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Tema do ano Sob o mesmo guarda-chuva Sonho com um mundo melhor Compromisso participativo Prioridades urbanas Acolhida e partilha Rodapé histórico
ÍNDICE
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comportamento Férias: a ordem é relaxar
Ano 11 –> Número 49 –> Janeiro/Fevereiro de 2013
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Templos especiais
O bem precioso do voluntariado
HISTÓRIA
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SERVIÇO
ECUMENISMO
Paz justa para todos – Israel e Palestina
SEÇÕES OLHAR COM HUMOR > 6 MOSAICO BÍBLICO > 6 NOTAS ECUMÊNICAS > 7
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MINISTÉRIO FEMININO 30 anos na IECLB
22
TESTEMUNHOS > 32 O REFORMADOR > 34
história
REFLEXÃO > 38
Peter Lund, um luterano nas Minas Gerais
ESPIRITUALIDADE > 40 PENÚLTIMA PALAVRA > 42 NOVOLHAR.COM.BR –> Jan/Fev 2013
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AO LEITOR Revista bimestral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB, editada e distribuída pela Editora Sinodal CNPJ 09278990/0002-80 ISSN 1679-9052
Diretor Nestor Paulo Friedrich Coordenador Eloy Teckemeier Redator João Artur Müller da Silva Editor Clovis Horst Lindner Jornalista responsável Eloy Teckemeier (Reg. Prof. 11.408) Conselho editorial Clovis Horst Lindner, Doris Helena Schaun Gerber, Eloy Teckemeier, Ingelore Starke Koch, João Artur Müller da Silva, Marcelo Schneider, Nestor Paulo Friedrich, Olga Farina e Vera Regina Waskow. Arte e diagramação Clovis Horst Lindner Criação e tratamento de imagens Mythos Comunicação - Blumenau/SC Capa Arte: Diego Oliveira Impressão Gráfica e Editora Pallotti Colaboradores desta edição Alfredo Jorge Hagsma, Almiro Wilbert, Carine Fernandes, Cledes Markus, Dari Jair Appelt, Geraldo Graf, Guilherme Lieven, Leandro Hofstaetter, Leonardo Boff, Maria Dirlane Witt, Mariane Noely Bail da Cruz, Nádia Mara Dal Castel de Oliveira, Rafael Soares de Oliveira, Roberto Soares, Rui Bender, Santiago, Suzel Tunes, Vera Nunes e Vera Regina Waskow.
Publicidade Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: editora@editorasinodal.com.br Assinaturas Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br www.novolhar.com.br Assinatura anual: R$ 30,00 Correspondência E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br Rua Amadeo Rossi, 467 93030-220 São Leopoldo/RS
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Três décadas de temas anuais
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nvolver todos os grupos de estudo, as comunidades e as paróquias, os setores de trabalho, os 18 sínodos e a própria liderança da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no BrasilIECLB no debate de um tema comum a cada ano já virou tradição. Todos esperam por isso, e pode-se classificar essa iniciativa, que já tem 33 anos de prática ininterrupta, de um dos maiores sucessos estratégicos em plena atividade dentro da IECLB. Além de provocar a criatividade e a reflexão em todos os níveis da IECLB, a elaboração e o debate comum de um tema anual tem trazido resultados palpáveis na aproximação e na integração das diferentes correntes em que essa igreja se divide, promovendo diversidade com unidade. Na trajetória de três décadas de debates não faltaram temas atuais e até polêmicos. A realidade brasileira foi confrontada com a perspicácia teológica dos luteranos em debates quentes em torno da questão da terra, da fome, da educação ou da construção da paz com justiça. Nem mesmo a autocrítica, na pergunta pelo tipo de igreja que a IECLB pretende ser, foi contornada. Mas também não faltaram temas voltados para a vida de fé e o testemunho missionário da igreja e das comunidades. Entre eles, a preocupação em tornar o espaço eclesiástico mais agradável e aconchegante, em temas como “Aqui você tem lugar”, ou em melhor cumprir os desafios missionários de uma igreja protestante que surgiu a partir da imigração. Na presente edição, a Novolhar apresenta cinco artigos sobre a temática que move a IECLB ao longo do ano de 2013. Ser, participar, testemunhar. Eu vivo comunidade é uma abordagem que reflete o envolvimento e o comprometimento de todos com o papel da Igreja de Jesus Cristo no mundo. Mais do que caminhar em direção à cruz, o objetivo é caminhar sob a cruz como igreja num mundo de pessoas carentes, decepcionadas e quase sempre perdidas no emaranhado de opções religiosas de um meio que aprendeu, com todos os vícios inerentes, como comportar-se numa sociedade de consumo exacerbado. A vida em comunidade cria espaços de exercício da fé e de despertamento para o testemunho. Sinta-se envolvido nesse debate e acolhido para viver comunidade. Equipe da Novolhar
opinião
Novolhar número 50
Luterprev chega a 100 milhões de reais em ativos
por Clovis Horst Lindner
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m dezembro de 2003, a Editora Sinodal lançava a primeira edição da nossa revista (capa ao lado). Nascia ali, sob o signo da esperança, uma revista em busca de um novo olhar sobre sinais que dessem mostra de que se pode sonhar com um mundo melhor, mais justo e solidário. Nosso objetivo foi demonstrar que é possível lançar as sementes dele. Na próxima edição, que circula em março/abril, a Novolhar chega à sua quinquagésima edição. Com ela estamos nos aproximando de uma caminhada de uma década de reportagens sobre temas tão variados quanto chás, pães, trânsito e educação. O objetivo maior de todo esse trabalho ao longo das últimas 49 edições sempre foi você, estimado leitor, estimada leitora. Por isso, quando você receber a presente edição da nossa revista, estará também recebendo uma missão: a de nos escrever. Queremos ouvir a sua opinião sobre o nosso trabalho. Abra o jogo e diga, com sinceridade, como você o recebeu e qual a sua opinião sobre os temas debatidos, o formato da revista, enfim,
onde fomos bem e onde podemos melhorar. Estamos aguardando o seu e-mail ou correspondência. Além de sua valiosa opinião, a Novolhar convida você a indicar a revista para novas assinaturas. Divulgue a revista em sua comunidade, desafie seus amigos e familiares a assinar a revista e ajude-nos a encontrar novos assinantes entre os seus conhecidos. Isso é importante para que a revista chegue a cada vez mais lares, despertando a esperança num mundo melhor, mais justo e solidário, fundamentado no evangelho de N Jesus Cristo. CLOVIS HORST LINDNER é teólogo e comunicador, editor da Novolhar, em Blumenau/SC
Visite nosso site Os conteúdos de todas as edições da NOVOLHAR estão à sua disposição no site. Visite, consulte, faça uso: www.novolhar.com.br
Tema da próxima edição A edição nº 50, de Março/Abril de 2013, irá abrir espaço para matérias sobre DESTINO. Posturas diante da vida; Protagonismo; Passividade; Escrever a própria história.
A Luterprev Previdência Privada comemora a emblemática marca de R$ 100 milhões em ativos, atingida em novembro, depois de 15 anos de efetiva atuação no mercado. A organização ingressa no grupo que se distingue por ter ultrapassado a linha que separa pequenas e médias empresas. Para Everson Oppermann, diretor-geral da organização, “trata-se de um grande feito; primeiro por ser extremamente relevante por si só como resultado e, segundo, por determinar um novo ritmo de crescimento a partir de agora, mais veloz, resultando em cifras cada vez mais volumosas”. Isso faz com que a Luterprev reforce sua meta de chegar a R$ 1 bilhão em 2028, dentro de pouco mais de 15 anos, segundo Oppermann. “Consideramos importantíssima a quebra dessa barreira inicial. Ela nos impulsiona diretamente para a próxima, de R$ 1 bilhão”. O diretor-geral também enfatiza o fato de a cifra ter sido alcançada num período de apenas 15 anos, que considera bastante curto quando se trata de previdência privada, “ainda mais pelo fato de sermos independentes e não estarmos ligados a bancos ou outras instituições. Fazemos exclusivamente previdência privada e, justamente por isso, oferecemos excelência em produtos e serviços”. Com sede em Porto Alegre, atua ção nacional e ênfase no mercado corporativo, a Luterprev tem mantido índices de crescimento contínuo, repetidamente superior aos do mercado. No primeiro semestre de 2012, o crescimento foi de 27,73%, comparado ao dos seis primeiros meses de 2011, ultrapassando o mercado, que cresceu N 24,02% no mesmo período. NOVOLHAR.COM.BR –> Jan/Fev 2013
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olhar com humor
MOSAICO BÍBLICO
Ao contrário das nações vizinhas, em que a circuncisão era associada ao ritual que marcava o início da vida adulta masculina, o povo de Israel considerava-a um presente de Deus, um sinal da aliança (“contrato”) que Deus havia feito com seu povo. A aliança estipulava que todos os bebês israelitas do sexo masculino fossem circuncidados aos oito dias de idade. Caso o procedimento fosse descumprido, a criança não poderia fazer parte do povo de Deus. Entretanto, a circuncisão em si mesma não incluía automaticamente os israelitas em um relacionamento com Deus, fato que o povo de Israel com frequência esqueceria ao longo dos anos. A circuncisão não era o meio, mas o sinal de um relacionamento. O que levou Abraão a ter um relacionamento adequado com Deus N foi simplesmente sua fé (Gênesis 15.6). Fonte: Bíblia Sagrada com Enciclopédia Bíblica Ilustrada – Sociedade Bíblica do Brasil – 2011
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Divulgação Novolhar
A circuncisão
Notas ecumênicas Em busca
Divulgação Novolhar
enquanto o ser humano estiver em busca de sentido, ele continuará procurando respostas no vasto patrimônio religioso da humanidade. o mundo continua sendo furiosamente religioso, como sempre foi.
Federico pagura, bispo metodista emérito argentino, é biografado na obra “Alborada da Esperanza. Vida e Depoimento de un Profeta Latinoamericano”, do jornalista cubano Manuel Quintero Pérez, em coautoria com o pastor metodista Carlos Sintado. Pagura completa 90 anos em 2013 e é reconhecido batalhador dos direitos humanos e do ecumenismo.
Reconhecimento A aliança de Igrejas Presbiterianas e Reformadas da América Latina (Aipral) reconhece, depois de muitos estudos sobre a Palavra, que tanto mulheres como homens “são chamados à missão de Deus e aos diferentes ministérios da igreja”.
frédéric lenoir, filósofo francês, diretor da revista Le Monde des Religions
Ministério feminino
Nova Junta Diretiva
“Precisamos expressar nossa gratidão pelo fato de que mulheres são reconhecidas como capazes de participar lado a lado com homens na missão de Deus neste mundo. É Deus que quer que mulheres respondam à sua vocação e se preparem e disponham a servir no ministério ordenado.” A frase é de Edna Moga Ramminger, pastora, no encontro que celebrou os 30 anos de ordenação feminina na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) em novembro de 2012. A pastora Edna foi a primeira a ser ordenada pastora na IECLB.
A nova Junta Diretiva da Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC) para o biênio 2013-2014 ficou assim constituída: presidente – Marcela Gabioud, da Associação Mundial para a Comunicação Cristã (WACC); vice-presidente – Nilton Giese, do Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI); tesoureiro – Rony Marquardt, do Fórum Luterano de Comunicadores (FLC); secretário – Daniel Favaro, do Centro Regional Ecuménico de Asesoría y Servicio (Creas). A ALC é mantida por um consórcio ecumênico.
