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Eduardo Paulo Stauder

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Eloir Enio Weber

Eloir Enio Weber

PRÉDICA: MARCOS 9.2-9

2 REIS 2.1-12 2 CORÍNTIOS 4.3-6

ÚLTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIA

14 FEV 2020

Eduardo Paulo Stauder

1 Introdução Uma conversa entre três...

O texto de 2 Reis 2.1-12 apresenta Elias caminhando ao lado do seu sucessor, Eliseu. Nessa caminhada, com a sua capa, Elias abre as águas do rio Jordão, numa clara referência à história da libertação, quando Moisés abriu as águas do mar Vermelho. Como profeta, Elias deu continuidade à presença libertadora de Deus junto ao povo. A caminhada termina quando Elias sobe aos céus num redemoinho, carregado por um carro puxado por cavalos de fogo. Eliseu viu esse acontecimento e recebe o poder para dar continuidade à missão de Elias. É uma cena que apresenta Eliseu como sucessor de Elias. A carta de 2 Coríntios 4.3-6 reafirma que é por meio de Jesus Cristo que conhecemos quem Deus realmente é. A luz do conhecimento da glória de Deus brilha no rosto de Jesus. O texto da pregação, Marcos 9.2-9, mostra Jesus no alto de um monte, onde acontece a transfiguração e o rosto de Jesus brilha. Em seguida aparecem Moisés e Elias, que passam a conversar com Jesus. As leituras de 2 Reis e 2 Coríntios complementam e ajudam a compreender o texto da pregação. As duas leituras nos conduzem para o evento da transfiguração, que se apresenta como o acontecimento central. O tempo litúrgico de Epifania chega ao fim apresentando Jesus como o Filho de Deus nessa epifania no alto de um monte. Ali a glória de Deus se revela, preparando a Quaresma, pois Jesus não quer armar acampamento no alto do monte. Ele desce do monte, para que a glória de Deus se torne presente na sua caminhada em direção à cruz.

2 Exegese

O Evangelho de Marcos não é uma biografia histórica da vida de Jesus. Mas a partir da cruz e da ressurreição, ele faz uma releitura da história para dentro das realidades e dos desafios das comunidades da época de sua redação. Nessa releitura, busca corrigir uma espiritualidade triunfalista que punha em perigo a fé de sua comunidade. Só o caminho da cruz é o caminho do cristão (ALEGRE, 1988, p. 33). O chamado segredo messiânico, as ordens de silêncio dadas por Jesus (Mc 1.25; 1.34; 3.12; 5.43; 7.36; 8.30; 9.9) revelam uma intenção teológica: os milagres e outros acontecimentos que revelam a glória de Jesus devem ser compreen-

