuscitou, conforme as Escrituras; e subiu ao céu e assentou-se à direita do Pai; e de novo há de vir com glória para julgar os vivos e os mortos, e seu reino não terá fim. E no Espírito Santo, Senhor e Vivificador, que procede do Pai e do Filho; que, com o Pai e o Filho, conjuntamente, é adorado e glorificado; que falou por meio dos profetas. Cremos na igreja una, santa, católica e apostólica. Reconhecemos um só batismo para remissão dos pecados; e aguardamos a ressurreição dos mortos e a vida no mundo vindouro. Amém.
Bibliografia BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e submissão: cartas e anotações escritas na prisão. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2003. KLAIBER, Walter. Der Römerbrief: Die Botschaft des Neuen Testaments. Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, 2009. STUHLMACHER, Peter. Der Brief an die Römer. In: Das Neue Testament Deutsch. Göttingen; Zürich: Vandenhoeck & Ruprecht, 1989. Band 6. MELMAN, Charles. O homem sem gravidade: gozar a qualquer preço. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2003.
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3º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
18 JUN 2023
PRÉDICA: MATEUS 9.35 – 10.8 ÊXODO 19.2-8a ROMANOS 5.1-8
Verner Hoefelmann
O ministério de Jesus serve de baliza para o ministério da igreja
1 Introdução Mateus 9.35 – 10.8, que serve de base para a prédica, é um texto precioso, profundo e impactante. O evangelista diz que Jesus percorria as cidades e povoados da Galileia, ensinando a vontade de Deus, pregando a Boa-Nova do Reino e curando as pessoas de suas doenças e enfermidades. E ao lidar com as pessoas, ele passa a sentir por elas uma compaixão profunda, porque percebe que elas estão aflitas e prostradas como ovelhas que não têm pastor. E alterando a metáfora, acrescenta: há muita coisa por fazer na lavoura de Deus, que é o seu povo, mas os trabalhadores são poucos. Há muito trabalho por fazer e pouca gente para trabalhar. Por isso peçam a Deus, o dono da lavoura, que mande mais trabalhadores para participar da colheita. Na sequência, Jesus reúne discípulos, prepara-os e envia-os para as primeiras experiências missionárias, incluindo-os em seu ministério e ampliando o alcance dele. Não é fácil estabelecer um vínculo temático entre o texto de pregação e os textos de leitura. Êxodo 19.2-8a descreve a chegada dos hebreus ao monte Sinai. É hora de fazer um balanço e projetar o futuro. Ao olhar para trás, o povo há de convencer-se de que sua libertação do Egito é obra de Deus, assim como sua preservação durante o percurso pelo deserto, carregado “sobre asas de águia”. Como aconteceu no passado, também no futuro os escravos libertos podem contar com as promessas de Deus: se o povo ouvir a sua voz e corresponder à sua aliança, Deus o transformará em sua propriedade, em nação santa, em reino de sacerdotes. Segue-se uma teofania (19.16-20), a recepção do Decálogo (20.1-17) e do código da aliança (20.22 – 23.33). A observância dos mandamentos é parte do compromisso da aliança e nada mais visa do que preservar a liberdade recebida. Moisés atua nesse contexto como o mediador entre Deus e o povo. Mas, ao mesmo tempo, pode contar com anciãos que o auxiliam em sua tarefa (20.7-8), aspecto esse ampliado de forma sugestiva em Números 11.1-30. Esse poderia ser um possível ponto de contato com o texto de pregação, pois também Jesus, segundo Mateus, compartilhou com os discípulos a tarefa que lhe estava destinada. Romanos 5.1-8 é um ponto de inflexão na Carta aos Romanos, pois passa a descrever o que significa viver a partir da justificação pela graça, recebida e experimentada através da fé. Quem vive nessa nova era inaugurada por Cristo através de sua obra redentora não está mais sob a ira de Deus, mas pode usufruir de sua paz. Dessa paz brota a energia que ajuda a pessoa que crê a enfrentar a
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tribulação, a adquirir experiência e a fortalecer a esperança. É o Espírito Santo, escreve Paulo, quem derrama em nosso coração a certeza do amor de Deus por nós. No campo da fé, ninguém pode dar o que antes não tenha recebido.
2 Exegese a) Mateus 9.35 – 10.8 no contexto do evangelho O texto de pregação faz o papel de dobradiça, que conecta duas partes importantes do Evangelho de Mateus. Depois de narrar episódios do nascimento e da infância de Jesus (1 – 2) e os preparativos para sua atuação pública, resumidos na pregação de João Batista, no batismo e na tentação de Jesus (3 – 4), Mateus passa a descrever o ministério público de Jesus (5 – 9). Mesmo que também se faça referência a discípulos nesse contexto, Jesus ocupa nesse bloco o centro da atenção. Tudo gira em torno dele. O trecho é introduzido por um sumário (4.23-25), que resume de forma programática o que Jesus passa a fazer: ele percorre toda a Galileia e sua atividade é descrita com a ajuda de três verbos: ele ensina nas sinagogas, ele prega o evangelho do reino, ele cura toda sorte de doenças e enfermidades. Sua fama se espalha por várias regiões, entre elas a Síria (a provável pátria do evangelho), e numerosa multidão passa a segui-lo. Esse sumário é desdobrado na sequência. A dimensão do ensino e da pregação de Jesus é apresentada nos capítulos 5 – 7: no famoso sermão da montanha, Jesus radicaliza a compreensão da vontade de Deus expressa na lei e ensina as pessoas a buscar o reino de Deus e a sua justiça, que supera em muito aquela justiça proclamada por escribas e fariseus. A dimensão da cura é desenvolvida nos capítulos 8 – 9: Mateus narra aqui numerosas curas e milagres de Jesus, que brotam da fé e estão a serviço dela (8.10, 13, 26; 9.2, 22, 28, 29). O evangelista pretende destacar, com os capítulos 5 – 9, que Jesus se revela como o Messias da palavra e o Messias da ação. Palavra e ação se complementam mutuamente. Uma está a serviço da outra. No final do bloco, 9.35 repete quase as mesmas palavras de 4.23, vinculando mais uma vez o ensino e a pregação de Jesus com as suas curas. Mateus 9.35, portanto, é uma parte da dobradiça, que conecta o texto de pregação com o ministério de Jesus que acaba de ser narrado. A sequência do texto representa a outra parte da dobradiça. Ela faz a conexão com o que vai ser narrado a seguir: diante da gigantesca tarefa que Jesus constata em suas andanças, ele prepara pessoas para amplificar seu ministério. As necessidades existentes junto ao povo são muito maiores do que os recursos que ele possui. Por isso Jesus prepara, autoriza e envia discípulos, para que eles participem de sua tarefa e de sua missão. b) O texto de pregação 9.35-36: O v. 35, como dito acima, repete 4.23, com pequenas variações, e estabelece uma conexão com os capítulos anteriores. A leitura desses capítulos
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pode ilustrar o que significa o “evangelho do reino” (5 – 7) e como o Messias de Israel “cura toda sorte de doenças e enfermidades” de seu povo (8 – 9). Ao resumir a atividade de Jesus, Mateus destaca duas coisas. A primeira é que Jesus desenvolve um ministério itinerante: diferentemente de João Batista, que se estabelece à beira do Jordão e aguarda que as pessoas venham a ele, Jesus vai ao encontro das pessoas lá onde elas estão, em meio às circunstâncias concretas de sua existência. A segunda coisa que chama a atenção é a caracterização de seu ministério. Tudo o que Jesus diz ou faz está resumido em três verbos: ensinar, pregar e curar. O evangelho se reporta seguidamente a essas dimensões. Vários locais servem de palco para o seu ensino: o monte (5.1-2), as sinagogas (4.23; 9.35; 13.54), o templo de Jerusalém (21.23; 26.25). Em seu ensino, Jesus radicaliza a vontade de Deus expressa na lei. Ela não se refere apenas às manifestações externas, mas atinge também o núcleo onde as ações são geradas (5.17-48). Por isso é preciso buscar a renovação do ser humano a partir de dentro e das circunstâncias que o envolvem. Pois quando a árvore é boa, ela produzirá bons frutos, enquanto a árvore má não pode senão produzir frutos maus (7.17). Essa vontade de Deus pode ser resumida nos mandamentos do amor a Deus e ao próximo, que servem de norma e critério para os demais preceitos da lei (22.34-40). Por causa desse posicionamento, Jesus entrou em atrito muitas vezes com adversários (15.9), enquanto as multidões se maravilhavam dele, porque ele as ensinava com autoridade, e não como os escribas ordenados (7.28-29; 13.54; 22.33; 23.23). Objeto da pregação de Jesus é sempre o reino de Deus ou reino dos céus, como Mateus prefere dizer (4.17, 23; 10.7; 24.14). Quem quiser saber como é esse reino, deve olhar para a pessoa de Jesus e o que ele diz ou faz. A participação nesse reino acontece mediante o arrependimento (4.17), pois é através dele que o ser humano se submete a Deus e Deus passa a reinar sobre ele. As curas de Jesus são expressão de sua misericórdia e sensibilidade frente ao sofrimento humano (9.27; 15.22; 17.15). As doenças desfiguram no ser humano a sua condição de imagem e semelhança de Deus. As curas restauram a sua integridade física e lhe proporcionam uma nova qualidade de vida. Elas devolvem às pessoas doentes a possibilidade de interação social, visto que de outra forma elas estariam entregues à mendicância, à pobreza, ao isolamento, ao preconceito religioso e social. Saúde é um aspecto da salvação. Por isso as curas de Jesus, junto com o ensino e a pregação, mostram sua preocupação com o ser humano inteiro e suas diferentes necessidades. O v. 36 mostra como o ministério de Jesus impactou a ele mesmo. Servindo-se de uma cena pastoril muito frequente na vida e nas tradições de seu povo, Jesus compara as multidões que encontra em suas andanças a ovelhas sem pastor (cf. Nm 22.17; 1 Rs 22.17; Is 53.6; Mc 6.34). Em paisagens pobres, áridas e descercadas, a figura do pastor era essencial para manter unido o rebanho, para conduzi-lo a locais com pastagem e água e defendê-lo contra predadores. Por isso ela foi utilizada, muitas vezes, como metáfora para designar as lideranças religiosas e políticas (Ez 34). Mas à semelhança do profeta Ezequiel, Jesus denuncia que os pastores de Israel não estão cuidando de seu povo. Por isso ele está entregue
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à própria sorte e, como ovelhas sem pastor, está disperso, espoliado, prostrado e indefeso. Ao contrário das lideranças, que exploram o povo e são indiferentes ao seu sofrimento, Jesus se compadece ao enxergar sua situação. Compadecer-se significa permitir que o sofrimento dos outros comova o próprio coração. Jesus assume o sofrimento de seu povo como sua causa pessoal. Essa identificação tornou-se possível porque ele se aproximou das pessoas, defrontou-se com sua realidade cotidiana e deixou-se afetar por ela. 9.37-38: No confronto com as pessoas, Jesus percebe a imensidão da demanda e da tarefa à sua frente. E se serve de uma metáfora do mundo agrícola (seara) para falar sobre o desafio que está posto. A mesma frase reaparece em Lucas 10.2, na instrução missionária aos setenta, sinal de que ela pertencia a uma fonte comum aos dois evangelistas. A imagem da seara é igualmente recorrente na tradição bíblica (Jl 3.13; Mt 13.30, 39; Mc 4.29; Jo 4.35; Ap 14.15). Trata-se dos campos de cereais prontos para a colheita. Três coisas são ditas sobre a seara: a) ela é grande e está madura para a ceifa; b) há poucos trabalhadores para fazer a colheita; c) é preciso providenciar mais trabalhadores. A metáfora bíblica sempre traz consigo a ideia de urgência: ante a seara madura, não há tempo a perder. A colheita sinaliza o juízo iminente de Deus sobre uma realidade que necessita de transformação. A resposta de Jesus para o gigantismo da tarefa não é o desespero, mas a oração. A miséria das pessoas clama aos céus. Por isso é preciso pedir ao dono da lavoura que mande mais trabalhadores para a colheita. 10.1-4: Este bloco representa a resposta de Deus ao pedido por mais trabalhadores. E Jesus é o encarregado de recrutá-los. Ele é o guia que há de apascentar o povo de Israel (Mt 2.6), disperso e oprimido como ovelhas sem pastor. Por isso chama para junto de si um grupo de doze discípulos (10.1), que na sequência são chamados de apóstolos (10.2). Discípulos são os que seguem Jesus, apóstolos, os que são enviados em seu nome. As duas designações são lembradas nesse contexto porque, antes de representar Jesus, eles precisam segui-lo e aprender dele. Não se trata aqui, a rigor, da constituição dos discípulos, mas de sua autorização e comissionamento por Jesus, visto que a presença de discípulos já é mencionada em textos anteriores (4.19-22; 5.1; 8.23; 9.9, 10-11, 19). O número doze é mencionado pela primeira vez no evangelho. Ele evoca o povo de Deus da antiga aliança e representa o núcleo germinal do povo que Jesus pretende congregar novamente. O propósito de conectar os discípulos com sua própria missão está expresso no fato de conceder-lhes sua autoridade para fazer o que ele estava fazendo: expulsar espíritos impuros (4.24; 8.16, 26, 28-34; 9.32-34) e curar toda sorte de doenças e enfermidades (4.23-24; 8.1-4, 5-13, 14-16; 9.1-8, 18-26, 27-31, 35). A lista de discípulos aparece ainda em outros textos (Mc 3.16-19; Lc 6.13-16; At 1.13). Há algumas diferenças nos nomes e em seu sequenciamento. Mas Pedro sempre é citado em primeiro lugar, e Judas, em último. Os primeiros nomes das listas são os dois pares de irmãos, cuja vocação Mateus havia narrado em 4.18-23. A lista de Mateus, além disso, enumera os nomes em pares, talvez porque, na
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comissão dos doze em Marcos 6.7 (e dos setenta em Lucas 10.1), eles são enviados de dois em dois. Como indicam as referências, o grupo é heterogêneo: um é publicano, outro é zelote/nacionalista, outros são pescadores, de outros nada se sabe. Mas neles Jesus investe para incorporá-los ao seu ministério e aplacar a miséria de seu povo. 10.5-8: Esses versículos introduzem as instruções de Jesus aos doze, que se prolongam por todo o capítulo. Os discípulos, que antes seguiam Jesus, agora são enviados em seu nome e autorizados a representá-lo em experiências missionárias. As instruções evocam a conduta do próprio Jesus. Os discípulos devem procurar as ovelhas perdidas da casa de Israel, pregar a proximidade do reino dos céus e restaurar nas pessoas a qualidade de vida: curar enfermos, ressuscitar mortos, purificar leprosos, expelir demônios – tudo que Jesus havia feito em seu ministério anterior. Ou seja, a tarefa confiada aos discípulos reproduz e amplifica o ministério de Jesus. Destaca-se a demarcação mencionada no v. 5: os discípulos não devem tomar o rumo dos gentios nem entrar em cidades samaritanas. Trata-se de uma redundância, porque nesse tempo os samaritanos eram tidos igualmente como gentios. Algo similar encontramos em Mateus 15.24, quando Jesus, diante da mulher cananeia, delimita sua ação às ovelhas perdidas da casa de Israel. Como entender essa restrição num evangelho que inicia com a visita de gentios (magos) ao menino Jesus (Mt 2) e termina com a ordem do ressuscitado de fazer discípulos em todas as nações (28.18-20)? É possível que esse traço reflita a história da comunidade de Mateus. Ela sabe que Jesus se dedicou a seu povo e que jamais deixou sua terra para pregar o evangelho a outra gente. A própria comunidade nasceu a partir de judeus convencidos pelo evangelho de Jesus. Mas aos poucos essa comunidade aceitou também gentios em seu meio. Estamos falando provavelmente de Antioquia da Síria (cf. Mt 4.24), onde nasce a primeira comunidade mista (At 11.19-26), que serve de apoio ao trabalho missionário de Paulo. Mas por que Jesus restringe sua atuação e a dos discípulos a seu povo? Não porque menospreze os demais, mas porque compartilha a esperança profética da peregrinação dos povos a Sião (Is 2.2-4; 60; 66.20; Zc 8.22; 14.16-17). É por isso que ele quer reconstituir seu povo: para que ele volte a ser uma luz para as nações (Is 60.3; Mt 4.16), fonte de bênção para todas as famílias da terra (Gn 12.1-3). Em outras palavras, missão como atração! A peregrinação pode ser antevista na visita dos magos ao menino Jesus. É o que Jesus também enxerga no centurião romano, que o procura em território israelita em busca de auxílio para o criado paralítico (Mt 8.10-11). Em rápida incursão ao exterior para refugiar-se contra hostilidades, Jesus se nega, num primeiro momento, a auxiliar a mulher cananeia, até ser finalmente convencido pela grande fé que ela demonstrou (Mt 15.21-28). Essa fé, afinal, se tornará o critério de acesso ao povo de Deus constituído por judeus e gentios.
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3 Meditação O texto de pregação fornece um resumo significativo do ministério de Jesus e representa uma provocação instigante ao ministério da igreja. No momento em que os discípulos são incorporados ao ministério de Jesus, esse deve orientar também a missão da igreja e de suas lideranças. O ministério de Jesus serve de baliza para o ministério da igreja, e o ministério da igreja é chamado a amplificar o ministério de Jesus. Se a igreja não amplifica o ministério de Jesus, ela perde a sua legitimidade e a sua razão de ser. Por isso é necessário ouvir o texto com calma e atenção. a) Primeira coisa instigante é a consideração ao ministério itinerante de Jesus. Como vimos, Jesus não se instala em algum lugar à espera de que as pessoas venham procurá-lo. Ele vai ao encontro das pessoas lá onde elas estão. Como canta o poeta: “Com a roupa encharcada e a alma repleta de chão, todo artista tem de ir onde o povo está” (Milton Nascimento). Vale para o artista, vale para a igreja! Sua tarefa não se resume a instalar-se num local à espera das pessoas que a procuram. Não é esse o modelo que prevaleceu na história? A igreja é chamada a ir lá onde o povo está. Caso contrário ela perderá importância e se tornará supérflua. Quando muito, se transformará numa espécie de supermercado, para onde as pessoas se dirigem quando têm alguma necessidade individual a suprir. Por que é tão importante ir ao encontro das pessoas? Porque é lá que a vida acontece e a realidade das pessoas se apresenta como ela realmente é. Os dramas humanos dificilmente vêm à tona quando as pessoas estão fora de seu ambiente vital. Isso serve de alerta em relação às pessoas que se congregam em nossas comunidades, inclusive em nossos cultos, que consideramos o centro da vida comunitária. Se nossos cultos não estiverem conectados com a vida real das pessoas, eles se tornarão eventos artificiais e obsoletos, incapazes de corresponder aos anseios e às necessidades das pessoas. Com o tempo, elas deixarão de vir. É por isso que Jesus vai ao encontro das pessoas: porque é lá que a vida delas se revela como ela realmente é e com as carências que ela possui. b) Chegamos a um segundo aspecto importante: o texto nos diz que quando Jesus se encontra com as pessoas lá onde elas vivem, ele descobre que elas estão confusas e exaustas como ovelhas que não têm pastor. Ovelhas sem pastor ficam desnorteadas e se tornam presa fácil de animais vorazes, aproveitadores e oportunistas. À semelhança do profeta Ezequiel, Jesus descobre que as lideranças de seu povo, designadas de pastores, não estão conduzindo o rebanho a lugares onde possam saciar a fome ou a fontes onde possam saciar a sede. Ao invés de cuidar das ovelhas, estão se aproveitando delas para saciar seus próprios interesses: bebem de seu leite, matam-nas para saciar a fome, servem-se de sua lã, mas não cuidam delas. Não tratam as fracas, não curam as doentes e machucadas, não vão buscar as que se desviam nem procurar as que se perdem. É assim que Jesus encontra o povo. Não temos aqui um retrato de nossa própria realidade?
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c) Chegamos assim ao terceiro aspecto: diante do que vê, o coração de Jesus é tomado por uma profunda compaixão. Compadecer-se é a capacidade de reconhecer a miséria e a dor do outro e a solidarizar-se com ele. Por que Jesus se compadece? Porque ele não se conforma com a imagem de Deus desfigurada no rosto das pessoas. Há um abismo profundo entre o que elas deveriam ser e o que de fato são. A essa compaixão Jesus é levado quando se encontra com as pessoas lá onde elas vivem e labutam, lá onde a miséria humana vem à tona. Por isso é tão importante aproximar-se das pessoas. Muito de nossa indiferença, alienação ou preconceito vem do nosso distanciamento das pessoas. Quando nos aproximamos delas e de sua história de vida, há uma grande chance de que nosso coração se comova e sejamos movidos à compaixão e à solidariedade, a menos que tenhamos um coração de pedra. d) Diante desse quadro de aflição e falta de rumo, Jesus se apresenta como o bom pastor anunciado pelo profeta Ezequiel. Este é o quarto aspecto importante. Jesus se apresenta como o bom pastor que quer congregar as pessoas em torno de um projeto de vida plena para todas as pessoas: um caminho que as liberte do absurdo e as conduza a uma vida com sentido; uma mensagem que as liberte dos poderes que as escravizam e as encha de ânimo e esperança; um projeto que visa ao bem-estar integral do ser humano. É por isso que Jesus ensina, prega e cura. É por isso que ensina às pessoas o caminho que leva às boas pastagens e às fontes de água. É por isso que cuida de suas feridas e cura as suas enfermidades. e) Mas Jesus constata que a necessidade das pessoas é grande e que os seus recursos são limitados. As necessidades que ele enxerga são muito maiores do que as suas possibilidades. Este é o quinto aspecto. Em vista da dimensão da tarefa, Jesus necessita de colaboradores que o tomem como referência e modelo, que sejam movidos pela compaixão frente à miséria alheia, que estejam dispostos a multiplicar o seu ministério de ensino, pregação e cura e dar continuidade à obra iniciada por ele. De alguma forma, os ministérios que a igreja criou ou vier a criar encontram aqui a sua fundamentação, a sua tarefa e o critério de legitimidade. Qualquer ministério que se exerce na igreja é chamado a concretizar algum aspecto do ministério que o próprio Jesus exerceu. Sim, Jesus quer compartilhar seu ministério conosco, para que mais pessoas sejam alcançadas pelo amor de Deus e possam recuperar sua condição de criaturas criadas à sua imagem e semelhança. Mas importa reconhecer exatamente o nosso lugar e o nosso papel. O bom pastor, aquele que dá a vida por suas ovelhas, que lhes mostra o caminho das fontes e boas pastagens, esse continua sendo Jesus. Nós não passamos de instrumentos que Deus pode usar para dar continuidade à obra de misericórdia e de restauração do ser humano. f) Pensando no tema da vocação, que está na ordem do dia da igreja, o texto de pregação também apresenta uma perspectiva interessante: a vocação que tem sua origem em Jesus não nasce no abstrato ou no recôndito do ser humano, mas no encontro com pessoas concretas e suas realidades. Jesus chamou e co-
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missionou discípulos depois de defrontar-se com a realidade cruel e desumana de seu povo. Em que medida a igreja tem ajudado seus membros a colocar-se diante de pessoas e situações que geram comoção, inconformidade, indignação, compaixão, solidariedade, desejo de engajar-se e de colaborar? Os dons que Deus nos concede são sementes que precisam ser descobertas, plantadas e regadas no chão da vida concreta e real.
4 Imagem para a prédica Jesus desdobra seu ministério em três dimensões: a pregação do evangelho, o ensino e a cura (Mt 9.35). Cada uma delas tem um propósito específico: a primeira visa despertar; a segunda, aprofundar; e a terceira, concretizar a fé, a esperança e o amor. Nenhuma delas pode ser absolutizada ou esquecida. As três juntas indicam que Jesus se preocupa com todas as necessidades humanas, sejam elas de natureza espiritual ou material. O texto nos diz que os doze, primeiro, foram chamados de discípulos e, na sequência, de apóstolos. Os dois nomes remetem à tarefa confiada à igreja de aprender essa lição com Jesus e de testemunhá-la ao mundo.
5 Subsídios litúrgicos Introito: Jesus se apresentou a seu povo como o bom pastor que veio para congregar as ovelhas, cuidar delas e dar a vida por elas. Ele disse: Eu vim para que vocês tenham vida, e a tenham em abundância (Jo 10.10). Hinos: LCI 22 (Entrada); LCI 44 (Confissão de pecados); LCI 49 (Anúncio da graça); LCI 576 (Palavra); LCI 285 (Bênção). Os hinos estão disponíveis no link: <https://www.luteranos.com.br/conteudo/livro-de-canto-da-ieclb-por-numeracao>. Confissão de pecados: Senhor, nosso Deus! Teu Filho Jesus se aproximou das pessoas de seu tempo e sentiu profunda compaixão por elas, ao perceber que estavam dispersas e exaustas como ovelhas que não têm pastor. Perdoa-nos quando nos distanciamos das pessoas ou quando fechamos os olhos para não enxergar sua situação de sofrimento, angústia e solidão. Senhor, teu Filho se aproximou das pessoas para anunciar a elas a boa nova do evangelho, para ensinar-lhes a vontade de Deus, que se manifesta como amor e justiça, e para curá-las de suas dores e enfermidades. Perdoa-nos quando nos fechamos em torno de nós mesmos, quando contribuímos com o sofrimento de outros e ajudamos a manter um mundo desumano e desigual, de modo que tua imagem e semelhança não podem ser mais reconhecidas no rosto das pessoas. Senhor, teu Filho convocou pessoas como discípulas para que elas pudessem colaborar com sua missão de orientar pessoas no bom caminho e restaurar junto a elas vida digna e abundante. Perdoa-nos quando nos isentamos de nossa responsabilidade e queremos que tu resolvas os problemas que nós ajudamos a criar. Preenche-nos com teu Espírito, restaura nossa fé e nossa disposição para o serviço às pessoas mais carentes, confusas e exaustas, para que nosso testemunho
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possa ser percebido como um sinal do teu reino, que quer ganhar espaço neste mundo. Por Cristo Jesus, nosso Senhor e Salvador, Amém! Palavra de graça: Deus responde à nossa confissão de pecados assim como respondeu ao profeta Isaías: Não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou o teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a minha destra fiel (Is 41.10). Oração de coleta: Senhor, nosso Deus, aquieta nossa mente e nosso coração no momento em que nos preparamos para ouvir tua palavra. Fala tu mesmo a nós através da palavra que nos será anunciada e anima-nos a responder a ela com alegria, obediência e comprometimento. Por Jesus Cristo, teu Filho, Amém!
Bibliografia CARTEN, Warren. O evangelho de São Mateus. São Paulo: Paulinas, 2002. LUZ, Ulrich. El evangelio según San Mateo. Salamanca: Sígueme, 2001. RIENECKER, Fritz. Evangelho de Mateus. Curitiba: Evangélica Esperança, 1998.
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PRÉDICA: JEREMIAS 20.7-13 MATEUS 10.24-39 ROMANOS 6.1b-11
4º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
25 JUN 2023
Marivete Zanoni Kunz
Lutas
1 Introdução A vida de quem serve ao Senhor não está livre de desafios e conflitos pessoais. Jeremias viveu isso, a tal ponto que foi colocado no cepo por Pasur, o principal oficiante do templo, filho de Imer, o sacerdote. Num momento de muita dor, possivelmente enquanto ainda estava no cepo, Jeremias se queixou a Deus, dizendo que se sentiu seduzido ou até enganado. Ele foi chamado para ser profeta e de certa forma não resistiu ao chamado, mas agora as suas palavras não tinham autoridade e ele era zombado devido à sua mensagem. Mas o próprio Cristo afirma que não é necessário temer pelas coisas e sofrimentos físicos, pois o Senhor conhece tudo em detalhe, até os fios de cabelo de cada indivíduo. Mesmo diante dos sofrimentos é importante lembrar que não podemos negar a Cristo, pois aquele que assim o fizer será por ele negado diante de Deus. Além disso, o próprio Cristo afirma que veio não para trazer paz, mas espada, claro que isso devido à oposição que o evangelho criava (Mt 10.24-39). Aquele que serve e tem experiência profunda com o Deus a quem serve, certamente, sente-se como Jeremias: mesmo diante do sofrimento, não pode ficar calado, pois as palavras de Deus ardem de forma intensa no coração. No caso de Jeremias, ele retomou sua confiança, por alguma razão que não está clara no texto, pois ele diz, nos v. 11 a 13, que o Senhor é um forte guerreiro e que a vitória está garantida.
2 Exegese Os fatos descritos em Jeremias 18 – 20 ocorreram durante o reinado de Jeoaquim (607-597 a. C.). Isso significa que as profecias de Jeremias se cumpriram logo após, pois, em 605 a. C., Nabucodonosor saqueou o templo e levou Jeoaquim e os nobres para a Babilônia. V. 7 – A expressão persuadir utilizada neste versículo é proveniente do verbo hebraico pātâ. Esse verbo pode ser traduzido por seduzir, enganar ou persuadir. Nesse versículo, esse verbo também pode ter o sentido de atrair. Wiersbe afirma que, embora saibamos que Deus não mente (Tt 1.2), Jeremias sentiu como se Deus estivesse “se aproveitado” dele, no sentido de aceitar o ministério. Ele se sentiu enganado. A linguagem é forte, mas foi numa conversa particular com Deus, não foi algo que ele tenha reclamado para outros indivíduos.
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Golgberg afirma que “Jeremias, nas profundezas de seu desespero, quando seu ministério parecia tão infrutífero, queixou-se de que Deus o enganara. O Senhor foi gracioso com ele (da mesma forma como é com todos que o servem), pois Jeremias não pôde escapar ao comissionamento (20.7-9)” (Golgberg, 1998, p. 1.249). Ainda no v. 7, a expressão escárnio ou opróbrio evidencia que o período em que o profeta trouxe sua mensagem foi numa época na qual se esperava que a profecia, ao ser anunciada, logo se cumprisse, caso contrário seria considerada falsa. No caso de Jeremias, como as profecias dele estavam demorando para se cumprir, o povo passou a rir dele quando ele trazia alguma mensagem sobre o futuro. A expressão utilizada no hebraico para escárnio, tsehōq, evidencia situações diversas em que algo ou alguém se tornou motivo de riso, como, por exemplo, Judá, com a sua queda (Ez 23.32; Lm 3.14), bem como Moabe (Jr 48.26, 39) ou também Jó (12.4). V. 8 – Em hebraico, a expressão hāmās é a palavra para violência. Esse substantivo e verbo são utilizados cerca de setenta vezes no hebraico, sendo que a maioria dos tradutores faz uso da ideia de violência quase sempre indicando violência pecaminosa, ou seja, essa expressão não é utilizada no texto bíblico para referir-se à violência relacionada com catástrofes naturais. O uso dessa palavra ocorre como sinônimo de extrema impiedade, maldade e crueldade (Harris, 1998, p. 485). Os termos violência e destruição que aparecem nesse versículo resultaram em risos dos ouvintes e são destaques na mensagem do profeta. V. 9 – Ao final deste versículo, o profeta afirma estar fatigado ou cansado. O termo hebraico utilizado neste caso é lā`â. No hebraico, lā`â diz respeito tanto à fadiga física quanto psicológica. É uma palavra empregada em figuras poéticas baseadas em ambos os sentidos. Este termo é utilizado no livro de Jó (Jó 4.2, 5) para falar de desânimo e aborrecimento. Quando aparece como expressão idiomática, auxilia para mostrar que há um excesso questionável daquilo que está resultando o cansaço. Em alguns momentos até Deus fica cansado de ter compaixão (Jr 15.6) (Bowling, 1998, p. 762).
V. 10 – O termo terror utilizado neste versículo é proveniente da expressão hebraica māgôr, que na sua raiz traz o sentido de estar intimidado diante de um ser ou coisa mais forte ou superior. Mostra o medo que alguém tem de homens, animais ou do próprio Deus, ou o sentido de extremo pavor. Em Jeremias, a frase māgôr missābîb, que significa terror por todos os lados, é muito conhecida (Harold, 1998, p. 257). Já o verbo denunciar, que no hebraico é proveniente da raiz nāgad, aparece duas vezes neste versículo e “tem o sentido de ‘colocar algo de forma ostensiva diante de alguém’”, para que fique bem visível. Normalmente era algo desconhecido anteriormente. Quando o verbo nāgad aparece com o paralelo sinônimo shama´, torna-se ainda mais claro. Esse verbo é utilizado com relação tanto ao que Deus como quanto ao que o ser humano revela (Stigers, 1998, p. 914).
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V. 11 – Neste versículo, o profeta afirma que Deus é um poderoso guerreiro, o que evidencia o seu reconhecimento quanto ao agir de Deus junto dele. V. 13 – A palavra alma, neste versículo, também possui os sentidos de mente, vida, pessoa. Também pode acontecer em alguns idiomas que parte do corpo ou órgãos assumam tal sentido. No caso do português e do hebraico, o coração pode assumir o sentido de alma. O termo que aparece no texto bíblico hebraico é nephesh, e esse por vezes tem o sentido contraditório de morto (Bruce, 1998, p. 984).
3 Meditação: O servo de Deus diante das lutas O texto de pregação fala da experiência de alguém que foi chamado pelo Senhor para realizar uma missão específica. Jeremias foi chamado e sentiu-se atraído por esse chamado, de forma a não poder dizer não. Jeremias vivenciou dura realidade porque Pasur, filho de lmer, assistente do sumo sacerdote e chefe da segurança do Templo, não se agradou daquilo que ele estava proclamando. Por isso mandou prendê-lo e espancá-lo, além de colocá-lo no tronco. Esse tronco era um lugar visível no espaço do Templo. Quem ali era exposto passava por momentos de vergonha e dor. Diante disso, fica o questionamento de como deve agir o servo de Deus diante das lutas. Neste sentido, o profeta Jeremias deixa algumas lições que seguem abaixo. Busca o Senhor de todo o coração A primeira lição diz respeito a colocar-se diante de Deus com o coração aberto, realmente falando o que se sente. Jeremias fez isso ao afirmar que estava se sentido seduzido ou enganado (v. 7). Mas é importante lembrar que Deus foi muito claro com Jeremias desde o seu chamado (Jr 1), quando lhe falou sobre as dificuldades de seu ministério. Entretanto, Deus também pediu que o profeta confiasse nele, porque ele faria de Jeremias como que uma cidade fortificada e um muro de bronze diante de seus inimigos. Após um momento sincero e difícil diante de Deus, no qual abrimos nosso coração, choramos, reclamamos e verdadeiramente mostramos como nos sentimos, talvez Deus vai tirar o ardor de nosso coração e nós, como servos, não queiramos mais dar continuidade àquilo que nos foi solicitado. Mas isso por vezes é um grande engano. Essa foi a experiência de Jeremias. Após Jeremias abrir seu coração a Deus, ele afirmou que a mensagem ardia em seu coração como fogo ardente e estava encerrada em seus ossos. Portanto não poderia deixar de proclamar. Então vem a pergunta: o que gera a obediência dos servos de Deus diante das lutas? A resposta é: assim como Jeremias diante dos desafios e lutas obedeceu, se formos obedientes ao Senhor, continuaremos a missão e enfrentaremos os desafios com a certeza que o Senhor estará ao nosso lado.
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Enfrenta os desafios com sinceridade A segunda lição deixada pelo profeta diz respeito a enfrentar os desafios com sinceridade. Muitos foram os sofrimentos enfrentados pelo profeta Jeremias. O texto mostra que o profeta foi espancado e colocado no tronco. Outros textos mostram que ele foi submetido a outros sofrimentos e perseguições, tais como ameaça de morte por acusações falsas (Jr 26), prisão (Jr 37.11-21) e reclusão numa cisterna (Jr 38.1-13). Até que foi libertado pelo rei da Babilônia, Nabucodonosor (Jr 39.11-18). Os v. 9 e 10 mostram que o profeta tinha medo. Ele também afirma estar cansado e fatigado. Mas, ainda assim, permaneceu firme, cumprindo sua missão. As dificuldades não precisam ser ignoradas, mas enfrentadas com sinceridade e com a ajuda de Deus, para que a solução seja encontrada. O profeta chegou diante de Deus, abriu seu coração e tornou-se ainda mais forte em meio aos desafios, por isso permaneceu pregando a mensagem. Como dito, os fatos descritos em Jeremias 18 – 20 possivelmente ocorreram durante o reinado de Jeoaquim (607-597 a. C.). Isso significa que as profecias de Jeremias se cumpriram logo após, pois, em 605 a. C., Nabucodonosor saqueou o templo e levou Jeoaquim e os nobres para a Babilônia. Neste sentido, ainda que Jeremias tenha passado todo o sofrimento já descrito, o Senhor concedeu-lhe a alegria de ver o cumprimento de suas palavras. Desta forma Deus foi honrado, mas também o profeta. Duras foram as lutas de Jeremias na função de profeta. Mas ele mostrou que servir ao Senhor faz com que sejamos mais fortes, independente do ministério que se exerce, pois podemos ser servos em qualquer lugar ou função. Diante das lutas, o servo de Deus precisa buscar o Senhor de todo o coração e enfrentar os desafios com sinceridade. Obedecer em meio às lutas nos torna mais fortes e assim temos vitórias diante de coisas que jamais imaginamos. O capítulo 20 do livro de Jeremias e os versículos lidos registram o último lamento do profeta. Esse lamento revela muitas coisas que o profeta sentia, como angústia, desespero, e também louvor. Ele, como servo fiel e sensível à voz do seu Deus, experimentou o desespero no vale de sofrimento, mas também a alegria de saber que foi fiel e obediente à vontade de Deus. Jeremias, apesar de seus sentimentos, foi honesto com o que sentia. E desta forma teve sabedoria para agir corretamente diante do chamado que recebeu, bem como dos perigos e desesperos enfrentados.
4 Imagens para a prédica Lutas desta vida: Eis que estou convosco Um incidente ocorrido no campo de batalha mostrou a coragem e a simpa tia do rei Vitório Emanuel III, da Itália. Em meio ao fogo da artilharia, um te nente, que caiu mortalmente ferido, gritou a um soldado e entregou-lhe uma bolsa, para que ele a entregasse à sua família. A seguir, ordenou-lhe que fugisse.
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Contudo, o soldado tentou carregar o oficial para um lugar a salvo. Alguns artilheiros gritaram-lhe: Salva-te! Salva-te!. Ele, porém, não abandonou o superior. Ouvia, à distância, o motor do carro do rei que se afastava do campo. O jovem esforçava-se ao máximo para levar o corpo do oficial, quando este, não resistindo aos ferimentos, faleceu. O soldado, então, amargurado, lamentou: Até o rei fugiu! Nesse momento, uma mão firme tocou-lhe no ombro. Ele se voltou e, surpreso, reconheceu o rei, que o confortou, dizendo: Meu caro rapaz, o carro se foi, mas o rei ainda está contigo! E ficaram juntos até o fim do dia!
Bibliografia BLANCHARD, John. Pérolas para vida: Pensamentos para sermões e palestras. São Paulo: Vida Nova, 1993. HARRIS, R. L.; ARCHER, Jr., G. L.; WALTKE, B. K. Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento. Tradução de Márcio Loureiro Redondo e Luiz Alberto T. Sayão. São Paulo: Vida Nova, 1998.
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5º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
02 JUL 2023
PRÉDICA: MATEUS 10.40-42 JEREMIAS 28.5-9 ROMANOS 6.12-23
Alan S. Schulz
Testemunhar, acolher e transformar!
1 Introdução Os textos bíblicos para este 5º Domingo após Pentecostes podem ser relacionados a partir da temática da vocação para qual Deus chama sua comunidade, principalmente no que se refere ao testemunho público da fé e seus resultados. Qual o conteúdo desse testemunho comunitário que acontece em palavras e ações? Como os discípulos precisam compreender o acolhimento ou não desse testemunho? Em nosso texto, Jesus está encorajando sua comunidade de discípulos. Já na perícope anterior ao texto da prédica, os discípulos são enviados por Jesus para dar testemunho às ovelhas perdidas da casa de Israel (v. 6) e isso tem consequências concretas dentro do texto em questão, pois ele se ocupa da recepção do testemunho apostólico. Percebemos a mesma relação em Jeremias ao mencionar o profeta Hananias, que anuncia a paz e a reconstrução para o povo que está com sua identidade destruída no exílio, que dificilmente poderia acolher uma mensagem de esperança e muito menos crer nela. A esses é prometida a reconstrução da identidade como povo do Deus Javé. Na mesma perspectiva, também Paulo encoraja seus ouvintes à obediência e ao zelo com a mensagem do Cristo crucificado e ressurreto. Para Paulo, a vocação é o anúncio da vitória de Cristo sobre todas as formas pelas quais a morte se apresenta no mundo, sendo ela o “salário do pecado” como um mal ontológico. Esse é o embalo de Pentecostes, a vocação da igreja para dentro de um mundo contraditório, marcado pelo pecado ontológico e estrutural, onde somos chamados e chamadas para dar testemunho do amor de Deus em palavras e ações.
2 Exegese O capítulo 10 do Evangelho de Mateus se ocupa com um grande discurso para o envio dos discípulos. Alguns exegetas chamam esse capítulo de “grande discurso missionário” ou “sermão de envio dos discípulos”. Nosso texto está na parte final desse discurso, dentro do segundo bloco, que vai dos v. 16 a 42. Nesse bloco são trazidas palavras de estímulo e encorajamento para a missão apostólica, as responsabilidades, os reveses, as contradições e as dádivas de testemunhar o evangelho, a boa nova do Reino de Deus.
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A perícope inicia com o envio dos discípulos e uma conceituação importante: quem recebe o mensageiro recebe também aquele que o enviou. Essa declaração é uma chave hermenêutica para o restante da perícope e também uma das palavras de estímulo mais importantes de todo o capítulo 10. Quem recebe o discípulo recebe o próprio Jesus e, ao mesmo tempo, recebe aquele que o enviou. Quem recebe o discípulo e sua mensagem recebe o próprio Deus. A hospitalidade para com o discípulo é a própria possibilidade de receber Deus como visitante. O discípulo carrega a presença de Deus no mundo, não com um fim em si mesmo, não para proveito individual, mas com o objetivo de atingir seus ouvintes e esses participarem da bênção que é a comunhão com o próprio Deus. A expressão quem vos recebe denota a aceitação do conteúdo da mensagem apostólica. Jesus enfatiza que quem recebe a mensagem, também recebe as dádivas que o mensageiro traz, chamadas no texto de galardão. Essa expressão, por sua vez, não deve ser compreendida como uma recompensa dada pelos esforços pessoais daquele que acolhe o discípulo, mas sim como a oportunidade de estar em comunhão com o próprio Deus. Esse é o grande presente para quem acolhe a mensagem. Pois também havia lugares em que a pregação apostólica não era bem-vinda e os apóstolos sofriam ali as consequências do seu testemunho de fé. Destacamos ainda duas expressões importantes utilizadas pelo redator: a referência ao copo de água fria e a descrição dos discípulos como sendo esses pequeninos. A primeira denota que não se deve esperar uma recepção cheia de pompas ao mensageiro. Ela pode ser bem simples, sem qualquer tipo de protocolo rebuscado. Ser recebido com todas as honrarias não deve ser o objetivo da pregação apostólica. Dar um copo de água fria simboliza uma acolhida despretensiosa, ou seja, sem segundas ou terceiras intenções. O discurso de Jesus deixa claro que a recepção do discípulo não o enaltece como mensageiro, pelo contrário, sinaliza seu acolhimento e o mantém em seu lugar como o porta-voz, nunca como proprietário da mensagem. Ele não é mais importante do que a mensagem que carrega. Nesse sentido, o mensageiro não pode usar a mensagem em benefício próprio, como alguém que receberia honrarias por tê-la ou por carregá-la. Precisa, isto sim, compreender-se sempre como um pequenino diante da grande missão para a qual foi chamado. Jesus corrobora essa ideia, como já afirmamos acima, ao chamá-los de pequeninos. Os discípulos mensageiros não são pequeninos por causa de sua condição material miserável, por algum tipo de humildade pessoal, ou ainda por simples autocomiseração. O que faz com que seu mestre os chame de pequeninos é sua posição de fragilidade diante dos poderes instituídos neste mundo. Poderes que, apesar de serem conquistados pela força bruta, por condições materiais ou políticas adversas, são efêmeros e passageiros. Os poderosos deste mundo, os grandões ou famosos, reforça Rienecker, a esses “muita gente quer prestar homenagens e gentilezas”. Os discípulos não pertencem a esse grupo e não fazem parte de uma lista de celebridades que são aguardadas ansiosamente. Por isso quem os acolhe recebe também a bênção da mensagem que carregam, a própria presença de Jesus Cristo, e assim o próprio Deus (Rienecker, 1998, p. 184).
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3 Meditação Por ocasião do Pentecostes, a comunidade foi investida com a tarefa missionária de dar testemunho público da sua fé, com e na presença do Espírito Santo, que cria comunhão e fé. Esse testemunho acontece num mundo que não é perfeito, pelo contrário, está marcado pela morte, que se manifesta de diferentes formas: violência, desentendimentos, polarizações, radicalismos religiosos, políticos, assassinatos etc. Aqueles que se advogam possuidores da verdade, em nome de Deus, e que sustentam sua argumentação por meio de uma leitura fundamentalista da Bíblia, se enquadram nesses instrumentos de morte. Seus discursos segregam o corpo de Cristo e contribuem para a vulnerabilidade teológica e confessional da comunidade. Esse mesmo paradoxo do discurso religioso fundamentado no ódio já existia no cristianismo do primeiro século e se tornou um desafio para toda pessoa que levava a mensagem do Cristo crucificado e ressurreto. O discurso de Jesus convida os ouvintes a acolherem a mensagem do amor de Deus, e com ela, um conteúdo precioso. Cá e lá as realidades se contrastam e se aproximam. Com cuidado, podemos dizer que o testemunho cristão em nosso tempo também enfrenta o desafio do acolhimento ou da rejeição. Estamos preparados, como comunidade cristã, para enfrentar essas reações à nossa mensagem? Qual é o conteúdo da mensagem que transmitimos? Quando emitimos nossa opinião, não demora muito para que tenhamos reações ao conteúdo do nosso discurso, principalmente se for material postado em nossas redes sociais. Elas se tornaram um laboratório social, onde as pessoas perderam os limites éticos da hospitalidade, da gentileza e do acolhimento. Ao se esconder atrás da tela, as pessoas têm a falsa ilusão de que não precisam responder pelo conteúdo que transmitem, de que estão ilesas de qualquer culpabilidade e crime. Não há mais critérios ou preocupação com a qualidade do conteúdo da mensagem, importa que ela seja acolhida, que tenha visualizações e curtidas. O discurso, nesse contexto, é interesseiro, está rendido ao ouvinte, é palco para toda e qualquer produção de fake news, nos mais variados assuntos, temas e notícias. Quem discorda da opinião alheia é vítima do ódio e do escárnio imediato. Não existe espaço para a contradição. Cada pessoa tem a ilusão de que pode opinar sobre tudo, sem que ninguém tenha direito de questioná-la. O ambiente virtual, mesmo com iniciativas de regulamentação, ainda se apresenta como uma “terra sem lei”. É nesta realidade que a comunidade cristã carrega o seu conteúdo, a saber, o evangelho como boa notícia de Deus que se manifestou em Jesus Cristo crucificado e ressurreto. É neste ponto que o nosso texto se encaixa. Ele traz a promessa de que aquele que acolhe o mensageiro acolhe também quem o enviou. Ao carregar a mensagem da cruz e da ressurreição de Jesus, a pessoa acolhida traz a possibilidade do hospedeiro receber o próprio Cristo em sua casa. E quem acolhe Jesus Cristo acolhe o próprio Deus. A mensagem é mais importante do que o mensageiro. Ela é o centro da ação de Deus no mundo por meio da sua comunidade de discípulos e discípulas. Deus usa nossos dons na sua missão e a pessoa
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mensageira de Deus está sempre a serviço dele no mundo. Ela não é proprietária da mensagem da cruz e da ressurreição. Ninguém pode apropriar-se de Deus em seu próprio benefício, nem sentir-se o mais importante em sua tarefa. Ao invés disso, ser uma pessoa mensageira do Reino de Deus é assumir os riscos da missão tendo a certeza de que Deus a acompanha, mesmo que ela se compreenda como pequena e fraca. Numa perspectiva antropológica luterana, esse texto revela a fragilidade do mensageiro e, dialeticamente, a ação misericordiosa de Deus ao enviá-lo. Porém, não é o mensageiro nem mesmo o ouvinte que produzem a presença de Deus. É o próprio Deus, como conteúdo, que se faz presente onde o seu enviado e sua mensagem são acolhidos. Como seres humanos, carregamos as limitações da nossa própria existência temporal, permeada pelas contradições da vida, nossos sonhos, anseios e frustrações. Deus usa a sua comunidade de fé como instrumento para apontar caminhos de paz e justiça no mundo com sua presença salvadora e transformadora.
4 Imagens para a prédica O conteúdo da nossa fé e da nossa mensagem é a boa notícia do amor de Deus revelado no Cristo crucificado e ressurreto. Deus chama sua comunidade a viver esse testemunho em palavras e ações. Podemos apontar duas perspectivas a partir do nosso texto bíblico. A primeira, mais abrangente sobre todo o capítulo 10, é que o testemunho público da fé enfrenta desafios, pode ser acolhido, produzindo comunhão e partilha na presença de Deus, como também pode ser rejeitado. Dependemos sempre do contexto em que pregamos e o risco que assumimos na dimensão profética da denúncia, do enfrentamento de situações onde nosso conteúdo está em descompasso com a indústria cultural vigente. Outra possibilidade é apontar a dimensão da hospitalidade e do acolhimento diante da pregação. O resultado do acolhimento aparece como a promessa de que, ao acolher o mensageiro, acolhe-se o próprio Deus. Como podemos nos apropriar dessa mensagem para refletir sobre o nosso jeito de ser comunidade? Podemos ser mais acolhedores? Nossa ação é relevante em nosso contexto? A comunidade cristã lida constantemente com essas perguntas e a partir delas reflete sobre a natureza e o sentido da sua existência. Nosso conteúdo é precioso, quem o acolhe tem a oportunidade de participar da festa da vida, da comunhão do corpo de Cristo. Essa é uma enorme dádiva, é a promessa do Reino que vivemos desde já, mas ainda não de forma plena.
5 Subsídios litúrgicos Pode ser utilizada a oração de Francisco de Assis, seja de forma literal ou como inspiração para a formulação da oração geral da igreja. Ela pode ser colocada na primeira pessoa do plural e lida junto com a comunidade. Ela se relaciona com o tema da perícope, uma vez que intercede por um testemunho de fé pessoal
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ou comunitária que transforma realidades, não por si mesmo, mas pela ação do conteúdo da fé – Jesus Cristo. Senhor, faze de mim um instrumento de tua paz. Onde houver ódio, que eu leve o amor. Onde houver ofensa, que eu leve o perdão. Onde houver discórdia, que eu leve a união. Onde houver dúvida, que eu leve a fé. Onde houver erro, que eu leve a verdade. Onde houver desespero, que eu leve a esperança. Onde houver tristeza, que eu leve a alegria. Onde houver trevas, que eu leve a luz! Ó Mestre, faze que eu procure mais: consolar do que ser consolado; compreender do que ser compreendido; amar do que ser amado. Pois é dando que se recebe; é perdoando que se é perdoado e é morrendo que se vive para a vida eterna! Amém.
Bibliografia ADORNO, Theodor. Indústria Cultural. In: Theodor W. Adorno. São Paulo: Ática, 1986. p. 92-99. BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. Santo André: Academia Cristã, 2008. RIENECKER, Fritz. Evangelho de Mateus. Curitiba: Evangélica Esperança, 1998.
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PRÉDICA: ROMANOS 7.15-25a ZACARIAS 9.9-12 MATEUS 11.16-19, 25-30
6º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
09 JUL 2023
Joel Schlemper
Graças a Deus por Jesus Cristo
1 Introdução O texto de Romanos 7.15-25a está previsto para a pregação neste domingo. Nele, o apóstolo Paulo constata que a lei é incapaz de produzir a tão desejada santidade de vida. Segundo o testemunho do apóstolo, o ser humano pós-rebelião de Adão e Eva possui o desejo de cumprir a lei, desejo esse sincero, mas não o consegue realizar por causa da escravidão resultante da queda (Gn 3). Paulo, numa percepção um tanto subjetiva, mas também ancorada no testemunho bíblico, afirma: Porque não faço o bem que eu quero, mas o mal que não quero, esse faço (Mt 7.10). Essa constatação da dura consequência do pecado é contrastada com a confissão do último verso de Romanos 7: Graças a Deus por Jesus Cristo (Rm 7.25a). O texto sugerido como leitura do Antigo Testamento é Zacarias 9.9-12 e está inserido no contexto do retorno do povo de Israel do cativeiro babilônico. O capítulo 9 inaugura aquilo que é chamado de “Dêutero-Zacarias”, por ser distinto da primeira parte. Na primeira parte, capítulos 1 a 8, o autor descreve datas e pessoas, além de ilustrações relacionadas ao motivo do juízo de Deus para com o povo de Israel: a desobediência. Já a segunda parte, capítulos 9 a 14, mesmo que tenha sido escrita por outra mão e em época distinta da primeira, é um texto que apresenta a graça divina. Podemos dizer que lei e evangelho estão explicitados no livro. É um texto do evangelho que aparece no Antigo Testamento, pois o profeta descreve que há esperança: o seu rei vem até você, justo e salvador (Zc 9.12a). Trata-se de uma clara referência ao Messias, e que em sua presença haverá paz. As armas de guerra serão destruídas e no sangue da aliança a paz reinará entre as nações (Zc 9.10-11). Uma poderosa mensagem contra a altivez de se impor a paz com o uso da força bruta. O texto de leitura do Novo Testamento é Mateus 11.16-19, 25-30. Esse está dentro do contexto em que mensageiros de João Batista questionam Jesus se ele é ou não o Messias prometido. Na resposta de Jesus, temos uma descrição da Lei, onde ele descreve o coração endurecido do ser humano, que não deu atenção às leis e aos profetas. Em seguida, v. 25ss, temos a descrição feita por Jesus da graça de Deus. É a graça que revela estas coisas, a mensagem do evangelho, aos pequeninos (Mt 11.25). Novamente, na leitura sugerida, estão explicitados lei e evangelho, juízo e graça, condenação e salvação, letra e espírito. O texto desnuda o coração rebelde do ser humano, mas não o deixa no desespero da condenação, pois foi do agrado do Pai revelar sua graça por meio de seu Filho (Mt 11.26).
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A perícope evangélica do dia termina com o consolador resultado do evangelho: Vinde a mim os que estão cansados e sobrecarregados (Mt 11.28). Há descanso para o manso e humilde, que é espiritualmente pobre e incapaz de servir o Pai com esforço próprio. Todo o peso da lei é colocado em Cristo, que oferta um jugo incomparavelmente melhor, que é leve e suave, e que traz descanso para a alma aflita.
