Os desafios da educação - Revista Novolhar, Ano 10, Número 47, Setembro e Outubro, 2012

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EDITORA SINODAL


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Os desafios da educação Um décimo do PIB A família: uma aliada Espaço para a inclusão Pastorado escolar Formação de professores A identidade do professor

ÍNDICE

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PASTORAL CARCERÁRIA Nosso lugar é na prisão

Ano 10 –> Número 47 –> Setembro/Outubro de 2012

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Congresso da Juventude Evangélica

Em busca de capacitação profissional

CONECTAD@S

APRENDIZ

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ENTREVISTA

Convivência solidária com os indígenas

SEÇÕES

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LITERATURA Como o livro chega até você

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ORIENTE MÉDIO Menos cristãos na Cisjordânia

OLHAR COM HUMOR > 6 MOSAICO BÍBLICO > 6 ÚLTIMA HORA > 7 NOTAS ECUMÊNICAS > 8 DICA CULTURAL > 9 TESTEMUNHOS > 32 RETRATOS > 34 REFLEXÃO > 38 ESPIRITUALIDADE > 40 PENÚLTIMA PALAVRA > 42 NOVOLHAR.COM.BR –> Set/Out 2012

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AO LEITOR Revista bimestral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB, editada e distribuída pela Editora Sinodal CNPJ 09278990/0002-80 ISSN 1679-9052

Diretor Nestor Paulo Friedrich Coordenador Eloy Teckemeier Redator João Artur Müller da Silva Editor Clovis Horst Lindner Jornalista responsável Eloy Teckemeier (Reg. Prof. 11.408) Conselho editorial Clovis Horst Lindner, Doris Helena Schaun Gerber, Eloy Teckemeier, Ingelore Starke Koch, João Artur Müller da Silva, Marcelo Schneider, Nestor Paulo Friedrich, Olga Farina e Vera Regina Waskow. Arte e diagramação Clovis Horst Lindner Criação e tratamento de imagens Mythos Comunicação - Blumenau/SC Capa Arte: Diego Oliveira Impressão Gráfica e Editora Pallotti Colaboradores desta edição Altemir Labes, Antonio Carlos Oliveira, Carine Fernandes, Everton Ricardo Bootz, Júlio Cézar Adam, Luciana B. Reichert, Manuel Quintero, Márcia Bach de Oliveira Lorenz, Marilene Cardoso, Micael Vier Behs, Nelson Kilpp, Oneide Bobsin, Osvino Toillier, Paula de Oliveira, Rosângela Markmann Messa, Rui Bender, Silvana Isabel Francisco, Suzel Tunes, Waldir Werner Scheuermann e Wolfgang Lauer. Publicidade Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: editora@editorasinodal.com.br Assinaturas Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br www.novolhar.com.br Assinatura anual: R$ 30,00 Correspondência E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br Rua Amadeo Rossi, 467 93030-220 São Leopoldo/RS

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Educação, agora vai?

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futuro do Brasil está na educação. Quem ama este país sabe disso. Entretanto, mudar o quadro cronicamente esquálido da educação brasileira é uma meta quase inatingível. Todos os índices parecem desmentir os esforços até aqui realizados, e o quadro geral apresenta pouca alteração. Num lado, estão os alunos, que aprendem mal e abandonam a escola cedo demais. No outro, estão estruturas precárias e um quadro docente mal preparado, mal remunerado e tratado com extremo desrespeito, do ensino básico à universidade, que ensina mal e não tem na docência uma missão de vida. Num caldo de cultura desses, não há Plano Nacional de Educação (PNE)que reverta o quadro dramático. Um olhar mais atento, entretanto, mostra que concluímos duas décadas de inclusão e universalização do ensino básico, reduzindo drasticamente o analfabetismo, que tanto mal tem causado ao país desde sua origem. O Brasil conseguiu sair de um persentual de 65% de crianças de 7 a 14 anos nas escolas nos anos 1980 para 98,5% de inserção na primeira década do século 21. Esse esforço representa um avanço, sem dúvida. Mas há muito mais a ser feito. A nova etapa, ainda mais desafiadora, é o principal tema desta edição da Novolhar. A universalização da educação formal em todos os níveis está na pauta da nação, que tem 20 metas ousadas diante de si até o final da década no novo PNE, que foi aprovado pelo Congresso e, agora, já dois anos atrasado, vai ao Senado e, somente depois, para sanção presidencial. Uma das metas do novo PNE é aumentar os investimentos em educação de 7 para 10% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2020. Educar, entretanto, não depende somente de dinheiro. No processo de construção do futuro do país, todos estamos envolvidos e temos responsabilidade, o que significa que precisamos parar de buscar culpados e assumir nossa parte no processo. Um país desenvolvido não se faz somente com crescimento econômico. O país somente pode crescer de fato com educação de qualidade. Isso será realidade quando a educação for o centro da discussão e da agenda dos diferentes setores: as famílias, o setor produtivo, os empresários, os educadores, os políticos e toda a população, enfim. O desafio é gigante, e a Novolhar quer ajudar no debate. Equipe da Novolhar


opinião do leitor

LIVROS DA SINODAL

Educação para a vida Não é Missão Zero Quero parabenizar a revista. A qualidade e a relevância das matérias são muito boas, e a estética da revista está cada vez mais atraente e caprichada. Mal posso esperar pela edição de setembro e outubro, que, conforme li na última edição, será sobre educação. Lembro que, nos dias 24, 25 e 26 de julho, aconteceu o 29º Congresso Nacional da Rede Sinodal de Educação em Pomerode (SC). Participei do evento e sugiro incluir algo sobre as escolas da Rede Sinodal, destacando o belo trabalho que é realizado nessas escolas. A Rede Sinodal continua comprometida com os ideais luteranos de uma educação que prepara para vida, capacitando os alunos a refletir criticamente, estimulando o protagonismo e cultivando valores. A organização do congresso deste ano esteve sob a responsabilidade do Colégio Sinodal Doutor Blumenau, de Pomerode, onde atuei no pastorado escolar. Samuel Gausmann – por e-mail Três de Maio (RS)

Parabéns pela corajosa abordagem da temática das crises conjugais na edição 46. Os casais precisam de ajuda para perceber que os problemas existem em todos os relacionamentos e não é logo na primeira briga que cada um deve ir para o seu lado. Gabriel Tilheiro Laguna (SC)

por Everton Ricardo Bootz

A Novolhar pede desculpas pelo crédito incorreto na foto da pastora Franciele Sander. Publicamos a foto abaixo com o crédito correto.

Foto: Franciele Sander / São Luís (MA)

Crises conjugais

Gostaria de dizer que gosto muito da revista e comunicar que uma foto minha foi publicada na edição 45 (página 20) com o crédito como sendo da Missão Zero. A foto está publicada no artigo de capa da última edição no texto dos pastores Airton H. Palm e Marcos A. Rodrigues. A foto foi enviada em separado por mim, para que pudesse ser usada. A questão não é que ela não foi postada com o meu nome, mas ficou claro que ela diz respeito ao trabalho da Missão Zero, o que não é verdade. A foto foi tirada na comunidade de São Luís (MA), que não tem vínculo nenhum com a Missão Zero, a não ser o institucional. Gostaria que fosse tomada alguma providência para que ficasse claro que o projeto de música que aparece na foto é da Comunidade Evangélica de Confissão Luterana em São Luís, não da Missão Zero. Pa. Franciele Sander – por e-mail São Luis (MA)

Visite nosso site Os conteúdos de todas as edições da NOVOLHAR estão à sua disposição no site. Visite, consulte, faça uso: www.novolhar.com.br

Tema da próxima edição A edição nº 48, de Novembro/Dezembro de 2012, tem como tema de capa VIRTUDES. A revista refletirá sobre conceitos de ética e moral numa sociedade cada vez mais individualista e oportunista.

Tinha oito anos quando me perdi de minha mãe em pleno centro de Niterói (RJ). Um policial estava me levando quando foi interpelado por uma mulher que dizia saber onde eu morava. O policial resistiu a entregar um menino perdido a uma estranha, mas finalmente ela o convenceu. Não a conhecia, nem ela a mim, mas ela conseguiu me levar até minha morada, a despeito de eu mesmo não saber como regressar. No elevador, encontramos uma vizinha que me conhecia. A estranha entregou-me a ela, ali mesmo no elevador, e desceu. Nunca mais a vi, não sei seu nome, nem sei por que fez o que fez. Assim são os anjos: anônimos, não afeitos a agradecimentos, apenas cumprindo a tarefa dada por Deus. Helwig Wegner confia que eles possuem asas e, muitas vezes, manifestam-se de maneira invisível: uma voz que chama, uma vontade repentina de seguir pela direita. Mesmo que nossa era racional os desmitifique, existem em profusão e podem ser categorizados segundo suas diferentes funções: há o que nos guarda de perigos, o que nos guia após a morte, o que nos alimenta, o que nos faz ser enlevados. A própria leitura deste livro nos enleva, como se um anjo o estivesse lendo conosco. Experimente, leia-o e sinta-o. N EVERTON RICARDO BOOTZ é teólogo e ministro da IECLB em Novo Hamburgo (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Set/Out 2012

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olhar com humor

MOSAICO BÍBLICO

As traduções da Bíblia As primeiras traduções – Em 300 d.C., o Novo Testamento já fora traduzido para várias línguas, inclusive latim e siríaco, língua falada hoje na Turquia. Missionários sírios levaram o evangelho, e a Bíblia, a lugares distantes como China, Índia, Armênia e Geórgia. É provável que os alfabetos armênio e georgiano tenham sido criados a fim de possibilitar a tradução da Bíblia para essas línguas. A Bíblia também foi traduzida para o copta, uma forma de egípcio antigo e a língua dos cristãos do norte da África, e para o sahídico, um dialeto da língua copta. No século IV, a língua dos ostrogodos germânicos ainda não possuía uma forma escrita. Por volta de 350 d.C., o bispo Úlfilas fez a primeira tradução da Bíblia para a língua desse povo e registrou-a por escrito. A Vulgata – O estudioso Jerônimo, nascido no norte da Itália por volta do ano 345 d.C., demonstrou grande preocupação com os erros dos copistas. Viajou para muitos lugares, aprendeu várias línguas e transcreveu diversos trechos da Escritura. Na tentativa de remover os erros que haviam se infiltrado nas cópias, por volta

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VULGATA: Um impressionante jogo de luz e sombra na obra de Caravaggio, retratando Jerônimo em seu trabalho de pesquisa e tradução

de 382 d.C., Dâmaso, o bispo de Roma, pediu a Jerônimo que preparasse uma tradução inteiramente nova dos evangelhos e também dos salmos e outros livros do Antigo Testamento. Em 386 d.C., Jerônimo foi viver em reclusão em um mosteiro em Belém, onde se dedicou a traduzir para o latim os textos originais em hebraico e grego da Bíblia inteira. Jerônimo levou 23 anos para completar o trabalho. Sua tradução, chamada Vulgata, isto é “Versão Comum”, passou a ser a única Bíblia usada pela N Igreja Católica do século VIII até 1609. Fonte: Bíblia Sagrada com Enciclopédia Bíblica Ilustrada – Sociedade Bíblica do Brasil – 2011


última hora

Mulher no Conic

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pastora Romi Márcia Bencke, da IECLB, é a primeira mulher que assume a secretaria-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC). Ela foi escolhida no processo de seleção realizado pela diretoria da entidade ecumênica brasileira durante sua reunião de 30 de julho a 1º de agosto em Brasília (DF). “A decisão foi unânime e aponta para um novo momento da entidade”, resumiu o pastor sinodal Altemir Labes (Sínodo Nordeste Gaúcho), que integra a diretoria. Com ampla vivência ecumênica, a pastora Romi já trabalhou no Centro Ecumênico de Capacitação e Assessoria (CECA) em São Leopoldo (RS), participou da comissão da Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2010 e da Comissão Teológica do CONIC.

Como teóloga, concentra sua atuação nas áreas de Gênero e Pastoral. Atualmente, é pastora voluntária em Brasília. A pastora da IECLB substitui o rev. Luiz Alberto Barbosa, destituído da função em 21 de dezembro do ano passado. (ALC e Sínodo Nordeste Gaúcho) N

ROMI BENCKE é teóloga e ministra da IECLB

Primavera para a vida A 12ª Campanha Primavera para a Vida, que tem o tema “Justiça Ambiental na Perspectiva de Direitos”, segue até dezembro. Por seu intermédio, a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) chama a atenção dos cristãos e sensibiliza-os sobre a realidade cada vez mais presente da ameaça das mudanças climáticas para o planeta e para as pessoas, principalmente as mais vulneráveis. Durante toda a primavera, serão realizados cultos ecumênicos e discussões sobre a temática. A CESE subsidia as igrejas com material para essa reflexão. Outro objetivo da campanha é a mobilização de recursos junto às bases das igrejas que compõem a instituição. Igrejas de Salvador, Erechim, São Paulo, Belém, Vitória, entre

outras, têm se unido a projetos sociais apoiados pela CESE para organizar refeições, venda de artesanatos, debates e outras atividades para angariar contribuições. Eliana Rolemberg, diretora executiva da CESE, explica: “Neste ano, vamos reforçar uma grande rede de amigos da CESE. As comunidades podem organizar-se para reunir doações mensais”. Rosane Pletsch, pastora da IECLB, lembra: “Nossa igreja reconhece a relevância do trabalho da CESE. Desde a sua fundação nos alimentamos pela missão, pela metodologia e pelos temas da CESE. Ela cumpre um papel social que a igreja não consegue realizar, apoiando movimentos sociais e N pequenos projetos”.