didos a partir da morte e da ressurreição. É na perspectiva do Jesus crucificado que podemos reconhecer Jesus como Messias, como Filho de Deus. O texto de Marcos 9.2-9 está inserido no contexto da caminhada de Jesus rumo a Jerusalém (Mc 8.22 – 10.52). Cura, questionamentos e perguntas, anúncio da paixão, ensino para o discipulado, são acontecimentos que antecedem e preparam a subida de Jesus ao monte (9.2-9), onde acontece uma revelação que reafirma Jesus como Messias, como Filho de Deus. Essa revelação vem acompanhada de cenas, imagens, sons que transcendem a realidade, produzindo uma manifestação de Deus. A manifestação acontece em dois momentos. No primeiro, há uma metamorfose em Jesus. Aparecem Moisés e Elias, e entre os três se estabelece uma conversa. No segundo momento, uma nuvem vem sobre a montanha e se ouve a voz de Deus, fazendo um anúncio. No meio desses dois momentos, temos uma fala de Pedro, que revela a incompreensão dos discípulos diante do que está acontecendo. Quando a revelação termina, Jesus desce a montanha e solicita que os três discípulos, que ele levou junto, permaneçam em silêncio e não falem nada do que viram e ouviram no alto do monte. A narrativa dos acontecimentos em Marcos 9.2-9 é dirigida aos discípulos. Isso fica evidente por meio da voz que vem do céu e diz: escutem o que ele diz (v. 7). A voz está falando com e para os ouvintes. Ao falar com e para os discípulos, se está pensando nas comunidades. Esse texto busca definir para as comunidades quem é Jesus e, a partir da postura dos discípulos diante da revelação de Deus, apresenta a questão do discipulado. O v. 2 é uma introdução. Nele consta quando a cena acontece, quem participa, onde acontece e o que acontece. Quando? Seis dias depois que Jesus teve uma conversa dura com Pedro, após Jesus anunciar que iria a Jerusalém para morrer e Pedro rejeita o caminho da cruz. Esse período de seis dias pode indicar simplesmente um intervalo de tempo entre dois eventos relacionados. Alguns exegetas relacionam o período de seis dias a Êxodo 24.16, quando Moisés permanece seis dias no monte Sinai, que é coberto pela nuvem de Deus. No sétimo dia, Deus chama Moisés para entrar na nuvem. Seis dias também é o tempo que demora a purificação sacerdotal e o período de jejum antes dos festivais. Na festa das tendas, após seis dias se chega ao último dia, que é o mais importante (Jo 7.37). Nessa comparação, o último grande dia seria o dia da transfiguração (GRUNDMANN, 1977, p. 237). Na história da criação em Gênesis 1, no sexto dia Deus criou o homem e a mulher. Conforme Marcelo Barros, “Marcos retoma essa tradição como para dizer que a paixão de Jesus é a criação de uma nova humanidade”. Onde? No alto de um monte, que na tradição bíblica é o lugar da revelação de Deus. Na montanha revela-se em Jesus a glória escatológica. Quem? Jesus e os três discípulos, Pedro, Tiago e João. Jesus é quem leva junto os discípulos. O verbo levar junto pertence ao contexto do segredo messiânico (Mc 5.37; 9.2; 10.32; 14.33). Os discípulos acompanham todo acontecimento como testemunhas. Em outros momentos do Evangelho de Marcos (5.37) também são esses três discípulos que acompanham Jesus. No alto do monte, quando Jesus escolhe seus discípulos (3.13), os três receberam novos nomes (3.16).

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O que acontece? No alto da montanha Jesus passa por uma metamorfose. Ele muda. A transfiguração revela o exercício da releitura da pessoa de Jesus. Aquele que era compreendido como profeta, após a morte na cruz e a ressurreição, precisa ser compreendido de um jeito novo. Precisa de uma transfiguração. Aqui vai se moldando a imagem de Jesus como filho de Deus, como a voz que vem da nuvem anuncia. O v. 3 descreve a mudança pela qual Jesus passa. Seu rosto brilha e sua roupa fica branca. O rosto que brilha encontra referências no Antigo Testamento, quando Moisés aparece após ter falado com Deus (Êx 34.29-35). A roupa branca seria uma veste simbólica que representa a túnica branca dos mártires (MYERS, 1992, p. 304). De veste branca, com o rosto brilhando, Jesus conversa com Moisés e Elias (v. 4). A aparição desses dois profetas lembra que eles, em momentos cruciais de desânimo de sua missão, estiveram no alto de uma montanha, onde tiveram uma epifania (Êx 33.18s; 1Rs 19.11s) . Ao lado da lei e dos profetas é colocada a cruz, de modo que Jesus resume, agora, toda essa história. Diante da revelação que veem, Pedro se dirige a Jesus e pela primeira vez o chama de Rabi (v. 5), apresentando a proposta de construir três tendas, ou seja, gostaria que aquele evento perdurasse. Revela o desejo de ficar no alto da montanha. Essa atitude de Pedro ganha uma explicação (v. 6): os discípulos estavam tomados pelo medo. A proposta de Pedro apenas demonstra que ele não sabia o que dizer. Eles não compreendem o que está acontecendo, o que revela toda dificuldade e resistência em acompanhar Jesus no caminho da cruz. A epifania termina com uma nuvem que os cobre, de onde vem uma voz que anuncia Jesus como o filho amado de Deus, o qual deve ser escutado (v. 7). No batismo de Jesus também surge uma voz que o chama de “meu filho amado”, estabelecendo com Deus uma nova aliança. Essa filiação divina, que é conferida a Jesus pela voz celestial, não é reconhecida por nenhum dos discípulos, apenas pelo centurião que comanda a execução (Mc 15.39). Após a voz, a epifania termina e apenas Jesus permanece com os discípulos (v. 6). Eles descem a montanha e Jesus manda que fiquem em silêncio e não contem nada do que aconteceu até a sua ressurreição (v. 9).