2 Exegese O texto de Romanos 7.15-25a não pode ser lido desconectado do capítulo 6, que trata da santificação, assim como do capítulo 8, que descreve a concretização dessa santidade. Também não pode ser retirado do contexto maior do livro de Romanos, que descreve, nos primeiros capítulos, que todas as pessoas, religiosas ou não, são pecadoras (Rm 3.23), para em seguida, nos capítulos 4 e 5, lembrar que a paz com Deus foi comprada em Cristo Jesus e é recebida por fé, não por obras (Rm 5.1). Nos primeiros versos, 14-20, o apóstolo se refere à condição humana pós-rebelião (Gn 3). A humanidade está vendida à escravidão do pecado, que é o tema principal aqui. É essa escravidão que nos impede de fazer o bem, mesmo querendo fazê-lo. Uma vez que não há o bem em mim, não há razão na altivez em relação ao próximo, igualmente escravizado. Não há melhores ou piores, mas a constatação de que todos somos pecadores desesperados por graça. Os v. 21-24 descrevem a nefasta condição dessa escravidão de uma forma, aparentemente, mais subjetiva. Paulo constata que mesmo tendo prazer na lei de Deus, ele continua a ser prisioneiro da lei do pecado. A conclusão do v. 24 é desesperadora: Miserável homem que sou! Com isso Paulo não está menosprezando o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, mas refletindo sobre a dura realidade vivenciada pós-rebelião. A separação do ser humano de seu Criador imposta pela queda gerou escravidão e morte, com consequências catastróficas para a relação com Deus, com o próximo e com a criação. Depois desse brado desesperador, o bálsamo do evangelho é descrito na pena do apóstolo: Graças a Deus por Jesus Cristo. Só nessas palavras caberia uma tese inteira, dada a profundidade e a libertadora consequência da redenção em Cristo. A ação de graças expressa enfaticamente aqui é resultado da constatação da falência humana em confronto com a ação de Deus para nos libertar da escravidão do pecado. A história de desgraça, de separação, de rebelião, encerrou em Cristo Jesus. Uma nova história foi inaugurada para a humanidade quando o Filho de Deus nasceu, por nós morreu e ressuscitou. Paulo apresenta aos leitores e às leitoras o evangelho que liberta o ser humano da dura e escravizante condenação. Novamente, como teólogos e teólogas da tradição da Reforma, nos saltam aos olhos lei e evangelho nesse texto. Juízo que condena nos v. 15-24 e graça que absolve no v. 25. Juízo e graça estão contidos aqui como em todo o testemunho bíblico. Não teria como descrever aqui toda a teologia da cruz e suas consequências para a igreja do século XXI, mas podemos apontar pelo menos uma delas. Ao nos depararmos com Romanos 12.9ss, por exemplo, percebemos que em Cristo Jesus
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a igreja, que vive agora a lei do Espírito (Rm 8.2), ama ao próximo de forma radicalmente nova. No ano em que é escrito esse texto, o tema da nossa igreja é “Amar a Deus e as pessoas”. Por amor a Deus, podemos amar radicalmente todas as pessoas. Esse amor não está em nós, e por isso não há por que se orgulhar dele, mas provem de Deus, que em Cristo Jesus nos resgatou da escravidão do pecado. Cabe aqui também apresentar uma informação da exegese existente entre os biblicistas modernos. Há um debate sobre a quem Paulo se referia ao escrever o texto de Romanos 7. Seria o próprio Paulo pós-conversão, testemunhando que, mesmo em Cristo, sente o peso da escravidão do pecado? Ou um testemunho dele de antes dos eventos de Atos 9? Não é necessário entrar nesse debate, os comentários já o fazem, mas há uma tendência dos exegetas em interpretar nesse testemunho os dois Paulos, de antes e depois da conversão. É texto atemporal na vida da pessoa cristã, serve tanto para conduzir a pessoa descrente a Cristo, como para lembrar a pessoa cristã de onde veio, a fim de não se orgulhar.
3 Meditação O texto previsto para hoje, Romanos 7.15-25a, tanto está conectado quanto é uma abreviação do tema da Carta aos Romanos sobre a justificação por graça e fé. Ousaríamos dizer que não apenas de Romanos, mas da história de Deus com a humanidade. Trata-se de uma descrição minuciosa da completa falência humana na sua condição pós-queda, vivendo pela lei e sem condições de restauração. Ao mesmo tempo em que revela o poderoso anúncio da salvação trazida para dentro da história do mundo na pessoa de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Lida em conjunto com os textos do profeta Zacarias e do Evangelho de Mateus, a perícope se apresenta como uma denúncia contra o orgulho que intenta a santidade por esforço e boa-fé, assim como contra o falso discurso de que o pecado se vence por esforço próprio ou com o uso da violência. No contexto do primeiro semestre de 2022, quando este texto está sendo escrito, há guerra, pregação armamentista para vencer o mal, fome e corrupção. Também percebemos uma busca desesperada pela solução das mazelas deste mundo através de pessoas, como diante do discurso eleitoral de que “se fulano for eleito, então teremos paz e justiça”, ou, olhando para o outro lado, “caso o sicrano seja eleito, então seremos arrastados para a desgraça”. Nesse texto, Paulo nos lembra que, tendo boas intenções ou não, o ser humano não consegue se livrar do mal, pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto (Rm 7.15b). Já o v. 25 de Romanos 7 apresenta um grito de liberdade nesse contexto de desesperadora falência. É o “Proclamar Libertação” na pena do apóstolo. É um corajoso testemunho escrito há dois mil anos, mas igualmente relevante para o mundo do século XXI: Graças a Deus por Jesus Cristo. Esse é o fio vermelho da pregação, a proclamação da liberdade que temos em Cristo Jesus, diante da desesperadora situação de caos que a rebelião trouxe. Ao olharmos para o aparente caos, guerras, injustiças, fome, pandemia, polarizações políticas, vem a pergunta: por que o Deus todo-poderoso, confessa-
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do dominicalmente com o Credo Apostólico, permite tanta dor? A resposta a essa pergunta é: Não era para ser assim. O Deus que confessamos é Criador e Gênesis 1 e 2 descreve a criação como sendo muito boa. No contexto da boa criação não havia caos, injustiças, guerras, pandemias, fome, destruição da criação e morte. Porém a rebelião descrita em Gênesis 3 empurrou a humanidade para a escravidão do pecado, e com ele toda a criação geme por causa de nossa rebelião (Rm 8.22). Desde então, por melhores que sejam as intenções, o resultado é a morte. Como escravos do pecado, geramos esse caos voluntária ou involuntariamente. Qualquer tentativa meramente humana de restaurar a ordem, descrita em Gênesis 1 e 2, é frustrada pela condição rebelde da humanidade. Ao percebermos essa condição de caos, caímos em desespero, à semelhança do apóstolo, que exclamou: Miserável homem que sou! (Rm 7.24). A lei, como Paulo a descreve nessa perícope, produz a morte e não a vida. Ela apenas descortina o que já estava lá, a incapacidade de solucionarmos as dores do mundo. Mas, graças a Deus por Jesus Cristo (Rm 7.25a). Sem Cristo, estaríamos entregues ao desespero e morte, mas em Cristo temos salvação. Podemos “Proclamar Libertação” sem medo e a todo pulmão. O evangelho venceu a lei, a morte e o caos. Nele há completa liberdade e estamos livres da condenação e suas consequências. Este é o ponto central desta pregação de domingo: a lei fora escrita como guardiã, para levar a pessoa ao evangelho (Gl 4.23-25). Assim o evangelho, mesmo tendo sido escrito em uma linha com seis palavras nesse texto, sobrepuja em muito a lei. Ele carrega o poder de Deus para libertar de toda escravidão. A condenação e suas consequências podem durar três a quatro gerações, mas a bondade de Deus vai até mil gerações (Êx 20.5-6). Comparada à força da escravidão do pecado, a graça de Cristo é incomparavelmente mais forte e poderosa. Liberta de todo pecado que causa dor. Por isso essa mensagem de graça, mesmo em poucas palavras, grita alto neste domingo: Graças a Deus por Jesus Cristo. Lei e evangelho estão e precisam ser anunciados de forma explícita, como o fez Paulo nesse texto. Sem pregação da lei, que descreve nossa falência moral como nesse texto, não gritaríamos por Jesus Cristo. Mas igualmente sem testemunho do evangelho, estaríamos condenados ao desespero. Independente se ainda temos guerra ou não, se as eleições foram pacíficas ou não, se nosso candidato foi eleito ou não, a esperança para o mundo está em Cristo, não em pessoas. Ele é o verdadeiro Messias, que arranca de nós o grito desesperado que clama quem me livrará, para substituí-lo por graças a Deus. É muito bom receber essa esperança de fora, esperança que é luz em meio às trevas, paz em meio às guerras, alimento em meio à fome, ordem em meio ao caos, vida em meio à morte. O “bom perfume de Cristo” é a fragrância que dá sentido ao viver num mundo marcado pelo cheiro da morte. Em Jesus, o plano inicial de Deus é restabelecido. Nele, percebemos que não era para ser assim. Libertos em Jesus, podemos viver neste mundo a esperança cantada pelo P. Lindolfo Weingärtner de que “este mundo ainda é de Deus”. Em Cristo Jesus somos livres para amar ao próximo com a radicalidade descrita em Romanos
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12.9-21: Amem uns aos outros [...]; abençoem aqueles que vos perseguem [...]; Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem. Por causa de Jesus, a igreja reflete uma poderosa luz no mundo em caos, assim como dá testemunho para dentro do mundo marcado pelo ódio. Graças a Deus por Cristo Jesus, pois nele a igreja testemunha o evangelho, vive uma comunhão não fingida com os irmãos e irmãs na fé, acode com amor altruísta a pessoa necessitada e presta, sem orgulho, culto ao Criador.
4 Imagens para a prédica Tanto o texto da Carta aos Romanos como os textos auxiliares apontam para a graça de Jesus ofertada a todas as pessoas. Sejam essas cultas como Paulo ou “pequeninas” como descrito por Jesus em Mateus 11.25. Pode-se introduzir a pregação, descrevendo o contexto das dores deste mundo que guerreia, exalta a violência, prega o ódio, explora a criação e vive irresponsavelmente. Ao mesmo tempo, podemos lembrar que a graça e a bondade de Deus geram esperança e ações esperançadas, que são com luz ao mundo. Essa ação esperançada é percebida quando, em oposição ao contexto de dores, há ações diversas de amor, de tolerância, de paciência, de cuidado. Ou seja, a bondade sobrepuja em muito as dores. Tal grandiosa obra de bondade, que resgata o ser humano e o faz ser luz no mundo, está em Cristo Jesus e se destina a todos e todas. Pois mesmo sendo diferentes, todas as pessoas têm igual valor diante do Criador. Pode-se usar como ilustração duas moedas de um real e uma nota de dois reais em papel. Mesmo sendo diferentes, tanto no material, como no formato e peso, elas têm o mesmo valor. Assim também quis Deus revelar sua graça e seu amor, tanto ao culto e religioso Paulo como aos pequeninos.
5 Subsídios litúrgicos Confissão de pecados: Senhor Jesus Cristo, tu és minha justiça, eu, porém, sou teu pecado: Levaste sobre ti o que é meu, e deste a mim o que é teu. Tomaste sobre ti o que não eras, e deste a mim o que eu não era. Senhor Jesus Cristo, permaneço contigo e a ti me prendo e em ti creio; pois tu somente és o que importa. Depois quero ir e confrontar-me com os dez mandamentos e aplicar-me a boas obras. Mas o principal será que a ti me atenha e que por ti me seja doada a vida eterna. (Martim Lutero, 1522) Sugestão de hino: Há sinais de paz e de graça – LCI 582, Lindolfo Weingärtner (Disponível também em: <https://www.luteranos.com.br/textos/ha-sinais-depaz-e-de-graca>.)
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Bibliografia BRUCE, F. F. Romanos: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 2006. (Série Cultura Bíblica). CARSON, D. A.; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997. LUTERO, Martinho. Prefácio à Epístola de São Paulo aos Romanos. Pelo Evangelho de Cristo: Obras selecionadas de momentos decisivos da Reforma. Tradução Walter O. Schlupp. Porto Alegre: Concórdia; São Leopoldo: Sinodal, 1984. p. 179-192. POHL, Adolf. Carta aos Romanos: Curitiba: Evangélica Esperança, 1999. (Comentário Esperança).
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PRÉDICA: MATEUS 13.1-9, 18-23 ISAÍAS 55.10-13 ROMANOS 8.1-11
7º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
16 JUL 2023
Adélcio Kronbauer
Produzir muito, mas o quê?
1 Introdução Os textos previstos para este 7º Domingo após Pentecostes se relacionam tematicamente no sentido de apontar para os resultados práticos da Palavra proclamada. Ela tem um desígnio, que é a sua concretização e a transformação de uma realidade. A parábola do semeador narrada no Evangelho de Mateus nos pode levar a pistas mais detalhadas a respeito da produção de frutos como resultado da semeadura da Palavra.
2 Contextualização do evangelho O Evangelho de Mateus absorve material de uma fonte conhecida como Q e do Evangelho de Marcos. A fonte Q é um documento hipotético, cuja existência é defendida a partir daqueles materiais que Mateus e Lucas possuem em comum e que não se encontram em Marcos. Ela também é chamada de fonte dos ditos, pois aparentemente reunia apenas palavras de Jesus, sem a preocupação de narrar uma biografia de Jesus, nem mesmo a história de sua paixão. No caso da parábola do semeador, foi o Evangelho de Marcos que serviu de fonte para Mateus, já que ela se encontra também no segundo evangelho. Localizamos a redação do Evangelho de Mateus (assim como a fonte Q) na região da Galileia, onde o cristianismo primitivo tinha características peculiares. No caso da fonte Q, a divulgação do Evangelho por esse grupo era realizada por pregadores itinerantes despossuídos de bens ou riquezas. Inclusive há ditos que propõem um critério para ser seguidor: o desapego aos bens. Esse desapego não está somente relacionado a uma opção voluntária, mas diz respeito também ao contexto social das pessoas que compõem o movimento de Jesus. Trata-se de gente sem posses, riquezas e poder. Trata-se de camponeses a tal ponto despossuídos, que, para terem o seu sustento garantido, tinham que também desempenhar algum outro ofício. O cristianismo primitivo na região da Galileia está relacionado com a vida camponesa, que percebe a cidade como o lugar da ambição, do fascínio pelas coisas deste mundo, entre as quais principalmente o poder e as riquezas. O domínio romano impõe uma forma distinta de extorsão em relação aos camponeses. Antes, ainda que estrangeiros dominassem essas regiões impondo cargas tributárias pesadas, não houve a perda da posse da terra. Já com a chegada do domínio romano, houve também a transferência da propriedade rural para a
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mão de aristocratas. Camponeses ficaram despossuídos de forma forçada. Provavelmente o cristianismo primitivo da Galileia estava relacionado mais diretamente com esses camponeses despossuídos ou empobrecidos. Duas cidades chamam a atenção nesse cenário: Séforis e Tiberíades. Séforis, muito próxima de Nazaré – a noroeste, e Tiberíades, às margens do lago da Galileia. Essas duas cidades abrigavam o Sinédrio e eram centros administrativos sob controle das autoridades romanas, portanto centros de poder político-econômico e religioso. Ambiente de confrontos/conflitos culturais, uma vez que a partir delas se espalhava a cultura greco-romana, tendo a língua grega como um item relevante – religioso, político e econômico. Nesse contexto, o cristianismo primitivo marca presença com a esperança pelo reino, um outro reino. Um reino cujo princípio está fundamentado em ditos de Jesus, de uma forma muito especial nas parábolas. O Evangelho de Mateus contextualiza suas fontes (os ditos de Jesus e o Evangelho de Marcos) para o seu momento vivencial. Deve ter sido escrito entre os anos 80 e 90 do primeiro século. Sua redação ocorre após uma década de revolta judaica contra a dominação romana, que culmina com a destruição de Jerusalém e do templo no ano 70. Após a revolta ser aplacada pelos romanos, o judaísmo entra em uma nova fase de sua existência, tendo que se readaptar sem o referencial religioso do templo de Jerusalém e a perda total da capacidade política sobre a Palestina, que já era ínfima antes. A redação do evangelho coincide com o período do imperador romano Domiciano (81-96 d. C.). O período incide também sobre o período de redação do livro do Apocalipse. O Evangelho de Mateus é, pois, resultado de uma contextualização, tendo como fontes principais testemunhos literários anteriores. Diferentemente da fonte Q, porém, Mateus pressupõe uma realidade urbana, onde o judaísmo estava em transformação. O processo de reagrupamento dos judeus, agora sem alguns referenciais destruídos pela guerra, denominou-se de judaísmo formativo ou rabínico. Havia grupos distintos que conflitavam entre si, como, por exemplo, os que queriam reconstruir o templo e os que viam nele um aspecto negativo, julgando-o como um centro de poder e controle sobre a população. Nessa situação, o Evangelho de Mateus se propõe a formular a nova forma de viver a religião. Mateus é um evangelho cuja redação é pensada para um contexto de reconstrução da religiosidade. A comunidade do Evangelho de Mateus é hegemonicamente formada por pessoas que conhecem e vivenciam a cultura e a religião judaica. Além dos problemas sociais citados, que devem ter se deteriorado com o desfecho das revoltas, acrescenta-se o embate da reconstrução da religiosidade, quando diferentes grupos se apresentam como o legítimo judaísmo na tarefa de reconstruir as tradições e a história do povo de Deus. O Evangelho de Mateus pode ser entendido como uma das propostas. A comunidade do Evangelho de Mateus, no entanto, foi excluída do processo. Esse conflito é bem visível ao longo do evangelho. O Evangelho de Mateus propõe a esperança em um reino, o Reino de Deus, cuja base não são as riquezas e o poder, nem os sacrifícios de expiação, tendo como centro um templo, mas a abdicação, a abnegação, o abandono da ambição
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com coisas passageiras deste mundo bem como uma esperança escatológica, cuja tradição já vem fundamentada no Evangelho de Marcos, uma de suas fontes.
3 Exegese e meditação No capítulo 13, Mateus apresenta uma série de parábolas com o claro objetivo de revelar princípios, características do Reino de Deus (Abrirei em parábolas a minha boca; publicarei coisas ocultas desde a criação – 13.35). A parábola do semeador, texto previsto para a mensagem, revela que o reino produz frutos. Para produzi-los, há uma lógica natural: semear, germinar e frutificar. Comparando, seria o equivalente a ouvir, compreender e frutificar. Há, porém, alguns problemas como a terra seca, a terra pedregosa e os espinhos. Comparando, seriam o inimigo, as angústias e a perseguição, bem como os cuidados do mundo e a fascinação das riquezas. Além dos problemas que prejudicam a produtividade, não se diz qual exatamente é o fruto. Quem semeia identifica, com certa facilidade, quem são os inimigos que fazem com que a semente nem sequer venha a germinar (a terra seca e dura). Sabe por experiência que o solo pedregoso costuma ter menos substância para as raízes das plantas, e que quando outras plantas não desejadas se desenvolvem (espinhos), as que foram semeadas costumam ser sufocadas. A explicação da parábola sublinha que a palavra é a semente, o ouvinte é o solo, mais precisamente o seu coração. Na primeira situação, em que a semente (Palavra) cai em solo seco e o maligno recolhe a semente, não é dito quem ele é. Na segunda condição, em que a semente cai em terra pedregosa, se diz que logo ocorre euforia, mas em seguida, por causa das perseguições em função da Palavra, o ouvinte da Palavra se escandaliza. Nesse caso fica evidente o problema real, ou seja, a perseguição, mas não está evidenciado quem a efetua. Na terceira condição, quando se aponta para a presença de espinhos, a semente germina, a planta cresce, porém não frutifica. Aí se diz que os espinhos são a fascinação das riquezas. O termo grego utilizado (apatē) pode ser também traduzido como sedução, engano ou dissimulação pelas riquezas. Espinhos também são comparados aos “cuidados” do mundo, conforme tradução de Almeida. No entanto, o termo aiōn poderia ser traduzido como século e merimna como ansiedade ou zelo, resultando em “ansiedade ou zelo por este século”. É o que sugere também a obra Novo Testamento Interlinear Grego-Português, de Scholz e Bratcher, editada pela Sociedade Bíblica do Brasil. Quem poderia ser o maligno? Um ser sobrenatural que toma conta do coração do ouvinte, impedindo a semente da mensagem de Jesus de germinar? Um ser que se apossa da semente? Ou ações cujos autores podem ser nomeados? A tendência nas Sagradas Escrituras é mostrar o maligno sempre de forma encarnada, ou seja, apontar suas ações, o resultado de suas ações e, muitas vezes, os próprios autores. Verificando o contexto do Evangelho de Mateus, a encarnação do maligno se dá por intermédio de autoridades e grupos influentes que se posicionaram de forma veemente contra a divulgação da mensagem evangélica e na forma de viver que ela implicava. Podemos identificar o maligno hoje? Podemos falar abertamente disso em uma pregação em um culto?
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No que consistia a perseguição e quem seriam os perseguidores? Provavelmente no contexto do Evangelho de Mateus destacavam-se a perseguição econômica, psicológica e religiosa. Pessoas em cujos corações florescia a mensagem eram empurradas para a margem da convivência, excluindo-as das relações econômicas, sociais e expulsas da Sinagoga (Lima, 2010, p. 49-52). Diante disso, a euforia era vencida pelo escândalo. Bem possível que tivessem imaginado que tudo deveria ser perfeito, que não poderiam surgir conflitos e sofrimentos. Quanto a quem seriam os perseguidores, não há clareza na parábola, mas se analisarmos as controvérsias de Jesus com os fariseus, por exemplo, essa questão já fica mais evidenciada. Onde a mensagem será anunciada em culto, podemos identificar algum tipo de perseguição? Tem gente que demostra euforia, mas logo murcha? Qual a razão do esvaziamento? Pessoas abandonam a convivência comunitária por quais motivos? Elas se escandalizam por pensarem que tudo deveria ser perfeito, porém não é? Quanto à questão das riquezas, a parábola afirma que o fascínio por elas sufoca a mensagem, fazendo com que ela não produza frutos. Predomina na Bíblia uma visão negativa em relação às riquezas. A categoria “riquezas” na Bíblia requer um entendimento mais detalhado e exige que, ao ser mencionada na mensagem do culto, se explicite a sua conceituação. É preciso entender por que, na maioria dos textos, ela é vista com desconfiança. Em termos gerais, os textos nos dizem que ela se torna um perigo porque passa a comandar e controlar a nossa vida, passa a ser o nosso deus, ou melhor, nosso ídolo. O problema da riqueza tem a ver com a forma como ela foi construída e com as distorções e desigualdades que ela gera. Vale dizer que o conceito “riquezas”, quando relacionado à “ansiedade por este século” se se contrapõe à “vida abundante” relacionada à mensagem evangélica.
4 Imagens para a prédica Proponho usar vasos grandes, representando as diferentes situações apresentadas na parábola. Quando se representa a planta que produz muitos frutos, usar duas árvores iguais, porém, em uma delas pendurar frutas diferentes de sua produção natural, ou seja, se usar uma pitangueira, prender em uma delas de fato pitangas e, na outra, qualquer outro tipo de fruta. A ideia é questionar que tipo de fruto a mensagem de fato produz. Produz muito, porém, está claro qual a natureza do fruto que ela produz? Pitangueiras naturalmente produzem pitangas. Que nome têm os frutos que naturalmente a mensagem evangélica produz? É da natureza da fé evangélica produzir qual fruto? O que impede a produtividade está relativamente claro. Mas sabemos o que de fato devemos produzir sob a graça de Deus em Cristo? Quais são os frutos do Reino de Deus que aguardamos para o futuro e o que podemos desfrutar em forma de antecipação? Tudo se resume na questão do amor, mas como isso pode ser traduzido em questões que vão além de sentimentos, muitas vezes, abstratos e de palavreado repleto de retórica para trazer apenas euforia e emoções inflamadas?
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4 Subsídios litúrgicos A palavra-chave da celebração poderia ser produção. Sugiro usar o verbo frutificar. Sugiro que esses termos ou similares estejam presentes nos mais diversos elementos litúrgicos em forma de fio condutor. Criar um momento para que as pessoas reflitam sobre a produtividade da Palavra em suas vidas: que tipo de fruto produziu? Dá para melhorar? O que está atrapalhando? Elaborar uma liturgia do estilo mais introspectivo, lançando algumas perguntas-chaves. Ajudar para que cada pessoa, através da liturgia do culto, consiga olhar para si a partir da Palavra.
Bibliografia BÍBLIA. Novo Testamento Grego. Nestle-Aland. 1994. LIMA, Anderson de Oliveira; GARCIA, Paulo Roberto. Acumulai tesouros no céu: estudos da linguagem econômica do evangelho de Mateus. São Bernardo do Campo: [s.n.], 2010. SCHOLZ, Vilson; BRATCHER, Roberto G. Novo Testamento Interlinear Grego-Português. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2004. 979 p.
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8º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
PRÉDICA: ISAÍAS 44.6-8
23 JUL 2023
MATEUS 13.24-30, 36-43 ROMANOS 8.12-25
Nilton Giese
Harmonia na diversidade
1 Introdução O texto de Isaías 44.6-8 foi analisado no Proclamar Libertação 35 e 38, com boas reflexões de Felipe Gustavo Koch Buttelli e Helga Rodrigues Pfannemüller. Ele e ela trabalham muito bem a proposta de Severino Croatto, que enfatiza que a problemática descrita nesse texto está no binômio idolatria-confiança em Javé. Javé requer a confiança em suas palavras num contexto de sofrimento e desesperança. O povo insiste em confiar nos deuses pagãos, fazendo imagens para cultuar (Is 44.9-20). Portanto é consenso que o texto trata da questão entre Javé e os outros deuses. Nossa reflexão sobre esse texto quer trazer mais um aspecto para a reflexão: a questão da vivência da fé cristã num contexto plurirreligioso, sem a necessidade de combater nem negar esses outros deuses.
2 Comentários exegéticos O texto de Segundo Isaías está identificado pelos comentaristas bíblicos como um discurso judiciário, localizado no final do período do exílio na Babilônia, portanto, provavelmente, perto do ano de 540 a. C. Esse tipo de discurso costuma conter, entre outras características, o testemunho dos compromissos assumidos, a recordação de benefícios passados, ameaças ou advertências sobre o descumprimento da aliança ou, como aqui, a reafirmação da validade da aliança e das promessas que a constituem. As debilidades do Império Babilônico estão cada vez mais evidentes e o Segundo Isaías sabe que o Império Persa, sob a liderança de Ciro, ganha espaço. Segundo Isaías vê Ciro como o Ungido de Deus (cap. 45), apesar de Ciro não ter nada a ver com o judaísmo. Assim como Ciro, Javé também pode utilizar os outros deuses. Portanto o texto não parece querer lutar contra os outros deuses, mas sim demonstrar que Javé se torna superior a todos eles pela sua atuação na história. Gerhard von Rad, nos seus dois volumes sobre a Teologia do Antigo Testamento, nos ensinou que, no tempo do exílio, o chamado Escrito Sacerdotal desenvolveu uma espiritualidade nova, que deu sustentação a um judaísmo sem o templo de Jerusalém. Questões como a importância de guardar o sábado e o surgimento das sinagogas, onde ao menos se pudesse ler a Torá e entoar salmos de lamentação, ajudaram a preservar uma identidade judaica em terra estrangeira.
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Portanto, assim como no Egito, Deus parece estar entrando outra vez na história em favor do seu povo. O enfraquecimento dos governantes babilônicos e a ascensão do Império Persa são interpretados por Segundo Isaías como prenúncio da libertação do exílio. A dívida do exílio foi paga. É tempo do segundo êxodo. Mas há um grande desafio nesse processo de libertação do exílio. O exílio deixou profundas marcas no povo judeu. E uma dessas marcas diz respeito ao contato intenso com outras religiões e outros deuses. Na Babilônia, os judeus conheceram muitos outros deuses, com mais seguidores que todos os judeus. Esses deuses eram proclamados como mais poderosos que o Deus do povo judeu. Por isso o profeta Isaías destaca, em nosso texto, algumas questões importantes que diferenciam o Deus de Israel dos outros deuses. Primeiro, a autoapresentação de Javé no início de nosso texto – Eu sou o primeiro e eu sou o último – é um aspecto teológico importante, pois ela faz referência à presença de Deus na história, mesmo antes de Abrão. Deus caminha na história desde o início, desde antes da criação do mundo. Por isso o Escrito Sacerdotal refez toda a leitura da criação (Gn 1.1 – 2.4a) dizendo que aquilo que outros povos chamam de deuses (sol, lua, estrelas), tudo isso são obras do Deus maior. No exílio, eles conviveram com outros deuses e outras religiões, mas Senhor, quem é como tu entre os deuses? (Êx 15.11). Haverá outro que seja igual a mim?, pergunta Deus (Is 44.7). Portanto o texto não se perde negando a existência de outros deuses, mas afirma que confiar neles é errado, porque eles são apenas criaturas do Deus maior. O segundo aspecto importante vem da mensagem profética de que Deus manifesta, sim, a sua ira contra os pecados das autoridades e do povo, mas que essa ira de Deus passa e ele volta a mostrar sua bondade e sua misericórdia. E o povo no exílio será testemunha disso. O exílio, a escravidão e o sofrimento não foram desejos de Deus. O exílio foi consequência do pecado e da desobediência das autoridades e do povo de Israel. Mas não há outro Deus que seja tão misericordioso a ponto de tomar a iniciativa de perdoar a maldade do seu povo. Não, não há outra Rocha que eu conheça, responde o próprio Deus no final do v. 8. O povo no exílio levou muito tempo para deixar de culpar Deus e reconhecer o exílio como consequência da sua própria maldade. Mas agora esse castigo chegou ao fim. Portanto, para discernir a fé judaica da fé em outros deuses, o profeta coloca os seguintes critérios de discernimento: 1) Deus é o Criador de todas as coisas, portanto, o que outros povos adoram (sol, lua, estrelas, montanhas), tudo isso são criaturas do Deus maior. Esse Deus maior pode utilizar todos os poderes a seu serviço. Por isso, entrar em conflitos para provar que outros deuses não existem é algo inútil. 2) Deus é um Deus libertador. O sofrimento não é desejo de Deus. Ele é consequência do pecado e da maldade humana. O sofrimento deve nos fazer perguntar pela sua causa. E a causa do sofrimento sempre estará na maldade do ser humano. Finalmente, Butelli traz ainda um detalhe importante no v. 8d para nossa reflexão: a palavra Sur, que Almeida traduz corretamente por rocha, mas que também tem a conotação de montanha. Ao invés de dizer: Não, não há outra
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Rocha que eu conheça, a tradução também poderia ser da seguinte maneira: Não há montanha! Não conheço (nenhuma)! Ambas as traduções são possíveis, mas cada uma apresenta uma referência própria de significado. Rocha poderia fazer menção a uma linguagem muito comum dos Salmos, em que Javé é a rocha. Não haveria assim outra rocha que pudesse dar firmeza e salvação. No entanto, quando nos referimos a outros deuses – ou a ídolos –, é possível traduzirmos por montanha, linguagem recorrente em Deuteronômio, quando se fala de outras divindades.
3 Meditação Profetas falam em nome de Deus, por suas ordens, em seu lugar. Assim também nesta passagem, Segundo Isaías inicia seu discurso com as palavras: Assim diz o Senhor, Rei de Israel, seu Redentor, o Senhor dos Exércitos [...]. Portanto, é Deus quem fala a seu povo. E ele é categórico: Eu sou o primeiro e o último, ou seja, eu estou no início e no fim. Com isso o profeta nos quer dizer que Deus é o Senhor da história e que tudo que existe foi criado por ele. A partir disso, o texto entra na questão dos deuses ou dos ídolos. O tempo do exílio fez o povo de Israel conhecer muitos outros deuses. Mas o texto do profeta Isaías não parece preocupado em negar a existência desses outros deuses. Assim como Jesus não nega a existência do joio no meio do trigo, nem o apóstolo Paulo nega a existência da natureza humana que nos afasta de Deus. A questão aqui não é negar, mas mostrar a atuação de Deus na diversidade. Perdemos muito tempo e energias negando ou tentando provar que outros estão errados e que nós somos os corretos. Com isso nos esquecemos que especialmente as questões religiosas não são objeto de verificação ou comprovação racional. Os ídolos existem para quem acredita neles. O texto do profeta quer nos alertar que não vale a pena perder tempo em batalhas contra outros deuses. Quem se dedica a essas batalhas não terá olhos para ver como Deus é capaz de utilizar qualquer coisa para manifestar o seu poder. Por isso o profeta nos quer chamar muito mais a atenção para o testemunho de nossa fé. Para fortalecer a nossa fé, precisamos melhorar o testemunho da nossa confiança em Deus, precisamos dedicar mais atenção ao testemunho convincente do Evangelho de Jesus Cristo e demonstrar com nossas atitudes o compromisso que temos de viver de acordo com os ensinamentos de Jesus. Nossa confiança em Deus deve dar testemunho de que não há outro fundamento seguro nesta vida, senão aquele Deus que desde o início tem guiado o seu povo e que vai conduzi-lo também no futuro. Nós não precisamos ir na frente de Deus destruindo outros deuses para que Deus possa se manifestar. Mesmo num contexto plurirreligioso, Deus pode utilizar todos os poderes para mostrar que o seu poder é maior. Na parábola do joio que cresce junto com o trigo, Jesus pede abertura de mente e coração para acolher com esperança (não passivamente, com indiferença) aqueles que nos parecem diferentes. Devemos ter abertura para acolher com uma atitude de pluralismo assimilando a diferença, que sempre vai estar presente em nossa humanidade.
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8º Domingo após Pentecostes
A parábola do joio não ignora a presença do mal na história. Jesus reconhece a presença do mal. Mas Jesus nos chama a atenção para não dividir a humanidade entre bons e maus, oferecendo o prêmio da salvação para os primeiros e a condenação para os segundos. Na maioria das vezes, atitudes assim nos levam a enormes enganos. Somente Deus pode julgar cada ser humano, com sua imensa justiça e misericórdia, como só ele sabe fazer.
4 Subsídios litúrgicos Oração: Senhor, permite que vivamos como irmãos e irmãs. Que encontremos sempre a harmonia na diversidade. Ajuda-nos a respeitar igrejas e outras religiões, valorizando nelas o que vale a pena conhecer. Que teu Santo Espírito nos conceda a tua santa paz e que o teu amor seja sempre mais forte que nós. Amém.
Bibliografia BUTELLI, Felipe Gustavo. Auxílio homilético para Isaías 44.6-8. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2011. v. 35. Disponível em: <www. luteranos.com.br>. PFANNEMÜLLER, Helga Rodrigues. Auxílio homilético para Isaías 44.6-8. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2014. v. 38. Disponível em: <www.luteranos.com.br>. RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: ASTE, 1973. v. 1 e 2.
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9º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
30 JUL 2023
PRÉDICA: MATEUS 13.31-33, 44-52 1 REIS 3.5-12 ROMANOS 8.26-39
Eliezer K. Evald
A obra de Deus é como...
1 Introdução Mateus 13 relata sete parábolas contadas por Jesus. As primeiras quatro são proferidas ao povo e aos discípulos; as últimas três, somente aos discípulos. Todas ensinam verdades magnas concernentes ao Reino de Deus. Temos: 1) a Palavra do Reino e como ela é recebida (o semeador: v. 3-9); 2) o desenvolvimento e o crescimento do Reino (exterior: a semente de mostarda: v. 31-32; interior: o fermento: v. 33); 3) a preciosidade do Reino (o tesouro escondido: v. 44 e a pérola de grande valor: v. 45-46); 4) o caráter heterogêneo e a consumação futura em pureza e esplendor do Reino (o joio: v. 24-30; a rede: v. 47-50); e 5) aplicação final (coisas novas e velhas: v. 51-52). Por que Jesus fala por meio de parábolas e quais as vantagens didáticas desse método de ensino usado por Jesus? A parábola converte uma verdade abstrata em algo concreto. Converte uma “verdade” em imagem visível e compreensível. Ela começa por aquilo que está perto, por aquilo que já é conhecido. A parábola começa pelo “aqui e agora” e conduz para “lá e então.” Começa na superfície e conduz à profundeza. Conduz do ponto onde “se está” para onde se “deve/deveria estar”. Ela desperta o interesse. Torna-se uma história terrestre com um significado divino. A parábola cumpre sua função em permitir e fazer com que quem ouve descubra a “verdade” por si mesmo. Ela não pensa por seu/sua ouvinte. Ela diz: tenho uma história a respeito de algo. Qual é a verdade? O que ela significa? Encontre você mesmo.
2 Observações exegéticas O texto de pregação contém cinco parábolas contadas por Jesus Cristo e uma aplicação final. O cenário é o mar da Galileia. O público são seus discípulos e a multidão. 2.1 O desenvolvimento e o crescimento do Reino A parábola do grão de mostarda e a do fermento formam um par. Ambas têm seu foco no desenvolvimento e crescimento do Reino de Deus. A primeira refere-se ao crescimento exterior do Reino dos céus e a outra se refere ao crescimento interior desse Reino.
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Mostarda (v. 31-32): a planta de mostarda encontrada na Palestina é diferente daquela que nós conhecemos. Na verdade, a semente de mostarda não é a menor das sementes. A semente do cipreste, por exemplo, é menor. Mas a pequenez da semente de mostarda era algo proverbial. Jesus, em Mateus 17.20, falou nesse sentido quando comparou a fé a um grão de mostarda. Segundo Hendriksen: A literatura rabínica tomou conhecimento do tamanho que às vezes essa “árvore” atinge mais de três metros, e às vezes chega aos cinco metros. No outono, quando seus ramos se tornam rígidos, as aves de variadas espécies encontram aí um refúgio das tempestades, se refazem do cansaço e se escondem do calor do sol; em todo sentido, um maravilhoso local para acampar-se! “Em sua manifestação exterior, o reino do céu na terra é assim”, diz Jesus. Aparentemente é insignificante em seu início; desse modesto início, porém, virão grandes resultados (Hendriksen, 2000, p. 90).
Fermento (v. 33): Esta parábola gira em volta de um elemento, qual seja, o poder transformador da levedura. A levedura era uma pequena parte de massa que se guardou da última fornada; ao guardá-la, tinha fermentado, e a levedura não era mais que uma parte de massa em fermentação. A “medida” aqui indicada, conforme Hendriksen, não é idêntico em capacidade em todos os lugares. Comumente, uma “medida” equivale em média a cerca de 13 litros. O pensamento judeu relacionava a fermentação com a corrupção e a podridão, e a levedura representava o mal (Mt 16.6; 1Co 5.6-8). Jesus faz uso dessa imagem para falar de transformação e não de podridão. 2.2 A preciosidade do Reino A exemplo das parábolas anteriores, a leitura e interpretação da parábola do tesouro escondido e da pérola também formam um par. Ambas focam no valor imensurável do Reino de Deus e na renúncia requerida. Tesouro escondido (v. 44): Embora nos pareça estranha e incomum, na época de Jesus era comum a prática de enterrar tesouros. A terra parecia o lugar mais seguro para guardar os tesouros mais apreciados. Jesus, em Mateus 25.25, contou sobre o servo inútil que escondeu seu talento na terra. Apesar da Palestina estar sob a dominação dos romanos e de sua lei, a lei rabínica regia as coisas de ordem comum. E ela dizia que coisas encontradas pertenciam a quem as encontrasse. Pérola (v. 45-46): A pérola, em tempos antigos, era tida em alta estima (Jó 28.15-19; Pv 3.13,15). As pérolas, comumente adquiridas do golfo Pérsico ou do oceano Índico, possuíam um valor alto. Conforme Hendriksen, “somente os ricos podiam adquiri-las. Diz-se que Lollia Paulina, esposa do imperador Calígula, tinha pérolas reluzindo em toda a sua cabeça, cabelos, orelhas, pescoço e dedos!” (Hendriksen, 2000, p. 106). Jesus fala de um atacadista que sai em busca de algo melhor. E sua busca é bem-sucedida. Ele encontra e compra, ainda que, para comprá-la, tenha de vender “tudo o que possui”.
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Essas duas parábolas têm por desígnio falar do alto valor e do caráter oculto da propriedade celestial. O tesouro no campo foi achado por acaso; a pérola, após insistente procura. Ambos os descobridores obtiveram a dádiva valiosa, que estivera oculta, exclusivamente por meio da graça de Deus. 2.3 O caráter heterogêneo e a consumação futura em pureza e esplendor do Reino A exemplo das parábolas anteriores, a leitura e interpretação da parábola da rede e do joio também formam um par. Ambas focam no caráter heterogêneo e a consumação futura em pureza e da grandeza do Reino de Deus e a necessidade de deixar o “julgamento e a separação” para Deus, como justo e único juiz. Rede (v. 47-50): Na Palestina havia duas formas principais de pescar. Uma era jogar uma rede – o que aqui chamamos de “tarrafa”. A segunda forma de pescar era com a rede arrastada por barcos – e é sobre essa que nosso texto está falando. Os que ouviram Jesus narrar esta parábola (alguns dos quais eram pescadores) estavam, naturalmente, muito bem familiarizados com o costume de estender uma rede para apanhar peixes de grande variedade. Esses homens arrastavam as redes para a praia e então selecionavam os peixes. Os comestíveis e os comerciáveis eram colocados em baldes e/ou barris e os demais eram descartados. Os peixes em grande variedade, bons e ruins, são apanhados na rede e não se permitiu que fossem divididos em duas categorias até que a rede fosse arrastada para a praia. 2.4 Aplicação final Entendestes todas estas coisas?(v. 51): Fazendo uso de uma pergunta, Jesus dá aos discípulos a oportunidade de pedir mais informações sobre o Reino. A resposta positiva dos discípulos sugere que sua compreensão havia se aprofundado. A lição que Jesus aqui ensina pode aplicar-se a todos os obreiros e obreiras do Reino de Deus. O verdadeiro “escriba” está totalmente familiarizado com o que é antigo e se fundamenta sobre ele. Em outras palavras, podemos dizer que um “escriba” aproxima-se com toda uma vida dedicada ao estudo da lei e todos seus mandamentos. No entanto, pela narrativa de Jesus e seu ensinamento, “coisas novas” são experimentadas. O conhecimento tido até então é esclarecido e iluminado pelo que Jesus revelou.
3 Meditação Como chegar ao final da pregação e ter a coragem de perguntar aos ouvintes o que Jesus perguntou aos discípulos: Entendestes todas estas coisas? É quase como montar um quebra-cabeça de mil peças sem a “tampa da caixa”. Mas vamos lá. Teclo pistas, conecto ideias, tento encaixar as peças desse quebra-cabeça do Reino dos Céus.
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A parábola do grão de mostarda nos traz a imagem de “um homem, um campo e uma semente”. Já a parábola do fermento nos traz a imagem de “uma mulher, três medidas de farinha e uma porção de fermento”. Vejamos algumas verdades: O reino de Deus começou de forma humilde, pequeno e insignificante. Coisas grandiosas começam a partir das coisas mais pequenas, por exemplo, a ideia de que uma pessoa pode mudar um bairro, uma cidade, um estado, uma nação e até o mundo. Veja a atitude de pessoas como Lutero, Martin Luther King, Madre Teresa. O pouco, o pequeno, o fraco, o humilde pode ser muito, se Deus estiver agindo nele e através dele. Grandes rios surgem em pequenas nascentes. Grandes resultados desenvolvem-se de pequenos começos. Ambas as parábolas afirmam que o que está oculto hoje, mesmo que invisível, será revelado “amanhã”. O Reino de Deus é como tal semente e como tal fermento: um agente (homem e mulher); um meio (campo ou farinha) e um conteúdo – Evangelho (mostarda ou fermento). Em seu tamanho atual e sua aparente insignificância, Jesus nos lembra que o Reino dos Céus começa do mais pequeno dos começos, mas, no final, muitas nações se reunirão nele. O contraste entre a insignificância da semente e do fermento e a grandeza da árvore e a proporção do pão levedado mostra o contraste entre o início e o fim, a pequenez inicial e a grandeza final. “Um homem. Uma mulher. Uma semente. Uma levedura. Um campo. Uma quantidade de farinha.” Deus usa tudo para sua glória e para edificação do nosso próximo. É pela influência do evangelho que as grandes causas sociais foram e continuam sendo promovidas: a valorização das crianças e das mulheres e dos idosos; o alívio à pobreza. O Reino dos Céus é a única realidade duradoura. O seu valor é incalculável. Tanto a parábola do tesouro escondido como a parábola da pérola de grande valor expressam essa verdade magna. Ambas afirmam que o Reino dos Céus, ou seja, o alegre reconhecimento do governo de Deus na vida em todas as suas esferas, é tão inestimavelmente precioso que aquele que o obtém se predispõe a entregar tudo por ele. O homem que encontrou o tesouro tropeçou nele meio sem querer. Mas o fez enquanto ocupava-se com seus afazeres. Aqui vale lembrar o que aconteceu com o apóstolo Paulo, que se deparou com esse tesouro (Jesus Cristo) de maneira inesperada enquanto trabalhava (At 9.1-19). E tudo mudou. Como ele mesmo escreveu: Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para conseguir Cristo e ser achado nele (Fp 3.8-9a). A história da mulher samaritana, contada por João, é também um exemplo de pessoas que “acharam” sem antes terem procurado. A pérola, ao contrário, foi encontrada somente após uma esforçada busca. O apóstolo Paulo nos ajuda quando declara que as coisas que para mim eram ganhos, eu as considerei como perda por causa se Cristo. Eu considero que tudo é perda em comparação com este bem supremo que é o conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor. Por causa dele, perdi tudo (Fp 3.7s). A desistência de tudo para ganhar a Cristo e a vida eterna – o maior tesouro – é o ponto em comum. “Aquilo”, “quem” “qual”, “o quê”, precisa ser abandonado é diferente para cada um? Coisas. Vínculos exteriores. Vínculos interiores. Do que é preciso abrir mão por causa do Rei-
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no vindouro? Persuadidos pelo Evangelho de Jesus Cristo, é preciso abandonar, desprender-se daquilo que nos prende aqui e nos afasta de Deus. A ordem bíblica é: sejam minhas testemunhas [...] até os confins da terra (At 1.8). Também em Marcos 16.15 é dito: Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura. A parábola da rede, bom como a do joio e do trigo, assinala de forma enfática: o imperativo é testemunhar a todos e todas. É “arrastar a rede”, “pescar gente” sem fazer distinção ou separação. Isso caberá a Deus e aos seus anjos (v. 50). Deus aceita todos e todas – a humanidade criada é heterogênea. No entanto, Deus não aceita tudo. Do contrário, Jesus teria morrido em vão. Precisaríamos mudar nosso Credo que diz que Jesus “virá para julgar os vivos e os mortos”. À igreja cabe o imperativo de testemunhar, não o de julgar e separar. Isso, podemos ficar tranquilos: Deus fará justamente. A tradução da Bíblia em Linguagem Contemporânea por Eugene Peterson assim transcreve os últimos versículos (51-52): Jesus perguntou: “Vocês estão entendendo?” Responderam eles: “sim”. Ele acrescentou: “Então vocês já devem ter notado que o aluno bem instruído no Reino de Deus é como o proprietário de uma loja, que tira da prateleira o que necessita, o novo e o usado, no momento em que precisa”. Toda pessoa que se aproxima de Jesus tem algum dom, alguma capacidade. Toda experiência e todo conhecimento, seja novo ou antigo, são matérias-primas nas mãos de Jesus. Simplesmente precisamos estar aos pés de Jesus, ou seja, próximos de sua Palavra – Antigo Testamento e o Novo Testamento. E assim, fazer com que o mundo conheça Cristo e entenda todas as coisas concernentes ao Reino de Deus.
4 Imagens para a prédica Proponho fazer uso de um quebra-cabeça: 1) em mãos, ter duas ou três peças diferentes; 2) de maneira simples falar sobre a atividade de montar um quebra-cabeça; 3) inicia-se pelas bordas; 4) sempre se olha a tampa da caixa onde está a impressão da figura que se está montando. Aplicação: a vida é como um grande quebra-cabeça. Todos os dias nos é dada, pela graça e misericórdia de Deus, uma peça. Alguns aqui já têm mais peças montadas que outros. Agora, diferente de montarmos o brinquedo, em que espiamos a imagem estampada na tampa da caixa, na vida, ao montarmos dia após dia nosso quebra-cabeça, não nos é dada a possibilidade de olhar a “tampa da caixa”. Só Deus a tem. Essa bela imagem que Deus nos permite montar, em meio às nossas lutas diárias, “montamos” pela fé, alicerçados em sua Palavra, em comunhão. Nenhuma peça pode ser descartada. O Reino está crescendo. Ao término de tudo, na consumação dos séculos, veremos plenamente o desenho da “caixa”. Esquema para a prédica: 1) O crescimento do Reino: a) exterior – mostarda (31-32) b) interior – fermento (33)
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2) A preciosidade do Reino: a) Tesouro escondido (44) b) Pérola (45-46) 3) A heterogeneidade da humanidade e o Reino: a) A diversidade do todo (47-48a) b) A grande separação (48b-50) 4) A responsabilidade do discípulo e da discípula a) Como aluno, aluna (50) b) Como mestre (51)
Bibliografia HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento. Mateus. São Paulo: Cultura Cristã, 2000. LADD, George Eldon. O Evangelho do Reino. Estudos bíblicos sobre o Reino de Deus. São Paulo: Shedd Publicações, 2008. RIENECKER, Fritz. O Evangelho de Mateus. Curitiba: Evangélica Esperança, 1998. (Comentário Esperança).
10º DOMINGO APÓS PENTECOSTES PRÉDICA: ROMANOS 9.1-5 ISAÍAS 55.1-5 MATEUS 14.13-21 Pesquise: Proclamar Libertação, v. V, p. 185 www.luteranos.com.br (busca por Romanos 9.1-5)
11º DOMINGO APÓS PENTECOSTES PRÉDICA: MATEUS 14.22-33 1 REIS 19.9-18 ROMANOS 10.5-15 Pesquise: Proclamar Libertação, v. VI, p. 109; v. 24, p. 249; v. 27, p. 202; v. 35, p. 267; v. 38, p. 258; v. 41, p. 249 www.luteranos.com.br (busca por Mateus 14.22-33)
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12º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
20 AGO 2023
PRÉDICA: ISAÍAS 56.1, 6-8 MATEUS 15.21-28 ROMANOS 11.1-2a, 29-32
Stéfani Niewöhner Fernando José Matias
Acolher o diferente e praticar a justiça
1 Introdução No texto da pregação, no pós-exílio, “repatriados” e “remanescentes” são convidados a deixar de lado a pergunta pelo “verdadeiro Israel”. O templo se torna Casa de Oração para todos os povos que, a seu modo, amam e servem ao Senhor. Fé e justiça unem os diferentes. O texto do evangelho é o da mulher cananeia, no qual Jesus parece inicialmente se recusar a atender uma estrangeira. O posicionamento de Jesus nos causa estranhamento. Talvez Jesus tenha feito uso do discurso da religião oficial, justamente para provocar o diálogo. A mulher não se deixa abalar pelas rivalidades e por preconceitos e clama por justiça. O que importa é a vida ameaçada que precisa ser libertada. Depois de clamar (kyrie) respeitosamente a Jesus como Kyrios (kyrie ao Kyrios), Filho de Davi, ela o convence com boa argumentação racional, humanizada, de justiça, fundamentada na fé. Com isso, o evangelista quer que vejamos uma mulher estrangeira fazendo sua profissão de fé e convencendo Jesus a abrir-se aos outros povos. A fé da mulher estrangeira e a justiça inclusiva de Jesus superam qualquer exclusivismo. O texto da carta está baseado na pergunta: pode Deus ter misericórdia de povos estrangeiros que já lhe foram desobedientes? A resposta é sim, já que Deus pode ser misericordioso até mesmo com o próprio Israel quando esse lhe foi desobediente. O vínculo entre os textos está no questionamento às bases do preconceito, da exclusão, do exclusivismo, e no convite e na possibilidade de acolhimento ao diferente. Uma temática que cabe muito bem no tempo de Pentecostes.
2 Exegese Em termos de datação, o Trito-Isaías (Is 56 – 66), provavelmente, se localiza depois do retorno de parte dos exilados do cativeiro na Babilônia, em 538 a. C., e antes da reconstrução do templo de Jerusalém, em 520 a. C. Nesse período havia uma forte tensão entre os diferentes grupos existentes em Jerusalém: os “repatriados” e os “remanescentes”. Os “repatriados” eram descendentes dos exilados que agora haviam retornado à terra de Israel, com sonhos e histórias que ouviram de seus antepassados sobre “a terra deixada para trás”. Eles se consideravam o “verdadeiro Israel”, queriam reconstruir o Templo e reocupar a “terra vazia”. Mas en-
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contram a terra ocupada por outras pessoas, os “remanescentes”, pejorativamente chamados de “povo da terra”. Os “remanescentes” são descendentes dos que não foram exilados. Eles tinham um projeto mais inclusivo e tribal e se “misturaram” com os estrangeiros trazidos para ocupar Jerusalém. É nesse cenário que o Trito-Isaías oferece uma proposta para que cada grupo possa conviver, apesar de suas diferenças, como comunidade e como povo de Deus. A partir de Isaías 56, além do anúncio da salvação de Deus que está por vir, o povo é alertado de que deve ter uma atitude apropriada – deve praticar a justiça – como resposta à ação divina. Nesse aspecto, o Trito-Isaías se conecta com os profetas pré-exílicos, onde a prática da justiça se refere à proteção dos socialmente excluídos – viúvas, órfãos, explorados, estrangeiros e necessitados. V. 1 – Assim diz o SENHOR: Mantende o que é justo (mishpat) e praticai a justiça (tsedaqah), porque a minha salvação (yeshu’ah) está prestes a vir e minha libertação (tsedaqah) será revelada. A fórmula “assim diz o SENHOR” serve para atribuir autoridade à passagem e chamar atenção para o oráculo profético que transmite a palavra divina. O termo mishpat se refere a práticas que estão de acordo com a lei de Deus, podendo ser traduzido por “justiça” ou “o que é justo”. Pode se referir a um procedimento judicial, um veredicto de um juiz (Is 3.14; 53.8; 58.2), ou a apresentação de uma queixa à lei exigindo reparação (Is 40.27; 50.8). O termo tsedaqah denota um padrão de comportamento de acordo com a lei de Deus que pode implicar a luta contra as causas do mal para restaurar esse padrão. Pode ser traduzido por “justiça”; “retidão”; “libertação”; “justificação”. O v. 1 usa duas vezes o termo tsedaqah e, assim, explora a profundidade de seu significado. A primeira vez, o termo aparece num sentido ético (“justiça”, “fazer o que é certo”). Na segunda vez, tem um sentido escatológico (“libertação”, “justiça final”). A libertação acontece onde a justiça prevalece. O termo yeshu’ah indica uma ação de vir em socorro de alguém em necessidade, nesse caso, o próprio Deus que vem em socorro para trazer “salvação”, “libertação”, “socorro”. Os v. 2-5 foram deixados de fora da perícope. Neles transparece a pergunta: quem pertence ao povo de Deus? Os eunucos, antes excluídos do culto (Dt 23.1) e do sacerdócio (Lv 21.20), agora podem fazer parte do povo de Deus. Também os estrangeiros, antes excluídos (Dt 23.2-9), passam a ser aceitos na comunidade. Os eunucos e estrangeiros que guardarem o sábado, escolherem o que agrada a Deus e abraçarem a aliança serão parte do povo de Deus. Nesse contexto, isso significa uma grande abertura ao diferente, uma grande proposta de inclusão. V. 6 – Aos filhos dos estrangeiros (nekar) que se unirem ao SENHOR (YHWH), para o ministrarem (sharat) e para amarem o nome do SENHOR (YHWH), para serem servos seus, todos os que guardam o sábado, não o profanando, e abraçam a minha aliança,
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O termo nekar pode se referir a alguém que não é membro da família (Gn 17.12), mas na maioria das vezes designa um não israelita (2Sm 15.19; 22.45-46). Os estrangeiros abordados aqui são estrangeiros que abraçaram o culto de YHWH. O termo sharat é usado para descrever sacerdotes e suas atividades ministeriais (Êx 28.35). Pessoas estrangeiras agora podem exercer o sacerdócio e oferecer sacrifícios (Is 66.21), o que novamente denota uma grande abertura e acolhimento ao diferente. Nos períodos exílico e pós-exílico, a ênfase em guardar o sábado cresceu em importância como meio de expressar obediência a Deus num contexto com pouca liberdade política e religiosa (Jr 17.21-22; Ez 22.8; Ne 13.17-18). É muito interessante que, em Isaías 56, o critério mais significativo para a inclusão de estrangeiros e eunucos na vida comunitária seja a observância do sábado e não a circuncisão (Êx 12.48-49). Dado o valor da circuncisão para esse povo, pode-se imaginar o impacto e a transformação que isso causou na vida comunitária. O v. 6 abre as portas da fé para os estrangeiros que servirem ao SENHOR, amarem o nome do SENHOR, guardarem o sábado e abraçarem a sua aliança. Nessas estipulações está implícito o que é ser membro da comunidade. Os estrangeiros, antes excluídos, agora têm permissão para participar plenamente da vida comunitária e de seu culto, e o muro do exclusivismo vai sendo desconstruído. V. 7 – também os levarei ao meu santo monte e os alegrarei na minha Casa de Oração; os seus holocaustos e os seus sacrifícios serão aceitos no meu altar, porque a minha casa será chamada Casa de Oração para todos os povos. O v. 7 deixa claro que a participação cultual dos estrangeiros será de fato plena, pois inclui a possibilidade de terem suas ofertas e seus sacrifícios aceitos pelo SENHOR na Casa de Oração, que agora é de todos os povos. Há aqui um destaque para o papel da oração, que era uma tarefa do profeta, não do sacerdote. O monte santo é o Templo de Jerusalém. Com a reconstrução do Templo e o reinício dos cultos, era urgente responder a questões como quem pode ou não participar do culto. V. 8 – Assim diz o SENHOR Deus (adonay YHWH), que congrega os dispersos de Israel: Ainda congregarei outros aos que já se acham reunidos. O v. 8 termina com a fórmula “Assim diz o SENHOR Deus”, formando um colchete literário com o v. 1. A imagem de Javé como aquele que reúne e recolhe é frequente (Sf 3.19; Sl 147.2; Is 11.12). O versículo parece alertar as nações de que agora é a hora certa para a repatriação dos judeus da diáspora (Is 14.2; 60.8-9). Além desses, o chamado pode estar se estendendo aos gentios que aspiram abraçar a fé judaica.
