Virtudes - Revista Novolhar, Ano 10, Número 48, Novembro e Dezembro, 2012

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Virtudes Dignidade intrínseca Justiça: base das leis Parcerias para um mundo novo Como entender as mudanças? Pense antes de agir Oportunidade de um novo tempo

ÍNDICE

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CONTO

Uma emocionante história de Natal

Ano 10 –> Número 48 –> Novembro/Dezembro de 2012

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Quem faz o livro

Um conselho que faz a diferença

literatura

jovens

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desenvolvimento Por mudanças duradouras

SEÇÕES

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MULHER

Bênção a todas as mulheres

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IGREJAS Movimento pelo ecumenismo agora

OLHAR COM HUMOR > 6 MOSAICO BÍBLICO > 6 ÚLTIMA HORA > 7 NOTAS ECUMÊNICAS > 8 DICA CULTURAL > 9 TESTEMUNHOS > 32 RETRATOS > 34 REFLEXÃO > 38 ESPIRITUALIDADE > 40 PENÚLTIMA PALAVRA > 42 NOVOLHAR.COM.BR –> Nov/Dez 2012

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AO LEITOR Revista bimestral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB, editada e distribuída pela Editora Sinodal CNPJ 09278990/0002-80 ISSN 1679-9052

Diretor Nestor Paulo Friedrich Coordenador Eloy Teckemeier Redator João Artur Müller da Silva Editor Clovis Horst Lindner Jornalista responsável Eloy Teckemeier (Reg. Prof. 11.408) Conselho editorial Clovis Horst Lindner, Doris Helena Schaun Gerber, Eloy Teckemeier, Ingelore Starke Koch, João Artur Müller da Silva, Marcelo Schneider, Nestor Paulo Friedrich, Olga Farina e Vera Regina Waskow. Arte e diagramação Clovis Horst Lindner Criação e tratamento de imagens Mythos Comunicação - Blumenau/SC Capa Arte: Diego Oliveira Impressão Gráfica e Editora Pallotti Colaboradores desta edição Alda Pinto Menine, Angelique van Zeeland, Claudete Beise Ulrich, Décio Oscar Saft, Eloir E. Weber, Fernanda Pagung Reinke, Inácio Lemke, Júlio Cézar Adam, Karen Bergesch, Luciana Reichert, Marcelo Schneider, Maria Dirlane Witt, Micael Vier Behs, Michael Kleine, Nelson Kilpp, Rui Bender e Simone Voigt.

Publicidade Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: editora@editorasinodal.com.br Assinaturas Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br www.novolhar.com.br Assinatura anual: R$ 30,00 Correspondência E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br Rua Amadeo Rossi, 467 93030-220 São Leopoldo/RS

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Conceitos que derretem

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s tempos mudaram. Mais do que isso, a velocidade de transformação da civilização humana entrou num ritmo alucinante. Não se trata somente de tecnologia, de complexidade científica ou até do ritmo das descobertas em todos os campos da atividade humana. O que está mudando no mesmo ritmo é o conjunto de normas e preceitos que regem as relações humanas. O que vale hoje já não tem nenhum valor amanhã. O conceito de descartável das coisas atingiu a ética, a moral, os costumes e as tradições, e isso não apenas na cidade, mas no campo e em todos os rincões do nosso planeta. Difícil é seguir esse ritmo com a cabeça fria e sempre em condições de reagir a cada nova situação de modo correto e adequado. Como ter um código mínimo de conduta se ele é de manteiga e derrete só com o contato das mãos? Como educar os filhos, como trabalhar o assunto na educação? Como a igreja deve reagir e interagir? A Novolhar buscou especialistas e literatura com o objetivo de acender alguma luz na sala escura. O educador e escritor Osvino Toillier foi de fundamental importância na busca por respostas e caminhos. Desde que ele se sentou com o Conselho Editorial, percebemos que a Novolhar escolheu o melhor caminho para informar seus leitores e suas leitoras. O resultado desse trabalho, em que participaram autores e autoras convidados, você encontra nas páginas a seguir. Esperamos que, também para você, as matérias da reportagem de capa possam contribuir para tornar os tempos menos líquidos e os conceitos um pouco menos escorregadios. O conteúdo desta edição não tem a pretensão de ser completo, mas quer ajudar a resgatar conceitos que preservem um caminho mínimo por onde seguir na busca de um mundo íntegro e mais justo para todas as criaturas de Deus. Queremos dar uma contribuição que reduz um pouco o crescente risco de radicalização de conceitos e de ajudar a desconstruir fundamentalismos. Na construção de um arcabouço ético mínimo, vale antes de tudo a sobriedade de quem tem fé e esperança. Nesse sentido, desejamos aos nossos leitores um abençoado tempo de Advento e um Natal repleto de felicidade e alegria pelo nascimento de Jesus Cristo. Equipe da Novolhar


opinião

LIVROS DA SINODAL

Educação Ao ler a matéria “Desafios da educação”, publicada na última edição da revista Novolhar, pude me ver em algumas situações citadas. Assim como muitos, cresci em uma comunidade carente e fui alfabetizado na rede pública de ensino. Muito do que se falou na materia realmente bate com o dia a dia das escolas públicas. Fazendo uma retrospectiva mental, lembro que, muitas vezes, questionava meus pais sobre dúvidas em alguns conteúdos ensinados nas aulas e que eles não sabiam me orientar, pois também tiveram uma educação limitada, fazendo com que as cobranças deles fossem menores para comigo, bem como citou a autora da matéria, Carine Fernandes. Mas tive a bênção de encontrar alguns bons professores, que souberam me orientar e mostrar o que existia além daquelas barreiras que limitavam o conhecimento. Hoje, é nítido identificar os resultados de uma educação falha, não apenas nas ruas ou nos jornais que noticiam crimes como se fosse algo “normal”. Nas próprias redes sociais, é possível observar atentados por diferenças pessoais ou sociais, citações sem base ou fundamento que expressam ideais egoístas e coisas do tipo, um claro retrato de uma educação que não cumpriu o seu papel. Acredito que ainda há tempo de mudar esse quadro, começando por nós mesmos em auxiliar e orientar os que estão à nossa volta e fazer uma comunidade com valores e princípios, indiferente de classes sociais ou religiosas.

Pois se o maior desafio do Brasil rumo ao desenvolvimento é a educação, vamos começar fazendo a nossa parte com os nossos filhos, para colher os resultados no futuro. Diego Oliveira - Blumenau (SC)

Gibran O textos escritos por Khalil Gibran são encantadores. Ele tem a rara sensibilidade de tornar as histórias bíblicas em acontecimentos do cotidiano, buscando ângulos incomuns da narrativa. A gente consegue visualizar o espaço em que ocorreram e sentir-se parte delas. Os personagens parecem materializar-se bem diante dos nossos olhos, e as lições que transmitem ficam ainda mais significativas. Parabéns também pelas belas ilustrações de Roberto Soares para os textos. Elas ajudam a mergulhar nos personagens e a entender o seu mundo. Marga Fernandes - por e-mail

Walter Sass Gostaria de parabenizar a revista pela emocionante entrevista com o pastor Walter Sass. A sua paixão pela missão entre os povos indígenas na Amazônia é empolgante, ainda mais por ser um estrangeiro. O pastor Walter abraçou a causa indígena de corpo e alma, com mais dedicação do que nós, que somos brasileiros. A sua história é fonte de inspiração para todos nós e certamente merece ser transformada em livro. Gabriel Tilheiro - por e-mail

Visite nosso site Os conteúdos de todas as edições da NOVOLHAR estão à sua disposição no site. Visite, consulte, faça uso: www.novolhar.com.br

Tema da próxima edição A edição nº 49, de Janeiro/Fevereiro de 2013, irá abrir espaço para matérias sobre o TEMA DO ANO. A vida em comunidade na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil estará em debate.

por Maria Dirlane Witt Quem não gosta de ler ou ouvir a narração de uma boa história? O ato de contar histórias é muito antigo. Nos tempos longínquos, as pessoas sentavam-se ao redor do fogo para se aquecer, para se alegrar e para contar histórias. Com o passar do tempo e com o advento da escrita, as histórias começaram a tomar “corpo” através da literatura. Hoje temos acesso a uma diversidade de livros para todos os públicos. Também a literatura infantil tem ampliado cada vez mais o seu leque de ofertas. Diante dessa oportunidade, é muito importante possibilitar boa e educativa literatura para as crianças. O contato com os livros amplia horizontes, proporciona prazer e divertimento, desenvolve o vocabulário, estimula a imaginação e colabora para a construção da ética e da cidadania. Uma boa dica é o novo livro infantil da Série Sinodal Kids intitulado “Pequenas histórias, sábias lições”. Nele, as crianças têm acesso a belas fábulas de Esopo, acompanhadas por meditações a partir de provérbios bíblicos. O livro, com uma linguagem acessível e uma ilustração leve e divertida, une o lúdico com o pedagógico. As histórias, ao mesmo tempo em que distraem a criança, apresentam ensinamentos e valores essenciais para a vida. Solidariedade, amizade, autenticidade, desprendimento e partilha são as tônicas do livro. Confira N a novidade! MARIA DIRLANE WITT é catequista da IECLB em Porto Alegre (RS)

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olhar com humor

MOSAICO BÍBLICO

A simbologia dos números A literatura apocalíptica utiliza números de maneiras bastante compreensíveis, fato que devemos ter em mente ao procurar compreender o Apocalipse nos dias de hoje. 7 = perfeição (refere-se ao sétimo dia da criação, quando Deus descansou). As sete igrejas representam a igreja de Deus como um todo. 6 = próximo à perfeição, mas sem chegar lá. E o número da besta: 666 (Apocalipse 13.18). Apesar da proximidade com o “sete”, jamais alcançará a perfeição, isto é, jamais será Deus; não importa o quanto se esforce. 3,5 = metade de sete, incompleto, ruim. Representa três anos e meio de sofrimento (Apocalipse 11), que são ruins, porém limitados. 4 = o número do mundo. Os quatro cantos da Terra (Apocalipse 20.8), os quatro seres viventes (Apocalipse 4.6-7). 10 = completude. Portanto, 1.000 = 10 x 10 x 10 = absolutamente completo. Os mil anos (Apocalipse 20.4) representam o tempo total e completo estipulado por Deus. 12 = povo de Deus (refere-se às doze tribos de Israel). Portanto os 24 anciãos (Apocalipse 4.4) são os 12 líderes de Israel, acrescidos dos 12 apóstolos da igreja, uma forma de se referir a todo o povo de Deus ao longo da história.

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Às vezes, esses números aparecem combinados, de modo que 144.000 é um número que não deve ser entendido literalmente como a quantidade exata de pessoas que irão para o céu (Apocalipse 7.4), mas uma combinação de dúzias e dezenas, isto é, 12 x 12 (todo o povo de Deus) x 10 x 10 x 10 (número da completude) = 144.000. Isso representa todo o povo de Deus; em outras palavras, nenhum deles está faltando. N Fonte: Bíblia Sagrada com Enciclopédia Bíblica Ilustrada – Sociedade Bíblica do Brasil – 2011


última hora

Legados de um congresso por Micael Vier Behs

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onstruído a muitas mãos e mentes, o I Congresso Internacional da Faculdades EST reafirmou o compromisso ecumênico e intercultural da instituição, profundamente interessada na escuta do que acontece no mundo, na sociedade, no Brasil e no contexto latino-americano. Entre os dias 10 e 14 de setembro, pesquisadores e estudantes provenientes da África do Sul, Bolívia, Colômbia, Noruega, Alemanha, Cuba, Índia, Estados Unidos, Argentina e de muitas regiões do Brasil contribuíram para um olhar amplo, crítico e que tem em vista a construção viável de propostas alternativas para a educação teológica das novas gerações. O Dr. Oneide Bobsin, reitor da Faculdades EST, lembrou que, embora a religião tenha historicamente permanecido em grande parte ao lado dos poderosos, o congresso procurou resgatar sua contribuição para o desenvolvimento de uma sociedade justa e democrática. Em uma de suas exposições, a Dra. Wanda Deifelt, professora do Luther College (EUA), disse que o tráfico humano corresponde à segunda fonte de riquezas no mundo, atrás apenas do narcotráfico. O doutorando do PPG/ EST, Felipe Butelli, sinalizou aspectos da crise decorrente do modelo de desenvolvimento adotado por países como o Brasil, indicando que o consumo dos recursos naturais no planeta já excede em 30% a sua capacidade de se regenerar. O sociólogo José de Souza