3 Meditação

A geografia marca a revelação de Deus relatada em Marcos 9.2-9. Ela não acontece na planície, mas no alto da montanha. Não se sabe qual é essa montanha. Mas qual seria o motivo para identificá-la? Construir no alto dela um lugar de peregrinações, onde fosse possível experimentar a glória de Deus? Armar no alto dela uma tenda? A montanha não quer ser identificada, mas o discipulado quer ser motivado e animado. A revelação foi algo extraordinário, que enche os olhos e impressiona, mas a glória de Deus ali revelada não é um ponto de chegada, e sim de partida, que nos impulsiona a descer a montanha e seguir no caminho da cruz. No relato do Evangelho de Marcos, a dificuldade dos discípulos em compreender diversos acontecimentos e ensinamentos de Jesus (Mc. 4.40; 5.31; 7.18; 8.4; 9.5; 14.3-9) também está relacionada à perspectiva teológica de que é a partir da cruz que entendemos e reconhecemos quem é Jesus. A relutância dos discípulos

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em seguir pelo caminho da fraqueza, do serviço, da cruz, faz com que eles não reconheçam quem é Jesus e tenham dificuldades em compreender seus ensinamentos. Ao mostrar os discípulos dessa forma confusa e insegura, Marcos busca abalar a autossegurança de sua comunidade. Assim como os discípulos fracassaram diversas vezes, isso também pode ocorrer com qualquer membro da comunidade cristã. Ao apresentar os discípulos dessa forma, reafirma-se que só se pode entender quem é Jesus se se estiver disposto a segui-lo no caminho da cruz (ALEGRE, 1988, p. 38). É a partir do Jesus crucificado que devemos buscar compreender os acontecimentos relatados no alto do monte, onde acontece a transfiguração (9.2-9). Quem é Jesus? Essa resposta não vem de forma filosófica, pelas ideias ou pela dedução. Essa resposta vem pela convivência com a vida humana de Jesus, que é a única imagem de Deus que nos é acessível neste mundo (COMBLIN, 1986, p. 42). Quando Jesus leva junto Pedro, Tiago e João para o alto da montanha, é para confrontá-los com a palavra de Deus. Nesse confronto, os discípulos apresentam seus sentimentos, sua compreensão de quem é o Messias. Esse confronto fá-los repensar suas opiniões, seu jeito de viver. Fá-los aprender o caminho da cruz. No alto da montanha, Jesus conversa com Moisés e Elias. O encontro desses profetas reafirma onde encontramos Deus. Ele não está numa tenda que é armada. Ele não está no alto de uma montanha sagrada. Ele está agindo na história, se fazendo presente na vida das pessoas, construindo uma relação que promove vida e esperança. Nos momentos de fraqueza, Deus foi ao encontro de Moisés e de Elias, sustentando-os e animando-os a darem continuidade à sua missão. Da mesma forma, Deus vai ao encontro de Jesus, o sustenta, anima e possibilita que ele possa se encontrar, conversar com os outros profetas. Nessa convivência com o passado, a glória de Deus se revela, não para construir tendas, mas para que as experiências do passado continuem sendo testemunho de fé e esperança. O testemunho fala do passado, da experiência vivida, mas nos impulsiona para frente, nos faz viver a fé. Jesus deu continuidade à tradição dos profetas. Ele dá continuidade ao caminho de Moisés e Elias. Mas Jesus não é somente profeta. Como a própria voz de Deus anuncia no alto do monte: Este é o meu filho amado. Escutem o que ele diz. Jesus é a presença de Deus junto às pessoas. Ele vem para nos conduzir à liberdade. Ele vem para que os mandamentos de Deus sejam obedecidos a partir do amor. Em Jesus se estabelece um novo critério de interpretação das Escrituras, pois é a ele a quem devemos escutar.

