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Claiton André Kunz
from Proclamar Libertação 45 - 2020-2021
by Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
PRÉDICA: 1 CORÍNTIOS 7.29-31
JONAS 3.1-5,10 MARCOS 1.14-20
3º DOMINGO APÓS EPIFANIA
24 JAN 2021
Claiton André Kunz
1 Introdução Não sabemos quanto tempo temos!
Vivemos em tempos difíceis. Ocupamo-nos e preocupamo-nos com um número enorme de afazeres, que parecem só aumentar a cada dia. Se pudéssemos esticar um pouco o nosso dia, aumentando o seu tempo para 30 horas, como propõe a propaganda de um certo banco, não teríamos dúvidas em fazê-lo. Se pudéssemos aumentar o tempo de vida, garantindo que pudéssemos passar pelo menos dos cem anos, certamente muitos também o fariam. A vida real, entretanto, lembra-nos que, na verdade, é o oposto disso que acontece. A cada dia temos menos tempo e a cada instante percebemos que a brevidade da vida é inquestionável. Podemos até discordar da finitude da vida ou questionar o porquê de ser assim. Mas enquanto o fazemos, mais um pouco do nosso tempo acaba de passar. Diante dessa realidade, o que precisamos fazer é aprender a gerir o tempo e aproveitar todas as oportunidades. Não podemos perder nenhum momento de nossa vida, até porque não sabemos quanto tempo ainda temos.
2 Exegese
Algumas observações exegéticas sobre o texto de 1 Coríntios 7.29-31: V. 29a – Quando Paulo afirma que o “tempo” está abreviado, ele usa a palavra kairos, com a ideia de período de tempo, oportunidade, um tempo específico. Para abreviar, o apóstolo usa a palavra synestalmenos, um particípio perfeito passivo de systellō, que tem a ideia de limitar e abreviar. Esse verbo aparece apenas duas vezes no Novo Testamento (aqui e em Atos 5.6, com a ideia de cobrir e envolver). Em papiros antigos, esse termo é encontrado com a ideia de cortar gastos. Calvino interpreta a palavra em termos de brevidade da vida humana, embora pareça aqui que Paulo a está relacionando com o encurtamento do tempo devido à proximidade e esperança da volta de Cristo. V. 30 – [...] como se nada possuíssem. Para Paulo, significa que todas as relações terrenas têm que ser consideradas como passageiras, em vista da volta de Cristo. O verbo grego utilizado, katechontes, que significa “possuir, ter”, nessa construção com o advérbio negativo, traz a ideia de “não entrar na plena posse”, ou seja, bens terrenos são uma preocupação e não uma possessão.
V. 31 – [...] porque a aparência deste mundo passa. Para “aparência” Paulo utiliza a palavra schēma, que significa forma, aparência externa ou molde. Ela é usada somente aqui e em Filipenses 2.7, onde diz que Jesus foi encontrado em “forma” humana. Quanto às coisas do “mundo” (kosmos) que passam, a ideia é de “recursos do mundo e oportunidades” que são passageiros. Quanto ao texto de Jonas 3.1-5,10, pode-se fazer as seguintes observações exegéticas: V. 1 – Veio a palavra do Senhor, segunda vez a Jonas. Isso lembra que Deus já havia chamado Jonas para essa missão, e ele havia falhado miseravelmente, pois havia fugido. Deus deu uma segunda chance para o profeta, assim como muitas vezes dá a todos nós também. V. 2 – Nínive é chamada de “grande” por três vezes neste livro (1.2; 3.2; 4.11). Ela era a capital de uma das maiores potências mundiais da época. A missão de Jonas envolvia pregação que visava provocar o arrependimento. Deus estava interessado nesse povo e tinha planos para ele. V. 3 – A cidade era de caminho de três dias para ser percorrida. O texto não afirma se esse tempo se refere a acompanhar sua circunferência ou de percorrê-la de um lado para o outro. Talvez se refira até à cidade-estado e não apenas à cidade central. De qualquer forma, finalmente Jonas foi cumprir a missão. V. 4 – O texto não afirma como Jonas foi até a cidade, mas apenas que começou a pregar percorrendo a cidade por um dia, exortando o povo ao arrependimento. Daqui a quarenta dias... Quarenta é o número das provações na Bíblia, sendo citado numerosas vezes nas Escrituras. V. 5 – Os ninivitas creram em Deus e proclamaram um jejum. O autor não informa quanto tempo Jonas pregou ou outros detalhes da ação dos ninivitas. É muito conciso. O que é certo é que o povo não esperou para ver o que aconteceria, mas imediatamente foi conclamado ao jejum e ao arrependimento. Quanto ao texto de Marcos 1.14-20, pode-se fazer as seguintes observações exegéticas: V. 14 – Aqui Marcos começa a narração do ministério ativo de Jesus. Pelo Evangelho de João conhecemos um pouco mais dos roteiros de Jesus e sua passagem pelos diversos territórios (Pereia, Galileia, Judeia e Samaria). Talvez se possa relacionar essa partida com o texto de João 4.1-4. [...] pregando o evangelho de Deus: enquanto o tom principal em João Batista era o arrependimento, parece que em Jesus a centralidade é no evangelho, embora na sequência também aborde sobre o arrependimento. V. 15 – Marcos apresenta a expressão de Jesus: “o tempo é chegado/cumprido” (peplērōtai ho kairos). Dizer que o tempo é chegado é como quando Paulo fala da “plenitude dos tempos” (plērōma tou chronou) em Gálatas 4.4 ou do “cumprimento dos tempos” (plērōma ton kairon) em Efésios 1.10. O reino de Deus havia chegado com a presença do Rei – Jesus. Já para a exortação ao arrependimento Marcos utiliza o termo metanoeite, um presente do imperativo de metanoeō. A ideia é de mudança de opinião, mudança de mente, arrependimento.
