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Cláudio Kupka

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Eloir Enio Weber

Eloir Enio Weber

PRÉDICA: JOÃO 6.1-21

2 REIS 4.42-44 EFÉSIOS 3.14-21

9º DOMINGO APÓS PENTECOSTES

25 JUL 2021

Cláudio Kupka

Nada resiste à presença transformadora de Jesus 1 Introdução

Estamos diante da versão joanina de dois episódios centrais na atuação de Jesus com seus discípulos: o milagre da multiplicação dos pães e o momento em que Jesus anda sobre as águas. Os textos auxiliares são bastante adequados. 2 Reis 4.42-44 relata um milagre similar envolvendo o profeta Eliseu e uma doação de vinte pães de cevada que milagrosamente alimenta cem profetas com sobras. Efésios 3.14-21 apresenta um conteúdo singular em forma de oração. Paulo sintetiza em sua prece a busca pela compreensão de Deus, de seu atributo mais essencial, ou seja, seu amor. Cristo vive no coração de seus fiéis à medida que esses compreendem, enraízam, alicerçam suas vidas no amor. A vida em Cristo consiste, por consequência, na busca constante por compreender as profundas dimensões desse amor, apesar de nunca o compreendermos plenamente em nossa limitada condição humana. O texto parece vir ao encontro de nosso evangelho na parte final, quando Paulo ora pelo poder de Deus de fazer muito mais do que pedimos e pensamos. Ou seja, seu amor por nós e pelo mundo, mesmo não sendo compreendido e acolhido, manifesta-se efetivamente e nos cerca graciosamente de bênção e cuidado. Nossa percepção sempre será imediata e limitada, às vezes, mesquinha e utilitária. Cabe-nos sempre mais crescer no entendimento desse amor imensurável. Devidamente acompanhado, nosso texto coloca-se como um convite à nossa reflexão e meditação deste nosso texto.

2 Exegese

Nosso texto conjuga duas perícopes em regra interpretadas independentemente. Nosso exercício, desta vez, será conjugá-los numa leitura e interpretação associativa. Trata-se de dois milagres bastante próprios. Multiplicação de alimento e domínio sobre elementos da natureza. A primeira perícope refere-se à versão de João sobre o milagre da multiplicação dos pães. Nos evangelhos sinóticos há duas versões desse milagre. A primeira versão, associada ao número de pessoas alimentadas (cinco mil) e o alimento oferecido à partilha, cinco pães e dois peixes (Mt 14.13-21; Mc 6.31-44; Lc 9.10-17), corresponde também a esta de João 6.5-15. A segunda versão, em que quatro mil pessoas são alimentadas, aparece somente em Mateus 15.32-39 e

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em Marcos 8.1-9. Esse milagre também é conhecido como milagre dos sete pães e peixes. Em João, o lanche ofertado pelo rapaz é definido como de “cinco pequenos pães de cevada e dois peixinhos”. Nosso texto contextualiza semelhantemente o milagre. Jesus refugia-se do assédio da multidão usando o recurso da navegação pelo lago Tiberíades. Mesmo assim, a multidão consegue alcançá-lo e ele, nessa oportunidade, “sobe a um monte” e assenta-se com os discípulos. Não há referência ao período longo de ensino, ao qual os sinóticos se referem. A menção da proximidade da Páscoa (v. 4) provavelmente é uma indicação da presença de peregrinos entre a multidão que se aproximava de Jesus. Isso explica a presença dessa informação, aparentemente isolada. Logo o tema da alimentação da multidão se coloca. Não há menção ao entardecer e à fome. Jesus coloca a questão aos seus discípulos. Primeiro a Felipe. Esse responde segundo uma lógica bastante material e financeira. Faz as contas e apresenta o que é necessário: os pães necessários custariam duzentos denários, o valor em dinheiro correspondente à remuneração de duzentos dias de um trabalhador comum. André então informa que há um rapaz com um lanche de cinco pães de cevada e dois peixinhos. Se, por um lado, André é propositivo e apresenta uma alternativa, por outro, emenda um questionamento que desfaz a própria proposta. Jesus pede que o povo se assente na relva. Aqui não há orientações sobre formarem grupos. Ele toma logo o lanche, dá graças e o distribui à multidão dos cinco mil. Não há também referência à bênção aos alimentos. O povo come à vontade e se farta, informação igual aos sinóticos. Também aqui é dada a ordem que se recolha o que sobrou, para que nada se perca. Isso corresponde a 12 cestos cheios, informação igual aos outros evangelhos. Em João, há a menção do comentário referente ao milagre: Este é, verdadeiramente, o profeta que devia vir ao mundo. A empolgação foi tamanha, a ponto de quererem proclamá-lo rei. Pressentindo isso, Jesus se afasta e vai sozinho a um monte, provavelmente para orar. Agora aparece a menção ao fim do dia, quando os discípulos, sem o Mestre, tomam um barco e rumam ao outro lado do lago, a Cafarnaum. Aqui se inicia a segunda parte do texto. Jesus caminha sobre as águas e acalma o mar agitado. O cenário é o lago e o barco navegando à noite. Essa história aparece também nos sinóticos (Mt 14.22-33; Mc 6.45-52), na sequência do texto da multiplicação dos pães e peixes. Em Mateus há mais detalhes envolvendo Pedro, que vai ao encontro de Jesus caminhando sobre as águas. O mar começa a agitar-se em determinado momento e o vento fica forte. Jesus então aparece e vai ao encontro do barco, andando sobre o mar. A reação dos discípulos é de temor. Aqui ninguém se refere a Jesus como fantasma. Ele é reconhecido ao manifestar a eles: Não temais! Eles o recebem “de bom grado” no barco. O vento e as ondas parecem cessar com sua entrada no barco, semelhante ao relato dos sinóticos.