Cultura pomerana Participantes do II PomerBR, reunidos em Santa Maria de Jetibá (ES) em 16 de junho, apresentam um conjunto de princípios e reivindicações resultantes dos debates promovidos nesse evento e na I PomerBR em 2011. Os dois eventos reuniram re­presentantes das comunidades pomeranas do Brasil para discutir ações que visam à promoção, à defesa, à pesquisa e ao registro para o fomento e a difusão da cultura e língua pomeranas no Brasil. Da Carta de Santa Maria de Jetibá destacam-se as seguintes propostas: formar uma rede nacional de comunidades pomeranas; dar continuidade aos encontros acadêmico-pedagógicos sobre questões referentes a língua, cultura, memória e história dos pomeranos; criar uma instituição representativa; publicizar as ações de pesquisa sobre as comunidades pomeranas em âmbito nacional; potencializar a interação do conhecimento e da experiência acumulados na academia com saber popular e pela articulação com organizações de outros setores da sociedade; fomentar políticas públicas sobre o tema em âmbito regional e nacional, estabelecendo redes de organização social; promover formação continuada de professores e acadêmicos, agricultores, agentes culturais e lideranças locais; integrar ações de formação e pesquisa a partir das instituições de suporte da educação; estabelecer parcerias interinstitucionais entre diferentes instâncias; realizar seminários, congressos e fóruns de apresentação de experiências e pesquisas científicas desenvolvidas em contextos de comunidades pomeranas; assegurar a representação dos povos pomeranos no Conselho de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais e nos Conselhos Estaduais de Educação e/ou Cultura; criar editais específicos para o povo pomerano. (Sintia Bausen Kuster) N NOVOLHAR.COM.BR –> Set/Out 2012

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Notas ecumênicas

Faleceu em agosto, em Addis Abeba, Abune Paulos, patriarca da Igreja Ortodoxa Tewahedo, da Etiópia. O patriarca era admirado e reconhecido pelo seu trabalho no combate ao HIV/Aids, em favor do diálogo inter-religioso e da proteção dos refugiados. O patriarca tinha 76 anos e estava gravemente enfermo. Abune Paulos dirigia a Igreja Ortodoxa Tewahedo, com mais de 40 milhões de membros, e era membro do Comitê Central do CMI e da Comissão Fé e Constituição.

Parem o show

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Não concordamos com algumas doutrinas em que o ensino se centraliza na satisfação dos desejos e vontade dos fiéis ao invés da vontade de Deus; em que Deus é travestido como sendo um deus mesquinho que negocia curas, milagres e prosperidade em troca da devoção e do sacrifício dos fiéis, sacrifícios esses que, muitas vezes, se caracterizam pela exploração financeira dos fiéis. Paulo Siqueira é pastor e líder do Movimento pela Ética Evangélica Brasileira (MEEB)

O pastor Yedo Brandenburg, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, assumiu o cargo de editor da Comissão Interluterana de Literatura (CIL) em julho, em substituição ao pastor Darci Drehmer, que parte para a aposentadoria. A sede da CIL está em São Leopoldo. A CIL é uma iniciativa conjunta da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e da Igreja Evangélica Luterana do Brasil. O carro-chefe das vendas de produtos da CIL é o devocionário Castelo Forte, com a tiragem anual de 85 mil exemplares. A CIL também promove a tradução e edição de Martinho Lutero – Obras Selecionadas, que já têm 11 volumes traduzidos para o português.

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Novo editor na CIL

A morte do teólogo metodista argentino José Míguez Bonino, aos 88 anos, em junho, deixa um sentido vazio na teologia latino-ame­ri­ cana, de modo especial na teologia evangélica, ecumênica e na reflexão sobre o amor preferencial de Deus pelos pobres. Foi pastor metodista, teólogo da Libertação – com artigos e livros publicados, entre os quais se destaca “Rostos do Protestantismo Latino-Americano” (Editora Sinodal) – e professor emérito do Instituto Superior Evangélico de Estudos Teológicos (ISEDET). Ele deixa significativa contribuição à tradição das igrejas evangélicas do continente.

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Em memória

Combate ao preconceito religioso Nasce no Ceará a Associação Brasileira de Apoio a Vítimas de Preconceito Religioso (Abravipre), que tem por objetivo acolher vítimas de discriminação religiosa e promover a laicidade efetiva do estado. A associação promete apoio jurídico e psicológico a qualquer vítima de preconceito religioso praticado por pessoas ou instituições.


DICA CULTURAL

Teatro mágico por Vera Regina Waskow

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Fábrica de Imagens / Vinicius Campos

Teatro Mágico é uma com­ panhia musical que está há mais de oito anos na estrada. A trupe consolidou-se como principal fenômeno da internet no Brasil, obtendo mais de 6 milhões de downloads oficiais na rede, milhões de views no YouTube, centenas de seguidores e fãs em redes sociais, além de aparições importantes em programas da mídia tradicional. A companhia mistura boa música com a arte da interpretação e os movimentos perfeitos do mundo do teatro e do circo. Um dos objetivos da companhia é que as músicas sejam acessíveis ao público e reflitam temas políticos/culturais bem como falem de sentimentos.

Álbum recente: “A Sociedade do Espetáculo”

O álbum “A Sociedade do Espetáculo” foi inspirado na obra de Guy Debord, que tem o mesmo título. A obra ainda atual do filósofo francês versa sobre a imagem enquanto elemento organizador da sociedade do consumo, transformando a realidade em ficção e a ficção em realidade. O conteúdo das melodias e letras traz o questionamento do mundo em que vivemos hoje, como em “Amanhã... será?”, inspirada nas atuais manifestações que acontecem no Oriente Médio, organizadas pela internet, e “Este Mundo Não Vale o Mundo”, com letra que remete a Carlos Drummond de Andrade. Esse álbum resgata um

humanismo individual e coletivo, provocando uma catarse com forte tom positivista, que só sabe quem já esteve em um show do Teatro Mágico. Esse novo trabalho representa o amadurecimento musical da banda no último período. Com o confronto de ideias no estúdio, o Teatro Mágico agora se propõe a fazer um pop moderno, sofisticado e fundamentalmente brasileiro. Sem dúvida alguma, “A Sociedade do Espetáculo” tem seu diferencial na inovação estética musical, capaz de reunir elementos da música internacional com uma forte brasilidade, fazendo assim uma fusão de ritmos. Você pode conferir a agenda de espetáculos e outras informações acessando o site: www.oteatromagico.mus.br e, se desejar conhecer obras dessa companhia musical, vá ao YouTube. Um ótimo espetáculo N para você. VERA REGINA WASKOW é teóloga e ministra da IECLB em Curitiba (PR)

“A Sociedade do Espetáculo” foi inspirado na obra de Guy Debord. O álbum mais recente mostra uma banda madura musicalmente, com um pop moderno, sofisticado e brasileiro.

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CAPA

Os desa da educ o maior desafio do brasil no rumo do desenvolvimento é a educação. ampliar o acesso em todos os níveis e melhorar a qualidade do ensino público e do privado estão entre as metas da próxima década.

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por Carine Fernandes

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as últimas décadas, o país conseguiu um grande feito na educação: a inserção de milhares de crianças na escola. Nos anos 1980, por exemplo, 65% de crianças e adolescentes de sete a 14 anos estudavam. Quase 20 anos depois, esse percentual passou para 98,5%. Mas a educação brasileira ain-


da não está bem. Além de ter que incluir ainda 600 milhões de crianças na escola, precisa melhorar a qualidade do ensino ofertado. O principal teste de aferição da qualidade da educação no mundo, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), coloca o país na 53ª posição em Leitura e Ciências e 57ª em Matemática. O país fica atrás de países como Chile, Uruguai e Colômbia. Segundo conclusões da avaliação, os países com melhores desempenhos têm escolas que remuneram bem seus professores e apresentam qualidade na gestão. Olhando para a realidade brasileira, fica a pergunta: o que falta ao Brasil para se inspirar nos melhores do mundo e mudar esse quadro? Na opinião do mestre em Educação e secretário municipal de Educação de Ivoti, Marcelo Fröhlich, três fatores são fundamentais para elevar a qualidade da educação brasileira: investimento em formação de equipes gestoras e de professores, valorização do docente para tornar a profissão mais atraente e formação inicial mais sólida. Para ele, um fator positivo que vem sendo percebido é a preocupação

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esafios ucação

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da sociedade em mudar essa realidade: “Com a atual situação econômica do país, que cresceu e almeja ainda mais desenvolvimento, especialistas reconhecem hoje que a capacidade de maior crescimento está atrelada à educação, uma vez que a economia exige profissionais mais qualificados”. A tese de Marcelo foi comprovada em pesquisa divulgada em abril de 2011 pela Confederação Nacional da Indústria. Para mais da metade das empresas do setor industrial consultadas, a falta de mão de obra qualifi-

cada afeta 69% das empresas. Para os empresários ouvidos, a má qualidade da educação básica é uma das principais dificuldades para qualificar esses funcionários. Marcelo acredita que a pressão da sociedade será primordial para promover uma mudança. “O discurso pela qualidade da educação transcende os espaços exclusivos da própria educação. Esse fenômeno coloca-a no centro de discussão e na agenda dos diferentes setores. Obviamente, quando famílias, setor produtivo,

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empresários, educadores, políticos, todos reconhecem essa importância, ganha-se força para efetivar mudanças, pois não é mais somente o setor educacional que demanda prioridade sobre ela. Países que revolucionaram a educação tiveram respaldo de uma população ao lado das mudanças. Na América do Sul, por exemplo, vemos um processo de transformação ocorrendo no Chile, país que conta com a participação e pressão decisiva da sociedade”, lembra o especialista. Na opinião da sócia-fundadora e membro da comissão técnica de Todos pela Educação, Mariza Abreu, a qualidade da educação ainda não é uma prioridade para a população brasileira. Por isso acaba não tendo grande importância para os governantes. “Os líderes políticos sofrem pressões pelo atendimento de inúmeras demandas sociais e terminam por direcionar os sempre insuficientes recursos públicos para ações governamentais que correspondem às maiores pressões. O acesso à educação – vagas, transporte, merenda... – é efetivamente uma demanda social, mas a qualidade da educação não está no mesmo nível do acesso à escola e de outras questões como saúde e segurança pública. É cômodo dirigir todas as críticas aos governantes e CLAMOR NACIONAL: não assumirmos O discurso pela qualidade da educanossa parcela de ção transcende os responsabilidaespaços exclusivos de nos processos da própria educação

METAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS 2010 >> O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, PARA A DÉCADA DE 2010-2020, DEVE SER APROVADO PELO CONGRESSO SOMENTE NO ANO de 2013. ELE CONTÉM VINTE METAS PARA A EDUCAÇÃO. leia A SEGUIR: 12

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INFANTIL: Universalizar até 2016 o acesso das crianças de 4 e 5 anos à escola. As de Zero a 3 anos deve chegar a 50% de atendimento. As escolas devem ter um professor para cada quatro bebês.

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FUNDAMENTAL: Universalizar o acesso ao ensino fundamental de nove anos e garantir que 95% dos alunos concluam o ensino fundamental na idade recomendada.

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MÉDIO: Universalização até 2016 para atendimento escolar de 15 a 17 anos (ensino médio). No momento, a ênfase está mais no acesso a cursos técnicos.


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QUALIFICAÇÃO: sociais”, ressalta. Sem maior qualidaAlém disso, ela de na educação, o acredita que as fapaís não avança em seu projeto de cresmílias dos alunos cimento econômico que frequentam a escola pública têm poucas condições de avaliação da qualidade do ensino, e por isso não há uma maior cobrança. “A contradição da realidade brasileira consiste no fato de que a maioria daqueles que estão preocupados com a qualidade da educação tem seus filhos na escola privada, e as famílias com filhos na rede pública participam pouco do debate público. Por exemplo, dificilmente leem jornais e acompanham ou manifestam-se nos meios de comunicação.” Para a educadora, é preciso “abrir a caixa-preta da escola” para que possam participar da construção de soluções aqueles que estão “do lado de fora”. “Somente assim essas soluções poderão não ficar subordinadas apenas à lógica de um dos grupos participantes do processo educacional, mas efetivamente resultar de uma composição de interesses e necessidades”, acredita. Mas o fato é que, sem o apoio e engajamento dos governantes municipais, estaduais e federais fazendo a frente com novas propostas, não haverá projeto isolado que consiga transformar o sistema educacional do Brasil. Nesse sentido, o novo Plano Nacional de Educação (PNE), que está prestes a ser aprovado pelo governo federal, vem trazer uma dose de es-

perança para a população. De mais de 200 metas – que compunham o plano anterior –, a nova versão passou para 20 (confira as 20 propostas, abaixo). Entre os principais objetivos estão maior acesso à escola e ao ensino superior, avanço na valorização profissional e qualificação docente. Um dos maiores destaques da proposta é o aumento do investimento do Produto Interno Bruto (PIB) na educação para 10% até o fim desta década. A mestre em Educação e assessora pedagógica e de legislação educacio-

nal do Sindicato do Ensino Privado – SINEPE/RS, Naime Pigatto Sperb, alerta que o novo PNE deve ser um grande projeto do Estado e não de um governo. “Ele só terá sucesso se for levado a sério pelos governantes, independente de partido político. Além disso, suas metas precisam ser claras e explicar claramente como serão cumpridas e o que vai acontecer se elas não forem executadas? Isso ainda não está claro”, ressalta. Na visão de Mariza, para ser possível associar consequências, sanções ou

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INCLUSÃO: Universalização de atendimento escolar a crianças com necessidades especiais num amplo programa de inclusão. A meta exige alto investimento.

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ALFABETIZAÇÃO: Alfabetizar todas as crianças na escola até os 8 anos de idade.

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PERÍODO INTEGRAL: Oferecer educação em tempo integral, de 7 horas por dia, permitindo aos pais deixarem seus filhos na escola enquanto trabalham.