3 Meditação O que podemos aprender com o texto: a) O texto aborda a inclusão na comunidade e também no sacerdócio dos que antes eram excluídos. Somos criados à imagem e semelhança de Deus. Dian-
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te de Deus, somos todos e todas de igual dignidade e valor. Excluir não é prática da justiça; por isso o texto inicia falando sobre a manutenção e a prática da justiça. Assim diz o SENHOR: Mantende o que é justo (mishpat) e praticai a justiça (tsedaqah). E só podemos fazer isso porque a salvação (yeshu’ah) está prestes a vir e libertação (tsedaqah) será revelada. Ou seja, nossa ação da prática e da manutenção da justiça é, em primeiro lugar, vontade de Deus e, em segundo lugar, resposta e reação ao seu agir primeiro, salvador e libertador. b) Dos estrangeiros (e não estrangeiros) se espera que sirvam e amem o SENHOR, guardem o dia santo, não o profanando, e abracem a aliança divina. Servir, amar, guardar, não profanar e abraçar são verbos, palavra-ação, que orientam a relação com Deus e certamente com o próximo, seja ele ou ela de nosso ou de outro clã. c) O texto também enfatiza o papel da oração: o templo deve ser uma casa de oração para todos os povos, local onde o povo poderá se alegrar, na certeza de que suas ofertas e orações serão aceitas. Aqui a oração ganha tanto ou mais valor que os sacrifícios. d) Confiar na salvação de Deus implica também se comprometer com atitudes de empenho pelo cumprimento da justiça e da remoção de abusos na comunidade, na cidade, no país, no mundo. e) Qual é a proposta do Trito-Isaías? Como esses povos diferentes podem se acertar? Na prática e na manutenção da justiça; no cuidado para que o Templo não se torne um mero açougue, um banco, um comércio, ou um gueto, mas que seja Casa de Oração a todos os povos que querem servir a Deus; que o serviço e o amor a Deus se reflitam na relação com o próximo, como se vê no encontro da mulher cananeia com Jesus; que aconteçam superações de velhos e novos conflitos; que superar velhos e novos preconceitos seja uma meta para o bem comum. Perguntas para a reflexão: • O que causa tensões e divisões dentro da comunidade hoje? • O que me qualifica/desqualifica para participação na comunidade? • Quais grupos estão sendo privados da comunidade atualmente? • Quem é o outro, a outra que não consigo tolerar? • Existe na comunidade discriminação étnica, cultural e social ou de alguma outra forma? • Existem conflitos envolvendo a identidade étnica, religiosa e social na IECLB? • O que fundamenta ou impulsiona esses conflitos? • Como superá-los? • Os direitos dos mais vulneráveis (na comunidade, na cidade, no país, no mundo) estão sendo garantidos? • Quais são as injustiças de hoje pelas quais ainda esperamos por vindicação?
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• A manutenção e a prática da justiça inspiram o nosso agir, motivam a inclusão e a aceitação do outra, da outra? • Servir, amar, guardar, não profanar e abraçar são verbos, palavra-ação, que orientam a nossa relação com Deus e com o próximo?
4 Imagens para a prédica Construir pontes! Dois irmãos moravam em fazendas vizinhas. Para se encontrarem, precisavam percorrer uma longa estrada que margeava um rio que separava suas fazendas. Apesar do cansaço, faziam a caminhada com prazer, pois se gostavam e cuidavam um do outro. Certo dia, tiveram uma grande desavença. Um pequeno mal-entendido explodiu numa troca de palavras duras, e os irmãos deixaram de se falar. Numa manhã, alguém bateu à porta do irmão mais velho. Era um homem com uma caixa de ferramentas na mão. Perguntou: – Procuro trabalho, tem serviço para mim? – Sim – disse o fazendeiro. – Aquela fazenda é do meu irmão, brigamos e não posso mais suportá-lo. Há uma pilha de madeira perto do celeiro, construa uma cerca bem alta para que não o veja mais. – Entendo – disse o carpinteiro. – Mostre-me onde estão os martelos e os pregos e farei um trabalho que o deixará satisfeito. O irmão mais velho entregou o material e foi à cidade. O homem trabalhou arduamente; anoitecia quando terminou. O fazendeiro chegou, mas no lugar da cerca havia uma ponte que ligava as duas fazendas. O fazendeiro enfureceu-se. – Você é muito insolente em construir esta ponte depois de tudo o que lhe contei! No entanto, ao olhar mais uma vez para aquela ponte indesejada, viu seu irmão hesitante no meio da ponte. Por um momento, os dois puderam se olhar novamente após longo período de distanciamento e solidão. Então o irmão mais novo saiu correndo de braços abertos em direção ao irmão mais velho. Por fim, se abraçaram, choraram e se desculparam. Emocionados, viram o carpinteiro arrumando suas coisas e partindo. O fazendeiro mais velho então lhe disse: – Espere, fique conosco mais alguns dias, tenho outros projetos. Você é um carpinteiro admirável! O carpinteiro respondeu: – Adoraria ficar, mas tenho outras pontes para construir. (Carraro, 2008, p. 24-26.) Frase e pensamento de Martin Luther King “Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor da sua pele, ou sua origem, ou sua religião. As pessoas têm que aprender a odiar, e se elas podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto.”
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5 Subsídios litúrgicos Confissão de pecados: Senhor, diante de ti e dos irmãos e irmãs na fé, queremos te pedir perdão pelas vezes em que deixamos o preconceito falar mais alto. Perdão pelas vezes que fechamos as portas do nosso coração e não oportunizamos o diálogo. Abre, Senhor, nosso coração para o diferente! Que possamos acolher a pessoa que é ou que pensa diferente de nós. Também pedimos perdão pelas vezes em que não buscamos o bem, não praticamos a justiça, nem nos empenhamos em acabar com as causas do mal em nosso mundo. Nós te pedimos, Senhor, que a prática da justiça e a luta contra o mal possa ser o nosso compromisso, na comunidade e no mundo. Amém. Absolvição: Assim diz o SENHOR: Mantende o que é justo e praticai a justiça, porque a minha salvação está prestes a vir e minha libertação será revelada (Is 56.1). Hinos: Quando o espírito de Deus soprou (HPD 437); Comece em sua casa (HPD 422); Transforma, Senhor (LCI 562); Canção da caminhada (LCI 575); A Paz (Roupa Nova).
Bibliografia CARRARO, Fernando. Semeando a paz. São Paulo: FTD, 2008. CHILDS, Brevard S. Isaiah. A Commentary. Louisville: Westminster John Knox, 2001. p. 440-460. (The Old Testament Library). DE BLOIS, Reinier; MUELLER, Enio R. Dicionário Semântico de Hebraico Bíblico. United Bible Societies, 2000-21. Disponível em: <http://www. semanticdictionary.org>.
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13º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
27 AGO 2023
PRÉDICA: MATEUS 16.13-20 ISAÍAS 51.1-6 ROMANOS 12.1-8
Uwe Wegner Carla A. Grossmann
Quem é Jesus para nós hoje?
1 Introdução O texto da pregação, Mateus 16.13-20, é uma reprodução atualizada do texto de Marcos 8.27-30, com a inclusão de três versículos novos sobre a função de Pedro como rocha sobre a qual é edificada a igreja de Jesus (Mt 16.17-19). O texto sem os v. 17-19 trata da natureza mais exata da identidade de Jesus: Quem diz o povo que eu sou? E quem dizem vocês que eu sou? O assunto é, pois: afinal, quem foi Jesus para o povo e os discípulos de sua época e, por extensão, quem é Jesus para nós hoje? Os textos sugeridos para as leituras são Isaías 51.1-6 e Romanos 12.1-8. O texto de Isaías inicia a fala sobre a restauração de Sião, que vai até 52.12. Em 51.1-6, compara-se o povo de Israel exilado na Babilônia com pedras cortadas de uma rocha (v. 1). Mateus 16.13ss também fala de uma pedra, sobre a qual Jesus constrói sua igreja, mas nesse contexto a pedra refere-se a Pedro. Em Isaías 51.4-5 são feitas referências à justiça e salvação que Deus trará para seu povo exilado, duas características aguardadas também do messias. O texto de Romanos 12.1-8 fala sobre um novo culto espiritual que os crentes oferecem a Deus com o seu corpo e com uma mente renovada para identificarem a sua vontade. Os v. 3-8 abordam a diversidade e a interdependência dos dons existentes no corpo da igreja em Cristo, o que deve excluir a vanglória. Caso se quisesse fazer uma ponte com Jesus como Ungido, talvez se pudesse dizer: Jesus pretende ensinar as pessoas a se entenderem como participantes e construtores de uma unidade maior, o corpo da igreja, para que haja vida de cooperação, na qual as partes se preocupam em servir não só a si próprias, mas ao conjunto eclesial e social dentro do qual vivem. Ora, foi exatamente essa uma das grandes metas de Jesus Messias: ensinar as pessoas a viverem baseadas em participação e colaboração, não só olhando para si próprias e suas vantagens pessoais.
2 Exegese V. 13 – Mateus reproduz aqui Marcos 8.27. Ele troca “aldeias” (Mc 8.27) por “bandas”/“regiões” (grego: merē = parte de um todo maior) de Cesareia Filipe, que era a capital da tetrarquia de Herodes Filipe, cidade construída em 3/2 a. C. no lugar da antiga Pânias e que ficava próxima a um dos afluentes do rio Jordão. A
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atividade de Jesus era abrangente, sobretudo na Galileia, ao redor do grande lago, mas também nas regiões de Tiro e Sidom, mais ao norte (Mt 15.21ss). Em Mateus, Jesus pergunta: Quem dizem os homens ser o Filho do Homem? (Em Marcos, a pergunta é: Quem dizem os homens que eu sou?). Mateus provavelmente usou a denominação “Filho do Homem”, dada a Jesus nesse contexto, sob influência da mesma expressão empregada em Marcos 8.31, pouco adiante no texto paralelo. Essa expressão pode designar simplesmente “eu”, “homem”, “pessoa”, ou então ser titular, aludindo ao “Filho do Homem” esperado para os tempos do fim. Se Mateus a emprega titularmente, é com a correção de 16.21: é título salvífico, mas é um “Filho do Homem” que vai ter que passar por sofrimento, ou seja, diferente do concebido usualmente. V. 14 – Segundo os discípulos, Jesus é concebido entre as pessoas como: a) Elias (cf. 1Rs 17-19; 21.17-28; é mencionado 29 vezes no NT). Ele não teria morrido, mas sido elevado aos céus (2Rs 2.1-12), como Enoque (Gn 5.24), e era aguardado, sobretudo, como profeta anunciador da vinda do fim (Ml 4.5; Eclo 48.10). Ele foi extremamente crítico ao governo do rei Acabe (1Rs 18.16ss; 21) e também se notabilizara por milagres (milagre da farinha e do óleo; ressurreição do filho de uma viúva: 1Rs 17). A crítica de Jesus a autoridades civis e religiosas e os seus múltiplos milagres tornam essa identificação perfeitamente compreensível. b) João Batista (cf. Mc 6.14), pregador contumaz do arrependimento e juízo para quem não se arrependia (Mt 3.1-10). Também nesse caso é compreensível uma identificação, pois que, à semelhança de João, também Jesus se caracterizara por uma pregação de arrependimento (Lc 5.32; 13.3, 5; 15.7; 16.30 etc.; em sumários: Mc 1.14; Mt 4.17 etc.). c) Jeremias ou algum dos profetas. Os profetas eram vistos, em geral, como intérpretes e anunciadores da vontade graciosa ou punitiva de Deus nas diferentes épocas. Assim, não é de estranhar a identificação de Jesus com um profeta, já que a essência de sua pregação era justamente o reinado presente e futuro de Deus. A própria identificação de Jesus com João Batista e o Elias redivivus ( Mc 6.14-16), considerados profetas, já o interpretava dessa maneira. Curiosa é a menção explícita do profeta Jeremias em Mateus 13.14. Terá sido feita porque havia tradições que o consideravam como vivo junto de Deus e, portanto, apto para assumir certas funções (cf. 4Esd 2.17ss ou 2Mac 15.12ss)? Ou porque a comunidade de Mateus, que testemunhou a ruína e derrota de Israel pelos romanos, se identificava especialmente com esse profeta, que igualmente prenunciou e viveu a ruína do reino israelita do sul em 597 e 587 a. C.? Não há como saber mais exatamente. V. 15-16 – Depois disso, Jesus pergunta aos discípulos como eles próprios interpretavam a sua pessoa. Em resposta, Simão Pedro diz: Tu és o Ungido (Marcos e Mateus), o Filho do Deus vivo (só Mateus). A particularidade dessa confissão de Pedro é que, logo após ser proferida, Jesus recomendou que a ninguém dissessem ser ele o Ungido. Essa confissão de Jesus como sendo o “Ungido” remete a uma antiga esperança de Israel, segundo a qual no fim dos tempos Deus traria a sua salvação para o povo e as nações através de um Ungido. Esse termo
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no hebraico é “Messias” e na linguagem popular, o aramaico, Meshiha. Vertido para o grego, o termo fica Christos, Cristo. O verbo grego é chriein = ungir, e o seu equivalente hebraico é masah. Em Israel, ungia-se com óleos especiais (Êx 30.23ss); a unção era usada para consagrar a Deus com a finalidade de servir a sua obra, em Israel ou no mundo, coisas que o próprio Deus separava para si: lugares (Gn 28.18), objetos (Êx 30.26ss; 29.2) e, sobretudo, homens encarregados de determinadas funções/ ministérios: reis (1Sm 12.3, 5; 16.3; 1Rs 1.34; Sl 2.2; 18.51 e outros), por vezes sumos sacerdotes (Lv 4.3, 5, 16; Êx 28.4; 29; 1Cr 29.22 etc.) e raramente profetas (1Rs 19.16). Segundo Theissen (2002, p. 558ss), embora o NT derive o termo “Messias”/“Cristo” de reis, sacerdotes e profetas ungidos do AT, seu conteúdo vem de figuras redentoras veterotestamentárias que não recebem explicitamente o nome de “Messias”. Segundo Theissen (2002, p. 559), pode-se falar de figuras messiânicas quando são preenchidos os seguintes três critérios: 1) elas introduzem uma virada escatológica, ou seja, uma nova e definitiva situação na Palestina e no mundo, como antes nunca havia existido; 2) elas exercem uma atividade essencialmente salvífica, tanto para Israel como, muitas vezes, para toda a humanidade, através de Israel; 3) elas são pessoas carismáticas, notabilizando-se em relação às demais por sua profunda proximidade de Deus. Por isso, nos textos messiânicos clássicos do AT (a maioria sem o emprego específico de “messias”), como Isaías 8.23 – 9.6; 11; Jeremias 23.5-6; Miqueias 5.1-5 e Zacarias 9.9s, anuncia-se a vinda de um rei salvífico que trará paz, segurança e bem-estar para os seus habitantes, reinando com justiça e, como frisa o Salmo 72, julgando os aflitos do povo, salvando os filhos dos necessitados e esmagando os opressores, porque ele acode o indigente que clama e também o pobre que não tem protetor; tem compaixão do fraco e do necessitado e salva a vida dos indigentes. Ele os redime da astúcia e da violência, o sangue deles é valioso aos seus olhos (v. 4 e 12-14). Mesmo que, sobretudo, em Qumran nos tempos de Jesus, houvesse claramente a noção de um messias profeta e um messias sumo sacerdote ao lado da esperança pelo messias régio, a ciência neotestamentária é unânime em afirmar que, naquela época, o que predominava mesmo era a esperança por um messias-rei que viesse libertar o povo da dominação estrangeira romana, implantando justiça e paz, ou seja, reinando de uma forma comprometida com a vontade e os preceitos de Deus. A entrada triunfal de Jesus em Jerusalém dá prova disso, pois ele é aclamado como o que vem em nome do Senhor, e o povo exclama: Bendito o reino que vem, o reino de Davi, nosso pai! (Mc 11.9s). A mesma esperança pode ser encontrada também nas palavras dos discípulos ao ressurreto: Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel? (At 1.6). Também cabe não esquecer que Jesus foi crucificado como rei dos judeus (Mc 15.2, 9, 12, 18, 26), o que pode perfeitamente pressupor um Ungido. V. 20 – Curiosamente, no processo de crucificação, Jesus não responde à pergunta de Pilatos sobre se ele é ou não rei, limitando-se a constatar: Tu o dizes (Mc 15.2). Não diz que é nem que não é. Em nosso texto de prédica, ele também não nega a identificação com o Ungido, embora peça para que isso não
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seja divulgado a ninguém (Mt 16.20). Afinal, por que Jesus não assume clara e publicamente ser o rei messiânico dos judeus? Por que essa aura de segredo em torno de sua identidade messiânica? Por que esse segredo messiânico relacionado à sua pessoa? A verdade é que a identidade de Jesus não era de fácil compreensão por parte dos discípulos (cf. Mc 4.13; 6.52; 8.17s, 21; 9.10; 10.32), ou seja, a pessoa de Jesus com seu ensino e ações – sua identidade última – aparentemente não era de evidência messiânica à primeira vista. Aos demônios que o identificavam como enviado e santo de Deus ele ordenava que calassem a respeito (Mc 1.25; 1.34; 3.12; 4.35); aos curados ele solicitava não divulgarem ou propagandearem as suas curas (Mc 1.44; 5.43; 7.36). Ora, por que não divulgar um milagre de Jesus? Aparentemente uma propaganda dele concentrada unicamente na sua atividade milagreira levaria a uma compreensão errônea ou, no mínimo, parcial de sua verdadeira identidade messiânica. As pessoas iriam procurá-lo em massa para a cura de seus corpos. Mas teriam compreendido mesmo o que, no fundo, ele queria? Segundo Mateus 11.20-24, os milagres deveriam levar ao arrependimento, mas não foi isso o que aconteceu em cidades como Corazim, Betsaida e Cafarnaum. Ocorre coisa semelhante com a identificação direta de Jesus diante dos seus discípulos, na confissão de Pedro e na transfiguração (Mc 8.30; 9.7). Pedro o confessa como Messias/Cristo = Ungido, e a voz saída da nuvem na transfiguração dizia: Este é o meu Filho amado – a ele ouvi! Mas também nesses casos percebe-se sempre certa incompreensão por parte dos discípulos. No caso da transfiguração, eles queriam permanecer no monte, mas Jesus desceu (Mc 9.5, 9). V. 17-19 – E no caso da confissão de Pedro, ele inicialmente recebe um elogio de Jesus. Jesus diz que ele é “rocha” (=Pedro), e que sobre essa pedra pretende edificar sua igreja. De fato, os três primeiros evangelhos nos atestam a importância de Pedro entre os discípulos, ao lado de Tiago e João, já durante o ministério de Jesus. Também depois da ressurreição, Pedro se destacou ao lado de Tiago e João (Gl 1.18; 1Co 1.12; Lc 22.31-34; Jo 21.15s). Também o fato de Jesus lhe outorgar as chaves do reino dos céus para “ligar e desligar” atesta a importância que deteve para Jesus. O significado desses verbos provavelmente se refere à competência para determinar doutrinas e condutas éticas como normativas ou secundárias e errôneas. Na Palestina, quem supunha deter essas chaves para ligar e desligar, oportunizando ou não a entrada no reino dos céus, eram os escribas e fariseus (Mt 23.13). Apesar disso tudo, a continuidade da história da bela confissão de Pedro mostra que, no fundo, também ele se enganou quanto à verdadeira identidade de Jesus. Pois foi só Jesus informar aos discípulos que seria necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas (Mt 16.21), e Pedro de imediato começou a reprová-lo: Tem compaixão de ti, Senhor. Isso de modo algum te acontecerá (v. 22)! Ou seja, Pedro tinha identificado um traço importante da identidade de Jesus, mas dentro dela só cabia exercício de poder regado a sucesso, glória e aceitação geral, o que Jesus corrige com uma palavra bastante dura: Arreda, Satanás! Tu és para mim pedra de tropeço, pois não cogitas as coisas de Deus, e sim, dos homens (16.23).
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Parece-nos residir na questão do poder e de como exercitá-lo um dos grandes fatores pelos quais Jesus corria o perigo de ser mal entendido como o novo Ungido de Deus. Inédito no cristianismo é o fato de ele ter associado um Ungido de Deus com sofrimento, e isso de forma tão contundente, a ponto de Cristo ter virado nome próprio de Jesus: “Jesus Cristo”. Em Marcos 8.31-33; 9.30-32 e 10.32-34, Jesus prediz seu sofrimento e rejeição por três vezes! É desconhecido que judeus da época tivessem associado algum ungido com tais características derrotistas. Os ungidos da linhagem de Davi eram aguardados, muito mais, como fortes e vencedores sobre seus oponentes e inimigos! O quanto era diferente a concepção de poder que Jesus tinha e pregava para seus discípulos em relação à concepção usual também fica claro em sua crítica ao poder praticado por governantes usuais, onde os poderosos geralmente querem ser os grandes e usufruir das melhores vantagens e benesses que uma autoridade oferece. Jesus propunha o contrário: quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós, será escravo de todos (Mc 10.43-44). Theissen (2002, p. 566) vai ainda mais longe ao afirmar que, ao contrário dos Salmos de Salomão 17.26 (escrito do século I), em que a tarefa do messias é reunir o povo (da dispersão) e julgar suas (12) tribos, Mateus 19.28 e Lucas 22.28-30 afirmam que serão os 12 discípulos que, um dia, se sentarão em tronos e julgarão as 12 tribos de Israel. Para Theissen, em decorrência, os 12 discípulos formariam um grupo messiânico. Jesus, então, teria tomado a expectativa messiânica dirigida a uma pessoa individual e a reformulado no sentido de um messianismo de grupo: “Pessoas simples do povo, pescadores e camponeses deveriam governar como representantes das doze tribos – no sentido de um governo popular representativo”. Outras áreas, como as da ética e das relações sociais também dificultavam uma rápida e fácil identificação da identidade messiânica de Jesus. Ora, o amor, a máxima ética pregada por ele, não se limitava aos parentes, à família, aos conhecidos, aos da mesma classe e gênero. Ele, como Filho amado de Deus, como Ungido, pregou um amor para além dos meros laços familiares (Quem é minha mãe e meus irmãos? [...] Qualquer que fizer a vontade de Deus (Mc 3.31-35), que não excluísse as crianças, pouco valorizadas na época (Mc 10.13-16), nem os samaritanos (povo de religião parcialmente diferente dos judeus, com os quais haviam tido uma história de ódios, inimizades e preconceitos: Lc 10.25-32; cf. Lv 19.18, 33s), nem qualquer outro tipo de inimigos (Lc 6.27-36/Mt 5.38-48: Jesus fundamenta isso com o próprio amor de Deus, que dá coisas boas para todas as pessoas, inclusive para os ingratos e maus, conclamando as pessoas para serem imitadoras desse Deus, para serem perfeitas e misericordiosas como ele [Mt 5.45 e Lc 6.35]). Além disso, a pregação e a atividade amorosa de Jesus sugeriam a necessidade do rompimento de preconceitos e discriminações de ainda outras classes sociais e religiosas: discriminados eram “pecadores” notórios como publicanos, prostitutas, ladrões, trapaceiros e adúlteros (Mc 2.15-17; Lc 7.31-35; Mt 11.16-19; Mt 21.31; Lc 18.11). Como não deve ter surpreendido os ouvintes quando Jesus proferiu uma palavra escandalosa como a de Mateus 21.31: Em verdade vos digo que publicanos e prostitutas vos precedem no reino de Deus! Também os pobres eram discriminados, mas Jesus, ao contrário, os contemplou com a conhecida bem-aventurança: Bem-aventurados os
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pobres, porque vosso é o reino de Deus. Vale o mesmo em relação ao grupo social das mulheres, uma classe com poucos direitos na época, a qual Jesus concedeu, entre outras coisas, participação em seu seguimento na Galileia e em Jerusalém (Mc 15.40-41; Lc 23.49). Outro fator de constante discriminação social era a diferenciação dos saberes, que ocorria entre grupos de letrados, conhecedores e intérpretes da lei, e o povo simples, em sua maioria, iletrado. Nesse particular, Jesus, o Ungido, novamente surpreende com a exaltação dos grupos socialmente à margem: Graças te dou, ó Pai [...] porque ocultaste essas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos (Mt 11.25; Lc 10.21). Seria possível continuar e aprofundar ainda mais como Jesus, com sua proposta inovadora do reinado de Deus, representou uma novidade messiânica na avaliação e em suas propostas para quase todos os setores da vida em religião, política e sociedade. Mas não é preciso. Nosso intento foi somente o de mostrar como a advertência dele aos discípulos para não contarem a ninguém ser ele o Ungido de Deus tinha um bom propósito. Jesus sabia que a concepção usual que as pessoas relacionavam com um aguardado Ungido de Deus era, principalmente, a do libertador político-militar (pelas armas e pela força) de inimigos que haviam invadido e ocupado o território outrora pertencente ao povo escolhido de Deus. Mas a libertação que ele como Ungido queria mesmo era não só muito mais abrangente e regida não pela violência, mas pelo amor, e, sim, implicava conversão não só dos outros, mas em especial e prioritariamente dos próprios discípulos. De fato, esse segredo do Messias não consegue ser assimilado por qualquer um, justamente pelas implicações de toda ordem que ele vai ter. Foi preciso a fé dos discípulos e será preciso, sempre renovadamente e com a ajuda do Espírito, a fé de nossa parte para conseguir assimilar e vivenciar o verdadeiro e autêntico Messias Jesus, e não aquele que nós hoje – assim como os seus discípulos antigamente – gostaríamos que ele fosse.
3 Meditação O ano de 2022 foi o primeiro ano de testagem da flexibilização de regras de combate à Covid-19. Mesmo assim, o vírus ainda continua ativo e matando diariamente dezenas de pessoas. Na área da saúde mental há vários registros de surtos coletivos de ansiedade em decorrência do grande tempo de isolamento, ao qual todas as pessoas tiveram que se submeter. São como seixos (cascalhos) levados por fortes correntezas. A inflação começa a achatar o poder de compra e o desemprego continua gerando pobreza para milhões de pessoas. O avanço da fome em nosso país aprofunda o flagelo social. No cenário político, as forças se reorganizam para uma concorrida eleição presidencial. As polarizações, as guerras entre narrativas, o mundo de pós-verdade têm dominado os relacionamentos e os processos. “Pedras” agudas lançadas com o propósito de machucar e matar. E isso, muitas vezes, em nome do “Ungido” Jesus, ou melhor, de um “certo” Ungido, bem ao gosto dos seus adeptos.
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Na IECLB, é importante perguntar até que ponto esse cenário tem impactado em nossos campos de atividades ministeriais. Como está o engajamento das pessoas na vida comunitária? Como está a guerra de narrativas em nosso meio? A proposta de uma igreja híbrida (diversificada e plural), como temos ouvido falar mais fortemente nos últimos tempos, tem aterrissado em nosso chão? De que maneira? “Chuvas de pedras seremos...”?
4 Imagens para a prédica E vocês?, perguntou ele. Quem vocês dizem que eu sou? A pergunta de Jesus é importante, fundamental. O povo tem muitas respostas para essa pergunta. Os discípulos aparentemente sabem: Tu és o Cristo. A resposta de Pedro não dá a ele nenhum ganho a mais, nenhuma vantagem em relação aos demais discípulos. Confessar Cristo é mais fácil que colocar essa confissão em prática. Muitas vezes, após esse momento, tanto Pedro quanto outros seguidores são corrigidos e repreendidos por Cristo. Hoje, na IECLB, muitas são as pessoas e comunidades que confessam Jesus como o Cristo. A vida comunitária, os ataques e as perseguições a ministros e ministras e também a grupos identitários, por exemplo, nos fazem perceber que entre confissão e prática dessa fé no Cristo está uma grande, uma imensa distância. Uma abordagem da prédica poderia ser sobre a imagem que temos de Cristo. Quem nós dizemos que Jesus é? E como isso se reflete na prática de fé comunitária? Pensemos também na referência à imagem da pedra, tanto no evangelho quanto no texto do profeta Isaías. Ela evoca nossa ligação com nossos pais e mães na fé. Faz lembrar que não somos seixos (cascalhos) isolados, presos às nossas verdades parciais, mas fomos gente “tirada”, por assim dizer, de uma rocha maior. Mesmo um seixo de rio em algum momento anterior foi parte de um único bloco de rocha. É uma imagem bonita para a prédica. Em tempos de tanta desunião, perseguição, cabe lembrar de onde viemos, que somos de Cristo por sua entrega na cruz. Também cabe aqui a lição da humildade, de que mesmo os discípulos e as discípulas que conviveram com Cristo e testemunharam a sua fé precisaram de correção e orientação muitas vezes na caminhada. Há que ser rocha líquida, lava, para vencer a imobilidade das posições antagônicas e sectárias, do amor frio e da falta de compaixão. Há que ser pedra útil na construção desse Reino em que cremos e que confessamos. Podemos usar pedras no momento da pregação. Ter esse elemento no culto, junto ao altar, na imagem projetada, nas pedrinhas que as pessoas podem segurar na mão.
5 Subsídios litúrgicos Acolhida: Acolhemos a todos e todas que vêm para esse culto com as palavras de Isaías 51.1: Escutem-me, vocês que buscam a retidão e procuram o Senhor: Olhem para a rocha da qual foram cortados e da pedreira de onde foram cavados. A palavra nos convida a celebrarmos e refletirmos sobre a rocha da qual também nós fazemos parte. Sejam todos e todas bem-vindas!
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Aclamação do Evangelho: LCI 118 (Salmo 95.1) Envio: Não te deixes destruir... Ajuntando novas pedras e construindo novos poemas. Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça. E faz de tua vida mesquinha um poema... (Aninha e suas pedras, Cora Coralina)
Bibliografia THEISSEN, G.; MERZ, A. O Jesus histórico. Um manual. São Paulo: Loyola, 2002. p. 558-568. GOPPELT, L. Teologia do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Teológica, 2002. p. 185-193.
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14º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
03 SET 2023
PRÉDICA: ROMANOS 12.9-21 JEREMIAS 15.15-21 MATEUS 16.21-28
Jorge Batista de Oliveira
Vencer o mal com o bem
1 Introdução As três leituras deste domingo podem ser relacionadas com o tema “vencer o mal com o bem”. A tendência humana é tentar vencer o mal com mais mal. Mas isso não é possível, pois o mal só pode ser vencido com o bem. A bondade de Deus é mais forte do que qualquer mal, e o caminho de Deus sempre desafia a nossa natureza e nos chama a viver o amor pelo poder do Espírito. Vejamos! Em Jeremias 15.15-21, o profeta dirige-se a Deus querendo abandonar sua vocação. Jeremias apresenta queixas e protestos pelos sofrimentos e pelas perseguições a que se via submetido e pede vingança contra seus inimigos. Deus responde consolando o profeta, promete apoio e proteção, desde que ele se converta e retome sua vocação. No Evangelho de Mateus 16.21-28, Pedro tenta fazer Jesus desistir da cruz. É difícil para a mente humana compreender e aceitar os propósitos divinos. Por isso Jesus reage repreendendo o seu discípulo e ensinando-lhe que é preciso negar a si mesmo, carregar a sua cruz e acompanhar o mestre para alcançar a vida verdadeira. Jesus foi o exemplo perfeito de vencer o mal com o bem. Em Romanos 12.9-21, Paulo enumera uma lista de virtudes baseadas no amor, as quais devem ser alcançadas através da oração e do agir do Espírito Santo. As pessoas cristãs são convocadas a vencer o mal com o bem, manifestando amor umas pelas outras, especialmente pelos inimigos. O amor é a base dos nossos relacionamentos. Por isso nossas atitudes devem ser regidas por ele.
2 Exegese De modo simples, a Carta aos Romanos pode ser dividida em duas grandes partes. A primeira vai do capítulo 1 até o 11 e apresenta grandes considerações doutrinárias da fé. A segunda vai do capítulo 12 ao 16 e trata da parte prática, versando sobre a conduta cristã ideal e a ética cristã. Temos, nessa segunda parte, aquilo que se espera dos seguidores e das seguidoras de Cristo quanto ao seu comportamento diário. Paulo inicia o capítulo 12 falando da consagração do corpo e da mente ao Senhor como um compromisso básico requerido de toda pessoa cristã. O assunto dos v. 1 a 8 é o verdadeiro culto e o emprego dos dons no serviço a Deus.
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A perícope em estudo (v. 9-21) destaca a vivência do amor dentro e fora da comunidade. Paulo enumera principalmente os deveres para com os nossos irmãos e nossas irmãs (v. 9-13) e nossa responsabilidade com todas as pessoas nas diversas situações da vida diária (v. 15-16) e com aquelas que nos perseguem e nos desejam o mal (v. 14, 17-21). A estrutura do raciocínio de Paulo é digressiva. Ele apresenta uma lista de imperativos baseados no amor aos quais as pessoas cristãs devem obedecer. Por esse motivo, as exortações têm de abranger diversas situações da vida. V. 9 – Paulo descreve dois imperativos que assinalam nossa responsabilidade como seguidores e seguidoras de Cristo: amar de forma genuína, sem hipocrisia e detestar o mal, apegando-nos ao bem. O termo anypokritos, no grego, significa sem hipocrisia. Essa palavra caracteriza os atores que utilizavam máscaras nas peças de teatro, no mundo antigo, para representar um papel. A palavra grega usada aqui para amor é agapē, bastante usada para descrever o amor de Deus pelas pessoas (5.5, 8; 8.39). Esse termo denota um amor sacrificial, diz respeito a um ato da vontade por meio do qual uma pessoa busca o melhor para a outra. Cristo é o maior modelo de amor sacrificial (Fp 2.3-8), e o amor é o maior de todos os dons e o princípio básico do verdadeiro cristianismo. Por isso não pode ser teatro. A pessoa crente deve ser sincera, e não um ator na vida. Seu amor precisa ser autêntico, genuíno e sem fraude. O verbo detestar, do grego apostygeō, ocorre só aqui no NT e significa repelir com repugnância, ter aversão tão grande a algo que a pessoa se mantém longe daquilo. O amor cristão verdadeiro leva a pessoa a repelir o mal, apegando-se ao bem que é a boa, perfeita e agradável vontade de Deus (v. 2). V. 10 – Paulo destaca, agora, a responsabilidade das pessoas cristãs para com os irmãos e as irmãs na fé, dizendo que devemos amar os irmãos em Cristo assim como amamos nossa família e engrandecer uns aos outros. Filostorgos quer dizer afeto familiar, sendo traduzido no versículo por amor fraternal, que existe entre parentes próximos. A palavra grega filos significa consideração afetuosa, e a forma derivada filadelfia é traduzida por amai-vos cordialmente neste versículo. O termo descreve o vínculo estreito que deve existir entre os irmãos e irmãs na fé (1Ts 4.9; Hb 13.1; 1Pe 1.22; 2Pe 1.7). As pessoas crentes consideram as outras superiores a si mesmas, pois, no verdadeiro amor, a pessoa não busca a própria honra ou vantagem, mas está disposta a honrar as outras pessoas. V. 11 – Paulo convoca as pessoas cristãs para a responsabilidade em relação aos deveres espirituais. Tendo em vista o perigo da letargia espiritual, o apóstolo nos desafia a não sermos indolentes, mas aplicados na vida cristã. A expressão no zelo, não sejais remissos, implica que não devemos ser preguiçosos na vida cristã e no trabalho para Deus; antes, precisamos ser fervorosos. Do grego zeō, literalmente, ferver. A pessoa cristã zelosa sempre mantém o interesse na causa de Deus, como se estivesse a ponto de ebulição.
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V. 12 – Devemos nos alegrar na esperança que nos faz olhar para além da escuridão e das dificuldades do mundo presente para as coisas invisíveis e eternas (2Co 4.17, 18), sendo pacientes na adversidade e diligentes na oração. O sofrimento tem o poder de amadurecer a pessoa cristã para, assim, torná-la cada vez mais semelhante a Cristo (2Co 4.17-18). V. 13 – Agora Paulo apresenta os deveres sociais, destacando que as pessoas cristãs devem compartilhar as necessidades de seus irmãos e irmãs na fé, e atendendo-as como se fossem as suas próprias. A generosidade para com os irmãos e as irmãs em necessidades e a hospitalidade são aplicações práticas do princípio do amor. A hospitalidade, do grego filoxenia, significa literalmente “amor aos estranhos”, portanto “abrigar os estranhos”. Desde cedo, as pessoas cristãs consideraram a hospitalidade uma das mais importantes virtudes cristãs (1Tm 3.2; Tt 1.8; Hb 13.2; 1Pe 4.9). Isso ocorria em vista do grande número de viajantes e perseguidos. Muitas pessoas cristãs eram expulsas de suas casas e obrigadas a procurar abrigo com aquelas que mantinham a mesma fé (ver At 8.1). A hospitalidade que as pessoas crentes praticavam umas para com as outras contribuía para os vínculos que mantinham unidos os membros dispersos da igreja. V. 15-16 – Paulo fala das obrigações relacionais e expõe a responsabilidade das pessoas cristãs no vínculo afetivo. Ele apresenta uma orientação para que mantenham a harmonia que existe entre elas. Não devem ser arrogantes, convencidas, nem somente se associar com pessoas aparentemente mais importantes. Não podem permanecer indiferentes ao sofrimento ou à alegria umas das outras. Devem alegrar-se com aquelas que se alegram e chorar com aquelas que choram (v. 15), vivendo em conformidade umas com as outras e ser humildes (v. 16). V. 14 e 17-21 – Paulo apresenta uma série de imperativos sobre como as pessoas cristãs devem agir com aquelas que as consideram inimigos. Diante da perseguição em Roma, as pessoas cristãs são chamadas a reagir abençoando os perseguidores. Pois o amor não se limita aos irmãos às irmãs na fé. Elas devem: – Não amaldiçoar, mas abençoar os inimigos (v. 14). O verbo amaldiçoar, do grego kataraomai, significa desejar o mal, rogar pela destruição de outrem. Já o verbo abençoar, do grego eulogeō, significa falar bem de, solicitar a bênção de Deus sobre outrem. – Não retribuir o mal que recebemos com o mal (v. 17), mas tentar viver em paz com todos (v. 18). A frase se possível indica que nem sempre viveremos em paz com todas as pessoas, mas que devemos tentar com afinco viver pacificamente. Assim, viver em paz com todos torna-se um desafio. – Ao invés de sermos vingativos, devemos dar lugar à ira (v. 19), fazendo o bem aos inimigos (v. 20). As pessoas cristãs não devem buscar a vingança pessoal, mas devem deixar que Deus promova a punição devida à iniquidade, pois a vingança e a recompensa pertencem ao Senhor. Por meio de atos de bondade, as
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pessoas cristãs podem amontoar brasas de fogo sobre a cabeça dos seus inimigos, ou seja, provocar vergonha e talvez arrependimento a eles (Hb 10.30). O melhor modo de livrar-se de um inimigo é torná-lo amigo. Esse é o poder do amor de Deus, com quem as pessoas cristãs estão conectadas por meio de Cristo. Paulo cita Provérbios 25.21-22 quase literalmente. – Vencer o mal que recebermos com o bem (v. 21). Esse versículo resume toda a perícope, sendo também o ápice do capítulo. Paulo exorta que não devemos permitir que o mal triunfe sobre nós. Devemos lutar para não sermos vencidos pela atitude de retribuir a perversidade que sofremos de nossos adversários com a mesma moeda. Devemos retribuir o mal que nossos oponentes nos infligem com expressões de bondade. É dessa maneira que triunfamos sobre a maldade.
3 Meditação Todos querem viver bem, mas saber conviver bem poucos sabem. Conviver é uma arte que precisa ser cultivada e praticada, para a qual há alguns princípios práticos a serem seguidos. O principal é fazei aos outros aquilo que quereis que os outros vos façam (Mt 7.12). Ao escrever para as pessoas crentes da igreja em Roma, o desejo do apóstolo Paulo era que tivessem uma vida de consagração a Deus e que vivessem um amor genuíno para com todos, inclusive pelos próprios perseguidores. Por isso o apóstolo apresenta uma lista de princípios e virtudes a serem cultivados. Somos desafiados a odiar o mal e nos apegar ao bem, tratando as pessoas com humildade, demonstrando amor sincero, buscando praticar o que é bom. Paulo ensina que não devemos ser preguiçosos no zelo. Devemos ser fervorosos no Espírito, pois o Espírito é quem deve julgar, ou antes, trabalhar na vida de cada crente, a fim de que viva longe do pecado. Devemos ser generosos e saber dividir o que possuímos, pois uma maneira muito prática de demonstrar nosso amor é quando ajudamos quem precisa e quando somos hospitaleiros. É muito importante identificar e fazer o que pudermos para atender às necessidades das outras pessoas. Isso nos lembra da igreja primitiva em Jerusalém, que tinha tudo em comum (At 2.44). Estejamos atentos à realidade daquelas pessoas com as quais convivemos. O amor nunca se mantém longe das alegrias ou das dores das outras pessoas. O amor mostra-se solidário. Por isso nos alegramos com aquelas pessoas que se alegram e choramos com aquelas que choram. E isso não somente com os irmãos e as irmãs na fé, mas com todas as pessoas com quem mantemos um relacionamento, compartilhando as necessidades físicas e espirituais. Em tempos de exibicionismo nas redes sociais, somos desafiados a não ser orgulhosos, mas humildes. Um dos piores tipos de orgulho é o esnobismo, pois a pessoa esnobe vive obcecada por status e seleciona as pessoas com quem anda. A vanglória pode colocar uma barreira muito grande em nossas relações com outras pessoas. Jesus entrou em contato com pessoas de todos os níveis sociais e falou a respeito do reino de Deus com pessoas de todas as classes.
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Realmente, conviver com outras pessoas, às vezes, pode causar-nos dificuldades, mas a Bíblia diz que devemos fazer tudo o que for possível da nossa parte para viver em paz com todas as pessoas. Se alguém nos persegue, no lugar de praticar a vingança, devemos orar por essa pessoa, pedindo a bênção de Deus sobre a vida dela. Nosso papel não deve ser de fazer justiça com as próprias mãos, pois nos colocar no papel de juiz é pecado, e tampouco faremos justiça. Precisamos ter uma vida de confiança em Deus, sabendo que a ele pertence o julgamento. Sabemos que não é fácil abençoar nossos inimigos. Mas a recomendação de Paulo está fundamentada em Jesus, que nos ensina a amar os nossos inimigos, desejando que lhes ocorra o bem. Quando agimos assim, fazemos com que se envergonhem a si mesmos em razão de receber o bem, mesmo tendo praticado o mal. Por mais que seja difícil a convivência, seja em casa, no trabalho ou na igreja, não podemos viver isoladamente. Temos que aprender a conviver com os espinhos dos relacionamentos, sabendo que, com amor, podemos entender melhor as pessoas com quem convivemos. Na medida do possível, devemos viver em paz com todos. Claro que a fé cristã não implica uma tolerância permissiva que aceita qualquer coisa e fecha os olhos para tudo. Há circunstâncias nas quais é impossível o estabelecimento ou a manutenção da paz. Por exemplo: se vemos alguém agredindo uma pessoa, não devemos ter paz com ele. Somos chamados a parar o mal, ainda que para isso tenhamos que intervir. No entanto, vamos perceber que quando tratamos as outras pessoas com amor e humildade, somos também tratados de melhor forma até por pessoas com quem considerávamos impossíveis de conviver. O mal só pode ser vencido com o bem. Isso não é tarefa simples, ao contrário, aprender a amar e perdoar é muito difícil, porque vai contra nossa natureza egoísta. Mas o amor de Deus revelado em Jesus vence o mal. E esse amor nos move a amar o nosso semelhante de tal forma que aprendemos a dialogar, perdoar, reconciliar e abençoar. Aprendemos a amar sem fingimento, pois o verdadeiro amor não usa máscaras. Nesse amor, encontramos reciprocidade, que nos leva a depender um do outro e a fazer o bem a todos. Podemos experimentar na família, na igreja e na sociedade relacionamentos mais fraternos, justos, de paz e felicidade. Nossas comunidades seriam muito mais fortes e fariam a diferença neste mundo se os e as crentes amassem uns aos outros dessa forma.
4 Imagens para a prédica Havia duas vizinhas que viviam em pé de guerra. Não podiam se encontrar na rua que era briga na certa. Depois de um tempo, Maria descobriu o verdadeiro valor da amizade e resolveu que iria fazer as pazes com Clotilde. Ao se encontrarem na rua, muito humildemente, Maria disse: – Minha querida Clotilde, já estamos nessa desavença há anos e sem nenhum motivo aparente. Estou propondo para você que façamos as pazes e vivamos como duas boas e velhas amigas. Clotilde, na hora, estranhou a atitude da velha rival e disse que iria pensar no caso. Pelo caminho, foi matutando. “Essa Maria não me engana, está querendo
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me aprontar alguma coisa e eu não vou deixar barato. Vou mandar-lhe um presente para ver sua reação.” Chegando em casa, preparou uma bela cesta de presentes, cobrindo-a com um lindo papel, mas encheu-a de esterco de vaca. “Eu adoraria ver a cara da Maria ao receber esse ‘maravilhoso’ presente. Vamos ver se ela vai gostar dessa.” Mandou a empregada levar o presente à casa da rival, com um bilhete: Aceito tua proposta de paz e, para selarmos nosso compromisso, envio-te este lindo presente. Maria estranhou o presente, mas não se exaltou. “O que ela está propondo com isso? Não estamos fazendo as pazes? Bem, deixa pra lá.” Alguns dias depois, Clotilde atende a porta e recebe uma linda cesta de presentes coberta com um belo papel. “É a vingança daquela asquerosa da Maria. Que será que ela me aprontou?” Qual não foi sua surpresa ao abrir a cesta e ver um lindo arranjo das mais belas flores que podiam existir num jardim, e um cartão com a seguinte mensagem: Estas flores é o que te ofereço em prova da minha amizade. Foram cultivadas com o esterco que você me enviou e que proporcionou excelente adubo para meu jardim. Afinal, cada um dá o que tem em abundância em sua vida.
5 Subsídios litúrgicos Confissão de pecados: Senhor, como é bom saber que somos amados e amadas por ti. Esse amor tão grande nos foi revelado em Jesus Cristo, que venceu o mal com o bem. Confessamos que não sabemos amar assim. Nosso amor é egoísta e interesseiro. Escolhemos a quem amar e desprezamos muitas pessoas. Por isso te pedimos perdão pelos pecados que cometemos em palavras, atitudes e pensamentos, pelo que fizemos ou deixamos de fazer. Senhor, alimenta-nos com o teu amor e ensina-nos a amar o nosso próximo, respeitando-o como alguém criado e amado por ti. Que o verdadeiro amor permeie nossa vida e nossos relacionamentos, para que possamos vencer o mal com o bem. Em nome de Jesus Cristo, amém. Hinos: Liturgia de entrada: LCI 4, 7, 13, 25, 31, 36, 56 Liturgia da Palavra: LCI 157, 159, 582, música do Tema do Ano 2022 – Viva o Amor Liturgia de despedida: LCI 287, 293, Oração de São Francisco
Bibliografia BRUCE, F. F. Romanos: Introdução e Comentários. São Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão, 1979. CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento: Interpretado versículo por versículo. São Paulo: Candeia, 1985. PERROT, Charles. Epístola aos Romanos. São Paulo: Paulinas, 1993.
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15º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
10 SET 2023
PRÉDICA: MATEUS 18.15-20 EZEQUIEL 33.7-11 ROMANOS 13.8-14
Humberto Maiztegui Gonçalves
Ouvir: ligar terra e céu
1 Introdução Os textos deste domingo nos falam da vivência da ética de relações solidárias e vivificadoras, superando aquelas tóxicas, condenatórias, odientas e destruidoras da vida. O profeta Ezequiel se preocupa com o peso da culpa que certamente atormentava aquele povo que tinha perdido tudo e estava perdendo sua fé. De quem seria a culpa do exílio, da destruição do Templo de Jerusalém (habitação de Deus) e da desgraça vivida pela comunidade? Não seria melhor esquecer os males praticados ou se omitir diante das injustiças? No entanto, adverte o profeta, é função de quem faz a guarda profética (atalaia) avisar. O conflito e a culpa apresentam a oportunidade de mudar o rumo, mudar a visão, mudar a prática de morte e abraçar novas relações de vida, porque, diz o SENHOR Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas que o perverso se converta do seu caminho e viva (Ez 18.11b). O apóstolo Paulo escreve para a comunidade de Roma, no centro do poder imperial, ainda sem conhecê-la, e lembra que o amor é o resumo de toda a lei (Rm 13.8). Através do amor é possível evitar o mal da prática egoísta e alienada e se revestir de Jesus Cristo (v. 13-14). Assim, chegamos ao texto da prédica, em que a prioridade é superar aquilo que separa as pessoas e divide a comunidade: ouvir e assim ganhar irmãs e irmãos. Onde estão duas ou três pessoas reunidas, Deus ouve suas preces e Jesus dialoga no meio da comunidade. O diálogo como audição mútua vai sendo construído em círculos e se apresenta como o caminho, a metodologia, não apenas para superar os conflitos, mas também para unir a terra e o céu.
2 Superando ódios e divisões, na terra e no céu A sistematização do Evangelho de Mateus está diretamente ligada à destruição do Templo de Jerusalém em 70 d. C., ao massacre que a acompanhou e à morte de lideranças cristãs em Jerusalém, tidas como a “reserva moral” da Igreja de Jesus Cristo (cf. Gl 1.18 e 2.1). Embora, como afirma Lohse, esse evangelho “pode ser denominado de Mc ampliado” (Lohse, 1985, p. 146), o capítulo 18 desenvolve algo mais específico, juntando logias (trechos avulsos), que formam um “sermão à comunidade” (Lohse, 1985, p. 147). Situações de grande violência, de perseguição, de deslocamento e de morte geram fortes tensões nas comunidades. Assim se fez necessário superar os desentendimentos, o ódio, e encontrar
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caminhos para fortalecer as comunidades como lugar de resiliência e resistência, unindo a terra e o céu a partir do encontro com Jesus. Vejamos uma possível estrutura desse texto: A. v. 15: Ouvir e ganhar irmãs e irmãos. B. v. 16-17: Ouvir com duas testemunhas e a igreja (assembleia) como instâncias finais. C. v. 18-19: O que é ligado/desligado na terra e no céu. B’. v. 19: Deus Pai ouve duas ou três pessoas que ligam/desligam na terra e no céu. A’. v. 20: A comunidade de duas ou três pessoas dialoga com Jesus. Podemos dizer que recuperar a capacidade de se ouvir, enfrentando o que divide e provoca rivalidade entre as pessoas das comunidades, se apresenta como uma teia de relações de cura e diálogo em vários níveis: a) tu, teu irmão; b) duas ou três pessoas reunidas com Jesus no meio delas (v. 15, 20) e c) a igreja é a expressão maior dessa teia de comunidades formada por elas, mas também as amparando quando se esgotam os recursos do diálogo entre as pessoas (v. 16-17 e 19). Mas o que faz tudo girar é o sentido de que a comunidade assume a responsabilidade de ligar, desligar e religar as relações da terra (espaço da práxis) e no céu (espaço da realização plena dos sonhos divino-humanos). Ouvir é método de construção da comunidade unindo a terra e no céu. Todo o esforço se concentra em ouvir outras pessoas e ser ouvidas ou ouvidos. No v. 15, se ele te ouvir (ean sou akousē); no v. 16, se ele não te ouvir (eán de mē akousē); e no v.17 é usado duas vezes o termo parakousē (não-dar-ouvido/ recusar ouvir). Já no v. 19 se fala de uma “sinfonia” (synfōnēsōsin), isto é, quando as pessoas falam e se ouvem em harmonia (de acordo) sendo, então, atendidas (ouvidas pelo Pai). Nesse sentido é que deve se entender o centro (v. 18-19), isto é, aquilo que pode ser ligado ou desligado na terra e no céu depende do processo de audição de harmonia e concordância no pedir, que permite a comunicação eficiente com o Pai e a presença de Jesus no meio das pessoas.
3 Meditação A humanidade é conflitiva por natureza. Não há uma parte das Sagradas Escrituras onde o conflito não se faça presente. Podemos dizer também que Deus, como se revela nas Escrituras, se coloca como mediador de conflitos humanos desde a escravidão/libertação do Egito (Êx 1 – 15), passando pela proclamação profética e, especialmente, em Jesus Cristo, que se encarna na conflitividade humana, tendo como sua maior expressão a cruz. Essa revelação divina em meio aos conflitos humanos é o que faz ou desfaz a ligação entre a terra (esse lugar em vias de transformação onde acontecem os relacionamentos humanos) e o céu (esse lugar da plena presença de Deus, para onde vamos à medida que realizamos a vontade divina na terra). O texto se apresenta, como vemos na exegese, em círculos concêntricos.
