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Crises conjugais
A arte da vida a dois O casamento é bênção Hospitalidade Mente aberta para a escuta Violência não! Perdoar Divórcio Começar de novo?
ÍNDICE
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vida de fé
A diaconisa Gerda Nied foi à periferia viver diaconia real
Ano 10 –> Número 46 –> Julho/Agosto de 2012
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No rastro do reformador, grupo viaja pela Europa
Homenagem aos 35 anos das Mães da Praça de Maio
turismo
direitos
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PROFISSÃO
Vivian Wachholz e sua paixão por voar
SEÇÕES
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ECUMENISMO
Religiões por direitos na Cúpula dos Povos
34 jovens Reflexões até a meia-noite
OLHAR COM HUMOR > 6 MOSAICO BÍBLICO > 6 ÚLTIMA HORA > 7 NOTAS ECUMÊNICAS > 8 DICA CULTURAL > 9 TESTEMUNHOS > 32 RETRATOS > 33 REFLEXÃO > 36 ESPIRITUALIDADE > 40 PENÚLTIMA PALAVRA > 42 NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2012
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AO LEITOR Revista bimestral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB, editada e distribuída pela Editora Sinodal CNPJ 09278990/0002-80 ISSN 1679-9052
Diretor Nestor Paulo Friedrich Coordenador Eloy Teckemeier Redator João Artur Müller da Silva Editor Clovis Horst Lindner Jornalista responsável Eloy Teckemeier (Reg. Prof. 11.408) Conselho editorial Clovis Horst Lindner, Doris Helena Schaun Gerber, Eloy Teckemeier, Ingelore Starke Koch, João Artur Müller da Silva, Marcelo Schneider, Nestor Paulo Friedrich, Olga Farina e Vera Regina Waskow. Arte e diagramação Clovis Horst Lindner Criação e tratamento de imagens Mythos Comunicação - Blumenau/SC Capa Arte sobre fotos: Diego Oliveira Impressão Gráfica e Editora Pallotti Colaboradores desta edição Aneli Schwarz, Aneliese Lengler Abentroth, Brunilde A. Tornquist, Clarisse Mosmann, Darcy Hugo Brandt, Donário Benke, Fernando Garske, Gabriela Zerbin, Helga Maria Brandt, Joaninho Borchardt, João Soares, Luciane Reichert, Marcelo Schneider, Micael V. Behs, Nelson Kilpp, Paula Oliveira, Roberto Soares, Rui Bender, Ruthild Brakemeier, Santiago, Simone Bracht Burmeister, Suzanne Buchweitz, Teresinha Humann, Vera Nunes, Verner Hoefelmann, Vilmar Abentroth e Vilnei Roberto Varzim.
Publicidade Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: editora@editorasinodal.com.br Assinaturas Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br www.novolhar.com.br Assinatura anual: R$ 30,00 Correspondência E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br Rua Amadeo Rossi, 467 93030-220 São Leopoldo/RS
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Amor e crise
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té que a morte os separe é uma expressão muito antiga. De tão tradicional, conta entre as coisas cujo real valor se perdeu no tempo. Não faz muitos anos que histórias de separação, dramáticas e traumáticas, despertavam espanto e burburinho. Agora está tudo invertido. Histórias de casais unidos por décadas é que causam admiração e estranheza. O normal hoje em dia é estar no segundo ou terceiro relacionamentos. Que seja eterno enquanto dure, dizia Vinícius de Moraes sobre o amor. É assim que se pensa sobre os relacionamentos. Muitos casais já começam uma relação com a certeza de que não será a sua única experiência. Ao primeiro sinal de problema, cada qual segue o seu caminho e busca outra companhia para seguir seus passos. As crises que abalam os relacionamentos sempre existiram. Atualmente, entretanto, parecem ter quase sempre a última palavra. Estamos menos propícios a enfrentá-las ou elas se agravaram, atingidas pelos respingos do consumismo que tudo rege em nossa sociedade hedonista? A presente edição da Novolhar decidiu não seguir o que um ditado popular recomenda: Em briga de marido e mulher não se mete a colher. Reunimos especialistas e buscamos ajuda para meter a colher nas crises conjugais, não para acusar ou criticar, mas para ajudar. Acreditamos na força do amor e não temos dúvidas: ele pode durar até mesmo a vida toda. Metemos a colher nessa temática para fortalecer relacionamentos, reconstruir pontes, refazer laços rompidos e – por que não? – reafirmar que o amor é duradouro. Em última instância, é somente ele, o próprio amor, que é capaz de renovar amores feridos, embotados ou magoados. O amor também é a marca de um movimento de defesa dos direitos humanos surgido há 35 anos em Buenos Aires, na Argentina. Gabriela Zerbin conta a extraordinária história das Mães da Praça de Maio e lhes rende emocionada homenagem. Outros relatos desta edição também revelam do que o amor é capaz. Isso transparece na história de vida da irmã Gerda Nied, que por amor viveu entre os mais pobres do Nordeste para ajudá-los, relatando sua experiência em livro. A união das religiões na Cúpula dos Povos em esforços pelos direitos humanos e pela sustentabilidade que preserva a vida na Terra é outro exemplo. O amor, sempre ele, é a nossa única chance. Equipe da Novolhar
opinião do leitor
LIVROS DA SINODAL
Parabéns
Evangelho simples
Quero lhes agradecer o exemplar de maio/junho e a assinatura da Novolhar. Acima de tudo, quero parabenizá-los pelo magnífico número sobre missão. O editorial e o artigo de Rui Bender foram tão claros. Como missióloga, fico muito feliz ao ver esse conteúdo e ênfase. Também gostei muito da última capa com todos os livros em português da Série Parceria na Missão de Deus. Sherron K. George – por e-mail Curitiba (PR)
Ler o artigo de Suzel Tunes sobre o “Resgate da fé simples” foi uma boa surpresa para mim. É uma boa notícia que no meio evangélico tem gente como o casal Paulo e Vera Siqueira. Os shows da fé estão ultrapassando todos os limites, e a teologia da prosperidade é um lastimável resgate do mundo de indulgências combatido por Lutero no século 16. Essa gente recolhe milhões e enriquece abusando da palavra de Deus. De fato, essas coisas envergonham o evangelho de Cristo. Explorar a esperança de salvação dos outros, ainda mais daqueles que sofrem e são pobres, é desprezível. Também concordo com o pastor Ricardo Gondim que o primeiro passo da missão é ver no próximo a imago Dei, e não uma fonte de enriquecimento. Gabriel Tilheiro - por e-mail Laguna (SC)
Quero parabenizar pelo conteúdo desta revista, que descobri pesqui sando um determinado assunto no Google. Deus os abençoe. Lourival Silva – por e-mail Araruama (RJ)
Última chance! Envie a história da construção do templo de sua comunidade. O texto deve ter até 2.500 caracteres com espaço e fotos em alta resolução. Prazo para envio das histórias é o dia 31 de agosto. Envie por e-mail: novolhar@editorasinodal.com.br ou para Editora Sinodal (Caixa Postal 11 - 93000-970 São Leopoldo/RS). O Conselho Editorial escolherá seis histórias para publicar nas edições da Novolhar em 2013.
Visite nosso site Os conteúdos de todas as edições da NOVOLHAR estão à sua disposição no site. Visite, consulte, faça uso: www.novolhar.com.br
Tema da próxima edição A edição nº 47, de Setembro/Outubro de 2012, tem como tema de capa EDUCAÇÃO. Como vai a educação em nosso país? Quais são os desafios nessa área? A educação é a base de um país.
por Verner Hoefelmann A sociedade brasileira caracteriza-se pelo pluralismo. Para compre endê-la, é preciso aprender a arte de juntar peças como em um jogo de quebra-cabeça. O pluralismo atesta que o ser humano experimenta o mundo de formas variadas, conferindo significados distintos às suas experiências. Por isso quem permanece aberto para o diferente pode ampliar horizontes, enriquecer sua vida, revisar valores e posições. Mas o pluralismo também apresenta suas ambigui dades. Como posicionar-se diante da avalanche de informações e apelos que se recebem diariamente? Este livro enfrenta a temática a partir de uma perspectiva cristã. Ser cristão deixou de ser algo natural em meio ao pluralismo religioso da sociedade. Por isso é necessário tomar consciência da identidade cristã. Por que ser cristão? O livro oferece sólida informação e orientação. A perspectiva bíblica está presente em cada página, assim como o horizonte confessional da Reforma luterana, mas sempre em atitude de abertura ecumênica e de diálogo com outras expressões de fé. A linguagem é simples e cativante, com clareza cristalina e profundidade. N VERNER HOEFELMANN é professor de Teologia na Faculdades EST em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2012
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olhar com humor
MOSAICO BÍBLICO
O livro entra em cena Além dos rolos serem desajeitados para carregar, o processo de encontrar uma passagem bíblica curta em um rolo longo era demorado. No século II, cristãos compilaram os livros do Novo Testamento. É provável que tenham sido os primeiros a eliminar o uso de rolos. Tiveram a ideia de juntar várias folhas de papiro ou pergaminho, dobrá-las ao meio e acrescentar mais folhas dobradas. Às vezes, o antecessor de nosso “livro” também era protegido por uma capa dura. Esse tipo antigo de livro era chamado de códice. O livro entrava em cena.
Códice Sinaítico A mais antiga cópia grega que contém todos os livros do Novo Testamento foi escrita pouco depois de 300 d.C. Chama-se Códice Sinaítico, pois foi encontrada no sopé do monte Sinai, no mosteiro de Santa Catarina. Em 1844, o estudioso alemão Constantin von Tischendorf estava visitando esse mosteiro isolado quando descobriu alguns pergaminhos com escrita grega antiga. Os manuscritos eram, na verdade, parte do Antigo Testamento, datado do século IV d.C.
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Empolgado com a descoberta, Tischendorf voltou ao mosteiro e, depois de algum tempo, encontrou folhas correspondentes a quase toda a Bíblia. Hoje, a maior parte do Códice Sinaítico é preservada no Museu Britânico em Londres. Outros manuscritos antigos importantes da Bíblia em grego são o Códice Vaticano, hoje na Biblioteca do Vaticano em Roma, e o Códice Alexandrino, também no Museu Britânico. Fonte: Bíblia Sagrada com Enciclopédia Bíblica Ilustrada – Sociedade Bíblica do Brasil – 2011
última hora
Curso nota dez Totalizando oito semestres, o curso oferece 30 vagas no vestibular. As inscrições podem ser efetuadas através do site www.est.edu.br/ vestibular. N
por Micael V. Behs
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MICAEL V. BEHS é assessor de imprensa da Faculdades EST em São Leopoldo (RS)
Divulgação Novolhar
comissão do Ministério da Educação e Cultura que visitou a Faculdades EST no final de maio atribuiu ao Bacharelado em Musicoterapia conceito cinco. A nota máxima caracteriza a excelência do curso e garante a renovação de seu reconhecimento. Na avaliação da coordenadora, Prof. Ma. Sofia Dreher, a excelência alcançada na avaliação do MEC consolida a “vitória de uma caminhada que vem sendo percorrida por muitas pessoas que passaram e ainda se encontram na Faculdades EST, pois um curso e uma instituição são cons truídos através do trabalho conjunto de funcionários, docentes, discentes e equipe diretiva”. Único no eixo Rio Grande do Sul/ Santa Catarina, em 2012 o Bacharelado em Musicoterapia da EST comemorou dez anos de funcionamento, sendo que 90% dos formados estão desempenhando atividades na área.
SOFIA DREHER: A avaliação consolida a vitória de uma caminhada percorrida por muitas pessoas
União de luteranos
O domingo de Pentecostes, 27 de maio, celebrou a união de três igrejas originadas da Reforma luterana no norte da Alemanha. As igrejas de Mecklenburg, Norte do Elba e da Pomerânia fundiram-se na Igreja Evangélica do Norte da Alemanha. A união foi celebrada em culto no templo de Ratzeburg. A nova igreja é a quinta maior da Alemanha, com 2,3 milhões de membros. A fusão une, pela primeira vez, igrejas luteranas que outrora estavam em lados opostos da Cortina de Ferro, a cerca de telas de arame fortemente vigiada que, ao longo de 1,2 mil quilômetros, dividia a República Federal da Alemanha (ocidental) da República Democrática Alemã (oriental) durante a Guerra Fria. Por conta das décadas de regime comunista na RDA, as igrejas enfraqueceram. No norte da Alemanha Ocidental, as igrejas eram tradicionalmente menos numerosas. N
Jovens luteranos na Rio+20 por Suzanne Buchweitz Um grupo de jovens luteranos participou da Cúpula dos Povos no Rio de Janeiro (RJ), o evento paralelo à Rio+20. Os 28 jovens da IECLB, pertencentes a dez sínodos, e seis de igrejas luteranas da Bolívia, Chile, Colômbia, Nicarágua, Suriname e El Salvador integram o projeto Criatitude-Rumo à Rio+20, da Secretaria Geral da IECLB, juntamente com a Fundação Luterana de Diaconia (FLD) e a Federação Luterana Mundial (FLM). O grupo integrou a Caravana da Juventude, organizada pela Rede Ecumênica de Juventude, a REJU, de cerca de 200 jovens e adultos. “O Criatitude-Rumo à Rio+20 começou em 2011 com a elaboração da Cartilha Criatitude, uma parceria do Conselho Sinodal da Juventude Evangélica do Sínodo Rio dos Sinos (Cosije), da Secretaria Geral da IECLB através da Secretaria de Educação e da FLD”, disse a coordenadora do Programa de Voluntários de Missão Internacional e pessoa de referência para assuntos da juventude, a diácona Simone Voigt. “A iniciativa coloca a juventude luterana como protagonista em um evento histórico, internacional”, afirmou a assessora de projetos da FLD, Marilu Nörnberg Menezes, N que coordenou o projeto. SUZANNE BUCHWEITZ é jornalista e assessora da Fundação Luterana de Diaconia (FLD) em Porto Alegre (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2012
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Paz justa
Notas ecumênicas Igualdade Historicamente, as igrejas evangélicas no Brasil sempre se omitiram em relação às questões racial, social e de gênero e desconhecem os anos de luta da negritude pelo reconhecimento de sua identidade no contexto do segmento evangélico. Waldicéia de Moraes Teixeira da Silva é pastora, professora e presidenta da Aliança de Negras e Negros Evangélicos do Brasil
A X Assembleia Geral do Conselho Mundial de Igrejas acontecerá em Busan, na Coreia do Sul, de 30 de outubro a 8 de novembro, sob o tema “Deus de Vida, conduza-nos à Justiça e à Paz”. Essa será a primeira vez que o CMI, fundado em 1948, realizará seu encontro maior no continente asiático.