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IDEB (Índice de Desenvolvimento do Ensino Brasileiro): Aplicar a Prova Brasil a cada dois anos para avaliar a qualidade do ensino. O índice padrão é 6, que é a meta para daqui a 10 anos. Hoje está em torno de 4. Para os especialistas, o IDEB é mais significativo do que o ENEM em termos de avaliação do ensino no país.

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penalidades pelo não cumprimento de um dispositivo legal, é antes de tudo necessário que tal dispositivo seja razoável e passível de cumprimento. “No Brasil, há inúmeros exemplos de leis que não pegam, pois são ‘fora da realidade’. Para ficar com dois exemplos da área da educação, esse é o caso dos 35% da receita de impostos para a educação na Constituição Estadual do Rio Grande do Sul e da lei federal que instituiu o piso nacional do magistério público como vencimento inicial das carreiras”, lembra. Ela acredita que o segundo PNE será, tanto quanto o primeiro, uma carta de intenções, mesmo assim importante para orientar a formulação das políticas educacionais em todo o país. Mas também não basta apenas aumento nos investimentos; é preciso saber como e em que investir. “Se a ampliação de recursos não vier associada à qualificação da gestão educacional, não vai resultar em educação escolar de melhor qualidade, entendida enquanto sucesso dos alunos, com maiores taxas de aprovação e conclusão e aprendizagem adequada à sociedade do conhecimento do século 21”, pontua Mariza. Naime também acredita que para o país avançar na qualidade do ensino é preciso melhorar a organização escolar. “Deve haver melhorias no envolvimento da família com a escola, no planejamento interdisci-

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PRESSÃO DA SOCIEDADE: Países que revolucionaram a educação tiveram respaldo da população ao lado das mudanças. MARCELO FRÖHLICH, Secretário de Educação de Ivoti (RS)

plinar e na avaliação, que contemple as habilidades e competências dos alunos, de modo que os resultados encontrados possam auxiliar realmente na melhoria dos processos de ensinar e de aprender”, salienta.

O município de Ivoti (RS) apostou na qualificação de professores e gestores e, com isso, já vem colhendo bons resultados no desempenho dos estudantes. “Entendemos o professor como elemento fundamental no processo, especialmente porque ele tem a competência para identificar as dificuldades apresentadas pelos alunos”, explica o secretário municipal de Educação, Marcelo Fröhlich. Outra ação foi a aplicação de uma gestão compartilhada que reconhece cada profissional da rede como protagonista do processo. “Todos são convidados a participar desde o planejamento até a execução das ações pensadas. Isso evidencia uma postura solidária, reconhecendo todos como responsáveis pelos sucessos e fracassos. Esforços somados potencializam resultados”, acredita. Para o Brasil avançar e conseguir formar uma nação com mais qualidade, é necessária uma ação conjunta de todos, cada um assumindo sua responsabilidade: professores em sua função de ensinar, alunos em sua tarefa de estudar, pais se envolvendo com a aprendizagem de seus filhos e participando ativamente de sua vida escolar e gestores promovendo uma gestão democrática. Só assim os brasileiros terão uma educação digna de um país em pleno desenvolvimento, como o Brasil. N CARINE FERNANDES é jornalista em Porto Alegre (RS)

METAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS 2010 >> 8

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AUMENTAR A ESCOLARIDADE: Elevar a escolaridade média da educação dos brasileiros para a faixa entre 18 e 29 anos de idade.

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ADULTOS: Alfabetização de jovens e adultos de 93,5% da população acima de 15 anos. A meta deve ser cumprida até 2015.

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PROFISSIONALIZAÇÃO: Uma matrícula em cada quatro deve estar integrada com a educação profissional.

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CURSOS TÉCNICOS: Triplicar a matrícula da educação profissional técnica no nível médio.

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ENSINO SUPERIOR: Elevar a taxa bruta de matrícula no ensino superior em 50%. Para cada 10 estudantes, disponibilizar uma bolsa de PROUNI.


CAPA

Um décimo do PIB o novo plano nacional de educação prevê um audacioso investimento de dez por cento do produto interno bruto em educação. de onde virá esse dinheiro? por Silvana Isabel Francisco

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s recursos para a educação pública no Brasil vêm de duas fontes principais: o salário-educação e diversos impostos. O salário-educação é responsável por cerca de 20% das verbas, destinado ao financiamento de programas, projetos e ações voltadas ao financiamento da educação básica pública e que também pode ser aplicado na educação especial, desde que vinculada à educação básica. São contribuintes do salário-educação as empresas em geral e as entidades públicas e privadas vinculadas ao Regime Geral da Previdência Social. O Fundo Nacional DEBATE: Entidades de Desenvolvicomo a Assembleia Nacional de Estudanmento da Edutes estão debatendo cação (FNDE) o PNE e a parcela do tem a função de PIB a ser investida

redistribuir a contribuição social do salário-educação. Os outros 80% das verbas destinadas à educação pública vêm de diversos impostos, convertidos em orçamentos municipal, estadual ou federal. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) é composto, na quase totalidade,

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QUALIDADE: Elevar a qualidade da educação superior. Ampliar a proporção de mestres e doutores para 75%, com mínimo de 35% de doutores.

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PÓS: Elevar gradualmente as matrículas na pós-graduação. Anualmente 60 mil mestres e 25 mil doutores.

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PROFESSORES: Regime de colaboração entre união, estados e municípios, pensando numa política de valorização dos professores. Que todos possuam formação específica em nível superior.

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FORMAÇÃO CONTINUADA: Que 50% dos professores do ensino básico tenham pós-graduação e que se estabeleça garantia de formação continuada aos professores.

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SALÁRIOS: Valorização profissional do magistério, com salário equiparado ao rendimento médio dos profissionais do mesmo nível de formação.

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por recursos dos próprios estados, Distrito Federal e municípios, como o Fundo de Participação dos Estados (FPE); Fundo de Participação dos Municípios (FPM); Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPIexp); Desoneração de Exportações (LC 87/96); Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD); Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA); Quota-Parte de 50% do Imposto Territorial Rural devida aos municípios (ITRm); além de receitas da dívida ativa e de juros e multas, incidentes sobre as fontes acima relacionadas. Também compõe o Fundeb uma parcela de recursos federais sempre que, no âmbito de cada estado, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente. Os municípios recebem os recursos do Fundeb com base no número de alunos matriculados na educação infantil e no ensino fundamental e os estados com base nos matriculados nos ensinos fundamental e médio. Os municípios devem utilizar recursos do Fundeb na educação infantil e no ensino fundamental, e os estados nos ensinos fundamental e médio, sendo o mínimo de 60% na remuneração dos profissionais do magistério da educação básica pública; o restante dos recursos deve ser usado em outras despesas de sua manutenção e desenvolvimento.

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JOSÉ MARCELINO: A necessidade de investimentos da ordem de 10% do PIB decorre do pequeno valor do PIB brasileiro e dos anos de subdesenvolvimento educacional

O novo Plano Nacional de Educação (PNE) foi aprovado pela Câmara dos Deputados em junho. Agora falta passar pelo Senado. Conforme esse plano, os recursos para a educação devem passar dos atuais 5,1% do Produto Interno Bruto (PIB) para 7% no prazo de cinco anos até atingir os 10% ao fim de vigência do plano, ou seja, em 2020. Esse novo plano estabelece 20 metas que o país deverá atingir no prazo de dez anos, a partir da sanção presidencial, entre as quais o aumento no investimento em educação pública. O Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, colaborou para a construção do novo PNE. Os estudos em torno do CAQi apontam os valores ideais a serem inves-

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PLANO DE CARREIRA: Assegurar Plano de Carreira do Magistério em dois anos para os ensinos básico e superior.

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Gestão democrática: Garantir a gestão democrática da educação nas unidades de ensino público. As condições para isso devem estar asseguradas em dois anos.

SILVANA ISABEL FRANCISCO é jornalista em Brasília (DF)

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METAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS 18

tidos por aluno em cada etapa da educação básica para que o Brasil ofereça uma educação com um mínimo de qualidade. Contaram com a participação de gestores municipais e estaduais, equipes de escolas de várias regiões do país e instituições ligadas à educação. “A necessidade de investimentos da ordem de 10% do PIB decorre do pequeno valor do PIB brasileiro e dos anos de subinvestimento educacional”, afirma José Marcelino de Rezende Pinto, professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto, presidente da Associação Brasileira de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “Espera-se que o próprio desenvolvimento do país, potencializado por esse maior investimento na educação básica e superior, permita, ao longo dos anos após 2020, uma progressiva queda no investimento total em relação ao PIB, sem perda de qualidade, corrigidos os atrasos históricos, em especial no que se refere à educação de jovens e adultos, até que o país estabilize seus investimentos educacionais em patamares entre 6% e 7% do PIB, como ocorre hoje nos países ricos”, analisa N José Marcelino.

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Financiamento: Dentro de cinco anos, o Brasil deverá estar investindo 7% do Produto Interno Bruto em educação. Em 10 anos, a taxa deve aumentar para 10% do PIB.

as 20 metas deste novo Plano Nacional de Educação (PNE) foram aprovadas pela Câmara dos Deputados em junho. Agora o pne precisa passar no Senado.


CAPA

A família: uma aliada O modelo de família mudou, e as mulheres não têm mais tempo para acompanhar os filhos. Qual seria o papel a ser desempenhado pelos pais e responsáveis em relação à escola? por Paula de Oliveira

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E o fato se comprova. Segundo pesquisa realizada na Faculdade de Educação (FE) da Universidade de São Paulo (USP) pela psicanalista Mariana de Campos Pereira Giorgion, a escola vê os pais como ausentes e distantes no aprendizado dos filhos. Por outro lado, os familiares também sentem difi-

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RELAÇÕES: É necessário um profissional na escola para trabalhar o relacionamento escola/família

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nte as mudanças na sociedade, com tantas informações e avanços tecnológicos, é possível observar uma inversão de papéis e valores, em que a família ganha uma nova configuração. Percebe-se um novo modelo econômico, cultural e social, com o acesso ilimitado a informações, crianças e adolescentes sendo vistos como consumidores cada vez mais cedo e o surgimento de novas referências. A mulher conquista cada vez mais seu lugar no mercado de trabalho, os pais não têm mais tempo para acompanhar os filhos como antes, a criança também muda e, consequentemente, o aluno e a escola. “Os pais passam pouco tempo com os filhos. Essa nova configuração de família acaba por atribuir à escola o papel de educar”, afirma a psicopedagoga Carla Silva Barbosa, 43, mãe de três filhos e ex-diretora do Colégio Objetivo. “Esse novo cenário, família-escola-aluno, precisa ser revisto. Cada vez mais se faz necessário estreitar essa relação entre os pais e a escola, pois a falta dela traz consequências diretas na educação e na qualidade de vida de nossas crianças.”

culdade para aproxi­mar-se do contexto escolar. A pesquisa, realizada com familiares e alunos de escolas públicas, conclui que o distanciamento dos pais do cenário escolar pode até refletir, por exemplo, no letramento das crianças, prejudicando o aprendizado. Por isso a necessidade de haver um profissional nas unidades de ensino que trabalhe as relações entre estudantes, escola e familiares. “A escola também está mudando. Já existem discussões sobre a permanência da criança em tempo integral nas escolas; é o reflexo do padrão familiar contemporâneo”, afirma a psicopedagoga Carla Silva Barbosa, “mas não é esse o caminho para resolver a questão. Pois a família acaba

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CAPA esperando da escola e do Estado um tipo de educação que, na verdade, deveria ser dado em casa. Precisamos ajudar a discutir esse espaço da infância, adolescência, família, escola e sociedade”. E como mudar o padrão atual da relação entre a família e a escola? São necessárias vontade e paciência, pois a ação precisa ser bilateral, conjunta e contínua. Por exemplo, os professores e gestores da educação podem realizar eventos que envolvam os pais na escola, que os tornem coautores do processo educativo, em que se sintam valorizados e responsáveis por sua parte no processo. “A família precisa empenhar-se, estar mais disponível e aberta a essa nova realidade e necessidade que se apresenta no mundo de hoje. Também é importante que os pais reforcem os valores e conhecimentos trabalhados na escola. E vice-versa”, aconselha a psicopedagoga Carla Barbosa, que como mãe e educadora conhece bem esse cenário. Várias outras ações podem ser desenvolvidas em conjunto, e a escola pode inclusive solicitar a participação dos pais para ministrar oficinas na escola sobre artesanato, culinária, criando um cenário de integração. A consciência é praticamente unânime entre os profissionais de educação de que a participação da família na vida escolar dos filhos é uma grande aliada do bom desempenho acadêmico. A escola não deveria viver sem a família, e nem a família deveria viver sem a escola. Uma depende da outra na tentativa de alcançar o melhor futuro para o filho, o educando e, automaticamente, para toda a sociedade. “Temos que aprender novos caminhos para sensibilizar as famílias. É preciso estreitar essa relação, pois todos querem a mesma coisa”, N ensina Carla. PAULA DE OLIVEIRA é jornalista em São Paulo (SP)

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Espaço para a inclusão

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modernização: As escolas regulares precisam reorganizar-se para a prática da inclusão

por Marilene Cardoso

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inclusão acontece por meio de um processo interativo em que sociedade e alunos com deficiência se reconhecem, adaptam e desenvolvem, estabelecendo novos pactos fundamentados no direito de cidadania plena para todos. O processo inclusivo pode significar uma verdadeira revolução educacional e envolve a revelação de uma escola eficiente, diferente, solidária e democrática, em que a multiplicidade leva-nos a ultrapassar o limite da integração e alcançar a inclusão.