VITOR WESTHELLE foi um dos pesquisadores

Martins, por sua vez, alertou para a emergência da pobreza do tempo, situação que impede as pessoas de sanar as necessidades radicais da vida, como compartilhar afetos, conversar com os filhos e amar o outro. Em meio a esse cenário, por vezes desalentador, foi enaltecido o papel da fé, que busca a compreensão e que, ao lado da ciência, como frisou o sul-africano Nico Koopman, fomenta e promove a dignidade humana no contexto da integridade da criação. Como um de seus legados, o congresso fez resplandecer a face dialogal da teologia, que enxerga além daquilo que é previsto e que reconhece no outro elementos capazes de complementar as mais variadas expressões de fé, sem que essas percam aquilo que lhes é específico. Uma grande tenda, onde foram celebrados cultos e promovidos momentos de conversa, descanso e debate, simbolizava a busca comum N por formulações. Micael Vier Behs é assessor de imprensa da Faculdades EST em São Leopoldo/RS

Galo Verde no Brasil O Galo Verde é um projeto ecumênico de implantação, monitoramento, auditoria e premiação de iniciativas ambientais em igrejas na Alemanha. Já no ano passado, um grupo de pessoas ligadas à IECLB sonhou em criar algo parecido no Brasil a partir do tema do ano “Paz na Criação de Deus”. A IECLB devia ir além do simples debate da questão ambiental em grupos e palestras, para passar a ações concretas e amigas da natureza. Na manhã do dia 22 de outubro, na sede do Sínodo Vale do Itajaí, em Blumenau (SC), aconteceu a primeira reunião de encaminhamento do Projeto “Galo Verde” no Brasil. Participaram da reunião pastores da IECLB, o padre Raul Kestring (ICAR), o biólogo e ambientalista Dr. Nélcio Lindner (FURB) e o pastor Hans Zeller, que é referente para a América Latina da Igreja Luterana da Baviera na Alemanha. O pastor Zeller dispôs-se a ser o contato com o Galo Verde da Alemanha e a estabelecer uma parceria com a Igreja na Baviera para dar sustentabilidade ao projeto brasileiro. O objetivo é desenvolver conscientização sobre as questões ambientais em comunidades e instituições, realizar o monitoramento de projetos ambientais e promover a premiação de ações concretas. Já a participação de Kestring tem o objetivo de tornar o projeto de caráter interconfessional. Foi proposto também convidar um representante da Igreja Assembleia de Deus. O professor Nélcio Lindner mostrou-se animado com o projeto e se dispôs a auxiliar com apoio técnico e com eventos de formação e conscientização ambiental nas comunidades e nas escolas. Para isso pretende envolver outros ambientalistas no projeto. Um primeiro passo será elencar os problemas a serem abordados na primeira fase do projeto e estabelecer a estratégia de ação. Depois serão implantados alguns projetos-piloto em N comunidades interessadas. NOVOLHAR.COM.BR –> Nov/Dez 2012

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Novo bispo anglicano

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Alerta Missas e ministros midiáticos, alinhados a padrões de marketing, podem destruir o sagrado. Paulo Suess, teólogo católico

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Notas ecumênicas

Flávio Irala foi eleito bispo da Diocese Anglicana de São Paulo (DASP) no começo de setembro. Atualmente, Irala é deão da Catedral de São Tiago em Curitiba (PR) e membro da Ordem de São Tiago (OST). O nome é conhecido também entre os luteranos por conta de algumas de suas canções terem sido cantadas em encontros jovens da IECLB. Irala também é músico.

Teologia e política Inaugurado em Montevidéu, o Centro Martin Luther King Jr. do Uruguai pretende incentivar a construção de cidadania por meio da formação de lideranças de pensamento crítico, comprometidas com a transformação de estruturas injustas e opressoras. O ex-presidente do Paraguai, Fernando Lugo, destacou na inauguração, recorrendo a uma palavra da Carta aos Romanos, que “os caminhos de Deus são insondáveis”, ao saudar a iniciativa dos uruguaios, que conjugará o teológico e o político.

Caminho da Paz Mark Beach / CMI

A X Assembleia Geral do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), agendada para 2013 em Busan, na Coreia do Sul, reunir-se-á sob o tema “Deus de vida, conduz-nos à justiça e à paz”. “Somos chamados a colocá-lo em prática na vida das pessoas no contexto em que vivemos, na criação” – afirma o pastor Olav Fykse Tveit, secretário-geral do CMI.

No mês da Reforma Protestante – outubro –, a Sociedade Bíblica do Brasil (SBB) lançou uma edição especial da Bíblia Sagrada, que traz cerca de 900 reflexões de Martim Lutero. Os textos foram selecionados por estudiosos especialistas no vasto acervo de escritos deixados pelo teólogo, que há alguns anos estão sendo traduzidos e disponibilizados também em língua portuguesa. A publicação foi lançada em 23 de outubro na Comunidade Evangélica de Porto Alegre (CEPA).

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Bíblia com textos de Lutero


DICA CULTURAL

Histórias cruzadas por Rui Bender

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nício da década de 1960, cidade de Jackson no estado do Mississipi (EUA). Mulheres negras trabalham como empregadas domésticas nas casas de mulheres brancas. Até aqui nenhuma novidade. Entretanto, as negras nem mesmo podem usar o banheiro da casa. Mas são elas as grandes responsáveis pelos cuidados básicos com as crianças brancas. E elas sentem mais carinho pelas crianças que criam do que suas próprias mães. Uma jornalista branca recém-for­ mada, Eugenia (Emma Stone), retorna à sua cidade natal e não entende a razão por que sua mãe demitiu a empregada que foi responsável por sua criação quando criança. Gradativamente, a preocupação de Eugenia estende-se às demais empregadas domésticas de sua cidade. A jornalista quer revelar ao mundo através de um livro como aquelas mulheres se sentem. Mas ela esbarra no medo das empregadas de sofrer uma punição caso alguém descubra sua participação no livro de Eugenia. Afinal, é na base da ameaça que os segredos das mulheres brancas são mantidos. Mas, por fim, Eugenia acaba por conquistar a confiança de algumas mulheres negras, que têm muito a contar. O drama das empregadas negras durante a conturbada luta pelos direitos civis nos Estados Unidos é retratado no filme “Histórias cruzadas”. O filme prioriza as questões pessoais das personagens em detrimento de eventos históricos e po-

As mulheres negras têm muito a contar para a jornalista Eugênia, que quer escrever um livro sobre o tratamento que as empregadas recebem. Tudo isso acontece no meio da luta pelos direitos civis americanos

líticos que poderiam torná-lo mais épico – e assim menos próximo. Enquanto Martin Luther King lutava no espaço do macrossistema pelos direitos civis, gente como Abileen e suas companheiras negras lutava no microespaço. Enfim, esse é um filme de mulheres, e cada atriz soube interpretar muito bem seu papel, com a dose certa de dramaticidade e humor. O espaço para os homens é tão limitado quanto a parede de Abileen Clark (Viola Davis): só Jesus Cristo e John Kennedy merecem destaque ao lado da foto de seu filho. N

RUI BENDER é jornalista em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Nov/Dez 2012

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CAPA

LEGADO ÉTICO: A busca por conceitos que permitam passar um mundo de respeito e de justiça às futuras gerações

Virtudes O QUE É NECESSÁRIO PARA COLOCAR O SER HUMANO NO CAMINHO DO BEM? A PERGUNTA JÁ TINHA RESPOSTA MAIS FÁCIL. HOJE, VELHOS CÓDIGOS PARECEM DERRETER COMO GELO SOBRE O ASFALTO QUENTE. O CAMINHO PARA RECUPERAR UM SENSO MÍNIMO COMUM DE PRECEITOS ACEITOS UNIVERSALMENTE ESTÁ MAIS COMPLICADO. 10

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por Luciana Reichert

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á três meses, um casal de moradores de rua de São Paulo virou notícia no Brasil. Tudo porque entregou R$ 20 mil que encontrou na rua à Polícia Militar. O dinheiro voltou às mãos do dono de um restaurante que havia sido roubado. O morador de rua disse que lembrou dos ensinamentos da mãe quando decidiu devolver o dinheiro. “A única coisa em que pensei foi acionar o 190. Quando os policiais chegaram, não acreditaram que eu estava devolvendo. Eu parei


para pensar no que minha mãe falou para mim: nunca roubar nada que é dos outros”, falou em entrevistas para jornais e TVs. Em tempos de corrupção, o casal deu um exemplo de honestidade e ética. Virtudes como essas não deveriam, mas chegam a surpreender nos dias de hoje. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, conhecido por seu conceito de modernidade líquida, escreveu que os tempos são “líquidos” porque tudo muda rapidamente. E dessa forma nada é feito para durar, para ser “sólido”. Os princípios, anteriormente sólidos e que davam segurança, acabam se dissolvendo como um cubo de gelo. O educador, escritor, palestrante e presidente do Sindicato do Ensino Privado Gaúcho – SINEPE/RS, Osvino Toillier, diz que estamos vivendo um vazio existencial, decorrente da perda de referenciais. “Essa perda tem brutal repercussão na vida das pessoas. Não

é possível viver nessa condição, e as pessoas acabam buscando algo para substituir a perda, através de coisas, consumismo desenfreado, crenças, virtualidade, e cada um acaba vivendo em seu pequeno mundo”, observa. Toillier conta que a realidade de hoje é descrita pela decomposição e dissolução de normas e padrões, sem que nada tenha sido colocado no lugar. “Se nada mais dura e se questiona a validade de tudo, como falar em virtudes e moral numa sociedade em que nada é permanente? A aparente implosão dos pilares que nos sustentaram até aqui são um risco para o futuro da sociedade, cuja estrutura não se sustenta sobre areia movediça”, frisa. As virtudes, que são as boas qualidades morais e a disposição constante de praticar o bem e evitar o mal, estão cada vez mais escassas no dia a dia das pessoas. E algumas virtudes estão até mesmo com conceitos deturpados.

Quem age corretamente é visto muitas vezes como um tolo. A honestidade não é mais vista como motivo de orgulho. “Por incrível que pareça, esta é a nossa realidade: honestidade é algo que não mais faz parte da vida das pessoas. E quando acontece um caso, é exceção e acaba ganhando espaço na mídia. Isso é danoso para a formação das crianças e jovens, porque entendem que a atitude é tão rara, que acaba ganhando destaque nos meios de comunicação social”, comenta o professor. VIRTUDES E PECADOS – Os sete pecados capitais – avareza, gula, luxúria, ira, preguiça, soberba e inveja – foram formalizados pela igreja católica no final do século VI durante o papado de Gregório Magno. As atitudes humanas contrárias às leis divinas são quase tão antigas quanto o cristianismo. A igreja católica criou uma lista de sete virtudes fundamentais – humildade, disciplina,

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MODERNIDADE LÍQUIDA: No conceito de Zygmunt Bauman, os tempos são líquidos porque tudo muda rapidamente; nada é feito para durar

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castidade, paciência, temperança, caridade e generosidade – como forma de dissolução para os pecados capitais. Outras religiões, como o judaísmo e o protestantismo, também têm o conceito de pecado em suas doutrinas, mas os sete pecados capitais são exclusivos do catolicismo. O pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), Maurício Roberto Haacke, fala que a igreja luterana entende o conceito de pecado a partir do pecado original. “Somos pessoas pecadoras por ser humanas. Para nós, o pecado é algo existencial e condenatório. Somos pecadores, e por consequência nos restaria a morte eterna não fora o amor gracioso e libertador de Deus. Por isso somos pessoas pecadoras e, ao mesmo tempo, justificadas”, explica.

Conforme Haacke, na teologia luterana, não está presente o conceito de pecado principal ou secundário. “Tratamos o pecado como erros humanos que necessitam do arrependimento, da confissão e da mudança.” As virtudes também seguem o raciocínio do pecado. “Não entendemos que exista uma virtude mais ou menos importante. Todas são importantes e naturalmente nos apresentam consequências distintas. Para mim, as virtudes devem ser características que revelam nossa gratidão pela salvação já nos dada em Cristo e que devem fazer parte de nossa personalidade como resposta ao amor de Deus”, destaca. MANDAMENTOS E BONS COSTUMES – O pastor Haacke diz que, se os Dez Mandamentos, encontrados na passagem bíblica de Êxodo 20, fossem levados

em consideração, teríamos um mundo melhor. Dessa forma, muitas atitudes que geram dor, sofrimento e morte seriam evitadas. “Com apenas a vivência do duplo mandamento do amor, isto é, amar a Deus acima de tudo e ao próximo como a nós mesmos”, salienta. Segundo Haacke, as virtudes como generosidade, solidariedade, humildade, respeito e amor são importantes para melhorar os relacionamentos. Mas ele acredita que fundamental para as pessoas é a gratidão: “Uma pessoa grata reconhece o amor e a ação de Deus em sua vida e passa a viver em resposta a essa ação”. Em tempos líquidos, dignidade, respeito, retidão, bondade, compaixão, entre tantas virtudes e bons costumes, estão muitas vezes deteriorados no mundo midiático. Para o presidente do Sinepe, o mundo do

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DETERIORAÇÃO: Respeito, retidão, bondade, compaixão e outros costumes estão deteriorados no mundo de hoje

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RECONQUISTA DE VALORES – Diante de tempos ditados pela competição com paradigmas que primam em sempre ser melhores em tudo e do individualismo, é necessário assumir a missão de contrapor valores. Na avaliação de Toillier, a fraternidade, a tolerância e a solidariedade com a dor alheia foram para o espaço. “De alguma forma e em algum momento, precisamos reconquistar esses valores, sob pena de evoluirmos para uma sociedade cruel e sem princípios.