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Tanto o verbo para arrepender como o verbo para crer (pisteuete) estão no presente do imperativo, que indica que além de ser uma ordem a ser cumprida, deve ser executada continuamente, constantemente. V. 16 – Esses primeiros discípulos eram pescadores (halieis) e “sócios” (metochoi) como afirma Lucas (5.7). V. 17 – Na expressão eu os farei pescadores de homens, Marcos acrescenta (em relação a Mateus) o termo genesthai, que poderia ser traduzido por “serdes” (kai poiēsō hymas genesthai halieis anthrōpōn). A ideia é que o processo é longo e lento, mas que pode ser feito por Jesus e ele o fará. V. 18 – Para a ação dos discípulos, que “deixaram” suas redes e “seguiram” Jesus, Marcos utiliza dois verbos no tempo aoristo, que traz a ideia de uma ação pontilear, resoluta, decisiva. Para “seguiram”, o verbo utilizado é akoloutheō, que denota seguir, seguir como discípulo, aderir, associar-se pessoalmente. V. 19 – Para “preparando as redes” Marcos utiliza o verbo katartizō, em sua forma no particípio presente, com a ideia de pôr em ordem, remendar, limpar, dobrar e tornar as redes prontas para a próxima noite de pescaria. V. 20 – [...] deixando seu pai, Zebedeu, com os empregados no barco. A palavra usada para empregados, jornaleiros, vem do termo grego para salário (mistōthos). Fica claro que Zebedeu e seus filhos tinham um razoável negócio de pesca, em cooperação com André e Simão (Lc 5.7,10). Somente Marcos acrescenta esse detalhe. Tiago e João deixaram o barco, seu pai e os empregados. O negócio continuaria, mas eles deixaram tudo para seguir Jesus contínua e definitivamente.
3 Meditação
Na Primeira Carta aos Coríntios, Paulo faz uma longa discussão sobre o casamento no capítulo 7. Em meio a essa discussão, encontramos o texto base para este 3º Domingo após a Epifania. Junto com os textos auxiliares de Jonas 3.1-5,10 e Marcos 1.14-20, pode-se tirar as seguintes aplicações: a) O tempo que temos é curto Paulo, ao discutir sobre casamento em 1 Coríntios 7, parece dar algumas recomendações bastante estranhas: Está solteiro? Não procures esposa! (v. 27); [...] aqueles que têm esposa, vivam como se não tivessem (v. 29b). Numa visão superficial, pareceria que ele tem uma perspectiva totalmente adversa ao casamento. Entretanto, essas afirmações precisam ser analisadas contra o pano de fundo da expectativa escatológica do apóstolo: o que quero dizer é que o tempo é curto (v. 29a) e a forma presente deste mundo está passando (v. 31b). Paulo tinha uma expectativa de que o fim de todas as coisas estava muito próximo. Aos tessalonicenses, ao falar da parousia, ele afirma que os mortos iriam ressuscitar primeiro e depois nós, os que estivermos vivos seremos arrebatados (1Ts 4.17). Isso mostra que ele tinha a expectativa da volta de Cristo ainda na sua geração. Também Pedro compartilha da mesma esperança quando afirma:
Ora, o fim de todas as coisas está próximo (1Pe 4.7). Parece que a expectativa de todos os cristãos do primeiro século era muito semelhante. Além disso, precisamos refletir que além da iminência da volta de Cristo, também não sabemos quanto tempo de vida temos aqui neste mundo. Assim, precisamos conduzir nossa vida jamais nos esquecendo da finitude da nossa existência. De fato, o tempo é curto! (1Co 7.31). b) Se o tempo é curto, arrependam-se e creiam no evangelho João Batista, como precursor de Jesus Cristo, proclamava a proximidade do reino de Deus. Mas quando Jesus entra em cena, a afirmação é contundente: O tempo é chegado (Mc 1.15a). Não dá para esperar mais. A chegada do rei do reino confronta o ser humano para uma tomada de decisão: arrependam-se e creiam no evangelho (Mc 1.15b). O chamado e a resposta dos primeiros