O princípio da educação inclusiva é que todos devem aprender juntos, levando em consideração dificuldades e diferenças em classes heterogêneas. A escola inclusiva educa todos os alunos na rede regular de ensino, proporciona programas educacionais apropriados às necessidades dos alunos e prevê apoio para que o aluno tenha sucesso. A inclusão resulta de mudanças qualitativas e quantitativas, necessárias para definir e aplicar soluções adequadas. Baseia-se, portanto, nas necessidades do aluno, visto como um todo e não apenas em seu desempenho escolar. Maria Teresa Montoan, autora dos livros “A Integração de Pessoas com


CAPA

MARILENE CARDOSO é psicopedagoga, mestre e doutora em Educação (PUCRS), docente e assessora de educação inclusiva em Porto Alegre (RS)

Vida dedicada à educação

Rui Bender

Deficiência – Contribuições para uma reflexão sobre o tema” e “Ser ou Estar, eis a questão: explicando o déficit intelectual”, argumenta que a inclusão nas escolas regulares implica a modernização e a reestruturação das condições atuais do ensino. Uma escola que trabalha em seu espaço com a heterogeneidade nas relações cotidianas e a convivência com os diferentes mostra que o mundo é composto pela diversidade. O professor é protagonista para o êxito da inclusão escolar. Porém muitos professores não possuem experiência relevante para lidar com as diferenças nem oportunizam metodologias de ensino e práticas pedagógicas que garantam a inclusão. Em qualquer situação de aprendizagem formal, é o professor o elemento-chave para favorecer o desenvolvimento das potencialidades do aluno. Mas a realidade tem encorajado os professores a procurar novos métodos e recursos para desenvolver uma nova práxis com alunos incluídos. Reitero que a inclusão de alunos com deficiência nas escolas regulares implica a modernização e reestruturação das condições do ensino, especialmente em seus níveis básicos. Trata-se de uma inovação educacional que provoca as escolas e seus professores a atualizar suas práticas pedagógicas para adequar-se às exigências de uma sociedade do conhecimento que rejeita barreiras e preconceitos de toda ordem dentro e fora da sala de aula. Para finalizar, é certo que muitos outros aspectos poderiam ser apontados e que, sem dúvida, continuarão sendo objeto permanente de estudo. É preciso que a educação assuma uma postura de mudança nas práticas educacionais discriminatórias, pois somente a partir dessas modificações N se pode garantir a inclusão.

prof. naumann: No magistério desde 1942

por Rui Bender

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o longo de cinco décadas ele foi professor. Começou em 1942 no extinto Instituto Pré-Teológico em São Leopoldo (RS) e parou em 1991 na Escola Evangélica Ivoti em Ivoti (RS). Falamos do professor Hans Günther Naumann, de 89 anos, que durante três décadas (1950-1981) dirigiu uma das mais importantes escolas de formação de professores no estado do Rio Grande do Sul. Inicialmente era conhecida como Escola Normal Evangélica, sediada desde 1950 em São Leopoldo, e depois como Escola Evangélica Ivoti, transferida para Ivoti em 1966. O “Professor Naumann”, como é mais conhecido, lembra que a forma-

ção de professores era a segunda tarefa mais importante da igreja luterana na metade do século passado. Havia uma grande preocupação com a educação básica após a 2ª Guerra Mundial. Mais adiante, a partir da década de 1970, os enfoques mudaram. A urbanização da igreja, a questão indígena e a realidade política ocuparam generosos espaços na esfera de preocupação da igreja. E a educação, até então mais concentrada na população de origem alemã, acabou sofrendo mudanças, observa. “Hoje a igreja assume muitas tarefas além da educação”, emenda. Entretanto, Naumann acredita que as igrejas não deveriam abandonar o ensino fundamental, pois “certamente ainda têm muito a contribuir nessa área”. O Estado está investindo forte na educação básica, enquanto a iniciativa privada aposta no terceiro grau. Muitas instituições de ensino luteranas, por exemplo em Três de Maio (RS), Ivoti (RS), Novo Hamburgo (RS), Joinville (SC) e Curitiba (PR), abriram cursos universitários. “É uma evolução necessária”, reconhece o professor. Enfim, o professor entende que o poder público deveria investir muito mais na educação básica, como fizeram os tigres asiáticos (Coreia do Sul, Taiwan, Singapura e Hong Kong). Somente assim vai crescer o nível de vida da população. “Isso falta aqui”, constata Naumann. Atualmente, a educação necessita de conhecimentos diferenciados daqueles do passado em consequência da galopante evolução tecnológica, admite o professor. N RUI BENDER é jornalista em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Set/Out 2012

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CAPA

Formação de professores

Nos últimos anos, três instituições da Rede (IENH, ISEI e SETREM) também vêm atuando muito fortemente na área da formação continuada de professores. Esse é um trabalho significativo que as faculdades realizam em parceria com municípios e o estado no Rio Grande do Sul. O Instituto Superior de Educação Ivoti (ISEI) oferece cursos de pós-graduação em nível de especialização nas áreas de coordenação pedagógica, orientação educacional, educação infantil e anos iniciais, língua alemã e música. A Rede Sinodal de Educação possui um Fundo de Formação para egressos do ensino médio de suas escolas. Esse fundo é destinado especificamente a jovens que desejam frequentar um curso de licenciatura, assumindo o compromisso de atuar em alguma escola da Rede Sinodal após a conclusão do mesmo. N

por Rosângela Markmann Messa e Waldir Werner Scheuermann

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não preparavam apenas professores para as escolas luteranas, mas também para as escolas públicas e comunitárias. A contribuição na formação de professores é muito expressiva e está na origem de escolas da Rede Sinodal, especialmente em sete delas. Duas instituições trabalham em nível técnico (magistério) a formação de professores para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental: Instituição Evangélica Novo Hamburgo (IENH) e Instituto de Educação Ivoti (IEI). Essas inclusive possuem o reconhecimento como centros de excelência nessa área há muitos anos. Além disso, o IELUSC (Joinville), a SETREM (Três de Maio), a Faculdade IENH (Novo Hamburgo), a Faculdades EST (São Leopoldo), o ISEI (Ivoti) e o IFPLA (São Leopoldo) atuam na formação de professores. Percebe-se uma grande preocupação da Rede Sinodal de Educação na formação de professores em nosso país ainda hoje. Especialmente em algumas áreas onde universidades, centros universitários e faculdades não atuam, por exemplo na música, na língua alemã e no ensino religioso. Assim, a Rede faz sua parte e cumpre seu papel de também formar profissionais para atuar na área da educação, contribuindo para uma sólida formação de crianças e jovens nas escolas de nosso país.

ROSÂNGELA MARKMANN MESSA é coordenadora pedagógica da Rede Sinodal, e WALDIR WERNER SCHEUERMANN é diretor executivo da Rede Sinodal em São Leopoldo (RS)

comunidade escolar: Um encontro festivo entre pais,

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Rede Sinodal de Educação é integrada por 55 escolas. Essas possuem mais de 38 mil alunos matriculados, desde a educação infantil até a pós-graduação, que são atendidos por 3.350 professores e professoras. 41 estabelecimentos escolares ficam no Rio Grande do Sul, dez em Santa Catarina, três no Paraná, um em São Paulo e um no Mato Grosso. As escolas professam a doutrina cristã segundo os princípios da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). A história das escolas da Rede Sinodal de Educação inicia em 1826 com a fundação de sua instituição mais antiga – portanto dois anos após a chegada dos primeiros imigrantes alemães a São Leopoldo (RS). Depois disso, diversas escolas surgiram nas comunidades de imigrantes com o propósito de alfabetizar as crianças e preservar a cultura alemã. No início do século passado, eram numerosas as escolas comunitárias luteranas nos três estados do sul do Brasil. Um dos principais desafios era a carência de professores. A IECLB decidiu fundar seu próprio centro de formação de professores em 1909, hoje o Instituto de Educação Ivoti (IEI), em Cachoeira do Sul (RS). Outros centros de formação de professores surgiram, com um papel extremamente importante, porque


Pastorado na escola? por Júlio Cézar Adam

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s pastorados escolares em escolas da Rede Sinodal de Educação, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), remontam à concepção de Lutero. A escola estava a serviço da igreja, que precisava de pessoas alfabetizadas para ler e entender a Bíblia. Essa ideia de igreja e escola lado a lado foi trazida pelos imigrantes alemães ao Brasil como princípio teológico-pedagógico e de sobrevivência frente às adversidades. alunos e professores numa escola da Rede Sinodal

As escolas comunitárias foram assumidas pelas comunidades, e o pastor coordenava os trabalhos pastorais e de ensino religioso na escola. No final dos anos 1960, há um afastamento entre as comunidades e as escolas e surge um vazio de orientação teológica e de amparo pastoral. Assim, criam-se os primeiros pastorados escolares para restabelecer a relação entre igreja e escola. O pastorado escolar propunha-se a organizar as meditações, o ensino religioso em todas as séries, o acompanhamento pastoral de professores e alunos, envolver-se com a direção da instituição e promover o crescimento espiritual. A maioria desses objetivos continua válida ainda hoje. Segundo a Rede Sinodal, o pastorado escolar tem como objetivo a poimênica, a colaboração na reflexão teológico-pedagógica e o estreitamento do vínculo com a comunidade luterana local. Essencialmente, o trabalho de uma pastoral escolar divide-se em atividades celebrativas, de ensino, convivência e escuta e de responsabilidade socioambiental. Celebração: O ser humano é um ser racional e também simbólico, que precisa de ritos, relacionar-se com o outro e com o transcendente. Precisa celebrar a vida e a presença de Deus na vida da escola. A liturgia da escola deve encontrar sintonia com a “liturgia” da comunidade escolar.

Ensino: A escola é um espaço onde se aprende a tradição cristã. Projetos com outros componentes curriculares e, em especial com o ensino religioso, são de fundamental importância. O resgate das histórias bíblicas possibilita entender melhor nossa cultura, costumes, a arte e a vida. Convivência e escuta: A fé cristã se vive e se experimenta. A maneira como convivemos, educamos e somos educados, avaliamos e estabelecemos regras são demonstrações de fé. Responsabilidade socioambiental: Espiritualidade cristã quer transformar o mundo onde vivemos. Se não cuidamos de nosso meio, de nossos semelhantes, principalmente das vítimas de nossa sociedade injusta, de nada terá servido nossa relação íntima com Deus. A pastoral escolar é mais do que trazer um pouco da igreja para dentro da escola. Ela é um jeito de ser igreja, um jeito diferente de viver o evangelho, de forma discreta e como parte do todo que perfaz a escola. É nisso que residem as chances da pastoral escolar. Essa consciência faz os pastorados escolares serem mais dinâmicos, desafiadores e, ao mesmo tempo, encantadores. Pastoral escolar é hoje uma busca e uma vivência da espiritualidade cristã a partir dos princípios da Reforma luterana na linguagem da escola, a partir dos jeitos de alunos, crianças, adolescentes e jovens, professores e professoras, suas questões, necessidades e interesses. Num universo diversificado, secular e um tanto cético, ecumênico e multirreligioso, a missão da pastoral escolar é uma constante busca por sintonia e diálogo com a religiosidade e a espiritualidade dessa comunidade. É mostrar em palavras e ações que a proposta de Cristo não quer dominar e tolher, mas agregar, completar, dar N sentido à vida. JÚLIO CÉZAR ADAM é teólogo da IECLB e professor na Faculdades EST e Faculdade IENH em Novo Hamburgo (RS)

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CAPA

Arquivo Pessoal

Pesquisa feita em 2010 pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com 665 mil docentes de escolas públicas e particulares em sete estados brasileiros revela que 51% dos professores “nunca” pensaram em parar de trabalhar na educação. Idealistas, apaixonados, teimosos... eles acreditam no potencial transformador da educação e querem mais investimentos no setor.

Elci Pereira Lima, formada em Biologia e Pedagogia, leciona há 21 anos. Atualmente, trabalha na prefeitura de São Paulo, no Ensino Fundamental I e II e na Educação de Jovens e Adultos como professora orientadora de Informática Educativa. Atua também em escolas do estado como professora de 5º e 6º anos do Ensino Fundamental II.

“Atualmente, a formação ficou apenas para o curso de Pedagogia, que em um tempo curto tem que oferecer toda a base para os alunos. Estudam-se muito as teorias, e a prática fica reduzida. Talvez seja importante pensar em um ensino técnico para os professores antes do curso de Pedagogia. Temos como desafios que todas as crianças consigam ler, escrever, interpretar, refletir e tornar-se sujeitos autônomos em suas ações na participação na sociedade. O investimento também deve ser nos recursos tecnológicos nas escolas. Hoje, as crianças vivem rodeadas de um mundo tecnológico riquíssimo, que pode auxiliar na construção do conhecimento, que ainda não está inserido totalmente nas salas de salas de aula. É preciso disponibilizar esses recursos para que nós, como educadores, possamos orientar novas possibilidades de uso para o aluno e ainda ampliar e enriquecer a sala de aula. Capacitação é algo essencial e contínuo, que deve crescer mais em quantidade e qualidade. Também precisamos de investimentos na formação específica de todos os professores para desenvolver um trabalho de qualidade com os alunos de inclusão.”