Liberdade religiosa “A proteção aos cristãos perseguidos no mundo é parte importante da política externa alemã, porque a liberdade religiosa é um direito humano básico.” Angela Merkel, chanceler da República Federal da Alemanha, aos protestantes reunidos no Sínodo da Igreja Evangélica (EKD) em Lübeck em novembro de 2012 NOVOLHAR.COM.BR –> Jan/Fev 2013
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CAPA
Sob o mesmo guarda-chuva A TRADIÇÃO DE DEBATER UM TEMA COMUM A TODAS AS INSTÂNCIAS DA IGREJA AO LONGO DE TODO UM ANO É UMA TRADIÇÃO QUE VEM SENDO MANTIDA NA ieclb DESDE 1980. fomentar A COMUNHÃO E A UNIDADE NA PEQUENA IGREJA LUTERANA DE EXTENSÃO NACIONAL É UM DOS OBJETIVOS. NAS PRÓXIMAS PÁGINAS, REFLEXÕES SOBRE O TEMA DE 2013 ABREM AS PORTAS DO DEBATE QUE DEVE OCORRER NA ieclb em 2013. por Rui Bender
A
escolha de um tema do ano na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) expressa a intenção de enfocar um assunto importante em determinado momento da vida eclesiástica. A IECLB toda coloca-se sob o mesmo guarda-chuva durante o período de um ano, relata o guia de estudos elaborado pela Secretaria de Formação. O tema do ano de 2013 – “Ser, Participar, Testemunhar. Eu vivo comunidade” – quer unir diferentes partes numa única peça. A igreja inteira une-se para assumir uma tarefa conjunta. O tema do ano é, portanto,
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uma das ferramentas para a construção de igreja, explica o guia. Logo, é um importante elo para a unidade da igreja. Todo ano, nos mais diferentes contextos e de diversas formas, a igreja esforça-se para exercitar essa proposta. Ao escolher anualmente um tema, iluminado por um lema bíblico, para toda a igreja, a comunhão e a unidade são amplamente fortalecidas. No ano de 2012, o tema analisou a comunidade cristã a partir da perspectiva da juventude. A IECLB como um todo avaliou-se sob a ótica da juventude, assumindo o que ela é por natureza: uma comunidade jovem. Em 2013, a pergunta que o novo tema levanta é
Arte sobre foto: Cristiano Zambiasi Jr.
pelo lugar da pessoa na comunidade – o cuidado com ela, sua experiência de ser pessoa, de ser pessoa livre para pensar e discernir e integrar a comunhão – e seu papel em relação à sociedade. “Comunidade cristã é espaço de estabelecimento de vínculos, de organização em grupos, de cumplicidade, de resgate da história, de criação de identidade, de cura, de testemunho público, de liberdade para pensar e discernir, de articulação da missão de Deus confiada a seus filhos e filhas”, define o pastor presidente da IECLB, Nestor Paulo Friedrich. “É essa a igreja que queremos ser mais e mais”, reforça o pastor presidente. E acrescenta: “Em relação a essa igreja que os membros da IECLB dizem com alegria e convicção: Aqui eu sou membro! É desse grupo, a comunidade cristã, que eu faço parte! Eu vivo comunidade!”. CONVIVÊNCIA – Afinal, por que participar de uma comunidade cristã? “Do ponto de vista bíblico, o ser humano foi criado para viver na companhia de outra gente e em sintonia com toda a criação”, afirma o pastor Romeu Ruben Martini, assessor teológico da IECLB. Ele entende que a comunidade cristã não é o único espaço para estar na companhia de gente, mas é o “espaço concebido a partir da vivência cristã”. Na comunidade cristã, a pessoa faz parte – é membro – de um corpo maior. Assim, “o membro encontra na comunidade a segurança que o cotidiano nega”, admite o pastor presidente. “Na comunidade acontece o amor fraterno”, observa. Conforme Atos 2.42-47, cremos e confessamos que Deus quer seu povo reunido e congregado em comunidade. “Comunidade cristã é, por excelência, espaço que acolhe pessoas, que permite a experiência de estar na com-
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FRIEDRICH: Comunidade é a convivência das diferenças, pois diversidade é riqueza
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panhia de Deus”, ressalta Friedrich. Mas isso não acontece por mérito das pessoas; é concedido por Deus. “Ele é que nos reúne, está conosco e nos acompanha na jornada da vida”, reconhece o pastor presidente da IECLB. Disso podemos tirar consequências, porque geralmente nós participamos ali onde nos sentimos bem. Gostamos de estar com quem nos acolhe. Na verdade, precisamos disso como pessoas. “Essa necessidade torna-se ainda maior quando somos confrontados
com nossas limitações e fraquezas”, admite o pastor presidente. Quando se passa a integrar um grupo, é necessário abrir mão da individualidade absoluta. “Comunidade é convivência das diferenças (diversidade), que caracterizam a rica criação de Deus”, define o pastor presidente. “Não por acaso, comunidade viabiliza a inclusão e promove o respeito ao diferente. Essa é sua bandeira permanente”, acrescenta. Por exemplo, na IECLB, há uma enorme diversidade,
Rui Bender
afirma o assessor teológico. Há diversidade teológica, há diversidade em termos de tradição eclesial. Mas “importa que a diversidade não enfraqueça a unidade”, adverte Martini. “A igreja é um organismo com muitos membros. Esses membros são e devem ser diferentes. Diversidade é riqueza. Será comunhão no sentido real”, comenta o teólogo Dr. Gottfried Brakemeier em seu livro “Por que ser cristão?”. Por isso a comunidade deve distribuir serviços e responsabilidades. “Cada um é chamado a contribuir com os dons que recebeu”, reforça Brakemeier. TESTEMUNHO – O pastor presidente da IECLB entende que “comunidade é convivência que desperta e aperfeiçoa seus membros para o exercício da vocação, encorajando pessoas a canalizar seus dons em sentido bem amplo”. Com isso já se aponta o papel da comunidade como testemunho. Ao promover a paz que vem de Deus, “comunidade é testemunha do evangelho por intermédio do que ela fala e por meio de sua forma de ser”, expressa Friedrich. “Um dos principais meios de manifestação desse testemunho é o serviço diaconal”, reconhece o pastor presidente. “Trata-se do conjunto de ações sem interesse próprio e transformadoras de sofrimento, que encarnam o amor radical de Jesus.” Martini, por sua vez,
OS TEMAS DA IECLB Desde o primeiro cartaz alusivo ao primeiro tema do ano na IECLB, “Cristo, o mediador”, que foi tratado no ano de 1980, passaram mais de três décadas. Com esta linha do tempo, a Novolhar resgata essa trajetória temática até os nossos dias e apresenta as artes que ilustraram esse rico debate em todas as instâncias da igreja, dos pequenos grupos de estudo e de encontros até os concílios nacionais.
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1980 - Cristo, o mediador (Um convite à comunhão) foi a primeira temática nacional abordada na IECLB.
1981 - Homem e mulher unidos na missão Lema: “Sai da tua casa e vai” (Gênesis 12.1)
Arquivo Pessoal
acrescenta que “serviço diaconal não é assistencialismo, caridade”. Serviço diaconal implica “saber-se ancorado no evangelho e buscar o resgate da dignidade humana diminuída, negada, até mesmo roubada”. “É inconcebível uma comunidade cristã sem a prática do amor. Terá perdido sua identidade”, lamenta Brakemeier. Ele argumenta que “é privilégio da comunidade cristã ser protagonista do amor na sociedade”. “É grande a responsabilidade da comunidade cristã; ela deve anunciar o evangelho a todas as nações, deve ensinar, denunciar, chamar, proclamar, colocar sinais de novidade”, esclarece. “A comunidade cristã tem o privilégio de proclamar aquela mensagem da qual a humanidade mais precisa e que é o mais poderoso remédio contra os males da indiferença”, acentua Brakemeier. Por fim, o assessor teológico Martini afirma que a comunidade é um espaço de liberdade. Ele explica: “A teologia da Reforma resgatou e colocou de forma clara um dos pontos centrais do evangelho, expresso assim pelo apóstolo Paulo: Para a liberdade foi que Cristo vos libertou”. Portanto, em sua opinião, “ninguém é membro (ou deveria sentir-se membro) de uma comunidade por medo de Deus, porque é tradição ou porque fica feio se não for. Deus quer nossa presença e nosso testemunho comunitário como
LIEVEN: Viver em comunidade nas cidades é libertador e profético
fruto da fé que age no amor, mas com liberdade, sentindo-se livre para tal”. SÍNODOS – Como os sínodos acolhem o tema do ano da IECLB? Altemir Labes, pastor sinodal do Sínodo Nordeste Gaúcho (sede em Estância Velha/ RS), observa que o tema está “intimamente conectado” com as atividades desenvolvidas em seu sínodo. Por sua vez, Guilherme Lieven, pastor sinodal do Sínodo Sudeste (sede em São Paulo/ SP), reconhece que “os temas do ano aproximam com o todo da IECLB e fortalecem a identidade comunitária, teológica e eclesiástica”. Para o Sínodo Sudeste, que reúne comunidades das maiores cidades
brasileiras, o tema do ano 2013 “ajudará as comunidades, lideranças e ministros a sistematizar práticas, referências e conteúdos de fé oriundos do contexto das cidades”, salienta Lieven. “Viver em comunidade nas cidades é libertador e profético”, entende o pastor. Ele explica: “Libertador porque promove a aproximação e a comunhão com o Deus de amor e metodologicamente ajuda as pessoas e famílias no processo de desconstrução de valores e opções excludentes, egoístas e até violentas”. E “profético porque passa a ser sinal do novo, de caminhos alternativos para viver e ao mesmo tempo coloca sinais da presença de Deus na cidade e no mundo”. Labes enfatiza que o Sínodo Nordeste Gaúcho trabalha a “conscientização diaconal” e reforça o “compromisso do sínodo com projetos sociais, principalmente aqueles que priorizam a geração de renda”. Lieven, por sua vez, está convicto de que “o tema do ano fortalecerá a missão da IECLB com seu modelo eclesiológico”. Esse modelo é ameaçado diariamente por outras propostas cristãs. “O tema promoverá atividades, gestos, reflexões e ações que confirmarão a comunidade como o espaço em que a ação salvadora e a vocação de Deus se revelam”, N conclui Lieven. RUI BENDER é jornalista em São Leopoldo (RS)
>> 1982 - Terra de Deus. Terra para todos Lema: “Ao senhor pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam” (Salmo 24.1)
1983 - Eu sou o Senhor teu Deus Lema: “Para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós também para ele” (1 Coríntios 8.6)
1984 - Jesus Cristo, esperança para o mundo Lema: “Segundo a promessa do Senhor, nós esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita a justiça” (2 Pedro 3.13)
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capa
Sonho com um mundo melhor Eu sou o seu Deus. Eu lhes dou forças, ajudo e protejo com a minha forte mão.
Isaías 41.10
por Mariane Noely Bail da Cruz
O
lema bíblico que dá suporte ao tema da IECLB para 2013 é de Isaías e está inserido no contexto de exílio do povo judeu. Convido para ler os capítulos 40 e 41 do livro de Isaías. O capítulo 40 inicia com as seguintes palavras: “Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus”. Quem precisa ser consolado? Somente precisa de consolo quem está passando por tempos de tristeza, cansaço, medo, insegurança, opressão e luto. Era essa a situação da comunidade de Jerusalém no exílio na Babilônia. Estava fora de sua terra, no meio de um povo descrente, idólatra, tirano.
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Aquela comunidade havia sido saqueada, roubada, e sua cidade fora destruída. O sentimento que reinava entre as pessoas era que Deus as havia abandonado. Parecia não se importar mais com elas. O poder real, a força, estava com os estrangeiros, violentos, os babilônios e seus ídolos. A ausência de Deus e de seu poder foi percebida como castigo por sua desobediência. Quarenta anos de exílio, de medo, de tristeza, de cansaço físico, mental e espiritual. Nesse momento de desesperança do povo, o profeta torna-se a voz carinhosa de Deus, que consola e diz para não perder as esperanças e dá a certeza de que a situação vai mudar. O livro de Isaías fala de Deus que é Redentor, título também dado a Jesus Cristo. A origem está no início da história de Israel. “Redentor” é a tradução da expressão hebraica go’el. Seu significado ultrapassa a palavra “redentor”. Go’el é o parente mais próximo que defende, resgata com dinheiro, vinga até com sangue, é aquele que toma as dores do parente humi-
lhado e ofendido. Somente pessoas e propriedades podiam ser resgatadas, pois são o cerne da promessa de Deus a Abraão, significam a descendência e a terra. Os livros de Jó e de Isaías falam de pessoas que passam por um grande sofrimento e apelam a Deus invocando-o como go’el. São pessoas humilhadas, oprimidas e que perderam tudo o que tinham. Elas clamam a Deus para que as resgate. Ele responde pela boca do profeta e apresenta-se como go’el, aquele que toma as dores de seu povo. “Eu sou o seu Deus” – essa afirmação nos consola, diz que temos uma relação de pertença com o Criador. Ele é o nosso Deus, e nós somos a sua criatura. O próprio nome de Deus, Javé em hebraico, significa “Eu sou”, “Eu estou”, “Eu aconteço”. É Deus que está sempre presente, acompanha sempre o seu povo, é Emanuel – Deus conosco.
1985 - Educação, compromisso com a verdade e a vida
1986 - Por Jesus Cristo, paz com justiça
Lema: “Disse Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida” (João 14.6a)
Lema: “Glória a Deus nas maiores alturas e paz na terra entre os homens a quem ele quer bem” (Lucas 2.14)
Juan Michel / CMI
É esse Deus conosco que diz: “Eu lhes dou forças, ajudo e protejo com minha forte mão”. Deus ama e socorre as pessoas fracas e sofridas, faz justiça aos oprimidos, dá pão aos que têm fome, liberta os encarcerados, abre os olhos dos cegos, levanta os abatidos, ama os justos, guarda o peregrino e ampara o órfão e a viúva. Ao olharmos para nossa realidade cheia de sofrimento e de injustiças, com tantas pessoas carentes de pão, de saúde, de escola, de liberdade, nossa confiança no Deus conosco abala-se, nossa esperança tão bonita enche-se de dúvida. Será mesmo? Será que o reino de Deus é só fantasia? Em meio à dúvida fica difícil crer, ter fé. Quando não se tem certeza, quando se duvida, a angústia cresce. Não vemos a luz, não entendemos a palavra. No meio da tristeza, ficamos como aqueles discípulos a caminho de Emaús, que andavam e conversavam com Jesus e não percebiam, seus olhos estavam fechados. Somente quando Jesus partiu o pão com eles é que voltaram a ver. Foi preciso experimentar outra vez a partilha em comunidade, a prática da solidariedade, do amor, que vence toda angústia e medo. Deus manifesta sua força na fraqueza, sua mão forte mostra-se cuidadosa para aqueles que o buscam na companhia de outras pessoas na comunidade de fé.