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O primeiro é o círculo interpessoal, em que, com ajuda e inspiração divina, devemos nos ouvir mutuamente, nos considerar em amor e nos tornar cada vez mais “irmãs” e “irmãos”. Certamente, nesse círculo interpessoal, devemos considerar o mandamento ama a pessoa próxima como amas a ti (cf. Mt 19.19; 22.3, para citar exemplos do mesmo evangelho), ou a mútua compaixão (cf. Mt 18.33) ou ainda perdoar e receber perdão (Mt 6.12-14; 18.35). Mas nem sempre é possível resolver os conflitos e crescer sem outra mediação humana. O segundo círculo é o intracomunitário. Nesse, envolvem-se as pessoas que conhecem as partes do conflito e a natureza do conflito. Essas pessoas também são chamadas a ouvir e ser ouvidas. Esse círculo, que inicia nos v. 16-17 (chamando essas pessoas de “testemunhas”), fecha nos v. 19 e 20, quando se diz que ali as orações serão ouvidas e no centro estará Jesus. Portanto é importante que a audição inclua a oração em favor do diálogo, da compaixão, do perdão e do amor divino expresso em Jesus. O terceiro círculo é “a igreja”, que expressa a ligação entre a terra e o céu. A palavra “igreja” significa “assembleia”, portanto é o lugar onde todas as vozes devem ser ouvidas, tanto as vozes de irmãs e irmãos, envolvidas ou não no conflito, quanto a voz divina através da leitura e meditação da Palavra. Os três círculos são concêntricos e interdependentes. Por isso, quando nossas relações interpessoais dão lugar ao ódio, à violência, à divisão, ao desamor (perdendo a capacidade de ouvir), a comunidade se enfraquece (perdendo a capacidade de mediar os conflitos e transformar as relações) e a igreja se divide (perdendo a capacidade de gerar comunhão e realizar sonhos divinos na história humana). Nos últimos tempos, no Brasil e no mundo, temos visto o recrudescimento de ideologias de ódio racial, de gênero, social, ambiental. Há igrejas que têm estimulado essas atitudes, assim como pessoas e grupos dentro de outras igrejas que perseguem e atacam irmãs e irmãos na fé. O caminho da superação está em redesenhar esses círculos, buscando os meios para recuperar a capacidade de ouvir irmãs e irmãos, parentes, amigas e amigos. Assim podemos recuperar a capacidade de dialogar, vivenciar a amorosidade e viver em comunhão. Só assim será possível retomar o sentido de ser igreja como comunidade de diálogo, amor, comunhão, ser aquele espaço onde é possível a ligação entre a terra e o céu. Se nada der certo – e isso pode acontecer –, estaremos, triste e irremediavelmente, separados e não poderemos mais, com essas pessoas, viver o encontro com Jesus entre nós.
4 Imagens para a prédica Devemos lembrar que há irmãs e irmãos surdos que também devem ser ouvidas e ouvidos. Lembrar, portanto, as muitas formas de ouvir. Lembrar a importância da linguagem inclusiva, a Linguagem Brasileira de Sinais (LIBRA) e todas as formas de comunicação em que podemos ouvir e ser ouvidas e ouvidos. Imagens que simbolizam a recusa a ouvir também podem ajudar. Lembrar que muitas vezes o preconceito em relação a crianças, adolescentes e juventude em geral, pessoas com deficiência mental, indígenas e pessoas negras, mulheres,
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pessoas pobres, nos impede de ouvir com a mesma atenção com que ouvimos outras pessoas. Como superar essas barreiras para poder ouvir e curar o pecado que nos divide? Lembrar como é bonito e significativo o diálogo ecumênico e inter-religioso e como ali podemos exercer a capacidade de ouvir e mostrar a presença de Cristo no meio de todas as pessoas, sem exclusão, e superando toda forma de discriminação.
5 Subsídios litúrgicos A comunidade monástica ecumênica de Taizé tem o mantra (refrão): “A minha/nossa oração, ao clamarmos, ouve, Senhor, a minha/nossa oração, vem e ouve, Senhor”. Podemos cantar entre momentos de oração quando lembramos as barreiras a serem rompidas para restaurar o diálogo e a amorosidade entre todas as pessoas. Durante o momento de confissão e arrependimento, pode-se fazer silêncio e lembrar as pessoas com as quais não conseguimos mais dialogar, pode-se dizer a cada tanto: “Senhor, ajuda-nos a ouvir para ganharmos irmãs e irmãos”. O canto “Mutirão da Vida”, de Edson Ponick (LCI 596), é uma música adequada tanto para cantar depois da meditação quanto antes da Ceia (caso seja celebrada).
Bibliografia LOHSE, Eduard. Introdução ao Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1985.
16º DOMINGO APÓS PENTECOSTES PRÉDICA: GÊNESIS 50.15-21 MATEUS 18.21-35 ROMANOS 14.1-12 Pesquise: Proclamar Libertação, v. 24, p. 272; v. 27, p. 240; v. 35, p. 295; v. 38, p. 284 www.luteranos.com.br (busca por Gênesis 50.15-21)
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PRÉDICA: MATEUS 20.1-16 JONAS 3.10 – 4.11 FILIPENSES 1.21-30
17º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
24 SET 2023
Beatriz Regina Haacke
Graça ou recompensa: o que nos move?
1 Introdução O texto da pregação é conhecido como a parábola dos trabalhadores na plantação de uvas. Ele instiga ouvintes e leitores à reflexão, gera perguntas e diferentes sentimentos. Lembremos que Jesus usava parábolas não somente para transmitir um conceito, mas para anunciar a realidade do Reino de Deus às pessoas. Com essa parábola, Jesus interpela seus discípulos que se perguntavam o que iriam receber por terem deixado tudo para servi-lo. Ele os confronta com a graça daquele que os chamou e os amou em primeiro lugar. Essa graça não é exclusividade de alguns, mas Deus a concede a quem lhe apraz. O texto de Mateus 20.1-16 já foi abordado em vários volumes anteriores de Proclamar Libertação. Destacamos os volumes 35 e 38, com textos escritos por Vera Cristina Weissheimer e Anelise Lengler Abentroth. No trecho do livro do profeta Jonas, 3.10 – 4.11, lemos sobre a sua reação após Deus se mostrar misericordioso para com a cidade de Nínive. Jonas não compreende por que Deus é compassivo. Ele próprio havia experimentado a misericórdia de Deus em sua jornada de desobediência, fuga e arrependimento. Todavia, ao invés de alegrar-se com a salvação, Jonas fica irado quando uma cidade pecadora é perdoada. Sua reação é parecida com a dos trabalhadores queixosos da parábola. Em Filipenses 1.21-30, o apóstolo Paulo considera a morte o seu lucro, pois a vida com Cristo é graça. Todo o seu trabalho não é feito com base em conquistar méritos. Pelo contrário, servir a Cristo é um privilégio, tanto quando sofrer por Cristo.
2 Exegese A parábola dos trabalhadores na plantação de uvas está ligada ao final do capítulo anterior (Mt 19). Após o diálogo com o jovem rico, Jesus inicia uma conversa com os discípulos a respeito da salvação. Então, ele responde a uma pergunta de Pedro: Nós deixamos tudo e seguimos o Senhor. O que é que nós vamos ganhar? (Mt 19.27). Será que haverá uma recompensa para Pedro e os demais discípulos? A resposta de Jesus vem na forma de duas promessas: uma para seus discípulos e outra para todas as pessoas que sofrerem por causa de Cristo. A vida eterna é a promessa. Porém, Jesus aponta que muitos que agora são os primeiros,
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serão os últimos e muitos que agora são últimos, serão os primeiros. Essa afirmação reaparece na conclusão da parábola (Mt 20.16). As perícopes seguintes (Mt 20.17-28) novamente fazem alusão ao tema. Jesus anuncia aos discípulos o que lhe acontecerá, a saber, sua paixão e morte na cruz e sua ressurreição. E, depois, diante do pedido de uma mãe, ele adverte: Quem quiser ser importante, que sirva aos outros e Até o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida. Jesus opõe-se à jactância. Orgulho e vaidade não estão de acordo com o Reino. Vamos observar alguns destaques no texto, que julgamos relevantes para este estudo homilético. V. 1 – O Reino do Céu é como... Essa forma de iniciar as parábolas aponta para a intenção de Jesus. Ele busca, através do uso de parábolas, construir uma ponte de ligação entre a realidade do ser humano e a realidade do Reino de Deus. Jesus não apenas fala sobre Deus em suas parábolas. Ele aproxima Deus dos seres humanos, a ponto de que estes são transformados pelo seu encontro com Deus. Qual transformação Jesus almeja com essa parábola? O dono de uma plantação de uvas saiu bem cedo para contratar trabalhadores. A jornada de trabalho ia do nascer do sol até que as estrelas começassem a brilhar, isto é, cerca de 12 horas depois. O tempo de deslocamento até o local de trabalho era incluído no tempo de trabalho. Por isso o dono da plantação precisa sair bem cedo, na madrugada, para encontrar trabalhadores. V. 2 – Uma moeda de prata ou um denário era o pagamento por um dia de trabalho. O dono da plantação faz um acordo justo com os trabalhadores contratados logo cedo. Sua oferta não foi mesquinha, mas dentro dos padrões da época. No entanto, Schottroff aponta que o salário dos diaristas revela uma situação de desemprego e miséria. O ganho permite a sobrevivência, mas não a sustentabilidade. Seria preciso complementar a renda com o trabalho das demais pessoas da família, mulheres e crianças, que receberiam pelo seu próprio trabalho um pagamento muito inferior (Schottroff, 2007, p. 265). Além disso, em Levítico 19.13 e Deuteronômio 24.14, encontramos a instrução para realizar o pagamento do salário ao final do dia. Não se pode reter o pagamento do diarista, porque sua família vive (sobrevive) daquilo que ele possui no momento. Ou seja, a situação dos trabalhadores diaristas era de pobreza. A partir daí, podemos imaginar a situação difícil em que se encontravam as pessoas que não conseguiram trabalho logo no início do dia. Essas ficavam sem nenhum ganho ou se submetiam, ao longo do dia, a trabalhos ainda mais pesados e com pagamento bem inferior. Empregadores poderiam se aproveitar dessa condição vulnerável e beneficiar-se, baixando o custo da produção com mão de obra barata. Ficar na praça não era um sinal de preguiça, mas um sinal da injustiça nas relações de trabalho ou ainda da falta de trabalho. V. 3-5 – O relato segue com o dono da plantação saindo novamente em outros horários (às 9 horas, ao meio-dia e às 15 horas), chamando mais gente para o trabalho.
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V. 7 – Por último, no v. 7, Jesus narra o encontro com mais outros homens que estavam sem fazer nada. Também esses são contratados, mesmo já sendo 17 horas, ou seja, próximo do final da jornada de trabalho. Ao fim do dia, todos recebem a mesma quantia. V. 8 – Por que o proprietário da plantação deseja que os primeiros trabalhadores vejam que os últimos recebem o mesmo salário que lhes foi prometido? As parábolas têm o pé firmado na realidade dos ouvintes. Contudo, uma parábola não tem a intenção de equiparar o Reino de Deus à realidade humana, mas comparar. Não se pode querer explicar todos os detalhes de uma parábola. É preciso compreender que há certo toque dramático na narração, para cativar os ouvintes e entregar-lhes um pouco da realidade do Reino. Assim, o importante não é elucidar cada linha, mas aproximar-se da mensagem que Jesus quis anunciar. V. 11 – O murmúrio veio da parte dos que foram contratados mais cedo. Esses se sentiram injustiçados por terem recebido o mesmo que os outros que trabalharam bem menos. Trabalhar na colheita da uva é sofrido, faz doer braços, pernas e costas. São dois os motivos de sua revolta: a) os primeiros contratados, que aguentaram o sol e o cansaço de um dia todo, não receberam uma bonificação por terem trabalhado mais do que os outros; e b) vários foram contratados de última hora para o trabalho, não fazendo valer o seu esforço de estar lá desde cedo. O proprietário responde ao murmúrio com dois argumentos legais. Ele pagou o que havia sido combinado. E é seu direito fazer o que quiser com o que lhe pertence. V. 13-16 – Na resposta do dono da plantação (v. 13-15) e na conclusão (v. 16), os discípulos, que tinham acabado de ouvir o diálogo com o jovem rico e as promessas de Jesus em Mateus 19.28-30, são confrontados com a graça que derruba os seus padrões. As comparações entre eles não serão legitimadas por Jesus.
3 Meditação “O que eu fiz para merecer isso?” “O que aquela pessoa fez para merecer tanto?” Assim, pensamos que merecemos algo diferente daquilo que estamos vivendo. O murmúrio que os trabalhadores lançaram sobre o dono da plantação também pode ser o nosso: vivemos uma vida piedosa, dentro da igreja, e procuramos cumprir todos os mandamentos (assim com o jovem rico) e tu os igualaste a nós! A queixa não é contra os demais trabalhadores. A queixa é contra o próprio Deus! Esses questionamentos são provenientes do ser humano. Assim como os ouvintes de Jesus, também nós podemos indagar ao final da parábola: por que o dono da plantação não contratou todos os trabalhadores logo cedo? E por que pagou o mesmo a todos, sem considerar os que fizeram mais? Foi justa a sua atitude? Sinto-me revoltada com esse desfecho? Questionamentos diante da graça e da bondade de Deus surgem porque a justiça de Deus é incompreendida pelo ser humano.
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Mas a justiça de Deus não precisa ser justificada. Se Deus quer acolher em sua vinha outras pessoas diferentes de mim, que não foram criadas dentro da igreja, que pensam diferente, que têm outras opiniões políticas, outra identidade de gênero, outra raça, outra forma de crer, por que eu deveria questioná-lo ou ainda esperar uma recompensa? Seria por me considerar melhor do que elas? Estaria eu agindo como Jonas, desejando a ruína dos pecadores? Incapaz de me alegrar com a salvação de quem estava perdido? O ser humano tende a quantificar suas relações, enquanto Deus age para qualificar a vida. Jesus conhece o coração de Deus e o coração do ser humano. Ele conhece a graça e o amor incondicional. Conhece também a revolta contra Deus e a desobediência. Por isso ele pode nos dizer: “Amigo, não estou sendo injusto contigo”. As palavras finais da parábola interpelam a pessoa piedosa que se considera merecedora de mais graça e de mais bênçãos divinas. Essa pessoa não admitirá gratuidade. A graça dá a quem não merece. Sob esse ponto de vista, no que tange à salvação, todos somos últimos, aguardamos na praça, porque nada podemos fazer para conquistar a graça divina. Não a merecemos. Não podemos comprá-la. O que Cristo realizou na cruz é inteiramente graça. Por outro lado, no Reino de Deus, todos são primeiros por causa da sua graça. Essa graça não é barata. É dádiva a ser vivida e valorizada, compartilhada e anunciada. Trabalhamos e servimos ao dono da vinha porque já recebemos a recompensa. Era corrente entre os mestres da Lei a ideia de que “conforme o esforço, virá a recompensa”. O povo de Israel assim se compreendia também: povo eleito por Deus para servi-lo e ser luz entre as nações. No entanto, essa eleição foi transformada em um privilégio, mais do que em um chamado. O povo que Deus escolhera para ser o primeiro no seu campo de trabalho passou a estabelecer com Deus uma relação de serviço e recompensa. A piedade e as boas obras aconteciam, em grande parte, não por amor e gratidão, mas para acumular méritos. Assim, ao se incomodarem com a bondade e a graça de Deus para com outros povos, os primeiros tornaram-se os últimos. Cristo também fala de recompensa (Mt 5.12, 46; 6.1-18, 10.41-42). Porém, com essa parábola, ele rejeita a ideia de direito à recompensa. Para Jesus, recompensa está vinculada à bondade de Deus. Ou seja, é graça. Não se trata de uma prerrogativa dos primeiros sobre os últimos. Pois quem realiza seu trabalho por causa da recompensa, além de não a receber, se tornará o último. Jesus fala de recompensa e, nisso, se aproxima da expectativa judaica por recompensa. Mas, ao mesmo tempo, ele derruba essa mentalidade. A motivação para o trabalho não pode ser a recompensa. No Reino de Deus, a graça é concedida por causa de quem a concede e não por causa de quem a recebe. O que prevalece, ao final dessa parábola, é a graça e a bondade de Deus, em cujo Reino não se entra com base em méritos pessoais ou quantidade de horas trabalhadas.
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4 Imagens para a prédica Alguma vez você já recebeu menos do que era justo por seu trabalho? Como se sentiu? Em qual grupo de trabalhadores dessa parábola você se encaixaria? No grupo dos que foram contratados logo cedo, no grupo dos que foram chamados ao longo do dia ou bem ao final? Independente da sua resposta, saiba que Deus sempre é justo e bom. Quando somos chamados e chamadas para trabalhar na plantação de Deus, recebemos muito antes de começar a trabalhar. Contudo, equivocadamente, nos julgamos como sendo aqueles e aquelas que trabalharam desde o início. Que alegria quando desde cedo estamos em sua vinha e sabemos que temos um Senhor que nos amou primeiro. Que alegria quando, ao longo da vida, também podemos ser encontrados por este Senhor e ser incluídos em sua igreja. Na pregação, podemos lembrar a Rosa de Lutero. Deus faz uma aliança (anel dourado) com as pessoas que ele chamou, batizou e incluiu em sua comunidade. Essa aliança tem Cristo como seu centro (cruz). É ele quem nos salva pela cruz e isso é graça de Deus. Seu amor preenche nosso ser (coração) e nos faz florescer e produzir frutos (trabalhar), não para recebermos algo em troca, mas porque já recebemos o perdão e a salvação. Essa dádiva graciosa nos traz paz (rosa) e nos faz viver para Cristo. O fundo azul nos lembra da eternidade. O Reino de Deus já é vivido aqui e agora. Já podemos experimentar a vida que Deus quer aqui. Mas ainda sofremos e causamos sofrimento com nossos conflitos, nosso egoísmo e nosso orgulho. Porém, cremos e esperamos (e trabalhamos com esperança) pela plenitude do Reino, pela festa na vinha do Senhor. Para mais detalhes sobre a Rosa de Lutero, acesse: <https://luteranos.com. br/conteudo/rosa-de-lutero-1>.
5 Subsídios litúrgicos Oração do dia: Deus de amor e bondade! Tu nos chamaste em nosso batismo e nos acolheste em tua família. Hoje, novamente nos convidaste para um encontro contigo e com nossos irmãos e irmãs. Envia-nos teu Espírito Santo e, através da tua Palavra, nos ensina a receber a tua graça de coração aberto. Ensina-nos também a acolher e ir ao encontro do próximo, assim como Jesus veio e nos chamou para trabalhar em tua seara. Que, ao fazer isso, sejamos movidos unicamente por fé e gratidão. Por Jesus Cristo é que oramos, na unidade do Espírito Santo. Amém. Hinos: Deus sempre me ama (LCI 581); A graça eterna de Jesus (LCI 48); Senhor, se tu me chamas (LCI 320).
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Bibliografia BRAKEMEIER, Gottfried. As parábolas de Jesus: imagens do reino de Deus. São Leopoldo: Sinodal, 2016. SCHOTTROFF, Luise. As parábolas de Jesus: uma nova hermenêutica. São Leopoldo: Sinodal, 2007.
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01 OUT 2023
PRÉDICA: FILIPENSES 2.1-13 EZEQUIEL 18.1-4, 25-32 MATEUS 21.23-32
Klaus A. Stange
Viver em unidade
1 Introdução Todo aquele que se propõe a uma leitura atenta da Carta aos Filipenses ficará impressionado com a ênfase cristológica que Paulo confere ao texto. Considerando-se apenas o primeiro capítulo, o nome de Cristo é mencionado 18 vezes! E no segundo capítulo da carta, somos conduzidos ao famoso hino cristológico, que aponta para o Cristo que se esvazia a si mesmo e assume integralmente a nossa humanidade. Sem dúvidas, a pessoa de Cristo perfaz o núcleo teológico de toda a carta. Ao mesmo tempo, chama a atenção que Paulo, ao dar tanta ênfase à pessoa de Cristo em sua carta, não se propõe primeiramente a escrever um tratado dogmático acerca da divindade e humanidade de Cristo. Ao apontar para Cristo, Paulo tem uma intencionalidade pastoral para com a comunidade dos filipenses. Ele não escreve a sua carta desconectado da vida da comunidade, mas está tratando de um problema real e concreto, qual seja: viver em unidade. É verdade que a unidade de uma comunidade cristã não pode ser produzida através do esforço humano. Ela é dádiva divina. Não podemos produzir unidade, apenas mantê-la! Existe apenas um corpo de Cristo, uma santa igreja católica, um só rebanho, uma noiva de Cristo. Nesse sentido, a expressão em Cristo, que se encontra no início do v. 1, é basilar para a hermenêutica de todo o capítulo, pois ela aponta para a dádiva de Deus, para o “indicativo” da graça de Deus. Sem essa clareza do evangelho, que revela aquilo que Deus já fez e continua fazendo por nós através de Cristo, a prédica se transformará em pura lei. Portanto a ação de Deus antecede o agir humano e se configura no fundamento da ética cristã.
2 Exegese V. 1 – Os alicerces para a unidade Visto que... ou Tão certo quanto... estamos em Cristo – assim podemos traduzir a parte inicial do v. 1. Paulo não deixa dúvidas acerca da realidade divina, das dádivas que foram presenteadas à comunidade e que se manifestam na experiência dos filipenses. Que dádivas são essas? a) A comunidade possui uma motivação, por conta da pessoa e obra de Cristo – como veremos nos v. 6-8. O que Cristo já fez pela comunidade se consti-
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tui em sua motivação, sua mola propulsora, sua energia vital para viverem como comunidade cristã. b) Deus concedeu consolo no amor, pois em Cristo Deus manifesta de forma inequívoca seu amor pela comunidade. c) Foram inseridos na comunhão dos filhos e filhas de Deus, através da maravilhosa obra do Espírito Santo, que atesta essa filiação (Jo 1.12-13). d) Experimentaram a profunda afeição (misericórdia) e compaixão de Deus. A miséria humana revolveu as entranhas paternas de Deus de modo que ele manifestasse sua compaixão. Envolvidos por essa experiência tremenda da compaixão divina, cristãos se sabem motivados para mostrar compaixão pelos outros (Schwambach, 2010, p. 42).
V. 2 – A exortação à unidade Os filipenses sempre formaram uma comunidade muito parceira do apóstolo Paulo. Foi uma das poucas comunidades que se importou e cuidou de Paulo quando ele esteve na prisão. Não hesitaram em levantar ofertas para ajudar a comunidade empobrecida em Jerusalém e no sustento do próprio Paulo (2Co 8). A comunidade dos filipenses proporcionou muitas alegrias a Paulo, de modo a subsistir um relacionamento de carinho e cuidado entre eles. Dito isso, Paulo exorta a comunidade a manter unidade: a) demonstrando unidade de pensamento. Dez vezes Paulo usará o verbo phronein (pensar a mesma coisa) na sua Carta aos Filipenses. Não se trata de um pensamento teórico, mas de uma unidade de pensamento volitiva; b) demonstrando unidade nos relacionamentos, porquanto as “engrenagens” dos relacionamentos são lubrificadas pelo amor; c) demonstrando unidade espiritual, como se dois corações batessem no mesmo ritmo; d) demonstrando unidade de sentimento, no sentido de toda a comunidade – como um coro, “cantar na mesma tonalidade”. Ou seja, em meio à diversidade de ideias e pessoas que caracterizava a comunidade dos filipenses, todos cooperam para um objetivo comum, um bem, um alvo comum. Na comunidade cristã, cada pessoa tem sua opinião, seu pensamento. Isso é bom! Paulo não entende que todas as pessoas cristãs devam ser iguais. Não se trata de eliminar a boa diversidade criada por Deus. No entanto, às vezes, uma pessoa tenta impor seu pensamento às outras, gerando posturas egoístas, ambiciosas e arrogantes. Finalmente, pode acontecer que cada um busque apenas seus próprios interesses na comunidade. Contra essa tendência natural do ser humano (e que também se manifestava entre os filipenses) é que Paulo conclama a comunidade para que ela se comprometa e se empenhe em viver em unidade. Porém, um ponto é decisivo: todos são exortados a esforçar-se, a lutar e se empenhar pela unidade com as forças e a graça que vem de Deus (v. 1), e não a partir das próprias forças (Fp 2.12-13).
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V. 3-4 – Humildade que promove a unidade. “A humildade é o remédio para os males que atacam a unidade da igreja” (Lopes, 2007, p. 113). A verdadeira humildade não é um ideal que nunca se pratica, pelo contrário: assume formas concretas na vida da comunidade. Não é um ato isolado, mas uma postura que permeia todas as demais ações de uma pessoa. a) Ser humilde é não fazer as coisas por “ambição egoísta”. Ambiciosa é a pessoa que faz tudo para alcançar seus próprios planos, sem levar em conta os outros. Sempre impõem e atropela os outros, desconsiderando-os. b) Ser humilde é não fazer as coisas de forma “vaidosa”. A vaidade faz com que a pessoa se supervalorize, se autoprojete e menospreze as demais. c) Ser humilde é “considerar os outros superiores a si mesmo”. Não se trata de um tipo de humildade falsa, irrealista, fingida, em que só se “faz de conta” que o outro é superior. Pelo contrário, considerar o outro superior é honrar o outro, considerar o irmão e a irmã na fé, procurar os interesses dele e dela – e não só os próprios interesses. Portanto, orgulho separa as pessoas. Humildade autêntica une as pessoas. Vaidade e autoprojeção criam barreiras, mas o amor e a honra restauram a comunhão e a unidade. O exemplo supremo disso é o próprio Cristo (v. 5-11)! (Schwambach, 2010, p. 43-44).
V. 5-11 – A unidade em Cristo. Nos versículos que seguem, Paulo passa a descrever o que caracteriza a vida de uma pessoa que está ligada, conectada, que vive em Cristo. Na primeira parte (v. 5-8), Paulo esquematiza o caminho de Cristo que, sendo Deus… tornou-se servo/escravo, semelhante aos homens. a) Cristo voluntariamente abre mão de seus direitos (v. 6). Inicialmente, Paulo explica que Cristo subsiste em forma de Deus... Essa palavra (morphe no grego) descreve aquilo que é essencial, que não pode ser mudado, é inalienável. Assim Paulo atesta que Jesus é Deus em forma essencial, inalterável e imutável. No entanto, b) Cristo se esvaziou (v. 7), que literalmente significa “tirar algo de um recipiente até que fique vazio”, “derramar algo até que não fique nada”. Paulo está descrevendo a encarnação de Jesus. “Cristo não trocou sua natureza/forma (morphe) divina pela natureza/forma de um escravo; antes, Ele demonstrou a natureza/forma de Deus na natureza/forma de um escravo” (Bruce, 1989, p. 78-79) (Jo 13.13-14). c) Cristo assume a natureza/forma de servo. No grego, novamente encontramos a palavra morphe. Portanto Jesus não fingiu ser servo, não assumiu um papel (como um ator), ele foi servo de fato (Lc 22.27). Além de servo, d) tornou-se semelhante (homoioma) aos seres humanos. A palavra usada por Paulo expressa aparência externa. Portanto Cristo possui a morphe (natureza/ forma ) de Deus e de servo e assume aparência humana. Do ponto de vista físico, Cristo foi perfeitamente ser humano. Além disso, Paulo expressa, no v. 8, que Cristo, sendo encontrado...
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e) em forma (figura) humana, humilhou-se… Aqui Paulo usa a palavra grega schema. Schema designa a aparência externa de uma pessoa. É mutável. Assim um bebê, uma criança, um jovem, um adulto e um idoso partilham da natureza (morphe) humana, mas sua forma/figura (schema) exterior muda com o tempo. Schema, portanto, traduz a ideia de “em conformidade com a experiência humana”. Tudo o que diz respeito à experiência humana Jesus também vivenciou. Na segunda parte (v. 9-11), Paulo descreve a exaltação de Cristo à posição de Kyrios (Senhor). a) Chama a atenção que o protagonista da exaltação é o próprio Deus. Assim Jesus mesmo ilustra o que ele mesmo havia dito: [...] todo o que se exalta, será humilhado, mas o que se humilha, será exaltado (Lc 18.14); pois Deus exalta aqueles que se humilham (Is 53; 1Pe 5.6). Se Cristo voluntariamente, por amor, abriu mão de sua glória divina, agora Deus restitui a sua glória, dando-lhe toda a autoridade no céu e na terra (Mt 28.18). b) A exaltação de Jesus é única e incomparável. É isso que expressa o superlativo usado no texto e traduzido como o exaltou a mais alta posição. c) A exaltação de Cristo traz como consequência a rendição de toda a criação. Cristo é exaltado para que todo joelho se dobre e toda língua confesse que Jesus é o Kyrios.
3 Meditação Quando nos aproximamos do hino cristológico e meditamos acerca de sua mensagem, logo surge a pergunta pela motivação, pela intencionalidade de Paulo ter escrito, numa forma tão comprimida, sua “mini” cristologia. Tenho para mim que Paulo não escreveu o texto motivado apenas por um deleite pela dogmática. Pelo contrário: Paulo está convencido de que necessitamos de uma imagem clara acerca de Cristo, para podermos viver em unidade. Na sua Segunda Carta aos Coríntios, Paulo escreve: Todos nós, que com a face descoberta contemplamos a glória do Senhor, segundo a sua imagem estamos sendo transformados com glória cada vez maior, a qual vem do Senhor, que é o Espírito (2Co 3.18). Portanto a comunidade dos crentes em Jesus Cristo reflete, como num espelho, a glória de Cristo. Simultaneamente a comunidade cristã é transformada pela fé, em toda a sua existência, de modo a tornar-se uma imagem de Deus. Assim Paulo faz uma conexão entre a cristologia e a ética. O Cristo preexistente, mas que se tornou servo, foi crucificado e morto, ressuscitado e exaltado – impregna e molda a vida dos crentes através do agir do Espírito Santo, de modo a transformá-los na imagem de Deus. Lutero descreveu e chamou esse processo como “a troca maravilhosa”, ou “a feliz troca”: pela fé, entregamos a Cristo nosso pecado, todo orgulho e egoísmo e, em troca, recebemos dele todas as bênçãos espirituais de que necessitamos. Portanto entendo que a tarefa da prédica deste domingo consiste em apresentar o puro Evangelho, qual seja, apresentar a pessoa e obra de Cristo de tal maneira
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que uma pessoa incrédula seja atraída para a fé; uma pessoa insegura em sua fé seja restaurada em sua confiança e a pessoa crente em Jesus seja fortalecida em sua fé. Para a prédica, também valeria a pena refletir, comparar e contrastar o caminho que Cristo percorreu e o caminho que o ser humano percorreu (Gn 3.5). O que o ser humano deseja e o que Cristo desejou? Cabe também refletir na prédica como o princípio reformatório do pro me (para mim) se torna concreto. Em outras palavras: o que a exaltação de Cristo significa para mim? Certamente pode ser consolador saber que a história da humanidade é regida pelo Senhor. Talvez também possa mediar certo consolo saber que, no fim da história, todo orgulho e toda arrogância serão submetidos ao senhorio de Cristo. Porém, simplesmente saber essas verdades ainda não aquece o nosso coração. Saber da exaltação de Cristo não faz de nós pessoas humildes. Mas é precisamente esse o propósito de Paulo! Como resolver o dilema? Resposta: Cristo se esvaziou a si mesmo, assumiu a forma/natureza de servo, humilhou-se e foi obediente até o fim. Tudo isso ele fez por mim! Da mesma forma, sua exaltação por Deus é uma exaltação por mim. O senhorio de Cristo sobre todas as coisas não é um fim em si mesmo. Pelo contrário: Jesus exerce seu senhorio por mim, em meu favor, para o nosso bem! Nesse sentido, na perspectiva do pro me, a exaltação de Cristo se torna em um poderoso consolo.
4 Imagem para a prédica Para ilustrar o princípio reformatório do pro me, compartilho uma história narrada no comentário de Lopes: Havia um homem muito rico que investira grande fortuna em quadros famosos. Tinha orgulho de ter uma das mais requintadas coleções dos maiores e mais consagrados pintores do mundo. Um dia, seu filho único foi ferido numa viagem e morreu. O amigo do seu filho, que o acompanhara em seus últimos suspiros, buscando consolar o pai aflito, enviou-lhe um quadro que ele mesmo pintara do rosto do seu amado filho. Ao receber o quadro, o pai colocou-o numa bela moldura e o pendurou junto a seus quadros mais seletos. Ao perceber que sua morte também se avizinhava, o homem rico chamou seu mordomo e lhe fez as últimas recomendações. Determinou que os quadros fossem leiloados e que o dinheiro arrecadado fosse entregue a uma instituição filantrópica. Em dia determinado, o leilão aconteceu. Para surpresa de todos, o mordomo começou leiloando o quadro do filho. Ninguém demonstrou interesse pelo quadro, pois ele não tinha nenhum atrativo nem valor artístico. Alguém, porém, resolveu fazer uma oferta e comprou o quadro. Para maior surpresa ainda, o mordomo anunciou o término do leilão. Quando todos estavam inconformados e buscando uma explicação, o mordomo leu o testamento do patrão: “Aquele que comprar o quadro do meu filho, tem todos os outros, pois quem tem o meu filho, tem tudo” (Lopes, 2007, p. 136-137).
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Bibliografia BARCLAY, William. Brief an die Philipper. Wuppertal: Aussaat Verlag, 1969. BRUCE, F. F. Filipenses. São Paulo: Vida, 1989. COCHLOVIUS, Joachim. Demütig werden. In: Zuversicht und Stärke. Holzgerlingen: Hänzler-Verlag, 2004. LOPES, Hernandes Dias. Filipenses. São Paulo: Hagnos, 2007. SCHWAMBACH, Claus. Jesus Cristo: salvador e exemplo na humildade e na obediência. Caminho e Testemunho, São Bento do Sul: FLT, v. VII, n. 2, 2010.
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19º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
08 OUT 2023
PRÉDICA: MATEUS 21.33-46 ISAÍAS 5.1-7 FILIPENSES 3.4b-14
Eduardo Paulo Stauder
Onde estão os frutos?
1 Introdução A vinha tão bem cuidada e preparada pelo seu dono produz uvas amargas. O que fazer com essa vinha? Seus frutos não podem ser aproveitados. O dono resolve destruir a vinha e transformá-la num espaço de pastagem. Isaías 5.1-7 traz, por meio de um cântico, essa imagem da vinha que produz uvas amargas. Uma vinha a ser abandonada. O apóstolo Paulo também precisou abandonar sua tradição religiosa. Como ele diz na Carta aos Filipenses: Eu joguei tudo fora como se fosse lixo, a fim de poder ganhar a Cristo e estar unido com ele. Eu já não procuro mais ser aceito por Deus por causa da minha obediência à lei. Pois agora é por meio da minha fé em Cristo que eu sou aceito; essa aceitação vem de Deus e se baseia na fé. O Evangelho de Mateus 21.33-46 apresenta uma parábola que traz a imagem de uma plantação de uvas. Em Isaías, as uvas produzidas eram amargas. Na parábola, não se comenta sobre a qualidade das uvas. Aqui a preocupação é sobre quem fica com os frutos. O dono da vinha prepara o vinhedo com toda a estrutura necessária para uma boa e segura produção, mas ele vai viajar para um lugar distante. Deixa arrendatários responsáveis em cuidar da vinha. Mas na hora de receber os frutos da vinha, os vinhateiros querem ficar com os frutos e buscam se adonar da propriedade por meio da violência. Os frutos que produzimos, a forma como eles são partilhados nem sempre correspondem à vontade de Deus. A partir de Cristo, a pedra que foi rejeitada, fundamentamos a nossa fé.
2 Exegese Jesus se encontra no templo de Jerusalém ensinando. Seus ensinamentos questionam e provocam conflitos com o grupo dos sacerdotes, fariseus, líderes judeus, saduceus. A presença, os ensinamentos e as atitudes de Jesus revelam conflitos sociais e religiosos, denunciando como a prática religiosa voltada para o templo está distante do Reino de Deus. A fala de Jesus direciona uma crítica a esses grupos. A tensão entre Jesus e esses grupos perpassa os capítulos 21 a 23 do Evangelho de Mateus.
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Até o final do capítulo 23, Jesus se encontra no templo ensinando. A multidão acompanha Jesus e o considera um profeta. Esse apoio popular impedia a prisão de Jesus por parte das autoridades religiosas, que tinham medo da reação do povo. Jesus não se apresenta de uma forma neutra diante da realidade. Ele toma posições. O ensino de Jesus por meio de parábolas revela uma dimensão profética que questiona, denuncia e chama para mudanças. Em Mateus 21.23, Jesus chega ao Templo e passa a ensinar. Nesse processo de ensino se estabelece uma série de conflitos com o grupo dos fariseus, dos sacerdotes, líderes judeus, os quais questionam a autoridade de Jesus. Eles perguntam a Jesus: Com que autoridade você faz essas coisas? Quem lhe deu essa autoridade? Jesus não responde de forma direta e objetiva. Ele devolve uma pergunta: Quem deu autoridade a João para batizar? Os líderes religiosos não respondem a Jesus, que também não apresenta uma resposta. Mas, na sequência, Jesus apresenta três parábolas: os dois filhos (Mateus 21.28-32); os vinhateiros maus (21.33-46); a festa de casamento (22.1-14). Essas parábolas nos fazem refletir não somente sobre de onde vem a autoridade de Jesus, mas também de onde vem a autoridade das lideranças. Como a autoridade está relacionada ao Reino de Deus? Essas parábolas são ditas aos opositores de Jesus. Elas defendem e justificam o evangelho contra os críticos e inimigos da boa nova, que se escandalizam e rejeitam Jesus por acolher os pobres e pecadores e manter comunhão de mesa com os desprezados (Jeremias, 1986, p. 126). Mateus 21.33-46 encontra textos paralelos em Marcos 12.1-12 e Lucas 20.9-19. O Evangelho de Tomé, que apresenta uma coletânea das palavras de Jesus, também traz a parábola na palavra 65 de Jesus. O Evangelho de Tomé demonstra ser o texto mais próximo das palavras de Jesus. Ao compararmos como cada um dos evangelhos narra essa parábola, percebemos diferenças que revelam que a parábola sofreu alterações e acréscimos. A parábola apresenta um cenário de conflito pela posse da terra, marcado pela violência. Os vinhateiros se rebelam para garantir a posse da terra. Existe o desejo de não entregar os frutos ao dono da terra. Agem com violência contra o filho do dono da terra. Querem eliminar o herdeiro para se adonar da propriedade. Esse clima de conflito espelha a relação existente entre os camponeses galileus e os latifundiários estrangeiros. As terras no vale superior do rio Jordão, provavelmente também a margem norte e noroeste do lago de Genesaré e grande parte do planalto galileu, estavam na posse de latifundiários estrangeiros. No Evangelho de Mateus, temos um texto que foi escrito também para responder a perguntas das comunidades para as quais o evangelho foi dirigido. Comunidades que sofreram o impacto da revolta judaica, que levou à destruição do Templo de Jerusalém pelo Império Romano em 70 d. C. Mateus 21.33-46 forma um conjunto, mas pode ser dividido em duas partes: os v. 33-41 apresentam a narrativa da parábola dos vinhateiros maus; os v. 42-46 trazem uma interpretação da parábola e suas consequências.
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Nos v. 33-40, Jesus conta a parábola, que não apresenta uma conclusão, mas termina com uma pergunta: Quando, pois, vier o senhor da vinha, que fará àqueles lavradores? O v. 33 é uma introdução. Descreve como o dono das terras plantou a sua vinha, organizou toda a infraestrutura, a arrendou a lavradores e foi viajar para um outro país. A cerca, os lagares e a torre são uma referência a Isaías 5.1. V. 34-36: como o dono das terras está ausente, ele envia empregados para receber a sua parte da colheita. Os empregados são maltratados, espancados e até mortos. V. 37-39: o dono das terras faz uma última tentativa, enviando o seu filho para receber os frutos da colheita. Os lavradores veem uma oportunidade de eliminar o herdeiro e se apossar da terra. O filho é levado para fora da plantação e então assassinado, numa referência clara à morte de Jesus na cruz. V. 40: Jesus encerra a parábola com uma pergunta, que tem por finalidade provocar um juízo por parte dos ouvintes: Que fará o senhor daquela vinha aos lavradores? O v. 41 apresenta uma resposta dos ouvintes, que não são identificados nem relacionados a algum grupo. Essa resposta se coloca entre as duas falas de Jesus. Ela apresenta uma compreensão da parábola por parte dos ouvintes. A resposta dos ouvintes também reflete a reação do Império Romano diante da revolta judaica, ou seja, o dono da terra matará os lavradores. Nos v. 42-44, a narrativa devolve a palavra para Jesus lembrando o Salmo 118.22, onde se diz que a pedra que foi rejeitada se transforma na pedra angular. Essa comparação veterotestamentária foi usada pela igreja primitiva para falar da ressurreição e exaltação do Cristo rejeitado (At 4.11; 1Pe 2.7). Essa comparação provavelmente foi acrescentada para fazer uma referência à ressurreição, dando uma interpretação cristológica à parábola. A atenção se concentra no filho morto pelos lavradores, o qual é o herdeiro. Esse filho é uma pedra de tropeço aos fariseus e líderes judeus. Os v. 45-46 apresentam a conclusão, fechando o texto a partir da reação dos sacerdotes e dos fariseus. Esses compreendem que era a respeito deles que Jesus falava. Entenderam o que Jesus lhes queria dizer: Israel se negou a cumprir a vontade de Deus e sofrerá o juízo, pois em vez de ouvir os servos de Deus, os maltrata e rejeita e assassina o próprio Filho.
3 Meditação Os vinhateiros se rebelam contra a entrega dos frutos da vinha. Não querem entregar ao dono da vinha os frutos que lhe pertencem. A revolta se estabelece por meio de ações violentas contra os empregados enviados para recolher a parte da produção que cabe ao dono da vinha. Existe uma rebelião violenta para tomar posse dos frutos da vinha. Essa violência nega a própria presença de Deus entre nós. O uso e a posse da terra revelam tensões e conflitos. Quem não tem terra se sujeita a trabalhar como empregado ou meeiro. O meeiro partilha com o dono da terra os frutos da produção. É o que acompanhamos na parábola dos vinhateiros. Eles não têm a posse da terra e se revoltam no momento da partilha da produção.
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Podemos imaginar dois motivos para a revolta dos vinhateiros: a ganância dos vinhateiros, querendo aumentar os seus lucros, ou a exploração do dono das terras, que não garante uma partilha justa. No último caso, os vinhateiros já estariam numa situação de violência, em que a partilha dos frutos não lhes garante uma vida digna. Temos um conflito em torno da partilha dos frutos e da posse da terra. Como resolver esse conflito? Na Galileia no tempo de Jesus, não havia muitas possibilidades. Por meio da força, o Império Romano controla a região e determina a submissão e obediência da população local. A ordem está estabelecida e deve ser mantida. Nessa situação, a rebelião se apresenta como uma alternativa. É o que os israelitas experimentaram na revolta judaica em 70 d. C., a qual foi sufocada pelos romanos. A solução desses conflitos por meio da violência revela a dificuldade ou impossibilidade de se estabelecer novas relações sociais que promovam justiça e equidade na sociedade. Quando não existe a possibilidade do diálogo para promover mudanças sociais, a rebelião se apresenta como alternativa. Mas Gandhi demonstrou que a rebelião não precisa ser violenta. A violência estabelece uma relação de negação do outro. Ela rejeita, exclui, destrói. A violência não promove comunhão, mas impõe, por meio da força, a vontade de um sobre o outro. A violência está presente nas relações familiares e sociais. Por meio da violência se resolvem conflitos entre os povos. A violência se manifesta por meio da agressão física, mas também está presente no uso de palavras e de sentimentos. A violência se faz presente na fome, no desemprego, na falta de moradia, no preconceito. A violência se manifesta de diferentes formas na nossa vida em sociedade, mas ela sempre revela a negação da outra pessoa na sua autonomia, alteridade, dignidade. A violência rompe com a fé, pois a gente deixa de reconhecer o outro como pessoa criada à imagem e semelhança de Deus. A violência destrói não apenas a vítima, mas também o agressor, que perde a sua humanidade, a sua identidade de ser filho ou filha de Deus. Nas diversas formas de violência, percebemos que o filho do dono da vinha continua sendo morto. Os frutos da vinha não são partilhados, mas são negados. A partilha dos frutos não acontece quando deixo de reconhecer no outro um irmão, uma irmã. A partilha dos frutos revela que precisamos satisfazer nossas necessidades. Negar a partilha dos frutos é negar a satisfação das necessidades do outro. É romper com a relação comunitária, impondo sobre o outro a satisfação da minha necessidade. A pedra rejeitada se transforma na pedra angular. Deus, diante da violência, constrói o novo, usando justamente o que foi rejeitado. Deus acolhe as vítimas da violência para restabelecer a comunhão e a partilha dos frutos. Acolher a vítima, reconhecendo que ela também participa da partilha dos frutos, é ouvir e obedecer ao herdeiro que questiona os frutos que são acumulados, negando ao outro a satisfação de suas necessidades. O dono da vinha age com uma paciência surpreendente. Ele envia empregados que são maltratados e até mortos, mas não reage com violência para reivindicar a partilhar dos frutos. Enviar o filho, o herdeiro, para junto desses
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lavradores parece ser uma grande ingenuidade, que desconhece a maldade e as injustiças cometidas. O dono da vinha revela perseverança, agindo sem violência e que busca restabelecer uma conexão com os lavradores para que reconheçam a sua autoridade. As pessoas que ouvem e obedecem ao herdeiro têm dignidade para cuidar da vinha e partilhar os frutos. Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra (Mt 5.5). Perdemos os frutos do Reino quando deixamos de reconhecer no outro a sua dignidade e negamos a sua alteridade. Damos os frutos, partilhamos os frutos quanto aceitamos que somos devedores de Deus e vivemos da sua graça. Vivemos da graça de Deus por causa de Jesus Cristo, a pedra principal. Por causa do amor de Deus, somos comunidade e vivemos como filhos e filhas de Deus, partilhando os frutos do seu Reino.
4 Imagens para a prédica Compartilho uma narrativa que faz refletir sobre a partilha dos frutos. Um antropólogo visitou um povoado africano. Queria conhecer a sua cultura. Resolveu fazer uma brincadeira para as crianças. Colocou um cesto de frutas perto de uma árvore e propôs a seguinte brincadeira às crianças: – A primeira criança que chegar à árvore ficará com o cesto de frutas. Podemos imaginar a correria das crianças para ganhar o cesto. Mas não foi o que aconteceu. Ao dar o sinal para que começasse a corrida em direção ao cesto, as crianças deram as mãos umas às outras e correram juntas até o cesto de frutas. Chegaram juntas, ao mesmo tempo. Elas se sentaram e repartiram as frutas. O antropólogo perguntou às crianças: – Por que vocês correram juntas, quando somente uma poderia ter ficado com todo o cesto? Uma das crianças respondeu: – Ubuntu. Como uma de nós poderia ficar feliz se o resto estivesse triste? Ubuntu é uma antiga palavra africana que, na cultura Zulu e Xhosa, significa: “Sou quem sou porque somos todos nós”. O arcebisto anglicano Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz em 1984, diz a respeito do significado de ubuntu: “É também uma maneira de dizer: minha humanidade é ligada inextricavelmente à sua ou nós pertencemos ao mesmo ramo de vidas. Nós temos um princípio: um ser humano existe somente em função de outros seres humanos. É muito diferente do penso, logo existo de Descartes. Isso significa antes que: eu sou humano porque faço parte, participo, partilho”.
5 Subsídios litúrgicos No altar, colocar uma cesta de frutas, que, ao final do culto, podem ser partilhadas entre os presentes.
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Apresento uma sugestão de bênção final: O SENHOR te abençoe e te guarde. Ele faça crescer a tua vida, florescer a tua esperança, amadurecer os teus frutos. O SENHOR faça resplandecer o seu rosto sobre ti, e tenha misericórdia de ti. Que a misericórdia de Deus te permita encontrar o rosto de Deus junto às pessoas que necessitam de amor e de cuidado. O SENHOR sobre ti levante o seu rosto e te dê a paz. Que ao olhar nos olhos de quem tu encontras no teu caminho, tu encontres a paz de estar diante de um irmão, de uma irmã. Segue em paz e partilha os frutos. Vive em humildade e pratica a misericórdia. Amém.
Bibliografia JEREMIAS, Joachim. As Parábolas de Jesus. São Paulo: Paulus, 1986. <https:// cebi.org.br/biblia/os-chefes-e-que-sao-ruins-pe-luis-sartorel/>.
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15 OUT 2023
PRÉDICA: ISAÍAS 25.1-9 MATEUS 22.1-14 FILIPENSES 4.1-9
Kurt Rieck
Princípio, meio e fim
1 Introdução O evangelho previsto para este domingo como leitura aponta semelhanças com o texto de Isaías. A parábola da festa de casamento, que encontramos em Mateus 22.1-14, é um convite para o grande banquete oferecido por Deus à humanidade. O cardápio é de primeira qualidade. O convite é feito, mas as pessoas o rejeitam. O extermínio dos assassinos e a destruição de suas cidades se comparam com a ruína das cidades e a destruição dos seus palácios, relatado no livro de Isaías. O mal será destruído. O reino do céu se dará, superadas as tensões originadas pelas pessoas cruéis e tiranas que integram a história da humanidade. Encontrei dificuldades em traçar um paralelo entre Isaías 25.1-9 e o texto do apóstolo Paulo em Filipenses 4.1-9. As palavras tenham alegria!, sejam amáveis, orem sempre com o coração agradecido, guardados pela paz de Deus são sinais do banquete oferecido por Deus. A essência do todo é, na grande festa, estarem unidos com Cristo Jesus.
2 Exegese Os capítulos 24 a 27 são conhecidos como “apocalipse de Isaías”. Esses quatro capítulos formam um epílogo para os capítulos 13 a 23. O capítulo 24 relata uma realidade tremendamente sinistra, decorrente do exílio babilônico. O juízo de Deus está posto. Reina o caos. No capítulo 25, brota um hino de esperança que assim se apresenta: V. 1a – Javé, tu és o meu Deus – Elohim funciona como sujeito de toda atividade divina revelada às pessoas e como objeto de todo temor e genuína reverência por parte delas. Quase sempre Elohim aparece acompanhado pelo nome pessoal de Deus, Javé (Gn 2.3, 5; Êx 34.23; Sl 68.18) (Harris; Archer Jr.; Waltke (eds.), 1998, p. 72). Na maioria das versões, Javé é traduzido por Senhor. O contexto no qual viviam estava dominado por ancestrais tradições mesopotâmicas, acrescentadas de novos deuses e mitos. O povo de Deus encontrava-se contaminado por idolatria e injustiça. Por viver num ambiente cercado de muitos deuses, o profeta faz questão de objetivamente mencionar o nome de Deus, afirmando a fé monoteísta.
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O autor clama: meu Deus. Trata-se de uma confissão de fé. Ele não se utiliza da expressão “nosso Deus”. É um canto de agradecimento individual, que tem por objetivo exaltar e louvar. V. 1b – porque tens feito maravilhas – Essa expressão não quer ser entendida como se algum milagre houvesse ocorrido, mas sim como atos de salvação, salvação da angústia da guerra, libertação da opressão, como também a ajuda experimentada por quem que está orando. Embora seja um canto de ação de graças de um indivíduo, após a libertação da opressão política, pode-se pensar numa perspectiva escatológica em que o canto agora brota da libertação das tribulações dos últimos dias. conselhos antigos, fiéis e verdadeiros (ARA e NAA). O povo de Deus tem sua história marcada pela libertação da escravidão. Desde lá muitos ensinamentos foram colhidos. Fidelidade e verdade modulam esses conselhos. Fidelidade é levar a cabo, não falhar. A palavra verdade denota que os propósitos de Deus são firmes e certamente serão cumpridos. A verdade é indiscutível, ela é absoluta. V. 2 – As muralhas de uma cidade simbolizam a segurança de uma população. Num horizonte escatológico-apocalíptico, a cidade simboliza a Babilônia, a grande opositora de Javé. A cidade tornou-se símbolo do contrapoder a Javé. V. 3 – Esse versículo é de difícil compreensão. Povos fortes provavelmente significa os habitantes da cidade destruída ou pelo menos as pessoas cuja capital acabou de ser destruída. Deve-se dizer que a queda da cidade impressionou não apenas as pessoas fortes, mas também as nações opressoras. V. 4a – É importante para o autor mostrar que Javé é o refúgio dos humildes. O calor, além de irritante, é uma ameaça à vida. Relacionadas estão palavras como seca e calor, sombra e proteção. V. 4b e 5a – Um aguaceiro, uma chuva torrencial pode ser extremamente desconfortável, especialmente na Palestina. O profeta utiliza uma rica estrutura de linguagem em que a fúria dos tiranos é comparada a tempestade contra o muro e com o calor em lugar seco. V. 5b – O tumulto dos estrangeiros será cessado. O hino triunfal dos tiranos será silenciado, semelhante à nuvem que abranda do calor. O calor dos presunçosos é repelido à semelhança da sombra de uma nuvem. Sombra era apenas uma imagem para a proteção que o piedoso encontrava em Javé. Aqui as palavras surgem como um meio de amortecer a raiva de seus oponentes. V. 6 – O anfitrião no banquete real é Javé. A festa da alegria em Sião é uma oferta divina às nações. A refeição não é para Israel ou para a comunidade escatológica dos escolhidos, mas para todos os povos do mundo. Haverá carne e vinho
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de primeira qualidade. Os antigos árabes consideravam a corcova de gordura do camelo a melhor parte do animal abatido. V. 7 – Neste monte o véu que cobria os povos será tirado. Há algo que encobre o entendimento de Deus. Há um abismo entre os seres humanos e Deus que deixará de existir. Em 2 Coríntios 3.15s, o apóstolo Paulo utiliza essa mesma figura de linguagem. A revelação, que vem primeiro aos anciãos de Jerusalém (24.23), se estende a todos os povos, que agora bebem o cálice jubiloso do verdadeiro conhecimento de Deus. V. 8 – Tragará a morte para sempre. Seria a morte nos campos de batalha? A frase deve ficar com seu significado geral e abrangente. Morte é qualquer coisa que afeta a vida. A morte deixará de existir. O texto não fala de ressurreição, mas diz que para Javé não há mais limites para a vontade de salvar. V. 9 – O hino finaliza não com uma ameaça judicial, mas com um aviso de iminente salvação. Decorre disso uma confissão de fé plena de júbilo. O hino de agradecimento quer mover a congregação em geral a fortalecer a sua confiança em Javé. Poderemos nos perguntar pelo “eu” desse salmo. Trata-se de um rei ou o “eu” coletivo de Israel? Presumivelmente, pode-se sustentar que se está falando de uma pessoa piedosa, para quem, por intermédio da queda de uma cidade, oferece a oportunidade de apresentar a ajuda de Javé, o poder protetor.
3 Meditação A riqueza literária está em reunir palavras que consigam expressar de forma criativa, profunda e poética pensamentos que têm a força de levar à reflexão, provocando novos caminhos entre os seus ouvintes. Pensando no Dia do Professor e da Professora, encontramos no primeiro versículo, na versão NAA, um paralelo à nobre tarefa de ensinar. Lá lemos: [...] tens executado os teus conselhos antigos, fiéis e verdadeiros. Cabe aos mestres repassar conhecimentos, dar conselhos, que em grande parte são antigos. A eles cabe a tarefa de ser arautos de virtudes, dentre as quais estão a fidelidade e a verdade. Eis alguns impulsos: 1) Palavras de confissão de fé (v. 1 e 9) O ponto de partida desse cântico é a confissão de fé. Iahweh, tu és o meu Deus. A confissão é monoteísta. “Isaías é o profeta da fé e, nas graves crises que a nação atravessa, pede que confiem só em Deus: é a única oportunidade de salvação” (Bíblia de Jerusalém, p. 1.238). O profeta precisa lembrar o que é essencial: reconhecimento da existência de Deus. Trata-se de um clamor para que todos olhem para Deus e reconheçam a existência do Criador, que é único. O povo de Israel foi influenciado pelas crenças dos assírios e babilônios. Isaías redireciona o olhar para a fé monoteísta.