Indagações Preocupamo-nos o suficiente para saber se as pessoas têm o que comer? Preocupamo-nos o suficiente em compartilhar o que temos, assim como fizeram os cristãos primitivos? Jerry Pillay é pastor sul-africano e presidente da Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas
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Verdade Vivemos numa sociedade em que predomina a mentira e devemos procurar a verdade com lupa. O Espírito Santo que recebemos é o espírito da verdade no meio de tanta desinformação. Armando Guerra Soria é bispo anglicano, primaz da Igreja na América Central
O Conselho Mundial de Igrejas promoveu de 28 de maio a 3 de junho a Semana Mundial pela Paz na Palestina e Israel. Faz mais de 60 anos que ocorreu a divisão da Palestina, e é tempo de alcançar a igualdade de direitos e curar feridas para conseguir um espírito de concórdia permanente entre israelenses e palestinos.
Cardeal da paz CARDEAL RODOLFO QUEZADA TORUÑO morreu aos 80 anos na Guatemala
Cardeal Rodolfo Quezada Toruño, 80 anos, da Igreja Católica da Guatemala, falecido em 4 de junho, era conhecido como o Cardeal da Paz. Sem dúvida, o cardeal Quezada Toruño deixa um enorme vazio na sociedade guatemalteca por sua entrega e labor na construção da paz em nosso país e na cessação do conflito armado interno. Seus aportes tiveram sempre no centro os setores mais vulneráveis da sociedade, e ele sempre propugnou por uma Guatemala diferente, marcada pelos valores do Reino de Deus. Vitalino Similox, pastor, em nome do Conselho Ecumênico Cristão da Guatemala
DICA CULTURAL
Quarto por Brunilde A. Tornquist
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ue tal entrar num Quarto diferente? Espero que você não sofra de claustrofobia, porque são apenas alguns metros quadrados. E ali transcorre toda a vida de duas pessoas, 24 horas ao dia, sete dias da semana, 12 meses ao ano, e isso já por sete anos. Entre, hoje ainda é um dia especial, é o aniversário de Jack – ele está fazendo cinco anos. Ele vai ter festa, mas uma festa pequena – só ele e sua mãe. Quando eu entrei nesse Quarto, não sabia bem o que me esperava. Encontrei uma mãe que havia conseguido construir um lar acolhedor e amoroso para seu filho em condições inimagináveis. Também conheci Jack, que parecia feliz. Nasceu e se criou ali, era o seu mundo. Não conhecia outro. Para mim, demorou um pouco até cair a ficha de que eu havia entrado num cativeiro. Estava dentro do Quarto onde uma jovem estava sendo mantida prisioneira há sete anos. Foi ali que nasceu Jack.
EMMA DONOGHUE: A autora e seu livro
A autora Emma Donoghue garante que se trata de ficção. Mas obviamente o livro nos remete a histórias reais que nos chocaram, como a de Josef Fritzl, o monstro de Amstetten, na Áustria, que mantinha sua própria filha Elisabeth presa no porão da casa, estuprando-a repetidamente e de cujas relações incestuosas nasceram sete filhos. Elisabeth não escreveu um livro, não nos contou os detalhes de seu sofrimento, suas angústias e medos, suas preocupações com os filhos que iam nascendo, suas esperanças, suas alegrias. No Quarto, a história é relatada a partir da perspectiva infantil, com a voz terna e original de um menino
A volta do bolachão No Brasil, o disco de vinil vem ganhando popularidade. Em São Paulo, a galeria Nova Barão no centro da cidade é o reduto dos colecionadores e fãs do vinil. Em 2011, a galeria, antes dominada por lojas de cosméticos, viveu um boom de novas lojas. Hoje são 14 lojas que vendem majoritariamente vinil. Segundo Márcio Custódio, da Locomotiva Discos, a popularidade do vinil na cidade vem crescendo com o aquecimento do mercado e a mobilização de DJs, lojistas e produtores de festas para popularizar e celebrar novamente
de cinco anos. O que, às vezes, torna engraçada e comovente a crueza da situação. Há redenção para Jack e sua mãe. A liberdade é conquistada pelos próprios protagonistas, com bastante acento na coragem da criança. Só que a libertação e a punição do vilão ainda não são o final feliz. O mundo fora do Quarto é novo, grande, estranho. Para Jack, foi um novo parto. Talvez também para a mãe. Muitas coisas se rompem nessa transição, menos o laço irrompível de amor entre mãe e filho. N BRUNILDE A. TORNQUIST é assistente editorial em São Leopoldo (RS)
o formato. “Apesar de a grande mídia ignorar o disco, estamos vivendo uma ‘vinilmania’”, empolga-se o proprietário, que acredita que o vinil é a maneira mais charmosa de ouvir música. “Nosso público ainda não está muito definido, mas vejo cada vez mais adolescentes descolados, que nunca compraram sequer um CD, interessarem-se cada vez mais por discos de vinil”, completa. Para Custódio, a maior dificuldade que os colecionadores e fãs encontram no Brasil é o preço. “Disco ainda é um artigo de luxo por aqui. Os preços ainda são altos e para poucos”, conclui. Fonte: www.dw.de
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CAPA
o casamento está em crise? o que faz com que o sonho do início vire um pesadelo? os relacionamentos e a sociedade pautada no consumo. como construir uma relação duradoura? 10
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Divulgação Stock.xchng
A arte da vida a dois
por Luciana Reichert
Não é dito antes para o casal que o casamento não é algo fácil, nem mágico e que vai dar trabalho. Muitos acham que um casamento de sucesso é só uma questão de sorte, e não é assim.
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Clarisse Mosmann, doutora em Psicologia Social
Arquivo Pessoal
les casaram e viveram felizes para sempre... A célebre frase, tão comum nos contos de fadas, parece ter ficado cada vez mais para as histórias infantis. Na vida real, os casamentos hoje em dia não têm sido tão duradouros assim. Segundo dados sobre a evolução dos estados conjugais dos brasileiros, contidos no censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de divórcios no Brasil quase dobrou de 1,7% para 3,11% na última década. As mudanças nas leis, menos burocráticas, fizeram com que aumentasse o número de casais que oficializaram sua separação. Mas, para a professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Unisinos, doutora Clarisse Mosmann, existem outros fatores. Segundo ela, hoje não existem mais tantas barreiras sociais. Com as mulheres no mercado de trabalho, as questões financeiras também não são mais um empecilho para o divórcio. “Hoje a separação é algo comum, não é visto como problema. As pessoas não se sentem mais forçadas a ficar em um relacionamento. Só ficam se estão satisfeitas”, observa. Os relacionamentos efêmeros também são uma mostra de nossa con temporaneidade. Sem amarras sociais, fazer e desfazer relações é encarado de forma natural. A psicóloga Teresinha Humann diz que os relacionamentos passageiros já fazem parte do mundo fast food, das coisas rápidas, em que impera a materialidade. “É importante definir o que provoca a busca pelo casamento e por que ele conserva a sua atração. As pessoas que pretendem buscar um comprometimento com o
outro revelam-se mais amadurecidas em um processo de volta à espiritualidade, ao sagrado e com uma absoluta liberdade responsável dentro das várias opções”, acredita. A fidelidade, considerada um dos pilares do matrimônio, deve ser um acordo estabelecido entre o casal. A psicóloga Clarisse comenta que, muitas vezes, esse “acordo” não entra em pauta para a conversa do casal. “Tem que haver habilidade para se comunicar, e isso também deve ser discutido”, revela. Segundo Teresinha, a fidelidade é o fundamento de um relacionamento feliz e de grandes realizações. “A fidelidade em sentido am-
plo, como o partilhar de sentimentos, cumplicidade e, em sentido estrito, o relacionamento sexual exclusivo são pilares sólidos de construção de uma vida conjugal feliz”, conta. FASES E CRISES – As psicólogas são unânimes em afirmar que os relacionamentos passam por fases, e essas fazem parte do ciclo da vida do casal. Para Clarisse, uma das fases mais delicadas do casamento é o nascimento do filho. “Nesse momento, o casal passa da conjugalidade para a parentalidade, há uma transição de homem e mulher para pai e mãe”, diz. O início da vida a dois também é um momento de adaptação. “Nesse começo, o casal tem por suporte apenas o desejo e a paixão. Depois vem a fase da consolidação da vida familiar e, no final, há a fase da colheita do matrimônio e da vida familiar”, fala Teresinha. Ela também aponta que, quando o casal precisa tomar algum tipo de atitude, como a mudança de casa, os novos desafios no trabalho, a aposentadoria, a saída dos filhos de casa ou ainda doenças e morte de algum familiar, é muito provável que sobrevenha uma crise. “Mas se ela for bem administrada, tem grande possibilidade do casal e da família saírem fortalecidos dela”, acredita. A síndrome do ninho vazio, quando os filhos saem de casa, é um perío do em que o casal necessita de uma readaptação. “Às vezes, acontece de o casal já ter perdido a conjugalidade e nem ter percebido. Só vê quando não tem mais os filhos em casa para se ocupar”, comenta Clarisse. Ela também destaca a falta de manejo com o dinheiro e o desemprego como situações que podem gerar crises na família: “Tanto a divisão das contas como a falta de dinheiro geram estresse, mas ainda é mais difícil para
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aquelas pessoas que não conseguem lidar com isso de forma mais realista e objetiva”. Conforme Teresinha, existem fatores externos e internos do casamento que são geradores de crises. Ela diz que os geradores externos de crise podem ser o cansaço do casal, a irri tabilidade gerada pelo frenesi da vida nas cidades, a solidão de muitos casais e famílias e até mesmo a alimentação inadequada. Já os geradores internos podem ser a negação das dificuldades, a recusa em pedir ajuda, a mentira ou as meias-verdades, culpar os outros pelas crueldades do mundo e superestimar as próprias capacidades, “acreditando que resolvo tudo ou que se resolve sozinho”. AMOR E ROMANTIZAÇÃO – Somente o amor não basta para ter um casamento duradouro e feliz. “Muitas vezes, as pessoas criam uma ideia de que no casamento vai ser tudo maravilhoso, fazem uma romantização e as dificuldades vão aparecer no dia a dia, com trabalho, contas a pagar, problemas com os filhos”, enfatiza Clarisse. Por isso a psicóloga reforça a importância da habilidade do casal em resolver os conflitos. “Pesquisas mostram que o amor não é tão relevante para a vida a dois. Há casais que se amam e não conseguem ficar casados. O casamento é uma construção diária com a outra pessoa”, explica. O diálogo, portanto, é fator de terminante, bem como resolver os conflitos assim que eles surgem, para não acumular decepções e amarguras na “caixa-preta” dos problemas: “Porque esse acúmulo de problemas não resolvidos a tempo pode ter um efeito bumerangue e vem com mais força depois”. Para Teresinha, o amor é o grande sentido para a vida no casamento. “Sem o verdadeiro amor, o casamento torna-se perecível. Ao
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escolher o caminho do amor, vão desfilar diante de nós situações inimagináveis para demonstrar a existência e o consequente júbilo que o amor conjugal é capaz de produzir na vida pessoal e familiar”, enfatiza. Ela acredita que o principal é a busca incansável, humilde e paciente de amar o marido e a esposa, o que importa na vida a dois. Mas existem estratégias para o relacionamento conjugal perdurar? Para Teresinha Humann, buscar as virtudes, especialmente a paciência, a humildade em aceitar nossos limites emocionais, físicos e materiais, parece
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Sem o verdadeiro amor, o casamento torna-se perecível. Ao escolher o caminho do amor, vão desfilar diante de nós situações que demonstram a existência e o júbilo que o amor conjugal é capaz de produzir na vida do casal. Teresinha Humann, Psicóloga clínica
ser o caminho. “Devemos escutar o cônjuge com o coração, praticar a hospitalidade dos sentimentos do outro. Enfim, estar aberto para buscar apoio em grupos de casais que querem se tornar melhores, sadios, serenos e que queiram enfrentar cada vez melhor as dificuldades que virão para tornar o casamento cada vez mais sólido e feliz”, afirma. Além disso, ela reforça que ficar mais feliz com o que se tem ao invés de ficar infeliz com o que falta e menos críticas de um para com o outro têm auxiliado muitos casais a tornar o “felizes para sempre” uma realidade. EDUCAÇÃO CONJUGAL – A doutora Clarisse Mosmann acredita que uma das estratégias para uma relação duradoura e promissora deveria ser iniciada antes mesmo do próprio casamento. “Como programas de educação conjugal, como cursos para casais, em que são ensinadas formas de resolver conflitos, problemas, mitos, comunicação, tudo sobre casamento”, comenta. Clarisse diz que esses cursos já existem nos Estados Unidos e que auxiliam nos primeiros cinco anos antes do casamento, período em que o casal se conhece. Ela fala que muitas pessoas acabam criando fantasias e expectativas sobre o casamento, em que tudo é mágico e, por isso, o curso para casais seria uma alternativa interessante. “Não é dito antes para o casal que o casamento não é algo fácil, nem mágico e que vai dar trabalho. Muitos acham que um casamento de sucesso é só uma questão de sorte, e não é assim”, ressalta. Ela também destaca que, ao contrário do que indica o senso comum, os casais que resolvem morar junto para testar se o relacionamento dá certo têm mais chances de se divorciar. “Pesquisas mostram que há um maior indício de separação entre os
José A. Warletta
REFLEXÃO: É necessário refletir sobre o casamento mais do que buscar saber os motivos do aumento no número de rupturas de relacionamento
casais que fazem o test drive antes do casamento. Os que de alguma forma oficializam a relação mostram que têm um comprometimento maior com o relacionamento do que aqueles que dividem o mesmo, que acabam desfazendo os vínculos mais facilmente”, conta. A psicóloga Teresinha Humann diz que mais do que buscar respostas para os motivos do aumento no número de divórcios, da ruptura
do relacionamento matrimonial, é necessário que as pessoas façam momentos de reflexão e façam perguntas constantemente: “Para que me manter casada/o? Ou o que eu quero com meu casamento?”. “Se os tempos sugerem uma espécie de relacionamentos líquidos, ou seja, sem um formato definido, cabe a mim buscar internamente uma resposta: O que eu quero ou o que nós queremos para nós, para nossa família?”, frisa.