ESPERANÇA: Na comunidade, Deus age pelas mãos, pés, braços e abraços da família cristã
Ser, participar, testemunhar – viver comunidade – encontrar-se com pessoas que sonham com um mundo melhor, que querem um novo céu e uma nova terra, nos quais habita a justiça, reanima a esperança e fortalece a fé. Ao nos encontrarmos com irmãos e irmãs na comunidade, Deus faz-se presente, fortalece-nos, anima-nos e motiva-nos para a ação em favor de outras pessoas. Sustentados pela mão forte de Deus, iremos procurar maneiras de colocar pequenos sinais de seu Reino, levando esperança a todas as pessoas. Não sei multiplicar o pão, mas posso repartir o meu pão. Não sei secar as
lágrimas de quem chora, mas posso oferecer meu abraço amigo. Não sei corrigir os erros do mundo, mas posso buscar justiça e ser solidária. Posso engajar-me na busca por um mundo melhor para todas as pessoas. Na comunidade, experimentamos o cuidado do bondoso Deus, que se faz presente através das mãos, pés, braços e abraços de pessoas queridas que Ele une e faz família cristã. Nessa família, vamos vivendo em amor e comunhão a nova vida N anunciada. MARIANE NOELY BAIL DA CRUZ é catequista da IECLB em Joinville (SC)
>> 1987 e 1988 - E sereis minhas testemunhas... Lema: “E serão minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a região da Judeia e Samaria e até nos lugares mais distantes da terra” (Atos 1.8b)
1989 e 1990 - O pão nosso de cada dia Lema: “O pão nosso de cada dia dá-nos hoje” (Mateus 6.11)
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Compromisso participativo por Almiro Wilbert
A
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) escolheu para 2013 um tema que convida a viver comunidade. Qual é o tamanho dessa comunidade que somos convidados a viver? Como cristãos luteranos orientados pelo evangelho da graça, nosso SER atuante, movido por fé, gratidão e compromisso, acontece na vivência
Nota da Redação: Infelizmente, não foi possível obter uma imagem do cartaz do tema 1991/92. Se você tiver essa imagem, nos envie. Publicaremos na próxima edição.
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1991 e 1992 Comunidade de Jesus Cristo a serviço da vida Lema: “Vocês são o sal da terra” (Mateus 5.13)
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e experiência pessoal de cada um. Minha certeza de que cada um de nós está no propósito do Deus, que em Jesus se deu a todos, não surgiu de um momento particular de conversão. Deus colocou em meu caminho a família, os amigos, as comunidades por onde passei, as situações que vivi e os desafios que enfrentei. Hoje, sob a perspectiva do retrovisor, reconheço tudo como importante aprendizagem e apuração na fé. Perceber-me parte atuante dessa vontade divina me enche de alegria e anima e encoraja para um PARTICIPAR continuado, com traços pessoais simples nas decisões e realizações coletivas na caminhada que continua. Como zelosos mordomos de Deus em meio à sua magnífica obra, também somos chamados a edificar sinais concretos de um novo reino de paz, justiça e fraternidade já aqui e agora. Essa é a nossa missão na caminhada da vida que a graça de Deus nos proporciona e
1993 e 1994 Permanecem a fé, a esperança e o amor Lema: “Permanecem a fé, a esperança e o amor. Porém o maior desses é o amor” (1 Coríntios 13.13)
que nos motiva a identificar e executar a parcela de cuidado que nos cabe. Não estamos sozinhos e temos à disposição uma diversidade de dons semeados entre os que nos acompanham na trilha iniciada por nossos antepassados e com a qual temos um compromisso de continuidade. É gratificante perceber-se participante do processo pela aplicação prática dos dons recebidos em doação de ações e reações fundamentadas na experiência e na base confessional do nosso evangelho e que vão construindo as soluções mais apropriadas para cada caso ou situação. O legado e a experiência marcam o nosso ser e condicionam nossa postura participativa. Assim, na infância, aprendi dos meus pais que o indispensável alimento espiritual é servido por Deus em comunhão nos cultos. Também com eles e na vivência em internato católico aprendi que ecumenismo enriquece quando respeita as crenças individuais e compartilha entendimentos com base no que aproxima de Deus e para o bem comum. Como estudante e morando em internatos, a Juventude Evangélica (JE) mostrou-se comunidade receptiva e em sintonia de anseios e preocupações. Na JE, aprendi a empatia da liderança nas tarefas coletivas de visitação a doentes e idosos, na disciplina e compromisso do coral e na organização festiva de confraternizações.
1995 e 1996 - Somos igreja, que igreja somos? Lema: “Vocês, também, como pedras vivas, deixem que Deus os use na construção de um templo espiritual onde vocês servirão como sacerdotes consagrados a Deus” (1 Pedro 2.5a)
Peter Williams/CMI
O começo da vida profissional no Nordeste brasileiro e a ausência de nossa igreja confirmaram a carência do alimentar espiritual e do viver comunitário. Mas também abriram os olhos e o coração para o potencial humano da região e sua riqueza cultural. Foi o tempo de descobrir a vasta literatura que a igreja disponibiliza e seu estímulo para indispensáveis reflexões e polimentos. Desde 2002, estamos no Rio de Janeiro, com continuadas funções no presbitério de minha paróquia e no Sínodo Sudeste. Também tenho apoiado a igreja no grupo assessor para o planejamento do PAMI em diferentes grupos de trabalho e comissões e na diretoria do Conselho da Igreja. Minha escola de vida pessoal e familiar no aprendizado da fé continua. A partir dele quero TESTEMUNHAR o amor de Deus, que nos acompanhou nos caminhos feitos e situações vividas. A certeza de sua presença confortadora e estimuladora no exercício do discipulado inspira novos desafios sob a sua sábia luz. Somos uma igreja rica: o evangelho da graça, nossa base confessional, pela fé, garante a salvação; atuamos no Brasil e somos referência no preparo de ministros e publicações para toda a América Latina e países da África; nossas comunidades enriquecem-se pela realidade multicultural, diversidade racial e
IGREJA RICA: Como igreja, somos o que somos pela graça de Deus
multiplicidade de dons e habilidades dos membros. Mas a realidade brasileira de contrastes socioculturais e econômicos também nos afeta. Junto a situações de tranquila e crescente atuação, temos exemplos de dificuldades para a manutenção missionária. Para essa realidade somos chamados a testemunhar o sacerdócio geral do amor e cuidados mútuos. Somos o que somos pela graça de Deus. Nem acima tampouco abaixo, mas ao lado de todos. Tudo o que temos ou construímos vem de algo que Deus nos deu primeiro, como saúde, oportunidades de estudo, de trabalho,
vida em família e em comunidade. Assim, a gratidão pelo que ganhamos e a alegria pelo presente dado em Jesus rompem as dimensões do “pertencer” individual e compelem à partilha, à solidariedade e à soma aos talentos de outros. Que Deus engrandeça a fé em nós para que possamos cada vez mais ser o que cremos em um compromisso participativo no cuidado com o todo de sua criação e em testemunho vivo do amor de Deus por todos nós. N
ALMIRO WILBERT é membro da Paróquia Bom Samaritano em Ipanema no Rio de Janeiro e presidente do Conselho da Igreja da IECLB
>> 1997 e 1998 - Aqui você tem lugar Lema: “Vocês são da família de Deus” (Efésios 2.19) (Em 1997, o cartaz destacou os 100 anos do Gotteskasten no Brasil, à esquerda)
1999 - É tempo de lançar... Lema: “Esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça” (2 Pedro 3.13)
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capa
Prioridades urbanas por Guilherme Lieven
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iver a fé cristã em comunidade nas cidades é um bem precioso e, ao mesmo tempo, um desafio. A fé cristã, a comunhão com Deus, o chamado para amar a Deus e uns aos outros movem as pessoas para a vivência da fé em comunidade. Na cidade, no cotidiano, impactado pelo movimento urbano, enfrenta-se a dificuldade de administrar as prioridades. Pode-se afirmar que, nesse contexto, as pessoas são agendadas a ponto de comprometer suas opções. E a vida comunitária de fé exige opção, comprometimento, participação. A fé cristã não é uma mercadoria, um bem material a ser adquirido, tal como um objeto pessoal de uso privado. A vivência da fé cristã cria a interação com Deus e com o outro. Por isso são necessários comprometimento, fidelidade e identificação. O ganho não é episódico. Ele se substancializa na interação com a presença de Deus, que comunitariamente se torna
percebida e alcançada quando há comunhão, diálogo, doação, serviço e amor, quando na comunidade uns cuidam dos outros e ela é conduzida pela ação salvadora de Deus. As comunidades luteranas nas metrópoles do sudeste brasileiro nasceram sob a influência do modo comunitário de ser igreja. O templo e a estrutura física, o espaço comunitário, foram construídos depois. Os cultos, os estudos bíblicos e a articulação de tarefas comunitárias e de serviço aos outros, a diaconia e a evangelização aconteceram primeiramente nas casas
2000 - Dignidade humana e paz - Novo milênio sem exclusões Lema: “Acolhei-vos uns aos outros como também Cristo nos acolheu” (Romanos 15.7) (CONIC une igrejas para a primeira Campanha da Fraternidade Ecumênica)
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METRÓPOLES: Vivência da fé a partir da comunhão
ou em espaços pequenos e improvisados. Com doação e espírito de corpo construíram seus espaços para a vida comunitária e testemunho da fé em Jesus Cristo. Foram preparados e construídos a partir da visão e da dimensão comunitária da fé. Em épocas diferentes, as comunidades luteranas correram o risco de contradizer o conteúdo da fé ao permitir que a vida comunitária recebesse influência e motivações de forças de
2001 - Ide, fazei discípulos... Lema: “Para que tenham vida... em abundância” (João 10.10)
2002 - Mãos à obra Lema: “Porque Deus nos amou primeiro” (1 João 4.19)
Divulgaqção Novolhar
proteção interna, exclusão do outro, do desconhecido, do necessitado, dos que viviam à margem ou perseguidos na sociedade desigual e injusta. Hoje, essas mesmas características e forças comunitárias, pela graça de Deus, tal como no passado, voltaram a servir e a inserir-se no contexto e na realidade urbana como sinais de paz, porta-vozes da esperança e da dignidade de vida, que questiona o comércio da fé, a manipulação do sagrado, tam-
bém os valores, poderes e estruturas da sociedade que instrumentalizam a criação, os seres humanos e a vida em peças de um grande mercado. O jeito luterano de viver a fé cristã apresenta-se no labirinto das cidades como um espaço alternativo e singular para as pessoas buscarem a Deus. Oferece o caminho da vivência da fé a partir da comunhão uns com os outros e desenvolve uma rede de interações e compromissos. Por exemplo, práticas e ações comunitárias que promovem atividades, tais como encontros, atividades litúrgicas e de formação, envolvimento em projetos públicos e diaconais. Esse modelo de vivência da fé pressupõe a partilha, a participação e a doação despidas de interesses e satisfações pessoais e as motivações relacionadas ao chamado, a vocação e a missão de Deus a partir da proclamação das Sagradas Escrituras, da administração dos sacramentos e da construção de sinais de vida plena que há de vir. As metrópoles estão repletas de sinais. Nelas, a vida não seria possível sem eles. Indicam e revelam caminhos, endereços, também onde há perigo, ameaças, violência, da mesma forma onde encontrar-se com o outro, espaços para trabalhar, passear e descansar. O contexto urbano é formado por sinais e espaços que são essenciais para a existência humana.