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espetáculo é a conquista de audiência, mesmo que por conta da corrupção dos bons costumes. “A desmoralização da família, mesmo a pretexto de retratar a realidade atual, está presente em todos os programas, especialmente em novelas, apelando para a exploração precoce da sexualidade, desvirtuando crianças e jovens dos valores verdadeiros, ridicularizando o exemplo virtuoso, debochando do sagrado, enfim, implodindo a sacralidade da vida”, observa. Na avaliação do professor, a crise de autoridade na família, na escola e a terceirização da educação acabam refletindo na perda da noção das virtudes para crianças e jovens. Ele diz que, por conta da equivocada interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente à inibição do exercício de autoridade, contribui para que crianças e jovens cresçam com a impressão de que tudo podem e nada devem a ninguém. “Não poucas famílias, por omissão ou conforto, terceirizaram a educação dos filhos, transferindo para a escola a responsabilidade de fazê-lo, que – como não tinha escolha – aceitou uma tarefa que não tem condições de cumprir. Eis o quadro da crise que assola hoje a maioria das instituições educacionais. E, em decorrência, a perda da noção das virtudes para crianças e jovens”, observa.

DINHEIRO: Devolver o que não lhe pertence é visto com surpresa até pela polícia

Estamos num perigoso impasse: civilização ou barbárie, no dizer do Dr. José Outeiral”, aponta. O dirigente do Sinepe acredita na força do amor e que não existe proposta educacional que não deva estar alicerçada nesse sentimento. Ele lembra a citação do teólogo Gottfried Brakemeier, que escreveu que “o amor é incapaz de querer o mal e a única garantia contra o abuso”. Além disso, o professor crê que, mesmo em tempos líquidos, as crianças e os jovens saberão assimilar os valores fundamentais que balizaram a humanidade ao longo de milênios e que não podem ser descartados por conta da pós-modernidade. “É preciso ter atitude corajosa, de contraponto à dessacralização da vida, resgatar a espiritualidade e testemunhar a

crença nos valores sagrados que nos trouxeram até aqui”, enfatiza. Para o pastor Haacke, transformando o respeito e o amor em pilares principais para viver em família, há possibilidades de ressignificação da vida familiar. “Em que os valores e virtudes possam ser evidenciados nas atitudes de vida das pessoas que compõem esse núcleo. Acredito que a opção por viver uma vida familiar com mais qualidade da convivência também contribui para a reafirmação de valores importantes para a sociedade”, pondera. Dessa forma, como conclui Toillier, “o mais difícil não é processar a mudança, mas prospectar as permanências, ou seja, aquilo que é necessário para a vida em qualquer tempo”. N LUCIANA REICHERT é jornalista em São Leopoldo (RS)

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capa

Dignidade intrínseca por Marcelo Schneider

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requentemente, programas de governo, projetos sociais ou medidas judiciais prometem ser agentes na luta pela dignidade das pessoas. Mas será mesmo que isso é algo que se possa conferir a alguém mediante esforço individual ou coletivo? Não seria a dignidade algo inato a cada ser humano, justamente por sermos criados à imagem e semelhança de Deus? Ou será que nascemos indig-

nos e a vida é que vai nos conferir as qualidades suficientes para andarmos de cabeça erguida? Uma pessoa pode aprender a ler e escrever, receber reconhecimento por algum feito relevante. Ela pode cair em vícios e recuperar-se mais tarde, tendo uma vida brilhante ou medío­ cre. Mas ninguém pode aprender a ser digno nem receber tal dignidade como prêmio. A dignidade humana é algo intrínseco à essência de cada

pessoa, ou seja, é uma condição que cada um de nós tem antes mesmo do dia de seu nascimento. Dizer que alguém nasceu sem dignidade por ter vindo ao mundo em condições desfavoráveis é como conferir-lhe o veredito de culpado antes mesmo que possa dar o primeiro grito em sua defesa. Somos dignos, não nos tornamos dignos. Somos dignos, apesar de condições econômicas, sociais ou afetivas adversas. As regras da vida neste mundo são claras. O caminho a ser trilhado é feito de segundos, horas, dias, semanas, meses e anos. Precisamos respirar, beber água e nos alimentar. Essas condições não mudam, seja você filha de um milionário ou um recém-nascido encontrado numa lixeira. Temos as mesmas necessidades e vamos, instintivamente, lutar para supri-las com as forças e condições que se colocam ao nosso alcance.

Peter Williams/CMI

dignidade: Uma condição que cada um de nós tem antes mesmo do dia de seu nascimento (crianças na Nicarágua)

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Divulgação Novolhar

CONDIÇÃO: Somos dignos, não nos tornamos dignos. Somos dignos, apesar de condições adversas (escolares em Port au Prince/Haiti)

No entanto, essa condição de dignidade intrínseca não significa que estamos sozinhos neste mundo e que devemos encarar a jornada baseados no princípio de que levar vantagem é melhor do que ser deixado para trás. Há muita gente em nossas relações familiares, sociais e profissionais que procura antecipar-se às situações com o intuito exclusivo de reservar para si mesmo esse ou aquele espaço privilegiado. Essa postura não é digna nem reflete outra condição importante de nossa vida, a de que não estamos sós e devemos viver em comunidade. A proteção mútua da dignidade é um exercício de cumplicidade que, em tese, deveria ser motivado pelo nobre princípio de amor ao próximo, mas, parafraseando a cantora mexicana Julieta Venegas, “bien sabemos que la vida nunca funciona así”. Por mais seguros que sejamos em nossas convicções religiosas, filosóficas ou morais,

sempre esbarramos nos outros. Eles, governos ou indivíduos, que deveriam estar ao nosso redor para nos proteger, acabam tornando-se agentes de injustiça e formas de opressão contra pessoas e povos inteiros. Pior: muitas vezes, um gesto de desrespeito à dignidade do outro leva-nos a mudar de atitude e tornar-nos agentes de injustiça. Para que a humanidade não se torne refém incondicional desse ciclo que perpetua injustiças, existe uma série de pessoas e organizações que se empenham em defesa da dignidade humana. Cada uma delas dedica-se a uma fatia específica dessa luta. Esses agentes não trabalham para que a dignidade seja conferida a tal pessoa ou grupo, mas pela proteção da dignidade intrínseca de cada um e sua restauração em casos nos quais ela tenha sido ferida por conta de agressões pessoais ou descaso social.

Por isso ouvimos muito falar da luta pela defesa da dignidade das mulheres e dos homens, dos afrodescendentes, dos portadores de deficiência, dos povos indígenas, das crianças e dos idosos, dos pequenos agricultores, dos ambulantes, dos seguidores de religiões minoritárias, dos catadores de material reciclável e dos coletores de frutos da selva, dos sem-teto e dos desempregados – apenas para citar alguns exemplos. Quem defende a dignidade humana usa como ferramenta a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Há uma série de organizações e instâncias ao redor do mundo que se empenham em defesa da dignidade das pessoas. Essas organizações encontram abrigo no Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. N MARCELO SCHNEIDER é teólogo e trabalha para o Conselho Mundial de Igrejas (CMI) em Porto Alegre (RS)

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Dimitri Castrique

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IMPARCIALIDADE: A justiça é impessoal e vale para todos os membros de uma sociedade de igual forma

Justiça: base das leis por Michael Kleine

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odo tipo de convivência entre pessoas precisa de regras e normas. Normas definem o que é certo e o que é errado dentro de um grupo. Elas determinam as responsabilidades de cada membro do grupo e determinam quais comportamentos são aceitáveis e quais não. Quem faz parte de um grupo social não pode simplesmente fazer o que quer. Normas de convivência podem variar conforme a época, a cultura e

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o tipo de sociedade. O Antigo Testamento dá-nos uma ideia das normas e valores vigentes nas pequenas vilas de agricultores da Palestina na época de sua formação. Os dois valores que deviam predominar nesse tipo principal de convivência eram a sinceridade e a lealdade. Vejamos o que isso significa nas palavras do profeta Oseias. Por intermédio dele Deus acusa o povo de Israel de não respeitar as normas básicas de convivência. Ele

diz: “Não há verdade, nem amor, nem conhecimento de Deus” (Oseias 4.1). Aqui aparecem dois termos hebraicos (a língua em que foi escrito o Antigo Testamento) que são difíceis de traduzir: emet e hesed. O primeiro pode significar “verdade”, “sinceridade”, “confiança”, “confiabilidade”. A pessoa que está comprometida com a verdade é uma pessoa confiável. Ela cumpre o que promete, não esconde suas intenções nem procura enganar os outros. O segundo termo é mais difícil de traduzir. Seu significado está mais para “fidelidade”, “lealdade” ou mesmo “solidariedade”. O termo hesed não se refere a um sentimento (como amor), mas a uma atitude racional. A pessoa leal é aquela que leva muito a sério os laços que a ligam a outras pessoas: laços de parentesco, de amizade, de cooperação. Ela sabe que esses laços geram


A ordem de Deus aos governantes: “Executai o direito e a justiça e livrai o oprimido da mão do opressor” (Jeremias 22.3). Fazer valer a justiça significa impedir que o mais forte tire proveito do mais fraco, que o rico explore o pobre. O princípio da justiça reconhece a igualdade de todos os membros da sociedade e o direito de todos a uma vida digna. A pessoa justa é aquela que sempre leva em consideração a integridade e a dignidade dos demais. Ela está comprometida com a verdade e não se apropria dos bens alheios. Ela não

busca os seus próprios interesses quando isso significa o prejuízo de outros. E ela defende a justiça e o direito dos mais fracos quando esses são ameaçados pelos mais fortes. A pessoa justa é solidária mesmo sem ter laços com aqueles que defende. Por isso o provérbio diz que “o caminho dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (Provérbios 4.18). N MICHAEL KLEINE é teólogo e ministro da IECLB na Comunidade Evangélica de Hamburgo Velho (RS)

LIMITES: Quem faz parte de um grupo social não pode simplesmente fazer o que quer

Pop Catalin

responsabilidades e está disposta a cumpri-las custe o que custar. Sinceridade e lealdade são a base do relacionamento de pessoas que convivem umas com as outras de uma forma muito próxima e constante. Esse era o caso nas pequenas vilas, onde os habitantes estavam ligados por vários laços. Mas, quando uma sociedade começa a crescer, cresce também o número de pessoas que não possuem laços umas com as outras. Por isso a sinceridade e a lealdade, que mantinham as pessoas unidas na pequena vila de agricultores, perdem a sua força na grande cidade, fazendo aumentar os conflitos e a violência. Foi o que aconteceu em Israel. O texto citado acima continua assim: “O que prevalece é perjurar, mentir, matar, furtar e adulterar, e há arrombamentos e homicídios sobre homicídios” (Oseias 4.2). Uma sociedade maior e com mais conflitos de interesses precisa de um terceiro princípio: a justiça. A justiça não depende dos laços de simpatia e de amizade entre as pessoas. Ela é impessoal e vale para todos os membros de uma sociedade de igual forma. A justiça é a base das leis, que são as principais regras de convivência em sociedades maiores. Mas a justiça também é uma atitude pessoal, uma virtude reconhecida em todas as culturas. Também o Antigo Testamento tem a justiça em alta conta: “A justiça engrandece uma nação, o pecado é a vergonha dos povos” (Provérbios 14.34). Nesse provérbio, a justiça é vista como a base da vida de um povo. Para que isso seja possível, é preciso que os governantes zelem pela justiça. Por isso o salmista pede a Deus pelo rei: “Julgue/governe ele com justiça o teu povo” (Salmo 72.2). E ligado à justiça sempre está o direito: “O rei mantém a terra pelo direito” (Provérbios 29.4).