Independentemente de dados estatísticos, que podem variar de região para região, mesmo com o número maior de divórcios há também um grande número de casamentos – que chega ser até maior do que as separações –, o que mostra que as pessoas ainda acreditam no casamento e que a que a felicidade pode estar ligada ao laço conjugal. N LUCIANA REICHERT é jornalista em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2012
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CAPA
O casamento é fonte de bênção por Darcy Hugo Brandt e Helga Maria Brandt
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asais em crise de relacionamento são cada vez mais comuns nas famílias da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Como lidar com essas situações que trazem tanto sofrimento? É possível evitar? Na IECLB, contamos com iniciativas de sínodos e paróquias que se preocupam com o assunto casais versus crises. Oferecem palestras, seminários, retiros, grupos de casais – tudo isso no intuito de um trabalho preventivo de auxílio aos cônjuges nos conflitos normais em uma relação de duas pessoas que convivem com amor, mas com diferenças que precisam ser resolvidas. Essas ofertas aprimoram a comunicação, o diálogo, a aceitação mútua, o perdão, o “renamorar”, enfim estimulam a investir na vida a dois. Esses trabalhos não resolvem crises de relacionamento, pois esses precisam de uma ajuda específica. Há um trabalho terapêutico para casais em crise em algumas paróquias. A IECLB disponibiliza um curso de psicologia pastoral que qualifica pessoas para ajudar casais/famílias em crise de relacionamento, que necessitam de um acompanhamento terapêutico. No entanto, não há como negar uma lacuna na IECLB nessa fundamental vertente de sua missão evangelística. “A família é como uma ponte que
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sustenta a pista de rolamento sobre a qual os filhos transitam em direção à vida”, afirmamos em nosso livro “Nosso casamento em barril de carvalho”. O casal de pais é o pilar dessa ponte... A vida na sociedade espelha a vida familiar, e bem sabemos como vai nossa sociedade... Cremos que o trabalho com casais é a grande oportunidade que também a IECLB tem para enfatizar o conceito de missão a partir do aspecto relacio-
AOS NOIVOS A palavra bíblica da Primeira Carta de João 4.17s nos desafia dizendo: “Amados, amemo-nos uns aos outros, porque o amor procede de Deus; e todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor”. por Carlito Gerber Se o amor procede de Deus, somos devedores do amor. Se amamos, parecemos com Deus, porque Deus é amor. O amor de Deus, no entanto, não é romântico, mas dramático, pois acontece no dia a dia de nossas vidas. E a vida é um drama. Às vezes nos divertimos, brincamos e damos risadas; outras vezes nos preocupamos, lutamos por sobrevivência e lamentamos perdas. A vida é tão dramática, que não há lugar para o amor romântico. Às vezes, somos tomados pelo romantismo e temos o desejo de ter um grande amor, como o de Cinderela, que com seu príncipe viveu feliz para sempre. Desconfio que a própria felicidade em nosso imaginário tende a ser romântica. Há quem pense na felicidade perene. Há quem passe a vida toda achando que a felicidade pode ser encontrada de repente e, então, pode aprisioná-la e fazer dela uma espécie de “gênio” da lâmpada de Aladim para atender todas as suas vontades, caprichos, sonhos e desejos. Há quem pense que, ao encontrar a
felicidade, a vida será sem problemas, dificuldades e sofrimentos. Mas a vida é um drama, em que há comédias e tragédias. Às vezes, podemos até dormir, mas ao acordar não podemos fugir de atuar no drama contínuo de nossas vidas. O dia do casamento é um bom dia para dizer: Não se iludam com o amor nem com a felicidade, pois tanto o amor como a felicidade integram o drama de viver a vida. Também da vida a dois! De agora em diante, vocês assumem o papel principal de atuar na vida matrimonial, como marido e mulher, tentando cada um com seu jeito agir com excelência na performance do casamento. Para um ator ou uma atriz, não basta ser bom no seu desempenho. Tem que dar o melhor de si! Essa excelência de atuação exige todo esforço e competência para fazer do casamento um drama admirável e honrado. Será que, numa cerimônia de casamento, é propício falar desse jeito do amor? Não seria um discurso redundante, já que chegaram até o
nal, ou seja, para atingir o coração das pessoas no que diz respeito às suas carências e necessidades emocionais, espirituais e vivenciais. Tudo começa com a família, também no sentido da espiritualidade ou mesmo da vivência nas atividades da IECLB. Não hesitamos em desafiar a IECLB para “oficializar” um trabalho voltado para casais, por exemplo credenciando pessoas a desempenhar tal atividade, criando uma secretaria,
abrindo um espaço específico para essa vertente. Não queremos nem podemos ignorar as várias e tímidas iniciativas existentes em nossas comunidades, como os “ cursos de noivos”. No entanto, em muitos casos, esses se limitam a um encontro isolado, com conhecimentos que não se voltam ao que é primordial para um casal saber quando vai enfrentar a vida matrimonial, como saber lidar com as
altar para receber a bênção de Deus porque sentem e prometem amor um ao outro? Talvez devêssemos falar de outra coisa! Talvez eu devesse falar da importância da fé na vida de cada um; da oração como prática diária e não só na hora do “aperto”; do envolvimento dos dois na vida da comunidade religiosa; no interesse e estudo da Bíblia! Ou eu deveria falar sobre um tema que tem a ver com realização pessoal e profissional, como, por exemplo, a importância do diálogo na vida do casal, a necessidade de ter tempo em conjunto para o lazer ou sobre a necessidade de equilibrar trabalho e vida familiar, e assim por diante. Sim, eu poderia falar desses assuntos. Mas penso que o amor é tudo na convivência, em especial na convivência de um casal. O próprio Jesus propôs à humanidade que a saída para os nossos problemas estaria no amor. E é por causa do amor que a vida se torna tão dramática. Sem amor, as forças internas de nosso ser estariam livres para agir e, em consequência disso, nos tornaríamos indiferentes ao outro, faríamos valer, a qualquer custo, os nossos próprios interesses. Mas o amor é o freio do individualismo, do indiferentismo e do egoísmo. Por isso ele é difícil de ser praticado. Ele exige de nós pelo menos duas atitudes, também na vida matrimonial: Primeira – A atitude de cada um querer conviver com a diferença que há no outro, sabendo que sempre haverá uma diferença entre vocês, da qual nenhum
dos dois pode fugir. Pois conviver é sempre viver com o diferente. Segunda – A atitude de cada um aprender com as diferenças do outro. Isso exige diálogo e lapidação de caráter. Pelo diálogo aprofundamos nosso conhecimento a respeito do outro e oportunizamos ao outro que nos conheça mais profundamente. É por isso que o diálogo exige transparência, sinceridade e, sobretudo, serenidade. A lapidação do caráter, por sua vez, ocorre pelo esforço de cada um de mudar a si mesmo para melhor servir ao outro, ser mais afetuoso e mais tolerante. E não se esqueçam jamais do principal, do fundamental: na prática do amor, Deus se faz presente. E Deus age em nossas vidas por meio da ação de outras pessoas. Portanto, tudo o que vocês fizerem um ao outro, seja em palavras e ações, façam-no lembrando Jesus, por meio de quem Deus revelou o amor dramático e que somente com esse amor podemos construir uma vida matrimonial consistente, sem a aparência romântica, mas cientes de que amar é agir no dia a dia, dando de si o melhor, assim que o outro se sinta acolhido e abençoado. Portanto só posso desejar a vocês que o sopro de Deus, o Espírito Santo, perpasse todo o ser de vocês daqui para frente. Amém. N
CARLITO GERBER é pastor escolar do Instituto de Educação Ivoti em Ivoti (RS)
diferenças que os caracterizam como indivíduos singulares. O ideal são pessoas preparadas, capacitadas, que tragam questões práticas e diárias que envolvem o relacionamento conjugal entre os dois EUs que irão conviver numa relação de 24 horas por dia. Casamento e relacionamento conjugal são um assunto complicado, porque, na prática, significam um saber administrar diariamente situações de conflito, o que exige não apenas sabedoria no emprego de táticas e técnicas de comunicação, mas também predisposição para reconhecer as próprias limitações e falhas, buscar orientação divina, como também disposição para pedir e conceder o perdão diário e indispensável, que leva à reconciliação e a colocar o relacionamento de novo nos trilhos e afastar o perigo das temidas crises de relacionamento, que nada mais são do que conflitos mal administrados na hora certa. Quando o casamento é uma fonte de bênção (e isso vem de Deus e da atuação dos cônjuges), a vida tem mais cor e mais sabor. O relacionamento conjugal precisa de comunicação e de investimento na relação. A partir dessa constatação, o divórcio é nada mais do que um atestado de fracasso, de incapacidade e de culpa. Fracasso, erro, culpa são pecados... mas graças ao gesto de Jesus não precisam indicar o fim de tudo, mas podem, sim, abrir caminhos em direção a uma nova vida mais próxima da “vida plena”, que Deus oferece a cada um que nele busca perdão, refúgio e fortaleza. Por isso a IECLB concede a bênção a divorciados, como encorajamento a uma nova etapa de vida sobre a qual Deus também quer agir e reger. O relacionamento conjugal pode ser um pedaço do céu ou do inferno – depende do que fizermos dele. N DARCY HUGO BRANDT é teólogo e pastor jubilado da IECLB HELGA MARIA BRANDT é catequista da IECLB em Navegantes (SC) NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2012
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A arte da hospitalidade por Vilnei Roberto Varzim
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o bater à porta de uma casa, somos recebidos por alguém. Como e quem nos recebe? Pode ser uma pessoa cuja característica marcante é ser hospitaleira. Ou não. Como é uma pessoa hospitaleira? É aquela que abre muito mais do que a porta; abre o coração. A hospitaleira é acolhedora, recebe com satisfação, mostra-se feliz com a presença de quem chega. Festeja a chegada e prepara o melhor em todos os detalhes. É possível sentir que ali a presença é esperada e bem-vinda. Há uma afabilidade contagiante, que só em pensar na partida dói. Mas o que faz dessa pessoa alguém capaz de aconchegar-se de forma tão carinhosa? Sem dúvida, é a importância que ela atribui àquele que chega. Romanos 12.10, ao falar da hospitalidade, diz algo maravilhoso: “Preferi-vos em honra”. Entendemos aí que deve ser uma honra receber e nunca uma carga. Casar também é o ato de abrir uma porta para receber alguém. Essa porta, a do coração, leva ao mais profundo de uma pessoa, onde alguém será acolhido e hospedado pelo resto de sua vida. Podemos simplesmente deixar que entre e ocupe um pequeno lugar nas dependências internas ou acolher com o mais confortável do coração. O “hóspede” sempre traz consigo malas, muitas malas. Malas cheias de histórias, de experiências, de alegrias, de dores e, principalmente, seu jeito único de ser. Ele sempre traz algo
que não se encaixa perfeitamente nos “armários internos” de quem o recebe, causando, assim, algum desconforto ou desacerto. O hóspede encontra dentro do outro algumas partes que também não lhe agradam, que provocam desconforto; afinal, “suas coisas” são diferentes. Está estabelecido o conflito. Conflito é o desencaixe dessas partes diferentes. É aí que entra o hospitaleiro, o que prefere em honra ao que chega. Preferir em honra não é abrir mão do que pensa e sente, nem jogar fora o hóspede. É encontrar lugar para que o igual e o desigual tenham espaço suficiente para não ficar desc onf ort ável para nenhum dos dois. A questão não é ter diferenças, mas o que se faz com elas. Numa relação, o ato de conversar é uma das maiores ferramentas; afinal, com o passar dos anos, terão muito tempo para conversar e, por isso, é importante que seja de alta qualidade. O hospitaleiro precisa ter a habilidade de ouvir os “porquês” do outro com atenção, buscando entendê-lo. Ouvir antes de reagir é importante; afinal, o outro pode ter
razões para pensar ou agir daquela forma. Um bom hospitaleiro usa a chamada escuta ativa, aquela que foca integralmente no outro, captando as mensagens verbais e, principalmente, as não verbais. Muitas vezes, a linguagem corporal e o tom da voz dizem infinitamente mais do que as palavras proferidas. Parece óbvio: quem ouve deve prestar atenção ao que lhe é dito. A verdade é que uma boa parte da informação de uma conversa não chega corretamente ou é mal interpretada pelo ouvinte. Isso acontece por excesso de informação, falta de concentração, estresse ou por várias outras razões. O hospitaleiro não tem pressa; tem atenção. Tem o desejo de que ambos estejam o melhor possível. Se a pessoa não for capaz de soltar o garfo na hora da refeição para ouvir o cônjuge ou o filho, ela não está preparada para viver uma relação. Não é hospitaleira no sentido completo da expressão. Não há fórmulas para a boa relação do hóspede e hospedeiro no casamento, até porque ambos ocupam
simultaneamente as duas funções. A fórmula é de cada casal, desenvolvida com paciência e tempo, buscando espaço para as diferenças sem que um seja dono do outro, muito menos da verdade. Um perigo que ronda as relações são pequenas sujeiras acumuladas nos cantos da “hospedaria”. Rancores, mágoas, questões não acertadas e, principalmente, não perdoadas podem constituir perigosas contaminações, que, com o passar do tempo, podem dificultar o convívio “em honra”. É recomendado que, de tempo em tempo, seja feita uma avaliação nesse convívio, removendo o que precisa, acrescentando o que falta e refazendo a afabilidade contagiante da chegada. Esse contágio não pode ter validade; tem que durar até o último segundo da estada do “hóspede” na vida do “hospedeiro”. É bom lembrar as palavras-chave de Romanos 12: Alegrai-vos, acudivos, abençoai-vos e, principalmente, N amai-vos. VILNEI ROBERTO VARZIM é psicólogo em Pelotas (RS)
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Helmut Gevert
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Mente aberta para a escuta por Teresinha Humann
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s crises conjugais são um tema sempre atual porque se trata de um assunto que pertence ao diário da vida a dois. Elas não se mostram sempre da mesma maneira. Vão apresentando mudanças de igual modo como são as rápidas mudanças que enfrentamos nas diferentes situações de nosso cotidiano. O relacionamento conjugal não é para todas as pessoas, indistintamente. O enfrentamento de crises é para aqueles casais que efetivamente
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querem o melhor para si mesmos e consequentemente para seu cônjuge, seus filhos, sua família, seu trabalho, seus amigos. Querem dar a oportunidade de realização neste estado de vida: o casamento. Tenho constatado na minha vida pessoal e também na profissional que a vida em casamento faz ao casal, ou às vezes somente a um dos membros, uma pergunta insistente: O que tu queres com o teu casamento? E essa pergunta exige uma resposta. O co-
mum das respostas é: Quero ser feliz. Naturalmente, ninguém casa com outro se não for para, no final, ser feliz. E o propósito de um casamento é, sem dúvida nenhuma, a felicidade. Porém ela constitui a finalidade e não o caminho, e é no caminho que ocorrem as crises. Olhando o relacionamento conjugal a partir daí, podemos perceber algo que vai além do próprio pensar ou do raciocínio lógico. Se eu quero ser feliz, não vou atingir esse intento se não for pelo caminho de fazer o outro feliz. E o caminho é propriamente o relacionar-se. Não existe outra maneira de ser feliz senão por meio do amor. Então o amor conjugal vai passar pelo caminho de fazer o outro feliz como meio para eu ser feliz. Se responder a pergunta: O que eu quero para minha vida ao lado dele? Ao lado dela?, então vem a minha decisão. E amar é uma decisão. Se eu tomar a decisão de amar, não vale mudar de decisão a toda hora, pois isso empurraria a felicidade cada vez mais para longe de mim, correndo o risco de nunca encontrá-la. O relacionamento conjugal, consequentemente, vai ter crises. Se não, não é relacionamento. Mas o relacionamento conjugal, aquele que eu busco para uma realização até o final da vida, esse vai trazer crises e, portanto, a cruz. Muitas vezes, a gente casa para sair de casa, não repetir a história de vida dos pais, fazer tudo diferente do que foi e frequentemente nos vemos às voltas repetindo comportamentos, falando até as mesmas palavras, enfim, repetindo tudo igual aos pais ou até pior. Então, qual é a saída? As pessoas “conjugadas” já tentaram de todas as maneiras criar caminhos alternativos. E se esgotarmos todas as possibilidades, sempre vai restar
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TERESINHA HUMANN é psicóloga clínica em Novo Hamburgo (RS)
Violência não! A agressão está muito presente na relação conjugal em crise. quem sofre mais com isso são as mulheres. A violência doméstica atinge 2 milhões de mulheres no Brasil a cada ano. por Paula Oliveira
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s crises mais comuns no casamento estão relacionadas às dificuldades de comunicação; as pessoas acham que conseguem dialogar, mas no fundo fazem acusações e não aprofundam o diálogo. Muitos casais alegam como causa principal da crise que estão passando: ciúmes, mudanças no modo de ver o relacionamento, o parceiro ou a si próprio,
traição, divergência na educação dos filhos e na resolução de problemas cotidianos, entre outros. A dificuldade de impor limites e equilibrar a relação também é um prato cheio para a crise. É comum, por exemplo, após anos de casamento, aquela parte que sempre cedeu mais achar que não recebeu o devido reconhecimento em troca e virar a mesa, o que leva à crise.