A comunidade cristã, preparada para oferecer a vivência comunitária da fé, apresenta-se nesse contexto como um precioso espaço de cuidado com a vida, embebido de amor, alegria, gratidão, liberdade e paz. Hospeda a presença de Jesus Cristo, sua paz, o evangelho. Reúne e acolhe pessoas, crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos para naturalmente resistir aos meios da morte, às propostas hedonistas de vida e, assim, interagir na realidade urbana de forma profética e propositiva com coragem e esperança. Não é o único e o mais popular. Com as dificuldades de fazer escolhas e definir prioridades, as pessoas nas cidades geralmente não qualificam o espaço comunitário da fé cristã como primeira necessidade. Além do primeiro espaço da casa, movimentam-se nos espaços públicos e privados de trabalho, educação e lazer. O espaço comunitário religioso da comunidade cristã quase sempre é o penúltimo. Na sombra das prioridades urbanas permanece o desafio de garantir ao espaço da comunidade cristã o carisma, a força e o dom de incidir em diferentes contextos das metrópoles com a mensagem, espaço e sinal, que cria dignidade e novidade de vida, o bem precioso que em plenitude há de vir. N GUILHERME LIEVEN é teólogo e pastor sinodal do Sínodo Sudeste da IECLB, com sede em São Paulo (SP)
>> 2003 - Nosso mundo tem salvação Lema: “Deus enxugará dos olhos toda lágrima” (Apocalipse 21.4)
2004 - Pelos caminhos da esperança Lema: “Preservando a unidade do Espírito no vínculo da paz” (Efésios 4.3)
2005 e 2006 Deus, em tua graça, transforma o mundo (O tema foi repetido nesse ano, em vista da 9a Assembleia da FLM em Porto Alegre)
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CAPA
Acolhida e partilha por Vera Regina Waskow e Alfredo Jorge Hagsma
A
moda hoje é “crer sem pertencer”. Pessoas que se afirmam cristãs sem vínculo com uma denominação confessional são um dos grupos que mais cresce, conforme o último censo. Ou seja, afirmam a fé em Cristo, mas não participam de uma comunidade como membros. Outro aspecto do contexto religioso atual são as grandes aglomerações, os shows religiosos. Milhares de pessoas concentram-se e depois retornam a suas casas. Nesses dois modelos, a convivência está descartada ou seriamente prejudicada. No entanto, acreditamos que nada substitui a convivência, o abraço, enfim, o envolvimento de uns com os outros. Diariamente, famílias, pessoas sozinhas, homens e mulheres têm buscado uma comunidade de fé. Cada um com sua motivação, cada qual com sua história, como o Ivan, a Débora e a pequena Marília Lupion:
2007 - No poder do Espírito, proclamamos a reconciliação Lema: “Não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos” (Atos 4.20)
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Decidimos e acreditamos ser essa a nossa casa e comunidade de fé principalmente pelo acolhimento e carinho que recebemos dos demais membros desta comunidade e principalmente dos pastores e pastoras que por lá estiveram e estão neste tempo conosco. Com a chegada de nossa primeira filha, Marília, decidimos que deveríamos estreitar essa relação, pois acreditamos que, sem um Deus presente em nossas vidas diariamente, será muito difícil criar filhos nos dias atuais. Dessa forma, cabe também a nós nos aproximar ainda mais da comunidade, que tão bem nos acolheu e nos recebe a cada encontro. Outro fato, quando falamos da importância da comunidade e do acolhimento, é o Padrinho de Oração (Missão Criança). Saber que, em algum lugar, alguma família da comunidade também se preocupa com um ente querido nosso, ora e intercede por ele é muito confortante e gratificante em nossas vidas.
2008 - No poder do Espírito, proclamamos a reconciliação. Lema: “Velhinhos e velhinhas sentarão nas praças de Jerusalém e as praças ficarão cheias de meninos e meninas brincando” (Zacarias 8.4-5)
O grande acolhimento que sentimos faz-nos querer compartilhar essa alegria e também nos faz ativos e dispostos ao trabalho junto aos nossos irmãos e irmãs. Assim, gratos a Deus servimos com alegria. Ouvir os relatos de cada pessoa que busca a convivência comunitária, conhecer sua caminhada, acolhê-la, faz diferença em sua vida, marca a sua história. São pessoas que buscam espaços de convivência fraterna, onde existe diálogo, onde há o encontro, a preocupação com a pessoa próxima. As comunidades acolhedoras, comprometidas e envolvidas com a realidade, com a vida das pessoas, continuam crescendo e sendo espaços procurados em tempos de urbanização e individualismo. As celebrações pensadas e preparadas cuidadosamente oferecem espaços curadores, animadores e acolhedores. Espaços
2009 - Missão de Deus. Nossa Paixão Lema: “Deus ama quem oferta com alegria” (2 Coríntios 9.7b)
2010 - Missão de Deus. Nossa Paixão Lema: “Dá-nos hoje o pão nosso de cada dia” (Mateus 6.11)
sinceramente, o ser humano não foi criado para viver assim. Nesse sentido, as comunidades, especialmente pequenas comunidades, onde a convivência acontece naturalmente, estão na contramão das sociedades modernas. SER, PARTICIPAR, TESTEMUNHAR, tema da IECLB em 2013, é de
fato um grande desafio e uma urgente necessidade. E o lema “Eu vivo comunidade” nada tem a ver com prepotência, mas com colocar-se à disposição para compartilhar a vida conforme a N vontade do próprio Cristo. VERA REGINA WASKOW e ALFREDO JORGE HAGSMA são teólogos e ministros da IECLB em Curitiba (PR)
ACOLHIDA: Dar atenção a cada pessoa que busca a comunidade faz diferença
Divulgaqção Novolhar
onde as pessoas ainda são chamadas pelo nome, onde as alegrias e as dores são compartilhadas e fazem com que a caminhada ganhe um novo sentido, torna-se mais leve. A pessoa deixa de ser somente mais uma em meio a muitas e passa a ser alguém com identidade de fé, que participa e testemunha essa fé em meio à multidão. Nos últimos 12 anos, atuamos como ministros da IECLB em Estância Velha, Vale dos Sinos, região metropolitana de Porto Alegre, e desde março atuamos em Curitiba e Colombo (região metropolitana). Nesses dois contextos, percebemos um grande número de pessoas buscando a igreja, prezando pela convivência, pelo acolhimento, pelo desejo de pertencer. A sociedade estimula ao isolamento e ao individualismo. No entanto, o ser humano a partir da fé busca o caminho do relacionamento e da convivência. Nesse sentido, é importante olhar para nossas comunidades e perguntar: Elas têm sido espaços de acolhimento pleno? Elas têm sido lugar de partilha das alegrias e dores das pessoas? Em pequenas comunidades do interior, a convivência é quase que inerente. No entanto, em contextos urbanos e em outros não tão urbanos, ela está seriamente prejudicada. As sociedades modernas condicionam as pessoas ao isolamento. Ninguém tem tempo. Cada um cuida de seus problemas, cada um por si. Mas,
2011 - Paz na Criação de Deus. Esperança e Compromisso Lema: “Glória a Deus e paz na terra” (Lucas 2.14)
2012 - Comunidade Jovem - Igreja Viva Lema: “Antes que eu te formasse no ventre, te conheci” (Jeremias 1.5a)
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Sandra Helena Fanzlau
ministério feminino
ALABASTRO: As mulheres no ministério trazem perfume à vida da igreja
Rumo a uma igreja inclusiva por Nádia Mara Dal Castel de Oliveira e Maria Dirlane Witt
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alta pouco para as comemorações, festejos e celebrações de nossos 500 anos de Reforma. Digo nossos, porque fazemos parte disso. Somos, ao longo da história, humanidade transformada pelo agir de Deus, pela luta e persistência de muitas pessoas, pela ousadia de algumas e, não raro, pela simples presença de outras. Em nossa caminhada como igreja de Jesus Cristo, especialmente como
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IECLB, tem algo recente a ser celebrado e agradecido: a presença de mulheres no ministério com ordenação. Jesus estava no povoado de Betânia, sentado à mesa na casa de Simão, o leproso. Então uma mulher chegou com um frasco de alabastro, cheio de perfume de nardo puro, muito caro (Marcos 14.3). Com nossa singela presença e forte persistência, espalhamos perfume, esbanjamos perfume. Em muitos
momentos, nossa presença causava certo desconforto, mas fomos além e ouvimos o chamado de Deus ao ministério com ordenação. Em se tratando de história, celebramos 30 anos de ordenação de mulheres na IECLB. Nos dias 13 a 15 de novembro, encontramo-nos como ministras ordenadas da igreja em Curitiba para celebrar e refletir os passos até aqui trilhados e abraçar os ainda antigos e novos desafios. Rita Marta Panke ajudou a perfumar o encontro com sua presença e exemplo de vida. Ela foi a primeira pastora enviada a uma paróquia e instalada em 1976, embora não tenha sido a primeira a receber a ordenação. Sua ordenação aconteceu em 1983. A primeira mulher ordenada foi Edna Moga Ramminger em novembro de 1982. As histórias de Rita e Edna, assim como de muitas mulheres que se colocaram a caminho, retratam os desafios e as dificuldades encontradas numa sociedade ainda marcada por preconceitos e pela invisibilidade que a sociedade, ainda com fortes traços patriarcais, faz recair sobre a mulher. Que desperdício! Esse perfume poderia ter sido vendido por mais de trezentas moedas de prata, que poderiam ser dadas aos pobres (Marcos 14.5). Muito já percorremos. Isso porque estamos juntas, abraçadas, irmanadas, integradas desde a raiz. A ordenação de mulheres ao ministério é uma pisada forte, segura e abençoada. Em 1998, a instalação da primeira pastora sinodal no Sínodo Vale do Itajaí (SC). Neste ano, a igreja caminha junto, servida por uma secretária-geral na administração central, uma sinodal e três vice-sinodais. Ao lado de tantos avanços e dos espaços abertos e direitos conquistados na sociedade em geral, depara mo-nos com antigos preconceitos,
como abuso moral, salários diferenciados, infantilização em função de nossa condição de gênero. Nosso grande desafio e também foco estão na criação de uma política de gênero na IECLB, na reconciliação das demais políticas da igreja e, não por último, em continuar com nossa presença ativa, rumo a uma igreja realmente inclusiva e sempre em reforma. Estamos hoje falando e buscando viver uma teologia do cuidado. As novas reflexões em relação à ética do cuidado ajudam-nos numa caminhada mais consciente. O cuidado é uma ética natural, não necessariamente da mulher. Serve de base para a cooperação nas relações sociais. A ética do cuidado não pode ficar no privado nem ligada ao gênero. É uma ação humana que recobre tudo o que faze-
mos com a finalidade do bem viver de todas as pessoas. Leva em consideração nossos corpos e relações. A ética do cuidado traz consigo uma outra forma de olhar para a humanidade. Inter-relação, codependência e vulnerabilidade perfazem nossa existência. Se o cuidado é tão essencial, ninguém vive sem! Há espaços que carecem de cuidado; há fraldas para ser trocadas; há crianças para ser carregadas; há pessoas idosas para ser ouvidas; há gente no caminho... e quem ocupa esses espaços também são pessoas carentes de cuidado. Se as teorias e políticas não conseguem dar conta de tanto descuido, elas próprias precisam sofrer alterações. Onde for pregado o evangelho, será lembrado o que uma mulher fez para a sua memória (Marcos 14.9). Rumo aos 500 anos... Faz-se
imprescindível sentir o perfume em nossa caminhada como igreja em reforma. Cuidar bem do bem da IECLB é cuidar das pessoas. Acolher e ter consciência de nossa vulnerabilidade. De nossa humanidade. Buscar como interdependentes ligar nossas redes, nossas vidas. Pois o ministério é essencialmente um ministério do cuidado. Rumo aos 500 anos de Reforma. Sabemos do cuidado de Deus nesse processo e na caminhada das igrejas protestantes. Esbanjemos, pois, o perfume de nardo puro e que possamos nos deixar cuidar pelo bom perfume N que dele exala. NÁDIA MARA DAL CASTEL DE OLIVEIRA é diácona da IECLB em Joinville (SC), e MARIA DIRLANE WITT é catequista da IECLB em Porto Alegre (RS)
Dari Appelt
AÇÃO DE GRAÇAS: Celebração especial no encontro de ministras da IECLB para marcar os 30 anos de ordenação de mulheres na igreja luterana
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HISTÓRIA
Um luterano nas Minas Gerais por Geraldo Graf
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eter Wilhelm Lund nasceu em Copenhagen, capital da Dinamarca, em 14 de junho de 1801. Após se formar em Medicina, veio ao Brasil em 1825, guiado por seu ardente interesse pelas ciências naturais. Queria dar continuidade a seus estudos botânicos e zoológicos, além de procurar um clima mais benéfico para seus problemas pulmonares. Estabelec eu-se no Rio de Janeiro, onde realizou importantes pesquisas, retornando à Europa em 1829, mantendo contatos com importantes autoridades em História Natural (Humbold, Cuvier e outros). Em 1833, retornou definitivamente ao Brasil e iniciou uma viagem em companhia do botânico Ludwig Riedel para estudar a flora brasileira. Ao passar por Curvelo, Minas Gerais, encontrou o cientista dinamarquês Peter Claussen, que explorava salitre nas cavernas calcárias da região. Foi quando reconheceu na Gruta de Maquiné várias ossadas misturadas ao salitre. Lund decidiu optar por uma nova área de pesquisas e fixou residência em Lagoa Santa (próximo a Belo Horizonte). Lund explorou mais de 800 cavernas, entre elas as famosas grutas de Maquiné, do Rei do Mato, do Sumidouro e da Lapinha, nas quais encontrou em torno de 120 espécies fósseis e 115 espécies pertencentes à fauna local, destacan