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A história é cíclica. Os fatos acabam se repetindo de tempos em tempos. Há um movimento de afastamento e de retorno às bases da fé. O distanciamento de Deus gera uma sociedade doente, na qual se instaura o caos. Conselhos antigos, fiéis e verdadeiros seguem tendo o mesmo valor dos tempos de Isaías. Cada fase da história humana tem os seus “véus”. A secularização é um exemplo disso. Aqui estamos prestando culto. Aqui chegamos para adorar e louvar em nome do Trino Deus. Trata-se de uma atitude, de uma postura. Cabe-nos chamar a comunidade para ter tal postura. A presença em culto é um indicativo de desejar estar adorando e louvando a Deus de forma verdadeira. Podemos indagar: Deus está presente em nossas convicções? “Crer, para Isaías, era dar lugar à ação de Deus, renunciar a se salvar por si mesmo. Para ele, a fé se atualiza num sentido polêmico e negativo: não querer substituir a Deus com medidas políticas ou militares imaginadas pelo homem” (Rad, 1974, p. 152). Tu és meu Deus! Em meio a tantos deuses, o nome de Deus precisa ser mencionado. Hoje brota de nossa confissão deixar muito claro que cremos no Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo. 2) Convívio com pessoas cruéis, violentas e tiranas (v. 2 a 5) O povo de Israel, ao longo da sua história, sofreu nas mãos de diferentes impérios. Todos sofrem quando pessoas agem sem escrúpulos, com crueldade, violência e tirania. Em contraposição encontra-se o protetor dos pobres, o defensor dos necessitados. Essa tarefa segue sendo nossa. Nessa realidade existimos. Perto de nós também encontramos exemplos de violência. Falo de uma pessoa que cresceu em nossa comunidade cristã e matou quatro pessoas da sua família e por fim suicidou-se, fato ocorrido em 27 de abril de 2022, na cidade de Porto Alegre. Cada dia, ouvimos relatos de pessoas mortas em decorrência do tráfico de drogas. Temos visto e ouvido acerca da guerra que está acontecendo na Ucrânia. Lembramos cenas nas quais um arsenal bélico de 60 km desfila em direção ao combate. Vemos prédios, quarteirões, bairros, cidades sendo feito ruínas. Contamos milhares de pessoas mortas. Vemos milhões de pessoas em fuga; idosos, mães e crianças seguem para o exílio. Essa é a triste realidade humana que somente é atenuada quando as pessoas se voltam para aquele que tem o poder de salvar. 3) Um banquete será servido – é o apocalipse de Isaías (v. 6 a 8) Vivemos a angustiante espera de um novo tempo. O banquete é algo comparável ao novo céu e nova terra anunciado pelo profeta João em Apocalipse 21. Eis o cardápio proposto pelo profeta Isaías: as melhores comidas, os vinhos mais finos, ausência da tristeza, sem motivos para chorar, a morte não mais existirá e o povo de Deus não mais passará vergonha. O maior banquete é aquele servido numa mesa onde há paz. Lá, um suco de uva se torna vinho fino. Lá, um feijão com arroz terá sabor inigualável. Haverá paz na família, na sociedade e entre as nações. Sinais desse estado de graça
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acontecerão já agora como prenúncio daquele banquete tão desejado. Olharemos para o nosso trabalho e o faremos com amor e gratidão, e havendo injustiça, buscaremos soluções. O véu que separava já não separa mais. O pano que cobre o entendimento da vontade de Deus deixará de existir. Nos evangelhos (Mt 27.51s; Mc 15.38; Lc 23.45), encontramos a alusão acerca do rompimento do véu do santuário em Jerusalém no momento da morte de Jesus, testificando que irrompe um novo tempo. Definitivamente a morte será vencida. Em 2 Coríntios 3.16, lemos: Quando, porém, alguém se converte ao Senhor, o véu é tirado. Tudo é obra do Espírito Santo, mas deve ser acolhido pela vontade voluntária das pessoas. Em meio a guerras e atrocidades surge uma voz de esperança. Apesar de existirmos num mundo cercado de trevas, a luz da esperança apocalíptica alimenta a nossa vida. Para esse banquete, em que o mal não terá lugar, todas as nações estão convidadas. Meditamos a respeito de uma palavra escrita há tanto tempo e que segue tendo seu valor inquestionável. Assim recebemos conselhos antigos (v. 1) que seguem valendo sempre.
4 Imagens para a prédica Temos, no dia 15 de outubro, o Dia do Professor e da Professora, data que celebra a importância dos profissionais da educação. É oportuno reunir esses profissionais que têm vínculos com a comunidade para dar as honras que lhe são devidas. No Brasil, a criação do Dia do Professor e da Professora está associada com a Lei de 15 de outubro de 1827, assinada por D. Pedro I. Nesse documento ficou estabelecido que, em todas as cidades do país, seriam construídas escolas primárias de ensino elementar. Na época, elas eram chamadas de “Escolas de Primeiras Letras”. Mas somente em 1947 a data começou a ser comemorada no estado de São Paulo (https://www.todamateria.com.br/dia-do-professor/). “Professor é profissão, educador é vocação.” “Em Educação, não avançar já é retroceder.” (Salomão Becker, líder na “Comissão Pró-oficialização do Dia do Professor” no estado de São Paulo.) É a primeira vez que, nas edições de Proclamar Libertação, o texto se encontra proposto de forma completa. Normalmente está direcionado para o dia da Páscoa e Finados. A ênfase pode ser dada nos três pontos sugeridos na meditação: 1. Ponto de partida e chegada – Confissão de fé (v. 1 e 9) 2. Realidade – Convivemos com pessoas cruéis, violentas e tiranas (v. 2 a 5) 3. Nova realidade. Um banquete será servido – O apocalipse de Isaías (v. 6 a 8) Os fundamentos apontados pelo profeta Isaías carecem ser ensinados adiante. Aos profissionais da educação também é dado o mesmo desafio.
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5 Subsídios litúrgicos No momento da acolhida, sublinhar a importância da postura de cada participante. Convidar para, a exemplo de Isaías, chegar à presença de Deus com uma postura de adoração e louvor. Hino: LCI 14. Na confissão de pecados, reconhecemos que estamos cercados de pessoas cruéis, violentas e tiranas. Pedir a Deus perdão caso tenhamos nos portado dessa forma, contribuindo para potencializar o caos. Hino: LCI 49. Para acolher a leitura do evangelho previsto, proponho o hino LCI 182. Antes da leitura do texto de Isaías, sugiro o hino LCI 20. A confissão de fé é o momento de sublinhar o ponto de partida e de chegada. Havendo Santa Ceia, valorize o significado do banquete oferecido por Deus, materializado no sacramento instituído por Cristo. Já agora experimentamos sinais da paz que Cristo dá em torno dessa celebração. Hino: LCI 206. A bênção de Deus poderá ser alcançada por intermédio do hino LCI 293.
Bibliografia HARRIS, R. Laird; ARCHER JR., Gleason L.; WALTKE, Bruce K. (Eds.). Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998. RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: ASTE, 1974. WILDBERGER, Hans. Jesaja 13-27. Biblischer Kommentar Altes Testament X/2. Neukirchen: Neukirchener Verlag, 1989.
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21º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
22 OUT 2023
PRÉDICA: MATEUS 22.15-22
ISAÍAS 45.1-7 1 TESSALONICENSES 1.1-10
Emilio Voigt
Relação entre igreja e política
1 Introdução A afinidade temática entre o texto de pregação e os textos de leitura não parece evidente. Aliás, é difícil encontrar elementos de correlação, além da menção a figuras políticas importantes em Mateus e Isaías. Mesmo assim, essas figuras desempenhavam papéis discrepantes. Enquanto Ciro é visto favoravelmente como um instrumento da ação de Deus, a menção a César não tem conotação positiva. Talvez uma relação entre os três textos poderia ser feita a partir da questão do “poder” e do “servir”. Tanto Ciro quanto César eram poderosos detentores de poder, que subjugaram muitos povos e os colocaram a seu serviço. O texto de 1 Tessalonicenses fala do poder do Espírito Santo, que permitiu a propagação do Evangelho e a conversão para servir ao Deus vivo e verdadeiro. Por mais poderosos que fossem Ciro e César, seu poder era inferior ao poder divino. Em todo caso, o texto de pregação é muito apropriado para tratar da relação entre igreja e política. Esse importante tema é, por vezes, negligenciado ou erroneamente debatido.
2 Exegese V. 15-16: Fariseus e herodianos são apresentados como grupos antagônicos ao movimento de Jesus, porém eles não tinham a mesma forma de pensar e agir. Aliás, os grupos também não eram internamente homogêneos. De maneira geral, o grupo dos fariseus era constituído por pessoas leigas e de pequenas posses. Os herodianos, por outro lado, pertenciam à aristocracia, adepta de Herodes Antipas, governante da Galileia. No plano político, fariseus não colaboravam com os ocupantes romanos, mas não faziam oposição direta. Apesar de defender a dinastia herodiana, o grupo dos herodianos se mantinha alinhado ao regime romano. A presença de herodianos na Judeia é explicável pelo fato de Herodes Antipas vir da Galileia para Jerusalém por ocasião da festa da Páscoa (Lc 23.7). V. 17: Por que a pergunta sobre o imposto é importante? Desde 63 a. C. a terra de Israel estava ocupada militarmente pelo Império Romano e submetida à província romana da Síria. Os imperadores romanos permitiam que a administração dos territórios ocupados fosse conduzida por reis vassalares. Herodes, o Grande, governava a terra de Israel quando Jesus nasceu (Mt 2.1). Após a sua morte, seu reino foi dividido entre três filhos: Arquelau ficou com as regiões da
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Judeia, Idumeia e Samaria; Herodes Antipas ficou com a Galileia e a Pereia; Filipe recebeu a Transjordânia do Norte. Arquelau ganhou a parte mais importante no que se refere à arrecadação de impostos. Ali na Judeia se arrecadava o dobro do que recebiam Antipas e Filipe juntos. Arquelau, porém, agiu com tanta tirania, que foi destituído do cargo e sua área de domínio foi dada a procuradores romanos. Os procuradores estavam subordinados ao legado sírio, mas eram a suprema autoridade militar e jurídica, com poder de decidir sobre a vida e a morte. A administração normal do dia a dia ficava a cargo de autoridades judaicas locais e seguia as leis judaicas. Delitos políticos, entretanto, estavam sob a jurisdição dos procuradores. No embalo da reestruturação na Judeia, foi ordenada a realização de um censo e estabelecido o imposto de César. Esse era um imposto per capita, ou seja, o censo tinha a finalidade de contar as pessoas para saber quanto imposto seria arrecadado. As duas figuras mais conhecidas da resistência ao censo e ao imposto foram Judas Galileu e o fariseu Sadduk, citados pelo historiador judeu Flávio Josefo. Judas Galileu é também mencionado em Atos 5.37. Jesus atuava sobretudo na Galileia de Herodes Antipas, e foi na Judeia, governada por um procurador romano, que ele se viu confrontado com a questão do imposto a César. A base da economia da época era a agricultura familiar. As propriedades eram pequenas e, com o desenvolvimento tecnológico disponível, as famílias conseguiam seu sustento somente com muito esforço, vivendo no patamar mínimo de subsistência. A alta carga de impostos pesava sobre as famílias. Estima-se que 30% da produção era destinada ao pagamento de diferentes taxas e tributos. Algumas correntes na pesquisa sugerem até 40% de tributação. Além de representar um fardo econômico sufocante, o recolhimento de impostos tinha um peso político. Para as províncias romanas, a cobrança de impostos era sinal de dependência e servilismo. V. 18: Qual é a maldade na pergunta? A pergunta é legítima e importante, porém Jesus percebe que há intenção de colocá-lo em uma situação embaraçosa. A questão, colocada em público, é formulada de tal maneira que exige “sim” ou “não” como resposta. Se Jesus respondesse com um “não”, teria a simpatia e o apoio das pessoas que se opunham ao imposto. Com tal resposta, todavia, seria considerado agitador político, um inimigo de Roma. Se respondesse com um “sim”, não teria problemas com o Império Romano, mas perderia apoio popular. De qualquer forma, uma pergunta-armadilha coloca a pessoa diante de um beco sem saída. O que Jesus poderia responder nesse momento? Convém lembrar que também Jesus formulou uma questão-armadilha. Aos principais sacerdotes, escribas e anciãos, ele perguntou em certa ocasião: “O batismo de João era do céu ou dos homens?”. O embaraço causado é descrito pelo evangelista Marcos: E eles discutiam entre si: – Se dissermos: “Do céu”, ele dirá: “Então por que não acreditaram nele?” Se, porém, dissermos: “Dos homens”, é de temer o povo. Porque todos pensavam que João era realmente um profeta. Então responderam a Jesus: – Não sabemos (Marcos 11.31-33). Assim como seus opositores, Jesus poderia buscar uma terceira via em sua resposta, mas
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isso certamente lhe traria descrédito. Poderia ser acusado de não querer ou não saber se pronunciar sobre um assunto de grande importância. V. 19-20: “De quem é esta figura e esta inscrição?”. Jesus inicia sua resposta com um pedido: mostrem-me a moeda do imposto, e eles lhe mostraram um denário. Denário era uma moeda romana que correspondia ao salário de um dia (Mt 20.1-16). Jesus pergunta então de quem é a imagem e a inscrição cunhadas na moeda. A imagem e a inscrição na moeda eram símbolos da ideologia imperial romana. Neste sentido, a provocação para ver a moeda não foi mero acaso. Com essa ação inicial, Jesus tem os elementos necessários para dar uma resposta adequada. V. 19-21: O que significa “dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”? O denário apresentado tem a imagem e a inscrição de César. É possível que fosse uma moeda cunhada por Tibério César, que governou o Império Romano entre os anos de 14-37 d. C. Além da imagem do imperador, o denário de Tibério trazia a inscrição: “Tibério César Augusto, filho do deificado [divino] Augusto”. Contra as expectativas de quem o inquiriu, Jesus respondeu de tal maneira que não permaneceu no beco sem saída. E fez isso respondendo nem positiva, nem negativamente, nem no sentido de uma “terceira via”. A palavra dai a César mantém a ligação com a pergunta é permitido pagar imposto a César?, mas omite a palavra “imposto” e traz à discussão um elemento que não estava na conversa: E aquilo que é de Deus, a Deus! Como compreender a resposta de Jesus? Há basicamente duas linhas de interpretação, cada qual com suas variantes. Uma das linhas interpretativas declara que Jesus teria confirmado o pagamento de impostos. A outra, afirma estritamente o contrário. Quem defende a primeira interpretação tem Eclesiastes 8.2s a seu favor e pode argumentar que a obediência a Deus e a César são conciliáveis. Somente quando os mandatos e as ações de César forem incompatíveis com a lei de Deus, poderia ser negada a obediência. A segunda linha de interpretação, entretanto, parece ser a mais adequada por vários motivos, dentre os quais destacam-se: – Jesus traz um elemento para discussão que não estava na pergunta sobre a legitimidade do imposto: “dar a Deus o que é de Deus”. E o que é de Deus? Entre as coisas que pertencem a Deus, duas questões eram fundamentais na época: a terra e a nação Israel. A presença de um poder político estrangeiro contrariava a concepção da terra de Israel como propriedade divina (Lv 25.23). A instalação de tropas romanas, a difusão da cultura helenista e a exigência de tributos de Roma eram antagônicas ao domínio de Deus. – A menção à imagem de César precisa ser vista em relação ao segundo mandamento (Êx 20.4). A imagem é a palavra-chave do segundo mandamento, que, por sua vez, está em ligação direta com Gênesis 1.27. A imagem de César cria obrigação para com César, que mandou cunhar nela a sua imagem. Mas o povo de Israel, criado à imagem de Deus, deve obrigação ao seu criador. – Uma vez que os denários trazem a inscrição e a imagem do imperador, a resposta de Jesus poderia indicar a devolução de todos os denários no sentido de uma negação geral das moedas. A devolução da moeda poderia também significar
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a “devolução” de todo o sistema de impostos e o aparato de opressão romanos. O fato de Jesus não ter consigo uma moeda romana – por isso pediu para que a trouxessem – seria um indicativo de sua renúncia ao domínio do imperador? – É importante considerar a mudança de verbos na pergunta e na resposta. A pergunta usa o verbo grego didomi (é lícito pagar?) e, na resposta, aparece o verbo apodidomi (dar a César / dar a Deus). “Devolver” parece ser a tradução mais adequada para o verbo apodidomi. Se Jesus compreende a nação e o povo de Israel como propriedade de Deus, essa seria a melhor explicação para a substituição do verbo. Jesus exige que se devolva a Deus aquilo que os romanos conquistaram militarmente e saquearam economicamente através da cobrança de impostos: o povo de Israel e a sua terra. – Devolver (apodidomi) a Deus o que a ele pertence abarca a postura individual (oração, estudo da Torá etc.) e a dimensão coletiva (o templo, o povo, o país). Isso pode ser um indicativo da recusa à pretensão do domínio romano sobre Israel e poderia explicar por que mais tarde, na acusação feita contra Jesus, a questão do imposto reaparece, ligada com a menção de agitação política: E ali começaram a acusá-lo, dizendo: – Encontramos este homem pervertendo a nossa nação, impedindo que se pague imposto a César e afirmando ser ele o Cristo, o Rei (Lc 23.2). – A atividade de Jesus foi caracterizada pela proclamação do reino de Deus, termo que é mencionado mais de cem vezes nos evangelhos. Jesus anunciava que o domínio de Deus estava se estabelecendo. Se o reino de Deus vai se instaurar plenamente, como é que ficariam a dinastia de Herodes e o Império Romano, com seus aparatos militares e sistemas tributários? Seja como for, a resposta de Jesus é, no mínimo, uma provocação para refletir. Quem ouve a palavra deve refletir sobre o que pertence ao imperador e o que pertence a Deus. Mais do que uma charada exegética, o texto nos coloca diante de uma questão hermenêutica. E o denário é uma chave hermenêutica fundamental, pois Jesus poderia ter respondido sem apontar para a moeda. Através do denário ficavam evidentes a ocupação romana e a impotência judaica diante desse poder. Está em jogo não apenas o imposto, mas a moeda e tudo o que está ligada a ela.
3 Meditação As pessoas que conviviam com Jesus tinham a vantagem de poder perguntar ao Mestre quando não entendiam algo. Hoje, podemos apenas pressupor entender certas coisas. Na questão do imposto, não dá para afirmar que esta ou aquela linha de interpretação é a verdadeira. Mas o que certamente não pode ser inferido da resposta de Jesus é o entendimento de que igreja não deve se envolver com política. Isso o texto não diz e tampouco pressupõe. Usar o presente texto para rechaçar o envolvimento da igreja em política representa um clássico exemplo de anacronismo, pois separa em esferas estanques algo que na época de Jesus estava interligado. Em segundo lugar, esse tipo de pensamento costuma confundir política com partidarismo. A palavra política
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se origina do termo grego polis, que significa cidade, o ambiente público. A polis tinha função administrativa e jurídica e era composta por vilarejos e territórios. A política tem a ver com a administração do âmbito público. Neste sentido, política não é sinônimo de partido político, ainda que partidos políticos sejam necessários em um sistema democrático. Como instituição, a igreja não se compromete com partidos, mas com projetos e princípios, tais como a ética, a justiça, o bem comum, a dignidade da vida. Em 2018, a IECLB teve como Tema do Ano: “Igreja, Economia, Política”. A associação das três palavras não é invenção da IECLB, mas um construto fundamental na teologia luterana. Para Martim Lutero, Igreja, Economia e Política existem porque Deus estabeleceu essas três ordens ao criar o mundo. O Reformador entendia que Deus organizou a existência humana em Igreja, Economia e Política e toda pessoa participa nos três âmbitos. Na concepção luterana, as três ordens da criação são modos pelos quais Deus atua e através dos quais o ser humano coopera com Deus. Tanto do ponto de vista bíblico, quanto do ponto de vista confessional, é impossível separar as esferas de atuação humana. O que se pode e deve fazer é diferenciá-las. Não é possível delimitar a vivência da fé a determinados contextos. A fé envolve a dimensão intelectual, emocional e corporal da pessoa em todos os âmbitos da vida. Quando se delimita o alcance da fé, acontecem situações como aquelas denunciadas pelos profetas Amós e Isaías (Am 2.6; 5.7,21-24; 8.4-6; Is 1.10-17,23; 10.1-2). É certo que a nossa compreensão de mundo, de exercício de poder e de economia é diferente da visão de mundo e da organização social dos tempos bíblicos e da Idade Média. A base da Economia mudou e a Política ganhou novas configurações. Embora a estrutura das três ordens pareça obsoleta em dias atuais, os desafios éticos que decorrem dessa concepção permanecem. O anúncio da vinda do reino de Deus, que foi a essência da pregação de Jesus e deve ser também o tema central da nossa proclamação, pressupõe a avaliação das instituições políticas de poder e seus governantes. Diversamente de profetas e profetisas que denunciaram abertamente a injustiça dos reis, o posicionamento de Jesus se deu de maneira velada e indireta. A razão disso pode residir no destino que sofreu João Batista. Na execução de João Batista, talvez Jesus tenha percebido que o caminho da confrontação direta seria extremamente perigoso. O espaço para protestos ou ações político-revolucionárias era muito pequeno, e consequentemente era grande o perigo de agrupamentos suspeitos serem perseguidos. Em regra, o forte controle estatal levou a que os grupos conflitantes ou de oposição fossem extintos logo em seu nascedouro. O pressuposto de Jesus era teocêntrico e o reino por ele anunciado era uma teocracia. Como igreja, não pleiteamos uma teocracia como forma de governo. A teocracia faz parte da expectativa escatológica, que somente a Deus pertence. Quando seu reino se estabelecer definitivamente, Deus assumirá diretamente o comando. Por enquanto, vivemos em um regime democrático, com Estado laico que não pode se apropriar do nome de Deus, assim como a igreja não pode se
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apropriar do Estado. Mas a igreja deve se manifestar quando a justiça, a paz, a ética e a vida humana estiverem em jogo. Como pessoas cristãs cidadãs, podemos e devemos reivindicar projetos que visam ao bem comum de toda a população. Queremos uma política baseada na busca pelo bem comum, na justiça e na paz. Queremos uma política que não seja refém da economia, mas que regule a economia visando ao bem comum. Neste sentido, seguimos o que Lutero escreveu no Catecismo Maior: “Precisamos de soberanos e autoridades que tenham olhos e ânimo para instaurar e manter a ordem em todos os negócios e transações comerciais, para que os pobres não sejam sobrecarregados e oprimidos, tendo que arcar com pecados alheios”.
4 Indicações para a prédica A prédica deveria apontar para a pergunta no seu contexto de origem: a terra de Israel, ocupada militarmente pelo Império Romano. A exegese e a meditação trazem alguns elementos para explicar o contexto. Vale lembrar também que, na Antiguidade, reis e rainhas tinham poder quase ilimitado sobre pessoas e propriedades. Podiam decidir sobre grandes obras, ordenar o confisco de bens ou até mesmo a morte de alguém sem muito questionamento. Não havia a ideia de que o imposto pago deveria reverter em obras e serviços públicos. Em segundo lugar, é importante apontar para a resposta de Jesus sem cair na tentação de criar dicotomia entre esferas que seriam exclusivas de Deus ou da política. Confessar que Deus é o criador de tudo implica reconhecer que tudo pertence a Deus (Gn 1.1; Sl 24.1). Não existe um espaço da vida sem a presença de Deus. Deus não está somente no local em que a comunidade se reúne para o culto e é impossível separar aquilo que se anuncia no culto daquilo que se vive na comunidade e fora dela. Por conseguinte, economia e política também são âmbitos nos quais Deus se faz presente e nos quais a nossa fé é vivenciada.
Bibliografia CADERNO de Estudos do tema do Ano 2018. Disponível no Portal Luteranos (www.luteranos.com.br). VOIGT, Emilio. Contexto e surgimento do Movimento de Jesus: as razões do seguimento. São Paulo: Loyola, 2014. WEGNER, Uwe. O que fazem os denários de César na Palestina? Estudos Teológicos, v. 29, p. 87-105, 1989. Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/ index.php/estudos_teologicos/article/view/1059/1016>.
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22º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
29 OUT 2023
PRÉDICA: 1 TESSALONICENSES 2.1-8 LEVÍTICO 19.1-2, 15-18 MATEUS 22.34-46
Gabrielly Ramlow Allende
Comunhão e testemunho, eis a nossa missão!
1 Introdução Se o individualismo da pós-modernidade trazia desafios para a vivência da fé cristã, a pandemia causada pela Covid-19 trouxe claramente ameaças. O isolamento, o distanciamento social, bem como o uso de máscaras vêm sendo apontados como fatores desmotivadores na volta à vida em comunidade. Percebe-se um medo nas pessoas em voltar para a igreja nos cultos e nas atividades dos grupos. O tempo litúrgico pós-pentecostes nos impulsiona para um olhar próximo, amoroso e propositivo em mudanças. O fenômeno de Pentecostes foi um marco para a história da igreja. Foi onde tudo começou. Cada discípulo tocado e inspirado pela força do Espírito sai para levar adiante o que havia recebido de nosso Senhor, Jesus Cristo. Dessa forma, o texto de Levítico e o do Evangelho de Mateus apontam para um agir a partir da lei máxima do amor. Da mesma forma, Paulo quis motivar a comunidade de Tessalônica. O apóstolo lembra para aquela comunidade que tudo o que ele e Silas fizeram e falaram, foi por amor a Deus e as pessoas de Tessalônica.
2 Exegese Paulo escreveu de Corinto as Epístolas aos Tessalonicenses e isso ocorreu durante a sua segunda viagem missionária por volta de 50-51 d. C. Tessalônica era a cidade mais populosa e próspera na Grécia antiga, no reino da Macedônia, por dois fatores importantes: a cidade foi construída no melhor porto natural no mar Egeu e estava localizada no principal caminho que ligava Roma à Ásia.1 Provavelmente, a Primeira Carta aos Tessalonicenses é a mais antiga do apóstolo, dirigida a uma das primeiras comunidades cristãs na Europa. Sua história é contada em Atos 17. Nesse relato, lemos que Paulo e Silas passam pelas cidades de Anfípolis e Apolônia e chegam em Tessalônica. Cumprindo seu costume, Paulo se dirige à sinagoga de Tessalônica e fala as boas novas sobre Jesus como Messias e, em poucos dias, já havia um grande número de não judeus convertidos e senhoras da alta sociedade. Desta forma, um grande número de judeus
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<https://www.paulinas.org.br/sab/pt-br/?system=paginas&action=read&id=1752>.
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e gregos decidem seguir a Jesus e dão início à comunidade cristã de Tessalônica. Porém, o anúncio de Paulo de Jesus como o verdadeiro Senhor e Rei (At 17.7) acabou gerando alguns conflitos na cidade entre os seus líderes. Paulo e Silas tiveram que fugir. Os cristãos de Tessalônica sofreram situações constrangedoras frente à população local. Ao saberem da situação dos cristãos de Tessalônica, Paulo e Silas sofrem, pois tinham amor por aquelas pessoas. Sendo assim, essa carta foi uma tentativa de o apóstolo voltar a ter contato com as pessoas às quais havia pregado o Evangelho e com as quais havia convivido por certo tempo. Paulo soube por Timóteo (1Ts 3.6-8) que os cristãos de Tessalônica haviam se mantido fiéis a Cristo, apesar das perseguições, e que estavam se multiplicando. Nessa carta não há broncas ou admoestações, pelo contrário, há elogios, manifestações de admiração e incentivo para que seus irmãos e suas irmãs cresçam na fé. A passagem bíblica prevista para o 22º Domingo após Pentecostes pode ser dividida em três partes: 1) v. 1 e 2: Paulo refere-se ao tempo em que esteve entre os tessalonicenses. Foi um tempo de dificuldades, pois foram maltratados e insultados em Filipos. Porém, o apóstolo lembra que Deus os encorajou para anunciar a boa notícia que vem dele. 2) v. 3 e 4: Nessa parte da perícope, podemos perceber que o apóstolo revela algo considerável: para falar da intenção missionária, ele enfatiza o que não fizeram, desmascarando comportamentos e falas oportunistas. Justifica dizendo: pelo contrário, a atuação dele, de Silas e Timóteo teve como primícia a vontade de Deus. Paulo ainda afirma que tiveram a aprovação e a incumbência divina para a evangelização. Desta forma, deixa claro à comunidade de Tessalônica que não fizeram para agradar as pessoas, mas a Deus, que os chamou e enviou para a missão. 3) v. 5 ao 8: Esse trecho revela o coração pastoral de Paulo. Fica expresso nesses versículos a postura pastoral e a forma pública como o apóstolo expressa seus sentimentos com relação àquela comunidade. A ida missionária a Tessalônica teve a intenção de levar a boa notícia de Deus às pessoas. A cidade era grande e com muita circulação de pessoas provenientes de vários lugares. Alguém precisava abraçar o chamado e se dirigir às pessoas daquelas terras. Paulo e Silas assim o fizeram. E, para tanto, receberam a aprovação de Deus. Por consequência, criaram vínculos fortes de amor e respeito pelas pessoas que passaram a constituir aquela comunidade. Os vínculos foram fortes, tai quais vínculos familiares.
3 Meditação A presença dos missionários em Tessalônica trouxe ameaça aos poderosos e detentores do poder em Tessalônica. O discurso de servir e seguir ao Rei Jesus, que tem como máxima o amor a Deus e ao próximo, colocava à prova regimes e regras em que não cabem relações de solidariedade e respeito. Era cômodo para os poderosos incentivar a prática religiosa politeísta com os deuses gregos
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e romanos, permitindo relacionamentos e vivências desleais, promíscuas e desrespeitosas. Para os líderes de Tessalônica, a expressão “Messias”, Ungido, Rei foi uma afronta e ameaça! Outro rei para Tessalônica? Um rei com um reinado de justiça e amor? Isso é inadmissível! As perseguições, os constrangimentos e questionamentos iniciam. O discurso missionário e o viver em comunidade são encarados como ameaça para ideologias locais e lideranças da sociedade. A vida em comunidade conforme a vontade de Deus causou e sempre causará desconforto em líderes opressores e oportunistas. Esses líderes estão espalhados por todas as cidades, em muitos lugares e, até mesmo, em algumas famílias. Porém, como bem vimos na realidade do texto, o anúncio do Evangelho apresenta para todas as pessoas que há caminhos e formas de viver a vida de forma diferente. Há possibilidade de conviver com pessoas praticando o amor, o respeito e a solidariedade, pois temos Jesus Cristo, o nosso Senhor e Rei, o nosso Messias, que veio até nós para mostrar o quanto somos valiosos aos olhos de Deus e que assim deve ser também entre nós. O apóstolo Paulo foi portador dessa mensagem à comunidade de Tessalônica, apontando e apresentando um Deus que tem em seu regime a lei do amor. Isso libertou a comunidade e a empoderou para resistir a tudo que não vem de Deus e que a distancia de Deus, de sua vontade para todas as pessoas. Pode-se entender que Paulo encoraja a comunidade cristã de Tessalônica a permanecer firme na fé em Cristo. Suas palavras de admiração vinham de um coração regado de saudade pelo tempo que passaram juntos, pelos bonitos vínculos feitos com aquelas pessoas. Tessalônica era uma comunidade que fazia seu papel como testemunha do Evangelho, auxiliada pelo agir do Espírito de Deus. Ela passa por provações, mas resiste, porque se fortalece na fé. Isso revela que o anúncio e a ação missionária de Paulo foram ações de Deus, foram da vontade de Deus e por isso não foram em vão. Da mesma forma que Deus moveu Paulo e Silas até Tessalônica e os instruiu para a missão, Deus estava com essas pessoas em seu testemunho, capacitando-as a continuar falando das boas novas do Evangelho. Certamente, muitas eram as pessoas que por ali passavam e que ainda não tinham ouvido falar do Rei Jesus, do Messias, do Salvador.
4 Imagens para a prédica As relações de poder sempre existiram e sempre existirão. É natural que tudo que ameace a perda de poder cause desconforto e problemas. A questão é: que tipo de poder serve melhor para a nossa vida, para nossas relações? Aqui está a chave oferecida pelo texto bíblico. Quando nos deixamos reger/guiar/liderar pelo poder de Deus, nossa vida torna-se digna e abundante. Atribui-se a Michel Foucault uma frase que diz: “Não se deve fazer como aqueles que, ao serem picados pelas abelhas, renunciam a colher o mel”. A comunidade de Tessalônica não recuou no testemunho e na vivência da fé cristã. Pelo
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contrário, essa comunidade estava se expandindo, o que contribuía mais e mais para a missão de Deus. Sugere-se aqui o uso de paralelos com os surgimentos das comunidades da IECLB, da comunidade em que se dará essa pregação (logo mais, em 2024, teremos a celebração dos 200 anos de presença luterana no Brasil). Descobrir como foi o surgimento, as dificuldades enfrentadas, a perseverança dos antepassados na fé, criará vigor para as dificuldades enfrentadas na atualidade, com tempos pandêmicos e cheios de desafios para nossas comunidades. Que ao mencionar sobre essas histórias, não se crie saudosismos em relação a pessoas, mas que se ressalte a importância da missão de cada liderança, de cada membro que pôde ser parceiro e parceira da ação do Espírito Santo de Deus em suas comunidades. Esse movimento também possibilitou que as comunidades vivessem em clima familiar, fortalecendo a comunhão e os vínculos. Nesse sentido, cabe pontuar na fala o evento de Pentecostes, que é lembrado e celebrado a cada ano. Estamos no 22º Domingo após Pentecostes e também estamos aqui sendo motivados e motivadas pelas palavras de Paulo a seguir com nosso testemunho, expandindo a fé a quem carece ser libertado e acolhido pelo amor de Deus que nos é dado por Cristo Jesus. Nossas comunidades fizeram muito em termos de resistência e perseverança, e tudo isso é causa de admiração, seja no surgimento da igreja ou nos desafios atuais. Muitas são as pessoas que estão fora ou afastadas do convívio comunitário. Isso pode ser por não conhecer a Cristo e as boas novas do Evangelho, ou por medo, ou perda da motivação comunitária. O que se pode afirmar é que esses apontamentos revelam que é necessário e urgente continuar o testemunho da fé cristã como Paulo, Silas, Timóteo e as pessoas da comunidade cristã de Tessalônica. A missão de Deus é tarefa de toda a comunidade batizada. Sugere-se ressaltar que a motivação seja para a honra e a glória de Deus, pois assim serão testemunhos tocados e aprovados pelo próprio Deus. Por consequência, tais testemunhos serão duradouros.
5 Subsídios litúrgicos Hinos: HPD 1, 226 – Irei por onde Deus quiser HPD 2, 417 – Igreja que serve Rememoração do Batismo: Sugere-se o rito da Rememoração do Batismo com a motivação de lembrar que a missão de Deus é tarefa de todas as pessoas batizadas. Juntas devemos ir ao encontro de quem está longe ou perto, precisando ser motivados para a vida de comunidade. Que as pessoas presentes sejam lembradas da comunidade de Tessalônica, das pessoas que fundaram as comunidades luteranas e assim permanecerem firmes também em seus testemunhos. Termine a rememoração lembrando que o Auxiliador, o Espírito de Deus estará conosco na missão. Após esse rito, sugere-se o hino LCI 254 – Espírito de Deus.
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Bibliografia KUNZ, Marivete Zanoni. Auxílio homilético para 1 Tessalonicenses 2.1-8. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2010. v. 35, p. 329-334. LENKE, Ângela. Auxílio homilético para 1 Tessalonicenses 2.1-8. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2013. v. 38, p. 321-326. PAULINAS. A Missão de Paulo em Tessalônica. Publicado em junho de 2002. Disponível em: <https://www.paulinas.org.br/sab/pt-br/?system=paginas&a ction=read&id=1752>.
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PRÉDICA: GÁLATAS 5.1-11
DIA DA REFORMA
ISAÍAS 62.1-12 MATEUS 5.1-10
31 OUT 2023
Flávio Schmitt
Liberdade! Ó Liberdade!
1 Introdução O tema da liberdade acompanha os seres humanos em todos os tempos. Para algumas pessoas, liberdade é fazer o que se quer. Essa compreensão, no entanto, não dá conta de todo o universo de questões implicadas no conceito de liberdade. Importa resguardar que na noção cristã de liberdade sempre há a dimensão da liberdade de e para. Ou seja, liberdade sempre implica ter sido libertado de algo ou alguém para algo ou alguém. Os textos previstos para fazer memória do movimento da Reforma têm em comum o tema da liberdade. Embora cada livro desenvolva o assunto à sua maneira, há ênfases e elementos que complementam a noção de liberdade. Em Isaías 62.1-12, somos confrontados com a palavra profética. Profetas são, por excelência, arautos da liberdade. Não é diferente com aquele que a pesquisa bíblica costuma nomear como Trito-Isaías (56 – 66). Diante dos problemas sociais e religiosos do pós-exílio, o profeta exerce o ministério de consolação, que inclui curar os quebrantados de coração e proclamar libertação aos cativos (61.1). Ele não se cansa de anunciar que, não obstante todas as evidências em contrário, Javé tem a história nas mãos. O Evangelho de Mateus aporta uma contribuição à celebração com palavras do sermão da montanha (Mt 5 – 7). Mateus diz que, tendo visto as multidões, Jesus subiu à montanha. Ali se dirige ao povo com as bem-aventuranças. À semelhança do que Moisés havia feito no Sinai, Jesus passa a instruir as multidões. Ao falar do reinado de Deus, Jesus deixa claro que ele começa aqui na terra. Basta verificar que nas oito bem-aventuranças, a primeira e a última dão a tônica da presencialidade com a expressão deles é o Reino dos céus. Os primeiros são os pobres no espírito. Os últimos, os perseguidos por causa da justiça. Pobres e perseguidos demarcam a moldura da fala de Jesus. Nessa moldura, temos dois grupos de três bem-aventuranças. Primeiro, os que choram, os que têm fome e sede e os mansos. No grupo seguinte, os que têm misericórdia, os puros de coração e os que promovem a paz. A história tem mostrado que a luta pela liberdade tem o seu preço. Jesus que o diga. Com a Reforma não foi diferente. Também hoje a liberdade clama por pessoas militantes. A comunidade cristã tem na liberdade em Cristo a oportunidade única para empunhar esse estandarte.
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2 O texto A carta de Paulo aos gálatas apresenta o apóstolo em sua fraqueza. Embora não se saiba ao certo o que aconteceu com o apóstolo por ocasião de sua passagem pela Galácia, Paulo necessitou do cuidado e amparo da comunidade. Contudo, essa condição de fragilidade não o impediu de exercer seu apostolado com o rigor que o momento exigia. Para Paulo, importa retornar ao evangelho anunciado para não cair nas armadilhas do evangelho pautado pela Lei e proclamado pelos judaizantes. Pelo relato de Atos 15, mencionado por Paulo em Gálatas 2, podemos perceber o quanto foi acirrada a discussão entre o grupo de Jerusalém e o grupo de Antioquia (os de fora da Palestina) por ocasião da assembleia (Concílio) de Jerusalém. Essa tensão acompanha a comunidade dos gálatas. Segundo O’Connor, os gálatas não gozavam de muita simpatia entre os gregos e eram considerados raça misturada, simplórios, imprevisíveis, cruéis, sem perseverança e fáceis de serem enganados (O’Connor, 2000, p. 199). Conforme Atos 13, antes mesmo da chegada de Paulo e Barnabé à Galácia, já havia ali uma comunidade organizada de judeus que haviam sido assentados na região. Conforme Koester, os primeiros missionários cristãos não apresentavam um “cristianismo” separado do “judaísmo” (Koester, 2005, p. 132). Nas comunidades da Galácia, o conflito é entre judeus: de um lado, judeus fieis à Lei, de outro, judeus que reconhecem Jesus como Messias, portanto cristãos. Esse grupo de judeus da Galácia que havia aderido à comunidade cristã fazia uma interpretação do evangelho que produziu fortes reações em Paulo. A pregação dos missionários chegados à Galácia depois de Paulo gerou um conflito entre o evangelho da cruz, anunciado pelo apóstolo, e o evangelho das ritualizações judaicas, anunciado pelos missionários que chegaram à comunidade quando o apóstolo já não estava mais presente. Por essa razão o apóstolo escreve a carta. Na carta, escrita de forma franca e aberta, Paulo dá a entender que há um grupo de judeus que ataca o evangelho anunciado por ele com o objetivo de fazer com que judeus, mesmo sendo cristãos, voltem a seguir as práticas judaicas da Torá. Queriam também que os novos convertidos gentios fossem circuncidados e observassem a lei ritual para usufruir de todos os benefícios de sua condição recém-obtida como membros do povo de Deus (Koester, 2005, p. 133). É com esse pano de fundo que devemos entender toda a indignação e decepção de Paulo com a comunidade. É nesse contexto de escolha entre o evangelho anunciado por Paulo, com base nos ensinamentos e na memória de Jesus crucificado e ressuscitado, e a proposta dos judaizantes da Galácia que o tema da liberdade emerge na carta. Para Paulo é inconcebível que judeus voltem a ser escravos da Lei, carregando consigo os gentios convertidos. Nas palavras de Gálatas 5.1-11, Paulo revela a liberdade na perspectiva da graça e do Espírito. Argumentando com base no Evangelho de Jesus, o apóstolo rechaça a possibilidade de vida livre baseada na Lei mosaica.
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O texto apresenta duas partes. A primeira é Gálatas 5.1-6. Nesses versículos, o tema central trata da opção entre liberdade e escravidão, entre Cristo e a Lei. A segunda são os versículos 7-11, que tratam da esperança que resta aos que ainda não aderiram ao “outro evangelho”. Do ponto de vista exegético, as observações de Werner Wiese no Proclamar Libertação v. 35 se apresentam como oportunas. V. 1-6 – Os termos liberdade e jugo de escravidão e seus cognatos libertar e submeter no v. 1 resumem praticamente tudo o que foi dito até aqui na carta. O v. 1 é, por assim dizer, a transição (não separação) entre a argumentação teológica e a parte parenético-ética da carta. O que o evidencia é a frase indicativa: “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou”, seguida da frase com duplo imperativo: “Permanecei, pois, firmes e não vos submetais...” A partícula pospositiva grega oun, traduzida na versão da Bíblia de Almeida como “pois”, é o elo linguístico entre as frases. É importante observar os sujeitos destacados: Cristo é o sujeito da libertação. Esse é o indicativo da salvação. Os cristãos da Galácia são o sujeito da frase imperativa. Os imperativos resultam do indicativo (Wiese, 2010).
Também com relação às observações exegéticas relacionadas com a segunda parte do texto, Wiese destaca: V. 7-11 – Nos v. 7-9, o apóstolo evidencia que o que os gálatas estão prestes a fazer não procede daquele que os “chamou na graça” (Gl 1.6) e ainda os está chamando (v. 8). “Vós corríeis bem” (v. 7a) é uma figura extraída do mundo do esporte, que Paulo usa várias vezes (Gl 2.2; 1Co 9.24; Fp 2.16). Ela mostra que a fé e a vida cristã não são algo estático ou inerte, mas dinâmico. Tudo o que os gálatas receberam em Cristo – a verdade dada no evangelho – agora está em perigo. Não é possível dimensionar a influência efetiva dos judaizantes sobre os gálatas. A figura do fermento (v. 9) é uma advertência séria para não se deixar afetar de forma alguma, pois pouco já é o bastante para contaminar o todo. Apesar das preocupações externadas, Paulo está confiante no Senhor de que os gálatas percebam o que está em jogo e se deixem “reconquistar” pelo evangelho, ao contrário do “perturbador” (v. 10; cf. também 1.7-9). Paulo nunca se pronunciou contra a circuncisão de crianças de famílias judaicas. Partindo disso e associado a Atos 16.1-3 e 1 Coríntios 9.20, alguns exegetas supõem que Paulo foi acusado de ainda pregar a circuncisão. No v. 11, ele estaria rebatendo a acusação. Isso dificilmente procede, pois Paulo foi perseguido por judeus por não pregar a circuncisão. Pregar a circuncisão contrapõe-se a pregar a Cristo (1Co 1.17, 23; 2.2; 2Co 1.19; 4.5) (Wiese, 2010).
Paulo argumenta que o sofrimento, morte e ressurreição de Jesus Cristo é o fundamento da liberdade. Dessa liberdade, a cruz é o símbolo maior. Já o jugo da escravidão diz respeito à pregação dos judaizantes da Galácia. Seu símbolo é a Lei. Diante da escolha entre a escravidão e a liberdade, há uma decisão que precisa ser tomada. Escolher a liberdade implica assumir a vida da nova criatura em Cristo, vivendo o Evangelho na liberdade do Espírito. Escolher pela escravidão significa seguir nas orientações da Lei judaica. Essa escolha implica romper
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com Cristo e estar fora da graça de Deus. Escolher a Lei significa rejeitar Cristo e a graça divina.
3 Reflexões No livro “Do Cativeiro Babilônico da Igreja“, Lutero mostra como até mesmo os sacramentos podem se tornar instrumentos do aprisionamento do Evangelho e da vida humana. Estruturas e instituições, em regra, pela sua própria natureza e função, tendem a cercear a liberdade. Na medida em que os veículos da salvação se tornam instrumentos de escravidão do ser humano, o próprio Evangelho é colocado em xeque. Importante destacar que somente a pessoa que alcançou a liberdade em Cristo pode ser considerada verdadeiramente livre. Da mesma forma, somente uma pessoa libertada em Cristo pode se comprometer com a liberdade da cruz. Aqui adquire importância o que, segundo Paulo, a cruz e ressurreição de Jesus proporcionam aos que creem: perdão, vida e salvação. Para a pessoa cristã, liberdade é a condição decorrente do perdão, da vida e da salvação alcançados em Cristo. Resgatando o pensamento de Paulo em Gálatas sobre a liberdade, Lutero expressa isso de maneira magistral quando, no livro “Da Liberdade Cristã”, escreve o seguinte: “Um cristão é um senhor livre sobre todas as coisas e não está sujeito a ninguém. Um cristão é um servidor de todas as coisas e sujeito a todos“ (Lutero, 1981, p. 9). As duas colunas da salvação que descrevem a condição da pessoa cristã no âmbito da fé e do amor constituem a essência da liberdade cristã. O Dia da Reforma é uma data oportuna para resgatar a centralidade da dimensão teológica da Reforma. Embora o movimento tenha provocado desdobramentos em outras áreas (política, economia, eclesiologia), a dimensão teológica encontra toda a sua força na palavra de Paulo de Gálatas 5.1: “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou“. Lutero inclusive se entende como parceiro desse processo de ser libertado. Somente quem foi libertado em Cristo pode se tornar servo de todas as pessoas, como Paulo afirma em 1 Coríntios 9.19: Porque sendo livre de tudo, fiz-me servo de todos.
4 A pregação O texto de Gálatas abre caminho para diferentes ênfases. Importa que a pessoa pregadora tenha clara a sua intencionalidade ao falar da liberdade, da liberdade em Cristo. Um primeiro caminho se mostra na própria situação vivida pelas comunidades da Galácia. A maneira como Paulo lida com o conflito surgido na comunidade e a forma enérgica como argumenta contra a escravidão patrocinada pela Lei tem muito a nos dizer acerca de práticas, rituais e narrativas que mais escravizam que libertam. Um outro caminho pode passar pela lincagem entre a ideia de liberdade e o movimento da Reforma. Nessa abordagem, a experiência de Lutero pode servir de ponto de partida para discorrer acerca da liberdade. Além disso, também pode
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receber alguma atenção o que acontece quando o próprio Evangelho é libertado dos aprisionamentos nos quais se encontra. Ecclesia semper reformanda. Outro ponto com o qual a prédica pode se ocupar diz respeito ao tema da liberdade em geral. Como já foi mencionado em auxílios de edições anteriores do Proclamar Libertação, ser livre é o que todo ser humano deseja. Contudo, a liberdade, em regra, é buscada justamente lá onde as pessoas acabam sendo aprisionadas, escravizadas. Tanto a liberdade individual como a coletiva é um horizonte a ser buscado, sempre. Nessa direção também pode ser tratada a liberdade numa perspectiva social. Em que medida regimes e governos promovem ou não a liberdade? Qual a responsabilidade decorrente do exercício da liberdade? Por fim, a liberdade como desafio de nosso tempo. Desafiar a comunidade a pensar sua responsabilidade, como comunhão de pessoas libertadas em Cristo, diante dos sinais de morte que insistem em marcar presença e escravizar filhos e filhas de Deus.
5 Subsídios litúrgicos Saudação: Por amor de Sião, não me calarei e, por amor de Jerusalém, não me aquietarei, até que saia a sua justiça como um resplendor, e a sua salvação, como uma tocha acesa! (Isaías 62.1) Oração do Dia: Senhor, Deus da liberdade! Em Jesus, teu Filho, a boa nova chega às pessoas, chega também até nós. Ajuda-nos a viver em liberdade, a cultivar a liberdade. Dá-nos clareza sobre como viver a liberdade em Cristo. Abençoa a tua comunidade com a liberdade que pela fé e pelo amor testemunham a tua salvação. Que o Espírito Santo nos faça livres. Que a liberdade para a qual Cristo nos libertou reine entre nós, hoje e sempre. Amém Oração geral da igreja: – Interceder pelas pessoas que estão escravizadas e privadas de liberdade. – Interceder pelas pessoas que têm fome e sede de liberdade. – Interceder pelas casas e cidades que cultivam a liberdade em Cristo. – Interceder pelas pessoas que têm misericórdia, são puras de coração e promovem a paz de Deus. – Interceder pelas casas e cidades que negam a liberdade como presença e sinal do Reino de Deus. – Interceder pelas pessoas que choram, têm fome e sede e são mansas. – Interceder pela liberdade.
Bibliografia BÍBLIA. Português. Tradução brasileira. Bíblia Sagrada/Antigo e Novo Testamentos. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2010.
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KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento: história e literatura do cristianismo primitivo. São Paulo: Paulus, 2005. v. 2. LUTERO, Martim. Da Liberdade Cristã. 3. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1998. O’CONNOR, J. M. Paulo: Biografia Crítica. São Paulo: Loyola, 2000. WIESE, Werner. Auxílio homilético para Gálatas 5.1-11. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2010. v. 35, p. 341-346.
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PRÉDICA: ISAÍAS 35.1-10
FINADOS
02 NOV 2023
MATEUS 22.23-33 1 CORÍNTIOS 15.12-20 Ruben Marcelino Bento da Silva
Fé e solidariedade: para atravessar a morte, para acreditar na vida
1 Exegese Por ocasião deste Dia de Finados, somos convidadas e convidados a pensar sobre a experiência da morte a partir do texto de Isaías 35.1-10. Iniciemos com o exercício exegético sobre essa perícope para, em seguida, passarmos à meditação sobre essa ocasião em que nos lembramos daquelas e daqueles que já não estão mais ao nosso lado nesta vida. Isaías 35.1 – A primeira parte deste versículo começa com um verbo hebraico, cuja flexão expressa uma qualidade de ação conhecida como imperfeito, ou seja, uma ação que não se completou. Além disso, trata-se de um verbo que se apresenta na voz ativa simples, chamada no hebraico de qal (leve, simples). Uma opção para traduzir o imperfeito do qal aqui é usar o futuro do presente do indicativo: yeśuśûm, exultarão. Todavia, na segunda parte, com a conjunção aditiva waw prefixada, temos dois verbos no qal, os quais se apresentam, respectivamente, nas formas do jussivo (wetāguēl, e que se regozije) e do imperfeito (wetifraḥ, e florescerá). O jussivo expressa uma expectativa, um anseio de que algo aconteça. Admitindo, então, que esse capítulo 35 seja “[...] um oráculo destinado a entusiasmar os judeus exilados para que retornem a Jerusalém” (Croatto, 1989, p. 209) e considerando a estrutura de paralelismo em que se encontram os três verbos, sugiro que sejam todos traduzidos tomando como referência o jussivo. Essa alternativa é reforçada quando descobrimos quem são os sujeitos de cada verbo: de śîś (exultar), são a estepe (midbār) e a região seca (tsîyâ); de guîl (regozijar-se) e pāraḥ (florescer), é o deserto (‘arābâ). Aliás, o emprego de sujeitos e respectivos verbos nas duas partes parece operar uma “troca” numérica: PARTE I: 1 verbo + sujeito com 2 núcleos PARTE II: 2 verbos + sujeito com 1 núcleo
(verbo) (Que) exultem
a
(sujeito composto) estepe e a região seca! [núcleo 1] [núcleo 2]
(verbo 1) (suj. simples) (verbo 2) (Que) se o deserto e floresça como o narciso! regozije [núcleo]
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Se bem que se limite ao anúncio de algo ainda por acontecer, esse imperfeito de śîś da primeira parte do versículo, sem dúvida, quer encher os corações de esperança. De acordo com Talmon (1997, p. 91), midbār é uma região árida ou semiárida que se mostra inadequada para a lavoura e os assentamentos agrícolas em razão da escassez de água. No livro dos Salmos, com esse mesmo verbo (śîś), o eu-lírico expressa seu prazer pela palavra divina (Sl 119.14, 162) e, em várias ocasiões, as leitoras e os leitores são convidados à alegria por causa dos feitos benevolentes de Deus: a criação (Sl 19.6), a proteção (Sl 68.4) e a salvação (Sl 35.9; 40.17; 70.5). As orações da segunda parte do versículo, que possuem o mesmo sujeito, reforçam a expectativa de transformação de uma área desolada. O substantivo ‘arābâ (deserto), que se refere normalmente a um terreno inóspito, caracterizado pela salinidade do solo e pela vegetação escassa, acentua sobretudo a dimensão hostil assinalada pelo termo paralelo midbār (Talmon, 1997, p. 92, 93). Em protesto a essa condição lastimável, anseia-se que a ‘arābâ floresça, que o narciso (ḥavatstsélet) brote ali! Essa planta (Asphodelus microcarpus), que se distribui amplamente pela costa do mar Mediterrâneo, possui caule alongado com cacho de belas flores brancas ou amarelas. Além disso, foi documentado seu uso tradicional como agente antimicrobiano (Majeed, 2014, p. 61; Di Petrillo, 2017, p. 2; cf. Lisowsky, 1993, p. 461). Isaías 35.2-4 – Mantém-se o apelo ao regozijo e às manifestações efusivas de alegria. Usa-se aqui o infinitivo do verbo rānan (jubilar, festejar), intensificado pelo grau ativo piel: deve ecoar nas regiões desérticas um gritar de júbilo. Segue-se a apresentação do motivo da alegria: A porvindoura fertilidade e o rico florescimento das plantas em Judá tornarão este território [ora abandonado] tão gloriosamente verdejante quanto o Líbano, com o esplendor da vegetação do Carmelo e da planície de Sharon, ao sul do Monte Carmelo [...]. Com essa transformação da natureza, afirma o profeta, os habitantes de Judá verão a glória de Yahweh e, incluindo a si mesmo na comunidade, o esplendor do “nosso” Deus (Roberts, 2015, p. 440-441). (tradução própria).
Segundo Croatto (1989, p. 210), as referências às montanhas do Líbano e do Carmelo e à planície de Sharon têm em vista sua fertilidade célebre, cujos frutos serão destinados a Jerusalém. Mais adiante, Isaías 60.13, por exemplo, afirma que as madeiras nobres vindas do Líbano serão empregadas para decorar o Templo! Certamente a menção àqueles que verão a glória de YHWH (kevôd yhwh) e a majestade de nosso Deus (hadar ’elōhênû) anuncia uma mudança em sua condição de vida se comparada àquela dos judaítas outrora exilados, os quais haviam sido desterrados após a destruição de Jerusalém e do santuário de YHWH em 587 AEC. Agora se aguarda a repatriação e, consequentemente, o restabelecimento da presença de YHWH no meio do seu povo reassentado em sua própria terra (cf. o abandono do Templo de Jerusalém pela glória de YHWH, a qual vai em direção aos primeiros exilados na Babilônia por volta de 593 ou 592 AEC [Ez 1; 10-11]). Por isso o escritor exorta os destinatários de sua mensagem assegurando-lhes que
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Deus em pessoa virá e os salvará, pois eles parecem dominados pela prostração e pelo medo (observe o emprego dos imperativos fortalecei [ḥazzeqû], robustecei [’ammétsû], sede fortes [ḥizqû] e não temais [’al-tîrá’û] em contraposição às expressões mãos lânguidas [yādáyim rāfôt], joelhos trôpegos [birkáyim kōshlôt] e apressados de coração [nimharê-lēv]). Isaías 35.5-7 – Nestes três versículos, a ideia de salvação divina se constrói através de declarações sobre a reversão extraordinária de circunstâncias desfavoráveis, tanto humanas quanto ambientais. Entre a transformação das circunstâncias humanas e a transformação das circunstâncias ambientais, é realçado um nexo de causalidade: 5a 5b 6aα 6aβ 6bα
Então serão abertos olhos de cegos, ouvidos de surdos serão abertos! Então, como um cervo, saltará um coxo, cantará uma língua de mudo!