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CRISE: A violência machuca, humilha, constrange
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um único item sobre a mesa: não poderemos prescindir do relacionamento conjugal. A cruz de cada dia, concordo, é uma palavra dura, quase sem lógica para tempos que priorizam o conforto, o bem-estar e o imediato. E não se corromper diante das possibilidades que o mundo oferece através do telefone celular, da internet, do clique do controle da TV, da pornografia, do assédio sexual de toda ordem, do esconder os próprios sentimentos, adotando os dos outros como próprios, é para quem prioriza o relacionamento conjugal e faz escolhas. Procurar conhecer os meus sentimentos, falar deles para meu cônjuge e escutar dele os seus parece ser a saída. Escutar requer todo o meu ser. É como buscar ser um anfitrião dos sentimentos do outro, de maneira a ter uma mente aberta para não ser o primeiro a desfilar a opinião própria, a crítica e o julgamento. Tenho percebido que os maiores inimigos da escuta são o pessimismo e a ansiedade. E desses ingredientes temos uma farta linha de oferta. E, finalmente, os nossos sentimentos são espontâneos. Vêm sem que tenhamos controle sobre eles. E o amor conjugal não é sentimento. É uma decisão de “amar como Cristo nos amou”. Sendo assim, não há uma receita mágica para bem administrar as crises conjugais, mas com a mente aberta para a escuta com o coração é que seguramente vamos atingir a harmonia, superar desilusões, ter verdadeira intimidade, unidade, responsabilidade, confiança e diálogo em nosso casamento. N
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A psicopedagoga Carla Oliveira (43) foi casada durante onze anos, teve três filhos (dois meninos, 18 e 15, e uma menina, 6) e fala sobre sua experiência de vida a dois: “Quando duas pessoas decidem casar e constituir uma família, elas não têm ideia de tudo o que isso envolve. Estão apaixonados e querem compartilhar os sonhos”. Mas o fato é que são duas pessoas, cada uma com qualidades, defeitos, manias e que passam a viver juntas num mesmo espaço. Com o tempo, um vai conhecendo o outro assim como ele realmente é. “Essa convivência pode fortalecer o casamento, mas também desgasta a relação. Saber ouvir o outro, respeito, compromisso mútuo e a decisão de ser feliz junto: tudo isso exige um certo amadurecimento de ambos”, completa. Por que muitos casais passam por esses períodos sem viver uma crise e outros não? A resposta está na forma como o casal se relaciona e na estrutura emocional de cada um deles. Cada período pede adaptações específicas, e a forma como essa mudança afeta ou não um casamento depende muito de cada um dos parceiros e como eles lidam com as dificuldades. O objetivo maior é superar a crise, mas, às vezes, não é possível reatar a relação, como explica Carla: “Casei muito jovem e, infelizmente, desde o início, já havia desrespeito: ele desfazia o meu trabalho; e sempre quando havia discussão, ele falava muitos palavrões, chegando a me agredir várias vezes, inclusive na frente de nossos filhos”. Quando a crise vem acompanhada de violência, seja ela física ou psicológica, a coisa fica ainda mais séria: “Eu me sentia mal, culpada por ficar com alguém que não me
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respeitava. É difícil manter um casamento saudável tendo como pano de fundo a violência. A violência machuca, humilha, constrange, não é algo que combina com a vida a dois”. A ideia de abandonar a relação agressiva pode ser tão assustadora quanto a ideia de ficar. “Eu pensava que devia amá-lo do jeito que ele era, pois acreditava que esse era o desafio do casamento e que deveria ser para sempre... até que ele me traiu. Ele pediu desculpas, e eu perdoei”, conta a psicopedagoga. Aos poucos, voltou tudo de novo: traição, xingamentos, humilhações. “Decidi não aceitar mais essa vida. Divorciamo-nos, e hoje vivo bem com meus três filhos.” Muitas situações de violência contra mulheres acontecem simplesmente porque alguns homens acreditam que são “melhores” do que suas companheiras. Pensam que têm mais poder e levam as esposas a aceitar isso. Quando não são obedecidos, pensam estar no direito de fazer qualquer coisa: agredir, xingar, desvalorizar, só para fazer valer sua vontade. Independentemente dos motivos que levam à crise, é importante buscar ajuda e, dependendo da natureza do problema, buscar o apoio de um psicólogo, seja para fazer psicoterapia de casal ou individual. Ter em vista que existe ajuda profissional é importante, pois muitos casais vão passando por cima dos conflitos que surgem no decorrer do relacionamento, sem resolvê-los em seu íntimo. Então os conflitos vão se acumulando e tomando uma dimensão cada vez maior. N PAULA OLIVEIRA é jornalista em São Paulo (SP)
Perdoar – exercício de amor Senhor Jesus Cristo, ensina-nos a orar. Ajudanos para que nossa oração se faça poder, Que o poder se faça alegria E que a alegria venha a ser a riqueza de nossa vida. Dá que, ao gastarmos tal riqueza, vençamos todas as contrariedades.
Martim Lutero
por Anelise Lengler Abentroth e Vilmar Abentroth
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s contrariedades num relacionamento são muitas. Onde há convivência humana, ali há conflitos. Sempre estarão presentes construções pessoais moldadas pela origem familiar, escolar, comunitária e cultural, que determinam a compreensão de mundo, as noções de certo ou errado e os papéis sociais. Pequenos ou grandes problemas surgem por causa das diferenças... Diferenças de pensamentos, de sentimentos, de avaliação, da maneira de ser e de agir e dos sonhos, dos projetos de vida desejados individualmente. No relacionamento a dois, é preciso aceitar as histórias anteriores, vencer os segredos, confiar. Aceitar o
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PERDÃO: Diálogo não é somente falar ou ouvir. É mais...
outro e outra sem colocar condições. Amo ou não amo. Não há meio-termo! Não depende de momentos ou de acontecimentos. Nossa experiência pastoral e pessoal tem nos levado a sempre formular esta pergunta aos casais em dificuldades: “Para início de conversa: há amor de um/a pelo/a outro/a?” O amor ao qual nos referimos é aquele manifesto por Jesus diante da mulher flagrada em adultério (João 8.1-11). Aquele que aceita o ser humano finito, imperfeito e limitado. Porém procura modificar ações, palavras e estruturas sociais e culturais construídas, que causam dores e dificuldades. Morrie Schwartz escreveu, certa vez, que há algumas normas aplicativas ao amor. Se não respeitarmos a outra pessoa, vamos ter problemas. Se não soubermos ceder, vamos ter problemas. Se não conseguirmos falar abertamente sobre o que está aconte-
cendo conosco, vamos ter problemas. Se não tivermos um conjunto de valores comuns, vamos ter problemas. E o mais importante desses valores é acreditar na importância de nosso casamento. O reformador Martim Lutero, ao escrever sobre o louvor e a dádiva do Sacramento do Altar, observa que nem sempre os seres humanos percebem o seu pecado. É sempre mais fácil enxergar o cisco no olho do outro do que a trave em nosso próprio (Mateus 7.3). Então ele dá um conselho e diz: “Já que você está tão insensível, a ponto de não sentir pecado, morte etc., toque sua boca, nariz, orelhas, mãos e sinta se é carne ou pedra. Se for carne, vamos lá, então acredite na Escritura e não naquilo que sente. A escritura diz: ‘A carne milita contra o Espírito’ (Gálatas 5.17). Da mesma forma diz Romanos 7.18: ‘Nada há de bom na carne’ – e assim por diante...
Olhe a sua volta... Ouve e percebe adultério, roubo, engano, heresia, perseguição e toda espécie de vícios. Em tais situações, também você pode cair a toda hora, não só com o coração, mas também com atos”. O que fazer diante disso? Lutero propõe o Sacramento do Altar para o perdão dos pecados e a reconciliação com Deus e com o próximo. E no casamento? Para que o perdão aconteça, em primeiro lugar é preciso dialogar. Mas diálogo não é somente falar ou ouvir. Diálogo é antes uma atitude que assumimos frente à outra pessoa. Preciso conversar para saber o que ele ou ela sente, pensa ou quer. E somente conversando vou poder dizer o que sinto, penso e quero. É no diálogo que somos confrontados com a nova realidade do outro e somos desafiados a olhar para nossas próprias verdades e atitudes. É por isso que dialogar nas situações de crises e conflitos conjugais nem sempre é fácil. Pois ouvir o outro mexe comigo, e sempre vou perceber que há verdades naquilo que o outro diz. Quanto mais estivermos dispostos a compreender as razões, saber ouvir, calar e falar, mais chances damos para que o perdão aconteça. Perdoar é exercício de amor incondicional. É aprendizado constante, baseado no reconhecimento de falhas e erros que sempre cometemos. O perdão não garante que o erro não acontecerá novamente. É acreditar na importância de seu casamento, no amor ágape. É um andar de mãos dadas por caminhos de tropeços constantes. Levantar-se, reerguer-se, olhando para o horizonte. Eis o que Jesus nos ensinou. N ANELISE LENGLER ABENTROTH é teóloga e ministra da IECLB VILMAR ABENTROTH é teólogo e ministro da IECLB em Marechal Cândido Rondon (PR) NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2012
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Divórcio é saída? Até o divórcio transcorre um período marcado por conflitos e dificuldades de comunicação. quando tudo termina em aceitação, pode abrir novas possibilidades. por Clarisse Mosmann
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ados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam acréscimos anuais nas taxas de divórcio, o que naturalmente suscita o questionamento: o casamento está fadado a acabar? Se repararmos em outro dado, que é o número crescente de recasamentos, percebemos que não. Sim, os brasileiros estão se divorciando mais, mas também estão apostando em novas uniões, o que indica que as pessoas continuam acreditando no relacionamento conjugal. Nesse panorama em que a presença do divórcio é cada vez mais presente, tanto a sociedade como as famílias já não o encaram como um evento inusitado e traumático. Entretanto, sua naturalização não significa que não haja sofrimento para o casal que se decide divorciar, para seus filhos e a família. Sempre será o fim de uma caminhada em comum, que iniciou com muitos planos e expectativas e terminou em frustração e decepção. Os desdobramentos pelo fim de uma união são muitos, e as consequências emocionais estão intimamente ligadas à forma
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como o casal consegue lidar com esse momento. Até que o casal consiga se decidir pelo divórcio transcorre normalmente um longo período, que costuma ser marcado por conflitos e dificuldades de comunicação. Os conflitos são inerentes às relações humanas e conjugais, entretanto a forma de manejá-los e resolvê-los é que diferencia os casais que conseguem superar as crises e seguir adiante daqueles que terminam por se separar. A partir do momento em que o divórcio é uma realidade, os ex-cônjuges deparam-se com demandas práticas, como por exemplo a divisão de bens e acertos financeiros e emocionais, em especial a guarda e a educação dos filhos. A prole tende a ser o foco dos conflitos quando os ex-cônjuges não conseguem perceber que podem divorciar-se como casal e não como pais. A responsabilidade pelo sustento e cuidado dos filhos deveria permanecer sendo do pai e da mãe. Entretanto, muitos casais terminam transferindo suas desavenças para divergências na educação dos filhos, o que gera muito sofrimento para a prole, independente da faixa etária. Quando a comunicação efetiva não é mais possível, muitos casais optam por resolver essas questões
no sistema judiciário, instalando-se o litígio. Essa deveria ser a última solução, uma vez que a lentidão dos processos judiciais e a possibilidade de inúmeros recursos propiciam os chamados litígios intermináveis, situação em que os ex-cônjuges se mantêm brigando por anos a fio, simplesmente transpondo seus antigos embates conjugais para conflitos mediados pela lei. Esse processo culmina em ainda mais sofrimento para os ex-cônjuges e seus filhos, uma vez que essa não resolução dificulta que os mesmos possam seguir em frente com suas novas vidas. Nesse contexto, o advento da mediação familiar surge como alternativa importante, já que auxilia os casais a alcançar acordos e, principalmente, instrui-os para a relevância de que se mantenham presentes na vida dos filhos e desempenhem de forma equilibrada suas funções em sua educação. Em muitos casos, a separação é seguida por novas uniões, que acrescentam novos personagens, como madrastas e padrastos, irmãos políticos e de sangue. Esse cenário torna ainda
As novas regras d O número de divórcios no Brasil saltou de 1,8% para 3,11%. O principal motivo, segundo o IBGE, é a legalização de separações depois que as regras do divórcio foram facilitadas pela nova lei. Elas são bem menos burocráticas: Um casal sem filhos pode fazer o divórcio no cartório, em um tabelionato de notas, e a papelada fica pronta no mesmo dia. Quem tem filhos precisa ir para a Justiça. Por meio de um processo judicial, o Ministério Público intervém para proteger os interesses das crianças. Ainda é o pai que paga a pensão e a mãe que fica com a guarda da criança,
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Começar de novo?