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do-se o Tigre-Dente-de-Sabre, o Tatu Gigante e a Preguiça Gigante. Em 1843, encontrou vestígios de homens pré-históricos (10 mil anos) na Gruta do Sumidouro, cujos estudos definiram as características do “Homem de Lagoa Santa”. Em 1845, Lund abandonou definitivamente as pesquisas, enviou sua coleção de 20 mil itens ao rei da Dinamarca e passou a viver em completo isolamento, alegando falta de recursos. Peter Wilhelm Lund era luterano convicto. Era primo do famoso teólogo luterano e filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard (1813-1855). O irmão de Peter Lund, Henrik Ferdinand Lund, casou-se com Petrea Kierkegaard, irmã de Sören Kierkegaard. Lund e Kierkegaard corresponderam-se durante algum tempo. Em agosto de 1835, Kierkegaard escreveu a Lund: O que realmente falta é ser claro em minha mente o que eu devo fazer, não o que estou a saber, a não ser na medida em que um certo conhecimento deve preceder toda ação. A questão é entender a mim mesmo, para ver o que Deus realmente quer que eu faça: a questão é encontrar uma verdade que é verdadeira para mim, achar a ideia para que eu possa viver e morrer... Em outra ocasião, Lund escreveu para Kierkegaard: Eu nutro em mim uma fé infantil; mas, graças a Deus, uma fé firme e inabalável de um destino cristão, um destino
PETER LUND: Considerado o pai da Paleontologia, da Arqueologia e da Espeleologia das Américas
que tem contados os nossos cabelos; mas nisso fico e me firmo... No sertão, eu encontrei a paz e a ocasião perfeita para a mais profunda contemplação e trabalhei arduamente para construir a minha concha, a filosofia da vida prática, na qual se buscam abrigo e proteção contra as tempestades do mundo. Peter Lund era seguidor de uma teoria chamada catastrofismo, que afirmava que as catástrofes naturais teriam levado à extinção de diversas formas de vida. Antes do surgimento da Teoria de Darwin, as descobertas de Lund apontaram para a evolução das espécies. Ao encontrar vestígios de ossadas humanas em extratos geológicos que também continham fósseis da fauna extinta, percebeu que sua descoberta contrariava a teoria do catastrofismo. Peter Lund é considerado o pai da Paleontologia, da Arqueologia e da Espeleologia das Américas. Há dois séculos, Lund também já se preocupava com a importância da preservação do meio ambiente, especialmente das
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grutas e da vegetação que vinham sendo destruídas pela exploração econômica. Lund deu o primeiro passo para a ecologia brasileira em 1840 ao publicar o primeiro estudo mundial de fitoecologia. Além disso, prestou inestimável contribuição à vida cultural de Lagoa Santa, ensinando música e criando a primeira banda de música da localidade. Peter Wilhelm Lund faleceu em Lagoa Santa no dia 25 de maio de 1880, poucas semanas antes de completar 79 anos de idade. Ao pressentir a chegada de sua morte, escreveu e publicou o seu testamento. Por ser luterano, não lhe era permitido ser sepultado no cemitério católico local. Por isso adquirira um terreno e pediu que fosse sepultado ali, à sombra de um pequizeiro, seu local preferido para leituras. Ali também foram sepultados seus amigos e colaboradores, também luteranos: Peter Andreas Brandt (norueguês), Wilhelm Behrens (alemão) e Johann Rudolph Müller (suíço). Em seu testamento, Lund solicitou que, em seu sepultamento, fosse feita uma grande festa para todos os moradores de Lagoa Santa: pediu músicas alegres, tocadas por sua banda, que
GRUTA DE MAQUINÉ: As pinturas rupestres e as cavernas foram fontes de pesquisa de Lund
ninguém chorasse e que fosse distribuída comida farta para todos. No dia 21 de setembro de 2012, o príncipe herdeiro da Dinamarca, Frederik Andreas Henrik Christian, inaugurou o Museu Peter Lund, próximo à Gruta da Lapinha em Lagoa Santa. Várias peças foram devolvidas pela
Dinamarca e podem ser apreciadas no novo museu. Além disso, há um andar dedicado às descobertas de Peter Lund no Museu de História Natural da PUC N Minas em Belo Horizonte. GERALDO GRAF é teólogo e ministro da IECLB em Belo Horizonte (MG). Matéria retirada da revista Presença Luterana, do Sínodo Sudeste da IECLB
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história
Templos especiais por Rui Bender
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m templo localizado dentro de um edifício. Parece estranho, mas existe em Balneário Camboriú (SC). Mas não foi sempre assim. O pequeno templo foi construído em 1960, bem próximo à praia, junto a uma casa de retiros da Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas (OASE). Com o tempo ficou pequeno para celebrações religiosas e deixou de ser usado. Em fevereiro de 1998, foi tombado como Patrimônio Histórico, Cultural e Arquitetônico.
Recentemente, os terrenos laterais e os fundos foram permutados com uma construtora, que assumiu a construção de uma casa de retiros para a OASE em outro local. Agora, um edifício com 28 andares está sendo erguido ao redor do pequeno templo. Esse está sendo preservado, e a construtora comprome teu-se a restaurá-lo, tanto interna como externamente. Depois ele passará a servir para eventos como casamentos, batizados e festas. Será certamente o primeiro templo localizado dentro de um edifício e mais uma atração turística para Balneário Camboriú. Outro templo que virou Patrimônio Histórico é de Cachoeira do Sul (RS). Em abril de 2011, quando completou 80 anos, foi declarado Patrimônio Histórico do Município. O projeto era do arquiteto Theo Wiederspahn. Chamou-se Quo Vadis e, por indicação do próprio autor, era o “mais adaptado às condições e circunstâncias locais”. Wiederspahn projetou essa igreja de estilo neogótico, com base octogonal, especialmente para Cachoeira do Sul.
Fotos Divulgação Novolhar
INCORPORADO: O pequeno templo em Balneário será a entrada de um arranha-céu
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Sua construção iniciou em junho de 1930. Recebeu o nome de Igreja Martim Lutero em alusão aos 400 anos da Confissão de Augsburgo. Foram oito meses de trabalho intenso. Os sinos vieram da Alemanha. A inauguração aconteceu no dia 19 de abril de 1931. A harmonia dos elementos decorativos, a maestria na utilização da geometria, o efeito cênico das luzes embutidas no arco frontal do altar encantam e emocionam os membros da comunidade e visitantes. Wiederspahn pensou em tudo com sabedoria, precisão, elegância e simplicidade na complexidade. É um templo caprichosamente construído e preservado até os dias atuais. Além do valor arquitetônico, é um monumento que se destaca como símbolo de beleza, fé, determinação e acolhimento. Fé e determinação não faltaram à comunidade evangélica dos bairros Amizade e Czerniewicz de Jaraguá do Sul (SC). No ano de 2001, um pastor teve a ideia de construir uma igreja. Havia um projeto, mas sem recursos. Entretanto, uma comissão abnegada continuou sonhando e buscando recursos junto a empresas, membros da comunidade, amigos e através de promoções. No dia 11 de setembro de 2005, foi lançada a pedra fundamental na festa anual da comunidade. Houve alguns intervalos na construção por falta de recursos. Algumas pessoas mais céticas diziam que não viveriam para ver a igreja pronta. Isso dava mais força e ânimo para continuar em busca do sonho. A cada etapa pronta, fazia-se uma inauguração, por exemplo do fundamento, das paredes, da torre, da cobertura. Finalmente, em 2012, a obra foi concluída. No momento está sendo mobiliado o novo templo, que se pretende inaugurar agora em 2013. “Então podemos dizer que vencemos”, observa o presidente da Comissão de Construção.
SERVIÇO
O bem precioso do voluntariado por Ingelore Starke Koch
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uais as razões que levam centenas, milhares de pessoas a doar seu tempo para o trabalho voluntário? Que sentimento tão forte é esse que move tantas pessoas a dar o melhor de si de forma não remunerada? Há um ditado que diz: “Fazer o bem faz bem”. E também há pessoas que afirmam ter encontrado mais alegria e satisfação no trabalho voluntário do que no exercício de sua profissão. Mas nem tudo “são flores”. Também há cansaço e frustração. E o voluntariado também tem limites, pois geralmente quem assume uma determinada tarefa também acaba aceitando outras.
PATRIMÔNIO HISTÓRICO: O templo em Cachoeira do Sul é projeto de Theo Wiederspahn
RUI BENDER é jornalista em São Leopoldo (RS)
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SATISFAÇÃO: Mais alegria no voluntariado do que no exercício da profissão
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Muita doação também houve na construção do templo da Comunidade de Alto Rolante (RS) ainda no século passado. Essa comunidade construiu sua primeira igreja lá atrás em 1912. Entre 1948 e 1952, foi construído um novo templo. Membros que participaram da inauguração em 1952 lembram o trabalho de seus avós para carregar as pedras de muito longe com carro de bois. Assim também foi com a madeira para fazer o altar, o púlpito, os bancos e a pia batismal. Entretanto, esse templo de Alto Rolante também foi cenário de uma estória engraçada. Certa noite, os membros acordaram ao som das badaladas dos sinos. Eles correram à igreja para saber o motivo das badaladas e – surpresa! – encontraram um cabrito amarrado à corda do sino e um monte de pasto. Cada vez que o cabrito tentava chegar ao monte de pasto, o sino badalava. Alguns rapazes marotos da aldeia haviam resolvido fazer uma sacanagem. N
Na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), um exemplo claro de dedicação é a Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas (OASE), “um grande esteio das comunidades”. Na opinião de Ingrid Marxen, presidente da OASE-Centro da Comunidade Evangélica de São Leopoldo nos últimos dois anos, o que move as mulheres da Ordem Auxiliadora é o fato de que o convívio e com isso o partilhar de sentimentos, de ideias, em comunhão são necessários para o bem-estar das pessoas. Para melhorar esse bem-estar, prossegue Ingrid, “acrescenta-se ainda o fazer o bem ao próximo, pois penso
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que, se não estou bem comigo mesma, não tenho o que repassar”. Por outro lado, Ingrid ocupa-se sempre de novo com a frase: “Dar é melhor do que receber”. E se pergunta: “Por que estamos novamente no lado melhor?” Ela mesma responde: “Porque recebemos enquanto damos. A continuidade e a regularidade desses encontros nos levam à abnegação”. Para o pastor presidente da IECLB, Dr. Nestor Friedrich, falar do trabalho voluntário na IECLB “é falar de pessoas muito especiais, engajadas, apaixonadas por sua igreja e que têm papel fundamental quando olhamos para a presença e ação de nossa igreja na missão de Deus”. Friedrich vê o trabalho voluntário como um dos traços marcantes do rosto da IECLB. “Não seríamos a igreja que somos não fosse o trabalho voluntário.” Em boa medida, acrescenta Fried rich, “nem nos damos conta da importância e do papel de nossos voluntários e nossas voluntárias”. E
isso diz respeito a todos os setores da IECLB, abrangendo desde o Conselho da Igreja até as orientadoras do Culto Infantil. “Voluntários e voluntárias são parte do bem precioso da IECLB. E desse bem cabe cuidar bem”, reforça o pastor presidente. Ele entende que há diversos motivos que levam as pessoas ao voluntariado na igreja. Mas destaca aquele que julga ser o motivo maior, o fundamental: “Se olharmos os depoimentos das lideranças que se manifestam na última página de nosso JOREV (Jornal Evangélico Luterano), perpassa com nitidez que a motivação para sua presença e atuação na IECLB é a fé cristã”. Para Friedrich, “essas lideranças remetem a seu Batismo, às boas experiências no tempo de infância (Culto Infantil), à sua caminhada no tempo de juventude, ao fato de entender que a IECLB é uma igreja séria, que tem uma história marcante, significativa e que faz diferença em suas vidas”. A motivação para o vo-
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TROCA: Profissionais doam seus conhecimentos e aprendem com quem é auxiliado
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luntariado também “é uma forma de agradecer a Deus por tudo o que ele nos deu e continua dando”, enfatiza o pastor presidente. A professora aposentada Olga Farina é da opinião de que “o voluntário, em primeiro lugar, tem que pensar em promover cidadania, pois faz o resgate de direitos e a inclusão social onde atua”. Há cinco anos integrante do grupo de voluntários do setor de pediatria no Hospital Centenário de São Leopoldo, Olga entende que “voluntariar requer algumas habilidades, como trabalhar em grupo, humildade, transparência e uma boa dose de alegria para acolher, pois cada dia é um dia”. Na visão da professora, para renovar e aprofundar a ação voluntária, há uma necessidade de saber a conjuntura onde atua, a atualização de saber e proceder que advém de trocas e mesmo da participação em cursos e oficinas. O grupo integrado por Olga é formado por pessoas de confissões religiosas diferentes e de partidos políticos diferentes, “mas com um objetivo comum e focado na criança”, isto é, “fazer a permanência do paciente no hospital não tão sofrida”. Para Maria Elena Johannpeter, presidente de ONG em Porto Alegre, são várias as motivações que levam as pessoas a voluntariar, que podem passar pela experiência familiar do voluntariado, por exigência social ou escolar, mas, com certeza, passam pelo sentimento de sentir-se útil. “Como estamos falando de sentimentos, é difícil identificar apenas uma motivação. Pode e deve voluntariar toda pessoa com vontade de disponibilizar seu tempo, conhecimento e emoção em prol de sua comunidade”, expõe N Maria Elena. INGELORE STARKE KOCH é jornalista em São Leopoldo (RS)
comportamento
Férias: a ordem é relaxar por Carine Fernandes