discípulos de Jesus (Simão, André, Tiago e João) exemplificam a reação adequada esperada por Jesus (Mc 1.6-20). Eles não sabiam quanto tempo ainda tinham. Por isso, no mesmo instante, eles deixaram suas redes e o seguiram (v. 18). A reação dos ninivitas diante da pregação contundente de Jonas de que em quarenta dias a cidade seria destruída (Jn 3.4) é outro exemplo que podemos assimilar e imitar. O tempo dado a essa cidade e a seus habitantes era, de fato, muito curto. Nenhum minuto poderia ser perdido. O relato diz que os ninivitas creram em Deus, proclamaram um jejum e todos se vestiram de pano de saco (em demonstração do seu arrependimento). Quando Deus viu que haviam abandonado seus maus caminhos, não mais os destruiu como tinha ameaçado (Jn 4.10). É essa urgência em nossa decisão e mudança de vida que Deus espera de nós. Se Paulo, há dois mil anos, já exortava seus leitores quanto à proximidade do fim dos tempos e à necessidade de uma tomada de posição diante do convite divino à fé e ao arrependimento, quanto mais nós hoje precisamos corresponder urgentemente a esse convite. Não há tempo a perder. c) O tempo de todos é curto Da mesma forma como o tempo para nós é iminente, é urgente, muitos ao nosso redor também têm pouco tempo para responder ao convite da graça. Por isso o convite de Jesus aos pescadores da Galileia foi enfático: sigam-me, e eu os farei pescadores de homens (Mc 1.17). Eles deixaram tudo e seguiram Jesus imediatamente, para se envolver na missão de proclamar as boas novas. E porque esses primeiros discípulos cumpriram sua missão, com urgência e determinação, é que o evangelho chegou até nós hoje. Mas ainda há muitos neste mundo que não conhecem as boas novas da salvação. A esses, eu e você somos chamados para proclamar o evangelho, no pouco tempo que resta.
4 Imagens para a prédica
Pode-se usar a seguinte ilustração na prédica: Esquadrinhemos os nossos caminhos, provemo-los, e voltemos para o Senhor! (Lm 3.40). Na Guatemala, a tribo de índios Kekchi tem uma boa palavra para arrependimento, cujo sentido é: “dói meu coração”. Distante dali, no interior da África, a tribo Baouli tem um vocábulo talvez ainda melhor. O termo que usa quer dizer: “dói tanto que quero desistir disso”. Essa é a experiência que o Senhor desejava para seus filhos relapsos quando disse: Esquadrinhemos os nossos caminhos, provemo-los, e voltemos para o Senhor. Trata-se aí de uma obra pessoal de avivamento. “Esquadrinhemos”, insta ele, “os nossos caminhos”. Não me compete esmiuçar e criticar a vida de meu próximo. Devo voltar o farol da palavra de Deus para dentro de mim e esquadrinhar meus caminhos. Está muito certo preferir os outros em honra, no decorrer normal de nossa vida, mas quando se trata de endireitar nossa situação para com Deus, somos advertidos a começar em nós mesmos. Ao nos esquadrinharmos, podemos descobrir muita coisa que careça de ajuste. Lá na África existe uma interessante palavra tribal que descreve o que acontece ao coração de uma pessoa que se arrepende. Dizem eles: “torna-se destorcido”. Isso é justamente o que Deus deseja: destorcer todas as coisas torcidas, endireitar tudo o que está torto! Pode haver alguma dor nesse processo de destorção. Deus permite que doa o suficiente para desejarmos “desistir disso” e voltar “para o Senhor”. E é isso que os índios Chol, do sul do México, querem dizer quando descrevem o arrependimento como “o coração volta atrás”. (Extraído de: ALMEIDA, Natanael B. Coletânea de Ilustrações. São Paulo: Vida Nova.)
Bibliografia
RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave linguística do Novo Testamento grego. Santo Paulo: Vida Nova, 1988. ROBERTSON, Archibald Thomas. Imágenes verbales en el Nuevo Testamento.
Barcelona: CLIE, 1989.