mais complexa a tarefa das famílias em adaptar-se a essa nova etapa da vida, aceitando o fim de uma realidade e abrindo-se emocionalmente para acolher os novos membros. Cada família viverá esse processo à sua maneira, com desdobramentos inerentes à sua história. Entretanto, o nível de sofrimento e as conse quências emocionais resultarão da flexibilidade frente às novas necessidades. Se os ex-cônjuges conseguirem manter o respeito mútuo e priorizarem o bem-estar dos filhos, as chances de que esse seja um evento sofrido, mas que pode representar o fim de uma vida a dois infeliz e o início de novas histórias mais felizes são grandes e alimentam a esperança na felicidade. N
por Simone Bracht Burmeister
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CLARISSE MOSMANN é doutora em psicologia social e da personalidade em Porto Alegre (RS)
as do divórcio no Brasil mas cada vez mais pessoas optam pela guarda compartilhada, quando a criança pode ficar mais dias com o pai. Filhos maiores continuam recebendo pensão enquanto estudarem. Mesmo quando se tornam maiores de 18 anos e não têm condições de subsistência, terão direito a pensão até os 24 ou 25 anos. Perder o emprego não significa desobrigação automática do pagamento de pensão. O juiz pode determinar um valor menor no período. É importante oficializar a separação para evitar problemas depois, por exemplo, quando um dos dois compra um bem ou recebe uma herança. Se o divórcio não estiver no papel, o ex pode requerer a parte dele. Quando o casal não tem filhos e a mulher não trabalha, antes a Justiça determinava pensão para ela. Agora ela pode receber, mas apenas por um período, até conseguir um emprego. (Fonte: G1)
envelhecimento leva o indivíduo a fazer um balanço: o que fez, o que deixou de fazer, o que ainda quer fazer, se é feliz, se a vida foi e é satisfatória. Os pensamentos sobre a finitude, comuns nessa fase, levam muitas pessoas a perceber essa como a última oportunidade para buscar a felicidade. Nesse processo de balanço, muitos casais entram em crise. Alguns superam isso e reconstroem-se como casal, outros convivem numa acomodação nem sempre saudável e alguns decidem separar-se. As pessoas que hoje têm mais de 60 anos viveram épocas em que a separação não era aceita. Mantiveram seus casamentos em nome dos filhos, famílias, religião e sociedade. Agora que estão idosos, seus pais faleceram e seus filhos estão adultos, sentem-se à vontade para tomar decisões. A aposentadoria é tida como um dos motivos de crises conjugais. Com a rotina de vida, os casais têm em média quatro horas de convívio diário. Quando se aposentam, essa média passa para dez horas. Ao longo da vida, em função do trabalho, dos filhos e do ritmo que se impuseram, perderam intimidade, esfriaram a relação e se afastaram. Agora, aposentados, são dois estranhos. Para evitar essa crise, o casal deve cultivar sua relação ao longo da vida, permanecer unido, fazer planos juntos, compartilhar os sonhos de cada um, mantendo a relação viva e respeitando a individualidade. A aposentadoria vai exigir um recontrato de casamento. Durante a vida, esses contratos foram se estabelecendo e alterando-se conforme os
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filhos iam crescendo e as rotinas mudando. Quem paga as contas, quem vai ao super, quem leva e busca os filhos etc. Agora é hora de revisar o contrato: como vão ocupar o tempo livre, que períodos do dia estarão juntos, as tarefas domésticas, a cozinha e até a administração financeira. Apesar da aposentadoria e da crise da meia-idade serem considerados os vilões e provocadores da separação, a verdade é que o casal é seu próprio algoz, cuidando pouco ou nada de seu relacionamento. O casamento parece garantido para toda a vida. O casal trabalha, cuida dos filhos, compra uma casa melhor, mas não cuida dessa plantinha tão frágil, que é a relação a dois e a vida amorosa. As separações nessa fase da vida são sempre muito dolorosas. Ninguém imagina que o casal que parecia viver bem ou que já se “aguentava” há tanto tempo vai se separar a essa altura da vida. Na família, esse é um tema não muito fácil. O casal deve ter uma postura de informar sobre sua decisão para a família. A postura não deve ser de envolver os filhos na decisão, perguntando sua opinião. Se uma das partes não quer a separação, isso também deve ser colocado para a família, mas a título de informação e não como um pedido de intermediação para fazer uma das partes mudar de ideia. A separação é dos pais, e nessa decisão os filhos não devem interferir. Depois de definida a separação, os filhos devem participar das definições posteriores. O que será feito com os bens, a casa em que vivem, onde cada um irá viver, se ambos terão condições emocionais e financeiras para viver sozinhos e outras questões. A psicoterapia de casal pode funcionar como um meio de refazer contratos e recomeçar. Ou ajudar na separação, diminuindo raivas e rancores. Isso porque a psicoterapia é um espaço para falar sobre os sentimentos, sobre o passado, propor mudanças, expor sonhos e desejos. Pode ser um instrumento para o casal redescobrir-se e decidir continuar juntos. Ou oportunizar que os indivíduos avaliem as vantagens e desvantagens de manter uma relação insatisfatória e aceitem a separação. Quando a crise bater à sua porta, o melhor é aproveitar a imensa experiência de vida, as experiências com crises já vividas e a maturidade que só a terceira idade proporciona para resolver os conflitos. Assim, as crises conjugais nessa fase só farão os indivíduos crescerem e serem mais felizes, juntos ou separados. N SIMONE BRACHT BURMEISTER é psicóloga em Porto Alegre (RS)
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Fotos: Rui Bender
turismo
WORMS: Monumento em homenagem ao reformador Lutero
No rastro do reformador por Rui Bender
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raga, na República Tcheca, e Wittenberg, na Alemanha – duas cidades marcantes na história do protestantismo. Praga por causa de João Hus, e Wittenberg por causa de Martim Lutero. Hus foi precursor do movimento protestante um século antes de Lutero. Em razão de sua crítica à hierarquia corrupta da igreja católica, ele foi excomungado e queimado vivo em 1415. Mas, antes de ser imolado, Hus teria profetizado o seguinte: “Vocês hoje estão queimando um ganso (Hus sig-
nifica ganso na língua boêmia), mas dentro de um século se encontrarão com um cisne. Esse vocês não conseguirão queimar”. Coincidentemente, 102 anos depois, no dia 31 de outubro de 1517, Lutero, identificado como cisne, pregava suas 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg, dando o pontapé inicial à Reforma Protestante. Essas duas cidades históricas – Praga e Wittenberg – estiveram em maio no roteiro de 27 brasileiros ao berço do luteranismo. Não é à toa que Wittenberg é chamada de “Cidade de Lutero”. Pois essa cidade, considerada Patrimônio Cultural da Humanidade, concentra grande parte da história do reformador. Wittenberg é praticamente um museu a céu aberto. Visitá-la é empreender uma viagem para dentro da história da Reforma Protestante. Nela estão a igreja do castelo de Wittenberg, em cuja porta o reformador pregou as 95 teses em 31 de outubro de 1517, a casa onde Lutero morou com Catarina e seus filhos, a universidade em que ele lecionou e a igreja de Maria, na qual o reformador pregou mais de 2 mil vezes. Na igreja do castelo, estão lado a lado as sepulturas de Martim Lutero e de seu fiel colaborador Filipe Melanchthon, que também residia nessa cidade. Ali igualmente morava Lucas Cranach, pintor renascentista que abraçou a Reforma com entusiasmo e tornou-se amigo de Lutero. Para comemorar os 500 anos da Reforma em 2017, Wittenberg recebeu um jardim com árvores de várias partes do mundo: chama-se Jardim de Lutero. São 500 árvores que representam as igrejas-membro da Federação Luterana Mundial como um sinal de solidariedade e reconciliação entre as igrejas do mundo inteiro. A IECLB plantou uma cerejeira nesse jardim. Outra cidade importante no roteiro da Reforma é Eisleben. Tornou-
se famosa por ser a cidade natal de Martim Lutero. Ainda hoje podem ser visitadas ali a casa onde Lutero nasceu em 1483, a igreja em que foi batizado (no dia seguinte a seu nascimento) e o templo de sua última pregação. Lutero também veio a falecer nessa cidade em 1546. Eisenach é mais uma cidade marcante na vida de Lutero. Foi o lugar onde o menino Martim viveu sua infância. Mais tarde, já adulto, suas ideias reformistas valeram-lhe a perseguição por parte da igreja católica. Para protegê-lo, o príncipeeleitor da Saxônia, Frederico, o Sábio, escondeu-o no castelo de Wartburg. Durante sua estada nesse castelo, Lutero traduziu o Novo Testamento do latim para o alemão. Também Erfurt exerceu um papel importante na vida do reformador. Aos 17 anos, ele ingressou na universidade para estudar Direito. Foi nos seus anos de Erfurt que Lutero decidiu seguir sua vocação religiosa, entrando para o mosteiro agostiniano da cidade. Já em Marburg foi fundada, em 1527, a primeira universidade protestante de todo o mundo. Essa cidade tam-
bém foi marcada pela disputa entre os reformadores protestantes Lutero e Zwínglio, que se encontraram para debater suas divergências teológicas na primeira cúpula protestante, que malogrou. Duas outras cidades ainda foram importantes na trajetória de Lutero: Leipzig e Worms. Existem provas de que Lutero visitou a cidade de Leipzig cerca de dezessete vezes. Sua passagem mais importante ocorreu durante o verão de 1519, quando tomou parte na “Disputa de Leipzig” com o teólogo católico João Eck sobre a natureza do papado. Finalmente, em Worms, aconteceu um dos episódios mais dolorosos na vida do reformador. Em 1521, houve uma reunião de cúpula oficial, governamental e religiosa, chefiada pelo imperador Carlos V: a “Dieta de Worms”. Após essa reunião, o imperador redigiu um documento declarando Martim Lutero fugitivo e herege e proscrevendo suas obras. Enfim, sete cidades... que proporcionaram um mergulho na história da Reforma Protestante. N RUI BENDER é jornalista em São Leopoldo (RS)
CASTELO DE WARTBURG: Quartinho em que Lutero traduziu o Novo Testamento
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direitos humanos
Madres heroínas 35 anos após a primeira autoconvocação das Mães da Praça de Maio, refletimos sobre um dos movimentos de defesa dos direitos humanos mais importantes do mundo. por Gabriela Zerbin
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ntre 1976 e 1983, a Argentina viveu a ditadura militar mais sangrenta de sua história. A Junta Militar – integrada pelo tenente-general Jorge Rafael Videla, pelo almirante Eduardo Emilio Massera e pelo general de brigada Orlando R. Agosti – impôs o terrorismo de Estado por meio de um projeto
dirigido para destruir toda forma de participação popular. O regime militar instalou a repressão contra todas as forças democráticas com o objetivo de submeter e instaurar o terror na população e assim impor a “ordem”, sem nenhuma voz dissidente. Es-
Divulgação Novolhar
SÍMBOLO ARGENTINO: A marca do lenço na famosa praça registra a luta das mães que buscavam informações sobre seus filhos
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tudantes, sindicalistas, intelectuais, profissionais e outros foram sequestrados, assassinados e “desapareceram”. Enquanto isso, muitas pessoas exilaram-se do país, perseguidas por incontáveis ameaças. Os organismos de direitos humanos não podiam atuar com todas as suas forças. Somente em 1982 começaram a mobilizar-se. Mas as que estiveram presentes, ruidosas com suas marchas de silêncio, foram as mães. São elas que, em que pese o terrorismo do Estado, saem para as ruas. No dia 30 de abril de 1977, um sábado, um grupo de catorze mulheres escolhera um flanco da Pirâmide de Maio (na Praça de Maio, em frente à Casa do Governo) para falar de seus filhos e filhas desaparecidos. Hoje, 35 anos depois, é um dos movimentos de reivindicação social e de defesa dos direitos humanos mais importantes do mundo. “Eu deixava minha casa de manhã à noite. Às vezes, ia de madrugada para fazer fila nas portas dos quartéis e das prisões. Nós mães íamos nos encontrando nos diferentes trâmites na praça para descobrir onde estavam nossos filhos. Continuamos encontrando-nos na praça, trocávamos informações, mas nenhuma conseguia resultados positivos. Então Azucena (mãe sequestrada e assassinada) disse que tínhamos que fazer todas por todos”, lembra uma das mães da Praça de Maio. Ulisses Gorini, autor de “La rebelión de las Madres” (Rebelião das Mães) e “La otra lucha” (A outra luta), assegura que “o surgimento das Mães foi a passagem política mais extraordinária da história argentina”. Considerado por muitos como o biógrafo das Mães, Gorini disse que “na reflexão, ‘da casa à praça’ sintetiza esse passo que as mães dão do âmbito privado, familiar e doméstico
ao cenário político por excelência, ao cenário da luta política. Porque essa passagem implicou uma duríssima transformação individual e coletiva, profundamente dolorosa”. O grande valor que as Mães têm constrói-se no próprio momento de seu surgimento, na época da resistência ao terrorismo de Estado. Um valor incalculável, que hoje mantém vigência absoluta. E não poderia ser de outra maneira se frente a uma sociedade aterrorizada e contra setores cúmplices da ditadura elas mostraram uma capacidade de luta que pouca gente mostrou. Outro grande valor, que escassos movimentos sociais conseguiram, é a permanente transformação e nisso mostraram outra singularidade. “Em geral – explica Gorini –, os movimentos sociais nascem em torno de um conjunto de reivindicações e acabam esgotando-se nessa luta ou ao menos terminam marcados pelo núcleo reivindicativo que lhes deu origem. Ao contrário, para as Mães, o tema da busca de seus filhos e sua aparição com vida levou-as por caminhos que lhes permitiram ampliar cada vez mais sua visão de política e de mundo. Ou seja, o núcleo de seus interesses ampliou-se cada vez mais; até opinaram e atuaram em todos os planos da política. O drama pessoal mobilizouas no começo, numa reação em que se mesclaram o amor, o instinto, o desespero, o medo. Mas depois foi mais além.” As Mães transcendem governos, transcendem a história de um país, a luta pelos direitos humanos. Celebrar seu aniversário permite-nos ser cúmplices de sua luta. As Mães permanecerão na história argentina e mundial como heroínas. “Elas fizeram a maior epopeia feminina de nossa história.” N GABRIELA ZERBIN é jornalista em Buenos Aires, Argentina
Arquivo Pessoal
profissão
Disciplina e convicção: Marcas da carreira da comissária Vivian Wachholz
Paixão por voar por Vera Nunes
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data para a entrevista com a aposentada Vivian Wachholz não poderia ser mais perfeita: 31 de maio, Dia do Comissário de Voo. Vivian trabalhou durante 32 anos na Varig, uma “paixão dos gaúchos”, e começa a recordar as aventuras e os momentos especiais pelos quais passou, lembrando os tempos de glamour da aviação. Com o inglês e o alemão fluentes, aos 21 anos, foi selecionada para a escola da Varig, ficou três meses no Rio de Janeiro e, depois de alguns voos nacionais, passou praticamente a viajar apenas para o exterior. Com um pouco mais de esforço, aprendeu japonês e passou dois anos morando em Los Angeles e voando para o Japão. “A aviação dá-nos muitas oportunidades, mas também é preciso ter a cabeça no lugar”, adverte a ex-aeromoça. O fato de viajar a lugares onde não se é conhecido, fazer passeios, frequentar restaurantes pode deslumbrar quem não tiver seus valores bem fortalecidos. A fonte de inspiração, no caso de Vivian, foi a igreja. “Quando estava ainda no
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cursinho no Rio, eu procurei a igreja local. Para não deixar de participar, chegava a ir uniformizada ao culto, e isso ajudou-me a ser diferente num ambiente como é o da aviação”, garante. Focada e disciplinada, passou a chefiar a tripulação de comissários e ser responsável por toda a documentação dos passageiros, pela segurança, pelo conforto e pelo apoio em qualquer situação. Foi nessa época que passou por uma das grandes provações de sua vida, ao conhecer um seminarista, que hoje é pai de seus três filhos, Nilo Wachholz. “Muitas pessoas quiseram ‘me tirar dessa vida’, mas os fatos foram mostrando a importância do meu trabalho, especialmente quando engravidei da minha primeira filha”, diz, recordando que a responsabilidade com um bebê mudava seus planos de abandonar a carreira. Vivian lembra do desafio de deixar as crianças em casa, quando uma rinite alérgica se manifestava toda vez que era preciso arrumar as malas. “Mas
Vera Nunes
LEMBRANÇAS: Após 32 anos como comissária de bordo na Varig, Vivian ainda guarda o uniforme de aeromoça e a boneca da Estrela que despertava o sonho de seguir a profissão nas meninas nos tempos em que a atividade envolvia muito glamour.