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A identidade do pr por Osvino Toillier

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avia uma época em que o professor era o sábio da aldeia, e os aldeãos buscavam-no como conselheiro. Por isso ele era respeitado por todos por seu conhecimento, sua integridade, seu exemplo de vida. Na cidade, não era muito diferente, e a profissão era buscada pelo prestígio social e pela admiração da sociedade. Confundia-se, de certa forma, com sacerdócio. A evolução levou-nos de encontro a esse paradigma, e a imagem do professor da minha infância e juventude evaporou de certa forma e não se recupera. Portanto vamos reverenciar nossos amados mestres pelo que nos ensinaram, render-lhes o tributo de nossa eterna gratidão, mas isso fica resguardado na memória do tempo. Os tempos mudaram, a civilização é outra, ao menos por aqui, e essa imagem do professor de outrora já não se sustenta. Não há fórmula mágica para recompor a autoridade do professor, porque a compreensão desse fenômeno é totalmente diferente hoje em dia. Demarcado o território, vamos mapear o cenário da pós-modernidade e encarar o mundo de hoje. Que fenômeno é esse que transforma o professor em saco de pancadas e retira-lhe as condições para trabalhar dignamente? O fenômeno tem nome e chama-se “desinstitucionalização”, que compreende a perda dos referenciais institucionais da igreja, da família, da escola, dos ritos, enfim, de tudo aquilo que no passado representava um direcio-

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Sonhos de professor

namento seguro. E o professor encarnava esse personagem que conduzia crianças e jovens, era o Magister. Era uma espécie de profeta, que liderava a sociedade. A fragmentação do mundo de hoje é uma realidade inegável, e a conectividade universal e permanente trouxe implicações para as relações humanas, tendo como consequência um individualismo brutal, de forma que ninguém mais quer ser tutelado por ninguém, desde tenra idade, com desejo de autonomia e liberdade absolutas. Não se quer ter mais ninguém a quem prestar contas e, muito menos, prestar obediência.


Esse é o cenário da sala de aula de hoje, cujo titular é o ilustre personagem desta matéria: o professor, colocado como absolutamente despreparado para as novas demandas que a sociedade joga sobre ele. Salvo melhor juízo, é injusto cobrar do professor – e apenas dele – a solução desse problema, porque ele é impotente para resolvê-lo sozinho. Temos de partir de algumas premissas: O professor deixou de ser o único provedor de acesso à informação – Isso já foi dito, há tempo, pelo jornalista Gilberto Dimenstein. A conectividade dá condições para o aluno ter informações mais atualizadas, mas o

OSVINO TOILLIER é presidente do SINEPE/RS em Porto Alegre (RS)

Maria Denise Cataneo de Oliveira, professora há 31 anos em Sapucaia do Sul (RS), pedagoga e especialista em Gestão Educacional em São Leopoldo (RS).

Arquivo Pessoal

“Só conseguiremos transformar a sociedade resgatando os valores que foram substituídos e o espírito de solidariedade e coletividade nas pessoas. Alguns profissionais, ainda nos tempos de hoje, ficam utilizando só quadro e giz. Eles não conseguem fazer o que é a função social e política da escola: preparar um novo homem, com uma bagagem altamente qualificada, para um mundo competitivo.”

Kátia Thaís Machado, professora da rede pública em Sapucaia do Sul (RS) há 15 anos. Arquivo Pessoal

professor

professor é o mediador da construção do conhecimento. Adequação à nova realidade – O professor precisa preparar-se para este novo tempo, aceitando que já não se pode mais dar aula como antes, transformando os alunos em “assessores” e respeitando os seus saberes. Respeitar e dar-se o respeito – De nada adiantará todo o esforço para reconstruir o respeito ao professor se ele não cuida de sua imagem. Manifestações pela categoria, com atitudes que afrontam a sociedade e a boa educação, retiram-lhe a autoridade para cobrá-la em sala de aula. Autoridade – Etimologicamente, é a condição que eu dou a alguém ser autor, ou seja, sujeito, autor da própria vida. Autoridade constrói-se ao longo da carreira, e é a explicação para muitos professores que são respeitados e admirados pelos alunos a partir da postura e dignidade. Sabedoria – O professor deve transformar-se num sábio, porque a sabedoria excede o conhecimento. E a moldura mais bonita da competência é a humildade. É alguém que sabe muito, mas não se exibe, fala apenas o essencial. Respaldo da direção – É imprescindível, porque o professor é investido numa função de autoridade pela direção. O professor lida com a magia do aprender, da curiosidade, da capacidade de encantamento, da paixão, que não se conforma com o fracasso, professa fé inabalável na capacidade do ser humano de superação, enfim, acredita no belo sonho de que todos podem aprender e alcançar sucesso. E todos nós nos tornamos melhores por causa de professores assim. N

“Percebo um constante aumento da distorção idade/série, reprovações em massa, dificuldades de aprendizagem e, principalmente, como irradiadora de tudo isso, a indisciplina dos alunos. Temos também o advento da tecnologia. Com a internet, há ocasiões em que o aluno tem mais informação acerca de algum conteúdo graças ao Google, o mais novo guru dos estudantes. Nenhum site de busca é capaz de transformar informações em conhecimento. Isso tem que ser aplicado para tomar significado. É na significação do conteúdo que se dá a aprendizagem. A educação continua sendo a mesma de sempre: uma troca entre indivíduos. O motor propulsor dos jovens é o desafio. Para instigar, não é necessária nenhuma tecnologia. Basta um professor.” Colaboraram Suzel Tunes, jornalista em São Paulo (SP); Luciana B. Reichert, jornalista em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Set/Out 2012

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PASTORAL

Nosso lugar é na prisão Eu estava na cadeia e foram me visitar. Mateus 25.36 por Wolfgang Lauer

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Áreas de domínio – De Martim Lutero se conta que, na solidão da detenção de proteção no castelo de

Wartburg, ele teria medo de ataques do diabo. Conta-se que, certa noite, Lutero, despertado pelo diabo, defendeu-se de seus ataques jogando um tinteiro contra ele. O apóstolo Paulo e o evangelista João veem o ser humano como preso de poderes cósmicos. Morte, pecado, lei e satanás dominam a pessoa, e ela deve servir a eles. O Novo Testamento fala da condição humana não somente como uma condição de prisão; as pessoas levam uma vida de escravidão sob esses poderes. Em “De servo arbitrio”, Lutero expressa: “Assim a vontade do homem está colocada no meio como um animal de carga. Se Deus se sentar nele, ele quer e vai aonde Deus quiser; se o diabo sentar nele, ele quer e vai aonde o diabo quiser”.

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adeia é cadeia, ou seja, a sujeição total à vontade de outrem pelo detento. Praticamente não existe margem para atuação individual. Os carcereiros possuem o poder total sobre a vida diária, as vivências e possibilidades do preso. A reprodução de solidão é um componente integral da execução da pena. O objetivo: separar o detento – à força – de sua família, de seu ambiente social. A exclusão, com as consequências dela decorrentes, é o objetivo da

detenção. A longo prazo, uma coisa muito cara para a sociedade. O sociólogo Erving Goffman (‘Asylum’) fala, nesse contexto, sobre a “instituição total”: Não existe diferença entre o mundo do trabalho e o mundo do lazer. O dia transcorre da manhã até a noite em um único ambiente social, em um espaço. O desequilíbrio de poder entre os internos e os funcionários não pode ser revertido. Na prisão, imperam a suspensão da esfera íntima individual, a destruição de estilos de vida individuais e a eliminação de responsabilidades individuais. É tarefa dos funcionários limitarem a autodeterminação.

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WOLFGANG LAUER: A igreja tem a TEORIA da autodeterminação, possibilitada pela absolvição dada por Jesus Cristo. A tarefa da PRÁTICA está diante de nós; o nosso lugar é na prisão. Pois Jesus Cristo já está ali.

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“O sagrado” e seu poder – Na instituição total, o comportamento é regulamentado; grupos sociais organizam-se e estabelecem hierarquias e rituais próprios; a vida particular do indivíduo (especialmente nas celas comuns superlotadas no estado de São Paulo) reduz-se à cama e ao mundo interior dos devaneios e sonhos (por exemplo, por cuidado com a imagem, escapismo, drogas, fugas e protestos, emigração interior). Na instituição total, “O Sagrado” formula a distância em relação à instituição total da prisão. Por isso a assistência religiosa não pode ser considerada um auxílio para o cumprimento de objetivos estatais, nem pode ser definida como advogada de um determinado meio (por exemplo, entre detentos ou funcionários). Numa organização na qual o poder está organizado de modo tão compacto, pode parecer absurdo falar de outros poderes ou ter presente outros poderes. Como um outro poder pode tornar-se presente? “Faz parte das funções fundamentais de tradições religiosas possibilitar a transcendência através da confrontação e da identificação com a História da Salvação (bibliodrama, a entrada em histórias alheias)”, afirma Manfred Jossutis em seu livro “Autodeterminação como Objetivo da Assistência Espiritual na Prisão” (2006). O Estado justifica as penalidades afirmando que assim o detento recebe a oportunidade de autodefinir-se novamente. O retorno às normas e valores da vida civil deve ser realizado e aprendido na instituição total. O método pressuposto é: a autoconsciência dá-se e ocorre no contexto do controle total por outros. “Uma avaliação errada, porque o contexto social torpedeia o objetivo da ressocialização”, segundo Jossutis. “O Sagrado” como “O Completamente Outro” assusta e ao mesmo

tempo oferece ao indivíduo em seu espaço alternativo a possibilidade para a saída do controle por outros, abre caminhos para a autodeterminação individual e conquistar para si o caminho para a autodefinição: “O Sagrado” como um programa alternativo na “instituição total”. Como cristãos se localizam na constelação de solidão, controle por outros e autodeterminação? Os discípulos de Jesus são prisioneiros libertos de poderes alheios, e o próprio ego é liberto de poderes alienantes. Será que eles ouvem o chamado para

promover e exigir a autodeterminação em seu ambiente social? A existência cristã é uma confrontação com o controle por outros de si próprio. Nós temos que percebê-la e reconhecê-la. A igreja tem a TEORIA da autodeterminação, possibilitada pela absolvição dada por Jesus Cristo. A tarefa da PRÁTICA está diante de nós; o nosso lugar é na prisão. Pois N Jesus Cristo já está ali.

WOLFGANG LAUER é teólogo e ministro da IECLB e coordena o projeto da Pastoral Carcerária em São Paulo (SP)

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JOVENS

Conectad@s com Deus por Antonio Carlos Oliveira

F

rio, que nada! O inverno do sul do país nem de longe assustou quem esteve no 21º Congresso Nacional da Juventude Evangélica, realizado em Pelotas (RS) entre os dias 23 e 27 de julho de 2012. O encontro superou a expectativa. Mais de mil jovens provenientes dos 18 Sínodos da IECLB lotaram a Sociedade Recreativa 15 de Julho na Capital Nacional do Doce. Foi uma semana maravilhosa com muitas celebrações, estudos, palestras, oficinas, cantos, danças e teatros e momento para reencontrar os amigos de encontros passados e também oportunidade para fazer no-

vas amizades. Tudo isso transmitido on-line pela internet e nas postagens das redes sociais. Foi legal perceber essa conexão entre o pessoal que estava lá e os que ficaram em casa. Houve inúmeros comentários de apoio e incentivo ao encontro, e é claro que muitos pais e mães deram uma espiada para ver como a “gurizada” estava se comportando. Ainda melhor foi sentir que a juventude evangélica está conectada com Deus. Aliás, esse era o tema do congresso: “CONECTAD@S COM DEUS – Protagonistas no mundo”. Essa galera jovem parece mesmo estar disposta a levar a sério a sua relação com Deus e ser gente comprometida com o evangelho no mundo. O Grito da Juventude nas ruas de Pelotas foi

DE NORTE A SUL: Mais de mil jovens provenientes dos 18 Sínodos da IECLB estiveram em Pelotas

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uma amostra disso. O centro da cidade literalmente parou para ver a juventude expressar a sua fé. A caminhada chamou a atenção da população e da mídia local. A letra da canção dizia: “Ser protagonista é levar a sério a nossa fé”. Esse momento demostrou que a juventude evangélica de confissão luterana quer tornar-se cada vez mais um exemplo de vivacidade e testemunho cristão no mundo. No CONGRENAJE, a igreja expressou mais uma vez sua conexão com as pessoas jovens. O pastor presidente Nestor Friedrich motivou todos e todas ao falar da importância do trabalho com jovens na IECLB e de como essa área vem recebendo atenção por parte da direção. Em 2012, o próprio tema do ano refle-


Fotos: Antonio Oliveira

FRIO INTENSO: Nem mesmo as baixíssimas temperaturas em Pelotas intimidaram os congressistas

te essa sintonia com a juventude: “COMUNIDADE JOVEM – Igreja Viva”. Ao congresso coube, a exemplo de datas anteriores, eleger cinco ministros e ministras para orientar teologicamente o Conselho Nacional da Juventude Evangélica (CONAJE) nos próximos dois anos.