3 Meditação

A interpretação de duas perícopes conjugadas exige certa atenção. Considerando a premissa que a Bíblia se explica a si mesma, podemos com segurança interpretar dois eventos que o evangelista põe em sequência como harmônicos. Perguntas estratégicas precisam ser feitas: 1) Como um texto ilumina o outro? 2) Há uma relação de continuidade entre os dois milagres? 3) Há algo sendo revelado sobre Jesus que mereça nossa atenção? Vejamos que, no primeiro milagre, há uma preocupação de Jesus com a alimentação da multidão que o cerca. Ele a acolhe, apesar do seu cansaço. Acolhe e cuida da condição física deles. Mas não só isso. Paralelamente, do jeito como é conduzido o milagre, Jesus problematiza aos discípulos a situação de carência de alimentos. Ele quer observar sua reação. Há aqui um processo pedagógico e libertador também. Vemos em ambos os grupos a condição humana exposta: uma multidão com fome e discípulos respondendo à carência com suas lógicas econômicas. Nessa linha, há margem para mais interpretações. Assim como um jovem oferece um lanche, é possível que mais pessoas possuíssem alimentos entre seus pertences. Ninguém faria uma peregrinação sem levar mantimentos. É possível que a oferta do lanche de um rapaz e a consequente partilha desse tenha oportunizado que outras pessoas compartilhassem seus alimentos. O maior milagre talvez fosse a possibilidade de compartilhar o que seria de uso pessoal numa dimensão comunitária. Jesus ficava observando. Não condenava imediatamente, não repreendia, mas criava oportunidades de renascimento, de compaixão e partilha. Num mundo já tão marcado pelo interesse pessoal, ensinar a partilhar é o verdadeiro milagre. Num mundo em que o esforço pessoal, o mérito são sobrevalorizados, receber algo sem pagar por ele é algo inusitado. Num mundo em que a carência torna as pessoas mesquinhas e egocêntricas, ver um lanchinho modesto resultar na saciedade de cinco mil pessoas e ainda sobrar 12 cestos cheios é incomum. Não só é incomum, mas algo revelador do que Jesus representa, do seu Reino, de sua vontade para o mundo. Vemos Jesus iluminando, com seu ensino e gesto concreto (milagre), a realidade marcada pelo espírito humano (pobre), com seus limites e condicionamentos. Jesus promove não um simples momento de distribuição de alimentos, mas um verdadeiro momento de anúncio da mensagem transformadora de seu Reino. Sabemos que há muitos que vão acompanhar Jesus pelo alimento e pela curiosidade sobre os milagres. Sabemos que alguns vão interpretar o gesto de Jesus como uma ruptura artificial da condição humana limitada (aclamá-lo rei e assim resolver todos os problemas), mas o impacto da ação de Jesus sobre a vida de seus seguidores e suas seguidoras é indescritível. Até hoje essa história continua nos impactando. A segunda perícope possui também contornos simbólicos muito fortes. Se no outro texto há referência ao alimento pessoal e ao alimento compartilhado,