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Deus sempre me iluminou, mostrando o melhor caminho”, garante. A sua escolha profissional, no entanto, não significou somente separações. Foi também uma grande bênção para seus filhos. “Eu pude mostrar o mundo a eles. Desde pequenos, tiveram oportunidade de conhecer outros países, outras culturas e, com isso, escolher o melhor para si”, observa, referindo-se ao direito a duas passagens anuais para os familiares, concedidas pela empresa. “É uma profissão muito bonita, que nos oportuniza momentos diferenciados”, salienta, citando as celebridades com quem já viajou: Pelé, Guga, Xuxa, Sílvio Santos e até mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e sua esposa, dona Rute. Mas talvez uma das passageiras mais marcantes foi a escritora infantil Telma Guimarães, com a qual acabou fazendo amizade em pleno Dia das Mães, após atender seu marido, que havia passado mal durante o voo. Lidar com essas situações, aliás, está no manual básico da profissão.
“Para ser comissário, é preciso, em primeiro lugar, gostar de pessoas, mas é preciso querer ajudar e saber lidar com o inusitado”, observa. Vivian socorreu um passageiro que enfartou no avião e teve que conter outro em estado alterado. Passou por sustos, como a perda de altitude, um “cavalo de pau” da aeronave, a batida de um caminhão na asa do avião na pista e a decolagem em meio à nevasca, obrigando o degelo do avião antes da partida. Para enfrentar tudo isso, além do preparo, diz ela, é preciso ter fé. “Sempre orei muito nessas horas”, salienta. É necessário também abrir mão de muitas coisas, como datas festivas, aniversários e casamentos de amigos e parentes. Ficar sozinha num quarto de hotel também não é fácil. “É fundamental ter uma boa estrutura psicológica”, aconselha. Mas a grande dica para quem está começando: acima de tudo, é preciso gostar daquilo que se faz. “Só assim é possível ser feliz. Em qualquer profissão.” N VERA NUNES é jornalista em Porto Alegre (RS)
Literatura
Catálogo com 350 títulos por Rui Bender
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m torno de 350 títulos, distribuídos pelas áreas da teologia, educação cristã, edificação de comunidade, psicologia e autoconhecimento, compõem o catálogo da Editora Sinodal, que este ano completa 85 anos de existência. Anualmente, são lançados 35 novos títulos, e 40 obras são reeditadas. Como qualquer outra editora, a Sinodal também lida com a incerteza e de certa forma aposta nos lançamentos para garantir sua sobrevivência. A Editora Sinodal completa 85 anos com uma saúde financeira satisfatória. “Considerando que cada novo título é um investimento, a Sinodal tem um respeitável valor em livros registrado em seu patrimônio ativo”, explica Eloy Teckemeier, diretor há 23 anos. Ele assumiu em 15 de maio de 1989 a convite do então Conselho Diretor da IECLB. “Salários são pagos em dia, o recolhimento dos encargos
sociais é feito pontualmente e fornecedores recebem na data marcada, o que se pode considerar uma boa saúde financeira”, conclui Eloy. Em novembro de 2007, foi criada a Associação Sinodal de Editoração (ASE), que dá cobertura jurídica e administrativa às atividades da Editora Gráfica Sinodal. São membros da ASE quatro sínodos. Cada um tem dois representantes na Assembleia Geral. Na Assembleia Geral, elege-se a diretoria integrada por três pessoas: presidente, vice-presidente e secretário, que, juntamente com o diretor-geral, definem as políticas e estratégias, fixam metas e promovem a avaliação do desempenho dos diferentes setores da editora. A direção executiva da Sinodal é composta por um diretor-geral e dois gerentes (editorial e vendas/publicidade). Atualmente, a editora conta com 23 colaboradores, sendo 12 mulheres e 11 homens. “Temos pouca rotativida-
de, tanto que a Sinodal é conhecida por sua estabilidade funcional”, orgulha-se Eloy. 61 por cento dos colaboradores já têm mais de cinco anos de casa. “Todos têm um alto grau de comprometimento com os objetivos, propósitos e metas fixadas anualmente”, confirma o diretor. E quanto ao futuro? Eloy vislumbra três grandes desafios. Primeiramente, poder continuar publicando livros nas áreas para as quais a editora foi pensada e projetada no passado. Em segundo lugar, sobreviver dentro de uma realidade brasileira em que o hábito da leitura ainda não se desenvolveu adequadamente. E, finalmente, ser editora dentro de uma “realidade” virtual, adaptandose também num futuro próximo ao livro digital/virtual. N
RUI BENDER é jornalista em São Leopoldo (RS)
VIDA DE FÉ
Ligar o céu à terra Arquivo Pesoal
a diaconisa luterana gerda nied não quis exercer sua vocação diaconal num hospital. preferiu a periferia de cidades do nordeste e escreveu um livro sobre sua experiência. por Ruthild Brakemeier
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terrar o céu (Den Himmel erden) – sob esse tema reuniram-se representantes de instituições diaconais em Berlim, Alemanha, em março deste ano. Seu objetivo era refletir sobre formas de desenvolver a diaconia nas comunidades eclesiais. “Aterrar o céu? Mas o céu já está aterrado há muito tempo! Ele foi conectado à terra pela vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Na sua vinda, podemos reconhecer o início do reino de Deus em nossa terra. Onde havia pessoas doentes, desamparadas, desoladas, sedentas por amor e dignidade, ali estava Jesus. Deus mostrou em Jesus que não abandonou o mundo que criou. Isso nos dá força, orientação e alegria para a tarefa que chamamos de diaconia comunitária”, definiu o pastor Ulrich Laepple em palestra durante o encontro. Pessoas sedentas por amor e dignidade estão por toda parte. Para vê-las, não é necessário ir muito longe. O próximo está perto de nós. Mas também pode acontecer que Deus envia pessoas a lugares distantes, para que
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ESTRATÉGIA: Morar entre a população pobre
também ali fique evidente que o céu está conectado à terra. Foi o caso da irmã Gerda Nied. No livro “Apesar de Tudo Abraçar a Vida”, ela conta como Deus a chamou e guiou para ser diaconisa em lugares distantes de sua terra natal e longe de suas colegas irmãs. Nos anos 1960, quando a jovem Gerda veio à Casa Matriz de Diaco nisas como candidata a diaconisa, foi preparada para trabalhar na área da enfermagem em hospitais. Mas o trabalho hospitalar não a satisfazia, apesar de ver que os doentes nas instituições também precisam de uma “irmã” que lhes dá amparo. Gerda descobriu que sua vocação era outra. O Jornal Evangélico trazia informações sobre famílias empobre cidas que abandonavam para sempre seu rincão natal a fim de enfrentar um destino desconhecido na região amazônica. Sua situação era preocupante. Por isso a direção da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) resolveu enviar obreiros à Rondônia. Uma obreira que aceitou o desafio foi irmã Gerda.
Transcrevo um pequeno trecho do livro que mostra o tamanho do desafio: “Uma mulher está em trabalho de parto, e a parteira já não sabe o que fazer. O médico está em viagem. De repente, o coordenador do INCRA lembra-se da irmã da Igreja Luterana. E logo depois, para diante da minha porta um jipe com motor ligado, trazendo uma mulher aos gritos, acompanhada do marido. O coordenador me explica a situação e pede-me, insistentemente, ajudar nesse parto. Leva-nos para o hospital desocupado, e lá começo a preparar o parto. O quase pai caminha pelo quarto de um lado a outro, de arma na mão. Em voz alta, promete matar o coordenador no caso do parto ser malsucedido. Então volta a rezar um Pai-Nosso e, assim, caminha pela sala, ora fazendo isso, ora aquilo. “A mulher está muito nervosa. Quanto a mim, procuro manter-me calma, apesar do perigo, e tento transmitirlhe segurança. Passamos a conversar. Fazemos exercícios de respiração. Aos poucos, ela fica mais calma. A respiração se normaliza, ela se torna mais tran-
quila e obedece às minhas instruções. Durante quatro horas, tive que ouvir as ameaças e os Pai-Nossos. Finalmente, a criança nasceu! O menino está bem, e o pai, todo orgulhoso do filho. Muito feliz também ficou o coordenador. O parto foi bem-sucedido, a aventura, coroada de êxito.” Irmã Gerda trabalhou na Rondô nia durante nove anos. Atacada fortemente pela malária, foi obrigada a seguir adiante. Onde trabalharia agora?
Numa viagem ao Maranhão, acompanhando um pastor itinerante, teve a inspiração de permanecer em Balsas. Para aquela região haviam migrado famílias gaúchas evangélicas. Gerda pensou: “Deve ser possível construir uma ponte entre os fazendeiros gaúchos e maranhenses, de modo a formar uma única comunidade cristã”. Sua estratégia foi morar entre a população pobre, numa de suas casas de taipa, e ocupar-se com as crianças.
Uma vez conquistada a confiança da população, Gerda sugeriu a organização de uma horta comunitária e a construção de um centro comunitário. Não foi fácil unir as duas culturas numa mesma igreja. Mas o investimento naquele projeto não ficou sem frutos. O livro da irmã Gerda conta histórias tocantes de pessoas que recuperaram seu ânimo de viver. Após oito anos, Gerda viu que poderia seguir adiante. Dessa vez escolheu o nordeste pernambucano, onde iniciou um trabalho numa favela. As histórias relatadas nesse capítulo do livro são diferentes das outras, mas têm o mesmo enfoque: fazer as pessoas sentirem que Deus não as abandonou. Entrando na fase da aposentadoria, Gerda quis descansar no Balneário Piçarras (SC). No entanto, não aguentou ver crianças brincando no esgoto da rua. Iniciou mais um projeto, que chamou “Caminhar Juntos”. “Com certeza não foram anseios de autorrealização que me levaram a colocar-me ao lado de pessoas pobres, mas a certeza de que elas são amadas por Deus”, justifica Gerda. N Ruthild Brakemeier é diaconisa na Casa Matriz de Diaconisas em São Leopoldo (RS)
Uma obra com um desafio diaconal
Apesar de tudo abraçar a vida Gerda Nied – Gerhilde Merz Gráfica e Editora Otto Kuhr Blumenau, 2012 – 240 páginas
A obra “Apesar de tudo abraçar a vida” é um importante relato da caminhada histórica da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, encarnada na vida e obra da irmã diaconisa Gerda Nied. Para essa intrépida missionária, falar do amor de Deus é muito mais do que pregação e anúncio. É diaconia concreta em meio aos pobres. Ela viveu no meio deles. Experimentou as privações pelas quais eles passam e buscou formas diacônicas de ajuda, com base em projetos com os pés no chão em Rondônia, no Nordeste e, mesmo depois de aposentada, em Balneário Piçarras. No livro em que conta a sua história, ela diz que não quer dar destaque a si mesma. “Gostaria de mostrar a importância da diaconia junto a pessoas que estão à margem da sociedade e às quais podemos levar um sinal do amor de Deus”, escreve ela. Ler essa obra é um desafio. Ela pode causar uma reviravolta em sua vida.