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Parcerias para um mundo novo por Belmiro Meine

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igreja, mas esses espaços estão constituídos de forma muito especial para o cumprimento dessa missão, que só se cumpre de forma plena mediante o encontro de pessoas diferentes, que se olham de frente e que se dispõem a caminhar juntas. Escola, família e igreja certamente representam conceitos e experiências muito diferentes e diversos para todos nós, mas uma coisa é certa: são fundamentais na vida e na estrutu-

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escola, a família e a igreja são instituições que trazem, em sua essência, a missão de educar, cada uma com seu papel específico, de forma obrigatoriamente intercambiável e recíproca. E educar é um processo dialogal de produção de sentido, em que todos os entes envolvidos estão predispostos a aprender. É evidente que não se aprende apenas na escola, na família e na

ração da sociedade moderna. São os pilares constitutivos na atribuição de sentido para o crescimento e para o aperfeiçoamento das relações entre os seres humanos naquilo que os liga entre si e naquilo que os liga com seu passado, com seu presente e com seu futuro, enfim, que os liga com a sua razão de ser. Pode a família ignorar a escola como equipamento social organizador do conhecimento das crianças e dos jovens, ainda insubstituível nesse contexto de múltiplas ofertas? Pode a família suprimir de seus filhos o direito inalienável do contato com seu Deus amoroso, capaz de lhe perdoar todas as suas falhas e desvios, na dimensão do compromisso e da esperança? Pode a escola prescindir da família para bem cumprir seu papel de instância de articulação de sentido a partir das perguntas fundamentais que transitam em seu espaço? Pode a

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FAMÍLIA, ESCOLA E IGREJA São os pilares constitutivos na atribuição de sentido para o crescimento e para o aperfeiçoamento das relações entre os seres humanos.


Rob Carris

escola ignorar que todas as crianças e os jovens estão ávidos pela possibilidade de profundos diálogos com o seu Deus a partir de sua própria realidade e circunstâncias? Pode a igreja distanciar-se da família apenas por assumir novos modelos de organização com princípios éticos e morais que fogem dos padrões eventualmente já superados pela tradição? Pode a igreja ignorar a escola e dela se afastar, desfocando dela o seu olhar apenas por se tratar de um espaço que eventualmente pensa e se organiza de forma nova e ajustada aos novos tempos? O fato é que nem a família, nem a escola, nem a igreja podem fazer seus papéis de forma plena para a construção de um projeto social isoladamente. O ser humano, vítima desse turbilhão que o novo oferece, necessita desses três pilares para constituir-se como cidadão saudável e contributivo. Precisa da família para sentir-se seguro e acolhido, precisa da escola para constituir-se como cidadão e precisa da igreja para conectar-se com a dimensão divina, que lhe permite dialogar com sua essência humana, fundamentalmente divina. Família, escola e igreja andaram perdendo a capacidade ou a vontade de dialogar, perdidas nas dificuldades de se encontrar a si mesmas. Perderam, por conseguinte, a condição necessária para a construção do sentido necessário para a dignificação do ser humano envolvido. O problema é que nenhuma dessas instituições está conseguindo olhar para a outra como parceira nesse inadiável desafio de avançar na direção de um novo mundo. E não olhando para o outro, não consegue também entender-se a si mesma. Família, escola e igreja só conseguirão reconhecer seus papéis específicos à medida que conseguirem reconhecer-se

PROXIMIDADE: A igreja não pode afastar-se da família e da escola

como instituições dependentes e compromissadas com as outras. Nenhuma delas terá sentido se assumir uma postura autoritária, imaginando-se dona da verdade e de todas as soluções possíveis e suficientes. O ser humano e a sociedade precisam, mais do que nunca, dessas três instituições na construção de um novo mundo, mais equilibrado, mais completo, capaz de viabilizar o projeto de Deus no espaço de seu povo. A verdade parece estar no fato de que família, escola e igreja perderam a capacidade de dialogar. Desconectaram-se. Afastaram-se, cada uma seguindo seu próprio caminho,

imaginando que as outras deveriam ter a obrigação de seguir seus passos ou vir a reboque. O desafio certamente está em reestabelecer as conexões rompidas ou fragilizadas. E isso permitirá que novamente a família, a escola e a igreja se articulem como instituições de sentido, de referência, de valor, para que o ser humano, em sua individua­ lidade ou no necessário coletivo, volte a encontrar-se consigo mesmo e com N o outro.

BELMIRO MEINE é diretor-geral do Centro de Ensino Médio Pastor Dohms em Porto Alegre (RS)

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SEM RUMO: Há uma angústia diante das tantas mudanças que estão ocorrendo

Como entender as mudanças? por Júlio Cézar Adam

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udo muda e muda muito rapidamente! Nada é mais como antes! Este mundo está perdido! Essas são algumas observações que com frequência ouvimos das pessoas nos dias de hoje. Há uma angústia diante das tantas mudanças que estão ocorrendo. Assim como em relação ao tempo, temos a impressão de que passa mais rapidamente do que passava outrora; também em relação aos costumes, tradições, regras, valores, temos essa

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sensação. Não é apenas uma sensação. Há mudanças acontecendo sim, e há estudos tentando entendê-las. Os nomes são vários: destradicionalização (Paul Heelas), desinstitucionalização (Danièle Hervieu-Léger), crepúsculo da moral (Gilles Lipovetsky), pós-modernidade e realidade líquida (Sigmund Bauman), entre outros. Todos esses conceitos tentam dar conta de um fenômeno: a mudança acelerada dos padrões culturais e comportamentais, dos valores morais, dos

costumes. Trocando em miúdos, esses conceitos buscam entender a perda de certa autoridade que a instituição e a tradição representavam. Tomemos como exemplo o modelo familiar: já há algumas décadas, não contamos com um único modelo familiar. Os modelos diversificaram-se e conti­ nuam se diversificando, a tal ponto que a psicóloga Rosely Sayão diz que uma família se define hoje pela chave em comum que o grupo possui. As pessoas mudam com grande facilidade: mudam de cidade, de país, de cidadania, de partido, de família, de grupo, de amigos, de escola... Sim, também de igreja e de religião. A instituição religiosa é uma das primeiras a sentir os impactos da desinstitucionalização. As pessoas trocam de igreja com grande facilidade. Muitas creem em Deus, leem a Bíblia, mas não querem pertencer a uma determinada tradição ou comunidade. Cresce, assim, o número dos sem-religião ou


daqueles que simplesmente creem misturando elementos de várias crenças e tradições, fazendo da religião uma colcha de retalhos, com sentido individual e privado. Danièle Hervieu-Léger afirma: “No âmbito da religião, como nos demais, a capacidade do indivíduo para elaborar seu próprio universo de normas e de valores a partir de sua experiência singular tende a impor-se, como vimos, vencendo os esforços reguladores das instituições. Os cren-

tes modernos reivindicam seu direito de ‘bricolar’ e, ao mesmo tempo, de ‘escolher suas crenças’. Mesmo os mais convictos e os mais integrados a uma determinada confissão fazem valer seus direitos à busca pessoal pela verdade. Todos são conduzidos a produzir por si mesmos a relação com a linhagem de crença na qual eles se reconhecem”. Parece que apenas aos times de futebol as pessoas de alguma maneira ainda permanecem fiéis. Às vezes, a

defesa do time desencadeia atitudes violentas. Nessa cultura em mudança e abandono das tradições, surgem aqui e ali radicalismos, movimentos fundamentalistas, verdades absolutas capazes de matar quem ousa ser diferente ou questiona a “verdade”. Os motores propulsores desse fenômeno são a individualização, por um lado, e, por outro, o processo de diversificação, pluralismo e fragmentação da cultura e da sociedade, ambos como consequências diretas da modernidade. O modelo capitalista e o consumo estão diretamente relacionados com esse processo de mudança. Não somente as coisas, as pessoas mudam, o mundo está mudando. O que fazer diante disso? Não há muito como resistir. É um fenômeno maior do que nossa capacidade de reação e protesto. Ele trouxe muitos ganhos para as pessoas. Todos nós de uma ou de outra maneira nos beneficiamos dessas mudanças. Podemos dizer que as pessoas cansaram de morrer e ver seus filhos morrendo pela pátria, ideologias e religião. A destradicionalização traz dentro dela um apelo por liberdade, por individualidade, por direito a ser o que se quer ser. A melhor saída, parece, é entender o fenômeno, dialogar sobre ele, ser crítico e criterioso diante da mudança. No bojo da liberdade, podemos também cuidar das tradições, preservar valores e instituições que nos ajudam a viver e evitar os radicalismos e violências. Mesmo com todas as mudanças, cabe a nós, em nossos grupos e comunidades, cuidar e zelar por aqueles valores éticos e morais, costumes, princípios irrenunciáveis e inegociáveis. N Divulgação Novolhar

APELO: A destradicionalização clama por liberdade, individualidade e direito de ser o que se quer

JÚLIO CÉZAR ADAM é teólogo e ministro da IECLB, professor na Faculdades EST em São Leopoldo (RS) e na Faculdade IENH em Novo Hamburgo (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Nov/Dez 2012

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Pense antes de agir por Karen Bergesch

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ivemos em um período da história chamado de pós-mo­­ dernidade. Nele tudo é possível. Não há um valor predominante ou determinante. O estímulo é para viver a diversidade e a pluralidade. Conservadorismos não se justificam mais. O que se busca é o novo, o desenvolvimento em todas as áreas. Os meios de comunicação virtuais e uma economia mundial interligada aumentam em muito esse imaginário. Estamos todos conectados em uma “grande aldeia global“. Chavões à parte, percebe-se na atualidade a aproximação com o outro. Isso pode ser bom, mas não deixa de apresentar seus riscos. Por exemplo, se houver uma crise financeira, todos são de alguma forma afetados. Se houver algum benefício, como o desenvolvimento da tecnologia médica, por exemplo, todos são beneficiados. Todos? Não exatamente; permanecem diferenças. Ainda vivemos em um mundo de desigualdades econômicas grandes, injustiças e explorações. Um mundo que valoriza em demasia a aparência em detrimento da essência. Num mundo que valoriza a aparência, procura ignorar as desigualdades e cria o imaginário de que tudo é virtualmente possível, algumas pessoas sentem-se perdidas em seu cotidiano e buscam referências. Quais poderiam ser essas hoje? É nesse contexto que as atenções começam a se voltar para a re-

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flexão em torno das “virtudes“. Por quê? Porque perdemos, em algum momento, as referências que pareciam estar tão claras a familiares de outras gerações. O texto de Provérbios 22.28 compõe um conjunto de conselhos dos sábios que desafiam à reflexão. Ele afirma: “Não mude de lugar os marcos de divisa de terras que os seus antepassados colocaram“. O versículo remete a relações humanas e suas conquistas, tanto materiais como éticas. Para que um marco seja colocado, é necessário um conjunto de decisões que, por sua vez, envolvem aspectos práticos, históricos e éticos. O marco é uma definição que procura ser um meio-termo entre satisfação e realização para todos. Enfim, é algo bem pensado! Por que esse seria um conselho sábio? Na pós-modernidade, facilmente a tradição é colocada de lado sob o julgamento de ser “antiquada“ e “ultrapassada“. O desejo do novo busca um marco zero. Mas, com o passar do tempo, torna-se necessário encontrar referências para sustentar “o novo“. Tais marcos não estão na repetição irrefletida de atitudes do passado, mas se encontram nos valores que definiram conquistas e podem continuar a defini-las hoje. A vida deve ser vivida intensamente! Isso significa, de acordo com um pensamento virtuoso, pensar antes de agir. Lembro de uma frase constantemente repetida por minha mãe em minha infância: “Você deve pensar antes de falar!“ Compreendi essa frase