agora os discípulos estão plasticamente num barquinho frágil, à noite e à mercê das forças da natureza. Sem Jesus, eles se sentem desprotegidos, desorientados. Assim eles experimentam a vida. Assim era a vida como conheciam, sejam pescadores, agricultores ou qualquer outra profissão. A vida sempre esbarra em limites humanamente intransponíveis. Só resta lamentar e temer que chegue esse momento de limite e talvez seja o fim. Jesus então vem ao encontro dos discípulos, caminhando por meio dos mesmos elementos que para eles são sinais de perigo e morte. Ele passa incólume. Quando ele chega, sua palavra anuncia a paz, sua presença anuncia o fim do medo. Novamente o que os discípulos podiam produzir, por eles mesmos, era o esforço de conduzir a embarcação pelo mar agitado, cruzando seu destino, em meio a muito medo e insegurança. Era ver com medo qualquer pessoa que aparecesse naquela situação com medo. Jesus irrompe dentro dessa situação, como se nada o afetasse e, dentro do barco, anuncia a paz e o fim das ameaças à vida. Novamente vemos a mesma lógica da perícope anterior. A presença de Jesus liberta as pessoas de suas visões pequenas, egoístas e cheias de temor, e oportuniza uma nova experiência de confiança, partilha e esperança. Ao ser humano que crê em Cristo, que se expõe à sua Palavra, é oportunizada, pela fé, na ação do Espírito Santo, uma atitude de entrega e confiança no agir de Deus em todas as situações da vida. Cabe-lhe confiar e alimentar essa fé de que não estamos sozinhos diante das ameaças da vida. Incluindo aqui a reflexão do texto de Efésios, entendemos por que Deus age assim conosco. Deus se manifesta dessa maneira para expressar seu grande amor por nós e por toda a sua criação. A essência de Deus, manifestada em Jesus, é amor, em sua perfeição. Amor percebido por meio da fé e objeto de nosso conhecimento e experiência por toda a nossa vida! Jesus nos ama ao nos fazer esgotar nossa autossuficiência, ao partilhar o pão com as pessoas famintas, ao oportunizar a partilha, ao permitir a angústia diante do mar revolto, ao manifestar sua presença protetora e nos dar a paz.

4 Imagens para a prédica

O médico e o pão Conta-nos a história de um médico que havia falecido numa situação de muita miséria, depois da Segunda Guerra Mundial. Os filhos, ao fazerem o inventário, encontraram junto aos pertences um pedaço de pão. Ninguém entendeu o porquê de ter sido guardado esse pedação de pão. Então a cozinheira que estava cuidando do médico foi chamada e explicou: Depois da guerra, havia pouca comida no país. Estando o médico doente, um idoso veio visitá-lo e lhe deu aquele pedaço de pão. Porém o médico recusou-se a comê-lo e o mandou para a vizinha, cujo filho também estava doente. “Eu já estou velho”, disse ele, “mas aquela criança está no começo de sua vida”. A vizinha agradeceu ao receber o pão e o enviou a um velho idoso. Esse também não ficou com o pão e o mandou à sua filha, que morava com duas crian-