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testemunhos
Joana, a esposa de Herodes sobre crianças
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para ele. Mas Jesus não me julgou. Ao contrário, envergonhou aqueles que queriam me humilhar e lhes fez graves reprimendas; a mim solicitou que eu seguisse meu caminho. Depois disso, todas as frutas insípidas da vida tornaram-se doces em minha boca e as flores inodoras passaram a exalar uma fragrância inebriante em minhas narinas. To r n e i - m e uma mulher de memória sem mácula, e eu estava livre; nunca mais precisei abaixar a cabeça. N Fonte: KHALIL GIBRAN – autor do livro “Jesus – Filho do Homem”, Editora Sinodal
Arte: Roberto Soares
esus nunca se casou, mas era amigo das mulheres; ele as tratava assim como elas desejavam ser tratadas: com gentil compa nheirismo. Ele também amava as crianças assim como elas desejavam ser amadas: em confiança e compreensão. No brilho de seus olhos havia um pai, um irmão e um filho. Ele sentou uma criança em seus joelhos e disse: “Delas vêm o poder e a liberdade de vocês; delas é o reino espiritual”. Dizem que Jesus não observava a lei de Moisés e que ele era indulgente demais com as prostitutas de Jerusalém e das redondezas. Eu mesma fui acusada de prostituta naquele tempo, porque amava um homem que não era meu marido; ele era um saduceu. Certo dia, os saduceus invadiram a minha casa quando meu amante estava lá comigo, agarraram-me e me prenderam, enquanto meu amante fugia, deixando-me sozinha. Então me levaram até a praça onde Jesus estava ensinando. Eles queriam me usar para colocá-lo à prova e armar uma cilada
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retratos
Um sábio conselheiro por Nelson Kilpp
Arte: João Soares
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uitas pessoas tornaram-se importantes porque receberam estímulos decisivos de parentes e amigos e tiveram a grandeza suficiente para aceitar conselhos de outros. Isso também aconteceu com o mais importante líder do povo de Israel: Moisés. Estímulos decisivos para cumprir sua missão de libertar o povo do Egito e liderá-lo no caminho à terra prometida Moisés recebeu de sua esposa e de seu sogro. O início da relação entre Moisés e Jetro deu-se com um gesto de hospitalidade por parte desse. Êxodo 2.1522 relata que, ao fugir do Egito para escapar das mãos do faraó, Moisés chegou a um poço na terra dos midianitas, uma região desértica ao norte da Península Arábica. Esse poço fornecia água para os rebanhos de cabras e ovelhas. Quando sete mulheres que queriam dar de beber a seu rebanho foram hostilizadas por outros pastores, Moisés defendeu-as e ajudou-as a dar de beber aos animais. Essas mulheres eram filhas do sacerdote midianita Jetro (também chamado de Reuel, que significa “amigo de Deus”). Como sacerdote, esse tinha autoridade e influência entre seu povo. Ao ouvir de suas filhas que um egípcio as ajudara, Jetro oferece ao estrangeiro a hospitalidade de sua casa, o que incluía proteção e a possibilidade de viver como um membro
da família. A convivência na família resultou no casamento de Moisés com uma das filhas de Jetro: Zípora. Durante essa sua estada, Moisés também teve seu encontro com Deus e foi chamado para retornar ao Egito e libertar os israelitas da escravidão. Com a mesma abertura com que havia aceito Moisés como membro de sua família, Jetro também aceita agora os motivos alegados pelo genro para sair de casa. Em nenhum momento, ele acusa Moisés de ingratidão por abandonar a família depois de ter sido tão bem recebido nela. Pelo contrário, ele entende a situação e despede-o com uma bênção: “Vai-te em paz!” (Êxodo 4.18). Além de saber acolher bem, Jetro também sabe quando é hora de deixar partir. O reencontro entre genro e sogro dá-se somente após o êxodo de Israel do Egito. Quando o povo estava no
deserto, a caminho da terra prometida, Jetro vai ao encontro de Moisés e propicia o encontro da família (Êxodo 18.1-12). Depois de contar as novidades e celebrar o reencontro da família, Moisés volta às tarefas cotidianas de liderar um povo: “No dia seguinte, assentou-se Moisés para julgar o povo; e o povo estava de pé diante de Moisés desde a manhã até o pôr do sol” (Êxodo 18.13). Esse versículo mostra que o povo liberto ainda tinha problemas que precisavam ser resolvidos. Viver em sociedade traz problemas e conflitos. Há muitos casos jurídicos. Nem tudo é perfeito no povo de Deus. Moisés tem que resolver todos os problemas. Por isso ele fica o dia inteiro julgando, à luz da vontade divina, os casos que lhe são trazidos. Jetro inicialmente observa em silêncio o que acontece. No final do dia, ele faz uma pergunta ao genro: “Que é isso que fazes ao povo?” (18.14). Moisés tenta justificar o seu comportamento: “O povo vem a mim consultar a Deus” (18.15). Apesar de discordar do método de Moisés, Jetro não critica o genro; ele mostra a sua preocupação com o bem-estar dele e de todo o povo: “Não é bom o que fazes. Sem dúvida, desfalecerás, tanto tu como esse povo que está contigo. Pois isso é pesado demais para ti” (18.17-18). O sábio sacerdote observa que a centralização da autoridade e da responsabilidade em torno de uma pessoa é nociva tanto para o líder como para os que a ele recorrem. Uma pessoa que toma para si a responsabilidade de sozinha tentar resolver todos os problemas de seu grupo corre o risco de cometer erros até pelo cansaço. A longa espera nas filas de atendimento também cansa o povo, que precisa ficar em pé o dia inteiro sob o sol causticante.
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JOVENS Depois de observar, ouvir e analisar a prática administrativa de Moisés, Jetro dá uma sugestão simples e prática: escolher dentre o povo pessoas honestas e capazes, instruí-las e prepará-las adequadamente e então dar a essas pessoas a responsabilidade de julgar os casos corriqueiros da vida do povo. Somente os casos mais complexos seriam levados a Moisés. Jetro sugere o que chamamos de descentralização do poder por meio da divisão de trabalho e de responsabilidades. São eleitos e preparados tantos “juízes” quantos necessários para o povo, cada qual com uma esfera de responsabilidade própria. Dessa forma, as decisões seriam mais rápidas, e o povo não precisaria esperar tanto tempo para ser atendido. Essa divisão de responsabilidades não diminui a autoridade de ninguém; ela aposta na capacidade das pessoas. Com sua sugestão Jetro introduz um sistema de governo participativo, em que antes existia uma estrutura centralizada de poder. Nesse sistema democrático, todos saem ganhando: “Se isso fizeres, poderás suportá-lo…; e todo esse povo tornará em paz ao seu lugar” (18.23). Moisés acatou a sugestão do sogro, e tudo funcionou bem. A história termina com uma última lição de Jetro. Depois de prestar a sua assessoria, ele não quer nenhum cargo de destaque, mas deixa que seu genro e o povo de Israel continuem crescendo, a seu modo, no caminho para a liberdade. Jetro volta à sua vida rotineira: “Então, Moisés se despediu de seu sogro, e esse se foi para a sua terra” (18.27). Depois de dar a sua contribuição para o crescimento do povo de Israel, Jetro sai sem alarde de cena, somente com a sensação do dever cumprido. N NELSON KILPP é especialista em Antigo Testamento, ministro da IECLB, residindo em Kassel, na Alemanha
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Reflexões até a meia-noite por Fernando E. Garske
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ra uma noite de primavera como tantas outras, depois de um dia de trabalho no colégio. Hora de chimarrear com a esposa e brincar com o filho. O toque da campainha então anunciou: tínhamos visita. Abri a porta e estava diante de um jovem. Era Tobias Linden, presidente dos jovens do Distrito Concórdia da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (abrange a faixa entre Esteio, São Leopoldo e Monte negro/RS).
– Pastor, posso lhe falar um minuto? Tobias estava ali representando um grupo de jovens adultos dispostos a aprofundar seu estudo da Bíblia. Ele relatou o anseio dos jovens adultos de crescer no conhecimento da palavra de Deus e na comunhão cristã, a fim de enfrentar os desafios da vida universitária e dos relacionamentos no trabalho. Em muitos lugares, pastores têm percebido essa lacuna, e algumas
depoimentos “O que me motiva é estar em contato com pessoas que pensam como eu e falam a mesma língua. É bem mais produtivo um estudo dessa forma, além de me sentir superconfortável. Nem sempre é tão fácil sair as 22h15min de casa ou ainda ir direto do trabalho ou da aula, mas, quando me lembro dos resultados dos estudos, do retorno que tenho para mim mesma, minhas dúvidas e angústias, o ânimo retorna...” (Soami Bartz) “O primeiro é o aprendizado adquirido sobre a palavra de Deus e de nosso Salvador Jesus Cristo.
Arquivo Pessoal
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comunidades têm formado grupos de jovens universitários ou adultos. De fato, esse grupo de Estudos Orientados, proposto pelos jovens do Distrito Concórdia, não teria muito de original não fosse por um detalhe: os encontros deveriam acontecer após as 22h30min, horário apontado como “melhor possível” para os participantes. A proposta era no mínimo interessante. Mas não seria fácil. Pensei que seria importante para o Colégio Concórdia ter um grupo que pudesse agregar ex-alunos em torno daquilo que é o cerne de nossa filosofia educacional: a Bíblia. E o Grupo de Estudos Orientados se formou. Inicialmente com uma única regra: as reuniões começariam na quarta-feira e terminariam nesse mesmo dia. Ou seja: nenhum estudo poderia ultrapassar a meia-noite. Apesar do horário, cerca de quinze jovens participam dos encontros, que já contaram com a participação de professores de Teologia. Vários temas
um grupo de jovens adultos dispostos a crescer no conhecimento da palavra de Deus e na comunhão cristã e enfrentar os desafios da vida universitária e dos relacionamentos. já foram estudados, tais como: “O jovem cristão no mundo”, “O design inteligente” e “Desvendando as coisas assustadoras do Apocalipse”. No final de cada encontro, o que se vê são um sentimento de satisfação generalizado e uma determinação inabalável de participar a cada oportunidade. No final de 2011, o grupo deparou-se com uma grande oportunidade: dois participantes foram morar longe. Juan Jurk foi estagiar em Santa Maria, e a professora Sandra Messer começou a trabalhar na “Emirates Airlines”, passando a morar em
Dubai. A ausência física desses dois participantes motivou o grupo a pensar em uma alternativa: transmitir os estudos pela twitcam. Resultado: aderiram ao grupo jovens de outros locais, assim que, em alguns momentos, estiveram on-line conosco mais de vinte viewers (pessoas que acompanham via internet). Sem dúvida, essa é uma iniciativa que demonstra que, quando existe amor pela palavra de Deus, nenhuma dificuldade é forte o suficiente e que nos faz perceber o quão verdadeiras são as palavras de Lutero: “Creio que o Espírito Santo chama, congrega, ilumina e santifica toda a cristandade na terra e em Jesus Cristo a conserva na verdadeira e única fé”. Acompanhe os estudos, quinzenalmente, às terças-feiras, a partir das 22h30min. O link da twitcam é divulgado @tobiaslinden. N
FERNANDO E. GARSKE é pastorcapelão do Colégio Luterano Concórdia em São Leopoldo (RS)
O segundo motivo é o fortalecimento das amizades e a construção de novas. Temos muitos luteranos, jovens sedentos por mais conhecimento. Esse grupo só veio a somar na vida de cada um.” (Juan Jurk) “O que me motiva é poder aprender mais e debater sobre assuntos de nossa doutrina, compartilhar experiências com os amigos e obter respostas para algumas perguntas.” (Tobias Linden) “Crescimento espiritual, vida em comunhão, discussão de temas polêmicos, compartilhar dúvidas e certezas, espaço aberto para diálogo franco, que muitas vezes não encontramos na igreja...” (Sandra Messer)
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reflexão
Pomadinha de carinho O Senhor cura os que têm o coração partido e trata dos seus ferimentos.
Salmo 147.3
por Joaninho Borchardt
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Divulgação Novolhar
E
stou com o coração partido, meu coração está doendo, meu coração está apertado – são expressões que as pessoas usam para externar algum sentimento ou angústia. Li um poema – cujo autor não descobri – que diz mais ou menos assim: O filho chegou para a sua mãe e disse: “Mamãe, meu coração tá doendo. Passa pomada?” Com certa preocupação, a mãe pergunta: “Seu coração, filho? Como assim? O que aconteceu?” “Não aconteceu nada, mamãe. Começou a doer do nada. Mas está doendo muito. Passa a pomadinha?” “Não tem como passar pomada no coração, filho. O que você estava fazendo quando começou a doer?” “Eu estava conversando com a Laura lá no balanço da escolinha. Ela me contou que gostava do Hugo, aquele meu amigo que vem sempre aqui em casa. Quando ele passou perto dela, ela levantou do balanço e foi atrás dele e me deixou sozinho.
Aí meu coração começou a doer e está doendo até agora.” A mãe, assustada, não sabia o que dizer ao filho. Então simplesmente o abraçou e sussurrou no ouvido dele: “Filho, você conheceu o amor”. O filho, meio sem entender, perguntou: “O amor? Mas você sempre disse que o amor era uma coisa boa. Então por que ele está machucando meu coração?” E ela respondeu: “Não são todos os
que sabem valorizar o amor. E quando esse amor se oferece a alguém e esse alguém não dá valor, o amor fica triste e volta pra sua casinha. A casinha é o coração. E para o amor entrar de novo no coração, deixa um machucado nele. E esse machucado que fica no coração se chama decepção. É por isso que ele dói”. A dor do coração ferido é uma dor velada. É invisível. Pois pelo coração passam todos os sentimentos: o
amor, a saudade, a angústia, o medo, a alegria, a tristeza, o ódio, a ternura, o desprezo, a confiança. Alguns sentimentos o enobrecem. Outros machucam e ferem. Se olharmos para o sofrimento das pessoas, veremos que milhões vivem com o coração partido. Os motivos são variados: desde problemas de saúde, de convivência, de trabalho, de solidão, de família, de relacionamentos. Coração partido é coração ferido.