Na quarta-feira, dia 25, houve o lançamento da 2ª edição do “CONGRENAJE em Revista”, uma publicação que trata e amplia a temática do congresso. O material impresso é uma forma de divulgar o tema para aquelas pessoas que não puderam ir ao encontro. A revista está disponível também nos formatos

em braile, que possibilita a acessibilidade das pessoas com dificuldade visual, e no formato digital, que pode ser encontrado no portal Luteranos. A equipe organizadora foi muito eficiente. Tudo funcionou bem. Os “laranjinhas”, como ficaram conhecidos, por causa da cor do colete que usavam, foram um exemplo de gentileza e atenção. Não faltaram o chimarrão e o chá para esquentar do frio. Com certeza, não é fácil acolher tantas pessoas, mas penso que todos e todas saíram bem satisfeitos e agradecidos pela dedicação das pessoas que coordenaram o evento. Se alguém duvida da empolgação da Juventude Evangélica, fique sabendo que o próximo congresso em 2014 será no Sínodo Amazônia. O 22º CONGRENAJE e 8º Fest’art têm o desafio de reunir ainda mais pessoas. Tem gente que já não vê a hora do próximo encontro começar, mas, enquanto isso, é importante que a conexão desses cinco dias se concretize no trabalho com jovens nas comunidades. Por isso, jovem, não N esqueça: Torna-te exemplo. ANTONIO CARLOS OLIVEIRA é teólogo e ministro da IECLB na Coordenação de Educação Cristã em Porto Alegre (RS)

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JOVENS

por Micael Vier Behs

N

ão sei se sou um pouco filósofo, mas durante esses cinco meses de aulas eu gostava de chegar mais cedo à EST para sentar nos bancos do jardim e pensar na vida olhando para o céu. Essas são palavras de Cahuê Martins, 17 anos, morador da Vila Brás, em São Leopoldo, e estudante da sexta edição do Projeto Jovem Aprendiz. Após o cumprimento de cinco meses de aulas teóricas, finalizadas em julho, Cahuê agora desempenha a função de aprendiz no Serviço Municipal de Água e Esgotos de São Leopoldo (Semae), empresa na qual sonha em ser efetivado ao término do contrato em dezembro. “Minha família me incentivou a realizar a inscrição no projeto, e o sonho de todos é o mesmo que o meu: a efetivação no setor de tecnologia da informação desse órgão público”, expressa Cahuê. Vinculado ao Governo Federal, o Jovem Aprendiz oportuniza a qualificação profissional de jovens entre 16 e 24 anos, matriculados no ensino público e com renda familiar de até um salário mínimo per capita. Em São Leopoldo, o projeto já formou mais de 400 jovens, capacitando-os para desempenhar funções técnicoadministrativas junto a instituições parceiras, entre as quais se destacam a Prefeitura Municipal, o Semae e a Faculdades EST.

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Tábata Silveira dos Santos, diretora municipal de Juventude, disse que a proposta do Jovem Aprendiz tem como enfoque a noção de emancipação dos estudantes a partir da oferta de qualificação profissional e, consequentemente, de sua independência financeira. “Além da capacitação profissional, nosso trabalho está centrado na formação humana e cidadã, assim como em despertar de uma consciência crítica por parte desses adolescentes”, observa Tábata. Estudante do 1º ano do Ensino Médio, Gésica Moraes Ienerich, 19 anos, aprendeu ao longo do curso a importância de trabalhar em parceria na busca por um objetivo comum, mesmo quando opiniões divergentes geram situações de conflito. Ansiosa com o início da etapa prática, Gésica comemora o aprendizado adquirido ao longo das aulas ministradas por professores vinculados ao Serviço Nacional de Apoio ao Comércio (SENAC) e pelo convívio com jovens que compartilham os mesmos sonhos que ela. “O conhecimento adquirido nas aulas ninguém mais tira de nós e, sendo ou não efetivados, tudo o que aprendemos será importante na busca por novas oportunidades”, admite a jovem. A receptividade dos estudantes em relação a temas complexos associados ao funcionamento burocrático de uma empresa chamou a atenção da professora do projeto, Carla Alice Alves, que ao longo das aulas procurou associar aspectos teóricos à vivência

Foto Faculdades EST

Capacitação profissional

JOVEM APRENDIZ: Programa do governo federal de qualifi

prática. Os módulos que compõem a etapa teórica do projeto contemplam matérias associadas ao Mundo do Trabalho, Informática, Técnicas de Recepção, Serviços de Escritório, Comunicação e Expressão, Relações Interpessoais e Matemática Comercial e Financeira. Aluna da primeira edição do pro­ jeto em São Leopoldo, Carla Gafski disse que o Jovem Aprendiz foi determinante para que pudesse fazer suas primeiras escolhas profissionais direcionadas à gestão administrativa. Estagiária do projeto na Faculdades EST em 2008, atualmente ela está


inserida no quadro permanente de funcionários da instituição e desempenha o cargo de Auxiliar de Secretaria III. O Dr. Oneide Bobsin, reitor da Faculdades EST, instituição que acolhe os estudantes durante a etapa teórica, enfatizou que a oferta de oportunidades de capacitação profissional não é um favor, mas sim um dever de qualquer governo preocupado com a formação educacional das gerações futuras. Tiago Barcelos, coordenador do projeto, disse que o Jovem Aprendiz representa uma oportunidade para que estudantes em situação de vulnerabilidade sejam devidamente capacitados para se inserir no mercado de trabalho com a devida qualificação. Ele ainda ressaltou que a prefeitura de São Leopoldo é a única no país a contratar jovens em caráter de aprendizado nos quadros da administração pública. Os adolescentes contratados como aprendizes são beneficiados pelas instituições empregadoras com remuneração de meio salário mínimo, vale-transporte e registro na carteira N de trabalho.

cação profissional para jovens entre 16 e 24 anos, matriculados no ensino público

MICAEL VIER BEHS é jornalista em São Leopoldo (RS)

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ENTREVISTA

Convivência solidária por Rui Bender

N

asceu e estudou na Alemanha, fez vicariato em Miami (EUA) e atuou como pastor na Alemanha. Mas passou a maior parte de sua vida ministerial na Amazônia. Primeiro como pastor em Ariquemes e Ouro Preto (RO) entre 1979 e 1984, atendendo também comunidades luteranas no Acre, Amazonas e Roraima. Depois como missionário entre o povo Kulina no Médio Juruá, em Eirunepé (AM), entre 1985 e 1991 e, por fim, entre o povo Deni no rio Xeruã, no município de Itamarati (AM), entre 1998 e 2012. Durante duas décadas, o pastor Walter Werner Paul Sass, 63 anos, conviveu com povos indígenas. Nesse período, aprendeu muito com eles, que têm um profundo respeito pela natureza, pela infância e valorizam o convívio com outras pessoas. Mesmo aposentado, Walter não pretende afastar-se dos povos indígenas. Planeja morar em Manaus no ano que vem e acompanhar o movimento indígena na Amazônia. Por que a opção pela missão indígena neste país? Walter Sass – Eu tinha vontade de testemunhar a minha fé na convivência com pessoas e comunidades mais necessitadas. Um convite do pastor Arteno Spellmeier, então coordenador das Novas Áreas de

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Walter Sass ao lado de Saravi Maca, do povo Deni, na despedida de Walter em São Leopoldo em 19 de maio de 2012

Colonização da IECLB, para ser o primeiro pastor fixo em Ariquemes (RO) e atender as comunidades mais ao norte do Brasil foi ao encontro do meu sonho. Quando era pastor em Ariquemes, tive muitas conversas com Lori Altmann e Roberto Zwetsch, que trabalhavam com o povo Suruí em Cacoal (RO) e depois com o povo Kulina no Alto Purus (AC). Eu expressava meu desejo de trabalhar com os povos indígenas, inspirandome no exemplo de vida de Lori e Roberto, convivendo solidariamente com os indígenas. Em Ariquemes, ficou mais claro para mim que a igreja não se pode omitir nas causas políticas, mas ela tem que se engajar por uma vida plena no meio de tanta injustiça e morte.

Qual a importância da missão entre os índios? Walter Sass – Desde a chegada dos portugueses e, mais tarde, de outros imigrantes da Europa, como os luteranos da Alemanha, os primeiros habitantes do Brasil não experimentaram uma boa-nova de nós cristãos. Os indígenas suportaram mortes, perda de suas terras, desprezo por sua cultura, espiritualidade, língua e preconceitos em geral. A catequese, quando aconteceu, era para civilizar o indígena. Cristão e civilizado eram sinônimos. Os indígenas foram vistos como seres humanos que careciam de ajuda, de desenvolvimento material e espiritual, de evangelho e de Deus. Ainda bem que, na Igreja Católica, e mais tarde na Igreja Luterana, surgiu um conceito diferente de missão: ficar ao lado dos indígenas em solidariedade cristã na luta por seus direitos à terra e à sua cultura, reaprendendo num diálogo inter-religioso aspectos da teologia cristã que foram esquecidos, ignorados ou nunca pensados. Qual foi sua maior alegria na convivência com os indígenas? Walter Sass – A maior alegria foi ver um povo que estava quase em extinção, como o povo Deni, reerguer-se, reorganizar-se após tanto sofrimento com mortes, invasões e preconceitos. Apesar de todo esse sofrimento, é um povo alegre e acolhedor. Quase ninguém podia ler e escrever quando cheguei em 1998. Eu pude dar uma força a esse povo na tarefa de alfabetização. Sua terra foi demarcada. Há uma consciência muito forte entre os Deni de defender sua terra e conseguir melhorias em sua vida sem destruir a natureza. Alegro-me em ver os jovens Deni assumirem responsabilidades na defesa de sua terra e no respeito ao meio ambiente.


Fotos Arquivo do COMIN

O que você leva para sua vida dessa experiência missionária? Walter Sass – Meu modo de vida mudou. Estou mais para o jabuti dos mitos indígenas. Experimentei a força da partilha, da meditação, de escutar os sinais da natureza, da importância dos mitos nos povos. A minha teologia aprofundou-se com a cosmovisão indígena, na qual o ser humano não é o centro do mundo, mas tudo está interligado neste universo. Comecei a ver que dois mundos diferentes podem complementar-se. Há o mito amazônico do jabuti e da raposa, que mediram forças. Ao contrário do que se pensa, quem venceu foi o jabuti. Na tradição indígena, o jabuti é o símbolo da permanência. O jabuti vive muito tempo, é capaz de sobreviver sob as mais duras condições e sabe esconder-se por muito tempo. A raposa é o símbolo do mundo ocidental da pressa. A raposa tem muito a aprender com o jabuti. O Conselho de Missão entre Indígenas (COMIN) ajudou, com certeza, a ser uma ponte entre mundos diferentes. A raposa e o jabuti podem caminhar juntos e complementar-se. Os povos indígenas têm uma espiritualidade muito forte, ligando tudo e todos ao Grande Criador, algo que a teologia cristã está redescobrindo aos poucos.

Walter e um grupo de indígenas diante da escola da aldeia

Como era a convivência de um europeu de olhos azuis com “silvícolas”? Walter Sass – Vivi com os Kulina durante oito anos e com os Deni e os Kanamari durante catorze anos. A vida com os Kulina no início não foi fácil, porque poucos sabiam falar o português. A gente se sentia uma criança. Andar na mata, caçar, pescar e trabalhar nos roçados também não foi fácil no início. Com o tempo, a vida na aldeia mostrou seu lado positivo. Havia tempo para brincar, pensar, meditar, conversar, escutar e mergulhar nos elementos que a natureza oferece, um lado importante que pouco se experimenta na vida acaN dêmica e intelectual. RUI BENDER é jornalista em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Set/Out 2012

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testemunhos

Ilustração de Roberto Soares

Cláudio, um guarda romano. Jesus, o resignado A

pós sua prisão, Jesus foi confiado a mim. Recebi ordens de Pôncio Pilatos para recebê-lo sob minha custódia até o dia seguinte. Meus soldados levaram-no à prisão. Ele era obediente. À meia-noite, deixei minha esposa e meus filhos e fui até o quartel. Eu tinha o costume de fazer uma ronda para ver se estava tudo bem com meus batalhões em Jerusalém. Naquela noite, fui até o quartel em que Jesus estava preso. Meus soldados e alguns jovens judeus estavam caçoando dele. Haviam tirado sua roupa e colocado uma coroa de espinhos de rosa-silvestre do ano anterior em sua cabeça. Colocaram-no junto a um pilar, enquanto eles ficavam dançando e berrando ao redor dele. Também haviam dado um cano a ele para segurar. Quando entrei, alguém falou: “Veja, capitão, o rei dos judeus”. Parado diante dele, fiquei envergonhado. Não sei por quê. Já enfrentei batalhas na Gália e na Espanha e, junto com meus homens, encarei a morte. Mas nunca senti medo, tampouco fui covarde. Mas, quando estava parado diante daquele homem e ele olhou para mim, meu coração balançou. Tive a impressão de que meus lábios estavam cerrados e que não conseguiria dizer nem uma palavra. Saí de lá imediatamente. Isso aconteceu há 30 anos. Meus filhos, que ainda eram bebês, agora são homens. E estão a serviço de César e Roma. Contudo, muitas vezes, quando lhes dou conselhos, falo daquele homem que encarou a morte com a seiva da vida em seus lábios e com compaixão por seus algozes em seus olhos. Hoje estou velho. Vivi os anos plenamente. Penso verdadeiramente que nem Pompeu tampouco César foram líderes tão poderosos quanto esse homem da Galileia. Pois, desde a sua morte, à qual não resistiu, um exército espalhou-se pelo mundo para lutar por ele... Apesar de morto, ele está melhor servido por eles do que Pompeu e César foram N servidos enquanto estavam vivos. Fonte: KHALIL GIBRAN – autor do livro “Jesus – Filho do Homem” – Editora Sinodal

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CRISTIANISMO

Cisjordânia com menos cristãos por Manuel Quintero

O

s cristãos palestinos são descendentes daqueles que estiveram com Jesus e formaram as primeiras comunidades de judeus e gentios, somandose depois a eles os cananeus e os síriofenícios. Após o Concílio Ecumênico de Calcedônia (451), os cristãos palestinos foram conhecidos como melquitas, isto é, “imperiais”, por seguir a fé do imperador de Bizâncio. No início do século 20, cristãos de diferentes famílias confessionais – antigas igrejas orientais, ortodoxas, católicas de rito oriental e ocidental, anglicanas e protestantes – representavam 20% da população na Palestina. Hoje eles constituem apenas 4% da população palestina. Há provavelmente mais cristãos palestinos no Chile do que na Cisjordânia ocupada. Quais foram as razões que forçaram tantos cristãos a abandonar a Terra Santa? Conquanto uma primeira onda de palestinos emigrou nas primeiras três décadas do século 20, a imensa maioria dos que hoje vive na diáspora foi expulsa durante a guerra de 1948, travada entre o nascente Estado de Israel com vários países árabes. O conflito provocou o que os palestinos chamam de Nakba (“catástrofe”): cerca de 711 mil palestinos marcharam ao exílio para se estabelecer em países vizinhos, a maioria no Líbano, na Jordânia e na Síria. Por causa do conflito armado de 1967, a denominada Guerra dos Seis Dias, 250 mil palestinos fugiram de seus lares e terras à procura de refúgio.