Sanja Gjenero

bem mais tarde, e ela continua gravada em mim. Hoje, tenho a liberdade de estendê-la para a compreensão do conceito de virtude. Virtude é pensar antes de agir! O mundo que desejo não só para mim, mas também para outras pessoas, estejam elas próximas ou não. De forma alguma, a ação virtuosa coloca-se como um idealismo deslocado. Onde é possível viver virtude? Um exemplo encontra-se na atitude de dar suporte a questões de cunho ecológico: separar o lixo, levar a própria sacola ao supermercado, usar mais o transporte coletivo, consumir produtos ecologicamente recomendados. Outro exemplo é respeitar as leis de trânsito: não dirigir embriagado, obedecer à sinalização e não passar da velocidade recomendada. Ainda podemos falar das relações profissionais e afetivas. No trabalho, procurar cumprir as tarefas, chegar no horário, não alimentar fofocas, tratar bem a todos. Na vida afetiva, ser sincero, honesto e não agir com violência. Atitudes virtuosas refletem o cuidado e a valorização da própria vida. Para quem não está acostumado, parece uma tarefa difícil, pesada. Ou será que significaria pegar a vida em suas próprias mãos e tornar-se autônomo em um período em que há liberdade de escolha? Assim como Emanuel Kant afirma: “Você deve, por isso você pode“. O filósofo busca resgatar a força interior na tomada de decisões. Ou seja, toda decisão e toda ação possuem uma motivação anterior. Essa motivação pode ser a decisão de cuidar e respeitar a vida, aprendendo também com os marcos colocados pelos antepassados. Viver virtuosamente significa trilhar o caminho da felicidade e da liberdade. Inicie por um conselho: N Pense antes de agir! KAREN BERGESCH é teóloga e ministra da IECLB e atua no Departamento para a América Latina da Igreja da Alemanha em Hamburgo NOVOLHAR.COM.BR –> Nov/Dez 2012

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Oportunidade de um novo tempo

guimos identificar com clareza o que é certo e o que é errado. Por exemplo, parece normal que as pessoas falem mais ao celular ou escrevam e-mails do que falem e encontrem-se pessoalmente. Tornaram-se normais e banais as cenas de violência nas notícias e na vida diária. Palavras como “muito obrigado” ou “por favor” dificilmente fazem parte do vocabulário cotidiano. Em seu trabalho, o ser humano é visto, na maioria das vezes, apenas como uma peça da máquina. Em relação à natureza, vivemos uma grande crise, em que os recursos naturais tornam-se cada vez mais escassos e colocam em perigo a própria vida humana. Nossa sociedade torna-se cada vez mais individualista, egoísta, veloz, em que tudo é descartável, permeada pelo valor capital das coisas, isto é, ter e não ser, da competição e não da cooperação. Essas realidades geram crises pessoais e estruturais. Somos seres movidos pela esperança e perguntamo-nos como vencer as crises que os sistemas históricos criaram em nosso mundo e em nossa vida. Recordo aqui a carta do apóstolo Paulo aos Gálatas. Também nessa comunidade havia crises na vivência comunitária, em relação ao que

por Claudete Beise Ulrich

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e culturas passam por crises, pois também estão sujeitas aos processos históricos. A crise, no entanto, não tem só um sentido negativo, pois significa também a aurora de novos tempos e de novas estruturas. Zygmunt Baumann afirma que nós vivemos uma modernidade líquida. Isso significa que o chão que pisamos se torna escorregadio, e já não conse-

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palavra crise é bastante usada em nossa linguagem cotidiana. Mas o que significa a palavra crise? Entendo que a crise faz parte dos “processos históricos”, sendo a confrontação entre o que foi sedimentado no passado como tradição e o que se vive no presente ou se sonha para o futuro. Todas as instituições, pessoas

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Somente a libertação de tudo o que escraviza a vida pode levar as pessoas a uma vivência comunitária, ao exercício da solidariedade, à busca da paz e da justiça.


Gabriella Fabbri

CRISE: O tempo atual é propício para a reflexão sobre as crises que afetam nossa vida, a humanidade e o planeta

era certo ou errado. Em Gálatas 5.1 lemos: “Para a liberdade que Cristo nos libertou”. Cristo libertou-nos para ser pessoas livres, para que saibamos discernir o certo e o errado, que não sejamos escravos da última técnica, da última moda, mas que saibamos curtir a graça de estar vivos. É importante lembrar que a liberdade sempre acontece num processo relacional, sendo um valor fundamental, redescoberto pelo reformador Martim Lutero. Vencer o egoísmo, o individualismo, o consumismo, a velocidade, impostos por nossa sociedade, é tornar-se, no meu entender, uma pessoa livre. Somente a libertação de tudo o que escraviza a vida pode levar as pessoas a uma vivência comunitária, ao exercício da solidariedade, à busca da paz e da justiça. A cada dia, o sol nasce e se põe, e isso não é por acaso, mas é pura graça divina. A pessoa livre

vive a partir da graça de Deus e pratica a fé ativa no amor. O apóstolo Paulo cita em Gálatas 5.22-23 o fruto da vida de uma pessoa que anda com Deus. Importante mencionar é apenas um fruto com várias características: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. A vivência dessas virtudes torna a vida livre e esperançosa, pois elas apontam para processos relacionais com Deus, pessoa próxima, natureza, mundo e consigo mesmo. Entendo que as crises que enfrentamos em nosso cotidiano levam-nos a perguntar sobre o valor da liberdade, resgatando as virtudes enumeradas pelo apóstolo Paulo. Essas virtudes precisam ser exercitadas diariamente, ensinadas e vividas na família, na igreja, na escola, na rua, no trabalho e na sociedade. Aqui é importante destacar

que as pessoas são diferentes, mas o grande segredo encontra-se exatamente em aprender a viver e a conviver na diversidade das culturas. O tempo atual é o tempo propício para a reflexão sobre as crises que afetam nossa vida, a humanidade e o planeta. As mudanças dependem de nós. Quais são os valores que regem a nossa vida e que virtudes encontramos em nós, em nosso ser e agir? Mário Quintana poetiza: “Lá bem no alto do décimo segundo andar do ano vive uma louca chamada Esperança”. A esperança alimenta-nos e nos dá uma certeza: outro mundo é possível. Nessa espera ativa, Adélia Prado ensina a orar: “Uma tal esperança imploro a Deus”. N CLAUDETE BEISE ULRICH é teóloga e ministra da IECLB atuando na Academia de Missão junto a Universidade de Hamburgo, na Alemanha

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LITERATURA

Quem faz o livro Uma editora é feita de autores, tradutores e ilustradores, de ambos os sexos. a Editora Sinodal TEM esses profissionais, alguns deles com uma longa caminhada na casa. por Rui Bender

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Fotos: Divulgação Novolhar

ntre os mais prolíferos autores da Sinodal estão os teólogos. Aliás, essa é conhecida amplamente como uma editora de produção teológica. Como tal alcançou “projeção além das fronteiras do Brasil” ao longo de 85 anos, frisa o historiador Martin Dreher, que já publicou duas dezenas de obras com o selo da Sinodal. “Ter livros publicados por ela foi oportunidade de participar da missão da Igreja de Jesus Cristo”, reconhece Dreher. Ele entende que a Sinodal tornou-o conhecido no contexto da IECLB e muito além dela.

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“Tenho nela uma parceira e muitos amigos”, conclui. A Sinodal é uma “instituição identificada com a causa da IECLB”, aponta outro dos colaboradores mais produtivos da casa, o teólogo Gott­ fried Brakemeier, autor de mais de uma dezena de obras. “Sua agenda não é ditada por critérios econômicos”, comprova o teólogo. “A Sinodal entende-se antes como divulgadora do evangelho e do espírito que lhe corresponde”, observa. E aí ela se destaca pela boa qualidade de suas publicações, segundo Brakemeier.

os teólogos estão entre os principais autores da editora sinodal. gottfried brakemeier (esq.) é um dos escritores mais produtivos da casa. roberto zwetsch (dir.) está entre os autores da nova safra de escritores.

Um autor da nova safra da Sinodal, o missiólogo Roberto Zwetsch, que tem meia dúzia de obras publicadas na editora, entende que a Sinodal “contribui para divulgar a teologia e a espiritualidade que vamos construindo nas últimas décadas na busca por encarnar na realidade brasileira o evangelho de Jesus que salva, liberta e transforma vidas e a sociedade, e isso com a marca da teologia luterana”. Zwetsch sente-se grato pela confiança que a casa deposita em seu nome e também por ser solicitado a colaborar com artigos na revista Novolhar, que ele julga ser uma publicação bem conceituada entre aquelas que tratam da fé, da teologia e de temas do cotidiano das pessoas. Com orgulho, a Editora Sinodal também conta entre seus colaboradores com várias mulheres. Por exemplo, a psicóloga Roseli Kühnrich de Oliveira já lançou duas obras pela Sinodal. Roseli admite sua satisfação em ser autora da Sinodal, porque a considera “bem situada no mercado literário, com boa distribuição, bons autores e empenho para fazer chegar bons livros a seu público”. O fato de ser uma editora idônea e séria foi


Ilustradores também ocupam um espaço importante na Sinodal, que recorre a esses profissionais para ilustrar livros infantis e revistas, como O Amigo das Crianças e Novolhar

decisivo para convencê-la a publicar seu trabalho pela Sinodal. Porém nem todos os autores da Sinodal são de origem brasileira. A editora garimpa autores e autoras no estrangeiro, principalmente na Europa e na América Latina. Para publicar suas obras no Brasil, a Sinodal adquire os direitos das obras que lhe interessam junto a editoras estrangeiras e depois

a psicóloga roseli kühnrich de oliveira é uma das autoras.

contrata um tradutor ou tradutora para a versão portuguesa da obra. O papel do tradutor ou tradutora é de grande importância, pois chegam a ser encarados até como coautores de uma obra. Por fim, ilustradores também ocupam um espaço importante na Sinodal. Essa recorre com certa frequência a esses profissionais tanto para ilustrar livros infantis como para a revista Novolhar. Um dos mais antigos colaboradores é o cartunista Neltair Rebbes Abreu, conhecido como “Santiago”, que há sete anos mantém um espaço chamado “Olhar com Humor” na revista Novolhar. Santiago entende que pode parecer difícil fazer humor numa revista religiosa, mas ele admite que tem muita liberdade para trabalhar, evidentemente com alguns cuidados. Outro ilustrador da Sinodal já há cinco anos é João Soares, que faz ilustrações tanto para livros como para a revista. “A Editora Sinodal é uma grande família, e tenho muito orgulho em fazer parte de sua equipe de colaN boradores”, admite João. RUI BENDER é jornalista em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Nov/Dez 2012

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JOVENS

Um conselho que faz a diferença por Simone Voigt

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ivemos em uma sociedade recheada de siglas e abreviaturas. Na internet, no facebook e até na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) usamos siglas para “facilitar” a nossa linguagem. Os conselhos que assessoram o Conselho da Igreja e a Presidência da IECLB também são abreviados. O CONAJE é um deles. Mas o que significa CONAJE? O CONAJE é o Conselho Nacional da Juventude Evangélica, que é constituído por representantes jovens dos 18 sínodos da igreja luterana, além de cinco ministros e ministras que fazem a orientação teológica, uma representante da Secretaria-Geral e um representante jovem com defi­ ciência. Ele é um órgão assessor da direção da igreja. Em parceria e diálogo com a Secretaria-Geral da IECLB, é corresponsável pelo planejamento e execução das atividades relacionadas à juventude evangélica. O CONAJE é formado por jovens oriundos de contextos diferentes, com experiências, ideias, sonhos e desejos diversos, mas com uma missão em comum: ajudar a proclamar o evangelho de Jesus Cristo em palavras e ações; contribuir para o protagonismo da pessoa jovem na IECLB e na sociedade, respeitando a diversidade e as necessidades de cada indivíduo; oferecer subsídios aos sínodos e comu-

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nidades para as atividades com jovens e representar seus anseios diante dos órgãos deliberativos e executivos da administração da IECLB. O CONAJE é um conselho que reflete, propõe e executa tarefas, atividades e funções que visam fortalecer a igreja. O grupo quer ser visto como um conselho que faz diferença na vida dos jovens, na comunidade e na igreja. Os grandes desafios que o CONAJE percebe são o desenvolvimento e o reconhecimento do trabalho com jovens nas comunidades e o envolvimento deles nas comunidades para juntos construirem uma igreja de todas e para todas as pessoas. Na reunião que aconteceu no início de setembro, a nova gestão teve uma intensa programação. O grupo teve a oportunidade de visitar a sede nacional da IECLB e conversar com o pastor presidente Nestor Friedrich, com a diretoria do Conselho da Igreja e com a secretária-geral da IECLB, a diácona Ingrit Vogt. Para o CONAJE, essa aproximação abre as portas para um diálogo maior com a administração nacional da igreja. Ações concretas foram propostas. Uma delas é uma parceria com a Obra Gustavo Adolfo (OGA), visando potencializar a captação de recursos para desenvolver projetos sociais através da Ação Confirmandos 2013. Entre as diversas atividades tivemos oportunidade de reflexão e in-

tegração, avaliações, apresentação de relatórios de intercâmbio e integração com intercambistas. Destaca-se a eleição da nova coordenação do CONAJE, que tem como coordenador Rodolfo Fuchs, e os encaminhamentos para a participação dos jovens no próximo Concílio Geral da IECLB. A instalação da nova coordenação aconteceu na Comunidade São Borja em São Leopoldo (RS). Importante para os jovens é estar em comunidade e viver comunidade. Jovem por si só deseja pertencer a um grupo. Como ser humano, deseja receber amor e ser respeitado. Jovens ocupam espaços distintos na igreja, além dos próprios grupos de Juventude Evangélica. Esses espaços precisam ser fortalecidos e valorizados. O CONAJE é um grupo que estreitou laços e assumiu compromissos. Sem dúvida, pode-se afirmar que todas e todos se fortalecem pela palavra de Deus e pela comunhão e seguem renovados para atravessar “os rios Jordão” que encontrarem pelo caminho. Tudo isso acontece quando pessoas jovens estão conectad@s com Deus e conectad@s com outras pessoas. N

SIMONE VOIGT é diácona e atua na coordenação do trabalho com jovens e programas de intercâmbio na IECLB


Martha Regina Maas e Rodolfo Fuchs dos Santos (secretária e coordenador do CONAJE)

Divulgação Novolhar

“A juventude é alicerce fundamental de nossa igreja, e o CONAJE, como órgão representativo desse segmento, buscará cada vez mais contribuir nessa construção. Queremos estar efetivamente presentes tanto no que se refere à juventude em seu âmbito nacional, com a assessoria ao Conselho da Igreja, elaboração de materiais e organização de eventos, bem como na assistência às organizações de base, estando representado e atuando em todos os sínodos.”