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e tem um período do ano cuja chegada aguardamos com expectativa, trata-se das férias. Independentemente se são apenas alguns dias ou semanas, é fundamental que elas façam parte do nosso calendário. “Tirar férias é presentear-se a si próprio, conscienti zar-se de que é preciso e necessário parar por um tempo”, afirma a psicóloga Déborah Koche. Ela alerta que várias doenças podem ser desenvolvidas se não nos damos o direito de parar. “Em uma sociedade de consumo e de imediatismos, corremos o risco de esquecer a qualidade de vida. Dar uma parada significa respeitar o próprio corpo, suas necessidades biológicas e emocionais”, completa. Será que existe um tempo mínimo suficiente para o corpo recuperar-se de todo o desgaste de um ano inteiro? Pesquisas indicam que o mínimo são dez dias para que se inicie um processo de desligamento da rotina de trabalho. O ideal está em torno de 20 a 30 dias por ano – 20 dias no verão e 10 dias no inverno. Mas não basta apenas se afastar do trabalho, é preciso esquecer a rotina profissional. Para Déborah, o segredo para usufruir das férias é fazer aquilo que se gosta no momento em que se quer. “A palavra de ordem é relaxar. É poder curtir o tempo sem as horas”, define a psicóloga. Para quem acredita que as férias apenas são completas quando se viaja, Déborah faz algumas ressalvas: “Não se discute que conhecer lugares novos é um bálsamo para a alma! Por outro lado, não é certo correlacionar o apro-
CURTIR: Para a psicóloga Déborah, é tempo de respeitar o próprio corpo e suas necessidades
veitamento das férias com viagens. Descobrir novos espaços na própria cidade em que se reside, visitar um lugar aprazível que lhe traga boas lembranças, uma rede ou uma prateleira de livros são alternativas altamente potenciais para um descanso renovador de energias”. A diretora de Comunicação da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV), Rita Laert Passos, complementa que o tempo livre também pode ser aproveitado para estabelecer uma rotina de atividades físicas. “Você vai se sentir disposto e cheio de energia e encontrar um jeito de encaixar esse hábito saudável na sua agenda, mesmo depois de voltar a trabalhar”,
acredita. Ela também aposta em momentos para exercitar a afetividade. “Visite uma tia que você não vê há muito tempo, convide seu pai para ir ao cinema, leve o sobrinho ao parque de diversões, faça uma sessão especial de hidratação caseira com as amigas, procure amigos de escola no Facebook e reate antigos laços”, sugere. A professora Márcia Regina Santos de Souza, de São Leopoldo (RS), coloca em prática as dicas das especialistas: “Já viajei muito durante as férias, mas hoje o trânsito é um problema. Ia à praia para fugir das filas e da loucura da cidade grande. Hoje, esse cenário também se reproduz lá. Então tirei esse lazer das minhas férias”. Para desligar-
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Os salva-vidas estão de volta
-se do trabalho, ela aposta na mudança de rotina. “Programo algo diferente em cada período. Passo pouco tempo em casa. Então curto redescobrir os espaços de meu apartamento”, conta. Para as férias deste ano, Márcia terá uma grande missão: escrever sua dissertação de mestrado. “Mas, aliado a isso, quero fazer algumas visitinhas a amigos que recentemente reencontrei, fazer pequenos passeios (de final de semana) e colocar minhas caminhadas em dia”, antecipa. Embora as férias sejam sinônimo de tranquilidade, não eximem ninguém do estresse, alerta a diretora da ABQV. “A mudança da rotina em si já é um fator condicionante de desgaste. Alteram-se os padrões de sono e alimentação, dormimos em lugares diferentes ou convivemos mais intensamente com familiares. É inevitável que surja o estresse, resposta de adaptação do organismo a novas situações.” A dica de Rita é criar espaços de desaceleração, com alguns dias para colocar as coisas em ordem antes de viajar, ou preparar o retorno à rotina para “começar a ligar os neurônios na rotina profissional”. N
por Vera Nunes
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erão é época de sol, areia, praia e, por que não, de banhos de rios e cachoeiras e de redobrar a atenção com os perigos das águas. Para aumentar esse cuidado, cerca de 1.100 homens revezam-se em guaritas espalhadas pelo Litoral Norte e Sul e em áreas de águas internas de rios e lagos do estado. São os salva-vidas, que, juntamente com outros 200 homens de apoio, formam a Operação Golfinho da Brigada Militar do RS. Neste verão, eles estão na orla desde o dia 15 de dezembro até o início do mês de março. Segundo o tenente-coronel Rogério da Silva Alberche, comandante da Operação Golfinho, seria necessário aumentar esse efetivo para até 1.500 homens, mas a rotatividade é muito grande. Atraídos por outros concursos ou mesmo sem as condições físicas necessárias, muitos pretensos salva-vidas acabam desistindo da tarefa. “Nós abrimos 600 vagas para
CARINE FERNANDES é jornalista em Porto Alegre (RS)
civis temporários, mas o curso acaba tendo 340 pessoas em média, e, no final, conseguimos contratar 100”, quantifica ele. Hoje, entre os contratados existem nove mulheres, sendo que a primeira iniciou no verão de 2001/2002. Portanto completa dez anos neste veraneio, com excelentes resultados. “É uma atividade muito especial, pois precisa de força e habilidade e, no caso das mulheres, muito mais técnica do que força”, ressalta. Além da força, o preparo físico é fundamental. O candidato a salva-vidas deve ter condições de nadar 200 metros, ter força e dominar a técnica. Mas, antes de tudo, é preciso coragem e autocontrole para enfrentar os riscos diários do trabalho. “Salva-vidas é uma função nobilíssima. É difícil dimensionar a sua importância, já que lida com a preservação da vida”, observa. Os escolhidos para o desafio arriscam a própria vida para salvar a de outra pessoa. Mesmo com todos os desafios e até mesmo carência de efetivo, a Brigada Militar comemora os bons resultados
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Recomendações para o banho
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Sempre procurar locais oficializados para o banho, que disponham de alguma infraestrutura e monitoramento. No caso de proprietários, buscar orientações dos bombeiros para a regularização da área, tornando-a segura para o banho. Cuidar a alimentação e a ingestão de bebida alcoólica antes do banho. Criança nunca deve entrar na água sozinha. Jovens e adolescentes devem respeitar seus limites e as orientações do local. No mar, a água deve chegar, no máximo, à cintura do banhista. O mar do RS é bastante agitado e, por isso, não pode ser usado como piscina para a prática de natação. É importante respeitar as cores das bandeiras: verde (banho permitido, mas sempre com cuidado); amarela (muita atenção); vermelha (banho desaconselhado).
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CONSCIENTIZAÇÃO: Nos últimos anos, o número de afogamentos caiu pela metade
obtidos nos últimos anos. De cerca de dois mil salvamentos realizados entre 2009-2010, o número caiu para 957 no verão de 2010-2011. Já o número de mortes caiu de dez para cinco no mesmo período – uma redução de 50%. A eficiência dos salva-vidas, somada à divulgação dos perigos e consequências do mau comportamento no mar e, portanto, a maior conscientização, são a explicação para esses resultados. “Hoje, quando as pessoas acompanham um resgate pela televisão ou leem no jornal, elas conseguem perceber o quanto é perigoso o nosso mar”, acredita o coronel. O maior trabalho ainda precisa ser feito na faixa jovem dos 11 aos 18 anos, que responde por 70% das ocorrências. “São os adolescentes testando seus limites e que não têm noção até onde podem ir”, observa. Já em relação aos locais, a campeã de atendimentos é a praia de Torres devido ao mar aparentemente limpo e tranquilo, muito semelhante ao de Santa Catarina. “Em ambos os casos, o fundamental é ressaltar a importância do cuidado e do respeito ao mar.” N
VERA NUNES é jornalista em Porto Alegre (RS)
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ECUMENISMO
Paz justa para todos A BUSCA PELA PAZ JUSTA PARA TODOS OS ENVOLVIDOS NO CONFLITO ENTRE ISRAEL E PALESTINA ESTÁ NA PAUTA DO CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS. MANUEL QUINTERO ESTEVE NO BRASIL TRATANDO DESSA TEMÁTICA EM PORTO ALEGRE. por Suzel Tunes
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o dia 29 de novembro, enquanto a Autoridade Palestina era elevada ao status de Estado observador pela Organização das Nações Unidas (ONU), Porto Alegre sediava uma edição do Fórum Social Mundial dedicada ao conflito na Palestina e Israel. Um dos participantes do “Fórum Social Mundial Palestina Livre”, de 27 de novembro a 2 de dezembro, era o cubano Manuel Quintero (ao lado), membro da Igreja Presbiteriana e coordenador internacional do Programa Ecumênico de Acompanhamento à Palestina e Israel (EAPPI – sigla em inglês). Um dos objetivos desse programa do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) é despertar as igrejas cristãs para ações que levem ao fim da ocupação ilegal da Palestina e a uma “paz justa para todos na Palestina e em Israel”, como resume seu coordenador. Criado em 2002, o Programa de Acompanhamento Ecumênico consiste no envio de voluntários para acompanhar comunidades vulneráveis próximas aos
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assentamentos israelenses ou ao muro de 760 km de extensão construído em torno dos territórios palestinos ocupados. Durante três meses, os acompanhantes ecumênicos convivem com famílias palestinas e monitoram a conduta de soldados e colonos israe lenses nesses locais, a fim de inibir episódios de violência e desrespeito aos direitos humanos. Trabalham em cooperação com entidades de direitos humanos, incluindo grupos pacifistas israelenses que apoiam o fim da ocupação. Quando retornam a seus países, compartilham com a
“Conhecer a questão mais profundamente, unir-se às iniciativas do CMI por justiça e paz e exercer pressão política são ações que as igrejas podem fazer no sentido de superar os obstáculos do preconceito, do medo e dos interesses que mantêm o conflito.”
Suzel Tunes
“Todos os anos, o CMI promove a Semana Mundial pela Paz na Palestina e Israel. Em 2013, a semana será comemorada entre 22 e 28 de setembro sob o tema Orar, educar e defender a justiça na Palestina.”
igreja e a sociedade o que vivenciaram e aprenderam. Também apresentam relatórios destinados a informar e sensibilizar os governos e organismos governamentais. Desde 2002, mais de mil acompanhantes ecumênicos de 26 países já participaram do programa – entre esses, dois jovens luteranos, Érico Teixeira de Loyola e Eduardo Minossi, que voltaram recentemente e partilharam as experiências vividas em uma das oficinas do Fórum Social Mundial. Segundo Manuel Quintero, o EAPPI é a dimensão diaconal da ação do CMI, que também busca soluções para o conflito por meio da reflexão teológica e da oração. “Todos os anos, o CMI promove a Semana Mundial pela Paz na Palestina e Israel. Em 2013, a semana será comemorada entre 22 e 28 de setembro sob o tema Orar, educar e defender a justiça na Palestina”. Outra iniciativa do CMI, informa Quintero, é o Fórum Ecumênico Palestina Israel (FEPI), que busca estimular a solidariedade das igrejas com as comunidades que vivem nas áreas palestinas sob ocupação israelense, incluindo comunidades cristãs, geralmente pouco conhecidas. “Muitas pessoas desconhecem a existência de cristãos palestinos”, diz ele. Por isso, para 2013, o Programa Ecumênico de Acompanhamento também programou um intercâmbio: “Cristãos da Palestina devem vir,
ainda no primeiro semestre do ano, para conviver com famílias luteranas, metodistas e presbiterianas”. Quando perguntado se o CMI é contra Israel, Manuel Quintero é rápido e enfático: “O CMI é a favor da paz. Somos contra a violência dos dois lados, mas nesse conflito há uma assimetria”, explica ele. A começar pela força bélica, o que se pode ver claramente em fotos das chamadas “intifadas” (as rebeliões contra a ocupação israelense em territórios palestinos), que retratam jovens palestinos atirando pedras contra veículos blindados. “O CMI quer a negociação de uma paz justa sob o Estado de Direito”, diz o coordenador do EAPPI. Isso implica, por exemplo, o fim do muro que isola quase meio milhão de pessoas e que foi declarado ilegal em 2004 pela Organização das Nações Unidas – decisão ignorada pelo governo de Israel. Mesmo com o reconhecimento da Palestina como Estado observador, Manuel Quintero não vislumbra solução para o conflito se não forem mudadas a política israelense e a “educação de ódio” entre os dois povos. Conhecer a questão mais profundamente e difundir informação, unir-se às iniciativas do CMI por justiça e paz e exercer pressão política são ações que as igrejas podem fazer no sentido de superar os obstáculos do preconceito, do medo e dos interesses que mantêm o conflito. “Em outubro passado, 17 líderes de igrejas dos Estados Unidos enviaram carta ao Congresso americano, que apoia a ocupação israelense, denunciando que o governo de Israel está desrespeitando os direitos humanos”, exemplifica ele. É uma iniciativa ainda pequena, mas na direção da paz. N SUZEL TUNES é jornalista em São Paulo (SP) Mais informações no site www.eappi.org
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testemunhos
Bárbara, de Yamuni Sobre Jesus, o impaciente Jesus era paciente com as pessoas simples e com raciocínio lento, assim como o inverno espera pela primavera. Era paciente como uma montanha ao vento. Respondia com candura aos duros questionamentos de seus adversários e silenciava diante de contestação e controvérsia, pois ele era forte, e o forte sabe se controlar. Mas Jesus também sabia ser impaciente. Não poupava os hipócritas. Não se submetia aos homens que dissimulavam ou que distorciam as palavras. E não gostava de receber ordens. Era impaciente com aqueles que não acreditavam na luz porque viviam na escuridão e com aqueles que procuravam sinais no céu ao invés de perguntar ao próprio coração. Era impaciente com aqueles que pesavam e mediam o dia e a noite antes de confiar seus sonhos à aurora ou ao entardecer.