6bβ 7aα 7aβ 7bα 7bβ
estourarão na estepe águas; torrentes, no deserto! O chão ressequido se transformará no brejo; um solo árido, em nascentes de águas! Num covil de chacais, haverá um prado para ela, tornar-se-á um pasto de junco e papiro!
Porque (kî)
Croatto (1989, p. 210) entende que os v. 5 e 6, em lugar de oferecer promessas de curas milagrosas, têm a libertação dos judaítas exilados como seu interesse fundamental. De fato, caso seja considerado o nexo de causalidade entre a transformação das circunstâncias humanas e a transformação das circunstâncias ambientais, pode-se concluir que a glória de YHWH, manifesta como conversão da terra desolada em recanto bucólico para (e mediante) o reassentamento de seu povo, revivificaria olhos, ouvidos e línguas amortecidas por causa dos anos vividos em desalento, a fim de que celebrassem a novidade de vida criada pela graça de Deus! Zwetsch (2013, p. 336) o confirma quando diz que “[...] justamente as pessoas mais frágeis e desqualificadas é que anunciam um novo tempo. [...] Os que voltam devem preparar-se assim para uma grande festa de libertação [...]”. A segunda parte do v. 7 talvez contenha uma alusão a Jerusalém, que deixará de ser uma localidade arruinada e habitada por animais carniceiros para converter-se numa aprazível campina. Isaías 35.8-10 – Com esses versículos, a composição chega ao seu ápice: assegura-se que YHWH fará retornarem a Sião aqueles que houver resgatado para si. O trecho é dividido em dois momentos: a viagem e a chegada. Consoante aos demais versículos da composição, esses se arranjam estilisticamente mediante a estrutura do paralelismo de membros:
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8aα1 8aα2 8aβ 8b 9aα1 9aα2 9aβ 9b 10aα1 10aα2 10aβ 10bα 10bβ
A VIAGEM PELO CAMINHO DA SANTIDADE O caminho A Haverá ali B uma estrada, um caminho: B’ “o caminho da santidade” A’ será ele chamado. A viagem A Não o cruzará um impuro, mas ele mesmo estará com eles B percorrendo o caminho, de modo que nem mesmo inexperientes se extraviarão. Não haverá ali leão, A’ um animal violento não o subirá, nem será encontrado ali; B’ tão somente o percorrerão os resgatados. A CHEGADA À MONTANHA DA SANTIDADE A vhegada A Os libertados por YHWH retornarão, A’ entrarão em Sião B com um grito de júbilo, B’ uma alegria perpétua sobre suas cabeças! A nova condição de vida A Exultação e alegria B os seguirão, B’ fugirão A’ aflição e melancolia.
A linguagem que opõe santidade e impureza, associada à imagem da estrada, recorda o que está disposto na “lei da pureza” (Lv 11 – 16) e na “lei de santidade” (Lv 17 – 26): Sim, eu sou YHWH, vosso Deus. Santificar-vos-eis e sereis santos porque santo eu sou. Portanto não corrompereis vossas vidas com todo o fervilhamento de criaturas que se movem sobre a terra. Sim, fui eu, YHWH, que vos fiz subir da terra do Egito para ser para vós Deus. Portanto, sereis santos, porque santo eu sou (Lv 11.44-45). Eu, YHWH, vosso Deus, é que vos separei dentre aqueles povos. Separareis o animal puro daquele impuro e o bicho alado impuro daquele puro. Não contaminareis vossas vidas com o animal, com o bicho alado ou com tudo o que se move no solo, que afastei de vós como impuro. Sereis para mim santos, porque santo eu, YHWH, sou. Separei-vos dos povos para serdes meus (Lv 20.24b-26).
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É verdade que Isaías 35.8-10 não prescreve regras alimentares, mas evidentemente compartilha com Levítico a noção de que YHWH libertou um grupo de pessoas a fim de separá-lo para si e conduzi-lo a uma terra própria. Pode-se dizer, então, que a marcha dos libertados por esse caminho da santidade fortaleceria a certeza de que YHWH resolvera fazer deles seu próprio povo! Chama atenção, inclusive, que, de acordo com o v. 8, o próprio YHWH estaria entre eles ao longo da jornada! Sua assistência repeliria o risco de ataque de animais ferozes, ameaça sob a qual as pessoas no antigo Israel sempre estiveram (Wildberger, 2002, p. 354). Dessa maneira, não admira que sejam chamados de gue’ûlîm (resgatados). Podemos lembrar aqui a atuação de Boaz como gō’ēl (resgatador), que se casou com Rute e comprou a terra do falecido marido de Noemi, garantindo, assim, uma vida digna para ambas as mulheres, além de descendentes para o marido morto da moça moabita, o qual era filho de Noemi e parente dele (Rt 4.1-17). Acerca dos judaítas libertados, Wildberger (2002, p. 355) observa: “Eles são resgatados porque Yahweh os adquiriu; sua libertação é conceituada como uma redenção. Todavia o antigo termo legal já havia se tornado um elemento fixo na descrição da expectativa escatológica da salvação no momento em que foi usado em 35:9s” (tradução própria). A poesia termina com a chegada dos resgatados a Sião, a montanha da santidade, onde Jerusalém estivera erguida. Acerca desse aguardado acontecimento, Croatto (1989, p. 210-211) comenta: Um tema novo é introduzido no v. 8, que descreve um “caminho sagrado” (este é o nome da grande estrada, de cuja construção nada se diz). Nem indignos nem animais passarão por ele e sim os “resgatados/redimidos” (v. 9b-10a). O 2-Isaías [40 – 55] fará alusão ao caminho aberto no deserto para a passagem de Javé (40,3) mas aqui, como em 11,16 e 62,10 (textos tardios também), o grande caminho é para o povo que retorna do exílio. As duas imagens são complementares: Javé preside a grande marcha para Jerusalém. A freqüência [sic] desta mesma imagem no livro de Isaías faz pensar que sua matriz inspiradora está nas célebres procissões com a estátua de Marduc na Babilônia, por ocasião da grande festa do ano novo, quando ela era levada pelo caminho das procissões até a “porta de Istar”, onde era completada a celebração. Os exilados participarão de outra festividade, desta vez culminando em Jerusalém.
2 Meditação Toda a exposição precedente poderá levantar, sem dúvida, uma pergunta muito legítima: de que modo se aplica esse texto poético, que fala demasiadamente em esperança, libertação e alegria, ao contexto do Dia de Finados, marcado não poucas vezes por desespero, culpa e tristeza? A morte e a memória dos mortos devem ser tratadas sempre com muita reverência. A dor da perda e a sensação de impotência que a acompanham não podem ser qualificadas como simples intervalo entre o acontecimento da morte e o prosseguimento da vida por parte dos que ficaram. Perder alguém a quem se amava tira o chão, implode o mundo, abala a fé, mergulha o ser na escuridão.
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Diante disso é preciso cuidar da pessoa enlutada com muito carinho, e penso que o texto de Isaías 35.1-10 oferece pistas sobre como fazer isso. Pista 1: Acolher a realidade da perda e a dor que ela provoca. Sim, o poema de Isaías 35 inicia com uma conclamação à alegria. Contudo, há um cenário anterior com o qual esse convite veemente se depara e que não é omitido: uma região inóspita, desértica, desoladora. A morte pode provocar semelhante devastação emocional em muitas pessoas. Elas precisam viver novamente a alegria, mas isso somente será viável se sua dor receber a devida atenção e for considerada legítima de ser experimentada e enfrentada. Entretanto, da mesma maneira que a transformação da estepe em prado verdejante só se daria por obra de YHWH, a pessoa enlutada também não conseguirá recuperar sozinha a alegria da vida. No texto de 1 Coríntios 15.12-20, Paulo faz uma defesa da fé na ressurreição. Havia aqueles na igreja de Corinto que negavam essa crença, mas Paulo procurava convencê-los pronunciando-se várias vezes no coletivo: fala conjuntamente em nossa pregação e vossa fé (v. 14); refere-se ao fato de que esperamos em Cristo (v. 19) A ressurreição é crida quando vivida em comunhão, quando a presença de Cristo se torna palpável através dos laços de amor e da preocupação com cada pessoa, fortalecendo a convicção de que a vida é mais forte do que a morte. Pelos mortos, já não há o que fazer; em Cristo e com Cristo, porém, podemos fazer muito uns pelos outros (v. 20)! Pista 2: Fortalecer a pessoa enlutada com a assistência solidária da comunidade de fé. Segundo já foi visto, a voz que fala no poema bíblico tem diante de si uma plateia que parece dominada pela exaustão, pelo desespero e pelo medo. Usando belas imagens da geografia da Palestina, o orador assevera que as pessoas a quem se dirige verão a glória de YHWH, que ele designa como nosso Deus. Não se trata de alguém que pretende encorajar pessoas com as quais não está envolvido. Seguramente está no meio delas, participa de suas aflições e angústias. Apenas desse jeito se desenvolve empatia, se sente a ferida do outro, se juntam forças no momento da incerteza. Fé e solidariedade andam sempre juntas! Em Mateus 22.23-33, ao ensinar sobre a ressurreição, Jesus afirma que os ressurretos serão como os anjos no céu. Mais do que simplesmente defender uma angelologia, Jesus parece ressaltar o caráter comunitário da vida em ressurreição: humanos e anjos agora vivem juntos! E Deus, Deus de vivos, Deus das matriarcas e patriarcas de Israel, congregará pessoas e seres celestes para uma existência comum e abençoada. Se, portanto, Deus é Deus de famílias, a família da fé pode e deve ser uma grande comunidade terapêutica!
3 Subsídios litúrgicos Sugestão de hinos: HPD 1, n. 174 – Por tua mão me guia (antes da prédica); HPD 2, n. 453 – Nada te turbe (após a prédica).
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Bibliografia CROATTO, José Severino. Isaías: a palavra profética e sua releitura hermenêutica. Tradução de Jaime A. Clasen. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Imprensa Metodista; São Leopoldo: Sinodal, 1989. v. I: O profeta da justiça e da fidelidade, p. 1-39. DI PETRILLO, Amalia et al. Broad-range potential of Asphodelus microcarpus leaves extract for drug development. BMC Microbiology, London, v. 17, n. 159, jul. 2017. Disponível em: <https://bmcmicrobiol.biomedcentral.com/ articles/10.1186/s12866-017-1068-5>. Acesso em: 01 set. 2022. LISOWSKY, Gerhard. Konkordanz zum Hebräischen Alten Testament. Editio tertia emendate opera H. P. Rüger. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1993. MAJEED, Khansaa Rashed. Morphological and anatomical study of Asphodelus microcarpus. Bulletin of the Iraq Natural History Museum, Baghdad, v. 13, n. 1, p. 61-66, 2014. Disponível em: <https://jnhm.uobaghdad.edu.iq/index. php/BINHM/issue/view/14>. Acesso em: 01 set. 2022. ROBERTS, J. J. M. First Isaiah: a commentary. Minneapolis: Fortress, 2015. TALMON, Shemaryahu. Miḏbār; ‘arāḇâ. In: BOTTERWECK, G. Johannes; RINGGREN, Helmer; FABRY, Heinz-Josef. Theological Dictionary of the Old Testament. Translated by Douglas W. Stott. Grand Rapids; Cambridge: William B. Eerdmans, 1997. v. 8, p. 87-118. WILDBERGER, Hans. Isaiah: a commentary. Translated by Thomas H. Trapp. Minneapolis: Fortress, 2002. v. 3. ZWETSCH, Roberto E. Deus vem! O sertão vai virar mar! In: HOEFELMANN, Verner (Coord.). Proclamar Libertação: auxílios homiléticos. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2013. v. 38, p. 334-339.
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05 NOV 2023
PRÉDICA: MATEUS 23.1-12
MIQUEIAS 3.5-12 1 TESSALONICENSES 2.9-13
Ramona Weissheimer
Entre vocês não pode ser assim
1 Introdução O texto de pregação foi tratado no Proclamar Libertação, v. 2, por Richard Wangen; no v. 30, por Vera Weissheimer, com outros textos de leitura; e no v. 35, por José Manuel Kowalska Prelicz, com as leituras que temos agora. Miqueias 3.5-12 traz uma mensagem contra as autoridades e os profetas: os profetas enganam o povo. Para os que lhes pagam prometem paz, mas ameaçam com guerra os que não lhes dão nada (v. 5). É uma palavra muito dura de juízo sobre as autoridades que recebem dinheiro para torcer a justiça, sacerdotes que cobram para ensinar a Lei e profetas que exigem pagamento para prever o futuro. Estão construindo Jerusalém sobre injustiça e crimes de sangue e ainda acham que nada de mal lhes acontecerá, porque o Senhor estaria ao lado deles. Por causa deles, Jerusalém será destruída. Em 1 Tessalonicenses 2.9-13, o apóstolo Paulo lembra que trabalhou e lutou para que ele e seus colaboradores não fossem pesados aos tessalonicenses enquanto lhes anunciavam a palavra de Deus. Eles são testemunhas do seu agir limpo e correto. O evangelho também fala contra os que impõem cargas que não se propõem a carregar, e chama a atenção para que os ouvintes não ajam assim, mas, pelo contrário, que sejam humildes e o maior seja aquele que sirva aos outros.
2 Exegese Sobre o Evangelho de Mateus, pontuamos apenas algumas considerações feitas por Eduard Lohse, como a natureza doutrinária do evangelho, que busca sempre ressaltar a palavra, também os milagres e as controvérsias. Mateus sempre se refere ao AT, apontando que em Jesus se cumprem as Escrituras, sendo que a comunidade cristã é herdeira das promessas. O evangelista articula cuidadosamente promessa e cumprimento da promessa, sendo Jesus o Messias prometido nas Escrituras. “O evangelho de Mt encontra-se enraizado profundamente no legado judaico [...] O que os escribas ensinam diz respeito também aos cristãos (Mt 23.1), embora os doutores pessoalmente não façam o que ensinam” (Lohse, 1985, p. 149). É pontuada ainda a familiaridade com o estilo de vida judaico, também dos leitores, já que o evangelista não precisa explicar, por exemplo, franjas e filactérios (23.5).
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3 O texto Na introdução (23.1), o texto indica os ouvintes de Jesus (a multidão e os seus discípulos), passando a uma crítica aos escribas e fariseus (23.2-7) e indicações para os discípulos sobre como devem agir (23.8-12). Comparamos três versões do texto, a saber, Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH), Bíblia de Jerusalém (BJ) e Almeida Revista e Corrigida (ARC). Em si, as versões não trazem muitas diferenças. Chamam a atenção o título dado pela BJ: “Hipocrisia e vaidade dos escribas e dos fariseus”, e o fato de a NTLH explicar algumas expressões, como estão sentados na cátedra / cadeira de Moisés (BJ e ARC), um móvel presente na sinagoga, que representava a autoridade magisterial de Moisés, e que fica na tradução: têm autoridade para explicar a Lei de Moisés (v. 2). No v. 3, as três versões são bem parecidas (NTLH: por isso, vocês devem obedecer e seguir tudo o que eles dizem. Porém, não imitem as suas ações, pois eles não fazem o que ensinam). A BJ traz no comentário: enquanto transmitem a doutrina tradicional de Moisés. Isso não implica observar também suas opiniões pessoais. O v. 4 aponta para os fardos impostos aos outros, “um retrato representando a acumulação de leis que os escribas e fariseus exigem do povo, e pintado como um feixe de lenha que vai se acumulando nas costas do portador” (Wangen, 1983) – fardos esses que, em sua arrogância, escribas e fariseus não se dispõem nem com um dedo a movê-los – ou na NTLH: a carregar estes fardos. No v. 5 consta: fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens; trazem largos filactérios e alargam as franjas dos vestidos (ARC). A NTLH, além de chamar a atenção com um vejam como, no lugar de com efeito (BJ) ou pois na ACR, troca em miúdos, ou explica, o que são os filactérios – os trechos das Escrituras Sagradas que eles copiam e amarram na testa e nos braços, e franjas são pingentes grandes de suas capas. No v. 6, todas as versões concordam: Amam os primeiros lugares, ou lugar de honra, nas ceias e as primeiras cadeiras nas sinagogas. No v. 7, a ARC traduz: (gostam de) receber saudações nas praças e que os homens os chamem “Rabi”, enquanto a NTLH traduz Rabi por mestre. A partir do v. 8, o discurso muda da crítica para o agir dos escribas e fariseus, para o chamado de atenção aos ouvintes sobre como eles devem agir. NTLH: Porém vocês não devem ser chamados de Mestre (BJ e ARC, de Rabi), pois vocês são membros de uma mesma família e têm somente um mestre (BJ e ARC, todos vós sois irmãos). O v. 9 conclama os leitores a não chamar ninguém na terra de Pai, pois eles têm somente um Pai, que está no céu. No v. 10, as expressões mudam um pouco mais entre as versões: nem permitais que vos chamem guias (BJ); nem vos chameis Mestres (ACR); enquanto NTLH traduz: não devem ser chamados de “líderes”, porque vocês têm um líder, o Messias (nas demais versões “Cristo”).
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V. 11 – Ao falar de humildade e serviço, muda o tempo verbal entre as versões: NTLH: entre vocês, o maior é aquele que serve os outros; BJ: o maior dentre vós seja aquele que vos serve; ARC: o maior será vosso servo – permanecendo a necessidade de seguir o exemplo do próprio Senhor, que serve aos seus em amor. V. 12 – Quem se engrandece / se exalta será humilhado, quem se humilha será engrandecido. No Proclamar Libertação v. 35, Kowalska Prelicz chama a atenção para alguns títulos citados: rabbi, título honorífico para mestres da lei (v. 7 e 8); didaskalos, mestre, professor, título de honra e respeito (v. 8); adelfoi, irmãos e irmãs, a comunidade cristã (v. 8); pather, pai, em sentido figurado, usado como modo respeitoso de saudação (v. 9); kathēgētēs, mestre, líder, guia, instrutor (v. 10); diakonos, servo, ajudante (v. 11). Convém relembrar ainda alguns conceitos bem conhecidos: Fariseus: formavam um partido político religioso que se aplicava a estudar profundamente a lei mosaica e as tradições dos antepassados, e exigia a mais rigorosa observância da sua interpretação da Lei, principalmente em relação ao sábado, à pureza ritual e ao dízimo. O nome é derivado comumente do aramaico (perishaya), no hebraico (perushim), os “separados”. Depois da queda de Jerusalém, sua atuação foi importante como herdeiros e guardiães do judaísmo e sua religião. Mas o zelo exagerado pela Lei e pela pureza legal teve como consequência não uma comunidade unida pela caridade, mas um isolamento altivo (Lc 8.9-14), desprezo pela massa ignorante e impura (povo), com quem não queriam se misturar. Escribas: desde o tempo de Esdras, são chamados assim todos aqueles que são entendidos nas coisas da Lei, os doutores da Lei. O seu título de honra é Rabi. Assim, formou-se, ao lado da classe sacerdotal, a classe dos escribas, que bem depressa pretenderam ser os chefes espirituais do povo. E, de fato, eram geralmente conhecidos como tais. “[...] Jesus condenou-lhes a casuística teológico-jurídica, e a conduta hipócrita” (Born, 1971, p. 472). Borlas / franjas: Conforme prescrição de Números 15.38-41, os israelitas tinham a obrigação de usar borlas (no NT: “franjas”) nas extremidades de suas vestes, e nessas borlas um fio roxo. Jesus as usava. A franja deveria ter pelo menos um comprimento de três dedos (Hillel) ou de quatro dedos (Shammai). Por piedade ostensiva, porém, era feita mais comprida (Mt 23.5). Segundo Números, a borla é um sinal que lembra ao israelita os mandamentos de Javé. O fio roxo era interpretado tradicionalmente como símbolo do céu, do firmamento, do trono de Deus. Por causa desse sentido religioso, os doentes procuravam tocar nas borlas das vestes de Jesus. Filactério: Conforme costume rabínico, baseado em Êx 13.9,16; Dt 6.8; 11.18, todo israelita deveria usar filactérios na oração da manhã, exceto aos sábados e dias de festa. Aos filactérios liga-se uma caixinha quadrada ou um pequeno cilindro, em que se encontram quatro textos do Pentateuco, escritos em pergaminho (Êx 13.1-10; 13.11-16; Dt 6.4-9; 11.13-21). Uma caixinha era amarrada de forma a ficar na fronte; outra, amarrada na mão e no braço esquerdo, e a outra
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caixinha ficava exatamente na frente do coração. Esse costume atende literalmente à prescrição de Deuteronômio 6.8.
4 Meditação Esse discurso, dirigido às multidões e aos seus discípulos, é o último pronunciamento público registrado pelo evangelista Mateus. Jesus fala aos discípulos e às multidões que os mestres da Lei e fariseus têm autoridade para explicar a Lei de Moisés, e nisso devem ser obedecidos. Mas não se deve seguir seus exemplos e conduta hipócritas, pois gostam de ser reconhecidos por sua grande piedade e de serem vistos em alta conta, mas nada fazem para aliviar a carga que eles mesmos impõem aos mais humildes. Entre vocês não deve ser assim: não busquem ser chamados mestres, guias, líderes, mas ajam com humildade, servindo ao invés de querer ser servidos. É sintomático que o título dado pela BJ para essa perícope seja “Hipocrisia e vaidade dos escribas e dos fariseus”. Confesso que fiquei impactada com o comentário de Tasker a esse texto, quando lembra que ao ler este capítulo é importante lembrar que nem todos os fariseus estavam sob a condenação de Jesus, e que havia bons e maus fariseus, exatamente como sempre houve e ainda há bons e maus cristãos. De fato, os defeitos expostos nessa seção tendem a ser os defeitos de todos aqueles cujo zelo pela religião não é moderado pelo amor caridoso, pela misericórdia e pelo bom senso (1980, p. 171).
E enquanto se restringem a expor a Lei de Moisés, as palavras dos escribas devem ser respeitadas. Mas quando insistem na meticulosa observância das minúcias da Lei ou ampliam um preceito particular, deixam de ser os guias para ser os opressores dos pobres. Tasker segue dizendo que o orgulho pela posição, o amor do poder, e a influência sobre outros que a posse de coisas como títulos profissionais e eclesiásticos tende a trazer consigo, estavam arruinando a influência espiritual de muitos dos fariseus do tempo de Jesus; e eles foram usados por Ele como severa advertência a todos que queiram reconhecê-lo como Senhor e Mestre, e que queiram passar a vida em serviço humilde como filhos do Pai celeste – advertência que, singularmente, com demasiada frequência tem sido ignorada por muitos que se chamam pelo nome de Cristo (1980, p. 172).
Por isso, entre vocês não pode ser assim... É preciso ajudar a carregar as cargas, não impô-las ou aumentá-las à exaustão e desespero. Viver a fé não pode ter nada que cheire a exibicionismo religioso ou busca de audiência. Mas tem a ver com cuidado, com serviço, com humildade. O que me chama atenção no texto de Tasker, enfim, são as tantas vezes que nos lembra que esse orgulho de se sentir mais santo que os outros não é exclusividade dos antigos fariseus, mas se aplica também a muitos que se dizem cristãos e, lembrando o texto do profeta Miqueias, ainda hoje torcem o direito e a justiça,
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cobram pelo que devia ser dado, e dizem: Nenhum mal vai nos acontecer porque o Senhor está do nosso lado (v. 11). Mas entre vocês não pode ser assim!
5 Imagens para a prédica Hipocrisia é a arte de exigir dos outros aquilo que não se pratica. Poderíamos elencar uma série de pequenas ações do dia a dia que também nós fazemos. E daí a lista é grande: reclamar que as crianças e jovens não “desgrudam” do celular, enquanto os pais mal têm tempo de atendê-las, porque estão “grudados” no celular; criticar o desrespeito no trânsito, quando por vezes também não respeitamos todas as regras; esperar que nossos filhos amem a igreja, quando nós mesmos pouco a frequentamos e não os levamos; enfim, exigir dos outros o que não estamos dispostos a fazer. Há poucos dias, celebramos o culto de Ação de Graças pela Colheita aqui em Rolândia/PR, e o altar foi adornado com muitos frutos, legumes, cereais e um lindo pão, no qual se lia “Erntedankfest”. Ainda não havia flores, que foram trazidas depois. Uma amiga, que estava lá, disse: “Na minha igreja somente as mulheres consagradas e sem nenhum pecado podem trazer flores para o altar. Eu sempre quis, mas nunca pude”. Fiquei me perguntando se, com esses requisitos, alguém poderia enfeitar o altar com flores.
6 Subsídios litúrgicos Kowalska Prelicz (2010) lembra que, no Livro de Culto da IECLB, parte IV, p. 200, há uma liturgia completa para esse texto. Porém, ela não traz uma temática específica, e o texto do Evangelho de Mateus é acompanhado de outras leituras (Ml 2.1-2, 4-10 e 1Ts 2.8-13). Confissão de pecados: Bondoso Deus, nosso Pai, colocamos diante de ti nosso cansaço, nosso fracasso, nosso medo. Medo de jamais corresponder às exigências que nós mesmas fazemos ou que outros nos impõem; medo do fracasso, quando impomos fardos que não estamos dispostas a carregar. Tu, que és Senhor amoroso, que nos acolhes sem nosso merecimento, ensina-nos a perdoar como queremos ser perdoadas; a acolher como queremos ser acolhidas; a respeitar como queremos ser respeitadas; a servir como queremos ser servidas. Perdoa-nos, pois reconhecemos que não apenas os outros são frágeis e se enganam, nós também somos frágeis, nos enganamos, somos carentes de amor e perdão. Tem misericórdia de nós e ensina-nos a amar. Em nome de teu Filho amado, nosso Senhor e Salvador. Amém.
Bibliografia BORN, A. van den. Dicionário Enciclopédico da Bíblia. Lisboa: Centro do Livro Brasileiro; Petrópolis: Vozes, 1971.
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KOWALSKA PRELICZ, José Manuel. Auxílio homilético para Mateus 23.1-12. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2010. v. 35, p. 335. LOHSE, Eduard. Introdução ao Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1985. TASKER, R. V. G. Mateus – introdução e comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 1980. WANGEN, Richard. Auxílio homilético para Mateus 23.1-12. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 1983. v. 2, p. 158ss. WEISSHEIMER, Vera. Auxílio homilético para Mateus 23.1-12. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2004. v. 30, p. 259ss.
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24º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
12 NOV 2023
PRÉDICA: 1 TESSALONICENSES 4.13-18 AMÓS 5.18-24 MATEUS 25.1-13
Antonio Carlos Oliveira Alesandro Linhaus Binow
Esperança para além do luto
1 Introdução Estamos no antepenúltimo domingo do calendário litúrgico da igreja. Há poucos dias, tivemos os cultos do dia de Finados, período em que refletimos sobre a finitude da vida, mas, principalmente, sobre a esperança da vida eterna. Os textos previstos para este domingo ainda continuam neste campo de reflexão: aspectos especulativos da parúsia de Cristo, em especial. O texto do Antigo Testamento é de Amós 5.18-24. O profeta Amós faz duras críticas à hipocrisia e incoerência do povo que oferece “holocaustos” e “ofertas” a Deus, enquanto que a injustiça predomina entre o mesmo. Deus quer que o “juízo” e a “justiça” estejam presentes entre seu povo. Amós afirma que quando chegar o tão esperado e desejado “Dia do Senhor”, esse não será um dia de “luz”, mas, sim, de “trevas” e de “escuridão”, por causa da hipocrisia, da incoerência e das injustiças praticadas. O “Dia do Senhor” e a “justiça” perpassam o texto. O texto de leitura do Novo Testamento é Mateus 25.1-13, que traz “a parábola das dez virgens”, na qual Jesus convida a “vigiar”, pois ninguém sabe nem a hora nem o dia em que “o noivo” (metáfora referente ao próprio Jesus) irá voltar. Já o texto previsto para a prédica é de 1 Tessalonicenses 4.13-18, em que Paulo responde a inquietações da comunidade sobre o que acontecerá na parúsia de Cristo, especialmente com aquelas pessoas que já morreram. Será que tais inquietações estão também presentes em membros de nossas comunidades?
2 Exegese A Primeira Carta aos Tessalonicenses é reconhecida como a carta mais antiga escrita pelo apóstolo Paulo (por volta do ano 50 d. C.) dentre as que estão no cânone bíblico. A comunidade de Tessalônica nasceu a partir de uma passagem e pregação do Evangelho pelo próprio Paulo em sua segunda viagem missionária. Ao escrever a carta à comunidade, Paulo aproveita para reforçar assuntos com os quais a comunidade já estava ambientada, mas também para tentar elucidar dúvidas e questionamentos que surgiram no decorrer do tempo. Esse último aspecto parece ser o contexto da perícope em questão: havia uma inquietação sobre o que aconteceria com aquelas pessoas (membros da comunidade) que já morreram quando da volta de Cristo.
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V. 13 – Já neste primeiro versículo da perícope é possível perceber a provável inquietação mencionada anteriormente. É totalmente possível, e até indispensável, pressupor que Paulo, em sua “evangelização” na cidade de Tessalônica, tenha pregado sobre a morte e ressurreição de Cristo. Uma das consequências dessa mensagem é a dádiva da vida eterna concedida gratuitamente por Cristo àqueles e àquelas que nele creem. Parece que, com a morte de membros da comunidade, surgiram questionamentos se essas pessoas receberiam ou não os benefícios concedidos por Cristo, assim como os que estarão vivos no tempo da parúsia. Paulo já inicia sua reflexão apontando para a “esperança”. É preciso conhecer, sim, a promessa de Cristo (não sejais ignorantes), mas, é preciso, principalmente, crer nessa promessa que traz esperança. Inclusive, se contrapõe à crença de que a morte física seria o final de tudo, o que traria um sentimento de angústia e tristeza. Um detalhe interessante neste versículo e em outros dois momentos da perícope é que Paulo, quando faz referência às pessoas que já morreram, utiliza, por exemplo, a palavra (kekoimēnōn: que adormeceram). Isso mostra um viés pastoral da mensagem paulina. Ao invés de falar diretamente da morte, que carrega uma ideia de final, Paulo utiliza uma expressão consoladora e que abre espaço para uma continuação, como é a crença cristã. Afinal, aqueles e aquelas que dormem (em Cristo) serão ressuscitados e ressuscitadas por ele e para ele na sua parúsia. V. 14 – O apóstolo Paulo reforça a mensagem da morte e ressurreição de Jesus e a necessidade da comunidade de crer nessa verdade. Crer na ressurreição de Cristo é o que permite crer que os que dormem (quem já morreu) serão ressuscitados e ressuscitadas em Cristo. V. 15 – A partir desta parte da perícope, Paulo entra no campo da especulação de como será no dia da parúsia. É importante salientar aqui que mesmo que Paulo descreva sua compreensão de como se procederá no dia da parúsia, e é possível que ele acreditasse, em boa medida, que assim o seria, o próprio Cristo, no Evangelho de Marcos 13.32, afirma que a respeito daquele dia ou da hora ninguém sabe [...] senão o Pai. Dito isto, Paulo afirma que nós, os vivos, os que ficarmos até a vinda do Senhor [...], ou seja, fica explícita a certeza paulina da iminente volta de Cristo, afinal, ele, na sua afirmação, acredita que ainda estaria vivo quando ela acontecesse. A crença na iminente volta de Cristo é algo que perpassa todo o ministério paulino. Romanos 13.11 corrobora tal afirmação. Já a ideia de que ele, Paulo, estivesse vivo no tempo da parúsia parece ir mudando com o passar do tempo (em Fp 3.11, escrito mais tardio de Paulo, ele parece cogitar a possibilidade de que possa estar morto, pois, em Cristo, ele alcançaria a ressurreição dentre os mortos). V. 16 e 17 – Paulo descreve que na parúsia: a) Jesus daria a ordem, b) voz do anjo, c) ressoada da trombeta, d) descida de Cristo (dos céus), e) mortos em Cristo ressuscitariam e f) juntos com os vivos seriam arrebatados (entre nuvens). Essa seria a compreensão e crença do apóstolo para a parúsia. Pode-se discutir se Paulo estaria, aqui, tentando mesmo descrever alguns aspectos do processo
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no tempo da parúsia. É plausível entender que ele realmente compreendesse tal descrição na literalidade. É uma herança da apocalíptica judaica. Daniel 7.13, por exemplo, menciona o Filho do Homem que vinha com as nuvens do céu. Marcos 13 é um texto extremamente apocalíptico. Interpretando esse texto na sua literalidade ou na sua forma simbólica, é preciso aceitar que é especulação sobre algo que não se tem autonomia de decisão. Só cabe a Deus. E como o próprio Paulo diz em 1 Coríntios 13.12: agora, vemos como em espelho, obscuramente. V. 18 – Paulo termina com: Consolai-vos, pois, uns aos outros com estas palavras. O último versículo leva a perceber a intensão pastoral dessa passagem escrita aos tessalonicenses. Parece que a intenção de Paulo não é detalhar aspectos da parúsia, mas, sim, consolar e aliviar a angústia da comunidade com relação ao tema da morte. Crer na certeza da ressurreição de Cristo rompe com a angústia e preocupação com a morte humana, afinal, a ressurreição de Cristo é a promessa da ressurreição daquelas pessoas que já “adormeceram” no Senhor. “Lo importante es que tanto em la vida como em la muerte el Cristiano está em Cristo, y esa es una unión que nada puede romper” (Barclay, 1973, p. 211).
3 Mensagem Segundo o calendário litúrgico, esta pregação está prevista para dois domingos após o dia de Finados. É possível que as lembranças e os sentimentos relacionados ao luto por familiares falecidos ainda estejam presentes no coração e na mente das pessoas que estarão no culto. O texto da pregação traz a oportunidade de refletir sobre o tema da consolação e do apoio às pessoas e famílias enlutadas. O luto é vivido por ocasião da morte de alguém por quem se tem um sentimento de estima, em geral familiares e pessoas amigas. Mas o luto também pode se manifestar diante de outras perdas presentes na vida pessoal, como uma separação, a demissão do emprego, a mudança de uma escola para outra etc. Sentimentos de incompreensão e vazio existencial vêm à tona e desencadeiam um processo de reflexão a caminho da reestruturação, ressignificação e superação. Um luto é entendido como “luto difícil” quando as pessoas apresentam um quadro depressivo acentuado e extenso, devendo nesses casos ter o acompanhamento de profissionais para o tratamento psicológico. O aconselhamento pastoral também é recomendado e de maneira especial reflete sobre questões relacionadas ao ambiente religioso, aspectos da doutrina e da espiritualidade. Questões-chave, por vezes, surgem no diálogo, por exemplo, culpa, castigo, medo, solidão, desamparo, descrença. Esse espaço oportunizado pela conversação pastoral é lugar para trabalhar, entre outros conteúdos, o perdão, a fé, o acolhimento, a autoestima, a resiliência. A ciência das religiões aponta que as primeiras manifestações religiosas da humanidade possivelmente surgiram por ocasião dos cultos aos ancestrais falecidos no período paleolítico. A própria religião cristã surge acompanhada da vivência do luto por Jesus Cristo e do sofrimento pelo martírio dos apóstolos. O que nos dá a dimensão de que esse sentimento de vazio presente no luto é um dos grandes temas desde sempre na história da humanidade. Fato é que a experiência
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de acompanhar a morte e o sepultamento de alguém, principalmente de alguém próximo, traz às pessoas um sentimento de impossibilidade diante da realidade da morte. Desejamos a vida, queremos viver, mas nós nos deparamos com o morrer e a inevitabilidade da morte. Nossos conhecimentos chegam apenas até essa fronteira, a partir dela nada sabemos senão aquilo de que nos fala a crença religiosa. Na vida em comunidade, volte e meia ocorre o falecimento de alguma pessoa membro. É tarefa do ministro, da ministra, bem como de lideranças da comunidade, consolar as famílias e as pessoas em um sepultamento. Cabe à pessoa encarregada do ofício lembrar as pessoas enlutadas que os entes queridos que já partiram desta vida agora descansam nos braços do Deus criador, dormindo o sono da morte até o dia da ressurreição dos mortos. Vivenciar esse momento e render louvor a Deus é testemunho de fé no Cristo ressuscitado, que vive e reina eternamente, que vence a cruz, vence a morte e que, segundo a sua misericórdia, dará nova vida em seu reino de paz e justiça. O apóstolo Paulo diz que essas palavras que ele escreve são para consolar e para trazer esperança ao coração. Era sabido que a igreja de Tessalônica estava passando por muita tristeza, porque algumas pessoas haviam falecido e existiam dúvidas sobre o que aconteceria depois da morte. Nesse sentido, também para nós, que vivemos nos dias atuais, são igualmente necessárias palavras de consolo e esperança. Pois, devido à pandemia de coronavírus, conflitos e crise econômica, enfrentamos uma época de muito desamparo e desesperança. O sofrimento e o luto fazem parte da realidade de muitas pessoas. O texto bíblico nos desafia a ter esperança diante da morte. A morte não tem a última palavra, ela não é a última etapa das nossas vidas. Pois nossa fé em Jesus Cristo, o ressurreto, é portadora da promessa de que também nós, segundo a graça, receberemos a ressurreição para a glória do reino eterno de Deus. Em 1 Coríntios 15.19, ao tratar sobre a ressureição de Jesus Cristo, o apóstolo Paulo escreve: Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos as pessoas mais infelizes deste mundo. O que nos leva a entender que a pessoa cristã não deve temer a morte, pois mesmo ela sendo uma realidade da qual não se possa escapar, não é ela que decreta a conclusão ou fim da nossa vida. Ou seja, devemos olhar para a morte como descanso e repouso, como silencioso aguardo em Deus na confiante espera do dia do Senhor. Como afirmou Jesus segundo João 14.2-3: Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fosse assim, eu já lhes teria dito. Pois vou preparar um lugar para vocês. E, quando eu for e preparar um lugar, voltarei e os receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, vocês estejam também.
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4 Imagens para a prédica A semente da paineira Certa vez, havia uma pequena semente. Tudo que ela conhecia era a parede em suas extremidades. Ali, em si própria, encontrava-se segura. Agarrava-se a isso e dizia para si mesma: sou uma boa semente. Mas, à medida que os dias passavam, sentia que algo lhe faltava. Pensava ela: será que isso é tudo que sou? Estaria fadada a existir assim ou haveria algo mais além da vida de semente? Um dia, sem mais nem menos, sentiu um chacoalhar, sentiu medo, sentiu que alguma coisa acontecia além de sua compreensão. Chorou dentro de si mesma, orou sem saber o que pedir e descansou. Algum tempo se passou, e então aos pouquinhos, bem devagarinho sentiu brotar dentro de si uma pontinha de esperança. Tratava-se de algo novo, jamais sentira algo assim. Sentiu-se pequena dentro de si mesma, ao mesmo tempo sentiu que podia expandir-se para além do que lhe era conhecido, e ir como que além de si mesma. Sentiu-se espichar. Agora uma inquietação tomava conta, e se perguntava: o que é isso que estou sentindo? Foi quando irrompeu a luz e ela se viu agora como uma pequena planta a estender suas folhas ao sol e a crescer em direção à luz. A semente que fora até então ficou para trás, havia feito a passagem para a vida que de fato lhe havia sido reservada. O tempo passou, árvore frondosa se tornou, e agora ela compreendia o que antes como semente nem sequer podia imaginar. De seus longos galhos outras sementes partiam ao soprar dos ventos. A amorosa paineira, tal como uma mãe zelosa, orava a Deus por seus rebentos, que suas sementes levassem dentro de si a mesma esperança que um dia germinou dentro de seu coração.
5 Subsídios litúrgicos Oração pelas pessoas enlutadas L.: Querido Deus! Tua mão sempre nos conduz nos caminhos da vida, dando-nos paz, alegria e amor. Nos momentos de dificuldades, tu nos carregas e abençoas através da comunidade de fé. Hoje, recordamos nossos entes falecidos e muitas memórias vêm à nossa lembrança. Também o sentimento de saudade e de luto aperta no nosso peito. Consola-nos, Senhor, e com o teu Espírito Santo dá-nos fé e esperança na ressurreição. Acolhe, ó Deus, nossos corações entristecidos e permite que tenhamos gratidão pela vida que sob a tua graça podemos compartilhar. C.: Ouve, Senhor, a nossa oração, consola, conforta e dá paz ao coração. Unção para pessoas enlutadas L.: O uso de óleos, perfumes e essências aromáticas é um costume antigo das comunidades cristãs. A unção sobre a pele expressa o cuidado com a pessoa que o recebe. Quando há um machucado no corpo, aplica-se um curativo para amenizar a dor. Nesta celebração, este óleo, ao ser aplicado, simboliza um curativo para os nossos machucados que não são visíveis, mas que são sentidos em nossos
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corações. Convidamos as pessoas que quiserem a vir e receber sobre si esta unção como sinal do amparo, acolhimento e cuidado de Deus. Pois Deus conhece cada pessoa e sabe de nossas dores e nossos sofrimentos. Deus se compadece de nossas angústias e do luto que enfrentamos. Seu amor quer nos cuidar e fortalecer para vivermos com fé a esperança da ressurreição. L.: Receba este gesto de cuidado em nome do (+) Pai, Filho e Espírito Santo. Amém!
Bibliografia BARCLAY, William. Filipenses, Colosenses y I-II Tesalonicenses. Buenos Aires: La Aurora, 1973. BROWN, Raymond E. Introdução ao Novo Testamento. Tradução Paulo F. Valério. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2012.
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25º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
19 NOV 2023
PRÉDICA: MATEUS 25.14-30
JUÍZES 4.1-7 1 TESSALONICENSES 5.1-11
Roberto E. Zwetsch
A parábola dos talentos ou da confiança desmedida
1 Introdução Estamos chegando ao último domingo do ano eclesiástico, que se diferencia do ano civil de uma forma instigadora. Isso porque – com essa perspectiva nitidamente evangélica – não nos submetemos aos poderes que dominam nossa vida e países, mas nos remetemos em memória viva e presente a um Senhor que não tira a vida, mas dá sua vida em resgate por muitas pessoas, por toda a humanidade (Mt 25.32), se formos abertamente ecumênicos e solidários e fiéis a Jesus de Nazaré. Os textos arrolados para este domingo são já conhecidos, pois constam da ordem de cultos há alguns anos e retornam de vez em quando conforme a Lecionário Ecumênico. Todos nos desafiam a tematizar o fim dos tempos, a parúsia de Jesus, que nos prepara um verdadeiro banquete, uma festa como lhe apraz (Mt 22.4; 25.21, 23). Os textos, assim, nos confrontam não com meditações piedosas e restritas ao ambiente eclesiástico, ao interno das igrejas e comunidades de fé. Pelo contrário, nos fazem alargar a vista e o horizonte e nos fazem refletir sobre a obra de Cristo no mundo. Entre pessoas e comunidades cristãs há uma tendência que me parece equivocada, de ler os textos bíblicos como se eles fossem previamente enquadrados no ambiente da igreja, do templo, pior, restritos a sacristias empoeiradas. Por isso nos surpreendemos quando os textos – se lidos com atenção e de coração aberto – nos remetem à vida cotidiana, à história passada e presente, fazendo assim com que não nos conformemos com as estruturas deste mundo, que nos querem reiteradamente escravizar, cegar, oprimir e violentar. É com esse olhar que leio Juízes 4.1-7, texto que narra a convocação feita por Débora, profetisa e juíza do povo de Israel, que atendia debaixo de uma palmeira, entre Ramá e Betel, nas montanhas de Efraim. Foi essa brava mulher que chamou Baraque, um guerreiro, para assumir a luta contra o exército de Jabim, rei de Canaã, sob o comando de Sísera. Fazia 20 anos que Canaã oprimia duramente o povo de Israel. Baraque atendeu ao chamado de Débora, mas fez uma restrição: Só irei com meus dez mil homens dos filhos de Naftalí e Zebulom se fores comigo. Do contrário, não irei! Débora lhe respondeu: Irei, mas saiba que não será tua a honra da investida, pois foi às mãos de uma mulher que o Senhor entregará a Sísera. É um texto que nos assusta hoje, quando, em tempos de guerras por todos os lados, nos comprometemos com a luta pela paz e dizemos não à guerra!
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A leitura da epístola é de 1 Tessalonicenses 5.1-11, a primeira das cartas conhecidas de Paulo e escrita num ambiente de expectativa messiânica da volta iminente de Jesus, como prometido após a ressurreição. Ocorre que a parúsia tardava e as pequenas comunidades se angustiavam e perguntavam: O que vai acontecer? Quando virá novamente o Senhor? Como guardar a fé e viver o evangelho do amor transformador de Jesus? Paulo sabiamente recorda à comunidade que ninguém conhece quando será o dia do Senhor, uma atualização das profecias do dia de Javé, que encontramos em Sofonias, Joel, Jeremias, Amós e outros profetas. Esse dia vem como ladrão da noite, de forma inesperada e sem alarde. E poderá nos pegar a todos de surpresa. Daí a advertência que vem desde o ministério de Jesus: Vigiai sempre! Pois será dia de destruição ou de dor, como ocorre num parto de mulher. Paulo, no entanto, consola e alerta: Vocês e nós da comunidade não somos das trevas, filhos da noite. Somos, sim, filhos e filhas do dia, filhos da luz. Por isso vigiamos, alertas, sem nos deixar embriagar por falsas promessas ou ilusões de sucesso. Nós sabemos que a caminhada é de cruz e serviço, doação irrestrita, como fez o nosso Senhor e Cristo. Por isso nos revestimos da fé, da esperança e do amor mútuo, edificando-nos reciprocamente, em cuidado e atenção mútua. E assim, despertamos muitas outras pessoas para a caminhada da fé em união com Cristo e seu Espírito vivo entre nós. É assim que entramos na parábola do Evangelho de Mateus 25.14-30, novamente uma narrativa que nos desloca para uma realidade urbana que nos coloca muitas interrogações logo na primeira leitura do texto. A tendência é fazer comparações superficiais e fáceis com as negociatas do sistema econômico e político dos nossos tempos, sem nos dar conta das armadilhas em que podemos cair. Por isso, de saída, cautela! Trata-se de uma parábola, uma metáfora de como podemos compreender o reino de Deus ou o reino dos céus, como prefere Mateus, e qual a atitude que o Senhor espera de nós para o seu retorno de uma longa viagem. Adianto que temos vários estudos anteriores na coleção do Proclamar Libertação, que facilmente podem ser acessados no Portal Luteranos. São os textos do v. II, v. X, v. XVIII, v. 41 e v. 44. Em cada um, temos boas informações que nos ajudam a reler essa parábola com mais segurança, cuidado e descobertas. Sigamos em frente neste estudo desafiador.
2 Observações exegéticas Mateus é um evangelho que surgiu por volta dos anos de 70/80 nas regiões do norte da Palestina, possivelmente numa comunidade judaico-cristã da diáspora na Síria. Uma leitura atenta de diversos sinais ao longo do texto nos permite compreender a crise vivida por judeus e judeu-cristãos após a destruição de Jerusalém pelas tropas romanas do general Tito a mando do imperador Vespasiano. Sobre essa guerra e a destruição da cidade e do templo sagrado dos judeus há farta informação na história antiga. É preciso considerar esse pano de fundo para entender várias das passagens e como a comunidade de Mateus procura manter-se fiel no caminho de Jesus. Passaram-se muitos anos desde a crucificação e ressurreição do Senhor. A segunda vinda tardava. Como manter a fé e a vivência do
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amor sem trair o Senhor? Sem abandonar tudo e voltar à vida antiga, aos deuses da morte e da guerra? Ao contrário do que supomos, ainda não havia de forma estruturada a ekklesía, mas sim a comunidade de irmãos e irmãs, com participação expressiva de mulheres e de gente pobre, os “pequeninos”, que aparecem repetidamente na boca de Jesus. Os nazarenos, como se tornaram conhecidos, eram israelitas como os demais, mas tinham uma certeza que os diferenciava: a fé de serem testemunhas do poder de Deus que ressuscitou Jesus e lhes havia ensinado a viver um projeto novo de fraternidade e de partilha. Não se pensava ainda num novo Israel, um novo povo de Deus, um novo testamento. Como resultado da luta contra os romanos, esse grupo fraterno se diferenciava de vários outros grupos judaicos, como os saduceus, os fariseus, os escribas e – principalmente – os discípulos da escola de Jâmnia, para onde se refugiara o sinédrio judeu após a guerra. Com essa escola a comunidade de Mateus tinha em comum a perspectiva messiânico-apocalíptica da proximidade do fim. A guerra e a derrota para os romanos pareciam reafirmar essa visão. Mas Mateus reinterpretou essa teologia a partir de Jesus e sua mensagem. O dia do Senhor vem como ladrão da noite, ninguém sabe quando acontecerá. Por isso o refrão que se repete várias vezes no evangelho: Vigiai! (24.42s; 25.13; 26.38; 26.41). Como as moças prudentes, como os servidores fiéis do Senhor que saiu e ficou ausente por muito tempo, como aqueles que cuidaram dos pequeninos, das pessoas mais vulneráveis e maltratadas e foram surpreendidas quando o Senhor lhes disse: Quando vocês me viram? Ora, toda a vez que o fizestes a uns desses pequeninos irmãos ou irmãs, foi a mim que o fizeram (25.40). Não se trata, portanto, de criar uma comunidade exclusiva e apartada, mas uma fraternidade diaconal, de serviço e cuidado, que mantém acesas suas lâmpadas, mesmo que o noivo tarde em chegar, que sabe trabalhar com o tesouro recebido sem perguntar o que vamos ganhar com isso. O desafio é ousar seguir os passos de Jesus, o que se aprendeu dele e na caminhada com ele (5.40; 43-48) em total confiança. Por isso Gallazzi (2015) adianta que o primeiro discurso que temos em Mateus nos capítulos 5 a 7 é a chave de leitura de todo o evangelho e também desse capítulo 25, que fecha o quinto discurso, antes da dramática narrativa da traição e entrega de Jesus aos soldados, a tortura, o sofrimento e a morte na cruz, e então a ressurreição e o envio para continuar a caminhada da missão de Deus em busca do reino e sua justiça (6.33). Sem isso, fica difícil entender a mensagem que perpassa o evangelho como um todo. Para Gallazzi (2015), em Mateus temos uma versão cristã de uma nova Torá, um novo Deuteronômio, que é diferente do antigo (5.21-39). Jesus assumiu a Lei integralmente, mas fez uma releitura que assustou os fariseus, escribas e a classe sacerdotal. Ele ousou dizer: Vocês ouviram o que lhes foi dito; eu, porém, digo a vocês... Essa ousadia o levou a criar uma nova comunidade de discípulas e discípulos, que o seguiram até a cruz, quase abandonaram tudo, e só continuaram a caminhada depois de receber o Espírito Santo vivo do Ressuscitado, que foi adiante deles rumo à Galileia dos gentios, dos outros povos. Jerusalém deixou de ser o centro do mundo e da presença de Deus. Deus não se deixa amarrar a
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um lugar e a um povo somente (Jo 4.23). Ele caminha adiante. Ele chama outras pessoas, geralmente do meio dos pobres, que são os que mais se mostram abertos ao seu chamamento e ao seu amor gratuito. Nessa nova perspectiva que a fé em Jesus anuncia, o centro do judaísmo não será mais a Lei, o livro sagrado, o templo, nem mesmo as regras de pureza. O centro a partir do qual a glória de Deus se faz presente – paradoxalmente – são os pequeninos (18.6; 19,14; 21.16; 25.40). Não pode ser acaso que o evangelho da infância de Jesus é exclusivo de Mateus e que nesse evangelho José, Maria e Jesus precisam fugir de Jerusalém para o Egito porque Herodes quer matar o menino. E efetivamente ele mata muitas crianças, mostrando toda a crueldade do poder estabelecido. Mateus inverte a história do êxodo. Aqui o Egito é a terra da salvação e Jerusalém a terra da escravidão e da morte. Essa narrativa se completa no final com a morte na cruz, fora das muralhas da cidade sagrada. Então, sobre a parábola, cabe registrar alguns detalhes importantes. Trata-se de uma parábola que, em Mateus, geralmente começa assim: O reino dos céus é como um homem que saiu a viajar... E então vem a narrativa. Sigo aqui algumas referências de Gallazzi (2015), entremeadas com outras observações: V. 14 – O senhor que sai a viajar é um homem de muitas posses, sem nenhuma dúvida. Mas compará-lo a um capitalista dos nossos dias pode nos induzir ao erro. Pois se trata de uma figura estranha conforme as atitudes que toma em relação ao seu tesouro. Tem poder, mas abre mão dele para que seus encarregados, servidores de confiança, tomem conta do tesouro. Sem promessas, entrega o que tem. V. 15 – E o que ele dá ou entrega? Talentos, talanta em grego. Nos estudos anteriores há várias explicações sobre essa medida de valor econômico. Não por acaso a parábola lida com alguns números e faz referência a negociações para multiplicar esses valores e menciona palavras que são traduzidas por banqueiros e juros (v. 27). Gallazzi (2015) destaca que os talentos (o tesouro do senhor) são entregues segundo a dynamis de cada servidor. Mateus não usa aqui a palavra exousia, própria do poder político. O termo dynamis possivelmente se refere à capacidade pessoal, ao poder fazer. Sobre o termo-chave talento, destaco que há informações diversas: um fala que valeria 20 kg de ouro (Kliewer, 1983), outro, 35 kg de prata (Gallazzi, 2015). Outros se referem ao valor de um denário, o salário de um dia de trabalho. Um talento valia mil denários, isto é, mil dias de trabalho (Kilpp, 1992). Outro eleva em muito a medida e afirma que poderia valer seis mil denários, o que corresponderia a 18 anos de trabalho de um diarista (Garin; Timm, 2019). Sem entrar na discussão quantitativa, o que fica claro é que talento aqui diz respeito a um valor desmedido, muito alto, o que significa que o senhor estabelece uma relação de confiança altíssima, desmedida, com seus servidores. Gallazzi (2015) faz uma observação interessante sobre esse senhor. Se na parábola das moças a questão-chave era a quantidade de óleo das lâmpadas que elas deveriam ter na espera do noivo, aqui o senhor providencia uma alta quantia de bens que ficam à disposição do trabalho (da dynamis) de cada servidor. E mais: o senhor não deixa qualquer explicação do que fazer e como trabalhar com esses talentos, bens de enorme valor. Ele entrega na base da confiança.