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A diretoria do atual CONAJE durante o ato de instalação

“Nunca se falou tanto em protagonismo juvenil, pois todos sabem que os jovens possuem um potencial mobilizador e transformador na sociedade quando organizados e conscientes. O trabalho com jovens é muito importante para a igreja e precisa ser feito com empenho e muito apoio. Com os encontros, seminários de formação, atividades de lazer, celebrações, fóruns na internet e outros, jovens luteranos puderam se integrar, fortalecer sua fé, descobrir dons, fazer amizades e encontrar seu espaço na igreja de Jesus Cristo.” Alex Reblin, coordenador da JE no Sínodo Espírito Santo a Belém e professor na Associação Diacônica Luterana em Serra Pelada (ES)

Os representantes jovens que formam o CONAJE

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DESENVOLVIMENTO

Por mudanças duradouras por Angelique van Zeeland

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sse depoimento é da catadora Melita Lopes Nunes, de Novo Hamburgo (RS), que participou do projeto CATAFORTE, realizado pela Fundação Luterana de Diaconia (FLD) em parceria com o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), com apoio da Secretaria Nacional de Economia Solidária e da Fundação Banco do Brasil. Esse projeto formou 1.000 catadoras e catadores de materiais recicláveis e prestou assistência técnica a 33 associações e cooperativas de catadores no estado do Rio Grande do Sul.

A FLD é uma das organizações que ajudou na elaboração da concepção do desenvolvimento transformador, adotado pela Aliança ACT. ACT é uma aliança de mais de 130 organizações, baseadas na fé cristã, que trabalham em 140 países com desenvolvimento, defesa dos direitos humanos e ajuda humanitária e tem como missão o trabalho em conjunto para mudanças positivas e duradouras na vida de pessoas afetadas pela pobreza e injustiça. Na compreensão da ACT e da FLD, o significado de um desenvolvimento transformador origina-se na afirmação teológica de que todas as pessoas são criadas à imagem de Deus, com direito e capacidade de viver de forma justa, humana e digna em comunidades sustentáveis. Adotar uma estratégia de desenvolvimento transformador significa rejeitar qualquer condição, estrutura ou sistema que perpetue a pobreza, a injustiça, o abuso dos direitos humanos e a destruição do meio ambiente.

Representantes das entidades que compõem a Aliança ACT estiveram reunidos em consulta continental

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Mil catadores e catadoras, além de 33 entidades ligadas ao movim

Fotos: Arquivo FLD

Nunca tive palavras para con­versar com ninguém. Sempre trabalhei de cabeça baixa. Com vergonha. Mas, depois que começou o curso, eu falo com as pessoas, faço amigos, sou feliz. O retorno financeiro também aumentou. Estou ganhando 70% mais do que antes. E ainda vai melhorar, tenho certeza.

O trabalho da igreja luterana através do Conselho de Missão entre In

A concepção do desenvolvimento transformador pode ser demonstrada a partir da experiência da FLD. No período de 2000 a 2011, foram apoiados, por meio do Fundo de Projetos, 534 projetos nas áreas de direitos humanos, justiça socioambiental, justiça econômica, diaconia e emergências em todo o Brasil. Os principais critérios para o apoio são a elaboração e a gestão participativa do projeto com protagonismo do público envolvido. O depoimento dos jovens porto-ale­ grenses da organização “Circulando Informação e Arte Urbana” demonstra


das ao movimento, passaram pelo projeto CATAFORTE, da FLD

Missão entre Indígenas (COMIN) também tem o apoio da FLD

a importância da participação, do empoderamento, da promoção dos direitos humanos e da comunicação: “Circulamos com nossas ideias entre as comunidades, plantando a semente da cultura (...) a visão da ‘Circulando’ é que a arte é capaz de transformar vidas de forma positiva e restauradora, criando vínculos e facilitando o diálogo e o entendimento de temas polêmicos”. A importância do respeito às dimensões e práticas culturais e espirituais, a não discriminação e a promoção de relações justas, de paz e de reconciliação estão evidentes no trabalho do Conselho de Missão entre Indígenas (COMIN), em que o diálogo intercultural e inter-religioso entre comunidades indígenas e comunidades luteranas é um dos temas presentes em todos os projetos. A oficina de avaliação participativa em 2009 foi realizada junto ao povo indígena Xokleng e com a participação de membros da comunidade luterana. Como resultados foram mencionados a organização das associações indígenas, a participação efetiva das mulheres e as atividades de etnossustentabilidade. Esse processo resultou na implementação de vários projetos com a participação dos povos indígenas e da comunidade

luterana, tais como hortas comunitárias de cultivo de frutas e verduras de forma ecológica e produção de sacolas ecológicas produzidas pelos indígenas e comercializadas de forma solidária junto à comunidade luterana. Fortalecer laços entre grupos de economia solidária e comunidades luteranas também é o objetivo do projeto Rede de Comércio Justo e Solidário: Entrelaçando Comunidades, desenvolvido pela FLD. O apoio continuado da FLD à organização dos catadores de materiais recicláveis e à incidência em políticas públicas resultou em novas formas de gestão de resíduos sólidos de forma comunitária e compartilhada entre cooperativas e gestores públicos municipais. “Estamos mostrando um novo modelo de coleta seletiva, que é solidário e tem a participação dos catadores. Chegar aqui é uma vitória”, admitiu o catador Cassius Vinicius Crivello de Oliveira, de Gravataí (RS). Isso mostra o impacto de projetos de desenvolvimento transformador. N ANGELIQUE VAN ZEELAND é assessora de projetos da Fundação Luterana de Diaconia, membro do Grupo de Assessoria para Políticas e Práticas de Desenvolvimento da Aliança ACT em Porto Alegre (RS)

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testemunhos

J

esus, o filho de minha filha, nasceu em janeiro, aqui em Nazaré. Na noite em que ele nasceu, tínhamos visita de homens do Oriente. Eram persas que iam para Esdralon, que se juntaram às caravanas dos midianitas a caminho do Egito. Como não encontraram quartos na hospedaria, pediram hospedagem em nossa casa. Dei-lhes as boas-vindas e disse: “Minha filha presenteou seu filho com a vida. Por isso desculpem se não me dedico com atenção total às obrigações de uma anfitriã”. Eles agradeceram a acolhida. Após o jantar, disseram: “Gostaríamos muito de ver o recém-nascido”. O filho de Maria era extraordinariamente bonito, e também ela era graciosa. Quando os persas viram Maria e seu filho, tiraram ouro e prata de suas bolsas, também mirra e incenso, e colocaram tudo aos pés da criança. Então caíram de joelhos e oraram em sua língua, que nós não entendíamos. Quando os levei ao aposento que havia arrumado para eles, senti que estavam imbuídos de uma admiração reverente. Saíram cedo pela manhã para seguir com a caravana. Na despedida, disseram para mim: “A criança tem apenas um dia de vida, mas nós vimos a luz de nosso Deus em seus olhos e o sorriso de nosso Deus em seus lábios. Pedimos que cuidem bem dela, para que ela proteja todos vocês”. Depois subiram em seus camelos e foram embora; nunca mais os vimos. Maria sentia por seu primogênito muito mais admiração e deslumbramento do que alegria e felicidade. Podia ficar longo tempo olhando para a criança, depois, pela janela, olhava

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Arte: Roberto Soares

Ana, mãe de Maria

para o céu, como se estivesse tendo visões. E, então, extensos vales jaziam entre o coração dela e o meu. O garoto cresceu em tamanho e em espírito. Era diferente dos outros meninos. Amava o recolhimento, era teimoso e não deixava que eu o instruísse. Mas todos em Nazaré o amavam, e meu coração sabia por quê. Muitas vezes, pegava da nossa comida e repartia entre os transeuntes ou presenteava as crianças com doces, que ele ganhara de mim, mesmo sem antes experimentá-los. Subia nas árvores frutíferas do meu jardim, mas os frutos que colhia nunca eram para si mesmo. Quando apostava corrida com outros jovens e notava que tinha certa vantagem, diminuía a velocidade de propósito, para que os outros pudessem ganhar. Algumas vezes, quando eu o colocava para dormir, ele dizia: “Diga à minha mãe e aos outros que apenas meu corpo está descansando; que em espírito estarei com eles até que o espírito deles toque minha manhã”.

Dizia muitas palavras estranhas como essas quando ainda era um jovem, mas, como estou velha, não consigo me lembrar de todas. E agora me dizem que nunca mais o verei. Mas como posso acreditar no que dizem? Ainda escuto sua gargalhada e seus passos quando corria ao redor da casa. Sempre quando beijo a face de minha filha, seu perfume entra em meu coração, e sinto como se estivesse abraçando ele de novo. Não estranho que minha filha não converse comigo sobre seu primogênito. Às vezes, tenho a impressão de que minha saudade é maior do que a dela. Ela mantém-se ereta como uma estátua de bronze, enquanto meu coração se derrete e se esvai como se fosse um regato. Talvez ela saiba de algo que eu não sei. Desejo muito que ela confie em mim e compartilhe comigo seu segredo. N Fonte: KHALIL GIBRAN – autor do livro “Jesus – Filho do Homem” – Editora Sinodal


IGREJAS

Ecumenismo já! Voltados a dois eventos marcantes da história, políticos, desportistas, cientistas, economistas, agentes culturais e religiosos da Alemanha lançaram em setembro o movimento “Ökumene Jetzt!” (Ecumenismo Já!), exigindo mais ações voltadas ao restabelecimento da unidade.

N

ão podemos e não devemos abandonar o empenho pela unidade de toda a igreja até que seja alcançado entre as lideranças eclesiásticas um acordo teológico sobre o modo de entender a missão e a Ceia do Senhor. E também não devemos nos contentar em ter como meta o fato de que as igrejas se reconheçam reciprocamente como igrejas, diz o manifesto “Ecumenismo Agora: um só Deus, uma só fé, uma Igreja”.