Arte: Roberto Soares
Jesus era paciente. Mas também era o mais impaciente de todos os homens.
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Ele deixou que vocês tecessem a vestimenta mesmo que isso significasse passar anos ao tear. Mas não permitiu que alguém rasgasse nem um centímetro N desse pano tecido. Fonte: KHALIL GIBRAN – autor do livro “Jesus – Filho do Homem” – Editora Sinodal
DIREITOS HUMANOS
Morar na rua não é crime
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Tribunal Constitucional da Hungria revogou, no dia 13 de novembro do ano passado, uma lei que criminaliza moradores de rua, aprovada pelas autoridades do país em novembro do ano passado e aplicada a partir de abril de 2012. A nova legislação gerou intenso debate e recebeu duras críticas de organizações de direitos humanos. Os magistrados da corte suprema decidiram que a proibição de viver nas ruas públicas do país é inconstitucional. Por essa razão, a decisão judicial estende-se às esferas municipais, que não possuem mais o direito de aplicar a lei. Em comunicado, o tribunal explicou que a medida feria a Constituição húngara. A lei tornou crime residir habitualmente ou guardar pertences em espaços públicos em todo o território nacional e estabeleceu as penas a serem aplicadas. Reincidentes podem ficar detidos por pelo menos 75 dias ou pagar multa de 150 mil florins húngaros (cerca de R$136). Estima-se que 30 mil pessoas no país não tenham casa, mas os abrigos públicos têm vagas disponíveis para apenas 10 mil moradores. Na capital húngara, Budapeste, existem 8 mil pessoas vivendo nas ruas e apenas 5,5 mil camas disponibilizadas pela prefeitura. No oitavo distrito da capital, conhecido pelo alto índice de pobreza e largo número de moradores de rua, a polícia prendeu 271 pessoas por viver na rua entre os meses de setembro e outubro. O prefeito do distrito, Mato Kocsis, do partido governante Fidesz, aprovou um decreto em setembro
HUNGRIA: 30 mil pessoas no país não têm casas, mas os abrigos têm vagas para apenas 10 mil
tornando-se uma ofensa catar materiais nos recipientes de lixo. Desde abril, as autoridades húngaras abriram pelo menos 500 processos contra pessoas em situação de rua, de acordo com dados da ONG “A cidade é de todos”. Em fevereiro de 2012, a missão especial das Nações Unidas sobre extrema pobreza e direitos humanos criticou a medida do país e pediu ao governo revisar suas leis que criminalizam viver nas ruas. Os especialistas afirmaram que “os moradores de rua não devem ser privados de seus direitos básicos de liberdade ou priva-
cidade, segurança pessoal e proteção da família, apenas porque são pobres e precisam de abrigo”. A organização internacional Human Rights Watch também reprovou a legislação. “Falta lógica na ideia de punir as pessoas mais pobres da sociedade apenas por viver nas ruas”, disse Lydia Gall, a pesquisadora do Leste Europeu e dos Balcãs do grupo. “Multas e prisão não vão resolver os problemas fundamentais que levam à falta da moradia”, N acrescentou. Fonte: Opera Mundi
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AMÉRICA LATINA
o reformador
Figura demasiado humana Divulgação Novolhar
O embargo econômico dos EUA contra Cuba, que já dura 50 anos e afeta toda a sociedade local, agora atinge também o ecumenismo continental
por Leandro Hofstaetter
Assembleia é adiada para maio
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Junta Diretiva do Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI) protelou a realização da sua 6ª Assembleia Geral, que teria lugar em Havana (Cuba) nos dias 19 a 24 de fevereiro, para os dias 20 a 26 de maio de 2013. “Estamos experimentando o que vivem o povo e as igrejas de Cuba diante dessa injusta ação (o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos)”, escreveu o presidente do CLAI, bispo anglicano Julio E. Murray, ao anunciar a reconvocatória da Assembleia. A decisão foi tomada depois de ouvir lideranças de igrejas, organismos ecumênicos parceiros e religiosos de Cuba. “Esta é a primeira vez que ocorre um fato desses para uma Assembleia do CLAI, mas não é a primeira vez que os projetos de construção do reino de Deus são ameaçados por forças contrárias”, arrolou Murray. No final de novembro, Murray denunciou, em entrevista coletiva, o
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congelamento de 110 mil dólares que a sede do organismo ecumênico, em Quito/Equador, estava transferindo a Havana para cobrir despesas de alimentação e hospedagem dos 400 delegados e convidados que participariam do evento. O dinheiro foi depositado no banco equatoriano Pichincha de Miami, e a ação de confisco deve-se ao bloqueio econômico que os Estados Unidos mantêm contra Cuba. Murray encerra a carta da reconvocatória pedindo que “Deus nos abençoe com a loucura de pensar que podemos fazer que o mundo seja de outra maneira. Assim faremos coisas que os outros nos diziam que são impossíveis”. O secretário-geral do organismo ecumênico latino-americano é o brasileiro Nilton Giese, pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no N Brasil-IECLB. Fonte: www.alcnoticias.net
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alar sobre o Reformador da Igreja do século 16 é envol ver-se com uma figura apaixonante. Isso não apenas por causa da questão histórica e da ciência teológica, mas sim por conta de sua figura humana, demasiado humana. Não é possível, neste breve artigo, dar a vocês mais do que uma pequena brisa dos ventos impetuosos que se alastraram por todo o mundo a partir da Reforma Luterana. Será apenas o primeiro convite para navegar em seus mares, às vezes calmos, na maioria agitados, trazendo o prelúdio de mudanças. Iniciamos com este texto uma série de artigos sobre o Reformador e a Reforma Luterana. Hoje, para vocês, duas estações na vida de Lutero. Primeira estação: 15/03/1509 – Lutero, recém chegado em Wittenberg para estudar, doutorar-se, escreve uma carta a seus amigos do monastério em Erfurt, onde havia sido ordenado padre. Desculpa-se, primeiramente, por não ter se despedido e fala um pouco sobre seus estudos. Conta que ele não gosta da filosofia escolástica que ele tem de estudar (o que não quer dizer que ele não a estuda, como muitos de nós que, quando não gostam de um tema, apenas fazem de conta). Diz que gostaria de trocar a filosofia pela
Ilustração do ábum de viagem do duque Otto Heinrich (1536). Biblioteca da Universidade de Würzburg.
WITTENBERG: A cidade universitária na época da Reforma Protestante
teologia. Entretanto enfatiza: “Mas eu quero dizer uma teologia que seja capaz de entrar no miolo da noz, no centro do grão de trigo, no tutano do osso”. Uma teologia que não fique com a casca, com a aparência de falar sobre Deus sem se dar conta do que isso significa para o ser humano, que se perca em suas elucubrações e não responda aos anseios humanos profundos de relação com Deus. É por isso que ele começa a ler a Bíblia. É a palavra de Deus que será o guia luterano para qualquer questão. A verdade está na palavra de Deus. Mas nós precisamos interpretá-la para chegar ao tutano do osso. Leitura superficial e preconceituosa é a que fica com a casca. E a casca é justamente o que devemos colocar fora. Segunda estação: 26/10/1516 – Quando a peste chega à cidade de Wittenberg e os amigos próximos pedem a Lutero que fuja para a sua segurança, que se abrigue em outra cidade onde a peste ainda não esteja ceifando vidas, ele reponde: NÃO! E isso não por soberba. Não porque
“fui chamado para esta universidade, e aqui é o meu lugar. deus vai arrancar este medo que eu sinto, assim eu espero.” Martim Lutero, negando-se a deixar Wittenberg com a chegada da peste
ele é mais forte e corajoso do que os outros. Ele manda seus alunos embora para que se salvem, pois tristemente ele constata que a peste está levando sua juventude, os jovens que ainda não vieram a dar seus frutos. É por isso que ele os manda embora da Universidade até que a peste passe. Mas quanto a ele? Vejam suas próprias palavras nesta carta: “Não é que eu
consiga encarar a morte sem medo, pois eu não sou o Apóstolo Paulo, sou apenas um humilde intérprete do que o Apóstolo falou. Mas eu fui chamado para esta Universidade, e aqui é o meu lugar. Deus vai arrancar esse medo que eu sinto, assim eu espero”. Saber que o grande Reformador era como tu e eu, que tinha suas dúvidas e medos e angústias, que também tinha de tomar decisões que poderiam ser de vida ou de morte, enobrece ainda mais seu legado. Pois Deus nos deu a humanidade para ser vivida em humanidade. Não somos deuses nem anjos... e também não precisamos ser. Enquanto hoje as pessoas frequentam as igrejas em busca de milagres sobrenaturais, para Lutero o verdadeiro milagre é encarar sua própria humanidade e engajar-se apaixonadamente pela humanidade com tudo o que isso significa. E o que a gente não entender ou temer deve depositar carinhosamente nas mãos de Deus. N LEANDRO HOFSTAETTER é teólogo e doutor em Filosofia em Joinville (SC)
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Krystyna Szawlowska
metáforas
Flores no deserto por Leonardo Boff
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deserto é uma realidade misteriosa e uma metáfora fecunda do percurso contraditório da vida humana. Atualmente, 40% da superfície terrestre está em processo avançado de desertificação. Os desertos crescem na proporção de 60 mil km2 por ano, o que equivale a 12 hectares por
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minuto. No Brasil, há um milhão de km2 em processo de desertificação. Somente no Nordeste e em Minas são 180 mil km 2. Esse fenômeno ameaçador para as colheitas, a fome e a emigração de populações inteiras devem-se ao desflorestamento, ao mau uso dos solos, às mudanças climáticas e aos ventos.
Lembremos o maior deserto do mundo – o Saara –, que possui uma superfície maior do que a do Brasil (9.065.000 km2). Há dez mil anos, era coberto por densas florestas tropicais, contendo fósseis de dinossauros e sinais arqueológicos de antigas civilizações, pois outrora o rio Nilo desaguava no Atlântico. Naquela época, porém, ocorreu uma drástica mudança climática, que o transformou numa imensa savana e depois num deserto árido e extremamente seco. Não é um sinal para a Amazônia? Mas a vida sempre é mais forte. Ela resiste, adapta-se e acaba triunfando. Ainda hoje, viceja mais nos desertos: mais de 800 espécies de vegetais e minúsculos insetos e animais. Mas basta soprar um vento mais úmido ou caírem algumas gotas de água para a vida invisível
irromper soberbamente. Em oito dias, a semente germina, floresce, madura, dá fruto, que cai ao solo. Ela se recolhe. Espera mais um ano, sob a calícula do sol e o fustigar do vento, até que possa de novo germinar e continuar o ciclo ininterrupto e triunfante da vida. Outros arbustos enrolam-se sobre si mesmos, contorcem-se para escapar dos ventos e sobreviver. Da mesma forma, pequenos animais alimentam-se de insetos, borboletas, libélulas e sementes trazidas pelo vento. Mas, quando há um oásis, a natureza parece vingar-se: o verde é mais verde, os frutos são mais coloridos e a atmosfera é mais agradável. Tudo proclama a vitória da vida. Com sua tecnologia, o ser humano rasga os desertos, traça estradas luzidias, devolve o deserto à civilização, como ocorre nos Estados Unidos, na China e no Chile. Essa é a realidade da ecologia exterior do deserto. Mas há desertos interiores, da ecologia profunda. Cada pessoa humana tem seu deserto para atravessar em busca de uma “terra prometida”. É um percurso penoso e cheio de miragens. Mas sempre o espera um oásis para se refazer.