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V. 16 a 22 – Aqui temos os servidores que recebem talentos. A um é dado cinco talentos, a outro dois; esses trabalham criativamente com os talentos recebidos, negociam, fazem multiplicar o que receberam. Um terceiro ganhou um talento, cavou um buraco na terra e escondeu o que recebera do senhor. No retorno tardio do senhor, se dá a prestação de contas. O que recebera cinco talentos, entrega outros cinco. E recebe como resposta: Muito bem, servidor bom e fiel. Foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei; entra na alegria do teu senhor. A mesma resposta ocorre ao que recebera dois talentos. Chama a atenção essa relação entre pouco e muito na resposta do senhor. Pois tudo indicava que um talento era uma quantia ou um bem de grande valor. De qualquer forma, a relação dos servidores com o senhor é algo fora do comum. Eles trabalham, ganham uma fortuna e entregam tudo ao senhor, sem questionamento. O senhor, por sua vez, não retribui com novos talentos. Está desfeita a teologia da retribuição (olho por olho, dente por dente), tão presente no livro de Jó. O que temos é outra recompensa: é poder participar da alegria da mesa ou da casa do senhor. Temos aqui outra figura do reino dos céus. Não se trata mais de domínio, mas de fruição de uma relação de confiança plena que foi recompensada com a alegria (chara, de charis) da presença na comunhão com o senhor. Mais que posses ou quantias, está em jogo aqui a comunhão de vida e de alegria compartilhada com o senhor. V. 24 a 30 – Nesses versos acontece o tenso diálogo entre o servidor que recebera um talento e o devolve inteiro ao seu senhor, desculpando-se de uma forma comprometedora: Senhor, sei que és um homem duro, que ceifas onde não semeaste e reúnes de onde não espalhaste; com medo, fui e escondi na terra o teu talento; olha, aqui o tens! O que pensava esse servidor que poderia lhe acontecer? Provavelmente, pensou consigo mesmo: ao menos, não perdi nada, nem fiz mau uso do que recebi. Devolvo o que me foi dado e fico bem com meu senhor. Algo assim. Mas não foi o que aconteceu. O senhor, indignado com tamanha displicência, disse: Servidor malvado e preguiçoso, sabias que ceifo onde não semeei e reúno de onde não espalho? Devias, então, dar o meu tesouro aos banqueiros e, eu voltando, receberia o que é meu com juro. Triste fim jamais esperado. Mas Mateus vai fundo no julgamento. Não só o servidor foi severamente repreendido, como ficou simplesmente sem nada. Pois o senhor afirma aos outros: Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem dez. Porque ao que tem lhe será dado e estará na abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. Mais ainda: lançai o servidor sem valor nas trevas, lá fora; ali haverá choro e ranger de dentes.
3 Meditação Segundo Gallazzi (2015), é esse servidor que nos dá a chave de leitura da parábola. Ele não entendeu que o senhor lhe entregara o talento para trabalhar com ele como sendo seu. Não entendeu que fazendo render esse talento estaria beneficiando a si mesmo e não a outro. E então, Gallazzi (2015) traz uma frase que novamente surpreende: “Não entendeu que, mais do que senhor/patrão, o
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homem que viajou é um pai que nos entrega seus bens e que fica alegre com o que nós soubermos fazer com eles”. Eu diria que o terceiro servidor deixou-se dominar por um medo infundado, um temor que só o fez voltar-se unicamente para si mesmo, preocupado com o seu próprio umbigo e incapaz de olhar em volta, enxergar tarefas que poderiam ser realizadas com liberdade, ousadia, fé, amor e compaixão. O tesouro estava à sua disposição! O senhor não decretou a forma de agir. Simplesmente, ofertou o tesouro. O que fazer com ele ficava ao critério do servidor e de sua visão das coisas, do horizonte aberto por seu projeto de vida. E esse projeto Jesus já anunciara inúmeras vezes na caminhada com os discípulos: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas cousas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado (11.25s). Na parábola que segue a essa, quando no julgamento final o filho do homem com os anjos vier para separar uns dos outros, cabritos de ovelhas, novamente ele irá surpreender os que fizeram a vontade do Pai (7.21). Ele não irá observar a quantidade de orações piedosas, cultos, obras faraônicas, mas vai dizer: Porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber, era estrangeiro e me hospedastes; estava nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; preso e fostes ver-me (25.35). Mas quando foi que te vimos, perguntam os servidores estupefatos. E ele lhes responderá: Em verdade digo a vocês; todas as vezes que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes (25.40). O refrão da mensagem de Jesus volta com toda a força. O servidor vigilante não pensa em si mesmo em primeiro lugar. Ele abre bem os olhos e o coração; vê a necessidade da outra pessoa, das mais vulneráveis antes que o seu prazer imediato. E isso modifica sua vida. E a preenche com um sentido e uma alegria que ele não encontra nem sente de outra forma. Na ótica de Jesus, não basta viver gritando: Senhor! Senhor! Muito menos reduzir a fé a fazer milagres, a profetizar ou expulsar demônios. Esses sinais, desacompanhados da misericórdia, da compaixão e do amor aos pequeninos (12.7s; 12.33ss; 5.43ss; 6.5ss; 6.22-24; 9.12s; 15.7ss), de nada valem. São obras mortas. Refugo. Na conclusão, fica o desafio. Bons servidores compreendem que o talento recebido, o tesouro que o senhor entrega, não é propriedade privada, mas algo a ser assumido como plataforma ou ponto de partida para uma caminhada ousada de serviço e criatividade. Há muito a fazer para que o talento recebido frutifique. Árvore boa é aquela que dá fruto (12.33); ela espalha sua sombra sobre muita gente e serve até para reunir esse povo debaixo de seus galhos frondosos para celebrar a alegria da presença/ausência do senhor na partilha de seus bens. Um profeta-mendigo das ruas do Rio de Janeiro, já falecido, escreveu e viveu um lema que estampava num cartaz: Gentileza gera gentileza. Leonardo Boff, que me parece que o conheceu, disse, certa vez, que esse morador de rua era um profeta. Nele se escondia uma faceta do Senhor que se esconde nos pequeninos, nos mais vulneráveis, nas pessoas que recebem menos valor em nossa sociedade meritocrática e profundamente desigual, perversa com gente sofrida, mal paga e doente. É esse tipo de servidor que terá a alegria de – ao final – receber
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o convite para desfrutar da mesa na casa do Pai. E o banquete será farto e com muita música, dança e choro de alegria. Já no caso do servidor infiel, que teve medo, que se escondeu na terra junto com seu talento, com o tesouro recebido, ele sofre o destino de ficar fora, em meio a trevas, que significa a incompreensão da lógica absurda do reino dos céus, lógica ilógica da partilha, da entrega da vida (10.39), se for preciso, para que a alegria seja completa e o amor vença o ódio, a vida vença a morte, a paz supere a violência. A longa ausência do Senhor não deve nos deixar inertes, passivos, como se o talento devesse ser enterrado para melhor preservá-lo. Até porque ele está presente, mesmo sem que o vejamos com os olhos deste corpo mortal. É na vigilante espera ou expectativa que o tesouro revela toda a sua força criadora, capaz de transformar realidades, mentes e corações. Três palavras revelam em Mateus a chave para vivenciar criadoramente a espera da volta do Senhor: vigilância, fidelidade ou confiança desmedida, e cuidado pastoral com o outro. Para tanto, é prudente não deixar o azeite faltar, saber valorizar o tesouro recebido e ter compaixão por quem mais sofre. A essas pessoas, o senhor dirá: Entrem na alegria da minha casa!
4 Subsídios litúrgicos A pregadora ou o pregador poderia iniciar a reflexão do texto perguntando às pessoas com quem se identificam na parábola. As respostas poderão ser dadas livremente ou talvez no silêncio da assembleia. Com isso, o grupo presente poderá fazer a experiência de entrar na história, debater-se com o seu desdobramento e tirar algumas conclusões. Não será um momento fácil de vivenciar. Pois se trata de um texto que não termina bem para todos. Há quem fique fora da festa, quem não irá desfrutar da alegria do Senhor, de sua comunhão e partilha. Se existe um choro de alegria, há também um choro de tristeza e desgraça. Num tempo em que tudo tem valor monetário, em que nossos corpos e até nossos pensamentos são diariamente surrupiados pelas redes das grandes Big Techs, esse evangelho subverte o poder dos algoritmos, pois coloca a relação de confiança (aí está a graça, o evangelho!) como a alternativa ao domínio que se estende como uma rede sobre nós. Ainda é tempo de desenterrar o tesouro e fazê-lo reverberar em novas possibilidades de vida e esperança. Hinos: LCI 56 (Kyrie), 25, 439, 591. Poesia – do místico e poeta hindu R. Tagore, Nobel de Literatura em 1913: Ele veio e sentou-se ao meu lado, mas eu não despertei. Ai de mim! Que maldito sono era aquele? Ele veio quando a noite corria tranquila. Trazia a harpa nas mãos, e os meus sonhos ecoaram as suas melodias. Ai de mim! Por que as minhas noites ficam assim perdidas? Por que sempre perco de vista aquele cujo sopro roça o meu sono? (Gitanjali, 26)
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Bibliografia GALLAZZI, Sandro. O evangelho de Mateus. Uma leitura a partir dos pequeninos. São Paulo: Fonte Editorial; Santuário, 2013. (Comentário Bíblico Latino-Americano). GARIN, Norberto da Cunha; TIMM, Edgar Zanini. Auxílio homilético para Mateus 25.14-30. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2019. v. 44, p. 336-340. KILPP, Nelson. Auxílio homilético para Mateus 25.14-30. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 1992. v. XVIII, p. 272-274. KLIEWER, gerd Uwe. Auxílio homilético para Mateus 25.14-30. Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 1983. v. II, p. 400-407. TAGORE, Rabindranath. Gitanjali (1909). Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulinas, 1991.
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DOMINGO CRISTO REI
PRÉDICA: EZEQUIEL 34.11-16, 20-24
26 NOV 2023
MATEUS 25.31-46 EFÉSIOS 1.15-23
Júlio Cézar Adam
Cristo Rei: uma mudança de olhar
1 Introdução Cristo Rei, o último domingo do ano eclesiástico, é uma data propícia para revisar o ano que passou e olhar para o futuro, percebendo Cristo como rei da história, aquele que caminha com seu povo, sua comunidade e com cada pessoa que nele crê. Os textos previstos no lecionário dialogam entre si de forma muito rica. O texto do profeta Ezequiel traz a denúncia contra as lideranças que não cuidaram do povo, motivo pelo qual enfrentam o exílio, e, ao mesmo tempo, o anúncio do Deus que vem, ele mesmo, cuidar zelosamente das ovelhas feridas. O texto do Evangelho de Mateus é o conhecido e perturbador relato do grande julgamento. Aqui o foco primeiro não são as ovelhas fracas e o cuidado de Deus, mas as ovelhas que deixaram de cuidar daquelas que estavam vulneráveis e feridas. E nelas, nas pequeninas, é que podemos ver o rosto de Cristo. Cuidar das pessoas vulneráveis é como cuidar do próprio Cristo. Já o texto de Efésios relata como a comunidade pode, a partir da fé e do amor, viver plenamente os sinais do reino inaugurado por Cristo. Os textos nos convidam, portanto, não apenas a refletir sobre o cuidado de Deus ou o seu juízo, mas a pensar sobre a ação da comunidade e da pessoa frente à situação de miséria, abandono e injustiça que vivemos. Em pleno século 21, saindo de uma pandemia, em uma realidade de pobreza, ódio, violência e mentiras, nos encontramos em uma espécie de exílio, exilados da vida digna e justa criada por Deus. Por isso mudar a direção do nosso olhar para a realidade de sofrimento por causa da direção do olhar de Deus é o desafio que o profeta Ezequiel nos coloca.
2 Exegese O contexto de referência da perícope de Ezequiel 34.11-16, 20-24 é o povo de Judá no exílio da Babilônia, no século VI a. C. Ezequiel está junto com o povo já há alguns anos no exílio e, diante da situação de miséria, recebe oráculos de Deus em forma de denúncia e anúncio, como no caso do capítulo 34. Segundo o texto, o povo está no exílio por culpa das suas lideranças, apresentadas no capítulo 34 como pastores displicentes. Esses, em vez de zelar pelo bem-estar das ovelhas, desuniram o povo e o exploraram em benefício próprio.
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O exílio é a consequência, o fundo do poço para o povo frágil e indefeso, resultado do descaso das lideranças, da má administração dos pastores. Ou seja, aqui não é o povo o culpado da sua desgraça, mas as lideranças políticas, militares e religiosas do povo. Por isso as palavras do profeta são duras, tanto contra os pastores quanto contra as ovelhas “gordas”, forma metafórica de falar das que se beneficiam da situação e fecham-se em si mesmas, indiferentes ao sofrimento de quem está ao lado. O foco principal da perícope, porém, não é em primeiro lugar o julgamento de Deus, mas a ternura e o cuidado de Deus. Javé quer uma sociedade fundada na justiça e no direito e, por isso, quando as lideranças do povo não cumprem seu papel de cuidado, ele mesmo, assim como no êxodo, vem em socorro das suas ovelhas. Enquanto houver pessoa abandonada, ferida, sofrendo, a justiça e o direito de Deus estão limitados. Os textos são ricos em metáforas, o que ajuda, em certa medida, a concretizar a mensagem teológica neles contida: pastoreio, ovelhas, reinado e rei. São metáforas, porém, distantes do contexto urbano e tecnológico em que vivemos. Também a realidade do exílio é algo estranho para nosso contexto. Valeria a pena contemporaneizar.
3 Meditação A realeza de Cristo não está completa com a injustiça social, a opressão e a morte. O Deus-Pastor que cuida ele próprio das suas ovelhas é também o Deus-Rei que julga e condena aqueles que foram exploradores e destruidores da vida digna do povo. O Deus-Pastor e o Deus-Rei se personalizam na vida e obra de Jesus Cristo, o bom pastor e o rei da justiça. Deus não está acima de todos, mas no meio do povo sofrido, curando, atando, reunindo, apascentando. A mensagem da pregação e do culto pode ser a de um Deus terno, amoroso, cuidador, um Deus que age reunindo suas ovelhas para repousarem, um Deus que busca quem está perdido, cura as feridas e quebraduras, fortalece o corpo, protege com justiça. Deus também chama pastores como cuidadores das ovelhas e Deus julga aquelas ovelhas e aqueles pastores que no seu egoísmo não zelam pela justiça, dignidade e bem-estar do coletivo. O texto de Ezequiel, portanto, nos convoca a duas ideias: um Deus condescendente, um Deus que desce e se preocupa com a sorte de suas ovelhas e um Deus que julga quem não se compadece, quem não olha e vê o sofrimento humano. Sugiro, no entando, que a mensagem não se concentre apenas na condescendência e tampouco apenas no julgamento de Deus, mas sim no que acontece entre a condescendência e o julgamento, ou seja, na ação da comunidade, da pessoa, em fé e amor. A mensagem deveria se concentrar naquilo que Palavra de Deus causa no contexto de hoje, a mudança na direção do olhar. Concentrar-se na condescendência de Deus, por mais bela e consoladora que seja a imagem, pode dar a ideia de que Deus é o único responsável pelo cuidado, e gerar expectativas e, ao mesmo tempo, dúvidas quando pessoas não se sentem protegidas e cuidadas. Colocar o foco no julgamento, por sua vez, é sempre um risco de nos
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tornarmos juízes que separam ovelhas fracas das fortes, ovelhas e cabritos. O juízo somente a Deus pertence e não devemos especular a respeito. O centro da mensagem está na comunidade e na pessoa que reage a essa palavra de denúnica e de anúncio. A mensagem que emerge da profecia de Ezequiel à luz do Evangelho é um chamado à conversão, uma mudança de olhar. As imagens dos pequeninos não vistos e olhados, em Mateus, dá uma direção muito clara do olhar: fome, sede, abandono, nudez, prisão, essa é a realidade concreta para qual Deus olha. Essa é a realidade concreta para a qual a fé em Cristo direciona nosso olhar. Essas pessoas estão dentro e fora das nossas comunidades. São pessoas que passam fome no Brasil de hoje, sentem sede de dignidade, de sentido e de esperança. São pessoas abandonadas à sua própria sorte nas sinaleiras, praças e becos das nossas cidades. São pessoas, crianças, jovens, adultos, idosos explorados na sua nudez, erotizadas, abusadas, violentadas, tanto na realidade presencial, como na das redes sociais e da internet. São também as pessoas presas, nas prisões (não esquecendo que temos uma das maiores populações carcerárias do mundo, cujo perfil tem cor e classe social, em condições desumanas e indignas), mas também as tantas formas simbólicas de prisão, como a falta de opção, a impossibilidade de viver de forma livre a identidade, a sexualidade, relações, ideias e crenças.
4 Imagens para a prédica A prédica poderia trabalhar a perspectiva da mundança de olhar. Por causa da imensa misericórdia de Deus e por causa do Cristo que se faz presente no rosto dos mais pequeninos, somos chamados, a partir da fé e do amor, compromisso do nosso batismo, a mudar o nosso olhar como pessoas e como comunidade. Nesse sentido, a história que segue, relatada por Henri Nouwen, pode ser de grande ajuda para a pregação. Reconhecemos a ternura de Deus quando somos capazes de olhar as pessoas nos olhos. No olhar atento e misericordioso nos olhos de quem sofre vemos o próprio Cristo, como presença real, sacramento vivo. Certo dia, um jovem fugitivo, tentando esconder-se do inimigo, chegou a uma pequena aldeia. As pessoas foram boas para ele e ofereceram-lhe um lugar para ficar. Mas quando os soldados que procuravam o fugitivo perguntaram onde ele estava escondido, todos ficaram com muito medo. Os soldados ameaçaram queimar a aldeia e matar todos os homens de lá, a não ser que o jovem fosse entregue a eles antes do amanhecer. As pessoas foram ao ministro e perguntaram-lhe o que fazer. O ministro, tendo de escolher entre entregar o rapaz ao inimigo ou ter seu povo morto, retirou-se para seu quarto e pôs-se a ler a Bíblia, esperando encontrar uma resposta antes do alvorecer. Depois de muitas horas, de manhã cedo, seus olhos pousaram sobre estas palavras: “É melhor que morra um homem do que o povo todo se perca”. Então, o ministro fechou a Bíblia, chamou os soldados e lhes disse onde o rapaz estava escondido. E depois que os soldados levaram o fugitivo para ser executado, houve uma festa na aldeia, porque o ministro havia salvado a vida das pessoas. Mas ele não celebrou. Tomado por uma profunda
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tristeza, ficou em seu quarto. Naquela noite, um anjo veio até ele e perguntou: “O que você fez?”. Ele respondeu: “Entreguei o fugitivo ao inimigo”. Então o anjo disse: “Mas você não sabe que entregou o Messias?”. “Como eu poderia saber?”, o ministro replicou ansiosamente. Então o anjo disse: “Se, em vez de ficar lendo sua Bíblia, você tivesse visitado esse jovem ao menos uma vez e olhado dentro de seus olhos, você teria sabido”.
5 Subsídios litúrgicos O reinado de Cristo não está baseado em poder ou supremacia, mas tão somente no amor e na misericórdia, preferencialmente pelos mais pequeninos. O Cristo Rei é o Deus Emanuel, Deus presente, envolvido, ocupado e engajado com a vida, em especial lá onde a vida dói. Por isso, em tempos de radicalismo e empoderamento, inclusive bélico, de Cristo, o texto que segue pode ser um instigante recurso para a construção da liturgia. Não existe nação cristã. Não existe. Não pode existir. Sem chance. Não com Cristo. Pois Cristo não pode ser nacionalizado. Ele recusa a plataforma. Ele rejeita todo e qualquer poder estabelecido através do voto, povo, governo ou popularidade. Ele não busca nenhum partido político, nenhum grupo de pessoas e nenhum sistema de organização estabelecido. Ele não pode ser colonizado, armado, militarizado, empurrado para a existência, marchando pela rua, martelado por um martelo ou jogado sobre um estádio. Ele mora fora de paredes, estruturas e construções humanas. Ele derruba tudo o que O enjaularia, O franquearia, O alavancaria e O içaria sobre uma bandeira. Pois Jesus vive nas margens, nas rachaduras, no indefinido e no inconstituído. Ele não pode ser legislado, demarcado ou traçado em um mapa. Muito além de teologia, denominações, credos, regras, religião, redes de notícias, mídia social, discursos, conferências, fórmulas de oração, declarações de missão, centros de adoração, bíblias e livros. Ele abençoa a todos. Vive em todos. Reivindica tudo... igualmente. Ele é tudo, em todos e para todos, ou Ele não significa absolutamente nada. Não há orçamento que possa comandá-lo, nenhum exército que possa afirmá-lo, nenhuma democracia que possa elegê-lo, nenhum ditador que o faça cumprir, e nenhum escritório, casa, ramo ou hino que possa contê-lo. Na verdade, você pode ter certeza de que qualquer pessoa, grupo ou esforço para nacionalizá-lo não é dele. Nem mesmo perto. Talvez esteja ficando cada vez mais claro. O código foi quebrado; o mistério foi resolvido. O câncer foi disfarçado de cura; a blasfêmia do Espírito Santo é
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revelada. Escondido à vista de todos, o cristianismo sem Jesus é o anti-Cristo e a nacionalização desse cristianismo é sua busca final. Pois você pode nacionalizar o ódio. Você pode nacionalizar a ganância. Você pode nacionalizar o racismo. Você pode nacionalizar a violência. Você pode nacionalizar a injustiça. Você pode nacionalizar a supremacia branca. Mas você não pode nacionalizar Jesus. Pois Cristo não pode ser nacionalizado, mas tudo o que é anti-Cristo certamente pode. Dentro de cada chamada, batida de tambor e coro para nacionalizar o cristianismo está a confissão gritante de que “não temos, não cremos e não adoramos a Jesus”. Não se deixe enganar, todas as buscas do nacionalismo cristão e o estabelecimento de uma nação cristã. Eles não têm nada a ver com Ele e não podem existir com Ele, por Ele ou para Ele. Graça é corajosa. Seja corajoso. (Chris Kratzer)
Bibliografia BORTOLINI, José. Roteiros homiléticos: Anos A, B, C Festas e Solenidades. 4. ed. São Paulo: Paulus, 2008. NOUWEN, Henri J. M. O sofrimento que cura: por meio de nossas feridas, podemos nos tornar fonte de vida para o outro. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2007. (Coleção Espírito e Vida).
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ÍNDICES TEMAS E TEXTOS NOS VOLUMES I – 47 A ceia do Senhor – O sacramento do altar...........................................................................34, p. 369 Advento – Celebração..........................................................................................................29, p. 325 AIDS – Um grande desafio.................................................................................................XV, p. 304 Ação de graças............................................................................... XII, p. 300; 20, p. 322; 33, p. 394 Ação de graças pela colheita....................... 32, p. 212; 34, p. 371; 35, p. 370; 36, p. 365; 37, p. 348 Achados e perdidos – experiências................................................................................. XVII, p. 288 A indústria da ilusão: como encarar o “Feliz e Próspero Ano Novo”? (Tg 4.13-17)............IX, p. 34 Armas da morte: “Quem brinca com fogo acaba se queimando” (Zc 9.9-10)........................ X, p. 91 Associação popular: “A união faz a força” (Ne 5.1-12)........................................................IX, p. 83 As três primeiras petições do Pai-Nosso..............................................................................39, p. 359 A velhice................................................................................................................................VI, p. 43 Batismo, alocução para .......................................................................................................26, p. 357 Batismo, culto de.............................................................................21, p. 327; 24, p. 358; 27, p. 299 Bênção matrimonial..........................................................................................XIX, p. 310, 317, 319 (Jr 29.13)..............................................................................................................................20, p. 351 (Ct 8.7).................................................................................................................................20, p. 353 (Ec 4.9-12)...........................................................................................................................21, p. 329 (Ct 1.2-3)............................................................................................................21, p. 332; 22, p. 311 Bíblia e arte...........................................................................................................................XV, p. 77 Breve exortação à confissão.................................................................................................39, p. 375 Cadê a mulher? (Jz 5.24-31)................................................................................................... X, p. 37 Carnaval: festejar é preciso (Jo 2.1-11).................................................................................IX, p. 41 Celebração da Santa Ceia (Lc 24.13-35)...............................................................................VI, p. 40 (Sl 133.1-3)..........................................................................................................................22, p. 300 Coluna social – promoção da fraternidade ou projeção egoísta? (Gl 3.28)......................... XII, p. 70 Como pode peixe vivo viver fora d’água fria? O colono na cidade (Ec 4.1-4)..................... X, p. 84 Componentes éticos da organização popular.................................................................. XVII, p. 281 Comunidade cristã: instrumento ou entrave para as lutas populares – uma avaliação (Ap 22.10-16).......................................................................................................... X, p. 11 Confirmação (Fp 3.12-16)..................................................................................................... II, p. 187 (Dt 30.11-20)....................................................................................................................... VIII, p. 23 (Jo 6.66-69)........................................................................................................................ XII, p. 293 (Mt 5.14-16).........................................................................................................................20, p. 339 (Ap 1.9-18)......................................................................................................................... XX, p. 342 Constituição – as leis a serviço de quem? (Dt 17.14-20)..................................................... XII, p. 51 Contribuição para a igreja – Pago para ter (2Co 8.1-5)...................................................... XIII, p. 18 “Criança, não verás país nenhum como este!” (Êx 1.8-22).................................................IX, p. 107 Culto como evento celebrativo ............................................................................................ XIV, p. 9 Culto de instalação de lideranças de comunidade (Hb 13)..................................................21, p. 309 Culto em época de eleição (1Sm 11.1-15).............................................................................V, p. 337 Culto eucarístico (Mc 14.32-42)..........................................................................................20, p. 346 Culto eucarístico (alocução para).........................................................................................23, p. 237 (Lc 22.14-15).......................................................................................................................20, p. 349 Culto para o Dia dos Povos Indígenas.................................................................................22, p. 295 Cultura popular: quando a vida se faz escola (1Co 8.2)..................................................... XIII, p. 42
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Curandeirismo: um “jeitinho” popular de cura? (Mc 5.25-34)............................................ XII, p. 27 Deus na marginalidade..........................................................................................................XVI, p. 9 Dedicação de templo............................................................................................................26, p. 361 Dia das Crianças (Zc 8.1-8).................................................................................................24, p. 337 Dia de Ações de Graças (Gn 8.15-22)......................................................................................I, p. 68 (Jo 4.31-38)........................................................................................................................... II, p. 256 (Ec 3.1-8)...............................................................................................................................VI, p. 48 (1Tm 4.4-5)....................................................................................................................... XIII, p. 298 (Mt 13.24-30,36-43)....................................................................................................... XVIII, p. 289 Dia da Colheita (2Co 9.6-15).................................................................................................V, p. 323 (Dt 26.1-11)..........................................................................................................................20, p. 317 Dia do Colono (Gn 2.4b-15)..................................................................................................V, p. 330 Dia de Finados (Is 25.1,(6-7)8-9) .......................................................................................34, p. 353 (Fp 3.20-21)........................................................................................................................... I, p. 143 (1Co 15.50-58).................................................................................................................... III, p. 176 (1Co 15.35-39,42b-44)...........................................................................................................V, p. 256 (Mt 22.23-33).................................................................................................................... VIII, p. 336 (2Pe 3.8-14)..................................................................................................................... XVII, p. 237 (Jo 5.24-29).................................................................................................................... XVIII, p. 267 (1Co 15.12-20)..................................................................................................................... 32, p. 311 (Is 35.1-10)...........................................................................................................................35, p. 347 (1Ts 4.13-18)........................................................................................................................36, p. 335 Dia da Independência (1Pe 2.13-17).......................................................................................I, p. 109 (1Tm 2.1-4)........................................................................................................................... II, p. 336 (Mc 12.13-17)......................................................................................................................III, p. 138 (Hb 13.12-16).........................................................................................................................V, p. 205 (Mt 6.9-13)...........................................................................................................VI, p. 53; 20, p. 328 Dia das Mães (Lc 15.8-10)................................................................................................XIX, p. 305 Dia da Reforma (Gl 5.1-11)....................................................................................................I, p. 125 (Jo 8.31-36)........................................................................................................................... II, p. 383 (Rm 3.19-28)........................................................................................................................III, p. 169 (Mt 5.1-10)........................................................................................................................... IV, p. 212 (Ap 14.6-7).............................................................................................................................V, p. 249 (Mt 10.26b-33).....................................................................................................................VI, p. 291 (Is 62.1-12)........................................................................................................................ VIII, p. 331 (Mt 10.26b-33)................................................................................................. XII, p. 268; 34, p. 347 (Gl 5.1-6).........................................................................................................XIII, p. 267; 35, p. 341 (Fp 2.12-13)........................................................................................................................XV, p. 282 (Jo 8.31-36).................................................................................................................... XVII, p. 225 (Mt 5.1-10)...........................................................................................................................32, p. 307 (Jr 31.31-34).........................................................................................................................36, p. 329 Dia de Penitência (Is 1.10-17)............................................................................................XV, p. 297 Dia do Trabalhador (Dt 5.12-15)...........................................................................................III, p. 62 (2Ts 3.6-13)..............................................................................................................................V, p. 97 Dia do Trabalho (1Co 7.29-32a)........................................................................................... II, p. 213 (Ez 34.1-2 (3-9), 10-16, 31).................................................................................................VI, p. 170 (Tg 5.1-6).......................................................................................................................... XIII, p. 285 Dia dos Pais (Pv 4.10-19)....................................................................................................21, p. 321 Dia Internacional da Mulher (Ct).........................................................................................21, p. 316 Domingo de Louvor através da Música.............................................................33, p. 401; 37, p. 353
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Domingo de Penitência (vide também: Dia de Penitência [Mt 12.33-35, (36-37)]).......... XII, p. 307 (Ap 3.14-22)...................................................................................................................... XIII, p. 304 Domingo de Ramos (Mc 14.3-9; Jo 12.12-16)..................................................20, p. 309; 36, p. 134 Ecologia – A vida está a perigo (Gn 2.8-15)....................................................................... XIII, p. 74 Educação: para a liberdade ou para a opressão? (Ec 9.13-18)................................................ X, p. 25 Em busca de espaço – o deficiente na igreja e na sociedade (Mt 4.23-25).......................... XII, p. 34 Empregadas domésticas (Gn 21.8-21)................................................................................ XIII, p. 60 Entre morte e eternidade: morrendo um pouco a cada dia (Is 65.17-25)...............................IX, p. 15 Epifania, reflexões para o período de...................................................................................27, p. 303 Época da Paixão I (Is 55.6-7).................................................................................................VI, p. 24 Época da Paixão II (Mt 26.36-46)..........................................................................................VI, p. 29 Época da Paixão III (Sl 130.4)...............................................................................................VI, p. 34 Época da Paixão IV (Mt 11.28-30)........................................................................................VI, p. 37 Estado, pátria, governo (Jz 9.7-15)........................................................................................IX, p. 98 Estudo bíblico numa conferência (Jo 1.1-18).....................................................................XVI, p. 42 Estudos bíblicos com pequenos agricultores...................................................................... XIV, p. 60 Exercício homilético............................................................................................................ XII, p. 91 “E viu Deus que isto era bom...”....................................................................................... XIV, p. 101 Férias: alienação ou antecipação do reino de Deus? (Ec 3.9-15)........................................... X, p. 16 Festa da Ascensão de Jesus Cristo.......................................................................................30, p. 303 Fome, instrumento de submissão (Mq 3.1-4)........................................................................XI, p. 45 Formatura – estudar para ganhar mais? (Jr 22.13-19)........................................................ XIII, p. 80 (Is 65.17-25).........................................................................................................................20, p. 334 Futebol: lazer ou instrumento de alienação? (Jz 2.11-15).....................................................XI, p. 20 Hermenêutica feminista latino-americana........................................................................ XIV, p. 101 Ídolos da opressão (Is 44.9-20)........................................................................................... XIII, p. 50 Inauguração da igreja (Mc 4.30-32; Mt 13.31-32; Lc 13.18-19)....................................... XII, p. 313 Inauguração de uma igreja (Is 24.12-16a)........................................................................ XIII, p. 312 Introdução a Dêutero-Isaías................................................................................................ VIII, p. 16 João Batista: por que rolou sua cabeça? (Mc 6.14-29)........................................................... X, p. 74 Joga limpo, Brasil................................................................................................................38, p. 363 Jubileu 500 anos da Reforma...............................................................................................38, p. 373 Kurusu Ñe’engatu – Palavras que a história não pode esquecer.................................... XVII, p. 275 La comunidad luterana y la práctica de una pastoral de vida...............................................XV, p. 71 La lucha por la tierra en el Paraguay....................................................................................XV, p. 55 Leitura da Bíblia entre indígenas..........................................................................................XV, p. 61 Lepra – uma doença que assusta? (Nm 12.9-16)................................................................. XII, p. 18 Libertação: vitória sobre a cruz! (1Jo 3.13-18)......................................................................IX, p. 57 Lutero e a educação.............................................................................................................41, p. 345 Lutero e a música.................................................................................................................40, p. 335 Marketing e igreja....................................................................................................................24, p. 7 Medicina popular – mutirão da saúde (Mt 12.22-28)............................................................XI, p. 77 Meditação sobre a oração ....................................................................................................31, p. 303 Meditação sobre o tema “Terra” – I: terra na nova sociedade (At 4.32-37)..........................V, p. 310 Meditação sobre o tema “Terra” – II: terra para todos...........................................................V, p. 316 Migração: esperança ou desespero? (Lv 25.8-17, 23-28, 35-43)...........................................XI, p. 65 Missão (1Co 12).................................................................................................................. XIII, p. 34 Movimento negro: “Alma não é branca, negro não é luto, preto não é cor!” (Am 9.7-10)..... X, p. 128 Movimentos populares: povo unido jamais será vencido (Mc 10.32-45)............................. X, p. 106 Mulheres agricultoras..........................................................................................................XVI, p. 15
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Mulheres na Reforma Protestante........................................................................................40, p. 341 Na estrebaria do mundo a criança é esperança (1Co 1.26-31)...............................................IX, p. 24 O assalariado empobrece produzindo riqueza (Ec 5.18)........................................................ X, p. 65 Observações introdutórias referentes ao Evangelho de Mateus........................................... II, p. 176 Lucas .................................................................................................................................... X, p. 139 João ...................................................................................................................................... VIII, p. 7 O deficiente na igreja e na sociedade (Mt 4.23-25)............................................................. XII, p. 34 O desafio de ser autor de PL.................................................................................................XV, p. 12 O ecumenismo na formação de lideranças............................................................................XV, p. 33 O evangelho no Clube de Mães – ocupação do solo urbano em Canoas..............................XV, p. 17 O índio: nosso irmão na caminhada pela libertação (Ef 2.11-22)........................................... X, p. 48 O Lecionário Ecumênico....................................................................................................XV, p. 315 O nosso Pai que está no céu.................................................................................................39, p. 351 O trabalho na Rondônia com agricultores vindos principalmente do Espírito Santo...........XV, p. 46 O veneno nosso de cada dia (Dt 8.6-10).............................................................................. XII, p. 11 Pago para ter (2Co 8.1-15).................................................................................................. XIII, p. 18 Pai-Nosso: pão, perdão e liberdade......................................................................................39, p. 364 Palavra e pregação em Lutero..............................................................................................40, p. 348 Pastoral Ecumênica de Periferia......................................................................................... XIV, p. 91 Pentecostes: o Espírito sopra onde quer e quando aprouver (1Jo 4.1-6)...............................IX, p. 72 Perdas – Alocução para Sepultamento (Jo 11.17-37)..........................................................22, p. 304 Planejamento familiar: genocídio planejado? (Sl 112)........................................................ XII, p. 77 Por uma linguagem integradora de mulheres e homens..................................................... XVII, 257 Posse de novo Presbitério, Conselho Sinodal ou Conselho Diretor (liturgia).....................28, p. 368 Posto de Saúde: vitrine da miséria (Mc 3.1-6)...................................................................... X, p. 114 Proclamar Libertação I – aspecto político (Lc 4.14-21)..........................................................VI, p. 7 Proclamar Libertação II – aspecto eclesial (1Pe 2.15-17).....................................................VI, p. 13 Proclamar Libertação III – aspecto individual (Lc 4.14-21)..................................................VI, p. 19 Propriedade e expropriação (Ne 5.1-6 [6-12]).................................................................... XIII, p. 11 Quaresma: dor solitária ou solidária? (Is 58.1-12).................................................................IX, p. 50 Quem não faz política sofre política (1Rs 12.1-15)...............................................................XI, p. 95 Relato de una caminata del pueblo con la Biblia................................................................XVI, p. 21 Ressurreição de que e para quê? (1Co 15.35-38)............................................................... XIII, p. 29 Roteiro para encontros de preparação visando à ordenação ao pastorado junto à IECLB....31, p. 307 Sacerdócio geral – vamos pegar juntos! (Ef 4.7-16)..............................................................XI, p. 85 Semana do excepcional................................................................................................... XVII, p. 264 Semana dos povos indígenas...............................................................................................24, p. 347 Sepultamento...............................................................XIX, p. 321, p. 323, p. 325, p. 327; 22, p. 240 (Jo 6.28-40)..........................................................................................................................20, p. 355 (Jo 19.25-27)........................................................................................................................20, p. 360 (Sl 39.5-7)............................................................................................................................20, p. 362 (Sl 142.1-2,5a).....................................................................................................................21, p. 336 (Ec 3.1-8).............................................................................................................................28, p. 365 Servo-arbítrio / livre-arbítrio................................................................................................40, p. 329 Sindicato: órgão de assistência ou instrumento de defesa dos trabalhadores? (1Co 12.20-26).......................................................................................................................XI, p. 55 Superstição: produto de angústias (Rm 8.31-39)...................................................................IX, p. 91 Teatro popular com crianças, adolescentes, jovens e adultos na periferia urbana de Belém.................................................................................................................XVI, p. 37 Tema e Lema da IECLB 2017 …........................................................................................41, p. 339
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Tema e Lema da IECLB 2018.............................................................................................42, p. 343 Tema e Lema da IECLB 2019.............................................................................................43, p. 355 Tema e Lema da IECLB 2020.............................................................................................44, p. 351 Tema e Lema da IECLB 2022.............................................................................................46, p. 349 Tendências atuais de valorização das nações de indivíduos, individualidade na sociedade e influências dos novos movimentos religiosos nesse quadro............................20, p. 7 Tóxicos – exploração e dependência (Pv 24.10,14)............................................................ XII, p. 45 Trabalhador: entre a carência e o desemprego (Dt 24.14-35)................................................IX, p. 63 Trabalhando com agricultores sem terra............................................................................. XIV, p. 78 Trabalho com agricultores assentados................................................................................ XIV, p. 20 Trabalho com idosos...................................................................................................... XVIII, p. 297 Todas as religiões são boas? (Cl 2.8-10)................................................................................XI, p. 35 Uso da Bíblia em estudos com colonos que migram.......................................................... XIV, p. 68 Vida: celebração da esperança em meio à morte (Sl 138.1-8).................................................XI, p. 9 Vida está em perigo: socorro! (Gn 2.8-15)......................................................................... XIII, p. 74 Vigília pascal.....................................................................................................................XVI, p. 146 Violência no campo (Js 8.1-8)............................................................................................. XII, p. 61
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PERÍCOPES DOS VOLUMES I – 47 ANTIGO TESTAMENTO Gênesis 1.1-4a, 26-31; 2.1-4a........................ VIII, p.185 1.26-31; 2.1-3..................................... III, p. 105 2.4-15................................................. 28, p. 301 2.4b-15...............................V, p. 330; 35, p. 211 2.7-9,15-17; 3.1-7......... 30, p. 66; XVIII, p. 84; ......................................... 35, p. 127; 40, p. 150 2.8-15................................................ XIII, p. 74 2.15-17; 3.1-7....................................... 47, p. 91 2.18-24...........22, p. 254; 25, p. 282; 33, p. 343 3.1-9..................................................XII, p. 170 3.1-19(20-24).................................... 25, p. 214 3.1-24.................................................VI, p. 133 3.8-15................................................. 39, p. 195 4.1-16...........................VII, p. 203; XIII, p. 246 8.1-13................................................XV, p. 135 8.15-22..........................................I, p. 71; p. 78 11.1-9......................... XII, p. 205; XVII, p. 130 12.1-4............................................. XVIII, p. 88 12.1-4a......... VII, p. 165; 38, p. 125; 44, p. 108 15.1-6.............26, p. 256; 34, p. 283; 40, p. 231 15.1-12,17-18..................................... 43, p. 122 17.1-13................................................. 27, p. 40 18.1-10a(10b-14)..............20, p. 208; 37, p. 223 18.20-21(22),23-32............................ 20, p. 214 18.20-32............................................. 46, p. 236 21.8-21.............................................. XIII, p. 60 22.1-13...............................................VI, p. 144 22.1-14(15-18)..................................... 22, p. 65 28.10-17(18-22)................................... 22, p. 71 32.22-31............................................. 46, p. 305 32.23-31.........................................XVII, p. 240 32.23-33......................................II, p. 207(374) 45.3-11,15............................................ 43, p. 98 50.15-21..........................24, p. 272; 27, p. 240; ......................................... 35, p. 295; 38, p. 284 Êxodo 1.8-22................................................ IX, p. 107 2.1-10................................................. 28, p. 181 3.1-14................................................XII, p. 154 3.1-8,13-15......................................... 26, p. 108 6.2-8........................... XVIII, p. 218; 30, p. 214 12.1-14............................. 21, p. 108; 40, p. 109 13.20-22............................................... 25, p. 46 16.1-5(6-11),12-21(22-30)................. 28, p. 276 16.2-4,9-15......................................... 36, p. 251
16.2-3,11-18.....................................XIV, p. 283 19.2-8a .............................................. 21, p. 176 20.1-3(4-6),7-8(9-11),12-17................. 22, p. 75 20.1-17............................................... 42, p. 101 22.21-27............................................. 21, p. 280 24.1-11............................. 32, p. 123; 38, p. 146 24.3-11........XVI, p. 224; 25, p. 164; 28, p. 272 24.12,15-18......................... 21, p. 78; 32, p. 79 32.7-14........... XV, p. 225; 23, p. 177; 37, p. 272 33.18-23.............................................VI, p. 102 34.4b-10..........................III, p. 153; XV, p. 273 34.29-35............................. 25, p. 123; 37, p. 87 Levítico 19.1-2,9-18......................................... 38, p. 101 Números 6.22-27................33, p. 58; 36, p. 48; 40, p. 48; ............................................................. 47, p. 38 11.11-12,14-17,24-25...................... VIII, p. 205 11.24-30.........32, p. 169; 41, p. 196; 47, p. 181 12.9-16................................................XII, p. 18 21.4-9......... VII, p. 101; XIII, p. 159; 22, p. 80; ......................................... 33, p. 146; 39, p. 114 24.15-19............................................XV, p. 120 Deuteronômio 4.1-2,6-8........................... 22, p. 235; 36, p. 274 4.32-34,39-40 .................................... 27, p. 148 5.12-15............................... III, p. 43; 38, p. 171 6.1-9................................................... 33, p. 373 6.4-9.............................XV, p. 246, XIX, p. 164 7.6-12.................................................VI, p. 219 8.6-10..................................................XII, p. 11 8.7-18................................................. 37, p. 348 10.12-22............................................. 26, p. 336 11.18-21,26-28................. 21, p. 164; 32, p. 184 17.14-20..............................................XII, p. 51 18.15-20...........XIX, p. 67; 31, p. 57; 33, p. 92; ............................................................. 39, p. 81 24.14-15...............................................IX, p. 63 26.1-11............................... 33, p. 394; 40, p. 81 26.3-11................................................. 26, p. 91 30.9-14............................................... 34, p. 257 30.11-20............................................ VIII, p. 23 30.15-20............................. 34, p. 303; 35, p. 93 32.36-39............................................... 23, p. 79 34.1-12.............................XVII, p. 74; 29, p. 77 Josué 1.1-9....................................................VII, p. 36
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8.1-8....................................................XII, p. 61 24.1-2a,13-25................... III, p. 117; 39, p. 262 Juízes 4.1-7................................................... 32, p. 319 5.24-31.................................................. X, p. 37 9.7-15...................................................IX, p. 98 Rute 1.1-19a............................................... 29, p. 289 1 Samuel 2.1-10..................... II, p. 176 (343); VII, p. 113 2.18-20,26............................................ 40, p. 43 3. 1-10(11-20)...................................... 42, p. 64 3.1-10(19)..........................XIX, p. 55; 31, p. 44 3.1-10,19.............................................. 25, p. 86 11.1-15.................................................V, p. 337 2 Samuel 7.1-11,16 ............................................. 36, p. 24 7.4-6,12,14a,16.................................... 25, p. 35 11.26-12.10,13-15...........29, p. 199; 34, p. 231; ........................................................... 40, p. 189 12.1-10,13-14.....................................IX, p. 264 12.1-10,13-15a..................................XV, p. 261 1 Reis 3.5-12............................... 24, p. 240; 32, p. 236 3.16-28............................................... 30, p. 143 8.(21-23,27-30)41-43.....................XVII, p. 141 8.22-24,26-28.....................................VI, p. 189 8.22-30..............................................XII, p. 191 8.41-43............................................... 29, p. 188 17.8-16........ XVI, p. 292; 31, p. 286; 36, p. 346; .......................................... 39, p. 332; 42, p. 323 17.17-24.... XVII, p. 146; 29, p. 192; 37, p. 193 19.1-8(9-13a)..................................... 22, p. 226 19.1-13a...................XIV, p. 185; XVIII, p. 204 19.1-18................................................. III, p. 92 19.4-8................................................. 33, p. 285 19.9-13a ............................................ 30, p. 204 19.9-18............................................... 44, p. 246 19.(14-18)19-21...........XVII, p. 159; 29, p. 205 19.15-16,19-21................................... 46, p. 213 2 Reis 2.1-12 ................................................ 36, p. 105 2.9-18................................................. 37, p. 174 4.42-44............................................... 39, p. 238 5.1-14................................................... 31, p. 71 5.1-19a................................................VII, p. 58 Neemias 5.1-5(6-12)........................................ XIII, p. 11 5.1-12...................................................IX, p. 83 8.1-2,5-6............................. 20, p. 183; 34, p. 95 11.(1-3)4-6,10-11,16,24-29(30-36).... 31, p. 263
Jó 7.1-7 .................................XIX, p. 73; 31, p. 63 19.23-27a........................................... 37, p. 329 38.1-11............................. 25, p. 221; 42, p. 208 Salmo 1......................................................... 39, p. 177 8 .......................................................... 43, p. 50 16....................................................... 38, p. 165 22....................................................... 40, p. 115 22.1-19............................................... 35, p. 169 22.1-12,17-20..................................... 30, p. 104 22.2-12,17-20................................XVIII, p. 116 23..................................... 35, p. 187; 40, p. 137 29......................................................... 44, p. 61 31.1-5,15-16....................................... 41, p. 171 46.1-7(1-11) ................... 26, p. 313; 37, p. 311 67....................................................... 46, p. 181 68.1-10,32-35..................................... 44, p. 183 84.1-6................................................. 43, p. 313 105.1-7............................................... 38, p. 356 111........................................................ 26, p. 27 112.......................................................XII, p. 77 116.1-2,12-19..................................... 42, p. 124 118.1-2,19-29..................................... 41, p. 130 118.14-29 .......................................... 43, p. 166 130.4....................................................VI, p. 34 147.12-20............................................. 39, p. 54 Eclesiastes 1.2,12-14; 2.18-23 ............................. 43, p. 254 1.2; 2.18-26........................................ 20, p. 225 3.1-8(-13).............................VI, p. 48; 35, p. 51 3.1-13................................................... 44, p. 43 3.9-15.................................................... X, p. 16 4.1-4...................................................... X, p. 84 5.18....................................................... X, p. 65 9.13-18.................................................. X, p. 25 10.12-18 ............................................ 43, p. 275 Provérbios 8.22-31............................................... 23, p. 109 9.1-6................................................... 42, p. 248 9.1-6,10.............................................. 22, p. 230 9.7-13................................................. 23, p. 172 16.1-9................................................ VIII, p. 80 24.10-14 .............................................XII, p. 45 30.5-9................................................. 26, p. 215 Isaías 1.1-9................................................ XIII, p. 116 1.10-17..............................................XV, p. 297 2.1-5................VI, p. 225; XVIII, p. 9; 30, p. 9; ............................................................. 47, p. 11
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5.1-7........... VII, p. 87; XIII, p. 147; 21, p. 252; ........................................................... 44, p. 296 6.1-13........... VI, p. 198; XII, p. 213; 42, p. 187 7.10-14................................................. 21, p. 37 7.10-14(15-17).. ..............XIII, p. 104; 32, p. 27 7.10-16................................................. 44, p. 27 9.1-4..................................................... 38, p. 80 9.1-6............................................... XVIII, p. 31 9.1-6,10.............................................. 22, p. 230 9.2-7.....................V, p. 294; 38, p. 39; 47, p. 34 11.1-5................................................ XVI, p. 63 11.1-9............. XVIII, p. 58; 33, p. 31; 37, p. 31; .............................. 39, p. 30; 43, p. 33; 46, p. 33 11.1-9(10-11)...................................XIV, p. 148 11.1-10................................. 27, p. 16; 38, p. 15 12.1-6................................................. 26, p. 114 24.12-16a........................................ XIII, p. 312 25.1,8-9.............................................. 43, p. 324 25.1-9................................................. 47, p. 280 25.6-8.............................................. XIX, p. 114 25.6-9.............21, p. 258; 31, p. 128; 34, p. 353 29.17-24............................................XII, p. 233 29.18-24............................................. III, p. 130 30.(8-14),15-17....................................VI, p. 97 33.13-17,22........................................ 36, p. 187 35.1-10..........21, p. 273; 24, p. 306; 28, p. 346; ........................35, p. 22; 35, p. 347; 38, p. 334; ........................................... 41, p. 19; 47, p. 303 35.3-7............................31, p. 248; XIX, p. 237 35.3-10............................X, p. 158; XIV, p. 115 35.4-7a............................................... 33, p. 315 40.1-11.......VIII, p. 40; XIV, p. 124; XIX, p. 15; ..................................................31, p. 9; 42, p. 15 40. 21-31.............................................. 42, p. 81 40.25-31.............................................IX, p. 216 42.1-7(-9)............21, p. 51; 25, p. 80; 35, p. 69; ...........................39, p. 131; 41, p. 64; 47, p. 50 42.14-21......................... XVIII, p. 92; 30, p. 72 43.1-7.........................II, p. 132 (299); 40, p. 58 43.16-21............................................... 40, p. 97 44.1-5................................................. 33, p. 401 44.6-8.............35, p. 246; 38, p. 242; 47, p. 228 44.9-20.............................................. XIII, p. 50 45.1-7............................... 21, p. 264; 32, p. 293 45.19-25............................................. 40, p. 298 45.22-25............................................... 28, p. 49 49.1-6................................... III, p. 85; 37, p. 58 50.4-9.....................II, p. 28, (195); XIII, p. 166 50.4-9a............................... 30, p. 94; 42, p. 268 50.4-10..........................XIX, p. 241; 31, p. 252
51.1-6................................................. 32, p. 259 52.7-10.............XV, p. 100; 22, p. 37; 33, p. 70; ............................................................. 39, p. 58 52.13 – 53.12..................... V, p. 72; IX, p. 196; .................... XV, p. 185; XII, p. 109; 36, p. 146 53.4-12............................................... 39, p. 310 53.10-12............................................. 25, p. 294 54.7-10............................IX, p. 183; XV, p. 170 55.1-5..... III, p. 68; VIII, p. 213; XVIII, p. 198; ......................................... 30, p. 197; 41, p. 244 55.1-9............................... 34, p. 120; 46, p. 123 55.6-7...................................................VI, p. 24 55.6-11................................................. 34, p. 63 55.(6-9),10-12a............................... VIII, p. 119 55.10-11............................................. 24, p. 223 55.10-13............................................. 44, p. 227 56.1,6-8..................... XVIII, p. 213; 30, p. 209; .......................35, p. 274; 38, p. 263; 47, p. 238 58.1-9a..............................XV, p. 147; 47, p. 71 58.1-12...............IX, p. 50; 33, p. 125; 39, p. 97 58.5-9a................................................. 24, p. 88 58.7-12..............................................XII, p. 300 58.9b-14............................................. 46, p. 251 60.1-6............ V, p. 11; VIII, p. 92; XVII, p. 39; .............................24, p. 63; 29, p. 54; 38, p. 63 61.1-3(4-9),11................................. XIII, p. 120 61.1-3,10-11........................................ 28, p. 20 61.1-3,11,10........................................VII, p. 44 61.10 – 62.3......XIX, p. 42; 25, p. 68; 28, p. 59 62.1-5...................20, p. 23; 28, p. 31; 46, p. 69 62.1-12.................II, p. 256, (423); VIII, p. 331 62.6-7,10-12 ................XIX, p. 279; 22, p. 272; ........................................................... 24, p. 297 63.7-9................................................... 44, p. 49 63.7-9(10-16)....................... 24, p. 44; 32, p. 46 63.15-64.3......................................... XIII, p. 91 63.15-16;19b-64.3...................... I, p. 152, (159) 63.15-17,19; 64.(1-2)3-7........................ 22, p. 9 64.1-9....................................... 33, p. 9; 39, p. 9 65.17-25.............................IX, p. 15; 30, p. 133 66.10-14.........29, p. 213; 37, p. 217; 43, p. 234 Jeremias 1.4-10......................... VII, p. 184; XIII, p. 228; ............................................. 37, p. 82; 46, p. 80 7.1-11............................................. VIII, p. 257 7.1-11(12-15)...................................XIV, p. 301 7.21-26................................................. 30, p. 15 8.4-7............................VIII, p. 349; XIV, p. 390 9.22-23................................................VII, p. 71 11.18-20....... XIX, p. 246; 31, p. 256; 39, p. 287