Em 2017, a Alemanha festejará os 500 anos da Reforma luterana e, em 2015, serão lembrados os 50 anos do Concílio Vaticano II, que foi convocado visando a uma renovação pastoral e ecumênica da Igreja Católica. Os dois eventos não se reportam apenas a uma denominação, mas são um desafio e uma oportunidade para todas as igrejas. Por isso o grupo que deslanchou o movimento “Ökumene Jetzt!” – “Ecumenismo Já!” – pro-

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PERSONALIDADES: Entre os apoiadores está o ex-presidente alemão Richard von Weizsäcker (D)

meteu envolver-se na preparação das duas datas e “fazer de tudo para que, depois dos jubileus, não permaneça tudo como antes”. O grupo destaca que a busca da unidade não cabe apenas a pastores, mas principalmente aos fiéis, que são chamados a essa tarefa. “Hoje, a divisão das igrejas não é fundamentada nem desejada politicamente”, assinala. Uma superação da divisão entre as igrejas não é possível sem um sólido acordo teológico, reagiu o presidente da Conferência Episcopal alemã, arcebispo Robert Zollitsch, segundo o sítio religion.orf.at. O vice-presidente da Igreja Evangélica da Alemanha (EKD), teólogo Thies Gundlach, lembrou que ainda subsistem diferenças entre católicos e protestantes no modo de entender a fé. Em entrevista à repórter Britta Baas, do sítio publik-forum.de, o pastor evangélico Christian Führer, 69 anos, hoje no comitê diretivo da fundação Friedliche Revolution (Revolução Pacífica), disse que o movimento Ecumenismo Já! quer despertar inquietação. O movimento retoma, assinalou, o que grupos de reforma de base nas igrejas já disseram milhares de vezes e nada aconteceu. “Se a base das comunidades católicas e evangélicas colaborar, ela poderá efetivamente provocar alguma coisa ‘lá em cima’ (na hierarquia)”, provocou Führer. Ele espera que justamente aqueles líderes eclesiásticos que raramente escutam a base, “mas que ouvem as personalidades, comecem agora a se inquietar”. Não faltam personalidades que já aderiram à proposta do Ecumenismo Já, entre elas Richard von Weizsäcker, presidente da República Federal da N Alemanha de 1984 a 1994. Fonte: www.alcnoticias.net NOVOLHAR.COM.BR –> Nov/Dez 2012

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MULHER

RETRATOS

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Bênção a todas as mulheres

por Claudete Beise Ulrich Que a bênção de Deus venha sobre nós mulheres (e também crianças, jovens e homens) para que tenhamos a coragem das profetisas e dos profetas para denunciar todo tipo de violência, principalmente aquela escondida atrás das quatro paredes de nossas casas. Que a bênção de Deus venha sobre nós mulheres (e também crianças, jovens e homens) para que nós mulheres não nos calemos quando somos vítimas de violência, seja física, psicológica, moral, sexual... no trabalho, na rua, em casa, na igreja, em qualquer lugar. Que a bênção de Deus venha sobre nós mulheres (e também crianças, jovens e homens) para que possamos bem alto e forte dizer Não! Contra tudo aquilo que destrói a vida em abundância.

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Que a bênção de Deus venha sobre nós mulheres (e também crianças, jovens e homens) para que já, aqui e agora, busquemos um mundo de paz e justiça. Que a bênção do Deus da vida venha sobre nós mulheres (e também crianças, jovens e homens) para que possamos consolar onde existem dor e sofrimento e consigamos apontar novos caminhos... onde for necessário mudar de direção. Que a bênção de Deus venha sobre nós mulheres (e também crianças, jovens e homens) para que possamos aprender de Jesus, o crucificado e ressuscitado, que ensinou e vivenciou a sabedoria do amor, rejeitando qualquer tipo de violência. Que a bênção de Deus venha sobre nós mulheres (e também crianças, jovens e homens) para que possamos crer que o Espírito Santo de Deus sopra sobre nós seu Espírito de liberdade e vida. Que as bênçãos de Deus venham sobre nós mulheres (e também crianças, jovens e homens) para que apresentemos nossos corpos como templos da morada viva de Deus e tenhamos coragem de transformar a realidade que nos cerca. Deus quer nos libertar do sofrimento, da violência e renovar toda a sua criação com justiça e paz. Que a vida toda seja uma bênção! Amém. N

CLAUDETE BEISE ULRICH é teóloga, coordenadora de estudos na Academia de Missão na Universidade de Hamburgo, Alemanha

Profetisas na hora certa por Nelson Kilpp

Q

uando lemos o Antigo Testamento, deparamos quase que exclusivamente com profetas homens. Nomes como Isaías, Jeremias e Daniel são bastante familiares. Menos conhecidas são as mulheres profetisas. Não há livro profético com nome de mulher. Mas, no antigo Israel, também havia profetisas. Elas estão meio escondidas. Algumas aparecem em textos narrativos: Miriã (Êxodo 15.20), Débora (Juízes 4.4), Hulda (2 Reis 22.14), a esposa de Isaías (Isaías 8.3), Noadia (Neemias 6.14) e, mais tarde, Ana (Lucas 2.36). Certamente havia bem mais do que essas, mas delas lamentavelmente não se guardou memória. Falaremos de duas delas: Hulda e Noadia. No ano de 622 a.C., quando o templo de Jerusalém estava passando por uma reforma, foi encontrado um livro com conteúdo ameaçador. O livro foi levado ao rei Josias e lido em sua presença. Após a leitura, o rei rasgou suas vestes em sinal de arrependimento. Apesar de não conhecermos o livro – muitos o identificam com Deuteronômio –, pela reação do rei e pela sequência da narrativa pode-se deduzir que ele anunciava a destruição da cidade caso não houvesse arrependimento e mudança de vida.


Arte: João Soares

Por ter um conteúdo tão sério, o rei mandou consultar Deus, a fim de verificar a autenticidade do livro. Uma delegação, da qual participavam duas das mais importantes pessoas do reino, o sacerdote Hilquias e o escrivão Safã, foi então consultar a profetisa Hulda (2 Reis 22.8-14). Hulda era esposa de Salum, o roupeiro do rei, e residia na cidade baixa, um bairro popular construído originalmente para abrigar refugiados e onde moravam os artesãos e os pequenos comerciantes. Talvez por ser mais acessível ou mais conhecida, a escolha recaiu sobre Hulda e não sobre o profeta Jeremias, que viveu na mesma época. O texto mostra que era algo normal consultar, também em casos de urgência política, mulheres profetisas. E Hulda estava no lugar certo na hora certa. Ao confirmar a autenticidade do livro achado no templo, ela colocou em movimento uma reforma política e religiosa sem precedentes: a regularização do culto e a unidade do povo em torno da reconstrução do país sob leis justas e humanitárias (2 Reis 23).

Quase duzentos anos mais tarde, em torno de 440 a.C., o governador Neemias comandou a reconstrução da muralha de Jerusalém, destruída há mais de cem anos. Era um projeto apoiado pelo império persa para dar mais segurança e privilégios a uma parte da população de Judá (Neemias 1). O projeto em si não era ruim. Mas havia dois problemas. Em primeiro lugar, o povo simples, além de ter que pagar impostos e produzir para o sustento da família, era ainda obrigado a trabalhar pesado para erguer a muralha. Isso era um problema. Além disso, a política de Neemias privilegiava somente judeus comprovadamente “puros”, que não se haviam “misturado” com gente não judia. Aliás, os moradores de Judá anteriores aos judeus que voltaram do exílio para a sua terra eram considerados “estrangeiros” ou “samaritanos” (Neemias 10.31s; 13.1-3,23-27) e, portanto, sem direitos. Muitos não concordaram com essa atitude excludente de Neemias. Em especial as mulheres protestaram, pois muitas delas seriam expulsas de casa (Esdras 10). Também a profetisa Noadia denunciou esse projeto (Neemias 6.14).

Não se preservou nenhuma profecia de Noadia. Somente sabemos que ela liderava um grupo de profetas que ousou colocar-se contra o projeto elitista e exclusivista de Neemias. Com sua pressão conseguiram atemorizar o governador persa. Não sabemos se a reforma de Neemias (capítulo 5) foi influenciada por Noadia e seu grupo nem se Neemias tornou-se menos rígido após sua pressão. Sabemos somente que uma mulher usou seu dom profético para enfrentar o poderoso governo persa e protestar contra uma política considerada injusta. Duas profetisas em contextos distintos. Cada uma no lugar certo para, na hora certa, pronunciar a vontade de Deus. N NELSON KILPP é especialista em Antigo Testamento, ministro da IECLB, residindo em Kassel, na Alemanha


CONTO

Uma história de Natal

A

encenação do teatro de Natal, formando o presépio, sempre foi um acontecimento importante naquela comunidade. Não foi diferente no Natal daquele ano. Como de costume, a igreja estava lotada. Todos estavam curiosos para ver o que as crianças do Culto Infantil apresentariam. Elas haviam ensaiado durante algumas semanas. Os pais e as mães das crianças também estavam ansiosos para ver se o filho se sairia bem na parte que lhe caberia fazer. A expectativa do presépio, barbas, cajados, coroas, coro de anjos e muitas vozes infantis. Entre as crianças estava Walter. Tinha dez anos. Ele sempre teve dificuldades para aprender e decorar as falas que lhe cabiam. Naquele ano, ele queria ser José, mas como esse personagem precisava decorar muito texto, a orientadora preferiu dar-lhe o papel de dono da hospedaria. O teatro começou. O silêncio tomou conta do ambiente. Chegou o momento no qual José e Maria apareceram em cena. Foram até a porta da primeira hospedaria. José bateu bem forte na porta de madeira. Walter era o hospedeiro e estava parado atrás da porta, esperando, trêmulo e nervoso, o momento de entrar em cena. Walter abriu a porta e bruscamente perguntou: “O que vocês querem?”

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José, com expressão de desânimo ao lado de Maria, que aparentava cansaço, disse: “Nós procuramos um alojamento”. Walter lançou um olhar fixo para a frente com seus grandes olhos verdes e falou com voz firme: “Procurem outro lugar”. Fez uma pausa e continuou com insegurança: “A hospedaria está cheia”. José insistiu: “Senhor, nós procuramos por toda a parte em vão. Nós viemos de longe e estamos muito cansados”. Walter, com olhar severo, disse: “Nesta hospedaria não há lugar para vocês”. José retrucou: “Por favor, senhor, esta é a minha esposa: Maria. Ela está grávida e precisa de um lugar para descansar. Certamente o senhor tem um cantinho para ela. Ela está muito cansada. Está grávida, e o nosso filho está prestes a nascer”. Então, pela primeira vez, desfez-se o olhar severo de Walter. Ele olhou para Maria com olhar carinhoso e emocionado. Seguiu-se uma longa pausa, tão longa que os espectadores já começaram a sentir-se constrangidos, pensando que Walter havia esquecido o que deveria dizer naquela parte da cena. Walter estava imóvel, observando Maria e José. De repente, ele falou alto e forte: “Não há lugar. Saiam daqui”. Desolado, José abraçou Maria, e ela descansou a cabeça sobre o ombro de seu marido, ajeitou

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por Eloir E. Weber

Naquele ano, a peça teatral foi especial, porque a comunidade conseguiu viver a emoção do Natal. a barriga, que estava enorme, e começaram a seguir seu caminho. Mas o hospedeiro não voltou para dentro de sua hospedaria. Walter ficou parado na soleira da porta, acompanhando com seu olhar aquele casal entregue à própria sorte. De boca aberta, com a testa franzida de preocupação, sem se mexer, ali estava parado o pequeno Walter. Podiam-se ver claramente lágrimas


escorrendo de seus olhos. Ele estava muito emocionado. De repente, aquela apresentação do presépio ficou diferente de todas as anteriores. Surpreendendo todos, Walter gritou: “Fica aqui, José. Traz a Maria novamente para cá. Vocês podem ficar no meu quarto; é o melhor lugar da casa. Eu vou dormir no sofá da sala”. Seu rosto abriu um largo e sincero sorriso. Algumas poucas pessoas daquela comunidade acharam que Walter havia estragado a apresentação. Entretanto, muitas outras disseram que foi a melhor e mais emocionante apresentação de Natal que já tinham visto. Naquele ano, a peça teatral foi especial, porque a comunidade conseguiu viver a emoção do Natal. Aprendeu que o mais importante não é aquilo que está escrito no papel, mas aquilo que as pessoas têm no coração: os sentimentos, as emoções. Mas aprendeu, acima de tudo, que em todas as situações é preciso colocar Jesus no melhor lugar de sua vida, porque ele deu o melhor de si para N nós: sua vida. ELOIR E. WEBER é teólogo e ministro da IECLB em Porto Alegre (RS)

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REFLEXÃO

Valorize o Advento! por Fernanda Pagung Reinke

L

uzes, estrelas, guirlandas, pinheiros, bolas grandes e pequenas, coloridas, prateadas e douradas, a doce e suave melodia das canções... Aos poucos, as casas, as ruas, os estabelecimentos e as vitrines das lojas, os espaços celebrativos das comunidades vão se transformando com a ornamentação, os adereços e as músicas que vão entrando em cena na época de Advento. Um clima diferente vai se instaurando no ar. E quanta coisa para organizar e preparar! A faxina, a arrumação da casa, os pacotes de doces para as crianças, os presentes e as mensagens para a família e os amigos, as roupas e os calçados novos, a viagem, as compras e os afazeres para a ceia... São dias agitados, de muito corre-corre. Mas será que é somente para isso que existe a época de Advento? Ainda valorizamos esse tempo como cristãos e cristãs? A cada ano, parece que o tempo de Advento está tendo menos importância na vida das pessoas e tornando-se meramente quatro semanas que antecedem a tradicional festa do Natal. A preocupação em deixar tudo bonito e organizado para a noite natalina e não esquecer ninguém da lista dos presentes parece estar ganhando mais espaço e atenção do que viver realmente o sentido do Advento. O som das propagandas chamando às compras vai invadindo os

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ouvidos e tenta inibir o som da voz de João Batista: “Arrependam-se dos seus pecados [...] que Deus perdoará vocês” (Marcos 1.4). Essa voz transmite a mensagem do próprio Deus. Ela é incisiva e a oferta preciosa: estar em paz e ser abraçado com o amor de Deus. Muitas vezes, vamos vivendo como se fôssemos autossuficientes, vacilamos, fraquejamos na fé, fazemos escolhas erradas. Falhamos no convívio uns com os outros e tornamo-nos insensíveis aos problemas e dificuldades daqueles que estão à nossa volta. Por isso João Batista não se cala e coloca-nos em ação: “Preparem o caminho para o Senhor passar!” (Marcos 1.3). João Batista deixa claro que o caminho não está preparado, pois existem o deserto da falta de perdão, os vales dos conflitos e das crises, os caminhos tortos das injustiças e decepções e as estradas esburacadas das tribulações, tragédias e inimizades existentes e vividas, que geram lágrimas, causam dor, desunião, sofrimento, desalento e morte. Os preparativos para o Natal ganham outro sentido quando também preparamos, na época de Advento, a nossa vida, o nosso coração para o Natal. Quando olhamos para trás e para o presente, avaliamos como estão os relacionamentos e as atitudes,

valorizar o tempo de advento é ouvir a voz de joão batista: “preparem o caminho para o senhor passar!”