Há desertos e desertos: deserto dos sentidos, do espírito, da fé. O deserto dos sentidos ocorre especialmente nas relações interpessoais. Depois de alguns anos, a relação de um casal conhece o deserto da monotonia do dia a dia e a diminuição do mútuo encantamento. Se não houver criatividade e aceitação dos limites de cada um, pode acabar a relação. Se a travessia não for feita, permanece o deserto desalentador. Há ainda o deserto do espírito. No século 4, quando o cristianismo começou a se aburguesar, leigos cristãos propuseram-se a manter vivo o sonho de Jesus. Foram ao deserto para encontrar uma terra prometida em sua própria alma e encontrar o Deus nu e vivo. E encontraram. Trata-se de uma travessia perigosa do deserto. São João da Cruz fala da noite do espírito “terrível e amedrontador”. Mas o resultado é uma integração radical. Então, da aridez nasce o paraíso perdido. O deserto é metáfora dessa busca e desse encontro. Por fim, há o deserto da fé. Hoje vive-se na Igreja Católica um árido deserto, pois a primavera que significou o Concílio Vaticano II transformou-se num inverno severo por obra de me-
didas tomadas pelo organismo central do Vaticano no esforço de manter tradições e estilos de piedade que têm a ver com o modelo medieval de igreja de poder. Ela se comporta como uma fortaleza sitiada e fechada aos apelos que vêm dos povos, de seus lamentos e esperanças. É um modelo de igreja do medo, da suspeita e da pobreza em criatividade, o que revela insuficiência de fé e de confiança no Espírito de Jesus. O que se opõe à fé não é o ateísmo, mas o medo. Uma igreja cheia de medos perde sua principal substância, que é a fé viva. Os crimes de pedofilia de muitos religiosos e os escândalos financeiros do Banco do Vaticano fizeram com que muitos fiéis conhecessem o deserto, emigrassem da instituição, embora mantendo o sonho de Jesus e a fidelidade aos evangelhos. Vivemos num deserto eclesial sem vislumbrar um oásis pela frente. Será o nosso desafio: fazer, mesmo assim, a travessia com a certeza de que o Espírito irrompa e faça surgir flores no deserto. N Mas como dói! LEONARDO BOFF é teólogo, conferencista e escritor em Petrópolis (RJ)
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REFLEXÃO
Futuro nas mãos de Deus Tu me farás ver os caminhos da vida; na tua presença há plenitude de alegria, na tua destra, delícias perpetuamente.
Salmo 16.11
por Dari Jair Appelt
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Milan Jurek
ma grande expectativa está no ar. O que nos desejamos mutuamente? Nossos sonhos para este novo ano vão se realizar? A boa notícia para os cristãos é que Deus acompanha aquele que se confia a seus cuidados. A mensagem do Natal serve de motivação para o exercício do discipulado, para continuar perseverante no caminho da verdade, servir com a alegria que brota da fé e da esperança. O novo ano chegou com seus desafios, necessidade de orientação. E por isso tomo a liberdade de partilhar sentimentos em busca de coragem no discipulado e no testemunho do amor de Deus em palavra e ação:
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Em meio a tantas ofertas e opções para tocar a vida, estou confuso e tenho dificuldades para ver o que é melhor, qual o caminho a seguir, o que fazer. Há sofrimento e “trevas” por toda parte. Tenho a impressão de que estou abandonado à própria sorte. Procuro por uma saída, e para onde olho eu vejo: sofrimento, miséria, gente ofus-
cada com luzes artificiais, pessoas encantadas com produtos e promessas de alegria e bem-estar. Sinto gosto de fracasso no ar e penso em desistir, isolar-me, fugir. Mas, em meio a toda insegurança e angústia, percebo um fio de esperança, sinto que alguém me estende a mão, aponta outra direção, puxa-me para fora. E agora? Cadê a escuridão? Foi-se embora! Sinto-me bem. Tenho a companhia de quem sabe das coisas e inspira confiança, ajuda a ver além, resgata a minha esperança, faz-me “ver o caminho da vida”, ajuda-me a seguir em frente. Agora já posso andar em segurança. É bom dar passos no rumo certo ao lado de quem me resgatou, fortaleceu na fé e me acompanha a cada dia e não me faz nenhuma cobrança. Que beleza é saber que tu, Senhor, estás comigo! Eu te agradeço de coração e espero sempre ver e permanecer na tua companhia, agir movido pela fé, crescer na confiança, perseverar no caminho que conduz à vida e usufruir das delícias em tua comunhão. A leitura que fazemos da realidade nos traz preocupações quanto ao futuro, gera insegurança e questionamentos quanto ao que fazer
com o que Deus nos confiou. E perguntamos: como colaborar com sua missão? Há muita gente “perdida” com a impressão de estar por conta da própria sorte, sem rumo, “como ovelhas sem pastor”. Cremos e anunciamos que a graça de Deus tem poder para transformar vidas e que há potencial, condições e gente de boa vontade para mudar o rumo da sociedade. Mas é necessário ver, discernir a verdade, abandonar a enganação, banir a corrupção. A promessa de Deus, revelada no menino de Belém, continua valendo também para os nossos dias, em meio aos nossos problemas e dificuldades. Ela não nos deixa desistir. A esperança é teimosa. Ela nos ajuda a ver os caminhos apontados por quem se apresentou como Verdade e Vida, para que possamos reencontrar a alegria de viver e fazer acontecer. O salmista afirma que seu prazer é estar na companhia de pessoas que se dedicam a Deus, que servem e colaboram na causa do Reino. Ele traduz em versos a sua alegria pelas bênçãos recebidas; conclui convicto de que o Senhor vai atender seu clamor, mostrar-lhe o caminho que leva à vida.
Em busca da felicidade e na expectativa de aproveitar bem a vida, já se fez muita “bobagem”. Talvez porque se tenha dispensado a companhia de Deus e focado em coisas que não edificam ou só trazem alegria momentânea. O resultado: frustração e toda sorte de “escuridão”. Mas nós sabemos e reafirmamos: o futuro está nas mãos de Deus, e sentido na vida encontra quem nele busca orientação e forças para resistir, superar obstáculos que aparecem no caminho. Interessante é observar que nossa relação com Deus vai abrindo os olhos da gente para que possamos ver mais longe, sonhar de novo com um novo tempo e celebrar cada momento de superação do que limita a vida e gera tristeza e sofrimento. Quem me dera sentir a cada dia o que o salmista sentiu e ter a coragem de dizer como ele: “O meu futuro está nas tuas mãos” (v. 5b). Que o Espírito da Verdade desperte em nós a liberdade de clamar, o desejo de servir e tocar a vida com esperança renovada. N DARI JAIR APPELT é ministro da IECLB na Paróquia Norte em Curitiba (PR)
Em 2012 pense
GRÁFICA EDITORA
imprimindo inovação
Uma boa impressão é uma coisa de pele.
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ESPIRITUALIDADE
Jesus precisava ser batizado? por Cledes Markus
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Jan/Fev 2013 –> NOVOLHAR.COM.BR
Divulgação Novolhar
N
esse tempo de Epifania, da revelação de Deus, lembramos o batismo de Jesus. O relato do batismo de Jesus no Evangelho de Lucas (3.15-17, 21-22) conta que João Batista está junto ao rio Jordão. João dá testemunho de Jesus. Prega arrependimento e anuncia o perdão de pecados. O batismo é oferecido a quem se arrepende e tem o propósito de seguir em novidade de vida. O povo é batizado, e Jesus junta-se ao grupo. Por que Jesus foi batizado? Como Filho de Deus, ele tinha necessidade do batismo de arrependimento? Na busca por respostas, encontramos pistas no próprio texto de Lucas. Jesus junta-se ao povo, e seu batismo ocorre de forma comunitária, como alguém que não se distingue das outras pessoas. Não que Jesus necessite do batismo de arrependimento, mas assim ele se faz igual a todas as pessoas e participa de suas experiências de vida. No batismo, portanto, Jesus vem ao nosso encontro e assume um compromisso com a humanidade. Ele se faz semelhante a nós e reconhece a necessidade do arrependimento e da novidade de vida. O significado do batismo, contudo, vai além, indica o escolhido de Deus. Durante o batismo de Jesus, um fato extraordinário acontece. O céu rompe-se, e o Espírito Santo desce sobre Jesus e anuncia: “Tu és o meu filho amado, em ti me comprazo” (v. 22). Assim, Jesus é revelado em meio aos povos e nações. Essa cena é muito
significativa: Deus rompe o silêncio e à distância aproxima-se da humanidade e revela-se no batismo de Jesus. Deus manifesta-se como aquele que está presente e intervém na história humana, que ama e cuida, que perdoa e capacita para a esperança da salvação. A comunicação de Jesus com o Espírito Santo aponta que ele é o mensageiro de Deus. Com esse ato realiza-se a missão profética do Filho de Deus. O Espírito define o caráter da missão de Jesus: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos” (Lucas 4.18). No batismo, Jesus assume sua missão. Assume o ministério de libertação e salvação e dá o cumprimento da boa-nova do reino de Deus. Assim, Jesus impulsiona e capacita as pessoas batizadas para
uma transformação radical de suas vidas. Ele as coloca na dimensão do reino de Deus, aptas a assumir a missão solidária com as pessoas e as situações de dor e injustiça. A atualização do batismo como compromisso de conversão e na perspectiva de uma nova vida precisa ser vivenciada diariamente. É um viver diário em que a velha pessoa é afogada e uma nova pessoa ressurge e vive em justiça diante de Deus para sempre. O batismo, então, torna-se um jeito de viver cotidiano junto à família, à comunidade, à sociedade e junto à criação de Deus. Neste tempo de Epifania, ensaiamos os primeiros passos de um novo ano. É o início de uma caminhada. É tempo favorável de preparo, avaliação, arrependimento e mudança N de vida. CLEDES MARKUS é teóloga e ministra da IECLB no Conselho de Missão entre Indígenas em São Leopoldo (RS)
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penúltima palavra
Santa indignação! por Rafael Soares de Oliveira
Herança socioambiental – Em 2012, aconteceu no Brasil a Conferência Rio + 20, cuja face oficial é a de uma herança de desterro. A irresponsabilidade dos governantes do mundo atingiu seu topo ao não impor freios ao crescimento desenfreado sobre a natureza. Essa, por sua vez, não perdoa tamanhas atrocidades. Vejam-se as mudanças climáticas que assolam o mundo desde o centro rico, que se considerava seguro (como Nova Iorque), até as periferias, mais atingidas, como a seca e as intensas chuvas e deslizamentos mostraram no Brasil. Ouvir dos milhares de atingidos por desastres socioambientais que infelizmente nada de significativo foi feito para evitar futuros desastres é assustador. A indignação ética nos moveu. Mesmo inicialmente despreparados, agimos. De forma organizada desde o ano de 2010, o Fórum Ecumênico ACT Brasil (FEACT Brasil), membro de ACT Aliança (www. actaliance.org; confira se sua igreja faz parte da Aliança), ouviu aquele chamado. Primeiro ajudou mais de 600 famílias em Alagoas e depois, em 2011 e 2012, ajudou cerca de 1.600 famílias na região serrana do Rio de Janeiro.
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Jan/Fev 2013 –> NOVOLHAR.COM.BR
Divulgação Novolhar
I
niciar o ano de 2013 é um convite para partir de algumas lembranças deixadas pelo ano que terminou.
Foi feito um bom trabalho, mas nunca foi motivo de orgulho, pois muitas perdas de vidas (cerca de 3.000 somente na serra do Rio) poderiam ter sido evitadas. O descaso, a corrupção e o despreparo ficaram candentes entre os órgãos públicos, a ponto de que, até o final de 2012, as comunidades atingidas na região serrana ainda precisavam de treinamento dado pela sociedade civil para planejar fugas em caso de novas chuvas. desafio das juventudes – Misturados aos números estão os fatos que envolvem as juventudes do Brasil e seus fortes indicadores de desigualdade. Em mortes por arma de fogo, por exemplo, são 35 mil mortes de jovens por ano. E mais duro ainda é que esses dados mostram o sofrimento das juventudes negras, que são 70% desses mortos, infelizmente mais de 24 mil mortos num ano. Diferentes iniciativas dos próprios jovens têm sido feitas, indignados com a desigualdade e a intolerância, filha perversa do racismo que não nos
abandona, não deixa nossa cultura, esse rascunho escrito em nossa história que não é passado a limpo. Nosso FEACT Brasil tem reforçado a articulação de juventudes por seus direitos com a Rede Ecumênica de Juventudes (REJU – www.redeecumenicadajuventude.org.br), que tem sido um sinal de possibilidades em conjunto com outras redes de jovens. ética dos indignados – Essa ética tem movido o mundo nesses tempos. Veja nas entrelinhas das notícias e em meios alternativos... Sinta-se mais uma entre as pessoas convidadas a indignar-se (como milhões mundo afora, na Ásia, na Europa, aqui). Reveja esses dois casos acima e lembrará de mais... para começar 2013 com o coração aberto para responder a pergunta: aonde vão minha solidariedade e meu coração indignado? N RAFAEL SOARES DE OLIVEIRA é psicólogo, doutor em Ciências Sociais e diretor executivo de KOINONIA – Presença Ecumênica e Serviço ACT Aliança no Rio de Janeiro/RJ