4 Imagens para a prédica

O texto de Marcos 9.2-9 é marcado por uma grande riqueza de imagens: Jesus e os discípulos subindo a montanha; o rosto de Jesus brilhando; o encontro entre Jesus, Moisés e Elias; Pedro propondo que tendas sejam armadas; os discípulos tomados pelo medo; a nuvem sobre a montanha; a voz que vem da nuvem; Jesus ordenando o silêncio aos discípulos. Essas imagens despertam sentimentos, pensamentos e fazem a imaginação dançar, podendo ser exploradas na pregação e em diferentes momentos da liturgia.

Quando penso no encontro entre Moisés, Elias e Jesus, lembro-me da imagem de uma equipe de barco a remo. No barco a remo, os remadores estão sentados olhando para trás e não para frente. A equipe olha para trás, mas rema avançando para frente. O encontro entre Jesus e esses dois profetas não foi para cultuar o passado, mas foi para revelar a glória de Deus que continua agindo na história, conduzindo o povo para a vida em liberdade. As experiências do passado são testemunhos que nos fazem viver a fé no presente e avançar para o futuro com esperança. A celebração acontecerá próxima do carnaval, o que possibilita uma comparação do texto com esse período de festas (isso se a pandemia do coronavírus permitir que aconteçam as festas de carnaval, o que não sabemos neste momento em que o texto é redigido). Muitas pessoas vivem em função da festa de carnaval. É um momento de glória, mas que preenche a vida dando ânimo para enfrentar as dificuldade do resto do ano. A transfiguração de Jesus no alto do monte apresenta a glória de Deus, para que ela nos preencha de fé, alegria e esperança para enfrentarmos os desafios da vida.

5 Subsídios litúrgicos

A confissão de pecados pode ser elaborada pensando na atitude dos discípulos no alto do monte, quando querem armar tendas diante da revelação de Deus. Quantas vezes nós queremos armar tendas, construir, manter uma situação que nos garanta toda comodidade e beleza da vida. Negamos o caminho da cruz, procurando assegurar momentos de glória nas alturas. Fugimos das situações de dor e sofrimento. Esquecemos que é preciso descer o monte e voltar para a planície. No momento da bênção final e do envio, podemos lembrar que no alto do monte não foi somente Jesus que se transformou. Pedro, Tiago e João também se transformaram. A glória de Deus encheu os olhos deles e tomou conta de suas vidas. A glória de Deus também quer tomar conta de nossas vidas. Não para fugirmos ou nos escondermos das dificuldades e sofrimentos da vida, mas para que sejamos fortalecidos na fé e assim possamos, com esperança e perseverança, enfrentar toda dor, sofrimento e injustiça. A bênção de Deus quer nos preencher com essa glória para seguirmos como testemunhas do Cristo crucificado e ressurreto.

Bibliografia

ALEGRE, Xavier. Marcos, a correção de uma ideologia triunfalista. São Leopoldo: CEBI, 1988. BARROS, Marcelo. Nossas transfigurações de cada dia. Disponível em: <http:// www.marcelobarros.com/blog/nossas-transfiguracoes-de-cada-dia/>. COMBLIN, José. Jesus Profeta. Estudos Bíblicos. Petrópolis: Vozes, 1986. v. 4, p. 41-59. GRUNDMANN, Walter. Das Evangelium nach Markus. Berlin: Evangelische

Verlagsanstalt, 1977. (Theologischer Handkommentar zum NT). MYERS, Ched. O Evangelho de São Marcos. São Paulo: Paulinas, 1992.

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