Alicja Stolarczyk

a coerência entre o falar e o agir, a compreensão e a sensibilidade. Advento é tempo de ouvir a voz de João Batista, de ornamentar também a vida de nossos irmãos e irmãs com paz, perdão, esperança, abraços e sorrisos sinceros, amor e solidariedade e deixar tudo preparado na vida pessoal, na vida familiar, comunitária e social para receber o Deus Menino, que está para chegar. Valorize esse tempo abençoado que Deus nos concede para reatar laços, mudar de atitude, repensar nosso jeito de agir e relacionar-nos com as pessoas e com o próprio Deus e viver de verdade o Natal. Viva a época de Advento em sua intensidade! Oxalá o Advento faça parte de seus preparativos natalinos para que assim mais e mais pessoas tenham Natal, como você e eu. Pois Natal não é regalia de alguns. Natal é para todos. Natal não é tradição. Natal é vivência cristã. Natal não é utopia. Natal é uma realidade a ser experimentada e compartilhada, onde “todos verão a salvação que Deus dá” (Lucas 3.6). N FERNANDA PAGUNG REINKE é teóloga e ministra da IECLB em Laranja da Terra (ES)

Em 2012 pense

GRÁFICA EDITORA

imprimindo inovação

Uma boa impressão é uma coisa de pele.

www.graficapallotti.com.br www.facebook.com/graficapallotti pallotti@pallotti.com.br NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2012

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ESPIRITUALIDADE

O encanto das luzes

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dvento, Natal, fim de ano e início de um novo ano são épocas muito especiais na vida das pessoas. As festividades nessas épocas já se tornaram tão tradicionais, que elas acabam mexendo com todas as pessoas, independentemente de sua fé. E, entre diversos tipos de festividades, aquelas que celebram as luzes ganham especial destaque – talvez por nossas necessidades pessoais, familiares e/ou sociais, talvez pela esperança que constantemente renasce nessa época ou quiçá porque elas lembram o astro maior. Não há como negar o encanto dessa época, passando pela limpeza de nossas residências, pelas decorações natalinas e especialmente pelas luzes. Muitas pessoas enfeitam suas casas como sinal de preparação para aquilo que está por vir. Querem com isso demonstrar a acolhida, o aconchego, o estar aberto ao novo e ao inusitado que vem. Onde há escuridão em nossos relacionamentos e em nossas vidas, as luzes pretendem iluminar e trazer um novo sentido para todos. Como pessoas cristãs, esses festejos nos fazem lembrar o nascimento de Jesus Cristo, nosso Salvador. Ele veio para dar sentido e, assim, iluminar a vida das pessoas. Com a lembrança do seu nascimento, lembramos de sua missão e daquilo que Deus faz por nós. Tudo isso transmite bem-estar, tranquilidade, alegria. E as luzes simbolizam

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os turistas querem visitar gramado e canela para ver o brilho natalino. Em Joinville, a comunidade faz um natal dos sonhos sem exageros.

DÉCIO SAFT é teólogo e ministro da IECLB em Gramado (RS)

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por Décio Oscar Saft

acaba restringindo e selecionando o público. Mas há, ao mesmo tempo, muito trabalho, dedicação e entusiasmo. Poder apresentar algo que mexe com as emoções das pessoas traz uma grande satisfação. Milhares de pessoas encantam-se com o que aqui encontram e planejam voltar novamente. O clima propício e as atrações satisfazem diferentes gostos. A diversidade ajuda, mas peca na falta de conteúdo para aquelas pessoas mais exigentes. Meu testemunho pessoal é que as luzes são, sim, um importante meio de comunicação, de encanto e de aconchego. Elas nos ajudam a meditar e a buscar o bem maior. Simbolizam muito bem o amor encarnado de Deus em Jesus Cristo. Simples e humilde, mas com capacidade para iluminar e dar sentido a toda a nossa existência. N

muito bem esse clima; elas são um importante componente nesse processo. Além de iluminar, elas refletem algo bom, especial. A Região das Hortênsias na Serra gaúcha aposta e também investe muito em turismo. Os profissionais da área turística sabem aproveitar essa época em que as emoções estão em alta para vender seu produto. O clima (que lembra o europeu), as belezas naturais, o artesanato, a hospitalidade, as ruas e casas enfeitadas, a organização, a diversidade de atrações e as luzes comovem aqueles que por aqui passam. Não há como não se envolver com tudo isso. Alguns eventos mexem com o imaginário das pessoas, despertam lembranças e emoções. Outros sensibilizam pela beleza, pela forma e pelo conteúdo. Há também aqueles que trabalham o lúdico das pessoas. Crianças, jovens, adultos e idosos podem ser sensibilizados. Há críticas sim, especialmente pelo conteúdo de algumas apresentações, pela falta de critérios e também pelo forte apelo comercial. O valor cobrado pelos ingressos


Natal dos sonhos por Inácio Lemke

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uita gente já se acostumou com o colorido que encontramos no período de outubro a início de janeiro, que enfeita lojas, shoppings, ruas e praças das cidades. Destaque especial para as renas puxando trenós, Branca de Neve e seus anões, gnomos, árvores de garrafas pet e papais-noéis de todos os tamanhos. O papai-noel é bem gorducho, que cada vez mais costuma vir de helicóptero e, dependendo do caso, padre e pastor inclusive podem pegar carona com esse lendário velhinho. E para refrescar, ou para esquentar ainda mais o clima tropical, tem até máquina de fazer neve ilusória.

Mas que festa alienante é essa? É festa religiosa! É a maior festa do comércio do mundo ocidental. É Natal! Natal com seus jingles comerciais próprios, arrombando toda e qualquer barreira de conceito e preconceito. É uma festa bem distante dos tradicionais valores e costumes que conhecemos através da história, que teve suas origens no tempo dos evangelhos. Donde conhecemos a história de Maria e José, que não encontraram sequer uma pousada na cidade para dar à luz o menino Jesus. Restou-lhes apenas um espaço no meio dos animais na estrebaria. Foi com a memória do Natal dos evangelhos que um grupo bem eclético preocupou-se em Joinville (SC). Lá estávamos nós ao redor de uma mesa

na sede sinodal: pastores de diferentes igrejas evangélicas, padres, bispo e algumas lideranças comunitárias. Todos observavam e reclamavam da perda das boas “tradições natalinas”. O que fazer? Vamos continuar assistindo a mais um Natal ditado e dominado pelo comércio ou vamos propor alternativas? Eis que surge a ideia de convidar mais pessoas, que possivelmente podem cooperar na recuperação do espaço perdido. Marcamos uma nova reunião no mesmo local, e coube-me a tarefa de convidar e articular mais lideranças. Assim conseguimos agregar ao grupo o prefeito, acompanhado das secretárias de Cultura e Turismo; o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas e secretarias. Nosso desejo era recuperar os valores do Natal desde os enfeites e apresentações. Constituiu-se uma comissão organizadora do Natal dos Sonhos, que cuidava da ornamentação de ruas e praças dentro da simbologia natalina cristã. Uma das praças ficou reservada para o Natal dos Sonhos durante todo o tempo de Advento até o Domingo de Epifania. Todas as tardes, corais e grupos de canto das diferentes igrejas podiam apresentar-se e deixar suas mensagens. Também foi organizado o Concurso de Presépios de Joinville nas categorias residencial, comércio (supermercado/shopping e lojas de grande porte) e igrejas. E foram classificados como vencedores aqueles presépios que apresentavam símbolos cristãos. Esse foi o Natal dos Sonhos em Joinville em 2011. E vamos continuar unindo forças com diferentes lideranças para viver o Natal do Emanuel. Queremos respirar o Natal em todas as praças, ruas e bairros com símbolos que expressam o nascimento do N Menino Jesus. INÁCIO LEMKE é pastor sinodal do Sínodo Norte Catarinense da IECLB, com sede em Joinville (SC) NOVOLHAR.COM.BR –> Nov/Dez 2012

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penúltima palavra

Cadê o pai? por Alda Pinto Menine

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Nov/Dez 2012 –> NOVOLHAR.COM.BR

A ausência da figura masculina no cuidado e na educação dos filhos é dada como normal e explicável, inclusive pelas mulheres

como normal e explicável, inclusive pelas mulheres. Nesse aspecto, percebe-se a força da cultura tradicional, evidenciando o peso dado às atribuições históricas que o homem assumiu, como, por exemplo, prover economicamente a família. Ou seja, a questão apresentada incide na concepção uníssona da sociedade dominante de que a mulher detém a função de cuidar dos filhos – uma visão maternal –, enquanto o homem tem a função de ser o provedor da manutenção do grupo familiar. Por razões pouco explicáveis, acredita-se que o homem seja incapaz de cuidar dos filhos. Ao contrário do que se pensa comumente, homens não são incompetentes – eles não nascem sabendo, assim como a mulher não sabe e aprende. Muitos deles podem ser ótimos cuidadores de suas crianças. A participação da mulher, no entanto, é vista como essencial e obrigatória. Inaceitável é sua ausência. A força da cultura conservadora

Alice Konieczna

E

ducadores, psicólogos e terapeutas ressaltam a importância das relações familiares, valorizando a presença do pai e da mãe junto a seus filhos. Essa presença é uma forma para assegurar o crescimento saudável da criança e do adolescente. Ou seja, a participação dos dois – pai e mãe – concorre para que a criança cresça com mais confiança ante as dificuldades inerentes da vida e para que o jovem tenha nos pais companheiros que o orientem na fase conturbada da adolescência. Na maioria dos lares, percebe-se a ausência do pai nos afazeres da casa, nos cuidados com crianças pequenas e no apoio pessoal a adolescentes em risco ou em conflito com a lei. Pesquisa realizada nas unidades de internação da Fundação de Atendimento Socioeducativo (FASE), buscando saber qual familiar visita filho em cumprimento de medida socioeducativa de internação, revelou que, em primeiro lugar, o familiar mais presente é a avó; em segundo lugar, são a mãe e a namorada, sendo o pai a figura mais difícil de frequentar a unidade com a finalidade de visitar um filho ou uma filha. Tratar de assuntos relacionados à família é missão da mulher, que assume responsabilidades e atribuições e encontra-se mais perto dos filhos, sendo, em geral, a mais lembrada. A ausência da figura masculina é dada

mostra-se contundente, conferindo culpa quase absoluta à mãe quando os filhos são desprotegidos ou incidem em ações criminosas. Em reuniões de associações de bairro, das escolas ou da comunidade, o número de mulheres, além de ser mais significativo, é mais participativo, sendo a voz feminina a mais ouvida. Vale dizer que a figura masculina mostra-se presente nas relações de poder, como, por exemplo, nos cargos de chefia, presidências e diretorias diversas. Quando se fala em gênero, por consequência, aborda-se a relação hierárquica historicamente persistente entre homens e mulheres; algo relacionado aos interesses de domínio ou poder, que é visível e que decorre do aspecto cultural, fortemente sexista. Não podemos também deixar de considerar importantes avanços na relação mais N linear entre os gêneros. ALDA PINTO MENINE é advogada do PROAME (Programa de Apoio a Meninos e Meninas) em São Leopoldo (RS)




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