Outros eventos, como a expulsão da Organização pela Libertação da Palestina (OLP) da Jordânia em 1970, a invasão israelense no Líbano em 1982 e a primeira guerra do Golfo em 1990-1991, provocaram novas ondas de refugiados palestinos em todo o mundo. Estudo realizado em 2007 pela Universidade A-Najah, em Nablus, e uma enquete conduzida pelo centro de

investigação Nabil Kukali mostraram que 38% dos palestinos desejavam emigrar. Outro estudo da Universidade Bir Zeit, de 2006, apontou que 44% das pessoas na faixa etária dos 20 aos 30 anos e 32% da população em geral queriam emigrar. O estrangulamento econômico dos territórios ocupados por parte de Israel favorece o aumento do desemprego (que cresceu de 14,3% em 2000 para 26% em 2008), de modo especial aos que têm nível educacional mais elevado. O impasse nas negociações de paz, as humilhantes condições de vida sob a ocupação e as cada vez mais remotas possibilidades de estabelecer um Estado palestino independente e viável são outros fatores que motivam a emigração. “Não posso ser cego quando as ações de Israel parecem ir além do âmbito das preocupações legítimas de segurança e têm consequências

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RETRATOS

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negativas sobre as comunidades e as terras sob sua ocupação”, escreveu ao presidente George W. Bush em 2006 o representante republicano Henry Hyde, presidente do Comitê de Assuntos Exteriores da Câmara de Representantes dos Estados Unidos. “A comunidade cristã está sendo triturada no moinho do amargo conflito palestino-israelense”, e o muro de segurança israelense e a ampliação dos assentamentos judeus na Cisjordânia “provocam danos irreversíveis na minguante comunidade cristã”, afirmou Hyde, tradicionalmente um fiel aliado do Estado de Israel. O êxodo dos cristãos – Existem diferentes explicações para o fenômeno migratório, mas todas parecem relacionar-se com o prolongamento do conflito palestino-israelense e não com supostas hostilidades e agressões por parte de extremistas islâmicos, que são casos isolados, especialmente na Faixa de Gaza, onde vivem cerca de 3 mil cristãos e 1,7 milhão de muçulmanos. As famílias cristãs de classe média são especialmente sensíveis às privações, discriminação, instabilidade e incerteza vinculadas com a prolongada ocupação militar de suas terras por Israel. Ademais, essas famílias têm contatos no exterior, um nível educacional mais elevado e recursos necessários para emigrar, ao contrário da maioria das famílias muçulmanas. O desproporcional declive da população cristã teve um efeito particular em populações e cidades onde ela já era minoria e está dissolvendo os ancestrais limites da endogamia religiosa e provocando conversões ao islã. Assim ocorre em certas áreas ao norte da Cisjordânia, onde um relatório recente mostra um decréscimo de 4,5% na população cristã nos últimos cinco anos. Em Tulkarem, cidade palestina com uma população de 60 mil habitantes, só ficaram duas famílias cristãs, os Khar’oob e os Ghattas, informa o padre Yousef J. Sa’adeh, um carismático sacerdote grego ortodoxo. Quase todos

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os integrantes da família dos Ghattas converteram-se ao islã, principalmente para que seus filhos varões pudessem encontrar esposas, explicou Yousef. Só dois membros da família, a mãe e uma de suas filhas, seguem sendo cristãs. Um dos filhos é líder religioso na mesquita local e está pressionando para que elas se convertam. A família Khar’ oob permanece fiel à fé cristã, mas a igreja local continua fechada e não aparece nenhum clérigo para assisti-la; só ocasionalmente recebem a visita de um sacerdote residente em Naplusa. Em consequência, seus filhos carecem de educação e conhecimento sobre o cristianismo, lamenta Sa’adeh. Em Jalamah, um povo de 2,5 mil habitantes a 5 km ao norte de Jenin, o número de cristãos caiu de 50 em 2007 para apenas 18. Em sua maioria são homens jovens que não encontram mulheres cristãs para casar, porque as famílias cristãs do centro e do sul da Cisjordânia são resistentes a que suas filhas se casem com jovens de comunidades isoladas geográfica e demograficamente, comenta Sa’adeh. Em Sebastia, um povoado de 4,5 mil habitantes, situado 12 km a noroeste de Naplusa, ficaram somente cinco cristãos, entre eles um bebê de poucos meses. Em Nisf Jebel, uma aldeia de 400 habitantes, que se encontra a 2 km a leste de Sebastia, vivem três cristãs de idade avançada. E em Beit Imriin, um povoado agrícola de 3 mil habitantes, que produz azeitonas, uvas e figos, residem dois cristãos, irmã e irmão, ambos atados a cadeiras de rodas e em condições de extrema pobreza. Esses cristãos se sentem cada vez mais isolados e como estrangeiros em sua própria terra, afirma o padre ortodoxo, que tenta apoio local e internacional para os remanescentes do cristianismo original, as pedras vivas N (1 Pedro 2.5) da Terra Santa. MANUEL QUINTERO é diretor do Programa Ecumênico de Acompanhamento na Palestina e Israel (EAPPI) do Conselho Mundial de Igrejas em Genebra, Suíça

Um jovem de sorte por Nelson Kilpp

S

eu nome era bastante comum na época. Chamava-se Êutico, o que significava “sortudo”. O nome expressava, sem dúvida, o desejo dos pais. Ele crescera numa família de simples trabalhadores, sem luxo nem riqueza. Começara a trabalhar como adolescente, assim como todas as pessoas de sua classe e procedência. Morava com sua família em Trôade – uma cidade portuária do mar Egeu de certo renome e com rica tradição – em um daqueles prédios de diversos andares com quartos de aluguel. Os romanos chamavam-nos de ínsulas. O andar térreo abrigava lojas; no primeiro andar moravam os proprietários das lojas; os andares superiores, com cômodos menores e multifuncionais, eram alugados a modestas famílias de trabalhadores. Eram as “casas populares” das cidades sob administração romana. Não havia água nem esgoto, e o espaço era apertado. À cidade de Trôade chegara um famoso pregador de origem judaica, de nome Paulo, que falava sobre um tal de Jesus de Nazaré, que morrera e ressuscitara na Judeia. Esse pregador já passara por Trôade alguns anos antes, quando fundara uma pequena comunidade que congregava as pes­ soas que aderiam às suas ideias. Agora já fazia uma semana que aportara novamente em Trôade, proveniente de Neápolis. Êutico ficou sabendo que


Arte: João Soares

de trabalho, o rapaz acabou adormecendo e caiu da janela do terceiro piso. A comunidade interrompeu a reunião, correu escadas abaixo e tentou socorrê-lo. Muitos duvidavam de que ele pudesse estar vivo depois daquela queda. Também Paulo desceu ao pátio, abraçou o rapaz e disse: “Não vos perturbeis que a vida nele está” (Atos 20.10). Êutico voltou a respirar e recobrou os sentidos. Era um milagre. Após o incidente, a comunidade voltou a reunir-se para celebrar a partilha do pão, e o encontro só terminou de madrugada. O texto não diz se Êutico participou da refeição comunitária e do resto da conversa com Paulo ou se foi levado para seu cômodo para repousar. A comunidade certamente agradeceu por Êutico estar vivo. Após esse evento, ele provavelmente continuou a participar da comunidade de Trôade. Isso, em todo caso, explicaria

esse pregador falaria na sala superior do prédio em que morava. A sala não era muito maior do que as demais, mas ampla o suficiente para reunir a pequena comunidade de seguidores. A reunião seria à noite, após findar o dia de trabalho. Era um dia especial aquele. Primeiro, por ser o último dia da estada de Paulo na cidade. Em segundo lugar, porque era o primeiro dia da semana judaica, um dia em que o grupo de seguidores de Jesus se reunia para ouvir o relato de eventuais visitantes, ler trechos de um livro sagrado e fazer a refeição em conjunto. Esse ritual de comer e beber em conjunto chamavase “partir o pão”. Depois de retornar do trabalho, Êutico resolveu ouvir o que Paulo tinha a dizer. A sala superior já estava lotada. Ainda conseguiu um espaço no peitoril da janela. Não era um lugar desagradável, pois já estava abafado na sala e a fumaça das lamparinas chegava a doer nos olhos. Como era apenas adolescente, também não convinha tomar um dos lugares mais próximos do ilustre visitante. Êutico notou que Paulo não tinha uma oratória muito esmerada (cf. 2 Coríntios 11.6). Ele já ouvira oradores melhores no mercado público da cidade. Além disso, Paulo fazia discursos muito longos. Cansado do longo dia

por que sua história foi preservada em Atos 20.7-10. A narrativa mostra que pregações longas – mesmo de pessoas importantes – podem causar sono. De muitas maneiras buscou-se, no passado, evitar que os fiéis adormecessem durante a pregação. Até a Idade Média não havia bancos ou cadeiras nos templos. Depois, algumas igrejas tinham assentos que podiam ser colocados de pé, de modo que os cansados ficavam em pé, recostados nos assentos erguidos. Em igrejas de tradição reformada, divide-se, muitas vezes, o sermão em duas partes, intercaladas por um canto que “acorde” os fiéis. Importante, em todo caso, é que cada pregador seja sensível à situação de sua comunidade, sabendo parar na hora certa. A narrativa também nos quer estimular a encontrar alternativas que atraiam pessoas trabalhadoras e jovens para as atividades das igrejas. Além disso, o texto incentiva a que a comunidade dê, em suas reuniões, espaço aos visitantes. O testemunho de pessoas de fora pode ser um grande enriquecimento para a igreja local. N NELSON KILPP é especialista em Antigo Testamento, ministro da IECLB, residindo em Kassel, na Alemanha

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LITERATURA

Como o livro chega até você

M

ais de 170 mil livros – esse é o volume de obras que a Editora Sinodal vende anualmente. Os dados foram informados por Eliseu da Cunha, gerente de Mar­ keting e Vendas, que dirige uma equipe de nove pessoas, distribuídas entre as áreas de marketing, atendimento e expedição. Essa equipe atende por telefone diversos canais de venda por todo o território nacional. Do exterior também entram pedidos por meio do site da editora e e-mail. A Sinodal, que este ano completa 85 anos de existência, tem clientes no Japão, nos Estados Unidos, em Portugal, na Alemanha, na Finlândia, em Moçambique, em Angola, bem como em diversos países do Mercosul. A maior fatia das vendas pertence aos distribuidores do mercado evangélico: 40 por cento. Por intermédio de parcerias com seus distribuidores, a Sinodal consegue chegar a todos os rincões do Brasil de norte a sul. O segundo maior volume de vendas pertence às paróquias, aos pastores e demais departamentos da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), sendo os periódicos os principais produtos publicados: 35 por cento. Com 13 por cento das vendas, as livrarias evangélicas representam um elo importante na distribuição dos livros.

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Outro canal importante é o site da Editora Sinodal. Representa atualmente 10 por cento das vendas. Por meio do atendimento on-line, e-mails e chat do site, as vendas pela internet crescem a cada mês. O gerente de vendas prevê para os próximos anos diversos investimentos para a expansão das vendas. Por fim, as escolas municipais, estaduais e da Rede Sinodal, juntamente com os seminários e faculdades teológicas espalhadas pelo Brasil, somam 2 por cento das vendas. Esses canais de venda ainda significam um grande desafio para a Sinodal devido à sua importância na formação de novos leitores, entende Eliseu. Para alavancar as vendas e atingir as metas anuais da editora, a área de marketing tem um papel fundamental. A Sinodal anuncia em nove jornais e periódicos da IECLB, totalizando mais de 430 mil anúncios espalhados por todos os sínodos da igreja anualmente. Dentro do mundo evangélico, a Sinodal anuncia em quatro das principais revistas cristãs, perfazendo um total de 190 mil anúncios, espalhados entre os diversos leitores cristãos brasileiros em 2012. Outro apoio importante às vendas são atualmente as redes sociais, reconhece Eliseu. Aqui ele cita o

Arquivo Editora Sinodal

por Rui Bender

A Sinodal, que este ano completa 85 anos de existência, tem clientes no Japão, nos Estados Unidos, em Portugal, na Alemanha, na Finlândia, em Moçambique, em Angola, bem como em diversos países do Mercosul.


Facebook (3.404 amigos), o Twitter (494 seguidores), o News eletrônico (31.800 notas por semana: até o momento foram enviados quase 1 milhão), o blog (6.421 visitas) e o YouTube (quatro vídeos postados até o momento). Além disso, a Sinodal participa de vários eventos durante o ano dentro e fora da IECLB. Por exemplo, seminários e simpósios organizados pela Faculdades EST, feiras de literatura como a Feira Literária Internacional Cristã (FLIC 2012), promovida pela Associação de Editores Cristãos, e a cinquentenária Feira do Livro de Porto Alegre, que recebe cerca de 1 milhão de visitantes em cada edição. A Sinodal também está filiada a algumas entidades do mundo livreiro, como a Câmara Brasileira do Livro (CBL), a Câmara Rio-grandense do Livro (CRL) e a Associação Brasileira da Indústria Gráfica (ABIGRAF), parceiros importantes para mantê-la atualizada e antenada com as mudanças no mercado editorial cristão, N afirma Eliseu.