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14.7-10,19-22................... 37, p. 305; 40, p. 286 15.15-21.....XVIII, p. 222; 30, p. 220; 41, p. 266 17.5-8................................................... 23, p. 55 20.7-13.......VIII, p. 145; 21, p. 181; 38, p. 219; ......................................... 44, p. 211; 47, p. 207 22.13-19............................................ XIII, p. 80 23.1-6............................XVI, p. 217; 42, p. 232 23.2-6................................................. 20, p. 301 23.5-8............................... VI, p. 62; XII, p. 103 23.16-29..............II, p. 144, (311); XIII, p. 209; ........................................................... 37, p. 251 26.8-15................................................. 26, p. 97 28.5-9............................... 21, p. 186; 32, p. 208 29.1,4-14a............................................ III, p. 34 31.1-13................................................. 29, p. 35 31.7-14................................................. 46, p. 58 31.7-9(-14)......................... 25, p. 301; 35, p. 58 31.10-13(14).....................................XVII, p. 34 31.31-34............................. 22, p. 85; 36, p. 329 33.14-16................................... 26, p. 9; 43, p. 9 Lamentações 3.21-26,31-32.....................................VI, p. 269 3.21-33............................. 25, p. 226; 39, p. 212 Ezequiel 2.1-5................................................... 36, p. 226 2.1-8a................................................. 25, p. 231 2.3-8a;3.17-19.............................II, p. 96, (263) 17.22-24............................................. 33, p. 239 18.1-4,21-24,30-32.............................IX, p. 247 18.1-4,25-32....................................... 41, p. 291 18.1-4,25-37....................................... 27, p. 243 33.7-9................................................. 27, p. 230 33.7-11............................................... 44, p. 269 34.1-2(3-9),10-16............................... 21, p. 192 34.1-2(3-9),10-16,31..........................VI, p. 170 34.11-16,23-24................24, p. 328; 35, p. 363; ......................................... 38, p. 347; 47, p. 330 37.1-3(4-10),11-14 ...................... XVIII, p. 103 37.1-3,11-14......................................... 30, p. 89 37.1-14.........XV, p. 193; 24, p. 117; 32, p. 108; ....................... 33, p. 228; 44, p. 128; 47, p. 116 37.24-28............................................ VIII, p. 55 Daniel 5.1-30................................................. III, p. 188 7.(1-12)13-14(15-28)..... XVI, p. 311; 39, p. 344 12.1-3........................... XIX, p. 296; 31, p. 293 Oseias 5.15 – 6.2....................... XVIII, p. 95; 30, p. 83 5.15 – 6.6........................................... 21, p. 169 11.1-4,8-9......................... 24, p. 323; 27, p. 284
Joel 2.1-2,12-17....... 36, p. 111; 41, p. 98; 46, p. 107 2.12-18..............................................XII, p. 166 2.21-27............................................... 32, p. 212 2.28-29............................................... 21, p. 153 Amós 3.1-8..................................... 24, p. 75; 30, p. 54 5.6-7,10-15....................... 36, p. 309; 42, p. 292 5.18-24............................. 35, p. 352; 41, p. 326 5.21-24................................................VII, p. 76 6.1a,4-7.............................................. 43, p. 291 6.1-7................................. 23, p. 189; 37, p. 286 7.7-15................................................. 33, p. 264 7.10-15(16-17)................................ XVI, p. 211 8.4-7................................. 23, p. 181; 46, p. 281 9.7-10.................................................. X, p. 128 Jonas 3.1-5(6-9),10....................XIX, p. 61; 31, p. 52; . ............................................................. 36, p. 81 3.10-4.11............................................ 32, p. 274 Miqueias 3.5-12................................................. 44, p. 325 5.1-4a............................... VI, p. 88; XII, p. 114 5.2-4..................................................... 29, p. 21 5.2-5.................................XVI, p. 63; 27, p. 29; .............................34, p. 30; 40, p. 24; 46, p. 27 6.1-8.....................24, p. 79; 27, p. 58; 35, p. 87 6.6-8............................VIII, p. 324; XIV, p. 385 Habacuque 1.2-3(4); 2.1-4...............................XVII, p. 219; ......................................... 29, p. 281; 34, p. 327 Sofonias 3.14-20................................. 20, p. 20; 37, p. 20 Zacarias 7.9-10................................................. 26, p. 267 8.1-8 .................................................. 24, p. 337 9.9-10.............X, p. 91; XIX, p. 106; 31, p. 107 9.9-12................................................. 41, p. 227 12.7-10(11).....................................XVII, p. 153 Malaquias (2.17)3.1-5.......................................... 25, p. 207 3.1-4..................................................... 46, p. 18 2.17 – 3.5............................................... 23, p. 9 NOVO TESTAMENTO Mateus 1.18-25.......................... XVIII, p. 25; 24, p. 29; .............................30, p. 19; 35, p. 28; 41, p. 24 2.1-12........... X, p. 193; XVIII, p. 49; 25, p. 74; .............................32, p. 62; 44, p. 56; 47, p. 44
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2.13-18(-23)........................V, p. 304; 35, p. 46; ............................................................. 38, p. 47 3.1-12............................ XVIII, p. 15; 24, p. 24; .............................35, p. 14; 41, p. 14; 47, p. 19 3.13-17......... X, p. 206; XVIII, p. 53; 24, p. 67; .............................30, p. 44; 32, p. 66; 38, p. 68 4.1-11.................. IV, p. 14; 27, p. 70; 32, p. 85; ......................................... 38, p. 119; 44, p. 102 4.12-17..............................................XII, p. 142 4.12-23........... XVIII, p. 61; 35, p. 81; 44, p. 71 4.23-25..............................XII, p. 35; XII, p. 34 5.1-10............. IV, p. 212; 32, p. 307; 41, p. 315 5.1-12............ XVIII, p. 64; 38, p. 85; 44, p. 79; ............................................................. 47, p. 66 5.13-16................................................ X, p. 390 5.13-16(17-20)............................... XVIII, p. 69 5.13-20................................................. 41, p. 81 5.17-20............................................... IV, p. 125 5.20-37........................... XVIII, p. 73; 38, p. 96 5.21-37................................. 44, p. 84; 47, p. 77 5.38-48.....................II, p. 193,(360); X, p. 460; ............................................. 35, p. 99; 41, p. 92 6.1-4............................VIII, p. 279; XIV, p. 332 6.1-6,16-21....... 34, p. 115; 37, p. 94; 38, p. 114; ............................................... 44, p. 96; 47, p. 86 6.5-13..................... II, p. 57, (224); XIV, p. 247 6.9-13.............................. VI, p. 53; VIII, p. 192 6.16-18............................................... IV, p. 133 6.24-34............................. IV, p. 180; 32, p. 179 6.25-34 ............................. X, p. 428; 38, p. 352 7.15-23............................................... IV, p. 140 7.21-29.......XVIII, p. 157; 24, p. 178; 30, p. 163 7.24-27...............................................VI, p. 233 9.1-8................................................... IV, p. 198 9.9-13......VIII, p. 110; XVIII, p. 161; 32, p. 188 9.35-10.8.................... XVIII, p. 170; 44, p. 205 10.7-15......................................II, p. 104, (271) 10.24-39........................... 32, p. 204; 41, p. 216 10.26-33.....XVIII, p. 176; 30, p. 168; 34, p. 347 10.26b-33..... VI, p. 291; XII, p. 268; 43, p. 318 10.26-36........................................XXIV, p. 203 10.34-39............................................XII, p. 274 10.34-42..................... XVIII, p. 181; 30, p. 174 10.40-42........35, p. 229; 38, p. 225; 41, p. 222; ......................................... 44, p. 216; 47, p. 212 11.2-10................................................ X, p. 170 11.2-11 .............III, p. 215; 21, p. 30; 27, p. 22; .............................32, p. 21; 38, p. 21; 44, p. 21 11.16-19,25-30................................... 32, p. 221 11.25-30.....XVIII, p. 186; 24, p. 216; 30, p. 184 12.14-21............................................... 36, p. 63
12.22-30............................................. IV, p. 217 12.33-35(36-37)................................XII, p. 307 12.38-42................ II, p. 225, (292); XII, p. 175 13.1-9(18-23)..................21, p. 196; 27, p. 188; ......................30, p. 189; 35, p. 240; 38, p. 237; ......................................... 41, p. 233; 47, p. 223 13.24-30(36-43)........ XVIII, p. 289; 21, p. 203; ......................................... 32, p. 229; 44, p. 232 13.31-33............................................. 38, p. 247 13.31-33,44-52................................... 47, p. 232 13.44-46..............II, p. 150, (317); VIII, p. 253; ...................................... XIV, p. 295; 35, p. 253 13.44-52........................... 21, p. 207; 27, p. 194 14.13-21..........................21, p. 213; 24, p. 245; .......................27, p. 198; 32, p. 241; 44, p. 242 14.22-33........VI, p. 109; 24, p. 249; 27, p. 202; .......................35, p. 267; 38, p. 258; 41, p. 249 15.21-28........................... X, p. 445; 21, p. 218; .......................27, p. 208; 32, p. 255; 44, p. 251 16.13-19............................................... 23, p. 40 16.13-20..........................24, p. 260; 27, p. 216; ......................35, p. 278; 38, p. 268; 41, p. 259; ........................................................... 47, p. 244 16.13-20(23)............................... II, p. 72, (239) 16.21-26.......... 21, p. 223; 27, p. 222; 32, p. 264 16.21-28............................................. 44, p. 263 17.1-9........... X, p. 216; XVIII, p. 78; 30, p. 60; ........................................................... 35, p. 114 18.1-5.................37, p. 48; 38, p. 310; 46, p. 47 18.15-20............II, p. 123,(290); XVIII, p. 226; ......................30, p. 227; 35, p. 290; 41, p. 273; ........................................................... 47, p. 258 18.21-35..................... X, p. 467; XVIII, p. 232; .......................30, p. 234; 32, p. 269; 44, p. 277 19.16-26................................... II, p. 182, (349) 20.1-16a....... IV, p. 7; X, p. 221; XVIII, p. 236; ........................................................... 30, p. 239 20.1-16..........29, p. 296; 35, p. 302; 38, p. 290; ......................................... 41, p. 285; 47, p. 262 20.17-28............................... 21, p. 96; 27, p. 87 21.1-9................................ III, p. 194; X, p. 149 21.1-11...........38, p. 140; 44, p. 133; 47, p. 122 21.14-17................. II, p. 52, (219); XII, p. 185; ........................................................... 37, p. 353 21.23-32........................... 32, p. 282; 44, p. 290 21.28-32..................... VI, p. 247; XVIII, p. 243 21.33-43(-46)............ XVIII, p. 250; 35, p. 315; .......................38, p. 304; 41, p. 297; 47, p. 274 22.1-10 (11-14).......... XVIII, p. 254; 30, p. 243 22.1-14.......... IV, p. 205; VI, p. 207; 32, p. 289; ........................................................... 44, p. 302
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22.15-21(-22)............ XVIII, p. 259; 35, p. 323; .......................38, p. 314; 41, p. 308; 47, p. 286 22.23-33.... VIII, p. 336; XVI, p. 288; 20, p. 285 22.34-40............................................. IV, p. 194 22.34-46............................................. 44, p. 314 22.34-40(41-46)............... 30, p. 253; 32, p. 298 23.1-12...................II, p. 158, (325); 30, p. 259; ......................................... 35, p. 335; 47, p. 310 24.1-14......................... VI, p. 68; XVIII, p. 275 24.15-28............................................. IV, p. 222 24.36-44............................................... 44, p. 11 24.37-44.....21, p. 21; 27, p. 9; 32, p. 9; 38, p. 9 25.1-13..........IV, p. 243; XI, p. 336; 24, p. 312; ......................................... 30, p. 277; 44, p. 331 25.14-30..................II, p. 233, (400); X, p. 394; ................ XVIII, p. 272; 30, p. 286; 41, p. 331; ......................................... 44, p. 336; 47, p. 322 25.31-37....................................... XVIII, p. 297 25.31-46.....IV, p. 231; X, p. 472; XVIII, p. 298; ............. 21, p. 302; 27, p. 291; 32, p. 51; p. 324; ............................................................. 41, p. 44 26.14-27.66........................................ 35, p. 157 26.30-56....................................... XVIII, p. 109 26.36-46(-56).... VI, p. 29; 35, p. 162; 38, p. 154 26.36-56............................................. 41, p. 135 26.57-75 ............................................ 24, p. 122 27.11-26............................................. 32, p. 116 27.33-50........................... 44, p. 145; 47, p. 130 27.33-50(51-54)............ VIII, p. 162; 38, p. 154 27.33-54............................. 21, p. 111; 27, p. 99 27.33-56...........................................XIV, p. 201 28.1-10............................VI, p. 167; 24, p. 139; .......................35, p. 176; 41, p. 147; 47, p. 136 28.16-20.........X, p. 374; 30, p. 156; 34, p. 203; ......................35, p. 222; 40, p. 156; 41, p. 205; ......................................... 46, p. 186; 47, p. 185 Marcos 1.1-8....................................22, p. 14; 28, p. 13; ............................................. 33, p. 16; 39, p. 13 1.4-11.... 22, p. 48; 28, p. 64; 36, p. 69; 42, p. 56 1.9-15............................... 33, p. 132; 39, p. 102 1.12-15............XIX, p. 79; 25, p. 129; 31, p. 84 1.14-20................22, p. 56; 28, p. 73; 33, p. 84; ............................................. 39, p. 75; 42, p. 71 1.21-28..............XVI, p. 99; 28, p. 79; 36, p. 86 1.29-39...............28, p. 87; 33, p. 101; 39, p. 87 1.32-39........................... VI, p. 284; XII, p. 261 1.40-45......... VI, p. 258; XII, p. 241; 36, p. 100 2.1-12................................ X, p. 453; 28, p. 100 2.18-22............................................ VIII, p. 105
2.23-28...... VIII, p. 311; XIV, p. 367; 22, p. 169; ........................................................... 28, p. 228 2.23-36............................................... 42, p. 193 3.1-6..................................................... X, p.114 3.20-35........XVI, p. 192; 28, p. 233; 36, p. 209 3.31-35...............................................VI, p. 252 4.26-29............................................... VI, p. 113 4.26-34..........22, p. 175; 28, p. 240; 36, p. 216; ........................................................... 42, p. 203 4.30-32..............................................XII, p. 313 4.35-41.......XVI, p. 200; 22, p. 182; 28, p. 247; ......................................... 32, p. 244; 39, p. 209 5.21-24a,35-43................28, p. 253; 33, p. 378; ........................................................... 39, p. 327 5.21-43............................................... 42, p. 216 5.24b-34............................................. 22, p. 188 5.25-34................................................XII, p. 27 6.1-6............XVI, p. 205; 22, p. 200; 28, p. 260 6.1-13............................... 33, p. 256; 39, p. 218 6.6b-13..........................XIX, p. 201; 25, p. 236 6.14-29.............. X, p. 74; 36, p. 235; 42, p. 225 6.30-34.......XIX, p. 206; 25, p. 241; 31, p. 208; ........................................................... 33, p. 270 6.30-34,53-56..................................... 39, p. 231 6.34-44 .............................................. 30, p. 247 7.1-8,14-15,21-23.........XIX, p. 233; 31, p. 242; ......................................... 33, p. 309; 39, p. 270 7.24-37............................. 36, p. 279; 42, p. 263 7.31-37........... IV, p. 163; X, p. 408; 22, p. 239; ........................................................... 28, p. 307 8.22-26........................VIII, p. 269; XIV, p. 317 8.27-35........XVI, p. 247; 33, p. 323; 39, p. 280 8.31-38..........X, p. 234; XIX, p. 83; 25, p. 134; ...........................31, p. 91; 36, p. 121; 42, p. 97 9.2-9...........XVI, p. 105; 28, p. 108; 33, p. 119; ............................................................. 42, p. 87 9.17-29...............................................VI, p. 278 9.30-37.......XVI, p. 255; 22, p. 245; 36, p. 289; ........................................................... 42, p. 273 9.35 – 10.8......................................... 47, p. 198 9.38-50..........22, p. 250; 28, p. 322; 33, p. 334; ........................................................... 39, p. 293 9.43-48.................II, p. 138, (305); XVI, p. 263 10.2-12...........28, p. 326; 36, p. 303; 42, p. 283 10.13-16............................................. 28, p. 313 10.17-27.....XII, p. 256; XVI, p. 268; 22, p. 260; ........................................................... 33, p. 348 10.17-31............................................. 39, p. 305 10.32-45.............................................. X, p. 106
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10.35-45.....28, p. 289; XVI, p. 277; 34, p. 270; ......................................... 36, p. 316; 42, p. 298 10.46-52....... XVI, p. 283; 22, p. 265; 39, p. 315 11.1-11...........33, p. 160; 39, p. 126; 46, p. 141 12.1-12 ............................................... X, p. 242 12.13-17............................................. III, p. 138 12.28-34........................... 36, p. 340; 42, p. 318 12.41-44.........VI, p. 138; 22, p. 281; 33, p. 387 13.1-8............................... 36, p. 353; 42, p. 329 13.1-13........XVI, p. 302; 22, p. 286; 28, p. 351 13.24-31............................................. 28, p. 358 13.24-37................................... 36, p. 9; 42, p. 9 13.31-37...........................................XIV, p. 397 13.33-37..............................XIX, p. 9; 25, p. 17 14.3-9.................................VI, p. 149; 22, p. 93 14.6-9................................................XII, p. 181 14.12-26.....XVI, p. 134; 22, p. 104; 28, p. 144; ........................................................... 36, p. 140 14.17-26.............................................VI, p. 156 15.1-15(16-20)..............XVI, p. 129; 28, p. 139 16.1-8.......... IV, p. 144; X, p. 294; XVI, p. 153; ...................... 22, p. 112; 28, p. 159; 36, p. 152; ........................................................... 42, p. 136 16.9-14(15-20)............VIII, p. 173; XIV, p. 225 16.12-18........................... 33, p. 184; 39, p. 148 16.14-20............................................... IV, p. 77 Lucas 1.1-4................................................... 23, p. 200 1.26-33(34-37),38............ VI, p. 81; XII, p. 109 1.26-38..........XVI, p. 56; XIX, p. 27; 22, p. 28; .............................28, p. 26; 33, p. 24; 39, p. 24 1.39-45(46-55)..................... 26, p. 20; 37, p. 26 1.(39-45)46-55(56) ............................. X, p. 175 1.46-55.................................................V, p. 288 1.47-55................................................. 43, p. 28 1.57-66............................................... 24, p. 200 1.67-79..............................V, p. 270; VIII, p. 30 1.68-79................................................. 43, p. 14 2.1-7..... 30, p. 24; 34, p. 38; 38, p. 33; 39, p. 36; ............................................................. 40, p. 29 2.1-7,8-14,15-20................................ XVI, p. 63 2. (1-7)87-20........................................ 42, p. 31 2.1-14........ I, p. 161, (168); X, p. 181; 32, p. 41 2.(1-14)15-20......24, p. 41; 34, p. 69; 37, p. 54; ............................................. 41, p. 50; 44, p. 37 2.15-21................................. 42, p. 46; 46, p. 53 2.1-20..........III, p. 218; IV, p. 273; XVII, p. 28; .........................XIX, p. 26; 21, p. 41; 23, p. 21; .............................24, p. 34; 27, p. 34; 33, p. 37 2.22-40................................................. 36, p. 56
2.41-52................................. 20, p. 35; 46, p. 42 3.1-9.....................................V, p. 281; 37, p. 14 3.1-14...................................................VI, p. 76 3.7-18............. XVII, p. 21; 23, p. 15; 29, p. 16; .............................34, p. 24; 40, p. 18; 46, p. 22 3.15-17,21-22.......20, p. 40; 26, p. 36; 37, p. 64 4.1-13................23, p. 60; 29, p. 81; 37, p. 100; ........................................................... 43, p. 116 4.14-21................VI, p. 19; 26, p. 47; 37, p. 76; ............................................................. 43, p. 77 4.14-21(22).................20, p. 50; p. 59; 27, p. 47 4.16-21................................................ X, p. 186 4.21-30...............26, p. 54; 34, p. 100; 43, p. 83 5.1-11............IV, p. 118; XVII, p. 57; 20, p. 65; ............................................. 26, p. 59; 46, p. 85 6.17-26.................20, p. 69; 26, p. 66; 43, p. 93 6.27-38...............20, p. 73; 26, p. 74; 46, p. 100 6.36-42...............................IV, p. 112; X, p. 368 7.1-10............................... 26, p. 206; 40, p. 176 7.11-17...........................IV, p. 186; VIII, p. 293 7.36-50..... VIII, p. 262; XIV, p. 309; 26, p. 220 7.36-8.3.............................................. 37, p. 199 8.4-10.................................................. X, p. 228 8.26-39...........34, p. 237; 40, p. 196; 46, p. 204 9.10-17............................................ VIII, p. 241 9.18-24(25-26)................. 20, p. 190; 26, p. 226 9.28-36...............20, p. 82; 26, p. 85; 34, p. 109 9.28-36(37-43)................................... 43, p. 104 9.51-56..............................................XV, p. 167 9.51-62...........20, p. 198; 37, p. 212; 43, p. 229 9.57-62................................................ X, p. 251 10.1-11............................................... 46, p. 219 10.1-11,16-20................... 34, p. 252; 40, p. 209 10.1-12,16.......................................... 20, p. 204 10.17-20............................................. 24, p. 285 10.21-24......................................II, p. 82, (249) 10.25-37.... X, p. 413; XVII, p. 163; 23, p. 135; ........................................................... 43, p. 237 10.38-42.....VI, p. 124; XVII, p. 170; 23, p. 140; ..................... 29, p. 216; 34, p. 264; 40, p. 214; ........................................................... 46, p. 231 11.1-13..........23, p. 145; 29, p. 223; 37, p. 229; ........................................................... 43, p. 248 11.5-13...............................................VI, p. 184 11.14-23......................... VI, p. 297; XII, p. 283 12.13-21........23, p. 149; 29, p. 228; 34, p. 278; ......................................... 40, p. 224; 46, p. 242 12.32-40.... XVII, p. 183; 37, p. 241; 43, p. 260 12.35-40............................................ III, p. 226 12.41-48.............................................VI, p. 302
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12.42-48............................................XII, p. 289 12.49-53... XVII, p. 189; 23, p. 154; 29, p. 235; ......................................... 34, p. 289; 40, p. 237 12.49-56............................................. 46, p. 247 13.1-9............. XVII, p. 83; 23, p. 72; 29, p. 93; ......................................... 37, p. 111; 43, p. 128 13.10-17........................... 37, p. 257; 43, p. 271 13.22-30......XVII, p. 193; 23, p. 159; 29, p. 241 13.31-35......... XVII, p. 78; 23, p. 65; 29, p. 88; ........................................... 40, p. 87; 46, p. 118 14.1,7-14.......23, p. 167; 29, p. 247; 40, p. 248; ........................................................... 46, p. 260 14.7-14...........................................XVII, p. 196 14.15-24.............................. IV, p. 96; X, p. 354 14.25-33.....VIII, p. 235; 20, p. 251; 26, p. 277; ......................................... 37, p. 266; 43, p. 280 15.1-3,11b-32................ XII, p. 220; 34, p. 125; ........................................................... 46, p. 129 15.1-3,11-32..................IV, p. 209; XVII, p. 88; ........................................... 29, p. 100; 40, p. 92 15.1-7(8-10)........................................ X, p. 361 15.1-10.......... IV, p. 106; 20, p. 255; 34, p. 309; ......................................... 40, p. 252; 46, p. 276 15.8-32............................................... 28, p. 265 16.1-9................................................. IV, p. 147 16.1-13............ 20, p. 260; 26, p. 286; 37, p. 277; ............................................................... 43, p. 286 16.19-31.......... IV, p. 88; 20, p. 265; 35, p. 321; ......................................... 40, p. 262; 46, p. 288 17.1-10............................. 20, p. 270; 26, p. 298 17.5-6..........................VIII, p. 286; XIV, p. 346 17.5-10............................. 37, p. 291; 43, p. 296 17.7-10 .......................... VI, p. 117; XII, p. 160 17.11-19....... IV, p. 172; X, p. 421; XX, p. 275; ......................26, p. 305; 34, p. 371; 40, p. 275; ........................................................... 46, p. 299 17.20-35...............................................V, p. 275 18.1-8a ............................ 20, p. 291; 23, p. 213 18.1-8............VIII, p. 343; 26, p. 325; 37, p. 301; ............................................................... 43, p. 307 18.9-14.......... IV, p. 158; 28, p. 333; 34, p. 340; ........................................................... 46, p. 311 18.18-23............................................XII, p. 249 18.31-43.......................................... VIII, p. 124 19.1-10................II, p. 112, (279); VIII, p. 219; ................... XIV, p. 275; 37, p. 324; 40, p. 292; ........................................................... 46, p. 317 19.28-40........ 26, p. 121; 34, p. 138; 37, p. 116; ......................................... 40, p. 103, 43, p. 144 19.41-48............................ IV, p. 153; X, p. 401
20.9-19...........................XVII, p. 94; 29, p. 105 20.27-38.........23, p. 223; 34, p. 359; 43, p. 335 21.5-19...........20, p. 296; 37, p. 336; 46, p. 337 21.25-36........... III, p. 209; XVII, p. 9; 34, p. 9; ............................................................... 40, p. 9 22.7-20............................. 20, p. 116; 26, p. 126 22.31-34 .....................VIII, p. 131; XIV, p. 172 23.33-43........26, p. 344; 34, p. 365; 40, p. 322; ........................................................... 46, p. 341 23.(26-32)33-49...........XVII, p. 102; 29, p. 119 23.33-49.........VI, p. 162; 37, p. 127; 46, p. 151 23.35-43.........................................XVII, p. 248 24.1-11(12)......................................... 20, p. 127 24.1-12............ II, p. 201; 37, p. 132; 40, p. 121 24.13-35..........VI, p. 40; 21, p. 125; 27, p. 114; .......................32, p. 137; 38, p. 176; 44, p. 156 24.36b-48........................................... 42, p. 148 24.36-49.... XVI, p. 164; XIX, p. 128; 36, p. 162 24.44-53.........28, p. 201; 35, p. 206; 44, p. 177 24.(44-49)50-53............XIX, p. 148; 22, p. 145 24.50-53.............................................. X, p. 331 João 1.1-5,9-14.........XIX, p. 35; 25, p. 39; 31, p. 24; ............................................. 37, p. 36; 40, p. 35 1.1-14................................................... 43, p. 38 1.1-18................................... 33, p. 30; 29, p. 46 1.(1-9)10-18......................... 33, p. 64; 38, p. 59 1.6-8,19-28.......XIX, p. 22; 25, p. 29; 31, p. 14; ............................................................. 42, p. 20 1.19-23(24-28).................. VIII, p. 49; 36, p. 19 1.29-34.............................................. VIII, p. 98 1.29-34(35-41).............. XVIII, p. 57; 21, p. 55; ............................................. 35, p. 75; 41, p. 70 1.35-42..............................................XII, p. 227 1.29-42................................................. 47, p. 54 1.43-51......... XII, p. 129; XVI, p. 92; 22, p. 52; ............28, p. 68; 34, p. 80; 36, p. 76; 40, p. 53; ............................................................. 43, p. 58 2.1-11..................IX, p. 41; 20, p. 44; 26, p. 40; .............................34, p. 89; 40, p. 64; 43, p. 69 2.13-22............................VI, p. 237; XIX, p. 87 3.1-11(15)............................................ X, p. 347 3.1-17..............22, p. 165; 28, p. 220; 32, p. 91; ...................... 33, p. 232; 39, p. 189; 41, p. 112; ........................................................... 47, p. 100 3.14-21...........XIX, p. 95; 25, p. 144; 31, p. 96; ......................................... 36, p. 128; 42, p. 107 4.1-11 ................................................ 31, p. 149 4.5-26................................. 21, p. 82; 35, p. 139 4.31-38 .......................................II, p. 89, (256) 4.46-54..............................................XII, p. 148
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5.1-9................................................... 37, p. 168 5.1-16...............................................XIV, p. 360 5.1-16(18)........................................ VIII, p. 304 5.19-21.............................................XIV, p. 215 5.24-29.... XVIII, p. 267; 22, p. 277; 29, p. 302; ........................................................... 30, p. 271 5.39-47...............................................VI, p. 204 6.1-15............ IV, p. 24; X, p. 383; XIX, p. 211; .......................25, p. 247; 31, p. 213; 36, p. 245 6.(22-23)24-35.............XIX, p. 217; 21, p. 218; .....25, p. 254; 33, p. 280; 36, p. 365; 39, p. 245 6.35................................................. VIII, p. 151 6.35,41-51........................ 36, p. 257; 42, p. 242 6.37-40(41-43),44.....................II, p. 200, (367) 6.41-51.......XIX, p. 220; 25, p. 259; 28, p. 284; ........................................................... 31, p. 226 6.51-58.......XIX, p. 225; 31, p. 232; 33, p. 292; ........................................................... 39, p. 257 6.56-69............................. 36, p. 269; 42, p. 253 6.60-69........XIX, p. 229; 25, p. 264; 31, p. 237 6.66-69..............................................XII, p. 293 7.14-18.............................................. VIII, p. 87 7.37-39a...... XVI, p. 187; 22, p. 158; 28, p. 211 7.37-39........ VI, p. 194; XII, p. 199; 22, p. 158; ........................................................... 35, p. 216 8.1-11.............................................. VIII, p. 228 8.21-30........................VIII, p. 138; XIV, p. 179 8.31-36..................II, p. 216, (383); VIII, p. 73; ......................................................XVII, p. 225; ......................................... 23, p. 209; 42, p. 307 9.1-7............................VIII, p. 248; XIV, p. 290 9.1-11................................................. 38, p. 135 9.1-41............. 32, p. 104; 44, p. 121; 47, p. 111 9.13-17,34-39....................... 21, p. 91; 27, p. 81 9.35-41............................................ VIII, p. 299 10.1-5,27-30................................II, p. 40, (207) 10.1-10.......... 21, p. 133; 27, p. 119; 32, p. 144; ......................................... 41, p. 165; 47, p. 153 10.11-16............................................... IV, p. 53 10.11-18.....XIX, p. 135, 25, p. 181; 31, p. 139; ........................................................... 33, p. 199 10.11-18,27-30.................................... X, p. 310 10.14-16,27-29..................................... 33, p. 50 10.22-30.........29, p. 141; 37, p. 149; 46, p. 170 10.22-30(31-39).............................XVII, p. 117 11.1,3,17-27............II, p. 188, (355); 35, p. 151 11.1(2),3,17-27(41-45)........................ X, p. 434 11.1-5,17-21..................... 37, p. 319; 40, p. 310 11.1-45............................................... 41, p. 123
11.47-53.................... VIII, p. 157; XIV, p. 192; ......................................... 21, p. 103; 33, p. 154 12.1-8................................................. 43, p. 140 12.12-16........................... 36, p. 134; 42, p. 118 12.12-19............................ X, p. 269; 20, p. 110 12.20-26.............................................. X, p. 258 12.20-30............................................. 25, p. 150 12.20-33.....XIX, p. 102; 31, p. 103; 33, p. 154; ........................................................... 39, p. 120 12.44-50............................................ VIII, p. 65 13.1-15,34-35...................................... X, p. 277 13.1-17,31b-35................................... 43, p. 149 13.1-17,34.......................... 30, p. 99; 34, p. 144 13.31-35.....XVII, p. 121; 29, p. 149; 34, p. 144; .............................p. 191; 40, p. 145; 46, p. 175 14.1-6................................................XII, p. 134 14.1-12........... 21, p. 139; 27, p. 124; 39, p. 170; ............................................................. 42, p. 169 14.1-12(14)................II, p. 63, (230); 35, p. 192 14.1-14............................................... 44, p. 168 14.8-17(25-27)................. 34, p. 219; 43, p. 211 14.15-19............................................XV, p. 232 14.15-21........34, p. 165; 35, p. 200; 41, p. 177; ........................................................... 47, p. 163 14.23-27.............................. IV, p. 82; X, p. 341 14.23-29.......................XVII, p. 126; 29, p. 154 15.1-8...............X, p. 317; XIX, p. 139; 25,189; .......................31, p. 146; 36, p. 174; 42, p. 158 15.9-12(13-17).................................XIV, p. 374 15.9-17......................VIII, p. 317; XIX, p. 143; ....................... 25, p. 192; 33, p. 211; 39, p. 165 15.(18)26-16.4..................................... X, p. 337 15.26-27; 16.4b-11..........20, p. 171; 26, p. 191; ........................................................... 36, p. 197 15.26-27; 16.4-15............................... 42, p. 181 16.5-15................................................. IV, p. 65 16.12-15.......... 20, p. 177; 26, p. 200; 37, p. 184; ............................................................... 43, p. 217 16.16-23a........................... IV, p. 57; VI, p. 179 16.16,20-23a..........................VI, p. 129; p. 176 16.22-28............................................... IV, p. 72 16.23b-28,33....................................... X, p. 323 17.1-11..........21, p. 148; 27, p. 132; 38, p. 200; ........................................................... 41, p. 191 17.1a,6-19.......................................... 33, p. 221 17.1-15............................................... 24, p. 159 17.9-19............................... IV, p. 31; 25, p. 197 17.(9-10)11-19...............XIX, p.153; 31, p. 157 17.20-26........................ VIII, p. 198; 29, p. 168 18.33-37........................XIX, p. 299; 31, p. 296 18.33-38a........................................... 36, p. 358
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19.16-30........ IV, p. 38; X, p. 284; XIX, p. 110; .....25, p. 170; 31, p. 123; 33, p. 168; 39, p. 136 20.1-18..........34, p. 162; 38, p. 159; 43, p. 160; ........................................................... 44, p. 150 20.1-2,11-18 ...................................... 24, p. 230 20.1-9(10-18)............ XVIII, p. 120; 26, p. 136; ........................................................... 30, p. 109 20.11-18......................VIII, p. 166; XIV, p. 207 20.19-23.........24, p. 173; 30, p. 150; 38, p. 206 20.(19,23)24-29............. X, p. 301; XIX, p. 119; ........................................................... 32, p. 134 20.19-31..... XIX, p. 119; 21, p. 121; 27, p. 110; ......................................... 29, p. 128; 31, p. 133 20.26-31............................................. 37, p. 138 21.1-14.........................XVII, p. 111; 29, p. 136 21.1-19............................. 34, p. 178; 40, p. 131 21.15-19.......................................... VIII, p. 179 21.20-25............................................... 34, p. 53 Atos 1.8-14................................................ 24, p. 168 1.1-11..................20, p. 155; p. 160; 26, p. 182; .....29, p. 161; 32, p. 162; 38, p. 195; 43, p. 197 1.15-26..........................XVI, p. 184; 28, p. 206 1.3-4(5-7),8-11...................................XI, p. 242 1.15a,21-26........................................ 36, p. 193 2.1-13.................................................XI, p. 249 2.1-21..........XIX, p. 158; 27, p. 139; 40, p. 162 2.14a,22-32....24, p. 143; 41, p. 152; 47, p. 144 2.14a,36-47........................................ 24, p. 150 2.22-23,32-33,36-39..........................XV, p. 239 2.36-41................................................. III, p. 59 2.41a,42-47........................................XI, p. 284 2.42-47............................................... 44, p. 162 3.1-10................................................VII, p. 198 3.12-19............................................... 39, p. 153 3.13-15,17-26................XVI, p. 158; 28, p. 165 4.5-12................................................. 36, p. 168 4.8-12 ................................................ 28, p. 172 4.32-35............................................... 42, p. 141 4.32-37................................................ V, p. 310 5.12,17-32......................................... 20, p. 130 5.27-32............................................... 40, p. 126 6.1-7................................ III, p. 134; 24, p. 155 7.55-60............................. 38, p. 182; 47, p. 157 8.14-17................................ 34, p. 85; 43, p. 64 8.26-40....XIII, p. 222; XVI, p. 169; 28, p. 188; ........................................................... 33, p. 205 9.1-6(7-20)......................................... 46, p. 163 9.1-20................................................. 20, p. 136 9.36-43............................................... 34, p. 184
10.34-38...............23, p. 35; 27, p. 52; 31, p. 38 10.34-48(10.1 – 11.18)...................... XIX, p. 49 10.34-43.........27, p. 105; 33, p. 177; 46, p. 157 10.44-48............................................. 42, p. 163 11.19-30........................XVI, p. 178; 28, p. 196 13.16-17,22-25..................................... 22, p. 33 13.44-52................................. 20, p. 140; p. 143 14.8-18.............................................. 20, p. 148 16.6-10............................................... 20, p. 164 16.9-15......... IX, p. 171; XV, p. 141; 43, p. 191 16.16-34............................................. 34, p. 211 16.23-34.......................VII, p. 122; XIV, p. 233 17.1-15............................................... 24, p. 159 17.16-34 .................................................I, p. 34 17.22-31......................... XV, p. 213; 32, p. 156 19.1-7................................................... 39, p. 63 Romanos 1.1-7.................XVI, p. 77; 25, p. 55; 28, p. 54; ............32, p. 36; 36, p. 30; 38, p. 28; 42, p. 26; ............................................................. 44, p. 32 1.16-17; 3.21-28................................. 38, p. 327 3.19-28........... II, p. 169; 20, p. 278; 21, p. 267; ......................................... 25, p. 287; 33, p. 364 3.21-25a................................. 27, p. 156, p. 272 4.1-5,13-17....................... 24, p. 100; 35, p. 133 4.13-25...........33, p. 138; 39, p. 108; 47, p. 190 4.18-25............................. 24, p. 184; 27, p. 161 5.1-5......... XVII, p. 137; 29, p. 180; 34, p. 224; ......................................... 40, p. 168; 46, p. 197 5.1-8................................. 32, p. 197; 41, p. 212 5.1-11................. V, p. 51; 28, p. 122; 32, p. 98; ....................... 38, p. 129; 44, p. 114; 47, p. 106 5.6-11............................... 24, p. 190; 27, p. 166 5.12-15............................................... 27, p. 172 5.12-19............................................... 41, p. 104 6.1b-11............................. 24, p. 211; 27, p. 183 6.3-8...................................................XI, p. 278 6.19-23 ............................. V, p. 164; IX, p. 258 7.15-25a........35, p. 234; 38, p. 231; 44, p. 221; ........................................................... 47, p. 212 8.1-11............... I, p. 39; XIV, p. 253; 24, p. 111 8.12-17...............................V, p. 170; 36, p. 203 8.12-25............................................... 41, p. 239 8.14-17...........25, p. 203; 37, p. 179; 46, p. 192 8.14-17,22-27..................................... 29, p. 174 8.18-23.................................................V, p. 150 8.18-23(24-25)............................. XVIII, p. 192 8.22-27............................................... 39, p. 183 8.26-27............................................... 30, p. 193 8.26-30...............................................IX, p. 233
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8.26-39............................................... 44, p. 237 8.31b-39.............................................XI, p. 144 8.31-39.............IX, p. 91; 28, p. 115; 46, p. 331 8.(31-34)35-39................................ XVI, p. 110 9.1-5................................. 35, p. 261; 38, p. 252 9.1-5,31-10.4 .................................. XIII, p. 235 9.1-5; 10.1-4.........................................V, p. 185 9.30b-33............................................. III, p. 124 10.5-13.......................... XVI, p. 115; 32, p. 248 10.8b-13............................................. 46, p. 113 11.1-2a,29-32..................................... 41, p. 255 11.13-15,29-32................................... 25, p. 255 11.25-32....................................... I, p. 95, (102) 11.32-36...............................................V, p. 126 11.33-36 ............................................XI, p. 256 12.1-8.............XI, p. 152; 24, p. 265; 44, p. 256 12.9-12............................. 35, p. 284; 47, p. 252 12.9-21............................................... 38, p. 273 12.6-16...................................................V, p. 19 13.1-10............................................... 21, p. 229 13.8-10(13-14)...................................XI, p. 107 13.11-14............................ IV, p. 251; 24, p. 19; ................................................. 35, p. 9; 41, p. 9 14.1-12............................................... 41, p. 278 14.5-9................................................. 21, p. 234 14.7-13 ................................................ III, p. 79 14.10-13 ............................................XI, p. 266 15.4-13 ................21, p. 25; 32, p. 16; 44, p. 16 16.25-27............................................... 31, p. 19 1 Coríntios 1.1-9.....24, p. 70; 32, p. 72; 38, p. 75; 44, p. 65 1.3-9 ...................................XVI, p. 51; 28, p. 9 1.4-9.....................................................V, p. 228 1.10-17................................. 21, p. 60; 41, p. 75 1.10-18................................................. 47, p. 60 1.18-25................................................. 20, p. 97 1.26-31.. ..............V, p. 190; IX, p. 24; 21, p. 65 2.1-5..................................... 21, p. 71; 22, p. 60 2.1-10.............................VII, p. 50; XIII, p. 126 2.1-12(13-16)....................................... 38, p. 91 2.6-13................................................... 21, p. 74 2.12-16..............................................VII, p. 150 3.1-9..................................................... 41, p. 87 3.9-15..............................XV, p. 266; IX, p. 269 3.16-23............................................... 22, p. 193 4.1-5................................. IV, p. 261; XI, p. 119 6.9-14,18-20................................... I, p. 78, (85) 6.9-14(15-17),18-20....................... I, p. 86, (93) 6.12-20................................. 33, p. 76; 39, p. 69 6.24-34............................................... 35, p. 106
7.29-31 ................................................ 24, p. 90 7.29-32a ...................................... I, p. 46, (213) 8.1-3..................................................... 42, p. 76 8.2 .................................................... XIII, p. 42 9.16-23............ XIV, p. 264, 25, p. 96; 36, p. 90 9.24-27............................. XI, p. 165; 33, p. 112 10.1-13.................................V, p. 179; 20, p. 91 10.16-17.....VII, p. 107; XIII, p. 171; 44, p. 139; ........................................................... 47, p. 126 10.16-17(18-21)................................. 31, p. 113 10.31-11.1.......................................... 25, p. 107 11.23-26..........24, p. 127; 27, p. 94; 37, p. 120; ........................................................... 46, p. 146 11.23-29.................................................V, p. 65 12...................................................... XIII, p. 34 12.1,4-11......... XVII, p. 47; 29, p. 59; 37, p. 70 12.3b-13............................................. 44, p. 188 12.12-21,26-27..................... 23, p. 45; 29, p. 64 12.12-31a............................. 40, p. 70; 46, p. 74 12.27-13.13......................XVII, p. 52; 29, p. 71 12.31b-13.13....................... V, p. 32; XI, p. 182 14.1-3,20-25......................................VII, p. 158 14.12b-20............................................. 23, p. 49 15.1-11..................... XVII, p. 108; 324, p. 105; ........................................... 39, p. 142; 43, p. 88 15.1-20................................................. III, p. 13 15.12,16-20...................XVII, p. 63; 32, p. 311; ........................................................... 41, p. 321 15.12-20............................................... 46, p. 95 15.19-28........... I, p. 16; IX, p. 207; XV, p. 207; ................................... XVIII, p. 280; 25, p. 175 15.20-28..................... XVIII, p. 280; 30, p. 293 15.35-38............................................ XIII, p. 29 15.45-49...........................................XVII, p. 69 15.50-58......... V, p. 78; XIX, p. 286; 26, p. 320 2 Coríntios 1.3-7.......................................... I, p. 112, (119) 1.18-22...........VII, p. 14; XIII, p. 98; 25, p. 113 3.1b-6................................................. 25, p. 118 3.3-9...................................................IX, p. 283 3.12-4.2.............................XIX, p. 76; 31, p. 78 4.3-6............. IX, p. 157; XIV, p. 165; 39, p. 93; ............................................................. 46, p. 63 4.5-12............................XIX, p. 169; 31, p. 171 4.6-10.................................................XI, p. 158 4.7-18................................................... III, p. 53 4.13-18..........................XIX, p. 173; 31, p. 177 4.13-5.1.............................................. 42, p. 198 4.16-18............................................ XIII, p. 192 5.1-10..............................IX, p. 295; XV, p. 288 5.6-10 .......................... XIX, p. 178; 31, p. 183
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5.6-10,14-17....................................... 39, p. 203 5.14-21.................................I, p. 7; XIX, p. 181 5.(14b-18)19-21...........XVI, p. 140; 28, p. 153; ........................................................... 41, p. 140 5.16-21............................................... 43, p. 135 5.20b – 6.10......................35, p. 120; 40, p. 76; ........................................................... 43, p. 110 6.1-10 .................................................VII, p. 82 6.1-13................................................. 36, p. 221 8.1-9,13-14 .................................... XIX, p. 188 8.1-15................................................ XIII, p. 18 8.7-15................................................. 33, p. 251 8.9 ................................................... XV, p. 112 9.6-15................................ V, p. 323; XI, p. 272 (11.18,23b-30); 12.1-10.................. XIII, p. 142 12.1-10...................................................V, p. 26 12.2-10............................................... 42, p. 220 12.7-10..........................XIX, p. 195; 31, p. 199 13.11-13........IX, p. 240; 21, p. 158; 32, p. 174; ......................................... 38, p. 214; 44, p. 198 Gálatas 1.1-12................................................. 37, p. 189 1.11-24............................. 23, p. 113; 40, p. 182 2.16-21.........................VII, p. 192; XIII, p. 241 3.(23-25)26-29................. 23, p. 119; 37, p. 206 3.23-29............................................... 43, p. 223 3.28.....................................................XII, p. 70 4.1-7...................................................IX, p. 144 4.4-7 ..........XV, p. 106; XVIII, p. 38; 30, p. 31; ............33, p. 44; 35, p. 33; 39, p. 43; 41, p. 29; ............................................. 42, p. 40; 47, p. 29 5.1-6................................................ XIII, p. 167 5.1-11..................I, p. 118, (125), p. 124, (131); .......................35, p. 341; 44, p. 320; 47, p. 297 5.1,13-25......... 23, p. 126; 34, p. 243; 40, p. 204 5.25-26; 6.1-3,7-10......VII, p. 214; XIII, p. 253 6.14-18............................................... 23, p. 131 Efésios 1.3-6,15-18..... XVIII, p. 43; 24, p. 58; 30, p. 37 1.3-14................III, p. 62; 22, p. 204; 34, p. 75; ........................................................... 39, p. 225 1.3-6,15-18..................................... XVIII, p. 43 1.15-23...........41, p. 181; 44, p. 341; 47, p. 168 1.(16-20a)20b-23............. 21, p. 144; 30, p. 138 1.20b-23............................................ IX, p. 227 2.1-10................................................. 30, p. 265 2.4-10............................XVI, p. 120; 28, p. 128 2.11-22................................ X, p. 48; 36, p. 239 2.13-22............................................... 22, p. 209 3.1-12...................31, p. 30; 35, p. 64; 41, p. 59
3.2-12 ...............................XVI, p. 83; 22, p. 43 3.14-21...............................V, p. 212; 33, p. 275 4.1-6 ............................... V, p. 218; XIV, p. 353 4.1-7,11-16......................................... 22, p. 215 4.1-16................................................. 42, p. 238 4.17-24............................................... 22, p. 220 4.20-32.................................................V, p. 235 4.25-5.2.............................................. 39, p. 251 4.30-5.2........................................... XVI, p. 228 5.1-8a ................................................XI, p. 205 5.1-9.......................................................V, p. 46 5.8-14.............. 24, p. 105; 35, p. 145; 41 p. 118 5.9-14 ................................................ III, p. 100 5.15-20..........................XVI, p. 233; 36, p. 264 5.15-21................................................ V, p. 241 5.21(22-25),26-31........................... XVI, p. 236 5.21-31............................................... 28, p. 294 6.10-20..........................XVI, p. 242; 33, p. 300 Filipenses 1.3-11............. XI, p. 324; XVII, p. 14; 29, p. 9; ............................................. 34, p. 16; 40, p. 14 1.12-21................................................VII, p. 95 1.20c-27............................................. 24, p. 280 1.21-30............................................... 44, p. 284 2.1-4................................................. VII, p. 173 2.1-5(6-11)........................................ 21, p. 245 2.1-13..............................35, p. 309; 37, p. 297; ........................................................... 47, p. 268 2.5-11.............V, p. 57; XI, p. 216; XVII, p. 97; ......... 25, p. 158; 29, p. 111; 32, p. 59; 39, p. 49 2.12-13............................XV, p. 282; 46, p. 327 3.4b-14............................. 34, p. 133; 46, p. 135 3.12-21............................. 24, p. 290; 27, p. 251 3.7-11.................................................XI, p. 291 3.7-14 ..................................................V, p. 261 3.8-14................................................. 20, p. 102 3.12-16........................................ II, p. 20 (187) 3.12-21............................................... 27, p. 251 3.17-21...............................................XI, p. 330 3.17-4.1.............................. 20, p. 86; 37, p. 105 3.20-21..................... I, p. 136, (137); 129,(143) 4.1-9................................................... 41, p. 303 4.4-7..................................... 26, p. 15; 43, p. 23 4.10-20...............................................IX, p. 150 Colossenses 1.1-6................................................... 26, p. 233 1.1-14................................................. 46, p. 225 1.11-20............................................... 43, p. 346 1.12-20............................. 23, p. 229; 37, p. 342 1.15-23....................................................I, p. 47
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1.15-28............................................... 43, p. 243 1.21-28............................................... 26, p. 240 1.24-27................................................. 42, p. 50 2.3-10 ..............................................XIV, p. 140 2.6-15............................... 26, p. 250; 40, p. 218 2.12-15............................................ XIII, p. 186 3.1-4................. III, p. 48; 21, p. 117; 32, p. 127 3.1-11................................................. 37, p. 236 3.12-17.................V, p. 107; 37, p. 42; 43, p. 45 4.2-6................................V, p. 114; XIII, p. 199 1 Tessalonicenses 1.1-5a.............................. 24, p. 294; 27, p. 256 1.5b-10............................................... 27, p. 263 1.2-10................................................VII, p. 210 1.1-10................................................. 44, p. 307 2.1-8.............35, p. 329; 348, p. 321; 47, p. 292 2.8-15................................................. 27, p. 277 3.9-13..................... 20, p. 15; 37, p. 9; 46, p. 11 4.1-8.................................... V, p. 38; XI, p. 315 4.13-14(15-18)................................... 21, p. 285 4.13-18..........21, p. 292; 36, p. 335; 42, p. 313; ........................................................... 47, p. 316 5.1-8...................................................IX, p. 288 5.1-11.............21, p. 297; 35, p. 357; 38, p. 340 5.12-24...............................................IX, p. 274 5.16-24.................22, p. 19; 33, p. 20; 39, p. 18 2 Tessalonicenses 1.1-4,11-12......................................... 43, p. 330 2.1-17............................... III, p. 165; 40, p. 316 2.(13-15)16-17;3.1-5.......................... 29, p. 311 3.1-5.................................................. IX, p. 252 3.6-13.................V, p. 97; 29, p. 317; 43, p. 341 1 Timóteo 1.12-17........ III, p. 74; XVII, p. 206; 29, p. 265 2.1-4 ........................................ II, p. 169, (336) 2.1-6................................................... 38, p. 279 2.1-8..........XVII, p. 211; 34, p. 314; 35, p. 370; ........................................................... 40, p. 257 3.16 ................................................ XIV, p. 132 4.4-5 .............................................. XIII, p. 298 6.6-16...........................XVII, p. 215; 29, p. 274 6.11b-16............................................. IV, p. 255 2 Timóteo 1.1-14................................................. 46, p. 295 1.3-8(9-12),13-14............................... 23, p. 195 2.8-13............................... 23, p. 205; 37, p. 296 2.8a(8b-13) ...................................... XV, p. 198 2.8-15................................................. 43, p. 301 3.14-4.5............................ 34, p. 333; 40, p. 280
Tito 2.11-14.................. II, p. 263, (430); XI, p. 128; .............................24, p. 34; 35, p. 40; 41, p. 37 3.4-7... IV, p. 280; 20, p. 29; 34, p. 45; 46, p. 37 Filemom 1-21.................................................... 46, p. 264 8-21.................................................... 29, p. 254 9b-17(18-21)..................................XVII, p. 201 Hebreus 1.1-4(5-12).......36, p. 35; 39, p. 299; 40, p. 267 1.1-9 ................................................ XVI, p. 70 2.9-11............................XIX, p. 257; 31, p. 274 2.10-18 ............................................. IX, p. 188 3.1-6 ............................................... XIX, p. 262 4.9-16............................XIX, p. 268; 31, p. 281 4.12-13...............................................XI, p. 171 4.14-16...............................................XI, p. 192 4.14-16; 5.7-9.....24, p. 133; 34, p. 153; 43, p. 154 5.1-6(7-10)....................XIX, p. 273; 33, p. 356 5.5-10................................................. 42, p. 113 5.7-9............XI, p. 211; XVI, p. 125; 28, p. 134 7.23-28............................. 36, p. 322; 42, p. 304 9.11-14............................................... 39, p. 322 9.15-17,26b-28................................... 20, p. 122 9.15,24-28.............................................. III, p. 7 9.15,26b-28..................................... XIII, p. 179 9.24-28 .......................................... XIX, p. 291 10.11-25............................................. 39, p. 337 10.16-25............................................. 42, p. 130 10.19-25...................II, p. 241 (408); IX, p. 119 11.1-2,6,8-10......................................IX, p. 178 11.1-3,8-16......................................... 20, p. 229 11.1-4................................................... 28, p. 39 11.8-10..............................................XV, p. 160 11.29 – 12.2........................................ 43, p. 265 12.1-3................................................XV, p. 178 12.1-13.............................................. 20, p. 233 12.12-18(19-21),22-25a....................XV, p. 127 12.18-24.........20, p. 242; 34, p. 296; 40, p. 242 13.1-8................................................. 20, p. 246 13.1-8,15-16....................................... 37, p. 262 13.(7)8-9b ....................................... XIV, p. 153 13.12-16 ..............................................V, p. 205 Tiago 1.12-18 ............................................ XV, p. 154 1.17-27 ............................ 25, p. 268; 42, p. 258 2.1-13 ............................................ XIII, p. 262 2,1-5,8-10,14-18............... 25, p. 275; 39, p. 275 2.14-24 ............................................. III, p. 110 3.1-12................................................. 36, p. 283
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3.13-4.3,7-8a...................................... 33, p. 327 4.13-17 ............................... IX, p. 34; 29, p. 40 5.1-6.........XIII, p. 265; XIX, p. 252; 37, p. 160 5.7-8 .................................................. XI, p. 114 5.7-10............................. XVIII, p. 19; 47, p. 24 5.13-16..............................................VII, p. 220 5.13-20............................. 36, p. 295; 42, p. 277 1 Pedro 1.(1-17)18-21 ................................ XIII, p. 152 1.17-21............................................... 30, p. 118 1.17-22..... XVIII, p. 129; 35, p. 182; 41, p. 158 1.17-23............................................... 47, p. 149 1.3-9..........III, p. 22; XI, p. 221; XVIII, p. 125; ........................................................... 30, p. 114 2.1-10...... I, p. 55, p. 61; XV, p. 254; 32, p. 149 2.4-10......................... XVIII, p. 138; 30, p. 128 2.13-17........................................ I, p. 102 (109) 2.15-17 ............................................... VI, p. 13 2.18-25............................................... 30, p. 122 2.19-25 ....................................... XVIII, p. 133 2.21b-25.............................. V, p. 91; XI, p. 229 3.8-17.................................................. V, p. 156 3.13-22............................. 38, p. 188; 44, p. 173 3.15-18 ...................... XVIII, p. 146; 24, p. 165 3.18-22............................... 36, p. 116; 42, p. 92 4.7-11 ................................................. V, p. 120 4.13-19 ....................................... XVIII, p. 152 5.1-5..................................................... III, p. 27 5.5b-11.............................. V, p. 144; XI, p. 307 2 Pedro 1.3-11 ............................................... III, p. 145 1.16-19(20-21).................................. IX, p. 165 1.16-21..............24, p. 95; 27, p. 65; 38, p. 108; ............................................. 44, p. 91; 47, p. 81 3.8-14......... XVII, p. 237; 23, p. 218; 25, p. 23; ............................................................. 36, p. 14 1 João 1.(1-4)5 – 2.2.................... 22, p. 124; 36, p. 157 1.5-10; 2.1-6.................. XIII, p. 216; 36, p. 181 2.21-25................................................VII, p. 30 3.1-3................................................... VII, p. 21 3.1-7................................................... 33, p. 191 3.13-18................................................ IX, p. 57
3.16-24............................................... 42, p. 153 3.18-24............................ III, p. 159; 22, p. 130 4.1-6 ................................................... IX, p. 72 4.1-11................................................. 22, p. 135 4.11-16............................................... 31, p. 165 4.7-12 ............................................... XI, p. 299 4.7-16 ................................................. V, p. 196 4.(7-16a)16b-21............... 22, p. 149; 39, p. 159 4.16b-21 ............................................. V, p. 135 5.1-5.................................... V, p. 84; XI, p. 235 5.1-6 ................................................. 22, p. 118 5.9-13................................................. 42, p. 175 5.11-13.............................................. XI, p. 138 Apocalipse 1.4-8......... VII, p. 131; XIII, p. 204; 34, p. 169; ........................................................... 42, p. 334 1.9-18.............................VII, p. 65; XIII, p. 133 1.9-20................................................. 26, p. 145 2.8-11...........................VII, p. 228; XIII, p. 275 1.9-20................................................... 23, p. 84 3.1-6..... IX, p. 127; IX, p. 135; XV, p. 89, p. 95 3.7-13........................ II, p. 248 (416); 36, p. 42 3.14-22............................................ XIII, p. 304 4.1-11........................................... I, p. 144(151) 5.1-14....................................................VII, p. 7 5.11-14............23, p. 90; 26, p. 150; 37, p. 144; ........................................................... 43, p. 172 7.9-12 ........................................... XVII, p. 230 7.9-17........... III, p. 182; XIII, p. 110; 23, p. 94; ......................................... 26, p. 159; 43, p. 178 12.1-6 .................................................. 23, p. 26 12.7-12 ............................................. 21, p. 241 14.6-7 ................................................. V, p. 249 15.2-4 .............................................. XV, p. 218 19.11-16 ........................................... III, p. 195 21.1-5...............26, p. 170; 37, p. 155; 38, p. 52 21.1-6................................................. 43, p. 183 21.10-14,22-23................................... 26, p. 176 21.10,22 – 22.5.................................. 34, p. 195 22.10-16................................................ X, p. 11 22.12-14,16-17,20-21......................... 43, p. 205 22.12-17,20......................................... 23, p. 99
Observação: Os números das páginas relativas aos volumes I e II referem-se à edição desses dois volumes num só tomo; os números do volume III referem-se à 2ª edição de 1981.
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Texto: Times New Roman 11 Títulos: Bangkok 15 Datas: Arial 10 Subtítulos: Times New Roman 18/12
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