E quem o sarará? Na história bíblica do Antigo Testamento, os israelitas foram por diversas vezes alvos de guerras e atrocidades. No ano 597 a.C., por exemplo, no reinado de Joaquim, Israel foi invadido pelo exército da Babilônia, pelo rei Nabucodonosor. A capital Jerusalém foi sitiada. O povo foi violentamente massacrado. O templo, saqueado. Muitos morreram. Outros ficaram feridos. Famílias foram divi-
didas. As lideranças, os artesãos, os ferreiros e os homens valentes foram levados para a Babilônia. Os mais pobres ficaram. Como outras histórias de violência, essa também deixou muitos corações feridos e tristes. Mesmo assim, os israelitas não perderam a esperança de um dia voltar à sua terra natal. Assim como na afirmação do salmista, eles confiaram que Deus cuidaria dessa dor. Eles oraram a Deus. Ajudaram-se e solidarizaram-se mutuamente. E depois de sessenta anos, pelo decreto de Ciro, os israelitas voltaram à sua terra natal. Os corações partidos puderam ser tratados e curados. O sentimento de um coração ferido vem do rompimento de relacionamentos. Os israelitas ficaram com o coração partido depois que a guerra os separou das famílias e arrancou-os de sua terra natal. Da mesma forma, o filho que conversa com a mãe sente a dor no coração porque não foi correspondido pela coleguinha. E onde está a cura para esse mal? O salmista diz que a cura está em Deus. É ele quem cuida e trata dos ferimentos. Assim como uma mãe, ele nos acolhe e acalenta, sarando as nossas aflições. Portanto a cura está no acolhimento e na reconciliação com o próximo e com Deus. Jesus também acolheu e curou as pessoas de coração partido. A propósito, como anda o seu coração? Uma pomadinha de carinho e de afeto faz bem. A reconciliação e o perdão também. A Bíblia diz: “Perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado e salva os contritos de espírito. Muitas são as aflições do justo, mas o Senhor o livra de todas” (Salmo 34.18-19). N
JOANINHO BORCHARDT é teólogo e pastor sinodal do Sínodo Espírito Santo a Belém, com sede em Vitória (ES) NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2012
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ECUMENISMO
na Cúpula dos Povos, Igrejas, organismos e agências confessionais e ecumênicas uniram esforços com outros movimentos para promover uma coalizão inter-religiosa inédita chamada “Religiões por Direitos”.
CÚPULA DOS POVOS: Tenda principal acolheu momentos
por Marcelo Schneider
Q
uarenta anos depois de Estocolmo (o evento da ONU em 1972 é considerado a pedra fundamental de um processo de reflexão e incidência em torno do tema do desenvolvimento sustentável) e vinte anos depois do Encontro da Terra (ECO 92), a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS) foi realizada de 13 a 22 de junho de 2012 na cidade do Rio de Janeiro. A proposta brasileira para sediar o evento foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 2009, levando em conta o papel estratégico do Brasil na atual conjuntura global e o suposto legado simbólico do evento de 1992. Em tese, a Rio+20 deveria ajudar a definir a agenda em torno do tema do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas, mas o que se viu, já ao longo das semanas que antecederam as datas do evento foram sinais claros de mais uma rodada de negociações com pouquíssimos avanços por parte dos representantes dos governos de países-membros da ONU.
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Marcelo Schneider/WCC
Religiões por direitos
A Cúpula dos Povos, por sua vez, cresceu em visibilidade e motivação à medida que sua dinâmica se tornou conhecida. Ao contrário de eventos similares, como o Fórum Social Mundial, em que seminários, oficinas e painéis aconteciam de forma autônoma, a proposta metodológica da Cúpula dispunha de mecanismos que buscaram convergências entre temas afins e a construção participativa de uma voz comum que propusesse alternativas concretas aos modelos de desenvolvimento. Todas as atividades, em tese, deveriam convergir, de acordo com seu enfoque, em plenárias divididas da seguinte forma: 1. Direitos por justiça social e ambiental; 2. Defesa dos bens comuns contra a mercantilização; 3. Soberania alimentar; 4. Energia e indústrias extrativas; 5. Trabalho: por outra economia e novos paradigmas de sociedade. Tradicionalmente, o movimento ecumênico sempre esteve envolvido em iniciativas dessa natureza. Seja em nível local ou global, muitas organizações têm em sua agenda de prioridades a participação em espaços de
incidência pública, como a proposta da Cúpula dos Povos. Com a proximidade da Rio+20, as organizações do Fórum Ecumênico ACT Brasil (FE ACT Brasil) articularam a formação de uma coalizão ecumênica com vistas a uma participação coordenada e coesa na conferência da ONU e na Cúpula dos Povos. A coalizão foi um projeto bilateral entre igrejas e organizações ecumênicas do Brasil e de outras partes do mundo e com o objetivo de construir uma voz comum em torno do tema da justiça social e ambiental e contra a mercantilização da natureza e da vida e para o bem de recursos comuns, englobando iniciativas autônomas, facilitando as conexões e a comunicação entre as diferentes iniciativas e a construção e coordenação de processos de consenso comum. Coube à Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço, organizaçãomembro de ACT Aliança, com sede no Rio de Janeiro, assumir a coordenação prática da participação ecumênica na Cúpula dos Povos. Rapidamente, tornou-se claro que a coalizão poderia (e
de espiritualidade
deveria) ser mais inclusiva, incorporando a herança multilateral da ECO 92 e tornando-se inter-religiosa e em busca de consolidar-se como ponto de referência para todas as expressões religiosas que buscaram expressar sua contribuição por um mundo melhor na Rio+20 e na Cúpula dos Povos. Com essa nova envergadura, a coalizão ecumênica passou a chamar-se “Religiões por Direitos”, pois o pano
de fundo comum entre as expressões e organizações religiosas envolvidas nessa articulação era o esforço para promover os direitos (humanos, civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais). A Cúpula dos Povos reuniu milhares de pessoas no Aterro do Flamengo. Nesse território, havia sete tendas destinadas ao espaço “Religiões por Direitos”. Uma tenda
principal, com capacidade de 500 lugares, acolheu os momentos de espiritualidade no início de cada dia e eventos de maior envergadura. Ao redor da grande tenda, havia seis tendas temáticas menores, que acolheram debates, painéis, oficinas e exposições a partir do ponto de vista das religiões acerca dos seguintes temas: “soberania alimentar”, “juventude e justiça ambiental”, “mudanças climáticas”, “paz, conflitos religiosos e bens comuns” e “novos paradigmas e desenvolvimento”. A sexta tenda temática foi dedicada exclusivamente aos Povos Tradicionais de Terreiro. “Religiões por Direitos” teve assento no Grupo de Articulação (GA) da Cúpula dos Povos e colaborou com a metodologia e estrutura operacional da Cúpula como um todo. Essa esfera, assim como todo o processo de construção dessa articulação, ofereceu sinais de um novo modelo de cooperação e incidência que motivam a crença de que novos ventos impulsionam as velas do velho barco ecumênico. N Marcelo Schneider é teólogo e trabalha para o Conselho Mundial de Igrejas; foi responsável pela secretaria executiva do espaço Religiões por Direitos
Em 2012 pense
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ESPIRITUALIDADE
Casamento: dádiva e cuidado A bênção matrimonial não impedirá que haja dificuldades, mas poderá lembrar o casal de que sua união é um presente de Deus, que precisa ser cuidado cotidianamente.
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os tempos em que os casamentos eram arranjados, passando por uma época posterior, quando a escolha do par passou a ser uma decisão espontânea, o relacionamento dos casais passava por estágios claramente definidos e que seguiam uma sequên cia clara: começava com a paquera ou uma simples apresentação, evoluía para o namoro, daí para o noivado, seguido do casamento “até que a morte os separe”. Com a aprovação da lei do divórcio no Brasil, o casamento já não mais precisa ser encarado como uma decisão para toda a vida. Isso, aliado ao fato de que os padrões morais são bem menos rígidos hoje em dia do que quarenta anos atrás, contribuiu para o surgimento de múltiplas novas formas de relacionamento dos casais. Hoje, há casais que namoram durante anos, mas continuam vivendo separados, cada qual com as próprias famílias. Há aqueles que namoram e vão viver juntos, têm filhos ou não, mas não formalizam essa união no âmbito civil nem no religioso. Tam-
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bém há casais formados por uma ou duas pessoas que já foram casadas, divorciaram-se e, ao achar uma pessoa afim, podem optar por reeditar o processo anterior, casando-se novamente, ou podem simplesmente viver juntos sob o mesmo teto ou ficar juntos, porém cada qual em sua casa. Não são tão raros os casos em que casais que, tendo passado por um processo de divórcio e desejando iniciar um novo casamento, decidem não casar novamente no civil, mas, em função de sua fé, manifestam o desejo de receber a bênção de Deus para a nova vida a dois. Num contexto de tantas possibilidades e de uma sociedade laica, em que já não existe apenas um padrão a ser seguido, surge a pergunta por que casais ainda recorrem ao ambiente religioso para marcar o início de uma nova etapa de seu relacionamento. A bênção matrimonial é uma celebração que marca a passagem de um estado em que a pessoa levava sua vida orientada por interesses individuais para um novo modo de vida, no qual a preocupação passa a voltar-se mais
Divulgação Novolhar
por Aneli Schwarz
para a coletividade, iniciada no par. Essa mudança de perspectiva e de modo de movimentar-se no mundo precisa de ajuda para ser assimilada. Afinal, implica mais do que tão somente “juntar os trapos” ou “as escovas de dentes”. Toda mudança traz consigo doses de ansiedade, dúvida e insegurança. O medo do fracasso nos persegue, pois somos criados para vencer, para acertar, para ter êxito – nunca para fracassar. Mesmo que o casamento já não seja mais um caminho sem volta, como vimos acima, por causa da possibilidade do divórcio, ninguém que investir num casamento sairá dele sem sofrer. A bênção matrimonial não impedirá que haja desentendimentos e dificuldades, mas poderá lembrar o casal de que sua união é um presente de Deus, que precisa ser recebido e cuidado cotidianamente. Pessoas que encaram o casamento como dom de Deus talvez sofram mais do que outras ao perceber que não conseguem manter seus votos a quem escolheram para compartilhar o resto de seus dias. O fim do casamento em tais situações vem acompanhado de uma crise de fé: em si mesmo e em Deus. Por isso, na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), não se nega a bênção a casais em que um dos noivos ou ambos sejam divorciados. Conceder-lhes a bênção de Deus para uma nova vida a dois é também uma forma de anunciar-lhes o perdão de Deus, que permite viver o presente com menos peso sobre os ombros e motiva a olhar para o futuro com a esperança de que poderá ser diferente e melhor. Por causa da fé construímos sonhos e desejamos que se realizem. A bênção matrimonial é um instrumento capaz de fundir o mundo dos sonhos com o real. No futuro, o casal sempre poderá lembrar que os sonhos estão aí como realidades possíveis à espera de disposição para se materializar. As pessoas que participam da celebração da bênção matrimonial tornam-se testemunhas da realização de parte do sonho dos noivos. Essa experiência poderá ajudá-las a refletir sobre seu próprio modo de encarar o casamento. N ANELI SCHWARZ é teóloga e ministra da IECLB em Belo Horizonte (MG) NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2012
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penúltima palavra
Pai - uma autoridade afetiva
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ue imagem de pai você carrega? Como você sente seu pai? Que você espera de seu pai? Isso para quem tem seu pai ainda. E para quem já não o tem mais? Você leva uma imagem saudosa? Ninguém nasce sem um pai. Refiro-me ao pai biológico. Mesmo uma fecundação de óvulo materno em laboratório exige uma célula masculina, conhecida ou não, para uma gravidez. O casamento entre duas pessoas do mesmo sexo não traz procriação. Deus criou o homem e a mulher, que, além de se completarem na união conjugal, têm a missão de criar a prole, com a presença de ambos. Seguidamente, ouvimos de mulheres: eu preciso ser mãe e pai. Isso não é possível pelas características de gênero e não promove uma educação psicologicamente sadia. Traz problemas de identificação. Para o menino, o pai é o referencial masculino. Sabemos que a família está passando por transformações de ordem afe tiva, social e econômica. Estatísticas apontam que aproximadamente 30% dos lares não têm pai presente física ou afetivamente, quer por omissão, indiferença ou ausência total. Também há mães que, propositalmente ou premidas pelas circunstâncias, criam
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Novolhar Divulgação
por Donário Bencke
seu filho sem o pai. E quando o filho um dia perguntar: quem é meu pai e onde ele está? Não quero ser retrógrado nem fora de contexto quando afirmo que a ausência física ou afetiva do pai traz consequências na educação dos filhos. E geralmente deixa marcas. Está certo, quando o clima no lar se torna insuportável, por vezes a separação é inevitável. Não sou a favor de uma separação intempestiva, marcada pela imaturidade emocional de uma ou de ambas as partes. Há recursos para promover uma reconciliação, mesmo com ajuda de profissionais na área do aconse lhamento, por exemplo, uma terapia conjugal ou familiar. E quando o pai se afastar, um avô, um padrinho, um tio ou outra figura masculina adulta têm como suprir a falta dele. Uma criança ou um jovem podem encontrar um “pai” em alguém, mesmo que não seja consanguíneo, e formar um vínculo afetivo. Nunca esqueço aquele menino no asilo que me perguntou: Você quer ser meu pai?
Ainda existe o pai espiritual, que não precisa ser um pastor ou padre, mas um adulto amigo, em quem a criança confia e que corresponde a essa confiança. Felizmente, foi-se o tempo em que um pai tinha poder absoluto sobre seu filho. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê penalidades severas para um pai que abusa de sua autoridade (incluindo o abuso sexual). O papel da figura paterna é uma presença firme, segura, sem ser autoritária. Fala-se hoje de uma autoridade afetiva e efetiva. Jesus valorizou o termo “pai”. Assim ele se dirigia a Deus e assim nos ensinou a orar: Meu pai, nosso pai. “Meu pai me conhece, e eu conheço o meu pai” (João 10.15). E nosso Senhor aprofunda ainda mais o vínculo com o Pai quando diz: “Eu e o Pai somos um” (João 10.30). Não conseguimos separar a experiência de reciprocidade entre a gente e o pai terreno da vivência da fé no Pai eterno. N DONÁRIO BENCKE é teólogo e psicólogo em Ivoti (RS)