RUI BENDER é jornalista em São Leopoldo (RS)

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REFLEXÃO

Ciladas para Jesus, armadilhas para você

A

bra a sua carteira, retire uma nota de qualquer valor e você verá que nela está escrito em letras miúdas “Deus seja Louvado”, contrastando com as letras grandes da identificação do Banco Central da República Federativa do Brasil. Imitamos dessa forma o dólar dos Estados Unidos da América, que testemunha “Em Deus nós Confiamos.” Em 1994, quando começou a circular o real, o Brasil decidiu imitar os Estados Unidos, fazendo referência a Deus na moeda nacional. Naquela época, eu me manifestei contrário a essa decisão. Vi nesse gesto uma cilada política para dizer o quanto somos religiosos; cilada essa apoiada por muitas pessoas cristãs, especialmente evangélicas. Líderes religiosos, zelosos na observância das leis, também prepararam uma cilada para Jesus. Da boca de hipócritas também saem palavras carregadas de sentido com a intenção de testar Jesus: “Mestre, sabemos que és verdadeiro e não te importas com quem quer que seja, porque não olhas a aparência dos homens; antes, segundo a verdade, ensinas o caminho de Deus” (Marcos 12.14). Quem, pois, conhece

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Divulgação Novolhar

por Oneide Bobsin

minimamente a mensagem cristã dirá que os fariseus entenderam a mensagem de Jesus. Deveríamos elogiá-los porque se contrapuseram à mensagem de Jesus usando as palavras do próprio mestre. Não foram simplórios em seus julgamentos. No entanto, uma verdade pode ser a porta de entrada para ciladas perigosas. Quantas pessoas piedosas foram traídas por frases carregadas de sentido para a vida? Também a pergunta se se deve ou não pagar imposto não traz nada de capcioso: “É lícito pagar tributo a César ou não? Devemos ou não devemos pagar?” (Marcos 12.14). Para Jesus, é ponto pacífico que se devem pagar impostos ao imperador romano, mesmo pertencendo a uma outra nacionalidade. As moedas do Império Romano circulavam entre os judeus, e nelas estava a imagem de Tibério César com a inscrição de

que ele era filho do divino. Ao usar a moeda romana, reconheciam o poder do imperador. A pergunta feita a Jesus volta-se agora aos interrogadores: De quem são essa imagem e a inscrição? Quem armou a cilada deve responder, como se o caçador tivesse se tornado a caça. É de César, responderam eles. Então Jesus lhes disse: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Marcos 12.17). César e Deus – Estamos novamente numa campanha eleitoral para a escolha de prefeitos, prefeitas, ve­rea­dores e vereadoras, ao mesmo tempo em que ocorre no Supremo Tribunal Federal o julgamento de pessoas que são acusadas de desvios de recursos públicos e privados para a compra de votos no Congresso Nacional. Logo é uma importante oportunidade para refletir sobre a cilada


IMITAÇÃO: Em 1994, quando começou a circular o real, o Brasil decidiu imitar os Estados Unidos, fazendo referência a Deus na moeda nacional. Naquela época, eu me manifestei contrário a essa decisão

preparada pelos líderes religiosos mais zelosos para colocar Jesus em contradição, a qual hoje está fazendo cair em equívocos muitas pessoas cristãs e lideranças religiosas que se subordinam aos interesses eleitoreiros, vendendo a sua consciência em troca de benefícios para suas organizações religiosas. Em outras palavras, há muito liderança religiosa conduzindo seu rebanho para cair na armadilha farisaica. Muito diferente de Jesus, estão dando a César o que é de Deus e a Deus o que é de César. Essa é uma nova versão de uma cilada mais antiga. Refiro-me àquelas tendências religiosas que separaram

o que é de César do que é de Deus, como se o Estado e o governo fossem instituições autônomas em relação ao reino de Deus, anunciado por Jesus. Presos dessa cilada, muitos cristãos não se envolvem em política. Diante da cilada farisaica, Jesus disse que se deveria pagar imposto, ou seja, temos que dar algo a César. Além de pagar impostos, devemos obedecer às leis e sempre orar pelas autoridades cujo poder é limitado pelo poder de Deus. Nossa participação em partidos políticos e em organizações sociais e civis ajuda a limitar o poder do Estado e de governos que são tentados a se absolutizar

como pastores que se alimentam das ovelhas. Facilmente caímos na cilada de criticar os políticos, esquecendo que eles são submetidos constantemente a tentações, mais do que nós cidadãos. Rapidamente esquecemos que, numa democracia, o governante está naquele posto porque o povo o colocou lá. Para um dedo que acusa facilmente há três que se voltam ao acusador. Reforcemos, pois, uma frase que circula entre nós de um teólogo muito comprometido com o evangelho e sua justiça: O reino de Deus e o Estado são distintos, mas não separados. Essa frase expressa muito bem, numa linguagem atual, o que devemos dar a César e a Deus, pois esse governa pela Palavra e aquele pela Constituição feita por nós através de políticos que escolhemos. Jesus não caiu na cilada de seus oponentes religiosos e políticos. Ele pediu para que pagassem impostos, mas não se submeteu ao suposto poder religioso de César, expresso no denário de ontem, no real e no dólar de hoje. N ONEIDE BOBSIN é teólogo, ministro da IECLB e reitor da Faculdades EST em São Leopoldo (RS)

Em 2012 pense

GRÁFICA EDITORA

imprimindo inovação

Uma boa impressão é uma coisa de pele.

www.graficapallotti.com.br www.facebook.com/graficapallotti pallotti@pallotti.com.br NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2012

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ESPIRITUALIDADE

Igrejinha e o jardim de Lutero mesmo se eu soubesse que o mundo fosse acabar amanhã, ainda assim eu plantaria a minha macieira hoje.

que simboliza a vitalidade e a ligação de vida do movimento da Reforma e sua ressonância no mundo inteiro. Foi iniciado o plantio de árvores, que irá permitir o surgimento de um jardim, que não quer somente oferecer a beleza da vida de um parque, mas dar também significado aos diferentes acontecimentos da época em que Martim Lutero viveu. Destacamos aqui uma história bem conhecida de Lutero: quando perguntado o que faria se o juízo final de Deus chegasse no dia seguinte, ele respondeu que plantaria uma macieira. Embora essa história provavelmente seja uma lenda, ela reflete a confiança de que a vida em Jesus Cristo pode ser vivida em arre-

(Martim Lutero)

por Altemir Labes

H

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LANÇAMENTO: Autoridades municipais e da igreja no dia do lançamento do Jardim de Lutero

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á quase 500 anos, Martim Lutero deu um impulso decisivo à reforma teológica e espiritual da igreja. O que começou com a redescoberta da doutrina da justificação pela fé e sua luta contra as indulgências desenvolveu-se num movimento de reforma em todo o mundo. Foi no Castelo de Wittenberg que Lutero pregou suas 95 teses. Naquele dia 31 de outubro de 1517, há quase 495 anos, várias barreiras religiosas e culturais foram rompidas. O movimento da Reforma, iniciado por Martim Lutero, apresenta Deus de forma completamente diferente. Deus passa a ser visto mais próximo de cada pessoa, mais identificado, presente na dor. Com Lutero, o povo passou a ter acesso à palavra de Deus. Com a tradução da Bíblia para o alemão, ela passou a ser lida por todo o povo que então podia ler, refletir e discutir a palavra de Deus. Em Wittenberg, um projeto começou a ganhar forma, um sinal concreto

pendimento sincero e demonstra que é, ao mesmo tempo, alegre atenção à vida em sua criação e alegre esperança para a vida na nova criação. Em conexão com o “plantio de uma macieira”, citação atribuída a Lutero, e como parte da preparação para o Jubileu dos 500 anos da Reforma, o Jardim de Lutero está sendo criado em Wittenberg. Será estabelecido como um sinal de solidariedade, de ligação e reconciliação das igrejas no mundo inteiro. E assim, mais uma vez, um impulso emanará do jardim da cidade, da região, do país e, finalmente, de novo, para o mundo. Inflamado por esse desejo do Jardim de Lutero na cidade de Wittenberg, o Sínodo Nordeste Gaúcho, juntamente com a Paróquia Evangélica de Confissão Luterana em Igrejinha (RS) e a prefeitura local, está empenhado na criação de uma praça com o nome de Jardim de Lutero na cidade de Igrejinha. O lançamento do projeto aconteceu no dia 11 de março de 2012. O projeto prevê a preservação e o paisagismo de uma


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MAQUETE: O projeto prevê caminhos com árvores e um canteiro central formando a Rosa de Lutero

área já existente e o plantio de árvores por paróquias que compõem o Sínodo Nordeste Gaúcho. Nesse Sínodo, há 30 paróquias; seriam então 30 árvores, representando as 104 comunidades, 96 pontos de pregação e aproximadamente 57 mil pessoas batizadas, representando os 68 municípios da região Nordeste do Rio Grande do Sul. Junto a cada árvore planeja-se colocar uma placa que trará dados da paróquia mantenedora da árvore, bem

como um fato, uma frase ou um detalhe que reconte a história da Reforma Protestante. Junto ao Jardim prevê-se ainda a construção de um espaço que poderá abrigar celebrações, bem como apresentações artísticas. No centro da praça está projetada a edificação do símbolo do movimento da Reforma: a Rosa de Lutero. A ideia é que esse espaço esteja aberto ao público, servindo ao lazer, pois a sua locali-

zação, às margens do rio Paranhana, é ideal para um encontro da família e amigos. A acolhida da paróquia foi importantíssima para dar seguimento ao projeto. A prefeitura municipal de Igrejinha está animada com a possibilidade de ter mais um belo espaço de lazer e tem a certeza de que a Praça Jardim de Lutero trará também visitantes ao município. O projeto Praça Jardim de Lutero faz parte do tema vivido pelo Sínodo nos últimos dois anos e que culminou no Dia da Igreja 2012 “Histórias de Vida e Fé”. Entende-se que esse projeto é uma contribuição para o maior conhecimento da história da Reforma Protestante e a conscientização do cuidado para com a natureza. A finalização da obra está prevista para o ano de 2017, ano da celebração dos N 500 anos da Reforma.

ALTEMIR LABES é teólogo e pastor sinodal do Sínodo Nordeste Gaúcho da IECLB em Estância Velha (RS)

O projeto em Igrejinha inspirase no Jardim de Lutero na cidade alemã de Wittenberg, que terá um jardim oval, em que serão plantadas 270 árvores de todo o mundo, com outras 230 árvores perto da área de fortificação da cidade, totalizando 500 árvores plantadas, simbolizando os 500 anos da Reforma em 2017. No centro do jardim, uma Rosa de Lutero. O jardim está sendo implantado pela Federação Luterana Mundial, e as árvores serão plantadas pelas igrejas luteranas de todo o mundo. Tanto a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB como a Igreja Evangélica Luterana do Brasil-IELB já plantaram a sua árvore no jardim.

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Wittenberg e seu jardim

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penúltima palavra

Questão de limite por Márcia Bach de Oliveira Lorenz

S

e os adultos não estabelecerem os limites de acordo com suas concepções, crenças e conhecimentos, a mídia facilmente o fará com base no consumo, no imediato, no descartável. Consequentemente, as relações tornam-se cada vez mais descartáveis, imediatistas e superficiais – relações frágeis. Antigamente, os filhos obedeciam por medo de perder o amor de seus pais. Hoje, adultos estão fragilizados

a ponto de obedecer às crianças por medo de perder seu amor. Esse medo gera insegurança no estabelecimento de limites. Limites geralmente causam mal-estar: se existe proibição, é por­que existe o desejo de fazer. Restrições trazem insatisfação e revolta. Conviver com essa insatisfação é desagradável, porém necessário. À questão dos limites acrescentam-se a fragilidade das relações e a necessidade de mediação. Dificil­mente, as coisas são resolvidas de forma pes­ soal. A internet, como opção ingrata de mediação, entrou de forma definitiva nas relações sociais, tornando-as cada vez mais impessoais, descomprometidas e livres de frustração. Viver os limites, os valores e as frustrações no ambiente familiar é, mais do que saudável, uma questão de sobrevivência. Yves de La Taille ilustra esse contexto usando o que se pode chamar

de uma parábola das festas infantis. Muitos leitores tiveram festas de aniversário à moda antiga e certamente têm saudade delas. Os convidados eram os amigos e alguns parentes; a família preparava a comida de acordo com suas posses e talentos, a festa era feita em casa (dando a conhecer a casa). O aniversariante recebia e abria o presente pessoalmente e, invariavelmente, manifestava seu agrado. As crianças brincavam espontaneamente e, se sobrava algum docinho, cada um levava um pratinho para casa. Hoje convida-se a turma para que ninguém fique magoado ou talvez furioso. O buffet confecciona, entrega os convites e confirma a presença dos convidados (os pais não têm tempo para isso, tampouco conhecem os convidados); a empresa encarrega-se dos doces, salgados e bebidas, da decoração e do bolo, que marcará o fim da festa com o parabéns. Um recepcionista recolhe os presentes e põe uma etiqueta para que o aniversariante saiba quem deu (embora essa caia fora rapidamente, o que não faz mal, porque o presente só será aberto quando a festa terminar, e ninguém vai ver os presentes nem a satisfação ou insatisfação do aniversariante). Os pais participam da festa e são servidos com os convidados e apenas precisam deixar o cheque na saída. Para as crianças, são indispensáveis a presença de um animador, brinquedos e jogos eletrônicos (que permitam brincadeiras individuais). Para terminar, vem a lembrancinha, que em alguns eventos supera o valor do próprio presente. A festa perfeita, sem frustrações dos convidados ou do aniversariante. Onde se perderam o contato pessoal, a frustração, a superação? N Divulgação Novolhar

FESTA INFANTIL: Os aniversários de crianças na atualidade devem ser à prova de frustração

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MÁRCIA BACH DE OLIVEIRA LORENTZ é professora de Física, pós-graduada em Metodologia Científica e em Educação Infantil em Curitiba (PR)




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