ças num porão perto dali. Essa, porém, com a intenção de ajudar o médico, levou o pedaço de pão até ele. Ao chegar novamente em suas mãos, o médico percebeu que se tratava do mesmo pão. Emocionado, disse: “Enquanto permanecer vivo entre nós o amor que reparte seu último pão, não temo pelo nosso futuro. Este pão saciou a fome de muitas pessoas, sem que ninguém tivesse comido dele um pedaço sequer. Vamos guardá-lo bem e, quando o desânimo se abater sobre nós, olhemos para ele!”. Os filhos, então, compreenderam a ação do pai e decidiram deixar entrar em seus corações o amor que reparte e anima. O velho organista Mendelssohn, certa vez, visitou a Catedral de Friburgo e, depois dos ofícios religiosos, dirigiu-se ao organista e pediu licença para tocar um pouco o famosíssimo órgão daquela igreja. O velho organista, zeloso de seu instrumento, recusou a princípio, mas diante da insistência do estranho, concedeu-lhe o desejo. Depois de alguns momentos, passados em êxtase, deleite e surpresa, o velho homem, num ímpeto, pôs as mãos nos ombros do inspirado músico e perguntou: – Quem és? Qual o teu nome? – Mendelssohn. Com lágrimas nos olhos, disse, então, o velho organista: – E pensar que eu quase impedi Mendelssohn de tocar nesse órgão! A pedra de fazer sopa Num pequeno povoado, uma mulher teve uma grande surpresa ao ver que havia à sua porta um estranho, mas corretamente vestido, que lhe pedia algo para comer. – Sinto muito, disse ela, mas neste momento não tenho nada em casa. – Não se preocupe, disse amavelmente o estranho, tenho uma pedra de sopa na minha bolsa. Se você me permitisse colocá-la numa panela de água fervendo, eu faria a mais magnífica sopa do mundo. Consiga uma panela bem grande, por favor. A mulher não conteve sua curiosidade, pôs a panela no fogo e foi contar o segredo da pedra às suas vizinhas. Quando a água começou a ferver, todos os vizinhos haviam se reunido para ver aquele estranho e sua pedra de sopa. O estranho deixou então cair a pedra na água. Logo provou uma colherada com verdadeira satisfação e exclamou: – Deliciosa! A única coisa que falta são umas batatas. – Eu tenho umas batatas na minha cozinha, gritou uma mulher. Em poucos minutos, ela estava de volta com uma grande bacia de batatas descascadas, que foram direto para a sopa. O estranho voltou a provar a poção: – Excelente! Então acrescentou pensativamente: – Se tivéssemos um pouco de carne, faríamos um prato mais apetitoso.

Outra dona de casa saiu voando e voltou com um pedaço de carne, que o estranho aceitou cortesmente, colocando na sopa. Quando voltou a provar o caldo, ficou por instantes olhando o vazio e disse: – Ah, que saboroso! Se tivéssemos umas verduras, seria perfeito, absolutamente perfeito... Uma das vizinhas foi correndo até sua casa e voltou com uma cesta cheia de cebolas e cenouras. Depois de introduzir as verduras na sopa, o estranho provou novamente a sopa e, com um tom autoritário, disse: – O sal! – Aqui tem, disse a dona da casa. A seguir, outra ordem: – Pratos para todo mundo! As pessoas se apressaram para ir às suas casas buscar os pratos. Alguns regressaram trazendo ainda pão e frutas. Logo todos se sentaram para desfrutar da esplêndida comida, enquanto o estranho falava de suas muitas receitas de sopa. Todos se sentiam estranhamente felizes enquanto riam, conversavam e compartilhavam pela primeira vez sua comida. Em meio ao alvoroço, o estranho foi embora silenciosamente, deixando atrás de si a milagrosa pedra de sopa, que eles poderiam usar sempre que quisessem fazer a mais deliciosa sopa do mundo.

5 Subsídios litúrgicos

Confissão de culpa Dirigimo-nos a ti, Senhor, sabendo que nos enganamos de caminho. Andávamos tentando apalpar as paredes como cegos. Acreditávamos que o caminho que nos oferecias era suficientemente largo para podermos andar nele, levando junto nossos caprichos, os rancores, as ambições desmedidas, a dureza de coração e a idolatria. Agora nos encontramos na escuridão deste caminho, órfãos de ti. Apaga, por tua graça, o pecado que nos conduziu a este caminho equivocado. Orienta-nos mais uma vez para o caminho da vida, o estreito e difícil, para o caminho da cruz, o caminho da ressurreição e da vida. Em nome de Jesus, nós te pedimos. Amém. Bênção Que tuas mãos sejam sempre generosas e solidárias, e que teus passos transitem, firmes, no rumo da paz. Que teus ouvidos permaneçam abertos à voz de Deus e ao clamor de teu próximo, e que tua boca saiba pronunciar palavras que animem, que sanem, que perdoem, que denunciem a injustiça e anunciem a vida. Que brilhe teu olhar, puro, com a luz da esperança e que tua vida inteira reflita, em cada ato, em cada gesto, em cada som e em cada silêncio, o amor de Deus. Cantos LCI 171, 557, 567, 596, 605, 612, 616

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